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UNIVAP Universidade do Vale do Paraíba Curso de Jornalismo A religião na TV: um olhar sobre a representação das religiões nas telenovelas o caso de Além do Tempo Jader Arantes Anunciação São José dos Campos, SP 2016

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UNIVAP

Universidade do Vale do Paraíba

Curso de Jornalismo

A religião na TV: um olhar sobre a representação das religiões nas telenovelas – o caso de Além do Tempo

Jader Arantes Anunciação

São José dos Campos, SP

2016

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Jader Arantes Anunciação

A religião na TV: um olhar sobre a representação das religiões nas telenovelas – o caso de Além do Tempo

Relatório apresentado como parte das

exigências da disciplina de Trabalho de

Conclusão de Curso, do curso de

Comunicação Social, com habilitação em

Jornalismo, da Faculdade de Ciências

Sociais Aplicadas e Comunicação, da

Universidade do Vale do Paraíba.

Orientação: Kátia Zanvettor Ferreira

Co-orientação: Vânia Braz de Oliveira

São José dos Campos, SP

2016

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A meus pais, Jucilene de Paula Arantes Anunciação e

Mario Domingues da Anunciação

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AGRADECIMENTOS

São muitos os agradecimentos a serem feitos e que sem a intervenção

destes nada seria possível. O primeiro agradecimento é à Inteligência Suprema,

Força que rege-nos, bem como os espíritos amigos do outro mundo que sempre

amparam e inspiram. E também a minha mãe, Jucilene, e ao meu pai, Mario, por

proporcionarem a oportunidade de compartilhar esta existência com eles, com quem

troco tantos aprendizados e sei que posso contar com apoio o incondicional, mesmo

que para isso precisem de abdicar certa estabilidade ou desejos, seja apoiando a

escolha do meu curso de graduação ou da minha área de interesse na pesquisa, e

proporcionando a transferência de universidade e o retorno à minha cidade natal que

tanto agregou em minha vida.

Como este é um produto do conhecimento acadêmico nada mais válido

do que agradecer àqueles que me proporcionaram e incentivaram a tantas

descobertas, encontros, realizações e experiência ao longo desses quatro anos. Os

primeiros professores que agradeço são aqueles que tive a honra de conviver no

meu primeiro ano de faculdade na Unifoa, e que despertaram em mim o interesse

pela pesquisa e a veia crítica por meio da metodologia, teorias sociais, semiótica e

linguagens. são Reginaldo Heller, Marcelo Alves, Douglas Gonçalves e Denise

Schettino, a qual fez-me ficar ainda mais fascinado pela expressão da linguagem

desde o ensino-médio.

Já em terras joseenses, agradeço à Vânia Braz de Oliveira, coordenadora

do curso de jornalismo da Univap e professora que tão bem me recebeu e ajudou

nesses três anos com o seu jeito único e fez-me logo na primeira aula reforçar meu

gosto pelo o outro lado da telinha.

Aprendi ao longo desses três anos que conhecimento é construído

coletivamente e por laços de afinidade. Por isso, sou muito agradecido por

compartilhar tantos momentos de troca, debates no LABCOM, e por ter conhecido

tantos colegas super interessados em enxergar o mundo de diversas formas por

meio da comunicação, ciência, cultura ou moda, e ficarão marcados na minha

lembrança e no modo de exercer o jornalismo. Tudo isto não seria possível sem a

intervenção da professora que me orienta desde 2013 em meus projetos e nesta

monografia. Fica aqui a minha gratidão à Katia Zanvettor Ferreira pelo seu imenso

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apoio e dedicação, que com sua racionalidade sempre esteve disposta para

conselhos, incentivos, principalmente pela carreira acadêmica, e por apresentar-me

diversos olhares sobre o mundo. Não há como não agradecer neste mesmo

parágrafo a um dos personagens dessa história com o currículo mais improvável,

Paulo Roxo Barja, físico com alma de músico-poeta-comunicador, que com essa

mistura improvável fez-me ver o valor dos números nas estatísticas e aguçou como

a Kátia, o meu senso crítico ao ler o mundo aplicando aquilo que aprendemos.

Estendo meus agradecimentos a todos os professores com quem estudei aprendi

sobre as teorias, as práticas e um pouco sobre a vida, agregando muito ao meu

projeto que fui construindo nesses anos, como o Vinicius de Melo, o Lucaz Mathias e

a Flávia Cardoso.

Agradeço muito à minha família, tias, tios, primas e primos por todo o

apoio emocional e incentivos, seja pelo intenso trabalho ou pela temática. Outra

razão em agradecê-los é por sempre vivenciarem de modos tão únicos exemplares,

além de lidarem bem com a pluralidade religiosa e até mesmo discutir a temática.

Para representar esse numeroso grupo, cito meu tio e padrinho Antônio Carlos

Cobucci, por sempre questionar comigo a representação dos católicos nas

telenovelas, minha tia Rita de Cassia por me mostrar diferentes formas da

religiosidade, e a meus primos Carolina Arantes Cobucci e Gabriel Anunciação Silva

por diferentes jeitos discutir esse tema e tantos outros, fazendo com que eu

enxergasse a importância de estudar o meu objeto de pesquisa e também do papel

essencial que a informação, assim como o Sagrado, tem em mudar realidades.

Nesse mesmo meio, preciso deixar um “muito obrigado” especial aos meus primos,

compadres e companheiros de jornalismo Carlos Eduardo e Flávia por

apresentarem-me tão de perto e pelo incentivo de sempre em seguir “a melhor

profissão do mundo”. Nesse mesmo grupo também incluo a minha família Nicolau,

que adotei aqui em São José dos Campos, por nos darem tanto apoio em nosso

retorno e aquele sentimento de “casa dos avós”; e os amigos da Mocidade Espírita

do Vale do Paraíba, da Aliança Espírita Evangélica, por dividirem comigo tantos

conhecimentos, sentimentos e momentos que me fortalece e motiva a sempre

relacionar esses dois interesses.

Por último, expresso meus agradecimentos a todos meus amigos e

colegas que compartilharam comigo as aflições, conquistas, dúvidas, broncas,

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explicações, arquivos, informações, as noites viradas fazendo trabalhos e viagens,

sejam da minha turma de jornalismo ou de outros cursos. Agradeço especialmente

ao Matheus Vital (da Unifoa) pelos inúmeros papos sobre televisão, novela, sobre o

universo da comunicação e pela amizade, à Patrícia Staffa, Gabrielle Prado, Rafael

Feitas, Pedro Luvizotto, Rafaele Fernandes, Gabriel Nacimento e Marcio Augusto

pelos tantos trabalhos feitos, pelas risadas e a amizade.

Também preciso agradecer a todos da assessoria de comunicação da

Fundação Cultural Cassiano Ricardo, que tive a oportunidade de trabalhar e

aprender tanto sobre a comunicação, sobre a vida e sobre mim, me fazendo um

profissional e um indivíduo melhor. Entre esses dois últimos agradecimentos está

Milena Peres, a quem preciso agradecer por entrar de surpresa na minha trajetória e

tornado-se uma grande amiga, sempre pronta para incentivar-me na produção deste

trabalho e na vida, e disposta a ouvir tantos questionamentos, desabafos e

conquistas, dando uma luz sem tamanho aos momentos mais cansativos.

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“Tudo será revelado ao ser exposto à luz,

e o que exposto à própria luz,

torna-se luz”.

(Paulo de Tarso)

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RESUMO

Este trabalho tem como objetivo realizar um estudo de caso monográfico

na intersecção entre mídia e religião, enxergando o ponto de encontro dessas nas

produções culturais produzidas e veiculadas pela televisão, suas motivações, pontos

de vista e interpretações, e como ela apresenta as diversas concepções do Sagrado.

Para tal, teremos como foco a representação das religiões nas telenovelas da TV

Globo, consideramos esse produto como relevante pela abrangência do formato e a

recorrência desse tema nos folhetins. A aplicação desta pesquisa será sobre a

telenovela Além do Tempo, que contém elementos espíritas em sua trama,

passando pelas identidades culturais e a fluidez da pós-modernidade. Para realizar

este trabalho, será necessário um estudo bibliográfico para melhor compreender e

definir o cenário no qual o objeto está inserido: mídia, televisão, telenovela,

representação e espiritismo. Em seguida, dedicaremos à apresentação de um

levantamento de dados sobre a representação das religiões nas novelas exibidas

pela Rede Globo entre 2011 e 2015 a partir do perfil de personagens e sinopses.

Para nosso estudo de caso de Além do Tempo, analisamos cinco sequências de

cenas da novela que abordavam temáticas espíritas, comparando as definições

apresentadas pelo espiritismo e como eram representadas em cena. O

levantamento demonstra a variedade e regularidade de representações religiosas

nas novelas, o uso de estereótipos, as temáticas recorrentes e a relação entre elas e

os autores que assinam a redação das produções, mudanças de padrões de

midiatização das religiões. Enquanto que a análise do objeto estudado evidencia a

fragilidade da associação do espiritismo com o enredo ficcional das novelas, pelos

conceitos serem ora de modo próximo à realidade doutrinária ora livremente

adaptados.

Palavras-chave: Telenovela, televisão, representação, religião, espiritismo

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ABSTRACT

This paper aims to conduct to carry out a monographic case study at the intersection

between media and religion, seeing the meeting point those in the produced cultural

productions and broadcast by television, their motivations, their views, and

interpretations, and how it presents the different concepts of the Sacred. To do this,

we focus on the representation of religions in the soap-opera TV Globo's. The

application of academic research will be on the soap-opera Além do Tempo,

containing spiritist elements in its plot, pasting the cultural identities and fluidity of

postmodernity. To accomplish this paper, it will be a bibliographic study will be

needed to better understand and define the scenario in which the object is inserted:

media, television, telenovela, representation and spiritism. Then, we will dedicate to

the presentation of a survey of data on the representation of religions in the soap-

operas exhibited by Rede Globo between 2011 and 2015 from the profile of

characters and synopses. For our case study of Além do Tempo,

we analyzed five sequences of scenes from the soap-opera that approached Spiritist

themes, comparing the definitions presented by spiritism and how they were

represented on the scene. The survey demonstrates the variety and regularity of

religious representations in novels, the use of stereotypes, the recurrent themes and

the relationship between them and the authors who sign the writing of productions,

changes in patterns of mediatization of religions.

While the analysis of the object studied shows the fragility of the association of

spiritism with the fictional plot of novels, by the concepts being now close to the

doctrinal reality now freely adapted.

Keywords: Soap-opera, television, representation, religion, espiritism

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Quadro 1 - Personagens religiosos nas novelas da Rede Globo em 2011...............31

Quadro 2 - Personagens religiosos nas novelas da Rede Globo em 2012...............32

Quadro 3 - Personagens religiosos nas novelas da Rede Globo em 2013...............33

Quadro 4 - Personagens religiosos nas novelas da Rede Globo em 2014...............34

Quadro 5 - Personagens religiosos nas novelas da Rede Globo em 2015..............35

Figura 1 - Personagem Mestre caracterizado...........................................................57

Quadro 6 - Sequências de cenas analisadas na temática espírita em Além do

Tempo........................................................................................................................59

Figura 2 - Ariel e Mestre dialogam.............................................................................60

Figura 3 - Felipe e Lívia após serem jogados do penhasco.....................................63

Figura 4 - Chico e Raul se reencontrando e os dois na outra encarnação...............67

Figura 5 - Elias, Gema e Mateus conversam sobre os desenhos do rapaz..............70

Figura 6 - Ariel e Mestre cumprem suas missões.....................................................71

Figura 7 - Felipe e Lívia na encarnação atual e na outra vida..................................72

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO...........................................................................................................12 CAPÍTULO 1 - MÍDIA, TELEVISÃO E TELENOVELA........................................................15

1.1 Mídia e representação....................................................................................15 1.2 Televisão como mediadora.............................................................................18 1.2.1 O impacto social da televisão......................................................................19 1.3 A telenovela e a abordagem de temas socioculturais....................................21 1.3.1 Origem da telenovela brasileira...................................................................21 1.3.2 A novela e sua audiência............................................................................23 1.3.3 O Brasil na teledramaturgia.........................................................................25

CAPÍTULO 2 – RELIGIÃO E REPRESENTAÇÕES NAS TELENOVELAS.........................................................................................................28

2.1 As religiões nas telenovelas da Rede Globo.................................................28 2.2 Sintonia com o Sagrado.................................................................................41

CAPÍTULO 3 - ESPIRITISMO, SEU MOVIMENTO E A MÍDIA.................................45

3.1 Dos fenômenos ao espiritismo e seu movimento..........................................45 3.2 O Espiritismo na mídia...................................................................................49

CAPÍTULO 4 – ALÉM DO TEMPO E O ESPIRITISMO............................................55

4.1 A novela.........................................................................................................55 4.2 Espiritismo na novela.....................................................................................56 4.2.1 Influência dos espíritos, anjos e protetores.................................................59 4.2.2 Reencarnação.............................................................................................62 4.2.3 Simpatia terrena de espíritos......................................................................65 4.2.4 Mediunidade................................................................................................68 4.2.5 Chico Xavier................................................................................................71

CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................76 REFERÊNCIAS..........................................................................................................79 Bibliográficas..............................................................................................................79 Virtuais........................................................................................................................82 ANEXO Pré-Trabalho de Conclusão de Curso......................................................... 83

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INTRODUÇÃO

Este trabalho representa o esforço do desenvolvimento de uma produção

acadêmica partindo da análise de um produto que é fruto de paixão pessoal,

elemento que consideramos essencial no exercício da pesquisa. Paixão esta pelas

narrativas audiovisuais, principalmente a telenovela, gênero que despertou interesse

deste pesquisador desde quando "entende-se por gente", e pelo tema

religiosidade/religiões, independente de sua origem ou discurso utilizado para religar

ao Sagrado, é algo que nos faz querer saber mais. Assim, este trabalho surge de um

interesse pessoal, mas expande ao pela motivação de procurar na academia a

compreensão científica desta associação - comum aos seus olhos enquanto

telespectador interessado em compreender a trama e seu processo.

Foi a partir do ingresso na Iniciação Científica, por meio do LABCOM Univap

(Laboratório de Estudo, Pesquisa e Prática em Comunicação, Ciência e Sociedade),

das discussões propostas e conceitos trabalhados no interior do grupo e a pesquisa

do arcabouço teórico das temáticas da comunicação que foi sendo gerado o material

apresentado nas próximas páginas.

Esse estudo busca, então, expandir a reflexão acerca da interação entre

mídia televisiva e religião, a partir das telenovelas da TV Globo e entender como

essas telenovelas representam os elementos religiosos. Sendo este um trabalho

monográfico propomos enfatizar dentro do contexto religioso a abordagem das

telenovelas para as doutrinas espíritas/espiritualistas.

Para formular o objeto, a problemática e as hipótesesealizamos uma pesquisa

de cunho exploratório e bibliográfico para a aproximação teórica e, posteriormente,

desenvolvemos um estudo de caso tendo como escopo a telenovela Além do Tempo

da Rede Globo.permeando diversas áreas do conhecimento .

No primeiro capítulo apresentamos o nosso objeto central, a telenovela

Além do Tempo, produzida e transmitida pela TV Globo entre 2015 e 2016 na faixa

das 18h, que traz referências espíritas na trama. Essas referências são marcadas

pelo encontro entre dois personagens predestinados a viver um romance durante

duas existências. Para tal, realizamos uma pesquisa exploratória que une teorias

que abordem mídia, representação, a televisão em seu papel de mediar a

construção de discursos e as telenovelas como suporte para a abordagem de

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temáticas socioculturais. Utilizando autores de diferentes épocas, interesses e

áreas de atuação, tais como Douglas Kellner, Roger, Silverstone, Ana Maria

C.Figueiredo, Daniel Piza, Pierre Bourdieu, Eugênio Bucci, Maria Rita Kehl Julio

Cesar Fernandes, entre outros.

No segundo capítulo, apresentamos o levantamento desenvolvido para

compreender o cenário das representações de religiões nas telenovelas da Rede

Globo. Assim, recolhemos dados de todas as novelas transmitidas pela emissora

entre 2011 e 2015, período de tempo no qual nosso estudo de caso está inserido.

Utilizando também o contexto da midiatização das religiões e os estudos de

Stuart Hall e Zygmount Bauman sobre as identidades culturais na pós-

modernidade e a modernidade líquida.

Com o objetivo de contextualizar o meio em que nosso objeto de estudo e

nossa área de interesse, que é representação do espiritismo na novela Além do

Tempo, iremos apresentar no capítulo 3 deste trabalho um breve panorama sobre

a definição, o histórico, o atual cenário no Brasil e a relação do movimento

espírita com a mídia, seja ela própria ou da grande imprensa. Para isto,

utilizamos de textos doutrinários, estudos acadêmicos e buscamos alguns casos

para exemplificar esta realidade e também questioná-la.

No último capítulo realizamos o estudo de caso da telenovela Além do

Tempo, escrita por Elizabeth Jhin e sua equipe, a trama exibida pela Rede Globo

entre junho de 2015 e janeiro de 2016 trazia como tema o reencontro de almas

afins, entre outras temáticas associadas ao espiritismo. O estudo de tais

representações foi feito a partir da identificação dos temas aparentes e análise do

conteúdo dos diálogos entre os personagens e de aspectos visuais como cenário

e figurino, por serem elementos que colaboram na construção das abordagens,

comparando-os com as definições apresentadas em obras de expressão teórica

na doutrina espírita por serem organizadas por Allan Kardec e/ou por compor o

conjunto nomeado como Codificação Espírita, a fim de enxergar as semelhas e

diferenças em como foram utilizadas e adaptadas no enredo da novela.

Consideramos este trabalho importante para o exercício do debate

sobre a relação de poder que a mídia, independente de plataforma, gênero ou

formato: ao produzir realidades a partir de seus espaços para a exposição dessas

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em seus conteúdos, e em dialogar com diversos setores sociais, como grupos

religiões, ao levá-los para suas narrativas e representá-los considerando seus

discursos, comportamentos e outros aspectos próprios. Também é relevante a

temática das telenovelas, gênero da teledramaturgia pouco estudado devido sua

dimensão enquanto obra completa. Além das representações religiosas nas

telenovelas, a união de dois relevantes aspectos culturais do Brasil, nunca

aprofundado como propomos neste estudo, especialmente daquelas com enredos

espiritualistas/espíritas por destacarem-se nas representações e serem um

importante elemento, ainda que indireto, na midiatização do espiritismo.

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CAPÍTULO 1 – MÍDIA, TELEVISÃO E TELENOVELA

Neste primeiro capítulo do trabalho faremos uma contextualização deste

estudo que está inserido em três diferentes dimensões do mesmo temática: mídia,

televisão e a telenovela, a fim de introduzir a representação das religiões nos

enredos ficcionais das telenovelas.

A primeira etapa é compreender a mídia enquanto esfera de difusão de

conteúdo, na qual estão incluídos distintos meios responsáveis pelas trocas de

informação, entretenimento, significados. Além da circulação de representações que,

midiatizada, adquire uma nova e expressiva condição social daquele visível para a

massa.

Em seguida, entenderemos como a televisão constituiu-se como o veículo

de comunicação mais expressivo do país, espaço de mediação de discursos e como

uma indústria produtora e transmissora de produtos culturais.

São expostos também variados aspectos sobre a teledramaturgia

brasileira, do seu desenvolvimento, introdução e consolidação do gênero,

considerado como singular devido aos enredos realistas e próximos às questões

sociais, além da mobilização que esta possui frente a seus telespectadores.

1.1 Mídia e representação

Para compreender todo o contexto em que este trabalho está inserido,

vamos iniciar o texto discutindo a mídia, por ser a base e propriamente o pano de

fundo desse cenário em que a televisão e a teledramaturgia são produtos.

Considerando essa um importante lugar de troca de significados e um processo de

ressignificações de sentidos, ideias e grupos sociais a partir do jogo de presenças e

ausências. Abordaremos mais adiante também o conceito de representação

aplicado à mídia, razão de ser deste estudo.

Seguindo as ideias de Kellner (2001), podemos falar que mídia, por meio

de seus produtos culturais, molda o cotidiano, constrói identidades influencia o

pensamento e o comportamento, visto que ela “integra a construção social da

realidade e atua como mediador entre sujeitos e culturas, em um processo contínuo

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de significação e ressignificação” (DA SILVA, 2013, p.19), como também é definido

por Roger Silverstone (2002) abordando sob a ótica de um processo coletivo e de

troca:

A mediação implica no movimento de significado de um texto para outro, de

um discurso para outro, de um evento para outro. Implica a constante

transformação de significados, em grande e pequena escala, importante e

desimportante,à medida que nós, individual ou coletivamente, direta e

indiretamente, colaboramos para sua produção. (p. 33)

Esse movimento, em grande parte, é produto das associações entre

signos (significantes) e seus significados, que aqui chamamos representações, que

neste estudo definimos a partir do conceito construtivista de Stuart Hall (1997), visto

que tal perspectiva concebe as coisas (objetos, pessoas, eventos), e até mesmo as

religiões, só existentes quando ganham significados mediante a uma representação

mental que atribua sentidos socioculturais, ou seja, quando elas entram em relação

com o meio cultural em que vivem. Esse não é um fenômeno em si, mas um

processo que possibilita a regulação das relações e das práticas sociais.

