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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA CURSO DE HISTÓRIA CONFEDERAÇÕES ABOLICIONISTAS NO MARANHÃO NA SEGUNDA METADE DO SÉC. XIX (1870-1888) WELLINGTON BARBOSA DOS SANTOS São Luís 2008

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE … · 2016-04-27 · Confederações abolicionistas no Maranhão na segunda metade do séc. XIX (1870-1888) ... 2.1- Contexto histórico

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA CURSO DE HISTÓRIA

CONFEDERAÇÕES ABOLICIONISTAS NO MARANHÃO NA SEGUNDA METADE DO SÉC. XIX (1870-1888)

WELLINGTON BARBOSA DOS SANTOS

São Luís 2008

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WELINGTON BARBOSA DOS SANTOS

CONFEDERAÇÕES ABOLICIONISTAS NO MARANHÃO NA SEGUNDA METADE DO SÉC. XIX (1870-1888)

Trabalho monográfico apresentado ao Curso de História da Universidade Estadual do Maranhão, como requisito para obtenção do grau de licenciado em História.

Orientador: Prof. Ms. Yuri Michael Pereira Costa

São Luís 2008

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WELLINGTON BARBOSA DOS SANTOS

Santos, Wellington Barbosa dos Confederações abolicionistas no Maranhão na segunda metade do séc. XIX (1870-1888)/ Wellington Barbosa dos Santos. – São Luís, 2008. 52f. Orientador: Prof. Msc. Yuri Michael Pereira Costa. Monografia (Graduação) – Curso em História, Universidade Estadual do Maranhão, 2008. 1. Abolicionismo. 2. Escravidão3. Confederações. I. Titulo.

CDU: 94 (812.1). 063

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CONFEDERAÇÕES ABOLICIONISTAS NO MARANHÃO NA SEGUNDA METADE DO SÉC. XIX (1870-1888)

Aprovada em São Luís em 09/04/2008

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________ Prof. Msc. Yuri Michael Pereira Costa

Orientador

___________________________________ Prof. Msc. José Henrique de Paula Borralho

1º Examinador

_______________________________________ Prof. Msc. Marcelo Cheche Galves

2º Examinador

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AGRADECIMENTOS

Aos meu pais, Maria de Lourdes e Raimundo Nonato.

À minha família paterna.

Aos amigos Fábio Lima Freitas, José Patrício Neto, Wesley, Manacés e Luziene,

Tatiane, Tereza, Shamira, Patrícia, Biel, Baú, Sérgio, Bartolomeu, Resemary, Fábio André,

Gleiciane, Fernando, Kepler, Daniele, Desni, Neta, Alex, Júlio, Nataniel e Ariane, Ana Paula

e Robert.

E a todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram para a realização

deste trabalho.

A vocês, muito obrigado.

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RESUMO

Após a Guerra do Paraguai em 1870, a campanha pela libertação dos escravos no

Brasil vai popularizar-se em todas as províncias do império, levando várias pessoas a abraçar

a luta pela abolição, organizando-se em grupos. Esses agrupamentos ou confederações na

província do Maranhão vão apresentar uma postura pouco exaltada, adotando um perfil mais

brando, sobretudo por causa do direito de propriedade, segundo o qual, para libertar seus

escravos, os senhores deveriam ser devidamente indenizados.

Diante dessas circunstâncias, grupos como A Sociedade Manumissora 28 de Julho e o

Centro Artístico Abolicionista Maranhense realizaram várias atividades em prol da alforria de

escravos, mas não participavam de nenhuma ação mais exaltada - como também não o faziam

as irmandades religiosas, envolvidas com a causa da abolição, mas pouco ativas para

estimular fugas, ou mesmo qualquer tipo de atuação mais enérgica na busca de uma solução

para o problema de mão-de-obra para a substituição dos cativos.

Palavras-chaves: Abolicionismo, Confederação, Escravidão

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RÉSUMÉ

Après la Guerre du Paraguay en 1870, la campagne par la libération des esclaves au

Brésil va se populariser dans toutes les provinces de l'empire, en prenant plusieurs personnes

à étreindre la lutte pour l'abolition, en s'organisant dans des groupes. Ces regroupements ou

confédérations dans la province du Maranhão vont présenter une position peu fanatique, en

adoptant un profil plus brandis, surtout à cause du droit de propriété, selon laquelle, pour

libérer leurs esclaves, ils toi doivent dûment être indemnisés.

Devant ces circonstances, des groupes comme la Société Affranchisseur 28 juillet et le

Centre Artistique Abolitionniste Maranhense ont réalisé plusieurs activités dans profit de

l'émancipation d'esclaves, mais ils ne participaient d'aucune action plus exaltée - comme ils le

ne faisaient aussi les fraternités religieuses, engagées avec la cause de l'abolition, mais peu

actives pour stimuler des évasions, ou même tout type de performance plus énergique dans la

recherche d'une solution pour le problème de main d'oeuvre pour la substitution des captifs.

Mots-clés: Abolitionnisme, Confédération, Esclavage.

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“Fui ver pretos na cidade/ que quisessem se alugar./ Falei

com esta humildade/ - Negros, querem trabalhar?/Olharam-

me de soslaio, / E um deles, feio, cambaio, / Respondeu-me

arfando o peito:/ - Negro, não há mais não./ Nós tudo hoje é

cidadão./ O branco que vá pro eito.”

O Monitor Campista, 28/03/1888.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 10

1. “LIBERDADE ATÉ CERTO PONTO”: o discurso dos clérigos, dos letrados e dos

deputados sobre a abolição ..................................................................................................

13

1.1. A Ideologia que fundamenta a continuidade ................................................................... 16

1.2. O Discurso do Legislativo maranhense: debates na Assembléia Provincial ................... 20

1.3. A Catequese “abolicionista”: o discurso da Igreja........................................................... 29

2- ENTIDADES LEIGAS E IRMANDADES RELIGIOSAS NO PROCESSO

ABOLICIONISTA.................................................................................................................

31

2.1- Contexto histórico do processo abolicionista.................................................................. 31

2.2- As entidades leigas registradas......................................................................................... 33

2.2.1 Entidades leigas sem registro......................................................................................... 34

2.3 As irmandades religiosas................................................................................................... 38

2.4 – Uma Comparação........................................................................................................... 41

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................ 46

REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 49

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INTRODUÇÃO

Em 1822, quando o Brasil se torna independente de Portugal, o trabalho escravo em

nada é alterado. Permanecendo como principal força produtiva do jovem país e justificado

juridicamente pelo direito de propriedade, o regime servil só vai sofrer um verdadeiro abalo

em 1850, com o fim oficial1 do tráfico atlântico.

essas restrições provocaram, nos décadas de 50 e 60 do século XIX, o aumento do preço dos escravos e uma concentração social da propriedade de cativos: os pequenos senhores vendiam para os grandes, as cidades para o campo e o Nordeste para o Sudeste. (MATOS, 2005. p.18)

Oriundos de outras regiões do país, os cativos que desembarcaram no Sudeste vinham

de uma geração de escravos via de regra nascidos no Brasil, que se comunicavam entre si com

maior facilidade e estavam acostumados com outro tipo de relação com seus senhores,

gerando novas sociabilidades. A diminuição de escravos vindos da África por força da Lei de

1850 (lei Eusébio de Queirós) acima citada permitiu que o número de escravos nascidos no

Brasil, superasse os de africanos, o que facilitava a comunicação entre eles, bem como o

fortalecimento dos laços afetivos, a constituição de mais famílias e até mesmo o poder de

negociação com seus senhores.

Quando os proprietários desses cativos resolviam vendê-los, tudo isso tinha que ser

levado em consideração: separar casais, mães e filhos, gerava insubordinação e violência por

parte dos escravos. Outro fator que levava os cativos à rebeldia era tirá-los de um ambiente

onde já estavam acostumados e colocá-los em outro, por exemplo, tirar uma pessoa da zona

urbana vendendo-o para a área rural.

O aumento do tráfico interno desrespeitava tudo isso, gerando principalmente no

sudeste, um ambiente propício a uma resposta violenta dos escravos, que aos poucos foram

construindo novas sociabilidades, entre eles e os libertos, onde não raro a solidariedade

vigorava nos momentos de fuga para, posteriormente, negociar melhores condições no

cativeiro ou até um novo proprietário. Além a ajuda mutua e colaboração financeira para a

compra de alforrias. Nesse contexto a sociedade escravista teve de reconhecer algumas

1A partir de 1850, ocorreu o fim oficial do tráfico Atlântico no Brasil. Contudo, é difícil afirmar que não houve embarcações clandestinas que continuaram a alimentar o tráfico, apesar da fiscalização da Coroa.

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conquistas como a Lei do Ventre Livre, Lei nº. 2040 - de 28 de setembro de 1871, e a Lei dos

Sexagenários - Lei nº 3.270, também conhecida Lei Saraiva-Cotegipe, promulgada a 28 de

setenbro de 1885, acrescentando-se a isso o movimento de fuga em massa nos últimos anos

que antecederam 1888, temos um quadro crucial da importância dos próprios escravos na

queda do regime escravista em nosso país.

Além da ação individual de alguns cativos e ex-escravos, várias foram as

confederações que ficaram conhecidas no Brasil pela defesa do ideal abolicionista, numa

campanha que se espalhou por todas as províncias após a Guerra do Paraguai, mais

exatamente a partir de 1870. Intelectuais, políticos e jornalistas, como Joaquim Nabuco, Rui

Barbosa, José do Patrocínio, André Rebouças, Joaquim Serra e outros, não só defendiam o

ideal emancipacionista na imprensa e no parlamento como estimulavam as fugas e a

autoalforria, bem como atividades financeiras que instituições filantrópicas como as

irmandades realizavam para o pecúlio escravo.

Em São Luís do Maranhão pouco sabemos sobre esses clubes como afirma Jalila

Ribeiro (1990, p. 136): “(...) dada a maior difusão do sentimento emancipacionista,

irmandades e sociedades particulares desempenharam um considerável e ainda não estudado

papel na libertação de escravos no Maranhão”.

São conhecidas, ainda que não aprofundadas pela autora da obra acima citada apenas a

Sociedade Manumissora 28 de julho e o Centro Artístico Abolicionista Maranhense em São

Luís. Ribeiro ainda faz referência à Sociedade Manumissora Coroatense. Portanto, o presente

trabalho justifica-se pela investigação e aprofundamento da ação realizada pelas

confederações abolicionistas de São Luís do Maranhão e seu papel na libertação dos escravos

da Capital de nossa província.

Na investigação sobre a trajetória dos clubes abolicionistas, suas ações e seus embates

contra os que defendiam o regime servil, utilizamos variados documentos disponíveis da

época.

O nosso principal instrumento de análise foram os jornais, maior veículo de

comunicação popular do século XIX. Em nossa análise, nos detivemos nos jornais O PAIZ, A

PACOTILHA e o DIÁRIO DO MARANHÃO. Nas páginas desses periódicos de São Luís, no

período pré-abolicionista, encontramos as idéias e registros das ações realizadas pelos mais

destacados clubes emancipacionistas e suas respectivas lideranças.

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Uma vez identificados os principais atores do cenário pré-abolicionista, fizemos uma

análise dos relatórios da Assembléia Legislativa Provincial do Maranhão, encontrados na

Biblioteca Pública Benedito Leite. Além disso, encontramos no Arquivo Público do Estado do

Maranhão estatutos das Irmandade de São Benedito e Bom Jesus da Canna Verde.

Buscando aprofundar a pesquisa, fizemos uso de monografias, dissertações e teses

relacionadas ao tema e ao período em questão. Dentre estas destacamos O Poder dos Leigos,

Irmandades Religiosas em São Luís no século XIX, trabalho monográfico de Emanuela Sousa

Ribeiro, e A Transformação do Trabalho nos Trópicos: Propostas e Realizações, dissertação

de mestrado de Regina Helena Martins Faria.

O trabalho foi organizado em dois capítulos. No capítulo I analisamos os aspectos

ideológicos que sustentam os argumentos dos grupos sociais que vão formar as agremiações

abolicionistas (letrados, clérigos e deputados da Assembléia Legislativa provincial), sendo

comum entre eles a proposta de uma abolição gradual que respeitasse o direito de propriedade

dos senhores de escravos. É comum também, o preconceito com negros mulatos, livres

pobres, mestiços em geral, considerados “indolentes e violentos”.

No capítulo II, dedicamos a análise das variadas instituições, registradas ou não, que

envolveram-se na luta abolicionista, quer por considerar “justa” a abolição dos cativos ou por

causa do jogo político em torno do status “de defensores da liberdade e da civilização”.

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1. “LIBERDADE ATÉ CERTO PONTO”: O Discurso dos Clérigos, dos Letrados e dos

Deputados sobre a Abolição.

