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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
FACULDADE DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS E LETRAS DO SERTÃO CENTRAL
MESTRADO ACADÊMICO INTERDISCIPLINAR EM HISTÓRIA E LETRAS
VALÉRIA SOARES DE OLIVEIRA
O RACISMO VISTO E SENTIDO NA ESCOLA: PROFESSORES E ALUNOS EM
CENA NO ENSINO DE HISTÓRIA
(2016-2017)
QUIXADÁ-CEARÁ
2018
1
VALÉRIA SOARES DE OLIVEIRA
O RACISMO VISTO E SENTIDO NA ESCOLA: PROFESSORES E ALUNOS EM CENA
NO ENSINO DE HISTÓRIA
(2016-2017)
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado
Acadêmico Interdisciplinar em História e
Letras, da Faculdade de Educação, Ciências e
Letras do Sertão Central, da Universidade
Estadual do Ceará, como requisito parcial à
obtenção do título de mestre em História e
Letras. Área de concentração: Cultura,
Memória, Ensino e Linguagens.
Orientadora: Profª. Drª. Isaíde Bandeira da
Silva.
QUIXADÁ – CEARÁ
2018
2
3
4
Dedico este trabalho à minha família,
principalmente, minha mãe e meu filho, pois,
durante a sua realização, entenderam a minha
distância, angústias e fragilidades, o que foi
fundamental para desenvolvimento da
pesquisa.
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus pelo dom da vida, por seu infinito amor e misericórdia, que me guiaram e
me possibilitaram a realização desta conquista.
A Jesus, Maria e demais irmãos que trabalham com o Mestre na seara do bem, que me
iluminaram, sustentaram e fortaleceram nessa jornada tão solitária.
À minha mãe, exemplo de amor e de dedicação que esteve ao meu lado, não me permitindo
desanimar ou desacreditar de que era capaz de realizar este sonho que transformei em
objetivo.
Ao meu filho João Vítor, por seu amor, compreensão e companheirismo, que me fortaleciam
diante das dificuldades e adversidades do caminho.
Aos meus irmãos Venicio e Verinha e minhas sobrinhas Tânia e Talya, por terem acreditado
em mim, me apoiado nos momentos mais difíceis dessa caminhada e não terem me deixado
desanimar ou desistir do meu objetivo.
À minha orientadora, professora doutora Isaíde Bandeira da Silva, por sua dedicação,
compromisso e contribuição em mais uma etapa de minha vida acadêmica.
Às professoras da banca de qualificação, prof. Dra. Berenice Abreu de Castro Neves e prof.
Dra. Fátima Maria Leitão Araújo, pelas valiosas contribuições a este trabalho.
Aos membros da banca de defesa, professora Dra. Fátima Maria Leitão Araújo e ao prof. Dr.
Edson Holanda Lima Barboza, por gentilmente terem aceitado participar desta etapa final.
À turma MIHL da FECLESC, em especial aos amigos que conquistei, por todos os momentos
em que compartilhamos alegrias e angústias na busca incessante de galgarmos nossos
objetivos.
Aos queridos professores do MIHL da FECLESC, que foram fundamentais nesse processo.
Ao secretário do MIHL, Raphael Pereira, por sua atenção e solicitude.
Aos gestores, professores e estudantes das escolas EEF José Bonifácio de Sousa, EEF
Nemésio Bezerra e EEM Abraão Baquit, que me acolheram e permitiram minha presença em
seus cotidianos, viabilizando a minha pesquisa.
Aos meus gestores e colegas de trabalho, pela paciência, compreensão e substituição de
minhas ausências em virtude das atividades do mestrado.
Aos amigos que estiveram ao meu lado, me incentivaram e compartilharam as angústias e as
alegrias experienciadas nesse percurso.
Aos meus alunos queridos, que diariamente me dão forças para lutar por uma educação
inclusiva e valorativa, me fazendo crer no seu poder transformador.
6
“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor
de sua pele, ou por sua origem, ou sua religião.
Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se
elas aprendem a odiar, podem ser ensinadas a
amar, pois o amor chega mais naturalmente ao
coração humano do que o seu oposto. A
bondade humana é uma chama que pode ser
oculta, jamais extinta.”
(Nelson Mandela)
7
RESUMO
O objeto desta pesquisa é o racismo numa perspectiva sociocultural de proposições
dominantes, tendo como cenário de observação o ambiente escolar. Tivemos como objetivo
principal perceber como o racismo se manifesta no cotidiano escolar, recorrendo, como
campo de pesquisa, a três escolas situadas no Bairro Campo Novo, na cidade de Quixadá -
CE. Como procedimento metodológico, realizamos observações não participativas e
entrevistas semiestruturadas com quinze estudantes, três professores de história e dois
gestores escolares. Ainda trabalhamos com outras fontes, como as Diretrizes Curriculares
Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais, os Projetos Político Pedagógicos das
três escolas e os Livros didáticos de história adotados nas escolas. Analisamos, por meio das
falas dos professores e estudantes entrevistados, a compreensão destes sobre as relações
étnicorraciais existentes nas escolas em que lecionam ou estudam e como identificam e lidam
com as manifestações preconceituosas presentes neste âmbito. Disto resultou que, apesar de
atos racistas ocorrerem cotidianamente nas escolas pesquisadas, existem possibilidades de
reeducar para as relações étnicorraciais e erradicar o racismo no contexto em que vivem,
sobretudo pelo ensino de história que valorize a história e cultura do negro africano e afro-
brasileiro que foi escravizado no Brasil, por séculos e muitos, que permanecem cativos do
preconceito e do desrespeito por parte considerável da sociedade nacional.
Palavras-chave: Racismo. Escola. Ensino de História. Relações étnicorraciais.
8
ABSTRACT
The object of the research is racism in a sociocultural perspective of dominant propositions,
having as an observation scenario the school environment. The primary aim was to
understand how racism manifests itself in school everyday life. Our field of research was
three schools located in the Campo Novo Neighborhood, in the city of Quixadá - CE. As a
methodological procedure we conducted non-participatory observations and semi-structured
interviews with fifteen students, three history teachers and two school managers. Other
sources were used, such as the National Curriculum Guidelines for Ethnic-Racial Relations
Education, the Political Pedagogical Projects of the three schools, and the History Textbooks
adopted in schools. Through the statements of teachers and students interviewed, we analyze
their understanding of the ethnicorcialrelations existing in the schools where they teach or
study and how they identify and deal with the prejudiced manifestations present in this field.
In addition, the work states that, although racist acts occur daily in the schools surveyed, there
are possibilities to reeducate for ethnicorcialsrelations and to eradicate racism in the context in
which they live, especially through teaching history that values the history and culture of
African and Afro-Brazilian people who have been enslaved in Brazil for centuries, and many
remain captive of prejudice and disrespect for a considerable part of national society.
Keywords: Racism. School. Teaching History. Ethnicorcials Relations.
9
LISTA DE ABREVIATURA E SIGLAS
CNA Congresso Nacional Africano
CNE Conselho Nacional de Educação
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
LD Livro Didático
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MNU Movimento Negro Unificado
MP Medida Provisória
ONG Organização Não Governamental
PCN Parâmetros Curriculares Nacionais
PETECA Programa de Educação contra a Exploração do Trabalho da Criança e do
Adolescente
PNLD Programa Nacional do Livro Didático
PPP Projeto Político Pedagógico
SEPPIR Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
10
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO...........................................................................................................11
2 O RACISMO EM FOCO...........................................................................................18
2.1 O MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO E A CONQUISTA DA LEI 10.639/03......20
2.2 RACISMO NO BRASIL: O QUE DIZEM OS TEÓRICOS?......................................27
2.3 NA ESCOLA SE REVELA: “RACISMO É O PRECONCEITO DE COR! ”............31
3 O RACISMO NO COTIDIANO ESCOLAR............................................................41
3.1 AS ESCOLAS E OS SUJEITOS ESCOLARES: O CAMPO DA PESQUISA...........42
3.2 NO UNIVERSO ESTUDANTIL: “TEM QUE RESPEITAR O PRÓXIMO, PARAR
COM AQUELAS BRINCADEIRAS CHATAS”.........................................................50
3.3 O ENSINO DE HISTÓRIA AFRO-BRASILEIRA E AFRICANA NO COMBATE
AO RACISMO: RELAÇÕES POSSÍVEIS ENTRE TEORIAS E PRÁTICAS NA
PERSPECTIVA DOCENTE.........................................................................................58
4 O COMBATE AO RACISMO NO COTIDIANO ESCOLAR: REEDUCAR
PARA AS RELAÇÕES ÉTNICORRACIAIS..........................................................70
4.1 AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO DAS
RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E PARA O ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA
AFRO-BRASILEIRA E AFRICANA E OS PROJETOS POLÍTICOS
PEDAGÓGICOS (PPP) DAS ESCOLAS EM FOCO..................................................71
4.2 A QUESTÃO ÉTNICORRACIAL NOS LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA
ADOTADOS NAS ESCOLAS PESQUISADAS.........................................................84
4.3 COMO COMBATER O RACISMO NA ESCOLA? CAMINHOS POSSÍVEIS PARA
EQUIDADE RACIAL................................................................................................107
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................117
FONTES.....................................................................................................................125
REFERÊNCIAS........................................................................................................128
APÊNDICES..............................................................................................................134
APÊNDICE A – ROTEIRO DE PERGUNTAS (ENTREVISTAS – GESTORES
ESCOLARES).............................................................................................................135
APÊNDICE B – ROTEIRO DE PERGUNTAS (ENTREVISTAS – PROFESSORES
DE HISTÓRIA)...........................................................................................................136
APÊNDICE C – ROTEIRO DE PERGUNTAS (ENTREVISTAS – ALUNOS)......137
11
1 INTRODUÇÃO
O ensino de uma história reflexiva exige um olhar à multiculturalidade formadora
da população brasileira e de suas respectivas representações na concepção da identidade
nacional, tão idealizada e desejada por muitos que acreditam em uma educação libertadora,
que, por sua vez, ao “dar vida” aos diferentes povos que constituem a nação, desempenha
papel singular no processo de implantação de mudanças relevantes no cenário nacional no
início do século XXI.
Dentre as mudanças ocorridas nesse panorama, ratificamos a conquista social da
Lei Federal de nº 10.639/031, que tornou obrigatório o ensino da história e da cultura afro-
brasileira e africana nas escolas de educação básica do país, bem como incluiu no calendário
escolar o dia 20 de novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra”,2 alterando a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Essa medida, não obstante, não deve ser entendida como uma benesse do Governo
Federal, uma vez que resultou de lutas travadas pelo Movimento Negro Unificado (MNU),
que atuou no processo de elaboração e execução de políticas afirmativas para o negro no
Brasil desde 1978. A partir da sanção da lei supracitada, os militantes negros do país tiveram
parte de suas demandas atendidas, com o respaldo legal necessário ao processo de
reconfiguração educacional contemporâneo, que pressupõe a inclusão escolar aos diversos
indivíduos da sociedade brasileira, tendo em vista que educação é direito de todos.
A promulgação da lei supracitada desencadeou discussões no que se refere às
relações étnicorraciais no Brasil, bem como, viabilizou questionamentos acerca da
“democracia racial brasileira”, uma vez que, ao tornar obrigatório o ensino da história do
negro nos estabelecimentos de ensino da educação básica em todo território nacional,
demonstra a fragilidade desses indivíduos e as dificuldades ainda enfrentadas por eles no país,
especialmente, no que se refere às manifestações racistas existentes dentro e fora do ambiente
escolar.
Para compreender um pouco mais essas questões, dialogamos com autores que
pesquisam a história do tempo presente, o ensino de história, a cultura escolar e didática do
ensino, bem como as relações étnicorraciais no Brasil, dentre eles: Helena Isabel Muller
1 Alterada pela Lei nº 11.645, de 08 de março de 2008.
2 Vinte de novembro marca a data de morte de Zumbi, grande líder do Quilombo dos Palmares, figura
relevante na história de resistência negra no Brasil no período colonial, que morreu lutando pela liberdade de
todos os negros escravizados no país.
12
(2007), que faz algumas ponderações sobre a história do tempo presente como ação política;
Thais Nivia de Lima e Fonseca (2003), Marcos Antônio da Silva e Selva Guimarães Fonseca
(2010), JõrnRüsen (2010) e Jaime Pinsky (2017) da área do ensino de história, que abordam a
relevância do ensino de história na construção de uma sociedade mais crítica e consciente de
seus direitos e deveres em face das adversidades da educação formal, sobretudo no Brasil;
Dominique Julia (2001), que evidencia a escola como lugar de acepção de normas e condutas,
constituição de pensamentos, práticas e ou ideologias diversas, que ele denomina cultura
escolar; José Carlos Libâneo, João Ferreira de Oliveira e Mirza Seabra Toschi (2005), que
destacam as relações políticas entre as demandas do Estado e as estruturas da organização
curricular das escolas brasileira, deixando clara a inexistência de imparcialidade no que se
pretende ensinar aos educandos. E, por fim, dialogamos com autores como Frantz Fanon
(1980; 2008), Ana Lúcia Lopes (2004), Kabengele Munanga (2005), Ronaldo Sales Júnior
(2006), Raquel Amorim dos Santos, Simone Carvalho de Souza e Patrícia do Socorro Sena
Fonseca (2011) e Nilma Lino Gomes (2002; 2005; 2011; 2012), que explicam o sentido das
relações étnicorraciais no Brasil e o racismo no país, enfatizando o papel subalternizado do
negro na sociedade brasileira, como ainda as múltiplas interpretações dessas relações no
contexto nacional.
Percebemos que o racismo no Brasil é embasado por um construto ideológico de
justificação, classificação e naturalização que permite a supremacia de um grupo com relação
ao outro, tendo por base o escravismo, que perdurou quase quatro séculos em nosso país –
XVI a XIX, numa longa experiência em que negros africanos e afro-brasileiros eram tratados
como seres não humanos, coisificados.
Nesse sentido, apontamos algumas conquistas resultantes da atuação do MNU no
país, tendo em vista o desempenho dos seus militantes na denúncia dos problemas sofridos
pelo negro no Brasil, que, por sua vez, resultou na elaboração e execução de políticas
afirmativas para o negro no Estado nacional brasileiro, bem como para a promulgação da Lei
Federal nº 10.639/03 (modificada pela Lei no. 11.645/08), que já mencionamos, mas que será
analisada ao observarmos os limites e possibilidades de sua execução nas escolas pesquisadas.
Diante deste cenário, temos como objeto de estudo o racismo visto e sentido na
escola, no intuito de respondermos à nossa principal problemática de pesquisa, que se situa no
âmbito das relações étnicorraciais existentes nesse contexto. Assim, os nossos objetivos são
analisar como o racismo se reflete no cotidiano escolar; investigar as políticas educacionais
das relações étnicorraciais nas escolas pesquisadas; avaliar a existência ou não da práxis do
ensino da história africana e afro-brasileira; e identificar a percepção dos docentes e discentes
13
entrevistados em face das realidades experienciadas no cotidiano escolar no que se refere às
manifestações racistas, bem como as possibilidades de combatê-las.
Tivemos como campo de pesquisa três escolas situadas no bairro Campo Novo, na
Cidade de Quixadá - CE. No referido bairro, existem sete escolas, das quais apenas uma é
estadual e as demais são municipais, divididas em duas Regionais Educacionais do sistema da
Secretaria de Educação do município. Analisamos, entretanto, nesta pesquisa apenas três
destas, sendo duas escolas municipais de Ensino Fundamental I e II que sediam as Regionais
existentes no Campo Novo, respectivamente, a Escola de Ensino Fundamental José Bonifácio
de Sousa (Escola modelo – sede de quatro anexos, dentre eles a creche) e a Escola de Ensino
Fundamental Nemésio Bezerra. E, a terceira escola – única estadual do bairro –, Escola de
Ensino Médio Abraão Baquit.
A escolha do bairro decorre de nossa experiência docente em uma das escolas que
foram analisadas – a Escola de Ensino Médio Abraão Baquit – onde percebemos a
significativa quantidade de alunos negros matriculados e presenciamos alguns casos de
preconceitos raciais, explícitos e implícitos, entre os estudantes, em ações praticadas muitas
vezes por crianças e jovens negros, que, em oportunidades diversas, apresentavam discursos
racistas que denotavam a falta de conhecimento ou conscientização acerca de suas
identidades, demonstrando a problemática do racismo em suas relações diárias.
Os dados colhidos nesta pesquisa contribuíram para uma análise mais apurada das
políticas existentes nas escolas – mediante PPPs e livros didáticos de história – bem como das
concepções construídas pelos diferentes sujeitos que atuam no campo educacional
quixadaense, no que se refere ao racismo e às relações étnicorraciais; investigou-se como
essas relações se apresentam e se refletem nas escolas e qual o papel do ensino da história e
da cultura afro-brasileira e africana como ação de combate ao racismo dentro e fora das
escolas analisadas.
No que se refere ao nosso interesse pela proposta da pesquisa ora apresentada,
podemos afirmar que está diretamente associado à nossa formação acadêmica, uma vez que
nos incomodava o fato de termos ingressado no curso de licenciatura em história após a
promulgação da Lei 10.639/03 e, na organização curricular de nosso curso, não existir
nenhuma disciplina que contemplasse a história e cultura da África ou dos afro-brasileiros.
Todavia, buscando minimizar os efeitos dessa ausência de conteúdo, durante todo
o curso, desenvolvemos e apresentamos trabalhos que contemplavam tais temáticas. Essa
inquietação, somada à prática da docência, iniciada durante nossa formação acadêmica,
14
resultou na elaboração de um trabalho monográfico3, no qual analisamos a aplicabilidade da
proposta da Lei 10.639/03 na perspectiva dos docentes, num contexto em que os professores
careciam de formação para tal. O resultado deste trabalho culminou em questionamentos
acerca da vivência escolar e das possibilidades de pesquisa neste campo.
A partir de então, maturamos nossa compreensão acerca dos resultados obtidos e
passamos a elaborar novos questionamentos, que tinham como base o racismo como
fenômeno social que permeia a escola. Nesse sentido, transformamos esse fenômeno em
objeto, resultando na atual pesquisa que apresenta diferentes sujeitos – gestores, professores e
alunos – de três escolas do bairro Campo Novo, na cidade de Quixadá – e como eles
compreendem o racismo e a relação deste com a escola e o ensino de história.
Este bairro possui considerável densidade demográfica, contando, no último censo
do IBGE (2010)4, com a população total de 6.880 habitantes – o que corresponde a 8,5% em
relação ao valor total de habitantes do município – sendo um dos maiores bairros da cidade.
Conhecido pela vulnerabilidade social, o Campo Novo apresenta sérios problemas
socioeconômicos, uma vez que boa parte de seus habitantes são trabalhadores que atuam no
mercado informal e que muitas vezes não conseguem assegurar um salário mínimo por mês.
Conscientes dos problemas que perpassam o âmbito escolar, bem como de que
ainda existe muito a ser feito para que as relações étnicorraciais sejam trabalhadas com mais
afinco na escola, além de entender essa problemática como algo que ultrapassa conteúdos
pontuais apresentados nas aulas de história, optamos por fazer entrevista com seis professores
e quinze alunos, que nos ajudaram a compreender melhor o racismo visto e sentido no
cotidiano escolar quixadaense, no tempo presente, mais precisamente durante os anos de 2016
e 2017.
Como parte de nosso percurso metodológico, analisamos fontes documentais,
como as Leis 9.394/96 que estabelecem as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, as
Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino
de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, os Projetos Políticos Pedagógicos e os Livros
Didáticos de História adotados nas escolas que foram nosso campo de pesquisa, buscando
estabelecer relações entre teoria e prática nesse contexto.
3 OLIVEIRA, Valéria Soares de. O ensino da história africana e afro-brasileira nas escolas de
Quixadá: uma análise do trabalho docente. Monografia apresentada ao curso de História da
FECLESC/UECE, 2011. 4
Disponível em: <http://www.censo2010.ibge.gov.br/sinopseporsetores/?nivel=st>. Acesso em: 06de jul.
de 2016.
15
Utilizamos a história oral como metodologia, viabilizada por entrevistas semi-
estruturadas5 realizadas no interior das escolas, em salas reservadas, como laboratórios de
informática, sala de multimeios e sala dos professores. Entrevistamos – em cada uma das três
escolas pesquisadas – um coordenador pedagógico, um professor de história e cinco alunos
(facilmente identificados como negros) do último ano de cada segmento escolar que a
instituição atende, ou seja, 5º ano do Ensino Fundamental I, 9º. ano do Ensino Fundamental II
e 3º ano do Ensino Médio, totalizando vinte e um entrevistados6. Estas séries finalizam blocos
importantes da Educação Básica, como a finalização do Ensino Fundamental das séries
iniciais que acontece no 5º. ano; a finalização do Ensino Fundamental total, que se dá no 9º.
ano, e a conclusão da Educação Básica no Brasil que acontece no 3º. ano do Ensino Médio.
Portanto, momentos fundamentais para saber como os alunos estão concluindo estes ciclos
com relação ao respeito às diferenças étnicorraciais.
Todavia, na Escola de Ensino Médio, a entrevista com o coordenador pedagógico
não foi efetivada porque, nas diversas tentativas de realização, ele solicitava que adiássemos o
diálogo – o gestor da escola não falou diretamente que não participaria da entrevista, porém
inviabilizou sua concretização. Os demais entrevistados foram solícitos – com exceção de
alguns estudantes do Ensino Fundamental que se recusaram a participar da pesquisa em
virtude do tema abordado: o racismo na escola – e aceitaram de prontidão a participação,
inclusive os pais dos estudantes menores, que precisaram assinar os documentos emitidos
pelo Comitê de Ética7, autorizando a participação dos filhos na pesquisa.
Nosso percurso metodológico foi repleto de desafios e conquistas. Inicialmente,
fomos às escolas nos apresentar aos gestores e professores, que se mostraram solícitos e nos
ajudaram a iniciar o contato com os estudantes. Posteriormente, conseguimos estabelecer um
diálogo com esses estudantes antes mesmo da realização da entrevista, pois passamos a ir às
escolas pelo menos duas vezes por semana, no período de agosto a novembro de 2016.
Tivemos acesso aos Projetos Político Pedagógico (PPPs) das escolas e realizamos as
5 Em apêndice.
6 Optamos por manter os nomes dos entrevistados em sigilo, dessa forma identificaremos apenas a escola
e o papel do entrevistado (estudante, professor, gestor). 7
Por se tratar de uma pesquisa envolvendo seres humanos, submetemos o projeto à Comissão Nacional
de Ética em Pesquisa – CONEP – que é uma comissão do Conselho Nacional de Saúde – CNS, criada por meio
da Resolução 196/96, com a função de implementar as normas e diretrizes regulamentadoras de pesquisas
envolvendo seres humanos, aprovadas pelo Conselho. Tem função consultiva, deliberativa, normativa e
educativa, atuando conjuntamente com uma rede de Comitês de Ética em Pesquisa – CEP –, organizados nas
instituições onde as pesquisas se realizam. FONTE: CONEP disponível em:
<http://portal2.saude.gov.br/sisnep/pesquisador/> Acesso em: 05 de dez. de 2017.
16
entrevistas com os agentes escolares selecionados, finalizando, assim, a primeira parte de
observação do campo de pesquisa.
No primeiro momento, acreditávamos ter concluído a análise de campo e que
restava apenas analisar as fontes neles coletadas, porém, na qualificação da dissertação, a
comissão avaliadora propôs que retornássemos às escolas com novos olhares que nos
ajudassem a perceber as nuances das relações nelas experienciadas, então retornamos às
escolas em junho e julho de 2017 e iniciamos um novo processo de observação. É curioso
perceber que as pessoas não estavam mais tão preocupadas ou incomodadas com a nossa
presença, o que nos oportunizou adentrar um pouco mais os espaços das escolas e dialogar
com outros sujeitos escolares além dos entrevistados. Nessa segunda fase de observação,
também entramos em contato com os livros didáticos de história adotados nas escolas
analisadas, o que agregou bastante à nossa análise e escrita.
Ao averiguar a história do tempo presente, destacamos a relevância desta em
propiciar aos historiadores olhares possíveis para a apreciação de seu objeto de pesquisa, haja
vista que “as fontes a serem trabalhadas nesse processo não estão dadas, prontas para resgatar
um passado, mas são escolhidas para resgatar algo que estava perdido, para responder a um
problema” (MULLER, 2007, p. 28-29), ou a vários problemas, colaborando na compreensão
da realidade mediante a conexão entre passado e presente, conferindo esses novos
significados e viabilizando a construção de um saber histórico do presente. Nessa perspectiva,
“o estudo do passado emerge, assim, não como um fim em si, mas como meio de iluminar
nosso olhar sobre o presente, vindo assim a contribuir, de alguma maneira, para a discussão e,
que sabe, solução de problemas nossos contemporâneos” (MULLER, 2007, p. 29).
Para tanto, optamos pela pesquisa qualitativa, uma vez que a escola, na condição
de campo de investigação, nos fornece subsídios para a consecução de pesquisa educacional,
exigindo que consideremos as potencialidades de constituição de pistas no nosso objeto de
estudo, principalmente na apreensão de que as ações são mais bem compreendidas se
observadas no seu ambiente habitual de ocorrência, especialmente por meio das relações
estabelecidas entre investigadores e sujeitos de investigação (BOGDAN; BIKLEN, 1994).
Após sistematização e análise dos dados obtidos na pesquisa, estruturamos o
estudo em três capítulos. No primeiro, apresentamos algumas considerações sobre o racismo
como fenômeno social, resultante da lógica de dominação capitalista de uma classe sobre
outra. Destacamos a importância de compreender a peculiaridade das relações étnicorraciais
estabelecidas no Brasil, apontando o papel singular do Movimento Unificado Negro no
processo de desconstrução do “mito da democracia racial” presente no país, mediante
17
denúncias de práticas racistas no interior do Estado brasileiro, bem como sua atuação no
contexto histórico da conquista social da Lei Federal de nº 10.639/03. Por fim, apresentamos
o que gestores, professores e alunos das escolas quixadaenses entendem por racismo.
No segundo capítulo, a fim de avançar na compreensão das relações cotidianas
expressas nas falas dos sujeitos entrevistados, olhamos para o contexto das escolas
pesquisadas, buscando compreender: como ocorrem as manifestações racistas no contexto
escolar; de que forma as relações étnicorraciais são estabelecidas entre os diferentes sujeitos
que compõem este cenário; e os desafios de ensinar ou aprender a história africana e afro-
brasileira na perspectiva de uma educação valorativa e libertadora, em que informação e
instrução podem ser mecanismos de emancipação das amarras preconceituosas ainda
presentes nas concepções de professores e estudantes quixadaenses.
No terceiro capítulo, destacamos os projetos executados nas escolas que têm por
objetivo divulgar e valorizar a história e cultura africana e afro-brasileira; apresentamos
nossas considerações sobre os livros didáticos de história das três escolas; e exibimos as falas
dos entrevistados no que se refere às perspectivas desses com relação ao que devemos ou
podemos fazer para combater o racismo na escola, bem como suas perspectivas sobre as
realidades em que estão imersos. Primamos pela análise comparativa das falas dos
entrevistados e as propostas de efetivações das políticas públicas, quanto ao fim da
desigualdade social e racial presente na sociedade brasileira, pela reeducação das relações
étnicorraciais dentro e fora das escolas brasileiras.
Salientamos que a contribuição efetiva desta pesquisa dar-se-á a partir do
momento em que todos nós, independentemente da cor da pele, nos conscientizarmos da
forma cruel como agimos com os negros e, posteriormente, mudarmos nossos
comportamentos para transformar nossa sociedade a partir do local onde vivemos.
Por fim, fazemos um convite à leitura desta dissertação, que, dentre outros
objetivos, visou viabilizar reflexões mais fundamentadas e consistentes sobre o racismo visto
e sentido por professores e estudantes nas escolas públicas de Quixadá.
18
2 O RACISMO EM FOCO
Os europeus, tentando justificar sua dominação ao restante do mundo, a partir do
século XVI, escolheram os “não brancos” como alvo do racismo, “sendo o negro e o indígena
as duas grandes vítimas preferenciais dos colonizadores europeus racistas que, julgando-se
superiores àqueles, os dominaram, destruindo as suas culturas e economia”. (SANT‟ANA,
2005, p.46)
A realidade apresentada tenta justificar com mais coerência a relação entre o
racismo e o capitalismo, que, originários da sociedade moderna, tentam construir relações de
servidão e obediência por parte dos “não brancos" para com os brancos europeus, a partir da
propagação do darwinismo social8 que justifica a dominação dos povos do “Novo Mundo”.
No tocante a essa construção histórica do racismo, Callinicos (1993), pondera:
Diz-se frequentemente que o racismo é tão antigo quanto a natureza humana, e em
consequência não poderia ser eliminado. Pelo contrário, o racismo tal como o
conhecemos hoje desenvolveu-se nos séculos 17 e 18 para justificar o uso
sistemático do trabalho escravo africano nas grandes plantações do 'Novo Mundo'
que foram fundamentais para o estabelecimento do capitalismo enquanto sistema
mundial. O racismo, portanto, formou-se como parte do processo através do qual o
capitalismo tornou-se o sistema econômico e social dominante. As suas
transformações posteriores estão ligadas às transformações do capitalismo.
(CALLINICOS, 1993, p.08)
Nesse sentido, o autor destaca o uso de trabalho escravo como essencial ao
processo de expansão e afirmação do novo sistema econômico e social do mundo, o
capitalismo. A partir de então, os europeus desenvolveram teorias como a eugenia9, o racismo
“científico”10
e o darwinismo social, utilizando o prestígio da ciência para instaurar e difundir
a exploração e domínio dos “não brancos” pelos brancos europeus, que justificassem as
8 O Darwinismo Social é a teoria da evolução das espécies, aplicada à sociedade. Seu mentor foi o
filósofo inglês Herbert Spencer (1820-1903) que considerava que os seres humanos são, por natureza, desiguais,
ou seja, dotados de diversas aptidões inatas, algumas superiores, outras inferiores. Nesta acepção, portanto, seria
normal que os mais aptos vencessem e dominassem os mais fracos. Cf. BOLSANELLO, Maria Augusta.
Darwinismo Social, eugenia e racismo “científico”: sua representação na sociedade e na educação brasileiras.
Educar em Revista, Curitiba, nº12, Editora da UFPR, 1996. 9
O termo eugenia foi criado em 1883 pelo primo de Darwin, Francis Galton (1822-1911). Preconizava o
favorecimento, pelo Estado, da formação de uma elite genética por meio do controle científico da procriação
humana, em que os inferiores (os menos aptos) seriam ou eliminados, ou desencorajados de procriar, visando ao
aperfeiçoamento da raça (THUILLIER, apud BOLSANELLO, 1996, p.155) 10
O racismo científico relacionava o elemento fenotípico à capacidade intelectual do indivíduo e ao
desenvolvimento de uma nação ou sociedade, destacando a raça ariana como superior, sendo que o arianismo “é
um mito biológico e social, entre outros, criados pelo próprio racismo científico para gerar uma hierarquia
biológica entre seres humanos e justificar conquistas e dominação de supostos „superiores‟ sobre „inferiores‟”.
(PETEAN, 2014, p.125)
19
desigualdades e a violação dos direitos de parte da humanidade, o que confirma a construção
social do racismo.
Coadunando com a análise de Callinicos (1993), Sant‟Ana (2005) considera o
racismo como fenômeno resultante do processo de relações assimétricas entre os europeus e
os povos do novo mundo, destacando que:
O racismo tomou-se uma ideologia bem elaborada, sendo fruto da ciência europeia a
serviço da dominação sobre a América, Ásia e África. E esta ideologia racista ganha
força a partir da escravidão negra, adquirindo estatuto de teoria após a revolução
industrial europeia. (SANT‟ANA, 2005, p.49)
Os povos dos continentes citados acima foram dominados e explorados para
atender às exigências dos dominadores europeus no processo de implantação do capitalismo.
Na ocasião, os dominadores utilizaram os mais diversos tipos de abusos, uma vez que os
justificavam ao assumirem papéis de “civilizadores” dos “primitivos”, reafirmando assim a
“inferioridade” das demais raças diante do branco europeu.
Nasce desse processo um novo paradigma social que atinge os mais variados
tempos e espaços geográficos do globo, pois, apesar da passagem dos séculos e das mudanças
sociais e históricas da era contemporânea, o racismo – no limiar do século XXI – ainda
sobrevive em discursos e ações cotidianas, reafirmando um modelo social segregacionista.
No Brasil, durante muitos anos, o racismo não era questionado como problema
social que merecesse atenção das pessoas ou pautas de discussões políticas que visassem à
redução das desigualdades entre brancos e negros uma vez que o mito da “democracia
racial”11
apresentava um país de relações harmônicas entre os diferentes povos e etnias que
formam a nação.
Não obstante, fundamentada em estudos científicos relativos às questões de raça,
etnia e gênero, desenvolvidos principalmente, nas áreas das ciências sociais, associados às
reivindicações do Movimento Negro Unificado e demais segmentos sociais que compreendem
a relevância de abordar a questão racial, a questão social referente ao racismo passa a ser
pauta importante na elaboração de políticas públicas de ações afirmativas para o negro
11 O Mito da “Democracia racial” no Brasil pregava uma ideia de que no país não havia hierarquias
raciais e que negros e brancos vivam harmonicamente num sistema sociocultural mestiço. Entretanto, foi
entendido como “mito” por Florestan Fernandes, em 1965, denunciado como fraude por Abdias Nascimento, em
1968 e só foi renegado pelo movimento negro na promulgação da Constituição Federal de 1988. Sobre este
assunto, ver: GUIMARÃES, A. S. A. Cidadania e retóricas negras de inclusão social. Lua Nova, São Paulo, 85:
13-40, 2012.
20
brasileiro, sobretudo a partir da década de 1980, época de transições político-ideológicas em
todo o mundo, especialmente no Brasil.
As ações afirmativas são políticas públicas que têm por objetivo garantir
oportunidade de inserção social aos grupos minoritários e ou marginalizados no sentido de
intervirem temporariamente na reconfiguração dos processos históricos nacionais, visando
minimizar os efeitos das desigualdades existentes no país, oferecendo igualdade de
oportunidades para os indivíduos que são tratados de forma diferente.
No que concerne às ações afirmativas, Santos (apud ROCHA, 2006) ressalta que:
São medidas especiais e temporárias, tomadas ou determinadas pelo Estado,
espontânea ou compulsoriamente, com o objetivo de eliminar desigualdades
historicamente acumuladas, garantindo a igualdade de oportunidades e tratamento,
bem como compensar perdas provocadas pela discriminação e marginalização,
decorrentes de motivos raciais, étnicos, religiosos, de gênero e outros. Portanto, as
ações afirmativas visam combater os efeitos acumulados em virtude das
discriminações ocorridas no passado. (SANTOS, apud ROCHA, 2006 p.98)
Rocha (2006) nos esclarece acerca do caráter transitório das ações afirmativas,
chamando nossa atenção para seus objetivos. Pois, somente através dessas intervenções se
torna viável alocar os grupos historicamente discriminados, no mesmo patamar social dos
outros agrupamentos.
Resultantes de ações reivindicatórias do movimento negro, essas políticas
afirmam os problemas vivenciados pelos negros no Brasil, que ultrapassam as sendas da
legalidade e se apresentam em discursos silenciosos e na discrepância social entre negros e
não negros no contexto nacional.
