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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS CURSO DE HISTÓRIA EMANNUELLE DE URSULINA RIBEIRO LIMA DIREITO A TERRA, MAS COM DIREITO À HISTÓRIA: a identidade quilombola como garantia de acesso a terra São Luís 2006

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE … · Em 1995, Munanga recupera a relação do quilombo com a África, afirma que o quilombo brasileiro é uma cópia do africano reconstruído

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO

CENTRO DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS

CURSO DE HISTÓRIA

EMANNUELLE DE URSULINA RIBEIRO LIMA

DIREITO A TERRA, MAS COM DIREITO À HISTÓRIA:

a identidade quilombola como garantia de acesso a terra

São Luís

2006

1

EMANNUELLE DE URSULINA RIBEIRO LIMA

DIREITO A TERRA, MAS COM DIREITO À HISTÓRIA:

a identidade quilombola como garantia de acesso a terra

Monografia apresentada ao Departamento de História e Geografia da Universidade Estadual do Maranhão, para obtenção da Graduação em História Licenciatura Plena.

Orientador: Prof. Alan Kardec G.P. Filho.

São Luís

2006

2

EMANNUELLE DE URSULINA RIBEIRO LIMA

DIREITO A TERRA, MAS COM DIREITO À HISTÓRIA:

a identidade quilombola como garantia de acesso a terra

Monografia apresentada ao Departamento de História e Geografia da Universidade Estadual do Maranhão, para obtenção da Graduação em História Licenciatura Plena.

Aprovado em: ___/___/___

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________

Prof. Alan Kardec G. P. Filho (Orientador)

_________________________________________

1º Examinador

_________________________________________

2º Examinador

3

A Bia e Zeca,

“Com muita saudade”

4

AGRADECIMENTOS

Ao Senhor Deus, pela vida e bênçãos em minha vida.

A Mamãe Bia e Papai Zeca pelo que foi possível, minhas melhores

lembranças.

A mãe Concita pelo incentivo, e ao meu padrasto “Senhor B”, pelo

respeito e educação, e aos seus filhos, principalmente Alessandra pela presença,

paciência e companheirismo.

A Belinha, Douglinha, Kaklito, Chico e Junior pelos momentos de alegrias.

A minha querida amiga-irmã Arcângela pela amizade, companheirismo,

sinceridade em tudo, por sua família: Mero, Francisca, Zé Pintinho, Marina, Seu Zé,

Dona Zima, Dona Guio.

A Elza pela amizade, incentivo e cuidado.

Aos meus amigos queridos Silvia, Wellington, Isa Maria, Germana,

Cadidja , Ronaldo e irmã Fátima.

Ao meu orientador, professor Alan pelo exemplo de comprometimento e

responsabilidade.

Ao professor Fábio pela pessoa sensível e sempre disponível a ajudar, o

meu muito obrigada.

Agradeço também aos meus professores do curso de História Adriana,

Alan, Beth, Fábio, Helidacy, Henrique, Júlia, Lourdinha, Marcelo, Paulo Rios,

Ximenes e Zanone, pelo exemplo que serviu de referência e incentivo nessa

caminhada.

5

“Articular historicamente o passado não significa conhecê-lo” como ele de fato foi. “Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no momento de um perigo”.

Walter Benjamin

6

RESUMO

Procura-se destacar os diferentes usos do termo quilombo e seus conceitos na

história do Brasil, enfatizando a discussão levantada a partir da Constituição Federal

em seu artigo 68. Busca-se também estabelecer um contraponto entre os impasses

ao entendimento do referido artigo, entre 1988 e 1998, bem como as dificuldades

para a sua aplicação, por se tratar de um dispositivo legal que demonstrou um

resultado inesperado ao Estado Federal, e que à medida do seu conhecimento, o

Estado procurou limitar sua aplicação através de ações jurídico-formais, como

veremos. O texto também discute a utilização da lei em benefício de comunidades

que, objetivando posse das terras que ocupam, omitem ou modificam partes de suas

histórias.

Palavras-chave: Quilombo. Artigo 68. Uso comum da terra.

7

ABSTRACT

Highlighting the different uses of the term “quilombo” and its concepts in the history of

Brazil is one of the concerns of this research, emphasizing the discussion raised in

the article 68 of the Federal Constitution. One looks for establishing a counterpoint

amongst the impasses toward the comprehension of the article mentioned, between

1988 and 1998, as well as the difficulties for its implementation, for it’s a legal device

that demonstrated an unexpected result to the Federal State and that, according to

its understanding, the State tried to limit its application trough legal and formal

actions as we will see. The text also discusses the use of the law for the benefit of

communities that, aiming the ownership of the land they occupy, omit or modify parts

of their history.

Keywords: Quilombo. Article 68. Common use of the land.

8

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................... 9

1 REVENDO A HISTÓRIA DOS QUILOMBOS ..................................... 11

2 POR UMA BUSCA OU ADEQUAÇÃO DE UM CONCEITO DE

QUILOMBO .........................................................................................

17

2.1 Artigo 68 ............................................................................................. 18

2.2 Ressemantização do termo Quilombo ............................................ 20

3 COMUNIDADES NEGRAS RURAIS E O USO COMUM DA TERRA 24

3.1 Tentativas de aplicação da Lei e Ação do Governo para limitá-la. 30

4 SANTO ANTÔNIO DOS PRETOS: um estudo de caso ..................... 34

4.1 Luta pela Terra ................................................................................... 34

4.2 Mudar para permanecer .................................................................... 36

4.3 Mudanças e permanências ............................................................... 38

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................ 40

REFERÊNCIAS ................................................................................... 42

9

INTRODUÇÃO

Com aprovação do Artigo 68 da Constituição Federal de 1988, o tema

quilombo ressurge no Brasil e sua reflexão acontece em diferentes segmentos da

sociedade e esferas de poder, em âmbito nacional. As reflexões levantadas estavam

orientadas pela necessidade de atender uma situação social criada pela inesperada

utilização da lei em processos reivindicatórios de terras.

Os primeiros dez anos (1988 – 1998) do Artigo Constitucional, quando da

sua aplicação, trouxe a lume uma gama de conflitos, entre eles, a própria noção de

remanescente, como algo em processo de desaparecimento, ou quilombo como uma

unidade isolada e auto-suficiente.

Assim, para atender à demanda por regularização fundiária a partir do

conceito de quilombo, foi necessário um esforço interpretativo do processo como um

todo por parte de intelectuais, Estado, Ministério Público, militantes e comunidades

envolvidas para a aplicabilidade jurídica do artigo, discussão que ainda não se

esgotou.

Diversas tentativas de regulamentação da lei, feitas em 1995, 1997, 1998

e 1999, indicam a premência que tem a regularização do artigo 68, mas até o

momento, todos se esbarraram na definição do fenômeno referido, no sujeito do

direito e nos procedimentos de titulação, responsabilidades e competências. Cada

um deles enfrenta forte discordância dos diferentes setores diretamente envolvidos,

principalmente dos grupos interessados e apontam a direção dos conflitos, que vão

desde a oposição às normas estabelecidas para as titulações, às pressões das elites

econômicas interessadas nas terras ocupadas pelas comunidades negras, passando

por disputas entre órgãos do governo que teriam atribuição para conduzir o

processo.

O presente trabalho está dividido em quatro capítulos. No primeiro,

propõe-se uma reflexão a respeito da história dos quilombos e como estes foram

discutidos pela historiografia; o segundo, esclarece como o dispositivo legal foi

votado e aprovado como parte das Disposições Transitórias, sem conhecimento da

parte dos que legislavam, acerca da realidade ou das implicações da realidade em

que a lei se faria aplicar. Discuto ainda a busca ou adequação (ressemantização) do

termo quilombo para atender diferentes realidades de formação de comunidades

10

que reivindicam terras. O terceiro discute a representação da terra e sua utilização

comum por comunidades rurais negras, enfatizando as ações governamentais, no

sentido de desqualificar ou limitar juridicamente a utilização do artigo 68 por estas. O

último capítulo, através de um estudo de caso de Santo Antônio dos Pretos - Codó

(Maranhão), discute a utilização da lei por uma comunidade que assume uma

história de formação ou identitária para garantir a posse da terra que ocupam há

anos, e como a identidade quilombola, reconhecida em 1997, tem contribuído para

modificações na organização desta comunidade.

11

1 REVENDO A HISTÓRIA DOS QUILOMBOS

A tarefa de fundamentar teoricamente a atribuição de uma identidade

quilombola a um grupo e, por extensão, garantir, ainda que formalmente, o acesso a

terra, pela utilização de um dispositivo constitucional1, trouxe a lume a necessidade

de redimensionar o próprio conceito de quilombo, a fim de refletir sobre várias

situações de ocupação de terras por grupos negros e ultrapassar a concepção de

fuga-resistência, impregnado no pensamento corrente2, quando se trata de

caracterizar essas comunidades.

Na atualidade, falar de quilombos e ou quilombolas no cenário político é

falar de uma luta política e, conseqüentemente, uma reflexão científica em processo

de construção, pois questões levantadas quando das primeiras tentativas de

aplicação do termo para identificar uma comunidade permanecem sem resoluções

claras.