Poucos temas foram abraçados (ou criticados) com tanto entusiasmo pela elite

brasileira no século XIX quanto à questão abolicionista. Vários segmentos sociais se

envolveram direta ou indiretamente no debate em torno da continuidade ou do fim da

escravidão na América portuguesa. As províncias2 acompanhavam cada passo do desenrolar

das sessões do Parlamento Central3, que apresentavam recorrentes debates e projetos

relacionados à emancipação escravista, a exemplo das leis Rio Branco e Saraiva Cotejipe, de

1871 e 1885, respectivamente, apelidadas de “Ventre Livre” e “Sexagenários”. Muitos

achavam que com a “libertação”, primeiro dos escravos que nascessem a partir de 1870 e

depois dos que ultrapassavam os 65 anos na segunda metade de 1880, não haveria mais

necessidade de uma abolição formal, pois esta aconteceria naturalmente.

Essa e outras opiniões geravam polêmica, discordâncias e discussões acaloradas nas

províncias que viviam diferentes situações econômicas e sociais dentro do Império. Assim,

enquanto Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo recheavam o Parlamento e os ministérios

de representantes que em boa parte defendiam os interesses escravocratas dos proprietários de

terra do Sudeste cafeeiro, no Norte-Nordeste, com a abundância de mão-de-obra livre e pobre

e sem o fausto dos tempos do auge do açúcar, viu-se duas províncias anteciparem a abolição

nacional de 1888: o Amazonas e o Ceará. Mas não devemos ser tão rígidos nessa divisão

Sudeste x Norte-Nordeste, pois segundo Robert Conrad (1978, p. 154):

Assim, havia, já então, de um modo geral, um maior desejo no norte do Brasil de ver a escravatura terminar, mas a verdade é que, dentro dessas vastas regiões, o compromisso para com a escravatura também variava. Na província do Maranhão, no extremo norte, onde os escravos eram relativamente numerosos e a população de cor era quase o dobro da branca, os cidadãos influentes mostravam-se menos inclinados a soltar as rédeas dos sentimentos abolicionistas. Apesar de menos recalcitrantes do que as províncias do centro-sul, Maranhão e até mesmo a província vizinha do Pará jamais representaram um papel importante no esforço abolicionista, com ambas permanecendo grandes regiões de escravos até as vésperas da

2 As províncias foram divisões político-geográficas no território brasileiro que marcaram todo o período imperial. No caso maranhense, a Província do Maranhão equivale ao atual estado do Maranhão, tendo, já naquele contexto, a cidade de São Luís como sua Capital. 3 No II Reinado brasileiro (1840-1989) existia o Parlamento Central (União) e os Parlamentos Provinciais, onde os deputados eram escolhidos pelo voto censitário em ambos os casos. Baseado no modelo inglês, o Parlamento era chefiado por um Primeiro ministro, que no caso brasileiro era escolhido pelo monarca.

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abolição. Em contraste, as províncias localizadas na corcunda do nordeste brasileiro (nomeadamente o Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e até mesmo partes da Bahia) eram exportadoras de um grande número de escravos (...) e esta vasta e importante parte do país talvez fosse a menos disposta a defender a escravatura.

Nem mesmo as províncias “na corcunda do nordeste brasileiro”, como se refere o

autor, estão isentas de conflitos internos no que concerne à defesa ou repulsa à abolição.

Nesse quadro, o Maranhão é visto num ritmo contrário às demais províncias do Norte-

Nordeste, pois aqui a força das idéias e ações abolicionistas parecem avançar em marcha

lenta.

Com a produção algodoeira e o arroz em alta por conta do mercado externo, o

Maranhão, no âmbito econômico, inicia bem o século XIX, aproveitando a guerra de

independência dos Estados Unidos no último quartel do século XVIII, que trouxe um declínio

da cotonicultura desse país. Isso porque a província do Maranhão passou a ser uma das

grandes fornecedoras de matéria prima para a indústria têxtil inglesa, que estava a pleno vapor

devido à Revolução Industrial.

No entanto, ao fim da denominada segunda guerra de independência dos Estados

Unidos (1812-1815), os norte-americanos, dotados de tecnologia mais avançada, retomaram

seu espaço no mercado internacional.

A preparação interna que teria permitido ao Maranhão explorar bem o mercado

externo iniciou-se ainda no século XVIII, com a fundação da Companhia de Comércio do

Grão-Pará e Maranhão, por iniciativa do Marquês de Pombal. A partir de então, criadas as

condições adequadas, a província caminharia rumo a um maior desenvolvimento econômico-

comercial. Por outro lado, destaque-se que os dados estatísticos sobre a economia da época já

apontavam um crescimento progressivo anterior à intervenção de Pombal com a já citada

Companhia.

A cotonicultura (algodão) permaneceu em alta, prevalecendo sobre os demais produtos

de exportação até a década de 1820. Depois desse período, dado o pequeno nível de consumo

no mercado interno, houve um declínio do algodão. O arroz, segundo produto na ordem de

exportação, sofreu também um abalo, menos importante por causa do crescimento do

mercado interno. Segundo Jalila Ribeiro (1990.p. 48) é a partir do final do segundo quartel do

século XIX que, gradativamente, outro produto de exportação desponta dentre os demais: o

açúcar. Este produto vai absorver parte significativa da mão de obra outrora utilizada na

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cotonicultura, que naquele momento já diminuía por causa do tráfico de escravos para o

Sudeste.

A economia maranhense, portanto, sofre dos mesmos altos e baixos próprios da

empresa agro-exportadora de época, num contexto mercantilista já em declínio no século

XIX, o que, por sua vez, leva-nos a refutar a tese de que a abolição levou a economia

maranhense à decadência e a compartilhar, como Regina Faria (2001.p.13), os argumentos

envolvendo o conceito de “ideologia da decadência”, de autoria do antropólogo Alfredo

Wagner.

Na construção da “ideologia da decadência” da lavoura, como assevera Almeida, os

letrados recorrem a conjuntos de oposições relacionados à suposta prosperidade/decadência,

opulência/ruína, progresso/atraso e apogeu/queda da Província. Ao expor suas idéias, cada um

data a decadência como se contemporânea fosse a sua época. Em contraposição, o passado é

exaltado, ajustado em algum tempo recuado e distante, quando haveria “prosperidade,

opulência, progresso” (FARIA, 2001, p.35).

O auge da campanha abolicionista no Brasil foi simultâneo ao da crise econômica no

Maranhão. Mesmo assim a elite maranhense seguiu o itinerário das demais províncias do

Império no que se refere à formação de seus filhos, que eram preparados em faculdades do

exterior (principalmente Coimbra) ou nas existentes no país, destacando-se, neste aspecto, as

de medicina na Bahia e direito no Recife. Além dessas opções, uma alternativa eram os

seminário, ligados a uma formação religiosa promovida por clérigos que, não raro,

envolviam-se em assuntos seculares. Uma vez formados, os jovens filhos dessa elite

retornavam ao Brasil para assumir a burocracia do Estado. Além disso, eram esses homens

letrados que davam conta da produção literária, técnico-científica e jornalística, influenciados

principalmente pelo positivismo, realismo ou naturalismo e pelas teorias raciais do século

XIX.

Favoráveis ou não ao fim do trabalho escravo no Brasil e no Maranhão, foram, via de

regra, esses “homens das letras” que ocuparam o Parlamento, bem como as associações e

igrejas, enfim, uma infinidade de instituições que deixaram registrados discursos que

vigoravam no embate travado em torno da “questão abolicionista”.

Embora a província do Maranhão não tenha representado grande ameaça aos

defensores da continuidade do trabalho escravo no Brasil, a campanha abolicionista, mesmo

de forma tímida, fez-se presente nesta província. Assim sendo, houve aqui o engajamento de

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intelectuais na luta pelo fim do escravismo, mesmo que de forma muitas vezes velada, tal

como feito por um autor anônimo que, pelo aniversário da Lei Rio Branco, de 1871, deixou

registrado num periódico de São Luís:

O nosso paiz acha-se dividido em differentes sectarios da emancipação dos negros: temos abolicionistas apparentes, abolicionistas graduaes e abolicionistas puros. Os primeiros acceitam simplesmente o princípio e protestando em nome do direito de propriedade pretendem addiar a liberdade dos negros enquanto vivem os actuais senhores a dizer: quem vier atraz que feche a porta, - não querem perder, mas não se importam que os filhos percam. Os abolicionistas graduaes, embora sinceramente desejem a emancipação, todavia não a querem já. Estes são opportunistas. E os puros abolicionistas reclamão em nome da humanidade que cesse essa monstruosa instituição que apenas servi para manter na ociosidade uma classe de exploradores que vivem fartos a custa da miséria dos pobres negros. Allegão que a força não constitui direito, que o proprietario baseia o seu direito na força e na tolerancia das leis ao passo que o direito do escravo é o direito sagrado do vencido que hoje lhe reclama e que lhe roubaram – a liberdade. (A PACOTILHA, 28 de SETEMBRO DE 1883).

O autor do artigo esboça o desejo de que o trabalho servil tenha um fim imediato e

denuncia a hipocrisia dos abolicionistas “apparentes” e “graduaes”. Contudo, escreve de

forma anônima, provavelmente temendo represálias por parte da elite escravocrata, que

também usava a imprensa para atacar seus adversários pró-abolição e, em algumas

oportunidades, até de violência física para impor suas posições.

1.1. A Ideologia que fundamenta a continuidade

Do lado dos abolicionistas, nem todo argumento era em defesa dos negros escravos,

livres ou libertos. É certo que tinham o intuito de dar um fim ao regime servil, do contrário

não poderiam ser chamados de “abolicionistas”, mas a maioria, inclusive os ditos

“engajados”, fazia ressalvas. O mais corrente condicionamento para a libertação de cativos

era o direito de propriedade dos donos de escravos a serem alforriados. Os projetos de

libertação apresentados em jornais, livros e concursos, vinham sempre em defesa da

indenização aos senhores, uma vez que compraram seus escravos e não poderiam sair no

prejuízo.

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A visão a respeito dos homens livres pobres também era pejorativa. Esses eram em

regra tidos como indolentes, ociosos, facínoras e onerosos4. Diante desse quadro, antes da

abolição, os homens livres pobres deveriam ser educados (compelidos) ao trabalho. Além do

que os negros desacostumados à liberdade deveriam passar por um estágio de “preparação”

para entrar no “meio social”. Caso contrário, ao invés de constituir-se numa força de trabalho

a mais, seriam um reforço à “vagabundagem”, que já era grande na sociedade maranhense,

conforme defendiam os homens que escreveram projetos alternativos ao trabalho escravo,

como Brandão Junior, por exemplo

A mesma perspectiva liberal que fomentava a crítica ao escravismo, preconizando a

liberdade do indivíduo, também era fiel guardiã do direito inviolável à propriedade privada.

No entanto, não era somente o liberalismo a base teórica que fundamentava os homens das

letras no Brasil. Nesse contexto, estava muito em voga os determinismos biológicos e

geográficos, bem como o pensamento positivista.

Em síntese, o que o determinismo biológico apregoava era a superioridade da “raça

branca” (de descendência européia), estabelecendo uma escala evolutiva com as fases

selvageria-barbárie-civilização, na qual o branco europeu encontrava-se no estágio conclusivo

de desenvolvimento da humanidade, enquanto índios, negros e demais povos ainda estavam

muito longe de alcançarem o cume da “caminhada evolutiva”, ou seja, a “civilização”.

Para alguns teóricos, o estado de civilidade jamais seria alcançado por negros e índios

por conta de sua incapacidade (darwinismo social). Para outros, sempre que houvesse um

avanço para “os de baixo”, haveria também para “os de cima” (evolucionismo social).

Portanto, compartilhavam do mesmo vaticínio, pois ainda seriam os mestiços quem teriam

herdado as características mais negativas das “raças cruzadas”.

No Brasil, essas teorias influenciaram bastante os homens das ciências e das letras,

embora alguns vissem como positiva a mestiçagem com os brancos, pois a mesma levaria o

país à civilização, por isso mesmo defendiam a vinda de imigrantes europeus. Para outros,

somente os negros e indígenas suportariam o calor e os infortúnios da natureza nos trópicos

(determinismo geográfico), argumento muito utilizado para segurar a instituição escravista,

encarada como um mal necessário.

4 Onerosos porque na visão de parlamentares e letrados do século XIX, representavam gastos para o Estado que

deveria sustentá-los sem nenhum retorno, “dado à indolência dos nativos da terra”.