As contribuições das ações desenvolvidas pelo Movimento Negro Unificado no
Brasil e a relação deste com o governo brasileiro no que se refere as políticas públicas de
combate ao racismo, selada por acordos políticos de impactos significativos no processo de
reconfiguração educacional das últimas décadas, serão abordadas no próximo tópico.
2.1 O MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO E A CONQUISTA DA LEI 10.639/03
No dia 07 de julho de 197812
, ativistas negros de sete entidades que formavam o
Movimento Unificado Contra a Discriminação Racial foram a praça Ramos de Azevedo, em
12 Sobre a origem do MNU e o evento do dia 07/07/1978, ver: <http://mnu.blogspot.com.br/> e
<http://acervo.folha.uol.com.br/fsp/1978/07/08/2//#> Acesso em: 02 de out. de 2016.
21
frente ao teatro municipal da cidade de São Paulo protestar contra o racismo no Brasil. Na
ocasião, leram uma carta aberta a população apresentando os problemas enfrentados pelos
negros no país, chamando a atenção da sociedade para o que de fato ocorria no cenário
nacional.
O acontecimento supracitado marca uma fase mais incisiva dos militantes negros
no Brasil. No entanto, essa luta em busca da liberdade e igualdade entre as raças está presente
em todos os tempos da história nacional, uma vez que os negros, desde a era escravista
(século XVI ao XIX) demonstravam insatisfação e resistência ao modo como eram tratados,
apresentando em suas trajetórias ações insurgentes, marcadas por lutas e libertações dos
grupos marginalizados que viviam em condição sub-humana no país.
A atuação do Movimento Negro Unificado – MNU no Brasil, pós 1978, ganhou
destaque nos cenários nacional e internacional, principalmente a partir dos manifestos
seguidos de acordos políticos, traçados no início da década seguinte, com intuito de promover
a igualdade social e racial no contexto nacional brasileiro. Acerca desse cenário, Rocha
(2006) pondera:
Durante os bons ventos dos anos 80, anos em que avançam as lutas dos
trabalhadores por direitos sociais, as reivindicações do movimento social negro
começam a ganhar eco na sociedade. Nesse período, o Estado de São Paulo cria o
Conselho Estadual de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra. A
partir daí alguns estados, como o da Bahia, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Mato
Grosso do Sul, também criam conselhos similares, com o objetivo de desenvolver
ações para a comunidade negra. (ROCHA, 2006. p. 55)
As lutas travadas pelos militantes do MNU, a partir de então, ganharam
repercussão em todo país, resultando na criação de conselhos estaduais – conforme citação
acima – e na inserção da questão racial na Constituição Federal de 198813
. Neste documento o
racismo passou a ser repudiado no artigo 4º (quarto) e a prática racista considerada crime
inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei, como está expresso
no artigo 5º (quinto) de nossa Constituição. Vejamos na íntegra esses dois artigos:
Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais
pelos seguintes princípios [...] VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo [...]
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
13 Documento na integra, disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 10 de set. de 2016.
22
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
(EC no 45/2004) [...] XLII–a prática do racismo constitui crime inafiançável e
imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei [...]14
Esta conquista apresenta resultado de árduas batalhas de ativistas que acreditaram
na força de suas ações, pois “apesar de sabermos que existe um jogo de interesses políticos e
sociais em toda ação política, podemos dizer que assegurar legalmente esses direitos foi uma
grande conquista para os negros, em especial, os que sofreram e ainda sofrem preconceitos
raciais” (OLIVEIRA, 2011, p. 16)
No contexto das conquistas do MNU no Brasil, enfatizamos a conquista social da
Lei nº 10.639/03, que alterou a Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e
Bases da educação nacional - LDB), incluindo o artigo 26A instituindo diretrizes curriculares
que obrigaram a inclusão no currículo da Educação Básica do Ensino de Cultura e História
Africana e Afro-brasileira nas instituições de ensino público e particular em todo território
nacional. Bem como, incluíram no calendário escolar o dia 20 de novembro como “Dia
Nacional da Consciência Negra”.
O vinte de novembro faz referência a data da morte de Zumbi dos Palmares,
militante negro que atuou em diversas lutas de caráter emancipatório da comunidade negra no
país. Esse reconhecimento enfatiza a história dos negros brasileiros que por muitos anos não
tiveram suas histórias e memórias apresentadas e ou reconhecidas enquanto formadoras da
história nacional. A simbologia desta data rompe com a tradição brasileira de rememorar as
conquistas e ou episódios políticos nacionais como obras dos brancos detentores do poder,
como fizeram, por exemplo, com o treze de maio, em que a Princesa Isabel ganhou destaque
como bem feitora que “libertou” os escravos, excluindo assim os diversos fatores e agentes
que colaboraram para a tomada de decisão de “libertar oficialmente” os negros escravizados
no país.
Nesse sentido, salientamos que o vinte de novembro enquanto dia nacional da
consciência negra trouxe à tona o que Pollak (1989) chamaria de uma “memória coletiva
subterrânea” da história nacional brasileira, uma vez que esta é resultante de uma crise
provocada por uma disputa de memória originária da memória coletiva dita oficial que tenta
enquadrar e uniformizar todas as memórias.
14 Disponível em:
<https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/518231/CF88_Livro_EC91_2016.pdf> . Acesso em: 02 de
dez. de 2017.
23
A memória subterrânea que emerge através do feito supracitado apresenta novos
cenários e atores da história do país, e, nesse contexto, as memórias e lembranças dos grupos
subalternizados na história do Brasil, passam a ser apresentadas e evidenciadas, a partir de
quebra de paradigmas históricos e conceituais. A memória trazida através da história passa a
cumprir seu papel, pois, conforme Menezes (2005, pág. 34) o trabalho da memória é “uma
evocação do passado, ela tem a capacidade de reter e guardar o tempo que se foi, salvando-o
da perda total, porque o ato de lembrar conserva o que se foi e não retornará jamais”.
As possibilidades de reorganização social no país, viabilizadas principalmente
através da constituição de uma identidade do negro no Brasil corrobora para a adoção de uma
postura mais justa e igualitária no que concerne ao papel dos negros na construção da história
e identidade nacional. Contudo, sabemos que uma data não pode sozinha desconstruir
memórias e mitos da história nacional, porém, se apresenta enquanto possibilidade de
conhecimento e reconhecimento do papel dos negros na gênese da história do Brasil.
Faz-se necessário, contudo, compreender essas ações enquanto conquistas dos
ativistas negros e não como benefícios concedidos pelo governo federal. Pois, no processo de
elaboração desta lei, muitos interesses políticos estavam em jogo, e, a inserção das questões
étnicorraciais não poderiam mais ser proteladas, uma vez que, o presidente recém-eleito da
época – Luiz Inácio Lula da Silva – contou com o apoio do MNU e simpatizantes da proposta
para se eleger e precisava responder às demandas deste grupo.
A sanção de uma lei não garante sua implementação, todavia, neste caso, ao
aprovar um código que reconheceu os problemas étnicorraciais existentes no país e a
fragilidade dos afro-brasileiros que têm seus direitos feridos por um modelo social excludente,
trouxe à tona problemas que precisam ser discutidos para que possam, por conseguinte, ser
minimizados e ou sanados.
No tocante a referida Lei e suas nuances, Dias e Cunha (2012), ressaltam que:
Implementar a lei 10.639/03 não é meramente questão de reparar uma história de
sofrimento, segregação, proibição e agruras impostas pela escravidão negra no
Brasil, por um grande período de cativeiro e pelas mazelas deixadas de uma abolição
inacabada alimentada de injustiças sociais, é principalmente promover o combate ao
racismo, ao preconceito, a discriminação e as intolerâncias na sua fonte de
manifestação e na sua raiz de proliferação que perdura até os dias atuais, criando
desigualdade de oportunidades, desenvolvimento e evolução entre as diversidades de
cor. Seria reconhecer a incontestável importância do negro para a formação e
construção desse nosso país chamado Brasil, e reconhecer que a educação é o
principal veículo reprodutor desse ideal chamado LIBERDADE. (p. 495)
24
Ao analisar o contexto político e social do país e a criação da Lei 10.639/03, os
autores supracitados compreendem as múltiplas questões intrínsecas a formulação desta. São
problemas e demandas sociais que impactaram na construção de desigualdades e injustiças
sociais e repercutiram na sociedade brasileira desde a sua formação até os dias atuais.
Reconhecer a importância do negro na formação da história do Brasil vai para
além de medidas pontuais desenvolvidas nos campos políticos, sociais e culturais do país.
Essas modificações interferem diretamente na vida dos indivíduos que compõem a sociedade
brasileira, como no espaço escolar, mas para além dele, uma vez que, “para além das salas de
aula, essas políticas confrontam com o imaginário social, com a democracia racial, com a
ideologia do branqueamento15
, com a naturalização das relações raciais, transcendendo ao
espaço físico das instituições educacionais”. (SILVA, 2012, p. 114)
Ao inserir uma Lei que torna obrigatório o ensino da história afro-brasileira e
africana se reconhece o papel representativo da instituição escola, compreendendo que a
problemática do racismo e das relações étnicorraciais existentes no país, perpassam o
ambiente escolar e não se esgotam nele. Daí a necessidade de ampliar o alcance dessas ações
para que os objetivos traçados sejam alcançados com excelência.
Reconhecer a importância das culturas e histórias dos diferentes povos para a
formação nacional e promover uma educação pautada na qualidade do ensino e na igualdade
de direitos entre esses sujeitos independentemente de sua origem, cor ou crença é papel do
Estado brasileiro que se propõe democrático.
Os problemas sociais enfrentados pelos negros no Brasil, em geral, são nutridos
por relações que denotam discriminação em virtude da cor da pele dos indivíduos ofendidos.
Nessa perspectiva, compreendemos a importância do ensino de história na consecução dessa
proposta legal, bem como o papel do professor, uma vez que a partir da exequibilidade do
ensino da história e da cultura dos africanos e dos afro-brasileiros, provavelmente
conseguiremos promover reparos sociais e educacionais para e com os indivíduos negros
formadores da nação brasileira.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-raciais e
para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana não propõem uma inversão do
currículo de uma orientação eurocentrista para africanista, todavia, ressalta a importância da
valorização das contribuições histórico-culturais dos povos indígenas, asiáticos, africanos e
15 A tese do branqueamento afirmava a inferioridade de negros, índios e a maioria dos mestiços, mas
esperava que mecanismos seletivos, operando na sociedade (a busca de cônjuges mais claros), pudessem clarear
o fenótipo no espaço de três gerações. (SEYFERTH, 2002 apud ROCHA, 2006)
25
europeus, enquanto formadores da identidade nacional. Nesse sentido, devemos compreender
que “no momento em que uma nova diretriz redefine as finalidades atribuídas ao esforço
coletivo, os antigos valores não são, no entanto, eliminados como por milagre, as antigas
divisões não são apagadas, novas restrições somam-se simplesmente às antigas” (JULIA,
2001, p.23).
A escola nesse processo deve viabilizar posicionamentos políticos por parte dos
diferentes sujeitos que a compõe quando das trocas de conhecimentos e experiências entre
brancos e negros, valorizando as singularidades de suas histórias e culturas, promovendo o
acesso e a permanência desses no âmbito do ensino formal que lhes ofereça uma educação de
qualidade capaz de transcender os muros escolares e interferir na construção de uma
sociedade mais justa e igualitária.
As orientações contidas nas Diretrizes Curriculares para Educação das Relações
Étnico-Raciais têm por objetivo atender as demandas por reparações que possam ressarcir os
afro-brasileiros dos danos causados aos seus antecedentes desde a era escravista, bem como,
viabilizar iniciativas de combate ao racismo e todos os tipos de discriminações contra os
negros brasileiros. Compreendendo que, no Brasil, para reeducar as relações étnicorraciais “é
necessário fazer emergir as dores e medos que têm sido gerados. É preciso entender que o
sucesso de uns tem o preço da marginalização e da desigualdade impostas a outros. E então
decidir que sociedade queremos construir daqui para frente” (BRASIL, 2004, pág.14).
A ideia de transformação social presente nas novas diretrizes nacionais,
apresentam em sua gênese a denúncia do racismo enquanto fenômeno social existente no país,
propagada principalmente, através do Movimento Negro que, por sua vez, se destacou ao
promover ações diversas em várias partes do Brasil, no sentido de ressaltar a problemática no
contexto nacional. Nesse sentido, Gomes (2012), salienta que:
O Movimento Negro é o protagonista central que conseguiu dar maior visibilidade
ao racismo e sua dinâmica de apagamento no conjunto da sociedade, ao mito da
democracia racial, demandando a implicação do Estado para a efetivação da
paridade de direitos sociais. Colaboram, para o reconhecimento dessa problemática
social e para a construção de uma política para a diversidade e para educação das
relações étnico-raciais na escola, nesse contexto, a Marcha Zumbi dos Palmares
(1995), os dados sociodemográficos que demonstram a condição de desigualdade
racial divulgados pelo IPEA (2001), a realização da 3.a Conferência de Durban, a
criação da SEPPIR (2003) e da SECAD (2004). (p.23)
As conquistas do MNU, destacadas acima, refletem diretamente na elaboração de
políticas afirmativas que inseriram a problemática da desigualdade racial no Brasil, bem
26
como, ofereceram possibilidades de reconfigurações políticas e sociais no Estado nacional,
através de discussões acerca da dinâmica das relações étnicorraciais no Brasil.
A criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial –
SEPPIR, através da Medida Provisória n° 111, de 21 de março de 2003, convertida na Lei nº
10.678/03 apresentava várias finalidades, dentre elas a de formulação, coordenação e
articulação de políticas e diretrizes para a promoção da igualdade racial no Brasil,
vislumbrando combater o racismo e promover igualdade de oportunidades entre os diferentes
grupos étnicos existentes no país, apresentando os problemas vivenciados pelos negros no
Brasil e a relação de enfrentamento existente entre brancos e não brancos no contexto
nacional, resulta do reconhecimento das lutas históricas do Movimento Negro brasileiro.
Esta Secretaria, no entanto, em meados do ano de 2016 passou por modificações
em virtude de mudanças conjunturais no cenário político brasileiro. Dessa forma, permanece
na condição de Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, passando a
ser vinculada ao Ministério da Justiça e Cidadania, a partir da Medida Provisória nº 726
publicada no Diário Oficial da União no dia 12 de maio de 201616
.
A Medida Provisória nº 726, publicada no Diário Oficial da União no dia 12 de
maio de 2016, estabeleceu a estrutura organizacional da Presidência da República e dos
Ministérios que compõem o governo federal. O documento oficializou a extinção do
Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos, que foi
criado em 13 de outubro de 2015, pela MP 696, com a junção da Secretaria de Políticas de
Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR); Secretaria de Políticas para as Mulheres; Secretaria
de Direitos Humanos e Secretaria Nacional de Juventude.
É provável, frente ao atual cenário nacional de perdas de garantias sociais que tais
medidas implicarão na descontinuidade desse modelo político de proposta inclusiva e
equitativa. Não obstante, esta questão não será aprofundada neste trabalho.
A questão racial no Brasil apresenta interpretações diversas e divergentes uma vez
que, “se entende por raça a construção social forjada nas tensas relações entre brancos e
negros, muitas vezes simuladas como harmoniosas, nada tendo a ver com o conceito biológico
de raça cunhado no século XVIII”. (BRASIL, 2004, p.13)
Nesse sentido, dialogaremos, a seguir com autores que abordam o racismo no
Brasil e seus significados e significantes.
16 Sobre a MP nº 726 ver: <http://www.seppir.gov.br/sobre-a-seppir/a-secretaria>. Acesso em 04 de out.
de 2016.
27
2.2 RACISMO NO BRASIL: O QUE DIZEM OS TEÓRICOS?
As influências do darwinismo social, da eugenia e do racismo “científico”
propagados no Brasil entre os séculos XIX e XX, condicionaram os negros a marginalização a
partir da negação do direito de integração social destes quando da abolição (1888) da
escravatura no país, justificando tal quadro social como consequência de uma relação entre
pessoas incapazes de assumir determinados papeis sociais em virtude da inferioridade de sua
raça (BOLSANELLO, 1996).
O racismo enquanto conjunto de teorias que remontam a uma hierarquia racial,
atravessa os diversos âmbitos e tempos políticos da história brasileira. Todavia, a ideologia de
miscigenação propagada no Brasil em diversos tempos históricos, dissimulou a realidade
vivida pelos negros no país, através da minimização da problemática racial no cenário
nacional.
Destarte, a história do negro no Brasil é marcada por relações de dominação,
violação de direitos e segregações sociais respaldados em discursos ideológicos que negam os
conflitos existentes nas relações étnicorraciais do contexto nacional, apesar de todas as
evidências e denúncias das desigualdades existentes entre brancos e negros no país.
Nesse contexto, o racismo no Brasil apresenta a peculiaridade da negação. Por
muitos anos foi pulverizada a ideia de que os brasileiros não eram racistas, que o racismo não
fazia parte de nossa realidade, e que vivíamos com excelência uma democracia racial. Tal
crença foi questionada por Florestan Fernandes (1965) – que a caracterizou como “mito” – e
por outros estudiosos e militantes defensores da igualdade racial e social.
A compreensão da democracia racial como mito possibilitou novas reflexões
sobre os problemas vivenciados em nosso país. Nessa perspectiva, Guimarães (2012) teceu
uma análise crítica da história do Brasil, ponderando sobre alguns momentos cruciais da
história nacional em que a concepção de cidadania para todos fora difusa, uma vez que “a
subcidadania da maioria dos negros e mestiços evitou por muito tempo que as raízes raciais da
hierarquia social fossem visíveis” (GUIMARÃES, 2012, p.16), e, mediante as conjunturas
político-sociais, a compreensão dessa “democracia racial” em que povos de raças e etnias
diferentes viviam e conviviam harmoniosamente no país era reafirmada ou negada.
A elaboração e a propagação desse mito, resultou no desaparecimento de
identidades e do protagonismo do negro no território nacional, principalmente, quando da
queima de documentos relacionados à escravidão no Brasil, pois
28
O governo, através de Decreto de 14 de dezembro de 1890, assinado por Rui
Barbosa, que na ocasião era Ministro da Fazenda, e na Circular nº. 29, de 13 de maio
de 1891, determina a queima dos documentos relacionados à escravidão no país.
Assim, com o esquecimento das mazelas da escravidão seria possível constituir uma
nação em que todos os povos poderiam conviver fraternalmente e avançar nos ideais
liberais de igualdade, fraternidade e liberdade. (ROCHA, 2006, p.26)
A ideia de destruir documentos da época da escravidão brasileira implica numa
disputa de memória em que se fazia necessário promover o “esquecimento” das atrocidades
cometidas contra os africanos e afrodescendentes. Contudo, queimar esses registros não
resultaria na construção de relações harmoniosas e igualitárias, uma vez que “o longo silêncio
sobre o passado, longe de conduzir ao esquecimento, é a resistência que uma sociedade civil
impotente opõe ao excesso de discursos oficiais”. (POLLAK, 1989, p.5)
Analisando o exposto, questionamos: como conviver fraternalmente numa
sociedade excludente e discriminadora? Como viver a dinâmica de ideais liberais num
contexto marcado pela desigualdade social e racial entre os indivíduos? Essas interrogações
nos levam a reflexões que coadunam com as ponderações de Rocha (2006), quando afirma
que o racismo no Brasil é embasado em uma construção ideológica de justificação,
classificação e naturalização, que permite a supremacia de um grupo com relação ao outro.
Os ideais segregacionistas presentes na formação da cultura nacional não estão
dissociados dos processos históricos mundiais, ao contrário, conforme vimos, encontram suas
bases na ciência europeia que buscava justificar a dominação dos europeus sobre os povos do
“Novo Mundo”. Nesse sentido, Munanga (2005, p.18) esclarece que “o preconceito é produto
das culturas humanas que, em algumas sociedades, transformou-se em arma ideológica para
legitimar e justificar a dominação de uns sobre os outros”.
O racismo no Brasil está ligado a uma rede mundial de acontecimentos que
interferem nos âmbitos nacional e internacional e, por sua vez regem as relações de
dominação entre seres humanos. Assim, Rocha (2006) pontua:
O entendimento do racismo como um fenômeno social presente nas relações sociais
no país. Embora haja, historicamente, ações no sentido de negá-lo, o seu
entendimento torna-se um dado necessário para a compreensão das raízes das
desigualdades econômicas e sociais da sociedade brasileira. (ROCHA, 2006, p.03).
Na referida pesquisa, o autor enfatiza o caráter histórico da negação do racismo
como fenômeno social presente no Brasil. Em contrapartida, o compreende como fator
determinante na formação das desigualdades sociais vigentes no contexto nacional. Esta
análise reafirma a condição de inferioridade em que os negros foram apresentados no país
29
desde a era escravista até os dias atuais ressaltando a discriminação como propulsora de
disparidades entre brancos e não brancos no Brasil.
Percebemos que várias formas de discriminação e reprodução de preconceitos são
perpetuadas pela sociedade brasileira em diferentes tempos e espaços, colaborando para
manutenção e propagação do racismo no país, mesmo diante da determinação constitucional
que atesta a prática racista como crime inafiançável. Nesse sentido, palavras, gestos e
silêncios se configuram como formadores de uma cultura racista legitimada pelos ditos e não
ditos cotidianos.
O modelo social explicitado acima resulta de um pensamento colonizado, pois,
conforme Fanon (1980, p.44), “não se pode exigir impunemente que um homem seja contra
os preconceitos do seu grupo. Ora, é preciso voltar a dizê-lo, todo o grupo colonialista é
racista”. Nessa dinâmica, o comportamento preconceituoso e excludente ainda vigente na
atualidade precede essa lógica.
Ao analisar os diversos fatores que viabilizam práticas racistas no país, Telles
(2012) denomina cultura racista o conjunto de práticas excludentes e discriminatórias
reafirmadas nas diversas manifestações preconceituosas para com os negros, no Brasil.
Segundo o pesquisador:
A cultura racista é reforçada, naturalizada e legitimada através do humor, ditados
populares, televisão e propaganda. Esta cultura ainda se reflete na discriminação
durante a educação e no mercado de trabalho, assim como na exclusão dos negros
das redes sociais mais importantes da sociedade brasileira. O Estado brasileiro
também é cúmplice da perpetuação dessa cultura e auxiliou a criar desigualdades
raciais. (TELLES, 2012, p.140).
A trajetória dos negros africanos e dos afro-brasileiros no Brasil é marcada por
embates que às vezes mascaram e outras denunciam o sistema político de dominação de uma
raça sobre outras. Nesta acepção, cabe salientar que, após a libertação dos escravos, as
políticas de imigração existentes no Brasil reforçaram a desigualdade racial no país, uma vez
que, ao incentivar a entrada de brancos no território nacional para inseri-la como mão de obra
paga e “embranquecer” a população, fomentou a construção de distâncias sociais e
econômicas entre brancos e negros. Como destaca Rocha (2006):
O discurso ideológico que naturaliza as desigualdades raciais no país molda-se de
acordo com as determinações históricas e econômicas. A ideologia de dominação
racial justificaria a escravidão a partir das ideias de inferioridade do negro, e o mito
da democracia colocar-se-ia por debaixo do tapete, omitir-se-ia a questão racial
brasileira. Esses discursos são parte estruturante da ideologia de dominação de
classe no Brasil. (p.25)
30
As ideologias de dominação propagadas no Brasil nos períodos escravista e pós-
escravista são preponderantes no processo de estruturação da sociedade brasileira,
repercutindo na crença de que as diferenças vividas pelos negros no Brasil são de origem
econômica e não racial. Por isso, a ideia de que no país não existia preconceito em virtude da
cor dos indivíduos foi tão bem aceita, durante anos, nos contextos nacional e internacional.
As relações existentes entre os diferentes grupos sociais no Brasil são delimitadas
por práticas diversas e divergentes que podem denotar a sobreposição de alguns indivíduos
sobre os outros. Analisando essa realidade, compreendemos o que Sales Jr. (2006) designa de
“relações cordiais” entre brancos e negros no Brasil. Em sua pesquisa, o referido autor
enfatiza que:
Muitas vezes a discriminação se dá sem nenhuma enunciação explícita ou implícita
de caráter racial. As relações raciais constituem, nesse caso, um jogo de linguagem
não-verbal, não-dito, discurso silencioso, mais corporal do que verbal, pelo qual os
indivíduos mobilizam as forças, os corpos e os acontecimentos sociais, e se
apropriam deles. O “discurso silencioso” configura-se na forma mais forte de não-
dito. Nesses casos, é muito difícil caracterizar a prática discriminatória a partir do
comportamento individual. É preciso confrontá-lo com outros comportamentos ou
inseri-lo numa série divergente de comportamentos repetidos (práticas) que separa e
distribui “brancos” e “negros”. (SALES Jr., 2006, p. 243).
Analisar o silêncio desses discursos racistas requer um conhecimento mais
profícuo das relações étnicorraciais existentes no país, por este motivo, trazemos para nossa
discussão a pesquisa de Sales Jr. (2006). Com propriedade do que diz, ele apresenta os
fragmentos das relações entre negros e brancos no Brasil, deixando claro como essas relações
trazem consigo o sentido de “cordialidade” do negro para com o branco, demonstrando o
lugar de subordinação ocupado pelo negro. Este por sua vez, na tentativa constante de se
sentir pertencente à realidade do mundo do branco, busca alcançar novos patamares pelo
processo de “embranquecimento” social.
A realidade das relações contemporâneas – em pleno século XXI – entre negros e
não negros no Brasil, ainda apresenta resquícios de orientação escravista, excludente e
segregacionista. Não obstante, militantes do MNU, de ONGs e da sociedade civil vêm, ao
longo das últimas décadas, tentando reduzir essas disparidades e, por conseguinte, inserir o
negro brasileiro em todos os espaços sociais de forma equânime, considerando a importância
do ser humano em detrimento das teorias que distinguem os indivíduos baseados na cor de
sua pele e nas características fenotípicas que apresentam.
31
Acreditamos, enfim, que por meio de uma mudança de posicionamento dos
brasileiros e de novas práticas sociais, poderemos desarraigar o racismo do cenário nacional e
implementar a verdadeira democracia racial no Brasil.
2.3 NA ESCOLA SE REVELA: “RACISMO É O PRECONCEITO DE COR.”
A escola, como espaço de formação e possível transformação social,
historicamente desempenha papel na elaboração de novas realidades educacionais e sociais
que se conformam numa dinâmica composta de aquisição e reprodução de pensamentos,
informações e conhecimentos. Nesse sentido, as ações desenvolvidas neste ambiente superam
a adesão e execução das propostas existentes nos próprios projetos político pedagógicos e
ultrapassam diretrizes do ensino formal, tendo em vista que o currículo vivenciado pelos
alunos vai além dos conteúdos escolhidos para serem ministrados pelos professores. “A
existência, na experiência escolar, de um „currículo oculto‟ ao lado do currículo oficial está
confirmada por vários estudos sobre o tema”. (LOPES, 2004, p.17), pois
O currículo não é um elemento neutro e desinteressado na transmissão de conteúdos
do conhecimento social. Ele esteve sempre imbricado em relações políticas de poder
e de controle social sobre a produção desse conhecimento. Por isso, ao transmitir
visões de mundo particulares, reproduz valores que irão participar da formação de
identidades individuais e sociais e, portanto, de sujeitos sociais. (LOPES, 2004,
p.16)
Ambiente propício ao desenvolvimento de concepções de mundo que podem
desconstruir ou reforçar ideais racistas de acordo com o direcionamento dos pensamentos e ou
ações desenvolvidas no interior desse espaço, a escola contemporânea, para promover a
formação de cidadãos capazes de lidar com as múltiplas culturas, linguagens e etnias
existentes no país, bem como com os preconceitos e discriminações ainda presentes em nossa
sociedade, precisa efetivamente inserir em seu processo formal e formativo uma educação das
relações étnicorraciais.
Percebendo a dimensão das relações estabelecidas na escola e as múltiplas
possibilidades de sucesso ou insucesso dos vínculos concebidos neste âmbito, entendemos
que “nesse lugar, subjaz um campo cultural no qual o conhecimento, o discurso e o poder
interseccionam-se de maneira a produzir práticas historicamente racistas, além da regulação
moral e social”. (SANTOS, SOUZA e FONSECA, 2011, p. 113)
32
Nesse contexto, as escolas e seus agentes, em especial os docentes, precisam estar
preparados para promover um processo educacional plural e transformador, uma vez que, de
acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e
para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana,
[…] para obter êxito, a escola e seus professores não podem improvisar. Têm que
desfazer mentalidade racista e discriminadora secular, superando o etnocentrismo
europeu, reestruturando relações étnico-raciais e sociais, desalienando processos
pedagógicos. (BRASIL, 2004, p.15).
Quando falamos em discriminação étnicorracial nas escolas, estamos nos
referindo às práticas discriminatórias, de caráter preconceituoso, que envolvem o composto de
relações existente entre os diferentes sujeitos que convivem neste espaço. Essas práticas
reforçam as desigualdades raciais e sociais ainda presentes no país. Silva (2009) é enfático ao
afirmar que:
O combate à discriminação racial deve existir em todos os campos e instituições de
socialização segundo a Constituição brasileira. Porém na escola estão as evidências
de uma sociedade desigual, nas oportunidades de acesso e também de permanência,
na possibilidade de formação educacional confiável que conduza a uma carreira
acadêmica e consequentemente profissional. (SILVA, 2009, p.117)
As desigualdades presentes na sociedade brasileira são estendidas para a escola,
de forma a acentuar cada vez mais a problemática da discriminação racial nesse ambiente.
Considerando que as oportunidades de qualificação profissional para estudantes negros não
são iguais àquelas ofertadas aos estudantes brancos – apesar de ações promovidas por
movimentos sociais, sociedade civil e pelo Estado por via das políticas públicas voltadas às
questões étnicorraciais. Entretanto, o que de fato ocorre, segundo estudos realizados nas
últimas décadas, é a “centralidade da discriminação no sistema educacional como fator de
reprodução das desigualdades raciais” (SOARES, 2005 p.01). Essa realidade justifica o lugar
de destaque ocupado pela educação nas ações de combate ao racismo no Brasil. Como nos
lembra Gomes (2012):
A educação escolar, como espaço-tempo de formação humana, socialização e
sistematização de conhecimentos, apresenta-se como uma área central para a
realização de uma intervenção positiva na superação de preconceitos, estereótipos,
discriminação e racismo. (p.24)
33
Compreendendo a dimensão do ensino formal na construção de uma sociedade
mais justa, nos propomos a analisar o contexto educacional na tentativa de encontrar as
dissensões e convergências entre a realidade nacional e a local, apresentando a fala dos
sujeitos entrevistados nas escolas pesquisadas em Quixadá, município localizado no Sertão
Central do Ceará.
Para tanto, fomos a campo e, mediante observações e entrevistas semi-
estruturadas, avaliamos a realidade de três escolas públicas do bairro Campo Novo, situado na
periferia da cidade. Entrevistamos – em cada uma das três escolas – um coordenador
pedagógico, um professor de história e cinco alunos (facilmente identificados como negros),
do último ano de cada segmento escolar que a instituição pesquisada atende, ou seja, em uma
das escolas alunos do 5º ano do Ensino Fundamental I, em outra escola os alunos do 9º ano do
Ensino Fundamental II e em outra os alunos do 3º ano do Ensino Médio.
O racismo nas palavras do professor de história do 9º ano da escola municipal de
Ensino Fundamental Nemésio Bezerra seria “um preconceito de cor, preconceito de raça. Mas
eu acrescentaria que racismo é a desvalorização de uma raça, de uma etnia, em favor de outra,
eu diria assim”17
.
De acordo com o professor entrevistado o racismo vai além do preconceito,
resultando na valorização de uma raça ou etnia em detrimento das demais existentes na
sociedade. Nesse sentido, o entrevistado, apresenta um pensamento aproximado da
abordagem que estamos assinalando, uma vez que essa desvalorização se configura por
conjuntos de teorias e crenças que estabelecem uma hierarquia entre as raças e entre as etnias,
em que algumas pessoas são consideradas inferiores a outras.
Conforme o pensamento do professor, uma estudante do 3º ano do ensino médio
ressalta:
Racismo pra mim é um tipo de preconceito entre as raças, as etnias como, por
exemplo, sobre cor da pele, o modo de alguém se vestir, de outros países que se
vestem. Pra mim, tudo isso faz parte de um racismo. E até mesmo um ... é ... tipo de
pensamento ou atitude que o indivíduo vem a ter contra o próximo, sendo ele de
irritar ou prejudicar ele de qualquer outra maneira (informação verbal).18
17 Entrevista realizada em 2016 com o professor de história do 9º ano do Ensino Fundamental II, da Escola
Nemésio Bezerra. 18
Entrevista realizada em 2016 com uma estudante do 3º ano do Ensino Médio da Escola Abraão Baquit.
34
Em sua fala, a estudante aponta uma questão que vai além das teorias raciais, uma
vez que aborda o racismo como algo que desrespeita, prejudica e chateia quem é agredido por
manifestações preconceituosas.
Na mesma perspectiva dos demais entrevistados, outro estudante do 3º ano do
Ensino Médio destaca:
Assim, definição de racismo eu não sei. Eu sei dizer o que é uma pessoa racista. Pra
mim, uma pessoa racista é aquela pessoa hipócrita que quer se colocar acima de
todas as outras pessoas, diminuindo aquelas que, por exemplo, é [sic] diferente de
sua cor, tipo, eu sou negro, me considero negro… a outra pessoa se considera
branca. O que acha que é branco pode ser superior a pessoa de pele mais morena,
mais escura. Pra mim é hipocrisia! É besta um cara que faz isso (informação
verbal).19
O estudante inicia sua fala dizendo não saber definir racismo, todavia, ao dizer o
que é uma pessoa racista, deixa claro que reconhece o racismo como uma relação hierárquica
e desigual entre pessoas de raças diferentes, ressaltando a ideia de superioridade do branco em
relação ao negro e deixando clara a realidade díspar entre as pessoas negras e as brancas.
Outro fator relevante na fala deste entrevistado é seu posicionamento, pois destaca
que se reconhece como negro. Tal postura chamou a nossa atenção, uma vez que, apesar de
termos selecionado para entrevista somente alunos que apresentavam características físicas
negras, muitos não se reconhecem como tal. Esta observação denota a crise identitária vivida
por esses estudantes que, não obstante apresentarem características fenotípicas da “raça”
negra, não se reconhecem negros, fato este que consequentemente implicará nos resultados da
construção identitária frágil dessas crianças e adolescentes negros.
Sobre a construção de identidade positiva da criança e do adolescente negro,
Coelho (2010, p.14), reforça que a construção da identidade se cristaliza por intermédio das
relações construídas no campo social dos agentes, como fonte de “significado” e
“experiência” com os grupos nos quais esses indivíduos se inserem, segundo Hall (1999);
Castells (2000); Berger e Luckman (1987). Coelho (2010) ainda chama a atenção para o fato
de que essas crianças e jovens negros não compreendem o que vem a ser identidade, não
obstante entenderem quando são objeto de segregação simbólica ou explícita por meio de
piadas ou do que se costuma entender como “brincadeiras” nas relações cotidianas no espaço
escolar.
19 Entrevista realizada em 2016com um estudante do 3º ano do Ensino Médio, da Escola Abraão Baquit.
35
Nesse sentido, percebemos que a “negação” da cor, expressa nas entrelinhas das
falas das pessoas entrevistadas, estão diretamente associadas às relações raciais existentes
dentro e fora das escolas. A esse respeito, Lopes (2004, p. 17) identifica que “essa origem da
classificação por cor é carregada de um conteúdo marcadamente discriminatório, e com ele
vêm junto conceitos, opiniões e certezas que informaram, ao longo da nossa história, o lugar
de cada um – brancos e negros – no imaginário social”.
