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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE ODONTOLOGIA MESTRADO EM ODONTOLOGIA
EDMÁLIA COSTA BARRETO
AVALIAÇÃO IN VIVO DO REPARO DE DEFEITO ÓSSEO COM BIOMATERIAL DO TIPO MICROESFERAS
CERÂMICAS
Salvador 2006
1
EDMÁLIA COSTA BARRETO
AVALIAÇÃO IN VIVO DO REPARO DE DEFEITO ÓSSEO COM BIOMATERIAL DO TIPO MICROESFERAS
CERÂMICAS
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Odontologia da UFBA, área de concentração em Clínica Odontológica, como parte dos requisitos para a obtenção do Título de Mestre. Orientador: Profa. Dra. Fabiana Paim Rosa Co-Orientador: Prof. Dr. Aryon de Almeida Barbosa Júnior
Salvador 2006
2
B817 Barreto, Edmália Costa Avaliação in vivo do reparo de defeito ósseo com
biomaterial do tipo microesferas cerâmicas. Edmália Costa Barreto. Salvador, 2006. 103f. Il Orientadora: Profa. Dra. Fabiana Paim Rosa. Co-orientador: Prof. Dr. Aryon de Almeida Barbosa Júnior.
Dissertação (Mestrado em Odontologia Clínica) – Universidade Federal da Bahia, 2006.
1. Biomaterial 2. Microesfera cerâmica. 3. Defeito crítico 4. Hidroxiapatita 5. Regeneração óssea I. Rosa, Fabiana Paim (Orientador) II. Barbosa Júnior, Aryon de Almeida (Co-orientador). III. Universidade Federal da Bahia. IV. Título.
CDU – 616.314.2-002
3
Dedico este trabalho,
aos meus pais, que não estão presentes fisicamente neste mundo, mas
vivem no meu coração e, com certeza, estão muito orgulhosos pelo desenvolvimento
deste trabalho;
aos animais, que fizeram parte deste trabalho e que deram suas vidas
para o desenvolvimento da ciência e aprimoramento do saber.
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço, especialmente,
à Profa. Dra. Fabiana Paim Rosa, minha orientadora, por ter me
ensinado, desde o início, a sabedoria da paciência, da persistência e do saber fazer
pesquisa. Continue persistindo neste caminho. Aprendi muito com você!
ao Prof. Dr. Aryon de Almeida Barbosa Júnior, meu co-orientador,
pesquisador do Laboratório de Histopatologia do Centro de Pesquisa Gonçalo
Moniz, da Fundação Oswaldo Cruz, pela grandiosa colaboração com a descrição
das lâminas e na orientação deste trabalho;
ao Prof. Dr. Mário Barbosa e toda sua equipe do INEB-Portugal, pela
contribuição com o biomaterial utilizado neste trabalho e por toda a gentileza em
doar conhecimentos, adquiridos ao longo de anos de pesquisa, mostrando-se
sempre muito generosos. Em particular, agradeço à Profa Dra Cristina Ribeiro, pela
colaboração científica sobre o biomaterial e pela doce amizade que construímos ao
longo desse período;
aos funcionários do Biotério Central da UEFS-BA, em particular Cleóbula
e Júnior, que me deram total apoio no desenvolvimento da fase experimental desta
pesquisa. É muito bom encontrar pessoas que realizam o trabalho com amor e
dedicação e não medem esforços para ajudar o próximo. Adorei conhecer vocês!
5
Agradeço ainda,
aos meus grandes amigos e colegas, que foram e são grandes incentivadores neste
caminho: Márcia Brandão, Maria Olímpia e Luiz Rogério;
aos novos amigos, Fúlvio, Vítor, Isabela, Fabiana e Tatiana, pela grande
colaboração no desenvolvimento deste trabalho. Especialmente a Fúlvio, que me
acompanhou no início dos procedimentos cirúrgicos, e pude com ele compartilhar
aqueles nobres momentos;
aos colegas de mestrado, Rivail, Marta, Ana, Max, Luciano, Flávia, Fátima e Márcia
pelo convívio nesta jornada. Especialmente a Riva, pela ajuda na formatação e
leitura deste trabalho. Aprendi muito com vocês;
ao Grupo de Professores de Implante da UFBA, André Freitas, Luiz Rogério Duarte,
Robson Mendonça e Sergio Wendel, do curso de especialização em implante, pelo
incentivo ao meu caminho acadêmico;
ao Prof Dr. Urbino Tunes, um dos grandes responsáveis pelo início do meu caminho
acadêmico;
à Profa Dra Luciana Ramalho que, quando comecei, era a coordenadora deste
mestrado e ao Prof. Dr. Edmar Santana, atual coordenador;
aos professores e funcionários do programa de pós-graduação em Odontologia da
FOUFBA, pelo empenho e apoio neste mestrado;
a todos os amigos da ortodontia da FOUFBA, pelo incentivo, em particular à Profa
Dra Telma Martins, pela amizade e doação de um instrumental para este
experimento;
à Aída Gláucia e aos amigos do grupo de quarta-feira, por compartilharem o meu
caminhar nesta trilha;
6
às técnicas de laboratório, Cristina e Lucijane, pela preparação laboratorial deste
trabalho;
aos meus queridos irmãos, por existirem e permitirem que o amor seja a base das
nossas relações e por entenderem a minha ausência;
ao meu cunhado, Alfredo Gama, pela elaboração do “esquema 1”, neste trabalho;
às minhas funcionárias, Cida, Sueli e Ilza, pela ajuda e compreensão ao longo
desses anos;
à FAPESB, pelo apoio financeiro para a realização desta pesquisa;
à CAPES, pela bolsa de estudo concedida.
por fim, a todos que contribuíram e apoiaram, direta ou indiretamente, no
desenvolvimento deste trabalho.
7
E se, na verdade, não importa o que você faz e sim como você faz, seja
lá o que for?
Oriah Mountain Dreamer
8
RESUMO
O objetivo deste estudo foi analisar, histomorfologicamente, o reparo de defeito ósseo com a implantação de microesferas de hidroxiapatita (HA). Utilizaram-se 36 ratos, nos quais foi confeccionado, em calvária, um defeito ósseo com dimensões consideradas críticas para uma regeneração óssea espontânea. Para o Grupo I (controle), os defeitos foram mantidos preenchidos apenas com o coágulo, sem implantação de biomaterial. Para o Grupo II, os defeitos foram preenchidos com a implantação de microesferas de HA. Os espécimes de ambos os grupos foram avaliados nos pontos biológicos de 15, 45 e 90 dias pós-operatórios, e analisados por microscopia de luz. Concluiu-se que, nas condições experimentais utilizadas, as microesferas de HA foram biocompatíveis e somente osteocondutoras, quando localizadas próximas às bordas ósseas do defeito ou na região supra-dural, sendo, na maioria das vezes, envoltas por tecido fibroso. As microesferas de HA atuaram principalmente como material de preenchimento do defeito. Palavras-chave: Biomaterial; Microesfera cerâmica; Defeito crítico; Hidroxiapatita; Regeneração óssea.
9
ABSTRACT
The aim of this study was to make a histomorphological analysis of the in vivo repair process in critical bone defects in the rat calvaria. Thirty-six (36) transfixed bone defects of 8 mm diameter were made surgically in adult animals, distributed equally in two groups: G I without implant material (control) and GII implanted with hydroxyapatite ceramic microspheres (HA). The results were analyzed at the biological points of 15, 45 and 90 days, by optical microscopy. We concluded that HA microspheres, under these experimental conditions, are biocompatible and osteoconductive only at the bone edges of the defect or in the supra-dural region, and are encompassed mainly by dense, connective tissue. Thus, hydroxyapatite ceramic microspheres behaved as a suitable biomaterial for filling surgical wounds. Keywords: Biomaterial, Ceramic microsphere, Critical size, Hydroxyapatite, Bone regeneration
10
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Estrutura cristalina da hidroxiapatita 37
Figura 2 Preparação das microesferas de hidroxiapatita 47
Figura 3 (a) Imagem de MEV (ampliação 170X) de uma microesfera
sinterizada de hidroxiapatita. (b) Imagem de M0 (ampliação 57X)
de várias microesferas sinterizadas de HA
48
Figura 4 Imagem de MEV de uma zona de uma microesfera sinterizada de
HA evidenciando a existência de poros: a) ampliação 1000X, b)
ampliação 5000X
49
Figura 5 Incisão bicoronal na porção posterior da calvária. 51
Figura 6 Confecção do defeito com fresa trefina. 51
Figura 7 Defeito ósseo criado (diâmetro = 8,5mm). 52
Figura 8 Defeito preenchido com microesferas de HA. 53
Figura 9 Vista dorsal da área de seleção do fragmento.
Figura 10 Neoformação óssea restrita às bordas do defeito com presença de
matriz osteóide e osteoblastos (HE 400X).
57
Figura 11 Defeito preenchido por tecido fibroso de arranjo menos denso com
proliferação moderada de capilares sangüíneos (HE 40X).
57
Figura 12 Defeito preenchido por tecido fibroso de espessura delgada, com
arranjo menos denso (PIFG 40X)
58
Figura 13 Defeito preenchido por tecido fibroso de espessura delgada, de
aspecto mais denso (AA 40X).
59
11
Figura 14 Ossificação reparativa entre as microesferas próximas às bordas
do defeito, e com disposição supra-dural (HE 40X).
61
Figura 15 Microesferas deslocadas (à direita) da área de preenchimento do
defeito (HE 40X).
61
Figura 16 Osteoblastos presentes nas áreas de mineralização (HE 40X). 62
Figura 17 Tecido conjuntivo denso, com proliferação de fibroblastos, entre as
microesferas, com microfragmentos do material de permeio (HE
400X).
62
Figura 18 Fragmentação das microesferas. Há inflamação granulomatosa,
com células gigantes multinucleadas englobando partículas do
material (HE 400X).
63
Figura 19 Neoformação óssea entre as microesferas na região central supra-
dural, associada a inflamação granulomatosa conspícua (HE
200X).
63
Figura 20 Neoformação óssea adjacente à microesfera e presença de
estruturas fibrilares colagênicas no seu interior (PIFG 400X).
64
Figura 21 Área de mineralização entre as microesferas, próxima a região
supra-dural, de localização central. Notar a presença de
inflamação granulomatosa na superfície dos materiais, inclusive no
seu interior (AA 400X).
64
Figura 22 Neoformação óssea próxima às bordas do defeito, completamente
preenchido pelas microesferas (HE 20X).
66
Figura 23 Material disposto em múltiplas camadas em toda a extensão do
defeito com tecido fibroso de permeio (HE 40X).
66
12
Figura 24 Focos de mineralização entre as microesferas. Partículas
fragmentadas presentes entre o tecido fibroso e em células
gigantes multinucleadas (HE 200X).
67
Figura 25 Múltiplas áreas de mineralização entre as microesferas (HE 200X). 67
Figura 26 Áreas confluentes de mineralização (PIFG 400X). 68
Figura 27 Núcleo de mineralização com GAGs entre as microesferas (AA
400X).
68
Figura 28 Defeito preenchido em toda a sua extensão pelas microesferas
(HE 20X).
70
Figura 29 Neoformação óssea lamelar reparativa nas bordas ósseas do
defeito (HE 40X).
70
Figura 30 Área central do defeito preenchido pelo material implantado. Notar
a presença de veia central sub-dural (HE 40X).
71
Figura 31 Capilares neoformados no interstício formado pela intersecção das
microesferas no defeito. Observar reação granulomatosa muito
discreta na superfície dos materiais em contato com tecido
conjuntivo frouxo, contrastando com a sua ausência na região
adjacente ao tecido fibroso (HE 400X).
71
Figura 32 Reação granulomatosa circundando completamente as
microesferas. Presença de material eosinofílico, semelhante à
matriz osteóide, envolvendo parcialmente a microesfera central
(HE 200X).
72
Figura 33 Fragmentos do material entre o tecido fibroso e também contidos
em matriz osteóide (HE 400X).
72
13
Figura 34 Mineralização confluente entre os materiais. Microesferas com
permeação de material fibrilar colagênico (PIFG 200X).
73
Figura 35 Fibras colágenas circundando e permeando centripetamente as
esferas (PIFG 100X).
73
Figura 36 Fibrose mais adensada na região subcutânea de recobrimento do
defeito, sem reação granulomatosa e sem atividade osteogênica,
com presença de capilares neoformados entre as microesferas
(HE 200X).
