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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS
CURSO DE HISTÓRIA
POLIANA COQUEIRO GOUVEIA
A CAPOEIRA EM SÃO LUÍS DO MARANHÃO: O Projeto “Mandigueiros
do Amanhã” como exemplo de inclusão social (1995 a 2002).
São Luís
11
2006
POLIANA COQUEIRO GOUVEIA
A CAPOEIRA EM SÃO LUÍS DO MARANHÃO: o Projeto “Mandigueiros do
Amanhã” como exemplo de inclusão social (1995 a 2002).
Monografia apresentada ao curso de História da Universidade Estadual do Maranhão, para obtenção do titulo de Licenciada em História.
Orientador: Prof. Ms. Paulo Roberto
Ribeiro Rios.
12
São Luís 2006
Gouveia, Poliana Coqueiro.
A capoeira em São Luís do Ma: Projeto Mandigueiros do
Amanhã como exemplo de inclusão social (1995-2002)
73 f.: il.
Monografia (Graduação em História) – Universidade
Estadual do Maranhão, 2006.
1 – Capoeira. 2. Poder. 2. Política Cultural. I – Título
CDU: 316.73:796.89 “1995/2002”(812.1)
13
POLIANA COQUEIRO GOUVEIA
A CAPOEIRA EM SÃO LUÍS DO MARANHÃO: o Projeto “Mandigueiros do
Amanhã” como exemplo de inclusão social (1995 a 2002).
Monografia apresentada ao curso de História da Universidade Estadual do Maranhão, para obtenção do titulo de Licenciada em História.
APROVADO EM ____/____/_____
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________ Prof. Ms. Paulo Roberto Ribeiro Rios (Orientador)
Universidade Estadual do Maranhão
___________________________________________________ 1o EXAMINADOR
____________________________________ 2o EXAMINADOR
14
Dedico:
A Deus, Senhor criador do universo e da vida, presente em
todos os momentos de adversidades e vitórias, de reflexão e
alegrias.
Aos meus pais e irmão, sempre presentes.
A Edimilson Amaral Santos, cuja companhia, confiança e afeto
foram essencial para a realização deste trabalho, sendo um
grande companheiro em minha vida.
15
Aos meus grandes amigos, Halisson Jackis, Mota Franco e
Águida Halila, (In memory)
AGRADECIMENTOS
A Deus, pela sua soberania e presença constante em minha vida.
Aos meus pais Carlos Alberto Moraes Gouveia e Maria Raimunda Coqueiro,
ao meu irmão Bruno Leonardo Coqueiro Gouveia, que sempre estiveram ao meu lado
transmitindo afeto e confiança, apoio nos momentos difíceis que serviram de espelho
em minha caminhada.
Aos meus amigos, Walselny, Luciana, Fernando, Nilson, Wellington e
Jesiel, pela companhia e confiança e contribuíram para o meu crescimento pessoal.
Ao professor Paulo Roberto Rios Ribeiro que com muito profissionalismo e
paciência me orientou neste trabalho monográfico.
Aos professores do Curso de História: Helidacy Maria Muniz, Elizabeth
Sousa Abrantes, Adriana Maria Zierer, Júlia Constança, Fábio Monteiro, Carlos Alberto
Ximendes, José Henrique e Marcelo Cheche Galves, que com ensino crítico
participaram para a minha formação intelectual.
A Marylene Lago e funcionários do Curso de História da UEMA, que com
prestativa ajuda pude contar sempre.
17
Há cinco degraus para se alcançar a
sabedoria: calar, ouvir, lembrar, sair,
estudar."
Provérbio Árabe
RESUMO
O presente trabalho teve como objetivo discutir as políticas culturais no
Maranhão durante a gestão da ex-governadora Roseana Sarney (1995-2002).
Como objeto de estudo, enfocou-se a Capoeira, analisando de que forma ela
foi tratada naquele período, assim como fez-se um estudo de caso a partir da
“Escola de Capoeira Mandigueiros do Amanhã”, a qual tornou-se um exemplo
de resistência frente àquelas políticas.
Palavras Chaves: Capoeira. Poder Política Cultural.
18
ABSTRACT
The present work had as objective to argue the cultural politics in the Maranhão
during the management of Roseana former-governor Sarney (1995-2002). As
study object, it was focused Capoeira, analyzing of that it forms it was treated in
that period, as well as became a study of case from the “School of Capoeira
Mandigueiros of Tomorrow”, which became a resistance example front those
politics. Words Keys: Capoeira. To be able Cultural Politics.
19
LISTA DE ANEXOS
Projeto de LeI Nº 199.05. Mensagem Governamental Nº 066.05. LEI Nº 8.319.
Relatório sobre as Contas do Estado do Maranhão.
Relatório sobre as Contas do Governo do Estado do Maranhão.
Programação e Execução Orçamentária Global da FUNCMA Tesouro Estadual
e Outras Fontes (1999).
Relatório e Projeto de Parecer Prévio.
20
SUMÁRIO
P.
LISTA DE ANEXOS............................................................................. 08
INTRODUÇÃO..................................................................................... 09
1 A CAPOEIRA NO BRASIL: UMA BREVE HISTÓRIA........................ 13
2 ANÁLISE DA PRÁTICA CAPOEIRÍSTICA NO MARANHÃO
DURANTE O GOVERNO ROSEANA SARNEY (1995-2002).............
25
2.1 A relação entre Estado e Cultura...................................................... 31
3 ESCOLA DE CAPOEIRA MANDIGUEIROS DO MARANHÃO:
EXEMPLO DE RESISTÊNCIA.............................................................
45
3.1 A Inserção da Escola de Capoeira Mandigueiros do Amanhã no
Programa Capacitação Solidária......................................................
56
3.2 Perfil dos alunos................................................................................. 60
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................. 65
REFERÊNCIAS.................................................................................... 69
21
1. INTRODUÇÃO
Ao se tratar do estudo da capoeira no Brasil, deve-se considerar
alguns aspectos. Entre estes, pode-se dizer que ela, enquanto manifestação
cultural afro marca suas origens no contexto da História Colonial do Brasil Faria
(2003). Contudo, estudar sobre a História do Negro no Brasil, é também ter a
certeza de que o número de trabalhos que tratam da questão relativa à história
da capoeira, com profundidade, ainda é bastante reduzido. Por isso, torna-se
instigante trabalhar com este assunto, pois, além de tratar-se a respeito deste
como uma prática cultural, deve também ser vista como um aspecto de
manifestação da resistência dos negros ao instituto da escravidão.
Em se tratando da população escrava que fora trazida para o Brasil,
esta teve que obedecer aos desmandos das autoridades vigentes que a
arrancaram de suas terras nativas, assim desconsiderando seus aspectos
culturais. Desta forma:
“Populações inteiras, com cultura desenvolvida, capacidade criadora e participantes de uma estrutura complexa em termos de organização social e política. (...) Não existem povos primitivos, mas povos que elaboram uma estrutura social diferente do modelo do povo observador” (D’AMORIM. 1996, apud MEDEIROS, p. 12).
Como se pode observar, a noção de que o diferente é aquilo que
identifica e não aquilo que se deve condenar, ainda não foi assimilada por
algumas pessoas que ainda possuem um discurso discriminador. A capoeira,
22
portanto, é um atributo diferenciador, por isso, merece ser tratada com mais
afinco pela historiografia.
Compreender a prática da capoeira na atualidade é estar ciente de
que ela faz parte de um quadro estrutural de âmbito econômico, político-social
e cultural. De acordo com tais informações, é relevante apontarmos o trabalho
realizado por Celi Zulke Taffarel, intitulado: capoeira a serviço do social ou do
capital? Ela considera importante relacionar a capoeira “ao complexo
econômico capitalista monopolista, industrial, estatal e da economia popular
solidária” Taffarel, (2004).
Para Taffarel, (2004), a capoeira está passando por um processo de
“degeneração e decomposição de seus valores genuínos − capoeira
patrimônio da humanidade”. Isto significa que o aspecto econômico é um dos
principais agentes influenciadores na dinâmica dos aspectos culturais
ideológicos.
Assim, percebe-se que a capoeira insere-se em um contexto mais
amplo e que necessita ser melhor analisada. Para sustentar a tese, considera
as idéias de Engels apud Taffarel, (2004, p.3) − que se baseou em estudos
realizados por Marx. Assim para ele:
“A produção, e com ela a troca dos produtos, é a base de toda a ordem social; de que em todas as sociedades que desfilam pela história, a distribuição de produtos, e juntamente com ela a divisão social dos homens em classes ou camadas, é determinada pelo que a sociedade produz e como produz e pelo modo de trocar os seus produtos” .
Assim, a capoeira deve ser compreendida em um quadro estrutural
maior. Retomando a história colonial brasileira para provarmos tal ponto de
vista, durante a promulgação da Lei Eusébio de Queiróz (1850), houvera a
proibição do tráfico de escravos para o Brasil, o que significou a abertura de um
23
processo que levaria, paulatinamente, à liberação da mão-de-obra escrava sem
qualquer sustentação social ou econômica, ficando estes entregues a
marginalidade.
Assim, a capoeiragem (prática da capoeira), floresceu sendo
considerada durante o século XIX como uma forma de luta. Percebe-se que a
mudança na conjuntura econômica provocou uma reformulação do modo de
agir dos ex-escravos no Brasil.1
Mesmo com a abolição da escravidão, alguns aspectos da cultura
afro-brasileira foram reprimidos a exemplo, da capoeira. O governo republicano
desde os seus primórdios associou a capoeira à criminalidade, conforme o
exposto no decreto 847 de 11 de Outubro de 1890, conhecido com o título “dos
vadios e capoeiras”. De acordo com o artigo referido, é apresentado que na
Constituição brasileira de 1891, no artigo 402, no parágrafo único afirma que “É
considerada circunstância agravante pertencer o capoeira a alguma banda ou
malta. Aos chefes, ou cabeças, impor-se-á pena em dobro”.
Neste trabalho monográfico pretende-se analisar as ações
governamentais com relação aos incentivos culturais e como delimitação,
pretende-se estudar a capoeira como manifestação cultural e inclusão social
que esteve envolvida no meio político como exemplo, o Projeto “Mandigueiros
do Amanhã”,na comunidade Madre de Deus, que envolve teatro e música de
capoeira assim como pintura destinado a jovens de condições sociais
desfavorecidas para que não fiquem a mercê da situação que não escolheram.
1 Site História da capoeira.
24
A capoeira como arte-social incita lições que ultrapassam a
perspectiva técnica da expressão colaborando para questões ainda maiores,
tais como: espírito de grupo, disciplina, determinação e outros.
A capoeira pode ser vista como uma forma de manifestação cultural
que além de preservar elementos que evidenciam as suas tradições afro-
brasileiras pra outros campos. Para que se tenha uma fundamentação teórica
histórica consistente se estruturará o trabalho monográfico da seguinte forma:
No primeiro capítulo apresentaremos um breve histórico sobre a
capoeira no Brasil, conhecendo os caminhos e descaminhos desta prática. No
segundo capítulo comentaremos a respeito da História da Capoeira no
Maranhão, assim como, serão discutidas as políticas culturais no âmbito
nacional e local. Será analisada a gestão da ex-governadora Roseana Sarney
que utilizou o apoio a certas manifestações culturais no Maranhão como
marketing político para o governo do Estado, excluindo e marginalizando
outras.
No terceiro capítulo será apresentado um estudo a respeito da
Escola de Capoeira Mandigueiros do Amanhã (ECAMA), a qual fez parte de um
projeto social chamado Capacitação Solidária no período referente ao ano de
2002 em São Luís.
Pretendo, neste capítulo mostrar que a exemplo de outras
manifestações e práticas culturais o projeto ECAMA não recebeu subsídios ou
auxílios governamentais para o desenvolvimento das suas atividades, tendo
sido sustentado pela participação efetiva da comunidade da Madre de Deus.
25
1. A CAPOEIRA NO BRASIL: UMA BREVE HISTÓRIA
A capoeira enquanto arte/luta típica dos nossos antepassados
(escravos) teve sua história marcada pela luta e sobrevivência do seu modo de
vida. Em relação à questão do nascimento dessa prática cultural tomemos a
explicação de Rego, (1968) que afirma sobre a problemática: “Sem dúvida ela
nasceu no meio rural com a luta pela liberdade, porém a malícia (mandinga
capoeirística) é urbana”.2
Percebe-se, portanto, que a capoeira enquanto arte/luta
representativa de um povo que tivera sua vida marcada por lutas contra as
opressões, teve uma relação intrínseca com o meio rural, no entanto, o
aprimoramento deu-se nas cidades.
Para Rego, (1968, p. 31), a capoeira foi uma invenção dos africanos
residentes no Brasil e que fora: “Desenvolvida por seus descendentes”. O autor
teve como base documental uma série de fatores que indicassem tais
assertivas, entre os quais destacou as fontes documentais, a convivência e
diálogos com alguns capoeiristas atuais e antigos que vivem no estado da
Bahia.