A negação da cor e dos conflitos vividos no contexto das escolas pesquisadas é
reforçada em algumas colocações como, por exemplo, uma estudante do 9º ano do Ensino
Fundamental, que, ao ser questionada sobre o racismo respondeu, entre risos, “tipo assim, eu
não tenho nem palavras...”20
. Silenciou e, na sequência, afirmou que nunca ouvira falar sobre
racismo, nem mesmo na escola. Porém, em outro momento, contradisse a própria fala, ao ser
questionada sobre a vivência escolar, quando salientou as “brincadeiras bestas”21
, que em suas
palavras se referiam “as coisas do preconceito, gente que sofre bullying”22
. Compreendemos
então que ela pode não saber definir o racismo, mas reconhece suas formas de apresentação e
representações sociais expressas por múltiplas vias.
Nesta fala, encontramos a negação e o “desconhecimento” como forma de
silenciar o que de fato ocorre, tendo em vista que, no decorrer de nossa conversa, a estudante
salientou que sentia “alívio” ao estudar a história dos africanos e que participa ativamente
dessas aulas. Interpretamos este alívio como algo que ameniza as relações étnicorraciais no
contexto escolar. Quais motivos levam esta criança a participar ativamente de uma aula que
lhe traz alívio? Esta palavra fez-nos repensar sua fala e compreender o que o silêncio desta
estudante trazia à tona.
As tensões presentes nas escolas representam um pouco as relações
segregacionistas em nosso país. Nesse sentido, Sales Jr. (2006) aborda os “silêncios”
presentes nas relações raciais “cordiais” que expressam a estabilidade da desigualdade e
hierarquia raciais no Brasil, que, por conseguinte, diminuem o nível de tensão destas. Nesse
contexto, compreendemos o “riso” e o “alívio” presentes na fala da estudante como marcas de
relações de desigualdades raciais presentes dentro e fora do contexto das escolas.
20 Entrevista realizada em 2016 com uma estudante do 9º ano do Ensino Fundamental II, da Escola
Nemésio Bezerra. 21
Idem. 22
Idem.
36
A estudante entrevistada apresentou um resultado peculiar da relação de
desigualdade existente entre brancos e negros, uma vez que, ao silenciar sobre o que de fato
sentia, demonstrou os efeitos da estigmatização racial vivenciada no cotidiano escolar.
No que se refere aos estigmas raciais, Sales Jr. (2006) acrescenta:
A estigmatização racial é o exercício de uma vigilância difusa e ciosa da hierarquia e
da dominação raciais, provocando intensidades de dor nem sempre corpóreas, mas
que repercutem no corpo, mutilando-o, esfolando-o, fragmentando-o, codificando-o,
semiotizando-o, não apenas simbolicamente ou imaginariamente. Afeta o corpo com
marcas mais sociais do que corporais, mas que repercutem nele como estigmas. O
estigma é uma demarcação corporal de uma relação social de desigualdade,
resultante de uma reificação dos processos de dominação/hierarquização. (p.233)
Segundo a nossa análise, a dor expressa na palavra “alívio” utilizada pela
estudante reafirma o caráter excludente e danoso das relações raciais vivenciadas nas escolas
pesquisadas. Demais falas de professores e estudantes reforçam a problemática do racismo
ainda presente nas relações entre brancos e negros no país, especialmente nas escolas
analisadas.
Ao ser questionado sobre o que é racismo, um estudante do 3º ano do ensino
médio, destacou:
Eu acho que hoje na sociedade que a gente vive a palavra racismo ela é muito mal
interpretada. Ela é as vezes confundida com preconceito racial. O racismo na minha
concepção é o ato ou o fato de julgar as pessoas a partir da sua raça, colocar a sua
raça independentemente de ser branco, negro, islâmico, católico, protestante, assim,
colocar sua raça como fator de julgamento, sei lá, pra outras pessoas, outras
sociedades. Pra mim o racismo é isso, julgar as pessoas conforme a sua raça ou a sua
concepção de certo ou errado (informação verbal).23
Em sua fala, o estudante demonstra várias concepções do que entende por
racismo, inclusive, apresentando várias formas de preconceito que superam a questão racial,
no entanto, destaca a raça como fator de julgamento. Apesar de não estabelecer a hierarquia
das relações raciais, destacando brancos ou negros, aponta a raça como instrumento de análise
do outro a partir de si, quando cita o julgamento de outras pessoas e outras sociedades.
A ideia de racismo apresentada acima pelo aluno do 3º ano do Ensino Médio é
reproduzida por outros estudantes entrevistados, que concebem por racismo as ações e ou
reproduções discriminatórias sofridas pelos negros e outros agentes escolares.
23 Entrevista realizada em 2016 com um estudante do 3º ano do Ensino Médio, da Escola Abraão Baquit.
37
Nesse sentido, outro estudante do 3º ano do Ensino Médio ressaltou que “o
racismo é uma discriminação a alguém, ou melhor, algo que irrite ou machuque a outra
pessoa”24
, destacando as marcas deixadas pela discriminação, uma vez que, ao falar do
racismo, salienta os efeitos dessas manifestações para as vítimas dessas agressões, afirmando
que tais atos irritam ou machucam, deixando claro que, ao serem humilhados devido à
discriminação, as vítimas passam por processos danosos e dolorosos.
Dialogando com os alunos do Ensino Fundamental, conseguimos outras respostas
que nos esclarecem acerca da concepção dessas crianças e jovens sobre o racismo. Uma
estudante do 9º ano da Escola Nemésio Bezerra, ao ser indagada sobre o tema, ponderou que
racismo para ela “é quando uma pessoa fica xingando a outra por causa da cor, diferença.
Cabelo, corpo, tudo”25
. A estudante fala de xingamentos em virtude da cor, do cabelo, do
corpo, ressaltando a estigmatização racial conforme já discutido com Sales Jr. (2006) e Lopes
(2004).
As questões pontuadas pela estudante nos fazem refletir cada vez mais sobre o
poder representativo do corpo e, principalmente, as marcas sociais presentes no corpo do
negro como portador da informação de uma diferença que desencadeia a expressão do
preconceito. (LOPES, 2004)
A concepção da estudante sobre o racismo é reafirmada por outra estudante,
também do 9º ano, que assegura: “Racismo é falta de respeito! Porque muita gente tem
racismo por causa da cor. O estilo da pessoa, o jeito. Você tem um cabelo meio assim
encaracolado, diz que é ruim. Se tem cabelo duro, é cabelo de vassoura. E é isso!”26
.
Novamente a compreensão acerca do racismo por parte dos estudantes
entrevistados ressalta o corpo negro e sua representatividade, considerando que “a visibilidade
corporal do negro é que anuncia os outros significados discriminatórios que lhe são
atribuídos, sempre marcados por um sentido de inferioridade”. (LOPES, 2004, p.22). Esta
última, gestada nas relações de subordinação do negro escravizado frente aos seus senhores,
durante o regime escravista no Brasil.
Outro estudante do 9º ano do Ensino Fundamental apresentou concepção
semelhante à de suas colegas, ao afirmar que racismo é “prejudicar os outros, chamar de
nome, tipo assim uma pessoa vai passando, ela é negra e eu sou branco, aí falo nomes com
24 Entrevista realizada em 2016 com um estudante do 3º ano do Ensino Médio, da Escola Abraão Baquit
25 Entrevista realizada em 2016 com uma estudante do 9º ano do Ensino Fundamental II, da Escola
Nemésio Bezerra. 26
Entrevista realizada em 2016 com uma estudante do 9º ano do Ensino Fundamental II, da Escola
Nemésio Bezerra.
38
ele, tipo bicho preto, macaco, qualquer coisa assim”27
. O ato de depreciar o outro é novamente
posto em cena quando os estudantes são indagados sobre o racismo, apresentando com clareza
as marcas desse fenômeno na concepção das crianças e jovens entrevistados nas escolas de
Quixadá.
Outro fator relevante é que os estudantes entrevistados falam sempre do outro,
talvez por não se reconhecerem negros. Observamos essa situação em algumas falas, e
percebemos a dificuldade desse reconhecimento de si, expressa na fala do estudante ao
exemplificar a resposta da pergunta a ele dirigida quando disse “eu sou branco” e o “outro” é
negro. Ou seja, eles observam e compreendem as desigualdades das relações entre negros e
não negros, porém, algumas vezes não se percebem como pertencentes a este grupo ou negam
a própria cor.
No contexto das relações analisadas, compreendemos a negação da cor como
estratégia de fuga, tendo em vista que ela carrega consigo fardos muito pesados, uma vez que
“o “corpo negro”, conforme um regime semiótico racista, é o próprio lugar da subordinação
ou da exclusão...” (SALES Jr. 2006, p.233). No Brasil do século XXI, ainda predomina uma
ideologia racista e excludente, em que “a miscigenação não eliminou a discriminação, apenas
a pluralizou, matizou, modalizou, conforme a presença ou a ausência gradual de
características “negras”, mas principalmente pela tonalidade da cor da pele [...]” (idem).
Por outro lado, algumas crianças e adolescentes se reconhecem negras e afirmam
sofrer na escola e na sociedade em virtude da cor de pele que têm. Um estudante do 5º ano, do
Ensino Fundamental, ao ser indagado sobre o que entendia por racismo, foi enfático ao
afirmar que “racismo é as diferenças que os brancos vê [sic] nos negros, e também, nos
indígenas que também são negros que nem eu, e que nem minhas amigas e meus amigos”28
.
O enunciado do estudante aborda o reconhecimento de si e do outro, denotando
assim a compreensão deste sobre a própria cor e a cor dos colegas, que ele denomina
“amigas” e “amigos”, chamando a atenção para a diferenciação dada a eles em virtude dessa
tonalidade na cor da pele, citando também os indígenas, que pouco são mencionados por
nossos entrevistados.
27 Entrevista realizada em 2016 com um estudante do 9º ano do Ensino Fundamental II, da Escola
Nemésio Bezerra.
28
Entrevista realizada em 2016 com um estudante do 5º ano do Ensino Fundamental I, da Escola José
Bonifácio de Sousa.
39
A percepção de racismo para com o negro apresentada acima pelo estudante é
confirmada na fala de sua colega de sala, que ponderou: “Racismo é a pessoa branca que tem
muito preconceito com as pessoas negras, chama a pessoa de nêga, de preta, de carvão”.29
Os discursos dos estudantes entrevistados são semelhantes e incisivos quanto à
desvalorização do negro em virtude de sua cor e dos caracteres físicos que apresentam,
mesmo quando estes são demonstrados pelo que eles chamam de “brincadeiras” (estas serão
abordadas no próximo capítulo). Observamos, também, a carga pejorativa destinada por eles à
denominação “negro”, pois, de acordo com alguns depoimentos, fica notório que ser chamado
de negro é ofensivo para alguns. Todavia, compreendemos que essa concepção está associada
à carga negativa e subalternizada do “ser negro” no Brasil.
Por fim, pudemos constatar, por via das entrevistas realizadas, que, apesar de
alguns estudantes não conseguirem definir o racismo com precisão, apresentam com clareza o
sofrimento ocasionado pelas ofensas a eles desferidas em virtude da cor de pele que têm.
Ademais, demonstram perceber as diferenças estabelecidas nas relações sociais que
vivenciam, especialmente na escola.
As concepções dos estudantes entrevistados denunciam a realidade vivida por eles
dentro e fora do contexto escolar. A negação ou o reconhecimento de si e do outro e a
percepção de um fenômeno social que tem o negro como símbolo de inferioridade racial, as
quais tentam justificar a segregação social existente entre negros e não negros no país são
concebidas por eles como algo dorido e injustificável, vez que compreendem a ideia de
igualdade entre as pessoas, independente de pele ou condição social. Não obstante, a partir da
realidade em que vivem, já perceberam que existe distância considerável entre o que deveria
acontecer e o que de fato ocorre na convivência social. Enquanto crianças e jovens de bairro
periférico, os estudantes entrevistados sofrem na pele o descaso do Estado e a marginalização
que lhes é imposta.
Nesse cenário, a escola se apresenta como relevante na construção de uma
consciência histórica por parte dos seus agentes, pois, conforme Telles (2012, p.129), “[…] as
escolas podem ser os locais mais importantes para examinar como as desigualdades raciais
são produzidas. Sem dúvida, as desigualdades entre classes são reproduzidas na educação de
diversas maneiras, o que também reproduz desigualdades raciais”. E, uma vez que estamos
nos referindo a crianças e jovens entre dez e dezoito anos, de bairro periférico, de
29 Entrevista realizada em 2016 com uma estudante do 5º ano do Ensino Fundamental I, da Escola José
Bonifácio de Sousa.
40
vulnerabilidade social, do sertão central cearense, essa consciência está cada vez mais
suscetível de não ser erigida.
No que alude ao entendimento desses sujeitos sobre racismo, respostas mais
curtas como: “Racismo pra mim é uma pessoa discriminar a outra pela cor ou pela classe
social: preconceitos...”, “Racismo é o preconceito de cor... ”, “É coisa feia.” ou “É o que
fazem com as pessoas negras, de cor [...] na forma de tratamento”, “Racismo é quando
alguém fica apelidando uma pessoa negra”, também foram apresentadas por nossos
entrevistados. Todavia, conforme pontuamos, anteriormente, mesmo não compreendendo
muito bem o fenômeno social racismo, professores e estudantes entrevistados sabem a quem
se destinam as manifestações de preconceito racial, pois, segundo suas concepções, os negros
são alvos dessas ações.
Durante as entrevistas e conversas informais, constatamos que, nas escolas
pesquisadas, professores e alunos sabem o que é racismo, apesar de ainda o confundirem com
outras práticas preconceituosas presentes em nossa sociedade. Não obstante, compreendem as
ações de discriminação racial como práticas de violação de direitos, exemplificando como
preconceito racial, religioso ou social e apresentando informações que denotam certo
reconhecimento dessas manifestações em seus cotidianos.
Os resultados apresentados neste primeiro capítulo nos incentivam a permanecer
questionando as fontes de que dispomos para compreender a vivências desses sujeitos e os
tipos de relações ou tensões de cunho racial existentes ou não no seu cotidiano escolar, bem
como os desafios impostos aos professores de história na exequibilidade da lei 10.639/03,
numa perspectiva de instrução antirracista, ao inserir os estudantes no universo da história e
cultura afro-brasileira e africana.
41
3 O RACISMO NO COTIDIANO ESCOLAR
A escola, no geral, desempenha papel singular no processo de sociabilidade e
integração social de inúmeras crianças e jovens em todo o mundo. Representa espaço de
preparação dos estudantes para a vida em sociedade, onde as relações e concepções de mundo
são construídas, baseadas em posturas e ideologias disseminadas nos diversos acontecimentos
vividos no interior desses ambientes.
Compreendendo a relevância das experiências compartilhadas nesse âmbito, bem
como o impacto das relações estabelecidas na vida dos estudantes e professores da educação
básica, desenvolvemos nossa pesquisa em Quixadá, vislumbrando analisar como o racismo se
reflete no cotidiano escolar, trazendo à reflexão posturas racistas que muitas vezes passam
despercebidas ou como simples “brincadeiras”, conforme enfatizaremos mais à frente, ao
analisar a fala dos entrevistados.
No caso dos alunos negros, a concepção do racismo requer mais atenção, uma vez
que o “corpo negro” é estigmatizado e a construção da identidade negra no Brasil é marcada
por lutas e desafios, uma vez que o reconhecimento da história do negro ainda é questionado
pelo pensamento colonizado de uma boa parte da população nacional, de visão eurocentrista e
racista.
Nesse contexto, tanto as relações estabelecidas na escola, quanto os processos
educacionais são fundamentais para construção identitária do negro. No que se refere a essa
questão Santos, Souza e Fonseca (2011, p. 109), evidenciam que:
A construção da identidade negra na escola é processual e requer que se intensifique
a de materiais didáticos e a formação de professores no sentido de criar subsídios
para implementar uma educação de valorização e reconhecimento da história,
cultura e identidade da população negra no Brasil.
Para a efetivação de uma educação das relações étnicorraciais, as escolas precisam
promover ações diversas que garantam a concretização de um ensino pautado no respeito e na
valorização do outro. Nesse sentido, a aplicabilidade da Lei 10.639/03 (alterada pela Lei
11.645/2008) fomenta o reconhecimento da importância da história do negro no Brasil e
coloca em pauta discussões que viabilizam a desconstrução de pensamentos e ações que
subalternizam o negro e sustentam o racismo no país, apesar de que “combater o racismo,
trabalhar pelo fim da desigualdade social e racial, empreender reeducação das relações étnico-
raciais não são tarefas exclusivas da escola”. (BRASIL, 2004, p.14).
42
Isto posto, somos conduzidos à compreensão do nosso papel de professor de
história que busca analisar acontecimentos do cotidiano escolar, a fim de perceber as diversas
significações do fenômeno social racismo no contexto atual, relacionando-o com a
constituição histórica do Brasil, bem como com a formação da identidade nacional. Dessa
forma, afirmamos que nossa pesquisa visa elaborar uma compreensão histórica sobre a
realidade analisada do e no tempo presente, mediante processos diversos que nos auxiliam a
compreender a construção do racismo e, por conseguinte, contribuir para a formação de novas
experiências no campo histórico da história da educação.
3.1 AS ESCOLAS E OS SUJEITOS ESCOLARES: O CAMPO DA PESQUISA
As escolas pesquisadas – situadas no bairro Campo Novo, em Quixadá – apresentam
características ímpares e para melhor compreendê-las apresentaremos a seguir, suas
organizações estruturais e conjunturais.
Figura 1 – Parte externa da EEF José Bonifácio de Sousa
Fonte: Própria autora (2017)
A Escola de Ensino Fundamental José Bonifácio de Sousa, situada à Rua da
Lavanderia S/N, bairro Campo Novo, em Quixadá, foi fundada em 1970 (figura 1). No
decorrer dos anos passou por mudanças e reconfigurações político administrativas, inclusive
com a construção de uma nova estrutura física que buscou atender – via parceria entre Estado
43
e município – ao projeto de padronização das escolas no país, fomentado pelo Governo
Federal30
. Essa nova estrutura foi inaugurada em 1º de novembro de 2007.
O prédio de arquitetura modernista é composto por doze salas de aula, uma sala
de recursos multifuncionais para Atendimento Educacional Especializado (AEE), uma sala de
recursos, um auditório, uma quadra de esportes coberta, um refeitório, três banheiros, uma
sala de multimeios, sala dos professores, sala de direção e uma secretaria. No ano de 2016, a
escola contava com um quadro de funcionários composto por 34 servidores, sendo 25
professores e 09 técnico-administrativos.
As turmas são distribuídas nos turnos manhã e tarde e tem em média 617 alunos
devidamente matriculados, dentre eles as crianças da creche do bairro, que está localizada ao
lado da escola e a ela responde administrativamente.
Figura 2 – Parte externa da EEF Nemésio Bezerra
Fonte: Própria autora (2017)
A Escola de Ensino Fundamental Nemésio Bezerra, situada à Avenida Presidente
Vargas, 453, bairro Putiú/ Campo Novo, em Quixadá, foi fundada em 27/05/1965 (figura 2).
O prédio de arquitetura modesta está deteriorado, necessitando de reformas. Nele
há oito salas de aula, uma sala de recursos multifuncionais para Atendimento Educacional
Especializado (AEE), uma quadra de esportes coberta, um refeitório, três banheiros, uma sala
de multimeios, um laboratório de informática, sala dos professores, sala de direção, sala de
coordenação e uma secretaria.
30 O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) disponibiliza aos municípios, Estados e ao
Distrito Federal projetos padrão para a construção de escolas do modelo Espaço Educacional Urbano e Rural.
Daí a escola ficou conhecida na comunidade como Escola Modelo.
44
No ano de 2016, a escola contava com um quadro de funcionários composto por
60 colaboradores, sendo 21 professores, 01 diretor, 03 coordenadores escolares 16
burocráticos (incluindo serviços gerais e cargos administrativos) e mais 19 servidores – 11
professores e 08 técnico-administrativos – lotados na comunidade Rainha da Paz (extensão da
escola situada no bairro Nova Jerusalém).
As turmas são distribuídas nos turnos manhã e tarde – inclusive na extensão –,
tendo em média 420 alunos matriculados, atendendo as demandas dos bairros Putiú, COHAB,
Monte Alegre e Nova Jerusalém.
Figura 3 – Parte externa da EEM Abraão Baquit
Fonte: Própria autora (2017)
A Escola Estadual de Ensino Médio Abraão Baquit, situada à Rua Reginaldo
Lopes S/N, no bairro Campo Novo, na zona periférica de Quixadá (figura 3), foi criada em
1987, recebendo autorização para ofertar a modalidade de Ensino Médio em 2002.
O prédio de arquitetura simples está deteriorado, principalmente na parte externa,
necessitando de reformas. Há cinco salas de aula, uma quadra de esportes coberta, um
refeitório, três banheiros, uma biblioteca, três laboratórios (dois de informática e um de
ciências), sala dos professores, sala de direção e coordenação e uma secretaria.
No ano de 2016, a escola contava com 28 professores, 10 efetivos e 18
temporários, 01 diretor, 03 coordenadores escolares, 01 assessor administrativo financeiro, 01
secretária, 01 professora interprete de libras e 22 funcionários: 15 efetivos e 07 terceirizados.
Funcionando nos três turnos, inclusive na zona rural, tinha em média 178 alunos matriculados
na sede que somado as duas extensões, ambas na zona rural do município, Cipó dos Anjos
com 125 alunos e Juatama com 182 alunos, totaliza 485 alunos devidamente matriculados,
45
atendendo às realidades especificas de cada contexto mediante parceria entre Estado e
município.
Findada a apresentação das escolas, reconhecemos que analisar a importância
dessa instituição no processo de viabilidade de uma educação das relações étnicorraciais e na
constituição das identidades dos sujeitos escolares, requer percebê-la ulteriormente à sua
estrutura física, tendo em vista que esta apresenta elementos estruturais próprios, “tem suas
características de vida próprias, seus ritmos e ritos, sua linguagem, seu imaginário, seus
modos próprios de regulação e de transgressão, seu regime próprio de produção e de gestão de
símbolos” (FORQUIN, 1993, p.167).
Buscamos, nesse sentido, perceber as relações que permeiam o contexto das
escolas, sobretudo as entre membros escolares e a comunidade do entorno. Os moradores do
bairro Campo Novo mantêm vínculo com essas instituições, fazendo uso de seus espaços em
situações diversas, como por exemplo, festas de aniversários. Observamos, durante o estudo, a
integração entre a comunidade escolar e os moradores do bairro que, por sua vez, ao se
relacionarem uns com os outros, criam elos de confiança e de respeito mútuo, num contexto
socioeconômico adverso. Mas a escola ainda é percebida, por alguns, como um espaço de
“punição”, em que os estudantes têm que se submeter às suas normas e regras, para não
perderem benefícios que estão atrelados à sua frequência escolar como, por exemplo, o Bolsa
Família.
Durante as observações realizadas em campo, os gestores das escolas foram
enfáticos ao afirmarem que alguns pais ou familiares só mandam as crianças e adolescentes
para assistirem as aulas em virtude do controle de faltas escolares que é enviado à Secretaria
de Desenvolvimento Social do município para o acompanhamento que é destinado ao
programa federal Bolsa Família31
, em que, um dos quesitos exigidos para manutenção do
benefício é manter a frequência das crianças e adolescentes na escola. Esta situação é
confirmada também na pesquisa de Brito (2008)32
, quando o mesmo fez um estudo sobre o
bairro Campo Novo.
De acordo com Brito (2008), muitos fatores colaboram para a propagação de
pensamentos que não valorizam a educação no contexto do bairro, dentre os quais a falta de
31 O Bolsa Família é um programa que contribui para o combate à pobreza e à desigualdade no Brasil. Foi
criado em outubro de 2003 e possui três eixos principais: complemento da renda, acesso a direitos e articulações
com outras ações. Maiores informações sobre este assunto em:< http://mds.gov.br/assuntos/bolsa-familia/o-que-
e> Acesso em: 21 de jul. de 2017. 32
BRITO, Francisco Carlos Saraiva de. A periferia e suas adversidades: a trajetória do Bairro Campo
Novo e suas representações (1964 – 2008). Quixadá/Ceará: Faculdade de Educação, Ciências e Letras do Sertão
Central, 2008 (Monografia de graduação do curso de história).
46
estrutura familiar dos estudantes, pontuando que “A educação parece não ter muita
importância para muitos dos jovens” (p. 65), e respaldando suas ponderações com a fala de
uma adolescente entrevistada por ele, que foi enfática ao afirmar que não gostava de ir pra
escola e que só ia porque a mãe a obrigava devido ao Bolsa Família. A frase da entrevistada
no estudo de Brito reafirma o que os gestores que entrevistamos em nossa pesquisa pontuaram
sobre as condições em que alguns estudantes vão para escola.
Os estudantes das escolas pesquisadas têm em média vinte aulas por semana
(entre Português, Matemática, História, Geografia e as demais disciplinas da Base Nacional
Comum Curricular33
), associadas a projetos pedagógicos em que professores e gestores
buscam orientá-los quanto à importância da educação escolar no processo de formação deles
como cidadãos plenos em direitos e deveres. Os projetos desenvolvidos tentam conscientizar
histórica e socialmente os educandos e suas famílias, como por exemplo, as atividades
vinculadas ao PETECA (Programa de Educação contra a Exploração do Trabalho da Criança
e do Adolescente34
), que são bem empreendidas nas escolas do bairro, devido à situação de
exploração do trabalho infanto-juvenil na qual parte das famílias da comunidade vive.
Todavia, desenvolver a consciência histórica em crianças e adolescentes que
vivem na periferia de uma cidade do interior do Ceará não é simples, uma vez que requer
quebra de paradigmas – sobretudo referentes ao respeito e à valorização dos outros – e a
desconstrução de ações preconceituosas arraigadas no cotidiano desses, que vêm
sobrevivendo às mudanças sociais e ao tempo. Entretanto, se faz imprescindível na promoção
de uma educação plural e verdadeiramente libertadora, dado que “a consciência histórica é
necessária a fim de que o agir (e o sofrer) humano não permaneça cego quando seu superávit
intencional se realiza para além de suas condições e circunstâncias” (RÜSEN, 2010, p. 81).
A criticidade e a transformação social são produtos da consciência histórica, que
tira os indivíduos (neste caso, os estudantes e suas famílias) da condição de ignorantes da
própria realidade, mediante o recurso rememorativo da consciência histórica em que “às
33 A Base Nacional Comum Curricular é um documento de caráter normativo que define o conjunto
orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas
e modalidades da Educação Básica. Conforme definido na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB, Lei nº 9.394/1996), a Base deve nortear os currículos dos sistemas e redes de ensino das Unidades
Federativas, como também as propostas pedagógicas de todas as escolas públicas e privadas de Educação
Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio, em todo o Brasil. FONTE:
<http://basenacionalcomum.mec.gov.br/> Acesso em: 21 de jul. de 2017. 34
O Programa de Educação contra a Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Peteca) é um
programa de educação que visa conscientizar a sociedade para a erradicação do trabalho infantil. Consiste num
conjunto de ações voltadas para a promoção de debates nas escolas, dos temas relativos aos direitos da criança e
do adolescente, especialmente o trabalho infantil e a profissionalização adolescente. FONTE:
<http://pindoretama.ce.gov.br/projeto-peteca-todos-contra-o-trabalho-infantil/>. Acesso em: 21 de jul. de 2017.
47
experiências do tempo passado, fornece ao presente uma orientação no tempo que, no
movimento mesmo do agir, não é percebida” (RÜSEN, 2010, p.80).
Nesse contexto, o ensino de história favorece o despertar da consciência histórica
dos estudantes de escolas públicas da periferia quixadaense, por meio do conhecimento dos
fatos históricos, especialmente dos menos privilegiados, (como, por exemplo, na história do
Brasil, dos negros e índios), para assim aproximar os sujeitos escolares e os fatos, sem,
necessariamente, enaltecer àqueles que foram silenciados, por séculos, na história do país,
para, enfim, promover mudanças sociais, na realidade atual. (DAVIES, 2017)
No entanto, tal tarefa não é simples de ser realizada. Os professores que trabalham
nas escolas pesquisadas – tanto os que foram entrevistados quanto os demais com quem
conversamos de maneira informal na hora dos intervalos das aulas, na sala dos professores –,
no decorrer da pesquisa, confirmaram as dificuldades encontradas no exercício da função de
educar, haja vista os problemas culturais e socioeconômicos enfrentados pelos moradores do
bairro, que repercutem diretamente no processo de aprendizagem dos estudantes. Essa
realidade limita as possibilidades de mudanças na história local, e, por conseguinte, nacional.
Nesse contexto, avaliamos que as escolas analisadas desempenham papéis
relevantes no bairro, pois, apesar de ainda encontrarem barreiras para transpor o processo
educativo dos estudantes, vêm colaborando em outros campos, além do ensino-aprendizagem.
A hora do lanche (o recreio), por exemplo, é esperada com alegria, uma vez que parte
significativa dos estudantes matriculados nas escolas afirma ir para as aulas “apenas para
merendar”, deixando clara a situação socioeconômica em que vivem com seus tutores (que
muitas vezes não são os pais). Segundo eles, a melhor hora do dia é a da merenda. Essa
situação é de conhecimento dos gestores escolares e municipais, daí eles mantêm um cardápio
balanceado para “atender”, mesmo que pontualmente, esta necessidade do seu público.
As escolas pesquisadas ainda dispõem de materiais diversos como livros
paradidáticos, jogos pedagógicos, instrumentos musicais, quebra-cabeças, damas, dados,
fantoches e computadores que são utilizados pelos estudantes e que podem auxiliá-los em sua
formação escolar. Essas ferramentas são aproveitadas de acordo com a vontade dos estudantes
e com a política da escola. Em uma de nossas observações, na Escola Nemésio Bezerra, nos
surpreendemos com a quantidade de crianças na sala de multimeios procurando livros e jogos.
O espaço, entretanto, era pequeno, e eles ficavam enfileirados esperando a vez de irem em
busca de livros, ou formavam grupos e ficavam de pé, fazendo a leitura para que todos
desfrutassem daquele momento e tivessem acesso àquela informação (figura 04). Os jogos
48
educativos, jogos nas quadras e as brincadeiras de pega-pega também fazem parte do
cotidiano dos estudantes desta e das outras duas escolas analisadas (figuras 05 e 06).
Figura 4 – Estudantes da Escola Nemésio Bezerra no Centro de Multimeios
durante o recreio.
Fonte: Própria autora (2016)
Figura 5 – Estudantes da Escola Nemésio Bezerra durante o recreio.
avervo
Fonte: Própria autora (2016)
49
Figura 6 – Estudantes da Escola José Bonifácio (Modelo) durante o recreio.
Fonte: Própria autora (2016)
Observar a vivência de professores e estudantes no âmbito escolar nos viabilizou
maior compreensão das ações habituais presentes nas relações entre esses indivíduos, haja
vista que o comportamento humano é influenciado pelo meio no qual ele ocorre e, nesse
sentido, investigar esses locais de estudo nos oportunizou novas leituras acerca das histórias
que neles se desenvolvem. (BOGDAN; BIKLEN; 1994)
Pudemos, portanto, perceber o desafio de educar num contexto de conflitos e
vulnerabilidades socioeconômicas, uma vez que parte dos estudantes e de seus responsáveis
prefere compreender a escola como espaço de mera transmissão de conhecimento ou até
mesmo de cumprimento de obrigações sociais, desprezando a complexidade das ações e das
relações que ocorrem neste ambiente e que viabilizam a constituição de uma cultura pautada
nos modos de ser e fazer no contexto escolar.
A ideia de cultura escolar, trazida nesta discussão harmoniza-se com o
pensamento de Julia (2001), quando o mesmo a determina como:
Um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar,
e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a
incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades
que podem variar segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou
simplesmente de socialização). (JULIA, 2001, p.10)
Ao analisar a cultura escolar, Julia (2001) evidencia que a escola não é somente o
lugar dessa transmissão de conhecimento, mas de acepção de normas e condutas, construção
de pensamentos, práticas e ideologias, que se transformam para atender às necessidades de
seus usuários, de acordo com o tempo em que fazem uso dessa instituição como lugar de
construção de conhecimentos e de reconhecimento individual e social.
50
A cultura escolar é composta por diversas manifestações que ocorrem no
cotidiano de alunos e professores, dentro e fora das escolas, “la cultura escolar es toda la vida
escolar: hechos e ideas, mentes y cuerpos, objetos y conductas, modos de pensar, decir y
hacer...” (FRAGO, 1995, p. 69)
Partindo dessas premissas, observamos os diversos agentes que compõem as
instituições analisadas, na tentativa de compreender as relações entre esses sujeitos que vivem
essas e nessas escolas, haja vista que esse espaço de ensino formal “representa um território
que historicamente apresenta corporações ideológicas e materiais imbricadas em uma
complexa teia de relações culturais e de poder” (COELHO e SOARES, 2011, p.113), que
tendem a ser legitimadas pela representação social da instituição escola.
As relações de sociabilidade que ocorrem no interior dessas instituições
demonstram os impactos e as possibilidades de aprendizados nela desenvolvidos, uma vez
que, “Na escola, o aprendizado sobre as regras e valores sociais é experimentado sob a ótica
do grupo” (LOPES, 2004, p. 13.). São relações estabelecidas entre pares, mediadas ou não por
professores(as) e demais sujeitos escolares. Essas relações são marcadas por divergências e
conflitos, especialmente com a população negra, o que tenciona ainda mais as relações e
corrobora com a propagação de práticas racistas e desconfortos que refletem, diretamente, na
formação da identidade dos afrodescendentes.
Nesse sentido, faz-se mister desfazer mentalidades racistas e discriminadoras
ainda presentes em nosso país, e, para tanto, a escola se apresenta como lugar propício para
romper com o pensamento eurocentrista que inferioriza os negros e os coloca em situação de
subalternização.
Desse modo, as experiências produzidas cotidianamente no ambiente escolar
precisam ser contestadas, problematizadas, para que se efetivem relações sociais e raciais
equânimes, pois, na escola atual, ainda “subjaz um campo cultural no qual o conhecimento, o
discurso e o poder interseccionam-se de maneira a produzir práticas historicamente racistas”
(COELHO; SOARES, 2011, p. 113), que precisam ser eliminadas.
3.2 NO UNIVERSO ESTUDANTIL: “TEM QUE RESPEITAR O PRÓXIMO, PARAR
COM AQUELAS BRINCADEIRAS CHATAS.”
Inicialmente, visitamos as escolas, observamos previamente as relações nela
existentes e escolhemos os indivíduos que seriam entrevistados. Daí, fizemos entrevistas com
quinze estudantes que, ao serem questionados sobre a existência de práticas racistas na escola,
51
responderam que não havia. Porém, no decorrer das entrevistas, eles citaram a existência de
“brincadeiras chatas” ou “brincadeiras bestas” que se direcionavam aos colegas negros ou aos
próprios estudantes entrevistados, que também são facilmente identificados como negros.
Ao ser questionada sobre a existência de manifestações racistas na escola, uma
das estudantes entrevistadas garantiu nunca ter presenciado nada parecido dento da escola.