74
14
LISTA DE QUADROS E TABELAS
Quadro 1 Número de animais de acordo com os grupos e pontos biológicos
(dias)
15
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AA Azul de alciano
BCP Bifasic calcium phosphate = fosfato de cálcio bifásico
BMP Bone Morphogenetic Protein = proteína óssea morfogenética
CTP Calcium Titanium Phosphate = fosfato de cálcio e titânio
DFDBA Demineralized Freeze-Dried Bone Allograft = osso liofilizado
desmineralizado congelado seco
ePTFE Expanded Polytetrafluorethylene = politetrafluoretileno expandido
FGF Fibroblast Growth Factor = fator de crescimento de fibroblasto
GAGs Glicosaminoglicanos
HA Hidroxiapatita
HE Hematoxilina eosina
MEC Matriz extracelular
MEV Microscopia eletrônica de varredura
OP Osteogenic protein = proteína osteogênica
PDGF Platelet-derived growth factor = fator de crescimento derivado de
plaquetas
PIFG Picrossírius vermelho
Rpm Rotação por minuto
TCP Tricalcium Phosphate = fosfato tricalcio
TGF-β Transforming growth factor beta = fator de crescimento
transformador beta
16
UEFS-BA Universidade Estadual de Feira de Santana - BA
VEGF Vascular Endotelial Growth Factor = fator de crescimento
endotelial vascular
µm Micrometro
17
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 19
2 REVISÃO DA LITERATURA 22
2.1 Tecido ósseo e a Bioengenharia Tecidual 22
2.2 Biomateriais 33
2.2.1 Tipos de biomateriais 35
2.2.1.1 Biocerâmicas 36
2.2.1.2 Biocerâmicas de Fosfato de Cálcio 37
1.2.1.3 Microesferas cerâmicas de fosfato de cálcio 44
3 OBJETIVOS 46
3.1 Geral 46
3.2 Específico 46
4 METODOLOGIA 47
4.1 Modelo animal 47
4.2 Procedimentos 48
4.2.1 Preparação das microesferas 48
4.2.2 Caracterização das microesferas 49
4.2.3 Esterilização do biomaterial 51
4.2.4 Procedimento cirúrgico 51
4.2.4.1 Preenchimento dos defeitos 54
4.2.6 Obtenção das peças e clivagem 55
4.2.7 Processamento laboratorial 57
5 RESULTADOS 58
6 DISCUSSÃO 77
19
1 INTRODUÇÃO
Em condições fisiológicas, o tecido ósseo apresenta um grande potencial
regenerativo. Entretanto, em determinadas situações limitantes a este potencial
regenerativo, como em algumas desordens sistêmicas que interferem no
metabolismo ósseo, ou em defeitos ósseos com dimensões consideradas críticas ao
seu reparo espontâneo, decorrentes de traumas, seqüelas pós neoplásicas,
infecções e anomalias de desenvolvimento, a tendência é que ocorra um reparo por
tecido fibroso, dificultando ou mesmo impossibilitando a regeneração do tecido
ósseo (SEAL; OTERO; PANITCH, 2001; THOMSON et al., 1995).
Para o reparo desses defeitos são utilizados alguns tipos de enxertos,
como: os autógenos, os homógenos, os heterógenos e os aloplásticos ou
biomateriais (BERNARD, 1991). Entretanto, todo tipo de enxerto apresenta
vantagens e desvantagens quanto a sua indicação. O enxerto ósseo autógeno é o
de primeira escolha devido ao seu potencial osteogênico já bem definido, embora
existam os aspectos desfavoráveis para esta indicação, tais como: dificuldade de
obtenção em quantidades maiores, morbidade cirúrgica do sítio doador, expondo o
indivíduo a riscos, como hemorragia, danos ao tecido nervoso e infecções, custo
financeiro adicional e internação hospitalar (BEGLEY et al., 1995; CHAN et al., 2002;
20
LANE; SANDHU, 1987; LEE et al., 2000; LEONETTI; RAMBO; THRONDSON, 2000;
MARDEN et al., 1994; ONG et al., 1998; WU et al., 2004; YAKAMOTO; LUZ;
ARAÚJO, 1994).
Os biomateriais são uma das alternativas aos enxertos autógenos. Estes
são substâncias de origem natural ou sintética, com excessão de fármacos e
quimioterápicos, biocompatíveis, que podem substituir, de forma transitória ou
permanente, diversos tecidos, estimulando reações químicas e biológicas favoráveis
à sua função (CARVALHO; BASSI; VIOLIN, 2004; GURGEL, 2000; SANTOS, 2002;
VALLET-REGÍ, 1997).
Para tanto, a Bioengenharia Óssea tem possibilitado melhorias na
preparação e composição físico-química dos biomateriais já utilizados, bem como o
desenvolvimento de novas técnicas e/ou materiais para o reparo de defeitos ósseos
(THOMSON et al., 1995).
Dentre os vários tipos de biomateriais sintéticos projetados para a
regeneração óssea, incluem-se os metais, polímeros e cerâmicas (VALLET-REGÍ,
1997). Várias cerâmicas de fosfato de cálcio são consideradas biocompatíveis e têm
merecido destaque por não apresentarem toxicidade local ou sistêmica. Destas, a de
hidroxiapatita (HA) é a mais estudada, por ser muito semelhante ao principal
componente presente na fase mineral do tecido ósseo (KAWACHI et al., 2000; LIU
et al., 2000; SCHNETTLER et al., 2004) e por suas características de
biocompatibilidade e osteocondução (HSU et al., 2005; KAWACHI et al., 2000;
SANDEEP et al., 2006).
A forma e a porosidade das cerâmicas porosas de HA têm uma influência
direta na formação óssea (KOMLEV; BARINOV, 2002; RIPAMONTI, 2000). Elas
atuam como uma matriz tridimensional para a proliferação e diferenciação celular,
21
seguidas de um crescimento ósseo interno através dos seus poros. Atualmente,
têm-se pesquisado novas formas dessas cerâmicas, como por exemplo, a esférica,
constituída de micro ou nano partículas, para serem utilizadas como formulações
injetáveis em defeitos ósseos, o que caracteriza uma terapêutica menos invasiva.
Além disso, estas microesferas podem estar associadas a agentes terapêuticos,
para potencializar a regeneração local (RIBEIRO; BARRIAS; BARBOSA, 2004;
SIVAKUMAR; MANJUBALA; PANDURANGA RAO, 2002; TEMENOFF; LU; MIKOS,
2000; WILLI; NESAMONY; SHARMA, 2002; WU et al., 2004).
Diante do potencial promissor da utilização de microesferas de HA na
bioengenharia óssea, é premente se avaliar o comportamento biológico deste
biomaterial na regeneração de defeitos ósseos com dimensões críticas.
22
2 REVISÃO DA LITERATURA
2.1 TECIDO ÓSSEO E A BIOENGENHARIA TECIDUAL
A Bioengenharia Óssea é uma área da saúde, de atuação interdisciplinar,
promissora, que aplica princípios da Engenharia, da Química, da Física e das
Ciências Biológicas para o desenvolvimento de substitutos ósseos, associados ou
não a células e fatores de crescimento, que possibilitam restaurar e melhorar as
funções teciduais (JONES et al., 2004; SHALAK; FOX, 1988). Os elementos
necessários à aplicação dos princípios da Bioengenharia Óssea são as células,
dentre elas as células-tronco e as de linhagem osteoblástica, assim como as
moléculas sinalizadoras, a exemplo dos fatores de crescimento polipeptídicos e das
proteínas de adesão. Tais elementos devem estar associados a uma biomatriz
como: colágeno, osso, minerais, polímeros, dentre outros (UEDA et al., 2000;
VASCONCELOS et al., 2003; WILLIAMS, 1985).
A biomatriz deve se apresentar como uma estrutura tridimensional porosa
e interconectada, para possibilitar migração, inserção, adesão, proliferação e
diferenciação celulares (JONES et al., 2004; TEMENOFF; LU; MIKOS, 2000) e atuar
como carreador biocompatível de fatores solúveis e insolúveis que modulem a
função celular local (ISHAUG et al., 1997; THOMSON et al., 1995). A biomatriz deve
ainda ser bioabsorvível por meio de degradação controlada, favorecer a síntese da
23
matriz extracelular (MEC) e possuir propriedades mecânicas para se assemelhar (ou
suportar) àquelas do sítio de implantação (JONES et al., 2004), mimetizando, desta
forma, o tecido ósseo.
O osso é um tecido conjuntivo especializado, mineralizado, constituído em
grande parte por um componente inorgânico representado, em sua maioria, por
fosfato de cálcio sob a forma de cristais de hidroxiapatita (HA). Em menor proporção,
apresenta uma matriz orgânica formada predominantemente por colágeno tipo I,
associado às proteínas não colagênicas, incluindo osteonectina, osteocalcina,
proteína óssea morfogenética (BMP), proteoglicanas e sialoproteínas ósseas
(ANSELME, 2000; SEAL; OTERO; PANITCH, 2001). O osso tem como principais
funções apoiar e proteger os órgãos vitais e a medula óssea, propiciar inserção e
suporte muscular e comportar-se como reserva metabólica de íons, principalmente
de cálcio e fosfato (KATCHBURIAN; ARANA, 1999; MEGHJI, 1992).
Em relação à sua composição celular, podem ser observados quatro tipos
principais de células, as osteoprogenitoras, os osteoblastos, os osteócitos e os
osteoclastos. As osteoprogenitoras estão presentes na medula óssea, no periósteo e
no endósteo. Quando induzidas, diferenciam-se em osteoblastos, responsáveis pela
síntese de matriz osteóide, que posteriormente será mineralizada, formando assim o
tecido ósseo. Os osteoblastos aprisionados na matriz óssea, denominados
osteócitos, são indispensáveis na manutenção da homeostase óssea (AUBIN,
2000). Os osteoclastos são células derivadas da linhagem monocítica-fagocitária e
estão envolvidas na remodelação tecidual por meio da reabsorção óssea (AL-
SAFFAR; REVELL, 2000).
Do ponto de vista macroscópico, os ossos são classificados em longos ou
chatos. Entre os longos estão a fíbula, o fêmur e a tíbia. São exemplos de ossos
24
chatos, os do crânio, o esterno, a escápula e a pelve. De acordo com a arquitetura
interna, o osso pode ser compacto ou esponjoso e, com base em seu grau evolutivo,
primário, secundário ou lamelar (KATCHBURIAN; ARANA, 1999).
O osso maduro, tanto do tipo compacto quanto do trabecular, é
histologicamente idêntico por ser constituído de camadas ou lamelas microscópicas,
as quais, no osso compacto, estão densamente arranjadas (YASZEMSKI et al.,
2000). Esses dois tipos de tecido ósseo ocorrem em distintos locais do esqueleto
axial e apendicular, têm funções biológicas e propriedades mecânicas diferentes. As
funções mecânicas do osso trabecular estão relacionadas principalmente às forças
compressivas e às biológicas, com o alojamento da medula e de seus elementos
hematopoiéticos. O osso compacto suporta cargas de compressão, tensão e torção.
Ambos os tipos são reservatórios de elementos como cálcio e fósforo, cujas
concentrações séricas são altamente controladas. Por isso são constantes as
mudanças entre o fluido tissular e o tecido ósseo (YASZEMSKI et al., 2000).
Duas membranas revestem os ossos. O periósteo e o endósteo. O
primeiro, externo, é uma membrana de tecido conjuntivo osteogênico e consiste de
duas camadas, sendo que a camada interna, próxima ao osso, é rica em células e
vasos, enquanto a externa é mais fibrosa. Internamente, o osso compacto e o
esponjoso são revestidos e separados da medula óssea pelo endósteo. Este se
constitui de uma camada contínua e geralmente única de osteoblastos ou células de
revestimento ósseo. Geralmente apresenta mais atividade que o periósteo e, na
maioria das vezes, as células que revestem o osso exercem funções de formação
óssea, encontrando-se, portanto, diferenciadas em osteoblastos.
Estas membranas têm um papel fundamental na regeneração óssea. O
periósteo tem sido apontado como fonte de células-tronco mesenquimais
25
osteogênicas e como promotor de reparo espontâneo em ossos longos (HOLY et al.,
2000).
O desenvolvimento e o reparo do tecido ósseo se processam por dois
mecanismos distintos: ossificação endocondral, que ocorre sobre uma matriz
cartilaginosa prévia. Após a morte dos condrócitos, por apoptose, ocorrem as
diferenciações dos brotos vasculares e das células mesenquimais indiferenciadas
em osteoblastos, formando a matriz orgânica que posteriormente será calcificada.
Este processo acontece nas metáfises e epífises de todos os ossos longos, nas
vértebras e nas costelas, bem como no côndilo da mandíbula e na base do crânio. O
outro processo é a ossificação intramembranosa, que ocorre no interior de uma
membrana conjuntiva, onde as células mesenquimais se diferenciam em
osteoblastos, iniciando a formação óssea. Este tipo ocorre nos ossos da calota
craniana (frontal, parietal, parte do occipital e as porções timpânica e escamosa do
temporal), na maxila, no corpo e parte do ramo da mandíbula, em parte do
esfenóide, além da clavícula e das diáfises dos ossos longos (KATCHBURIAN;
ARANA, 1999; MEGHJI, 1992; STREET et al. 2002).
O tecido ósseo apresenta crescimento e remodelação durante toda a vida
do organismo. A sua remodelação fisiológica é um processo complexo, que resulta
em reabsorção e neoformação óssea, garantindo à massa configuração e
propriedades inerentes ao tecido (LIEBSCHNER, 2004). A homeostase deste tecido
é controlada sistemicamente por fatores hormonais e localmente por forças
mecânicas, fatores de crescimento e citocinas (SODECK; CHEIFETZ, 2000). No
remodelamento ósseo a população de células osteogênicas é derivada de células
perivasculares, que migram para o local através do tecido conjuntivo perivascular
primitivo. Diferentemente, em um reparo de ferida, em fratura óssea ou na utilização
26
de enxertos, a população celular é derivada da medula, incluindo pericitos
vasculares, células do estroma, células-tronco mesenquimais e, em menor grau, os
osteócitos e osteoblastos das superfícies ósseas existentes. Neste caso, as células
migram através de um arcabouço temporário formado, pelo extravasamento e pela
coagulação sanguíneos (DAVIES; HOSSEINI, 2000).