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O certo é que as teorias raciais ensinadas nas faculdades européias do século XIX,

deixavam nos brasileiros que estudavam no exterior uma visão negativa, muito presente no

Brasil, da mestiçagem. No mesmo período, o nacionalismo também estava muito em voga, o

que acabava provocando uma angústia para os intelectuais brasileiros, na medida em que se

tornava difícil acreditar no futuro de uma nação mestiça tomando como parâmetro sua

formação teórica de influência européia.

Outra escola teórica de grande influência no Brasil foi o positivismo, que teve como

idealizador e principal defensor o francês Augusto Comte. As “fases evolutivas” da

Humanidade, na visão comteana, eram a teológica, a metafísica e a positiva, sendo também

este último estágio o que os positivistas gostariam ver elevadas as nações. A fase positivista

seria incompatível com a escravidão, daí a fase metafísica dever ser responsável pela extinção

deste fenômeno.

É grande a quantidade de letrados no Brasil (e no Maranhão) que elaboraram projetos

e defendiam o fim da escravidão valendo-se de elementos relacionados às teorias acima

citadas. Variando em alguns posicionamentos, quase sempre concordavam com a defesa do

direito de propriedade e da inferioridade de negros, índios e mestiços, que deveriam ser

compelidos ao trabalho e, dessa maneira, integrados à nação.

Não é nossa intenção fazer uma análise detalhada das representações dos intelectuais

maranhenses sobre a abolição ou do que pensavam sobre as “classes menos abastadas”. O que

queremos, levando-se em consideração nosso objeto e pesquisa, é ilustrar as idéias

apresentadas por pelo menos dois letrados maranhenses: Brandão Junior e Aluísio de

Azevedo.

Nascido em Codó, Francisco Antonio Brandão Junior formou-se em Ciências Naturais

na Universidade de Bruxelas, onde publicou, em março de 1865, “A escravatura no Brasil”,

além de um artigo sobre a agricultura e a colonização no Maranhão.

Em sua obra, o referido autor faz severas críticas ao Brasil por ainda manter

“vergonhosamente” a instituição escravista. Contudo, mostrou-se desfavorável a qualquer

iniciativa repentina de libertação dos escravos, o que certamente arruinaria a aristocracia,

além de atentar contra o tão propalado direito de propriedade.

Brandão Júnior apresenta um projeto para a superação do “problema” de maneira

gradual, visando diminuir os danos tanto aos escravos quanto aos senhores. O primeiro passo

seria libertar os cativos, mas não totalmente, ligando-os ainda à terra onde trabalhavam. Em

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seguida, deveria ser pago um salário, ao agora “servo da gleba”, proporcional a seu trabalho,

até que o mesmo pudesse acumular o suficiente para pagar por sua alforria. Sabendo o cativo

que o ordenado recebido seria convertido em prol de sua libertação, trabalhariam eles mais,

aumentando seu pecúlio e, consequentemente, a produção, o que seria bom para o escravo e

para seu senhor.

Visivelmente moderado, mesmo assim o projeto de Brandão Junior teve repercussão

extremamente negativa no meio aristocrático, como podemos observar, em carta de sua irmão.

Lamento assim como meus pais, que o primeiro trabalho que publicaste, tenha tido por objetivo granjear-te grande número de inimigos logo no inicio de tua carreira, e que os enormes sacrifícios feitos por nosso Pai para a tua educação, queiras pagá-los com a ruína da fortuna dele, lançando à miséria a sua família. Que satisfação seria a nossa ver-te estudar para te tornares depois o apoio de nossa família e dar-nos o prazer de ver nosso Pai fazer brilhante figura no país: mas com a leitura de teu trabalho, todas essas belas esperanças se esboroaram , e hoje não vemos em ti mais do que um homem que, achando-se na situação de viver à custa dos deus estudos, nem ao menos olha para a família e atira-a à miséria, contanto que o seu nome apareça como reformador do Brasil!!!... Não podias escolher mais detestável assunto – está é a opinião até mesmo de teus amigos. Havia tantas coisas belas que podiam servir-te de motivo para exibir os teus talentos: mas, tal é a nossa desgraça, havias de escolher o que havia de pior pra escrever e hoje és tido como um louco, um utopista! – Sinto, o mais possível, a celeuma que aqui se levanta contra ti: teu trabalho foi condenado por todo mundo e deves lembrar-te de teu Pai, de tua Mãe e de tuas irmãs, que perderão a mais bela porção de sua fortuna, e não deves ser um ingrato e egoísta, porquanto podes viver do teu trabalho, enquanto nós não o podemos senão através dos nossos escravos, e se eu viesse a perder a minha fortuna, diria: Meu irmão lançou-me à miséria. (apud LINS, 1967, p. 103)

Natural de São Luís do Maranhão, Aluísio Tancredo de Azevedo começou sua carreira

literária e sua luta abolicionista nos periódicos de sua cidade natal, principalmente nos jornais

O PENSADOR e A PACOTILHA. Foi grande crítico dos costumes da aristocracia maranhense,

bem como converteu-se em um dos pivôs da polêmica campanha contra o Clero, que, para

responder às críticas de que era alvo, fundou o jornal CIVILIZAÇÃO.

O ponto culminante da crítica de Aluísio Azevedo, no que concerne ao escravismo, é o

romance “O mulato”, de 1881. A obra discute dois aspectos complementares: a abolição da

escravatura e o lugar que os descendentes desses ex-escravos ocupariam na sociedade.

Embora em alguns trechos do romance de Azevedo esteja relatado o suplício vivido

pelos escravos, pode-se afirmar que a intenção do autor não era necessariamente a exaltação à

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coragem do elemento negro, como fizeram alguns literatos na época. Muito menos o objetivo

principal do autor seria dar relevo ao sincretismo da cultura africana com a européia. O autor

também tinha uma visão pejorativa dos quilombos, para ele uma massa embrutecida de vadios

que em nada lembra qualquer atitude heróica.

“Para Aluísio, a escravidão é uma instituição instaurada pelos brancos e são eles que

devem solucioná-la. Em nenhum momento é questionada uma participação ativa dos escravos

negros no processo de abolição” (MERIAN, 1988, p. 303). Portanto, para o autor em questão,

a escravidão deveria acabar, mas não com a participação das “perigosas classes menos

abastadas”, para não se correr o risco de uma “nova Balaiada”.

Outro aspecto que evidencia o pouco apreço do autor à influência da cultura africana, e

aparece igualmente na trama de “O Mulato”, está no plano dos costumes. Os negros levariam

os brancos à decadência por causa do “desavergonhado envolvimento” com as escravas,

degradando as famílias. Quando não, as negras, em contato com as brancas desde a infância,

influenciariam as mesmas a se tornarem “supersticiosas” e “sonhadoras”, tal como a

personagem do romance Ana Rosa.

As críticas de Azevedo referem-se aos maus tratos sofridos pelos negros, que os

embrutecia ainda mais, bem como tornava a sociedade insensível, além de ser nociva aos

próprios brancos, por incutir-lhes elementos de uma “cultura inferior”, afastando-lhe da

“civilização”.

Mesmo escrevendo seu trabalho 16 anos após o escritor codoense e num período mais

próximo à abolição (1888), assim como Brandão Júnior, Aluísio Azevedo foi muito criticado

pela sociedade maranhnense. Ambos, embora possuidores de estilos diferentes, um

escrevendo ensaio (Brandão) e outro ficção (Azevedo), têm em comum a falta de apreço,

mesmo indireto, pela cultura africana e por seus descendentes, exaltando sempre o processo

civilizatório representado pelo branco europeu.

1.2. O Discurso do Legislativo maranhense: debates na Assembléia Provincial

A Assembléia Provincial do Maranhão, como um dos espaços mais representativos da

conservadora aristocracia rural da província, reflete a tentativa de conter ao máximo o avanço

do fim do trabalho escravo no Brasil. A principal preocupação dos deputados provinciais do

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Maranhão era encontrar um substituto para a mão de obra escrava, já que a abolição, no

período em que analisamos a casa legislativa (1870-1888), parecia inevitável.

Na documentação pesquisada, pode-se localizar parlamentares que entendiam ser

evidente a ruína da produção agrícola e, por conseguinte, dos demais setores da economia.

Havia um crescimento significativo da população livre pobre. Os parlamentares sabiam disso,

mas entendiam que esse fenômeno não colaborava em muita coisa, uma vez que

compartilhavam da idéia de “ociosidade e indolência dos naturais da terra devido aos recursos

disponíveis no meio”.

A ociosidade e a falta de ambição constituem o typo característico da nossa população no interior, ora para as colônias preencherem as vistas do projeto, seria então mister que o trabalho fosse obrigatório, e de que meios serviria o lavrador, para sujeitar o colono ao trabalho continuo e regular? O contrato? E sujeitando-se a elle o cumpriria fielmente? Haveria no lavrador tanta persistência, que arrastasse com as difficuldades, que lhe appoiam os colonos com o fim de illudirem a obrigação contrahida?(MARANHÃO, Assembléia Legislativa Provincial, 1887, p. 93).

A certeza de não poder contar com a mão de obra livre local parecia ser tanta para

alguns deputados que eles nem chegavam a mencioná-los, desprezando-os totalmente.

Quando o movimento abolicionista disser a ultima palavra e cahir o ultimo braço escravo, muitos poucos dos nossos pequenos fabricantes de assucar conseguirão conservar-se. Ficarão limitados a um pequeno número de braços, com que poderão plantar, mas não moer porque v.exc. sabe que si um indivíduo pode produzir 20 carradas de canna não pode moel-as. (MARANHÃO, Assembléia Legislativa Provincial, 1885, p.154).

Em alguns discursos, deputados mencionavam que o processo de desagregação

agrícola da Província geraria também a “ruína do pequeno lavrador”. Outros deputados

defendiam que de acordo com a necessidade os homens livres pobres acabariam por se inserir

no mercado de trabalho da Província. Contudo era quase unânime, embora para uns mais e

para outros menos, que a Província deveria contratar migrantes estrangeiros ou nacionais, ou

mesmo os dois.

Nos primeiros decênios do século XIX, conforme Regina Faria (2001.p.158-159), os

livres pobres eram tidos na representação das elites não só como “indolentes e ociosos”, mas

também como violentos. Em tal representação, com a abolição seriam inseridas na sociedade

pessoas desacostumadas à liberdade, com “instintos facinorosos”. Isso seria ruim para eles e

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para todo o corpo social, por isso projetos como o de Brandão Junior previam pelo menos dois

princípios já citados: o direito de propriedade; e, ações que ocupassem, ou melhor,

obrigassem os libertos, como os demais homens livres pobres ao trabalho, contendo, assim, a

vadiagem, tida como causa da tão temida violência.

Esse estigma de “violentos” e “onerosos” atribuídos aos homens livres pobres diminui

no terceiro quartel do século XIX, quando as pequenas propriedades têm uma certa melhora

de seu ritmo produtivo. No entanto, o problema da diminuição de mão de obra não deixava de

ser mencionado, principalmente por causa do tráfico interno que favorecia o fluxo do trabalho

escravo para o Sudeste.

O Sr. Dias Vieira: - O pequeno lavrador senhores, vê-se na necessidade de abandonar a cultura da terra por causa do imposto, assim com os grandes proprietários vêem-se obrigados a vender seus escravos, isto é, desfazer-se de seu capital, porque as vantagens que elles da lavoura são tão diminutas que não compensam o ônus que recahem sobre o capital primitivo. (MARANHÃO, Assembléia Legislativa Provincial, 1876, p.134). O Sr. Fabio Leal: - (...) Não há esperança que a colheita suba a tal ponto, que venha a supprir o grande desfalque, que trouxe a cessação da exportação de escravos, e a creação do augmento de impostos não é cousa fácil. (MARANHÃO, Assembléia Legislativa Provincial, 1881, p.).

Além do estereótipo negativo atribuído aos livres pobres da Província, outro grupo

social que causava grande temor à elite aristocrática maranhense eram os quilombolas. Duas

regiões, em especial, pareciam trazer um enorme desconforto para as autoridades, a de

Turiaçu-Gurupi e, na outra extremidade do mapa, a de Codó.

Até 1752, Turiaçu era parte da Província do Grão-Pará, só a partir dessa data passando

a ser parte do Maranhão. As notícias de atuação de quilombos são anteriores a essa agregação

ao território maranhense, a primeira sendo de 1702. Formando comunidades de 200 a 600

pessoas, os aquilombados construíram uma relativamente complexa rede econômica e social

fazendo alianças bem sucedidas com homens livres, índios e até fazendeiros o que dificultava

as tropas do governo.

Os aquilombados praticavam agricultura de subsistência, caçavam e pescavam nas

margens dos rios Turiaçu e Gurupi e tinham a proteção natural das matas. Produziam

aguardente e tabaco para as trocas comerciais. E o que mais incomodava as autoridades e a

aristocracia local era o garimpo, uma vez que, trabalhando com ouro, fortaleciam-se,

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aumentando a relação de cumplicidade com a população livre que, ávida pelo metal precioso,

interessava-se ainda mais pela permanência dos quilombolas ali.