Todavia, ao falar das aulas de história, ressaltou que o professor conversa muito com eles e
sempre alerta “que não precisa tirar brincadeira besta com o outro” e ainda explica que não
pode maltratar o colega com “brincadeiras” ofensivas, “tem que respeitar o próximo”. Ao
refletir sobre o conteúdo presente nessas “brincadeiras bestas”, indagamos sobre como, por
que e a quem essas supostas brincadeiras eram endereçadas. A estudante destacou que elas se
dirigiam a ela e aos colegas negros. Ao solicitar que nos informasse mais sobre as
“brincadeiras”, citou: “são aquelas que chama de macaco”. Nesta fala, percebemos a marca de
um discurso que naturaliza agressões denominando-as de “brincadeira”. Chamar o colega
negro de macaco é fortalecer o pensamento racista e preconceituoso de inferioridade dos
negros frente aos brancos.
Outra observação relevante nesse diálogo é a participação ou interferência do
professor de história, quando alerta sobre os maus tratos implícitos nessas “brincadeiras”,
afirmando a necessidade de respeitar o outro. Esse tipo de mediação na relação escolar se faz
indispensável, uma vez que, para reconhecer, valorizar e afirmar os direitos da comunidade
afro-brasileira, os agentes sociais precisam mudar seus discursos, raciocínios, lógicas, gestos e
posturas (BRASIL, 2004). Nessa situação, o professor aproveitou a oportunidade para
esclarecer sobre a importância do respeito ao colega, fomentando a valorização da diversidade
em sala de aula.
A desconstrução da mentalidade racista na escola requer empenho e dedicação
processuais e contínuos, segundo o ritmo dos sujeitos escolares. Contudo, gestores e
professores precisam atentar para essa realidade e intervir diretamente na conscientização dos
alunos quanto aos gestos, palavras ou discursos racistas que ferem os colegas e deturpam suas
imagens e interferem na construção de suas identidades, uma vez que essas não são
construídas no isolamento, são formadas nas relações dialógicas estabelecidas com os outros
(GOMES, 2002).
Durante as entrevistas realizadas com os estudantes no interior das escolas
pesquisadas, algumas falas se repetiam, dentre elas: “Os meninos chamam os outros de
52
macaco, tição”, “bicho preto, macaco”, “neguim”, “soim35
”, denotando a naturalidade com
que o preconceito racial acontece no cotidiano escolar desses. Xingamentos como esses,
eivados de preconceitos, também já foram analisados por Lopes (2004), que destacou que
ocorrem abertamente em situações de conflitos. Nesse sentido, a pesquisadora nos esclarece
que:
Os apelidos e xingamentos fazem parte da vida de crianças e adolescentes, mas
apelidos e xingamentos de cunho racial são característicos da experiência de
crianças e jovens negros, tanto no convívio cotidiano quanto na experiência escolar.
Xingamentos são, via de regra, expressões de desqualificação e diminuição pessoal,
que podem se estender à família ou a outros grupos de pertencimento. (LOPES,
2004, P.21)
Ratificamos que piadas, brincadeiras e atribuições reforçam o preconceito racial
em suas dimensões: moral, intelectual e estética, interferindo diretamente na formação
identitária da criança e do adolescente negro (LOPES, 2004).
Constatamos em nossa pesquisa a problemática do reconhecer-se negro numa
sociedade racista, por meio das falas de um dos estudantes entrevistados que afirmava não
gostar de sua cor de pele, que “bonita era a cor clara, a cor branca”36
. Dessa forma, nos
defrontamos com o desafio de crianças e jovens estudantes que buscam se reconhecer
socialmente num contexto de conflitos e contradições em que seus lugares são determinados
pela cor da pele e demais características fenotípicas que possuem.
De acordo com o relato de uma estudante do Ensino Fundamental, ela e seus
colegas negros sofrem preconceitos por suas características físicas, ao citar que “muita gente
que tem o cabelo encaracolado, dizem que é ruim, se é duro chamam de cabelo de
vassoura”37
. Essa fala evidencia a estigmatização do corpo negro e a existência do preconceito
racial na escola.
No âmbito dessa questão, Gomes esclarece que:
A identidade negra como uma construção social, histórica e cultural repleta de
densidade, de conflitos e de diálogos (…) implica a construção do olhar de um
35 Soim é o nome popularmente dado ao sagui, macaco pequeno pertencente à família Callithricidae, que
mede aproximadamente 25 centímetros, sem incluir a cauda de tamanho longo. Pesa de 250 a 400 gramas e
possui pelagem em tons cinza, branco, preto e marrom, sendo que o mais comum conta com tufos de pelos nas
orelhas. Há espécies por toda a América do Sul, habitando em bandos as árvores de matas e florestas. Disponível
em: <<http://revistagloborural.globo.com/GloboRural>>. Acesso em 10 out. 2016. 36
Fala de um estudante do 9º ano do Ensino Fundamental II, da Escola Nemésio Bezerra, durante a
realização da entrevista. 37
Entrevista realizada em 2016 com uma estudante do 9º ano do Ensino Fundamental II, da Escola
Nemésio Bezerra.
53
grupo étnico/racial sobre si mesmo, a partir da relação com o outro. Um olhar que
quando confrontado com o do outro, volta-se sobre si mesmo, pois só o outro
interpela nossa própria identidade. (GOMES, 2002, p. 38)
É necessário refletir e pensar na escola como um espaço de construção e
reprodução de pensamentos e conhecimentos que interferem na formação individual e social
de crianças e jovens brancos e não brancos. Nesse sentido, faz-se mister desfazer estereótipos
e mentalidades racistas para que esses sujeitos possam construir suas identidades em relações
de respeito e valorização de si e do outro.
Nessa perspectiva, quando pensamos a escola como um espaço específico de
formação inserida num processo educativo bem mais amplo, encontramos mais do
que currículos, disciplinas escolares, regimentos, provas, testes e conteúdos.
Deparamo-nos com diferentes olhares que se cruzam, que se chocam e que se
encontram. A escola pode ser considerada, então, como um dos espaços que
interferem na construção da identidade negra. O olhar lançado sobre o negro e sua
cultura, no interior da escola, tanto pode valorizar identidades e diferenças quanto
pode estigmatizá-las, discriminá-las, segregá-las e até mesmo negá-las. Sendo
entendida como um processo contínuo, construído pelos negros e negras nos vários
espaços – institucionais ou não – nos quais circulam, podemos concluir que a
identidade negra também é construída durante a trajetória escolar desses sujeitos.
(GOMES, 2002, p.39).
Os desafios das relações estabelecidas nas escolas precisam ser problematizados e
discutidos, visando minimizar os impactos dos preconceitos ainda presentes nesses ambientes,
sobretudo relativamente ao reconhecimento identitário dos negros.
Nas escolas analisadas, por exemplo, identificamos a necessidade de desconstruir
falas e gestos que evidenciam o corpo do negro, muitas vezes entendidos como
“brincadeiras”, mas, que devem ser compreendidos como preconceitos raciais, tendo em vista
que reforçam as diferenças entre os estudantes brancos e não brancos.
O suposto humor racial, baseado em estereótipos, naturaliza juízos populares
relativos aos negros, ao tempo em que ameniza a seriedade da situação (TELLES, 2012). No
entanto, travestidas de humor, essas ações popularizam e reproduzem estereótipos negativos
sobre as pessoas negras e podem resultar em danos imensuráveis, haja vista a gravidade da
discriminação na formação identitária dessas.
Alguns alunos não conseguem distinguir entre a brincadeira e a ação
preconceituosa, todavia assumem perceber o sofrimento ocasionado pela ofensa do
preconceito sofrido. Uma estudante do 9º ano do Ensino Fundamental, ao ser questionada
sobre manifestações racistas na escola, observou:
54
Quando tem trabalho na sala de aula, as pessoas não... tipo... elas não chama [sic],
assim (pausa) há diferença, assim é muito. Quando vai fazer um trabalho, a pessoa
não chama ela ali não, chama outra. Racismo é assim hoje em dia, nas escolas.
Assim, fica excluindo. [sic] (informação verbal).38
A estudante demonstra perceber que há diferenciações quando do
desenvolvimento de trabalhos em grupo, confirmando a existência de preferências pelos
integrantes das equipes, concebida a partir da cor e dos caracteres físicos dos alunos. Nesta
fala, constatamos a existência do preconceito racial no cotidiano escolar, bem como os
diversos mecanismos de exclusão de estudantes negros(as) neste contexto.
Acerca dessas práticas, recorremos à pesquisa de Nogueira (apud LOPES, 2004),
quando o mesmo realizou um estudo comparado sobre as “relações raciais” no Brasil e nos
Estados Unidos e assinalou que a distinção no Brasil se dá pelo “preconceito racial de marca”,
“[…] aquele vinculado à aparência física, manifestações gestuais, etc. – que permite, em
função do grau de mestiçagem, de indivíduo para indivíduo, decidir a sua inclusão ou
exclusão na categoria de negro” (NOGUEIRA, apud LOPES, 2004, p.19). Esta fala, elucida a
manifestação do “preconceito de marca” presente no contexto escolar quixadaense. Os
estudantes entrevistados expressam a dor do sofrimento de ter no corpo o motivo de agressões
sofridas.
Outra estudante do 9° ano do Ensino Fundamental II, ao ser questionada sobre a
existência de aulas ou projetos que abordam a história dos africanos e afro-brasileiros, ou o
racismo no Brasil, respondeu que a temática é sempre trabalhada na escola, que os alunos
discutem a questão junto aos professores, porém, nem sempre com o devido respeito que o
assunto merece, culminando em conflitos que machucam os estudantes negros. Em suas
palavras, ao citar os momentos de discussão do assunto e as “brincadeiras bestas”, destaca:
Tem aluno que aquilo ali pra ele não é nada, mas o que ele fala machuca uma pessoa
né? Aí é como o povo fala: é melhor um tapa que uma palavra né? Aí pra mim
merece mais coisa assim, falar mais[sic] (informação verbal).39
A estudante demonstra a necessidade de maior esclarecimento, de mais atenção à
causa, de problematizar o racismo para que os agressores compreendam a dor que causam em
suas vítimas. Ao afirmar que é melhor uma tapa que uma palavra, evidencia a gravidade das
38 Entrevista realizada em 2016 com uma estudante do 9º ano do Ensino Fundamental II, da Escola
Nemésio Bezerra. 39
Entrevista realizada em 2016 com uma estudante do 9º ano do Ensino Fundamental II, da Escola
Nemésio Bezerra.
55
manifestações racistas existentes na escola para aqueles a quem as agressões são dirigidas,
haja vista que, são palavras carregadas de preconceito e discriminação, que ferem e
inferiorizam suas vítimas.
Na Escola Abraão Baquit, um estudante do 3º ano do Ensino Médio, ao afirmar-se
vítima de preconceito racial, descreveu o que ouviu e o que sentiu na escola, quando
surpreendido por uma manifestação racista por parte de um colega.
O cara chegou, me chamou já de neguim, carvão, besta, óleo, tô me lembrando aqui
das palavras. Ele começou, e eu só calado. Na época eu nunca gostei muito de
responder, entendeu? Como eu me senti com tudo isso? Eu me senti inútil! É,
desamparado! Ninguém veio me amparar. E na época a direção do colégio não
tomou nenhuma providência sobre isso[sic] (informação verbal).40
A dor e o sofrimento manifestados nas falas dos estudantes entrevistados nos
levam a uma reflexão acerca do quão relevante é realizar um trabalho ativo e contínuo no
ambiente escolar, pautado no respeito à diversidade, para assim promover reais mudanças
dentro e fora dos muros das escolas. Para tanto, é imprescindível a adoção de políticas
educacionais valorativas, que reorganizem o trabalho pedagógico e reestruturem as práticas
escolares (BRASIL, 2004), haja vista a representatividade das relações cultivadas nesses
espaços, na vida de estudantes, professores e comunidade.
De acordo com o depoimento, o estudante se sentiu abandonado ao procurar o
apoio da gestão, que se omitiu em face da situação apresentada. Não obstante,
compreendemos a dificuldade de perceber e desnaturalizar as agressões de caráter racial
presentes na escola, uma vez que essas ocorrem, muitas vezes, de forma sutil ou dissimulada.
No tocante a essa realidade, Lopes considera que:
As manifestações racistas, no espaço escolar, acontecem muitas vezes, em situações
tão cotidianas, que é preciso estar atento para enxergá-las. Dar espaço para que as
situações possam ser faladas e enfrentadas é um caminho possível de superação
dessas experiências (LOPES, 2004, p.24)
Um estudante do 5º ano do Ensino Fundamental, ao ser questionado sobre a
presença de manifestações de racismo na escola, afirmou não saber, todavia, alegou ser vítima
de preconceito racial na rua onde mora, situada no bairro Campo Novo. Ele foi enfático ao
40 Entrevista realizada em 2016 com um estudante do 3º ano do Ensino Médio, da Escola de Ensino
Médio Abraão Baquit.
56
dizer que racismo é “as diferenças que os brancos vê [sic] nos negros e também nos indígenas,
que também são negros que nem eu e que nem minhas amigas e meus amigos”41
.
Observemos que nesta fala, o estudante nega a existência de racismo na escola,
entretanto, se considera vítima de preconceito racial na comunidade, ponderando que a escola
pode sim intervir no processo de desconstrução do preconceito racial, dizendo que esta – por
via dos projetos e de professores e gestores – deveria “falar com quem faz racismo com os
outros, podia falar com eles e também dizer pra eles que isso dói”42
. Esta observação destaca
mais uma vez a dor causada por manifestações de preconceito racial no contexto dos
estudantes negros quixadaenses, mesmo que, neste caso, o preconceito não tenha sido
manifestado no ambiente restrito da escola, mas em seu entorno.
Outro fator relevante na fala deste estudante é que ele se reconhece negro, postura
de poucos, uma vez que, apesar de todos os estudantes entrevistados serem facilmente
identificados como negros, em sua maioria não se reconhecem assim, falam sempre a partir
do outro, como se não se percebessem ou até mesmo como se negassem a própria cor.
Esta observação encontrou eco no relato da professora de história do ensino médio
da Escola Abraão Baquit, quando, ao afirmar o descaso de alguns alunos quando o tema da
aula é história afro-brasileira ou africana, ponderou que a reação dos estudantes “não é
receptiva, como se aquilo ali não fizesse parte da história deles”43
. Complementando que os
estudantes negros “Não se vêem como negros, eles são apenas pardos”44
.
Essa classificação de pardo, segundo Lopes (2004), faz parte da construção das
relações raciais no Brasil que culminou na elaboração do que autora chama de “gradiente de
cor”, que traz consigo uma simbologia de lugares sociais demarcados pela cor de pele das
pessoas. Nesse contexto, o lugar do negro é subalternizado e, talvez por este motivo, seja
complicado para os estudantes das escolas analisadas se reconhecerem como negros, uma vez
que no Brasil vivemos numa cultura racista, em que muitas vezes o racismo é visto como algo
natural, reafirmando a observação de Fanon (1980, p.44) de que “todo o grupo colonialista é
racista”.
A negação ou naturalização do racismo na escola ratifica nossa compreensão, que
tem por base o pensamento de Fanon (1980), acerca da postura racista presente nos grupos
41 Entrevista realizada em 2016 com um estudante do 5º ano do Ensino Fundamental I, da Escola José
Bonifácio. 42
Idem. 43
Entrevista realizada em 2016 com a professora de história do 3º ano do Ensino Médio, da Escola de
Ensino Médio Abraão Baquit. 44
Idem
57
colonizados. Destarte, é producente repensar o papel da instituição escola e de seus
representantes no processo de conscientização e problematização das relações étnicorraciais
no contexto nacional como meio de transformar a realidade presente.
Desnaturalizar práticas racistas requer adoção de novas posturas, que culminem na
superação das desigualdades étnicorraciais ainda presentes na educação escolar nacional.
Assim, percebemos a necessidade de evidenciar, com a análise das falas dos estudantes
entrevistados, o que ocorre no contexto das escolas pesquisadas.
Durante uma entrevista realizada com uma estudante do 3º ano do Ensino Médio
da Escola Abraão Baquit, percebemos quão ingênua ainda é a compreensão de alguns
estudantes a respeito do racismo e suas manifestações. Quando questionada sobre a existência
de preconceito racial na escola, a estudante respondeu que não existia. Entretanto, quando
indagamos sobre as “brincadeiras” que se referiam à cor dos colegas, ela respondeu: “na sala
tem né? De vez em quando tem alguém que diz assim: aquele neguim, mas nada sério, é uma
brincadeira assim besta e boba... não tem maldade45
.
Outra estudante da mesma sala também negou a existência de prática de racismo
na escola, porém, quando fizemos o mesmo questionamento acerca das “brincadeiras”
pertinentes à cor de pele dos colegas, respondeu: “Sim, questão de brincadeiras a gente
sempre presencia, porque tem sempre essas brincadeiras, mas algo assim mais sério, não”.46
A compreensão dessas ações preconceituosas como “brincadeiras” se repete nas
falas de outros estudantes entrevistados, tanto na escola Abraão Baquit, quanto nas outras
duas escolas pesquisadas. Por outro lado, alguns dos estudantes que sentiram a dor do
preconceito racial são enfáticos ao afirmarem a existência do racismo na escola, haja vista
terem se sentido ofendidos e percebido que tais “brincadeiras” são, na verdade, agressões que
ocorrem exclusivamente por causa da sua cor de pele.
Algumas falas também chamam a atenção para a forma como os negros são
tratados no bairro Campo Novo, ratificando a relevância da compreensão de que o ambiente
escolar sofre influências do meio no qual se insere.
Verificamos, dessa forma, a presença de práticas discriminatórias nas escolas
pesquisadas e percebemos que tais brincadeiras se apresentam munidas de sentimentos de
desprezo pelo outro, de discriminação em virtude da cor da pele do ou da colega de sala e de
45 Entrevista realizada em 2016 com uma estudante do 3º ano do Ensino Médio, da Escola de Ensino
Médio Abraão Baquit. 46
Entrevista realizada em 2016 com uma estudante do 3º ano do Ensino Médio, da Escola de Ensino
Médio Abraão Baquit.
58
estereótipos que reproduzem os preconceitos raciais ainda existentes na sociedade brasileira,
colaborando, assim, para a perpetuação da cultura racista no universo escolar e, o pior,
situações vistas como “brincadeiras”.
Nesse sentido, Lopes (2004, p.16) indaga sobre “qual tem sido a função social da
escola especificamente para a população negra e mestiça na nossa sociedade”, tendo em vista
que esta instituição desempenha papel de destaque no que se refere à desconstrução e à
reafirmação de ideologias gestadas no seio da sociedade.
Não obstante, apesar de todos os desafios e limitações existentes nas escolas
pesquisadas, urge perceber o ensino da história afro-brasileira e africana como meio de
esclarecimento e conscientização que viabiliza novos modelos de ensino, pautados no respeito
e na equidade entre todos, independentemente de sua origem e cor de pele.
Para tanto, analisaremos, a seguir, as falas dos professores de história e gestores
escolares sobre a existência ou não de manifestações racistas nas escolas em que atuam e
como os mesmos se posicionam diante de tais situações, bem como a compreensão destes
acerca do papel do ensino de história afro-brasileira e africana numa perspectiva de educação
das relações étnicorraciais no bairro Campo Novo.
3.3 O ENSINO DE HISTÓRIA AFRO-BRASILEIRA E AFRICANA NO COMBATE AO
RACISMO: RELAÇÕES POSSÍVEIS ENTRE TEORIAS E PRÁTICAS NA
PERSPECTIVA DOCENTE
A trajetória do ensino de história no Brasil apresenta características não lineares
de conquistas, perdas, mudanças e permanências que refletem as transformações políticas e
governamentais do país. É por meio das seleções estabelecidas pelos currículos que se
apresentam “estratégias de construção/manipulação do conhecimento histórico escolar”
(SILVA e FONSECA, 2010, p.16). Assim,
[...] a história ensinada é sempre fruto de uma seleção, um “recorte” temporal,
histórico. As histórias são frutos de múltiplas leituras, interpretações de sujeitos
históricos situados socialmente. Assim como a História, o currículo escolar não é um
mero conjunto neutro de conhecimentos escolares a serem ensinados, apreendidos e
avaliados. (SILVA e FONSECA, 2010, p.16).
Esses mecanismos, que sistematizam o ensino oficial no país, afetam diretamente
a consciência histórica de nossos estudantes, principalmente os estudantes da educação básica,
que são bombardeados de informações que muitas vezes (por nossas experiências em sala de
59
aula) não lhes asseguram conhecimento da história do país, tampouco viabilizam reflexões
críticas acerca da realidade nacional. Em contrapartida, apresenta relevância pelo alcance
numérico, uma vez que a escola é uma instituição que parte significativa das crianças e jovens
do Brasil frequenta e se instrui.
Nesse sentido, Fonseca (2003) destaca a relevância do ensino de história e sua
representatividade na esfera escolar, analisando a trajetória dessa disciplina no Brasil durante
o século XX enquanto fonte de compreensão do ensino de história em sua dimensão histórica.
Salienta ainda a necessidade de adentrar nesse campo para compreender melhor a importância
do saber histórico escolar, que se distingue do acadêmico, mas que se apresenta como
relevante a partir de sua representação social, ao atender a interesses de políticas educacionais
e pedagógicas que pretendem construir a “identidade nacional”, cujos currículos são
influenciados pelos interesses do Estado e de alguns grupos sociais dominantes.
As ponderações dos autores acima se associam aos nossos conceitos, quando da
realização das entrevistas com professores da educação básica quixadaense, em que os
mesmos ressaltaram a relevância do ensino da história e cultura africana e afro-brasileira para
promoção de uma educação antirracista no contexto escolar.
O professor do 9º ano da escola Nemésio Bezerra, ao ser questionado sobre a
existência de manifestações racistas na escola, pontuou:
Em alguns momentos assim em aula mesmo eu lembro que um aluno que não era
branco… um chamou o outro de macaco ele disse que o aluno parecia um macaco.
Então, a partir disso eu o chamei imediatamente e disse que a gente tinha que ter
uma conversa muito séria. E houve outros momentos também que não vou dizer que
era o racismo em si, mas era relacionado a isso que foi uma questão de um menino
que o pai era umbandista e possuía um terreiro de macumba e de certa forma um
menino o chamou de macumbeiro, e de macumbeiro não no sentido da palavra em si
do termo da palavra, mas de certa forma isso eu assimilei como racismo. Porque ele
chamou o menino de macumbeiro, já que a macumba está ligada às etnias, às
religiões, aos ritos africanos. (informação verbal).47
As situações mencionadas acima confirmam mais uma vez a existência de
manifestações racistas no cotidiano escolar – mesmo que o professor não rotule, de forma
direta, essas práticas como racistas – haja vista que percebemos a presença de estereótipos
impregnados pelo racialismo nas duas situações que são apresentadas pelo entrevistado. Na
primeira, um estudante evidencia a cor de pele do colega numa tentativa de inferiorizá-lo,
47 Entrevista realizada em 2016 com um professor de história do 9º ano do Ensino Fundamental II, da
Escola Nemésio Bezerra.
60
chamando-o de macaco. Na segunda situação, um estudante chama o outro de macumbeiro,
evidenciando a religiosidade afro do pai do colega.
Na sequência de sua fala, o docente afirmou que preparou uma aula de história
sobre “religiosidades africanas” e, logo após a aula, o estudante que havia sido discriminado
pelo colega se assumiu como macumbeiro, deixando clara a importância do ensino de história
no combate ao preconceito e ao racismo. A reação do estudante enfatiza a relevância da
ressignificação da palavra macumbeiro, que inicialmente simbolizava uma imagem pejorativa
dele frente aos colegas, no entanto, a partir da aula sobre as religiosidades africanas, a ideia de
ser macumbeiro deixou de ser marginalizada e ganhou representatividade na formação sua
identidade.
As situações expostas na fala do professor denotam que “em nossa sociedade, a
estigmatização do afrodescendente acontece de forma violenta. Cria-se uma figura caricatural
do negro, cheia de estereótipos, que se constituem em representações sociais cristalizadas
sobre ele”. (VIDEIRA, 2005, p. 218) que, por conseguinte, mantêm o sistema cultural escolar
como partícipe desse processo preconceituoso e excludente em que os negros são submetidos
a viver dentro (e fora) das escolas em todo país.
A postura do professor demonstra a necessidade de problematizar essas questões
para desnaturalizá-las e, para tanto, a educação e o ensino se fazem primordiais nesse
processo. O professor ainda observou que “Para combater, primeiramente é necessário
esclarecer… esclarecer qual é a importância – no nosso caso aqui, das etnias que formam a
sociedade brasileira. Dessa forma, eu acho que o aluno vai compreender que todas as raças
são iguais, que não há diferença”.48
Em suas ponderações, esse professor de história destacou episódios em que
precisou intervir nas relações dos estudantes, especialmente via esclarecimento sobre as
posturas preconceituosas destes, bem como sobre a importância da história do negro no
processo de desconstrução do racismo na escola. Nesse sentido, o ensino da história africana e
afro-brasileira foi de suma importância para conscientizar os educandos desta escola, haja
vista que “as ideologias da cultura brasileira tendem sempre a colocar os africanos no campo
do exótico, do precário ou do incompleto. Principalmente porque partem de um imenso
desconhecimento sobre a África”. (CUNHA Jr., 2005, p.254).
48 Entrevista realizada em 2016 com um professor de história do 9º ano do Ensino Fundamental II, da
Escola Nemésio Bezerra.
61
A atitude do professor ao elaborar uma aula sobre a religiosidade africana fez toda
diferença para a turma, em especial para o estudante que carregava “o peso” da religião do
pai. É útil perceber que, ao identificar a prática racista em sala, o professor de história utilizou
seu conhecimento e o converteu em metodologia de ensino, o que viabilizou mudança de
percepções e valores acerca da história e da cultura afro, bem como colaborou no processo de
identificação da vítima com a cultura de seu povo.
No que concerne à intervenção dos docentes em casos de racismo nas escolas,
Gomes (2005, p. 148-149), salienta:
O entendimento conceptual sobre o que é racismo, discriminação racial e
preconceito, poderia ajudar os (as) educadores(as) a compreenderem a
especificidade do racismo brasileiro e auxiliá-los a identificar o que é uma prática
racista e quando esta acontece no interior da escola. Essa é uma discussão que
deveria fazer parte do processo de formação dos professores. Porém, é necessário
que, na educação, a discussão teórica e conceptual sobre a questão racial esteja
acompanhada da adoção de práticas concretas. Julgo que seria interessante se
pudéssemos construir experiências de formação em que os professores pudessem
vivenciar, analisar e propor estratégias de intervenção que tenham a valorização da
cultura negra e a eliminação de práticas racistas como foco principal. Dessa forma, o
entendimento dos conceitos estaria associado às experiências concretas,
possibilitando uma mudança de valores.
A problemática da formação docente, enfatizada acima pela autora, associada à
falta de conhecimento por parte de alguns professores, culmina na manutenção, bem como na
propagação de práticas racistas no interior das escolas.
Essa marca do preconceito de cor é tão presente e relevante no contexto das
relações sociais contemporâneas, que existem manifestações de preconceito racial até mesmo
por parte de alguns professores. Ao ser questionada sobre a existência de manifestações
racistas na escola, a professora de história afirmou:
Sim! Não de professor com aluno, mas entre os próprios alunos a gente vê essa
manifestação de preconceito, às vezes em clima de brincadeira, mas que a gente sabe
que no fundo, no fundo não é uma brincadeira. E também com funcionários da
escola, professores com os funcionários da escola. Se dizendo ser brincadeira, da
mesma forma que os alunos fazem (informação verbal).49
Em seguida, a professora narrou o episódio que demonstra bem essa postura
preconceituosa, pois, de acordo com ela, a situação ocorrera na escola em que leciona – uma
das escolas pesquisadas. Houve um desentendimento entre uma professora de língua
49 Entrevista realizada em 2016 com uma professora de história do 3º ano do Ensino Médio, da Escola
Abraão Baquit.
62
portuguesa e a coordenadora da escola (que é licenciada em história) por causa de uma
“brincadeira” direcionada a um servidor negro. A professora relatou que, no momento em que
a colega de trabalho (a professora de língua portuguesa) participava de um evento, enviou via
grupo de wattsapp50
uma foto ao lado da imagem de um preto velho51
, dizendo estar ao lado
do pai do vigia da escola, que é negro. “Houve até um embate entre a coordenadora e a
professora, porque essa brincadeira foi através de um grupo do wattsapp, que essa outra
pessoa não participa (o vigia). E que a coordenadora chegou até a sair do grupo, pois várias
pessoas ficaram querendo dizer que era „brincadeira‟”.52
Este depoimento reforça a naturalidade com que algumas pessoas, com o
agravante, neste caso, de serem professores, aceitam a disseminação do preconceito racial no
Brasil, e como isso reflete no meio educacional, principalmente porque é visto por alguns
professores como algo normal, pois, quando a coordenadora tentou intervir, conscientizando a
professora acerca do que ela acabara de fazer, os demais colegas se pronunciaram dizendo ser
apenas uma brincadeira.
Fanon (1980, p. 44) chama atenção para a normalidade do ser racista numa cultura
com racismo, ou seja, nessas circunstâncias “o racista é, pois, normal [é a norma]”. Desta
forma, compreendemos melhor a dificuldade de reconhecer, denunciar e desnaturalizar o
racismo no Brasil, pois ele está arraigado na essência de uma sociedade de pensamento
colonizado.
No que se refere ao episódio denunciado acima e às demais práticas
preconceituosas existentes nas escolas, destacamos o papel do professor como essencial, pois
a postura adotada por alguns devido à falta de preparo (o que requer um pensar sobre o
processo formação docente) ou por preconceitos raciais arraigados, interfere diretamente na
formação dos estudantes, uma vez que estes professores, frequentemente “não sabem lançar
mão das situações flagrantes de discriminação no espaço escolar e na sala como momento
pedagógico privilegiado para discutir a diversidade e conscientizar seus alunos sobre a
importância e a riqueza que ela traz à nossa cultura e à nossa identidade nacional”.
(MUNANGA, 2005, p. 15), e mais grave, algumas vezes, são protagonistas destas situações
de discriminação, como no caso relatado acima.
50 Aplicativo de mensagens instantâneas (software para smartphones).
51 O Preto Velho é uma entidade africana que está associada à imagem de ancestrais das religiões afro.
Um espírito evoluído que é conselheiro, amigo acolhedor e confidente, mas também um espírito forte que luta
contra o mal sob a proteção dosorixás da Umbanda. Ver mais em: <<https://www.raizesespirituais.com.br/preto-
velho-espirito-evoluido/>> Acesso em: 24 de nov. 2016 52
Entrevista realizada em 2016 com uma professora de história do 3º ano do Ensino Médio, da Escola
Abraão Baquit
63
Os episódios citados chamaram nossa atenção, uma vez que compreendemos a
falta de conhecimento ainda presente no âmbito escolar como parte de um processo social
excludente num país de pensamento colonizado.
Nas ocorrências apresentadas por nossos entrevistados, percebemos que as
práticas de preconceito racial existentes nas escolas demonstraram que parte do que acontece
se relaciona com a naturalização do racismo e com o desconhecimento e a desvalorização –
por parte dos estudantes e também de alguns professores – da história dos negros afro-
brasileiros e africanos.
Nesse sentido, percebemos que a colonização requer mais do que a subordinação
material de um povo, na medida em que também fornece os meios pelos quais as pessoas são
capazes “de se expressarem e se entenderem”. (FANON, 2008, p. 15). Essa concepção de
mundo reflete nas relações sociais nos diferentes meios, em especial nas escolas, uma vez que
interferem nas estruturas de saber e linguagem, convergindo para o que fora denominado por
Frantz Fanon (2008) de “colonialismo epistemológico”.
A perspectiva de pensamento colonizado apresentada por Fanon (2008) dialoga
bem com nossa pesquisa, uma vez que pretendemos refletir sobre o papel da escola no
processo de exequibilidade de práticas sociais de produção e reprodução de conhecimentos
diversos, principalmente no que se refere à história dos africanos e afro-brasileiros.
Buscando perceber as práticas de ensino como propulsoras de um novo modelo de
educação que se propõe emancipadora, focamos no racismo ainda presente no cerne de nossa
sociedade e, que, por ser a escola parte desta, também apresenta formas peculiares de
manifestações preconceituosas de caráter racial. Para tanto, destacamos a seguir algumas
ponderações dos docentes entrevistados, ao expressarem suas perspectivas e angústias acerca
dos conflitos vivenciados nas escolas e sobre o papel do ensino da história africana e afro-
brasileira como instrumento de combate ao racismo.
No decorrer da entrevista com a professora de história do Ensino Médio, a
docente apontou que uma das dificuldades enfrentadas para problematizar o racismo em sala é
a negação da própria cor por parte dos estudantes, pois, ao falar sobre as aulas de história e os
projetos da escola que contemplam a história e cultura africana e afro-brasileira, a professora
pontua a falta de conscientização e interesse dos estudantes que estão saindo do Ensino Médio
sem conhecer a história dos negros africanos e afro-brasileiros, avaliando, por meio de sua
vivência escolar, que:
64
Além dos projetos, eu acho que a conscientização de cada um mesmo, o que é
difícil. Muitas vezes, o negro não se vê como negro, ele próprio não se aceita como
negro. Já começa a dificuldade daí, né? Ele tem vergonha de dizer que é negro. O
que não deveria existir, mas que a nossa sociedade impõe isso... eles não se aceitam
como negros, e é como se não fosse um assunto interessante para eles, essa tentativa
de conscientização quanto à raça. (informação verbal).53
A professora ainda acrescentou que, mesmo chamando a atenção dos estudantes
para despertá-los quanto às suas origens, e, em especial, à cor de pele deles, dificilmente dois
ou três integrantes da turma se manifestam ou se posicionam em relação à situação do negro
no Brasil, mais especificamente no que se refere ao reconhecimento da própria cor. Essa
negação exposta pela entrevistada demonstra que ainda estamos longe de superar o estigma do
negro como descendente de pessoas subalternizadas em nossa sociedade, o que, por esse
motivo, não desperta o interesse de alguns jovens em se reconhecerem negros, mesmo diante
dos traços fenotípicos negros que possuem.
No que se refere às relações raciais presentes no Brasil e às representações e
experiências de subalternidade do negro, Lopes (2004, p. 17) identifica que “essa origem da
classificação por cor é carregada de um conteúdo marcadamente discriminatório, e com ele
vêm junto conceitos, opiniões e certezas que informaram, ao longo da nossa história, o lugar
de cada um – brancos e negros – no imaginário social”. Essa abordagem justifica a postura de
alguns dos estudantes da escola pesquisada quanto à negação da própria cor, uma vez que ela
apresenta um fardo muito pesado da gênese da história nacional, bem como de toda a
trajetória do negro no nosso país.
O professor de história do Ensino Fundamental I, ao ser questionado sobre a
presença de manifestações racistas na escola, respondeu que:
Sim, quase semanalmente acontece isso. Quando começa uma discussão em sala, se
a pessoa for mais escura, chamam de negro ou macumbeiro… que envolve a
religião. São sempre essas duas coisas: negro e macumbeiro. Macaco também. Mas
só ocorre quando tem conflito, não é espontâneo deles. Ocorre um conflito, e eles
soltam as palavras. (informação verbal).54
Observamos na fala do professor que as manifestações racistas na escola ocorrem
em momentos de discussões entre os estudantes. As agressões enfatizam a cor e a religião de
origem afro dos estudantes agredidos nos fazendo refletir sobre a relevância de problematizar
53 Entrevista realizada em 2016 com uma professora de história do 3º ano do Ensino Médio, da Escola
Abraão Baquit. 54
Entrevista realizada em 2016 com um professor de história do 5º ano do Ensino Fundamental, da
Escola José Bonifácio de Sousa.