O reparo ósseo requer o desenvolvimento de um sistema vascular para
sinalizar a liberação de oxigênio e nutrientes para a área lesada. Este processo de
indução vascular é denominado de angiogênese e é um componente fundamental
para o reparo tecidual. É regulado por sinais moleculares mediado por fatores de
crescimento como o fator de crescimento endotelial vascular (VEGF), o fator de
crescimento de fibroblastos (FGF), o fator de crescimento transformador beta (TGF-
β) e o fator de crescimento derivado de plaqueta (PDGF) (LAKEY; AKELLA;
RANIERI, 2000). Pode ainda promover, temporariamente, um fluxo regulado de
população celular capaz de expressar o fenótipo osteogênico (RIPAMONTI, 2000). A
vascularização insuficiente é um dos maiores problemas encontrados durante o
reparo de defeitos ósseos com dimensões críticas, resultando em formação de
tecido fibroso. Além do pobre suprimento sangüíneo, outros fatores de risco
impedem a regeneração óssea, dentre eles, a interposição de tecido mole ou osso
necrótico entre os fragmentos ósseos, a inadequada imobilização, a infecção, o uso
de drogas como corticosteróides e nicotina, a idade avançada e as desordens
sistêmicas como diabetes ou doenças nutricionais (CARANO; FILVAROFF, 2003).
O osso é um dos poucos tecidos de mamíferos com grande potencial
regenerativo e em grande parte isso se deve à habilidade dos fatores de
crescimento em direcionar as células-tronco para as vias condrogênica e
osteogênica e ao papel das forças mecânicas que estimulam a remodelação óssea
27
(SICCA et al., 2000). Alguns fatores limitam este potencial, são eles: as doenças
sistêmicas degenerativas, as ressecções cirúrgicas decorrentes de neoplasias
malignas e as lesões traumáticas extensas. No entanto, nas últimas décadas, os
avanços técnico-científicos têm possibilitado melhorias dos biomateriais já utilizados,
bem como o desenvolvimento de novas técnicas e/ou materiais para o reparo destas
lesões (THOMSON et al., 1995).
A Bioengenharia Óssea vem desenvolvendo materiais para testar, em
modelos de defeitos ósseos in vivo, o potencial de cicatrização e a regeneração
óssea. Estes defeitos, definidos como de tamanho crítico, devem apresentar
determinadas características morfológicas de extensão e largura que impeçam a
regeneração espontânea. Conceitualmente, são os menores defeitos ósseos que
não possuem a capacidade de se regenerar espontaneamente durante a vida do
animal, a não ser que algum tipo de enxerto com capacidade osteogênica seja
implantado (SCHMITZ; HOLLINGER, 1986; TAKAGI; URIST, 1982). Para tanto, têm-
se discutido vastamente na literatura qual o modelo animal ideal para avaliar e
comparar diversos materiais utilizados para regeneração óssea. Modelos animais
apresentam melhor propriedade reparadora quando comparados aos humanos.
Portanto, deve-se tomar cuidado para não extrapolar resultados encontrados nestes
modelos, para humanos, de maneira diretamente proporcional. A espécie e o tipo do
animal, sua idade, localização anatômica do defeito ósseo, tipo de osso, presença
ou ausência do periósteo ou da dura-máter são importantes na escolha deste
modelo (BOSCH; MELSEN; VARGERVIK, 1998; LeGUEHENNEC et al., 2005).
Para se avaliar o potencial regenerativo destes biomateriais e/ou técnicas,
necessita-se que o modelo experimental e suas variações, como métodos cirúrgicos,
sítios de implantação e espécies animais, estejam bem consolidados. Além disso,
28
deve-se conhecer intrinsecamente o tecido no qual ocorrerá implementação da
bioengenharia tecidual, pois, de acordo com o sítio de implantação, como em várias
arquiteturas ósseas corticais e trabeculares, em que o estresse mecânico é
diferente, podem-se esperar resultados de diferentes reparos ósseos e
remodelamento. Dessa forma, é importante testar novos materiais em diferentes
sítios ósseos de vários espécimes de animais, como ratos, coelhos, cães, ovelhas e
cabras, para se obter resultados mais detalhados e, assim, tirar conclusões mais
assertivas quanto à indicação do material pesquisado (LeGUEHENNEC et al., 2005).
A calvária é um sítio de escolha para avaliação da capacidade
osteogênica de biomateriais, pois se trata de uma região anatômica pobre em
suprimento sangüíneo e osso medular, o que dificulta a regeneração óssea.
Anatomicamente, a calvária consiste de duas placas corticais paralelas, separadas
por pequena quantidade de tecido ósseo trabecular. Em contraste com muitos ossos
longos que contêm uma artéria nutriente primária, os ossos cranianos recebem
suprimento sangüíneo de arteríolas, provenientes da artéria dural e de outras
superfícies adjacentes como o músculo temporal (SCHMITZ; HOLLINGER, 1986).
Takagi e Urist (1982) criaram defeitos cirúrgicos, com diâmetro de 8mm na
calvária de ratos adultos com seis meses de idade, para avaliar o potencial de
regeneração óssea das proteínas ósseas morfogenéticas (BMPs). Os sítios que não
receberam o material (controle) foram reduzidos para 5mm em quatro semanas,
ficando um tecido conjuntivo fibroso denso no centro do defeito, no período de
quatro a doze semanas. Nos defeitos preenchidos com BMPs houve substituição do
material por novo tecido ósseo ao final de doze semanas. Nesse trabalho, os
autores identificaram, também, a participação da duramáter na regeneração óssea
nos defeitos que receberam a BMP. Com a intenção de excluir a duramáter do
29
defeito criado, foram implantadas membranas de acetato de celulose no grupo
controle e no grupo que recebeu a BMP. Nesse último grupo, houve uma indução
transmembrana de formação óssea abaixo da membrana, em duas semanas, e
acima desta formou-se um tecido condrosteóide em torno de sete dias após a
cirurgia.
A escolha de animais adultos para este modelo é muito importante, pois a
calvária destes animais tem uma limitada fonte de precursores de osteoblastos e
estes são recrutados das bordas ósseas remanescentes e do tecido conjuntivo dural
perivascular, para que a regeneração óssea seja completa na presença de materiais
osteogênicos. Conseqüentemente, somente o animal adulto seria o melhor modelo
para avaliar o potencial regenerativo de qualquer tipo de material (TAKAGI; URIST,
1982).
Bosch, Melsen e Vargervik (1998) desenvolveram um estudo com defeitos
de 5mm criados em calvária de rato, para avaliar se eles correspondem à
classificação de defeitos de tamanho crítico. Foram criados dois defeitos de 5mm
nos ossos parietais de ratos adultos, sendo um controle e o outro teste, utilizando-se
os seguintes biomateriais: membrana de politetrafluoretileno expandida (ePTFE),
membrana de colágeno, matriz óssea desmineralizada, HA e blocos ósseos, com o
objetivo de avaliar o potencial regenerativo. Exames macroscópicos e histológicos
foram realizados até o período de um ano. Os sítios controles apresentavam-se
flexíveis à palpação e os sítios testes com uma consistência dura. Histologicamente,
nenhum sítio controle demonstrou qualquer sinal de regeneração óssea no período
de seis meses a um ano do pós-operatório. Concluíram que este é um modelo
adequado para avaliação de regeneração óssea, preenchendo os requisitos do
defeito com dimensões críticas.
30
Schmitz et al. (1990) analisaram, por microscopia de luz e eletrônica, o
reparo ósseo de defeitos com dimensões de 3, 4 e 8mm de diâmetros, criados em
calvária de ratos adultos. Os defeitos de 8mm de diâmetro foram analisados após a
morte dos animais, nos períodos de 1, 3, 7, 10, 14, 21 28 e 42 dias, enquanto que os
de 3 e 4mm foram analisados em 28 dias, visando assegurar a máxima resposta
reparadora. Os resultados mostraram que a capacidade regenerativa dos defeitos na
calvária de rato é dependente de suas dimensões. Os defeitos de 3 e 4mm possuem
melhor capacidade regenerativa, com evidências de ilhotas ósseas em toda a sua
extensão. Por outro lado, defeitos de 8mm não se regeneram espontaneamente,
apresentando um reparo por tecido conjuntivo fibroso.
Baseados nos resultados histomorfológicos, os autores caracterizaram o
reparo dos defeitos de 8mm em três fases, designadas como: inflamatória,
estabelecida e de maturação. A fase inflamatória corresponde aos dez primeiros
dias pós-operatórios, onde se observaram agregado de fibrina e plaquetas
precursoras da formação do coágulo sangüíneo, e ainda sinais de neutrófilos sendo
substituídos lentamente por células semelhantes a fibroblastos. A fase estabelecida,
que ocorreu no período de dez a 21 dias, caracterizou-se pela diminuição do
hematoma presente anteriormente, com áreas ativas de fibroblastos dispostos em
arranjos de fibras do tipo colágeno. Capilares e pequenas arteríolas foram
observados dentro da matriz intercelular. Ocasionalmente, foram vistas ilhotas
ósseas na região periférica do defeito, enquanto que, na região central, não se
evidenciaram cristais de HA nas vesículas da matriz, nem entre a formação do
colágeno. A fase de maturação iniciou-se aos 21 dias, com a presença de
fibroblastos inativos e tecido conjuntivo fibroso, tanto na região central quanto na
área periférica do defeito, caracterizando um tecido cicatricial maduro. Com 42 dias,
31
a maturação do tecido apresentava um denso arranjo de fibras colágenas, altamente
organizado, presente em todo o defeito (SCHMITZ et al., 1990).
Vários enxertos são utilizados para o preenchimento de defeitos ósseos e
são classificados como: autógenos, homógenos ou alógenos, heterógenos ou
xenógenos e aloplásticos (BERNARD, 1991). Os enxertos autógenos,
transplantados de uma área doadora para outra receptora de um mesmo indivíduo,
são considerados como padrão de excelência na reparação óssea. A área doadora
pode ser selecionada de acordo com o tipo e o volume de osso desejado, podendo
conter osso cortical e córtico-medular. Os sítios doadores mais utilizados são: a
crista ilíaca, a mandíbula, o túber maxilar, a costela, a tíbia e a fíbula (LEKHOLM et
al., 1999). Embora considerada padrão-ouro como enxerto, essa técnica implica em
uma intervenção cirúrgica adicional, que está associada à morbidade (BEGLEY et
al., 1995; CHAN et al., 2002; LANE; SANDHU,1987; LEE et al., 2000; LEONETTI et
al., 2000; MARDEN et al., 1994; ONG et al., 1998; WU et al., 2004; YAKAMOTO;
LUZ; ARAÚJO, 1994).
Os enxertos homógenos ou alógenos são obtidos de indivíduos da mesma
espécie, porém geneticamente diferentes. Possíveis efeitos adversos, relacionados
à antigenicidade e à possibilidade de transmissão de doenças infecto-contagiosas,
são reduzidos pelos processos de liofilização, congelamento, radiação e agentes
químicos (MISCH; DIETSH,1993; QUATTELBAUM; MELLONING; HENSEL, 1988).
Estudos sugerem que a desmineralização desse enxerto expõe BMPs, atuando
como um material com potencial osteoindutor (MISCH; DIETSH, 1993; TAKAGI;
URIST, 1982).
32
Os enxertos heterógenos ou xenógenos são obtidos de um doador e
implantados em um leito receptor de indivíduos de espécies diferentes. Os mais
utilizados são os de origem bovina (LeGEROS, 1990).
Outra opção como enxertos ósseos são os materiais aloplásticos ou
biomateriais, que são sintéticos ou naturais, produzidos ou manipulados em
laboratório (LeGEROS, 2002).
2.2 BIOMATERIAIS
Os biomaterias são definidos como compostos ou substâncias de origem
natural ou sintética, com excessão dos fármacos e quimioterápicos, biocompatíveis,
que podem substituir, de forma transitória ou permanente, diversos tecidos que
constituem os órgãos dos seres vivos, estimulando reações químicas e biológicas
favoráveis à função deles (CARVALHO; BASSI; VIOLIN, 2004; GURGEL, 2000;
SANTOS, 2002; VALLET-REGÍ, 1997).
A biocompatibilidade é uma propriedade imprescindível a um biomaterial
e pode ser definida como a habilidade de um material desempenhar uma resposta
tecidual apropriada em uma aplicação específica (GURGEL, 2000; MISCH, 2004),
ou seja, com a ausência ou mínima presença de linfócitos e plasmócitos, ausência
de polimorfonucleares e mínima presença de células gigantes, em avaliações que
duram de duas a doze semanas (STANFORD, 1980). Portanto, os biomateriais
deverão ser atóxicos, não carcinogênicos, induzirem mínima resposta inflamatória, e
ainda ser química e fisicamente projetados para exercerem suas funções
(biofuncionalidade), apresentarem estabilidade mecânica adequada e também
fabricação, acesso e custo acessíveis (PARK, 1984). Estas propriedades, somadas
à forma de apresentação, como esferas, membrana, matriz, esponja, gel, pó e,
33
particularmente, na conformação de uma matriz tridimensional, favorecem a adesão,
a inserção, a proliferação e a diferenciação celular (VASCONCELOS et al., 2003;
WILLIAMS, 1985).
Os biomateriais podem ser classificados, de acordo com o
comportamento fisiológico, em biotoleráveis, bioinertes e bioativos. São biotoleráveis
quando os tecidos adjacentes os isolam por meio da formação de uma camada
envoltória de tecido fibroso, induzida pela liberação de compostos químicos, íons,
produtos de corrosão e outros liberados pelo material implantado. Bioinertes, quando
muito pouco ou nenhuma resposta tecidual se apresenta por serem quimicamente
muito estáveis, todavia, este termo é inadequado, já que todo material induz algum
tipo de resposta do tecido hospedeiro, mesmo que seja mínima. E os bioativos,
quando ocorrem reações de natureza química na interface entre o material e o
tecido ósseo (KAWACHI et al., 2000; VALLET-REGÍ, 1997).
