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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE DIREITO
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
BIANCA MOURÃO DOS SANTOS
A LEI 13.467/17 E A REFORMA TRABALHISTA: UMA ANÁLISE DO
PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 611-B EM CONTRAPOSIÇÃO AO PRINCÍPIO
FUNDAMENTAL DA PROIBIÇÃO DE RETROCESSO SOCIAL
Salvador
2017
BIANCA MOURÃO DOS SANTOS
A LEI 13.467/17 E A REFORMA TRABALHISTA: UMA ANÁLISE DO
PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 611-B EM CONTRAPOSIÇÃO AO PRINCÍPIO
FUNDAMENTAL DA PROIBIÇÃO DE RETROCESSO SOCIAL
Monografia apresentada ao Curso de graduação em
Direito da Faculdade de Direito da Universidade
Federal da Bahia, como requisito para a obtenção do
grau de Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. André Batista Neves.
Salvador
2017
RESUMO
O presente trabalho se almeja o aprofundamento do estudo parágrafo único do art. 611-B da
Lei n° 13.467/17, notadamente no que consiste sua relação com o princípio constitucional
implícito da proibição de retrocesso social. Com isso, se pretenderá demonstrar de que forma o
dispositivo em destaque constitui um risco ao princípio da proibição de retrocesso social e como
é prejudicial aos direitos fundamentais dos trabalhadores.
Palavras-chave: Direito do Trabalho. Princípio da proibição de retrocesso social. Reforma
Trabalhista. Direitos Fundamentais Sociais.
ABSTRACT
The present work seeks to deepen the study of the single paragraph of art. 611-B of the Law
13467/17, in particular its relation to the implicit constitutional principle of the prohibition of
social retrogression. The aim was to demonstrate how the paragraph in question constitutes a
risk to the principle of the prohibition of social retrogression and the detrimental to the
fundamental rights of workers.
Keywords: Labor Law. Principle of the prohibition of social retrogression. Labor Reform.
Fundamental Social Rights.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CF Constituição Federal
CLT Consolidação das Leis do Trabalho
OAB Ordem dos Advogados do Brasil
OIT Organização Internacional do Trabalho
OJ Orientação Jurisprudencial
OMS Organização Mundial da Saúde
RO Recurso Ordinário
RR Recurso de Revista
SDI Subseção de Dissídios Individuais
STJ Superior Tribunal de Justiça
TRT Tribunal Regional do Trabalho
TST Tribunal Superior do Trabalho
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................6
2 SOBRE O PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DE RETROCESSO SOCIAL E SUA
APLICAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988..................................................................8
2.1 Noções Introdutórias...........................................................................................................8
2.2 Análise da proibição do retrocesso no direito comparado...............................................9
2.2.1 Alemanha............................................................................................................................9
2.2.2 Portugal............................................................................................................................12
2.2 Aporte teórico no Brasil....................................................................................................17
2.4 Do conceito adotado...........................................................................................................28
3 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS DOS TRABALHADORES....................29
3.1 A Constituição de 1988 e os direitos fundamentais do trabalhador
brasileiro..................................................................................................................................30
3.1.1 Constitucionalização dos direitos dos trabalhadores no
Brasil.............................................................................................................................30
3.1.2 Da fundamentalidade dos direitos sociais trabalhistas na Constituição de
1988...............................................................................................................................34
3.2 A peculiaridade da eficácia produzida pelos direitos fundamentais
sociais...............................................................................................................................38
3.3 O princípio da proibição de retrocesso social e os direitos sociais dos
trabalhadores..................................................................................................................42
4 A REFORMA TRABALHISTA E O PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DE
RETROCESSO
SOCIAL...............................................................................................................................47
4.1 A jurisprudência e seu papel concretizador dos direitos fundamentais dos
trabalhadores..................................................................................................................48
4.2 A duração do trabalho e a segurança e saúde do
trabalhador.......................................................................................... .......................55
4.3 O parágrafo único do art. 611-B sob a luz do princípio da proibição de retrocesso
social................................................................................................................................62
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................................66
REFERÊNCIAS.............................................................................................................69
6
1 INTRODUÇÃO
O ramo jurídico do direito do trabalho tem suas raízes na questão social dos
trabalhadores que antecedeu a Revolução Industrial do século XVIII1. Buscou-se, à
época, a humanização dos trabalhos praticados nas indústrias com a proteção dos
obreiros, que sofriam com extensas horas nas linhas de produção, más condições de
higiene sanitária no ambiente de trabalho, salários irrisórios, dentre outras condições
prejudiciais. O direito do trabalho, então, desde sua gênese, ansiou pela busca da
proteção do trabalhador, desenvolvendo-se em torno do crescimento e preservação dos
direitos básicos da classe operária. Dentro desta mesma perspectiva o direito do trabalho
se desenvolveu no Brasil, funcionando como instrumento de salvaguarda do princípio
da dignidade da pessoa humana no âmbito das relações de trabalho.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, uma gama significante de
direitos dos trabalhadores foi elevada à condição de direitos fundamentais, dentre os
quais destaca-se o inciso XXII do art. 7° da Carta Magna que assegura aos
trabalhadores, urbanos e rurais, o direito à redução dos riscos inerentes ao trabalho por
meio de normas de segurança, higiene e medicina do trabalho. Com efeito, agasalhou-se
o núcleo essencial desses direitos no manto da proteção dos princípios constitucionais e,
notadamente, do princípio da proibição de retrocesso social.
No dia 23 de dezembro de 2016 o Poder Executivo apresentou o projeto de lei
6787/2016, batizado pelo Governo de “Reforma Trabalhista”. O Poder Executivo
promoveu a denominada reforma, alegando a necessidade da atualização da legislação
trabalhista, haja vista que a Consolidação das Leis do Trabalho data dos anos 70.
Transformado na Lei Ordinária nº 13.467/17, a legislação estabelece alterações ao
Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943 - Consolidação das Leis do Trabalho, e à
Lei nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974. Muito embora exista grande campanha favorável
à legislação, faz-se necessário um estudo mais cauteloso de seus dispositivos, sob pena
de serem aprovadas mudanças que contrariem os princípios do direito do trabalho e,
sobretudo, garantias fundamentais.
Indaga-se, então, a possibilidade de o parágrafo único do art. 611-B da Lei n°
13.467/17, ao descaracterizar as regras sobre duração e intervalos de trabalho como
normas sobre saúde, higiene e segurança, estar oportunizando a redução do núcleo
essencial do direito fundamental dos obreiros a redução de riscos inerentes ao trabalho
1 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.
36.
7
e, com isso, desrespeitando o princípio constitucional implícito da proibição de
retrocesso social.
Assim, o problema em destaque é levantado em razão da necessidade de análise
do artigo, com escopo de se estudar as possíveis consequências de sua aplicação no
direito brasileiro, recordando-se que é demasiadamente relevante, no momento político
conturbado no qual o país se insere nos dias atuais, a preservação de direitos e garantias
fundamentais e o respeito aos princípios que regem nosso ordenamento jurídico.
Finalmente, a presente monografia se estrutura em três capítulos principais. O
Capítulo I cuida do princípio da proibição de retrocesso social, percorrendo seu estudo
no Direito da Alemanha e Portugal (países que mais influenciaram a doutrina nacional)
e, em seguida, sua sistematização dentro do ordenamento jurídico pátrio, percorrendo os
principais autores que desenvolveram o tema, além de identificar receptividade desse
princípio nos tribunais brasileiros.
O Capítulo II aborda os direitos fundamentais dos trabalhadores dentro da
perspectiva da Constituição de 1988, procurando estabelecer uma relação entre o ramo
jurídico do Direito do Trabalho e do Direito Constitucional. Inicialmente é retratada a
temática da constitucionalização desses direitos e de seu aspecto jusfundamental. Após,
o capítulo volta-se para o estudo da fundamentalidade dos direitos sociais e das
peculiaridades que marcam sua eficácia para, em conclusão, traçar uma relação entre o
princípio de proibição do retrocesso e o Direito do Trabalho de uma forma geral.
Ultrapassado a contextualização teórica sobre o tema nos capítulos anteriores, o
terceiro Capítulo irá ocupar-se das premissas necessárias à análise proposta,
preliminarmente discorrendo sobre o caráter normativo que a jurisprudência do trabalho
possui em termos de concretização dos direitos fundamentais e acerca da relação entre
as regras da duração do trabalho – e seus respectivos descansos – com a proteção do
trabalhador, em face dos riscos inerentes ao labor. Somente então tentar-se-á
compreender a conexão existente entre o parágrafo único do art. 611-B Lei n° 13.467/17
e o princípio constitucional implícito da proibição de retrocesso social, bem como suas
possíveis consequências para os direitos fundamentais dos obreiros.
8
2 SOBRE O PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DE RETROCESSO SOCIAL E SUA
APLICAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988
2.1 Noções Introdutórias.
O desenvolvimento teórico do princípio da proibição do retrocesso tomou
diferentes rumos ao longo do tempo, de acordo com os aspectos históricos, sociais e
culturais individuais de cada país, não sendo possível admitir uma única teoria
prevalente quanto ao princípio. Fato este que se reflete nas inúmeras terminologias
presentes no Direito. “Proibição de retrocesso social”2, “vedação de retrocesso social”
3,
“princípio do não retrocesso social”4, “princípio do não retorno da concretização”
5,
“proibição da contrarrevolução social” e “proibição da contrarrevolução reacionária”6
são algumas das nomenclaturas adotadas.
Sem embargo, ainda é possível vislumbrar um propósito comum ao princípio,
na medida que se entende a proibição de retrocesso como um instrumento protetor de
direitos, obstando ao Estado qualquer prática que vise a aniquilação da eficácia de
direitos fundamentais já implementados, sem que haja uma medida compensatória
efetiva correspondente. Quer dizer, procura-se coibir o poder estatal de retroceder a um
estado de coisas já superado pela ordem jurídica.
Sendo assim, pretende-se alcançar no presente capítulo uma definição para o
princípio estudado e sua forma de aplicação mais adequada à Constituição de 1988 e
realidade pátria, de sorte que seja possível – ao fim do trabalho – a realização de um
paralelismo entre a vedação de retrocesso e os direitos fundamentais dos trabalhadores,
com a indicação das consequências práticas dessa relação para o exercício do poder
legislativo do Estado – em especial no que toca a Lei n° 13.467/17.
2 Proibição de retrocesso social é encontrado em DERBLI, Felipe. O princípio da proibição de retrocesso
social na Constituição de 1988. São Paulo: Renovar, 2007; SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos
direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11ª ed.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012 e BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a
Efetividade de suas Normas. 5ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2001. 3 Vedação de retrocesso social é visto em BARCELLOS, Ana Paula de. A Nova Interpretação
Constitucional. Ponderação, Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 3ª ed., Rio de Janeiro: Renovar,
2008. 4 Utilizado por FRAGA, Márcio André Keppler. O princípio do Não Retrocesso Social e a Constituição
Federal de 1988. 119f. Dissertação (Mestrado em Direito). Programa de Pós-Graduação em Direito.
Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), São Leopoldo, 2001. 5 Sustentado por MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Direitos Fundamentais, Vol. IV.
3.ed. Coimbra: 2000, 6 As expressões “proibição da contrarrevolução social” e “proibição da contrarrevolução reacionária” são
ambas sustentadas por CANOTILHO, José J. Gomes. Direito constitucional. 7ª ed. revista, Almedina,
Coimbra, 2003.
9
A primeira parte deste capítulo será destinada a tratamento da edificação e
desdobramentos da proibição do retrocesso no direito comparado, notadamente na
Alemanha e em Portugal, os quais influenciaram a doutrina brasileira de forma mais
evidente. Após, será abordado o aporte teórico do princípio na doutrina nacional, bem
como a proposta de delineação do princípio, a qual servirá de alicerce para o
desenvolvimento da presente monografia.
2.2 Análise da proibição do retrocesso no direito comparado.
Do estudo da proibição do retrocesso, nota-se que este princípio se
desenvolveu de forma mais aperfeiçoada no direito estrangeiro. Em experiências
passadas, já fizeram uso desse princípio, em alguma medida: Suíça, França, Itália,
Alemanha e Portugal. No entanto, os dois últimos países se tornaram as maiores
referências para a doutrina nacional, logo, serão aqui brevemente expostos.
2.2.1 Alemanha
A proibição de retrocesso surgiu na Alemanha como resposta à crise que sofria
o país em relação ao seu sistema de seguridade social. À época, um dos principais temas
que preocupava os Estados da Europa ocidental era o desmantelamento do estado social
de direito, diretamente abalado pelo acelerado avanço do capitalismo e modernização da
sociedade. A crise do Estado-provedor favoreceu a flexibilização dos direitos sociais, os
quais se viram sob a ameaça do legislador frente a necessidade de adequação das
políticas públicas às mudanças econômicas e políticas. Nas palavras de Ingo Wolfgang
Sarlet, “a crescente insegurança no âmbito da seguridade social decorre, neste contexto,
de uma demanda cada vez maior por prestações sociais e de um paralelo decréscimo da
capacidade prestacional do Estado e da sociedade”7.
Neste cenário, a proibição de retrocesso objetivou, no Direito tedesco, impedir
a supressão de prestações sociais e do sistema global de seguridade social do país8, sem
que houvesse qualquer meio alternativo de compensação para seus beneficiários. Assim,
para que fosse possível a preservação, ainda que mínima, dos direitos sociais já
conquistados pelos cidadãos, reconheceu-se pelo Tribunal Constitucional Federal
7 SARLET, Ingo Wolfgang. O Estado Social de direito, a proibição de retrocesso e a garantia fundamental
da propriedade. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, Porto Alegre, n. 17, 1999, p. 112. 8 Ibidem, p. 113.
10
germânico que a proteção das posições jurídico-subjetivas de natureza pública ocorreria
através da garantia da propriedade9, contida no art. 14 da Lei Fundamental.
Nesse sentido, a manifestação da proibição de retrocesso que mais se destacou
na Alemanha foi aquela desenvolvida em torno do conceito funcionalista de propriedade
desenvolvido por Martin Wolff, professor de direito na Universidade de Berlin. Citando
Peter Badura, Sarlet10
destaca que o conceito de propriedade para Wolff abarcaria
quaisquer direitos subjetivos e privados de natureza patrimonial reconhecidos pela
ordem jurídica, desviando-se da ideia tradicional dos direitos reais e oferecendo aos
indivíduos segurança jurídica. Sobre o tema, bem resume Carlos Romeu Salles Correa,
em dissertação de mestrado:
Na perspectiva adotada por Wolff, o direito a uma prestação do poder
público, a partir do momento de sua eventual instituição pela legislação,
incorporaria o patrimônio jurídico de cada beneficiado, sendo indevida,
portanto, sua supressão, do mesmo modo que é indevida a subtração, sem
compensação, de qualquer parcela da propriedade de uma pessoa11
.
Sobre aplicação desse entendimento chancelado pelo Tribunal Constitucional
Federal da Alemanha, Sarlet ainda leciona que:
Ainda no que diz com a proteção de posições jurídico-subjetivas de natureza
pública por meio da garantia fundamental da propriedade, o Tribunal Federal
Constitucional, já em arestas anteriores, entendeu que esta proteção tem por
pressuposto a circunstância de que ao titular do direito é atribuída uma
posição jurídica equivalente à da propriedade privada e que, no caso de uma
supressão sem qualquer compensação, ocorreria uma colisão frontal com o
princípio do Estado de Direito, tal como plasmado na Lei Fundamental12
.
Contudo, não são todos os direitos subjetivos patrimoniais de natureza pública
que desfrutam da proteção da garantia da propriedade. A abrangência do referido
conceito de propriedade deverá obedecer aos requisitos formulados pela doutrina e
jurisprudência alemãs. Sarlet, em seu O Estado Social de Direito, a Proibição de
Retrocesso e a Garantia Fundamental da Propriedade aponta três critérios criados pela
doutrina e jurisprudência alemã para que esta proteção seja empregue.
9 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos
fundamentais na perspectiva constitucional. 11ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 450. 10
SARLET, Ingo Wolfgang. O Estado Social de direito, a proibição de retrocesso e a garantia
fundamental da propriedade. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, Porto Alegre, n. 17, 1999, p.
115. 11
CORRÊA, Carlos Romeu Salles. O princípio da proibição do retrocesso social no direito do trabalho.
2012. 138 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia,
Salvador, 2012, p. 64. Disponível em:
<http://www.repositorio.ufba.br:8080/ri/bitstream/ri/8440/1/CARLOS%20ROMEU%20SALLES%20CO
RR%C3%8AA.pdf>. Acesso em: 03/07/2017. 12
SARLET, Ingo Wolfgang. O Estado Social de direito, a proibição de retrocesso e a garantia
fundamental da propriedade. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, Porto Alegre, n. 17, 1999, p.
115.
11
O primeiro requisito diz respeito à necessidade de uma contraprestação do
titular do direito público, de modo que é rechaçada a ideia de uma prestação unilateral
por parte do Estado. Nessa perspectiva, revela Sarlet que:
[...] uma equivalência absoluta entre a prestação estatal e a contrapartida
pessoal não se revela como indispensável, bastando – de acordo com o
Tribunal Federal Constitucional – uma contribuição "não irrelevante" por
parte do titular do direito13
.
Por conseguinte, para que a posição jurídica-subjetiva goze da proteção da
propriedade requer-se que sua fruição seja de caráter exclusivo de seu titular,
caracterizada pelo elemento da patrimonialidade. Por fim, o último requisito refere-se à
necessidade de a posição jurídica-subjetiva destinar-se exclusivamente à garantia da
existência do seu titular.14
Embora a proibição do retrocesso calcada na garantia da propriedade seja a
mais relevante manifestação do princípio tratado na Alemanha, não se descartam no
país outras teorias que abrangem a proteção de direitos reais contra ações do legislador.
O autor alemão Ernst-Wolfgang Böckenförde, nascido em 1930, foi um dos juízes do
Tribunal Constitucional Federal Alemão e, em seu artigo de 1975, traduzido para o
espanhol, Los derechos fundamentales sociales en la estructura de la Constitución15
,
voltou-se para a análise da eficácia dos direitos sociais e uma possível vedação de sua
supressão em nível infraconstitucional.
Consoante leciona Felipe Derbli16
, Böckenförde sustentou que os direitos
fundamentais sociais, muito embora não gerem direitos subjetivos imediatos para os
cidadãos, possuem aplicabilidade imediata frente aos órgãos estatais, de modo que
emitem um mandado constitucional sobre as atividades legislativa e administrativa do
Estado e, após serem efetivados, estendem sua proteção constitucional para as leis
concretizadoras e atos reiterados da administração pública, sendo vedada sua supressão.
Outro juiz do Tribunal Federal Constitucional da Alemanha, favorável ao
reconhecimento do princípio da proibição do retrocesso social, é Konrad Hesse, que
atuou nessa corte de 1975 a 1987 e desenvolveu a teoria da irreversibilidade
(Nichtumkehrbarkeit), a qual pregava a vinculação do Estado em relação ao nível de
13
Ibidem, p. 115. 14
Ibidem, p. 115-118. 15
BÖCKENFÖRDE, Ernst-Wolfgang. Escritos sobre Derechos Fundamentales. Trad. por Juan Luis
Requejo Pagés e Ignacio Villaverde Menéndez. Alemanha: Nomos Verlagsgesellschaft, Baden-Baden,
1993. 16
DERBLI, Felipe. O princípio da proibição de retrocesso social na Constituição de 1988. São Paulo:
Renovar, 2007, p. 137-138.
12
concretização dos direitos sociais já alcançado na lei. Segundo Lênio Streck, Hesse
defendia a tese de que
[...] depois de atingido um grau de concretização fática dos direitos contidos
na Constituição, por meio de medidas legislativas pelas quais são asseguradas
prestações materiais aos cidadãos, não podem mais ser estas suprimidas ou
reduzidas, ocasionando o retrocesso na área social atingida, seja na área da
educação, saúde, previdência ou direitos trabalhistas (sociais e individuais).
São as chamadas “cláusulas de proibição de evolução reacionária ou de
proibição de retrocesso social”, é dizer, consagradas legalmente prestações de
assistência social, o legislador não pode mais eliminá-las “retornando sobre
seus passos”17
.
É possível observar, pois, que há, em geral, um reconhecimento do princípio da
proibição do retrocesso na doutrina e jurisprudência germânica. Com efeito, o
desenvolvimento do princípio em questão surgiu da necessidade de proteção do sistema
de seguridade social do país, sendo de suma importância a função da garantia da
propriedade para tanto, proporcionado, em nível constitucional, uma proteção para as
posições jurídicas de cunho prestacional contra possível supressão pelo Estado. Assim,
resume Sarlet que:
Neste sentido, constatou-se que no âmbito do direito germânico é possível
sustentar a existência de uma proteção constitucional dos direitos sociais
previstos na legislação infraconstitucional, proteção cujo alcance não pode
ser estabelecido previamente de forma genérica e abstrata. Isto porque esta
proteção depende, por um lado, de uma cautelosa e criteriosa ponderação das
circunstâncias concretas, devendo, de outra parte, levar em consideração o
abismo inevitável entre a realidade fática e a dimensão normativa18
.
