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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO ACADÊMICO INTERCAMPI EM EDUCAÇÃO E ENSINO
FACULDADE DE FILOSOFIA DOM AURELIANO MATOS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS E LETRAS DO SERTÃO
CENTRAL
FRANCISCO ALVES BEZERRA NETO
ALFABETIZAÇÃO MATEMÁTICA: UMA ALTERNATIVA PARA O
ENSINO DE GEOMETRIA NO SEXTO ANO DA EDUCAÇÃO BÁSICA
UTILIZANDO MATERIAL DIDÁTICO MANIPULÁVEL
LIMOEIRO DO NORTE – CEARÁ
2016
1
FRANCISCO ALVES BEZERRA NETO
ALFABETIZAÇÃO MATEMÁTICA: UMA ALTERNATIVA PARA O
ENSINO DE GEOMETRIA NO SEXTO ANO DA EDUCAÇÃO BÁSICA
UTILIZANDO MATERIAL DIDÁTICO MANIPULÁVEL
LIMOEIRO DO NORTE – CEARÁ
2016
Dissertação apresentada ao Curso de
Mestrado Acadêmico Intercampi em
Educação e Ensino do Curso de Pós-
Graduação em Educação da Faculdade de
Filosofia Dom Aureliano Matos e da
Faculdade de Educação, Ciências e Letras
do Sertão Central da Universidade
Estadual do Ceará, como requisito parcial
à obtenção do título de mestre em
Educação e Ensino. Área de
concentração: Educação, Escola e
Movimentos Sociais.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Gilvanise
de Oliveira Pontes
4
Às pessoas mais importantes da minha
vida: minha mãe, Tereza Maria Bezerra
(Dona Terezinha); meu pai, Raimundo
Alves Bezerra (Maestro Bezerra; in
memoriam); minha irmã, Francisca
Aldeiza Bezerra; minha esposa, Rita de
Cássia Silva Nunes Bezerra (Cassinha)
e meus filhos, Bruno Alacy Nunes
Bezerra e Bergson Henrique Nunes
Bezerra.
5
AGRADECIMENTOS
A Deus, pelo dom da vida.
À família, pelo apoio incondicional nos campos pessoal e profissional.
À Prof.ª Dr.ª Maria Gilvanise de Oliveira Pontes, pela grandiosa orientação e extrema
disponibilidade.
Aos membros da banca, Prof. Dr. José Eudes Baima Bezerra, Prof.ª Dr.ª Cecília Rosa
Lacerda e Prof.ª Dr.ª Rogéria Gaudencio do Rêgo, pelas observações, questionamentos
e críticas.
Aos professores do curso de mestrado MAIE/UECE, pela ampliação dos conhecimentos
e do horizonte no campo educacional.
Ao grande amigo e colega Professor Célio de Lima Gonçalves, pela inestimável
parceria no decorrer desta pesquisa.
Aos professores, funcionários, diretor e coordenadores que integram o Colégio Estadual
Governador Flávio Marcílio, em Russas/CE, pelo apoio recebido ao longo desta pós-
graduação.
À Secretaria de Educação do Estado do Ceará (SEDUC/CE), pela garantia do
afastamento para cursar o mestrado.
À Coordenadoria Regional de Desenvolvimento da Educação (CREDE 10), com sede
em Russas/CE, pelo apoio prestado ao nosso trabalho.
À Profª. Monalisa de Paula Chaves, membro do Núcleo de Tecnologia Educacional
(NET)–CREDE 10/Russas-CE, pela sua relevante participação como avaliadora
FIT/FUNCAP.
À Secretaria Municipal de Educação e do Desporto Escolar (SEMED) de Russas/CE,
pelo consentimento para a realização desta pesquisa em uma de suas instituições de
ensino.
A todos que compõem a Escola Municipal Ana Xavier Lopes de Educação Infantil e
Ensino Fundamental, em Russas/CE, pelo acolhimento e disponibilidade no transcurso
de nosso trabalho.
À Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(FUNAP), com recursos provenientes do Fundo de Inovação Tecnológica (FIT), pelo
fornecimento de uma bolsa de estudo que contribuiu para os estudos realizados.
6
(Texto extraído do livro Tecnologias do
conhecimento: os desafios da educação,
de Ladislaw Dowbor – São Paulo,
outubro de 2013 (versão atualizada).
"Prezado Professor, sou sobrevivente de
um campo de concentração. Meus olhos
viram o que nenhum homem deveria
ver. Câmaras de gás construídas por
engenheiros formados. Crianças
envenenadas por médicos diplomados.
Recém-nascidos mortos por enfermeiras
treinadas. Mulheres e bebês fuzilados e
queimados por graduados de colégios e
universidades. Assim, tenho minhas
suspeitas sobre a Educação.
Meu pedido é: ajude seus alunos
a tornarem-se humanos. Seus esforços
nunca deverão produzir monstros
treinados ou psicopatas hábeis. Ler,
escrever e aritmética só são
importantes para fazer nossas crianças
mais humanas."
7
RESUMO
A presente pesquisa destaca como a Educação Matemática contribui para os processos
de ensino e de aprendizagem no âmbito da Matemática escolar e, de modo particular,
dos conceitos das grandezas geométricas perímetro e área. Neste trabalho, apresentamos
e discutimos uma proposta de ensino de Geometria Euclidiana com o uso de materiais
didáticos manipuláveis com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento do
pensamento geométrico de alunos de uma turma do 6º. ano do Ensino Fundamental de
uma escola da rede pública municipal de Russas-CE. Para sua efetivação, partimos de
uma fundamentação teórica que permita uma reflexão sobre a elaboração de aulas de
experimentação com figuras bidimensionais. Ressaltamos o papel do professor como
mediador das atividades, estabelecendo condições propícias a uma interação entre
professor–aluno–material didático. A metodologia tem como norteadora a teoria
sociointeracionista de Lev Vygotsky e a discussão teórica sobre níveis e fases propostos
por Van Hiele. Entre os resultados obtidos, pontuamos um melhor desempenho, por
ocasião da reaplicação do teste diagnóstico, de um quantitativo expressivo de sujeitos da
pesquisa. Ademais, vislumbramos avanços por parte dos alunos pesquisados tanto no
entendimento dos elementos pertinentes ao conceito e a medida de área quanto em
relação a conhecimentos acerca da conceituação e da obtenção da medida de perímetro.
Palavras-chave: Educação Matemática; Ensino de Geometria; Conceitos de Perímetro
e Área; Teoria Sociointeracionista e Modelo de van Hiele
8
ABSTRACT
The present study points out how Mathmatical Education contributes to the teaching
and learning processes in the ambit of school Mathmatics, particularly of the concepts
of Geometrical figures, perimeter and area. A teaching proposal about Euclid’s theory,
with the use of manipulatable pedagogical materials was depicted, with the aim of
contributing to the development of geometrical thought on sixth grades students of the
Fundamental level of a city public school in Russas, CE. The research process started
with a theoretical basis which would allow some reflection about the elaboration of
experimental classes with bidimensional pictures. The role of the teacher as mediator of
the activities was emphasized, establishing proper conditions to interaction on
pedagogical teacher-student-material. The methodology has as its guide Lev Vigotsky’s
socio-interacionist theory and Van Hiele’s theoretical discussion about levels and
phases. Among the outcomes, it was verified better achievement by an expressive
number of the subjects researched when the diagnostic test was reapplied. Besides, the
students researched showed progress regarding the understanding of the elements
related to the concept and the measure of area as well the knowledge of how to
conceptualize an get the measure of perimeter.
Key words: Mathmatical Education, Geometry Teaching, Concepts of perimeter and
area, Socio-interactionist Theory; Van Hiele’s Model.
9
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Esquema Único – Correlações entre os aspectos do conhecimento geométrico e os
elementos fundamentais ao ensino de Geometria...........................104
Figura 1 – Localização de Russas no estado do Ceará...............................................35
Figura 2 – Resolução das questões 5 e 6 do Teste Diagnóstico por Rivaldo...........145
Figura 3 – Atividade: caracterização de um polígono..............................................147
Figura 4 – Atividade: comparação de áreas de polígonos........................................149
Figura 5 – Atividade: composição e ladrilhamento de retângulo.............................157
Figura 6 – Atividade: determinação da medida do perímetro de figuras
poligonais quadriculadas.........................................................................162
Figura 7 – Atividade: determinação da medida do perímetro e da área de
polígono quadriculado..........................................................................166
Figura 8 – Atividade: determinação da medida do perímetro por ladrilhamento
(resolução grupal)....................................................................................171
Figura 9 – Atividade: determinação da medida de área (polígono quadriculado).....172
Figura 10 – Atividade: determinação da medida de perímetro (figura poligonal
quadriculada)...........................................................................................172
Figura 11 – Atividade: determinação da medida de perímetro (figura poligonal
quadriculada)...........................................................................................173
Figura 12 – Atividade: determinação da medida de perímetro (figura poligonal
quadriculada)...........................................................................................174
Figura 13 – Atividade: determinação da medida de área (polígono quadriculado).. 175
Figura 14 – Atividade: composição de figura plana com área de medida 3 u.a.
e perímetro de medida 12 u.c. (Grupo 2)..............................................177
Figura 15 – Atividade: composição de polígonos com medidas de área e de
perímetro estipuladas (Grupo 1: área = 4 u.a. e perímetro = 8 u.c.;
Grupo 4: área = 4 u.a. e perímetro = 10 u.c. e Grupo 5: área = 5
u.a. e perímetro = 10 u.c.).....................................................................180
Fotografia 1 – Atividade: determinação da medida da área por ladrilhamento
(Grupo E)..............................................................................................151
10
Fotografia 2 – Atividade: identificação de figuras poligonais......................................160
Fotografia 3 – Atividade: identificação de figuras poligonais......................................160
Fotografia 4 – Atividade: determinação da medida do perímetro por ladrilhamento
(Grupo 1)...............................................................................................168
Fotografia 5 – Atividade: determinação da medida do perímetro por ladrilhamento
(Grupo 4)...............................................................................................170
Fotografia 6 – Atividade: composição de figura plana composição de figura plana com
área de medida 4 u.a. e perímetro de medida 14 u.c. (Grupo 2)............178
Fotografia 7 – Atividade: composição de figura plana composição de figura plana com
área de medida 4 u.a. e perímetro de medida 12 u.c. (Grupo 3)...........179
Gráfico único – Números de acertos: alunos por pergunta no Teste Diagnóstico (TD) e
Reaplicação do Teste Diagnóstico (RTD)..........................................144
Quadro 1 – Níveis de alfabetismo definidos pelo INAF.................................................55
Quadro 2 – Relações entre objetos de pensamento e produtos de pensamento conforme
o modelo de van Hiele................................................................................120
11
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Percentual de alunos com desempenhoadequado em Língua Portuguesa e
Matemática na Prova Brasil 2013 e no Aneb 2013 ....................................20
Tabela 2 – IDEB da escola EMAXL entre os anos de 2007 e 2013.............................. 38
Tabela 3 – Distribuição da população brasileira (de 15 a 64 anos) na condição de
analfabetismo e nos 3 níveis de alfabetismo matemático em 2004.............52
Tabela 4 – Nível de alfabetismo versus anos de estudo da população brasileira entre 15
e 64 anos de idade.........................................................................................53
Tabela 5 – Comparativo do Indicador de alfabetismo da população brasileira de 15
a 64 anos (2004-2005 e 2011)......................................................................55
Tabela 6 – Distribuição percentual dos alunos do 5º ano do Ensino Fundamental por
Nível de Proficiência em Matemática da EMAXL na Prova Brasil
2013..............................................................................................................65
Tabela 7 – Resultados fornecidos pelos grupos (medida do perímetro).......................163
Tabela 8 – Resultados corretos fornecidos pelos grupos (medidas da área e do
perímetro)...................................................................................................164
12
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AERA Associação Americana de Pesquisa Educacional
ANA Avaliação Nacional da Alfabetização
Aneb Avaliação Nacional da Educação Básica
Anresc Avaliação Nacional do Rendimento Escolar
Capes Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CENTEC Instituto Centro de Ensino Tecnológico
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
EMAXL Escola Municipal Ana Xavier Lopes de Educação Infantil e Ensino
Fundamental
ENEM Encontro Nacional de Educação Matemática
FAFIDAM Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos
Fapesp Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
FECLESC Faculdade de Educação, Ciências e Letras do Sertão Central
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IBOPE Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística
IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
ICMI/IMUK Comissão Internacional de Instrução Matemática
IMPA Instituto de Matemática Pura e Aplicada
INAF Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
LEM Laboratório de ensino de Matemática
MAIE Mestrado Acadêmico em Educação e Ensino
MD Materiais didáticos
MEC Ministério da Educação e Cultura
MMM Movimento da Matemática Moderna
NAP Núcleo de Apoio Pedagógico à Criança Especial
NCTM Conselho Nacional de Professores de Matemática
PCNs Parâmetros Curriculares Nacionais
PNAIC Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa
Pnad Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad)
RAC Comitê Consultivo de Pesquisa
Saeb Sistema de Avaliação da Educação Básica
13
SBEM Sociedade Brasileira de Educação Matemática
SIG/RME Grupo de Interesse Especial em Pesquisa em Educação Matemática
SMSG Grupo de Estudo da Matemática Escolar
TPE Movimento Todos Pela Educação
u.a. Unidade de área
u.c. Unidade de comprimento
UECE Universidade Estadual do Ceará
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
ZDP Zona de desenvolvimento proximal
14
SUMÁRIO
1 GEOMETRIA: UMA INTRODUÇÃO AO ENSINO DE UMA ÁREA
NOTÓRIA..........................................................................................................17
1.1 JUSTIFICATIVA.................................................................................................17
1.2 VINCULAÇÃO COM A TEMÁTICA................................................................26
1.3 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA.............................................................28
1.4 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO.................................................................32
2 MARCOS CARACTERÍSTICOS DA PESQUISA....................................35
2.1 TRAÇOS HISTÓRICOS E CONTEXTO DA ESCOLA ELEITA.....................35
2.2 UMA TURMA DE SEXTO ANO: SUJEITOS DA PESQUISA.........................43
2.3 CONCEPÇÃO METODOLÓGICA.....................................................................45
3 ALFABETIZAÇÃO MATEMÁTICA E A GEOMETRIA.............................49
3.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE ALFABETIZAÇÃO MATEMÁTICA E
CONHECIMENTO ESCOLAR ...........................................................................49
3.2 A RESPEITO DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA...............................................77
3.3 O ENSINO DE MATEMÁTICA: GEOMETRIA.................................................84
3.4 O CASO DA GEOMETRIA NO ENSINO DE MATEMÁTICA NO BRASIL..90
3.5 GEOMETRIA: POR QUE ENSINÁ-LA?............................................................95
3.5.1 Geometria escolar: uma abordagem histórico-epistemológica.......................97
3.6 MATERIAIS DIDÁTICOS: UM DEBATE TEÓRICO.....................................104
3.7 ALGUNS OLHARES: ÁREA E PERÍMETRO.................................................112
4 MODELO DE VAN HIELE E O SOCIOINTERACIONISMO DE
VYGOTSKY.....................................................................................................115
4.1 A TEORIA DE VAN HIELE E O DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO
GEOMÉTRICO..................................................................................................115
4.2 A PERSPECTIVA SÓCIO-HISTÓRICA DE VYGOTSKY E A EDUCAÇÃO
FORMAL...........................................................................................................124
4.2.1 Abordagem interacionista de Lev Vygotsky..................................................124
4.2.2 Aprendizagem e desenvolvimento cognitivo: enfoque vygotskiano.............131
15
4.2.3 Educação escolar e a teoria sociointeracionista de Vygotsky.......................132
4.2.4 A visão histórico-cultural de Vygotsky e a Educação Matemática............138
5 NA ESFERA DAS ATIVIDADES: DESCRIÇÃO E ANÁLISE DAS
ATIVIDADES...................................................................................................142
5.1 ATIVIDADE 1 – DIA 01/out./2014 – ÁREA DE POLÍGONOS
QUADRICULADOS..........................................................................................147
5.2 ATIVIDADE 2 – DIA 08/out./2014 – ÁREA DE POLÍGONOS POR
LADRILHAMENTO..........................................................................................150
5.3 ATIVIDADE 3 – DIA 22/out./2014 – LOTAÇÃO DE UMA PRAÇA...........154
5.4 ATIVIDADE 4 – DIA 05/nov./2014 – PERÍMETRO DE FIGURAS
POLIGONAIS....................................................................................................159
5.5 ATIVIDADE 5 – DIA 19/nov./2014 – ÁREA E PERÍMETRO DE
FIGURAS BIDIMENSIONAIS ........................................................................165
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................182
REFERÊNCIAS................................................................................................187
APÊNDICES.....................................................................................................192
APÊNDICE A – Roteiro das questões da entrevista semiestrutura realizada
com o Professor Pedro............................................................192
APÊNDICE B – Fotos do ambiente da sala de aula do 6º. ano B......................193
APÊNDICE C – Teste diagnóstico...................................................................194
APÊNDICE D – Quadro de Resultados do Teste Diagnóstico (TD)................196
APÊNDICE E – Quadro de Resultados da Reaplicação do Teste Diagnóstico
(RTD)......................................................................................197
APÊNDICE F – Quadro comparativo de resultados (por aluno) no Teste
Diagnóstico (TD) e na Reaplicação do Teste Diagnóstico
(RTD).......................................................................................198
APÊNDICE G – Questionário socioeducacional aplicado aos alunos................199
APÊNDICE H – Atividade resolvida pela dupla Fabrícia e Jaqueline................200
APÊNDICE I – Representação do polígono ladrilhado pelos Grupos 1, 3 e 5..201
APÊNDICE J – Representação do polígono ladrilhado pelos Grupos 2 e 4....202
16
APÊNDICE K – Polígono com área de medida 4 u.a. e perímetro de medida
14 u.c. .....................................................................................203
APÊNDICE L – Polígono com área de medida 4 u.a. e perímetro de medida
12 u.c. ......................................................................................204
ANEXO ÚNICO – Prova aplicada pelo Professor Pedro (24/nov./2014)..........205
17
1 GEOMETRIA: UMA INTRODUÇÃO AO ENSINO DE UMA ÁREA
NOTÓRIA
A realidade brasileira constatada estatisticamente por órgãos oficiais e por
nós, professores, no cotidiano escolar: os alunos, via de regra, apresentam conhecimento
formal aquém do ano, série ou etapa concluída. Em Matemática como um todo e, em
especial, em Geometria, temos um quadro gerador de grandes inquietações. Diante
disso, realizamos um estudo cujo objetivo geral foi compreender como a manipulação
de materiais didáticos e a mediação do professor contribuem para a construção de
conceitos geométricos de alunos do sexto ano do Ensino Fundamental de uma escola da
rede pública.
1.1 JUSTIFICATIVA
Entendemos que cursar um mestrado acadêmico em educação e ensino é
uma oportunidade ímpar para um professor que busca apreender novos conhecimentos e
assumiu um compromisso de compreender melhor a dinâmica de um processo
extremamente poliédrico como é o de ensino e aprendizagem. Assim, o MAIE,
oferecido pela UECE nos campi da FAFIDAM e da FECLESC, nos possibilitou uma
imersão nas teorias do conhecimento e da educação.
Com um misto de desejo de crescimento nos âmbitos pessoal e profissional
e uma inquietação oriunda da constatação de que uma parcela considerável de energia
utilizada por nós, professores, no decorrer das aulas é dissipada – seja pelo uso de
metodologias inadequadas e/ou condições concretas não favoráveis ou por outras razões
que fogem ao nosso entendimento –, nos lançamos em uma empreitada na esfera do
ensino da Matemática, mais especificamente, do ensino de Geometria¹. Para a
concretização desta tarefa, nossos esforços foram no sentido de nortear uma
aprendizagem significativa dos conceitos de área e de perímetro de figuras planas. Com
esse intento, os alunos do sexto ano da Educação Básica de uma escola pública da rede
municipal na cidade de Russas/CE desenvolveram atividades com a mediação tanto do
professor titular quanto do pesquisador, tendo este atuado como observador
participante, pois “ ‘observador participante’ é um papel em que a identidade do
___________________________
1 Ao citarmos Geometria neste trabalho estamos nos referindo exclusivamente à Geometria Euclidiana.
Este registro se deve ao fato da existência de Geometrias Não-Euclidianas (Geometria Esférica e
Geometria Hiperbólica, por exemplo).
18
pesquisador e os objetivos do estudo são revelados ao grupo pesquisado desde o
início” (LÜDKE e ANDRÉ, 1986, p. 29).
Por conta da referência à aprendizagem significativa, faremos um sobrevoo
acerca da teoria de David Ausubel (estadunidense, 1918-2008). Esse estudioso
apresenta uma explicação do processo de aprendizagem pautado na ótica da Psicologia
cognitivista – escola de pensamento em Psicologia que se preocupa com o processo da
compreensão, transformação, armazenamento e uso da informação envolvida na
cognição, que corresponde ao processo mental que dá origem ao mundo de significados
–, não obstante considerar a relevância da experiência afetiva, como nos diz Moreira e
Masini (2001).
Na teoria ausubeliana, aprendizagem significativa “é um processo pelo qual
uma nova informação se relaciona com um aspecto relevante da estrutura de
conhecimento do indivíduo.” (MOREIRA e MASINI, 2001, p. 17). Nossa compreensão
é que para a efetivação da aprendizagem significativa se faz necessário que a nova
informação interaja com um conhecimento já apreendido pelo aluno. Em outras
palavras, ocorre a aprendizagem significativa quando a nova informação se relaciona
com os conceitos já existentes na estrutura cognitiva do indivíduo. Assim, uma
informação é aprendida de modo significativo, quando se relaciona com outras ideias ou
conceitos relevantes e inclusivos, que fazem o papel de âncoras por estarem claros e
disponíveis na mente do aprendiz. Fazendo contraponto, temos a aprendizagem
mecânica, que é a aprendizagem de novas informações de modo isolado, sem interação
com conceitos já apreendidos.
A princípio, cremos ser consensual a afirmativa que os alunos enfrentam
dificuldades para a aprendizagem de Matemática escolar. Essa percepção é ratificada,
quando tomamos ciência de dados oficiais recentes. Segundo o Ministério da Educação
Para Ausubel, aprendizagem significa organização e integração do material
na estrutura cognitiva. Como outros teóricos do cognitivismo, ele se baseia
na premissa de que existe uma estrutura na qual a organização e a
integração se processam. É a estrutura cognitiva, entendida como
“conteúdo total de idéias de um certo indivíduo e sua organização; ou
conteúdo e organização de suas idéias em uma área particular de
conhecimentos” (AUSUBEL, 1968, p. 37-39). É o complexo organizado
resultante dos processos cognitivos, ou seja, dos processos mediante os
quais se adquire e utiliza o conhecimento. (MOREIRA e MASINI, 2001,
p. 13-14)
19
e Cultura (MEC), os resultados da Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA) de 2014
– a ANA é uma avaliação anual realizada com alunos de 3º. ano do Ensino Fundamental
(último ano do Ciclo de Alfabetização) de todo o país criada em 2013 como parte do
Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) – mostram que 57,07% dos
estudantes do 3º. ano do Ensino Fundamental têm rendimento inadequado em
Matemática, 34,34% em escrita e 22,07% em leitura. O MEC reconhece que são dados
extremamente preocupantes e que requer medidas urgentes caso queiramos erradicar o
analfabetismo. Em Matemática, o Ceará ficou entre os 22 estados onde a maior parte
dos alunos obteve baixo desempenho (níveis 1 e 2 do total de 4). Em relação à escrita, o
Ceará ficou entre os dezoito estados em que mais da metade dos alunos atingiu os níveis
4 e 5 de um total de cinco.
Em relação ao 5º. e ao 9º. anos do Ensino Fundamental e à 3ª. série do
Ensino Médio temos os seguintes dados fornecidos pelo Movimento Todos Pela
Educação (TPE) a partir de levantamento feito com base na proficiência dos alunos nas
avaliações do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb)², a saber: Avaliação
Nacional da Educação Básica (Aneb) e Avaliação Nacional do Rendimento Escolar
(Anresc), também conhecida como Prova Brasil3, realizadas em 2013. Essas avaliações
são bianuais, sendo que a Aneb tem caráter amostral e avalia alunos do 5º. e do 9º. anos
do Ensino Fundamental e da 3ª. série do Ensino Médio de escolas das redes públicas e
privadas, enquanto a Prova Brasil é censitária, envolvendo escolas das redes públicas
(área rural e urbana) e avalia alunos do 5º. e do 9º. anos do Ensino Fundamental que
possuem, no mínimo, 20 alunos matriculados nos anos avaliados.
A tabela 1 a seguir faz referência aos percentuais de alunos que aprenderam
o considerado adequado, sob os olhos do TPE, em Língua Portuguesa e Matemática,
para o ano escolar ou série escolar correspondentes.
______________________________
2 O Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) tem início em 1988, com aplicações-piloto, e teve
sua primeira aplicação oficial em 1990. A partir de 1993, foi aplicado sem interrupção a cada dois anos.
Em 2005, o Saeb foi reestruturado, passando a ser composto por duas avaliações: a Avaliação Nacional
da Educação Básica (Aneb), que manteve as características, os objetivos e os procedimentos da avaliação
da Educação Básica efetuada até aquele momento pelo Saeb, e a Avaliação Nacional do Rendimento
Escolar (Anresc), conhecida como Prova Brasil, criada com o objetivo de avaliar a qualidade do ensino
ministrado nas escolas públicas. Até 2003, o Saeb fornecia informações apenas por estados, regiões e para
o Brasil, e pelos três tipos de redes. Com a Prova Brasil, em 2005, foi possível obter informações sobre
cada município e cada uma das escolas públicas avaliadas. Em 2013, foi incorporada ao Saeb a Avaliação
Nacional da Alfabetização (ANA). 3
A Prova Brasil tem como foco aferir a qualidade do ensino oferecido nessas escolas, fornecendo
resultados por escola, município, unidade da federação e país.
20
Tabela 1 – Percentual de alunos com desempenho adequado em Língua Portuguesa
e Matemática na Prova Brasil 2013 e no Aneb 2013
Fonte: Elaborado pelo autor a partir do Relatório de Olho nas Metas 2013-14
(www.todospelaeducacao.org.br)
Concebida, grosso modo, por todos como uma disciplina de difícil
compreensão, isto representa um bloqueio natural ao ensino de Matemática. Tal
pressuposto dos alunos – creem na falta de capacidade de aprender Matemática – faz
com que eles se sintam desmotivados e com baixa autoestima, fatores que, muitas
vezes, refletem-se em um desempenho escolar, no que diz respeito à aquisição de
saberes, não satisfatórios nesta área do conhecimento.
Com o olhar de quase três décadas de atividade docente, trabalhando em
escolas das redes pública e particular, uma dúvida que não carregamos – tal certeza que
é compartilhada, acreditamos, por vários professores – é que dos três segmentos que
compõem a Matemática escolar ministrada na Educação Básica (Aritmética, Álgebra e
Geometria), aquele que os alunos apresentam maiores dificuldades é o da Geometria.
Dúvidas apresentadas até mesmo em conceitos basilares da Geometria, como os de
perímetro e de área, a título de exemplo. Este quadro nos leva a refletir sobre a
premência da ação professoral voltada para a construção de conceitos geométricos,
relacionando-os com o mundo vivencial do educando.
Entendemos que a construção de saberes geométricos deve ser iniciada
através de materiais didáticos manipuláveis. Neste processo de construção, cabe ao
professor um papel-chave: o de mediador. Em outras palavras, sem a mediação do
professor, ou seja, se o professor não lança questionamentos e não faz reflexões a partir
da atividade desenvolvida pelo aluno. Este manuseia, monta e constrói coisas, todavia
não toma consciência da ação que está praticando e, com isto, a construção do
conhecimento não se efetiva.
Compartilhando a ideia que conhecer, implica em construir significados e
concordando com “[...] O que se espera do educando é que seja capaz de construir as
Língua
Portuguesa
Matemática
2013 2013
Ensino Fundamental 5º. ano 45,1% 39,5%
Ensino Fundamental 9º. ano 28,7% 16,4%
Ensino Médio 3ª. série 27,2% 9,3%
21
representações mentais das relações que definem o objeto [de conhecimento]”
(VASCONCELLOS, 1999, p. 40), vamos buscar retratar, em uma visão panorâmica, a
concepção dialética da construção do conhecimento. De início, esse autor nos fala que a
construção do conhecimento, segundo a perspectiva dialética, pressupõe um ser humano
ativo e inserido em múltiplas relações.
Assim, contrapondo-se à concepção tradicional (o conhecimento que
qualquer pessoa adquire se deve à “transferência” ou ao “depósito” feito por alguém) e à
concepção espontaneísta (o conhecimento é “inventado” por cada indivíduo), na
perspectiva dialética o homem constrói o conhecimento por meio de uma participação
efetiva nas relações que são estabelecidas com os outros e com o mundo. Considerando
que essa assertiva também é válida para a educação formal, temos a seguinte
implicação: “[...] o conteúdo que o professor apresenta precisa ser trabalhado, refletido,
reelaborado, pelo aluno para se constituir em conhecimento dele [...].”
(VASCONCELLOS, 1999, p. 45). Além disso, acrescenta esse autor, na abordagem
dialética da educação, o conhecimento deve ter como intuito contribuir na formação do
aluno em sua integralidade. Assim, o sentido do conhecimento é possibilitar ao sujeito
compreender a realidade em que vive e, com isso, usufruir dos seus benefícios ou
transformá-la, visando o bem comum.
Norteados pelo método dialético do conhecimento, evidenciamos que,
fundamentalmente, há três grandes passos a serem dados para a aquisição do
conhecimento, quais sejam: a síncrese, a análise e a síntese. O caráter universal desse
método garante, tanto a busca pelo conhecimento científico, quanto pelo conhecimento
escolar.
Na educação escolar, de acordo com Vasconcellos (1999), cabe ao professor
orientar o processo de conhecimento a ser trilhado pelo aluno. Para o cumprimento
dessa tarefa pedagógica, nós, professores, em conformidade com a metodologia
dialética de construção do conhecimento em sala de aula (vertente pedagógica afinada
[...] o movimento que vai da síncrese (“a visão caótica do todo”) à síntese
(“uma rica totalidade de determinações e de relações numerosas”) pela
mediação da análise (“as abstrações e determinações mais simples”)
constitui uma orientação segura tanto para o processo de descobertas de
novos conhecimentos (o método científico) como para o processo de
transmissão-assimilação de conhecimentos (o método de ensino).
(SAVIANI, 2008, p. 59)
22
com a teoria dialética do conhecimento), devemos tanto despertar como seguir o
interesse do aluno pelo conhecimento. A primeira grande preocupação do professor
nesta empreitada é promover junto ao aluno a mobilização para o conhecimento. Essa
mobilização pode ser entendida como desencadear o interesse do aluno ao ponto que ele
torne seu o objeto de conhecimento proposto pelo professor. “[...] Aqui é necessário
todo um esforço a fim de dar significação inicial, para que o sujeito leve em conta o
objeto como um desafio [...]” (VASCOCELLOS, 1999, p.46).
Na verdade, a mobilização para o conhecimento é uma das três grandes
dimensões, eixos ou preocupações da ação professoral. Vejamos as demais: construção
do conhecimento e elaboração e expressão da síntese do conhecimento. Essas
dimensões, afirma Vasconcellos (1999), são imperativas na superação das metodologias
tradicional e escolanovistas.
O sujeito constrói seu conhecimento ao passo que estabelece múltiplas
relações com o objeto de estudo e, com ajuda do professor, formula a representação
mental desse objeto. Quanto à elaboração e expressão da síntese do conhecimento, trata-
se da “[...] dimensão relativa à sistematização dos conhecimentos que vêm sendo
adquiridos, bem como da sua expressão” (VASCONCELLOS, 1999, p. 47). É nesse
eixo, que ocorre a organização do pensamento e a inserção gradativa de novos
conceitos.
Em suma:
A orientação para o processo de construção do conhecimento em sala de
aula é dada por essas três dimensões que serão trabalhadas pelo professor. Vasconcelos
(1999) salienta que o mais importante é o movimento entre tais dimensões, ou seja, que
nenhum delas deixe de ser atingida, e não uma obediência inflexível da sequência dos
momentos.
O educando, em sala de aula, vai construir o seu conhecimento fazendo o
percurso da Síncrese para a Síntese pela mediação da Análise, uma vez que
este é o caminho geral de construção do conhecimento Para favorecer o
percurso do aluno, o professor pode dispor o seu segundo uma metodologia
pedagógica coerente com esta concepção dialética, qual seja, através da
Mobilização, Construção e Elaboração e Expressão do conhecimento
(VASCONCELLOS, 1999, p. 47)
Numa fórmula: “Do sincrético pelo analítico para o sintético”. A síncrese
corresponde à visão global, indeterminada, confusa, fragmentária da
realidade; a análise consiste no desdobramento da realidade em seus
elementos, a parte como parte do todo; a síntese é o resultado da integração
de todos os conhecimentos parciais num todo orgânico e lógico, resultando
em novas formas de ação (LIBÂNEO, 1989, p. 145).
23
No universo da Geometria escolar, não podemos passar ao largo do fato que
muitos dos professores em atuação não vivenciaram o estudo de Geometria
fundamentado em materiais didáticos manipuláveis, nem como alunos da escola básica
e nem – queremos crer, em casos mais raros –, durante sua formação inicial no decorrer
da licenciatura.
Com vistas a um melhor entendimento acerca da dificuldade nos processos
de ensino e de aprendizagem de Geometria ou mesmo do abandono da Geometria
escolar, vamos expor, de modo aligeirado, a análise feita por Pereira (2001) sobre
alguns trabalhos acadêmicos4 realizados no período de 1988 a 2000 e que se debruçaram
sobre essa temática. Essa autora elaborou um quadro avaliativo, elencando três
categorias que procuravam dar conta desse “vácuo” na Geometria escolar, quais sejam:
(a) Problemas com a formação do professor, (b) Omissão da Geometria em livros
didáticos e (c) Lacunas deixadas pelo Movimento da Matemática Moderna (MMM).
No que tange à formação do professor, a autora em tela destacou alguns
aspectos relacionados a professores que não adquiriram “[...] em sua formação
acadêmica, os conhecimentos necessários em Geometria para aplicá-la em suas
atividades pedagógicas” (PEREIRA, 2001, p. 57). O predomínio do raciocínio algébrico
nas questões geométricas trabalhadas em sala de aula é um desses fatores. Isso atesta,
em parte, a deficiência de alguns cursos de licenciatura em Matemática, pois “[...] O
raciocínio mais geométrico exige um maior preparo para desenvolver os conteúdos, pois
a geometria faz as ligações entre o raciocínio concreto e abstrato.” (BERTONHA, 1989,
p. 18 apud PEREIRA, 2001, p. 57). Tal despreparo do professor no campo dos
conteúdos geométricos “tem sido apontado como uma possível causa do
‘esvaziamento’ desses conteúdos nas aulas de Matemática.” (PASSOS, 2000, p. 59
apud PEREIRA, 2001, p. 58).
Quanto aos conteúdos e conceitos geométricos, “o ensino é fortemente
influenciado pelos livros didático.” (SANGIACOMO, 1996, p. 23 apud PEREIRA,
2001, p. 60). Pereira (2001) fala que todos os trabalhos analisados destacam que não é
dado nos livros didáticos a atenção devida ao processo demonstrativo. Segundo essa
autora, Vianna (1988) e Gouvêa (1998) enfatizam que comumente nesses livros só
______________________________
4 PEREIRA (2001) analisou seis dissertações e duas teses, a saber: Dissertações – BERTONHA, R. A.
(1989); GOUVÊA, F. A. T. de S. (1998); MELLO, E. G. S. de. (1999); PAVANELLO, R.M. (1989);
SANGIACOMO, L. (1996) e VIANNA, C. C. (1988) – Teses: PASSOS, C.L.B. (2000) e PEREZ, G.
(1991).
24
constam as demonstrações tradicionais (as dos teoremas de Pitágoras e de Tales, por
exemplo). Isso repercute em uma apresentação de conteúdos desconectados entre si,
dificultando, assim, o processos educativo desse segmento da Matemática, haja vista
que a familiaridade com as demonstrações é de grande valia no desenvolvimento do
raciocínio dedutivo e, por extensão, na aquisição de saberes geométricos. A implicação
disso ou é uma secundarização ou um total abandono do ensino da Geometria.
Dos trabalhos analisados por Pereira (2001), 62,50% abordam de modo
direto ou não a influência do MMM nos processos de ensino e de aprendizagem da
Geometria. Entre as razões apontadas como responsáveis pelo esvaziamento da
Geometria escolar, destaca-se, de acordo com Passos (2000 apud PEREIRA, 2001), a
implementação da reforma do ensino decorrente do MMM, cujo advento no Brasil
ocorreu na década de 1960. O MMM lança uma proposta de ensino de Geometria
ancorado nas transformações algébricas e na teoria dos conjuntos. Como tal abordagem
teórica não era dominada pela maioria dos professores de Matemática no Brasil, leva-
nos “[...] a perceber a existência de um movimento que não resolveu as questões no
polêmico universo do ensino da Geometria.” (PEREIRA, 2001, p.62). Em outras
palavras, o MMM não foi exitoso na sua tentativa de fomentar a Geometria escolar ao
substituir a Geometria Euclidiana por uma nova axiomatização.
Colocamos em relevo que o ensino da Geometria, de acordo com Pavanello
(1989), já enfrentava dificuldades de várias ordens antes MMM (estabelecimento de
uma “ponte” entre a Geometria prática, trabalhada na escola elementar, e a perspectiva
axiomática, vista no ensino secundário, por exemplo). Contudo, esses problemas se
avolumaram sob a influência desse movimento modernista. Na verdade, o “[...] o MMM
não conseguiu superar a crise em que se encontrava o ensino de Geometria, mas
contribuiu para o seu abandono.” (PEREIRA, 2001, p. 64).
Sob nossa ótica, este trabalho propicia uma análise, à luz da Educação
Matemática, de que forma a interação aluno-professor-artefato didático repercute nos
processos de ensino e de aprendizagem, considerando, a priori, que tais interações são
de grande valia para a aquisição de um conhecimento consistente e significativo.
Advogamos a ideia que através da manipulação de objetos matemáticos por parte do
educando, preferencialmente em atividades grupais, os conceitos e as propriedades das
figuras geométricas, assim como sua presença no cotidiano, serão entendidos e sentidos,
pois serão construídos por meio de experiências matemáticas. Assim, quando propomos
questões cujos resultados serão obtidos via manuseio de um dado material didático,
25
estamos criando as condições para que ele desenvolva sua capacidade de investigação e
incentivando, sobretudo, a construção do pensamento geométrico, do desenvolvimento
de seu raciocínio lógico-matemático.
É do nosso entendimento que a compreensão desse processo por parte do
professor de Matemática, em consonância com o pensamento de educadores
matemáticos do porte de D’Ambrosio (1996), leva-o a uma nova visão de
aprendizagem, substituindo aquela noção que o aluno é um recipiente passivo de fatos e
ideias. É de suma importância que o professor entenda que a Matemática estudada deve
ser, de algum modo, útil aos alunos, ajudando-os a compreender, explicar ou organizar
sua realidade.
Com relação ao citado trinômio aluno-professor-objeto didático presente no
processo educativo, um fator que é apontado por Vygotsky (1998), dentre outros
autores, como indispensável para a atividade de ensinar é a afetividade. O autor entende
que os avanços experimentados no âmbito afetivo repercutem positivamente no plano
cognitivo, que, por seu turno, são geradores de uma atmosfera favorável à prática
docente. Assim, a afetividade contribui enormemente à dinâmica da sala de aula pois,
quando entre alunos e professor reina uma relação amistosa, ambos são impulsionados
pelo desejo de aprender e de ensinar, implicando na construção do conhecimento de
forma prazerosa.
Quando mencionamos que as atividades devem ser realizadas
prioritariamente em grupo, estamos levando em conta as reflexões de Vygotsky (2007)
sobre a interação entre os alunos e o professor e o conceito de zona de desenvolvimento
proximal (ZDP). Nossa proposta está ancorada na ideia vygotskiana de que a
constituição do conhecimento individual, incluindo o de Geometria, é um processo
socioculturalmente situado e o resultado de interações sociais com outros sujeitos que
participam dos processos de ensino e de aprendizagem.
Acerca da Geometria escolar, a nossa abordagem tem como referência o
modelo de van Hiele. A partir dessa discussão teórica, buscamos refletir sobre o uso de
materiais didáticos manipuláveis com o objetivo de favorecer o ensino de Matemática e,
em particular, o de Geometria, procurando identificar os benefícios e as dificuldades
pertinentes ao processo em pauta. Crowley (1994) nos fala que tal modelo é fruto das
teses de doutorado apresentadas em 1957 pelo casal de professores holandeses do
ensino secundário Pierre Marie Van Hiele e Dina Van Hiele-Geldof.
26
Nesse intuito, realizamos uma pesquisa cujo objetivo geral foi compreender
como a manipulação de materiais didáticos e a mediação do professor contribuem para a
construção de conceitos geométricos de alunos do sexto ano do Ensino Fundamental de
uma escola da rede pública. Para tanto, trabalhamos na perspectiva de:
analisar, à luz da Educação Matemática, a contribuição dos objetos
didáticos manipuláveis no desenvolvimento do pensamento geométrico
com foco na construção dos conceitos de perímetro e área.
averiguar aspectos pertinentes à interação professor-alunos-material
didático manipulável no processo de aquisição de saberes geométricos.
Assim, nosso trabalho tem a pretensão de oferecer subsídios que venham
colaborar para que as aulas de Geometria tenham um ganho de qualidade, deixando
registrado que aquilo que consideramos como um salto qualitativo no tocante à
Geometria escolar está relacionado fundamentalmente às seguintes implicações:
a) por meio da ação professoral, o aluno deve ser mobilizado à construção
do conhecimento e, com isto, apreender o conteúdo geométrico
ventilado, encorpando o seu cabedal de saberes;
b) que o educando perceba que os conteúdos ministrados têm ligação com o
mundo extraescolar. Em outras palavras, que o aluno tenha plena clareza
que o conteúdo trabalhado em sala de aula faz-se presente em seu mundo
vivencial;
c) o professor deve sempre buscar aperfeiçoar o seu conhecimento em
Geometria e, para isto, cremos ser primordial formar grupos de estudo,
pois assim novos patamares serão atingidos na atuação docente;
d) o professor deve tornar prioritário o uso de materiais didáticos
manipulativos para introduzir novos conceitos geométricos e ter a
convicção que a sua mediação é imprescindível no processo de aquisição
de conhecimento.
1.2 VINCULAÇÃO COM A TEMÁTICA
O que constatamos ao longo da vivência em sala de aula, seja como aluno
da Educação Básica ou como professor de Matemática desse nível de ensino ou, ainda,
estudante de licenciatura em Matemática, foi um processo de ensino de Matemática e,
em especial, o de Geometria, que se efetivou, preponderantemente, sem a preocupação
27
maior de estabelecer um vínculo mais estreito entre os conteúdos trabalhados em sala
de aula com o mundo vivencial dos alunos.
Assim, quando elegemos como objeto de estudo desta pesquisa, um
conjunto de atividades que foram desenvolvidas por alunos do sexto ano do Ensino
Fundamental, temos em mente fazer um Estudo de Caso que venha contribuir para o
enfrentamento dos desafios pertinentes ao ensino e à aprendizagem de Geometria e cujo
foco foi a apreensão de elementos relativos aos conceitos de área e de perímetro,
utilizando figuras planas em formas não usuais.
Dentre os desafios, elencamos o rompimento da tradição de uma abordagem
estritamente abstrata da Geometria, pois entendemos que o ritual de apresentação do
conceito, das propriedades, da fórmula e da lista de exercícios de aplicação com
modelos repetitivos é constatado como não eficaz no ensino de Geometria.
Outra barreira a ser vencida está relacionada aos professores perceberem
que as demonstrações são expostas, em linhas gerais, prematuramente. Assim, devemos
estar atentos ao fato de que as demonstrações somente serão significativas para o aluno,
quando ele atingir um certo nível de desenvolvimento do pensamento geométrico. De
acordo com Lorenzato (2010), os materiais didáticos manipulativos por si só não
causariam grandes efeitos no aprendizado dos alunos sem as interferências do professor
como mediador. Afinado com a concepção desse autor, vemos a necessidade de o
professor ter conhecimento do material didático a ser trabalho, bem como sua
abrangência de possibilidades no trabalho pedagógico nas aulas de Matemática.
Quando nos reportamos sobre o que fazer para qualificar o ensino de
Geometria, consideramos como ponto de grande relevância é a contribuição de peso que
pode ser dada pelas escolas de Ensino Superior por ocasião da formação inicial dos
potencialmente futuros professores. Entendemos que os licenciandos em Matemática
devem conviver rotineiramente com a experiência da manipulação de materiais
didáticos, pois muitas das questões e dúvidas que emergirão desta prática possibilitarão
uma atuação docente coadunada com os princípios que regem os processos de ensino e
de aprendizagem aqui defendidos.
Diante desse quadro, é do nosso entendimento que a pesquisa que
realizamos se mostra como uma contribuição para a melhoria do ensino de Geometria,
com a especificidade de uma abordagem sobre perímetro e área. Nós, professores, ao
exercermos a docência em escolas da rede pública, devemos nos sentir movidos pelo
compromisso de oportunizar aos alunos um ensino de qualidade, uma aprendizagem
28
significativa. Para que isto seja realizado, acreditamos que o ensino de Matemática e,
em especial, o de Geometria, deve ter como tônica, na etapa de construção dos
conceitos, a utilização de materiais didáticos manipuláveis com a substancial mediação
do professor.
1.3 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA
Com a intenção de deixar claro qual a nossa pretensão com este trabalho,
comentamos, na sequência, os marcos de sua efetivação, a saber: a definição do
problema, o objeto de estudo, a metodologia de pesquisa e os procedimentos para a
escolha dos sujeitos, geração e análise das informações.
A) Definição do problema
Como professor do Ensino Médio da rede pública, mas que já esteve à
frente de salas de aula do Ensino Fundamental, conhecemos, por meio do cotidiano
escolar, as dificuldades enfrentadas por todos os educadores comprometidos com uma
educação de qualidade e também por todos os educandos que vêm a Matemática como
uma disciplina que apresenta fortes empecilhos para sua apreensão. Tais empreitadas
envolvem fatores de diversas ordens e requerem que nós, professores, busquemos
fundamentações teóricas que nos levem a compreender e a agir nesses intrincados
processos que são o de ensino e de aprendizagem.
Sendo notórias as lacunas e deficiências verificadas em relação aos
conhecimentos matemáticos (em particular, aos geométricos) na Educação Básica,
desenvolvemos uma pesquisa em uma turma do sexto ano do Ensino Fundamental de
uma escola municipal de Russas/CE. As atividades propostas eram voltadas à
construção dos conceitos geométricos relativos à área e perímetro, utilizando materiais
didáticos manipuláveis.
A partir da análise da resolução dessas atividades, desejamos,
essencialmente, responder à seguinte pergunta: qual a contribuição da manipulação de
objetos didáticos e da ação mediadora do professor nos processos de ensino e de
aprendizagem de Geometria e, em especial, na construção dos conceitos de perímetro e
área de alunos do sexto ano do Ensino Fundamental de uma escola da rede pública?
Ademais, pretendemos obter respostas as seguintes indagações:
a) À luz da Educação Matemática, até que ponto a manipulação de objetos
didáticos pode favorecer a construção de conceitos geométricos?
29
b) Em que medida atividades desenvolvidas a partir de figuras planas
quadriculadas contribuem para a compreensão dos conceitos de área e
perímetro?
c) De que modo, lançando mão da composição e da decomposição de
figuras planas, o aluno pode adquirir um efetivo entendimento sobre
alteração do perímetro e/ou da área de figuras planas?
d) Partindo da construção dos conceitos de área e de perímetro, como
seguir para a discussão sobre a noção de medida dessas grandezas
geométricas?
Temos, assim, a apresentação da questão central e das indagações que
nortearam a investigação deste trabalho.
B) Objeto de estudo
No presente trabalho, investigamos como a manipulação de materiais
didáticos e a ação mediadora do professor favorecem a construção de conceitos
geométricos de alunos do sexto ano do Ensino Fundamental de uma escola da rede
pública.
C) Metodologia de pesquisa
Optamos por uma pesquisa qualitativa com abordagem de Estudo de Caso,
pois ao pesquisarmos em uma turma do sexto ano do Ensino Fundamental de uma dada
escola, acreditamos que essa situação se encaixa na ideia de “[...] O caso pode ser
similar a outros, mas é ao mesmo tempo distinto, pois tem um interesse próprio,
singular” (LÜDKE e ANDRÉ, 1986, p. 17).
Percebemos que nossa escolha encontra sustentação, quando verificamos
quais os princípios basilares de um Estudo de Caso citados por Lüdke e André (1986).
Vejamos:
a) visa à descoberta: tendo como pressuposto que o conhecimento está em
constante construção, o pesquisador, invariavelmente, busca novas
respostas e novas indagações no desenrolar do trabalho;
b) enfatiza a “interpretação em contexto”: O melhor entendimento de um
problema somente acontece se o contexto (interações entre as pessoas,
30
atitudes comportamentais, condições existenciais etc.) não é relegado a
um segundo plano;
c) revela experiência vicária e permitem generalizações naturalísticas:
portador de uma experiência de vida, o pesquisador, “naturalmente”, faz
intervenções comparativas com situações por ele vivenciadas, ancoradas
em um conhecimento experiencial.
d) busca retratar a realidade de forma complexa e profunda: ao tentar
expor as diversas nuances que interferem no problema estudado, o
pesquisador busca vê-lo como um todo, pondo em destaque que a
complexidade é inerente às interações humanas.
Elencadas essas características, cremos que elas refletiam sob qual
perspectiva queríamos ver o que pesquisamos.
D) Procedimentos para a escolha dos sujeitos, geração e análise das informações
Os eleitos para sujeitos da pesquisa eram da turma 6º. ano B da Escola
Municipal Ana Xavier Lopes de Educação Infantil e Ensino Fundamental, da rede
pública municipal de Russas/CE. Essa turma iniciou o ano letivo de 2014 com 39 alunos
e no término, contava com 32 alunos. Houve 2 transferências e 5 desistências. Desses
32 alunos, 27 foram considerados para efeito desta pesquisa que se estendeu de
17/setembro a 03/dezembro/2014. A razão de nos limitarmos a um grupo de 27 alunos é
porque foram somente eles que fizeram o Teste Diagnóstico e a sua reaplicação. Assim,
poderíamos comparar, por aluno, o desempenho nas duas edições do Teste Diagnóstico.
Nossa escolha recaiu sobre a Escola Municipal Ana Xavier Lopes pelas
seguintes razões: no início dos anos 1990, trabalhamos nessa instituição de ensino
ministrando aulas de Matemática e Ciências nas séries finais do 1º. grau (atual Ensino
Fundamental II). Assim, entendemos que ter novo contato com essa escola, na condição
de professor- pesquisador, iria proporcionar interessantes intercâmbios de experiências,
tanto entre os sujeitos da pesquisa, haja vista termos atuado exclusivamente como
professor do Ensino Médio nas últimas duas décadas, quanto com novos colegas
professores e com docentes que foram nossos contemporâneos no Colégio Municipal do
Planalto (primeira denominação do Ana Xavier Lopes). Outra razão é que mediante a
decisão de realizarmos esta pesquisa no último quadrimestre de 2014 – decisão tomada
em comum acordo com nossa orientadora – constatamos que era somente nessa escola
31
municipal e situada na sede do município que apresentava o horário das aulas de
Matemática do 6º. ano no turno da tarde compatível com as aulas das disciplinas do
curso de mestrado.
Achamos importante pontuar que nós – o professor-pesquisador e o Pedro,
professor de Matemática dessa turma – trabalhávamos em conjunto por ocasião das
aulas direcionadas à pesquisa e essas aulas sempre foram as duas últimas de quarta-
feira.
Para a geração das informações para esta pesquisa, destacamos os seguintes
instrumentais:
a) diário de bordo: nele o professor-pesquisador registra as observações no
calor dos fatos ocorridos em sala de aula e que serão refletidos
posteriormente. Por exemplo, constam nesses registros: gestos, posturas,
situações, acontecimentos das aulas, diálogos entre o professor e os
alunos e entre os próprios alunos;
b) gravação do áudio: esse importante instrumento de geração das
informações que por ventura não conseguiram ser capturadas pelo
professor-pesquisador. A favor do gravador tem a sua fácil
operacionalidade, tamanho pequeno e mobilidade. Nesta pesquisa, o
gravador foi utilizado na entrevista que realizamos com o Professor
Pedro;
c) fotografias: registramos através de uma câmara fotográfica alguns
momentos em que os alunos estavam envolvidos em atividades grupais e
ficamos alertas para não fotografar o rosto dos alunos em nenhuma das
ocasiões. Além disso, registramos o ambiente físico em que o 6º ano B
assistiu aulas durante todo o ano letivo de 2014. Tais imagens servem
também para os leitores desta pesquisa constatarem os alunos durante a
realização das atividades.
A partir da análise das informações obtidas durante a pesquisa, criou-se a
possibilidade de fazermos uma avaliação dos processos de ensino e de aprendizagem
impulsionado por materiais didáticos manipuláveis (com a devida mediação do
professor), verificarmos o nível de envolvimento, de participação dos alunos no
decorrer das atividades e como a interação entre professor-alunos-material didático
contribuiu nesse processo educativo.