Em relação à sua composição, os biomateriais podem ser classificados
como biomédicos (CARVALHO; BASSI; VIOLIN, 2004), de origem artificial, a
exemplo de metal, cerâmica, polímero, dentre outros e de origem natural ou
biológica, como colágeno, elastina, cerâmica, dentre outros (VALLET-REGÍ, 1997).
De acordo com sua porosidade, em microporoso ou denso e macroporoso; em
relação à sua cristalinidade, em amorfos e cristalinos e quanto à solubilidade, em
absorvíveis e não-absorvíveis (GARG, 1999).
As propriedades físicas, químicas e biológicas dos biomateriais têm
influência importante na função, na velocidade e extensão do processo de absorção
destes (BURG; PORTER; KELLAM, 2000; OONISHI et al., 1997). A forma, a
porosidade, a cristalinidade e a área de superfície específica são propriedades
físicas, enquanto que a composição química, a substituição iônica e as impurezas
34
constituem as propriedades químicas dos biomateriais. A proliferação dos
osteoblastos e a adsorção de proteínas são sensíveis às suas propriedades físico-
químicas (YANG; DENNISON; ONG, 2005).
Os biomateriais podem atuar no reparo ósseo por meio de
osteocondução, osteoestimulação ou osteoindução. A osteocondução possibilita a
angiogênese e o crescimento de células ósseas, a partir de células
osteoprogenitoras do leito receptor, pela superfície do material enxertado, dando
origem a osteoblastos responsáveis pela neoformação óssea no local. A
osteoestimulação promove o crescimento ósseo pela transferência de osteoblastos
juntamente com o enxerto ou pela estimulação dos osteoblastos existentes no sítio
receptor. Os enxertos ósseos autógenos intra e extra-bucais são exemplos. A
osteoindução promove a diferenciação de células-tronco mesenquimais
perivasculares em osteoprogenitoras, sob o estímulo de uma ou mais substâncias
indutoras liberadas pela matriz óssea do enxerto, como as BMPs (CARVALHO;
BASSI; VIOLIN, 2004; LANE, 1995; MISCH; DIETSH, 1993; URIST et al., 1997).
Os biomateriais podem ser indicados como enxerto ósseo na área
médica, para a reconstrução de defeitos decorrentes de doenças como osteoporose,
neoplasmas e traumas, a exemplo dos provenientes de acidentes automobilísticos
que afetam cada vez mais pessoas jovens (KAWACHI et al., 2000). Na odontologia,
para aumento de rebordos alveolares atróficos e no preenchimento dos alvéolos de
dentes extraídos para preservar a altura e a espessura óssea do rebordo alveolar
(CARVALHO; BASSI; VIOLIN, 2004). Em cerca de 10% de todas as grandes
reconstruções cirúrgicas de defeitos ósseos, causados por problemas congênitos,
traumas ou doenças, são necessários materiais substitutos ósseos (SCHNETTLER
et al., 2004). A escolha do biomaterial vai depender da indicação cirúrgica,
35
principalmente em relação à localização e ao tamanho do defeito ósseo
(COSTANTINO et al., 1991; MUNTING; MIRTCHI; LEMAITRE, 1993). Quando se
deseja regeneração, o enxerto deve se comportar como uma matriz tridimensional
ou arcabouço, para que as células osteoprogenitoras possibilitem o crescimento de
novo osso para dentro deste. Ao mesmo tempo em que ele é absorvido ou
dissolvido, a regeneração ocorre, o que resulta no remodelamento ósseo (LU;
CURRIER; YASZEMSKI; 2000). O enxerto deve possuir também as seguintes
características: ser altamente poroso, com uma rede interconectada de poros, para
possibilitar o crescimento celular, angiogênese e transporte de nutrientes; ser
biocompatível e bioabsorvível, com processos controlados de degradação e
absorção, permitindo dessa forma a substituição pelo tecido; possuir características
químicas adequadas em sua superfície para adesão, proliferação e diferenciação
celular; e apresentar propriedades mecânicas semelhantes àquelas dos tecidos do
local de implantação (THOMSON et al., 1995).
Quando o objetivo for somente o preenchimento do defeito, sem requerer
a regeneração do tecido ósseo, o biomaterial deve apresentar propriedades físicas e
mecânicas apropriadas, assim como biocompatibilidade, estabilidade, fácil
manipulação clínica e capacidade de se incorporar ao tecido ósseo (WILLIAMS,
1985).
2.2.1 Tipos de biomateriais
Nos últimos 20 anos, os biomateriais tiveram um significante avanço no
campo dos substitutos ósseos (SANDEEP et al., 2006) e dentre os sintéticos mais
pesquisados, incluem-se os metais, os polímeros compósitos, as cerâmicas e os
vidros (KAWACHI et al., 2000; VALLET-REGÍ, 1997). Neste contexto, as cerâmicas
36
têm recebido especial atenção dos pesquisadores devido à sua propriedade de
biocompatibilidade, fato que as denomina de biocerâmicas.
2.2.1.1 Biocerâmicas
Os materiais cerâmicos são utilizados como biomateriais há mais de um
século. Um dos primeiros foi o gesso (CaSO4.1/2H2O), empregado como possível
substituto ósseo. Como ele apresenta uma resistência mecânica muito baixa e a
absorção pelo organismo é completa e rápida, a sua utilização foi praticamente
excluída como biocerâmica implantável (KAWACHI et al., 2000). A partir da década
de 1970, as cerâmicas obtiveram um uso mais intenso devido às propriedades de
biocompatibilidade e bioatividade, que as classificam como biocerâmicas, sendo
então definidas como biomateriais capazes de provocar reações de formação
tecidual e, se possível, com uma ligação de natureza química entre eles e os tecidos
adjacentes (KAWACHI et al., 2000; SANTOS, 2002; VALLET-REGÍ, 1997).
A primeira biocerâmica utilizada nesse período foi a alumina densa,
considerada bioinerte. Devido à boa biocompatibilidade e elevada resistência
mecânica deste material, seu uso ainda é corriqueiro até hoje em próteses
ortopédicas, que exijam esforços elevados durante a atividade funcional. Outras
cerâmicas como zircônia, dióxido de titânio, carbonos pirolíticos, fosfatos de cálcio e
vitrocerâmicas de sílica/fosfato de cálcio apresentam uso difundido atualmente
(KAWACHI et al., 2000).
As biocerâmicas, além de serem classificadas como bioinertes e
bioativas, são agrupadas em mais duas classes, de acordo com a resposta
desenvolvida in vivo na interface tecido/implante: porosas, quando o crescimento
37
interno dos tecidos ocorre através dos poros e absorvíveis, que são degradadas e
substituídas pelos tecidos onde foram implantadas (HENCH, 1998).
2.2.1.2 Biocerâmicas de Fosfato de Cálcio
Várias cerâmicas de fosfato de cálcio são consideradas biocompatíveis e
têm merecido destaque por apresentarem ausência de toxicidade local ou sistêmica.
Estas características se devem à natureza química basicamente formada por íons
cálcio e fosfato, presentes no tecido ósseo (SCHNETTLER et al., 2004; WANG,
2003). Particularmente, dentre as de origem sintética, disponíveis como alternativa
ao enxerto ósseo autógeno, para reparar, substituir ou aumentar o volume ósseo,
incluem-se as cerâmicas de vidro ou vidros bioativos; os fosfatos de cálcio, como:
HA, fosfato tricálcio (TCP) e fosfato de cálcio bifásico (BCP) (DACULSI, 2004); os
carbonatos de cálcio e materiais originados de estruturas naturais, como a HA
bovina e a coralina (LeGEROS, 2002). Apesar de serem bastante utilizadas, estas
biocerâmicas apresentam uma baixa resistência mecânica, impossibilitando o uso
em possíveis áreas de estresse (ONG et al., 1998).
Uma forma conveniente de classificar os vários fosfatos de cálcio é por
meio de sua razão molar Ca/P. Vários fosfatos de cálcio que possuem razão
variando de 0,5 a 2,0 podem ser sintetizados por precipitação, a partir de soluções
contendo íons cálcio e fosfato, sob condições alcalinas ou ácidas. Estes fosfatos
podem ser transformados em cerâmicas biocompatíveis e osteocondutoras
(KAWACHI et al., 2000).
Na interface, entre o biomaterial e o osso, acontecem reações em escala
molecular do tipo dissolução de íons do material, adsorção, desorção e
desnaturação de proteínas (HUNT; MCLAUGHLE; FLANAGAN, 1997). No caso da
38
superfície em contato com os fluidos corporais ser um fosfato de cálcio, pode ocorrer
absorção do mesmo ou transformação em outro tipo mais estável (HELMUS;
TWENDEN, 1995). A maioria degrada quando exposta a ambientes fisiológicos, com
uma velocidade de absorção na ordem de solubilidade, que incluem: fosfato
tetracálcio (Ca4P2O9), fosfato de cálcio amorfo, α-Fosfato tricálcio (Ca3(PO4)2), β-
Fosfato tricálcio (Ca3(PO4)2), HA (Ca10(PO4)6(OH)2). A absorção dos materiais é
causada pela dissolução, que depende do seu produto de solubilidade e do pH local
no meio fisiológico, pela desintegração física em partículas menores e, ainda, por
fatores biológicos, como a fagocitose, a presença de leucócitos e de mediadores
químicos que causam a redução do pH local. A velocidade de absorção pode
aumentar com a ampliação da área superficial (pó>sólido poroso>sólido denso), com
o decréscimo de cristalinidade e, no caso da HA, pela substituição de carbonatos
nos sítios de fosfato e por íons magnésio e estrôncio nos sítios de cálcio (HENCH,
1991).
Das biocerâmicas de fosfato de cálcio, a HA, com razão molar Ca/P igual
a 1,67, é a mais utilizada em cirurgias de reconstrução óssea, por ser o principal
componente presente na fase mineral dos ossos (KAWACHI et al., 2000; LIU et al.,
2000; SCHNETTLER et al., 2004). Apresenta composição, estequiometria
(Ca10(PO4)6(OH)2) e cristalografia definidas. Os cristais são formados por centenas
ou milhares de unidades, que se mantêm unidas por meio de atrações covalentes
dos átomos que as compõem. A estrutura cristalina está representada na figura 1.
39
Figura 1. Estrutura cristalina da HA (e: http://people.alfred.edu/~misture/demo/hy_sin_atomstruc.html)
Esta biocerâmica é termodinamicamente estável em pH fisiológico e
participa ativamente na ligação óssea, formando ligações químicas fortes com os
ossos em volta (KRIEGER, 2003), possui propriedades de biocompatibilidade e de
osteocondução, que a coloca entre os mais importantes substitutos ósseos da
atualidade. As cerâmicas de HA podem ser utilizadas em defeitos ósseos sem carga
ou em falhas em que cargas, estresses torcionais ou cisalhamentos são
neutralizados por implantes rígidos, como placas e parafusos (KAWACHI et al.,
2000). Podem se apresentar em diferentes formas e tamanhos, de acordo com as
suas preparações e aplicações. Quanto à forma, classificam-se em particuladas e
em bloco. Os materiais particulados podem apresentar uma configuração geométrica
em forma esférica ou irregular, de acordo com o método de fabricação (DACULSI,
2004) e podem ser preparados nas seguintes formas: microporoso ou macroporoso
(KOMLEV; BARINOV, 2002).
As cerâmicas densas ou microporosas são preparadas pela compactação
ou compressão sob alta pressão e sinterizadas em altas temperaturas (1100-
13000C). As HAs densas, dentre outras, são descritas como tendo no máximo 5% de
porosidade por volume, com a microporosidade de no máximo 1µm em diâmetro
(KARAGEORGIOU; KAPLAN, 2005). As cerâmicas macroporosas apresentam poros
40
de 100-500µm, que compreendem 15% ou mais do volume total do biomaterial.
Quanto maior a porosidade, maior a velocidade de absorção, sendo, portanto, a
arquitetura interna, inclusive tamanho e forma dos poros, e a interconexão entre eles
propriedades importantes no comportamento in vivo do biomaterial (CHU et al.,
2002).
As cerâmicas porosas de HA são utilizadas tanto para a bioengenharia
tecidual como para o sistema de liberação de drogas. A forma e a porosidade delas
têm uma influência direta na formação óssea (KOMLEV, BARINOV, 2002;
RIPAMONTI, 2000). Elas funcionam como uma matriz tridimensional para
proliferação e diferenciação celular, seguidas de um crescimento ósseo interno
através dos poros. Estes processos são influenciados pelo tamanho, pela
morfologia, pelo volume e pela interconexão dos poros (LU; CURRIER;
YASZEMSKI, 2000). A macroporosidade favorece o crescimento ósseo para o
centro da cerâmica, enquanto a microporosidade promove mineralização, adsorção
de proteínas e adesão celular (LeGUEHENNEC et al., 2005). Tsuruga et al. (1997)
sugerem que o tamanho do poro ótimo, em cerâmicas, para formação óssea é de
300-400µm. Já Yamamoto et al. (2000) preconizam entre 110–350µm. Algumas
contradições existem na literatura quanto aos tamanhos dos poros que favoreçam o
crescimento tecidual e infiltração das células, sendo que um ótimo tamanho mínimo
para que ocorra a colonização óssea dentro dos poros é da ordem de 100-135µm
(HING et al., 1999).
Flautre et al. (2001) avaliaram o crescimento ósseo e a eficiência da média
do tamanho dos poros e interconexão entre eles em uma cerâmica porosa de HA.