2.2.2 Portugal.
Em terras lusitanas, a recepção do princípio da proibição do retrocesso se deu,
em grande parte, pela colaboração doutrinária do mestre de Coimbra, José Joaquim
Gomes Canotilho. Em sua prestigiada obra Constituição Dirigente e Vinculação do
Legislador, o autor reconhece uma dimensão subjetiva pertencente aos direitos sociais,
a qual se origina da concretização desses direitos em âmbito infraconstitucional e, uma
vez concretizados, justificariam a sindicabilidade judicial da manutenção deste nível de
realização, vedada sua supressão19
.
17
STRECK, Lenio Luiz. Da utilidade de uma análise garantista para o direito brasileiro. Porto Alegre:
Fundação Escola da Magistratura do Trabalho do Rio Grande do Sul, 1999, apud CORRÊA, Carlos
Romeu Salles. O princípio da proibição do retrocesso social no direito do trabalho. 2012. 138 f.
Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, Salvador,
2012. 18
SARLET, Ingo Wolfgang. O Estado Social de direito, a proibição de retrocesso e a garantia
fundamental da propriedade. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, Porto Alegre, n. 17, 1999, p.
127. 19
CANOTILHO, J. J. Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador: contributo para a
compreensão das normas constitucionais programáticas. 2ª edição. Coimbra: Coimbra Editora, 2001.
13
O constitucionalista ainda denomina o referido princípio como princípio da
proibição da “contrarrevolução social” ou da “evolução reacionária” e complementa:
Com isto quer dizer-se que os direitos sociais e económicos (ex.: direito dos
trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez alcançados
ou conquistados, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia
institucional e um direito subjectivo. Desta forma, e independentemente do
problema “fáctico” da irreversibilidade das conquistas sociais (existem crises,
situações económicas difíceis, recessões económicas), o princípio em análise
justifica, pelo menos, a subtracção à livre e oportunística disposição do
legislador, da diminuição de direitos adquiridos (ex.: segurança social,
subsídio de desemprego, prestações de saúde), em clara violação do princípio
da protecção da confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito
económico, social e cultural20
(grifo do original).
Para Canotilho, a proibição do retrocesso constitui um desdobramento do
princípio da democracia econômica e social, definindo-o como um limite material à
revisão constitucional21
. Segundo o mestre de Coimbra, trata-se de um elemento
essencial de interpretação, para que seja possível avaliar a conformidade dos atos do
poder público com a constituição. Através do princípio da democracia econômica e
social, reconhecido por Canotilho como implícito na constituição portuguesa, ao Estado
é imposta a obrigação de conformação, transformação e modernização das estruturas
econômicas e sociais, de forma a promover a igualdade real entre os cidadãos e evoluir-
se para uma sociedade democrática. Nas palavras do autor:
O princípio da democracia económica e social constitui uma autorização
constitucional no sentido de que o legislador democrático e os outros órgãos
encarregados da concretização político-constitucional adoptarem as medidas
necessárias para a evolução da ordem constitucional sob a óptica de uma
”justiça constitucional” nas vestes de uma “justiça social”22
(grifo do
original).
Igualmente distinto constitucionalista português, Jorge Miranda sinaliza na
mesma direção quando passa a explanar, em seu Manual de Direito Constitucional, as
similitudes entre normas constitucionais que classifica como “programáticas” e “
preceptivas não exequíveis por si mesmas”. Nesse sentido, o mestre lusitano afirma que
tais normas adquirem um duplo sentido proibitivo (ou negativo), proibindo a emissão de
normas legais contrárias e proibindo prática de comportamentos que tendam a impedir a
produção de atos por elas impostos, havendo inconstitucionalidade material em caso de
violação de alguma dessas proibições23
.
20
CANOTILHO, José J. Gomes. Direito constitucional. 7ª ed. revista, Almedina, Coimbra, 2003, p. 338-
339. 21
Ibidem, p. 473 22
CANOTILHO, José J. Gomes. Direito constitucional. 7ª ed. revista, Almedina, Coimbra, 2003, p. 338. 23
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional, Tomo II, 5.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra,
1996, p. 270.
14
As referidas normas, para Jorge Miranda, sempre dependerão de outras normas
infraconstitucionais que lhes determine os meios para a consecução de seus fins. Por
conseguinte, uma vez concretizadas essas normas em nível infraconstitucional, não
poderão mais ser pura e simplesmente revogadas, não podendo o legislador subtrair da
norma constitucional a exequibilidade que lhe foi conferida. No tomo IV da mesma
obra, Jorge Miranda passa a referir-se expressamente à um princípio da proibição do
retrocesso, afirmando que:
[...] eliminar as normas infraconstitucionais concretizadoras dos direitos
sociais significaria retirar eficácia das normas constitucionais de que são
sucedâneas, o que seria inconstitucional por violar o princípio do não
retrocesso da concretização ou do não retrocesso social. Contudo, entendo-o
também como fundado no princípio da confiança inerente ao Estado de
Direito24
.
A jurisprudência portuguesa, por sua vez, já se debruçou sobre o tema,
merecendo destaque o famigerado Acórdão n. 39/8425
, de 11 de abril de 1894, proferido
pelo Tribunal Constitucional português. Em 25 de Outubro de 1982, o Presidente da
República deu origem ao processo n.º 6/83, requerendo a declaração de
inconstitucionalidade do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 254/82, de 29 de junho de 1982.
O artigo 17 do referido decreto revogava grande parte da Lei n.º 56/79, de 15 de
setembro, a qual regulamentava o Serviço Nacional de Saúde do país.
O Presidente sustentava que o decreto em questão, ao revogar os artigos da Lei
n.º 56/79, levaria à extinção ou inutilização do Sistema Nacional de Saúde. Contudo,
desenvolveu sua tese primária na ideia de ausência de competência do Governo para a
tratar da matéria, defendendo a inconstitucionalidade formal do artigo 17. Alegava,
assim, que a regulamentação do Sistema Nacional de Saúde constituía matéria de
competência reservada à Assembleia da República, pelo fato de contemplar direitos
fundamentais inseridos no texto da Constituição.
O Conselheiro Vital Moreira, relator do processo, ao rechaçar o pedido de
inconstitucionalidade formal, alterou o rumo do processo e edificou tese no sentido da
inconstitucionalidade material do Decreto-lei, face à violação ao princípio da proibição
do retrocesso. Inspirado nos ensinamentos de Canotilho, Vital Moreira partiu da
premissa de que a Lei n.º 56/79 constituía uma forma de concretização do direito
24
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, 3.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra,
1996, p. 237. 25
PORTUGAL. Tribunal Constitucional. Acórdão n° 39/84. Relator: Vital Moreira. Lisboa, 11 de abril de
1984. Disponível em: <https://dre.pt/application/file/a/384958>. Acesso em: 03/07/2017.
15
fundamental à proteção da saúde, previsto no art. 6426
da Constituição Portuguesa, bem
como que, através do artigo 17 do Decreto-Lei n.º 254/82, o Governo legislou em
matéria do direito à saúde ao extinguir o Serviço Nacional de Saúde27
.
Com efeito, verifica-se que a existência de um serviço nacional de saúde é
expressamente previsto no item n.º 2 do artigo 64.º da Constituição de Portugal, como
forma de realização do direito fundamental de proteção à saúde. Assim, em decorrência
da alínea “a” do item n.º 2, Vital Moreira afirma que a existência de um serviço
nacional de saúde caracteriza-se como “elemento integrante de um direito fundamental
dos cidadãos, e uma obrigação do Estado”28
. Desta forma, a referida norma toma
contornos de uma própria imposição constitucional, no sentido adotado por Canotilho,
qual seja: a vinculação do legislador, de forma permanente, à realização do conteúdo da
norma dirigente.
Em resposta ao não cumprimento da imposição que foi atribuída pela
constituição, surge uma situação de inconstitucionalidade por omissão. No entanto, a
partir do momento em que o Estado passa a desconstituir aquilo que já havia realizado
em sede de direitos fundamentais, a inconstitucionalidade resulta de verdadeira ação.
Assim, não seria possível ao Estado suprimir elemento de realização de direito
fundamental social, uma vez que tal elemento, após criado e implementado, passa a
gozar de proteção direta da própria constituição – sua aniquilação resultaria em afronta
direta ao direito fundamental do qual decorre29
.
Neste sentido, vale a transcrição de parte do paradigmático acórdão da Corte
Constitucional Portuguesa:
Ao extinguir o Serviço Nacional de Saúde, o Governo coloca o Estado, de
novo, na situação de incumprimento da tarefa constitucional que lhe é
cometida pelo artigo 64.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
[...]
Se a Constituição impõe ao Estado a realização de uma determinada tarefa - a
criação de uma certa instituição, uma determinada alteração na ordem
jurídica -, então, quando ela seja levada a cabo, o resultado passa a ter a
protecção directa da Constituição. O Estado não pode voltar atrás, não pode
descumprir o que cumpriu, não pode tornar a colocar-se na situação de
devedor. [...]
26
Prevê o artigo 64 da Constituição lusitana, in verbis: Saúde. 1. Todos têm direito à protecção da saúde e
o dever de a defender e promover. 2. O direito à protecção da saúde é realizado: a) Através de um serviço
nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos,
tendencialmente gratuito. 27
PORTUGAL. Tribunal Constitucional. Acórdão n° 39/84. Relator: Vital Moreira. Lisboa, 11 de abril de
1984. Disponível em: <https://dre.pt/application/file/a/384958>. Acesso em: 03/07/2017. 28
PORTUGAL. Tribunal Constitucional. Acórdão n° 39/84. Relator: Vital Moreira. Lisboa, 11 de abril de
1984. Disponível em: <https://dre.pt/application/file/a/384958>. Acesso em: 03/07/2017. 29
PORTUGAL. Tribunal Constitucional. Acórdão n° 39/84. Relator: Vital Moreira. Lisboa, 11 de abril de
1984. Disponível em: <https://dre.pt/application/file/a/384958>. Acesso em: 03/07/2017.
16
Se isto é assim em geral para as normas que impõem concretas e definidas
tarefas constitucionais, por maioria de razão há-de valer quando se trate de
direitos fundamentais.
É que aí a tarefa constitucional a que o Estado se acha obrigado é uma
garantia do direito fundamental, constitui ela mesma objecto de um direito
dos cidadãos. Quando a tarefa constitucional consiste na criação de um
determinado serviço público (como acontece com o Serviço Nacional de
Saúde) e ele seja efectivamente criado, então a sua existência passa a gozar
de protecção constitucional, já que a sua abolição implicaria um atentado a
uma garantia institucional de um direito fundamental e, logo, um atentado ao
próprio direito fundamental. A abolição do Serviço Nacional de Saúde não
significa apenas repor uma situação de incumprimento, por parte do Estado,
de uma concreta tarefa constitucional; uma vez que isso se traduz na
revogação da execução dada a um direito fundamental, esse acto do Estado
implica uma ofensa ao próprio direito fundamental.
Em grande medida, os direitos sociais traduzem-se para o Estado em
obrigação de fazer, sobretudo de criar, certas instituições públicas sistemas
escolar, sistema de segurança social, etc.). Enquanto elas não forem criadas, a
Constituição só pode fundamentar exigências para que se criem; mas, após
terem sido criadas, a Constituição para a proteger a sua existência, como se já
existissem à data da Constituição. As tarefas constitucionais impostas ao
Estado em sede de direitos fundamentais no sentido de criar certas
instituições ou serviços não o obrigam apenas a criá-los, obrigam-no também
a não aboli-los uma vez criados.
Quer isto dizer que, a partir do momento em que o Estado cumpre (total ou
parcialmente) as tarefas constitucionalmente impostas para realizar um
direito social, o respeito constitucional deste deixa de consistir (ou deixa de
consistir apenas) numa obrigação, positiva, para se transformar (ou passar
também a ser uma obrigação negativa. O Estado, que estava obrigado a
actuar para dar satisfação ao direito social, passa a estar obrigado a abster-se
de atentar contra a realização dada ao direito social. [...]
Impõe-se a conclusão: após ter emanado uma lei requerida pela Constituição
para realizar um direito fundamental, é interdito ao legislador revogar essa lei
repondo o estado de coisas anterior. A instituição, serviço ou instituto
jurídico por ela criados passam a ter a sua existência constitucionalmente
garantida. Uma nova lei pode vir alterá-los ou reformá-los, nos limites
constitucionalmente admitidos, mas não pode vir extingui-los ou revogá-los.
Esta conclusão decorre naturalmente da concepção constitucional do direito à
saúde como verdadeiro e próprio direito fundamental e do Serviço Nacional
de Saúde como garantia institucional da realização desse direito30
.
Sem embargo, influenciada pela doutrina e jurisprudência alemã, a teoria
primária da proibição do retrocesso no Direito português – calcada nos limites de
atuação do legislador, imposição constitucional e inconstitucionalidade por ação estatal
– deu espaço para uma concepção mais restrita do princípio, voltada à observância do
princípio da proteção da confiança e do núcleo essencial dos direitos fundamentais
sociais. Segundo afirma Derbli, Canotilho revisou sua posição doutrinária e cuidou de
30
PORTUGAL. Tribunal Constitucional. Acórdão n° 39/84. Relator: Vital Moreira. Lisboa, 11 de abril de
1984. Disponível em: <https://dre.pt/application/file/a/384958>. Acesso em: 03/07/2017.
17
definir que o alcance da vedação do retrocesso se limitaria ao núcleo essencial do direito
social a ser resguardado31
.
A restrição do princípio também foi sentida na jurisprudência lusitana, que
demonstrou em acórdãos mais recentes sua mudança de posição quanto ao alcance da
proteção da proibição do retrocesso. No acórdão nª 583/0032
, o Tribunal Constitucional
português entendeu que:
A admitir-se a existência de tal princípio nunca ele poderia abranger todo e
qualquer encurtamento dos benefícios sociais mas apenas aquele que
atingisse o núcleo essencial dos correspondentes direitos - maxime - o núcleo
essencial do direito à existência mínima inerente ao respeito pela dignidade
da pessoa humana (grifo do original).
Portanto, houve uma mudança do posicionamento português com o passar dos
anos que, por influência alemã, passou a entender a proibição do retrocesso como uma
proteção aos direitos adquiridos, limitando a abrangência de aplicação da tese inicial
desenvolvida por Canotilho. Ressalta-se que, para Felipe Derbli, a tese primária
consagrada no Acórdão n° 39/84 é a qual mais se assemelha à situação fática brasileira,
sendo o referencial basilar de sua própria sistematização da proibição do retrocesso.
2.3 Aporte teórico no Brasil.
Fazendo um paralelo entre doutrina brasileira e estrangeira, verifica-se que o
princípio da proibição de retrocesso ainda é tópico recente em terras tupiniquins. Poucos
foram os autores que dedicaram olhar mais cauteloso para o princípio em debate e suas
possibilidades. Contudo, apesar de modestos, os estudos voltados ao princípio da
proibição de retrocesso social voltaram a crescer no Brasil, notadamente pela produção
de jovens autores em artigos e dissertações.
Um dos primeiros doutrinadores a se debruçar sobre o tema no país foi José
Afonso da Silva, mineiro, procurador do Estado e professor universitário aposentado e
graduado em direito pela Universidade de São Paulo. Já em 1967, em sua obra
Aplicabilidade das Normas Constitucionais, o jurista mineiro fazia referência ao
princípio, na ocasião em que leciona sobre a aplicabilidade das normas definidoras de
direitos sociais. Para o constitucionalista, as normas definidoras de direitos sociais
consistem em normas programáticas, atribuídas de um caráter teleológico que procura
31
DERBLI, Felipe. O princípio da proibição de retrocesso social na Constituição de 1988. São Paulo:
Renovar, 2007, p. 152. 32
PORTUGAL. Tribunal Constitucional. Acórdão n° 583/00. Relator: Vitor Nunes de Almeida. Lisboa,
20 de dezembro de 2000. Disponível em:
<http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20000583.html>. Acesso em: 03/07/2017.
18
ditar a realização de fins sociais em busca da justiça social. Contudo, apesar de
necessitarem da atuação do Estado para sua realização, deve ser reconhecido seu caráter
vinculativo e, apoderando-se dos ensinamentos de Canotilho, o autor afirma que tais
normas possuem eficácia imediata e direta, constituindo uma verdadeira imposição
constitucional ao poder estatal.
Nesse sentido, Afonso da Silva inspira-se em Giorgio Balladore Pallieri (1905 -
1980)33
para sustentar que seriam inconstitucionais os atos normativos que
contrariassem as imposições constitucionais advindas das normas programáticas
definidoras de direitos sociais, inclusive aqueles que retiram das normas seu grau de
concretização. Em síntese, o autor expões que:
Do que expusemos nos parágrafos anteriores, fácil é extrair outro efeito
notabilíssimo das normas constitucionais programáticas, como exprime
Balladore Pallieri, que conclui: “Prescrevem à legislação ordinária uma via a
seguir; não conseguem constranger, juridicamente, o legislador a seguir
aquela via, mas o compelem, quando nada, a não seguir outra diversa. Seria
inconstitucional a lei que dispusesse de modo contrário a quanto a
constituição comanda. E, além disso, uma vez dada execução à norma
constitucional, o legislador ordinário não pode voltar atrás”.34
Assim, descortina-se a eficácia das normas programáticas em relação à
legislação futura, desvendando, aí, sua função de condicionamento da
atividade do legislador ordinário, mas também da administração e da
jurisdição, cujos atos hão de respeitar os princípios nelas consagrados. [...]
Por exemplo, a Constituição Federal, no art. 7 º, assegura aos trabalhadores
os direitos ali enumerados, “além de outros que visem à melhoria de sua
condição social”. Esta última parte do dispositivo é de natureza programática,
e, agora, podemos acrescentar que é daquelas que se limitam a indicar certo
fim a atingir: melhoria da condição social do trabalhador. A respeito desses
outros direitos que podem ser outorgados aos trabalhadores, o legislador
ordinário tem ampla discricionariedade, mas, assim mesmo, está
condicionado ao fim ali proposto — melhoria da condição social do
trabalhador. Qualquer providência do Poder Público, específica ou geral, que
contravenha a esse fim é inválida e pode ser declarada sua
inconstitucionalidade pelo juiz [...]35
.
Por seu turno, o professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul, Ingo Wolfgang Sarlet, elabora sua concepção do princípio da proibição de
retrocesso, primordialmente, em cima da doutrina alemã. Em seu livro A eficácia dos
direitos fundamentais, Sarlet elenca os fundamentos que sustentam a existência de uma
proibição de retrocesso no ordenamento jurídico brasileiro, quais sejam, o princípio do
Estado democrático e social de Direito, o princípio da dignidade da pessoa humana, o
33
Jurista italiano, juiz do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos de 1959 a 1980. Professor de direito
internacional e direito constitucional na Universidade Católica do Sagrado Coração de Milão. 34
PALLIERI, Giorgio Balladore. Diritto costituzionale. 4. ed. Milão: Giuffrè, 1955, p. 322, apud SILVA,
José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3ª edição. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 158. 35
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3ª edição. São Paulo: Malheiros,
1998, p. 158.
19
princípio da máxima eficácia e efetividade das normas definidoras de direitos
fundamentais – que tem abrigo no art. 5°, §1° da Constituição de 1988 – e o princípio da
proteção da confiança. Além dos mencionados princípios, o jurista defende que as
normas protetivas expressamente elencadas na presente Constituição brasileira não são
suficientes para abranger todo o universo de situações jurídicas integrantes da noção de
segurança jurídica, fazendo-se necessário o reconhecimento do princípio da proibição
de retrocesso como protetor de direitos fundamentais contra ação de órgãos estatais.
Sua concepção de vedação do retrocesso, então, parte de uma noção ampla do
direito à segurança jurídica, que possui como um de seus aspectos o direito à proteção
contra o retrocesso em matéria de direitos fundamentais. Para Sarlet:
[...] o direito à segurança não se restringe, por sua vez, a estas dimensões e
abrange, para além de um direito à segurança jurídica e social, um direito
geral à segurança, no sentido de um direito à proteção [por meios de
prestações normativas e materiais] contra atos – do poder público e de outros
particulares – violadores dos diversos direitos pessoas [...]36
.
Aliada à ideia de segurança encontra-se a noção de dignidade da pessoa
humana. O jurista gaúcho afirma que os direitos fundamentais são expressões da
dignidade da pessoa humana, de modo que a proteção desses direitos – pelo menos no
que concerne seu núcleo essencial – só será assegurada propriamente onde houver um
mínimo de segurança jurídica.
Sarlet ainda reconhece que a proibição de retrocesso possui uma modalidade
genérica, segundo o autor:
[...] a já mencionada garantia constitucional dos direitos adquiridos, dos atos
jurídicos perfeitos e da coisa julgada, assim como as demais limitações
constitucionais de atos retroativos ou mesmo as garantias contra restrições
legislativas dos direitos fundamentais, constituem uma decisão clara do
Constituinte em prol de uma vedação do retrocesso pelo menos nessas
hipóteses. Da mesma forma a proteção contra a ação do poder constituinte
reformador, notadamente no concernente aos limites materiais à reforma
[...]37
.