Desse modo, surgem as representações mediadas, um efeito intrínseco a

uma sociedade composta de indivíduos e instituições que tornam-se visíveis quando

são significadas e resignificadas ao serem inseridas em produtos culturais dos mais

variados formatos, entre eles, os produtos midiáticos.

Em cada linguagem as representações midiatizadas ganham uma novo

foco e roupagem. Para Kornis (2008), o audiovisual constrói “formas de

representação e de reconstrução do passado em contextos históricos diversos e

segundo diferentes concepções estéticas” (p. 10). Esse paralelo também é feito,

com maior amplitude e crítica, por Silverstone (2011), utilizando especificamente a

televisão como sujeito:

no momento em que os significados emergentes cruzam a soleira entre o

mundo das vidas mediadas e o da mídia viva, no momento em que as

agendas mudam e em que a televisão, neste caso, impõe suas próprias

formas de trabalho, uma nova realidade, mediada, ergue-se do mar,

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rompendo a superfície de um conjunto de experiências e oferecendo,

afirmando outras. (p. 40)

Em uma abordagem mais específica e em consonância a este trabalho,

também podemos compreender a representação mediada como uma colaboradora

para a circulação social de sentidos e de grupos religiosos. Emergindo assim as

representações sociais, responsável por um campo de estudo, no qual nosso texto

está incluso, e que a análise das destorcidas representações das mais variadas

identidades sociais (classes, gêneros, sexualidades, raças, etnias,

nacionalidades)produzidas pelas mídias massivas, principalmente das minorias.

Um dos primeiros teóricos do tema foi o psicólogo francês Moscovici. Para

ele,

a representação social refere-se ao posicionamento e localização da

consciência subjetiva nos espaços sociais, com o sentido de constituir

percepções por parte dos indivíduos.Nesse contexto, as representações de

um objeto social passam por um processo de formação entendido como um

encadeamento de fenômenos interativos, fruto dos processos sociais no

cotidiano do mundo moderno (apud ALEXANDRE, 2001, p. 111-112)

A presença de grupos religiosos em textos midiáticos garante a

resistência, luta e fortalecimento destes grupos, propiciando assim “o avanço dos

interesses dos grupos oprimidos quando ataca coisas como as formas de

segregação” (KELLNER, 2001, p.13). Para o autor, a mídia colabora nesse processo

ao realizar “representações mais positivas” desses grupos, ou seja, alinhadas às

suas realidades e demandas por debate. Concebemos tal proposição como uma

prática ideal e que, por isso, utilizamos como base deste trabalho, pois gera na

esfera midiática o que chamamos de representatividade.

Na contemporaneidade, o recurso eletrônico capta, expressa e atualiza as

representações, antes restritas às instituições – família, escola etc -,

atendendo às diferentes camadas sociais, principalmente àqueles que não

tiveram acesso á formação escolar. (FIGUEIREDO, 2003, p. 66)

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É neste espaço midiático, eletrônico e digital, em que o fluxo de

informações e a demanda por vozes representadas é constante e de modo

multidirecional, é que os grupos religiosos concorrem também ao seu lugar de fala

no meio mais tradicional e massivo, que ainda é a televisão e suas narrativas, para

expor seus aspectos culturais, doutrinários e problemas sociais em que são

submetidos; campo em que este estudo está inserido.

1.2 Televisão como mediadora

A presença do “eletro doméstico luminoso na sala”, como Daniel Piza

define a televisão, e seus efeitos tem gerado há tempos por distintas abordagens

acadêmicas e críticas ao seu caráter massivo, pelo fato do veículo ter uma produção

de conteúdo em escala industrial e essas serem destinadas e consumidas pelo o

que convencionou-se chamar de “grande público” e terem assim um sentido mais

popular ao entreter e informar a massa. Portanto, nas próximas linhas faremos uma

breve revisão dos conceitos sobre a TV.

A televisão enquanto produto do espaço midiático ganha o papel de

articuladora de discursos e de mediação no processo de consumo da notícia - entre

o fato ocorrido, noticiado e repercutido pelo público – e também ao fazer surgir

acontecimentos, grupos, insatisfações políticas e provocar um debate aberto com o

telespectador em que muitas vezes é introduzido superficialmente e nem mesmo

concluído.

O desenvolvimento da televisão na Alemanha em 1935 é produto de

uma indústria que buscava, desde a década de 1920, reestabelecer o vínculo

doméstico e o controle social por meio dos veículos de comunicação, como afirma

Ana Maria C. Figueiredo (2003): “Os aparelhos receptores – o rádio e a televisão –

adaptados às circunstâncias domésticas, passaram a fazer parte do mobiliário e a

colocar os lares privatizados em contato com o mundo” (p.8).

A rápida expansão do veículo deve-se ao fato que a “televisão não requer

de seu espectador uma iniciação como requerida pela comunicação escrita: basta

girar o botão ou, contemporaneamente, apertá-lo no controle remoto para ela

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„explodir‟ na casa dos cidadãos.” (FIGUEIREDO, 2003, p. 9) e, de acordo com Ciro

Marcondes (1994), transmitir entretenimento e atualizar informações devido sua

função de conduzir mensagens sociais.

O conteúdo em som e imagens em movimento passa a ir até seu público

pela tela da TV, e acaba por criar uma diferenciação do cinema e dos espetáculos

de teatro, dança, música e circo; por isso, ela “foi a mais importante revolução

virtual: tem as imagens que o rádio não possui e é capaz de fixar hábitos na rotina

das pessoas, ao contrário da internet.” (PIZA, 2002, p. 13). O autor afirma também

que o veículo é um significativo mediador das relações sociais.

Tal proximidade acaba criando uma estreita relação entre a “telinha” e seu

espectador alterando, inclusive, seu comportamento. O motivo é que “a TV pauta

nossas conversas, dita nossa hora de dormir, a decoração de nossas casas, a

qualidade do que comemos e sabemos.” (PIZA, 2002, p. 15). Essa relação é

construída devido à experiência que os programas de televisão transmitem e

possibilitam ao espectador por meio de seu conteúdo; fazendo com que os sentidos

estáticos da sociedade e do público reforçassem a força da televisão.

1.2.1 O impacto social da televisão

Como vimos, a televisão impacta o cotidiano dos indivíduos que a ela são

expostos pelo conteúdo que é produzido e transmitido pelas emissoras. E para

assimilar como esse processo acontece, qual é o impacto na sociedade e sua

importância para a construção e desconstrução das identidades, ideologias,

comportamentos e ações, levantaremos dados e algumas definições.

O sistema de televisão é o setor da mídia com maior impacto, visto que

ela, de acordo com a pesquisa SECOM 2015, é o meio de comunicação mais

utilizado pelos brasileiros, tendo um período de exposição média de 4h28 diárias

(KANTAR IBOPE, 2015), mesmo que o acesso à internet ainda atinge uma porção

reduzida da população e que tenha crescido 32% nos últimos cinco anos. Por meio

de seus programas, ela “pode fazer ver e fazer crer no que faz ver. Esse poder de

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evocação tem efeitos de mobilização. Ela pode fazer existir ideias ou

representações, mas também grupos" (BOURDIEU, 1996, p. 28).

É nesse contexto que a TV enquanto lugar de exposição de fatos e ideias

tornou-se um novo espaço público e expandiu a secular esfera pública que, segundo

Bucci e Kehl “ultrapassa os Estados nacionais, esboçando o que parece ser um

arremedo de espaço público globalizado (ou mundializado)” (p. 32).

Ainda segundo Bucci e Kehl, “a TV só influencia porque é o elo que

industrializa a confecção do mito e o recoloca na comunidade falante” (2004, p. 19)

ao passo que “a televisão, acima de todas as outras mídias, ocupa o lugar de grande

produtora de mitos” (p. 15).

Tal concepção é originada pelo seguinte enunciado do teórico Rolland

Barthes:

O mito é uma fala roubada e restituída. Simplesmente, a fala que se restitui

não é a mesma que foi roubada: trazida de volta, não foi colocada no lugar

exato. É esse breve roubo, esse momento furtivo de falsificação, que

constitui o aspecto transpassado da fala mítica (apud BUCCI, KEHL, 2004,

p. 19)

Entretanto, vale ressaltar que, até certo modo, há uma limitação do

ambiente, visto que ele é mediado pelas emissoras de TV, empresas de

comunicação que seguem uma lógica dos interesses mercadológicos, que envolve a

tríade: audiência, patrocínio e conteúdo (informativo ou entretenimento).

Nesse sentido, também é percebido uma crítica na estrutura dos sentidos

construídos pela televisão:

Se, por um lado os veículos de comunicação pressupõem um processo

democrático [...], por outro lado, há quem veja nessa forma de difusão, o

broadcasting, um modelo de mão única, regularizador, padronizando gostos

e comportamentos, induzindo o telespectador a uma acomodação e à

passividade. Esse posicionamento cabe perfeitamente na análise da

televisão devido à força da imagem, que se insinua em todas dimensões do

cotidiano, justapondo os lugares no mundo, instaurando uma presença

simultânea, criando uma realidade espetacular pela intensificação de

formas, cores e tamanhos e da neutralização das referências.

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Consequentemente, nesse jogo de imagens, o telespectador se confunde

na própria realidade. (FIGUEIREDO, 2003, p. 9)

Essa dicotomia do impacto da televisão no modo de consumo de

conteúdo e na sociedade parece estrutural e objetos das mais variadas críticas,

estudos e reações que colocam a TV na figura de um importante papel social, mas

limitado aos interesses ao que chamamos de indústria da televisão (emissoras,

produtores, mercados e governos).

1.3 A telenovela e a abordagem de temas socioculturais

Para compreender melhor como é constituído o atual cenário de

produção, reprodução, recepção e mediação das telenovelas, é necessário rever a

trajetória do gênero televisivo, de sua origem, "nacionalização" - visto que a

teledramaturgia ganha uma identidade diferente no Brasil – e sua relação com o

telespectador, responsável por dinamizar esse processo, no qual desenvolveu-se

também a função social da teledramaturgia na interação entre emissor e receptor.

A partir daí, partimos para a exposição do processo de representação de

questões sociais nas telenovelas, pois a inserção de elementos religiosos

(personagens, cenários, conceitos) faz parte deste contexto.

Considerando os contextos em que esta modalidade de telenovelas

surgiram no país e como esta contribui para o debate desses temas entre os

cidadãos-audiência e para tornar grupos sociais diversos comuns ao grande público,

aproximando as novelas da função pedagógica dos produtos midiáticos.

A teledramaturgia insere-se neste contexto, então, como um dos

principais gêneros responsáveis pela relevância da televisão no Brasil no campo do

entretenimento, especificamente na ficção, para além da transmissão de informação

factual. Visto que ela dita moda, trata sobre assuntos sociais e gera afinidades.

1.3.1 Origem da telenovela brasileira

De acordo com Julio Cesar Fernandes (2014), ao articular diferentes

autores, a telenovela como conhecemos hoje no Brasil é o resultado de uma

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dramaturgia feita em diferentes formatos. A influência mais remota é a do romance

de folhetins, publicados em jornais da França a partir do século XIX com objetivo de

levar entretenimento ao leitor – foi por volta de 1840 que os folhetins começaram a

ocupar as páginas dos jornais pela publicação de romances escritos por inteiro e

divididos em capítulos periódicos e lidos pela elite.

Posteriormente, as soap operas ou “óperas de sabão” produzidas nos

Estados Unidos no século XX com o financiamento de empresas fabricantes de

sabão, trouxeram estórias com dramas e ações diversificas para o rádio. A

referência mais direta da telenovela brasileira são as radionovelas latinoamericanas,

que marcaram época ao integrar a programação do rádio. Em tal formato, somente a

voz e efeitos sonoros eram utilizados como suporte melodramático na encenação do

texto.

Para a autora Ana Maria C. Figueiredo (2003), a telenovela brasileira

difere-se daquelas produzidas em outros países latino americanos, europeus ou

orientais porque constitui-se por ser uma história caracterizada pelo diálogo e ação,

em que são criados conflitos provisórios e definitivos, tendo como base um grupo de

personagens (protagonistas, em que seus problemas assumem a primazia na

condução do enredo, e coadjuvantes, os quais possuem seus conflitos menos

expostos e relacionados aos principais), lugares e uma ação

A telenovela ampliou seu alcance na recepção pela imagem em comparação

às radionovelas.

Este sincretismo criado pela indústria cultural (a transformação do produto em mercadoria, em busca de espaço no mercado de consumo) leva os meios de comunicação de massa a arremedar o real e a dele tomar as cores; por esse caminho, a telenovela torna-se fascinante (FIGUEIREDO, 2003, p. p. 34)

Além de utilizar o melodrama das rádionovelas em seus enredos, a

telenovela também agrega significados quando sai do campo imaginado, em que o

rádio em sua estrutura tradicional coloca seu público ao transmitir somente falas e

feitos sonoros, e torna seu conteúdo real ao trazer para a cena elementos (cenários,

figurinos, por exemplo) semelhantes ao real, além da criação de uma dramaturgia

com um conteúdo mais realista.

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1.3.2 A novela e sua audiência

A proximidade entre a telenovela e seus telespectadores deve-se também

ao modo em que a recepção dela é assimilada. A “telenovela entra diariamente, de

segunda a sábado, na casa do cidadão brasileiro, a partir das 17h, privilegiando

questões específicas para cada horário” (FIGUEIREDO, 2003, p. 36). Sendo a

primeira destinada ao público infanto-juvenil, a da faixa das 18h caracteriza-se por

narrativas históricas, românticas ou adaptações literárias. Já aquelas exibidas no

horário das 19h trazem a comédia, temas atuais e um aspecto jovem à trama. As

novelas das 21h, por sua vez, caracterizam-se por conter em seu enredo temas

sociais e adultos, com uma liberdade maior para a exposição de violência e

conteúdos mais “pesados”. A recente faixa de novelas das 23h exibe enredos com

um número reduzido de capítulos, geralmente remakes e históricas, tendo uma

roupagem semelhante às minisséries ou seriados enlatados, principalmente por ter

um número reduzido de capítulos, tramas, núcleos de personagens e por

funcionarem como uma obra fechada e de experimentação de linguagens. Cada

uma das faixas atrai um determinado tipo de público.

Ainda na tentativa de exemplificar a definição do perfil de conteúdo e

público para cada faixa da programação de novelas, e contextualizar o horário em

que nosso objeto, Além do Tempo, está incluso, aprofundaremos na faixa de horário

da programação das telenovelas das 18h. Este horário é voltado para a

apresentação de enredos que aproximam-se do romance e de uma linguagem

literária e poética(inclusive com adaptação de livros), mais apegados ao folhetim.

Analisando superficialmente o público médio de produções como Além do Tempo,

podemos constatar a busca por conteúdos mais livres da realidade, com histórias

mais leves; indo de encontro ao horário (entre às 18h e 19h) marcado pela transição

do fim das atividades do dia e o início do período de descanso dos telespectadores à

noite, fazendo com que sejam abertos espaços para tramas que têm como tema

questões existenciais, espiritualistas entre outras temáticas familiares. Recortando

agora a definição ao nosso objeto central, percebemos que Além do Tempo é

destinada a espectadores que gostam de histórias românticas e com interesse em

temáticas espiritualistas, sejam aqueles que declaram-se como espíritas,

simpatizantes das ideias da doutrina, espiritualistas e outros que se interessam

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vagamente pelas temáticas comuns ao espiritismo mesmo sendo adeptos de outra

religião.

O perfil geral da audiência das telenovelas e as quais ainda são

comumente destinadas segue reforçando o estereótipo de gênero, pelo produto

cultural ser mais consumido por mulheres, como afirma explica Esther Hamburguer,

citada no estudo “Melodrama comercial – reflexões sobre a feminilização da

telenovela”, de Heloisa Buarque de Almeida (2016), afirmando que na atualidade “os

homens também assistem, mas a ligação deles com a novela não é tão forte como a

das mulheres. Eles não sentem que têm um compromisso com a novela como têm

com o noticiário” (p. 178).

Sobre a construção das narrativas e dessa fidelidade, Ana Maria (2003)

afirma que a telenovela

ao penetrar o cotidiano do telespectador nas suas práticas culturais,

estabelece relações estreitas e contínuas com seu público, pois as

narrativas são construídas a partir dos espaços que os indivíduos produzem

suas histórias, seu cotidiano. Isso estabelece um campo de troca simbólica

entre o receptor e o emissor, entre a produção da telenovela e o seu

público, o que justifica seu sucesso. (p.67)

A relação entre o produto e público é afirmada também pelo fato da

telenovela ser uma obra aberta, ou seja, que o autor e/ou sua equipe1 escrever

conforme a exibição dos capítulos na TV e diante o modo em que os fatos são

recebidos, absorvidos e repercutidos pela audiência.

Vivemos atualmente a ascensão da convergência do conteúdo entre

diferentes meios, a qual altera a experiência do telespectador. A novela que antes

era assistida apenas em frente à TV passa ser consumida em outras plataformas e

dispositivos eletrônicos, a partir do instante que o capítulo daquele dia é

disponibilizado em sites de repositório de vídeos da própria emissora ou em

aplicativos desses. A audiência deixa de estar centralizada na televisão e é

dissipada a outros meios. Esse ambiente mais digital também cria um fluxo de

1 É comum no processo de redação de uma novela a participação de outros autores colaboradores,

assistentes do autor principal responsável pelo enredo da novela, no desenvolvimento de diálogos e tramas a partir do argumento proposto por ele.

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sentidos mais ágil ao passo que as mensagens geradas na recepção da novela são

compartilhadas e debatidas em redes sociais como o Twitter e o Facebook; além

disso, também é ampliada a oferta de conteúdo em serviços onlines de streaming e

sob demanda, como a Netflix e o YouTube. Contudo, as telenovelas continuam

tendo uma representativa audiência por ser o principal meio de lazer para os

brasileiros que vivem nos grandes centros e fora deles, em regiões no país onde não

há infraestrutura estável elétrica e de telefonia.

1.3.3 O Brasil na teledramaturgia

A posição em que a teledramaturgia ocupa no cenário cultural, entre o

entretenimento e seu valor enquanto produto de registro histórico e reprodutor de

momentos históricos deve-se ao modo do amadurecimento dos produtores de

telenovelas, principal formato da teledramaturgia brasileira e responsável pelo

desenvolvimento das minisséries e seriados (formato também adaptação ao estilo

de produção do país); bem como da necessidade de não produzir um conteúdo

unidimensional, em que os folhetins televisivos e os dramas familiares e cotidianos

eram a razão de ser das produções, e investir em narrativas que contêm histórias de

caráter social e político.

O Brasil passa a ser representado e reconhecido a partir do momento que

a teledramaturgia passa a inserir em seu enredo a diversidade social, cultural,

econômica e episódios de sua história, sejam esses ocupando o lugar de cenário

para as tramas, protagonista, ao estar no núcleo de personagens principais e/ou

sendo como um elemento vivo, ou como coadjuvante nas novelas.

Sobre tal contexto, Ana Maria C. define como esse processo acontece e

disserta quanto ao conteúdo social da teleficção afirmando que “outras novelas

recolhem, da própria sociedade, questões que amarram as relações sociais pelo

preconceito, pela discriminação, pela exploração do pobre, do negro, da mulher, do

opositor etc.”, (2003, p. 71) corroborando à tendência de seu meio, visto que a

televisão é um meio há a “reprodução de representações que perpetuam diversos

matizes de desigualdade e discriminação" (LOPES, 2007, p. 18).

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O início das representações sociais nas telenovelas brasileiras exibidas

pelo Rede Globo foi na década de 1970, período em o Brasil vivia sob a Ditadura

Militar, censura e o uso artifícios na produção cultural para driblá-la, e que também

ficou

marcado pelas reivindicações de liberdade em todos sentidos: da

emancipação do homem e da mulher, desde a sua escolha sexual até os

direitos sobre o seu corpo, sobre sua atuação no campo profissional, sobre

a (des)ordem familiar e principalmente, sobre a liberdade política.

(FIGUEIREDO, 2003, p. 72)

Tal movimento é considerado como uma reação à demanda cobrada pela

audiência por produções “mais realistas”, que trouxessem aquela efervescência

cultural e intelectual que emergia no contexto opositor ao governo e suas ações; e

uma “virada estilística” do formato no momento em que novelas ganhavam “a cara”

do Brasil ao serem escritas por autores brasileiros oriundos da dramaturgia, e

deixando de lado as histórias latino-americanas importadas (SACRAMENTO, 2008)

e também passavam a ter uma linguagem mais coloquial, personagens com nomes

comuns ao público e com personalidades mais ambíguas, humor inteligente, entre

outros recursos dramáticos e referências compartilhadas pelos brasileiros.