2 REGO, Waldeloir. Capoeira angola:ensaio sócio-etnográfico.Salvador:Itapuã: 1968
26
Com relação às diferentes variações que a capoeira possui
destacam-se duas: A Angolana e Regional. Esta última tem como referência a
participação de um mestre chamado Bimba. Ele desenvolveu-a com elementos
variados, entre os quais destacaram-se os golpes ligados ou cinturados que
ligam-se a elementos de lutas estrangeiras, mantendo, no entanto, alguns
elementos tradicionais.3
Em relação à Angolana, deve-se considerar que tal denominação
refere-se a algumas teorias, que atribuem a ela a sua procedência referente a
esse país. Contudo, Rego, (1968, p. 32), afirma também que a capoeira
enquanto prática possui uma raiz, ou seja, não há tipos e sim variações nos
golpes, o que acaba gerando confusões de alguns teóricos a respeito deste
aspecto. Feitas tais preliminares a respeito da origem da capoeira, faz-se
necessário, entender de que forma ela desenvolveu seus traços em nosso
país.
No Brasil, segundo o antropólogo Serra, (2006, p. 2), a partir do
desembarque dos primeiros escravos negros: angoleses, benguelas,
moçambiques, cambidas e congos que “eram povos de pequenos reinos e com
um razoável domínio de técnicas agrícolas e cuja grande característica era
possuir uma visão muito plástica e imaginosa da vida, com grande capacidade
de adaptação cultural” 4.
Esta variação étnica uniu-se em nosso país devido ao sistema
econômico que vigorava e utilizava a mão-de-obra escrava, o que segundo
Serra, (2006) contribuiu para a formação da cultura brasileira.
3 Idem Ibidem. p 32. 4 APUD, site :História da capoeira. http://www.capoeiratorino.it/história.htm
27
É neste contexto que a capoeira insere-se em nossa história. Para
Serra, (2006), ela foi desenvolvida pelos escravos no Brasil, entretanto, a
procedência desta é que gera dúvidas. Contudo, algumas hipóteses remetem
ao Estado da Bahia, Rio de Janeiro e Recife como lugares onde possivelmente
a capoeira teria surgido.
A finalidade da capoeira ainda é contraditória, pois para Rego, (1968,
p. 55) ela fora inventada como recurso de entretenimento, entretanto, “na
realidade funcionava como uma faca de dois gumes”. Desta maneira ela
poderia divertir, assim como também servir de arma em algum momento
oportuno.
Já para Serra, (2006), a capoeira se confunde com a história de
resistência dos negros no Brasil o que acaba assumindo uma característica de
luta contra a opressão existente.
A capoeira em meados do século XIX, era considerada algo ilegal.
Segundo o historiador Soares, que teve contato com o registro de prisões de
escravos durante aquele período, pôde constatar que no Rio de Janeiro havia
um certo temor quanto à prática da capoeira.5
Esse fato evidencia que a prática da capoeira era combatida pelas
autoridades que aplicavam rígidas penas àqueles que fossem pego praticando,
principalmente se fosse cativo. 6
Quando se trata de identificar no século XIX qual tipo de escravo era
mais associado à prática da capoeira é Viotti (1998, p. 288), que nos esclarece
a respeito. Ao abordar os aspectos da vida do escravo nas zonas urbana e
rural, Viotti (1998), considera relevante alguns dados sobre o referido assunto.
5 Site História da Capoeira. 6 Idem Ibidem
28
Segundo a autora a partir do momento em que o número de negros livres ia
aumentando maior era a incidência das suas práticas culturais. Entre elas,
aponta a presença dos capoeiras que:
“Formavam maltas* que reuniam, às vezes, uma centena de homens. Quando um senhor vendia um escravo da cidade para a fazenda, os demais, filiados à malta, reuniam-se e designavam quem o deveria vinga 7. Tiveram os capoeiras papel importante durante a campanha abolicionista”. (VIOTTI, 1998, p.288)
Percebe-se, então, que a figura do capoeira fora relevante no Brasil
durante o século XIX. Viotti (1998, p. 288), chega a afirmar que o espírito
associativo do escravo que envolvia algumas tradições e crenças, chegava a
distinguir cada componente em alguma categoria social. Geralmente, tais
distinções eram provindas do continente de origem daquele seguimento.
Estas associações não eram vistas com “bons olhos” pelas
autoridades locais, pois como Viotti (1998, p. 302), chega a afirmar, que “as
autoridades viram nessas reuniões inofensivas uma série de ameaças à
segurança pública e proibiram a sua realização”. Segundo a autora, algumas
pessoas chegavam a pensar que estas associações representavam uma
maneira de que se arquitetasse “planos sinistros de subversão”. Assim, pode-
se notar que o escravo era tolhido de todas as formas possíveis para a
realização e manutenção de suas tradições.
Quando da Proclamação da República (1889), o Marechal Deodoro
da Fonseca, para combater a capoeira, promulgou, em 11 de outubro de 1890,
a Lei n.° 487 (cuja autoria fora do paulista Sampaio Ferraz) que estabelece: “O
praticante de ginástica de agilidade corporal conhecida como capoeiragem será
* Bando, grupo, súcia. 7 Site Capoeira: Fundamentos históricos.
29
punido com a pena de 2 a 6 meses de trabalho forçado na ilha de Fernando de
Noronha”7.
Esta assertiva demonstra o caráter repreensivo que se tinha contra
aquela prática. A capoeira, portanto, sofrera algumas repressões, mas
conseguiu perdurar e manter suas características. A respeito das punições
empreendidas durante o período imperial nos valemos das informações de
(VIEIRA, 1997, p. 61-62) o qual destaca:
“Decreto 847 em 11 de outubro de 1890 − Capítulo XII, intitulado “Llos Vadios y Capoeiras”. Art. 402 − Fazer rua e praças públicas, exercício de agilidade e destreza corporal conhecida pela denominação de capoeiragem; andar em carreira com armas ou instrumentos capazes de produzir lesão corporal provocando tumulto ou desordens, ameaçando pessoa certa ou incerta, ou incutido temor de igual mal; Pena de Prisão celular de dois a seis meses. A penalidade é do art. 98 Parágrafo Único − É considerada circunstância agravante pertencer o capoeira a alguma banda ou malta. Aos chefes se imporá pena em dobro.” 8
Constata-se, portanto que esta determinação evidencia a maneira
pelas quais as autoridades brasileiras tratavam à capoeira. A exemplo da
atuação policial destacou-se Sampaio Ferraz, chefe de polícia da Capital
Federal, que empreendeu de forma rígida a aplicabilidade da lei.
A capoeira, enquanto representação das tradições culturais afro teve
sua história marcada por uma luta constante contra a discriminação. É
interessante pensar a respeito da significação desta prática para determinada
época.
Como já se percebe, a capoeira nos primeiros anos de seu
surgimento significou uma forma de exposição dos sentimentos do escravo
negro no Brasil do século XIX.
8 VIEIRA, Sérgio Luiz de Souza. Capoeira:matriz cultural para uma educação física brasileira.1997. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.
30
Percebendo a gravidade da situação em que o número de
praticantes ia aumentando cada vez mais algumas providências foram tomadas
nesse período pelas autoridades locais. Entre estas, Reis (1997) que nos
apresenta segundo sua pesquisa a capoeira que era considerada uma “doença
moral” passa a ser uma “ginástica nacional”.
Esta mudança evidenciou uma maneira de controle da situação, pois
determinados grupos eram vistos como uma ameaça, assim, leva-se a crer que
a mudança no tratamento da questão, significou uma estratégia das
autoridades locais. Segundo Souza, analisando esta estratégia, considera
que:
“O projeto de transformá-la em “Gymnástica Nacional”, passa também pela tentativa de controle e/ou domesticação da capoeira “bárbara”, no sentido de apropriação que a qualificasse como nacional. Porém, esse processo tendeu a uma descaracterização, destituindo-a de seus elementos de origem.” (SOUZA, 2002.p.31) 9.
Segundo Souza, (2002) baseando-se nas idéias de Reis, (1997),
afirma que esta atuação pode ser explicada a partir da análise dos trabalhos de
alguns autores da época (final do século XIX e início do XX).
Entre eles destacam-se Melo Morais, Coelho Neto, Aníbal
Burlamaqui, os quais pregam a idéia de que se criasse uma nacionalidade à
capoeira, ou seja, que ele se torne um esporte genuinamente brasileiro. Assim
sendo, não poderia mais atribuí-la uma característica puramente africana, e
sim, mestiça. Tais autores, segundo Souza, (2002), eram influenciados por
teorias reformistas.
9 A Capoeira em São Luís. Dinâmica e expansão no século XX dos anos 60 aos dias atuais. (monografia apresentada em 2002, para obtenção do grau de licenciatura em História pela UFMA).
31
Essa estratégia de moldar a capoeira seguindo as deliberações da
época pode ser interpretada como uma maneira de afastar a reminiscência
africana a qual a capoeira está intrinsecamente ligada.
Seguindo esta tese, é Reis, (1997, p. 87) que nos confirma: “a
construção dessa identidade brasileira passava necessariamente pela
eliminação ou ao menos pela minimização da “bárbara” herança africana, a
qual punha em risco a própria viabilidade da nação, segundo os cânones
científicos vigentes”.
Esse tipo de perseguição a esta prática foi intenso até quando o
governo brasileiro passou a tratá-la como esporte nacional a partir do empenho
de Mestre Bimba que fundou a primeira academia de capoeira em 1932
(Centro de Cultura Física e Regional da Bahia)10. Segundo Santos ao se referir
sobre as visões que se tinha a respeito da capoeira entre os anos de 1890 a
1937 essa, era considerada crime, por isso era ensinada em escolas
clandestinas.
Para que se fosse viabilizada a prática, destacou-se a figura de um
importante mestre, chamado Bimba11. Este conseguira dar um novo caráter a
capoeira, assim, chegando a criar o “Centro de Cultura Física e Luta Regional”,
o que acabou dando origem à Capoeira Regional na Bahia Santos, (2003,
p.32).
O que Mestre Bimba fez foi mesclar algumas técnicas de
determinadas lutas corporais tais como: boxe e jiu-jitsu, além disso, chegou até
a mudar alguns movimentos da própria capoeira.
10 Site História da Capoeira. 11 Manoel dos Reis Machado, Mestre Bimba (1900 – 1974), foi um dos maiores capoeiristas de seu tempo.
32
Entre estas mudanças é Santos, (2003, p. 32) que confirma tais
afirmações, segundo ela, Mestre Bimba: “colocou o capoeirista em pé
(eliminando a malicia da postura) e estabeleceu um uniforme branco. A partir
daí, a capoeira começou a ganhar alunos da classe média branca, e mulheres,
até então excluídas das rodas”.
A partir destes aspectos, percebemos que aquela capoeira
tradicional que não possuía ligações com outras formas de manifestações
corporais acabara sendo transformada em outra (regional), assim passando a
existir duas variações; a Angolana e a Regional.
Assim sendo, é (CAPOEIRA apud, SANTOS. 1999, p.89-90) que nos
mostra a respeito desta mudança prática capoeirística: “Abandonou as rodas
de capoeira angolana de sua época e abriu uma academia (por sinal a
primeira) por volta de 1930, onde passou a ensinar a sua modalidade de
capoeira, que foi chamada de regional”.
Essa mudança evidencia que buscou-se construir uma identidade
brasileira incorporando a capoeira para este objetivo; desarticular a ligação
desta prática com os escravos, atribuindo uma importância ao caráter mestiço.
Considera-se que os principais defensores desta linha obedeciam a
uma linha teórica que primava pelo afastamento de qualquer vínculo africano
para a construção de uma identidade nacional.
Seguindo esta discussão, é Ortiz (2006), que nos esclarece a
respeito desta problemática a qual envolve a busca pela identidade brasileira.
Ele acaba lançando um questionamento sobre qual motivo o elemento mestiço
passa a adquiri o caráter de identidade nacional, mesmo sendo considerado
um “produto do cruzamento com uma raça inferior”.
33
Para Ortiz (2006), é a partir do movimento romântico que se começa
a construir um modelo de ser nacional. No entanto, alguns problemas de ordem
teórica acabam trazendo dificuldades para tal fim.
Como exemplo, ele cita o livro O Guarani, o qual é um romance que
procura encontrar os fundamentos da brasilidade, no entanto, acaba se
transformando em um livro restritivo, devido faltar condições sociais que
proporcionasse uma aprofundada discussão. Isto é provado porque o autor
Alencar (1996) ao se preocupar de mostrar a fusão do índio, de maneira
idealizada com o branco, acaba deixando de lado o negro o qual, era
considerado uma força de trabalho, destituída de cidadania.