Deste modo, afirma que sua visão quanto proibição do retrocesso em sentido
estrito “diz com a possibilidade de limitar a auto-reversibilidade de medidas do poder
público que tenham concretizado direitos fundamentais em geral”38
. Sem embargo,
salienta que a repercussão do princípio é mais enfática na aplicação das normas
programáticas que concernem aos propósitos constitucionais de justiça social, ou seja,
36
SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas notas em torno da proibição de retrocesso na esfera dos direitos
fundamentais. Direito & Justiça: revista da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, v. 32, n. 1, jun. 2006, p. 12. 37
Ibidem, p. 18. 38
Ibidem, p. 21.
20
das normas definidoras de direitos sociais, particularmente no que tange aos direitos
prestacionais, pois são que demandarão, via de regra, a atuação do legislador na sua
concretização.
Sarlet defende, então, ainda que na sua acepção mais estrita, um princípio da
proibição de retrocesso que assegura aos indivíduos a proibição da abolição, pura e
simples, pelo legislador ordinário e demais órgãos estatais, de ato normativo que
satisfez o direito fundamental social, sem que haja qualquer medida substitutiva. Isto
ocorre porque o legislador infraconstitucional encontra-se encarregado de promover o
desenvolvimento e concretização dos direitos fundamentais, conforme o art. 5°, §1° da
Constituição de 1988.
Não obstante, aponta o autor ser forçoso a adoção de limites quando da
aceitação de uma vedação do retrocesso, utilizando-se da noção de núcleo essencial para
a fixação de uma baliza para a aplicabilidade do princípio. Ao não se admitir um limite
para o princípio, esclarece Sarlet que estar-se-ia reduzindo a atividade legislativa à mera
execução da Constituição e conduziria uma transmutação das normas
infraconstitucionais em direito constitucional. O jurista sustenta que a ideia de núcleo
essencial se encontra conectada com a dignidade da pessoa humana, consistindo no
elemento que vincula o poder público no âmbito de uma proteção contra o retrocesso.
Por fim, nas palavras de Sarlet temos que:
[...] uma medida de cunho retrocessivo, para que não venha a violar o
princípio da proibição do retrocesso, deve, além de contar com uma
justificativa de porte constitucional, salvaguardar – e qualquer hipótese – o
núcleo essencial dos direitos sociais, notadamente naquilo em que
corresponde às prestações materiais indispensáveis para uma vida com
dignidade para todas as pessoas [...] Além disso, não se poderá olvidar jamais
que uma violação ao mínimo existencial (mesmo em se cuidando do núcleo
essencial legislativamente concretizado dos direitos sociais) significará
sempre uma violação da dignidade da pessoa humana e por esta razão será
sempre desproporcional e, portanto, inconstitucional.39
Na mesma esteira, José Vicente Mendonça – Mestre e doutor em Direito
Público pela UERJ e Procurador do Estado do Rio de Janeiro – defende em seu artigo
Vedação do retrocesso: o que é e como perder o medo uma concepção do princípio da
proibição de retrocesso que compreende um sentido mais amplo e outro mais estrito,
todavia, diverge de Sarlet ao manter apenas os direitos sociais como integrantes da
vedação do retrocesso mais específica – enquanto que Sarlet acolhe todos os direitos
fundamentais. O autor expõe uma proibição de retrocesso calcada na efetividade das
39
Ibidem, p. 47.
21
normas constitucionais, proibindo ao legislador infraconstitucional, ao revogar uma lei
concretizadora, coibir a eficácia e efetividade já alcançadas pelas normas
constitucionais. Assim, expõe Vicente Mendonça que:
Não há muitas dúvidas quanto ao aspecto da vedação que significa
impossibilitar a revogação da norma infraconstitucional que tenha conferido
aplicabilidade ao ditame constitucional. Nesse pormenor, o fundamento da
vedação do retrocesso é, diretamente, o princípio da efetividade das normas
constitucionais – ou princípio da eficiência ou princípio da interpretação
efetiva –, de notável e recente ascensão dogmática nas letras jurídicas
brasileiras, segundo o qual, imantado de uma vontade de Constituição, o
intérprete jurídico (e, de uma forma geral, toda a sociedade, a se crer em
Peter Häberle) deverá optar pela solução hermenêutica que mais se aproxime
o dever-ser normativo ao ser da realidade social40
.
Luís Roberto Barroso também tratou do assunto em sua obra O Direito
Constitucional e a Efetividade de Suas Normas, aproximando-se das lições de Canotilho
e Afonso da Silva ao defender a existência de um princípio implícito da vedação do
retrocesso nos seguintes termos:
[...] por este princípio, que não é expresso, mas decorre do sistema jurídico
constitucional, entende-se que se uma lei, ao regulamentar um mandamento
constitucional, instruir determinado direito, ele se incorpora ao patrimônio
jurídico da cidadania e não pode ser arbitrariamente suprimido. Nessa
ordem de ideias, uma lei posterior não pode extinguir um direito ou uma
garantia, especialmente os de cunho social, sob pena de promover um
retrocesso, abolindo um direito fundamental na Constituição. O que se veda
é o ataque à efetividade da norma, que foi alcançada a partir de sua
regulamentação41
.
Ana Paula de Barcellos, professora de Direito Constitucional na Faculdade de
Direito da UERJ, ao se defrontar com o tema em sua obra A Eficácia Jurídica dos
Princípios Constitucionais: O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, propõe o
princípio da proibição de retrocesso como uma modalidade de eficácia jurídica dos
princípios que cuidam dos direitos fundamentais. Defende a autora a existência de uma
modalidade de eficácia negativa dos princípios constitucionais, a qual vincula o
legislador ordinário, proibindo-o de suprimir pura e simplesmente as normas
infraconstitucionais que promoveram a realização do princípio.
Em 2003, Barcellos publicou obra em conjunto com Luís Roberto Barroso,
denominada O Começo da história. A Nova Interpretação Constitucional e o Papel dos
Princípios no Direito Brasileiro, na qual os autores declaram que:
A vedação do retrocesso, por fim, é uma derivação da eficácia negativa,
particularmente ligada aos princípios que envolvem os direitos fundamentais.
40
MENDONÇA, José Vicente dos Santos. Vedação do Retrocesso: o que é e como perder o medo. In:
Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro, vol. XII. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2003, p.222. 41
BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas. 5ª ed., Rio de
Janeiro: Renovar, 2001, p. 158-159.
22
Ela pressupõe que esses princípios sejam concretizados através de normas
infraconstitucionais (isto é: freqüentemente, os efeitos que pretendem
produzir são especificados por meio da legislação ordinária) e que, com base
no direito constitucional em vigor, um dos efeitos gerais pretendidos por tais
princípios é a progressiva ampliação dos direitos fundamentais. Partindo
desses pressupostos, o que a vedação do retrocesso propõe se possa exigir do
Judiciário é a invalidade da revogação de normas que, regulamentando o
princípio, concedam ou ampliem direitos fundamentais, sem que a revogação
em questão seja acompanhada de uma política substitutiva ou equivalente.
Isto é: a invalidade, por inconstitucionalidade, ocorre quando se revoga uma
norma infraconstitucional concessiva de um direito, deixando um vazio em
seu lugar42
.
Lenio Streck faz menção ao princípio da proibição do retrocesso em algumas
de suas obras. Em Hermenêutica Jurídica e(m) crise, ao tratar da função da
Constituição, o autor ressalta a necessidade da aplicação da cláusula de proibição do
retrocesso social para que a Carta Magna possa exercer sua importante prerrogativa de
resguardar as conquistas sociais já adquiridas pela sociedade43
. Outrossim, em
Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito, Streck reconhece
a importância da cláusula implícita de proibição de retrocesso social, afirmando que
essa:
[...] deve servir de piso hermenêutico para novas conquistas. Mais e além de
todos os limites materiais, implícitos ou explícitos, esse princípio deve
regular qualquer processo de reforma da constituição. Nenhuma emenda
constitucional, por mais que formalmente lícita, pode ocasionar retrocesso
social. Essa cláusula paira sobre o Estado Democrático de Direito como
garantidora de conquistas. Ou seja, a Constituição, além de apontar para o
futuro, assegura as conquistas já estabelecidas. Por ser um princípio, tem
aplicação na totalidade do processo aplicativo do Direito44
.
Por seu turno, o professor da Universidade Federal da Bahia Edilton Meireles
defende a existência de uma previsão expressa do princípio na Constituição de 1988 em
matéria de Direito do Trabalho, sob o fundamento do art. 7º da Carta Constitucional
assegura aos trabalhadores outros direitos que visem à melhoria de sua condição social.
Sem embargo, sustenta o professor que:
b) o princípio do não-retrocesso social veda qualquer medida legislativa,
inclusive ao nível constitucional (emendas), que constitua, em si, um
retrocesso na condição social do trabalhador; c) as normas trabalhistas
somente serão constitucionais se visam a melhorar a condição social do
trabalhador; d) a inconstitucionalidade da norma pode ser contornada se
42
BARROSO, Luís Roberto. O começo da história: a nova interpretação constitucional e o papel dos
princípios do direito brasileiro. Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v.6, n.23, p.25-65, jul./set. 2003, p.
39. 43
STRECK, Lenio. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do
direito. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. 44
STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. 2ª edição.
Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 706.
23
forem criados “outros esquemas alternativos ou compensatórios” ao direito
social modificado ou suprimido.45
Felipe Derbli46
, orientado pela concepção do princípio edificada por Canotilho
e pelo Tribunal Constitucional português, defende a existência de um princípio
constitucional implícito de proibição de retrocesso social de caráter predominantemente
retrospectivo e que se propõe a assegurar o nível de concretização infraconstitucional de
um direito fundamental social – definido em regra ou princípio – contra a ação do poder
público em seu papel de legislar.
Para o autor, trata-se de um princípio constitucional porque, à luz da
conceituação proposta por Humberto Ávila, a proibição de retrocesso consiste em uma
norma de conteúdo finalístico, tal qual os princípios. Para Derbli, esse princípio tem
como particularidade a prevalência de seu caráter retrospectivo, pois nutre como fim
precípuo a manutenção do nível de concretização dos direitos fundamentais sociais.
Assim, preocupar-se-ia o princípio com a proibição de retorno a um estado de coisas
indesejado, distante do ideal imprimido pelo dirigismo constitucional. Nessa linha de
ideais, Derbli rechaça a concepção de proibição do retrocesso defendida por Ana Paula
de Barcellos e Luís Roberto Barroso, negando-lhe a natureza de modalidade de eficácia
das normas constitucionais.
Além da índole retrospectiva, o autor atribui, ainda que em menor escala, um
caráter positivo à finalidade do princípio, qual seja, o dever do legislador de manter-se
no propósito de ampliar, progressivamente, o grau de concretização dos direitos
fundamentais sociais. Significa dizer uma obrigação de avanço social, própria das
constituições dirigentes, para a realização da justiça social. Isto ocorre porque, para o
autor, o princípio é uma decorrência lógica do constitucionalismo dirigente.
Sobre o reconhecimento do princípio na Constituição de 1988, Derbli declara
que:
45
MEIRELES, Edilton. Princípio do não-retrocesso social no direito do trabalho. Evocati Revista. n° 13.
Jan. 2007. Disponível em: <http://www.evocati.com.br/evocati/artigos.wsp?tmp_codartigo=100>. Acesso
em: 10/07/2017. 46
É doutor em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Procurador do Estado do
Rio de Janeiro concentrado nas áreas de Direito Constitucional, Direito Administrativo e Regimes
Próprios de Previdência Social e Investimentos Financeiros. Em 2004, Derbli debruçou-se sobre o
princípio da proibição de retrocesso em sua tese de mestrado em direito público na UERJ, produzindo
dissertação denominada A Constituição de 1988 e o princípio da proibição do retrocesso social: uma
investigação dos limites à atividade legislativa, sob a orientação de Luiz Roberto Barroso. Sua obra O
princípio da proibição de retrocesso social na Constituição de 1988 foi publicada em 2007, e constitui um
diligente e refletido trabalho sobre a temática, procurando construir uma sistematização do princípio
própria e adequada à realidade brasileira.
24
[...] é possível deduzir do texto constitucional que a Carta Magna vigente
contém entre suas normas o princípio que impõe ao legislador a observância
da concretização sempre progressiva dos direitos fundamentais sociais,
sendo-lhe defeso atuar comissivamente em sentido oposto, tanto quanto lhe é
proibido deixar de regulamentar, em sede legislativa, uma norma
constitucional que lhe estabeleça tal dever47
.
Para Derbli só será possível verificar uma situação de afronta ao princípio da
proibição de retrocesso quando, da ação do legislador, ocorrer um retorno a uma
situação de omissão constitucional, ou ainda quando houver uma redução da
concretização já alcançada pelas normas constitucionais definidoras de direitos sociais.
Ressalta-se: quando por ação comissiva do legislador ordinário, se deixou de executar
uma imposição constitucional legiferante, isto é, quando não foi instrumentalizada a
eficácia da norma constitucional.
A despeito de restringir o objeto do princípio para apenas as normas
definidoras de direitos sociais, Derbli destaca que existem casos nos quais a
concretização legislativa das garantias institucionais serão alcanças pela proteção da
vedação ao retrocesso. Isto porque existem casos nos quais a garantia institucional está
intrinsicamente ligada à garantia do direito fundamental, sendo sua existência
indispensável ao exercício do direito.
Pelas palavras do autor, tem-se que o núcleo essencial do princípio da
proibição de retrocesso social constitui na:
[...] vedação ao legislador de suprimir, pura e simplesmente, a concretização
de norma constitucional que trate do núcleo essencial de um direito
fundamental social, impedindo a sua fruição, sem que sejam criados
mecanismos equivalentes ou compensatórios. É defeso o estabelecimento (ou
restabelecimento, conforme o caso) de um vácuo normativo em sede
legislativa48
.
Como já se viu em linhas anteriores, não se pode aceitar, contudo, um princípio
da proibição de retrocesso absoluto, ao ponto de que seja engessada a atuação do
legislador. Destarte, como um dos corolários da aplicação desse princípio, na esteira de
Canotilho, Derbli defende a necessidade da confirmação, na consciência jurídica geral,
da concretização alcançada, de tal modo que esta venha a ser considerada uma
decorrência “indispensável do próprio comando constitucional, usufruindo, com isso,
sua força normativa”49
. Nesse cenário, os direitos fundamentais sociais realizados em
47
DERBLI, Felipe. O princípio da proibição de retrocesso social na Constituição de 1988. São Paulo:
Renovar, 2007, p. 222-223. 48
Ibidem, p. 298. 49
Ibidem, p. 244.
25
sede legislativa passam a dispor de status negativus oponível ao legislador – equivalente
como acontece aos direitos de defesa.
Ao traçar o limite para aplicação do princípio, Derbli descarta a ausência de
vinculação da vedação do retrocesso ao mínimo existencial, evidenciando que o
princípio da dignidade da pessoa humana já cuida da proteção do mínimo existencial,
sem haver qualquer razão para que a vedação do retrocesso seja limitada neste quesito50
.
Dentre outros autores, podemos destacar ainda a contribuição de Márcio André
Keppler Fraga – professor titular da Universidade do Vale do Rio dos Sinos e Juiz de
Direito da Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – que, em sua
dissertação de mestrado O princípio do não retrocesso social e a Constituição Federal
de 1988), defende uma dimensão negativa dos direitos sociais, vedando ao Estado a
redução da efetividade desses direitos51
. Rodrigo Goldschmidt, doutor em Direito pela
Universidade Federal de Santa Catarina, também produziu artigo específico sobre o
tema, inspirando-se na visão original de Canotilho e do Tribunal Constitucional
português para sustentar a proibição de retrocesso como um limite à atividade
legislativa, sendo defeso ao legislador ordinário a supressão de direitos fundamentais
sociais concretizados pelo Poder Legislativo52
.
A exemplo da doutrina nacional, o reconhecimento do princípio da proibição
de retrocesso social nos tribunais pátrios não é unânime. Da análise da abordagem do
princípio na jurisprudência brasileira, verifica-se que os julgados são recentes e
destoantes quanto ao conceito e abrangência da vedação do retrocesso. Não obstante, é
possível averiguar um relativo consenso quanto a admissão da existência do princípio.
No Supremo Tribunal Federal há de se destacar alguns acórdãos relativos ao
tema, que confirmam a posição favorável de alguns de seus ministros quanto ao
reconhecimento do princípio ao longo do tempo.
Um dos pronunciamentos mais conhecidos do STF a respeito do princípio do
não retrocesso social ocorreu no julgamento da ADI 2065-DF e teve como relator
original o Ministro Sepúlveda Pertence. Tratava-se de pedido de impugnação do artigo
17 da Medida Provisória nº.1999 -10/99 que, dentre os seus dispositivos, extinguia o
50
Ibidem, p. 210. 51
FRAGA, Márcio André Keppler. O princípio do Não Retrocesso Social e a Constituição Federal de
1988. 119f. Dissertação (Mestrado em Direito). Programa de Pós-Graduação em Direito. Universidade do
Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), São Leopoldo, 2001. 52
GOLDSCHMIDT, Rodrigo. O Princípio da Proibição do Retrocesso Social e a sua Função Limitadora
dos Direitos Fundamentais. In: Anais do Seminário Nacional de Dimensões Materiais e Eficaciais dos
Direitos Fundamentais - DESCONTINUADO, vol. 1, n. 1, Chapecó: Editora UNOESC, 2000.
26
Conselho Nacional de Seguridade Social e os Conselhos Estaduais e Municipais de
Previdência Social. Sustentava-se, assim, a violação ao princípio da proibição de
retrocesso social, pois seria revogada – sem a utilização de outra medida substitutiva – a
lei concretizadora da norma constitucional que determinada o caráter descentralizado da
administração da seguridade social.
Não obstante o julgamento proferido não ter reconhecido a
inconstitucionalidade arguida, o ministro Sepúlveda Pertence defendeu em seu voto o
acolhimento da inconstitucionalidade, sob o argumento de uma vedação de retrocesso,
nos seguintes termos:
Certo, quando, já vigente à Constituição, que editou lei integrativa necessária
à plenitude da eficácia, pode subsequentemente o legislador, no âmbito de
sua liberdade de conformação, ditar outra disciplina legal igualmente
integrativa de preceito constitucional programático ou de eficácia limitada;
mas não pode retroceder – sem violar a Constituição - ao momento anterior
de paralisia de sua efetividade pela ausência de complementação legislativa
ordinária reclamada para implementação efetiva de uma norma constitucional
... Ao contrário do que supõem as informações governamentais, com o
admitir, em tese, a inconstitucionalidade da regra legal que a revogue, não se
pretende emprestar hierarquia constitucional à primeira lei integradora do
preceito da Constituição, de eficácia limitada. Pode, é óbvio, o legislador
ordinário substituí-la por outra, de igual função complementadora da Lei
Fundamental; o que não pode é substituir a regulamentação integradora
precedente – pré ou pós-constitucional – pelo retorno ao vazio normativo que
faria retroceder a regra incompleta da Constituição à sua quase impotência
originária53
.
Na ADIn 3105-DF, que teve como relator o ministro Cezar Peluso, o princípio
da proibição do retrocesso foi suscitado pelo ministro Celso de Mello que, em voto
vencido, concluiu pela inconstitucionalidade total do artigo 4º e parágrafo único da
emenda constitucional 41/2003 – que prevê a contribuição previdenciária dos servidores
públicos inativos e pensionistas –, em razão do caráter fundamental dos direitos de
natureza previdenciária. Para o Ministro:
Na realidade, a cláusula que proíbe o retrocesso em matéria social traduz,
no processo de sua concretização, verdadeira dimensão negativa pertinente
aos direitos sociais de natureza prestacional, impedindo, em conseqüência,
que os níveis de concretização dessas prerrogativas, uma vez atingidos,
venham a ser reduzidos ou suprimidos, exceto nas hipóteses – de todo
inocorrente na espécie – em que políticas compensatórias venham a ser
implementadas pelas instâncias governamentais54
(grifo do original).
53
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direita de Inconstitucionalidade n° 2.065-DF. Relator para
o acórdão Min. Maurício Corrêa. Ementa publicada em Diário da Justiça de 04.06.2004. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=375320>. Acesso em:
10/07/2017. 54
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direita de Inconstitucionalidade n° 3.015-DF. Relatora
original Min. Ellen Gracie. Relator para o acórdão Min. Cezar Peluso. Ementa publicada em Diário da
Justiça de 18.02. 2005. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em: 10/07/2017.
27
Em 2007, na ADI 3104-DF55
, proposta pela Associação Nacional dos Membros
do Ministério Público (CONAMP), o princípio da proibição do retrocesso foi suscitado
pela relatora ministra Carmen Lúcia Antunes Rocha. No julgamento, a Corte decidiu
pela constitucionalidade do art. 2º e 10º da emenda constitucional n° 41/2003,
reconhecendo a aposentadoria como direito constitucional que se adquire e se introduz
no patrimônio jurídico do interessado no momento de sua formalização pela entidade
competente e que, em questões previdenciárias, aplicam-se as normas vigentes ao tempo
da reunião dos requisitos de passagem para a inatividade.
Deste modo, apenas os servidores públicos que preenchiam os requisitos
estabelecidos na Emenda Constitucional n° 20/1998, durante a vigência das normas por
ela fixadas, poderiam reclamar a aplicação de suas normas, com fundamento no art. 3º
da Emenda Constitucional 41/2003. Por outro lado, os servidores públicos que não
tinham completado os requisitos para a aposentadoria quando do advento das novas
normas constitucionais, passaram a ser regidos pelo regime previdenciário estatuído na
Emenda Constitucional n° 41/2003, posteriormente alterada pela Emenda
Constitucional n° 47/2005.
