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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO MÁRCIA MARA RAMOS EDUCAÇÃO, TRABALHO E INFÂNCIA: CONTRADIÇÕES, LIMITES E POSSIBILIDADES NO MOVIMENTO DOS TRABALHADORES SEM TERRA CAMPINAS 2016

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

MÁRCIA MARA RAMOS

EDUCAÇÃO, TRABALHO E INFÂNCIA:

CONTRADIÇÕES, LIMITES E POSSIBILIDADES NO

MOVIMENTO DOS TRABALHADORES SEM TERRA

CAMPINAS

2016

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MÁRCIA MARA RAMOS

EDUCAÇÃO, TRABALHO E INFÂNCIA: CONTRADIÇÕES,

LIMITES E POSSIBILIDADES NO MOVIMENTO DOS

TRABALHADORES SEM TERRA

Dissertação de Mestrado

apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação da

Faculdade de Educação da

Universidade Estadual de Campinas

para obtenção do título de Mestra

em Educação, na área de

concentração de Educação.

Orientador: Prof. Doutor José Claudinei Lombardi

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL

DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA

ALUNA MÁRCIA MARA RAMOS , E ORIENTADA

PELO) PROF. DR. JOSÉ CLAUDINEI LOMBARDI.

Campinas

2016

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

EDUCAÇÃO, TRABALHO E INFÂNCIA: CONTRADIÇÕES,

LIMITES E POSSIBILIDADES NO MOVIMENTO DOS

TRABALHADORES SEM TERRA

Autora : Márcia Mara Ramos

COMISSÃO JULGADORA:

Orientador Pof. Dr. José Claudinei Lombardi (UNICAMP)

Prof. Dra. Fabiana de Cássia Rodrigues (UNIVAS)

Prof, Dra. Caroline Bahniuk (UFSC)

2016

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Dedico essa pesquisa às crianças Sem

Terrinha.

“as crianças têm uma sensibilidade e

elas são verdadeiras. Os Sem Terrinha

poderiam, inclusive, ajudar o MST a ver

o que teria que mudar, para garantir a

continuidade do MST, para reinventar o

MST”. Edgar Kolling

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AGRADECIMENTOS

Chegado ao final desse trabalho, embora muitas vezes a escrita se apresente

como um processo solitário, quero agradecer imensamente o coletivo inspirador de

minha trajetória, pois, como já mencionado, essa pesquisa foi tecida por muitas mãos.

E, justamente pela opção de trazer algo que faz parte de um contexto político-social e

atual, quero reconhecer a importância de camaradas que sonham projetos desenhados

coletivamente, contrariando a ordem hegemônica. Bem como diz o poeta Paulo

Leminski, “Na luta de classes, todas as armas são boas. Pedras, noite e poemas”...

Meus eternos agradecimentos.

Ao MST, principal organização política que motivou e me fez enxergar a luta pelo

acesso à educação. Aos companheiros e companheiras do Setor de Educação Nacional,

da militância nos Estados onde o MST está organizado e, especialmente, às crianças

Sem Terrinha que proporcionaram a possibilidade de vivenciar uma organização que as

reconhece no seu tempo, como crianças lutadoras e construtoras de suas histórias.

Aos Camaradas: Cristina Vargas, Edgar Kolling, Roseli Caldart, Tiago

Manginni, Flávia Tereza, Elisangela Carvalho, Lizandra Guedes e Chiquinho, Izabel

Green, Erivam Hilário, Alessandro Mariano, Luna Pomme, Gabriel Vargas, Maria

Aparecida e Zezinho Ramos.

Aos Sem Terrinha do MST, representados pela Iacia e Maria Luisa, crianças da

luta pela terra no Estado do Pará. A elas (as crianças), meu profundo amor e

agradecimentos. À militância de luta do MST/PA, Maria Raimunda, Isabel, Igor,

Charles, Deusamar, Mercedes, Ayala, Giselda, Suely, Clauco e Márcia. Pelo afeto,

carinho, acolhida e receptividade e que certamente sem vocês não seria possível realizar

a pesquisa.

Para meu pai, Toninho Ramos, cantador e compositor caipira, estudante do

Ensino Médio na escola do Assentamento. A minha guerreira, Ana Maria, mãe de

muitas crianças do assentamento - Mãe e lutadora sempre. O querido William, filho

amado e enraizado na terra conquistada. A minha família Ramos que, desde 1986,

ingressou na luta pela terra e à família Rosário, representada pela minha avó Jandira,

camponesa, mãe de nove filhos e enraizada na terra. Ao Paulinho, companheiro e

camarada de todos os momentos – amor incondicional.

Ao professor José Claudinei Lombardi (Zezo), pela camaradagem, paciência e

disposição para orientação e pelas prosas desanimadoras e animadoras da conjuntura

atual.

À Professora Carolina Bahnilk, que desde as primeiras leituras do projeto de

pesquisa, deu sua contribuição valiosa no trabalho e nas motivações para a escrita.

À professora Fabiana Cássia, primeira leitora do sumário deste trabalho e

provocadora da discussão agrária e da atualidade educacional.

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Ao grupo de pesquisa HISTEDBR – Juliana Gobbi, Gilberto Sant’Anna, Marcos

Lima, Gilberto Rodrigues, Bruna Moreira, Denise Camargo, Professora Mara Jacomeli,

Professor Dermeval Saviani, coletivo importante para minha formação na UNICAMP.

À camarada militante Cecilia Luedemann, que carinhosamente esteve presente nas

indicações de referências cubanas e soviéticas, bem como na revisão desse trabalho.

Das Cantadeiras Ana Chã, Jade e Guê, Talita juntamente com as crianças Dora, Manu,

Chico, Luisa, numa ciranda improvisada, compartilhamos da música política, de

projetos e do prazer em animar a luta social.

Agradeço a UNICAMP pela oportunidade de ser uma estudante do campo em uma

universidade pública, gratuita e de qualidade.

À CAPES, pela possibilidade do financiamento que foi de vital importância para o

aprofundamento da pesquisa.

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RESUMO

Esta pesquisa “Educação, Trabalho e Infância: contradições, limites e

possibilidades no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra” teve como

motivação e questão identificar a disputa pela infância da classe trabalhadora através

da pedagogia do capital, investigando qual o papel que as instituições do agronegócio

têm cumprido na educação dos filhos da classe trabalhadora e com qual

intencionalidade o MST vem organizando e fazendo a formação humana na educação

política das crianças dos acampamentos e assentamentos num contexto marcado pelas

relações capitalistas. O objetivo particular da pesquisa foi analisar a prática educativa do

MST na formação das crianças Sem Terra, através da mobilização infantil no Estado do

Pará e suas ações contra-hegemônicas. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem

Terra (MST), desde a sua origem em 1984, tem a presença da criança na luta pela terra

e, através de reflexões no interior da luta, desenvolve um trabalho para além das

escolas, com as crianças dos acampamentos e assentamentos nos 24 estados em que o

MST está organizado. A organização coletiva proporcionada por dois elementos

fundamentais no MST - lutar e construir - estão interligados no processo da formação

humana e as crianças são parte construtora dessa formação e do processo histórico do

MST. Para a realização desse trabalho, realizamos a pesquisa de campo no Estado do

Pará, com entrevistas com educadores e militantes, conversações com as crianças e

levantamentos de materiais do MST sobre educação e infância, Jornal – Sem Terra. A

pesquisa destaca, como objeto central, as ações contra-hegemônicas que o MST vem

desenvolvendo com as crianças, através das Jornadas Nacionais dos Sem Terrinha, e

que é uma forma de mobilização de crianças em todo Brasil. Nesse sentido, observamos

a confluência entre a pedagogia do MST na formação das crianças Sem Terra e a

pedagogia socialista para a educação política da infância, grande referência de educação

transformadora na luta pela terra. E, ao final, concluímos com as matrizes formadoras –

Trabalho como principio educativo; a Luta; a Coletividade; a auto-organização; e o

Internacionalismo para a infância–, na perspectiva da construção de um programa de

formação para a infância Sem Terra.

Palavras – chave: Educação, Trabalho, Infância - Sem Terrinha, Ciranda Infantil –

Agronegócio – Luta.

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ABSTRACT

This research named "Education, Work and Childhood: contradictions, limits and

possibilities in the Landless Rural Workers' Movement" was motivated to identify the

dispute for the children of the working class through the pedagogy of capital,

investigating what role the institutions of agribusiness have fulfilled in the education of

the children of the working class and with what intention MST has organized and makes

the human formation in political education of children in camps and settlements in a

context marked by capitalist relations. The particular objective of the research was to

analyze the MST educational practice in the formation of Landless children, through the

children's mobilization in the Southeast Region of the State of Para and their counter-

hegemonic actions. The Landless Rural Workers' Movement (MST), since its origin in

1984, has the child's presence in the struggle for land and, through reflections inside the

struggle, develops a work beyond the schools with children from camps and settlements

of the 24 states in which the MST is organized. The collective organization is based in

two key elements in MST – struggle and build – that are interconnected in the process

of human development. Children are active constructors of such development and of the

historical process of MST. The field research was conducted in the state of Pará, with

interviews with educators and militants, talks with children and the survey and analysis

of the MST materials about education and children, particularly the newspaper Jornal

Sem Terra. This research highlights, as the main object, the counter-hegemonic actions

that the MST is developing with children, through the national week of the Landless

Children, that is a way of children´s mobilization across Brazil. In this sense, we

observe the confluence between the pedagogy of MST in the formation of Landless

children and socialist pedagogy for child political education, great reference of an

education that brings social transformation in the struggle for land. At the end, we

conclude with the identification of the forming matrices - Work as an educational

principle; the Struggle; the Collectivity; the self-organization; and internationalism for

childhood - in the perspective of the construction of a formation program for Landless

childhood.

Keywords: Education. Work. Childhood – Landless Children. “Children´s Ciranda”.

Agribusiness. Struggle.

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LISTA DE SIGLAS

ABAG - Associação Brasileira do Agronegócio

AL – Alagoas

ANAP - Associação Nacional de Agricultores Pequenos

ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária

BA – Bahia

CEBs - Comunidades Eclesiais de Base

CEDAC - Comunidade Educativa

CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe

CE – Ceará

CPA – Cooperativas de Produção Agropecuárias

CPT - Comissão Pastoral da Terra

CLOC – Coordenação Latino-americana de Organização do Campo

CUC - Comitê de Unidade Campesina

CUT – Central Única dos Trabalhadores

DF – Distrito Federal

EMPBRAPA - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

ENFF – Escola Nacional Florestan Fernandes

ENERA - Encontro Nacional de Educadores da Reforma Agrária

ES – Espírito Santo

GO – Goiás

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

JST – Jornal Sem Terra

MAB - Movimento dos Atingidos por Barragens

MG – Minas Gerais

MPA - Movimento dos Pequenos Agricultores

MA – Maranhão

MEC - Ministério da Educação

MDA - Ministério do Desenvolvimento Agrário

MNCI - Movimento Nacional Campesino Indígena

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MS – Mato Grosso do Sul

MT – Mato Grosso

OPJM - Organização dos Pioneiros José Martí

ONG – Organização Não Governamental

PA - Pará

PCB - Partido Comunista Brasileiro

PE – Pernambuco

PNRA - Plano Nacional de Reforma Agrária

PR – Paraná

PIB - Produto Interno Bruto

PI – Piauí

PB – Paraíba

PRONERA – Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária

PJR - Pastoral da Juventude Rural

PRONATEC - Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego

RJ- Rio de Janeiro

RN – Rio Grande do Norte

RO – Rondônia

RR – Roraima

RS – Rio Grande do Sul

SENAC - Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial

SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

SENAR - Serviço Nacional de Aprendizagem Rural

SENAT - Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte

SESC - Serviço Social do Comércio

SESI - Serviço Social da Indústria

SE – Sergipe

SC – Santa Catarina

SP – São Paulo

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TPE - Todos Pela Educação

TO – Tocantins

UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO______________________________________________________16

CAPÍTULO 1 – PEDAGOGIA EM MOVIMENTO NA PRÁTICA EDUCATIVA

E FORMATIVA DAS CRIANÇAS SEM TERRINHA NA LUTA PELA

TERRA_____________________________________________________________43

1.1 Influências dos processos revolucionários na organização da infância Sem

Terra________________________________________________________________44

1.2 O MST e a Educação________________________________________________58

1.3 A infância no MST__________________________________________________67

1.3.1 Os instrumentos de luta da infância Sem Terra_____________________70

1.3.2. A ocupação do universo infantil na comunicação e cultura do MST____74

CAPÍTULO 2 – A LUTA DE CLASSES TAMBÉM OCUPA A INFÂNCIA ____79

2.1 A educação como um instrumento hegemônico do capital ___________________80

2.2 A infância no contexto do campo e do desenvolvimento_____________________94

2.3 A pedagogia do capital no projeto do agronegócio para a infância do

campo______________________________________________________________101

CAPÍTULO 3 - A INFÂNCIA NO MST: UMA PRÁTICA EDUCATIVA EM

FORMAÇÃO CONTRA-HEGEMÔNICA_______________________________117

3.1. As mobilizações infantis e a educação política dos Sem Terrinha____________ 118

3.2. A luta pela terra e a Infância no Pará __________________________________131

3.3 As mobilizações infantis no Estado do Pará -15 anos de jornada dos Sem Terrinha_

___________________________________________________________________144

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3.3.1 O Encontro Estadual dos Sem Terrinha no Estado do Pará - 2014 e

2015_______________________________________________________________ 147

3.4 A educação política e o seu significado no contexto da disputa da pedagogia contra-

hegemônica__________________________________________________________158

3.4.1 Indicações para um programa de formação político para a infância ___170

CONSIDERAÇÕES__________________________________________________185

REFÊRENCIAS _____________________________________________________192

ANEXOS___________________________________________________________ 199

1. Manifesto dos Sem Terrinha à Sociedade Brasileira (2014)___________199

2. A significação da infância em documentos do MST_______________ __201

3. "A GRANDE ESPERANÇA”. Frei Sergio Gorgen__________________208

4. JST artigos de 1994 – 1995 – 1996_______________________________210

5. Carta do Sem Terrinha do RS 1995______________________________ 214

6. Cartaz dos Sem Terrinha de São Paulo (1996)______________________215

7. Manifesto dos Sem Terrinha ao Povo Brasileiro – de SP (1996)________216

8. Programação do Encontro Estadual dos Sem Terrinha do Estado do Pará

217_________________________________________________________ 218

9. Matéria do Jornal Correio. O Jornal de Carajás. Sobre o Encontro

Estadual dos Sem Terrinha – 2014__________________________________219

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De pernas pro ar.

(A escola do mundo ao avesso)

Eduardo Galeano

“Na América Latina,

crianças e adolescentes somam quase a metade da população total.

Metade dessa metade vive na miséria.

Sobreviventes: na América Latina,

a cada hora, cem crianças morrem de fome ou de doenças curáveis,

mas há cada vez mais crianças pobres em ruas e campos dessa região

que fabrica pobres e proíbe a pobreza.

Crianças são, em sua maioria, os pobres;

e pobres são, em sua maioria, as crianças.

E entre todos os reféns do sistema, são elas que vivem em pior condição.

A sociedade as espreme, vigia, castiga e às vezes mata;

quase nunca escuta, jamais a compreende.

[...] Dia após dia nega-se às crianças o direito de ser crianças.

Os fatos, que zombam desse direito,

ostentam seus ensinamentos na vida cotidiana”.

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho “Educação, trabalho e infância: contradições, limites e

possibilidades no Movimento dos Trabalhadores Sem Terra” foi desenvolvido num

contexto marcado por perdas das conquistas da classe trabalhadora, de violação dos

direitos humanos com a chamada Lei da terceirização PL 4330/04, da aprovação da

redução da maioridade penal e do projeto antiterrorista para combater, principalmente,

as manifestações populares. Um período de derrotas dos governos “populares” e de

esquerda na América Latina, com fortalecimento do movimento conservador em prol do

impeachment da atual presidente do Brasil, em 2016, considerado pela esquerda

brasileira uma tentativa de golpe pelo poder dominante. Um cenário de muitos conflitos

e contradições imposto pelas investidas da classe dominante, através da ideologia e

força jurídica, midiática e política dominante; mas é também um período de luta e

resistência da classe trabalhadora em suas diferentes frentes de atuação e defesa da

democracia.

Este trabalho de pesquisa contextualiza elementos do processo histórico do

Movimento da construção coletiva de uma concepção de educação no MST,

fundamentada no contexto da luta pela terra e as condições objetivas (da luta), para a

sua efetivação. Uma organização política e nacional de camponeses que, a partir da

realidade brasileira, se organizam e lutam para permanecer produzindo e

(re)significando o território brasileiro que, historicamente, foi e é marcado pela

concentração fundiária. A educação crítica, popular e socialista de caráter

internacionalista que contrapõe-se à pedagogia burguesa, contribui com a gestação

coletiva dos princípios filosóficos e pedagógicos que compõem a concepção de

educação do MST, tendo como materialidade concreta a luta pela terra.

A temática presente faz parte do meu processo de formação política e atuação

como educadora e militante de crianças, filhas dos(das) trabalhadores(as) do MST. É

desde esse lugar que tenho a oportunidade de ter a vivência acadêmica e aprofundar os

estudos da infância. Escrever a dissertação de mestrado, trazendo elementos que

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compõem um repertório da minha vida, por vezes esquecida, é um meio de dar sentido à

vida das pessoas através da sua própria história-memória. E, certamente, o grupo social

no qual participo se faz refletir sobre a minha atuação prática e sobre a necessidade da

construção de uma teoria, como resultado de um processo coletivo, para a educação e

formação da classe trabalhadora, me fazendo convicta da luta que temos na atualidade e

para a importância da coletivização do conhecimento .

Pesquisar a infância, através das Jornadas dos Sem Terrinha, é um desafio sobre

as minhas próprias motivações, como integrante do movimento popular. Essas

motivações provocaram, em mim, a vontade e a necessidade política em continuar

aprofundando os estudos sobre esse movimento infantil, existente há 21 anos e que vai

se tornando uma organização com referência política das crianças Sem Terra no Brasil.

Os estudos do Mestrado provocaram, em mim, o exercício de pensar para além das

crianças do MST, buscando compreender a relação que o capitalismo estabelece com as

crianças da classe trabalhadora, através da pedagogia do capital, e de sua influência na

formação dessas crianças. Entendo que os elementos da formação das crianças Sem

Terra e as ações contra-hegemônicas que vêm sendo realizadas historicamente no MST

constituem contribuição fundamental para a organização dos trabalhadores do campo e,

em especial, para crianças que são inseridas nos processos organizativos e, também, do

protagonismo da história da luta pela terra.

A finalização do mestrado é, para mim, a conquista de uma etapa fundamental

do meu processo de formação e estudos e que seguem pela vida toda. Só foi possível,

entretanto, porque, ao longo da história, a luta pelo direito ao estudo esteve presente nas

relações políticas, na aposta da construção coletiva de outra pedagogia com camaradas

das diferentes organizações, professores de universidades, entre outros, que acreditam

na construção do projeto da classe trabalhadora. Por isso, este trabalho é uma produção

tecida por muitas mãos, na qual trago reflexões e sistematização de um processo

coletivo.

A pesquisa teve como motivação e questão identificar a disputa pela infância da

classe trabalhadora através da pedagogia do capital, investigando qual o papel que as

instituições do agronegócio têm cumprido na educação dos filhos da classe trabalhadora

e com qual intencionalidade o MST vem organizando e fazendo a formação humana na

educação política das crianças dos acampamentos e assentamentos num contexto

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marcado pelas relações capitalistas. O objetivo particular da pesquisa foi de analisar a

prática educativa do MST na formação das crianças Sem Terra, através da mobilização

infantil no Estado do Pará e suas ações contra-hegemônicas.

A pesquisa, de caráter qualitativo, analisou uma das práticas educativas do MST,

as Jornadas dos Sem Terrinha, como um trabalho formativo da educação política das

crianças, no Estado do Pará, com uma contextualização do marco histórico do Primeiro

Congresso Infantil, em 1994, no Estado do Rio do Grande do Sul, e que proporcionou

uma movimentação e organização das crianças nos Estados onde o MST está

organizado, transformando as mobilizações em atividades de caráter nacional.

O caminho escolhido para a realização da pesquisa, em termos

metodológicos, foi de retomar, outras pesquisas e estudos sobre a infância Sem Terra,

desenvolvidas no decorrer de minha formação política e acadêmica e que tiveram por

fonte os documentos já produzidos Sobre, Para e Com a Infância Sem Terra. Uma das

principais fontes que contribuiu com informações sobre o processo da identidade

política Sem Terrinha foi o Jornal Sem Terra (JST), nos anos de 1994 – 1995 e 1996, e

as referências do Primeiro Encontro Infanto Juvenil do Estado de São Paulo, de 1996.

As referências políticas do Setor de Educação nos Estados, bem como as informações

cedidas pelos dirigentes nacionais do MST, contribuíram com o levantamento das

primeiras atividades realizadas com as crianças, nos Estados, e entrevistas para

contextualização do Setor de Educação e suas relações com os processos de luta

internacionalista.

A retomada desses estudos nos desafiou pesquisar as crianças que vivem num

campo de expressiva conflitualidade agrária, no contexto da luta pela terra no Estado do

Pará. Foram momentos fortes, vividos, sensíveis, num cenário de resistência, luta e

construção de possibilidades, mesmo nos limites da sociedade capitalista. A acolhida da

pesquisadora e da pesquisa pela militância do Estado do Pará, proporcionaram um

intenso trabalho de campo em espaços localizados na Região Sudeste Paraense:

visitações em assentamentos e acampamentos, as escolas destes territórios, as estruturas

de Carajás, o Instituto de Agroecologia Latino Americano Amazônico – IALA, o

Instituto Federal do Pará - IFPA que está localizado no Assentamento 26 de Março,

município de Marabá.

Para coleta de dados, foram realizadas conversações com as crianças da

educação infantil de 4 a 5 anos da Escola Salete Moreno, com as crianças de 7 a 12 anos

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nas Jornadas dos Sem Terrinha das diferentes áreas de assentamentos e acampamentos,

bem como entrevistas semiestruturadas com os educadores das escolas e do setor de

educação no estado do Pará. A retomada histórica das Jornadas dos Sem Terrinha no

MST, desde a origem da identidade política e da construção de uma frente de crianças

que fazem a luta contra-hegemônica nos acampamentos e nos assentamentos do MST

no Brasil. Com o recorte na pesquisa participante dos últimos dois anos (2014 e 2015,

num período de quarenta dias), presenciei, participei e observei os processos de

organização dos Encontros Estaduais dos Sem Terrinha, no Estado do Pará, e a

formação da educação política das crianças Sem Terrinha.

Para o aprofundamento e análise da pesquisa, trabalhamos com as referencias

dos documentos do MST; de Roseli Salete Caldart, para a contextualização da

educação do MST; O Jornal Sem Terra como fonte documental e como marco de um

processo inicial da Mobilização Infantil no MST; dos estudos de Moisey M.Pistrak e

Viktor N. Shulgin sobre os processos da pedagogia socialista na união Soviética; Para

responder à questão da pedagogia do capital: como ela vem disputando a formação de

crianças, jovens e adultos do campo e da cidade através da educação e de projetos

culturais? Esse processo exigiu uma contextualização do papel da educação no Brasil;

das leituras e pesquisas importantes sobre o agronegócio como “palavra política” e a

sua inserção no campo brasileiro, da ABAG, da VALE, bem como de pesquisas nos

próprios sites dessas empresas e outras. Debruçar sobre o assunto e sobre essas fontes

foi fundamental para entender melhor a “disputa dos filhos da classe trabalhadora”

pela pedagogia do capital. Os estudos de Regina Bruna sobre o agronegócio; de

Rodrigo Lamosa sobre o programa Agronegócio na escola; da Roberta Traspadine

sobre os projetos educativos do agronegócio nas escolas; da Maria Luisa Mendonça,

com os estudos da origem do agronegócio; de Neil Postman sobre o “desaparecimento

da infância” na década de 1970 nos Estados Unidos; Sobre o lugar da infância na luta

pela terra e a questão agrária, os autores Paulo Alentejano, João Pedro Stedile,

Fernando Michelloti, Haroldo de Souza, Leonilde S. de Medeiros e Guilherme

Delgado apontaram elementos fundamentais para entender a questão agrária no Brasil;

de Mari Del Priori, trazendo a história das crianças no Brasil e de José de Sousa

Martins, com os estudos das crianças da luta pela terra, filhas de posseiros e pequenos

agricultores na região amazônica na década de 1970 e Deise Arenhart nos estudos das

crianças da luta pela terra no MST.

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A escolha do tema infância da luta pela terra tem a ver com meu percurso

histórico e dos sujeitos da pesquisa, pois o foco nas crianças do Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) está relacionado à minha trajetória de vida e ao

meu processo de formação. Desde minha adolescência, vivenciei a vida num

acampamento e, depois, num assentamento, tendo a oportunidade de iniciar minha

militância, como educadora, trabalhando com a organização das crianças Sem Terra da

Regional Sudoeste Paulista, através do Setor de Educação, contribuindo na organização

das crianças do assentamento da Agrovila III, na preparação do I Congresso Estadual

Infantojuvenil do Estado de São Paulo.1 Minha trajetória e a vivência da infância no

campo, como a de milhares de crianças privadas dos seus direitos, da negação do acesso

à terra e do direito de estudar, foram dois fatores impactantes na minha vida. Eles

marcaram minha relação com o acampamento e o assentamento, bem como o processo

de formação na militância do MST, espaço que forjou, em mim, a convicção do direito

de lutar e se enraizar na luta pela terra e na organização das crianças dos assentamentos

e acampamentos através da educação e cultura.

Há, também, uma relação com o processo de estudo, com o aprofundamento da

discussão sobre a infância do campo, tendo presente que o lugar da infância no sistema

capitalista foi demarcado, historicamente, pela relação entre trabalho e capital. Nesta

relação, educação pensada e ofertada para os filhos da classe trabalhadora,

intencionalmente, estabelece uma relação de dominação e hegemonia da ideologia

burguesa na formação de indivíduos padronizados, individualistas e competitivos.

A escolha em realizar a pesquisa na Região Sudeste Paraense está relacionada

ao processo de luta permanente e resistência do MST no enfrentamento às empresas do

agronegócio, como a mineradora Vale, as ações frequentes da pistotolagem e das ações

contra-hegemônica que o MST tem proporcionado desde as escolas e as intervenções

em outros espaços da luta pela terra.

A pesquisa de campo foi realizada no Estado do Pará, com base na análise do

trabalho das escolas dos assentamentos e acampamentos do MST, como também na

observação da Jornada Estadual dos Sem Terrinha. O MST, no Pará, tem provocado o

conjunto do MST, através do Setor de Educação, a refletir sobre o lugar da infância no

1 Este Congresso fortaleceu nacionalmente a origem e identidade ao nome Sem Terrinha no MST. Ver

referência nos documentos: Capítulo 3 da Dissertação. Monografia “Sem Terrinha Semente de

Esperança” IEJC/RS (1999) e Dicionário da Educação do Campo “A infância do campo” (2012).

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Movimento. Na realização do VI Congresso Nacional do MST, em 2014, uma

delegação de crianças do Pará participou sem os seus pais do Congresso, fato único até

então. Em 2015, foi delegada para um coletivo de crianças a tarefa de pensar como

deveria ser o encontro dos Sem Terrinha Estadual e apresentar para Direção Estadual do

MST. Também foi garantida a participação de uma representação de crianças, indicada

em cada área de assentamento e acampamento, para participação do Encontro Estadual

do MST/PA, com intervenção nas plenárias e assembleias dos Sem Terrinha.

No contexto da luta e da resistência permanente, o Movimento no Estado do

Pará tem buscado realizar ações de formação com as crianças na escola, nos Encontros

Sem Terrinha e outros espaços que buscam se contrapor à educação na lógica do capital.

As vivências, no sudeste do Pará, se deram no período de outubro de 2014, e em Maio e

outubro de 2015, nas atividades dos Encontros Estaduais dos Sem Terrinha, e da

atividade nacional da produção coletiva de uma orientação para as escolas de educação

infantil de assentamento, que, todavia está em construção.

A escolha do lugar e dos sujeitos da pesquisa levaram em conta a luta pela terra

e o contexto do conflito agrário do Estado do Pará, bem como o protagonismo das

crianças, garantido pela sensibilidade do coletivo de militantes do MST, no Pará,

proporcionando que as jornadas dos Sem Terrinha fossem se transformando em espaço

preparado com elas e, de fato, delas. Podemos afirmar que a infância, forjada na luta

pela terra, através da organização do MST, é lutadora e construtora, especialmente de

uma referência de um lugar que permite o ser criança e ter infância.

Com relação ao método de estudo, a importância da teoria como um

referencial para a pesquisa e, nesse caso, o materialismo histórico dialético para o

aprofundamento da análise da sociedade capitalista, me permitiu estudar o processo de

desenvolvimento do capitalismo, as contradições geradas pela acumulação do capital, o

papel da educação na perspectiva marxista, tendo a teoria como um referencial

fundamental, alicerçada pela prática social, articulando o fazer e o pensar, a luta e

construção. Essas questões foram umas das referências na construção da pedagogia

socialista soviética na construção da escola do trabalho. Para Saviani (2011),

[...] a filosofia da práxis, tal como Gramsci chamava o marxismo, é

justamente a teoria que está empenhada em articular a teoria e prática,

unificando-as em práxis. É um movimento prioritariamente prático,

mas que se fundamenta, teoricamente, alimenta-se da teoria para

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esclarecer o sentido, para dar direção à prática. Então, a prática tem

primado sobre a teoria, na medida em que é originalmente. A teoria é

derivada. Isso significa que a prática é, ao mesmo tempo, fundamento,

critério de verdade e finalidade da teoria. A prática, para desenvolver-

se e produzir suas consequências, necessita da teoria e precisa ser por

ela iluminada. Isso nos remete à questão do método (SAVIANI, 2011,

p. 120).

O “Método da economia política” de Marx, constante do livro Contribuição à

crítica da economia política, explicita a passagem do “empírico ao concreto” – ou a

passagem da “síncrese à síntese”, da prática social global como ponto de partida e como

ponto de chegada (SAVIANI, 2011, p. 121). O método pedagógico explicado a partir

dos fundamentos teóricos da concepção materialista dialética da história, para Saviani

(2011) possibilita que as questões apareçam como resultantes das relações sociais

globais, ou seja, é necessário serem compreendidos historicamente pela herança que

cada geração herda da anterior através dos modos de produção que as impõe a tarefa de

“desenvolver e transformá-la”, através dos meios de produção de determinada

sociedade. “A educação, na medida em que é uma mediação no seio da prática social

global, cabe possibilitar que as novas gerações incorporem os elementos herdados de

modo que se tornem agentes ativos no processo de desenvolvimento e transformação

das relações sociais” (SAVIANI, 2011, p. 121).

A junção da teoria e prática corresponde a uma necessidade de “transformar a

realidade” a partir das condições de produção da vida material dos seres humanos, base

social de uma formação social, e pela capacidade de transformar a natureza e se

apropriar dela, base e fundamento da diferenciação entre o homem e os animais. E,

nesse sentido, a concepção da educação socialista decorre de que a criança não nasce já

com as características que a define como humano, mas é as relações sociais que ela

estabelece que as constituem e que vai definir a sua própria sobrevivência e existência

na história.

O homem é, pois, um produto da educação. Portanto, é pela mediação

dos adultos que num tempo surpreendentemente muito curto a criança

se apropria das forças essenciais humanas objetivadas pela

humanidade tornando-se, assim, um ser revestido das características

humanas incorporadas à sociedade na qual ela nasceu (SAVIANI,

2013, p. 250).

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A formação humana tem como desafio superar as relações de classe e pensar em

uma educação da infância que rompa com a concepção burguesa de educação que se

prende somente na escola burguesa, Lombardi (2013) nos indica um “tripé” de ações,

nesta direção: “Empreender uma radical crítica à educação burguesa; organizar uma

educação crítica dos trabalhadores; uma formação política para a luta

revolucionária”, (SAVIANI, 2013, p.15). Assim, explicita-se a implementação da

pedagogia revolucionária na prática educativa. O materialismo histórico dialético é, sem

dúvida, uma teoria social que possibilita uma metodologia de análise com base no

movimento da realidade e nos processos históricos antagônicos.

[...] o marxismo torna-se a referência epistemológica mais importante

do século XX. Isto é, o marxismo, enquanto método científico,

tornara-se patrimônio universal da filosofia contemporânea, assim

como a filosofia de Descartes tornara-se referência universal para a

modernidade. Por isso, pensar e pesquisar a partir da dialética entre as

classes sociais, relacionar infraestrutura e superestrutura, contexto

histórico e subjetividade, priorizar o trabalho como categoria e fonte

de valor e, sobretudo, considerar a coletividade e a igualdade entre

(homens) valores prioritários frente à liberdade individual, qualifica

programas políticos e posturas intelectuais de socialistas ou de

esquerda, independente de qualquer identificação político-burocrático

(NOSELLA, 2002, p.108).

No caso da pesquisa com a infância no MST, os procedimentos metodológicos indicam

a necessidade de compreender que, historicamente, o lugar das crianças foi forjado

através da luta pela terra, inserida nas contradições do capitalismo. Desta forma, um

dos objetivos neste trabalho é entender como, apesar da preocupação com uma

formação crítica, a pedagogia do capital atinge as crianças do campo e cidade, e

inclusive no MST, nos limites da sociedade de classe, vem proporcionando formação

política às crianças Sem Terra, nas últimas três décadas. É desafiador trazer a infância

para dentro das pesquisas, num contexto marcado pela fetichização da infância, pelo

consumismo, em que a tecnologia tem, cada vez mais, criando brinquedos e produtos

que dialogam com a criança, compondo-se as relações sociais atuais na vida da criança,

no embate colocado pela relação capital e trabalho. Postman, em seus estudos sobre a

infância como “desnecessária e inevitável”, com foco no desaparecimento da infância

no final da década de 1970 e início de 1980, nos Estados Unidos, afirma que: “Para

onde quer que a gente olhe, é visível que o comportamento, a linguagem, as atitudes e

os desejos, – mesmo a aparência física – de adultos e crianças se tornam cada vez mais

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indistinguíveis”. E que todas as evidências indicam que a “história da infância se

tornou, agora, uma indústria importante para os especialistas” (POSTMAN, 2012, p. 18

– 19). Sobre o assunto, Felipe entende que,

Aos pesquisadores das crianças, cabe a tarefa de elaborar um

conhecimento que, captando a sua historicidade, permita apreender

como pensam, sentem e vivem a vida. Um conhecimento capaz de

incorporar no seu dizer a memória individual e social, a produção

simbólica e discursiva das crianças de todos os grupos sociais, naquilo

que têm de comum (como seres do mundo) e diverso (como seres que

interpretam para si o mundo). Tanto na cidade como no campo, talvez

tenha mudado “a rua da infância”. O que permanece é a tarefa de

articular os ordenamentos sociais com a produção cultural das

crianças, sem pretender atribuir uma liberdade da qual não dispõem –

na medida em que só se pode ser humano com os outros, nem negar a

faixa de autonomia que dispõem para produzir um lugar no mundo.

(FELIPE, 2009, p.64).

O direito da criança, no MST, ganha uma forma diferente ao da sociedade

hegemônica, mas, sem dúvida, as influências da pedagogia do capital está em toda parte

e, por isso, os acampamentos e assentamentos do MST, como não são lugares isolados,

também acabam sendo influenciado pela lógica do capital.

O reconhecimento da alteridade das crianças em relação aos adultos

(da sua linguagem, do seu modo de pensar e conhecer) abre um leque

de possibilidades de pesquisas com crianças. Há, sem dúvida, um

grande ganho nesta formulação, na medida em que as crianças podem

ser tomadas como sujeitos de pleno direito, capazes de gestar e gerir

situações complexas, ideia que se opõe à infância como um período de

minoridade. (FELIPE, 2009, p. 69).

A pesquisa com criança, no caso específico da luta pela terra, nos mostra que

juntamente com os seus familiares, ela enfrenta o latifúndio da terra, as empresas do

agronegócio e que vem se tornando um grande problema na disputa pelo território do

campo. Nos estudos de Martins, no final da década de 1970, em pesquisa na região

Amazônica com crianças filhas da luta pela terra de posseiros e trabalhadores

deslocados para reforma agrária no Mato Grosso, o autor destaca a importância do

projeto de pesquisa para a memória histórica sobre as “crianças sem infância”, com o

objetivo de proporcionar uma pesquisa que revelasse o “que é ser criança no mundo

subdesenvolvido”, embora a realidade dessas crianças, filhas de posseiros e pequenos

agricultores, na sua subjetividade não aparentasse uma necessidade de pesquisa. Mas ele

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destaca a importância em estudar e pesquisar a infância e como ela vai sendo suprimida

da história:

A supressão da infância suprime ao mesmo tempo processos sociais

vitais, pois submete as novas gerações a relações sociais e uma

socialização enferma que já não estão mais sob domínio de homens e

sim de coisas. É ilusória a liberdade gestada nessas condições, porque

é antes de tudo a liberdade da coisa, da mercadoria, da criança

convertida em mão de obra real ou potencial. [...] Gostaria,

igualmente, que este nosso trabalho encorajasse os pesquisadores das

ciências sociais a trabalharem mais amplamente com a concepção de

mudos da História, os deserdados, banidos e excluídos, os sucateados

pelas conveniências do poder e do grande capital, são cada vez mais

sujeitos do processo histórico. (MARTINS, 1991, p. 14-16).

Para Martins (1991), são elencados dois pontos importantes para a pesquisa: o da

história oral e da história documental. Ele considera que dificilmente o historiador

considere a primeira tão importante quanto a segunda. E, com isso, ficam evidentes que

os documentos são registros importantes, mas que determina uma linguagem e um

tempo da vida que certamente não contempla a infância. A escolha feita em retratar em

seu processo o “que é a supressão da infância na periferia do mundo moderno

desenvolvido e abastado” aponta como problema social uma multidão de crianças

convertidas no exército de reserva, mão de obra excedente para a reprodução do capital

(MARTINS, 1991, p. 12). Essa pesquisa nos chama atenção pelo sentido da dedicação e

atenção dada pelo pesquisador para com essa frente etária:

O pesquisador quase sempre pressupõe e descarta, no grupo que

estuda, uma parcela de seres humanos silenciosos, os que não falam.

De nada adiantaria conversar com eles. São os que em público e

diante do estranho permanecem em silêncio: as mulheres, as crianças,

os velhos, os agregados da casa, os dependentes, os que vivem de

favor. Ou os mudos da história, os que não deixam textos escritos,

documentos. [...] Ainda que os cientistas sociais reconheçam e

incorporem em suas investigações a diferenciação social, como as

classes sociais, ou gêneros, fazem-no no intuito de resgatar categorias

sociais que tem substância e especificidade. Quando o operário fala, é

a fala da classe; quando a mulher fala, é a fala do gênero. Mas as

ciências sociais têm trabalhado pouco outra modalidade de

diferenciação que é metodologicamente fundamental: referi-me à que

diz respeito ao enquadramento ou não da pessoas na linguagem que o

instrumental sociológico pode captar e que é, na verdade, um código

de poder, uma linguagem de poder (e também de classe média, de

gênero masculino, de idade adulta) (MARTINS, 1991, p. 53- 54 – 55).

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Estudos sobre a infância2 vêm mostrando os efeitos da sociedade capitalista na

limitação dos direitos à infância, que afeta mais as crianças da classe trabalhadora,

reafirmando o "não lugar" que as crianças historicamente tiveram na sociedade, o que as

afasta das esferas da participação, da "política" e do trabalho como princípio educativo.

As crianças do MST podem dar uma grande contribuição aos estudos da infância da

classe trabalhadora por considerar essas dimensões muitas vezes esquecidas.

Os Sem Terrinha, como os próprios se denominam para marcar sua

identidade de “ser criança Sem Terra”, são, sobretudo, “crianças em

movimentos”, por tanto, estão inseridas na dinâmica de um

movimento social que também elas, como criança ajudam a construir.

Ao mesmo tempo, não estando fora do contexto de uma sociedade

desigual e excludente, trazem as marcas do mundo do trabalho, da

fome, do frio, das desigualdades de se viver embaixo da lona preta, do

sacrifício da luta cotidiana pela sobrevivência; seus corpos expressam

sua condição de classe. Por outro lado, seus corpos também retratam

uma identidade de luta, dignidade e confiança no presente e no futuro,

porque estão inseridos em um movimento social que produz essa força

no interior dos seus processos educativos (ARENHART, 2007, p. 43).

Compreendendo a necessidade da organização infantil a partir da realidade

concreta da luta do MST, criando uma organização para além do processo institucional

da escola, foi fundamental colocar em pauta as crianças no MST e as questões que a

afetam no dia a dia e que tornam-se pautas de luta das crianças. A concepção de

infância que o MST foi construindo ao longo de seus 31 anos tem uma perspectiva

histórica, dialética e crítica com base na realidade social. Sua prática educativa está

vinculada ao pensamento da educação popular, com base na pedagogia do oprimido e da

Pedagogia Socialista, base e fundamento que compõe a própria construção da Pedagogia

do Movimento Sem Terra. Na construção da prática educativa, o processo de construção

coletiva de formação humana é o que dá significação ao resultado do trabalho educativo

no MST.

A contradição da propriedade privada, da concentração fundiária e da

ultraexploração do trabalho gerado pelo capitalismo, no contexto da luta pela terra, é

resultado do processo histórico das forças dominantes sobre a classe trabalhadora e que,

2 Os estudos de Neil Postman - O desaparecimento da Infância; Mary Del Priori - História das crianças

no Brasil. José de Souza Martins - O Massacre dos Inocentes. A criança Sem Infância no Brasil.

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em cada período se resignifica, mas se mantém com o objetivo da acumulação do

capital através da “exploração do homem sobre o homem” 3, ou seja, a história de todos

os tempos é a da luta de classes e, a relação trabalho e capital tem cada vez mais

desenvolvido um processo de produção destrutiva do capital através da exploração da

força de trabalho e da propriedade privada, apropriando-se cada vez mais da terra, da

água e dos bens naturais.

O trabalho, desde a sua origem, é a condição básica para a vida humana, que vai

criar o próprio ser humano (MARX, 2013). O desenvolvimento da humanidade através

do trabalho surge muito antes da sociedade que conhecemos e vivenciamos, transforma

a sua própria existência através de atividades com as mãos e diante de novas

descobertas como andar, produzir sons, se comunicar e o expressar próprio sentimento,

com o desenvolvimento do cérebro, se torna atividade transformadora na natureza e que

ao mesmo a modifica. Esse processo de desenvolvimento humano que possibilita a ação

criativa e coletiva por meio do trabalho social, acompanhado, para Marx, de uma

alimentação mista principalmente carnívora, ofereceu para a humanidade essenciais

ingredientes para o desenvolvimento do metabolismo humano. A alimentação mista vai

significar dois novos avanços na humanidade, o uso do fogo que vai reduzir o processo

digestivo e a domesticação dos animais sendo que o hábito da alimentação humana

transforma animais como gatos e cães selvagens em servidores do ser humano. Com

esse processo de desenvolvimento, com a capacidade humana em se alimentar e

adaptar-se nos diferentes climas ao quais os animais não conseguiram acompanhá-los,

“[...] quanto mais os homens se afastam dos animais, mais sua influência sobre a

natureza adquire um caráter de ação intencional e planejada, cujo fim é alcançar os

objetivos projetados de antemão”, o qual os diferencia dos animais. (MARX, 2013, p.

20-21-23).

O trabalho começa com a elaboração de instrumentos. E que

representam os instrumentos mais antigos, a julgar pelos restos que

nos chegaram dos homens pré-históricos, pelo gênero de vida dos

povos mais antigos registrados pela História, assim como pelo dos

3 O Manifesto do Partido Comunista (1872) afirma que o capitalismo cria internacionalmente novas

necessidades, coloca a propriedade privada em poucas mãos, erguendo a burguesia ao poder com os

meios de produção e de troca, produz os homens que criam as armas e as manejam, baixa o valor da força

de trabalho – resultando no salário, para manter a sua existência mínima do ser humano e sua condições

de trabalho.

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selvagens atuais mais primitivos? São instrumentos de caça e de

pesca, sendo os primeiros utilizados também como armas. Mas a

caça e a pesca pressupõe a passagem da alimentação exclusivamente

vegetal à alimentação mista, o que significa um novo passo de suma

importância na transformação do macaco em homem. (MARX,

2013, p.20).

O trabalho tem, em sua dupla condição positiva e negativa, criador e destruidor,

nos modos de produção onde ocorreu a divisão de classes. O trabalho como princípio

educativo para a formação humana, e seu significado nesse contexto, é de uma relação

ativa e criativa para a produção da existência, num processo que vai se realizando ao

longo da história pelos próprios seres humanos e o resultado desse processo é o próprio

humano. Porém, com o desenvolvimento humano, o trabalho criativo foi sendo

submisso ao capital, a reprodução ampliada do lucro que vai ocorrer com a apropriação

da força de trabalho e divisão social do trabalho, aumentando a produtividade da

mercadoria, especialização dos trabalhadores, modificando a natureza do trabalho como

atividade criativa e produtiva para a existência humana. De acordo com Marx, após a

sociedade primitiva, com a produção de excedentes e o regime de trocas de

mercadorias, o surgimento das classes sociais, a propriedade privada e o Estado, levará

à formação de modos de produção cuja essência é a exploração de uma maioria de

trabalhadores por uma minoria de exploradores. O capitalismo, atual modo de produção

dominante, analisado por Marx, desenvolveu ao máximo a concentração da riqueza:

Os homens que nos século XVII e XVIII haviam trabalhado para criar

a máquina a vapor não suspeitavam de que estavam criando um

instrumento que, mais do que nenhum outro, haveria de subverter as

condições sociais em todo mundo e que, sobretudo na Europa, ao

concentrar a riqueza nas mãos de uma minoria e ao privar de toda

propriedade a imensa maioria da população, haveria de proporcionar

primeiro o domínio social e político à burguesia e depois provocar a

luta de classes entre a burguesia e o proletariado, luta que só pode

terminar com a liquidação da burguesia e a abolição de todos os

antagonismos de classe. (MARX, 2013, p. 27).

É nesse cenário da luta de classe, da luta pelo trabalho criativo e da resistência

histórica da classe trabalhadora em suplantar a propriedade burguesa, buscando superar

as contradições de classe, a luta por direitos e supressão da propriedade burguesa,

colocando as contradições e as posições coletivas da classe, que o método que Marx e

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Engels utilizaram através do processo histórico de análise do desenvolvimento dos

modos de produção, nos deixa um referencial que é atual. De que:

Não queremos, de modo algum, abolir essa apropriação pessoal dos

produtos do trabalho, indispensável para a manutenção e a reprodução

da vida humana, pois essa apropriação não deixa nenhum saldo que

lhe confira poder sobre o trabalho alheio. Queremos abolir o caráter

miserável dessa apropriação, que faz com que o trabalhador viva para

multiplicar o capital, viva enquanto é de interesse da classe

dominante. (MARX & ENGELS, 2008, p. 33).

O desenvolvimento do capitalismo, no Brasil, tem suas raízes no genocídio dos

indígenas, no escravismo, na grande propriedade de terra, na exportação de matérias-

primas, na superexploração do trabalho e dos bens da natureza. Essas são as marcas

históricas desse processo onde os trabalhadores foram permanentemente marcados pela

violência. Na atual conjuntura – tanto no campo como na cidade –, a questão agrária

tem sido uma pauta permanente em todo esse recorrido histórico. Alentejano (2014),

Medeiros & Delgado (2010) pontuam questões históricas que se reafirmam na

atualidade de formas diferentes na atuação do território brasileiro, cada vez com mais

intensidade na acumulação do capital.

Para Alentejano (2014, p.25), a questão fundiária tem o seu marco histórico na

Lei de Terra de 1850, “com o instrumento colonial das sesmarias” e, que permitiu a

concentração fundiária no Brasil, tornando-se um grande problema social e histórico e

tem sido demarcado através da luta pela terra e que, nos dias atuais, os conflitos da luta

pela terra e o aparato judicial imposto, bloqueia o acesso à reforma agrária no país. A

colonização também tem o seu o marco com a “invasão estrangeira” que há mais de 500

anos vem dizimando os povos nativos, escravizando os povos africanos e, no momento

atual, com a “internalização da agricultura”, as compras de terras por empresas

estrangeiras transnacionais, no Brasil, continuam expulsando e assassinando os povos

do campo dos seus territórios, se apropriando da terra, da água e dos bens naturais do

território brasileiro (ALENTEJANO, 2014, p. 30).

Para Delgado (2010), a década de 1950 foi pautada pelo o discurso teórico e

político da reforma agrária pós-guerra, obteve reação contrária, conservadora, com o

discurso da modernização conservadora, técnica e agropecuária que prevaleceu depois

do golpe militar. Os pensamentos vigentes no período sobre a questão agrária aparecem

mais sistematizados em 1960, no Partido Comunista (PCB), nos setores progressistas e

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reformistas da Igreja Católica; na Comissão Econômica para a América Latina

(CEPAL); e um grupo de economistas conservadores da Universidade de São Paulo

(USP), liderados por Delfim Netto. A realização de uma reforma agrária, em seu sentido

clássico, nesse período, era apoiada por um amplo leque de setores da sociedade

organizada pelo PCB, setores da Igreja e a CEPAL. A Igreja Católica progressista teve

um papel importante no Primeiro Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) que

legitimou a “função social da propriedade”, elaborado durante a Nova República, pós-

ditadura, em 1985 (DELGADO, 2010, p. 81).

O pensamento católico sobre a questão agrária teve uma importante

influência política e social nesse período, e iniciou um processo de

mudança na atitude da Igreja sobre a mentalidade dos católicos sobre

a reforma agrária. A partir de sua Doutrina Social, a Igreja legitima o

princípio da “função social da terra”, promulgada em novembro de

1964. Ela substitui a tradicional concepção jurídica da propriedade,

proveniente da Lei de Terras de 1850, que trata a terra como uma

simples mercadoria. (DELGADO, 2010, p. 83).

Para o autor, o período histórico de 1965-1982, considerado “idade de ouro”

pelo “desenvolvimento da agricultura capitalista e integração à economia industrial e

urbana” (DELGADO, 2010. p. 86), no desenvolvimento que nasce com a derrota do

movimento pela reforma agrária e que responde à política da década de 1950 da

produção cafeeira e dos desafios que a modernização impõe no campo da exportação

primária e diversificação agroindustriais mediada pelo setor financeiro público. É

também um período de perseguições políticas durante a Ditadura Militar, pois as

“principais lideranças camponesas foram presas, assassinadas ou forçadas à

clandestinidade” (MEDEIROS, 2010, p. 124), e não tendo alternativas com a rápida

modernização, os trabalhadores do campo sem perspectivas de continuidade nos seus

territórios, buscam possibilidade de trabalho, tendo que abandonar o campo para viver

nas periferias das cidades, ou então, se mantendo no trabalho agrícola assalariado, do

corte da cana, da laranja, do algodão, entre outras formas encontradas pelos

trabalhadores do campo para sobrevivência. Esse período de desenvolvimento,

modernidade e fusão da agricultura e indústria, para Delgado, se caracteriza, por um

lado, na mudança da base técnica dos meios de produção,

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[...] materializada na presença crescente de insumos industriais

(fertilizantes, defensivos, corretivos do solo, sementes melhoradas e

combustíveis líquidos); e máquinas industriais (trator, colheitadeira,

equipamentos de irrigação e outros implementos). Por outro, ocorre

uma integração de grau variável entre produção primária de alimentos

e matérias-primas e vários ramos industriais, como os oleaginosos,

moinhos, indústrias de cana e álcool, papel e papelão, fumo e bebidas.

Esses blocos de capital irão constituir mais adiante a chamada

estratégia do agronegócio, que vem crescentemente dominando a

política do Estado (DELGADO, 2010, p. 85-86).

Lembra-nos Delgado (2010) que é importante não esquecer que a investida do

capital, o pacto territorial industrial e o latifúndio da terra na modernização da

agricultura conservadora “nasce com a derrota do movimento da reforma agrária”, nos

últimos anos do século XX, como a política neoliberal implementada durante o governo

Fernando Henrique Cardoso (1994-2001), com a retomada de um novo ciclo de

modernização do agronegócio, articulado pela associação do capital agroindustrial

com grande propriedade fundiária.

O segundo Governo de Cardoso iniciou o relançamento do

agronegócio senão como política estruturada, com algumas iniciativas

que no fim convergiram: 1) programa prioritário de investimento em

infraestrutura territorial com “eixos do desenvolvimento”, visando a

criação de economias externas que incorporassem novos territórios,

meios de transportes e corredores comerciais ao agronegócio; 2)

explícito direcionamento do sistema público de pesquisa agropecuária

(EMPBRAPA) a operar em perfeita sincronia com empresas

multinacionais do agronegócio; 3) regulação frouxa do mercado de

terra, de sorte a deixar fora do controle público as “terras devolutas”,

mais aquelas que declaradamente não cumprem a função social, além

de boa parte das autodeclarações produtivas; 4) mudança da política

cambial, que, ao eliminar a sobrevalorização tornaria o agronegócio

(associação do grande capital com a grande propriedade fundiária –

sob mediação estatal) competitiva no comércio internacional e

funcional para a estratégia do “ajustamento constrangido”

(DELGADO, 2010, p. 94).

Na afirmação de Alentejano (2014), os efeitos do processo histórico na questão

agrária brasileira resultam nas desigualdades da distribuição de terras, no Brasil, entre

“a discrepância da representação política entre camponeses e agricultores familiares” e

os “grandes proprietários de terras” que obtêm “1.587 vezes mais recursos públicos que

os camponeses e agricultores familiares para o financiamento da produção

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agropecuária”. Esse modelo de agricultura destrutiva e mercantilista, representado pelo

agronegócio derivado da “concentração fundiária e as desigualdades” existentes,

representa,

A crescente internacionalização da agricultura brasileira seja em

relação ao controle da tecnologia, do processamento agroindustrial, da

comercialização, da produção agropecuária e da compra de terras; a

crescente insegurança alimentar decorrente das transformações

recentes na dinâmica produtiva da agropecuária brasileira; a

perpetuação da violência e exploração do trabalho no campo e da

devastação ambiental no campo brasileiro (ALENTEJANO, 2014, p.

24).

A base do sistema capitalista está alicerçada na concentração fundiária e na

ultraexploração do trabalho para a reprodução da classe trabalhadora e produção para o

agronegócio. Compreender a questão agrária e seus fundamentos no contexto da luta

pela terra e o MST – que por uma necessidade concreta faz o enfrentamento ao

latifúndio da terra –, é também pensar o lugar reservado para a infância do campo no

contexto agrário e, no caso específico, as crianças do MST que fazem a luta pela terra

juntamente com as suas famílias. Que questões ou indagações trazem as crianças nesse

contexto de conflito agrário? Para Felipe,

A infância do Brasil agrário está marcada pela estabilidade, pela

continuidade sem tensão entre a ordem social e os indivíduos. O tom

estável, monofônico, sugere a existência de um mundo homogêneo,

sem desvios, principalmente em relação às crianças. [...] Com a

Constituição de 1934, ainda de forma bastante incipiente, a infância

passa a fazer parte da ação e da função política do Estado. Ela surge

no bojo de duas grandes transformações da sociedade brasileira, a

industrialização e a urbanização, base material da ascensão de um

novo modelo de família, a família conjugal. (FELIPE, 2009, p. 39-

52).

O lugar da infância da classe trabalhadora, no capitalismo, foi demarcado

historicamente pelo trabalho, seja pela exploração do capital a que ela está sujeita ou de

sua família. Na atualidade, se amplia para uma perspectiva de uma visão romântica de

infância, desconectada das relações sociais, da produção de uma “infância ideal” de um

ser em potencial consumidor, mais um elemento que se contempla na relação entre

trabalho e capital, como afirma Felipe:

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A globalização fez o mundo maior, embora marcada por uma

“perversidade sistêmica”. Para a infância, ela implica em alargamento

dos espaços de socialização, que envolvem outros elementos além da

relação adulto-criança. Além dos adultos, as crianças se relacionam

com objetos, imagens, mundos outros sobrepostos ou em conflito com

os seus. Por sua vez, os adultos não se resumem aos pais e

professores, e talvez sejam estes os que têm menos controle sobre a

socialização das crianças, pobres ou ricas, urbanas ou camponesas.

Além de maior, o mundo ficou mais veloz em todos os lugares que a

globalização uniu, e a descontinuidade entre tempo histórico e lugar é

um desafio aos modos de pensar estruturados. (FELIPE, 2009, p. 64).