Com esses elementos econômicos e sociais a seu favor, dos quais decorriam eventual

proteção, as comunidades aumentavam, somando-se a elas novos fugitivos de fazendas

circundantes, tanto do Maranhão quanto do Pará. O incômodo dos aristocratas com tal quadro

faz-se perceptível através de tantas reclamações ao governo provincial. Este, sem

policiamento adequado para enfrentar os obstáculos naturais e as comunidades organizadas,

articulou várias tentativas de destruição das comunidades quilombolas (GOMES, 2003.p.89-

90).

Depois que Turiaçu passou para o Maranhão, o governo provincial enviou tropas para

destruir os quilombos, além de contratar colonos chineses e portugueses para trabalhar no

garimpo. Mas a tentativa restou frustrada. Segundo Assunção (1996, p. 449), a companhia

inglesa “Montes Auros Gold Mining Company” arrendou a área por sete anos, chegando até a

transportar custosa maquinaria da Inglaterra para o local. Por motivos não explicados, o

contrato não foi renovado e a área voltou ao controle dos quilombolas.

As tentativas militares de destruição dos quilombos, em regra, culminavam na captura

de quilombolas. Essas investidas entravam em comunidades que logo, em tese, deixariam de

existir. Isso porque era anunciado na imprensa local o fim das comunidades invadidas. Porém,

desmentindo os anúncios, logo voltavam as denúncias de fazendeiros no local.

A partir da década de 1870, o governo provincial até tentou mudar os a forma de

abordagem aos quilombos, empregando meios “suasórios5”, como ocorreu na tentativa do

Major Ferreira Caldas no quilombo de São Sebastião. Mas, após esta, as demais tentativas

foram frustradas, como bem escreveram sobre o assunto Flavio dos Santos Gomes (2003.p.

91-92). Na década seguinte, já quase que às vésperas da abolição, os quilombos da região

Gurupi-Turiaçu ainda seriam notados pelas autoridades, conforme a fala do deputado abaixo:

O Sr Alfredo Leite: - A construção da linha telegraphica na secção declarada em meu requerimento consiste na abertura de uma estrada pelas mattas do tury e na collocação de postes do fio electrico. Nesta obra estão sendo empregados trabalhadores dos lugares mais próximos, que se oferecem para vencer salários; mas estou informado de que grandes abusos se há commetudo e não tem havido necessário escrúpulo na escolha do pessoal por isso que até escravos aquilombados nas mattas do

5 A partir do final do terceiro quartel do século XIX, o governo provincial do Maranhão, como estratégia de

combate aos quilombos adotou a política de negociar primeiro e reprimir só em segunda instância. Essa estratégia, quase nunca efetivada, foi chamada pelas autoridades províncias do Maranhão de “meios suasórios”.

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tury alli trabalhão, percebendo salário, e taes exemplos teem contribuído para continuar fugas de escravos dos municípios de Pinheiro, São Bento e Vianna. A carta que me communica o facto traz a relação de um numero avultado de escravos que tem se evadidos nas fazendas. (...) Uma das causas da decadência da nossa lavoura é falta de braços, não é justo pois que uma obra do governo por este auctorizada, se esteja constituindo em sorvedouro das poucas forças dos lavradores dáquelles contornos. (MARANHÃO, Assembléia Legislativa Provincial, 1886, p.386).

O outro extremo – Codó – não deixa ser citado, mas por um outro deputado,

preocupado com a violência, o parlamentar não perde a oportunidade de criticar o movimento

abolicionista.

O Sr. Sergio Bayma : __ (...) Não é de hoje, Srs., que no termo do Codó vivem os escravos insubordinados, é uma localidade onde o elemento servil tem grande força. Lavradores importantes desse logar vivem atemorisados, perfeitamente coarctados diante da atitude que se vê da propaganda abolicionista. Ora, seria justo ou louvável que o exm vice-presidente da província fosse surdo aos reclamos do delegado de policia de Codó que veio dizer a s. exc por um telegramma. A ordem está aqui alterada, os meus escravos querem me assasinar. (MARANHÃO, Assembléia Legislativa Provincial, 1886, p.388).

O documento revela que os quilombos ainda incomodavam na década de 1880, ainda

mais por causa de sua suposta associação ao movimento abolicionista.

Os quilombos do Codó-Itapecuru, também de fronteira, mas com o Piauí, chamaram

muita atenção no período da Balaiada. No entanto, antes da rebelião que teve início em 1838,

já existiam reclamações semelhantes à do deputado Sérgio Bayma por parte dos fazendeiros,

quando o medo foi ainda maior por causa da associação de livres pobres e escravos fugidos.

Daí em diante as autoridades tomavam todo o cuidado para que a parceria não tornasse a

acontecer.

Combate à violência e ao desvio de mão de obra, eis as principais preocupações dos

parlamentares provinciais Sergio Bayma e Alfredo Leite. No caso de Turiaçu, já haviam feito

tentativas de trazer colonos estrangeiros, mas não obtiveram sucesso. Assim como em outras

partes da Província, pensaram então que a saída poderia ser os colonos nacionais.

Convictos da incapacidade da mão de obra local de atender a demanda de serviços

oferecidos pelos setores da economia da Província, os deputados também estabeleceram

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projetos de colonização para imigrantes, o que na prática, por falta de recursos ou de

habilidade política, pouco foi aproveitado. O único projeto relativamente bem sucedido

ocorreu quando da tentativa de abrigar os retirantes nordestinos fugitivos da maldita seca

apelidada de “seca dos três setes” (1877, 1878 e 1879). Os retirantes partiam de suas cidades,

por via do porto de São Luís ou pelo interior, através do Piauí. Vinham principalmente para a

Capital da Província e apesar de serem paraibanos, pernambucanos, norte-riograndenses,

piauienses e cearenses, eram todos identificados como se fossem do Ceará

(FARIA,2001.p.17).

Com recursos do governo imperial, ou mesmo oriundos da iniciativa de particulares,

foram montadas comissões de socorro que acolhiam “os cearenses”, fornecendo-lhes

alimentação, moradia e vestuário. Os retirantes eram encaminhados ao trabalho, sendo, em

regra, segundo a orientação do governo provincial, direcionados para a lavoura de

particulares, terras devolutas e, por fim, obras públicas, pois se ficassem majoritariamente

empregados neste último, tinham dificuldade de se sustentar e se tornariam muito onerosos

para o estado.

Para abrigar os “cearenses”, o presidente da província Eduardo Olímpio Machado

estabeleceu espaços de acolhimento denominados “núcleos coloniais”, daí os migrantes eram

distribuídos para áreas mais distantes, inclusive ocupando lugares de onde haviam sido

expulsos indígenas e quilombolas.

Diante da propalada “escassez de mão de obra”, os imigrantes cearenses foram muito

elogiados por sua dedicação ao trabalho, conforme podemos conferir em artigos das edições

dos dias 14 e 17 de fevereiro de 1879, no Diário do Maranhão.

Os imigrantes que foram remetidos desta vila [Penalva] já mudaram de aspectos, estão todos satisfeitos e são moralizados e trabalhadores, não tendo havido entre eles a menor desordem (...) Dos que aqui vieram muitos se ocupam com proveito da lavoura preciso e, no entanto que autoridade evite que outros se entreguem a vadiagem para não lhes ser imputada o desaparecimento de reses e furtos dos roçados (...) Com a feliz instalação aqui [Vitoria do Mearim] de cearenses agricultores e laboriosos temos este ano aumentado aqui muito a plantação de mandioca, milho, feijão etc. O que se não falharem as chuvas nos trarão com abundância o desejado bem estar (apud Faria,2001 p. 178-179) .

Contudo, esses mesmo “cearenses” não estavam isentos do preconceito que atingia os

demais livres pobres da Província. Em meio aos projetos de colonização que tramitavam na

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Assembléia Legislativa provincial, muitos deputados discursavam em favor dos imigrantes

nordestinos, com os mesmos elogios da citação acima, mas outros os acusavam de ladrões e

violentos devido à penúria que se encontravam.

O Sr. Salustiano: - Nesta cidade mesmo se tem manifestado depois de certo tempo, o latrocínio em larga escala. Nem é isso de admirar, porque cobertos de miséria, esfaimados quase nus, como vivem os imigrantes, hão de procurar por certo, da propriedade alheia o alimento necessário para si, e os meios de satisfazer suas mais urgentes necessidades. Não quero com isto, justificar o latrocínio, mas é uma verdade incontestável que a estatística criminal tem augmentado consideravelmente depois da emigração cearense. (MARANHÃO, Assembléia Legislativa Provincial, 1878, p.117).

O argumento do deputado foi contestado de forma educada e pouco insistente por

outro colega. Mas, pela citação, pode-se perceber que o convívio com os retirantes não era tão

harmonioso assim. Em 1879, o governo imperial deixou de enviar recursos destinados a

acolher os imigrantes que fugiam da seca e abrigavam-se no Maranhão. O governo provincial,

então, viu-se obrigado a desmanchar as colônias. “Os cearenses”, já prevendo a situação,

misturavam-se aos demais livres e pobres da Província. Nesse período, as pequenas unidades

produtivas tiveram um crescimento econômico, mesmo sem o apoio do governo provincial, e

por causa desse melhor desempenho das pequenas propriedades agrícolas muitos “cearenses”

fixaram-se no Maranhão.

Paralelamente à entrada dos imigrantes nordestinos, nunca se arrefeceu o desejo de

contratar os colonos europeus, o que, embora tenha origem desde o início do século XIX, só

efetivou-se em 1850. A Lei provincial nº 312, de 24 de novembro de 1851, incluiu no

orçamento da Província a importância de cinco contos de réis para o transporte de colonos

estrangeiros, a fim de que se fosse implantada uma colônia agrícola.

Nos anos seguintes, mais especificamente entre 1853 e 1855, com a liberação de mais

verbas, chegaram 887 colonos estrangeiros na Província do Maranhão. Os colonos foram

divididos oficialmente em seis colônias, duas identificadas como de operários e quatro

agrícola, conforme o quadro abaixo:

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Quadro 01 – Colônias identificadas em 1855.

COLÕNIA NÚMERO DE IMIGRANTES

Colônia de Arapapahy 368

Colônia de Maracassumé 40

Colônia de Santa Isabel 59

Colônia de Santa Teresa 140

Colônia de Petrópolis 91

Colônia de Pericana 112

Cedidos a particulares 17

FONTE: FARIA (1998, p.184)

Em 1855, foi criada a Diretoria de Colonização da Província do Maranhão,

responsável, dentre outras coisas, por receber, acomodar e fornecer dados e demais

informações tanto nas colônias governamentais como das particulares. A referida instituição

era regida por um regulamento que orientava, como preferencial, a contratação de imigrantes

portugueses. Isso em decorrência das afinidades na língua, na religião (católica) e no regime

monárquico comum aos dois países, o que facilitaria a adaptação. Outra exigência era a de

que tivessem os imigrantes menos de 40 anos e fossem morigerados6 e saudáveis.

Somente as colônias Petrópolis e Santa Isabel sobreviveram até a década de 1860. Os

fazendeiros, de modo geral, amargaram com a experiência com os colonos europeus, até por

conta dos vários problemas que inviabilizaram a continuidade do afluxo da mão de obra vinda

da Europa. Os colonos já chegavam endividados, tendo que pagar pela viagem e pelo seu

sustento. Até a primeira colheita, e não raro muito tempo depois dela, permaneciam devendo.

O contrato previa que enquanto os débitos não fossem saldados o imigrante não poderia ir

embora. Muitos fugiam e os fazendeiros acionavam a força policial para os trazerem de volta.

Quando os imigrantes reclamavam das condições de trabalho também eram tratados como

“ociosos” e “indolentes”, o que os equiparava a mão de obra local.

6 Morigerado: do Lat. Morigeratu adj.,que tem bons costumes;que se morigerou. (http://www.priberam.pt/dlpo/definir_resultados.aspx) último acesso em 13/03/2008.

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Os embates entre os colonos e fazendeiros refletem perspectivas opostas alusivas aos

contratos entre eles firmados. Os imigrantes vinham de seus países em busca de uma vida

melhor e encontravam senhores acostumados a explorar e maltratar seus escravos. Além de

adentrarem num ambiente em que o trabalho manual era tido como “desonroso” e “digno

somente de escravos”.

Quando desvinculados de contratos, os migrantes procuravam fixar-se no mercado de

trabalho livre em formação. O fato de serem portugueses, na sua maioria, facilitou a inserção

na sociedade maranhense.