Sobre o princípio em destaque, ressalta-se o trecho do voto da ministra Carmen
Lúcia:
Não parece lógico, até porque um dos sentidos das cláusulas pétreas é
impedir o retrocesso. É garantir o avanço. Esse o significado último de
cláusula pétrea. A nova Constituição traz uma conquista política, social,
econômica e fraternal, de que natureza for, e a petrealidade passa a operar
como uma garantia do avanço, então obtido. Uma interdição ao retrocesso56
.
Na seara trabalhista, dois são os acórdãos do Tribunal Superior do Trabalho
que aqui se destacam sobre o assunto: agravo de instrumento em recurso de revista n°
0001841-15.2011.5.18.0003 e recurso de revisa n° 0174400-06.2009.5.15.0011. O
agravo de instrumento em recurso de revista tem como relatora a ministra Kátia
Magalhães Arruda, que defende a aplicação da proibição de retrocesso social para
justificar impossibilidade das normas coletivas negociadas em prejudicar o trabalhador,
alterando o regulamento empresarial para pior. Conforme destaca-se no acordão:
55
BRAIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 3104-DF. Relator para o
acórdão Ministra Carmen Lúcia Antunes Rocha. Ementa publicada em Diário da Justiça de 08.11.2007.
Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=493832. Acesso
em: 10/07/2017. 56
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direita de Inconstitucionalidade n° 3104-DF. Relatora para
o acórdão Min. Carmen Lúcia Antunes Rocha. Data da publicação em Diário da Justiça: 09.11.2007.
Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em: 10/07/2017.
28
Na jurisprudência mais recente do TST, tem-se adotado o entendimento de
que o princípio de que o interesse individual não prevalece sobre o coletivo
(art. 619 da CLT) deve ser compatibilizado com os princípios do não
retrocesso (arts. 444 e 468 da CLT), levando-se em conta, ainda, sob os
enfoques axiológico e teleológico, que a razão de ser dos ajustes coletivos é
buscar melhores condições de trabalho, observadas, evidentemente, as
conquistas sociais já alcançadas (art. 7º, caput e XXVI, da CF/88)57
.
Sob a mesma perspectiva, o segundo acordão, lavrado pelo min. José Roberto
Freire Pimenta, utiliza-se da proibição de retrocesso para determinar que as normas
coletivas devem respeitar o patamar mínimo de direitos alçado em dispositivos legais ou
constitucionais. Conforme depreende-se do acórdão:
No caso dos autos, a negociação coletiva estabeleceu que a base de cálculo
das horas in itenere seja o piso normativo da categoria.
Essa disposição desvirtua o sistema jurídico-trabalhista brasileiro, que não
permite retrocesso dos direitos por meio de negociação coletiva, cujo
reconhecimento deve observar o patamar mínimo legalmente assegurado,
conferindo-lhe, assim, uma visão prospectiva.
É pacífico, nesta Corte, que as horas in itinere são computáveis na jornada
de trabalho, de modo que o tempo que extrapola a jornada legal é
considerado como extraordinário, nos termos em que dispõe o item V da
Súmula nº 190 do TST58
.
2.4 Do conceito adotado.
Embora haja uma certa congruência no pensamento doutrinário quanto a sua
existência, ainda são notáveis as divergências na doutrina quanto a aplicação, alcance e,
até mesmo, nomenclatura do princípio. Assim, para a análise do tema seja conduzida de
modo coerente, fez-se necessária adoção de uma das manifestações da proibição de
retrocesso, a qual toma-se como adequada a realidade nacional e, principalmente, ao
estudo aqui proposto.
Portanto, é possível afirmar que a sistematização da proibição de retrocesso
aqui defendida é voltada para a esfera dos direitos fundamentais sociais, de modo que
uma norma infraconstitucional, ao concretizar direito fundamental social, passa a
integrar o próprio conteúdo normativo constitucional, ficando insucetível de supressão,
redução ou modificação arbitrária (ou desproporcional) pelo legislador ordinário. O
princípio evita, assim, a aniquilação ou diminuição da carga de concretização normativa
já alcançada por um direito fundamental social.
57
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Agravo de instrumento em RR n° 0001841-
15.20011.5.18.0003, 6ª turma. Data do julgamento: 08.05.2013. Relatora: Min. Kátia Magalhães Arruda.
Data da publicação em Diário da Justiça: 17.05.2013. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/consulta-
unificada>. Acesso em: 10/07/2017. 58
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. RR n° 174400-06.2009.5.15.0011. Data de Julgamento:
11/03/2013. Redator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma. Data de Publicação em Diário
Oficial: 05/04/2013. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/consulta-unificada>. Acesso em: 10/07/2017.
29
3 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS DOS TRABALHADORES
Para que seja possível compreender o Direito do Trabalho e o papel que esse
ramo jurídico exerce na sociedade é necessário, antes, que seja realizada uma breve
análise do contexto histórico-social de seu surgimento. Maurício Godinho Delgado59
declara que somente é possível considerar a existência do Direito do Trabalho a partir
59
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 14ª ed. São Paulo. LTr: 2015, p. 91 e ss.
30
da presença histórico-relevante, na sociedade, de sua categoria nuclear: a relação
empregatícia. Segundo o autor, é a contar da Revolução Industrial que a relação de
emprego passa a ser considerada o modelo dominante de vinculação do trabalhador ao
sistema produtivo, de modo que o obreiro passa a ser considerado juridicamente livre
(diferentemente do que acontece nas relações servis e de escravidão), mas subordinado
ao empregador no âmbito da relação de trabalho. Sintetiza o jurista que:
O Direito do Trabalho é, pois, produto cultural do século XIX e das
transformações econômicas-sociais e políticas ali vivenciadas.
Transformações todas que colocam a relação de trabalho subordinado como
núcleo motor do processo produtivo característico daquela sociedade. Em
fins do século XVIII e durante o curso do século XIX é que se maturam, na
Europa e Estados Unidos, todas as condições fundamentais de formação do
trabalho livre mas subordinado e de concentração proletária, que propiciaram
a emergência do Direito do Trabalho60
.
Sem embargo, com fenômeno da Revolução Industrial, associadamente com o
capitalismo, eclodiram à época sucedidos movimentos sociais em busca da melhoria das
condições de trabalho do proletariado. Isto porque, o surto de desenvolvimento
econômico e industrial não foi acompanhado de respectivas garantias no plano social
para a preservação do bem-estar do trabalhador no ambiente de trabalho. O abismal
desequilíbrio de poder existente entre os sujeitos da relação laboral, combinado com
péssimas condições de trabalho, desabrocharam no nascimento de movimentos
sindicalistas que pressionaram os Estados e empregadores no sentido da construção de
relações de emprego mais próximas ao patamar mínimo de civilidade.
Nessa esteira, Arnaldo Süssekind, ao tratar da formação histórica do Direito do
Trabalho, anuncia que:
O Direito do Trabalho é um produto da reação verificada no século XIX
contra a exploração dos assalariados por empresários. Estes se tornaram mais
poderosos com o aumento da produção fabril, resultante da utilização dos
teares mecânicos e da máquina a vapor, e a conquista de novos mercados,
facilitada pela melhoria dos meios de transporte (revolução industrial);
aqueles se enfraqueceram na razão inversa da expansão das empresas,
sobretudo porque o Estado não impunha aos empregadores a observância de
condições mínimas de trabalho e ainda proibia a associação dos operários
para defesa de interesses comuns61
.
Sobre o tema também se manifesta Amauri Mascaro Nascimento, ao salientar
que o ramo jurídico do direito do trabalho tem suas raízes na questão social dos
trabalhadores que antecedeu a Revolução Industrial do século XVIII, bem como na
reação humanista que se propôs a garantir a dignidade do ser humano ocupado no
60
Ibidem, p. 91 e ss. 61
SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. Rio de Janeiro: Renovar. 1999, p. 5
31
trabalho das indústrias62
. Assim, muito mais que um mero instrumento de regulação das
relações trabalhistas, o Direito do Trabalho fixou limites ao sistema produtivo,
almejando a eliminação das mais perversas formas de utilização da força de trabalho,
concedendo-lhe patamares mínimos de civilidade63
.
Dentro desta perspectiva o Direito do Trabalho se desenvolveu funcionando
como instrumento de salvaguarda do princípio da dignidade da pessoa humana no
âmbito das relações laborais. Salienta-se, portanto, a afinidade das normas trabalhistas
com a necessidade de preservação e expansão dos direitos da classe operária,
objetivando alcançar a igualdade material entre as partes da relação empregatícia.
Os direitos fundamentais dos trabalhadores abarcados na constituição federal
brasileira de 1988 resguardam essa essência e constituem objeto do princípio da
vedação de retrocesso, logo, serão aqui brevemente delineados.
3.1 A Constituição de 1988 e os direitos fundamentais do trabalhador brasileiro.
3.1.1 Constitucionalização dos direitos dos trabalhadores no Brasil.
Conforme bem leciona Maurício Godinho Delgado, o fenômeno da
constitucionalização do Direito do Trabalho teve início ao final da segunda década do
século XX, todavia, apenas com a inserção dos direitos dos trabalhadores nas
constituições democráticas da França, Alemanha e Itália – após a Segunda Guerra
Mundial – que houve a solidificação da noção de direitos fundamentais do trabalhador
na seara constitucional64
. Complementa Delgado que:
Tais Cartas Magnas, relativamente recentes, não somente ampliaram a
inserção de regras trabalhistas em seu interior, como também – e
principalmente – consagraram princípios de direta ou indireta vinculação
com a questão trabalhista.
No Brasil, os direitos trabalhistas passaram a ser incorporados ao contexto
constitucional após a Revolução de 1930. Com a entrada de Getúlio Vargas no poder e
o surgimento do populismo no país como um dos métodos de governo, pela primeira
vez, foram implementadas uma extensa gama de políticas de direitos sociais no Brasil.
A Era Vargas foi marcada por uma forte intervenção estatal na economia, direcionada
ao desenvolvimento econômico e industrial do país, o que culminou na centralização de
recursos e crescimento das agências regulatórias e empresas estatais. Outrossim, alguns
62
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 29ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014,
p.32. 63
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 14ª ed. São Paulo. LTr: 2015, p. 87. 64
DELGADO, Maurício Godinho. Direitos fundamentais na relação de trabalho. Revista LTr, v. 70. São
Paulo: LTr, 2006, p. 657-667.
32
autores questionam a ausência da participação popular na construção desses direitos,
como afirma Delgado65
:
O Estado largamente intervencionista que ora se forma estende sua atuação
também à área da chama questão social. Nesta área implementa um vasto e
profundo conjunto de ações diversificadas mas nitidamente combinadas: de
um lado através de rigorosa repressão sobre quaisquer manifestações
autonomistas do movimento operário; de outro lado, através de minuciosa
legislação instaurando um novo e abrangente modelo de organização do
sistema justrabalhista, estreitamente controlado pelo Estado.66
Neste quadro, a Constituição de 1934 foi promulgada em 16 de julho daquele
ano e trouxe em sua redação, dentre outros direitos, a pluralidade sindical, a instituição
do salário mínimo, férias anuais remuneradas e a proteção do trabalho dos menores e da
mulher.
Por influência da Constituição fascista italiana, a Constituição de 1937
ocasionou um retrocesso quanto à liberdade sindical. Com inclinação corporativista e
caráter autoritário, a referida Carta passou a considerar a greve e o lock-out como
“recursos anti-sociais, nocivos ao trabalho e ao capital e incompatíveis com os
superiores interesses da produção nacional” – nos termos do art. 139 de seu texto. Em 5
de julho de 1939, o Decreto-lei n.º 1.402 instituiu expressamente a unicidade sindical.
Foi sob sua vigência, no entanto, que a Justiça do Trabalho foi criada, ainda vinculada
ao Ministério Público do Trabalho, Indústria e Comércio e como parte integrante da
Administração Federal. Ademais, ainda que suspenso em 1942 por decreto presidencial,
o art. 137 de seu texto passou a aplicar os contratos coletivos de trabalho a todos os
trabalhadores representados por suas respectivas associações sindicais.
Após 1945, com declínio do Estado Novo, o país inicia seu primeiro processo
de redemocratização com a Constituição de 1946, a qual implementou poucas inovações
quanto aos direitos trabalhistas. Em seu artigo 94 integrou a Justiça do Trabalho no
Poder Judiciário, estabelecendo como sua competência o estabelecimento de normas e
condições de trabalho e, em casos especificados em lei, julgar dissídios coletivos (art.
122). O art. 158 de seu corpo passou a reconhecer genericamente o direito de greve que,
no entanto, nunca foi devidamente regulamentado pelo Congresso. Dentre outras
modificações, estabeleceu as bases para a criação do salário noturno e a participação do
trabalhador nos lucros da empresa. Com a Constituição de 1967, por sua vez, foram
65
No mesmo sentido, também se posiciona: SILVA, Otavio Pinto e. A revolução de 1930 e o direito do
trabalho no Brasil. Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000.
Disponível em: https://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/viewFile/67462/70072. 66
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 14ª ed. São Paulo. LTr: 2015, p. 114.
33
criados o salário-família e o FGTS – que iniciou o processo de extinção do instituto da
estabilidade decenal.
Em uma nova conjuntura de redemocratização, a Constituição Federal 1988
consistiu na redação constitucional mais relevante na história jurídico-política do país67
.
Com as crescentes reivindicações por parte da sociedade em sentido à uma abertura
política, deu-se início ao desmantelamento do regime ditatorial de 1964 ainda no regime
de Enersto Geisel, com extinção do Ato Institucional n.° 568
. Foi sob o governo de
General João Batista Figueiredo, no entanto, que se efetuou o maior passo em direção à
restituição da democracia com criação da Lei de Anistia (lei n° 6.683 de 1979) e a
extinção do bipartidarismo. Em 1985, com a edição da Emenda Constitucional n. 2669
houve a convocação do poder constituinte, culminando na instauração da Assembleia
Nacional Constituinte 87/88 no Congresso Nacional – à qual foi dada a importante
missão de elaborar uma Constituição democrática para um país que vivenciou vinte e
um anos de regime ditatorial militar.
Neste cenário, foi promulgada em 5 de outubro de 1988 a vigente Carta
Magna, que instituiu um Estado Democrático de Direito e indicou como seus
fundamentos a soberania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho
e da livre cidadania e o pluralismo político. Seu corpo contém o mais abrangente bloco
de direitos sociais já vistos em uma Constituição nacional e, no que tange a área
trabalhista, dedicou os artigos 7º a 11 de seu texto especificamente aos direitos dos
obreiros urbanos e rurais. A preocupação Constituição de 1988 reflete-se também na
mudança da localização topográfica dos direitos dos trabalhadores do capítulo Da
Ordem Econômica e Social para o capítulo Dos Direitos Sociais e Garantias
Individuais, consolidando princípios do ramo laboral e garantindo aos direitos
individuais e coletivos do trabalhador um status de fundamentalidade.
O primeiro elemento que se destaca da leitura do art. 7º reside na expressão
“trabalhadores”, isto porque, diferentemente do que ocorre com o art. 6º da Carta, o
67
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 14ª ed. São Paulo. LTr: 2015, p. 131. 68
Decreto emito em 13 de dezembro de 1968 pelo então Presidente da República Artur da Costa e Silva
que concedia poder ao governo de decretar a intervenção nos estados e municípios, sem as limitações
previstas na Constituição, suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e
cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais. 69
Muito embora haja divergência na doutrina quanto a legitimidade da convocação do poder constituindo
por ato normativo, a abordagem da referente matéria ultrapassa os limites do presente trabalho. Sobre o
tema, ver: ATALIBA, Geraldo. Fonte de Legitimidade da Constituinte. Revista de Informação
Legislativa, nº 98, p.99-102, abr/jun. 1988 e FAORO, Raimundo. Assembléia Constituinte a legitimidade
recuperada. São Paulo: Editora Brasiliense S.A., 1981.
34
caput deste dispositivo restringe a titularidade de seus direitos aos empregados, na
condição daqueles que possuem um vínculo empregatício, isto é, uma relação jurídica
que tem como prestação o labor humano e caracterizada pela subordinação,
personalidade, onerosidade e não eventualidade. Outrossim, compreende-se que a
expressão “trabalhadores”, apesar de genérica, não representa as mais diversas formas
de prestação de trabalho (como o trabalho autônomo ou eventual), mas apenas a relação
de emprego.
O inciso XXXIV do artigo em análise, todavia, determina a igualdade de
direitos entre os trabalhadores avulsos e aqueles que mantém um vínculo de emprego.
De toda sorte, deve-se entender que os comandos do art. 7° apenas aplicar-se-iam aos
trabalhadores avulsos quando devidamente compatíveis, pois as normas ali catalogadas
assumem ou exigem a existência de uma relação de emprego70
. Também são estendidos
diversos direitos trabalhistas aos servidores ocupantes de cargos públicos, conforme
comanda o §3º do art. 39 da Constituição vigente.
O art. 7ª da referida Constituição traz consigo o total de trinta e quatro incisos,
elencando um conjunto diversificado de direitos dos trabalhadores, todavia, é
reconhecido pela própria Constituição o caráter exemplificativo desse repertório,
constituindo um elenco mínimo de direitos fundamentais laborais. Depreende-se da
análise do caput do mencionado artigo que os direitos ali elencados, integram-se e
complementam-se pelas leis infraconstitucionais e também tratados e convenções
internacionais adotados pelo país.
Assim, o art. 7° da Carta Magna institui a recepção de outros direitos que,
ainda que ausentes no corpo constitucional, apresentam fundamentalidade em seu
sentido material. O aludido dispositivo ainda se complementa com o art. 5° § 2° da
Carta, que garante a recepção de outros direitos “decorrentes do regime e dos princípios
por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do
Brasil seja parte”71
.
Embora se tenha consciência da importância da Constituição de 1988 para a
constitucionalização dos direitos dos trabalhadores, necessário frisar que tais direitos
70
SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. Rio de Janeiro. Renovar. 1999, p. 81. 71
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm>. Acesso em: 22/07/2017.
35
não constituem propriamente novidade, uma vez que já se situavam em legislações
esparsas, fruto de reiteradas reivindicações da classe obreira durante a história do país72
.
3.1.2 Da fundamentalidade dos direitos sociais trabalhistas na Constituição de 1988.
Ainda que de colocação minoritária, existem na doutrina nacional e estrangeira
posicionamentos contrários ao reconhecimento da fundamentalidade dos direitos
sociais. Sem embargo, é oportuno frisar que neste trabalho a admissão da
fundamentalidade dos direitos sociais constitui premissa basilar para que seja possível
verificar a correlação entre o princípio da proibição de retrocesso social e os direitos dos
trabalhadores.
A doutrina que nega aos direitos sociais fundamentalidade divide-se entre
aqueles que lhes recusam totalmente o caráter fundamental – menos expoente – e
aqueles que lhes atribuem fundamentalidade apenas no que toca o mínimo existencial –
mais difundida. Os autores da primeira corrente advogam a ausência de
fundamentalidade material dos direitos sociais, de modo que esses constituíram
meramente normas programáticas, incapazes de gerar ao indivíduo direitos subjetivos.
O professor chileno Fernando Atria, em polêmica obra intitulada Existem Direitos
Sociais?, parte da premissa de que os direitos sociais não poderiam ser exigíveis como
direitos subjetivos para sustentar a inexistência dos direitos sociais73
. Segundo o
referido autor:
[...] se a noção de direito é entendida por referência à idéia de direito
subjetivo no sentido jurídico do termo, a noção de direitos sociais é uma
contradição em termos. Se queremos evitar esta conclusão devemos resgatar
uma forma alternativa de entender o conceito político de direitos.74
A segunda corrente parte do questionamento da eficácia dos direitos sociais
para sustentar que somente seria possível atribuir fundamentalidade a esses direitos até
o limite do mínimo existencial, sob pena de lhe retirar a eficácia por completo. Assim,
afirma Ricardo Lobo Torres que:
72
Nesse sentido, esclarece oportunamente ARRUDA, Kátia Magalhaes. Direito Constitucional do
Trabalho: sua eficácia e impacto no modelo neoliberal. São Paulo. LTr: 1998, p. 34-35 que “é inegável a
evolução trazida do ponto de vista de enquadramento dos direitos trabalhistas no elenco de direitos
fundamentais, no entanto, a reflexão sobre o aspecto de ‘leis inovadores’ mostra que a Constituição
limitou-se a constitucionalizar ou ampliar direitos já existentes nas diversas lei esparsas e na CLT –
Consolidação das Leis do Trabalho e reconhecer direitos largamente utilizados na realidade laboral
cotidiana, confirmando a veracidade do conhecido princípio trabalhista das primazia da realidade”. 73
ATRIA, Fernando. Existem direitos sociais? Revista do Ministério Público do Rio Grande do Sul nº 56
– set/dez. 2005. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2005, p. 36. 74
Ibidem, p. 9.
36
Parece-nos que a fundamentalidade dos direitos sociais se reduz ao mínimo
existencial [...]. Os direitos sociais se transformam em mínimo existencial
quando são tocados pelos interesses fundamentais ou pela
jusfundamentalidade. A ideia de mínimo existencial, por conseguinte,
coincide com a de direitos fundamentais sociais em seu núcleo essencial75
.