Implantaram cilindros de HA de 10mm de comprimento e 5mm de diâmetro em
fêmur de 27 coelhas, com quatro diferentes tamanhos de interconexão: 130, 100, 60
41
ou 30µm, com o mesmo diâmetro dos poros (175-260µm). Para avaliar a quantidade
e a qualidade de tecido ósseo recém-formado dentro dos poros, três diâmetros de
poros foram utilizados: 175-260, 260-350 ou 350-435µm, com tamanho de
interconexão de 130µm. O melhor resultado da osteocondução para o centro da
cerâmica foi obtido com a interconexão de 130µm e poros de 175-260µm.
Karageorgiou e Kaplan (2005) recomendam que os materiais tenham
poros com tamanho maior que 300µm, para ocorrer uma adequada vascularização e
crescimento ósseo no seu interior.
Atualmente, alguns autores têm observado propriedades osteoindutivas,
além de osteocondutivas, das HAs porosas implantadas em abdome de macacos
adultos (RIPAMONTI, 1991; RIPAMONTI; CROOKS; KIKBRIDE 1999). Ripamonti,
Crooks e Kikbride (1999) salientaram a importância da geometria e porosidade da
HA, para que esta promova adsorção, armazenagem e liberação controlada de
fatores de crescimento, como BMPs e proteínas osteogênicas, iniciando a formação
óssea local como resposta secundária. Ripamonti (1991) mostrou formação de novo
osso em bloco de HA porosa coralina, com média de porosidade de 500µm,
implantado em estromas não osteogênicos de macacos adultos.
Além da porosidade, a área superficial específica é um parâmetro
importante, pelo fato de ambas estarem diretamente relacionadas com a solubilidade
dos biomateriais (CHU et al., 2002; JOSCHECK et al. 2000; KARAGEORGIOU;
KAPLAN, 2005; ROSE et al., 2004; TAMPIERI et al., 2001). Joscheck et al (2000),
analisando grânulos de HA, obtiveram área de superfície específica de 0,1 m2/g, a
qual consideraram pequena em contraste com valores obtidos do osso mineral
natural, que, segundo alguns estudos, foram de 87 e 100 m2/g. Neste mesmo
trabalho, os autores sugerem que uma pequena área de superfície apresenta
42
desvantagens para incorporação de drogas por adsorção. Uma área de superfície
entre 32-50 m2/g dos materiais porosos possibilita a osteogênese (LIU et al., 2000).
Outra propriedade que interfere na interação dos biomateriais com o
tecido ósseo é a cristalinidade. Toda substância é composta de átomos e todo sólido
tem estrutura cristalina (AOKI, 1991). Estruturas altamente cristalinas são mais
resistentes às alterações e à absorção a longo prazo (AOKI, 1994). Yang, Dennison
e Ong (2005) avaliaram o efeito de diferentes cristalinidades de discos de HA (0%,
30%, 50%, 70% e 100%) na adsorção de proteínas e na adesão de células
precursoras de osteoblastos. Observaram que a liberação de íons fosfato foi
significativamente menor na HA com 100%, em comparação com os outros grupos.
Sugerindo, assim, que a quantidade de íons fosfato liberados se origina dos
componentes amorfos dos materiais. Houve uma significante diminuição na
adsorção de proteína e na adesão celular na HA 100. Os autores concluíram que a
diferença na cristalinidade entre os materiais tem sido associada com variações na
taxa de dissolução, em que cristais menores e imperfeitos apresentam uma maior
dissolução.
O tamanho e a forma das partículas são duas características importantes
de diferentes tipos de biomateriais para o sucesso do reparo ósseo (MANKANI et al.,
2001). Entretanto, Fucini et al. (1993) não encontraram diferença, estatisticamente
significante, no tratamento de defeitos periodontais de pacientes utilizando partículas
de osso liofilizado desmineralizado congelado seco (DFDBA) de diferentes
tamanhos (250-500 e 850-1000µm). Cardoso (2003) também concluiu não haver
diferença estatisticamente significante ao comparar resultados de dois biovidros com
diferentes tamanhos de partículas (300-355 e 90-710µm) implantados em defeitos
críticos de calvária de rato. Sicca et al. (2000) avaliaram, comparativamente, a
43
resposta celular ao enxerto de osso bovino desproteinizado a 100ºC na forma
microgranular (250-1000µm) e macrogranular (1000-2000µm) em subcutâneo de
ratos. Concluíram que este biomaterial, quer seja micro ou macrogranular, promoveu
uma resposta tecidual semelhante à implantação subcutânea de osso autógeno ou
alógeno mineralizado.Todavia, Mankani et al. (2001), associando células do estroma
de medula óssea humana (BMSCs) com partículas de HA/TCP e HA implantadas em
subcutâneo de ratos, verificaram que partículas de HA/TCP com 100-250µm de
tamanho resultaram na maior formação de osso, quando comparadas com outros
tamanhos, e que as partículas de HA, neste mesmo tamanho, não resultaram em
formação óssea. Segundo os mesmos autores acima, partículas com diâmetro
medindo 500-1000µm de HA/TCP, associadas a BMSCs, já foram aprovadas para o
uso clínico pela propriedade osteocondutiva que apresentam. Borden et al. (2003)
utilizaram microesferas sinterizadas de polímero biodegradável de diversos
tamanhos e concluíram que as partículas de diâmetro entre 600-710µm, com poros
de tamanho médio de 210µm e com 35% de porosidade resultram numa ótima
estrutura biomimética, quando submetidas à cultura de osteoblastos humanos, in
vitro. Rosa et al., (1998) demosntraram em um trabalho, utilizando três diferentes
marcas de HA com tamanhos de grânulos diferentes, implantadas em arco
zigomático de ratos, que os de tamanhos aproximados de 300-400µm e 297-420µm
permitiram uma maior formação óssea do que grânulos de tamanho entre 425-
600µm. E quanto às micropartículas, Ferreira et al. (2004) demonstraram que as
com tamanho de 5µm de HA associadas a um pool de BMPs bovinas, em tratamento
de defeito crítico em calvária de rato, não induziram a formação óssea, devido à
formação de numerosos aglomerados destas partículas de HA que promoveram
44
uma forte reação granulomatosa, do tipo corpo estranho, que inibiu marcadamente a
formação de um novo osso.
2.2.1.2.1 Microesferas Cerâmicas de Fosfato de Cálcio
Cerâmicas de fosfato de cálcio têm sido utilizadas como matrizes
tridimensionais porosas ou densas, substitutas de enxertos ósseos, devido às suas
propriedades físico-químicas e biológicas. Atualmente, as pesquisas mostram novas
formas dessas cerâmicas, a exemplo de micro ou nano partículas, para serem
utilizadas como formulações injetáveis em defeitos ósseos. Aplica-se, assim, uma
técnica regenerativa minimamente invasiva, associando ou não esses materiais a
agentes terapêuticos, como enzimas ou proteínas, para, juntamente com a
osteocondutividade do biomaterial, potencializar a regeneração local (RIBEIRO;
BARRIAS; BARBOSA, 2004; SIVAKUMAR; MANJUBALA; PANDURANGA RAO,
2002; TEMENOFF; LU; MIKOS, 2000; WILLI; NESAMONY SHARMA, 2002; WU et
al., 2004). Esta nova tecnologia de liberação local de agentes bioativos tem
interesse interdisciplinar de toda a área biomédica e da engenharia de biomateriais,
química e farmacêutica (RIBEIRO; BARRIAS; BARBOSA, 2004).
Ribeiro, Barrias e Barbosa (2004) propuseram uma nova preparação de
microesferas cerâmicas porosas. Utilizaram dois pós de cerâmicas, fosfato de titânio
e cálcio (CTP) e HA, misturados com solução de alginato sódio, o que possibilitou a
preparação de partículas esféricas, usando a combinação do método de extrusão de
gotas e gelificação ionotrópica na presença de cálcio. As partículas esféricas foram
sinterizadas e o polímero foi removido pelo alto aquecimento provocado por esta
técnica. Obtiveram-se microesferas de fosfato de cálcio com tamanhos uniformes e
uma rede de poros interconectados. As microesferas de CTP resultaram em
45
diâmetros de 513 ± 24 a 792 ± 35µm, com poros de aproximadamente 40µm. As de
HA apresentaram diâmetros de 429 ± 46 a 632 ± 40µm e poros de 2µm.
Neste sistema de liberação, as partículas esféricas com dimensões
uniformes têm sido mais apropriadas para a implantação do que as não
homogêneas, pois se acomodam melhor ao sítio de implantação e, além disso,
apresentam propriedades mais previsíveis durante o curso da injeção (SIVAKUMAR;
MANJUBALA; PANDURANGA RAO, 2002). No mais, espera-se que, depois de
implantadas em sítios irregulares, acomodem-se de tal forma que promovam
adesão, migração, proliferação e diferenciação celular local. E ainda, que os
interstícios entre as partículas se apresentem com tamanho adequado para
promover angiogênese e crescimento tecidual (BARRIAS; RIBEIRO; BARBOSA,
2004; BARRIAS et al., 2006).
Barrias, Ribeiro e Barbosa (2004) investigaram o potencial de
microesferas de HA, com a mesma caracterização acima mencionada, em suportar a
aderência e proliferação de células osteoblásticas humanas in vitro e constataram a
capacidade de osteoblastos crescerem aderidos às suas superfícies.
Em outro estudo, Ribeiro, Barrias e Barbosa (2004) descreveram a
preparação e caracterização de microesferas cerâmicas porosas de CTP e HA
associadas à alginato com a intenção de serem utilizadas como matrizes para
liberação de enzimas e como substitutos ósseos. Eles observaram que o alginato
não modificou as propriedades das cerâmicas e que a enzima utilizada
(glucocerebrosidase) foi adsorvida em ambas, sendo que em quantidade muito
maior na microesfera de CTP em relação à de HA, 41,28ng/cm2 para 1,94ng/cm2
respectivamente.
46
3 OBJETIVOS
3.1 OBJETIVO GERAL
Avaliar o potencial osteogênico de um biomaterial cerâmico de HA em
forma de microesferas no reparo ósseo.
3.2 OBJETIVO ESPECÍFICO
Analisar histomorfologicamente, por microscopia de luz, o reparo ósseo
decorrente da implantação de microesferas cerâmicas de HA em defeito crítico na
calvária de ratos.
47
4 METODOLOGIA
4.1 MODELO ANIMAL
Este experimento em animais seguiu as normas de conduta de
experimentação animal da Universidade Estadual de Feira de Santana-Bahia
(UEFS-BA) e foi realizado após a aprovação pelo Comitê de Ética no Uso de
Animais (CEUA) daquela Instituição (anexo A), de acordo com as Normas para a
Prática Didático-Científica da Vivissecção de Animais, recomendada pela Lei 6638,
de 08 de maio de 1979 (anexo B).
Foram selecionados 36 ratos Wistar albinus, machos, adultos, com massa
corpórea entre 400 a 480g, clinicamente sadios, fornecidos pelo Biotério Central da
UEFS-BA e operados no centro cirúrgico do mesmo. Estes animais foram mantidos
em gaiolas metálicas individuais, em espaço climatizado, com ração sólida (Purina
LabinaTM), água ad libitum e condições ideais de temperatura e luminosidade, sem
necessidade de qualquer medicação pós-operatória.
Inicialmente, os animais foram distribuídos aleatoriamente para
composição de dois grupos, avaliados em três pontos biológicos pós-operatórios,
com seis animais em cada, conforme demonstrado no quadro 1, a seguir.
48
Pontos Biológicos (Dias)
Grupos 15 45 90 Total
I 6 6 6 18
II 6 6 6 18
TOTAL 12 12 12 36
Quadro 1. Número de animais de acordo com os grupos e pontos biológicos (dias) Grupo I – defeito ósseo com coágulo sangüíneo (controle); Grupo II – implantação de microesferas de HA.
4.2 PROCEDIMENTOS
As microesferas de HA foram preparadas, caracterizadas e fornecidas
pelo Grupo de Biointerface, do Instituto de Engenharia Biomédica (INEB) da
Universidade de Porto - Portugal.
4.2.1 Preparação das microesferas
Na preparação das microesferas foi utilizada hidroxiapatita comercial em
pó (Captal SPlasma Biotal®). O pó cerâmico foi disperso numa solução de alginato
de sódio (Pronova Biopolymers®), com uma concentração de 3% (percentagem
peso/volume), sob agitação, até se obter uma pasta homogênea, sendo usada uma
razão cerâmico/solução de polímero de 0,2. A pasta foi extrudida gota a gota para
uma solução de reticulação de cloreto de cálcio (CaCl2 0,1 M), onde partículas de
forma esférica se formaram instantaneamente. As partículas permaneceram na
solução durante 30 minutos, tendo sido posteriormente lavadas em água
desionizada para remover o excesso de CaCl2. O tamanho das microesferas foi
controlado regulando-se a velocidade de extrusão da pasta através de uma seringa
49
e aplicando-se um fluxo de ar co-axial. Finalmente, as partículas foram secas a
30ºC, numa estufa de vácuo e seguidamente sinterizadas com um ciclo térmico de
30 minutos, a 800ºC, seguido de permanência de uma hora a 1200ºC. Foi usada
uma velocidade de aquecimento de 5ºC/minuto.