A criança faz parte de um processo que não se separa do projeto hegemônico do

capital, na sua especificidade, desde a inserção da criança pobre da classe trabalhadora

na vida da família, na creche, na escola, no trabalho, entre outros. O direcionamento da

formação da criança está ligado à sociedade em que ela vive. Sendo a sociedade

capitalista vigente, certamente, se a criança não tem uma inserção na sua comunidade,

nos movimentos sociais e políticos ou outros tipos de organização que as permita

pensar, serem críticas e que esteja inserida na vida do seu lugar, possivelmente a sua

formação estará condicionada à forma de submissão e aceitação do lugar reservado a ela

no capitalismo.

No movimento da luta, os Sem Terra no MST, movimentam danças de

diferentes ritmos, cores, sons que expressam desejos, vontades, desordem –

subversividade à ordem. O desenho coletivo que vai sendo gestado no imaginário

humano, desde a sua luta, tem em sua essência o rompimento com o meu, passando a

ser o nosso, a palavra expressiva da arte em construção. Da arte de viver e sobreviver,

com cores que nem sempre são as escolhidas, mas as possíveis, de danças e sons que

existem para resistir ao tempo e suas contradições, formam-se em beiras de estradas, nas

grandes áreas de terras concentradas (produtora de sons e ritmos “intolerantes”

intoleráveis à ordem....), nascendo uma espacialidade diferente, forjada por lonas pretas

ou palhas... Insistindo num movimento de mudanças, que nasce sempre da ausência de

direitos, da concentração fundiária e da propriedade privada, logo, das relações

capitalistas de exploração.

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O acampamento de lona preta ou palha, ou de pedaços de lonas em suas

diferentes cores, vai sendo desenhado conforme a “aquisição” de tintas da sua

população, se tornando uma pequena ou grande “cidade” de moradias improvisadas e

itinerantes. A disposição dessa população, específica - que, por alternativa possível de

trabalho, passa fazer parte do MST - enfrenta com organização e coletividade o

latifúndio da terra no Brasil.

A ocupação da terra, em certa medida, busca romper com a estrutura

individualista de sociedade, proporcionando às famílias, que ali passarão a residir, a

transformação da forma de pensar sobre o mundo e suas contradições. Embora o

processo de formação da consciência não seja algo dado, ao enfrentar o latifúndio da

terra e lutar pela distribuição, projeta-se outro tipo de sociedade a partir do seu lugar,

modificando-se a sua forma de vida e atuação social. Ocupar o latifúndio da terra, para

as famílias, é muito mais que romper a cerca de arames farpados, é romper com a

história burguesa, com crenças e ideários que até então tinham determinado suas vidas.

É estar disposto a ser coletivo, a dividir o pouco que se tem com o conjunto de famílias

acampadas, é respeitar as decisões do coletivo, é aprender a ouvir e ter, na força da luta,

a vontade e ousadia em continuar lutando. Embora as contradições e conflitos sejam

permanentes no dia a dia dos acampamentos do MST, pois este é um lugar habitado por

homens, mulheres, crianças, jovens, adultos e idosos, no qual vive o sonho de ter

dignidade, conquistar a terra para sua moradia e produção de alimentos requer também

um processo contínuo na formação da consciência.

O latifúndio é o pecado agrário brasileiro. Na afirmação de João Pedro Stedile

(2000), a natureza do latifúndio foi a transformação da terra em uma falsa mercadoria

para exploração, sendo que ela não é um bem de produção, não é fruto do trabalho

humano, do trabalho acumulado, produzindo uma sociedade desigual. A terra é um

“bem da natureza como a água, o vento, o sol”, mas como a terra não se multiplica e

não se recria, o ser humano “instituiu a propriedade privada da terra” não como

mercadoria, mas como uma forma de garantir lucros, acumulação e exploração do

trabalho do outro. A terra tem um caráter de “espaço de exploração”, gerando uma

sociedade com maiores diferenças sociais, “maior distância entre pobres e ricos” e vai

determinar as relações sociais campo e cidade, num “caráter de cultura” das elites

brasileiras, herança colonial latifundiária, escravagista, na transformação de grandes

proprietários de terras. (STEDILE, 2000, p. 10-11).

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Portanto, para derrotar o latifúndio, é preciso derrotar o atual modelo

econômico, como um todo, que é excludente e subordinado aos

interesses do capital internacional e financeiro. E essa não é uma

tarefa apenas dos sem-terras, dos pobres do campo, dos trabalhadores

rurais, mas sim uma tarefa do povo brasileiro, da maioria de sua

população. A sociedade brasileira não conseguirá livrar-se do inferno

da pobreza, da desigualdade social, das injustiças sociais, e do poder

político exercido por uma minoria, se não extirpar o pecado do

latifúndio. (STEDILE, 2000, p. 56).

A realidade enraizada da “cultura da elite escravagista” brasileira é reveladora

no século XXI. A matéria produzida pelo EcoDEBATE (2016), publicado pelo Jornal

Brasil de Fato4, destaca as operações de fiscalização e resgate de 936 pessoas em

“condições análogas às de escravos” no Brasil, no período de janeiro a dezembro de

2015. E, destas, o perfil principal das vítimas “é de jovens do sexo masculino com baixa

escolaridade e que tenha migrado internamente dentro do país”.

É nesse contexto agrário que trabalhadores do campo e da cidade, negando-se

em viver na estrutura da extrema “exclusão social” e da exploração, ocupam a terra que

deveria ser um “bem comum” e constroem sua moradia nos acampamento do MST, que

se torna lugar de resistência para todas as pessoas que fazem parte dele, incluso as

crianças. E, no caso das crianças Sem Terra, em todo Brasil, elas convivem com as

diferentes situações de violação dos seus direitos humanos, cuja principal violação

pode-se afirmar que é a negação, à sua família, do acesso ao trabalho digno, que resulta

na desproteção quanto à alimentação, ao acesso à educação, à saúde e à moradia,

elementos determinantes na formação da criança.

No que se refere às crianças da classe trabalhadora, são muitos os exemplos de

como elas sofrem e como elas são violentadas. A mídia burguesa é um exemplo; seja

através da diferentes mercadorias produzidas pela força de trabalho da classe

trabalhadora e apresentada nas diferentes mídias, principalmente na televisão – a mais

popular delas –, dos alimentos que nem sempre ela tem acesso, mas sonha em ter, bem

como da criminalização da luta dos seus pais. E quando se refere às crianças e ao MST,

é como se as famílias que ali residem não lutassem por um mundo melhor e colocassem

os seus filhos em “risco” por uma opção. O sensacionalismo da mídia burguesa reforça

4 "Fiscalização resgatou 936 pessoas de trabalho escravo no Brasil em 2015".

Disponível em: http://www.ecodebate.com.br/2015/12/29/fiscalizacao-resgatou-936-pessoas-de-trabalho-

escravo-no-brasil-em-2015/Acesso em: 07/01/2016 às 12h50.

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a ideia de que o Movimento exerce uma relação de violência sobre as crianças ao levá-

las para a ocupação da Terra, colocando-as no conflito e sob “doutrinação”. Outro

exemplo de violação aos direitos humanos encontra-se expresso nos depoimento de

Gorgen5 para o MST, em sua participação na primeira ocupação em 1981:

Procuro, em minha memória, as imagens mais marcantes das crianças

durante os anos de minha militância junto ao Movimento dos Sem

Terra. São tantas e tão fortes. Mas a mais marcante é um pouco

distante no tempo e é de uma criança anônima. (GORGEN, 2009, p.

5).

Distância marcada pelo tempo e tão próxima da realidade social que não alterou

a forma de exploração. A infância marcada pelo contexto da ditadura civil militar, em

meio à repressão e violência que aterrorizam o seu grupo social, teimosamente

questionam a estrutura fundiária do país através de sua luta. Para o Frei Sergio Gorgen,

que participou em uma das primeiras ocupações de terra no sul do país, a Encruzilhada

Natalino, em Ronda Alta, período de muita tensão no acampamento, as famílias

acampadas expressavam, em seus olhares, certo medo e incertezas pelo período

estabelecido pela ordem do Exército Nacional e pela Polícia Federal, a mando do

Presidente-ditador João Batista Figueiredo, com o comando da operação local, o coronel

Sebastião Rodrigues de Moura o “temido coronel Curió”.6

Tudo o que vi, ao meu redor, era desilusão, insegurança e desespero.

Caminhei por todo o acampamento, rodeado por agentes da Polícia

Federal, sem poder conversar com ninguém. [...] Ninguém podia

conversar com ninguém sem ser vigiado. Muitos perdendo a esperança

e desistindo, aceitando colonização no Mato Grosso e abandonando o

acampamento com grande estardalhaço. Tentei trocar algum olhar de

encorajamento com algumas lideranças que vinha pelo caminho, mas,

àquelas alturas, eu já considerava aquela uma batalha perdida. Meu

5 Ver em anexo: Prefácio completo do Livro Crianças em Movimento. As mobilizações infantis no MST.

Depoimento do Frei Sergio Gorgen na visita ao acampamento - Encruzilhada Natalino, na década de

1980. 6 Militar responsável pela repressão da Guerrilha do Araguaia com uma “política clara de extermínio da

ditadura militar”. No início da década de 1980, Curió foi mandado pelo governo militar para a região de

Serra Pelada, a fim de comandar a exploração de ouro na região, que naquele momento já contava com

cerca de 30 mil garimpeiros. Nessa mesma época, o regime o enviou para comandar a repressão a um

acampamento de famílias sem terra na Encruzilhada Natalino, no Rio Grande do Sul, repressão que

fracassou. O acampamento foi um dos que deu origem ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem

Terra (MST). Curió ajudou a fundar uma cidade no sul do Pará, Curionópolis, da qual já foi prefeito.

Disponível em: http://memoriasdaditadura.org.br/biografias-da-ditadura/major-curio/ Acesso em:

11/01/2015, as 16h30.

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coração estava aflito e minha mente perturbada. Naquelas condições,

não havia resistência possível. Foi quando chamou atenção uma

criança de uns 4 anos, sentada em cima de um tronco de árvore, na

beira da estrada, quase ao centro do acampamento, parecendo alheia a

tudo que ali se passava, sem importar com o aparato militar que a

rodeava. Cantando, a plenos pulmões, a música-hino dos sem terra

naquela época: "A grande esperança". Parei, tomado de emoção,

ouvindo aquela voz infantil rompendo o silêncio imposto pela ditadura

militar e pelas elites, aos camponeses pobres que estavam ousando

levantar sua cabeça e dizer sua voz. “A classe loceira e a classe

opelália, ansiosa espela a refolma aglaria” – cantava a vozinha

inocente, acordando em mim a coragem amortecida. Naquele

momento, vi-me tomado de uma súbita certeza: esse povo vai resistir e

vai vencer. Pela simples razão de que só assim haverá esperança de

futuro para aquelas crianças e a multidão de outras que se

acotovelavam, sofriam e brincavam pelos barracos daquele

acampamento. E assim se deu. A criança venceu o coronel, que hoje é

cinza na história; e as crianças continuam por aí, pelos acampamentos

dos Sem Terra, com seus olhinhos brilhando, com sua algazarra

alegre, com sua perturbadora felicidade brotando do meio da miséria,

com sua esperança viva, com sua vivacidade esperta, instigando a

consciência dos que têm coragem de se deparar com elas. (GORGEN,

2009, p. 5-6).

A infância forjada na luta pela terra, desde o seu nascimento, vai conviver com o

conflito da luta gerado pela contradição inerente ao sistema capitalista, como também

vai se realizar como criança com a conquista que a luta coletiva, historicamente, foi

forjando. A música presente como elemento subversivo na luta é para todas as idades,

incluso, as crianças, ela (a música) ousa “romper o silêncio” nos momentos de maior

coflitualidade como afirma Gorgen. E, por isso, as músicas, as palavras de ordem, a

poesia estão sempre presentes e fortalecendo a luta. As crianças que participam da luta

dos assentamentos e acampamentos da Reforma Agrária, vinculadas ao MST, possuem

infâncias particulares, forjadas nas condições concretas de vida, no imaginário coletivo

e na cultura de seu grupo social. Presentes em todas as fases da luta pela terra, em busca

de uma vida digna, as crianças, no MST, vão sendo compreendidas como protagonistas

e construtoras, junto com adultos. Elas produzem uma representação diferente através

da sua intervenção na história da luta pela terra e o MST. E, por essa razão, participam

de toda vida construída nesse ambiente que expressa luta, sonhos, projetos, resistências

e conquistas.

Outra expressão da luta de classes e no momento atual e conjuntural no Brasil,

em 2016, que se faz bem expressivo, são as disputas no campo brasileiro documentadas

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em um panfleto7, distribuído para a população de São Gabriel no Estado do Rio Grande

do Sul, em contraposição à Marcha Estadual do MST, em 2003. O episódio afetou

diretamente as famílias e, principalmente, as crianças, como pode ser conferido pelo

trecho do panfleto, a seguir:

Povo de São Gabriel, não permita que sua cidade, tão bem conservada

nesses anos, seja agora maculada pelos pés deformados e sujos da

escória humana. São Gabriel, que nunca conviveu com a miséria,

terá agora que abrigar o que de pior existe no seio da sociedade. Nós

não merecemos que essa massa podre, manipulada por meia dúzia de

covardes que se escondem atrás de estrelinhas no peito, venham trazer

o roubo, a violência, o estupro, a morte. Estes ratos precisam ser

exterminados. Vai doer, mas para grandes doenças, fortes são os

remédios. É preciso correr sangue para mostrarmos nossa

bravura. Se queres a paz, prepara a guerra, só assim daremos

exemplo ao mundo que em São Gabriel não há lugar para

desocupados. Aqui é lugar de povo ordeiro, trabalhador e produtivo.

[...] Se tu, gabrielense amigo, possuis um avião agrícola, pulveriza,

à noite, 100 litros de gasolina em vôo rasante sobre o

acampamento de lona dos ratos. Sempre haverá uma vela acesa para

terminar o serviço e liquidar com todos eles. Se tu, gabrielense amigo,

és proprietário de terras ao lado do acampamento, usa qualquer

remédio de banhar gado na água que eles usam para beber, rato

envenenado bebe mais água ainda. Se tu, gabrielense amigo,

possuis uma arma de caça calibre 22, atira de dentro do carro

contra o acampamento, o mais longe possível. A bala atinge o alvo

mesmo há 1.200 metros de distância. [...] FIM AOS RATOS. VIVA

O POVO GABRIELENSE (grifos nossos).

Não distante à realidade fascista de 2003, vivida no acampamento do Rio

Grande do Sul que em marcha seguia para São Gabriel, também no acampamento Frei

Henri, município de Curionópolis, Estado do Pará, em 2015, vive essa mesma realidade.

Esse município desde que o seu nome foi dado pelo Coronel Curió, o repressor da

Guerrilha do Araguaia e também do acampamento dos Sem Terra, no Rio Grande do

Sul, em 1981, representa a força do poder dominante mais reacionário desde país.

Segundo informação das famílias do acampamento e em conversação com as crianças

do acampamento, elas convivem com o crime do fazendeiro, em colocar veneno nas

plantas, acima do lugar em que acampavam, contaminando a mina de água do

acampamento, local onde as famílias resistem há seis anos e produzem a sua

sobrevivência nessa terra. Desta maneira, as crianças vivem essa relação de violência

estabelecida pela contaminação da água, além dos tiros em direção ao acampamento, a

mando do fazendeiro, gerando insegurança permanente nas famílias que ali vivem, e

especialmente para as crianças.

7 Nota distribuída para a população de São Gabriel em 2003. Disponível em:

http://www.midiaindependente.org/pt/red/2003/06/256696.shtml Acesso em: 13/01/2016 às 14h30

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O MST tem projetado sobreviver com protagonismo e a solidariedade

internacional tem levado para o mundo as imagens, a história e a luta que se faz para ter

dignidade no Brasil. “Sobreviver com protagonismo", também é o lema do Sem

Terrinha de 10 anos, do acampamento Frei Henri, município de Curionópolis - PA,

acampamento citado, que levanta de manhã já com as tarefas de casa dividida e que

convive com uma realidade de tensão permanente.

Eu acordo, vou aguar os canteiros (pimenta, cebola, feijão),

depois vou brincar com os meninos. E depois vamos pra escola

estudar. [Sobre a violência no acampamento], hoje não tá tanto, mas já

teve. A mãe disse pra gente ficar aqui... E teve um dia que eles

subiram numa pedra e atiraram de lá. Dá muito medo... e tinha uma

mulher que tava quase desmaiando por causa do susto. As mães

manda a gente entrar pra dentro de casa ou então vamos lá para

guarita que tem aqui (conversa com os Sem Terrinha cupuaçu8).

A realidade de violência enfrentada nos acampamentos, em diferentes lugares do

Brasil, é presenciada pela criança, desde a sua infância, na relação do trabalho, do

brincar e da luta como um processo do conjunto, da produção da vida, em meio às

contradições do sistema capitalista. A violência estabelecida pelo latifúndio da terra leva

em conta somente o interesse de ter o poder da propriedade privada como forma de

exploração para o enriquecimento, muitas das quais apropriadas de forma irregular, ao

mesmo tempo, em que empobrece um grande número de pessoas privando-as do acesso

à educação, ao trabalho, à alimentação e ao lugar de vivência - usando do “poder” do

dinheiro para amedrontar, ameaçar e tirar de cena aqueles que questionam e lutam

contra a propriedade privada.

A educação política da infância Sem Terra foi ganhando expressividade ao longo

da trajetória no MST e sua significação vai sendo concebida, de certa forma, com a

compreensão de que é necessário, para que ocorram as mudanças sociais, a participação

do conjunto da sociedade que nela vive.

As imagens de crianças do Movimento Sem Terra que ganharam o

mundo pelas fotografias de Sebastião Salgado cumpriram o papel de

denunciar o abandono social de crianças brasileiras. Hoje, tomando os

inúmeros acampamentos espalhados pelo país, as fotografias

continuam atuais, mas podemos compô-las com outras imagens, de

8 O contato com as crianças foram nos acampamento e assentamentos, nos Encontros Estaduais dos Sem

Terrinha de 2014 e 1015. A escolha em identificá-los com nome de frutas foi no sentido de trazer presente

a diversidade da produção frutífera da região amazônica, como também preservar as crianças de outras

violações.

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crianças que se reconhecem felizes. Segundo Santos (2000, p.132), o

que diferencia a pobreza da miséria é a situação de privação total da

segunda. A pobreza é uma situação de carência, mas os pobres lutam,

combatem, reinventam lugares e mudam a vida, mesmo que não

mudem o mundo. São nesses lugares reinventados que as crianças vão

construindo o sentido da felicidade, idealizada, talvez. (FELIPE, 2009,

p.115).

A forma de pensar e organizar a coletividade e sua incidência no processo formador

das famílias que passam a fazer parte do Movimento Sem Terra possibilita a inserção

das pessoas como parte construtora de uma totalidade do acampamento e assentamento.

Esse lugar ocupado por pessoas que não têm o trabalho, não têm a moradia e outros

direitos sociais, contribui para o reconhecimento de suas condições como sujeito de

direitos e a luta pela conquista da terra e da reforma agrária, bem como para a defesa do

território ocupado e constituição da identidade política de Sem Terra.

Da insistência em existir e modificar a natureza da estrutura fundiária no Brasil,

o MST ocupa a terra, resiste nesses 31 anos, com as conquistas de muitas áreas

desapropriadas, destinadas para assentamentos de reforma agrária. Espaços esses que se

constituem com o objetivo de produzir a terra ocupada e uma cultura coletiva de

produção de alimentos, de vivências e de projeto, mas que, contraditoriamente, está

limitada pela concentração de terra no Brasil que se mantém intacta. De acordo com a

Rede Social de Justiça e Direitos Humanos9,

A concentração de terra no Brasil é uma das maiores do mundo.

Menos de 50 mil proprietários rurais possuem áreas superiores a mil

hectares e controlam 50% das terras cadastradas. Cerca de 1% dos

proprietários rurais detêm em torno de 46% de todas as terras. Dos

aproximadamente 400 milhões de hectares titulados como propriedade

privada, apenas 60 milhões de hectares são utilizados como lavoura. O

restante das terras está ociosas, subutilizadas, ou destinam-se à

pecuária. Segundo dados do Incra, existem cerca de 100 milhões de

hectares de terras ociosas no Brasil.

Embora sabendo que, mesmo com a terra conquistada a luta não se esgota, as

famílias se propõem a lutar para obter um “futuro melhor para os seus filhos”, com a

certeza de que a luta coletiva obtém resultados para os interesses comuns. Este é o

horizonte que, nessas três décadas, tem colocado em marcha um movimento popular

que questiona a concentração de terras, a propriedade privada e o Estado. As duas

9 Disponível em: http://www.social.org.br/relatorios/relatorio002.htm. Acesso em: 2/2/16 às 12h.

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décadas iniciais do século XXI têm um caminho direcionado para o avanço do capital,

na produção de mercadorias com baixo custo, tornando o campo brasileiro lugar

principal para o desenvolvimento da agricultura de mercado. A disputa pela infância

da classe trabalhadora tem desafiado o MST a fazer ações concretas contra-

hegemônicas às investidas da pedagogia do capital, na formação da infância Sem Terra

que vive no campo.

Para expor as descrições e análise empreendidas nessa pesquisa, organizamos

três capítulos. O Primeiro Capítulo apresenta a experiência de educação do MST e a

prática educativa com as crianças, bem como as influências da educação cubana e da

Pedagogia Socialista na formação da infância do MST. Discute-se como foi se

constituindo a participação das crianças no processo histórico da luta pela terra, através

do MST, e como foram sendo construídos os instrumentos políticos da infância, com

ênfase na mobilização infantil de 1994, que ganhou repercussão nacional e se tornou

uma referência para as crianças Sem Terra. Trata também da Ciranda Infantil (1997) –

Itinerante e permanente, reivindicada principalmente pelas crianças e pelas mulheres no

Movimento. Com isto, poderia se afirmar que, a partir desses 18 anos de existência da

Ciranda, esta é uma conquista do todo o conjunto da Via Campesina nacional e

internacional.

No Segundo Capítulo, é feita a contextualização do lugar da infância da classe

trabalhadora e as estratégias da pedagogia do capital, para a formação das crianças,

jovens e adultos. O lugar da infância, no Brasil, está marcado pelas contradições da

concentração fundiária, do conflito da luta pela terra e que, desde a origem da

colonização, demarcou um território de resistência e de imposição. No contexto de

avanço do capital, em especial na agricultura, as bases do sistema capitalista se

alicerçaram na concentração fundiária e na ultraexploração do trabalho, na fusão campo

e cidade, de acordo com a produção do agronegócio.

O Terceiro Capítulo faz uma análise da Jornada dos Sem Terrinha como

instrumento político da infância Sem Terra e o papel das mobilizações infantis como

ações contra-hegemônicas, surgidas em 1994, no Rio Grande do Sul, e que se torna

força nacional a partir de 1997. Da realidade das crianças, da luta pela terra, no Estado

do Pará, e suas mobilizações infantis, pautando a desapropriação da terra, a luta por

escola, a campanha contra os agrotóxicos e do seu protagonismo que, desde ano de

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2000, se mobilizam e constroem os processos organizativos do encontro com o coletivo

de educação do MST.

A singularidade desde trabalho, relacionado à pesquisa sobre a infância no

assentamento e acampamento de reforma agrária, está em pensar o lugar da luta e da

formação das crianças nesse processo, dando visibilidade para o processo de sua

formação e que, num contexto revolucionário, certamente a criança é uma frente

fundamental e necessária, para a concepção da história e, mais principalmente, porque

as crianças da classe trabalhadora participam da vida material e social.

Na Conclusão, apresentamos um conjunto de elementos com base na

prática educativa com as crianças Sem Terrinha. Discute a indicação de um programa de

formação para as crianças Sem Terrinha, com base em cinco matrizes formadoras que,

ao longo do estudo, foram sendo identificadas como elementos educativos na formação

da criança: o Trabalho como princípio educativo; a Luta; a Coletividade; a Auto-

organização; e o Internacionalismo . Bem como as ações contra-hegemônica que o MST

tem realizado nos limites e contradições da sociedade de classe, não perdendo a

perspectiva do coletivo, da luta social e da organização política.

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CAPÍTULO I

PEDAGOGIA EM MOVIMENTO NA PRÁTICA EDUCATIVA E FORMATIVA

DAS CRIANÇAS SEM TERRINHA NA LUTA PELA TERRA

Arquivo MST. Foto10

das crianças Sem Terrinha.

“Para los niños trabajamos,

porque los niños son los que saben querer,

porque los niños son la esperanza del mundo”

José Martí11

10

Cartaz do I ENERA em 1997, com o lema que até os dias de hoje é referência para o MST. Foto das

crianças do Acampamento 17 de abril na primeira colheita de arroz, um ano após o Massacre de Eldorado

dos Carajás. 11

Poeta educador e principal pensador da educação cubana.

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A experiência de educação nas práticas educativas das crianças do MST

Não temos a pretensão de fazer um aprofundamento teórico sobre os processos

educativos do MST, pois são várias as frentes de trabalho e de atuação de um conjunto

de fazeres que estão ligadas à práxis da vida material dos Sem Terra. O objetivo é

contextualizar o jeito que o MST foi construindo a sua pedagogia e fazendo a formação

das crianças Sem Terra nos acampamentos e assentamentos através da coletividade e

organização política no contexto da luta pela terra. Este capítulo destaca o recorte desde

o processo de formação da infância e a luta pela terra no MST como elemento

introdutório do processo da formação que historicamente o MST foi concebendo em sua

pedagogia.

Podemos afirmar que o Setor de Educação do MST é uma das frentes

importantes para a organização e efetivação das práticas educativas, da elaboração da

matriz formadora que direciona o trabalho de educação dos Sem Terra na sua base

social, como também do pensar uma educação dos trabalhadores do campo juntamente

com outras organizações populares.

A educação, como um elemento formador, está inserida no projeto de Reforma

Agrária Popular12

do MST, discutida no VI Congresso Nacional, em 2014, cujo

programa agrário afirma que a educação para o Movimento não acontece somente no

espaço escolar, o direito à educação está ligado ao acesso aos “diferentes tipos de

conhecimentos, dos bens culturais, da formação para o trabalho e para a participação

política; ao jeito de produzir e se organizar; a aprender a se alimentar de modo saudável;

e à prática dos valores humanistas e socialista que defendemos”. (MST, 2013, p.45). E

podemos destacar que o Setor de Educação do MST é o principal intelectual da infância

Sem Terra, pelas produções elaboradas sobre, para e com a infância Sem Terrinha

nesses 31 anos de existência.

O surgimento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST),

durante o final da década de 1970, período de crise da ditadura militar e início do

processo de redemocratização do país, coincide com o processo de mecanização e

modernização da agricultura no Brasil. A política da ditadura militar capitalista

12 O Programa de Reforma Agrária Popular do MST (Programa Agrário) foi elaborado a partir dos

debates nos assentamentos e acampamentos, coletivos estaduais, regionais, nacionais do MST, e aprovado

em 2013, na Coordenação Nacional, e no VI Congresso de 2014. É um documento de orientação coletiva

para o próximo período de atuação do MST.

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expulsou os trabalhadores do campo, resultando também na ampliação da concentração

fundiária, histórica nesse país, e do conflito agrário que ocorreu com o enfrentamento ao

latifúndio da terra. Mobilizados naquela conjuntura, as Pastorais Sociais, Igrejas

Luteranas, Comunidade Eclesiais de Base (CEBs), Comissão Pastoral da Terra (CPT) e

sindicatos rurais combativos buscavam articular os trabalhadores do campo (pequenos

agricultores, meeiros, arrendatários, posseiros, entre outros) que resistiam e

revindicavam sua permanência no campo e a distribuição da terra no Brasil. O MST

surge, nesse contexto, e se consolida como organização nacional de camponeses no

Brasil, em 1984 (FERNANDES & STEDILE, 1999).

O MST deu continuidade à luta pela terra e pela reforma agrária, bandeira

histórica central em outros movimentos históricos, como as Ligas Camponesas (na

década de 1960), como também ao debate provocado pela Comissão Pastoral da Terra

(CPT), na década posterior, com as CEBs, as quais estimulam a oficialização da

organização nacional.

Os trabalhadores Sem Terra definem o seu caráter e objetivos como movimento

popular e político de organização dos trabalhadores do campo, definindo que “somos

um movimento de massas de caráter sindical e político. Lutamos por terra, reforma

agrária e mudanças na sociedade” (MST, 2001, p.153). E elege, como princípios, o

enfrentamento ao latifúndio da terra, o latifúndio da ignorância e o latifúndio do capital.

A partir da sua consolidação, na década de 1980, ocupações de terras foram se

mobilizando por todo o Brasil diante da necessidade concreta de fazer a luta e organizar

as famílias acampadas e assentadas, foram realizadas diversas práticas educativas nas

vivências dos acampamentos e assentamentos de reforma agrária, gestadas por todas as

pessoas que compõem esse território ocupado, incluso as crianças.

A forma de organizar a coletividade e sua incidência no processo formador das

famílias que passam a fazer parte do MST possibilita a inserção das pessoas na vida dos

acampamentos e assentamentos. A organização da ocupação desse lugar por pessoas

que, em sua maioria, vêm de uma condição de trabalhador desempregado, agricultor

sem-terra, sem moradia e outros direitos sociais, contribuiu para o reconhecimento de

suas condições como sujeitos de direitos e para a luta pela conquista da terra e da

reforma agrária, bem como para a defesa do território ocupado e constituição da

identidade política de Sem Terra.

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No contexto da organização dos trabalhadores na luta pela terra, a ocupação da

terra rompe com a estrutura individualista de sociedade, proporcionando às famílias,

que ali estão dispostas a enfrentar o latifúndio da terra e lutar por sua distribuição,

almejar outro tipo de projeto para sua comunidade e sociedade, modificando a sua

forma de vida e de atuação social. Ocupar o latifúndio da terra, para as famílias, é mais

que romper a cerca de arames farpados, é, portanto, romper, em certa medida com a

história de subordinação total ao capital. É estar disposto a ser coletivo, a dividir,

respeitar as decisões do conjunto, aprender a ouvir e a ter vontade e ousadia em

continuar lutando. Embora o acampamento e assentamento sejam lugares com muitas

contradições sociais, elas apresentam germes/possibilidades na direção de outra forma

de produzir a vida, diferente da forma hegemônica. Esses são espaços de enfrentamento

ao latifúndio da terra, às grandes transnacionais, mas, ao mesmo tempo, de formação

das pessoas que dele fazem parte.

As influências do projeto socialista na organização do MST foram fundamentais

para a formação de um movimento com bases internacionalistas. Cuba foi um dos

países que inspirou o Movimento, a partir da sua essência de sociedade que rompeu com

as estruturas do capital e construiu, na prática, uma sociedade dos trabalhadores. Com a

ocupação da terra, o enfrentamento ao latifúndio e ao Estado burguês, o MST viu em

Cuba um lugar de referência e com possibilidade de construir um projeto formativo,

produtivo e educativo para o Movimento. E, nesse contexto, foi conhecer e buscar

experiências, no final da década de 1980, para a organização e formação política das

famílias Sem Terra. Em entrevista com Edgar Kolling, ele afirma que, embora não tenha

a data da origem do primeiro grupo que foi para Cuba, a aproximação se deu em torno

do Primeiro Congresso do MST:

Mas eu lembro, assim, que no Primeiro13

Congresso do MST já

teve delegação de 15 países, se eu não me engano. E a partir do

Primeiro Congresso já começa esse processo de intercâmbio do MST

com Cuba, especialmente pela cooperação via Associação Nacional

de Agricultores Pequenos que é ANAP. Eles tinham uma escola lá,

então foram alguns dirigentes do movimento fazer o curso. Os cursos

13

No ano de 1984, em Cascavel (PR), o MST realizou o 1° Encontro Nacional que definiu o I Congresso

Nacional do MST, de 29 a 31 de janeiro de 1985. “O Movimento teve a clareza política de que era

necessário ser uma organização autônoma a partidos e governos. O I Congresso de 1985 é um marco

histórico do MST. Demos uma nova característica à luta pela terra. Saímos de lá convictos de que

teríamos que partir para as ocupações, e construímos o lema “Terra para quem nela trabalha” e

“Ocupação é a Única Solução”. Informação do site do MST. www.mst.org.br

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eram de três meses, outros de seis meses. Então, a gente começou esse

intercâmbio mais efetivo para estudar, para conhecer as

cooperativas, pra conhecer a revolução como um todo, o que é o

socialismo. Também nós tivemos gente que foi para a escola da

juventude, das mulheres e para a escola do partido. Então, eu estive

lá, por exemplo, de 1988 a 1989, na escola do partido - Escola Nico

Lopes. No mesmo período, esteve lá outros representantes do

Movimento Sem Terra. Primeiro, a Lucia Betovato, fomos juntos

inclusive, mas depois ela foi para escola das mulheres. Depois, a

Fátima Ribeiro também esteve naquele período, a Gorete esteve na

escola da juventude, o Gilmar Mauro [também] esteve na escola da

juventude.

Então, antes da educação, nós fomos muito mais lá pela

necessidade de organizar os assentamentos e, por isso, digamos que o

embrionário de tudo, por isso as CPAs, que nós fizemos aqui é a

mesma sigla de lá, é o trabalho da formação política foi o principal.

Efetivamente, nós bebemos a formação, claro que organizou o

processo já antes, já fazíamos cursos aqui, mas o acúmulo que tinha

lá, e também a gente, nesse tempo que ficou lá, a gente era

incentivado a fazer charlas bilaterais com organizações de partidos

ou de sindicatos de diferentes países. Eu lembro que eu organizei

conversações, mas pelo menos com umas 15 organizações de outros

países. Então, a gente bebia na experiência de Cuba e também nas

experiências dos países latino-americanos. (KOLLING14

, 2015).

Com a organização dos assentamentos, a formação das cooperativas, a luta por

escolas, o coletivo de militantes do MST passou um tempo em Cuba se apropriando e

conhecendo a experiência socialista, que contribuiu na construção da matriz formadora

do MST. E, destas vivências, os coletivos do MST foram socializando e desenvolvendo

práticas de formação, educação e produção nos territórios ocupados. A organização e

formação no MST, desde a organização da Cooperativa de Produção Agropecuária

(CPAs), significativa na década de 1990, se deu por meio de laboratórios

organizacionais de campo que constituíram uma forma de organizar a cooperação e

cooperativas nos assentamentos para proporcionar a participação da mulher no processo

produtivo e, logo, a necessidade de pensar o lugar da criança, nesse contexto. Esse

processo organizativo de inserção da mulher e da criança teve uma forte presença da

experiência cubana, mas também de outras inspirações.

14

Edgar Kolling, da Coordenação Nacional do setor de educação do MST e fundador do Setor de

Educação no MST, entrevista cedida em 16 de novembro de 2015.

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Com vistas a dar respostas às situações de luta pela Reforma Agrária, na década

de 1990, a principal forma de organização do MST são os Núcleos de Base (NB)15

, pois

proporcionam a organização das famílias, o debate das questões principais do coletivo

da família, bem como da conjuntura política, social e econômica. Nesse mesmo período,

o MST constitui seus diferentes setores16

para dar conta de um conjunto de demandas

dos acampamentos e assentamentos. Os setores garantem a estrutura organizativa do

MST e são espaços constituídos desde o acampamento e assentamento para contribuir

de forma coletiva com o conjunto de tarefas que surgem na ocupação da terra, nos

assentamentos e na relação com a sociedade. A estrutura organizava do MST foi

gestado com a intencionalidade de afirmar a importância e a possibilidade da

organização do processo coletivo e da reforma agrária para a democratização da terra.

Em 2015, o MST17

está organizado em 24 Estados, nas cinco regiões do país.

São mais de 350 mil famílias assentadas, 120 mil famílias acampadas morando debaixo

de barracos de lona preta ou palha nos acampamentos espalhados em diferentes Estados

do Brasil.

Nesse percurso histórico da existência do MST e do seu processo de

organização, as crianças também estão evolvidas, embora não estejam organizadas em

setores ou coletivos, é certamente uma frente de um coletivo infantil que vem se

destacando nos Estados, justamente por essa forma organizativa, proposta pelo MST, na

qual elas se reconhecem e são protagonistas do processo da luta pela terra no

Movimento.

15

O Núcleo de Base (NB) é uma instância de base, no MST, e todos os seus membros dos acampamentos

e assentamentos devem estar nucleados. O seu funcionamento orgânico se baseia na participação de um

homem e uma mulher na coordenação; ter o estudo como elemento formador; participar todas as famílias;

ter uma composição de 10 a 15 famílias, envolvendo representação dos setores; O Núcleo deverá ser um

espaço de discussões sobre as preocupações e questões que afetam tanto as famílias, como o conjunto do

MST. (Normas gerais do MST – texto interno). 16

Informação do www.mst.org.br - Os setores estão organizados: Frente de Massas; Produção,

Cooperação e Meio Ambiente; Educação; Comunicação; Gênero; Direitos Humanos; Saúde; Coletivo de

Juventude; Cultura; Relações Internacionais; Finanças e Projetos; 17

Disponível em: www.mst.org.br. Acesso em: 10/07/2015 às 17horas.

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1.1 Influências dos processos revolucionários na organização da infância Sem

Terra

Fonte: Carmem Diniz. Encontro dos Sem Terrinha Paraíba (2013).

A experiência da infância na pedagogia socialista18

e sua importância no

contexto do enfrentamento nos processos revolucionários na perspectiva de uma

formação contra-hegemônica foi uma das bases fundamentais para elaboração da

concepção de educação infantil e da organização dos Sem Terrinha no MST. Ela

também influenciou a elaboração da concepção de educação no MST, e a projeção da

luta pela reforma agrária popular na perspectiva de uma sociedade socialista, defendida

no VI Congresso do MST (2014).

Em linhas gerais, além da experiência cubana, a experiência soviética foi uma

das principais referências para o trabalho de formação e da educação e em especial das

crianças do MST. A luta internacional e os seus processos, que ocorreram em diferentes

países, foram certamente um referencial para a organização do MST, tendo a realidade e

necessidade concreta das famílias expropriadas da terra de se mobilizar e garantir a sua

sobrevivência lutando pelos seus direitos. O papel que o internacionalismo exerce para

o MST é, de certa forma, uma motivação dos seus quadros políticos que já tinham

vivenciado experiência em outros países, como afirma Kolling:

18

O MST na organização do Setor de Educação, e a base de construção da concepção de educação, teve

como referência o livro de Pistrak – Fundamentos da Escola do Trabalho. O pensamento de Anton

Makarenko e educação popular em Paulo Freire.

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Uma organização que tem, entre seus quadros fundadores, pessoas

com uma visão alargada, que já tenham vivido em outros países, que

falam espanhol, faz toda diferença. Aos poucos, os militantes que

voltam, retornam falando espanhol, tendo feito contato com gente de

10, 20, 30 países. Então o Egidio [Brunetto] conheceu gente de

muitos países, eu conheci, e outros tantos. Então, quando mais

adiante o MST foi ajudar na construção da CLOC19

, foi um

reencontro. O Egidio encontrou vários companheiros lá da ANPAP

ou de outras escolas. Então, claro que foi um berço, o Movimento

aprendeu o internacionalismo, incluindo o idioma, porque o idioma

faz muita diferença, a interlocução acontece com desenvoltura, é

outro patamar. Quando, a partir da crise do bloco socialista dos anos

de 1990, Cuba não teve mais condições de manter as escolas para as

organizações da América Latina, nós tivemos um vácuo de formação

de 1990 até 2000 e pouco. Agora, temos a ENFF, mas ela não tem

nem comparação com o conjunto de escolas que havia em Cuba, a

força que tinha um Estado, um Partido, mas ela é esse embrião, essa

retomada da formação, do intercâmbio, especialmente da América

Latina, e, agora está indo para além. E, às vezes, temos a impressão

que as organizações camponesas dos outros países perceberam

melhor o papel da ENFF do que o MST. Boa parte da militância do

MST, e mesmo dirigentes do Movimento não têm noção da

contribuição da Escola para aquilo que antigamente Cuba fazia e que

os outros países, enxergando no MST um pouco esse espaço, vêm pra

cá. É o argentino que se encontra com a Colômbia, que se encontra

com o mexicano, com a Venezuela, com a Bolívia... (KOLLING,

2015).

O Internacionalismo, para o MST, desde o seu processo inicial de formação,

mantém viva e acesa a chama do socialismo. E a Escola Nacional Florestan Fernandes

(ENFF) tem cumprido com a tarefa de trazer militantes de diferentes países para a

formação política e de quadros, reafirmando a possibilidade da organização política

internacional. A solidariedade internacional e o internacionalismo, para o MST, é a

afirmação da construção de uma sociedade tal como se apresenta no Manifesto do

Partido Comunista (MARX; ENGELS, ano): abolição da propriedade burguesa, da

propriedade privada, do individualismo, a supressão do Estado burguês e das ideias da

classe dominante que determina a política, a ideologia e a economia em função de seus

interesses particulares. A organização da Coordenadora Latino-americana de

Organizações do Campo (CLOC), da Via Campesina, entre outras, são frentes

importantes de combate contra o capital na agricultura internacional. A inspiração da

palavra de ordem de 1848 que continua atual - “trabalhadores de todo mundo, uni-

19

Coordinadora Latinoamericana de Organizaciones del Campo.

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vos!”- se fortalece cotidianamente no MST e nas organizações da Via Campesina com

novas consignas criadas: “Internacionalizemos a luta, internacionalizamos a

esperança!”.

Pontuarei algumas inspirações em destaque desses processos revolucionários

que levam a refletir e incidir coletivamente no trabalho de formação com as crianças

Sem Terra no Brasil. Elas movimentam práticas educativas de gerações de pessoas que

são protagonistas da luta da coletividade e que fazem o enfrentamento ao modelo

econômico, social e político, na ocupação do território por meio da luta pela terra, em

perspectiva da construção de uma sociedade socialista.

Na União Soviética, pós-revolução de 191720

, o processo da luta coletiva da

classe trabalhadora levou à alteração das bases sociais, econômicas, políticas e culturais

na direção da organização da sociedade que se prepara para a luta revolucionária e a

supressão do czarimo e enfretamento ao capitalista. E, no contexto de mudanças, a

educação foi um dos instrumentos importantes no processo de organização e formação

da classe trabalhadora.

Diferente de outros países da Europa, ao final do século XIX, a

Rússia não tinha realizado sua revolução burguesa, pode-se dizer que,

no referido período, havia um descompasso entre a Rússia e os países

capitalistas da Europa, que viviam sobre os auspícios do czarismo –

monarquia absoluta, na qual a nobreza detinha grandes privilégios em

contraste com a miséria dos camponeses e demais trabalhadores, a

grande maioria da população. Ao final do século XIX, a

industrialização da Rússia caminhava a passos lentos, porém algumas

cidades viviam um fluxo maior de urbanização e industrialização,

entre elas a capital do país, na ocasião São Petersburgo e Moscou.

[...] Os anos de 1918 a 1920 foram anos de Guerra Civil na Rússia,

período reconhecido como “Comunismo de Guerra” (1918-1920), que

consistiu em políticas desenvolvidas pelos bolcheviques para sufocar a

guerra civil e sanar problemas mais elementares da população como a

fome e as epidemias de doenças.

[...] Apesar das condições adversas a Revolução de Outubro, teve

muitos êxitos e consequências, dentre as quais, segundo Hobsbawm

(2008), inspira revolucionários e revoluções. Entre os anos de 1918-

1919, a classe trabalhadora de diversos países europeus lutavam

inspirados em Outubro, porém não logrando o mesmo êxito. O fim da

primeira guerra desarmou a explosão existente na Europa. No entanto,

o governo soviético esperava a disseminação da revolução e tinha

esperanças na revolução na Alemanha. (BAHNIUK, 2015, p.132-138-

139)

20

Para saber mais sobre o assunto: Freitas, Luiz Carlos. Escolas Comuna ; Luedemann, Cecília da

Silveira. Anton Makarenko. Vida e obra – a pedagogia da revolução. Goldman, Wendy. Mulher, Estado e

Revolução.

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A realidade da luta revolucionária na Rússia e as condições objetivas pós-

primeira guerra mundial, é uma realidade de fome, miséria, frio e perda de muitas

pessoas, em especial as crianças sem familiares, doentes à espera de comida e roupas

sob a responsabilidade do Estado em construção, como explica Goldman: “os lares de

crianças não suportavam o afluxo de novas crianças. Simplesmente não havia comida

suficiente”. (GOLDMAN, 2014, p. 109).

Na dura realidade de construção do país para dar condições de produção, cultura

e educação para a população, a experiência soviética iniciou a educação socialista com

escolas de experimentos demonstrativos, denominadas Escola-Comuna, entre 1918 e

1925, com práticas no âmbito da elaboração da nova pedagogia21

, a escola única do

trabalho,

A finalidade destas escolas era criar coletivamente, na prática e junto

às próprias dificuldades que a realidade educacional da época

impunha, a nova escola, guiada pelos princípios básicos da escola

única do trabalho postos na Deliberação da escola única do trabalho

de 1918, e no documento do NarKomPros22

– Princípios básicos da

escola única do trabalho – também de 1918. As Escolas-Comunas,

portanto, eram tidas como local de agregação de grandes e experientes

educadores que se dedicavam a criar as novas formas e conteúdos

escolares sob o socialismo nascente com a finalidade de transferir tais

conhecimentos para as escolas regulares, de massa. (FREITAS, 2009,

p. 13-14).

Moisey Mikhaylovich Pistrak (1888-1940) dirigiu a formação dos programas e

dos métodos de ensino que orientaram a proposta da Comissão Estadual Científica entre

1918 e 1923 (FREITAS, 2009). E essas experiências, em 1937, são encerradas e

integradas ao sistema regular de ensino do país.

Para o pedagogo Viktor Nikholaevich Shulgin (1894-1965), o trabalho

educativo, na perspectiva da pedagogia socialista, requer clareza no projeto educacional:

identificar a base do programa social, bem como o referencial de estudo, o trabalho

intencional com um plano do nível de participação. Nesse caso, a organização está

21

A nova escola socialista foi defendida N. K. Krupskaya na Deliberação da Escola Única do trabalho,

que na afirmação de Freitas (2009) é preciso diferenciar a palavra “comuna” da palavra “colônia”, pois

a colônia é uma denominação que existe antes do processo revolucionário de 1917. (FREITAS, 2009). 22

Comissariado Nacional da Educação, cuja abreviatura é NarKomPros. (FREITAS, 2009).

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voltada para a reconstrução do país e para a construção da Ditadura do Proletariado23

,

buscando romper com as formas de exploração de todos os tipos, dentre os quais o

trabalho com vistas a permitir que o ser humano se reconheça na sua produção e garanta

a sobrevivência do país. No caso das crianças soviéticas, para Shulgin (2013), a escola

tem o objetivo claro de ensinar a lutar e construir a vida socialista a partir da sua prática

coletiva e das questões da atualidade.

(...) as crianças sabem que na sua quadra falta uma dúzia de torneiras.

Escreveram um protocolo. Foram para o Conselho. Insistiram para ser

recebidas, ouvidas, insistiram para que as torneiras fossem entregues.

Isso foi na última primavera e, no verão, o Conselho cumpriu sua

promessa – as torneiras foram entregues. E os pioneiros marcham de

lenços vermelhos e sabem que essa é a sua tarefa, que isso eles

conseguiram, mas a obra é comum (SHULGIN, 2013, p.119).

A relação entre trabalho e estudo para as crianças está relacionada à junção do

trabalho intelectual e manual com a finalidade da apreensão do conhecimento nas suas

várias dimensões, sendo as principais categorias da pedagogia soviética: atualidade,

auto-organização e trabalho. Ou seja, as relações sociais fazem parte da vida material na

qual o conhecimento vai sendo humanamente apropriado e desenvolvido.

O Movimento Comunista dos Pioneiros24

, do ponto de vista pedagógico e

político, foi um dos espaços importantes na organização das crianças no país, pois,

como explica Shulgin, “temos que preparar as crianças para serem lutadoras e

construtoras da futura escola. E, por isso, não podemos nos afastar desde trabalho”

(SHULGIN, 2013, p. 120). O Movimento dos Pioneiros, na experiência Soviética, se torna

uma referência de organização infantojuvenil no processo revolucionário e que outros

países, a exemplo de Cuba, vivenciam essa prática com as crianças com objetivo de que

ela participe da construção da sociedade socialista.

23

Período de transição entre o capitalismo e comunismo, no qual ainda há divisão de classes, porém a

direção geral da sociedade é exercida pelo conjunto dos trabalhadores, a fim de eliminar os privilégios das

classes anteriormente dominantes, antes da revolução. 24

O Movimento de Pioneiros na União Soviética, composto por crianças e ligados ao Partido Comunista

ingressam no início da escola primária e continuam no Movimento até a adolescência, momento em que

podem se filiar à Juventude do Partido. A simbologia do Movimento é o lenço vermelho amarrado no

pescoço.

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Em Cuba, país referência para a organização da classe trabalhadora, logo

também para o MST, a luta e resistência do povo cubano foi um longo processo, contra

a ditadura de Batista (1940-1944 e 1952- 1959) e contra o domínio do imperialismo dos

Estados Unidos, período de extrema pobreza e analfabetismo, lutando por sua

independência sob comando de Fidel Castro. Lá, se realizou um longo processo de

ações revolucionárias contra o General Fulgêncio Batista, em 26 de julho de 1953, e

resultou, num primeiro momento, em fracasso com encarceramento e fuzilamento de

uma parte do grupo. Fidel Castro foi exilado no México e lá se encontrou com Ernesto

Che Guevara, e em uma noite de conversa, decidiu engajar-se no projeto político dos

caribenhos. No primeiro momento, como médico. Fidel Castro retorna a Cuba, em

1956, juntamente com o grupo revolucionário, fazendo enfrentamento com ações

revolucionárias, ainda sem vitórias. Escondidos em Sierra Maestra, o grupo de

guerrilheiros se organiza com camponeses, num exército popular, e volta reforçado a

atacar no dia primeiro de janeiro de 1959, ganham a batalha contra a ditadura de Batista,

com o apoio dos trabalhadores da cidade. Cuba estabelece o governo revolucionário,

porém com a participação de vários membros da burguesia. E Fidel Castro assume

como Primeiro Ministro do governo (GUEVARA, 1989).

A massa participou na Reforma Agrária e no difícil empenho da

administração das empresas estatais; passou pela experiência heroica

da Playa de Girón; forjou-se nas lutas contra as várias “bandas de

bandidos” armados pela CIA; viveu uma das definições mais

importantes dos tempos modernos na crise de outubro e continua hoje

trabalhando na construção do socialismo (GUEVARA, 1989, p. 25).

Cuba, como referência de um processo revolucionário com a tomada de poder

no dia primeiro de janeiro de 1959, e com a declaração da opção pelo socialismo em

1962, marca um extenso processo de trabalho na formação política e ideológica, na luta

contra o analfabetismo, na organização da produção e combate à fome no país, com a

formação das cooperativas.

A educação cubana como referência para a formação do trabalho com as

crianças do MST se destaca: os Círculos Infantis25

cubanos, que no MST são

25

Os Círculos Infantis cubanos são espaços para o desenvolvimento integral nos primeiros anos de vida.

Existe há mais de 50 anos. E o projeto “educa a tú hijo” foi desenvolvido para a população das regiões

rurais para garantir o acesso das famílias que vivem distantes e com o sucesso do programa, foi estendido

para a cidade. E Cuba tem em torno de 1.130 Círculos Infantis, atendendo mais de 154 mil crianças de

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representados pela Ciranda Infantil, e a Organização dos Pioneiros José Martí (OPJM)26

que representa as mobilizações e Jornadas dos Sem Terrinha, no Brasil. Esses processos

formativos e educativos cubanos da sociedade contribuíram para organização das

crianças Sem Terra no MST. Vale salientar que a diferença entre a experiência cubana e

a do MST tem um processo de luta que as diferencia. Uma, a cubana, está ligada à

tomada de poder do Estado na perspectiva socialista e a outra, do MST, movimento

popular e político, vivendo nos limites de uma sociedade antagônica.

A experiência cubana de sociedade, por conta do bloqueio e das influências

capitalistas, tem apresentado muitas contradições. Para o MST, Cuba é referência de um

povo que fez a revolução e conviveu até 2014 com “bloqueios”27

, com o

conservadorismo racista imposto pelo capitalismo estadunidense e, no entanto, é um

país que, com o pouco que tem, oferece inúmeros exemplos ao mundo de projeto social

e de suas prioridades em relação à educação, à saúde e à solidariedade internacional

entre os povos. Tem a simbologia de uma sociedade comprometida com o projeto

internacionalista. A educação cubana e a organização dos Pioneiros é uma das

referências para a organização das crianças do MST.

Outras inspirações28

são tomadas através das crianças do campo na América

Latina, junto às organizações e movimentos populares na luta pela terra e pela reforma

todo país. Disponível em: http://visite-cuba.blogspot.com.br/2013/06/bayamo-as-criancas-e-ludoteca.html

Acesso em: 16/12/2015,às 16h3. https://www.youtube.com/watch?v=_MCcxzLCUXI 26

A OPJM é formada por estudantes do primeiro ao nono ano da escola pública cubana. Esse espaço

organizativo das crianças elege e são eleitos representantes que têm como tarefa opinar, debater e

desenvolver-se. O V Congresso dos Pioneiros foi realizado em abril de 2011, com 300 delegados, num

“amplo debate desde as estruturas de base” e comemorou os 50 anos da OPJM, “meio século da

aplastante vitória sobre o imperialismo estadunidense”. Disponível

em: http://convencao2009.blogspot.com.br/2011/07/criancas-cubanas-bem-organizadas.html Acesso em:

16/12/2015 as 15h11, e

http://www.ecured.cu/Organizaci%C3%B3n_de_Pioneros_Jos%C3%A9_Mart%C3%AD 27

A Assembleia Geral da Organização das Nações Unidades (ONU) votou no dia 27 de outubro de 2015

contra o bloqueio econômico norte-americano contra Cuba, que ocorre desde 1962. “A nova resolução

pede o fim do bloqueio econômico, comercial e financeiro imposto a Cuba pelos Estados Unidos. Foi

aprovado por 191 países, e somente EUA e Israel foram contra. Foram 188 votos a favor, 2 contra e 3

abstenções. Foi aprovado o fim do bloqueio em Cuba. Disponível em:

http://nacoesunidas.org/assembleia-geral-da-onu-aprova-mais-uma-resolucao-condenando-bloqueio-dos-

eua-a-cuba/ Acesso em: 11 de dezembro de 2015, às 14h17. 28

Em março 1962, a Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) é fundada com o nome original de

Guerra Popular Prolongada (GPP), motivada pelo entusiasmo da vitória dos revolucionários cubanos.

(BARCELLOS, 1982). Em depoimento em seu livro Nicarágua a revolução das crianças, Caco Barcelos

nos apresenta o papel que o conjunto da sociedade exerce na luta e organização dos processos

revolucionários. E, nesse caso, as crianças como sujeito coletivo, participam da luta na revolução

sandinista por uma necessidade concreta. Lutar ou morrer. Barcelos nos apresenta o “exército das

crianças contra o tanque da guarda”. A média de idade das crianças rebeldes é de 11 anos, e Zapote, de 12

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agrária, devido às condições de extrema ausência do Estado pelos direitos básicos, a

educação das crianças dessas organizações são temas permanentes de debate e lutas

fundamentais que, com o avanço do capitalismo, acentua a luta contra-hegemônica.

Na Nicarágua, durante o seu processo revolucionário, iniciado com as ações

armadas pelo Frente Sandinista, em 1974, e concluído com a comemoração da vitória da

revolução nicaraguense, em 21 de julho de 1979, na praça da revolução, com mais de 50

mil pessoas, com os principais comandantes guerrilheiros, foi decretada a expropriação

de todos os bens de Somoza. (BARCELLOS, 1982, p. 146-147). As crianças sandinistas

tiveram uma forte presença na luta pela resistência e sobrevivência no país.

No México29

, a luta atual de resistência do Movimento Zapatista, organização

indígena e campesina, é referência para as crianças da América Latina, pois pensam a

sua produção agrícola e a educação das crianças num contexto marcado por

enfrentamento e guerrilha. A organização zapatista organiza a pedagogia para suas

escolas com princípios na organização comunitária e resistência civil como forma de

vida30

, tem uma proposta alternativa e educativa para o seu povo na luta contra o

capitalismo.

Na Guatemala, o Comitê de Unidade Campesina (CUC)31

, vinculado à Via

Campesina, organização que foi fundada em maio de 1978, num contexto de guerra

civil, trabalhadores camponeses e indígenas foram para as ruas apresentar suas

demandas com a palavra de ordem “Cabeça Clara, Coração Solidário e Punho

Combativo”. Desde a sua fundação, a luta pela terra segue permanente e as crianças

participam de todos os processos da organização.