A atividade de pensar a aplicação da categoria quilombola produziu um

campo de debate que colocou do mesmo lado diferentes áreas do saber,

movimentos e atores sociais na tarefa de tentar participar da definição do conteúdo

semântico que estaria sendo atribuído a essa categoria.

No Brasil, a partir de 1988, em razão do artigo 68 da Carta Constituinte,

quilombo tem sido tema de amplos debates quanto ao seu conceito e significado, no

entanto, quilombo sempre foi um tema que instigou o imaginário político.

Com a redemocratização do Brasil, após a ditadura militar, a “sociedade

agora estava aberta” a debates que o período militar havia abafado. Permitiu

também a reorganização de vários movimentos sociais, como o movimento negro, e

inserção de discussões referentes à política de conflitos que foram suprimidos ou

inviabilizados pela perseguição e exílio de muitos militantes.

Ainda nesse período a relação entre movimento negro e Estado se da no

plano da cultura, porém duas novas questões se firmaram nas discussões do

Movimento Negro, que foram importantíssimas para o debate sobre escravidão no

Brasil e resistência negra a ela, além da superação de alguns marcos cristalizados

1 Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988, que assim dispõe: Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida à propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.

2 Isolamento social e geográfico de quilombos.

12

pela história tradicional. Assim, desde então, discute-se, dentro do movimento, em

uma perspectiva de que a liberdade declarada em 1888 não foi consentida, mas

conquistada e que a abolição não alterou a situação de fato da população negra no

Brasil, que permaneceu excluída dos mais elementares direitos do cidadão.

A expressão “quilombo” tem sido sistematicamente usada desde o

período colonial. Quilombo é um conceito próprio dos africanos bantos que tem sido

modificado através dos séculos “[...] Quer dizer acampamento guerreiro na floresta,

sendo entendido ainda em Angola como divisão administrativa [...]” (LOPES;

SIQUEIRA; NASCIMENTO, 1987, p.23).

O Conselho Ultramarino Português de 1740 definiu quilombo como toda

habitação de mais de cinco negros fugidos, em parte desprovida, ainda que não

tenham ranchos levantados nem se achem pilões. Indica, também, uma reação

guerreira a uma situação opressiva.

Birmigham (1974 apud LEITE, 2002) sugere que o quilombo se origina na

tradição Mbunda, através de organizações clânicas e que suas linhagens chegam

até o Brasil através dos portugueses.

Em 1995, Munanga recupera a relação do quilombo com a África, afirma

que o quilombo brasileiro é uma cópia do africano reconstruído pelos escravizados

para se opor a uma estrutura escravocrata, pela implantação de uma outra estrutura

política na qual se encontravam todos os oprimidos.

Lopes, Siqueira e Nascimento (1987) associam a semântica do termo à

tradição popular no Brasil. Há muitas variações no significado do termo, ora

associado a um lugar, ora ao povo que vive neste lugar, ou a manifestações

populares: (festas de rua), ou ao local de uma prática condenada pela sociedade

(lugar público onde se instala uma casa de prostituição), ou há um conflito.

A primeira definição de quilombo, no Brasil, se dá no corpo das

legislações colonial e imperial de uma forma explicitamente indefinida, que buscava

abarcar sob um mesmo instrumento repressivo, bastando, para sua caracterização,

a reunião de cinco (colonial) ou três (imperial) escravos fugidos, formassem eles

ranchos permanentes (colonial) ou não (imperial). (ALMEIDA, 1996). Viana (1973) o

classificou como um dos três grandes inimigos da ordem pública, ao lado dos índios

selvagens e dos grandes potentados rurais. Combinada ao franco desconhecimento

sobre sua realidade histórica fez dele um tipo de evento pronto a reapropriações,

desde pelo menos o início do século XX, que serviram para pensar questões cujas

13

implicações simbólicas tenderam a obscurecer as que lhes eram vizinhas, talvez

mais, as estritamente historiográficas, entre as quais as relativas às condições que

estimulavam a fuga e a constituição de quilombos, as táticas de defesa e repressão

aos quilombos, sua demografia, economia e suas relações com a sociedade.

Os elementos recorrentes na produção de uma literatura que contempla o

tema tem na resistência cultural o ponto central. Pergunta-se em que medida foi ou

buscaram ser reproduções do modo de vida africano e se sua organização social e

estruturas de poder reproduzem aquelas das tribos africanas operando como meio

de resistência cultural.

Em 1905, Nina Rodrigues, referindo-se a Palmares, caracteriza quilombo

como uma forma de persistência da África no Brasil, um retorno à “barbárie africana”

(RODRIGUES, 1977, p. 93).

Ramos (1942, p.137), pouco mais tarde, apresenta-o como um fenômeno

“contra-aculturativo” que surgia como reação à desagregação cultural que o africano

sofreu sob o regime de escravidão. Nesse caso, os trabalhos voltados ao tema

oscilam entre a interpretação histórica e aos temas e conceitos da antropologia. Isso

fica mais claro na obra de Edson Carneiro, publicado no Brasil em 1947 e de grande

influência em trabalhos posteriores sobre o assunto.

“Os quilombos, desse modo, foi um fenômeno contra-aculturativo, de

rebeldia contra os padrões de vida impostos pela sociedade oficial e de restauração

dos valores antigos” (CARNEIRO, 1988, p. 14, grifo do autor).

Outro elemento recorrente diz respeito à forma nas quais classes

populares se comportaram frente à ordem dominante. Nesse caso, o foco está nas

relações de poder que o quilombo se presta a representar.

Sobre esse aspecto, identificamos três momentos e intérpretes que se

apropriaram do termo quilombo como metáfora política.

Se a resistência cultural ao traduzir-se como fenômeno contra-aculturativo

e de africanismo encontrava uma genealogia acadêmica, mais tarde apropriado pelo

movimento negro, o tema quilombo como resistência política nasce e se reveste da

crítica e protesto político.

Na primeira edição brasileira do livro de Edson Carneiro3 sobre o

quilombo de palmares, a apropriação simbólica que o autor faz de Palmares como

3 Intelectual engajado na luta contra o Estado Novo, associava o tema do quilombo de Palmares à capacidade de luta do povo pela liberdade. Carneiro não consegue publicar sua obra no Brasil

14

símbolo político não se manifesta expressamente em sua interpretação. Ela está

entornada no debate sobre a “compreensão do mundo africano entre nós”. Essa

conversão da metáfora em interpretação histórica, como anunciado por Carneiro, se

realizaria nas interpretações de fins dos anos 50, vindo associada à ascensão dos

movimentos de esquerda e à difusão do arcabouço marxista na historiografia e

Ciências Sociais no Brasil. Surgem, então, os trabalhos de Moura (1972) e Freitas

(1990), entre outros, nos quais quilombos e revoltas escravas passam a figurar como

assunto de destaque. Assim, ao mesmo tempo em que se considerava um tipo de

interpretação sociológica da história do negro no Brasil que tinha como ponto central

a crítica à ideologia da democracia racial, esses trabalhos enfatizavam o aspecto

ativo da população escrava, no qual os quilombos passam a estar associados

definitivamente ao tema resistência política.

Nessa visão, as abordagens anteriores pecaram em atribuir aos escravos

aquilombados apenas o objetivo de preservar sua herança africana, sem referência

a sua luta contra uma situação escrava, além do seu sistema econômico e social.

“Não perceberam o conteúdo político e revolucionário nas revoltas escravas”

(FREITAS, 1990, p. 12).

Nas análises de Moura, os destaques são as táticas de luta e fugas

utilizadas e várias vezes associadas ao modelo das “guerras de guerrilha”. Em

função dessa estrita referência marxista a que o tema era submetido, os debates

algumas vezes ficaram por conta de determinar qual seria a “forma superior de luta

contra a escravidão”. As chamadas formas “passivas” (má qualidade do trabalho,

suicídio etc), ou as formas “ativas” (insurreição, assassinatos de senhores e feitores

etc) (MAESTRI, 1994).

Apesar das importantes contribuições desses trabalhos, eles acabaram

por colocar numa camisa-de-força interpretativa, que não dizia tanto sobre os

fenômenos históricos em si mesmos quanto sobre os usos políticos que se lhes

desejava atribuir.

Em “O Quilombismo”, Nascimento (1980) buscou dar uma tese “histórico-

humanista” ao sentimento e experiência quilombola, (movimento social de

resistência física e cultural da população negra que se estruturou não só na forma

dos grupos fugidos para o interior das matas na época da escravidão), além de um

(1944). Considerado um tema inoportuno à época, o livro foi editado no México (1946) e no Brasil em 1947, depois da Era Varguista, por iniciativa de Caio Prado Junior (VIEIRA, 1973).

15

sentido bastante ampliado, na forma de todo e qualquer grupo tolerado pela ordem

dominante em função de suas declaradas finalidades religiosa, recreativa,

beneficentes etc.

“Quilombo não significa fugido. Quilombo quer dizer reunião fraterna e

livre, solidariedade, convivência, comunhão existencial” (NASCIMENTO, 1980, p.