65
o racismo na tentativa de promover uma verdadeira educação para as relações étnicorraciais
nas escolas quixadaenses, haja vista a maneira preconceituosa com que os estudantes
elaboram suas discussões em sala, nas quais a cor de pele é enfatizada para manifestar
desprezo pelo colega, bem como menosprezá-lo pelo emprego do termo “macumbeiro”, visto
como pejorativo e como sinônimo de “ser negro” ou “ser preto”, numa tentativa de
demarcação de lugares sociais em uma sociedade racista.
Notamos na fala deste professor um distanciamento ou silenciamento sobre a
problemática em questão, observe-se a sua abordagem centrada apenas nas ações dos
estudantes, principalmente quando diz que essas ações não são espontâneas, mas que nascem
dos conflitos, como que querendo justificar o porquê de elas existirem. Em nenhum momento
ele diz que interfere nesses tumultos ou que problematiza sobre essas práticas racistas dentro
da sala de aula. O silêncio do professor pode auxiliar novas ocorrências de ações
preconceituosas e discriminatórias no espaço escolar, bem como em outros espaços sociais
(CAVALLEIRO, 2006).
Em um segundo momento, ao questionarmos o professor sobre o que pode ser
feito pela escola para conscientizar os estudantes sobre a problemática do racismo, ele
enfatizou:
Com educação. Mas a gente vê que já vem de casa... a má educação deles vem de
casa, então o que a gente faz aqui é um trabalho quase perdido. Pode fazer o que
quiser, mas sempre vai ter. Diminui em determinadas épocas do ano, mas não acaba.
Qualquer conflito, partem logo para essa área aí. (informação verbal).55
Percebemos que, malgrado enfatize a educação como meio de conscientização dos
estudantes sobre suas posturas e ações preconceituosas, o professor demonstra descrença no
trabalho que realiza, ao salientar que podem fazer de tudo, mas que essas ações não acabarão,
visto que, durante os conflitos, a questão racial é sempre evidenciada como meio de
minimizar o outro a partir de sua cor.
No que se refere à diminuição dessas agressões racistas, o professor referiu que os
conflitos diminuem quando são realizados projetos que abordam a história e cultura negra na
escola, o que nos faz refletir sobre a importância de trabalhar na escola a história dos negros
no Brasil, para, a partir de então, emergir “um relacionamento mais igualitário e mais justo,
que nos faça apreender o mundo de forma edificante, emancipatória e multicultural”.
(GOMES, 2011, p. 50)
55 Idem.
66
Outra questão que observamos ao analisar as entrevistas dos três professores de
história é que abordar a temática do racismo e da história e cultura do negro africano e afro-
brasileiro parece ser de responsabilidade apenas dos professores de história, como se esse
trabalho de conscientização apresentasse caráter conteudista e conceitual disciplinar e que,
por este motivo, só pudesse ser abordado e problematizado pelos professores da disciplina
história.
Sobre essa realidade, a coordenadora da Escola Municipal Nemésio Bezerra
distinguiu em sua fala que “o racismo é algo que ocorre de forma tão perspicaz, às vezes, que
você pensa que não é racista, mas está sendo racista em alguma forma”56
. Na sequência do
diálogo, ela apontou que, para que se efetive uma política de combate ao racismo nas escolas,
é necessário que os professores se engajem mais, pois, segundo a sua percepção, na escola em
que atua, somente os professores de história trabalham com mais afinco a história e a cultura
africana e afro-brasileira. Despertar os demais professores para esse fenômeno social que
adentra e interfere na comunidade escolar é desafiador, pois, “primeiro os professores
precisam estar conscientes do que é o racismo, para não adotarem posturas racistas”57
e, para
tanto, precisam fazer cursos e capacitações que os auxiliem a perceber o racismo implícito em
letras de músicas, histórias e até mesmo nas representações de personagens – como o “Saci
Pererê”58
– nos eventos escolares.
Essas ponderações são reafirmadas na fala do professor de história da escola
supracitada, quando, ao ser questionado sobre as propostas pedagógicas existentes na escola
para a efetivação do ensino da história e cultura africana e afro-brasileira, afirmou:
Todos os anos, mesmo que sejam pontuais, mas, nós temos o dia da consciência
negra. Mas, para além disso aí, nós temos as feiras, temos duas feiras culturais
durante o ano. Temos uma em maio, final de maio e a outra em novembro. E, em
todas essas feiras têm sempre uma oficina voltada para cultura afro-brasileira.
Inclusive no ano passado eu mesmo monitorei uma, eu e a Auricélia fomos os
ministrantes... e foi show de bola! Foi uma das mais belas oficinas e mais
proveitosas que a escola presenciou e que já teve. (informação verbal).59
56 Entrevista realizada em 2016 com a coordenadora pedagógica da Escola Nemésio Bezerra.
57 Idem.
58 O Saci-Pererê é uma lenda do folclore brasileiro e originou-se entre as tribos indígenas do sul do Brasil.
Com a influência da mitologia africana, o saci se transformou em um negrinho que perdeu a perna lutando
capoeira, além disso, herdou o pito, uma espécie de cachimbo, e ganhou da mitologia europeia um gorrinho
vermelho. Ver mais em: <<https://brasilescola.uol.com.br/folclore/saci-perere.htm>> Acesso em 10 de nov.
2017. 59
Entrevista realizada em 2016 com um professor de história do 9º ano do Ensino Fundamental II, da
Escola Nemésio Bezerra.
67
O professor destaca que monitorou a feira com outra professora de história –
atualmente lotada no Laboratório Escolar de Informática –, o que confirma a relevância das
atividades promovidas e coordenadas pelos professores de história nas escolas públicas do
bairro Campo Novo, em Quixadá. É notório, no discurso dos professores e gestores
entrevistados, esse direcionamento aos professores formados em história, como se essa fosse a
única disciplina capaz de apresentar a história e cultura africana e afro-brasileira.
Os desafios desses professores e de muitos que estão no “chão” da sala de aula,
vão além do ensinar a história e cultura dos afro-brasileiros e africanos, pois, segundo o relato
de dois dos três professores de história entrevistados, um dos maiores desafios é despertar nos
estudantes o interesse pelo assunto. O professor da turma do 5º ano do Fundamental I, por sua
vez, afirmou que o desinteresse apresentado pelas crianças permeia todas as disciplinas e seus
conteúdos – ele é pedagogo e leciona várias disciplinas (o chamado polivalente) – e que a
turma é apática durante suas aulas.
A professora do 3º ano do Ensino Médio, sublinhou, conforme citamos acima, o
desinteresse pelo conteúdo por boa parte da turma, principalmente pelos estudantes que não se
consideram ou não se aceitam como negros, daí surgindo o descaso pelo assunto. Em
contrapartida, o professor do 9º ano do Fundamental II, afirmou que os alunos participam e
até gostam das aulas que abordam a história e cultura africana e afro-brasileira.
Ao ser indagado sobre a reação dos alunos nas aulas que tratam da temática afro-
brasileira e africana, o professor de história do 9º ano afirmou que:
Eles já ficam ansiosos pra ver o que eu vou trabalhar. Os assuntos, os temas, as
imagens … que eu gosto muito de imagem! Eu acho que a imagem diz muita coisa.
E aí a gente vai trabalhando dessa forma e eles adoram, é tanto que num capítulo eu
demoro assim quatro ou cinco aulas pra dar, porque eu esmiuço a história africana.
(informação verbal).60
Conforme o depoimento deste professor, ele explora temáticas da história africana
empregando metodologias que prendem a atenção dos alunos em vários encontros e,
certamente, os envolve em discussões que desconstroem imagens deturpadas da história dos
africanos e dos afro-brasileiros. Metodologias assim colaboram com a formação de novas
concepções acerca da história do negro e de sua importância na história do Brasil.
Analisando o que foi apresentado nas falas dos três professores de história
entrevistados, nos questionamos sobre os procedimentos metodológicos utilizados por estes.
60 Idem.
68
O que falta para se obter êxito na implementação do ensino da história africana e afro-
brasileira nas escolas públicas de Quixadá? Será a responsabilidade somente dos professores
de história? Por outro lado, é produtivo questionar: por que o depoimento de um dos
professores contrasta dos demais? Quem de fato está conseguindo promover uma educação
mais crítica? Estes questionamentos nos levam a perceber que, apesar de o professor de
história estar à frente desta tarefa, ela é coletiva e dinâmica, exigindo novas posturas e
astúcias por parte de todos os sujeitos escolares, para que teoria e prática caminhem em
harmonia e a educação se torne de fato emancipadora. A esse respeito, Cunha Jr. (2005, p.
252) assevera:
Nesta formulação da necessidade de combate à desigualdade, a educação figura
como uma das formas importantes de mudança da estrutura social dos
afrodescendentes. Para combater esta desigualdade, a educação precisa teorizar,
realizar práticas efetivas e específicas que modifiquem concretamente a situação dos
afrodescendentes.
As situações elencadas acima, apesar de apresentarem algumas contradições e
limitações por parte dos professores entrevistados, reafirmam a importância do ensino de
história na promoção da descolonização do pensamento dos estudantes da educação básica
quixadaense, bem como dos demais professores que compõem o cenário escolar, uma vez
que, ao apresentar novos fatos e personagens da história do país, bem como problematizar as
dificuldades sociais do presente em suas relações com o passado, os professores de história
podem colaborar significativamente para a promoção de uma educação das relações
étnicorraciais nas escolas.
A escola, por meio de seus representantes, especialmente professores, constitui
um dos espaços em que pode ocorrer a aplicabilidade de políticas públicas que visam reparar
os danos causados às comunidades marginalizadas, sobretudo a comunidade negra, e reverter
o cenário no qual esses sujeitos ainda se encontram.
No que concerne às relações étnicorraciais e na promoção de uma educação
antirracista, consideramos como subsídios significativos o conhecimento das histórias e
culturas africanas e afro-brasileiras, por isso salientamos a relevância da conquista social da
Lei 10.639/03, que tornou obrigatório o ensino de cultura e história africana e afro-brasileira
no currículo da educação básica nacional e suas possibilidades de consecução no contexto
local. Isto posto, é útil recordar que, para compreender tais propostas, é necessário percebê-las
de modo ulterior ao cenário formal e governamental, uma vez que os cidadãos brasileiros –
69
em especial os que sofrem as marcas do preconceito – costumam buscar a emancipação
cultural de uma história nacional pautada no eurocentrismo.
A promoção de uma educação valorativa e equânime, entretanto, envolve
diferentes procedimentos metodológicos que atendam aos novos moldes do ensino,
reconhecendo a relevância de orientações no âmbito escolar, sem, no entanto, compreendê-las
como imparciais, pois, as Diretrizes Curriculares e demais políticas organizacionais dos
sistemas de ensino do país, estão eivadas de significados políticos que podem influenciar
fortemente as ideias, atitudes, comportamentos e modos de agir de professores e alunos, bem
como as práticas pedagógicas, curriculares e organizacionais (LIBÂNEO, OLIVEIRA e
TOSCHI, 2005).
Nesse contexto, é mandatória a compreensão de que “a história ensinada é sempre
fruto de uma seleção, um „recorte‟ temporal, histórico. As histórias são frutos de múltiplas
leituras, interpretações de sujeitos históricos situados socialmente”. (SILVA e FONSECA,
2010, p.16). Dessa forma, compreendemos que a inserção da história do negro nos currículos
escolares e nas aulas de história e demais disciplinas faz parte de uma conquista do
movimento negro, que vislumbra um projeto educativo muitas vezes contrastante com a teoria
social e pedagógica hegemônica. (GOMES, 2011)
Destarte, salientamos que, a despeito dos desafios e limitações presentes nas
escolas, os professores e estudantes da educação básica quixadaense, estão questionando,
problematizando e refletindo sobre a importância da desconstrução de uma cultura racista no
contexto local, tendo em vista as metodologias utilizadas pelos professores para a consecução
de um ensino pautado no respeito a diversidade étnicorracial do povo brasileiro.
Ademais, ressaltamos que a tarefa de reeducar para as relações étnicorraciais é de
responsabilidade de todas as pessoas e instituições que prezam por uma sociedade justa e
igualitária, uma vez que “combater o racismo, trabalhar pelo fim da desigualdade social e
racial, empreender reeducação das relações étnico-raciais não são tarefas exclusivas da
escola”. (BRASIL, 2004, p. 14).
Dentre as escolas pesquisadas, tivemos a oportunidade de presenciar a
culminância do projeto do dia da consciência negra, e, na ocasião, percebemos a participação
de parte significativa dos professores, bem como da direção, apesar de o evento ser conduzido
pelos professores de história. Porém, pudemos observar o apoio dos demais agentes escolares.
Não por acaso, esta escola é aquela em que o depoimento do professor não condiz com o
depoimento dos outros dois professores entrevistados, demonstrando que o apoio dos colegas
professores e gestores é fundamental para o sucesso na inserção de novos conteúdos e debates
70
que são essenciais ao processo de aprendizagem dos alunos, numa proposta de educação
cidadã e inclusiva. Este projeto e outros serão relatados e analisados no capítulo a seguir.
4 O COMBATE AO RACISMO NO COTIDIANO ESCOLAR: REEDUCAR PARA AS
RELAÇÕES ÉTNICORRACIAIS
A instituição escolar deve ser compreendida como figura representativa no
cenário de desconstrução de ideias e pensamentos e de ressignificação dos fenômenos sociais
contemporâneos. No caso específico de interesse desta pesquisa – bairro Campo Novo, em
Quixadá –, esta instituição revela-se um espaço necessário, pelas condições socioeconômicas,
de discussão à frutificação de novos conhecimentos que objetivem indicar alternativas
exequíveis de erradicação do preconceito racial no cenário local.
O racismo ocorre no interior das escolas por motivos diversos, como: a falta de
capacitação ou sensibilidade dos profissionais – que não raro são inaptos a mediar situações
de conflitos em que ocorrem manifestações racistas; e a ausência de materiais que auxiliem
professores e gestores na consecução das diretrizes educacionais voltadas à educação das
relações étnicorraciais, sobretudo por negligência da comunidade escolar, em que pais,
estudantes, professores e demais profissionais que atuam nas escolas muitas vezes se omitem
de discutir a questão da discriminação racial – existente dentro e fora do contexto escolar –
como se, ao agirem assim, pudessem invisibilizar a realidade vivida por parte dos estudantes
negros quixadaenses. Tal postura apenas dificulta a reflexão sobre a questão, para, por
conseguinte, extirpá-la do cotidiano das vítimas dessas práticas preconceituosas.
Deste modo, para que compreendamos melhor o papel das escolas analisadas no
contexto em que se situam, neste último capítulo, analisamos as propostas pedagógicas
existentes nas escolas para a efetivação do ensino da história e da cultura afro-brasileira e
africana, bem como os desafios enfrentados por gestores, professores e estudantes durante as
aulas e projetos que abordam temáticas voltadas à realização de um ensino multicultural.
Empreendemos uma análise comparativa entre as falas dos entrevistados e as propostas das
Políticas Públicas de Educação para Promoção da Igualdade Racial no país – baseadas,
sobretudo nas Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-raciais e
para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana – bem como, com os Projetos
Políticos Pedagógicos (PPP) das três escolas investigadas e os livros didáticos de história que
estas adotam do Programa Nacional do Livro Didático. Por fim, apresentamos as ponderações
71
dos sujeitos entrevistados sobre como devemos combater o racismo na escola, considerando a
vivência e percepção de cada um sobre o seu contexto sócio escolar.
4.1 AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO DAS
RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E PARA O ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA AFRO-
BRASILEIRA E AFRICANA E OS PROJETOS POLÍTICOS PEDAGÓGICOS (PPP) DAS
ESCOLAS EM FOCO
Educar para as relações étnicorraciais é uma incumbência desafiadora, pois requer
das escolas um posicionamento político, segundo o qual instituição e comunidade escolar
sejam parceiras no processo de desenvolvimento de ações que objetivem promover um
modelo de ensino antirracista, que prime especialmente pelo respeito e valorização da história
dos africanos e afro-brasileiros, marcada por uma trajetória silenciosa.
O Art. 3°, das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações
Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana afirma que:
A Educação das Relações Étnico-Raciais e o estudo de História e Cultura Afro-
Brasileira, e História e Cultura Africana será desenvolvida por meio de conteúdos,
competências, atitudes e valores, a serem estabelecidos pelas Instituições de ensino e
seus professores, com o apoio e supervisão dos sistemas de ensino, entidades/
mantenedoras e coordenações pedagógicas, atendidas as indicações, recomendações
e diretrizes explicitadas no Parecer CNE/CP 003/2004. (BRASIL, 2004, p. 32)
As Diretrizes citadas remetem ao parecer do Conselho Nacional de Educação –
CNE/CP 003/2004, que, por sua vez,
[...] visa a atender os propósitos expressos na Indicação CNE/CP 6/2002, bem como
regulamentar a alteração trazida à Lei 9394/96 de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, pela Lei 10.639/200, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na Educação Básica. (BRASIL, 2004,
p.9),
Buscando cumprir o estabelecido nos Art. 5º, I, Art. 210, Art. 206, I, § 1° do Art.
242, Art. 215 e Art. 216, da Constituição Federal e nos Art. 26, 26 A e 79 B na Lei 9.394/96
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que prescrevem o direito à igualdade de
condições de vida e de cidadania, bem como garantem igual direito às histórias e culturas que
compõem a nação brasileira e o acesso às diferentes fontes da cultura nacional a todos
brasileiros. (BRASIL, 2004).
72
Partindo do pressuposto no referido parecer, a garantia de direito às histórias e
culturas nacionais visa reparar a dívida histórica que o Brasil tem com a comunidade negra,
mediante a reorganização do currículo escolar. Para tanto, novas mentalidades e metodologias
precisam ser desenvolvidas no sentido de educar para as relações étnicorraciais, pelo despertar
das consciências no que se refere à importância da história e cultura negra no país. Portanto, é
imperativo que a escola e seus educadores assegurem a construção de estratégias educacionais
de combate ao racismo, atendendo às políticas de reparações, reconhecimento e valorização
de ações afirmativas para a educação das relações étnicorraciais.
Nesta perspectiva, algumas estratégias são elencadas nas Diretrizes Curriculares
Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura
Afro-brasileira e Africana, destacando que:
Pedagogias de combate ao racismo e a discriminações elaboradas com o objetivo de
educação das relações étnico/raciais positivas têm como objetivo fortalecer entre os
negros e despertar entre os brancos a consciência negra. Entre os negros, poderão
oferecer conhecimentos e segurança para orgulharem-se da sua origem africana;
para os brancos, poderão permitir que identifiquem as influências, a contribuição, a
participação e a importância da história e da cultura dos negros no seu jeito de ser,
viver, de se relacionar com as outras pessoas, notadamente as negras. Também farão
parte de um processo de reconhecimento, por parte do Estado, da sociedade e da
escola, da dívida social que têm em relação ao segmento negro da população,
possibilitando uma tomada de posição explícita contra o racismo e a discriminação
racial e a construção de ações afirmativas nos diferentes níveis de ensino da
educação brasileira. (BRASIL, 2004, p.16)
Nesse contexto de mudanças de posturas e mentalidades pelas vivências escolares,
o ensino da história africana e afro-brasileira deveria atender às exigências contidas nas
Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino
de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, que determinam:
O ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana se fará por diferentes
meios, em atividades curriculares ou não, em que: – se explicite, busque
compreender e interpretar, na perspectiva de quem o formule, diferentes formas de
expressão e de organização de raciocínios e pensamentos de raiz da cultura africana;
– promovam-se oportunidades de diálogo em que se conheçam, se ponham em
comunicação diferentes sistemas simbólicos e estruturas conceituais, bem como se
busquem formas de convivência respeitosa, além da construção de projeto de
sociedade em que todos se sintam encorajados a expor, defender sua especificidade
étnico-racial e a buscar garantias para que todos o façam; – sejam incentivadas
atividades em que pessoas – estudantes, professores, servidores, integrantes da
comunidade externa aos estabelecimentos de ensino – de diferentes culturas
interatuem e se interpretem reciprocamente, respeitando os valores, visões de
mundo, raciocínios e pensamentos de cada um. (BRASIL, 2004, p.20-21)
73
As ações educativas de combate ao racismo e as discriminações visam
problematizar as relações étnicorraciais que precisam ser percebidas, discutidas e
compreendidas por todos os cidadãos brasileiros, para que os direitos da comunidade negra
sejam respeitados e suas histórias e culturas valorizadas. Nesse contexto, o uso de
metodologias diversas contribui para o aprendizado dessas histórias e culturas, numa
perspectiva mais ampla, haja vista que a inserção do ensino da história e cultura afro-
brasileira e africana na educação básica nacional é preponderante no processo de reeducação
dos brasileiros, pois “não se trata apenas de trazer para dentro da escola um novo componente
curricular, mas uma temática e um debate marcados por uma longa trajetória de disputas e
embates, de polêmicas e dissensos, e também de silenciamentos”. (ALBERTI, 2013, p. 59)
Fazer emergir as vozes dos afrodescendentes – silenciadas por quase quinhentos
anos de história nacional – através de discussões promovidas no contexto escolar é
fundamental para o processo de desconstrução de conceitos, ideias e comportamentos racistas
que favorecem a segregação étnicorracial em nosso país.
Algumas propostas para trabalhar esta temática nas escolas de todo o país estão
elencadas nas Orientações e ações para a Educação das Relações Étnico-Raciais, elaboradas
pela Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Dentre as
recomendações presentes nesse guia, escolhemos sugestões de atividades para o Ensino
Fundamental e para o Ensino Médio, que podem subsidiar escolas e professores na
exequibilidade da Lei 10.639/03.
Referentes aos temas e metodologias a serem trabalhados no Ensino Fundamental,
destacamos três: identidade, histórico da comunidade e a realidade sócio racial da população
negra. Exemplo 1:
Tema: Identidade (autoconhecimento, relações sociais individuais e diversidade).
Objetivos: Perceber, valorizar semelhanças e diferenças, respeitar as diversidades
Subtema: Eu, minha família, o lugar onde moro.
Diálogo com a questão racial:
Identidade racial em relação à origem étnica da família do/a aluno/a.
Termo afro-brasileiro buscando a ancestralidade africana da família.
Identificar tradições familiares e semelhantes àquelas que se relacionam às tradições
africanas reinventadas no Brasil, valorizando-as. (BRASIL, 2006, p.181).
Conforme apresentado, ao abordar o tema Identidade, objetiva-se a percepção,
valorização e respeito às diversidades, que têm por base as percepções dos estudantes com
relação aos conhecimentos familiares, por meio da associação destes com as tradições
74
africanas e/ou afro-brasileiras, o que colabora para o processo de identificação dos estudantes
ao grupo afrodescendente. Sobre o histórico da comunidade, temos o Exemplo 2, que sugere:
Confeccionar álbuns, livros de contos, ABCs, cordel, privilegiando a história da
comunidade, sendo assim um instrumento de valorização dos grupos étnico-raciais e
sociais que a compõem. Esta atividade promoverá o fortalecimento de inserção na
escrita, ao mesmo tempo em que se valorizará uma dimensão de oralidade, aqui
pensada como transmissão de saberes necessários e fundamentais à memória
coletiva dos grupos. (BRASIL, 2006, p.185).
Essas atividades permitem aos estudantes o reconhecimento da história da sua
comunidade, família e de sua própria história, fortalecida pela experiência com a tradição oral
africana, que poderá refletir positivamente na formação identitária das crianças negras, bem
como a fixação da aprendizagem pelo código escrito e por outros métodos que fortalecem
esse processo educativo, baseado sobretudo no respeito a diversidade étnicorracial. No âmbito
da abordagem sobre a realidade sócio racial da população negra no contexto contemporâneo,
o Exemplo 3 propõe a música, o jornal e as mídias como subsídios preponderantes na
realização de propostas pedagógicas, ao afirmar:
O elemento motivador para estimular o projeto de trabalho poderia ser a música
(rap, samba ou outras que abordem o tema5); um artigo de jornal; análise de
anúncios publicitários. Por meio desses elementos, propiciar reflexões sobre o difícil
processo de ocupação do espaço urbano vivenciado pela população negra no período
pós-abolição e na atualidade, contextualizando as causas consequências dessa
ocupação como também as relações estabelecidas. (BRASIL, 2006, p.186).
Esses elementos pedagógicos possibilitam uma relação mais direta entre os
estudantes e a realidade que os cerca, o que pode fomentar neles o interesse pela temática,
pois, ao conjecturarem sobre o processo de ocupação dos espaços urbanos e sociais pela
comunidade negra, podem ou não se reconhecer nos papéis de oprimidos ou opressores nas
vivências cotidianas, o que implica em reflexões das próprias ações e relações estabelecidas
no seu convívio social.
Quando os autores das orientações direcionam a abordagem para as possíveis
ações a serem desenvolvidas no Ensino Médio, destacam:
O presente texto aponta que por meio do Projeto Político Pedagógico das escolas é
possível garantir condições para que alunos (as), negros (as) e não-negros (as)
possam conhecer a escola como um espaço de socialização. Um espaço em que as
relações interpessoais, os conteúdos e materiais constituam o diálogo entre culturas,
que tragam não apenas as histórias e contribuições do ponto de vista europeu, mas
também as histórias e contribuições africanas e afro-brasileiras. (BRASIL, 2006, p.
87).
75
Essas orientações enfatizam a intrínseca relação entre conteúdos, materiais e
vivências escolares no contexto de relações culturais e simbólicas, legitimadas na dinâmica
escolar. Nas observações contidas no documento citado, também foi considerada a
particularidade dos estudantes de Ensino Médio e a representatividade social do ser jovem
como fator relevante para a promoção de um diálogo multicultural e pluriétnico, capaz de
colaborar na formação de identidades positivas na escola. Todavia, nesse processo, os
Projetos Políticos Pedagógicos (que toda escola precisa elaborar) são apresentados como
meios de viabilizar a construção dessas identidades positivas, mediante ações diversas
desenvolvidas para e com a comunidade escolar.
Nesse sentido, analisamos os Projetos Políticos Pedagógicos das escolas José
Bonifácio de Sousa, Nemésio Bezerra e Abraão Baquit, para compreender melhor as ações
nelas desenvolvidas que visem o combate ao racismo. Porém, faz-se necessário, antes de
apresentá-los, esclarecer que essas escolas, localizadas no bairro Campo Novo, no município
de Quixadá, atendem às demandas de estudantes também de outros bairros circunvizinhos,
como: Putiú, COHAB e Monte Alegre. As três escolas têm prédios anexos, inclusive situados
fora do perímetro urbano, em distritos61
que pertencem à cidade de Quixadá.
Nas três escolas pesquisadas, são desenvolvidas atividades pedagógicas baseadas
em diretrizes norteadores do ensino formal nacional, dentre elas, as orientações contidas na
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB 9394/96, Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs), Conselhos Estadual e Municipal de Educação, Estatuto da Criança e do
Adolescente – ECA, bem como em seus Projetos Político Pedagógicos (PPP‟s), nos quais
constam as orientações internas dos trabalhos a serem realizados conforme a realidade e as
condições de cada escola.
Nos Projetos Político Pedagógicos das três escolas, percebemos que as palavras
cultura, inclusão, diversidade, respeito, educação, ética e cidadania se repetem e são
ressaltadas nos fundamentos ético-políticos dessas instituições, que, ao justificarem o papel
que as escolas têm na comunidade, defendem como princípios norteadores da política escolar
garantir a formação de sujeitos capazes de exercerem plenamente a cidadania, por meio de
uma educação humanista, conforme mostra-se apreensível nos seguintes trechos dos PPPs:
61 A Escola José Bonifácio de Sousa tem como anexo a creche do bairro. O anexo da Escola Nemésio
Bezerra está situado no bairro Planalto Jerusalém, próximo ao bairro Campo novo e os dois anexos da Escola
Abraão Baquit estão localizados em dois distritos da Cidade de Quixadá, Juatama e Cipó dos Anjos.
76
Princípios norteadores do trabalho
Gestão democrática da Educação.
Reconhecimento e respeito a diversidade humana.
Garantia da aprendizagem dos saberes e conhecimentos reconhecidos historicamente
pela humanidade e os construídos e legitimados pela comunidade.
Garantia da formação de sujeitos capazes de exercerem plenamente a cidadania.
Garantia de uma educação humanista...
(PPP da Escola José Bonifácio de Sousa, p. 02-03).
Educar significa tornar as pessoas capazes de alcançar objetivos e exercer sua
cidadania plena, tendo a convicção de que o mundo pode ser mudado e/ou
transformado pelas pessoas conscientes e, que para isso, a aquisição do saber
cultural torna-se necessário [...] Buscar a formação cidadã, fundamentada na
construção de uma consciência cristã e crítica, voltada para a análise das questões
sociais, políticas e culturais que cercam o ser humano, este é o princípio mais
significativo da prática docente dirigida aos educandos. (PPP da Escola Nemésio
Bezerra, p.18).
A Escola de Ensino Médio Abraão Baquit tem como filosofia o desenvolvimento de
uma educação integral, diante da transição pela qual passa o mundo, vive-se
expectativa variada: imaginárias, reais, transformadoras e eloquentes. Diante dessa
realidade e na busca de uma sociedade mais justa e humana, solidária e feliz,
trabalharemos para que os nosso educando sejam cidadãos dignos e responsáveis;
críticos, autônomos, solidários, criativos, conhecedores de seus direitos e deveres,
para que possam enfrentar os desafios da atualidade sem preconceitos e
discriminação, buscando assim o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo
para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho; habilitando-o a
atuar na sociedade com senso crítico, iniciativa, criatividade, independência e
responsabilidade social. (PPP da Escola Abraão Baquit, p. 17-18).
Com relação à inserção de ações em conformidade com a Lei 10.639/03, nos PPPs
das escolas José Bonifácio de Sousa e Nemésio Bezerra, essas são referenciadas tanto no texto
que aborda cultura e diversidade – que faz parte dos princípios norteadores desses
documentos – quanto na parte que diz respeito à disciplina de história, destacando a
determinação legal de âmbito federal e suas exigências quanto à inclusão da história e cultura
africana e afro-brasileira na educação básica de todo país e que, por esse motivo, precisam ser
aplicadas à realidade das escolas. Vejamos:
Ações desenvolvidas na escola nos anos de 2015-2016.
Ação Afro
Em consonância com a Lei 10.639/2003, a escola desenvolve com os alunos e
professores específicos, conteúdos onde são trabalhados temas pertinentes ao
assunto. (PPP da Escola José Bonifácio de Sousa, p.24).
A referida instituição defende a utilização de projetos que contemplem todos os
objetivos propostos, tendo em vista suprir às necessidades complementares e plurais
formativas dos educandos, desenvolvendo projetos que abranjam a arte, a
tecnologia, a leitura e escrita, as culturas diversificadas como: a indígena, a
afrodescendente e rural. (PPP da Escola Nemésio Bezerra, p. 24).
77
No que concerne ao detalhamento do conteúdo curricular, o PPP da Escola
Nemésio Bezerra – único que especifica conteúdo por disciplina – cita a Lei 10.639/03 na
disciplina história, problematizando a relevância de refletir sobre o ensinar e o aprender da
disciplina história no contexto das relações contemporâneas. É exemplar do detalhamento o
seguinte trecho:
Pensando neste panorama é que se torna emergente um repensar a forma de ensinar
e aprender a disciplina história como os demais componentes curriculares das áreas
do conhecimento humano para inserir ações pedagógicas que contemplem a Lei
10.639/2003 que trata da História da África e Cultura Afro-Brasileira. (PPP da
Escola Nemésio Bezerra, p. 28).
O prescrito acima destaca a relevância da inclusão do ensino da história e cultura
africana e afro-brasileira no contexto escolar, e, não obstante não se descrevam metodologias
ou ações que a tornem exequível, se apresentam nas falas de professores e estudantes
entrevistados atividades que devem ser realizadas nas aulas de história, bem como projetos
concernentes à temática que envolvem toda comunidade escolar. Segundo os professores,
esses projetos são, geralmente, concluídos em eventos que fazem referência ao Dia da
Consciência Negra, que, com a Lei 10.639/2003, passou a ser o dia 20 de novembro.
No PPP da Escola Abraão Baquit, não existe referência à Lei 10.639/03, nem
tampouco à educação para as relações étnicorraciais no ambiente escolar. A palavra raça só
aparece na justificativa do documento num formato genérico e pontual, sem maiores
explanações, ao lado de outras diversidades. Observemos:
Os valores da escola estão centrados na participação de todos, pois acreditamos que
o trabalho em equipe contribui para o sucesso de cada um. Nosso compromisso é
fazer com que o aluno adquira conhecimentos aliado a uma formação de valores
éticos, morais, despertando a solidariedade e respeito às diversidades culturais,
raciais, religiosas e políticas. (PPP da Escola Abraão Baquit, p. 10).
Não há no PPP da escola mencionada abordagens específicas à diversidade
étnico-racial, uma vez que ela é apresentada como uma das diversidades que precisam ser
respeitadas pelos alunos. Neste documento, é referida apenas a inserção social dos estudantes,
através de um modelo educacional de qualidade, fundamentado na ampla formação desses
educandos. Conforme descrito abaixo:
Pretendemos ser uma escola de referência no estado, conhecida pela qualidade de
ensino, motivação e interesse na aprendizagem do educando e sua formação cidadã,
para que isso ocorra pensamos em:
Promover a superação das práticas desenvolvidas pela escola tradicional;
78
Desenvolver as capacidades cognitivas, físicas, afetivas de relação interpessoal e
inserção social, ética e estética, tendo em vista uma formação ampla;
Despertar a disponibilidade de todos os sujeitos ao aprender, conhecer, fazer, ser
conviver, empreender, prosperar e o comprometimento pessoal e social ao processo
de ensino-aprendizagem e a autoafirmação [...] Assim sendo, nossa filosofia é
oferecer um ensino de qualidade, estimulando a criatividade e a participação dos
nossos educandos, tornando-os cidadãos solidários, éticos e dignos. (PPP da Escola
Abraão Baquit, p. 19-20).
Objetivando perceber os diferentes PPP‟s em ação nas três escolas avaliadas,
elencamos algumas considerações dos nossos entrevistados com relação à realização dos
projetos referentes a questão étnicorracial.
Na Escola de Ensino Fundamental José Bonifácio de Sousa, um dos estudantes, ao
ser questionado sobre a existência de projetos sobre a história africana e afro-brasileira,
respondeu positivamente e que, na semana anterior à nossa conversa, várias atividades
referentes ao Dia da Consciência Negra tinham ocorrido na escola, dentre elas uma em que
garotas e garotos negros desfilaram. E explicou:
Teve até o desfile aqui na escola! Eu desfilei e a minha amiga também desfilou.