32
1.4 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO
Esta dissertação foi organizada em cinco capítulos, além das considerações
finais, das referências bibliográficas, dos apêndices e do anexo. Neste primeiro capítulo,
que recebeu o nome de “Geometria: uma introdução ao ensino de uma área notória”,
destacamos o quadro nada exitoso da Matemática escolar e apresentamos nossa
proposta de pesquisa.
No capítulo dois, que denominamos “Marcos característicos da pesquisa”
expomos o contexto no qual está inserida a escola em realizamos a pesquisa e a possível
influência do entorno da escola na educação formal. Também há um esboço do perfil da
turma através de informações dadas pela escola, pelos próprios alunos e pelas
observações feitas pelo professor-pesquisador. Ademais, uma explanação acerca da
metodologia eleita com a mais adequada para a pesquisa em foco e as indagações e
inquietações que nos levaram a realizar uma pesquisa qualitativa, na abordagem de
Estudo de Caso, sobre o ensino de Geometria através de materiais didáticos
manipuláveis.
“Alfabetização matemática e a Geometria” é o título do terceiro capítulo.
Nele, discutimos o conceito de alfabetismo matemático, relatamos sobre o surgimento e
a importância da Educação Matemática no universo escolar, colocamos em destaque o
estudo da Geometria na Educação Básica, resgatando pontos relevantes do seu ensino
no Brasil, uma discussão teórica sobre a contribuição dos objetos didáticos
manipuláveis na aquisição de conhecimentos geométricos e a exposição de algumas
abordagens presentes em trabalhos que versaram sobre as grandezas perímetro e área.
No quarto capítulo, “Modelo de van Hiele e o sociointeracionismo de
Vygotsky”, colocamos em relevo a teoria sócio-histórica de Vygotsky na qual tratamos
da questão dos processos de ensino e de aprendizagem ser também um processo
sociocultural, enfatizando o conceito de zona de desenvolvimento proximal (ZDP).
Além disso, fazemos uma discussão teórica sobre os níveis de desenvolvimento do
pensamento geométrico conforme o modelo de van Hiele.
O derradeiro capítulo contém a pormenorização das atividades realizadas e
por meio de suas análises, tecer considerações sobre a repercussão da utilização do uso
de materiais didáticos manipuláveis na construção de conceitos geométricos. Também
nesse capítulo assinalamos que em 17/set./2014 tivemos a aplicação do Teste
Diagnóstico e o preenchimento do Questionário Socioeducacional. A reaplicação desse
teste, por seu turno, ocorreu em 03/dez./2014.
33
Na sequência, expomos as atividades propostas no decorrer dos cinco dias
de encontro e uma breve exposição acerca de cada atividade desenvolvida.
O dia inicial de atividades (01/out./2014) foi dedicado à apresentação das
características dos polígonos e também foram desenvolvidas tarefas relacionadas à
determinação da área de polígonos quadriculados. Consideramos que a ideia básica
sobre a identificação de uma figura poligonal foi apreendida, qual seja: uma figura
bidimensional limitada por segmentos de reta. Quanto aos polígonos quadriculados, o
objetivo era que os alunos estabelecessem a relação entre a sua área e o número de
quadrados unitários que o compõe.
Nosso segundo encontro, ocorrido em 08/out./2014, as atividades propostas
tinham como meta fazer os alunos obterem a área de figuras poligonais por meio de
ladrilhamento. Para efeito de pavimentação de um dado polígono, os alunos tinham a
disposição dois grupos de quadrados unitários não idênticos. Com isso tínhamos o
objetivo de trabalhar a diferença existente entre o conceito de área e a noção de medida
de área.
O objetivo da atividade desenvolvida em 22/out./2014 (terceiro dia de
encontro) era que os alunos fizessem uma estimativa de quantas pessoas seria necessário
para lotar uma praça retangular com as dimensões conhecidas. Na busca dessa resposta,
os alunos trabalharam com um quadrado de papel de 1 metro quadrado em tamanho real
e desenvolveram raciocínios que levaram ao modo rápido de calcular a medida da área
de um retângulo.
Propomos, a partir de 05/nov./2014, as atividades que versavam sobre
perímetro. De início, intencionando que os alunos construíssem o conceito de perímetro,
propomos uma atividade grupal. Com esse fim, foram distribuídos para os grupos
polígonos quadriculados recortado em cartolina e distintos entre si. A última atividade
por eles desenvolvida nesse dia estava relacionada às seguintes verificações: (i)
Polígonos equivalentes (com áreas iguais) possuem, necessariamente, perímetros iguais;
(ii) Polígonos com áreas diferentes têm, obrigatoriamente, perímetros distintos.
E, por fim, as atividades desenvolvidas no dia 19/nov./2014. Em nossa
derradeira aula destinada à atividades os alunos se debruçaram sobre questões que
envolviam área e perímetro de figuras planas. Trabalhando em grupo, os alunos
deveriam determinar a medida do perímetro de uma dada figura bidimensional por
ladrilhamento. Ressaltamos que a procura por essa medida gerou discussões bem
interessantes, pois a superfície de uma das figuras não aceitava ser ladrilhada com um
34
número inteiro de quadrados unitários disponibilizados para o grupo. A última atividade
proposta, também grupal, consistia na composição de uma figura plana com as medidas
de área e perímetro especificadas.
Pontuamos que as atividades propostas aos sujeitos da pesquisa foram, em
grande medida, realizadas em grupo e desenvolvidas basicamente, por meio da
utilização de figuras bidimensionais (poligonais ou não) recortadas em papel e a
manipulação de quadrados unitários de cartolina usados na composição ou
ladrilhamento dessas figuras.
Destinamos o espaço das considerações finais para a explicitação das
conclusões advindas da investigação realizada ao longo desta pesquisa, assim como do
nosso olhar e das nossas perspectivas acerca da Geometria escolar. OK
35
2 MARCOS CARACTERÍSTICOS DA PESQUISA
Para uma melhor compreensão de como se efetivam os processos de ensino
e de aprendizagem é imprescindível em uma pesquisa de natureza qualitativa
procurarmos esboçar o panorama socioeconômico, histórico e político do local em que
está inserida a escola escolhida como campo de pesquisa. Ademais, procuramos traçar o
perfil da turma de alunos que foi investigada, indagações que fizeram emergir nosso
interesse pelo tema e expor a visão do caminho a ser trilhado na abordagem do processo
educativo em estudo.
2.1 TRAÇOS HISTÓRICOS E CONTEXTO DA ESCOLA ELEITA
A presente pesquisa foi desenvolvida com alunos do 6º. ano B da Escola
Municipal Ana Xavier Lopes de Educação Infantil e Ensino Fundamental (que
denotaremos por EMAXL5), integrante da rede pública de ensino do município de
Russas-CE.
Russas, cidade sertaneja do nordeste brasileiro, dista 163 km de Fortaleza e
pertence à microrregião do Baixo Jaguaribe. No mapa do Ceará, mostrado a seguir,
destacamos o município de Russas, facilitando assim sua localização geográfica.
Figura 1 – Localização de Russas no estado do Ceará
Fonte: www.municipios.ce.com.br
O município de Russas apresenta uma área de 1.588,10 km²,
correspondendo a 1,07% do território cearense e sua população, de acordo com o Censo
Demográfico de 2010 (IBGE) é de 69.833 habitantes (0,83% da população estadual)
_____________________________
5 A EMAXL iniciou suas atividades em fevereiro de 1988 como o nome Colégio Municipal do Planalto.
A alteração na denominação ocorreu em 1999, prestando homenagem a uma professora.
36
assim distribuídos: 64,37% residentes na zona urbana e 35,63%, na rural.
A base da economia russana é a agricultura, pecuária, indústria e comércio.
O campo da pecuária é liderado pela produção de frango para abate, contando ainda
com a criação de caprinos, bovinos e porcos. No setor agrícola, além da produção ligada
à agricultura familiar, a contribuição de maior peso vem do agronegócio representado
pelo Projeto de Irrigação Tabuleiro de Russas, localizado nos municípios de Russas,
Limoeiro do Norte e Morada Nova. Com 4.600 hectares (46 km²) de terras cultivadas,
sua produção é voltada para o mercado exportador (Regiões Sudeste e Sul e Europa). O
valor bruto de produção desse perímetro irrigado, em 2014, foi de R$ 102 milhões. Com
a existência de cerca de 60 indústrias ceramistas, Russas apresenta uma grande
produção de telhas e tijolos de argila que é escoada, principalmente, para os estados das
Regiões Norte e Nordeste do país. Aquecendo sobremaneira a oferta empregatícia,
tivemos, em 1997, a instalação em Russas de uma filial da indústria Dakota Calçados,
gerando cerca de 4.000 empregos diretos e contemplando tanto pessoas da própria
cidade como das circunvizinhas. No âmbito do comércio, verificamos estabelecimentos
comerciais que oferecem serviços e produtos que satisfazem parcialmente as demandas
de consumo dos russanos.
Russas não passou incólume à crescente violência registrada em todo o
estado do Ceará (na verdade, no Brasil e no mundo) ao longo desses últimos anos. Não
obstante uma abordagem em brevíssimas palavras, achamos primordial mencionar esse
fenômeno social. Em Russas, ocorreram 55 assassinatos em 2013 (ano anterior ao da
nossa pesquisa). Tais homicídios, grosso modo, estão associados ao tráfico ou ao
consumo de drogas ilícitas (com grande destaque para o crack). Para efeitos
comparativos, esse município apresentou, em 2013, uma média de 74,90 óbitos/100.000
habitantes. Nesse mesmo ano, a média nacional correspondeu a 26,99 óbitos/100.000
habitantes. Diante de um quadro de tamanha violência, de tão grande problema na
esfera da segurança pública, a sociedade como um todo e, obviamente, a escola, sentem
fortemente os seus reflexos.
A EMAXL está a uma distância de 3 km do centro da cidade e foi
construída no bairro periférico Alto da Bela Vista (bairro conhecido popularmente como
Planalto). Situado na sede do município e na zona oeste da cidade, o Planalto é um dos
bairros mais populosos da cidade, no qual se encontram famílias que, em sua maioria,
têm uma renda média baixa. Segundo Pontes (2009), até o final da década de 1950, o
bairro em foco tinha uma população muito reduzida e era conhecido por Tabuleiro da
37
Abissínia6 ou Tabuleiro dos Negros ou, simplesmente, “Tabuleiro”. Essa denominação
era devido seus moradores serem muitos pobres e negros.
Por encontrar-se em um local de maior altitude que o restante da cidade, o
“Tabuleiro” foi onde quase toda a população da cidade ficou abrigada por ocasião
das enchentes que aconteceram a partir de 1960 decorrentes do transbordamento do
açude Orós. Essa experiência marcante levou pessoas da cidade a comprarem terrenos e
construírem casas no “Tabuleiro”, como medida preventiva a possíveis enchentes
futuras. Com o passar do tempo, muitas famílias se estabeleceram nessas casas, fixando
residência e/ou fazendo funcionar estabelecimentos comerciais. Tudo isso implicou em
crescimento do bairro e alterações nas suas características socioeconômicas. Até
meados do decênio 1980, as pessoas que moravam nesse bairro e queriam frequentar a
escola tinham que se deslocar até o centro da cidade. Achamos relevante observar que
ainda hoje o mesmo acontece para aqueles que cursam o Ensino Médio pelo sistema
regular de ensino.
Com relação ao espaço físico, a EMAXL tem área total igual a 7.660 m2
,
com cerca de 32% de área construída. Em nossa percepção, a área livre poderia
apresentar uma maior arborização. No tocante à quantidade e à confecção dos cartazes
afixados nas paredes, não comprometiam o bem-estar visual e neles constavam, em
linhas gerais, mensagens de incentivo ao aprendizado e citações de educadores e
escritores (Paulo Freire e Monteiro Lobato, a título de exemplo). Também alguns
faziam menção à importância da reciclagem.
Funcionaram, nesse ano, 18 salas de aula, das quais 6 delas eram destinadas
à Educação Infantil (crianças de 3 a 5 anos permaneciam na escola de 7 h às 17 h). As
doze restantes, com o Ensino Fundamental. Cinco turmas do Ensino Fundamental I (1º.
ao 5º. ano), uma de cada ano escolar, tinham aulas em tempo integral (7 h às 17 h) e
uma turma de 3º. ao 9º. ano, por turno, segundo o modelo convencional.
Um destaque especial para o funcionamento, desde de junho/2008, nesse
estabelecimento de ensino do Núcleo de Apoio Pedagógico à Criança Especial (NAP)
Prof.ª Maria Marcelina da Silva. Com o objetivo de apoiar crianças portadoras de
necessidades especiais (Síndrome de Down e autismo, por exemplo), o atendimento
acontece no contraturno ao que elas frequentam a escola. Seu raio de abrangência
abarca todas as escolas municipais e estaduais e, havendo vagas ociosas, também
______________________________
6 Abissínia (atual Etiópia) é um país do nordeste do continente africano.
38
crianças especiais de escolas particulares. É o único núcleo dessa natureza no município
e conta com os seguintes profissionais: psicopedagoga, terapeuta ocupacional,
psicólogo, fonoaudiólogo, assistente social e com o serviço de informática educacional.
Há salas específicas de direção, secretaria, coordenação, professores, quadra
de esportes coberta, duas áreas cobertas, uma descoberta. A escola também conta com
cantina, cozinha, almoxarifados e armazenamento da merenda escolar. Fomos
informados que o auditório e a sala de leitura foram “convertidas” em salas de aula para
abrigarem quatro turmas durante 2014 e entre elas o 6º. ano B (turma onde nossa
pesquisa foi desenvolvida). Vale observar que em 03/dez/2014, quando reaplicamos o
Teste Diagnóstico, acha-se parada a construção de 4 novas salas. Com a conclusão das
mesmas, em março/2015, auditório e sala de leitura deixavam de funcionar como salas
de aula.
A partir da ótica dos órgãos oficiais, um dos indicadores mais valorizados
para identificar o patamar em que se encontra uma dada escola municipal é o Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB7), divulgado a cada dois anos e que é
calculado com base no aprendizado dos alunos em Língua Portuguesa e Matemática
(Prova Brasil) e no fluxo escolar (taxa de aprovação). Na sequência, expomos na tabela
2 o IDEB da escola em foco referente aos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental
nas quatro edições ocorridas.
Tabela 2 – IDEB da escola EMAXL entre
os anos de 2007 e 2013
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de www.qedu.org.br
No contexto das 22 escolas municipais que tiveram divulgados o IDEB
2013 em relação aos anos iniciais a EMAXL atingiu o 17º. melhor resultado e 87,5% de
______________________________
7 O IDEB, criado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) em
2007, é calculado com base nos dados sobre aprovação escolar, obtidos no Censo Escolar, e nas médias
de desempenho nas avaliações do SAEB, para as unidades da federação e para o País, e da Prova Brasil,
para os municípios. Com base no IDEB, o MEC estabeleceu metas para o País e para todas as unidades da
federação, a serem alcançadas até 2021.
Ano
IDEB (EMAXL)
Anos iniciais Anos finais
2007 2,2 3,6
2009 3,5 2,9
2011 4,3 3,9
2013 4,8 4,7
39
todos os resultados (anos iniciais e finais), superaram a meta estabelecida para essa
escola. O único resultado que ficou baixo da meta foi o IDEB 2009 dos anos finais.
Como nossa pesquisa trata de Educação Matemática com a especificidade
nos processos de ensino e de aprendizagem de Geometria, acreditamos ser bastante
relevante uma informação que corrobora com o Indicador de Adequação da Formação
Docente, integrante dos Indicadores Contextuais8 da Prova Brasil. A Matemática dos
anos finais do Ensino Fundamental (do sexto ao nono anos), ao longo do ano letivo de
2014, ficou a cargo de três professores. Um deles está cursando licenciatura em
Biologia (ensinava 6º. e 7º. anos e os demais são licenciados em Física (ministrou
aulas no 6º. e 8º. anos) e Química (era docente nos 7º., 8º. e 9º. anos). Ao consultarmos
o índice acima mencionado, constatamos que em relação à etapa final do Ensino
Fundamental (também conhecido por Fundamental II) corresponde a 30,20%.
Aplicando-se o mesmo critério para os professores da turma que participou da pesquisa
(6 º. ano B), somente dois são licenciados na disciplina que lecionou. Isso corresponde a
22,22%.
Como um dos instrumentais para a obtenção de informações que ajudaram a
compor o contexto escolar pertinente à nossa investigação, levamos a efeito uma
entrevista audiogravada, na modalidade semiestruturada, com o Professor Pedro,
professor de Matemática do 6º. ano B, turma onde foi desenvolvida esta pesquisa. A
escolha pela entrevista audiogravada levou em conta o que diz Ludke e André (1986):
enquanto a gravação registra as manifestações orais, o entrevistador volta toda a sua
atenção para o entrevistado, tendo a oportunidade de observar suas demais formas de
expressão (gestos, alterações de comportamento, expressões faciais etc.). Por seu lado,
em uma entrevista semiestruturada temos um roteiro de perguntas (ver Apêndice A),
mas é caracterizada pela flexibilização das questões na tentativa de esclarecer o tema.
Pedro atua como professor há 23 anos e trabalha nas redes públicas municipal e
estadual. Sua jornada de trabalho semanal é de 60 horas-aula, assim dividida: 20 horas-
aula no ensino público municipal e 40 horas-aula na rede estadual. Desde o início de
sua carreira docente trabalhou como professor efetivo no ensino público municipal.
______________________________
8 São eles: O Indicador de Nível Socioeconômico e o Indicador de Adequação da Formação Docente
Enquanto o Indicador de Nível Socioeconômico possibilita, de modo geral, situar o público atendido pela
escola em um estrato ou nível social, por seu lado, o Indicador de Adequação da Formação Docente
analisa a formação dos docentes que lecionam nos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental na escola.
Com relação ao primeiro indicador, a EMAXL compõe o Grupo 3, onde no Grupo 1 estão as escolas de
nível socioeconômico mais baixo e no Grupo 7, as de nível mais alto.
40
No ensino público estadual, trabalhou 5 anos como professor temporário. É professor
efetivo a 18 anos. Ao falar sobre sua formação universitária, o Professor Pedro
informou que fez Licenciatura Curta em Ciências, concluída em 1992, Licenciatura
Plena em Física, cujo término foi em 2007, ambas na FAFIDAM/UECE, e graduou-se
como tecnólogo em Eletromecânica, curso concluído em 2000, no Instituto Centro de
Ensino Tecnológico (CENTEC).
Em termos de disciplinas que leciona no Ensino Fundamental II, disse que
atua como professor de Matemática em turmas de 7º., 8º. e 9º. anos. Em 2014, foi sua
primeira experiência em ensinar essa disciplina para alunos do 6º. ano. Também leciona
Ciências em turmas do 9º. ano. Na rede pública estadual, ministra aulas de Matemática
e Física em todas as séries do Ensino Médio.
Ao se reportar sobre sua entrada no magistério, Pedro diz:
Quando questionamos sobre o ensino de Geometria, ficou perceptível uma
afirmação bastante segura ao falar que é o ramo da Matemática que mais gosta de
lecionar. Acrescenta que ao trabalhar com assuntos geométricos, costumeiramente lança
mão do livro didático, dos sólidos geométricos e dos instrumentos de medição e
construção (régua, compasso, transferidor) e, às vezes, mídias digitais. Na sequência,
firmou que por conta da correria “da vida” não era comum planejar aulas pautadas em
artefatos didáticos, propiciando, desse modo, aulas em que os alunos manipulassem
materiais didáticos. Sobre a importância da aquisição de conhecimento sobre perímetro
e área, Pedro ressaltou a presença desses conceitos em nosso cotidiano e para que os
alunos desenvolvam tanto o senso de medida do comprimento do contorno de uma
superfície quanto a noção espacial da área de uma superfície.
Quando perguntado sobre qual área da Matemática (Aritmética, Álgebra e
Geometria) ele achava que os alunos tinham mais dificuldade de aprendizagem,
Pedro disse que era Álgebra. Sua justificativa é que os alunos, em sua maioria,
Antes da faculdade, não tinha planos de ser professor, mas com a faculdade
de Licenciatura em Ciências, fui me preparando para o ofício de professor.
Quando terminei a Licenciatura em Ciências fiz concurso para professor de
Matemática da rede pública municipal e fiquei como 2º. colocado e, de
imediato, somente o 1º. colocado foi nomeado. Três meses depois, surgiu
uma carência de Matemática e Física em uma escola da rede estadual. O
diretor dessa escola fez contato com a Secretaria de Educação municipal e
assim foi contratado pelo município e lotado em uma escola do estado.
41
ainda não conseguem traduzir em linguagem matemática (no caso, a linguagem
algébrica) os problemas em linguagem corrente. Outra grande barreira é compreender a
solução de um problema quando ela é dada por uma expressão algébrica e não é um
resultado numérico. Em linguagem extremamente simples: é fazer as contas e encontrar
um número. Nesse quesito, concordamos que um bom caminho a ser trilhado é
estabelecer conexões da Geometria com a Aritmética e a Álgebra.
Com relação à formação inicial, com vistas ao dia-a-dia no “chão da
escola”, Pedro transparece insatisfação, preocupação e, ao mesmo tempo, consciência
do quanto precisamos avançar, enquanto profissionais da educação, para fazer frente aos
processos de ensino e de aprendizagem que, como sabemos, são bastante complexos.
Cremos que a sua fala vai ao encontro do pensamento e do discurso de um número
considerável de professores. Vejamos como ele se expressou:
O que percebemos com essa fala é que o professor Pedro carrega a certeza
que as licenciaturas – dentre outros importantes e inúmeros elementos – ainda não
correspondem à real demanda da educação escolar
No que diz respeito às razões básicas que nos levaram a escolher a EMAXL,
citamos:
(I) através de contatos feitos com algumas escolas municipais, constatamos
que somente na EMAXL, o horário de pelo menos 2 das 4 aulas semanais de
Matemática não aconteciam simultaneamente com as aulas das disciplinas que
cursávamos no mestrado, registrando que a pesquisa foi realizada entre os meses de
setembro e dezembro/2014.
(II) De caráter mais afetivo e, com certeza, de peso maior na decisão,
achamos interessante “voltar” à escola EMAXL, que na época em que lecionamos
(primeira metade dos anos 1990) chama-se Colégio Municipal do Planalto.
Por ocasião de retornarmos à escola como professor-pesquisador, tivemos
[A Licenciatura foi] muito importante para minha formação nos
conhecimentos específicos do curso. [Porém] minha formação acadêmica
deixou muito a desejar na preparação de como enfrentar muitos problemas
que nos deparamos constantemente em sala de aula, tais como: falta de
interesse dos alunos, indisciplina, ausência da família na escola, famílias
que não contribuem na educação dos filhos etc. Outra lacuna na minha
formação é a preparação para o uso de metodologias diversificadas e
motivadoras para despertar o interesse dos alunos.
42
contato com alunos que em sua maioria estão em um intervalo etário com o qual não
convivíamos em sala de aula há cerca de vinte anos, haja vista que desde 1996
lecionamos somente em turmas do Ensino Médio. Assim, interagir com alunos do 6º.
ano B e, principalmente, tê-los como sujeito de pesquisa, foi interessante porque entre
tantos outros pontos observados nessa inter-relação, constatamos, in loco – fazendo,
simultaneamente, um paralelo –, que um número expressivo de alunos da turma
pesquisada e os das turmas das quais fomos professor titular, há uma permanência de
dúvidas sobre conteúdos básicos de Matemática (operações fundamentais com números
inteiros, por exemplo). Constatamos também que os alunos, tanto do 6º. ano B quanto
os do Ensino Médio, tendem muito facilmente dispersarem sua atenção daquilo que está
sendo trabalhado no momento da aula, ressalvando que em cada etapa escolar algumas
situações surgidas no decorrer das aulas sejam de ordens distintas.
Além disso, destacamos a troca de impressões e de experiências com
professores que atuam no magistério há menos tempo e com alguns colegas docentes,
nossos contemporâneos do Colégio Municipal do Planalto. Cremos ser inegável que
todas essas interações sempre nos ajudam na busca de melhor entender o universo
escolar e, por extensão, em nossa tentativa de leitura do contexto social no qual estamos
inseridos.
Sobre nossa passagem pela EMAXL acrescentamos que aconteceu no
período de 1992 a 1994, no qual ministrei aulas de Matemática nas 6ª., 7ª. e 8ª. séries
(atuais 7º., 8º. e 9º. anos) do Ensino Fundamental e também Ciências nas 7ª. e 8ª. séries.
Em termos de formação profissional, nesse período, tínhamos concluído a Licenciatura
Curta em Ciências pela UECE/FAFIDAM. Fazendo parte dessa ligação afetiva
destacamos que, em 1993, fomos – eu (“Paulo”) e a minha colega docente “Ana” –
sujeitos da pesquisa de doutorado da Professora Maria Gilvanise de Oliveira Pontes cuja
tese foi transformada em livro (vide na referência bibliográfica: PONTES, 2009).
Assim, pelos motivos expostos, acreditamos que a eleição da EMAXL para
a realização de nossa pesquisa é uma forma de estreitarmos vínculos e nos
aperfeiçoarmos nos campos profissional e pessoal. Ademais, propicia uma ampliação do
horizonte no que tange à utilização qualificada dos materiais didáticos nos processos de
ensino e de aprendizagem.
43
2.2 UMA TURMA DO SEXTO ANO: SUJEITOS DA PESQUISA
Os alunos que participaram da pesquisa em pauta – desenvolvida entre
setembro e dezembro/2014 – eram integrantes da turma do 6º. ano B do Ensino
Fundamental do turno da tarde da EMAXL (Russas/CE). No início do ano letivo de
2014, tínhamos 39 alunos matriculados nessa turma. Segundo a Ata das Atividades
Anuais emitida pela própria escola em 31/12/2014, ao longo do ano houve 2
transferências (5,13%) e 5 desistências (12,82%). Assim, no encerramento desse ano
letivo, o 6º. ano B era uma turma que contava com 82,05% do número inicial de alunos.
Também na Ata das Atividades Anuais, consta que quatro alunos dessa
turma não foram aprovados. Considerando os 32 alunos que permaneceram no 6º. ano B
até o término do ano letivo, temos uma taxa de 12,50% de reprovação. Em nossa visão,
é muito importante registrar que essas reprovações citadas todas foram, exclusivamente,
em Matemática. As médias anuais da turma em Língua Portuguesa e Matemática foram
6,34 e 6,27, nesta ordem, onde seis é o rendimento mínimo que leva à aprovação. Entre
os alunos não aprovados para cursarem o 7º. ano (Breno, Quênia, Rivaldo e Vitória),
somente a Quênia9
não permaneceu na EMAXL.
Os rendimentos escolares em Língua Portuguesa e Matemática,
respectivamente, de Breno foram 8,0 e 5,0; de Quênia, 6,0 e 3,0; de Rivaldo, 6,0 e 5,0 e
de Vitória, 6,0 e 1,0. Em Matemática, o maior rendimento foi alcançado por Laércio
com 9,0 e em Língua Portuguesa coube a Otacílio, 8,5. Considerando todas as nove
disciplinas estudadas no sexto ano, foi a aluna Wilma que obteve a média mais alta,
8,78. Tanto em Matemática como em Língua Portuguesa o rendimento escolar dela foi
igual a 8. Divulgamos tais resultados, exitosos ou não, com o intuito de traçarmos um
paralelo com os resultados que constatamos por ocasião da aplicação e da reaplicação
do Teste Diagnóstico. Isso será concretizado no segmento deste trabalho que versa
sobre a descrição e análise das atividades.
Nesse sentido, faz-se necessário deixarmos patente que, dos 32 alunos que
concluíram o sexto ano na turma em tela, uma parcela de 27 (84,38%) deles resolveram
tanto o Teste Diagnóstico quanto sua reaplicação. Isso posto, registramos que o número
de sujeitos da pesquisa correspondeu a 27 indivíduos. Em outras palavras, os sujeitos da
nossa pesquisa são os 27 partícipes das duas edições do Teste Diagnóstico e é a essa
quantidade de alunos que, a partir de então, vamos fazer referência. Ademais, todos os
______________________________
9 Os nomes dos alunos e do professor titular citados neste trabalho são fictícios.
44
alunos citados acima estavam no grupo desses 27 alunos.
Nesse universo de 27 alunos, tínhamos 12 homens (44,44%) e 15 (55,56%)
mulheres. O intervalo etário dos alunos variava de 11 a 17 anos, com predominância de
alunos na faixa de 11 anos, os quais representavam 44,44%. De acordo com as
informações fornecidas pelos próprios educandos, 74,07% deles moravam no bairro do
Planalto, onde está sediada a escola, o que, em tese, propicia um maior comparecimento
às aulas, contato mais fácil com os responsáveis pelos alunos e oportunidades maiores
da promoção da interação comunidade-escola. Quatorze, isto é, 51,85% desses alunos
sempre estudaram nessa escola, implicando, a princípio, do conhecimento, por uma
parcela significativa de alunos e responsáveis, das normas consideradas mais adequadas
para o bom andamento das atividades escolares e, além disso, terem maior contato com
as pessoas que atuam como professores, funcionários e no núcleo gestor.
O nível de escolaridade predominante dos pais dessa turma era o Ensino
Fundamental incompleto, a saber: mães, 55,56% e pais, 44,44%. Esse dado nos levanta
preocupações pois, entre outras razões, a falta de conhecimento formal compromete
uma possível ajuda que viria dos pais na realização de tarefas escolares no âmbito
familiar. Desses alunos, 22,22%, que correspondia a seis alunos, tinham os pais
separados.
Na formação do 6º. ano B havia três alunos repetentes do sexto ano e
também 3 foram taxativos em afirmar que não gostavam de estudar e, basicamente,
tinham a mesma explicação: o que era ensinado pelos professores não lhes interessava.
Das disciplinas estudadas, a maior preferência recaiu sobre Ciências, correspondendo a
1/3 da turma.
Os alunos dos anos finais do Ensino Fundamental na modalidade regular,
tinham uma carga semanal de 20 aulas (4 aulas diárias). No caso de Matemática, eram
ministradas 4 aulas por semana. As aulas de Matemática do 6º. ano B aconteciam nas 3ª.
e 4ª. aulas das segundas e quartas-feiras. As aulas no turno da tarde de estendiam das 13
h às 17 h e tinham durações diferentes: as duas primeiras eram de 50 minutos e as duas
derradeiras, 60 minutos. Entre a 3ª. e 4ª. aulas de um intervalo de 20 minutos, ou seja,
das 15h40min às 16 h. Não obstante os professores administrarem a saída dos alunos
durante as aulas, entendemos que permanecer 2h40min (duração do trio das primeiras
aulas), sem nenhuma intervalo regulamentar, neste nível de ensino, não é adequado para
ação educativa pois, no mínimo, tende a gerar um desconforto (motivado, por exemplo,
pela temperatura em nosso município que à tarde é algo em torno de 30ºC) para alunos e
45
professores. Arriscaríamos inclusive a afirmar que seria um fator complicador nos
processos de ensino e de aprendizagem.
Esse nosso olhar está ancorado nas palavras do educador Mario Sergio
Cortella, quando em sua obra Educação, escola e docência: novos tempos, novos
rumos, publicada em 2014, onde ele lança a seguinte indagação: por que uma aula dura
50 minutos? Porque é a capacidade de concentração da criança – mas isso, de acordo
com estudos formulados no começo do século XX. A pesquisa foi refeita nesta década e
o tempo médio foi reduzido a seis minutos. Isso quer dizer que uma aula deva durar seis
minutos? Não, mas ilustra a necessidade de mudança de paradigma na prática
pedagógica.
Como já citamos, o espaço físico onde o 6º. ano B (turma em que
desenvolvemos a pesquisa) assistia às aulas era o auditório (essa também era a realidade
do 6º. ano A, pela manhã). Isso era decorrente, exclusivamente, da não existência de
salas de aulas suficiente para atender à demanda de alunos. O auditório não apresentava
as condições adequadas para a prática educativa. Entre os obstáculos enfrentados
estavam a dificuldade para comunicação oral, ou seja, os professores dessa turma foram
unânimes em afirmar da baixa qualidade acústica apresentada pelo auditório. Por conta
dessa sala de aula (auditório) apresentar um espaço físico cuja área é consideravelmente
superior à das outras salas, pontuamos que, apesar de não ser corriqueiro, alguns alunos
circulavam pela sala em pleno desenrolar das aulas. Entre os alunos que participavam de
“caminhada” pela sala, alguns mostravam-se mais resistentes em sua participação nas
atividades propostas para efeito desta pesquisa.
2.3 CONCEPÇÃO METODOLÓGICA
Através de uma abordagem qualitativa, desenvolvemos este trabalho como
um Estudo de Caso com foco no ensino/aprendizagem dos conceitos de área e de
perímetro. A nossa investigação teve como universo os alunos do 6º. ano B do Ensino
Fundamental da EMAXL (Russas/CE).
Toda pesquisa qualitativa tem como centro das atenções o indivíduo, visto
em “[...] toda a sua complexidade, e na sua inserção e interação com o ambiente
sociocultural e natural.” (D’AMBROSIO, 1996, p. 103). Assim, em uma pesquisa dessa
natureza, não há como prescindir à interação entre pesquisador-pesquisado. Isso foi
verificado ao longo da investigação pela ação mediadora do professor-pesquisador no
processo de aquisição de conhecimentos geométricos.
46
Ao fazerem referência sobre Estudo de Caso, Lüdke e André (1986)
consideram-no como o método ideal de investigação quando o objeto de investigação,
apesar da existência de semelhante a ele, apresenta-se como único, exclusivo por conta
das peculiaridades que lhe são conferidas pelo contexto no qual está inserido.
Entre os pressupostos a serem observados pelos pesquisadores que fazem
uso do método Estudo de Caso, na visão de Lüdke e André (1986), enfatizamos, a
seguir, os que são mais pertinentes à pesquisa em pauta. A atenção do pesquisador deve
estar sempre em alta em relação à emergência de novos elementos. Esses sendo
relevantes, podem lhe levar à descobertas. “ [...] o conhecimento não é algo acabado,
mas uma construção que se faz e refaz constantemente” (LÜDKE e ANDRÉ, 1986, p.
18). A interpretação de um contexto sempre é um ponto fundamental dos Estudos de
Caso. Assim, em sua investigação, se faz necessário o pesquisador ter um olhar mais
abrangente da situação estudada.
É também característica do Estudo de Caso, a exposição, por parte do
pesquisador, de sua experiência vicária em situações evidenciadas no estudo que realiza.
Em outras palavras, alicerçado em saberes adquiridos no decorrer da vida, “O
pesquisador procura relatar as suas experiências durante o estudo de modo que o leitor
ou usuário possa fazer as suas ‘generalizações naturalísticas’.” (LÜDKE e ANDRÉ,
1986, p. 19). Essa “generalização naturalística” é dependente “[...] do conhecimento
experiencial do sujeito, no momento em que este tenta associar dados encontrados no
estudo com dados que são frutos das suas experiências pessoais.” (STAKE, 1983 apud
LÜCKE e ANDRÉ, 1986, p. 19). Desse modo, a questão a ser levantada pelo leitor não
[...] essa modalidade de pesquisa deve se desenvolver em situações
naturais, podendo ser uma importante fonte de dados descritivos além de
permitir a existência de um plano aberto e flexível ao focalizar a realidade
de forma complexa e contextualizada. (PASSOS, 2010, p. 120).
[...] Assim, para compreender melhor a manifestação geral de um
problema, as ações, as percepções, os comportamentos e as interações das
pessoas devem ser relacionadas à situação específica onde ocorrem ou à
problemática determinada a que estão ligadas. (LÜDKE e ANDRÉ, 1986,
p. 18-19).
47
deve ser em termos de qual situação é representada por este caso e sim o que é ou não
aplicável deste caso na nossa situação.
Outro pressuposto dos Estudos de Caso está relacionado à tentativa de
retratar por completo à realidade. Na busca dessa visão de totalidade do objeto de
estudo, o pesquisador
Sob os olhos de Bogdan e Biklen (1982 apud LÜCKE e ANDRÉ, 1986) o
conceito de pesquisa qualitativa está pautado em cinco pontos fundamentais, a saber:
a) a pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como sua fonte direta de
dados e o pesquisador como seu principal instrumento;
b) os dados são coletados são predominantemente descritivos;
c) a preocupação com o processo é muito maior do que com o produto;
d) o “significado” que as pessoas dão as coisas e à sua vida são focos de
atenção especial pelo pesquisador;
e) a análise de dados tende a seguir um processo indutivo.
Diante disso, é do nosso entendimento que a pesquisa qualitativa ou
naturalística10
preconiza que o pesquisador deve ter contato direto com a situação
estudada, obtendo, assim, dados descritivos. Fica claro o caráter qualitativo da pesquisa,
quando é priorizado, ao passo que o estudo se desenvolve, as constatações advindas do
modo que um certo problema estudado se manifesta nas interações cotidianas e nas
atividades, coexistindo com uma preocupação de retratar a percepção dos participantes.
Norteado por tais preceitos, procuramos fundamentar o estudo em tela em
uma investigação que foi desenvolvida em sala de aula (ambiente natural da pesquisa),
com o pesquisador inserido na mesma e em contato direto com a situação a ser
investigada.
______________________________ 10
Para Bogdan e Biklen, segundo Lüdke e André (1986), todo estudo qualitativo também é naturalístico
pois os problemas são estudados no ambiente em que eles ocorrem sem qualquer manipulação intencional
do pesquisador, ou seja, acontecem naturalmente.
[...] procura revelar a multiplicidade de dimensões presentes numa
determinada situação ou problema, focalizando-o como um todo. Esse
tipo de abordagem enfatiza a complexidade natural das situações,
evidenciando a inter-relação dos seus componentes. (LÜDKE e ANDRÉ,
1986, p. 19).
48
Por ser um objeto de estudo que se caracterizou como uma pesquisa no
campo do ensino, foi necessária a presença efetiva do pesquisador na unidade escolar,
local onde se deu a concretização do processo educativo. Conscientes que os processos
de ensino e de aprendizagem não envolvem exclusivamente as figuras do professor e do
aluno, mas é uma relação aberta que sofre influências das “[...] ocorrências do dia-a-dia
da sala de aula, as relações interpessoais e os acontecimentos dentro e fora da sala de
aula [...]” (PASSOS, 2010, p. 122), o cerne desta pesquisa foi no que aconteceu nas
situações vivenciadas em sala de aula, não obstante ao longo do trabalho terem sido
trazidos à baila discussões acerca das relações entre essas situações e o quadro
sociocultural ao qual os alunos pertencem, procurando pontuar os aspectos que nele
foram evidenciados.
De acordo com Moura (1982 apud PASSOS, 2010) o pesquisador assume
ações participativas ao inserir-se no ambiente de ensino. Nesse caso, seu papel não se
restringe ao de observador dos processos de ensino e de aprendizagem. Atuando como
alguém que interfere na efetivação do processo educativo, o pesquisador, na concepção
dessa autora, pode planejá-lo e assumir uma atitude de pertencimento à situação que
está sendo estudada. Nessa perspectiva, o pesquisador deve buscar construir dados que
sejam relevantes para a pesquisa.
Sob a ótica de Lücke e André (1986), ao por em marcha esse tipo de
pesquisa a preocupação maior deve ser a apreensão da singularidade do caso em estudo.
Em outras palavras, em uma pesquisa qualitativa o objeto de estudo é considerado
como único, um quadro peculiar, incluso em uma realidade historicamente situada.
Sintonizada com essa visão, esta pesquisa procurou descrever e analisar
algumas atividades que, de algum modo, venham auxiliar no desenvolvimento do
pensamento geométrico.
[...] Nesse sentido, sabe-se que a limitação da pesquisa em pauta não
permite que seus resultados sejam generalizados mas permanece presente a
pressuposição de que, ao final do trabalho, seja possível apresentar
esclarecimentos sobre o ensino da Geometria que contribuam para a analise
da atividade na escola fundamental e, de alguma maneira, para melhoria da
qualidade do ensino (PASSOS, 2010, p. 123).
49
3 ALFABETIZAÇÃO MATEMÁTICA E GEOMETRIA
Na tentativa de estabelecer relações entre a apreensão de saberes
matemáticos e a Matemática escolar, fizemos um estudo recorrendo a indicadores que,
direta ou indiretamente, tratam do alfabetismo nessa área do conhecimento. À luz da
Educação Matemática, discutimos o peso representado pelo ensino de Geometria e a
utilização de artefatos didáticos como uma possibilidade real para facilitar o processo
educativo, envolvendo a Geometria. Também temos algumas perspectivas expostas em
trabalhos que trataram do processo de ensino e de aprendizagem das grandezas
perímetro e área.
3.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE ALFABETIZAÇÃO MATEMÁTICA E
CONHECIMENTO ESCOLAR
O termo analfabetismo, criado pela Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) no final da década de 1950, faz referência
às pessoas que não têm condições suficientes para ler ou escrever um enunciado
simples. Este órgão também criou o termo analfabetismo funcional, que diz respeito a
uma pessoa que, mesmo sabendo ler e escrever algo simples, não apresenta as
habilidades necessárias para promover seu desenvolvimento pessoal e profissional.
Pela emergência da necessidade de outras habilidades de leitura e escrita
para a realização de uma maior gama de atividades nos diversos segmentos da vida, a
UNESCO estabeleceu que: “É considerada alfabetizada funcional a pessoa capaz de
utilizar a leitura e a escrita para fazer frente às demandas de seu contexto social e de
usar essas habilidades para continuar aprendendo e se desenvolvendo ao longo da vida.”
(INAF 2004, p. 3).
A partir dos anos 1990, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), por recomendação da UNESCO, iniciou a divulgação dos índices de
alfabetismo funcional. O critério adotado pelo IBGE corresponde ao número de séries
escolares concluídas. Com base neste critério, a Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (Pnad), divulgada em 2014 pelo IBGE, aponta que a cerca de 13 milhões de
brasileiros analfabetos funcionais (pessoas com mais de 15 anos e menos de quatro anos
completos de escolaridade).
Por entenderem que o número de anos escolares cursados integralmente por
uma pessoa é um parâmetro muito relativo para ser balizador da condição de
alfabetismo funcional pois as sociedades têm demandas de leitura e de escrita de
50
naturezas e de níveis diferentes, registramos que as organizações Instituto Paulo
Montenegro11 e a Ação Educativa12 criaram o Indicador Nacional de Alfabetismo
Funcional (INAF), pesquisa anual cuja edição pioneira aconteceu em 2001. Os
resultados do INAF fornecem “à sociedade brasileira informações atualizadas sobre as
habilidades e as práticas de leitura e cálculo da nossa população jovem e adulta.” (INAF
2004, p. 3). Este indicador oportuniza sabermos que há indivíduos com uma vida
escolar superior a quatro anos que estão inseridos na situação de analfabetos funcionais,
enquanto pessoas que nunca viveram a experiência da educação escolar encontram-se
no nível de alfabetismo funcional.
Colocamos em relevo que as cinco primeiras edições do INAF (2001 a
2005) focalizaram alternadamente habilidades de leitura/escrita (2001, 2003 e 2005) e
habilidades matemáticas (2002 e 2004). Pelo fato de em 2006 a metodologia do INAF
ter sofrido alteração, nos reportaremos ao INAF 2004 por ter o que mais recentemente
centrou sua atenção nas habilidades matemáticas envolvidas na realização de tarefas
cotidianas por parte da população brasileira.
Achamos plausível que, em um primeiro momento, algumas pessoas
vejam com estranheza a inclusão da pesquisa de habilidades matemáticas na
composição de um indicador de alfabetismo funcional, contudo sua presença é
justificada mediante a dilatação, a diversidade e o crescente aprimoramento das
demandas de leitura e de escrita a que uma pessoa deve corresponder para atingir o
patamar de alfabetismo funcional. Diante do exposto, destacamos que tanto para
interpretar alguns textos, gráficos e outras diversas fontes de informações quanto para
outras situações de nosso mundo vivencial, faz-se necessário o desenvolvimento
de algumas habilidades matemáticas e efetuar simples operações até interpretar e
solucionar problemas com grau considerável de complexidade. A maioria das ações e
reflexões que realizamos tem associação com a Matemática, sendo necessária a sua
compreensão para o entendimento de situações que enfrentamos em nosso
cotidiano, assim como uma possível ação sobre elas. “Há um razoável consenso com
relação ao fato de que ninguém pode prescindir completamente da Matemática e, sem
______________________________
11 O Instituto Paulo Montenegro é uma organização sem fins lucrativos que desenvolve e dissemina
propostas educacionais inovadoras que contribuem para a melhoria da qualidade da educação. 12
A Ação Educativa é uma organização não governamental fundada em 1994, com a missão de promover
os direitos educativos e da juventude, tendo em vista a justiça social, a democracia participativa e o
desenvolvimento sustentável no Brasil.
51
ela, é como se a alfabetização não se tivesse completado.” (MACHADO, 1990, p. 15).
Assim, a alfabetização matemática pode ser definida como a ação inicial referente à
leitura e à escrita no universo matemático. Em outras palavras, corresponderia a
compreender e interpretar os conteúdos basilares dessa área do conhecimento, sabendo
expressar-se por meio de sua linguagem específica. “Ser alfabetizado em matemática,
então, é entender o que se lê e escrever o que se entende a respeito das primeiras noções
de aritmética, geometria e lógica.” (DANYLUK, 1988, p.58 apud SOUZA, 2010, p. 2-
3).
Na pesquisa realizada visando determinar o INAF, foi considerado como
habilidades matemáticas
Tal abordagem nos revela o grande raio de abrangência das capacidades de
leitura, superando em muito o simples ato de identificar letras. Ademais, destaca o papel
que cabe à Educação Matemática no campo social. Neste sentido, ela deve “[...]
promover o acesso e o desenvolvimento (cada vez mais democrático e consciente) de
estratégias de leitura do mundo para as quais os conhecimentos matemáticos são
fundamentais.” (INAF 2004, p. 5).
Sem descer aos detalhes, expomos o objeto, a metodologia e os
instrumentos considerados na construção do INAF 2004. Foram entrevistadas 2.000
pessoas de 15 a 64 anos, estudantes ou não, em seu próprio domicílio. Essa amostra foi
definida por especialistas do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística
(IBOPE), fundamentados em um amplo conjunto de informações – por exemplo, os
níveis socioculturais, etnia e gênero – sobre a população alvo.
Os entrevistadores desse instituto de pesquisa aplicaram questionário e
testes. O teste apresentava 36 tarefas, com distintos graus de complexidade, que
contemplavam desde habilidades de leitura e escrita de números até medidas de área,
passando por interpretações de gráficos e tabelas. O entrevistado tinha permissão para
usar lápis, papel e calculadora na realização das tarefas. O ponto-chave dos
questionários era o levantamento das condições socioculturais e econômicas dos
A capacidade de mobilizar conhecimentos associados à quantificação, à
ordenação, à orientação, e também sobre suas relações, operações e
representações, aplicados à resolução de problemas similares àqueles com
os quais a maior parte da população brasileira se depara cotidianamente.
(INAF 2004, p. 5).
52
respondentes. Também continha questões que abordavam como o entrevistado se
percebia quanto a sua desenvoltura em relação à leitura de números e cálculo.
A partir dos resultados do INAF 2004 foram estabelecidos três níveis de
alfabetismo matemático e uma situação de analfabetismo matemático. Vejamos os
percentuais obtidos através dessa pesquisa:
Tabela 3 – Distribuição da população brasileira (15 a 64 anos) na condição de
analfabetismo e nos 3 níveis de alfabetismo matemático em 2004
Fonte: INAF 2004
De acordo com os resultados do teste aplicado na pesquisa INAF 2004, 98%
da população brasileira na faixa etária de 15 a 64 anos encontram-se em algum dos
níveis de alfabetismo matemático. Segundo tal pesquisa, uma pessoa ser considerada
analfabeta matemática significa estar em uma situação de não domínio das “habilidades
matemáticas mais simples, como ler o preço de um produto, um anúncio ou anotar um
número de telefone ditado por alguém.” (INAF 2004, p.8).
Em conformidade com a classificação adotada para o INAF 2004, no
extremo oposto ao analfabetismo matemático temos o alfabetismo – nível 3. Neste
patamar há somente 23% da população jovem e adulta brasileira. Em outras palavras,
um pouco menos de 1/4 dos brasileiros de 15 a 64 anos dominam, por completo, a
resolução de um problema em que uma sequência operacional se faz necessária, têm
total desenvoltura com proporcionalidade e mostraram-se à vontade com representações
gráficas como mapas, tabelas e gráficos.
Na Tabela 4 é mostrada a correlação entre os anos de estudo e o nível de
alfabetismo, de acordo com o INAF em sua edição de 2004.
Analfabetismo 2%
Alfabetismo – nível 1 29%
Alfabetismo – nível 2 46%
Alfabetismo – nível 3 23%
53
Tabela 4 – Nível de alfabetismo versus anos de estudo da população
brasileira entre 15 e 64 anos de idade
Até 3 anos Analfabeto 9%
Nível 1 68%
Nível 2 21%
Nível 3 2%
De 4 a 7 anos Analfabeto1% 1%
Nível 1 37%
Nível 2 54%
Nível 3 8%
De 8 a 10 anos Analfabeto 0%
Nível 1 12%
Nível 2 62%
Nível 3 26%
11 anos ou mais Analfabeto 0%
Nível 1 4%
Nível 2 39%
Nível 3 57%
Fonte: INAF 2004
A pesquisa INAF 2004 reafirmou da influência da escolaridade nos níveis
de alfabetismo matemático da população de nosso país no intervalo de idade de 15 a 64
anos. Foi constatado que aproximadamente 40% dos jovens e adultos brasileiros com 4
ou mais anos de educação formal, mas com o Ensino Fundamental incompleto, ou são
analfabetos matemáticos ou estão no nível básico de alfabetismo matemático. Partindo
do princípio que as questões que constituem o teste aplicado não tenham a perspectiva
de avaliação de rendimento escolar, mas propor tarefas que as pessoas têm que realizar
no dia a dia, constata-se que os brasileiros na faixa etária considerada e com o Ensino
Fundamental completo apresentam alfabetismo funcional em matemática. Destes, cerca
de 90% encontram-se nos níveis 2 e 3. Com relação aos brasileiros de 15 a 64 anos que
têm como escolaridade mínima o ensino médio completo, quase 60% alcançam o nível
máximo de alfabetismo matemático dentro dos critérios estabelecidos pelo INAF 2004.
Conforme a pesquisa do INAF 2004, entre os brasileiros jovens e adultos,
“o cálculo mental por estimativa e a utilização da calculadora revelaram-se como os
recursos mais utilizados na resolução da maioria dos problemas da vida diária que
envolvem operações aritméticas.” (INAF 2004, p. 16). A razão de ser desse destaque se
54
deve ao fato de a “opção” preferencial pelo lápis e papel na realização de tarefas
escolares ir de encontro à escolha feita pela maioria dos entrevistados nos questionários.
Os respondentes declararam – sendo confirmado pelos resultados dos testes – que
priorizavam ‘as contas de cabeça’ e o uso da calculadora em lugar do cálculo escrito.
Corroborando com o pensamento acima, temos a fala de D’Ambrosio sobre
a necessidade de os professores superarem certos mitos que perduram na educação.
Entre tais mitos figura o perigo representado pela tecnologia e, em particular, pela
calculadora. “Os aparatos tecnológicos, principalmente as calculadoras [...], preparam
melhor o aluno para o mundo moderno, onde ele encontrará, a todo instante,
tecnologia.” (D’AMBROSIO, 2004a, p. 44).
Desse modo, os resultados do INAF 2004 apontam para a educação escolar,
entre outros tópicos, uma abordagem mais efetiva e crítica a resolução de problemas;
fazer uso da calculadora, ensinando aos alunos a utilização de seus recursos, e trabalhar
de maneira frequente e diversificada com as várias representações matemáticas.
A partir de 2007, as duas dimensões do alfabetismo – letramento
(habilidades de leitura e escrita) e numeramento (habilidades de matemática) –
passaram a ser mensuradas pela pesquisa INAF de forma integrada e simultânea, de
modo a produzir um indicador mais sintético e abrangente. Em seu levantamento mais
recente, com pesquisa ocorrida no período de dezembro/2011 a abril/2012, foram
entrevistadas, igualmente às edições anteriores, 2.000 jovens e adultos brasileiros
(pessoas na faixa etária de 15 a 64 anos).
Os itens que compõem o teste de alfabetismo envolvem a leitura e
interpretação de textos do cotidiano (bilhetes, notícias, instruções, textos narrativos,
gráficos, tabelas, mapas, anúncios, dentre outros). Além do teste, aplica-se um
questionário que aborda as características sócio–demográficas e as práticas de leitura, de
escrita e de cálculo que os sujeitos realizam em sua vida diária.
A escola, e a comunidade escolar, ainda resistem ao uso da calculadora e
valorizam pouco o cálculo oral. Embora os Parâmetros Curriculares
Nacionais e os bons livros didáticos alertem os educadores sobre a
necessidade, a urgência e as vantagens de se incorporar a calculadora às
práticas escolares, ainda imperam os temores de que “assim os alunos não
vão aprender a fazer contas, não vão aprender a pensar.” (INAF 2004, p.
17)
55
Nesta perspectiva, o INAF, desde 2007, define quatro níveis de alfabetismo:
analfabetismo, nível rudimentar, nível básico e nível pleno, resumidos no Quadro 1.