Não obstante, relevante é a doutrina que assegura aos direitos sociais – e aqui
destacam-se os direitos trabalhistas – a qualidade de direito fundamental. Ao estudar os
direitos fundamentais na Constituição de 1988, Sarlet utiliza-se das lições de Robert
Alexy para explicar o caráter dualista da fundamentalidade desses direitos, isto é, os
sentidos formal e material que lhe compõe. A fundamentalidade formal estaria
relacionada ao direito constitucional positivo, marcada pela inserção dos direitos no
corpo constitucional. Consoante se percebe da leitura do direito positivo, os direitos
sociais trabalhistas foram inseridos no título II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais,
Capítulo II, Dos Direitos Sociais da Constituição Federal em vigor, sinalizando a
vontade do constituinte em reconhecer a fundamentalidade desses direitos. Outrossim,
Sarlet enfatiza que:
A Constituição de 1988 – e isto pode ser tido como mais um de seus méritos
– acolheu os direitos fundamentais sociais expressamente no título II (Dos
Direitos e Garantias Fundamentais), concedendo-lhes capítulo próprio e
reconhecendo de forma inequívoca o seu „status‟ de autênticos direitos
fundamentais, afastando-se, portanto, da tradição anterior do nosso
constitucionalismo, que, desde a Constituição de 1934, costumava abrigar
estes direitos (ao menos parte dos mesmos), no título da ordem econômica e
social, imprimindo-lhes reduzida eficácia e efetividade, ainda mais porquanto
eminentemente consagrados sob a forma de normas de cunho programático.76
A fundamentalidade material, por seu turno, decorre do fato de os direitos
fundamentais expressarem valores importantes da sociedade, intimamente ligados com a
continuidade da Constituição e do Estado de Direito. Conforme leciona Sarlet, os
direitos fundamentais são elementos constitutivos da constituição material, contendo
decisões fundamentais sobre a estrutura básica do Estado e a sociedade77
.
Dirley da Cunha Jr. declara que o melhor critério para se construir, com certa
precisão, um conceito material de direitos fundamentais seria a dignidade da pessoa
humana, na medida em que este princípio constitui o elemento unificador de todos os
direitos fundamentais. Complementa afirmando que:
De um modo mais amplo, podemos concebê-los como princípios que
resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada
ordenamento jurídico. São fundamentais porque sem eles a pessoa humana
75
TORRES, Ricardo Lobo. O mínimo existencial. São Paulo: Renovar, 2008, p. 41-42. 76
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição
Federal de 1988. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. 77
Ibidem, p. 75.
37
não se realiza, não convive e, às vezes, não sobrevive. Mas não é só, posto
que, como bem sublinha Vidal Serrano Nunes Júnior, o termo fundamental
destaca não só a imanência desses direitos à condição humana, como também
faz deles dependera própria existência do estado de direito78
.
Os direitos sociais elencados na Constituição de 1988, nesta perspectiva,
também se afirmam materialmente fundamentais, ao passo que servem de instrumento
de defesa de relevantes valores sociais (saúde, trabalho, educação, etc.), estreitamente
entrelaçados com a dignidade da pessoa humana e justiça social albergados pelo próprio
constituinte. Antônio Braga da Silva Filho, dedicando-se ao estudo da fundamentalidade
dos direitos trabalhistas, transplanta de forma elucidativa o referido raciocínio ao ramo
trabalhista:
Na medida em que o Direito do Trabalho visa garantir condições materiais
para a afirmação social, buscando igualar situações sociais desiguais na tarefa
de concretização do exercício das liberdades e igualdade material, a fim de
realizar os princípios fundamentais dispostos nos artigos 1º a 4º da
Constituição da República, tendo como norte um tratamento humano com
igual respeito e consideração, figurando, enfim, como suporte da dignidade
da pessoa humana tanto na dimensão individual como social – tal como
registrado no tópico anterior –, resulta cristalina, portanto, a
fundamentalidade material desse ramo sociojurídico79
.
A restrição da fundamentalidade dos direitos sociais ao mínimo existencial, por
sua vez, também aqui é rechaçada, na medida em que se resume a vincular a
fundamentalidade desses direitos à sua efetividade. Sobre o tema declara Barroso que:
Modernamente, já não cabe negar o caráter jurídico e, pois, a exigibilidade e
acionabilidade dos direitos fundamentais, na sua múltipla tipologia. É
puramente ideológica, e não científica, a resistência que ainda hoje se opõe à
efetivação, pela via coercitiva, dos chamados direitos sociais80
.
No mesmo sentido, esclarece Derbli que a justiciabilidade do direito que deve
estar condicionada à sua fundamentalidade, e não o contrário. Explica ainda que o
conceito de mínimo existencial foi elaborado sob a influência da noção de autonomia
privada, contudo, a ordem jurídica hodierna se legitima em torno de outras noções,
como a dignidade da pessoa humana e igualdade material. Por esse motivo, a concepção
78
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed. Salvador: JusPodivm, 2012, p.
573. 79
SILVA JÚNIOR, Antônio Braga da. A fundamentalidade dos direitos trabalhistas: uma diretriz
constitucional ainda. Revista de direito do trabalho, São Paulo/SP, v. 43, n. 174, p. 123-150, fev. 2017.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. 80
BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de Suas Normas: Limites e
Possibilidades da Constituição Brasileira. 5ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 106. Apud: DERBLI,
Felipe. O princípio da proibição de retrocesso social na Constituição de 1988. São Paulo: Renovar, 2007,
p. 105.
38
de mínimo existencial se tornou insuficiente, devendo atribuir-se fundamentalidade
material não apenas os direitos sociais vinculados a esse mínimo81
.
O art. 5º, § 2º da Constituição de 1988 ainda reforça a noção de
fundamentalidade material ao anunciar a abertura da Constituição para outros direitos
fundamentais que não se encontram em seu texto. Assim, outros direitos que não foram
incluídos pelo constituinte no repertório da Carta Magna serão acolhidos por essa em
decorrência de seu conteúdo, considerado alinhado aos valores erigidos pela sociedade
como significativos.
Ainda que alguns autores não reconheçam a aplicabilidade deste dispositivo
para os direitos sociais, Sarlet enfatiza que a redação do art. 5º, § 2º da CF não limita
sua aplicação aos direitos fundamentais de primeira geração, pelo contrário, o artigo
expressa de forma genérica os “direitos e garantias expressos nessa Constituição”.
Destarte, o autor afirma que a mera localização topográfica desses direitos não consiste
em razão suficiente para afastar a incidência da cláusula constitucional de abertura
material, dado que são direitos dotados de fundamentalidade.
No que toca especificamente aos direitos trabalhistas, ressalta-se que o art. 7°
da Lei Maior dispõe em seu caput de maneira similar ao art. 5º, § 2º, acolhendo outros
direitos “que visem a melhoria da condição social do trabalhador”82
, ainda que fora do
rol do artigo ou do próprio corpo constitucional.
O constitucionalista cearense Paulo Bonavides também perfilha a tese da
fundamentalidade dos direitos sociais, ao esclarecer que:
[...]os direitos fundamentais da segunda geração tendem a tomar-se tão
justiçáveis quantos os da primeira; pelo menos esta é a regra que já não
poderá ser descumprida ou ter sua eficácia recusada com aquela facilidade de
argumentação arrimada no caráter programático da norma83
.
Ultima-se, então, que os direitos sociais merecem ser munidos de
fundamentalidade, tanto do ponto de vista formal, como do material e,
consequentemente, também merecem os direitos dos trabalhadores. Com efeito, natural
dos direitos propriamente fundamentais é a garantia de intangibilidade característica das
cláusulas pétreas. Cabe ao art. 60, parágrafo 4° da CF/88 proteger suas normas
fundamentais das oscilações políticas que sofre o Estado, impedindo, dessa forma, a
aniquilação de direitos fundamentais pela ação do poder constituinte reformador.
81
DERBLI, Felipe. O princípio da proibição de retrocesso social na Constituição de 1988. São Paulo:
Renovar, 2007, p. 103-104. 82
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm>. Acesso em: 24/07/2017. 83
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 565.
39
3.2 A peculiaridade da eficácia produzida pelos direitos fundamentais sociais.
Os direitos laborais instituídos pela CF/88 são direitos fundamentais sociais,
tanto na sua dimensão formal quanto em sua dimensão material. A partir da fixação
desse enunciando, urge-se ainda a discussão sobre a eficácia desses direitos. Ainda
que na doutrina nacional exista um raciocínio um tanto seguro quanto à eficácia
imediata produzida pelos direitos fundamentais de defesa, ainda muito é debatido no
que se refere à eficácia das normas definidoras de direitos sociais, uma vez que, em
grande parte, são dotadas de caráter prestacional e exigem uma atuação positiva do
Estado.
O professor José Horácio Meirelles Teixeira (1907- 1972) opõe-se à clássica
classificação das normas constitucionais em “auto executáveis” e “não auto
executáveis” de Ruy Barbosa para então defender que toda e qualquer norma
constitucional alcança algum tipo de eficácia. O autor sugere uma classificação de
normas constitucionais dividida em dois grupos: normas de eficácia plena e normas de
eficácia limitada (ou reduzida). Conforme sua categorização, a eficácia das normas
constitucionais pode ser considerada de natureza gradual, variando entre um mínimo e
um máximo de efeitos a serem produzidos. As normas de eficácia plena possuem a
capacidade de, desde logo, produzirem os efeitos visados pelo legislador, enquanto
que as normas de eficácia limitada não possuem a aptidão de produzir seus principais
efeitos sem a intervenção do legislador ordinário84
.
Na esteira de J. H. Meirelles Teixeira, afirma José Afonso da Silva que todas
as normas constitucionais apresentam eficácia desde sua criação, diferenciando-se
apenas quanto ao grau dos efeitos jurídicos que essas normas podem ocasionar.
Segundo o constitucionalista, eficácia trata-se da capacidade de se atingir objetivos
previamente definidos, de modo que a eficácia jurídica se desdobra na capacidade de
uma norma atingir os objetivos que nela própria são fixados, ou seja, serem aptas a
realizar os ditames jurídicos objetivados pelo legislador85
.
Afonso da Silva distingue as normas constitucionais em três diferentes níveis
de eficácia: plena, contida e limitada. As normas de eficácia plena possuem
aplicabilidade imediata, direta e integral, possuindo capacidade de produzir seus
efeitos desde de sua criação. Normas constitucionais de eficácia contida, no entanto,
84
TEIXEIRA, J. H. Meirelles. Curso de Direito Constitucional. 1ª ed. rev. e atual. por Márcia Garcia. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 1991, p. 316 e ss. 85
SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 8ª edição. São Paulo: Ed. Malheiros,
2012, p. 81 e ss.
40
apesar de possuírem aplicabilidade direita e imediata podem sofrer restrições à sua
eficácia em razão de lei infraconstitucional. Por fim, as normas de eficácia limitada
são entendidas como aquelas que são inaptas à produção de efeitos direita e
imediatamente, necessitando de atos normativos infraconstitucionais para serem
plenamente eficazes86
.
Dentre as normas constitucionais de eficácia limitada, José Afonso da Silva
insere as normas declaratórias de princípios institutivos e organizatórios e as normas
declaratórias de princípios programáticos. Sobre a última categoria, declara o autor
que:
[...] o enunciado de suas normas [da Constituição de 1988] assumiu, muitas
vezes, grande imprecisão, comprometendo sua aplicabilidade imediata.
Muitas normas são traduzidas no texto supremo apenas em princípio, como
esquemas genéricos, simples programas a serem desenvolvidos
ulteriormente pela atividade dos legisladores ordinários. São estas que
constituem as normas constitucionais de princípio programático [...]87
.
As normas declaratórias de princípios programáticos, segundo Afonso da
Silva, “traduzem os elementos socioideológicos da constituição”88
, determinando uma
finalidade a ser seguida pela Estado e impondo ao legislador uma imposição abstrata
de legislar89
.
Luís Roberto Barroso toma outro referencial para tratar da eficácia das
normas constitucionais, classificando-as com base na situação jurídica dos indivíduos
em face dos preceitos constitucionais. Dividiu, pois, as normas constitucionais em três
distintas categorias: de organização, definidoras de direitos e programáticas. Às
primeiras cumprem a tarefa de organizar o exercício do poder político.
Diferentemente, às normas definidoras de direitos cabe o objetivo de fixar os direitos
fundamentais dos indivíduos. Finalmente, as normas constitucionais programáticas
tratam de traçar os fins públicos a serem alcançados pelo Estado90
.
Dentre as normas definidoras de direitos, Barroso encontra três categorias
diferentes, as quais distinguem-se entre si quanto a situação jurídica projetada. A
primeira categoria consiste nas normas definidoras de direitos plenamente desfrutáveis
por seus titulares, as quais exigem apenas a abstenção do Estado. Em seguida, o autor
86
Ibidem, p. 81 e ss. 87
Ibidem, p. 134. 88
Ibidem, p. 136 89
DERBLI, Felipe. O princípio da proibição de retrocesso social na Constituição de 1988. São Paulo:
Renovar, 2007, p. 236. 90
BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas. 5ª edição. Rio de
Janeiro: Renovar, 2001, p. 91 e ss.
41
trata das normas que demandam uma atuação estatal para que seus titulares possam
gozá-las totalmente e, por último, das normas que necessitam da edição de norma
infraconstitucional para que lhe seja atribuída eficácia plena91
.
Ana Paula de Barcellos, por sua vez, apresenta a eficácia jurídica como um
atributo associado aos enunciados normativos, a qual é passível de ser pleiteiada, até
mesmo judicialmente, com fundamento naquilo enunciado na norma. Sob a
perspectiva da aptidão das normas para a produção de efeitos pretendidos, a autora
classificou a eficácia jurídica das normas em nove diferentes modalidades, dentre as
quais nos interessa a eficácia vedativa do retrocesso92
.
Segundo Barcellos, a eficácia vedativa do retrocesso encontra-se relacionada
aos direitos fundamentais e parte do princípio de que as previsões constitucionais que
cuidam desses direitos, ainda que parcialmente, precisam de regulamentação
infraconstitucional para serem concretizadas, assim como do reconhecimento da
aplicação imediata e necessidade de ampliação progressiva dos direitos
fundamentais93
. Isto posto, a modalidade de eficácia normativa ora referia consistiria
na possibilidade de se exigir do Judiciário a invalidade dos atos normativos que
revogam enunciados regulamentadores de comando constitucional – que ensejaram a
aplicação, fruição ou ampliação dos direitos fundamentais – toda vez que tal
revogação não seja acompanhada de uma política substitutiva.
Ingo W. Sarlet opta pela classificação dúplice, na mesma trilha de J. H.
Meirelles Teixeira e Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres Britto94
, centrando sua
classificação na ideia de que não existe norma constitucional desprovida de eficácia,
mas somente uma variação no grau de densidade normativa que cada uma possui.
Conforme o autor, as normas constitucionais que possuem alta densidade normativa
possuem a capacidade de produzirem seus efeitos essenciais sem a intervenção de um
legislador ordinário, enquanto que as normas de baixa densidade normativa são
91
Ibidem, p. 99 e ss. 92
BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: o Princípio da
Dignidade da Pessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 75 e ss. 93
Ibidem, p. 85 e ss. 94
Em Interpretação e Aplicabilidade das Normas Constitucionais os autores apresentam sua tese quanto
à eficácia das normas constitucionais, dividindo-as em normas inintegráveis e integráveis, conforme o
modo de incidência que essas normas encerram.
42
inaptas a produzirem seus efeitos essenciais sem um ato legislativo infraconstitucional
para lhe dar completude normativa95
.
No que toca a problemática da eficácia dos direitos fundamentais sociais,
Sarlet procura limitar sua análise à dimensão positiva desses direitos, posto que esses,
ao demandarem uma ação do Estado, tanto na esfera econômica quanto na esfera
social, sujeitam-se a conjuntura econômica-social na qual o país se insere. Ao passo
que a realização dos direitos sociais prestacionais necessita da disponibilidade de
recursos e de progressiva execução de políticas públicas, o Constituinte limitar-se-ia a
traçar fins e tarefas a serem cumpridos pelo Estado como forma de alcançar a
concretização desses direitos.
Assim, o autor segue seu estudo abordando o cunho programático das normas
definidoras de direitos sociais prestacionais, assinalando a incapacidade dessas
normas de gerar plenamente seus efeitos, exigindo a interposição do legislador
ordinário96
. Assinalando ainda que, no que concerne a eficácia dos direitos a
prestações na sua dimensão programática (impositiva de programas e tarefas), um dos
efeitos gerados pelas normas que consagram direitos fundamentais seria, justamente, o
da proteção do núcleo essencial desses direitos que já foram objeto de concretização
pelo legislador infraconstitucional97
.
Constata-se na doutrina, então, uma uniformidade quanto a aceitação da
premissa de que todos os direitos fundamentais possuem eficácia, bem como que aos
direitos fundamentais sociais, de forma geral, se aplica a ideia da necessidade de
interposição do legislador infraconstitucional. Outrossim, a eficácia jurídica desses
direitos, isto é, a capacidade desses direitos de produzirem efeitos concretos na
sociedade, dependerá da interpositio legislatoris.
A própria Constituição de 1988 preza pela busca da máxima efetividade dos
direitos fundamentais, como se observa da leitura do §1° do art. 5° de seu texto.
Ressalta-se, todavia, que a necessidade da edição de lei infraconstitucional para que a
norma fundamental social exerça todos os seus efeitos não lhe retira a
fundamentalidade, uma vez que, a jusfundamentalidade das normas constitucionais
95
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos
fundamentais na perspectiva constitucional. 11ª edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p.
252-253. 96
Ibidem, p. 280 e ss. 97
Ibidem, p. 442 e ss.
43
não está condicionada ao exercício de sua eficácia98
. Destarte, a necessidade da
interposição do legislador infraconstitucional não torna a norma ineficaz.
3.3 O princípio da proibição de retrocesso social e os direitos sociais dos
trabalhadores.
Sobre tudo o que até aqui já foi abordado, convém-nos agora analisar a
aplicação do princípio da vedação de retrocesso social ao Direito do Trabalho e, mais
especificamente, as consequências dessa aplicação para a defesa dos direitos
fundamentais dos trabalhadores. Como sustentado acima, a proibição de retrocesso
social consiste em um princípio constitucional implícito que tem como propósito
primordial coibir o poder estatal de retroceder a um estado de coisas já superado pela
ordem jurídica, notadamente no tange a concretização dos direitos fundamentais sociais.
Os direitos dos trabalhadores, por seu turno, são direitos tipicamente sociais e dotam de
fundamentalidade formal e material, portanto, resguardados em face da ação supressiva
do legislador ordinário.
Os princípios consagrados constitucionalmente possuem, como finalidade
precípua, o dever de estabelecer um estado ideal de coisas a ser perseguido. Nas
palavras de José Afonso da Silva, os princípios constitucionais “são ordenações que se
irradiam e imantam os sistemas de normas”99
. Servem, então, como diretriz para a
atividade interpretativa, atuando como guias a nortear a atividade do operador do
Direito, limitando-a. Maurício Godinho Delgado conceitua os princípios como
“proposições gerais inferidas da cultura e ordenamentos jurídicos que conformam a
criação, revelação, interpretação e aplicação do Direito”, acrescentando ao raciocínio
que:
São os princípios jurídicos diretrizes gerais induzidas e, ao mesmo tempo,
indutoras do Direito; são diretrizes centrais que se inferem de um sistema
jurídico e que, após inferidas, a ele se reportam, informando-o. Por isso é que
se pode dizer que consubstanciam comandos jurídicos instigadores do
universo do Direito100
.
Delgado, ao analisar as funções dos princípios na estrutura do Direito, afirma
que essas são diferenciadas e se manifestam em duas fases próprias ao fenômeno
jurídico: a fase construção e a fase de sua realização social da norma jurídica. Na
primeira fase, os princípios atuariam como proposições gerais que propiciam uma
98
DERBLI, Felipe. O princípio da proibição de retrocesso social na Constituição de 1988. São Paulo:
Renovar, 2007, p. 118. 99
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25ª ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2005, p. 92. 100
DELGADO, Mauricio Godinho. Os princípios na estrutura do direito. Revista do Tribunal Superior do
Trabalho, Porto Alegre, RS, v. 75, n. 3, p. 17-34, jul./set. 2009, p. 18 et seq.
44
direção coerente na construção da regra de Direito. Entretanto, o autor julga que o papel
mais relevante dos princípios se revela ao ser consumado o processo de produção das
normas. Em sequência, o autor destaca três funções distintas empregadas pelos
princípios na fase realização social, que, muitas vezes, ocorrem de forma simultânea. A
função interpretativa representa o emprego mais clássico e recorrente dos princípios,
que servem de veículo de auxílio à interpretação jurídica. Nesse papel, contribuem no
processo de compreensão da regra, balizando-a à essência do conjunto do sistema
jurídico101
.
Sobre essa função, é importante recordar o caráter positivo do princípio da
proibição de retrocesso proposto por Derbli, operando-se também como instrumento
interpretativo, no sentido de o legislador manter-se no propósito de ampliar,
progressivamente, o grau de concretização dos direitos fundamentais sociais. Significa
dizer uma obrigação de avanço social, própria das constituições dirigentes, para a
realização da justiça social.