No Brasil, não sendo diferentes da realidade de outros países latino-americanos,

as crianças Sem Terrinha participam no acampamento e no assentamento até os

anos, é comandante e líder de um grupo de meninos vinculado à organização do Movimento Sandinista.

Em tempos normais, esses meninos vão para escola, brincam, se apaixonam, andam de bicicleta. 29

No México, em Chiapas, o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), através da resistência ao

Estado, inspirados em Emiliano Zapata, defensor de uma reforma agrária radical, organiza a sua própria

forma social de conduzir o seu território. E a educação é autônoma, pois proporciona e garante que suas

crianças concebam outro projeto educacional nas suas escolas, ministradas pelos seus próprios

educadores, ou seja, “a educação tzeltal é uma combinação de vários elementos: os antepassados, os

pincipales, o calpulli, o clã, a família, o cotidiano rotineiro e o contraditório”, a realidade de luta e de

resistência através do trabalho para a sobrevivência e da guerrilha como forma de permanecer na terra

com certa autonomia. “Não se sentem como simples indivíduos, mas integrantes de um sujeito coletivo

que transcende tempo, pessoas e lugares” (BUENROSTRO y ARELLANO, 2002, p. 43-44). 30

Disponível em: http://anarquiacoronada.blogspot.com.es/2016/01/primera-escuela-zapatista-descarga-

sus.html?m=1 Acesso em: 07/02/2016. As 22h. 31

Disponível em: http://www.cuc.org.gt/es/ Acesso em: 20 de julho de 2015.

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diferentes espaços de luta e resistência desde a origem do MST. Movimentam-se na

luta, participando juntamente com seus pais e, ao mesmo tempo, provocam o MST na

organização da construção de espaços específicos para elas, como por exemplo: as

Jornadas dos Sem Terrinha e a Ciranda Infantil - principais espaços alternativos de

educação e ocupação e protagonismos das crianças.

Como ilustração, destacamos o VI Congresso Nacional do MST, realizado em

fevereiro de 2014, na cidade de Brasília, com a participação de aproximadamente 15 mil

delegados, dentre eles 700 crianças de 0 a 12 anos. As crianças participaram da Ciranda

Infantil, espaço importante e conquistado por elas, juntamente com as mães, pais e

educadores, denunciaram o descaso dos órgãos públicos que historicamente tem uma

relação de abandono e descaso com a educação brasileira do campo, como pode ser

comprovado diante da falta de acesso à educação infantil e do fechamento de 37 mil

escolas no campo nos últimos 12 anos.

Em 2011, O MST lançou a campanha “Fechar escola é crime!”, numa tentativa

de chamar a atenção da sociedade para a luta contra o fechamento das escolas, e

organizar a luta para essa questão. Nesse campo da denúncia, as crianças de diferentes

lugares do Brasil ocuparam o Ministério da Educação (MEC) no VI Congresso do MST

(2014), para denunciar a realidade social, econômica, cultural e principalmente histórica

do país, e reafirmar a importância da luta coletiva e do movimento organizado para o

questionamento da educação brasileira.

A palavra de ordem em destaque utilizada pelas crianças foi “O agronegócio

fecha as escolas do campo. Fechar escola é crime!”. A conquista dessa luta é

significativa no contexto conjuntural, pois, na sequência dessa ação, resultou a

aprovação da Lei 12.96032

, de 27 de março de 2014, que dificulta o fechamento de

escolas rurais e quilombolas, publicado no Diário Oficial, 28 de março de 2014. É mais

uma conquista que as crianças Sem Terra foram protagonistas. Se a lei se efetivará, de

fato, é outra história, depende da luta e da correlação de forças entre as classes. Vale

ressaltar que esse espaço (manifestação do MEC), foi importante para a formação do

conjunto do MST no VI Congresso. E podemos considerar que essa foi a atividade de

maior expressão no contexto da luta nessa ocasião, com intervenção das crianças.

32

Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2014-03/sancionada-lei-que-dificulta-

fechamento-de-escolas-rurais-e-quilombolas acesso as 19:38 Acesso em: 23 de julho de 2014.

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As intervenções de lutas da classe trabalhadora realizada internacionalmente,

citadas anteriormente, são bases para reflexões, na atualidade, sobre os processos

vinculados às organizações coletivas que envolveram o conjunto de pessoas que fizeram

o movimento acontecer e que expressam preocupação com o processo de formação das

crianças, seja no campo da luta, como na própria construção do projeto político

pedagógico do país.

Essas e outras experiências de luta dão significado ao MST e sua Pedagogia e

desafiam, mesmo que com os limites da sociedade de classe, a não perder a perspectiva

do coletivo, da luta da organização política e da dimensão de classe. Certamente, a

organização coletiva foi determinante para o processo de construção do projeto social e

organização da classe nas experiências dos países que fizeram revolução, como,

também, é fundamental para as organizações sociais que têm essa perspectiva em seu

horizonte. A educação é uma frente primordial para a revolução e que caminha junto ao

projeto social, sendo a construção da coletividade a essência principal desse processo, a

auto-organização e formação da classe para a sociedade socialista.

1.2. O MST e a Educação

A concepção de educação do MST foi forjada no seio da luta social pelos seus

sujeitos através das ocupações da terra, nas marchas, nas reivindicações por créditos,

educação, saúde, na construção dos assentamentos, na luta contra a criminalização dos

movimentos populares. A contradição com o capital surge da luta contra a propriedade

privada pela ocupação, desta decorre a necessidade concreta de fazer a luta contra a

escola burguesa, que nega espaço às crianças Sem Terra de acampamentos do MST

Nasce de uma necessidade coletiva, da negação da educação conservadora e apoiado às

bases teórico-metodológico da pedagogia socialista, da educação popular e, assim, a

Pedagogia do Movimento vai sendo gestada:

Começamos a construção do projeto pedagógico do MST pela escola,

mas nela iniciamos pelos objetivos formativos que nos remetem para

fora dela. Quando decidimos, no final da década de 1980, fazer o

debate sobre o que queremos com as escolas de assentamento (e

acampamentos), não iniciamos pelos objetivos da escola em si, mas

pelos objetivos de formação do sujeito concreto para as quais ela está

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sendo conquistada nas lutas do Movimento: afirmamos desde então

que é necessário formar militantes Sem Terra, continuadores da luta

pela terra e pela reforma agrária e mais amplamente das lutas coletivas

pela transformação da sociedade; e é necessário que esses militantes

sejam formados como trabalhadores capazes de dar conta dos desafios

da produção nas áreas conquistadas, mas de forma a exercitar/projetar

novas relações sociais e econômicas (propriedade coletiva da terra,

trabalho cooperado, construção de agrovilas comunitárias), que por

sua vez sejam formadoras para a perspectiva da luta maior.

(CALDART33

, 2015, p. 22-3)

Nos acampamentos do MST, lugar habitado por homens, mulheres, crianças,

jovens, adultos e idosos, se vive o sonho de ter um lugar de dignidade, conquistar a terra

para sua moradia e produção de alimentos, bem como ter acesso à educação e à saúde

pública. O processo de formação ocorre pela própria inserção na luta como por meio da

ocupação da terra, da organização do acampamento e assentamento e da relação com a

sociedade, como práticas formadoras e educativas dos sujeitos envolvidos na luta pela

terra forjando, então, na tese de Caldart (2000) a “Pedagogia do Movimento Sem

Terra”.

O processo de formação dos sem-terra do MST precisa ser

compreendido, ao meu ver, em duas dimensões combinadas. A

primeira dela diz respeito ao processo de formação dos sem-terra, que

é possível perceber na história do MST. Ou seja, é importante

entender o caminho percorrido pelos trabalhadores sem-terra que

retomaram as ocupações de terra no sul do Brasil, em 1979, e também

começaram o acampamento da Encruzilhada Natalino, no final de

1980, projetando uma ação de repercussão nacional decisiva para a

posterior criação do MST, até chegar ao Sem Terra de camisa branca e

boné vermelho com os símbolos do movimento, que, organizados em

imensas colunas, marcham desde os diversos Estados e ocupam

Brasília em 1997. A segunda dimensão do processo de formação dos

sem-terra é aquela onde se pode observar mais diretamente a

experiência humana de participar do MST ao longo desta trajetória

histórica mencionada. Observando mais atentamente a dinâmica

interna deste Movimento, é possível identificar algumas ações ou

vivências que, pela força de atuação sobre as pessoas que delas

participam, podem ser compreendidas como processos socioculturais

que possuem componentes educativos ou formadores decisivo na

constituição da identidade dos sem-terra do MST. (CALDART, 2000,

p. 64-5).

33

Roseli Salete Caldart, educadora militante do MST. Intelectual que defende a tese da Pedagogia do

Movimento Sem Terra.

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Nas duas dimensões da pedagogia do movimento, o processo de formação e o

jeito da participação no MST é no caminhar da ocupação do latifúndio da terra que vai

se configurando a identidade política de uma organização do campo e a forma de

organizar os coletivos a partir de sua base social (acampamento/assentamento) é que dá

vida e essência ao MST.

Com a desapropriação da terra, fase importante para a formação do

assentamento, o MST precisa dar resposta organizativa à luta inicial na organização

desses espaços. Nesse caminho, luta por formas alternativas de produção da vida

coletiva, luta por escolas nos seus territórios e outras práticas educativas, consideradas

alternativas como a organização da Ciranda Infantil e Jornada dos Sem Terrinha,

vivências que os coletivos do MST foram socializando e desenvolvendo práticas de

formação, educação e produção na base do Movimento em todo Brasil.

A criação do setor de educação no MST (1987),34

parte da necessidade de pensar

coletivamente uma educação contra-hegemônica para os acampamentos e

assentamentos. Num primeiro momento, enfatizando a luta por escolas nas áreas de

reforma agrária. O Boletim de Formação nº 1 descreveu, assim, como sugere seu título

“Como deve ser uma escola de assentamento” (1992). Esse material foi produzido a

partir de reflexões de um coletivo de educação desde a sua realidade concreta.

A escola passou então a ser requerida para ajudar nessa formação e

pela percepção (ou já pela análise) de que a escola conhecida não faz

isso, começamos a discutir sobre como construir, o que foi chamado

pelos educadores da época, de “uma escola diferente” que pudesse

cumprir com objetivos específicos a ela, mas relacionados a objetivos

formativos que vão para além dela e que consideram as necessidades

formativas dos sujeitos que compõem em cada tempo e lugar. Assim

se constitui a reflexão do MST sobre a necessidade e as possibilidades

de transformação da escola. Os conteúdos formativos que se pretendia

que a escola ajudasse a trabalhar não cabiam na forma institucional

dada (CALDART, 2015, p. 23).

Depois desse material, o Setor de Educação tomou para si a responsabilidade de

elaborá-los e ajudar o conjunto a refletir e a concretizar uma educação articulada aos

princípios do MST, produzindo um conjunto de materiais. Deste, destacaremos que a

34

O encontro Nacional de professores, realizado em julho de 1987 em São Mateus, Estados do Espírito

Santo, formalizou a criação do setor de educação no MST. Para saber mais, ver em Dicionário da

educação do Campo 2012, MST e Educação.

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partir dos debates e reflexões, o Coletivo Nacional de Educação35

elaborou o Caderno

de Educação nº 8 (1999), produção que sintetizou e reafirmou a concepção de educação

do MST através dos princípios filosóficos e pedagógicos, ampliando a compreensão na

coletividade sobre educação.

Os Princípios filosóficos dizem respeito a nossa visão de mundo,

nossas concepções mais gerais em relação à pessoa humana, à

sociedade, e ao que entendemos que seja educação. Remetem aos

objetivos mais estratégicos do trabalho educativo no MST.

Os princípios pedagógicos se referem ao jeito de fazer e pensar a

educação, para concretizar os próprios princípios filosóficos. Dizem

dos elementos que são essenciais e gerais na nossa proposta de

educação, incluindo especialmente a reflexão metodológica dos

processos educativos, chamando a atenção de que podem haver

práticas diferenciadas a partir dos mesmos princípios pedagógicos e

filosóficos. (MST, 1999, p. 4).

O Setor de Educação, com base na estrutura organizativa do MST, que está no momento

de fortalecimento do trabalho organizativo, elege matrizes que irão orientar os

assentamentos já conquistados, as ocupações de terra, os setores do movimento. Na

projeção da formação humana, as matrizes do trabalho socialmente útil que se propõe

em transformar as mentalidade da classe trabalhadora do campo, na relação campo e

cidade e na forma de organizada a vida do movimento nos acampamentos e

assentamento; da luta social como um princípio e alicerce da luta política que não se

encerra na conquista da luta, mas tem como horizonte a organização da luta coletiva

para as conquistas dos direitos sociais no campo e da supressão da concentração

fundiária; da cultura que é para além das expressões artística que o MST estimula em

sua base social, mas de uma interpretação da cultura como práxis social; da

história/memória como elemento importante na participação enquanto sujeito

construtor, responsável pelo destino da coletividade.

Os principais objetivos de orientação: a luta pela terra, a luta pela reforma

agrária e a luta pela transformação social (socialismo). As matrizes formadoras da

educação do MST, alicerçada aos objetivos gerais do MST, tem duas compreensões

como horizonte e trabalho educativo e formativo: a “Educação de classe e Educação

35

É instância nacional composta por representantes da militância da educação dos Estados, que são

indicadas pelas direções estaduais.

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massiva”, vinculada ao movimento social, com compreensão de mundo e ações

concretas, diante de práticas contra-hegemônicas. (MST, 1999).

O Setor de Educação teve suas influências pedagógicas, desde o seu processo inicial

de construção, da realidade da negação da escola capitalista para as crianças de

assentamento, a construção de uma pedagogia do movimento. As influências que foram

determinantes na construção da sua pedagogia no final da década de 1980, têm como

referência alguns pensadores russos,

Nossa primeira fonte principal de formulação pedagógica com os

primeiros educadores das escolas conquistadas, a luta pela terra, fonte

que na época esteve focado especialmente nas práticas dos pedagogos

do início da revolução russa de 1917, por meio da leitura de Pistrak,

Fundamentos da Escola do Trabalho, único livro dele disponível em

português, naquele período (CALDART, 2015, p. 23).

Outra influência importante para a construção da pedagogia do Movimento é a

Educação Popular. Com referência no educador Paulo Freire que, para além de se

preocupar com a educação do povo brasileiro, elaborou sobre a pedagogia do oprimido,

foi defensor do internacionalismo, tanto que ele tem mais referência nos países da

América Latina e do continente africano, do que no próprio país de origem. Paulo Freire

teve uma prática de educador militante junto com os oprimidos e no MST é considerado

um mestre da educação brasileira, tanto que foi homenageado, junto a Ernesto Che

Guevara, no I ENERA36

, e no V Congresso do MST quando foi dado seu nome à

Ciranda Infantil Nacional37

, em 2007.

Uma segunda fonte nessa formulação específica, mas no MST anterior

às discussões sobre a escola, foi a Pedagogia do Oprimido, de Paulo

Freire, e seus desdobramentos em determinadas práticas e reflexões da

educação popular. Em nosso caso, a influência veio junto com uma

vertente religiosa, dado o vínculo de vários militantes que começaram

o MST com práticas de organização popular através de Comunidades

Eclesiais de Base. Para nosso movimento de formulação pedagógica,

essa matriz nos forneceu elementos críticos à forma de escola baseada

em uma concepção “bancária” de educação, e a necessidade de

valorização da realidade vivida pelos sujeitos Sem Terra no trabalho

educativo. Mas talvez a maior inspiração tenha sido encontrar

36

Encontro Nacional dos Educadores e Educadoras da Reforma Agrária que se realizou em Luziania/GO

– 1997. (Boletim da Educação n° 12 - 2014). 37

A Ciranda Infantil do V Congresso do MST (2007), homenageou o educador Paulo Freire. Desde então,

a Ciranda Nacional das diferentes atividades nacionais chama-se Paulo Freire.

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argumentos para uma postura, ao mesmo tempo altiva e humilde, na

construção assumida, tendo como pressuposto o necessário

protagonismo dos trabalhadores, do povo, no processo de

transformação social: não vamos construir, sozinhos, nosso projeto

educativo, precisamos do diálogo com outros companheiros de projeto

histórico, mas queremos ser protagonistas dessa construção. A

pedagogia não é para o oprimido, mais sim do oprimido: e não é para

o MST e sim do MST (CALDART, 2015, p. 24).

A terceira fonte de construção do MST, na afirmação de Caldart, “foi o próprio

Movimento” que permitiu a reflexão da educação no seu território ocupado, das práticas

que foram sendo desenvolvidas pela materialidade das contradições capitalistas, da

necessidade do conhecimento e de conhecer o mundo, se reafirma sempre na frase de

José Martí “o conhecimento liberta”, e da vontade coletiva de vincular a sua prática

educativa à luta social.

Em nossas práticas, esse processo de desafio tem sido identificado

como implementação da “pedagogia do MST”, ou mais amplamente,

da Pedagogia do Movimento, que não deve ser entendida como uma

concepção particular de educação e de escola ou de uma tentativa de

criar uma nova corrente teórica pedagógica, mas sim como um jeito de

trabalhar com diferentes práticas e teorias da educação construída

historicamente desde os interesses sociais e políticos dos

trabalhadores, que tem a dinâmica do movimento (suas questões,

contradições, necessidades formativas de luta e do trabalho) como

referência para construir sínteses de concepções, igualmente

históricas, em movimento (CALDART, 2015, p. 25).

A concepção de educação do MST, afirmada pelos princípios filosóficos e

pedagógicos do Movimento, é orientadora da Pedagogia do Movimento, pois

“consideramos a educação uma das dimensões da formação, entendida tanto no sentido

amplo da formação humana, como no sentido mais restrito de formação de quadros para

a organização e pelo conjunto das lutas dos trabalhadores”, (MST, 1999), ou seja, a

pedagogia é o jeito que o MST vai organizar o fazer em movimento através da teoria e

da prática em ações concretas da vida real do assentamento e acampamento. E no

campo do trabalho pedagógico do Setor de Educação, que foi organizado por frentes de

atuação, a necessidade do fortalecimento da Educação de Jovens e Adultos (EJA), da

Escola e da Infância foi fundamental para a materialidade na educação da Pedagogia do

Movimento.

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A EJA foi organizada com objetivo de tornar os territórios do MST livres do

analfabetismo, com referência nas formulações de Paulo Freire, através da Educação

Popular, e nos últimos anos, incluindo também o método cubano “Yo si Puedo” que

vem sendo organizados em vários Estados. Assim, o MST organizou e mantém

campanhas de alfabetização de adultos, tendo presente que, na atualidade, 13,2 milhões

de brasileiros não tiveram acesso à escolarização, com a maior concentração do

analfabetismo no campo, considerando que uma grande parcela dessa população é

formada pelos jovens. A EJA é uma frente que não está nas prioridades dos grandes

debates da intelectualidade e muito menos das políticas governamentais, e, para o MST,

o programa ofertado pelo governo federal “Brasil Alfabetizado” não tem compromisso

com a educação daqueles que não tiveram acesso a ela até os dias de hoje. No processo

histórico da EJA, no contexto atual, a inclusão da juventude é resultado de

descontinuidade e descompromisso com a educação pública e gratuita no Brasil.

As ESCOLAS, frente que remete-se à luta por escola, a qual existe desde o

surgimento do MST. O Movimento defende a construção de escolas públicas nos

assentamentos e acampamentos38

, bem como da construção de uma proposta político-

pedagógico voltada para a realidade da classe trabalhadora. E, como experiência desse

processo, se realiza a construção coletiva de um projeto educativo na perspectiva

socialista nos espaços onde se tem possibilidade de garantir um quadro de professores

militantes compromissados com a transformação social.

O MST construiu uma concepção de escola a partir da educação socialista, e

como matriz formadora e organizadora dessa escola, a luta social como um dos

principais elementos forjadores da educação do movimento, o coletivo (dos educadores,

dos estudantes, a comunidade) como referência para a construção da pedagogia do

movimento, o trabalho como princípio educativo, e a mística em cultivar a o processo

histórico, reafirmado no presente a necessidade da organização política, projetando

como futuro – socialismo.

38

No caso dos acampamentos, a escola é chamada de Itinerante e os professores, principalmente dos anos

iniciais são do próprio acampamento. Ou seja, eles vivem no acampamento e concebem todo o processo

de luta juntamente com as crianças, jovens e adultos. A Escola Itinerante foi uma conquista que iniciou no

Rio Grande do Sul, em 1996, e, atualmente, a referência principal, no MST, está localizado no Estado do

Paraná.

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A Infância, frente que no início era chamada de Educação Infantil, pois atendia

crianças de 0 a 6 anos de idade nas Cirandas Infantis39

, ganha mais força a partir de

2007, com a realização do V Congresso do MST, em qual se organiza Escola e Ciranda

Infantil Paulo Freire, com mais de mil crianças de 0 a 12 anos. A frente organiza a

Ciranda Infantil nas diferentes atividades do MST: marchas, ocupações em órgãos

públicos, encontros, reuniões etc. A Ciranda Infantil foi um espaço construído para

garantir, inicialmente, a ampliação da participação da mulher na luta, no estudo e no

trabalho e, junto a esse processo, a Ciranda se torna um espaço principalmente da

criança que vai pra luta juntamente com sua mãe. Mas, recentemente, a frente têm

colocado como desafio refletir e repensar os espaços Escola, Creche, Centros de

Educação Infantil dos assentamentos do MST.

Também contribuiu na organização das jornadas dos Sem Terrinha, atividade

considerada tarefa do conjunto do MST, que desde 1994 vem organizando as

mobilizações. Outras ações da frente dizem respeito às publicações de comunicação

infantil que tem a intencionalidade de chegar até as escolas e outros espaços educativos

e de ser um material orientado para as crianças do MST.

A Formação de Educadores não é uma frente específica no MST, pois as três

frentes citadas acima, justamente pela necessidade de ter educadores comprometidos

com a educação dos filhos da classe trabalhadora, fazem a formação geral e específica

do coletivo de educadores. É neste processo que hoje muitas das escolas do MST têm

uma prática educativa, pelo processo de formação que foi feito ao longo dos 31 anos do

Movimento. Desde a criação do Magistério (nível médio), do curso de Pedagogia da

Terra (graduação), das formações de EJA – da infância – das escolas, dos cursos de pós-

graduação (especialização). Esses cursos de formação, em sua maioria são realizados

por meio de parcerias com as universidades públicas. Só foi possível a sua realização,

no caso dos cursos formais, através da luta e da conquista dos movimentos sociais do

campo com o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA.40

Reafirmando, no contexto atual, a relação internacionalista do MST na

educação, no início de 2016, uma brigada nove educadores, representando quatro

39

Para saber mais sobre esse assunto, ver “Educação Infantil. Movimento da vida, dança do aprender”.

Caderno de Educação n°12; ROSSETTO, Edna Araújo. Essa Ciranda não é Minha só, ela é de todos

nós: A educação das crianças Sem Terrinha no MST; Dicionário da educação do campo. As Cirandas

Infantis no MST; 40

O PRONERA foi criado “através das lutas dos Movimentos populares do campo”, em 1998, em defesa

de uma educação contra-hegemônica.

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Estados brasileiros, passaram 15 dias em Cuba, conhecendo e resgatando a mística da

educação e o sistema educacional em um dos países que tanto inspirou o MST. No

depoimento de Carvalho41

sobre a viagem, relata que:

Para nós, foi uma experiência muito rica, desde a chegada em Cuba

até os processos vivenciados, lá. Pelo fato de a gente estar em um

país com o sistema socialista, já nos deixa totalmente atentos a tudo.

Pelo País ter passado por um processo de revolução, ele também está

passando por um processo de mudanças e isso faz toda diferença.

Primeira impressão é choque, ao mesmo tempo (a gente já sabia),

mas vendo com os olhos é diferente, Cuba tem uma educação pública,

gratuita e de qualidade pra todos, não tem exceção, todos podem ter

acesso; segundo, todos podem ter uma saúde de qualidade, nenhum

analfabeto pelas ruas nos encontramos, porque Cuba, após o

primeiro triunfo da revolução, depois de 1959, fez a grande

campanha de alfabetização. Isso já deixa a gente muito

impressionada, com muita gana de vivenciar mais. Os 15 dias que

ficamos em Cuba não foi suficiente para saber como que funcionam

todos os detalhes do sistema educacional, teria que ficar mais três

meses. (CARVALHO, 2016).

O depoimento reafirma o quanto é forte a presença de Cuba na militância do

MST e que tem fortalecido a ideia de motivar os educadores das escolas de

assentamentos e acampamentos, e a militância como um todo, em conhecer as

experiências internacionais, em especial, a cubana.

As práticas educativas do MST estão em movimento. E são construídas pelos

próprios sujeitos Sem Terra a partir da necessidade concreta da vida humana. Os

estudos da educação popular, da educação socialista e da própria educação do

movimento permitem que o MST lute por outro tipo de escola desde a arquitetura, a sua

concepção, da luta pelo direito de ter acesso ao conhecimento produzido pela

humanidade, da criação do espaço da Ciranda Infantil para garantir que as crianças

desde pequenas estivessem num espaço organizativo e que as mulheres Sem Terra

pudessem ter a garantia que seus filhos estariam em um lugar de segurança e as

motivassem a estudar, trabalhar e contribuir na direção política da organização. A

educação do MST vai tencionando na construção de uma educação libertadora, porém

nos limites impostos pelo capitalismo.

41

Elisangela Carvalho é do Setor de Educação do MST e da Coordenação Nacional do MST pelo Rio de

Janeiro.

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1.3. A Infância no MST

Como mencionada anteriormente, a luta das crianças faz parte da luta do

conjunto do MST, da materialidade concreta da vida da classe trabalhadora que não tem

trabalho, não tem terra, e nem acesso aos direitos básicos se não lutar. As crianças da

classe trabalhadora convivem com os diferentes tipos de violência no Estado capitalista.

Os Sem Terrinha convivem com a violência desde o momento que seus pais não têm o

trabalho, moradia e condições mínimas de sobrevivência, e por serem filhas da classe

trabalhadora, vinculada ao movimento popular, desde pequenas lutam. A criança está

presente no MST desde a sua origem, acompanha sua família desde as primeiras

ocupações de terra.

O reconhecimento dessa relação conjunta exige que a investigação

sobre a criança tome como ponto de partida sua materialidade, neste

caso, requer a compreensão das relações sociais de seu contexto

marcado na luta pela terra e vinculado a um Movimento que tem como

estratégia política a transformação radical da sociedade. É necessário,

portanto, estabelecer nexos e relações que contemplem tanto a criança

como o grupo social (o Movimento, classe trabalhadora) ao qual

pertence, considerando que a criança não está separada da vida

material e, portanto, ela é parte constitutiva da construção histórica do

Movimento (RAMOS, 2013, p. 18-19).

E, por isso, a criança não está fora desse processo produtivo e educativo do

MST. Desde o surgimento do Movimento, ela participa da luta. Ao pertencer à luta pela

terra com a sua família, a criança passa a colocar, no horizonte, a terra como lugar de

produção e vivência-morada, permitindo que se identifique e se reconheça nesse

território ocupado. Os Sem Terrinha42

participam e contribuem com o processo

organizativo das famílias acampadas ou assentadas desde o seu espaço educativo

infantil até o espaço do conjunto do acampamento e assentamento.

A presença da criança Sem Terra nas lutas sociais contemporâneas

retrata a resistência ao projeto da modernidade, em dois sentidos:

primeiro, no que concerne a negação a uma humanidade degradada,

tanto em relação aos seus direitos mais elementares (comida, moradia,

saúde, educação, cidadania etc.), como em relação aos valores

42

Sem Terrinha é o nome pelo qual elas se reconhecem como identidade política e que, em 1996, no

Encontro Estadual Infantojuvenil de São Paulo, cujo lema fez referência à identificação do nome.

“Reforma Agrária, Uma luta de todos e dos Sem Terrinha também”. Mais informações no terceiro

capítulo.

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humanistas que a idade da razão propagada por sua ideologia, mas que

não as condições objetivas de vivê-lo (ARENHART, 2007, p.44).

A ocupação do latifúndio da terra, como espaço físico, ganha forma através da

organização da luta camponesa, a qual questiona a estrutura fundiária no Brasil,

exigindo realização da reforma agrária. É nesse contexto que o MST ocupa a terra,

obtém conquistas por meio de sua luta, desenvolvendo um território que vai sendo

demarcado com as suas linhas políticas na luta pelo direito à terra e à reforma agrária.

Com a conquista do assentamento, o MST busca enfrentar as contradições e as

carências. Ou seja, mesmo com a conquista da terra é necessário lutar por políticas:

agrícola, educacional, entre outras, que reafirma a necessidade de continuar lutando,

pois no sistema capitalista a luta da classe trabalhadora é permanente. E a luta também

se dá no campo da produção agrícola: a Agricultura Camponesa43

vem perdendo cada

vez mais território para o Agronegócio, que desenvolve a monocultura da cana, do

eucalipto e da soja, entre outros monocultivos, pois a política governamental tem

priorizado a agricultura de mercado, tornando o campo espaço de desertificação.

A luta pela ocupação da terra, como processo coletivo para a formação do

indivíduo, se fortalece numa relação de projeto de classe, permitindo sair da esfera do

privado, do monocultivo da terra; embora não supere as relações capitalistas, permite

em alguma medida questioná-las. Mas a produção coletiva, a reflexão-ação, a avaliação

e o protagonismo, como processo, reafirmam a possibilidade e a importância de um

fazer educativo das pessoas inseridas na luta.

Nas vivências cotidianas do assentamento, é visível que o coletivo tem mais

acesso e mais força para reivindicar, para adquirir bens e fazer ações sociais. O tempo

livre do coletivo é maior para contribuir com outros grupos sociais, para estudar, para

socializar a experiência e fazer ações na própria comunidade. Podemos dizer que a vida

coletiva forja a identidade das crianças Sem Terra através da luta, elemento fundamental

na construção de uma sociedade mais humana, solidária e coletiva.

No caminho percorrido pelo MST, nesses 31 anos de existência, em relação ao

trabalho educativo com as crianças, levantamos as seguintes questões:

43

Nome utilizado pelos camponeses e camponesas da Via Campesina como identidade de um projeto da

classe trabalhadora, o qual se diferencia do projeto da agricultura de negócio oferecida pelo sistema

capitalista.

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- As suas atividades educativas têm proporcionado para as crianças ações contra-

hegemônicas no combate à indústria cultural?

- Na relação do trabalho como princípio educativo, tem desenvolvido a formação

humana nas crianças?

Reconhecemos que crianças dos assentamentos e acampamentos da Reforma

Agrária, vinculadas ao MST, possuem uma infância forjada nas condições concretas da

vida, no imaginário coletivo e na cultura de seu grupo social. Presentes em todas as

fases da luta pela terra, as crianças são compreendidas como protagonistas e

construtoras, junto com adultos, e, por essa razão, as ações da luta pela terra, por escola

no seu cotidiano, na sociedade de classes cujo poder dominante exige civilidade na

sociedade, questionar e lutar contrário à ideologia dominante é uma forma contra-

hegemônica e de resistência que no MST, ocorre desde a infância.

As crianças Sem Terra participam da vida do Movimento e vivem a coletividade

e a auto-organização no seu processo de formação. A referência do trabalho, em que as

relações são ditadas pelo capital, no caso da organização do MST, o sentido do trabalho

está ligado com a vida, com as relações humanas e não mercadológicas.

Para que as crianças fossem percebidas no MST, as práticas educativas foram

determinantes para o processo. Destacamos, nesta trajetória, a Ciranda Infantil,

realizada em 2005, na marcha nacional44

do MST, que provocou um questionamento

dos principais dirigentes nacionais em perguntar:

- Como estão “sendo cuidadas a nossas crianças”?

- Qual o lugar reservado para a infância no MST?

Questões colocadas ao MST para reflexão. Outras questões também se colocam,

como por exemplo:

- Qual o lugar da infância Sem Terra?

Esses questionamentos foram provocados através de textos internos, trazendo

uma reflexão coletiva do setor de educação sobre a infância nos acampamentos e

assentamentos para a direção e coordenação nacional do Movimento, resultando no 1º

Seminário Nacional sobre a Infância do MST, em 2007, na Escola Nacional Florestan

Fernandes.

44

Marcha Nacional de Goiânia a Brasília, algumas crianças apareceram com hematomas na Ciranda

Infantil, provocando um profundo debate nacional sobre a infância no MST. Esse aspecto fez com que o

MST produzisse o Caderno de Trabalho de Base n°1 (2011) para o debate com a sua base social, sobre a

infância.

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1.3.1 Os instrumentos de luta da infância Sem Terra

No trabalho com as crianças, as práticas educativas e formativas que considero

instrumentos políticos de educação da infância Sem Terra, demarcam a ocupação da

infância no MST e que surge da negação da relação da institucionalidade da escola

burguesa, que nega a existência desse sujeito criança. A Ciranda Infantil e a Jornada dos

Sem Terrinha, conquistas das crianças nas últimas duas décadas, as quais se tornaram

referência no processo de organização das crianças Sem Terra e da luta contra-

hegemônica, vem influenciando outras organizações da Via Campesina, no Brasil e

internacionalmente.

a) A Jornada dos Sem Terrinha: organização e mobilização infantil

Em outubro de 1994, no período que se comemora o dia da criança, no Rio

Grande do Sul, o MST realizou a primeira mobilização infantil com crianças das escolas

de assentamento e professores, naquele momento chamado de Congresso Infantojuvenil.

Essa atividade ocorreu no período de aprovação do Estatuto da Criança e do

Adolescente (ECA), em 13 de julho de 1990, com a Lei 8069: “Crianças e adolescentes

do MST, ao estudarem nas escolas seus direitos, percebem a grande distância que existe

entre o que diz a Lei e o que vivenciam na realidade concreta. Descobrem que é preciso

mobilizar...” (MST, 1999, p.33). O encontro é demarcado através da revindicação de

audiências com o governador e a Secretaria de Educação para colocar a pauta

organizada com as crianças. Nos anos seguintes, a jornada ganha força e crianças e

adolescentes do MST lançam uma carta para as crianças da sociedade, contextualizando

a realidade da vida e a luta das crianças pela reforma agrária. A jornada se consolida no

MST, como uma forma de luta que acontece todos os anos nos Estados onde o MST

atua. Essa temática será abordada mais detalhadamente, no terceiro capítulo.

b) Ciranda Infantil

A partir da experiência dos Círculos Infantis cubanos, na década de 1990, o

Movimento pauta a construção de espaço educativo para as crianças pequenas, que em

1997 vai se chamar Ciranda Infantil, com a ação realizada no I Encontro Nacional dos

Educadores e Educadoras da Reforma Agrária (ENERA). 45

45

Em 2015, foi realizado o II ENERA em Luziânia/GO. A Ciranda Infantil Paulo Freire comemorou 18

anos de existência no MST.

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O que chamava atenção pra gente, lá em Cuba, era a ideia dos

Círculos e pra cá trazer como Ciranda, porque digamos ciranda é

uma coisa que está dentro da idiossincrasia da cultura brasileira. Nós

tínhamos a discussão de chamar de círculo. Porque a CPA ficou CPA

mesmo. Mas daí no diálogo do setor, avaliamos que aqui combina

melhor a ciranda que é uma palavra bem mais próxima da gente do

que círculo. Aqui tinha círculo bíblico, então o nome foi isso, foi

engatar numa ação que já existia no Brasil, feita pelas crianças e até

tem canções do Chico que trabalha muito bem essa ideia de ciranda

como espaço lúdico de vivências entre os pares com diferentes idades,

da dimensão do cuidado e assim por diante. Isso em relação ao nome

(KOLLING, 2015).

Caldart (2000) afirma, em sua tese, que outras experiências foram

experimentadas no cuidado com as crianças por uma necessidade objetiva, que se

referia à organização do assentamento, o processo produtivo que envolvia as mulheres e

a não oferta pelo sistema público de um espaço educativo para a educação infantil. O

MST organizou espaços de formação de educadores que passaram a discutir o projeto

pedagógico deste espaço e nas reflexões consideraram o nome creche não adequado ao

propósito educativo das crianças Sem Terra, pois considera a creche um “depósito de

criança”, pelo seu objetivo de criação. E é nesse contexto que o nome Ciranda vai sendo

gestado no MST.

Iniciativas com essa faixa etária já existiram desde os primeiros

acampamentos (afinal elas estavam lá!). Nos assentamentos que

passaram a discutir processos alternativos de organização de produção

e que incluíam a participação das mulheres, também começaram a ser

criadas novas formas de cuidar das crianças, sendo rodízio de mães e

as creches improvisadas em uma das casas talvez o embrião do que

viriam a ser depois as cirandas infantis do movimento. Foi já no andar

da década de 1990 que essa dimensão também veio a ser considerada

como tarefa do setor de educação. (...) No desafio de inventar outro

nome, certamente influiu a experiência cubana dos círculos infantis, já

conhecido de alguns membros do setor de educação. Logo veio então

o batismo: cirandas infantis, nomeando esse esforço de educar as

crianças pequenas segundo princípios que estava explícitos na

expressão ciranda, e que associam com igualdade, solidariedade,

brincadeira e muita alegria. (CALDART, 2000, p. 270).

A Ciranda é um espaço educativo para as crianças e seu funcionamento nos

assentamentos e acampamento, quando permanente, constituem-se a partir de uma

necessidade coletiva, seja nas cooperativas que conseguem dispor da liberação de

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educadores para o trabalho com as crianças, nos Centros de Formação nos Estados, nas

cooperativas nos Coletivos de Mulheres, no Instituto de Educação Josué de Castro e na

Escola Nacional Florestan Fernandes. A Ciranda Infantil Itinerante se realiza nos

espaços de reuniões locais, estaduais e nacionais, congressos, encontros, marchas e

outros, de caráter pontual.

[...] o coletivo infantil é uma construção conjunta da qual participam

crianças, educadores e educadoras, com a Ciranda Infantil

constituindo uma referência para as crianças, pois possibilita a sua

participação na luta pela terra. A Ciranda se configura como espaço de

resistência e reafirmação da identidade tanto de Sem Terra, quanto de

ser criança. (ROSSETTO & SILVA. 2012 p. 125).

Esse espaço, desde então, tem proporcionado a participação efetiva das mulheres

nos diferentes processos da luta, proporcionando que a criança Sem Terra esteja

presente junto com a sua família e tenha uma formação infantil a partir do contexto da

luta do movimento popular. A Ciranda Infantil é um espaço que proporciona a criança

enxergar e chegar longe. No VI Congresso de 2014, a Sem Terrinha do Estado de

Alagoas, no relato da Educadora do setor conta que:

No início de 2014, a Sem Terrinha, então com 10 anos participou da

Ciranda Paulo Freire no VI Congresso Nacional do MST em

Brasília, havia ido com sua avó e era aquela sua primeira vez na

ciranda. No acampamento Patativa do Assaré, no município de

Maragogi, Alagoas, onde mora não havia Ciranda, mas havia

muitas crianças e não tinham pessoas formadas ou dispostas a

realizar as atividades com as crianças, havia sempre alguma

dificuldade. A vivência na Ciranda do Congresso foi tão

significativa e intensa que, ao retornar ao acampamento, a Sem

Terrinha levou junto na bagagem todas as músicas aprendidas,

palavras de ordem, além de um repertório pedagógico de atividades

que seguia o roteiro aprendido na prática a partir da experiência

com os(as) educadores(as). Assim, quando chegou ao acampamento,

tratou de organizar a Ciranda: arrumou o espaço no barraco e

convocou as crianças e logo iniciou com uma roda de conversa,

palavras de ordem e leitura de uma revista Sem Terrinha que havia

ganhado na Ciranda Paulo Freire. Repetia, ainda no limiar entre o

ser criança e ser educadora, todos os passos da rotina da Ciranda.

Fui ter conhecimento destes fatos quando a Sem Terrinha solicitou

que um adulto me ligasse solicitando materiais, livros e CDs para

que ela pudesse utilizar na Ciranda. As atividades passaram a ser

regulares, naquele período, vez em quando recebia alguma notícia

das brincadeiras e atividades da mais nova Ciranda do

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Acampamento.O fato chamou atenção, tanto pela apropriação da

Sem Terrinha sobre a Ciranda quanto pela necessidade que ela

sentiu a partir de sua vivência de ter um espaço voltado para as

crianças no acampamento, inclusive para ela mesma. O que vinha

sendo tão difícil de ser desenvolvido pelos adultos, foi rapidamente

solucionado por ela, pela autonomia construída na experiência do

Congresso e a necessidade sentida. Encontrei a Sem Terrinha

participando de outras Cirandas nestes dois anos, Encontro

Estadual e mobilizações. O último lugar em que nos encontramos foi

então no Encontro Estadual da Juventude Sem Terra de Alagoas, em

novembro de 2015. Surpreendi-me pela rapidez com que o tempo

passa, mas também por como os espaços da infância são

importantes na formação dos sujeitos, como aquela menina era

"jovem" e ajudava a organizar agora a juventude do

acampamento.(POMÉ46

, 2015).

A prática do trabalho com as crianças Sem Terra na Ciranda Infantil, além de

influenciá-las nas suas localidades, passou também a influenciar movimentos da Via

Campesina, no Brasil e internacionalmente. No Brasil, o Movimento dos Atingidos por

Barragens (MAB), o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e a Pastoral da

Juventude Rural (PJR), nas suas atividades estaduais e nacionais, têm garantido esse

espaço para suas crianças, como também é visível a maior participação das mulheres na

luta, estudando e se organizando. Em nível internacional, o Movimento Nacional

Campesino Indígena (MNCI)47

, na Argentina, a partir da referência do MST, já

realizaram o ‘Congresito de los Niños’, fazem um trabalho educativo com as crianças

nas periferias de Buenos Aires e que tem apresentado uma possibilidade de formação

com as famílias das crianças, para a organização infantil, com a constituição no país de

um coletivo de educadores que vem trabalhando nas diferentes atividades dessa

organização. Na última atividade da Coordenação Latino-americana de Organização do

Campo (CLOC), em 2015, os educadores do MNCI garantiram a organização do

Congresito de los Niños na atividade internacional. Temos notícias que a experiência da

Ciranda do MST, no Brasil, tem contribuído na organização de ações junto aos

movimentos sociais campesinos: com as crianças na Guatemala, com as crianças

Guarani no Paraguai, as conferências internacionais e a Cúpula dos Povos. Todas elas

46

Luana Pommé, do Coletivo nacional de Educação no Estado de Alagoas. 47

Informação obtida na visita a Buenos Aires, em 2010, e conversações com educadores do Movimento

Campesino em 2014 e 2015.

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tiveram a organização da Ciranda Infantil organizada pelo MST ou com referência na

organização do MST.

A Ciranda Infantil, desde a sua origem, foi organizada nos cursos formais em

parceria com universidades, com os cursos de EJA, graduação, especialização e

mestrado, na compreensão de que para as mulheres participarem dos estudos é

necessário o espaço da Ciranda Infantil. E, nesse processo de efetivar um curso para os

sujeitos do campo, a Ciranda é determinante. Além de ser um espaço de cuidados para

as crianças, é educativo na medida em que participam nas diferentes atividades das

organizações. E também é educativo, porque a luta pela escola e pela terra se colocam

nessas revindicações.

A Ciranda do VI Congresso do MST, em 2014, como mencionamos

anteriormente foi o lugar de brincar, jogar, conspirar, cantar e lutar. É desse lugar que

mais de 700 crianças de 0 a 12 anos, juntamente com mães e educadores, ocuparam o

ministério da Educação (MEC). As crianças ocuparam não para negociar, mas para

denunciar o descaso com a educação do campo e o fechamento das mais de 37 mil

escolas do campo no Brasil.

A Ciranda Infantil tem proporcionado um espaço de debate, de brincadeiras e

também de luta, segundo o lema que foi pautado pelas crianças na ocupação do MEC

para o conjunto do MST: “o agronegócio fecha escola do campo e fechar escola é

crime!”.

1.32 A ocupação do universo infantil na Comunicação e Cultura do MST48

As reflexões do MST sobre a criança, no seu processo histórico de constituição,

estavam voltadas às práticas educativas na perspectiva da educação socialista, marcada

pela pouca presença de produções de formação político-pedagógica. Por conta disso, ao

longo da existência do Movimento, foram produzidos alguns materiais como fitas K7,

CDs, livretos de cantigas infantis e literaturas. O que levou o MST a organizar essas

produções foi a realidade vivida nos acampamentos e assentamentos e a necessidade de

instrumentos de comunicação nesses e entre esses contextos. Além disso, a falta de

acesso a materiais que dialogassem com o próprio Movimento fez com que ele, por

48

Esse tópico teve como referência meu trabalho monográfico do curso de Especialização em Trabalho,

Educação e Movimentos Sociais (2013), intitulado A significação da Infância em documentos do

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, na qual realizamos um levantamento da produção do

MST relacionadas à infância.

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meio do coletivo nacional de educação, experimentasse o exercício de produzir

coletivamente literaturas, canções infantis, reflexões sobre os processos educativos.

(RAMOS, 2013).

A produção coletiva dos materiais do setor de educação do MST certamente são

experiências que se fortaleceram com a visita a Cuba, iniciada em 1988, e

posteriormente no ano de 1995, pois, segundo Kolling, um grupo de educadoras e

educadores passaram alguns meses vivenciando e estudando num intercâmbio de

solidariedade internacionalista, conhecendo as práticas de educação em Cuba.

Daí, em 1995, eles fazem a Pedagogia nos anos ímpares, é um

Congresso, um evento internacional, que junta mais de 5 mil pessoas

e eles tem um know-how de fazer eventos, porque eles têm o Estado à

disposição, tem grandes teatros que cabem 5 mil pessoas, tem a

mística, todo mundo quer ir pra lá. Então, os argentinos, [a Argentina

era] o país que mais ia [educador], mas o Brasil também. Então em

1995, nós fomos pra lá, fomos uma delegação, foi a Lucia Camini, a

Roseli e eu.

Ficamos, além da semana do evento, ficamos mais uma

semana. Aí o foco foi conhecer. Fomos visitar escolas, fomos visitar

centro de educação infantil, e fomos conhecer com mais profundidade

a casa do José Martí, trouxemos um monte de texto etc...

Então, é nesse período que a gente fez o Boletim Escola

Trabalho e Cooperação, lá do Makarenko, a gente trouxe vários

livros do Jose Martí. Fizemos uma publicação que a gente ajudou

organizar sobre o pensamento e obra de José Martí. E a gente trouxe

com força essa ideia bem conhecida. O Rio Grande tinha feito o Sem

Terrinha, outro Estado começou a organizar a Ciranda, mas lá era o

Círculo Infantil... Muitos [de nós] já tínhamos visto quando fomos

estudar e então essa delegação que foi lá teve a oportunidade de

conhecer in loco o Círculo Infantil, o espaço dos Pioneiros, a

organização dos trabalhadores em geral. (KOLLING, 2015).

A socialização dessa experiência desencadeou ações concretas no conjunto da

organização, coordenada pelo Setor de Educação Nacional, resultando no Curso

Nacional de Pedagogia, realizado em Belo Horizonte, em 1994. Este curso contou com

várias oficinas de produções de arte e literatura para as frentes de Educação de Jovens e

Adultos (EJA), Educação Infantil e Educação Fundamental. Essas oficinas tiveram o

objetivo de fazer produções coletivas para as diferentes idades49

(RAMOS, 2013).

49

Informação obtida por meio de conversa com o Coordenador do Setor de Educação Nacional, Edgar

Kolling, São Paulo, 22 de março de 2013.

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a) As Canções infantis: Uma das linguagens bastante utilizadas no processo de

comunicação e cultura do MST está registrada na primeira Fita K7, nomeada

‘Plantando Ciranda’, resultado de um trabalho coletivo realizado na oficina de

educação para produções de músicas infantis e literaturas, que aconteceu em 1994. A

segunda versão desse processo de musicalização infantil, agora em formato CD,

Plantando Ciranda 2, foi produzido em 1998, com composições de caráter individual e

com a participação de artistas amigos do MST. As canções se apresentam em uma

linguagem infantil e trazem, como elementos fundamentais: os animais, a floresta, a

terra, a brincadeira. A terceira produção musical da infância foi o CD Plantando

Ciranda 3, produzido em 2014, que contou com o Fazer Com as Crianças desde a

elaboração das músicas, da melodia à gravação do próprio CD.

b) As Literaturas Infantis: As primeiras produções de literatura para a infância datam

de 1994 e têm como principal temática os conteúdos relativos à história do Brasil.

Foram produções direcionadas para as escolas por conta da realidade de escassez deste

tipo de material e da necessidade dos Sem Terrinha terem acesso à literatura, nos

acampamentos e assentamentos, bem como para o trabalho pedagógico desenvolvidos

com as crianças em seus diferentes espaços. Através do setor de educação, foram

organizadas algumas coleções como Fazendo Escola; Fazendo História; Caderno de

Educação; e Boletim de Educação. Produções da coleção Fazendo História, por

exemplo, são compostas por seis livros destinados às crianças dos acampamentos e

assentamentos.

A partir do V Congresso Nacional do MST (2007) e do 1° Seminário Nacional

sobre a Infância (2007), os setores de Cultura, Comunicação e Educação têm produzido,

nos últimos oito anos, um material específico para as crianças. O primeiro material de

caráter coletivo foi o Jornal das Crianças Sem Terrinha, publicado em outubro de 2007.

No ano seguinte, as edições foram incorporadas como encarte ao Jornal Sem Terra¸ de

periodicidade mensal, e passaram a contar com um planejamento temático com

objetivos de ser não somente para, mas também das crianças. O Jornal das Crianças

Sem Terrinha é uma novidade em um movimento camponês por ter encarado o desafio

de escrever para crianças e adultos.50

50

O Jornal das Crianças Sem Terrinha, por ter uma linguagem acessível, em alguns acampamentos vem

sendo trabalhado na formação, como também para contar a história do MST de forma mais objetiva para

as visitas internacionais que passam pela secretaria nacional.

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Outro material produzido pelo MST, direcionado às crianças, é a Revista Sem

Terrinha. Em 2009, foi publicada a 1ª edição, com o objetivo de ser uma produção

voltada para as crianças, com uma periodicidade anual. Trata-se de uma produção, de

orientação para os encontros dos Sem Terrinha e sua publicação ocorre entre

setembro/outubro, atualmente na sua 8ª edição, que procura trazer a história, contada de

forma crítica, dos movimentos sociais do Brasil e dos outros países, por meio da arte,

das brincadeiras e de jogos, com a intenção de garantir que as escolas tenham acesso à

revista como também aos diferentes espaços educativos das crianças do MST.51

Nesse movimento da comunicação infantil, foi organizado também, na página de

internet do MST, o link dos Sem Terrinha52

que permite acesso às produções infantis.

A infância no MST tem a sua particularidade de ter o Setor de Educação que

pauta questões relevantes para o conjunto do MST. E a Frente da Infância vai ganhando

espaço de debate, pontuando questões da realidade conjuntural, provocando os

diferentes setores do MST em se manifestar sobre “a criança no desenvolvimento do

sistema capitalista e Brasil”. A exemplo do II seminário Nacional da Infância Sem

Terra, realizado em 2014, que colocou os seguintes desafios: a formação da base social;

infância, intersetorialidade e organicidade geral; formação de educadores; inserção da

juventude nas tarefas da infância; relação de gênero; violência; política pública;

princípios educativos do trabalho; agroecologia e alimentos saudáveis; infância do

campo; infância, comunicação relação com a sociedade; cultura. (MST, 2014, p. 128-

130)

Ao longo das últimas três décadas, o MST ocupou o latifúndio da terra, resistiu à

expropriação do capital,à propriedade privada e à concentração fundiária, reelaborou e

aprovou, em 2014, o seu programa agrário, elencando oito objetivos às lutas do próximo

período, tendo como pauta central as mudanças estruturais: a Terra “dever estar sob

controle social”; os Bens da natureza, como a “água e as florestas nativas” são bens

naturais e não deve ser tratados como mercadorias; as Sementes não devem ser de

“propriedade privada” ou de controle econômico”; a Produção, ser de controle dos

trabalhadores, “abolição da exploração, a opressão e a alienação”; a Energia, lutar pela

“soberania popular em cada comunidade”; a Educação e Cultura “o conhecimento deve

ser um processo de conscientização, libertação e de permanente elevação cultural de

51

Em anexo, ver síntese da produção de materiais Sobre, Para e Com a Infância do MST. Monografia de

conclusão de Curso – Márcia Mara Ramos. 52

link http://antigo.mst.org.br/semterrinha

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todos e todas que vivem no campo”; ter todos os Direitos Sociais “previdenciário, e

trabalhistas garantidos”, o “combate à alienação”, “condições digna e jornadas

adequadas” “combate ao trabalho escravo e expropriação de todas as fazendas e

empresas que fazem uso dessa prática” e combater todas as formas de violência contra

as mulheres e as crianças”; e, as Condições de vida para todos e todas, “o campo deve

se constituir num local bom de viver, onde as pessoas tenham direitos, oportunidades e

condições de vida digna”. (MST, 2014, p.35-36-37).

A prática educativa desenvolvida pelo MST, no contexto do trabalho de

formação com as crianças Sem Terra, vinculadas à luta pela terra, desde a origem do

MST, tem a presença da luta internacionalista, de uma pedagogia em construção e

movimento que forja no seu processo educativo a realidade concreta da vida das

crianças que vão ocupando espaços que foram construídos como alternativas de

resistência à pedagogia burguesa. A disputa da educação política da infância, filha da

classe trabalhadora do campo, materializada na Pedagogia do Movimento, e, nesse

percurso, se apresenta como uma necessidade de luta permanente que vem sendo

demarcado na proposta educativa do MST.

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CAPÍTULO 2

A LUTA DE CLASSES TAMBÉM OCUPA A INFÂNCIA

Fonte: Setor de educação 2014. Escola do Campo no Maranhão.

O mundo trata os meninos ricos como se fossem dinheiro,

para que se acostumem a atuar como o dinheiro atua.

O mundo trata os meninos pobres como se fossem lixo,

para que se transformem em lixo.

E os do meio, os que não são ricos nem pobres,

conserva-os atados à mesa do televisor,

para que aceitem desde cedo, como destino, a vida prisioneira.

Muita magia e muita sorte têm as crianças que conseguem ser crianças.

(Eduardo Galeano).

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A educação que a burguesia vem pensando para os filhos da classe trabalhadora através

das ações políticas, sociais, culturais e econômicas na relação capital e trabalho, até os

dias hoje, tem como intencionalidade estabelecer um meio de dominação e hegemonia

da ideologia burguesa na formação de indivíduos padronizados, individualistas e

competitivos. Tais características demarcam um intenso processo de despolitização, de

desmobilização social e perda da concepção da luta de classes.

A educação burguesa destinada para a classe trabalhadora nos remete a refletir:

- O que é ser criança, filha da classe trabalhadora, hoje, no Brasil?

- Que lugar está reservado para a sua formação humana? Em qual projeto social

ela está inserida?

- Qual o papel que as instituições do agronegócio têm cumprido na educação dos

filhos da classe trabalhadora do campo, para as crianças que estão no campo, que não

estão isoladas da realidade social, embora as condições básicas sejam as mais precárias?

- E, nesse contexto, como os trabalhadores e trabalhadoras, em especial os do

campo vinculado ao MST, têm enfrentado as contradições na atualidade em relação à

exploração infantil e à cultura da fetichização da infância?

- Como a pedagogia do capital está tendo abertura para fazer a formação

ideológico-pedagógica no campo?

- De que forma ela chega e se disseminar pela educação básica brasileira?

Nesse capítulo, iremos refletir de que maneira o projeto de educação dominante,

no Brasil, tem incidido na formação das crianças da classe trabalhadora, em particular

as que vivem no campo. Com surpreendente efeito, da fusão da educação com os meios

de comunicação e cultura industrial, como que a criança na última década foi se

tornando uma frente consumidora importante para o capital.

2.1. A educação como um instrumento hegemônico do capital

No Brasil, a educação esteve atrelada aos interesses do projeto de outras

sociedades, europeia e norte-americana, com ideologia conservadora, dominante,

excludente e com a ideia de desenvolvimento e democracia. Cumpriu com o objetivo de

formadora, no primeiro momento catequizando os povos originários e os povos

africanos aqui escravizados. As ideias pedagógicas jesuíticas não eram somente

derivações de concepções religiosas, mas também das condições de um país

condicionado a entrar no mundo imperial português. E três elementos foram

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fundamentais para a formação de prática educativa dos jesuítas: a colonização, a

catequese e a educação que direcionaram tal formação para a educação brasileira

(SAVIANI, 2011).