O que o autor referido acaba fazendo é analisar alguns clássicos da
nossa literatura fazendo uma crítica histórica a cada um deles. Em síntese, ele
considera que a categoria de mestiço “é para determinados autores como Silvio
Romero, Euclides da Cunha e Nina Rodrigues, uma linguagem que exprime a
realidade social deste momento histórico, e que ela corresponde, no nível
simbólico, a uma busca da identidade” Ortiz (2006, p. 37). Este período
corresponde ao final do século XIX.
Continuando com esta discussão que envolve a análise de trabalhos
literários, Carneiro, (1982, p. 118), também considerou em seu estudo, a
importância de destacar as opiniões de determinados autores.
Dentre eles Carneiro (1982), apontou: Manoel Antônio de Almeida e
Aluísio Azevedo os quais: “não esqueceram os capoeiras nos seus romances.
Poetas e cronistas se ocuparam do jogo”. Vê-se, portanto, que a capoeira
assume uma considerável importância para a intelectualidade brasileira.
34
Em relação a que categoria a capoeira se insere; arte, esporte, luta,
devemos fazer algumas considerações. É ainda Carneiro (1982) que explica a
respeito deste fato.
Segundo este autor, aqueles autores clássicos (Antônio de Almeida,
Aluísio Azevedo e outros) chegavam a recomendá-la como esporte, ou ainda
como uma “forma nacional de luta, preferível aos tipos convencionais de
competição individual de ataque e defesa” Carneiro (1982, p. 118). Outra
dimensão dada à capoeira é relatada por Santos (2003, p.34 e 35) que utiliza
de alguns depoimentos para melhor conceituá-la:
“A capoeira é um método de ginástica genuinamente brasileiro, bem ajustado aos alunos, por ser oriundo de uma manifestação popular, rica de movimentos e música, com substrato cultural e bastante difundida na sociedade.” ( Helio, Campos-Mestre Xareú, Salvador – Bahia)
“A capoeira arte-luta não é uma proposta de regulação do homem em relação ao sentido da vida e da transcendência humana, a ação é livre para o criar ou recriar sem, no entanto, buscar solucionar as conclusões em suas causas primárias, e assim a Capoeira assume o caráter de arte.” (Mestre Zulu – Brasília – DF) “A capoeira pode ser usada também como danças nas exibições folclóricas, em peças teatrais ou em rodas de apresentações. Presta-se também, como terapia retirando das pessoas o medo, timidez, a agressividade, etc. Hoje, também, é utilizada como instrumento de educação.” (Mestre Aristides – Salvador – Bahia) “A capoeira devia fazer parte do currículo escolar, junto com a história de negro, porque ela representa junto com toda uma cultura, a História do Brasil, por isso, seria importante seu ensinamento, pois dessa forma o nosso povo teria oportunidade de conhecer e praticar a nossa cultura e aprender os folguedos populares de seu país, e assim, buscar a sua própria identidade.” (João Manoel – CE* )
* Depoimento de Mestre e Professores. Disponível em: http:// www.svn.com.br/capoeira. apud Santos, p. 35
35
Percebe-se então, que a prática capoeirística, assume várias
dimensões dependendo da circunstância, contudo, é unânime a importância
dada a esta arte, pois os benefícios trazidos por ela são variados.
Quando se fala em incorporação da capoeira no cenário nacional,
determinados estudos apontam que durante o século XX, mas precisamente
em 1929, motivado por uma grande depressão econômica, esta arte estende-
se por todas as partes do planeta 12.
O Brasil, como país capitalista viveu este momento com alguns
problemas, entre eles a ebulição de forças sociais. A capoeira durante o século
XX representava uma ameaça à ordem, por isso, o presidente em exercício
neste período, Getúlio Vargas, como estratégia política, tentou atrair a simpatia
da população. Para isso, chegou a convidar Manoel dos Reis Machado, o
Mestre Bimba, a fazer uma apresentação no palácio do governo. 13 .
Esta estratégia foi uma tentativa de evitar a popularização da arte-
luta, assim chegando até permitir a abertura da primeira academia de capoeira
a qual teria um “cunho folclórico.” 14.
O que se percebe é que a capoeira perde a sua originalidade e
ganha popularidade, sem, no entanto perder suas características genuínas e
tradicionais.
Esta originalidade corresponde à ligação com as tradições. Como já
foi anteriormente mencionado, a capoeira possui duas variações; a Regional e
a Angolana. Assim, quando se fala em popularidade desta forma de expressão,
referimos à Regional, iniciada por Mestre Bimba, que representou uma
12 Site: http:// www. Capoeiratorino.it/ historia.htm 13 Idem Ibidem 14 Site: http: // www.capoeiratorino.it/história.htm
36
“atualização”, ou melhor, a integração e difusão na capoeira no Brasil. Como
afirma Souza após a abolição:
“A presença do negro é praticamente negada na sociedade brasileira em um enorme contingente populacional indigente, preterido em favor dos imigrantes, pois o Estado Republicano visava o embranquecimento do país. Todavia, necessitava de um mecanismo que criasse uma visão de brasilidade”. (SOUSA, 2002, p.38),
A estratégia de enquadramento da capoeira a Cultura brasileira
significou uma forma de dominação sobre a vontade humana (ao privar a
liberdade de expressão de um povo). Segundo
“Tanto essa construção de uma identidade nacional mestiça quanto a metamorfose de símbolos étnicos nacionais dissimulam as fronteiras de cor, fazendo com que as práticas culturais de origem negra percam sua especificidade”. (REIS, 1997, apud SOUZA, 2002, p.38):
Desse modo é que se pode compreender o papel que representou
Mestre Bimba quando transformou a capoeira incluindo outros tipos de arte a
ela, o que acaba moldando-a seguindo as expectativas do período republicano
brasileiro.
O que se pode notar é o alto preço que se acabou pagando pela
“popularidade” da capoeira. Perceberemos, a partir do capítulo seguinte, de
que forma a capoeira se estruturou no Maranhão, quais os caminhos que ela
percorreu, enfocando a problemática deste trabalho, aos quais se referem o
papel representativo do Estado com relação às políticas culturais analisando a
capoeira. Considerando que ela também assume um papel social viável para a
educação de jovens e adultos.
Esta forma educacional é evidenciada por Santos, a qual, a capoeira
atribui uma concepção didática que leva ao desenvolvimento de seus
praticantes. Para a autora, a capoeira sendo instrucional acaba por:
37
“Articular as atividades de desenvolvimento visiomotor com desenvolvimento artístico e social, levando as pessoas a estabelecer relações a partir dela própria, fato que torna a capoeira multidirecional”. (SANTOS, 2003, p.35)
Santos (2003), assim considera os benefícios advindos com a
capoeira o qual segundo ela, desenvolve noções de equilíbrio físico, mental e
disciplinar. É a partir destas constatações que se analisará a capoeira também,
como forma de desenvolvimento humano em suas múltiplas dimensões.
Veremos a seguir como a capoeira se estruturou no Maranhão e de que forma
ela pôde ser viável para a educação de jovens e adultos.
2. ANÁLISE DA PRÁTICA CAPOEIRÍSTICA NO MARANHÃO DURANTE O
GOVERNO ROSEANA SARNEY (1995-2002).
Quando se trata de estudar a capoeira no Maranhão, deve-se atentar
para alguns aspectos relevantes. Entre eles, devemos considerar a condição
do escravo na história econômica brasileira. Como a historiografia nos
apresenta, o trabalho escravo foi à base de sustentação para a economia
brasileira nos períodos Colonial e Imperial.
Reis (1996) considera que os africanos e seus descendentes
(mesmo levando em consideração a mão-de-obra indígena), constituíram a
principal força de trabalho durante os 300 anos (ou mais) da prática escravista
no Brasil.
Segundo o autor referido, a escravidão deixara suas marcas nos
mais variados aspectos da vida brasileira, os quais envolvem os campos
38
material e espiritual. Assim, pode-se compreender que a resistência escrava
fora uma conseqüência natural desse período da história brasileira.
Percebendo esses aspectos, evidencia-se que a escravidão no
Maranhão seguia as diretrizes de uma dinâmica maior (baseada no
crescimento econômico brasileiro), embora apresentasse algumas
peculiaridades.
Assim, deve-se considerar que a escravidão maranhense fazia parte
de um panorama amplo que correspondia às necessidades econômicas do
Brasil. Segundo Almeida:
“O tráfico internacional assim como exclusivismo comercial eram elementos constitutivos do Antigo Sistema Comercial, visando à alta lucratividade proveniente da produção em larga escala e de sua comercialização, como também da venda de escravos”. (ALMEIDA, 1998, p. 15):
Esta alta lucratividade exigia uma exploração cada vez maior dessa
mão-de-obra que deveria responder aos anseios de uma sociedade escravista.
Assim, a resistência foi um aspecto típico dessa conjuntura. Resistência que
Santos (1983) afirma ser natural, pois, a condição humana reduzida a sofrer
abusos através de trabalhos forçados, obrigava-a de qualquer maneira a sair
desta situação, nem que para isso algumas atitudes extremas fossem tomadas,
como por exemplo, as fugas, insurreições e crimes.
Pode-se então, compreender que a capoeira enquanto exercício de
uma prática africana correspondeu a uma “defesa cultural” Santos (1983). É a
partir destes indícios que passaremos a estudá-la especificamente no
Maranhão.
Os estudos que indicam a presença da capoeira no Maranhão
afirmam que durante o século XIX já era possível encontrar indícios dessa
39
prática. Entre estes estudos é Vaz, que destaca o caminho da capoeira em São
Luís:
“A capoeira como o primeiro esporte praticado em Maranhão, tendo encontrado referência em sua prática com cunho competitivo por volta de 1877, quando o público tomou conhecimento realizado a 10 de janeiro através do Diário do Maranhão”. (VAZ apud, MARTINS 1989, p.41)
A respeito da documentação que trabalha sobre a capoeira, há obras
de caráter literário que abordam a respeito do tema de forma instigante. A
relação entre história e literatura já fora abordada por Burke (1992), ao explicar
a respeito da problemática existente entre a narrativa e as intenções do
historiador.
De acordo com Burke (1992), existem alguns problemas que os
historiadores passam ao se envolverem com a dinâmica existente entre a
escrita e a história.
Ele considera que o historiador mesmo correndo risco de ser
criticado por utilizar uma determinada forma literária como, por exemplo, o
romance, poderá ampliar a percepção de determinado assunto pelo público.
Este recurso, segundo Burque (1992) enfatiza não existe somente
uma explicação sobre os fatos, ou seja, este tipo de narrativa moderna é uma
interessante opção. Contudo, deve-se considerar que a utilização deste recurso
que prioriza o aspecto ficcional não pode ser utilizada de forma aleatória, ou
seja, os historiadores não podem ser livres na invenção de alguns
personagens.
Não cabe aqui o aprofundamento da problemática que envolve a
utilização de romances como recurso literário e científico na história, contudo, é
relevante destacarmos algumas obras que trabalham os acontecimentos na
40
história a partir daquele tipo de narrativa, a saber: “Os Degraus do Paraíso” de
Josué Montello. O autor vai tratar de mostrar a vida social, assim como os
costumes de São Luís do Maranhão na virada do século XIX para o XX15.
Segundo Pimenta (2005), neste romance há uma passagem que
relata a presença da prática da capoeira em nosso estado. O romancista
comenta a respeito da inauguração da iluminação pública de São Luís, onde
utilizaram-se lampiões a gás, tendo ocorrido em 1863.
Montello, apresenta as modificações que ocorreram na vida da
cidade, onde as ruas ficaram mais claras durante à noite. Segundo o autor:
“Ninguém mais se queixou de ter caído numa vala por falta de luz. Nem recebeu o golpe de um capoeira na escuridão. Os antigos archotes16, com que os caminhantes noturnos iluminavam seus passos arriscados, não mais luziram no abandono das ruas”. (MONTELLO, apud, PIMENTA, 2005, p 4.),
Verifica-se, então que a presença de pessoas que praticavam a
capoeira em nosso estado não era desconhecida pela sociedade maranhense.
Este romance evidencia, portanto, que na primeira metade do século XIX
alguns capoeiristas já andavam pelas ruas de São Luís.
Outra obra que também pode servir de fonte documental para que se
ateste a presença da capoeira em nossa cidade é “Breve Histórico das Ruas e
Praças de São Luís”. Filho (1971, p.15).
Filho (1971) irá refazer a trajetória de caráter histórico da Rua dos
Apicuns, local em que os escravos se reuniam (abrigados debaixo das árvores)
para por em prática seus folguedos17, os quais eram típicos do local de onde
vieram. Este tipo de comportamento gerava um incômodo à sociedade.
15 PIMENTA (2005, p. 4) 16 Facho breado que acende para iluminar, em geral, ao ar livre. 17 Brincadeira, divertimento, festa, folguedo.
41
O que se pode notar é o caráter repressivo atribuído à capoeira, a
qual passa a sofrer críticas devido a sua ligação com as tradições africanas.
