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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO – UEMA CENTRO DE EDUCAÇÃO CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS – CECEN CURSO DE HISTÓRIA LICENCIATURA FERNANDO JOSÉ DA SILVA FEITOSA “SEMEADORA DE LUZES” Dona Martinha Abranches e a Educação Feminina em São Luís na primeira metade do século XIX. São Luís 2007

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO – UEMA

CENTRO DE EDUCAÇÃO CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS – CECEN

CURSO DE HISTÓRIA LICENCIATURA

FERNANDO JOSÉ DA SILVA FEITOSA

“SEMEADORA DE LUZES”

Dona Martinha Abranches e a Educação Feminina em São Luís na primeira metade do

século XIX.

São Luís 2007

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FERNANDO JOSÉ DA SILVA FEITOSA

“SEMEADORA DE LUZES”

Dona Martinha Abranches e a Educação Feminina em São Luís na primeira metade do

século XIX.

Monografia apresentada ao Curso de História da Universidade Estadual do Maranhão - UEMA, para obtenção de Grau em História Licenciatura. Orientadora: Prof.ª Mse. Milena Galdez

São Luís 2007

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FERNANDO JOSÉ DA SILVA FEITOSA

“SEMEADORA DE LUZES”

Dona Martinha Abranches e a Educação Feminina em São Luís na primeira metade do

século XIX.

Aprovado em ___/ ___/ ___.

BANCA EXAMINADORA

Prof.ª Mse. Milena Galdez

1º Examinador (a)

2º Examinador (a)

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Este trabalho é dedicado especialmente aos meus

queridos pais pelo apoio e força dispensados a mim

nesse longo percurso educacional.

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“Enquanto pelo velho e novo mundo vai ressoando o brado -

emancipação da mulher – nossa débil voz se levanta na capital do

Império de Santa Cruz, clamando: Educai as mulheres!”

(Nísia Floresta em 1853)

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a minha querida e adorável mãe, pelo amor incondicional dedicado aos filhos. Por

ter sido sempre uma mulher forte, o meu exemplo de vida, a minha heroína real, tornando-se a

razão do meu viver, que diante das adversidades, soube enfrentá-las e superá-las. Amo-te!

Ao meu amado pai, meu Tião, amante dos filhos e netos, que soube demonstrar que somos

passíveis de erro, sendo essa a nossa condição humana, para podermos assim crescer como

pessoas. Obrigado pai por ter apresentado a mim valores tão importantes, como a honestidade

e o altruísmo.

A meus irmãos Sebastião Filho, Eneida Cristina, Elmar, Fran, Cláudio e em especial Rosário

pelo apoio nos momentos mais difíceis e ter mostrado o caminho mais correto a seguir.

Aos meus sobrinhos Khalil, Marcelo, Rodrigo, Déborah, Daniel, Ana Luísa, Sebastião Neto,

Raul, Guilherme, Eduarda, André, Thiago, Eduardo e Daniela pelos momentos felizes de

descontração.

Aos amigos Elionio Viana, André Cordeiro, Henrique Araújo, Michel Francis, Dona Telma,

Luís Carlos, Cosmo Ferraz e Júnior Moisés. Obrigado pela força e apoio na amizade fiel.

As amizades que fiz com os (as) colegas do Curso: Poly, Kátia, Willington, Giliam, Maria do

Carmo, Glenda, Thiago e em especial Luciana Santiago, a “Lu” pelos momentos passados

juntos, risos, lembranças, saudades dos tempos em sala de aula.

Aos professores do Curso de História pela convivência, pelo acompanhamento e contribuição

nos conhecimentos: Lurdinha, Ximenes, Júlia Constança, Paulo Rios, Marcelo Cheche, Alan

Kardec, Helidacy, Fábio, Henrique, Adriana e em especial a Elizabeth Abrantes pela

indicação do tema desse trabalho, pelas sugestões, orientações, materiais, livros e fontes

emprestadas para o desenvolvimento do mesmo, o meus mais sinceros agradecimentos.

A Milena Galdez na orientação desse trabalho monográfico. Obrigado!

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RESUMO

O presente estudo trata da educação feminina em São Luís na primeira metade do século XIX através da análise da vida e atuação da educadora Dona Martinha Abranches. Abordam-se as representações do feminino nesse período que pretendiam difundir imagens estereotipadas da mulher para restringi-la ao espaço privado. Apresentam-se as principais características da educação feminina e as mudanças ocorridas no sentido de ampliar essa escolarização. O enfoque na figura de Dona Martinha objetivou analisar a relação entre mulher e educação, buscando perceber os objetivos relacionados à educação feminina presentes nos discursos e nas práticas vigentes na sociedade ludovicense, bem como destacar a atuação dessa educadora nesse contexto. Palavras-chave: Martinha Abranches – Educação – Mulher – São Luís.

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ABSTRACT

The present study is about the feminine education in São Luís in the first half the XIX century through the analysis of life and performance of the educator Martinha Abranches. We treat about the representations of the feminine in this period that intended to spread images stereotyped of woman to restricted her to the private space. We introduce the main characteristics of feminine education and the changes occurred in the sense of enlarging this education. The focus in Martinha objectified analyze the relation between woman and education, seeking to realize the goals related to present feminine education in the speeches and in the valid practices in the São Luís society, as well as highlight the performance of the educator in this context. Keywords: Martinha Abranches – Education –Woman – São Luís.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 10

1 REPRESENTAÇÕES DO FEMININO NA 1ª METADE DO SÉCULO

XIX 15

2 A EDUCAÇÃO FEMININA NO MARANHÃO NA PRIMEIRA

METADE DO SÉCULO XIX 28

3 DONA MARTINHA ABRANCHES: “SEMEADORA DE LUZES” 41

CONSIDERAÇÕES FINAIS 56

FONTES PESQUISADAS 59

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 60

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INTRODUÇÃO

A preocupação da historiografia com a descoberta de "outras histórias" favoreceu

a inclusão das mulheres e sua incorporação na abordagem de gênero nos estudos históricos.

Esses trabalhos têm contribuído de modo significativo para a renovação metodológica,

abrindo possibilidades de recuperação de experiências, identidades e vida cotidiana de setores

sociais muitas vezes não abordados pela historiografia.

A escolha em estudar Dona Marta Alonso Veado Alvarez de Castro Abranches,

mais conhecida por Dona Martinha, espanhola radicada em São Luis do Maranhão, capital da

Província, partiu do interesse de participação no debate historiográfico sobre mulher e

educação cuja possibilidade visualizou-se ao tomar conhecimento dessa personagem histórica

inserida no contexto social e educacional maranhense na primeira metade do século XIX.

Através desse estudo pretendo contribuir para a escrita da História das mulheres na

historiografia maranhense.

A sociedade sempre foi caracterizada pela dominação masculina e a história

tradicional mesmo tentando omitir esse fato através de um discurso universalista e

pretensamente neutro, expressou esse fato, sobretudo através da ênfase nos feitos dos grandes

homens, dos heróis, omitindo a participação feminina na história.

Soma-se a isso o desafio de se explorar a figura feminina, a sua visão e

experiência numa sociedade ainda patriarcal, extremamente machista e preconceituosa. Um

espaço traçado, em que os papéis sociais estavam bem definidos, ficando reservado à mulher

o papel procriador, de mãe, de dona de casa, no cuidado dos filhos e do marido, espaço esse

circunscrito ao lar.

O seu espaço era quase que a exclusividade do lar, especialmente para as

mulheres das camadas médias e altas da sociedade, haja vista que as mulheres pobres sempre

precisaram ir às ruas ou outros espaços fora do lar em busca de sua sobrevivência. Mesmo as

mulheres da elite, em algumas ocasiões conseguiram ultrapassar os limites da reclusão.

Houve mulheres que ousaram “transgredir” as regras impostas pelo masculino e se

sobressaíram. Dona Martinha foi uma delas, ao fundar contra a vontade de seu esposo Garcia

de Abranches, a primeira escola particular para mulheres em São Luis, o Colégio Nossa

Senhora da Glória, em 1844, numa cidade com altos índices de analfabetismo, dando nesse

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caso uma contribuição importante para a educação feminina. Por outro lado, a atividade do

magistério, era considerada conveniente para as mulheres e aceita sem grande resistência.

Podemos relacionar o ideal educativo existente no Império, aos pressupostos

iluministas oriundos do século XVIII. Segundo os filósofos iluministas, a educação tinha o

propósito de iluminar as trevas em que se encontrava a humanidade. Durante o século XIX,

os ideais iluministas penetraram nas Províncias, trazidos por estudantes brasileiros e

maranhenses que estudavam na Europa.

Em São Luís, Dona Martinha Abranches recebeu de um Presidente da Província,

o título de “Semeadora de Luzes”, devido a sua contribuição na Educação do Império.

Portanto reveste-se de grande importância o estudo dessa personagem e sua inserção no

contexto do cenário educacional maranhense na primeira metade do século XIX,

acompanhando as mudanças ocorridas no campo social, educacional, político, cultural e

econômico.

Segundo Gouvêa (2001, p. 01), um dos temas mais abordados na recente

produção historiográfica da educação brasileira é a relação mulher e educação:

Tanto investigando os diversos cenários e estratégias da educação da mulher brasileira em diferentes tempos e espaços, quanto o processo de feminilização do magistério, a categoria gênero tem assumido centralidade no estudo da educação brasileira, em seu processo histórico. Tal centralidade mostra-se imposta pelo próprio objeto, à medida que historicamente o papel de formação das novas gerações, tanto no interior do espaço doméstico, quanto nos espaços formais de educação, foi sendo naturalizado como atribuição feminina, associado ao exercício da maternidade.

Os primeiros trabalhos direcionados à escrita da história das mulheres no Brasil,

enquanto campo de estudo específico no domínio da produção acadêmica da ciência histórica,

datam do inicio dos anos 70, surgindo em paralelo aos movimentos feministas. Na França,

em 1973, Michele Perrot, professora da Universidade de Paris VII, junto com outras

pesquisadoras, criou um curso que buscava responder a uma pergunta: As mulheres têm uma

história? No início da década de 1990, organizou em parceria com o historiador Georges

Duby a obra A História das Mulheres no Ocidente, que trata da situação das mulheres dentro

de uma periodização que se estende da antiguidade aos dias atuais.

Para a historiadora Margareth Rago, essa recente inclusão das mulheres no campo

historiográfico tem revelado não apenas momentos inesperados da presença feminina nos

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acontecimentos históricos, mas também um alargamento do próprio discurso historiográfico,

até então estritamente estruturado para pensar o sujeito universal, ou ainda, as ações

individuais e as práticas coletivas marcadamente masculinas.

Como se a História nos contasse apenas dos homens e de suas façanhas, era somente marginalmente que as narrativas históricas sugeriam a presença das mulheres, ou a existência de um universo feminino expressivo e empolgante. Todo discurso sobre temas clássicos como a abolição da escravatura, a imigração européia para o Brasil, a industrialização ou o movimento operário, evocava imagens da participação de homens robustos, brancos ou negros, e jamais de mulheres capazes de merecerem uma maior atenção. (RAGO, 1995, p. 81).

Ainda, segundo esta historiadora, pressões e demandas geradas do movimento

feminista dos anos 70, assim como a entrada das mulheres no mercado de trabalho e na vida

acadêmica forçaram uma quebra do silêncio das historiadoras.

O alargamento temático e as novas produções intelectuais resultantes merecem, hoje, uma avaliação crítica. Esta reflexão se faz tanto mais necessária, quanto mais nos damos conta de que a História não narra o passado, mas constrói um discurso sobre este, trazendo tanto o olhar quanto a própria subjetividade daquele que recorta e narra, à sua maneira, a matéria da história. Além do mais, vale dizer que se esta produção não se caracteriza como feminista, nem significou um questionamento prático das relações de poder entre os sexos na academia, ela carrega traços evidentes de uma vontade de feminina de emancipação. (RAGO, 1995, p. 81).

Torna-se importante a discussão sobre a atuação das mulheres na história à

medida que há estudos que possam revelar a contribuição das mesmas para o conhecimento

da vida social do período em que viveram, não como um capítulo à parte, mas integrando a

perspectiva das relações de gênero no centro da dinâmica social.

O presente estudo sobre o feminino, caracterizado na figura de Dona Martinha

Abranches vem somar ao que já tem sido feito pela historiografia brasileira e maranhense ao

resgatar a mulher, como objeto da História.

A grande reviravolta da história nas últimas décadas, debruçando-se sobre temáticas e grupos sociais até então excluídos do seu interesse, contribui para o desenvolvimento de estudos sobre as mulheres. Fundamental, nesse particular, é o vulto assumido pela história cultural, preocupada com as identidades coletivas de uma ampla variedade de grupos sociais: os operários, camponeses, escravos, as pessoas comuns. Pluralizam-se os

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objetos da investigação histórica, e, nesse bojo, as mulheres são alçadas à condição de objeto e sujeito da história. (SOIHET, 1997, p. 275).

No que tange a vida das mulheres, seu cotidiano e demais fatos relacionados às

mesmas, o (a) historiador (a) se depara com a ausência ou a escassez de fontes ou de

documentos produzidos por esse segmento, que durante bastante tempo foi colocado à

margem. Assim, segundo Magali Engel (1997, p. 307): “A maioria das fontes que dispomos

para estudar esses personagens históricos são indiretas, na medida em que constituem

discursos formulados pelos segmentos dominantes e/ou dirigentes”.

Segundo SOIHET a escassez de vestígios acerca do passado das mulheres,

produzidos por elas próprias constitui-se num dos grandes problemas enfrentados pelos

historiadores:

Em contrapartida, encontram-se mais facilmente representações sobre a mulher que tenham por base discursos masculinos determinando quem são as mulheres e o que devem fazer. Daí a maior ênfase na realização de análises visando a captar o imaginário sobre as mulheres, as normas que lhe são prescritas e até a apreensão de lendas do seu cotidiano, embora à luz da visão masculina. (SOIHET, 1997, p.295).

Os arquivos privados, de acordo com Michele Perrot, referem-se a uma espécie

de “atas” da vida familiar, nos quais as mulheres anotavam o dia a dia doméstico. As cartas,

os diários íntimos, são exemplos de outros registros femininos, que quando encontrados, são

de maior importância para o historiador.

O neto de Dona Martinha, João Dunshee de Abranches, ao consultar pela primeira

vez na sua adolescência as correspondências de sua avó materna e entrevistar Dona Emilia

Branco, amiga da mesma, registrou no livro de memórias O Cativeiro, nos traz um importante

material de pesquisa para o estudo em questão. Nesse livro há relatos e documentos de grande

importância sobre os costumes, a sociedade e a educação maranhense do século XIX.

Através dessa documentação e de outros estudos mais relacionados à Mulher e ao

feminino, tendo como base o perfil de uma mulher, culta e letrada, coisa não muito comum

nos idos do século XIX, é importante traçar um panorama de com era essa mulher da elite

maranhense, conhecer como vivia, como era educada, o convívio com a família, o cotidiano e

o seu relacionamento com o público e o privado.

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A presente pesquisa monográfica teve como fonte primária o uso de jornais

editados na cidade de São Luís, na primeira metade do século XIX, de cunho religioso,

literário e destinados ao público feminino.

Como principal fonte para obter informações sobre a atuação de Dona Martinha

Abranches na educação das mulheres em São Luis, utilizamos o livro de memórias escrito por

Dunshee de Abranches, O Cativeiro, bem como o romance histórico do mesmo autor

denominado de A Setembrada. Para contextualização do período foram utilizadas obras

literárias, documentação oficial, como relatórios de Presidente de Província, além da

bibliografia secundária sobre História das Mulheres e Relações de Gênero, a Educação

Feminina e sobre a sociedade maranhense na primeira metade do século XIX.

O escopo documental referente aos periódicos é o seguinte: A Marmota

Maranhense, O século, O Progresso, Exposição Evangélica, Publicador Maranhense, O

Globo, A Sentinela, O Ramalhete, A Fé, O Farol Maranhense e O Carapuceiro.