267).

O autor propôs que o quilombismo fosse adotado como um projeto de

“revolução não violenta” dos negros brasileiros, que teria por objetivo a criação de

uma sociedade marcada pela recuperação do “comunitarismo da tradição africana”.

Esse conteúdo simbólico deveria ser atribuído aos quilombos enquanto palavra de

ordem do “verdadeiro movimento revolucionário negro”.

Em novembro de 1981, a Igreja Católica, através da “Missa dos

Quilombos”, formalmente pede perdão pelo posicionamento histórico da instituição

diante da escravidão negra no Brasil, principalmente aos negros aquilombados,

reconhecidos como os maiores inimigos da empresa cristã durante séculos.

Na mesma linha de reapropriação do simbolismo quilombola, o foco da

missa não era apenas a memória histórica, mas, sobretudo, um estilo de vida

presente, que se fazia resistente e deveria ser reconhecido como tal para que

pudesse se transformar em uma “luta cultural” consciente de si mesma: “Quilombo

no Brasil é atualidade, não passado“ (HOORNAERT, 1982, p.12).

No plano do Estado, ainda acompanhado de uma afinidade cultural,

começou-se a gestar uma discussão em torno dos monumentos negros, bem como

dos seus tombamentos.

Uma outra interpretação dada ao quilombo pode ser percebida no final da

década de 1970 e início de 80, quando o movimento negro, reorganizado, se

reapropria do tema como ícone da “resistência negra”.

É interessante perceber como no interior da reapropriação existem duas

leituras que apesar de não contraditórias, são distintas e abrem espaço para

contradição. De um lado, fala-se em contemporaneidade quilombola, de outro, em

sua historicidade.

No momento da aprovação do artigo constitucional 68, não foram feitas

maiores distinções entre os dois termos, pois tal discussão fora abafada ou não

percebida devido à euforia das comemorações pelo centenário da abolição ou,

talvez, pelo próprio desconhecimento ou falta de interesse dos que legislavam sobre

16

o artigo (HASEMBALG, 1992). A contradição dos termos só seria discutida, ou

mesmo percebida, quando se reivindicou a aplicação do referido artigo, e veio a

lume múltipla contradição, lacunas teóricas e conceituais que a falta de um debate

bem informado entre os que aprovaram a lei ocasionou.

17

2 POR UMA BUSCA OU ADEQUAÇÃO DE UM CONCEITO DE QUILOMBO

A história do afro-brasileiro, em particular do camponês, demanda a

compreensão de um tempo de existência que diz respeito ao grupo, ao seu passado,

à sua origem, que nos é contada por fragmentos.

Suas trajetórias de vida expressam uma constante e permanente luta

pelas terras que ocupam.

Desde a instalação do sistema escravista no Brasil, ainda no período

colonial, foi denso o fluxo de africanos para o interior dos engenhos e fazendas. Até

1850, ano da Lei de Extinção do Tráfico de Escravos, cerca de 700 mil africanos

chegaram ao Brasil para serem escravizados. O fim da escravidão formal só viria a

ser decretado em 1888, quando ficou redefinida a questão fundiária à luz da Lei de

Terras e quando se efetuou, de forma vigorosa, a imigração de trabalhadores

europeus.

Na primeira Lei de Terras nº 601 de 1850, escrita e lavrada no Brasil,

exclui os negros e seus descendentes da categoria de brasileiros, situando-os em

uma categoria à parte, denominadas de “libertos”.

Desde então, atingidos por todos os tipos de racismo, arbitrariedades e

violência, os ex-escravos sofreram tentativas ou foram sistematicamente expulsos

ou removidos dos lugares em que viviam, mesmo quando a terra chegou a ser

comprada ou herdada de ex-senhores, através de testamentos lavrados ou não em

cartório. Decorre dessa condição que, para eles, o simples ato de apropriação do

espaço para viver passou a significar um ato de luta ou guerra. Na atualidade,

quilombo para esta parcela da sociedade brasileira, historicamente excluída dos

mais elementares direitos, é um direito a ser reconhecido e não um passado a ser

rememorado.

Como já mencionado, o debate sobre o reconhecimento da propriedade

de terras a comunidades remanescentes de quilombos, depois do artigo 68 da

Constituição Federal, ganha o cenário político nacional, com a criação de novos

sujeitos sociais e de ações e políticas de reconhecimento. Desde então, delineiam

se novos questionamentos sobre identidade que perpassam as lutas por cidadania.

O ato de reconhecimento jurídico produziu novos sujeitos sociais,

etnicamente diferenciados pelo termo quilombo, além de ser inovador no plano do

18

direito fundiário. A Lei produziu, também, um efeito inesperado devido ao movimento

social utilizar-se das brechas que nesta havia, produzindo um importante e eficaz

instrumento na luta pela posse de terras, contrariando sua formulação inicial,

pensada e votada em uma perspectiva que contemplaria o aspecto das

manifestações culturais.

2.1 Artigo 68

Portanto, torna-se necessário comentar as condições em que o artigo 68

foi votado. De início, os formuladores da lei não possuíam elementos suficientes

para que pudessem prever os efeitos da lei.

Em sua formulação e votação, percebem-se pressupostos obscuros e

confusos e um conhecimento bastante limitado da realidade que nele se faria

representar, além de uma discussão que em momento algum apontou para o futuro,

mas sempre para o passado (SILVA, 1997).

Um fato curioso, o ato que institui o direito à terra a remanescentes de

quilombos foi o mesmo que criou tal categoria, ou seja, o objeto da lei não é anterior

a ela o direito cria o seu próprio sujeito (ARRUTI, 2002).

A militância negra da época (1988) tinha mais dúvidas que certezas com

relação ao artigo4 que seria aprovado e seu texto final teria sido resultado de um

esgotamento de tempo e das referências de que o movimento dispunha para o

debate, mais do que qualquer consenso sobre o assunto.5

De acordo com os registros do Diário da Constituinte6, a proposta do

artigo teria sido matéria de uma discussão pobre. A formulação inicial era a seguinte:

4 Isso é confirmado no depoimento de um militante do Movimento Negro do Maranhão, segundo o qual assessores da Deputada Benedita da Silva teriam entrado em contato com o Centro de Cultura Negra para recolher propostas, “mas foi uma coisa muito de repente [e] eu mesmo não tinha nenhuma discussão preparada para isso”. Entrevista com Ivo Fonseca, componente da Articulação Nacional de Remanescentes de Quilombos e representante desta no Maranhão.

5 Flávio Jorge “Seminário: Direitos Territoriais” (LEITÃO, 1999). 6 Dados retirados da compilação realizada por Dimas Salustiano da Silva, das propostas de emendas

e dos pareceres sobre elas, registrados no Diário da Constituinte.

19

Acrescente, onde couber, no Título X (Disposições transitórias), o seguinte artigo: Fica declarada a propriedade definitiva das terras ocupadas pelas comunidades negras remanescentes de quilombos, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos. Ficam tombadas essas terras bem como documentos referentes à história dos quilombos no Brasil (SILVA, 1997, p. 14).

Para José Carlos Sabóia7, o artigo 68 teria sido incorporado à Carta

Constituinte “no apagar das luzes” e numa formulação “amputada” em função de

intensas negociações políticas com o Movimento Negro. Um assessor dessa

comissão8 afirmou que o artigo teria sido algo improvisado, sem uma proposta clara

e original, sem maiores discussões posteriores e com um claro desconhecimento do

problema social implicado no tema.

A decisão teria passado principalmente pela avaliação de que seria

necessário lançar mão do “momento propício”, segundo o movimento negro, mesmo

que não se soubesse ao certo o que se estava fazendo aprovar:

Tanto o desconhecimento sobre a realidade fundiária de tais comunidades por parte dos constituintes, quanto o contexto de comemoração do centenário de abolição (‘nós vinculamos que quem votasse contra o artigo 68 poderia levar a pecha de racista’), formaram um caldo ideológico que permitiu o surgimento de tal lei (LEITÃO, 1999, p. 29).

O termo inicialmente proposto “comunidades negras remanescentes de

quilombos” manteve-se em duas das três emendas modificativas, que não

manifestavam qualquer dúvida de compreensão sobre o sentido da expressão

proposta, ainda que, no momento da aprovação do artigo 68, sua alteração para

“remanescentes das comunidades dos quilombos”, fosse estabelecida sem que sua

razão tenha sido explicitada.

Nessas modificações, ficaram claras duas divergências: uma relativa à

conceituação das comunidades que seriam objeto do artigo e outra relativa ao objeto

do reconhecimento. Com relação à primeira, agregava o qualitativo de “antigos” ao

termo quilombos, para reforçar o vínculo histórico, já apontado pela noção de

“remanescentes” (MARIM, 1995). Quanto à segunda limitava o reconhecimento aos

direitos culturais, propondo simplesmente o tombamento das terras, excluindo o

7 Deputado e antropólogo, integrante da Comissão de Índios, Negros e Minorias. 8 Olympio Serra, ex-diretor do Parque Xingu, do Instituto do Patrimônio Cultural, ex-coordenador da

ONG Mata Virgem, ex-presidente do Conselho Geral do Memorial Zumbi, ex-funcionário da Fundação Cultural Palmares.

