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UNIVAP
Universidade do Vale do Paraíba
Curso de Jornalismo
A religião na TV: um olhar sobre a representação das religiões nas telenovelas – o caso de Além do Tempo
Jader Arantes Anunciação
São José dos Campos, SP
2016
2
Jader Arantes Anunciação
A religião na TV: um olhar sobre a representação das religiões nas telenovelas – o caso de Além do Tempo
Relatório apresentado como parte das
exigências da disciplina de Trabalho de
Conclusão de Curso, do curso de
Comunicação Social, com habilitação em
Jornalismo, da Faculdade de Ciências
Sociais Aplicadas e Comunicação, da
Universidade do Vale do Paraíba.
Orientação: Kátia Zanvettor Ferreira
Co-orientação: Vânia Braz de Oliveira
São José dos Campos, SP
2016
3
A meus pais, Jucilene de Paula Arantes Anunciação e
Mario Domingues da Anunciação
4
AGRADECIMENTOS
São muitos os agradecimentos a serem feitos e que sem a intervenção
destes nada seria possível. O primeiro agradecimento é à Inteligência Suprema,
Força que rege-nos, bem como os espíritos amigos do outro mundo que sempre
amparam e inspiram. E também a minha mãe, Jucilene, e ao meu pai, Mario, por
proporcionarem a oportunidade de compartilhar esta existência com eles, com quem
troco tantos aprendizados e sei que posso contar com apoio o incondicional, mesmo
que para isso precisem de abdicar certa estabilidade ou desejos, seja apoiando a
escolha do meu curso de graduação ou da minha área de interesse na pesquisa, e
proporcionando a transferência de universidade e o retorno à minha cidade natal que
tanto agregou em minha vida.
Como este é um produto do conhecimento acadêmico nada mais válido
do que agradecer àqueles que me proporcionaram e incentivaram a tantas
descobertas, encontros, realizações e experiência ao longo desses quatro anos. Os
primeiros professores que agradeço são aqueles que tive a honra de conviver no
meu primeiro ano de faculdade na Unifoa, e que despertaram em mim o interesse
pela pesquisa e a veia crítica por meio da metodologia, teorias sociais, semiótica e
linguagens. são Reginaldo Heller, Marcelo Alves, Douglas Gonçalves e Denise
Schettino, a qual fez-me ficar ainda mais fascinado pela expressão da linguagem
desde o ensino-médio.
Já em terras joseenses, agradeço à Vânia Braz de Oliveira, coordenadora
do curso de jornalismo da Univap e professora que tão bem me recebeu e ajudou
nesses três anos com o seu jeito único e fez-me logo na primeira aula reforçar meu
gosto pelo o outro lado da telinha.
Aprendi ao longo desses três anos que conhecimento é construído
coletivamente e por laços de afinidade. Por isso, sou muito agradecido por
compartilhar tantos momentos de troca, debates no LABCOM, e por ter conhecido
tantos colegas super interessados em enxergar o mundo de diversas formas por
meio da comunicação, ciência, cultura ou moda, e ficarão marcados na minha
lembrança e no modo de exercer o jornalismo. Tudo isto não seria possível sem a
intervenção da professora que me orienta desde 2013 em meus projetos e nesta
monografia. Fica aqui a minha gratidão à Katia Zanvettor Ferreira pelo seu imenso
5
apoio e dedicação, que com sua racionalidade sempre esteve disposta para
conselhos, incentivos, principalmente pela carreira acadêmica, e por apresentar-me
diversos olhares sobre o mundo. Não há como não agradecer neste mesmo
parágrafo a um dos personagens dessa história com o currículo mais improvável,
Paulo Roxo Barja, físico com alma de músico-poeta-comunicador, que com essa
mistura improvável fez-me ver o valor dos números nas estatísticas e aguçou como
a Kátia, o meu senso crítico ao ler o mundo aplicando aquilo que aprendemos.
Estendo meus agradecimentos a todos os professores com quem estudei aprendi
sobre as teorias, as práticas e um pouco sobre a vida, agregando muito ao meu
projeto que fui construindo nesses anos, como o Vinicius de Melo, o Lucaz Mathias e
a Flávia Cardoso.
Agradeço muito à minha família, tias, tios, primas e primos por todo o
apoio emocional e incentivos, seja pelo intenso trabalho ou pela temática. Outra
razão em agradecê-los é por sempre vivenciarem de modos tão únicos exemplares,
além de lidarem bem com a pluralidade religiosa e até mesmo discutir a temática.
Para representar esse numeroso grupo, cito meu tio e padrinho Antônio Carlos
Cobucci, por sempre questionar comigo a representação dos católicos nas
telenovelas, minha tia Rita de Cassia por me mostrar diferentes formas da
religiosidade, e a meus primos Carolina Arantes Cobucci e Gabriel Anunciação Silva
por diferentes jeitos discutir esse tema e tantos outros, fazendo com que eu
enxergasse a importância de estudar o meu objeto de pesquisa e também do papel
essencial que a informação, assim como o Sagrado, tem em mudar realidades.
Nesse mesmo meio, preciso deixar um “muito obrigado” especial aos meus primos,
compadres e companheiros de jornalismo Carlos Eduardo e Flávia por
apresentarem-me tão de perto e pelo incentivo de sempre em seguir “a melhor
profissão do mundo”. Nesse mesmo grupo também incluo a minha família Nicolau,
que adotei aqui em São José dos Campos, por nos darem tanto apoio em nosso
retorno e aquele sentimento de “casa dos avós”; e os amigos da Mocidade Espírita
do Vale do Paraíba, da Aliança Espírita Evangélica, por dividirem comigo tantos
conhecimentos, sentimentos e momentos que me fortalece e motiva a sempre
relacionar esses dois interesses.
Por último, expresso meus agradecimentos a todos meus amigos e
colegas que compartilharam comigo as aflições, conquistas, dúvidas, broncas,
6
explicações, arquivos, informações, as noites viradas fazendo trabalhos e viagens,
sejam da minha turma de jornalismo ou de outros cursos. Agradeço especialmente
ao Matheus Vital (da Unifoa) pelos inúmeros papos sobre televisão, novela, sobre o
universo da comunicação e pela amizade, à Patrícia Staffa, Gabrielle Prado, Rafael
Feitas, Pedro Luvizotto, Rafaele Fernandes, Gabriel Nacimento e Marcio Augusto
pelos tantos trabalhos feitos, pelas risadas e a amizade.
Também preciso agradecer a todos da assessoria de comunicação da
Fundação Cultural Cassiano Ricardo, que tive a oportunidade de trabalhar e
aprender tanto sobre a comunicação, sobre a vida e sobre mim, me fazendo um
profissional e um indivíduo melhor. Entre esses dois últimos agradecimentos está
Milena Peres, a quem preciso agradecer por entrar de surpresa na minha trajetória e
tornado-se uma grande amiga, sempre pronta para incentivar-me na produção deste
trabalho e na vida, e disposta a ouvir tantos questionamentos, desabafos e
conquistas, dando uma luz sem tamanho aos momentos mais cansativos.
7
“Tudo será revelado ao ser exposto à luz,
e o que exposto à própria luz,
torna-se luz”.
(Paulo de Tarso)
8
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo realizar um estudo de caso monográfico
na intersecção entre mídia e religião, enxergando o ponto de encontro dessas nas
produções culturais produzidas e veiculadas pela televisão, suas motivações, pontos
de vista e interpretações, e como ela apresenta as diversas concepções do Sagrado.
Para tal, teremos como foco a representação das religiões nas telenovelas da TV
Globo, consideramos esse produto como relevante pela abrangência do formato e a
recorrência desse tema nos folhetins. A aplicação desta pesquisa será sobre a
telenovela Além do Tempo, que contém elementos espíritas em sua trama,
passando pelas identidades culturais e a fluidez da pós-modernidade. Para realizar
este trabalho, será necessário um estudo bibliográfico para melhor compreender e
definir o cenário no qual o objeto está inserido: mídia, televisão, telenovela,
representação e espiritismo. Em seguida, dedicaremos à apresentação de um
levantamento de dados sobre a representação das religiões nas novelas exibidas
pela Rede Globo entre 2011 e 2015 a partir do perfil de personagens e sinopses.
Para nosso estudo de caso de Além do Tempo, analisamos cinco sequências de
cenas da novela que abordavam temáticas espíritas, comparando as definições
apresentadas pelo espiritismo e como eram representadas em cena. O
levantamento demonstra a variedade e regularidade de representações religiosas
nas novelas, o uso de estereótipos, as temáticas recorrentes e a relação entre elas e
os autores que assinam a redação das produções, mudanças de padrões de
midiatização das religiões. Enquanto que a análise do objeto estudado evidencia a
fragilidade da associação do espiritismo com o enredo ficcional das novelas, pelos
conceitos serem ora de modo próximo à realidade doutrinária ora livremente
adaptados.
Palavras-chave: Telenovela, televisão, representação, religião, espiritismo
9
ABSTRACT
This paper aims to conduct to carry out a monographic case study at the intersection
between media and religion, seeing the meeting point those in the produced cultural
productions and broadcast by television, their motivations, their views, and
interpretations, and how it presents the different concepts of the Sacred. To do this,
we focus on the representation of religions in the soap-opera TV Globo's. The
application of academic research will be on the soap-opera Além do Tempo,
containing spiritist elements in its plot, pasting the cultural identities and fluidity of
postmodernity. To accomplish this paper, it will be a bibliographic study will be
needed to better understand and define the scenario in which the object is inserted:
media, television, telenovela, representation and spiritism. Then, we will dedicate to
the presentation of a survey of data on the representation of religions in the soap-
operas exhibited by Rede Globo between 2011 and 2015 from the profile of
characters and synopses. For our case study of Além do Tempo,
we analyzed five sequences of scenes from the soap-opera that approached Spiritist
themes, comparing the definitions presented by spiritism and how they were
represented on the scene. The survey demonstrates the variety and regularity of
religious representations in novels, the use of stereotypes, the recurrent themes and
the relationship between them and the authors who sign the writing of productions,
changes in patterns of mediatization of religions.
While the analysis of the object studied shows the fragility of the association of
spiritism with the fictional plot of novels, by the concepts being now close to the
doctrinal reality now freely adapted.
Keywords: Soap-opera, television, representation, religion, espiritism
10
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Quadro 1 - Personagens religiosos nas novelas da Rede Globo em 2011...............31
Quadro 2 - Personagens religiosos nas novelas da Rede Globo em 2012...............32
Quadro 3 - Personagens religiosos nas novelas da Rede Globo em 2013...............33
Quadro 4 - Personagens religiosos nas novelas da Rede Globo em 2014...............34
Quadro 5 - Personagens religiosos nas novelas da Rede Globo em 2015..............35
Figura 1 - Personagem Mestre caracterizado...........................................................57
Quadro 6 - Sequências de cenas analisadas na temática espírita em Além do
Tempo........................................................................................................................59
Figura 2 - Ariel e Mestre dialogam.............................................................................60
Figura 3 - Felipe e Lívia após serem jogados do penhasco.....................................63
Figura 4 - Chico e Raul se reencontrando e os dois na outra encarnação...............67
Figura 5 - Elias, Gema e Mateus conversam sobre os desenhos do rapaz..............70
Figura 6 - Ariel e Mestre cumprem suas missões.....................................................71
Figura 7 - Felipe e Lívia na encarnação atual e na outra vida..................................72
11
ÍNDICE
INTRODUÇÃO...........................................................................................................12 CAPÍTULO 1 - MÍDIA, TELEVISÃO E TELENOVELA........................................................15
1.1 Mídia e representação....................................................................................15 1.2 Televisão como mediadora.............................................................................18 1.2.1 O impacto social da televisão......................................................................19 1.3 A telenovela e a abordagem de temas socioculturais....................................21 1.3.1 Origem da telenovela brasileira...................................................................21 1.3.2 A novela e sua audiência............................................................................23 1.3.3 O Brasil na teledramaturgia.........................................................................25
CAPÍTULO 2 – RELIGIÃO E REPRESENTAÇÕES NAS TELENOVELAS.........................................................................................................28
2.1 As religiões nas telenovelas da Rede Globo.................................................28 2.2 Sintonia com o Sagrado.................................................................................41
CAPÍTULO 3 - ESPIRITISMO, SEU MOVIMENTO E A MÍDIA.................................45
3.1 Dos fenômenos ao espiritismo e seu movimento..........................................45 3.2 O Espiritismo na mídia...................................................................................49
CAPÍTULO 4 – ALÉM DO TEMPO E O ESPIRITISMO............................................55
4.1 A novela.........................................................................................................55 4.2 Espiritismo na novela.....................................................................................56 4.2.1 Influência dos espíritos, anjos e protetores.................................................59 4.2.2 Reencarnação.............................................................................................62 4.2.3 Simpatia terrena de espíritos......................................................................65 4.2.4 Mediunidade................................................................................................68 4.2.5 Chico Xavier................................................................................................71
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................76 REFERÊNCIAS..........................................................................................................79 Bibliográficas..............................................................................................................79 Virtuais........................................................................................................................82 ANEXO Pré-Trabalho de Conclusão de Curso......................................................... 83
12
INTRODUÇÃO
Este trabalho representa o esforço do desenvolvimento de uma produção
acadêmica partindo da análise de um produto que é fruto de paixão pessoal,
elemento que consideramos essencial no exercício da pesquisa. Paixão esta pelas
narrativas audiovisuais, principalmente a telenovela, gênero que despertou interesse
deste pesquisador desde quando "entende-se por gente", e pelo tema
religiosidade/religiões, independente de sua origem ou discurso utilizado para religar
ao Sagrado, é algo que nos faz querer saber mais. Assim, este trabalho surge de um
interesse pessoal, mas expande ao pela motivação de procurar na academia a
compreensão científica desta associação - comum aos seus olhos enquanto
telespectador interessado em compreender a trama e seu processo.
Foi a partir do ingresso na Iniciação Científica, por meio do LABCOM Univap
(Laboratório de Estudo, Pesquisa e Prática em Comunicação, Ciência e Sociedade),
das discussões propostas e conceitos trabalhados no interior do grupo e a pesquisa
do arcabouço teórico das temáticas da comunicação que foi sendo gerado o material
apresentado nas próximas páginas.
Esse estudo busca, então, expandir a reflexão acerca da interação entre
mídia televisiva e religião, a partir das telenovelas da TV Globo e entender como
essas telenovelas representam os elementos religiosos. Sendo este um trabalho
monográfico propomos enfatizar dentro do contexto religioso a abordagem das
telenovelas para as doutrinas espíritas/espiritualistas.
Para formular o objeto, a problemática e as hipótesesealizamos uma pesquisa
de cunho exploratório e bibliográfico para a aproximação teórica e, posteriormente,
desenvolvemos um estudo de caso tendo como escopo a telenovela Além do Tempo
da Rede Globo.permeando diversas áreas do conhecimento .
No primeiro capítulo apresentamos o nosso objeto central, a telenovela
Além do Tempo, produzida e transmitida pela TV Globo entre 2015 e 2016 na faixa
das 18h, que traz referências espíritas na trama. Essas referências são marcadas
pelo encontro entre dois personagens predestinados a viver um romance durante
duas existências. Para tal, realizamos uma pesquisa exploratória que une teorias
que abordem mídia, representação, a televisão em seu papel de mediar a
construção de discursos e as telenovelas como suporte para a abordagem de
13
temáticas socioculturais. Utilizando autores de diferentes épocas, interesses e
áreas de atuação, tais como Douglas Kellner, Roger, Silverstone, Ana Maria
C.Figueiredo, Daniel Piza, Pierre Bourdieu, Eugênio Bucci, Maria Rita Kehl Julio
Cesar Fernandes, entre outros.
No segundo capítulo, apresentamos o levantamento desenvolvido para
compreender o cenário das representações de religiões nas telenovelas da Rede
Globo. Assim, recolhemos dados de todas as novelas transmitidas pela emissora
entre 2011 e 2015, período de tempo no qual nosso estudo de caso está inserido.
Utilizando também o contexto da midiatização das religiões e os estudos de
Stuart Hall e Zygmount Bauman sobre as identidades culturais na pós-
modernidade e a modernidade líquida.
Com o objetivo de contextualizar o meio em que nosso objeto de estudo e
nossa área de interesse, que é representação do espiritismo na novela Além do
Tempo, iremos apresentar no capítulo 3 deste trabalho um breve panorama sobre
a definição, o histórico, o atual cenário no Brasil e a relação do movimento
espírita com a mídia, seja ela própria ou da grande imprensa. Para isto,
utilizamos de textos doutrinários, estudos acadêmicos e buscamos alguns casos
para exemplificar esta realidade e também questioná-la.
No último capítulo realizamos o estudo de caso da telenovela Além do
Tempo, escrita por Elizabeth Jhin e sua equipe, a trama exibida pela Rede Globo
entre junho de 2015 e janeiro de 2016 trazia como tema o reencontro de almas
afins, entre outras temáticas associadas ao espiritismo. O estudo de tais
representações foi feito a partir da identificação dos temas aparentes e análise do
conteúdo dos diálogos entre os personagens e de aspectos visuais como cenário
e figurino, por serem elementos que colaboram na construção das abordagens,
comparando-os com as definições apresentadas em obras de expressão teórica
na doutrina espírita por serem organizadas por Allan Kardec e/ou por compor o
conjunto nomeado como Codificação Espírita, a fim de enxergar as semelhas e
diferenças em como foram utilizadas e adaptadas no enredo da novela.
Consideramos este trabalho importante para o exercício do debate
sobre a relação de poder que a mídia, independente de plataforma, gênero ou
formato: ao produzir realidades a partir de seus espaços para a exposição dessas
14
em seus conteúdos, e em dialogar com diversos setores sociais, como grupos
religiões, ao levá-los para suas narrativas e representá-los considerando seus
discursos, comportamentos e outros aspectos próprios. Também é relevante a
temática das telenovelas, gênero da teledramaturgia pouco estudado devido sua
dimensão enquanto obra completa. Além das representações religiosas nas
telenovelas, a união de dois relevantes aspectos culturais do Brasil, nunca
aprofundado como propomos neste estudo, especialmente daquelas com enredos
espiritualistas/espíritas por destacarem-se nas representações e serem um
importante elemento, ainda que indireto, na midiatização do espiritismo.
15
CAPÍTULO 1 – MÍDIA, TELEVISÃO E TELENOVELA
Neste primeiro capítulo do trabalho faremos uma contextualização deste
estudo que está inserido em três diferentes dimensões do mesmo temática: mídia,
televisão e a telenovela, a fim de introduzir a representação das religiões nos
enredos ficcionais das telenovelas.
A primeira etapa é compreender a mídia enquanto esfera de difusão de
conteúdo, na qual estão incluídos distintos meios responsáveis pelas trocas de
informação, entretenimento, significados. Além da circulação de representações que,
midiatizada, adquire uma nova e expressiva condição social daquele visível para a
massa.
Em seguida, entenderemos como a televisão constituiu-se como o veículo
de comunicação mais expressivo do país, espaço de mediação de discursos e como
uma indústria produtora e transmissora de produtos culturais.
São expostos também variados aspectos sobre a teledramaturgia
brasileira, do seu desenvolvimento, introdução e consolidação do gênero,
considerado como singular devido aos enredos realistas e próximos às questões
sociais, além da mobilização que esta possui frente a seus telespectadores.
1.1 Mídia e representação
Para compreender todo o contexto em que este trabalho está inserido,
vamos iniciar o texto discutindo a mídia, por ser a base e propriamente o pano de
fundo desse cenário em que a televisão e a teledramaturgia são produtos.
Considerando essa um importante lugar de troca de significados e um processo de
ressignificações de sentidos, ideias e grupos sociais a partir do jogo de presenças e
ausências. Abordaremos mais adiante também o conceito de representação
aplicado à mídia, razão de ser deste estudo.
Seguindo as ideias de Kellner (2001), podemos falar que mídia, por meio
de seus produtos culturais, molda o cotidiano, constrói identidades influencia o
pensamento e o comportamento, visto que ela “integra a construção social da
realidade e atua como mediador entre sujeitos e culturas, em um processo contínuo
16
de significação e ressignificação” (DA SILVA, 2013, p.19), como também é definido
por Roger Silverstone (2002) abordando sob a ótica de um processo coletivo e de
troca:
A mediação implica no movimento de significado de um texto para outro, de
um discurso para outro, de um evento para outro. Implica a constante
transformação de significados, em grande e pequena escala, importante e
desimportante,à medida que nós, individual ou coletivamente, direta e
indiretamente, colaboramos para sua produção. (p. 33)
Esse movimento, em grande parte, é produto das associações entre
signos (significantes) e seus significados, que aqui chamamos representações, que
neste estudo definimos a partir do conceito construtivista de Stuart Hall (1997), visto
que tal perspectiva concebe as coisas (objetos, pessoas, eventos), e até mesmo as
religiões, só existentes quando ganham significados mediante a uma representação
mental que atribua sentidos socioculturais, ou seja, quando elas entram em relação
com o meio cultural em que vivem. Esse não é um fenômeno em si, mas um
processo que possibilita a regulação das relações e das práticas sociais.