O texto monográfico está organizado em três capítulos. No primeiro tratamos das

representações, imagens e estereótipos destinados às mulheres na primeira metade do século

XIX, destacando o ideário da nascente burguesia brasileira, veiculado nos discursos da época,

especialmente na imprensa, a fim de construir e/ou reafirmar o imaginário feminino de

domesticidade e submissão. No segundo capítulo são apresentadas as características da

educação oferecida às mulheres, com sua incipiente escolarização, bem como alguns

prenúncios de mudança, a exemplo da atuação de algumas educadoras, tais como Maria

Firmina dos Reis e Nísia Floresta. No último capítulo tratamos da atuação da educadora Dona

Martinha Abranches em São Luís, o contexto sócio-político em que estava inserida, seu

pioneirismo na criação da primeira escola particular destinada às mulheres na capital

maranhense, apresentando as razões e o significado da imagem de “Semeadora de Luzes”

construída por seus descendentes, amigos e admiradores, veiculando-a a própria “condição

feminina” do período.

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1 REPRESENTAÇÕES DO FEMININO NA 1ª METADE DO SÉCULO XIX

Os primeiros anos do século XIX foram marcados por mudanças importantes para

a ordem econômica e política do Brasil. A vinda da família real portuguesa em 1808, por

ocasião de uma série de conflitos e eventos europeus, fez do Rio de Janeiro a sede do império

português e Dom João o novo monarca dos trópicos. Naquele momento vislumbraram-se

novos tempos para a colônia, como algumas medidas tomadas pelo governo português, dando

impulso à economia brasileira, tais como: a abertura e melhoria dos portos, a construção de

estradas, o incentivo a vinda de colonos europeus e a permissão para que se instalassem

indústrias no país, antes proibidas por Portugal. 1

Como capital do Império português, o Rio de Janeiro tornou-se a vitrine das

mudanças urbanas do país. “Num piscar de olhos a cidade colonial transforma-se com o

esplendor da corte e o impulso de seu comércio e, pela atração dos novos encantos da vida

urbana, torna-se o centro da vida intelectual do país, para onde convergiam brasileiros vindo

de quase todas as províncias.” (AZEVEDO, 1960, p. 560).

No Maranhão, o algodão e o arroz mantinham os primeiros lugares nas

exportações. “A par da lavoura, com a abertura dos portos brasileiros às nações amigas,

instalou-se em São Luís um forte comércio, de princípio principalmente exportador, e logo

açambarcado, desde 1812, por um sem-número de firmas inglesas.” (MEIRELES, 2001, p.

257). Ainda, segundo o autor, logo em seguida aos ingleses, vieram os franceses, com seu

comércio especializado em artigos de luxo – fazendas, jóias, perfumes. São Luís2 e Alcântara

se beneficiaram desse crescimento abrigando a nascente burguesia e a elite latifundiária que

procurava os grandes centros urbanos para desfrutar de conforto e dos atrativos culturais,

como o teatro.

O crescimento urbano exigia uma maior presença do poder público no cotidiano

da cidade. Em São Luís, o perfil da cidade foi sendo modificado, os passeios públicos

passaram a ser calçados com pedra de cantaria, trazidas de Portugal. Começou uma

preocupação maior com a infra-estrutura e as melhorias eram realizadas graças ao trabalho

dos escravos e aos recursos da agro-exportação e ao comércio importador e exportador.

1 Mesmo com a permissão para a abertura de fábricas e as tentativas que ocorreram para a manufatura de tecidos e outros objetos, não chegaram a progredir por causa da concorrência dos produtos ingleses. 2 A capital São Luis recebeu elogios de viajantes como Spix e Martius, que a visitaram em 1817, destacando as boas maneiras de seus habitantes e considerando-a a quarta cidade mais importante do Brasil.

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Na nova fase política do Brasil pós-Independência, o impulso da economia será

dado pelo café no sudeste do país. Entre as transformações ocorridas no período, podemos

incluir a urbanização das províncias, a influência européia nos costumes e na educação

brasileira e o surgimento de uma elite burguesa, ligada às atividades comerciais, acarretando a

criação de novos espaços de sociabilidade e reformulando o espaço urbano. “Novos sujeitos

sociais foram construídos, novas mulheres e homens experimentaram a ordem burguesa que

se constituiu. Criaram, para si próprios, códigos de distinção e de identificação. Entre esses,

o registro de uma mulher ideal.” (PEDRO, 1994, p. 24).

O século XIX, marcado pela ascensão da burguesia busca retratar o nascimento de

uma nova mulher nas relações sociais da chamada família burguesa, com uma maior

valorização do ambiente privado do lar, da intimidade e da maternidade. Um ambiente

familiar estável, um lar acolhedor e filhos educados, com esposa dedicada ao marido, às

crianças e sem a obrigação de qualquer trabalho produtivo, representavam o ideal de retidão e

proibidade, um tesouro social imprescindível. (D’INCAO In PRIORE, 2006, p. 223).

Segundo Perrot (1991) na Europa, desde o século XVIII, essas transformações já

estavam ocorrendo, se operando uma distinção forte entre o que pertencia à esfera do público

e o que pertencia à esfera do privado na vida das pessoas. Com as revoluções esta distinção

transformou-se em uma definição de papéis sexuais que colocou em oposição homens

(públicos) e mulheres (domésticas/privadas). A valorização da família, agora nuclear, foi

importantíssima para este processo e a burguesia encontrou nesta organização privada uma

forma de vencer os títulos e a hierarquia dos nobres, elegendo a mulher como rainha desse

ambiente, privado e doméstico. Caberia à mulher administrar as tarefas domésticas, com o

intuito de proporcionar a todos da família, em primeiro lugar ao marido, o máximo de bem-

estar. Assim, o individuo encontrava proteção, descanso, harmonia e carinho no lar regido

pela figura feminina, com sua fragilidade, meiguice e doçura. De acordo com a ideologia

burguesa, o mundo externo, “lá de fora”, o mundo público, é perigoso, é um mundo para os

homens, e não para mulheres e crianças.

No início do século XIX, as distinções entre público e privado, se tornaram mais

claras, e o feminino representado como a parte inversa do masculino, passou a ser identificado

por sua sexualidade, amparado no discurso médico vigente que afirmava que: “O útero define

a mulher e determina seu comportamento emocional e moral. Na época, pensava-se que o

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sistema reprodutor feminino era particularmente sensível, e que essa sensibilidade era ainda

maior devido à debilidade intelectual” (HUNT In DUBY, G. & ARIÉS, 1991, p. 50).

Ainda considerando o discurso médico na atribuição de papéis masculinos e

femininos, verifica-se a estreita relação que era feita entre a pretensa natureza feminina e as

características psico-sociais.

A medicina do século XIX afirmava que a fragilidade, o recato e o predomínio das faculdades afetivas sobre as intelectuais eram características biologicamente femininas, assim como a subordinação da sexualidade ao instinto maternal. Em oposição o homem somaria à sua força física uma natureza autoritária, empreendedora, racional e uma sexualidade sem freios. (SOHIET, 2004, p.15).

Dessa forma, as mulheres estariam totalmente relegadas à esfera privada, ao

doméstico, simbolizando uma fragilidade que precisava ser protegida e guardada.

A figura da mulher brasileira, perpetuada durante todo o período colonial,

estereotipada e idealizada, inserida no contexto da família patriarcal, tendo como comandante

o homem, pai ou esposo exercendo um grande poder sobre ela, seus dependentes e escravos,

era a imagem de uma mulher religiosa, que vivia no campo e enclausurada nas fazendas.

Quando essa mulher passa a migrar para a cidade, a conviver nos novos espaços sociais

criados pela urbanização, freqüentando o teatro, os cafés, os bailes e os saraus, aprendendo a

tocar piano, tendo o hábito da leitura dos folhetins e dos romances, aprendendo o francês e

participando de alguma maneira de certos acontecimentos da vida social, o controle social

sobre a mulher ganhou o reforço do discurso cientifico e filosófico, a fim de não tornar essa

maior exibição em instrumento de emancipação.

O Teatro e os demais espaços de sociabilidade representavam “ainda uma

oportunidade das mulheres saírem da reclusão dos sobrados e participarem mais da vida

social da cidade.” (ABRANTES, 2002, pág. 30). Embora isso significasse uma maior

liberalidade dos costumes, adquiria contornos de vigilância, determinados pelo próprio pai ou

marido, onde não era só vigiada pelos mesmos, mas também pela própria sociedade que as

submetia a códigos de conduta. “Nas páginas internas dos jornais, eram reproduzidas

imagens idealizadas de mulheres, onde se explicitavam formas que deveriam ser assumidas,

bem como aquelas que deveriam ser evitadas, constituindo-se, estes jornais, em instrumentos

normatizadores de conduta.” (PEDRO, 1994, p. 35).

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É importante analisar o discurso formulado pela ideologia burguesa e masculina,

na criação, afirmação, definição e sustentação dos estereótipos direcionados à Mulher, tais

como os papéis sociais que lhes foram destinados e as imagens idealizadas das mesmas.

Salientando ainda, que essas imagens tornaram-se mais freqüentes durante o processo de

formação das elites burguesas.

A imprensa e os jornais3 em São Luís, na primeira metade do século XIX, tiveram

participação fundamental na propagação desses discursos, funcionando como instrumento de

disseminação da disciplina a ser incorporada pelas mulheres.

Ainda sobre o papel da imprensa na divulgação de modelos de comportamento,

especialmente para o público feminino, Joana Pedro (In PRIORE, 2006, p. 281) afirma:

Os jornais pareciam veicular um projeto civilizador com pretensão de construir novos homens e mulheres, divulgando imagens idealizadas para ambos os sexos. É interessante acompanhar nas diferentes épocas, as mudanças dos papéis sexuais que a imprensa divulgava nas diversas cidades. Tais mudanças, obviamente, vinham acompanhadas de uma campanha com normas de conduta que, muitas vezes, refletia aquilo que a elite urbana considerava ‘civilizado’ e que, em grande parte, era repetição daquilo que os jornais dos grandes centros divulgavam.

Diversas imagens, predicativos e idealizações do feminino, que encontramos nos

periódicos da primeira metade do século XIX, em São Luis, já vinham sendo divulgadas nos

jornais da Europa desde o século XVIII. Essa ideologia adentrou a Corte do Rio de Janeiro e

demais Províncias brasileiras, com sua elite burguesa, copiando modelos dos grandes centros.

Em São Luís, muitos recortes eram extraídos dos periódicos cariocas, além de constantes

referências a autores europeus e transcrições de trechos de suas obras. Segundo a historiadora

Miriam Moreira Leite (1984, p. 18): “A imprensa periódica contribui com dados a respeito

de aspectos da condição feminina, através de anúncios, noticias e reflexões sobre os

costumes e suas transformações”.

Pelo que foi exposto, verifica-se que as representações sobre o feminino eram

apresentadas e reproduzidas pelos jornais, romances e folhetins, mas não se sabe como esses

textos eram lidos e recebidos, qual a parcela de mulheres que tinham acesso a essas leituras e

como funcionavam no cotidiano dessas leitoras. A educação direcionada à mulher nesse

período era escassa e poucas mulheres possuíam o domínio da leitura e da escrita, reservada

3 Na primeira metade do século XIX em São Luís não havia nenhum periódico escrito e editado por mulheres, embora houvesse jornais literários e recreativos destinados a esse público, a exemplo de “O Ramalhete”.

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principalmente para as mulheres da elite e renegadas às escravas, ou as mulheres livres

pobres, sendo reduzida a população feminina alfabetizada na primeira metade do século XIX

e no decorrer deste século. É importante salientar também, que as leitoras mais freqüentes, em

contato com essa literatura, poderiam estabelecer usos diferentes daqueles previstos, a partir

do discurso apreendido e apresentado por esses jornais, romances ou folhetins.

A imagem generalizada era de que a mulher desde o nascimento, possuía caráter

de natureza familiar e a educação recebida no lar ao lado da moral religiosa a moldaria para a

sua missão natural, sendo construídas as imagens da mulher romântica, virgem, cristã, da boa

filha, da mulher fiel aos ensinamentos religiosos, da boa esposa, dona de casa e mãe. Portanto,

o casamento e a maternidade eram, segundo a ótica burguesa, a idealização de toda mulher,

“de boa família”, que possuísse princípios e preceitos morais, como nos descreve a

historiadora Elizabeth Abrantes (2002, p. 62):

Nesse imaginário social, exaltava-se a virgindade, o papel de esposa e mãe exemplares. O casamento era apresentado como o ideal da mulher, a concretização dos seus sonhos de juventude, o alvo de sua existência. Amparados na idéia da “natureza frágil e débil” da mulher, reforçava-se a tradição de sua vida tutelada pelo homem, seja seu pai, irmão ou marido, que deveria garantir-lhe a proteção, o sustento e também a honra.

Os jornais do século XIX não foram a princípio os criadores dessas imagens

idealizadas da mulher que a sociedade burguesa nascente esperava, como mulheres virtuosas,

boas mães e filhas dedicadas, apenas reafirmaram o que há muito a cultura ocidental deixou

cristalizado através da literatura e das tradições locais.

Os jornais como reprodutores e definidores dessas novas formas de

comportamentos, destacavam o papel da mulher perante a maternidade, a família e o

casamento como temas freqüentes em suas linhas, ratificando sempre uma diferença entre os

dois sexos.

No Jornal “O Globo” de 18544, são descritas imagens da mulher e dos

comportamentos esperados e reprovados, destacando a idealização diante do casamento. Ao

descrever como deve proceder a moça ao encontrar um “mancebo ardente, extremoso e

belo5”, aconselha a perfumar-se, andar com os cabelos sempre arrumados, e para agradar-lhe

estudar “com fervor a música, o desenho, a literatura, a dança” a fim de fazer do seu

4 Jornal O Globo. “A mulher antes e depois de casada”, São Luís, 27 de maio de 1854, p. 2 e 3. 5 Os textos dos documentos tiveram sua grafia atualizada.

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namorado um escravo, ter o consentimento seus pais para a escolha do seu coração, e tornar

esse homem seu marido. Continuando o conselho para a fase de casada, chama a atenção do

comportamento relaxado que faz a paixão esfriar, pois a mulher era culpada por isso, quando

“de manhã seu marido a vê com os cabelos despenteados diante dele, e ergue-se do leito com

os pés nu (...) o piano passa fechado meses inteiros (...) o canto lhe desagrada (...) ela não lê

mais, não sorri, nem olha, nem fala, como se sorria, olhava e falava antes”.

Dessa forma, “o coração do marido espanta-se daquela repentina mudança (...)

falemos a verdade, o homem não tem culpa (...) a mulher que ele amava não é certamente

essa, que então assim se lhe mostra”. Esses conselhos demonstram a responsabilidade que era

atribuída às mulheres na manutenção do casamento, para tornar a vida do homem agradável e

prazerosa no lar.

Ao se fazer uma análise desses jornais, podemos verificar como a imprensa

definia essas mulheres, como meros objetos de admiração e reprodutoras, quando jovens e

belas. Não aparecem enquanto indivíduos, ou enquanto mulheres que possuem ocupações

definidas, nas raras oportunidades de emprego oferecido a elas, ainda num processo inicial de

urbanização. Não interessava as atividades que eram exercidas pelas mesmas, porém havia o

destaque para a dona de casa, esposa dedicada e mãe zelosa no cuidado e educação dos seus

filhos, enquanto qualidades consideradas masculinas, como escrever ou participar da política

eram socialmente vetadas. Aqui se verifica uma espécie de divisão sexual do trabalho, na qual

impunham-se as mulheres atividades domésticas e de reprodução (privadas) e, aos homens, as

atividades extradomésticas e produtivas (públicas). Enfim, o modelo ideal era aquela que

sabia comandar perfeitamente o ambiente do lar.

À primeira vista a mulher mãe aumentava seu poder perante a família, mas cabia

ao esposo, o mantenedor da casa, a última palavra, enquanto ela era considerada a rainha do

lar, ele era o cabeça, o chefe.

Segundo Constância Lima Duarte (2003), no artigo Educação e Ideologia:

construindo gêneros6, muitos foram os formuladores e divulgadores dessas concepções

falocêntricas, e cita Rosseau, nos seus escritos de 1759 e de 1762 – Émile e La Nouvelle

Hèloise, considerados definidores do papel natural da mulher (ser boa mãe, servir e agradar ao

homem) contribuindo decisivamente na formulação e justificação dos novos preceitos. Para

6 Extraído do site www.mulher500.org.br/artigos.

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Rosseau, era das mulheres que dependia a primeira educação dos homens, seus costumes,

paixões, prazeres e até a felicidade.