20

reconhecimento da legitimidade das posses daquelas comunidades e sua titulação

pelo Estado (ALMEIDA, 1995).

Assim, fica a impressão que, na realidade, na temática da população

negra, o campo cultural representa o limite permitido ao reconhecimento público e

político (ARRUTI, 2002).

Logo, o texto constitucional não veio para mudar a situação de

comunidades negras envolvidas em conflitos e muito menos compensar situações

de violência, abandono, exploração, marginalidade vividas pelos africanos e seus

descendentes no Brasil, mas terá essa função, na medida que for utilizada pelo

movimento social, na esfera jurídica, a fim de reivindicação de terras por

comunidades negras ou não rurais.

A respeito da suposta intencionalidade do legislador, é preciso agregar a

análise de diversas referências formadas pelas sucessivas conversões simbólicas a

que o termo quilombo estava sendo submetido ao longo das reformulações

ideológicas e políticas que alimentaram as décadas de 70 e 80. Mesmo que os

participantes diretos da formulação e aprovação do texto desconhecessem o

conceito que criavam, estes estavam referidos a convenções simbólicas do termo.

Depois de aprovado o artigo, ainda será uma mistura de referências

produzidas até então sobre quilombos que orientará as primeiras iniciativas de

aplicação da lei. Foi o momento onde se evidenciará o conflito causado pelas

contradições de termos e conceitos utilizados sem discussões ou distinções prévias

e com referências em estudos. Assim, a realidade de conflito, surgida quando da

aplicação do artigo 68 evidencia a contradição contida nos significados, já citados,

dos quilombos contemporâneos e históricos.

2.2 Ressemantização do termo Quilombo

No início dos anos 90, a Fundação Cultural Palmares (FCP)9 propôs a

definição para quilombo que serviria de base a qualquer trabalho futuro. Segundo

essa definição:

9 Órgão do Governo com a finalidade de reconhecer as comunidades remanescentes de comunidades quilombolas, criado por Lei Federal nº. 7.668, de 22/08/88.

21

“Quilombos são sítios historicamente ocupados por negros que tenham

resíduos arqueológicos de sua presença, inclusive a áreas ocupadas ainda hoje por

seus descendentes, com conteúdos etnográficos e culturais” (REVISTA ISTO É,

1990, p.34).

As primeiras iniciativas da FCP em responder às demandas que

apareceram com a aplicação do artigo constitucional se deram por meio da

constituição de uma Subcomissão de Estudos e Pesquisas (formada por técnicos da

FCP, Instituto Brasileiro de Patrimônio Cultural (IBPC) e por uma comissão

interministerial), que tinha a tarefa de: “Identificar, inventariar e propor o tombamento

daqueles sítios e populações que descendem da cultura afro-brasileira, que deverão,

após o laudo antropológico, ser “reconhecidos como remanescentes de quilombos

através da FCP, tão logo se regularize o artigo 68”10 (ABA, 1994).

Em 1994, no seminário “Conceito de Quilombos”, realizado pela FCP, foi

apresentada uma visão distinta do que havia sido pensado até então. O tema deixa

de ser pensado como assunto exclusivo dos técnicos dos órgãos oficiais para tornar-

se matéria de debate acadêmico. Ali, Moura (1994), uma das responsáveis pela

formulação e implantação do artigo 68, lança mão da noção de “quilombos

contemporâneos” para caracterizar as comunidades a que se refere à lei, como:

Comunidades negras rurais que agrupam descendentes de escravos [que] vivem da cultura de subsistência e onde as manifestações culturais têm forte vínculo com o passado ancestral. Esse vínculo com o passado foi retificado, escolhido pelos habitantes como forma de manter a identidade (MOURA, 1994, p.28).

No mesmo ano, um grupo de trabalho sobre comunidades negras rurais

da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) anunciou uma interpretação

científica que se tornaria dominante para ampliação da noção de quilombo e

possibilitaria o alcance da lei a outras comunidades rurais com formação distinta. O

Grupo Trabalho (GT) propôs a ressemantização do termo quilombo, como grupos

que desenvolveram práticas de resistência na manutenção e reprodução de seus

modos de vida característicos num determinado lugar, cuja identidade se define por

uma “referência histórica comum, construída a partir de vivências e valores

partilhados”.

10 Ofício do Diretor de Estudos, Pesquisas e Projetos ao Subprocurador da República.

22

Entre a posição dos técnicos da FCP, de Moura (1994) e da ABA (1994),

ou seja, entre uma concepção patrimonialista e outra que, sem abdicar de uma

“afinidade eletiva” com a esfera cultural a converte de reminiscência histórica em

afirmação étnica, houve um percurso conflituoso, onde o quilombo foi submetido a

uma série de reapropriações simbólicas, inclusive no plano acadêmico. Mas a

utilização científica de “quilombo” não seria sustentada com um simples golpe de

interpretação. Ela ganha um estatuto de uma ressemantização porque recuperava e

reinterpretava uma série de estudos que vinham sendo realizados desde os fins dos

anos 70 sobre “comunidades negras e indígenas camponesas, representadas em

maior ou menor medida naquela reunião” (ARRUTI, 2002, p.26).

A retomada desses trabalhos, a partir das comemorações do centenário

da abolição, segundo Almeida (1999), não é linear e ainda que neles as temáticas

anteriores continuassem presentes, os focos dos debates parece terem se

deslocado definitivamente do “modelo palmariano” (marcado pela idéia-força de

contra-aculturação e reprodução do mundo africano, lutas de classes, isolamento e

autonomia), para a descrição de uma ampla variedade de situações concretas,

historicamente documentadas. Segundo Reis e Gomes (1996), tais estudos se

renovaram na medida em que, além de investirem sobre conjuntos documentais

inéditos (de manuscritos à fonte oral), adotaram uma tendência recente em estudos

sobre a escravidão, que incorpora ao estudo histórico uma abordagem antropológica

dos aspectos simbólicos e rituais do social.

O argumento que defende a ressemantização do termo quilombo para

afirmar sua contemporaneidade entre os remanescentes recorre a uma afirmação de

uma identidade coletiva definida pela “referência histórica comum, construída a partir

de vivências e valores partilhados” (ABA, 1994, p.12).

Esse conceito viria de encontro à necessidade de romper com o “ato

dissimulado de imposição” de um significado para quilombo que reproduziria

acriticamente a legislação repressiva do século XVIII ou as idealizações de um

movimento negro profundamente referido ao modelo do Quilombo de Palmares. No

entanto, o que se propôs foi o reconhecimento das novas dimensões do significado

atual de quilombos, que tem como ponto de partida situações sociais específicas e

coetâneas caracterizadas, sobretudo por instrumentos político-organizativos, cuja

principal finalidade é a garantia da terra e afirmação de uma identidade própria.

Assim, o artigo 68 teria como ponto de partida a autodefinição e as práticas dos

23

próprios interessados ou daqueles que potencialmente podem ser contemplados

pela ampliação da lei “reparadora” dos danos históricos (ALMEIDA, 1996).

Na passagem do racial ao étnico, os signos de distinção teriam seus

sinais invertidos para assumirem um sentido de solidariedade e identificação. Dessa

forma, um grupo distinto por suas características ditas raciais, se tornaria grupo

étnico a partir do momento em que, aceitando a distinção que lhe é imposta pela

maioria, passa a utilizar-se politicamente dela na formação de agrupamentos

autônomos ou com interesses e reivindicações comuns.

Assim, a ressemantização do termo quilombo implica a abandono não só

do sentido atribuído pela legislação colonial, como da simbologia que lhe foi

historicamente caracterizado. Ele já não é uma afirmação africana além-mar, nem

instrumento de uma contra-aculturação ou efeito de um fenômeno da luta de classes

e projeto de uma nova sociedade. Eles são resultados de conflitos fundiários

bastante localizados e datados, ligados à decadência das plantations das regiões de

colonização antiga.

24

3 COMUNIDADES NEGRAS RURAIS E O USO COMUM DA TERRA

Uma das primeiras pesquisas sistemáticas sobre comunidades negras

rurais foi desenvolvida no Maranhão em 1988, tendo por referência o texto “Terras

de preto, terras de santo, terras de índio: uso comum e conflito”. O autor lança mão

de trabalhos dos fins dos anos 70 e início de 80. No texto, terras de uso comum são

caracterizadas, como:

Situações nas quais o controle dos recursos básico não é exercido livre e individualmente por um determinado grupo doméstico de pequenos produtores diretos, ou por um de seus membros. Tal controle se dá através de normas específicas instituídas para além do código legal vigente e acatadas de maneira consensual [pelos] vários grupos familiares, que compõem uma unidade social (ALMEIDA, 1989, p.163).

Nesses casos, são os “Laços solidários e de ajuda mútua [que] informam

um conjunto de regras firmadas sobre uma física considerada comum, essencial e

inalienável” (ALMEIDA, 1989, p. 163).