Desse modo, surgem as representações mediadas, um efeito intrínseco a
uma sociedade composta de indivíduos e instituições que tornam-se visíveis quando
são significadas e resignificadas ao serem inseridas em produtos culturais dos mais
variados formatos, entre eles, os produtos midiáticos.
Em cada linguagem as representações midiatizadas ganham uma novo
foco e roupagem. Para Kornis (2008), o audiovisual constrói “formas de
representação e de reconstrução do passado em contextos históricos diversos e
segundo diferentes concepções estéticas” (p. 10). Esse paralelo também é feito,
com maior amplitude e crítica, por Silverstone (2011), utilizando especificamente a
televisão como sujeito:
no momento em que os significados emergentes cruzam a soleira entre o
mundo das vidas mediadas e o da mídia viva, no momento em que as
agendas mudam e em que a televisão, neste caso, impõe suas próprias
formas de trabalho, uma nova realidade, mediada, ergue-se do mar,
17
rompendo a superfície de um conjunto de experiências e oferecendo,
afirmando outras. (p. 40)
Em uma abordagem mais específica e em consonância a este trabalho,
também podemos compreender a representação mediada como uma colaboradora
para a circulação social de sentidos e de grupos religiosos. Emergindo assim as
representações sociais, responsável por um campo de estudo, no qual nosso texto
está incluso, e que a análise das destorcidas representações das mais variadas
identidades sociais (classes, gêneros, sexualidades, raças, etnias,
nacionalidades)produzidas pelas mídias massivas, principalmente das minorias.
Um dos primeiros teóricos do tema foi o psicólogo francês Moscovici. Para
ele,
a representação social refere-se ao posicionamento e localização da
consciência subjetiva nos espaços sociais, com o sentido de constituir
percepções por parte dos indivíduos.Nesse contexto, as representações de
um objeto social passam por um processo de formação entendido como um
encadeamento de fenômenos interativos, fruto dos processos sociais no
cotidiano do mundo moderno (apud ALEXANDRE, 2001, p. 111-112)
A presença de grupos religiosos em textos midiáticos garante a
resistência, luta e fortalecimento destes grupos, propiciando assim “o avanço dos
interesses dos grupos oprimidos quando ataca coisas como as formas de
segregação” (KELLNER, 2001, p.13). Para o autor, a mídia colabora nesse processo
ao realizar “representações mais positivas” desses grupos, ou seja, alinhadas às
suas realidades e demandas por debate. Concebemos tal proposição como uma
prática ideal e que, por isso, utilizamos como base deste trabalho, pois gera na
esfera midiática o que chamamos de representatividade.
Na contemporaneidade, o recurso eletrônico capta, expressa e atualiza as
representações, antes restritas às instituições – família, escola etc -,
atendendo às diferentes camadas sociais, principalmente àqueles que não
tiveram acesso á formação escolar. (FIGUEIREDO, 2003, p. 66)
18
É neste espaço midiático, eletrônico e digital, em que o fluxo de
informações e a demanda por vozes representadas é constante e de modo
multidirecional, é que os grupos religiosos concorrem também ao seu lugar de fala
no meio mais tradicional e massivo, que ainda é a televisão e suas narrativas, para
expor seus aspectos culturais, doutrinários e problemas sociais em que são
submetidos; campo em que este estudo está inserido.
1.2 Televisão como mediadora
A presença do “eletro doméstico luminoso na sala”, como Daniel Piza
define a televisão, e seus efeitos tem gerado há tempos por distintas abordagens
acadêmicas e críticas ao seu caráter massivo, pelo fato do veículo ter uma produção
de conteúdo em escala industrial e essas serem destinadas e consumidas pelo o
que convencionou-se chamar de “grande público” e terem assim um sentido mais
popular ao entreter e informar a massa. Portanto, nas próximas linhas faremos uma
breve revisão dos conceitos sobre a TV.
A televisão enquanto produto do espaço midiático ganha o papel de
articuladora de discursos e de mediação no processo de consumo da notícia - entre
o fato ocorrido, noticiado e repercutido pelo público – e também ao fazer surgir
acontecimentos, grupos, insatisfações políticas e provocar um debate aberto com o
telespectador em que muitas vezes é introduzido superficialmente e nem mesmo
concluído.
O desenvolvimento da televisão na Alemanha em 1935 é produto de
uma indústria que buscava, desde a década de 1920, reestabelecer o vínculo
doméstico e o controle social por meio dos veículos de comunicação, como afirma
Ana Maria C. Figueiredo (2003): “Os aparelhos receptores – o rádio e a televisão –
adaptados às circunstâncias domésticas, passaram a fazer parte do mobiliário e a
colocar os lares privatizados em contato com o mundo” (p.8).
A rápida expansão do veículo deve-se ao fato que a “televisão não requer
de seu espectador uma iniciação como requerida pela comunicação escrita: basta
girar o botão ou, contemporaneamente, apertá-lo no controle remoto para ela
19
„explodir‟ na casa dos cidadãos.” (FIGUEIREDO, 2003, p. 9) e, de acordo com Ciro
Marcondes (1994), transmitir entretenimento e atualizar informações devido sua
função de conduzir mensagens sociais.
O conteúdo em som e imagens em movimento passa a ir até seu público
pela tela da TV, e acaba por criar uma diferenciação do cinema e dos espetáculos
de teatro, dança, música e circo; por isso, ela “foi a mais importante revolução
virtual: tem as imagens que o rádio não possui e é capaz de fixar hábitos na rotina
das pessoas, ao contrário da internet.” (PIZA, 2002, p. 13). O autor afirma também
que o veículo é um significativo mediador das relações sociais.
Tal proximidade acaba criando uma estreita relação entre a “telinha” e seu
espectador alterando, inclusive, seu comportamento. O motivo é que “a TV pauta
nossas conversas, dita nossa hora de dormir, a decoração de nossas casas, a
qualidade do que comemos e sabemos.” (PIZA, 2002, p. 15). Essa relação é
construída devido à experiência que os programas de televisão transmitem e
possibilitam ao espectador por meio de seu conteúdo; fazendo com que os sentidos
estáticos da sociedade e do público reforçassem a força da televisão.
1.2.1 O impacto social da televisão
Como vimos, a televisão impacta o cotidiano dos indivíduos que a ela são
expostos pelo conteúdo que é produzido e transmitido pelas emissoras. E para
assimilar como esse processo acontece, qual é o impacto na sociedade e sua
importância para a construção e desconstrução das identidades, ideologias,
comportamentos e ações, levantaremos dados e algumas definições.
O sistema de televisão é o setor da mídia com maior impacto, visto que
ela, de acordo com a pesquisa SECOM 2015, é o meio de comunicação mais
utilizado pelos brasileiros, tendo um período de exposição média de 4h28 diárias
(KANTAR IBOPE, 2015), mesmo que o acesso à internet ainda atinge uma porção
reduzida da população e que tenha crescido 32% nos últimos cinco anos. Por meio
de seus programas, ela “pode fazer ver e fazer crer no que faz ver. Esse poder de
20
evocação tem efeitos de mobilização. Ela pode fazer existir ideias ou
representações, mas também grupos" (BOURDIEU, 1996, p. 28).
É nesse contexto que a TV enquanto lugar de exposição de fatos e ideias
tornou-se um novo espaço público e expandiu a secular esfera pública que, segundo
Bucci e Kehl “ultrapassa os Estados nacionais, esboçando o que parece ser um
arremedo de espaço público globalizado (ou mundializado)” (p. 32).
Ainda segundo Bucci e Kehl, “a TV só influencia porque é o elo que
industrializa a confecção do mito e o recoloca na comunidade falante” (2004, p. 19)
ao passo que “a televisão, acima de todas as outras mídias, ocupa o lugar de grande
produtora de mitos” (p. 15).
Tal concepção é originada pelo seguinte enunciado do teórico Rolland
Barthes:
O mito é uma fala roubada e restituída. Simplesmente, a fala que se restitui
não é a mesma que foi roubada: trazida de volta, não foi colocada no lugar
exato. É esse breve roubo, esse momento furtivo de falsificação, que
constitui o aspecto transpassado da fala mítica (apud BUCCI, KEHL, 2004,
p. 19)
Entretanto, vale ressaltar que, até certo modo, há uma limitação do
ambiente, visto que ele é mediado pelas emissoras de TV, empresas de
comunicação que seguem uma lógica dos interesses mercadológicos, que envolve a
tríade: audiência, patrocínio e conteúdo (informativo ou entretenimento).
Nesse sentido, também é percebido uma crítica na estrutura dos sentidos
construídos pela televisão:
Se, por um lado os veículos de comunicação pressupõem um processo
democrático [...], por outro lado, há quem veja nessa forma de difusão, o
broadcasting, um modelo de mão única, regularizador, padronizando gostos
e comportamentos, induzindo o telespectador a uma acomodação e à
passividade. Esse posicionamento cabe perfeitamente na análise da
televisão devido à força da imagem, que se insinua em todas dimensões do
cotidiano, justapondo os lugares no mundo, instaurando uma presença
simultânea, criando uma realidade espetacular pela intensificação de
formas, cores e tamanhos e da neutralização das referências.
21
Consequentemente, nesse jogo de imagens, o telespectador se confunde
na própria realidade. (FIGUEIREDO, 2003, p. 9)
Essa dicotomia do impacto da televisão no modo de consumo de
conteúdo e na sociedade parece estrutural e objetos das mais variadas críticas,
estudos e reações que colocam a TV na figura de um importante papel social, mas
limitado aos interesses ao que chamamos de indústria da televisão (emissoras,
produtores, mercados e governos).
1.3 A telenovela e a abordagem de temas socioculturais
Para compreender melhor como é constituído o atual cenário de
produção, reprodução, recepção e mediação das telenovelas, é necessário rever a
trajetória do gênero televisivo, de sua origem, "nacionalização" - visto que a
teledramaturgia ganha uma identidade diferente no Brasil – e sua relação com o
telespectador, responsável por dinamizar esse processo, no qual desenvolveu-se
também a função social da teledramaturgia na interação entre emissor e receptor.
A partir daí, partimos para a exposição do processo de representação de
questões sociais nas telenovelas, pois a inserção de elementos religiosos
(personagens, cenários, conceitos) faz parte deste contexto.
Considerando os contextos em que esta modalidade de telenovelas
surgiram no país e como esta contribui para o debate desses temas entre os
cidadãos-audiência e para tornar grupos sociais diversos comuns ao grande público,
aproximando as novelas da função pedagógica dos produtos midiáticos.
A teledramaturgia insere-se neste contexto, então, como um dos
principais gêneros responsáveis pela relevância da televisão no Brasil no campo do
entretenimento, especificamente na ficção, para além da transmissão de informação
factual. Visto que ela dita moda, trata sobre assuntos sociais e gera afinidades.
1.3.1 Origem da telenovela brasileira
De acordo com Julio Cesar Fernandes (2014), ao articular diferentes
autores, a telenovela como conhecemos hoje no Brasil é o resultado de uma
22
dramaturgia feita em diferentes formatos. A influência mais remota é a do romance
de folhetins, publicados em jornais da França a partir do século XIX com objetivo de
levar entretenimento ao leitor – foi por volta de 1840 que os folhetins começaram a
ocupar as páginas dos jornais pela publicação de romances escritos por inteiro e
divididos em capítulos periódicos e lidos pela elite.
Posteriormente, as soap operas ou “óperas de sabão” produzidas nos
Estados Unidos no século XX com o financiamento de empresas fabricantes de
sabão, trouxeram estórias com dramas e ações diversificas para o rádio. A
referência mais direta da telenovela brasileira são as radionovelas latinoamericanas,
que marcaram época ao integrar a programação do rádio. Em tal formato, somente a
voz e efeitos sonoros eram utilizados como suporte melodramático na encenação do
texto.
Para a autora Ana Maria C. Figueiredo (2003), a telenovela brasileira
difere-se daquelas produzidas em outros países latino americanos, europeus ou
orientais porque constitui-se por ser uma história caracterizada pelo diálogo e ação,
em que são criados conflitos provisórios e definitivos, tendo como base um grupo de
personagens (protagonistas, em que seus problemas assumem a primazia na
condução do enredo, e coadjuvantes, os quais possuem seus conflitos menos
expostos e relacionados aos principais), lugares e uma ação
A telenovela ampliou seu alcance na recepção pela imagem em comparação
às radionovelas.
Este sincretismo criado pela indústria cultural (a transformação do produto em mercadoria, em busca de espaço no mercado de consumo) leva os meios de comunicação de massa a arremedar o real e a dele tomar as cores; por esse caminho, a telenovela torna-se fascinante (FIGUEIREDO, 2003, p. p. 34)
Além de utilizar o melodrama das rádionovelas em seus enredos, a
telenovela também agrega significados quando sai do campo imaginado, em que o
rádio em sua estrutura tradicional coloca seu público ao transmitir somente falas e
feitos sonoros, e torna seu conteúdo real ao trazer para a cena elementos (cenários,
figurinos, por exemplo) semelhantes ao real, além da criação de uma dramaturgia
com um conteúdo mais realista.
23
1.3.2 A novela e sua audiência
A proximidade entre a telenovela e seus telespectadores deve-se também
ao modo em que a recepção dela é assimilada. A “telenovela entra diariamente, de
segunda a sábado, na casa do cidadão brasileiro, a partir das 17h, privilegiando
questões específicas para cada horário” (FIGUEIREDO, 2003, p. 36). Sendo a
primeira destinada ao público infanto-juvenil, a da faixa das 18h caracteriza-se por
narrativas históricas, românticas ou adaptações literárias. Já aquelas exibidas no
horário das 19h trazem a comédia, temas atuais e um aspecto jovem à trama. As
novelas das 21h, por sua vez, caracterizam-se por conter em seu enredo temas
sociais e adultos, com uma liberdade maior para a exposição de violência e
conteúdos mais “pesados”. A recente faixa de novelas das 23h exibe enredos com
um número reduzido de capítulos, geralmente remakes e históricas, tendo uma
roupagem semelhante às minisséries ou seriados enlatados, principalmente por ter
um número reduzido de capítulos, tramas, núcleos de personagens e por
funcionarem como uma obra fechada e de experimentação de linguagens. Cada
uma das faixas atrai um determinado tipo de público.
Ainda na tentativa de exemplificar a definição do perfil de conteúdo e
público para cada faixa da programação de novelas, e contextualizar o horário em
que nosso objeto, Além do Tempo, está incluso, aprofundaremos na faixa de horário
da programação das telenovelas das 18h. Este horário é voltado para a
apresentação de enredos que aproximam-se do romance e de uma linguagem
literária e poética(inclusive com adaptação de livros), mais apegados ao folhetim.
Analisando superficialmente o público médio de produções como Além do Tempo,
podemos constatar a busca por conteúdos mais livres da realidade, com histórias
mais leves; indo de encontro ao horário (entre às 18h e 19h) marcado pela transição
do fim das atividades do dia e o início do período de descanso dos telespectadores à
noite, fazendo com que sejam abertos espaços para tramas que têm como tema
questões existenciais, espiritualistas entre outras temáticas familiares. Recortando
agora a definição ao nosso objeto central, percebemos que Além do Tempo é
destinada a espectadores que gostam de histórias românticas e com interesse em
temáticas espiritualistas, sejam aqueles que declaram-se como espíritas,
simpatizantes das ideias da doutrina, espiritualistas e outros que se interessam
24
vagamente pelas temáticas comuns ao espiritismo mesmo sendo adeptos de outra
religião.
O perfil geral da audiência das telenovelas e as quais ainda são
comumente destinadas segue reforçando o estereótipo de gênero, pelo produto
cultural ser mais consumido por mulheres, como afirma explica Esther Hamburguer,
citada no estudo “Melodrama comercial – reflexões sobre a feminilização da
telenovela”, de Heloisa Buarque de Almeida (2016), afirmando que na atualidade “os
homens também assistem, mas a ligação deles com a novela não é tão forte como a
das mulheres. Eles não sentem que têm um compromisso com a novela como têm
com o noticiário” (p. 178).
Sobre a construção das narrativas e dessa fidelidade, Ana Maria (2003)
afirma que a telenovela
ao penetrar o cotidiano do telespectador nas suas práticas culturais,
estabelece relações estreitas e contínuas com seu público, pois as
narrativas são construídas a partir dos espaços que os indivíduos produzem
suas histórias, seu cotidiano. Isso estabelece um campo de troca simbólica
entre o receptor e o emissor, entre a produção da telenovela e o seu
público, o que justifica seu sucesso. (p.67)
A relação entre o produto e público é afirmada também pelo fato da
telenovela ser uma obra aberta, ou seja, que o autor e/ou sua equipe1 escrever
conforme a exibição dos capítulos na TV e diante o modo em que os fatos são
recebidos, absorvidos e repercutidos pela audiência.
Vivemos atualmente a ascensão da convergência do conteúdo entre
diferentes meios, a qual altera a experiência do telespectador. A novela que antes
era assistida apenas em frente à TV passa ser consumida em outras plataformas e
dispositivos eletrônicos, a partir do instante que o capítulo daquele dia é
disponibilizado em sites de repositório de vídeos da própria emissora ou em
aplicativos desses. A audiência deixa de estar centralizada na televisão e é
dissipada a outros meios. Esse ambiente mais digital também cria um fluxo de
1 É comum no processo de redação de uma novela a participação de outros autores colaboradores,
assistentes do autor principal responsável pelo enredo da novela, no desenvolvimento de diálogos e tramas a partir do argumento proposto por ele.
25
sentidos mais ágil ao passo que as mensagens geradas na recepção da novela são
compartilhadas e debatidas em redes sociais como o Twitter e o Facebook; além
disso, também é ampliada a oferta de conteúdo em serviços onlines de streaming e
sob demanda, como a Netflix e o YouTube. Contudo, as telenovelas continuam
tendo uma representativa audiência por ser o principal meio de lazer para os
brasileiros que vivem nos grandes centros e fora deles, em regiões no país onde não
há infraestrutura estável elétrica e de telefonia.
1.3.3 O Brasil na teledramaturgia
A posição em que a teledramaturgia ocupa no cenário cultural, entre o
entretenimento e seu valor enquanto produto de registro histórico e reprodutor de
momentos históricos deve-se ao modo do amadurecimento dos produtores de
telenovelas, principal formato da teledramaturgia brasileira e responsável pelo
desenvolvimento das minisséries e seriados (formato também adaptação ao estilo
de produção do país); bem como da necessidade de não produzir um conteúdo
unidimensional, em que os folhetins televisivos e os dramas familiares e cotidianos
eram a razão de ser das produções, e investir em narrativas que contêm histórias de
caráter social e político.
O Brasil passa a ser representado e reconhecido a partir do momento que
a teledramaturgia passa a inserir em seu enredo a diversidade social, cultural,
econômica e episódios de sua história, sejam esses ocupando o lugar de cenário
para as tramas, protagonista, ao estar no núcleo de personagens principais e/ou
sendo como um elemento vivo, ou como coadjuvante nas novelas.
Sobre tal contexto, Ana Maria C. define como esse processo acontece e
disserta quanto ao conteúdo social da teleficção afirmando que “outras novelas
recolhem, da própria sociedade, questões que amarram as relações sociais pelo
preconceito, pela discriminação, pela exploração do pobre, do negro, da mulher, do
opositor etc.”, (2003, p. 71) corroborando à tendência de seu meio, visto que a
televisão é um meio há a “reprodução de representações que perpetuam diversos
matizes de desigualdade e discriminação" (LOPES, 2007, p. 18).
26
O início das representações sociais nas telenovelas brasileiras exibidas
pelo Rede Globo foi na década de 1970, período em o Brasil vivia sob a Ditadura
Militar, censura e o uso artifícios na produção cultural para driblá-la, e que também
ficou
marcado pelas reivindicações de liberdade em todos sentidos: da
emancipação do homem e da mulher, desde a sua escolha sexual até os
direitos sobre o seu corpo, sobre sua atuação no campo profissional, sobre
a (des)ordem familiar e principalmente, sobre a liberdade política.
(FIGUEIREDO, 2003, p. 72)
Tal movimento é considerado como uma reação à demanda cobrada pela
audiência por produções “mais realistas”, que trouxessem aquela efervescência
cultural e intelectual que emergia no contexto opositor ao governo e suas ações; e
uma “virada estilística” do formato no momento em que novelas ganhavam “a cara”
do Brasil ao serem escritas por autores brasileiros oriundos da dramaturgia, e
deixando de lado as histórias latino-americanas importadas (SACRAMENTO, 2008)
e também passavam a ter uma linguagem mais coloquial, personagens com nomes
comuns ao público e com personalidades mais ambíguas, humor inteligente, entre
outros recursos dramáticos e referências compartilhadas pelos brasileiros.
Assim, as novelas trazem à cena os dramas sociais em meio às ações de
seus personagens ao longo da trama e também passam a provocar o debate de
temas considerados como tabus na sociedade.