Acho que foi bem legal… ajudaria muito se os garotos das ruas tivessem vindo, pra
poder ver se eles paravam de fazer racismo. (informação verbal).62
Na observação do estudante, é notório que o preconceito racial está presente na
realidade do bairro e que ele vê na escola um espaço que pode conscientizar alguns colegas
quanto à ignorância do preconceito racial, acrescentando ainda que gostara do momento em
que desfilou no evento da escola junto com sua amiga, que também é negra. O desfile que
ocorrera na escola durante a culminância desse projeto foi citado também por outra estudante
entrevistada, que afirmou que essas atividades desenvolvidas na escola ocorrem:
Pras pessoas brancas não ter [sic] racismo contra as pessoas negras. As meninas
fizeram a dança da Shakira e também alguns meninos desfilaram. Desfile das
pessoas negras...fiquei feliz! (informação verbal).63
Compreendemos, nesse sentido, que, para esses estudantes, o projeto “Semeando
Valores” – que fora desenvolvido na escola, no decorrer do ano letivo, por meio de aulas,
palestras e oficinas que abordavam a importância de conhecer e valorizar a história dos
diferentes grupos étnicorraciais existentes no Brasil e teve sua culminância na Semana da
62 Entrevista realizada em 2016 com um estudante do 5º ano do Ensino Fundamental I, da Escola José
Bonifácio de Sousa. 63
Entrevista realizada em 2016 com uma estudante do 5º ano do Ensino Fundamental I, da Escola José
Bonifácio de Sousa.
79
Consciência Negra, com atividades como dança, teatro e desfile – representa a expressão da
própria identidade deles, uma vez que estes ressaltam a atividade desenvolvida na escola
como algo que pode ajudar no combate ao preconceito racial contra os negros e, quando citam
o desfile, enfatizam a cor da pele daqueles que desfilaram.
O projeto citado demonstra a participação da escola no processo de formação
identitária de seus alunos negros, a partir da efetivação de projetos pedagógicos que buscam
valorizar o negro e apresentá-lo numa perspectiva igualitária com o branco, que não o
inferioriza, demonstrando a diversidade dos sujeitos que compõem o universo escolar.
Acreditamos que essa metodologia utilizada na escola se caracteriza como ação que visa
“naturalizar a igualdade para se opor à naturalização da diferença como inferioridade, que é o
que sustenta o preconceito.” (LOPES, 2004, p.26).
De acordo com o professor de história do 5º ano, o projeto pedagógico
“Semeando valores”, realizado na escola em 2016, ajudou a reduzir os conflitos entre os
estudantes. Ainda segundo o professor, “esse projeto envolvia eles para diminuir um pouco a
violência que gera esses conflitos de racismo e intolerância que tem aqui dentro da escola”.64
A violência presente nas ações dos estudantes é reafirmada na fala da diretora
quando esta responde nosso questionamento sobre as dificuldades na implementação de ações
que visam combater o racismo na escola.
Não existe dificuldade em trabalhar políticas públicas contra o racismo na escola. O
que existe é que alguns alunos mesmo sendo orientados não mudam suas atitudes
porque o convívio familiar e as atitudes da sociedade causam contradição ao que
eles aprendem na escola.(informação verbal).65
A realidade extraescolar pautada no desrespeito, na violência e na desvalorização
do outro é igualmente apresentada na fala do estudante citado acima, quando referiu que, se os
meninos da rua tivessem participado do evento, isso ajudaria no combate ao racismo,
deixando clara a existências de práticas racistas na comunidade.
A diretora aponta o convívio familiar e social como desafios constantes na tarefa
educativa de proposta inclusiva que viabiliza o encontro de muitas alteridades expressas no
cotidiano escolar. Ressaltamos nesse contexto a condição de violência a que esses estudantes
são submetidos diariamente que lhes tira em parte a sensibilidade de compreender e respeitar
as diferenças étnicorraciais. Contudo, se compararmos as falas citadas, percebemos, na voz
64 Entrevista realizada em 2016 com o professor de história do 5º ano do Ensino Fundamental I, da Escola
José Bonifácio de Sousa. 65
Entrevista realizada em 2016 com a diretora da Escola José Bonifácio de Sousa.
80
dos estudantes, a semente da esperança de dias melhores num cenário adverso e repleto de
contradições.
Na Escola Nemésio Bezerra, os projetos pedagógicos que fazem alusão à história
e cultura africana e afro-brasileira também foram citados com frequência por nossos
entrevistados. Uma estudante do 9º ano ao ser questionada sobre a existência de projetos que
abordam a referida temática, afirmou que “O professor faz às vezes. Às vezes ele faz teatro,
chama as meninas e ele amostra [sic], chama todo mundo pro pátio e amostra [sic] teatro, aí
depois tem palestra e só.66
A estudante destaca que o projeto é executado na escola e é exposto
em apresentação teatral seguida de palestra, deixando claro que a proposta contempla várias
metodologias.
O professor de história da turma do 9º ano, ao ser questionado sobre as
apresentações desses projetos, destacou que essa atividade:
É aberta para comunidade, a comunidade visita. Nós convidamos pessoas das
gestões, da secretaria de educação e tudo mais. Então nós temos esse trabalho, esse
desenvolvimento e nós mesmos professores de história, nós sempre procuramos
estender um pouco mais os temas que falam sobre Continente africano, cultura afro-
brasileira. Geralmente o continente africano, a economia, a política, sociedade, e a
gente aproveita isso aí e traz para nossa história, com relação a cultura afro-
brasileira. (informação verbal).67
As observações acima nos fazem perceber a realização de atividades voltadas à
temática africana e afro-brasileira na Escola Nemésio Bezerra, mesmo que de maneira
pontual, por meio de projetos. Ao citar que essas apresentações são exibidas para toda a
comunidade, o professor deixa claro o alcance dessa atividade fora do contexto escolar.
Participamos da culminância de um desses projetos (figuras 07 e 08), que ocorreu
no dia 21 de novembro de 2016, durante nossa observação no campo de pesquisa. O projeto,
intitulado “20 de novembro: Dia da Consciência Negra”, originado da Feira Cultural que
ocorre anualmente, faz parte das ações desenvolvidas na escola. Essas atividades são
realizadas por meio de oficinas que abordam, dentre outras, a temática africana e afro-
brasileira. Segundo o professor orientador do projeto, uma das oficinas foi de maquiagem e
tinha como objetivo apresentar a beleza das meninas negras, visando valorizar a sua
identidade étnicorracial. Outras oficinas que utilizaram imagens, exposição de murais, vídeos,
66 Entrevista realizada em 2016 com uma estudante do 9º ano do Ensino Fundamental II, da Escola
Nemésio Bezerra. 67
Entrevista realizada em 2016 com um professor de história do 9º ano do Ensino Fundamental II, da
Escola Nemésio Bezerra.
81
filmes e documentários, também fizeram parte desse projeto, que, na semana da Consciência
Negra, foi protagonizado pelos estudantes, com apresentações teatrais, danças e explanações
sobre a história e a cultura africana e afro-brasileira.
Figura 7 – Culminância do Projeto “20 de novembro: Dia da Consciência Negra”, da
Escola Nemésio Bezerra.
Fonte: Própria autora, 2016.
Figura 8 – Culminância do Projeto “20 de novembro: Dia da Consciência Negra”, da
Escola Nemésio Bezerra.
Fonte: Própria autora, 2016.
A elaboração desse projeto contou com a participação de todos os estudantes da
escola e de alguns professores durante o turno da manhã, se repetindo no turno da tarde.
Interessante percebermos a atenção destinada às apresentações de danças e até mesmo às
explicações teóricas desenvolvidas por alguns estudantes.
82
Essa prática poderá influenciar na assimilação de novos e relevantes aprendizados,
sobretudo para os estudantes negros, que se vêem como sujeitos históricos que atuam em
vários campos da sociedade e que têm muitas e belas histórias que precisam ser repassadas
aos demais. Apesar de que, como nos lembra Munanga (2005, p. 16):
O resgate da memória coletiva e da história da comunidade negra não interessa
apenas aos alunos de ascendência negra. Interessa também aos alunos de outras
ascendências étnicas, principalmente branca, pois ao receber uma educação
envenenada pelos preconceitos, eles também tiveram suas estruturas psíquicas
afetadas. Além disso, essa memória não pertence somente aos negros. Ela pertence a
todos, tendo em vista que a cultura da qual nos alimentamos quotidianamente é fruto
de todos os segmentos étnicos que, apesar das condições desiguais nas quais se
desenvolvem, contribuíram cada um de seu modo na formação da riqueza
econômica e social e da identidade nacional.
Apresentamos, por fim, o que dizem estudantes e professora sobre a existência de
projetos pedagógicos da Escola Abraão Baquit. Especificamente nesta escola, dos cinco
alunos entrevistados, apenas uma estudante afirmou a existência de projeto relacionado à
história do negro, ao comentar que “Vai ter a feira da cultura, aí vai ter um grupo falando do
racismo, aí escolheram nós [sic], aí nós vamos estudar mais do que a professora fala pra
apresentar este projeto, acho que é um projeto muito bom”.68
Observemos que nessa colocação a estudante se refere a uma “feira da cultura”,
que aconteceria e que seu grupo escolhera falar sobre o racismo. Em sua fala, não é
apresentado um projeto já executado, mas sim um projeto que estava em desenvolvimento.
Daí, compreendemos o porquê de os demais entrevistados assegurarem a inexistência de
projetos que abordassem a temática. Um dos estudantes enfatizou:
Na atual escola não, mas na outra que eu estudava antigamente, sempre tinha. Aqui
no Abraão, eu estou saindo e acho que nunca presenciei um ato desse. Deveria ter
mais manifestação não só dentro da escola, mas na comunidade também. Eu acho
que seria uma coisa bacana e também conscientizaria as pessoas a fazer o que é o
certo. (informação verbal).69
O estudante deixa claro que, durante os três anos que passara na escola, não
presenciou nenhuma atividade pedagógica que remetesse à história africana e afro-brasileira.
Em contrapartida, a professora de história deles (turma 3º ano) afirmou que “são trabalhadas
68 Entrevista realizada em 2016 com uma estudante do 3º ano do Ensino Médio, da Escola Abraão Baquit.
69 Entrevista realizada em 2016com um estudante do 3º ano do Ensino Médio, da Escola Abraão Baquit.
83
temáticas da cultura afro-brasileira. Cada semana uma temática diferente”70
. Porém, não
exemplificou como realiza essas atividades.
Essas contradições entre as falas dos estudantes e a afirmativa da professora
quanto à existência de projetos ou ações dentro da escola que abordassem a história africana e
afro-brasileira é justificada pela professora, que assim justifica: “eles não têm uma
receptividade, como se aquilo ali não fosse parte da história deles”71
.
No azo de refletir sobre educar na atualidade, sobretudo ao pensarmos o ensino de
história no contexto escolar, devemos “ter como referência [...] a dinâmica epistemológica da
história e da educação não como unidades autônomas, mas na inter-relação criadora e singular
que deriva da fusão entre esses dois campos” (ZAMBONI, LUCINI e MIRANDA, 2013, p.
258), uma vez que o processo de ensino-aprendizagem ocorre numa dinâmica que transcende
o saber e a abordagem do professor, adentrando o campo de relação entre os estudantes e o
conteúdo a ser explorado, como fora destacado na fala da professora acerca da falta de
acolhimento dos estudantes quando se aborda o tema.
Talvez a professora esteja certa e haja descaso por parte de alguns, o que pode
resultar no desconhecimento deles sobre a importância de determinadas atividades
desenvolvidas na escola; porém, devemos considerar a possibilidade de a professora estar
afirmando que esses projetos são realizados para nos fazer acreditar que, na prática, ocorre o
que está prescrito nos documentos externos que norteiam as atividades escolares, tendo em
vista que, no Projeto Político Pedagógico da Escola Abraão Baquit, não constam
determinações ou orientações para o trabalho com a temática africana e afro-brasileira.
Em face desse contrassenso, nos questionamos sobre como o conteúdo em questão
está sendo trabalhado na escola e, até mesmo, se a realização dessa tarefa só existe para
cumprir com as diretrizes educacionais, de maneira tão pontual ou genérica que os estudantes
entrevistados não percebem. Algumas indagações ficarão sem resposta, pois não
presenciamos, durante nossa observação, nenhuma aula ou atividade que contemplasse a
temática em questão. Porém, consideramos as ponderações da professora que confirma a
existência de tal debate em suas aulas e salienta a apatia dos estudantes quando aborda a
temática africana e afro-brasileira, bem como as falas dos estudantes que afirmaram a
inexistência desses projetos na escola.
70 Entrevista realizada em 2016 com a professora de história do 3º ano do Ensino Médio, da Escola
Abraão Baquit. 71
Idem.
84
4.2 A QUESTÃO ÉTNICORRACIAL NOS LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA
ADOTADOS NAS ESCOLAS PESQUISADAS
Para ser ensinada, a história precisa de ferramentas pedagógicas que auxiliem o
professor na inserção do que está prescrito no currículo oficial na prática escolar. Para atender
a esta demanda, em geral, recorre-se ao livro didático que é distribuído para as escolas
públicas do Brasil através do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), que representa
uma “política com forte aderência na escola, na medida em que oferta materiais didáticos a
serem apropriados por estudantes e por professores [...]” (BRASIL, 2016, p.21).
O livro didático é instrumento pedagógico de relevante papel tanto no ensino de
história quanto na constituição da cultura escolar, sendo vasta a sua divulgação e abrangência
no contexto do ensino formal nacional (CONCEIÇÃO, 2007). Assim, na composição deste
trabalho, consideramos pertinente destacar o que tem sido veiculado nos livros didáticos de
história adotados nas escolas pesquisadas no tocante à temática africana e afro-brasileira, bem
como se esses conteúdos têm, de algum modo, ressignificado este ensino em especial, com
relação às questões étnicorraciais.
A Escola Municipal de Ensino Fundamental José Bonifácio de Sousa adota o livro
didático de história do 5º ano, da coleção Projeto Coopera História, da autoria de Elian Alabi
Lucci e Anselmo Lazaro Branco, São Paulo: Saraiva, 2014.
Figura 9 – Capa do livro didático de História adotado na turma do 5º ano da Escola José
Bonifácio de Sousa
85
Fonte: LUCCI, ElianAlabi/ BRANCO, Anselmo Lazaro. Projeto Coopera: história 5º ano. São Paulo: Saraiva,
2014.
Com relação à análise desta obra presente na resenha do Guia do PNLD do triênio
2016-2018 da disciplina história, à cultura e à história africana e afro-brasileira da coleção
Projeto Coopera História é abordada em diferentes temáticas. Senão, observe-se:
A História da África e dos afrodescendentes também é apresentada a partir de
determinados temas como: as Grandes Navegações, o cultivo da cana-de-açúcar e o
tráfico negreiro, o processo que levou ao fim da escravização de negros. O
continente africano é representado na coleção para contextualizar as Grandes
Navegações e, mais adiante, para localizar de onde os africanos escravizados eram
trazidos. Nesses momentos é importante que o professor busque outras narrativas
históricas para desenvolver com os alunos as particularidades da História desse
continente e aprofundar sua relação com a nossa história também. (BRASIL, 2015,
p.217).
No livro que analisamos, só encontramos a abordagem que se refere ao processo
da abolição da escravatura, o que nos faz acreditar que os demais temas sejam abordados no
livro do 4º ano da mesma coleção, haja vista que a análise realizada no Guia do PNLD
contempla as coleções do 4º e 5º ano do Ensino Fundamental. Ao analisar o livro didático
adotado na escola, pudemos observar que o negro aparece de forma pontual em algumas
páginas desta obra. Inicialmente, na Unidade 01, intitulada “Os caminhos para a República”,
da página 21 à 25, que se ocupa do fim da escravidão no Brasil e os passos da abolição, apesar
de ser abordada a resistência dos negros escravizados (tanto em texto escrito como em
imagens), a ênfase é conferida às leis que antecederam a abolição, bem como, ao mencionar a
Lei Áurea, a figura da princesa Isabel foi enaltecida em detrimento dos grupos abolicionistas;
esta questão é reforçada, na página seguinte (figura 10).
Figura 10 – Páginas do livro didático adotado na turma do 5º ano da Escola José
Bonifácio de Sousa
86
Fonte: LUCCI, Elian Alabi/ BRANCO, Anselmo Lazaro. Projeto Coopera: história 5º ano. São Paulo: Saraiva,
2014, p. 22.
Na figura acima, o livro reproduz uma litografia de Angelo Agostini, publicada na
Revista Ilustrada em 29 de julho de 1888, que apresenta a princesa Isabel sendo homenageada
pelos afrodescendentes que lhes atribuía a libertação da escravatura. Entretanto, na
continuidade da atividade, na página seguinte (figura 11), existe um texto que desconstrói essa
imagem de heroína da princesa e expõe os demais sujeitos dos movimentos sociais de caráter
abolicionista que pressionavam a monarquia a legalizar a abolição da escravatura no Brasil.
Vejamos:
Figura 11 – Páginas do livro didático adotado na turma do 5º ano da Escola José
Bonifácio de Sousa
87
Fonte: LUCCI, ElianAlabi/ BRANCO, Anselmo Lazaro. Projeto Coopera: história 5º ano. São Paulo: Saraiva,
2014, p. 23.
Na página acima, salienta-se que “a abolição não proveio do bondoso coração da
regente. Foi produto de uma luta violenta, sangrenta, cheia de heróis anônimos”. (BRANCO;
LUCCI, 2014, pág. 23). Em outra página, a liberdade dos negros é problematizada, instigando
os estudantes a repensarem sobre em que condições ficaram os ex-escravizados da nação, haja
vista a ausência de projetos de inserção destes na sociedade brasileira. O texto base para a
realização da atividade é de linguagem acessível a idade dos estudantes, porém carece de
elementos outros que prendam a atenção do alunado. Vejamos um trecho:
A abolição resultou principalmente da luta dos escravizados pela liberdade e da
adesão dos diversos segmentos da sociedade à campanha abolicionista.
Na década de 1870, começaram a aparecer grupos abolicionistas, isto é, que
defendiam o fim da escravidão. Eles eram formados em geral por jovens advogados,
jornalistas e estudantes, tanto descendentes de africanos quanto de europeus. Foi o
início da chamada campanha abolicionista. (LUCCI; BRANCO, 2014, p.24).
A campanha abolicionista é abordada no texto de forma concisa, deixando lacunas
que exigem do professor e dos estudantes um olhar mais crítico para interpretar os textos e
imagens presentes, especialmente no sentido de apreensão do conteúdo proposto, que,
segundo o manual do professor, apresenta como um dos objetivos da unidade:
Compreender a abolição da escravatura como um fato praticamente consumado, uma
vez que o número de escravizados tornou-se relativamente pequeno e tendia a
desaparecer em vista da Lei do Ventre Livre e, posteriormente, da extinção do
tráfico. (LUCCI; BRANCO, 2014, p.166).
Nesse manual, explica-se ao professor que, ao abordar este conteúdo, propõe-se
que os estudantes compreendam a abolição como fato praticamente consumado, em virtude do
número reduzido de escravizados (devido à Lei do Ventre Livre e à extinção do tráfico
negreiro), porém essa temática foi exposta de forma genérica e não problematizada no livro
didático.
Ainda no manual do professor (nas páginas 168 e 169), é sugerida a leitura de
textos complementares para os professores, como: “Teje Livre!”, de Maria Lúcia Montes e
“Os escravos: povo marcado”, de Felipe Van Deursen, bem como indica-se a análise dos
textos e imagens junto aos estudantes.
88
Diante do exposto, reafirmamos a relevância de questionar sobre como o
professor está fazendo uso desse livro, uma vez que “é urgente favorecer a compreensão do
ensino de História capaz de ir além da superficialidade dos conteúdos trabalhados pela
historiografia tradicional dos livros didáticos, numa necessária interação com outras fontes e
ramos disciplinares” (TIMBÓ, 2007, pag.65), tendo em vista o quantitativo de documentos e
linguagens presentes neste instrumento pedagógico.
Outra parte do livro que traz a história do negro no Brasil está na unidade 04,
intitulada “De volta à democracia”, na qual são apresentadas aos leitores as conquistas sociais
e seus desafios no contexto nacional. Nessa unidade, duas questões são abordadas:
afrodescendentes e educação. Vejamos:
Na história do Brasil, o processo educacional tem excluído os afrobrasileiros desde a
abolição da escravatura, quando houve restrição dos ex-escravizados negros à
educação nas escolas públicas. Esse preconceito e essa discriminação continuam até
nossos dias.
A educação é um direito de todos. Promover educação de qualidade é um dos meios
mais eficientes para combater a desigualdade social e realizar a inclusão social.
(LUCCI e BRANCO, 2014, p.113).
O texto apresenta a exclusão dos negros no processo educacional brasileiro desde
a abolição da escravatura e, por outro lado, destaca a importância da educação como meio de
inclusão social desses, bem como o combate ao racismo, a partir do ensino da história de seus
antepassados, destacando que “é fundamental falar da história e da cultura negras para todas
as crianças, para que meninos e meninas afro-brasileiros, possam saber a história de seus
antepassados, entender e valorizar suas influências culturais” (LUCCI e BRANCO, 2014,
p.113). Contudo, estas questões são abordadas em dois parágrafos e uma citação, o que
equivale a menos de uma página do livro.
Em outro momento, os autores apresentam “indígenas, trabalhadores rurais,
quilombolas e o direito à terra”, no qual expõem o exemplo da marcha organizada por
indígenas, camponeses e quilombolas que ocorreu no Mato Grosso do Sul no ano de 2013, a
qual apresentava como pauta de reivindicação a demarcação de terras indígenas e
quilombolas, conforme descrito abaixo:
Muitos movimentos lutam no campo pela demarcação de terras e também pela
garantia do direito à terra. Em algumas manifestações eles se unem para ter mais
força. Um exemplo foi a marcha de indígenas, camponeses e quilombolas no Mato
Grosso do Sul, em 2013, com o intuito de denunciar o sofrimento dessas populações
e a violência contra elas, bem como exigir a reforma agrária e a demarcação de
terras. (LUCCI e BRANCO, 2014, p.116).
89
Essas informações estão registradas num documento do MST transcrito no próprio
livro, mas que precisa ser lido e compreendido, para que os dados contidos possam fazer
sentido para os educandos, pois uma das características significativas do livro didático,
conforme Freitas (2009, p. 14), “é o fato de ele ser planejado e organizado para uso em
situação didática; para ser lido – no seu sentido mais abrangente, para produzir sentido”,
principalmente se há textos multimodais72
tão presentes nas produções contemporâneas.
No manual do professor, não constam sugestões para trabalhar o conteúdo
afrodescendentes e educação, condicionando a discussão da temática ao conhecimento e
interesse do professor em abordar ou problematizar o assunto junto aos seus alunos, o que
implica diretamente na lacuna existente entre o oficial e o real na abordagem das conquistas
da comunidade negra concernentes ao campo educacional, especialmente nesse segmento do
ensino em que o professor de história, em geral, não é formado na área73
.
Ressaltamos aqui o uso do manual do professor como instrumento que visa
colaborar no processo de ensino-aprendizagem escolar, haja vista as ferramentas
metodológicas que permeiam o livro didático e que são apresentadas em sua pluralidade de
possibilidades de uso. No caso específico da disciplina história, Oliveira (2009) considera que
a presença de documentos transcritos, mapas históricos, filmes, séries, charges, história em
quadrinhos, dentre outros “que têm a imagem como veículo fundamental, necessitam de
novos aportes informacionais para que sejam, adequadamente trabalhados pelo professor”
(OLIVEIRA, 2009, p. 82) para assim garantirem resultados mais satisfatórios.74
Na Escola Nemésio Bezerra, o livro didático adotado é parte da Coleção História
Sociedade & Cidadania de Alfredo Boulos Júnior (3ª Ed. São Paulo: FTD, 2015).
72 A multimodalidade refere-se às mais distintas formas e modos de representação utilizados na
construção linguística de uma dada mensagem, tais como: palavras, imagens cores, formatos, marcas/ traços
tipográficos, disposição da grafia, gestos, padrões de entonação, olhares etc. (DIONÍSIO, 2005; 2011). Ver mais
em: DIONISIO, A. P. Gêneros Textuais e Multimodalidade. In: KARWOSKI, A. M; GAYDECZKA, B.;
BRITO, K. S. (Org.). Gêneros textuais: reflexões e ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2011 e DIONISIO, A.
P. Multimodalidade discursiva na atividade oral e escrita (atividades). In: MARCUSCHI, L. A.; DIONISIO, A.
P. (Org.). Fala e Escrita. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. 73
O professor de história do 5º ano é graduado em Pedagogia e leciona as disciplinas de História,
Geografia, Religião, Inglês e Artes. 74
No que se refere à satisfatoriedade dos resultados, a autora sublinha os programas de formação
continuada para professores com foco na contribuição do exercício do trabalho docente pelo uso do material
didático mais acessível – fornecido pelo Estado para a garantia de resultados mais satisfatórios para professores e
estudantes.
90
Figuras 12 – Capa do livro didático adotado na turma do 9º ano da Escola Nemésio
Bezerra
Fonte: BOULOS JÚNIOR, Alfredo. História sociedade & cidadania 9º ano. 3ª Ed. – São Paulo: FTD, 2015.
Na análise desta obra, presente na resenha do Guia do PNLD do triênio 2017-
2019 da disciplina história, no que se refere à temática africana e afro-brasileira, evidencia-se:
O tratamento da História da África, da cultura afro-brasileira e das culturas
indígenas recebeu atenção especial na coleção. Todos os volumes trazem discussões
capazes de favorecer o trabalho do professor na construção de uma sociedade
brasileira mais tolerante, do ponto de vista de sua formação étnico-racial. A obra
apresenta a participação dessas populações como agentes da história, dando
visibilidade aos vários lugares ocupados pelos indígenas, africanos e
afrodescendentes na sociedade, em diferentes temporalidades. (BRASIL, 2016, p.
109).
Neste livro, a história do negro africano é abordada em dois capítulos. No capítulo
01, a industrialização e o imperialismo são os conteúdos principais e, nesse contexto, são
enfatizadas as teorias racistas do século XIX e o imperialismo na África, bem como a
resistência africana. Então, com relação às teorias racistas do século XIX e o imperialismo na
África, o autor destaca:
Para justificar a dominação imperialista sobre os outros povos, os europeus
desenvolveram um conjunto de teorias racistas. Essas teorias diziam basicamente
que a „raça branca‟ era superior a „raça negra‟ e à „amarela‟ e que na luta pela vida,
somente as raças superiores sobreviveriam. (BOULOS Jr., 2015, p. 16).
91
Na página seguinte, considera que, “por meio de ataques e da pressão diplomática,
as terras conquistadas são transformadas em colônias, protetorados, domínios ou área de
influência”(BOULOS Jr., 2015, p. 17). Esses textos são complementados por charges, trechos
de documentários, imagens diversas e questionamentos sobre o processo imperialista na
África. Dentre as charges, destacamos uma de 1906, que critica a exploração exercida pelo
Rei Leopoldo II da Bélgica no Congo (Figura 13).
Figura 13 – Charge de 1906 que critica a exploração exercida pelo Rei Leopoldo II da
Bélgica no Congo
Fonte: BOULOS JÚNIOR, Alfredo. História sociedade & cidadania 9º ano. 3ª Ed. – São Paulo: FTD, 2015, pág.
18.
Ao lado da charge, o texto, intitulado “Belgas na bacia do Rio Congo”, destaca:
Em 1884, usando a força e a diplomacia, o rei Leopoldo II da Bélgica conseguiu
transformar o Congo, um território dezenas de vezes maior que a Bélgica, em uma
propriedade particular dele. Propriedade que ele chamava de „Estado-livre do
Congo‟. Explorando a mão de obra africana, Leopoldo II extraiu do Congo uma
fortuna incalculável em borracha e marfim, a dominação do Congo converteu-se em
um dos episódios mais cruéis da História e envolveu a morte de cerca de 10 milhões
de africanos. (BOULOS Jr., 2015, p. 18).
92
O texto se alonga na descrição da situação vivida por mulheres, idosos e crianças
da época, que eram mantidos reféns, enquanto os homens iam trabalhar na coleta de borracha
e marfim. A charge é explicada brevemente ao leitor, no sentido de complementação de
informações referentes à temática, tendo em vista que essa abordagem ocupa metade da
página do livro didático.
No que se refere à resistência africana, essa só consta na página 20 do livro
didático, que inicia com um questionamento sobre os motivos que levaram os africanos a
reagirem e se rebelarem contra a dominação britânica. Abaixo do questionamento, há uma
imagem do Museu em homenagem à rainha africana Nana aa Asanrewaa, uma líder local que
foi presa e deportada pelos britânicos, complementada por um trecho do texto de Leila Leite
Hernandes (2005), abordando a rebelião de Ashanti contra o domínio britânico, que durou dez
anos, de 1890 a 1900, na Costa do Ouro (atual Gana). A maneira como o conteúdo é
organizado nesta página denota a pontualidade com que a resistência africana é tratada, pois,
segundo o texto, após deporem chefes tradicionais locais, “o governo britânico exigiu que seu
representante se sentasse no Tamborete de Ouro, símbolo da alma ashanti e da sua
sobrevivência como nação e, por isso, instrumento de consagração da legitimidade dos seus
chefes” (BOULOS Jr., 2015, p. 18). Fica claro no texto que foi essa exigência que fomentou
na população local o desejo de se rebelarem contra os britânicos, salientando a resistência
desses povos em manterem suas tradições e cultura.
A segunda abordagem é realizada no capítulo 10, que apresenta os processos de
independência na África e na Ásia. Vejamos:
Entre os principais fatores da independência dos povos afro-asiáticos podemos citar:
a) As lutas dos próprios africanos e dos asiáticos nos movimentos de
independência de seus países[...]
b) O enfraquecimento das potências colonialistas europeias devido às perdas
sofridas durante a Segunda Guerra[...]
c) A força de movimentos como o pan-africanismo e negritude. (BOULOS Jr.,
2015, p. 174).
Seguido de cada um desses itens, existem explicações acerca do que ocasionou as
situações elencadas, com destaque para o pan-africanismo, que, de acordo com o texto do
livro didático em questão, foi um movimento político-ideológico que surgiu como forma de
resistência, visando transformar a vida da raça negra, libertando-a da situação de pobreza e
opressão em que vivia e realçando também que a noção de raça adotada pelo movimento tinha
por objetivo “conferir identidade aos diversos povos negros da África” (BOULOS Jr., 2015,
p. 174). Como complementação de conteúdo, apresentou-se a letra da música “África Une-
93
te”, de Bob Marley – que ajudou, na época, a difundir as ideias pan-africanistas – e
contextualizou-se historicamente o ideal e os personagens dessas histórias:
África Une-te
África te une
Porque estamos saindo da Babilônia
E estamos indo para a terra de nosso pai. [...]
Então África te une,
Te une para o bem do nosso povo [...]
Une-te para o benefício de suas crianças
Une-te, pois é mais tarde do que você pensa
A África espera por seus criadores, a África espera por seus criadores
África você é meu antepassado fundamental
Une-te para os africanos que estão no mundo, te une pelos africanos de longe
África te une. (BOULOS Jr., 2015, p. 175).
Quanto à organização da escrita sobre a história africana, faz-se necessário
ressaltar que “ainda há uma disputa de espaço físico no livro para se abordar a África e a Ásia
no mesmo capítulo” (TIMBÓ, 2009, p.52). Essa disputa é visível nos dois capítulos que
analisamos (Capítulo 01 – Industrialização e Imperialismo e capítulo 10 – Independências:
África e Ásia).
Por outro lado, quatro estudos de caso sobre os processos de independência dos
países africanos são demonstrados no interior do capítulo, dentre os quais, a luta contra o
apartheid na África do Sul, destacando a formação do Congresso Nacional Africano (CNA) e
a figura de Nelson Mandela como ativista na luta pelos direitos dos sul-africanos.
Ressaltando:
Em 1994 ocorreram as primeiras eleições com a participação dos negros na África
do Sul. Mandela foi eleito presidente da República e, com o apoio da maioria no
parlamento, conseguiu aprovar a Lei de Direitos sobre a Terra, que restituiu às
famílias negras as terras que lhes tinham sido usurpadas havia décadas. (BOULOS
Jr., 2015, p. 184).
Os estudos de caso apresentam as lutas e resistências dos diferentes povos
africanos, propiciando aos leitores novas visões sobre a sua história e cultura. Isto nos permite
considerar que, apesar de o capítulo abordar a história de dois continentes, dá relevo a alguns
contextos que podem subsidiar estudantes e professores no processo de aprendizagem dessas
histórias. Em contrapartida, sentimos a ausência da história do negro no Brasil, especialmente
da presença do movimento negro no capítulo 16 (página 301 a 327), que apresenta o Brasil na
94
nova ordem mundial, elencando os acontecimentos das lutas sociais desde o governo Collor
até o governo Dilma, aludindo apenas às lutas indígenas75
.
No que se refere ao material de apoio ao professor do livro didático, este é dotado
de um manual multimídia, indicações de livros, sites, filmes, textos e sugestões de atividades
que subsidiam o professor na consecução da aplicabilidade da história da África em sala de
aula. Dentre as orientações, expõe-se como se deve elaborar projetos interdisciplinares,
descrevendo o passo a passo e trazendo um exemplo de projeto que tem como título “paz,
respeito e tolerância”:
Como o tema é muito amplo, a escola poderá trabalhar o que considerar mais
interessante ou necessário: priorizar, por exemplo, o desrespeito e a intolerância
entre pessoas e /ou etnias; ou a violência entre os povos e Estados Nacionais; as
agressões dos seres humanos à flora/ fauna/ mares e rios. Cada um desses subtemas
pode ser transformado no tema de um novo projeto. (BOULOS Jr., 2015, p. 389).
De acordo com o manual para a disciplina história, os objetivos a serem
alcançados com este projeto interdisciplinar são:
Situar a violência, o desrespeito e a intolerância no tempo e no espaço;
Trabalhar os conceitos de paz, respeito, tolerância; mudanças/permanências;
preconceito, discriminação e racismo;
Estimular o repúdio a todos os tipos de preconceito (de raça, de classe, de gênero, de
religião etc.). (BOULOS Jr., 2015, p. 390).
Reconheçamos, entretanto, o papel relevante do professor na realização da tarefa
instrucional que tem o livro didático como ferramenta pedagógica, sobretudo o livro didático
de história, fundamentados no fato de que “Os usos dos livros didáticos de história no ensino
fundamental II (do 6º ao 9º ano) e médio dependerão muito da formação/ preparação do
professor. Quanto mais preparado for, maior a possibilidade de exploração do livro didático
adotado” (TIMBÓ, 2009, p. 52). Tal exploração favorecerá a percepção do alunado quanto ao
aprendizado dos conhecimentos históricos existentes no livro didático de história e ou para
além deles. Salientamos, contudo, a observação do professor de história da escola Nemésio
Bezerra, que, ao ser questionado sobre o trabalho com a temática africana e afro-brasileira,
ponderou:
75 Destacamos aqui a importância de todas as lutas e movimentos sociais da conjuntura política nacional.
Por isso, quando afirmamos “apenas as lutas indígenas”, não desmerecemos a causa, no entanto nos referimos às
ausências dos demais movimentos sociais existentes no país, especialmente, a partir do período de
redemocratização, dentre eles o MNU (Movimento Negro Unificado), que nos interessa nesta discussão.
95
Eu avalio de uma forma muito positiva, mas acho que ainda falta muita coisa. Os
próprios livros didáticos eles poderiam fazer um papel diferenciado nesta questão,
porque os livros eles são muitos restritos. Quando eu falei na outra pergunta que eu
gosto de explanar o assunto, mas é por minha conta, o livro não incentiva. O livro
quando é colocado África, Continente Africano, aí você vê de certa forma eles
tratam a África como se ela fosse assim um grande país, e que tudo fosse igual.