O sonho de contar com imigrantes estrangeiros foi bem longe. Durante todo o período

analisado, em vários momentos surgiram deputados apresentando projetos de contratação de

mão-de-obra do exterior.

O Sr. Berredo: - Senhor presidente, dispõe o art.2º da lei n.954 de 20 de junho de 1871 que da somma de quatrocentos contos de reis emitida em apólices provinciais se appliquem em contos ao pagamento das despezas com engajamento e passagem de colonos estrangeiros introduzidos na provincia até o seu desembarque nesta cidade. (...) É claro que o pensamento que predominou no ânimo dos que confeccionaram aquella lei, foi acoroçoar e promover a imigração estrangeira no intuito de introduzir na província o maior número possível de braços aptos e experimentados nos trabalhos da agricultura, visto que, de ha muito se reconhece grande parte das difficuldades e dos males que pezam sobre a lavoura provém da escassez de população e da falta de indivíduos, que se empreguem com vantagem neste serviço. (MARANHÃO, Assembléia Legislativa Provincial, 1878, p.117).

Contratar imigrantes europeus era o ideal para a maioria dos deputados da Província

do Maranhão, ainda que alguns se opusessem, geralmente alegando não poder arcar com as

despesas por causa da pobreza da Província.

Já que os deputados não podiam contar com o imigrante de origem européia, viviam às

voltas com o dilema de aumentar ou não os impostos sobre a venda de escravos para outras

províncias. Isso porque tinham medo de perder parcela significativa da mão de obra. Por outro

lado, viviam endividados e negociar os escravos muitas vezes era a maneira mais viável de

saldar os débitos.

O Sr. Padre Brito: - Longe de nós a idéia de suppormos que os habitantes da nossa província, dotados de nobres sentimentos, sejão por sórdido interesse levados a vender seus escravos.

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(...) Quando o proprietário se vê na obrigação de praticar acto destes, tenho convicção de que é arrastado pela necessidade de solver seus débitos e compromissos. Augmentar-se esta taxa, senhores é crear difficuldades ao pobre lavrador onerado com grandes dividas, accumuladas de juros e obrigal-o a vender seus escravos quase pela metade do valor, porque em pouco tempo os juros da dívida, carregados por mão de usura, virão absorver todos os escravos ou então affrontar essa taxa enorme que, pela emenda do nobre deputado o levará a vender 10 em 12 escravos em lugar de 4 ou 5 para poder satisfazer seus compromissos. (MARANHÃO, Assembléia Legislativa Provincial, 1878, p.117).

A partir da década de 1880, os impostos aprovados pelo parlamento imperial tornaram

quase que proibitivos o tráfico interno. Sidney Chalhoub (1990) refere-se a três interpretações

para esse fato. A primeira, de Emilia Viotti da Costa (CHALHOUB,1998.p. 57), para quem

parte dos fazendeiros do Oeste paulista, esboçando uma atitude um tanto “progressista”, não

queriam mais servir-se de mão de obra escrava e, na tentativa de logo terem a disposição os

imigrantes europeus, pressionaram para apressar o fim do fluxo de escravos do Norte.

A segunda interpretação, ainda de acordo com Chalhoub (1990), é a dos parlamentares

que argumentaram num outro sentido. Para eles, a continuar a saída de escravos do norte para

o sul, haveria um “desequilíbrio populacional” no que concerne ao escravo, com chances de

se repetir o que teria ocorrido na guerra civil americana.

E a terceira é a do próprio Sidney Calhoub (1990), preconizando que o motivo para a

aprovação da lei que dava um basta no tráfico interno era a violência praticada pelos escravos,

dentre outros motivos, por causa da ruptura dos laços afetivos com familiares do Norte, e por

conta do desrespeito ao ambiente a que estavam acostumados. Sendo assim, escravos urbanos

eram forçosamente mandados para a zona rural e vice versa.

1.3. A Catequese “abolicionista”: o discurso da Igreja.

Representando a elite aristocrática da província do Maranhão, a Assembléia

Legislativa não poderia ser ardorosa defensora do abolicionismo, mesmo quando este estava

em voga numa parte significativa do império. Assim também comportou-se a igreja católica,

que mesmo com o advento do positivismo e do realismo, continuou sendo importante na

formação dos letrados maranhenses ou pelo menos uma parte deles, o que é confirmado por

Dunshee de Abranches (1992, p.141):

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A campanha anti-religiosa, levantada pelo periódico O Pensador, redigido por um grupo de mações e ateus, é rebatida violentamente pela Civilização, semanário inspirado pelas mais altas mentalidades do clero de São Luís, cindira fundamentalmente os espíritos.

Ciente do seu papel na constituição ideológica da sociedade maranhense a igreja tinha

uma postura conservadora defendendo a permanência da escravidão apegando-se ao direito de

propriedade tal como vários outros segmentos mais abastados da sociedade. Isso baseando-se,

como os demais, na suposta indolência do homem do campo na província:

Não faltam à província braços e braços válidos, falta-nos porém o amor ao trabalho. Em nossos povoados como no interior vagam indivíduos ociosos, sem profissão conhecida, aqui acolá, alimentando-se com o suor alheio (CIVILIZAÇÃO, 7 DE JULHO DE 1888).

Para os clérigos que redigiam o jornal, a solução seria enviar missionários para o

interior que ensinariam aos camponeses não só o evangelho, mas também o amor ao trabalho

ambos tão necessários para o desenvolvimento da província.

Apesar da visão defendida pelo Clero, devemos destacar que a Igreja católica era

muito ampla, abrigando em seu interior várias tendências e grupos por vezes com opiniões

conflitantes ou que, pelo menos, era de certa forma aberta ao diálogo com outros segmentos

sociais. Essa pluralidade de opiniões nem sempre agradava aos setores hierarquicamente mais

altos do Clero, mas era, em regra, tolerada por se estar permitindo uma convivência necessária

ao Maranhão provincial. Exemplo dessa tolerância de manifestações divergentes dentro do

seio da Igreja é o caso das irmandades, cujo envolvimento na luta abolicionista foi explícito,

embora pouco se diferenciando do padrão ideológico dos demais movimentos, conforme

veremos no próximo capítulo.

Para letrados, clérigos, parlamentares e até parte significativa do movimento

abolicionista, o discurso do direito de propriedade sobre o escravo era meio de defesa ou

objeto de crítica, mas principalmente argumento eficaz em prol dos interesses escravistas. Era

forte também o vaticínio do fim da lavoura dada a “indolência dos naturais da terra” tudo isso

em tempos de aumento significativo da mão de obra livre, mal aproveitada por causa do

preconceito, justificado ideologicamente pelos determinismos biológico e geográfico.

Os projetos que pretendiam indicar uma alternativa viável para a substituição do

trabalho escravo, também saíam na defesa incondicional do direito de propriedade. Para os

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autores desses projetos era um absurdo que os escravos fossem libertos sem antes indenizar

seus senhores. Compartilhando dessas idéias, parlamentares como o deputado “sr. Berredo”

defendiam ainda a vinda de imigrantes uma vez que a visão a respeito de negros libertos e

homens livres pobres, apontavam para uma inferioridade de raças onde a mistura resultou

homens violentos e pouco afeitos ao trabalho, devendo por isso contratar gente de fora para a

província prosperar.

No entanto, com esses argumentos, o que a elite aristocrática almejava era perpetuar o

controle dos livres pobres e recém libertos, aproveitando-se de modo astuto de seus serviços

(CHALHOUB,2003.p. 101-102). Mas como havia resistência, o preconceito acentuava-se,

desconsiderando o trabalho que era realizado fora da grande propriedade. No último quartel

do século XIX, com o crescimento da produção e boa inserção no mercado, os donos das

pequenas propriedades rurais conseguiram diminuir a má impressão a eles atribuídas, mais

ainda assim persistiu o desrespeito por parte da aristocracia maranhense.

2- Entidades leigas e irmandades religiosas no processo abolicionista.

2.1- Contexto histórico do processo abolicionista.

Na 2° metade do século XIX, a maioria dos países na América já haviam feito

abolição. No Brasil, esses movimentos abolicionistas vão ganhar muita força após a Guerra do

Paraguai. O fim deste conflito latino-americano apressou o processo de abolição e também a

derrocada do próprio império.

Nesse período, o Governo Imperial viveu um processo de ambigüidade notório, em

que de um lado não podia desagradar os grandes proprietários com medidas abolicionistas e

de outro não podia mais ignorar o clamor social pela abolição.

Um dos fatores importantes para a sensibilização e organização do povo para a causa

abolicionista será a violência. Escravos oriundos do norte acostumados a determinados

trabalhos, regras sociais e vínculos familiares, são transferidos para a região sul e sudeste,

tendo que adaptar-se a uma nova realidade, gerando violência e distúrbios sociais.

Casos de agressões físicas e homicídios relacionados com os escravos vão aumentar

consideravelmente nos periódicos da época, e consequentemente no quotidiano das pessoas.

Esse fator impulsionará medidas por parte da própria população em desagravo a esta

violência.

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Sendo assim, surgiram entidades leigas pró-abolicionistas e as irmandades religiosas

acrescentaram ao seu caráter estrutural o abolicionismo, pois, esta última funcionasse como

um forte demarcador social, não tinha inicialmente intenção abolicionista incorporando em

seu ideário a libertação dos escravos. Somente quando o movimento escravista se alastra as

irmandades se engajam neste movimento.

Em um outro aspecto as entidades leigas, possuíam no seu corpo de fundação

membros da elite intelectual e de outras classes sociais. No entanto, esta elite não

comprometida plenamente com esta luta, buscava mais um status civilizador para o país

decorrente do pensamento liberal. Esta elite que comandava as entidades leigas sentia-se

envergonhada em relação aos outros países latino-americanos (Uruguai, Chile, Argentina

etc..) que já haviam abolido a escravidão, o que tornava o Brasil na visão destes indivíduos

um país atrasado.

Este argumento é comprovado na edição n°126 do Jornal A Pacotilha (13. set.1881)

onde o Centro Emancipador demonstra em um artigo o status civilizador da abolição, que diz:

Alguns jovens carentes de progresso e da liberdade acabarão de fundar uma sociedade com o fim de emancipar os escravos deste paiz. Não há um só paiz civilizado que ainda conscreve esta negra chaga, que infelizmente, é a vergonha do Brasil.(..) Mas, se alguns brasileiros há que trabalham para esse fim, há outros também que abordarão essa grande e santa causa, intitulão-se de escravocratas e guerreião àqueles, que incessantemente trabalhão em prol da liberdade.

Contudo, nas entidades leigas havia membros que enxergavam uma oportunidade para

obtenção de dinheiro público, através da lei de 1871. Lima (1999, p.12) cita: “Que

determinadas entidades leigas forjavam certidões de escravos inexistentes para partilhar como

os latifundiários, os recursos obtidos dos fundos de emancipação”. Diante do exposto, as

entidades leigas eram ambíguas, pois possuíam ao mesmo tempo atitudes pró-abolicionistas e

conservadoristas.

Mesmo distante da capital do Império, ainda assim a província do Maranhão não

esteve alheia a todo esse processo, seja pela presença de letrados na Corte que foram

destacados membros do movimento abolicionista, ou pela ação dos que permaneceram e

construíram aqui o movimento a seu modo e que são os que mais nos interessam.

Certamente houve um grande envolvimento dos escravos, negros, livres e libertos na

abolição, mas nosso objeto de estudo são os grupos organizados e institucionalizados que se

envolveram na causa abolicionista no Maranhão.

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2.2- As Entidades Leigas Registradas

Neste subitem é importante ressaltar que as entidades leigas não eram homogêneas em

suas ações abolicionistas e estrutura legal, pois, haviam entidades registradas através de

estatutos e outras que tão somente deixaram seus vestígios em convocações públicas nas

páginas dos periódicos da província.

As duas principais entidades registradas em São Luís eram: A Sociedade Manumissora

28 de julho e o Centro Artístico Abolicionista.

A primeira foi fundada em 1869, por iniciativa do Dr. Tolentino Augusto Miranda,

com o único propósito de libertar os escravos. Segundo Ribeiro (1990, p.136) esta sociedade

se popularizou quando: “Solenemente no teatro São Luís, se instalou a referida sociedade e

nesta ocasião dada a liberdade aos primeiros cativos, coroando com êxito a primeira

solenidade desta agremiação”.

O estatuto da Sociedade Manumissora foi reaprovado em 1871, na administração

provincial do Dr.Augusto Olympio Gomes de Castro, onde a ação libertadora da sociedade

beneficiava os cativos, nunca maiores de quarenta anos de preferência do sexo feminino, que

sendo menores de sete anos teriam às libertações gratuitas.Não há registros em documentos

ou jornais sobre a manipulação dos fundos de emancipação.