Na década de 1980, as narrativas amadurecem e solidificam as
representações sociais. Fazendo com que as telenovelas passassem a atingir ser
um “agente central do debate sobre a cultura brasileira e a identidade do país."
(LOPES, 2007, p. 17).
A pauta social nas telenovelas globais são modificadas na década de
1990, quando, segundo Figueiredo (2003), as novelas abandonam o campo de
denúncia e de confronto das contradições políticas e sociais do Brasil e passam a
trazer as questões sociais sob uma ótica mais pedagógico. Trabalho esse que
implica na utilização de métodos de educação atrelados à via comercial e moral.
Emerge então o denominado marketing social, construído a partir de temas
escolhidos pela emissora para a realização de campanhas sociais, nas quais a
intolerância religiosa pode estar inserida.
27
Criando assim um ciclo em que esses conteúdos fossem integrados aos
enredos pelo autor, que por sua vez passa a escrever argumentos contendo tais
recursos, esses são materializados pela concepção do diretor da novela,
interpretados pelos atores e exibidos para o telespectador, que recebe a mensagem
social e continua o processo de decodificando e tornando-a parte de seu discurso e
repertório de discussão com outros receptores. Também faz parte desse sistema os
programas jornalísticos, incluindo aqui os da linha de shows/auditório, da própria
emissora que passam a agendar o mesmo tema da telenovela e ampliar o cenário
de debate, além de outras mídias e veículos.
Desse modo, a consolidação da inserção do marketing social, também
chamado de merchandising social, deu-se a partir dos anos 2000, quando tornou-se
regular a abordagem de temáticas sociais, principalmente na faixa das 21 e 23
horas, além da Malhação, série produzida pela da Rede Globo exibida a partir das
17h30 e que sempre dedicou-se a essa demanda frente ao seu público jovem.
Dentre as principais temáticas sociais estão doenças que geram determinado
preconceito, imigração, drogas, alcoolismo, tráfico de pessoas, prostituição, violência
doméstica, racismo, diversidade sexual, sustentabilidade entre outras abordadas por
diversos autores. A partir dessas narrativas, são realizadas campanhas, debates em
programas da própria emissora e também gera pauta a grande imprensa e
produtores de conteúdo.
A representação de questões sociais nas telenovelas é materializada,
assim, em diferentes eixos temáticos formados pela variedade e escolha natural dos
temas abordados nos enredos que compõe esse tipo de novela. O eixo em que este
estudo se concentra é naquele em que a diversidade cultural e de credo são
tematizados nas telenovelas que representam em suas tramas elementos ligados às
religiões. Desse modo, aprofundaremos a seguir como essas são realizadas.
28
CAPÍTULO 2 - RELIGIÃO E REPRESENTAÇÕES NAS TELENOVELAS
Neste segundo capítulo do trabalho pretendemos apresentar um
panorama do cenário brasileiro em que as telenovelas são produzidas e exibidas ao
realizar um levantamento da representação das religiões nas telenovelas exibidas
pela TV Globo entre 2011 e 2015, verificando a frequência e como as produções
televisivas reproduzem elementos ligados às religiões. Desse modo, posicionaremos
tal nicho temático das telenovelas e poderemos comparar, nas próximas páginas,
com a representação espírita, popularmente descrita como a mais evidente.
Em seguida, cruzaremos as informações obtidas com dados objetivos
enfocando o perfil religioso, mostrando como a realidade das telenovelas com
temáticas religiosas está ou não associada ao comportamento religioso do brasileiro
e de sua espiritualidade, entendendo aqui como algo distinto.
Para isso, teremos como base os dados sobre religiões do IBGE Censo
2010 e também as questões das identidades culturais, enunciadas por Stuart Hall, e
da Modernidade Líquida, de Zygmunt Bauman, cruzados com os fenômenos do
sincretismo e secularização, que materializa a realidade brasileira em que elementos
de variadas nomeações religiosas são, em diferentes níveis, misturados e cultuados
pelos brasileiros.
2.1 As religiões nas telenovelas da Rede Globo
A fim de fundamentar o contexto das representações religiosas na atual
teleficção, realizamos um estudo exploratório mapeando 39 telenovelas da Rede
Globo, exibidas entre 2011 e 2015, (ano de exibição de Além do Tempo, objeto
central do estudo em que este trabalho está associado), que foram ao ar nas faixas
das 18, 19, 21 e 23 horas da programação. Os dados utilizados foram coletados no
portal Memória Globo (http://memoriaglobo.globo.com), especificamente por meio da
“galeria de personagens” de cada novela e sua sinopse. Nosso objetivo central foi
localizar os sentidos das temáticas religiosas e como os personagens faziam uso da
religião e compreender o papel da religião como um todo no enredo. Para melhor
29
definir o perfil dessas representações, tivemos como base os critérios estabelecidos
por Fernanda Nascimento da Silva (2015) e acrescentamos outros conforme a
realidade e necessidade da nossa pesquisa:
1) Telenovela: Apresenta o nome da telenovela, o período de exibição, o
horário de exibição e o número de capítulos, informado pela Rede Globo – critério
estabelecido por Fernanda Nascimento da Silva (2015);
2) Autoria e direção: Expõe o nome daqueles que assinam o roteiro da
novela (nos termos: uma novela de, escrita por...) e aquele que faz a direção geral –
critério estabelecido por Fernanda Nascimento da Silva (2015);
3) Religião: Para tal utilizamos as definições presentes no texto de
descrição dos personagens apoiando nas definições do IBGE (Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatísticas) em seu Censo 2010, principalmente a definição “tradições
esotéricas” quando não havia precisão da prática – critério definido pela realidade do
estudo em que realizamos;
4) Personagens religiosos: Tal categoria é composta pelos personagens
de cada trama que expressam algum aspecto religioso. A fim de melhor definir,
subdividimos em seis itens, conforme relacionamos abaixo – critério definido pela
realidade do estudo em que realizamos:
a) Personagem: Composta pelo nome do personagem e o nome de seu
interprete; – critério estabelecido por Fernanda Nascimento da Silva (2015);
b) Raça: “O conceito de raça é compreendido enquanto cultura e não
como determinação biológica. Como a definição de pertencimento racial utilizada no
Brasil é a autodeclaração e fatores como a classe social e a cor/fenótipo são
variáveis que interferem nesta declaração, torna-se difícil realizar a classificação das
personagens nesta categoria. Neste sentido, para identificar a raça das
personagens, primeiro observou-se características como cor/fenótipo e a classe
social da personagem na narrativa” (SILVA, 2015, p. 54), portanto, utilizamos as
variáveis branca e negra – critério estabelecido por Fernanda Nascimento da Silva
(2015);
c) Profissão: Indicando a profissão determinada na descrição do
personagem pela possibilidade desse critério indicar algum padrão – critério
estabelecido por Fernanda Nascimento da Silva (2015);
30
d) Elementos ou temáticas religiosos: Define qual a relação do
personagem representado com a religião, visto que há um variado espectro de
abordagens possíveis em cada uma – critério definido pela realidade do estudo em
que realizamos;
e) Características: Mostra o perfil dos personagens mediante a religião –
critério definido pela junção da proposto de Fernanda Nascimento da Silva (2015) e
a realidade do estudo em que realizamos:
f) Sentido: Dividido entre positivo, neutro e negativo para medir o valor
daquela representação religiosa associada ao comportamento, caráter do
personagem, pois, assim ajuda a entender mais objetivamente como as associações
podem estar sendo absorvidas pelo telespectador – critério definido pela realidade
do estudo em que realizamos;
5) Cenário: Indica o espaço, o lugar em que o personagem realiza a
representação, conforme a descrição – critério definido pela realidade do estudo em
que realizamos;
6) Observações: Nesta categoria, reservamos um espaço para a
indicação do lugar dos personagens na trama, apontamentos feitos em análises
prévias e dados sobre a trama– critério estabelecido por Fernanda Nascimento da
Silva (2015).
31
Quadro 1: Personagens religiosos nas novela da Rede Globo em 2011
Fonte: Pesquisa do autor
32
Quadro 2: Personagens religiosos nas novela da Rede Globo em 2012
Fonte: Pesquisa do autor
33
Fonte: Pesquisa do autor
Quadro 3: Personagens religiosos nas novela da Rede Globo em 2013
34
Quadro 4: Personagens religiosos nas novela da Rede Globo em 2014
Fonte: Pesquisa do autor
35
Quadro 5: Personagens religiosos nas novela da Rede Globo em 2015
Fonte: Pesquisa do autor
36
Ao tabular os dados levantados na etapa descrita acima, verificamos a
recorrente representação religiosa nas telenovelas analisadas, tendo sido
registradas 32 menções a alguma religião nas 39 novelas analisadas. Vale registrar
que oito telenovelas não fizeram qualquer menção nas seções analisadas, o que
demonstra que a soma de menções expressa quantas vezes determinada religião foi
representada naquele período e, em alguns casos, a coexistência de crenças e
práticas religiosas.
Em números absolutos, observou-se a maior representação do
catolicismo (em 11 tramas), seguido por seis de tradições esotéricas (englobando
aqui tradição cigana, astrologia, prática de feitiçaria, seitas e oráculos), a terceira
maior representação é a de personagens ligados ao protestantismo (cinco, no total),
já o espiritismo esteve presente em quatro novelas, a única religião oriental
representada neste intervalo foi o budismo, em duas novelas, o judaísmo aparece
em somente uma novela, assim como os cultos de matriz africana.
Já a razão de “elementos ou temáticas religiosos” mensurados em nosso
levantamento é inversamente proporcional às religiões representadas. Dentre o
universo de cerca de 20 referências citadas e observadas, podemos destacar a
presença de 23 personagens religiosos (categoria que engloba padres, freiras,
noviças, monges budistas, aprendiz budista, missionário protestante astrólogo, guru
e mestre espiritual), e de temas espiritualistas, como mediunidade (15), vida
espiritual – quando o personagem é um espírito – (13), reencarnação (11) e almas
afins – personagens que possuem uma ligação de outras existências – (9). Também
podemos citar: ensinamentos espirituais com orientação budista – registrado na
novela Joia Rara, de 2013 – (7), Cerimônias religiosas –missa, casamento, culto –
(7) e perseguição religiosa – no contexto nazista contra judeus e ciganos na novela
Flor do Caribe, exibida em 2013 (6).
Registramos a presença de mais de 84 personagens para materializar
tais representações religiosas nas novelas da Rede Globo durante os cinco anos
analisados, visto que na trama Além do Tempo (2015) nomes de diversos
personagens ficaram de fora da listagem mesmo tendo associação com o
espiritismo/espiritualismo. Destes, observamos uma baixa representatividade,
considerando que levantamos a atuação de apenas dois personagens negros e de
36 mulheres (contra 47 personagens homens) e nenhum personagem descrito como
37
parte do espectro LGBT (trouxeram gays, lésbicas, bissexuais, travestis ou
transexuais). Avaliando suas profissões e perfis, observa-se a presença das mais
variadas classes (popular, média e alta), tendendo maior presença das duas últimas
citadas.
Para melhor definir o valor das representações das religiões nas
telenovelas, utilizados o critério “sentido” para medir o quanto as representações se
aproximam de seu valor real (positivo) ao analisar o perfil e comportamento dos
personagens para entender como poderia impactar na recepção da representação
das religiões. No total, foram 48 associações com sentido positivo, seguidos por 18
negativos e 17 personagens com sentido neutro.
Vale ressaltar também que o ano de maior exibição de representações
religiosas nas telenovelas globais foi 2015, em que todas as cinco tramas exibidas
trouxeram em seu enredo elementos religiosos.
A partir de uma breve observação dos expressivos dados tabulados neste
levantamento em que realizamos e já descrevemos, iniciaremos uma análise dos
critérios utilizados na pesquisa em uma cronologia de importância temática.
O primeiro critério do levantamento que analisaremos é Religião. A
inserção de temas religiosos nas telenovelas produzidas e exibidas pela Rede Globo
entre 2011 e 2015 revela uma pluralidade cultural e de discursos relacionados ao
Sagrado. Como levantado no início deste trabalho, encontramos assim um novo
modelo de midiatização da religião, associado à lógica comercial, em que o objetivo
é atrair uma audiência diversa e expressiva para gerar lucro, e que segue um
formato ficcional. O modelo identificado tende a reforçar estereótipos ou ideias
preestabelecidas na busca por transmitir de modo assertivo a mensagem simbólica
(social, religiosa ou cultural) em meio ao estilo típico da telenovela. A partir disso,
podemos levantar a possibilidade da existência de possíveis ruídos no processo de
recepção e interpretação dos personagens pelos telespectadores. Exemplos deste
quadro são de evangélicos representados como corruptos, fanáticos, ex-
marginalizados ou ainda cultos afrobrasileiros como práticas charlatãs, podendo
denegrir o sentido e a imagem daquele grupo.
Outro fator importante é que o volume da representação das grandes
religiões (isolando, portanto as tradições esotéricas) está proporcional aos índices
registrados pelo Censo 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
38
Estatísticas (IBGE), em que foi pesquisado, entre outros dados, a religião
professada por 20.635.472 pessoas em território brasileiro. A presença majoritária
do catolicismo nas telenovelas, condiz com 64,6% da população/telespectador que
declara-se como católica, por isso, deduzimos que por esse motivo sua
representação prevalece, mesmo com a perda de espaço nos dois campos
conforme aponta ainda o levantamento do IBGE. Enquanto isso, percebe-se uma
crescente representação de evangélicos nas tramas no período analisado e que
segue a tendência de crescimento da religião que desde 2000 cresceu 13,2%, e em
2010, representava 44,1% da população. Diante desse comparativo, podemos
enxergar a necessidade de uma maior pluralidade nas representações feitas nas
novelas, a fim de criar uma equidade nessas, visto que há também a demanda de
um público, mesmo numericamente minoritário, que deseja ser visto e reconhecido.
Seguindo o comparativo entre o levantamento das telenovelas o Censo
2010, percebemos que um paralelo entre a difusão delas e suas representações na
cultura de massa por meio das tramas ficcionais da maior emissora de televisão do
país. O que revela certa tendência, mas também um déficit no aspecto cultural, visto
que além de entreter, as produções também podem ter a função pedagógica
(FIGUEIREDO) de mostrar outras culturas e participar do debate sobre a diversidade
religiosa e tolerância. Na novela Lado A Lado (João Ximenes Braga, Claudia Lage),
de 2012, que trazia em seu enredo o período de mudanças sociais no Rio de Janeiro
do início do século XX, incluindo a afirmação da identidade da população negra,
notamos a ausência da representação dos cultos de matrizes africanas, importante
traço cultural desta parcela da população negra.
Sobre a representação de temas espíritas, interesse específico deste
estudo, verificamos um resultado nas telinhas acima daquele registrado no censo de
2010, cerca de 2% da população brasileira declara-se como espírita. Mesmo que o
espiritismo esteja posicionado como o terceiro maior grupo religioso do país, a sua
representação configura-se como extraordinária devido grande parte dessas
estarem localizadas na trama central das telenovelas, diferente das outras religiões,
e também pela presença expressiva, como visto acima, de temas do universo
espírita deslocado para outros campos. Verificando assim que temática também é
utilizada como elemento de tramas secundárias, como um artifício para atrair a
39
audiência pelo sobrenatural e mistério, como apontam Márcio Gonçalves e Thaynan
Mendes:
Também podemos relembrar telenovelas que não tinham como tema central
a doutrina espírita kardecista, mas que ao longo da história o espiritismo
fora mencionado, através de personagens que possuíam dons paranormais,
dentre outros fenômenos que se mesclam com os pressupostos pregados
pelo espiritismo. Neste caso, citamos a telenovela Páginas da Vida (2006)
[...] e em Amor à Vida, trama das 21h exibida entre 20/05/2013 e
31/01/2014 (2014, p. 9)
A representação de elementos e temáticas espíritas nas telenovelas da
Rede Globo nos últimos cinco anos, interesse central deste estudo, destaca-se
perante às outras religiões representadas quando analisamos o lugar ocupado na
trama e a regularidade de elementos. As tramas espiritualistas que contêm
fundamentos espíritas estão posicionadas, em grande parte, no enredo central das
telenovelas, modo que difere das demais religiões que, segundo nosso
levantamento, ocupam as tramas paralelas do enredo; além de estarem presentes
de forma secundária em novelas que não possuem um vínculo religioso tão
expressivo, por meio de elementos comuns ao espiritismo como a mediunidade e a
intervenção de espíritos.
Outra categoria importante para a compreensão deste cenário das
representações religiosas é Autor e Diretor, aqui analisaremos de modo quantitativo
somente a figura do autor. Observamos uma regularidade entre a presença de
temas religiosos nas telenovelas e quem as assinam. O autor que mais representa
as religiões em seu texto é Walcyr Carrasco, que em diferentes títulos escreveu
personagens evangélicos, católicos, budistas e outros ligados ao espiritismo. Em
seguida, temos a dupla de autoras Duca Rachid e Thelma Guedes que fizeram
referência ao catolicismo e o budismo em duas tramas. No campo das tramas
classificadas popularmente como espiritistas/espiritualistas está Elizabeth Jhin,
autora que abordou tais temáticas na trama principal de suas novelas. Sugerindo
assim que a abordagem de temáticas religiosas está intrinsecamente submetida às
afinidades de temas, propostas, desejos e motivações do autor em retratar
determinado contexto religioso em sua trama, revelando também uma tendência de
perfil temático dos autores e suas telenovelas.
40
Por fim, verificamos na categoria Cenário do levantamento, em que
determinamos o lugar ocupado por personagens associados às religiões, não são
determinantes para sua representação, visto que igrejas (católicas ou protestantes),
conventos ou templos (budistas ou esotéricos), em sua maioria, não possuem uma
participação viva no enredo, é somente causal. O que demonstra uma tendência de
dissociação do exercício da religiosidade e o espaço físico, o templo; prevalecendo
mais o discurso, práticas e comportamentos ligados a determinada religião.
Com base no levantamento e nas análises realizadas, pudemos constatar
a recorrência das representações religiosas e que mesmo tendo a essência fictícia e
romântica, a abordagem de temáticas sociais nos enredos fictícios das telenovelas
demonstra a ampliação dos sentidos gerados do programa televisivo e um
enriquecimento sociocultural do telespectador na recepção daquele conteúdo. Por
ventura, esse amplia suas percepções culturais ao ter contato com o contraditório
por meio da ficção que representa elementos religiosos diferentes das suas de
origem.
Entretanto, a sentença anterior pode não concretizar-se quando tais
associações não são bem realizadas como no período analisado. Verificamos que,
mesmo bem mais diversa na teledramaturgia produzida pela Rede Globo do que de
outras emissoras comerciais de televisão nos últimos cinco anos, a representação
das religiões nas tramas ainda são limitadas, tanto na regularidade das religiões
abordadas quanto ao modo em que a abordagem é realizada, como o uso de
estereótipos ou distorção de elementos religiosos. Tal fator pode ser descrito pela
Rede Globo tentar reforçar a cultura nacional, conceito enunciado por Stuart Hall
(2006) e que engloba um padrão simbólico de comportamento, ao reproduzirem a
narrativa histórica de formação da população, cultura e religiosidade do brasileiro
utilizando-se do seu produto da cultura de massa nacional mais típico, a telenovela.
Se ampliarmos a amostragem de novelas que representaram religiões em
seu enredo nos anos 2000, poderemos citar Estrela-Guia (2001), que abordou
aspectos do hinduísmo e valores espirituais de comunidades alternativas; A
Padroeira (2001-2002), uma das únicas novelas que trouxe a religião católica em
sua trama principal que envolvia o encontro da imagem e o reconhecimento do culto
a Nossa Senhora Aparecida; O Clone (2001-2002) que teve como pano de fundo
para sua trama principal islamismo (nessa, a religião foi incorporada ao enredo para
41
fazer contraponto ao racionalismo científico que seria tema da trama também);
Esperança (2002-2003), a qual trouxe princípios e valores religiosos dos judeus,
além da religiosidade de matriz africana e o catolicismo; Eterna Magia (2007), que
teve como pano de fundo as lendas e magias da Irlanda, Duas Caras (2007-2008), a
única a dar mais espaço e lugar (cenário) para os cultos afro brasileiros, a partir da
personagem Dona Setembrina dos Santos (Chica Xavier), mãe de santo de um
terreiro na Portelinha, onde a novela acontece; Caminho das índias que transpôs
sua trama para a Índia ao retratar as peculiaridades da cultura indiana, enraizada no
hinduísmo; e Duas Caras (2009-2010) , que tem em uma de suas tramas paralelas
os aspectos culturais do judaísmo, além do catolicismo e o diálogo entre as religiões.
Podemos definir, então, que mesmo essencial para uma manutenção do
contato com o Sagrado, as telenovelas que reproduzem de algum modo elementos
do discurso religioso compõem um novo modelo, indireto, de midiatização da
religião, em que o são midiatizados mais os sentidos do que o discurso doutrinário,
dogmático propriamente, ou seja, esse novo tipo pode ser descrito uma pílula, um
fragmento de determinada religião que pode impulsionar seu público a buscar
conteúdos mais específicos daquela crença.