Quadro 1 – Níveis de alfabetismo definidos pelo INAF
Fonte: INAF BRASIL 2011
No intuito de traçar um paralelo entre as duas últimas edições do INAF em
que as habilidades de leitura/escrita e habilidades matemáticas foram focadas em
separado, ou seja, em 2004 e 2005, respectivamente, e a pesquisa realizada entre 2011-
2012, recorremos à tabela 5, que vem seguida de uma observação com o seguinte teor
“os resultados até 2005 são apresentados por meio de médias móveis de dois em dois
anos de modo a possibilitar a comparabilidade com as edições realizadas nos anos
seguintes.” (INAF BRASIL 2011, p. 8).
Tabela 5 – Comparativo do Indicador de alfabetismo da população
brasileira de 15 a 64 anos (2004-2005 e 2011)
Fonte: INAF BRASIL 2011
Analfabetismo
Corresponde à condição dos que não conseguem realizar tarefas simples que
envolvem a leitura de palavras e frases ainda que uma parcela destes consiga ler
números familiares (números de telefone, preços etc.).
Nível
rudimentar
Corresponde à capacidade de localizar uma informação explícita em textos curtos
e familiares (como, por exemplo, um anúncio ou pequena carta), ler e escrever
números usuais e realizar operações simples, como manusear dinheiro para o
pagamento de pequenas quantias ou fazer medidas de comprimento usando a fita
métrica.
Nível
básico
As pessoas classificadas neste nível podem ser consideradas funcionalmente
alfabetizadas, pois já leem e compreendem textos de média extensão, localizam
informações mesmo que seja necessário realizar pequenas inferências, leem
números na casa dos milhões, resolvem problemas envolvendo uma sequência
simples de operações e têm noção de proporcionalidade. Mostram, no entanto,
limitações quando as operações requeridas envolvem maior número de
elementos, etapas ou relações.
Nível
pleno
Classificadas neste nível estão as pessoas cujas habilidades não mais impõem
restrições para compreender e interpretar textos em situações usuais: leem textos
mais longos, analisando e relacionando suas partes, comparam e avaliam
informações, distinguem fato de opinião, realizam inferências e sínteses. Quanto
à matemática, resolvem problemas que exigem maior planejamento e controle,
envolvendo percentuais, proporções e cálculo de área, além de interpretar tabelas
de dupla entrada, mapas e gráficos.
INAF 2004-2005
INAF 2011
Analfabetismo 11% 6%
Nível Rudimentar 26% 21%
Nível Básico 38% 47%
Nível Pleno 25% 26%
56
Pelo explicitado na tabela, podemos constatar que nestas “duas” edições o
analfabetismo entre jovens e adultos brasileiros sofreu um decréscimo de 5 pontos
percentuais, representando, obviamente, um resultado satisfatório, pois um maior
número de pessoas de 15 a 64 anos já realizam tarefas simples que envolvem a leitura
de palavras e frases e conseguem ler números familiares (números de telefone, preços,
dentre outros). Com igual queda percentual verificada no nível rudimentar. Os aumentos
percentuais verificados apresentam faces distintas: o acréscimo de 9% no nível básico
registra que uma maior parcela de brasileiros, no intervalo etário considerado, ocupa a
categoria de alfabetismo funcional, isto é, apresentam uma maior desenvoltura em
leitura e escrita e seus conhecimentos matemáticos, por exemplo, contemplando a noção
de proporcionalidade.
Por seu turno, nos 6 anos que separam as duas pesquisas, temos somente
um aumento de somente 1% correspondente ao nível pleno. Isto significa que, no campo
da Matemática, um pouco além de 1/4 dos jovens e adultos brasileiros resolvem
problemas que exigem maior planejamento e controle, envolvendo percentuais,
proporções e cálculo de área, além de interpretar tabelas de dupla entrada, mapas e
gráficos. Em outras palavras, apenas cerca de 25% de brasileiros de 15 a 64 anos
dominam a ideia de proporcionalidade, estão familiarizados com a determinação de área
(conceito basilar da geometria) e mostram-se seguros com os diversos modos no
tratamento de informações.
O educador matemático Ubiratan D’Ambrosio, ao refletir sobre a relevância
da projeto do INAF como critério de avaliação da qualidade do ensino de Matemática,
expõe que, vê tal pesquisa com o seguinte objetivo: “[...] avaliar o impacto social da
escolaridade. O significado dos resultados da pesquisa só pode ser discutido à luz de
uma postura em relação à educação.” (D’AMBROSIO, 2004a, p. 31). Esse autor inicia
sua análise, enfatizando que ações como o fornecimento de novas metodologias e
aprimoramento dos professores no tocante a adquirir um maior domínio de conteúdo
específico e, também, aumentar a intensidade de cobrança junto aos alunos, como
submetendo-os a exames, testes e avaliações (internas e externas), são medidas
importantes que, no entanto, não têm gerado resultados positivos substanciais.
No âmbito do ensino da Matemática, vejamos o que diz Lorenzato, outro
expoente da Educação Matemática:
57
Para que sejam originadas reflexões de maior amplitude acerca da qualidade
do sistema educacional, segundo D’Ambrosio (2004a), faz-se necessário, a utilização de
instrumentos de avaliação que forneçam resultados que permitam tirar conclusões de
natureza sociocultural.
Em suas considerações, D’Ambrosio (2004a) ressalta que nas civilizações,
sem exceção, pode-se constatar o esforço empregado, o que chamamos de educação, no
sentido tornar o mais acessível possível à população a aquisição dos elementos
fundamentais do seu sistema de conhecimento e que este “sistema de conhecimento só
se justifica quando é validado pela sua incorporação às práticas sociais.”
(D’AMBROSIO, 2004, p. 33). Em suma, podemos concluir que é através da educação
formal ou informal, que uma dada civilização difunde o seu sistema de conhecimento.
Os atuais instrumentos de avaliação, que classifico como variantes do
tradicional, pretendem dizer algo sobre o rendimento escolar e utilizam
provas, exames, questionários e similares. Mas vêm sendo erroneamente
aplicados. Os resultados da aplicação de instrumentos tradicionais poderão
dar, na melhor das hipóteses e mediante elaborados modelos de
interpretação, informações parciais, focalizadas e pouco relevantes sobre a
qualidade do sistema educacional como um todo. Os resultados de um
sistema só podem ser aquilatados através da análise do comportamento,
individual e social, que resultou da passagem pelo sistema. Uma análise do
impacto social, assim como do comportamento dos indivíduos e da
sociedade como um todo, é o que deveria ser aplicado. (D’AMBROSIO,
2004a, p. 32).
Nestas duas últimas décadas aconteceram vários cursos de formação
continuada para professores, olimpíadas, congressos nacionais e
internacionais sobre Educação Matemática, e também foram implantadas
avaliações do rendimento escolar em âmbito nacional; surgiram
publicações direcionadas a professores, propostas curriculares para a
Educação Básica, livros didáticos, promoção continuada, reserva de vagas,
ensino a distância, computador, lousa digital, videoconferência; o perfil
dos alunos modificou-se; a profissão magistério e o salário do professor
foram desvalorizados; a produção de pesquisas e a implantação de cursos
de pós-graduação em Educação Matemática aumentaram fortemente; a
duração do Ensino Fundamental passou de oito para nove anos; os cursos
de Licenciatura em Matemática multiplicaram-se. No entanto, a
Matemática continua carregada de crendices, detendo elevados índices de
reprovação escolar e rejeitando a Geometria, a filha mais bonita que tem;
os resultados de pesquisas da Educação Matemática não chegam às salas
de aula; e os currículos dos cursos de formação inicial de professores para
o Ensino Fundamental e Ensino Médio estão desfocados da realidade
escolar [...]. (LORENZATO, 2012, p. 10).
58
Um sistema de conhecimentos é produto de um panorama natural, social e
cultural. Desse modo, culturas diferentes correspondem a sistemas de conhecimento
distintos. Contudo, as culturas – cada vez com mais frequência – se encontram e ao
interagirem sofrem modificações. Tal processo recebe o nome de dinâmica cultural dos
encontros. A título de exemplo, temos “[...] o processo de aprendizagem, que resulta do
encontro da cultura dos adultos, sintetizadas nos professores, com a cultura dos jovens,
que são os alunos.” (D’AMBROSIO, 2004a, p. 34). O encontro dessas culturas é
propiciado pelos sistemas educacionais. Nesse sentido, um passo importante a ser dado
por licenciandos e professores em exercício são debates sobre temas pertinentes a uma
educação multicultural e que os utilizem como balizadores para as inovações
pedagógicas. Porém, sobre a formação inicial dos potencialmente futuros professores
brasileiros, D’Ambrosio (2004a) faz a seguinte assertiva: nos cursos de licenciatura há
uma insistência no ensino de teorias arcaicas e que são mantidas nos currículos pelo
status acadêmico associados a elas e que, na verdade, têm pouco a ver com a
problemática educacional brasileira.
Trabalhar com números, desde efetuar operações elementares até resolver
situações de maior complexidade, requer da sociedade certos instrumentos que,
conforme a categorização feita por D’Ambrosio (2004a) receberam os nomes de
instrumentos comunicativos, analíticos e tecnológicos, também denominados de
literacia, materacia e tecnoracia, nesta ordem:
a) literacia (instrumentos comunicativos) é a capacidade de processar
informação escrita, o que inclui escrita, leitura e cálculo, na vida
cotidiana;
b) materacia (instrumentos analíticos) é a capacidade de interpretar e
manejar sinais e códigos e de propor e utilizar modelos na vida
cotidiana;
c) tecnoracia (instrumentos tecnológicos) é a capacidade de usar e
combinar instrumentos, simples ou complexos, avaliando suas
possibilidades, limitações e adequação a necessidades e situações.
Os resultados da pesquisa do INAF 2004 mostram que 98% dos brasileiros
entre 15 e 64 anos dominam a Matemática necessária para o cotidiano, lidam com
números como aparecem nos preços e medidas, nos horários e nos calendários e,
mesmo, efetuam algumas operações elementares, com variados graus de dificuldade.
59
Isto significa que, com exceção daqueles que encontram na situação de analfabetismo
matemático.
Arriscaríamos dizer, tendo caráter de unanimidade, que alfabetização e
contagem não são suficientes para o cidadão de uma sociedade moderna, ou seja, apesar
do “sucesso” do sistema informal, ele se mostra insuficiente para a cidadania plena.
Acreditar que uma pessoa no nível inferior de alfabetização exerça de forma completa
sua cidadania é um equívoco. Um indivíduo que simplesmente dispõe dos instrumentos
comunicativos apresenta uma lacuna quanto ao significado daquilo que faz e este espaço
deve ser ocupado pelos instrumentos analíticos e tecnológicos. Em outras palavras, “[...]
É enganador crer que a mera alfabetização conduza ao pleno exercício da cidadania.”
(D’AMBROSIO, 2004a, p.36).
Dando continuidade a sua análise, D’Ambrosio (2004a) explicita que nos
equivocamos por completo quando, não levando em conta o atual entendimento sobre
os processos cognitivos, persistimos em uma educação escolar fundamentada no ensino
teórico, aulas expositivas e no adestramento em técnicas e habilidades. Mesmo cada
pessoa tendo sua especificidade quanto à capacidade cognitiva, existem tanto no
contexto intercultural quanto no intracultural tipos cognitivos reconhecidos. A
implicação do que foi ventilado é que as habilidades cognitivas não podem ser
avaliadas, desconsiderando o contexto cultural. Contida também nesse universo da
educação formal é a percepção sobre aprendizagem. Sob a ótica desse educador
matemático, aprendizagem é muito mais abrangente que o simples domínio de técnicas,
habilidades e, claro, vai além da memorização de algumas explicações e teorias.
“Aprendizagem é aquisição de capacidade de explicar, de apreender e compreender, e
de lidar, criticamente, com situações novas.” (D’AMBROSIO, 2004a, p. 37).
Ao tratar de currículo, o autor em foco fala que “O que há de mais moderno
em educação trata o currículo como definido a partir da classe, isto é, combinado [...]
[...] os instrumentos comunicativos fornecidos pela quantificação são
atingidos. É o que chamo de literacia. Muito provavelmente esses
instrumentos foram apreendidos fora do contexto escolar. São resultados de
vivência cotidiana e recebidos de família, companheiros, colegas. A
complexidade da sociedade moderna exige que a escola se dedique, com
igual prioridade, a fornecer aos estudantes instrumentos analíticos e
instrumentos tecnológicos, que chamo materacia e tecnocracia,
respectivamente. (D’AMBROSIO, 2004a, p. 36).
60
entre os alunos mais os professores e mais a comunidade.” (D’AMBROSIO, 2004a, p.
39). Desse modo, o currículo vai ao encontro daquilo que é desejado, do que é
necessário e possível dentro das possibilidades locais. A tríade objetivos, conteúdos e
métodos são os componentes do currículo. Por estarem integrados no processo
curricular, qualquer alteração no currículo acarreta mudanças nos seus componentes.
D’Ambrosio (2004a) vê a avaliação em educação como necessária, porém,
deve ser feita de uma forma conveniente, servindo de orientação para o educador na
condução de sua ação professoral e “[...] jamais um instrumento para reprovar ou reter
alunos na construção de seus esquemas de conhecimentos, teóricos e práticos.”
(D’AMBROSIO, 2004a, p. 42). Na condução do processo educativo, o professor deve
fazer ajustes dos objetivos, dos métodos e dos conteúdos, ou seja, o currículo posto em
prática tem caráter flexível, adequando-se à orientação dada pelo professor mediante as
avaliações realizadas.
Na visão de D’Ambrosio (2004a), a avaliação se caracteriza como um fato
pedagógico. Com a sua realização, o professor deve verificar o progresso do aluno – um
aluno progride quando mostra capacidade de realizar tarefas com grau de dificuldade
crescente – e, caso necessário, lançar mão de outros métodos, visando atingir o
progresso. Conceber a avaliação como um fato pedagógico é reconhecer que ela não
está dissociada de todo um processo de desenvolve de forma contínua e que, portanto,
não deve ser feita, usando instrumentais externos (por exemplo, testes ou provas
padronizados), alheio àquilo que o professor adotou em sua ação educativa. O autor
também destaca que, nas avaliações por teste, inclusive a do projeto INAF, não
verificam se os respondentes fizeram a aquisição da materacia e da tecnoracia que,
como já foi enfatizado, são imprescindíveis para o exercício pleno da cidadania. Em
síntese, “[...] os resultados de testes ou provas padronizadas são falsos e não dizem
sobre o rendimento do aluno.” (D’AMBROSIO, 2004a, p. 43).
Neste capítulo, até então, lançamos um olhar macroscópico sobre o
alfabetismo entre os jovens e adultos brasileiros em conformidade com os critérios
rezados pela pesquisa do INAF, tendo como foco as habilidades matemáticas e fizemos
uma abordagem de natureza ampla sobre alguns tópicos pertinentes ao conhecimento e à
educação escolar.
É do nosso entendimento, que uma visão panorâmica sobre a contribuição
da educação formal e, particularmente, da Matemática escolar na vida cotidiana dos
brasileiros pertencentes ao intervalo etário em pauta, é interessante, pois, informa,
61
mesmo que de modo parcial, até que ponto ela, verdadeiramente, implicou em uma
apreensão de saberes nas esferas da leitura e da escrita e de Matemática.
Em um estudo que tem relação direta com Educação Matemática e cujo
desiderato é contribuir para os processos de ensino e de aprendizagem de Matemática e,
em particular, o de Geometria, acreditamos ser imprescindível fazermos referência ao
Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e mais especificamente à Avaliação
Nacional do Rendimento Escolar (Anresc), denominada Prova Brasil. A razão disso é
que, como todo estabelecimento da rede pública municipal de Ensino Fundamental,
a EMAXL, em Russas/CE, também foi submetida à Prova Brasil em sua edição 2013.
Colocamos entre parênteses que, apesar de afinados com a percepção sobre
os resultados das provas ou testes padronizados com relação ao rendimento do aluno,
não achamos que fazer uma análise da Prova Brasil seja incoerente dentro da nossa
proposta de trabalho porque, segundo o discurso oficial, “Ao analisar os resultados da
escola, a equipe escolar poderá [...] refletir pedagogicamente sobre tais resultados.”
(BRASIL, 2013b, p. 1). Ou seja, é a partir desses resultados incipientes que a escola,
pelo menos em teoria, projetará as ações pedagógicas que levarão os alunos a obterem
resultados cada vez mais exitosos.
Em Brasil (2013a) temos a exposição do objetivo maior da Prova Brasil,
qual seja: avaliar a qualidade do ensino ministrado nas escolas públicas, de forma que
cada unidade escolar receba os resultados. A intenção é produzir informações que
subsidiem políticas e ações para a melhoria da qualidade do ensino, a redução das
desigualdades e a democratização da gestão da educação pública.
Decorrente de sua abrangência, o Saeb – composto por três avaliações
externas de larga escala: Aneb, Prova Brasil e ANA – abre a possibilidade de a
Educação Básica ser analisada e discutida sob diversos prismas. Diante de sua
importância no universo escolar brasileiro – primordialmente, o Saeb se propõe a
avaliar a qualidade do ensino e da aprendizagem nas escolas brasileiras – achamos
oportuno, por meio de uma visão macroscópica, trazer à luz algumas ideias acerca do
conceito de qualidade do ensino implícito no Saeb a partir da perspectiva das matrizes
curriculares que subsidiam e direcionam a avaliação.
Bauer e Da Silva (2005) pontuam que análises buscando compreender o
processo de elaboração e efetivação do Saeb com base no contexto político e econômico
têm sua relevância garantida, contudo, por tratar-se de uma perspectiva muito
recorrente, diversos conceitos mais ou menos especificados (“neoliberalismo” e
62
“globalização da economia”, por exemplo) acabam sendo incorporados maciçamente
nos discursos, implicando em frequentes exposições de igual teor. A titulo de exemplo:
Ou ainda,
Assim, desconsiderar a ligação entre órgãos internacionais e aspectos
verificados na gestão de políticas públicas em educação em nosso país é negar uma
relação evidente. Entretanto, mesmo considerando o quanto os empréstimos do Banco
Mundial e as diretrizes por ele traçadas influenciam a educação brasileira, tendemos a
pensar que há supervalorização dessa influência e com isso a sensação adquirida é que
“[...] os gestores não passam de meros executores de propostas absolutamente prontas e
acabadas, independentemente de seus interesses políticos ou do lugar onde tais
propostas deveriam ser implementadas.” (BAUER e DA SILVA, 2005, p. 136). Tal
visão, de acordo com esses autores, tem um quê de exagero. Tal “obediência” percebida
por alguns, eventualmente será melhor entendida ser for analisada como uma
interdependência fundamentada em projetos políticos comuns.
Não obstante, por assim dizer, a indissociabilidade dos aspectos
mencionados na citação acima, voltaremos nossa atenção para o tópico Saeb e a
Esta ênfase na capacitação em serviço (e o correspondente abandono da
formação inicial) está fortemente vinculada ao Banco Mundial, a suas
recomendações de política e o seu financiamento nos países em
desenvolvimento. (TORRES, 1998, p. 176 apud BAUER e DA SILVA,
2005, p. 136).
Aliás, não seria exagero identificar, a partir de 1995, certa movimentação
da equipe do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep)
na busca de um endosso político do Banco Mundial para a reformulação do
Saeb, que se traduziria em benefício, sobretudo financeiros, proporcionados
por este órgão. (BONAMINO, 2002, p. 101 apud BAUER e DA SILVA,
2005, p. 136).
Em que pese a conjuntura política que permeia a avaliação, o olhar
intrínseco ao sistema pode revelar aspectos importantes que escapam a uma
análise que localiza o Saeb apenas como um reflexo das reformas
educacionais que foram implementadas, notadamente a partir de 1995.
Nesse sentido, dois desses aspectos chamam especial atenção: as matrizes
curriculares que norteiam essa avaliação e induzem um determinado
parâmetro de qualidade e seus eventuais impactos nos sistemas escolares
brasileiros. (BAUER e DA SILVA, 2005, p. 137).
63
aferição da qualidade do ensino. Entendemos que a ideia dominante é que a qualidade
da educação nas escolas brasileiras torna-se conhecida mediante a divulgação dos dados
do Saeb. Em outras palavras, através do Saeb temos como obter a medida da qualidade
do ensino e da aprendizagem praticados em nosso país. Embora considerando tal
princípio, indagamos: se o Saeb contempla apenas a Matemática e a Língua Portuguesa,
não seria somente nestas disciplinas que incidiria a medição do nível de aprendizagem
por ele efetuado? A partir dos questionários respondidos por diretores, professores e
alunos é possível correlacionar condições extra e intraescolares com fatores que
contribuem ou não para o aprendizado dessas disciplinas? Se o Saeb realiza a aferição
(avaliação por comparação) da qualidade de ensino, quais parâmetros de qualidade
servem de referência para a classificação de um ensino de “má qualidade”, “boa
qualidade” ou qualquer outra tipificação?
Por não ser explicitado no documento oficial que versa sobre as pretensões
do Saeb a concepção de qualidade que dá suporte a sua análise (BRASIL, 2002 apud
BAUER e DA SILVA, 2005, p. 146), esses autores recorreram, por exemplo, a própria
lógica do sistema – Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e matrizes curriculares,
por exemplo – com o intuito de vislumbrarem a ideia de qualidade que seria marco de
referência para o Saeb.
Isso exposto, emerge a questão: em quais termos devemos mensurar
“qualidade em educação”? A abordagem a seguir mostra-se interessante porque suscita
pontos relacionados à qualidade de ensino dentro do multifacetado processo
educacional.
No universo das hipóteses de qual seria o parâmetro de qualidade adotado
pelo Saeb, Bauer e Da Silva (2005) aportaram no que é anunciado nas diretrizes
“[...] como conceituar qualidade em educação? Será possível uma definição
operacional de qualidade em educação a fim de mensurá-la com
adequação? O problema precisa ser analisado e discutido com a
participação da comunidade educacional e de elementos da sociedade. A
medida da qualidade em educação, entretanto, não pode ficar restrita
apenas ao desempenho escolar. Necessita, também, verificar outras
variáveis que se associam e condicionam o rendimento escolar. O que as
crianças fazem na escola, o que os professores procuram transmitir aos seus
alunos e o que os livros didáticos apresentam refletem expectativas
culturais e educacionais da sociedade, bem como seus valores e seus
objetivos sociais e econômicos. Assim, é impositivo verificar em que
medida a interação dessas variáveis contribui para a qualidade da educação.
(VIANNA, 2000, p. 189-190 apud BAUER e DA SILVA, 2005, p. 147).
64
curriculares nacionais, cuja formulação está alicerçada na perspectiva das competências
e habilidades a serem adquiridas pelos alunos. Nesse quadro, salientamos que os termos
competência e habilidades entram como agravantes haja vista serem usados sem que
suas definições estejam perfeitamente entendidas.
Com o intuito de fazer uma possível conclusão sobre esse tema e ao mesmo
tempo contemplando um aspecto diferente da mediação da qualidade ensino,
mencionamos que o próprio Saeb, conforme Brasil (2002 apud BAUER e DA SILVA,
2005), coloca em dúvida os dados coletados ao admitir que os resultados que dizem
respeito às relações entre as práticas pedagógicas dos professores e o desempenho dos
alunos advêm de respostas fornecidas pelos docentes, não sendo descabida a hipótese
que uma parte considerável dos professores respondem o questionário seguindo o
padrão mais adequado de resposta.
Mediante a divulgação dos resultados dessa avaliação, constatamos que a
média de proficiência da EMAXL em Matemática (5º. ano) foi igual a 208,40,
correspondendo ao Nível 413 da Escala SAEB, que varia com a disciplina e o ano
escolar. Também obtivemos dados sobre o desempenho dos 64 alunos do quinto
ano que dela participaram, ressaltando que nossa atenção está voltada para as questões
que abordam tópicos geométricos e, em particular, área e perímetro. Esta coleta de
dados tem como justificativa o fato de que algo em torno de 50% dos alunos avaliados
integraram a turma do sexto ano B da citada escola, turma onde foram realizadas as
atividades relacionadas à pesquisa que foi levada a efeito no período de setembro
____________________________
13 No Nível 4 da Escala de Proficiência de Matemática do 5º. ano do Ensino Fundamental (Brasil,
2013b), o estudante provavelmente é capaz de: Espaço e forma: Reconhecer retângulos em meio a outros
quadriláteros. Reconhecer a planificação de uma pirâmide dentre um conjunto de planificações.
Grandezas e medidas: Determinar o total de uma quantia a partir da quantidade de moedas de 25 e/ou 50
centavos que a compõe, ou vice-versa. Determinar a duração de um evento cujos horários inicial e final
acontecem em minutos diferentes de uma mesma hora dada. Converter uma hora em minutos. Converter
mais de uma semana inteira em dias. Interpretar horas em relógios de ponteiros. Números e operações;
álgebra e funções: Determinar o resultado da multiplicação de números naturais por valores do sistema
monetário nacional, expressos em números de até duas ordens e posterior adição. Determinar os termos
desconhecidos em uma sequência numérica de múltiplos de cinco. Determinar a adição, com reserva, de
até três números naturais com até quatro ordens. Determinar a subtração de números naturais usando a
noção de completar. Determinar a multiplicação de um número natural de até três ordens por cinco, com
reserva. Determinar a divisão exata por números de um algarismo. Reconhecer o princípio do valor
posicional do Sistema de Numeração Decimal. Reconhecer uma fração como representação da relação
parte-todo, com o apoio de um conjunto de até cinco figuras. Associar a metade de um total ao seu
equivalente em porcentagem. Associar um número natural à sua decomposição expressa por extenso.
Localizar um número em uma reta numérica graduada onde estão expressos números naturais
consecutivos e uma subdivisão equivalente à metade do intervalo entre eles. Tratamento de informações:
Reconhecer o maior valor em uma tabela cujos dados possuem até oito ordens. Localizar um dado em
tabelas de dupla entrada.
65
a dezembro/2014.
De acordo com Brasil (2013b), os itens (questões) que compõem os testes
de Matemática versam sobre as habilidades que devem ser desenvolvidas na fase de
ensino avaliada. A matriz de referência que norteia os testes de Matemática da Prova
Brasil está estruturada sobre o foco Resolução de Problemas. Para cada ano escolar são
definidos os descritores (correspondentes às habilidades que serão avaliadas) que sua
vez são agrupados por temas que relacionam um conjunto de objetivos educacionais. Os
temas referentes ao 5º. ano são: (I) Espaço e Forma; (II) Grandezas e Medidas; (III)
Números e Operações/Álgebra e Funções e (IV) Tratamento da Informação.
No âmbito da Geometria e dentro do nosso campo de interesses, os temas
mais pertinentes são Espaço e Forma e Grandezas e Medidas. Dentre os descritores
relacionados com esses temas, colocamos em relevo os que tratam das habilidades
associadas à determinação, por meio de contagem, do perímetro e da área de figuras
poligonais representadas em malhas quadriculadas.
Na sequência, temos a distribuição percentual dos alunos do 5º. ano do
Ensino Fundamental da EMAXL por nível de proficiência no teste de Matemática,
decorrente da realização da Prova Brasil – Edição 2013 (Tabela 6).
Tabela 6 – Distribuição percentual dos alunos do 5º ano do Ensino Fundamental por
Nível de Proficiência em Matemática da EMAXL na Prova Brasil 2013
Fonte: BRASIL (2013b)
Em conformidade com os critérios de análise da Prova Brasil, os alunos do
quinto ano que ocuparam os níveis 1 e 5, correspondente a cerca de 30% do total de
alunos que realizaram a prova, provavelmente desenvolveram as habilidades que os
Abaixo do
nível um
Nível
um
Nível
dois
Nível
três
Nível
quatro
Nível
cinco
Nível
seis
Nível
sete
Nível
oito
Nível
nove
Nível
dez
3,14% 9,22% 16,08% 15,49% 16,08% 18,63% 12,16% 9,22% zero zero zero
Os resultados de desempenho nas áreas avaliadas são expressas em escalas
de proficiência. As escalas de Língua Portuguesa (Leitura) e de Matemática
da Prova Brasil são compostas por níveis progressivos e cumulativos. Isso
significa uma organização da menor para a maior proficiência. Ainda,
quando um percentual de alunos foi posicionado em determinado nível da
escala, pode-se pressupor que, além de terem desenvolvido as habilidades
referentes a este nível, eles provavelmente também desenvolveram as
habilidades referentes aos níveis anteriores. (BRASIL, 2013b, p. 1).
66
capacitaram determinar a área de um retângulo representado em uma malha
quadriculada. Situados no nível 7, verificou-se que apenas 10%, aproximadamente,
desses alunos foram capazes de determinar a área e o perímetro de um retângulo
desenhado em malha quadriculada. Vale pontuar que os níveis 8, 9 e 10 apresentaram
percentual nulo, ou seja, nenhum dos alunos avaliados do 5º. ano desenvolveu
habilidades para determinar a área e o perímetro de uma figura poligonal representada
em uma malha quadriculada.
Assim, ancorados nas informações geradas a partir dos resultados da Prova
Brasil 2013, identificamos, de acordo com a escala de proficiência adotada por essa
prova, em que patamar de conhecimento geométrico, no que tange à área e perímetro, se
encontrava uma parcela considerável dos alunos que foram os sujeitos da pesquisa.
Sendo o intuito desta pesquisa colaborar para a melhoria do ensino de
Matemática, enfatizando o processo educativo em Geometria, e por conseguinte,
inserido na seara da Educação Matemática, assinalamos a percepção de D’Ambrosio
(1996) sobre Matemática e educação.
Para esse autor, a Matemática, de modo semelhante às artes, às religiões, às
técnicas e às ciências em geral, corresponde a uma estratégia posta em marcha pelos
seres humanos no decorrer da história, obviamente no interior de um quadro natural e
cultural, para explicar, compreender, controlar e conviver tanto com a realidade
sensível, palpável, quanto com o imaginário. É claro que esses corpos de conhecimento
não são idênticos para os diversos grupos sociais existentes (famílias, tribos, sociedades,
civilizações) e que a construção desses corpos é fortemente influenciada pelo contexto
temporal e espacial no qual o grupo está inserido. Todo esse conjunto de saberes tem
por finalidade precípua a vontade, na verdade, a necessidade, “desses grupos culturais
de sobreviver no seu ambiente e de transcender, espacial e temporalmente, esse
ambiente.” (D’AMBROSIO, 1996, p. 8).
Assim, acreditamos ser ponto pacífico o reconhecimento que, no transcurso
da história, os indivíduos e todas as sociedades não mediram esforços “para encontrar
explicações, formas de lidar e conviver com a realidade natural e sociocultural.”
(D’AMBROSIO, 1996, p. 18). Entre os frutos decorrentes desse empenho é o que
denominamos “conhecimento”, comumente também chamado de “saber”.
Em outras palavras, o binômio sobrevivência-transcendência é a essência
do ser humano. No tocante à sobrevivência, assim como nos demais seres vivos, é uma
força inerente ao nosso mecanismo genético, todavia a vontade de transcender é uma
67
peculiaridade da nossa espécie. Como já pontuamos, nossa necessidade de sobreviver e
transcender e a aquisição de conhecimentos estão intrinsicamente ligados. Movidos por
essa vontade, o conhecimento matemático, igualmente aos outros componentes do
espectro de saberes dos seres humanos, permanece sendo edificado com a finalidade de
auxiliar-nos nesta empreitada rumo a uma melhor compreensão do mundo natural e o
que está além dele.
O conhecimento em sua totalidade é produto de um processo cumulativo
que atravessa gerações, passando pelas organizações intelectual e social e com a devida
difusão. Percebemos, então, que a ação humana não tem determinação exclusivamente
biológica, porém acontece principalmente pela incorporação das experiências e
conhecimentos produzidos e transmitidos de geração a geração; a transmissão dessas
experiências e conhecimentos – por meio da educação e da cultura – permite que a nova
geração não volte ao ponto de partida da que a precedeu e dê prosseguimento ao seu
desenvolvimento, ou seja, o processo de aquisição individual e social de conhecimento
tem como marcas sua extrema dinamicidade, sua eterna construção, jamais com ponto
final.
Com relação à educação, ela é percebida: “Como uma estratégia de estímulo
ao desenvolvimento individual e coletivo gerada por esses mesmos grupos culturais,
com a finalidade de se manterem como tal e de avançarem na satisfação de necessidades
de sobrevivência e de transcendência.” (D’AMBROSIO, 1996, p. 8).
Dito isso, acreditamos não haver dúvida que na concepção desse grande
educador matemático, Matemática e educação são estratégias contextualizadas e que
guardam ente si uma total dependência. Ele aponta que devemos procura entender o
desenvolvimento de ambas e, levando em conta o panorama da civilização nos dias
atuais, analisar as tendências presentes. Sob os olhos de D’Ambrosio (1996), entre as
diversas variáveis que influenciam a educação, em seu sentido amplo, destaca:
a) no desenrolar do processo educativo, o aluno é o indivíduo buscando
concretizar suas aspirações e encontrar respostas para as suas
inquietações;
b) sua entrada na sociedade e as expectativas da sociedade com relação
a ele;
c) para efetivar essas expectativas do aluno, as estratégias desenvolvidas
pela própria sociedade;
d) na execução dessas estratégias, mobiliar agentes e instrumentos;
68
e) o conteúdo que é parte dessa estratégia.
Na tentativa de sintetizar seu pensamento acerca da educação em geral, o
autor em pauta – advogado de uma abordagem holística da Educação Matemática – ,
nos fala que
Alicerçado na concepção de educação “como uma estratégia da sociedade
para facilitar que cada indivíduo atinja o seu potencial e para estimular cada indivíduo a
colaborar com outros em ações comuns na busca do bem comum” (D’AMBROSIO,
1996, p. 68), é do nosso entendimento que uma educação apresenta objetivo intelectual
extremamente pobre quando é norteada exclusivamente para o treinamento de
indivíduos que, quando ocorre, saiam capacitados como mão-de-obra para executar
tarefas rotineiras. Uma educação que se enquadra nesse modelo não se mostra
merecedora de tal denominação.
Coadunando-se com as ideias expostas, Mario Sergio Cortella expõe em sua
tese de doutorado A Escola e o Conhecimento, de 1997, obra cujo objetivo central é
analisar a questão do conhecimento escolar de modo a fornecer elementos para os
professores refletirem sobre o sentido social efetivo do que realizam, a seguinte visão:
Assim, nos fala Vasconcellos (1999), há um saber acumulado, fruto das
empreitadas das gerações anteriores em seus embates pela existência e tentativa de
compreensão da realidade. Com a nossa geração, nosso aluno, não é diferente:
buscamos soluções para os diversos tipos de problemas que são impostos pela realidade
[...] só faz sentido insistirmos em educação se for possível conseguir por
meio dela um desenvolvimento pleno, e desenvolvimento pleno não
significa melhores índices de alfabetização, ou melhores índices
econômicos e controle da inflação, ou qualidade total na produção, ou
quaisquer dos vários índices propostos por filósofos, políticos, economistas
e governantes. Tudo se resume em atingirmos melhor qualidade de vida e
maior dignidade da humanidade como um todo e isso se manifesta no
encontro de cada indivíduo com os outros. (D’AMBROSIO, 1996, p. 9-10)
[...] o Conhecimento é uma construção cultural (portanto, social e
histórica) e a Escola (como veículo que o transporta) tem um
comprometimento político de caráter conservador e inovador que se
expressa também no modo como esse mesmo conhecimento é
compreendido, selecionado, transmitido e recriado. (CORTELLA, 2003, p.
17)
69
e também procuramos entender o que ocorre na prática social, ou seja, tentamos
compreender a dinâmica social.
Nós, seres humanos, dispomos de uma infinidade de informações acerca da
realidade. Segundo Vasconcellos (1999), há diversas relações entre essas informações
que buscam explicar a realidade que foram elaboradas ou sistematizadas por membros
da comunidade acadêmica e científica (professores, cientistas, pesquisadores e
intelectuais). Parte desse conhecimento, aquele considerado imprescindível, deve ser
apreendido pelas gerações ulteriores para ajudar na compreensão dos pontos basilares
da realidade. A nosso ver, surge uma pergunta fundamental: como esse legado será
passado, verdadeiramente, para as novas gerações? Em outras palavras: como realizar a
transferência da cultura de modo a garantir uma efetivação assimilação?
Do ponto de vista da prática pedagógica, o professor que pretende realizar
uma ação docente que contribua para o aluno adquirir esse conhecimento basilar,
necessita de uma teoria do conhecimento que norteie o seu trabalho em sala de aula.
Sendo nosso interesse tratar da situação pedagógica sob uma abordagem dialética,
recorremos ao que diz Vasconcellos (1999): essa orientação ao professor será dada pela
teoria dialética do conhecimento. Relembramos que nessa teoria os três grandes
momentos da construção do conhecimento são a síncrese, a análise e a síntese, cujas
noções foram tratadas anteriormente.
Focando o momento específico da construção do conhecimento escolar, ou
seja, a ação educativa em sala de aula envolvendo o professor, os alunos e o que é
proposto como trabalho pedagógico (metodologia e conteúdo) – contando também com
a influência do contexto (físico e social) –, temos que em uma prática educativa
consonante com a metodologia dialética, constatamos uma interação permanente entre
professor, aluno, objeto de conhecimento e realidade. Nesse modo de “fazer” aula, cada
nova ação por parte do aluno tem forte peso na ação seguinte do professor, ou seja, a
interação professor-aluno é regida pela ação-reflexão-ação. Isso se contrapõe à
metodologia expositiva, caracterizada pela justaposição, por assim dizer, um
“revezamento”, onde aluno e professor têm seus momentos separados.
Nesta perspectiva de trabalho, o professor é obrigado a sair da postura inerte,
até mesmo reativa nos dias de hoje, e assumir sua responsabilidade social, em
função do compromisso com as novas gerações. Não se pode ficar passivo
diante delas, como se soubessem o que querem, como se fossem adultas, de
tal forma que bastaria ao professor “fazer sua parte”, que haveria a
contrapartida necessária. Ser transmissor, “dador” de aula, repetidor, “piloto”
de livro didático é fácil. Entretanto, ser professor não é fácil, não!
(VASCONCELLOS, 1999, p. 70)
70
Achamos oportuno, mesmo que de modo panorâmico, abordarmos sobre
qual o sentido social da nossa atividade docente. A resposta de tal questão varia de
acordo com “a compreensão política que tivermos da finalidade do nosso trabalho
pedagógico, isto é, da concepção sobre a relação entre Sociedade e Escola que
adotarmos.” (CORTELLA, 2003, p. 130).
Seguindo uma linha de pensamento em sintonia com a que acabamos de
ventilar, Vasconcellos (1999) registra que, a seu ver, uma das mais singulares demandas
sociais requeridas à escola é que a mesma oportunize “às novas gerações uma
compreensão científica, filosófica, estética da realidade em que vivem. Trata-se da
construção do conhecimento.” (VASCONCELLOS, 1999, p. 33, grifo do autor) e
acrescenta: a prática pedagógica está intimamente ligada à concepção que o professor (e
a escola) tem do papel que lhe cabe no quadro social em que está inserido.
A partir da concordância que “[...] o conhecimento trabalhado em sala de
aula não deve ter um fim em si mesmo. [...]” (VASCONCELLOS, 1999, p. 34),
professor e escola não devem medir esforços para que o conhecimento nela adquirido
auxilie o aluno em sua formação global. Em outras palavras, o conhecimento escolar
deve ter como fito propiciar ao aluno uma formação integral, alicerçada no trinômio
consciência–caráter–cidadania. “[...] O conhecimento tem sentido quando possibilita o
compreender, o usufruir ou o transformar a realidade.” (VASCONCELLOS, 1999,
p. 34, grifo do autor).
Sabemos que a construção do conhecimento em sala de aula passa,
inevitavelmente, pela questão dos conteúdos escolares. Para superar o que
repetidamente acontece nas escolas no tocante aos conteúdos ministrados – haja vista
que, via de regra, são trabalhados com um fim em si mesmo –, Vasconcellos (1999) fala
que eles devem fazer a mediação entre o aluno e a realidade, abrindo, assim, a
possiblidade do aluno compreendê-la. Sob nosso olhar, indagação que emerge dessa
discussão: o ponto forte de atenção do professor e dos alunos deve ser o conteúdo
programático ou a prática social? Vejamos o diz Vasconcellos (1999) sob o ponto de
vista da concepção dialética da educação:
O trabalho principal do professor não é fazer os alunos se debruçarem sobre
os livros didáticos, mas sim debruçarem-se sobre a realidade, tentando
entendê-la. A colocação da prática social como perspectiva para o processo
do conhecimento é importante para o professor ter consciência que seu papel
primeiro não é cumprir um programa, não é dar determinado rol de
conteúdos: antes de mais nada, seu papel é ajudar os alunos a
entenderem a realidade em que se encontram, tendo como mediação para
71
Pela pertinência à educação formal, registramos que na obra Escola e
Democracia, lançada em 1983, Dermeval Saviani, ao levar em conta à questão da
marginalidade da maioria das crianças e jovens latino-americanos, assinala que as
teorias educacionais podem ser agrupadas em dois blocos: teorias não-críticas e teorias
crítico-reprodutivistas. “[...] ambos os grupos explicam a questão da marginalidade a
partir de determinada maneira de entender as relações entre educação e sociedade.”
(SAVIANI, 2008, p. 4).
Compondo o bloco das teorias não-críticas temos a pedagogia tradicional, a
pedagogia nova e a pedagogia tecnicista. Segundo Saviani (2008), a marginalidade é
vista de modos distintos pelas pedagogias tradicional, nova e tecnicista. De acordo com
a pedagogia tradicional, marginalizado é quem está à margem do conhecimento, quem
permanece na ignorância. Por seu turno, a pedagogia nova afirma que marginal é quem
carrega o sentimento de não pertencimento em relação ao grupo, quem não está se sente
aceito pelo grupo e, por extensão, sente-se rejeitado pela sociedade como um todo. Na
visão da pedagogia tecnicista “[...] Marginalizado será o incompetente (no sentido
técnico da palavra), isto é, o ineficiente e improdutivo [...].” (SAVIANI, 2008, p.11).
Percebemos, então, que nessas três vertentes pedagógicas, marginal, em
linhas gerais, é aquele que apresenta conhecimento, no mínimo, insatisfatório sob os
olhos da sociedade, mas com a seguinte diferenciação: na pedagogia tradicional, um
indivíduo é considerado socialmente desajustado porque conta de sua ignorância, ou
seja, marginal é todo indivíduo que não demonstra conhecimento (segundo critérios
sociais em voga), enquanto na pedagogia nova, se o indivíduo não apresenta domínio do
conhecimento e/ou seu desempenho cognitivo é abaixo do esperado (não sendo estas
razões exclusivas), isso implica na sua inadaptação a um grupo ou até sua rejeição pela
sociedade. Por seu turno, a pedagogia tecnicista vê como marginal o ser humano que
mostra-se com uma considerável deficiência em sua capacidade produtiva.
Sob a ótica de Saviani, as teorias não-críticas (denominação decorrente do
fato dessas teorias desconhecerem as repercussões das ações da sociedade no fenômeno
educativo), entendem a educação como instrumento de equalização social. Por
isto os conteúdos. Para ajudar o aluno a entender a realidade, a se posicionar,
o professor lança mão da cultura acumulada pela humanidade; diante dos
desafios da realidade, coloca o aluno em contato com este saber. [...] O papel
do professor, portanto, é ajudar a mediação aluno-conhecimento-realidade.
(VASCONCELLOS, 1999, p. 35, grifo do autor)
72
considerarem que a autonomia da educação em relação à sociedade é de tal monta que
tem a capacidade de interferir efetivamente nela ao ponto de transformá-la, corrigindo
suas injustiças e, enfim, tornando-a melhor.
O grupo das teorias crítico-reprodutivistas é formado pela teoria do sistema
de ensino como violência simbólica, pela teoria da escola como aparelho ideológico do
Estado e pela teoria da escola dualista. “[...] as teorias do segundo grupo são críticas,
uma vez que postulam não ser possível compreender a educação senão a partir dos seus
condicionantes sociais [...].” (SAVIANI, 2008, p. 13). E são crítico-reprodutivistas
porque, não obstante perceberem com total clareza a “dependência da educação em
relação à sociedade [...].” (SAVIANI, 2008, p. 13), suas análises sempre apontam a
seguinte conclusão: o papel específico da educação reside na reprodução da sociedade
na qual está inserida.
Partindo do conceito que a sociedade é notadamente dividida em grupos ou
classes antagônicas, essas teorias veem a marginalidade como algo inerente a estrutura
social vigente, qual seja: o grupo ou a classe que detém o domínio sobre as condições de
produção da vida material leva os demais à condição de marginalizados. À educação,
concebida como dependente dessa estrutura social, cabe a função de fortalecer a
dominação e validar a marginalização. “[...] Nesse sentido, a educação, longe de ser um
instrumento de superação da marginalidade, converte-se num fator de marginalização
[...].” (SAVIANI, 2008, p. 13-14).
Ao citarmos Saviani, não vemos como deixar de falar, mesmo em
brevíssimas palavras, sobre a teoria pedagógica que ele propõe, a saber: pedagogia
histórico-crítica. O cerne dessa teoria é buscar explicar a dinâmica de natureza
contraditória na qual funciona a educação e, em particular, a escola na sociedade
capitalista. O autor em destaque também salienta que, em conformidade com a
[...] a sociedade é concebida como essencialmente harmoniosa, tendendo à
integração de seus membros. A marginalidade é, pois, um fenômeno
acidental que afeta individualmente um número maior ou menor de seus
membros, o que, no entanto só constitui um desvio, uma distorção que não
só pode como deve ser corrigida. A educação emerge aí como instrumento
de correção dessas distorções. Constitui, pois, uma força homogeneizadora
que tem por função reforçar os laços sociais, promover a coesão e garantir a
integração de todos os indivíduos no corpo social. Sua função coincide, no
limite, com a superação do fenômeno da marginalidade. (SAVIANI, 2008,
p. 4)
73
pedagogia histórico-crítica, a importância política da educação (no sentido de ações que
visem o bem comum) está na sua função de socialização do conhecimento.
Para Cortella (2003), há três concepções que, em linhas gerais, abarcam
posicionamentos assumidos em momentos distintos na educação brasileira e que, de
certa maneira, estão presentes tanto nas escolas e, não raro, em nós professores. As
visões entre a relação sociedade-escola são elencadas por esse autor com as seguintes
denominações: otimismo ingênuo, pessimismo ingênuo e otimismo crítico.
Sob a perspectiva do otimismo ingênuo, a relação entre sociedade e
educação é estabelecida considerando que a educação é a alavanca para o
desenvolvimento e o progresso. É a ideia de educação redentora, “salvadora da pátria”.
Ressalvamos que essa concepção reinou quase absoluta até meados do decênio de
197014
. Nela, o educador é um vocacionado, algo semelhante a um sacerdote, e a
escola seria suprassocial, ou seja, o professor atuaria como um profissional à serviço do
bem comum. A ação docente teria como característica marcante a neutralidade no
sentido de não tomar partido nem de grupo social ou agremiação partidária, por
exemplo. O otimismo está no fato de valorizar a escola e o ingênuo é considerar que a
escola tem a capacidade de solucionar problemas de ordem social (pobreza e miséria)
que não tiveram nela seu nascedouro.
A partir da segunda metade do decênio de 1970 um novo entendimento
emerge no cenário da relação entre escola e sociedade: pessimismo ingênuo. Seu ponto
fulcral é que a escola deve atuar à serviço das classes dominantes. Neste contexto, a
escola tem caráter dominador, reproduzindo a desigualdade social e o papel que cabe ao
_______________________________
14 De acordo com Jorge Nagle, em sua obra Educação e Sociedade na Primeira República (1889-1930),
publicada em 1974, tivemos nas décadas de 1920-30 o que ele chamou de entusiasmo pela educação e o
otimismo pedagógico. Grosso modo, o entusiasmo pela educação correspondia ao pensamento que a
simples expansão da rede escolar resolveria o problema da educação, ou melhor, da instrução. Quanto ao
otimismo pedagógico, com início após 10 anos do entusiasmo pela educação, está relacionado à ideia da
necessidade de mudar a prática pedagógica para melhorar a qualidade do ensino e que teve como marco o
Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, publicado em 1932.
A positividade do otimismo ingênuo está exatamente na sua capacidade de
dar destaque à tarefa da Escola; no entanto, ao imaginá-la como
politicamente desinteressada (incorrendo na suposição de que em uma
sociedade de desiguais, com conflitos e confrontos internos, seja possível
estar neutramente situado) resulta simplória e pode configurar o que é
chamado de inocência útil. (CORTELLA, 2003, p. 133)
74
professor é atuar como “agente da ideologia dominante, ou seja, é um mero funcionário
das elites.” (CORTELLA, 2003, p. 134). Assim, a sociedade e a escola se articulam
ancorados na ideia que o sistema educativo institucionalizado é mero aparelho
ideológico do Estado15
, estando inclinado à perpetuar o “sistema”. Sob essa concepção,
a escola não apresenta nenhuma autonomia e o trabalho do educador é orientado no
sentido de incutir nas pessoas os ditames daqueles que têm o poder econômico e
político.
O lado ingênuo dessa percepção reside no fato dela, em sua análise, fazer de
conta que não há contradições internas nas instituições sociais. Em outras palavras, a
abordagem pessimismo ingênuo confere a tais instituições um desenho unicamente
conservador; “as instituições sociais, por não serem monolíticas, são permeáveis aos
conflitos sociais e às mudanças contínuas do tecido político em confronto nas
sociedades de classes” (CORTELLA, 2003, p. 135).
É do nosso entendimento que há uma relevante aproximação entre a
percepção de Cortella (2003), quando trata das posturas educativas otimismo ingênuo e
pessimismo ingênuo, e Saviani (2008), ao falar sobre as teorias não–críticas e as crítico–
reprodutivistas. Quando a escola (ou professor, sendo mais específico) tem sua linha de
atuação de pedagógica inclinada para o otimismo ingênuo está, em grande medida,
sintonizada com as ideias preconizadas pelas teorias não-críticas pois, grosso modo,
______________________________
15 Citar Aparelho Ideológico do Estado nos remete ao filósofo francês Louis Althusser (1918-1990).
Althusser, integrante do grupo de teóricos franceses identificados como o marxismo, propôs a teoria
crítico-reprodutivista no final da década de 1960. Os crítico-reprodutivistas denunciam o caráter perverso
da escola capitalista, onde a escola da maioria reduz-se totalmente à inculcação da ideologia dominante,
enquanto as elites se apropriam do saber universal nas escolas particulares de boa qualidade,
reproduzindo, assim, as contradições inerentes e necessárias ao capitalismo. A perspectiva crítico-
reprodutivista se revela capaz de fazer a crítica do existente, mas não tem proposta de intervenção na
realidade. Limita-se apenas a constatar que é assim e não pode ser de outra forma. O Período Crítico-
Reprodutivista brasileiro foi um período de avanço da consciência ingênua dos educadores para uma
concepção mais crítica da educação escolar.
O pessimismo dessa posição vem por conta de sua compreensão do papel
unicamente discriminatório da Escola, desvalorizando sua capacidade
como ferramenta para a conquista da justiça social; no entanto, dela surgiu
uma grande contribuição que foi a de chamar a atenção para o fato de a
Educação não ser uma atividade socialmente neutra, estando envolvida no
conjunto da atividade política de uma estrutura social e, assim, o educador
é um profissional politicamente comprometido (com consciência ou não
disso) (CORTELLA, 2003, p. 135)
75
advogam a ideia que a educação formal é dotada de grande poder de deliberação sobre a
ordem social, com a capacidade de alterá-la, promovendo um equilíbrio no panorama
social, independentemente de fatores sócio-políticos e econômicos vigentes.
Reparamos também que o pessimismo ingênuo alinha-se com as teorias
crítico-reprodutivistas haja vista que eles concebem, em largas linhas, que a escola e,
por extensão, o professor, desenvolvem suas ações educativas visando a manutenção do
modelo de socialização ditado pela classe dominante.
No limiar dos anos 1980 dá-se o surgimento de uma outra percepção da
relação entre sociedade e escola, nascida com a intenção de superar os pontos inocentes
e resgatar os positivos das concepções anteriores. Na nova perspectiva, o otimismo
crítico, a possibilidade de transformação decorreria da aceitação da ideia da natureza
contraditória das instituições sociais, a escola inclusive. No caso da escola, ela tem
função conservadora e função inovadora. A conservação se manifesta pelo controle
exercido pelas elites sobre o sistema educacional e os salários, a burocracia, as
condições de trabalho etc. Porém, há possibilidade das escolas se tornarem-se espaços
de inovação a partir das contradições sociais.
Ao fazer referência ao otimismo crítico constatamos uma convergência do
pensamento de Cortella com a visão de Saviani, quando este propõe a pedagogia
histórico-crítica. Reparemos que elas sinalizam uma prática pedagógica que propriciem
a superação da total e suposta impotência da escola em provocar, dentro dos limites
impostos pela realidade, mudanças na sociedade e o poder ilusório da equalização da
sociedade via educação. Para isso, é necessário colocar “[...] nas mãos dos educadores
uma arma de luta capaz de permitir-lhes o exercício de um poder real, ainda que
limitado.” (SAVIANI, 2008, p. 25).
Por conta de nós, professor, estarmos imersos nesses dois “universos”, nossa
autonomia é relativa. Isto permite “construir coletivamente os espaços efetivos de
Para um otimismo crítico, o educador é alguém que tem um papel
político/pedagógico, ou seja, nossa atividade não é neutra e nem
absolutamente circunscrita. A educação escolar e os educadores têm, assim,
uma autonomia relativa; podemos representá-la com a inserção da Escola
no interior da Sociedade, com uma via de mão dupla e não como na
primeira concepção, com a Escola totalmente independente e nem como na
segunda, com ela dominada inteiramente. (CORTELLA, 2003, p. 136).