Na seção “Variedade” do Jornal “O Progresso” de 18517, o autor descreve a figura

masculina dotada de diversos predicativos e qualidades, assimilando a isso mais tarde à figura

feminina, como sendo uma extensão e uma imagem criada a semelhança do homem, embora

destacando a fraqueza e a fragilidade feminina como defeitos ausentes no masculino, como

podemos analisar nos trechos a seguir:

O homem, o ultimo elo que fechou a cadeia dos seres criados, é o primeiro, o mais perfeito e interessante fenômeno da terra, tanto por suas nobres e elegantes formas, como pela alma, esse sopro divino, sublime dom outorgado pela Providência, para adorar o seu Criador, e reconhecer o seu domínio e superioridade sobre os demais seres (...) Mas o seu Criador, sempre providente e solicito em promover a felicidade da mais perfeita obra, que a mesquinhez de nossas idéias julga ter saído de suas mãos, não o deixa por muito tempo entregue a si; pois para disfarçar-lhe as fases da existência, criou-lhe uma companheira a sua semelhança. E esta companheira maravilhosa e indefinível, que tem força na própria fraqueza, a mais forte arma no símbolo da fragilidade, as lágrimas e mil atrativos do seu todo, é por sem duvida a mulher.

O Jornal Publicador Maranhense de 18578, mostra de maneira cômica um retrato

das mulheres, seus comportamentos, personalidade e preferência pelo sexo oposto

determinada pelos seus aspectos físicos:

A encarnada tem uma decidida afeição pela música; se for alta, ama o retiro e as novelas; se for baixa, deve dizer, ao ver passar um bom moço: - Quem será esse jovem? A morena é decidida pelos bailes; se for alta, busca os passeios; se for baixa, os teatros e todas as concorrências. A jovem de olhos negros sonha com um jovem de bigodes dourados que viu uma vez em qualquer parte. A de olhos azuis é dedicada pela raça meridional e pelos que são pálidos. A que se cobre de muito rubor admite o primeiro noivo que lhe dão. A que parece desenvolta admite o primeiro que chega, e sonha com o que não chegou. A que tem pouco trato com pessoas, costuma preferir o cãozinho ao amigo, e alguma julga que é mais querido o moço recém-casado que um marido. Em geral as moças amam os moços.

Segundo Norma Telles (2006), o século XIX é o século do romance. É o romance

que vai difundir a prosa da vida doméstica cotidiana, conquistando um público feminino para

a literatura, tendo como tema central o que os estudiosos contemporâneos denominaram de “o 7 Jornal O Progresso. “A Mulher”, São Luís, 22 de Abril de 1851, Ano V, n.º 31, p. 3. 8 Jornal Publicador Maranhense. “Fisionomia das moças”, São Luís, 25 de Junho de 1857, n.º. 142, p. 3.

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romance da família”, estando incluso aí, o amor, a maternidade e o casamento idealizado,

como temas freqüentes. É importante perceber o papel desempenhado pelos meios e produtos

culturais, pois escrita e saber estiveram de maneira interligada, funcionando como forma de

dominação ao determinarem meios de socialização, no caso específico do romance, como

contribuinte na construção do ideário burguês.

As mulheres da elite, que possuíam acesso à leitura e com tempo livre,

intercalavam aulas de piano, bordados e costuras ao lado das leituras dos romances, embora:

O romance, por mais inocente que fosse, era ainda um gênero literário malvisto, pernicioso para as moças, quando em 1859, os jornais de São Luís anunciavam ‘Úrsula’, de autoria de uma maranhense, ao custo de dois mil réis pela Typografia do Progresso. Logo se soube que o livro, hoje considerado o primeiro romance de uma autora brasileira, era de Maria Firmina dos Reis. (TELLES In PRIORE, 2006, p. 410).

Gilberto Freyre, em Sobrados e Mocambos, faz referência ao Padre Lopes Gama9,

critico dos costumes dos grandes sobrados, que se voltava contra as senhoras afrancesadas da

primeira metade do século XIX, que liam romancezinhos inocentes, bradando contra elas

como se fossem terríveis pecadoras e que as mesmas deveriam ocupar-se mais dos serviços

domésticos relacionados ao lar.

Para o padre-mestre a boa mãe, de família não devia preocupar-se senão com a administração de sua casa, levantando-se cedo a fim de dar andamento aos serviços, ver se partir a lenha, se fazer o fogo na cozinha, se matar a galinha mais gorda para a canja; a fim de dar ordem no jantar, que era às quatro horas, e dirigir as costuras das mucamas e molecas... (FREYRE, 2004, p. 226).

O Padre Lopes da Gama não se conformava que as donas de casa, segundo o

modelo ortodoxamente patriarcal dos princípios do século XIX, estivessem sendo

substituídas:

Por um tipo de mulher menos servil e mais mundano; acordando tarde por ter ido ao teatro ou a algum baile; lendo romance; olhando a rua da janela ou da varanda; levando duas horas no toucador ... outras tantas horas no piano, estudando a lição de música; e ainda outras, na lição do francês, ou na da dança. Muito menos devoção religiosa como antigamente. Menos confessionário. Menos conversa com as mucamas. Menos história da

9 Jornal O Carapuceiro, Recife, 1842.

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carochinha contada pela negra velha. E mais romance. O médico de família mais poderoso que o confessor. O teatro seduzindo a mulher elegante mais que a Igreja . O próprio ‘baile mascarado’ atraindo senhoras de sobrado. (FREYRE, 2004, p. 226).

O escritor José de Alencar (1822-1877), em seus romances urbanos, abordou a

situação social e familiar da mulher, relacionada ao amor e ao casamento, como temas

centrais. No romance urbano Senhora, é contada a história de Aurélia Camargo, que vive com

sua mãe e um irmão no subúrbio do Rio de janeiro. Aurélia é uma personagem forte,

inteligente (diferente das demais mulheres do século XIX retratadas nos jornais) que procura

impor sua condição de mulher a um mundo masculino burguês e machista, na qual todas as

decisões são tomadas pelos homens e pelo dinheiro. Neste romance, o casamento é mostrado

em seu aspecto meramente comercial, por interesse, pois Aurélia vive em um tempo no qual

casamentos arranjados através de dotes são comuns. Muitas damas da alta sociedade, que se

viam obrigadas a casar-se por interesses familiares (econômicos), eram apontadas quando

transgrediam os padrões morais e sociais e muitas eram enviadas aos conventos ficando

muitas vezes até a morte, caso recusassem o casamento de conveniência com o rapaz

escolhido pela família. O casamento entre famílias ricas e burguesas:

Era usado como um degrau de ascensão social ou uma forma de manutenção do status (ainda que os romances alentassem, muitas vezes, ‘uniões por amor’). Mulheres casadas ganhavam uma nova função: contribuir para o projeto familiar de mobilidade social através de sua postura nos salões como anfitriãs e na vida cotidiana, em geral, como esposas modelares e boas mães. Cada vez mais é reforçada a idéia de que ser mulher é ser quase integralmente mãe dedicada e atenciosa, um ideal que só pode ser plenamente atingido dentro da esfera da família “burguesa e higienizada” (D’ INCAO In PRIORE, 2006, p. 229).

É importante perceber a condução do romance “Senhora”, com a sua narrativa

conduzida sob o ponto de vista da heroína, reforçando a idealização do relacionamento

amoroso.

O perfil de Aurélia traçado por José de Alencar (1985, p. 5 e 11), era ainda de

uma moça bem informada e educada, daquelas moças que costumam dominar os mais

diversos e variados assuntos do cotidiano como nas descrições a seguir:

Era realmente para causar pasmos aos estranhos e susto a um tutor, a perspicácia com que essa moça de dezoito anos apreciava as questões mais

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complicadas; o perfeito conhecimento que mostrava dos negócios, e a facilidade com que fazia, muitas vezes de memória, qualquer operação aritmética por muito difícil e intricada que fosse (...) Você toca piano como o Arnaud, canta como uma prima-dona, e conversa na sala com os deputados e os diplomatas, que eles ficam todos enfeitiçados. E como há de ser assim? Quando você quer, Aurélia, fala que parece uma novela.

Podemos ver ainda em “Senhora” a critica ao modo como o dinheiro influía na

sociedade da época, procurando mostrar como elevava as pessoas da alta sociedade, se o

possuíam, e como rebaixavam - nas, se não o tinham, como se percebe no relato da vida de

Aurélia, na sua fase pobre e na sua ascendência após receber a herança de seu avô. A narração

do livro cita por várias vezes como Aurélia recorre ao pensamento de que todos rodeavam-na

por causa do dinheiro que possuía: “Convencida de que todos os seus inúmeros apaixonados,

sem exceção de um, a pretendiam unicamente pela riqueza, Aurélia reagia contra essa

afronta, aplicando a esses indivíduos o mesmo estalão.” (ALENCAR, 1985, p. 3).

A personagem central do romance com traços singulares que a diferenciava das

demais mulheres, em especial seu intelecto não consegue atingir aquilo que era considerado o

ideal feminino, o casamento e a felicidade conjugal. Dentre as inúmeras críticas que o autor

quis fazer à sociedade, aos seus valores pautados no status e no dinheiro, sobressai também à

crítica à mulher que ousa inserir-se no espaço masculino como “senhora de si”.

As representações do feminino também foram captadas pelos viajantes

estrangeiros que visitaram o Brasil no século XIX. Podemos analisar em seus registros como

ficou cristalizado o imaginário da mulher brasileira nesse período e como isso foi repassado

às pessoas, especialmente àquelas que tiveram acesso a essas leituras. Segundo a historiadora

Miriam Moreira Leite10 (1984, p. 30 e 31):

É variável a acolhida da literatura de viagem, junto aos intelectuais brasileiros. Alguns autores teriam sido ridicularizados pela percepção inadequada da realidade; outros foram mal recebidos pelos letrados, da camada dominante da população, identificada com a cultura européia, que freqüentemente reagiu negativamente à inclusão das demais camadas da população, nos retratos do Brasil, traçados pelos viajantes.

A literatura dos viajantes do século XIX registrou um Brasil escravocrata, dando

ênfase especialmente ao cotidiano. Um Brasil das negras amas de leite, delineando 10 Para saber mais sobre a literatura dos viajantes consultar LEITE, Miriam Moreira. A condição feminina no Rio de Janeiro Século XIX, Editora Hucitec, São Paulo, 1984.

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principalmente o perfil das mulheres livres, da mulher branca rica, das damas da elite, e

paralelo a isso, contribuiu ao que já vinha sendo feito pelos jornais e pela imprensa,

enaltecendo a mulher confinada nos conventos, com a educação voltada a preparar-se para o

casamento, a mãe dedicada e responsável pela educação dos filhos, da rainha do lar, etc.

O viajante E. Belman retratou o perfil da mulher prendada, reclusa ao ambiente do

lar e vigiada, explicando que:

Até se casarem quase nunca saem de casa, a não ser quando sob a vigilância da mãe vão à missa; companhia de homens lhes é absolutamente proibida, e este rigor as leva freqüentemente a se entregarem a uma negra de sua confiança, que por caridade cristã assume o honrado papel de alcoviteira, com o que é satisfeita a natural inclinação das brasileiras para a aventura, de modo que até as filhas das famílias melhores, mais cultas, apesar de severamente vigiadas, quase sempre encontram oportunidades para desafiar a vigilância dos pais. No Brasil, a moça bem educada, de boa formação (uma moça muito prendada) é aquela que com um pouco de música e de francês, sabe dançar um solo inglês, sabe bordar, fazer crochê e conhece a difícil arte de descascar, com gosto, uma laranja. (Apud LEITE, 1984, p. 70,71).

Ainda registrando o cotidiano das mulheres, a igreja foi na primeira metade do

século XIX, um local de namoro, segundo o viajante Carl Seider.

A igreja é o teatro habitual de todas as aventuras amorosas na fase inicial, a mais ardente, de sua eclosão. Só aí é possível ver as damas, sem embaraços aproximar-se discretamente e até cochichar algumas palavras. A religião encobre tudo. O mínimo sinal basta para ser compreendido e enquanto se faz devotadamente o sinal-da-cruz pronuncia-se no tom mais fervoroso prece a declaração de amor. Se a dama resolve dar ouvidos ao suspiro enamorado, passada a missa ela lhe dá notícia da ventura eminente, por meio de sua negra, determinando sumariamente data e lugar do encontro – tudo sem afetação ou disfarce; mas a felicidade tão facilmente conquistada muito perde de seu primitivo encanto. Desta maneira os homens, apesar de sua ciumenta atenção, podem ser a cada momento enganados. Assim um estrangeiro nunca deixará de lograr seus desejos, mesmo que não tenha pretensões a bonito, contanto que apareça sempre bem vestido. (Apud LEITE, 1984, p. 37,38).

A escritora Graça Leite no livro de memórias Lá vem Elas – Panorama da

evolução feminina na cidade de Pinheiro, cita as atividades exercidas pela mulher no campo,

no século XIX, em que nos descreve que elas eram essencialmente domésticas e donas de

casa, vivendo em função do “senhor seu marido”, dos filhos e dedicando-se a trabalhos

meramente caseiros, como trabalhos em bordados e rendas em almofadas. Relacionado ao

cotidiano doméstico, descreve ainda, que se as mulheres fossem ricas, possuindo escravas, os

trabalhos mais grosseiros do lar, ficavam a cargo destas, mas caso fossem pobres, tinham

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como tarefas o trabalho de rachar a lenha, torrar e passar o café e preparar diversos alimentos

e atividades como encher água, perto ou longe de casa, abanar ou soprar o ferro das brasas era

outro árduo trabalho das mulheres, além de:

Cuidar do marido, amamentar e criar os filhos. Enfim, era uma vida muito sacrificada, porem aceita com passividade, sem protestos, suportada não só pelo temor e arrogância imposta pelo marido, como pela própria cultura da época que não reconhecia a mulher como companheira do homem e sim como simples objeto a ser manipulado por ele. (LEITE, 2006, p. 30).

O escritor pernambucano Gilberto Freyre em Sobrados e Mocambos, trabalhando

o período patriarcal da sociedade brasileira, especialmente o período imperial, destaca o papel

masculino e feminino e suas participações sociais. Afirma que durante o Império brasileiro,

houve uma ausência quase completa de intervenção da mulher, nas zonas de atividades

artísticas e políticas, ou seja, ocupações em que os homens tinham importante papel de

domínio naquela sociedade.

Da mulher-esposa, quando vivo ou ativo o marido, não se queria ouvir a voz na sala, entre conversas de homem, a não ser pedindo vestido novo, cantando modinha, rezando pelos homens; quase nunca aconselhando ou sugerindo o que quer que fosse de menos doméstico, de menos gracioso, de menos gentil; quase nunca se metendo em assuntos de homem. (FREYRE, 2004, p. 224).

Ainda, segundo Freyre, o processo em que as mulheres foram adquirindo acesso a

Instrução foi lento, aos poucos foram saindo da intimidade doméstica e tendo acesso a: “(...)

um pouco de literatura, de piano, de canto, de francês, uns salpicos de ciência, para

substituir a mãe ignorante e quase sem outra repercussão sobre os filhos, que a sentimental,

da época do patriarcalismo ortodoxo.” (FREYRE, 2004, p. 225).

As imagens extraídas da imprensa, dos jornais, romances e da literatura do século

XIX, indicam como eram inseridos e difundidos pela elite burguesa em formação, as imagens

e estereótipos atribuídos às mulheres. É recorrente encontrarmos com maior freqüência as

imagens de boa mãe, esposa e rainha do lar. Eram esses os perfis idealizados, desejáveis e

predominantes naquela sociedade, na medida em que se buscava uma “gestora” para o

ambiente familiar, uma educadora para os filhos, uma esposa zelosa com o marido e uma

comandante para os assuntos domésticos, pois o esposo, figura pública, agora passava boa

parte do tempo fora de casa, a cuidar dos negócios da vida pública, em detrimento da vida

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privada.

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2 A EDUCAÇÃO FEMININA NO MARANHÃO NA PRIMEIRA METADE DO

SÉCULO XIX:

No período colonial não havia praticamente escolas no Brasil, apenas alguns

conventos, seminários e os colégios de jesuítas. Segundo Ribeiro (1998, p. 26), os jesuítas

implantaram o curso de humanidades, isto é, os estudos menores, que se compunham de

quatro séries de Gramática, uma de Humanidades e uma de Retórica. A escola de ler e

escrever existia nos colégios para que alguns alunos fossem introduzidos nessas técnicas

indispensáveis ao acompanhamento do curso de Humanidades. O característico da época é

que elas fossem adquiridas dentro das próprias famílias dos senhores de engenho, geralmente

com os tios letrados. A igreja católica, até a expulsão dos jesuítas, foi detentora da educação

ministrada no Brasil Colônia, sendo que, “os colégios jesuíticos foram o instrumento de

formação da elite colonial.” (RIBEIRO, 1998, p. 23).