Por um longo tempo, as terras de uso comum permaneceram sem

qualquer análise elaborada por serem consideradas pelo Estado e academia como

formas atrasadas, medievais de uso da terra, portanto, fadadas ao desaparecimento

(ALMEIDA, 1989). Apesar dessa visão fortemente marcada pelo viés evolucionista,

essas formas de uso da terra permaneceram e se converteram em objeto de luta e

mobilização política.

Esse uso da terra é submetido a uma série de variações locais que

ganham conceituações distintas, segundo diferentes formas de auto-representação

e autodenominações dos segmentos camponeses, tais como Terras de Santo,

Terras de Índios, Terras de Irmandade, Terras de Parentes, Terras de Herança e

Terras de Preto. Este último compreenderiam “aqueles domínios doados, entregues

ou adquiridos com ou sem formalização jurídica, por famílias de escravos”. Esses

domínios teriam origens diferentes, como nas concessões feitas pelo Estado em

retribuição à prestação de serviços guerreiros; permanência de ex-escravos em

terras de antigos senhores (obedecendo a regras de uso comum), por meio de

aforamento de valor simbólico, como forma de não abrir mão de seu direito formal à

propriedade e nos

25

Domínios ou extensões correspondentes a antigos quilombos e áreas de alforriados nas cercanias de antigos núcleos de mineração, que permaneceram em isolamento relativo, mantendo regras de uma concepção de direito que orientavam uma apropriação comum de recursos (ALMEIDA, 1989, p. 174).

No seminário da FCP de 1994 e no IV Encontro das Comunidades Negras

Rurais, promovido no início de 1995, pelo Projeto Vida de Negro, pela primeira vez o

tema foi “Quilombos e Terras de Preto no Maranhão”. Isso permitia a reivindicação

do alargamento do sentido literal do artigo 68, que se baseava em uma

reapropriação político-simbólica do termo quilombo.

Na atualidade, quilombo está relacionado não ao que o grupo de fato foi

no passado, mas à sua capacidade de mobilização para negar ou aceitar um

passado, a fim de reivindicar “cidadania”.

Existe, pois, uma atualidade dos quilombos deslocada do seu campo de significação original, isto é, da matriz colonial. Quilombo se mescla com conflito direto, com confronto, com emergência de identidade [...]. O quilombo possibilidade de ser constitui numa forma mais que simbólica de negar o sistema escravocrata [...]. A reivindicação pública do estigma ‘somos quilombolas’, funciona como uma alavanca para institucionalizar o grupo produzido pelos efeitos de uma legislação colonialista e escravocrata (ALMEIDA, 1996, p. 17).

Então, “remanescentes de quilombos” e “terras de preto” passam a estar

associados por uma genealogia que vincula a intenção do legislador à militância

camponesa pelo reconhecimento de formas especiais de uso da terra até então

ignorados pelos instrumentos de cadastro e intervenção do Estado. Seu ponto de

origem remeteria a meados dos anos 80, período do processo de redemocratização,

período de retomada das discussões sobre uma reforma agrária ampla e

democrática11.

O Maranhão, junto com o Pará, foram os Estados de maior número

levantado de comunidades negras rurais e onde as organizações desses

agrupamentos autodenominadas tiveram maior repercussão e que aconteceram

mais cedo. No Maranhão, a organização de informações e dos próprios grupos

rurais teve início em 1986, quando os militantes do Centro de Cultura Negra (CCN)

começaram a visitar agrupamentos de negros no interior do Estado para articular o I

11 Período de vigoroso avanço do movimento camponês. Frente a essa mobilização e a renovação de seus quadros políticos, o Ministério da Reforma Agrária e os órgãos fundiários a ele ligados foram obrigados a reconhecer a existência desse tipo de posse que não se encaixava nas categorias utilizadas pelos órgãos governamentais (ALMEIDA, 1999).

26

Encontro das Comunidades Negras Rurais do Maranhão, visando às discussões

relativas à redação da nova Carta Constitucional Federal.

O avanço do Movimento Negro Rural Quilombola desses Estados e sua

influência na Conjuntura Nacional foram excepcionais, pois a organização da

ARTICULAÇÃO DE REMANESCENTE QUILOMBOS, sediada no Maranhão,

contribuiu para a interpretação e argumentos produzidos para dar conta das

situações ali existentes alcance uma projeção e domínio semelhante.

Então, é difícil encontrarmos uma comunidade que diga ’eu sou quilombola’. Só quando há autoconhecimento, auto-discussão com o movimento negro, quando há trabalho de base – aí sim, você vai encontrar. Mas numa comunidade que nunca foi visitada, que seja pouco acessível ou pouco conhecida, jamais vai dizer que lá é um quilombo. [...]. Eu digo que sou quilombola, porque é resultado do movimento negro ‘Com pesquisa e documentos’, conseguimos documentos desde 1792 e eles explicam para agente que naquela época existiam quilombos naquelas localidades. Vimos, então, que ali existia um quilombo, porque eu não acredito que naquela época todos nós fossemos do fazendeiro, alguém era revolucionário e minha família era revolucionária porque eu sou revolucionário, então por isso eu sou um quilombola12 (QUILOMBOS..., 2000, p. 77-78).

Assim, para as comunidades mobilizadas, o peso da auto-atribuição será

muito grande, no entanto, para aquelas que não estão, será pequena, sobretudo no

momento da interlocução com as instâncias jurídico-formais.

No discurso jurídico, a análise que tem pautado sua fala é aquela

centrada na ascendência gradual que os direitos culturais, ou mesmo étnicos vêm

assumindo nos textos legais, especificamente na Constituição de 1988.

Nesse rumo, Dimas Salustiano mostra que no contexto da introdução do

artigo 68 na Constituição brasileira, ao longo dos debates, a questão que envolveu

os direitos das comunidades negras esteve ligada à esfera cultural, porém, o

regimento original foi modificado no decorrer do processo e, por não ter recebido

aprovação na esfera cultural, as matérias atinentes passaram a ter a configuração

de dispositivo transitório atípico (SILVA, 1997).

Para fins de utilização jurídica, em muitas questões relacionadas à

aplicação da lei, o saber jurídico buscou no antropológico resolver questionamentos

que ultrapassavam seus conhecimentos, ou mesmo, compreendiam concepções

ainda não elaboradas ou instituídas. Sobre o conceito de quilombo e o novo sujeito

12 Ivo Fonseca no Seminário Técnico de Mapeamento de Áreas Quilombolas da FCP.

27

social quilombola, estudos antropológicos13 apontaram imensos problemas contidos

em uma imediata e literal tradução da categoria e da tentativa de aplicá-la a

qualquer pleito originado das comunidades negras. O próprio conceito de

territorialidade negra foi um elemento antropológico que fez frente ao caráter que

reduz algumas interpretações que viam a realidade fundiária de diferentes

comunidades negras como sendo unívoca (LEITE, 1996).

É importante refletir sobre o espaço que “ocupam ou ocuparam” os laudos

antropológicos14 no contexto dos reconhecimentos, principalmente os solicitados em

procedimentos administrativos15, que buscaram promover a identificação e

reconhecimento das comunidades quilombolas.

Embora, sobre alegação do reconhecimento, o universo administrativo

legal tendeu a reiterar a dominância de um discurso construído com base em

conteúdos tradicionais, que impediam leituras em diferentes ângulos da história dos

quilombos e sua relação com a “sociedade envolvente”. Percebe-se, nesses casos,

que os discursos homogeneizadores se perpetuam e se reproduzem com prejuízo

aos “beneficiários” de um direito assegurado com base em processos cultural e

sócio-histórico diverso.

Assim, levando em conta esse contexto na produção de laudos

antropológicos, alguns alertas metodológicos foram levantados aos antropólogos

que confeccionam os chamados “relatórios técnicos”, como o “Documento de

Trabalho”, elaborado na oficina16 sobre tais laudos. O documento não representava

uma norma a ser seguida, mas apenas um instrumento a ser utilizado em situações

sociais investigadas, no sentido de orientar ou balizar as intervenções

governamentais na aplicação dos direitos constitucionais (ABA, 2001, p. 12).

Pensando na perspectiva de enfrentamento das diversas questões

levantadas quanto da aplicação do artigo 68, é válido abordar as diferentes

situações que cobriram a existência de terras de quilombo no Brasil. Para tanto, é

imprescindível a superação de leituras inadequadas do termo que vigoram desde o

século XVIII, quando o concebiam a partir de uma política de repressão oficial. No

período, esse entendimento jurídico estava impregnado por uma visão

13 Ver BANDEIRA (1990), LEITE (1996), GUSMÃO (1999). 14 Documento de identificação de comunidades remanescentes de quilombos. 15 Atribuição, naquele momento, da Fundação Cultural Palmares (FCP). 16 Esta oficina aconteceu entre os dias 15 e 18 de novembro de 2000 em Ponta das Canas,

Florianópolis SC, sendo realizada pela Associação Brasileira de Antropologia (ABA), e organizada pelo Núcleo de Estudos sobre Identidade e Relações Interéticas da UFSC.

28

intervencionista, calcada na idéia de fuga ou de negros fugitivos. Essa visão figuraria

até na atualidade como imagem de quilombo.