76
inovação na prática educativa que cada um desenvolve na sua própria instituição.”
(CORTELLA, 2003, p. 137) a partir do momento que não concordamos com a realidade
social vigente. Achamos uma observação feita por esse autor com relação à ação
professoral bem interessante. Ele coloca que o professor gostar de ensinar é primordial
para o desempenho da atividade docente, todavia não é suficiente. É imprescindível
também “qualificar-se para um exercício socialmente competente da profissão
docente.” (CORTELLA, 2003, p. 35).
Em relação à esfera da educação formal, com destaque para a função da
escola como vetor do conhecimento e o seu compromisso político para com a sociedade,
esse educador percebe que “é necessário repensar fundamentos da articulação entre
Educação, Epistemologia e Política.” (CORTELLA, 2003, p. 13). Para o autor em foco,
a sociedade começa a edificar, em passos lentos, a educação como um direito social e
democrático com implicações no fortalecimento da cidadania.
Assim, na visão do educador em tela, há necessidade da emergência de uma
escola pública de qualidade e essa qualidade passa, obrigatoriamente, pela quantidade,
pois em uma democracia plena elas sempre estão atreladas. Para que essa qualidade na
educação seja atingida, contribuindo para a elevação da qualidade social, se exige que a
formação do educador contemple tanto a formação técnica pertinente à área do
conhecimento em que atua (e a capacitação ao longo da ação professoral) quanto a
dimensão pedagógica pertinente ao know-how para ensinar.
Dentre as questões envolvidas na formação docente no âmbito da dimensão
pedagógica temos a democratização do saber. Segundo Cortella (2003), a
democratização do saber deve mostrar-se “como objetivo último da Escola Pública da
classe trabalhadora [...] com uma sólida base científica, formação crítica da cidadania e
solidariedade de classe social.” (CORTELLA, 2003, p. 15).
Esses três pólos, a resultarem também do trabalho dos educadores,
precisam comportar a garantia de que as crianças, jovens e adultos tenham
acesso ao conhecimento universal acumulado e possam dele se apropriar
(tornarem-se proprietários), sem que esse acesso seja impositivo e nem
restritivo a uma formação erudita (sem relação com sua existência social e
individual); de outro lado, essa relação do conhecimento científico com o
universo vivencial dos alunos demanda evitar o pragmatismo imediatista
que entende deverem as classes trabalhadoras freqüentar escolas apenas
para aprender trabalhar (CORTELLA, 2003, p. 15-16)
77
É do nosso entendimento que em uma escola pública, cujo primado é a
elevação da qualidade da educação, é descabida a ideia que o trabalhador vivencie um
processo de ensino e aprendizagem pautado na dimensão utilitária e redutora, ou seja,
que ele aprenda somente aquilo que ele supostamente utilizaria dentro de um pequeno
ou médio intervalo de tempo. Na verdade, a escola pública deve propiciar aos alunos
uma apreensão da própria realidade e, com isso, acarretar seu revigoramento como
cidadãos. Acreditamos que uma ação educativa nesta perspectiva contribui
enormemente no sentido de capacitar os educandos para transformar a realidade com
vistas aos interesses da maioria social.
Por conta da total pertinência à reflexão sobre conhecimento e educação
escolar, registramos a seguinte percepção acerca do ensino no panorama atual:
Desse modo, em nossa prática pedagógica, devemos permanecer atentos
para ministrar conteúdos que oportunizem o avanço do campo de conhecimento do
aluno, afinado com as demandas presentes na sociedade.
3.2 A RESPEITO DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
Conforme D’Ambrósio (2004), desde a Antiguidade já eram notadas
preocupações com o ensino da Matemática, todavia é a partir da Modernidade, mais
precisamente do século XVIII, como repercussão das Revoluções Industrial, Americana
e Francesa, é que se avolumam as preocupações com o ensino e a aprendizagem de
matemática pela juventude.
A Educação Matemática é identificada como uma área prioritária na
educação por ocasião da passagem do século XIX para o século XX. Oposição ao
formalismo, defesa de uma relação mais cooperativa entre aluno e professor e uma
integração entre todas as disciplinas, são as propostas de John Dewey (estadunidense,
As novas demandas sociais educativas apontam para a necessidade de um
ensino voltado para a promoção do desenvolvimento da autonomia
intelectual, criatividade e capacidade de ação, reflexão e crítica pelo aluno.
Para tanto, faz-se necessário a introdução da aprendizagem de novos
conteúdos de conhecimentos e de metodologias que, baseadas na
concepção de que o aluno deve ser o centro do processor de ensino-
aprendizagem, reconheça, identifique e considere seus conhecimentos
prévios como ponto de partida e o prepare para realizar-se como cidadão
em uma sociedade submetida a constantes mudanças.” (REGO e REGO,
2010, p. 40-41).
78
1859-1952) em seu livro Psicologia do Número, publicado em 1895. De acordo com
D’Ambrosio (2004b), nesta obra são dados os passos de abertura dessa nova área de
pesquisa na esfera do ensino da Matemática.
Coube ao eminente matemático alemão Felix Klein (1849-1925) realizar o
passo decisivo para o estabelecimento da Educação Matemática como uma disciplina. A
enorme contribuição dada por este grande estudioso é através da publicação, em 1908,
do livro seminal Matemática elementar de um ponto de vista avançado.
D’Ambrósio (2004b) prossegue afirmando que a Educação Matemática se
consolida como um segmento da Matemática e da educação, com caráter
interdisciplinar, em 1908, tendo como marco a fundação da Comissão Internacional de
Instrução Matemática, conhecida pelas siglas IMUK/ICMI, sob a liderança de Felix
Klein. Essa fundação acontece no decorrer do Congresso Internacional de Matemáticos,
realizado em Roma.
Nas décadas de 1910 e 1920 foram criados diversos espaços para os
professores dos EUA refletirem sobre suas preocupações e interesses inerentes à
educação e, em particular, para discutir propostas ligadas ao ensino de Matemática.
Dentre eles, destacamos a Associação Americana de Pesquisa Educacional (AERA), em
1916, e o Conselho Nacional de Professores de Matemática (NCTM), em 1920.
Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) temos um período de muita
agitação no campo da Educação Matemática. Ressaltamos a criação, em 1958, do Grupo
de Estudo da Matemática Escolar (SMSG), cuja projeção foi grandiosa; a publicação de
uma revista especializada em pesquisa, proposta feita pelo Comitê Consultivo de
Pesquisa (RAC), pertencente ao NCTM, e o advento, no limiar dos anos 1960, do
movimento conhecido por Movimento da Matemática Moderna (MMM).
O número crescente de educadores matemáticos resultou na criação de um
Grupo de Interesse Especial em Pesquisa em Educação Matemática (SIG/RME), ligado
Klein defende uma apresentação nas escolas que se atenha mais a bases
psicológicas que sistemáticas. Diz que o professor deve, por assim dizer,
ser um diplomata, levando em conta o processo psíquico do aluno, para
poder agarrar seu interesse. Afirma que o professor só terá sucesso se
apresentar as coisas de uma forma intuitivamente compreensível.
(D’AMBROSIO, 2004b, p. 72)
79
ao AERA. Atualmente, as reuniões de pesquisadores do AERA e NCTM acontecem de
forma unificada. Nelas, todas as intervenções são a convite e abarcam as diversas áreas
de pesquisa em Educação Matemática.
Lorenzato (2012) informa que foi criada, em 1988, a Sociedade Brasileira
de Educação Matemática (SBEM), que se constitui, formalmente, a área de pesquisa em
Educação Matemática. Do ponto de vista legal está filiada à área de Educação e não à
área de Matemática. Outro registro importante desse ano é a realização do primeiro
Encontro Nacional de Educação Matemática (ENEM). Na sequência, surgem as
Diretorias Regionais da SBEM e acontecem várias edições dos Encontros Regionais de
Educação Matemática.
Em termos quantitativos, as pesquisas que tratam de Educação Matemática
– apoiadas por órgãos governamentais das esferas federal e estadual, como Capes,
CNPq e Fapesp –, cresceram consideravelmente. “[...] entre 1970 e 1990, foram
concluídos cerca de 200 mestrados ou doutorados, mas entre 1990 e 2010 foram cerca
de 3400 produções nesses níveis em Educação Matemática. Em 2012, estamos perto de
5000” (LORENZATO, 2012, p. 15).
Em conformidade com a assertiva feita por D’Ambrósio (1993), Educação
Matemática é uma das áreas da Educação. Considerá-la como uma especialização da
Matemática, ou como o estudo e o desenvolvimento de técnicas ou modos mais
eficientes de se ensinar Matemática, ou como estudos de ensino e aprendizagem da
Matemática, ou como metodologia de seu ensino no sentido mais amplo, não incide em
nenhum equívoco, todavia, além de contemplar todos esses e incontáveis outros
desafios da Educação, apresenta certas especificidades que a tornam merecedora de um
espaço próprio.
“A Matemática é a única disciplina escolar que é ensinada
aproximadamente da mesma maneira e com o mesmo conteúdo para todas as crianças
do mundo”. (D’AMBROSIO, 1993, p. 7). Assim, a despeito das acaloradas discussões
Nestas duas últimas décadas, registramos um significativo aumento na
formação de grupos ou de associações de educadores, os quais organizaram
e realizaram inúmeros encontros simpósios, seminários, reuniões,
conferências ou fóruns; também propuseram e ministraram cursos de
formação continuada, criaram revistas e boletins por meio dos quais
divulgaram propostas, experimentos, ideias e resultados de pesquisas.
(LORENZATO, 2012, p. 15)
80
em relação ao modo como se dá o processo de ensino e de aprendizagem nas diferentes
sociedades, a Matemática foi a única disciplina que chegou, nos sistemas educacionais,
a atingir um caráter de universalidade. Ademais, as suas implicações sociais, políticas e
econômicas e sobretudo suas relações com outras áreas de conhecimento, justificam a
complexidade da Matemática assim como as reflexões, teorias e estudos, desde a
Antiguidade, sobre seu ensino.
As pesquisas no campo da Educação Matemática procuram dar conta do
universo plural da Matemática, ou seja, uma investigação na esfera da Educação
Matemática procura contribuir para a compreensão das inúmeras ligações existentes
entre a Matemática e as ações humanas. Em outras palavras, a Educação Matemática
pode ser considerada como a norteadora da aprendizagem de Matemática numa
perspectiva multidimensional, onde se articulam as dimensões humana, técnica e
político-social.
Hoje, no Brasil, há em torno de quarenta instituições de ensino superior que
oferecem cursos de pós-graduação, em nível de Mestrado e Doutorado, em Educação
Matemática, conforme informa Lorenzato (2012). Para esse educador matemático, o
enorme crescimento de grupos e multiplicação de atividades, em um país-continente
como o nosso, foi primordial para alavancar o desenvolvimento dessa área educacional.
Infelizmente, há vozes discordantes. Lorenzato (2012) relata que Elon Lages
Lima16
(matemático brasileiro e ex-diretor do Instituto de Matemática Pura e
Aplicada/IMPA – Rio de Janeiro), ao conceder uma entrevista na Europa, expressa sua
opinião acerca da Educação Matemática no Brasil. A certa altura da entrevista lhe
perguntam “Como devem ser preparados os professores de matemática?”. A resposta
emitida “deixa claro que o entrevistado fala a respeito do que não conhece”
(LORENZATO, 2012, p. 16). O que Elon Lages Lima responde é merecedor de especial
atenção dos educadores matemáticos. Na verdade, de todos os educadores brasileiros.
_____________________________
16 Essa entrevista foi concedida em 2001, ao jornalista e matemático português Professor Nuno Crato e
publicada em novembro de 2001, na revista do semanário Expresso, de Lisboa. Sua reprodução está em
LIMA, Elon Lages. Matemática e ensino. Lisboa: Gradiva, 2004. p. 141.
Penso que a educação pedagógica para futuros professores de Matemática
poderia resumir-se a um certo número de preceitos básicos, e que não
merece toda a importância e a dimensão que lhe atribuem ... um certo
número de número de pensadores e intelectuais dedicados a está área da
educação querem, sobretudo em França, Inglaterra e Estados Unidos,
81
Também colocamos em relevo outro fato marcante ligado à Educação
Matemática que em nosso entendimento faz uma abordagem equivocada quanto à
pretensão de estabelecer “um novo paradigma para o ensino da Matemática no país e
‘melhorar o padrão da licenciatura’.”(LORENZATO, 2012, p. 16). Trata-se do Projeto
Klein.
Foi divulgado através de um artigo da revista Pesquisa, da Fapesp, em julho
de 2010, informações sobre o Projeto Klein/Brasil17. Conforme Lorenzato (2012), esse
projeto, que contará a participação de matemáticos brasileiros e portugueses, visa
produzir materiais didáticos que contribuam na incorporação ao ensino dos avanços
conseguidos na Matemática nos últimos cem anos. “A meta central é tornar familiar
para os professores dos ensinos fundamental e médio as conquistas da pesquisa em
Matemática.” (MARQUES, 2010, p. 29 apud LORENZATO, 2012, p. 16).
Dentre as perguntas que são totalmente pertinentes a proposta de incluir nos currículos
tópicos matemáticos que foram fruto das pesquisas realizadas ao longo do século XX,
uma não quer permanecer calada: para melhorar a formação do professor, é disso que a
licenciatura está precisando? Assim, nos vemos novamente – acreditando que nosso
pensamento alinha-se com o da maioria dos professores –, diante de uma tentativa
de melhorar a qualidade da aprendizagem da Matemática formal ancorados em uma
crença popular falsa e que atravessa gerações: quanto mais Matemática o professor
souber, melhor será seu ensino.
Sobre a pretensa “quantidade” de Matemática que o professor precisa
carregar em sua bagagem intelectual, Lorenzato (2012) traz à baila que, na verdade, a
questão nuclear com relação a formação inicial é: para ministrar aulas nos ensinos
______________________________
17 Este projeto é derivado do Projeto Klein para o século XXI, lançado em 2008 pela International
Mathematical Union (IMU) e pela International Comission on Mathematical Instruction (ICMI) e o
citado artigo intitulado “Matemática moderna”, de Fabrício Marques, foi publicado na revista Pesquisa –
Fapesp, n. 173, p. 29-31, julho/2010.
atribuir à educação matemática a posição e a qualidade da investigação
científica. Para isso, criam teorias, fazem propostas, oferecem
doutoramentos. Tudo isto é muito prejudicial. Oferece-se a pessoas de baixo
nível intelectual a oportunidade de fazer um doutoramento ... (e elas) só
podem dar aulas de pedagogia matemática para formar pessoas que, depois,
irão fazer a mesma coisa. Chegam ao ponto de, no Brasil, editarem revistas
onde está escrito e repetido que, em educação matemática, o importante não
é a Matemática, o importante é a educação. (LIMA, 2004, p. 141 apud
LORENZATO, 2012, p. 15)
82
fundamental e médio, qual matemática o licenciando deve conhecer?
Ele nos responde, falando que
Elencamos, a seguir, algumas indagações levantadas por Lorenzato (2012)
que guardam pertinência do que foi ventilado nos parágrafos mais recentes:
a) saber Matemática é diferente de saber ensinar Matemática?
b) os objetos de estudo da Matemática e da Educação Matemática são
iguais?
c) o objetivo dos cursos de licenciatura em Matemática é formar
matemáticos ou formar professores que ensinarão Matemática a crianças
e jovens?
d) quais conteúdos matemáticos devem ser estudados nos cursos de
formação de professores?
Acreditamos que as respostas, mesmo preliminares, dessas perguntas e
inquietações
Sintonizada com essa visão, destacamos que
Podem nos mostrar que entre o educador matemático e o matemático existe
uma grande diferença: para um, a matemático é meio; para outro, é fim;
suas linguagens, seus objetivos e seus métodos de pesquisa, bem como as
exigências profissionais que incidem sobre ambos são completamente
diferentes. (LORENZATO, 2012, p. 17).
[...] Qualquer que seja a definição dada à Educação Matemática, todos a
vêem como interface de outras áreas que se integram, complementam, para
tornar o ensino-aprendizagem da Matemática viável. Podemos inferir que
na concepção de parte dos educadores matemáticos, o ofício de ensinar
Matemática difere do ofício do matemático do mesmo modo que o do
linguista difere do professor de Língua Materna, [...]. (PONTES, 2009, p.
55).
No mínimo, aquela que o professor terá que ensinar. No entanto, aqueles
que cursaram a licenciatura em matemática sabem que nela estudaram
matemática superior, com seus laplacianos, jacobianos, divergentes,
gradientes, rotacionais, cortes de Dedekind, intervalos encaixantes de
Cauchy, topologia algébrica, geometria diferencial, entre outros
conteúdos, e sempre pelo método dedutivo, repleto de demonstrações; por
isso, receberam um diploma que lhes deu direito de lecionar o conteúdo
matemático que consta dos programas de Ensino Fundamental e Médio e
que deve ser ensinado de modo intuitivo, repleto de atividades
experimentais. (LORENZATO, 2010, p. 5).
83
No universo da Matemática escolar, inclusive da Educação Básica, Pontes
(2009) registra que alguns professores exercem sua atividade docente tendo uma visão
internalista da Matemática. Em grande medida, percebem a Matemática como um
campo do conhecimento fechado em si mesmo, ou seja, como fim. Por outro lado, há
educadores, que em sua ação professoral, trabalham na perspectiva externalista. Neste
caso, o conhecimento matemático adquirido é um dos instrumentos usados para a leitura
do mundo vivencial.
Na pretensão de elencar as “frentes de luta” da Educação Matemática,
vejamos o que nos diz a seguinte exposição:
A despeito das dificuldades e condições adversas do meio escolar, palco
onde nós, professores, atuamos profissionalmente,
A obra escrita por essa educadora argentina – cujo fragmento reproduzimos
acima – é apontada pelo professor Ernesto Rosa Neto como fundamental para os
professores em formação e também para os professores que desejam construir um novo
sentido para o ensino formal da Matemática.
Os desafios da Educação Matemática são inúmeros e abrangentes,
perpassando direta ou indiretamente por diferentes áreas ou temas, tais como:
matemática e educação, educação infantil, formação continuada, recurso
didático, programa, ensino, crendice, livro didático, proposta curricular,
aprendizagem, licenciatura, ensino fundamental, avaliação, ensino médio,
pesquisa, divulgação de pesquisa, história da matemática, metodologia de
ensino, laboratório de ensino, história do ensino da matemática, entre outros.
Este quadro indica que, para melhorar a qualidade da Educação Matemática,
faz-se necessária a soma de esforços dos profissionais com ela envolvidos,
cada um com sua parcela de responsabilidade e fazendo o melhor que pode
(LORENZATO, 2012, p. 31).
[...] há um conhecimento acumulado que nos permite definir algumas
condições que abrem a possibilidade de pensar em jogar outro jogo dentro
da escola. São experiências em pequena escala, criadas e sustentadas pelo
trabalho coletivo de grupos de docentes que têm de acreditar no que
fazem. Essas condições, geradas por algumas experiências, não são
externas aos sujeitos que as produzem, nem estão completamente
moldadas pela situação social e cultural dos seus protagonistas. Elas
resultam de uma intenção (que inclui uma vontade, mas a excede
amplamente). Falar dessas condições com quem está se preparando para
ser professor nos dá otimismo. Porque desse modo se estabelece uma
discussão sobre o sentido do conhecimento na escola, do conhecimento
matemático, no nosso caso (SADOVSKY, 2007, p.11-12).
84
Quando Sadovsky (2007) fala em discutir o sentido da Matemática escolar,
entendemos que ela parte de um paralelo que é feito com aquele que tinha a Educação
Básica (em particular, os últimos anos do ensino fundamental e o ensino médio),
fundamentado, em linhas gerais, na transmissão de mecanismos isolados (técnicas,
“macetes” etc.) que poderiam ser úteis no momento em que o aluno se deparasse com
“questões decisivas, sérias” (por exemplo, por ocasião de um concurso seletivo). Nos
dias que atravessamos isso não mais serve de norteamento para educandos e
professores. “[...] O que era antes – ao menos no caso da Matemática – já não mais
satisfaz, não gratifica e não seduz nem os docentes, nem os alunos.” (SADOVSKY,
2007, p. 12). Disso emerge a necessidade de todos que participam do processo
educativo refletirem sobre os pontos basilares do trabalho de ensinar Matemática na
atualidade.
Constatando que, via de regra, há uma distância considerável entre as
expectativas de muitas pessoas – em especial, de profissionais da educação – quanto à
valiosa função da escola de possibilitar o acesso do alunado ao conhecimento
sistematizado e as experiências educativas vivenciadas, essa autora registra que “[...]
Repensar a escola é, ainda, um projeto de docentes e, essencialmente didático.”
(SADOVSKY, 2007, p. 13). Tal assertiva, segundo ela, não implica em eximir o Estado
de tomar decisões políticas – em caráter de urgência – geradoras de melhorias na
educação formal e, muito menos, desconsiderar o contexto social e político no qual a
escola está inserida. Trata-se de perceber que instituir um sentido para o trabalho
docente, em qualquer disciplina, está ligado a fomentar uma prática escolar alicerçada
no trabalho intelectual de alunos e professores, visando instituir uma modalidade de
trabalho mais satisfatório e prazeroso de trabalho para todos os partícipes do processo
de ensino e aprendizagem.
3.3 O ENSINO DE MATEMÁTICA: GEOMETRIA
Não sendo nossa pretensão analisar com profundidade a contribuição que o
ensino de Geometria pode dar à formação do aluno – dependo, obviamente, do modo
que é trabalhada –, e sim fazer um estudo, em grandes linhas, do desenvolvimento do
ensino da Matemática e, em particular, o da Geometria, levando em conta as mudanças
que efetivaram na sociedade e na educação nos séculos XIX e XX.
Ao nos debruçarmos sobre a história da Matemática no derradeiro século
da Idade Moderna, evidenciamos que tanto para o desenvolvimento da Matemática
85
quanto para o seu ensino é de extrema importância a criação, na segunda metade do
século XVIII, das escolas e academias militares e a fundação da Escola Politécnica de
Paris. Nesta escola tanto a pesquisa quanto o ensino são enfatizados e a ela estão ligados
vários dos grandes matemáticos franceses. É o caso de Gaspard Monge e Jean-Victor
Poncelet.
Em decorrência da Revolução Industrial são estabelecidas excelentes
condições para o desenvolvimento da Matemática na parte continental europeia, sendo
de suma importância sabermos que esta revolução teve como valiosos antecedentes a
Revolução Francesa e o período napoleônico. É na França e na Alemanha – países onde
a ruptura com o Antigo Regime e a preparação para a nova estrutura capitalista foi mais
intensa – que são constatados os maiores progressos no âmbito da Matemática.
De acordo com Pavanello (1989), neste período de ebulição cresce o
interesse pelos conhecimentos científicos e tecnológicos. Isto acarreta críticas e
discussões acerca da reformulação e modernização das instituições de ensino superior,
com destaque nos planos de estudos das várias vertentes da Matemática. Contudo, nas
escolas preparatórias, frequentadas pela elite, o ensino de Matemática goza de
pouquíssimo prestígio, muitas vezes nem mesmo sendo oferecido, restando aos
interessados em estudos matemáticos recorrerem, via de regra, à aulas particulares.
O ensino de Matemática nessas escolas é introduzido somente no início do
século XIX. Segundo Pavanello (1989), igualmente as todas as disciplinas escolares, a
Geometria é trabalhada em uma perspectiva inteiramente abstrata, sendo ensinada com
base nos textos de Euclides.
No que concerne à classe proletária – gerada pela ascensão do modo de
produção capitalista que efetivou a substituição dos ofícios pela implantação do sistema
fabril –, até o final do século XIX somente tinha acesso, grosso modo, a escola
elementar. Nela, em termos de Matemática, eram ensinados somente os processos
aritméticos (aprendizado das quatro operações fundamentais).
A dualidade do ensino proposto às elites e à massa e esta dualidade
não consiste somente na implantação de tipos diferentes de escolas
para atender as diferentes classes sociais; ela se expressa também
no objetivo com que são ministradas as várias disciplinas em cada
tipo de escola – o que se revela bastante significativo do ponto de
vista do ensino de geometria (PAVANELLO, 1989, p. 87).
86
Em relação ao estudo de Geometria, o que é observado: nas escolas para a
elite é dado ênfase aos processos dedutivos, oportunizando o desenvolvimento do
raciocínio lógico. Já nas escolas para as classes mais desfavorecidas, os princípios
geométricos são vinculados às questões práticas ligadas ao trabalho. Como já
mencionamos, este quadro não sofre nenhuma alteração substancial durante todo o
século XIX. Mas, motivada pelo desenvolvimento da indústria, emerge uma demanda
por uma melhoria na educação técnico-científica “o que implica numa maior ênfase em
relação ao ensino de Matemática, dado que esta, sob a então crescente influência do
positivismo, é vista cada vez mais como uma ferramenta para as outras ciências.”
(PAVANELLO, 1989, p. 88).
Próximo ao final do século XIX, temos o surgimento de tendências
pedagógicas que lançam críticas à escola e à educação tradicionais. Tais tendências
recebem a denominação de Escola Nova. Os escolanovistas (ou renovadores) lançam a
proposta de uma educação que, por exemplo, considere a evolução natural da criança e
estimule o desenvolvimento do espírito dos alunos, dentre outros preceitos.
A pedagogia da Escola Nova tem como cerne “[...] o conhecimento da
psicologia infantil e da psicologia da idade evolutiva, tanto da criança individual como
da infância e da adolescência em geral, como idade que tem em si suas leis e sua razão
de ser” (MANACORDA, 2006, p. 305).
Apesar das ideias da “educação nova” tenha dado relevo a importância da
mudança nas metodologias aplicadas ao ensino, provocou pequena alteração no que
tange ao ensino de Matemática e, em particular, ao da Geometria.
O período de escolarização obrigatória tem sua duração aumentada, a partir
do século XX, nos países em que os avanços tecnológicos demandam uma melhor
preparação de crianças e jovens para sua futura inserção no mercado de trabalho.
Notadamente, posteriormente à Segunda Guerra Mundial em uma grande parcela de
países o ensino secundário gratuito já é uma realidade, emergindo daí a necessidade de
expansão do ensino superior.
Questionamentos acerca do ensino de Matemática são verificados ao longo
das últimas décadas, todavia no início dos anos 1950 às críticas ao ensino de
Matemática tornam-se mais contundentes.
87
Muitos grupos estadunidenses – cabendo o pioneirismo à Comissão de
Matemática Escolar da Universidade de Illinois, grupo formado em 1952 – dedicaram-
se no transcurso dos anos 1950 à criação de novos currículos de matemática (tanto para
escola secundária quanto para escola elementar).
Um ponto basilar da reforma curricular é a substituição de conteúdos
tradicionais (desenvolvidos antes do século XVIII) por tópicos pertencentes aos novos
campos da Matemática (Álgebra Abstrata e Topologia, por exemplo). “A ênfase no
novo (conteúdo e abordagem) faz com o movimento fique conhecido como ‘matemática
moderna’.” (PAVANELLO, 1989, p. 94).
O Movimento da Matemática Moderna (MMM) não se restringe aos EUA.
De acordo com um relato de Kline (1976), durante um encontro internacional na França,
em 1959, a recomendação foi que os tópicos tradicionais da escola secundária fossem
abandonados, inclusive a Geometria, e que os novos tópicos devem ser ensinados em
uma nova linguagem: a da teoria dos conjuntos.
Concordava-se geralmente no princípio da década de 1950 e mesmo antes
dessa data que o ensino de matemática malograra. As notas dos estudantes
em matemática eram muito mais baixas que em outras matérias. A aversão e
até mesmo o pavor do estudante pela matemática eram generalizadas.
Adultos instruídos quase nada retinham da matéria que lhes fora ensinada
(...). De fato, essas pessoas não hesitavam dizer que nada obtiveram de seus
cursos de matemática. (KLINE, 1976, p. 32).
No outono de 1957, os russos lançaram seu primeiro Sputnik. Este
acontecimento convenceu o governo norte-americano e o país de que
deviam estar atrás dos russos em matemática e ciências, e teve o efeito de
afrouxar os cordéis das bolsas das agências governamentais e funções.
Talvez seja coincidência, mas nessa ocasião muitos outros grupos decidiram
entrar no negócio de criar um novo currículo. (KLEIN, 1976, p. 33).
Quanto à geometria, seu estudo é reduzido justamente no momento em que
a escola secundária se democratiza [décadas de 1950-1960] e privilegia-se,
em seu lugar, a álgebra e a aritmética. Procura-se justificar essa nova
orientação do ensino, como o fazem os autores de um manual de ensino
(francês) “não somente pelo campo de aplicação sempre mais vasto da
aritmética à física, à química, à biologia, mas sobretudo pelo valor cultural
do estudo do número em si mesmo”. (NOT, 1981, p. 305-306 apud
PAVANELLO, 1989, p. 95).
88
Diante do tom enfático da expressão “estudo do número por si mesmo”,
achamos totalmente pertinente nos reportamos o registro feito por Pontes (2009) ao
destacar que ao longo da história da Matemática, ela tem sido, em linhas gerais,
classificada em Matemática Pura e Aplicada, porém ao revisitar as tendências de ensino
da Matemática, em congressos, conferências e comissões internacionais, no período de
1966 a 1984, D’Ambrosio (2009) promoveu uma reclassificação. Segundo esse autor,
há dois enfoques contemporâneos da Matemática: internalista e externalista.
A visão internalista assemelha-se à Matemática Pura. Nessa abordagem, o
âmbito considerado é o da própria Matemática, ou seja, não recorre à reflexão sobre
fatos do cotidiano, revelando-se “[...] desligada da vida, das coisas que nos rodeiam, das
coisas que os homens fazem.” (CARVALHO, 1988, p. 17 apud PONTES, 2003, p. 56).
Em posição oposta temos a visão externalista. Nela, a Matemática é usada como meio,
não visando um fim em si mesma, e sim oportunizando o estabelecimento de vínculos
com o mundo tangível. “[...] podendo-se dizer que é uma Matemática a serviço da
compreensão do mundo.” (PONTES, 2009, p. 59).
Retomando ao MMM, argumentava-se que pelo enfoque tradicional, os
problemas desse ensino estavam ligados “ao conhecimento do professor, aos métodos
utilizados, ou ainda às dificuldades de se estabelecer uma ponte entre a Geometria
prática preconizada para a escola elementar e a abordagem axiomática introduzida na
secundária.” (PAVANELLO, 1989, p. 95). Constata-se que os problemas como o ensino
de Geometria aumentavam quando ela era trabalhada segundo a abordagem sugerida
pelo MMM (transformações algébricas e teoria dos conjuntos). Reconhecidamente, até
pelos próprios defensores da Matemática Moderna, que os tópicos abordados não eram
dominados pela esmagadora maioria dos professores em ação docente. Tudo isto teve
uma implicação bastante nefasta: a Geometria, via de regra, não seria ensinada sob
nenhum enfoque nas décadas seguintes.
Sob o olhar de Pavanello (1989), enfatizar a Álgebra, tendência
predominante no MMM, em detrimento da Geometria fez emergir um questão de
caráter essencialmente político.
Se o trabalho, na álgebra, pode conduzir, de fato, à execução de operações
mecanicamente – dado que as transformações algébricas são determinadas
unicamente por um sistema de leis formais que dizem o que é ou não
autorizado –, enquanto o realizado na geometria pode conduzir à análise de
fatos e de relações, estabelecendo ligações entre eles e deduzindo, a partir
89
Para a indagação acima, com certeza, não é do interesse do aluno pela
seguinte razão: se o ensino de Geometria não lhe é ofertado, então não é dada a ele a
possibilidade de desenvolver outros processos de pensamento. Assim, a questão de
ensinar-se ou não Geometria não deve ser visto somente como de cunho pedagógico,
mas também como um ato político, pois “está relacionada com a possibilidade de
proporcionar, ou não, iguais oportunidades – e condições – de acesso a esse ramo do
conhecimento.” (PAVANELLO, 1989, p. 98).
Os por quês determinantes do direcionamento das pesquisas em um ramo
qualquer do conhecimento (incluindo, a Matemática e a educação) geralmente não estão
atrelados às demandas do próprio desenvolvimento deste campo de estudo. As
instituições científicas não dependem somente, como ressalta Carvalho (1989 apud
PAVANELLO, 1989), da “boa vontade” dos elementos que as integram e são
extremamente dependentes das forças econômicas, sociais e políticas que as controlam e
financiam. Assim, são as fontes de financiamento que na maioria dos casos norteiam as
pesquisas. Desse modo, o trinômio citado anteriormente, expansão da escola secundária
– ensino quase inexistente de Geometria – com grande destaque para a Álgebra, é
melhor compreendido. Uma constatação importante é que nas escolas ou cursos que
atendem as elites, a Geometria sempre foi ensinada, através de uma abordagem
tradicional ou não.
Contudo, é perceptível que o número de trabalhos acadêmicos ligados ao
ensino de Geometria está em alta. Uma resposta que consideramos plausível está
associada ao progressivo crescimento do ensino superior. Mediante esse contexto, o
Ensino Médio não corresponde mais a última etapa escolar na vida de muitas pessoas,
adquirindo o status de escola “preparatória”. Entendemos que o ensino de Geometria
pode contribuir fortemente nesta empreitada enfrentada por todos que militam na escola
pública.
Nosso próximo passo é analisar a evolução do ensino da Geometria em
nosso país tendo como pano de fundo o seu desenvolvimento nos âmbitos político,
social e econômico no fluxo do século XX.
daí, novos fatos e novas relações, a pergunta que se apresenta é: a quem
interessa um indivíduo acostumado a operar sem questionamento sobre
regras pré-estabelecidas, a quem basta saber que se pode fazer isto e não
aquilo, sem questionar o que faz? (NOT, 1981, p. 312 apud PAVANELLO,
1989, p. 97-98).
90
3.4 O CASO DA GEOMETRIA NO ENSINO DE MATEMÁTICA NO BRASIL
Nossa análise incidirá sobre o ensino de Matemática e, particularmente, o de
Geometria nas escolas brasileiras e a relação dele com o processo de industrialização
desenvolvido no Brasil.
Brasil do início do século XX: na escola primária, que contemplava um
baixo percentual da população, o conteúdo trabalhado de Matemática estava voltado
para a aprendizagem das técnicas operatórias e o estudo de Geometria tinha um caráter
também pragmático. Quanto ao nível secundário, a escola de referência era o Colégio
Pedro II (Rio de Janeiro). Ele e alguns estabelecimentos mantidos pelos governos
estaduais (por exemplo, o Colégio Liceu do Ceará) eram gratuitos e suas poucas vagas
eram preenchidas mediante um rigoroso processo seletivo. Essas escolas eram à
exceção, pois quase a totalidade das instituições que ofereciam ensino secundário eram
estabelecimentos particulares, logo destinados às elites.
Com a duração de seis anos, tinha a função exclusiva de preparar os alunos
para o ensino superior, cuja preferência maior era os cursos jurídicos, visando cargos
importantes no governo. A Escola Militar e a Escola Politécnica de São Paulo, sob
influência positivista, contribuíram de algum modo para o desenvolvimento e o ensino
da Matemática. A Geometria, assim como os demais ramos da Matemática, recebia na
escola secundária, semelhantes às escolas da Europa, um tratamento puramente abstrato.
Pela não existência de instituições formadoras de professores secundários –
criadas somente na década de 1930 – os docentes de todas as disciplinas são “quase
todos autodidatas ou recrutados, como no Império, nos quadros das profissões liberais.”
(AZEVEDO, 1976, p. 135 apud PAVANELLO, 1989, p. 150). Engenheiros civis ou
militares, em número reduzido, atuavam como professores de Matemática. Logo, por
razões óbvias, eles não tinham formalmente nenhuma proximidade com a área
pedagógica.
Tendo como referência o modelo estabelecido no Estatuto das
Universidades Brasileiras (reforma Francisco Campos), temos, em 1934, a fundação da
Universidade de São Paulo. Nela é promovido, dentre outros cursos, o de Matemática
para o magistério secundário. Para o seu corpo docente são contratados os professores
italianos Luigi Fantappié e Giacomo Albanese.
Conforme Pavanello (1989), apesar de ao longo da década de 1930 terem
surgidas várias outras faculdades com este fim, a quantidade de professores
secundaristas formados, com base na realidade do estado de São Paulo, não satisfaz a
91
demanda por conta da grande expansão da rede pública que, em grande parte, é devida
ao crescimento do polo industrial paulista.
A reforma Francisco Campos (1931), ao tratar da organização do ensino
secundário, procura transformá-lo em um curso predominantemente educativo. Com
este desiderato, dividi-o em dois ciclos: curso fundamental (com duração de 5 anos) é o
primeiro ciclo. Seu objetivo é a formação do homem para todos os grandes setores da
atividade nacional. O segundo, visando a adaptação às futuras especializações
profissionais, temos o curso complementar (2 anos). Pavanello (1989) pontua que a
partir dessa reforma torna-se obrigatório que os vestibulandos, candidatos aos cursos
superiores, comprovem terem estudado em um colégio de ensino secundário.
Tal reforma estabelece os conteúdos e sugere instruções pedagógicas às
diversas disciplinas. Na tentativa de estabelecer conexões entre os três ramos da
Matemática, determina que esta disciplina seja assumida, na mesma série, por um único
professor. No texto das instruções pedagógicas é facilmente percebido, segundo Bicudo
(1942 apud PAVANELLO, 1989), a influência da Escola Nova, quando enfatiza que o
professor deve estar atento tanto ao grau de desenvolvimento mental do aluno quanto
aos seus interesses nos tópicos que apresenta maior inclinação e que o ensino se
processe através da atividade constante do aluno, fazendo-o descobridor e não receptor
passivo de conhecimentos.
Ainda inserido nessa reforma temos a orientação de um curso propedêutico
de Geometria. De acordo com Pavanello (1989), a proposta é que a aquisição de
conhecimentos geométricos seja iniciada pelas explorações intuitivas, por meio de
atividades experimentais, e que, de modo progressivo, evolua até atingir uma
sistematização. Em outras palavras, a ação professoral no ensino de Geometria deve ser
desenvolvida objetivando que os alunos efetuem a passagem do estudo intuitivo para o
sistemático (estudo dedutivo).
Gustavo Capanema, no comando do Ministério da Educação, promove, em
1942, uma reforma que reestrutura o ensino secundário. Esse nível de estudo permanece
com dois ciclos: o primeiro ciclo corresponde ao curso ginasial, com duração de quatro
anos, e o segundo ciclo, com três anos de duração, é fracionado em clássico e científico.
A Geometria é abordada em todo o curso ginasial e com bastante ênfase (sem nenhuma
surpresa) no curso científico.
Pavanello (1989) destaca que na Exposição de Motivos da Lei Orgânica do
Ensino Secundário, contida na reforma Capanema, nota-se que a concepção dos
92
processos de ensino e de aprendizagem na reforma Capanema (igualmente à Francisco
Campos) sofre influência do movimento escolanovista. Vejamos este fragmento:
Em nosso país, na fase inicial da década de 1960, temos a geração de uma
grande quantidade de empregos em decorrência do desenvolvimento econômico à
época. Isto vai repercutir na esfera educacional e, de forma especial, no ensino de
Matemática no ensino secundário. Em conformidade com a LDBEN de 1961, nas três
primeiras séries do curso ginasial o ensino de Matemática será fundamentalmente de
natureza instrumental (em Geometria: desenvolver a intuição) e na 4ª. série, Geometria
dedutiva. No ciclo dois, não desprezando seu caráter utilitarista, busca estabelecer
relações entre a Matemática e as demais disciplinas, prioritariamente com as Ciências
Naturais.
No transcurso dos anos 1960, perdurando pela década de 1970, o
Movimento da Matemática Moderna (MMM) vai ter grande penetração no Brasil. Sob
sua influência são lançados os primeiros livros didáticos (para o curso ginasial foram de
autoria de Osvaldo Sangiorgi) e formados grupos de estudo para o ensino de
Matemática.
Sobre as influências francesa e estadunidense no MMM em nosso país:
No ensino científico [...] falhará sempre irremediavelmente o
processo do erudito monologar docente, [...] os alunos terão que
discutir e verificar, terão que ver e fazer. Entre eles e o professor é
necessário estabelecer um regime de cooperação no trabalho,
trabalho que deverá estar cheio de vida e que seja sempre, segundo o
preceito deweyano, uma “reconstrução da experiência”.
(PAVANELO, 1989, p. 158).
A influência predominante na introdução da Matemática Moderna no
Brasil foi a francesa, como consequência dos cursos ministrados na
Universidade (na de São Paulo, especialmente) por matemáticos franceses,
nas décadas de 1940 e 1950. Dentre eles figurava Dieudonné e outros ex-
integrantes do grupo Bourbaki. Assim, quando Dieudonné se lança em
defesa da Matemática Moderna, é seguido pelos professores universitários
brasileiros, que disseminam estas idéias entre os professores secundários.
A influência americana começa a se fazer sentir a partir da tradução,
para o português, dos trabalhos do SMSG (School Mathematics Study
Group), predominando, então, por algum tempo.
A seguir, verifica-se nova influência francesa, quando são divulgados os
trabalhos de outros grupos de educadores franceses. (PAVANELLO, 1989,
p. 162).
93
Retomando uma informação já exposta nesse trabalho, a ideia central do
MMM é adaptar os conteúdos matemáticos às novas concepções oriundas da sua
própria evolução, implicando em trabalhar a Matemática sob uma abordagem de
estruturas. Isto direciona a utilização da linguagem simbólica da teoria dos conjuntos e
das transformações algébricas ao ensino da Matemática. No que tange à Aritmética e à
Álgebra essa orientação é concretizada facilmente. No campo da Geometria o caso é
bem diferente.
Na tentativa de manter a coerência do MMM, a proposta era ensinar
Geometria do ponto de vista das estruturas, ou seja, sob o enfoque das transformações
algébricas. Como a grande maioria dos professores secundários não dominava tal
assunto, essa orientação não foi seguida. Na verdade, um grande contingente de
professores do primeiro e segundo graus (nomenclatura decorrente da reformulação da
educação elementar e secundária pela LDB de 1971) deixou de ensinar Geometria sob
qualquer abordagem. Assim, os professores passaram a trabalhar quase que
exclusivamente a Álgebra e que de certo modo está alinhada com a ênfase dada pelo
MMM a esse segmento da Matemática.
Neste contexto, a maioria dos alunos conclui as quatro primeiras séries do
primeiro grau sem ter contato com a Geometria escolar. Também é fácil evidenciar que
nas quatro séries derradeiras desse nível de ensino o estudo de Geometria era bastante
comprometido pois como, via de regra, os capítulos dedicados à Geometria eram os
últimos do livro-didático, os professores alegavam que “nada dava tempo” atingi-los.
Assim, o estudo de Geometria passa a ser feito, quando o é, apenas no segundo grau.
Este é o panorama do nosso setor educacional quando a escola pública sofre
expansão no Brasil no sentido que o número de escolas mantidas pelo governo e de
alunos que nelas estudam dá um salto quantitativo. Aos professores se impõe a seguinte
realidade: lidar com uma população maior de alunos sob novas e, quase sempre, piores
condições de trabalho e de remuneração, além de ser pressionado pelo Estado ao
lembrar-lhes o custo aluno por ano em uma escola.
Começa, assim, um processo de deterioração – física e cognitiva – da
escola pública, que passa a ser frequentada, agora, pelas camadas menos
favorecidas da população, enquanto que as camadas mais privilegiadas vão
para as escolas particulares. Nestas ainda ocorre o ensino de geometria, em
que pesem as diferentes orientações e a influências dos livros didáticos –
nos quais a álgebra continua sendo realçada, pelo simples fato de se
apresentar a geometria sempre ao final das publicações. (PAVANELLO,
1989, p. 165).
94
Não esquecendo que estamos nos referindo aos anos 1970, com ditadura
militar em pleno vigor, Pavanello (1989) fala que nas academias militares, o estudo da
Geometria e das matérias que com ela tem afinidade (Desenho Geométrico, por
exemplo) permanece sendo enfatizado.
Partindo do princípio que a situação descrita é verdadeira, não são poucos os
obstáculos a serem superados por parte de todos aqueles que são comprometidos com o
processo de ensino e aprendizagem. Mediante um quadro onde o conhecimento de
Geometria dos alunos é praticamente nulo e cientes da contribuição dada pelo ensino de
Geometria no âmbito da educação formal, devemos colocá-lo no rol de prioridades para
uma educação de boa qualidade.
A bem da verdade, de alguns anos para cá, nas palavras de Lorenzato
(2012), em locais diferentes do Brasil, o ensino de Geometria está passando por uma
oxigenação, tendo uma (re)ativação em consequência de iniciativas pontuais de grupos
de professores. Todavia, a pauta de questões a serem discutidas engloba perguntas tais
como:
Assim, conforme esse autor, renovar ou ressurgir o ensino de Geometria é
uma questão que extrapola os aspectos epistemológicos ou didático-pedagógico. Por
envolver Universidades e Secretarias de Educação é questão também social. E mais,
também trata-se de uma questão de cunho político-administrativo, “pois o professor,
sendo aquele que deve exercer uma função de vital importância nos processos de
transformação educacional, com sua atual remuneração não terá muitas condições para
efetuar mudanças, a não ser de profissão.” (LORENZATO, 2012, p. 29).
O programa de geometria que consta de propostas curriculares e de livros
didáticos contém o mínimo necessário para nossa atualidade? Onde deve
ser colocado o ponto de equilíbrio dinâmico entre o intuitivo e o dedutivo,
o concreto e o abstrato, o experimental e o textual, tendo em vista uma
aprendizagem significativa da geometria? Como tornar presente o estudo
da geometria nos cursos de formação de professores? Como ampliar a produção de publicações para professores e para alunos sobre resolução de
problemas, história, recursos didáticos, curiosidades, quebra-cabeças,
sofismas, ilusões de ótica e jogos direcionados para o ensino de geometria?
Onde devem ser focalizadas as pesquisas sobre o ensino da geometria?
Como investir fortemente na formação geométrica do professor em
exercício? (LORENZATO, 2012, p. 28-29).
95
3.5 GEOMETRIA: POR QUE ENSINÁ-LA?
Sob nosso ponto de vista, não há espaço para dúvida quando afirmamos que
um dos grandes objetivos da Matemática escolar deve ser contribuir na tomada de
consciência por parte do aluno da relevância de adquirir conhecimentos geométricos,
levando-o a uma melhor compreensão da sociedade no qual está inserido. Ademais,
perceber a utilização da Geometria nos mais diversos contextos que vivencia e, com
isso, ter uma leitura de mundo construída a partir de um olhar mais reflexivo e crítico,
em conformidade com a sugestão presente em Brasil (1998).
De acordo com Mendes (2006 apud ALMEIDA, 2011), com a passagem do
homem da condição de nômade para a de fixar-se na terra, temos o advento da
Matemática como um todo e, em especial, da Geometria. Nesse novo modo de vida,
surgiu a necessidade de um melhor aproveitamento do solo ocupado, visando a
plantação, comercialização e armazenamento do excedente da produção. Com
“endereço” fixo, o homem construiu moradias estruturadas e passou a fazer observações
dos movimentos das estrelas com o intuito de planejar plantações, colheitas e festas
religiosas. Esses fatores elencados, dentre outros, favoreceram a evolução da Geometria.
No quadro dos atuais desafios da Educação Matemática consta que o ensino
de Matemática, inclusive o de Geometria, aconteça de modo contextualizado. Com a
mesma orientação, Brasil (1998) reforça a necessidade do aluno ter um olhar que
desvele o valor da Geometria em situações do seu mundo vivencial (nas artes, nas
formas da natureza e nas construções feitas pelo homem). Isso está explicitado quando
afirmam que o aluno desenvolve um “tipo especial de pensamento que lhe permite
compreender, descrever e representar, de forma organizada, o mundo em que vive.”
(BRASIL, 1998, p. 75).
Tomando como referência o nosso país, o problema do ensino de Geometria
emerge e ganha corpo ao passo que um número cada vez maior de alunos das classes
sociais mais carentes passam a frequentar a escola de nível médio, ou seja, a partir dos
anos 1960. Nesse quadro, a Geometria é praticamente retirada do currículo escolar ou,
em casos específicos, seu ensino acontece a partir de uma abordagem extremamente
formal, reflexo da introdução da Matemática Moderna.
Somente esta constatação bastaria para suscitar questionamentos sobre a
contribuição da geometria para a formação dos indivíduos; no entanto,
outros fatores vieram reafirmar essa necessidade: verifica-se, por exemplo,
a pouca capacidade de percepção espacial de grande número de alunos (e
de pessoas, em geral), requerida no exercício ou compreensão de múltiplas
e variadas atividades profissionais. (PAVANELLO, 1989, p. 180-181).
96
Por outra vertente, enfocamos que o entendimento efetivo de Geometria
contribui de modo substancial no decorrer da trajetória acadêmica de quem trilha
caminhos ligados à Matemática Superior (sua desenvoltura na compreensão de
conteúdos ligados ao cálculo diferencial e integral, à guisa de exemplo) ou até mesmo
para solucionar questões de caráter estritamente pragmático (determinação da
capacidade de armazenamento de uma caixa-d’água, por exemplo).
Isso posto, cremos não haver discordância quanto ao fato que excluir do
currículo ou dar um tratamento inadequado à Geometria “podem causar sérios prejuízos
à formação dos indivíduos” (PAVANELLO, 1989, p. 181).
Não obstante a nossa atenção está voltada para o ensino de Geometria, não
corresponde à verdade que ressaltamos a Geometria em detrimento do papel da Álgebra.
Pavanello (1989) destaca que ambas são essenciais à Educação Matemática e, portanto,
devemos incentivar o desenvolvimento tanto do pensamento visual quanto do
sequencial, preponderantes na Geometria e na Álgebra, nesta ordem.
Em nossa experiência como professor em exercício da Educação Básica
constatamos que ainda hoje há priorização do ensino da Álgebra. Isso, “acabou por
desenvolver somente um tipo de pensamento. É necessário, portanto, restabelecer o
equilíbrio, retomando-se o ensino da Geometria” (PAVANELLO, 1989, p. 182).
É fundamental termos em mente que a possível grande contribuição a ser
dada pela Geometria escolar, desde que trabalhada de modo adequado, para a formação
do aluno, vai além do desenvolvimento da percepção espacial.
Assim, a importância da Geometria reside no fato do seu estudo desenvolver
habilidades específicas de raciocinar, contribuindo para a formação das pessoas. Em
outras palavras, “[...] ser bom conhecedor de Aritmética ou de Álgebra não é suficiente
para resolver problemas de geometria” (LORENZATO, 2012, p. 29).
Sob qualquer abordagem, a Geometria mostra-se um tema de extremamente
fecundo. “Nenhum assunto presta-se mais à explicitação da impregnação entre a
A geometria apresenta-se como um campo profícuo para o
desenvolvimento da “capacidade de abstrair, generalizar, projetar,
transcender o que é imediatamente sensível” – que é um dos objetivos da
matemática – oferecendo condições para que níveis sucessivos de
abstração possam ser alcançados. (PAVANELLO, 1989, p. 182).
97
Matemática e a Língua Materna bem como a uma estruturação compatível da ação
docente do que a Geometria.” (MACHADO, 1990, p. 137).
Ademais, é possível que o aluno ao participar do processo de ensino e
aprendizagem envolvendo Geometria, desenvolva um tipo peculiar de pensamento.
“Ela permite o desenvolvimento da ‘arte da especulação’ traduzida na questão ‘o que
aconteceria se ...’ , que expressa o estilo hipotético-dedutivo do pensamento
geométrico.” (WHEELER, 1981, p. 352 apud PAVANELLO, 1989, p. 183). A marca
desse tipo particular de pensamento é a busca por novas situações, formulação de
indagações decorrentes dos choques visuais provocados por figuras geométricas..
Sob outro prisma, temos a defesa do ensino de Geometria através do
seguinte argumento:
Pavanello (1989) destaca que tais argumentos expostos por educadores
matemáticos não dão conta de toda a discussão envolvendo o valor educacional do
ensino de Geometria, mas têm o mérito de apontarem para futuras pesquisas e para
caminhos a serem palmilhados no tocante à escolha dos conteúdos e ao trabalho mais
apropriados ao desenvolvimento de determinadas capacidades no aluno com vistas à sua
formação integral.
3.5.1 Geometria escolar: uma abordagem histórico-epistemológica
Alinhando-nos com o pensamento de Mendes (2006 apud ALMEIDA,
2011) e de outros autores, defendemos a ideia que os processos de ensino e de
aprendizagem de Geometria tendem a ser melhores quando o professor desenvolve sua
ação docente levando em conta tanto a visão histórico–epistemológica quanto as
conexões que a Geometria mantém com a Álgebra e a Aritmética e também procura
estabelecer ligações entre os conteúdos geométricos ministrados e o cotidiano do aluno.
Referente ao olhar histórico, Eves (1992) e Pavanello (1989) afirmam que é
fundamental o professor ter clareza da relação existente entre os problemas enfrentados
[...] a geometria é um intermediário natural e possivelmente insubstituível
entre a língua e o formalismo matemático, no qual cada objeto é reduzido a
um símbolo e o grupo de equivalências é reduzido à identidade do símbolo
escrito consigo mesmo. Deste ponto de vista, o estágio do pensamento
geométrico pode ser um estágio impossível de omitir no desenvolvimento
normal da atividade racional do homem. (THOM, 1971, p. 698 apud
PAVANELLO, 1989, p. 183).
98
pela humanidade e a origem da Geometria, assim como da sua progressão, destacando
que durante seu desenvolvimento este segmento da Matemática se mostrou dicotômico:
a Geometria deve ter um caráter prático ou teórico?