Inicialmente, a colonização portuguesa com a ideologia religiosa católica

direcionou, através da catequização dos povos nativos, uma orientação para o processo

de escravidão e que resultou em ações violentas, desumanizadoras, que marcam

profundamente a história do povo brasileiro:

O Brasil tem nas suas raízes agrárias uma dimensão particular no

sentido da definição do seu processo educacional. Pela mão armada, a

classe dominante subjugou as línguas e as culturas nativas: sufocou as

línguas e as culturas dos escravizados e emigrantes e, estabeleceu a

ordem, a língua e a religião do império português (BOGO, 2013, p.

91).

A educação religiosa, no Brasil, teve quatro séculos para formar e enraizar a

cultura brasileira, sendo que, no final desse período, somente 0,1% da população

brasileira acessou a educação, excluídos desse processo as mulheres, escravos e os

negros livres que historicamente para ter acesso a educação, ocorreu muitas lutas e até

os dias atuais se vive o reflexo de um país o qual o seus governos não priorizaram a

educação. (SAVIANI, 2011). A educação sempre esteve atrelada ao processo histórico

do Brasil, ao projeto de sociedade nos diferentes momentos, portanto, sempre cumpriu

com os interesses dominantes.

No contexto da revolução burguesa no século XVIII, a escola básica era

entendida como “direito social e subjetivo, o acesso universal, público, gratuito e laico”

(FRIGOTO, 2014, p.53), porém a educação, no Brasil, desde a sua origem esteve a

serviço das classes dominantes em cada período. Somente no século XX a educação

brasileira, através da expansão da rede escolar, ampliou o acesso de forma mais

significativa. Em um primeiro momento, com o movimento53

“entusiasmo pela

53

São dois movimentos que surgem na Primeira República - 1889 a 1930. Período de expansão de

lavouras cafeeiras, redes telegráficas e transição de Império para República. Eles surgem em função das

ideias liberais e do novo regime político republicano. O Movimento denominado por Nagle (1974), de

“Entusiasmo pela educação”, tem um caráter quantitativo com a ideia de expansão da rede escolar e

desalfabetização. O movimento “Otimismo pedagógico” tem um caráter qualitativo de melhorias das

condições didáticas e pedagógicas da rede escolar. Esses dois movimentos têm base nas ideias liberais,

“cuja base é a extensão universal” de controle do Estado e a educação é como “instrumento político de

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educação”, de caráter quantitativo, para o qual educação era considerada mola

propulsora principal para o desenvolvimento de um país de pessoas não alfabetizadas,

um instrumento político para atender aos interesses das três forças vigentes desse

período: o “Exército, os fazendeiros do Oeste Paulista – cafeeiros – e os intelectuais da

classe média” (GHIRALDELLI, 1990, p. 17). Esse período consiste na transição do

Império para a República em que se reafirmam as ideias liberais, com uma população

brasileira que chega a 75% de analfabetismo.

Do “entusiasmo pela educação”, não obtendo um resultado satisfatório, pois se

analisava que o processo estava desconectado do pedagógico, e nesse sentido, num

segundo momento cria-se o movimento do “otimismo pedagógico” com análise no

processo anterior da educação em massa que teria um caráter qualitativo para direcionar

as “melhorias das condições didáticas e pedagógicas” da rede escolar. Os dois

movimentos passaram a pensar a educação com objetivos claros no aspecto da

“erradicação do analfabetismo”, de interesse das três forças vigentes, em fazer a

formação ideológica condicionada aos processos eleitorais menos democráticos, como

“votos de cabresto, corrupção, fraude eleitoral, voto não secreto etc.” (GHIRALDELLI,

1990, p.17).

A educação, no Brasil, que aparece como salvadora de um problema social, o

analfabetismo, no “meio rural”, em sua maioria, tem o elemento da massificação da

educação e de um pensamento nacionalista, mas que na sua essência, desde a origem da

colonização brasileira sofre intervenções internacionais.

[...] a educação para conter a migração e fixar o homem no campo. E a

educação foi pensada para o meio rural onde inicia o “ruralismo

pedagógico” como tentativa de fazer o homem do campo compreender

o “sentido rural da civilização brasileira” e de reforçar os seus valores a

fim de prendê-lo à terra (PAIVA, 1973, p.127).

Os processos formadores das estruturas econômicas constituídas por uma

necessidade da classe dominante, na década de 1930, expulsam trabalhadores e

trabalhadoras do meio “rural” que são orientados especialmente pelo grande projeto de

participação e transformação” através da escola, dos “indivíduos ignorantes em cidadão esclarecidos”

(Ghiraldelli, 1990; Saviani, 2011).

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desenvolvimento “modernizador”, junto às forças internacionais do capital, para

atenderem aos interesses da oligarquia agrária e industrial. O projeto de

desenvolvimento e modernidade para o país tem a educação como essencial na

formação para o trabalho.

A transição para o século XX e o processo de industrialização até a década de

1930 fazem parte da evolução interna do capitalismo competitivo que torna perceptível

com a chamada revolução industrial e seus desdobramentos através da expansão da

tecnologia e do trabalho especializado. A base do capital encontra-se na exploração do

trabalho, o que não se realiza sem contradições, expressa, por exemplo, na luta social da

classe trabalhadora na revindicação dos direitos sociais e trabalhistas. Para conter essas

lutas, o Estado que está a serviço do poder das classes dominantes, através das Forças

Armadas, amortece a luta política e social, porém não consegue esconder as

contradições e desigualdades sociais no campo e cidade, fortalecidas pelo

desenvolvimento do capital.

Para os pobres do campo, é relegado o “trabalho escravo e braçal” enquanto que

para as elites oligárquicas fica reservado o “trabalho intelectual” (ROMANELLI, 1984).

Mesmo com a modernidade, que exigiu força de trabalho qualificada, a educação nunca

esteve vinculada à construção de uma sociedade crítica, livre e autônoma, embora

sempre existisse a luta por outro projeto social.

O projeto de educação brasileira tem as marcas de um processo histórico com

base na colonização e de um Estado burguês, que define a educação com cunho

adestrador, desde a sua origem. A educação como prioridade para interesses

dominantes, se expressa na aprovação das leis orgânicas do ensino com direcionamento

à formação educacional, até os dias de hoje, para a classe trabalhadora do campo e

cidade, esta especialmente voltada aos interesses econômicos do capital, representados

pela indústria, comércio e agricultura.

As leis orgânicas que estruturaram o ensino técnico-profissional

começaram a ser promulgado em 1942. a) em 30 de janeiro de 1942, o

decreto-lei n° 4.073 organizava o ensino industrial (lei orgânica do

ensino industrial); b) em 28 de dezembro de 1943, saía a Lei Orgânica

do Ensino Comercial, pelo decreto-lei n° 6.141; c) e, em 20 de agosto

de 1946, findo, portanto, o Estado Novo, saía o decreto-lei 9.613,

chamado Lei Orgânica do Ensino Agrícola. Esses três decretos

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organizaram o ensino técnico profissional nas três áreas da economia

(ROMANELLI, 1984, p. 154- 5).

Os decretos e as leis orgânicas direcionaram a formação profissional no Brasil

de acordo com os interesses do desenvolvimento industrial. Com as reformas de

Francisco Campos, diante da criação do Ministério da Educação e Saúde Pública, na

década de 1940, e algumas leis e decretos aprovados, por conta do alto índice de

analfabetismo, a educação foi fundamental para elevar o nível cultural da sociedade em

um país em “desenvolvimento”.

A escola pública gratuita, laica e obrigatória seria uma vitória da classe

trabalhadora em seu processo de luta histórica, porém contraditoriamente, uma vez que

essa educação, relacionada ao projeto de modernização atrelada aos interesses

dominantes, vai direcionar o ensino para os filhos da classe trabalhadora e diferenciá-los

dos das elites,

Lei Orgânica do ensino secundário, 9 de abril de 1942. O que constitui

na sua função é formar adolescente uma sólida cultura geral, elevar a

consciência patriótica e a consciência humanista. Um ensino capaz de

dar ao adolescente a compreensão dos problemas e das necessidades, da

missão e dos ideais da nação. [...] O ensino primário, decreto de 2 de

janeiro de 1946, O Ensino primário não recebeu atenção do Governo

Central, ficando a administração dos Estados. Ausência de diretrizes

que gerava uma desorganização do ensino e cada Estado inovava ou

abandonava [...] Escola Normal existente no Brasil, a primeira foi

criada em 1830 em Niterói, sendo a pioneira na América Latina e

pública. Sendo que nos Estados Unidos o que existia era particular. Até

1881, foi criado dezenas de escolas nos Estados (ROMANELLI, 1984,

p. 157, 160,163).

As leis e decretos direcionam a formação esperada da escola pública para a

classe trabalhadora, com ideário de uma cultura geral na elevação de uma consciência

patriótica e de nação para ensino secundário que é de certa forma o espaço de

preparação para o trabalho de uma classe em potencial – operária. O ensino primário,

como não tem um “vínculo” direto com o trabalho, não foi dada tal importância como

foi dado ao ensino médio. No que se refere à formação da criança com direcionamento

nacional ficou sem uma responsabilidade do Sistema Nacional de Educação, que

historicamente foi de obstáculos econômicos, legais, filosóficos e políticos para a classe

trabalhadora e que se manifesta através da característica estrutural da política

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educacional brasileira na descontinuidade, configurada nas reformas e na mentalidade

pedagógica que, na segunda metade do século XIX, se manifesta com força e

inspirações no projeto de desenvolvimento e pensamento tradicionalista, liberal e

cientificista (SAVIANI, 2014, p. 34-40).

No que se refere ao ideário dominante, o público e o privado se misturam. Os

processos de reformas e aprovação das leis refletem o momento histórico, mas

principalmente ao ideário dominando. As leis orgânicas da indústria foram aprovadas

quatro anos antes da lei do ensino primário, no Brasil. Essa posição política é reveladora

do papel da educação no contexto de industrialização. Com a expansão da

industrialização, a exigência mínima de qualificação do operariado para a inserção do

trabalho ocorre num processo paralelo de formação organizado pela indústria. E os

decretos são aprovados para atender à demanda imediata da indústria no Brasil:

1942, criação do SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem

Industrial. Decreto-lei 4.042 de 22 de janeiro. [...]. Outro decreto-lei, n°

4.436, de 7 de novembro de 1942, ampliava o âmbito de ação do

SENAI, determinando que as escolas atingissem também o setor dos

transportes. [...] 4 anos depois do SENAI, o governo criava outro

Decreto-lei n° 8.621 de 10 de janeiro de 1946, o Serviço Nacional de

Aprendizagem Comercial – SENAC (ROMANELI, 1984, p. 166 - 167.

Grifos nossos).

As marcas do processo histórico no Brasil estão presentes nos diferentes

períodos de desenvolvimento econômico e político, instituídos pela necessidade do

capital e que não separa a educação do seu projeto, ao contrário, ela é um instrumento

utilizado como formadora das consciências na perspectiva do trabalho explorado e

alienado. No século XXI, é explícito o papel da educação no contexto do

desenvolvimento para o capital, suas raízes estão ligadas na história da descontinuidade

educacional, da negação ao acesso a educação, da sutileza na junção do público/privado

e da educação como uma importante mercadoria para o capital.

No Brasil atual, tornam-se visíveis os efeitos da chamada “modernidade”. A

urbanização que respira desenvolvimento e convive com as desigualdades sociais,

modificando a vida das pessoas e suas relações condicionadas ao tempo determinado

pelo mundo do trabalho capitalista. Com todo esse investimento de recursos públicos no

Brasil, os índices apresentam um quadro educacional alarmante. O analfabetismo, de

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acordo com os dados do IBGE54

em 2012, é de 8,3%, correspondente a 13,2 milhões da

população; o ensino médio, que foi o mais fortalecido em 1942, hoje no Brasil, se

apresenta como um quadro crítico e preocupante: aproximadamente 18 milhões de

jovens55

estão fora da escola, considerado pelas estatísticas do Estado burguês abandono

ou evasão escolar.

De fato, o padrão de acumulação, na ótica dos setores dominantes,

prescinde da formação com maior complexidade científica e cultural

da juventude trabalhadora. A ideia geral é que a grande maioria dos

postos de trabalho é constituída por atividades que requerem modesta

escolarização. A educação, focalizando os arranjos produtivos locais

(cuja expressão educacional mais relevante é o Pronatec56

, sob direção

do Sistema S57

) pode ser menos sofisticada (conformando arranjos

educacionais locais), assegurando o que a pedagogia hegemônica

denomina de competências básicas, vinculadas ao aprender a

aprender, analisadas por Newton Duarte, sem a universalização de

conhecimentos científicos explicativos dos processos naturais e da

sociedade (LEHER, 2014, p. 75).

Na educação infantil, com a obrigatoriedade aprovada através da Lei nº 12.796,

de 4 de abril de 2013, os pais são responsáveis por colocar os filhos na escola, a partir

dos quatro anos de idade, porém o acesso é limitado para área urbana por falta de

estrutura física e pedagógica. No campo, com o quadro alarmante do fechamento das

escolas, o acesso à educação infantil chega ser considerado (quase) um “privilégio” para

essas populações.

O empresariamento da educação, nas últimas duas décadas, ganha mais força no

Brasil e fica visível a aposta do capital na mercantilização da educação pública

brasileira, considerando que a educação é uma frente politizadora e parte estratégica

revolucionária no século XXI (LEHER, 2014). E, desde a educação infantil à

universidade, têm se tornado espaço de luta, resistência no enfrentamento à privatização

da educação pública, e que a luta dos estudantes e da classe trabalhadora, como um

54

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 55

Disponível em: http://seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?t=abandono-escolar&vcodigo=M15

Acesso em 09/12/2015 as 9h54. 56

Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego criado em 2011 pelo Governo Federal. 57

Fazem parte do Sistema S: O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai); Serviço Social do

Comércio (Sesc); Serviço Social da Indústria (Sesi); e Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio

(Senac). Existem ainda os seguintes: Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar); Serviço Nacional

de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop); e Serviço Social de Transporte (Sest).

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todo, tem tido, como resposta a essa forma de democracia, a violência da força militar,

mantida pelo Estado, determinado pelo poder dominante burguês.

A despeito de que os empresários sempre estiveram tentando interferir

nos processos educacionais desde os tempos da teoria do capital

humano, o que pode estar havendo de novo que esteja motivando um

redobramento interesse do empresariado pela educação? (...) O atual

interesse dos empresários tem aspectos específicos que merecem ser

examinados. Não é recomendável que acreditemos que a “história está

se repetindo”. Tal linearidade de análise nos desanimaria para o

enfrentamento local das contradições que estão postas por esta nova

escalada do capital sobre a educação. (...) No caso do Brasil, as

corporações fizeram uso da exploração de bolsões de mão de obra

barata, como a população do campo e as forças de trabalho feminina,

entre outros. Nesta faceta, os empresários não necessitam de uma boa

estrutura educacional. (...) O conflito se amplia, porque, para os

empresários – à imagem e semelhança de sua empresa – tudo é uma

questão de gerenciamento e competição (FREITAS, 2014, p. 62-63).

No campo, que de certa forma vive outro tempo no aspecto da produção

agrícola, há a falta de acesso à mínima infraestrutura não efetivada pelo

desenvolvimento, cuja colonização e a concentração fundiária afetam a população

brasileira como um todo. A luta pela terra e a resistência para sobreviver no campo é

vigente nesse tempo em que o predomínio da agricultura de mercado está em pauta na

grande estrutura do Estado burguês. Embora os agricultores familiares, ribeirinhos,

assentados da reforma agrária, quilombolas, povos originários, meeiros, arrendatários,

representem uma produção agrícola de 70% de alimentos para o país58

, esses

trabalhadores enfrentam uma realidade contraditória no que se refere aos direitos e

incentivos para permanência no campo. E, para continuar sobrevivendo, precisam lutar

permanentemente para obter acesso às políticas públicas de créditos agrícolas, de

conquista da terra e contra a criminalização dos povos que vivem e querem permanecer

no campo. Já os empresários do grande capital que produzem eucalipto, soja, cana-de-

açúcar e milho, têm grandes investimentos e financiamentos apoiados pelo Estado

burguês. A sua base está alicerçada na concentração fundiária e na ultraexploração do

trabalho para a reprodução da classe trabalhadora e produção para o agronegócio. A

58

Disponível em: Portal Brasil –http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2011/07/agricultura-

familiar-precisa-aumentar-vendas-e-se-organizar-melhor-diz-secretario Acesso em: 07/12/2015 às 13h.

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grande contradição está exposta no campo brasileiro diante das relações entre trabalho e

capital.

As desigualdades são visíveis, são duas estruturas claras, porém desiguais. O

projeto da classe dominante detém a força de trabalho, os meios de produção com

grandes e potentes maquinários para a produção de monocultura e a terra, em grande

quantidade, como propriedade privada. Por outro lado, a classe trabalhadora detém a

força de trabalho e a possibilidade de mobilização com organização contrária à

exploração do trabalho. E a pequena agricultura, produzida pelos povos do campo, não

tem uma política agrícola que atenda à demanda dos agricultores, não tem uma

produção com seguro, nem sempre tem a terra e muito menos maquinário para o

trabalho nas lavouras. A produção está voltada para a cultura de grãos, hortaliças,

frutíferas e pequenos animais, que é o básico da alimentação brasileira e, junto a isso, a

dificuldade de mobilização e organização social dos trabalhadores do campo, no sentido

da luta pelos seus direitos.

A compreensão de que a educação não está desassociada do contexto histórico,

social e econômico de uma sociedade, e que ela faz parte do projeto social é

fundamental para compreendê-la em sua totalidade. A educação, como instrumento de

poder ideológico dominante, desde a colonização, vem formando uma concepção de

indivíduos e de mundo para manutenção da sociedade do capital. No campo, é

necessário compreender o lugar da educação dos trabalhadores, a ideologia dominante,

representada atualmente pelo agronegócio, que, para Chã & Villas Bôas,

O Estado cumpre papel fundamental de sustentação deste setor, sendo

que, além dos elevados financiamentos, é parceiro na divulgação da

imagem que o agronegócio constrói de si mesmo, permitindo a

existência de tais projetos educacionais nas escolas públicas e

transferindo assim às empresas a tarefa de educar/adestrar a classe

trabalhadora. (CHÃ & VILLAS BÔAS, 2015, p.103).

A educação brasileira, que historicamente vem sendo questionada e denunciada

pelos trabalhadores da educação, no projeto desenvolvimentista e modernizador, no

contexto atual, a prioridade é a educação de mercado, e no campo, especialmente, de

uma estrutura precarizada e de abandono para as populações que vivem nesse espaço.

Portanto, faz-se necessário a classe trabalhadora lutar contra o projeto antagônico da

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classe dominante para a educação, disputando-a com o capital, apresentando outro

projeto alternativo para a educação.

Os programas atuais do governo federal vão nessa direção, como por exemplo, a

propagando em rede nacional de “escola para todos”, que, todavia, é um sonho, que

nas reunião e encontros do Ministério da Educação (MEC) é apresentado sob a forma de

arquiteturas de escolas que serão construídas no campo, porém, muito poucas saíram

dos computadores dos arquitetos do MEC, para efetivação. Como também os diferentes

transportes escolares (barco, bicicletas, ônibus rurais) que são destinados aos

municípios e muitas vezes chegam até as prefeituras, mas são utilizados para outras

finalidades. Diante desse quadro, por mais que seja prevista uma fiscalização pública

dos projetos, quando implementados, o acesso ao transporte escolar, além de

terceirizado é um risco para a vida humana. Pequenas crianças muitas vezes, como por

exemplo, nos assentamentos do MST, são transportadas em veículos sem documentos,

sem um responsável para acompanhá-las e em condições precárias de funcionamento.

Os ônibus não têm freio, as luzes estão queimadas, os bancos sem condições de uso. E

em muitos casos, como os Estados do Pernambuco, Maranhão, Alagoas e Ceará, o

transporte escolar, em pleno século XXI, se realiza em veículos denominados de pau-

de-arara, como denunciam as próprias famílias.

A infraestrutura precária da escola do campo, com poucos investimentos quando

não são fechadas, convivem também com uma visível desqualificação profissional,

derivados do abandono do Estado na formação dos professores. O quadro educacional

do Brasil, na análise de pesquisadores e intelectuais da educação, tem afirmado a

“educação como mais uma mercadoria do capital”. Para Leher (2014)59

, o capital na

educação tem como organizador a sociedade civil através do “Movimento Todos pela

Educação”, representado pelos setores financeiro, agronegócio, mineral e meios de

comunicação, que defendem um projeto de educação de classe, obviamente

interpretando os anseios dos setores dominantes.

No caso do campo, atende à demanda do agronegócio e tem o aparato estatal

para garantir a efetivação desse projeto. Para Neves (2005), a nova pedagogia da

hegemonia do capital, tem o Estado capitalista como “educador” da classe que

desenvolve ações concretas para a sociedade civil a serviço do capital.

59

Disponível em: http://www.mst.org.br/2015/07/01/grandes-grupos-economicos-estao-ditando-a-

formacao-de-criancas-e-jovens-brasileiros.html Acesso em: 06 de julho de 2015.

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Essa mesma politização da sociedade civil contribuiu para que o

consenso ou adesão espontânea de indivíduos ou grupos aos projetos

das classes sociais em disputa na sociedade civil (e também no Estado

em sentido estrito) passa a se constituir, ao mesmo tempo, em

importante instrumento de dominação da classe burguesa para a

consolidação de sua hegemonia na sociedade contemporânea, e em

poderoso meio de emancipação política da classe dominante na

construção de uma hegemonia: a direção intelectual e moral, política e

cultural da classe trabalhadora. (NEVES, 2005, p. 24).

Os movimentos sociais do campo, continuadores da luta pela terra, fazem o

enfrentamento ao capitalismo pela necessidade de ter trabalho, que permite adquirir

direitos necessários, como também a perspectiva da construção de outro projeto social

da classe trabalhadora, lutando por um projeto no qual as pessoas, incluso as crianças

possam ter dignidade. Esse processo da contra-hegemonia, como argumenta Neves

(2005), está atrelado aos projetos do Estado burguês que institui, através da sociedade

civil, fóruns de debate e se reafirma o consenso de tais ideias direcionadas pelo poder

dominante com a aprovação da sociedade civil através da sua participação nesses

espaços da social-democracia. Neves afirma que,

A pedagogia contra-hegemônica, por sua vez, apesar de garantir

expressivas vitórias em formações sociais periféricas, foi perdendo

seu poder de persuasão nas formas capitalistas centrais e, finalmente,

com a queda do muro de Berlim e com o fim da União Soviética, vem

tendo muita dificuldade para convencer a classe trabalhadora de que

processos como a expropriação, a exploração e a dominação por ela

vivenciadas são historicamente construídos, como resultado da

hegemonia burguesa. (NEVES, 2005, p. 31).

Faz-se necessário construir práticas contra-hegemônicas no sentido amplo da

luta de classe, como também e, em particular, no campo educacional. Embora seja

fundamental a existência das práticas para o acúmulo e fortalecimento de classe,

enquanto lutadora por sua existência e construtora de outro projeto social, é vital não

perder a dimensão de totalidade, pois o capitalismo atua de diferentes formas,

internacionalmente. Nesse sentido, o projeto educativo da classe trabalhadora,

primeiramente, deve estar atrelado ao projeto de sociedade, e vinculada à luta

organizada e ao processo de formação humana.

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Os trabalhadores do campo, organizados através dos movimentos populares

no caso do MST que desde 1984 revindica a escola dentro dos acampamentos e

assentamentos de reforma agrária , iniciam um processo a partir da sua realidade de

luta pelo direito à educação, mas não de qualquer educação. Por isso, as experiências

socialistas como uma concepção de educação contra-hegemônica, a educação popular,

junto com outras referências configuram a Pedagogia do MST. E, com o objetivo de um

projeto maior, tendo a realidade do campo como sua principal materialidade, provocada

pelo I ENERA60

, no ano de 1997, constrói-se a Articulação Nacional por uma Educação

do Campo, com a realização da I Conferência Nacional, em 1998, em Luziânia (Goiás).

A Educação do Campo nasceu das experiências de luta pelo direito à

educação e por um projeto político pedagógico vinculado aos

interesses da classe trabalhadora do campo, na sua diversidade de

povos indígenas, povos da floresta, comunidades tradicionais e

camponesas, quilombolas, agricultores familiares, assentados,

acampados à espera de assentamento, extrativistas, pescadores

artesanais, ribeirinhos e trabalhadores assalariados rurais. (FONEC,

2012, p.3).

Como menciona o relatório do Fórum da Educação do Campo, esse processo

envolveu várias organizações sociais e foi demarcando um território de educação que se

contrapõe à educação rural e à pedagogia do capital através das pessoas que vivem no

campo e que lutam para sobrevivência. A educação do campo foi uma forma encontrada

de um posicionamento daqueles e daquelas que não tiveram acesso à educação e que,

através do debate e da intencionalidade da luta, resistem para não serem expulsos e

assassinados em seu território, lutando para se tornarem sujeitos da sua história.

No II ENERA, o MST reafirma 15 compromissos com a educação brasileira no

Manifesto61

dos Educadores e Educadoras da Reforma Agrária:

Continuar lutando por uma sociedade justa, democrática e igualitária;

lutar contra qualquer tipo de reforma neoliberal; combater o modelo

do agronegócio; construir Reforma Agrária Popular; trabalhar pela

agroecologia como matriz tecnológica; combater a privatização da

60

I Encontro Nacional de Educadores da Reforma Agráriarealizado, em 1997, na UNB em Brasília. 61

O Manifesto foi elaborado durante os encontros regionais e estaduais em preparação ao II ENERA. Os

debates da conjuntura educacional brasileira proporcionaram reflexões e proposições para o próximo

período. O Manifesto foi aprovado no II Encontro Nacional dos educadores da Reforma Agrária em

Luziânia Goiás, 2015. Disponível em: http://www.mst.org.br/2015/10/01/educadores-da-reforma-agraria-

lancam-manifesto-pela-educacao-durante-o-2-enera.html

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educação pública em todas as suas formas; defender a destinação de

verba pública exclusivamente para a educação pública; seguir

denunciando que fechar escolas é crime; trabalhar pela alfabetização e

políticas públicas; defender uma educação emancipadora para os

trabalhadores do campo e da cidade; seguir na construção de uma

escola ligada à vida; lutar contra todo tipo de violência e preconceito

étnicos e raciais, glbtfóbicos e de gênero; participar das lutas dos

trabalhadores da educação; destacando-se o décima quinto

compromisso:

Seguir trabalhando pela Pedagogia do Movimento e pela Educação do

Campo, na construção da Pedagogia Socialista para o conjunto dos

trabalhadores e trabalhadoras. Prestamos nossa homenagem a

Florestan Fernandes, uma grande liderança da luta pelo direito à

educação e pela escola pública no Brasil, que colocou o seu trabalho a

serviço das causas do povo. Que seu legado siga inspirando nossa

organização: não se deixar cooptar, não se deixar esmagar. Lutar

sempre! Conclamamos nossos camaradas e nossas camaradas de luta e

de projeto para juntos transformarmos as graves contradições desde

momento histórico em lutas coletivas na direção das transformações

necessárias para a construção da futura república socialista do

trabalho. (MST,.2015).

A conjuntura educacional brasileira aponta a necessidade de uma articulação

política nacional que organize a luta pela educação pública, laica e gratuita no Brasil e

da mesma forma que o MST fez no I ENERA (1997), convocando as populações do

campo para a necessidade de pensar coletivamente uma educação alternativa e de luta

para o campo, no II ENERA (2014), a partir da realidade brasileira, o MST convoca, em

seu manifesto, os camaradas de luta e projeto para construir juntos, alternativas para a

realização de grandes transformações no Brasil.

Na conjuntura atual, a luta fragmentada, a despolitização social e a defesa de

projetos individualizados como central, não tem contribuído no aspecto da organização

de classe e enfrentamento ao projeto hegemônico.

A realidade do contexto atual da educação, no Brasil, no que se refere ao campo

brasileiro, é de 37 mil escolas fechadas, de poucas estruturas físicas e pedagógicas para

as populações que vivem no campo e, visivelmente, a aparência de certo abandono das

estruturas existentes, conforme indicamos ao longo desse texto.

A marca da educação como mercadoria se revela fortemente na luta dos

estudantes no novembro de 2015, ocupando as escolas fechadas pelo Estado burguês de

São Paulo. Esses jovens lutam pelo direito à educação pública, são chamados pela mídia

de “invasores” por ocupar e defender o espaço público, que foi criado para os

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estudantes. O Projeto de reorganização das escolas 62

, que não se restringe somente a

São Paulo, tem a intervenção do empresariado na “educação pública” e que para

garantir a implementação do projeto, acionou a força policial para combater com

violências aqueles e aquelas que só querem o direito de ter acesso à escola pública,

perto do local onde vivem. Em 2016, em pleno processo de luta da classe trabalhadora

contra o golpe fascista brasileiro, estudante da rede estadual do Estado do Rio de

Janeiro, iniciam no mês de março ocupações nas escolas estaduais que, segundo a

ANDES63

, “o objetivo é reivindicar as eleição diretas para a direção, a extinção do

Sistema de Avaliação da Educação do Estado do Rio de Janeiro (Saerj), maior carga

horária para filosofia e sociologia, volta de porteiros e inspetores, pagamento sem atraso

dos professores, máximo de 35 alunos por salas de aula, passe livre no transporte

coletivo, melhor infraestrutura, ensino de qualidade, entre outros”. São mais de 45

escolas ocupadas no Estado do Rio de Janeiro e que no relato dos estudantes na plenária

das escolas ocupadas, segundo eles, estão sendo criminalizados pelas direções das

escolas e pela Secretaria de Estado da Educação com ameaças de perseguições, e

incentivos de conflito dos estudantes que não se aderiam à ocupação, como também da

violência policias.

A educação é um instrumento importante para a classe trabalhadora e as

conquistas que ocorreram até os dias de hoje, como os diretos trabalhistas, o acesso à

educação pública, entre outros direitos conquistados no Brasil, só foram efetivados pela

luta permanente da classe. A lógica do capital tem apresentado com mais visibilidade na

precarização do trabalho e das estruturas das escolas públicas, das universidades e dos

programas de aligeiramento para a formação técnica. As lutas que se destacam, nesse

período, apontam a necessidade das mudanças estruturais e, de certa forma, politiza e

coloca em questão a educação burguesa no país, o produtivismo e lucro para o capital.

62

A Reorganização das escolas é projeto que tem como referência as reformas da educação no

EUA e que no Brasil se revelou fortemente no Estado de São Paulo. No Estado de Goiás, a

secretária de Educação afirma que os empresários por ter estudado administração de empresas e

economia, “entendem mais de administração do que nós educadores”, e o projeto é chamado de

OSPs (Organizações Sociais Privadas), são empresas que irão atuar na gestão dos colégios

públicos. http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2015/12/1716663- as 10:50h. Mais

informações sobre o assunto, ver blog; http://avaliacaoeducacional.com/author/freitaslc/ 63

Sindicado Nacional dos Docentes das Instituições do Ensino superior – ANDES. Disponível em:

http://www.andes.org.br/andes/print-ultimas-noticias.andes?id=8074 acesso em: 17/04/2016

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Se reafirmando com mais intensidade que a luta contra a mercantilização da educação é

internacional.

2.2 A infância no contexto do campo e do desenvolvimento

A educação para os filhos da classe trabalhadora está historicamente atrelada aos

interesses das classes dominantes em cada período. Portanto, no caso das crianças do

campo, além da ausência de uma oferta, sua população permaneceu por muitos anos

com a ideia de que quem vive no campo não precisa estudar. E se estudar, deve

trabalhar na cidade.

Nesse sentido, umas das questões mais importantes e desafiadoras para pesquisa

é encontrar bibliografias que relacionam a infância ao contexto histórico e agrário do

país. Poucas são as produções que se referem à criança, nesse contexto. Com o

surgimento da discussão da Educação do Campo, em 1998, pautada pelos movimentos

populares na realização da primeira “Conferência Nacional Por uma educação Básica do

Campo”, várias produções foram elaboradas pela Articulação Nacional e pesquisadores

motivados pelo debate estudam a educação do campo e trazem em suas pesquisas a

educação do MST no contexto da luta pela terra, considerando que tem sido o MST64

,

no campo, quem mais desenvolveu práticas educativas na perspectiva da educação

popular e socialista, partindo da realidade concreta das crianças da luta pela terra. Essas

pesquisas, em sua maioria, estão voltadas às crianças do MST, com temáticas sobre a

escola e a pedagogia do Movimento.

Essas pesquisas são fundamentais para um estudo mais atual da infância do

campo e outras que são pioneiras em pesquisas e estudos específicos, colocando a

criança no processo histórico e na luta pela terra no Brasil. Apoiados pelos estudos e

pesquisa sobre as crianças no Brasil de Mary Del Priori (2008), na obra História das

crianças no Brasil, que proporciona na pesquisa, a partir da história, resgatar a criança

brasileira e dar voz aos documentos históricos com propósito abrangentes da história da

infância desde a colonização, e José de Souza Martins (1991), em O massacre dos

inocentes, que trata sobre a criança sem infância, por meio de estudos com crianças

64 Outras pesquisas tem se apresentado sobre a educação do campo. A diferenciação aqui está relacionada

ao pensando de um movimento do campo que pensa e luta coletivamente pela educação de sua Base

social. O qual se diferencia de outras organizações do campo que somente depois da inauguração da

Articulação Nacional da Educação do Campo é que são provocados em pensar a educação.

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brasileiras nas diferentes situações da luta pela terra no Brasil. Ambos os pesquisadores

destacam a criança sem infância e as mazelas das relações que sofrem suas famílias

através da exploração do trabalho, nas condições das ausências dos direitos sociais

básicos e do tempo das crianças sendo ocupado pelo tempo adulto.

Para Martins (1991, p.15), “Multidões de imaturos estão tendo sua idade adulta

convocada antecipadamente, de modo que o tempo de ser criança está sendo ocupado

amplamente pelo tempo do adulto, do trabalho, da exploração, da violência”. Os estudos

de Del Priori (2008) indicam que, desde a colonização brasileira, as crianças são

exploradas através do trabalho infantil.

O seu adestramento vai se consolidar a partir dos seus 12 anos de

idade, quando dobra o seu valor de venda e a definição da sua função

no trabalho já aparece nos inventários (Chico “roça”, João “pastor”,

Ana “mucama”), transformados em pequenas e precoces máquinas de

trabalho (DEL PRIORI, 2008, p.12).

Para a pesquisadora, “existe uma grande distância entre o mundo infantil

descrito pelas organizações internacionais, pelas não governamentais e pelas

autoridades, daquela do qual a criança encontra-se cotidianamente imersa”. (DEL

PRIORI, 2008, p. 12).

No primeiro, habita a imagem ideal de criança feliz, carregando todos

os artefatos possíveis de identificá-la numa sociedade de consumo:

brinquedos eletrônicos e passagem para Disneylândia. No segundo, o

real, vemos acumularem-se informações sobre a barbárie

constantemente perpetrada contra a criança, barbárie esta

materializada nos números sobre o trabalho infantil, sobre a

exploração sexual de crianças de ambos os sexos, no uso imundo que

o tráfico de drogas faz dos menores carentes, entre outros. Privilégio

do Brasil? Não! Na Colômbia, os pequenos trabalham em minas de

carvão; na Índia, são vendidos aos 5 ou 6 anos para a indústria de

tecelagem; Na Tailândia, cerca de 200 mil são roubados anualmente

das suas famílias e servem à clientela doentia dos pedófilos. Na

Inglaterra, os subúrbios miseráveis de Liverpool produzem os “baby

killers” crianças que matam crianças. Na África, 40% das crianças,

entre 7 a 14 anos trabalham. (DEL PRIORI, 2008, p. 8- 9);

A pobreza e a falta de escolarização da criança brasileira tem um largo processo

na história do país, desde a colonização, nos processo das embarcações, ela trabalhava,

era explorada e tratada como se não fosse humana. E, como o ensino jesuítico não era

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para todos, o trabalho era considerado a “melhor escola” para as crianças órfãs. Explica

Del Priori (2008, p 10), “O trabalho [explica uma mãe pobre] é uma distração para a

criança. Se não estiverem trabalhando, vão inventar moda, fazer o que não presta. A

criança dever trabalhar cedo”.

O lugar da infância da classe trabalhadora, no capitalismo, relaciona-se com o

espaço social destinado à sua família no mundo do trabalho. A relação da infância com

o trabalho na fábrica, na gênese do capitalismo, como apontam os estudos de Lombardi

(2010), apresenta as rigorosidades da disciplina, os maus tratos, as regras, a brutalidade

e a violência estabelecida, como marcas profundas na formação da infância no

capitalismo.

A difusão, em larga escala do trabalho infantil, realizada a partir da

Revolução Industrial: em 1861 um censo realizado na Inglaterra

registrava que quase 37% dos meninos e 21% das meninas de 10 a 14

anos trabalhavam, fato também observado em outros países, que

também apresentavam taxas altas de crianças trabalhando, como

França, Bélgica e Estados Unidos (Kassouf, 2007, [s.p.]). Marx e

Engels foram contemporâneos e testemunhas das profundas

transformações econômicas e sociais decorrentes da Revolução

Industrial e foram fortemente impactados pela situação da criança

trabalhadora na grande indústria. (LOMBARDI, 2010, p.281).

Nesse sentido, a Revolução Industrial modifica o processo do trabalho artesanal

impondo ritmo, maior produtividade com a inserção das tecnologias a criança é afetada

nessas relações. Moura (2008), na pesquisa sobre “Crianças operárias na recém-

industrializada São Paulo”, relata os graves acidentes de trabalho com as crianças, no

período de 1870 a 1920, registra a presença de um número altíssimo de crianças

imigrantes italianas que junto com seus pais chegaram à América em busca de trabalho;

o uso da violência dos patrões por não considerar os trabalhos satisfatórios ou pelas

brincadeiras feitas pelas crianças no horário de trabalho; tinham a saúde afetada por

conta de uma alimentação precária e exaustão pelo excesso de trabalho.

Não foram poucas as crianças e foram muitos adolescentes vitimados

em acidentes do trabalho, em decorrência do exercício de funções

impróprio para a idade, das instalações precárias dos estabelecimentos

industriais, em fim, de condições de trabalho deploráveis.

[...] em 1898, segundo a Repartição da Estatística e Arquivos do

Estado, aproximadamente 15% do total da mão de obra absorvida em

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estabelecimentos industriais da cidade, eram crianças e adolescentes.

Em 1920, o já citado Recenseamento concluía que, considerada a

totalidade do Estado de São Paulo, 7% da mão de obra empregada no

setor secundário eram constituídos por esses trabalhadores. (MOURA,

2008. p. 260- 262).

As crianças, filhas de trabalhadores imigrantes, dos trabalhadores rurais,

nordestinas entre outras, com a modernização do trabalho da fábrica e industrial se

transformam em mão de obra infantil necessária para a reprodução do capital . No

caso, as crianças e adolescentes incorporados ao mundo do trabalho, como se fossem

adultos, se tornam uma força de trabalho importante para baixar o custo da produção,

com baixos salários e condições trabalhistas precarizados.

Alimentos e bebidas, tecidos e chapéus, cigarros e charutos, vidros e

metais, tijolos e móveis, entre uma série de outros produtos fabricados

então em São Paulo, passavam por mãos pequeninas, trazendo na sua

esteira a indiferença às particularidades e as necessidades da infância e

adolescência (MOURA, 2008, p. 264).

Essa realidade fez com que as ruas de São Paulo se tornassem cenário de muitas

histórias de suas moradoras crianças e ativos personagens da cidade, resultado de

“abandono, aludiam à mendicância, à delinquência e à criminalidade, esmolando,

roubando, agredindo-se mutuamente...” (MOURA, 2008, p. 274) Uma realidade atual

que tem marcas profundas do processo histórico, em sua forma mais perversa do capital,

de exploração do trabalho que resulta na pobreza da maioria da população brasileira.

Lombardi (2010) ressalta o lugar destinado às crianças pequenas no processo de

modernização que, por interesse do capital, criou espaço no qual foi também uma

reivindicação das mulheres operárias e feministas, na luta por um lugar onde pudessem

deixar os filhos no período do trabalho e se sentirem mais seguras,

.

[...] o cuidado com a infância nada mais fez que propiciar

espaços para que as famílias trabalhadoras pudessem deixar seus

filhos supostamente protegidos e cuidados em suas necessidades

fundamentais, biológicas, psicológicas, e sociais, liberando pais

e mães para o trabalho. (LOMBARDI. 2013. p. 10).

O trabalho, no capitalismo, está estruturado para a produção de mercadorias por

meio da exploração da força de trabalho, independente da idade. O capitalismo

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incorporou e se apropriou da força de trabalho infantil e feminino, bem como Marx

(2013) alertava, já no século XIX, sobre os efeitos da maquinaria e da grande indústria

na vida humana:

Na medida em que a maquinaria prescinde de força de trabalho

muscular, torna-se meio de utilizar operários sem força muscular ou

com um desenvolvimento imaturo do corpo, mas com maior

flexibilidade dos membros. Trabalho feminino e infantil foi, assim, a

primeira palavra de ordem do emprego capitalista da maquinaria! Este

poderoso meio de substituição de trabalho e operários transformou-se,

assim, logo num meio de multiplicar o número de assalariados,

colocando todos os membros da família operária, sem diferença de

sexo nem de idade, sob a tutela imediata do capital. O trabalho

coercivo para o capitalismo usurpou não só o lugar da brincadeira de

criança, mas também o trabalho livre no círculo doméstico, dentro de

barreiras éticas, para a própria família. (MARX, 2013, p. 99)

Com o trabalho capitalista, são negados, às crianças da classe trabalhadora,

direitos essenciais para vida humana. Já no século XXI, com o avanço do capitalismo e

as inovações tecnológicas, não há mudanças no quadro social, elas (as crianças)

convivem com as condições de trabalho explorado de seus pais e essa é a perspectiva de

futuro para ela. Nos dias atuais, como afirma Del Priori (2008), com o processo de

desenvolvimento capitalista e avanço das tecnologias, o trabalho infantil está ligado à

pobreza e diversas questões de ordem social que são evidenciadas pela violência,

repressão ou assistencialismo.

Martins (1991), na pesquisa realizada com as crianças da luta pela terra, citada

anteriormente, chama-nos atenção sobre a contextualização do cuidado e da forma de

realizar a investigação com crianças. Ele afirma que há uma tendência do pesquisador

na escolha do sujeito da pesquisa, nas palavras do autor “interessa-se por informante

quem está no centro dos acontecimentos, que tem visão mais ampla das coisas, que são

os arquitetos da cena e encenação social” (MARTINS, 1991, p. 53.). O cuidado que ele

teve, naquele período histórico, foi dar a voz para aqueles que são invisibilizados e

silenciados historicamente:

O pesquisador quase sempre pressupõe e descarta, no grupo que

estuda, uma parcela de seres humanos silenciosos. De nada adiantaria

conversar com eles. São os que em público e diante do estranho

permanecem em silêncio: as mulheres, as crianças, os velhos, os

agregados da casa, os dependentes, os que vivem de favor. Ou os

mudos da história, que não deixam textos escritos, documentos.

(MARTINS, 1991, p. 53-4).

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O autor coloca em relevo a importância de refletir sobre o lugar que a criança

ocupa no sistema capitalista e se propõe a ouvi-las, sublinhando ser fundamental para as

pesquisas com crianças, com a intenção de entender a criança no seu contexto histórico

não a separando da vida material. O capital abraça as diferenças, entre elas a de idade,

pois a sua forma de apropriação e expropriação humana tem se renovado

cotidianamente. E como afirma Martins (1991), as crianças filhas de posseiros e os

camponeses na Amazônia acompanharam todos os processos, incluso os de violência

com os seus pais na luta pela posse da terra.

[...] poucos dias antes de minha chegada, os grileiros revidaram e

cometeram violências no povoado. Entre outras, prenderam e

amarraram um dos posseiros sobre um formigueiro da chamada

“formiga-de-fogo”, deixando-o ali várias horas. Essa violência foi

presenciada pelas crianças, que a ela e a outras se referiram nas

conversas que comigo tiveram. Antes disso, um grileiro tentara

incendiar o povoado, com seus ranchos de barro e palha, onde moram

centenas de famílias, num momento em que os pais estavam na roça e

nas casas se encontrava apenas crianças e poucos adultos. Foram

salvos porque o vento soprou na direção oposta, levando o fogo para

outro lado. (MARTINS, 1991, p. 57).

A criança pobre, filha da classe trabalhadora do campo e da cidade, no contexto

da sociedade capitalista, sofre todos os processos de violações e é a mais afetada e

invisibilizada por ser pequena e projetada pelo sistema capitalista como pequena adulta

consumidora das mercadorias do capital e objeto da exploração da mão de obra infantil.

A ideologia dominante e a sua forma de imposição é a de reafirmação da

propriedade privada, e, nesse processo histórico, quem mais sofre são as crianças e as

mulheres. E, no campo, como na cidade, as mulheres desenvolvem jornadas duplas de

trabalho, porém o trabalho agrícola ou assalariado exige a exposição ao sol e o esforço

físico que é determinado pelos próprios meios de trabalho. Por exemplo, no corte de

cana, a colheita do feijão, do milho, entre outras produções. A mulher que trabalha nas

lavouras, muitas vezes, leva os filhos junto ao trabalho, prepara a alimentação de toda a

família e, na volta pra casa, apanha lenha e, ao chegar à casa, ainda se depara com

vários afazeres domésticos, o cuidar dos animais, da horta, das flores etc.

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Para Marx (2009), as diferentes formas estabelecidas de propriedade privada têm

na sua raiz

[...] a divisão do trabalho, na qual estão dadas todas essas

contradições, e a qual por sua vez assenta na divisão natural do

trabalho familiar e na separação da sociedade em famílias individuais

e opostas umas às outras, está ao mesmo tempo dada também a

repartição, e precisamente a repartição desigual, tanto quantitativo

quanto qualitativo, do trabalho de seus produtos e, portanto, a

propriedade, a qual tem o seu embrião, a sua primeira forma, na

família, na qual a mulher e os filhos são os escravos do homem.

(MARX, 2009, p. 46-47).

A superação da propriedade privada só é possível no processo revolucionário

com a classe organizada para o socialismo. E as transformações só irão ocorrer na

medida em que os direitos sejam de igualdade e que os processos sejam construídos

coletivamente para todas as gerações. Nesse caso, a educação é elemento fundante para

o processo de formação humana. Ao considerar seus fundamentos histórico-ontológicos,

Saviani (2007) afirma que a “educação é vida” e não somente “preparação para a vida”,

é um processo que vai se realizando ao longo da história pelos próprios seres humanos e

o resultado desse processo é o próprio humano. A separação entre trabalho e educação

ocorre na divisão do trabalho e na apropriação da propriedade privada.

[...] com o controle privado da terra onde os homens vivem

coletivamente tornou-se possível aos proprietários viver do trabalho

alheio; do trabalho dos não proprietários que passaram a ter obrigação

de, com o seu trabalho, manterem-se a si mesmos e ao dono da terra,

convertido em seu senhor. Na antiguidade, tanto grega como romana,

configura-se esse fenômeno que contrapõe, de um lado, uma

aristocracia que detém a propriedade privada da terra; e, de outro lado,

os escravos. (SAVIANI, 2010, p. 155).

O processo do conhecimento e apropriação coletiva da natureza se perde com a

propriedade privada que produz profundas desigualdades sociais, produzindo

exploradores e explorados e acirrando com mais evidência as contradições antagônicas.

O desenvolvimento do sistema capitalista, segundo Fernandes, “na verdade o capital só

se produz e reproduz quando surgem as condições especiais e históricas de existência da

propriedade privada, da acumulação capitalista acelerada, da constituição de um

exército de reserva etc.”. (FERNANDES, 2009, p. 35). É exercido pelo processo de

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exploração humana da força de trabalho de diferentes idades. Portanto, estudar a

infância, numa perspectiva crítica e dialética, necessariamente, sugere uma relação do

processo histórico do desenvolvimento do capitalismo e suas relações com a vida

material dos seres humanos que se relacionam socialmente. A criança não vive em um

mundo isolado das relações políticas, sociais, econômicas e culturais da sociedade,

portanto estudar a criança é trazê-la para o contexto histórico na atualidade.

E estudar a infância que está no campo é refletir sobre uma criança que vive em

um território disputado pelo capital, de exploração, de negação a diferentes direitos –

como educação e saúde. E trazer a criança que nem sempre fala, ou é escutada, mas

pensa, fala e escuta e certamente tem opinião sobre o mundo.

As crianças do campo inscrevem-se, como todas as crianças, em

relações complexas, na medida em que participam da simultaneidade

de tempo sociais que constitui o mundo global. Elas são sujeitos que

atuam no mundo e são afetadas por ele. Assim, falar de infância do

campo, das crianças concretas que o habitam, é inexoravelmente falar

de sujeitos do mundo, integrados a lugares, e sujeitos que a

globalização uniu, partilhando de seus dramas, tragédias, realidade e

fantasia. (SILVA, FELIPE, & RAMOS, 2012, p. 417-8).

É pensar o lugar em que está a sua família no contexto social, o lugar do

trabalho e do projeto educativo hegemônico, nesse contexto atual, sendo que, no

processo de modernidade para o desenvolvimento, se pensou a fábrica, a indústria e a

educação a serviço desse desenvolvimento. O lugar da infância da classe trabalhadora

está no contexto do campo e da cidade e na intencionalidade da pedagogia do capital na

disputa pela educação das crianças e no lugar da luta social, da resistência de classe.

- Que educação está sendo pensada para o trabalho de formação humana?

- Quais as formas de atuação encontradas pelo capital para atuar no campo e

fazer a formação ideológica, em particular das crianças?

2.3 A pedagogia do capital no projeto do agronegócio para a infância do campo

A pedagogia do capital no campo, hegemonizado com o projeto do agronegócio

- frente importante em defesa da agricultura de mercado - vem se desenvolvendo em

parcerias com o Estado brasileiro para fazer a formação intelectual no campo da

indústria cultural, da comunicação de massas e da educação ambiental, de professores,

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102

crianças, adolescentes e jovens nas escolas públicas como também, de certa forma,

envolvem suas famílias no processo de convencimento do seu projeto de agricultura de

mercado. Essa formação lança mão de diversas estratégias: tem estimulado a produção

da arte, no incentivo de concurso de poesias e desenhos sobre o agronegócio; da

comunicação de massas e da indústria cultural produzindo filmes da Disney que

reafirmam interesses ideológicos da produção da monocultura e do uso do agrotóxico,

como também das produções de desenhos animados no fortalecimento do agricultor

como “herói”, incentivando o uso de equipamentos individuais para a aplicação de

agrotóxicos e das parcerias estabelecidas com as secretarias municipais e estaduais na

discussão do “meio ambiente” para crianças das escolas públicas do campo e da cidade.

Por um lado, temos a educação que a burguesia projeta para os filhos da classe

trabalhadora, por meio da educação pública que é hegemônica; por outro lado, existe a

luta histórica dos trabalhadores da educação, da luta por educação do campo que são

contrários à mercantilização da educação e dos projetos que estão sendo implementados,

na direção de dominação. Ambas presentes na realidade atual disputam a formação das

crianças e jovens.

Em pesquisas recentes, Regina Bruno (2010) 65

considera o agronegócio como

palavra política, e que se reafirmar como uma expressão de união, de sucesso e de

riqueza. União entre o “rural e urbano”, representando um grande salto no processo da

dívida histórica com o meio rural. (BRUNO, 2010, p.3). Do lado “de dentro da

porteira” com a grande produção de monoculturas, e “do lado de fora da porteira” é o

agronegócio entrando por todas as partes da cadeia industrial.

Um outro aspecto é a noção de agronegócio como sinônimo de êxito:

uma atividade que “deu certo e teve sucesso”, dizem. Um sucesso

indissociável da ideia de competência e de geração de riqueza e de

lucro [ABAG]. “Agronegócio é o lucro. É o dinheiro entrando no

caixa”, afirma um dos entrevistados. [AMPA]. “O agronegócio gera

riqueza”, reitera outro. Riqueza concebida como lucro e também

riqueza entendida como progresso das cidades onde o agronegócio

impera. (BRUNO, 2010, p. 4).

Para a referida pesquisadora, os agentes do agronegócio, em seus discursos, o

relacionam a um “padrão tecnológico” de produção de maquinário e insumos, “gerador 65

Disponível em: http://www.alasru.org/wp-content/uploads/2011/09/GT19-Regina-Bruno.pdf acesso em

13 de julho de 2015.

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de emprego e melhorias das condições de vida”. O agronegócio, para eles, é sinônimo

de responsabilidade social; de superação da pobreza. É representado e recorrentemente

difundido como a solução para a pobreza. Para os agentes do agronegócio, a

preocupação é de uma imagem positiva desse projeto mesmo que cause impactos à

saúde das pessoas, à natureza, entre outros,como por exemplo, na relação do

agronegócio com a poluição em Ribeirão Preto,

[...], a dona-de-casa em Ribeirão Preto (SP), cidade que respira

agronegócio, mas que ao ver a fuligem da queimada da cana não

pensa o agronegócio como gerador de emprego e renda e sim como

responsável pela poluição”. (BRUNO, 2010, p. 15).

A grande vitória ideológica do agronegócio é a de ter conseguido

diluir a questão da terra e construir o apagamento da questão

fundiária, diz Nazareth Baudel Wanderley. Dessa perspectiva, a

reforma agrária é considerada um assunto ultrapassado, quer por

julgarem que foi resolvida pela modernização da agricultura; quer por

considerarem uma questão ideológica sem valor científico que

justifique ações e recursos públicos. (BRUNO, 2010. p. 17)

O antagonismo de classe se expressa na distribuição de investimento para a

agricultura brasileira. Para a agricultura de mercado do agronegócio, sempre foi

privilegiada pelo investimento público nos diferentes governos, a grande esperança do

trabalhadores do campo é que no Governo de Dilma Rousseff fosse diferente, porém os

investimentos expressam tamanha desigualdade para quem se destina os recursos

públicos. No Plano Safra66

de 2015/2016, R$187,7 bilhões para investimento para

“agricultura empresarial” do Plano. E, para agricultura familiar, produtora de 70% da

alimentação para a população brasileira, o investimento para o Plano Safra67

foi de

2015/2016 é de R$28,9 bilhões. A reforma agrária, considerada como questão

ideológica, não está na pauta de uma política necessária para a distribuição de terras e

da renda no país. A prioridade, nesse caso, são os grandes negócios da agricultura.

66

Disponível em: http://www.mda.gov.br/sitemda/noticias/pronaf-20142015-fecha-com-r-239-

bilh%C3%B5es-contratados-para-custeio-e-investimento-na Acesso em 10/12/2015, as 13:42h 67

Disponível em: http://www.mda.gov.br/sitemda/noticias/agricultores-familiares-j%C3%A1-podem-

acessar-cr%C3%A9dito-do-plano-safra-20152016 Acesso em: 10/12/2015, às 13h51

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104

No percurso de inserção política e ideológica do agronegócio no Brasil,

representado pela sua principal instituição ABAG68

, a palavra política agronegócio

representa

[...] enquanto discurso da competência e do poder pressupõe um

contradiscurso. Pressupõe também o sujeito do contradiscurso.

Hoje, Agronegócio e trabalhadores rurais, Sem Terra, agricultor

familiar, camponeses, comunidades quilombolas, povos da

floresta e tantos outros mais unidos pelo questionamento de sua

condição de subalternos, são palavras políticas que se definem

na relação que as negam. Designam o lugar social de cada uma

das classes e grupos sociais em questão e expressam a unidade

política, ideológica e simbólica de suas respectivas situações de

classe. (BRUNO, 2010, p. 18).

O agronegócio é uma invenção norte-americana e foi projetado pensando na

representação de 35% a 50% da economia estadunidense. Para que essa representação

fosse possível, foi realizado uma comparação do consumo da população americana que

“gastaram, em 1954, US$ 236,5 bilhões, com o que foi gasto em alimentos, bebidas,

tabaco, sapatos, roupas e acessórios, que somaria cerca de US$ 93 bilhões, ou 40% do

total consumido naquele ano” (MENDONÇA,2015, p.377) . A pesquisadora chama

atenção em relação à padronização internacional dos alimentos cuja indústria de

alimentos foi fundamental para a expansão do agronegócio desde a produção de

insumos industriais e comerciais.