Assim, as novelas trazem à cena os dramas sociais em meio às ações de

seus personagens ao longo da trama e também passam a provocar o debate de

temas considerados como tabus na sociedade.

Na década de 1980, as narrativas amadurecem e solidificam as

representações sociais. Fazendo com que as telenovelas passassem a atingir ser

um “agente central do debate sobre a cultura brasileira e a identidade do país."

(LOPES, 2007, p. 17).

A pauta social nas telenovelas globais são modificadas na década de

1990, quando, segundo Figueiredo (2003), as novelas abandonam o campo de

denúncia e de confronto das contradições políticas e sociais do Brasil e passam a

trazer as questões sociais sob uma ótica mais pedagógico. Trabalho esse que

implica na utilização de métodos de educação atrelados à via comercial e moral.

Emerge então o denominado marketing social, construído a partir de temas

escolhidos pela emissora para a realização de campanhas sociais, nas quais a

intolerância religiosa pode estar inserida.

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Criando assim um ciclo em que esses conteúdos fossem integrados aos

enredos pelo autor, que por sua vez passa a escrever argumentos contendo tais

recursos, esses são materializados pela concepção do diretor da novela,

interpretados pelos atores e exibidos para o telespectador, que recebe a mensagem

social e continua o processo de decodificando e tornando-a parte de seu discurso e

repertório de discussão com outros receptores. Também faz parte desse sistema os

programas jornalísticos, incluindo aqui os da linha de shows/auditório, da própria

emissora que passam a agendar o mesmo tema da telenovela e ampliar o cenário

de debate, além de outras mídias e veículos.

Desse modo, a consolidação da inserção do marketing social, também

chamado de merchandising social, deu-se a partir dos anos 2000, quando tornou-se

regular a abordagem de temáticas sociais, principalmente na faixa das 21 e 23

horas, além da Malhação, série produzida pela da Rede Globo exibida a partir das

17h30 e que sempre dedicou-se a essa demanda frente ao seu público jovem.

Dentre as principais temáticas sociais estão doenças que geram determinado

preconceito, imigração, drogas, alcoolismo, tráfico de pessoas, prostituição, violência

doméstica, racismo, diversidade sexual, sustentabilidade entre outras abordadas por

diversos autores. A partir dessas narrativas, são realizadas campanhas, debates em

programas da própria emissora e também gera pauta a grande imprensa e

produtores de conteúdo.

A representação de questões sociais nas telenovelas é materializada,

assim, em diferentes eixos temáticos formados pela variedade e escolha natural dos

temas abordados nos enredos que compõe esse tipo de novela. O eixo em que este

estudo se concentra é naquele em que a diversidade cultural e de credo são

tematizados nas telenovelas que representam em suas tramas elementos ligados às

religiões. Desse modo, aprofundaremos a seguir como essas são realizadas.

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CAPÍTULO 2 - RELIGIÃO E REPRESENTAÇÕES NAS TELENOVELAS

Neste segundo capítulo do trabalho pretendemos apresentar um

panorama do cenário brasileiro em que as telenovelas são produzidas e exibidas ao

realizar um levantamento da representação das religiões nas telenovelas exibidas

pela TV Globo entre 2011 e 2015, verificando a frequência e como as produções

televisivas reproduzem elementos ligados às religiões. Desse modo, posicionaremos

tal nicho temático das telenovelas e poderemos comparar, nas próximas páginas,

com a representação espírita, popularmente descrita como a mais evidente.

Em seguida, cruzaremos as informações obtidas com dados objetivos

enfocando o perfil religioso, mostrando como a realidade das telenovelas com

temáticas religiosas está ou não associada ao comportamento religioso do brasileiro

e de sua espiritualidade, entendendo aqui como algo distinto.

Para isso, teremos como base os dados sobre religiões do IBGE Censo

2010 e também as questões das identidades culturais, enunciadas por Stuart Hall, e

da Modernidade Líquida, de Zygmunt Bauman, cruzados com os fenômenos do

sincretismo e secularização, que materializa a realidade brasileira em que elementos

de variadas nomeações religiosas são, em diferentes níveis, misturados e cultuados

pelos brasileiros.

2.1 As religiões nas telenovelas da Rede Globo

A fim de fundamentar o contexto das representações religiosas na atual

teleficção, realizamos um estudo exploratório mapeando 39 telenovelas da Rede

Globo, exibidas entre 2011 e 2015, (ano de exibição de Além do Tempo, objeto

central do estudo em que este trabalho está associado), que foram ao ar nas faixas

das 18, 19, 21 e 23 horas da programação. Os dados utilizados foram coletados no

portal Memória Globo (http://memoriaglobo.globo.com), especificamente por meio da

“galeria de personagens” de cada novela e sua sinopse. Nosso objetivo central foi

localizar os sentidos das temáticas religiosas e como os personagens faziam uso da

religião e compreender o papel da religião como um todo no enredo. Para melhor

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definir o perfil dessas representações, tivemos como base os critérios estabelecidos

por Fernanda Nascimento da Silva (2015) e acrescentamos outros conforme a

realidade e necessidade da nossa pesquisa:

1) Telenovela: Apresenta o nome da telenovela, o período de exibição, o

horário de exibição e o número de capítulos, informado pela Rede Globo – critério

estabelecido por Fernanda Nascimento da Silva (2015);

2) Autoria e direção: Expõe o nome daqueles que assinam o roteiro da

novela (nos termos: uma novela de, escrita por...) e aquele que faz a direção geral –

critério estabelecido por Fernanda Nascimento da Silva (2015);

3) Religião: Para tal utilizamos as definições presentes no texto de

descrição dos personagens apoiando nas definições do IBGE (Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatísticas) em seu Censo 2010, principalmente a definição “tradições

esotéricas” quando não havia precisão da prática – critério definido pela realidade do

estudo em que realizamos;

4) Personagens religiosos: Tal categoria é composta pelos personagens

de cada trama que expressam algum aspecto religioso. A fim de melhor definir,

subdividimos em seis itens, conforme relacionamos abaixo – critério definido pela

realidade do estudo em que realizamos:

a) Personagem: Composta pelo nome do personagem e o nome de seu

interprete; – critério estabelecido por Fernanda Nascimento da Silva (2015);

b) Raça: “O conceito de raça é compreendido enquanto cultura e não

como determinação biológica. Como a definição de pertencimento racial utilizada no

Brasil é a autodeclaração e fatores como a classe social e a cor/fenótipo são

variáveis que interferem nesta declaração, torna-se difícil realizar a classificação das

personagens nesta categoria. Neste sentido, para identificar a raça das

personagens, primeiro observou-se características como cor/fenótipo e a classe

social da personagem na narrativa” (SILVA, 2015, p. 54), portanto, utilizamos as

variáveis branca e negra – critério estabelecido por Fernanda Nascimento da Silva

(2015);

c) Profissão: Indicando a profissão determinada na descrição do

personagem pela possibilidade desse critério indicar algum padrão – critério

estabelecido por Fernanda Nascimento da Silva (2015);

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d) Elementos ou temáticas religiosos: Define qual a relação do

personagem representado com a religião, visto que há um variado espectro de

abordagens possíveis em cada uma – critério definido pela realidade do estudo em

que realizamos;

e) Características: Mostra o perfil dos personagens mediante a religião –

critério definido pela junção da proposto de Fernanda Nascimento da Silva (2015) e

a realidade do estudo em que realizamos:

f) Sentido: Dividido entre positivo, neutro e negativo para medir o valor

daquela representação religiosa associada ao comportamento, caráter do

personagem, pois, assim ajuda a entender mais objetivamente como as associações

podem estar sendo absorvidas pelo telespectador – critério definido pela realidade

do estudo em que realizamos;

5) Cenário: Indica o espaço, o lugar em que o personagem realiza a

representação, conforme a descrição – critério definido pela realidade do estudo em

que realizamos;

6) Observações: Nesta categoria, reservamos um espaço para a

indicação do lugar dos personagens na trama, apontamentos feitos em análises

prévias e dados sobre a trama– critério estabelecido por Fernanda Nascimento da

Silva (2015).

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Quadro 1: Personagens religiosos nas novela da Rede Globo em 2011

Fonte: Pesquisa do autor

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Quadro 2: Personagens religiosos nas novela da Rede Globo em 2012

Fonte: Pesquisa do autor

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Fonte: Pesquisa do autor

Quadro 3: Personagens religiosos nas novela da Rede Globo em 2013

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Quadro 4: Personagens religiosos nas novela da Rede Globo em 2014

Fonte: Pesquisa do autor

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Quadro 5: Personagens religiosos nas novela da Rede Globo em 2015

Fonte: Pesquisa do autor

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Ao tabular os dados levantados na etapa descrita acima, verificamos a

recorrente representação religiosa nas telenovelas analisadas, tendo sido

registradas 32 menções a alguma religião nas 39 novelas analisadas. Vale registrar

que oito telenovelas não fizeram qualquer menção nas seções analisadas, o que

demonstra que a soma de menções expressa quantas vezes determinada religião foi

representada naquele período e, em alguns casos, a coexistência de crenças e

práticas religiosas.

Em números absolutos, observou-se a maior representação do

catolicismo (em 11 tramas), seguido por seis de tradições esotéricas (englobando

aqui tradição cigana, astrologia, prática de feitiçaria, seitas e oráculos), a terceira

maior representação é a de personagens ligados ao protestantismo (cinco, no total),

já o espiritismo esteve presente em quatro novelas, a única religião oriental

representada neste intervalo foi o budismo, em duas novelas, o judaísmo aparece

em somente uma novela, assim como os cultos de matriz africana.

Já a razão de “elementos ou temáticas religiosos” mensurados em nosso

levantamento é inversamente proporcional às religiões representadas. Dentre o

universo de cerca de 20 referências citadas e observadas, podemos destacar a

presença de 23 personagens religiosos (categoria que engloba padres, freiras,

noviças, monges budistas, aprendiz budista, missionário protestante astrólogo, guru

e mestre espiritual), e de temas espiritualistas, como mediunidade (15), vida

espiritual – quando o personagem é um espírito – (13), reencarnação (11) e almas

afins – personagens que possuem uma ligação de outras existências – (9). Também

podemos citar: ensinamentos espirituais com orientação budista – registrado na

novela Joia Rara, de 2013 – (7), Cerimônias religiosas –missa, casamento, culto –

(7) e perseguição religiosa – no contexto nazista contra judeus e ciganos na novela

Flor do Caribe, exibida em 2013 (6).

Registramos a presença de mais de 84 personagens para materializar

tais representações religiosas nas novelas da Rede Globo durante os cinco anos

analisados, visto que na trama Além do Tempo (2015) nomes de diversos

personagens ficaram de fora da listagem mesmo tendo associação com o

espiritismo/espiritualismo. Destes, observamos uma baixa representatividade,

considerando que levantamos a atuação de apenas dois personagens negros e de

36 mulheres (contra 47 personagens homens) e nenhum personagem descrito como

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parte do espectro LGBT (trouxeram gays, lésbicas, bissexuais, travestis ou

transexuais). Avaliando suas profissões e perfis, observa-se a presença das mais

variadas classes (popular, média e alta), tendendo maior presença das duas últimas

citadas.

Para melhor definir o valor das representações das religiões nas

telenovelas, utilizados o critério “sentido” para medir o quanto as representações se

aproximam de seu valor real (positivo) ao analisar o perfil e comportamento dos

personagens para entender como poderia impactar na recepção da representação

das religiões. No total, foram 48 associações com sentido positivo, seguidos por 18

negativos e 17 personagens com sentido neutro.

Vale ressaltar também que o ano de maior exibição de representações

religiosas nas telenovelas globais foi 2015, em que todas as cinco tramas exibidas

trouxeram em seu enredo elementos religiosos.

A partir de uma breve observação dos expressivos dados tabulados neste

levantamento em que realizamos e já descrevemos, iniciaremos uma análise dos

critérios utilizados na pesquisa em uma cronologia de importância temática.

O primeiro critério do levantamento que analisaremos é Religião. A

inserção de temas religiosos nas telenovelas produzidas e exibidas pela Rede Globo

entre 2011 e 2015 revela uma pluralidade cultural e de discursos relacionados ao

Sagrado. Como levantado no início deste trabalho, encontramos assim um novo

modelo de midiatização da religião, associado à lógica comercial, em que o objetivo

é atrair uma audiência diversa e expressiva para gerar lucro, e que segue um

formato ficcional. O modelo identificado tende a reforçar estereótipos ou ideias

preestabelecidas na busca por transmitir de modo assertivo a mensagem simbólica

(social, religiosa ou cultural) em meio ao estilo típico da telenovela. A partir disso,

podemos levantar a possibilidade da existência de possíveis ruídos no processo de

recepção e interpretação dos personagens pelos telespectadores. Exemplos deste

quadro são de evangélicos representados como corruptos, fanáticos, ex-

marginalizados ou ainda cultos afrobrasileiros como práticas charlatãs, podendo

denegrir o sentido e a imagem daquele grupo.

Outro fator importante é que o volume da representação das grandes

religiões (isolando, portanto as tradições esotéricas) está proporcional aos índices

registrados pelo Censo 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e

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Estatísticas (IBGE), em que foi pesquisado, entre outros dados, a religião

professada por 20.635.472 pessoas em território brasileiro. A presença majoritária

do catolicismo nas telenovelas, condiz com 64,6% da população/telespectador que

declara-se como católica, por isso, deduzimos que por esse motivo sua

representação prevalece, mesmo com a perda de espaço nos dois campos

conforme aponta ainda o levantamento do IBGE. Enquanto isso, percebe-se uma

crescente representação de evangélicos nas tramas no período analisado e que

segue a tendência de crescimento da religião que desde 2000 cresceu 13,2%, e em

2010, representava 44,1% da população. Diante desse comparativo, podemos

enxergar a necessidade de uma maior pluralidade nas representações feitas nas

novelas, a fim de criar uma equidade nessas, visto que há também a demanda de

um público, mesmo numericamente minoritário, que deseja ser visto e reconhecido.

Seguindo o comparativo entre o levantamento das telenovelas o Censo

2010, percebemos que um paralelo entre a difusão delas e suas representações na

cultura de massa por meio das tramas ficcionais da maior emissora de televisão do

país. O que revela certa tendência, mas também um déficit no aspecto cultural, visto

que além de entreter, as produções também podem ter a função pedagógica

(FIGUEIREDO) de mostrar outras culturas e participar do debate sobre a diversidade

religiosa e tolerância. Na novela Lado A Lado (João Ximenes Braga, Claudia Lage),

de 2012, que trazia em seu enredo o período de mudanças sociais no Rio de Janeiro

do início do século XX, incluindo a afirmação da identidade da população negra,

notamos a ausência da representação dos cultos de matrizes africanas, importante

traço cultural desta parcela da população negra.

Sobre a representação de temas espíritas, interesse específico deste

estudo, verificamos um resultado nas telinhas acima daquele registrado no censo de

2010, cerca de 2% da população brasileira declara-se como espírita. Mesmo que o

espiritismo esteja posicionado como o terceiro maior grupo religioso do país, a sua

representação configura-se como extraordinária devido grande parte dessas

estarem localizadas na trama central das telenovelas, diferente das outras religiões,

e também pela presença expressiva, como visto acima, de temas do universo

espírita deslocado para outros campos. Verificando assim que temática também é

utilizada como elemento de tramas secundárias, como um artifício para atrair a

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audiência pelo sobrenatural e mistério, como apontam Márcio Gonçalves e Thaynan

Mendes:

Também podemos relembrar telenovelas que não tinham como tema central

a doutrina espírita kardecista, mas que ao longo da história o espiritismo

fora mencionado, através de personagens que possuíam dons paranormais,

dentre outros fenômenos que se mesclam com os pressupostos pregados

pelo espiritismo. Neste caso, citamos a telenovela Páginas da Vida (2006)

[...] e em Amor à Vida, trama das 21h exibida entre 20/05/2013 e

31/01/2014 (2014, p. 9)

A representação de elementos e temáticas espíritas nas telenovelas da

Rede Globo nos últimos cinco anos, interesse central deste estudo, destaca-se

perante às outras religiões representadas quando analisamos o lugar ocupado na

trama e a regularidade de elementos. As tramas espiritualistas que contêm

fundamentos espíritas estão posicionadas, em grande parte, no enredo central das

telenovelas, modo que difere das demais religiões que, segundo nosso

levantamento, ocupam as tramas paralelas do enredo; além de estarem presentes

de forma secundária em novelas que não possuem um vínculo religioso tão

expressivo, por meio de elementos comuns ao espiritismo como a mediunidade e a

intervenção de espíritos.

Outra categoria importante para a compreensão deste cenário das

representações religiosas é Autor e Diretor, aqui analisaremos de modo quantitativo

somente a figura do autor. Observamos uma regularidade entre a presença de

temas religiosos nas telenovelas e quem as assinam. O autor que mais representa

as religiões em seu texto é Walcyr Carrasco, que em diferentes títulos escreveu

personagens evangélicos, católicos, budistas e outros ligados ao espiritismo. Em

seguida, temos a dupla de autoras Duca Rachid e Thelma Guedes que fizeram

referência ao catolicismo e o budismo em duas tramas. No campo das tramas

classificadas popularmente como espiritistas/espiritualistas está Elizabeth Jhin,

autora que abordou tais temáticas na trama principal de suas novelas. Sugerindo

assim que a abordagem de temáticas religiosas está intrinsecamente submetida às

afinidades de temas, propostas, desejos e motivações do autor em retratar

determinado contexto religioso em sua trama, revelando também uma tendência de

perfil temático dos autores e suas telenovelas.

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Por fim, verificamos na categoria Cenário do levantamento, em que

determinamos o lugar ocupado por personagens associados às religiões, não são

determinantes para sua representação, visto que igrejas (católicas ou protestantes),

conventos ou templos (budistas ou esotéricos), em sua maioria, não possuem uma

participação viva no enredo, é somente causal. O que demonstra uma tendência de

dissociação do exercício da religiosidade e o espaço físico, o templo; prevalecendo

mais o discurso, práticas e comportamentos ligados a determinada religião.

Com base no levantamento e nas análises realizadas, pudemos constatar

a recorrência das representações religiosas e que mesmo tendo a essência fictícia e

romântica, a abordagem de temáticas sociais nos enredos fictícios das telenovelas

demonstra a ampliação dos sentidos gerados do programa televisivo e um

enriquecimento sociocultural do telespectador na recepção daquele conteúdo. Por

ventura, esse amplia suas percepções culturais ao ter contato com o contraditório

por meio da ficção que representa elementos religiosos diferentes das suas de

origem.

Entretanto, a sentença anterior pode não concretizar-se quando tais

associações não são bem realizadas como no período analisado. Verificamos que,

mesmo bem mais diversa na teledramaturgia produzida pela Rede Globo do que de

outras emissoras comerciais de televisão nos últimos cinco anos, a representação

das religiões nas tramas ainda são limitadas, tanto na regularidade das religiões

abordadas quanto ao modo em que a abordagem é realizada, como o uso de

estereótipos ou distorção de elementos religiosos. Tal fator pode ser descrito pela

Rede Globo tentar reforçar a cultura nacional, conceito enunciado por Stuart Hall

(2006) e que engloba um padrão simbólico de comportamento, ao reproduzirem a

narrativa histórica de formação da população, cultura e religiosidade do brasileiro

utilizando-se do seu produto da cultura de massa nacional mais típico, a telenovela.

Se ampliarmos a amostragem de novelas que representaram religiões em

seu enredo nos anos 2000, poderemos citar Estrela-Guia (2001), que abordou

aspectos do hinduísmo e valores espirituais de comunidades alternativas; A

Padroeira (2001-2002), uma das únicas novelas que trouxe a religião católica em

sua trama principal que envolvia o encontro da imagem e o reconhecimento do culto

a Nossa Senhora Aparecida; O Clone (2001-2002) que teve como pano de fundo

para sua trama principal islamismo (nessa, a religião foi incorporada ao enredo para

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fazer contraponto ao racionalismo científico que seria tema da trama também);

Esperança (2002-2003), a qual trouxe princípios e valores religiosos dos judeus,

além da religiosidade de matriz africana e o catolicismo; Eterna Magia (2007), que

teve como pano de fundo as lendas e magias da Irlanda, Duas Caras (2007-2008), a

única a dar mais espaço e lugar (cenário) para os cultos afro brasileiros, a partir da

personagem Dona Setembrina dos Santos (Chica Xavier), mãe de santo de um

terreiro na Portelinha, onde a novela acontece; Caminho das índias que transpôs

sua trama para a Índia ao retratar as peculiaridades da cultura indiana, enraizada no

hinduísmo; e Duas Caras (2009-2010) , que tem em uma de suas tramas paralelas

os aspectos culturais do judaísmo, além do catolicismo e o diálogo entre as religiões.

Podemos definir, então, que mesmo essencial para uma manutenção do

contato com o Sagrado, as telenovelas que reproduzem de algum modo elementos

do discurso religioso compõem um novo modelo, indireto, de midiatização da

religião, em que o são midiatizados mais os sentidos do que o discurso doutrinário,

dogmático propriamente, ou seja, esse novo tipo pode ser descrito uma pílula, um

fragmento de determinada religião que pode impulsionar seu público a buscar

conteúdos mais específicos daquela crença.