Estudos mostram que comunidades quilombolas sempre estabeleceram

intensa rede de relacionamento com a sociedade local, contrapondo o estereótipo do

isolacionismo social e geográfico (ALMEIDA, 1998). Foi esse nível de relação que

possibilitou a construção de uma figuração social, cuja autonomia tinha suporte

nessa dinâmica de relações sociais e, por sua vez, nas correspondentes formas de

usar e ocupar a terra 17.

A restituição do aspecto quilombola estaria relacionada com a transição

da condição de escravo para a de camponês livre, independentemente das

estratégias utilizadas para alcançar esta condição: fuga, negociação com os

senhores, herança, entre outras. Nessa perspectiva, fuga é mais um elemento a ser

considerado.

Assim, a sistematização de uma dinâmica de constituição de cada

comunidade pode conduzir a uma visão capaz de se estabelecer face às idéias que

impediram o não-reconhecimento das comunidades, que reivindicam terra baseado

no artigo 68 da Constituição.

O conhecimento produzido nos laudos antropológicos a respeito dessas

comunidades forneceu importantes referências, com base nesse direito,

encorajadoras para que comunidades pensassem o futuro, dando ênfase ao aspecto

presencial de sua existência, sem se tornarem reféns, seja de uma categoria jurídica

ou de atributos de um olhar classificador externo, informado em um passado colonial

(ARRUTI, 1997).

Após a promulgação da Constituição de 1988, algumas situações

confrontaram comunidades negras rurais no processo de “descoberta de direitos

legalizados”, produzindo profundas transformações no arranjo político e internas,

como na sua relação com a memória e tradições. O processo de construção de

sujeitos políticos passa, pois, por uma educação e envolve lideranças que

representam os grupos numa base política comum (DUARTE, 1993).

Na questão, a situação implica ao mesmo tempo uma desconsideração

das diferenças que compõem o grupo e a possibilidade de que a apropriação de

17 Seriam esses modos, enquanto padrão de ocupação, que possuem certas qualidades e conexões com a vida das atuais comunidades, que mereceriam ser explicitados nos laudos antropológicos.

29

uma identidade “legalizada” defina favoravelmente sua condição face a um universo

formal-legal.

A constituição de um “nós coletivo”, por parte de grupos inseridos nesses

processos, é dimensionado nos termos:

A identidade permite a criação de um nós coletivo, que leva a uma ação política, embora momentânea [...] A identidade emerge quando sujeitos políticos constituem, neste sentido, a possibilidade de criação de um sujeito coletivo ‘nós mulheres’, ‘nós índios’, ‘nós homossexuais’, implica, necessariamente, a desconsideração das diferenças que marcam a distância entre estes vários grupos unidos num único sujeito político. (NOVAIS, 1993, p.22).

No interior da institucionalização de “um nós remanescentes de

quilombos” aconteceram mudanças que, dependendo de como a comunidade irá

lidar com o estatuto do sujeito político, implicará até mesmo mudanças em seus

modos de interação internos.

Percebendo que o estatuto do sujeito político, cada vez mais, passa a

pautar as práticas comunitárias dos grupos envolvidos, ou seja, as leituras e

articulações que as comunidades negras rurais “fizeram” ou “fazem” da figura

jurídica do sujeito do direito “remanescente de quilombo” também definiram os

contornos que assumiu a política de reconhecimento calcada no dispositivo

constitucional (ARRUTI, 1997).

Diante dessa tensão, o lugar a ser ocupado pelos “remanescentes” ainda

está a ser construído e:

Por sua vez, a definição mais favorável daquilo que devam ser não depende apenas deles, ou de seus opositores, mas também do estado de relações de forças em que aquelas comunidades e seus mediadores e concorrentes a mediadores estão inseridos e na qual o papel interpretativo do antropólogo e historiador parece ter destaque. Reconhecer a sua construtividade, ligada à praticidade identitária que marca boa parte destas comunidades, antes de vir a deslegitimar o lugar dos pretendentes, serve como um sinal de alerta para aqueles que operam na correlação de forças que definirá qual é este lugar de acesso a ele (ARRUTI, 1997, p.26).

Outro ponto que se levanta é a problemática que envolve a política de

reconhecimento da diferença. Essa construção envolve questões relacionadas à

diversidade cultural e que, de longa data, levanta debates na antropologia.

30

“O não-obscurecimento das diferenças entre aqueles que pensam

diferente de mim, pois é justamente nessas assimetrias que reside a possibilidade

de localizar quem somos” (GEERTZ, 1999, p.30).

Nessa discussão, se levantam-se duas formas para se reconhecer a

diferença: a hierarquia e o conflito. A sociedade individualista seria incapaz de fazer

uma imagem da vida social, da totalidade ou hierarquia (DUMONT, 1985).

Assim o reconhecimento do “outro”, e a possibilidade de produzir um

discurso relativista, dentro das lutas por reconhecimento, indica o intricado problema

sobre os paradoxos da igualdade e da diferença. Se a igualdade pode fazer certas

coisas e não outras, então o reconhecimento da diferença também pode fazer certas

coisas e não outras (DUMONT, 1995).

Santos (2000, p.47), sobre o assunto. Afirma:

Uma vez que todas as culturas tendem a distribuir pessoas e grupos de acordo com dois princípios de pertença hierárquica, portanto, com concepções concorrentes de igualdade e diferença, as pessoas e grupos sociais têm o direito a ser iguais quando a diferença os inferioriza, e o direito a ser diferentes quando a igualdade os descaracteriza.

3.1 Tentativas de aplicação da Lei e Ação do Governo para limitá-la

Em 1995, foram apresentados, simultaneamente, dois projetos de lei 18,

visando à regulamentação do dispositivo constitucional. Os projetos levantaram

intenso debate e movimentação do movimento social, no sentido de agilizar a

discussão em torno do artigo e superar barreiras (ideológicas, políticas e jurídicas),

impeditivas para sua aplicação.

Ficou claro que entre os operadores da justiça a pouca aplicabilidade do

artigo 68, no momento das primeiras tentativas do Ministério Público (1992) nesse

sentido. Desde então, passou-se a discutir a melhor maneira de regulamentar o

direito de propriedade das comunidades remanescentes de quilombos e do

procedimento de sua titulação.

O debate aconteceu em diferentes segmentos da sociedade e esferas de

poder (Ministério Público Federal, Senado, Congresso Nacional, Sociedade Civil

organizada etc.). As discussões foram lentas e difíceis, pois deveria ter como

resultado um texto que representasse, além das posições dos segmentos

18 Senadora Benedita da Silva (PT-RJ) e Deputado Alcides Modesto (PT-BA).

31

envolvidos, a contemplação de situações sociais que marcam as atuais

comunidades rurais negras apontadas como passiveis de reconhecimento oficial,

que se distribuíam de norte a sul do país, e que segundo estimativas da Articulação

Nacional de Remanescentes de Quilombos, poderia chegar a três mil

comunidades19.

Em 2000, a discussão em torno do tema apontava para um consenso. No

entanto, o Governo Federal, desconhecendo e desconsiderando as discussões ao

longo dos últimos cinco anos e demonstrando, além disso, sua posição em face de

mobilização social gerada em torno do tema, emitiu uma Medida Provisória que

administrativamente regulava o processo de identificação e aplicação do artigo 68 da

Constituição (ARRUTI, 2002).

A medida provisória estabelecia três limitações importantes, entre outras,

para a aplicação do artigo:

1º Elegia a FCP como o único responsável pelo tema, desconhecendo

processos já iniciados por outras agências, como o INCRA;

2º Estabelecia um prazo máximo para os encaminhamentos das

demandas (outubro de 2001), depois do prazo, dependeria de votação

de lei especial;

3º Restringia os critérios de reconhecimento a comunidades que

ocupassem suas terras desde 13 de maio de 1888, até a data da

promulgação da Constituição (1988).

O conteúdo da Medida Provisória foi considerado inconstitucional do

ponto de vista técnico pelo Ministério Público Federal, por limitar a aplicação de um

artigo constitucional que não estabelecia limite cronológico, nem tampouco

determinava a existência de coincidência entre ocupação originária e a atual. Além

disso, o terceiro ponto contrariava todo o avanço conceitual estabelecido, até então,

sobre o tema.

Ao exigirem uma história de cem anos de “posse pacífica”, supõe-se que

“terras de quilombos” ou mesmo “terras de preto” são terras sem outros

pretendentes legais. O Governo ignorou que o fim da escravidão não significou o fim

da violência racial, nem processos de expropriação fundiária ou resistência a ele.

19 Dados de 1995.

32

Além disso, comunidades sem títulos das terras que ocupam e até mesmo com

títulos sempre foram alvos de grilagem.

Em setembro de 2001, quando a Medida Provisória estava prestes a ser

aprovada no Senado (nº. 3.912-10/09/01), o Governo, envolvido em outras matérias

e temendo maior desgaste de sua imagem, recuou momentaneamente de algumas

posições.

Em 2002, o Projeto de Lei de 1995 cumpria os trâmites internos da

Câmara dos Deputados e Senado, chegando a sua forma final, como produto do

debate entre as esferas mencionadas anteriormente, na qual a FCP, representante

do Governo Federal, não se fez presente.