Esse tipo de combate a esta prática representada pela ação governamental,
evidencia a situação social do Maranhão em meados do século XIX,
caracterizada por ter uma sociedade escravista que condenava qualquer tipo
de entretenimento, se assim cabe definir, aquela prática.
Filho (1971) afirma que durante esta época (1885) precisamente,
havia um local chamado Canto Pequeno, encontrado na Rua Afonso Pena
(esquina com a Rua José Augusto Correia) onde era de costume alguns
“negros de ganho” se reunirem em dias específicos da semana ou aos
domingos que antecediam ao carnaval.
Segundo Vaz, (2001, p.4), aquela reunião era considerada “uma
atordoada medonha, a ponto de 1863 um assinante do “Publicador
Maranhense” queixar-se às autoridades para aquele fato”.
Contudo, determinadas ressalvas necessitam ser apresentadas. A
primeira delas é a utilização da palavra capoeira, a qual não fora utilizada
explicitamente por Filho (1971), assim como por Martins, (1989) e Vaz (2001).
Esta ressalva é apontada por Souza (2002, p. 44), que considera não
ser totalmente possível apontar se realmente a capoeira fora o primeiro esporte
a ser praticado em nosso estado, pois existem indícios e não certezas sobre a
veracidade desse indício. Como por exemplo, destaca a obra de Filho (1971), a
qual não apresenta a capoeira como prática desportiva e sim como “folguedos
típicos de sua terra natural”.
Tendo em mente que a discussão que se está fazendo envolve as
características culturais do Maranhão, valemos das análises de Assunção
42
(2003) o qual considera que para se ter uma compreensão viável da dinâmica
cultural maranhense, é necessário saber de que maneira a igreja católica
influenciou a dinâmica vigente.
Durante o século XVIII (até 1759), a Igreja colonial era uma
instituição forte que combatia a idolatria no Maranhão. Contudo, os anos
seguintes não foram acompanhados de uma política centralizadora e
unificadora às crenças e práticas religiosas dos colonizados, assim ocorrendo o
desenvolvimento de um catolicismo popular peculiar no século XIX.
O que Assunção (2003) destaca, a partir destes fatos, é o
entrelaçamento de uma teia de acontecimentos que acaba por transformar uma
situação local. Assim, com a chegada dos escravos no Maranhão, de primeiro
momento não se tem por parte das autoridades uma preocupação mediata
para a igreja, ou seja, não despertava interesse à conversão dos cativos.
De acordo com o autor referido, a tolerância aos ritos africanos era
uma espécie de artifício para que os ânimos daqueles fossem suavizados.
Considerando as afirmações do Poranduba, aquela tolerância significava que:
“Para suavizar a sua triste condição fazem, nos dias de guarda e suas vésperas uma dansa (português da época), denominada batuque, porque n’ela usam de uma espécie de tambor, que tem este nome” (PORANDUBA, 1981 Apud, Assunção2003, p. 138)18.
Nos anos seguintes (1830 a diante) o que se notou fora uma
proibição realizada pelas câmaras municipais dos batuques em determinadas
cidades a exemplo, a cidade de Caxias a qual: “Depois do toque de recolher
são prohibidos os batuques de negros dentro d’esta villa, o juiz de paz
designará o lugar para os batuques”.19
18 apud ASSUNÇÃO (2003, p.44) 19 Registro das Posturas da Câmara Municipal de Caxias [...], 14 de Março de 1831, Lei Municipal n.º 30, livro de Altas do trabalho de Gisélia e Jornal Pequeno.
43
O que se pode notar é o novo modo de tratar com a situação, não se
utilizava mais da tolerância, mas sim da repreensão pura e explicitamente. A
capoeira enquanto uma forma de expressão do espírito de um determinado
povo deve ser analisada a partir deste contexto.
E por fim, deve-se considerar a distribuição espacial da capoeira em
nossa cidade. Segundo Souza (2002, p.45), considerando as informações de
Filho (1971), era comum a prática, principalmente no Centro Comercial e
residencial da cidade no século XIX e XX, geralmente em bairros periféricos,
assim, como na zona rural no início do século XX.
2.1 A Relação entre Estado e Cultura
Feitas tais preliminares para termos uma identificação do assunto,
partiremos para a análise da relação que envolve Estado e Cultura,
primeiramente no Brasil e em seguida no Maranhão.
Quando se fala a respeito do papel que representa o Estado junto à
cultura cabe valer-se das análises Ortiz (2006), o qual ao estudar sobre o papel
do Estado autoritário e a cultura, considera que devemos entender tal aspecto
a partir do discurso do Estado pós-64, sobre a produção e a organização e
produção da cultura.
Segundo Ortiz (2006, p.80), o ano de 1964, mas precisamente
durante o golpe militar, possuiu um duplo significado: “por um lado ele se define
por sua dimensão essencialmente política, por outro, aponta para
transformações mais profundas que se realizam no nível da economia”.
44
Este afirma que para economistas, assim como para alguns
cientistas políticos o ano de 64 é visto como momento de reorganização da
economia nacional, assim como, período em que o país se insere no processo
de internacionalização do capital. O autor ao analisar esta dimensão que
envolveu a política governamental no ano de 64, afirma que as relações entre a
Cultura e Estado corresponderam a um momento de desenvolvimento do
próprio capitalismo brasileiro.
O que torna instigante o debate, é que as transformações pelas quais
a sociedade brasileira sofrera (no âmbito político e econômico) possuem
reflexos instantâneos no domínio cultural.
Deve-se perceber que em uma sociedade capitalista todos os fatores
que envolvem a dinamicidade ou o funcionamento da mesma, possuem alguma
influência em determinado aspecto de expressão do pensamento humano,
considerando este o melhor termo para o assunto de que valemos a estudar.
Para Ortiz:
“O movimento cultural pós-64 se caracteriza por dois momentos que não são na verdade contraditórios; por um lado ele é um período da história onde mais são produzidos e difundidos os bem culturais, por outro ele se define por uma repressão ideológica e política intensa”. (ORTIZ, 2006, p.89)
Segundo Ortiz (2006), esta caracterização deste movimento cultural
evidencia autoridade do próprio estado que ao mesmo tempo foi repreensivo,
também foi promotor do desenvolvimento capitalista “na sua forma mais
avançada” (Grifo nosso).
45
Percebe-se que não é de hoje que o Estado possui um interesse aos
modos de representação do povo20. Para que se continue a análise que
envolve Cultura e Estado, é necessário esclarecer em que situação podemos
relacionar a capoeira; arte-luta com cultura.
De acordo com a análise de Gama (2005, p.14), o termo Cultura,
pode ser definido como fenômeno simbólico que passa pelo imaginário de
determinado povo; a qual envolve algumas manifestações de caráter popular,
erudita e de massa.
Sendo assim, quando a capoeira for relacionada à Cultura deve-se
ao fato de que a Cultura está ligada a todas “as manifestações materiais e
espirituais produzidas, experiências adquiridas e acumuladas pelo ser humano
no decorrer da história”. Continuando com estes esclarecimentos é Gama que
nos esclarece a respeito desta cultura a qual passa a ter como significado:
“Resultados expressos em obras, feitos, ações e instituições: as artes, as ciências, à Filosofia, os ofícios, a religião e o Estado. Torna-se sinônimo de civilização pois, os pensadores julgavam que os resultados da formação-educação aparecem com maior clareza e mais nitidez na vida social e política ou na vida civil”. (CHAUÍ, apud, GAMA, 2005, p.14)
Constata-se então que a cultura responde a uma categoria de valor
que envolve uma série de atribuições; arte, luta, esporte e etc. Feitos tais
esclarecimentos dar-se a continuação da análise que envolve a relação entre
Estado e Cultura.
Ao apresentar as relações entre cultura e poder político Gama (2005)
considera que especificamente em nosso Estado, a história de poder de
20 Considero este termo “do povo”mais apropriado pois, baseando-se no trabalho de Marilena Chauí, a qual considera que cultura do povo remete a idéia de que ela não pertence simplesmente ao povo, entretanto, é produzida por ele. (CHAUÍ, 1998, p.121).
46
determinadas famílias tem relação com a formação do Brasil como Estado
Nacional na década de 1820.
Estas famílias possuem um perfil semelhante o qual se caracteriza
por possuírem uma organização específica que gira em torno de uma liderança
pública. Tal peculiaridade política acaba por caracterizar-se pela manipulação e
dominação a uma determinada parcela da população que possuem uma
carência na reflexão dos acontecimentos. Para o autor, este tipo de dinâmica
política pôde ser vista com maior ênfase a partir do governo de José Sarney
em 1966, no Maranhão.
O que se pode perceber é a tradição política enraizada em nosso
Estado, que está configurada na ação de forças hegemônicas, que disfarçam a
partir de um discurso benevolente, a verdadeira intenção da ação política,
caracterizada pelo aproveitamento assim como no investimento da cultura
popular maranhense “transformando-a em cultura de massa ou cultura
capitalista”, Gama (2005, p.13).
Esta ação disfarçada do Estado faz com que relacionemos com a
política do pão e circo no Império Romano. Segundo Maquiavel:
“Precisam manter o povo entretido com festas e espetáculos, nas épocas convenientes; e como toda cidade se divide em corporações ou em classes, devem dar atenção (...) guardando sempre, contido, sua dignidade majestade, que não deve faltar em nenhum momento”. (MAQUIAVEL, 2005, p. 134-135)
Percebe-se então, que esse tipo de atuação governamental acaba
por alienar algumas pessoas, geralmente as de baixo poder aquisitivo, o que
acaba gerando um ciclo vicioso: Estado, entretenimento, povo, Estado.
Esta alienação é caracterizada por uma carência de mobilização
social frente aos problemas existentes em uma sociedade, fato que evidencia
47
descaso com a educação, pois, é a partir da participação de cidadãos
conscientes que uma sociedade pode ser crítica e atuante frente às ações
governamentais.
A cultura torna-se, a partir de um discurso disfarçado, uma espécie
de artifício para manutenção do poder em nosso Estado. Tratada como
manifestação social a cultura é manipulada por uma família que construiu uma
história política marcada por esse tipo de ação intervencionista.
Quando se analisa a relação existente entre cultura e constituição,
valemos do trabalho de Bosi. Segundo o referido autor, tratando a respeito de
que modo o Estado deve atuar para que haja uma verdadeira harmonia na
dinâmica social, assim:
“A maneira mais inteligente de “promover a cultura” e “animar o desenvolvimento das ciências das artes e das letras” (...), ainda é munir substancialmente o ensino e a pesquisa em todos os seus ramos...” (Bosi, 1999, p.217)
Isto significa que cabe ao Estado prover de maneira compromissada
baseada em lei, os modos necessários para a realização das expressões do
pensamento humano. Entende-se, assim, que não se trata de caridade, mas de
cumprimento do dever que foi delegado ao governante pela sociedade.
Segundo o mesmo autor, a competência dada ao Estado não poderá ser
extrapolada, assim existe um limite do sustento: “Parcial ou global, de
instituições e pessoas que sem interesses mercantis, propunham-se a trabalhar
na produção e na comunicação de bens simbólicos.” Bosi (1999, p. 218).
Para Bosi (1999), não cabe a Lei atribuir juízo de valor à cultura,
cabe sim promover a melhor maneira para o desenvolvimento da
representação do pensamento humano.
48
Voltando os olhares para o Estado do Maranhão, quanto à questão
referente às leis de incentivo cultural é necessário que se apresente algumas
diretrizes referentes ao assunto.
A cultura popular passa a ser tratada como um meio gerador de
recursos a determinadas empresas. Este tratamento é iniciado a partir do
governo do Estado por Edson Lobão (1991-1994), o que acaba abrindo uma
via política para o governo de Roseana Sarney (1995-2002), que também irá
utilizar-se da cultura, mas como um marketing político.
Quanto às determinações legais a respeito de diretrizes voltadas à
cultura, destaca-se o (Plano de Desenvolvimento da Cultura 1995, apud,
GAMA, p.22), o qual apresenta alguns pontos a serem discutidos entre eles.
“Estimular a produção e consumo de bens e serviços culturais, junto a todos os seguimentos sociais, priorizando aqueles que resgatem a autenticidade das manifestações que geram emprego e renda, utilizando-se, entre outros, os seguintes mecanismos de ação:
Entre os principais pontos, destacam-se: apoio e incentivo
financeiro aos produtores de arte e cultura do Estado, garantido a
qualidade dessas produções. Comparando com a situação real durante o
período em jogo, algumas dificuldades foram encontradas pelo precursor da
escola de Capoeira Mandigueiros do Amanhã (ECAMA) que encontrou
dificuldades para encontrar espaços para a exibição das aulas, pois os locais
alocados eram temporários, haja vista, nos festejo juninos serem palcos para
exibições de algumas manifestações culturais.