2.2 Sintonia com o Sagrado

A pluralidade das tradições religiosas registradas no Brasil – cristãs,

espiritualistas, indígenas, africanas, orientais, entre outras – cria por si só nos

brasileiros um modo particular de religar ao Divino, ao Sagrado. Todas elas

coexistem, por mais ou menos tempo, desde o Brasil Colônia. Passando por

períodos de intolerância e harmonia entre seus fiéis e até mesmo entre elas e o

Estado.

Sob o signo da modernidade, inicia-se um processo de “conversões

religiosas”, descrita por Antônio Ricardo Micheloto (2008) como o resultado da

destradicionalização e ao fluxo da urbanização e industrialização a partir das ideias

de Prandi e Pierucci (1996). Nesse contexto, “o indivíduo torna-se livre, autônomo

também na esfera simbólica, tornando a identidade social (inclusive religiosa) algo

privado” (MARTELLI, 1995, p. 302 apud PORTELLA, 2006, p. 73), ou seja, “a

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identidade religiosa deixava, assim, de ser uma questão familiar, grupal, tradicional,

para ser uma opção individual.” (MICHELOTO, p. 98)

A partir daí, cria-se um novo modo de conectar-se com o Sagrado e

vivenciar a religiosidade, caracterizada, sobretudo, pela autonomia racional e

emocional em compor o que pode ser chamado de mosaico sagrado, feito a partir de

fragmentos (conceitos, preces, rituais...) de variadas religiões, que representam a

totalidade, rompendo as fronteiras antes bem definidas e chegando à chamada

secularização da religião (PORTELLA) que representa a perda de poder institucional

dessas enquanto detentora do controle e a abertura para as livre escolhas do

indivíduo, até mesmo para unir elementos de diversas crenças e estruturar a sua

própria - fenômeno este que é o sincretismo, tão naturalizado em nossa cultura

multi-religiosa, mas que agora torna-se um processo mais individual, seja a pessoa

filiada ou não à determinada religião. Entendemos que este cenário também pode

ser provocado pelas variadas intervenções midiáticas que transmitem em seu

discurso tais fragmentos, seja pela voz de algum representante ou em narrativas da

teleficção.

Entretanto, antes de aprofundar na relação entre televisão/telenovela,

religião e pós-modernidade, precisamos recuperar o que foi a era moderna, berço da

televisão e do posicionamento que refletiria o modo de fazer TV no Brasil. De acordo

com Alan Mocellim, a modernidade “tinha como meio o conhecimento, e como fim a

organização e o controle do mundo” (2008, p. 4), e completa trazendo as ideias dos

teóricos Adorno e Horkheimer, as quais dizem que o projeto moderno

tendo como objetivo a libertação do homem de suas necessidades naturais,

acabava por, libertando o homem da natureza, dominando-o pelos mesmos

meio que o libertou. A dominação do homem acabava por ser uma

consequência da dominação do mundo, da natureza. (p. 5)

Podemos enxergar no discurso moderno a descrição dos princípios da

mídia televisiva, os quais revelam sua contradição intrínseca, que por meio da

informação e entretenimento geram determinado conhecimento que por sua vez dá

certo poder ao telespectador. Como instrumento político, ela organiza e controla os

discursos e por consequência as ideias e opiniões daqueles que consomem tal

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conteúdo. Reforçando a ideia da coexistência do processo democrático da mídia e

do broadcasting, que apresentamos no primeiro capítulo deste estudo por meios das

considerações de Ana Maria C. Figueiredo.

A partir desse perfil homogêneo da modernidade, fazemos um paralelo

com a teoria das identidades culturais concebida por Stuart Hall (2006) a partir da

definição de três sujeitos (iluminista, sociológico e pós-moderno). Na era moderna,

compreendemos que a presença mais marcante (visto que o perfil sujeito iluminista

coexiste nesta realidade) é a do sujeito sociológico, pois o contexto da modernidade

estabeleceu uma sociedade dividida em grupos (incluindo aqui os religiosos) com

identidades bem determinadas, estáveis e que unem os indivíduos à estrutura. Os

veículos midiáticos passam então a adequarem-se ao broadcasting, ao adotar um

comportamento compatível com o sujeito iluminista, por controlarem racionalmente

os discursos e unificá-lo, mesmo que a TV enquanto organização transita por

diversos sujeitos, dependendo do espectro escolhido por ela. Com o tempo os

deslocamentos de identidades e as crises dessa tornam-se parte desse processo e

provocam alterações também no modo de fazer TV.

Já sob o signo da modernidade líquida, definida assim por Zygmunt

Bauman pelo termo opor-se à idéia de sólido (a metáfora apropriada para primeira

modernidade), visto que

as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social,

estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o

indivíduo moderno, até aqui visto como sujeito unificado. (HALL, 1998, p. 7

apud MOCELLIM, 2008, p. 10)

A fluidez da modernidade, marcada pela informação e tecnologia,

também altera o modo das religiões transmitirem suas crenças e doutrinas. Elas

“transparecem não se contentar mais com suas reuniões, missas e cultos semanais,

enfim, encontros restritos aos seus membros” (BUDKE, 2014, p. 44). Ao exibir seus

programas em emissoras próprias, em horários comprados em canais da TV aberta

ou em outros meios, elas conseguem, em uma lógica inversa, conectar-se com uma

audiência mais plural.

Desse modo, podemos definir que a midiatização da religião pode ser

encarada como uma nova dinâmica, um modo de posicionamento ao passo que ela

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“já não seria mais o cimento da coesão cultural-social” (PORTELLA, 2006 p. 72) e

assume o papel de coadjuvante na mediação de debates de temas políticos,

econômicos e ambientais, entre outras razões, pela predominância do Estado laico.

Segundo Sidney Budke em “Mídia e Religião: Das peregrinações ao universo das

telecomunicações”, a programação nestes veículos é simplificada como o espelho

de uma sociedade com inúmeras dúvidas relacionadas ao sobrenatural e pode ser

exemplificada a partir de seguimentos temáticos bem definidos:

espíritas falam de vidas passadas e reencarnações; protestantes da fé centrada em Jesus Cristo; católicos fazem alusão a imagens de santos e romarias; pentecostais enfatizam o poder do Espírito Santo na vida do crente; neopentecostais transmitem um Deus que presenteia o ser humano com bens materiais (BUDKE, 2014, p. 44).

Gerando no espectador-fiel um sentimento de pertencimento e

representatividade pelo conteúdo que tem como tema algum elemento de

determinado universo religioso. E também revela uma aparente contradição

estrutural desse sujeito, visto que mesmo

Para a grande maioria dos habitantes do líquido mundo moderno, atitudes como cuidar da coesão, apegar-se às regras, agir de acordo com precedentes e manter-se fiel à lógica da continuidade, em vez de flutuar na onda das oportunidades mutáveis e de curta duração, não constituem opções promissoras (BAUMAN, 2005, p. 60 apud MOCELLIM, 2008, p. 28),

É latente, pela aparente demanda do público e reforçada pelo registro de

elevada audiência, também a necessidade do consumo de produtos midiáticos

voltados à religiosidade e seus desdobramentos culturais, os quais representam

efeitos desse novo modo de ser religioso. Revelando dois perfis de telespectadores

que convivem juntos na mesma “plateia”: um mais centrado e simpático aos

discursos dogmáticos utilizados ou veiculados pela mídia; e outro de fato mais fluido

que identifica-se com o valor simbólico gerado naquela representação e agrega-o

até mesmo no comportamento e cotidiano dele, sem qualquer apego aos conceitos

da religião.

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CAPÍTULO 3 - ESPIRITISMO, SEU MOVIMENTO E A MÍDIA

Ao longo deste capítulo, revisaremos alguns momentos que compõem a

história do espiritismo, desde sua organização na França até seu desenvolvimento

no Brasil, para a melhor compreensão do contexto religioso estudado ao longo deste

trabalho. Em seguida, realizaremos um panorama sobre o processo de midiatização

da doutrina espírita, com ênfase no cenário brasileiro, tanto nas mídias comerciais e

espíritas.

3.1 Dos fenômenos ao espiritismo e seu movimento

O espiritismo como conhecemos hoje é produto de um extenso processo

histórico em que a prática mediúnica, de contato com os mortos para diferentes fins,

foi registrada em culturas de diferentes povos e alvo de proibição. Foi sob um

contexto racional que tal prática retoma à cena e protagoniza o desenvolvimento do

espiritismo, um movimento que uniria filosofia, ciência e religião.

Em meio à dualidade entre Espiritualismo e Materialismo, representada

pelas figuras de “Voltaire, coroado pela deusa Razão, Swedemborg, conversando

com os anjos pelas ruas de Londres” (MACHADO, 1983 apud SILVEIRA, 2000, p.

68), o século XVIII viu surgir variados movimentos culturais, sociais e religiosos. Os

espiritualistas centravam uma nova posição sobre o sobrenatural a partir do

questionamento relacionado à morte, existência de espíritos e ao mundo espiritual.

Diversos estudos e práticas de estudiosos e populares na América e

Europa foram realizados neste período. Desses, destacamos a atuação das

seguintes figuras: Edward Irving, que como médium ajudou a preencher a do

espiritualismo que continuaria com o também médium Andrew Jackson Davis, o

cientista Sir William Crookes que debruçou-se na investigação para constatar os

fenômenos psíquicos; a médium Eusápia Palladino que foi o primeiro caso de

fenômenos físicos (expressado pela levitação de objetos e pessoas) estudado por

cientistas; os irmãos nova-iorquinos Ira Erastus Davenport e William Hanry

Davenport, que com suas faculdades mediúnicas atraíram a atenção de estudiosos.

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O processo de práticas, exames, hipóteses e constatações foi realizado

por homens de diversos ramos da ciência seguindo métodos científicos para

compreender tais fenômenos ora chamados de psíquicos ora espirituais.

No limiar entre o espiritualismo e o espiritismo que seria desenvolvido

mais tarde na França, houve o episódio protagonizado pelas Irmãs Fox em

Hydesville que destacou-se sobre outros por Margaret e Kate realizarem o

intercâmbio mediúnico com espíritos por meio de um sistema de estalos e batidas

que correspondiam ao alfabeto, após ouvirem diversas sons misteriosos pela casa.

A profusão de fenômenos sobrenaturais nas sessões de “mesas

girantes”2 de salões nobres na França, Inglaterra, Estados Unidos e Rússia atraíam

curiosos, bons cidadãos e estudiosos para assistir “mesas de todos os pesos e

tamanhos se erguiam do chão e se moviam em todas as direções, sem que ninguém

as levantasse” (MAIOR, 2013, p. 15). Entre os espectadores interessados em

compreender a causa daqueles movimentos estava o pedagogo, filosofo e cientista

Hippolyte Léon Denizard Rivail, estudioso do magnetismo e sonambulismo desde os

19 anos.

Após compreender o princípio inteligente por trás das materializações e

começar a frequentar as reuniões de mesas girantes, passou a buscar, junto de

médiuns como as jovens irmãs Julie e Caroline Boudin, ensinamentos e explicações

dos espíritos sobre este e o Outro Mundo. O método utilizado foi o de “perguntas e

respostas”, entretanto, “faltavam a estas pesquisas, supostamente científicas, três

qualidades básicas: continuidade, regularidade e isenção” (MAIOR, 2013, p. 51).

Assim, o trabalho de Rivail continuou até culminar na organização do O Livro dos

Espíritos, publicado em 1857, sob o pseudônimo de Allan Kardec, seguindo

orientações do Além Túmulo3.

2 Designação a um dos primeiros fenômenos físicos por efeitos sensíveis registrados pelo espiritualismo moderno. Ele consistia no movimento circular impresso voluntário ou provocado em uma mesa, a partir do exercício mediúnico. De acordo com Allan Kardec em O Livro dos Espíritos, “Basta-lhe colocar as mãos na mesa para que, no mesmo instante, ela se mova, erga, revire, dê saltos, ou gire com violência. (2005, p. 93), por vezes utilizavam cartas com o alfabeto para que frases fossem formadas por meio dos movimentos do móvel. Esse efeito pode ser reproduzido em outros objetos. Nesse primeiro momento, as mesas girantes ganharam um grande público por entreterem a curiosidade do sobrenatural e representam o ponto de partida da doutrina espírita. 3 Codinome utilizado para diferenciar seus trabalhos publicados ao longo de sua carreira como pedagogo

daqueles sobre a nova doutrina. Allan Kardec foi sugerido o nome sugerido pelo espírito Zéfiro em uma sessão mediúnica, por indicar a encarnação em que Rivail foi um sacerdote druida dedicada ao ensino e à filosofia, tal como naquela encarnação.

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Este livro é um marco para os estudos espiritualistas e inicia uma nova

etapa do espiritualismo, como descreve por Arthur Conan Doyle em “A História do

Espiritualismo”, editado em 1926. “O Espiritualismo na França e entre povos latinos

segue Allan Kardec, que prefere usar o termo Espiritismo, sendo seu principal

aspecto a crença na reencarnação” (2013, p. 429). A definição feita sintetiza a mais

representativa das doutrinas espiritualistas daquele tempo.

Nesse primeiro livro o agora chamado Allan Kardec logo busca definir a

nova doutrina e distingui-la do espiritualismo até então exercido. “Diremos, então,

que a Doutrina Espírita ou Espiritismo tem por princípio as relações do mundo

material com os Espíritos ou seres do mundo invisível” (KARDEC, 2001, p. 11).

A doutrina Espírita, codificada na segunda metade do século XIX, trazia em

seu corpo doutrinário diversos pensamentos e correntes filosóficas que

proporcionaram características racionais as novas convicções espirituais.

Sem dúvida o magnetismo, que vinha sendo estudado como um conjunto de

fenômenos associados à atração ou repulsão observada na matéria através

de correntes elétricas, preparou o caminho que permitiria uma maior

propaganda espírita, com o qual seria mais tarde associado (JUNIOR, 2016,

p. 17)

Em seguida, foram publicados outros quatro livros que formam a

coletânea chamada de Obras Básicas: O Livro dos Médiuns (1861), O Evangelho

Segundo o Espiritismo (1864), O Céu e o Inferno (1865) e A Gênese (1868). Juntos,

reúnem os princípios do Espiritismo, descrita como uma doutrina que une filosofia,

ciência e moral religiosa.

Sobre a importância da figura central de Allan Kardec neste principio e

sobre a problemática que perpassa o movimento espírita, Bernardo Lewgoy afirma

Kardec foi um homem das Luzes, que criou uma religião altamente

relacionada com os ideais de sua época: a laicidade, o progresso e o

espírito científico, tendo atraído cientistas e literatos. [...]

Nesse sentido, o espiritismo anunciava-se como uma religião natural, o que

originou uma tensa e não resolvida relação entre demonstração

experimental e revelação, que significa que seu prestígio era dependente da

simpatia da comunidade intelectual pelo fenômeno. (2008, p. 85 - 86).

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No Brasil, “acredita-se que imigrantes, leitores de jornais europeus, foram

os primeiros a reproduzir aqui, em meados do século passado [XIX] o que já era

moda na Europa: [...] comunicação com os mortos por meio das mesas girantes”

(STOLL, 2003, p. 41- 42). Os primeiros centros espíritas surgiram em 1865, no Rio

de Janeiro, e em 1873, em Salvador, e tinham a participação de membros da colônia

francesa da Corte e membros da elite e da classe média.

Logo, proliferaram diferentes núcleos espíritas pela capital do Império e

outras cidades, ora interessados no viés religioso ora no científico. Foi criada em

1884 “a Federação Espírita Brasileira (FEB), com a expectativa de filiar todos os

grupos e tendências espíritas, independente de suas divergências” (DOS SANTOS,

1997, p. 19). O movimento espírita disseminou-se para os estados de São Paulo,

Minas Gerais, Rio Grande do Sul, entre outros da região nordeste, se organizando

em federativas, associações e uniões.

A unificação do movimento espírita brasileiro aconteceu em 1949 pelo

chamado “Pacto Áureo”, “por ele a FEB ficava no centro do processo de unificação e

aceitava a instalação de um Conselho Nacional Federativo [...] Estabeleceu-se

também que a obra de Kardec seria a referência básica” (DOS SANTOS, 1997, p.

61) do movimento espírita brasileiro, ou seja, cada estado teria um representante no

Conselho Nacional Federativo (CNF) da FEB para participar da articulação de

diretrizes, divulgação, entre outros assuntos e, nenhuma ideia contraria àquelas

divulgadas na Codificação poderia ser aceita.

O espiritismo consolidou-se no Brasil em grande parte pela literatura

espírita, fruto, em grande parte, da comunicação por meio da psicografia, textos

escritos e ditados por um espírito a um médium. A mediunidade de cura aliada a

obras sociais também são apontadas por José Luiz dos Santos como características

do movimento espírita.

De acordo com dados colhidos pelo Censo 2010 realizado pelo Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), em que foi pesquisada a religião

professada por 20.635.472 pessoas - fração amostral efetiva da ordem de 10,7%

para o País (p. 22), o espiritismo, a terceira maior religião do Brasil e pano de fundo

do objeto deste trabalho, obtêm cerca de 3.848.876 adeptos, 2% da população

brasileira. Representando um pequeno crescimento desde o último censo de 2000

que registrou 1,3% de espíritas no Brasil. Na pesquisa, a religião espírita é

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interpretada diante ao destaque que ela ganha quando são analisados os perfis

etário, étnico escolarização e renda.

Este é o grupo religioso com a mais elevada idade mediana, 37 anos.

Também é revelado que “68,7% eram brancos, percentual bem mais elevado que a

participação deste grupo de cor ou raça no conjunto da população (p. 101) e que

também possui a taxa de alfabetização mais elevada dos demais grupos, 98,6%, (p.

102) com elevados índices de pessoas graduadas. Acompanhando tal tendência,

também verifica-se que, o espiritismo apresentou a maior média de pessoas com

rendimento acima de 5 salários mínimos, estabelecidas pelo instituto, 19,7% do total

de espíritas. Deste modo, enxergamos a maior motivação comercial em inserir

elementos próximos da doutrina deste grupo religioso na programação televisiva por

meio das telenovelas

3.2 O Espiritismo na mídia

Assim como qualquer outro segmento social ou religioso, o espiritismo

busca desde seu desenvolvimento abrir diálogos com seus seguidores ou curiosos

sobre sua doutrina para a troca de conhecimentos, vivências, e como modo de

difusão de sua mensagem e a difusão de seu movimento. Em seu histórico podemos

destacar o intenso uso de mídias impressas, como livros, revistas, jornais e cartilhas

(por ser parte da cultura da palavra escrita), eletrônicas e digitais (rádio, televisão,

internet – websites, mídias sociais, webtv, podcasts – que têm como propósito

transmitir conteúdos doutrinários em narrativas dos gêneros romance ou doutrinário,

outros que associam conceitos espíritas a assuntos da atualidade. Todas essas

iniciativas juntas ou isoladamente ajudaram a construir o movimento espírita

brasileiro e encaram a problemática da distribuição, a qual abordaremos nas

próximas páginas.

Um importante momento da midiatização do espiritismo neste período de

desenvolvimento de seu movimento enquanto instituição foi a Revista Espírita.Com

o objetivo de intensificar o processo de disseminação das ideias espíritas para

cativar novos adeptos à doutrina da nova filosofia espiritualista, Allan Kardec lança

em 1858 a Revue Spirite, no francês. A iniciativa tinha como objetivo fazer desta,

uma nova tribuna em que haveria espaço para a publicação de textos escritos por

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diversos autores, e um canal de comunicação, debate circulação de opiniões com os

interessados e seguidores do espiritismo naquele momento em que a prática

mediúnica se alastrava pela Europa e buscavam-se informações sobre os

fenômenos associados a essa prática, e a interligação de centros de estudo e

práticas espiritualistas/espíritas que começavam a surgir.