A segunda, fundada em 1881, na cidade de São Luís, procurou entre outras atividades,

estimular a fuga dos escravos. Em 1884, as ondas abolicionistas se intensificaram ainda mais

com a abolição da escravidão no Ceará e no Amazonas. Em São Luís, no ano de 1885 pouco

antes da lei dos Sexagenários, segundo Ribeiro (1990, p.140) ocorria: “Fugas de escravos que

multiplicavam-se na capital, promovidos por um grande número de abolicionistas. Os

fugitivos eram abrigados pelos componentes do Centro Artístico Abolicionista Maranhense”.

Em relação a este centro percebe-se que ele era mais ativo em sua luta abolicionista e

observando os periódicos da época, este grupo possuía mais prestígio na capital do que a

Sociedade Manumissora 28 de Julho.

O Centro Artístico Abolicionista Maranhense possuía relações com simpatizantes da

causa no Ceará que ajudaram nos objetivos desta agremiação. O principal membro deste

grupo é Dunshee Abranches que segundo Faria (2001, p.140):

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Este relata haver criado com alguns colegas do Liceu Maranhense, o Grêmio da Juventude Libertadora Maranhense, e que certa ocasião escreveu à Sociedade Libertadora Cearense pedindo ajuda para a fuga de oito escravos que viajavam para o Rio de Janeiro, quando o navio fizesse escala em Fortaleza. O pedido foi atendido e os cativos alcançaram a liberdade.

Este grupo realizava seus atos públicos primeiramente nas casas dos seus respectivos

membros e depois no Teatro onde comemoravam o Aniversário da Lei do Ventre Livre e para

protestar contra o Ministério Escravocrata que estava no governo (ABRANCHES, 1992,

P.155).

2.2.1 Entidades Leigas sem Registro

Estas entidades a princípio não possuíam registro legal (Estatutos e Atas), pois, não

foram encontrados vestígios destes documentos durante a pesquisa, em decorrência de

reformas no Arquivo Judiciário, o que impossibilitou esta verificação.

No entanto, pesquisou-se nos seguintes periódicos: A Pacotilha, O Paiz, O Diário do

Maranhão, onde foram encontrados os anúncios das reuniões e manifestos destas

agremiações.

Entre os principais grupos abolicionistas observados nestes jornais supracitados

encontram-se: O Centro Emancipador, Sociedade Abolicionista, Os Apóstolos da Liberdade,

Sociedade Emancipadora Maranhense, Clube Libertador Maranhense, Centro da Amizade

Abolicionista e o Club Abolicionista.

O Centro Emancipador começa a organizar reuniões a partir de 1881 fazendo anúncios

no Jornal A Pacotilha, de seus ideais anti-escravocrata. Aparentemente, os membros deste

grupo, preocupados com possíveis hostilidades dos conservadores, publicavam artigos

assinando-os com pseudônimo.

Outro tipo de posicionamento que sempre era defendido por estes grêmios, juntamente

com os ideais abolicionistas; era o direito inalienável a propriedade. Segundo esta tese, os

senhores de escravos deveriam ser ressarcidos pelo governo no caso de abolição total dos

cativos, a fim de que esses não tivessem prejuízos financeiros. Isto fica claro em um artigo

publicado no periódico A Pacotilha (29 set, n°140.1881) assinado por Zeca, provavelmente

um pseudônimo, que dizia:

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O Visconde do Rio Branco, cuja a perda a pátria ainda deplora, conseguio obter do parlamento a Lei de 28 de setembro de 1871, o passo mais decisivo que temos dado no caminho do progresso da civilização. Havia em todos os espíritos o temor de uma catastrophe social, economica e política, e cada um resguardava seus interesses contra os princípios humanitários a pretexto de garantir o direito de propriedade, a segurança individual e as bases fundamentaes de regular, a que esteiros subjeitos. Em outros termos- A emancipação não deve ser obtida de um só golpe e não pode ser gratuita; há uma necessidade de uma indenisação em favor do senhor, que perde parte de sua fortuna.

Pode-se dizer que a maioria das entidades leigas compartilhava desta opinião, em

maior ou menor grau, o que demonstra a dubiedade existente nestes grupos.

Os Apóstolos da Liberdade, outra entidade leiga deste período, inicia o seu processo

de reuniões e publicação de manifestos no ano de 1882, sendo que nos anos de 1883 e 1884

há apenas agradecimentos de outros grupos para esta agremiação, o que pressupõem que estes

eram mais discretos e trabalhavam apenas para arrecadação de dinheiro para as alforrias dos

cativos. Este é o pensamento de Lima (1999, p.43) que diz: “Os Apóstolos da liberdade

provavelmente possuíam mais mestiços e negros livres, do que membros da elite, o que

explicaria os dois únicos manifestos encontrados desta agremiação ou simplesmente o temor

de hostilidades dos conservadores”. Sendo assim, este grupo poderia ser considerado como

secundário, devido as suas poucas ações práticas.

No Diário do Maranhão (20 de fevereiro de 1882) é publicado o último artigo deste

grupo que diz:

Viva a liberdade! Viva a emancipação! Viva o povo maranhense! Público Maranhense nós os Apóstolos da Liberdade, neste dia de tanta alegria para nós, pretendemos levar a effeito uma idêa grande e sublime, que esperamos mereça a vossa valiosa proteção. A causa abolicionista deve ser levada até o fim, para que nossa sociedade se desenvolva, sem esta chaga negra, há sécculos nos persegue.

No dia seguinte, no mesmo periódico, há uma convocação para uma reunião, na

Travessa do teatro (Diário do Maranhão, 21 de fevereiro de 1882) a fim de recolher qualquer

importância para alforria de escravos. Sendo assim, este grupo parece fazer seu último ato

público neste, atuando depois como colaborador de outros grupos.

A Sociedade Abolicionista enquadra-se na categoria de agremiação formada fora do

estado, por estudantes maranhenses e que enviava quantias significativas para outros grupos e

publicava seus artigos nos jornais maranhenses.

No jornal O PAIZ (17 de julho de 1883) eles se apresentam da seguinte forma:

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No Rio e em Pernambuco os estudantes maranhenses formaram associações abolicionistas. A desta última formou-se a sociedade abolicionista, que instituio uma caixa com o nome- Caixa Marques Rodrigues e publicou um manifesto, aos maranhenses, qual está assignado pelos estudantes Rauriando José Vieira da Silva, Antônio Barbosa de Godês, Luiz Antonio Domingos, Joaquim José Rebello e José Pereira da Graça Aranha. Homens dignificos e buscam civilizar o nosso paiz.

Seus manifestos são publicados com maior peridiocidade no jornal O Paiz no ano de

1883. A conjuntura propiciava ao mesmo tempo coragem e cautela. Este grupo seria a

amálgama destes dois fatores, pois, apesar de enviar recursos financeiros a São Luís para

efetivação da causa, estes não possuem registros de participação de reuniões ou de

manifestações nos anos posteriores, o que pode indicar um possível abandono deste grupo no

movimento abolicionista.

O último artigo assinado por esta entidade é publicado em O Paiz, (19 de julho de

1884) e que pedia o fim da escravidão:

Eis um importante discurso proferido pelo Sr. Antonino senador lemos as seguintes palavras, com que sua excellencia prova que, no progresso em que vamos executando a lei de 28 de setembro, o verdadeiro Emancipador é o norte. Tem morrido desde 1871 pelo menos, cerca de meio milhão de escravos; e no mesmo período emancipou-se menos de 20.000 número infinitamente pequeno, que hár se póde não metter em calculo. Orceiros o terero da escravidão com as belezas actuaes. Os escravos mais moços são os nascidos em 1871, antes da lei: d’eses muitos hão de chegar a 80 annos, alguns aceir; mas fiquemos em 80; e assim somente em 1950 metade do século XX, a morte acabará a sua obra. Mas esse estado de causas não é digno de uma nação civilizadora! Nós da sociedade abolicionista lutaremos para acabar com esta chaga negra!

A Sociedade Emancipadora Maranhense segue o mesmo princípio da entidade

anterior, um grupo criado fora do estado por maranhenses que cursam faculdade no Rio de

Janeiro e angariam fundos para causa anti-escravista. Os artigos deste grupo foram publicados

no Diário do Maranhão no ano de 1883. Não sendo mais encontrados qualquer referência

sobre esta agremiação nos anos posteriores.

O Centro da Amizade Abolicionista ao contrário dos anteriores é um grupo criado na

capital em 1884, aparentemente por membros da elite, e que convoca anonimamente, suas

primeiras reuniões através do jornal O Paiz:

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Convocamos os distintos membros da sociedade maranhense, a participar na travessa do Theatro de uma reunião que arrecadará fundos para a libertação de cativos nesta cidade, em busca de civilizar o nosso país. E seguir o exemplo das províncias do Ceará e Amazonas, que já aboliram a escravidão de suas terras.

Este grupo segundo Lima (1999, p.56) chegou a arrecadar vultosas quantias para o

alforriamento de cativos em São Luís:

“O Centro da Amizade Abolicionista segundo registros da província do Amazonas,

teria enviado 20 cativos oriundos de São Luís, para viverem naquele local no ano de 1884 e

arrecadado 200 contos de réis para libertação dos mesmos”. No entanto, parece que toda sua

atividade delimita-se ao ano de 1884, quando não encontra-se registro nos periódicos da

época desta agremiação.

Outro grupo que teve breve atividade foi o Club Libertador Maranhense com apenas

um artigo assinado anonimamente e publicado no Diário do Maranhão (25 de fevereiro de

1884) e que defendia a abolição com indenização aos senhores dos escravos para que não

houvesse caos social.

O Club Abolicionista foi o último dos grupos caracterizados por esta pesquisa como

sem registro, pois, começam a publicar artigos no início de 1888 e tem seu último artigo

publicado no Jornal de Commercio, Lavoura e Industria (14 de maio de 1888):

Nas páginas da historia brazileira ficou gravada a data memorável do dia hontem, 13 de maio em que a Augusta Princeza Imperial Regente, a sereníssima senhora D. Izabel sancionou a lei que extinguiu a escravidão no Brazil. Á futura imperatriz deste vasto paiz coube segunda gloria, e esta de mais brilho e mais fulgor, por isso que, na regência, em 1871, foi sua alteza que ainda sancionou a lei que declarou que não mais nasceriam escravos no Império. A mesma Augusta princeza declarou que não mais morreria escrava algum neste paiz. Os novos cidadãos livras agradecem a nossa sereníssima princeza de nos ter enviado este paiz no rumo civilizador.

Sendo assim, estes grupos anteriormente citados tiveram maio ou menor participação

no movimento abolicionista, sempre andando no limiar da ambiguidade, defendendo a

abolição e ao mesmo tempo defendendo o direito de propriedade dos senhores dos escravos. E

esta postura continua até a promulgação da Lei Áurea .

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2.3 As irmandades religiosas As irmandades são associações católicas cuja finalidade é o culto a Virgem Maria ou a

algum santo, e o auxilio mútuo entre os fiéis seus membros.Surgiram na Idade Média como

braço religioso das corporações de ofício no Brasil essas irmandades constituem-se num forte

desmarco social na medida em que organizavam-se de acordo com as condições sociais das

pessoas na época,assim, existiam as irmandades de brancos,mulatos,escravos,etc...

As confrarias (irmandades) simbolizavam o acentuado papel que os leigos tiveram na

igreja católica no Brasil, sendo permitidas pela legislação, embora nem todas fossem

registradas (principalmente as de escravos).

Segundo a pesquisa de Emanuela Sousa Ribeiro, “podemos falar de quatro períodos

distintos na história das irmandades do Maranhão”. A primeira vai de 1612 a 1759, com a

expulsão dos Jesuítas. Nesta fase, as confrarias legais tinham espaço limitado devido à

preponderância das ordens religiosas principalmente a Companhia de Jesus, com a expulsão

desses religiosos começa a segunda fase que vai até 1889 quando as confrarias legais são as

instituições mais importantes na religiosidade católica do estado, essa fase vai até a

proclamação da República em 1889, onde as irmandades vão perdendo força, num momento

em que a igreja se desvencilha do Estado. E por fim, do século XX em diante quando

diminuem sensivelmente quase que se extinguindo.

Apesar de todo o sofrimento próprio de quem tinha sua liberdade como propriedade de

outro, os escravos sabiam utilizar muito bem as “brechas” da sociedade em que viviam,

conquistando espaços de socialização primordiais para sua sobrevivência.

As irmandades constituem-se, portanto, num desses espaços privilegiados de

socialização onde os escravos podiam partilhar suas angustias, cultuar seus santos de devoção,

dispondo inclusive de conquistar posições de poder dentro do núcleo representativo da

entidade.