Como se não existisse uma diferença cultural, uma diversidade cultural, entendeu?
Aí a gente é que tem que fazer esse trabalho. E eu acho que a própria escola ela
poderia planejar no seu plano, na sua grade curricular, colocar projetos e mais
elementos que o professor possa trabalhar essas temáticas com mais propriedade.
Mas eu acho que poderia partir melhor do livro didático, pois assim o professor não
tinha para onde correr. Que a gente sabe que tem muito professor de história que
realmente, eu não vou dizer que não ligam, mas eles têm dificuldade de trabalhar
com essa temática porque você ver que na faculdade nós não aprendemos nada sobre
o continente africano, nada sobre cultura afro-brasileira, então eu acho que a
faculdade ela poderia formar professores, mas estimulando seu conhecimento para o
continente africano também. (informação verbal).76
O professor aponta a falta de preparação em sua formação inicial – e dos demais
colegas – como desafio a ser superado na elaboração de aulas que abordem a temática
africana e afro-brasileira, pois à época em que cursou licenciatura em história77
não existiam
disciplinas que atendessem a essa demanda. Afirmou também que o continente africano é
exposto no livro didático como um país, informação equivocada que contrasta com a
abordagem presente no livro didático de história utilizado na escola, o qual examinamos e de
onde trouxemos algumas ponderações para compor esta parte de nosso trabalho, constatando
que, ainda que os textos sejam organizados num formato condensado, os países africanos são
apresentados ao leitor, com ênfase nas pluralidades de cada contexto sociocultural, e não
como um “país”, como ponderou nosso entrevistado. Em sua fala, o professor talvez não
tenha conseguido expressar bem o seu pensamento, pois, posteriormente à entrevista, nos
informou que nas aulas de geografia78
também trabalha a temática africana, apresentando as
particularidades de cada país do continente, conforme consta no livro didático de geografia.
É notável, nesse contexto, o papel do profissional professor e sua formação quanto
ao trato com a temática em questão, mediada pelo uso do livro didático de história, que requer
a compreensão desses professores sobre as possibilidades de usos do livro didático e suas
fontes. Ensinar a disciplina história, desse modo, ultrapassa a prática de repassar conteúdos
sobre fatos isolados do passado ou de explanar verdades definitivas, imutáveis e indiscutíveis,
pois existe um compromisso com a história do tempo presente, em cumprir seu papel político-
76 Entrevista realizada em 2016 com um professor de história do 9º ano do Ensino Fundamental II, da
Escola Nemésio Bezerra. 77
O professor ingressou no curso de licenciatura plena em história na turma 2004.2 da FECLESC/UECE. 78
O professor é formado em história, mas, para completar a carga horária, leciona as disciplinas de
Ciências, Geografia, Artes e História.
96
social repleto de tensões e contradições (PINSKY, 2017). Nesse contexto, o professor é
mediador do processo de ensino-aprendizagem e necessita estar preparado para lidar com
situações diversas e adversas.
Trabalhar com materiais didáticos em sala de aula, especificamente, na proposta
de viabilizar um conhecimento histórico escolar, é desafiador para os professores de história
que atuam na educação básica – sejam esses formados ou não na área. Sobretudo porque
requer a adoção de posturas metodológicas que desenvolvam a criticidade dos estudantes,
dentre elas a exploração das fontes documentais presentes nos livros didáticos, que às vezes
não são compreendidas por seus usuários. No que se refere à inserção e utilização das fontes
documentais – por parte dos professores – presentes nos livros didáticos de história,
Conceição (2007, p. 105), pondera:
Parece absolutamente desafiador prever qual será a extensão e profundidade da
inserção das fontes documentais nos LDs de História, na efetiva prática de ensino do
conhecimento histórico no cotidiano das nossas escolas e dos nossos alunos em sala
de aula, sobretudo se esse profissional não tiver a formação de base na área da
História. E, mesmo tendo a formação histórica, partilha-se do argumento da
historiadora Marlene Cainelli, que é o da necessidade contínua de aprofundamento
teórico e pedagógico para trabalhar com a área histórica.
Existem vários processos desde a elaboração e aprovação do livro pelo PNLD à
escolha do material pelas escolas que também se encontram permeados de relações e
significados culturais que não podem ser desvalorizados. No caso do livro utilizado na Escola
Nemésio Bezerra, o professor afirmou que o livro adotado na escola não foi o que eles
(professores de história) escolheram. Segundo ele, o que certamente pesou na escolha foi a
imagem de capa, pois, na sua percepção, existe uma representatividade relevante dessa
imagem de capa, que traz algumas mãos, de tonalidades diferentes de pele, segurando uma
pomba símbolo de paz. O professor deixou claro que, no momento da escolha oficial do livro,
tudo o que fora analisado pelos docentes perdera relevância em detrimento da simbologia da
imagem. Não vamos aqui concordar ou discordar da percepção do professor, todavia,
salientamos essa situação apenas para que nos atentemos aos fatos outros que interferem na
escolha dos livros didáticos pelas escolas. Nesse sentido, nos questionamos sobre quem de
fato escolhe os livros didáticos e o que permeia esse processo de escolha. Talvez respondamos
a essa indagação em pesquisas futuras, mas, para esse momento, objetivamos apenas chamar a
atenção do leitor para esse fato peculiar, visto a necessidade de refletir sobre essa a
problemática exposta.
97
Por fim, apresentamos o livro didático utilizado na Escola de Ensino Médio
Abraão Baquit, da coleção História sociedade & cidadania: 3º Ano e autoria de Alfredo
Boulos Júnior, São Paulo: FTD, 2013.
Figura 14 – Capa do livro didático de História adotado na turma do 3º ano da Escola de
Ensino Médio Abraão Baquit.
Fonte: BOULOS JÚNIOR, Alfredo. História sociedade & cidadania 3º ano. São Paulo: FTD, 2013.
De acordo com a avaliação do Guia do PNLD, triênio 2015-2017, a temática
africana e afro-brasileira permeia vários conteúdos nesta obra:
A legislação referente à História da África e a história e cultura afro-brasileira e
indígena é atendida, ressaltando-se a preocupação da coleção em destacar a
diversidade dos grupos e experiências. Isso ocorre a partir da organização dos
capítulos de cada volume, com conteúdos referentes aos indígenas, africanos e
afrodescendentes de forma alternada com outros conteúdos. Também a seleção de
textos e imagens destaca a presença dos negros e indígenas nas lutas políticas e
ressalta suas práticas culturais. (BRASIL, 2014, p.78).
Constatamos que as histórias dos negros africanos e afro-brasileiros perpassam as
quatro unidades do livro e nelas são discutidos fatos e conceitos em que os negros figuram
como agentes do processo histórico.
98
No capítulo 01, que aborda a industrialização e o imperialismo, apesar de dividir
espaço com o continente asiático, a história africana é representada por lutas e resistências
contra a partilha de seu território, demonstrando para além do que sempre é exposto sobre a
África – enquanto símbolo de fome, miséria e passividade. Por exemplo:
Um exemplo de resistência africana, na época, foi a oferecida pelo Império Zulu,
unidade política fundada em meados do século XIX. Liderados por um comandante
a quem chamavam Chaka, os zulus travaram uma guerra que se estendeu por muitos
anos contra os bôeres e conseguiram vencê-los diversas vezes nos campos de
batalha. No final, porém, acabaram derrotados graças, principalmente, à
superioridade tecnológica e bélica do inimigo. Impressionados com as estratégias do
comandante zulu, os vencedores o apelidaram de „Napoleão Negro‟. (BOULOS Jr.
2013, p. 17).
No trecho, observamos que os africanos – no caso, os do Império Zulu – viveram
suas glórias e derrotas. Eles, assim como os sujeitos das demais civilizações do globo,
construíram suas histórias com lutas, derrotas e conquistas. Aborda-se também a partilha do
continente africano entre os europeus na Conferência de Berlim (1885) como medida de evitar
guerra entre eles. Esse tema é abordado por meio de texto escrito e de um mapa político da
África (Figura 15).
Figura 15 – Página do livro didático adotado na turma do 3º ano da Escola Abraão
Baquit
99
Fonte: BOULOS JÚNIOR, Alfredo. História sociedade & cidadania 3º ano. São Paulo: FTD, 2013, p. 19
Abaixo do mapa, há um texto que melhor descreve a partilha do continente,
expondo inclusive as situações provocadas no interior deste a partir da sua divisão. Porém,
sem vincular o texto ao mapa e até mesmo gerar maiores reflexões sobre a problemática, a
Conferência de Berlim é apenas descrita:
Na Conferência de Berlim, os europeus redesenharam o mapa africano segundo seus
próprios interesses, fixando, por isso, fronteiras artificiais: separaram povos amigos
de culturas semelhantes e misturaram, em um mesmo território, povos rivais, com
línguas e costumes diferentes, o que alimentou rivalidades e conflitos entre os
africanos.” (BOULOS Jr. 2013, p. 19).
No capítulo 03 – que conta a história da Primeira República brasileira –, o autor
do livro, ao abordar o processo de modernização e higienização da cidade do Rio de Janeiro,
inseriu uma imagem que representa a formação da Favela do Morro (1912), tendo como
legenda o destaque de que boa parte dos moradores da Favela eram afrodescendentes (Figura
16).
Figura 16 – Página do livro didático adotado na turma do 3º ano da Escola Abraão
Baquit
Fonte: BOULOS JÚNIOR, Alfredo. História sociedade & cidadania 3º ano. São Paulo: FTD, 2013, p. 67.
100
Sem maiores esclarecimentos sobre o quantitativo dos moradores da Favela, a
informação adicional aparece como dica de vídeo sobre a industrialização, revoltas urbanas e
o movimento operário na Primeira República que pode ser identificada na imagem acima.
O texto central salienta a participação ativa de afrodescendentes, especialmente
Marcelino Rodrigues Meneses e João Cândido Felisberto (O almirante negro), na chamada
“Revolta contra Chibata” (pag. 67 e 68 do LD). Vejamos alguns trechos:
Outra rebelião importante para se compreender a história da Primeira República
começou no mar e foi liderada por marinheiros, entre os quais havia grande número
de afrodescendentes. (BOULOS Jr., 2013, p. 67). Em 16 de novembro de 1910, durante uma viagem com destino ao Rio de Janeiro, o
marinheiro negro Marcelino Rodrigues Meneses foi condenado a 250 chibatadas,
embora o regulamento previsse no máximo 25. (BOULOS Jr., 2013, p. 68). A indignação tomou conta dos marinheiros. Em 22 de novembro de 1910, liderados
por João Cândido, Francisco Dias e o Cabo Gregório, dominaram os oficiais e
assumiram o comando de dois importantes navios de guerra: o Minas Gerais e o São
Paulo. Com bandeiras vermelhas hasteadas, exigiram do então presidente da
República Hermes da Fonseca o fim dos castigos corporais, o aumento dos salários,
melhor alimentação e perdão aos participantes da revolta. (BOULOS Jr., 2013, p.
68).
Na conclusão deste capítulo, duas fontes são apresentadas (charge e texto),
questionando o caráter autoritário da urbanização do Rio de Janeiro e criticando o preconceito
racial existente no RJ da primeira república. Percebemos aqui a presença de personagens que
foram invisibilizados na história nacional e que se encontram presentes agora, talvez em razão
do cumprimento das diretrizes nacionais citadas anteriormente.
Figura 17 – Charge que critica o autoritarismo do processo de reurbanização da cidade
do Rio de Janeiro
101
Fonte: BOULOS JÚNIOR, Alfredo. História sociedade & cidadania 3º ano. São Paulo: FTD, 2013, p. 76.
A história escrita no livro didático utilizado na escola Abraão Baquit mantém
relação com as diretrizes curriculares nacionais, haja vista que, além do que já foi descrito do
conteúdo do livro didático, a resistência negra aparece em outros capítulos que contemplam:
as lutas antirracistas dentro e fora do país – capítulos 04 e 10 (figuras 18 e 19).
Figura 18 – Páginas do livro didático adotado na turma do 3º ano da Escola Abraão
Baquit.
Fonte: BOULOS JÚNIOR, Alfredo. História sociedade & cidadania 3º ano. São Paulo: FTD, 2013, p. 95.
102
A figura acima apresenta atletas da seleção feminina da França ao lado das
jogadoras da seleção dos Estados Unidos segurando uma faixa que diz “Diga não ao racismo”.
O fato ocorreu no ano de 2011, antes de uma partida em que as duas seleções disputavam a
semifinal da copa do mundo de futebol feminino na Alemanha, dando visibilidade à luta
mundial contra o racismo, na parte do capítulo que aborda o nazi-fascismo e suas ideologias
segregacionistas, congregando fatos históricos de dois períodos distintos, mas que dialogam
entre si por sua vertente preconceituosa e excludente. E assim, passado e presente se cruzam.
No capítulo 10 (figura 19), a problemática do preconceito racial é destacada no
contexto nacional, ao trazer para a discussão a indignação de Nelson Rodrigues com o
racismo no Brasil, divulgada por meio de sua peça “Anjo Negro”, de 1946, liberada pela
Censura Federal apenas quando aceitou um ator branco para encenar o papel principal,
pintado de graxa, papel esse que seria interpretado por Abdias do Nascimento (militante
negro), mas que não passou pela censura.
Figura 19 – Páginas do livro didático adotado na turma do 3º ano da Escola Abraão
Baquit
Fonte: BOULOS JÚNIOR, Alfredo. História sociedade & cidadania 3º ano. São Paulo: FTD, 2013, p. 187.
103
A abordagem presente no livro didático apresenta a situação vivida pelos negros
no Brasil naquela época, que pouco se difere da atual.79
A arte como resistência do
movimento negro no Brasil também é salientada nas atividades deste capítulo.
No capítulo 11, que aborda o regime militar no Brasil, a questão racial é
apresentada como componente das conquistas sociais que culminaram na aprovação da
Constituição de 198880
, chamada de Constituição cidadã. Na conclusão da unidade 3, que
contempla do capítulo 08 ao 11, o hip hop,81
apresentado na sua qualidade de movimento
cultural protagonizado por jovens negros no país (figuras 20 e 21).
Figura 20 – Páginas do livro didático adotado na turma do 3º ano da Escola Abraão
Baquit
79 Estamos nos remetendo ao que ocorreu em novembro de 2017 no Rio de Janeiro, quando, para
interpretar a escritora negra Carolina Maria de Jesus (1914-1977) ,que teve sua vida e obra recriadas na peça
“Carolina Maria de Jesus, diário de Bitita”, foi selecionada a atriz Andréia Ribeiro (facilmente identificada como
branca). Essa situação demonstra que, apesar das lutas e reivindicações da comunidade negra, nas “homenagens”
relacionadas à Consciência Negra quem tem papel principal ainda é o branco. 80
A Constituição Federal de 1988 determinou, em seu art. 5º,XLII – a prática do racismo constitui crime
inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei; FONTE:
<<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>> Acesso em 17 de nov. 2017. 81
De origem norte-americana (década de 1970), o hip-hop, envolve o campo da música (rap), artes visuais
(grafitti) e dança (break), e apresenta como característica a apologia da “atitude”, uma ética própria que trabalha
pela “conscientização” da condição racial e social da juventude pobre dos subúrbios. FONTE: MELLO, M.I.C.;
PIEDADE, Acácio Tadeu de Camargo . HERSCHMANN, Micael (org), Abalando os Anos 90: Funk e Hip-Hop,
Globalização, Violência e Estilo Cultural, e VIANNA, Hermano (org.) Galeras Cariocas. Horizontes
Antropológicos, Porto Alegre, v. 11, p. 206-209, 1999. Disponível em:
<<https://www.ufrgs.br/ppgas/ha/pdf/n11/HA-v5n11a10.pdf>> Acesso em: 17 de nov.2017.
104
Fonte: BOULOS JÚNIOR, Alfredo. História sociedade & cidadania 3º ano. São Paulo: FTD, 2013, p. 226.
Figura 21 – Páginas do livro didático adotado na turma do 3º ano da Escola Abraão
Baquit.
Fonte: BOULOS JÚNIOR, Alfredo. História sociedade & cidadania 3º ano. São Paulo: FTD, 2013, p. 227.
Conforme exposto nas figuras acima, quatro fontes são apresentadas ao leitor, no
sentido de valorizar a história e a cultura do negro no Brasil, bem como, denunciar as
diferenças sociais e raciais ainda presentes em nossa sociedade, ao enfatizar a realidade
experienciada pelos jovens pobres das periferias das cidades brasileiras.
Essas problematizações contidas no livro didático ressaltam a importância desse
instrumento didático na construção do conhecimento e consciência histórica dos estudantes,
pois, “em suas múltiplas faces e problemáticas, o LD tem sido, em todo processo de revisão
do ensino de história no Brasil, um elemento de imprescindível relevância para a discussão
das questões relacionadas à prática de ensino do conhecimento histórico no âmbito escolar.”
(CONCEIÇÃO, 2007, p.101).
Por fim, nos capítulos 08 e 12, são enfatizadas, respectivamente, as lutas e
resistências dos afro-asiáticos nos contextos de emancipação política dos países dos dois
continentes e as lutas populares na África do Norte e no Oriente Médio, iniciadas no final do
ano de 2010. Vejamos alguns trechos:
Um fator importante das independências afro-asiáticas foi a luta dos próprios
africanos e asiáticos nos movimentos de libertação de seus países. Outro fator foi o
105
impacto da Segunda Guerra sobre as metrópoles europeias, porque saíram da guerra
exauridas e passaram a concentrar seus esforços na reconstrução nacional. Os
movimentos de libertação afro-asiáticos tiraram proveito disso e intensificaram as
lutas pela independência. (BOULOS Jr., 2013, p. 153). Mas, afinal, quais foram os movimentos desses levantes que a imprensa denominou
Primavera Árabe? O que levou a multidão às ruas para protestar?
A razão desses levantes não foi religiosa ou étnica, mas, sim, problemas sociais
agudos, tais como a enorme disparidade entre ricos e pobres; a falta de uma política
para a juventude; o cerceamento da liberdade de imprensa; a negação de igualdade
de direitos às mulheres; a existência de ditadores corruptos que ocupavam o poder
há décadas. (BOULOS Jr., 2013, p. 258).
Nos fragmentos acima, a postura ativa dos africanos é ressaltada em diferentes
contextos e tempos históricos. Suas lutas e ideologias estão presentes nas abordagens, todavia,
carecem da sensibilidade dos professores para que sejam exploradas positivamente, no sentido
de apresentar o continente africano, seus países e seus habitantes sem preconceitos ou
estereótipos que os desqualifiquem ou subalternizem.
No que se refere à desconstrução da imagem da África no contexto
contemporâneo, Silva (2014, p. 17) considera:
Ideias distorcidas ou hegemônicas sobre a África foram aprendidas através da mídia
e, principalmente, através dos livros didáticos na educação escolar, publicados antes
dos critérios de análise do Plano Nacional de Livro Didático (PNLD, 2007), que
hoje engloba o cumprimento da Lei 10.639/03 a qual torna obrigatório o ensino da
história sobre a África e da cultura afro-Brasileira.
A ressignificação atribuída à história dos africanos nos livros didáticos de história
decorre, principalmente, das exigências contidas na Lei 10.639/03 e das propostas das
Políticas Públicas de Educação para Promoção da Igualdade Racial no país, baseadas nas
Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino
de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, que devem ser adotadas em todo o território
nacional. Nesse contexto, faz-se imprescindível o reconhecimento de que a lei supracitada é
“fruto de um conjunto de demandas sociais, apresentadas sobretudo pelos movimentos negros
existentes no Brasil desde o século XIX”. (CONCEIÇÃO, 2010, p.136). No entanto, a
inclusão desta temática dá-se necessariamente por exigência do Programa Nacional do Livro
Didático, que tem entre seus critérios avaliativos analisar como o livro didático aborda a
questão afro-brasileira.
No que se refere ao manual de apoio ao professor, o autor orienta para o uso das
diversas linguagens (mapas, charges, textos, fotografias, dicas de sites, documentários, dentre
outros) expostas nos capítulos do livro didático como metodologias possíveis no processo de
106
ensino-aprendizagem, complementando com textos de teóricos estudiosos da história dos
africanos e afro-brasileiros que explicam desde o porquê da inserção dessa temática na
educação básica a sugestões de livros e filmes que abordam o tema.
A existência desses conteúdos no livro didático de história, entretanto, não garante
sua explanação e exploração em sala de aula. Assim, retomamos mais uma vez a discussão
que tem por base a formação e a sensibilidade do professor em trabalhar a história dos
africanos e afro-brasileiros em sala de aula, considerando que “o estudo da temática, a
aplicação da lei n. 10.639/2003, na prática, depende, fundamentalmente, da história do
professor, de sua sensibilidade pessoal e política com a questão” (SILVA, 2013, p. 61-62). A
esse respeito, Conceição (2010, p. 146) considera:
A problemática da história e da cultura afro-brasileira para o ensino de história
requer abordagens e práticas que ajudem nossos alunos a pensarem historicamente
esse processo histórico. É para isso que ensinamos história na escola. E é sem
dúvida esse o objetivo da formação histórica escolar.
Concordamos com a pesquisadora que é necessário repensar as práticas escolares
na inserção da história africana e afro-brasileira, visando conscientizar os estudantes quanto à
relevância do papel histórico do negro africano e afro-brasileiro, numa tentativa de promover
um ensino pautado no conhecimento e reconhecimento desses como agentes históricos, a fim
de desconstruir uma imagem de subalternização que foi propagada por séculos e, por
conseguinte, promover novas concepções históricas nas escolas.
No contexto das escolas do bairro Campo Novo, os livros didáticos de história se
configuram como instrumentos fundamentais no processo educativo dos estudantes, como
também no apoio aos professores, sobretudo no que concerne à temática africana e afro-
brasileira abordadas nesses, embora ainda percebamos lacunas e silêncios entre o conteúdo do
livro e o seu uso em sala de aula, o que implica na dificuldade de apreensão das informações
contidas no material, necessárias à aprendizagem, bem como ao reconhecimento e à
valorização da história afro. Ademais, constatamos a relevância dessa ferramenta didático-
pedagógica, apesar de suas limitações.
107
4.3 COMO COMBATER O RACISMO NA ESCOLA? CAMINHOS POSSÍVEIS PARA
EQUIDADE RACIAL
De acordo com a nossa pesquisa de campo, as escolas do bairro campo novo
desenvolvem, ao longo do ano letivo, ações educativas diversas, que primam, segundo seus
PPPs e seus gestores, por uma educação crítica, valorativa e de qualidade. Partindo dessa
premissa e da compreensão de professores e estudantes que compõem o quadro educacional
do bairro, apontamos a seguir possíveis práticas de combate ao racismo no contexto escolar,
que podem propiciar a recuperação da dignidade dos estudantes negros, bem como a
valorização de suas culturas e construção de suas identidades individuais e coletivas.
Nesse sentido, algumas possibilidades de reeducar para as relações étnicorraciais e
erradicar o racismo na escola foram assinaladas por nossos entrevistados. Dentre elas, a
efetivação de projetos, palestras e demais ações que visem conscientizar a comunidade escolar
sobre o respeito a diversidade étnicorracial presente na sociedade.
Quando questionados sobre como combater o racismo na escola, estudantes e
professores foram enfáticos ao afirmarem o papel das ações realizadas no interior das escolas
nesse processo simbólico de desconstrução de ideias e posturas racistas. Vejamos:
Eu acho que deveria ter projetos, projetos de conscientização pra pessoa não tratar a
outra diferente. Todos nós somos iguais! Na história que nós estamos estudando
tem, fala na história africana, fala muito, só que tem pessoas que não percebe que
aquilo é algo de bom pra ser levado na vida do dia a dia. Acho que o projeto devia
ser assim um vídeo mostrando a história, algo que eles prestassem atenção e levasse
[sic] pra si (informação verbal).82
A estudante salienta a necessidade de as ações pontuais realizadas na escola por
projetos serem associadas à vivência cotidiana dos sujeitos escolares para que, assim, haja
conscientização quanto ao princípio de igualdade humana que precisa ser percebido e
vivenciado por todos.
O diálogo também é percebido pelos estudantes como primordial no processo
elucidativo que visa desconstruir pensamentos preconceituosos e excludentes tão arraigados
em nossa sociedade, sobretudo nas escolas pesquisadas. Na percepção de uma estudante
entrevistada do 9º ano, da escola Nemésio Bezerra, no combate ao racismo, a conversa é
essencial: para ela, deve-se “conversar, quando a pessoa fazer isso, dizer que não é certo,
conversar sempre, porque palestras na escola sobre isso às vezes tem, mas nem todos
82 Entrevista realizada em 2016 com uma estudante do 3º ano do Ensino Médio, da Escola Abraão Baquit.
108
compreende [sic]”.83
Notamos que, na concepção desta estudante, as palestras ocorrem num
contexto genérico, por isso surge a necessidade de um diálogo mais próximo, direcionado,
para que os agressores compreendam a dimensão de suas ações via conscientização e
problematização das relações étnicorraciais vividas no cotidiano escolar.
No que se refere aos conflitos que permeiam essas relações experienciadas nas
escolas e o que pode ser realizado para findá-los, um dos entrevistados apontou:
Eu acho que deveria ser feito mais ações para conscientizar as pessoas, ações para
inteirar mais, pra [sic] conscientizar que é um pouco sem noção, “desculpe” é um
pouco idiota, julgar as pessoas conforme a nossa raça. Eu acho que deveria ser feito
mais projetos, campanha na escola para conscientizar e diversificar esse conceito de
racismo e essas coisas assim. (informação verbal).84
Neste seu enunciado, o estudante deixa clara a necessidade de conscientização das
pessoas quanto às suas ações preconceituosas, sobretudo quando ressalta sobre “julgar as
pessoas conforme a nossa raça”. Ao utilizar essa expressão, o estudante repassa a ideia de
reconhecimento identitário e de reafirmação da dor causada pelo preconceito racial, tendo em
vista que a raça julgada e hierarquizada em nossa sociedade é a negra.
Essa dor também está explícita na resposta do estudante do 5º ano, da escola José
Bonifácio de Sousa, quando diz que, para combater o racismo na escola, é preciso “falar com
quem faz racismo com os outros, podia falar com eles e também dizer pra [sic] eles que isso
dói”.85
O depoimento deste estudante, apesar de curto, reflete o que passa na escola uma
criança negra da periferia. Ele não consegue argumentar muito, até pela pouca idade – deve
ter mais ou menos dez anos –, mas declara sua dor, acreditando que pela conscientização, que
ele denomina fala, essas práticas podem ser extintas e a dor por elas causadas, superada.
Com relação aos sentimentos envolvidos nessas circunstâncias, um outro
estudante demonstrou inquietação com relação ao que ele chama de dois lados – vítima e
agressor. Segundo ele, para findar o racismo na escola, é necessário:
Projetos, projetos sempre ajuda bastante, palestras também, exemplos de pessoas
reais e que já levaram, que já praticaram e que já sofreram bullyng porque é
importante também mostrar os dois lados, como o agressor sente e como a vítima se
sente entendeu? O que leva a pessoa a praticar o racismo. (informação verbal).86
83 Entrevista realizada em 2016 com uma estudante do 9º ano do Ensino Fundamental II, da Escola
Nemésio Bezerra. 84
Entrevista realizada em 2016 com um estudante do 3º ano do Ensino Médio, da Escola Abraão Baquit. 85
Entrevista realizada em 2016 com um estudante do 5º ano do Ensino Fundamental da Escola José
Bonifácio de Sousa. 86
Entrevista realizada em 2016 com um estudante do 3º ano do Ensino Médio, da Escola Abraão Baquit.
109
Este estudante é o mesmo que afirmou ter sofrido racismo na escola e que os
gestores não se posicionaram quanto à situação por ele vivida. Sua inquietação é refletir sobre
quais motivos justificam a prática do racismo na visão do agressor. Ou seja, para ele, discutir
somente o que sente a vítima não é suficiente para resolver a situação, faz-se necessário, para
tanto, compreender as causas movedoras dessas ações por parte de quem as pratica,
posicionamento que consideramos pertinente e realmente necessário.
No que se refere às dores causadas pela marca racial, Sales Jr. (2006), salienta:
A estigmatização racial é o exercício de uma vigilância difusa e ciosa da hierarquia e
da dominação raciais, provocando intensidades de dor nem sempre corpóreas, mas
que repercutem no corpo, mutilando-o, esfolando-o, fragmentando-o, codificando-o,
semiotizando-o, não apenas simbolicamente ou imaginariamente. Afeta o corpo com
marcas mais sociais do que corporais, mas que repercutem nele como estigmas. O
estigma é uma demarcação corporal de uma relação social de desigualdade,
resultante de uma reificação dos processos de dominação/hierarquização. (p.233).
A dor exposta pelos estudantes está associada ao fato de que a vítima do
preconceito racial precisa lidar com as marcas sociais que a inferiorizam e estigmatizam a
partir do corpo. A percepção dessa realidade por parte desses estudantes suscita em suas falas
a afirmação das dores que sentem e a tentativa de compreensão sobre o que leva os outros a
feri-los exclusivamente por serem negros.
Em suas ponderações, os estudantes evidenciam suas dores, mas, nas entrelinhas,
demonstram a esperança de transformação da realidade vivida, principalmente, mediante as
intervenções propiciadas pelas ações desenvolvidas nas escolas que objetivam abolir o
racismo nesse contexto.
A conscientização da comunidade escolar é percebida como fio condutor dessa
transformação de realidade, uma vez que o respeito à diversidade na escola é imprescindível
para a erradicação de manifestações racistas nesse ambiente. Assim, o professor de história do
9º Ano da Escola Nemésio Bezerra afirma:
Primeiramente valorizar as etnias, valorizar a etnia negra, a indígena, porque o
racismo está ligado não somente a predominância da cor negra, mas ao índio
também, mas como no nosso caso as questões, vamos dizer ligadas às etnias são
muito raras, você não encontra, até nos traços das pessoas e que mesmo assim elas
não acham que sejam indígenas, sempre acham que são negras, como é o meu caso,
eu tenho uma descendência indígena e também africana. Mas a minha indígena ela é
muito mais visível. Então assim, para combater primeiramente é esclarecer.
Esclarecer qual é a importância no nosso caso aqui das etnias que formam a
sociedade brasileira. Dessa forma eu acho que o aluno ele vai compreender que
todas as raças são iguais, não há diferença. Eu digo muito para os meus alunos que a
110
única diferença que existe entre eles não é de cor, não é de procedência social, de
procedência familiar, mas sim, a única diferença deles que existe é o interesse, o
interesse pela educação, somente isso. Eu acho que é assim é a valorização
realmente das etnias. (informação verbal).87
A valorização das etnias, citada pelo professor, perpassa os trâmites do ensino
formal e requer ressignificar o papel de cada um de nossos antepassados no processo de
formação da história e identidade nacional. Para tanto, faz-se necessária a promoção de um
ensino que viabilize a desconstrução de preconceitos arraigados a história do Brasil no que
tange aos diferentes povos formadores de nossa nação. Por conseguinte, propiciar uma
educação valorativa, pautada no respeito e na valorização de todos os sujeitos,
independentemente de suas características fenotípicas.
Essa compreensão coaduna com a proposta das Diretrizes Curriculares Nacionais
para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-
brasileira e Africana, que expõe como um dos princípios norteadores da consciência política e
histórica da diversidade “a compreensão de que a sociedade é formada por pessoas que
pertencem a grupos étnico-raciais distintos, que possuem cultura e história próprias,
igualmente valiosas e que em conjunto constroem, na nação brasileira, sua história”
(BRASIL, 2004, p.18).
Alguns estudantes também mencionaram, em suas falas, o respeito às diversidades
existentes nas escolas. Quando questionados sobre como combater o racismo na escola,
responderam: “Ter respeito, respeitar os povo [sic]”88
; „Dar o respeito à pessoa do jeito que
ela é, do jeito que ela nasceu porque não pode mudar”89
. A compreensão do respeito ao outro
em sua singularidade, conforme salientam os estudantes, é fundamental nesse contexto de
reeducação para as relações étnicorraciais, pois que, para reconhecer as disparidades ainda
presentes em nossa sociedade e, por conseguinte, extirpá-las, precisamos valorizar e respeitar
as “pessoas negras, a sua descendência africana, sua cultura e história” (BRASIL, 2004, p.
12), tão relevantes para a história do Brasil e dos brasileiros quanto as das demais matrizes
formadoras da identidade nacional. Principalmente, quando compreendemos que a formação e
o reconhecimento identitário das pessoas são construídos cotidianamente, uma vez que as
87 Entrevista realizada em 2016 com um professor de história do 9º ano do Ensino Fundamental II, da
Escola Nemésio Bezerra. 88
Entrevista realizada em 2016 com uma estudante do 5º ano do Ensino Fundamental I, da Escola José
Bonifácio de Sousa. 89
Entrevista realizada em 2016 com uma estudante do 9º ano do Ensino Fundamental II, da Escola
Nemésio Bezerra.
111
identidades culturais são dinâmicas e não estão aprisionadas no passado, bem como “a cultura
não é uma questão de ontologia, de ser, mas de se tornar” (HALL, 2003, p. 44).
O professor figura nesse processo como agente de transformação que precisa estar
atento aos embates e preconceitos que têm origem nas questões raciais para promover
reflexões sobre as perspectivas de uma educação valorativa fundamentada no respeito à
diversidade étnico-cultural de sua sociedade. Para tanto, esses educadores precisam ter
consciência da realidade que os cerca, uma vez que a diversidade étnico-cultural brasileira
ainda figura muito mais no campo teórico do que no prático, mesmo a teoria reconhecendo a
importância das práticas vivenciadas no chão da sala de aula.
A conscientização por parte dos professores foi citada por uma de nossas
entrevistadas como meio de banir o preconceito racial na escola. Para ela:
Primeiro os professores têm que estar conscientes do que é a questão do racismo.
Porque de repente até o próprio professor pode estar tendo alguma ação de racismo.
Tem que primeiro passar por uma conscientização do professor do que é que é o
racismo porque tem muita coisa embutida ali, que a gente não sabe. Só vai descobrir
como? Fazendo curso, capacitação nesse sentido. Algo que te dê suporte para
entender o que tem por trás, porque sempre tem alguma coisa escondida em algum
canto. É uma música, é numa boneca, nas formas, bem difíceis de tratar e de
perceber. O problema do racismo na escola é esse você tem que ter noção para poder
combater, você pode estar sendo racista sem querer. Na hora de colocar os meninos
que são de cor mais acentuada (posso até estar sendo racista nessa colocação) para
fazer, por exemplo a representação do saci, quem é que as escolas colocam? São os
meninos negros que aparentemente são parecidos com o saci. São questões bem
interessantes, e a gente só pode estar olhando isso com outro olhar quando a gente
tem conhecimento. (informação verbal).90
As situações corriqueiras, citadas pela entrevistada acima, coordenadora
pedagógica da Escola Nemésio Bezerra, estão presentes no cotidiano escolar quixadaense e
são fortemente marcadas pelo preconceito racial que determina os lugares dos estudantes
negros e dos brancos. Daí a necessidade de os professores repensarem seus conceitos e
preconceitos para assim transformarem as próprias ações que interferem diretamente no
processo educativo de seus alunos, para que essas práticas, viabilizadas pelas mudanças de
mentalidades, sejam “capazes de contribuir no processo de construção da democracia
brasileira, que não poderá ser plenamente cumprida enquanto perdurar a destruição das
individualidades históricas e culturais das populações que formaram a matriz plural do povo e
da sociedade brasileira. (MUNANGA, 2005, p.17).