A função normativa subsidiária, por sua vez, consiste na atuação dos princípios
como fontes normativas secundárias. Com efeito, quando o intérprete ou aplicador do
Direito se deparar com situações concretas nas quais não existam regras jurídicas
aplicáveis, os princípios funcionam como fonte alternativa102
.
Por fim, Delgado ainda trata da função normativa concorrente. Valendo-se da
teoria da normatividade103
de Roberty Alexy, o autor sustenta que os princípios gerais
do Direitos passariam a gozar de um caráter normativo próprio das regras jurídicas
integrantes dos clássicos diplomas jurídicos (constituições, leis e diplomas correlatos).
Neste ponto, os princípios passam a exercer uma função normativa própria, portadores
de natureza de norma jurídica efetiva. Como consequência, os princípios
desempenhariam diversos papéis conexos como, por exemplo, a possibilidade de
extensão, restrição ou invalidação de outra norma jurídica. Regras e princípios seriam,
pois, normas jurídicas, dotados da mesma natureza normativa104
.
Ultima-se, assim, que os direitos laborais instituídos pela Constituição Federal
de 1988 são direitos fundamentais e, como tais, também estão sujeitos a incidência do
princípio de não retrocesso social. Logo, como os princípios fundamentais têm a função
de servir como condão hermenêutico da análise do Direito e, mais que isso, assumem a
101
Ibidem, p. 18 et seq. 102
Ibidem, p. 18 et seq. 103
Sobre o tema, ver Teoria dos direitos fundamentais de Robert Alexy. 104
DELGADO, M. Godinho. Op.cit., p. 18 et seq.
45
posição de verdadeiras normas no ordenamento jurídico, o princípio da vedação de
retrocesso, na qualidade de princípio constitucional fundamental implícito, deve reger a
conduta dos legisladores e operadores do direito no sentido de preservar a eficácia das
normas instituidoras de direito sociais, evitando-se o regresso à uma situação jurídica
anterior indesejada.
Outro aspecto relevante para que se possa sustentar com segurança a aplicação
do princípio de proibição de retrocesso social aos direitos trabalhistas consiste na
abertura material concedida pelo caput do art. 7º da Constituição Republicana, o qual
expressa com clareza a natureza progressiva dos direitos trabalhistas fundamentais ao
anunciar a incorporação de outros direitos “que visem à melhoria de sua condição
social”105
. Como apontado anteriormente, sobre o assunto se expressa Edilton Meirelles,
que entende a redação do artigo como uma previsão expressa do princípio da vedação
de retrocesso na Constituição de 1988 em matéria de Direito do Trabalho106
.
Em dissertação de mestrado dedicada exclusivamente ao tema, Carlos Romeu
Salles Corrêa enfatiza que, através de uma interpretação sistemática da Constituição
brasileira, é possível vislumbrar que através do caput do art. 7° da Carta o ordenamento
jurídico brasileiro assume um compromisso gradativo de implementação dos direitos
sociais, ante a impossibilidade da imediata e integral concretização do princípio da
dignidade da pessoa humana, cabendo à sociedade se aproximar o máximo possível do
marco de total satisfação desse princípio. Esclarece o Salles Corrêa que:
Seria incorreto interpretar esse dispositivo como se ele apenas facultasse a
existência de outros direitos além dos que menciona especificamente, e não
determinasse à sociedade buscar a melhoria da condição dos trabalhadores
por meio da instituição de novas normas, conferindo a estes outros direitos.
[...]. A compreensão sistêmica e teleológica da Constituição Federal de 1988
mostra que a melhoria da condição social do trabalhador é, na verdade, uma
promessa do Estado, a ser cumprida, inclusive, por meio da instituição de
outros direitos, além daqueles descritos especificamente no art. 7º107
.
Entende-se, então, que o caput do art. 7º da Constituição Federal determina um
progresso social, no sentido de melhorar as condições sociais dos trabalhadores e, como
decorrência lógica, proíbe o retrocesso, vedando ao legislador a supressão, neutralização
105
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm>. 106
MEIRELES, Edilton. Princípio do não-retrocesso social no direito do trabalho. Evocati Revista. n. 13.
Jan. 2007 Disponível em: < http://www.evocati.com.br/evocati/artigos.wsp?tmp_codartigo=100. Acesso
em 26/07/2017 >. 107
CORRÊA, Carlos Romeu Salles. O princípio da proibição do retrocesso social no Direito do Trabalho.
2012. 139 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu, Linha
“Relações de Trabalho na Contemporaneidade”, Grupo “Direitos Fundamentais e Reflexos nas Relações
Sociais”, da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia. Salvador, 2012, p. 64.
46
ou mitigação dos direitos já alcançados por normas constitucionais ou
infraconstitucionais.
O § 2º do art. 114 da CF/88 (com a redação que lhe deu a Emenda
Constitucional n. 45, de 08 de dezembro de 2004) também merece destaque ao incluir
em seu texto a vedação de retrocesso, obstando ao poder judiciário a prolação de
decisões judiciais, referentes aos dissídios coletivos de natureza econômica, que não
respeitem as condições mínimas anteriormente negociadas. Essa norma constitucional
ainda deve ser interpretada de maneira harmônica com o preceito do caput do art. 7º da
Carta Magna, no sentido de consagrar a vontade do constituinte no sentido da busca
pela melhoria da condição social dos trabalhadores108
.
A aplicação do princípio em debate aos direitos dos obreiros também está em
consonância com os próprios princípios trabalhistas. O princípio da proteção
consagrado no Direito do Trabalho manifesta-se seguramente de três formas distintas: in
dubio pro operario, norma mais favorável e condição mais benéfica. Em todas essas
manifestações se almeja a proteção da parte hipossuficiente da relação trabalhista, o
empregado. Outrossim, o princípio da vedação de retrocesso importa, justamente, na
garantia do não retorno à situação desfavorável ao trabalhador – titular dos direitos
fundamentais acolhidos pelo art. 7ª da Lei Maior.
Não obstante o quanto foi dito, ressalta-se que o princípio da proibição é
autônomo em relação ao princípio da proteção e aos outros princípios trabalhistas, uma
vez que atua na preservação dos direitos dos obreiros em abstrato, de forma diversa do
que acontece com o princípio da condição mais benéfica e do in dubio pro operario, os
quais se amparam em situações jurídicas concretas, devidamente delimitadas. Atribui-se
a esse princípio, portanto, uma existência autônoma.
O princípio da proibição do retrocesso social integra o ordenamento jurídico
brasileiro e constitui um importante elemento do sistema garantista dos direitos
fundamentais dos trabalhadores. Sua existência é consonante com o princípio da
dignidade da pessoa humana e o modelo de Estado democrático de Direito adotado pelo
Brasil. Assim, partindo da premissa que os direitos laborais possuem natureza
fundamental e, na condição de direitos sociais, necessitam da atividade do legislador
ordinário para que haja sua verdadeira efetivação, cabe ao princípio do não retrocesso
social impedir o aviltamento desses direitos, através da proteção de normas
108
Sobre o tema, ver também Processo n° TST-AIRR-25/2006-471-04-40.0. do Egrégio TST.
47
infraconstitucionais que concedam ou ampliem direitos fundamentais, inclusive,
invalidando normas que venham a revogar ou reduzir a concretização já alcançada.
Os legisladores ordinários, assim, devem observar esse princípio
constitucional, sendo lhes defeso elaborar qualquer ato normativo que venha a suprimir,
mitigar ou reduzir, sem as devidas medidas compensatórias, um direito fundamental
trabalhista anteriormente reconhecido e efetivado em norma jurídica.
4 A REFORMA TRABALHISTA E O PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DE
RETROCESSO SOCIAL
No dia 23 de dezembro de 2016 o Poder Executivo apresentou o Projeto de Lei
n° 6.787/2016, que propõe alterações ao Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943 –
Consolidação das Leis do Trabalho –, e à Lei nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974.
Batizado pelo Governo de “Reforma Trabalhista”, o Projeto de Lei ganhou grande
projeção na mídia nacional e rapidamente dividiu opiniões no público em geral. Com o
uso de campanhas midiáticas veiculadas nos meios de comunicação, o Poder Executivo
promoveu a denominada reforma, alegando a necessidade da atualização da legislação
trabalhista, haja vista que a Consolidação das Leis do Trabalho data dos anos 1970.
48
Aprovado no Plenário da Câmara dos Deputados em 26 de abril de 2017, o PL
6.787/16 sofreu apenas uma alteração com a Emenda de Plenário nº 16 da deputada
Gorete Pereira, incluindo ao texto a dispensa do oferecimento de garantias ou de bens à
penhora em causas trabalhista para as entidades filantrópicas. Dentre os principais
destaques levantados na sessão parlamentar, a bancada do PSOL requereu a votação em
separado do art. 611-A, constante do art. 1º do PL n° 6.787/2016. No entanto, o texto do
artigo foi mantido com 274 votos a favor, 160 contra e uma abstenção.
O PL n° 6.787/16 seguiu para o Senado Federal sob a nomenclatura de PLC
(Projeto de Lei da Câmara) nº 38/2017 e teve como relator o Senador Romero Jucá, do
Partido do Movimento Democrático Brasileiro. O texto-base do PLC nº 38/2017 foi
aprovado por 50 votos favoráveis, 26 contrários e uma abstenção, em 11 de julho deste
ano. Dois dias depois de aprovação no Senado, a reforma trabalhista foi sancionada pelo
presidente da república, Michel Temer, sem vetos. Transformado na lei ordinária n°
13.467/17, o texto aprovado pelo Congresso Nacional muda a CLT em mais de 100
pontos e tem como uma das principais alterações o artigo que estabelece a superioridade
dos acordos e convenções coletivas sobre a lei.
O objetivo do presente estudo reside, então, na análise do parágrafo art. 611-B
da Lei n° 13.467 sob a luz do princípio da proibição de retrocesso social. O referido
artigo estabelece um limite à flexibilização dada pelo art. 611-A, impedindo que
determinados direitos, previamente estabelecidos, sejam objeto de supressão ou redução
por meio de acordo ou convenção que venha a ser criada. Dispondo das proibições em
trinta incisos diferentes, o art. 611-B veda a negociação sobre grande parte de direitos
fundamentais dos trabalhadores como, por exemplo, o salário mínimo, o seguro-
desemprego, o repouso semanal remunerado, dentre outros.
Notável, porém, é a redação dada ao parágrafo único deste dispositivo, o qual
inova ao desconsiderar o vínculo precioso que as normas sobre duração e intervalo do
trabalho possuem com a segurança dos trabalhadores. Assim, estabelece o mencionado
parágrafo que, no que tange especificamente as normas sobre duração e intervalo do
trabalho, não será aplicada a proteção concedida pelo caput do art. 611-B, autorizando
as partes de acordo ou convenção coletivas a criação de novas normas em relação a
matéria que possam vir a ser prejudiciais aos obreiros.
O art. 611-A – também acrescentado pela reforma – trata das negociações
coletivas de trabalho e inova ao estabelecer a prevalência dos acordos e convenções
49
coletivas sobre a lei. Com isso, valoriza-se as normas produzidas entre sindicatos de
trabalhadores e empresas e entre sindicatos de trabalhadores e sindicatos patronais.
O referido artigo não segue a regra doutrinária prevalecente, a qual determina a
primazia da norma fruto de negociação apenas nos casos em que se mostrasse mais
benéfica ao trabalhador. A nova regra expande a liberdade negociativa das partes,
concedendo aos obreiros mais autonomia e, pela primeira vez, admitindo – ainda que de
forma superficial – uma igualdade formal e material entre empregador e empregado.
Logo, passa a se admitir a possibilidade um acordo ou convenção coletiva prejudicial ao
obreiro, que venha reduzir ou eliminar algum de seus direitos.
Resta agora buscar compreender as possíveis consequências dessa mudança,
pois no momento em que a norma proveniente de acordo ou convenção coletiva se
sobrepor à norma infraconstitucional concretizadora de um direito social fundamental,
então, encontra-se violado o princípio da proibição de retrocesso social.
Inicialmente se mostra necessária uma análise da função das fontes indiretas do
Direito, notadamente a jurisprudência, como elemento concretizador da eficácia das
normas definidoras de direitos fundamentais sociais. A seguir, será feita uma
abordagem referente as normas sobre jornada de trabalho e sua estreita conexão com a
segurança e saúde dos trabalhadores, de modo que seja possível uma compreensão mais
precisa das mudanças a serem proporcionadas pela redação do parágrafo único do art.
611-B. Finalmente, será analisado parágrafo único do art. 611-B da Lei nº 13.467/17
através ótica do princípio constitucional implícito da vedação de retrocesso social.
4.1 A jurisprudência e seu papel concretizador dos direitos fundamentais dos
trabalhadores.
Cabe a este último capítulo a análise do art. 611-B da Consolidação das Leis
Trabalhistas, acrescentado pelo art. 1° da Lei nº 13.467/17, sob a ótica do princípio
constitucional implícito da proibição de retrocesso social. Cuidou o primeiro capítulo
de uma breve abordagem sobre o referido princípio e seu tratamento na doutrina
nacional. Outrossim, é possível se depreender do referido estudo que a proibição de
retrocesso consiste em uma vedação à supressão ou mitigação, pura e simplesmente,
da concretização de núcleo essencial de direito fundamental social por ação do
legislador ordinário, sem que este crie mecanismos compensatórios.
A autonomia do legislador ordinário, desta forma, encontra seu limite no
núcleo essencial dos direitos fundamentais já concretizados, uma vez que a
50
Constituição brasileira é reconhecida pelo seu caráter dirigente, impondo ao Estado e
à sociedade, de maneira geral, uma constante busca pela justiça social.
Segundo Canotilho, o dirigismo constitucional consiste na designação de fins e
tarefas para o Estado, através de um conteúdo programático-constitucional estabelecido
pela Constituição, de modo que essa também passa a servir como fundamento para a
realização da justiça social, além de desempenhar suas clássicas funções de organização
do Estado e da definição dos direitos de liberdade e os direitos políticos dos cidadãos109
.
Ainda que os direitos sociais se encontrem vinculados à conjuntural
econômica-social de um país, a Constituição assume o papel de bússola norteadora do
poder estatal, a fim de que este não venha a regressar para situação jurídica pretérita já
superada. Nesse sentido, não se vislumbram razões para que seja afastada a
concretização dos direitos sociais também fornecida pelos atos normativos
específicos, como no caso das decisões judiciais.
Antes de tudo, cumpre destacar que aqui fala-se das decisões judiciais
homogêneas e sucessivas capazes de configurar uma vinculação a atividade
jurisdicional prestada pelos magistrados, isto é, a jurisprudência como fonte indireta
do direito.
O estudo das fontes do Direito na doutrina é bastante diversificado, de modo
que dentre os autores nacionais não é provável a obtenção de uma classificação
uniforme em relação ao tema. Como bem informa Tércio Sampaio Ferraz Júnior, a
expressão em si já gera diferentes interpretações, posto que a palavra “fonte” assume
diversos significados, podendo significar a origem histórica, sociológica ou
psicológica de algo, bem como “a gênese analítica, os processos de elaboração e
dedução de regras obrigatórias, ou ainda a natureza filosófica do direito, seu
fundamento e sua justificação”110
.
Norberto Bobbio, em precioso ensinamento revela que “são fontes do direito
aqueles fatos ou aqueles atos aos quais um determinado ordenamento jurídico atribui a
competência ou a capacidade de produzir normas jurídicas”111
. Conforme a ótica do
positivismo jurídico, Bobbio elege a lei como fonte do mais alto patamar hierárquico,
109
CANOTILHO, J. J. Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador: contributo para a
compreensão das normas constitucionais programáticas. 2ª edição. Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p.
20 e ss. 110
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 4ª
edição. São Paulo: Atlas, 2003, p. 225. 111
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Trad. e notas de Márcio
Pugliesi, Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1999, p. 161.
51
“visto que ela é a manifestação direta do poder soberano do Estado e que os outros
fatos ou atos produtores de normas são apenas fontes subordinadas”112
.
Miguel Reale, por sua vez, define as fontes do Direito como “processos ou
meios em virtude dos quais as regras jurídicas se positivam com legítima força
obrigatória, isto é, com vigência e eficácia no contexto de uma estrutura
normativa”113
. O autor trata das fontes do Direito sob a perspectiva dos processos
através dos quais ocorre a produção de normas jurídicas, segundo leciona, os referidos
processos pressupõem sempre uma estrutura de poder. Complementa Reali afirmando
que:
Para que se possa falar, por conseguinte, de "fonte de direito", isto é, de fonte
de regras obrigatórias, dotadas de vigência e de eficácia, é preciso que haja
um poder capaz de especificar o conteúdo do devido, para exigir o seu
cumprimento, não sendo indispensável que ele mesmo aplique a sanção
penal. É por isso que se diz que o problema das fontes do direito se confunde
com o das formas de produção de regras de direito vigentes e eficazes,
podendo ser elas genéricas ou não114
.
Nesse sentido, Reali classifica as fontes conforme o processo de criação
normativa e sua respectiva estrutura de poder, apontando quatro fontes de Direito: a lei,
fruto do processo legislativo do Poder Legislativo; a jurisprudência, derivada do
processo jurisdicional prestado pelo Poder Judiciário; os costumes, que exprimem o
poder social, e o ato negocial, expressão do poder negocial ou da autonomia da vontade.
Ressalta-se que para o autor a doutrina é apenas um instrumento de complementação
das fontes115
.
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, por seu turno, conceituam as
fontes do Direitos como “meios pelos quais se formam ou se estabelecem as normas
jurídicas. Trata-se, em outras palavras, de instâncias de manifestação normativa”116
.
Neste encalço, de regra, a doutrina aponta como as principais fontes do
Direito a lei, os costumes, a jurisprudência e a doutrina.
Nas palavras de Miguel Reale, a palavra jurisprudência significa, stricto sensu,
a “forma de revelação do direito que se processa através do exercício da jurisdição, em
virtude de uma sucessão harmônica de decisões dos tribunais”117
. Segundo o autor:
112
Ibidem, p. 164 113
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 25ª edição. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 130. 114
Ibidem. 115
Ibidem, p. 131 e ss. 116
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral.
Vol. 1. 14 ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 59. 117
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 25ª edição. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 131.
52
[...] o Direito jurisprudencial não se forma através de uma ou três sentenças,
mas exige uma série de julgados que guardem, entre si, uma linha essencial
de continuidade e coerência. Para que se possa falar em jurisprudência de um
Tribunal, é necessário certo número de decisões que coincidam quanto à
substância das questões objeto de seu pronunciamento118
. Para Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho “quando o
reconhecimento de uma conduta como obrigatória se dá em sede dos tribunais, teremos
a jurisprudência (ou o costume judiciário) como fonte do direito”119
e, em sua acepção
mais estrita, os autores entendem a jurisprudência como o “conjunto de reiteradas
decisões dos tribunais sobre determinada matéria”120
.
Em seguida, Gagliano e Pamplona Filho sustentam que a jurisprudência exerce
a relevante função de “adequar o sistema a uma nova conjugação de forças”121
, isso
porque, por essa fonte do Direito, se oportuniza uma maior flexibilização do
ordenamento jurídico que, em determinadas matérias, reside indiferentemente estático.
Destarte, em determinadas circunstâncias, a jurisprudência não se deixa limitar ao que
está estritamente escrito nas leis e inova o conteúdo normativo, ao buscar uma
interpretação mais adequada das normas ao contexto fático contemporâneo.
Extrai-se, então, que a jurisprudência é construída ao longo da reiterada
atuação dos operadores do direito que, em seu dia-dia, além de aplicarem o direito
positivo ao caso concreto, criam atos normativos específicos ao solucionarem conflitos
da sociedade.
Defende Tércio Sampaio Ferraz Júnior que, para o sistema romanístico, a
jurisprudência não se configura como propriamente uma fonte do Direito, mas sim
como um instrumento auxiliar de interpretação legislativa. Todavia, reconhece o autor
que o papel da jurisprudência na constituição do Direito ultrapassa o exercício das
interpretações legislativas para atuar na “elaboração de verdadeiras normas jurídicas
gerais em casos de lacuna que constituem uma espécie de costume praeter legem”122
,
isto é, uma manifestação do costume como fonte do Direito.
Ainda que se tratando da negativa do autor em reconhecer a jurisprudência
como fonte, Ferraz Júnior revela que a área do Direito do Trabalho, devido sua natureza
específica voltada para a proteção do trabalhador, permite a constituição de normas
118
Ibidem, p. 158. 119
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral.
Vol. 1. 14 ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p.66 e ss. 120
Ibidem, p. 66 e ss. 121
Ibidem, p. 66 e ss. 122
FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão e dominação.
4ª edição. São Paulo: Atlas, 2003, p. 246
53
gerais com base na equidade e, por esse motivo, é capaz de gerar fonte genuinamente
jurisprudencial.
A jurisprudência, desse modo, é entendida no presente trabalho como fonte
indireta do Direito, consistindo em um conjunto de decisões ou precedentes dos
tribunais que, por resguardarem uma similaridade a respeito de uma determinada
matéria jurídica, são capazes de exercer influência sobre as decisões judiciais
posteriores que tenham por objeto circunstâncias fáticas equivalentes. Consiste, pois,
em verdadeira fonte de normas jurídicas, ainda que incapaz de criar normas jurídicas
gerais e abstratas.