Consideramos como irmandades composta por escravos aquelas em cujos compromissos havia a legislação expressa sobre a aceitação de cativos, ou seja, a apresentação da licença do proprietário, com por exemplo a art.2, do compromisso da irmandade do Rosário que diz que podem ser irmãos todas as pessoas de um outro sexo, que sendo de costumes honestos que irão por sua devoção concorrer com os seus bens e serviços para o maior esplendor do culto da Virgem N.Sra. do Rosário, e se for pessoa escrava deverá apresentar licença por escrito de seu senhor .(RIBEIRO, 2000, p. 73-74).

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Conforme citamos anteriormente, as irmandades abrangiam os variados grupos sociais

na sociedade brasileira (maranhense) do século XIX. Das confraria identificadas como

escravas existiam quatro registradas em nossa província.

A irmandade NSRa do Rosário (ereta da igreja de mesmo nome), a irmandade de Bom Jesus da Cana Verde (Igreja das Mercês), a Irmandade de Santa Efigênia (Igreja do Rosário) e irmandade de NSRa da boa Viagem (também na igreja do rosário).(RIBEIRO,2000,p.74).

Levando em consideração o acentuado número de escravos na província, apesar do

tráfico interprovincial, não deixa de ser estranho que só existissem quatro irmandades de

escravos Maranhão, isso se deve provavelmente ao fato de que somente as pessoas livres

podiam ter representabilidade jurídica, além de que boa parte dos cativos eram analfabetos

não podendo, portanto, lidar com atas, estatutos e outras coisas próprias do eixo burocrático

de qualquer instituição. Provavelmente existiam mais irmandades escravas, mas sem registro

legal.

Curiosamente, uma das irmandades de homens brancos tinha por devoção um santo

negro, São Benedito, não conseguimos identificar por qual motivo. Entretanto essa confraria,

sediada na igreja de Santo Antônio, assumiu dentre outros o compromisso de alforriar

escravos conforme citação:

Pelo juiz Dr. Marques Rodrigues,foi proposto à mesa o alvite seguinte:que para mais esplendor do culto do glorioso São Benedito,lembrava e mesmo pedia à Mesa que aceitasse e entendesse ser boa,a idéia de se alforriar no dia da festa do mesmo santo crianças do sexo feminino até a quantia de duzentos mil réis cada uma,promovendo-se para isso uma subscrição entre os irmãos do dito santo e mais fiéis devotos (RIBEIRO,2000.p.67-68)

Ações dessa natureza já são conhecidas, pessoas da elite social (o juiz Marques

Rodrigues) encabeçando instituições, nesse caso a irmandade de São Benedito, que

promoviam atividades (festejos,quermesses) ou se cotizavam para alforriar escravos,

geralmente menores e do sexo feminino, Omo no caso ou então adultos mas que,

posteriormente, deveriam ressarcir o seu “bem feitor” (o que não procede alusivo à irmandade

em questão). Mais uma vez a perspectiva era não ferir o tão propalado direito de propriedade.

No caso de Bom Jesus da Cana Verde, tratava-se de uma confraria cujo perfil

caracterizava-se como de escravos.

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Contudo, dessa mesma irmandade ereta na igreja das Mercês, deriva uma outra

entidade a:

Sociedade Beneficente Fim Humanitário sob proteção do senhor Bom Jesus da Cana Verde,que tinha por fim socorrer seus membros pro ocasião de moléstia ou morte e concorrer para resgate da liberdade dos que d’entre eles forem escravos.(RIBEIRO,2000.p.75-76)

A própria pesquisadora donde extraímos a citação acima, comenta que possivelmente

os participantes dessa entidade são membros da elite. Procuramos sem sucesso uma

documentação que nos informasse os nomes dos participantes da “Sociedade Beneficente Fim

Humanitário sob a proteção do senhor Bom Jesus da Cana Verde”,inclusive no seu próprio

estatuto, mas só encontramos o nome do “Irmão Vicente aposto de Miranda”, e do secretário

geral Padre Aniceto, sem qualquer outra informação sobre eles.

De qualquer forma o perfil muda pouco. A irmandade Bom Jesus da Cana Verde

parece ter um caráter mais corporativo na escolha de quem alforriar, mas seus membros em

nenhum momento estimulam a fuga ou qualquer outra atitude mais radical em prol da

abolição, mas duas irmandades que analisamos , inclusive na leitura dos estatutos, não há

nenhuma perspectiva de alarde, a colaboração no “processo abolicionista” limita-se em

angariar recurso para libertar escravos.

Sobre as demais irmandades de escravos que foram regulamentadas (Nossa Senhora

do Rosário, Santa Efigênia e Boa Viagem) nada encontramos que apontasse para qualquer

envolvimento como o “processo abolicionista”.

Encontramos no jornal O Diário do Maranhão uma pequena nota sobre um grupo

denominado “Apóstolos da liberdade”, cujo perfil alinha-se ao das entidades que estamos

analisando. Pelo nome, é provável que o grupo tenha um caráter religioso acentuado. No

entanto não encontramos qualquer registro desta agremiação, o que dificulta uma afirmação

mais consistente. Na maioria dos anúncios e artigos relativos aos Apóstolos da Liberdade

limita-se a agradecer a participação das pessoas que fizeram doações, por isto, enquadramos

este grupo no tópico anterior.

Sendo assim, estas irmandades que possuíam apenas um caráter religioso passam a

partir da década de 70, a contribuir com arrecadações para compra de cartas de alforria, que

irão contribuir com o processo abolicionista.

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2.4 – Uma Comparação

“Quilombo Rompimento” e “Quilombo Abolicionista”, é dessa forma que o

historiador Eduardo Silva diferencia as comunidades de escravos fugitivos no Brasil.

Sabemos pela leitura dos trabalhos historiográficos que os quilombos não eram isolados da

sociedade de onde fugiam, mas mantinham relações principalmente comerciais e afetivas com

escravos assenzalados, negros forros e até com homens ricos.

O quilombo denominado de rompimento é o tradicional, e relacionava-se com a

sociedade circundante, mas precisava manter um mínimo de sigilo dos seus “esconderijos” e

principalmente das suas lideranças, para que nos momentos mais críticos de investidas

militares das autoridades pudessem escapar. O quilombo chamado de abolicionista tinha um

outro perfil, ficava em locais bem conhecidos, e suas principais lideranças eram homens

muito bem relacionados com as autoridades, como por exemplo o imigrante português José

Seixas, que cultivava camélias em seu sítio no Rio de Janeiro, onde abrigava vários escravos

que escapavam dos seus senhores e encontravam lá um lugar seguro para se estabelecer.

Além de sua fábrica à vapor, Seixas investia pesado em terras na zona sul, possuía uma chácara no Leblon, onde cultiva flores com auxílio de escravos fugidos. Seixas ajudava os fugitivos e os escondia na chácara do Leblon, com a cumplicidade dos principais abolicionistas da capital do império, muitos deles membros proeminentes da Confederação Abolicionista. A chácara de Seixas era conhecida mais ou menos abertamente como “quilombo Leblond”, “quilombo Le Blon” ou “quilombo do Leblon”, então remoto e ortograficamente ainda incerto subúrbio à beira-mar. Era, digamos, um quilombo simbólico, feito para produzir objetos simbólicos. Era lá, exatamente, que Seixas cultivava suas famosas camélias, o símbolo por excelência do movimento abolicionista. (SILVA,2003.p. 13/14).

Analisando as memórias de Dunshee de Abranches, no livro O Cativeiro (1992),

encontramos algumas semelhanças em suas atividades com as dos quilombos abolicionistas.

O Clube dos Mortos, que depois tornou-se Centro Artístico Abolicionista Maranhense, já

citado por nós, ajudava na fuga de alguns escravos levando-os para um sítio de propriedade da

família dos Abranches no Bacanga, para logo em seguida encaminhá-los para o Ceará.

A esse tempo, nas matas do sítio São Jerônimo, antiga propriedade de meu Pai, no Bacanga, localizamos o Quilombo da Sumareira. Tiramos o nome de uma secular e gigantesca paineira que ali existia e viveu até 1934, quando tombou fulminada por um raio. Entre algumas de suas colossais raízes que,

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partidas do tronco, muito acima da superfície do solo, se projetavam a quatro metros de distância, formando perfeitos compartimentos, armavam-se redes para repousar à sesta. E, a pretexto da calçadas, ali se reunia de quando em vez o nosso grupo levando sal, fumo e café aos fugitivos, pois não lhes faltavam alimentos em tão ubérrimas terras, até que pudessem ir escapando para o Ceará e os seringais da Amazônia. Para isso, dispúnhamos de espiões e auxiliares preciosos. Era assim que, entre os catraeiros, contávamos com a dedicação cega do Caroba, crioulo alto, pachola e valoroso, tido como o primeiro remo da Baía de São Marcos. Narravam-se fatos fabulosos a seu respeito. Ninguém bordejava como ele; seu escaler registrava centenas de travessias entre a capital e Alcântara afrontando as vagas bravias da cerca. E, por ocasião das festas de São José de Ribamar, enquanto os seus companheiros palmilhavam as sete léguas tradicionais através da Ilha, ele, sozinho, desfraldava a vela do seu barco, galgava escolhos, correntezas e vagalhões e aportava sempre são e salvo às penedias onde se erguia a pequena ermida do seu milagroso padroeiro. (p.153-154)

Essas ações até certo ponto “subversivas”, eram realizadas por um Dunshee de

Abranches ainda muito jovem que nem sequer havia concluído seus estudos secundários. Em

pouco tempo foi mandado para o Rio de Janeiro, e bem antes de concluir a faculdade retorna.

Nesse momento é que foi fundado o Centro Artístico Abolicionista Maranhense, que teve a

colaboração de negros forros, mais deixou de realizar atividades mais exaltadas em favor da

abolição.

A primeira vez que por iniciativa de Francisco Nina, visitou nosso Diretório dos Cinco a sede do Centro Artístico Abolicionista Maranhense, tive a impressão de que os seus sócios eram grandes idealistas, porém fracos lutadores para nos ajudar nos atos revolucionários que vínhamos planejando. Em resposta à saudação calorosa que fiz, concitando esse valorosos maranhenses à luta contra o escravismo e à monarquia que chamei de irmãos siameses Vitor Castelo Branco declarou logo que para ele e seus colegas de ideais, “a forma de governo era indiferente: o que queriam, era dentro da lei a libertação de sua raça”. É possível que essa replica contivesse um pensamento mais sensato que o nosso, pois tinham esses operários mais experiência e mais idade do que os seus jovens visitantes. Mas o fato é que, à saída, todos nos confessamos decepcionados. (ABRANCHES, 1992.p.149)

Além disso, o sítio do Bacanga não produzia nada que se convertesse em lucro, e os

escravos ficavam lá somente de passagem, logo embarcando para o Ceará, e mesmo essas

fugas em viagens para outra província ocorreram apenas três vezes pelo que se tem notícia,

portanto é certo afirmar que se houve algum “Quilombo Abolicionista” no Maranhão não

encontramos qualquer documento que comprovasse.

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Voltando ao Rio de Janeiro, outra pessoa importante do livro de Eduardo Silva é a

princesa Isabel, para uns mera figura decorativa, que sem participação alguma no processo

que leva a abolição, dignou-se apenas a assinar a Lei Áurea, forçada pelo descontentamento

social com o escravismo. Durante anos alvo de crítica do movimento negro (13 de maio a

abolição que não liberta), e da historiografia brasileira da década de 19707, ou pelo menos

parte dela, a assinatura de lei áurea pela princesa Isabel deixou de ser festejada pelas

entidades que defendem a causa do negro no Brasil, em detrimento do 20 de novembro, data

da morte de Zumbi dos Palmares.

Mas nem todos concordavam com o binômio até certo ponto maniqueísta Zumbi X

Isabel. Nas Camélias do Leblon, Eduardo Silva ressalta não só a amizade de Isabel com o

movimento abolicionista, mas também atitudes de envolvimento com a causa, como “acoitar”

escravos fugitivos no palácio imperial e usar camélias na sua lapela de vestido, flor que aliás

como já mencionamos simbolizavam a causa e um dos maiores “quilombos abolicionistas” do

Brasil.

No trabalho de Eduardo Silva não há criticas ao movimento abolicionista, como

fizemos no primeiro capítulo. Expressões muito repetidas na literatura historiográfica atual

sobre abolição como “defesa do direito de propriedade”, só aparecem quando Rui Barbosa

propõe sua legitimidade por causa da lei de 1831 que proibia o tráfico atlântico. Embora

desobedecida, a lei nunca foi revogada, e nos acalorados debates da lei de 1885 Saraiva-

Cotegipe, mais conhecida como “sexagenários”, algumas lideranças do movimento

abolicionista, como o próprio Rui Barbosa e Joaquim Nabuco, chamavam a atenção para a

ilegalidade do escravismo quando todos os escravos acima de 54 anos já deviam ser livres.