Após 1759, com a expulsão dos jesuítas pelo Marquês de Pombal, outras ordens

religiosas dedicaram-se à instrução, como a dos carmelitas, beneditinos e franciscanos. Ao

mesmo tempo em que suprimia as escolas jesuíticas de Portugal e de todas as colônias,

Pombal implantava ainda o ensino público oficial através das aulas-régias de disciplinas

isoladas de Latim, Grego e Retórica, compreendendo o estudo das humanidades na qual cada

aula régia era autônoma, com professor único e uma não se articulava com as outras, sendo

pertencentes ao Estado e não mais restritas à Igreja, tornando-se a primeira forma do sistema

de ensino público no Brasil.11

A sociedade brasileira do inicio do XIX conservava o modelo de família patriarcal

baseado na escravidão e no latifúndio. A pouca educação que era ministrada nesse período, se

dava de forma restrita e geralmente direcionada ao homem livre, pois nem todos podiam

11 Apesar da novidade imposta pela Reforma de Estudos realizada pelo Marquês de Pombal, em 1759, o primeiro concurso para professor somente foi realizado em 1760 e as primeiras aulas efetivamente implantadas em 1774, de Filosofia Racional e Moral. Em 1772 foi criado o Subsídio Literário, um imposto que incidia sobre a produção do vinho e da carne, destinado à manutenção dessas aulas isoladas. Na prática o sistema das Aulas Régias pouco alterou a realidade educacional no Brasil, tampouco se constituiu numa oferta de educação popular, ficando restrita às elites locais. Ao rei cabia a criação dessas aulas isoladas e a nomeação dos professores, que levavam quase um ano para a percepção de seus ordenados, arcando eles próprios com a sua manutenção. Ver Glossário do livro: História, Sociedade e Educação no Brasil - HISTEDBR - Faculdade de Educação – UNICAMP 2006. Verbete elaborado por Sônia Maria Fonseca.

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freqüentar os seminários, como alguns “pardos” 12 e os escravos, estes últimos, considerados a

escória da sociedade, e a escravidão significando uma negação de acesso a qualquer forma de

escolarização. As mulheres constituíam um segmento considerado inferior, que na opinião

corrente do meio patriarcal oitocentista, não necessitava de instrução, constituindo com isso

uma identidade feminina marcada pela submissão a autoridade masculina, enclausurada nas

casas-grandes e nos sobrados, restrita ao mundo doméstico e quase ausência no cenário

público ou escolar. As sinhás e sinhazinhas ficaram praticamente excluídas da educação

existente nesse período que se estende até a emancipação política do Brasil. Para LOURO (In

PRIORE, 2006, p. 444), há evidências de que a divisões de classe, etnia e raça tinham um

papel importante na determinação das formas de educação utilizadas para transformar

crianças em mulheres e homens. A essas divisões se somaria ainda as divisões religiosas, que

também implicariam diversidades na escolarização.

A estrutura sócio-econômica do período colonial, fundada no grande latifúndio

agro-exportador escravista e no domínio dos senhores proprietários “deu pouca deu pouca

atenção ao ensino formal para os homens e nenhuma para as mulheres. O isolamento, a

estratificação social e a relação familiar patriarcal favoreceram uma estrutura de poder

fundada na autoridade sem limites dos homens donos de terras.” (BELTRÃO e ALVES,

2004, p. 3).

Quando se inicia o século XIX, as mulheres maranhenses da elite ainda viviam

afastadas do convívio sociocultural e imersas em antigos preconceitos. O direito básico de

aprender a ler e a escrever, reservado ao sexo masculino, era ministrado com restrições às

jovens de camadas médias e altas, havendo um temor por parte dos pais de que o

conhecimento das letras pudesse prejudicar o controle que exerciam sobre estas.

Sobre a população e o nível educacional na cidade de São Luis, no inicio do

século XIX, Lacroix (2002, pág. 72), apoiando-se nas informações dos viajantes Koster e

Tollener, aponta uma cidade que em 1810 contava aproximadamente com doze mil

habitantes, dos quais 71% eram de escravos e 29% livres e, desses últimos, nem todos eram

ricos ou cultos. Sobre esse grande contingente de escravos, Elizabeth Sousa Abrantes (2002,

pág.20), esclarece que:

12 A ‘Questão dos Moços pardos’ surge da proibição, por parte dos jesuítas, da matrícula e freqüência de mestiços “por serem muitos e provocarem arruaças”. Como eram escolas públicas, pelos subsídios que recebiam foram obrigados a readmiti-los. (RIBEIRO, 1998, p.24).

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São Luís era uma cidade onde a maioria da sua população era negra ou mestiça devido a forte presença de escravos africanos e seus descendentes, com uma ordem fundada na exploração e na desigualdade social, sendo fundamental para as elites dirigentes e dominantes o controle dessa população. O medo de revoltas com a participação de grandes contingentes populares, inclusive escravos, como as que se sucederam na Regência em todo o país, contribuiu para uma maior coesão das elites em torno de seu projeto político de dominação.

Com a presença da corte portuguesa no Brasil a partir de 1808, foram criados

cursos de nível superior, tais como a Academia Real da Marinha, Academia Real Militar,

Academia Médico-cirúrgica da Bahia e Academia Médico-cirúrgica do Rio de Janeiro e

cursos de nível técnico em Economia, Botânica, Geologia e Mineralogia e, em 1834, com a

instituição do Ato Adicional13, foi atribuído às províncias a criação e manutenção dos ensinos

primário e secundário.

Nos relatos deixados por viajantes, que visitaram o Brasil no inicio do século

XIX, destaca-se o pouco acesso das mulheres à educação, incluindo-se aí, o aprendizado da

leitura e da escrita, estando isoladas no meio doméstico. Segundo relato de 1816, de Jean

Baptiste Debret (Apud LEITE, 1984, p. 68):

Desde a chegada da Corte ao Brasil tudo se preparara, mas nada de positivo se fizera em prol da educação das jovens brasileiras. Esta, em 1815, se restringia, como antigamente, a receitar preces de cor e a calcular de memória, sem saber escrever nem fazer as operações. Somente o trabalho da agulha ocupava seus lazeres, pois os demais cuidados relativos ao lar são entregues sempre às escravas.

No Império a legislação veio estender o direito ao ensino primário às mulheres,

embora na prática elas continuassem excluídas. A primeira legislação autorizando a abertura

de escolas públicas femininas data de 1827, e até então as opções eram alguns conventos, que

educavam as meninas para o casamento, com conteúdo moral e religioso:

A educação da menina devia se preocupar com a formação de seu caráter e correção dos maus instintos. Os ideais de obediência e submissão deviam ser transmitidos através de ensinamentos morais, e todas concordavam que era preciso educá-las porque elas educariam o homem de amanhã. Quanto mais

13 Lei promulgada em 06 de agosto de 1834 que reformou a Constituição do império, descentralizando o poder e garantindo uma relativa autonomia às províncias. Com o ato, passaram a ter seu próprio legislativo, mantendo-se, contudo, submetidas à Carta Constitucional de 1824. O Ato também extinguiu o Conselho de Estado, criou o Município Neutro, onde estava instalado o governo central, e instituiu a Regência Una. Além disso, introduziu a divisão dos poderes tributários, que permitiu às províncias arrecadarem os seus próprios recursos.

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bem formadas fossem as mulheres, do ponto de vista moral e religioso, mais elas garantiriam o bom caráter dos filhos. (DUARTE, 2003, pg. 1.2).

Como atesta LOURO (In PRIORE, 2006, p. 446), havia múltiplas concepções

para educação da mulher nessa sociedade, sendo que dentre essas concepções, um discurso

ganhava força e hegemonia, parecendo aplicar-se a muitos grupos sociais, era um discurso

que afirmava que as “mulheres deveriam ser mais educadas do que instruídas, ou seja, para

elas, a ênfase deveria recair sobre a formação moral, sobre a constituição do caráter, sendo

suficientes, provavelmente, doses pequenas ou doses menores de instrução.” Acrescenta

ainda, que na opinião de muitos não havia porque mobiliar a cabeça da mulher com

informações ou conhecimentos, já que seu destino era seu papel de esposa e mãe, exigindo

acima de tudo uma moral sólida e bons princípios. “Ela precisaria ser em primeiro lugar, a

mãe virtuosa, o pilar de sustentação do lar, a educadora das gerações do futuro.”

Sendo raras as escolas públicas, o mais comum para o ensino das moças de

camadas médias era o ensino nas casas das professoras, ou o ensino individualizado na casa

da aluna, com destaque para o ensino de prendas domésticas. Só podemos vislumbrar um

maior surgimento de escolas públicas e particulares na Província, já praticamente no final da

primeira metade do século XIX, como o “Colégio Nossa Senhora da Glória”, fundado em

1844, por Dona Martinha Abranches. A partir da segunda metade do século XIX, este quadro

será alterado em virtude até das próprias demandas da sociedade:

A instrução feminina em São Luís apresentava algumas mudanças, com um maior numero de estabelecimentos de ensino, onde já era possível, especialmente às mulheres das camadas sociais mais privilegiadas, que podiam estudar em escolas particulares, obter uma instrução mais elevada. (ABRANTES, 2004, p. 3).

Foram mulheres como Dona Martinha Abranches, que durante o século XIX,

tendo uma educação diferenciada, vieram estender os benefícios do conhecimento e da

instrução às demais mulheres, abrindo escolas, publicando livros, escrevendo em jornais e

enfrentando a opinião corrente de que mulher não precisava saber ler e nem escrever.

Nesse campo educacional destaca-se a maranhense Maria Firmina do Reis14,

autodidata que tornou-se uma mescla de educadora, abolicionista, escritora, poetisa,

14 Nascida em São Luis em 1825, filha ilegítima, viveu com a família extensa, constituída pela avó e por duas gerações de irmãs, a mãe e a tia materna, ela e a irmã. Uma casa de mulheres. (TELLES In PRIORE, p. 410).

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romancista e jornalista, autora do romance Úrsula15, foi participante ativa na vida intelectual

maranhense, participando da imprensa local, publicando livros, dando contribuições na

música como compositora e tendo um importante papel na educação maranhense do século

XIX. Nas palavras de TELLES (In PRIORE, p. 410),

Maria Firmina dos Reis16 ganhava a vida como professora. Em concurso estadual de 1847, foi a única aprovada para instrução primária na Vila de Guimarães, onde passou a residir... A professora morava e lecionava em casa, como era de costume. Era reconhecida como Mestra Régia, o que na época significava professora formada e concursada em contraposição a professora leiga. Ensinar, mesmo sem preparo, foi para as mulheres do século passado uma oportunidade de trabalho. As escolas normais, onde quer que surgissem, atraíam grande quantidade de moças, pois foram durante anos, uma possibilidade de desenvolvimento pessoal e de carreira.

A primeira escola mista no Maranhão, ou seja, na qual meninos e meninas

passaram a estudar juntos, foi fundada e administrada por Maria Firmina dos Reis já na

segunda metade do século XIX, sendo criada no povoado de Maçaricó, na cidade de

Guimarães, interior da Província, onde eram ministradas aulas para a população carente, como

descreve TELES (In PRIORE, p. 411),

Um ano antes de aposentar-se, com trinta e quatro anos de magistério público oficial, Maria Firmina dos Reis fundou, a poucos quilômetros de Guimarães, em Maçarico, uma aula mista e gratuita para alunos que não pudessem pagar. Estava então com 54 anos. Toda manhã, subia em um carro de bois para dirigir-se a um barracão de propriedade de um senhor de engenho, onde lecionava para as filhas do proprietário. Levava consigo alguns alunos, outros se juntavam. Um experimento ousado para a época.

No período pós-independêcia, com uma maior diversidade na economia e

crescimento populacional, bem como o projeto político da nova nação de estabelecer o

controle social, despontou também uma maior necessidade de instrução e educação:

15 Úrsula, “romance original brasileiro”, narra um romance de amor entre uma jovem, Úrsula, e um bacharel de direito, entrelaçando-o com a narrativa da vida dos escravos, que guardam a lembrança da África, com suas raízes e costumes. (TELLES In PRIORE, p. 413). 16 Para melhor aprofundamento sobre Maria Firmina dos Reis, consultar a monografia A busca pela mulher e escritora oitocentista maranhense Maria Firmina dos Reis: recuperando trajetórias de sua vida. SANTIAGO, Luciana Ayres Coimbra. São Luís, UFMA, 2006.

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Que passou a ser vista como um instrumento de ascensão social pelas camadas sociais intermediárias. Nesse novo contexto, pela primeira vez os dirigentes do país manifestaram preocupação com a educação feminina. Os primeiros legisladores do Império estabeleceram que o ensino primário deveria ser de responsabilidade do Estado e extensivo às meninas, cujas classes deveriam ser regidas por professoras. Porém, devido à falta de professoras qualificadas e sem conseguir despertar maior interesse dos pais, o ensino sequer logrou ensinar uma percentagem reduzida de alunas a ler e a escrever, sendo muito grandes suas deficiências em todo o país. (BELTRÃO e ALVES, 2004, pág.4).

Tal preocupação com a educação se justifica, à medida que é nesse período que se

afirma, por parte do Estado, um projeto de escolarização da infância brasileira, compreendida

como estratégia de ordenamento social e difusão de um projeto civilizatório associado aos

Estados europeus nascentes, que segundo GOUVÊA (2001, p. 07),

O ideário da educação feminina ao longo dos oitocentos, mesmo não correspondendo a experiência de vida de grande parte das mulheres, buscava dar sentido aos projetos de sua escolarização. Tais projetos tinham em vista a produção de um feminino capaz de ordenar a família de acordo com o modelo europeu de uma sociedade civilizada e ordeira. Principalmente na primeira metade do século XIX é o papel da mulher na formação das novas gerações de acordo com os princípios civilizatórios que fundamentava os discursos educacionais.

Estabelecia-se uma relação entre o modelo feminino voltado para a vida

doméstica e a difusão do ideário burguês europeu de família. Para LOURO (2006, p. 454) “o

culto da domesticidade já vinha se constituindo ao longo do século XIX e representava uma

valorização da função feminina no lar, através da construção de vínculos entre o espaço

doméstico e a sociedade mais ampla.”

Sobre essa influência européia, especialmente a francesa, a sociedade maranhense

se destaca por esse culto ao Galicismo no século XIX. “Logo nas primeiras décadas do

século XIX despontou a influência política e ideológica francesa em discursos de deputados

maranhenses; os temas políticos, idéias liberais, e o vocabulário, aparecem nos poemas,

romances e artigos de jornais da intelectualidade maranhense” (LACROIX, 2002, pág. 50).

A autora cita a influência francesa na educação maranhense do século XIX, ao destacar o caso

da tentativa de criação da escola normal:

Como medida primordial para a fundação da primeira escola normal, em 1840, o governador da Província mandou à França, Felipe Benicio de

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Oliveira Conduru, futuro diretor do aludido estabelecimento de ensino, para estudar o método Lancaster17 de Ensino (...) O modelo de ensino francês preponderou em todo o Brasil, acontecendo atitudes semelhantes por parte do governo e outras províncias. (LACROIX, 2002, p. 51).

Aos homens era ensinado a escrever, ler e contar, ou seja, leitura, escrita e cálculo.

A educação primária oferecida às mulheres, em geral, consistia no ensino de conteúdo moral,

social e religioso, além do trabalho manual, como coser, lavar, a delicada arte de ‘ser mulher’,

de ser mãe, dona de casa, e um pouco de música, dança, bordados, orações, etc. Princípios

considerados morais como a timidez, eram ensinados às mulheres a fim de serem tímidas, ou

mostrar-se dessa forma diante de estranhos, dirigido com o intuito de fortalecer o papel de

mãe e esposa. Mais tarde a educação secundária feminina ficou restringida ao magistério, ou

seja a formação de professoras para os cursos primários. Dessa forma, “a instrução formal

aparecia como um coroamento da educação feminina, como preparo para a missão de mãe e

não como uma forma de obterem emancipação intelectual ou profissional e econômica.”

(ABRANTES, 2004, pág. 157). Sendo assim, o ‘belo sexo’ continuava excluído dos graus

mais elevados de instrução durante o decorrer do século XIX. “A tônica permanecia na

agulha, e não na caneta” (BELTRÃO e ALVES, 2004, p. 4).