O conceito de agronegócio está relacionado a um conjunto de medidas

impulsionadas por governos e instituições privadas que intensificaram

a industrialização e a padronização da agricultura em nível

internacional. No período posterior à Segunda Guerra Mundial,

verifica-se um processo de expansão do comércio agrícola

impulsionado pelos Estados Unidos, que é acompanhado pela

aceleração da industrialização da agricultura. O aumento da

produtividade de grãos gera uma demanda crescente por investimentos

para cobrir custos com mecanização, o que resulta na criação de

diversas políticas governamentais de subsídios internos e também para

exportação. A mecanização e o uso de insumos petroquímicos

aumentam os custos da produção agrícola baseada em monocultivos e

geram endividamento do setor. O apoio estatal para o agronegócio

resultou no aumento da concentração de capitais, que se verifica

68

ABAG – Associação Brasileira do Agronegócio.

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105

através do papel que empresas multinacionais exercem,

principalmente no mercado de insumos agrícolas e na comercialização

internacional de commodities (MENDONÇA, 2015, p. 401).

Na concepção do agronegócio sobre a fusão campo e cidade, “do lado de dentro

da fazenda” a produção em grande escala, e “do lado de fora” o processamento dos

produtos e a relação internacional de mercado, num contexto de unidade entre “campo e

cidade” em nome do capital. A pesquisa69

de Rodrigo Lamosa e de Carlos Frederico B.

Loureiro (2014), sobre o agronegócio e a educação é reveladora da intencionalidade do

capital diante da unidade campo e cidade, bem como para pensar a educação dos filhos

da classe trabalhadora.

Os referidos autores destacam o ideário ambientalista do setor do agronegócio

que se junta aos setores que fazem apelos à questão ambiental no Brasil e passam, desde

então, a atuar com programas ambientais nas escolas públicas, desde 2001. A ABAG é

uma organização da classe dominante difundida no país desde os anos de 1990, pensada

para reorganização do Estado, na liberação de economia com fortes transferências das

políticas públicas e sociais para o privado (LAMOSA e LOUREIRO, 2014).

Com a expressão “do lado de dentro da porteira”, significando a produção

agrícola (soja, cana, milho, laranja, eucalipto...), e a expressão “da porteira pra fora”,

referindo-se à grande produção industrial, podemos afirmar que o agronegócio

“representa diferentes frações do capital: agrário, comercial, industrial e financeiro”. De

acordo com os autores, o agronegócio se constitui como “partido” ou “príncipe

moderno” cumprindo com a organização e direção moral e política à classe dominante.

(p. 534).

O objetivo do partido do agronegócio foi formular e mobilizar,

difundindo os interesses do conjunto das frações agrárias mais

modernas do Brasil, além da unidade entre estas e outras frações da

classe dominante, no interior da sociedade civil. A ABAG está longe

de ser apenas uma organização dos proprietários rurais. Desde sempre,

seu objetivo foi aproximar a organização das grandes empresas de

capital nacional e estrangeiro, membros das frações industriais e,

principalmente financeiras. (LAMOSA & LOUREIRO, 20014, p.

538).

69

Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ensaio/v22n83/a11v22n83.pdf Acesso em: 13 de junho de

2015.

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106

A ABAG comporta, segundo os pesquisadores, a formação intelectual orgânica

do agronegócio e intelectuais tradicionais, enfatiza sobretudo professores e jornalistas.

Busca também incidir no ensino público, o qual passa ser mediado por interesses

privados se sobrepondo com a ideologia do desenvolvimento sustentável capitalista sem

mediações críticas e históricas. (LAMOSA& LOURENÇO, 2014).

A ABAG, ao longo das últimas duas décadas, têm alguns “braços pedagógicos”

pensantes para o agronegócio, representados pelos institutos “PENSA, localizado na

Universidade de São Paulo (USP), e pelo Centro de Estudos do Agronegócio (GV

Agro), na Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), além de outros institutos” (Lamosa &

Lourenço, 2014, 539-40). Esses programas, segundo afirmam os autores, foram

importantes para produção de pesquisa para o agronegócio, como também para a

formação de quadros das empresas associadas ao agronegócio. O programa PENSA teve

a dedicação a programas regulares do ensino, como também de formação continuada.

A representação institucional da ABAG reafirma a sua articulação no campo

nacional e internacional e o seu vínculo com as diferentes instituições e empresas

industriais, tendo atuado nos diferentes territórios do mercado.

Tomando como referência a diretoria e o conselho administrativo da

ABAG, encontra-se entre seus principais associados os representantes

de cooperativas, como a Batavo, Cotia, Mococa, Carol, Holambra,

Cooxupe, Copersucar e Fecotrigo. Do setor ligado ao comércio estão a

COM Comércio Exterior Ltda, Agroceres S. A., Eximcoop, Cotia

Tranding Comércio, Exportação e Importação, Comércio Quintela e

Casas Sendas. Ente as indústrias, estão a Monsanto, VALE, Gerdal,

Fertibras, Iochpe-Maxion, ICI do Brasil e Copas. Entre as empresas

agroindustriais, estão presentes a Sadia, Nestlé, Cambuhy, Suparroz e

Sanbra. Entre os bancos, estão o Itaú, Santander, Banco Noroeste e o

Credit lyonnais. Há a representação da Bolsa de Cereais de São Paulo,

da Bolsa de Mercadorias e Futuros e das Fazendas Reunidas e

Cabrera. (ABAG, 2002), (LAMOSA & LOUREIRO, 2014, p. 541).

Seus principais associados são responsáveis por desenvolver programas

educativos em parcerias com vários Estados brasileiros. A atuação do agronegócio e sua

pedagogia no campo educacional, de certa forma, tem incorporado a educação de

mercado na educação pública, ou seja, está sendo desconsiderado pelo Estado todo um

processo de luta da categoria dos trabalhadores da educação, impondo um

direcionamento ideológico para o avanço do capital. Com sua intencionalidade, a

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pedagogia do agronegócio atua na formação de professores e crianças através da cultura

e comunicação. Segundo os pesquisadores, foram produzidos 37 filmes institucionais de

30 a 60 segundos de duração que são veiculados, diariamente, nas principais emissoras

de Televisão da região de Ribeirão Preto (LAMOSA & LOUREIRO, 2014).

As campanhas e slogans foram se modificando conforme o processo de

aceitação e inserção nos espaços educativos. Em 2006, a chamada foi “Agronegócio:

todos fazem parte; em 2009 – “Agronegócio você também faz parte”; e em 2011 – “Sou

Agro”, campanhas divulgadas em rede nacional da Rede Globo e nos projetos

educativos das escolas como: Agro trabalho- Agro saúde – Agro energia – Agro

futuro”. É nesse contexto da hegemonia da pedagogia do capital que está sendo pensada

a educação dos filhos da classe trabalhadora do campo e cidade. Num discurso em que o

agronegócio se apresenta “não só como comida, mas como fibra, energia, emprego e

salário e tudo que gira em torno do que é produzido no campo” (LAMOSA &

LOUREIRO, 2014).

Essa realidade em disputa desigual indica as várias formas que o capital vem se

apropriando do campo educacional, desenvolvendo projetos ambientais, culturais e de

comunicação. E a educação brasileira, alicerçada no pensamento mercadológico, desde

as relações de produção massiva sem conteúdo e qualidade, ao aligeiramento na

formação profissional, na competitividade do indivíduo sobre o mundo e alienação do

trabalho - são elementos que da mesma forma que o agronegócio considera o campo e

cidade, a fusão dessas frentes de comunicação, cultura e educação são instrumentos

importantes para a formação ideológica a serviço do capital.

Para Traspadini 70

, “nos últimos 10 anos cresceu a preocupação dos técnicos dos

governos, dos políticos e do capital sobre a necessidade de se projetar cenários para o

futuro”. Ela destaca quatro pontos em relação à escolha do agronegócio na educação dos

filhos da classe trabalhadora. Para a economista, as crianças serão um “futuro exército

produtivo”:

Segundo a CEPAL, a América Latina possui aproximadamente 600

milhões de habitantes. Destes, 27,3% têm até 14 anos de idade e

33,6% têm de 15 a 34 anos. Tomemos como referência apenas o

primeiro grupo. Se analisarmos as projeções para os próximos 25

70

Disponível em: http://www.brasildefato.com.br/node/5842 Acesso em: 09 de jun de 2015.

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anos, este grupo terá entre 25 a 39 anos de idade. Em 25 anos, estas

crianças já terão passado por um processo de formação ideológica,

cultural e política que moldará em muitos sentidos sua forma de ver e

atuar sobre o mundo. (TRASPADINI, 2010, s/n).

O segundo ponto é a “formação da consciência”, não podendo haver espaço para

o questionamento. O capital define a formação de consciência através da dominação e

adestramento; “aniquilando o sentido do público e reiterando com força o privado”. O

terceiro “exemplo concreto de projeção do capital”, segundo Traspadini, a mineradora

VALE juntamente com ONG coordena o projeto ES:2025 e estabelecem parcerias com

as escolas públicas municipais de educação infantil no Estado do Espírito Santo.

A empresa faz uma parceria com algumas escolas públicas e leva as

crianças dos centros municipais de educação infantil para conhecerem

suas instalações. Disponibiliza o ônibus, os instrutores, explica

pedagogicamente o processo a ser apreendido, distribui jogos

“educativos” de presente, dá lanche e retorna as crianças para a escola

e suas famílias com a certeza de que reproduziu, a partir daquele

momento, o diferente e belo na vida daqueles futuros trabalhadores.

[...] A Vale projeta, junto com seus pares, um futuro de submissão

para estas crianças da classe, cuja aparente certeza de inclusão se

constrói sob as bases dos princípios e valores ditados pelo grande

capital. (TRASPADINI, 2010, s/n).

A Vale, para além do projeto no Estado do Espírito Santo, também define as

relação políticas e projetos de educação nos territórios de exploração de mineração nos

Estados do Maranhão, Pará e Minas Gerais. Além de sua influência internacional na

exploração de minério. Bem como afirma Araujo (2015), em seus estudos sobre o

projeto de educação da Vale no Estado do Maranhão, onde a Companhia tem total

liberdade para atuar na esfera pública das escolas:

Faz-se necessário compreender que, nesse contexto de

desenvolvimento, tanto na perspectiva do Estado desenvolvimentista,

onde os aparatos do Estado são colocados a serviço do

desenvolvimento capitalista dos países periféricos, como na

perspectiva do Estado neoliberal, onde a iniciativa privada tem total

liberdade de atuar e definir o mercado e a economia é produzida numa

enorme desigualdade social, na qual os frutos da modernização

econômica são absorvidos pelos proprietários, sendo negada à maioria

da população a possibilidade de usufruir desses frutos. Isso pode ser

constatado ao analisarmos, por exemplo, a realidade socioeconômica

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dos municípios por onde passa o maior trem do mundo, transportando

toneladas de minério, que se traduzem numa riqueza extraordinária em

matéria-prima do país. [...], entretanto sabemos que o Maranhão é um

dos Estados mais pobres, ao mesmo tempo em que sedia o Porto da

Madeira que recebe e exporta diariamente o minério produzido no

Pará. (ARAUJO, 2015. p. 33).

Como afirma Traspadini (2010), nos pontos destacados sobre as investidas do

capital no público infantil e adolescente da América Latina – o exército de reserva, a

formação da consciência, são elementos importantes para a formação dessas investidas e

é certamente o ponto principal de atuação prática do capital, com os “projetos

educativos” na educação pública que tem sido um elemento importante para o acúmulo

e publicização de seus projetos sociais capitalistas. Araujo (2015) destaca as

desigualdades na distribuição das riquezas produzida pela Companhia Vale, que ao

mesmo tempo produz mais riqueza, produz também “um desenvolvimento para o

capital, sustentado no empobrecimento local” e tem a Fundação Vale como prática

dessa formação da “consciência”, desenvolvendo projetos “educativos”, tendo “a

educação como um fio condutor do desenvolvimento do capital”. (ARAUJO, 2015, 44-

45).

O quarto ponto, destacado por Traspadini, trazendo como questão: o que está em

jogo, afinal? Nas conclusões, a autora reafirma a necessidade da “manutenção da

acumulação do capital centrado na exploração do trabalho”, o “atual consumo da

criança, associado à inserção de futuro como trabalhador endividado e consciente,

trabalhar para consumir”; “a formação da consciência de que não existe outro projeto a

não ser o dominante”; “um projeto único de sociedade sem disputa e contradições e de

dominação de classe”. (TRASPADINI, 2010, s/n).

Para Traspadini71

(2011), para além da intervenção do capital na educação

infantil, as regiões centro-sul com mais de 100 municípios nos Estados de SP, MG, MT,

MS, PR e GO, concentram 90% da produção canavieira, e desenvolvem o Projeto

Agora. Pensando a educação formal de estudantes do 7º e 8º ano numa parceria público-

privada, entre instituições governamentais, alguns sindicatos e o grande capital, Itaú,

Monsanto, Basf, Dedine, CEISI, Amyris, BP, FMC e SEW Eurodrive, são as empresas

centrais do processo (TRASPADINI, 2011, p. 2).

71

Disponível em: http://www.brasildefato.com.br/node/5842 Acesso em: 9 de jun de 2015.

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O conteúdo trabalhado nos kits de materiais didáticos estão voltados, segundo a

economista, ao desenvolvimento e progresso; inclusão social com dignidade. História

reduzida à vitória do capital. Terra e riqueza associadas ao progresso e a uma educação

adestradora.

O kit educativo é uma cartilha de agitação e propaganda da indústria

canavieira. Faz um superficial recorrido histórico sobre o cultivo da

cana até o Brasil colonial, onde não são manifestas lutas, disputas,

contestações à imposição do poder. [...] O que está colocado no

projeto de educação das grandes empresas é uma gigantesca máquina

do terror em que a produção material da vida aparece invertida e os

olhos já não mais devem conseguir visualizar as contradições

cotidianas. (TRASPADINI, 2011, p. 2).

O investimento do grande capital na educação se relaciona com seu interesse na

privatização do ensino bem como com a ideologização do seu conteúdo. As pesquisas

apontam para uma “proletarização e desprofissionalização” dos docentes bem como a

perda da “criticidade dos estudantes” (LAMOSA, 2014). No site da ABAG72

, segundo

informação contida no documentário do “Programa Educacional Agronegócio na

Escola”, já passaram por essa formação mais de 150 mil estudantes e foram capacitados

mais de 8 mil professores. Há, portanto, uma intensiva ação do agronegócio na

formação das crianças, adolescentes, jovens e adultos.

A intensificação dessa formação é representada por vários projetos educativos,

desde as produções musicais, para todas as gerações, com um conteúdo que desqualifica

o ser humano, e penetra na cabeça, na voz e no corpo das crianças pequenas até à

intensificação do consumo, no qual a criança é estimulada a comprar, convencer os pais

para comprar roupas (que sexualizam precocemente as meninas), brinquedos (que

produzem violência ou criam um estereótipos de crianças), celulares, maquiagem,

materiais escolares com foto de artista ou de desenho animado, entre outros. Toda essa

produção tem um prazo muito curto de validade. O projeto hegemônico capitalista

encontra-se no âmbito de transformar tudo em mercadoria e não em prática criativa da

sociedade.

72

Disponível em: http://www.abagrp.org.br/acao-agronegocio-na-escola.php Acesso em: 11 de junho de

2015.

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111

A indústria cultural do Capital.

As produções da indústria cultural se baseiam na necessidade do capitalismo,

cuja forma e conteúdo, estão baseados na de alienação, influenciando a cultura de

massas na vida dos seres humanos e, especialmente, na vida da criança por causar um

maior impacto na sua formação, condicionando-a a uma sociedade sem história, sem

memória, sem classe.

De acordo com os estudos de Neil Postman (1999), relacionados ao livro O

desaparecimento da infância, mais especificamente no capítulo 8, denominado de “A

criança em extinção”, no final da década de 1970, aprofunda a análise sobre as crianças

na sociedade norte-americana. Se fôssemos discutir o Brasil, não seria muito diferente a

relação mundializada e hegemônica da comunicação de massas e suas intencionalidades

na formação das crianças. O referido autor aponta, como fontes, os meios de

comunicação na “fusão do gosto e estilos de crianças e adultos” relacionados ao

desaparecimento da criança como criança na mídia corporativa.

Gostaria de começar, então, chamando a atenção para o fato de que as

crianças praticamente desapareceram da mídia, especialmente da

televisão, (não há nenhum sinal delas no rádio ou nos discos, mas seu

desaparecimento da televisão é mais revelador). Quero dizer que

quando são mostradas, são representadas como adultos em miniaturas,

à maneira das pinturas do século XIII e XIV (POSTMAN,1999, 136).

Essa relação da criança, no Brasil, é visível nos programas de televisão, (show

de calouros, comerciais, novelas, programas voltados às crianças com apresentadores

infantis...) com uma grande intensidade nos comerciais, especialmente com objetivo de

vender o produto. O autor conceitua a “criança adultificada”, mas também a ascensão

do “adulto infantilizado” como uma forma estabelecida hoje nesse pensamento da

comunicação de massas. Ela atende a todos, independente da idade.

Com algumas exceções, os adultos na televisão não são levados a

sério seu trabalho (se é que trabalham), não cuidam de crianças, não

têm opção política, não praticam nenhuma religião, não representam

tradição alguma, não têm projetos ou planos sérios, não tem conversas

demoradas e em nenhuma circunstâncias aludem a qualquer coisa que

não seja familiar a uma pessoa de 8 anos. (POSTMAN, 1999, p.141).

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Essa relação do mercado vale também para o uso da roupa entre crianças e

adultos e “em nossa situação atual, os valores e estilos da criança e dos adultos tendem

a se fundir” (Postman, 1999). Essa fusão é explícita nas lojas de roupas brasileiras, nos

hábitos alimentares – alimentação aligeirada e as campanhas publicitárias. O que está

em pauta é a forma com que as crianças aparecem nesses espaços representando e

reproduzindo a forma adulta.

Este processo pode ser observado não só nas roupas, mas também nos

hábitos alimentares. A refeição ligeira e de má qualidade, antes só

apreciada pelos paladares menos exigentes e pelo estômago de

avestruz do jovem, é agora a alimentação comum entre os adultos. Isto

pode ser inferido dos comerciais do McDonald’s e do Burger King,

que não fazem distinção de idade nas suas campanhas publicitárias.

Pode ser observado também diretamente. Basta ver a proporção de

crianças e adultos que frequentam tais lugares. Ao que parecem

adultos consomem pelo menos tanta comida ruim quanto as crianças.

(POSTMAN, 1999, p. 143)

O jogo infantil é estimulado para a competição. No EUA, desde os 6 anos, as

crianças são estimuladas a competir seriamente, a ideia de jogo para as crianças se

tornou uma preocupação do adulto. A espontaneidade no jogo não faz parte do pensar

dessa sociedade, a supervisão e competitividade são elementos da formação desde a

infância. (POSTMAN, 1999)

As respostas para todas essas perguntas é que o jogo infantil se tornou

uma preocupação dos adultos, se tornou profissionalizado, não é mais

um mundo separado do mundo dos adultos. A participação de crianças

em esportes profissionais e competições internacionais de amadores

está evidentemente relacionado com tudo isso. [...] os pressupostos

tradicionais sobre a singularidade das crianças estão desaparecendo

rapidamente. O que temos aqui é o surgimento da ideia de que não se

deve brincar só por brincar, mas brincar com um propósito externo,

como renome, dinheiro, condicionamento físico, ascensão social,

orgulho nacional. Para adultos, brincar é coisa séria. À medida que a

infância desaparece, desaparece também a concepção infantil de

brincar. (POSTMAN, 1999, p. 144-145).

Desta maneira, é nesse contexto que ocorre a fusão e a homogeneização na

cultura, na comunicação, na alimentação e em outros aspectos da vida. “Assim como a

roupa, os alimentos, os jogos e os entretenimentos caminham para uma

homogeneidade de estilos, assim como também na linguagem” (POSTMAN, 1999,

p.146). E na fusão do capital entre cultura, comunicação e educação, que desaparece

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também as brincadeiras coletivas, os brinquedos que passam a ser industrializados,

bem como as relações sociais e humanas, que nesse tipo de sociedade deixa de existir.

No caso dos brinquedos, pesquisas73

indicam que aqueles que emitem som são

piores para o desenvolvimento da criança. Pois o brinquedo passa ser o que interage

com a criança, e ela terá menos contato com os adultos prejudicando o

desenvolvimento da linguagem. (PEREIRA, 2015). Para pesquisadora de psicologia, o

exemplo da boneca “Barbie” e, agora, em sua nova invenção “Hello Barbie”, vem com

o que é demais avançado no controle dentro da casa das famílias,

Nascida nos Estados Unidos, Barbie foi durante décadas a boneca mais

vendida no planeta. Dona de um fã clube de mais de 18 milhões de

colecionadores pelo mundo todo, exemplo de beleza para mulheres que

tentaram reproduzir seu rosto com cirurgias plásticas, ela completou meio

século de existência com direito a desfile de moda em Nova York, exposição

em museu suíço e sem nenhuma marca do tempo – com os mesmos cabelos

longos, lisos e loiros e olhos de estrela. Boneca, que não envelhece nas

prateleiras, atravessou cinco décadas imbatível, com um sorriso no rosto e

influenciando meninas do mundo inteiro com valores materialistas e ideais

de beleza inatingíveis. E, agora, mais uma vez, se reinventou com o

lançamento da versão Hello Barbie, a primeira da linha que fala e responde

às perguntas das crianças. (PEREIRA, 2015).

A invenção dessa nova tecnologia de brinquedo que armazena falas da criança,

mas também do conjunto de pessoas que convivem com elas, consegue através de

aplicativo armazenar mais de oito diálogos da criança, ou seja, a forma de controle

exercida nesse contexto sobre as relações sociais, vai determinando as novas produções

de mercadorias, bem como chama atenção a pesquisadora para os gostos, lugares e que

pode ser perigoso.

Outros exemplos como O filme da Disney Aviões, para Villas Bôas e Bastos74

(2013), em sua análise crítica, realiza “a transformação de um pulverizador em herói da

classe trabalhadora”. Os autores destacam que o “Estúdio estadunidense usa desenho

animado para propagandear expansão imperialista”. A análise demonstra uma junção da

cultura cinematográfica com produção de alimentos com agrotóxicos e uma ideologia

dominante que integra relações de poder.

Dada a gravidade do tema, é de estranhar que no debate sobre

soberania nacional e identidade cultural não cause nenhum incômodo

73

Disponível em: http://outraspalavras.net/posts/barbie-brinquedo-tirano/ Acesso em: 27 de janeiro de

2015. 74

Disponível em: http://www.brasildefato.com.br/sites/default/files/BDF_555.pdf Acesso em: 11 de

junho de 2015.

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a dependência brasileira da produção audiovisual estadunidense para o

segmento infantil. É como se, no âmbito da produção dos bens

simbólicos, fosse aplicável à teoria do livre mercado de circulação,

naturalizando sob a pecha de integração globalizada a concentração

dos meios de produção. [...] O público infantil é certamente o mais

vulnerável à influência da Indústria Cultural. E o flanco aberto para o

consumismo e todos os valores a ele agregados tem efeito traumático

permanente, pois quando assimilados no momento da formação dos

sentidos, da dimensão cognitiva e do senso de discernimento da

criança, dificilmente poderão ser vistos sob distância crítica pelo

mesmo indivíduo. (BÔA & BASTOS, p. 10. 2013).

A Disney apresenta, para as crianças, um filme infantil em que máquina tem

“sentimentos e sonhos”, um pulverizador –“Caipira” do campo “herói da classe

trabalhadora de todo mundo”, que consegue vencer uma das maiores corrida de aviões

do mundo e que passa uma “Vitamina” que é o “adubo cremoso e empelotado que

lembra flor do campo e almoço de domingo” (frases ditas pelas máquinas). Ele faz a

afirmação positiva da produção de monocultivos e incentiva o uso de agrotóxicos nas

lavouras. É um dos filmes a ser estudado e questionado, pois para a realidade brasileira

em que a agricultura faz uso intensivo de agrotóxicos, a afirmação e propaganda do uso

de veneno como vitaminas para combater as pragas é deseducativo e agressivo para as

crianças e o seu humano como um todo. O Brasil é um dos maiores consumidores de

veneno, chegando a utilizar 7, 3 litros75

por pessoa ao ano. Vale lembrar o fato

alarmante na escola rural, no município de Rio Verde, Goiás, que foi pulverizada com

aviação agrícola, deixando 29 crianças e oito adultos intoxicados e com problemas que

seguirão para a vida toda. Infelizmente, não é um fato isolado. O documentário

brasileiro “Pontal do Buritis: brincando na chuva de veneno76

” apresenta a realidade

concreta do campo no Brasil, do que o agronegócio propõe no seu projeto educativo. A

produção da monocultura no campo e a pulverização de veneno com aviões agrícolas

tem sido uma prática permanente das empresas do agronegócio em vários lugares no

país. O filme produzido pela Disney está disponível para as crianças do mundo. Vê-se

claramente que a intencionalidade da pedagogia do capital é, além de vender o produto,

vender uma ideologia de “produção sustentável”, universal, padronizada e de alto

75

Dados da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos.

http://www.contraosagrotoxicos.org/index.php/noticias/40-campanha/572-manifestacoes-pelo-pais-

marcarao-dia-mundial-de-luta-contra-os-agrotoxicos 76

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=qHQdWwZcGlg. Acesso em: 12 de junho de 2015.

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consumo principalmente para os países menos desenvolvidos e no caso do Brasil, com

possibilidade de terra, água e bens naturais.

As produções infantis do agronegócio, com bonitas ilustrações, desenhos

animados etc., são utilizados para atender à demanda do capital. O desenho animado

Meu herói é o Agricultor77

, produzido pelo projeto DuPont78

na Escola, apresenta-se

para o público infantil com muitas cores, sabores e cheiros.

O vídeo do projeto Dupont, na escola, cujo titulo é Meu Herói, o

agricultor, chama atenção, entre outras coisas, pelo fato de comparar

o agricultor que aplica agrotóxico nas monoculturas a um herói com

características de super-homem, que sabe lutar de forma correta contra

as pragas que ameaçam a plantação. É uma das formas mais visíveis

da presença da indústria cultural na escola onde a lógica dramatizada

coloca o individuo acima do coletivo. (CHÃ &VILLAS BOAS, 2015.

p.102).

A relação do agricultor com a natureza, nesse desenho animado, é representada

pela imagem de um campo bonito, um agricultor funcionário do grande capital. O

campo é apresentado como um lugar que se produz tudo pra viver. Mas existe um

proprietário dono de tudo e existe o funcionário responsável, consciente da natureza e

das formas que se deve atuar nela. O papel da mulher, nesse caso, é de “dona da casa”,

cuidadora dos filhos, que recebe a visita de seus sobrinhos que moram na cidade. As

crianças da cidade representadas no desenho expressam um desconhecimento da

realidade “rural”. O Super Máster79

salvador da humanidade foi o super herói do

menino da cidade até conhecer o super “herói” agricultor, vestido como astronauta com

uniforme (equipamento de proteção individual IPI) para passar agrotóxicos nas

lavouras. E, assim, em diálogo, as crianças reafirmam um campo bonito e harmonioso:

“é muito bom trocar os barulhos dos carros pelo canto dos passarinhos e a poluição por

esse ar puro”. E a afirmação positiva do uso do uniforme para passar agrotóxico é feita

pelo agricultor que, em diálogo com as crianças, diz: “Preciso usar isso, porque hoje

vou usar defensivos agrícolas. Os defensivos são produtos que protegem a plantação das

pragas e das doenças. Esse equipamento todo é muito importante para minha saúde.

Veja só como eu fico. Eu só posso fazer esse trabalho se estiver vestido assim”. O

77

Disponível em: https://vimeoss.com/67753165 Acesso em: 11/06/2015 78

Empresa que atua a mais de 200 anos e está represtada em de 90 países. 79

Super Máster é um desenho animado no qual o menino personagem do desenho faz referência, quando

chega ao campo do agronegócio e diz que o Super Máster pode resolver todos os problemas do mundo.

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desenho Meu herói é o agricultor reafirma a produção da monocultura da cana, da soja,

do suco de laranja e que o “Brasil é o primeiro em exportação e será o produtor de

alimento para o planeta” e incentiva o uso do agrotóxico na agricultura.

Essa é mais uma das linguagens que o agronegócio tem apresentado através dos

materiais lúdicos e didáticos para as escolas públicas no Brasil, fortalecendo a sua

ideologia de mercado, de exploração dos bens naturais e do próprio ser humano.

Em resumo, buscamos destacar, em linhas gerais, a atualidade da educação que

sempre esteve atrelada aos interesses dominantes. E, com o processo de

desenvolvimento, foi se adequando à necessidade do capital, fazendo a fusão entre as

diferentes linguagens através da indústria cultural na junção de comunição, alimentação,

cultura e educação, na perspectiva do consumismo de massa.

O avanço da pedagogia do capital, no Brasil, tem vários tipos de apoio do

Estado brasileiro: permite que a escola pública fique de portas abertas para receber a

intervenção direta da ideologia dominante, possibilita a formação dos docentes,

crianças, jovens e adultos pelas empresas privadas, negando o processo histórico de luta

dos trabalhadores da educação, rejeita a existência de seres humanos pensantes e

construtores da educação no Brasil, bem como a existência dos movimentos sociais que

denunciam permanentemente a intervenção violenta dessas empresas, no campo

brasileiro. Os Estados, municípios e Governo Federal, em parcerias com a “organização

política do agronegócio” e as empresas associadas ao capital disseminam a propaganda

e ideologia do agronegócio numa relação “campo e cidade”.

O desafio que está colocado para a classe trabalhadora é de resistência à exploração,

objetivando superar o estado de subserviência, alienação e competitividade em que se

encontram historicamente até hoje. São desafios permanentes na luta de classes, para

que os trabalhadores se organizem enquanto classe, para pensar um projeto social de

resistência, contra-hegemônico que demarque a luta concreta da classe trabalhadora.

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CAPÍTULO 3

INFÂNCIA NO MST: UMA PRÁTICA EDUCATIVA EM FORMAÇÃO

CONTRA-HEGEMÔNICA

Fonte: Marcelo Camargo/Agencia Brasil - Ocupação no MEC( 2014).

Nós, Sem Terrinha, estamos chamando os outros Sem Terra, os

amigos do MST e o povo para ajudar a conquistar nossos direitos e

cobrar isso do MEC. Como a luta não é fácil, precisamos de muita

gente!80

80

Fragmento do Manifesto dos Sem Terrinha à sociedade brasileira. Brasília, 10 a 14 de fevereiro de

2014, VI Congresso Nacional do MST.

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Este capítulo tem por objetivo contextualizar a criança na luta pela terra e as

mobilizações infantis que a proporcionaram visibilidade, presença na luta e

protagonismo na construção da identidade Sem Terrinha. Ao escolher a pesquisa sobre

as crianças do MST no Estado do Pará, levamos em conta alguns aspectos considerados

fundamentais no contexto da luta pela terra. Certamente nos demais Estados onde o

MST está organizado, a presença da criança é significativa, mas, nesse caso da luta pela

terra no Pará, a particularidade da região amazônica está marcada por elementos

fundamentais, como a resistência dos posseiros, a Guerrilha do Araguaia, a chegada do

MST - que provocou outra forma organizativa na luta-, além da repressão, da violência,

do massacre, presentes neste contexto. Destacamos as dimensões que essa prática

educativa tem na educação política das crianças e como ela tem provocado o MST, em

nível nacional, a pensar em várias questões, inclusive o Encontro Nacional dos Sem

Terrinha.

3.1 As mobilizações infantis e a educação política dos Sem Terrinha

Foto do site do MST: Encontro dos Sem Terrinha (PR), 2014.

A educação política na perspectiva da pedagogia socialista é o elemento

formador do sujeito social que participa da luta coletiva e elabora seu projeto, a partir da

realidade concreta, recusando-se a viver no limbo social das massas desorganizadas ou

“aceitar” de forma passiva a exploração. Esses sujeitos sociais, certamente, não serão

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bem vistos pela elite atual, porque defendem uma sociedade na qual todas as pessoas

tenham direito de viver dignamente, o que não se enquadra na lógica hegemônica.

A condição da criança é (re)significada a partir de uma perspectiva de resistência

e de presença na luta. Estes dois elementos são fundamentais para compreender a

infância no contexto da luta pela terra. No caso do MST, a terra, em seu significado de

luta, é a possibilidade para a reprodução da existência humana. E, nesse lugar, a criança

não está fora, ela faz parte e também constrói significado para a luta pela terra, ao

mesmo tempo em que é constituída por ele.

E naqueles lugares onde o MST ainda não tinha (ou não tem) acesso à

escola, as iniciativas de trabalho pedagógico paralelo ou

complementar ao tempo escolar acabaram gestando uma nova frente,

ainda conhecida no Movimento como mobilizações infantojuvenis.

[...] Uma das atividades que deu forma específica a essa nova frente

de ação do setor foi a comemoração alternativa do dia da criança,

através dos encontros regionais e estaduais de Sem Terrinha em que é

trabalhada a dimensão cultural da combinação das identidades: ser

criança e ser Sem Terra. Primeiro encontro desse tipo que o MST tem

registro foi em 1994, no Rio Grande do Sul. (CALDART, 2009, p.

271).

Nos significados que foram gestados no calor da luta pela terra para e com as

crianças do MST, bem como afirma Caldart, uma nova frente de atuação é forjada,

singular no que se refere à organização de crianças, filhas de camponeses, que

historicamente tiveram pouco ou quase nenhum acesso à escolarização, em que se

permite a formação da educação política da infância Sem Terra.

E retomando a construção coletiva da educação do MST, que busca experiências

da classe trabalhadora, não como receita, mas referência para a organização política do

Movimento,tem como inspiração as lutas organizadas pela classe trabalhadora

revolucionária. E, nesse sentido, como já mencionado no primeiro capítulo, as

experiências de construção coletiva cubana e soviética se destacam pelo tempo

acumulado da organização dos trabalhadores e da inserção da criança no aspecto da

educação política. Em Cuba, essa inserção política se dá através da Organização

Pioneira José Martí (OPJM) e, na União Soviética, através da elaboração da Pedagogia

Socialista no contexto de organização da classe.

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As crianças, em Cuba, desde a revolução, têm o seu espaço de protagonismo

através da Organização dos Pioneiros81

José Martí, processo que também contribuiu

com a organização da infância no MST. No trabalho dos OPJM, os Pioneiros estão

vinculados às escolas cubanas, num processo de formação em que a criança vai se

inserir a partir do 5 anos de idade, na organização e discussão política do país, através

das escolas. A forma de inserção da criança é de livre escolha, mas em sua maioria as

crianças querem ser da OPJM e participar das atividades proporcionadas pela

organização. O discurso de Fidel, em um dos Congressos dos Pioneiros, reafirma a

importância da organização das crianças e do seu conhecimento da história do país.

Ustedes han estado a la vanguardia en esa batalla de ideas, porque no

solo han asombrado a nuestro pueblo, han asombrado al mundo…

Ustedes han multiplicado la fuerza de esta Revolución. Somos más

fuerte por el papel que ustedes han desempeñado. […] Yo solo me

atrevería a preguntar si hay uno que sea hoy más culta que Cuba

(Expresiones de: “no!”) Porque ser rico y capitalista allá, donde se

exhiben en las vitrinas las mujeres para venderlas como mercancía, un

mundo contaminado por el tráfico de inmigrantes, un mundo

contaminado por las drogas, un mundo con 10% o un 15% de

desempleados aunque sea rico, un mundo de egoísta, un mundo todo

lo rige la ambición por el dinero, donde todo se vende y se compra?

Se puede llamar un país culto? (Exclamaciones de: “No!”).

(CASTRO, 2004, p. 70 - Revista Pioneiro).

No pronunciamento para as crianças do Congresso dos Pioneiros, Fidel Castro,

seu dirigente maior, com intencionalidade e direcionamento do conteúdo educativo, traz

como referência a luta como memória/histórica, expressado de forma viva na luta do

povo cubano através do processo revolucionário que construiu uma sociedade contra-

hegemônica. Essa inspiração, em certa medida, está presente no trabalho que o MST

desenvolve com as crianças.

Nessa direção, também a educação socialista, realizada na União Soviética, pós-

revolução de 1917, se faz presente na prática materializada na luta dos trabalhadores

Sem Terra que se desenvolveu a partir da sua realidade brasileira. A partir dessas

experiências do trato com as crianças, numa perspectiva socialista e suas reelaborações,

bem como da própria referência do jeito de se organizar o MST, constitui-se a

81

O termo Pioneiros refere-se à organização das crianças cubanas, articulado pelas escolas do Estado

cubano. É um espaço de interação com a educação, cultura e política.

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Pedagogia do Movimento, e a educação política da infância Sem Terrinha. Ela tem

como “ponto de partida” a própria luta social, tornando-se inspiradora para outras

organizações sociais do Brasil e de outros países. Na compreensão da importância desse

espaço com as crianças e do trabalho educativo com elas, no contexto de luta, Kolling

relata como foi gestado o lugar e o trabalho de formação para as crianças, no MST, com

inspirações em Cuba:

A gente percebeu o esforço de construir o protagonismo desde a

infância, que é fortíssimo. Desde o berço ter as brincadeiras que são

realizadas. Aquela ideia que tu és responsável pelo teu núcleo, então

desde a ter a infância, foi um elemento que a gente também trouxe.

Como a gente constrói desde a infância o protagonismo dos Sem

Terrinha. E Cuba também tinha, sobremaneira, a ter o ser humano no

centro e dentro do ser humano tá a infância. Nas falas do comandante

para o povo, “se não tem ovos pra todo mundo, mas para as crianças

vai ter, o leite”. A criança tem uma centralidade dentro da

centralidade que é o ser humano, ela é duplamente central. Então o

cuidado com as mães que estão embaraçadas (grávidas), tem um

acompanhamento que é, assim, religioso, é sagrado, há aquele

médico da família que acompanha todos, mas aí, na medida que

esteja grávida, tem um acompanhamento porque a vida já esta aí. A

vida é o centro e as crianças são esse centro. Então, eu acho que a

gente “bebeu” nessa parte, e como o José Martí heroico cubano,

poeta e escritor, internacionalista, ele escreveu muito para as

crianças. (KOLLING82

, 2015).

Através do trabalho com as crianças, nos acampamentos e assentamentos, a

revindicação pelo direito à educação e condições dignas para as crianças e adolescentes,

de forma mais ampla, inicia-se com destaque nacional, no ano 1994, junto ao debate do

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que, em Porto Alegre, no Estado do Rio

Grande do Sul, mobilizam 101 crianças, filhas e filhos de camponeses Sem Terra em

outubro, mês que comemora o “dia da criança”. As crianças Sem Terra, ao invés de

festejar essa data, denunciaram à sociedade gaúcha a falta de acesso a direitos mínimos

de cidadãos brasileiros que a elas foram negados e realizaram o I Congresso Infantil do

MST, entre os dias 10 e 12 de outubro de 1994. Para o MST,

82

Do coletivo de Coordenação do Setor de Educação do MST. Entrevista cedida a Márcia Mara Ramos.

No dia 16 de novembro de 2015.

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As mobilizações infantis são fruto de todo um processo vivenciado, de

práticas e reflexões sobre a Educação que queremos nos

acampamentos e assentamentos de Reforma Agrária no Movimento

Sem Terra. [...] Sem dúvida, a repercussão desta atividade

internamente no Movimento, foi muito significativa, pelo entusiasmo

e anseio de participação que as crianças demonstraram desde a

preparação nas escolas, nos encontros regionais e durante o encontro

estadual. (MST, 1999, p. 32-33).

O jornal Sem Terra deste mesmo ano destaca, na capa, a foto do Congresso

Infantil do Rio Grande do Sul, sobressaindo a faixa com a chamada “Crianças lutam

pela Reforma Agrária”. Esse é um dos primeiros registros que afirma a identidade das

crianças do MST, trazendo no título da matéria: “A quem assusta a educação dos “sem-

terrinha?”. Esse apelido foi dado pela imprensa de Porto Alegre, mais especificamente

pelo jornal Zero Hora, segundo informação do Jornal Sem Terra (1994). Ou seja, o

Congresso Infantil despertou o que se tem de mais reacionário na comunicação de

massas na mídia burguesa. Os destaques dos veículos de comunicação do período,

segundo o Jornal Sem Terra, são “sem-terra moldam crianças que serão líderes no ano

2000”, “lavagem cerebral” que o MST faz com as crianças é chamando de “pedagogia

homicida” (educação para a morte).

Essa mesma mídia hegemônica omite as informações do contexto social

relacionado ao desrespeito aos direitos dessas crianças, obrigadas a viver numa

sociedade na qual a terra não está distribuída, e conviver com a inexistência de trabalho

digno que garanta a sobrevivência necessária para vida humana, com moradia,

educação, saúde, lazer, entre outros. Essa forma social é quem produz e negligencia as

condições concretas de existência dessas crianças e as colocam cotidianamente em

situações de violência.

O Jornal Sem Terra, imprensa alternativa, direcionada ao público Sem Terra dos

acampamentos e assentamentos, provoca a reflexão sobre os “Sem Terrinha”, levando

para os diferentes Estados em que o MST está organizado o debate sobre a infância e

como que as crianças causaram um impacto na sociedade por lutarem por direitos

sociais. e mobilizar crianças da classe trabalhadora se tornou um enfrentamento ao

capital. Para o JST, como problematizador e formador, afirma: “[...] afinal, a quem

assustou tanto a manifestação dos Sem Terrinha (é assim que a imprensa apelidou as

nossas crianças)? E porque assusta tanto ver uma criança empunhando a bandeira

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vermelha e dizendo que quer ajudar a acabar com a miséria do povo?” O JST, mais

que afirmações, coloca questões para serem discutidas e argumentadas ao público dos

acampamentos e assentamentos. Em entrevista ao Jornal Sem Terra, Caldart e Kolling

destacam:

Que a gente possa ter presente o seguinte: se ainda acreditamos que é

possível acabar com o mundo do individualismo, da injustiça e da

miséria, então não temos outra saída: precisamos garantir que as

nossas crianças não percam este horizonte e que se eduquem para

trazê-lo mais perto, a cada dia (JST, 1994, p. 5).

O primeiro Congresso direcionado às crianças vai definindo uma forma

organizativa que, em linhas gerais, persiste nos Encontros Sem Terrinha nos dias atuais:

com as preparações nas localidades, articulação com o mundo da cultura, da

comunicação e educação, como também parcerias com as Universidades, Conselho

Tutelar, entre outros. O debate expresso, nesse primeiro encontro, foi sobre o direito da

criança e do adolescente e, principalmente, o direito de se manifestar na sociedade como

seres humanos contra a criminalização, preconceito com as crianças dos assentamentos

e acampamentos, falta de estrutura e uma série de violências vividas pelas crianças

naquele período.

As crianças que participaram do Congresso Infantil elaboraram um manifesto

que integrou o documento final da 1° Conferência de Crianças e Adolescente da

Comissão Local do Movimento de Meninos e Meninas de Rua – MMR. Uma

representação de 30 crianças do MST participou da Conferência do MMR. (JST, 1994).

Com a realização do 1° Congresso Infantil (1994), no ano seguinte (1995),

conforme informações do Jornal Sem Terra, o Estado do Rio do Grande do Sul,

pioneiro no Congresso Infantil, ocorre o segundo ano de atividade com 120 crianças,

realizando passeata e audiência com o governador, entre outras atividades educativas

com as crianças (JST, 1995, p.7). Na carta do II Congresso Infantojuvenil do MST/RS,

em Porto Alegre, em 12 de outubro de 1995, as crianças Sem Terra escreveram para as

crianças urbanas, destacando principalmente a sua realidade de luta e convocando-as

para a integração na luta:

Olá crianças, Estamos escrevendo para contar nossa vida nos assentamentos e

acampamentos. Nós, crianças e adolescentes dos assentamentos e

acampamentos da reforma agrária do Rio Grande do Sul, estamos aqui

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no Segundo Congresso para troca de experiência e revindicar nossos

direitos à vida, à educação, à saúde, a brincar, a estudar. Para nós, a

reforma agrária é muito importante, pois através dela nós conseguimos

tudo o que precisamos. A reforma agrária não conseguimos sem lutas.

A vida no acampamento é sofrida, falta dinheiro para tudo, para

comprar comida, para a saúde, para a educação, mas vale a pena. É só

olhar hoje para os assentamentos como estão. Em alguns, ainda não

conseguimos escolas, mas em outros já foi conseguido pela união e

luta dos seus representantes. O segundo Congresso não é só das

crianças, mas também dos adultos. Nós devemos lutar para ganhar um

pedaço de terra. As crianças da cidade têm que entender que quando

nós ocupamos terra é para trabalhar e não para vagabundear, nós

devemos nos unir uns aos outros. Todas as crianças e adultos também

devem participar para nos ajudar na reforma agrária, se unir mais do

que ficar sozinho num canto sem nada a fazer. Vamos continuar

sempre lutando por nossos direitos, e também tirar as crianças das

ruas. Nunca desanimaremos, sempre resistiremos, buscando uma vida

melhor. A nossa vida é assim. Sempre lutando por nossos direitos.

Venham nos visitar. (Carta das crianças e adolescentes do MST/RS.

1995).83

No mesmo ano, em Santa Catarina, o Congresso Infantil reuniu 270 crianças

em Florianópolis. Essas crianças representaram as 5 mil crianças dos assentamentos e

acampamentos do Estado, em passeata, com o lema “Crianças do Campo e da Cidade,

Lutando por Dignidade”. No estado do Espírito Santo, mais de 300 delegados, entre

crianças das escolas de assentamento, pais e educadores, participaram do Congresso

Infantil em São Mateus, com o lema “Ocupar, resistir e produzir também na educação”,

com passeata e ato em frente à Secretaria de Educação do Município. (JST, 1995, p.7).

Os três Estados que organizaram e mobilizaram seus encontros com as crianças, em

1996, influenciada pela mobilização do ano anterior, realizado no Rio Grande do Sul,

700 crianças, em média, participaram nas principais cidades. Essa ação certamente

colocou em pauta a infância lutadora para a sociedade e, principalmente, para o MST.

No ano de 1996, com as informações do Jornal Sem Terra84

- em destaque a foto

da capa é das mobilizações infantis, com a chamada “Jovens e Crianças do MST se

mobilizam”. Os congressos infantis, nesse ano, mobilizam os Estados do Rio Grande

do Norte, com 200 crianças em Natal, e, através das reivindicações das crianças, foi

conquistada “verba do INCRA para reestruturar os prédios das escolas dos

assentamentos. Da secretaria de educação, elas conseguiram 28 quadros-negros, 28

lampiões, cadeiras e material escolar para as salas de aula”. (JST, 1996, p.6). No

83

Arquivo cedido por Edgar Kolling. 84

Jornal Sem Terra. Ano XV – n°163. Outubro/Novembro de 1996. p. 6-7.

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Maranhão, em São Luiz, 200 crianças cobraram do governo o direito ao trabalho, à

educação e à cultura e entregaram uma pauta para negociação: “Uma menina entrega ao

secretário do governo dois cocos de babaçu representado o trabalho diário de sua mãe,

que ganha 30 centavos para quebrar um quilo. “Não dá nem para comprar uma barra

de sabão”, desabafou a criança”. Na cidade São Paulo, 400 crianças do Estado

ganham destaque no Jornal Sem Terra, com a chamada, “Sem terrinha emocionam

paulistanos”, demarcando o nome e identidade política das crianças através do lema

“Reforma Agrária Uma Luta de Todos e dos Sem Terrinha Também”, da palavra de

ordem que marca o encontro “Terra, Saúde e Educação, pra todo o Sem Terrinha é a

solução”, da pauta de reivindicação que tem os elementos da palavra de ordem (terra,

saúde e educação), e do manifesto dos Sem Terrinha à sociedade brasileira.

Somos os Sem Terrinha, estivemos reunidos 12, 13 e 14 de outubro de

1996 para discutir a situação das crianças no campo. Fazemos parte do

MST e, junto com nossos pais, lutamos por reforma agrária. [...]

Quando a polícia chega em nossos acampamentos, todas as crianças

ficam com medo, porque algum tempo atrás eles mataram 19 pais

numa cidade chamada Eldorado dos Carajás. A gente chora muito,

porque não quer que matem os nossos pais. (Carta à sociedade

brasileira do Encontro dos Sem Terrinha de São Paulo – 1996).85

As crianças realizaram passeata e seguiram até a Praça da República,

reivindicando audiência com a Secretaria de Educação. Uma comissão de crianças foi

recebida e entregou a pauta de reivindicação para o secretário de Educação e de Justiça.

No Estado de Pernambuco, em Recife, 422 Sem Terrinha realizaram o seu Primeiro

Congresso InfantoJuvenil, com caminhada e com o lema "Terra, saúde, educação e

lazer". E “meninos e meninas veem o mar pela primeira vez”. A Bahia realiza o

Congresso com 1.200 jovens, num acampamento estadual para discutir seus direitos.

Com informação do setor de educação nos Estados, em 1996, realizaram também, pela

primeira vez, os Estados do Sergipe, com 600 crianças, e o Ceará, com 100 crianças.

Nos anos anteriores mobilizados em média dez Estados no Brasil, a mobilização

infantil ganha um caráter nacional e, em 1997, o Estado da Paraíba realiza o encontro

estadual com 150 crianças, o Paraná mobiliza 600 crianças em Curitiba, o Rio de

janeiro com 100 crianças realizam a primeira atividade em nível estadual e o Estado de

Minas Gerais realiza o encontro estadual com 250 crianças, em Belo Horizonte. No

85 Documento do encontro dos Sem Terrinha de 1996.

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ano de 1999, o Estado do Mato Grosso se mobiliza com 200 Sem Terrinha pela

primeira vez, e o Estado do Mato Grosso do Sul com 150 crianças na luta por escola;

No ano de 2000, Tocantins realizou o primeiro encontro estadual com 100 crianças, o

Estado do Pará, com 350 crianças e em Alagoas o MST mobiliza 500 crianças em

Maceió. E, em 2002, o Estado de Goiás realizou com 150 crianças o seu primeiro

encontro. Em 2004, o Distrito Federal, com 150 crianças, e o Estado da Bahia realizou

o primeiro encontro estadual com 250 crianças. O Estado do Piauí realizou, em 2009, a

primeira atividade regional com 180 Sem Terrinha.

Quadro 1. Realização do primeiro Encontro dos Sem Terrinha nos Estados86

ESTADO

Ano de

fundação

N° DE

CRIANÇAS

ANO ESTADUAL/

REGIONAL OU

LOCAL

OBS.

RS – 1984 101 crianças 1994 Estadual – Porto

Alegre

SC - 270 crianças 1995 Estadual -

Florianópolis

ES 300 crianças 1995 Estadual – São

Mateus

MA 200 crianças. 1995 Estadual – São Luiz

SP 400 crianças 1996 Estadual – São

Paulo

PE 422 crianças 1996 Estadual – Recife O Estado de Pernambuco se tornou uma referência na organização dos Encontros

estaduais. Em 2007, realizou o maior

Encontro Estadual dos Sem Terrinha do país, com 4 mil crianças de 7 a 14. E com a

participação das crianças da CPT. RO 120 crianças 1996 Estadual - Porto

Velho

RN 200 crianças 1996 Estadual –Natal

SE 600 crianças 1996 Estadual - Aracaju

CE 100 crianças 1996 Estadual –

Fortaleza

PB 150 crianças 1997 Estadual - Escola

Piolin – João

Pessoa.

PR 600 crianças 1997 Estadual – Curitiba,

Parque dos

Tropeiros.

Lema: "Sem Terrinha Semeando

cidadania".

RJ 100 crianças 1997 Estadual – Rio de Realizou-se no Centro

86

Informações obtidas pelo Jornal Sem Terra (JST), em 2015, Jornal Sem Terra do Rio de Janeiro, em

2016 e responsáveis do Setor de Educação nos Estados, em 2016. Esse quadro nos apresenta o início das

primeiras atividades formativas que deu origem à identidade política dos Sem Terrinha nos Estados onde

o MST está organizado, embora que não seja de caráter escolar, mas a escola sempre esteve na pauta de

luta das mobilizações, bem como desde a origem do MST. Mas, não significa que não ocorreram outras

atividades com crianças nas suas diversas frentes de acampamento e assentamento. A pesquisa se refere à

atividade de forma organizada pelo MST, a partir de 1994, cuja identidade da educação política da

infância foi sendo forjada no contexto da organização das crianças Sem Terra no MST, em nível nacional.

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Janeiro Educacional Anísio Teixeira –

CEAT. O dia da criança foi

comemorado com os filhos dos

bancários. MG 250 crianças 1997 Estadual em Belo

Horizonte

O Encontro foi realizado na

Universidade Federal de Minas

Gerais – UFMG MT 200 crianças 1999 Estadual – Cuiabá

MS 150 crianças 1999 Estadual.

Guanandinzinho –

Campo Grande

TO 100 2000 Estadual – Palmas

PA 350 crianças 2000 Estadual – Belém

Al 500 crianças 2000 Estadual em

Maceió

Foram realizados vários encontros

estaduais e, atualmente, os

encontros acontecem no

municípios revindicando das

prefeituras melhores condições

para a educação dos

assentamentos e acampamentos. GO 150 crianças 2002 Estadual – Goiânia

DF 150 crianças 2004 Estadual –

Unaí/MG

Essa atividade foi realizada no

Assentamento Ribamar, no Centro

de Formação Frei Tito.

Organizada pelo DF e Entorno BA 250 crianças 2004 Estadual- Salvador Realizou apenas um encontro

estadual. Mas realiza todo ano

encontros massivos nas regiões

Sudoeste e Extremos Sul. PI 180 crianças 2009 Realizou o primeiro

encontro de Caráter

Regional, no

Assentamento

Marrecas – São

João do Piai.

O primeiro Encontro foi realizado

com dois assentamentos, Marrecos

e Lisboa que são da mesma

Região e foi organizado pelos

educadores da turma do curso

secundário de magistério.

Todos esses Estados realizaram atividades com as crianças nas principais

capitais, reunindo um número significativo de crianças e educadores, denunciando e

proporcionado o protagonismo da criança no processo da luta coletiva de ter o direito à

educação na sua localidade, de ter a terra como espaço de trabalho, moradia e a saúde

como direito humano e social. As diferentes temáticas estudadas, transformadas em

palavras de ordem, pauta de reivindicação e músicas, são importantes para a intervenção

da criança no seu cotidiano, seja com a família, na escola e na própria comunidade. São

ações que educam e ganham vida na inserção da criança na luta pela terra, na

valorização da realização dessas atividades, decidida junto aos adultos, é sem dúvida um

reconhecimento, pelo MST, da importância da formação humana e da educação política

na vida da criança.

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Os Encontros das crianças no MST ganham espaços e demarcaram a ocupação

das crianças no MST, que Arenhart (2007) destaca em seus estudos sobre a infância

Sem Terra Quando as crianças ocupam a cena:

Contudo, pode-se identificar que alguns elementos são comuns na

constituição das experiências socioculturais das crianças que estão

envolvidas na luta pela terra, como a condição de viverem suas

infâncias no contexto do mundo rural, pertencerem à classe

trabalhadora e fazerem parte do MST. Esse último elemento talvez

seja o que mais a identifique como coletividade e que mais as

diferencie em relação às outras crianças – que também vivem no meio

rural e da mesma forma pertencem à classe trabalhadora.

(ARENHART, 2007, p. 43).

A forma organizativa do MST direciona o movimento da sua pedagogia também

para a organização infantil, possibilitando o protagonismo das crianças Sem Terrinhas.

Na avaliação e debate interno do MST, percebendo a capacidade de mobilização infantil

com a realização dos Congressos Infantis, a identidade das crianças no MST vai se

fortalecendo e ganhando força nacional, tendo como principal referência a pedagogia

que o MST vai construindo a partir da luta, da coletividade e da organização política. E,

nesse percurso da ocupação da criança no MST, discute a mudança do nome Congresso

para Encontros/jornadas/mobilizações.

O nome Congresso Infantil, no MST, pode ter sido de inspiração cubana, dos

Congressos dos Pioneiros, mas na reflexão do MST, como uma organização política,

entendendo desde então que as crianças fazem parte do conjunto da estrutura

organizativa do MST, o qual também realiza seus congressos a cada cinco anos, entende

que os Sem Terrinha, são partes desse coletivo maior. Por isso, não seria necessário

criar um congresso infantil, logo, este espaço político das crianças poderia ter outro

nome, como: encontro estadual, regional, mobilizações e jornadas infantis dos Sem

Terrinha. Para o MST,

Nenhuma mobilização de criança acontece por acaso. Todas nascem

de uma necessidade concreta, vivida, sentida e refletida por elas e pelo

conjunto do acampamento do assentamento. A falta de escola,

professores, material escolar, por exemplo, é assunto discutido no

cotidiano de suas vidas. [...] Com o crescimento dessas atividades, no

ano de 1998 vem se ampliando o número e o público de participação,

oportunizando encontros de entrosamento com a participação de

crianças urbanas Sem Teto e crianças vizinhas dos assentamentos.