2.2 Sintonia com o Sagrado
A pluralidade das tradições religiosas registradas no Brasil – cristãs,
espiritualistas, indígenas, africanas, orientais, entre outras – cria por si só nos
brasileiros um modo particular de religar ao Divino, ao Sagrado. Todas elas
coexistem, por mais ou menos tempo, desde o Brasil Colônia. Passando por
períodos de intolerância e harmonia entre seus fiéis e até mesmo entre elas e o
Estado.
Sob o signo da modernidade, inicia-se um processo de “conversões
religiosas”, descrita por Antônio Ricardo Micheloto (2008) como o resultado da
destradicionalização e ao fluxo da urbanização e industrialização a partir das ideias
de Prandi e Pierucci (1996). Nesse contexto, “o indivíduo torna-se livre, autônomo
também na esfera simbólica, tornando a identidade social (inclusive religiosa) algo
privado” (MARTELLI, 1995, p. 302 apud PORTELLA, 2006, p. 73), ou seja, “a
42
identidade religiosa deixava, assim, de ser uma questão familiar, grupal, tradicional,
para ser uma opção individual.” (MICHELOTO, p. 98)
A partir daí, cria-se um novo modo de conectar-se com o Sagrado e
vivenciar a religiosidade, caracterizada, sobretudo, pela autonomia racional e
emocional em compor o que pode ser chamado de mosaico sagrado, feito a partir de
fragmentos (conceitos, preces, rituais...) de variadas religiões, que representam a
totalidade, rompendo as fronteiras antes bem definidas e chegando à chamada
secularização da religião (PORTELLA) que representa a perda de poder institucional
dessas enquanto detentora do controle e a abertura para as livre escolhas do
indivíduo, até mesmo para unir elementos de diversas crenças e estruturar a sua
própria - fenômeno este que é o sincretismo, tão naturalizado em nossa cultura
multi-religiosa, mas que agora torna-se um processo mais individual, seja a pessoa
filiada ou não à determinada religião. Entendemos que este cenário também pode
ser provocado pelas variadas intervenções midiáticas que transmitem em seu
discurso tais fragmentos, seja pela voz de algum representante ou em narrativas da
teleficção.
Entretanto, antes de aprofundar na relação entre televisão/telenovela,
religião e pós-modernidade, precisamos recuperar o que foi a era moderna, berço da
televisão e do posicionamento que refletiria o modo de fazer TV no Brasil. De acordo
com Alan Mocellim, a modernidade “tinha como meio o conhecimento, e como fim a
organização e o controle do mundo” (2008, p. 4), e completa trazendo as ideias dos
teóricos Adorno e Horkheimer, as quais dizem que o projeto moderno
tendo como objetivo a libertação do homem de suas necessidades naturais,
acabava por, libertando o homem da natureza, dominando-o pelos mesmos
meio que o libertou. A dominação do homem acabava por ser uma
consequência da dominação do mundo, da natureza. (p. 5)
Podemos enxergar no discurso moderno a descrição dos princípios da
mídia televisiva, os quais revelam sua contradição intrínseca, que por meio da
informação e entretenimento geram determinado conhecimento que por sua vez dá
certo poder ao telespectador. Como instrumento político, ela organiza e controla os
discursos e por consequência as ideias e opiniões daqueles que consomem tal
43
conteúdo. Reforçando a ideia da coexistência do processo democrático da mídia e
do broadcasting, que apresentamos no primeiro capítulo deste estudo por meios das
considerações de Ana Maria C. Figueiredo.
A partir desse perfil homogêneo da modernidade, fazemos um paralelo
com a teoria das identidades culturais concebida por Stuart Hall (2006) a partir da
definição de três sujeitos (iluminista, sociológico e pós-moderno). Na era moderna,
compreendemos que a presença mais marcante (visto que o perfil sujeito iluminista
coexiste nesta realidade) é a do sujeito sociológico, pois o contexto da modernidade
estabeleceu uma sociedade dividida em grupos (incluindo aqui os religiosos) com
identidades bem determinadas, estáveis e que unem os indivíduos à estrutura. Os
veículos midiáticos passam então a adequarem-se ao broadcasting, ao adotar um
comportamento compatível com o sujeito iluminista, por controlarem racionalmente
os discursos e unificá-lo, mesmo que a TV enquanto organização transita por
diversos sujeitos, dependendo do espectro escolhido por ela. Com o tempo os
deslocamentos de identidades e as crises dessa tornam-se parte desse processo e
provocam alterações também no modo de fazer TV.
Já sob o signo da modernidade líquida, definida assim por Zygmunt
Bauman pelo termo opor-se à idéia de sólido (a metáfora apropriada para primeira
modernidade), visto que
as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social,
estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o
indivíduo moderno, até aqui visto como sujeito unificado. (HALL, 1998, p. 7
apud MOCELLIM, 2008, p. 10)
A fluidez da modernidade, marcada pela informação e tecnologia,
também altera o modo das religiões transmitirem suas crenças e doutrinas. Elas
“transparecem não se contentar mais com suas reuniões, missas e cultos semanais,
enfim, encontros restritos aos seus membros” (BUDKE, 2014, p. 44). Ao exibir seus
programas em emissoras próprias, em horários comprados em canais da TV aberta
ou em outros meios, elas conseguem, em uma lógica inversa, conectar-se com uma
audiência mais plural.
Desse modo, podemos definir que a midiatização da religião pode ser
encarada como uma nova dinâmica, um modo de posicionamento ao passo que ela
44
“já não seria mais o cimento da coesão cultural-social” (PORTELLA, 2006 p. 72) e
assume o papel de coadjuvante na mediação de debates de temas políticos,
econômicos e ambientais, entre outras razões, pela predominância do Estado laico.
Segundo Sidney Budke em “Mídia e Religião: Das peregrinações ao universo das
telecomunicações”, a programação nestes veículos é simplificada como o espelho
de uma sociedade com inúmeras dúvidas relacionadas ao sobrenatural e pode ser
exemplificada a partir de seguimentos temáticos bem definidos:
espíritas falam de vidas passadas e reencarnações; protestantes da fé centrada em Jesus Cristo; católicos fazem alusão a imagens de santos e romarias; pentecostais enfatizam o poder do Espírito Santo na vida do crente; neopentecostais transmitem um Deus que presenteia o ser humano com bens materiais (BUDKE, 2014, p. 44).
Gerando no espectador-fiel um sentimento de pertencimento e
representatividade pelo conteúdo que tem como tema algum elemento de
determinado universo religioso. E também revela uma aparente contradição
estrutural desse sujeito, visto que mesmo
Para a grande maioria dos habitantes do líquido mundo moderno, atitudes como cuidar da coesão, apegar-se às regras, agir de acordo com precedentes e manter-se fiel à lógica da continuidade, em vez de flutuar na onda das oportunidades mutáveis e de curta duração, não constituem opções promissoras (BAUMAN, 2005, p. 60 apud MOCELLIM, 2008, p. 28),
É latente, pela aparente demanda do público e reforçada pelo registro de
elevada audiência, também a necessidade do consumo de produtos midiáticos
voltados à religiosidade e seus desdobramentos culturais, os quais representam
efeitos desse novo modo de ser religioso. Revelando dois perfis de telespectadores
que convivem juntos na mesma “plateia”: um mais centrado e simpático aos
discursos dogmáticos utilizados ou veiculados pela mídia; e outro de fato mais fluido
que identifica-se com o valor simbólico gerado naquela representação e agrega-o
até mesmo no comportamento e cotidiano dele, sem qualquer apego aos conceitos
da religião.
45
CAPÍTULO 3 - ESPIRITISMO, SEU MOVIMENTO E A MÍDIA
Ao longo deste capítulo, revisaremos alguns momentos que compõem a
história do espiritismo, desde sua organização na França até seu desenvolvimento
no Brasil, para a melhor compreensão do contexto religioso estudado ao longo deste
trabalho. Em seguida, realizaremos um panorama sobre o processo de midiatização
da doutrina espírita, com ênfase no cenário brasileiro, tanto nas mídias comerciais e
espíritas.
3.1 Dos fenômenos ao espiritismo e seu movimento
O espiritismo como conhecemos hoje é produto de um extenso processo
histórico em que a prática mediúnica, de contato com os mortos para diferentes fins,
foi registrada em culturas de diferentes povos e alvo de proibição. Foi sob um
contexto racional que tal prática retoma à cena e protagoniza o desenvolvimento do
espiritismo, um movimento que uniria filosofia, ciência e religião.
Em meio à dualidade entre Espiritualismo e Materialismo, representada
pelas figuras de “Voltaire, coroado pela deusa Razão, Swedemborg, conversando
com os anjos pelas ruas de Londres” (MACHADO, 1983 apud SILVEIRA, 2000, p.
68), o século XVIII viu surgir variados movimentos culturais, sociais e religiosos. Os
espiritualistas centravam uma nova posição sobre o sobrenatural a partir do
questionamento relacionado à morte, existência de espíritos e ao mundo espiritual.
Diversos estudos e práticas de estudiosos e populares na América e
Europa foram realizados neste período. Desses, destacamos a atuação das
seguintes figuras: Edward Irving, que como médium ajudou a preencher a do
espiritualismo que continuaria com o também médium Andrew Jackson Davis, o
cientista Sir William Crookes que debruçou-se na investigação para constatar os
fenômenos psíquicos; a médium Eusápia Palladino que foi o primeiro caso de
fenômenos físicos (expressado pela levitação de objetos e pessoas) estudado por
cientistas; os irmãos nova-iorquinos Ira Erastus Davenport e William Hanry
Davenport, que com suas faculdades mediúnicas atraíram a atenção de estudiosos.
46
O processo de práticas, exames, hipóteses e constatações foi realizado
por homens de diversos ramos da ciência seguindo métodos científicos para
compreender tais fenômenos ora chamados de psíquicos ora espirituais.
No limiar entre o espiritualismo e o espiritismo que seria desenvolvido
mais tarde na França, houve o episódio protagonizado pelas Irmãs Fox em
Hydesville que destacou-se sobre outros por Margaret e Kate realizarem o
intercâmbio mediúnico com espíritos por meio de um sistema de estalos e batidas
que correspondiam ao alfabeto, após ouvirem diversas sons misteriosos pela casa.
A profusão de fenômenos sobrenaturais nas sessões de “mesas
girantes”2 de salões nobres na França, Inglaterra, Estados Unidos e Rússia atraíam
curiosos, bons cidadãos e estudiosos para assistir “mesas de todos os pesos e
tamanhos se erguiam do chão e se moviam em todas as direções, sem que ninguém
as levantasse” (MAIOR, 2013, p. 15). Entre os espectadores interessados em
compreender a causa daqueles movimentos estava o pedagogo, filosofo e cientista
Hippolyte Léon Denizard Rivail, estudioso do magnetismo e sonambulismo desde os
19 anos.
Após compreender o princípio inteligente por trás das materializações e
começar a frequentar as reuniões de mesas girantes, passou a buscar, junto de
médiuns como as jovens irmãs Julie e Caroline Boudin, ensinamentos e explicações
dos espíritos sobre este e o Outro Mundo. O método utilizado foi o de “perguntas e
respostas”, entretanto, “faltavam a estas pesquisas, supostamente científicas, três
qualidades básicas: continuidade, regularidade e isenção” (MAIOR, 2013, p. 51).
Assim, o trabalho de Rivail continuou até culminar na organização do O Livro dos
Espíritos, publicado em 1857, sob o pseudônimo de Allan Kardec, seguindo
orientações do Além Túmulo3.
2 Designação a um dos primeiros fenômenos físicos por efeitos sensíveis registrados pelo espiritualismo moderno. Ele consistia no movimento circular impresso voluntário ou provocado em uma mesa, a partir do exercício mediúnico. De acordo com Allan Kardec em O Livro dos Espíritos, “Basta-lhe colocar as mãos na mesa para que, no mesmo instante, ela se mova, erga, revire, dê saltos, ou gire com violência. (2005, p. 93), por vezes utilizavam cartas com o alfabeto para que frases fossem formadas por meio dos movimentos do móvel. Esse efeito pode ser reproduzido em outros objetos. Nesse primeiro momento, as mesas girantes ganharam um grande público por entreterem a curiosidade do sobrenatural e representam o ponto de partida da doutrina espírita. 3 Codinome utilizado para diferenciar seus trabalhos publicados ao longo de sua carreira como pedagogo
daqueles sobre a nova doutrina. Allan Kardec foi sugerido o nome sugerido pelo espírito Zéfiro em uma sessão mediúnica, por indicar a encarnação em que Rivail foi um sacerdote druida dedicada ao ensino e à filosofia, tal como naquela encarnação.
47
Este livro é um marco para os estudos espiritualistas e inicia uma nova
etapa do espiritualismo, como descreve por Arthur Conan Doyle em “A História do
Espiritualismo”, editado em 1926. “O Espiritualismo na França e entre povos latinos
segue Allan Kardec, que prefere usar o termo Espiritismo, sendo seu principal
aspecto a crença na reencarnação” (2013, p. 429). A definição feita sintetiza a mais
representativa das doutrinas espiritualistas daquele tempo.
Nesse primeiro livro o agora chamado Allan Kardec logo busca definir a
nova doutrina e distingui-la do espiritualismo até então exercido. “Diremos, então,
que a Doutrina Espírita ou Espiritismo tem por princípio as relações do mundo
material com os Espíritos ou seres do mundo invisível” (KARDEC, 2001, p. 11).
A doutrina Espírita, codificada na segunda metade do século XIX, trazia em
seu corpo doutrinário diversos pensamentos e correntes filosóficas que
proporcionaram características racionais as novas convicções espirituais.
Sem dúvida o magnetismo, que vinha sendo estudado como um conjunto de
fenômenos associados à atração ou repulsão observada na matéria através
de correntes elétricas, preparou o caminho que permitiria uma maior
propaganda espírita, com o qual seria mais tarde associado (JUNIOR, 2016,
p. 17)
Em seguida, foram publicados outros quatro livros que formam a
coletânea chamada de Obras Básicas: O Livro dos Médiuns (1861), O Evangelho
Segundo o Espiritismo (1864), O Céu e o Inferno (1865) e A Gênese (1868). Juntos,
reúnem os princípios do Espiritismo, descrita como uma doutrina que une filosofia,
ciência e moral religiosa.
Sobre a importância da figura central de Allan Kardec neste principio e
sobre a problemática que perpassa o movimento espírita, Bernardo Lewgoy afirma
Kardec foi um homem das Luzes, que criou uma religião altamente
relacionada com os ideais de sua época: a laicidade, o progresso e o
espírito científico, tendo atraído cientistas e literatos. [...]
Nesse sentido, o espiritismo anunciava-se como uma religião natural, o que
originou uma tensa e não resolvida relação entre demonstração
experimental e revelação, que significa que seu prestígio era dependente da
simpatia da comunidade intelectual pelo fenômeno. (2008, p. 85 - 86).
48
No Brasil, “acredita-se que imigrantes, leitores de jornais europeus, foram
os primeiros a reproduzir aqui, em meados do século passado [XIX] o que já era
moda na Europa: [...] comunicação com os mortos por meio das mesas girantes”
(STOLL, 2003, p. 41- 42). Os primeiros centros espíritas surgiram em 1865, no Rio
de Janeiro, e em 1873, em Salvador, e tinham a participação de membros da colônia
francesa da Corte e membros da elite e da classe média.
Logo, proliferaram diferentes núcleos espíritas pela capital do Império e
outras cidades, ora interessados no viés religioso ora no científico. Foi criada em
1884 “a Federação Espírita Brasileira (FEB), com a expectativa de filiar todos os
grupos e tendências espíritas, independente de suas divergências” (DOS SANTOS,
1997, p. 19). O movimento espírita disseminou-se para os estados de São Paulo,
Minas Gerais, Rio Grande do Sul, entre outros da região nordeste, se organizando
em federativas, associações e uniões.
A unificação do movimento espírita brasileiro aconteceu em 1949 pelo
chamado “Pacto Áureo”, “por ele a FEB ficava no centro do processo de unificação e
aceitava a instalação de um Conselho Nacional Federativo [...] Estabeleceu-se
também que a obra de Kardec seria a referência básica” (DOS SANTOS, 1997, p.
61) do movimento espírita brasileiro, ou seja, cada estado teria um representante no
Conselho Nacional Federativo (CNF) da FEB para participar da articulação de
diretrizes, divulgação, entre outros assuntos e, nenhuma ideia contraria àquelas
divulgadas na Codificação poderia ser aceita.
O espiritismo consolidou-se no Brasil em grande parte pela literatura
espírita, fruto, em grande parte, da comunicação por meio da psicografia, textos
escritos e ditados por um espírito a um médium. A mediunidade de cura aliada a
obras sociais também são apontadas por José Luiz dos Santos como características
do movimento espírita.
De acordo com dados colhidos pelo Censo 2010 realizado pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), em que foi pesquisada a religião
professada por 20.635.472 pessoas - fração amostral efetiva da ordem de 10,7%
para o País (p. 22), o espiritismo, a terceira maior religião do Brasil e pano de fundo
do objeto deste trabalho, obtêm cerca de 3.848.876 adeptos, 2% da população
brasileira. Representando um pequeno crescimento desde o último censo de 2000
que registrou 1,3% de espíritas no Brasil. Na pesquisa, a religião espírita é
49
interpretada diante ao destaque que ela ganha quando são analisados os perfis
etário, étnico escolarização e renda.
Este é o grupo religioso com a mais elevada idade mediana, 37 anos.
Também é revelado que “68,7% eram brancos, percentual bem mais elevado que a
participação deste grupo de cor ou raça no conjunto da população (p. 101) e que
também possui a taxa de alfabetização mais elevada dos demais grupos, 98,6%, (p.
102) com elevados índices de pessoas graduadas. Acompanhando tal tendência,
também verifica-se que, o espiritismo apresentou a maior média de pessoas com
rendimento acima de 5 salários mínimos, estabelecidas pelo instituto, 19,7% do total
de espíritas. Deste modo, enxergamos a maior motivação comercial em inserir
elementos próximos da doutrina deste grupo religioso na programação televisiva por
meio das telenovelas
3.2 O Espiritismo na mídia
Assim como qualquer outro segmento social ou religioso, o espiritismo
busca desde seu desenvolvimento abrir diálogos com seus seguidores ou curiosos
sobre sua doutrina para a troca de conhecimentos, vivências, e como modo de
difusão de sua mensagem e a difusão de seu movimento. Em seu histórico podemos
destacar o intenso uso de mídias impressas, como livros, revistas, jornais e cartilhas
(por ser parte da cultura da palavra escrita), eletrônicas e digitais (rádio, televisão,
internet – websites, mídias sociais, webtv, podcasts – que têm como propósito
transmitir conteúdos doutrinários em narrativas dos gêneros romance ou doutrinário,
outros que associam conceitos espíritas a assuntos da atualidade. Todas essas
iniciativas juntas ou isoladamente ajudaram a construir o movimento espírita
brasileiro e encaram a problemática da distribuição, a qual abordaremos nas
próximas páginas.
Um importante momento da midiatização do espiritismo neste período de
desenvolvimento de seu movimento enquanto instituição foi a Revista Espírita.Com
o objetivo de intensificar o processo de disseminação das ideias espíritas para
cativar novos adeptos à doutrina da nova filosofia espiritualista, Allan Kardec lança
em 1858 a Revue Spirite, no francês. A iniciativa tinha como objetivo fazer desta,
uma nova tribuna em que haveria espaço para a publicação de textos escritos por
50
diversos autores, e um canal de comunicação, debate circulação de opiniões com os
interessados e seguidores do espiritismo naquele momento em que a prática
mediúnica se alastrava pela Europa e buscavam-se informações sobre os
fenômenos associados a essa prática, e a interligação de centros de estudo e
práticas espiritualistas/espíritas que começavam a surgir.