A interface entre e mídia e a religião espírita no Brasil dá-se desde o

princípio do desenvolvimento do movimento até então filosófico espiritualista. De

acordo com Jacqueline Stoll (1998), o principal instrumento de divulgação utilizado

neste momento foi a palavra escrita. O primeiro periódico espírita brasileiro a

despontar foi Echos de Além-Túmulo, lançado na Bahia em 1865, logo em seguida

veio a primeira impressão nacional de O Livro dos Espíritos (ainda em francês, mas

que em 1900 já teria sido traduzido). Esses dois eventos incentivaram a proliferação

de publicações com temáticas espíritas, como destaca a autora:

Esse investimento editorial conduziu o Brasil a uma posição de destaque no cenário internacional: segundo o jornalista João do Rio, uma testemunha de época, por volta do ano de 1900 existiam “no mundo 96 jornais e revistas (espíritas), 56 em toda a Europa e 19 só no Brasil” (Rio, 1951, p. 190). (STOLL, 1998, p.42)

Essas publicações eram produzidas por centros e instituições espíritas, e

profissionais liberais ligados ao movimento. Nesse contexto, podemos citar o veículo

espírita mais tradicional, O Reformador, fundado em 1883, pelo fotógrafo Augusto

Elias da Silva, com circulação ativa até os dias atuais. Grande parte das publicações

circulava nas imediações da cidade do Rio de Janeiro, podendo citar: A

Fraternidade, Humildade, Mundo Espírita e Brasil Espírita,

O ideal espírita começou a “chegar pelos telhados” de lares brasileiros

pelo sistema de radiodifusão entre os anos 1936 e 1937 em Araraquara, interior do

estado de São Paulo, por meio de conferências espíritas semanais comandadas por

Cairbar Shutel, divulgador espírita, político e farmacêutico, transmitidas pela Rádio

Cultura Araraquara em ondas médias (AM) na freqüência de 1.370 kHz, que

atingiam a audiência de Recife e Salvador. De acordo com Tarcísio Martins Dantas

(2012), as “conferências radiofônicas versavam sobre os mais variados assuntos,

tais como a imortalidade da alma, finalidade da existência terrestre, o Espiritismo e o

Cristianismo e tantos outros assuntos” (p. 41 - 42). Também podemos citar o

programa espírita “Hora Espiritualista”, lançado em 1937, com a idealização e

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apresentação do jornalista João Pinto de Souza na Rádio Sociedade Fluminense, a

partir de 1938 passou a ser transmitido pela Rádio Transmissora do Rio e é, desde

então, o programa espírita mais duradouro em tempo de atividade. Outra importante

rádio espírita é Rádio Boa Nova, mantida pelo grupo de mídia da Fundação Espírita

André Luiz, e que desde 1975 dedica-se a transmitir uma programação com

assuntos doutrinários, de bem estar, comportamento, transmissão e divulgação de

eventos, entre outros.

A transmissão de conteúdos espíritas pela televisão é um dos tópicos

mais sensíveis desta discussão. Considerando a capacidade da TV em atingir uma

grande massa de público e gerar significados, seria esta a mídia ideal para ser

utilizada, entretanto, há uma forte deficiência estrutural e técnica no processo de

produção de programas, distribuição e acesso ao sinal de canais espíritas ou ainda

espaços alugados em emissoras comerciais de TV. Com isso, a única emissora

inteiramente espírita é a TV Mundo Maior, fundada há 10 anos pela Fundação

Espírita André Luiz, que possui também a produtora Mundo Maior Filmes.

Já a inserção do espiritismo na televisão comercial acontece por meio de

reportagens, talk-shows, programas especiais que têm como enfoque a vida de

médiuns, mediunidade, reencarnação, conceitos espíritas ou cultura espírita (livros,

filmes...). É a ficção, telenovelas e seriados, o gênero da programação com maior

regularidade na representação do espiritismo. A novela espírita/espiritualista mais

marcante foi justamente a primeira, A Viagem - escrita por Ivani Ribeiro, inspirada

nos livros Nosso Lar e E a vida Continua, psicografados pelo médium Chico Xavier,

e exibida pela Rede Tupi entre 1975 e 1976. Em 1994, o folhetim ganhou um

remake feito pela TV Globo, reprisado por quatro vezes: no programa Vale A Pena

Ver de Novo (1997 e 2006), na Globo Internacional (2004) e no Canal Viva

(2014/2015), além de ter sido vendida para mais de 15 países. Com efeito, tais

produções elevam o interesse do público pela religião, chegando até mesmo a

aumentar a vendagem de livros espíritas. No início da mesma década de 1970, foi

ao ar o principal episódio da representação do espiritismo na televisão brasileira, a

entrevista do médium Chico Xavier no programa Pinga Fogo.

“A noite de 28 de Julho de 1971 foi diferente. Tornou-se uma noite

histórica para São Paulo e para o Brasil. Muita gente até hoje se pergunta porque

estava diante de um aparelho de TV, esperando o ”Pinga Fogo” do Canal 4.”

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(Gomes, 2010, p. 9), assim descreve o jornalista Saulo Gomes sobre aquela edição

de seu programa de perguntas e respostas que teve como convidado o médium

Francisco Cândido Xavier, o Chico Xavier. Na tribuna, o mineiro recebeu

questionamentos de teor religioso, além de perguntas ligadas à ciência,

mediunidade, saúde, entre outras temáticas. Como resposta, a demonstração da

vanguarda do Espiritismo com direito a intervenções mediúnicas. Marcel Souto

Maior, jornalista e biógrafo do médium descreve que “Muitos espíritas enrustidos, ou

católicos não-praticantes, assumiram a religião. Céticos passaram a acreditarem

vida após a morte” (2003, p. 196).

Mesmo sem grande histórico, o cinema espírita registra desde os anos

2000 um movimento de uma tímida ascensão do gênero a partir dos filmes: Bezerra

de Menezes - O Diário de um Espírito (2008); Nosso Lar e Chico Xavier (2010), que

marcaram celebração do centenário do médium; O Filme dos Espíritos e As Mães de

Chico Xavier lançados em 2011; E a Vida Continua (2012) e Nosso Lar 2 – Os

Mensagem (em produção), além de documentários. Este cenário que leva multidões

às salas de cinema também ganham espaço em eventos como o Festival de Cinema

Transcendental e a Mostra de Filmes Espíritas.

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Com o desenvolvimento das plataformas digitais e a democratização

da produção de conteúdo na internet vemos atualmente a profusão da criação de

páginas e canais de conteúdos espíritas em diferentes mídias digitais com o

objetivo de divulgar a doutrina espírita. Uma das características desta nova fase

é a produção estendida ao público jovem, que ao longo desse processo midiático

ficou à margem, e o humor como elemento presente. Podemos destacar a

página Espiritismo da Depressão, no Facebook, e os canais de vídeos ou

programas como Amigos da Luz, Meninas Espíritas, o programa “Minha Nada

Mole Encarnação” da FEBTV, Galera Espírita, entre outros. Já na divulgação

institucionalizada a internet é utilizada em média escala para espaços como

webTVs, como a FEBTV, da Federação Espírita Brasileira, TVCEI, do Conselho

Espírita Internacional, Allan Kardec TV, o projeto Portal Ser, responsável também

pelo podcast podSER, e as rádios online Fraternidade, Boa Nova, Mundo Maior,

Síntese Web, Vivência Espírita, Ismael - Deus, Cristo e Caridade, entre outros

veículos; é neste ambiente de fronteira livre que a midiatização do espiritismo

possui extenso potencial para a produção e consumo de conteúdos relacionados

ao espiritismo, em diferentes formatos e plataformas.

O resultado da geração e distribuição de conteúdos espíritas é a

ampliação e a manutenção do movimento religioso que são expressos pelo consumo

de livros, principal fonte de informações da doutrina e vivência do espiritismo, e a

freqüência aos chamados centros espíritas.

Como pode ser visto, a midiatização do Espiritismo acontece, seguindo o

perfil dos veículos, em duas distintas esferas: geral, ao ser pautada por publicações,

portais, produções de teledramaturgia, cinema, programas de TV em meios leigos,

submetidos à lógica comercial e a um variado universo de temas; específica,

realizada por periódicos (jornais, revistas, boletins), sites, programas de rádio e

[web]TVs dedicados exclusivamente ao conteúdo espírita, produzido por órgãos com

objetivo de divulgar a doutrina.

É a partir dessa realidade que sobressai uma das características mais

marcantes da midiatização do espiritismo e seus espaços na mídia: o uso de

seções, colunas, e horários alugados na grade de programação ou de programas

veiculados na grande mídia leiga. Esse uso desenvolve uma dicotomia de sentidos:

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o positivo, pelo conteúdo espírita ocupar um espaço atípico na transmissão de sua

mensagem para um público mais amplo, e o negativo que ressalta a carência de

espaços midiáticos próprios e com larga distribuição territorial, não restrita às suas

regiões de origem ou determinado sistema de transmissão, e adesão às companhias

que mediam esse processo, tais como as operadoras de TV paga. Esta problemática

da midiatização espírita materializada no contexto das mídias próprias ou

específicas do movimento religioso, que não possuem grande alcance e aceitação

de consumo pelo público, é gerada por fatores técnicos, podendo citar: a

compreensão da linguagem televisiva, a idealização e produção de conteúdo

adequado à mensagem e formato, bem como a equipamentos, captação,

transmissão e distribuição.

Ao compreender o contexto de desenvolvimento do espiritismo, o

fortalecimento de seu movimento religioso no Brasil e sua midiatização, podemos

considerar que o atual movimento espírita brasileiro, mesmo sendo o país com maior

presença de espíritas, não consegue assimilar a demanda de divulgação de sua

doutrina, seus ideais ou eventos pela mídia impressa, eletrônica ou digital e suas

novas plataformas ou formatos, ao contrário da realidade primária em que registrou

uma profusão de publicações. Na esfera da midiatização espírita realizada pela

grande mídia, a qual possui as condições para a temática espírita chegar a variados

públicos de interesse e atraí-lo, podemos concluir que a produção de conteúdo

jornalístico ou de entretenimento desses veículos envolvendo tal valor religioso

expressa sentidos oscilantes uma vez que a mensagem espírita representada estará

submetida à lógica do espetáculo midiático e de interesses mercadológicos.

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CAPÍTULO 4 – ALÉM DO TEMPO E O ESPIRITISMO

Neste capítulo vamos apresentar o estudo de caso da novela Além do

Tempo trabalhando as teorias, hipóteses e problemáticas discutidas ao longo deste

trabalho. Para isso, apresentaremos a ficha técnica, a sinopse da novela e as

conexões com o espiritismo nela existente.

A seguir, realizaremos a análise de como cinco principais elementos

espíritas são representados ou associados na novela. Eles foram definidos a partir

dos dados levantados no capítulo 2 deste trabalho e que encontramos ao analisar de

modo mais completo o enredo da novela classificada popularmente como “espírita”.

Na análise teremos como material o texto do diálogo, o cenário, o figurino e a

interpretação dos personagens comparados a definições espíritas para compreender

as limitações e problemas dessa associação.

4.1 A novela

Além do Tempo foi escrita por Elizabeth Jhin com a colaboração de Eliane

Garcia, Lilian Garcia, Duba Elia, Renata Jhin, Vinicius Vianna e de Wagner de Assis

(roteirista e diretor do filme espírita Nosso Lar, lançado em 2010, e de Nosso Lar 2 –

Os mensageiros, em produção), e direção geral de Pedro Vasconcelos, a novela

Além do Tempo foi exibida pela TV Globo na faixa das 18h entre 13 de julho de 2015

e 16 de janeiro de 2016. A novela registrou uma expressiva repercussão ao registrar

a maior audiência do horário (20 pontos na grande São Paulo) desde 2013, e ser a

novela mais elogiada na Central de Atendimento ao Telespectador (CAT) da Rede

Globo (25% dos elogios feitos à dramaturgia diária da emissora), de acordo com

Marcelo Stycer (2016).

A novela apresenta em duas fases a história de amor vivida em algumas

existências por Lívia (Alinne Moraes) e por Felipe (Rafael Cardoso). Lívia uma

jovem humilde prestes a retornar para o convento sob a imposição de sua mãe de

saúde frágil, Emília (Ana Beatriz Nogueira), que é dona da taberna da cidade. Felipe

é de família nobre e noivo de Melissa (Paola Oliveira).

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No século XIX, os dois encontram-se na cidade gaúcha Campobello e

vivem uma história de amor, “nascem um para o outro” (XAVIER, 2015), além de

enfrentar as provações e obstáculos criados pela Condessa Vitória Castellini (Irene

Ravache), mãe do rapaz e sua noiva (Paola Oliveira). Ainda nesse período,

acompanhamos as tensões familiares ao redor de Emília, como o possível

envolvimento de Pedro (Emilio Dantas), filho de sua amiga Gema (Louise Cardoso),

e o retorno da Condessa Vitória para Campobello que a deixa mais ansiosa pelos

votos perpétuos da filha.

Na segunda fase a trama avança um século e meio na história, chegando

à atualidade. Nos capítulos da nova existência, os papéis sociais são trocados, mas

as armações de Melissa continuam e Vitória é agora uma camponesa falida.

Fazendo referência à lei de causa e efeito nas encarnações vividas. É nesta fase em

que acontecem os momentos de redenção e a evolução moral e espiritual dos

personagens, incluindo o desfecho da trajetória de provações do casal protagonista.

4.2 Espiritismo na novela

Em Além do Tempo nove personagens estão associados diretamente à

representação do espiritismo, visto que grande parte do elenco também reencarna e

teve sua história continuada ao longo da segunda fase da trama e marcada por

conflitos e ligações desenvolvidos na primeira fase, ou melhor, na outra vida.

O personagem que mais bem representa a ligação da novela com a

doutrina espírita é Mestre (Othon Bastos), que é a ponte entre os seres humanos e o

mundo superior, uma espécie de espírito superior que acompanhou a evolução dos

personagens ao longo da trama e esteve presente em acontecimentos marcantes

nos dois períodos da trama. Em diferentes momentos relacionados à abordagem

espírita na novela é ele quem tem a função de mediar os conflitos entre questões

espirituais e os dilemas terrenos ao transmitir determinada lição ou conselho a

outros personagens, sempre utilizando elementos da doutrina espírita em seu

discurso. Seu arquétipo é bem marcado pelo aspecto idoso do ator, que transmite

experiência e sabedoria, características complementadas pelo figurino em tons

sóbrios e um cajado utilizado na mão direita, expressando um sentido mágico e

divino. A figura do ator Othon Bastos, com uma caracterização de figurino e voz

semelhante a do personagem Mestre, aparece também na narrativa como o

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personagem Elias, que segue o mesmo padrão de suporte espírita doutrinário e

moral; surgindo aí a ambiguidade sobre o qual é a associação entre os

personagens, pois ela não é descrita em nenhum momento da novela, somente

subentendida no trecho que traça a trajetória de Mestre na segunda fase da novela

(período em Elias aparece). “Ainda está sempre por perto de Belarrosa para

aconselhar e ajudar todos os moradores da cidade.” (Gshow, 2015) e demonstrada

pelos dois personagens ocuparem o mesmo cenário

Figura 1 Personagem Mestre caracterizado

Fonte: Fábio Rocha / TV Globo/Divulgação

A partir de agora, partimos para a análise da inserção de elementos

espíritas na novela Além do Tempo. A escolha dos elementos analisados partiu da

observação do enredo da narrativa, como eles eram inseridos e seu lugar na

construção da trama espiritualista da novela, além dos dados adquiridos no

levantamento realizado no capítulo 2 (no qual consideramos a sinopse, as tramas

principais e paralelas, e o perfil dos personagens disponíveis no site

http://memoriaglobo.globo.com) e também foram assistidas cenas da novela Além do

Tempo (REDE GLOBO, 2015) para verificar elementos não apresentados

anteriormente com o objetivo de buscar as temáticas que representavam o

espiritismo na trama.

Os cinco temas são:

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1) Influência dos espíritos, anjos e protetores: Partindo da idéia que tal

temática é abordada ao longo de toda a trama, em diferentes momentos e

envolvendo diversos personagens, iremos analisar a atuação de dois personagens

ligados diretamente ao assunto, agentes desta representação, o anjo Ariel e o

Mestre. Observando o arquétipo dos personagens e a construção do diálogo travado

na cena para buscar semelhanças semânticas e conceituais entre o objeto e o

espiritismo.

2) Vida espiritual e reencarnação: Será analisado como o processo de

reencarnatório dos personagens é realizado por meio da construção dramática da

sequência. Enxergando como é realizada a transição de vidas (expressa como a

mudança para a segunda fase da narrativa) e a inserção deste tema na trama

perante a perspectiva de Lívia e Felipe, protagonistas da novela.

3) Simpatia terrena de espíritos: Para tal análise, pretendemos

compreender como esses conceitos estão inseridos na cena em ressonância com a

perspectiva espírita das temáticas ou de modo genérico na cena determinada, a qual

traz principalmente os personagens Chico e Raul, que compõe a trama paralela e

expressam tais ideias.

4) Mediunidade: Analisaremos como a abordagem da temática está

associada ao universo espírita ou se é encarada como uma faculdade intelectual

consequente ou mágico, considerando a performance de Mateus, personagem

agente desse elemento e também daqueles que estão envolvido neste núcleo

temático.

5) Chico Xavier: Buscamos analisar nesta categoria a associação da

imagem de Francisco Cândido Xavier (Chico Xavier), médium considerado o mais

expressivo representante do espiritismo no Brasil, realizada na última cena da

novela, visto que tal representação traz a associação mais direta entre a novela e o

movimento espírita e registra tal ligação.

Em seguida, realizamos a seleção das cinco cenas que faziam alusão às

temáticas espíritas buscando as cenas no site https://globoplay.globo.com utilizando

como palavras-chave nome de personagens e termos associados ou situações

levantadas no primeiro momento descrito acima, para então escolher as cenas que

apresentavam maior significado para nossos objetivos e na trama. Para cada

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subseção, escolhemos uma cena específica ou uma sequênciade cenas para ser

analisada, apresentando no início de cada entrada o diálogo dos personagens

devidamente identificados com:

1) Data: Data na qual foi exibida a cena;

2) Capítulo e cena: Número do capítulo que contém a cena e seu

número naquele capítulo;

3) Descrição da cena: Informação sobre o principal acontecimento da

cena (item gerado pelo site Globoplay)

Quadro 6 Sequências de cenas analisadas na temática espírita em Além do Tempo

Fonte: pesquisa do autor

4.2.1 Influência dos espíritos, anjos e protetores

Nesta primeira sequência a ser analisada trataremos sobre um dos

principais pilares da referência espírita em Além do Tempo, a atuação de espíritos

sobre outros personagens, seja protegendo ou interferindo negativamente. Nesta

cena acompanhamos o diálogo de dois espíritos Mestre e Ariel, que interpreta de

modo arbitrário o sentido dos acontecimentos em que seus protegidos estão

vulneráveis, gerando situações atrapalhadas ou marcantes na trama para impedi-

los, e sempre é repreendido por seu tutor.

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Ariel: Mestre, o senhor como eu sinto a sua falta.

Mestre: Eu sei. Eu sei que você está se esforçando para conter os impulsos

e interferir no destino das pessoas.

Ariel: Mas é isso que confunde senhor. Se eu ainda tivesse meus poderes,

eu poderia ter evitado eu o menino Alex caísse do cavalo, que sofresse

tanto.

Mestre: Ariel, você perdeu seus poderes pela forma errada de usá-los . Se

for permitido que isso acontecesse com o menino é porque de certa forma

estava nos planos do altíssimo. Ou então, algum outro anjo o impediria de

montar sozinho. E vocês, aonde estava?

Ariel: Eu levei a Lívia para avisar a dona Emília que a Condessa pretende

levar o filho logo à noite. Isso não pode acontecer, mestre

Mestre: Ariel, Ariel, Ariel, Ariel, você ainda não entendeu que é importante

que mãe e filho se encontrem? Como eles vão resgatar os débitos de vidas

passadas, de outras vidas. (REDE GLOBO, 2015, cap 73).

Figura 2 Ariel e Mestre dialogam Fonte: Rede Globo/reprodução

A influência dos espíritos, tema principal da cena, é apresentada em

harmonia com os conceitos abordados amplamente no espiritismo, como no item

"Influência dos Espíritos nos acontecimentos da vida" do Capítulo IX – Da

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intervenção dos Espíritos, mundo corporal no O Livro dos Espíritos, o qual diz na

questão 525:

Assim é que, provocando, por exemplo, o encontro de duas pessoas, que suporão encontrar-se por acaso; inspirando a alguém a idéia de passar por determinado lugar; chamando-lhe a atenção para certo ponto, se disso resulta o que tenham em vista, eles [os espíritos] obram de tal maneira que o homem, crente de que obedece a um impulso próprio, conserva sempre o seu livre-arbítrio. (KARDEC, Allan, 2004, p. 332 - texto entre colchetes do autor)

Em outro momento, do mesmo capítulo, é dito que tal influência em

pensamentos e atos são “Muito mais do que imaginais. Influem a tal ponto, que, de

ordinário, são eles que vos dirigem.” (p. 302). A partir de tais aspectos, podemos

verificar uma familiaridade entre tais ideias e o discurso esclarecedor, com um

sentido até mesmo didático, voltado a Ariel, mas também ao público que assiste,

pois tal sentença pode ser aplicada na vida cotidiana, das pessoas não intervirem na

trajetória alheia.

A nomeação de Ariel como "anjo" traz uma multiplicidade de sentidos, em

sintonia ou dissonância com a doutrina espírita, visto que "o termo é sinônimo de

Espírito" (KARDEC, Allan, 2004, p. 133), entretanto, na mesma questão é explicado

que anjos são os espíritos puros e que despertam a ideia de pureza moral. Portanto,

mesmo que os termos sejam semelhantes, o critério "pureza moral" aplicado aos

conflitos do personagem revelados na cena, nos faz induzir que Ariel, de acordo com

as ideias espíritas, não classifica-se como anjo, e sim como um espírito imperfeito,

ora bondoso ora imperfeito.