Nesse contexto a escola funcionava como espaço de difusão de uma moral

civilizada, em que à mulher era destinada a administração do espaço doméstico e privado, em

funções relacionadas aos cuidados com a casa, com o marido e com a educação dos filhos. Ou

seja, nas palavras de GOUVÊA (2001, p. 4), “no ideário civilizatório que se propagava cabia

a mulher a formação das novas gerações, no interior da família, ideário que contrastava com

as experiências de vida de grande parte das mulheres da província.”

Os espaços escolares criados também funcionavam como novos espaços de

socialização e era uma oportunidade para as mulheres saírem do ambiente privado do lar,

significando um deslocamento das meninas para o acesso ao mundo público.

17 A introdução do método de Lancaster ou de ensino mútuo e as esperanças que suscitou constituem um dos episódios mais curiosos e significativos dessa facilidade, que nos é característica, em admitir soluções simples e primárias para problemas extremamente complexos. Segundo esse método que esteve em voga por mais de vinte anos, cada grupo de alunos (decúria) era dirigido por um deles (decurião), mestre da turma, por menos ignorante ou, se o quiserem, por mais habilitado. Por essa forma em que o professor explicava aos meninos e estes divididos em turmas, mutuamente se ensinavam, bastaria um só mestre para uma escola de grande número de alunos. Numa escola primária, de 500 alunos, por exemplo, em vez dos doze professores necessários para doze classes, cada uma de 40 alunos, mais ou menos, não seria necessário mais que um professor, que descarregaria em 50 alunos de melhor aproveitamento o ensino dos restantes distribuídos em decúrias. (AZEVEDO, 1960, p. 564).

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Segundo LACROIX (2002, p. 51), depois de concluírem o primário, alguns

meninos mais afortunados foram geralmente estudar na Europa o secundário e os cursos

superiores de Filosofia, Matemática, Direito ou Medicina.

Nos Relatórios de Presidentes da Província do Maranhão, na primeira metade do

século XIX, encontra-se poucas menções a educação que era oferecida ao público feminino.

Os relatórios versam basicamente sobre os mapas18 de freqüência dos alunos, a prioridade

dada ao sexo masculino pelo poder público quanto ao atendimento escolar, a quantidade de

escolas públicas e particulares, a quantidade de alunos inscritos, a má qualidade de ensino

oferecido ou a má qualificação do professor.

Segundo Relatório do Presidente de Província João Antonio de Miranda19, de

1841, a Capital contava além do Liceu, quatro escolas públicas de primeiras letras para ambos

os sexos, freqüentadas por duzentos e trinta alunos, bem como dezoito [aulas] particulares

para meninos e três para meninas, inclusive uma de Latim, além de um Colégio particular

regido por Antônio Joaquim Gomes Braga, subindo a quinhentos e noventa e seis o número

dos alunos matriculados, compreendendo os dezessete estudantes do Seminário Episcopal

dando um total de 976 o número de escolares que freqüentavam estudos na Capital. Ainda

segundo o relatório, dando como provável o cálculo estatístico da cidade de São Luís de cerca

de 11.200 ‘almas livres’ e destas, 3 a 4 mil com idade própria para o ensino, resultará que a

instrução está sendo dada numa relação de 1:3, ou seja, para cada pessoa livre estudando, três

estão fora da escola.

Para o Interior da Província seus dados são mais imprecisos, mas o relatório

registrou cerca de oito cadeiras de Gramática Latina e quarenta de Instrução primária,

inclusive oito para meninas.

O relatório aponta também algumas dificuldades que impediam o progresso da

Instrução na província, a exemplo da falta de um centro que reduzisse as escolas a um único

sistema, uniformizando a instrução e o modo de transmissão dos conteúdos. Esse papel de

ponto de unidade que caberia ao Liceu estava sendo enfraquecido pela Lei n.º 93 que dava aos

18 Sinto não poder informá-vos qual seja o estado de educação elementar nesta Província. De cinqüenta e duas escolas, não compreendendo as do Liceu, só de sete recebi os mapas dos Alunos que as freqüentam, que em resumo vos apresento debaixo do n.º 2; isto prova o pouco zelo nos Professores em cumprir os seus deveres.” (Trecho de discurso proferido em 03 de Maio de 1840, por Luiz Alves de Lima, presidente e comandante das armas da Província, na ocasião da abertura da Assembléia Legislativa Provincial. Typ. De I.J Ferreira, 1840); 19 Trecho de discurso proferido em 03 de Julho de 1841, por João Antonio de Miranda, presidente da Província, na ocasião da abertura da Assembléia Legislativa Provincial. Typ. Monarchica Const. De F. de S.N. Cascaes, anno, 1841.

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prefeitos e sub-prefeitos uma inspeção sobre o regime das aulas e comportamento dos

professores e do Liceu uma inspeção puramente científica versando sobre doutrinas e

métodos; Outro problema era a inaptidão da maior parte dos professores. Havia ainda a

reclamação dos professores sobre a falta de casas e cômodos para o bom desempenho de suas

obrigações e bom acolhimento dos seus discípulos.

A situação da Instrução Pública, conforme os relatórios dos presidentes da

Província do Maranhão na 1ª metade do século XIX, era de grande deficiência, havendo

críticas à Lei de 15/10/1827, como esta feita pelo Presidente Vicente Thomaz Pires de

Figueiredo Camargo em 1838:

Senhores, debaixo do Império desta Lei, é fácil ver que o homem de saber não quer se entregar à penosa ocupação de instruir a mocidade, uma vez que, em troco lhe outorgam tão poucas vantagens. As escolas serão regidas por mestres inábeis; e quando, por ventura, pessoa de talento exerça o Magistério, vendo mal retribuídas suas fadigas, não empregará inteiro desvelo ao ensino. De tudo isto resulta que os alunos, ou alcançam vagaroso adiantamento, ou as aulas são pouco freqüentadas. Estes inconvenientes conseguirão atalhar por uma lei, que imprima uniformidade na instrução elementar; que sujeite os Mestres a uma restrita fiscalização; marque-lhes uma gratificação em razão do aproveitamento do maior número de alunos manifestado por exames rigorosos; descreva regras para jubilação; determine os casos, em que eles podem ser demitidos: uma Lei enfim, que revista de consideração os seus professores aos seus próprios olhos, e aos do Público, convença aos [ilegível] da certeza do castigo, e seduza os diligentes pelo atrativo da recompensa.

O Estado pouco investia na educação feminina, tornando-se restrito o numero de

escolas destinadas às meninas na Província, confirmando a precariedade do ensino ministrado

a elas, em contrapartida mostrava-se diferenciado em relação a população masculina, mais

privilegiada nos projetos de escolarização.

Segundo TELES (In PRIORE, 2006, p. 410), São Luis, em meados do século

XIX, era culturalmente dominada por latinistas e helenistas de valor, mas a situação do ensino

era precária, como acontecia em todo o Império. Em 1857, entre os alunos de aulas públicas e

particulares na província, havia 1849 meninos e 347 meninas cursando o primário e uns 200

alunos do secundário. Portanto, as oportunidades de estudo para as moças eram mínimas.

Nas Províncias brasileiras havia escolas em maior número para os meninos, mas

também para meninas; escolas fundadas por congregações e ordens religiosas femininas ou

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masculinas; escolas mantidas por leigos, ficando os professores para as classes de meninos e

professoras para a classe de meninas.

Deveriam ser eles e elas, pessoa de moral inatacável; suas casas seus filhos e filhas. As tarefas desses mestres e mestras não eram, contudo, exatamente as mesmas. Ler, escrever e contar, saber as quatro operações, mais a doutrina cristã, nisso consistiam os primeiros ensinamentos para ambos os sexos; mas logo algumas distinções apareciam: para os meninos, noções de geometria; para as meninas, bordado e costura. (LOURO In PRIORE, 2006, p. 444).

Há poucos estudos relacionados à educação direcionada a mulher existente no

interior da Província do Maranhão na primeira metade do século XIX. No livro de memórias

Lá vem elas” – Panorama da evolução feminina na Cidade Pinheiro – Graça Leite (2006, p.

31) no parágrafo intitulado Instrução, descreve a educação da mulher pinheirense da seguinte

forma:

A maioria das mulheres do século XIX era analfabeta, até mesmo aquelas que integravam a classe ‘elite’, ou seja, as esposas e filhas dos fazendeiros e senhores de engenho... Para elas, quando alfabetizadas, bastavam as primeiras letras, visto que a almofada e os bastidores deveriam ser o seu melhor livro, segundo os costumes da época.

O século XIX veio destacar-se dos anteriores, pelas transformações de ordem

política, social e econômica ocorridas nesse período. A fundação do Estado Nascente, após a

Independência, buscava solidificar sua presença nas diferentes províncias, como no

Maranhão, que só veio aderir um ano depois da separação oficial. Porém, houve uma onda de

revoltas, que seriam freqüentes em várias dessas províncias, revoltas marcadas pela disputa

das elites e da população local pelo poder e pela afirmação de sua autonomia, demonstrando

uma espécie de fragilidade do poder imperial. Muitas dessas revoltas se tornaram guerra

popular como a Cabanagem no Pará e a Balaiada no Maranhão. Segundo Maria Cristina

Gouvêa:

Toda essa tensão social e política deixaria suas marcas no processo de institucionalização da escola elementar, ao longo do período... No Brasil, o processo de institucionalização da escola elementar foi marcado pela precariedade. A instrução assumia centralidade nas discursões políticas e na formulação de estratégias de formação da população, aos moldes europeus. Momento de intensos debates acerca da necessidade de difundir as luzes às camadas inferiores da sociedade, nas décadas iniciais do governo imperial registram-se esforços em organizar a instrução publica, voltada principalmente para essas camadas da população. O grande contingente populacional marcado pela pobreza era considerado uma ameaça à

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tranqüilidade pública, sendo-lhe atribuída responsabilidade sobre a criminalidade e a instabilidade dos governos. Em consonância com os ideais iluministas, acreditava-se na instrução como um meio de civilizar essa população, possibilitando a sua submissão às leis e à almejada ordem, contribuindo para o fortalecimento do Estado imperial. (GOUVÊA, 2006, pág. 5).

Na década de 1830 eram raras as mulheres brasileiras e maranhenses instruídas.

Nesse momento podemos destacar o nome de Nísia Floresta Brasileira Augusta20 (1810-

1885), considerada uma das primeiras mulheres no Brasil a romper as limitações do espaço

privado e a publicar textos em jornais da chamada ‘grande’ imprensa. O seu primeiro livro:

Direito das mulheres e injustiça dos homens21, de 1832, é o primeiro livro a tratar do direito

das mulheres à instrução e ao trabalho.

Se cada homem, em particular, fosse obrigado a declarar o que sente a respeito do nosso sexo, encontraríamos todos de acordo em dizer que nós nascemos para seu uso, que não somos próprias senão para procriar e nutrir nossos filhos na infância, reger uma casa, servir, obedecer, e aprazer a nossos amos, isto é, a eles homens (...), entretanto, se quiséssemos falar a verdade, é fora de toda dúvida que o vitupério recai principal e originalmente sobre os homens; porque se se quiser somente conceder às mulheres as vantagens da educação e do saber, elas aprenderão a desprezar essas loucuras e bagatelas, que lhes granjeiam presentemente um injusto desprezo; elas estarão em estado de dar aos homens uma melhor opinião da capacidade de seu engenho e da disposição do seu coração, e os homens diminuirão e reformarão gradualmente seus maus procedimentos, a proporção da estima que lhes espirarmos. Elas capricharão em aperfeiçoar seus talentos, melhor adquirirão os conhecimentos, ocupar-se-ão à entreter os homens instrutivamente a juntar a solidez aos seus encantos. (FLORESTA, In DUARTE, 2005, p. 69 e 83).

20 Nísia Floresta Brasileira Augusta era o pseudônimo adotado por Dionísia de Faria Rocha, nascida num pequeno sítio de propriedade dos pais em Papari, no Rio Grande do Norte, localidade que hoje recebe seu nome. Era filha de Antonia Clara Freire, uma moça analfabeta, de família muito rica, e de um advogado e escultor português, Dionísio Gonçalves. Casou-se aos 13 anos, em 1823, e deixou o marido no ano seguinte, quando o pai fugiu para o Recife devido a perseguições políticas. Por ter largado o marido, foi repudiada por toda a sua família, com exceção da mãe que, enquanto viveu, sempre lhe deu apoio. Em Recife, o pai é assassinado em 1828, e a moça passa a ter de sustentar a mãe e os três irmãos. Estava com 20 anos quando foi ensinar em um colégio. Passou por muitas dificuldades financeiras. Em 1832, no mesmo ano em que publica Direitos das mulheres e injustiça dos homens, casa-se novamente, agora com Augusto de Faria Rocha, advogado e acadêmico. O casal, com a filha Lívia Augusta e o filho Augusto Américo, muda-se em 1838 para Porto Alegre em busca de melhores oportunidades. Nesse mesmo ano o marido morre e ela, viúva, parte com os filhos para o Rio de Janeiro, onde funda o Colégio Augusto. (TELLES IN PRIORE, 2006, p. 405). 21 Nesse primeiro livro, nos posteriores como Conselhos á minha filha (1842) e nos escritos publicados na Europa, sua preocupação primeira é com a educação das mulheres; pensava que o ensino poderia ser capaz de mudar as consciências e a vida material. Nísia trata, por isso, da ausência da mulher no mundo, dos limites impostos pelos homens à sua educação, pois a eles não interessava contrariar um modelo de sociedade que lhes havia dado o domínio. Essas são idéias que até o final do século podem ser encontradas na obra de algumas escritoras brasileiras (TELLES IN PRIORE, 2006, p. 406).

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Segundo Nísia Floresta, era ridícula a idéia dominante da superioridade

masculina. O seu argumento era que “homens e mulheres são diferentes no corpo, mas isto

não significa diferenças na alma.” Ou o que os tornava desigual resultando em inferioridade

“vêm da educação e circunstâncias de vida.” Podemos relacionar a isso à questão do gênero,

como um processo de construção sociocultural e é através dessa construção que “os homens

se beneficiam com a opressão feminina, e somente o acesso à educação permitiria às

mulheres tomarem consciência de sua condição inferiorizada.” Por essa razão a crítica feita

por Nísia Floresta a credenciava como “uma voz feminina revolucionária, denunciava a

condição de submetimento em que viviam as mulheres no Brasil e reinvidicava sua

emancipação, elegendo a educação como o instrumento através do qual essa meta seria

avançada”. (LOURO In PRIORE, 2006, p. 444).

Comentando o pensamento de Nísia Floresta e dos objetivos do discurso feminista

da autora que pretendia reformas na ordem vigente e mostrar a capacidade feminina, Abrantes

(2004, p. 153), fez a seguinte síntese:

A mulher deveria ser bem instruída para ser um modelo perfeito de mãe, onde suas filhas pudessem se inspirar e seus filhos aprendessem as lições que os tornariam os cidadãos úteis para a sociedade. A liberdade feminina pela educação e igualdade pretendida entre homens e mulheres, ainda não era a dos direitos políticos, mas de poder realizar de forma digna os papeis sociais que caberiam aos dois sexos. A mulher não deveria ser mantida na clausura e na ignorância sob a justificativa de que era de natureza frágil, sentimental, passiva, sugestionável, podendo ser facilmente seduzida e corrompida; pois considerava que uma instrução sólida destacaria as ‘boas qualidades femininas’, e o que seria seu ponto fraco era convertido em força, já que a ‘fraqueza escudada nas virtudes cristãs será sempre invencível.

Ao analisar o trajeto seguido pelas mulheres na conquista de seus direitos mais

primários, como o de ser alfabetizada, poder freqüentar escolas e ser considerada como um

ser dotado de inteligência percebemos as dificuldades dessa trajetória. Ao mesmo tempo

verifica-se o legado deixado por muitas delas, escritoras, abolicionistas e educadoras, a

exemplo das que foram citadas neste trabalho, como a norte rio-grandense Nísia Floresta

Brasileira Augusta, a abolicionista e escritora maranhense Maria Firmina dos Reis e a

educadora espanhola radicada em São Luis, província do Maranhão, Dona Marta Alonso

Veado Alvarez de Castro Abranches, mais conhecida por Dona Martinha.

Havia uma consciência entre elas de que faziam parte de uma reduzida elite de

mulheres letradas, que através da educação puderam alcançar uma condição em parte

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diferenciada da maioria das mulheres de seu tempo, e conseqüentemente tentar melhorar a

condição de vida a que estavam submetidas.