Nesta visão macroscópica, citamos que Eves (1992) denominou a
Geometria pré-histórica de Geometria subsconsciente pois, grosso modo, foi restrita à
noções de distância, forma, verticalidade e paralelismo. Considera-se que o homem
primitivo concebeu as ideias de curvas, superfícies e sólidos a partir de observações do
seu cotidiano, (por exemplo: contorno do Sol e da Lua, trajetória descrita por uma
pedra arremessada, troncos de árvores, frutas e muros de pedra). Na Antiguidade,
egípcios e babilônios e, provavelmente, hindus e chineses, usavam conhecimentos
geométricos de forma pragmática. A título de exemplo, Eves (1992) e Pavanello (1989)
pontuam que provavelmente o surgimento das noções de figuras geométricas e dos
conceitos de área e de perímetro estão relacionados a necessidade prática de demarcação
de terras após as inundações do rio Nilo, no Egito.
Por seu lado, os gregos criavam e desenvolviam a Geometria demonstrativa,
pois advogavam a ideia que a Geometria deveria estar a serviço do aprimoramento
intelectual. Com os gregos passamos a ter uma Geometria de caráter teórico, axiomático
e dedutivo. Pontuamos que
Em Os Elementos, Euclides de Alexandria (século III a.C.) estabeleceu um
sistema lógico-dedutivo fundamentado em axiomas (axioma é um fato matemático que
contém evidência em si próprio e por isso não precisa ser demonstrado) e postulados
(premissas básicas aceitas como verdadeiras), usados para a provar os teoremas
(afirmação matemática não óbvia mas passível de uma demonstração sustentada por
axiomas, postulados e definições). A influência do trabalho de Euclides foi tão forte que
o conjunto de conhecimentos geométricos por ele compilado recebeu o nome de
Geometria Euclidiana.
Com o advento da Idade Média, em meados do século XV, um problema é
posto na ordem do dia para pintores e arquitetos renascentistas: como melhor
representar e analisar objetos tridimensionais em perspectiva, ou seja, por meio de suas
Euclides produziu uma obra memorável, os Elementos, uma cadeia
dedutiva única de 465 proposições compreendendo de maneira clara e
harmoniosa geometria plana e espacial, a teoria dos números e a álgebra
geométrica grega. (EVES, 1992, p. 9).
99
projeções em uma tela (espaço bidimensional)? Na busca pela solução desse problema
temos o estabelecimento e o desenvolvimento da Geometria Projetiva. Paralelo à
progressão da Geometria Projetiva temos o surgimento das ideias da moderna
Geometria Analítica. Eves (1992) salienta que existe uma diferença fundamental entre
as Geometrias Projetiva e Analítica, enquanto a primeira é um ramo da Geometria, a
segunda é um método de solucionar problemas de Geometria usando a Álgebra.
Por conta do sistema axiomático da Geometria Euclidiana ser satisfatório
somente em superfícies planas, temos no século XIX a emersão de novas geometrias,
aplicáveis a espaços curvos. É o caso da Geometria Esférica (relevante em situações que
envolvem grandes deslocamentos na superfície da Terra, por exemplo) e da Geometria
Hiperbólica (usada no âmbito da Teoria Geral da Relatividade, teoria gravitacional
publicada por Albert Einstein em 1915).
No campo epistemológico, nós, professores, devemos buscar entender o
processo de construção do conhecimento geométrico. Conforme Pais (2000), a
construção de saberes geométricos ocorrerá com maior dificuldade ou até mesmo não se
efetivará se a prática educativa seguir, exclusivamente, ou a tendência epistemológica
racionalista ou a empirista.
A visão racionalista, na sua vertente mais radical, defende que a razão é a
fonte exclusiva de conhecimento. Em outras palavras, a aquisição de conhecimento é
decorrente da razão operando por si mesma, não havendo necessidade da realização de
qualquer tipo de experiência sensível, que é controlada pela razão. Na visão empirista,
em sua concepção fundamental, o conhecimento é oriundo das atividades experimentais
que estimulam nossos sentidos. Assim, para os empiristas, os conhecimentos são
adquiridos, exclusivamente, por meio de experiências sensíveis, que controlam a razão.
Levando isso consideração, esse autor enfatiza que
Nas atividades de ensino da geometria, envolvendo o uso de materiais, é
preciso estar duplamente vigilante para que toda informação proveniente
de uma manipulação esteja em sintonia com algum pressuposto racional e,
ao mesmo tempo, que todo argumento dedutivo esteja associado a alguma
dimensão experimental. Acreditamos que este é o primeiro passo para
valorizar uma interpretação dialética para o uso dos materiais didáticos.
Evitar uma racionalidade vazia desprovida de significado, assim como,
evitar toda espécie de atividade empírica desconexa de um objetivo
educacional previamente analisado [...] (PAIS, 2000, p. 13-14).
100
No âmbito das tendências epistemológicas, Hessen (1980 apud PAIS, 2000)
faz referência ao intelectualismo e ao apriorismo. Conforme esse autor, essas correntes
de pensamento são tentativas de harmonização entre as posições extremas do
racionalismo e do empirismo. Em linhas gerais, para o intelectualismo “[...] A atividade
experimental seria a fonte do conteúdo do conhecimento enquanto que a razão daria
apenas sua forma final.” (PAIS, 2000, p. 11). Em outras palavras, os conceitos
formulados pela razão representariam o sentido último do conhecimento, onde este tem
origem e é buscado na experiência. Pais (2000) acrescenta que os conceitos dependem
da intuição, que pode ser de dois tipos: uma motivada pela experiência (intuição
sensível) e a outra, animada pela razão (intuição racional). A síntese das intuições
sensível e racional é o que definimos como o conceito.
Com relação ao apriorismo, “[...] o conhecimento apresenta elementos a
priori independentes da experiência [...] que só se justifica [o conhecimento] quanto à
forma originada na razão mas o conteúdo receberia influência decisiva da experiência.”
(PAIS, 2000, p. 12). Esse autor destaca o seguinte princípio do apriorismo: conceitos
não embasados na intuição mostram-se vazios, do mesmo modo que a intuição sem
clareza conceitual perde sua força. Achamos não haver espaço para dúvidas que essa
postura epistemológica deixa patente a pertinência de um eterno diálogo entre a razão e
a experiência com a constante mediação da intuição.
Na esfera da epistemologia da Geometria, Pais (1996) anuncia que há quatro
elementos que têm uma presença efetiva nos processos de ensino e de aprendizagem da
Geometria, quais sejam: objeto, desenho, imagem mental e conceito. Nesse sentido, o
autor em pauta alerta quanto à importância do uso de desenhos, de objetos materiais –
isto é, de materiais didáticos manipuláveis –, e das imagens mentais como recursos
didáticos de grande valia, tanto no processo de construção quanto nas formas de
representação dos conceitos geométricos bi e tridimensionais.
Ao refletir sobre pesquisas realizadas com alunos dos anos finais do Ensino
Fundamental II (na época, séries finais do primeiro grau), Pais (1996) reconheceu uma
possível correlação dos elementos mencionados anteriormente com os aspectos (ou
formas) fundamentais de conhecimento geométrico, o intuitivo, o experimental e o
teórico, distinguidos por Gonseth (1945 apud PAIS, 1996), ao desenvolver uma análise
epistemológica da Geometria.
101
A construção teórica dos conceitos geométricos é percebida como um
processo que, em função de sua complexidade, se efetiva gradativamente. Neste sentido,
esse autor salienta que os modos de representação mais simples dos conceitos
geométricos são o objeto e o desenho. Didaticamente, o objeto é o primeiro modo de
representação do conceito e corresponde, por assim dizer, uma ideia geométrica
materializada. Pais (1996) salienta que o objeto desempenha o importante papel de
auxiliar na formação das ideias, porém não as substitui.
Por sua vez, o desenho é uma forma de representação amplamente usada no
ensino e na aprendizagem da Geometria e é mais complexa do que a primeira por
requerer do aluno uma interpretação de seu significado. Esse autor nos diz, ratificando o
que presenciamos como professor do Ensino Médio, que os desenhos de figuras
tridimensionais geram grandes dificuldades nos alunos na identificação de propriedade
geométricas haja vista que os objetos originais estão projetados em um plano (na lousa
e/ou no papel) pela técnica da perspectiva.
Entre os estudos no campo da Psicologia cognitiva que conduziram a
inclusão das imagens mentais no contexto de uma epistemologia da Geometria, constam
os realizados por Denis18
(1979, 1989 apud PAIS, 1996). Em Pais (1996) temos uma
análise da associação entre essas imagens e os conceitos geométricos. Esse autor nos diz
que enquanto o objeto e o desenho são recursos didáticos de natureza concreta e
particular, as imagens mentais têm a subjetividade e a abstração como características
fundamentais. Enquanto esta característica as relacionam com os conceitos, aquela a
distancia da natureza do conhecimento formal. Todavia, enfatiza Pais (1996), que é
imprescindível a passagem pela fase subjetiva da concepção individual do educando
para a construção da objetividade
______________________________
18 Obras referidas de Michel Denis: Les Imagens Mentales (1979) e Image et Cognition (1989)
A correlação levantada entre os elementos fundamentais à aprendizagem
geométrica e a teoria epistemológica de Gonseth aponta para a necessidade
de uma utilização racional dos materiais didáticos em determinados níveis
da aprendizagem como recursos auxiliares, mas não como substitutivos à
construção de conceitos. Ao mesmo tempo em que essa utilização é
justificada, fica evidente que a marginalização do aspecto conceitual negaria
a própria essência do conhecimento geométrico. (PAIS, 1996, p. 73).
102
Com base na análise de Pais (1996, 2000), inferimos que nos processos de
ensino e de aprendizagem de Geometria, os objetos e os desenhos, em grande medida,
incentivam a formação de boas imagens mentais. Neste quadro, elas fundam o
terceiro modo de representação das noções geométricas. Esse autor prossegue
afirmando que não obstante ser uma forma de representação mais complexa, em
comparação aos objetos e desenhos, as imagens mentais possibilitam uma rapidez e
eficiência em seu uso.
No ensino da Geometria, durante o processo de conceitualização – processo
de elaboração dos conceitos geométricos ou processo de construção do conhecimento
teórico da Geometria –, o aluno pode vir a enfrentar dificuldades de aprendizagem que
se assemelham aos obstáculos constatados na própria evolução histórica do conceito. A
nosso ver, isso está relacionado à natureza geral e abstrata dos conceitos geométricos.
No curso do processo de conceitualização, o aluno faz uso, inicialmente, de objetos e
desenhos como elementos recursivos à representação dos conceitos e, na sequência,
esses conceitos serão representados por imagens mentais. Em sua análise, Pais (1996)
supõe que a barreira mais forte a ser vencida pelo aluno no início do desenvolvimento
de sua aprendizagem é a “[...] A transposição desta dupla correlação dialética,
envolvendo o particular e o geral, o concreto e o abstrato.” (PAIS, 1996, p. 71).
Conforme Pais (1996 e 2000), um adepto da linha de pensamento que
defende uma adequada e permanente intermediação da intuição no constante diálogo
entre a razão e a experiência foi o filósofo e matemático suíço Ferdinand Gonseth
(1890-1975). A obra de Gonseth, de acordo com esse autor, é uma das referências
exponenciais no campo da epistemologia da Geometria no século XX. Como foi
anteriormente citado, Gonseth (1945 apud PAIS, 1996) fez a distinção de três aspectos
(ou formas) básicas de conhecimento geométrico, quais sejam: a intuição, a experiência
e a teoria (ou razão). No entendimento de Gonseth, segundo nossa percepção, é que
para a compreensão da utilização dos materiais didáticos nos processos de ensino e de
Embora não seja fácil definir formalmente o que seja uma imagem mental,
pode-se dizer que o indivíduo tem uma dessas imagens quando ele é capaz
de enunciar, de uma forma descritiva, propriedades de um objeto ou de um
desenho na ausência desses elementos. Assim, como as noções
geométricas são idéias abstratas e, portanto, estranhas à sensibilidade
exterior do homem, a formação de imagens mentais é uma consequência
quase exclusiva do trabalho com desenhos e objetos. (PAIS, 1996, p. 70).
103
aprendizagem da Geometria é imprescindível a visão dialetizada dos três aspectos
elencados.
Encontramos em Pais (1996) uma exposição acerca das três formas de
conhecimento geométrico e sua interpendência com os elementos considerados basilares
para o ensino de Geometria. A intuição corresponde a um tipo de conhecimento direto e
diz respeito à subjetividade (dependente do cabedal de conhecimento do indivíduo) , às
nossas percepções do mundo e à racionalidade humana. Sua explicitação não requer um
raciocínio (lógica) discursivo. “Os axiomas da Geometria Euclidiana podem ser aceitos
com base nesta forma de conhecimento intuitivo. [...] axioma se define como ‘um
propriedade evidente por ele mesma’[...]” (PAIS, 1996, p. 72). Já um teorema, por
exemplo, somente é evidenciado por meio de um raciocínio matemático chamado
demonstração, mas não esqueçamos que as demonstrações estão ancoradas na admissão
de algumas noções intuitivas, sequencia Pais (1996).
Assim, proposta uma situação envolvendo a Geometria Euclidiana, se o
aluno chegar à resposta, por assim dizer, subitamente e sem lançar mão de recursos
“externos” (objetos, por exemplo), o conhecimento por ele mostrado é na forma
intuitiva. Por outro lado, se a resposta é encontrada pelo aluno por meio de um
desenho, por exemplo, temos evidenciada a forma de conhecimento experimental. No
entanto, se o aluno para resolver essa questão utiliza a demonstração sem o recurso
direto da intuição ou do desenho, fica caracterizado o aspecto teórico do conhecimento
geométrico. Pais (1996) destaca que devemos procurar entender melhor este sincretismo
(profusão de elementos envolvidos na construção dos conceitos geométriocos) e suas
implicações nos processos de ensino e de aprendizagem da Geometria.
Nesse sentido, é extremamente importante não perdemos de vista as
correlações entre as formas de conhecimento (intuitiva, experimental e teórica ou
racional) e os recursos didáticos básicos usados no ensino da Geometria (objetos
Portanto, parece ser conveniente estabelecer uma permanente estabelecer
uma permanente interpretação dialética entre a materialidade do suporte
didático com as idéias para quais volta-se a intencionalidade educativa.
Assim, o conhecimento geométrico seria formado como o resultado de
uma síntese das atividades da experimental e intuitiva coordenada pela
razão. O conhecimento sensitivo seria a princípio caótico e à razão
competiria a tarefa de ordenar esse caos. (PAIS, 2000, p. 13).
104
materiais, desenhos e imagens mentais) no decorrer do processo de construção de
saberes geométricos. Reparemos que “da mesma forma que há uma base intuitiva no
método axiomático, o apelo à experiência acaba determinando uma forte influência na
gênese das noções teóricas da geometria.” (PAIS, 1996, p. 73). Vejamos também que a
intuição e as imagens mentais guardam entre si pontos de aproximação, pois elas
“apresentam não só uma certa disponibilidade de utilização como também a propriedade
de serem essencialmente subjetivas” (PAIS, 1996, p. 73).
Nesse contexto, o autor em tela salienta que, não obstante o objeto e o
desenho por si próprios não especificarem as noções geométricas, pelo fato de serem
elementos materiais que contribuem para a construção de um conhecimento de caráter
experimental, são eles, juntamente com os fundamentos intuitivos, que tornam possível
a elaboração dos conceitos, implicando na efetivação da construção do conhecimento
teórico da Geometria.
Com o intuito de ilustrar e mostrar condensadamente as correlações entre
os elementos enfatizados como fundamentais ao ensino da Geometria e as três formas
(ou aspectos) do conhecimento geométrico, Pais (1996) elaborou o seguinte esquema:
Esquema único: Correlações entre os aspectos do conhecimento geométrico
e os elementos fundamentais ao ensino de Geometria
Fonte: Pais (1996, p. 72)
3.6 MATERIAIS DIDÁTICOS: UM DEBATE TEÓRICO
Antecipando as diversas percepções acerca dos materiais didáticos
(doravante MD), destacamos que relacionado à aprendizagem no âmbito escolar, existia
uma crença, até um intervalo de tempo relativamente próximo, que
TEORIA CONCEITO
EXPERIÊNCIA OBJETO DESENHO
ETO
INTUIÇÃO
EXPERIÊN
CIA
IMAGEM MENTAL
MENTALEXPERIÊ
NCIA
105
Assim, através de experiências pessoais exitosas, o aluno vai desenvolvendo
conhecimentos, adquirindo saberes, direcionando-se para ações autônomas. Diante de
resultados animadores, o aluno caminha para novas descobertas e energiza-se para
enfrentar desafios e vencê-los. Nos idos de 1911, Ignátiev já afirmava que “a
independência mental, a reflexão e a criatividade não podem ser metidas em nenhuma
cabeça” (REGO e REGO, 2010, p. 43).
Havendo esse entendimento sobre aprendizagem, o material didático
manipulável apresenta-se como de suma importância. De acordo com Rego e Rego
(2010), fazendo uso adequado desses MD, os alunos alargam sua visão sobre o que é,
como e para que aprender Matemática, implicando em um aprendizado de Matemática
decorrente da formação de ideias e modelos.
Ainda sobre a importância dos MD, “em diferentes momentos históricos,
constatamos que o ensino de Matemática fora concebido para acontecer primeiro com
auxílio do material didático para, depois, apresentar os conteúdos na forma abstrata.”
(ALMEIDA, 2011, p. 18).
Olhando para a história do ensino da Educação Matemática, Lorenzato
(2010), destaca que alguns teóricos, incluindo da atualidade, apresentam definições para
MD. Dentre eles, há quem advogue a utilização de MD e os que apontam críticas e
preocupações durante a abordagem didática no uso de tais materiais. Os defensores
ressaltaram a importância do apoio visual ou do visual-tátil como facilitador para a
aprendizagem, pois acreditam que o ensino deve partir do concreto para o abstrato,
tendo como justificativa que o conhecimento tem início pelos sentidos e é somente pelo
fazer que se dá a efetivação da aprendizagem.
Comenius (século XVII) escreveu que o saber começa a partir dos sentidos,
isto é, do concreto ao abstrato, do manipulável para o abstrato. O manuseio e a análise
de objetos concretos seria o ponto de largada para o ensino. Alinhado com tal
pensamento, Locke (1632-1704) afirmava que para adquirir conhecimento era
os alunos aprendiam de igual maneira, acumulando informações e regras.
Sabemos, entretanto, que cada aluno tem um modo próprio de pensar e que
este varia em cada fase de sua vida, estando seu pensamento em constante
processo de mudança. A aprendizagem pela compreensão é um processo
pessoal e único que acontece no interior do indivíduo, embora relacionado a
fatores externos, exigindo do raciocínio o que quase sempre é deixado
apenas como tarefa para a memória. As interações do indivíduo com o
mundo possibilitam-lhe relacionar fatos, estruturar ideias e organizar
informações, internalizando-as. (REGO e REGO, 2010, p. 42-43)
106
necessário a experiência sensível, e Rousseau, no século XVIII, “recomendou a
experiência direta sobre os objetos, visando à aprendizagem” (LORENZATO, 2010, p.
3).
Nesse rol de pensadores e educadores podem ser incluídos, dentre tantos
outros, o nome de Montessori (1870-1952), cujo legado são inúmeros exemplos de
materiais didáticos e atividades de ensino que valorizam a aprendizagem através dos
sentidos, especialmente do tátil, o de Piaget, que deixou claro que o conhecimento se dá
pela ação refletida sobre o objeto, e o de Vygotsky, porque considerava que as
experiências no mundo real constituem o caminho para a criança construir seu
raciocínio. “No Brasil, Julio César de Mello e Souza – isto é, Malba Tahan – e Manoel
Jairo Bezerra, entre outros, muito contribuíram para a divulgação do uso de material
didático como apoio às aulas de Matemática” (LORENZATO, 2010, p. 4).
Encontramos em Rego e Rego (2010) o registro que os MD foram
colocados em relevo por Manoel Jairo Bezerra na obra O material didático no ensino da
matemática. Nela são citadas suas principais funções:
Nesse estudo, que se debruça sobre as potencialidades e a utilização de
materiais que venham contribuir para a aprendizagem, seja uma caixa de papelão, pedra,
tangran e outros, isto é, materiais que têm uma função didática, específica de facilitar o
processo de ensino e aprendizagem, indistintamente de sua origem – natural (uma
laranja, por exemplo) ou artificial (um objeto de acrílico, por exemplo) –, são
considerados MD. Em outras palavras, ao nos referirmos à MD não nos limitamos
àqueles objetos que costumeiramente encontramos em sala de aula. Na verdade, diz
respeito a todo e qualquer objeto que o professor lança mão com o intuito de estimular e
promover a aquisição de saberes matemáticos.
Segundo o critério adotado por Bezerra (1962 apud ALMEIDA, 2011) o
MD seria: todo e qualquer acessório usado pelo professor para realizar a aprendizagem,
i) auxiliar o professor a tornar o ensino da matemática mais atraente e
acessível;
ii) acabar com o medo da matemática que, criado por alguns professores e
alimentado pelos pais e pelos que não gostam de matemática, está
aumentando cada vez mais a dificuldade do ensino dessa matéria e
iii) interessar maior número de alunos no estudo dessa ciência.
(BEZERRA, 1962, p. 10-13 apud REGO e REGO, 2010, p. 42)
107
o quadro-negro, o giz, o apagador, os livros, instrumentos, os aparelhos e todo meio
audiovisual que o professor ou o aluno lança mão durante o processo educativo. Em
outras palavras, qualquer material usado com finalidades pedagógicas no ensino de
Matemática será chamado de MD.
Lorenzato (2010), não se distanciando do que acabamos de expor, ao se
referir sobre o MD diz que “[...] é qualquer instrumento útil ao processo de ensino-
aprendizagem. Portanto, MD pode ser um giz, uma calculadora, um filme, um livro, um
quebra-cabeça, um jogo, uma embalagem, uma transparência, entre outros.”
(LORENZATO, 2010, p. 18) e ressalta que “pode ser um excelente catalisador para o
aluno construir o seu saber matemático.” (LORENZATO, 2010, p. 21).
Quando Passos (2010) define os MD manipuláveis, também chamados de
materiais concretos – que são particularmente interessantes nesta pesquisa – os enuncia
como “[...] objetos ou coisas que o aluno é capaz de sentir, tocar, manipular e
movimentar. Podem ser objetos reais que têm aplicação no dia a dia ou podem ser
objetos que são usados para representar uma ideia.” (PASSOS, 2010, p. 78).
Na visão de Cerqueira e Ferreira (2007 apud ALMEIDA, 2011), os MD
englobariam quaisquer recursos físicos usados nas diversas disciplinas, frequentemente
ou não, independente dos métodos ou técnicas postos em prática, com vistas a contribuir
com o aluno à aquisição de conhecimento, isto é, os MD são objetos utilizados com a
finalidade de fomentar, incentivar ou oportunizar o processo de ensino e aprendizagem.
Outro teórico que parte em defesa do uso de MD manipuláveis é Piaget
(1976 apud ALMEIDA, 2011). Esse estudioso ressalta que, principalmente, na fase
operatório-concreto – faixa de idade em que se encontra quase a totalidade dos sujeitos
desta pesquisa –, os materiais manipuláveis são de grande valia na construção do
conhecimento em razão dos educandos estarem ainda em uma etapa em que existe a
demanda de material concreto para o aprendizado. Estão no intervalo etário que precede
o pensamento abstrato. “[...] suas habilidades são altamente dependentes da
manipulação e da interação com objetos concretos.” (LEFRANÇOIS, 2008, p. 258 apud
ALMEIDA, 2011, p. 21).
Em nossa ação professoral é notório – assim foi constatado nesta pesquisa –
como o uso dos MD manipuláveis refletem positivamente no aspecto motivacional
durante o processo de ensino e de aprendizagem. Quando são utilizados adequadamente,
fica patente sua capacidade de despertar/elevar o interesse e a atenção dos alunos.
Fazendo eco a essa percepção, temos a seguinte declaração: “[...] considero que esses
108
materiais devem servir como mediadores para facilitar a relação
professor/aluno/conhecimento no momento em que um saber está sendo construído.”
(PASSOS, 2010, p. 78). Achamos importante perceber que ao mediar a construção do
conhecimento, envolvido na interação entre professor e aluno, os materiais concretos
também mostram uma face de ferramenta social.
Conforme Cavalcanti et al. (2007 apud ALMEIDA, 2011), os MD são
classificados em: estruturados e não-estruturados. Aqueles dizem respeito aos MD que
foram criados para uma finalidade didática (por exemplo, um geoplano). Já os não-
estruturados correspondem aos objetos que não sendo originalmente produzidos para
uso didático, adquirem esse status por conta de sua utilização em sala de aula. É o caso,
à titulo de exemplo, de um professor de matemática, através do manuseio de uma
latinha de refrigerante, introduz a ideia de planificação um cilindro reto.
Achamos importante reforçar aquilo que já ficou patente ao longo desse
trabalho: autores e educadores de grande renome no campo da educação matemática no
Brasil, dentre eles Lorenzato (2010), Passos (2010), Rego e Rego (2010) e Turrioni
(2010),
Para Nasser (1994), tanto o estímulo visual quanto a manipulação de
materiais são meios que promovem avanços no processo de construção de imagens
mentais e na ação de reconhecer algumas propriedades basilares para o
desenvolvimento do pensamento geométrico. Segundo Lorenzato (2010), os materiais
didáticos são de grande valia para o desenvolvimento da capacidade de observação e
aproximam o aluno da realidade.
Em relação como é visto o emprego dos MD é feita a seguinte colocação:
Mitos e preconceitos acompanham os materiais didáticos, especialmente os
de matemática: custam caro, existem poucos, aumentam o rendimento
escolar, dificultam a abstração, facilitam a tarefa do professor, retardam o
processo de aprendizagem. São essas algumas das frequentes desculpas para
o não uso de materiais concretos em sala de aula. (LORENZATO, 1991
apud TURRIONI e PEREZ, 2010, p. 60).
[...] defendem a relevância da mediação dos MD, na medida em propõe
uma aprendizagem contextualizada, mediante a ação refletida nos materiais
pedagógicos, que auxiliam e facilitam o aprendizado de matemática no
Ensino Fundamental. (ALMEIDA, 2011, p. 22)
109
As barreiras impostas ao uso do MD, via de regra, não são inerentes a ele.
Prova disso é “que a própria política educacional emanada pelos governos federal,
estaduais ou municipais geralmente não preconiza ou orienta os educadores ao uso do
MD.” (LORENZATO, 2010, p. 34). Esse educador matemático prossegue afirmando
que outro fator que explica a ausência do MD nas salas de aula está relacionado ao fato
de não ser comum nas instituições onde há licenciaturas os professores, em sua
formação inicial, terem aulas sobre a utilização desses materiais. Contribui para que a
utilização do MD não vire algo frequente no processo educativo a não existência nas
escolas de ensino fundamental, com raras exceções, do laboratório de ensino de
Matemática (LEM). Como consequência,
É importante ainda tecermos considerações sobre a relação entre os MD e o
professor de Matemática. O professor, como sabemos, atua como mediador entre o
aluno e o conhecimento, ou seja, é aquele que estabelece a mediação no processo de
ensino e aprendizagem, desempenhando um papel de extrema relevância no cenário
educacional. Nesse caso específico – prática educativa com a utilização de MD – é
imprescindível que haja pelo lado do professor uma “estreita relação entre a
experimentação e a reflexão.” (PASSOS, 2001, s/p apud ALMEIDA, 2011, p. 23), de
modo a garantir que sua ação professoral seja exitosa, favorecendo o processo de
construção do conhecimento do aluno.
Ratificando essa visão, encontramos em Brasil (1997, p. 78) que os MD
“precisam estar integrados a situações que levem ao exercícios da análise e da reflexão,
em última instância, à base para a formalização matemática”, cabendo ao docente a
responsabilidade de conduzir esse processo, e a seguinte opinião: “mesmo o material
didático mais abundante, aperfeiçoado e bom, jamais suprirá as qualidades inatas de um
verdadeiro educador.” (BEZERRA, 1962, p. 9 apud ALMEIDA, 2011, p. 23).
Diante do exposto,
[...] muitos professores não sentem falta de MD em suas práticas
pedagógicas, ou não dispõem de MD, ou não acreditam nas influências
positivas do uso do MD na aprendizagem, ou não sabem utilizar
corretamente o MD. A esses todos se somam aqueles que, por diferentes
motivos, resistem às mudanças didáticas e, pior ainda, aqueles que opinam
contra o uso do MD sem o conhecerem ou sem o terem experimentado.
(LORENZATO, 2010, p. 34).
110
Como os materiais manipuláveis são objetos didáticos que causam forte
interferência no processo educativo, o que resulta da sua utilização, depende do
profissional que se propõe a empregá-los. Ademais, segundo Turrioni e Perez (2010),
como vai se dá o uso do MD varia em função dos objetivos almejados, do tipo de
aprendizagem que se deseja atingir e, também, da filosofia e política escolar, ou seja, o
MD deve está conectado ao contexto escolar. Essa é uma das razões pelas quais a
escolha dos artefatos didáticos requer uma reflexão do professor. Não desconsiderando
que a opção feita pelo professor por um dado MD é movida, em grande medida, pela
sua concepção de ensino e educação, ele deve estar atento se o MD eleito, dentro de sua
realidade, é o que melhor se adequa ao conteúdo a ser trabalhado com os alunos, qual
estratégia será posta em prática e como irá acontecer a avaliação.
Os autores destacados neste item do texto, acompanhados de Lorenzato, não
consideram verdadeira a afirmativa que o MD ajuda o professor a encobrir sua
incompetência. Na verdade, a má utilização ou o não emprego dos MD é quem revela
sua falta de competência.
Alguns professores creem que a pura e simples manipulação de materiais
didáticos é capaz de diminuir ou, até mesmo, dirimir as dificuldades do aluno no
aprendizado de Matemática. De acordo com Passos (2006) e Fiorentini e Miorim
(1990), essa visão empirista da aquisição de conhecimentos matemáticos leva o
professor a uma prática educativa ancorada em uma percepção equivocada. Alinhada
com essa percepção, Nacarato (2005) expõe que o uso dos MD tanto pode contribuir
para a aprendizagem dos alunos quanto estabelecer uma barreira, ou seja, ao invés de
favorecer o entendimento das ideias matemáticas seria um elemento que geraria
empecilhos para sua compreensão. Ademais, os alunos não têm uma aprendizagem
significativa garantida, assegurada pelo simples fato da utilização dos MD.
Se o MD pode ser para o aluno um facilitador, para o professor, às vezes,
ele pode ser um complicador. Em outras palavras, é muito mais fácil dar
aula sem MD, mas também é mais difícil aprender sem o MD. O uso do
MD planejado para atingir um determinado objetivo, frequentemente,
possibilita ao aluno a realização de observações, constatações, descobertas e
até mesmo o levantamento de hipóteses e a elaboração de estratégias que, às
vezes, não estavam previstas no planejamento nem eram do conhecimento
do professor. No entanto, é preciso reconhecer que essa dificuldade vem no
intuito de melhorar a qualidade do processo de ensino-aprendizagem.
(LORENZATO, 2010, p. 29).
111
Não passa ao largo de nossa percepção o relevante papel dos materiais
didáticos quanto à contribuírem enormemente para a ação do professor de Matemática
no processo de ensino e aprendizagem e, em especial, nas aulas ministradas sobre
Geometria. “Entretanto, existem ressalvas a serem colocadas que refletem a importância
das condições necessárias para o desenvolvimento das atividades trabalhadas de
maneira satisfatória com os materiais didáticos” (ALMEIDA, 2011, p. 18).
Na concepção de Lorenzato (2010), os materiais didáticos por si só não
causariam grandes efeitos no aprendizado dos alunos sem a mediação do professor. Esse
autor, ao discorrer sobre o professor e o material didático em aulas de Matemática,
alerta sobre a necessidade de o professor ter o conhecimento do material didático a ser
trabalhado, tendo clareza quanto à geração de possibilidades no decorrer da ação
pedagógica no campo da Matemática formal.
Partimos das recomendações desse autor, de que o professor, antes de optar
pelo uso de um determinado material didático, deve refletir sobre quais ideias e
conceitos ele deseja trabalhar nas atividades que pretende propor. A escolha deverá
basear-se, de um modo geral, no princípio de que os materiais mais adequados seriam
aqueles que permitam uma experiência completa ao aluno e que sejam compatíveis com
suas necessidades.
Levando tudo isso em conta, procuramos
Fazendo eco a essa citação, vislumbramos que através da utilização de MD
será constatada uma aprendizagem significativa dos conceitos geométricos. Em uma
prática educativa fundamentada no uso de MD, sob a batuta de um professor
qualificado, temos a real possibilidade da potencialização da capacidade de raciocínio,
de observação e de atenção às aulas, e nela as atividades desenvolvidas correspondem a
passos importantes na direção de um processo de ensino e aprendizagem no âmbito
escolar onde, verdadeiramente, a interação professor–alunos–objetos didáticos resulte
na construção de saberes matemáticos por parte dos educandos.
É do nosso entendimento que à apreensão da Matemática escolar,
particularmente da Geometria, deve ocorrer por meio de um processo cujo ponto de
[...] uma forma de proporcionar aos alunos o desenvolvimento dos
conhecimentos geométricos, a partir da mediação, por meio dos processos
interativos em sala de aula entre professor e aprendizes, bem como dos
materiais didáticos manipulativos. (ALMEIDA, 2011, p. 3).
112
partida seja o manuseio de artefatos didáticos. Contudo, essa empreitada somente será
exitosa se tivermos professores com a qualificação à altura de mediar uma prática
pedagógica dessa natureza. Todavia, para que este patamar de qualidade na ação
docente seja alcançado se faz necessário que os MD tornem-se íntimos dos professores
desde a sua formação inicial e que essa “amizade” perdure ao longo de sua trajetória
enquanto professor em exercício.
Em outras palavras, defendemos a ideia que o licenciando em Matemática
deve, por exemplo, conhecer o maior número possível de MD, discutir sobre a
aplicabilidade mais adequada de um dado MD e as questões decorrentes de sua
aplicação, (re)descobrir as possiblidades de uso dos MD em sala de aula e, por que não,
criar novos MD. Já em plena atividade professoral, a formação continuada,
oportunizada ou não por órgãos oficiais, além de possível atualização sobre o tema,
trata-se de uma excelente oportunidade para troca de experiências com os colegas
docentes. Com relação a esse compartilhamento de experiências, cremos que se ele for
estendido, incluindo os licenciandos, dará origem a momentos enriquecedores para
todos aqueles que atuam ou irão atuar em sala de aula buscando melhorar a qualidade da
educação escolar e, em especial, do aprendizado de Geometria.
3.7 ALGUNS OLHARES: ÁREA E PERÍMETRO
Pelo fato de o presente estudo debruçar-se sobre o processo de ensino e de
aprendizagem de Geometria em uma turma do 6º. ano do Ensino Fundamental,
enfocando as grandezas área e perímetro, expomos, de forma sucinta, olhares lançados
por alguns trabalhos realizados sobre essas grandezas geométricas e de que modo
abordamos essa temática.
O objetivo da pesquisa levada a efeito por Facco (2003) era o estudo dos
fenômenos que interferem nos processos de ensino e de aprendizagem do conceito de
área no Ensino Fundamental por meio da decomposição e da composição de figuras
planas. Essa investigação envolveu professores dos anos finais do Ensino Fundamental
e alunos da quinta série (atual sexto ano) e as diversas atividades propostas foram
direcionadas ao estudo da área como grandeza.
Lançar mão de recursos didáticos (tangran, malhas e poliminós) e do livro
didático nos processos de ensino e de aprendizagem com o objetivo de compreender o
conceito de área como grandeza foi investigado por Santana (2006). Os resultados
alcançados levaram-na à constatação que os recursos didáticos elencados são pouco
113
explorados nos livros, que compõem as seis coleções avaliadas, sendo estas eleitas entre
aquelas apontadas pelo Programa Nacional do Livro Didático e adotadas em escolas da
rede pública de ensino pernambucano.
Em Barros (2006), temos uma investigação sobre o tratamento dado às
grandezas geométricas área e perímetro em sete coleções de livros didáticos de 3º. e 4º.
ciclos (6º. ao 9º. anos) do Ensino Fundamental, incluídas nos guias do Programa
Nacional do Livro Didático 2002 e 2005. Esse autor constatou que as noções de área e
de perímetro são frequentemente usadas para dar suporte ao estudo de outros conteúdos,
a saber: multiplicação de números naturais, frações, números decimais, potências,
expressões algébricas etc., evidenciando, assim, o papel das grandezas geométricas em
tela como ponto de convergência entre a Aritmética e a Álgebra.
A pesquisa desenvolvida por Ferreira (2010), junto a alunos do 6º. ano do
Ensino Fundamental, teve como objetivo investigar sobre a construção do conceito de
área, salientando a dissociação entre área e perímetro. Não obstante serem identificados
avanços na decomposição e recomposição e no ladrilhamento de figuras bidimensionais,
verificou-se a permanência de obstáculos quanto à compreensão da dissociação
mencionada.
Ao realizar um estudo diagnóstico acerca dos procedimentos usados por
alunos do 6º. ano do Ensino Fundamental de cinco escolas diferentes para a
determinação da medida da área de figuras planas em malhas quadriculadas, Pessoa
(2010) verificou resultado exitoso quando o problema era resolvido somente pela
contagem de quadradinhos. Por seu turno, essa pesquisadora constatou que um
quantitativo significativo de sujeitos da pesquisa mostrou grande dificuldade em
determinar a área quando eram exigidos procedimentos que envolviam decomposição-
recomposição, frações ou complementação de partes de figuras ladrilháveis.
Problemas de ensino e de aprendizagem associados às grandezas
geométricas perímetro e área de figuras planas foram investigados por Santos (2011) em
um trabalho que envolveu alunos do 7º. ano do Ensino Fundamental e professores de
Matemática que lecionam neste nível de ensino e que são ou foram professores desses
alunos. Para essa autora, com base na narrativa dos alunos, há indícios de um sério
problema de ensino, haja vista que não há apreensão dos conceitos. No que tange aos
professores, buscou identificar as possíveis dificuldades por eles vivenciadas no ensino
desses conceitos e compreender como estes analisam as produções e os erros dos
114
alunos. Na visão de Santos (2011), os professores revelam uma formação docente com
fortes lacunas e práticas tradicionais de ensino.
Constatamos que na óptica desses autores há o predomínio da abordagem de
área e de perímetro como grandezas, com fundamentação nas teorias das situações
didáticas, de Guy Brousseau, e a teoria da dialética ferramenta-objeto, de Régine
Douady. De modo sintético, “[...] Essas teorias partem do princípio de que o
conhecimento ocorre em função da efetivação de propostas de ensino adequadas, em
que a intensa participação do aluno é vital” (ALMOULOUD, 2007, p. 188).
Nossa abordagem – pormenorizada no quarto segmento deste trabalho –
apresentou metodologia norteada pela teoria sociointeracionista de Lev Vygotsky e a
discussão teórica sobre níveis e fases propostos pelo casal van Hiele.
O modelo de van Hiele trata dos níveis de compreensão das ideias
geométricas que seguem uma hierarquia por grau de complexidade (visualização,
análise, classificação, dedução e rigor). Segundo essa teoria, esses patamares de
conhecimento permitem caracterizar o progresso cognitivo do aluno no que tange a um
dado saber geométrico.
Quanto à abordagem vygotskiana do processo de ensino e de aprendizagem,
ela está ancorada na teoria sociocultural. Entre as ideias defendidas por essa teoria,
salientamos a contribuição valorosa da ação mediadora do professor no decorrer das
interações interpessoais e na interação dos alunos com os objetos de conhecimento. Sob
o olhar de Vygotsky, o amadurecimento orgânico e, em especial, as interações sociais
são fatores primordiais na formação do ser humano. Salientamos que nesse papel de
mediador, o professor deve ter como ponto de partida aquilo que já é do domínio do
aluno e, na sequência, propor atividades que propiciem o desenvolvimento cognitivo do
aluno por meio de intervenção “nas zonas de desenvolvimento proximal” dos alunos.
Na perspectiva histórico-cultural de Vygotsky, a aprendizagem (a aquisição
de saberes matemáticos, à guisa de exemplo) – motivadora dos processos de
desenvolvimento do ser humano –, resulta das interações sociais e ocorre na zona de
desenvolvimento proximal, que, a grosso modo, corresponde ao “local” onde o
conhecimento do aluno está em estado latente, potencial. Esse saber se efetiva por meio
de interações com pessoas mais experientes (por exemplo, o professor).
115
4 MODELO DE VAN HIELE E O SOCIOINTERACIONISMO DE
VYGOTSKY
Neste capítulo, vamos expor sobre o modelo de van Hiele, onde tratamos
dos níveis de desenvolvimento do raciocínio em Geometria, e a perspectiva histórico-
cultural de Vygotsky, com foco na Educação Matemática.
4.1 A TEORIA DE VAN HIELE E O DESENVOLVIMENTO DO
PENSAMENTO GEOMÉTRICO
Ao ensinarmos Geometria, devemos ter clareza que as pessoas não têm um
pensamento único, um mesmo modo de pensar acerca das ideias geométricas. Van de
Walle (2009) pontua que essa diferenciação não gera nenhum empecilho com relação à
nossa capacidade de promover o desenvolvimento do pensamento geométrico. As
pesquisas do casal de educadores holandeses, Pierre van Hiele e Dina van Hiele-Geldof,
têm contribuído para a identificação de “[...] diferenças no pensamento geométrico e
como essas diferenças são estabelecidas.” (VAN DE WALLE, 2009, p. 439). Isso posto,
consideramos, nesta pesquisa, a teoria de van Hiele para a compreensão dos processos
de aprendizagem da Geometria escolar com ênfase em perímetro e área.
Nasser (2014) relata que a maioria dos alunos do Ensino Médio, mesmo
aqueles que compreendem os conteúdos algébricos, têm dificuldades em Geometria.
“Destacam-se as dificuldades no processo dedutivo e em demonstrações.” (NASSER,
2014, p. 1). Ligada a esta constatação, a mesma autora nos diz que a explicação mais
plausível para a questão: “Por que será que tantos estudantes que dominam a maioria
dos assuntos escolares não chegam a lugar nenhum em Geometria?”, lançada por
Wirszup (1976 apud NASSER, 2014), foi dada pelo modelo de van Hiele para o
pensamento geométrico. Tal modelo propõe que o progresso dos alunos no aprendizado
de Geometria ocorre por meio de sequência de níveis de compreensão dos conceitos
geométricos.
Um ponto positivo dessa teoria é o fato de ter se originado em sala de aula,
quando os professores holandeses Pierre e Dina van Hiele observaram as
dificuldades de seus alunos ao resolver tarefas em Geometria. Dedicaram
seus estudos de doutorado a esse problema, concluídos em 1957 pela Universidade de Utrecht. Eles focaram seus trabalhos nos diversos níveis de
pensamento em Geometria, e no papel do insight ou compreensão na
aprendizagem de Geometria. (NASSER, 2014, p. 1).
116
Alinhado com essa assertiva, registramos que: “Sob a orientação do
eminente educador matemático Hans Freudenthal (holandês, 1905-1990), os van Hiele
pesquisaram o ensino da Geometria com alunos de 12 e 13 anos [...].” (LORENZATO,
1995, p. 10). De Villiers (2010) nos relata que a tese de Pierre procurava, basicamente,
explicar a razão pela qual os alunos tinham problemas de aprendizagem em Geometria,
ou seja, ela tinha um caráter explicativo e descritivo. Por seu turno, Dina desenvolveu
uma tese, segundo uma abordagem didática da Geometria e, sob tal forma, apresentava
um perfil prescritivo no que tange à organização do conteúdo de Geometria e atividades
a serem propostas com vistas ao aprendizado do alunado.
Lorenzato (1995) diz que o casal van Hiele enfatizava a manipulação de
artefatos didáticos e defendia a ideia que o procedimento didático adequado podia trazer
resultados positivos de aprendizagem e que esta somente se efetivava, quando o nível de
ensino não era superior ao nível de pensamento do aluno.
De acordo com Nasser (1992 apud ALMEIDA, 2011), o modelo de van
Hiele de desenvolvimento do pensamento geométrico alicerçou-se, principalmente, na
psicologia genética de Jean Piaget (suíço, 1896-1970) sobre a evolução de aquisição de
conhecimento pelo ser humano, sendo estabelecida uma relação entre as estruturas de
inteligência com base na progressão de estágios. Contudo, Nasser (1998 apud
ALMEIDA, 2011) está inserida no rol de autores – do qual o próprio Piaget faz parte –
que advogam a seguinte ideia: as atividades realizadas no campo da Geometria no
decorrer da vida e a vivência geométrica exercem uma influência maior na construção
do pensamento geométrico do que o simples fato de o indivíduo encontrar-se em uma
dada faixa etária. Tal defesa, segundo Almeida (2011), é feita por Piaget em sua obra O
Juízo na Criança, escrita em 1932, deixando patente a peculiaridade do processo de
apreensão de conhecimentos geométricos.
A aquisição de saberes geométricos, conforme o modelo de van Hiele,
acontece a partir dos seguintes pilares teóricos:
A partir desses estudos, a teoria passou por reformulações a atualizações
pelos autores e por outros colaboradores, e tem sido base de diversos
projetos de pesquisa e publicações especializadas referentes à Educação
Matemática em todo o mundo sobre o ensino-aprendizagem de geometria.
(ALMEIDA, 2011, p. 11-12)
117
(I) existem cinco níveis de pensamento geométrico que se encontram
ordenados por graus de complexidade. Esses níveis possibilitam
caracterizar a evolução cognitiva do aluno, relativa ao entendimento
de um dado conhecimento geométrico;
(II) há cinco fases de ensino rigorosamente demarcadas. Elas devem
orientar a produção e a efetivação de uma metodologia de ensino e
de aprendizagem de Geometria que oportunize o desenvolvimento
do raciocínio geométrico do aluno, com vistas a auxiliá-lo na
progressão entre os níveis de saber geométrico.
Tanto o aspecto metodológico quanto o pedagógico da teoria de van Hiele
são alvo de críticas. As questões levantadas dizem respeito a não consensualidade
quanto às diferenças individuais e à progressão de um nível para outro.
Partindo do princípio que, em uma sala de aula, há alunos em patamares
distintos de conhecimento, consideramos fundamental que o professor mantenha-se
atento quanto à escolha de um enfoque adequado a essa realidade, oportunizando,
assim, o aprendizado da Geometria. Ao serem apresentadas propostas de atividades
ligadas ao ensino de Geometria que apresentam um nível não possível de ser atingido
pelo aluno naquela ocasião e, por consequência, não se efetivando a compreensão por
parte dele, teremos a realização de um trabalho pedagógico desprovido de sua função
didática, como afirma Nasser (1992 apud ALMEIDA, 2011).
Assim, pertinente ao primeiro fundamento teórico do modelo de van Hiele,
registramos uma escala hierárquica composta por cinco níveis, onde em cada um temos
a descrição dos processos de pensamento utilizados em contextos geométricos, ou seja,
“ [...] como pensamos e quais os tipos de ideias geométricas sobre as quais pensamos
Entre as principais críticas, cabe destacar aquela em que van Hiele
considerava os alunos como um grupo homogêneo, sem que existissem
diferenças individuais, com estilos cognitivos diferenciados e preferências
distintas de aprendizagem. Outro problema enfrentado por pesquisadores
para a utilização dos níveis de van Hiele é referente aos supostos saltos
bruscos entre os níveis do pensamento geométrico. Os autores [Campos,
Silva, Candido (s/d); Mattos (1992); Nasser (1994)] acreditam que, como
instrumento de análise, os resultados das pesquisas seriam mais precisos ao
considerar a continuidade na aquisição de conhecimento geométrico,
passando por um período de transição, isto é, sem saltos bruscos, na
passagem de um nível a outro no aprendizado. (ALMEIDA, 2011, p. 13)
118
mais do que a quantidade de conhecimento ou de informação que temos em cada nível.”
(VAN DE WALLE, 2009, p. 440).
Nesse sentido, Almeida (2011) fala que, no modelo de van Hiele, os níveis
de aprendizagem se estendem da percepção intuitiva e mais simples das formas
geométricas até o nível de maior complexidade. Neste nível, os alunos apresentam
habilidades para demonstrações formais e abstratas. Em outras palavras, esse modelo
abarca a totalidade de um processo de aprendizagem gradual e contínua. “Assim, a
intuição, o raciocínio e a linguagem geométrica são valorizados no processo de
aprendizagem como forma de o aluno construir ele próprio suas noções e possíveis
conceitos de geometria a partir de contatos e experiências geométricas.” (ALMEIDA,
2011, p. 12).
Os cinco níveis de compreensão das ideias geométricas sugeridos por van
Hiele, em ordem crescente de complexidade, e retratados por Crowley (1994),
Lorenzato (1995), Almeida (2011), Van de Walle (2009) e Nasser (2014), dentre outros,
são denominados visualização, análise, dedução informal, dedução e rigor. A seguir,
expomos, de forma resumida, a nossa percepção a respeito desses níveis:
1º. nível (Visualização ou reconhecimento): neste nível básico, os alunos
reconhecem as figuras geométricas e usam a nomenclatura correspondente
com base na aparência global das mesmas, porém não identificam as suas
propriedades geométricas. Ao ser perguntado, por exemplo, por que ele
identifica um triângulo, o aluno responde algo próximo de “porque é
parecido com um triângulo”;
2º. nível (Análise): os alunos, por meio da experimentação e da
observação, dão passos no sentido de diferenciar as figuras geométricas
pelas propriedades geométricas que seus elementos apresentam, como
também fazer uso dessas propriedades para resolverem problemas. Ex.: Um
quadrado é descrito por meio das propriedades: lados opostos paralelos e
iguais, 4 ângulos retos e 4 lados iguais;
3º. nível (Dedução informal ou classificação ou ordenação): ao
alcançarem este estágio, os alunos estabelecem relações entre as figuras
geométricas a partir de suas propriedades, contudo não dominam o processo
dedutivo. Exemplo: os alunos reconhecem que os quadrados formam uma
subclasse da classe dos retângulos, pois constatam que aqueles têm todas as
propriedades destes;
119
4º. nível (Dedução): neste nível, há compreensão do processo dedutivo e
os alunos produzem hipóteses e analisam argumentos por ocasião da
construção de demonstrações. Mostram discernimento diante de uma
afirmação e sua recíproca. Como exemplo, podemos citar a demonstração
de propriedades dos quadriláteros através da congruência de triângulos;
5º. nível (Rigor): no nível de maior complexidade da teoria de van Hiele,
os alunos são capazes de realizar demonstrações no plano abstrato e
trabalhar com Geometrias regidas por sistemas axiomáticos distintos, o que
requer a compreensão das Geometrias Não-Euclidianas. Exemplo:
desenvolver estudos no campo da Geometria Esférica.
Ao entrarmos em contato com uma retrospectiva de pesquisas sobre a teoria
de van Hiele realizadas a partir dos anos 1980, deparamo-nos com a seguinte menção:
Consideramos como subestrutura conceitual adequada aquela “[...] na
qual a explicação lógica eventual (prova) está implicitamente embutida.” (DE
VILLIERS, 2010, p. 410). A título de exemplo, esse autor nos fala de uma atividade em
que é usada figura triangular de papel com objetivo de levar os alunos a “descobrirem”
que a soma das medidas dos ângulos internos de um triângulo, no plano, é sempre igual
a 180 graus. Atividades que mostram semelhanças com essa, segundo De Villiers
(2010), oportunizam uma estrutura conceitual muito mais apropriada para uma possível
explicação (prova) do que, por exemplo, aquela propiciada a partir da proposta dos
alunos obterem as medidas dos ângulos de um triângulo com um transferidor, adicioná-
las e chegar à referida soma (isso desprezando os erros inerentes ao procedimento
experimental).
Van de Walle (2009) ao discorrer sobre as características dos níveis da
teoria de van Hiele conceitua objetos de pensamento e produtos de pensamento. Objetos
de pensamento correspondem àqueles entes geométricos sobre os quais pensamos
(operamos no campo das ideias), enquanto produtos de pensamento estão relacionados
Um aspecto muito importante da teoria de Van Hiele é que ela enfatiza que
atividades informais nos níveis 1 e 2 [que indicamos por 1º. e 2º. níveis,
respectivamente] deveriam fornecer as “subestruturas conceituais”
adequadas para as atividade formais do nível seguinte.” (DE VILLIERS,
2010, p. 409).
120
às relações que estabelecemos entre essas ideias geométricas (objetos). Vejamos o
quadro em anexo:
Quadro 2 – Relações entre objetos de pensamento e produtos de
pensamento conforme o modelo de van Hiele
Fonte: Elaboração própria a partir de Van de Walle (2009)
Reparemos que esse quadro mostra a relação objeto-produto entre os níveis
de desenvolvimento do raciocínio em Geometria da teoria de van Hiele. De acordo com
a hierarquização vigente nesse modelo teórico, os produtos de pensamento de um dado
nível tornam-se os objetos de pensamento no nível imediatamente superior. Desse
modo, uma atividade adequada a um determinado nível pode ser sofrer alterações de
forma a se tornar compatível ao nível que o sucede.
Ao abordar a teoria de van Hiele, Crowley (1994) e Nasser (2014) referem-
se ao que acabamos de ventilar como caráter intrínseco e extrínseco desse modelo, onde
E de um modo mais sucinto: “[...] o que está implícito num nível torna-se
explícito no próximo nível.” (NASSER, 2014, p. 2).