Outro arquétipo dissonante à doutrina e aplicado a Ariel é o de "anjo na

terra" ou "anjo caído", e ao Mestre, definido como "a ponte entre os seres humanos

e o mundo superior"4, visto que no espiritismo não é aplicada a materialidade de

espíritos nessa concepção de uma entidade que ora está encarnada ora está em

contato direto com o outro plano. No espiritismo há dois estados principais: a alma

encarnada, que ocupa um corpo denso e material, e o espírito, etéreo e fluido. Tal

intersecção dos personagens fica evidente nesta cena analisada e em outras

quando eles têm contato com outros personagens (encarnados) pela carência de

elementos cênicos e visuais que marcam tal estado, uma vez que não há alteração

nem mesmo no padrão do figurino.

4 As definições apresentadas entre aspas foram retiradas do perfil dos personagens na seção Galeria de Personagens de Além do Tempo no site Memória Globo.

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Há então nos personagens Mestre e Ariel a representação de “espíritos

protetores”, outro conceito enunciado pela doutrina codificada por Allan Kardec, e

que de acordo com O Livro dos Espíritos têm a missão de “de guiar o seu protegido

pela senda do bem, auxiliá-lo com seus conselhos, consolá-lo nas suas aflições,

levantar-lhe o ânimo nas provas da vida” (2004, p. 317) e que define bem o papel

exercido por Mestre, espírito evoluído, e Ariel, ainda em evolução e que, de acordo

com o mesmo texto pode realizar tal tarefa. Ao utilizar tal figura, vemos a possível

intenção de associar os personagens a elementos conhecidos do movimento espírita

brasileira que são os mentores. Geralmente, esses são apresentados sendo

relacionados a seus protegidos, como Emmanuel e Chico Xavier ou ainda Joanna

D‟Angelis e Divaldo Franco.

O uso do termo "poder" utilizada por Mestre não é muito usável para o

contexto espírita, mesmo que ela tenha um uso pedagógico, sendo melhor utilizar

habilidades, visto que poder precede uma ideia imaginada coletivamente como

mágico.

4.2.2 Reencarnação

A cena começa ainda no século XIX com Lívia e Felipe abraçados em

estado de transe, entre a vida terrena e a espiritual, no fundo de um rio, após

Melissa jogar Lívia do penhasco e Pedro ataca Felipe com um golpe de espada no

peito e ser lançado também às águas.

Lívia: Você sabe rezar? Reza comigo. Tem que ter fé.

Felipe: Não acredito num Deus que parece se divertir com o sofrimento

humano.

Lívia: Eu sei o quanto está sofrendo. Eu sinto muito, me dói muito vê-lo

assim... Eu queria tanto que fosse diferente, que tudo fosse diferente.

Felipe: Que Deus é esse, Lívia? Que parece se divertir, que permite que os

se amam se separem, que permite que você, que eu amava...

[ESTAÇÃO DE METRÔ] Felipe: que nunca deixei de amar

Lívia: Alô! Ai, peguei um engarrafamento horrível. Eu to no metrô... não,

mas é mais rápido... Tá... eu to chegando. Tá... beijo.

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A partir daí a câmera rompe as águas e segue a cena na atualidade

acompanhando Lívia e Felipe na estação de metrô em um jogo de câmeras lenta e

acelerada. Ela caminhando ocupada usando o celular ele e ele caminhando e

olhando para os vagões que passam. Até que os Lívia e Felipe se aproximam no

momento do embarque e Ariel o empurra, impedindo o reencontro; fazendo com que

o protagonista perca a entrada no metrô. Mesmo assim Lívia e Felipe trocam olhares

por entre a vidraça do vagão com impressões de reconhecimento e encantamento,

até se perderem de vista.

A última tomada da cena é um diálogo entre Ariel e Cícero subindo a

escadaria da estação de metro e caminhando pela rua:

Cícero: Ariel, por que impediu o Felipe e Lívia de se encontrarem?

Ariel: O amor não vale à pena, amigo Cícero. Não lembra o que aconteceu

com esses dois em outra vida? O melhor é não se aproximarem de novo.

Cícero: O que aconteceu, meu amigo, teve um motivo, nada foi um

acidente ou por acaso. Não aprendeu a lição?

Ariel: Que importa?! Eu já perdi meus poderes... Vamos, porque temos

muito o que fazer

Cícero: Vai levar uma carraspana do mestre.

Ariel: Carraspana, amigo Cícero?

Cícero: Sim...

Ariel: Estamos em pleno século XXI, diga: sacode, esculacho, que o Mestre

vai me zoar... Você tem muito o que aprender. (REDE GLOBO, 2015, cap

88).

Figura 3 Felipe e Lívia após serem jogados do penhasco. Fonte: Rede Globo/reprodução

Observamos o significativo uso da água na sequência que introduz a

representação da reencarnação, mesmo que o elemento natural não esteja

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associado diretamente ao espiritismo, podemos associar à simbologia de recomeço,

renascimento, purificação e ainda à gestação de um novo ciclo que os dois

personagens centrais da novela estavam para iniciar.

Enquanto que o a estação de metrô, os vagões correndo e os usuários

caminhando pela plataforma dão o sentido de movimento, de passagem de tempo,

de diversos momentos vividos enquanto Lívia e Felipe seguiam sua trajetória até se

reencontrarem.

Mesmo que esta sequência tenha uma forte carga dramática subjetiva,

tendendo ao lúdico e ao romântico, como dito, e que poderia desassociar totalmente

dos fundamentos espíritas, podemos creditá-la como um elemento positivo na

encenação, na interpretação visual do processo reencarnatório e como acontece as

aproximações com espíritos simpáticos, tema de outro item deste trabalho.

A cena da morte de Lívia e Felipe demonstra alguns aspectos típicos deste

período pós-morte e além-túmulo, como os conflitos de Felipe que revolta-se com

Deus por estar sendo separado de sua amada e o contato, a comunicação e

continuação desta ligação entre os personagens no estado etéreo, espiritual mesmo

após serem separados pela morte física, material, tal aspecto é evidenciado no

diálogo que Lívia inicia com seu companheiro. Os dois elementos utilizados são

parte relevantes do imaginário espírita, uma vez que são narrados nos livros

classificados como "romance espírita" por narrar justamente a vida espiritual do

narrador-personagem e recuperar o momento de sua morte, sendo um exemplo o

livro best-seller Nosso Lar, do espírito André Luiz e psicografado por Chico Xavier, o

primeiro da série A Vida no Mundo Espiritual.

Já a representação da reencarnação pode ter valor positivo ao

demonstrar, mesmo que de modo implícito, o quão extenso é o processo

reencarnatório, não imediato ou com uma precisão datada deste momento e

também de provas e laços de simpatia que os personagens terão. Entretanto, a

representação dessa temática perde significados quando, por motivos estéticos, de

elenco e didáticos, os personagens na nova encarnação continuam sendo

interpretados pelos mesmos gêneros, interpretado pelos mesmos atores, só

mudando sua posição social ou familiar, o que de acordo com Allan Kardec não

acontece

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Os Espíritos encarnam como homens ou como mulheres, porque não têm sexo. Visto que lhes cumpre progredir em tudo, cada sexo, como cada posição social, lhes proporciona provações e deveres especiais e, com isso, ensejo de ganharem experiência. Aquele que só como homem encarnasse só saberia o que sabem os homens. (2004, p 173-174).

O reencontro entre Lívia e Felipe pode ser analisado de acordo com as

preposições levantadas no tópico Simpatia terrenas de espíritos. Como dito nesse

mesmo item 4.4, a estratificação do perfil dos personagens no esteriótipos de

mocinhos, típica do formato novelista, de Além do Tempo cria também um ruído na

definição espírita para o objetivo da reencarnação:

A doutrina da reencarnação, isto é, a que consiste em admitir para o Espírito muitas existências sucessivas, é a única que corresponde à idéia que formamos da justiça de Deus para com os homens que se acham em condição moral inferior; a única que pode explicar o futuro e firmar as nossas esperanças, pois que nos oferece os meios de resgatarmos os nossos erros por novas provações. (KARDEC, 2004, p. 158),

visto que no enredo da novela faz parecer que Lívia e Felipe são vítimas

de ações contrárias de Vitória, Emília, Melissa e Pedro, enquanto que de acordo

com tal teoria eles são dignos dessa provação.

4.2.3 Simpatia terrena de espíritos

A sequência analisada traz a temática mais presente na representação do

espiritismo em Além do Tempo, a simpatia terrena de espíritos (e em outro momento

a antipatia). Na cena do capítulo 101 acompanhamos Chico, que orfão de pai e mãe

é adotado por Gema, patroa de sua mãe e esposa de Queiroz, o qual acaba

rejeitando-o por racismo e ainda ameaçando o menino de levá-lo a um abrigo, acaba

fugindo para a mata, onde é encontrado por Raul e Bernardo.

Bernardo: Marina, eu não desliguei o celular, estava fora de área... É, a gente deve tá perto de Belarosa e o sinal voltou... Foi, a gente veio devagar, né, região linda. E você conhece o Raul, ele quer parar em todo lugar para fotografar. Agora mesmo ele tá lá fotografando uma gruta famosa da região. É...

Raul caminha na mata fotografando a paisagem até avistar pela lente da

câmera o corpo de um menino caído logo adiante.

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Raul: É uma criança!

Ele desce o barranco e vai até o menino deitado sobre as pedras. Raul: Ei, garoto! Mantenha a calma, eu vou lhe fazer mal não. Está tudo bem com você? Chico: To com fome. Raul: Onde você mora? Chico: Em lugar nenhum Raul: Não fique assustado. Eu vou lhe ajudar. Como é o seu nome? Chico: Francisco. Raul: O meu é Raul.

Os dois se cumprimentam dando as mãos e estendendo um sorriso de felicidade. Daí são alternardo takes que relembram Raul e Chico na outra encarnação do século XIX, em que eram pai e filho.

Raul: Vem! Chico: Ai, ai meu pé, ai... Raul: Quer ajuda aí? Machucou o pé? Chico: Eu andei muito e fez calo. Raul: Eu vou te colocar nas minhas costas lá em cima. Chico: Por que? Raul: Eu te levar para comer um sanduíche, topa? Chico: Aham. Raul: Vem... Isso aí garoto. Vem cá!

O fotógrafo coloca o menino nos ombros. Os dois riem. E seguem até o ponto em que o carro de Bernardo está estacionado.

Chico: Uma delícia o sanduíche! Obrigado. Bernardo: Tava com fome mesmo, hein, companheiro?! Raul: É... fala aí pra gente, Francisco, onde é a sua casa, onde está a sua mãe... Chico: Meu pai morreu, minha mãe também . Raul: É... e você vive assim pelo mato? Chico: Desde pequeno, sozinho no mato. Bernardo: Sozinho, cara? E você se alimenta de de que, fruta, raízes, essas coisas? Chico: É, e bebo água da chuva e do riacho. Raul: É estranho você está com tanta fome já que está acostumado a se alimentar com as coisas do mato Chico: De vez em quando eu também como um sanduíche Bernardo: Oh Francisco, essa roupa aíestá suja, mas é maneira, né, e esse tênis é bem legal também, apesar do calo no pé. Chico Tem gente caridosa que me dá coisa boa. Raul: Francisco, fala a verdade pra gente... Você não fugiu de casa, né, ou fugiu? Chico:É que o seu Queiroz não gosta de mim, disse que vai me mandar pro orfanato. Eu não quero ir. Bernardo: Calma, ninguém vai te mandar pro orfanato. Quem é esse Quiroz? Chico: É o dono da casa onde eu morava. E a dona Gema é a mulher dele, muito legal. Bernardo: Gema?

Chico confirma com sinal positivo com a cabeça.

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Raul: Mas espera aí... Gema e Queiroz, não é o nome da agência de turismo de Belarrosa? Só pode ser... Não, é impossível existir duas Gemas na mesma região. Bernardo: Claro que não. Vem cá, Francisco, a gente vai te levar pra Belarrosa Chico: Não moço, eu não quero ir pro orfanato, então, me deixa aqui. Bernardo: Calma, fica calmo. A gente é amigo, tá?! Raul: Oh Francisco, você é uma criança e a gente não pode deixar você aqui. A gente vai procurar esse Queiroz, essa dona Gema e vamos resolver o seu problema, certo? Bernardo: Ok? Direto pra Belarrosa, sem escalas... Deixa eu pegar o seu tênis. Está doendo? Chico: Não...

A sequência continua na casa de Gema, que está angustiada com o desaparecimento de Chico. A campainha toca e a empresária vai abrir a porta. Gema: Francisco!! Meu filho, Francisco... Bernardo: Com licença. (REDE GLOBO, 2015, cap 101).

Figura 4 Chico e Raul se reencontrando e os dois na outra encarnação Fonte: Rede Globo/reprodução

A representação da "simpatia terrena de espíritos" é expressa na cena pelo

encontro de Raul e Chico a beira do riacho de modo sutil e coerente com a doutrina,

visto que a simpatia dá-se pelo sorriso dos personagens ao deparar-se frente a

frente e na afinidade imediata expressa pelo diálogo fácil. O sorriso expressa tal

ligação pregressa e é utilizado cenicamente para marcar e demonstrar a simpatia

por meio do take que relembra os dois na vida passada e que eram pai e filho. Essa

sutiliza no sentimento de simpatia entre espíritos vai de encontro às ideias espíritas,

pois para há a crença que não há o reconhecimento direto, consciente, mas

Podem, porém, sentir-se atraí-dos um para o outro. E, freqüentemente, diversa não é a causa de íntimas ligações fundadas em sincera afeição. Um

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do outro dois seres se aproximam devido a circunstâncias aparentemente fortuitas, mas que na realidade resultam da atração de dois Espíritos, que se buscam reciprocamente por entre a multidão. (KARDEC, 2004, p. 266).

Ampliando a abordagem da simpatia e antipatia terrena de espíritos na

novela também enxergamos a relação de antipatia ou a permanência dela aplicada

no enredo de modo dramático, criando personagens esteriotipados pelo

antagonismo (mocinhos e vilões) e que desfigura da do conceito espírita, que coloca

a antipatia desassociada da maldade

De não simpatizarem um com o outro, não se segue que dois Espíritos

sejam necessariamente maus. A antipatia, entre eles, pode derivar de

diversidade no modo de pensar. À proporção, porém, que se forem

elevando, essa divergência irá desaparecendo e a antipatia deixará de

existir. (KARDEC, 2004, p. 267)

4.2.4 Mediunidade

Após vivenciar alguns conflitos entre sua mediunidade e seu ciclo de

convivência e a reconstituição metafísico de seus desenhos que havia rasgado,

Mateus decidi ir junto de sua mãe Gema à casa de Elias, um sábio senhor que

compreende tais fenômenos para compreendê-los melhor.

Gema: Muita bondade do senhor em nos receber, seu Elias.

Elias: Entre minha brava senhora! Que bom que vocês vieram. E, por favor,

sente, fique a vontade. Isso, vamos. Eu estava esperando por vocês.

Mateus: Mas a gente não avisou que vinha.

Elias: Não se preocupe. Às vezes eu fico pensando umas coisas e elas

acontecem. Eu fico feliz de vocês terem achado o caminho. Ah, dona Gema,

agora, por favor, não fique pensando nos seus inúmeros afazeres que a

senhora vai ter muito tempo para cuidar deles. Você sabe que uma grande

escritora disse que se nós chegássemos à porta do paraíso, eles não vão

perguntar se nós varremos bem o chão ou se ariamos bem as panelas...

não; eles vão desejar saber como aproveitamos o nosso tempo e que

intensidade nós resolvemos viver.

Gema: Não se deixar dominar por ninharias de grande importância, Clarissa

Píncola.

Elias: Bela escritora!

Gema: Maravilhosa, Meu marid... meu ex-marido nunca acreditou, mas eu

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gosto de ler. Só não tenho muito tempo.

Elias: Então, vamos aproveitar o nosso tempo. Mateus, depois eu vou

conversar com você. [dirigindo-se à Gema] Encosta, isso, dona Gema, vai,

encosta, respira profundamente, inspira, respira, fique serena, tranquila.

Mais, calma. Se quiser um cházinho, a senhora pode ir ali fazer o seu

chazinho. Está bem?

Em seguida, Elias dirige-se a Mateus:

Elias: Mateus, é, por favor, deixa eu ver os seus desenhos.

Mateus: Então, no dia em que aconteceu tudo eu acabei rasgando eles. Eu

tava com muita raiva. Só que de repente, seu Elias, eles voltaram a ficar

assim... Eu não sei como isso pode ter acontecido.

Elias: Existe mais mistério entre o céu e a terra do que supõe a nossa vã

filosofia. Se você disesse ao homem da Idade Média que um dia ele iria à

Lua, ele ia chamar você de louco.

Mateus: É... Copérnico foi condenado porque ele disse que a Terra não era

o centro do universo.

Elias: A mente humana tem o seu tempo de evolução. Mateus, um dia

todos nós seremos capazes de viver milagres. A teoria quantica mudou

mais que o comportamento da matéria, mudou a própria ideia da matéria.

Mateus: A gente chegou a estudar um pouco de física quantica na escola...

Até que é bem maneiro.

Elias: Pergunte, nem se preocupe, em como seus desenhos se

restauraram. Pergunte por quê"!

Mateus: Por que?

Elias: Porque você tem um belo dom. Um dom em que você poderá ajudar

às outras pessoas, porque você vai ter que se cuidar para se proteger da

energia que vai lhe cercar. (REDE GLOBO, 2015, cap 126).

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Figura 5 Elias, Gema e Mateus conversam sobre os desenhos do rapaz. Fonte: Rede Globo/reprodução

A sequência evidencia um dos principais pilares do espiritismo, o contato

com o mundo oculto, também descrito como mediunidade. Neste caso há uma

mistura de faculdades, visto que Mateus tem a dupla visão, que se "desenvolvida

mostra os acontecimentos que deram ou estão para dar-se" (KARDEC, 204, p. 303),

por meio de sua atuação como médium desenhista, que sob influência de um

Espírito (que não aparece em cena) expressa a sua visão do passado. O

personagem também manifesta sua segunda visão ao visualizar personagens na

outra existência terrena.

O discurso de Elias traz marcas e conceitos típicos de textos espíritas

teóricos, doutrinários, como este

A mediunidade é uma faculdade inerente à natureza do homem; nem é uma exceção, nem um favor, e faz parte do grande conjunto humano. Como tal está sujeita às variações físicas e às desigualdades morais; sofre o temível dualismo do instinto e da inteligência. Possui seus gênios, sua multidão e suas anomalias. (GEORGES, 1865, p. 212)

publicado na Revista Espírita, organizada por Kardec naquele período. Portanto,

verifica-se nesta cena uma representação verosimilhante de conceitos espíritas e

um sentido didático, pela explicação dada por Elias, e também na construção e

trajetória do personagem, mostrando com certa fidelidade como é o processo

mediúnico, além dele ser um personagem importante na narrativa para ajudar a

tecer e mostrar para o espectador os novos rumos da história e as relações diretas

com a vida passada.

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4.2.5 Chico Xavier

Aqui iremos analisar a última sequência da novela Além do Tempo, que

apresenta o final conceitual de toda a história de amor espiritualista com inspiração

espírita, por meio de um diálogo e mensagens narradas em off. O elemento

analisado é a figura e a obra de Chico Xavier, popular representante do espiritismo.

Mestre: Honre suas asas anjo Ariel, você aprendeu que as penas dos

homens que formam as asas dos anjos. Agora podemos ir.

Ariel: E sempre que precisarem chamem por nós!

OFF [com a voz de Mestre] - É tempo de nascer, é tempo de morrer,

tempo de plantar, e tempo de colher o que se plantou. As almas felizes de

estarem juntas, se procuram quando se reencontram. É como amigos que

voltam de uma longa viagem, mas os adversários se reencontram para

extinguirem os ódios que ficaram sem solução.

GC: FIM

OFF de Chico Xavier: "É possível que tenhamos raiva ou que tenhamos

ódio, é possível, sem termos direito para isso. Porque o ódio que sentirmos

ou a cólera que alimentemos recai sempre sobre nós, no sentido de doença,

de abatimento, de aflição e só pode causar mal, já que deixamos, há muito

tempo, a faixa da animalidade para entrarmos na faixa da razão. Somos

criaturas humanas e por isso devíamos sentir a verdadeira fraternidade de

uns para com os outros, sem possibilidade de nos odiarmos, porque os

irmãos verdadeiros nunca se enraivecem, uns com os outros". (REDE

GLOBO, 2016, cap 161).

Figura 6 Ariel e Mestre cumprem suas missões. Fonte: Rede Globo/reprodução

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Figura 7 Felipe e Lívia na encarnação atual e na outra vida. Fonte: Rede Globo/reprodução

A primeira cena desta sequência acontece com Ariel e Mestre em frente

de uma igreja (aparentemente católica) da vila residencial da novela vestindo roupas

brancas, juntos esses dois elementos transmitem os sentidos de pureza, elevação,

que é complementado pelo final da cena, em eles se viram de costas para o público,

ficam de frente para a igreja e se desmaterializam , demonstrando de fato o fim da

missão deles naquele contexto e evoluíram.