A relevância da jurisprudência como fonte do Direito é vislumbrada também
ao se observar as nuances da atividade jurisdicional. Há muito já se superou a ideia de
que o magistrado, ao elaborar uma decisão judicial, apenas cumpre a função de
simples aplicador da lei. O juiz passa a inovar o ordenamento jurídico ao exercer sua
função jurisdicional, pois sua atuação não se resume meramente na aplicação
mecânica da legislação no caso concreto.
Cria-se direito através do exercício da integração e interpretação normativa,
de modo que é possível ao juiz atribuir à legislação sentido diferente do qual uma vez
determinado que, muitas vezes, é mais coerente com o ordenamento jurídico e seus
princípios, alinhado à nova realidade da sociedade. No cumprimento da atividade
jurisdicional o magistrado assume a posição interpretação ativa da lei, cabendo a ele a
extração da norma ali contida para então compatibilizá-la ao caso concreto.
Hans Kelsen, mesmo que precursor da Teoria Pura do Direito, admite que a
função jurisdicional transcende o ato de simples declaração da lei:
Uma decisão judicial não tem, como por vezes se supõe, um simples caráter
declaratório. O juiz não tem simplesmente de descobrir e declarar um
direito já de antemão firme e acabado, cuja produção já foi concluída. A
função do tribunal não é simples ‘descoberta’ do Direito ou juris‐‘dição’
(‘declaração’ do Direito) neste sentido declaratório. A descoberta do
Direito consiste apenas na determinação da norma geral a aplicar no caso
concreto. E mesmo esta determinação não tem um caráter simplesmente
declarativo, mas um caráter constitutivo123
.
Não obstante, impõe-se limites à liberdade criativa do juiz. Segundo Didier
“o órgão julgador limita-se, por um lado, pelos enunciados normativos do direito
objetivo e, por outro, pelo caso concreto que lhe foi submetido”124
.
123
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 165-166. 124
DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1. 16. Ed. Salvador: JusPodivm,
2014, p. 108.
54
Outro aspecto importante a ser levantado quanto ao emprego das fontes
indiretas do Direito como elementos também concretizadores de normas definidoras de
direitos fundamentais consiste, sobretudo, na congruência desse entendimento com o
princípio da máxima eficácia e efetividade das normas definidoras de direitos
fundamentais – que tem abrigo no art. 5°, §1° da Constituição de 1988.
Conforme Sarlet ensina, a norma contida no art. 5°, §1° da Constituição de
1988 possui caráter inequivocamente principiológico, de sorte que funciona como uma
espécie de mandado de otimização dos direitos e garantias fundamentais125
. Outrossim,
cabe aos órgãos estatais perseguir a máxima eficácia de tais direitos, isto é, o princípio
da máxima eficácia e efetividade dos direitos fundamentais exige que o intérprete
sempre tente fazer com que esses direitos alcancem sua plena concretização.
Conforme o já exposto ensinamento de Felipe Derbli, ao tratar da vedação de
retrocesso social, o caráter dirigente da Constituição em vigor indica um caminho
incessante em busca do desenvolvimento permanente do grau de concretização dos
direitos sociais nela previstos e para a sua máxima efetividade126
.
Sobre a norma contida no art. 5°, §1° da Constituição de 1988, Flávia Piovesan
expõe que “tal princípio intenta assegurar a força dirigente e vinculante dos direitos e
garantias de cunho fundamental, ou seja, objetiva tornar tais direitos prerrogativas
diretamente aplicáveis pelos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário”127
.
Não condiz com a dogmática da máxima efetividade dos direitos e garantias
fundamentais a interpretação restritiva da vedação de retrocesso que permite que
entendimentos que conferem efetividade a um direito fundamental possam vir a ser
objeto de ação regressiva – e ausente de medidas compensatórias – promovida pelo
legislador ordinário.
Defende-se que há, portanto, em decorrência do princípio máxima efetividade
dos direitos fundamentais, um dever de não retrocesso na densificação das normas
constitucionais que definem os direitos fundamentais sociais e, por este motivo, cabe ao
legislador infraconstitucional observar a concretização dos direitos já alcançada, ainda
que essa efetivação tenha sido implementada através de uma fonte indireta do Direito.
125
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos
fundamentais na perspectiva constitucional. 11ª edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p.
270. 126
DERBLI, Felipe. O princípio da proibição de retrocesso social na Constituição de 1988. São Paulo:
Renovar, 2007, p. 222. 127
PIOVESAN, Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 2ª ed. São Paulo: Max
Limonad, 1997, p. 63-64.
55
É relevante destacar, de resto, que vivemos em um novo contexto da
jurisprudência nacional com a inauguração das precedentes obrigatórios pelo novo
Código de Processo Civil. Elevando-se o papel das decisões judiciais na perspectiva
da aplicação do direito e suas fontes, a jurisprudência vê sua importância crescer cada
vez mais no ordenamento jurídico nacional.
Consoante esclarece Didier, Braga e Oliveira, o precedente “é uma decisão
judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo elemento normativo pode servir como
diretriz para o julgamento posterior de casos análogos”128
. Para os autores, o precedente
é composto por três elementos: circunstâncias de fato que embasam controvérsia, tese
ou princípio jurídico assentado na motivação (ratio decidendi) do provimento decisório
e a argumentação jurídica em torna da questão.
O art. 927 do novo Código Civil brasileiro, então, passa a estabelecer um rol de
precedentes obrigatórios. Caracterizando como espécie de regra jurídica, os precedentes
proferidos nas hipóteses estabelecidas no art. 927 deverão ser obrigatoriamente
observados pelas demais instâncias do Judiciário, sob pena de cassação do
entendimento divergente, por meio de reclamação129
.
Conclui-se, portanto, que a jurisprudência é aqui entendida como fonte
indireta do Direito e, por tal razão, plenamente capaz de exercer o papel de
concretização das normas fundamentais. Outrossim, consoante o princípio da vedação
de retrocesso social, ao legislador infraconstitucional é proibido o retorno à situação
jurídica indesejável, na qual restava ausente de efetividade direito social fundamental.
Ademais, encontra-se a referida interpretação do princípio em a consonância com o
princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais, estabelecido no §1° do art.
5° da CF/88.
4.2 A duração do trabalho e a segurança e saúde do trabalhador.
A redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde,
higiene e segurança do trabalho é um dos direitos que a Constituição Federal assegura
aos trabalhadores urbanos e rurais130
. As normas de segurança, higiene e medicina do
trabalho visam evitar e minimizar os acidentes passíveis de ocorrer no ambiente de
128
DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: teoria da prova, direito probatório, ações
probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. vol. 2. 12ª edição.
Salvador: JusPodivm, 2016, p. 505. 129
Ibidem, p. 526. 130
Art. 7°, inciso XXII da CF/88.
56
trabalho, com o fim de proteger e garantir a integridade do trabalhador diante das
situações de risco encontradas nesse ambiente. Conforme leciona Süssekind:
O direito à segurança e à higiene no trabalho é também, num sentido amplo,
um direito humano, tal como prevê o Pacto Internacional dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas, pois corresponde ao
direito à vida e à integridade física das pessoas [...].131
Sem embargo, a segurança do trabalho é voltada para a extinção ou
neutralização de riscos de acidentes que podem ocorrer no ambiente de trabalho. Para
que isso seja possível, a medicina do trabalho vela tanto pela saúde do trabalhador na
empresa, como pela higiene do ambiente onde ele presta serviços, constituindo, assim, o
complemento indispensável do sistema de prevenção dos infortúnios do trabalho132
.
Sebastião Geraldo de Oliveira relaciona a proteção ao meio ambiente do
trabalho com a tutela do meio ambiente em geral. Defende o autor que “é impossível
alcançar qualidade de vida sem ter qualidade de trabalho, nem se pode atingir meio
ambiente equilibrado e sustentável, ignorando o meio ambiente do trabalho”133
, em
razão do meio ambiente do trabalho estar inserido no meio ambiente geral.
Sobre o assunto, Cláudio Brandão esclarece que proteção à vida humana
envolve também a defesa do direito à vida com qualidade, incluindo-se a garantia à
saúde e às condições saudáveis de trabalho. Para o autor, a proteção à saúde é um direito
fundamental do trabalhador134. O professor Flávio de Oliveira Nunes segue o mesmo
raciocínio ao apontar que o direito à segurança e à saúde no trabalho objetiva o respeito
à dignidade da pessoa humana, de forma que esse direito se depreende do próprio
direito à vida e do direito à saúde135
.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), saúde é o estado de
completo bem-estar físico, mental e social, e não somente a ausência de doenças ou
enfermidades136
. Assim, a evolução conceitual do que se compreende por saúde também
131
SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 230. 132
Ibidem, p. 232. 133
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 3 ª edição. São Paulo:
LTr, 2001, p. 127. 134
BRANDÃO, Cláudio. Meio ambiente do trabalho saudável: direito fundamental do trabalhador.
Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 1. Região, Rio de Janeiro, v. 21, n. 49, p. 89-98,
jan./jun. 2011. Disponível em:
<http://portal2.trtrio.gov.br:7777/pls/portal/docs/PAGE/GRPPORTALTRT/PAGINAPRINCIPAL/JURIS
PRUDENCIA_NOVA/REVISTAS%20TRT-RJ/049/11_REVTRT49_WEB_CLAUDIO.PDF>. Acesso
em: 19/08/2017. 135
NUNES, Flávio de Oliveira. Segurança e Saúde no Trabalho. 2ª edição. São Paulo: Método, 2014, p.
XXIX. 136
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Constituição da OMS. 1948. ONU (Organização das
Nações Unidas). Nova York. Disponível em: <http://apps.who.int/gb/bd/PDF/bd47/EN/constitution-
en.pdf?ua=1>. Acesso em: 19/08/2017.
57
atinge a proteção jurídica dada a esse direito, devendo a referida tutela compreender
todos os elementos necessários a uma vida de pleno bem-estar, e não apenas livre de
patologias.
Para Maurício Godinho Delgado, do ponto de vista do Direito Individual do
Trabalho, o direito às normas de proteção à saúde e segurança do trabalhador possuem
caráter de absoluta indisponibilidade, pois traduzem um patamar civilizatório mínimo
firmado pela sociedade política em um dado momento histórico – a exemplo do direito
à assinatura de CTPS, ao salário mínimo, dentre outros137.
No plano internacional, verifica-se que a Organização Internacional do
Trabalho também trabalha em busca da proteção dos trabalhadores contra os acidentes
do trabalho e as doenças profissionais. Sobre o tema, a Organização elaborou diversas
normas, dentre as quais destaca-se as Convenções n°155 e n°161 ratificadas Brasil.
Pela Convenção n° 155 da OIT os países se obrigam a formular, incorporar e
reexaminar periodicamente uma política nacional coerente em matéria de segurança e
saúde do trabalho, tanto para o Estado como para as empresas – mediante consultas às
organizações representativas de empregadores e trabalhadores, além de atentar para as
práticas nacionais. A Convenção n° 161 da mesma organização estabelece os princípios
a serrem observados por uma política nacional de proteção à saúde do trabalhador.
Sobre a política nacional, declara o art. 4 da Convenção n° 155 da OIT:
Essa política terá como objetivo prevenir os acidentes e os danos à saúde que
forem conseqüência do trabalho tenham relação com a atividade de trabalho,
ou se apresentarem durante o trabalho, reduzindo ao mínimo, na medida que
for razoável e possível, as causas dos riscos inerentes ao meio-ambiente de
trabalho138
.
Sobre a validade das normas proferidas pela OIT, Cláudio Brandão139
esclarece
que o Brasil, ao ratificar convenções internacionais voltadas para a proteção da saúde do
trabalhador, elevou ao patamar de norma constitucional os dispositivos nelas inseridos,
pois aos tratados internacionais é conferido uma hierarquia especial. Com a introdução
do § 3º do art. 5º da CF/88, os tratados passam a ser submetidos ao mesmo sistema de
regras de aprovação das Emendas Constitucionais, integrando o ordenamento jurídico
nacional nos planos formal e material140
. Segundo o autor:
137
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr, 2005, p. 217. 138
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção n° 155. Aprovada na 67ª
reunião da Conferência Internacional do Trabalho. Genebra, 11 ago. 1983. Disponível em:
http://www.oitbrasil.org.br/node/504. Acesso em: 19/08/2017. 139
BRANDÃO, Cláudio Mascarenhas. Op. Cit., p. 94 e ss. 140
O TST demonstrou, contudo, que não partilha sempre dessa posição ao reformar o entendimento de
sua 7ª turma, a qual defendia a prevalência das convenções internacionais da Organização Internacional
58
Cabe, portanto, ao Estado Brasileiro, em face dos compromissos assumidos
na ordem internacional, adotar uma estratégia de atuação efetiva para a
proteção do trabalhador não apenas no que se refere à redução dos riscos da
ocorrência de acidentes do trabalho, como também à defesa da saúde no seu
conceito mais abrangente141
.
Desta maneira, ensina Delgado que as normas legisladas que ditam sobre a
duração do trabalho e os intervalos trabalhistas evidenciam, direta ou indiretamente,
vínculo efetivos com a saúde e a segurança da pessoa humana trabalhadora142
. Sobre o
tema, o autor aponta que:
[...] as regras jurídicas reguladoras da jornada laborativa obreira não são mais
apenas regras jurídicas de estrito fundo econômico, sendo também,
principalmente, regras de saúde pública. A Constituição da República
apreendeu, de modo exemplar, essa nova leitura a respeito da jornada e
duração laborativas e do papel que têm no tocante à construção e
implementação de uma consistente política de saúde no trabalho. Por essa
razão é que a Carta de 1988, sabiamente, arrolou como direito dos
trabalhadores a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de
normas de saúde, higiene e segurança” (art. 7º, XXII)143
.
A jornada de trabalho do obreiro encontra-se protegida constitucionalmente no
inciso XIII do art. 7° da CF/88, que limita a duração do trabalho normal em oito horas
diárias e quarenta e quatro semanais, facultando, contudo, a compensação de horários e
a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho.
O art. 71 da CLT, por outro lado, determina a concessão de uma hora de
intervalo intrajornada mínimo para o empregado que exceda 6 horas diárias de duração
de trabalho, facultando a redução do intervalo apenas por meio de ato de órgão estatal
específico e após a verificação do enquadramento da empresa nos requisitos
necessários. Ao obreiro ainda é outorgado o direito à onze horas consecutivas mínimas
de descanso interjornada, consoante se depreende do art. 66 da CLT.
Conclui-se que tanto nossa Constituição como nossa legislação
infraconstitucional cuidam de estipular os limites para a exploração do tempo de vida do
trabalhador no ambiente de trabalho. Isto ocorre porque a permanência do indivíduo no
exercício da sua atividade laboral implica, também, na ausência de tempo dedicado à
sua própria existência.
do Trabalho para garantir aos empregados o direito à cumulação dos adicionais de periculosidade e
insalubridade. A referida reforma ocorreu em Agravo em Recurso de Revista n. 10816020125030064 da
SDI-1, de relatoria do Min. Cláudio Mascarenhas Brandão. 141
Ibidem, p. 97. 142
DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. Tratado Jurisprudencial de Direito
Constitucional do Trabalho. Vol. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 104. 143
DELGADO, Mauricio Godinho. Duração do Trabalho: o debate sobre a redução para 40 horas
semanais. Revista do TST, Brasília, vol. 75, n° 2, abr/jun 2009, p. 26. Disponível em:
<https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/1939/13496/002_delgado.pdf?sequence=5>. Acesso em:
19/08/2017.
59
As normas que tratam da limitação da jornada contribuem substancialmente
para a preservação da saúde e segurança do trabalhador no meio ambiente laboral,
permitindo aos obreiros alcançar um equilíbrio aceitável entre o trabalho remunerado,
as atividades domésticas e de cuidado familiar e outros aspectos de sua vida social144
.
Daí porque as disposições sobre a duração do trabalho não constituem meras
normas contratuais, de modo que sua inobservância não fere apenas um comando
normativo, mas também compromete a capacidade do trabalhador de interagir em
sociedade. O bem-estar social, como exposto, é uma condição essencial à manutenção
de uma vida saudável. A obediência ao limite diário de horas de trabalho imposto
constitui condição necessária para o trabalhador assegurar a si mesmo um convívio
familiar e social satisfatório.
O prolongamento do tempo do indivíduo no ambiente de trabalho ainda se
mostra intimamente relacionado com a sua saúde, porque o alongar excessivamente a
duração do trabalho impede o empregado de obter seu descanso necessário. Logo, o
trabalhador tem sua a higidez física e mental comprometida ao se expor a jornadas
excessivas.
O professor mexicano José Manuel Lastra Lastra declara que faz parte do
compromisso dos trabalhadores ocupar seu tempo em benefício do empregador.
Contudo, adverte que a ciência da segurança e medicina do trabalho aponta para os
riscos que o trabalho em excesso pode acarretar ao trabalhador. Nas palavras do autor:
[…] el trabajo continuo puede ser perjudicial para la salud del trabajador,
puede ocasionar un decaimiento y agotamiento de sus energías físicas e
intelectuales y, con ello, un menor rendimiento y disminución de la
producción, siendo el rendimiento inversamente proporcional a la duración
de la jornada laborable, además del peligro que representa el cansancio
natural que puede producir accidentes de trabajo145
.
Não obstante existam normas em nosso ordenamento jurídico que autorizem a
extensão da jornada do trabalhador, importa frisar que o labor em excesso, ou
realizado em dias destinados ao descanso, ocorre apenas em situações excepcionais.
Como exemplo, toma-se o art. 59 da CLT que permite a sobrejornada, no referido
dispositivo não é dado ao empregador plena discricionariedade para determinar as
condições das horas extraordinárias. Segundo os parágrafos do próprio artigo, reserva-
144
LEE, Sangheon; MCCANN, Deirdre; MESSENGER, Jon. Duração do trabalho em todo o mundo:
tendências de jornadas de trabalho, legislação e políticas numa perspectiva global comparada. Brasília:
OIT, 2009, p. 8. 145
LASTRA LASTRA, José Manuel. La Jornada de Trabajo. In: Instituciones de derecho del trabajo y de
la seguridad social. Universidad Nacional Autónoma de México, México, 1997, p. 424. Disponível em:
<https://archivos.juridicas.unam.mx/www/bjv/libros/1/139/27.pdf>. Acesso em: 19/08/2017.
60
se ao empregado o direito de receber remuneração suplementar em razão de sua
sobrejornada ou, conforme o caso, ter suas horas extraordinárias compensadas com o
devido descanso em dia posterior.
O art. 61 da Consolidação segue a mesma linha ao anunciar que apenas será
possível a duração do trabalho exceder o limite legal por motivo de força maior ou por
necessidade de conclusão de serviço inadiável cuja inexecução venha a causa prejuízo
manifesto. A redação do artigo demonstra com clareza a preocupação do legislador
com a extensão da jornada, autorizando-a apenas em situações atípicas. Os adicionais,
ainda que não cumpram completamente seu propósito, se destinam a desestimular as
atitudes negligenciais do empregador para com a segurança e higiene do ambiente de
trabalho.
O inciso XXII do art. 7° da CF/88 expressamente garante aos obreiros a
redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e
segurança, demonstrando a preocupação do Constituinte com a segurança e higiene do
meio ambiente de trabalho. Assim, as disposições relativas a duração e intervalo de
trabalho devem ser compreendidas dentro da perspectiva constitucional, atuando como
meio de promoção e defesa da segurança e saúde do trabalhador.
As normas acerca da duração do trabalho assumem um caráter fundamental
de proteção à saúde, sendo incabível a lei ordinária simplesmente negar essa
particularidade. Portanto, até a aprovação da reforma trabalhista, refutou-se a
negociação quanto tais normas, impossibilitando ao trabalhador (parte hipossuficiente
da relação de emprego) abrir mão de seu direito fundamental à saúde e à vida.
Consoante bem enuncia Süssekind, “incompreensível é que se permita ao trabalhador
vender a saúde em troca de um sobre-salário”146
, sob pena de retornarmos à época na
qual as pessoas, incluindo crianças, trabalhavam cerca de doze horas ao dia, sem folga
semanal.
A jurisprudência assume uma função de destaque neste aspecto,
reconhecendo, juntamente com a doutrina nacional, o papel essencial que as normas
restritivas da extensão da jornada laboral operam na salvaguarda da saúde e segurança
do obreiro no exercício de sua atividade e no ambiente de trabalho.
146
SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p.237
61
O item II da súmula n° 437147
do Tribunal Superior do Trabalho condena
expressamente a possibilidade de cláusula de acordo ou convenção coletiva de
trabalho suprimir ou reduzir intervalo intrajornada por considerar a pausa legal do
obreiro como medida de higiene, saúde e segurança do trabalho. O referido
entendimento sumular ainda esclarece o caráter cogente do art. 71 da CLT, bem como
do art. 7º, XXII, da CF/1988, visto que se tratam de normas de ordem pública, sendo
defeso as partes a negociação quanto a disposição de tal direito.