A interface entre e mídia e a religião espírita no Brasil dá-se desde o
princípio do desenvolvimento do movimento até então filosófico espiritualista. De
acordo com Jacqueline Stoll (1998), o principal instrumento de divulgação utilizado
neste momento foi a palavra escrita. O primeiro periódico espírita brasileiro a
despontar foi Echos de Além-Túmulo, lançado na Bahia em 1865, logo em seguida
veio a primeira impressão nacional de O Livro dos Espíritos (ainda em francês, mas
que em 1900 já teria sido traduzido). Esses dois eventos incentivaram a proliferação
de publicações com temáticas espíritas, como destaca a autora:
Esse investimento editorial conduziu o Brasil a uma posição de destaque no cenário internacional: segundo o jornalista João do Rio, uma testemunha de época, por volta do ano de 1900 existiam “no mundo 96 jornais e revistas (espíritas), 56 em toda a Europa e 19 só no Brasil” (Rio, 1951, p. 190). (STOLL, 1998, p.42)
Essas publicações eram produzidas por centros e instituições espíritas, e
profissionais liberais ligados ao movimento. Nesse contexto, podemos citar o veículo
espírita mais tradicional, O Reformador, fundado em 1883, pelo fotógrafo Augusto
Elias da Silva, com circulação ativa até os dias atuais. Grande parte das publicações
circulava nas imediações da cidade do Rio de Janeiro, podendo citar: A
Fraternidade, Humildade, Mundo Espírita e Brasil Espírita,
O ideal espírita começou a “chegar pelos telhados” de lares brasileiros
pelo sistema de radiodifusão entre os anos 1936 e 1937 em Araraquara, interior do
estado de São Paulo, por meio de conferências espíritas semanais comandadas por
Cairbar Shutel, divulgador espírita, político e farmacêutico, transmitidas pela Rádio
Cultura Araraquara em ondas médias (AM) na freqüência de 1.370 kHz, que
atingiam a audiência de Recife e Salvador. De acordo com Tarcísio Martins Dantas
(2012), as “conferências radiofônicas versavam sobre os mais variados assuntos,
tais como a imortalidade da alma, finalidade da existência terrestre, o Espiritismo e o
Cristianismo e tantos outros assuntos” (p. 41 - 42). Também podemos citar o
programa espírita “Hora Espiritualista”, lançado em 1937, com a idealização e
51
apresentação do jornalista João Pinto de Souza na Rádio Sociedade Fluminense, a
partir de 1938 passou a ser transmitido pela Rádio Transmissora do Rio e é, desde
então, o programa espírita mais duradouro em tempo de atividade. Outra importante
rádio espírita é Rádio Boa Nova, mantida pelo grupo de mídia da Fundação Espírita
André Luiz, e que desde 1975 dedica-se a transmitir uma programação com
assuntos doutrinários, de bem estar, comportamento, transmissão e divulgação de
eventos, entre outros.
A transmissão de conteúdos espíritas pela televisão é um dos tópicos
mais sensíveis desta discussão. Considerando a capacidade da TV em atingir uma
grande massa de público e gerar significados, seria esta a mídia ideal para ser
utilizada, entretanto, há uma forte deficiência estrutural e técnica no processo de
produção de programas, distribuição e acesso ao sinal de canais espíritas ou ainda
espaços alugados em emissoras comerciais de TV. Com isso, a única emissora
inteiramente espírita é a TV Mundo Maior, fundada há 10 anos pela Fundação
Espírita André Luiz, que possui também a produtora Mundo Maior Filmes.
Já a inserção do espiritismo na televisão comercial acontece por meio de
reportagens, talk-shows, programas especiais que têm como enfoque a vida de
médiuns, mediunidade, reencarnação, conceitos espíritas ou cultura espírita (livros,
filmes...). É a ficção, telenovelas e seriados, o gênero da programação com maior
regularidade na representação do espiritismo. A novela espírita/espiritualista mais
marcante foi justamente a primeira, A Viagem - escrita por Ivani Ribeiro, inspirada
nos livros Nosso Lar e E a vida Continua, psicografados pelo médium Chico Xavier,
e exibida pela Rede Tupi entre 1975 e 1976. Em 1994, o folhetim ganhou um
remake feito pela TV Globo, reprisado por quatro vezes: no programa Vale A Pena
Ver de Novo (1997 e 2006), na Globo Internacional (2004) e no Canal Viva
(2014/2015), além de ter sido vendida para mais de 15 países. Com efeito, tais
produções elevam o interesse do público pela religião, chegando até mesmo a
aumentar a vendagem de livros espíritas. No início da mesma década de 1970, foi
ao ar o principal episódio da representação do espiritismo na televisão brasileira, a
entrevista do médium Chico Xavier no programa Pinga Fogo.
“A noite de 28 de Julho de 1971 foi diferente. Tornou-se uma noite
histórica para São Paulo e para o Brasil. Muita gente até hoje se pergunta porque
estava diante de um aparelho de TV, esperando o ”Pinga Fogo” do Canal 4.”
52
(Gomes, 2010, p. 9), assim descreve o jornalista Saulo Gomes sobre aquela edição
de seu programa de perguntas e respostas que teve como convidado o médium
Francisco Cândido Xavier, o Chico Xavier. Na tribuna, o mineiro recebeu
questionamentos de teor religioso, além de perguntas ligadas à ciência,
mediunidade, saúde, entre outras temáticas. Como resposta, a demonstração da
vanguarda do Espiritismo com direito a intervenções mediúnicas. Marcel Souto
Maior, jornalista e biógrafo do médium descreve que “Muitos espíritas enrustidos, ou
católicos não-praticantes, assumiram a religião. Céticos passaram a acreditarem
vida após a morte” (2003, p. 196).
Mesmo sem grande histórico, o cinema espírita registra desde os anos
2000 um movimento de uma tímida ascensão do gênero a partir dos filmes: Bezerra
de Menezes - O Diário de um Espírito (2008); Nosso Lar e Chico Xavier (2010), que
marcaram celebração do centenário do médium; O Filme dos Espíritos e As Mães de
Chico Xavier lançados em 2011; E a Vida Continua (2012) e Nosso Lar 2 – Os
Mensagem (em produção), além de documentários. Este cenário que leva multidões
às salas de cinema também ganham espaço em eventos como o Festival de Cinema
Transcendental e a Mostra de Filmes Espíritas.
53
Com o desenvolvimento das plataformas digitais e a democratização
da produção de conteúdo na internet vemos atualmente a profusão da criação de
páginas e canais de conteúdos espíritas em diferentes mídias digitais com o
objetivo de divulgar a doutrina espírita. Uma das características desta nova fase
é a produção estendida ao público jovem, que ao longo desse processo midiático
ficou à margem, e o humor como elemento presente. Podemos destacar a
página Espiritismo da Depressão, no Facebook, e os canais de vídeos ou
programas como Amigos da Luz, Meninas Espíritas, o programa “Minha Nada
Mole Encarnação” da FEBTV, Galera Espírita, entre outros. Já na divulgação
institucionalizada a internet é utilizada em média escala para espaços como
webTVs, como a FEBTV, da Federação Espírita Brasileira, TVCEI, do Conselho
Espírita Internacional, Allan Kardec TV, o projeto Portal Ser, responsável também
pelo podcast podSER, e as rádios online Fraternidade, Boa Nova, Mundo Maior,
Síntese Web, Vivência Espírita, Ismael - Deus, Cristo e Caridade, entre outros
veículos; é neste ambiente de fronteira livre que a midiatização do espiritismo
possui extenso potencial para a produção e consumo de conteúdos relacionados
ao espiritismo, em diferentes formatos e plataformas.
O resultado da geração e distribuição de conteúdos espíritas é a
ampliação e a manutenção do movimento religioso que são expressos pelo consumo
de livros, principal fonte de informações da doutrina e vivência do espiritismo, e a
freqüência aos chamados centros espíritas.
Como pode ser visto, a midiatização do Espiritismo acontece, seguindo o
perfil dos veículos, em duas distintas esferas: geral, ao ser pautada por publicações,
portais, produções de teledramaturgia, cinema, programas de TV em meios leigos,
submetidos à lógica comercial e a um variado universo de temas; específica,
realizada por periódicos (jornais, revistas, boletins), sites, programas de rádio e
[web]TVs dedicados exclusivamente ao conteúdo espírita, produzido por órgãos com
objetivo de divulgar a doutrina.
É a partir dessa realidade que sobressai uma das características mais
marcantes da midiatização do espiritismo e seus espaços na mídia: o uso de
seções, colunas, e horários alugados na grade de programação ou de programas
veiculados na grande mídia leiga. Esse uso desenvolve uma dicotomia de sentidos:
54
o positivo, pelo conteúdo espírita ocupar um espaço atípico na transmissão de sua
mensagem para um público mais amplo, e o negativo que ressalta a carência de
espaços midiáticos próprios e com larga distribuição territorial, não restrita às suas
regiões de origem ou determinado sistema de transmissão, e adesão às companhias
que mediam esse processo, tais como as operadoras de TV paga. Esta problemática
da midiatização espírita materializada no contexto das mídias próprias ou
específicas do movimento religioso, que não possuem grande alcance e aceitação
de consumo pelo público, é gerada por fatores técnicos, podendo citar: a
compreensão da linguagem televisiva, a idealização e produção de conteúdo
adequado à mensagem e formato, bem como a equipamentos, captação,
transmissão e distribuição.
Ao compreender o contexto de desenvolvimento do espiritismo, o
fortalecimento de seu movimento religioso no Brasil e sua midiatização, podemos
considerar que o atual movimento espírita brasileiro, mesmo sendo o país com maior
presença de espíritas, não consegue assimilar a demanda de divulgação de sua
doutrina, seus ideais ou eventos pela mídia impressa, eletrônica ou digital e suas
novas plataformas ou formatos, ao contrário da realidade primária em que registrou
uma profusão de publicações. Na esfera da midiatização espírita realizada pela
grande mídia, a qual possui as condições para a temática espírita chegar a variados
públicos de interesse e atraí-lo, podemos concluir que a produção de conteúdo
jornalístico ou de entretenimento desses veículos envolvendo tal valor religioso
expressa sentidos oscilantes uma vez que a mensagem espírita representada estará
submetida à lógica do espetáculo midiático e de interesses mercadológicos.
55
CAPÍTULO 4 – ALÉM DO TEMPO E O ESPIRITISMO
Neste capítulo vamos apresentar o estudo de caso da novela Além do
Tempo trabalhando as teorias, hipóteses e problemáticas discutidas ao longo deste
trabalho. Para isso, apresentaremos a ficha técnica, a sinopse da novela e as
conexões com o espiritismo nela existente.
A seguir, realizaremos a análise de como cinco principais elementos
espíritas são representados ou associados na novela. Eles foram definidos a partir
dos dados levantados no capítulo 2 deste trabalho e que encontramos ao analisar de
modo mais completo o enredo da novela classificada popularmente como “espírita”.
Na análise teremos como material o texto do diálogo, o cenário, o figurino e a
interpretação dos personagens comparados a definições espíritas para compreender
as limitações e problemas dessa associação.
4.1 A novela
Além do Tempo foi escrita por Elizabeth Jhin com a colaboração de Eliane
Garcia, Lilian Garcia, Duba Elia, Renata Jhin, Vinicius Vianna e de Wagner de Assis
(roteirista e diretor do filme espírita Nosso Lar, lançado em 2010, e de Nosso Lar 2 –
Os mensageiros, em produção), e direção geral de Pedro Vasconcelos, a novela
Além do Tempo foi exibida pela TV Globo na faixa das 18h entre 13 de julho de 2015
e 16 de janeiro de 2016. A novela registrou uma expressiva repercussão ao registrar
a maior audiência do horário (20 pontos na grande São Paulo) desde 2013, e ser a
novela mais elogiada na Central de Atendimento ao Telespectador (CAT) da Rede
Globo (25% dos elogios feitos à dramaturgia diária da emissora), de acordo com
Marcelo Stycer (2016).
A novela apresenta em duas fases a história de amor vivida em algumas
existências por Lívia (Alinne Moraes) e por Felipe (Rafael Cardoso). Lívia uma
jovem humilde prestes a retornar para o convento sob a imposição de sua mãe de
saúde frágil, Emília (Ana Beatriz Nogueira), que é dona da taberna da cidade. Felipe
é de família nobre e noivo de Melissa (Paola Oliveira).
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No século XIX, os dois encontram-se na cidade gaúcha Campobello e
vivem uma história de amor, “nascem um para o outro” (XAVIER, 2015), além de
enfrentar as provações e obstáculos criados pela Condessa Vitória Castellini (Irene
Ravache), mãe do rapaz e sua noiva (Paola Oliveira). Ainda nesse período,
acompanhamos as tensões familiares ao redor de Emília, como o possível
envolvimento de Pedro (Emilio Dantas), filho de sua amiga Gema (Louise Cardoso),
e o retorno da Condessa Vitória para Campobello que a deixa mais ansiosa pelos
votos perpétuos da filha.
Na segunda fase a trama avança um século e meio na história, chegando
à atualidade. Nos capítulos da nova existência, os papéis sociais são trocados, mas
as armações de Melissa continuam e Vitória é agora uma camponesa falida.
Fazendo referência à lei de causa e efeito nas encarnações vividas. É nesta fase em
que acontecem os momentos de redenção e a evolução moral e espiritual dos
personagens, incluindo o desfecho da trajetória de provações do casal protagonista.
4.2 Espiritismo na novela
Em Além do Tempo nove personagens estão associados diretamente à
representação do espiritismo, visto que grande parte do elenco também reencarna e
teve sua história continuada ao longo da segunda fase da trama e marcada por
conflitos e ligações desenvolvidos na primeira fase, ou melhor, na outra vida.
O personagem que mais bem representa a ligação da novela com a
doutrina espírita é Mestre (Othon Bastos), que é a ponte entre os seres humanos e o
mundo superior, uma espécie de espírito superior que acompanhou a evolução dos
personagens ao longo da trama e esteve presente em acontecimentos marcantes
nos dois períodos da trama. Em diferentes momentos relacionados à abordagem
espírita na novela é ele quem tem a função de mediar os conflitos entre questões
espirituais e os dilemas terrenos ao transmitir determinada lição ou conselho a
outros personagens, sempre utilizando elementos da doutrina espírita em seu
discurso. Seu arquétipo é bem marcado pelo aspecto idoso do ator, que transmite
experiência e sabedoria, características complementadas pelo figurino em tons
sóbrios e um cajado utilizado na mão direita, expressando um sentido mágico e
divino. A figura do ator Othon Bastos, com uma caracterização de figurino e voz
semelhante a do personagem Mestre, aparece também na narrativa como o
57
personagem Elias, que segue o mesmo padrão de suporte espírita doutrinário e
moral; surgindo aí a ambiguidade sobre o qual é a associação entre os
personagens, pois ela não é descrita em nenhum momento da novela, somente
subentendida no trecho que traça a trajetória de Mestre na segunda fase da novela
(período em Elias aparece). “Ainda está sempre por perto de Belarrosa para
aconselhar e ajudar todos os moradores da cidade.” (Gshow, 2015) e demonstrada
pelos dois personagens ocuparem o mesmo cenário
Figura 1 Personagem Mestre caracterizado
Fonte: Fábio Rocha / TV Globo/Divulgação
A partir de agora, partimos para a análise da inserção de elementos
espíritas na novela Além do Tempo. A escolha dos elementos analisados partiu da
observação do enredo da narrativa, como eles eram inseridos e seu lugar na
construção da trama espiritualista da novela, além dos dados adquiridos no
levantamento realizado no capítulo 2 (no qual consideramos a sinopse, as tramas
principais e paralelas, e o perfil dos personagens disponíveis no site
http://memoriaglobo.globo.com) e também foram assistidas cenas da novela Além do
Tempo (REDE GLOBO, 2015) para verificar elementos não apresentados
anteriormente com o objetivo de buscar as temáticas que representavam o
espiritismo na trama.
Os cinco temas são:
58
1) Influência dos espíritos, anjos e protetores: Partindo da idéia que tal
temática é abordada ao longo de toda a trama, em diferentes momentos e
envolvendo diversos personagens, iremos analisar a atuação de dois personagens
ligados diretamente ao assunto, agentes desta representação, o anjo Ariel e o
Mestre. Observando o arquétipo dos personagens e a construção do diálogo travado
na cena para buscar semelhanças semânticas e conceituais entre o objeto e o
espiritismo.
2) Vida espiritual e reencarnação: Será analisado como o processo de
reencarnatório dos personagens é realizado por meio da construção dramática da
sequência. Enxergando como é realizada a transição de vidas (expressa como a
mudança para a segunda fase da narrativa) e a inserção deste tema na trama
perante a perspectiva de Lívia e Felipe, protagonistas da novela.
3) Simpatia terrena de espíritos: Para tal análise, pretendemos
compreender como esses conceitos estão inseridos na cena em ressonância com a
perspectiva espírita das temáticas ou de modo genérico na cena determinada, a qual
traz principalmente os personagens Chico e Raul, que compõe a trama paralela e
expressam tais ideias.
4) Mediunidade: Analisaremos como a abordagem da temática está
associada ao universo espírita ou se é encarada como uma faculdade intelectual
consequente ou mágico, considerando a performance de Mateus, personagem
agente desse elemento e também daqueles que estão envolvido neste núcleo
temático.
5) Chico Xavier: Buscamos analisar nesta categoria a associação da
imagem de Francisco Cândido Xavier (Chico Xavier), médium considerado o mais
expressivo representante do espiritismo no Brasil, realizada na última cena da
novela, visto que tal representação traz a associação mais direta entre a novela e o
movimento espírita e registra tal ligação.
Em seguida, realizamos a seleção das cinco cenas que faziam alusão às
temáticas espíritas buscando as cenas no site https://globoplay.globo.com utilizando
como palavras-chave nome de personagens e termos associados ou situações
levantadas no primeiro momento descrito acima, para então escolher as cenas que
apresentavam maior significado para nossos objetivos e na trama. Para cada
59
subseção, escolhemos uma cena específica ou uma sequênciade cenas para ser
analisada, apresentando no início de cada entrada o diálogo dos personagens
devidamente identificados com:
1) Data: Data na qual foi exibida a cena;
2) Capítulo e cena: Número do capítulo que contém a cena e seu
número naquele capítulo;
3) Descrição da cena: Informação sobre o principal acontecimento da
cena (item gerado pelo site Globoplay)
Quadro 6 Sequências de cenas analisadas na temática espírita em Além do Tempo
Fonte: pesquisa do autor
4.2.1 Influência dos espíritos, anjos e protetores
Nesta primeira sequência a ser analisada trataremos sobre um dos
principais pilares da referência espírita em Além do Tempo, a atuação de espíritos
sobre outros personagens, seja protegendo ou interferindo negativamente. Nesta
cena acompanhamos o diálogo de dois espíritos Mestre e Ariel, que interpreta de
modo arbitrário o sentido dos acontecimentos em que seus protegidos estão
vulneráveis, gerando situações atrapalhadas ou marcantes na trama para impedi-
los, e sempre é repreendido por seu tutor.
60
Ariel: Mestre, o senhor como eu sinto a sua falta.
Mestre: Eu sei. Eu sei que você está se esforçando para conter os impulsos
e interferir no destino das pessoas.
Ariel: Mas é isso que confunde senhor. Se eu ainda tivesse meus poderes,
eu poderia ter evitado eu o menino Alex caísse do cavalo, que sofresse
tanto.
Mestre: Ariel, você perdeu seus poderes pela forma errada de usá-los . Se
for permitido que isso acontecesse com o menino é porque de certa forma
estava nos planos do altíssimo. Ou então, algum outro anjo o impediria de
montar sozinho. E vocês, aonde estava?
Ariel: Eu levei a Lívia para avisar a dona Emília que a Condessa pretende
levar o filho logo à noite. Isso não pode acontecer, mestre
Mestre: Ariel, Ariel, Ariel, Ariel, você ainda não entendeu que é importante
que mãe e filho se encontrem? Como eles vão resgatar os débitos de vidas
passadas, de outras vidas. (REDE GLOBO, 2015, cap 73).
Figura 2 Ariel e Mestre dialogam Fonte: Rede Globo/reprodução
A influência dos espíritos, tema principal da cena, é apresentada em
harmonia com os conceitos abordados amplamente no espiritismo, como no item
"Influência dos Espíritos nos acontecimentos da vida" do Capítulo IX – Da
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intervenção dos Espíritos, mundo corporal no O Livro dos Espíritos, o qual diz na
questão 525:
Assim é que, provocando, por exemplo, o encontro de duas pessoas, que suporão encontrar-se por acaso; inspirando a alguém a idéia de passar por determinado lugar; chamando-lhe a atenção para certo ponto, se disso resulta o que tenham em vista, eles [os espíritos] obram de tal maneira que o homem, crente de que obedece a um impulso próprio, conserva sempre o seu livre-arbítrio. (KARDEC, Allan, 2004, p. 332 - texto entre colchetes do autor)
Em outro momento, do mesmo capítulo, é dito que tal influência em
pensamentos e atos são “Muito mais do que imaginais. Influem a tal ponto, que, de
ordinário, são eles que vos dirigem.” (p. 302). A partir de tais aspectos, podemos
verificar uma familiaridade entre tais ideias e o discurso esclarecedor, com um
sentido até mesmo didático, voltado a Ariel, mas também ao público que assiste,
pois tal sentença pode ser aplicada na vida cotidiana, das pessoas não intervirem na
trajetória alheia.
A nomeação de Ariel como "anjo" traz uma multiplicidade de sentidos, em
sintonia ou dissonância com a doutrina espírita, visto que "o termo é sinônimo de
Espírito" (KARDEC, Allan, 2004, p. 133), entretanto, na mesma questão é explicado
que anjos são os espíritos puros e que despertam a ideia de pureza moral. Portanto,
mesmo que os termos sejam semelhantes, o critério "pureza moral" aplicado aos
conflitos do personagem revelados na cena, nos faz induzir que Ariel, de acordo com
as ideias espíritas, não classifica-se como anjo, e sim como um espírito imperfeito,
ora bondoso ora imperfeito.