A próxima cena traz takes que reproduzem a união, a realização e o amor

pleno de Lívia e Felipe no mesmo cenário montanhoso na vida passada, em que

eles teriam de enfrentar muitas adversidades, e na atual, após vencerem todas as

provações e finalmente poderem estar juntos; podemos enxergar tal distinção de

estágio no cenário, que na primeira fase mostra o céu azulado e cadeia de morros

bem marcados, transmitindo a ideia de divisão entre o céu (ideal) e a terra, morros

(instável, probatório, marcado por altos e baixos), enquanto que na segunda fase os

morros estão quase todos cobertos de nuvem, sem quase distingui-los do céu, o que

mostra a realização e que, como diz o texto narrado em off por Mestre, são tempos

de plenitude e com aspiração ao infinito, a eternidade e completude, dada pelo plano

aberto que demonstra agora a grandeza do céu mais do que a da terra.

A mensagem de Chico Xavier é passada na cena-crédito que tem como

apoio imagético a vinheta de Além do Tempo, que é composta de referências

ligadas ao universo vinicultor, das uvas e aos manuscritos, cartas, podendo ser

associados à positividade, longevidade, plenitude, prosperidade pela temática da

novela, além do enredo que também traz esse universo, enquanto que essa ideia

epistolar pode ser remetida a memórias relembradas e até mesmo o destino dos

personagens sendo escrito.

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Seguindo a análise iniciada no item 4.2.1 sobre o uso do arquétipo de

anjo e seu significado espírita, enxergamos na fala de Mestre uma metáfora, uma

alegoria sobre a valorização de seus conhecimentos adquiridos e a ascensão

espiritual e liberdade de seu discípulo quando diz "honre suas asas, anjo Ariel", visto

que espíritos não possuem de modo evolucionista qualquer mutação em sua

morfologia ao longo de sua evolução.

Percebemos nos textos narrados em off pelas vozes de Othon Bastos,

interprete de Mestre/Elias, e de Chico Xavier nas últimas cenas da novela o desejo

dos roteiristas em transmitir mensagens positivistas com sentido moral e pacífica,

que provoque o sentimento de esperança, reflexão e até mesmo transformação no

modo de agir, inspiradas ou adaptadas de textos sagrados, doutrinários ou discursos

de representantes religiosos. No texto narrado por Othon há uma inspirada em um

trecho do livro Eclesiastes 3. do Velho Testamento (Há tempo de nascer, e tempo de

morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou; Eclesiastes 3:2),

sobre os propósitos divinos para a vida terrena adaptado para o contexto das ideias

espíritas abordadas na trama como uma conclusão da estória e de todos os

conceitos enunciados; percebemos aí a possível intenção de atrair os ouvidos de

cristãos, judeus e todos aqueles que seguem o antigo testamento para a "moral da

história" e a mensagem universal a qual desejam transmitir por meio do contexto

espírita.

A referência direta à figura de Chico Xavier na cena-crédito de Além do

Tempo ao dar voz ao médium em uma locução em off de uma mensagem gravada

em determinado momento, traz muitos significados para a produção que se

encerrava ali, tanto em repercussão, mídia (jornais, portais de notícia e páginas de

redes sociais produziram conteúdo repercutindo o acontecido e ampliaram a janela

de pautas, alcance e engajamento de público mesmo com o fim da novela. A

mensagem transmitida pela voz tremula do mineiro de Pedro Leopoldo dá a

assinatura da trama como uma obra espiritualista com inspiração no espiritismo e

ainda reforça essa intenção de ser associada como uma produção que transita no

universo espírita - visto que ao defini-la oficialmente como espiritualista (como Além

do Tempo foi) percebemos a preocupação em não especificar o perfil dos

telespectadores.

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A escolha por Chico Xavier pode ser avaliada pela relevância de sua obra

para o espiritismo no Brasil e por esse ser um representante espírita com expressivo

reconhecimento também por fiéis de outras religiões e que rompe tais barreiras

atingindo o status de “um heroi brasileiro” (FERNANDES, Magali, 2008), uma vez

que

a pessoa e a personagem podem ser vistas à maneira de um heroi do conto maravilhoso, transposto para narrativas no Brasil. Sua apresentação retrata uma “visão de mundo” que, por um lado, apoiava-senos preceitos do ideário kardecista e, por outro, ia ao encontro de um imaginário popular, bem mais amplo e complexo, na relação com o tempo mítico, numa tradução cultural brasileira em movência. (FERNANDES, Magali, 2008, p. 164)

O que é corroborado pela obra e figura de Chico Xavier ter “uma ênfase

cristã dolorista, ainda presente em Chico, pela busca do bem-estar, da auto-estima e

da felicidade como valores emergentes no espiritismo" (LEWGOY, 2008, p. 91) ao

passo que é evidente a postura pacífica e ecumênica do médium, como quando fez

“questão de defender a Igreja Católica fundamental para o país. – Por mais de

quatrocentos anos, nós fomos e somos tutelados por ela na formação do nosso

caráter cristão” (MAIOR, 2013, p. 112), fazendo com que a recepção da mensagem

e seu interlocutor fosse positiva pelos telespectadores que acompanham o último

capítulo de Além do Tempo. Identificando aqui o reforço do mesmo objetivo

identificado acima sobre a seleção da natureza dos textos utilizados nas duas

últimas cenas da novela.

De modo indireto, também enxergamos a associação da figura de Chico

Xavier na construção do personagem Mestre, já analisado neste trabalho, devido à

natureza do personagem que segue a idealização da imagem do médium como

“uma „ponte‟ atuando entre o mundo das histórias de santos e do dia-a-dia”

(FERNANDES, Magali, 2008, p. 163), além do uso de fatos, cenários e conceitos

semelhantes e comuns aos livros psicografados por Chico na elaboração do roteiro

da novela.

Ao longo deste percurso de análise, percebemos, talvez por uma lógica

temporal e causal, que quatro das cinco sequências observadas pertencem à

segunda fase da novela, a qual representa a encarnação atual dos personagens e o

espaço ideal para refletir momentos e ligações ocorridos e iniciados, na trama, na

fase anterior.

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Constatamos também que a representação de elementos espíritas na

narrativa sempre não apareceu concentrada em somente um núcleo ou privilegiando

personagens da trama principal, ela está inserida amplamente na novela, um dos

fatos que corrobora tal sentença é a reencarnação estar presente no argumento de

Além do Tempo e também pelos personagens, como vimos nesta análise, estão

ligados a diferentes elementos.

Por meio da leitura do texto da novela, enxergamos que o valor do

conteúdo espírita transmitido possui dois principais eixos: um moral/espiritual, em

um cenário de situações maniqueístas (bem-mal), no qual são provocadas reflexões

do que é certo/errado, adequado/inadequado, e que tudo está submetido às leis que

transcendem a matéria, podendo ela ser na novela o Altíssimo, os espíritos ou a

trajetória delimitada de cada personagem; e o outro é o eixo didático/espiritualista,

que demonstra a aplicação da função didática da telenovela, enunciada por Ana

Maria Camargo Figueiredo (2003), a qual abordamos no início deste trabalho, e que

é ampliada ao passo que este didatismo parte para o campo religioso, uma vez que

seja pelo texto literário (com fidelidade aos conceitos espíritas) ou pela imagem são

transmitidos conceitos doutrinários do espiritismo que são estendidos para sua base

cristã; e que eles coexistem e por vezes cruzam-se.

Podemos constatar, portanto, a expressiva ligação da novela Além do

Tempo com conceitos espíritas, que certamente vão para além destes elencados

acima, e que sofrem expressivas distorções ao serem adaptadas para o estilo do

folhetim a partir da chamada licença poética e da teledramaturgia, que necessita

sempre de soluções visuais para transmitir ideias, causando ruídos na decodificação

dessas informações aliadas, uma vez que o telespectador médio acaba não

desassociando os conceitos reais aplicados e a forma irregular utilizada para

evidenciá-lo.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo apresenta um levantamento da representação das religiões

nas telenovelas da Rede Globo a partir do estudo de caso da telenovela Além do

Tempo. Para tal, trabalhamos com teorias multidisciplinares entre elas Daniel

Piza, Pierre Bourdieu, Stuart Hall, Zygmount Bauman, Eugênio Bucci, Maria Rita

Kehl, Ana Maria C.Figueiredo, Fernanda Nascimento da Silva, Julio Cesar

Fernandes,Sandra Jacqueline Stoll, Rodrigo Portella, Antônio Ricardo Micheloto,

Bernardo Lewgoy, Allan Kardec, Marcel Souto Maior e com um levantamento de

dados da das telenovelas. Após a análise, podemos concluir que a pesquisa

sobre a interseção entre mídia e religião é relevante tanto para compreender o

cenário da teleficção nos últimos tempos, bem como os possíveis impactos que

esse gênero televisivo pode ter para as representações das religiões. Além disso,

consideramos que a crescente midiatização do mundo tem impactado no modo

como as pessoas relacionam-se com sua religiosidade, e na projeção e

decodificação das imagens das próprias religiões.

Considerando a televisão uma espécie de esfera pública, em que debates

são levantados, grupos e questões são conhecidos por meio de sua programação

informativa e de entretenimento procuramos pensar que modo a televisão está

dando a ver a religião para o mundo.

Ao considerar os dados do levantamento sobre a representação de

religiões nas telenovelas da Rede Globo entre 2011 e 2015, verificamos que a

representação de elementos religiosos são comuns na teledramaturgia produzida

pela emissora, uma vez que a pluralidade de religiões compõem um importante

traço da cultura brasileira e que faz parte do cotidiano das distintas realidades

abordadas em seus enredos. As representações têm significados também na

definição do papel social dos personagens e expressam uma semelhança com os

discursos, práticas e comportamentos definidos pelas religiões, em certa medida,

consideramos, que encontramos inúmeras distorções presentes. Logo, é possível

dizer que há uma aproximação dos personagens com o contexto socioeconômico

e cultural próximo a realidade dos integrantes de grupos religiosos fora da

"telinha".

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Consideramos ainda que as novelas possuem um importante papel que

ultrapassa a diversão e alcança uma função pedagógica. Isso se da, em partes, pela

pela popularidade do formato, que facilita absorção de sua mensagem, parte pelo

enredo tratar de relevantes questões sociais, históricas e culturais e também, claro,

pelo fato de ocupar um lugar de destaque no horário nobre (período noturno) da

programação da televisão brasileira.

Logo, abordar elementos religiosos em seu enredo, nos quais os diferentes

grupos religiosos estão inseridos é também uma forma de ensinar religião e o

que é religiosidade. Nesse caso, além de apresentarem aspectos culturais,

comportamentos, posicionamentos, práticas e crenças de religiões pouco

conhecidas ou estigmatizadas pelo público, as novelas que representam em sua

trama aspectos religiosos poderiam cumprir uma função cidadã ao contribuírem

para a promoção da tolerância religiosa, quebra de preconceitos e do livre

exercício da fé, seja ela qual for, um dos direitos fundamentais enunciado na

Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Organização das Nações Unidas

(ONU).

Entretanto, percebemos com o levantamento feito que este objetivo não

tem sido alcançado, uma vez que as abordagens feitas de diferentes religiões

tiveram um sentido negativo, estigmatizado ou pouco plural, sendo essas

temáticas quase apagadas pelos demais contextos da narrativas.

Outra consideração é que mesmo, seria relevante que a abordagem fosse

livre de estereótipos. Ou seja, que tais representações em telenarrativas ficcionais

não tivessem distorção de sentidos originais da mensagem religiosa e das

dimensões as quais são aplicadas.

Em contrapartida, percebemos também certa dependência do movimento

espírita brasileiro e sua midiatização com as “novelas espiritualistas inspiradas

livremente na doutrina dos espíritos”5 –– devido à problemática técnica em que

identificamos na produção, captação, transmissão e distribuição de conteúdos

5 Definição esta que condiz melhor com o modo em que é realizada tal representação, sem compromisso em criar um conteúdo literalmente embasado nos pilares da religião.

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espíritas pelas mídias espíritas ([web]TVs, rádios, jornais, revistas, páginas

online, entre outros).

Resumindo, em nosso estudo de caso da novela Além do Tempo

pudemos chegar as seguintes conclusões: ela é uma novela espiritualista, ou

seja, a autora e sua equipe utilizou largamente de conceitos adotados pelo

espiritismo e de suas definições próprias e de um modo específico, visto que

poucas foram as novelas a adotarem o didatismo em que ela utilizou para

transmitir ideias espíritas ligadas à moral, ainda que a representação tenha

alguns ruídos como percebemos. Outro fator que a faz destacar-se nesse nicho

temático é a associação direta a Chico Xavier, um representante do movimento

espírita legitimado por seus seguidores e por fiéis de outras religiões.

Outro aspecto observado ao associarmos pós-modernidade, televisão,

telenovela e público é que encontramos uma contradição na mensagem emitida,

decodificada das telenovelas e o público “pós-moderno”. O primeiro ponto é que

identificamos uma espécie de “controle social” realizado pela junção de duas esferas

de poder simbólico que interferem no comportamento da sociedade: mídia e religião.

Esse produz, em partes, a reprodução de um discurso que transmite, por meio da

mensagem inserida nos diálogos de personagens, regras, ideias e comportamentos

determinados segundo a lógica midiáticas e religiosas. A partir disso, levantamos o

segundo ponto: ao receberem tais mensagens, o público expõe-se a conteúdos que

podem ser lidos como pacifista ou uma resposta a uma demanda de controle a qual

a sociedade líquida, a qual o público pertence, pode necessitar para não perder a

estabilidade.

Por fim, observamos que está nova modalidade de conectar-se ao

Sagrado por meio das narrativas populares da teleficção, do sujeito líquido e pós-

moderno está mais associado ao valor simbólico gerado a partir delas do que aos

fundamentos religiosos nelas representados. A ser exemplificado esse processo,

o telespectador torna-se consumidor daquilo que é "vendido" pela telenovela,

seja práticas ou hábitos alimentares associados a determinada religião, sua

literatura, artigos de moda, e logo os absorvem em seu cotidiano naquele período

de exibição, até apegar-se aos aspectos simbólicos e religiosos da próxima

trama.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO PARAÍBA

FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS E

COMUNICAÇÃO

JADER ARANTES ANUNCIAÇÃO

A religião na TV: um olhar sobre a representação

das religiões nas telenovelas – o caso de Além do Tempo

SÃO JOSÉ DOS CAMPOS – SP

2016

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JADER ARANTES ANUNCIAÇÃO

A religião na TV: um olhar sobre a representação das

religiões nas telenovelas – o caso de Além do Tempo

Relatório apresentado como parte das

exigências da disciplina de Trabalho de

Conclusão de Curso, do curso de

Comunicação Social, com habilitação

em Jornalismo, da Faculdade de

Ciências Sociais Aplicadas e

Comunicação, da Universidade do Vale

do Paraíba. Sob orientação da Profª.

Dr. Kátia Zanvettor Ferreira e co-

orientação da Profª Dr. Vânia Braz de

Oliveira

SÃO JOSÉ DOS CAMPOS – SP

2016

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RESUMO

Este trabalho tem como objetivo realizar um estudo de caso monográfico

na intersecção entre mídia e religião, enxergando o ponto de encontro dessas nas

produções culturais produzidas e veiculadas pela televisão, suas motivações,

olhares e interpretações e como ela apresenta suas concepções do Sagrado. Para

tal, teremos como foco a representação das religiões nas telenovelas da TV Globo,

consideramos esse produto como relevante pela abrangência do formato e a

recorrência desse tema nos folhetins. A aplicação desta pesquisa será sobre a

telenovela Além do Tempo, que contém elementos espíritas em sua trama.

Palavras-chave: Telenovela, televisão, representação, religião, espiritismo

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1. INTRODUÇÃO

Este trabalho busca ampliar a reflexão sobre a interação entre mídia

televisiva e religião partindo das telenovelas da TV Globo que representam em seus

enredos elementos religiosos com ênfase naquelas classificadas como

espíritas/espiritualistas. Para iniciar tal processo de estudo, pretendemos mostrar ao

longo das próximas páginas as motivações, os métodos a ser utilizados e o início

desta produção que ao final será apresentada em formato monográfico.

Iniciamos o primeiro momento item deste trabalho apresenta o tema a ser

explorado ao longo do estudo, tendo como direção o nosso objeto central, a

telenovela Além do Tempo, produzida e transmitida pela TV Globo entre 2015 e

2015 na faixa das 18h, que traz referências espíritas na trama marcada pelo

encontro entre dois personagens predestinados a viver um romance durante duas

existências. Em seguida, apresentamos os objetivos pretendidos ao realizar tal

pesquisa, as justificativas que mostram a relevância da mídia televisiva, do formato

das telenovelas e a escolha da telenovela escrita por Elizabeth Jhin.

No segundo momento versaremos sobre os problemas apresentados no

nicho de telenovelas que incluem em seus enredos elementos associados à

determinada religião, expandindo para a recepção e mediação deste conteúdo, entre

elas estão o uso dos recursos de licença dramática, alegorias ou estereótipos que

prejudicam a transmissão dos sentidos. Após apresentar este cenário, trataremos

sobre as hipóteses levantadas, considerando, por exemplo, a existência de uma

nova modalidade de contato entre o fiel-telespectador e o Sagrado (mesmo que de

modo indireto); bem como levantar questões sobre a produção de telenovelas

espíritas/espiritualistas e do caso estudado.

No terceiro momento, apresentamos brevemente e justificamos a escolha

da modalidade deste trabalho, a monografia; para então descrever as metodologias

de pesquisa a serem utilizadas, sendo esta baseada em levantamentos

bibliográficos, documentais e estudo de caso. Além de discorrer sobre os resultados

esperados a partir da produção deste estudo, tendo uma visão sobre a consolidação

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deste produto e não somente os resultados obtidos ao final da pesquisa; e

apresentar em uma tabela o cronograma das atividades de pesquisa e produção.

Ao final, no quarto momento, apresentamos a projeção dos cinco

capítulos contidos no Trabalho de Conclusão de Curso, e a integra do primeiro

capítulo escrito e parte do segundo em andamento. No primeiro capitulo já

concluído, dedicamos um espaço para o universo em que estamos imersos, ao

trazer abordagens teóricas sobre mídia, representação, televisão, telenovelas. Para

o segundo capítulo, contextualizamos o cenário das religiões no Brasil utilizando em

princípio dados estatísticos cruzados com referências históricas.

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2. TEMA

O presente estudo terá como tema a representação das religiões nas

telenovelas produzidas e exibidas pela TV Globo a partir dos anos 2000, procurando

discorrer sobre a representação específica do Espiritismo nesses espaços e

tomando como escopo principal de analise a novela Além do Tempo.

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3. OBJETO

A telenovela Além do Tempo será o objeto central para a análise da

representação do Espiritismo nas tramas teleficcionais da emissora Rede Globo de

televisão.

Escrita por Elizabeth Jhin com a colaboração de Eliane Garcia, Lilian

Garcia, Duba Elia, Renata Jhin, Vinicius Vianna e de Wagner de Assis, e direção

geral de Pedro Vasconcelos, a novela Além do Tempo foi exibida pela TV Globo na

faixa das 18h entre 13 de julho de 2015a 16 de janeiro de 2016.

O enredo traz em sua trama central a história de amor vivida em algumas

existências por Lívia (Alinne Moraes), uma jovem humilde que está prestes a retorna

para o convento sob a imposição de sua mãe, Emília (Ana Beatriz Nogueira), e por

Felipe (Rafael Cardoso), de família nobre e noivo de Melissa (Paola Oliveira).

No século XIX, os dois se encontram pela primeira vez na cidade gaúcha

Campobello, onde “nascem um para o outro” (XAVIER, 2015) e têm de enfrentar as

provações e obstáculos criados pela Condessa Vitória Castellini (Irene Ravache),

mãe do rapaz e sua noiva (Paola Oliveira).

A última mudança de fase avança mais um século e meio na história,

chegando na atualidade, para mostrar o momento de redenção e a evolução moral e

espiritual dos personagens coadjuvantes e o desfecho desse capítulo na trajetória

do casal protagonista. Nesses capítulos da nova existência, os papéis sociais são

trocados, mas as armações de Melissa continuam e Vitória é agora uma camponesa

falida. Fazendo referência à referência da lei de causa e efeito nas encarnações

vividas.

Na faixa de horário da programação das telenovelas das 18h, voltadas a

histórias que se aproximam do romance e de uma linguagem mais literária e poética

(inclusive com adaptação de livros), o público de produções como Além do Tempo

busca por conteúdos mais livres da realidade. Abrindo espaço para tramas que têm

como tema questões existenciais, espiritualistas e até mesmo espíritas. O público a

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que Além do Tempo é destinada é composto por aqueles espectadores que se

declaram como espíritas, os simpatizantes das ideias da doutrina, espiritualistas,

entre outros que se interessam vagamente pelas temáticas comuns ao espiritismo

mesmo sendo adeptos de outra religião. Perante a questão do público, também vale

ressaltar que o interesse por uma história mais leve vai de encontro ao horário (entre

18h e 19h) que é marcado pela transição do fim das atividades do dia e o início do

descanso dos telespectadores.