A criação da súmula n° 437 configurou, na realidade, apenas a incorporação
de pensamento já anteriormente cristalizado no texto da extinta Orientação
Jurisprudencial n° 342 da SDI-1 criada em 2004 pelo mesmo tribunal, evidenciando
nível do enraizamento que esse entendimento possui nos tribunais trabalhistas.
Recorrentemente ao tratar da flexibilização dos direitos trabalhistas o TST se
deparou com a temática do caráter cogente das normas de saúde e segurança do
trabalho e, consoante diversos julgados, reafirmou inúmeras vezes que o direito ao
intervalo mínimo intrajornada constitui, de fato, medida de higiene, saúde e segurança
do trabalho148
.
Ainda para ressaltar a relevância da concessão do intervalo intrajornada nos
parâmetros do art. 71 da CLT, cumpre observar que a Consolidação apenas permite a
redução do intervalo legal por ato do Ministério do Trabalho e Emprego, conforme o
disposto no § 3º do mesmo artigo. Logo, cabe ao Ministério averiguar se restarão
preservadas, ou não, as condições de higiene e saúde no ambiente de trabalho, para
somente então conceder a redução do intervalo até o limite mínimo de trinta
minutos149
.
O mesmo raciocínio do enunciado de súmula n° 437 do TST é transportado
para a OJ 355 da SDI-1 do mesmo tribunal. Segundo a redação da Orientação
Jurisprudencial, o desrespeito ao intervalo interjornada mínimo também ocasiona a
147
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula n. 437. II - É inválida cláusula de acordo ou
convenção coletiva de trabalho contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada porque
este constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública
(art. 71 da CLT e art. 7º, XXII, da CF/1988), infenso à negociação coletiva. Disponível em:
http://www.tst.jus.br/sumulas. Acesso em: 19/08/2017 148
Sobre o tema: TST. RR: 1501620105020465, Relatora: Kátia Magalhães Arruda, Data de Julgamento:
25/02/2015, 6ª Turma, Data de Publicação:13/03/2015; TST. RR: 10080320115030039. Relatora: Kátia
Magalhães Arruda, Data de Julgamento: 30/04/2014, 6ª Turma, Data de Publicação: 05/09/2014; TST.
RR: 6173820135030052 Relatora: Kátia Magalhães Arruda, Data de Julgamento: 17/12/2013, 6ª Turma,
Data de Publicação: 19/12/2013; TST. RR: 0147000-75.2006.5.05.0342, Relator: Carlos Alberto Reis de
Paula, Data de Julgamento: 17/12/2008, 3ª Turma, Data de Publicação: 27/02/2009. 149
Conforme §3° do art. 1° da Portaria TEM 1.095/2010.
62
penalidade prevista no §4° do art. 71, obrigando o empregador ao pagamento da
integralidade das horas que foram subtraídas e o respectivo adicional. Igualmente ao
intervalo intrajornada, o descanso entre jornadas é essencial para recuperação das
energias do empregado. Sua relevância cresce, ainda, na medida em que se entende a
necessidade desse intervalo para o gozo da vida privada do próprio trabalhador que é,
antes de tudo, um ser humano.
A Ministra Kátia Magalhães Arruda, relatora em recurso de revista n°
1546220145030052150
, expressamente trata do princípio da vedação de retrocesso ao
anunciar que o art. 71 da CLT constitui avanço do patamar mínimo civilizatório na
relação de emprego, consistindo em direito trabalhista irrenunciável, vez que é norma de
segurança, saúde e medicina do trabalho.
Em recurso ordinário n. 01405/2007-004-24-00-4-RO.1151
o relator,
Desembargador Nicanor de Araújo Lima, da 2ª turma do Tribunal Regional do Trabalho
da 24ª Região, proferiu o voto no tocante a possibilidade da flexibilização da jorna de
trabalho, anunciando que:
Inegavelmente, os direitos relacionados à duração do trabalho, assim
compreendido aqueles atinentes à jornada diária e semanal, bem como
os períodos destinados aos descansos (intrajornada, interjornada e
descanso semanal remunerado), expressamente previstos na Consolidação
das Leis do trabalho, no Título II, Capítulo II, Seções II e III, representados
pelos artigos 58 a 72 consolidados, se despontam como típicos exemplos
daqueles direitos à integridade física e mental dos trabalhadores
albergados pela Carta Política. A despeito de as normas que dispõem
acerca da duração do trabalho terem como sua marca indelével a
indisponibilidade, uma vez que tutelam a saúde e a segurança dos
trabalhadores, o próprio sistema normativo (CF/88, art. 7º,XIII, XIV e XXVI
c/c artigos 59, 60 e 71 da CLT) autoriza a flexibilização da jornada diária e
do descanso, mediante negociação coletiva. Todavia, a autonomia coletiva
reconhecida pela Carta Magna não é ampla e irrestrita, conforme tem
reiteradamente preconizado a jurisprudência trabalhista, cujo entendimento
encontra-se materializado na Orientação Jurisprudência n. 372 da SBDI-II e
no Precedente Normativo n. 31 da SDC, ambas do Tribunal Superior do
Trabalho152
(grifo do autor).
Até mesmo o Superior Tribunal de Justiça pronunciou-se sobre o assunto, no
REsp. 758296 o relator Ministro Luiz Fux da 1ª Turma do STJ, estatuiu o caráter
150
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Acórdão em RR n. 1546220145030052. Relatora: Kátia
Magalhães Arruda. 6ª Turma. Data de Julgamento: 19/11/2014. Data de Publicação: 21/11/2014. 151
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região. Acórdão em recurso ordinário n. 01405/2007-
004-24-00-4. Relator: Nicanor de Araújo Lima. 2ª Turma. Data de Julgamento: 01/04/2009. Data de
Publicação: 14/04/2009. 152
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região. Acórdão em recurso ordinário n. 01405/2007-
004-24-00-4. Relator: Nicanor de Araújo Lima. 2ª Turma. Data de Julgamento: 01/04/2009. Data de
Publicação: 14/04/2009.
63
inegável que a duração da jornada de trabalho, e seu respectivo descanso, apresentam
em relação a saúde e segurança do trabalho153
. Consoante a emanta do acórdão:
A duração da jornada de trabalho, e seu respectivo descanso, constitui um dos
fundamentos da política de proteção ao trabalhador, que se obtém por meio
de limitações legais imposta ao empregador. 4. Tratando-se de norma sobre
higiene e segurança do trabalho, nem a vontade individual nem a autonomia
coletiva devem superar a norma congente, imperativa e inderrogável à
vontade das partes.
É de se considerar, portanto, que o entendimento jurisprudencial consolidado
no país quanto as normas sobre a duração do trabalho e sobre períodos destinados ao
descanso do empregado concretizam o direito do trabalhador à um ambiente de trabalho
livre de riscos, por caracterizarem-se normas de saúde, higiene e segurança do trabalho.
Determinar a prevalência de acordo ou convenção coletiva sobre essas normas significa
mitigar a concretização de direito constitucionalmente previsto.
4.3 O parágrafo único do art. 611-B sob a luz do princípio da proibição de
retrocesso social.
Consoante tudo que até aqui foi demonstrado, resta a análise do parágrafo
único do art. 611-B da Lei n° 12.467/17 sob a ótica do princípio da vedação de
retrocesso, também já delineada nesse trabalho. Então, para que se chegue à conclusão
de que houve ou não afronta ao princípio, insta verificar se a nova legislação que alterou
norma infraconstitucional densificadora de direito social ocasionou, ou não, a
aniquilação ou mitigação de núcleo essencial do direito a ser protegido, sem a devida
criação de medidas compensatórias. Isto é, teria a redação introduzida pelo parágrafo
único do art. 611-B reduzido ou eliminado a concretização de direito fundamental
oferecida por entendimento jurisprudencial?
Propõe-se, primeiramente, a identificação dos direitos fundamentais passíveis
de serem afetados pelo parágrafo único do art. 611-B da Lei n° 12.467/17. Em seguida,
cumpre a sinalização das normas infraconstitucionais que concretizam esses direitos
para que, finalmente, seja possível vislumbrar se o referido artigo foi capaz, ou não, de
permitir a minguamento ou abolição da eficácia de algum (ou alguns) dos direitos
fundamentais dos trabalhadores.
Retira-se da leitura do parágrafo único do art. 611-B da Lei n° 13.467/17 dois
direitos dos trabalhadores que se relacionam diretamente com o dispositivo. Sobre a
153
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão em Recurso Especial n. 758296 RS 2005/0095217-4.
Relator: Ministro LUIZ FUX. Data de Julgamento: 24/04/2007, 1ª Turma. Data de Publicação:
04.06.2007, p. 307.
64
duração do trabalho, estabelece a Constituição em vigor o limite à jornada de 8 horas
diárias e quarenta e quatro horas semanais. Por outro lado, sobre o tema de segurança e
medicina a Constituição garante aos trabalhares o direito à redução dos riscos inerentes
ao trabalho por meio de normas de segurança, higiene e medicina do trabalho. Com
efeito, dois são os direitos dos trabalhadores (constitucionalmente protegidos) que
possivelmente poderão ser atingidos pela nova norma imposta.
Verifica-se, contudo, que o art. 611-A, em seu inciso I respeita aos limites
constitucionais sobre a jornada, não caracterizando, dessa forma, afronta direta ao
núcleo essencial do direito constitucional do inciso XII do art. 7 da CF. Quanto ao
direito à redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas se segurança,
higiene e medicina do trabalho, todavia, é imperioso um estudo mais detalhado.
O direito constitucional à redução de riscos inerentes ao trabalho é nada mais
do que um reflexo do próprio direito fundamental à saúde aplicado e moldado às
relações trabalhistas. Destarte, esse direito volta-se, primordialmente, para proteção do
bem-estar físico, social e mental do trabalhador no ambiente de trabalho. Ao determinar
a realização da minimização dos riscos do trabalho por meio de normas de segurança,
saúde e medicina, o Constituinte apontou os meios pelos quais ocorreria a concretização
desse direito e, com isso, atribuiu à tais normas a indisponibilidade própria dos direitos
fundamentais. O legislador ordinário (assim como a doutrina e a jurisprudência)
trabalhou, de regra, no sentido do cumprimento do comando constitucional, instituindo
regras sobre a limitação de jornada, intervalos, insalubridade e periculosidade, exame
médico, dentre outros, assistindo ao empregado as condições básicas para um exercício
do labor isento de riscos.
Ainda que o inciso XVII do art. 611-B pretenda impedir a realização de acordo
ou convenção coletiva legal que suprima ou reduza as normas de saúde, higiene e
segurança do trabalho (previstas em lei ou em norma regulamentadora do Ministério do
Trabalho), o direito previsto no inciso XXII do art. 7° da CF/88 se vê ameaçado pelo
parágrafo único do art. 611-B, uma vez que o conteúdo da norma constitucional é
reduzido.
As normas de saúde, higiene e segurança do trabalho, assim, consagram um
instrumento constitucionalmente expresso para a realização do direito à redução de
riscos no trabalho. A retirada das regras sobre duração de trabalho e intervalos desse
grupo de normas lhes retira também a funcionalidade como normas de proteção à saúde
65
e segurança do trabalhador, prejudicando o obreiro ao removê-lo do alcance do direito
constitucional.
Noutro lado, como já se viu no tópico anterior, aqui a jurisprudência é tida
como norma concretizadora do direito constitucional do trabalho à redução de riscos
inerentes ao trabalho, na qualidade de fonte indireta do direito.
No que toca a redação dada ao parágrafo único do 611-B da Lei n° 13.467/17,
ao declarar “para os fins do disposto neste artigo” o dispositivo, por via de
consequência, acaba determinando que a proteção concedida às normas de segurança e
medicina não agasalhará as regras sobre a duração e intervalos de trabalho, uma vez que
o fim do próprio artigo é assegurar que não haja supressão ou redução dos direitos (em
sua maioria constitucionais) arrolados em seus incisos.
Contraditório, contudo, é o texto dado ao inciso XVII do art. 611-B, que
determina a impossibilidade de supressão ou redução das “normas de saúde, higiene e
segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério
do Trabalho”, uma vez que as normas sobre duração e intervalos de trabalho são,
conforme já demonstrado, normas sobre a saúde do obreiro.
Ainda à época do PL 6787/2016, a OAB elaborou parecer manifestando-se
sobre o tema e declarou inconstitucional a redação do parágrafo único do art. 611-B, nos
seguintes termos:
Ainda, de modo inconstitucional, há previsão de que normas sobre duração
do trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde,
higiene e segurança do trabalho, contrariando a jurisprudência do TST, na
medida em que a Constituição Federal abarca essas matérias154
.
A Associação de Magistrados do Brasil, ao se pronunciar sobre a flexibilização
dos direitos dos trabalhadores pela via negocial, declarou que:
O Projeto de Lei viola a essência da convenção e do acordo coletivo,
demonstrando, de forma clara e despudorada, que o objetivo é unicamente o
de promover a redução dos direitos sociais trabalhistas por via transversa.
Desse modo, vai contra as normas constitucionais, notadamente as previstas
no artigo 7º, que só em 3 situações permitem a redução de direitos, quais
sejam, a redução justificada de salários (inciso VI), a compensação de
horários e a redução da jornada (inciso XIII), e a instituição de turnos
ininterruptos de revezamento (inciso XIV). [...] O inciso III, por exemplo,
permite o descumprimento de norma de ordem pública de saúde e segurança
no trabalho – redução do intervalo intrajornada para 30 minutos – sem
qualquer restrição sobre tipos de atividades ou observância de condições
mínimas para que o trabalhador efetivamente possa ter algum descanso nesse
curto lapso de tempo. Com isso, descumpre a previsão constitucional do
154
BRASIL. Ordem dos Advogados do Brasil. Proposição n. 49.0000.2017.004049-7/COP. Disponível
em: <http://s.oab.org.br/arquivos/2017/06/reforma-trabalhista-preliminares-inconstitucionalidades.pdf>.
Acesso em: 22/08/2017.
66
inciso XXII, levando, se aprovada, a um aumento do índice de adoecimento e
de acidentes de trabalho, impactando ainda mais o sistema de saúde brasileiro
e os alarmantes números de infortúnios do trabalho no Brasil. [...]. Nada além
disso pode ser negociado pelos sindicatos para retirar direitos dos
trabalhadores, mostrando-se inconstitucional qualquer norma
infraconstitucional que atente contra essa determinação155
.
Saul Soares, médico do trabalho, ao pronunciar-se sobre o tema trata
diretamente do impacto do parágrafo para a área da saúde ocupacional:
No caso em concreto, a pertinência temática com a área da Saúde
Ocupacional se dá em razão de que a reforma trabalhista irá promover o
aumento dos acidentes do trabalho e doenças ocupacionais, e com base no
esdrúxulo parágrafo único do art. 611-B que estabelece que “regras sobre
duração do trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde,
higiene e segurança do trabalho”, em confronto direto com os estudos
científicos da área da saúde do trabalhador e desvalorizando a atuação dos
diversos profissionais envolvidos com a área da saúde ocupacional156
.
Extrai-se que o conjunto da obra nada mais quer do que permitir a negociação
quanto as normas sobre duração e intervalos de trabalho e, sobretudo, a sua
flexibilização, ao passo que lhes é negada a proteção proporcionada pelo art. 611-B e,
inclusive, pela própria constituição.
155
BRASIL. Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). Disponível em:
http://www.amb.com.br/wp-content/uploads/2017/07/Pedido-de-Veto.pdf. Acesso em: 20/08/2017. 156
SOARES, Saulo. A inconstitucionalidade e o retrocesso social da reforma trabalhista. Disponível em:
<https://www.saudeocupacional.org/2017/08/a-inconstitucionalidade-e-o-retrocesso-da-reforma-
trabalhista.html>. Acesso em: 22/08/2017.
67
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo buscou interpretar o parágrafo único do art. 611-B da Lei
n°13.467/17 sob a luz do princípio da proibição do retrocesso social. Pretendeu-se, com
isso, despertar a atenção para esse dispositivo introduzido em nosso sistema jurídico
pela reforma trabalhista e demonstrar como o mesmo não atende as expectativas de um
Direito do Trabalho focado na proteção do trabalhador.
Através dessa pesquisa foi abordado o fato de o princípio da proibição de
retrocesso ser, ainda, pouco aprofundado na doutrina nacional, de modo que as
principais referências teóricas para os autores pátrios se encontram no Direito alemão e,
sobretudo, no Direito português. No direito alemão o princípio é desenvolvido em torno
do conceito funcionalista de propriedade, estabelecendo que a proteção das posições
jurídico-subjetivas de natureza pública ocorreria através da garantia da propriedade –
servindo de influência para o autor Ingo Wolfgang Sarlet. Para Portugal, contudo, a
vedação de retrocesso significava uma proteção aos direitos adquiridos, sendo defeso ao
legislador subtrair de norma constitucional a exequibilidade que lhe foi conferida,
influenciando fortemente os estudos de José Afonso da Silva.
68
Delimitou-se a conceituação do princípio da proibição de retrocesso, pelo que
se entendeu como norma impeditiva da aniquilação ou diminuição da carga de
concretização normativa já alcançada por um direito fundamental social. Outrossim,
uma norma constitucional definidora de direito social que, ao atingir certo grau de
concretização por norma infraconstitucional, passa a integrar o próprio conteúdo da
norma constitucional, restará insuscetível de supressão, redução ou modificação
arbitrária (ou desproporcional) pelo legislador ordinário.
Ademais, descreveu-se o papel desse princípio como elemento significativo do
sistema garantista de direitos fundamentais dos trabalhadores, em consonância a busca
da maximização da eficácia dos direitos sociais em um Estado regido por uma
constituição claramente dirigente.
Procurou-se destacar a importância da Constituição Federal de 1988 para o
reconhecimento dos direitos dos trabalhadores como direitos fundamentais, na medida
em que se tratou da Constituição que mais agasalhou, expressamente em sua redação,
direitos sociais e, talvez com maior relevância, possibilitou uma abertura material em
seu texto para a acolhida de outros direitos que visem a melhoria da vida do obreiro.
Ainda restou sinalizada a fundamentalidade – formal e material – que permeia os
direitos fundamentais sociais, reconhecida pela maioria doutrinária do país.
Sobre a eficácia dos direitos sociais, por meio de estudo da matéria na doutrina,
foi asseverada a necessidade de imposição legiferante desses direitos para que venham a
exercer os seus efeitos principais de forma plena, diferentemente dos direitos que não
necessitam de prestação estatal (de liberdade).
Após, foi enfatizada a relação do princípio da proibição com Direito do
Trabalho, concluindo-se pela total compatibilidade entre o princípio e o ramo
trabalhista, conforme se extrai da doutrina, interpretação sistemática do ordenamento
jurídico e julgados.
Na esteira de Miguel Reali, buscou-se demonstrar que a jurisprudência
trabalhista é fonte normativa do Direito e constituiu um recurso desse ramo para a
criação de normas que venham a proteger os trabalhadores e, conforme o caso,
conceder a eficácia necessária aos direitos sociais constitucionais. Assim,
jurisprudência é aqui entendida como plenamente capaz de exercer o papel de
concretização das normas fundamentais, haja vista que a interpretação do princípio de
proibição, nesses termos, encontra-se em a consonância com o princípio da máxima
efetividade dos direitos fundamentais, estabelecido no §1° do art. 5° da CF/88.
69
As regras sobre duração do trabalho e intervalo são normas de segurança e
medicina conforme se depreende da jurisprudência dos tribunais brasileiros. Esse
entendimento jurisprudencial é consolidado em nosso país, ao reiterar diversas vezes
nas cortes que as normas sobre a duração do trabalho e sobre períodos destinados ao
descanso do empregado concretizam o direito do trabalhador à um ambiente de trabalho
livre de riscos, por caracterizarem-se normas de saúde, higiene e segurança do trabalho.
Determinar a prevalência de acordo ou convenção coletiva sobre essas normas significa
mitigar a concretização de direito constitucionalmente previsto.
Concluiu-se, por fim, que houve desrespeito ao princípio constitucional
implícito da proibição de retrocesso social, porque: 1) a jurisprudência nacional estatuiu
o entendimento de que as normas sobre duração do trabalho e intervalos são sim normas
de saúde, higiene e segurança; 2) ao fazer isso, ela deu maior efetividade ao direito
fundamental social dos trabalhadores a redução de riscos inerentes ao trabalho
determinado no inciso XXII do art. 7 da CF; 3) quando o parágrafo único do art. 611-B
da Lei n° 13.467/17 entrou em vigor, ele propôs-se a negar o entendimento que foi
consolidado na jurisprudência e, ao fazê-lo, inevitavelmente retirou o grau de
efetividade dado pela jurisprudência ao direito fundamental mencionado.
O parágrafo único do art. 611-B tem o propósito de permitir a flexibilização de
direitos indisponíveis e fundamentais dos trabalhadores e, com isso, ferir o princípio da
vedação de retrocesso social. Ele visa mascarar possíveis inconstitucionalidades
promovidas pela art. 612-A e, além disso, feri o inciso XXII do art. 7° e, em uma visão
mais ampla, retira a concretização do próprio direito geral à saúde.
70
REFERÊNCIAS
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Grande do Sul nº 56 – set/dez. 2005. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora,
2005.
BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: o
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o papel dos princípios do direito brasileiro. Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v.6,
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