Cerâmico+
Alginato
Cerâmicos: HApAlginato: 3% p/v
Fluxo de ar co-axial
Lavageme secagem
Reticulação
0.1M CaCl230 min
20% p/pSinterização
Cerâmico+
Alginato
Cerâmicos: HApAlginato: 3% p/v
Fluxo de ar co-axial
Lavageme secagem
Reticulação
0.1M CaCl230 min
20% p/pSinterização
Cerâmicos: HApAlginato: 3% p/vCerâmicos: HApAlginato: 3% p/v
Fluxo de ar co-axial
Lavageme secagem
Reticulação
0.1M CaCl230 min
20% p/pSinterização
Figura 2. Preparação das microesferas de HA (Esquema cedido pela Profa. Cristina Ribeiro do INEB-Portugal).
4.2.2 Caracterização das microesferas
As microesferas apresentaram um diâmetro médio (n=20) de 534±33µm,
o qual foi medido usando-se um microscópio de platina invertida, equipado com uma
ocular micrométrica, com uma precisão de 10µm. As partículas apresentavam uma
área de superfície específica de 0,8040m2/g, quantificada por adsorção gasosa de
acordo com o método BET (Brunauer, Emmel and Teller). Foi determinada a
percentagem em volume de poros por comparação do volume correspondente a um
dado número de microesferas (n=1000) com o volume obtido após moagem e
compactação das mesmas, tendo-se chegado a um valor aproximado de 38%.
Procedeu-se igualmente à caracterização físico-química e morfológica das
50
microesferas, por meio das técnicas de difração de raios X (DRX) e de microscopia
eletrônica de varredura (MEV), respectivamente. Em termos de composição,
verificou-se que as microesferas eram constituídas por HA cristalina, tendo sido
observada a presença de óxido de cálcio em concentração residual. Por MEV
verificou-se que as microesferas obtidas eram bastante homogêneas quanto ao
tamanho e forma, existindo, no entanto, uma percentagem reduzida de partículas de
forma ovalada. A sinterização das microesferas resultou na criação de poros nas
partículas como resultado da queima do alginato. A fase polimérica foi assim
substituída por uma rede porosa interconectada, sendo o tamanho médio dos poros
de aproximadamente 2,5µm.
(a) (b) Figura 3. (a) Imagem de MEV (ampliação 170X) de uma microesfera sinterizada de hidroxiapatita. (b) Imagem de M0 (ampliação 57X) de várias microesferas sinterizadas de HA.
51
(a) (b) Figura 4. Imagem de MEV de uma zona de uma microesfera sinterizada de HA evidenciando a existência de poros: (a) ampliação 1000X, (b) ampliação 5000X.
4.2.3 Esterilização do biomaterial
As microesferas foram acondicionadas em frascos ependorf milimetrados
com aproximadamente 0,43g (0,5mL) em cada, e colocados em embalagens
apropriadas para esterilização em autoclave, sendo então submetidas a uma
temperatura de 120ºC por 30 minutos.
4.2.4 Procedimento cirúrgico
Os animais foram submetidos à anestesia geral, com injeção
intramuscular de cloridrato de quetamina1, na proporção de 0,12mL/100g de massa
corpórea, e a sedação e analgesia, com dose única de uma injeção intramuscular de
cloridrato de xilazina2, na proporção de 0,06mL/100g de massa corpórea. Em
seguida, os animais foram tricotomizados na calvária e, depois de realizada a anti-
sepsia com iodopovidine do campo operatório, foram posicionados em decúbito
ventral para acesso à calvária.
__________________________________________________
1Vetaset 1g ® – VIRBAC do BRASIL IND. COM. LTDA 2Copazine ® 2% - VIRBAC do BRASIL IND. COM. LTDA
52
Utilizou-se a técnica cirúrgica descrita por Miguel et al. (2006), que
consistiu na elevação de retalho bicoronal cutâneo na porção posterior da calvária,
com aproximadamente 3,0cm de extensão, realizada com bisturi de lâmina
intercambiável no15, para acesso ao periósteo. O retalho foi divulsionado com uma
tesoura de extremidade reta e romba, elevado com a extremidade maior da espátula
no7 e mantido afastado com uma pinça hemostática do tipo mosquito.
Na porção mediana do crânio realizou-se uma incisão periosteal linear
transversal, com bisturi de lâmina intercambiável no15, com aproximadamente
9,0mm de extensão, sendo o periósteo elevado com a extremidade menor da
espátula no7 e removido com uma tesoura de ponta reta, para exposição do tecido
ósseo. Defeito ósseo circular transfixado foi confeccionado na porção mediana da
calvária, a partir do vértice da sutura craniana posterior, medindo aproximadamente
8,5mm de diâmetro por 1,0mm de altura, a partir da remoção total do tecido ósseo.
Utilizou-se para isto uma fresa trefina3 com diâmetro de 8,5mm, montada em contra-
ângulo4 com redução de 1:16, acoplado em motor cirúrgico5 com 1500rpm, sob
irrigação constante de solução fisiológica.
__________________________________________________
33i – 3i Implantes do Brasil 4Dabi Atlante® Brasil 5BML 600 Plus Driller, Driller® Brasil
53
Figura 5. Incisão bicoronal na porção posterior da calvária.
Figura 6. Confecção do defeito com fresa trefina.
54
Figura 7. Defeito ósseo criado (diâmetro = 8,5mm).
4.2.4.1 Preenchimento dos defeitos
Após a confecção do defeito na calvária, estabeleceu-se o seu
preenchimento das seguintes formas:
a) no grupo I, o defeito foi preenchido apenas por coágulo sangüíneo,
sem a implantação de enxerto, caracterizando-o como grupo controle;
b) no grupo II, as microesferas de HA foram implantadas no defeito,
embebidas previamente em soro fisiológico, sendo que as partículas foram
acomodadas em toda a extensão do defeito, com ajuda de uma espátula no 7.
A sutura da calvária, em todos os grupos, foi realizada com fio de seda
4.06 em um único plano cutâneo.
__________________________________________________
6Ethicon, Johnson & Johnson
55
Figura 8. Defeito preenchido com microesferas de HA.
4.2.6 Obtenção das peças e clivagem
Após os pontos biológicos correspondentes aos 15, 45 e 90 dias de pós-
operatório, os animais foram mortos pela injeção com dose letal de anestésico
cloridrato de quetamina via peritoneal. Em seguida, foi removida toda a porção
superior da calvária retirando-se o tecido mole, com exceção da dura-máter e do
periósteo. Utilizou-se para isso alicate de corte e tesoura de extremidade reta e
romba. Os espécimes obtidos foram colocados em recipientes plásticos, contendo
álcool 70º para fixação (tempo mínimo de sete dias), identificados e acondicionados
em geladeira.
Após o período de fixação, as peças foram clivadas por meio de discos
diamantados montados em contra-ângulo, em baixa rotação. O fragmento tissular
obtido da porção posterior do defeito foi destinado ao processamento
histotecnológico, conforme figura 9, de 12,5mm de comprimento, onde foram
56
incluídos 2mm de osso remanescente de cada lado. O corte na margem anterior
estendeu-se aproximadamente 1,5mm além da região central do defeito, resultando
num fragmento de 12,5mm de comprimento por 8mm de altura e aproximadamente
1,5mm de espessura (Figura 9).
Figura 9. Vista dorsal da área de seleção do fragmento.
4.2.7 Processamento laboratorial
Os materiais foram processados histologicamente na Unidade de
Histopatologia do Centro de Pesquisas Gonçalo Moniz da Fundação Oswaldo Cruz
(Fiocruz-BA) e no Laboratório de Bioengenharia, Biomateriais e Cultura de Células
do Instituto de Ciências da Saúde (ICS-UFBA).
Após a fixação dos espécimes, estes foram submetidos ao processo de
inclusão em resina polimetilmetracrilato, cujos blocos resultantes foram recortados
57
com discos de corte nº 420 (Dremel®), montados em um motor elétrico (Dremel®),
num formato adequado à inserção destes ao micrótomo de alto impacto para corte
em tecidos não descalcificados (Leica RM 2255 – Microsystems®). Os cortes
histológicos seriados de 6µm de espessura foram corados por hematoxilina-eosina
(HE), picrossírius-vermelho (PIFG) para colágeno e azul de alciano (AA) para
glicosaminoglicanas (GAGs) e examinados em microscopia de luz.
58
5 RESULTADOS
4.1 – ANÁLISE HISTOMORFOLÓGICA
GI – 15 dias
Observou-se neoformação óssea reparativa, restrita às bordas ósseas do
defeito. Este foi preenchido por tecido fibroso, de arranjo menos denso, com
proliferação moderada de capilares sangüíneos, mais conspícua próxima às bordas
ósseas. Inflamação crônica discreta e focal. De permeio, houve proliferação discreta
de células mesenquimais fusiformes e fibroblastos, com a presença de raros e
pequenos núcleos de mineralização na área central do defeito.
59
Figura 10. GI 15D - Neoformação óssea restrita às bordas do defeito com presença de matriz osteóide e osteoblastos (HE 400X).
Figura 11. GI 15D - Defeito preenchido por tecido fibroso de arranjo menos denso, com proliferação moderada de capilares sangüíneos (HE 40X).
60
GI – 45 dias
Observou-se uma discreta ossificação reparativa nas bordas ósseas,
acompanhada de um tecido fibroso mais adensado e de espessura muito delgada na
área de preenchimento do defeito e neovascularização capilar sangüínea
praticamente restrita às proximidades das bordas ósseas. Notou-se ausência de
células inflamatórias e presença de células fusiformes (fibroblastos), dispostas
paralelamente entre si, bem como ausência de núcleos de mineralização na área
central do defeito.
Figura 12. GI 45D - Defeito preenchido por tecido fibroso de espessura delgada, com arranjo menos denso (PIFG 40X).
61
GI – 90 dias
Identificou-se ossificação reparativa escassa restrita às bordas ósseas do
defeito e a presença de tecido fibroso de arranjo bastante denso em toda a sua
extensão, com proliferação vascular moderada mais acentuada nas bordas ósseas.
Notou-se ausência de células inflamatórias, bem como de mineralização,
identificando-se células fusiformes (fibroblastos) paralelas entre si.
Figura 13. GI 90D - Defeito preenchido por tecido fibroso de espessura delgada, de aspecto mais denso (AA 40X).
62
GII – 15 dias
As bordas do defeito apresentaram ossificação reparativa, extendendo-se
entre as microesferas que estavam localizadas nestas imediações, especialmente
com disposição supra-dural. O defeito ósseo foi preenchido completamente pelo
material implantado com tecido fibroso de arranjo menos denso de permeio.
Observou-se uma proliferação vascular abundante em toda a extensão do defeito e
inflamação granulomatosa pouco organizada caracterizada pela presença de
fibroblastos, macrófagos e células gigantes multinucleadas, em torno de todas as
microesferas implantadas, limitada à superfície do material. Algumas células
linfocitárias vistas escassamente. Presença de osteoblastos nas áreas de
mineralização e fibroblastos de disposição frouxa proliferados nas áreas centrais do
defeito. A espessura do preenchimento do defeito equivaleu à espessura da calvária
normal, o que representa aproximadamente três vezes a do grupo controle, no
mesmo ponto biológico. Na maioria das vezes, o material implantado apresentou-se
sobreposto em três a quatro camadas, com microesferas de tamanhos semelhantes,
densamente dispostas com tecido fibroso de permeio entre elas. Ocasionalmente, as
microesferas estavam dispostas em menor número de camadas, e mesmo em
monocamadas em áreas da região central do defeito, possivelmente por
deslocamento do material. A maioria das microesferas mostrou fragmentação
superficial, em direção centrípeta, com deposição de material particulado no tecido
fibroso adjacente, ocasionalmente encontrado no interior de células gigantes
multinucleadas. Algumas áreas de mineralização na porção supra-dural, em regiões
centrais do defeito, algumas vezes circundando parcialmente as microesferas.
63
Figura 14. GII 15D - Ossificação reparativa entre as microesferas próximas às bordas do defeito, e com disposição supra-dural (HE 40X).
Figura 15. GII 15D - Microesferas deslocadas (à direita) da área de preenchimento do defeito (HE 40X).
64
Figura 16. GII 15D - Osteoblastos presentes nas áreas de mineralização (HE 40X);
Figura 17. GII 15D - Tecido conjuntivo denso, com proliferação de fibroblastos, entre as microesferas, com microfragmentos do material de permeio (HE 400X)
65
Figura 18. GII 15D - Fragmentação das microesferas. Há inflamação granulomatosa, com células gigantes multinucleadas englobando partículas do material (HE 400X).
Figura 19. GII 15D - Neoformação óssea entre as microesferas na região central supra-dural, associada a inflamação granulomatosa conspícua (HE 200X).
66
Figura 20. GII 15D - Neoformação óssea adjacente à microesfera e presença de estruturas fibrilares colagênicas no seu interior (PIFG 400X).
Figura 21. GII 15D - Área de mineralização entre as microesferas, próxima a região supra-dural, de localização central. Notar a presença de inflamação granulomatosa na superfície dos materiais, inclusive no seu interior (AA 400X).
67
GII – 45 dias
As bordas ósseas do defeito exibiam neoformação óssea restrita,
envolvendo parcialmente algumas microesferas localizadas nestas proximidades. O
defeito foi preenchido completamente pelo material implantado, cuja espessura
equivaleu a da calvária com tecido fibroso mais adensado, com raras áreas de
hialinização permeando as microesferas. Ainda neste ponto biológico, havia
proliferação vascular proeminente em toda a extensão do defeito e presença de
inflamação granulomatosa, pouco organizada, em torno de todas as microesferas,
limitada à superfície do material. Escassos linfócitos foram vistos difusamente,
havendo, contudo, osteoblastos presentes nas áreas de ossificação e fibroblastos
abundantes no tecido fibroso, dispostos paralelamente entre si. O material estava
disposto em múltiplas camadas, três ou quatro, em toda a extensão do defeito, com
tecido fibroso de permeio. Apenas em uma amostra, na região central do defeito,
observou-se uma camada de microesferas. O tamanho das microesferas era similar,
com fragmentação superficial e com disposição de fragmentos minúsculos no tecido
fibroso, estando muitas vezes contido em células gigantes multinucleadas. Havia
áreas de deposição de matriz osteóide, com focos de mineralização ao longo do
defeito, algumas vezes circundando parcialmente as microesferas.