Diversos avanços foram incorporados no texto final, fruto do longo debate

em que o projeto tramitou, como:

- Avanços nas definições, reconhecimento do direito de auto-reconhecer,

formalizando a possibilidade de contemplação de “terras de preto”;

- Nos procedimentos administrativos, ao permitir que as comunidades

tivessem representantes no processo de reconhecimento e

regularização fundiária etc.

No entanto, o projeto de lei foi vetado na integra em 13 de maio de 2002,

restituindo as atribuições, anteriormente citadas, do Decreto 3.912/01, sobre a

matéria.

O Governo alegou que o veto estava baseado em pareceres do Ministério

da Justiça e da Cultura. Reafirmou-se a necessidade das datas (1888-1988), da

posse pacífica e continuada.

O veto presidencial significou na prática aquilo que não fora pensado

quando da formulação e votação do artigo. O rompimento com a política cultural que

sintetizava todas as esferas quanto ao tratamento dado a população negra, para um

âmbito pautado em um discurso étnico e uma política fundiária que reivindicava

direitos de certa forma é um elemento que explica a postura do Governo Federal

(ARRUTI, 2002).

33

4 SANTO ANTÔNIO DOS PRETOS: um estudo de caso

Com o fim da escravidão, muitos proprietários de terras, motivados

também pela crise de produtos agrícolas que o Maranhão sofria, abandonaram o

campo para viver nas sedes dos municípios ou mesmo na capital, dedicando-se à

prática do comércio. Suas terras foram negociadas ou, em alguns casos, doadas

formalmente ou não a ex-escravos etc.

Pretende-se neste trabalho utilizar como exemplo uma comunidade negra

rural envolvida em conflito de terras, que mediante um dispositivo legal constrói um

discurso a ser utilizado em meio às esferas de poder, em que nem sempre são

percebidas as correlações de forças. Tal comunidade reivindica seus direitos e

reelabora suas experiências de resistência. Assim como Foucault (2006), acredito

que o discurso é um ato em si mesmo que, funda e constrói o mundo e que tais

relações revelam uma teia de relações simbólicas.

Santo Antônio dos Pretos está localizado no município de Codó-Ma, fica a

36 Km da sede do município. Possui uma área de 2.139.55 hectares e é composto

por quatro povoados: o central, que recebe o nome do território; Centro do Expedito;

Barro Vermelho e Ilha (CANTANHEDE FILHO, 1997).

Anterior ao fim da escravidão, as terras eram ocupadas por Raimundo

Queiroz20 ,descendente de português. A fazenda era sustentada através do trabalho

escravo, que produzia arroz, feijão e milho, além de outros gêneros alimentícios. A

extração da amêndoa do babaçu representava outro importante rendimento do

proprietário.

Segundo Raimundo Ferreira França21, o Sr. Queiroz, ao se mudar para a

capital com sua família para se dedicar ao comércio, teria doado, verbalmente, a

propriedade a antigos escravos que ali viviam. A terra foi recebida pelo negro

Benedito Zacarias da Silva, lembrado na comunidade como fundador desta e por

Apolinário Muniz, Adão Sena e Zulmira Queiroz, que em regime de uso comum

começaram a cultivar a terra.

4.1 Luta pela Terra

20 Relatório da SMDH (CANTANHEDE FILHO, 1997). 21 Presidente da Associação dos Moradores de Santo Antônio dos Pretos.

34

Ao longo de todo o período entre o fim da escravidão e a titulação

definitiva da terra à comunidade, em 1997, a comunidade de Santo Antonio dos

Pretos viveu constates conflitos, explorações e ameaças de ser despejada das

terras, quando não assassinados.

Em 1943, as terras de Santo Antônio passaram para o poder da União.

Em 1958, a comunidade chegou a pagar duas vezes pela compra da área. João

Palácio, antigo líder da comunidade, mobilizou-a fim de pagar pela compra das

terras a Jamil Murad, (prefeito do município e influente comerciante que contava com

apoio “Coronel Sebastião Archer”), que alegava ser o proprietário das referidas

terras. Nesse primeiro momento, a negociação foi realizada verbalmente e a

comunidade pagou ao Murad 400 alqueires de arroz e mais 400 de algodão.

Como o negócio não havia sido formalizado no cartório, não houve a

garantia da lei quando, no mesmo ano, Jamil Murad reivindicou novamente a posse

das terras. A comunidade mais uma vez pagou pela localidade CR$ 10.000,00 (dez

mil cruzeiros), em produtos da lavoura, ou seja, 400 alqueires de arroz e 100 de

algodão. Dessa vez, o negócio foi formalizado em cartório (certidão anexa).

Em 1965, um fazendeiro ocupou 900 hectares de Santo Antonio, situação

que só foi resolvida mediante pagamento ao ocupante para deixar a área22. Em

1976, novamente as terras são invadidos pelo proprietário vizinho, Sr. Vítor Trovão,

influente político e pecuarista da região dos cocais. Este anexou a uma das suas

fazendas “Monte Cristo” considerável quantidade de terras.

O conflito teoricamente durou 21 anos, período durante o qual imperou

violência e ameaças por parte do grande latifúndio, e mesmo com a titulação das

terras em 1997, ainda hoje o limite entre Santo Antônio dos Pretos e Monte Cristo

representa uma área tensa.

Como já mencionado, a comunidade recebeu a posse definitiva em 1997,

através do Decreto nº. 15.849, de 01/10/97 (segue anexo), fazendo uso da garantia

constante do artigo 68 da Constituição Federal: “aos remanescentes das

comunidades quilombolas que estejam ocupando suas terras é reconhecida à

propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.

22 Essa transação só se confirma na memória da comunidade, pois não consta no Cartório de Registro Imobiliário de Codó.

35

Em meados da década de 60, são sentidas mudanças significativas em

diversos setores do país. No Maranhão, observa-se a substituição da sócio-

economia agrícola e extrativismo do babaçu pelas fazendas de gado e exploração

da madeira.

Há uma aceleração no processo de aquisição de terras no Maranhão, que

modifica a estrutura fundiária, a partir da Lei de Terras nº. 2.979 de 17/07/69,

conhecida como Lei Sarney.

A partir daí, além da aquisição por preços risíveis, as terras devolutas do Estado passaram a ser objeto de grilagem cartorial e apropriação forçada por grileiros que contavam, inclusive, com o apoio de certos setores do judiciário, bem como, acima de tudo, do aparato policial do Estado. (FEITOSA, 1998, p.32).

Ao se apropriarem das terras devolutas, os pecuaristas impõem o gado

aos espaços de sobrevivência dos camponeses, as terras em que os lavradores

trabalham ficam cada vez mais reduzidas. O campo destinado à plantação e aos

babaçuais transformados em pastagens e os lavradores são expulsos das terras,

quando não parte deles transformados em peões ou jagunços.

Ao longo dos conflitos, muitos moradores de Santo Antônio dos Pretos

mudaram-se para outras localidades ou periferias de Codó. Houve aqueles que

permaneceram, bem como em todo o Maranhão, onde comunidades negras ou não,

lutam por terras, propiciando uma série de ameaças e violências.

Vejamos em termos estatísticos os níveis de violência no Maranhão,

quando da aprovação do artigo 68 da Constituição.

Tabela 1 - Violência no campo23

Ano Conflitos Assassinatos Ameaças Prisões ilegais

1987 78 11 37 44

1988 43 07 12 14

Para essas comunidades, a terra significa luta e liberdade e torna-se, a

partir da Constituição de 1988, a defesa de ser negro remanescente de quilombo a

garantia de possuí-la.

23 Relatórios anuais da Comissão da Pastoral da Terra (1987 e 1988).

36

4.2 Mudar para permanecer

Em Santo Antônio dos Pretos, a identidade quilombola está vinculada à

necessidade da comunidade em garantir a posse da terra ao longo de sua história

de conflito. Essa identidade antes corpo estranho à comunidade, como em outras

que também reivindicam terras mediante o artigo 68, passou a significar uma

importante arma pela sua sobrevivência material e simbólica. Um processo histórico

de resistência, como já foi discutido, deflagrado no passado, é evocado para

constituir resistência hoje, praticamente como reivindicação de uma continuidade

desse mesmo processo (GUSMÃO, 1999).

A fala dos mais velhos de Santo Antônio dos Pretos da referência de um

passado não quilombola, quando estes mencionam que os negros da antiga (atual

Santo Antônio dos Pretos), ajudando negros em fuga.

Meu pai era Domingos Palácio. Nasceu em Bonfim (terra de preto), perto do Codó.Minha mãe era Maria da Conceição Viana. O povoado chamava ela de Semelana. Nasceu no Livramento. Perto de um Mocambo. Os pretos levavam comida pros fugidos no Mocambo. Os do mocambo socavam arroz no pilão amarrado pra não zoar. Os pretos fugidos, às vezes dormiam nas casas daqui (Santo Antônio dos Pretos), em cima dos giraus. Recebiam sal e café pra levar pro Mocambo. Eles não dormiam no mato com medo de onça e dos índios, cinc’orinha iam pro Mocambo. Eram fugidos da fazenda mesmo. Tinham rapariga no povoado e o feitor estavam caçando eles. Quando acabou a servidão, alguns vieram morar no povoado. Compravam tudo com os comerciantes pra pagar de ano pro outro (PALÁCIO apud CANTANHEDE FILHO, 1997, p.27).