Contudo, mesmo avançando em muitos aspectos, a educação direcionada às

mulheres na 1ª metade do século XIX ainda era uma educação de submissão e de preceitos

morais, ou seja, do que deveria ou não ser feito para que a mulher se tornasse uma boa esposa,

uma boa mãe e que essa educação fosse repassada aos filhos. Dessa forma, a mulher ainda

estaria presa aos âmbitos do lar:

As expectativas femininas de acesso ao saber serão, portanto, desvirtuadas como resultado do projeto que considerava a mulher a responsável pela família e capaz de operar a ‘regeneração social’... Queriam a emancipação, mas reforçavam a dependência e sua subordinação ao lar, segundo o cânone patriarcal. Se por um lado a conquista da instrução surgiu como uma das mais importantes reivindicações femininas, a educação representou, para a maioria, a ênfase em sua função moralizadora. Tanto é verdade que as escritoras aceitaram o novo prestigio implícito nos títulos de mãe e esposa...A nova mãe de família cabia zelar pelo bem estar de todos, pela paz doméstica, pela educação e sobrevivência dos filhos e pela vigilância da moralidade.” (DUARTE, 2003, pág. 3 e 4).

Para Elizabeth Abrantes (2004, p. 154), o traço do discurso feminista da escritora

Nísia Floresta, que justificava a instrução feminina para o melhor desempenho da função

materna, não deve ser visto como conservador, pois já representa um grande avanço para a

reflexão da sociedade brasileira sobre a condição feminina da época e um desafio para a

mentalidade patriarcal vigente que insistia em manter a mulher numa total submissão

mediocridade, sem a educação que merecia.

De algum modo, é necessário compreender a importância desses primeiros passos

dados pelas mulheres rumo à educação, buscando superar os preconceitos, no momento em

que esses benefícios da instrução serviram como uma alavanca, de saída de uma vida

geralmente restrita ao lar e sem perspectivas. Este quadro de luta pela emancipação se

desenhará mais firmemente a partir da segunda metade do século XIX. As sementes foram

lançadas...

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3 DONA MARTINHA ABRANCHES: “SEMEADORA DE LUZES”

Marta Alonso Veado Alvarez de Castro, conhecida em São Luís por Dona

Martinha, era originária da alta aristocracia espanhola. Nasceu no Principado das Astúrias, por

volta de 1800. Sua família emigrou para o Brasil em decorrência da invasão do exército

napoleônico à península ibérica. Sua chegada em São Luís, capital da Província do Maranhão

foi explicada por seu neto, Dunshee de Abranches22 da seguinte maneira:

Um temporal violento fizera aportar em São Luís um navio em que viajava com destino ao Rio de Janeiro uma dama da mais alta aristocracia espanhola, acompanhada de seu segundo esposo, ilustre oficial francês e de uma filha do seu primeiro matrimônio, de 17 anos incompletos. Foram seus hóspedes por algum tempo até que aparecesse uma embarcação para seguirem rumo ao sul. (ABRANCHES, 1933, p. 16)

Em São Luís, Marta Alonso radicou-se, casando-se com o viúvo João Antonio

Garcia de Abranches23, fidalgo português, proprietário de escravos, de fazendas agrícolas e

pastoris, monarquista ferrenho, escritor e jornalista, fundador e proprietário do “Jornal O

censor Maranhense”, tendo o mesmo recebido a denominação de O Censor. 24

A jovem Marta Alonso, “formosíssima donzela castelhana” convivera durante

alguns meses na residência de Garcia de Abranches, onde “nascera um amor profundo e

terno que fizera também esquecerem de que, fidalgos embora de sangue, havia entre ambos

uma grande diferença de idades (...) Isso, porém, não impediu que vivessem sempre muito

felizes.” (ABRANCHES, 1933, p.16).

22 João Dunshee de Abranches Moura, neto de Dona Martinha e Garcia de Abranches, é autor dos livros O Cativeiro e A Setembrada, obras ricas em fontes sobre os costumes, a política e a sociedade maranhense da primeira metade do século XIX, onde podemos encontrar também diversas fontes sobre a vida de Dona Martinha. 23João Antonio Garcia de Abranches, filho do capitão José Garcia de Abranches e de Dona Maria dos Reis, abastados proprietários rurais, nasceu na Freguesia de Santiago – Portugal em 1769. Em 1789, com apenas 20 anos de idade partiu para o Brasil, por seu pai ter se oposto a que se casasse com uma jovem de posição inferior. Fixou-se em São Luís, iniciando suas atividades na província como consertador de relógios e abrindo em seguida uma pequena casa comercial, tornando-se negociante, agricultor e jornalista. Casou-se pela primeira vez com D. Anna Victorina Otonni, tendo-lhe nascido desse casamento os filhos Frederico Magno, João e Antonio, os dois últimos, falecidos antes de 1812. Sua primeira esposa faleceu em decorrência da tuberculose, ficando viúvo aos 36 anos. (ABRANCHES, 1992, p. 3). 24 Periódico redigido em São Luis de 1825 a 1830, favorável aos portugueses e contrário às idéias pregadas por outro periódico denominado de O Argos da lei, de cunho patriótico, e tendo como fundador Odorico Mendes. Garcia de Abranches, pertencente ao Partido Português e defensor dos interesses da metrópole, travou diversos debates acerca do futuro político do Maranhão durante a fase imperial.

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A diferença de idade era de 35 anos, pois o viúvo Garcia de Abranches possuía 52

anos por ocasião do matrimônio com a jovem Marta. As novas idéias do discurso médico

sobre a união de homens mais velhos com mulheres jovens criticavam essas uniões por

considerar prejudicial ao desenvolvimento físico e moral da prole. Da união entre o casal,

tiveram seis filhos: João, Inocêncio, Frederico Antonio, que se destacaram no comércio e nas

Letras e Amância Leonor, Martinha Maria da Glória e Raimunda Emilia, que vieram suceder

a mãe na direção da Escola Nossa Senhora da Glória, após seu falecimento.

Na descrição de Dunshee de Abranches, sua avó materna Marta Alonso, “apesar

da altivez inata à sua casta, era muito mais doce, afável e comunicativa”. Veio ao mundo

entre as guerras que assolaram a Espanha no inicio do século XIX, perdendo aos três anos de

idade o seu pai, vítima por defender a Pátria. Sua mãe, emigrada e expulsa com outros nobres

pelas tropas bonapartistas, contraiu matrimônio com um capitão francês que, como outros

oficiais antinapoleônicos, veio ao País com a intenção de oferecer seus serviços a D. João VI,

também expatriado para o Brasil. (ABRANCHES, 1992, p. 41/42).

O contexto em que Dona Martinha viveu em São Luís foi marcado pela

instabilidade política, como a adesão tardia do Maranhão à Independência e seus inúmeros

conflitos que marcaram essa fase de consolidação da ordem imperial, tais como as lutas pelo

poder travadas entre as principais famílias proprietárias do norte da Província, a exemplo da

Guerra dos Três Bês (1824) e os conflitos do período regencial, tais como a Setembrada25 e a

Balaiada26.

Do ponto de vista econômico, até a década de 1820, a província obteve grande

êxito econômico, resultado da agro-exportação do algodão e arroz introduzidos pela

Companhia Geral do Comércio do Grão Pará e Maranhão, instituída pelo Marquês de Pombal

em 1755. A abertura da sua lavoura e comércio ao mercado internacional, estabeleceu um

período de forte progresso, traduzindo-se no enriquecimento material e no aprimoramento

intelectual da sociedade, e culminando, “já no Império, no surgimento de uma elite

25 O movimento conhecido como Setembrada situa-se no contexto político da abdicação do imperador D. Pedro I. Eclodiu em São Luís em 13 de setembro de 1831, liderado pelos jovens liberais da capital, contando com a participação da “tropa e povo”. Reivindicavam principalmente a demissão dos portugueses e estrangeiros dos cargos públicos e a expulsão destes da Província. Para maiores detalhes desse movimento, ver o romance histórico A Setembrada, de Dunshee de Abranches. 26 A Balaiada foi um movimento popular surgido na banda oriental do Maranhão em 1838 e se expandiu para o Piauí e o Ceará. Liderada pelo mestiço Raimundo Gomes, por Manuel Francisco dos Anjos Ferreira, o "Balaio", e pelo ex-escravo Cosme que comandou três mil escravos fugitivos, a Balaiada durou dois anos e meio, marcados por combates, mortes e prisões, num episódio que definiu os pólos de poder e da dominação de classe no Maranhão. Sobre essa revolta há uma vasta bibliografia na historiografia maranhense.

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latifundiária e de uma nobreza rural que concederiam à então província uma posição de

primeiro plano no cenário nacional , não só no campo econômico, como no político e no

cultural.” (MEIRELES, 2001, p.256).

As mulheres da elite maranhense pertenciam a famílias enriquecidas pela nova

conjuntura econômica, proporcionada pelo desenvolvimento da agroexportação e abertura do

comércio desde 1808, promovida pela Corte portuguesa no Brasil. Os comerciantes ingleses

instalados no Maranhão passaram a dividir com os portugueses o monopólio das exportações.

A prosperidade alterou consideravelmente a vida social e econômica do Maranhão,

aumentando o volume da produção do arroz e algodão, estendendo-se as áreas cultivadas,

formando-se fortunas locais nos setores comerciais e agrícola, crescendo a população escrava

e, lentamente, foram refinando-se os costumes urbanos das classes privilegiadas.

Essa melhoria econômica, segundo Meireles (2001, p. 256), garantiu um certo

equilíbrio da Província mesmo diante da crise política dos anos pós-independência.

Entrou o século XIX em condições de enfrentar mesmo a crise política decorrente da adesão, a fortiori, à independência e de sobreviver ao descalabro da Balaiada, sem se arruinar, pois que sobraram energias para a imediata restauração, sobre os ombros do negro escravo, e isso mesmo depois das agruras da seca no chamado Ano da Fome (1825).

No período pós-Independência, a família Abranches foi abalada pelas acusações e

perseguições ao seu patriarca, Garcia de Abranches. Acusado pelos nacionais de ser fiel à

causa portuguesa e tentar restaurar o domínio lusitano no Maranhão, acusações que sofria

principalmente nos ataques de Odorico Mendes no Jornal O Argos da Lei, precisou defender-

se, criando o Jornal O Censor Maranhense.

Com a abdicação de Dom Pedro I, em 1831, Garcia de Abranches se colocou a

favor da causa restauradora do trono do imperador. Por essa razão sofreu retaliações, inclusive

de seu próprio filho, Frederico Magno de Abranches27, nascido no Maranhão e defensor da

expulsão dos lusos da Província.

27 No romance histórico A Setembrada, o Padre Tezinho, monarquista e espécie de critico da província, fez um breve relato acerca do relacionamento entre Garcia de Abranches, Frederico Magno e sua madrasta Dona Martinha: “O pimpolho ficara órfão de mãe aos dois anos de idade. Fora criado quase pelos fâmulos da casa, entre os quais havia um cafuz, um tal Anselmo, metido a letrado e importante... mas uma vez mandara avisar o velho, por portas travessas das sabujices do filho; mas ele vivia na sua Quinta do Caminho Grande, alheado quase da vida da terra e encafuado entre os livros, a adorar a jovem esposa, que poderia ser sua filha, aquela lindíssima fidalga espanhola, que só raramente se via quando ia a Igreja, e diziam ser um anjo de bondades a sofrer os atrevimentos e as malcriações do enteado.” (ABRANCHES, 1933, p. 8)

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Naquela época de lutas porfiadas, brasileiros e portugueses se defrontavam encarniçadamente em defesa de seus ideais. Frederico Magno era brasileiro nato; nada mais lógico que aos vinte anos, se deixar empolgar pelo fanatismo das idéias ultra-liberais, irrompidas naqueles primeiros instantes da Independência do Brasil. O Censor era brasileiro adotivo; amava sinceramente a terra bendita que o acolhera e aonde, acerca de 35 anos, vivia feliz constituindo uma família ilustre e poderosa, mas, apesar disso não deixara de ser português e de colocar, acima de tudo o seu Portugal! Chamar assim Frederico Magno de ingrato seria uma grande e cruel injustiça. (ABRANCHES, 1933, p. 06).

Segundo Janotti (1996, p. 230), Frederico Magno, “havia se tornado membro do

grupo de patriotas exaltados que, em 13 de setembro de 1831, exigiu do presidente da

Província Araújo Viana o afastamento dos cargos públicos e o exílio de todos os portugueses

e brasileiros simpáticos ao retorno do rei.” Nessa situação de sentimento antilusitano

Frederico Abranches não poupara seu próprio pai, que não pretendia se reconciliar, apesar de

Dona Martinha interceder para que isso acontecesse, como no dialogo a seguir apresentado no

romance A Setembrada:

Tu não deves imaginar fazer do teu filho um português devotado á Pátria de além-mar. Ele nasceu no Maranhão; é brasileiro: e, no fundo da alma, é natural que sonhe com a Independência da sua nação. Eu sei como tu queres bem a esta hospitaleira terra em que habitamos; posso mesmo supor sinceramente que a colocas acima de tudo; mas, amanhã, se este povo se levantar contra o domínio lusitano, tu estarás fatalmente do lado de lá (...) Lembra-te sempre, meu amigo, que o pobrezinho vive como brasileiro e como teu filho, entre duas madrastas – eu e a metrópole! (ABRANCHES, 1933, p. 18).

Frederico Magno de Abranches veio a tornar-se o fundador e redator do jornal

Echo do Norte, jornal que tinha como pretensão difundir as idéias liberais. Seu pai, Garcia de

Abranches, sofreu perseguições do Lord Cochrane e dos patriotas, tendo sido aprisionado

após a Independência. Foi combatido na imprensa e sofrera com a oposição do próprio filho,

tendo que sair do Maranhão e do convívio de sua família para lutar por uma causa que

acreditava; a restauração do trono português para a herdeira de Dom Pedro I.

Um perfil desse momento político e social pelo qual passava São Luis na primeira

metade do século XIX pode ser obtido através de uma documentação baseada em cartas, os

arquivos antigos da família Abranches. Uma série de correspondências28 trocadas entre Dona

28 Para maiores detalhes sobre as correspondências consultar a obra O Cativeiro de Dunshee de Abranches.

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Martinha e o Censor, na qual informava ao esposo os acontecimentos políticos e sociais pelas

quais passava a província maranhense, se divide em duas partes. Na primeira parte são cartas

datadas de 1831, período em que Garcia de Abranches esteve em Portugal a fim de juntar-se

numa expedição de Dom Pedro I, que deveria repor Dona Maria II ao trono, participando do

cerco do Porto e da tomada de Lisboa. Através dessas cartas, Dona Martinha o informa das

lutas políticas travadas entre patriotas e restauradores. 29

Na segunda parte são relatados os acontecimentos referentes à época da Balaiada,

sendo escritas na volta de Dona Martinha ao Maranhão com os filhos em 1838, período de

permanência de Garcia de Abranches em Portugal, onde o mesmo encontrava-se “empenhado

em negócios financeiros com a Coroa” (JANOTTI, p. 227).

A primeira carta da Papeleira30, da qual teve contato Dunshee de Abranches tinha

como teor os horrores da escravidão presenciados por sua avó, Dona Martinha, no momento

de sua chegada na capital maranhense, na qual apresenta um episodio que vivera:

Na madrugada desse dia, contava ela fora ouvir missa na Capela de Nossa Senhora do Desterro a fim de pagar uma promessa. Os carregadores do seu palanquim31 partiram a passo cadenciado e rápido de sua Quinta do Caminho Grande para o centro da cidade. Ladeando o Campo de Ourique, chegaram em poucos minutos à esquina da Rua do Passeio. E dali, ou para encurtar a distancia ou de propósito, o que lhe parecera depois mais certo, tomaram o rumo ao Largo da Forca Velha... Ao penetrarem os condutores de sua cadeirinha nesse desprezado logradouro público, percebeu que bruscamente estacaram, pousando-a na calçada. Um rumor de vozes surdas, entrecortadas de gemidos angustiosos, gritos abafados, risadas histéricas e baixos ditérios, chegou-lhe aos ouvidos. Abriu as cortinas da liteira32. Um espetáculo horroroso se desdobrou aos seus olhos. Pendido do alto da trave da Forca, nos derradeiros estertotes da vida, o corpo esquálido de um negro balançava-se à brisa fresca dessa manhã sangrenta de agosto. Chamou os carregadores; haviam desaparecido. E, só minutos depois, quando a massa popular se retirara em algazarra, foi que, estremunhados e ofegantes, voltaram a retomar os varais do palanquim. (ABRANCHES, 1992, pág. 39).