Ao trabalharmos com esse modelo teórico, nós, professores, contamos com
outros marcos característicos (propriedades) ligados aos níveis de pensamento e que
foram também detectados pelo casal van Hiele. “Essas propriedades são particularmente
Níveis de van Hiele Objetos de pensamento Produtos de pensamento
Nível 1 – visualização As formas e “o que elas
parecem”
Classes ou agrupamentos de
formas que “são parecidas”
Nível 2 – análise Classes de formas Propriedades das formas
Nível 3 – dedução informal Propriedades das formas Relações entre as propriedades de
objetos geométricos
Nível 4 – dedução Relações entre as
propriedades de objetos
geométricos
Sistemas axiomáticos dedutivos
para a Geometria
Nível 5 – rigor Sistemas axiomáticos
dedutivos para a
Geometria
Comparações e confrontos entre
os diferentes sistemas axiomáticos
da Geometria
os objetos inerentes a um nível tornam-se os objetos de ensino no nível
seguinte. Por exemplo, no nível 0 apenas a forma de uma figura é
percebida, a figura é, obviamente, determinada por suas propriedades, mas
só nível 1 a figura é analisada e seus componentes e propriedades são
descobertos.” (CROWLEY, 1994, p. 5)
121
significativas para educadores, pois podem orientar a tomada de decisões quanto ao
ensino.” (CROWLEY, 1994, p. 4). Vejamos tais características:
sequencial ou hierarquia: para o aluno atingir qualquer nível de
complexidade maior do que a do nível básico (nível 1), ele deve
necessariamente percorrer todos os níveis anteriores, sucessivamente. “Para
se sair bem num determinado nível, o aluno deve ter assimilado as
estratégias dos níveis precedentes.” (CROWLEY, 1994, p. 5);
avanço: alunos do Ensino Fundamental ou do Ensino Médio podem estar
no mesmo patamar de pensamento geométrico, “a progressão (ou não) de
um nível para outro depende mais do conteúdo e dos métodos de instrução
recebidos do que da idade.” (CROWLEY, 1994, p. 4) ou “a experiência
geométrica é o fator mais simples de maior influência sobre o avanço ou
desenvolvimento através dos níveis.” (VAN DE WALLE, 2009, p. 444);
linguística: “Cada nível tem seus próprios símbolos linguísticos e seus
próprios sistemas de relações que ligam esses símbolos.” (CROWLEY,
1994, p. 5). A implicação dessa falta de adequação linguística é uma
possível aprendizagem mecânica, caracterizada pela repetição e
memorização sem compreensão. Em outras palavras, “Não há entendimento
entre duas pessoas que estão raciocinando em níveis diferentes ou se a
instrução é dada num nível mais avançado que o atingido pelo aluno.”
(NASSER, 2014, p.2);
desnível ou combinação inadequada: o professor deve estar sempre com
a sua atenção voltada “[...] para a escolha de uma abordagem de ensino
adequada aos diferentes níveis dos alunos durante o aprendizado da
geometria.” (ALMEIDA, 2011, p. 13). Propor atividades que apresentam
um nível inacessível pelo aluno em um dado momento do ensino de
Geometria não oportuniza um entendimento por parte do mesmo. Decorre
dessa situação a não observação do aprendizado e do progresso almejados,
ou seja, “[...] se o professor, material didático, conteúdo, vocabulário, [...]
estiverem num nível mais alto que o aluno, este não será capaz de
acompanhar os processos de pensamento que estarão sendo empregados.”
(CROWLEY, 1994, p. 5).
122
A partir das duas últimas propriedades, podemos inferir que não há
comunicação entre professor e aluno “Quando o ensino ou a linguagem está em um
nível superior ao estudante [...].” (VAN DE WALLE, 2009, p. 444). Em outras
palavras, “Não há entendimento entre duas pessoas que estão raciocinando em níveis
diferentes ou se a instrução é dada num nível mais avançado que o atingido pelo aluno.”
(NASSER, 2014, p.2). Assim, deve existir uma sintonia entre eles e “[...] um mesmo
estilo de linguagem e vocabulário geométrico, caso contrário, o aprendizado
dificilmente ocorreria.” (NASSER, 1992 apud ALMEIDA, 2011, p. 14).
Conforme já expomos, os van Hiele foram categóricos ao dizerem que o
avanço ao longo dos níveis guarda mais dependência com a instrução ofertada ao aluno
do que com a idade ou da maturidade. “Portanto, o método e a organização do curso,
assim como o conteúdo e o material usados, são importantes áreas de preocupação
pedagógica.” (CROWLEY, 1994, p. 6). Pertinente à ação professoral, temos inserida no
modelo de van Hiele a proposta de etapas sequenciais de ensino. “[...] a instrução
desenvolvida de acordo com essa sequência promove a aquisição de cada um dos
níveis.” (VAN HIELE-GELDOF, 1984b apud CROWLEY, 1994, p. 6).
Essas etapas foram definidas em cinco fases de aprendizagem, a saber:
interrogação, orientação dirigida, explicação, orientação livre e integração. Na
apresentação dessas fases, vamos nos reportar às descrições de autores como Almeida
(2011), Crowley (1994) e Nasser (2014):
fase 1(Interrogação/informação): através de conversas e desenvolvimento
de atividades, os alunos entram em contato com o tema a ser estudado e o
professor tem acesso tanto ao conhecimento prévio dos alunos acerca do
assunto como o vocabulário por eles usado. Diante disso, o vocabulário
específico do nível é introduzido e é direcionado o avanço dos estudos.
Achamos oportuno observar que “Essa fase pode ser suprimida caso os
alunos demonstrem conhecimentos suficientes para prosseguir no estudo do
tópico proposto.” (ALMEIDA, 2011, P. 16);
As denominadas fases da teoria de van Hiele sugerem orientações para a
elaboração e aplicação de uma metodologia didática dividida em etapas de
ensino, que servem como estratégias práticas a fim de auxiliar o
desenvolvimento do pensamento geométrico do aluno. (ALMEIDA, 2011,
p. 16)
123
fase 2 (Orientação dirigida): os alunos devem ser levados a descobrirem e
compreenderem as relações presentes no tópico de estudos. Isso ocorrerá
mediante um planejamento, uma organização de materiais didáticos
diferenciados que eles usarão sempre com a orientação do professor. Desse
modo, tais atividades “[...] serão pequenas tarefas com o objetivo de suscitar
respostas específicas.” (CROWLEY, 1994, p. 6) e, com isso, “[...] devem
revelar gradativamente aos alunos as estruturas características do nível.”
(NASSER, 2014, p. 4);
fase 3 (Explicitação): a interação é o ponto forte dessa fase. As atividades
propostas aos alunos devem apresentar um caráter mais desafiador,
motivando-os tanto para a troca de ideias como para expressar oralmente e
registrar suas descobertas por meio de uma linguagem precisa e compatível.
Assim, “Ao professor, cabe ficar atento à linguagem adequada a ser
utilizada nesta fase pois alunos e professor precisam ser compreendidos a
partir de um conjunto de termos mais apropriados à linguagem geométrica.”
(ALMEIDA, 2011, p.17);
fase 4 (Orientação livre): com tarefas de maior complexidade nas mãos e
com pequena participação do professor, os alunos buscam soluções
diferentes para questões propostas em um processo de sedimentação de seus
conhecimentos geométricos. “O professor fornece instruções e incentiva os
alunos a refletirem sobre as soluções encontradas, a fim de que o aluno
ganhe experiência e autonomia.” (ALMEIDA, 2011, p. 17);
fase 5 (Integração): nessa fase, o aluno encontra-se na condição de
mostrar uma visão global do conteúdo trabalhado. Cabe ao professor propor
atividades que se limitem a fazer um resgate dos conhecimentos adquiridos,
oportunizando, ao alunos fazerem “[...] uma síntese do que foi aprendido.”
(ALMEIDA, 2011, p. 17). Ao término da derradeira fase, “[...] os alunos
alcançaram um novo nível de pensamento. O novo domínio de raciocínio
substitui o antigo, e os alunos estão prontos para repetir as fases de
aprendizado no nível seguinte.” (CROWLEY, 1994, p. 8).
Concernente às fases, identificamos que alterações e a estabilidade de ideias
relacionadas ao entendimento do conteúdo geométrico estudado são atingidas,
124
particularmente na etapa de explicitação (terceira fase), como frutos das interações entre
os alunos no decorrer dos trabalhos grupais e com o professor. Nas fases posteriores,
fica notório que a ênfase está no campo da resolução de problemas e na produção de
relatórios. Isso nos faz acreditar que essas são ocasiões propícias para que “a abordagem
seja partilhada entre todos os membros do processo de ensino-aprendizagem e, portanto,
possam ser internalizadas a partir das interações sociais e da exploração da zona de
desenvolvimento proximal, segundo Vygotsky.” (ALMEIDA, 2011, p. 18). Vygotsky
afirma ser essencial a interação social para que o desenvolvimento do conhecimento
ocorra. É exatamente sobre essa visão que vamos nos debruçar a seguir.
4.2 A PERSPECTIVA SÓCIO-HISTÓRICA DE VYGOTSKY E A EDUCAÇÃO
FORMAL
Na perspectiva de Vygotsky, as características humanas são frutos das
relações homem-sociedade. Em decorrência disso, buscando atender suas necessidades,
o homem transforma o meio (natural e cultural) e transforma-se a si mesmo. Entre as
relevantes contribuições das ideias vygotskianas no âmbito da educação escolar,
destacamos: análise da influência da prática pedagógica no processo de constituição das
funções psicológicas superiores e discussão sobre a zona de desenvolvimento proximal.
4.2.1 Abordagem interacionista de Lev Vygotsky
Lançarmos um olhar maiúsculo sobre a concepção construtivista (ou
interacionista) de Lev Vygotsky (bielo-russo, 1896-1934) é nos inserimos no campo das
teorias de aprendizagem, entendendo por teoria de aprendizagem uma elaboração
humana que: “[...] Representa o ponto de vista de um autor/pesquisador sobre como
interpretar o tema aprendizagem, quais as variáveis independentes, dependentes e
intervenientes. Tenta explicar o que é aprendizagem e porque funciona como funciona.”
(MOREIRA, 1999, p. 12).
De acordo com Moreira (1999), não há rigorosidade no uso do termo teoria
de aprendizagem, pois nem mesmo o próprio conceito de aprendizagem chega a ser
consensual – aquisição de informação (aumento do conhecimento), condicionamento e
construção de novos significados, de novas estruturas mentais são algumas das
“definições” dadas à aprendizagem. Esse autor ressalta que, via de regra, todas essas
“definições” fazem referência à aprendizagem cognitiva cujo foco é a cognição, o ato de
conhecer, ou seja, é “[...] àquela que resulta no armazenamento organizado de
125
informações, de conhecimentos, na memória do ser que aprende, e esse complexo
organizado é conhecido como estrutura cognitiva.” (MOREIRA, 1999, p. 13).
Comumente é estabelecida uma distinção entre a aprendizagem cognitiva e
as aprendizagens afetiva e psicomotora, diz Moreira (1999), acrescentando que tal
diferenciação está assentada na questão de foco. A aprendizagem afetiva focaliza mais
as experiências que implicam em prazer, dor, satisfação ou ansiedade, por exemplo,
enquanto a aprendizagem psicomotora está voltada fortemente às respostas musculares
em decorrência de prática e treino, não obstante em “algumas experiências afetivas
sempre acompanhem aprendizagem cognitivas e estas geralmente estejam envolvidas na
aquisição de habilidades motoras.” (MOREIRA, 1999, p. 13).
O autor em destaque afirma que toda teoria tem subjacente uma filosofia,
aqui expressa no sentido de visão de mundo. As filosofias denominadas
comportamentalista (behaviorismo), humanista e cognitivista (construtivista) são as
subjacentes às teorias de aprendizagem, entretanto é comum não incluir uma dada teoria
de aprendizagem em somente uma corrente filosófica. De forma sintética, o ponto forte
da visão behaviorista reside nos comportamentos observáveis e mensuráveis do sujeito.
Em outras palavras, as respostas dadas pelo sujeito aos estímulos externos. Nessa
perspectiva, considerava-se que as aprendizagens desejadas tinham ocorrido, quando os
objetivos comportamentais eram atingidos.
A tônica da filosofia humanista é tornar a aprendizagem algo além do
aumento de conhecimentos. É trabalhar com vistas à multidimensionalidade do aluno. A
aprendizagem sob esse enfoque integrador tem influência sobre os sentimentos,
pensamentos e ações dos alunos, para o bem ou para o mal. Essa linha de pensamento
originou o “ensino centrado no aluno”. Por seu lado, a corrente cognitivista coloca em
destaque aquilo que não é levado em consideração pelos comportamentalistas, a saber: a
cognição; como o ser humano conhece o mundo.
A filosofia cognitivista trata, então, principalmente dos processos mentais;
se ocupa da atribuição de significados, da compreensão, transformação,
armazenamento e uso da informação envolvida na cognição. Na medida em
que se admite, nessa perspectiva, que a cognição se dá por construção
chega-se ao construtivismo, tão apregoado nos anos noventa. (MOREIRA,
1999, p. 15).
126
Acreditamos ser relevante para nosso estudo a informação veiculada por
Moreira (1999) referente à teoria de desenvolvimento cognitivo formulada por
formulada por Lev Vygotsky – que teve os russos Alexander Luria (1902-1977) e
Alexei Leontiev (1903-1979) como seus colaboradores mais próximos. Pela razão
exposta no início do capítulo, ela é aceita, sem maiores objeções, como teoria de
aprendizagem. De acordo com Oliveira (1993), Vygotsky atrai educadores porque é um
autor que valoriza muito a escola, o professor, a intervenção pedagógica e o papel do
educador na formação do sujeito.
Autores como Moreira (1999), Oliveira (1993) e Rego (2011) afirmam
categoricamente: um dos pressupostos da teoria sociointeracionista formulada por Lev
Vygotsky é que o desenvolvimento intelectual do ser humano está intrinsecamente
ligado às interações de natureza social. “[...] Aliás, a asserção de que os processos
mentais superiores [pensamento, linguagem, comportamento volitivo] do indivíduo têm
origem em processos sociais é um dos pilares da teoria vygotskiana.” (MOREIRA,
1999, p. 109). Em outras palavras, o desenvolvimento cognitivo só pode ser
compreendido a partir do contexto social, histórico e cultural no qual acontece.
Conforme Oliveira (1993), Vygotsky percebeu que as ideias fundamentais
do materialismo histórico-dialético dos alemães Karl Marx (1818-1883) e Friedrich
Engels (1820-1895) poderiam contribuir de forma substancial para suas formulações
teóricas. Dentre as premissas do materialismo histórico-dialético ou postulados
marxistas que lhe foram caros, destacamos:
o homem é um ser histórico, que se constrói através de suas relações
com o mundo natural e social. O processo de trabalho (transformação da
natureza) é o processo privilegiado nessas relações homem/mundo;
a sociedade humana é uma totalidade em constante transformação.
É um sistema dinâmico e contraditório, que precisa ser compreendido
como processo em mudança, em desenvolvimento;
as transformações qualitativas ocorrem através da chamada “síntese
dialética” onde, a partir de elementos presentes em uma determinada
situação, fenômenos novos surgem. Essa é a concepção de síntese que
Vygotsky faz uso no decorrer de sua extensa produção científica.
Com a concepção interacionista vygotskiana, temos uma nova abordagem
sobre a origem e a evolução dos processos mentais humano e as relações entre a
127
sociedade e os indivíduos nela inseridos, implicando em um modo diferente de
compreender o processo educacional. “Vygotsky, inspirado nos princípios do
materialismo dialético, considera o desenvolvimento da complexidade da estrutura
humana como um processo de apropriação pelo homem da experiência histórica e
cultural.” (REGO, 2011, p. 93).
Lev Semenovich Vygotsky é chamado de interacionista porque ao procurar
explicar os processos mentais do homem considera fatores intraindividuais e influências
advindas do ambiente. Esses três estudiosos levantam teses pertinentes a uma
abordagem genética do se refere à transmissão dos caracteres hereditários e sim à
gênese, à origem e ao desenvolvimento psicológico do ser humano. “[...] Vygotsky
busca compreender a origem e o desenvolvimento dos processos psicológicos ao longo
da história da espécie humana e da história individual.” (OLIVEIRA, 1993, p. 56).
No enfoque vygotskiano, há quatro planos genéticos, ou seja, existem
quatro entradas que, conjuntamente, caracterizariam o funcionamento psicológico do
ser humano, a saber: a filogênese, a ontogênese, a sociogênese e a microgênese. De
modo extremamente breve, temos que “a história da espécie (filogênese), a história do
grupo cultural [sociogênese], a história do organismo individual da espécie (ontogênese)
e a sequência singular de processos e experiências vividas por cada indivíduo
[microgênese].” (OLIVEIRA, 1993, p. 38).
De acordo com a teoria de Vygotsky é “a interação social, seja diretamente
com outros membros da cultura, seja através dos diversos elementos do ambiente
culturalmente estruturado, [que] fornece a matéria-prima para o desenvolvimento
psicológico do indivíduo.” (OLIVEIRA, 1993, p. 38). Enfatizamos que o processo de
internalização dessa matéria-prima não se configura como um processo em que há
passividade por parte do indivíduo. Na verdade, o processo é marcado por
transformação, por síntese. “[...] num processo em que as atividades externas e as
funções interpessoais transformam-se em atividades internas, intrapsicológicas.”
(OLIVEIRA. 1993, p. 38). Assim,
[...] o desenvolvimento cognitivo é a conversão de relações sociais em
funções mentais. Não é por meio do desenvolvimento cognitivo que o
indivíduo se torna capaz de socializar, é na socialização que se dá o
desenvolvimento dos processos mentais superiores [pensamento,
linguagem, comportamento volitivo]. (DRISCOLL, 1995, p. 229 apud
MOREIRA, 1999, p. 110).
128
Nosso entendimento é que o processo de desenvolvimento do ser humano,
do ponto de vista vygotskiano, é motivado pela aprendizagem que, por usa vez, resulta
das interações sociais.
Sob nosso olhar, não há como fugir da seguinte indagação: como as relações
sociais se transformam, no indivíduo, em funções psicológicas? “[...] É pela mediação
que se dá a internalização (reconstrução interna de uma operação externa) de atividades
e comportamentos sócio-históricos e culturais [...].” (GARTON, 1992, p. 89 apud
MOREIRA, 1999, p. 110). Esse autor também pontua que a mediação, ou seja, uma
atividade mediada de modo não direto, é peculiar da cognição humana. Em outras
palavras, mediação “[...] é um processo de intervenção de um elemento intermediário
numa relação; a relação deixa, então, de ser direta e passa a ser mediada por esse
elemento.” (OLIVEIRA, 1993, p. 26).
A título de exemplo, Oliveira (1993) fala uma criança ao aproximar a mão
da chama de uma vela e a afasta ao sentir dor, está caracterizada uma relação direta
entre o calor liberado pela chama e a retirada da mão. Se essa criança está diante de uma
vela acesa e não coloca a sua mão perto da chama ou porque se lembra da experiência
passada ou porque alguém alerta que ela pode sofrer uma queimadura são relações
mediadas pela experiência vivenciada e pela intervenção da pessoa que deu o aviso,
nesta ordem.
A mediação é um conceito central para o entendimento das abordagens
vygotskianas sobre as funções psicológicas superiores ou processos mentais superiores.
Segundo Vygotsky, a relação de uma pessoa com o mundo é, essencialmente, uma
relação mediada. “[...] As funções psicológicas superiores apresentam uma estruturada
tal que entre o homem e o mundo real existem mediadores, ferramentas auxiliares da
atividade humana.” (OLIVEIRA, 1993, p. 27).
Vygotsky classificou os elementos mediadores em instrumentos e signos.
Oliveira (1993) nos informa que apesar de existir uma certa semelhança entre esses dois
tipos de mediadores, os mesmos também apresentam diferenças bem acentuadas e, por
conta disso, devem ser analisados em separado.
[...] Um instrumento é algo que pode ser usado para fazer alguma coisa;
um signo é algo que significa alguma outra coisa. Existem três tipos de
signos: 1) indicadores, são aqueles que têm uma relação de causa e efeito
com aquilo que significam [...]; 2) icônicos, são imagens ou desenhos
129
O destaque dado por Vygotsky para os instrumentos na atividade humana se
deve, notadamente, a influência dos postulados marxistas.
No olhar de Vygotsky, a utilização de instrumentos como elemento
mediador entre o homem e o ambiente é um divisor de águas entre os seres humanos e
os demais animais, pois nós atuamos “[...] dominando a natureza ao invés de
simplesmente usá-la como estes [os outros animais] o fazem.” (MOREIRA, 1999, p.
111). Ele prolongou essa ideia para o uso de signos. Instrumentos e sistemas de signos
(por exemplo, a linguagem e a Matemática) são criados pelas sociedades humanas no
decorrer da história, provocam alterações e exercem influências no desenvolvimento
social e cultural das mesmas. Isto é, “[...] instrumentos e signos são construções sócio-
históricas e culturais; através da apropriação (internalização) destas construções, via
interação social, o sujeito se desenvolve cognitivamente.” (MOREIRA, 1999, p. 111).
Conforme enunciado, o signo é algo que significa alguma outra coisa e a
interação social, ponto fulcral na teoria de Vygotsky, está relacionada diretamente com
a aquisição de significados. Palavras e gestos, exemplos de signos, têm seus
significados construídos socialmente. Como exemplo, Moreira (1999) cita a palavra
pesquisa. No Brasil, ela nos remete à atividade científica, já em terras espanholas, está
comumente associada à investigação policial. Quando nós, brasileiros, fazemos o gesto
de apontar o dedo polegar esticado para baixo estamos comunicando que alguma coisa
não deu certo, o resultado não foi positivo. Na Roma antiga, com esse gesto, o
imperador determinava a execução de um lutador vencido em combate.
Segundo Oliveira (1993), a invenção e o uso de signos como meios
auxiliares para resolver um dado problema psicológico (lembrar, comparar, relatar e
De acordo com Marx, o desenvolvimento de habilidades e funções
específicas do homem, assim como a origem da sociedade humana, são
resultados do surgimento do trabalho. É através do trabalho que o homem,
ao mesmo tempo que transforma a natureza (objetivando satisfazer suas
necessidades), se transforma. Para realizar sua atividade, o homem se
relaciona com seus semelhantes e fabrica os meios, os instrumentos [...].
(REGO, 2011, p. 51).
daquilo que significam; 3) simbólicos, são os que têm uma relação abstrata
com o que significam. As palavras, por exemplo, são signos lingüísticos, os
números são signos matemáticos; a linguagem, falada e escrita, e a
matemática são sistemas de signos. (MOREIRA, 1999, p. 110).
130
escolher, por exemplo), é semelhante à criação e à utilização de ferramentas
intermediárias (instrumentos) que fazem uma mediação entre a ação concreta do homem
sobre o mundo e o mundo. Os signos são formas posteriores de mediação que recebe o
nome de mediação semiótica ou simbólica, efetivando uma interposição entre o sujeito e
o objeto de conhecimento. A reconstrução interna (internalização) de signos por uma
pessoa ocorre quando há compartilhamento dos “significados já aceitos no contexto
social em que se encontra ou já construídos social, histórica e culturalmente.”
(MOREIRA, 1999, p. 113).
Para Vygotsky, o sistema de signos que mais contribui para o crescimento
cognitivo da criança é a linguagem (falada e escrita) pois o uso da signos linguísticos
(palavras, no caso) oportuniza que a criança ganhe, progressivamente, distância do
contexto concreto. O desenvolvimento da linguagem em uma pessoa tem início como
fala social (linguagem como comunicação), passa a fala egocêntrica (linguagem como
mediadora de ações) e desta para a fala interna. “[...] A internalização da fala leva à
independência em relação à realidade concreta e permite o pensamento abstrato flexível,
independente do contexto externo.” (GARTON, 1992, p. 92-93 apud MOREIRA, 1999,
p. 115). Assim, a gradativa descontextualização é uma constatação da evolução dos
processos mentais superiores.
Oliveira (1993) destaca que Vygotsky trabalha com duas funções básicas da
linguagem: a comunicação e o pensamento generalizante. Concisamente, a
comunicação é um aspecto da linguagem verificada nos animais, pois eles se
comunicam por algum tipo de linguagem (gestual ou sonora) com os outros membros da
espécie. No caso do ser humano, o chorar está entre as primeiras expressões
comunicativas. Posteriormente, no decorrer do desenvolvimento, é estabelecida uma
forte relação entre pensamento e linguagem, correspondendo a um grande salto
qualitativo na forma de relação do homem com o mundo. Assim, o pensamento
generalizante nos capacita de abstrair, de generalizar, de classificar.
A seguir, vamos tratar da aprendizagem e da evolução intelectual humana
com base na teoria de Vygotsky. Ademais, em uma visão macroscópica, traçar um
paralelo entre as concepções inatistas e ambientalistas e as ideias de Vygotsky sobre
esses temas e a educação escolar.
131
4.2.2 Aprendizagem e desenvolvimento cognitivo: enfoque vygotskiano
Na perspectiva teórica de Vygotsky, a aprendizagem, produto da interação
social, mostra-se como condição necessária para o desenvolvimento cognitivo que, por
seu turno, requer a internalização dos elementos mediadores e, em particular, dos
signos, em quadros interativos. Tal interação social que suscita a aprendizagem deve
acontecer dentro da zona de desenvolvimento proximal do sujeito. Formalmente,
Vygotsky define zona de desenvolvimento proximal dizendo que
Conceituada como a diferença entre aquilo que uma pessoa mostra-se capaz
de realizar sozinha e o que pode fazer desde que com o auxílio de alguém, a zona de
desenvolvimento proximal
As funções mentais superiores em processo de maturação são definidas pela
zona de desenvolvimento proximal. “[...] É uma medida do potencial de aprendizagem;
[...] é dinâmica, está constantemente mudando” (MOREIRA, 1999, p. 116).
A interação social, além de promover a aprendizagem no interior da zona de
desenvolvimento proximal, demarca o “piso “ e o “teto” desta região.
[...] Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma
determinar através da solução independente de problemas, e o nível de
desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas
sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais
capazes (VYGOTSKY, 2007, p. 97)
[...] sintetiza, portanto, a concepção de desenvolvimento como apropriação
de instrumentos e, especialmente, signos proporcionados por agentes
culturais de interação, a idéia de que o sujeito humano não é só um
destilado da espécie, mas também – em um sentido menos metafórico do
que possa parecer – uma criação da cultura. (RIVIÈRE, 1987, p. 96 apud
MOREIRA, 1999, p. 116)
[...] o limite inferior é, por definição, fixado pelo nível real de
desenvolvimento do aprendiz. O superior é determinado por processos
instrucionais que podem ocorrer no brincar, no ensino formal ou informal,
no trabalho. Independentemente do contexto, o importante é a interação
social. (DRISCOLL, 1995, p. 233 apud MOREIRA, 1999, p. 117).
132
Levando em conta a premissa de Vygotsky – a constituição do homem se dá
por meio de interações sociais – fica explicito que o ser humano é “[...] alguém que
transforma e é transformado nas relações produzidas em uma determinada cultura [...].”
(REGO, 2011, p. 93). Daí, o seu pensamento receber o nome de sociointeracionista.
Segundo Rego (2011), ao passo que Vygotsky faz os desdobramentos do
conceito de zona de desenvolvimento proximal e de outras ideias do seu universo
teórico, temos a oportunidade de entrar em contato com elementos importantes que nos
auxiliam a compreender a inter-relação entre ensino, aprendizagem e desenvolvimento.
Vimos que o pensamento sociointeracionista de Vygotsky, influenciado
pelos postulados do materialismo dialético, tem como premissa que o ser humano no
curso de suas interações com o meio (natural e social) sofre e provoca transformações.
Segundo Vygotsky, “[...] organismo e meio exercem influência recíproca, portanto o
biológico e o social não estão dissociados [...].” (REGO, 2011, p. 93).
Assim, ao levar em conta que a inter-relação entre o homem e o meio é um
aspecto definidor da constituição humana, a perspectiva vygotskiana vai de encontro às
abordagens comportamentalista e inatista quanto ao entendimento da origem e evolução
dos processos mentais humanos e as interações homem/sociedade. Isso, obviamente,
reflete em uma percepção sobre educação diferenciada daquela pensada à luz da teoria
de Vygotsky.
4.2.3 Educação escolar e a teoria sociointeracionista de Vygotsky
Mesmo não encontrando nas proposições teóricas de Vygotsky “soluções
práticas ou instrumentos metodológicos de imediata aplicação na prática educativa
cotidiana”. (REGO, 2011, p. 103), esta autora ressalta que a teoria vygotskiana pode
contribuir enormemente para a educação formal, pois ao expor valorosas reflexões
acerca do processo de constituição dos aspectos psicológicos exclusivamente humano,
estabelece um espaço de discussões e indagações, podendo, inclusive, nortear a
elaboração de ideias e diretrizes que façam vislumbrar alternativas no âmbito
pedagógico.
Assim, respeitadas as limitações de sua teoria, Vygotsky oportuniza uma
análise psicológica da problemática inerente ao ensino e propõem uma reavaliação de
tópicos sempre destacados no campo educacional. Ademais, verificamos no conceito de
zona de desenvolvimento proximal e também em outras teses de Vygotsky, a presença
133
de fatores que são fundamentais para um melhor entendimento da inter-relação entre
ensino, aprendizagem e desenvolvimento.
A partir da explanação de Rego (2011), vamos refletir sobre as seguintes
implicações das ideias vygotskiana no âmbito da educação escolar: valorização do papel
da escola; o bom ensino é o que se adianta ao desenvolvimento; o papel do outro na
construção do conhecimento e o papel mediador do professor na dinâmica das
interações interpessoais e na interação das crianças com os objetos de conhecimento.
Quando aludimos à perspectiva vygotskiana voltada para a educação escolar
(na verdade, ele dedica uma atenção especial a ela), constatamos sua preocupação no
que tange “a análise das condições concretas para o desenvolvimento de um
determinado tipo de cognição” (REGO, 2011, p. 103).
Para Vygotsky, a escola tem uma função diferenciada e imprescindível. Isso
se deve ao fato dela disponibilizar conteúdos e desenvolver tipos específicos de
pensamento, aquele que favorece uma forma mais aperfeiçoada de análise e
generalização dos aspectos da realidade, o pensamento conceitual. Assim, nas
sociedades onde há educação formal, a escola é um fator indispensável à realização
integral da evolução dos indivíduos.
A escola deve propiciar a pessoa apoderar-se da experiência culturalmente
acumulada. Essa oportunidade é dada através de atividades educativas sistematizadas,
ou seja, atividades que “[...] têm uma intencionalidade deliberada e compromisso
explícito (legitimado historicamente) em tornar acessível o conhecimento formalmente
organizado.” (REGO, 2011, p. 104). Destacamos que as atividades realizadas, os
conceitos aprendidos na escola (chamados por Vygotsky de científicos) e a interação
com os conhecimentos adquiridos, levam o aprendiz a fazer uso de novas operações
mentais cuja implicação é a alteração nas formas de emprego da linguagem. Assim, ao
passo que o ser humano amplia seus conhecimentos, constatamos uma transformação
em sua relação cognitiva com o mundo.
Sabemos que a dinâmica da educação escolar é complexa. Parte dessa
complexidade é devido a fatores das esferas social, política e econômica que nela
repercutem, pois não devemos perder de vista que a escola é uma instituição que guarda
dependência com os demais integrantes do tecido social. Tendo como princípio que a
escolarização é algo fundamental para a formação do ser humano em nossa sociedade,
as ideias de Vygotsky suscitam indagações do tipo: em que medida os fatores citados
facilitam a escola cumprir sua relevante função?
134
Nossa vivência como docente não nos permite ter um olhar descolado da
realidade. Ter uma visão sem o respaldo no panorama concreto escolar seria, por
exemplo, considerar que a simples permanência do aluno na escola seja condição
suficiente para garantir que ele se aproprie do acervo do conhecimento sistematizado,
ou seja, do saber nas suas formas desenvolvidas. Na verdade, o acesso ao saber
sistematizado dependerá tanto dos fatores de natureza sociopolítica e econômica como
da qualidade de ensino ofertada. Alinhado com esse quadro, Vygotsky levam-nos a
pensar na necessidade de parâmetros mais rígidos por ocasião da avaliação do modo que
a escola vem realizando tão importante função.
É do nosso entendimento que a teoria sociocultural ao advogar que é o
aprendizado quem impulsiona os processos de desenvolvimento, toma uma posição
oposta à tendência predominante nas escolas, isto é, nos estabelecimentos de ensino a
ideia majoritária é que o desenvolvimento é pré-requisito para o aprendizado. Se a
primeira impressão é fizemos somente um jogo de palavras, na verdade, sinaliza uma
modificação na forma de compreender os processos de ensino e de aprendizagem.
Desse modo, na pré-escola, via de regra, as atividades que são propostas têm
a finalidade de desenvolver certas habilidades (noções de lateralidade e orientação
espacial, por exemplo), objetivando “preparar” as crianças para o futuro aprendizado da
língua escrita. Segundo Vygotsky, o bom ensino é aquele que precede o
desenvolvimento. Em outras palavras, o processo de ensino deve ser norteado aos
processos mentais que se encontram na iminência de efetivação. A relevância disso na
educação escolar é a melhor compreensão da zona de desenvolvimento proximal,
“lugar” onde ocorre a apreensão de saberes mediante a interação entre o indivíduo
potencialmente habilitado a aprender e pessoas mais experientes do mesmo grupo
cultural.
O ensino verbalista, baseado na transmissão oral de conhecimentos por
parte do professor, assim como as práticas espontaneísta, que abdicam de
seu papel de desafiar e intervir no processo de apropriação de
conhecimentos por parte das crianças e adolescentes, são, na perspectiva
vygotskiana, além de infrutíferos, extremamente inadequados. Seus
postulados apontam para a necessidade de criação de melhores condições
na escola, para que todos os alunos tenham acesso às informações e
experiências e possam efetivamente aprender (REGO, 2011, p. 106)
135
Em conformidade com a teoria sociointeracionista, a formação do ser
humano depende de processos de maturação orgânica e, principalmente, de interações
sociais nas quais ele se envolve. Ao realizar intercâmbios com parceiros com maior
experiência, processos mentais estreitamente relacionados ao aprendizado tornam
possível que o sujeito apodere-se do legado cultural (material e simbólico) do seu grupo
social.
Quando Vygotsky diz que a trajetória do desenvolvimento do ser humano é
no sentido do social para o individual, ele está afirmando que a apropriação requer a
internalização das atividades ocorridas no decurso das interações. Em outras palavras, a
apropriação do conhecimento sistematizado implica na conversão dos processos
externos em um processo intrapsicológico. Logo, sob a ótica vygotskiana, a construção
do conhecimento inclui uma ação compartilhada, haja vista que é por meio das pessoas
com quais interagimos que as relações entre sujeito e objeto de conhecimento são
consolidadas. É da incumbência do professor incentivar e promover as interações no
cotidiano das salas de aula.
A heterogeneidade, traço característico de todo grupo humano, é primordial
– na concepção sociocultural – para as interações em sala de aula. Os diversos aspectos
(contextos familiares, trajetória pessoal, valores, níveis de conhecimento etc.) dos
partícipes da interação (alunos e professor) criam as condições que possibilitam as
trocas de informações, de visão de mundo e de ajuda mútua. Esse conjunto de fatores
colabora para uma expansão das capacidades individuais.
A escola desempenhará bem seu papel, na medida em que, partindo daquilo
que a criança sabe (o conhecimento que ela traz de seu conhecimento, suas
ideias a respeito dos objetos, fatos e fenômenos, suas “teorias” acerca do
que observa no mundo), ela for capaz de ampliar e desafiar a construção de
novos conhecimentos, na linguagem vygotskiana, incidir na zona de
desenvolvimento proximal dos educandos. Desta forma poderá estimular
processos internos que acabarão por se efetivar, passando a constituir a base
que possibilitará novas aprendizagens (REGO, 2011, p. 108)
Em síntese, uma prática escolar baseada nesses princípios deverá
necessariamente considerar o sujeito ativo (e interativo) no seu processo de
conhecimento, já que ele não é visto como aquele que recebe passivamente
as informações do exterior. Todavia, a atividade espontânea e individual da
criança, apesar de importante, não é suficiente para a apropriação dos
conhecimentos acumulados pela humanidade. Portanto, deverá considerar
também a importância da intervenção do professor (entendido como alguém
mais experiente da cultura) e, finalmente, as trocas efetivadas entre as
crianças (que também contribuem para os desenvolvimentos individuais).
(REGO, 2011, p. 110).
136
Vamos tecer alguns comentários, à luz das teses enunciadas por Vygotsky,
com relação do papel do professor. Com base no exposto, cremos ser óbvio que a
atuação do professor não deve se limitar a informar e formar os alunos. Se a interação
social, conforme ressaltamos inúmeras vezes, é primordial para alavancar progressos no
desenvolvimento individual, então o papel de grande destaque que cabe ao professor é o
de mediador. Em sua ação professoral, o docente é o agente que media (e oportuniza) as
interações entre os aprendizes e dos alunos com os objetos de conhecimento.
Assim, no cotidiano escolar, ao professor (não com exclusividade) é
atribuída a intervenção “nas zonas de desenvolvimento proximal” dos alunos. Ademais,
através do ensino, lançar desafios que promovam os processos de aprendizagem e
desenvolvimento cognitivo. Nessa perspectiva, a mediação qualificada, via “[...]
demonstrações, explicações, justificativas, abstrações e questionamentos [...].” (REGO,
2011, p. 115), por parte do professor é imprescindível no processo educativo. Contudo,
para que a intervenção resulte em progressões, reestruturação e aumento do saber, se faz
necessário que o professor planeje estratégias a partir do que já está sob o domínio dos
alunos, ele conheça qual o real patamar dos aprendizes. Assim, “[...] as suas
descobertas, hipóteses, informações, crenças, opiniões, enfim suas ‘teorias’ acerca do
mundo circundante[...].” (REGO, 2011, p. 116) corresponderia ao ponto de largada.
Uma relação cotidiana de diálogo entre o professor e os educandos é o caminho de
acesso a esse nível efetivo dos alunos.
Para um efetivo desempenho do professor enquanto elemento mediador nos
processos de ensino e de aprendizagem no enfoque sócio-histórico, consideramos
fundamental que ele assuma o que Moysés (1997) denomina de uma atitude de
pesquisa.
Por atitude de pesquisa estou considerando uma constante preocupação do
professor em conhecer e interpretar a realidade sociocultural dos seus
alunos e da comunidade onde se insere a escola. Isso se revela por um
permanente estado de alerta em relação aos processos de apreensão do
conhecimento por parte dos alunos, tentando perceber os fatores que o
influenciam tanto positiva, quanto negativamente ou por meio da
adaptação do ensino às características do alunado, de forma a torná-lo
pleno de sentido. Mostra-se, também, quando ele procura acompanhar a
evolução dos desempenhos dos seus alunos, analisando seus resultados,
discutindo com seus pares, trocando experiências etc. (MOYSÉS, 1997, p.
64).
137
Considerando tão relevante quanto o que ventilamos, colocamos em
destaque o que é preciso para que o professor realize de modo competente seu papel
enquanto profissional da educação. Além de melhores condições salariais e de trabalho,
é essencial que o professor seja escutado, que suas ideias, hipóteses e conhecimentos
(frutos de experiência de vida laboral e particular) venham a público. Possivelmente,
isso fornecerá subsídios que o auxilie e a outros docentes na tentativa de trilhar novos
caminhos pedagógicos.
Não menos importante é o papel que cabe ao professor de professores, ou
seja, os docentes que atuam na área de formação de professores. Compartilhamos a
ideia que uma ação diferenciada dos professores em ambientes escolares se tornará
palpável junto aos alunos da educação básica – não unicamente, todavia em grande
medida –, se no decorrer da licenciatura os formadores de futuros professores incidem
na zona de desenvolvimento proximal destas pessoas. Isso se concretizando, partindo do
conhecimento já adquirido, os licenciandos serão auxiliados na construção de novos
conhecimentos e, desse modo, de posse de um embasamento teórico/prático mais
substancial, que deverá ser continuamente ampliado, reunirão melhores condições para
exercer a docência de modo mais satisfatório, isto é, os processos de ensino e de
aprendizagem darão o salto de qualidade tão propagado e até então não concretizado.
À guisa de sintetizar o olhar vygotskiano acerca da educação escolar,
registramos que
Assim, segundo Vygotsky, uma prática pedagógica alicerçada na interação
e no respeito entre seus partícipes, contribui sobremaneira para a aquisição de novos
saberes.
Os postulados de Vygotsky parecem apontar para a necessidade de criação
de uma escola bem diferente da que conhecemos. Uma escola em que as
pessoas possam dialogar, duvidar, discutir, questionar e compartilhar
saberes. Onde há espaço para transformações, para as diferenças, para o
erro, para as contradições, para a colaboração mútua e para a criatividade.
Uma escola em que professores e alunos tenham autonomia, possam
pensar, refletir sobre o seu próprio processo de construção do
conhecimentos e ter acesso a novas informações. Uma escola em que o
conhecimento já sistematizado não é tratado de forma dogmática e
esvaziado de significado. (REGO, 2011, p. 118)
138
4.2.4 A visão histórico-cultural de Vygotsky e a Educação Matemática
Nesse segmento, buscamos pontos de aproximação entre a abordagem
sócio-histórica de Vygotsky e a aquisição de conhecimento matemático. Na composição
desse quadro, Moysés (1997) pontua que a proximidade entre a Educação Matemática e
as teses vygotskianas teve origem no Terceiro Congresso Internacional de Educação
Matemática, ocorrido na Alemanha, em meados da década de 1970.
O modo pelo qual os conteúdos escolares são trabalhados e, em particular,
os de Matemática, continua sendo alvo de críticas. A nosso juízo, ainda hoje prepondera
uma educação formal com um intenso distanciamento entre o processo de escolarização
e o mundo extramuros da escola. Concernente à Matemática, estamos alinhados com a
ideia que o processo educativo deve ser efetivado de maneira que o aluno perceba o
sentido, a razão de ser do conteúdo ministrado durante as aulas.
Moysés (1997) fala que em relação à Matemática – cuja universalização e o
entendimento sobre o propósito do seu estudo são marcos peculiares –, constata-se que
a postura de alunos de diversos países se assemelha como também as dificuldades
enfrentadas são comuns. Por conta disso, Stodolsky (1985 apud MOYSÉS, 1997),
dentre outros pesquisadores, defende que o ensino de Matemática deve acontecer,
preferencialmente, através de atividades grupais. Segundo esse autor, a interação tem
uma função de relevo na construção do saber matemático. Isso posto, fica notório a
influência da perspectiva de Vygotsky, “[...] para quem a aprendizagem dos conceitos
deveria ter suas origens nas práticas sociais, conforme já foi abordado.” (MOYSÉS,
1997, p. 61).
Em termos de Brasil, a influência do enfoque sócio-histórico no campo da
Educação Matemática tomou impulso na segunda metade do decênio 1980. A título de
exemplo, Moysés (1997) cita os nomes de Terezinha Nunes e Analúcia Schliemann,
pertencentes ao grupo de pesquisadores do mestrado em Psicologia Cognitiva da
Universidade de Pernambuco. Achamos interessante mencionar que nos primeiros anos
da década de 1980, as pesquisas no campo da Matemática escolar tinham um
embasamento teórico fortemente marcado pelo interacionismo cognitivista de Piaget.
Com o predomínio da abordagem sociocultural, surge uma nova área de
pesquisa ligada à Educação Matemática: a Etnomatemática. “[...] Ela é hoje o lugar de
convergência das preocupações sobre o papel dos fatores culturais como língua, hábitos,
costumes, modos de vida sobre o ensino e a aprendizagem da matemática [...].”
(JANVIER, 1991, p. 129 apud MOYSÉS, 1997, p. 63). Ubiratan D’Ambrosio,
139
pesquisador brasileiro e um dos expoentes da Etnomatemática, nos fala que ela “[...] É
um programa que visa explicar os processos de geração, organização e transmissão de
conhecimento em diversos sistemas culturais e as forças interativas que agem nos e
entre os três processos [...].” (D’AMBROSIO, 1990, p. 7 apud MOYSÉS, 1997, p. 63) e
deixa patente que as ideias de Vygotsky, ampliadas por seus colaboradores, exerceram
um papel decisivo no tocante a um novo modo de pensar a Educação Matemática.
Ao se debruçar, nos anos 1990, sobre algumas pesquisas realizadas no
âmbito da Educação Matemática, Moysés (1997) verificou que, apesar de algumas
vezes não explicitada, havia uma nítida inclinação para uma abordagem
sociointeracionista. “[...] Na verdade, são trabalhos que falam da contextualização,
abordam questões como o significado, a relação entre o conceito científico e conceito
espontâneo, trazendo uma nova forma de encarar o ensino da matemática.” (MOYSÉS,
1997, p. 65). Parece-nos conclusivo que desde então passamos a incluir em nossas
preocupações, fazendo parte inclusive do discurso oficial, a contextualização da
Matemática escolar.
Sem descer aos detalhes, recorremos a um exemplo citado na obra Na vida
dez, na escola zero – publicada em 1988 e cujos organizadores são Teresinha Nunes,
Analúcia Schliemann e David Carraher. Nesse exemplo, exigia-se a noção de
proporcionalidade e foi usado para ilustrar o que é contextualização e sua ligação com a
perspectiva sociocultural. Vejamos: plantas de interiores de casas, cada uma desenhada
em uma escala diferente, foram apresentadas para mestres-de-obras e alunos do 8º. ano
do Ensino Fundamental (na terminologia atual) e a partir delas, propostas duas tarefas.
A primeira questão pedia a determinação da escala usada sabendo a medida de uma
parede na planta e a medida real da parede correspondente. A segunda, medir uma
parede no desenho e sabendo a escala usada, determinar o comprimento real dessa
parede.
Em decorrência da atividade profissional, os mestres-de-obras mostraram
desenvoltura ao lidar com as escalas usuais (1/100 e 1/50), porém uma parcela
considerável teve dificuldade ao trabalhar com escalas desconhecidas (ex.: 1/33,3).
Mesmo assim apresentaram respostas plausíveis. Isso demonstra, conforme Moysés
(1997), que o exercício profissional ajuda na permanência do sentido no transcurso de
toda a operação mental e isso não é verificado com o aluno. Ao tecer esse comentário,
entendemos que essa autora não está desconsiderando o valor da aprendizagem
estruturada do algoritmo da proporção (a/b=c/x), já que tanto em situações
140
particularizadas quanto àquelas plenas de sentido, ele é satisfatório. O que ela enfatiza é
que “[...] a noção de proporcionalidade deverá servir para a vida e não simplesmente
para se resolver os problemas propostos pela escola.” (MOYSÉS, 1997, p. 67). Isso é
extensivo para as notações simbólicas e as convenções formais.
Diante do que acabamos de expor, consideramos pertinente discorrer sobre
o papel do sentido e do significado no processo de aquisição de conhecimento,
consoante ao arcabouço teórico de Vygotsky. Ao analisar as relações entre linguagem e
pensamento – que posteriormente foram expandidas por Luria nas obras Sensações e
percepções. Psicologia dos processos cognitivo e Pensamento e linguagem. As últimas
conferências de Luria, publicadas no Brasil, segundo Moysés (1997), em 1979 e 1987,
nesta ordem –, Vygotsky inseriu os conceitos de significado e sentido. Ao apropriar-se
do significado de uma palavra, o homem está dominando a experiência social. Se essa
experiência decorre da individualidade humana, então uma dada palavra apresenta um
significado, evoluído historicamente e compartilhado por distintas pessoas, e um
sentido, de caráter pessoal. Em outras palavras, o sentido de uma palavra assume um
aspecto diferente, conforme o contexto em que ela se faz presente. No entanto, o seu
significado tem uma relativa estabilidade, pois está vinculado a relações estabelecidas
no decorrer do tempo.
Conforme Vygotsky (1987 apud MOYSÉS, 1997), o significado de uma
palavra tem uma gradação (temos o significar mais e o significar menos) quando
olhamos para ela inserida em um determinado contexto em relação à mesma palavra
tomada de modo isolado: mais, em decorrência de adquirir uma nova acepção; menos,
pois o contexto estabelece delimitações em seu significado. Com isso, Vygotsky auxilia,
em muitos casos, no porquê da falta de compreensão por parte dos alunos de conteúdos
trabalhados em sala de aula.
Provavelmente, o não entendimento que acontece por questões associadas
ao conhecimento dos significados e dos sentidos das palavras estar muito mais presente
Se professor e alunos defrontam-se com sentenças, regras e símbolos
matemáticos sem que nenhum deles consiga dar sentido e significado a tal
simbologia, então a escola continua a negar ao aluno – especialmente
àquele que freqüenta a escola pública – uma das formas essenciais de ler,
interpretar e explicar o mundo. O importante é que o aluno, ao chegar a
utilizar tais notações simbólicas, compreenda a sua razão de ser [...]. ”
(MOYSÉS, 1997, p. 67)
141
nas práticas escolares do que podemos cogitar. Tanto professores que desconhecem o
alcance dos significados e sentidos que os alunos dão às suas palavras quanto livros
didáticos que não raramente se encarregam de originar confusão conceitual, são
exemplos de situações que tendem a não contribuir na criação de um ambiente de
compartilhamento de significados nas interações entre professor-aluno ou livro
didático-aluno. Assim,
Reparamos, então, que o compartilhamento de significados mostra-se
primordial para que as relações interpessoais sejam exitosas, isto é, ocorre entendimento
por ocasião das interações entre aluno-professor, por exemplo, quando eles
compartilham significados.
Assim, compreendemos que a contextualização nos processos de ensino e de
aprendizagem de Matemática está associada à relação que é estabelecida entre uma
determinada situação que envolve cálculo e uma representação, que se apresenta, por
exemplo, na forma de imagens mentais, diagramas ou simulações. “[...] o raciocínio
contextualizado favorece a articulação das variáveis em jogo e contribui para o sucesso
do processo de resolução do problema matemático envolvido.” (MOYSÉS, 1997, p. 76).
O pesquisador canadense Claude Janvier ao realizar investigações sobre
processos mentais superiores em pessoas que aplicavam a Matemática cotidianamente
na sua atividade laboral, constatou a forte influência do contexto tanto na
operacionalização quanto na organização da solução no tocante à sua demarcação e, em
numerosos casos, ao seu direcionamento. Assim, com o desiderato de diminuir a
complexidade da representação simbólica, esse estudioso sugere o uso do raciocínio
contextualizado no âmbito da escola. Janvier (1991 apud MOYSÉS, 1997) argumenta
que ao lançar mão da contextualização, temos abertura de ir diretamente às relações
fundamentais, deixando à margem ou simplificando, o emprego de fórmulas algébricas.
[...] O fato de o aluno não compartilhar do mesmo nível de profundidade e
amplitude de um conceito com um interlocutor – seja ele o professor ou o
autor de um texto que ele esteja lendo – pode gerar desentendimentos. Se o
significado que ele atribui a uma palavra é muito mais estreito e superficial
do que o que lhe atribui aquele com quem fala, a sua comunicação será,
provavelmente, prejudicada. Se além de haver diferentes níveis para o
significado, também o sentido que ambos atribuem a essa palavra for
diferente, estarão, provavelmente, estabelecendo um “diálogos de surdos”.
(MOYSÉS, 1997, p. 40)
142
5 NA ESFERA DAS ATIVIDADES: DESCRIÇÃO E ANÁLISE DAS
ATIVIDADES
No presente capítulo, temos a descrição das atividades realizadas ao longo
da pesquisa. Ademais, registramos nossa percepção referente aos procedimentos e as
interações no decorrer das mesmas, assim como a interpretação e análise dos processos
de ensino e de aprendizagem dos conceitos geométricos de área e de perímetro.
Conforme citamos no capítulo inicial, nossa pesquisa foi desenvolvida junto
à turma do 6º. ano B da EMAXL, escola da rede pública municipal situada em um
bairro periférico de Russas, município localizado no sertão cearense, pertencente à
região do Baixo Jaguaribe e a cerca de 160 km de Fortaleza.
Nosso primeiro contato com a turma – que ocorreu no dia 17/set./2014 –
teve início com o professor de Matemática da turma (Pedro), informando aos alunos que
a partir daquela data, nas duas aulas de quarta-feira – cuja duração era de 120 minutos
com um com um intervalo de 20 minutos entre a 3ª. e 4ª. aulas –, seriam realizadas
atividades envolvendo perímetro e área de figuras planas e que se tratava de uma
pesquisa de mestrado em Educação da FAFIDAM-FECLESC/UECE ou nas próprias
palavras deste professor, na tentativa de ser melhor entendido pelos alunos, de “um
trabalho de pesquisa sobre o ensino de Geometria feita pelo professor Alves, professor
do Colégio Estadual Gov. Flávio Marcílio e mestrando em Educação pela Universidade
Estadual do Ceará”.
Na sequência, além de fazermos eco às palavras do Professor Pedro,
acrescentamos o quanto era fundamental para a pesquisa que todas as atividades
propostas (seja de caráter individual ou grupal) fossem encaradas com muita seriedade,
que todos não poupassem esforços no sentido de efetivá-las sempre com a intenção de
chegar a resultados satisfatórios, pois o nosso estudo, a nossa análise seriam baseados
nos resultados obtidos através das atividades e da observação das posturas de todos os
participantes das interações que ocorreriam durante a realização das mesmas.