68
Figura 22. GII-45 - Neoformação óssea próxima às bordas do defeito, completamente preenchido pelas microesferas (HE 20X).
Figura 23. GII-45 - Material disposto em múltiplas camadas em toda a extensão do defeito com tecido fibroso de permeio (HE 40X).
69
Figura 24. GII-45 - Focos de mineralização entre as microesferas. Partículas fragmentadas presentes entre o tecido fibroso e em células gigantes multinucleadas (HE 200X).
Figura 25. GII-45 - Múltiplas áreas de mineralização entre as microesferas (HE 200X).
70
Figura 26. GII-45 - Áreas confluentes de mineralização (PIFG 400X).
Figura 27. GII-45 - Núcleo de mineralização com GAGs entre as microesferas (AA 400X).
71
GII – 90 dias
As bordas ósseas apresentavam neoformação óssea reparativa e restrita
às microesferas localizadas nestas proximidades. A espessura do preenchimento do
defeito era equivalente a da calvária, com material em toda a sua extensão.
Observou-se um tecido fibroso de arranjo mais denso, com muitas áreas (placas) de
hialinização, indicativas de hipocelularidade, e proliferação vascular moderada em
toda a extensão do defeito. Observou-se ainda inflamação granulomatosa pouco
organizada, localizada na superfície das microesferas e muitas vezes fragmentando-
as. Moderado número de linfócitos foi visto difusamente, assim como osteoblastos
presentes nas áreas de mineralização próximas às bordas ósseas e nas áreas
centrais do defeito. Fibroblastos encontravam-se arranjados paralelamente entre si,
muitas vezes circunscrevendo as microesferas, as quais estavam dispostas em
múltiplas camadas, três ou quatro, em toda a extensão do defeito. Aparentemente,
as microesferas apresentavam tamanhos diversos, possivelmente decorrente da
fragmentação pela reação granulomatosa. Havia partículas do material incorporadas
ao tecido fibroso, células gigantes multinucleadas e também contidas em matriz
osteóide. Áreas de deposição de matriz osteóide e de mineralização entre as
microesferas foram vistas de permeio, bem como microesferas com permeação de
fibras colágenas na periferia, em direção centrípeta. Focalmente, foi identificada
fibrose bastante densa, recobrindo esferas sem reação granulomatosa e sem
atividade osteogênica.
72
Figura 28. GII 90D - Defeito preenchido em toda a sua extensão pelas microesferas (HE 20X).
Figura 29. GII 90D - Neoformação óssea lamelar reparativa nas bordas ósseas do defeito (HE 40X).
73
Figura 30. GII 90D - Área central do defeito preenchido pelo material implantado. Notar a presença de veia central sub-dural (HE 40X).
Figura 31. GII 90D – Capilares neoformados no interstício formado pela intersecção das microesferas no defeito. Observar reação granulomatosa muito discreta na superfície dos materiais em contato com tecido conjuntivo frouxo, contrastando com a sua ausência na região adjacente ao tecido fibroso (HE 400X).
74
Figura 32. GII 90D - Reação granulomatosa circundando completamente as microesferas. Presença material eosinofílico, semelhante à matriz osteóide, envolvendo parcialmente a microesfera central (HE 200X).
Figura 33. GII 90D - Fragmentos do material entre o tecido fibroso e também contidos em matriz osteóide (HE 400X).
75
Figura 34. GII 90D - Mineralização confluente entre os materiais. Microesferas com permeação de material fibrilar colagênico (PIFG 200X).
Figura 35. GII 90D - Fibras colágenas circundando e permeando centripetamente as esferas (PIFG 100X).
76
Figura 36. GII 90D - Fibrose mais adensada na região subcutânea de recobrimento do defeito, sem reação granulomatosa e sem atividade osteogênica com presença de capilares neoformados entre as microesferas (HE 200X).
77
6 DISCUSSÃO
O osso é um tecido com alta capacidade regenerativa, principalmente
pela atuação dos fatores de crescimento, que direciona as células-tronco para as
vias condrogênica e osteogênica e também pelo papel das forças mecânicas que
estimulam a remodelação (LIEBSCHNER, 2004). A complexidade da arquitetura
osso e variabilidade de suas propriedades biológicas e físico-químicas, assim como
diferenças de idade e estado nutricional do indivíduo estabelecem grandes desafios
à engenharia tecidual para desenvolver substitutos ósseos, com o intuito de reparar
sítios específicos em determinado paciente (CARVALHO; BASSI; VIOLIN, 2004;
GURGEL, 2000; KARAGEORGIOU, KAPLAN, 2005; SANTOS, 2002; VALLET-
REGÍ, 1997).
Os limites e desvantagens dos enxertos já utilizados em defeitos ósseos,
como os autógenos (BEGLEY et al., 1995; CHAN et al., 2002; LANE,
SANDHU,1987; LEE et al., 2000; LEONETTI; RAMBO; THRONDSON, 2000;
MARDEN et al., 1994; ONG et al., 1998; WU et al., 2004; YAKAMOTO; LUZ;
ARAÚJO, 1994), os homólogos (MISCH; DIETSH, 1993; QUATTELBAUM;
MELLONING; HENSEL, 1988; TAKAGI; URIST, 1982) e os heterólogos (LeGEROS,
1990), já se encontram efetivamente consolidados. Portanto, são de fundamental
importância as pesquisas no desenvolvimento de um enxerto aloplástico ou
78
biomaterial, que mimetize o tecido ósseo, com suas propriedades biológicas e físico-
químicas, que favoreçam a osteogênese.
Um dos mais significantes avanços dos biomateriais nos últimos vinte
anos tem sido no campo dos substitutos ósseos e apresenta vantagens em relação
aos autógenos, homólogos e heterólogos como: quantidade desejável, natureza não
alergênica e nem tóxica, fácil esterilização e estocagem (SANDEEP et al., 2006).
Esses biomateriais podem ser de origem natural ou sintética, como colágeno,
elastina, cerâmica, metal, polímero, dentre outros (VALLET-REGÍ, 1997).
As biocerâmicas, assim denominadas pela sua biocompatibilidade e/ou
bioatividade, têm sido muito pesquisadas nos últimos trinta anos e, dentre as de
fosfato de cálcio, a HA é a mais pesquisada e utilizada em reconstruções ósseas,
por ser muito semelhante ao componente inorgânico principal do tecido ósseo
(KAWACHI et al., 2000; SCHNETTLER et al., 2004; WANG, 2003). Atualmente,
novas formas dessas biocerâmicas, a exemplo de microesferas, vêm sendo
desenvolvidas para utilização como formulações injetáveis em defeitos ósseos, com
o objetivo de promover a regeneração óssea (RIBEIRO; BARRIAS; BARBOSA,
2004; SIVAKUMAR, MANJUBALA; PANDURANGA RAO, 2002; TEMENOFF; LU;
MIKOS, 2000; WILLI; NESAMONY; SHARMA, 2002; WU et al., 2004).
Para análise do potencial osteogênico de um novo biomaterial é
importante a escolha do modelo animal a ser utilizado (LeGUEHENNEC et al.,
2005). Quanto ao modelo animal - ratos - utilizado neste trabalho, além da facilidade
de aquisição, armazenamento e manuseio em ambiente experimental, esses
animais não têm custo elevado, apresentam defeitos estáveis com mínimo risco de
fratura e possibilitam acompanhamento e avaliação radiográfica e histológica da
região óssea (BOSCH; MELSEN; VARGERVIK, 1998).
79
A morfologia do defeito utilizado foi baseada no trabalho de Takagi e Urist
(1982), que observaram nos defeitos críticos de 8mm criados em calvária de rato,
sem implantação de biomaterial, um pequeno reparo de 2 a 3mm correlacionados às
suas margens. Defeitos menores de 8mm em calvária de ratos também são
considerados críticos, pois não se regeneram totalmente ao longo da vida do animal
e são utilizados por vários pesquisadores (BOSCH; MELSEN; VARGERVIK, 1998;
HSU et al., 2005), mas sabendo-se da capacidade regenerativa das suas margens
estes deixariam de ter dimensões críticas e a implantação de um biomaterial
osteocondutor poderia possibilitar a regeneração do defeito, como observado nos
trabalhos anteriormente citados. Desta forma, estes defeitos deixariam de ser um
modelo confiável para avaliar o comportamento osteogênico de novos biomateriais.
A avaliação experimental da regeneração óssea com o modelo de defeito crítico
maior ou igual a 8mm já está bem definida em calvária de rato em vários trabalhos
(TAKAGI; URIST, 1982; SCHMITZ; HOLLINGER, 1986; SCHMITZ et al., 1990;
MIGUEL, 2003; CARDOSO, 2003; MARINS, 2004; MURPHY et al., 2004; JUNG et
al., 2006).
Outro fator importante para a escolha deste modelo experimental é que a
calvária tem a mesma origem embriológica e morfológica da região maxilofacial e
existe uma similaridade fisiológica entre esta e a mandíbula atrófica (TAKAGI;
URIST, 1982), sendo esta região de interesse para a Odontologia.
Neste estudo, puderam ser constatados resultados compatíveis com os
trabalhos acima citados e verificou-se no GI (controle) a presença de neoformação
óssea reparativa restrita às bordas do defeito e, em alguns espécimes, raros núcleos
de mineralização no centro do defeito, próximos à dura-máter, o que foi observado
aos 15 dias do pós-operatório. Aos 90 dias, o reparo do defeito ficou caracterizado
80
por um tecido fibroso, de arranjo mais denso em toda a sua extensão, sem qualquer
mineralização central senão aquela próxima às bordas ósseas remanescentes,
ratificando dessa forma o conceito de defeito crítico. Segundo Schmitz et al (1990),
quando o defeito apresenta dimensões críticas à regeneração é devido à falta de
mediadores químicos locais para estimular este processo, pois as vesículas da
matriz tornam-se improdutivas e, dessa forma, a matriz extracelular não se
mineralizando, um tecido conjuntivo fibroso cicatricial ocupa toda a extensão do
defeito. A implantação de um biomaterial com propriedades osteogênicas de
osteocondução, osteoestimulação e/ou osteoindução é necessária para a
regeneração deste defeito. A propriedade osteocondutora por si não favorece a
completa regeneração de defeitos com estas dimensões, portanto, mais uma vez,
pode-se ressaltar a confiabilidade de pesquisas com novos materiais somente em
modelos de estudo com defeitos de dimensões críticas para uma avaliação mais
pormenorizada das propriedades osteogênicas do biomaterial pesquisado.
As cerâmicas de HA apresentam aplicações clínicas favoráveis, devido às
suas características de biocompatibilidade e osteocondução (KAWACHI et al., 2000;
HSU et al., 2005; SANDEEP et al., 2006). A biocompatibilidade de um material é
avaliada pela capacidade de desempenhar uma resposta tecidual apropriada em
uma aplicação específica (GURGEL, 2000; MISCH, 2004). Nos resultados obtidos
neste trabalho, o biomaterial implantado apresentou um relativo grau de
irritabilidade, caracterizado pela presença de infiltrado linfocitário e reação
granulomatosa em torno do material em quase toda a extensão do defeito e em
todos os pontos biológicos de avaliação. Segundo Anderson (2000), um estímulo
inflamatório persistente resulta numa inflamação crônica. Tanto as propriedades
físico-quimicas quanto a mobilidade do biomaterial implantado pode levar a uma
81
resposta inflamatória crônica, contudo uma reação de corpo estranho, com
desenvolvimento de tecido de granulação, é considerada uma resposta normal aos
biomateriais implantados. Embora as células gigantes multinucleadas possam
persistir por toda a vida na interface biomaterial/tecido, ainda não se sabe se elas
permanecem ativadas ou se tornam quiescentes (ANDERSON, 2000). Champagne
et al. (2002) sugerem que na ausência de infecção bacteriana os macrófagos
secretem fatores de crescimento como TGF-β1 e BMP-2 para promover a
cicatrização da ferida e regeneração óssea. Aos noventa dias, na porção
subcutânea do defeito, observou-se na região de interface entre algumas
microesferas e o tecido, a deposição direta de tecido conjuntivo fibroso, sem reação
inflamatória nem atividade osteogênica. Concomitante à formação de matriz
osteóide com presença de osteoblastos havia micro-fragmentos das microesferas
incorporadas nesta matriz, denotando a biocompatibilidade das hidroxiapatitas,
ratificada por outros autores (NANCI et al., 2000; SILVA, et al., 1998; HSU, et al.,
2005).