Com relação ao item que trata sobre: reciclagem e/ou formação de
técnicos e outros profissionais das áreas de arte e cultura, pode-se discutir
a respeito da formação de profissionais na ECAMA que não foram vinculados
49
neste plano, pois a mesma participara do Programa Capacitação Solidária que
entrou em parceria com a Secretaria de Ensino Fundamental do Ministério da
Educação (SEF-MEC), o que evidencia a não participação do Estado quanto à
execução do referido item do plano de desenvolvimento da cultura.
Como se percebe, tal Plano de Desenvolvimento fora efetivado com
objetivo de estimular a produção cultural no Estado do Maranhão. No âmbito
Nacional destacou-se uma lei de incentivo à cultura durante a presidência de
José Sarney o que beneficia o nosso Estado, pois de acordo com a Lei 7.505
de 2 de julho de 1986 (Lei Sarney):
“Dispõe sobre benefícios fiscais na área de imposto de renda concedidos às operações de caráter artístico representando um importante mecanismo para impulsionar o desenvolvimento dessas áreas através da ação conjunta dos vários seguimentos da sociedade civil. Tem em sua linha de atuação a divulgação e operacionalização da lei e a captação e distribuição de recursos para a realização de projetos culturais”. AZULEJOS (1988, apud GAMA, p.23).
Como se pode perceber, esta Lei é objetiva em suas linhas, não
deixando nada vago para a efetivação da mesma. O que se pode notar é que
de acordo com os trâmites legais é bem fundamentada a questão cultural no
Maranhão. Entrando nesta questão jurídica, valemos de alguns projetos de lei
que foram formulados para o Governo de Roseana Sarney, considerando o
Artigo 1º:
O Poder Executivo, a título de incentivo à cultura maranhense, poderá conceder desconto de até 3% (três por cento) do imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS, a ser recolhido mensalmente pela empresa que patrocina eventos nas áreas de teatro, dança, circo, ópera, produção cinematográfica, videografia, fotografia, discografia, música, artes plásticas, artes gráficas, folclore e artesanato”.21
21 Projeto de Lei n.º 267/98 de 18 de outubro de 1988, apud GAMA, 2005,p.25.
50
Este projeto de lei autoria foi do Deputado Estadual Aderson Lago
que ao formulá-lo dá como justificativa o elevado potencial artístico existente
em nosso Estado considerando às pessoas que estão ligadas diretamente com
aquele potencial.
Percebe-se que a partir de um discurso afirmador e que
aparentemente possui um compromisso com as reais necessidades da
população, passa-se uma imagem positiva das condições sócio-políticos no
Estado.
O referido projeto não fora alterado a frente sendo vetado pela
governadora Roseana Sarney. O que se pode notar é que deveria ser ela
(Roseana) a primeira pessoa a aceitar o projeto, entretanto, justificou em nota
(publicada no Diário Oficial n.º 010 de 15/01/99), enviada à Assembléia
Legislativa.
MENSAGEM n.º 001/99 São Luís – 11 de janeiro de 1999. Senhor Presidente. Cumpre-me levar ao conhecimento dessa augusta Assembléia que, nos termos dos arts. 64.IV e 47 da Constituição Estadual, decidi vetar totalmente o Projeto de Lei n.º 267/98, que dispõe sobre o incentivo à Cultura maranhense na forma que especifica por considerá-lo inconstitucional. [...] RAZÕES DO VETO: A oposição que manifesto ao teor do Projeto de Lei n.º 267/98, resulta do convencimento de ser o mesmo incompatível com o principio constitucional potencialmente aplicável e inserido no art. 43, III da Constituição Estadual. Formalmente observa-se que ao cuidar de estabelecer norma estadual, a título de incentivo à Cultura Maranhense, concedendo desconto de até três por cento do imposto sobre as operações relativas à circulação de mercadorias e prestação de serviços de transportes interestaduais e intermunicipais e de comunicação - ICMS, expressa de plano um comprometimento direito da obrigação tributária legal a conduzir a evidente vedação constitucional da capacidade dispenditiva da Administração Estadual”.22
Percebe-se a partir desta mensagem que aquele projeto de Lei (n.º
267/98), não respondera aos desejos da então governadora, pois o que deveria
ser visto de maneira positiva, porque além de incentivar a promoção de 22 Mensagem n.º 01/99, Do GOVERNO DO ESTADO DO MARANHÃO, apud, GAMA,2005, p.25.
51
projetos culturais ao Estado, incentiva algumas empresas a continuarem a
participar de projetos com este caráter, não fora incentivado pelo Governo do
Estado, o que é uma perda para aqueles que vivem desse tipo de manifestação
e que precisam somente de um espaço e incentivo para a efetivação de seus
anseios.
A então governadora teve como embasamento para aquele veto, o
artigo 43 e 47 da Constituição de Estado do Maranhão que assim afirma:
“Art.43 - São de iniciativa privativa do Governador do Estado as Leis que disponham sobre: III - Organização Administrativa, matéria tributária e orçamentária e seus serviços públicos”. “Art. 47 – O Projeto de Lei aprovado pela Assembléia Legislativa será enviado a sansão governamental. Se for considerado inconstitucional, no todo ou em parte, ou contrário ao interesse público, o governador vetá-lo-á, total ou parcialmente no prazo de quinze dias úteis, contado da data do recebimento, e comunicará os motivos do veto ao presidente da Assembléia Legislativa, dentro de quarenta e oito horas”. 23
O que se nota é que através de embasamentos constitucionais, a
então governadora justifica a não viabilidade do Projeto de Lei de autoria de
Aderson Lago. A constituição é utilizada em favorecimento de determinados
governantes em benefício próprio.
Quando se nota um discurso a favor de circunstâncias pessoais
percebe-se que o autoritarismo supera o profissionalismo exigido. Como afirma
Chauí (1988), ao tratar sobre “autoritarismo das elites”, ou melhor,
autoritarismo dos dominantes: “A elite está no poder, acredita-se, não só
porque detém a propriedade dos meios de produção e o aparelho do Estado,
mas porque detém o saber”. 24
Assim sendo, o termo “autoritarismo das elites”, segundo a autora
referida, é algo redundante, mas subtende a problemática existente, ou seja,
23 Artigos 43 e 47 da Constituição do Estado do Maranhão, apud GAMA, p.26. 24 A cultura do povo, 1988, p. 130.
52
que a autoridade passa por uma questão que envolve saber e o poder da
máquina governamental.
É por este conhecimento que se pode evidenciar o descaso do poder
público com os anseios da sociedade. A ex-governadora “feri” a constituição ao
impedir a realização do que está contido em suas linhas, os quais apresentam
que: “Todo poder emana do povo que o exerce por meio de representantes
eleitos ou diretamente”. (§ 1º, do Art. 1º). 25
A partir de pesquisas realizadas, pode-se constatar que na gestão de
Roseana Sarney não se pode notar algum Projeto de Lei voltado estritamente
para a cultura, contudo, só a partir da iniciativa do governo de José Reinaldo
Tavares (2002-2006), pode-se perceber um Projeto de Lei especificamente
cultual, ou seja, o Projeto de Lei n.º 199.05, Mensagem governamental nº.
066.05, Lei nº. 8.319.
O que se nota é que tal Projeto de Lei apresenta em linhas objetivas
o papel do Estado no que refere às obrigações para o desenvolvimento da
cultura do Estado. Não cabe fazer juízo de valor a respeito da gestão
governamental, mas apresentar os fatos e criticarmos de acordo com as
evidências encontradas.
Quando se trata de compreender a influência da elite na cultura
maranhense e os perigos que essa categoria traz, é Assunção (2003) que
esclarece a respeito deste fato acima requer uma análise mais ampla na
história brasileira. Considera que desde o período colonial, especificamente
quando da dominação português, foi necessário adotar uma estratégia de
sobrevivência, assim era comum a doação de terras aos índios, assim como, a
25 apud GAMA (2005, p.27).
53
tolerância a alguns “costumes bárbaros”, isto levando em consideração que
ainda não havia sido estruturada a ordem colonial.
Uma estratégia utilizada pela Coroa Portuguesa foi patrocinar o
projeto jesuítico, pois os missionários trabalhavam para manter a dominação
colonial. A partir da Independência do Brasil (1822) que logo em seguida fora
acompanhada de um projeto nacional, notou-se o reforço substancial de
tendências de caráter assimilador e de integração. Isto, segundo Assunção
(2003), refere-se à questão que envolve a ideologia colonial da aceitação de
determinadas “repúblicas” entre estas as dos brancos e a dos índios. Contudo,
para o Estado Nacional Liberal, não se concebia tal disparidade.
O que se percebeu foi que, em relação às terras indígenas estas não
foram mais reconhecidas, sendo usurpadas, entretanto, quanto ao tratamento
em relação aos escravos e sua cultura, pouca mudança se pode notar, o
Império brasileiro assim, continuou com sua característica marcante: a relação
existente entre o mundo dos senhores e das casas grandes. Como afirma:
“Assim a construção do Estado Nacional, que inclui o estabelecimento de novas municipalidades e o fortalecimento e ampliação das instituições repressivas, proporcionou novo ímpeto à intervenção da elite”. (ASSUNÇÃO, 2003, p.39)
O que se constata é que a adoção de estratégias políticas que
trazem em seu bojo o interesse manipulador da dinâmica social vem
acompanhando a nossa história desde o século XVI (Período Colonial), o que
de fato fincou raízes em nossa sociedade tornando mais complicado o
desaparecimento de tais ações manipuladoras.
Em se tratando das intenções do discurso do Estado em relação à
cultura, valemos do trabalho de Nogueira (2005), a qual apresenta de que
modo as relações de poder se incorporam a um projeto de esteticização
54
política da cultura, de caráter popular no Maranhão, e que como tal, é
executado sob a forma de plano cultural na gestão da governadora Roseana
Sarney.
Para a fundamentação teórica de sua discussão, a autora referida
utiliza alguns conceitos básicos de Walter Benjamin autor do artigo “A obra de
arte na era de sua reprodutividade técnica”, considerando que o conceito de
reprodutibilidade como forma de se compreender o projeto de esteticização
política na cultura popular da gestão da então governadora.
De acordo com a autora, citando Benjamin (1992, p.75), considera
este que: “Por principio, a obra de arte sempre foi reprodutível”. 26. Assim, tendo
como efeito a perda da “magia”, reduzindo a arte a um simples recurso no
discurso político, a exemplo é o que acontece em nosso Estado, quando
observamos o tratamento que é dado ao bumba-meu-boi.
Este possui um significado cultural importante, pois é carregado de
sinais que evidenciam a inter-relação do sagrado e do profano que passa a ser
utilizado pelo Estado como discurso político, social e econômico, com intenção
mercadológica, assim, desenvolvendo um projeto de marketing político da
então governadora Roseana Sarney.
O que se quer discutir é o caráter institucional da cultura popular que
acaba por reduzi-la a um espetáculo que é voltado para as massas na forma de
shows. Assim, o que se evidencia é a elevação da imagem da governadora
como “madrinha” daquelas manifestações, entretanto, só podemos perceber tal
“preocupação” em períodos específicos (Pré-São João, no São João, no Natal
e Carnaval).
26 apud NOGUEIRA (2005, p.9)
55
O que podemos perceber é que tal comportamento dada às
manifestações culturais nada mais significa do que uma estratégia política que
corresponde aos anseios de uma representante. Assim, segundo Benjamin
(1992, p. 100-101), ao explicar sobre aquele comportamento considera que:
“Quanto mais o significado social de uma arte diminui, tanto mais se afastam
no público as atitudes críticas e de fruição”. 27
Esse afastamento evidencia o descaso das autoridades com a
história do próprio Estado, assim como a do país. Para Nogueira (2005),
conceito de esteticização passa pelas análises de Benjamin (1992), o qual
considera que este fenômeno é evidenciado na história a partir do fascismo28,
pois considera aquele filósofo, que a partir desse sistema político é que se
inicia o fenômeno da esteticização na política, pois segundo ele, o fascismo
pôde permitir que as massas se exprimissem, entretanto, estavam presas em
uma trama política em que as relações de propriedade fossem conservadas.
É, portanto, a semelhança ao governo Roseana Sarney que ao
mesmo tempo assegura que as várias manifestações se expressem,
garantindo uma maior visibilidade, reforça as relações de dependência
empreendida a ela.
Outro aspecto apontado que se merece destacar, é a reprodução das
massas acompanhada de um novo olhar sobre os festejos juninos. Isso
significa que existe um projeto midiático que sustenta essa política de
esteticização da cultura, o que acaba reproduzindo os “olhos de ver” de
Roseana, assim, segundo Nogueira (2005, utilizando as palavras de Costa
27 apud NOGUEIRA (2205, p.10) 28 Sistema político nacionalista, imperialista, antiliberal e antidemocrático, liderado por Benito Mussolini (1883-1945) na Itália, e que tinha por emblema o feixe de varas dos antigos lictores romanos.
56
(2001, p.172): “A resposta daquele olhar passa a oferecer ao espectador a
visão do próprio líder político”.