No Projeto Vida de Negro (2002), ao se catalogarem as diversas formas

de acesso a terra pelos negros no Maranhão, Santo Antônio dos Pretos é apontado

como área adquirida mediante compra.

Consoante levantamento, foi possível constatar no Maranhão 12

situações, cujas áreas foram adquiridas mediante compra.

Tabela 2 - Levantamento de áreas adquiridas mediante compra

Região Município Nº. Cadastro Povoado

01- V.Mearim Bacabal 15.04 Guaraciaba

02- V.Itapecuru Caxias 21.02 Nazaré do Bruno

37

03- B.Ocidental Mirinzal 01.04 Estiva dos Mafras

04- B.Ocidental Mirinzal 01.05 Santa Tereza

05- B.Ocidental Penalva 16.01 Santo Antonio

06- B.Ocidental Penalva 16.08 Santa Mª. Menival

07- V.Mearim S.L. Gonzaga 14.01 Boa Esperança

08- V.Mearim S.L.Gonzaga 14.03 São Pedro

09- V.Mearim S.L.Gonzaga 14.04 Canãa

10- B.Ocidental Viana 10.08 São Cristovão

11- V.Itapecuru Itapecuru 06.06 Oitero dos Pretos

12- V.Itapecuru Codó 22.08 Santo Antônio dos Pretos

Em Santo Antônio dos Pretos, como em outras comunidades, a utilização

do artigo constitucional que garante a posse de terra a comunidades remanescentes

de quilombos constitui um último recurso ou um recurso a mais na longa batalha

para permanecer e trabalhar em suas terras.

Percebem-se, no processo de nomeação de um grupo como

“remanescente”, significativas mudanças em suas relação com os que rodeiam

(populações vizinhas, poderes locais, aparelhos do Estado), e no próprio interior do

grupo (disputas internas, criação de chefias e formas de ordenamento político), além

de alteração de significados atribuídos às festas e rituais, com reelaboração da

memória e com alteração do status dos guardadores da memória, que passam a

desempenhar importante papel na vida do grupo (ARRUTI, 2002).

4.3 Mudanças e permanências

Após o reconhecimento e titulação das terras, em Santo Antônio dos

Pretos, percebe-se entre os povoados que compõem o território divergências. O

povoado central, que recebe o nome do território, é acusado pelos outros três de

receber os benefícios que a condição quilombola propicia. Os povoados já se

organizam no sentido de desmembrarem-se do território. Na tentativa de conhecer

esses “benefícios” que a condição quilombola estaria propiciando, já que

observando a comunidade não encontrei nenhum indício, procurei a Associação dos

Remanescentes de Quilombos, das cinco vezes que lá estive não fui atendida

38

formalmente. Assim, não tive acesso a informações sobre projetos desenvolvidos,

financiamentos ou aplicações destes.

Na localidade, a comunidade vive basicamente da agricultura que nem

sempre tem boa colheita, além da extração do babaçu. Uma outra importante renda

é a aposentadoria dos trabalhadores rurais. Em outros casos, pequenas quantias

são adquiridas em “garrafadas”, preparadas a partir de ervas por alguns moradores

considerados “cientistas” e também benzimentos e feitiçarias comumente buscadas

no povoado.

Embora se observe a mobilização desta comunidade no sentido de

alcançar a posse legal das terras que ocupam, através de uma história de formação,

conhecida a partir do surgimento de um dispositivo legal que contemplaria uma

categoria (justamente a assumida pela comunidade em questão), na atualidade,

essa capacidade de mobilização, diante das dificuldades que a localidade vive,

ainda não resultou em reivindicações de melhorias para a comunidade sem atenção

na saúde, educação, escoação de mercadoria (pois vende seus produtos da lavoura

a atravessadores, por baixos preços, por falta de transporte ou maquinaria para

beneficiar o arroz, seu principal produto), nem implantação de projetos com a

finalidade de, em períodos de secas, suster as necessidades da comunidade. Além

disso, muito se perde por falta de uma organização cooperativa das quebradeiras de

coco, pois os derivados do babaçu sofridamente explorado por mulheres e crianças

da comunidade são vendidos a preço insignificante aos atravessadores que lucram

consideravelmente, comercializando com laboratórios dos grandes centros do país

(pesquisa na área de saúde e cosméticos) e fábricas de óleo e sabão do município

de Codó.

Existe uma cooperativa na localidade, que teoricamente representa a

comunidade junto ao poder local. Não se percebem benfeitorias ali. Na sede da

Associação dos Moradores funciona, improvisada, a única escola, com uma única

sala de aula. A professora, contratada pelo município, mora em Codó, o que explica

suas faltas, pois é obrigada a realizar diariamente uma viagem até o trabalho.

Percebe-se, assim, que a união que esteve no momento de forjar um

discurso, que é repassado as novas gerações, a fim de garantir terra, não

estabeleceu um vínculo ou consciência de grupo que reivindica, pressiona e alcança

objetivos, como em outras comunidades que até elegeu representantes “vereadores,

39

deputados”. Sua união permanece no sentido de permanecer e trabalhar em uma

terra que ocupam há anos e onde estão enterrados seus ancestrais.

Nota-se, no entanto, a presença de pessoas que descobriram que a

“condição quilombola” pode ser lucrativa e se escondem atrás de associações ou

manifestações culturais e religiosas, para ganhar dinheiro, manipulando pessoas da

comunidade e mesmo fora dela.

40

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No primeiro momento de aplicação do artigo 68, ou seja, processo de

“direitos a comunidades remanescentes de quilombos”, opera-se um tipo de

transformação sistemática de um estilo de vida e construção de uma

“autoconsciência” ou “identidade coletiva”, momentaneamente ou não, contra a ação

de um opressor, que visa conquistar suas terras.

Neste contexto, produzem-se novos sujeitos políticos, que se organizam,

mobilizando uma série de elementos de identidade comum a um mesmo passado de

escravidão e submissão, a fim de alcançarem novos recursos, em particular os de

natureza territorial.

No artigo 68, as questões de cultura e origem comum são levantadas e

passam a ser discutidas pelos grupos organizados. A reflexão sobre os elementos

de identidade leva a uma nova relação com o passado, num esforço de reconstrução

de uma continuidade, levando ao que Hobsbawm e Ranger (1984) chamam de

“invenção de tradição”, isto é, uma reapropriação de velhos modelos ou antigos

elementos de cultura e de memória para novos fins, em que o passado serve como

repertório de símbolos, rituais e personagens exemplares e discursos que até então

poderiam ser desconhecidos pela comunidade.

Hoje se pede às comunidades negras rurais “remanescentes” que

representem o que se supõe ter sido objetivo heróico dos quilombos, transformados

em símbolos da luta negra, independentemente do que tenha acontecido

posteriormente a essas comunidades. Logo, antes de ser um ato natural de

identificação, o reconhecimento como remanescente, para muitas comunidades,

mostrou-se uma via importante (algumas vezes, a única via), de garantir suas terras,

significando optar a partir do que poderíamos pensar enquanto uma “plasticidade

identitária”.

Assim, a partir dos 1990, ao forçar a ampliação do direito à terra para toda

e qualquer comunidade da cidade e o campo com alguma origem afro-descendente,

empreendeu-se no Brasil um processo explícito de “invenção da tradição”, com

objetivos políticos. Assim, riquíssimas tradições históricas de luta pela terra

passaram a ser negadas e, não raro, destruídas, através da orientação externa de

auto-definição. Em verdade, tratou-se de dissolução consciente da objetividade dos

41

fatos históricos, necessariamente ancorada na materialidade e na temporalidade dos

acontecimentos, para defini-los como produtos da subjetividade humana.

Paradoxalmente, essa criação de tradição aleatória e negação da história

prosseguiu e prossegue mesmo após ampliação da Lei, empreendida pela atual

administração presidencial, permitindo a inclusão de comunidades afro-

descendentes de raízes múltiplas nos benefícios da disposição transitória.

Em 2003, o art.2 do Decreto Federal nº 4.887/34, de 20 de novembro de

2003, conferiu ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA),

órgão do Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA), a competência para

regularização fundiária das terras das comunidades remanescentes de quilombos.

Determinou, ainda, que fossem enquadrados nas facilidades da Lei os “grupos

étnicos-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria,

dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra

relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida”. Embora o Decreto

considere a auto-atribuição como critério de identidade quilombola, as comunidades

ainda necessitam pleitear o reconhecimento por parte do Estado, pois existe todo um

procedimento, que não difere muito dos laudos antropológicos da FCP, necessário

para a caracterização da comunidade.

Portanto, a nova determinação estabelece, teoricamente, a possibilidade

plena da conquista pelas comunidades com afro-descendência do direito a terra sem

qualquer negação do direito à história.

42

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