Outro arquétipo dissonante à doutrina e aplicado a Ariel é o de "anjo na
terra" ou "anjo caído", e ao Mestre, definido como "a ponte entre os seres humanos
e o mundo superior"4, visto que no espiritismo não é aplicada a materialidade de
espíritos nessa concepção de uma entidade que ora está encarnada ora está em
contato direto com o outro plano. No espiritismo há dois estados principais: a alma
encarnada, que ocupa um corpo denso e material, e o espírito, etéreo e fluido. Tal
intersecção dos personagens fica evidente nesta cena analisada e em outras
quando eles têm contato com outros personagens (encarnados) pela carência de
elementos cênicos e visuais que marcam tal estado, uma vez que não há alteração
nem mesmo no padrão do figurino.
4 As definições apresentadas entre aspas foram retiradas do perfil dos personagens na seção Galeria de Personagens de Além do Tempo no site Memória Globo.
62
Há então nos personagens Mestre e Ariel a representação de “espíritos
protetores”, outro conceito enunciado pela doutrina codificada por Allan Kardec, e
que de acordo com O Livro dos Espíritos têm a missão de “de guiar o seu protegido
pela senda do bem, auxiliá-lo com seus conselhos, consolá-lo nas suas aflições,
levantar-lhe o ânimo nas provas da vida” (2004, p. 317) e que define bem o papel
exercido por Mestre, espírito evoluído, e Ariel, ainda em evolução e que, de acordo
com o mesmo texto pode realizar tal tarefa. Ao utilizar tal figura, vemos a possível
intenção de associar os personagens a elementos conhecidos do movimento espírita
brasileira que são os mentores. Geralmente, esses são apresentados sendo
relacionados a seus protegidos, como Emmanuel e Chico Xavier ou ainda Joanna
D‟Angelis e Divaldo Franco.
O uso do termo "poder" utilizada por Mestre não é muito usável para o
contexto espírita, mesmo que ela tenha um uso pedagógico, sendo melhor utilizar
habilidades, visto que poder precede uma ideia imaginada coletivamente como
mágico.
4.2.2 Reencarnação
A cena começa ainda no século XIX com Lívia e Felipe abraçados em
estado de transe, entre a vida terrena e a espiritual, no fundo de um rio, após
Melissa jogar Lívia do penhasco e Pedro ataca Felipe com um golpe de espada no
peito e ser lançado também às águas.
Lívia: Você sabe rezar? Reza comigo. Tem que ter fé.
Felipe: Não acredito num Deus que parece se divertir com o sofrimento
humano.
Lívia: Eu sei o quanto está sofrendo. Eu sinto muito, me dói muito vê-lo
assim... Eu queria tanto que fosse diferente, que tudo fosse diferente.
Felipe: Que Deus é esse, Lívia? Que parece se divertir, que permite que os
se amam se separem, que permite que você, que eu amava...
[ESTAÇÃO DE METRÔ] Felipe: que nunca deixei de amar
Lívia: Alô! Ai, peguei um engarrafamento horrível. Eu to no metrô... não,
mas é mais rápido... Tá... eu to chegando. Tá... beijo.
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A partir daí a câmera rompe as águas e segue a cena na atualidade
acompanhando Lívia e Felipe na estação de metrô em um jogo de câmeras lenta e
acelerada. Ela caminhando ocupada usando o celular ele e ele caminhando e
olhando para os vagões que passam. Até que os Lívia e Felipe se aproximam no
momento do embarque e Ariel o empurra, impedindo o reencontro; fazendo com que
o protagonista perca a entrada no metrô. Mesmo assim Lívia e Felipe trocam olhares
por entre a vidraça do vagão com impressões de reconhecimento e encantamento,
até se perderem de vista.
A última tomada da cena é um diálogo entre Ariel e Cícero subindo a
escadaria da estação de metro e caminhando pela rua:
Cícero: Ariel, por que impediu o Felipe e Lívia de se encontrarem?
Ariel: O amor não vale à pena, amigo Cícero. Não lembra o que aconteceu
com esses dois em outra vida? O melhor é não se aproximarem de novo.
Cícero: O que aconteceu, meu amigo, teve um motivo, nada foi um
acidente ou por acaso. Não aprendeu a lição?
Ariel: Que importa?! Eu já perdi meus poderes... Vamos, porque temos
muito o que fazer
Cícero: Vai levar uma carraspana do mestre.
Ariel: Carraspana, amigo Cícero?
Cícero: Sim...
Ariel: Estamos em pleno século XXI, diga: sacode, esculacho, que o Mestre
vai me zoar... Você tem muito o que aprender. (REDE GLOBO, 2015, cap
88).
Figura 3 Felipe e Lívia após serem jogados do penhasco. Fonte: Rede Globo/reprodução
Observamos o significativo uso da água na sequência que introduz a
representação da reencarnação, mesmo que o elemento natural não esteja
64
associado diretamente ao espiritismo, podemos associar à simbologia de recomeço,
renascimento, purificação e ainda à gestação de um novo ciclo que os dois
personagens centrais da novela estavam para iniciar.
Enquanto que o a estação de metrô, os vagões correndo e os usuários
caminhando pela plataforma dão o sentido de movimento, de passagem de tempo,
de diversos momentos vividos enquanto Lívia e Felipe seguiam sua trajetória até se
reencontrarem.
Mesmo que esta sequência tenha uma forte carga dramática subjetiva,
tendendo ao lúdico e ao romântico, como dito, e que poderia desassociar totalmente
dos fundamentos espíritas, podemos creditá-la como um elemento positivo na
encenação, na interpretação visual do processo reencarnatório e como acontece as
aproximações com espíritos simpáticos, tema de outro item deste trabalho.
A cena da morte de Lívia e Felipe demonstra alguns aspectos típicos deste
período pós-morte e além-túmulo, como os conflitos de Felipe que revolta-se com
Deus por estar sendo separado de sua amada e o contato, a comunicação e
continuação desta ligação entre os personagens no estado etéreo, espiritual mesmo
após serem separados pela morte física, material, tal aspecto é evidenciado no
diálogo que Lívia inicia com seu companheiro. Os dois elementos utilizados são
parte relevantes do imaginário espírita, uma vez que são narrados nos livros
classificados como "romance espírita" por narrar justamente a vida espiritual do
narrador-personagem e recuperar o momento de sua morte, sendo um exemplo o
livro best-seller Nosso Lar, do espírito André Luiz e psicografado por Chico Xavier, o
primeiro da série A Vida no Mundo Espiritual.
Já a representação da reencarnação pode ter valor positivo ao
demonstrar, mesmo que de modo implícito, o quão extenso é o processo
reencarnatório, não imediato ou com uma precisão datada deste momento e
também de provas e laços de simpatia que os personagens terão. Entretanto, a
representação dessa temática perde significados quando, por motivos estéticos, de
elenco e didáticos, os personagens na nova encarnação continuam sendo
interpretados pelos mesmos gêneros, interpretado pelos mesmos atores, só
mudando sua posição social ou familiar, o que de acordo com Allan Kardec não
acontece
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Os Espíritos encarnam como homens ou como mulheres, porque não têm sexo. Visto que lhes cumpre progredir em tudo, cada sexo, como cada posição social, lhes proporciona provações e deveres especiais e, com isso, ensejo de ganharem experiência. Aquele que só como homem encarnasse só saberia o que sabem os homens. (2004, p 173-174).
O reencontro entre Lívia e Felipe pode ser analisado de acordo com as
preposições levantadas no tópico Simpatia terrenas de espíritos. Como dito nesse
mesmo item 4.4, a estratificação do perfil dos personagens no esteriótipos de
mocinhos, típica do formato novelista, de Além do Tempo cria também um ruído na
definição espírita para o objetivo da reencarnação:
A doutrina da reencarnação, isto é, a que consiste em admitir para o Espírito muitas existências sucessivas, é a única que corresponde à idéia que formamos da justiça de Deus para com os homens que se acham em condição moral inferior; a única que pode explicar o futuro e firmar as nossas esperanças, pois que nos oferece os meios de resgatarmos os nossos erros por novas provações. (KARDEC, 2004, p. 158),
visto que no enredo da novela faz parecer que Lívia e Felipe são vítimas
de ações contrárias de Vitória, Emília, Melissa e Pedro, enquanto que de acordo
com tal teoria eles são dignos dessa provação.
4.2.3 Simpatia terrena de espíritos
A sequência analisada traz a temática mais presente na representação do
espiritismo em Além do Tempo, a simpatia terrena de espíritos (e em outro momento
a antipatia). Na cena do capítulo 101 acompanhamos Chico, que orfão de pai e mãe
é adotado por Gema, patroa de sua mãe e esposa de Queiroz, o qual acaba
rejeitando-o por racismo e ainda ameaçando o menino de levá-lo a um abrigo, acaba
fugindo para a mata, onde é encontrado por Raul e Bernardo.
Bernardo: Marina, eu não desliguei o celular, estava fora de área... É, a gente deve tá perto de Belarosa e o sinal voltou... Foi, a gente veio devagar, né, região linda. E você conhece o Raul, ele quer parar em todo lugar para fotografar. Agora mesmo ele tá lá fotografando uma gruta famosa da região. É...
Raul caminha na mata fotografando a paisagem até avistar pela lente da
câmera o corpo de um menino caído logo adiante.
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Raul: É uma criança!
Ele desce o barranco e vai até o menino deitado sobre as pedras. Raul: Ei, garoto! Mantenha a calma, eu vou lhe fazer mal não. Está tudo bem com você? Chico: To com fome. Raul: Onde você mora? Chico: Em lugar nenhum Raul: Não fique assustado. Eu vou lhe ajudar. Como é o seu nome? Chico: Francisco. Raul: O meu é Raul.
Os dois se cumprimentam dando as mãos e estendendo um sorriso de felicidade. Daí são alternardo takes que relembram Raul e Chico na outra encarnação do século XIX, em que eram pai e filho.
Raul: Vem! Chico: Ai, ai meu pé, ai... Raul: Quer ajuda aí? Machucou o pé? Chico: Eu andei muito e fez calo. Raul: Eu vou te colocar nas minhas costas lá em cima. Chico: Por que? Raul: Eu te levar para comer um sanduíche, topa? Chico: Aham. Raul: Vem... Isso aí garoto. Vem cá!
O fotógrafo coloca o menino nos ombros. Os dois riem. E seguem até o ponto em que o carro de Bernardo está estacionado.
Chico: Uma delícia o sanduíche! Obrigado. Bernardo: Tava com fome mesmo, hein, companheiro?! Raul: É... fala aí pra gente, Francisco, onde é a sua casa, onde está a sua mãe... Chico: Meu pai morreu, minha mãe também . Raul: É... e você vive assim pelo mato? Chico: Desde pequeno, sozinho no mato. Bernardo: Sozinho, cara? E você se alimenta de de que, fruta, raízes, essas coisas? Chico: É, e bebo água da chuva e do riacho. Raul: É estranho você está com tanta fome já que está acostumado a se alimentar com as coisas do mato Chico: De vez em quando eu também como um sanduíche Bernardo: Oh Francisco, essa roupa aíestá suja, mas é maneira, né, e esse tênis é bem legal também, apesar do calo no pé. Chico Tem gente caridosa que me dá coisa boa. Raul: Francisco, fala a verdade pra gente... Você não fugiu de casa, né, ou fugiu? Chico:É que o seu Queiroz não gosta de mim, disse que vai me mandar pro orfanato. Eu não quero ir. Bernardo: Calma, ninguém vai te mandar pro orfanato. Quem é esse Quiroz? Chico: É o dono da casa onde eu morava. E a dona Gema é a mulher dele, muito legal. Bernardo: Gema?
Chico confirma com sinal positivo com a cabeça.
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Raul: Mas espera aí... Gema e Queiroz, não é o nome da agência de turismo de Belarrosa? Só pode ser... Não, é impossível existir duas Gemas na mesma região. Bernardo: Claro que não. Vem cá, Francisco, a gente vai te levar pra Belarrosa Chico: Não moço, eu não quero ir pro orfanato, então, me deixa aqui. Bernardo: Calma, fica calmo. A gente é amigo, tá?! Raul: Oh Francisco, você é uma criança e a gente não pode deixar você aqui. A gente vai procurar esse Queiroz, essa dona Gema e vamos resolver o seu problema, certo? Bernardo: Ok? Direto pra Belarrosa, sem escalas... Deixa eu pegar o seu tênis. Está doendo? Chico: Não...
A sequência continua na casa de Gema, que está angustiada com o desaparecimento de Chico. A campainha toca e a empresária vai abrir a porta. Gema: Francisco!! Meu filho, Francisco... Bernardo: Com licença. (REDE GLOBO, 2015, cap 101).
Figura 4 Chico e Raul se reencontrando e os dois na outra encarnação Fonte: Rede Globo/reprodução
A representação da "simpatia terrena de espíritos" é expressa na cena pelo
encontro de Raul e Chico a beira do riacho de modo sutil e coerente com a doutrina,
visto que a simpatia dá-se pelo sorriso dos personagens ao deparar-se frente a
frente e na afinidade imediata expressa pelo diálogo fácil. O sorriso expressa tal
ligação pregressa e é utilizado cenicamente para marcar e demonstrar a simpatia
por meio do take que relembra os dois na vida passada e que eram pai e filho. Essa
sutiliza no sentimento de simpatia entre espíritos vai de encontro às ideias espíritas,
pois para há a crença que não há o reconhecimento direto, consciente, mas
Podem, porém, sentir-se atraí-dos um para o outro. E, freqüentemente, diversa não é a causa de íntimas ligações fundadas em sincera afeição. Um
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do outro dois seres se aproximam devido a circunstâncias aparentemente fortuitas, mas que na realidade resultam da atração de dois Espíritos, que se buscam reciprocamente por entre a multidão. (KARDEC, 2004, p. 266).
Ampliando a abordagem da simpatia e antipatia terrena de espíritos na
novela também enxergamos a relação de antipatia ou a permanência dela aplicada
no enredo de modo dramático, criando personagens esteriotipados pelo
antagonismo (mocinhos e vilões) e que desfigura da do conceito espírita, que coloca
a antipatia desassociada da maldade
De não simpatizarem um com o outro, não se segue que dois Espíritos
sejam necessariamente maus. A antipatia, entre eles, pode derivar de
diversidade no modo de pensar. À proporção, porém, que se forem
elevando, essa divergência irá desaparecendo e a antipatia deixará de
existir. (KARDEC, 2004, p. 267)
4.2.4 Mediunidade
Após vivenciar alguns conflitos entre sua mediunidade e seu ciclo de
convivência e a reconstituição metafísico de seus desenhos que havia rasgado,
Mateus decidi ir junto de sua mãe Gema à casa de Elias, um sábio senhor que
compreende tais fenômenos para compreendê-los melhor.
Gema: Muita bondade do senhor em nos receber, seu Elias.
Elias: Entre minha brava senhora! Que bom que vocês vieram. E, por favor,
sente, fique a vontade. Isso, vamos. Eu estava esperando por vocês.
Mateus: Mas a gente não avisou que vinha.
Elias: Não se preocupe. Às vezes eu fico pensando umas coisas e elas
acontecem. Eu fico feliz de vocês terem achado o caminho. Ah, dona Gema,
agora, por favor, não fique pensando nos seus inúmeros afazeres que a
senhora vai ter muito tempo para cuidar deles. Você sabe que uma grande
escritora disse que se nós chegássemos à porta do paraíso, eles não vão
perguntar se nós varremos bem o chão ou se ariamos bem as panelas...
não; eles vão desejar saber como aproveitamos o nosso tempo e que
intensidade nós resolvemos viver.
Gema: Não se deixar dominar por ninharias de grande importância, Clarissa
Píncola.
Elias: Bela escritora!
Gema: Maravilhosa, Meu marid... meu ex-marido nunca acreditou, mas eu
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gosto de ler. Só não tenho muito tempo.
Elias: Então, vamos aproveitar o nosso tempo. Mateus, depois eu vou
conversar com você. [dirigindo-se à Gema] Encosta, isso, dona Gema, vai,
encosta, respira profundamente, inspira, respira, fique serena, tranquila.
Mais, calma. Se quiser um cházinho, a senhora pode ir ali fazer o seu
chazinho. Está bem?
Em seguida, Elias dirige-se a Mateus:
Elias: Mateus, é, por favor, deixa eu ver os seus desenhos.
Mateus: Então, no dia em que aconteceu tudo eu acabei rasgando eles. Eu
tava com muita raiva. Só que de repente, seu Elias, eles voltaram a ficar
assim... Eu não sei como isso pode ter acontecido.
Elias: Existe mais mistério entre o céu e a terra do que supõe a nossa vã
filosofia. Se você disesse ao homem da Idade Média que um dia ele iria à
Lua, ele ia chamar você de louco.
Mateus: É... Copérnico foi condenado porque ele disse que a Terra não era
o centro do universo.
Elias: A mente humana tem o seu tempo de evolução. Mateus, um dia
todos nós seremos capazes de viver milagres. A teoria quantica mudou
mais que o comportamento da matéria, mudou a própria ideia da matéria.
Mateus: A gente chegou a estudar um pouco de física quantica na escola...
Até que é bem maneiro.
Elias: Pergunte, nem se preocupe, em como seus desenhos se
restauraram. Pergunte por quê"!
Mateus: Por que?
Elias: Porque você tem um belo dom. Um dom em que você poderá ajudar
às outras pessoas, porque você vai ter que se cuidar para se proteger da
energia que vai lhe cercar. (REDE GLOBO, 2015, cap 126).
70
Figura 5 Elias, Gema e Mateus conversam sobre os desenhos do rapaz. Fonte: Rede Globo/reprodução
A sequência evidencia um dos principais pilares do espiritismo, o contato
com o mundo oculto, também descrito como mediunidade. Neste caso há uma
mistura de faculdades, visto que Mateus tem a dupla visão, que se "desenvolvida
mostra os acontecimentos que deram ou estão para dar-se" (KARDEC, 204, p. 303),
por meio de sua atuação como médium desenhista, que sob influência de um
Espírito (que não aparece em cena) expressa a sua visão do passado. O
personagem também manifesta sua segunda visão ao visualizar personagens na
outra existência terrena.
O discurso de Elias traz marcas e conceitos típicos de textos espíritas
teóricos, doutrinários, como este
A mediunidade é uma faculdade inerente à natureza do homem; nem é uma exceção, nem um favor, e faz parte do grande conjunto humano. Como tal está sujeita às variações físicas e às desigualdades morais; sofre o temível dualismo do instinto e da inteligência. Possui seus gênios, sua multidão e suas anomalias. (GEORGES, 1865, p. 212)
publicado na Revista Espírita, organizada por Kardec naquele período. Portanto,
verifica-se nesta cena uma representação verosimilhante de conceitos espíritas e
um sentido didático, pela explicação dada por Elias, e também na construção e
trajetória do personagem, mostrando com certa fidelidade como é o processo
mediúnico, além dele ser um personagem importante na narrativa para ajudar a
tecer e mostrar para o espectador os novos rumos da história e as relações diretas
com a vida passada.
71
4.2.5 Chico Xavier
Aqui iremos analisar a última sequência da novela Além do Tempo, que
apresenta o final conceitual de toda a história de amor espiritualista com inspiração
espírita, por meio de um diálogo e mensagens narradas em off. O elemento
analisado é a figura e a obra de Chico Xavier, popular representante do espiritismo.
Mestre: Honre suas asas anjo Ariel, você aprendeu que as penas dos
homens que formam as asas dos anjos. Agora podemos ir.
Ariel: E sempre que precisarem chamem por nós!
OFF [com a voz de Mestre] - É tempo de nascer, é tempo de morrer,
tempo de plantar, e tempo de colher o que se plantou. As almas felizes de
estarem juntas, se procuram quando se reencontram. É como amigos que
voltam de uma longa viagem, mas os adversários se reencontram para
extinguirem os ódios que ficaram sem solução.
GC: FIM
OFF de Chico Xavier: "É possível que tenhamos raiva ou que tenhamos
ódio, é possível, sem termos direito para isso. Porque o ódio que sentirmos
ou a cólera que alimentemos recai sempre sobre nós, no sentido de doença,
de abatimento, de aflição e só pode causar mal, já que deixamos, há muito
tempo, a faixa da animalidade para entrarmos na faixa da razão. Somos
criaturas humanas e por isso devíamos sentir a verdadeira fraternidade de
uns para com os outros, sem possibilidade de nos odiarmos, porque os
irmãos verdadeiros nunca se enraivecem, uns com os outros". (REDE
GLOBO, 2016, cap 161).
Figura 6 Ariel e Mestre cumprem suas missões. Fonte: Rede Globo/reprodução
72
Figura 7 Felipe e Lívia na encarnação atual e na outra vida. Fonte: Rede Globo/reprodução
A primeira cena desta sequência acontece com Ariel e Mestre em frente
de uma igreja (aparentemente católica) da vila residencial da novela vestindo roupas
brancas, juntos esses dois elementos transmitem os sentidos de pureza, elevação,
que é complementado pelo final da cena, em eles se viram de costas para o público,
ficam de frente para a igreja e se desmaterializam , demonstrando de fato o fim da
missão deles naquele contexto e evoluíram.