29 Quando Dona Martinha partiu de São Luís para Portugal, o seu enteado Frederico Magno, juntamente com José Candido, Egídio Launé, João Lisboa e outros jovens revolucionários da província maranhense, acabavam de encabeçar o movimento nacionalista de 1831, ou seja a Setembrada. Na noite de 14 de setembro de 1831, formaram o grosso da massa popular que, tendo à frente Frederico Magno, foi ao Palácio exigir do Presidente Araújo Viana a expulsão dos portugueses da Província e a demissão dos seus amigos maranhenses dos cargos oficiais. Ao retornar ao Maranhão no final de 1838, um novo levante se esboçou seguindo a mesma corrente nacionalista. 30 Arquivo da família Abranches. 31 Espécie de cadeirinha coberta, sustentada por dois longos varais e conduzida por duas bestas ou dois homens, um à frente e outro atrás. Ver Dicionário Aurélio. 32 O mesmo que palanquim, ver nota anterior.

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Segundo Dunshee de Abranches, diante de tal fato presenciado, Dona Martinha

recordava-se das horas trágicas passadas durante a sua infância nas Astúrias, Espanha,

lembrando como do dia para a noite, o povo espanhol se vira escravizado. A invasão do

exército napoleônico e a guerra civil devastaram as terras fartas e livres de seu país de origem.

Nessa guerra os homens marchavam para o campo de batalha, enquanto mães, esposas e filhas

deixavam também os lares, saindo para as ruas e para as montanhas, tornando-se assim uma

espécie de ‘voluntárias da morte’. Numa forma de demonstração de compaixão com os

escravos e comparando a violência que testemunhara no episódio com os escravos com a

violência dos tempos de guerra na Espanha, Dona Martinha comentou: “Mas, ali batia-se e

tombava-se pela Pátria! Enforcar, entretanto, friamente, estupidamente, míseros escravos;

curti-los ainda de pancada na hora extrema do suplício; escarnecê-los no instante sagrado

de darem a alma ao Criador – era mais do que a barbaria, era a abjeção de todos os

sentimentos humanos.” (ABRANCHES, 1992, p. 40).

Em diversas cartas, Dona Martinha revelava a Garcia de Abranches sua visão

apurada sobre os problemas da província e, em especial os que tinham como decorrência as

rebeliões dos cativos. 33

“Os escravos têm alma, são humanos”. Assim Dona Martinha definia o negro

diante da escravidão, afirmando que as relações sociais no Maranhão eram feitas nos tempos

coloniais e mesmo no primeiro Reinado principalmente nas cozinhas. Segundo ela, o escravo

era o leva e traz das notícias, das intrigas e dos mexericos do dia; o onzeletras entre os

namorados; o capanga, o braço vingador das disputas e das rixas entre as famílias; o espião

33 Quando afirmaste, meu marido, no teu Espelho crítico que a moléstia social, que devorava os maranhense, era o oclocracia prognosticaste bem o que sombreamente os aguardava no futuro. O mal agora se agravou muito mais com a intromissão ostensiva da gente de cor na vida política e privada desta infeliz província. Tu mostraste o erro tremendo de ser substituído o cativeiro cruento dos índios pela escravidão violenta dos negros da Costa d’ África. E lastimaste, como sociólogo e cristão, que se não pudesse deste logo, não só abolir tão nefando tráfico, mas também restituir imediatamente à liberdade essas míseras máquinas humanas obrigadas a golpes de azorrague e desbravarem as matas selváticas desta parte da América. Esqueceste, porém, de demonstrar que essas infortunadas criaturas mais cedo ou mais tarde teriam de vir influenciar sobre a sociedade que supusera explorá-la apenas como bestas de carga. Surgiram os cruzamentos desiguais. Os amores de senzala. As ligações escusas. Os brancos não se pejaram de mesclar a sua raça. E os bastardos pulularam por toda a parte tornando-se em regra os seus mais ferozes inimigos. Para mim, já te tenho dito e repetido, a liberdade não é sentimento, é instinto. Esse instinto fez nascer o ódio, que aqui está, não ao branco em si, mas ao antigo colono usurpador. E, como o colono era em geral português e branco, irrompeu esse rancor recalcado contra a velha metrópole e seus filhos, aqui domiciliados. E um tal rancor, que não tardou a estender-se aos estrangeiros de toda a sorte, é maior hoje do que quando daqui partimos pelo que tenho observado. (ABRANCHES, 1992, p. 44/45)

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dos casais ciumentos; o confidente muitas vezes dos mais graves negócios e dos crimes mais

abjetos dos seus senhores. (ABRANCHES, 1992, p. 47).

Para Dona Martinha o partido nativo, formado por filhos da terra e estudantes

liberais, começaram a criar clubes secretos e a conspirar a favor das lutas nacionalistas,

atraindo altas noites os escravos a esses grêmios revolucionários, incitando-os a tomar armas

contra os senhores. Assim, exclamava Dona Martinha: “os negros africanos e seus

descendentes tornaram-se os instrumentos mais preciosos para os que lutavam pela

separação da metrópole”. (ABRANCHES, 1992, p. 48). E concluía afirmando que: “O

instinto de liberdade fez do escravo um cidadão brasileiro: os governantes terão de

reconhecê-los como tal, seja como for ou seja quando for.” Essa reflexão de Dona Martinha

chama a atenção para os direitos de cidadania adquiridos pela população mestiça no governo

da terra e os direitos que escravos pleiteavam ao serem empregados nas lutas pela

Independência do Maranhão.

As correspondências redigidas por Dona Martinha, além de ser um rico material

de pesquisa acrescentando informações valiosas sobre o período político e social da capital

provincial, revelam a visão e participação da figura feminina nesse meio político, universo

habitado tipicamente por homens, raro entre as mulheres da época. Sua participação no debate

político se deu de forma indireta, pois Dona Martinha nunca chegou a ocupar cargos políticos

na província maranhense, embora tenha interpretando com lucidez esse momento histórico. É

importante salientar que Dona Martinha, antes da sua chegada ao Maranhão conviveu em

alguns círculos partidários na Europa, tendo experiência direta com a resistência espanhola,

emigrados europeus e com movimentos e guerras restauradoras.

Nas palavras de TELES (in PRIORE, p. 407),

O século XIX não via com bons olhos mulheres envolvidas em ações políticas, revoltas e guerras. As interpretações literárias das ações das mulheres armadas, em geral denunciavam a incapacidade feminina para a luta, física ou mental, donde concluem que as mulheres são incapazes para a política, ou que esse tipo de idéia é apenas diversão passageira de meninas teimosas que querem sobressair.

Como já foi dito em capítulos anteriores, na primeira metade do século XIX, a

sociedade maranhense era essencialmente patriarcalista, machista e preconceituosa,

dificultando o acesso da mulher a alguma participação social, educacional ou política, na qual

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foram negados esses direitos, sendo reservado as mesmas o papel da maternidade e de

comando do ambiente do lar.

Decerto houve muitas que ultrapassaram os limites circunscritos do lar, como

Dona Martinha, embora a historiografia tradicional não tenha registrado suas contribuições e

feitos, tornando-as esquecidas, deixando a impressão de uma história unicamente vivida e

feita por homens, devido à condição de subordinação imposta à mulher brasileira numa

sociedade patriarcal com passado colonial, como em outros países da América Latina

colonizados por europeus, deixando pouco visíveis suas marcas, talvez a mais clara delas seja

a de um silêncio ou uma ausência, notada tanto no cenário público da vida cultural e social,

quanto no registro de suas histórias.

Segundo JANOTTI (1996, p. 241) é possível, dentro de uma perspectiva mais

ampla de interpretação do campo político, tecer uma análise das atitudes incomuns dessa

mulher de idéias em uma sociedade rústica, como a maranhense, onde os costumes só se

amenizaram a partir da segunda metade do século XIX:

Dona Martinha imbuíra-se de uma missão civilizatória. Considerava estar vivendo entre os seres corrompidos pela escravidão e pela ignorância devendo, portanto, agir com benevolência, mais energicamente, combatendo por todos os meios o analfabetismo e educando as mulheres da elite para se tornarem instrumentos de refinamento da sociedade. Seu projeto de ação abrangia a esfera social como um todo. Mulheres por ela preparadas deveriam ser condescendentes com os escravos, frear os desmandos morais dos maridos, educar os filhos privilegiando sua instrução. Dessa forma o Brasil, sua pátria de adoção, teria uma sociedade mais culta e cristã que, naturalmente, condenaria a escravidão. (JANOTTI, 1996, p. 242).

A jovem Marta Alonso, ao chegar à capital da província maranhense na primeira

metade do século XIX, destacou-se pela instrução, educação e cultura que possuía, pois falava

cinco línguas, encontrando em São Luis uma educação ainda incipiente e uma sociedade

hostil que dava pouco ou quase nenhum valor à cultura educacional. Veio contribuir para

mudanças na moda e hábitos da cidade com seu requintado gosto artístico e elegância, e ao

ensinar bordados europeus e pinturas de quadro a óleo as moças da terra já demonstrava certa

afinidade por educação.

Já conhecida por todos da província como Dona Martinha, constituiu amizades

importantes, dentre elas com Emilia Branco, natural de Lisboa e futura genitora dos escritores

Aloísio, Artur e Américo de Azevedo, que ainda adolescente vinda de Portugal chegou ao

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Maranhão, hospedou-se no solar dos Abranches, criando com isso laços de amizade com toda

a família, que juntamente com as filhas da casa veio aperfeiçoar sua educação sob orientação

de Dona Martinha.

Sobre Emilia Branco, Janotti (1996, p. 230), informa que a mesma: “Falava

várias línguas, cultivava a música e a pintura, tendo-se tornado uma leitora exigente.

Participava regularmente dos saraus artístico-literários organizados pelo casal Abranches,

destacando-se por sua precoce sensibilidade literária, beleza e inteligência”. A convivência

com a elite culta da cidade, acenava-lhe um futuro brilhante, mas esta perspectiva

desmoronou-se com o casamento mal sucedido aos 17 anos, contra a sua vontade, com um

rico comerciante português, Antônio Joaquim Branco. “Esse fato seria o drama de sua

existência incomum.”

No depoimento concedido e registrado em maio de 1880, por Dunshee de

Abranches, na obra O Cativeiro, memórias; Emilia Branco é vista por seu entrevistador como

uma mulher inteligente, culta e possuidora de uma memória invejável, considerada “crônica

viva da cidade”. Sobre seu casamento por conveniência, explicou que era comum os pais

casarem suas filhas com compatriotas, decorrendo daí grande preconceito em relação aos

brasileiros. 34 Quando eram comerciantes de menor importância, os matrimônios de suas

filhas eram feitos com caixeiros, seguindo a ordem de idade das moças e a hierarquia dos

empregados. Os interesses sociais e financeiros mesclando-se a interesses familiares

figuravam como alicerces fundamentais na formação da sociedade burguesa em expansão,

como denunciavam algumas damas da alta sociedade maranhense, que se viam obrigadas a

casar e eram apontadas quando transgrediam os padrões morais.

Tinham eles o preconceito de que os seus haveres se dissipariam se não passassem às mãos de outros compatriotas seus. O resultado era que, muitas vezes, quando os pais faziam recair as escolhas para genros em empregados que haviam sabido conquistar a sua confiança, já elas tinham dado o coração aos filhos da terra, educado nos mesmos hábitos e no mesmo meio. Daí um certo numero de desgraças nos lares, o que, todavia, não se tornava na época mais freqüente e funesto, devido à tradicional pureza de costumes e de sentimentos da família maranhense, e à submissão quase servil das filhas aos mandamentos dos pais! (ABRANCHES, 1933, p. 20).

34 “Tidos os naturais da terra como peraltas, madraços e pelintras não lhes era permitido levantarem os olhos para as descendentes diretas dos lusos que, em último caso, importavam noivos para elas dentre os seus parentes das aldeias de além-mar. E, se as pobres vítimas ousavam revoltar-se contra esses editos paternos, metiam-se em surras como perfeitas escravas ou eram postas na rua como indignas e perversas. Esses castigos tocaram certas vezes a proporções de crudelíssimos assassínios.” (JANOTTI, 1996, p. 231)

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Emilia Branco denominou esse drama vivido pelas mulheres da elite de “cativeiro

das brancas”, relatando emocionada que não escapou desse verdadeiro tráfico de esposas

brancas, “reduzidas a objetos de mercância entre os sócios, interessados e caixeiros, para

consolidarem casas mercantis, perpetuarem firmas comerciais, garantirem heranças e

sucessões e não diminuírem capitais realizados.” (ABRANCHES, 1992, p. 123). 35

Como discípula e amiga de Dona Martinha, como carinhosamente a chamava,

Emilia Branco traduziu toda a sua admiração pela mesma, quando afirmou que ela era:

Uma luz que irradiava cultura em um ambiente de costumes baixos e de analfabetismo. Sempre deu lições gratuitas às senhoras da boa sociedade e às suas filhas que não sabiam ler nem escrever, ensinando-lhes boas maneiras, música, pintura, línguas e literatura, embora muitas famílias não considerassem de bom tom instruir mulheres nos conhecimentos masculinos. Não se limitava apenas ao ensino da elite, também se dedicava a alfabetizar os pobres que a cercavam, mantendo sempre uma “atitude de verdadeira missionária do ensino.” (JANOTTI, 1996, p. 226, grifos nossos).

Essa idéia de associar Dona Martinha à imagem de uma mulher que ajudou a

disseminar as luzes do conhecimento na província do Maranhão já estava sendo construída

pelos que conviviam com ela e se cristalizou mais tarde com a criação da primeira escola

particular feminina no Maranhão. Seus descendentes procuravam conservar essa imagem de

Dona Martinha, a espanhola ou espanholita, como a tratavam nas conversas íntimas, foi

mesmo “um raio dulcíssimo da Providência Divina a brilhar nas trevas da ignorância, dos

costumes baixos e do analfabetismo que embruteciam a vida colonial em São Luís e

prejudicaram por mais de vinte anos esta terra depois da Independência.” (ABRANCHES,

1992, p. 77, grifos nossos).

Como já foi exposto antes, a educação feminina na Província maranhense na

primeira metade do século XIX ainda era precária e incipiente. A sociedade burguesa

nascente privilegiava a educação masculina em detrimento da educação feminina, esta última

sendo instruída basicamente nos afazeres domésticos e do lar, havendo ainda a idéia pré-

35 “Um belo dia, ainda com 17 anos incompletos, chamaram-me à presença de um senhor que mal conhecia e disseram-me que, dali por diante, passaria a ser sua noiva, não tive ânimo para reagir; curvei a cabeça, aturdida, sem saber o que replicasse. Contaram-me depois que se tratava de um comerciante apatacado, nascido como eu em Portugal e espertíssimo para os negócios... O meu noivado foi curto, mas torturante. Tive que tratar com uma criatura brutal, concupiscente, viciada na linguagem da gentalha de sua laia, proferindo a cada instante palavrões indecorosos, não mantendo a maior atenção e o mínimo recato diante de uma adolescente, educada em rígidos princípios morais e cuidadosamente instruída. Até às vésperas do casamento, fiz tudo para desmanchá-lo. Foram inúteis lágrimas e súplicas: a obediência e a submissão estavam acima de tudo.” (ABRANCHES, 1992, p. 123).

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concebida de que a mulher não necessitava o aprendizado da instrução que era oferecida aos

homens.

Segundo depoimento de Emilia Branco, as duas maiores preocupações que

dominaram Dona Martinha até sua morte em 1855, foram o combate ao analfabetismo e a

abolição do trabalho escravo, sendo que sua influência cultural em São Luís começou a ser

exercida sobre o seu próprio esposo. Até casar-se com Garcia de Abranches, tido como

intelectual culto e homem dedicado às letras, este ainda não tinha escrito um único livro.

Dona Martinha o teria incentivado a escrever Espelho crítico-político da Província do

Maranhão, publicado no final de 1821. 36 (ABRANCHES, 1992, p. 78).

“Semeadora de Luzes” foi o título dado a Dona Martinha pelo Presidente da

Província, Conselheiro Jerônimo Martiniano Figueira de Melo (Governo: 23/01/1843 a

21/03/1844), por cultivar a educação em São Luís, uma cidade com altos índices de

analfabetismo educacional. Através da Portaria 18 de março de 1844, foi fundado o Colégio

Nossa Senhora da Glória, destinado ao ensino dos cursos primário e secundário, com a

permissão “para superintender este Instituto à sua ilustre Diretora que se mostrara

competentemente habilitada a exercer tão importante função.” (ABRANCHES, 1933, p.