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4. OBJETIVO

4.1 Objetivo geral

Compreender a representação das religiões nas telenovelas brasileiras

exibidas e produzidas pela Rede Globo, particularmente sobre o espiritismo e sobre

a novela Além do Tempo, e produzir uma monográfica.

4.2 Objetivo específico

a) Identificar quais nomeações religiosas são abordadas e como são

realizadas tais abordagens, além de relacionar sua periodicidade ao espaço em que

ocupam na vida social brasileira;

b) Investigar a representação e as associações do Espiritismo nas

telenovelas classificadas popularmente como espíritas, compreendendo como tais

narrativas televisivas podem impactar no contato com o transcendental;

c) Contextualizar a formação do espiritismo, o movimento espírita

brasileiro e quais os principais meios de midiatização da doutrina dos espíritos

apresentando as ligações entre a midiatização e o movimento considerando que

ambos são dinâmicos, em constantes alterações e também, de certo modo,

dependentes.

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5. JUSTIFICATIVA

São diversas as motivações para produzir tal trabalho, que é composto

por diversificadas camadas. Partimos da relevância da televisão como construtora

de discursos sobre os mais diferentes acontecimentos sociais, chegando na

temática da religião que também marca profundamente as características da

sociedade brasileira.

A televisão, enquanto suporte e veículo, é a matriz deste projeto. A sua

relevância está no fato da TV ser, de acordo com a pesquisa SECOM 2015, o meio

de comunicação mais utilizado pelos brasileiros, e ser um importante lugar de

circulação de sentidos sociais para o país.

É necessário abrir caminhos, em projetos como este para que a audiência

também possa ter a possibilidade de refletir sobre o consome de entretenimento ou

informação via telinha, visto que os “brasileiros podem aprender mais sobre si

mesmos se entenderem até que ponto seus hábitos, cotidianos e modos de agir

estão condicionados por um veículo que, se não é tudo na vida, tem um peso e

tanto” (PEREIRA JUNIOR, 2002, p. 16)

Partindo do princípio que a televisão, como o cinema, “poderiam ser,

assim, considerados „lugares especiais de memória‟, por trazerem movimento ao

registro analógico, adensando o parecer ser real” (KORNIS, 2008, p.14), devido o

seu “papel central [da TV] na história contemporânea de nossa sociedade e que os

arquivos constituem uma parte essencial da memória coletiva” (MANIFESTO...,

2005, p. 134-135 apud FERNANDES, 2014), podemos também justificar esta

pesquisa por seu viés intrínseco voltado à preservação da memória televisiva ao

valorizar segmentos socioculturais materializados nas telenovelas.

A midiatização das religiões torna-se cada vez mais um fenômeno comum

ao passo que estar na mídia torna-se relevante para sua manutenção e

desenvolvimento. E que levanta questões e necessidades tão complexa quanto

aquelas tidas pelas grandes empresas de comunicação.

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Cerca de 3.848.872 brasileiros se declaram como espírita, de acordo com

o Censo 2010 realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Tal público não está deslocado desta realidade de consumir conteúdos de ficção que

retratam suas crenças e o modo de enxergar o mundo e vivenciar situações

diversas. Além da carência e as deficiências, sobretudo da cobertura das mídias

espíritas e a distribuição devido às distâncias físicas. A escolha por este seguimento

religioso e suas experiências midiáticas deve-se também à familiaridade com o tema

e contato com tal cenário.

O interesse por estudar o formato telenovela é devido ao seu forte apelo

popular, o segundo gênero de entretenimento mais preferido pelos brasileiros,

segundo pesquisa realizada pelo IBOPE (2015) e por representar um objeto ainda

não tão estudado como as minisséries, devido à sua extensão, perenidade,

variedades de temas e subtramas; e também pelas novelas serem as que mais

tematizam aspectos religiosos, se comparado a outros formatos. Ela é responsável

também pelo maior período de exposição à TV ser entre 18h às 23h (SECOM, 2014)

A escolha da telenovela Além do Tempo se deve ao caráter de ineditismo

de estudos acadêmicos sobre a produção, por representar a telenovela mais recente

a ter como tema elementos espiritualistas e espíritas, bem como sua relevância junto

ao público, que a fez ter a maior audiência do horário das 18h30 em comparação às

quatro novelas anteriores, de acordo com a análise de Maurício Stycer a partir de

métricas de audiência por representar ser contemporânea a cerca da representação

espírita em seu enredo

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6. PROBLEMA

O problema explorado ao longo desta monografia está associado à

representação de uma realidade, a recepção do conteúdo pelos telespectadores e a

mediação desse processo pela cobertura da imprensa e por entidades que

autorizam tal discurso para o consumo.

As representações das religiões feitas pelas telenovelas variam conforme

os segmentos, mas é percebido que ela se materializa pelo uso de alegorias,

marcas e, até mesmo, caricata de figuras, rituais e elementos. Na arquitetura do

argumento da novela, a localização dos núcleos de tramas que representam as

religiões estão paralelas ao lugar social que elas estão inseridas, ou seja, elas

reforçam tais discursos, sem ampliar seus signos e significados com um objetivo

pedagógico. Tais narrativas poderiam representar as crenças com verossimilhança.

O modo em que são realizadas tais representações condizem com a

ascensão do fenômeno da secularização (PORTELLA, 2016), fenômeno social em

que os sentidos religiosos são fragmentados e que as religiões tornam-se e

produtos midiáticos tornam-se um novo elemento de potencial conexão com o

Sagrado. Para tanto, as produções abrem mão dos sentidos denotativos para criar

um espetáculo cênico na TV, em que é utilizada a licença dramática para a

construção da trama. A religião torna-se um artifício a serviço do enredo e pano de

fundo para tratar de outros aspectos sociais.

As próximas problemáticas levantadas estarão aplicadas ao caso da

representação espírita nas telenovelas, mas que pode ser deslocado e aplicado a

outras nomeações religiosas e seu respectivo equipamento midiático.

No caso das novelas espíritas, a licença dramática associada a

fenômenos ou ideias espíritas, de modo bastante alegórico, pode fazer com que o

público pode receber aquela mensagem como algo fantasioso, sem conexão a

realidade espírita; criando assim um ruído na recepção e na introdução do contato

com fatos ligados ao Espiritismo.

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Isso se agrava quando consideramos que a midiatização do Espiritismo

na grande mídia e voltada ao grande público (espíritas, simpatizantes e

espectadores seguidores de outras religiões ou que não professam qualquer

crença), é realizada, em grande parte, por produções teledramáticas e de ficção.

Deste modo, a doutrina espírita é colocada no mesmo espaço ficcional e fantástico

das telenovelas, e perde seus sentidos próprios, associados a um conjunto de

conceitos e ensinamentos organizados.

Todas as demais questões abordadas neste tópico são oriundas desta

que iremos discorrer nas próximas linhas. A classificação popular das telenovelas

como espíritas é uma das vertentes a serem explorada neste estudo e uma das

motivações para compreender as fronteiras entre o que pode ser considerado como

uma produção espírita ou espiritualista, considerada neste trabalho como a melhor

definição para este nicho temático das telenovelas, visto que é mais abstrato sem

grande rigor doutrinário.

É percebido que tal discurso é reforçado, ampliado e mediado por meio

de reportagens jornalísticas que pautam, divulgam e criticam as telenovelas que

abordam temáticas ligadas ao Espiritismo ao trazerem em seus textos a

classificação “novelas espíritas” devido à representação de temas, cenários e

personagens que remetem ao universo espírita ou espiritualista, tais como: vida

após a morte, reencarnação, comunicação com os espíritos, mediunidade, vidas

passadas, colônias e mentores espirituais, entre outros. Este movimento vai ao

contrário até mesmo à classificação das produções feita pela própria TV Globo,

como é o caso da Além do Tempo.

Para exemplificar, temos uma reportagem publicada pela revista Veja

sobre a novela das 18h escrita por Elizabeth Jhin, compartilhada no site da

Federação Espírita Brasileira (FEB). Nela, é pautada a transição de tempo da

telenovela, considerada o “novo sucesso da linha kardecista” (MARTHE, 2015) em

que a trama, até então de época, chega aos dias atuais; além de um resgate e

análise do subgênero (espíritas) de telenovelas.

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Figura 1 - Reportagem da revista Veja compartilhada no site da FEB em 22/10/2015

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7. HIPÓTESE

O estudo parte de observações empíricas sobre a abordagem de temas

religiosos nas telenovelas e a partir da visão crítica sobre a mídia em direção a um

estudo científico do tema.

A representação das religiões em enredos de telenovelas possui nítidas

diferenças na proporção e no modo de abordá-la, e segue um padrão independente

até mesmo do volume de fiéis que elas reúnem. Elas também são voláteis ao longo

do tempo.

A presença dessas nomeações em produções da teledramaturgia faz

supor um novo modelo, comercial, da lógica das chamadas igrejas eletrônicas e o

processo de manutenção de seguidores. Este fenômeno se diferencia pelo fato das

representações religiosas entrarem, muitas vezes, como um adorno, um

preenchimento ao enredo da trama e não ter o objetivo principal de tematizar

determinada religião.

A partir daí surgem dois questionamento: A maior frequência da

veiculação de tramas religiosas segue uma nova lógica de contato com o Sagrado

baseada no fenômeno do sincretismo e da secularização – que “é a perda de

plausibilidade da religião institucional pela visão do mundo pessoal” (MARTELLI:

1995, p. 292 apud PORTELLA, Rodrigo, 2006, p. 11) -, ao romper a singularidade

religiosa e amplia para a simpatia a outras crenças? A evangelização, então, é

realizada de modo espetacular e indireto nessas tramas folhetinescas?

Consideramos que as telenovelas popularmente classificadas como

espíritas, são na verdade, de natureza espiritualista que utilizam referências do

espiritismo, seja da doutrina, romances ou declarações de oradores. Essas

produções falam e abordam mais os fenômenos que cercam e compõem a doutrina

espírita do que ela própria.

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O processo de midiatização do espiritismo é, portanto, materializado com

maior expressão pelas narrativas ficcionais da teledramaturgia e não por formatos

informativos ou doutrinários em mídias próprias.

Supomos que a popularidade das chamadas “novelas espíritas” deve-se

ao conjunto formado pela junção dos elementos românticos e dramáticos que as

próprias ideias espíritas guardam consigo - um exemplo disso é o gênero literário

„romance espírita‟ que utiliza tais elementos - e pelo interesse do público pelo

transcendental, espiritual e mistério, podendo destacar: o fenômeno da

reencarnação, a relação do pós morte, a dualidade céu-inferno e o mistério da

própria morte.

Seguindo tal interesse, é percebido também a busca por uma experiência

mais ampla com o Sagrado por meio das telenovelas.

Assim, poderíamos afirmar que a classificação popular, feita em maioria

pela imprensa, entidades espíritas e pelos telespectadores pode gerar ruídos entre o

que é transmitido (uma junção de ficção e ideias espíritas livremente adaptadas) e a

mensagem real?

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8. MODALIDADE

A modalidade de produção científica utilizada neste trabalho de conclusão

de curso será a monografia, visto que ela proporciona a realização de um estudo

mais completo sobre o tema e problemática abordados.

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9. METODOLOGIA

Para organizar o desenvolvimento deste trabalho científico, será

necessário o uso de diferentes tipos de pesquisa. Todas colaborando para execução

de todo o estudo que será divido em duas fases: Teórica e prática. A primeira será

dedicada ao levantamento teórico referente ao objeto estudado; bem como seu

contexto midiático, social e religioso. A segunda parte é dedicada à analise do objeto

central desta pesquisa.

A primeira fase da pesquisa realizada será a exploratória. De acordo com

Gil (2008), pesquisas de tal modalidade “são desenvolvidas com o objetivo de

proporcionar visão geral, de tipo aproximativo, acerca de determinado fato” (p.27).

Nela, compreenderemos melhor o objeto a ser estudado para identificar a sua

dimensão e seu impacto social.

Realizaremos também a busca por materiais (livros, artigos, textos

institucionais, estudos ou reportagem) que abordem a temática estudada, tendo

como objetivo uma maior compreensão do cenário no qual o projeto está inserido.

Em seguida, faremos a investigação bibliográfica que representa uma

parcela significativa da primeira fase. Por meio dela podemos aprofundar conceitos,

como destaca Gil (2008). "A principal vantagem da pesquisa bibliográfica reside no

fato de permitir ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais

ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente" (p. 50). Por meio dela,

compreenderemos alguns conceitos essenciais, que embasam o estudo.

Para ajudar a fundamentar a realidade das representações religiosas nas

telenovelas abordada neste trabalho, o movimento espírita no Brasil e o cenário

religioso como um todo, utilizaremos a pesquisa documental para levantar relatórios

de dados coletados em diferentes institutos de pesquisa e da própria TV Globo, por

meio do portal Memória Globo (memoriaglobo.globo.com).

Além disso, outros tipos de documentos serão considerados que acordo

com Gil (2008) se enquadram na categoria de "documentos de segunda mão, que

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de alguma forma já foram analisados, tais como: relatórios de pesquisa, relatórios de

empresas, tabelas estatísticas etc" (p. 51). Outro uso desta modalidade será a

seleção de cenas da telenovela Além do Tempo, que compõe o objeto de estudo da

pesquisa e que podem ser definidas como um produto de meios de comunicação de

massa.

9.1 Levantamento de dados e estudo de caso

A fase prática da pesquisa será iniciada pela montagem de um panorama

das representações das religiões nas telenovelas, construído por meio de um

levantamento de dados e análise das produções exibidas nas faixas das 18h, 19h,

21h e na faixa das 23h, entre os anos 2000 e 2016, na TV Globo, que servirá de

referência para compreender o nicho em que Além do Tempo, objeto central de

nosso trabalho, participa. As categorias utilizadas nesta etapa são: religião,

conceito/ideal, sentido (positivo, negativo, neutro), personagem, enredo, posição da

representação na trama, núcleo ou cenário ocupado. Desse modo, poderemos

analisar a freqüência, o volume e a diversidade das representações religiosas nas

telenovelas produzidas pela TV Globo, a fim de contextualizar melhor este nicho

temático em que as novelas espiritualistas/espíritas estão inseridas.

Para materializar as hipóteses e problemáticas levantadas ao longo deste

trabalho com foco na representação espírita, realizaremos um estudo de caso da

telenovela Além do Tempo, objeto central desta monografia, por talmétodo de ser

“caracterizado pelo estudo profundo e exaustivo de um oude poucos objetos, de

maneira a permitir o seu conhecimento amplo e detalhado, tarefa praticamente

impossível mediante os outros tipos de delineamentos considerados (GIL, 2008, p.

57-58). Desse modo, exploraremos como o espiritualismo é experimentado no

presente caso ao utilizar-se de da associação às referências espíritas na trama.

Para tanto, observaremos o perfil dos personagens, o enredo, recursos dramáticos e

quais elementos ligados ao espiritismo são mesmo utilizados para haver tal

classificação.

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Também dedicaremos um período para a análise de Além do Tempo

utilizando os critérios já citados e verificando quais elementos espíritas

(reencarnação, comunicação com espíritos, lugar além túmulo, fenômenos e

princípios doutrinários) são utilizados como referência.

Para complementara pesquisa do caso, também levantaremos e

analisaremos como o discurso de classificação de Além do Tempo como uma

telenovela espírita é reforçado e complementado, por meio de determinadas da

reportagens publicados em jornais, revistas ou portais de notícia, publicações em

páginas oficiais de instituições espíritas na internet. Podendo citar os seguintes

veículos e instituições a serem utilizados: Zero Hora, Uol, Veja, Gshow, O Globo,

Federação Espírita Brasileira. Observando se os conteúdos associam a telenovela à

religião e como isto é realizado: de modo direto, indireto, faz julgamento, descreve,

informa, apresenta o que pode ser interligado. Estes elementos, consideramos,

poderão complementar as inferências analíticas com vias no alcance do nosso

objetivo central com esse projeto que é compreender o fenômeno da representação

de religiões nas telenovelas brasileiras da Rede Globo, com interesse particular

sobre o espiritismo e sobre a novela Além do Tempo, em um estudo monográfico.

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10. CRONOGRAMA

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11. PROJEÇÃO DOS CAPÍTULOS

Capítulo 1 - Mídia, televisão e telenovela

1.1 Mídia e representação

1.2. Televisão como mediadora

1.2.1 O veículo e seu público

1.2.2 O impacto social da televisão

1.2.3 A Televisão no Brasil

1.3 A telenovela e a abordagem de temas socioculturais

1.3.1 Origem da telenovela brasileira

1.3.2 A novela e sua audiência

1.3.3 O Brasil na teledramaturgia

Capítulo 2 - Religião, identidade e televisão

2.1 Brasil de todas as crenças

2.2 Sincretismo e identidade

2.3As religiões no horário nobre

Capítulo 3 – Mídia e espiritismo

3.1 Espiritismo e seu movimento

3.2 A midiatização do espiritismo

3.3 Um olhar sobre as novelas espiritualistas/espíritas

Capítulo 4 – As representações em Além do Tempo

4.1 Por dentro de Além do Tempo e seus elementos

espíritas/espiritualistas

4.2 Analisando a cobertura midiática da telenovela

4.3 A ressignificação dos sentidos

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11. RESULTADOS ESPERADOS

Com a produção deste estudo monográfico esperamos atingir todos os

objetivos e motivações, a fim de obter um produto consistente para os interessados

nas áreas dos estudos culturais em comunicação que envolvam teledramaturgia,

religião, representação, midiatização da religião, por este conter não somente o

estudo da representação espírita nas telenovelas, mas também apresentar um

panorama da representação dos mais distintos grupos religiosos nas telenovelas da

Rede Globo no recorte temporal proposto, embasado também por uma revisão

bibliográfica do tema; esperando assim que a partir deste trabalho novas

perspectivas, objetos nesta área de pesquisa tornem tema de estudos sejam tema

de outras produções.

Além de contribuir para a preservação e manutenção da memória

televisiva no recorte temporal escolhido, visto que pretendemos expandir este

conteúdo para o formato de e-book ou até mesmo um livro impresso e/ou um hotsite,

e possibilitando o acesso a este material para um público mais diversificado,

considerando que o tema possui um apelo e desperte o interesse de

telespectadores.

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12. REFERÊNCIAS

12.1 Bibliográficas

CENSO, I. B. G. E. Características gerais da população, religião e pessoas com

deficiência.

FERNANDES, Julio Cesar. A Memória televisiva como produto cultural; um

estudo de caso das telenovelas do Canal Viva. Editora In House, 2014

GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. In: Métodos e

técnicas de pesquisa social. Atlas, 2008.

KORNIS, Mônica Almeida. Cinema, televisão e história. Zahar, 2008.

MARTELLI, Stefano. A religião na sociedade pós-moderna. São Paulo : Paulinas, 1995. Apud

PORTELLA, Rodrigo. Religião, sensibilidades religiosas e pós-modernidade da

ciranda entre religião e secularização. Revista de Estudos da Religião, v. 29, n. 6,

p. 71-87, 2006.

PEREIRA JUNIOR, Luiz Costa. A vida com a TV: o poder da televisão no

cotidiano. Senac, 2002.

PORTELLA, Rodrigo. Religião, sensibilidades religiosas e pós-modernidade da

ciranda entre religião e secularização. Revista de Estudos da Religião, v. 29, n. 6,

p. 71-87, 2006.

12.2 Virtuais

Gshow, Créditos de 'Além do Tempo'. Disponível em:

<http://gshow.globo.com/tv/noticia/2015/07/creditos-de-alem-do-tempo.html>

Acessado em 16/04/2016

Kantar Ibope Media, IBOPE Media detalha perfil do telespectador de TV paga no Rio

de Janeiro e em São Paulo. Disponível em:

<https:/www.kantaribopemedia.com/ibope-media-detalha-perfil-do-telespectador-de-

tv-paga-no-rio-de-janeiro-e-em-sao-paulo-2/> Acessado em 16/04/2016

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MARTHER, Marcelo. O Viradão Espírita in FEB, Veja: Novela Além do tempo aborda

o Espiritismo. Disponível em: <http://www.febnet.org.br/blog/geral/noticias/novela-

alem-do-tempo/> Acessado em 16/04/2016

STYCER, Maurício. Blog do Maurício Stycer, Audiência de “Além do Tempo”

superou a das últimas quatro novelas das 18h30. Disponível em:

<http://mauriciostycer.blogosfera.uol.com.br/2016/01/15/audiencia-de-alem-do-

tempo-superou-a-das-ultimas-quatro-novelas-das-18h30/> Acessado em 19/04/2016

XAVIER, Nilson. Teledramaturgia. Disponível em:

<http://www.teledramaturgia.com.br/alem-do-tempo/> Acessado em 16/04/2016