(MST, 1999, p. 35-36).

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No ano de 1998, as mobilizações ganham força na organização e atividades das

crianças, passando a fazer parte do cronograma da Jornada Nacional de luta do MST. O

mês de outubro se torna uma referência da luta e mobilização infantil. A formação de

uma cultura política da infância vai ocorrendo juntamente ao processo de formação do

conjunto do MST. As pautas necessárias do conjunto passam a ser também das crianças

e outubro ganha significação ao tornar-se o mês de luta das crianças Sem Terra. As

“comemorações” do dia das crianças são marcadas por aspectos políticos, de denúncia

da sua realidade social, também de festa, de muitas brincadeiras e diversão, mas

principalmente dando visibilidade ao sujeito criança. E, desde então, as mobilizações

infantis do MST, em nível nacional, têm crescido e se tornado um marco na vida e na

formação da infância dos acampamentos e assentamentos.

A singularidade da infância Sem Terrinha está marcada pela vida no campo, e

que somos provocados a pensar que esse lugar, pra ser diferente, exige organização de

práticas, como propor a educação política na perspectiva da pedagogia socialista na

organização das crianças da classe trabalhadora, reconhecendo-as como lutadoras no

contexto de luta contra capitalismo.

As crianças do MST, ao participarem do primeiro Congresso Infantil, tornaram-

se sujeitos e continuam lutando e fazendo história nesses 21 anos de protagonismo dos

Sem Terrinha na luta pela terra. Embora seja uma luta pontual, que se afirma no mês de

outubro com mais força, as atividades educativas, no seu cotidiano, ocorrem nas

escolas, nos grupos de estudos, nas Cirandas Infantis, nas cooperativas, nas marchas,

nas reivindicações locais. A prática educativa vai sendo desenvolvida e se tornando uma

referência na educação política da criança, exigindo um esforço maior do coletivo de

educação para pensar, refletir e aprofundar sobre essa frente e sua formação. O caderno

Fazendo Escola n° 287

registra o processo sobre as mobilizações infantis no MST.

A palavra “sem-terrinha” que aparece pela primeira vez em 1994, no jornal Zero

Hora, como nome pejorativo dado pelo jornal às crianças Sem Terra, ganhou

significação política para a formação da identidade das crianças do MST. Contrapondo

a mídia burguesa, o Jornal Sem Terra das edições de 1994, 1995 e 1996 desenvolveu

um processo de debate com a base sobre os Congressos Infantis que foram ganhando

87

O MST, a partir de suas práticas educativas, produz a sistematização coletiva para reflexão interna.

Esse documento, “Fazendo Escola 2, Crianças em Movimento: As Mobilização infantis (1999)”, foi uma

produção coletiva envolvendo os professores das escolas, os educadores do MST, as crianças que

participaram dos encontros do Sem Terrinha e dirigentes do MST.

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força nacional. E a palavra “sem-terrinha”, em 1997, se tornou identidade política

nacional, tornando-se nome próprio das crianças Sem Terrinha do MST. Com a

reafirmação do Jornal Sem Terra, nos três anos consecutivos (1994 -1995 – 1996),

mesmo que o nome dos encontros tenha permanecido “Congresso Infantojuvenil”, a

hipótese é que o Jornal Sem Terra pode ter fortalecido a identidade política do nome

dos Sem Terrinha no MST e, por isso, aparece com força no Congresso de São Paulo

(1996), em seus documentos com o tema afirmativo “Reforma Agrária, Uma Luta de

Todos e dos Sem Terrinha também!”, da carta dos Sem Terrinha para o povo brasileiro

e da palavra de ordem.

A jornada dos Sem Terrinha é um lugar de encontro, de festa, de brincadeiras, de

luta e negociações. Cada Estado tem uma forma de se organizar, mas sempre tem uma

equipe de negociação das crianças para discutir com as prefeituras, Secretarias

Municipais de Educação e Secretaria de Estado da Educação. É um momento de

preparação que envolve os assentamentos e acampamentos e um conjunto de pessoas -

as crianças, os educadores, as lideranças/militantes, os amigos e aliados, motorista de

ônibus, cozinheiros, oficineiros, jornalistas etc. A preparação do encontro já é uma

motivação em si para a participação.

As crianças preparam cartazes com as temáticas do encontro, preparam as

camisetas do MST, discutem sua participação, as apresentações culturais que serão

socializadas, como também a criação das palavras de ordem88 que as identificavam por

localidades, e acabam se tornando nacional, como exemplo: “Estrela, estrela

vermelhinha, o futuro do Brasil está nas mãos dos Sem Terrinha”, “Brilha no céu a

estrela do Che, nós somos Sem Terrinha do MST”.

E desde os acampamentos e assentamentos do MST, locais em luta e disputa

com o latifúndio e o agronegócio, crianças Sem Terrinha, fazem jornadas estaduais a

partir do seu contexto de vida, de luta e resistência. O encontro é um espaço de crianças

das diferentes localidades dos acampamentos e assentamentos e é proporcionado a elas

um lugar de integração, socialização e participação coletiva.

Depois das primeiras mobilizações infantis, praticamente todos os Estados, onde

o MST está organizado, realizam a atividade seja ela de caráter local (nas brigadas,

88

São palavras fortes criadas por educadores e crianças para reafirmar o objetivo da luta das crianças no

seu contexto social.

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núcleos de base dos assentamentos ou acampamentos), regional que contempla o

conjunto de territórios ocupados pelas famílias do MST, ou estaduais. A presença de

atividades com as crianças no mês de outubro está na agenda política do MST.

Essa frente vem se propondo, nas últimas três décadas, reafirmar a importância

das crianças e o seu ponto de vista na luta dos trabalhadores, o papel formativo de uma

cultura da infância fundamentada na luta social e na “reinvenção” do MST, como

organização popular reconhece, os encontros e jornadas dos Sem Terrinha, como espaço

de formação, de aprendizado que dá significação a criança no contexto da luta pela

terra. A significação da Jornada, nesses 21 anos de formação e gestação, é uma

experiência política em educação que mobiliza as crianças e as permite que sejam

protagonistas da luta pela terra no MST.

3.2 A luta pela terra e a Infância no Pará

Fonte: Arquivo pessoal. Acampamento Hugo Chávez – 2015.

Hoje, o silêncio pesa como os olhos de uma criança depois da fuzilaria.

Candelária, Carandirú, Corumbiara, Felisburgo, Eldorado dos Carajás

não cabem no insignificante sentido das palavras...Se calarmos,as pedras gritarão89

!

89

Poema “Pedagogia dos Aços”, Pedro Tierra.

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A luta pela terra, no Estado do Pará, tem as profundas marcas históricas de um

país colonizado, que se acirrou no enfrentamento entre posseiros e fazendeiros, no

combate à ditadura militar do Movimento da Guerrilha do Araguaia90

, das diferentes

populações existentes e resistentes no campo, do garimpo, da milícia armada, do Estado

burguês que está a serviço do poder dominante local, da pistolagem e do surgimento do

MST.

É nesse contexto que o MST vai sendo gestado no final da década de 1980, no

Estado do Pará (Trocate ,2015), ao contatar um dos Jovens do MST que contribuiu com

o surgimento e organização dos trabalhadores do Pará, motivado a lutar pela terra,

afirma que,

O que tinha, além da condição de classe subalternizada, de pobres e

migrantes, descidos do nordeste paraense, nos idos da década de

oitenta (80); eram duas experiências e tão somente nosso principal

arsenal: uma, de 1986, quando fizemos veredas pela luta dos

posseiros, (liderado pelo seu Chico Antonio, foi na casa dele, antiga

delegacia sindical, que vi pela primeira vez em um cartaz, com a

palavra de ordem, reforma agrária na lei ou na marra), na área como

“sereno” tudo era dispendioso, das dificuldades para se fixar no local,

pressão da pistolagem e malárias nos impuseram uma desistência,

diria conjuntural; e outra, de ocupação urbana, do hoje conhecido e

populoso bairro da Paz, em 1990, quando ajudamos a transpor o limite

da nascente cidade com o latifúndio, que era a Rua do “Arame” em

Parauapebas. (TROCATE, 2015, p. 13).

Para Trocate, a história do MST no Pará inicia-se com os jovens do MST que

foram deslocados para o trabalho de base no Estado. O autor destaca o jovem Onalício

Araujo Barros, conhecido como “Fusquinha” 91

, como um dos precursores que entrou

90

Sobre a Guerrilha do Araguaia, movimento que surge entre 1972 e 1974 para combater a ditadura civil

militar. Esse movimento foi organizado para “defender desenvolver sua luta pela posse da terra, a

liberdade e uma existência melhor para toda a população, decidiram formar destacamentos armados,

criaram as Forças Guerrilheiras do Araguaia. Tomara, também, a iniciativa de fundar uma ampla frente

popular para mobilizar e organizar os que almejam o progresso e o bem-estar, os que não se conformam

com a fome e a miséria, com o abandono e a opressão”. No sul do Estado do Pará, as Forças Guerrilheiras

do Araguaia, firmemente combaterão os soldados da ditadura militar. Disponível em:

https://www.marxists.org/portugues/grabois/1973/12/diario.pdf Acesso em: 13/02/2016 , as 10h15. 91

“Onalício Araujo Barros era conhecido por “Fusquinha” e Valentin Serra, como “Doutor”. Ambos

foram assassinados em 1998 na ocupação da Fazenda Goiás II, área de reconcentração do antigo

assentamento CEDERE I, hoje, Assentamento “Onalício Araujo Barros” com 68 famílias. São acusados

como executor José Marques Ferreira “Donizete” e como mandante Carlos Antônio da Costa “Carlinhos

da Casa Goiás”, atualmente proprietário da “Goiás Concreto”, em Marabá, Parauapebas e região. Não por

acaso, o mesmo núcleo da Fazenda Parauapebas, acrescidos de Rafael Saldanha, Gabriel Saldanha, Dão

Baiano, Ninha Baiano, Marcelo Catalão, Takinha, José Ulisses Guimarães, entre outros, que pressionam o

INCRA e o Governo Federal para não vistoriar e nem desapropriar as fazenda reivindicadas pelo MST,

desde de 2007, das glebas Tabocas e Rio Novo. Ao mesmo tempo que montam aos olhos do órgãos de

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nas fileiras de organização do MST, antes de 1990. Sua atuação se realizou,

inicialmente, na Região de Conceição do Araguaia com a ocupação da fazenda Ingá que

se considera a gestação do Movimento no Pará. E, em 1991, quando um grupo de

militantes do MST foram presos na Região de Marabá, acusados, na época, de

remanescentes da Guerrilha do Araguaia, a luta e a organização do MST no Estado

começa a se consolidar. (TROCATE, 2015, p. 14-15).

Concordando com Trocate, o MST no Pará nasce da radicalidade das lutas do

campesinato posseiro, reabrindo o conflito de classe e o conflito estatal na luta pela terra

e reforma agrária (TROCATE, 2015, p. 17). A “negação da reforma agrária como

política de desenvolvimento social” e “desterritorialização territorial” dos povos

“indígenas, caboclos, quilombola, ribeirinho” cuja base de suas civilizações é a

coletividade da terra. (TROCATE, 2015, p. 20-21).

A tríade do projeto de desenvolvimento” capitalista na Região é

determinada; por: a) aplicação do grande capital (nacional e

estrangeiro) na espoliação dos bens da natureza; da água, da terra, da

floresta, da biodiversidade; b) precarização do trabalho, pelo baixo

uso da ciência e tecnologia e do desenvolvimento das forças

produtivas; e c) a concentração de riquezas que monopoliza os

recursos frente à pobreza, numa crescente marginalização da

sociedade (TROCATE, 2015, p.21).

Como ilustração do projeto do capital, Parauapebas que era uma cidade de 16

mil habitantes na década de 1990, com as investidas do projeto da mineradora Vale,

segundo dados do IBGE, a população estimada em 2015 é de 189.921 mil pessoas, e

projetada para “1 milhão nas próximas três décadas”. O crescimento92

da cidade se deve

segurança pública do Estado, a maior milícia armada do Pará, para intimidar, assassinar e despejar

famílias do Acampamento Frei Henri, acampados desde agosto de 2010, no município de

Curionópolis, na área denominada “Fazendinha”. Ainda em 2010, a Justiça Federal encerrou o processo

de desapropriação, sem que o fazendeiro fosse indenizado pela posse da áreas, da antiga fazenda Goiás II.

(TROCATE, 2015, p. 14 – grifos nossos). 92

Em entrevista ao jornal Brasil de Fato, Venâncio Romero (2013), explica que Paraupebas a “cidade da

Vale” assim conhecida, e que por conta do royalties minerais tem um dos mais altos Produto interno

Bruto (PIB), de US$ 2, 1 bilhões de dólares, o segundo maior do Brasil, deixando para trás São Paulo e

Brasília. O nível de caos social desenvolvido pela modernização violenta e brutal, segundo o pesquisador,

é alto, acompanhado pelo alto nível de alcoolismo e cujo mapa de violência com a juventude, mulheres,

negros e pobres é alarmante, na 33° cidade mais “rica” do Brasil e que, em 2013, o município saltou de

21° colocação para o 10° lugar de cidade mais violenta do Estado do Pará. Considera-se que o risco de

um jovem morto, “vítima de disparo ou faca” é de 25% maior do que no Iraque. O órgão municipal para

o pesquisador, “acabam sendo uma extensão das políticas tecnológicas, econômicas e estratégicas da

Vale”. Disponível em: http://www.brasildefato.com.br/node/26967 Acesso em: 14/02/2016 às 8h30.

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pela procura de emprego estimulada pelos anúncios da Companhia, muitas famílias se

deslocam das regiões próximas, principalmente do Maranhão para o Sudeste do Pará em

busca de trabalho.

A espacialidade do MST, no Pará, durante esses 25 anos, se localiza em mais de

30 municípios do Estado, através das ocupações, e o principal foco de ocupações e

articulações localiza-se na região Sudeste do Pará, e tem como referência na cidade de

Marabá. (TROCATE, 2015).

A presença do MST no Estado do Pará se deu, em 1988, pelo relatório interno

que comprova a existência do “Encontro Estadual do Movimento Sem Terra em Belém”

que avalia o trabalho de 1987 na estruturação de uma coordenação. Para Rocha, o

relatório, além de trazer a memória e registro das reuniões e encontros com posseiros

das regiões sul, sudeste e noroeste do Estado, faz parte da gestação do Movimento no

Estado. E até esse período, a Secretaria Estadual do MST funcionava na sede da Central

Única dos Trabalhadores (CUT), em Belém (ROCHA, 2015.p.31-32). O MST se

consolida no Estado do Pará, um dos lugares de maior “conflitualidade fundiária” por

seu histórico de luta dos posseiros, e do movimento como Guerrilha do Araguaia.

Outros estudos de Mançano (2000) & Morissawa (2011) e do próprio

movimento, no Estado, consideram um processo de gestação do MST com base nas

lutas históricas dos anos 1980, mas a data oficial foi a “ocupação da Fazenda Ingá, em

10 de janeiro de 1990”, no município de Conceição do Araguaia. A origem dos

trabalhadores que participaram da ocupação, nesse período, era constituída,

essencialmente, por posseiros e garimpeiros. E, com essa ocupação do MST, “inaugura

uma nova forma de luta pela terra no Estado”, (ROCHA, 2015, p.39), pois a luta dos

posseiros “entendida pela tríade homem-arma-lote, estabelecia um conflito de classe

entre posseiros e latifundiários, mas não conseguia estabelecer conflito institucional”. O

Movimento dá continuidade à luta pela terra, mas envolve o conjunto das famílias nas

tomadas de decisões, as ações são “massivas”, coletivas, a “resistência sem uso de

armas”, estabelecendo um “conflito institucional de cobrança da reforma agrária” via

Instituto de Colonização da Reforma Agrária – INCRA, o qual se diferencia da luta dos

posseiros (ROCHA, 2015, p. 31-39-40).

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Quadro 2 – Comparação entre as características da luta dos posseiros e dos sem-terra

Posseiro Sem Terra

Ocupação “Espontânea” “Planejada”

Movimento Isolado Socioterritorial

Local Escondido (mata) Visível - (beira de estrada e

prédios públicos)

Organização inicial Lotes Acampamento

Participante Homens Família

Objetivo concreto Conquista do lote Conquista do assentamento

Perspectiva Conquista do lote Reforma agrária

Enfrentamento “Proprietário” Estado

Fonte: PEREIRA, A. dos R. (2007) – apud MICHELOTTE, Fernando. (2008)

Alguns elementos que caracterizam as mudanças na luta entre posseiros e Sem

Terra no Estado do Pará são, em concordância com Michelotti (2008), mudanças

processuais entre “ocupações espontâneas” e “ocupações organizadas”, mas que

forçosamente requerem um nível de organização e planejamento para as mesmas.

Estudos de Michelotti, Ribeiro, Souza e Freitas (2007), apoiados em estudos

sobre a questão agrária no Brasil, comparam a relação nacional com o “território sudeste

paraense”, analisam que o período de 1996 a 2006: “A criação de assentamento é uma

resposta à intensidade das ocupações de terras nos anos anteriores”, no que não

diferencia da luta nacional. Mas o enfrentamento da luta pela terra, no Pará, reforçou

nacionalmente a luta do MST em nível nacional: “Exemplo significativo disso foi o

Massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido nessa região em 1996, com repercussão

nacional e internacional, exerceu uma forte pressão junto ao governo federal para a

criação de assentamentos em todo o país”. (MICHELOTTI et alli, 2007, p. 7).

O Massacre de Eldorado dos Carajás representa o alto grau de violência da

oligarquia agrária brasileira que orienta e determina a ação do Estado burguês que, para

conter a luta social em expansão no Estado, no período do Massacre, utiliza o aparelho

repressivo, exercendo o papel de atender aos interesses da burguesia.

Na Região de Carajás, lugar de nascimento e consolidação do MST do

Pará, o campesinato é estrangeiro, a realidade que o encontra, como

migrante e depois, massa refugada dos grandes investimentos, faz suas

lutas em duas perspectivas: a de eliminar a condição de classe do

latifúndio para se fixar, e para ser, faz com muitas limitações; e a

principal delas, enfrentar a violência estatal e da burguesia

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escravocrata, numa das regiões aonde se chega a níveis de guerra civil

declarada. O “Massacre de Eldorado dos Carajás”, ocorrido em abril

de 1996, é o símbolo até hoje intransponível dessa violência histórica.

(TROCATE, 2015, p. 22 e 23).

No dia 10 de abril de 1996, saiu a marcha do acampamento com

aproximadamente 2 mil pessoas, no município de Curionópolis, Km 95 da rodovia PA-

150, conhecido como Curva do “S”, em direção a Belém. A marcha, como uma as

principais simbologias de luta do MST, como forma de protesto, reivindicava a

desapropriação de terra para o acampamento. Porém, os trabalhadores rurais foram

impedidos de seguir para Belém por uma simples questão: garantir o direito dominante

em exercer o poder sobre a classe trabalhadora.

Pode-se perceber, durante a pesquisa, em conversas às famílias

sobreviventes, com militantes e dirigentes, que vivenciaram o

massacre, que existiram muito mais mortos que os números oficiais.

Relatam ter visto corpos de crianças e mulheres no asfalto, no entanto

não se tem registro de mulheres ou crianças mortas. Uma ponderação

que sempre fazem é: “se uma família inteira foi morta, mãe, pai e

filha/o não tem nenhum parente, quem ia reclamar o

desaparecimento?” [...] No Pará, e em boa parte do Brasil, os amos da

terra reinam, por roubo roubado ou por roubo herdado, sobre

imensidões vazias. Seu direito de propriedade é direito de impunidade.

Dez anos depois da matança, ninguém estava preso93

. Nem os amos,

nem seus instrumentos armados. (ROCHA, 2015, p. 53).

Após esse massacre, o dia 17 de abril passou a ser o dia internacional da luta

camponesa e dia nacional de luta pela reforma agrária para as organizações sociais e que

virou a Lei94

n° 10.469, de 25 de Junho de 2002, Dia Nacional de Luta pela Reforma

Agrária.

O Massacre de Eldorado dos Carajás ganha solidariedade e repercussão

internacional, fortalecendo a simbologia da luta. Em consequência, o MST, no Estado

do Pará, se torna uma articulação organizadora, para além da luta massiva, e, amplia a

sua base social. Atualmente, o MST está organizado em 25 áreas dentre assentamentos e

acampamentos, organizando-se em quadro regiões no Estado – Carajás, Eldorado,

Araguaia e Cabana, num total de 4.874 famílias (ROCHA, 2015).

93

Até hoje, nenhuma pessoa está presa pelo ocorrido, o coronel Mário Pantoja e o Major José Maria de

Oliveira foram condenados por terem comandado a ação, mas estão recorrendo da decisão em liberdade.

Já os soldados foram promovidos no início do ano de 2007 a Cabos da Polícia Militar pela governadora

do Estado Ana Julia Carepa (ROCHA, 2015, p. 56). 94

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10469.htm Acesso em: 15/02/2015 às

19h

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Nesse processo de 25 anos de existência do MST no Pará, os estudos de

MICHELOTTI, RIEIRO, SOUZA e FREITAS (2007) fazem a seguinte periodização do

“Território do Sudoeste Paraense”:

(i) 1987 - 1988: inicia-se a criação de assentamentos na região,

resultados da pressão nacional e regional pela reforma agrária,

acrescidos de interesses locais, expressos através a política de

regularização fundiária promovida por Jader Barbalho a frente do

MIRAD; (ii) 1989 – 1996, redução significativa na criação de

assentamento na região, reflexo do desmonte de estrutura do Estado e

do refluxo da luta pela terra; (iii) 1997 – 1999, fruto da pressão

nacional e local iniciada já em 1995/95, a criação da Superintendência

Regional do INCRA em Marabá (SR-27) e a repercussão do Massacre

de Eldorado dos Carajás. [...] 2000 – 2002, (final do governo FHC),

do ponto de vista da criação de assentamento ocorre um declínio em

relação ao período anterior, reflexo da ofensiva do governo federal em

desmobilizar a luta pela terra, embora no ano de 2001 o número de

assentamentos criados seja elevado; 2003 – 2006 (1º Governo Lula),

em que pese a retomada da pressão nacional pela reforma agrária, a

criação de assentamento nestes municípios segue o mesmo padrão do

período final do governo FHC (ROCHA, 2007, p. 4).

A luta do MST, através de sua organização, amplia-se com a criação dos

assentamentos, mas para os pesquisadores não é uma frente única de expansão, “pois se

inter-relaciona com outras frentes de expansão: madeireiros, grileiros, pecuaristas,

extensivos que aparentemente recriam uma elevada conflitualidade na fronteira, mesmo

considerando a regularização mais rápida, a posse a terra dos camponeses pela luta atual

política de criação de assentamentos” (IDEM, 2007. p.14). Na configuração da luta pela

terra, no Estado do Pará, fica evidente a conformação da política de Estado brasileiro no

“não enfrentamento do monopólio da terra”, do fortalecimento do “agronegócio como

desenvolvimento” (MICHELOTTI, 2007, p. 15).

Com a conquista dos assentamentos que só ocorreram pela luta, o MST tem a

educação desde o acampamento e assentamento como uma frente de luta e resistência.

A preocupação com a formação das crianças, bem como dos seus educadores, está na

estratégia de luta, sendo que, em 2001, através do PRONERA, realizam a 1° turma de

pedagogia da terra – juntamente com a Universidade Federal do Pará, sendo a 4º turma

em nível nacional. Os professores das escolas, desde a educação infantil ao ensino

médio, têm a oportunidade de ter acesso à universidade, como também a possibilidade

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de ter um programa construído a partir da necessidade da educação da classe

trabalhadora. (ROCHA 2015 & BAHIA, FELIPE e PIMENTA, 2005).

Mas, mesmo com a conquista de muitos assentamentos no Estado do Pará, como

a já mencionada luta dos posseiros, existem também outras organizações do campo

nesse território e, portanto, nem todos os assentamentos são vinculados ao MST. E a

disputa pelo território não se dá só contra a organização da milícia armada do latifúndio

da terra, mas também contra a intervenção de grandes grupos empresariais. Nessa

direção, um exemplo é a Companhia Vale que vem explorando as riquezas da região. O

surgimento da Vale, no Brasil, ocorre através da negociação do governo brasileiro com

o governo estadunidense conhecidos como acordo de Washington, no final da década de

1940.

Fonte: Arquivo pessoal

Fundada no ano de 1943, como Companhia da Vale do Rio Doce, no Estado de

Minas Gerais, a partir do ano de 1985, quando ainda era estatal, foi inaugurado o projeto

Ferro Carajás, começando atividade de exploração do complexo Carajás que, desde a

sua origem, sofreu intervenção internacional do projeto do capital (COELHO, 2015). E

com a privatização anunciada em 1995, com a justificativa de diminuir a dívida pública,

o governo Fernando Henrique Cardoso implantou “o plano nacional de desestatização

com a intenção de vender, entre outras empresas públicas CVRD” (COELHO, 2015, p.

37).

Em 1997, foi privatiza a Companhia e os impactos desta privatização vem

intervindo nas populações que convivem no território onde está instalado a grande

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estrutura da mineradora. Segundo Coelho (2015), os impactos que ocorrem na região

pela intervenção da Vale podem ser, alguns, qualitativos, mas outros são difíceis de

medir por ocorrer ao longo prazo. Esses impactos ocorrem através da “concentração de

renda”, beneficiando um pequeno grupo e concentrando a riqueza, com a

“superexploração do trabalho”, com baixos salários e condições de risco para os

trabalhadores, “aumento do tráfico local”, principalmente nas rodovias e áreas urbanas,

os “acidentes de trabalho” que ocorrem nas minas subterrâneas que são constantes, bem

como é histórico na mineradora a “destruição de formas de produção tradicionais” que

dependem de processos jurídicos e nem sempre se leva em conta a história, os processos

culturais dessas populações. E, com isso, a “expulsão de população residente próxima às

minas” é inevitável e é a mais afetada, a exemplo do “rompimento” da barragem em

Mariana, Minas Gerias, sob responsabilidade da Mineradora Samarco, vinculada à Vale,

e “deslocamento de grande contingentes populacionais para a cidade próximas às

jazidas”, gerando aumento de violência e especulação imobiliária e “inviabilidade de

formas tradicionais de viver, estar e produzir”, colocando em risco as populações do

campo e suas formas de organização social (COELHO, 2015, p 117-119).

O MST tem se tornado uma frente de resistência a esses empreendimentos e

realizado várias ações, ocupando os trilhos da referida estrada, como forma de chamar a

atenção da sociedade para a problemática na região. Em 2007, na jornada nacional de

luta, o MST do Pará organizou uma das maiores ações ocupando os trilhos da VALE –

no assentamento de Palmares, com a participação de 6 mil trabalhadores rurais

(incluindo garimpeiros, pequenos agricultores, juventude urbana), interditando a Estrada

de Ferro Carajás (ROCHA, 2015, p. 68). Essa atividade teve a duração de um mês, com

os trabalhadores e trabalhadoras acampados às margens da ferrovia e em alguns

momentos impedindo a passagem dos trens.

Para atenuar os “problemas” sociais através dos impactos, a Vale, em parcerias

com municípios e Estado, desenvolveu projetos educacionais nos municípios da região

através da Fundação Vale. A educadora do ensino infantil de uma das escolas de

assentamento, em entrevista, relata que:

Em relação às influências que a Vale tem tido é muito grande e eu

posso dizer que é investida. A formação que nós recebemos - os

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educadores, nós que estamos na gestão é feita pelo CEDAC95

que é

um prestador de serviço da Fundação Vale na área da formação de

educadores, na formação de gestão. A Vale tem investido na questão

ideológica, tanto dentro das escolas quanto fora com a juventude

oferecendo os pacotes de estudo de trabalho, para uma minoria

dizendo que está fazendo pra todo mundo. Há um processo ilusório de

formação e investimento que ela faz na cabeça das pessoas. Se a

gente não tem outro espaço, se a gente não busca outra formação, a

gente acaba sendo seduzida pela proposta bonita. Pra nós, já foi até

apresentado o grande projeto Pitágoras que é projeto pedagógico da

Vale, o projeto de educação deles é o projeto Pitágoras. Nas nossas

formações, eles apresentam como o melhor projeto do mundo, nós é

que precisamos fazer o contraponto, se não tu acabas achando que o

negócio é bom mesmo. É bom pra eles os magnatas, realidade pra nós

é outra (MATOS96

, 2015).

Em pesquisa sobre as práticas da Vale, no Estado do Maranhão, Araujo (2015)

destaca três temáticas complementares nas ações da Fundação: “desenvolvimento

urbano, cultura e esporte”. As ações se efetivam, em sua grande maioria, segunda a

autora, por parcerias público-privado, entre o governo, a empresa e a sociedade civil.

Destaca, ainda, serem três âmbitos de ações prioritárias: saúde, educação e geração de

trabalho e renda, num caráter preventivo, de promoção e prêmio no campo da saúde

para as crianças de 0 a 10 anos; na relação geração de trabalho e renda, o

empreendedorismo e as aptidões vocacionais é o foco principal para a agricultura

familiar, envolvendo as mulheres. (ARAUJO, 2015, p. 42).

A pesquisa apresenta, no campo da educação, os projetos e o espaço educativo

da Fundação Vale: “Casa do Aprender; Roda de Conversa; EJA; Estação do

Conhecimento (EC); Vale Juventude; Programação Educativa no Trem de

Passageiros – Teletrem – desenvolvido em parceria com o Canal Futura”, que vem

fazendo a formação ideológica das crianças, jovens e educadores via instituição

pública. (ARAUJO, 2015, 44-46).

O que as empresas pretendem, com isso, é manter uma estratégia

política de dominação no campo educacional, a chamada pedagogia da

hegemonia, sendo necessário formar os intelectuais singulares que vão

se encarregar de vender e defender as ideias destas como ideias de

toda a sociedade. Exemplo é a ABAG que atinge de maneira crucial a

disputa de projeto de agricultura em favor do projeto do agronegócio;

da Fundação Vale, braço pedagógico da corporação Vale – campeã no

95

CEDAC - Comunidade Educativa. Entidade que faz a formação técnica de professores da rede pública

em parcerias com as Secretaria de Educação, juntamente com a Fundação Vale. 96

Deusamar S. Matos é assentada em Palmares II, professora e gestora da Escola de Educação Infantil.

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ramo da mineração e a menina dos olhos do “desenvolvimento”.

Ambas, formam professores, secretários de educação, gestores das

escolas com base nos valores e princípios por esta defendidos. Assim,

consideramos que a pedagogia da hegemonia vai acontecendo em uma

importante rede de articulações nacionais e internacionais, de maneira

que a Fundação Vale é um intelectual orgânico coletivo do capital e se

torna esse intelectual mediante processo de formação conduzido em

articulação com organismos internacionais, com interesses do capital

internacional (ARAUJO, 2015, p. 59-60).

São alguns exemplos de como as empresas tem atuado na formação das

populações do campo e da cidade com a intencionalidade na pedagogia do capital e que

as entidades críticas da educação brasileira precisam se posicionar com mais

radicalidade frente a esses intelectuais orgânicos do capital com ações concretas e

urgentes contra a mercantilização da educação brasileira.

São muitos os desafios que estão colocados para o MST, em nível nacional,

como para toda sociedade. Mas, especialmente no caso do Movimento no Estado do

Pará, verificamos a luta de classes ainda mais evidente numa disputa acirrada frente às

investidas do capital, também por sua pedagogia, em que a da classe trabalhadora é a de

resistência. Esses são elementos importantes para compreender a luta pela terra nesse

Estado, no contexto da organização política, de garantir e manter as conquistas

históricas que ocorreram através da luta, ao mesmo tempo, denunciar, de forma

permanente, os impactos da Companhia Vale na região Sudoeste Paraense.

A importância da disputa pelo território e resistência, na entrevista com o jovem

Lierbeth, que já foi Sem Terrinha e hoje tem a oportunidade de fazer o curso de

medicina na Venezuela, revela uma análise pertinente no sentido do futuro projetado

para as crianças e jovens dessa região do Pará:

O futuro que [a Fundação Vale] está garantindo para crianças, do

meu ponto de vista, o futuro é que a Vale quer que elas trabalhem pra

ela. Elas crescem vendo aquilo em Parauapebas, os seus pais

trabalhando na Vale, a propaganda que ela faz na televisão, dos

livros que ela quer impor dentro das escolas dentro de Parauapebas.

E isso, quando as crianças crescem, ela impõem outra coisa que são

os cursos técnicos. Tem o treininho da Vale, que muitos jovens fazem

esse treininho com a perspectiva de trabalhar dentro da Vale.

Sabendo eles que, se a Vale um dia acabar, se o minério acabar, eles

vão ficar desempregados, porque a formação deles era trabalhar só

com minério. Eu fico imaginando: o que que vai ser de Parauapebas,

com várias pessoas formadas com curso técnico, sem ter uma

formação graduada mais elevada? O sonho realizado é ver nossas

crianças do campo (sabe?) mostrando para outras crianças da cidade

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e adolescentes o que a Vale traz pra gente, por exemplo. Que as

crianças mostrem o que a Vale quer com elas quando crescerem; que

não é dizer que a Vale é boazinha, quer cuidar das crianças. Que ela

tem outro pensamento com as crianças, é mostrar qual é esse

pensamento. Que quando elas crescerem deve servir a ela...

(LIERBERTH, 2015).

O MST tem feito reflexões, atuando como organização política desde o trabalho

com a infância para sobreviver à força armada estabelecida no Pará. E, no campo da

educação, o enfrentamento é de resistência para manter as escolas que foram

conquistadas com muita luta e tornarem-se referência de um processo que envolve a

disputa por garantir nas escolas públicas a Pedagogia do Movimento, que dialoga com a

realidade do sujeito Sem Terra, bem como da luta para a construção estrutural das

mesmas. Como vimos anteriormente, as investidas das empresas com propagandas nas

escolas, da formação empresarial para professores e gestores vinculados ao sistema

público, e, no caso da região Sudeste do Pará, principalmente, a Companhia Vale,

principal empresa de exploração de minérios, os impactos e as investidas são profundos

e violentos, “direcionados a grupos de baixa renda e à minoria étnica das populações

tradicionais, como indígenas, quilombolas, trabalhadores artesanais, trabalhadores de

baixa renda “em periferias e em pequenas cidades”, nas quais a empresa tem incidência

decisiva na vida dessas populações. (COELHO, 2015, p. 132).

Para Matos, a

[...] CEDAC tinha assessorias muito boas do ponto de vista técnico.

Mas, são assessorias que estão ali pra fazer o trabalho técnico,

ideológico, que desvia qualquer processo de formação humana do

ponto de vista da resistência e da luta da classe trabalhadora. Isso

nem conte. Inclusive um dia foi uma pesquisadora da Vale me

entrevistar na escola e ela me perguntou sobre a formação que eles

faziam conosco, se era suficiente e necessário para o trabalho que a

gente faz na escola. Eu falei que não. Ela falou: por quê? Do ponto de

vista técnico, tem assessoria muito boa, a gente aproveita, mas em

nenhum momento o trabalho de formação que foi feito conosco

discutiu os impactos que nós sofremos com os grandes projetos. Aí ela

disse pra mim: “Nunca vai ter, nunca vocês esperem isso”.

[Respondi:] “E é exatamente por isso que a gente busca outras

formas e outras formações, porque de vocês não é suficiente pra

realidade que a gente vive aqui.” Se ela registrou isso na pesquisa

dela, eu não sei, mas eu disse isso pra ela. Teve um período que a

gente faltou brigar com eles. Eles traziam aqueles cursinhos pra

dentro das escolas e queriam pregar cartazes da Vale na escola toda.

Um dia eu cheguei, tinha um cartaz no mural - peguei e rasguei. Falei

nunca mais, orientei todo mundo que quando não tiver aqui, vocês

não permitam um cartaz deles. Então, eles fazem isso, eles acham que

são donos, chegam vão pregando ideologia por meio da publicidade e

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vão embora. Se a gente não tiver resistência, tu acaba sendo seduzido

mesmo, as propostas são muito bonitas “Educação nos Trilhos”, é o

projeto Pitágoras, e a “Escola Estação do Conhecimento”. As

nomenclaturas são tão bonitas, que você se encanta (MATTOS, 2015).

As investidas na disputa dos filhos da classe trabalhadora são visíveis no

depoimento de Mattos, mas a resistência, a luta pela terra, a formação dos professores e

a intervenção do Movimento no trabalho das lutas contra-hegemônica, da politização ao

conjunto das famílias, em especial a infância Sem Terrinha, é um dos marcos que a

organicidade tem proporcionado por meio das mobilizações, dos encontros, das

formações políticas, jornadas estaduais e do trabalho nas escolas de assentamentos e

acampamentos, resistindo permanentemente às investidas da pedagogia do capital.

O Maior Trem do Mundo97

O maior trem do mundo leva minha terra

Para a Alemanha, leva minha terra

Para o Canadá, leva minha terra para o Japão

O maior trem do mundo

Puxado por cinco locomotivas a óleo diesel

Engatadas geminadas desembestadas

Leva meu tempo, minha infância, minha vida

Triturada em 163 vagões de minério e destruição

O maior trem do mundo transporta a coisa mínima do mundo

Meu coração itabirano

Lá vai o trem maior do mundo, Vai serpenteando, vai sumindo

E um dia, eu sei não voltará, Pois nem terra nem coração existem mais. Carlos Drummond de Andrade

97

Carlos Drummond de Andrade, nascido em Itabira, Estado de Minas Gerais. Cidade também da criação

da Companhia Vale do Rio Doce, em 1º de junho de 1942. Disponível em:

http://linhadotempovale.com/#home Acesso em: 16/01/2016 às 17 h

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3.3 As mobilizações infantis no Estado do Pará98

: 15 anos de jornada dos Sem

Terrinha

Foto Mercedes Zuliane 201499

Nesta vida,

pode-se aprender três coisas de uma criança:

estar sempre alegre,

nunca ficar inativo

e chorar com força por tudo o que se quer.

Paulo Leminski

Como dissemos, anteriormente, as crianças Sem Terrinha, desde a origem da

luta do MST, fazem parte do processo constitutivo desse Movimento. Desde 1994, nos

mês outubro, as “crianças ocupam a cena” e mobilizam-se, colocando em pauta as

questões que são do seu cotidiano. Filhas de camponeses da luta pela terra.

98

Essa pesquisa foi desenvolvida a partir de observação e conversação com crianças Sem Terrinha,

educadores e militantes do Estado do Pará em 2014 e 2015, nos Encontros estaduais dos Sem Terrinha. 99 Mobilização Infantil – Marabá/PA-2014.

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A seguir, relatamos a experiência junto às crianças Sem Terrinha no Estado do

Pará, nos dois últimos anos - 2014 e 2015, considerando que este Estado mobiliza e

realiza Encontro dos Sem Terrinha, desde os anos de 2000. No depoimento a seguir, há

um relato dessa história.

Deslocam-se dos seus assentamentos e acampamentos e seguem para o local

planejado do Encontro. A alegria dessas crianças, durante o Encontro Estadual dos Sem

Terrinha, fica explícita: no rosto, no sorriso, na felicidade de estar ali se encontrando.

São ônibus, vans que chegam até o local onde crianças e adultos irão permanecer juntos

por três, quatro, cinco dias. Na verdade, o Encontro já começou nos preparativos e na

noite da viagem: guardar as bolsas, colchonete e conhecer o espaço que os acolhe,

curiosas, saem em busca de informações sobre o Encontro, principalmente sobre as

surpresas que poderão ter durante os dias que passarão juntas.

No Estado do Pará, a realidade de resistência é permanente para sobreviver e a

organização é determinante para manter a existência do MST e sua luta. E, nesses 25

anos de história do MST do Pará, as crianças, desde o primeiro Encontro Estadual dos

Sem Terrinha, têm protagonismo no que se refere à reivindicação desse espaço, bem

como do jeito de conduzir o processo. A educadora Maria Raimunda, no Encontro de

2015, conta a história da organização dos Sem Terrinha no Estado do Pará:

No ano de 2000, foi realizado o primeiro encontro dos Sem

Terrinha no Estado do Pará. “Um grupo de crianças que

conversavam e falavam pelos cotovelos.” Mas eles achavam que só

falar pelos cotovelos não estava adiantando e começaram a querer

participar das coisas. Queriam ir para os Encontros, queriam ir para

as viagens, viam o povo se organizando para entrar nos ônibus, pra ir

pra Belém, pra ir para um monte de coisa. Esse é o Encontro das

mulheres, esse é o Encontro da Juventude, esse é o Encontro da

Educação... E eles nos perguntaram: - E por que a gente não faz um

encontro de crianças?

Aí a gente começou, então. Tá bom. Então vamos fazer! Vocês

ajudam organizar? Eles disseram: Claro! A gente ajuda a organizar.

Aí essas crianças, cinco crianças, do assentamento João Batista,

foram para Belém, onde ficava o escritório do MST, para reunir com

um grupo de militantes. E elas passaram um período de três meses em

Belém, convivendo com um grupo de militantes. E a gente ia

conversando com eles para pensar o que seria um encontro de Sem

Terrinha. Lá, em Belém, tem um lugar chamado Burro Velho, e,

durante esses três meses eram assim, não só preparar, mas eles

tinham que se preparar para gente organizar o Encontro. Toda tarde,

eles iam para Burro Velho fazer oficina de artes, e eles fizeram uma

oficina chamada recorte e colagem. Eu pensei que recorte e colagem

era só pegar um papel, uma figura e colocar no outro. Lá, eles foram

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aprender que recorte e colagem não era só isso. Eles passaram dois

meses fazendo essas oficinas e organizando como deveria ser o

Encontro. (CESAR100

, 2015).

O processo de organização das crianças, no Pará, desde o início, se deu com a

composição de um coletivo que tem a representação das crianças e a inserção no

processo de condução e organização prévia do encontro, o que não é tão evidente em

outros Estados nos quais o MST encontra-se organizado. A educação política deste

processo resulta na concepção de organização das crianças, compreendendo-as como

lutadoras e construtoras de um espaço que as tornam protagonistas e participantes ativas

da luta social. O primeiro Encontro Estadual do Sem Terrinha do MST, no Pará,

realizado em outubro de 2000, com a presença de 350 crianças, tem as orientações

parecidas com o primeiro congresso infantil, em 1994, no Rio Grande do Sul. No

primeiro encontro, foi demarcado, em Belém, com atividades lúdicas, com a marcha,

reivindicação, festa, e brincadeiras e a forte presença da ocupação com o acampamento

de lona preta das crianças Sem Terrinha paraenses na praça da São Brás.

O primeiro encontro foi realizado em uma praça no centro de Belém.

Praça São Brás que fica em frente à Rodoviária, em Belém. A praça

foi batizada depois pelo MST de “Mártires de Abril”, uma

homenagem feita para lembrar o Massacre de Eldorado dos Carajás.

Lá, nessa praça, tem uma coluna da infâmia, ela é enorme, feita de

bronze. Na cidade, o registro é de Praça da Leitura. E a gente ficou

na Praça da Leitura, com 350 crianças durante cinco dias em um

acampamento. Prestem atenção nisso! Lá não tinha sala de aula, não

tinha sala pra dormir, não tinha barraquinha de campi, as crianças

que prepararam o acampamento, elas também decidiram que o

espaço era pra ser como o acampamento de gente grande. Nos

primeiros dias da ocupação, a gente mora no barraco de lona, cada

área montou por regional e organizava o seu barraco. As crianças

chegavam, construíam o seu barraco, e valia a criatividade do

barraco. Teve barraco que as crianças construíram um céu, dentro do

barraco que elas dormiam, (Não tem essas estrelinhas aqui?!) Elas

construíram, colaram na lona com um papel que brilhava...e a noite

elas dormiam como se estivesse dormindo olhando para o céu.

Depois, essas cinco crianças, incorporaram outro grupo de Sem

Terrinha que estava se formando no assentamento Palmares. Essas

cinco crianças do assentamento João Batista, mais duas crianças do

Assentamento Palmares é que coordenaram todo o Encontro. Desde

preparar o material, o kit e de como iria ser organizado. E, nesse

encontro, a gente estudou os direitos das crianças, tivemos uma

grande audiência pública com o Ministério Público, com as

100

Maria R. Cesar – Compõe o Coletivo Nacional de Educação do MST pelo Estado do Pará. Essa fala

foi realizada no Encontro Estadual dos Sem Terrinha de 2015.

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universidades. Muita gente participou. A gente brincou muito, fez uma

marcha da Praça São Braz até Tribunal de Justiça. (CESAR, 2015).

O encontro vai demarcando o jeito que o MST paraense articulou as crianças e

possibilitou que mais uma frente fosse organizada desde o fazer da luta, ou seja, são as

crianças que constroem a pauta de luta a partir da sua realidade, as reivindicações, as

denúncias de um lugar que coletivamente é ocupado e que se torna local de resistência e

de construção de alternativas para todas as pessoas que vivem nos acampamentos e

assentamentos. Sem deixar de trazer presente o belo, a brincadeira, o direito de festejar

e ter acesso às comidas diferentes.

Podemos dizer que as crianças do MST estão na direção, como afirma Pistrak

(2009): “a importância da criatividade organizada”. O encontro dos Sem Terrinha vai

tornando-se espaço com intencionalidade que podem desenvolver na criança “condições

suficientes de liberdade”. Desta forma, por meio da organização coletiva, a criança vai

aprendendo a tratar, em seu cotidiano, de assuntos sérios que lhes dá responsabilidade.

Aquela proposição de que criança não “prepara-se” para tornar-se

membro da sociedade, mas já é agora, já tem agora as suas

necessidades, interesses, tarefas, ideais, vive agora em ligação com a

vida dos adultos, com a vida da sociedade. (PISTRAK, 2009, p. 126-

127).

E, assim, a jornada vai identificando-se como um lugar da auto-organização das

crianças que, para além de prepará-las para vida futura, elas são estimuladas a viverem a

realidade concreta da sua classe social no presente.

Os Encontros Estaduais foram realizados nessa trajetória em Marabá, em Belém,

no Assentamento Palmares, no 17 de Abril, e teve outras ocasiões que não foi realizado

em nível estadual, mas no âmbito regional ou nas áreas de assentamentos e

acampamento. A decisão do Movimento era manter a jornada dos Sem Terrinha fosse

ela local, regional ou estadual.

3.3.1 O Encontro Estadual dos Sem Terrinha no Estado do Pará - 2014 e 2015.

Esses dois anos de participação, observação e conversação com as crianças,

educadores, militantes e visita aos espaços permitiram entender melhor a configuração

fundiária da região sudeste do Estado Pará, assim como compreender a relação de

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resistência e luta que o MST, e aqui trazendo a particularidade do setor de educação,

que foi desenvolvendo através da ocupação da escola, na formação dos educadores e

organização das crianças.

Em 2014, tive a oportunidade de observar, no Assentamento Palmares II,

município de Parauapebas, nos acampamentos Frei Henri – município de Curionópolis,

e Hugo Chávez – município de Marabá, a preparação das crianças nas suas localidades

para a participação do Encontro Estadual. O Encontro inicia-se desde a sua preparação

em suas localidades, com os cartazes feitos pelas crianças, as apresentações culturais, a

mística, a discussão da pauta de reivindicação, entre outros combinados. A expectativa

das crianças é grande e gira em torno de rever os colegas dos encontros anteriores, a

curiosidade em saber o que vai ter no encontro, a responsabilidade de fazer as tarefas

que foram combinadas no coletivo.

Em 2015, o encontro foi realizado no Assentamento 17 de Abril, município de

Eldorado do Carajás onde se comemorou os 15 anos de articulação e organização das

crianças Sem Terrinha no Estado do Pará. E, além da história contada desse processo, as

crianças foram estimuladas, durante o encontro, a produzir um presente coletivo em

cada área de assentamento e acampamento e fazer a entrega na noite cultural do terceiro

dia.

15 anos é motivo de muita alegria, de muita felicidade, por que

seguimos nos organizando para limpar, nos organizando para

festejar e pra celebrar. Eu gostaria de saber quem trouxe o

presente? A gente falou que o presente era da nossa criatividade

(CESAR, 2015).

Infância Sem Terra101

15 anos de história aprendendo e brincando

Trabalhando com a terra e vitórias conquistando

De Parauapebas a Belém, Sem Terrinha tem se encontrado

Em marchas e encontros, somos povo organizado

Foram diversos temas estudados, milhões de informações

Gritando com resistência, Somos futuro da nação

Nesta longa caminhada de estudos e brincadeiras

Vamos dar um grande viva

101

Poema escrito pelas crianças, em 2015, no Encontro Estadual dos Sem Terrinha. Foi o presente em

homenagem aos 15 Anos da organização e Jornada dos Sem Terrinha no Pará, entregue junto aos

presentes que cada localidade produziu durante ao encontro. Os presentes foram: poema, cartazes,

apresentação musical de dança, e desenho.

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Ao 15 anos de Jornada Sem Terrinha

Os presentes são expressões coletivas conforme a orientação, socializados junto

a grande festa celebrativa dos 15 anos. Com uma mesa gigante com bolo, brigadeiro de

colher, docinhos, pipocas, com muita palhaçada e palhaços, músicas e muita animação.

A noite cultural parecia não acabar, era tanta energia e vontade daquelas crianças e

educadores em estar juntas, comemorando, pulando, dançando e cantando os 15 anos de

protagonismo na história. A noite cultural foi até a meia noite.

Como na origem dos Sem Terrinha, em 1994, no Rio Grande do Sul, a Jornada

Estadual dos Sem Terrinha, em Marabá, em 2014 e 2015, no assentamento 17 de Abril,

Eldorado dos Carajás, deixaram marcas e significados no contexto político e ideológico

através da intervenção organizada das crianças dos acampamentos e assentamentos,

marchando e colocando suas questões, problematizando a forma de produção

convencional, trazendo a discussão da produção sem agrotóxicos nos assentamentos e

acampamentos do MST.

A seguir, descrevemos as atividades desenvolvidas nos encontros organizados

pelas crianças.

Os Encontros mantiveram, em média, de 350 a 400 crianças, nos dois anos

consecutivos. E a organização dos Encontros tem as orientações parecidas com as

jornadas anteriores, o que diferencia é o local e a metodologia. Em 2014, o encontro foi

no município de Marabá e teve o processo de luta em dois órgãos públicos (INCRA e

Justiça Federal). Em 2015, o Encontro foi no Assentamento 17 de Abril, em Eldorado

dos Carajás, assentamento onde ocorreu o massacre dos 19 trabalhadores Sem Terra, em

17 de abril de 1996. E a metodologia proposto para esse Encontro, foi que um coletivo

de crianças discutisse o que seria o Encontro Estadual de 2015 e apresentasse uma

proposta para a Direção estadual do MST. As crianças apresentaram uma proposta

inicial com programação, local e cardápio de alimentação - ver quadro 3.

.

Proposta do coletivo de crianças para o Encontro dos Sem Terrinha de 2015,

Apresentada para a Direção Estadual. 102

A proposta de local: inicialmente Belém. Mas ficou o Assentamento 17 de Abril,

Data: outubro; cinco dias de encontros. Temas sugeridos: desmatamento/hidrelétricas

102 Informação do setor de educação estadual do Pará.

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– Belo Monte/poluição/água/preservação e recuperação ambiental/e outros temas nesse

sentido do ambiente; Oficinas: teatro, construção de brinquedos, dança, músicas,

leitura, grafite, palhaço, artes, pintura; Uma roda de conversa; Um dia de contos e

lendas: histórias de cemitério, Matita Pereira, Saci Pererê, Loira do Túnel, Loira do

banheiro; Noite cultural - Noite do pijama - Cinema - Show com O Teatro Mágico;

kit: caderno de música, poesias, lendas, lápis, borracha, caneta, apontador, lápis de cor,

duas balas e um pirulito; Ocupação/Ato político; Passeio: Serra dos Carajás

Quadro 3 - Cardápio

Sexta-feira Sábado Domingo Segunda-feira

Terça-feira

Café da manhã

Farofa de calabresa café com leite

Farofa de ovo café com leite

Frutas café com leite

Café com leite pão com queijo e presunto

Salada de frutas

Almoço Maria Isabel

103

Comida caseira suco de goiaba

Peixe com açaí Arroz, feijão e carne moída

Macarronada Frutas suco

Lanche Iogurte com maçã

Brigadeiro com morango

Salada de fruta Salada de frutos

Jantar Caldo de frango

Caldo de macarronada com carne moída

Besteirinhas de noite cultural: Cachorro quente, pizza, doces...

Do cardápio proposto pelas crianças, tendo presente que os Encontros são

realizados com doações dos assentamentos e amigos do Movimento e nem sempre é

possível garantir 100%, foi garantido quase tudo. O peixe foi retirado do cardápio, de

acordo com a avaliação que, por ser um grande encontro, com crianças, exigiria atenção

com cada uma delas, para não ocorrer acidentes; do brigadeiro foi retirado o morango,

pois na avaliação da coordenação do encontro o morango, segundo a ANVISA104

é o

segundo mais contaminado por agrotóxico no Brasil e não tem produção no

assentamento, com essa avaliação, não seria coerente manter no cardápio. A

103

Prato típico do Piauí. Que mistura carne de sol com arroz e serve-se com banana. 104

Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Segundo a Agência, o pimentão é uma das hortaliças mais

contaminada por agrotóxicos, seguido do morango com (63%), o pepino com (57%), a alface com

(54%), a cenoura com (49%), o abacaxi com (32%), a beterraba com (32%) e mamão com (30%).

Disponível em: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/04/29/politica/1430321822_851653.html Acesso em:

16/02/2016.

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alimentação foi garantida todos os dias com uma contribuição das famílias assentadas e

amigos.

Quadro 4 - A Programação do Encontro MANHÃ TARDE NOITE DIA

15/1

0

Acolhida, credenciamento e

organicidade

14h00 – 15 ANOS DA

ORGANIZAÇÃO SEM

TERRINHA

Cinema “Pipoca na

hora da onça beber

água” DIA

16/1

0

Os Sem Terrinha e o Meio

Ambiente: Água ficando pouca, clima ficando

quente, o veneno matando a terra,

pasto matando nascente...

Rodas de coversas sobre o

internacionalismo – Haiti

OFICINAS Teatro; Construção de

brinquedos; Danças; Leituras;

Artes Plásticas; Estêncil; Palhaço;

Rádio humana

Festa do pijama “Um fantasma ronda

o acampamento”

DIA

17/1

0

Os Sem Terrinha e a

Agroecologia

OFICINAS Teatro; Construção de

brinquedos; Danças; Leituras;

Artes Plásticas; Estêncil; Palhaço;

Rádio humana

Noite Cultural

“Dar nó em pingo

d´água”

DIA

18/1

0

Marcha

“Brincando e defendendo a vida

no campo”

Avaliação; Encerramento

Retorno

Na programação, o local proposto pelas crianças seria Belém, porém as

condições de tempo para articular o local, alimentação, transporte, entre outras coisas,

por conta de outras atividades que envolveu o Estado no mês anterior (ENERA), não foi

possível projetar na capital, por conta da distância de aproximadamente 686

quilômetros, o que oneraria significativamente os custos. O Encontro Estadual dos Sem

Terrinha de 2015 realizou-se no Assentamento 17 de Abril, considerado na avaliação da

coordenação do Movimento que o assentamento seria simbólico, sendo que em 2016

completa 20 Anos de Massacre de Eldorado dos Carajás. Outra proposta das crianças

que não se efetivou foi a visita às estruturas da Vale, com a quantidade de crianças,

ficou inviável por uma questão de segurança, segundo a coordenação do encontro.

Também não teve o Teatro Mágico e diminuiu um dia da programação. Mas as demais

sugestões foram acatadas pela coordenação do MST.

E, conforme afirma a Sem Terrinha Açaí, que participou da preparação da

proposta,

“quando a gente começou a fazer as articulações dos Sem Terrinha, a

Sem Terrinha Castanha e os outros meninos foram pra escola e a

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gente começou a fazer lista de cardápio das comidas, das místicas do

que ia ter. Nós estava pensando em fazer o encontro dos Sem

Terrinha em Belém, mas como não deu, daí nós fizemos aqui em

Eldorado na 17 de abril” (Sem Terrinha Açaí105

).