184).

O escritor Dunshee de Abranches não escondia a grande admiração que nutria por

sua avó, que tornou-se celebrada educadora em São Luís. O ensino era apresentado como a

grande vocação de Dona Martinha, o meio que encontrou para atuar na sociedade.

Para a historiadora Maria de Lourdes Lauande Lacroix (2002, p. 62), Dona

Martinha, era uma espanhola muito bem instruída, que casou-se com Garcia de Abranches em

1820, ocasião em que transformou sua residência em ponto de encontro das senhoras de boa

sociedade que não sabiam ler e escrever, pois havia o preconceito de que ler e escrever não

era pra gente de alta estirpe.

Em 1844, Dona Martinha fundou o Colégio Nossa Senhora da Glória, contra a

vontade do seu esposo Garcia de Abranches, que após dez anos de ausência voltava às terras

maranhenses.

36Espelho crítico-político da Província do Maranhão é dividido em duas partes. Na primeira são mostrados os avanços da lavoura no Maranhão, observações sobre o comércio da escravatura e dificuldade de ser implantado no Brasil o trabalho livre. Na segunda os costumes dos habitantes, a sociedade, costumes dos habitantes, fatos mais notáveis de generais, magistrados e clero. (ABRANCHES, 1992, p.20).

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Encontrou a fortuna arruinada em razão do longo período que lhe faltou com sua assistência pessoal, teve o consolo e o amparo da esposa e filhas amantíssimas, que meses antes da sua chegada haviam organizado o Colégio Nossa Senhora da Glória, meio honesto de prover a subsistência familiar, dispensando, assim, de fazê-lo o velho e alquebrado herói de muitas batalhas. (MORAES, In Prefácio. ABRANCHES, p. 01, 1990).

Numa sociedade extremamente machista, Garcia de Abranches, imbuído de

sentimentos da época, não admitia que uma mulher da elite trabalhasse fora de casa, atuando

além do ambiente circunscrito do lar, recebendo remuneração. “Não foi possível, porém,

dobrar sua vontade. Sempre respeitada, adquiriu a liberdade de ação que seu próprio

trabalho lhe conferiu.” (JANOTTI, 1996, p. 227).

Também conhecido como o Colégio das Abranches, o Colégio Nossa Senhora da

Glória caracterizou-se como o primeiro colégio direcionado ao público feminino fundado no

Maranhão, introduzindo diversas inovações pedagógicas, que além das disciplinas escolares,

incluiu a educação física para as alunas, a instrução artística e moral, tornando-se também um

importante centro educativo e cultural. Havia ainda uma seção para meninos até os doze anos

de idade, com o intuito de prepará-los para o Liceu Maranhense criado em 1838. A etiqueta e

a dança social eram também disciplinas ministradas no Colégio das Abranches, que:

Uma vez por semana, depois de uma hora de arte na qual ouviam boa música e aprendiam a declamar, havia um jantar de gala, seguido por aulas de dança. Com o tempo criou também classes masculinas elementares e preparatórias e instituiu um internato para atender ás famílias do interior que para lá enviavam suas filhas. (JANOTTI, 1996, P. 227).

Dona Martinha não se limitou apenas a ensinar os seus filhos e as moças da elite,

também se dedicou a alfabetizar os pobres que a cercavam.

Senhoras de boas famílias com ela estudaram as primeiras letras que desconheciam até se tornar mães e esposas. Algumas matronas, tidas por orgulhosas como Dona Ana Jansen,37 suplicavam-lhe que desse às suas

37 Ana Joaquina Jansen Pereira (São Luis, 1787-1869), Dona Ana Jansen, Donana Jansen ou simplesmente Donana, é a mais famosa e discutida matrona maranhense de todos os tempos. Apesar de nascida pobre, consolidou uma das maiores fortunas do Maranhão, representada por grande patrimônio em imóveis urbanos, terras agricultáveis e numerosa escravaria. Temperamento forte, exerceu efetivo mando político e se impôs como decisiva figura da vida social de São Luís. Viúva de Antônio Lobo da Silva Leite, casou-se, em segundas núpcias, com o Coronel Izidoro Rodrigues Pereira, um dos mais abastados capitalistas de seu tempo. E, novamente viúva, contraiu matrimônio com o negociante Antônio Xavier da Silva Leite. Com este não teve filhos. Teve-os, porém, ainda em solteira, com o segundo marido e em estado de viuvez. Desses filhos havidos fora do casamento, disse, ao reconhecê-los, que os tivera por fragilidade sua. Mas o certo é que Donana

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filhas instrução que não tinham infelizmente recebido. Raras contra ela se revoltavam imbuídas do preconceito imbecil de que saber ler e escrever não era para gente de alta estirpe. Durante a revolução da Balaiada, a sua casa se enchera de moças que, fugidas das fazendas do interior, haviam procurado abrigar-se na capital. (ABRANCHES, 1992, p. 80).

Para Emilia Branco, o que influenciou Dona Martinha a fundar contra a vontade

do seu esposo, o Colégio Nossa Senhora da Glória, foi o fato de seu filho primogênito João

Argueles de Abranches, mais tarde conhecido por “o Sábio”, um dia ter feito o anúncio do seu

matrimônio com D. Ana Henriqueta de Brito Gilhon, viúva do súdito inglês Abrahão Russel

Smith e pertencente a uma importante família maranhense. “Infelizmente, essa senhora, de

rara beleza, era não só doze anos mais velha do que o seu noivo, como ainda, por um

escárnio da sorte, nunca quisera aprender a ler e a escrever e falava como senão fosse de

origem tão fina.” (ABRANCHES, 1992, p. 80). Dona Martinha foi para Emilia Branco, uma

verdadeira mártir, assistindo dentro do próprio lar “o talento a capitular com a estupidez! 38”.

Sobre a conversação das maranhenses alguns intelectuais de São Luis

expressaram seu desgosto ao constatar que a educação que as belas jovens recebiam não era

compatível com a importante missão de companheira do homem. José Cândido de Morais e

Silva, redator do Jornal O Farol Maranhense emitiu sua opinião sobre esse ponto:

Porém, quanto é desgostoso a um estranho, que com gosto nota estas qualidades tão necessárias à civilidade, ver a conversação dessas, que a primeira vista pareciam ter recebido uma boa educação. Sim a conversação das maranhenses é desgostosa, porque elas não podem tratar daquilo de que nunca ouviram falar... Mas tratamos de desculpar as nossas patrícias nesta parte, se elas na conversação nada dizem que não seja relativo ou aos negócios de família ou às suas modas, é porque a educação que receberam de seus pais as privam de poderem entrar em maiores detalhes; eis aqui esta sociedade, circunscrita, ou a falar da existência alheia ou a promover conversinhas amorosas. 39

Na inauguração do Instituto de ensino para meninas, com prédio localizado à Rua

do Giz, Dona Martinha esteve ao lado de suas três filhas e de um grupo de professores

maranhenses notáveis nas ciências e nas letras. O Colégio tinha a seguinte estrutura de

funcionamento e metodologia de ensino:

celebrizou-se como forte e poderosa, senhora de um matriarcado que se impôs por sua riqueza material e por seu poder político. (ABRANCHES, 1992, p. 55). 38 Tradicional frase atribuída à educadora, D. Matilde Ferraz, no dia do casamento do jovem e culto filho do Censor com uma analfabeta. 39 Jornal O Farol Maranhense, 30 de maio de 1829, n.º 35.

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Nas horas regulamentares, funcionavam as classes infantis e as médias para adolescentes. Pela manhã e à tarde, D. Martinha se ocupava em dar instrução a senhoras que se envergonhavam da sua ignorância perante os filhos (...) Às quintas-feiras, as meninas internas participavam de refeições, como se fossem banquetes de cerimônia, para que se habituassem a estar bem à mesa e saber como se deveriam servir as pessoas de distinção. (ABRANCHES, 1992, p. 97).

Todos os anos nos dias 14, 15 e 16 de agosto, era celebrado o aniversário do

Colégio Nossa Senhora da Glória, com uma missa solene, onde as alunas compareciam todas

de branco e grandes faixas azuis, com demonstração pública dos trabalhos escolares. Segundo

Emilia Branco, durante vinte anos até 1864, mesmo após a morte de Dona Martinha

Abranches, o Colégio Nossa Senhora da Glória, dirigido agora por Amância Leonor de Castro

Abranches, professora e sucessora da mãe à frente do colégio, foi o único grande Instituto de

educação direcionado para meninas em São Luís, só após começaram a ser fundados outros

que, com ele rivalizaram, sendo os principais o de Nossa Senhora de Nazaré, da educadora

Rosa Nina e sua filha, o de Sant’ Ana, de D. Luna Freire e o das irmãs Carmini.

(ABRANCHES, 1992, p.98). Revela ainda que a fundação do Instituto de ensino de Dona

Martinha, marcou o inicio da Renascença Maranhense, pois preparou uma geração de moças

bem educadas, constituindo uma verdadeira elite social.

Esses espíritos novos começaram a modificar decisivamente os costumes grosseiros, herdados dos tempos coloniais. As matronas, tipos clássicos de Senhoras de Engenho, brutas, supersticiosas e ignorantes, foram adoçando os corações sob a influência dos carinhos e das delicadezas de trato das filhas e das netas. Já não surravam diariamente os seus negros; e, só em momentos de muita raiva, mandavam-nos para o Posto de São João. (ABRANCHES, p. 102).

Nos livros de matrícula do Colégio Nossa Senhora da Glória encontram-se

numerosos nomes de famílias tradicionais que tiveram suas filhas educadas neste Instituto de

ensino. 40

40 Dentre elas podemos citar Tavares Belfort, Marques Rodrigues, Pinto de Magalhães, Serra Lima, Colares Moreira, Vieira da Silva, Almeida Braga, Henriques Leal, Costa Ferreira, Muniz, Sousa Reis, Barros Vasconcelos, Silva Porto, Gama Lobo, Costa Rodrigues, etc. Na seção para meninos até 11 anos, destacam-se os nomes de Gomes de Sousa, do engenheiro Palmério Cantanhede, do jurista e parlamentar José Barreto, de Antônio Roxo Rodrigues, dentre outros. (ABRANCHES, 1992, p. 99).

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A ação educativa de Dona Martinha em São Luís, na primeira metade do século

XIX, seu comportamento como companheira que esteve ao lado do marido nos momentos

mais difíceis, convivendo inclusive com a rejeição de seu enteado, ajudaram a construir essa

imagem de mulher-modelo, esposa e mãe dedicada. Sua origem fidalga, e sua maneira

aristocrática de comportar-se em meio a uma cidade e sociedade que dava seus primeiros

passos rumo à urbanização e ao modelo civilizatório europeu, tornaram possíveis seu destaque

no meio social ludovicence, consagrando sua imagem como “Semeadora de Luzes”.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS:

O século XIX foi de alguma forma um período favorável para o desenvolvimento

da educação, especialmente a feminina, embora traduzido em percalços sofridos nos

momentos iniciais da sua estruturação, isso porque no Brasil o ensino secundário para o sexo

feminino só começou a constituir-se praticamente em meados do século, graças aos esforços

da iniciativa particular, considerando-se o fato de que o governo não se interessava pela

expansão do ensino secundário público extensivo às meninas.

As campanhas em favor da educação feminina não tinham como meta elevar a

mulher a um grau cientifico ou literário, como também não objetivava o seu preparo para

funções profissionais, consideradas incompatíveis com sua capacidade e intelecto, sendo esses

conhecimentos, portanto desnecessários aos papéis que lhes foram impostos e reservado pela

natureza, ou seja, o papel de mãe e dona de casa.

Com vimos, as imagens, estereótipos e representações do feminino, lançadas e

justificadas pela burguesia nascente, estava imbuída de valores e ideais importados da Europa,

as quais foram incorporadas às províncias brasileiras, tendo na Imprensa, um elemento

fundamental na propagação desses valores à sociedade.

Os critérios para a educação feminina partiam desse ideal de mulher proposto pela

burguesia, que privilegiava a figura do masculino, do esposo que saía de casa para trabalhar

ou instruir-se e era detentor dos espaços públicos, tendo livre acesso a eles, ficando reservado

à mulher o comando do espaço privado do lar, o cuidado com a casa e os filhos. Essa era a

imagem geral propagada, de um modelo ideal que se esperava daquela sociedade, que tentava

justificar uma educação mínima dirigida às mulheres.

Com a instalação da Corte portuguesa no Brasil em 1808, as festas e os encontros

sociais passaram a fazer parte da vida das mulheres das famílias abastadas do meio urbano,

fazendo com que aumentasse a necessidade por educação. O Rio de Janeiro tornou-se um

modelo para as demais províncias, sendo as produções sociais e culturais da Corte

reproduzidas pelas elites provinciais. Ricos fazendeiros e comerciantes e suas famílias

procuravam seguir as novidades, desde a moda do vestuário, até danças, músicas e estilos de

moradia.

Os poucos espaços escolares criados na primeira metade do século XIX, assim

como os bailes e o teatro, podiam ser vistos como espaços públicos de socialização,

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funcionando também como uma espécie de escape dos ambientes fechados dos sobrados

destinados às mulheres.

Visto sob outras perspectivas, e convivendo numa sociedade ainda carregada de

valores patriarcais, houve mulheres que perceberam esse momento e de alguma forma deram

sua contribuição para a mudança desse quadro em que estavam incluídas. Muitas sofreram

perseguições e foram mal vistas por infligir os códigos sociais impostos. Muitas tornaram-se

escritoras, usando pseudônimos, desafiando a sociedade da época que não admitia mulheres

na literatura. Muitas escreveram em jornais, tornaram-se educadoras e fundaram escolas,

dando importante contribuição na educação.

Um exemplo importante foi a escritora e educadora potiguar Nísia Floresta, que

desde a década de 1830, fazia críticas à situação deplorável da educação feminina do País e

defendia a melhoria dessa Instrução para que as mulheres pudessem exercer com mais

competência seu papel materno e de companheira do homem tornando-se a educadora dos

seus filhos.

Em São Luís, a Instrução feminina era feita através das poucas aulas públicas de

primeiras letras e aulas particulares realizadas nas casas dos professores ou das alunas. As

mulheres da elite maranhense eram consideradas bem prendadas naqueles conhecimentos

úteis à boa dona de casa, tais como bordados, costuras e demais afazeres domésticos, no

entanto, o índice de analfabetismo entre as mesmas era elevado.

Dessa forma, a presença de Dona Martinha na sociedade ludovicense a destacava

como uma dama aristocrática, inteligente e refinada, dado o grau de conhecimento que

apresentava e que a tornava em alguns aspectos singular em relação às demais mulheres da

elite, já que na sua condição de mulher também teve uma trajetória semelhante às demais,

como esposa, mãe e dona de casa.

Sua contribuição à sociedade ludovicense foi marcada pelo papel de educadora,

criando a primeira escola feminina de ensino primário e secundário que marcou a formação de

muitas damas da elite maranhense. Essa atuação pelo magistério foi louvada pela classe

dominante da época, sendo denominada “Semeadora de Luzes”, numa clara alusão da

educação como instrumento de dispersão das trevas da ignorância.

No entanto, uma outra faceta extremamente importante e pouco conhecida dessa

educadora diz respeito a sua visão política sobre o momento histórico da província

maranhense marcado pelas disputas pelo poder travadas no seio da elite e tendo a emergência

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das reivindicações dos segmentos populares. Sua visão sobre a escravidão, a mistura e o ódio

racial são libelos de uma visão política apurada e pouco comum de ser encontrada nas

mulheres da época, as quais eram ensinadas a se manterem distantes do espaço público e dos

debates políticos.

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FONTES PESQUISADAS:

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- A Sentinela: 1855;

- Exposição Evangélica: 1865;

- O Farol Maranhense: 1828, 1829, 1830;

- O Globo: 1852, 1853, 1854, 1855;

- O Progresso: 1851;

- O Ramalhete: 1963, 1864;

- O século: 1858, 1859, 1860;

- Publicador Maranhense: 1856, 1857;

2. Revistas:

- Nossa História. Ano 1, n.º 3, janeiro de 2004. Uma publicação editada pela Biblioteca

Nacional.

- Revista Brasileira de Educação. Vol. 11 n° 31 Rio de Janeiro Jan./Abr. 2006.

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