Em entrevista realizada no dia primeiro de janeiro de 1995 para o
jornal O Estado do Maranhão, a então governadora Roseana Sarney, afirma
que contaria com o apoio do então presidente Fernando Henrique Cardoso
para a implementação de seus objetivos, segundo ela: “O que o presidente
eleito me prometeu e vou cobrar é o apoio aos projetos de desenvolvimento
que vou realizar”.
Nota-se então, a confiabilidade dada ao incentivo federal. De acordo
com Nogueira (2005), a respeito das ações culturais no primeiro mandato do
governo de Roseana (1995-1998), afirma a autora que a partir de 1996, são
assinados convênios com o governo federal, início da captação de recursos
assim como o de empresas privadas, para o incentivo cultural, todo esse
procedimento baseado em lei federal.
No entanto, só foi possível o aumento na arrecadação a partir de
1997, período que antecedia as eleições gerais em que Roseana pleiteava a
reeleição. Assim como era o ano em que a Secretaria Cultural do Estado
passava a contar com o apoio financeiro do Tesouro Estadual, voltado aos
festejos juninos.
Este período marca o início do projeto governamental de
transformação da cultura popular em esteticização e marketing político.
Segundo Nogueira (2005), havia um projeto-piloto que consumiu R$ 250,000
(duzentos e cinqüenta mil reais) do Tesouro Estadual, tendo como local de
experimentação: a Madre Deus.
57
Considerado reduto cultural, este bairro possui uma diversidade de
manifestações as quais, segundo a autora, não haviam recebido algum apoio
até aquele ano. O bairro passa a ser modelo para execução do projeto de
esteticização e marketing político da cultura popular, sendo elevado a categoria
de patrimônio histórico.
De acordo com a jornalista são voltados ao bairro recursos federais e
do Banco Mundial, necessários à recuperação deste patrimônio histórico,
obedecendo ao “Projeto de Revitalização do Centro Histórico ou Projeto Praia
Grande”.
Para entendermos de que maneira a então governadora se apropria
do discurso afirmador de apoio a manifestações artísticas no Maranhão,
trataremos de estudar um projeto social que recebeu incentivo durante o
período citado (1997 a 2000) e que não fora tratado com a devida atenção,
assim, um projeto que é de caráter social e que no Maranhão é confundido com
o cultural, não havendo harmonia em seu desenvolvimento.
3. ESCOLA DE CAPOEIRA MANDIGUEIROS DO MARANHÃO: EXEMPLO
DE RESISTÊNCIA
De acordo com as diretrizes presentes na Constituição do Estado,
quando referente à competência do Estado, precisamente no artigo 12, inciso I
letra “e”, compete ao Estado: “Proporcionar os meios de acesso à cultura, à
educação e à ciência”.
58
Fica claro a objetividade desta deliberação, entretanto, a efetivação
é que precisa ser discutida. A partir da Escola de Capoeira Mandigueiros do
Amanhã, analisaremos as ações governamentais de nosso Estado e que é
possível resistir aos desmandos locais.
Segundo Santos (2003), a Escola de Capoeira Angolana
Mandigueiros do Amanhã (ECAMA) 29, foi fundada em 1997 e tinha como
coordenador um capoeirista chama “Bamba” 30.
Este Mestre tem uma preocupação social e cultural. Trabalha com
crianças em condições de vida crítica no bairro da Madre Deus em São Luís-
MA. A finalidade deste projeto era incitar o espírito das crianças para que estas
tivessem a oportunidade de construir a cidadania utilizando assim, a realização
de direitos básicos, o lazer e a cultura.
Através da Capoeira Angolana, tal projeto procurou junto com a
comunidade do bairro um resgate de manifestações folclóricas “tradicionais”,
assim como a idéia da preservação da filosofia da Capoeira Angolana31.
De início, na “Vila Marigé” (Bairro do Goiabal), depois no Viva
Goiabal, (que se localiza próximo a Madre Deus), é que Mestre Bamba começa
a prestar as aulas de capoeira. Contudo, segundo Santos (2003), os locais
onde eram ministradas as aulas obedeciam a períodos determinados. A
denominação Mandigueiros do Amanhã faz alusão àquilo que ainda não
aconteceu à criança, simboliza aquilo que é bom, a esperança, o “amanhã”, é a
própria criança.
29 No decorrer do trabalho esta sigla será utilizada. 30 Kleber Umbelino Lopes Filho, conhecido por Bamba. 31 Capoeira Angolana é um estilo que carrega uma práxis e um discurso ético que defende a não violência, prezando um diálogo corporal.
59
Para que se possa compreender de que modo a ECAMA resistiu a
influências de projetos políticos, deve-se analisar o local onde ela fora
implementada, assim far-se-á um breve histórico do bairro da Madre de Deus.
De acordo com Santos (2003), entre os séculos XIX e XX, esse
bairro configura uma área que economicamente é rentável, pois concentra
algumas fábricas, entre elas a “Companhia de Fiação e Tecidos de Cânhamo”,
onde hoje funciona o CEPRAMA (Centro de Apoio às Atividades Artesanais do
Maranhão), a Companhia de Fiação e Tecelagem de São Luís, assim como a
fábrica Santa Amélia que, no entanto, está abandonada.
Percebe-se então que aquele bairro é estrategicamente importante
para a ação governamental, pois sendo bem localizado (próximo a orla
marítima e ao Centro Comercial da cidade), é o “berço” de algumas
manifestações culturais, sendo referência quando se trata deste assunto.
A Madre de Deus, segundo Santos (2003), adquire como
característica, o caráter festivo, no entanto, ainda resistindo às influências que
não sejam próprias deste bairro, preservando a autenticidade das brincadeiras
e dos folguedos.
Entre as manifestações culturais típicas desse bairro são os Festejos
de São Sebastião, Carnaval, São João, Aleluia, Festejo de Santo Antônio,
Festa do Divino Espírito Santo e Natal.
Feita tal apresentação, pode-se agora analisar a “Escola de
Capoeira Angolana Mandigueiros do Amanhã”. Sendo localizada em uma área
estratégica para ações políticas, não poderia deixar de ser um meio eficaz para
a efetivação das mesmas, que, no entanto, resistiu a elas.
60
De acordo com Santos (2003), o ano de 2000, representou um
momento significante para aquela escola, que passou a participar de um
projeto chamado “Projeto de Capacitação Solidária”, que tinha a parceria com a
“Academia de Capoeira Angolana Cortiço do Abelha”, como também, ligou-se
ao Projeto “Capoeira Arte e Cidadania”.
A ECAMA (Escola de Capoeira Mandigueiros do Amanhã),
selecionava e capacitava os jovens, que viviam em condições adversas para o
desenvolvimento social. A faixa etária dos alunos variava entre 16 e 21 anos de
ambos os sexos que estivessem ou não freqüentando a escola, e que
estivessem residindo nos municípios da região metropolitana: Paço do
Luminar, Raposa, São José de Ribamar e São Luís. Santos (2003).
Este período (2002) correspondeu ao segundo mandato da então
governadora Roseana Sarney, momento que segundo Noqueira (2005) a
intervenção do Estado no que se refere à cultura popular, fora bastante
acentuada, como podemos conferir na tabela seguinte:
TABELA DO RELATÓRIO SOBRE AS CONTAS D ESTADO DO MARANHÃO
FUNÇÕES
GOVERNAMENTAIS
DOTAÇÃO INICIAL DESPESA
AUTORIZADA
DESPESA
EXECUTADA
%
Trabalho 4.646.550,00 17.416.636.00 10.963.538,39 0.32
Educação 695. 118.836,00 934.673.270,00 828.307.512,43 23,91
Cultura 14.867.661,00 24.946.061,00 24.859.712,71 0.72
Direitos da Cidadania 5.608.761,00 10.302.660,00 9.072,315,63 0,26
Fonte: Tribunal de Contas do Estado, ano: 2002.
Neste período, segundo a referida jornalista, o governo se utilizava
da mídia e a propaganda oficial para divulgar os investimentos no período
junino. De acordo com os dados que ela apresenta naquele mesmo ano fora
61
anunciado no Plano São João, investimento em torno de um milhão e
dezesseis mil reais.
A então governadora passou a utilizar de recursos do Estado e de
convênios com a união e a Lei Federal de incentivo à cultura. De acordo com
um release divulgado pela Fundação de Cultural do Maranhão, para o então
Jornal Gazeta Mercantil, percebe a importância do investimento estatal:
“Toda a programação junina não contou com o apoio ou patrocínio de nenhuma empresa da iniciativa privada, assumindo assim, o governo Roseana Sarney inteiramente toda a despesa de gastos de pagamentos de cachês das brincadeiras, infra-estrutura nos arraiais e publicidade local”. (NOGUEIRA, apud “Relatório São João do Maranhão”).
Segundo esse relatório, o governo do Estado teve apoio do Governo
Federal através do PRODETUR (Projeto de Desenvolvimento para o Turismo),
o qual repassou 1,3 milhão que foram destinados à divulgação do São João em
outros Estados, além deste capital, foram reembolsados mais de um milhão de
reais para a organização desse evento no Estado.
Percebe-se então, que durante a gestão da então governadora, fora
conquistado uma boa quantia orçamentária para investimento na cultura. O que
se pode questionar a respeito destas informações é o aspecto de
descompromisso com a situação social de nosso Estado que merece ser
avaliado.
Para que não se faça uma confusão entre os termos; cultura e
sociedade é necessário esclarecer que se está trabalhando em uma
perspectiva em que uma manifestação cultural possui uma ligação estreita com
a sociedade que a comporta. Por isso, que ao se apresentar neste trabalho os
problemas freqüente a cultura, deve-se pensar que os reflexos são imediatos
na sociedade.
62
A então governadora, em seu segundo mandato (1997), assumia um
discurso afirmador para incentivo à cultura, no entanto, quando se refere ao
incentivo na mesma proporção na sociedade, é que não se percebe a devida
sintonia.
A ausência de política social na gestão do governo Roseana Sarney
foi um fato real e que necessita ser discutido. Segundo Santos (2003), a
ECAMA no ano como já fora anteriormente mencionado participou em 2000 do
“Projeto de Capacitação Solidária”. Em 2002 a escola referida foi registrada, e
havia conseguido aprovação, juntamente com o Projeto Quilombo Musical, o
qual tinha como meta a cidadania através da música.
O iniciador da ECAMA, Kleber (Mestre Bamba), contou com apoio de
algumas pessoas que tinham uma preocupação social importante, entre eles,
desatacou-se Norton Corrêa e Isabel Costa.32
No entanto, a Escola de Capoeira Mandigueiros do Amanhã
continuou a preservar seus princípios, não vinculando a Escola a nenhum
projeto político, mantendo-a independente.
O que se percebeu a partir do contato com os participantes da
ECAMA, é que além de ser uma escola, ela em primeiro lugar, representa uma
família para os jovens que a freqüentavam, ou que ainda freqüentam, assim ela
colabora para o crescimento pessoal e espiritual, favorecendo aos participantes
a possibilidade de continuar melhorando às suas faculdades.
Segundo a Constituição do Estado do Maranhão, no capitulo I (que
trata da Organização do Estado) no Artigo 12, inciso II, trata da competência da
32 Valdira Barros: Coordenadora e advogada; Norton Corrêa: Prof.º Dr. Antropologia e Isabel Costa: Prof.ª Ms. Artes da UFMA, apud SANTOS (2003).
63
Legislação do Estado que deve concorrente com a União Legislar sobre: “a
educação, cultura, ensino e desporto”.
No entanto, o que acontece no Estado do Maranhão, não condiz
com as determinações presentes na Constituição, pois em um lugar em que os
desejos de uma governante sobrepõem-se às verdadeiras necessidades da
sociedade, é difícil não acontecer sérios problemas.
Isto pode ser constatado quando da análise sobre a estratégia
política da gestão da então governadora, caracterizada pela esteticização
política da cultura popular e o marketing político-eleitoral. Para Nogueira a
esteticização é pensada:
“A partir da visibilidade e configuração da governadora e das manifestações da cultura para a exibição nos espaços institucionalizados, criados nos diversos bairros da capital e projetados por uma campanha midiática constante”. (NOGUEIRA, 2005, p.18)
A governadora passa a ser vista como mecenas, protetora das
manifestações artísticas (culturais), preocupada com as aspirações e os
problemas da população. Com relação a este aspecto alguns estudiosos como
Foucault (1979) analisam a arte de governar.
Assim, segundo ele, a população possui suas necessidades, assim
como aspirações. Este sujeito é tratado como objeto nas mãos do governo,
assim a população: “é consciente, frente ao governo daquilo que ela quer e
inconsciente em relação a aquilo que se quer que ela faça”.