A próxima cena traz takes que reproduzem a união, a realização e o amor
pleno de Lívia e Felipe no mesmo cenário montanhoso na vida passada, em que
eles teriam de enfrentar muitas adversidades, e na atual, após vencerem todas as
provações e finalmente poderem estar juntos; podemos enxergar tal distinção de
estágio no cenário, que na primeira fase mostra o céu azulado e cadeia de morros
bem marcados, transmitindo a ideia de divisão entre o céu (ideal) e a terra, morros
(instável, probatório, marcado por altos e baixos), enquanto que na segunda fase os
morros estão quase todos cobertos de nuvem, sem quase distingui-los do céu, o que
mostra a realização e que, como diz o texto narrado em off por Mestre, são tempos
de plenitude e com aspiração ao infinito, a eternidade e completude, dada pelo plano
aberto que demonstra agora a grandeza do céu mais do que a da terra.
A mensagem de Chico Xavier é passada na cena-crédito que tem como
apoio imagético a vinheta de Além do Tempo, que é composta de referências
ligadas ao universo vinicultor, das uvas e aos manuscritos, cartas, podendo ser
associados à positividade, longevidade, plenitude, prosperidade pela temática da
novela, além do enredo que também traz esse universo, enquanto que essa ideia
epistolar pode ser remetida a memórias relembradas e até mesmo o destino dos
personagens sendo escrito.
73
Seguindo a análise iniciada no item 4.2.1 sobre o uso do arquétipo de
anjo e seu significado espírita, enxergamos na fala de Mestre uma metáfora, uma
alegoria sobre a valorização de seus conhecimentos adquiridos e a ascensão
espiritual e liberdade de seu discípulo quando diz "honre suas asas, anjo Ariel", visto
que espíritos não possuem de modo evolucionista qualquer mutação em sua
morfologia ao longo de sua evolução.
Percebemos nos textos narrados em off pelas vozes de Othon Bastos,
interprete de Mestre/Elias, e de Chico Xavier nas últimas cenas da novela o desejo
dos roteiristas em transmitir mensagens positivistas com sentido moral e pacífica,
que provoque o sentimento de esperança, reflexão e até mesmo transformação no
modo de agir, inspiradas ou adaptadas de textos sagrados, doutrinários ou discursos
de representantes religiosos. No texto narrado por Othon há uma inspirada em um
trecho do livro Eclesiastes 3. do Velho Testamento (Há tempo de nascer, e tempo de
morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou; Eclesiastes 3:2),
sobre os propósitos divinos para a vida terrena adaptado para o contexto das ideias
espíritas abordadas na trama como uma conclusão da estória e de todos os
conceitos enunciados; percebemos aí a possível intenção de atrair os ouvidos de
cristãos, judeus e todos aqueles que seguem o antigo testamento para a "moral da
história" e a mensagem universal a qual desejam transmitir por meio do contexto
espírita.
A referência direta à figura de Chico Xavier na cena-crédito de Além do
Tempo ao dar voz ao médium em uma locução em off de uma mensagem gravada
em determinado momento, traz muitos significados para a produção que se
encerrava ali, tanto em repercussão, mídia (jornais, portais de notícia e páginas de
redes sociais produziram conteúdo repercutindo o acontecido e ampliaram a janela
de pautas, alcance e engajamento de público mesmo com o fim da novela. A
mensagem transmitida pela voz tremula do mineiro de Pedro Leopoldo dá a
assinatura da trama como uma obra espiritualista com inspiração no espiritismo e
ainda reforça essa intenção de ser associada como uma produção que transita no
universo espírita - visto que ao defini-la oficialmente como espiritualista (como Além
do Tempo foi) percebemos a preocupação em não especificar o perfil dos
telespectadores.
74
A escolha por Chico Xavier pode ser avaliada pela relevância de sua obra
para o espiritismo no Brasil e por esse ser um representante espírita com expressivo
reconhecimento também por fiéis de outras religiões e que rompe tais barreiras
atingindo o status de “um heroi brasileiro” (FERNANDES, Magali, 2008), uma vez
que
a pessoa e a personagem podem ser vistas à maneira de um heroi do conto maravilhoso, transposto para narrativas no Brasil. Sua apresentação retrata uma “visão de mundo” que, por um lado, apoiava-senos preceitos do ideário kardecista e, por outro, ia ao encontro de um imaginário popular, bem mais amplo e complexo, na relação com o tempo mítico, numa tradução cultural brasileira em movência. (FERNANDES, Magali, 2008, p. 164)
O que é corroborado pela obra e figura de Chico Xavier ter “uma ênfase
cristã dolorista, ainda presente em Chico, pela busca do bem-estar, da auto-estima e
da felicidade como valores emergentes no espiritismo" (LEWGOY, 2008, p. 91) ao
passo que é evidente a postura pacífica e ecumênica do médium, como quando fez
“questão de defender a Igreja Católica fundamental para o país. – Por mais de
quatrocentos anos, nós fomos e somos tutelados por ela na formação do nosso
caráter cristão” (MAIOR, 2013, p. 112), fazendo com que a recepção da mensagem
e seu interlocutor fosse positiva pelos telespectadores que acompanham o último
capítulo de Além do Tempo. Identificando aqui o reforço do mesmo objetivo
identificado acima sobre a seleção da natureza dos textos utilizados nas duas
últimas cenas da novela.
De modo indireto, também enxergamos a associação da figura de Chico
Xavier na construção do personagem Mestre, já analisado neste trabalho, devido à
natureza do personagem que segue a idealização da imagem do médium como
“uma „ponte‟ atuando entre o mundo das histórias de santos e do dia-a-dia”
(FERNANDES, Magali, 2008, p. 163), além do uso de fatos, cenários e conceitos
semelhantes e comuns aos livros psicografados por Chico na elaboração do roteiro
da novela.
Ao longo deste percurso de análise, percebemos, talvez por uma lógica
temporal e causal, que quatro das cinco sequências observadas pertencem à
segunda fase da novela, a qual representa a encarnação atual dos personagens e o
espaço ideal para refletir momentos e ligações ocorridos e iniciados, na trama, na
fase anterior.
75
Constatamos também que a representação de elementos espíritas na
narrativa sempre não apareceu concentrada em somente um núcleo ou privilegiando
personagens da trama principal, ela está inserida amplamente na novela, um dos
fatos que corrobora tal sentença é a reencarnação estar presente no argumento de
Além do Tempo e também pelos personagens, como vimos nesta análise, estão
ligados a diferentes elementos.
Por meio da leitura do texto da novela, enxergamos que o valor do
conteúdo espírita transmitido possui dois principais eixos: um moral/espiritual, em
um cenário de situações maniqueístas (bem-mal), no qual são provocadas reflexões
do que é certo/errado, adequado/inadequado, e que tudo está submetido às leis que
transcendem a matéria, podendo ela ser na novela o Altíssimo, os espíritos ou a
trajetória delimitada de cada personagem; e o outro é o eixo didático/espiritualista,
que demonstra a aplicação da função didática da telenovela, enunciada por Ana
Maria Camargo Figueiredo (2003), a qual abordamos no início deste trabalho, e que
é ampliada ao passo que este didatismo parte para o campo religioso, uma vez que
seja pelo texto literário (com fidelidade aos conceitos espíritas) ou pela imagem são
transmitidos conceitos doutrinários do espiritismo que são estendidos para sua base
cristã; e que eles coexistem e por vezes cruzam-se.
Podemos constatar, portanto, a expressiva ligação da novela Além do
Tempo com conceitos espíritas, que certamente vão para além destes elencados
acima, e que sofrem expressivas distorções ao serem adaptadas para o estilo do
folhetim a partir da chamada licença poética e da teledramaturgia, que necessita
sempre de soluções visuais para transmitir ideias, causando ruídos na decodificação
dessas informações aliadas, uma vez que o telespectador médio acaba não
desassociando os conceitos reais aplicados e a forma irregular utilizada para
evidenciá-lo.
76
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo apresenta um levantamento da representação das religiões
nas telenovelas da Rede Globo a partir do estudo de caso da telenovela Além do
Tempo. Para tal, trabalhamos com teorias multidisciplinares entre elas Daniel
Piza, Pierre Bourdieu, Stuart Hall, Zygmount Bauman, Eugênio Bucci, Maria Rita
Kehl, Ana Maria C.Figueiredo, Fernanda Nascimento da Silva, Julio Cesar
Fernandes,Sandra Jacqueline Stoll, Rodrigo Portella, Antônio Ricardo Micheloto,
Bernardo Lewgoy, Allan Kardec, Marcel Souto Maior e com um levantamento de
dados da das telenovelas. Após a análise, podemos concluir que a pesquisa
sobre a interseção entre mídia e religião é relevante tanto para compreender o
cenário da teleficção nos últimos tempos, bem como os possíveis impactos que
esse gênero televisivo pode ter para as representações das religiões. Além disso,
consideramos que a crescente midiatização do mundo tem impactado no modo
como as pessoas relacionam-se com sua religiosidade, e na projeção e
decodificação das imagens das próprias religiões.
Considerando a televisão uma espécie de esfera pública, em que debates
são levantados, grupos e questões são conhecidos por meio de sua programação
informativa e de entretenimento procuramos pensar que modo a televisão está
dando a ver a religião para o mundo.
Ao considerar os dados do levantamento sobre a representação de
religiões nas telenovelas da Rede Globo entre 2011 e 2015, verificamos que a
representação de elementos religiosos são comuns na teledramaturgia produzida
pela emissora, uma vez que a pluralidade de religiões compõem um importante
traço da cultura brasileira e que faz parte do cotidiano das distintas realidades
abordadas em seus enredos. As representações têm significados também na
definição do papel social dos personagens e expressam uma semelhança com os
discursos, práticas e comportamentos definidos pelas religiões, em certa medida,
consideramos, que encontramos inúmeras distorções presentes. Logo, é possível
dizer que há uma aproximação dos personagens com o contexto socioeconômico
e cultural próximo a realidade dos integrantes de grupos religiosos fora da
"telinha".
77
Consideramos ainda que as novelas possuem um importante papel que
ultrapassa a diversão e alcança uma função pedagógica. Isso se da, em partes, pela
pela popularidade do formato, que facilita absorção de sua mensagem, parte pelo
enredo tratar de relevantes questões sociais, históricas e culturais e também, claro,
pelo fato de ocupar um lugar de destaque no horário nobre (período noturno) da
programação da televisão brasileira.
Logo, abordar elementos religiosos em seu enredo, nos quais os diferentes
grupos religiosos estão inseridos é também uma forma de ensinar religião e o
que é religiosidade. Nesse caso, além de apresentarem aspectos culturais,
comportamentos, posicionamentos, práticas e crenças de religiões pouco
conhecidas ou estigmatizadas pelo público, as novelas que representam em sua
trama aspectos religiosos poderiam cumprir uma função cidadã ao contribuírem
para a promoção da tolerância religiosa, quebra de preconceitos e do livre
exercício da fé, seja ela qual for, um dos direitos fundamentais enunciado na
Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Organização das Nações Unidas
(ONU).
Entretanto, percebemos com o levantamento feito que este objetivo não
tem sido alcançado, uma vez que as abordagens feitas de diferentes religiões
tiveram um sentido negativo, estigmatizado ou pouco plural, sendo essas
temáticas quase apagadas pelos demais contextos da narrativas.
Outra consideração é que mesmo, seria relevante que a abordagem fosse
livre de estereótipos. Ou seja, que tais representações em telenarrativas ficcionais
não tivessem distorção de sentidos originais da mensagem religiosa e das
dimensões as quais são aplicadas.
Em contrapartida, percebemos também certa dependência do movimento
espírita brasileiro e sua midiatização com as “novelas espiritualistas inspiradas
livremente na doutrina dos espíritos”5 –– devido à problemática técnica em que
identificamos na produção, captação, transmissão e distribuição de conteúdos
5 Definição esta que condiz melhor com o modo em que é realizada tal representação, sem compromisso em criar um conteúdo literalmente embasado nos pilares da religião.
78
espíritas pelas mídias espíritas ([web]TVs, rádios, jornais, revistas, páginas
online, entre outros).
Resumindo, em nosso estudo de caso da novela Além do Tempo
pudemos chegar as seguintes conclusões: ela é uma novela espiritualista, ou
seja, a autora e sua equipe utilizou largamente de conceitos adotados pelo
espiritismo e de suas definições próprias e de um modo específico, visto que
poucas foram as novelas a adotarem o didatismo em que ela utilizou para
transmitir ideias espíritas ligadas à moral, ainda que a representação tenha
alguns ruídos como percebemos. Outro fator que a faz destacar-se nesse nicho
temático é a associação direta a Chico Xavier, um representante do movimento
espírita legitimado por seus seguidores e por fiéis de outras religiões.
Outro aspecto observado ao associarmos pós-modernidade, televisão,
telenovela e público é que encontramos uma contradição na mensagem emitida,
decodificada das telenovelas e o público “pós-moderno”. O primeiro ponto é que
identificamos uma espécie de “controle social” realizado pela junção de duas esferas
de poder simbólico que interferem no comportamento da sociedade: mídia e religião.
Esse produz, em partes, a reprodução de um discurso que transmite, por meio da
mensagem inserida nos diálogos de personagens, regras, ideias e comportamentos
determinados segundo a lógica midiáticas e religiosas. A partir disso, levantamos o
segundo ponto: ao receberem tais mensagens, o público expõe-se a conteúdos que
podem ser lidos como pacifista ou uma resposta a uma demanda de controle a qual
a sociedade líquida, a qual o público pertence, pode necessitar para não perder a
estabilidade.
Por fim, observamos que está nova modalidade de conectar-se ao
Sagrado por meio das narrativas populares da teleficção, do sujeito líquido e pós-
moderno está mais associado ao valor simbólico gerado a partir delas do que aos
fundamentos religiosos nelas representados. A ser exemplificado esse processo,
o telespectador torna-se consumidor daquilo que é "vendido" pela telenovela,
seja práticas ou hábitos alimentares associados a determinada religião, sua
literatura, artigos de moda, e logo os absorvem em seu cotidiano naquele período
de exibição, até apegar-se aos aspectos simbólicos e religiosos da próxima
trama.
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84
UNIVERSIDADE DO VALE DO PARAÍBA
FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS E
COMUNICAÇÃO
JADER ARANTES ANUNCIAÇÃO
A religião na TV: um olhar sobre a representação
das religiões nas telenovelas – o caso de Além do Tempo
SÃO JOSÉ DOS CAMPOS – SP
2016
85
JADER ARANTES ANUNCIAÇÃO
A religião na TV: um olhar sobre a representação das
religiões nas telenovelas – o caso de Além do Tempo
Relatório apresentado como parte das
exigências da disciplina de Trabalho de
Conclusão de Curso, do curso de
Comunicação Social, com habilitação
em Jornalismo, da Faculdade de
Ciências Sociais Aplicadas e
Comunicação, da Universidade do Vale
do Paraíba. Sob orientação da Profª.
Dr. Kátia Zanvettor Ferreira e co-
orientação da Profª Dr. Vânia Braz de
Oliveira
SÃO JOSÉ DOS CAMPOS – SP
2016
86
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo realizar um estudo de caso monográfico
na intersecção entre mídia e religião, enxergando o ponto de encontro dessas nas
produções culturais produzidas e veiculadas pela televisão, suas motivações,
olhares e interpretações e como ela apresenta suas concepções do Sagrado. Para
tal, teremos como foco a representação das religiões nas telenovelas da TV Globo,
consideramos esse produto como relevante pela abrangência do formato e a
recorrência desse tema nos folhetins. A aplicação desta pesquisa será sobre a
telenovela Além do Tempo, que contém elementos espíritas em sua trama.
Palavras-chave: Telenovela, televisão, representação, religião, espiritismo
87
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho busca ampliar a reflexão sobre a interação entre mídia
televisiva e religião partindo das telenovelas da TV Globo que representam em seus
enredos elementos religiosos com ênfase naquelas classificadas como
espíritas/espiritualistas. Para iniciar tal processo de estudo, pretendemos mostrar ao
longo das próximas páginas as motivações, os métodos a ser utilizados e o início
desta produção que ao final será apresentada em formato monográfico.
Iniciamos o primeiro momento item deste trabalho apresenta o tema a ser
explorado ao longo do estudo, tendo como direção o nosso objeto central, a
telenovela Além do Tempo, produzida e transmitida pela TV Globo entre 2015 e
2015 na faixa das 18h, que traz referências espíritas na trama marcada pelo
encontro entre dois personagens predestinados a viver um romance durante duas
existências. Em seguida, apresentamos os objetivos pretendidos ao realizar tal
pesquisa, as justificativas que mostram a relevância da mídia televisiva, do formato
das telenovelas e a escolha da telenovela escrita por Elizabeth Jhin.
No segundo momento versaremos sobre os problemas apresentados no
nicho de telenovelas que incluem em seus enredos elementos associados à
determinada religião, expandindo para a recepção e mediação deste conteúdo, entre
elas estão o uso dos recursos de licença dramática, alegorias ou estereótipos que
prejudicam a transmissão dos sentidos. Após apresentar este cenário, trataremos
sobre as hipóteses levantadas, considerando, por exemplo, a existência de uma
nova modalidade de contato entre o fiel-telespectador e o Sagrado (mesmo que de
modo indireto); bem como levantar questões sobre a produção de telenovelas
espíritas/espiritualistas e do caso estudado.
No terceiro momento, apresentamos brevemente e justificamos a escolha
da modalidade deste trabalho, a monografia; para então descrever as metodologias
de pesquisa a serem utilizadas, sendo esta baseada em levantamentos
bibliográficos, documentais e estudo de caso. Além de discorrer sobre os resultados
esperados a partir da produção deste estudo, tendo uma visão sobre a consolidação
88
deste produto e não somente os resultados obtidos ao final da pesquisa; e
apresentar em uma tabela o cronograma das atividades de pesquisa e produção.
Ao final, no quarto momento, apresentamos a projeção dos cinco
capítulos contidos no Trabalho de Conclusão de Curso, e a integra do primeiro
capítulo escrito e parte do segundo em andamento. No primeiro capitulo já
concluído, dedicamos um espaço para o universo em que estamos imersos, ao
trazer abordagens teóricas sobre mídia, representação, televisão, telenovelas. Para
o segundo capítulo, contextualizamos o cenário das religiões no Brasil utilizando em
princípio dados estatísticos cruzados com referências históricas.
89
2. TEMA
O presente estudo terá como tema a representação das religiões nas
telenovelas produzidas e exibidas pela TV Globo a partir dos anos 2000, procurando
discorrer sobre a representação específica do Espiritismo nesses espaços e
tomando como escopo principal de analise a novela Além do Tempo.
90
3. OBJETO
A telenovela Além do Tempo será o objeto central para a análise da
representação do Espiritismo nas tramas teleficcionais da emissora Rede Globo de
televisão.
Escrita por Elizabeth Jhin com a colaboração de Eliane Garcia, Lilian
Garcia, Duba Elia, Renata Jhin, Vinicius Vianna e de Wagner de Assis, e direção
geral de Pedro Vasconcelos, a novela Além do Tempo foi exibida pela TV Globo na
faixa das 18h entre 13 de julho de 2015a 16 de janeiro de 2016.
O enredo traz em sua trama central a história de amor vivida em algumas
existências por Lívia (Alinne Moraes), uma jovem humilde que está prestes a retorna
para o convento sob a imposição de sua mãe, Emília (Ana Beatriz Nogueira), e por
Felipe (Rafael Cardoso), de família nobre e noivo de Melissa (Paola Oliveira).
No século XIX, os dois se encontram pela primeira vez na cidade gaúcha
Campobello, onde “nascem um para o outro” (XAVIER, 2015) e têm de enfrentar as
provações e obstáculos criados pela Condessa Vitória Castellini (Irene Ravache),
mãe do rapaz e sua noiva (Paola Oliveira).
A última mudança de fase avança mais um século e meio na história,
chegando na atualidade, para mostrar o momento de redenção e a evolução moral e
espiritual dos personagens coadjuvantes e o desfecho desse capítulo na trajetória
do casal protagonista. Nesses capítulos da nova existência, os papéis sociais são
trocados, mas as armações de Melissa continuam e Vitória é agora uma camponesa
falida. Fazendo referência à referência da lei de causa e efeito nas encarnações
vividas.
Na faixa de horário da programação das telenovelas das 18h, voltadas a
histórias que se aproximam do romance e de uma linguagem mais literária e poética
(inclusive com adaptação de livros), o público de produções como Além do Tempo
busca por conteúdos mais livres da realidade. Abrindo espaço para tramas que têm
como tema questões existenciais, espiritualistas e até mesmo espíritas. O público a
91
que Além do Tempo é destinada é composto por aqueles espectadores que se
declaram como espíritas, os simpatizantes das ideias da doutrina, espiritualistas,
entre outros que se interessam vagamente pelas temáticas comuns ao espiritismo
mesmo sendo adeptos de outra religião. Perante a questão do público, também vale
ressaltar que o interesse por uma história mais leve vai de encontro ao horário (entre
18h e 19h) que é marcado pela transição do fim das atividades do dia e o início do
descanso dos telespectadores.