A forma de organizar o Encontro, colocando o protagonismo das crianças, não

ocorre em todos os Estados. De certa forma, o Estado do Pará inaugurou um jeito mais

participativo, envolvendo as crianças na construção do próprio encontro, sendo

protagonista de uma história de crianças. O Encontro foi planejado com as crianças a

partir da proposta apresentada por elas, coordenado todos os dias e noites pelo Sem

Terrinha. A Marcha também esteve presente, porém num outro contexto, realizada

dentro do assentamento, com a Campanha106

contra os agrotóxicos e pela valorização da

produção agroecológica.107

A organização do Encontro - a organicidade do encontro já faz parte da sua

vida cotidiana no acampamento e assentamento. A organização das salas de aulas que se

transformam em quartos por localidades (assentamento e acampamento); a organização

das crianças em núcleos de base para os debates e trabalho em grupo na organização

das plenárias com os educadores.

a) A mística e as palavras de ordem - Cada localidade é responsável por um

momento no Encontro, como também as noites culturais. A abertura do Encontro com

as apresentações dos acampamentos e assentamento com a mística, as palavras de

ordem criadas com as crianças Sem Terrinha. E em 2015, durante o encontro no

trabalho de formação sobre o Haiti as crianças criaram o seguinte grito: “Vamos cuidar

da água/ um dia a água some/ Crianças no Haiti passam sede/ E passam fome”. Foi

apresentado durante o momento de mística em uma das manhãs do Encontro. A seguir,

apresentamos as palavras de ordem, no quadro 5.

105

Os nomes das crianças não foram revelados e foram nomeadas com frutas típicas do Pará.

106 A campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela vida surge em 2011, tornando-se uma bandeira

de luta que MST juntamente com mais de 100 entidades vem se mobilizando. Segundo a Campanha o

Brasil, desde 2008, vem ocupando o lugar de maior consumidor de agrotóxico no mundo. Disponível em:

http://www.contraosagrotoxicos.org/index.php Acesso em: 17/02/2016 107

A agroecologia é uma matriz tecnológica que o MST defende como mudança no modo de produzir e

garantir a distribuição da riqueza, com equilíbrio na natureza, produção saudável e pesquisas e

aprendizado voltados para agricultura (MST. 2014. P. 43).

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Quadro 5. Palavras de ordem apresentadas pelo Sem Terrinha nos Encontros108.

LOCALIDADE E ANO DA

COUPAÇÃO..

ANO PALAVRA DE ORDEM

Assentamento 17 de abril (1995) 2014

2015

Luta conquista com organização Sem Terrinha quer justiça e

melhor educação.

Lutar! Sem Terrinha quer justiça com melhor educação

Assentamento 26 de Março

(1999)

2014

2015

“Sem Terrinha, Sem Terrinha, Sem Terrinha pra valer.

Lutando por direito viva o MST” e “Sem Terrinha, Sem

Terrinha, Sem Terrinha somos nós. Venceremos o latifúndio

com o som da nossa voz”.

Lutar, lutar, estudar e brincar! Somos Sem Terrinha viemos

denunciar. Dizer a todos que ouvirem – Negar educação e

fechar escola é crime!

Acampamento Frei Henri (2009) 2014

2015

“Somos Sem Terrinha, Sem Terrinha pra valer. Viemos do

Frei Henri pra lutar você vai ver” e “Sem terrinha lutando,

lutando a cada dia. Lutando e conquistando e derrotando a

burguesia”.

Estamos aqui...Pra lutar e conseguir...Sem Terrinha

organizado...Acampamento Freir Heiri

Acampamento Hugo Chavez

(2014)

2014 “Sou Hugo Chávez não vou negar sou Sem Terrinha para

lutar continuar. Chávez, Chávez, Chávez, Fidel e Che”

Assentamento João Batista

(1998)

2014 1. João Batista lutou, também vamos lutar. Pela reforma

agrária e os direitos conquistar.

2. Na luta por direitos, lazer e educação concentrando forças

Sem Terrinha em ação.

Acampamento Dalcidio Jurantir

(2008)

2014

2015

Viemos celebrar queremos liberdade e o direito de gritar.

Somos Sem Terrinha lutamos pra valer pelos 30 anos do

MST

Dalcídio, Dalcídio em ação Somos Sem Terrinha e

revolução.

Assentamento – Palmares II

(1992)

Chegou, chegou, chegou na região todos os Sem Terrinha

para lutar pela educação. Estamos sempre juntos lutando pra

valer, pois somos Sem Terrinha do MST

Acampamento Helenira Resende.

(2009)

Bandeira, bandeira, bandeira vermelhinha o futuro do Sem

Terra esta nas mãos do Sem Terrinha.

Lourival Santana (2004)

2015 Somos Sem Terrinha futuro da Nação. Educação do campo é

organização.

108

Fonte: caderno de campo - 2014 e 2015 Encontros Estaduais dos Sem Terrinha.

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b) Coordenação dos dias - um casal de crianças representantes dos

assentamentos e acampamentos- Helenira Resende, Hugo Chávez, Palmares II, 17 de

Abril, 26 de Março, Alcídio Jurandir, 1° de Março.

Orientação na reunião com a coordenação de crianças que foram delegadas para

coordenar o Encontro:

Com a tarefinha da coordenação junto aos educadores: garantir que as

atividades aconteçam e na hora da plenária ajudar a chamar as crianças;

inclusive os educadores, se vocês não tiverem dando conta de fazer sozinho,

chamar os educadores. O pessoal que fica rodando e não vai para as

atividades, chamar e garantir que aconteçam as atividades. São essas as

conversas que tem de fazer nas áreas, são vocês que devem reunir o coletivo

e que conhecem o povo que veio com vocês. “Comunicar as crianças que

depois das refeições não deixar os pratos largados em qualquer lugar. Se não

amanhã não tem prato pra mais ninguém”. Orientar na reunião pra não sair

pra rua. Combinações com as crianças: Sobre as coordenações dos dias e

noites: Garantir que todos estejam no estudo e nas reuniões, discutir os

pontos levantados para discutir em cada área. (informar, conversar com o

pessoal da área). (conversa de orientação nas reuniões com Sem Terrinha).

(caderno de campo -2015).

c) Animação – Da mesma forma da coordenação dos dias, a tarefa é de cada

localidade. O Encontro é uma festa total. Com força, energia da luta do MST do Estado

do Pará, as crianças vivem a cultura regional de seu povo do seu lugar. O carimbó, o

açaí são elementos da vida real das crianças. A dança e a alimentação demarcam um

Estado da região amazônica, marcado pelo poder das empresas do agronegócio, do

trabalho escravizado, dos assassinatos, do latifúndio da terra e da luta permanente das e

dos trabalhadores para permanecer na terra. É nesse lugar que crianças Sem Terrinha,

“ocupam a cena” na jornada estadual e a partir do seu contexto de vida, de luta e

resistência são protagonistas de uma luta e de uma história.

d) Temáticas: Os temas trabalhados nos dois anos consecutivos foram a

dimensão do trabalho como princípio educativo e o Sem Terrinha; Os direitos da

criança; A alimentação e saúde; violência sexual; infância: que tempo é esse?; Educação

e deficiência; O contexto palestino e suas crianças; Foram temas desenvolvidos no

encontro de 2014. E, no de 2015, foram desenvolvidos os seguintes temas:

agroecologia, as crianças do Haiti, saúde bucal e os 15 anos de jornada Sem Terrinha no

Pará. Os temas foram trabalhados por educadores do próprio movimento, como também

por amigos do MST. Também compuseram a programação várias oficinas: de boneca

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de pano, arranjo de cabelo, artes plásticas, jogos, dança, teatro e música, palhaço, entre

outras.

e) Noites culturais: com as apresentações das crianças e com expressão forte

nos festejos, na dança regional, numa integração total das crianças; a noite do pijama

com contação de causos, o cinema e a festa de comemoração dos 15 anos da jornada

Sem Terrinha no Estado do Pará.

f) Jornada de luta com Marcha: Em 2014 foi feito Visitas aos órgãos do

INCRA e Justiça Federal com marcha na cidade de Marabá. Em 2105, foi realizada a

Marcha no assentamento 17 de Abril com a campanha contra os agrotóxicos e pela

agroecologia. Os dois momentos que expressam diferença na sua ação, mas têm a

significação de colocar em questão os problemas do cotidiano. No INCRA, as crianças

deixaram as suas mãozinha como marca nas paredes e uma questão para reflexão

“Dilma, cadê a Reforma Agrária?”; na Justiça Federal foi trabalhado a solidariedade às

crianças que estão no acampamento há 6 anos esperando a desapropriação da terra; e,

em 2015, a marcha realizada foi para politizar e trazer o debate interno para o

assentamento 17 de Abril sobre o não uso de agrotóxico e a produção agroecológica

como projeto de agricultura do MST.

O movimento das crianças forjadas na luta pela terra, coloca-as no contexto de

conhecer a sua realidade, de atuar e ir aprendendo a dominá-la com a responsabilidade

de seu tempo infância - lutadora para a construção de outra sociedade. A pedagogia

socialista, referência para esse processo de organização das crianças, que se contrapõe à

pedagogia burguesa que esconde a dimensão política da educação, desconsiderando a

luta de classe e as suas implicações na formação humana; De outro modo, a pedagogia

socialista considera a política como elementos importantes desde a infância, ligados ao

processo de formação humana e da construção de outro projeto educacional, socialista.

O marxismo nos dá não apenas a análise das relações sociais

existentes, não apenas o método para análise da atualidade para

esclarecer a essência dos fenômenos sociais e iluminação das suas

ligações mútuas, mas também um método de atuar para mudar o

existente em uma direção determinada, fundamentada pela análise.

(PISTRAK, 2009, p. 122).

A projeção desse espaço infantil por um momento político que organiza pessoas

“excluídas” dos direitos sociais, que exigem dos educadores um processo de preparação

e formação nas suas localidades, bem como o planejamento pedagógico que dê conta de

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trabalhar em plenárias com 350 a 400 crianças, temáticas definidas e interlocução com

Sem Terrinha para garantir a sua permanência no debate e interesse pelo assunto.

Foram, de certa forma, espaços desafiadores para os educadores do MST, e, ao mesmo

tempo, de expressividade profunda na forma e conteúdo em que foram realizados os

debates e temas do Encontro como, por exemplo: violência sexual e deficiência;

História da Palestina, o debate sobre 15 anos de Jornada dos Sem Terrinha. O debate,

que já era visto que alguns seriam bem complexos por ser novo para o MST, mas muito

importante no contexto da formação das crianças e que exige um aprofundamento

internamente para pensar os encontros nos Estados, e que revelou que as crianças sabem

muito sobre os temas e, muitas vezes, o conjunto da organização tem dificuldade em

trabalhar por insegurança de como conduzir com as crianças. O exemplo é o da

violência sexual, que apareceram perguntas bastante complexas para serem respondidas

– como homossexualidade; como ter a primeira relação sexual? Sobre gravidez que é

ponto importante para esse grupo etário que com 11 anos já pode ser “mãe” e entre

outras questões que em plenária nem sempre se tem uma resposta imediata ou é possível

respondê-la.

Os encontros dos Sem Terrinha provocam o MST a refletir o sentido das

atividades com as crianças. O que dá centralidade no debate com as crianças? Como

direcionar e obter atenção das crianças nas atividades de formação? São questões

fundamentais, para um grupo com mais 300 crianças. As apresentações culturais

demonstraram muita concentração, nos debates sobre as crianças da Palestina. E, nas

mobilizações, elas permaneceram atentas com as discussões, embora quisessem brincar

o tempo todo. Como brincadeira é coisa séria e também é um elemento fundamental na

formação da criança, o brincar no MST tem o elemento da coletividade, o que contribui

com a formação da criança, compartilhando o lugar de brincar, de se integrar e pensar

que, na brincadeira, cabe o coletivo de crianças do encontro.

Os cuidados pedagógicos: Desde a chegada ao Encontro, a receptividade e

organização dos materiais das crianças são demarcadas pela boniteza de como se

prepara e faz a entrega para as crianças. Da bolsa feita por professoras das escolas que

passaram noites e dias costurando e do grupo de jovens e educadores que alguns dias

passam fazendo pipa109

de tecido e colocando nas bolsinhas, além do caderninho dos

109

A pipa foi um dos símbolos utilizados pelo Pará na atividade desenvolvida com as crianças Sem

Terrinha, sobre as crianças Palestina.

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Sem Terrinha, livro de poesias, das festas coloridas de doces e comidinhas diferentes,

como no encerramento dos encontros, além do momento forte de finalização de quatro

dias juntos, a preocupação da coordenação de educadores em garantir um kit para todas

as crianças e educadores que contemplasse um livro infantil, um brinquedo e um doce.

Fortalecendo a importância da leitura, do brincar na vida das crianças e adultos, sem

deixar de lado o docinho que também faz parte da cultura infantil.

A formação dos educadores. Foi fundamental, nesse contexto, expressar a

importância que o MST tem dado para a organização das escolas e formação dos

educadores. O educador é referência para a criança, e o percurso desses 31 anos do

MST, e dos 21 anos de Jornada dos Sem Terrinha, em nível nacional, demarcam a

participação de uma juventude militante, liderança, crítica e organizadora, que

certamente boa parte dela já passou pela formação dos Sem Terrinha. Porém, essa

referência precisa de uma formação permanente em que a intencionalidade do trabalho

seja também permanente proporcionando criticidade, participação coletiva, acesso ao

conhecimento produzido pela humanidade, estímulo à criação e à organização, bem

como diz a palavra de ordem das crianças “Estrela, estrela vermelhinha, o futuro do

Sem Terra está nas mãos dos Sem Terrinha110

”. Os educadores que coordenam e

participam na organização da mobilização dos Sem Terrinha são os professores que

atuam nas escolas e o coletivo de juventude do MST.

O papel da escola no processo da organização. Os educadores das escolas de

assentamentos e acampamentos no Estado do Pará têm garantindo a participação das

crianças nas preparações dos Encontros, como também no próprio encontro. A luta por

escola faz parte do cotidiano – da vida das crianças, dos educadores e das famílias que

vivem no MST. Os espaços já conquistados da educação, como outros, só foram

possíveisatravés da luta coletiva, o qual permite que o educador se reconheça nesse

processo, perceba que o acesso ao conhecimento, como as estruturas conquistadas só foi

possível através da luta do MST. As escolas que se forjaram na luta, na compreensão da

importância da construção de um espaço que reflete e realiza a formação humana de

lutadores e construtores, colocam em questão a educação burguesa e vai desenvolvendo,

a partir de sua participação nas diferentes ações proposta pelo MST, contra-hegemônica

a pedagogia do capital. Assim como outros Estados onde o MST está organizado, o

Estado do Pará, com todos os limites e contradições, tem garantido a organização das

110

Palavra de ordem criada para o Encontro Estadual dos Sem Terrinha do Pará de 2014.

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crianças na participação dos encontros, bem como tem colocado temas importantes para

o debate político das crianças, alguns indicados por elas, nas formações dos encontros

estaduais dos Sem Terrinha. A escola é reconhecida como espaço de formação e de

disputa na luta de classe. É resistência constante no que se refere à organização política

para garantir as conquistas obtidas com muita luta, como o enfrentamento permanente

às parcerias público-privado que vêm determinando a formação da classe trabalhadora.

3.4 A educação política e o seu significado no contexto da disputa da pedagogia

contra-hegemônica

A partir de ações concretas, elencamos três momentos de participação das

crianças paraenses nas ações do conjunto MST: 1) a delegação de crianças do Pará que

foram para o VI Congresso, (2014) sem os seus pais, mas com a responsabilidade da

militância; 2) o segundo momento já explícito foi a elaboração da proposta do Encontro

estadual do Sem Terrinha (2015); 3) o terceiro momento é o mais recente final do ano

de 2015, na qual uma representação de crianças, de cada localidade (assentamento e

acampamento) do Estado, participarem do Encontro Estadual do MST, onde os mesmos

realizaram assembleia dos Sem Terrinha e apresentaram suas intervenções em plenária

para o conjuntos do Encontro Estadual que comemorou os 25 anos de MST no estado

do Pará.

As crianças Sem Terrinha têm demarcado o seu espaço, cobrando a sua

participação no Movimento, questionando e mostrando o quanto são capazes de se

organizar e fazer a luta. Historicamente na luta pela terra, a criança esteve num lugar de

invisibilidade, embora estivesse no contexto da dureza da luta, das violências

estabelecidas pela propriedade privada, bem como do lugar destinado pelo capital para

os filhos e filhas do “meio rural”. Assim como relata Pistrak sobre a construção da

escola do trabalho no processo de transição na União Soviética, em que as crianças

tinham que lutar pela sua escola para que não fosse destruída111

, eram discriminadas

pela população “xingadas de comunistas”, (PISTRAK, 2009, p. 148), as crianças Sem

Terra por muitas vezes foram humilhadas nas escolas, nos ônibus, nas cidades ou outro

espaço e chamadas com palavras pejorativas que, também as fizeram sentir vergonha de

111

Pistrak, no livro Escola Comuna, relata que no processo de construção da comuna escolar, foi um

tempo de luta em todos os sentidos e não se tinha uma vida normal. “... Nossa escola (...) foi submetida a

toda sorte de repressão por parte da população, ele até mesmo foi incendiada uma vez, e o instinto de

autopreservação forçou as crianças a cuidar da escola, amá-la, orgulhar-se dela, defender seu valor e

defendê-la do ataque dos inimigos”. (PISTRAK, 2009, p. 147).

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ser Sem Terra, mas sempre se colocaram e, essas questões foram trazidas por elas paras

as suas comunidades e foi através das denúncias das crianças, da negação da educação

burguesa, que o MST vai proporcionar, na sua luta, a construção coletiva de uma

pedagogia em movimento contra-hegemônica.

[...] tanto a pedagogia do MST, como as críticas e anúncios das

crianças indicam questões importantes a serem incorporadas nas

reflexões em torno da infância e sua educação. Uma questão central

dessas reflexões aponta a necessidade de estreitar a relação entre os

grupos geracionais, numa correlação que funda a experiência (dos

adultos) e a novidade (das crianças). Na contramão dos dispositivos

educacionais da modernidade, destaca-se a importância de

desenvolver a noção de educação como projeto e ação coletiva,

conhecendo e valorizando a memória e a experiência humana e, ao

mesmo tempo, aprendendo com as novidades e transgressões da

infância. (ARENHART, 2007, p. 160).

A educação política que foi sendo forjada através da luta social, tem na sua

significação na formação humana das crianças, permitindo que sejam protagonistas e,

juntamente com o conjunto do MST, fazer o enfrentamento de classe. No II Seminário

Nacional Sobre a Infância Sem Terra (2014), o MST definiu, em suas matrizes

formativas para a infância, alguns elementos como: “a luta social; a cultura; a história;

intencionalidade nas ações; a agroecologia; o internacionalismo; o princípio educativo

do trabalho”, (MST. 2014. p. 127), foram debatidos e elencados pelo conjunto dos

setores do MST, como tarefa do próximo período no trabalho de formação com as

crianças dos assentamentos e acampamentos.

A participação nos encontros

Em conversas com algumas crianças, durante os Encontros dos Sem Terrinha de

2014 e 2015, elas descrevem sobre as mobilizações infantis como espaço importante e

de interesse de participação. E elas têm muito a dizer sobre as mobilizações infantis no

MST e certamente ações pontuais com elas, forma protagonistas e sujeitos da história.

E, nesse percurso de conversação com os Sem Terrinha, as crianças pequenas da

Escola de Educação Infantil Maria Salete Moreno, também participaram de dois

momentos de roda de conversa, expressando o seus conhecimentos sobre a escola e

sobre a representação da Escola no Encontro dos Sem Terrinha.

Em relação ao processo da escolha para a participação no encontro se dá de

diferentes formas.

“Eu fui escolhida para ir para o Sem Terrinha. Eu e Graviola. Foi a diretora que escolheu”.

E já temos nosso grito “Sou Sem Terrinha do MST, sou fruta dessa luta, sou forte pra valer”!

“Pode bater o pé e levar poeira, porque o Sem Terrinha não está de brincadeira” (crianças da

educação infantil – Escola Maria Salete Ribeiro Moreno).

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160

As crianças Sem Terrinha da educação infantil expressam a vontade em

participar, mas também por não ter a idade para a participação no Encontro, nem sempre

se trabalha a identidade Sem Terrinha com mais intencionalidade, sendo em muitos

casos os irmãos, coleguinhas maiores que influenciam a identidade e a Ciranda Infantil.

A falta de um debate com elas no sentido de trabalhar a coletividade no aspecto da

escolha e decisão da escolha de quem vai representar a escola no Encontro Sem

Terrinha, são elementos demarcado na fala das crianças. Esse fato ocorre também pela

dificuldade dos pais em liberar as crianças pequenas, mas também da necessidade de

criar um espaço de diálogo com as crianças pequenas que já se sentem Sem Terrinha e

de ampliar a forma organizativa dos Sem Terrinha através da escola de educação

infantil.

Nos momentos de conversas com as crianças pequenas112

, intensos e

gratificantes, vimos o lugar onde as crianças passam parte do seu tempo e como elas se

relacionam com o espaço educativo que foi proporcionado através da luta dos seus pais.

Além de apresentar um repertório gigantesco de músicas infantis, elas foram contando

sobre a sua escola;

A escola é bonita”. Porque é bonita? têm brinquedoteca, sala de

vídeo” “na hora do recreio tem o pátio pra gente brincar, fazer tudo,

pular corda, fazer a cobrinha”, “é bom aqui, porque tem a sala de

leitura, o parquinho pra gente brincar na hora do recreio”, tem a

“sala de brinquedo”, “tem a biblioteca, tem o balançador, tem o

escorregador que é pra gente brincar todo dia, é por isso que a gente

gosta dessa escola”. A escola é feita pra gente ficar inteligente”

“para estudar e ficar grande” eu faço muito desenho bonito”. “Eu

faço um bocado de atividade, eu escrevo muito”. (crianças da

educação infantil de 4 e 5 anos).

A relação dos educadores com as crianças inicia desde a preparação da chegada

das crianças na escola. Um grupo de educadores, todos os dias preparam atividades de

brincadeiras, cantigas, teatro para receber as crianças. Esse é sempre um momento

esperado por todas elas.

“A nossa professora explica pra gente matemática” (outra crianças

entram na conversa) e diz:, “eu sou muito boa em matemática, eu

consigo contar até 206” e “eu só sei contar até 100”. “Quando fui

pra escola a professora dá brinquedos pra gente”. “tem vez quando

eu estou com muita saudade da professora eu faço carta pra ela, eu

112 Crianças de 4 a 6 anos do período da manha e da tarde.

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pinto e fica bem bonitinha. Eu faço uma cartinha para professora de

coração, com um monte de coração pra ela, ai eu coloca dentro da

carta e deixo por debaixo da porta. Ai ela abre e rasga e vê o meu

nome. Aí eu cheguei na escola e a professora perguntou: foi tu que

escreveu essa carta foi Tucuma?, mas é claro que foi eu. A professora

gostou.”.

O brincar está muito presente na escola e nas falas das crianças, mas também tem

influências da vida adulta na formação da criança. E o brinquedo e brincadeiras, embora

as crianças se socializem, a influência dos pais é determinante na formação das crianças:

“Eu gosto de boneca, gosto de pular corda, gosto de fazer casinha..eu fico brincando

mais o Sem Terrinha Graviola lá”, “As meninas ficam brincando de sorrir e fazendo

cosquinha nos outros..”. “Eu gosto de brincar de cavalo de pau”. “A minha mãe ela dá

brinquedo, um montão de carro e moto. E elas são grandonas”. (E você deixa outras

crianças brincar com você Tucumã?) “Eu não deixo nem o Patauá, nem a Pupunhal e

nem o Atá”. Porque? “Porque minha mãe não deixa. São influências da vida adulta na

formação da criança e que são determinantes para sua formação.

“eu gosto de brincar de carrinho, o meu pai deixa eu brincar lá

perto da casa da dona Socorro”, “eu gosto de brincar de

esconde-esconde”. “Eu gosto de brincar de escola americana”,

como é a escola americana? “a gente tem que correr, parar e

ficar estatua, não pode nem respirar, ai a pessoas tem que

passar e triscar na cabeça”. “Eu gosto de brincar que a

bonequinha é minha filha” Eu gosto de brincar do pega, do

queima cola, de mãe e filha, de doutora”.

A relação com a escola tem forte presença no brincar. Mas a vida no assentamento é

também um referencial para as crianças.

“eu tiro leiro da vaca com meu pai”. “ajudo a minha mãe a fazer as

coisas”, eu arrumo meu quarto”, eu limpo a casa”, “Eu ando de

cavalo, eu amanso cavalo”. “Planta na roça, milho, morango, pé de

abóbora, mandioca”...uma fruta diferente (jacudecabra -

jabuticaba). “Uva, morango, milho, mandioca, alface” Na roça tem

vaca e no assentamento não tem, tem cavalo, boi...

E, com muita força, me apresentaram a palavra de ordem da escola, que de certa

forma indica a presença da Ciranda e da identidade Sem Terra na formação das crianças

pequenas. “Ciranda, ciranda cirandinha as crianças da Salete, são todas Sem

Terrinha”.

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Embora a escola venha combatendo as influências da Vale no processo

pedagógico, mas como o “maior trem do mundo” passa dentro do assentamento de

Palmares II, as crianças convivem com essa realidade. E aquelas que moram na roça,

como é chamado, as famílias que não moram na agrovila, pegam ônibus todos os dias

na estrada por onde passa os trilhos do trem da Vale.

Fotos - Marcelo Cruz. Assentamento Palmares

“Quando eu vou pra roça da minha vó, eu vejo o trem passando”

Tucumã. “Na casa da minha vó o trem passa na rua, passa assim na

frente, ai ele pode pegar no pneu da moto, quase pegou, meu pai

estava assim, ele caiu e levou uma queda bem na testa”.

“eu passo debaixo do trem quando vou na casa do meu tio. Sabia que

passo por baixo?” (por conta do túnel...)

Essa relação que a criança estabelece com o seu cotidiano, expressa de certa forma

uma naturalização da sua realidade, mas ao mesmo tempo traz em sua fala elementos de

análise do quanto as suas famílias são afetadas pelo impacto da mineradora no

assentamento. Seja pelo tempo que o trem leva para passar na estrada onde os ônibus

escolares passam, das famílias que vão trabalhar nos seus lotes, bem como do risco de

acidentes que pode ocorrer.

O lugar “escola infantil”, para as crianças, é muito especial e importante, mas tem o

desafio de pensar com mais profundidade nesse espaço de conquista, da coletividade

das crianças e da construção da identidade, bem como trazer temas do seu cotidiano

para problematização. O que está se projetando para 2016 na Escola Salete Moreno é a

realização do Encontro de Sem Terrinha com as crianças pequenas, que são em média

230, de 4 e 5 anos, mas, esse é um desafio que está colocado para as escolas de

educação infantil dos assentamentos e acampamentos no Brasil.

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Sobre as crianças maiores, sobre a preocupação de não ter como ir por falta de

dinheiro, pois nem sempre é possível ter uma estrutura que possibilita a participação,

por exemplo as crianças do acampamentos Frei Henri relatam que: “Nós estavamos tão

ansiosos. Só que não ia ter por causa do óleo, o pai do menino deu o dinheiro pra

comprar o óleo, aí gente veio numa van”. (Sem Terrinha - Cupuaçu).

No assentamento Palmares II, as crianças são escolhidas pela Escola Crescendo na

Prática e como a Sem Terrinha descreve a forma de sua participação: “Fui escolhida

pela professora, a gente tem que se esforçar e não ser bagunceira na escola. E também

não pode quebrar as cadeiras...” (Sem Terrinha - Açaí). Na descrição da coordenação

da escola, precisa colocar algumas normas, pois são muitas crianças e não daria para

participar todas pelo número de crianças definido para todo o Estado. Somente nas

escolas daria para realizar um encontro com o número proposto para o estadual.

A forma de participação ainda é limitador, nas demais localidades as crianças

também são organizadas pela escola, porém as condições objetivas se diferenciam no

aspecto da organização local do acampamento ou assentamento, da disposição de

organizar para além da escola, o qual contribui na organização das crianças.

Organização do Encontro:

“Eu participei dos dois Encontros, em Belém, no Hangar, e no parque

dos Igarapés, no parque de São Brás, no da Palmares, e participei

nesse de hoje e nos dois Encontros de Marabá. É importante ter uma

organização dos Sem Terrinha pra ficar organizado as áreas,

coordenadores bem bacanas que sabe a hora da brincadeira, a hora

de estudar, a hora das atividades. Que sabe falar como que a gente

tem que fazer. Organizar mais sobre o fato das organizações das

áreas, tipo assim, que não só para os coordenadores, mas que façam

com que as crianças tenham respeito por eles. Tipo na hora da

organização das filas, dos gritos tá todo mundo muito bem

preparados, falar sobre o caso de saúde, sobre tudo isso e,

principalmente, sobre o caso de saúde, sim tipo, é sempre bom ter

alguma coisa que tenha remédios, e perguntar também, tipo uma

fichinha pra cada área, perguntar: que tipo de alergia tem? Bem

importante fazer perguntas”. (Sem Terrinha – Castanha)

As crianças que já participaram de vários encontros sabem como se dá o processo

organizativo. Os temas trabalhados, em destaque, a discussão sobre agroecologia e uso

de agrotóxicos, como as crianças do Haiti. Os temas mais destacados foram: “Foi sobre

a água, os meninos do Haiti que aprendermos mais. E essa caminhada que ta boa!.

(Sem Terrinha Bacuri). “Acho bom porque todas às vezes a gente vai. Tem as

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brincadeiras e também na hora da plenária, a gente aprende mais coisas que ainda não

sabe, a gente aprende”. (Sem Terrinha - Cupuaçu).

“Aprendi que um monte de alimento que eu como, a maior parte é

envenenado. Isso é ruim, porque antes quando não tinha veneno em

nada as pessoas vivem mais, mas hoje, por causa do veneno, tira

alguns anos. Batatinha, morango e pimentão tem muito veneno. E

aprendemos que “veneno mata as plantas” que precisa “aguar as

plantas todos os dias”. “Aqui, no assentamento, planta coente, capim

santo, na roça planta feijão, arroz, abacate, abobora, só” (Sem

Terrinha - Muruci)

“O encontro está muito bom, as atividades, as perguntas, sobre a

água, a pesquisa que fizemos: o que nós podemos fazer para água não

ser destruída? Onde podemos encontrar a água? (Sem Terrinha -

Ingá).

Constamos que, nas falas das crianças, apresentadas do jeito delas, indicam

questões sobre o que sabem da sua realidade. E, no seu cotidiano, são colocados

elementos para ela refletir e pensar em possibilidade de ações que possa resolver ou

colocar o problema em evidência. Como exemplo: sobre a sua participação na jornada e

organização da mesma, por um lado elas participam e ajudam no processo, mas saindo

da esfera de outubro, outros processos de formação são planejados para elas, como por

exemplo: os momentos literários, as reuniões dos Sem Terrinha para discutir os

problemas no acampamento, ou outros tipos de intervenções para além da escola. O

Encontro, intencionalmente, coloca questões do cotidiano dos assentamentos e

acampamentos, justamente para que sejam retomadas nas suas localidades pelo coletivo

de educadores ou das próprias famílias, mas se isso não ocorre, podem ser retomadas

pelas próprias crianças nas suas comunidades como, por exemplo, a revindicação do seu

espaço lúdico cultural, bem como fizeram os Sem Terrinha do acampamento Hugo

Chávez que apresentaram para a coordenação do Acampamento suas revindicações e

fizeram assembleias para ver a possibilidades da construção coletiva do espaço das

crianças. E, assim como a problemática sobre o uso de agrotóxico, a discussão da

violência, entre outros debates que são fundamentais para vida das crianças, que se

trabalho com elas, pode vir a ser um espaço de intervenção para o conjunto da

comunidade.

O significado da marcha para as crianças: “A marcha a gente a prende muitas

coisas boas, muito grito de guerra... protestando os nosso direitos”. (Sem Terrinha -

Bacuri). A necessidade da luta por direitos básicos da escola, “Por causa da merenda,

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era só suco com bolacha. Agora tem arroz, feijão, carne. Ainda não saiu a terra...”.

(Sem Terrinha – Cupuaçu)

Marchar, para o MST, é uma forma de colocar em evidência as questões sociais

e, no caso do Movimento, denunciar o latifúndio da terra; a negligência do Estado; a

influência determinante do capital internacional na vida da classe trabalhadora. As

crianças marcham com a sua pauta, com suas palavras de ordem, revindicando o direito

de ter a escola, de ter a terra para garantia da sobrevivência humana, que faz parte do

contexto da luta, do lugar onde vivem as crianças Sem Terra, no Pará. Pois a única

garantia numa terra “sem lei” é aprender a resistir e lutar para sobreviver nas condições

adversas do contexto agrário paraense.

Marcham com suas faixas, seus bonecos, com as suas bandeiras vermelhas, com

bonezinho, numa visita inesperada ao Instituto de colonização da reforma Agrária -

INCRA de Marabá, em 2014, denunciando o descaso com a reforma agrária, a lentidão

para o processo de desapropriação do acampamento Frei Henri que está no local há mais

de seis anos e vive uma “verdadeira Palestina”, segundo as crianças do acampamento,

pois quando foi feito o trabalho com eles sobre a história da Palestina e das condições

que vivem as crianças, rapidamente se identificaram com a sua realidade de conflito

permanente com o fazendeiro que coloca pistoleiro para atirar sobre o acampamento.

Essa visita causou certa estranheza por parte da instituição, por serem crianças

questionando um órgão público pela não efetivação da reforma agrária. Estranho para os

meios de comunicação, crianças filhas de camponeses marcharem e colocarem sua

pauta em movimento. O jornal Correio do Tocantins - o jornal de Carajás, na manchete

intitulada “Crianças sem-terra mancham paredes do INCRA”, “crianças sem terra

‘pintam o sete’ na sede do INCRA”, faz consulta a internautas que apresentam

indignação com o comportamento das crianças: “país sem lei”, “vandalismo” e “falta de

educação”, entre outros. O jornal destaca que

Na manhã de ontem, segunda-feira (13), na Superintendência

Regional do INCRA. Orientados e acompanhados por adultos,

invadiram o prédio e, com as mãos sujas de tintas, deixaram marcar

por todas as paredes. Tratava-se de protesto pela lentidão no processo

de desapropriação de uma fazenda, fato confirmado pelo próprio

MST. O processo tramita na 1º Vara da Justiça Federal, onde eles

também fizeram protesto logo após deixar o Incra. Moura informou à

reportagem que a decisão a favor dos sem terra deve ser publicado

nesta terça feira (14), no Diário Oficial da União. De acordo com o

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representante o grupo, já esta acampados no local há seis anos. A ação

faz parte da jornada Estadual do “Movimento Sem Terrinha” e iniciou

às 9h na sede do órgão. Os pequenos manifestantes, acompanhados de

adultos ligados ao MST, deixaram marcas de tintas em formato de

mãos e protestaram pela reforma Agrária na Região. (Correio. 2014. p.

5).

Depois desse processo de denúncia, as crianças seguem em marcha para a

Justiça Federal em busca de uma audiência com o Juiz de Marabá para ter um quadro

mais real da situação da área do acampamento Frei Henri que já teria sido destinada

para a Reforma Agrária, mas o INCRA, segundo as lideranças do movimento, que por

acordos com o fazendeiro, não foi desapropriado. O Juiz recebeu um grupo de crianças

para a audiência e colocou que, de fato, a área já estava no processo de desapropriação.

Uma das crianças do acampamento Frei Henri pergunta ao Juiz: “pode o fazendeiro

colocar veneno na mina d´água que usamos para beber no acampamento?” Pelas

informações do grupo de negociação, o Juiz ficou pensativo, sem muita resposta à

pergunta da criança. Mas essa é mais realidade vivida pelas crianças no acampamento.

Em 2015, elas marcharam no assentamento 17 de Abril, colocando a questão do

uso de agrotóxicos nas plantações. A marcha teve o objetivo de politizar o próprio

assentamento, bem como as crianças que estão nesse processo de formação que

certamente levam para a suas localidades a importância da agroecologia e o combate ao

uso de veneno nos assentamento e acampamentos do MST. Essa característica de pensar

a criança a partir da sua realidade social faz parte da pedagogia do MST.

A luta como matriz formadora, para as crianças Sem Terra, por estar no seu

cotidiano e no horizonte da conquista da terra, no caso das crianças do Pará, durante o

Encontro Estadual dos Sem Terrinha, tiveram a oportunidade de levar a sua pauta até os

órgãos estaduais para revindicar e denunciar o descompromisso desses “representantes

do povo” que estão a serviço do capital. Certamente, para as crianças, foi um momento

de politização e de valorização da pauta que eles construíram coletivamente e faz parte

da sua realidade de vida.

A organização das crianças. Em conversa com elas, foram descrevendo o que pensam

e o que sugerem para a organização local e jornadas dos Sem Terrinha estadual. Para a

sem terrinha do acampamento Hugo Chavez, “Lá ainda não tem o coletivo, ainda vão

fazer, eu não fiz nada, mas muitos fizeram casa, balanço”. Relato referente à pauta das

crianças para o acampamento, revindicando lazer e um espaço no acampamento para as

crianças (Sem Terrinha - Bacuri1) Hugo Chávez. O encontro, na avaliação das crianças,

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é bom, “Pra aqueles que quiserem vir aprender é muito importante. Eu vou continuar

vindo se a minha professora me escolher”. (Sem Terrinha - Ingá).

É importante ter um coletivo de crianças no estado do Pará, por que

crianças sabe o que, que a outra gosta, sabe o que se passa na cabeça

de uma criança ou até mesmo de um pré-adolescente... essas coisas.

“É encontro de Sem Terrinha, só que geralmente têm pré-

adolescentes. É de 12 anos pra baixo, ano que vem eu não já vou vir

como Sem Terrinha, ou não venho, ou venho como coordenadora

porque ano que vem eu já tenho 13. E eu também acho que tem que

organizar alguma coisa pras crianças de 13 e 14 anos, porque eu não

sei as discriminações das pessoas com a idade de 13 e 14? De 6 a 12

anos é o Encontro Sem Terrinha, aí de 15 pra juventude. Ai eu digo,

ficar dois anos parado não dá, tem que organizar umas coisas pros

pré, né gente! O que, que tem contra os pré-adolescentes? Não dá pra

ficar dois anos parado. Ano que vem se eu não vir como

coordenadora eu não vou vir como nada e aí só vou pro encontro a

juventude só com 15? Daqui três anos? Não dá”. (sem Terrinha -

Castanha)

A necessidade de ter um espaço mais organizativo foi indicado pelas crianças. A

escola é essa possibilidade, mas é necessário pensar um programa de formação para as

crianças para além da escola. E, no caso das crianças da educação infantil, que tem entre

4 a 5 anos, sendo que os Encontros de Sem Terrinha trabalham com a faixa etária de 7 a

12 anos, fica um espaço para ser pensado e quem sabe discutir encontros com essa faixa

etária nas próprias escolas de educação infantil, preparando com elas esse momento que

é educativo para o conjunto de educadores e crianças não deixando ausente essa

formação. Os Encontros dos Sem Terrinha, pela faixa etária, não permite que as

crianças pequenas participarem, e no conjunto das ações mais amplas, o movimento

também não apresentou em nível nacional possibilidades mais sistemáticas para a

participação dos adolescentes, alternativas mais elaboradas de formação política.

Deixando esses coletivos de crianças pequenas e adolescentes com espaço grande sem

atividade política coletiva pra sua formação. Esses são alguns desafios que as conversas

com os Sem Terrinhas apontam para uma reflexão do Movimento e para outras

pesquisas que podem contribuir e apontar elementos mais sólidos sobre o público

infantil e adolescente.

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Avaliação do Encontro de 2015113

As crianças do acampamento Frei Henri destacam a metodologia de se reunir em

círculo, o que mais gostaram do Encontro e que todos dessem sua opinião sobre:

“Gostei da plenária, da comida, de dormir aqui dentro que é friinho,

do cinema (Sem Terinha Cajá); “Gostei de tudo, das oficinas”, (Sem

Terrinha Manga)”. “das apresentações do palhaço, das oficinas”, “da

plenária (não gastar muita água e não jogar veneno nas plantas), de

brincar com meus amigos”. “da plenária, das brincadeiras, dos gritos

de ordem”; “dos educadores, do cinema, dos palhaços, das plenárias,

da comida, dos brinquedos com os amigos, o grito de ordem”. “Da

plenária, do cinema Kiriku, de jogar bola”; “do filme, da plenária...”

(Sem Terrinha Macaba). “Do palhaço, da plenária, do desenho”; “da

plenária, dos educadores, do cinema, da comida, de brincar, de

dormir nessa sala que é frio, do meu amigo Wesley”; “ela não vai

falar não, ele tá com vergonha”... “gostei de dormir na sala fria, do

desenho” (sem Terrinha Jaca) “gostei da manga” só da manga

pergunta o educador? “gostei do bolo”.

O que não gostaram no Encontro:

“O cinema foi ruim, porque não ligaram o ar condicionado e o filme

estava ruim e não deixaram a gente sair...”; “do palhaço tinha uns

meninos saliente, que ficava batendo nos outros” Da artes plástica –

“não deu tinta”. No quarto – “não gostei da bagunça” (Sem Terrinha

do Acampamento Frei Henri).

Os encontros são importantes para as crianças, elas gostam de participar, têm

opiniões sobre as atividades, mas também para muitos delas, é uma das únicas formas

de sair de casa, conhecer novos municípios, pessoas, lugares. Bem como ter, acessar as

reflexões, culturas e lutas que, muitas vezes, não o acessariam se não fossem essas

provocações e essas intencionalidades da ação desenvolvida pelo MST.

O Setor de educação do MST, no Pará, tem garantido que as crianças participem

das atividades do MST e que sejam protagonistas desses espaços no sentido de que elas

tenham identidade e pertencimento às conquista que foram feitas através da luta pela

terra.

113

A escolha pela participação e observação da avaliação ocorreu no acampamento Frei Heiri, pelo seu

processo de luta vivenciado e pautado pelo conjunto do Encontro Estadual dos Sem Terrinha do ano

anterior. Considerando que a avaliação do encontro ocorreu no mesmo horário, só foi possível participar

de um espaço.

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O limite apontado, na pesquisa, que não deixa de ser um desafio, é o de garantir

os encontros preparatórios com coletivos de Sem Terrinha, seja ele nos acampamentos e

assentamentos (nas escolas) ou nas regiões; Em alguns espaços, acontecem, mas em

outros, a exemplo do assentamento Palmares que tem muitas crianças, se faz um

revezamento para contemplar um maior número de participação de crianças, nos

diferentes encontros, o qual não ocorre uma sequência de participação no processo que é

de formação e organização da educação política das crianças.

Em resumo, as práticas educativas forjadas na luta, no campo da ação e reflexão

a partir da experiência de formação da Infância Sem Terra e das possibilidades de uma

organização da educação política das crianças, fazendo a disputa pela infância da classe

trabalhadora desde o seu tempo presente, a organização de coletivos infantis, se torna

uma necessidade organizativa e política. E que, como afirma o pensamento pedagógico

da União Soviética (1975), “a colectividade não é um ser abstrato” tem que ser

construída com intencionalidade, com propósito na formação humana, com clareza no

projeto social que está em construção.

A pedagogia só teria a ganhar se avaliasse serenamente o que pode

fazer uma colectividade de crianças (ou de adolescentes, de jovens) e

o que para ela é uma tarefa totalmente superior às suas forças. Isso é

necessário não para pôr em dúvida a força da colectividade, mas, pelo

contrário, para, sem fazer demagogia, estabelecer com exatidão as

condições em que uma colectividade se torna força educativa

realmente poderosa. (SUKHOMLINKI,1975, p. 216- 217).

A importância da organização das crianças do MST, participando e fortalecendo

as Culturas Infantis, como as Cirandas Infantis (Espaços de educação infantil), os

núcleos de crianças, entre outros espaços de organização coletiva, são fundamentais

para o processo de auto-organização, seja ele na escola ou em outros espaços

educativos. O importante é que dê sua contribuição na formação de uma infância

conhecedora da sua realidade, interventora na sociedade e não desconectada da vida

material.

O processo de formação e da coletividade exige junto às crianças, a vivência e a

experiência nas diferentes linguagens que possibilitam a socialização e construção da

infância a partir da sua realidade social, da condução política e formativa da educação

valorizando o processo da resistência, da luta social, do momento sensível de animação

(trazendo o belo através da poesia, da música, das expressões culturais, da comida...), da

presença da criança na luta.

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As crianças Sem Terrinha, no Estado Pará, são reveladoras de uma forma

organizativa do MST estadual que vem garantindo a forte presença das mulheres

fortalecidas no setor de gênero e, logo, a participação das crianças no MST/PA, que

ganha uma profundidade na participação ocorrendo em espaço onde se “considera”

somente do adulto. É um avanço no que ser refere à importância dada à criança no

contexto da luta de classe. Da delegação de crianças que foi para VI Congresso 2014; do

coletivo de crianças que apresentou a proposta do Encontro Estadual dos Sem Terrinha

para a Direção estadual, em 2015; da realização do Encontro Estadual dos Sem

Terrinha, em seus 15 anos (2015), com uma coordenação de crianças que coordenaram

todos os períodos dos Encontros, considerando que foi desde o primeiro encontro no

ano de 2000 que essa prática vem ocorrendo; da participação de uma delegação de

crianças Sem Terrinha com representação de todas as áreas de assentamentos e

acampamento do MST no Estado, no Encontro Estadual do MST/PA, nos seus 25 anos

(2015), participando das plenárias e realizando uma assembleia das crianças para o

debate e intervenção no Encontro (como é realizado a assembleia das mulheres e da

juventude), colocaram como pauta principal a participação nas instâncias organizativa

do Movimento, foi permitindo no “espaço dos adultos” que elas expressassem suas

opiniões e seu ponto de vista, como também a reivindicação do seu espaço de atuação

em nível estadual.

Vale ressaltar que a forma organizativa permita a solidariedade entre a militância

e essa particularidade garante uma sensibilidade maior por parte do conjunto do MST

no tratamento com as crianças e com as mulheres. E, finalmente, é expressivo como que

a história contada pela militância do Pará, nos diferentes momentos de conflitos da luta

pela terra, incluem estratégias de como organizar as crianças, como deixá-las ou se levá-

las, como ter um local garantido com mais segurança. Assim como destaca uma das

principais lideranças da educação do MST, a importância que a organização política

deve dedicar às crianças,

Eu sou completamente favorável que a gente tem que fazer um estudo,

mais intencional, e ver se consegue mais literatura sobre a

experiência da União Soviética, se teve experiências na Nicarágua,

porque 10 anos é um bom tempo e assim ir mais fundo na experiência

que está mais acumulada, mas consolidada em Cuba. Quando eu fico

insistindo que foi no Congresso dos Pioneiros que o Fidel ouviu as

críticas a burocracias e a outros desvios, que ele, nossa, ficou

impactado e convocou a reunião do partido para desencadear o

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processo que eles chamaram de retificação. Então, é verdade, as

crianças e especialmente as crianças, elas têm uma sensibilidade e

são verdadeiras. Elas podiam inclusive nos ajudar mais em ver o que

teria que mudar para garantir a continuidade do MST, para

reinventar o MST. (KOLLING, 2015).

Esse percurso do MST, na construção de uma concepção de educação com base

na Pedagogia Socialista, na Educação Popular, que compõe a prática educativa no

trabalho com a infância, contrapondo a pedagogia do capital, e tendo as experiências

socialistas como a sua principal referência, assim como destacou Kolling, chamando

atenção para reinvenção do Movimento, a partir das crianças, é, sem dúvida um desafio

para as organizações sociais da classe trabalhadora, pensar o lugar da infância com

intencionalidade na formação humana, formando com objetivo da construção de uma

sociedade socialista.

3.4.1 Indicações para um programa de formação político para a infância:

Na perspectiva de que as crianças estão presentes na luta, em nossa pesquisa de

campo identificamos as matrizes formativas da educação do Movimento (trabalho – luta

social- cultura – história – auto-organização) que fundamenta a prática educativa do

conjunto de ações realizadas nos acampamentos e assentamentos de reforma agrária. As

matrizes construídas coletivamente pelo setor de educação do MST, por mais debates

realizados que o conjunto da organização tem proporcionado, todavia, existem limites

na efetivação de um trabalho permanente na formação humana das crianças em seus

diferentes espaços de atuação. Seja pela falta de formação dos educadores ou o próprio

debate sobre a infância que não chega até as famílias assentadas e acampadas,

impossibilitando um trabalho mais efetivo com as crianças Sem Terra.

Entendendo a importância de um trabalho mais sistemático, e do Programa de

Reforma Agrária Popular discutido e aprovado pela base social do Movimento no VI

Congresso em 2014, apresentam as principais ideias da agricultura defendida pelo MST,

um programa orientador para os próximos períodos que “representa os desafios e

perspectivas da luta camponesa no atual estagio da luta de classe” (MST, 2013, p. 39),

que é um documentos importante para o aprofundamento e reflexão sobre as práticas

educativas com as crianças e a sua relação com a Reforma Agrária Popular.

Nesse percurso de pesquisa, identificamos sete matrizes formadoras indicadas

no II Seminário Nacional sobre a Infância Sem Terra, estou incorporando uma oitava

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matriz, a coletividade identificada no processo de pesquisa com as crianças, as quais

apresentamos como forma de uma orientação geral para a construção de um programa

de formação política para as crianças Sem Terra. Considerando os espaços já

constituídos através da luta, que foram forjados e construindo para as crianças e que

precisa de intencionalidade, envolvimento do conjunto das comunidades e efetivação de

práticas educativas. Os espaços são: Escolas de Educação Infantil e Fundamental;

Ciranda Infantil; as jornadas dos Sem Terrinha e outros espaços formativos dos

assentamentos e acampamentos do MST. As oito matrizes formadoras na educação

política da infância tem o Trabalho como principio educativo; a Luta; a Coletividade; a

auto-organização; a cultura, a agroecologia, a história e o Internacionalismo como

elementos fundamental na formação e desenvolvimento humano das crianças.

1) A prática do trabalho como princípio educativo.

Para Shulguin (2013), a categoria do trabalho como princípio educativo na

perspectiva socialista tem como desafio revolucionário se diferenciar do pensamento

burguês. Historicamente e, nos dias atuais, a burguesia vem formando os filhos e a

classe trabalhadora como um todo, sem promover uma visão crítica de mundo aos

trabalhadores em sua totalidade, oferecendo uma escola onde as contradições da

sociedade – a luta de classes – são escamoteadas na expressão que muito bem cunhou

Frigotto (2014) com a tese da “produtividade da escola improdutiva”, a escola do

“trabalho produtivo” que ensina “sonhar, delirar, idealizar e não lutar” como afirma

(SHULGIN, 2013) há mais meio século, alerta sobre o papel da escola no capitalismo,

que retira do trabalho a categoria ontológica. O autor chama atenção para o processo de

desenvolvimento e modernização,

A técnica tem condicionado seu próprio progresso à espiritualização

do trabalho humano. Ela deixou sua marca na nossa era, tem dado

formas ao movimento das pessoas e das mercadorias que antes teriam

parecido fantásticas e impraticáveis. Ela prestou serviço inestimáveis

também à ciência pela invenção de instrumentos sociais. Não foi por

acaso que a nossa época foi chamada da era das máquinas. Em breve,

as máquinas estão em cada casa, em cada fazenda. O homem moderno

deve saber pensar tecnicamente. (SHULGIN, 2013, p. 17).

A educação concebida pelo imperialismo, na versão do pensamento de Dewey,

para Shulgin é definida como “pedagogia imperialista”, tem princípios claros e

necessários para os objetivos do capital. As teses de Shulgin, em sua crítica à pedagogia

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imperialista, continuam atuais, pois o projeto educativo da burguesia continua sendo

implementado e cumpriu e cumpre com os objetivos da pedagogia do capital: Pensada

para o mercado mundial; Da competição com os países economicamente mais

avançados; Da educação (escolar) industrial. (SHULGIN, 2015, p. 28-29). Para a

efetivação dessa educação, só é possível no “regime democrático”, tendo o Estado

burguês conciliador com serviço público-privado para “adaptação” à “escola do futuro”

civilizado. Para o pensamento imperialista, “a economia exige uma escola industrial”,

uma escola a “serviço da vida”, da vida do capital. (SHULGIN, 2013, p. 28).

Dewey exige outra coisa do professor: “eliminar as característica de

classe”, obscurecer a autoconsciência de classe, justificar a

“democracia”; ele exige adaptação das escolas à sociedade existente,

ou seja, à sociedade burguesa, pondo-a a serviço da democracia em

desenvolvimento incutindo no professor e nas crianças que a chamada

democracia procura alcançar uma sociedade sem classes, e a melhor

forma de alcançar este ideal não é a luta de classes, não é a luta contra

a burguesia, mas a “eliminação das particularidades de classe, no que

consiste a tarefa da escola. (SHULGIN. 2013. p. 35-36).

O sentido do trabalho, no contexto educacional, só é educativo se tiver

intencionalidade, ou seja, se o princípio dessa educação compreender que não se deve

fazer para a criança, mas fazer com a criança tendo no processo o entendimento de que

esse trabalho é necessário para auto-organização dos estudantes e que está na

perspectiva da “escola do trabalho” de “ensinar a luta e construir”. O trabalho como

princípio educativo, a exemplo da construção de uma horta na escola, se essa for feita

pela comunidade sem nenhuma intencionalidade, o sentido se perde. “O trabalho

socialmente necessário introduzido na escola anima a autogestão infantil, infunde novas

forças. Não é de fora, mas por dentro, com base no trabalho que cresce a correta

organização da autogestão”. (SHULGIN, 2013, p.114 - 115)

A horta precisa ser uma necessidade do coletivo para se desenvolver diferentes

práticas a partir do conhecimento humano. Como também possa ser educativo na

alimentação e na politização do não uso de agrotóxico. Das vitaminas que contêm nas

verduras, legumes etc; da ciência a ser trabalhada na relação interdisciplinar (na

preparação do solo, ao nascimento das plantas e o processo de acompanhamento até sua

fase de consumo...), do tipo da terra, o clima, o tempo, a vegetação as condições da água

e outros. São fundamentais para o processo de formação e criação da criança para a vida

toda.

Outro aspecto fundamental é como tornar a dimensão do trabalho em uma

prática para além da escola. Às vezes, a escola pode ser a educadora da comunidade ou

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a comunidade da escola. Isso também vai depender das relações estabelecidas na

comunidade. Por exemplo, uma comunidade Sem Terra, indígena, quilombolas ou

urbana, se a criança levanta de manhã e não sabe fazer o básico (arrumar a sua cama,

ajudar no trabalho necessário da casa...), sendo os adultos que fazem tudo para ela, o

processo natural da sua formação vai sendo comprometido. A relação da educação e do

educador com a comunidade, compreendendo qual é a relação que esta estabelece com o

trabalho, é um elemento fundamental para o processo do conhecimento e educativo para

a formação do educador, logo o da criança.

Na realidade atual da educação, o Estado tem uma pedagogia. Essa pedagogia

não permite que a criança seja criadora e nem que participe da vida da sua comunidade.

A infância é uma das fases mais importantes para o processo de formação humana, o

sistema educacional tem pouco feito para o processo de produção intelectual da criança.

A dimensão de que o trabalho modifica o ambiente e produz a existência humana é um

desafio enorme no processo educativo, pois o que temos é a disputa do indivíduo na luta

pela venda de sua força de trabalho, que nada mais é que a produção mínima para a sua

própria sobrevivência.

A pedagogia socialista é uma referência no campo educacional para pensar o

trabalho como princípio educativo. Pensando na cultura da infância Sem Terrinha, os

espaços educativos, construídos ao longo desses 30 anos, são espaços propícios para a

criança se desenvolver no campo da arte, da cultura, das ciências naturais e sociais, da

auto-organização dos estudantes. É de vital importância para que as crianças,

adolescentes e jovens compreendam seu papel na sociedade e atuem nela, a exemplo da

escola Comuna, na União Soviética, que vai aprofundar sua pedagogia a partir da

revolução socialista. O trabalho politécnico será pensado no aspecto da junção da teoria

e prática. E vai partir da necessidade objetiva da realidade social do país.

As poucas obras sistematizadas dessa experiência relatam as práticas do dia a dia

de um processo em construção. Shulgin relata que

As crianças leem jornais para a população adulta analfabeta. As

crianças ensinam seus familiares a ler e a escrever. As crianças

ajudam a organizar as creches, a escrever organizadamente cartas na

escola, requerimentos, fornecem informações etc., organizam os

“cantos de educação sanitária” nas casas de leituras, ajudam a

organizar biblioteca etc. (SHULGIN, 2013, p. 94).