Houve uma boa receptividade da informação (o que é comum, segundo
nossa observação ao longo de mais de duas décadas de “chão de escola”, quando
alguém que não é do convívio da escola se dirige a uma turma). Nesse dia, estavam
presentes 32 alunos que ocupavam as cadeiras dispostas na sala conforme mostram as
fotografias no Apêndice B. Relembramos que, na verdade, o espaço físico onde
aconteciam as aulas do 6º. ano B era o auditório do colégio, improvisado como sala de
143
aula. Registramos que esse espaço voltou a ser usado exclusivamente como auditório
em março/2015, pois foram construídas 4 novas salas.
Também, em 17/set./2014, tivemos a aplicação do Teste Diagnóstico (TD)
com 7 questões e um total de 13 perguntas (ver Apêndice C). Todas as questões
versavam sobre Geometria Plana e 71,43% delas, no caso, as 5 últimas questões,
totalizando 11 perguntas, tratavam especificamente de perímetro ou área. Não foi
delimitado um intervalo de tempo para a sua resolução, mas teve uma duração
aproximada de 20 minutos.
Nos quadros de resultados mostrados nos Apêndices D e E constam somente
os nomes dos 27 alunos que resolveram o referido teste e sua reaplicação. A reaplicação
do Teste Diagnóstico (RTD) ocorreu em 03/dez./2014. Pontuamos que no dia 17/set
todos os 32 alunos presentes à aula fizeram o TD, porém temos a ausência dos nomes de
5 alunos no quadro de resultados porque estes não participaram da RTD. Deixando
exposto o critério que adotamos nessa situação, fizemos um comparativo de
desempenho por aluno (sujeito da pesquisa) no TD e na RTD, sendo isto mostrado no
Apêndice F.
Não obstante a importância das questões 1 e 2 do TD – o objetivo da
questão 1 era que o aluno identificasse o quadrado no grupo de quadriláteros expostos, e
o da 2, após seguir as instruções de ligações entre pontos, levar o aluno a desenvolver
sua percepção no espaço bidimensional –, elas não tratavam das grandezas perímetro e
área. Decorrente disso, prendemos nossa atenção no que os alunos apontaram como
respostas desde a terceira questão, segmentada em duas perguntas, até a sétima,
subdividida em seis perguntas.
O gráfico único revela a quantidade de alunos que acertou uma dada
pergunta tanto no Teste Diagnóstico (TD) quanto na sua reaplicação (RTD).
144
Fonte: próprio autor
De início, destacamos que a totalidade das 13 perguntas não foi respondida
corretamente, no TD, por nenhum dos 27 sujeitos da pesquisa, sendo o melhor
desempenho alcançado por Sávio (76,92%, equivalente a 10 perguntas). Já na RTD, o
aluno Horácio chegou a marca de 100% de acertos.
A leitura do gráfico acima nos leva a constatar que:
(1) em relação ao TD, a pergunta com maior percentual de acertos foi a 3.I,
com 88,89%, correspondente a 24 alunos. Inclusive, nesse quesito, o percentual ficou
mantido na RTD;
(2) na RTD, foi a pergunta 5 que apresentou o percentual mais elevado de
acertos (25 alunos, equivalente 92,59%);
(3) o número de alunos que acertaram uma dada pergunta na RTD foi maior
ou igual ao verificado no TD, em relação ao mesmo quesito, exceto o 7.I. Nesta
pergunta, 21 alunos acertaram por ocasião do TD, enquanto no RTD foram 20
acertadores. A nosso juízo, essa pequena queda se deu, basicamente, por falta de
atenção no momento da resolução. Tal percepção está embasada no fato que nas demais
indagações sobre área (3, 5, 7.III e 7.V) tivemos aumento no números de acertadores;
0
5
10
15
20
25
1 2 3.I 3.II 4 5 6 7.I 7.II 7.III 7.IV 7.V 7.VI
TD
RTD
Gráfico único – Números de acertos: alunos por pergunta no Teste Diagnóstico (TD)
e Reaplicação do Teste Diagnóstico (RTD)
145
(4) referente ao TD, as indagações 4 e 7.VI foram as que apresentaram o
número mais baixo de acertos (somente 1 aluno respondeu corretamente,
correspondente a 3,70%). Levando em conta o intervalo de perguntas 3.I à 7.VI, a
pergunta com menor percentual de acerto na RTD foi a 4, conseguido por 5 alunos
(18,52%).
Com base nos dados coletados a partir da correção das questões presentes
no teste, verificamos que as maiores incidências de erros, por ocasião da aplicação do
TD (ver Apêndice C), aconteceram nas seis perguntas, quais sejam: 3.II, 4, 6, 7.II, 7.IV
e 7.VI, que envolviam perímetro. A partir do quadro de resultados da RTD (ver
Apêndice D), vemos que essa constatação continua válida, contudo, também é verdade
que houve avanços significativos, sendo o maior deles o ocorrido na pergunta 7.VI, pois
enquanto no TD apenas 1 aluno a resolveu acertadamente, na RTD, foram 17.
Reparamos que, por ocasião do TD e na tentativa de determinação das áreas,
o caminho usado foi a contagem de quadradinhos, iguais entre si, que formavam a
figura plana (a marcação de pontos no interior dos quadradinhos levou-nos a essa
conclusão). Em relação à determinação do perímetro, não identificamos, por parte da
esmagadora maioria dos alunos, nenhum tipo de marcação nos lados dos quadradinhos
que delimitavam a figura, isto é, nos lados dos quadradinhos que formavam o contorno
de cada figura, para a obtenção do perímetro, conforme esperávamos.
A título de exemplo, vejamos como o aluno Rivaldo – que obteve 53,85%
de acertos, correspondendo a 7 respostas corretas – desenvolveu a resolução das
questões 5 e 6 no TD. Pelo que ele registrou, seu procedimento foi idêntico nas nessas
duas questões, levando-nos a inferir que ele apresentava pouco ou nenhum domínio
sobre o conceito de perímetro.
Figura 2 – Resolução das questões 5 e 6 do Teste Diagnóstico por Rivaldo
146
Fonte: próprio autor
Ligado ao que acabamos de comentar, achamos interessante pontuar que no
TD somente duas alunas (Irineuda e Zuleide) acertaram a 6ª. questão, que indagava
sobre perímetro. Nossa percepção é que a Irineuda apresenta indícios de uma maior
desenvoltura quanto ao conceito de perímetro, pois ela também respondeu corretamente
as perguntas 7.II e 7. IV, que tratavam do mesmo tema.
A média obtida pelo grupo de 27 alunos, sujeitos da pesquisa, no TD foi
40,19% e na RTD, correspondeu a 63,82% . Por conta das idades dos alunos do 6º. ano
B se estenderem dos 11 aos 17 anos, achamos interessante divulgar as médias por
intervalos etários dividido em dois blocos, a saber: bloco 1, composto por alunos de 11
e 12 anos (correspondendo a 18 educandos, ou seja, 66,67% dos alunos investigados) e
o bloco 2, constituído por educandos de 13 a 17 anos (equivalente a 33,33% dos alunos
investigados). Não obstante acreditarmos ser uma informação conhecida por todos,
pontuamos que os alunos do 2º. bloco encontravam-se fora da faixa de idade adequada,
sob ponto de vista formal, ao sexto ano do Ensino Fundamental. No que tange ao TD,
a média do 1º. bloco foi de 39,77% e a do segundo, 41,04%. Com relação aos resultados
da RTD, as médias alcançadas pelos blocos 1 e 2 foram 66,63% e 58,12%,
respectivamente.
Do exposto, no sentido do TD para a RTD, fica patente que para a
totalidade dos alunos investigados, houve um acréscimo de 23,63% na média. Também
em termos de média, o bloco 1 experimentou um aumento de 16,86% e o bloco 2, o
crescimento correspondeu a 17,08%. Diante desse quadro, achamos plausível o
pensamento que se ainda não houve uma apropriação de modo pleno dos conceitos de
perímetro e área, foram dados passos nesse sentido. Em outras palavras, esses
incrementos sinalizam que as atividades desenvolvidas pelos sujeitos da pesquisa, com
a mediação qualificada do professor, contribuíram para que uma maior parcela dos
147
alunos investigados iniciassem um processo que os levassem à compreensão dos
conceitos das grandezas geométricas perímetro e área.
Após o intervalo, no mesmo dia 17/set., solicitamos ao Professor Pedro que
liberasse um aluno por vez para que preenchêssemos o Questionário Socioeducacional
(ver Apêndice G). Nosso intuito era obtermos dados relativos a fatores extraescolares
que consideramos importante (morar próximo à escola, nível de escolaridade dos pais
etc.) no processo educativo formal. No capítulo 2 nos reportamos sobre alguns aspectos
do perfil da turma pesquisada com base nos dados coletados através desse questionário
e um breve comentário sobre como esses elementos influenciam na vida escolar dos
alunos pesquisados.
Sendo o foco desta pesquisa um estudo acerca de um processo de ensino que
pudesse contribuir para a apreensão por parte dos alunos da turma investigada dos
conceitos das grandezas geométricas perímetro e área, desejávamos, então, que o aluno
compreendesse que uma região demarcada no espaço bidimensional está associada ao
conceito de área e o seu contorno, ao de perímetro.
Com o resultado do TD em mãos e de pleno acordo como o Professor Pedro
elaboramos as atividades a serem desenvolvidas pelos sujeitos da investigação, ou seja,
pelos alunos do 6º. Ano B. O primeiro dia com atividades foi 01/out./2014 e nossa
pesquisa teve sequência nas aulas que aconteceram em 08/out., 22/out., 05/nov. e
19/nov./2014. Versaremos agora sobre as atividades elaboradas de comum acordo por
nós (o professor pesquisador e o Professor Pedro) e desenvolvidas pelos sujeitos da
pesquisa, descrevendo-as e analisando-as.
5.1 ATIVIDADE 1 – DIA 01/out./2014 – ÁREA DE POLÍGONOS
QUADRICULADOS
Assumindo que todo polígono é caracterizado como uma figura plana
fechada delimitada por segmentos de reta, chamados lados do polígono, onde cada par
de lados que se encontram (lados consecutivos) têm em comum o ponto extremo
(vértice do polígono) e não são colineares, iniciamos a aula desenhando no quadro-
branco uma figura poligonal com a seguinte forma.
Figura 3 – Atividade: caracterização de um polígono
Fonte: próprio autor
148
A partir da observação desse pentágono, discutimos com os alunos o que
caracteriza um polígono. Nossa percepção, a partir da fala dos alunos, é que houve o
seguinte entendimento por parte dos alunos: todo polígono é uma figura plana fechada
cujo contorno é constituído somente por segmentos de reta.
Não obstante nosso objetivo ser a compreensão dos conceitos de perímetro e
área, a importância dessa atividade – que consistia em conhecer os elementos
identificadores de uma figura poligonal –, a nosso juízo, se deve ao fato que,
comumente, os alunos não são colocados frente a questões que solicitam a determinação
do perímetro de figuras irregulares e/ou não poligonais (exemplo: perímetro de uma
figura composta por um retângulo e uma semicircunferência). Considerando tal quadro,
temos, de certo modo, o porquê de uma grande parcela dos professores de Matemática
enunciarem a seguinte definição: “perímetro é a soma das medidas dos lados”. Por
exemplo, se uma figura plana fechada tem um segmento (trecho) curvilíneo, ela não é
poligonal, porém tem um perímetro (apresenta um contorno). Como já citamos, a
construção do conceito de perímetro está associada à ideia de contorno da figura e, por
extensão, a medida do perímetro “é a medida do comprimento do contorno da figura.”
Com o intuito de trabalharmos com questões em que seriam determinadas
áreas de polígonos quadriculados (polígono quadriculado é aquele composto
exclusivamente por quadradinhos iguais entre si, ou seja, quadradinhos congruentes),
indaguei-os: um único quadradinho é um polígono de qual área? A resposta foi dada de
imediato por um percentual considerável da turma: é igual a 1. E se o polígono é
formado por 2 quadradinhos? Resposta fornecida: área igual a 2 . Aproveitamos esse
momento para combinar com os alunos que a área (a rigor, a medida da área) de um
polígono quadriculado corresponderia à quantidade de quadradinhos que são usados
para formá-lo, isto é, utilizados na sua composição. Em outras palavras, estávamos
estabelecendo o seguinte acordo com eles (de modo simultâneo, inserindo a noção de
medida de área) que a área de 1 quadradinho corresponderia a 1 unidade de área,
indicada por 1 u.a., e que ele seria denominado de quadrado unitário. Fazendo isso,
nosso intento era trabalhar a ideia de unidade de medida de área, apesar de não recorrer
às unidades usuais (cm² e m², por exemplo). E se, perguntei, para montar um polígono
quadriculado forem usados 7 desses quadradinhos, qual será a sua área? O retorno dado:
área igual a 7. Alguns poucos alunos (Sávio e Dilma afirmaram com maior convicção)
que era 7 unidades de área (7 u.a.).
149
Isso posto, fixamos no quadro-branco cartazes onde estavam desenhadas
figuras semelhantes às representadas na Figura 4. Indagamos: qual dos polígonos abaixo
tem área maior?
Figura 4 – Atividade: comparação de áreas de polígonos
Fig. 1 Fig. 2 Fig. 3 Fig. 4
Fonte: próprio autor
Quase por unanimidade os alunos – confirmando com nossa expectativa –,
não encontraram dificuldade em constatar que cada um dos quatro polígonos expostos
era formado por 5 quadradinhos congruentes, sendo conclusivo que todos tinham a
mesma área: 5 u.a.
Alinhando-se com o que dispõe Brasil (1998) e a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação (LDB), quando sugerem que as noções de área e perímetro devem estar
atreladas a questão do mundo vivencial do aluno e representadas pela composição e
decomposição de figuras, usando-se a malha quadriculada (sendo o polígono
quadriculado uma de suas variantes, sob nossa ótica) e o ladrilhamento, direcionamos a
atenção dos alunos para o fato de que apesar dos polígonos apresentarem áreas iguais,
eles tinham formas diferentes. Assim, ficamos com a percepção que uma fração
significativa de alunos compreendeu que ao usarmos a mesma quantidade de
quadradinhos na composição de um polígono, independente da forma que ele venha
apresentar, sua área não sofre nenhuma alteração.
Como podemos formar a figura 2 partindo da primeira? Diante dessa
pergunta, Keila, que obteve 46,15% de acertos no TD, disse: “Basta tirar o quadrado de
cima e botar em baixo”. Na sequência, formulando perguntas semelhantes, variando o
polígono de “partida” e o de “chegada”, notamos um crescente número de alunos
envolvidos na tarefa, emitindo sua visão de como deveria ser os movimentos dos
quadradinhos na transformação de um polígono em outro. Após diversas transformações
objetivando satisfazer as questões propostas, comentamos que esses procedimentos
implicam na composição e decomposição de figuras planas.
Para finalizar a aula, propomos uma atividade em dupla que consistia em
determinar a área de um polígono quadriculado. Para cada uma das 12 duplas formadas,
150
entregamos uma figura poligonal distinta das demais. O baixo grau de dificuldade
apresentado pela atividade, uma vez que envolvia apenas contagem, levou-nos a uma
expectativa positiva, que foi ratificada ao constatamos 100% de acertos por parte das
duplas. A título de exemplo, a questão resolvida pela dupla Fabrícia e Jaqueline é
mostrada no Apêndice H.
A nosso juízo, a resolução correta por parte da totalidade dos alunos na
atividade em dupla e as respostas externadas nas discussões sobre a
composição/decomposição de polígonos quadriculados mostra-se como indicativo que
os sujeitos da pesquisa possivelmente se encontravam no 1º. Nível de compreensão das
ideias geométricas do modelo de van Hiele no tema área de polígono, haja vista que ao
visualizarem um polígono quadriculado não manifestaram dúvidas quanto à medida de
sua área. Especificamente na atividade em dupla, percebemos, em alguns casos, um
aluno ajudando o outro, contribuindo, assim, para a compreensão da noção de área. Isso
sinaliza como a interação entre alunos ocorrida na zona de desenvolvimento proximal
(ZDP) do aluno que foi auxiliado tem um papel importante nos processos de ensino e de
aprendizagem, conforme enfatiza Vygotsky em sua teoria sociointeracionista.
5.2 ATIVIDADE 2 – DIA 08/out./2014 – ÁREA DE POLÍGONOS POR
LADRILHAMENTO
Ao iniciar a segunda aula, relembramos para os alunos que uma das
perguntas do TD, resolvido por eles em 17/set, era: Marcos quer colocar um piso de
cerâmica na sala. Ele precisa saber a área da sala ou o perímetro da sala? Antecipando a
manifestação de alguma resposta, comentamos que dos 27 alunos que fizeram o teste,
24 (88,89%) tinham acertado essa questão. Ao ouvir a resposta dada por eles, notamos
que o número de alunos que foram firmes ao dizer que era necessário saber a área da
sala não coincidiu com o número de acertadores da mesma questão no teste. A
explicação dada por um grupo bem pequeno de alunos, com pequenas variações, era “se
a cerâmica precisa cobrir o chão todinho, então tem que ser área”. Assim, a
compreensão que temos a partir dessa afirmativa é que como a cerâmica é usada para
preencher totalmente a região bidimensional corresponde ao chão da sala e essa região
eles relacionavam à área. Por que não serve, nesse caso, saber o perímetro? As raras
explicações que surgiram podem ser sintetizadas pela fala de Laércio, 61,54% de
acertos no TD, a saber: “Sabendo o perímetro da sala, a cerâmica só daria para arrodear
(contornar) na sala”.
151
Intencionando desenvolver a noção de que uma dada área não se modifica
quando o quadrado unitário tem suas dimensões alteradas, ou seja, quando adotamos
unidades de medida de área diferentes – haja vista que a região demarcada não sofre
nenhuma modificação, isto é, a superfície da porção considerada do espaço
bidimensional permanece a mesma –, lançamos a seguinte tarefa aos 22 alunos
presentes: eles trabalhariam em grupo – quatro grupos com 4 alunos (Grupos B,C, E e
F) e dois com 3 (Grupos A e D ) – e deveriam “colocar cerâmica no piso de uma sala”.
Para isso, repassei para cada grupo uma folha retangular de cartolina (“salas”) de
mesmas dimensões e também quadradinhos (“cerâmicas”), contudo é de extrema
importância dizermos que o comprimento do lado dos quadradinhos que seriam usados
pelos Grupos A e D (com 3 alunos) era o dobro dos utilizados pelos demais Grupos (B,
C, E e F). Assim, fazendo uso de “cerâmicas” com dimensões distintas propomos aos
grupos o ladrilhamento das “salas” iguais, no sentido de “salas” com mesma área.
Na Fotografia 1 temos como o grupo E – constituído por Eliete, Quênia,
Rivaldo e Sávio –, encaminhou a resolução da questão. Quando essa resolução estava
no passo que mostra a foto, perguntamos ao grupo: qual é área da “sala”? Obtivemos 48
como resposta. Após confirmamos a resposta, pedimos que explicassem como tinham
chegado a esse resultado, Eliete, com a concordância dos outros alunos do grupo, disse
que “se a linha de baixo tem 8 quadrados e a linha em pé tem 6 quadrados, então serão
seis linhas com 8 quadrados e 6 vezes 8 dá 48”. Diante desse esclarecimento,
chamamos atenção para o fato que, conforme tínhamos enfatizado, a indicação correta
da área da “sala” deveria ser 48 u.a. Os outros grupos com quatro alunos (B, C e F)
sentiram, de início, um pouco de dificuldade, mas com a ajuda dos colegas, chegaram à
mesma resposta.
Fotografia 1 – Atividade: determinação da medida da área por ladrilhamento (Grupo E)
Fotografia de minha autoria (08/out./2014)
152
Por seu turno, o Grupo A, cujos componentes eram Fabrícia, Laércio e
Maurilene, ao efetuar o ladrilhamento, obteve uma área correspondente a 12 e,
obviamente, afirmamos que a resposta estava correta, porém, não deixamos de fazer a
mesma ressalva com relação à resposta: ela deveria ser expressa por 12 u.a. Tal resposta
foi compartilha pelo Grupo D.
Conscientes que antes do início da atividade tínhamos deixado claro que
todas as folhas retangulares (“salas”) entregues aos grupos tinham as mesmas
dimensões – inclusive essas seis folhas foram sobrepostas diante dos alunos –, pedimos
que cada grupo divulgasse a área encontrada e questionamos: todas as seis “salas” têm
áreas iguais? De imediato, um número considerável de alunos, entre eles a Talia
(15,38% no TD), disse que não, “porque duas têm área 12 e as outras quatro têm área
48”. Além de novamente chamar atenção que as respostas deveriam, necessariamente,
mencionar unidades de área (u.a.), registramos que nosso entendimento sobre a assertiva
que as “salas” não têm as mesmas áreas, indica que, como os números associados à área
da “sala” (correspondentes à quantidade de quadradinhos utilizados), não são iguais,
significa que, para os alunos, elas possuem áreas diferentes.
Diante dessa resposta, perguntamos: se as folhas retangulares (“salas”) não
diminuíram nem aumentaram de tamanho (em outras palavras, elas não sofreram
modificações em suas dimensões), por que agora elas apresentam áreas diferentes? “É
que os quadradinhos (“cerâmicas”) não são iguais. Quando a gente usa o quadradinho
(“cerâmica”) pequeno é preciso mais dele do que do outro para cobrir a folha (“sala”)
toda”, falou Otacílio (53,85% no TD).
Mesmo não sendo nosso objetivo principal trabalhar com as medidas das
grandezas perímetro e área, achamos pertinente discutirmos as noções que envolvem
área e suas possíveis medidas. Relembramos para os alunos a nossa confirmação
quando os grupos disseram que as áreas das “salas” eram 12 (u.a.) e 48 (u.a.) e, com a
mesma convicção, afirmamos que elas têm áreas iguais. Isso faz sentido? Tem
sustentação? A justificativa, sob nosso olhar, que desfaz essa aparente contradição entre
as duas afirmações é que área (associada a uma região limitada em um espaço
dimensional) e a medida da área são conceitos distintos, apesar de relacionados. A
medida de uma área varia em função da unidade de medida de área (quadrado unitário)
adotada, ou seja, uma mesma área pode apresentar várias medidas, pois depende da
unidade de área escolhida para medi-la.
153
No caso da atividade desenvolvida pelos alunos do 6º. ano B, os
quadradinhos (unidades de medida de área adotados) utilizados tinham dimensões
diferentes (o lado do maior quadrado unitário era o dobro do lado do outro). Assim, as
medidas das áreas das “salas” eram diferentes, todavia essas “salas” apresentavam áreas
iguais.
Em nível de sobrevoo, recorremos ao que nos diz Caraça (1951): medir
baseia-se na comparação entre duas grandezas de mesma espécie. A seleção de uma
unidade adequada; a comparação da grandeza em relação a unidade adotada e o
resultado dessa comparação expresso por um número é o tripé de caracterização da
efetivação de uma medida. Entre esses três aspectos do ato de medir há uma
interdependência, “o primeiro e o terceiro aspectos do problema estão intimamente
ligados e cada um deles condiciona o outro.” (CARAÇA, 1951, p. 30).
Na esteira dessa atividade, falamos aos alunos que os ladrilhamentos que
eles realizaram corresponderam a composições geométricas, isto é, ao fazer o
ladrilhamento da “sala”, lançando mão de quadrados unitários – materialização, por
assim dizer, da unidade de medida de área (u.a.) adotada –, cada grupo estava formando
(compondo) uma figura retangular equivalente (com áreas iguais) a dos demais grupos.
Fizemos questão de enfatizar que o agrupamento de figuras geométricas, por
justaposição, sempre corresponde a um processo de composição no campo da
Geometria.
Referente a essa atividade, também gostaríamos de destacar o modo
utilizado pelo Grupo E por ocasião do ladrilhamento do polígono (“sala”) com o
objetivo de obter a medida de sua área. Tomamos a estratégia diferenciada usada por
esse grupo como um indício que ele se encontrava no 3º. Nível do modelo van Hiele. A
razão disso é que grupo em tela reparou que preenchidas uma fila horizontal (base do
retângulo) e uma fila vertical (altura do retângulo), as outras filas horizontais que
completariam o polígono seriam ordenadamente iguais a já concretizada, onde o número
de filas a ordenar corresponderia à quantidade de quadrados unitários (“cerâmicas”)
usada na formação da fila vertical. Assim, o produto do número de “cerâmicas” da base
pelo número de “cerâmicas” da altura seria igual a medida da área da “sala”. Ou seja,
ladrilhar toda a “sala” não se fazia necessário para saber o total de “cerâmicas”.
Por sua vez, o caminho trilhado pelos demais grupos (fizeram o
ladrilhamento da “sala” inteira) levou-nos a pensar que a escolha dessa estratégia
sinalizava que, possivelmente, esses grupos estavam no 1º. Nível do citado modelo. Tal
154
afirmação é fundamentada no entendimento que somente o ladrilhamento total da figura
retangular levou-os a perceber quantas “cerâmicas” seriam necessárias para pavimentar
por completo esse polígono, ou seja, compuseram, por assim dizer, um retângulo
idêntico à “sala”. Feito isso, o número de quadrados unitários (“cerâmicas”) lhes deu a
medida procurada. Ou seja, todos os grupos, exceto o Grupo E, não vislumbraram a
possibilidade de uma contagem indireta da quantidade de quadrados unitários.
Salientamos que durante a realização dessa atividade foi verificada
novamente a ideia vygotskiana do sociointeracionismo contribuindo para a
aprendizagem. Com a explicação dada pelo Grupo E para o restante da turma sobre o
raciocínio que lançaram mão para chegar à medida da área da “sala”, acreditamos que
uma considerável parcela de alunos procederá de forma idêntica aos alunos desse grupo
na resolução de questões semelhantes. Isso, a nosso ver, significa despertar o aluno para
uma forma menos trabalhosa de chegar à medida da área do retângulo, atingindo-o, por
assim dizer, em sua ZDP.
Quando propusemos uma atividade a ser desenvolvida com o manuseio de
cartões de cartolina (quadrados unitários), levamos em conta a assertiva de Lorenzato,
dentre outros educadores matemáticos, quanto à importância do uso do material didático
manipulável nos primeiros momentos de construção de um dado conceito geométrico.
Salientamos que esse mesmo autor deixa claro que o aprendizado de fato só ocorrerá
quando houver uma mediação qualificada por parte do professor. Acreditamos que as
perguntas formuladas no decorrer dessa atividade contribuíram para a apreensão da
distinção entre o conceito de área e a representação da sua medida.
5.3 ATIVIDADE 3 – DIA 22/out./2014 – LOTAÇÃO DE UMA PRAÇA
Com o intuito de mostrar uma aplicação do conceito de área em uma
situação vivenciada por todos nós, questionamos: uma praça retangular de 20 metros de
largura e 35 metros de comprimento ficou totalmente lotada por ocasião de um evento
comemorativo à emancipação do município. Como podemos determinar, de forma
aproximada, quantas pessoas estavam na praça? Passado certo tempo, um aluno falou –
conquistando a adesão de um número significativo de colegas para a sua ideia – que não
fazia sentido contar um por um já que a praça era grande e tinha muita gente.
Exposta a ideia “praça grande” – que carrega a noção de espaço, região
delimitada – indagamos se o que tínhamos trabalho em sala poderia ajudar a resolver o
problema proposto e, caso houvesse alguma ligação, como faríamos? Cerca de 30% dos
155
alunos achavam que tinha ligação com área já que as pessoas ocupavam o “espaço” da
praça. Essa fala nos levou a seguinte interpretação: na compreensão dos alunos, as
pessoas que ocuparam a praça eram as “cerâmicas” que foram usadas no ladrilhamento
da “sala”. Todavia, nenhum aluno expôs algum pensamento que nos levasse a estimar a
quantidade de pessoas que compareceram ao evento.
Na tentativa de auxiliá-los na construção da solução do problema proposto,
confirmamos que a lotação da praça tinha relação com a sua área. Achamos importante
chamar atenção dos alunos para a seguinte novidade: nessa atividade tínhamos
divulgadas as duas dimensões da figura trabalhada, ou seja, a largura e o comprimento
do retângulo. Em seguida, expomos um retângulo de cartolina semelhante à praça (de
20 cm por 35 cm, ou seja, na escala de 1/100), solicitamos que os alunos o
considerassem representando a praça em questão. É correto dizer que essa praça é
quadrada? Com esse questionamento queríamos saber qual o entendimento dos alunos
no tocante à diferenciação entre quadrados e retângulos. Em torno de 80% deles
disseram sim, porém Eliete (46,15% de acerto no TD) falou que a praça não era
quadrada, pois “para ser quadrada tinha que ter os lados iguais”. Reforçamos a
informação dada por Eliete, mas não entramos no mérito de definir o retângulo
(polígono de quatro lados, perpendiculares dois a dois). Contudo, trabalhamos a ideia da
recíproca de uma informação. Dissemos que todo quadrado é, na verdade, um retângulo,
porém, nem todo retângulo é um quadrado. Em outras palavras, o quadrado satisfaz a
definição de retângulo e tem a seguinte particularidade: os quatro lados têm medidas
iguais.
O próximo passo foi perguntar qual seria a medida da área de um quadrado
de lado 1 metro? Notamos que, praticamente, a totalidade dos alunos disse que era 1 e
justificaram dizendo que “se só tem um quadrado, então a área é um”, deixando claro o
reflexo daquilo que discutimos nas atividades anteriores, ou seja, o número de
quadrados que formavam a figura (quadriculada ou ladrilhada) correspondia à sua área.
Falamos que a resposta estaria totalmente correta se constasse a unidade de medida de
área (u.a.), metro quadrado. Dito isso, registramos na lousa: medida da área do quadrado
de lado 1 metro = 1 metro quadrado. Chamamos atenção dos alunos que poderíamos
escrever a medida dessa área de um modo mais resumido, usando a simbologia 1 m².
Como justificativa, dissemos que m era o símbolo de metro, unidade de comprimento, e
o 2 era para indicar que a unidade é quadrada, decorrente do produto das medidas de
dois comprimentos (largura e comprimento), expressas em metro.
156
Sem o intento de iniciar uma discussão acerca da proporcionalidade entre as
medidas do lado e da área do quadrado, porém com o desiderato de instigar os alunos,
lançamos a interrogação: se um quadrado tem lado 2 metros, então a medida de sua área
é igual a 2 m² ? Uma fração considerável de alunos respondeu que sim. Diante destas
respostas, mostrei-lhes um quadrado de lado 40 cm e alguns quadrados de lado 20 cm –
essas dimensões não foram divulgadas para os alunos, contudo, como era do nosso
interesse, destacamos o fato que o comprimento do lado do quadrado maior era o dobro
do lado do outro. Feita essa afirmativa, pedimos a Amália (23,08% no TD) e a
Maurilene (7,69% no TD) que fizessem o ladrilhamento do quadrado maior. Após
relutarem um pouco em aceitar o “convite”, dizendo que não sabiam fazer o que era
solicitado, terminaram por realizar a atividade, onde a turma concluiu que a área do
quadrado maior era igual a 4 u.a.
A partir dessa constatação, fixamos na lousa o quadrado menor e
levantamos a seguinte hipótese junto aos alunos: se considerarmos o comprimento do
lado desse quadrado tem medida igual a 1 metro – ou como nos dirigimos a eles,
literalmente, “fazendo de conta que o lado desse quadrado tem 1 metro”, qual seria a
medida de sua área? Giordano (46,15% no TD) disse que era 1. Só isso, perguntamos?
Acreditamos que esse aluno percebeu o comentário feito a pouco e complementou: 1
metro quadrado.
Fixamos, em seguida, o quadrado maior no quadro-branco e pedimos que a
Maurilene fizesse a sua composição (ladrilhamento) desse quadrado colando 4
quadrados menores, repetindo o que ela tinha realizado em parceria com Amália.
Deixando claro que a hipótese explicitada estava em voga, perguntamos: qual é a
medida do lado do quadrado maior? Responderam que era 2 metros, tendo como
justificativa eram necessários “dois dos quadrados pequenos para completar a parte de
baixo do quadrado grande”. E sua área? Giordano disse que era 4 pois tinham usados
“quatro quadrados dos pequenos para encher (ladrilhar) o quadrado”. Giordano, não está
faltando alguma coisa? Quando, então, ele completou: 4 metros quadrados. Por que?
Sávio (76,92% no TD) expressou a justificativa que representava as falas de alguns
alunos: “a gente usou quatro quadrados de 1 metro quadrado”. Assim, relembramos que
nossa pergunta de partida (quadrado de lado 2 m tem área igual a 2 m² ?) e enfatizamos
que mediante o ladrilhamento feito por Amália e Maurilene, comprovamos que a área
questionada, na verdade, era igual a 4 m².
157
Percebendo que os alunos estavam dando passos para a compreensão de
como determinar a área de um retângulo, fizemos a composição de um retângulo
colando no quadro-branco três quadrados de lado 2 metros, alinhando-os e justapondo-
os horizontalmente, e pedimos que o ladrilhassem com os quadrados menores, ficando
com a configuração representada na Figura 5.
Figura 5 – Atividade: composição e ladrilhamento de retângulo
Fonte: próprio autor
Com base na atividade anterior, perguntamos qual a medida da área do
retângulo que acabou de ser formado? Irineuda e Laércio (ambos com 61,54% no TD)
rapidamente afirmaram que era 12 (nota-se que, ao não citar, novamentea unidade, ou
seja, metros quadrados, era uma demonstração que a “resistência” em ver a importância
da unidade de medida persistia), porque “são três quadrados e cada um tem área 4 (m²)
e 3 vezes 4 (m²) dá 12 (m²)”. Após a confirmação da resposta e intencionando chegar à
expressão da área do retângulo, perguntamos: qual o comprimento da base (“parte de
baixo”) desse retângulo? A resposta dada por Nilberto (38,46% no TD) foi “são três
quadrados de 2 e 3 vezes 2 dá 6 ”. Ao falar que três quadrados de dois resulta seis, não
citando metros, consideramos que ele se referiu que a medida do comprimento da base
do retângulo é três vezes maior do que a medida do lado do quadrado, isto é, 2 metros.
E sua altura? A resposta obtida dada mesmo aluno foi 2 (metros). “A partir dessa figura
e com esses dois números, ou melhor, com essas duas medidas, 6 metros na parte de
baixo (base do retângulo) e 2 metros de altura, é possível calcular a área do retângulo?”,
perguntamos. Um pequeno grupo de alunos, recorrendo à figura, disse que “na fila de
baixo tem 6 quadrados e na de cima, a mesma coisa. Duas filas de 6 dá resultado 12”.
Após essa resposta, chamamos a atenção que multiplicando 6 metros por 2 metros
(medidas das dimensões do retângulo) o produto obtido é 12 m². Além disso,
registramos na lousa: 6 m . 2 m = 12 m² e com ajuda dos alunos, comentamos: 6 vezes 2
é igual a 12 e como nessa multiplicação a unidade de comprimento – metro (m) –
aparece duas vezes, justificamos à sua elevação ao quadrado, isto é, a presença do 2
como expoente de m, símbolo de metro, unidade de medida de comprimento.
158
Desejando voltar a questão primordial (lotação da praça retangular),
questionamos: qual a medida da área da praça retangular cujas dimensões são 20 metros
de largura e 35 metros de comprimento? Não obstante a maior parte dos alunos saber
que deveriam multiplicar as medidas da largura e do comprimento, também uma parcela
significativa mostrou encontrar dificuldades para determinar o produto 20 X 35. Após
algumas trocas de informações entre professor e colegas, chegamos ao produto 700 m².
Restava agora chegar à estimativa do número de pessoas que preenchiam totalmente a
praça.
Para isso, apresentamos um quadrado de papel de lado 1 metro, em tamanho
real, e convidamos alguns dos alunos maiores para irem gradualmente ocupando a
região limitada por esse quadrado unitário. Fundamentados nessa prática bastante
simples, houve concordância entre os alunos que a superfície desse quadrado de lado 1
metro, ou seja, uma região limitada por um quadrado de 1 metro quadrado (1 m²) fica
totalmente preenchida, passando a sensação de superlotação, com cinco pessoas.
Decorrente dessa constatação, a solução do problema estava em via de concretização, ou
seja, saber quantas pessoas, aproximadamente, tinha na praça? Um grupo pequeno da
turma (seis alunos) resolver tomar à frente e com a complementação dos colegas
vislumbraram a seguinte estratégia de resolução que pode ser apresentada fazendo uso
do pensamento da proporcionalidade direta: se uma região correspondente a 1 m² é cabe
5 pessoas, então em 700 m² é para caber 700 vezes 5 pessoas, ou seja, 700 m² x 5
pessoas/1m² = 3.500 pessoas.
Apesar do detalhamento com que foi conduzida tal empreitada, ficamos com
uma forte sensação que outras questões semelhantes deveriam ser desenvolvidas com
vistas a um percentual maior de alunos apreendessem as ideias contidas nessa
modalidade de problema, porém, respeitando o compromisso assumido por esta
pesquisa, direcionamos as atividades seguintes almejando o trabalho com conceito da
grandeza geométrica perímetro.
Semelhante às demais atividades, nosso intuito era estabelecer entre os
participantes da aula uma troca de ideias que levassem os alunos à solução do problema
proposto.
Apesar de não ser nosso foco abordar sobre as medidas de perímetro e área
através das unidades habituais (metro quadrado e centímetro quadrado, por exemplo),
porém a atividade proposta (lotação de uma praça) gerou a necessidade de sabermos
calcular a área de um retângulo. Para isso, trabalhamos com um quadrado unitário de
159
lado 1 metro, em escala real, e outros quadrados unitários, em escala reduzida, mas que
representavam um quadrado de lado 1 metro. No desenrolar das discussões,
constatamos significantes participações dos alunos que se refletiram no
(re)direcionamento das indagações feitas por nós, professor-pesquisador e o Professor
Pedro. Nós percebemos as dificuldades enfrentadas pelos alunos e as respostas por eles
apresentadas no decorrer dessa atividade como indícios de seus primeiros passos no
entendimento do saber geométrico associado à estimativa de lotação de um espaço
bidimensional.
5.4 ATIVIDADE 4 – DIA 05/nov./2014 – PERÍMETRO DE FIGURAS
POLIGONAIS
Nesta data, notamos uma inquietação mais acentuada dos alunos,
acarretando certo atraso no início das atividades. Antes delas, por volta de 14h50min,
ou seja, aproximadamente com 10 minutos já passados da terceira aula, o Professor
Pedro reforçou uma informação dada por ele em aulas anteriores e que dizia respeito aos
conteúdos discutidos durante as aulas desta pesquisa. Esses assuntos, afirmou Pedro,
estariam incluídos nas avaliações do 4º. Período. O professor destacou ainda que
haveria uma retomada das ideias apresentadas, onde novas questões seriam trabalhadas,
sendo que a colaboração da turma na tentativa da compreensão dos temas abordados no
decorrer das aulas dedicadas à pesquisa era fundamental para uma efetiva
aprendizagem.
A aula teve como atividade de abertura a exposição de seis figuras
bidimensionais, divididas em dois blocos de três figuras. Pedimos que, a partir da
observação de cada grupo de figuras, os alunos identificassem aquelas que satisfaziam
as características de um polígono, sendo esse um dos temas ventilados na aula do dia
01/10.
Apresentada a primeira série formada pelas figuras 1, 2 e 3 (Fotografia 2),
percebemos, a partir das falas e as expressões faciais dos alunos, que havia uma
considerável dificuldade por parte da turma em reconhecer entre as figuras dadas
aquelas que eram poligonais.
160
Fotografia 2 – Atividade: identificação de figuras poligonais
Fotografia de minha autoria (05/nov./2014)
Diante deste quadro, levantamos o seguinte questionamento: o que
caracteriza um polígono? Um dos alunos expressou que “um polígono só tem linha. Se
tem parte redonda, não é polígono”. Um reduzido grupo concordou com ele. Quanto
esses alunos foram indagados sobre o que eles queriam dizer quando afirmavam que
uma dada figura tinha linha ou parte redonda, afirmaram algo no sentido que as partes
redondas correspondem os segmentos em curva no contorno da figura, enquanto linhas
são os segmentos de reta que delimitam à figura.
Após os alunos relembrarem a principal característica da figura poligonal, a
resposta foi emitida pela turma – que somente a figura 2 era um polígono. Para
sedimentação do reconhecimento de figuras poligonais, colamos o segundo bloco de
figuras (Fotografia 3). Sem demora, um número bem maior de alunos foi firme em
apontar que somente a figura 6 tratava-se de um polígono, pois, como toda figura
poligonal, seu contorno é formado, exclusivamente, por segmentos de reta.
Fotografia 3 – Atividade: identificação de figuras poligonais
Fotografia de minha autoria (05/nov./2014)
Os próximos passos foram direcionados para o desenvolvimento de
atividades que colaborariam para a compreensão de ideia inicial de perímetro. Para isso,
adotamos um quadrado recortado em cartolina que de comum acordo com os alunos
denominamos quadrado unitário – quadrado cujo comprimento do lado é definido como
161
unidade de medida. Em outras palavras, a medida do comprimento do lado desse
quadrado correspondia a 1 unidade de comprimento (1 u.c.) e, obviamente, essa
informação foi enfaticamente divulgada para a turma. Buscando identificar,
pontualmente, em que nível de conhecimento sobre perímetro encontravam-se os alunos
investigados, perguntamos: qual o perímetro desse quadrado? De imediato, quase por
unanimidade, falaram que era 1. Decorrente de tal manifestação, nossa conclusão é que
foi mantida por eles a noção usada para a determinação de área. Solicitamos uma maior
atenção e reafirmamos a nossa interrogação, enfatizando o que estava em questão não
era a área do quadrado e sim a determinação do seu perímetro.
Sávio (que tinha acertado praticamente todas as perguntas sobre perímetro
no TD), afirmou que o perímetro era igual a 4 metros. Antes de tecermos algum tipo de
comentário, Irineuda fez a seguinte colocação de um modo taxativo: “a figura é muito
pequena para ser 4 metros”. Achamos bem interessante a observação feita por essa
aluna e com base em sua assertiva nos inclinamos a dizer que ela tanto deixava
subentendido que sabia do que se tratava o perímetro quanto, através da observação do
quadrado unitário, percebia que o comprimento de 4 metros era uma medida descabida,
incompatível com a figura exposta (o lado do quadrado unitário adotado apresentava 20
centímetros de comprimento, medida não divulgada para os alunos).
O Professor Pedro, afinado com as atividades sobre perímetro, flexibilizou o
nosso planejamento para trabalhar uma ideia que se encaixou perfeitamente no quadro
que se desenrolava em sala de aula: lançou mão do quadrado que tínhamos usado na
atividade que versava sobre a estimativa de público em uma praça retangular.
Relembramos que o lado desse quadrado tinha 1 metro de comprimento e perguntamos
à turma se o perímetro dele seria igual ao da resposta dada por Sávio, isto é, 4 metros.
Apesar dos alunos ainda não se manifestarem vivamente em grande número, Sávio,
agora com a concordância de Irineuda, reafirmou a resposta argumentando que
“arrodeando o quadrado a gente anda 4 metros”. Dito isso, resolvemos, na tentativa que
a noção de perímetro fosse compreendida por todos da turma, associar a determinação
do perímetro do quadrado em foco com a distância que caminharíamos caso
contornássemos uma praça idêntica a ele. Assim, a distância que seria percorrida ao ser
dada uma volta completa em torno dessa praça corresponderia à medida do perímetro do
quadrado que, neste caso, seria de 4 metros. Em última análise, nosso desejo era que a
apreensão do conceito de perímetro de uma figura bidimensional se estabelecesse como
o comprimento do seu contorno.
162
Voltando ao questionamento feito no início da aula (perímetro do quadrado
unitário), recorremos à fala de Irineuda (acerca do perímetro desse quadrado não
corresponder a 4 metros) e procuramos discutir o porquê da resposta 4 metros não estar
plenamente correta. Alguns alunos – Laércio, Fabrícia e Rivaldo, por exemplo –
expuseram seus argumentos que, consoantes com o de Irineuda, continham o seguinte
pensamento: dizer que o perímetro seja 4 (não houve citação de u.c., sendo acrescentado
mediante nossa observação) estava correto, porém incluir na resposta o metro como
unidade de comprimento não correspondia à verdade, visto que o lado desse quadrado
não media 1 metro.
Percebendo que o envolvimento dos alunos nessas atividades não atingiu
um patamar satisfatório – sendo determinante para esse panorama, sob nossa ótica, a
ideia de perímetro ser menos familiar aos sujeitos desta pesquisa e cujo indício foi o
fraco desempenho no TD em relação às perguntas sobre perímetro –, propomos à turma
novas questões que colaborassem para o avanço dos alunos na construção do conceito
de perímetro. Com isso em vista, dividimos aos 20 alunos que realizaram o TD em
cinco grupos que foram assim constituídos: Grupo I – Fabrícia, Laércio, Maurilene e
Horácio; Grupo II – Jacqueline, Talia, Vitória e Zuleide; Grupo III – Breno, Gilda,
Irineuda e Keila; Grupo IV – Eliete, Quênia, Rivaldo e Sávio e Grupo V – Uelton,
Xavier, Yuri e Giordano.
Entregamos a cada grupo uma figura recortada em cartolina. Pelo fato de
serem polígonos quadriculados, acertamos com os alunos que os quadradinhos usados
na composição dos polígonos eram iguais entre si e, seguindo as atividades já
realizadas, o quadrinho usado correspondia ao quadrado unitário, ou seja, a medida do
comprimento do seu lado seria a unidade de medida de comprimento (u.c.) adotada. As
figuras A, B, C, D e E da Figura 6 – cujos perímetros deveriam ser determinados e que
estão representadas a seguir –, foram recebidas pelos Grupos I, II, III, IV e V, nesta
ordem.
Figura 6 – Atividade: determinação da medida do perímetro de
figuras poligonais quadriculadas
Figura A Figura B Figura C Figura D Figura E
163
Ao percebermos que os grupos já tinham concluído a atividade, pedimos
que fossem divulgados somente os resultados encontrados. Vejamos, na Tabela 7, as
respostas obtidas.
Tabela 7 – Resultados fornecidos pelos grupos (medida do perímetro)
Fonte: próprio autor
Na sequência, todas as figuras foram fixadas na lousa. Intencionalmente,
pois pretendíamos envolver simultaneamente área e perímetro em questões futuras,
indagamos qual polígono apresentava menor área. A resposta, de súbito, dada por
alguns alunos foi o da figura 2. “Se tá querendo saber é a área, então é o 3”, disse
Horácio, recebendo o apoio de Irineuda. Olhando com maior atenção, os demais alunos
também concordaram com a resposta dada e complementaram dizendo que as outras
figuras tinham áreas iguais. Aproveitamos a ocasião para informar que figuras que têm
áreas iguais são chamadas de equivalentes. Era o caso das figuras A, B, C, D e E.
Esclarecida essa questão, partimos para ouvir os grupos.
O Grupo I justificou sua resposta (perímetro da Figura A igual a 12 u.c.)
argumentando que levou em consideração “uma caminhada ao redor de uma “praça” do
mesmo jeito da figura. Cada quadradinho que a gente andava, contava 1”. Assim,
concluíram que “de onde a gente saiu até voltar para o mesmo canto, a gente andou 12
quadradinhos”. Essa explicação, sob nossa óptica, apontava que o grupo já apresentava
um relativo domínio sobre o conceito de perímetro. Registramos que todos os grupos
não incluíram em suas respostas a indicação da unidade de comprimento escolhida. O
Grupo I, por exemplo, escreveu simplesmente 12 ao invés de 12 u.c.
O Grupo II ao explicar como determinou que o perímetro da Figura B igual
a 6 u.c, quando a resposta correta é 10 u.c., disse: “começamos a arrodear a figura
saindo do canto de baixo (apontaram na figura o vértice inferior esquerdo), subimos até
o final e viramos para esse lado (indicaram que dobraram para a direita), descemos,
dobramos para o outro lado (dobraram para a esquerda), descemos de novo e, para
chegar de onde a gente saiu, viramos de novo (dobraram outra vez à esquerda). Toda
Grupo Figura Perímetro
(em u.c.)
Respostas dos
grupos (em u.c.)
I A 12 12
II B 10 6
III C 10 10
IV D 10 10
V E 12 10
164
vida que a gente terminava uma linha (percorria um lado), a gente contava 1 para o
perímetro. A gente pensou do mesmo jeito que quando andamos arrodeando aquele
quadrado grande do começo da aula (quadrado de lado 1 metro)”.
Essa explanação nos leva ao seguinte entendimento: quando tratava-se de
um único quadrado unitário, a medida do perímetro era numericamente igual à
quantidade de lados que ele possui e tal percepção pode levar-nos a concluir que cada
lado percorrido do polígono corresponderia a 1 u.c. Como a Figura B é um polígono
hexagonal (polígono com 6 lados), consideramos que a resposta dada é coerente com
esse modo de pensar. Reforçamos a informação que o conceito de perímetro está
associado à medida do contorno de uma figura, seja ela poligonal ou não, enfatizando
que ao contornarmos um polígono quadriculado, a medida do comprimento do lado do
quadrado unitário situado corresponde a 1 u.c.
Com relação aos Grupos III e IV, eles apresentaram uma explicação que,
essencialmente, não difere da explicitada pelo Grupo I. Por seu turno, o Grupo V,
semelhante ao Grupo II, pensou o perímetro em termos de quantidade de lados do
polígono. Assim, pelo fato da Figura E ser um decágono (polígono com 10 lados), seu
perímetro seria 10 u.c., quando, na verdade, sua medida era igual a 12 u.c.
Acreditando que as dúvidas referentes à determinação de perímetro foram
substancialmente minimizadas, aproveitamos o conhecimento das medidas das áreas e
dos perímetros das figuras trabalhadas e pedimos que os alunos respondessem às
indagações:
1) polígonos com áreas iguais têm, obrigatoriamente, perímetros iguais?
2) polígonos com perímetros iguais, necessariamente, apresentam áreas
iguais?
3) polígonos com áreas diferentes possuem sempre perímetros diferentes?
Para facilitar a resolução dos pontos acima, preenchemos a Tabela 8 com as
respostas fornecidas pelos alunos.
Tabela 8 – Resultados corretos fornecidos pelos grupos (medidas da área e do perímetro)
Fonte: próprio autor
Figura Área
(em u.a.)
Perímetro
(em u.c.)
A 5 12
B 5 10
C 4 10
D 5 10
E 5 12
165
Além de destacarmos mais uma vez que todos os polígonos em questão são
equivalentes (áreas iguais), sendo o polígono C a única exceção, os alunos constataram
que a primeira indagação tem não como resposta. Os polígonos A e B comprovam isso.
Com relação à interrogação seguinte, também eles verificaram, através dos polígonos C
e D, que perímetros iguais não é garantia de áreas iguais. Contudo, segundo
observaram, é possível polígonos de formas diferentes apresentarem áreas e perímetros
iguais. É o caso dos polígonos A e E e também de B e D.
Fazendo um rápido comentário sobre o desenvolvimento das atividades
nessa aula, diríamos que a dificuldade mostrada pelos alunos na compreensão do
conceito de perímetro foi um pouco abaixo do que esperávamos. Essa impressão de que
teriam maior dificuldade para apreender a ideia de perímetro estava fundamentada,
principalmente, nos resultados constatados no TD (os acertos foram em maior número
nas questões sobre área). Porém, houve a seguinte expectativa confirmada: os alunos
que tiveram melhor desempenho no TD nas perguntas sobre perímetro demonstraram
segurança durante as discussões ocorridas em sala.
No encontro seguinte, além de retomarmos as ideias de perímetro e área,
foram realizadas atividades envolvendo ladrilhamento e composição de figuras planas.
Na atividade de estreia sobre perímetro e sua medida, expomos um
quadrado unitário e ao pedirmos a medida de seu perímetro, obtivemos como resposta
da maioria da turma que era igual a 1. Com a sugestão do Professor Pedro (trabalharmos
com o quadrado unitário de lado 1 metro em escala real) ficou claro que o entendimento
sobre perímetro tendeu a melhorar. Em nossa percepção, isso se harmoniza com o
pensamento de Lorenzato (2010), quando salienta que atividades de natureza mais
concreta nos primeiros passos de um dado assunto geométrico é de grande valia na
aquisição desse saber.
5.5 ATIVIDADE 5 – DIA 19/nov./2014 – ÁREA E PERÍMETRO DE FIGURAS
BIDIMENSIONAIS
Levando em conta que fazia duas semanas que não nos encontrávamos com
os alunos do 6º. ano B, nossa primeira atividade teve caráter de revisão. Para sua
efetivação, entregamos a cada aluno uma folha A4 e orientamos que nela fosse
reproduzido o polígono quadriculado desenhado no quadro-branco. A atividade
consistia na determinação da área e do perímetro desse polígono que tinha a estrutura
apresentada na Figura 7.
166
Figura 7 – Atividade: determinação da medida do perímetro e da área de polígono quadriculado
A medida da área do polígono é igual a 25 u.a.?
( ) Sim ( ) Não
O perímetro do polígono tem medida igual a 27 u.c.?
( ) Sim ( ) Não
Fonte: próprio autor
Mantivemo-nos atentos para garantir que durante a resolução cada aluno
não contasse com o auxílio de colegas, pois ensejávamos ter uma maior clareza com
relação ao entendimento, por aluno, sobre as noções de perímetro e área. Entre os
alunos que compareceram à aula, 25 deles eram sujeitos da pesquisa.
Recolhemos as folhas com as resoluções, verificamos quantos alunos
acertaram cada pergunta e as devolvemos para, em seguida, partir para as discussões.