O que Foucault (1979, p.289) quer dizer é que a população sofre os
reflexos dos desmandos das ações governamentais, sendo tratada como
objeto de aspirações. Assim, quando em época de festejos juninos, a então
governadora incorpora literalmente a imagem de brincante. Ela confirma o
64
pensamento de Bourdieu, quando este, trata de explicar a respeito do agir em
nome das manifestações da cultura popular, assim, segundo ele:
“O campo político é, pois o lugar de uma concorrência pelo poder que se faz pelo intermédio de uma concorrência pelos profanos, ou melhor, pelo monopólio do direito de falar, de agir em nome de uma parte ou da totalidade dos profanos. O porta-voz apropria-se não só da palavra do grupo dos profanos, quer dizer, na maioria dos casos do seu silêncio, mas também, da força desse mesmo grupo, para cuja produção ele contribuí ao prestar-lhe uma palavra reconhecida como legítima no campo político”. (BOURDIEU, 2003, p. 185)
Assim, pode-se comparar o discurso do governante que como
Roseana Sarney incorpora um papel, nada mais que isto. Concomitante a
então governadora apropria-se do discurso dos promotores de manifestações
culturais, parecendo que vive diretamente ligada com as questões culturais de
nosso Estado.
A legitimação do discurso político é simbolizado partir
(especificamente) da criação dos “Vivas”, locais oficiais para a apresentação
das brincadeiras , onde a consonância do social com a cultura popular faz-se
presente, moldando a imagem da governadora como provedora e protetora
das manifestações das manifestações culturais Nogueira (2005, p. 19).
Como estudo de caso que o presente trabalho tem como proposta
analisar, trataremos de apresentar a Escola de Capoeira Mandigueiros do
Amanhã (ECAMA), como já fora mencionada, agora de forma que possa
avaliar a dimensão problemática que é a falta de política social no Estado do
Maranhão.
A ECAMA, fazendo pare do “Projeto de Capacitação Solidária”,
deveria responder às exigências propostas por este projeto que objetivava:
I - Capacitar jovens para trabalhar como percussionistas e professores de Capoeira de Angola;
65
II - Fornecer subsídios para a geração ou elevação da renda pessoal, ou para contribuição na renda familiar; III - Despertar o sentimento de auto-estima individual, contribuindo para o despertar da criatividade e de capacidades individuais; IV - Oferecer elementos para uma interpretação crítica da realidade; V - Ampliar o universo cultural dos participantes; VI - Sensibilizar os jovens quanto à importância da manutenção e preservação das manifestações folclóricas.
Percebe-se que o Projeto sensibiliza o crescimento espiritual e
profissional de jovens que não tinham nenhuma perspectiva em suas vidas.
Na Escola de Capoeira Mandigueiros do Amanhã, trabalha com uma
vertente da Capoeira conhecida como Angolana, como já fora explicada no
capitulo 1, ela caracteriza-se por ser um estilo mais tradicional que é
acompanhada de um entrelaçamento da práxis,com um discurso de caráter
ético que defende a não violência, ou seja, o capoeirista “não deve usar seu
conhecimento para subjugar o oponente, mas para realizar um “diálogo de
corpos” e, em última instância, para a defesa pessoal” Santos (2003, p. 51).
O objetivo do programa era a partir da Capoeira, inserir elementos de
percussão pertecentes a Cultura Popular maranhense, assim possibilitando, a
criação de uma identidade cultural na juventude. Segundo Santos (2003)
existem dois aspectos a considerar; a profissionalização a partir do ensino de
capoeira, formando professores, e a dimensão pedagógica que está prática
possibilita.
O que este programa possibilita é a elevação da auto-estima dos
jovens que vivem em uma situação de vida que na maioria das vezes dificulta o
crescimento profissional e espiritual deles.
Capacitação Solidária visa, a partir de elementos educacionais
(culturais), possibilitarem a formação profissional deste jovem, assim
66
construindo um ambiente harmonioso para o desenvolvimento das faculdades
humanas.
Este programa, inserido no contexto que envolve o período da gestão
da então governadora Roseana Sarney não logrou-se com órgãos
governamentais. O que se quer apresentar é a história de descaso com os
problemas sociais existentes no Maranhão, em contrapartida, as políticas
culturais são incentivadas com o objetivo de mascarar a realidade.
Entende-se que o casamento entre políticas culturais e sociais são
necessárias, não sendo possível ocorrer qualquer melhoria para a sociedade
se não houver a suposta ligação. No Estado do Maranhão, assisti-se a uma
longa trajetória de nossos governantes que usam e abusam do poder público
em prol do atendimento de suas próprias necessidades.
Analisando os princípios defendidos pela ECAMA, a partir de
entrevistas realizadas com Kleber, pode-se constatar que não foi preciso
“render-se aos encantos” de ações políticas, pois, ainda hoje, a Escola que
funciona na Rua da Pacotilha, permanece porque ainda conta com a
persistência de seus participantes; tanto de Kleber (Mestre “Bamba”), quanto
de seus alunos.
Os trabalhos desenvolvidos eram divididos em módulos; básico e
especifico. No módulo básico os temas eram assim apresentados:
1. As palavras conquistam: (40 horas) - leitura, análise e produção
de textos relacionados à discussão de problemas de cotidiano, comunicação
oral, redação;
2. A vitória dos números: (30 horas) - exercícios de matemática,
aplicada ao cotidiano, o raciocínio lógico através da matemática;
67
3. A luta pelo Direto: (30 horas) - noções de ética, cidadania,
direitos e deveres, conhecendo o Estatuto da Criança e do Adolescente;
4. Beleza Cultural: (30 horas) - noções acerca das principais
manifestações populares de São Luís, visitas a museus, templos e pontos
turísticos da grande São Luís;
5. A saída criativa: (20 horas) - discussão de formas alternativas de
aproveitamento de recursos, oficinas de confecção de objetos mediante o uso
de variadas matérias primas;
6. A história do negro no Brasil: (30 horas) - aulas expositivas e
dialogadas acerca da história do negro, com enfoque para questões não
abordadas nos livros de história oficial.
Enquanto que no Especifico com duração de 240 horas, trabalhava-
se com determinados aspectos que envolviam o desenvolvimento de oficinas
rítmicas que casavam elementos de caráter teórico e prático, cujo tema era a
respeito de rimos diversos, assim como o conhecimento da prática da capoeira
e de seus instrumentos musicais.
O que se pretendia através deste módulo Específico era o
desenvolvimento das habilidades que estivessem ligadas com os quesitos
acima para a formação de um profissional múltiplo no que tange ao aspecto
cultural. Entre as oficinas praticadas apresentaram-se as seguintes:
1. Oficina de Capoeira: (80 horas) - a origem e filosofia da Capoeira
Angola, movimentos básicos de acompanhamento, estilos de jogo,
fundamentos da roda de capoeira;
2. Oficina de confecção de instrumentos da Capoeira: (30 horas)
- histórico dos instrumentos e confecção do berimbau, caxixi e reco-reco;
68
3. Oficina de percussão em Tambor-de-crioula: (35 horas) -
histórico e oficina de toques;
4. Oficina de percussão em Capoeira: (40 horas) - toques
tradicionais: Angola, São Bento Grande, Cavalaria, Santa Maria, Iúna,
Saramango e Samba-de-roda;
5. Oficina de percussão em Bumba-meu-boi: (30 horas) - história
do alto do Bumba-meu-boi e oficina de sotaques (ritmos);
6. Oficina de percussão em tambores de Blocos de Ritmos
Tradicionais: (10 horas) - histórico e oficinas de toques;
7. Oficina de ritmos variados; Fuzileiros da Fuzarca e Tribo de
Índio: (15 horas) - histórico e oficina de ritmos. 33
Percebe-se que na ECAMA não se priorizou somente o ensino de
capoeira, mas o ensinamento de outros ritmos acompanhados de ensino
profissional com objetivo de formar o senso crítico de jovens, por isso, os
assuntos nas oficinas eram simultâneos, o que favoreceu o amplo campo de
visão aos alunos, dos quais poderam se identificar com determinado tipo de
ritmo.
3.1 A Inserção da Escola de Capoeira Mandigueiros do Amanhã no
Programa Capacitação Solidária.
A Organização Capacitadora (Escola de Capoeira Mandigueiros do
Amanhã), sendo de início um projeto voluntário idealizado por Kleber Umbelino
Lopes Filho (Bamba), tinha como um dos principais objetivos desenvolver junto
33 apud SANTOS (2003, p.53).
69
à comunidade através da Capoeira Angola, um tipo de trabalho que ao mesmo
tempo resgatasse as raízes culturais, concomitantemente era ministrado cursos
de capoeira assim, era difundido a filosofia da Capoeira Angola.
De acordo com o Relatório Final percebe-se que estas ações
voluntárias tinham as mesmas intenções, as quais eram beneficiar o maior
número possível de crianças e adolescentes que melhoraria a situação real
destes jovens.34
Nascidos e criados em um ambiente onde as condições sociais
geralmente, não corroboram para o desenvolvimento profissional, este projeto
social apareceu em uma hora importante para eles.
Através deste projeto, visava-se facilitar o acesso destes jovens ao
mercado de trabalho por isso, buscou-se trabalhar com a integração destes
com a sociedade. A capoeira enquanto arte, servia de elo a esse mercado,
pois, profissionalizava os alunos a partir do que eles poderiam aprender
através dela. Contudo, estes mesmos jovens desmistificavam a capoeira do
esteriótipo de que serviria somente como uma via para a promoção de brigas e
outras arruaças.
De acordo com o Relatório Final (2002), destaca-se um relevante
aspecto que fora a presença constante do representante dessa OC
(Organização Capacitadora), Kleber, durante o andamento de todo o curso
realizado.
O que se percebe a partir do exposto fora a relevância deste projeto
que não contou com o apoio Estatal e sim com ajuda federal simbolizado pelo
Programa Capacitação Solidária (PCS).
34 Programa Capacitação Solidária (2002).
70
Esta falta de atenção do Estado do Maranhão (lembre-se Governo
Roseana Sarney) evidencia a certeza de que o uso de Políticas Culturais serve
nada mais como uma maneira de mascarar a realidade existente (condições
inapropriadas para o desenvolvimento dos jovens ludovicences) para ter como
finalidade os usos e abusos de um marketing político e o favorecimento que
este poderia trazer.
De acordo com os dados apresentados pelo relatório (2002, p.8),
mesmo com esta falta de atenção por parte do governo foi levada a diante a
partir do esforço da comunidade da Madre de Deus, a qual em trabalho de
parceria com as famílias dos alunos,assim como com outros grupos juvenis do
próprio bairro,as escolas públicas, movimentos sociais e conselhos do
município; as organizações governamentais e não governamentais do Estado;
bem como, outras OC/PCS.
O trabalho realizado com estes jovens contou com a participação de
parcerias, firmadas com algumas entidades. Entre elas destacaram-se,
segundo o Relatório (2002), as seguintes: Academia de Capoeira Angola
Cortiço do Abelha, Centro de Capoeira Angola Matroá,Companhia
Barrica,Laboratório de Expressões Artísticas-LABORARTE, Unidade Escolar
“José Giorceli Costa e Unidade Integrada Sousândrade.
Em se tratando dos locais cedidos para a realização dos trabalhos,
firmou-se parceria com a Escola de Samba “Turma do Quinto”, no entanto, não
durara por muito tempo. Quanto à participação de alguns convidados para a
realização de palestras que ressaltassem a discussão sobre assuntos da
atualidade, destacou-se o economista Valdenir Barros que ministrou na época
71
oficinas que tinham como temas: Ética, Alca (Acordo de livre comércio da
América Latina), A luta pelo direito-Cidadania e Política.
De acordo com o relatório referido, a importância dada a esse
Programa gira em torno das ações voltadas aos jovens da Madre de Deus e
adjacências. Outra importante conquista fora a aprovação pela FUNC
(Fundação de Cultura do Município) que remunerava um grupo de jovens
vinculados àquele projeto, assim através de apresentações de cunho cultural
em alguns pontos na cidade era adquirido alguma remuneração.
Em entrevista cedida pelo iniciador do projeto. Kleber, o único vínculo
(e de forma reduzida) com o Estado, fora a parceria com a FUNC-MA.
Entretanto como ele assim afirmou: “O apoio foi inexpressivo, pois além de ser
irrisória a ajuda financeira dada aos jovens, demorou cerca de um ano para
recebê-la”.
Segundo Kleber depois desta parceria, o projeto não teve relação
nenhuma com o Governo do Estado, assim a Escola de Capoeira Mandigueiros
do Amanhã sendo (durante o programa) uma Organização Capacitadora teve
um trabalho árduo e que exigiu o empenho de várias pessoas que se
comprometeram com a causa.
Assim, seguindo as conclusões apresentadas no relatório, o impacto
do projeto na comunidade pode ser notado através do reconhecimento e a
valorização de uma arte que: “vem da cultura negra, despertando o exercício
da auto-estima na identificação com as danças étnicas afro-brasileiras e
maranhenses”.