90 Entrevista realizada em 2016 com a Coordenadora pedagógica da Escola de Ensino Fundamental II,
Nemésio Bezerra.
112
Para tanto, os professores, conforme alerta nossa entrevistada, precisam não só
buscar formações continuadas que lhe assegurem aquisição de novos conhecimentos, mas as
instituições escolares, bem como as secretarias de educação, precisam promover essas
formações continuadas, especialmente referentes à temática em questão, uma vez que educar
para as relações étnicorraciais requer dos professores qualificação e sensibilidade que os
capacitem a “direcionar positivamente as relações entre pessoas de diferentes pertencimento
étnico-racial, no sentido do respeito e da correção de posturas, atitudes, palavras
preconceituosas” (BRASIL, 2004, p.17).
A importância de novas posturas pedagógicas, propiciadas pela formação docente,
bem como a necessidade de uma reeducação de todos os brasileiros estão fundamentadas nas
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais para o Ensino
de História e Cultura Afro-brasileira e Africana:
A obrigatoriedade de inclusão de História e Cultura Afro-brasileira e Africana nos
currículos da educação Básica trata-se de decisão política, com fortes repercussões
pedagógicas, inclusive na formação de professores. Com esta medida, reconhecesse
que, além de garantir vagas para negros nos bancos escolares, é preciso valorizar
devidamente a história e cultura de seu povo, buscando reparar danos, que se
repetem há cinco séculos, à sua identidade e a seus direitos. A relevância do estudo
de temas decorrentes da história e cultura afro-brasileira e africana não se restringe à
população negra, ao contrário, diz respeito a todos os brasileiros, uma vez que
devem educar-se enquanto cidadãos atuantes no seio de uma sociedade multicultural
e pluriétnica, capazes de construir uma nação democrática (BRASIL, 2004, p. 17).
A relevância de métodos didáticos que difundam o respeito ao outro e à sua
história e cultura, numa perspectiva igualitária, conforme preceitua o documento acima,
também se faz presente na afirmativa de uma estudante, quando a mesma asseverou:
Eu acho que a gente deve promover mais campanha, reportagem sobre esse tema né?
E devemos persistir nesse caso que é um fato muito sério né? Que a gente deveria
juntamente com as redes sociais e entre os meios de comunicação propor uma
sociedade né? Sem desigualdade e todos lutando pelo mesmo direito que é a
igualdade. (informação verbal).91
Utilizar dos diversos mecanismos e instrumentos informativos para combater o
racismo na escola é de fato uma atitude condizente com a realidade dos estudantes, considere-
se, por exemplo, que as redes sociais e demais instrumentos midiáticos fazem parte do dia-a-
dia das crianças e jovens de todas as classes sociais e devem, portanto, cumprir seus papéis
sociais. Pensar muros extra escolares, uma vez que essas campanhas não se limitariam ao
91 Entrevista realizada em 2016 com uma estudante do 3º ano do Ensino Médio, da Escola Abraão Baquit.
113
contexto das escolas, é uma forma de dar visibilidade à questão racial e convidar todos os
sujeitos sociais a refletirem e viverem a alteridade necessária para a formação de uma
sociedade justa e equânime, em que todos os cidadãos tenham seus direitos respeitados,
independendo do grupo étnicorracial ao qual pertença.
Por outro lado, foram apresentados os desafios existentes na parceria escola e
família nesse processo, pois, ao serem questionados sobre o que pode ser realizado para
combater o racismo na escola, dois dos professores entrevistados relataram haver tarefas
educativas realizadas nas escolas do bairro Campo Novo que visam conscientizar os
estudantes quanto à necessidade de adoção de novas posturas diante das diversidades
presentes na sociedade as quais concorrem com uma realidade familiar avessa ao respeito e a
valorização do outro. Observemos suas ponderações:
Podemos combater o racismo na escola com educação, mas a gente vê que já vem de
casa, a má educação deles já vem de casa. Então o que a gente faz aqui é um
trabalho, na minha opinião, quase perdido. Podemos fazer o que quisermos, mas
sempre vai ter. Diminui em determinada época do ano, mas parece que eles não se
esquecem, qualquer conflito, partem logo para essa área aí. (informação verbal).92
O professor de história do 5º ano, da Escola José Bonifácio de Sousa, destaca em
sua afirmativa que a “má educação” dos estudantes vem de casa e que, independentemente do
que a escola faça, eles não desconstruirão seus pensamentos e ações preconceituosas,
arraigadas e legitimadas no meio em que vivem. Essa percepção denota a descrença do
trabalho realizado no âmbito escolar, todavia, suas observações podem estar associadas à
atenção dada por ele a questão. Em nenhum momento falou de alguma ação que realizou ou
realiza no sentido de problematizar e ou de esclarecer os estudantes no que concerne aos
preconceitos raciais existentes na escola. Do contrário, ratifica sempre em sua fala os conflitos
vividos pelos estudantes da escola, que encontram a questão racial como base, mas não se
apresenta como partícipe desse processo.
A postura do professor nos faz refletir novamente sobre a formação docente, uma
vez que essa deve passar por mudanças que possam ir “além das velhas dicotomias entre o
escolar e o não escolar, o político e o cultural, o instituído e o instituinte, ainda presentes em
vários currículos e práticas de formação de professores” (GOMES, 2011, p.57). Pensar sobre
esse processo também se faz necessário, tendo em vista que é atribuída ao professor a tarefa
de educar e, para tanto, esse profissional precisa estar devidamente preparado.
92 Entrevista realizada em 2016 com o professor de história do 5º ano do Ensino Fundamental I, da Escola
José Bonifácio de Sousa.
114
Com relação às possibilidades de luta contra o racismo na escola e à necessidade
de parceria entre essa e a família nesse processo, a diretora da Escola José Bonifácio de
Sousa, considerou:
A escola pode contribuir no combate ao racismo conscientizando os alunos que
somos todos iguais, independentemente da raça. Isso pode ser feito de diversas
maneiras, através de leitura e análise de texto, histórias, vídeos educativos, rodas de
conversas, mas é necessário a ajuda das famílias nesse processo. (informação
verbal).93
A professora que estava na gestão escolar justificou sua fala após a entrevista,
dizendo que o trabalho realizado na escola era contraproducente porque as famílias dos
estudantes não colaboravam e, muitas vezes, até dificultam os processos educativos
desenvolvidos na instituição. De acordo com seu depoimento, parte do que é abordado na
escola passa por um processo conflitante com a realidade sociocultural dos estudantes, uma
vez que a conjuntura das relações existentes no bairro é pautada no desrespeito e no descaso,
não só às relações étnicorraciais, mas também aos demais dilemas vividos por parte dos
moradores.
Diante da análise dos professores sobre a realidade local, que dialoga diretamente
com a nacional, percebemos que, mesmo mediante legislações e diretrizes educacionais e da
realização de aulas e projetos desenvolvidos nas escolas, o preconceito racial perpassa os
limites das escolas e requer mudanças de atitudes em todos os contextos sociais do país.
Buscando perceber os pormenores dessa complexa situação, recorremos a Munanga (2005, p.
17), que afirma:
Como, então, reverter esse quadro preconceituoso que prejudica a formação do
verdadeiro cidadão e a educação de todos os alunos, em especial os membros dos
grupos étnicos, vítimas do preconceito e da discriminação racial? Não existem leis
no mundo que sejam capazes de erradicar as atitudes preconceituosas existentes nas
cabeças das pessoas, atitudes essas provenientes dos sistemas culturais de todas as
sociedades humanas. No entanto, cremos que a educação é capaz de oferecer tanto
aos jovens como aos adultos a possibilidade de questionar e desconstruir os mitos de
superioridade e inferioridade entre grupos humanos que foram introjetados neles
pela cultura racista na qual foram socializados. Apesar da complexidade da luta
contra o racismo, que consequentemente exige várias frentes de batalhas, não temos
dúvida de que a transformação de nossas cabeças de professores é uma tarefa
preliminar importantíssima. Essa transformação fará de nós os verdadeiros
educadores.
93 Entrevista realizada em 2016 com a diretora da Escola de Ensino Fundamental I, José Bonifácio de
Sousa.
115
A citação acima nos faz refletir que, por mais desafiadora que seja a promoção de
uma educação emancipadora num contexto vulnerável, como o do bairro Campo Novo, o
cenário educacional, por meio de seus educadores, se configura como ambiente propício à
implementação dessas mudanças, pois são esses e os demais agentes escolares que podem
mudar a realidade local, por via de ações capazes de transformar o vivido e de propiciar a
desconstrução de relações preconceituosas que supervalorizam pessoas em detrimentos de
outras, exclusivamente por causa de suas características fenotípicas.
Destarte, ressaltamos que as escolas e seus representantes desempenham papel de
extrema importância na formação cultural de seus alunos, porquanto exercem poder de
influência sobre esses uma vez que as subjetividades dos sujeitos dialogam com os sistemas
culturais existentes na sociedade a que pertencem.
Problematizar as relações étnicorraciais no contexto escolar implica diretamente
na ressignificação do papel social do negro na contemporaneidade, haja vista que “A cultura
não é apenas uma viagem de redescoberta, uma viagem de retorno. Não é uma “arqueologia”.
A cultura é uma produção” (HALL, 2003, p. 44) viva e dinâmica em que passado e presente
se interseccionam, “Não é uma questão do que as tradições fazem de nós, mas daquilo que
nós fazemos das nossas tradições” (HALL, 2003, p. 44).
O reconhecimento de si enquanto sujeito histórico, bem como a ressignificação
dos sujeitos num contexto excludente e preconceituoso é evidenciado nas falas dos
entrevistados, quando esses apontam ações diversas como meio de combater o racismo nas
escolas, destacando as atividades desenvolvidas através da execução de projetos pedagógicos
voltados a conscientização e ao respeito a diversidade presente na sociedade brasileira.
As respostas de nossos entrevistados no decorrer de nossa pesquisa nos fazem
refletir sobre as possibilidades exequíveis de transformação do contexto das escolas
pesquisadas, em que professores, estudantes, pais e comunidade em geral são convidados a
pensar sobre a realidade vivida e a partir de então trabalharem juntos no processo de
desconstrução de pensamentos e posturas racistas.
Concluímos que, nesse contexto, a instituição escola, apesar de atuar num campo
social específico, oferece aos alunos condições para que as diversidades culturais sejam
problematizadas, respeitadas e valorizadas, na tentativa de romper com as amarras do
preconceito racial e desconstruir as injustiças cometidas historicamente contra os afro-
brasileiros, haja vista que:
116
A educação escolar deve ajudar professor e alunos a compreenderem que a diferença
entre pessoas, povos e nações é saudável e enriquecedora; que é preciso valorizá-la
para garantir a democracia que, entre outros, significa respeito pelas pessoas e
nações tais como são, com suas características próprias e individualizadoras; que
buscar soluções e fazê-las vigorar é uma questão de direitos humanos e cidadania
(LOPES, 2005, p. 189).
Promover ações para educação das relações étnicorraciais perpassa as políticas
educacionais em suas diversas esferas, todavia é no convívio cotidiano, nas salas de aulas e
demais espaços das escolas que as relações são construídas e reelaboradas pelos diferentes
sujeitos que compõem a instituição escolar. Assim, compreendemos que para além da
execução das propostas das diretrizes curriculares (externas e internas) e dos conteúdos que
abordam a história africana e afro-brasileira, a escola deve promover ações diversas capazes
de elaborar novos significados à cultura negra e, por conseguinte, descontruir o paradigma do
preconceito racial ainda presente em nossa sociedade.
117
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Adentrar no espaço escolar é uma das melhores formas de perceber as nuances
que permeiam as relações estabelecidas nesse contexto e trazer para o debate acadêmico
alguns aspectos da educação formal em movimento. Nesse sentido, nossa pesquisa – que teve
como problema principal perceber como o racismo se reflete no cotidiano das escolas
analisadas – foi realizada por meio da discussão entre teorias e práticas que envolvem a
dinâmica escolar, dentre elas as percepções dos sujeitos que compõem esse lugar.
O racismo é resultante de construções e contradições históricas em que alguns
seres humanos, tentando se construir maiores e melhores que os outros, designaram a cor da
pele como elemento de inferioridade para justificarem suas práticas desumanas de opressão e
desrespeito para com os oprimidos. Nesse eixo, a presente pesquisa aborda o racismo numa
perspectiva sociocultural de proposições dominantes.
Refletimos dessa forma o racismo como fenômeno social, numa perspectiva
sociocultural, originária do século XVI, quando os europeus elaboraram teorias raciais para
justificar sua dominação ao restante do mundo. Nesse contexto, o próprio corpo dos
dominados serviu como sustentáculo de propagação do preconceito racial. Na percepção de
Lopes (2004, p.22):
O preconceito racial conta, como suporte para a sua veiculação, o primeiro
equipamento básico do homem: seu corpo. Assim, tomando o corpo negro como
portador da informação de uma diferença que desencadeia a expressão do
preconceito. As outras dimensões do negro que o constituem como ser humano, sua
capacidade intelectual, seu universo moral e sua afetividade, são agregadas a este
suporte biológico, já marcadas de antemão pela desqualificação e pela
inferiorização.
As marcas de inferiorização do corpo negro refletem as relações racistas presentes
na atualidade, sobretudo no cotidiano escolar, uma vez que o racismo na escola se expressa de
várias formas que, verbalizadas ou não, silenciadas ou enfrentadas por professores e
estudantes, ainda permeiam a cultura escolar e demarcam os papéis de estudantes negros e
brancos, não obstante dos esforços empregados nas propostas de educação das relações
étnicorraciais, especialmente, a partir da promulgação da Lei 10.639/03 e da elaboração das
Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais, que têm como
objetivo principal reparar os danos causados à comunidade negra no Brasil, bem como através
do ensino da história e cultura africana e afro-brasileira, de onde “espera-se que a escola
118
assuma realmente o seu papel social de valorização e de difusão da cultura e da pluralidade de
nossa formação étnica [...]” (FERNANDES, 2005, p.385)
Compreendemos, assim, a importância da implementação de uma educação
escolar de fato inclusiva, equânime e valorativa, capaz de agregar nos diferentes processos
educacionais as diversidades dos povos que compõem a história do Brasil, destacando a
relevância de suas histórias e culturas na formação da chamada identidade nacional.
No atual cenário brasileiro, especificamente na segunda década do século XXI,
ainda percebemos lacunas existentes entre as políticas educacionais e as práticas escolares
cotidianas, com relação às questões étnicorraciais. Em contrapartida, devemos ponderar
alguns avanços no que se refere às políticas públicas de caráter inclusivo e equitativo
desenvolvidas no Brasil, como a Lei no. 10.639/2003 posteriormente substituída pela Lei no.
11.645/2008, que salientam a obrigatoriedade da educação afro-brasileira e indígena na
Educação Básica em todo o país.
As conquistas já alcançadas advêm de séculos de luta do povo negro, e devemos
permanecer batalhando para a consecução de novas e significativas conquistas em prol da
equidade entre todos os brasileiros, independentemente de sua cor de pele. Albuquerque e
Fraga Filho (2006) a esse respeito argumentam:
Então, hoje, a palavra de ordem é a igualdade de oportunidades, uma outra maneira
de dizer liberdade e inclusão social como, antes de nós, tantos outros negros já
reivindicaram. Continuar se posicionando contra o racismo e defendendo melhores
condições de vida é o que cabe a todos os herdeiros da história de luta do povo
negro. É de fato tarefa de todo brasileiro. (ALBUQUERQUE e FRAGA FILHO,
2006, p.314)
Concordamos com os referidos autores que a causa é nossa e que somente atingirá
seu objetivo se todos permanecermos na luta. Para tanto, urge a adoção de novas posturas
diante das relações étnicorraciais presente em nosso país. Precisamos, entretanto, discutir as
várias possibilidades de reconfiguração social, em que todos os sujeitos que compõem a nação
sejam corresponsáveis por essa transformação.
Nesse sentido, efetivar um ensino escolar antirracista, pautado na valorização da
história e na cultura do negro africano e afro-brasileiro é fundamental no processo de
efetivação de uma educação cidadã, que vise à igualdade de direitos e à viabilidade de
transformação social de um grupo historicamente excluído.
As leis inclusivas são importantes para um despertar crítico social diante, por
exemplo, de posturas racistas no cotidiano escolar, mas estas leis precisam estar associadas
119
aos trabalhos desenvolvidos pelos professores, que, no exercício de suas funções, busquem
despertar nos alunos o sentimento de pertencimento ao universo da cultura letrada,
conjecturando a promoção de uma educação de caráter libertador e transformador, próximo à
proposta educativa freireana94
.
O desafio imposto às escolas e aos professores tende a reforçar o papel do ensino
formal na reconstrução da história do Brasil e dos brasileiros, especialmente em relação às
desigualdades existentes entre negros e não negros, no contexto nacional, pois, apesar de
existirem políticas públicas voltadas para as questões étnicorraciais, como a Lei Federal
10.639/03, que tornou obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana e
estabeleceu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais
e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana – que visam promover uma
educação equânime em todo estado brasileiro –, na prática ainda existem muitas lacunas a
serem preenchidas. A escola, na qualidade de campo de pesquisa, nos oportunizou
investigações acerca das relações étnicorraciais, tendo em vista que “para muitos alunos,
especialmente os pertencentes às escolas públicas, a escola e, por conseguinte, suas aulas são
as únicas fontes de referência na elaboração de significados quanto à sua formação em todos
os níveis, inclusive na formação de sua identidade [...]” (COELHO, 2010, p.14).
Compreendendo a construção da identidade como “um fenômeno que se produz em referência
aos outros [...]” (POLLAK, 1992, p.204), percebemos a relevância das relações desenvolvidas
na escola, especialmente, nesse processo de formação identitária dos estudantes das escolas
investigadas.
Para enfatizar a realidade vivida nas três escolas pesquisadas, utilizamos a história
oral como metodologia, viabilizada pela realização de entrevistas semi-estruturadas com os
diversos sujeitos que compõem este universo – gestores, professores e estudantes. E
constatamos, pelas percepções dos entrevistados, que atos racistas ocorrem cotidianamente
dentro delas, demonstrando que nossas escolas ainda não estão adequadas para a promoção de
uma educação cidadã inclusiva, que tem por premissa o respeito à diversidade e à dignidade
humana.
As manifestações racistas nas escolas pesquisadas ocorrem por mecanismos
diversos, dentre os quais destacamos as chamadas brincadeiras que ridicularizam as crianças e
94 A teoria freireana destaca que os homens se libertam em comunhão, mediante ações políticas e culturais
de reflexões e práxis viabilizadas por um modelo educativo horizontal mediatizado pelo mundo e pautado na
dialogicidade enquanto essência da educação como prática da liberdade. FONTE: FREIRE, Paulo. Pedagogia do
Oprimido.17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
120
jovens negros a partir de sua cor de pele e características fenotípicas, bem como nos silêncios
que demonstram a dor da vítima, negativizam suas imagens e às vezes são usados, sobretudo
por professores, para evitar os confrontos étnicos que “em sua grande maioria essa ação não
surte muito efeito, pois, os problemas só irão se agravar ainda mais” (ARAÚJO e
BERNARDES, 2012, p. 529-530). Essa situação foi relacionada por um dos professores
entrevistados, ao evidenciar que as manifestações racistas estão presentes nos conflitos
vivenciados pelos estudantes, mas que são minimizadas durante a realização de trabalhos ou
projetos que têm por objetivo discutir as relações étnicorraciais.
A situação exposta denota a necessidade de discutir e problematizar as relações
étnicorraciais nas escolas, uma vez que somente através do reconhecimento de que existe
racismo na escola e do enfrentamento dessa situação é que podemos descontruir pensamentos
e práticas preconceituosas e excludentes dentro e fora do contexto analisado.
O fortalecimento de consciências ultrapassa a organização curricular das escolas e
as estratégias pedagógicas no sentido de reeducar negros e brancos desde um modelo
educativo em que todos sejam capazes de problematizar as desigualdades que permeiam as
relações étnicorraciais no Brasil para, posteriormente, promover as mudanças necessárias à
reparação dos danos causados ao grupo mais prejudicado nessas relações assimétricas – os
negros. Igualmente, é imperativo organizar um modelo de relacionamento, pautado no
respeito e na equidade entre todos os brasileiros, independentemente do grupo étnico a que
pertençam.
A escola, em sua dimensão institucional de meio formal de ensino, apresenta
problemas diversos que refletem a realidade social do país, como a questão do racismo
presente nas relações escolares. Todavia, no contexto de tentativas de combate a esta questão,
destacamos a influência do ensino de história, em especial, o ensino da história afro-brasileira
e africana, como mecanismo de transmissão e construção de conhecimentos históricos que
podem ressignificar a imagem dos negros no país, e, por consequência, transformar o
pensamento ainda colonizado e preconceituoso acerca do papel destes na formação da história
brasileira.
A conquista social da lei 10.639/03, como também as diretrizes para educação das
relações étnicorraciais, são instrumentos de luta que questionam o modelo social e
educacional brasileiro em seus formatos rasos e discriminadores. E, nessa conjuntura,
observamos o papel singular do ensino de história, tendo em vista o vasto campo de pesquisa
propiciado pela historiografia nacional no que se refere à história dos negros africanos e afro-
brasileiros na composição da história do país.
121
Os desafios e possibilidades de consecução desse modelo educacional, entretanto,
subjazem à organização curricular das escolas, sobretudo as disciplinas ministradas, dentre
elas, a disciplina história e o ensino da história afro-brasileira e africana, que, nesse contexto,
podem ajudar os alunos a entenderem a participação dos negros na construção da história
nacional, através da retratação de histórias em que esses sujeitos são apresentados como
construtores da própria história e da história do país. A partir desses conhecimentos, o
estudante “estará mais apto a atuar criticamente, sem idealização ingênua (heroização), nem
autodepreciação (a história do ponto de vista conservador) da transformação social”.
(DAVIES, 2017, p.125). Esse conhecimento, acreditamos, deverá incitá-los na busca de novas
descobertas e desafios que os ajudarão a construir a própria identidade.
Nesse esteio, refletir sobre educação escolar e descolonização do saber95
, a partir
do ensino de história, requer pensar nesse ensino, tendo “como referência, portanto, a
dinâmica epistemológica da história e da educação não como unidades autônomas, mas na
inter-relação criadora e singular que deriva da fusão entre esses dois campos”. (ZAMBONI,
LUCINI e MIRANDA; 2013, p.258). A educação e o ensino, devem, portanto, trabalhar de
mãos dadas na formação de cidadãos, cientes de seus direitos e deveres, para, assim,
transformar a sua realidade.
Buscando compreender de que modo as histórias dos africanos e dos afro-
brasileiros chegam aos estudantes das escolas pesquisadas, analisamos alguns instrumentos
pedagógicos utilizados pelos professores de história, dentre os quais destacamos os livros
didáticos de história para investigar os conteúdos e as abordagens neles contidos, visando
comparar as falas dos entrevistados às demais fontes disponíveis nas escolas.
Desse modo, afirmamos que a história do negro no livro didático de história
adotado na Escola Municipal de Ensino Fundamental I José Bonifácio de Sousa é abordada de
maneira pontual e sutil, sem muitas informações ou exploração dos conteúdos. Se restringe à
história do Brasil, destacando as ações da comunidade negra no processo abolicionista no país
e, na atualidade, nos processos de distribuição de terras e de lutas para incluir a história no
negro na educação nacional. Porém, não faz menção à história da África ou dos africanos.
No livro didático adotado na Escola Municipal de Ensino Fundamental II
Nemésio Bezerra, a história da comunidade negra se restringe ao negro africano, não
95 Ao refletir sobre descolonização do saber, o fazemos na perspectiva exposta por Carlos Walter Porto-
Gonçalves na apresentação da edição em português da obra “A colonialidade do saber. Eurocentrismo e Ciências
Sociais. Perspectivas latino-americanas” de Edgardo Lander (2005). Nela o autor afirma que a Colonialidade do
Saber nos revela, um legado epistemológico do eurocentrismo que nos impossibilita compreender o mundo a
partir do meio em que vivemos e de suas epistemes.
122
contemplando a história dos afro-brasileiros, mesmo que na historiografia apresentada sobre a
história nacional contemporânea houvesse espaço para temáticas relacionadas ao negro do e
no Brasil.
Em contrapartida, no livro didático de história adotado na Escola Estadual Abraão
Baquit, a história e cultura africana e afro-brasileira é bem explorada em vários capítulos,
atendendo ao que é proposto nas Diretrizes Nacionais na promoção de políticas de reparação,
reconhecimento e valorização das ações afirmativas, em que o Estado deve, por diversos
mecanismos, promover mudanças no trato das pessoas negras, dentre elas, no âmbito do
ensino formal, buscar por justiça e igualdade de direitos sociais, civis, culturais e econômicos,
viabilizando, pelo conhecimento de suas histórias e culturas, desconstruir o mito da
democracia racial na sociedade nacional (BRASIL, 2004).
Constatamos dificuldades e ou fragilidades na promoção de um ensino de história
mais crítico, que podem ser justificadas pela formação inicial dos professores, principalmente
os professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental, que precisam atender às várias
disciplinas do currículo escolar. Essa realidade implica também na exploração adequada do
conteúdo do livro didático, incluindo o manual do professor, para que as potencialidades deste
instrumento didático possam de fato contribuir para a construção do conhecimento histórico e
consequente formação cidadã crítica diante do mundo.
Para o emprego dos livros didáticos em sala de aula, por seu turno, ao professor
de história é dada a responsabilidade do trato pedagógico com as fontes documentais neles
existentes, para galgar resultados satisfatórios. Não obstante, devemos lembrar que existem
outros sujeitos e instituições envolvidos nesse processo de elaboração e utilização desse livro
que nos fazem refletir sobre essa ferramenta como objeto da cultura escolar, como afirma
Gatti Júnior (2004), que representa apenas uma amostra das relações culturais experienciadas
no cotidiano das escolas, constituídas na condição de “lugar onde se entrecruzam aspectos da
História da Cultura e da História da Pedagogia” (GATTI JR. 2006, pag.09).
Ao identificarmos, nas três escolas investigadas, a presença da história e cultura
africana e afro-brasileira exposta de modos distintos nos livros didáticos de história, bem
como por meio de projetos e ações coletivas desenvolvidas no espaço escolar, constatamos a
relação entre o legal e o real no ensino formal quixadaense, sobretudo quando, nas falas dos
professores, o livro didático é citado como manual de apoio pedagógico fundamental em suas
práticas escolares, bem como no desenvolvimento de projetos extrassala, porém pouco
explorado no chão da sala de aula.
123
Reconhecemos as diferenças e os desafios entre as práticas que viabilizam a
exequibilidade do ensino da história africana e afro-brasileira nas três escolas como meio de
combater o racismo e conscientizar a comunidade escolar quanto à necessidade de educar para
as relações étnicorraciais no contexto local, haja vista que, apesar de as escolas estarem
situadas no mesmo bairro, questões diversas imprimem a cada uma um modelo singular de
execução da tarefa educativa, que inclui desde a flexibilização do currículo e usos do material
didático até o envolvimento e a sensibilidade das pessoas com o tema.
Por fim, apresentamos as considerações de professores e estudantes das escolas
acerca das possibilidades de reeducar para as relações étnicorraciais e erradicar o racismo no
contexto em que vivem. Esses destacaram a realização de projetos, palestras e demais ações
que visem conscientizar a comunidade escolar sobre o respeito a diversidade étnico-racial
presente na escola e na sociedade como um todo. Esses agentes escolares têm consciência de
seus papéis sociais, mas também buscam encontrar suporte nas escolas, pois, para promoção
de uma educação inclusiva, valorativa e antirracista no Brasil, é necessário rever conceitos e
práticas que permeiam o universo escolar. O racismo precisa ser repensado, discutido e
denunciado na comunidade escolar para, possivelmente, viabilizar a formulação de novas
concepções que considerem o valor das histórias e culturas dos diferentes grupos
étnicorraciais que compõem a nação brasileira.
Com esta pesquisa, visamos contribuir no processo reflexivo das relações
étnicorraciais presentes nas escolas quixadaenses, trazendo à reflexão posturas racistas que
muitas vezes passam despercebidas ou como simples brincadeiras, pois, a partir do momento
em que nos conscientizamos da forma cruel como agimos, é que podemos mudar nossos
comportamentos e transformar nossa sociedade a partir do local onde moramos e vivemos. Ao
aderir a novas posturas, escolas e professores passam a auxiliar na formação de cidadãos
conscientes de seus direitos e deveres, que, por conseguinte, poderão – a partir desse
entendimento – garantir a real transformação da sociedade brasileira através das próprias
ações, tendo por base a elaboração de análises mais críticas de mundo e de novos
comportamentos a esse respeito.
Constatamos que as escolas do bairro Campo Novo, em Quixadá/CE, apesar de
atuarem num contexto de vulnerabilidade socioeconômico e cultural, promovem por meio de
projetos pedagógicos – que buscam envolver toda comunidade escolar – ações voltadas a
educar para as relações étnicorraciais, fundamentadas nas exigências da Lei 10.639/03 e nas
orientações presentes nas Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações
Étnico-Raciais, como também em seus Projetos Político Pedagógicos, que estão de acordo
124
com as Diretrizes Nacionais e se propõem a orientar seus educandos para a convivência em
sociedade.
Ademais, concluímos que existem caminhos possíveis a serem trilhados para a
formação de indivíduos mais críticos e comprometidos com a causa antirracista, que não
deverão mascarar relações preconceituosas e discriminatórias, propiciando,
consequentemente, a edificação de relações étnicorraciais simétricas, de bases sólidas, num
país essencialmente multirracial, onde o respeito à diversidade e à individualidade dos
diversos sujeitos que compõem a nação sejam reconhecidos, considerados e valorizados, para
que assim a cidadania seja exercida em sua plenitude por todos, independentemente de sua
cor, raça ou condição socioeconômica.
125
FONTES
Entrevistados (as):
NOME DO
ENTREVISTADO
FUNÇÃO LOCAL DA
ENTREVISTA
DATA DA
ENTREVISTA
MARIA AMÉLIA DE
LIMA SILVA
PROFESSORA ESCOLA
ABRAÃO
BAQUIT
13/09/2016
LUCAS DE SOUSA
SILVA
ESTUDANTE ESCOLA
ABRAÃO
BAQUIT
14/09/2016
ZIDANE BARBOSA ESTUDANTE ESCOLA
ABRAÃO
BAQUIT
16/09/2016
MARIA GRACINEIDE
CUNHA PESSOA
ESTUDANTE ESCOLA
ABRAÃO
BAQUIT
16/09/2016
DANIELLE MATEUS DO
NASCIMENTO
ESTUDANTE ESCOLA
ABRAÃO
BAQUIT
16/09/2016
NILMAR DA SILVA ESTUDANTE ESCOLA
ABRAÃO
BAQUIT
19/09/2016
DANIEL MARTINS DE
LIMA
ESTUDANTE ESCOLA
NEMÉSIO
BEZERRA
26/09/2016
MARIA JANISNARA
LINO LIMA
ESTUDANTE ESCOLA
NEMÉSIO
BEZERRA
26/09/20160
CAIO VICTOR MENDES
FILIPE
ESTUDANTE ESCOLA
NEMÉSIO
BEZERRA
26/09/2016
126
JADE LOPES DE LIMA ESTUDANTE ESCOLA
NEMÉSIO
BEZERRA
03/10/2016
ERYKA NARA
NASCIMENTO PEREIRA
ESTUDANTE ESCOLA
NEMÉSIO
BEZERRA
03/10/2016
FRANCISCO CARLOS
SARAIVA DE BRITO
PROFESSOR ESCOLA
NEMÉSIO
BEZERRA
03/10/2016
SANDRA MARIA
FERREIRA CABRAL
COORDENADORA
PEDAGÓGICA
ESCOLA
NEMÉSIO
BEZERRA
10/10/2016
FRANCISCO OSMAR
HENRIQUE DE LIMA
PROFESSOR ESCOLA JOSÉ
BONIFÁCIO DE
SOUSA
22/11/2016
VERA LÚCIA SILVA
VIEIRA
DIRETORA ESCOLA JOSÉ
BONIFÁCIO DE
SOUSA
22/11/2016
MARIA WRIANNY
MOURA QUEIROZ
ESTUDANTE ESCOLA JOSÉ
BONIFÁCIO DE
SOUSA
23/11/2016
KAYKY BEZERRA
BRITO
ESTUDANTE ESCOLA JOSÉ
BONIFÁCIO DE
SOUSA
23/11/2016
ALANA PÂMELA DOS
SANTOS RIBEIRO
ESTUDANTE ESCOLA JOSÉ
BONIFÁCIO DE
SOUSA
24/11/2016
TAYNARA LIMA DA
SILVA
ESTUDANTE ESCOLA JOSÉ
BONIFÁCIO DE
SOUSA
24/11/2016
JOSÉ PAULINO DE LIMA
NETO
ESTUDANTE ESCOLA JOSÉ
BONIFÁCIO DE
SOUSA
24/11/2016
127
Livros Didáticos Adotados Nas Escolas
BOULOS JÚNIOR, Alfredo. História sociedade & cidadania 3º Ano. São Paulo: FTD, 2013.
______. História sociedade & cidadania 9º Ano. 3ª Ed. São Paulo: FTD, 2015.
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134
APÊNDICES
135
APÊNDICE A – ROTEIRO DE PERGUNTAS (ENTREVISTAS – GESTORES
ESCOLARES)
1. Para você o que é racismo?
2. No seu cotidiano de trabalho você já percebeu ou presenciou manifestação (ções) de
racismo? Comente.
3. Na sua opinião como devemos combater o racismo na escola?
4. Existem propostas pedagógicas nesta escola para a efetivação do ensino da história e
cultura afro-brasileira e africana? Se afirmativo, quais? Como se realizam?
5. Você encontra dificuldade (s)/desafio(s) na escola para implementar política pública
de combate ao racismo? Comente.
6. Como você avalia a execução das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e
Africana no contexto desta escola?
136
APÊNDICE B – ROTEIRO DE PERGUNTAS (ENTREVISTAS - PROFESSORES DE
HISTÓRIA)
1. Para você o que é racismo?
2. No seu cotidiano escolar você já percebeu ou presenciou manifestação (ções) de
racismo? Comente.
3. Na sua opinião como devemos combater o racismo na escola?
4. Existem propostas pedagógicas nesta escola para a efetivação do ensino da história e
cultura afro-brasileira e africana? Se afirmativo, quais são e como se realizam?
5. Durante suas aulas você contempla a temática afro-brasileira e africana? Se afirmativo,
em que momento(s) e como? E como os alunos reagem?
6. Você encontra dificuldade(s)/desafio(s) na escola para implementar política pública
(Projetos) de combate ao racismo? Comente.
7. Como você avalia a inserção (ou a necessidade) do ensino da história e cultura afro-
brasileira e africana na sua escola?
137
APÊNDICE C – ROTEIRO DE PERGUNTAS (ENTREVISTAS – ALUNOS)
1. Para você o que é racismo?
2. Você já percebeu ou presenciou manifestação (ções) de racismo na sua escola?
Comente.
3. Na sua opinião como devemos combater o racismo na escola?
4. Existem projetos de combate ao racismo em sua escola? Se afirmativo, quais são e
como se realizam?
5. Você estuda a história e cultura afro-brasileira e africana ou assuntos relacionados a
temática racista nas aulas de história? Comente.
6. O que você acha de projetos que divulgam a cultura afro-brasileira e africana na
escola? Comente.