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No relato dessa experiência, Shulgin afirma que, para o direcionamento do

trabalho educativo, tem que ter clareza no projeto educacional de qual é a sua base do

programa social, qual o referencial de estudo que tem de ser pensado, que trabalho

intencionalmente se faz necessário e qual o nível de participação. “Se o trabalho é

apenas o método, apenas uma forma de assimilar conhecimento, então, ele se torna

desnecessário, supérfluo”. (SHULGIN, 2013, p. 115). Aqui, é importante ressaltar que o

trabalho tem o sentido educativo, desde que seja um trabalho socialmente útil, com

intencionalidade, de forma consciente e coletiva. O trabalho como princípio educativo

permite que o ser humano se reconheça na sua produção e no caso da prática educativa

do MST, objetivo de ensinar a lutar e construir, a partir da sua prática, vai desenvolver

ações a partir das questões atuais.

A junção entre trabalho e estudo para as crianças, está relacionado à junção do

trabalho intelectual e manual, que tem como finalidade o conhecimento tecnológico nas

suas várias dimensões. As relações sociais fazem parte da vida material e que é através

dela que o conhecimento vai sendo apropriado humanamente e desenvolvido.

O trabalho como princípio educativo, na compreensão da pedagoga socialista,

“cria lutador e construtor da vida” que direciona a formação humana.

Uma forma de introduzir os estudantes na família trabalhadora

mundial para participar da sua luta, compreendê-la, seguir a história

do desenvolvimento da sociedade humana, obter a experiência de

trabalho, de organização coletiva, aprender a disciplina do trabalho.

Para nós, o trabalho é o fundamento da vida, o fundamento do

trabalho educacional é a melhor maneira de ensiná-los a viver com a

atualidade de ensinar, como ele, da melhor maneira, une-se a ela.

(SHULGIN, 2013, 41 - 42).

É preciso pensar nos educadores que atuam na formação das crianças e/ou as

acompanham como responsáveis nos encontros Sem Terrinhas e em outras atividades

do Movimento. Pensar na formação do educador é fundamental e ter a orientação

político-pedagógico em relação ao que trabalhar. A intencionalidade é fundamental para

o processo de formação revolucionária e o MST, como organização política, precisa

preparar seus educadores para o trabalho de formação das crianças, tendo presente a

educação política e organização das crianças como lutadoras e construtoras no presente,

vivendo a vida real do seu assentamento ou acampamento.

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2) A luta – A luta é uma matriz formadora para o MST e, em especial, para as crianças

Sem Terra, por estar no seu cotidiano e no horizonte da conquista da terra,

proporcionadas nos Encontros Estaduais dos Sem Terrinha ou em outras atividades que

são organizadas para levar a pauta de interesses coletivos e cobrar dos órgãos

municipais ou estaduais, revindicando ou denunciando o descompromisso desses

“representantes do povo” que estão a serviço do capital. Certamente, para as crianças,

são momentos de formação e politização, bem como da valorização da pauta que eles

construíram coletivamente e faz parte da sua realidade de vida.

Como elemento formador das crianças Sem Terra, nos diversos espaços, sejam

nas ocupações da terra, nas marchas, ou outros tipos de luta, as crianças Sem Terra se

reconhecem nesse lugar como espaço de transgressão, de liberdade e de protagonismo.

Outubro é o mês mais expressivo para as crianças do MST, em todo o Brasil.

Nesse processo, ao contrário do que ocorre tradicionalmente em nossa

sociedade, na qual à maioria das crianças compete assistir

passivamente ao percurso da história, no MST elas são incluídas no

próprio fazer da luta. O que favorece essa inserção é o fato de o MST

ser um movimento que envolve toda a família expropriada da terra,

uma vez que se trata, em princípio, de garantir as condições básicas

para a sua sobrevivência. (ARENHART, 2007, p. 20).

As Jornadas dos Sem Terrinha, nesses 21 anos de história, já formaram muitos

integrantes da direção do Movimento, da organização da juventude e tem atuado como

formadora de novas lideranças e educadores das crianças na organização da própria

jornada dos Sem Terrinha. E esses espaços forjados pela luta também conquistaram

reinvindicações infantojuvenis, que se materializaram aos olhos da coletividade na

forma de estruturas escolares, quadras esportivas, como o próprio Encontro Estadual

dos Sem Terrinha em 2014, no Estado do Pará. O levantamento dos problemas e a

reflexão sobre o plano de ação e de lutas, solidariamente, envolve o conjunto de

crianças para as reivindicações, como a desapropriação de terra do acampamento Frei

Henri. A luta coloca em evidência os problemas sociais para os órgãos municipais,

estaduais e federal, como para o próprio movimento, e para as crianças, em particular,

que notam a importância da luta política, além da luta econômica e ideológica.

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3) A coletividade na formação das crianças do MST, esta dimensão se coloca

contrapondo o individualismo que reafirma a propriedade privada, a competição e a

exploração do ser humano.

Embora a infância Sem Terrinha venha se constituindo, ao longo desta trajetória,

com identidade política e uma prática educativa que não caracteriza uma organização

formal institucionalizada pelo Estado, consideramos que o elemento da coletividade

vivenciado a partir da luta e da resistência contribui na formação da criança. Como ação

contra-hegemônica, assim se dá o surgimento da Jornada dos Sem Terrinha, a

coletividade forjada pela organização da escola e das comunidades, desafiam as crianças

a garantir a discussão da pauta de reivindicação a partir dos problemas de suas

realidades, apreender a ter outra forma de relação com o conjunto da organização, bem

como de indicar representantes para as negociações nas audiências com prefeituras,

secretarias de educação, de justiça entre outros. A coletividade é o objeto da educação

no qual as crianças, em relações sociais, culturais e políticas, vivem seu tempo presente,

em seus problemas, e na construção de alternativas. Com suas várias instâncias

organizativas, desde a vida escolar propriamente dita (escola, ciranda), compartilhada

com educadores, até a vida autogestionária (finanças, saúde, alimentação, produção),

cultural (Jornal e Revista Sem Terrinha, biblioteca, música, teatro, dança, etc) e política

(assembleia, núcleos de base), a coletividade se desenvolve a partir da inserção das

diferentes gerações de crianças, marcadas pelos desafios de seu tempo. É um espaço em

que o coletivo se forma e representa o seu acampamento ou assentamento,

organizadamente, com a discussão do conjunto de crianças. É o lugar de trazer os

debates discutidos anteriormente, as palavras de ordem, as músicas, as apresentações

culturais e coordenar o próprio encontro. “O coletivo é uma concepção integral e não

um simples total referido as suas partes, o coletivo apresenta propriedades que não são

inerentes ao indivíduo. A quantidade se transforma em qualidade” (Pistrak. 2000, p.

177). E o coletivo vai definir as regras para o grupo e garantir que as decisões sejam

cumpridas. Pistrak destaca, ainda, o Movimento dos Pioneiros na União Soviética,

O movimento comunista de crianças ou, para falar à moda antiga, o

movimento dos pioneiros, transformou-se num fato de tamanha

importância que nenhuma escola ou nenhum professor pode iludi-lo e

também nenhum problema escolar pode ser discutido sem que leve em

consideração o movimento (Pistrak. 2000. p. 208).

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A atuação da criança na participação das atividades e no caso dos encontros e

Jornadas dos Sem Terrinha é de um sujeito organizador juntamente com os adultos. Na

coletividade, as crianças têm papel ativo, como os professores, todos educam e são ao

mesmo tempo educados, na dimensão da vida prática presente. A construção da

pedagogia socialista tem na sua base a luta de classe, na organização da classe

trabalhadora. Na contraposição do sistema capitalista, as experiências revolucionárias

demarcam na história um processo que busca na teoria marxista um referencial que está

alicerçado na prática social proporcionando uma articulação entre o “fazer e o pensar”,

“lutar e construir”, umas das referências na construção da pedagogia socialista soviética

na construção da escola do trabalho de Pistrak que, no seu contexto histórico, fortalece a

ideia de uma teoria orientadora e revolucionária para os processos de transformações. A

coletividade com base na educação marxista, como um instrumento importante para

análise e intervenção de classe. Assim, Saviani recoloca a expressão “pedagogia

socialista” na sua concepção dialética de educação e que “não se deve perder do ponto

de vista marxista” que ela faz sentido:

como uma orientadora pedagógica em períodos de transição entre a

forma social capitalista com a correspondente pedagogia burguesa e a

forma social comunista na qual – e apenas nela – será possível emergir

uma pedagogia propriamente marxista, vale dizer uma pedagogia

comunista”. (SAVIANI & DUARTE, 2012. p. 75).

Sendo a mobilização infantil espaço de análise da organização da infância do

MST, embora estando na sociedade capitalista, não se pode perder de vista o horizonte

da transformação social. Sendo assim, a coletividade é, portanto uma das matrizes

fundamentais para um projeto educativo contra-hegemônico, pois organiza a escola num

novo tipo de sociabilidade na qual domina a camaradagem, os processos auto-

organizativos, o planejamento coletivo da vida escolar inserida na comunidade do

entorno e nas lutas da atualidade, sejam elas locais, regionais, nacionais ou

internacionais.

4) A auto-organização é o que dá garantia ao lugar de protagonismo das crianças na

luta. A preparação das crianças nas escolas ou nas comunidades acampadas e assentadas

é que vai definir a participação da criança na Jornada. Desde a disciplina na atividade,

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da disposição com a coletividade, da relação com o trabalho estabelecido pelo grupo, à

responsabilidade com as tarefas do próprio encontro local, regional e ou estadual.

A auto-organização das crianças, nos alerta Pistrak (2000), é um elemento

fundamental sobre a organização do coletivo infantil, que se expressa em duas formas

de definição: uma forma provém da educação burguesa que é para manter a ordem

social estabelecida pelo sistema, e não é difícil ver que são dados pelo próprio caráter do

regime capitalista,

De fato, como o Estado burguês quer educar as crianças? De que

cidadão tem necessidade? Antes de tudo, de cidadão cujo cérebro

nunca possa conceber a possibilidade de abalar as leis “imutáveis” do

país. Do ponto de vista da lei, toda revolução é ilegal. (PISTRAK,

2000, p.171).

E a outra forma vem do processo revolucionário, que tem o coletivo como

principal referência para a transformação social.

[...] baseado no desenvolvimento do coletivo infantil, ou seja, a que

ajude a inculcar nas crianças o hábito de viver e de trabalhar no

coletivo. É um caminho mais difícil de trilhar, enfrentar mais

dificuldades, exige do professor um esforço maior, mais reflexão,

comportando, às vezes, riscos, mas é mais seguro e em todo o caso,

responde aos objetivos da educação soviética. (PISTRAL. 2000.p.

182-183)

O processo coletivo é o caminho que o MST escolheu para a sua organização e,

logo, para trabalhar com as crianças. Desde a preparação e organização dos Encontros

Sem Terrinha, espaços definidores na atuação da criança enquanto sujeito organizador

do MST e que tem como base a formação e participação no MST que ocorre juntamente

com os adultos, ela vai se refletir na forma organizativa que é proposto no trabalho com

as crianças, e, melhor, a forma de organização é pensada junto com o coletivo infantil

do acampamento ou assentamento, seja através dos núcleos de base; de grupo de

trabalho; da Ciranda Infantil, como da própria escola. O mais importante é o processo

coletivo a ser construído com as crianças.

5) Cultura como resistência à indústria cultural. Desde a cultura infantil, as crianças no

MST são estimuladas a criar e produzir coletivamente suas músicas, poesias, artes

plásticas, teatro e, entre outras linguagens que vem sendo desenvolvidas nos limites da

formação dos educadores. Todavia falta um aprofundamento no trabalho cultural com a

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criança e que os limites para o acesso da produção social do conhecimento se distância

intencionalmente da classe trabalhadora. Meneguet (2015) chamou de práxis social,

uma relação que não separa a teoria da prática e vai compreende a cultura no seu

universo social da reprodução de sociedade e que a materialização de um produto, de

uma peça está relacionada às relações sociais estabelecidas na sociedade e que

acompanha o seu tempo histórico.

No caso da sociedade capitalista, em que vivemos, tudo se transforma em

mercadoria e a cultura industrial tem sido produzida intencionalmente para a classe

trabalhadora se aprisionar na sua condição de “miserabilidades”, subserviente e alienado

ao mundo do trabalho.

Num mundo de crise civilizatório, como o nosso, a arte e a cultura só

terá sentido se forem uma arte e uma cultura contra a barbárie, ou seja,

uma arte e uma cultura que tenha esta clareza. Ser contra a barbárie é

ter a consciência de que o que está em jogo é salvar a humanidade, na

qual estamos incluídos. Mudar o mundo é muito mais complicado que

fazer apenas arte e cultura, o que já é muito complicado. Mas jamais

mudaremos o mundo se não produzirmos uma arte e uma cultura que

nos ensinem o caminho para o outro lado do rio, para o reino da

liberdade. (MENEGAT, 2015, p. 33 -35).

A matriz da cultura, como práxis social, outra forma de organização da vida

coletiva e em especial desde a infância, que rompe com a lógica mercadológica da

cultura industrial, intencionalmente produzindo uma práxis revolucionária,

transformando o mundo e começando com uma prática concreta na sua realidade social,

desde já.

6) Agroecologia como filosofia de vida. Embora seja recente a sua construção

histórica, no MST se tornou uma bandeira política no trabalho com agricultura dos

assentamentos e acampamentos. A agroecologia tem, na sua matriz, os saberes

tradicionais dos povos originários, articulando as várias dimensões da vida levando em

considerações as relações sociais, ecológicos, valores culturais e humanos e que

contrapõe a agricultura de mercado do modelo de produção do capital.

O termo agroecologia surge na década de 1930 como sinônimo de “ecologia

aplicada à agricultura”, e que inicialmente foi concebida como disciplina nos estudos

dos agro-ecossistemas e que, com as contribuições de outras áreas do conhecimento nas

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décadas seguintes, foi se configurando uma concepção através das análises dos países

da periferia do capital. A agroecologia ficou popularizada nos anos 1980, com o

“trabalho de Miguel Altieri e, posteriormente, de Stephen Gliessman”. (GUBER &

TONA, 2012, p. 59).

Está em gestação uma concepção mais recente de agroecologia ainda

mais ampliada: a partir da prática dos movimentos sociais populares

do campo, que não a entendem como “a” saída tecnológica para a

crise estruturais e conjunturais do modelo econômico e agrícola, mas

que a percebem como parte de sua estratégia de luta e de

enfrentamento ao agronegócio e ao sistema capitalista de exploração

dos trabalhadores e da depredação da natureza. Nessa concepção, “a

agroecologia inclui: a defesa da vida, produção de alimentos,

consciência política e organizacional”. (GUBER & TONA, 2012, p.

63-64).

O contato com a terra, a luta pela terra e a terra conquistada são processos que

fazem parte da vida das famílias Sem Terra, logo as crianças também convivem,

participam e constroem esse ambiente coletivo que resignifica a vida no campo.

Construir, desde a infância, um pensamento contra-hegemônico de agricultura, de

território ocupado da produção sem agrotóxico, do cuidado com a terra como da própria

vida, são significados fundamentais na construção de uma sociedade sem classe que luta

para emancipação humana.

7) A matriz da História possibilita a compreensão e percepção do sentido da memória

da classe trabalhadora e de seus processos de luta. Um povo que cultiva a sua história

coletiva e revive com as crianças no fazer pedagógico, como elemento formador, é de

resistência, num tempo em que o presenteísmo fortalecido na ideologia do capital nega a

história e a memória da classe trabalhadora, assim como a luta de classe. Saviani (2011)

nos chama atenção da “teoria desvinculada da prática se configura como contemplação,

a prática desvinculada da teoria é puro espontaneísmo” (SAVIANI, 2011. p. 120). A

dialética histórica e não idealista dá sua contribuição para a base teórica dos

movimentos das relações sociais e das condições da existência de transformações na

articulação da práxis social.

A história como matriz formadora não pode ser vista como disciplina, é ela que

vai dar elementos para compreensão do mundo na relação com conhecimento da

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humanidade. Ela é, na verdade, a dimensão central para a efetivação da prática

educativa e da fundamentação da ideia quando reafirmamos que as crianças do MST são

sujeitos construtores de sua própria história. Ou seja, o MST se faz e refaz

transformando a história da luta pela terra no Brasil e, logo, as crianças que

conjuntamente constroem o movimento, forjam o seu lugar de protagonismo e

intervenção na sociedade.

8) O internacionalismo na formação das crianças Sem Terra. O MST se fortalece

como organização social e política, através da solidariedade internacional. E as crianças

têm assumido, através das escolas do movimento e das jornadas dos Sem Terrinha uma

relação de socialização e intercâmbio com as crianças de outros países. Essa relação tem

estimulado as crianças a pensarem na realidade das outras crianças e a contarem a sua

realidade, proporcionando desde a organização do espaço infantil, a aprendizagem da

solidariedade até o contato com a realidade do mundo.

A solidariedade internacional, para o MST, é uma prática que, desde o seu

surgimento, foi sendo motivada na militância e na base Sem Terra, como um todo.

Inspirados nas lutas internacionalistas da classe trabalhadora e nas práticas de luta para

a construção de outra sociedade, o MST foi socializando suas experiências com outros

povos e buscando, nas práticas de luta da Nicarágua, Cuba, Venezuela, Haiti,

Moçambique, entre outros países, através das brigadas internacionalista, bem como os

intercâmbios nos assentamentos e acampamentos de reforma agrária.

Na educação, o trabalho nas escolas, nos cursos de formação, na Educação de

jovens e adultos e com as crianças, tem se refletido, com mais força, a temática da

solidariedade internacional – através das produções de comunicação e de cultura (Jornal

e Revista das Crianças Sem Terrinha) com o tema da solidariedade internacional. Foram

desenvolvidos temas da realidade dos países que, como o Brasil, também sofrem com a

dominação imperialista: Palestina, contando histórias, a partir da vida das crianças e da

realidade vivida por elas no campo de refugiados e no enfrentamento da opressão

imperialista israelense com apoio estadunidense em seu cotidiano. Cuba, na campanha

de libertação dos cinco Heróis, presos injustamente pelo governo estadunidense em

Miami. Da Venezuela, na homenagem a Hugo Chávez, contando a história de sua

infância, e do Haiti que retrata a realidade de miséria e opressão do país, contado por

uma criança.

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As histórias estimulam o pensar das crianças, desde a organização do espaço

infantil, para o aprendizado da solidariedade e do contato com a realidade do mundo. A

Revista das crianças Sem Terrinha mostra o esforço que o MST vem fazendo para que

sua concepção de mundo, ou seja, de movimento político e popular, com suas formas

organizativas, cheguem até as crianças. E a forma simbólica reflete sobre a organização

do assentamento, bem como da inserção na educação política a ser realizada desde a

infância.

A realidade da Palestina foi contada em forma de história para as crianças Sem

Terrinha, por meio de uma representação de crianças deste país, trazendo a sua luta, a

sua vida cotidiana e seus sonhos. A infância palestina é caracterizada por meio de sua

vivência na escola, pela caminhada toda sexta-feira para plantar oliveiras, pela presença

na manutenção da resistência em seu país junto com os adultos. A vivência da infância

aparece associada aos soldados israelenses, no contexto de um conflito armado com a

presença de bombas e com prisões. O muro que separa as infâncias palestinas e

israelenses é apresentado como aquele que, embora existente, não tira o sonho de

liberdade e resistência.

A solidariedade internacionalista entre os povos, para o MST, apresenta-se como

um dos valores humanistas e socialistas. Um dos exemplos dessa relação foi a produção

coletiva da música Palestina livre114

, feita pelas crianças do Estado do Pará,

Convidamos as crianças para pintar o muro da desigualdade.

É o Sem Terrinha cantando e ocupando com a sua ginga.

Reforma agrária, justiça e liberdade, uma canção de roda.

Palestina livre: um sonho que também é brasileiro.

Oh, Palestina.

Menino livre solta pipa e joga bola.

Nossa Ciranda convida tuas crianças pra dançar na roda.

E de mãos dadas sonhando a liberdade a ser conquistada.

Oh, Palestina! (Plantando ciranda 3, 2014).

114

Música do CD Plantando Ciranda 3, produzida no Encontro estadual dos Sem Terrinha do Estado do

Pará.

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Nas campanhas de solidariedade do MST à Palestina e Cuba, os trabalhos

realizados pelas crianças, são de uma expressividade na qualidade e solidariedade que

reafirmam a importância da Pedagogia do Movimento na formação das crianças. E

desse processo de campanha, segundo informações do setor de Relações Internacionais,

os que mais exerceram a prática de solidariedade internacionalista no MST, tem sido às

crianças. E a próxima edição da Revista (2016), a temática será sobre a realidade das

crianças da Síria.

Para garantir que a luta seja formadora, que a auto-organização das crianças

esteja no projeto educativo do MST, que a coletividade seja a principal referência de

organização do trabalho como princípio educativo, fortalecendo a cultura e a

agroecologia como matrizes formadora contra-hegemônica e exercendo o

internacionalismo no campo dos valores humanista e socialista, reafirmando sempre a

importância da história para a classe trabalhadora e seus filhos. As matrizes como

centralidade para a construção de uma programa para e com as crianças é determinante

na prática educativa e sua efetivação, da Reforma Agrária Popular nos assentamentos e

acampamentos do MST.

A escola, a Ciranda Infantil ou outros projetos educativos dos assentamentos e

acampamentos, precisam garantir acompanhamento e ser construídos desde a

organização coletiva com permanência nas suas localidades. Por isso, a necessidade de

um programa de formação política para as crianças, com referência nas matrizes, que

seja orientador no debate de um trabalho já constituído através da luta pela terra, mas

precisa ser tornar uma referência de construção coletiva em conjunto com as crianças,

desde a escola infantil e fundamental, da Ciranda Infantil, das jornadas dos Sem

Terrinha e outros espaços formativos dos assentamentos e acampamentos do MST.

Todavia, existe a necessidade da construção de um projeto formativo para as

crianças, para além da sistematização das práticas e proposição desse trabalho, mas para

compor uma sistematização do movimento, que já há três décadas vem atuando como

organizador político no campo brasileiro, e essas matrizes identificadas no trabalho são

referências indicadas nas suas próprias produções, mas é de vital importância uma

sistemática objetiva que oriente a formação das crianças nos assentamento e

acampamento do MST em nível nacional.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Viva menino... Vira os quadros de ponta cabeça. Desfaz as ordens

E, com sinceridade e ousadia, escreva em todas as cores

A mágica possibilidade, da construção de um mundo novo,

Ainda no presente!

(Evandro Medeiros)

As motivações e convicções pelas quais essa dissertação foi elaborada tem

presente a importância da formação humana desde a infância, da minha militância com

essa frente muitas vezes invisibilizada e que, nos últimos 20 anos, nos desafiamos atuar

e trabalhar com essa prática educativa, compreendendo a necessidade do processo da

formação humana desde a infância, do lugar que foi se construindo no movimento da

luta e do seu protagonismo na história da luta pela terra e o MST. Nas considerações

desse processo das matrizes formadoras que foram orientando a articulação e

organização das crianças Sem Terrinha nos Estados e nos limites e possibilidades de um

sistema opressor e repressor, percebemos que esse sistema não exclui a criança, muito

pelo contrário, as inclui de forma perversa, violenta e fetichista, e que, através da

“formação da consciência”, da pedagogia do capital, constrói o lugar da infância

consumista, idealizadora, sem um projeto de classe vinculado às necessidades dos

trabalhadores e da transformação social.

Este trabalho abordou a Pedagogia do Movimento Sem Terra e sua prática

contra-hegemônica, na formação da educação política das crianças Sem Terrinha. O

presente contexto marcado pelas relações de exploração capitalistas e o papel que as

instituições do agronegócio com a pedagogia do capital têm cumprido na educação dos

filhos da classe trabalhadora e das ações que o MST tem apresentado como alternativas

para formação da infância Sem Terra.

No primeiro capítulo, destacamos a construção da Pedagogia do MST, as

experiências de construção coletiva da classe trabalhadora, demarcados por Cuba e na

União Soviética, e das influências das lutas internacionalistas. A Pedagogia Socialista e

Educação Popular, que através dos debates coletivos e da negação da educação

burguesa, uma “escola diferente” vai sendo gestada no MST e a concepção de educação,

que foi sendo elaborado com a compressão de uma visão de mundo socialista.

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A infância Sem Terrinha, na luta pela terra, como nos apresenta Medeiros em

seu poema “Corre menino”, elas (as crianças) tem “virado os quadros de ponta cabeça”

e revindicado a possibilidade de construir um mundo melhor junto com os adultos. A

oportunidade que as crianças do MST têm de viver coletivamente e aprender a enfrentar

a vida junto com os adultos, é intensificada com a diferença de que ela pode reivindicar

a sua participação ativa nos assentamentos, e acampamentos da Reforma Agrária, de

modo diferenciado de outros processos da luta pela terra no Brasil, ou seja, elas são

compreendidas como lutadores e construtoras - protagonistas da luta junto com adultos.

A cultura da coletividade produz uma representação diferente através da sua intervenção

na história da luta pela terra e o MST, por participarem de toda vida construída nesse

ambiente que expressa luta, sonhos, projetos, resistências e conquistas. Por isso, a

educação política na perspectiva da pedagogia socialista é o elemento formador do

sujeito social que participa da luta coletiva a partir da realidade concreta, defendendo

uma sociedade na qual a classe trabalhadora tenha direito de viver dignamente, o que

não se enquadra na lógica hegemônica.

Considerando a formação da educação política da infância Sem Terra, a luta pela

terra é a principal forjadora desse espaço de protagonismo das crianças, por ter como

princípios a luta, coletividade, a organização política. São elementos que permitiram a

construção de instrumentos políticos e alternativos para e com a infância Sem Terra, por

uma necessidade concreta em transformar a realidade social, marcadas pelas

desigualdades sociais - estabelecida pelo capital, para um território de luta por

dignidade humana. Esses instrumentos políticos são: a) jornada dos Sem Terrinha - que

forja a identidade através da luta - com referência na Organização dos Pioneiros José

Martí em Cuba; b) a experiência da Ciranda Infantil, como um propósito alternativo e

que se torna uma referência internacional e foi inspirada pelos Círculos Infantis

cubanos; c) a luta por educação infantil nos assentamentos/acampamentos como um

direito das crianças, uma espaço político, cultural e de formação humana, não só das

crianças, mas da família. A exemplo da Escola Maria Salete R. Moreno, no Estado do

Pará, cujas crianças do Assentamento se identificam com a escola e reconhece, nesse

espaço, como um lugar bonito, com vários elementos e um mundo de possibilidades de

desenvolvimento. É um espaço que só foi possível existir através da luta. Essas três

frentes que vem sendo construídas e, ao mesmo tempo, continuam sendo um desafio

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para o MST em garantir o protagonismo das crianças nesses espaços, bem como a luta

pela efetivação.

No segundo capítulo, considerando a disputa do capital pelos filhos da classe

trabalhadora, numa breve contextualização, buscamos compreender a atuação da

pedagogia do capital na integração campo e cidade globalizados, com pequenos e

grandes exemplos de como as empresas do capital tem atuado na formação das

populações do campo e da cidade através de projetos pedagógicos, que são pensados e

implementados através dos seus intelectuais orgânicos.

A pedagogia do capital, como já mencionada, estabelece, em especial para as

crianças, adolescente e juventude, uma relação de dominação e hegemonia da ideologia

burguesa na formação de indivíduos padronizados individualistas, competitivos e

isolados da realidade social. Com surpreendente efeito, da fusão da educação com os

meios de comunicação e cultura industrial, que se baseiam na necessidade do

capitalismo e a forma e conteúdo, é de alienação, influenciando a cultura de massas na

vida dos seres humanos e, especialmente, na vida da criança numa relação mundializada

e hegemônica, condicionando-a a uma sociedade sem história, sem memória, sem

classe.

A maior presença do empresariado da educação, nas últimas duas décadas no

Brasil, significa a aposta do capital na mercantilização da educação pública brasileira,

da educação infantil à universidade, espaço de luta, resistência no enfrentamento à

privatização da educação. No campo brasileiro, a realidade é de enfrentamento ao

fechamento das 37 mil escolas, mas também as escolas urbanas estão sendo fechadas se

revelando fortemente nas lutas dos estudantes em novembro de 2015, na ocupação das

escolas fechadas pelo Estado burguês de São Paulo, como também da ocupação dos

estudantes nas escolas do Estado do Rio de Janeiro em 2016.

Destacamos, também, na pedagogia do capital, que em defesa da agricultura de

mercado - o agronegócio em parcerias com o Estado brasileiro faz a formação

intelectual no campo da indústria cultural, da comunicação de massas e da educação

ambiental, de professores, crianças, adolescentes e jovens nas escolas públicas. Ao

tentar entender o avanço da pedagogia do capital no Brasil, nos deparamos com a

mercantilização da educação pública, com apoio e abertura do Estado brasileiro em

parcerias com o empresariamento da educação, permitindo a intervenção ideológica

dominante, na formação dos docentes, bem como das crianças, jovens e adultos. Isso

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reforça a entrada das empresas privadas na educação, negando um processo histórico de

luta dos trabalhadores da educação; da produção e distribuição de materiais didáticos,

dessas empresas nas escolas, incentivando-os a usar a competição, o uso de agrotóxicos

como positivo se estiver uniformizado, conforme orientam as empresas de veneno; das

premiações para as escolas e estudantes que apresentam redações com ideias positivas

sobre o agronegócio.

A fusão campo e cidade, que o agronegócio apresenta para a sociedade “do lado

de dentro da fazenda”, a produção em grande escala, e, “do lado de fora”, o

processamento dos produtos e a relação internacional de mercado, trabalhando a ideia

de superação do atraso no campo e de unidade entre “campo e cidade”, em nome do

capital, fusão que se refirma nas quatro frentes de atuação e formação do capital que

Traspadini (2010) apresenta nos estudos sobre “crianças em disputa: o ataque do capital

(1)”: a) o exército de reserva produtivo; b) a formação da consciência; c) exemplos

concretos de projeção do capital – da Vale, da ABAG, entre outras empresas vinculadas

aos empresários da educação; d) O que está em jogo, afinal? Para a economista, a

necessidade da “manutenção da acumulação do capital centrado na exploração do

trabalho”, o “atual consumo da criança, associado à inserção de futuro como trabalhador

endividado e consciente, trabalhar para consumir”; “a formação da consciência de que

não existe outro projeto a não ser o dominante”; “um projeto único de sociedade sem

disputa e contradições e de dominação de classe”. (Traspadini, 2010, s/n).

No terceiro e último capítulo, analisamos a significação das mobilizações

infantis no MST, que surge em 1994, e que, a partir de 1997, ganha força nacional e se

torna cultura a jornada dos Sem Terrinha. Na construção da identidade política Sem

Terrinha, o Jornal Sem Terra foi fundamental para essa construção, proporcionando e

provocando o debate sobre o tema para a base social do MST, nos anos de 1994-1995 e

1996.

Percebemos, nas jornadas dos Sem Terrinha do Estado do Pará, que as crianças

têm sido protagonistas de um espaço em construção, que, nos limites e contradições

vêm se apresentado como possibilidade para a organização das crianças Sem Terra, no

Estado Pará. Essa análise leva em conta as crianças que vivem nos acampamentos do

MST e que convivem com a realidade de violência, estabelecida pelo latifúndio da terra,

mas também da influência e dos impactos das empresas do capital, a exemplo da

mineradora Vale na Região Sudeste do Pará.

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O desafio que está colocado não só para o MST, mas para a classe trabalhadora

como um todo é de resistência à exploração, objetivando superar o estado de

subserviência, alienação e competitividade em que se encontram historicamente até os

dias de hoje o país. A existência dos movimentos sociais que denunciam

permanentemente a intervenção violenta dessas empresas, no campo e na cidade,

vinculados à luta histórica dos trabalhadores da educação e da luta por educação do

campo, que são contrários à mercantilização da educação e dos projetos que estão sendo

implementados na direção de dominação. São desafios permanentes na luta de classes e

necessários para projetar ações contra-hegemônicas e de resistência que demarquem a

luta concreta da classe trabalhadora.

Desafios elencados nesse processo

a) Me chamou a atenção, nesse processo, a relação que o MST desenvolve com Cuba,

tanto no campo da educação, como na produção. Ao mesmo tempo, ausência de

registros nas produções da educação, não demarcando a presença cubana, no

aprofundamento sobre a relação e influência na formação das crianças Sem Terra. O que

existe são os registros da tese de Caldart (2000) e a história oral na entrevista de Kolling

que, de certa forma, documenta uma trajetória. Ao meu ver, caberia um estudo mais

aprofundado sobre esses processos para contribuir com outras organizações e estudo da

história da infância no MST e no Brasil. É um desafio garantir a memória da história da

classe trabalhadora.

b) A luta pela Educação Infantil e construção de escolas nos assentamentos – um

instrumento necessário que permite projetar o lugar da criança pequena na luta por uma

educação infantil proporcionando a discussão da formação humana desde o nascimento

nas comunidades. Da Escola de educação infantil realizar os encontros de Sem Terrinha

com as crianças pequenas, que não participam dos Encontros por não ter idade de sete

anos, mas revindicam sua participação e se torna um desafio pensar e projetar esse

espaço nas escolas infantis.

c) A demanda que surge do lugar dos adolescentes no MST, assim como foi feito na

infância - colocando a questão "Qual o lugar da infância no MST?”-, fica também a

pergunta: “Qual o lugar dos adolescentes do MST num contexto de disputa do capital

pelos filhos da classe trabalhadora?” E, certamente, são desafios para outras pesquisas.

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d) Da necessidade de um programa de formação política para as crianças Sem Terrinha,

fortalecidas pelo debate e reflexão coletiva dos setores do MST na discussão de

matrizes formadoras para o trabalho com a infância no qual fomos nos identificando ao

longo do processo da pesquisa.

Destacamos algumas práticas exercidas com as crianças, consideradas ações

contra-hegemônicas no processo da luta pela terra, nesses 31 anos do MST:

1) A luta pela terra e pela sobrevivência, de forma organizada, pelas famílias de

trabalhadores rurais Sem Terra de diferentes localidades, enfrentando e resistindo ao

latifúndio da terra/agronegócio/capital.

2) A organização e luta dos Sem Terrinha nos acampamentos e assentamentos,

colocando em questão a realidade das crianças do campo.

3) A construção da pauta de reivindicação com as crianças, a partir da sua realidade

social, na perspectiva e projeção da educação política das crianças, vinculada a sua

realidade de classe.

4) As manifestações, lutas das crianças nas ocupações de instituições do Estado, como

no MEC, prefeituras, Secretaria de Estado da Educação, mostrando à sociedade suas

reivindicações da infância da classe trabalhadora e cobrando o direito de ter a escola

dentro dos acampamentos e assentamentos e contra o fechamento das escolas, como

direito.

5) As diferentes formas encontradas para não aceitar os materiais didáticos das

empresas do agronegócio nas escolas de educação infantil, fundamental e médio,

denunciando a gestão privada no espaço público e do Estado, que interferem, obstruem

e prejudicam o livre desenvolvimento educacional da infância dos trabalhadores Sem

Terra.

6) A luta pela educação do campo e conquista do Programa Nacional de Educação na

Reforma Agrária (Pronera), proporcionando a formação dos educadores do campo.

7) Produções de materiais de comunicação e cultura infantil, que trazem no seu

conteúdo e na sua forma os temas que preocupam a infância Sem Terra, como luta

ideológica para reafirmar os valores da classe trabalhadora e os direitos da infância.

8) A organização da Ciranda infantil, tornando-se uma referência nacional e

internacional; de auto-organização dos Sem Terrinha, como garantia da proteção e

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desenvolvimento da vida da infância e das mulheres, bem como os valores da identidade

sem terra.

9) A luta por escolas nos assentamentos e acampamentos, a conquista da escola

Itinerante, nos acampamentos do MST, e a luta contra o fechamento das escolas do

campo e da cidade;

Essas são algumas ações, que dão significado à luta do MST e a sua pedagogia,

dinamizadas pela reflexão e participação das crianças Sem Terra nos limites da

sociedade de classe. A condição da criança na luta pela terra e o MST é (re)significada a

partir de uma perspectiva de resistência e de presença na luta, dois elementos que não se

separa e são fundamentais para compreender a infância no contexto da luta pela terra e o

seu significado no contexto da formação humana e produção da existência. É um limite

para as famílias assentadas e acampadas realizarem a formação com as crianças, mas

como já mencionado, essa “nova frente” (infância) de atuação é forjada através das

mobilizações infantis e o singular da mesma, se refere à organização de crianças, filhas

de trabalhadores do campo, que, culturalmente no Brasil, não se tem notícias de

organizações sociais que, para além da sua pauta de luta, mobilizam e organizam

crianças na perspectiva da luta de classe.

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199

ANEXO 1.

Ocupação das crianças Sem Terrinha no MEC no dia 12 de fevereiro de 2014. Leitura

feita pelas crianças do Manifesto de denúncia e protesto pelos seus direitos, por

Reforma Agrária e um Brasil melhor, para o Ministro Educação, Henrique Paim.

Foto do Site do MEC115

.

MANIFESTO DOS SEM TERRINHA À SOCIEDADE BRASILEIRA116

Nós somos Sem Terrinha de acampamentos e assentamentos de todo o Brasil e estamos

participando do VI Congresso Nacional do MST e da Ciranda Infantil Paulo Freire.

Viemos protestar pelos nossos direitos, por Reforma Agrária e lutar por um Brasil

melhor.

Tem gente que tem preconceito com os Sem Terra e com os Sem Terrinha. Nos

acampamentos e assentamentos do MST tem animais, pessoas, escolas, árvores e

plantações. A plantação é muito importante para nós, não tem como viver sem

alimentos.

O agronegócio é apenas uma monocultura, é uma coisa que só planta uma lavoura. Para

que as plantas não estraguem é preciso usar muito veneno, que trazem doenças e perda

da qualidade da comida. No agronegócio tudo é mercadoria!

115

Disponível em: http://portal.mec.gov.br/component/content/article?id=20227:ministro-

confirma-compromisso-de-reduzir-as-desigualdades Acesso em: 16/02/2016. 116

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educacao-por-escolas-do-campo.html Acesso em: 16/02/2016.

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200

Já nos acampamentos e assentamentos plantamos para comer e para vender para o povo

da cidade. É uma policultura, há várias plantações e criações de bichos. Lá tem

macaxeira, feijão, milho, melancia, galinha, bode, gado e suíno. E não precisa usar

veneno, porque com a criação de bichos pode diminuir bastante os besouros e as

lagartas que estragam as plantações. As terras são todas roçadas para poder plantar.

Mas queremos um assentamento melhor, que tenha saúde, divertimento e escolas. As

atividades feitas nas escolas tem que melhorar, pois não dá de ser assim. Existem muitas

escolas que não estão dentro dos nossos acampamentos e assentamentos e que não têm

transporte para nos levar. O transporte é muito difícil, porque quando precisa ir para a

escola da cidade é preciso andar muito para conseguir chegar no ponto de ônibus.

Quando chove não tem ônibus e faltamos na aula. Queremos que o transporte não vá

para lugares muito longe.

Somos dos acampamentos e assentamentos e queremos que lá no campo tenha escola.

Precisamos de uma educação melhor. Queremos que nossos professores sejam do

assentamento para que não faltem muito. Como é difícil o transporte entre a cidade e o

campo os professores acabam faltando e os alunos perdendo aula.

Queremos também uma alimentação saudável para que nós, os alunos, não passemos

mal na escola. Em nossas escolas precisamos de atividades extra-curriculares, fazer da

escola um lugar de lazer, aberta para a comunidade nos finais de semana. Precisamos de

cursos de informática, piscina de natação, quadra esportiva e muito mais.

Nós, Sem Terrinha, estamos chamando os outros Sem Terra, os amigos do MST e o

povo para ajudar a conquistar nossos direitos e cobrar isso do MEC. Como a luta não é

fácil, precisamos de mais gente!

Sem Terrinha pelo direito de viver e estudar no campo!

Brasília – DF – 10 a 14 de fevereiro de 2014.

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201

ANEXO 2

“A significação da Infância em documentos do MST”117

, 2013118

.

Márcia Mara Ramos.

Com base no levantamento de materiais relacionados à infância do MST, eles

formam submetidos a uma categorização para a sua organização. A categorização,

estabelecida a priori, teve como foco e objeto a relação com a infância, mais

especificamente, se ela era ou não destinatária do documento. A distribuição das

produções foi feita em três categorias e um recorte das produções de circulação internas:

a) Produções sobre a infância: textos escritos ou CDs que tratem da criança e

ou da infância, geralmente destinados a atividades de formação de membros do MST.

São reflexões que foram feitas por educadores e pelo coletivo nacional de educação a

partir das práticas educativas desenvolvidas com as crianças de acampamentos e

assentamentos.

b) Produções para as crianças: materiais cujo objetivo é o estabelecimento de

um diálogo com as crianças, ou seja, destinado diretamente a elas.

c) Produções para e com as crianças: materiais em diferentes linguagens

produzidos em atividades que contaram com a participação de crianças do Movimento,

através de trabalhos pontuais desenvolvidos nas escolas, nas jornadas dos Sem Terrinha

e Ciranda Infantil. São materiais como fita K7, CDs e jornal de produções coletivas, de

músicas, poesias, contos, documentário.

e) Documentos de circulação Interna que tratam da infância: documentos de

circulação interna como, por exemplo, relatórios de atividades do Movimento. Os

documentos de circulação interna se diferenciam das demais categorias pelo fato de que

elas são de circulação interna e externa. Considerando um caráter diferenciado dos

relatórios, cujo objetivo é promover a avaliação e a reflexão do próprio movimento

acerca das práticas com as crianças, também foi feita uma análise desses documentos

separados pela sua natureza.

117

Síntese da Monografia “A signinificação da Infância em documentos do Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra”. Curso de especialização - Trabalho, Educação e Movimentos Sociais

(2013), na Fundação Osvaldo Cruz – FIOCRUZ; Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio –

EPSJV – em parceria com Escola Nacional Florestan Fernandes – ENFF e Programa Nacional de

Educação na Reforma Agrária – PRONERA em 2013. Com Orientação da Profª Ana Paula Soares da

Silva e Co-Orientação da Prof° Caroline Bahniuk. 118

Em 2015, com as novas produções Sobre - Para e Com a infância Sem Terra, foi realizado uma

atualização no documento.

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202

A divisão nessas categorias permitiu tanto a organização dos documentos e

materiais centrais quanto uma aproximação ao material, contribuindo para o

aprofundamento nas questões desta pesquisa.

A produção Sobre a infância

Do total levantado na pesquisa, 7 documentos referem-se à produção sobre a

infância, conforme quadro a seguir:

Quadro 1. Distribuição da Produção sobre a Infância

TÍTULO VEÍCULO TIPO DO

DOCUMENTO

LOCAL ANO

Como trabalhar a mística do

MST com as crianças

Boletim de

Educação,

n°03

Orientação São

Paulo

1993

O Brilho de quem faz a

Luta. Educação através do

Teatro

Cartilha da

Educação

Orientação Brasília 1995

Jogos e Brincadeiras

Infantis

Caderno de

Educação,

n°07

Orientação São

Paulo

1996

Educação Infantil.

Construindo uma nova

Criança

Boletim de

Educação,

n°7

Concepção e

orientação

São

Paulo

1997

Educação Infantil.

Movimento da vida, dança

do aprender.

Caderno de

Educação,

n° 12

Concepção e

orientação

s/local 2004

A Escola Itinerante Paulo

Freire no 5° Congresso do

MST

Coleção

Fazendo

Escola, n°4

Relato de

Experiência

Brasília s/data

Educação da Infância Sem

Terra. Orientação para o

trabalho de base.

Caderno da

Infância n°1

Orientação para

o trabalho com a

base.

São

Paulo

2011

Síntese do II Seminário119

sobre a Infância Sem Terra

Boletim n°

12

Síntese do

debate coletivo

São

Paulo

2014

Estes documentos são produções que trazem relatos de experiência da luta pela

terra, da organização das Jornadas de Sem Terrinha, de orientação para educadores no

trabalho com a criança, orientação para o debate com a base Sem Terra sobre a infância.

119 Esse material não esta descrito na Monografia, pois foi posterior a elaboração.

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203

Como se pode perceber pelo quadro, exceto o último material, todos são circunscritos à

área da Educação.

A produção PARA as crianças

Do total de materiais levantados, 14 referem-se às produções para as crianças.

Quadro 2. Distribuição da produção Para as crianças

TÍTULO VEÍCULO TIPO DO

DOCUMENTO

LOCAL ANO

A comunidade dos gatos

e o dono da bola

Coleção

Fazendo

Escola, n°1

Conto São Paulo 1994

Zumbi, comandante

Guerreiro

Coleção

Fazendo

História, n°2

Conto São Paulo 1995

Ligas camponesas.

Reforma Agrária

Coleção

Fazendo

História.

n°04

Conto Porto

Alegre

1997

Nossa luta na luta pela

terra

Coleção

Fazendo

História,

n°05

Conto São Paulo 1998

Semente Coleção

Fazendo

História, n°6

Poesia São Paulo 2000

História do menino que

lia o mundo

Coleção

Fazendo

História, n°

07

Conto São Paulo 2001

Plantando Cirandas no

MST

Livro de

canções

Canto São Paulo 1994

Plantando Ciranda Livro de

canções

Canto São Paulo s/data

História de Rosa Educação Conto São Paulo s/data

Revista das Crianças

Sem Terrinha. Edição

Especial

25 anos do MST: Vou te

contar uma história

Revista Comunicação

infantil

São Paulo 2009

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204

Revista das Crianças

Sem Terrinha, n° 2

- Porque somos Sem

Terra?

- O pesadelo do Xis

Burguer

Revista Comunicação

Infantil

São Paulo 2009

Revista das Crianças

Sem Terrinha, n° 3

Reforma Agrária

Popular

Revista Comunicação

Infantil

São Paulo 2010

Revista das Crianças

Sem Terrinha, n° 4

Agroecologia

Revista Comunicação

Infantil

São Paulo 2011

Revista das Crianças

Sem Terrinha, n° 5

- História dos

Congressos

- Internacionalismo

Revista Comunicação

Infantil

São Paulo 2012

Revista das Crianças

Sem Terrinha, n° 6.

Solidariedade aos 5

Cubanos

Revista Comunicação

Infantil

São Paulo 2013

Revista das Crianças

Sem Terrinha, n° 7.

Homenagem a Huguito –

Venezuela

Revista Comunicação

Infantil

São Paulo 2014

Revista das Crianças

Sem Terrinha, n° 8.

Marlin e o Haiti e

Situação da água no

Brasil e no mundo.

Revista Comunicação

Infantil

São Paulo 2015

Obs. As três últimas referências não estão na monografia.

As produções Para as crianças estão voltadas para o campo da literatura, com

histórias da realidade da luta pela terra, da poesia, da música e da comunicação infantil.

As publicações mais recentes são as cinco Revistas das Crianças Sem Terrinha. Dentre

as produções de coleções, a última foi produzida em 2001. Em 2009, iniciam-se a

produção da Revista, que marca praticamente oito anos sem produção literária

sistemática do MST para suas crianças.

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205

Produção Para e Com a infância

Do total de títulos, 5 foram classificados nessa categoria.

Quadro 3. Distribuição das Produções Para e Com as crianças

TÍTULO VEÍCULO TIPO DO

DOCUMENTO

LOCAL ANO

A história de uma luta

de todos

Coleção

Fazendo

História, n°3

Conto Porto

Alegre

1996

Movimento Sem

Terra. Jornal das

Crianças Sem

Terrinha120

Comunicação Conjuntural São

Paulo

2007

Fita K7. Plantando

Ciranda no MST

Fita k7- Setor

de Educação

Orientação S/local s/data

1998

CD infantil. Plantando

Ciranda

CD – Setor

de Educação

Canções Rio de

Janeiro

s/data

Documentário. Sem

Terrinha em

Movimento

Cultura –

Comunicação

– Educação

Documentário São

Paulo

2009

CD Plantando Ciranda

3

CD – setor de

educação e

cultura

Canções São

Paulo

2014

Para chegar a essa categorização, escolhi os documentos que têm, de alguma

forma, a participação da criança e, entre essa participação, estão depoimentos sobre o

processo da luta pela terra, poesias, brincadeiras, desenhos, participação nas músicas e

as falas no documentário. Dos 42 documentos, somente cinco foram categorizados neste

item.121

Os Documentos Internos

Os documentos internos referem-se a relatos e avaliações de diversas atividades,

tais como: Cirandas Infantis, Jornadas dos Sem Terrinha e produções de comunicação

da infância.

120

O Jornal das Crianças Sem Terrinha está na sua 41° edição, publicada em 2013. 121

Na pesquisa foram considerados os documentos até o ano de 2012. Mas vale resaltar que 2013, o MST

colocou no ar o site dos Sem Terrinha, vinculado a Pagina de internet do MST.

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206

Quadro 6. Documentos Internos

TÍTULO Autoria TIPO DO

DOCUMENTO

LOCAL ANO

Relatório do Encontro

Nacional dos Sem

Terrinha. “O Brasil que

queremos”

Setor de

Educação

Relatório Brasília 1998

Relatório da Ciranda

Infantil e Escola

Itinerante - Pé na Estrada

Marcha Nacional

Setor de

Educação

Relatório s/local 2005

A EDUCAÇÃO NO

MST: desafios e

diretrizes para superá-

los. Síntese da discussão

na Coordenação

Nacional.

MST Relatório Goiânia 2005

Relatório. A infância dos

Sem Terra: um olhar

sobre a ciranda infantil.

Inauguração da Ciranda

“Saci Pererê”-ENFF

Setor de

Educação

Relatório s/local 2006

Texto para debate da

reunião do coletivo

Nacional de educação. A

infância Sem Terra.

Construção e desafios

Setor de

Educação

Texto para debate s/local 2007

A Infância Sem Terra e

as Cirandas Infantis do

MST

MST Texto para debate s/local 2007

Relatório do 1°

Seminário O Lugar da

Infância no MST

MST Relatório São

Paulo

2007

Setor de Educação.

Reflexões da caminhada

Setor de

Educação

Texto para debate Goiânia 2010

Relatório da 1° reunião

de discussão e

elaboração do caderno da

Infância n°1

MST Relatório Curitiba 2010

A infância no MST MST Texto para debate São 2010

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207

Paulo

Relatório do setor de

Educação

Setor de

Educação

Relatório Luziânia 2007

Relatório do setor de

Educação

Setor de

Educação

Relatório São

Paulo

2008

Relatório do setor de

Educação

Setor de

Educação

Relatório São

Paulo

2010

Relatório do setor de

Educação

Setor de

Educação

Relatório São

Paulo

2011

Relatório do setor de

Educação

Setor

Educação

Relatório Rio de

Janeiro

2012

Os documentos aqui selecionados são de circulação interna do MST e

procuraram trazer para o interior dos processos organizativos do Movimento o debate e

as reflexões sobre a infância Sem Terra. As produções desses documentos estão

relacionadas, principalmente, ao setor de educação, que majoritariamente, protagoniza a

produção dos documentos sobre, para e com as crianças. Este setor se coloca, assim,

como provocador desse debate no e para o conjunto do Movimento e instiga que outros

setores assuma esta frente.

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ANEXO 3

“A GRANDE ESPERANÇA”122

. Frei Sergio Gorgen

Procuro, em minha memória, as imagens mais marcantes das crianças durante os

anos de minha militância junto ao Movimento dos Sem Terra. São tantas e tão fortes.

Mas a mais marcante é um pouco distante no tempo e é de uma criança anônima. Vou

contar a história.

Era no ano de 1981, no mês de julho. Um dos primeiros acampamentos da pré-

história do MST, o de Encruzilhada Natalino, em Ronda Alta, passava por seu momento

mais dramático. Estava cercado pelo Exército Nacional e pela Polícia Federal, a mando

do Presidente-ditador João Batista Figueiredo. Comandava a operação, no local, o

coronel Sebastião Rodrigues de Moura o temido coronel Curió.

Também eu não passava de um piá novato e inexperiente, recém iniciado na

lidas da Comissão Pastoral da Terra e já jogado no centro de conflito de altíssima

intensidade. O governo militar estava determinado a destruir o acampamento, mas

estava com dificuldade de usar a repressão física direta. Ninguém podia entrar para

levar solidariedade aos colonos, nem fazer reuniões, nem rezar missas. Ônibus que

trafegavam pelo local não podiam parar no acampamento. Só alguns quilômetros antes

ou depois do aglomerado de gente sem terra vivendo em baixo da dos barracos de lona

preta.

A repercussão do cerco não pegou bem na sociedade gaúcha, e o coronel Curió,

para mostrar que era “democrático”, convidou a FETAG (Federação dos Trabalhadores

da Agricultura Gaúcha), que não morria de simpatia pelos acampados dos sem terra,

para visitar o local e “comprovar” como o coronel não estava intimidando ninguém. Por

um desses acasos da história, poucos na FETAG encorajaram-se a fazer a tal

empreitada, que acabou sobrando dois dirigentes com quem eu mantinha relações de

amizade: Canisio Weschenfelder e Antônio Schneider. A convite deles, passei por

assessor da FETAG (por algumas horas) e entrei com eles no acampamento cercado.

Tudo o que vi ao meu redor era desilusão, insegurança e desespero. Caminhei

por todo o acampamento, rodeado por agentes da Polícia Federal, sem poder conversar

com ninguém. Encontrava-me com pessoas com quem convivera todos os fins de

semana durante meio ano, e fazíamos de conta que não nos conhecíamos. Ninguém

122

Prefácio do Livro “Crianças em Movimento. As mobilizações infantis no MST”. Depoimento do Frei

Sergio Gorgen na visita ao acampamento Encruzilhada Natalino, na década de 1980.

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podia conversar com ninguém sem ser vigiado. Muitos perdendo a esperança e

desistindo, aceitando colonização no Mato Grosso e abandonando o acampamento com

grande estardalhaço. Tentei trocar algum olhar de encorajamento com algumas

lideranças que via pelo caminho, mas, àquelas alturas, eu já considerava aquela uma

batalha perdida. Meu coração estava aflito e minha mente perturbada. Naquelas

condições, não havia resistência possível. Foi quando chamou atenção uma criança de

uns 4 anos, sentada em cima de um tronco de árvore, na beira da estrada, quase ao

centro do acampamento, parecendo alheia a tudo que ali se passava, sem importar com o

aparato militar que a rodeava. Cantando, a plenos pulmões, a música-hino dos sem terra

naquela época: A grande esperança.

Parei, tomado de emoção, ouvindo aquela voz infantil rompendo o silêncio

imposto pela ditadura militar e pelas elites aos camponeses pobres que estavam ousando

levantar sua cabeça e dizer sua voz.

“A classe loceira e a classe opelália, ansiosa espela a refolma aglaria”

cantava a vozinha inocente acordando em mim a coragem amortecida.

Naquele momento, vi-me tomado de uma súbita certeza: esse povo vai resistir e

vai vencer. Pela simples razão de que só assim haverá esperança de futuro para aquelas

crianças e a multidão de outras que se acotovelavam, sofriam e brincavam pelos

barracos daquele acampamento.

E assim se deu. A criança venceu o coronel, que hoje é cinza na história; e as

crianças continuam por aí, pelos acampamentos dos Sem Terra, com seus olhinhos

brilhando, com sua algazarra alegre, com sua perturbadora felicidade brotando do meio

da miséria, com sua esperança viva, com sua vivacidade espera, instigando a

consciência dos quem tem coragem de se deparar com elas.

Recordo e rendo homenagem às mães. Entre as tantas vezes que vi mães

camponesas cuidando dos pequeninos, meus olhos retêm as imagens de mães deitadas

sobre os filhos, protegendo-os das balas, dos cassetetes e dos pontapés no Massacre da

Fazenda Santa Elmira.

Lembro-me muito dos panos preto amarrados às cruzes e rendo-me em

homenagem às que tombaram assassinadas pela fome. Tantas também. Sinal claro da

falta de alma no tipo de sociedade em que sobrevivemos e somos obrigados a viver.

Alma que é viva na inocência dessas teimosas crianças, que, também por isso, mostram

que só um outro caminho poder ser o caminho do futuro. (GORGEN. 2009. p. 5-6).

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ANEXO 4 - JST Congresso Infantojuvenil (SemTerrinha) 1994

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JST – Congresso Infantojuvenil (Sem Terrinha) 1995

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JST – CongressoInfantojuvenil (SemTerrinha)1996

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ANEXO JST – Congresso Infantojuvenil (Sem Terrinha) 1996

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ANEXO 5 - Carta dos II Congresso Infantojuvenil do RS em 1995.

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ANEXO 6 - Cartaz do I Congresso InfantoJuvenil de São Paulo – 1996.

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ANEXO 7 - Manifesto dos Sem Terrinha de São Paulo

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ANEXO 8– Programação do Encontro dos Sem Terrinha do Estado do Pará –

2014

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ANEXO 9 – matéria do Jornal ....sobre a Mobilização dos Sem Terrinha em Marabá -

2014