Sabemos que Joaquim Nabuco era defensor de que a abolição deveria resolver-se no campo

político “entre civilizados” e não nas ruas ou com a participação do próprio escravo, mas esse

perfil não aparece na obra em questão.

O livro As Camélias do Leblon surge de maneira curiosa como sugere o próprio autor:

Devo confessar que o tema e a própria possibilidade de penetrar nesse “underground” romântico e subversivo surgiu por acaso, em 1998, quando notei a existência de três pés de camélia nos jardins da casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro. As camélias me pareceram imediatamente suspeitas, não porque eu tenha um olhar especial, mas simplesmente porque eu havia

7 Para um maior aprofundamento ver GORENDER , 1978.

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acabado de ler em algum alfarrábio do próprio Rui Barbosa sobre o valor simbólico das camélias, o ícone do movimento abolicionista radical. Através das camélias de Rui Barbosa, puxando o fio da meada, fui levado até o quilombo do Leblon, um quilombo especializado – para minha surpresa - na produção de camélias, e que exerceu um papel fundamental para o êxito da campanha abolicionista. (SILVA, 2003. p: 7)

No inicio do ano de 2006 um novo documento é encontrado, uma carta da princesa

Isabel ao visconde de Santa Victória, sócio do Barão de Mauá. Na missiva o visconde

comprometia-se em doar 2/3 dos seus bens oriundos do banco Mauá para um pretensioso

projeto, indenizar ex-escravos doando-lhes terras e instrumentos de trabalho donde tirariam

seu sustento. O documento comentado por vários historiadores, inclusive Eduardo Silva, foi

publicado na Revista Nossa História, no artigo intitulado “A princesa pioneira”, justamente

no mês de maio de 2006.

11 de agosto de 1889 – Paço Isabel.

Corte midi

Caro Snr. Visconde de Santa Victória Fui informada por papai que me collocou a par da intenção e do envio dos fundos de seu banco em forma de doação como indenização aos ex-escravos libertos em 13 de Maio do anno passado, e o sigilo que o Snr. Pedio ao prezidente do gabinete para não provocar maior reação violenta dos escravocratas. Deus nos proteja si os escravocratas e os militares saibam deste nosso negócio pois seria o fim do actual governo e mesmo do império e da caza de Bragança no Brazil. Nosso amigo Nabuco, além dos Snres. Rebouças, Patrocínio e Dantas, poderam dar auxilio a partir do dia 20 de novembro quando as Câmaras se reunirem para a posse da nova legislatura. Com o apoio dos novos deputados e os amigos fiéis de papai no Senado será possível realizar as mudanças que sonho para o Brazil! Com os fundos doados pelo Snr. Teremos oportunidade de collocar estes ex-escravos, agora livres, em terras suas proprias trabalhando na agricultura e na pecuária e dellas tirando seos proprios proventos. Fiquei mais sentida ao saber por papai que esta doação significou mais de 2/3 da venda dos seos bens, o que demonstra o amor devotado do Snr. pelo Brazil. Deus proteja o Srn. e todo a sua família para sempre! Foi comovente a queda do Banco Mauá em 1878 e a forma honrada e proba porém infeliz, que o Snr. e seo estimado sócio, o grande visconde de Mauá aceitaram a derrocada, segundo papai tecida pelos ingleses de forma desonesta e corrupta. A queda do Snr. Mauá significou huma grande derrota para o nosso Brasil! Mas não fiquemos mais no passado, pois o futuro nos será promissor, se os republicanos e escravocratas nos permitirem sonhar mais hum pouco. Pois as mudanças que tenho em mente como o senhor já sabe, vão além da liberação dos captivos. Quero agora dedicar-me a libertar as mulheres dos grilhões do captiveiro domestico, e isto será possível atravez do Sufrágio Feminino! Se a mulher pode reinar também pode votar. Agradeço vossa ajuda de todo meo coração e que Deos o abençoe!

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Mando minhas saudações a Madame la Vicomtesse de Santa Vitória e toda a família.

Muito d. coração ISABEL

“Um exame grafológico realizado por Fátima Argon, chefe do Arquivo Histórico do

Museu Imperial em Petrópolis, no estado do Rio de Janeiro, garante a autenticidade da

assinatura da carta” (LEAL, 2006, p. 78). O documento reforça a tese de que a abolição

corroborou na derrocada do império embora as afirmações “intuitivas” da princesa não

signifiquem um golpe premeditado da República em 1889. A carta também destaca-se porque

propõe uma indenização aos ex-cativos e o sufrágio feminino, num momento em que a

abolição já foi considerada uma afronta principalmente por não ter ressarcido aos senhores.

Vale lembrar que o debate sobre o processo emancipacionista onde Isabel deixa de ser

redentora e passa quase a vilã já é relativizado pela historiografia recente.

A carta de Isabel ao Visconde de Santa Victória ainda deve passar por muitos estudos

e não encerra o debate sobre o papel da princesa no processo abolicionista, muito menos do

envolvimento da elite ou dos próprios escravos na libertação formal que ocorreu em maio de

1888, contudo aponta para uma constante revisão do tema tornando-o mais instigante e rico

no levantamento de hipóteses e possibilidades.

Mesmo distante do capital do Império, ainda assim a província do Maranhão não

esteve alheia a todo esse processo, seja pela presença de letrados na corte, que foram

destacados membros do movimento abolicionista, ou pela ação dos que permaneceram e

construíram aqui o movimento a seu modo e que são os que mais nos interessam.

Certamente houve um grande envolvimento dos escravos, negros, livres e libertos na

abolição, mas nosso objeto de estudo foram os grupos organizados e institucionalizados que

envolveram-se na causa abolicionista. O perfil apresentado pelas lideranças envolvidas nos

movimentos pela emancipação dos escravos era um tanto “conservador”, seja de que classe

social fossem tinham a preocupação de alforriar o maior número possível de escravos, mas

quase sempre pagando por isso com quermesses, peças teatrais, rifas, ou qualquer outro tipo

de atividade financeira, cuja renda era destinada à libertar escravos. Contudo, estímulo às

fugas ou à resistência de maneira mais violenta ou pouco aconteceu ou não encontramos

documentação que comprovasse tal participação.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando iniciamos essa pesquisa, imaginávamos encontrar grupos engajados na luta

pela libertação dos escravos a exemplos dos “Quilombos Abolicionistas”, citados no final do

2º capítulo tivesse a coragem de enfrentar a sociedade escravista, exigindo que os cativos

fosse libertos imediatamente e sem nenhuma condição pré-estabelecida como a tal propalada

indenização, (como na proposta de Brandão Júnior).

Procuramos em jornais, romances, nos Annaes da Assembléia Legislativa do

Maranhão e documentos da Igreja, como nos estatutos das irmandades, mas nada

encontramos de mais radical na luta pela liberdade dos escravos na província do Maranhão.

Quando a campanha ganhou popularidade em todo império, até os republicanos que de início

tinham medo de perder adeptos entre a aristocracia tiveram que aderir, assim também

aconteceu no Maranhão, a euforia tomou conta da província, momento em que vários grupos

surgiram, mas numa perspectiva limitada e dúbia de ação.

O limite estava na ordem estabelecida, ou seja, esses grupos reivindicavam a liberdade

dos escravos, mas também a indenização dos seus senhores, poucos estimulavam as fugas e

muito menos as revoltas, sempre consideradas um perigo de tornar a província uma “barbárie”

como diziam os partidários tanto de conservadores como de liberais no período da Balaiada

(1838-1841).

Também era dúbia porque participar desses movimentos era importante para que

tivessem o status de civilizados, e algumas vezes até conseguiam tirar proveito financeiro da

situação, por tanto é difícil afirmar que esses movimentos eram autênticos em sua filantropia.

Nosso trabalho também é muito limitado no alcance das fontes, por isso devemos ser

cautelosos com as afirmações. Contudo, é bom ressaltar que pela pesquisa que fizemos e pelas

leituras da historiografia maranhense atual sobre temas alusivos à abolição não encontramos

nenhum autor ou autora que defendesse uma busca mais radical da abolição por parte da

população maranhense.

Esse mesmo caminho trilharam as irmandades religiosas, entidades como a Sociedade

Beneficente Bom Jesus da Cana Verde, embora fossem ligadas a uma confraria de escravos,

tinha pessoas mais abastadas como membros efetivos. Ainda mais curioso, é uma irmandade

de brancos cultuar um santo negro – como é o caso da Irmandade de São Benedito. As duas

foram similares em suas atividades: mais uma vez quermesses, novenas, festejos, leilões, e

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doações, e com o que arrecadavam compravam alforrias; no caso da Canna Verde até de

alguns dos seus membros, que depois devolviam o dinheiro. Fugas ou então enfrentamentos

mais diretos com os escravos não tinham vez na agenda desses grupos. É bem verdade que

essas irmandades são importantes para o próprio escravo como nos diz RIBEIRO (2000,p.

76):

As demais confrarias de negros, localizavam-se na “igreja de N. Senhora do Rozario pertencente à irmandade dos pretos, e por elles edificada” O reconhecimento da sociedade livre (e branca) da existência de um “lugar” pertencente aos escravos também foi conquistado devido à força da coesão grupal proporcionada pelas irmandades. Deste modo, mesmo que tenhamos localizado poucas irmandades de cativos, estas “davam aos negros a oportunidade de desabafar suas agruras, expressar suas necessidades e, até mesmo, tentar influir em seu futuro, procurando tornar suas vidas mais suportáveis”.

Em São Luís, quatro dessas entidades de escravos eram registradas, mas

provavelmente - devido ao número de escravos na capital maranhense - existiam mais

confrarias não contabilizadas juridicamente porque a condição de cativo não permitia. Ao

proprietário de escravos não era vetada a participação, cabendo-lhes geralmente funções

jurídicas, principalmente por causa do baixo nível de escolaridade dos escravos. Tudo isto

acabava permitindo aos senhores direcionar, pelo menos nessas irmandades registradas, ações

como as que já foram citadas.

É importante mais uma vez ressaltar que essas entidades, leigas ou religiosas, tinham

como fundamentos ideológicos que lhes serviam de base o Liberalismo, Positivismo e as

Teorias Raciais do século XIX.

Subjacente ao movimento abolicionista no Brasil e no Maranhão, havia uma

perspectiva ideológica (na verdade várias), porque além do ideal abolicionista existia o

republicanismo e as correntes de pensamento que o fundamentava, e em muitos casos uma

dava suporte à outra, como o positivismo, por exemplo:

A terceira corrente era a positivista, também de filiação francesa, não da Revolução, mas do filósofo Augusto Comte. Os positivistas eram os únicos que não previam papel ativo para o povo na República. Os protagonistas do regime seriam, no campo espiritual, os próprios positivistas, no campo material, os empresários. Os positivistas não admitiam direitos, apenas deveres. O dever dos empresários e o do Estado era cuidar do bem-estar do povo. (CARVALHO, 2005, p. 21)

Os positivistas, portanto, não têm muita simpatia pela participação do povo na vida

política do país, mas a desconfiança torna-se certeza quando fundamentada pela ciência. As

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Teorias Raciais do século XIX, literalmente consideravam negros e índios inferiores aos

brancos, mas eram mais pessimistas ao pensar no futuro de uma jovem nação onde a mistura

de “raças” é uma realidade muito evidente, o que torna mais delicada a situação, uma vez que

a ciência no século XIX considerava pior anda a mistura de “raças”. Restam os liberais que

defendiam a liberdade individual e de expressão. Nenhum dos dois combina com a

escravidão, mas como os cativos haviam sido comprados, apelavam para o direito de

propriedade.

No Maranhão, essas perspectivas ideológicas se entrelaçam nos discursos doe clérigos,

profissionais liberais, deputados e outros grupos sociais, dependendo dos interesses e do

espaço que ocupam. A Igreja, por exemplo, não é tão pessimista quanto a participação do

povo, mas reconhecia algumas deficiências, dentes elas a indolência, problema que os clérigos

achavam que poderiam resolver com o envio de missionários para o interior da província.

Já no parlamento, o que há de comum no discurso da maioria dos deputados é a

necessidade de contratar imigrantes, dado a indolência dos naturais da terra, são muitas as

reclamações com o governo imperial por privilegiar o sul em detrimento do norte, não só de

recursos materiais como também com o dinheiro para contratar a tão sonhada mão-de-obra

estrangeira, que quando chega ao Maranhão sofre o mesmo preconceito, o que também vai se

repetir com a chegada dos “cearenses” fugidos da seca.

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