92
4. OBJETIVO
4.1 Objetivo geral
Compreender a representação das religiões nas telenovelas brasileiras
exibidas e produzidas pela Rede Globo, particularmente sobre o espiritismo e sobre
a novela Além do Tempo, e produzir uma monográfica.
4.2 Objetivo específico
a) Identificar quais nomeações religiosas são abordadas e como são
realizadas tais abordagens, além de relacionar sua periodicidade ao espaço em que
ocupam na vida social brasileira;
b) Investigar a representação e as associações do Espiritismo nas
telenovelas classificadas popularmente como espíritas, compreendendo como tais
narrativas televisivas podem impactar no contato com o transcendental;
c) Contextualizar a formação do espiritismo, o movimento espírita
brasileiro e quais os principais meios de midiatização da doutrina dos espíritos
apresentando as ligações entre a midiatização e o movimento considerando que
ambos são dinâmicos, em constantes alterações e também, de certo modo,
dependentes.
93
5. JUSTIFICATIVA
São diversas as motivações para produzir tal trabalho, que é composto
por diversificadas camadas. Partimos da relevância da televisão como construtora
de discursos sobre os mais diferentes acontecimentos sociais, chegando na
temática da religião que também marca profundamente as características da
sociedade brasileira.
A televisão, enquanto suporte e veículo, é a matriz deste projeto. A sua
relevância está no fato da TV ser, de acordo com a pesquisa SECOM 2015, o meio
de comunicação mais utilizado pelos brasileiros, e ser um importante lugar de
circulação de sentidos sociais para o país.
É necessário abrir caminhos, em projetos como este para que a audiência
também possa ter a possibilidade de refletir sobre o consome de entretenimento ou
informação via telinha, visto que os “brasileiros podem aprender mais sobre si
mesmos se entenderem até que ponto seus hábitos, cotidianos e modos de agir
estão condicionados por um veículo que, se não é tudo na vida, tem um peso e
tanto” (PEREIRA JUNIOR, 2002, p. 16)
Partindo do princípio que a televisão, como o cinema, “poderiam ser,
assim, considerados „lugares especiais de memória‟, por trazerem movimento ao
registro analógico, adensando o parecer ser real” (KORNIS, 2008, p.14), devido o
seu “papel central [da TV] na história contemporânea de nossa sociedade e que os
arquivos constituem uma parte essencial da memória coletiva” (MANIFESTO...,
2005, p. 134-135 apud FERNANDES, 2014), podemos também justificar esta
pesquisa por seu viés intrínseco voltado à preservação da memória televisiva ao
valorizar segmentos socioculturais materializados nas telenovelas.
A midiatização das religiões torna-se cada vez mais um fenômeno comum
ao passo que estar na mídia torna-se relevante para sua manutenção e
desenvolvimento. E que levanta questões e necessidades tão complexa quanto
aquelas tidas pelas grandes empresas de comunicação.
94
Cerca de 3.848.872 brasileiros se declaram como espírita, de acordo com
o Censo 2010 realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Tal público não está deslocado desta realidade de consumir conteúdos de ficção que
retratam suas crenças e o modo de enxergar o mundo e vivenciar situações
diversas. Além da carência e as deficiências, sobretudo da cobertura das mídias
espíritas e a distribuição devido às distâncias físicas. A escolha por este seguimento
religioso e suas experiências midiáticas deve-se também à familiaridade com o tema
e contato com tal cenário.
O interesse por estudar o formato telenovela é devido ao seu forte apelo
popular, o segundo gênero de entretenimento mais preferido pelos brasileiros,
segundo pesquisa realizada pelo IBOPE (2015) e por representar um objeto ainda
não tão estudado como as minisséries, devido à sua extensão, perenidade,
variedades de temas e subtramas; e também pelas novelas serem as que mais
tematizam aspectos religiosos, se comparado a outros formatos. Ela é responsável
também pelo maior período de exposição à TV ser entre 18h às 23h (SECOM, 2014)
A escolha da telenovela Além do Tempo se deve ao caráter de ineditismo
de estudos acadêmicos sobre a produção, por representar a telenovela mais recente
a ter como tema elementos espiritualistas e espíritas, bem como sua relevância junto
ao público, que a fez ter a maior audiência do horário das 18h30 em comparação às
quatro novelas anteriores, de acordo com a análise de Maurício Stycer a partir de
métricas de audiência por representar ser contemporânea a cerca da representação
espírita em seu enredo
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6. PROBLEMA
O problema explorado ao longo desta monografia está associado à
representação de uma realidade, a recepção do conteúdo pelos telespectadores e a
mediação desse processo pela cobertura da imprensa e por entidades que
autorizam tal discurso para o consumo.
As representações das religiões feitas pelas telenovelas variam conforme
os segmentos, mas é percebido que ela se materializa pelo uso de alegorias,
marcas e, até mesmo, caricata de figuras, rituais e elementos. Na arquitetura do
argumento da novela, a localização dos núcleos de tramas que representam as
religiões estão paralelas ao lugar social que elas estão inseridas, ou seja, elas
reforçam tais discursos, sem ampliar seus signos e significados com um objetivo
pedagógico. Tais narrativas poderiam representar as crenças com verossimilhança.
O modo em que são realizadas tais representações condizem com a
ascensão do fenômeno da secularização (PORTELLA, 2016), fenômeno social em
que os sentidos religiosos são fragmentados e que as religiões tornam-se e
produtos midiáticos tornam-se um novo elemento de potencial conexão com o
Sagrado. Para tanto, as produções abrem mão dos sentidos denotativos para criar
um espetáculo cênico na TV, em que é utilizada a licença dramática para a
construção da trama. A religião torna-se um artifício a serviço do enredo e pano de
fundo para tratar de outros aspectos sociais.
As próximas problemáticas levantadas estarão aplicadas ao caso da
representação espírita nas telenovelas, mas que pode ser deslocado e aplicado a
outras nomeações religiosas e seu respectivo equipamento midiático.
No caso das novelas espíritas, a licença dramática associada a
fenômenos ou ideias espíritas, de modo bastante alegórico, pode fazer com que o
público pode receber aquela mensagem como algo fantasioso, sem conexão a
realidade espírita; criando assim um ruído na recepção e na introdução do contato
com fatos ligados ao Espiritismo.
96
Isso se agrava quando consideramos que a midiatização do Espiritismo
na grande mídia e voltada ao grande público (espíritas, simpatizantes e
espectadores seguidores de outras religiões ou que não professam qualquer
crença), é realizada, em grande parte, por produções teledramáticas e de ficção.
Deste modo, a doutrina espírita é colocada no mesmo espaço ficcional e fantástico
das telenovelas, e perde seus sentidos próprios, associados a um conjunto de
conceitos e ensinamentos organizados.
Todas as demais questões abordadas neste tópico são oriundas desta
que iremos discorrer nas próximas linhas. A classificação popular das telenovelas
como espíritas é uma das vertentes a serem explorada neste estudo e uma das
motivações para compreender as fronteiras entre o que pode ser considerado como
uma produção espírita ou espiritualista, considerada neste trabalho como a melhor
definição para este nicho temático das telenovelas, visto que é mais abstrato sem
grande rigor doutrinário.
É percebido que tal discurso é reforçado, ampliado e mediado por meio
de reportagens jornalísticas que pautam, divulgam e criticam as telenovelas que
abordam temáticas ligadas ao Espiritismo ao trazerem em seus textos a
classificação “novelas espíritas” devido à representação de temas, cenários e
personagens que remetem ao universo espírita ou espiritualista, tais como: vida
após a morte, reencarnação, comunicação com os espíritos, mediunidade, vidas
passadas, colônias e mentores espirituais, entre outros. Este movimento vai ao
contrário até mesmo à classificação das produções feita pela própria TV Globo,
como é o caso da Além do Tempo.
Para exemplificar, temos uma reportagem publicada pela revista Veja
sobre a novela das 18h escrita por Elizabeth Jhin, compartilhada no site da
Federação Espírita Brasileira (FEB). Nela, é pautada a transição de tempo da
telenovela, considerada o “novo sucesso da linha kardecista” (MARTHE, 2015) em
que a trama, até então de época, chega aos dias atuais; além de um resgate e
análise do subgênero (espíritas) de telenovelas.
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Figura 1 - Reportagem da revista Veja compartilhada no site da FEB em 22/10/2015
98
7. HIPÓTESE
O estudo parte de observações empíricas sobre a abordagem de temas
religiosos nas telenovelas e a partir da visão crítica sobre a mídia em direção a um
estudo científico do tema.
A representação das religiões em enredos de telenovelas possui nítidas
diferenças na proporção e no modo de abordá-la, e segue um padrão independente
até mesmo do volume de fiéis que elas reúnem. Elas também são voláteis ao longo
do tempo.
A presença dessas nomeações em produções da teledramaturgia faz
supor um novo modelo, comercial, da lógica das chamadas igrejas eletrônicas e o
processo de manutenção de seguidores. Este fenômeno se diferencia pelo fato das
representações religiosas entrarem, muitas vezes, como um adorno, um
preenchimento ao enredo da trama e não ter o objetivo principal de tematizar
determinada religião.
A partir daí surgem dois questionamento: A maior frequência da
veiculação de tramas religiosas segue uma nova lógica de contato com o Sagrado
baseada no fenômeno do sincretismo e da secularização – que “é a perda de
plausibilidade da religião institucional pela visão do mundo pessoal” (MARTELLI:
1995, p. 292 apud PORTELLA, Rodrigo, 2006, p. 11) -, ao romper a singularidade
religiosa e amplia para a simpatia a outras crenças? A evangelização, então, é
realizada de modo espetacular e indireto nessas tramas folhetinescas?
Consideramos que as telenovelas popularmente classificadas como
espíritas, são na verdade, de natureza espiritualista que utilizam referências do
espiritismo, seja da doutrina, romances ou declarações de oradores. Essas
produções falam e abordam mais os fenômenos que cercam e compõem a doutrina
espírita do que ela própria.
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O processo de midiatização do espiritismo é, portanto, materializado com
maior expressão pelas narrativas ficcionais da teledramaturgia e não por formatos
informativos ou doutrinários em mídias próprias.
Supomos que a popularidade das chamadas “novelas espíritas” deve-se
ao conjunto formado pela junção dos elementos românticos e dramáticos que as
próprias ideias espíritas guardam consigo - um exemplo disso é o gênero literário
„romance espírita‟ que utiliza tais elementos - e pelo interesse do público pelo
transcendental, espiritual e mistério, podendo destacar: o fenômeno da
reencarnação, a relação do pós morte, a dualidade céu-inferno e o mistério da
própria morte.
Seguindo tal interesse, é percebido também a busca por uma experiência
mais ampla com o Sagrado por meio das telenovelas.
Assim, poderíamos afirmar que a classificação popular, feita em maioria
pela imprensa, entidades espíritas e pelos telespectadores pode gerar ruídos entre o
que é transmitido (uma junção de ficção e ideias espíritas livremente adaptadas) e a
mensagem real?
100
8. MODALIDADE
A modalidade de produção científica utilizada neste trabalho de conclusão
de curso será a monografia, visto que ela proporciona a realização de um estudo
mais completo sobre o tema e problemática abordados.
101
9. METODOLOGIA
Para organizar o desenvolvimento deste trabalho científico, será
necessário o uso de diferentes tipos de pesquisa. Todas colaborando para execução
de todo o estudo que será divido em duas fases: Teórica e prática. A primeira será
dedicada ao levantamento teórico referente ao objeto estudado; bem como seu
contexto midiático, social e religioso. A segunda parte é dedicada à analise do objeto
central desta pesquisa.
A primeira fase da pesquisa realizada será a exploratória. De acordo com
Gil (2008), pesquisas de tal modalidade “são desenvolvidas com o objetivo de
proporcionar visão geral, de tipo aproximativo, acerca de determinado fato” (p.27).
Nela, compreenderemos melhor o objeto a ser estudado para identificar a sua
dimensão e seu impacto social.
Realizaremos também a busca por materiais (livros, artigos, textos
institucionais, estudos ou reportagem) que abordem a temática estudada, tendo
como objetivo uma maior compreensão do cenário no qual o projeto está inserido.
Em seguida, faremos a investigação bibliográfica que representa uma
parcela significativa da primeira fase. Por meio dela podemos aprofundar conceitos,
como destaca Gil (2008). "A principal vantagem da pesquisa bibliográfica reside no
fato de permitir ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais
ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente" (p. 50). Por meio dela,
compreenderemos alguns conceitos essenciais, que embasam o estudo.
Para ajudar a fundamentar a realidade das representações religiosas nas
telenovelas abordada neste trabalho, o movimento espírita no Brasil e o cenário
religioso como um todo, utilizaremos a pesquisa documental para levantar relatórios
de dados coletados em diferentes institutos de pesquisa e da própria TV Globo, por
meio do portal Memória Globo (memoriaglobo.globo.com).
Além disso, outros tipos de documentos serão considerados que acordo
com Gil (2008) se enquadram na categoria de "documentos de segunda mão, que
102
de alguma forma já foram analisados, tais como: relatórios de pesquisa, relatórios de
empresas, tabelas estatísticas etc" (p. 51). Outro uso desta modalidade será a
seleção de cenas da telenovela Além do Tempo, que compõe o objeto de estudo da
pesquisa e que podem ser definidas como um produto de meios de comunicação de
massa.
9.1 Levantamento de dados e estudo de caso
A fase prática da pesquisa será iniciada pela montagem de um panorama
das representações das religiões nas telenovelas, construído por meio de um
levantamento de dados e análise das produções exibidas nas faixas das 18h, 19h,
21h e na faixa das 23h, entre os anos 2000 e 2016, na TV Globo, que servirá de
referência para compreender o nicho em que Além do Tempo, objeto central de
nosso trabalho, participa. As categorias utilizadas nesta etapa são: religião,
conceito/ideal, sentido (positivo, negativo, neutro), personagem, enredo, posição da
representação na trama, núcleo ou cenário ocupado. Desse modo, poderemos
analisar a freqüência, o volume e a diversidade das representações religiosas nas
telenovelas produzidas pela TV Globo, a fim de contextualizar melhor este nicho
temático em que as novelas espiritualistas/espíritas estão inseridas.
Para materializar as hipóteses e problemáticas levantadas ao longo deste
trabalho com foco na representação espírita, realizaremos um estudo de caso da
telenovela Além do Tempo, objeto central desta monografia, por talmétodo de ser
“caracterizado pelo estudo profundo e exaustivo de um oude poucos objetos, de
maneira a permitir o seu conhecimento amplo e detalhado, tarefa praticamente
impossível mediante os outros tipos de delineamentos considerados (GIL, 2008, p.
57-58). Desse modo, exploraremos como o espiritualismo é experimentado no
presente caso ao utilizar-se de da associação às referências espíritas na trama.
Para tanto, observaremos o perfil dos personagens, o enredo, recursos dramáticos e
quais elementos ligados ao espiritismo são mesmo utilizados para haver tal
classificação.
103
Também dedicaremos um período para a análise de Além do Tempo
utilizando os critérios já citados e verificando quais elementos espíritas
(reencarnação, comunicação com espíritos, lugar além túmulo, fenômenos e
princípios doutrinários) são utilizados como referência.
Para complementara pesquisa do caso, também levantaremos e
analisaremos como o discurso de classificação de Além do Tempo como uma
telenovela espírita é reforçado e complementado, por meio de determinadas da
reportagens publicados em jornais, revistas ou portais de notícia, publicações em
páginas oficiais de instituições espíritas na internet. Podendo citar os seguintes
veículos e instituições a serem utilizados: Zero Hora, Uol, Veja, Gshow, O Globo,
Federação Espírita Brasileira. Observando se os conteúdos associam a telenovela à
religião e como isto é realizado: de modo direto, indireto, faz julgamento, descreve,
informa, apresenta o que pode ser interligado. Estes elementos, consideramos,
poderão complementar as inferências analíticas com vias no alcance do nosso
objetivo central com esse projeto que é compreender o fenômeno da representação
de religiões nas telenovelas brasileiras da Rede Globo, com interesse particular
sobre o espiritismo e sobre a novela Além do Tempo, em um estudo monográfico.
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10. CRONOGRAMA
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11. PROJEÇÃO DOS CAPÍTULOS
Capítulo 1 - Mídia, televisão e telenovela
1.1 Mídia e representação
1.2. Televisão como mediadora
1.2.1 O veículo e seu público
1.2.2 O impacto social da televisão
1.2.3 A Televisão no Brasil
1.3 A telenovela e a abordagem de temas socioculturais
1.3.1 Origem da telenovela brasileira
1.3.2 A novela e sua audiência
1.3.3 O Brasil na teledramaturgia
Capítulo 2 - Religião, identidade e televisão
2.1 Brasil de todas as crenças
2.2 Sincretismo e identidade
2.3As religiões no horário nobre
Capítulo 3 – Mídia e espiritismo
3.1 Espiritismo e seu movimento
3.2 A midiatização do espiritismo
3.3 Um olhar sobre as novelas espiritualistas/espíritas
Capítulo 4 – As representações em Além do Tempo
4.1 Por dentro de Além do Tempo e seus elementos
espíritas/espiritualistas
4.2 Analisando a cobertura midiática da telenovela
4.3 A ressignificação dos sentidos
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11. RESULTADOS ESPERADOS
Com a produção deste estudo monográfico esperamos atingir todos os
objetivos e motivações, a fim de obter um produto consistente para os interessados
nas áreas dos estudos culturais em comunicação que envolvam teledramaturgia,
religião, representação, midiatização da religião, por este conter não somente o
estudo da representação espírita nas telenovelas, mas também apresentar um
panorama da representação dos mais distintos grupos religiosos nas telenovelas da
Rede Globo no recorte temporal proposto, embasado também por uma revisão
bibliográfica do tema; esperando assim que a partir deste trabalho novas
perspectivas, objetos nesta área de pesquisa tornem tema de estudos sejam tema
de outras produções.
Além de contribuir para a preservação e manutenção da memória
televisiva no recorte temporal escolhido, visto que pretendemos expandir este
conteúdo para o formato de e-book ou até mesmo um livro impresso e/ou um hotsite,
e possibilitando o acesso a este material para um público mais diversificado,
considerando que o tema possui um apelo e desperte o interesse de
telespectadores.
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12. REFERÊNCIAS
12.1 Bibliográficas
CENSO, I. B. G. E. Características gerais da população, religião e pessoas com
deficiência.
FERNANDES, Julio Cesar. A Memória televisiva como produto cultural; um
estudo de caso das telenovelas do Canal Viva. Editora In House, 2014
GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. In: Métodos e
técnicas de pesquisa social. Atlas, 2008.
KORNIS, Mônica Almeida. Cinema, televisão e história. Zahar, 2008.
MARTELLI, Stefano. A religião na sociedade pós-moderna. São Paulo : Paulinas, 1995. Apud
PORTELLA, Rodrigo. Religião, sensibilidades religiosas e pós-modernidade da
ciranda entre religião e secularização. Revista de Estudos da Religião, v. 29, n. 6,
p. 71-87, 2006.
PEREIRA JUNIOR, Luiz Costa. A vida com a TV: o poder da televisão no
cotidiano. Senac, 2002.
PORTELLA, Rodrigo. Religião, sensibilidades religiosas e pós-modernidade da
ciranda entre religião e secularização. Revista de Estudos da Religião, v. 29, n. 6,
p. 71-87, 2006.
12.2 Virtuais
Gshow, Créditos de 'Além do Tempo'. Disponível em:
<http://gshow.globo.com/tv/noticia/2015/07/creditos-de-alem-do-tempo.html>
Acessado em 16/04/2016
Kantar Ibope Media, IBOPE Media detalha perfil do telespectador de TV paga no Rio
de Janeiro e em São Paulo. Disponível em:
<https:/www.kantaribopemedia.com/ibope-media-detalha-perfil-do-telespectador-de-
tv-paga-no-rio-de-janeiro-e-em-sao-paulo-2/> Acessado em 16/04/2016
108
MARTHER, Marcelo. O Viradão Espírita in FEB, Veja: Novela Além do tempo aborda
o Espiritismo. Disponível em: <http://www.febnet.org.br/blog/geral/noticias/novela-
alem-do-tempo/> Acessado em 16/04/2016
STYCER, Maurício. Blog do Maurício Stycer, Audiência de “Além do Tempo”
superou a das últimas quatro novelas das 18h30. Disponível em:
<http://mauriciostycer.blogosfera.uol.com.br/2016/01/15/audiencia-de-alem-do-
tempo-superou-a-das-ultimas-quatro-novelas-das-18h30/> Acessado em 19/04/2016
XAVIER, Nilson. Teledramaturgia. Disponível em:
<http://www.teledramaturgia.com.br/alem-do-tempo/> Acessado em 16/04/2016