A capoeira enquanto símbolo de uma expressão cultural (e assim
artística) proporcionou o envolvimento com outras formas artísticas (Tambor de
72
Crioula, Bumba-meu-boi) que elevam o orgulho de sermos brasileiros e
principalmente descendentes de um povo que tanto sofrera durante a nossa
história.
O público alvo no período em questão (2002) representava em cerca
de cem jovens cuja seleção era realizada através de uma entrevista que tinha
como critérios a idade e a situação econômica.
Outro aspecto positivo fora a inexistência de evasão dos alunos que
evidenciava o trabalho desenvolvido da OC (Organização Capacitadora) que
despertou motivação, organização, entusiasmo aos alunos.
3.2 Perfil dos Alunos
O atendimento da OC, fora voltado para 30 jovens de famílias em
condições de risco na Madre-de-Deus e adjacências, cuja escolaridade seguia
a seguinte estatística percentual: 46,67% no Ensino Fundamental; 33,33% no
Supletivo Fundamental; 16,67% no Ensino Médio e 3,33% no Supletivo Médio.
De acordo com o gráfico seguinte percebe-se a faixa etária
predominante a qual sobressai à idade de 17 anos, o que evidencia a situação
socioeconômica do nosso país, pois é comum o mercado de trabalho
apresentar um número maior de jovens que passam a participar da renda
familiar. Gráfico 1: Idade
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A – DADOS PESSOAIS/DEMOGRÁFICOS. Região: C262-São Luís II Projeto: 178-Escola de Capoeira Angola Mandigueiros do Amanhã
Capacitação: Canto e dança étnica e/ou regional Item:Idade: Total de respostas = 30
Fonte: Consolidação dos dados da Ficha do Aluno.
O que se percebe a partir do exposto é o elevado índice de jovens
com menos de 20 anos no Programa de Capacitação. O que se percebeu
durante o desenvolvimento do Programa fora a pertinência deste projeto para
os alunos e comunidade. A programação estava relacionada a apresentações
que envolvessem alguns eventos em São Luís.
O projeto teve um impacto de substancial importância para estes
jovens, que tiveram a oportunidade de desenvolver suas habilidades a partir da
filosofia da Capoeira Angolana, a qual desmistifica o esteriótipo dado à
Capoeira, como uma forma de luta para prejudicar ao próximo. Os alunos
passaram a conhecer os limites de si mesmos, assim como o do colega.
Para a execução das aulas, o Projeto era composto de uma equipe
técnica dividida em:
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
A - até 17
B - 18 e 19
C - 20 ou mais
74
- Equipe Pedagógica: Coordenadora e duas instrutoras (nível
superior), um instrutor (do nível médio) e dois do nível fundamental.
Durante o período em que a ECAMA estava ligada a este Projeto
uma certa estabilidade foi sentida pelos participantes. A divulgação desta
iniciativa já ocupava as páginas de algumas revistas em circulação na cidade,
como por exemplo, no Almanaque JP TURISMO (Maio/Junho de 2005), que
em duas páginas completas apresenta importante iniciativa de Kleber e da
ECAMA. Dentre os destaques da matéria, apontou-se que:
“Com o crescimento do turismo, principalmente no período do carnaval e das festas juninas, os grupos folclóricos e as bandinhas e escolas carnavalescas – a exemplo do Bicho-Terra e da Turma do Quinto, agregam várias crianças e adolescentes para as apresentações”.
Continuando com a matéria, um problema substancial que acarreta
estes mesmos jovens é que: “Passado o furor das festas, muitos destes jovens
artistas ficam literalmente sem ter o que fazer, à mercê de um cardápio de
problemas sócio-urbanos existentes em nossa capital”.
Percebe-se então que a iniciativa de Kleber Umbelino em 1996 com
os jovens residentes na Madre de Deus e adjacências possui uma relevância
pontual para a sociedade.
Após o Programa Capacitação Solidária, a ECAMA hoje, funciona
por iniciativa (ainda de forma intensa) do idealizador e coordenador deste
Projeto, Kleber Umbelino ( ou simplesmente “Bamba”).
Diante das dificuldades assistidas pela ECAMA na atualidade, ainda
se percebe o espírito guerreiro que soa na roda de diálogos realizada por
“Bamba” e seus alunos.
75
Para o precursor da ECAMA (Kleber), a escola significa a realização
de um sonho. Em entrevista ele assim relata:
“No começo não havia intenções maiores, tudo começou a partir de uma festa de aniversário para mim. Fiquei comovido com isso, a partir daí aconteceu uma mudança de perspectiva. Há uma dedicação constante para continuar com a escola”.35
Com relação ao apoio incentivo do governo do Estado, o mesmo
professor afirmou que não houvera qualquer forma de auxílio. No início a
ECAMA ligou-se com outras escolas que tinham experiências com projetos
sociais. Assim ele continuara a afirmar:
“De início, através de um projeto proposto (Quilombo Musical: a cidadania através da música) conseguimos a aprovação para participarmos do Projeto Capacitação Solidária. Para não dizermos que teve, o Governo do Estado teve alguma participação, uma ajuda “mínima” quando da parceria firmada pela FUNC-MA, através de apoio financeiro para os alunos durante algumas apresentações. No entanto, demorou cerca de 1 ano para que todos recebessem. Não dava nem para comprar as roupas. A ECAMA contou com os esforços de todos os participantes para a realização das oficinas, de forma geral, não contamos com a ajuda do governo”.
Com relação aos alunos estes também consideram de fundamental
importância a escola e seus princípios, pois, muito do que aprenderam
puderam levar a diante. A exemplo tem-se a seguir o depoimento de dois
alunos.
“foi um aprendizado. No começo, ou antes de entrar , só queria saber de brigar, depois que entrei aprendi a ter educação, equilíbrio. Faço hoje um trabalho voluntário na LBV”.
“Para mim, ela é uma segunda família. Considero-a como um trabalho social que direciona para um caminho certo. Através da educação temos a orientação para a vida. Hoje, trabalho restaurando azulejos dos casarões da nossa cidade. Se não fosse a Escola, seria quase impossível chegar até aqui”. 36
35 Entrevista realizada no dia 13 de junho de 2006 em São Luís. 36 Entrevista realizada com dois ex-alunos da ECAMA, “Cabeludo” e “Katyuscia”, no dia 13 de junho de 2006 em São Luís.
76
Percebe-se a partir do exposto que princípios como: determinação,
respeito ao próximo, espírito de coletividade e outros, mesmo com o término do
Projeto Capacitação Solidária, continuam hoje, ainda que algumas dificuldades
poluam a realidade dos alunos para os quais a Escola de Capoeira
Mandigueiros do Amanhã significa mais do que uma simples escola de
capoeira, ela é encarada com respeito e profissionalismo por todos que se
intitulam irmãos, assim, fazendo parte de uma grande família; Mandigueiros.
De acordo com as palavras de Libâneo, a respeito da importância da
educação para a sociedade, ele diz:
“Através da ação educativa o meio social exerce influências sobre os indivíduos e estes, ao assimilarem e recriarem essas influências tornam-se capazes de estabelecer uma relação ativa e transformadora, em relação ao meio social”. (LIBÂNEO, 1990, p.17)
Percebe-se então, que a ação educativa transforma a realidade, por
isso, projetos como a Escola de Capoeira Mandigueiros do Amanhã é salutar
para a sociedade.
Sociedade esta, que não conta com a apoio das autoridades
governamentais, e que através do empenho de pessoas que sentem-se
tocadas como colaboradoras de uma causa maior.
Através de projetos sócio-culturais atuantes, como o que foram
expostos, tem-se alguma perspectiva para a melhoria das condições de vida
daqueles jovens.
A utilização de um discurso em prol de vantagens políticas torna-se
uma estratégia típica no Estado do Maranhão, concretizada pelo governo
Roseana Sarney (1995-2002).
A ex-governadora como fora mencionada, não mediu esforços para a
utilização da imagem de então patrocinadora cultural em benefício dos
77
brincantes. Como se pôde perceber, a utilização do poder no Maranhão é
desvinculada da problemática real, que passa a sociedade, esta que têm todo o
direito baseado em lei como é apresentado na Constituição do Estado. Art.1º,
Inciso 1. “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição Federal e
desta Constituição”.
Assim, projetos sócio-culturais são necessárias para o
desenvolvimento de uma sociedade, que é capaz de ergue-se frente às
dificuldades presentes, mesmo considerando a falta de compromisso dos
governantes.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
78
A Capoeira, antes de entrar na questão que envolve a sua gênese,
deve-se considerar que todo discurso de caráter dogmático torna-se perigoso.
Como chegou a afirmar Rego (1968, p. 31) “tudo levar a crer que seja uma
invenção dos africanos no Brasil”.
Alguns estudiosos chegam a afirmar que existem tipos de Capoeira,
no entanto, o autor referido destaca que a Capoeira “é uma só”, assim, existe
um padrão no número de toques e golpes, os quais são incorporados a
variações existentes no próprio âmbito da Capoeira.
Assim, variações, tipo Regional e Angolana segundo Rego (1968),
não podem ser levadas para campos distintos, pois, fazem parte de uma
prática que possui determinadas características que ora são incorporadas por
uma variação desta prática, ora não.
Estudá-la a partir de um contexto político e econômico na História do
Brasil, é considerar que os escravos (seguimento que praticava-a), foram a
base de sustentação de uma sociedade escravista no Brasil nos 300
(trezentos) anos ou mais de escravidão existente no Brasil Reis (1996).
Como chegara a afirmar o autor acima, estes três séculos da pratica
escravista, fizeram com que o aspecto da resistência enquanto forma de
contestação da situação vigente, fora uma conseqüência típica.
A Capoeira, pode sim, ser considerada uma forma de resistência,
pois enquanto prática que preserva as tradições típicas de um povo e que
“resiste” às influências externas pôde ser incluída naquela categoria.
No Maranhão, não poderia ser diferente, pois, enquanto província
brasileira, também respondia às necessidades de uma dinâmica maior. O relato
desta prática fora registrada por alguns autores, entre historiadores e literários.
79
Algumas obras remetem a pensarmos que a Capoeira era uma prática comum
em nosso Estado. Entre elas, destacam-se; Os Degraus do Paraíso, Josué
Montello (1965); “Breve Histórico das Ruas de São Luís” Domingos Vieira Filho
(1971).
A Cultura enquanto forma de expressão do espírito, ou como
“fenômenos simbólicos que perpassam pelo imaginário de um povo” (GAMA,
2005, p. 14), passa a ser utilizada como mecanismos político para a construção
de uma imagem benevolente dos governantes.
A utilização de um marketing do poder por alguns governantes, já
fora mencionado por Maquiavel (2005, p. 170), o qual chegou a considerar que
tal mecanismo não é conquistado a partir de uma “fórmula mágica ou de uma
chave capaz de abrir todas as portas”. Assim, ele afirma a respeito do
verdadeiro governante: “O Príncipe prudente procurara os meios pelos quais
seus súditos necessitem sempre do seu governo, em todas as circunstâncias
possíveis, e fará assim com que eles lhe sejam sempre fiéis”.
Desta forma, podemos relacionar tal discussão com o governo
Roseana Sarney no Maranhão (1995-2002). A então governadora passa a
incorporar um discurso de representante comprometida com a realidade do
Maranhão. Com a utilização de políticas culturais, o governo Roseana Sarney
passou a institucionalizar a cultura popular, assim, segundo Nogueira (2005, p.
10) “neutraliza a crítica e da vazão ao espetáculo voltado para o show e o
prazer das massas, elevando a governadora e as manifestações folclóricas e
seus atores...”.
A partir de 1996, as manifestações da cultura popular são priorizadas
pelo governo. De acordo com a autora referida, alguns convênios foram
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firmados com o governo federal, assim como a Capacitação de recursos a
empresas privadas, tendo como base a lei federal de incentivo à cultura.
O que se discute neste trabalho, é o descompasso existente entre
política sócio-culturais especificamente no Estado do Maranhão na gestão da
então governadora acima referida.
Tendo como estudo de caso, a Escola de Capoeira Mandigueiros do
Amanhã, sendo exemplo de resistência frente às estratégias políticas. Objetiva-
se considerá-la um exemplo salutar para a situação política que assiste o
Maranhão.
A escola referida chegou a participar do Programa Capacitação
Solidária (2002), pôde desenvolver um trabalho social com vários jovens que
passaram a ter uma perspectiva positiva sobre a vida.
Atualmente, mesmo a escola não está fazendo mais parte daquele
projeto, continua a perpassar os fundamentos da capoeira: respeito ao
próximo, equilíbrio físico e espiritual. A partir deste trabalho pretende-se discutir
a respeito dos usos e abusos da máquina governamental por determinados
líderes, mesmo conseguindo os objetivos almejados, ainda encontram no
caminho, pessoas que lutam em prol de uma verdadeira causa: o respeito ao
próximo.
Em pesquisas futuras, será aprofundado o referido assunto que
agora pode servir como direcionamento para novos estudos, considerando os
devidos aspectos abordados.
81
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