No que tange aos percentuais de acertos: 23 alunos (92%) assinalaram que a área do
polígono não era 25 u.a. (de fato, sua área media 26 u.a.) e 19 alunos (76%) marcaram a
alternativa não, pois perceberam, a nosso juízo, que a medida do perímetro era diferente
de 27 u.c. (a medida correta era 26 u.c.).
Durante a discussão acerca dessa atividade, as alunas Cirlene e Maurilene,
que não resolveram corretamente a primeira pergunta, apresentaram explicações
semelhantes e que podem ser sintetizadas como sendo erro gerado por desatenção na
contagem dos quadrados unitários. Do exposto, inferimos que o conceito de área, pelo
menos no caso de polígonos quadriculados, elas compreenderam. Ouvimos, em seguida,
as razões que levaram os alunos Amália, Cirlene, Maurilene, Talia, Wilma e Nilberto, a
responderem erradamente a pergunta relativa a perímetro. Amália, Cirlene e Nilberto
foram taxativos: “a gente não sabe nem pra onde vai: a gente não sabe calcular
perímetro”. Constatamos, consultando os resultados do TD, que eles não apresentaram
nenhuma resposta correta sobre perímetro e, acreditamos, para agravar um pouco mais a
167
situação, que eles não compareceram a aula anterior (dia 05/11), dedicada
exclusivamente a esse assunto.
Maurilene, Talia e Wilma não acertaram nenhuma das perguntas
relacionadas a perímetro no TD, contudo, tinham assistido a aula anterior. Maurilene e
Wilma expressaram que consideravam como perímetro “a quantia de quadradinhos que
tem na figura”, ficando patente a não diferenciação dos conceitos das grandezas área e
perímetro. Por sua vez, Talia disse: “usei a ideia que vi na aula passada, que era contar
quantas linhas tem por fora da figura. Vi que tinha 14”. Em outras palavras, ela
contornou a figura e verificou que se trata de um tetradecágono (polígono com 14
lados).
Com a intenção de oportunizar aos alunos que ainda tinham dúvida acerca
da determinação da medida do perímetro de um polígono quadriculado – conceito ainda
não compreendido por, pelo menos, seis partícipes da pesquisa –, solicitamos se algum
aluno poderia dizer para os colegas qual o procedimento que ele usava para obter a
medida de um polígono quadriculado. Aceitando a proposta, Keila (46,15% no TD)
falou que “bastava andar a figura toda pelo lado de fora (contornar o polígono) e contar
os quadradinhos (quadrados unitários) que você andou. O número que você achou é o
perímetro (medida do perímetro em u.c.)”. Notamos que alguns alunos, entre os que
acertaram ou não a segunda pergunta, demonstraram, verbalmente ou por outras formas
de expressão, que, finalmente, tinham entendido o que o que é o perímetro. Restava-
nos, então, aguardar o desempenho deles nas próximas atividades e por ocasião da
Reaplicação do Teste Diagnóstico (RTD).
Nossa próxima atividade tratava-se da determinação da medida do perímetro
de um polígono por ladrilhamento. Ela foi desenvolvida por cinco grupos, cada um com
cinco componentes. Para que os grupos fizessem os ladrilhamentos foram
disponibilizados quadrados de dimensões diferentes, onde o comprimento do lado do
quadrado maior era o dobro do comprimento do lado do outro, ou seja, seriam utilizados
os mesmos quadrados usados na segunda aula (dia 08/out) desta pesquisa.
Pretendendo não deixar espaço para dúvidas, avisamos aos alunos que o
quadrado usado para o ladrilhamento faria às vezes de quadrado unitário, isto é, a
medida do comprimento do seu lado corresponderia a 1 u.c. Os polígonos, recortados
em cartolina, entregues aos Grupos 1, 3 e 5 eram idênticos, porém eram distintos dos
recebidos pelos Grupos 2 e 4, com a observação que as figuras poligonais destes grupos
eram iguais entre si. Nas fotografias 4 e 5, temos os Grupos 1 (Fabrícia, Laércio,
168
Maurilene, Breno e Talia) e 4 (Wilma, Zuleide, Amália, Jacqueline e Sávio) em ação,
respectivamente.
Quando questionados como tinham encaminhado a solução da atividade e
também o resultado encontrado, os alunos do Grupo 1 falaram que: “para saber o
perímetro só interessa o que tá ao redor da figura. A gente botou 25 quadrados
arrodeando a figura e o perímetro deu 25”. Em outras palavras, segundo esse grupo,
para saber a medida do perímetro bastava colocar quadrados unitários contornando o
polígono e a quantidade de quadrados usados implicou em uma medida igual a 25 u.c.
Salientamos que ladrilhar somente o contorno do polígono, de fato, evita
trabalho desnecessário, porém colocamos também em evidência que a conclusão ao qual
o grupo chegou não fornecia a resposta correta da medida do perímetro – acreditamos
que, de certo modo, influenciado pela forma simples e direta de determinar a medida da
área por ladrilhamento, onde o número de quadrados unitários usados para preencher
totalmente a região poligonal é numericamente igual a medida da área, também para a
medida do perímetro bastaria saber quantos quadrados periféricos tem a figura
poligonal. Assim, pedimos ao grupo que “andasse” contornando a figura e verificasse
quantos lados desses quadrados foram percorridos durante a “caminhada”.
Sequencialmente, as alunas Fabrícia e Talia contornaram a figura e obtivem o mesmo
resultado e, desta vez, correto: a medida do perímetro era 32 u.c.
Fotografia 4 – Atividade: determinação da medida do perímetro por ladrilhamento (Grupo 1)
Fotografia de minha autoria (19/nov./2014)
Os demais grupos que receberam polígonos idênticos ao do Grupo 1,
escolheram ladrilhá-los com os quadrados maiores. Ambos preencheram por completo a
superfície da figura, que comportou 10 desses quadrados, contudo chegaram a
169
resultados diferentes: o Grupo 5 persistiu na ideia ligada à área (explicitada acima) e
apresentou 10 como resultado, ou seja, a medida do perímetro era 10 u.c., que não era a
resposta correta, Já o Grupo 3 divulgou a resposta certa: 16 u.c.
Analogamente a quando trabalhamos com área e suas possíveis medidas,
chamamos a atenção dos alunos para o fato de que, não obstante esses perímetros serem
iguais (por conta das figuras poligonais que os Grupos 1, 3 e 5 usaram serem idênticas),
as medidas dos perímetros eram distintas (32 u.c. e 16 u.c.), haja vista os padrões de
medida (comprimento do lado dos quadrados unitários) não serem iguais. Aproveitando
para aprofundar as reflexões sobre a atividade, enfatizamos que o Grupo 1, que
manipulou os quadrados menores, chegou a uma medida que é o dobro da outra, em
decorrência do comprimento do lado do quadrado unitário manuseado pelos alunos
deste grupo corresponder à metade do comprimento do lado do quadrado unitário
escolhido pelos Grupos 3 e 5.
Partiremos agora para ouvir e tecer comentários sobre o que foi realizado
pelos Grupos 2 e 4, ressalvando que no caso desses grupos, estipulamos que o Grupo 2
utilizaria os quadrados menores e o 4, os maiores. O Grupo 2 colocou em curso o
desenvolvimento da atividade fazendo o ladrilhamento completo do polígono e
“ ‘andamos’ arrodeando a figura e contando os lados. O resultado que a gente encontrou
foi 28”. Ou seja, os alunos, ao contornarem a figura, percorreram 28 lados de quadrados
periféricos, implicando que a medida do perímetro seria 28 u.c. Estando a resposta e a
forma de obter corretas, acrescentamos somente que o ladrilhamento poderia ter ser
somente no contorno da figura, conforme a ideia da Grupo 1.
Por seu lado, o Grupo 4 encontrou uma maior dificuldade para obter a
resposta correta. Na verdade, o resultado correto somente foi atingido com as
contribuições de colegas de outros grupos. Tal dificuldade é plenamente justificada
porque esse grupo se deparou com uma situação não vivenciada nem pelos outros
quatro grupos ou em qualquer outra questão proposta. Também é verdade que ao
propormos esse problema intencionávamos dar um passo à frente no ensino de
perímetro (com possíveis reflexos na apreensão do conceito de área). Considerando esse
ineditismo, a atividade em pauta foi solucionada/comentada por toda a turma. Para isso,
fixamos na lousa o polígono com quase totalmente ladrilhado pelos componentes do
Grupo 4 (os comentários e discussões das atividades dos outros grupos foram feitas na
própria bancada que eles trabalhavam).
170
Como dissemos, direcionamos o Grupo 4 a usar o quadrado maior como
quadrado unitário. Ao atingirem o estágio do ladrilhamento mostrado na Fotografia 5,
constataram que a superfície que estava sendo pavimentada não aceitava um número
inteiro de quadrados unitários (a pequena parte da região poligonal não ladrilhada está
indicada por uma seta na fotografia). Até esse ponto, a conclusão que o grupo chegou
foi que a medida do perímetro seria igual a “12 e mais alguma coisa.”
Fotografia 5 – Atividade: determinação da medida do perímetro por ladrilhamento (Grupo 4)
Fotografia de minha autoria (19/nov./2014)
Colocada a situação para a turma, percebemos que somente um número
pequeno de alunos demonstrou interesse em buscar uma solução. Vitória sugeriu: “Por
que a gente não completa com quadrado pequeno?”. Outra sugestão veio de Giordano:
“É só cortar um pedaço do quadrado grande que dê certo e colocar”. A partir dessas
colocações, lembramos que o lado do quadrado maior era o dobro do lado do menor.
“Quer dizer”, Sávio falou, “que juntando dois pequenos, o tamanho do lado fica igual ao
do grande”. Nisso, Gilda, que tinha atuado no Grupo 2, disse: “Quando a gente encheu
(ladrilhou) a nossa figura (que era idêntica a do Grupo 4), botamos aí dois
quadradinhos”. Isso exposto, pedimos que Sávio fosse até a lousa e fixasse na figura os
quadrados pequenos de acordo com o que ele estava dizendo. Ao fazê-lo, vimos que o
ladrilhamento estava concluído, ficando como está representado na Figura 8.
171
Figura 8 – Atividade: determinação da medida do perímetro por ladrilhamento
(resolução grupal)
Metade do lado do
quadrado maior
Metade do lado
do quadrado maior
Fonte: próprio autor
Perguntamos se ele sabia qual era a medida do perímetro. Sávio foi
apontando na figura e dizendo: “essa metade com essa outra metade (indicações na
figura abaixo), dá um lado inteiro do quadrado grande. Esse lado também é inteiro
(correspondendo a justaposição, na horizontal, dos dois lados do quadrado menor). Já
tinha 12 e juntando mais 2 dá 14 ”. Ou seja, a medida do perímetro correspondia a 14
u.c. Os alunos que tinham, na melhor das hipóteses, acompanhado parte da discussão,
pediram ao Sávio que repetisse. Após nova explicação, não houve mais nenhuma
pergunta e percebemos que, de fato, o entendimento foi alcançado por um percentual
razoável da turma.
Pontuamos que nos Apêndices I e J representamos os ladrilhamentos dos
polígonos usados nessa atividade com os quadrados unitários adotados.
A atividade seguinte, semelhante à primeira desse dia, tinha caráter
individual e voltava a questionar área ou perímetro. Para não ser integralmente no
formato das atividades já desenvolvidas, solicitamos que o aluno apresentasse uma
justificativa, por escrito, para a resposta dada. De um universo de 25 alunos que
realizaram as questões propostas, elegemos 20% das resoluções apresentadas, que, sob
nossa ótica, correspondem a uma amostra significativa das ideias apresentadas nas
justificativas dos sujeitos da pesquisa.
Entregamos a cada aluno uma folha onde constava o polígono quadriculado
sobre o qual incidia as perguntas. Na elaboração das questões ficamos atentos para que
os polígonos não fossem idênticos. Isso não significando que dois ou mais deles não
pudessem ter suas medidas de área ou perímetro iguais. Vejamos as questões resolvidas
por Eliete, Fabrícia, Xavier, Uelton e Quênia.
172
Figura 9 – Atividade: determinação da medida de área (polígono quadriculado)
Aluna: Eliete
A figura abaixo representa um polígono:
a) a medida da área do polígono é igual a 12 u.a.?
( ) Sim ( ) Não
b) por que?
Fonte: próprio autor
Quando a questão abordava a medida da área de uma figura poligonal
quadriculada, a nossa expectativa era um alto índice de acerto, porque tanto a solução
poderia ser mais facilmente encontrada, em relação as que tratavam da medida de
perímetro, quanto aos resultados exitosos mostrados pelos alunos no TD e no decorrer
das atividades. Isso, de fato, foi constatado, sendo a resolução da Eliete um exemplo
(figura 9). Considerando o ano escolar e a realidade de uma não prática de apresentar
justificativa textual, principalmente envolvendo conhecimentos matemáticos, inferimos
que houve, por parte dessa aluna, uma efetiva compreensão das atividades envolvendo o
conceito de área associado a uma região demarcada no espaço bidimensional.
A próxima questão, cuja resolução é creditada à aluna Fabrícia, requeria a
determinação da medida do perímetro de um polígono cuja área media 9 u.a. (Figura
10).
Figura 10 – Atividade: determinação da medida de perímetro (figura poligonal quadriculada)
Aluno: Fabrícia
A figura abaixo representa um polígono:
a) a medida do perímetro do polígono é igual a 9 u.c.?
( ) Sim ( ) Não
b) por que ?
Fonte: próprio autor
Antecedendo o nosso olhar acerca da resolução da Fabrícia, registramos
que, propositadamente, colocamos o valor numérico da medida do perímetro igual ao da
173
medida da área desse polígono. Tínhamos o interesse de identificar se o aluno
diferenciava ou não os conceitos das grandezas geométricas perímetro e área.
A observação das marcações feitas na própria figura leva-nos a afirmar que
Fabrícia durante a contagem dos lados que contornam a figura parou ao fazer a 12ª.
indicação, pois essa quantidade ultrapassava a medida do perímetro que constava na
primeira indagação (9 u.c.). Em outras palavras, até onde Fabrícia assinalou na figura o
perímetro já teria medida igual a 12 u.c., ou seja, era maior do que era indicado na
primeira pergunta. Estendendo essa ideia, ela obteria a medida correta, isto é, 20 u.c. Do
mesmo modo que Eliete, achamos que Fabrícia também compreendeu as atividades
sobre perímetro de uma figura poligonal quadriculada, não obstante sua justificativa
trazer nas entrelinhas que cada lado de um quadrado periférico da figura seria um
perímetro, contudo, não podemos deixar de levar em conta a sua falta de intimidade
com questões que exigem um porquê da resposta apresentada.
Nesta altura de nossa exposição sobre nossa percepção em relação as
resoluções explicitadas pelos alunos no decorrer da presente atividade, revelamos que
pensamos em incluir uma terceira pergunta nas questões. Essa pretensa indagação
somente seria respondida caso o aluno assinalasse não na pergunta inicial. Não levamos
tal ideia em frente porque – podendo ser um pensamento totalmente equivocado de
nossa parte – a vivência em sala de aula sinaliza que a maioria dos alunos tenderia
marcar sim na primeira pergunta, fazendo valer a “lei do menor esforço”, no sentido de
concluir mais brevemente a tarefa.
Figura 11 – Atividade: determinação da medida de perímetro (figura poligonal quadriculada)
Aluno: Xavier
A figura abaixo representa um polígono:
a) a medida do perímetro do polígono é igual a 16 u.c.?
( ) Sim ( ) Não
b) por que ?
Fonte: próprio autor
Quando olhamos o modo como o aluno Xavier desenvolveu a questão que
lhe foi proposta, ficou muito claro que ele a respondeu corretamente, recorrendo ao
método utilizado no decorrer das atividades. Consideramos que ele apresentou uma
174
dificuldade maior do que a Eliete e a Fabrícia no momento de expressar a ideia que
lançou mão para atingir a conclusão. Pela forma que ele expressou sua “justificativa”
temos o típico caso do “é porque é”, ou seja, a nosso juízo, ele andou em círculo.
Semelhante ao que afirmamos em relação às alunas Eliete e Fabrícia – que
consideramos válido para todos os alunos da turma do 6º. ano B –, essa não
desenvoltura na exposição de ideias, principalmente por escrito, se deve, em grande
medida, não fazer parte do mundo escolar, via de regra, a vivência de situações em que
se faz necessário justificar aquilo que foi dado como resposta. Em nosso entendimento,
nós, professores, a não oportunizarmos essas experiências de forma mais frequente,
estamos reduzindo as oportunidades do aluno organizar suas ideias, sedimentar o seu
conhecimento e exercitar a textualização da justificativa, por exemplo. Tal prática
poderia desembocar em um espaço maior de interação com colegas e/ou professor por
ocasião da exposição de argumentos em defesa dos diversos pontos de vista.
Figura 12 – Atividade: determinação da medida de perímetro (figura poligonal quadriculada)
Aluno: Uelton
A figura abaixo representa um polígono:
a) a medida do perímetro do polígono é igual a 22 u.c.?
( ) Sim ( ) Não
b) por que ?
Fonte: próprio autor
Quando nos reportamos à resolução do Uelton, presente na Figura 11, e nos
detivemos à pergunta inicial e as marcações que ele registrou na figura poligonal, ficou
patente um procedimento sem falhas para a obtenção da medida do perímetro de um
polígono nas condições apresentadas (polígono quadriculado), todavia a sua justificativa
nos inclina a afirmar que a identificação e a nomenclatura usada para os diversos
objetos geométricos estudados durante as exposições e as discussões das atividades
ainda não foi por ele apreendida, assimilada.
Na tentativa de analisar o pensamento trilhado pelo Uelton, por ocasião de
sua justificativa, arriscaríamos dizer que cada lado de um determinado quadrado
unitário foi visto por ele como um polígono. Desse modo, nossa leitura, a partir do
expresso no porquê do polígono apresentar 22 u.c. como medida do perímetro, é que
175
ainda não ficou claro para esse aluno que o lado de um polígono é um segmento de reta,
logo um elemento geométrico unidimensional, e que o polígono tem natureza
bidimensional, haja vista que corresponde a uma porção de uma superfície plana.
Assim, por extensão do raciocínio em pauta, diríamos que caso fosse exposto um único
quadrado unitário, a resposta dada por Uelton, segundo nossa percepção, seria 4 u.c.
porque era formado por 4 polígonos.
Vejamos o tratamento dado pela aluna Quênia à questão que lhe foi
proposta na Figura 12.
Figura 13 – Atividade: determinação da medida de área (polígono quadriculado)
Aluna: Quênia
A figura abaixo representa um polígono:
a) a medida da área do polígono é igual a 30 u.a.?
( ) Sim ( ) Não
b) por que ?
Fonte: próprio autor
Conforme comentamos, as questões que abordavam a medida da área de
polígonos quadriculados apresentaram, desde o TD e no decorrer desta pesquisa, um
alto percentual de acertos. Assim, de forma análoga à Eliete, notamos claramente que
foi através da contagem de quadrados unitários presentes na composição do polígono
que a Quênia obteve a medida da área questionada, apesar de não registrá-la. No caso,
totalizou 15 quadrados unitários, implicando que a medida de sua área equivalia a 15
u.a. Sua justificativa se harmoniza com a conceituação de área, correspondendo a uma
região do espaço bidimensional delimitada, nessa questão, por quadrados unitários.
Em nosso entendimento, a assertiva feita por Quênia, mesmo de modo
subentendido, que o polígono é formado por 15 quadrados unitários traz embutida a
ideia que utilizando os mesmos 15 quadrados unitários para compor, por justaposição,
novos polígonos de formas diferentes do original, essas transformações não
provocariam nenhuma mudança na área e nem em sua medida. Em suma, os polígonos
(original e os formados por justaposição) seriam equivalentes entre si.
A título de visão geral dessa atividade, ressaltamos o desempenho exitoso
desse grupo de alunos no tocante à segurança do procedimento a ser usado na
176
determinação da medida de perímetro e de área de polígonos quadriculados, contudo no
que se refere a exposição das justificativas, não obstante os pontos falados
anteriormente, é notória a grande dificuldade enfrentada pelos alunos quando é preciso
traduzir em palavras as ideias que fizeram uso na resolução da questão.
Nossa derradeira atividade foi grupal e a tarefa a ser realizada consistia na
composição de uma figura plana, não necessariamente poligonal, com uma medida de
área e perímetro pré-determinadas.
Essa atividade foi desenvolvida por um grupo de cada vez. Para isso, os
alunos de um dado grupo foram conduzidos para um local extra-sala de aula. De início,
passamos as seguintes orientações para os alunos: o grupo deveria compor através da
manipulação de cartões quadrados de cartolina (quadrados unitários) uma figura plana
cujo perímetro teria uma medida que nós informaríamos. Também foi esclarecido para
os alunos que havia a seguinte restrição quanto a medida da área: a figura formada
deveria apresentar 4 u.a. como medida de área (no caso do Grupo 2, fizemos uma leve
variação), com exceção do Grupo 5 que foi definido 5 u.a. como medida da área. Em
outras palavras, os alunos dos Grupos de 1 a 4 usariam quatro quadrados unitários para
compor a figura (não esquecendo que o Grupo Dois trabalhou sob uma pequena
alteração nos critérios, detalhados adiante) e os dos Grupo 5, 5 quadrados unitários. Nas
fotografias seguintes, temos as figuras construídas pelos Grupos 2 e 3 dos cinco grupos
participantes da atividade.
O Grupo 2 – cujos componentes eram Gilda, Irineuda, Rivaldo, Vitória e
Giordano –, ficou com a incumbência de compor uma figura bidimensional que
apresentasse 14 u.c. como medida do perímetro. A razão da exposição sobre como foi
encaminhado o desenvolvimento da atividade por parte desse grupo decorre do fato dele
ter sido o que, conforme nossas percepção, encontrou maior dificuldade para atingir a
solução. Acreditamos que essa maior dificuldade foi, em parte, por conta da introdução
de uma pequena mudança nos critérios para a composição da figura: ela seria construída
de modo que sua área seria, no máximo, 4 u.a., isto é, os alunos poderiam montar
figuras com áreas de medidas 1 ou 2 ou 3 ou 4 u.a. na tentativa de obter uma figura
bidimensional de perímetro cuja medida fosse 14 u.c.
A primeira tentativa feita pelo grupo foi manuseando três quadrados
unitários. Ao constatarem que a máxima medida de perímetro que poderia ser obtida
com uma figura de área equivalente a 3 u.a. era 12 u.c. – que ocorria quando os 3
quadrados unitários eram dispostos, por exemplo, conforme a representação da Figura
177
13 –, partiram para o manuseio de quatro desses quadrados unitários com o objetivo de
montar a figura que contemplasse a medida desejada para o perímetro.
Figura 14 – Atividade: composição de figura plana com área de medida 3 u.a. e perímetro de
medida 12 u.c. (Grupo 2)
Fonte: próprio autor
Manipulando quatro quadrados unitários, esse grupo compôs algumas
figuras como, por exemplo, um retângulo de base e a altura que mediam,
respectivamente, 4 u.c. e 1 u.c. e um quadrado cujo comprimento do lado media 2 u.c.
Comprovaram, então, que as medidas dos perímetros do retângulo e do quadrado eram,
nesta ordem, 10 u.c. e 8 u.c.
Ao percebermos que o grupo estava encontrando grande dificuldade em
montar uma figura que correspondesse à solução buscada, indagamos: “se os quatros
quadrados estiverem isolados um dos outros, qual seria a soma das medidas de seus
perímetros?”. Rivaldo falou “quatro”. De imediato, Vitória rebateu essa resposta
dizendo que “ele não está perguntando a área” e prosseguiu argumentando: “um
quadrado tem 4 lados, quatro quadrados vai dar 16 porque é 4 vezes 4”. Notando que os
outros alunos do grupo concordavam com a ideia da Vitória, lancei uma próxima
pergunta no sentido de qual deveria ser o procedimento para que um perímetro de 16
u.c. fosse diminuído e ficasse igual a medida do perímetro desejada, isto é, 14 u.c? Em
outras palavras, produzir a redução de 2 u.c., considerando aquilo que tínhamos acabado
de discutir.
Aguardamos um certo tempo e como a resposta não emergiu, pedimos,
então, para que eles fizessem a composição de um retângulo usando somente dois
quadrados unitários e dissessem qual a medida do perímetro dessa figura? A resposta
dada foi “seis”, sendo correta e entendida pelo grupo. “Se esses dois quadrados
estivessem separados, qual seria a soma das medidas de seus perímetros?”, fizemos
nova pergunta. Sem nenhuma surpresa, Vitória respondeu de pronto: “oito”. Então,
dissemos, “não é uma situação parecida com a que queremos resolver? Vejamos: os dois
quadrados separados tem 8 u.c. de perímetro e juntos, 6 u.c., ou seja, duas unidades de
178
comprimento a menos”. Com isso, o grupo resolveu partir do retângulo de 10 u.c. de
perímetro, construído anteriormente, e fazendo manipulação dos quatro quadrados
unitários e por tentativa e erro compuseram a figura mostrada na fotografia 6, que
satisfazia às medidas de área (4 u.a.) e de perímetro (14 u.c.) que foram determinadas.
Fotografia 6 – Atividade: composição de figura plana composição de figura plana com área
de medida 4 u.a. e perímetro de medida 14 u.c. (Grupo 2)
Fotografia de minha autoria (19/nov./2014)
Sob nossa ótica, uma indagação totalmente pertinente ao contexto das
atividades desenvolvidas no curso desta pesquisa é por qual razão entre as
características que a figura plana a ser formada deveria apresentar não constou ser um
polígono? Esclarecemos que tal critério não foi definido porque, não obstante esse
polígono existir (Apêndice K), sua composição dependeria de frações do lado do
quadrado unitário, tema que não foi contemplado no decorrer das aulas destinadas à
pesquisa.
Por outro lado, mesmo não definindo esse fator limitante (compor uma
figura poligonal) tivemos uma atividade que propiciou a abertura de discussões no
campo da formação de figuras planas (poligonais ou não) por composição visto que os
alunos do Grupo Dois evidenciaram novamente que figuras equivalentes (com áreas
iguais) podem apresentar diferentes medidas de perímetro.
Seguindo a ordem numérica dos grupos, pedimos ao Grupo Três
(integrantes: Dilma, Keila, Otacílio, Yuri e Xavier) a composição de uma figura
bidimensional com área de medida 4 u.a., porém com perímetro de medida igual a 12
u.c. Esse grupo apresentou maior desenvoltura do que o grupo anterior, mas também
tentou inicialmente obter figuras poligonais (retangular e quadrada, por exemplo) de
179
acordo com as orientações recebidas. Como sabíamos que a composição de um
polígono com a medida de perímetro requerida era “impossível” de ser construído (ver
Apêndice L), pela mesma razão exposta acima, estabelecemos com os alunos desse
grupo uma discussão semelhante à conduzida com o Grupo Dois.
Na sequência, temos retratada a figura obtida por esse grupo (Fotografia 7),
que apresentava área de medida 4 u.a. e medida do perímetro igual a 12 u.c., conforme o
desejado.
Fotografia 7 – Atividade: composição de figura plana com área de medida
4 u.a. e perímetro de medida 12 u.c. (Grupo 3)
Fotografia de minha autoria (19/nov./2014)
Com relação aos Grupos 1, 4, e 5, as figuras que eles compuseram foram
poligonais. As áreas das figuras construídas pelos Grupos 1 e 4 estavam de acordo com
o que tínhamos definido em termos de medidas, apresentavam medidas iguais a 4 u.a.,
sendo que a medida do perímetro da composta pelo 1 era igual a 8 u.c. e a do 4, 10 u.c.
Por seu turno, o polígono composto pelo Grupo 5, satisfazendo as características da
figura requisitada, tinha área medindo 5 u.a. e perímetro com medida igual ao do Grupo
4, isto é, 10 u.c.
Vejamos, na Figura 15, a representação das figuras obtidas.
180
Figura 15 – Atividade: composição de polígonos com medidas de área e de perímetro
estipuladas (Grupo 1: área = 4 u.a. e perímetro = 8 u.c.; Grupo 4: área = 4 u.a. e perímetro = 10 u.c.
e Grupo 5: área = 5 u.a. e perímetro = 10 u.c.)
Grupo 1 Grupo 4 Grupo 5
Similarmente ao ocorrido com os Grupos 2 e 3, esses três grupos
participaram de discussões cujo teor que não se distancia daquele que já explicitamos.
Em uma visão sucinta acerca desta última atividade levada a cabo pelos 25
alunos, sujeitos da pesquisa, observamos que a manipulação de quadrados unitários para
obtenção de figuras planas, nem sempre poligonais, onde 80% delas eram equivalentes e
com medidas de perímetro diferentes, oportunizou uma solidificação, uma maior
compreensão dos conceitos das grandezas geométricas perímetro e área.
Ainda no campo das atividades, em termos de frequência dos componentes
do 6º ano B, pontuamos que em face de um levantamento feito entre os alunos dessa
turma que eram sujeitos da pesquisa, somente Petrônio (46,15% no TD e 30,77% no
RTD) não aparecia entre os nomes dos participantes dos grupos formados para efeito do
desenvolvimento das atividades. A ausência do seu nome estava vinculada ao caso mais
agudo de não comparecimento às aulas. Por ocasião da RTD, quando indagado sobre o
motivo de tanta falta às aulas, ele colocou como razão maior o seu desinteresse em
relação aos estudos escolares. Quando fomos verificar os três alunos que declararam
que não gostavam de estudar (conforme citamos no Capítulo 2), constatamos que estava
inserção do nome de Petrônio.
No tocante à determinação da medida do perímetro por ladrilhamento,
percebemos que a interatividade entre professores e alunos foi notadamente mais
intensa, haja vista ser um conteúdo cujo percentual considerável de alunos ainda
apresentava dificuldades de assimilação. Nesse sentido, a situação de maior relevo
recaiu sobre a atividade desenvolvida pelo Grupo 4, considerando que a solução
somente foi encontrada com vários passos, marcados pelo um forte intercâmbio de
ideias e reformulações de posicionamento frente ao problema. Ficou assim constatado
que a solução foi encontrada mediante um trabalho em conjunto. Enfim, foi produto da
interação entre os indivíduos vivenciando uma situação didática. Achamos interessante
181
destacar que ao resolverem problemas por ladrilhamento, alguns alunos ainda
mostraram certa dificuldade na distinção entre as noções de área e perímetro,
caracterizando-os como ainda inclusos no Nivel 1. A título de exemplo, o Grupo 1
ladrilhou a periferia do polígono é concluiu que a medida do perímetro correspondia ao
número de quadrados unitários usados, o que não é verdade. Mediante algumas
indagações e discussões, esse grupo refez a atividade, chegando ao resultado correto, ou
seja, evidenciou que a quantidade de lados unitários percorridos ao contornarem a
figura poligonal era equivalente a medida do perímetro.
Ademais, a manipulação de quadrados unitários distintos (pequenos e
grandes) nas diversas atividades propostas nesse dia, possibilitou um maior número de
intervenções por parte dos professores no decorrer das ações, sendo assim novamente
verificado o papel relevante do docente no desenvolvimento do pensamento geométrico,
conforme afirma Lorenzato.
Nas composições de figuras com a medida do perímetro especificada,
notamos que um bom número de alunos encontrava-se no 2º. Nível, segundo o modelo
van Hiele, pois formaram as figuras planas sem maiores dificuldades.
182
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através da realização desta pesquisa, buscamos um melhor entendimento
dos processos de ensino e de aprendizagem no âmbito da Geometria Euclidiana, com
foco no ensino das grandezas geométricas perímetro e área de figuras bidimensionais.
Nesse sentido, descrevemos e analisamos atividades que foram realizadas, tendo em
conta que os professores (pesquisador e titular) atuaram como agentes mediadores
qualificados, por meio do manuseio de objetos didáticos. O objetivo de nossa
investigação era analisar a contribuição do uso de materiais didáticos manipuláveis no
desenvolvimento do pensamento geométrico de alunos da rede de ensino público
municipal que cursavam sexto ano do Ensino Fundamental, com implicações na
apreensão de saberes, envolvendo área e perímetro.
Arriscaríamos dizer que não se configura como nenhuma novidade
ouvirmos de professores (independentemente do tempo de atividade docente, onde não
nos excluímos desse rol) que os alunos se mostram cada vez mais desinteressados. Essa
afirmativa, a nosso ver, mesmo retratando, a grosso modo, o que constatamos em sala
de aula, requer um complemento. Na verdade, os alunos têm interesses sim, todavia
aquilo que os atrai, que despertam sua curiosidade, que eles procuram conhecer com
mais detalhes, via de regra, não coincide com os interesses que nós, professores,
gostaríamos que eles tivessem.
Deixamos claro que tal realidade esboçada, corresponde, em linhas gerais,
àquela que estamos inseridos ao longo de 28 anos de magistério. Contudo, queremos
crer, ela é semelhante à vivenciada em um sem-número de escolas. Refletir acerca desse
quadro nos faz lembrar a seguinte assertiva: somos docentes, em geral, licenciados no
século XX, trabalhando com alunos do século XXI, mas com uma prática pedagógica,
por assim dizer, que apresenta algumas características, sob nossa ótica, que não se
distancia muito daquela do século XIX. Porém, mesmo não estando diretamente dentro
do círculo de interesse desta pesquisa, pontuamos que os fatores implicadores do
panorama descrito são inúmeros (licenciaturas que, em grande medida, não oferecem
uma formação adequada; professores com carga laboral excessiva; salas de aula com
grande número de alunos; políticas educacionais equivocadas, dentre outros).
Temos a convicção que a ação professoral de quem busca, dentro das
condições reinantes, fazer um trabalho voltado à promoção efetiva da aprendizagem dos
alunos, nunca será uma tarefa fácil. Nessa empreitada de auxiliar o aluno à aquisição de
novos conhecimentos, nos defrontamos com vários empecilhos, quais sejam: o não
183
incentivo e, muitas vezes, até mesmo o oposto, de outros professores; um percentual
bem representativo de alunos e de pais que, partindo do princípio, que não lecionar
segundo o único modelo que eles conhecem é não corresponder ao papel que nos cabe
como professor; dentro do turbilhão do cotidiano, o professor não dispor de um
aprimoramento teórico sobre o processo educativo, que, cremos, teria repercussão
positiva em sala em sala, levando-o a um salto qualitativo no campo profissional, dentre
outros.
Cremos que é nesse quesito, nessa busca de promover a construção do
conhecimento, que estabelecemos uma ligação com o que ventilamos anteriormente.
Desse modo, no que tange ao ensino e à aprendizagem de Geometria, percebemos que
as ações desenvolvidas, as atividades propostas e solucionadas, majoritariamente em
grupo, pelos alunos do 6º. ano B (sujeitos da pesquisa) da Escola Municipal Ana Xavier
Lopes, em Russas/CE, no período de 17/set. a 03/dez./2014, evidenciaram uma nova
perspectiva, uma nova abordagem quanto ao ensino de conceitos geométricos.
Como passo de largada desta pesquisa, procuramos identificar o patamar de
compreensão em que o aluno se encontrava em relação à noção de perímetro e de área,
assim como a determinação das medidas dessas grandezas, informação esta obtida
através do Teste Diagnóstico. No último dia da pesquisa, fizemos a reaplicação desse
teste com o intuito de evidenciar o pretendido progresso, individual e grupal, na
compreensão desses tópicos geométricos. Notamos que, por ocasião da Reaplicação do
Teste Diagnóstico, em relação à sua 1ª. edição, 77,78%, ou seja, 21 dos 27 alunos
partícipes da pesquisa, apresentaram melhoria no desempenho, onde o caso de maior
crescimento é de Horácio (69,23%).
Na semana que antecedeu a reaplicação do Teste Diagnóstico, tivemos a
realização da prova do Professor Pedro (ver anexo único), onde constavam questões que
versavam sobre a determinação da medida de perímetro e de área de figuras poligonais.
Evidenciamos que nessa prova, as médias de acertos obtidas pelo grupo de alunos
pesquisados foram 79,92% e 62,10% nas perguntas sobre área e perímetro,
respectivamente. Nesse desempenho, a nosso ver, ficou notório: (a) avanços um
domínio maior, por parte dos sujeitos da pesquisa, sobre a compreensão de elementos
relativos ao conceito e a medida de área, salientando que isso foi evidenciado desde os
resultados do Teste Diagnóstico; (b) avanços em relação a conhecimentos sobre
perímetro, tanto da conceituação como da obtenção da medida desta grandeza
geométrica.
184
Ainda na esfera dos desempenhos dos 27 alunos (sujeitos da pesquisa) do
6º. ano B, salientamos que quatro deles (Breno, Quênia, Rivaldo e Vitória), que
apresentaram elevação no percentual de acertos da 1ª. para a 2ª. aplicação do Teste
Diagnóstico, não foram aprovados para o 7º. ano e, ressalvamos, que as reprovações
ocorridas nessa turma foram exclusivamente em Matemática. Mesmo não se alongando
sobre o tema aprovação/reprovação, pensamos que situações dessa natureza fazem
emergir indagações do tipo: será que, de fato, alunos que não obtêm aprovação no final
do ano letivo, apresentam conhecimentos abaixo do considerado adequado para o ano
escolar cursado? Todos os alunos aprovados adquiriram, verdadeiramente, saberes,
pelo menos em grande parte, dos conteúdos trabalhados no ano/série que concluíram?
Bem, esta indagação fica em parte respondida quando, segundo dados oficiais, em 2013,
somente 16,40% alunos que concluíram o Ensino Fundamental no Brasil tiveram um
desempenho adequado em Matemática. O percentual ainda é menor quando se refere ao
Ensino Médio (9,30%).
Registramos que, antes de iniciarmos as atividades, invariavelmente, era
gasto um certo tempo para que fosse estabelecido um ambiente propício à ações que
envolvem uma prática educativa. Em nosso entendimento, essa conturbação verificada
nos primeiros minutos de tempo de aula (em média, 10 minutos) era decorrente, não
exclusivamente, de um lado, de uma inquietação própria à faixa etária da maioria dos
alunos (11-12 anos) e, por outro, de uma sensação térmica no interior da sala de aula
que em nada contribuía para um melhor andamento do processo educativo. Isso também
não implica que no desenrolar das atividades, em dados momentos, não houvesse
desconcentração e fosse premente redirecionar a atenção dos alunos para a tarefa a ser
realizada. Mas, também era notório que, quando a interação, principalmente entre os
indivíduos do grupo, ficava mais energizada, o desvio de atenção, por assim dizer, era
nula. Isso, em nosso entendimento, é uma validação do pensamento vygotskiano acerca
de aprendizagem gerada a partir de relações interpessoais.
Permanecendo no campo das interações, advogamos a ideia que nós,
professores de Matemática, devemos exercer a função de mediadores do processo de
construção do conhecimento matemático. Isso somente se concretizará caso nossa
prática tenha como referência a criação de oportunidades para os alunos exercitarem sua
capacidade de buscar soluções mediante o enfrentamento de problemas propostos.
Quando assumimos essa posição, considerando que esse é o caminho que leva,
efetivamente, a aquisição de conhecimentos, estamos ancorados, mas não somente, nos
185
anos de “chão de escola”, haja vista termos reiteradas provas que a sequência clássica,
qual seja: conceituar, apresentar propriedades e fórmulas, mostrar exemplos e listar
exercícios de aplicação que recaem nos exemplos dados, não propicia nem a ampliação
nem a aquisição de saberes. À guisa de exemplo, podemos contribuir para a construção
dos conceitos de perímetro e de área, colocando o aluno para realizar atividades que
envolvam a comparação das medidas dessas grandezas geométricas sem recorrer a
unidades usuais e sim com medidas que tenham como referência o quadrado unitário
adotado.
Queremos deixar registrado em nível de explicação – quem sabe, até de
justificativa –, que termos disponibilizado para os alunos desenvolverem as ações de
aprendizagem apenas figuras planas (quadriculadas ou não) e quadrados unitários
recortados em cartolina e não outros artefatos didáticos manipuláveis (tangran,
geoplano, poliminós ou outros) se deve à nossa opção de tentar mostrar uma alternativa
para o ensino de Geometria, enfocando perímetro e área, com o manuseio de um
exclusivo material didático. Todavia, conscientes estamos que tantos outros materiais
didáticos de caráter manipulativo poderiam ser utilizados para a construção, a ampliação
e a sedimentação dos conceitos das grandezas geométricas em tela.
Por ocasião da realização da atividade do dia 19/nov., desenvolvida
individualmente, em que os alunos expressaram por escrito sua justificativa,
constatamos uma dificuldade em expor textualmente o raciocínio usado na resolução,
que é plausível, se levarmos em consideração que essa era, nas palavras dos próprios
alunos, uma grande novidade, quando se tratava de Matemática. Tem um outro aspecto
que saltou aos olhos: erros na grafia das palavras que já apareciam no próprio
enunciado. Isso nos leva a pensar que nós, professores, independente da disciplina que
lecionamos, deveríamos intensificar as atividades que conduzam o aluno ao ato da
leitura e da escrita. Não obstante ser lugar-comum, compartilhamos da visão que,
quanto maior desenvoltura no binômio ler-escrever maior tende a ser o aprendizado em
qualquer área do conhecimento formal.
Em decorrência de análises e observações feitas no decorrer desta pesquisa,
da constatação de um melhor desempenho da maioria dos alunos na reaplicação do teste
diagnóstico, de um resultado, que consideramos satisfatório, obtido pelo grupo
pesquisado na prova do Professor Pedro e, com certeza, de relevância muito maior, de
termos acompanhado de perto a crescente participação e interação entre os alunos do 6º.
Ano B, partícipes da pesquisa, no desenrolar das atividades propostas, ficamos com a
186
percepção que temos uma resposta positiva para a nossa indagação maior. Diante dessas
evidências, somos encaminhados a afirmar que, de fato, a prática pedagógica que
desenvolvemos no campo da Geometria, com vistas à construção de conceitos
geométricos (em particular, perímetro e área), pautada na manipulação de materiais
didáticos, com a devida mediação qualificada do professor, mostrou-se exitosa.
Essa visão fica fortalecida ao passo que temos ciência que objetos
manipuláveis, juntamente com desenhos, repercutindo na formação de imagens mentais,
são recursos fundamentais para a construção dos conceitos geométricos, ou seja, na
manifestação do aspecto teórico dos conhecimentos geométricos. Em outras palavras e
também com certo caráter de generalização: o aluno ao manusear um dado artefato
didático (sob a mediação qualificada do professor) terá a oportunidade aumentada de
apreender conceitos geométricos, haja vista que em Geometria, o saber teórico
(elaboração dos conceitos) advém dos aspectos experimental (objetos e desenhos) e
intuitivo (imagens mentais) do conhecimento geométrico.
Ao longo desta pesquisa, foi dito que atuamos como professor na rede
pública estadual, lecionando Matemática e Física no Ensino Médio. Em nosso retorno à
escola, intencionamos levar à frente, conjuntamente com outros professores, um projeto
de implantação do laboratório de ensino de Geometria. Sendo um pouco mais detalhista:
nossa intenção é estabelecer conexões entre a Geometria e os outros ramos da
Matemática estudada na Educação Básica (a Aritmética e a Álgebra) e, com esse intuito,
desenvolver junto aos alunos atividades que, invariavelmente, passarão pela
construção/manuseio de objetos didáticos. Para que essa ideia dê frutos, sabemos que é
imprescindível buscarmos, cada vez mais, fundamentação teórica e para isso,
preferencialmente, serem formados grupos de estudo. Essa afirmativa está ancorada em
algo que foi citado diversas vezes no corpo deste trabalho, a saber: o uso de materiais
didáticos sem a devida mediação qualificada do professor há uma grande probabilidade
de a aprendizagem não ocorrer.
Por fim, ficamos com a certeza que esse passo largo que demos em nossa
trajetória acadêmica sinaliza que ainda resta um longo caminho a ser trilhado.
187
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Martins Fontes, 2007. 182 p.
192
APÊNDICES
APÊNDICE A – Roteiro das questões da entrevista semiestruturada realizada com
o Professor Pedro
1) Há quanto tempo você leciona? Sempre trabalhou em redes de ensino
público? Qual a sua jornada de trabalho semanal? Você é professor
efetivo?
2) Qual a sua formação universitária?
3) Sua entrada no magistério foi algo planejado? Como ela ocorreu?
4) Você gosta de ensinar Geometria?
5) Você acha importante os alunos aprenderem perímetro e área? Por que?
6) Na sua visão, os alunos têm maior dificuldade em compreender Aritmética,
Álgebra ou Geometria?
193
APÊNDICE B – Fotos do ambiente da sala de aula do 6º. ano B
Fotografia de minha autoria (17/set./2014)
Fotografia de minha autoria (17/set./2014)
Fotografia de minha autoria (17/set./2014)
194
APÊNDICE C – Teste diagnóstico
PPGE UECE/FAFIDAM – FECLESC
MAIE (Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino)
Pesquisador: Prof. Francisco Alves Bezerra Neto
Orientadora: Profª. Drª. Maria Gilvanise de Oliveira Pontes
ESCOLA MUNICIPAL DE ENSINO INFANTIL E ENSINO FUNDAMENTAL
ANA XAVIER LOPES - RUSSAS/CE
Aluno(a) _______________________________Turma: 6º Ano B - Data: ___ /__ /2014
Professor: Célio de Lima Gonçalves
TESTE DIAGNÓSTICO
1) Escreva o nome do seu professor de Matemática dentro da figura que tem a forma de
quadrado.
2) Na figura abaixo, primeiramente ligue do ponto A para o ponto B. Em seguida, ligue
do ponto B para o ponto C e, por último, ligue do ponto C para o ponto A. Depois de
fazer as três ligações, responda: quantos triângulos você vê na figura
A •
• B Resposta: _______
C •
3) Marcos quer colocar um piso de cerâmica na sala:
(I) Ele precisa saber qual é a área da sala ?
( ) sim ( ) não
(II) Ele precisa saber qual o perímetro da sala?
( ) sim ( ) não
195
4) Antônio pretende cercar todo o seu lote de terra com arame. A quantidade de arame
que ele vai precisar depende do perímetro ou da área desse terreno?
Resposta: __________________
5) Observe as figuras abaixo, compare suas áreas e marque a alternativa correta:
Figura 1 Figura 2
a) A figura 1 tem área maior.
b) A figura 2 tem área maior.
c) As figuras têm áreas iguais.
6) Veja as figuras 1 e 2. Compare seus perímetros e marque a alternativa correta:
Figura 1 Figura 2
a) A figura 1 tem perímetro maior.
b) A figura 2 tem perímetro maior.
c) As figuras têm perímetros iguais.
7) Dadas as figuras, responda:
Figura 1 Figura 2
(I) As duas figuras têm áreas iguais ?
( ) Sim ( ) Não
(II) As duas figuras têm perímetros iguais ?
( ) Sim ( ) Não
(III) Qual a área da figura 1 ?
Resposta _____
(IV) Qual o perímetro da figura 1 ?
Resposta _____
(V) Qual a área da figura 2 ?
Resposta _____
(VI) Qual o perímetro da figura 2 ?
Resposta _____
196
APÊNDICE D – Quadro de Resultados do Teste Diagnóstico (TD)
OBS.: Questões acertadas por aluno, indicadas por X, e seu percentual de acerto
1 2 3 4 5 6 7
Aluno
Idade
(anos)
I
II
I
II
III
IV
V
VI
%
01 Amália 12 X X X 23,08
02 Breno 14 X X X X X X 46,15
03 Cirlene 14 X X X 23,08
04 Dilma 17 X X X X X X 46,15
05 Eliete 11 X X X X X X 46,15
06 Fabrícia 13 X X X X X 38,46
07 Gilda 12 X X X X X 38,46
08 Horácio 11 X X X X 30,77
09 Irineuda 14 X X X X X X X X 61,54
10 Jacqueline 12 X X X 23,08
11 Keila 12 X X X X X X 46,15
12 Laércio 12 X X X X X X X X 61,54
13 Maurilene 11 X 7,69
14 Nilberto 11 X X X X X 38,46
15 Otacílio 11 X X X X X X X 53,85
16 Petrônio 11 X X X X X X 46,15
17 Quênia 11 X X X X X X 46,15
18 Rivaldo 14 X X X X X X X 53,85
19 Sávio 12 X X X X X X X X X X 76,92
20 Talia 11 X X 15,38
21 Uelton 13 X X X X 30,77
22 Vitória 13 X X X X 30,77
23 Wilma 11 X X X X X X 46,15
24 Xavier 11 X X X X 30,77
25 Yuri 13 X X X X X 38,46
26 Zuleide 11 X X X X X 38,46
27 Giordano 11 X X X X X X 46,15
197
APÊNDICE E – Quadro de Resultados da Reaplicação do Teste Diagnóstico (RTD)
OBS.: Questões acertadas por aluno, indicadas por X, e seu percentual de acerto
1 2 3 4 5 6 7
Aluno
Idade
(anos)
I
II
I
II
III
IV
V
VI
%
01 Amália 12 X X X X X X X X X X X 84,62
02 Breno 14 X X X X X X X 53,85
03 Cirlene 14 X X 15,38
04 Dilma 17 X X X X 30,77
05 Eliete 11 X X X X X X X X X 69,23
06 Fabrícia 13 X X X X X X X X X X 76,92
07 Gilda 12 X X X X X X X X X X 76,92
08 Horácio 11 X X X X X X X X X X X X X 100,0
09 Irineuda 14 X X X X X X X X X X X X 92,31
10 Jacqueline 12 X X X X X X X X X 69,23
11 Keila 12 X X X X X X X X X X X X 92,31
12 Laércio 12 X X X X X X X X X 69,23
13 Maurilene 11 X 7,69
14 Nilberto 11 X X X X X X X X X 69,23
15 Otacílio 11 X X X X X X X X 61,54
16 Petrônio 11 X X X X 30,77
17 Quênia 11 X X X X X X X X 61,54
18 Rivaldo 14 X X X X X X X X X X 76,92
19 Sávio 12 X X X X X X X X X X X 84,62
20 Talia 11 X X X X X X X X X X 76,92
21 Uelton 13 X X X X 30,77
22 Vitória 13 X X X X X X X X X X 76,92
23 Wilma 11 X X X X X 38,46
24 Xavier 11 X X X X X X X X 61,54
25 Yuri 13 X X X X X X X X X 69,23
26 Zuleide 11 X X X X X X X X X 69,23
27 Giordano 11 X X X X X X X X X X 76,92
198
APÊNDICE F – Quadro comparativo de resultados, por aluno, no Teste
Diagnóstico (TD) e na Reaplicação do Teste Diagnóstico (RTD)
Aluno % (TD) % (RTD) % (RTD – TD)
01 Amália 23,08 84,62 61,54
02 Breno 46,15 53,85 7,70
03 Cirlene 23,08 15,38 – 7,70
04 Dilma 46,15 30,77 – 15,38
05 Eliete 46,15 69,23 23,08
06 Fabrícia 38,46 76,92 38,46
07 Gilda 38,46 76,92 38,46
08 Horácio 30,77 100,0 69,23
09 Irineuda 61,54 92,31 30,77
10 Jacqueline 23,08 69,23 46,15
11 Keila 46,15 92,31 46,16
12 Laércio 61,54 69,23 7,69
13 Maurilene 7,69 7,69 0,00
14 Nilberto 38,46 69,23 30,77
15 Otacílio 53,85 61,54 7,69
16 Petrônio 46,15 30,77 – 15,38
17 Quênia 46,15 61,54 15,39
18 Rivaldo 53,85 76,92 23,07
19 Sávio 76,92 84,62 7,70
20 Talia 15,38 76,92 61,54
21 Uelton 30,77 30,77 0,00
22 Vitória 30,77 76,92 46,15
23 Wilma 46,15 38,46 – 7,69
24 Xavier 30,77 61,54 30,77
25 Yuri 38,46 69,23 30,77
26 Zuleide 38,46 69,23 30,77
27 Giordano 46,15 76,92 30,77
199
APÊNDICE G – Questionário socioeducacional aplicado aos alunos
PPGE UECE/FAFIDAM-FECLESC
MAIE (Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino)
Pesquisador: Francisco Alves Bezerra Neto
Orientadora: Profª. Drª. Maria Gilvanise de Oliveira Pontes
Questionário Socioeducacional
1) Nome:
_______________________________________________
2) Idade:
_____ anos
3) Você sempre estudou nesta escola ?
( ) Sim ( ) Não
4) Você já repetiu alguma série escolar ?
( ) Sim ( ) Não
5) Você mora no Planalto (bairro onde está localizada a escola)?
( ) Sim ( ) Não
6) Qual a escolaridade da mãe ?
________________________________________________
7) Qual a escolaridade do pai ?
________________________________________________
8) Qual a disciplina você mais gosta de estudar ?
________________________________________________
9) Qual a profissão da sua mãe?
________________________________________________
10) Qual a profissão do seu pai ?
________________________________________________
203
APÊNDICE K – Polígono com área de medida 4 u.a. e perímetro de medida 14 u.c.
1 u.c. 1 u.c.
0,8u.c
.
0,8 u.c.
0,8u.c
.
1 u.c. 1 u.c.
1 u.c.
1 u.c.
0,8 u.c. 1 u.c.
1 u.c.
1 u.c.
1 u.c.
0,4 u.c.
0,4 u.c.
204
APÊNDICE L – Polígono com área de medida 4 u.a. e perímetro de medida 12 u.c.
1 u.c. 1 u.c.
1 u.c.
1 u.c. 1 u.c.
1 u.c.
1 u.c.
1 u.c.
1 u.c.
1 u.c.
0,5 u.c.
0,5 u.c.
0,5 u.c.
0,5 u.c.