De acordo com Shors (1999), os três pré-requisitos para o sucesso do uso
de HA sintética ou coralina em defeitos ósseos consistem numa tríade: estabilidade
rígida do material no sítio implantado, proximidade deste com o tecido ósseo e
viabilidade do tecido, definida pelo autor como “tríade da osteocondução”. Uma das
desvantagens na utilização da HA particulada é o deslocamento das partículas do
local implantado, tornando-as estruturalmente instáveis até que um tecido fibro-
ósseo se desenvolva, o que compromete o reparo ósseo (COSTANTINO et al, 1991;
ALPASLAN, ALPASLAN e OYGÜR, 1994; OONISHI et al., 1997). As microesferas
utilizadas neste trabalho apresentaram tal comportamento. Em alguns espécimes, as
partículas se deslocaram e a espessura da calvária não se manteve similar em
82
relação à originalmente existente. Estes achados foram encontrados também por
Mendonça (2005) e Rosa (1997), em que a neoformação óssea da região cortical de
um defeito córtico-medular foi diminuída em sua espessura, devido ao
extravasamento das partículas implantadas. Nos casos em que as microesferas
ficaram retidas no defeito elas atuaram como material de preenchimento, mantendo
a espessura da calvária em toda a extensão do defeito. A propriedade
osteocondutiva foi confirmada, quando se observou a neoformação óssea, com
presença de osteoblastos originados da periferia do defeito, restrita às bordas
ósseas, envolvendo as microesferas localizadas nesta região e, em alguns casos,
também nas áreas centrais próximas à dura-máter. A presença desta neoformação
óssea, próxima à dura, denota o potencial osteogênico desta, observado em outros
trabalhos como os de Takagi e Urist (1982), Mueller et al. (2002) e Gosain et al.
(2003).
Dentre as propriedades físicas de um biomaterial, a porosidade, o
tamanho de poros e a geometria são muito pesquisados no âmbito da bioengenharia
óssea e alguns trabalhos enfatizam estas propriedades (RIPAMONTI, 1991, 2000;
TSURUGA et al., 1997; KARAGEORGIOU, KAPLAN, 2005; JOSCHEK et al., 2000;
KOMLEV, BARINOV, 2002). Pesquisas têm mostrado a capacidade osteoindutiva,
além da osteocondutiva, de blocos de HA com tamanhos de poros de
aproximadamente 500µm, quando implantados em abdome de macacos
(RIPAMONTI, 1991; RIPAMONTI; CROOKS; KIKBRIDE 1999). Os autores sugerem
que a HA atua como um substrato para adsorção, retenção e liberação de proteínas
osteogênicas (OPs) e BMPs endógenas circulantes, as quais iniciam a formação
óssea local, como uma resposta secundária. Por outro lado, estudos com o mesmo
modelo animal, utilizando HA particulada, não obtiveram o mesmo resultado de
83
formação óssea (van EEDEN; RIPAMONTI, 1994). Estes autores reforçam a
importância da geometria do material a ser utilizado, para se obter a osteoindução.
Já em outro estudo de Le Nihouannen et al. (2005), em que foram utilizados
grânulos de fosfato de cálcio bifásico microporoso em sítios não osteogênicos em
ovelhas, observou-se formação óssea após seis meses, demonstrando capacidade
osteoindutiva. Nas condições experimentais deste trabalho não é possível afirmar
que as microesferas utilizadas tenham propriedades osteoindutivas. Para tanto, elas
devem ser testadas em sítios heterotrópicos.
Quanto ao tamanho dos poros, existem vários estudos enfatizando a sua
importância para que o biomaterial promova a osteogênese (LeGUEHENNEC et al.,
2005; SANDEEP et al. 2006; TSURUGA et al., 1997; YAMAMOTO et al., 2000;
FLAUTRE et al. 2001; KARAGEORGIOU; KAPLAN, 2005). Controvérsias existem na
literatura quanto aos tamanhos dos poros que favoreçam o crescimento tecidual e
infiltração das células, sendo que o tamanho mínimo ideal para que ocorra a
colonização óssea dentro dos poros é da ordem de 100-135µm (HING et al., 1999).
Os poros com tamanhos variando entre 100 e 200µm permitem o crescimento de
osteoblastos acima e dentro deles, levando à formação de matriz osteóide que
mineraliza em seu interior. As condições de processamento que resultem na
presença de microporosidade de aproximadamente 1µm nas paredes dos poros são
importantes para a fixação efetiva das células e para o crescimento interno
(KRIEGER, 2003).
As microesferas porosas de HA utilizadas neste trabalho, preparadas e
caracterizadas por Ribeiro, Barrias e Barbosa (2004), possuem diâmetro de
aproximadamente 534µm, poros de tamanho médio de 2,5µm, área superficial
específica de 0,804m2/g, volume de 38% e uma vasta rede de poros interconectados
84
entre si. A microporosidade deste biomaterial foi comprovada em todas as
microesferas, quando os cortes histológicos foram corados com PIFG, nos quais
notava-se a presença de matriz extracelular rica em colágeno, na periferia destas,
em direção centrípeta, em todos os pontos biológicos avaliados. Quanto maior a
porosidade e área de superfície específica, maior também a adsorção de proteínas.
Para Liu et al (2000), uma área de superfície específica ideal para facilitar a
osteogênese, de 32-50m2/g, associada a uma alta porosidade, maior ou igual a 57%
(JOSCHECK et al, 2000), aumentaria a adsorção de proteínas. A área de superfície
das microesferas utilizadas neste trabalho é muito pequena, segundo Joscheck et al
(2000) e isto seria uma desvantagem para a incorporação de proteínas ou fármacos
por adsorção, caso seja utilizada como carreador para sistema de liberação de
drogas. Portanto, como foi observada a adsorção de proteínas da matriz extracelular
em todas as microesferas, possivelmente isso foi devido a uma porosidade de 38%,
que é relativamente alta. De acordo com Nanci et al. (2000), a capacidade de um
biomaterial adsorver proteínas é de suma importância no processo de interação que
ocorre na interface entre este e o tecido no qual foi implantado. As moléculas,
inicialmente adsorvidas, podem servir como mediadoras da dinâmica local
(sinalização celular, atração, adesão) no comportamento de células inflamatórias,
angiogênicas e osteogênicas. Adesão e proliferação de células osteoblásticas
humanas foram observadas por Barrias, Ribeiro e Barbosa (2004), no estudo in vitro
com as microesferas de HA, com a mesma caracterização das utilizadas neste
trabalho. Borden et al. (2003) ressaltam a importância de que os interstícios entre as
microesferas sejam maior que 100µm para que os osteoblastos possam proliferar e
fazer ligações entre as superfícies das microesferas.
85
Um aspecto interessante quanto ao tamanho dos poros na regeneração
óssea em relação à osteogênese é evidenciado nos trabalhos em que, a depender
do tamanho dos poros e da interconexão destes, tanto em blocos como em
partículas de HA, a osteogênese pode ser precedida de condrogênese (JIN et al.,
2000; KUBOKI; JIN; TAKITA, 2001). Nestes casos, os tamanhos dos poros são
pequenos, longos ou curvos, lembrando um favo de mel, não favorecendo a
angiogênese e, conseqüentemente, a formação de cartilagem será iniciada pela
baixa tensão de oxigênio na região (JIN et al., 2000). Poros maiores de 300µm são
recomendados, pois promovem o aumento de angiogênese e consequentemente
maior neoformação óssea (KARAGEORGIOU; KAPLAN, 2005). No presente
trabalho, a formação de novo osso não foi precedida de condrogênese, observando-
se a presença de matriz osteóide e de osteoblastos nos três pontos biológicos, nas
áreas próximas às bordas ósseas e, em alguns casos, no centro do defeito,
indicando uma atividade crescente de formação óssea.
Acredita-se que os interstícios criados entre as microesferas, quando
implantadas no defeito, e que permaneceram in loco em múltiplas camadas,
possibilitaram a angiogênese em toda a extensão do defeito e a osteocondução,
quando as mesmas estavam próximas às bordas ósseas e à dura-máter, indicando a
possibilidade de uma alta tensão de oxigênio na região. Estes interstícios com
tamanhos adequados à angiogênese e neoformação óssea possivelmente deveram-
se à forma esférica das partículas e aos seus diâmetros similares, sendo estas
características observadas aqui como uma das vantagens do biomaterial. Além
disso, a forma arredondada apresenta uma menor resposta inflamatória em relação
às partículas que não apresentam este formato, como os grânulos com ângulos
agudos na sua topografia (ROSA et al., 1998).
86
Algumas divergências existem na literatura quanto ao tamanho das
partículas utilizadas em defeitos ósseos para possibilitar a osteogênese, uma vez
que as características físico-químicas de cada material e/ou do defeito ósseo
também afetam a resposta tecidual ao enxerto. Todavia, Mankani et al. (2001)
verificaram que partículas de HA/TCP com 100-250µm de tamanho resultaram em
maior formação de osso. Borden et al. (2003) utilizaram microesferas sinterizadas de
polímero biodegradável de diversos tamanhos e concluíram que as partículas de
diâmetro entre 600-710µm resultaram em uma ótima estrutura biomimética, quando
submetidas à cultura de osteoblastos humanos, in vitro. Ferreira et al. (2004)
demonstraram que micropartículas de 5µm, associadas a um pool de BMPs bovina,
em tratamento de defeito crítico em calvaria de rato não induziram a formação
óssea. Em outros trabalhos, utilizando-se biomateriais com diferentes tamanhos de
partículas, embora com diferentes metodologias, não foram observadas diferenças
estatisticamente significantes na osteogênese (CARDOSO, 2003; SICCA et al.,
2000; FUCINI et al., 1993; JUNG et al., 2006). As microesferas utilizadas neste
trabalho, com tamanho de diâmetro de 534µm, são compatíveis com o tamanho das
partículas já aprovadas clinicamente, segundo indicação de Mankani et al. (2001).
As reações que ocorrem na interface entre o biomaterial e o osso são de
caráter molecular, do tipo dissolução de íons do material, adsorção, desorção e
desnaturação de proteínas (HUNT et al. 1997). A superfície da hidroxiapatita permite
a interação de ligações do tipo dipolo, fazendo com que moléculas de água e
também proteínas e colágeno sejam adsorvidos na superfície, possibilitando assim a
regeneração tecidual (RIGO et al., 1996). De acordo com Rey (1998), a mais comum
reação que pode ocorrer na degradação dos materiais de fosfato de cálcio é a
dissolução dos grãos superficiais e liberação de constituintes particulados no meio
87
implantado. Dependendo da natureza, tamanho e quantidade de partículas liberadas
seria induzida uma resposta inflamatória adicionando células fagocitárias à
degradação química.
A dissolução de HA sinterizada de grãos superficiais depende da pureza e
da temperatura de sinterização: HA sinterizada pura, a altas temperaturas, mostra
muito menos degradação e é geralmente considerada não-absorvível, embora
alguma alteração na superfície tenha sido reportada. Neste trabalho, observou-se a
presença de reação inflamatória granulomatosa pouco organizada, em torno das
microesferas implantadas, limitadas à superficie do material, principalmente nos
pontos biológicos de 15 e 45 dias, embora aos 90 dias a presença de macrófagos e
células gigantes multinucledas estivesem evidentes. Desde os primeiros pontos
analisados, a desagregação das microesferas foi observada e micro-fragmentos
destas foram incorporados em células gigantes multinucleadas, no tecido fibroso e,
aos 90 dias, também em tecido osteóide.
Resultados semelhantes foram encontrados por outros autores, mesmo
utililizando modelos experimentais diferentes, como Liu et al. (2000), que
implantaram grânulos de HA em mandíbula e crista ilíaca de ovelhas e Rosa et al.
(1998) que utilizaram diferentes tipos de HA particulada em arco zigomático de
ratos. Segundo Kawachi et al. (2000), as cerâmicas de HA são degradadas
lentamente in vivo e começam a ser absorvidas após quatro a cinco anos de
implantação. Por este motivo, elas têm indicações clínicas limitadas, pois a absorção
é uma propriedade importante ao biomaterial, por ser é concomitante à formação
óssea, devendo, portanto, as cerâmicas de HA serem utilizadas em defeitos que
requeiram, além da regeneração óssea, um preenchimento para reforçar ou
88
melhorar a qualidade do tecido ósseo formado em relação à sua densidade como,
por exemplo, em casos de osteoporose.
Outro fator importante na implantação de um biomaterial para o reparo de
um defeito ósseo é a angiogênese. A biointegração e a biodegradação são
processos que ocorrem entre a superfície do biomaterial e o tecido ósseo. Para cada
um dos fenômenos, o suprimento sangüíneo, a vitalidade celular mantida, assim
como as reações físicas e bioquímicas são importantes (LIU et al., 2000).
O reparo ósseo requer o desenvolvimento de um sistema vascular para
sinalizar a liberação de oxigênio e nutrientes para a área lesada. Dessa forma a
angiogênese é um componente fundamental para o reparo tecidual, pois precede a
formação óssea (SCHMID et al., 1997), sendo regulada por sinais moleculares
mediado por VEGF, FGF, TGF-β e PDGF (LAKEY; AKELLA; RANIERI, 2000). Estes
fatores e outros mediadores angiogênicos influenciam na migração e diferenciação
dos osteoblastos (MAYR-WOHLFART et al., 2002).
Observou-se, neste trabalho, neovascularização abundante num tecido
fibroso de arranjo menos denso, em toda a extensão do defeito, permeando as
microesferas, com neoformação óssea reparativa nas bordas do defeito e áreas de
matriz osteóide com focos de mineralização no centro e osteoblastos presentes,
algumas vezes circundando as microesferas, nos pontos biológicos avaliados.
Diferentemente do grupo controle, no qual a angiogênese foi moderada e mais
acentuada próxima às bordas do defeito, observou-se neoformação óssea
reparativa, restrita a esta área, e na área central um tecido cicatricial fibroso. Murphy
et al. (2004) mostraram a importância da angiogênese em aumentar a regeneração
óssea em defeitos críticos de 9mm criados em calvária de ratos, quando utilizaram
VEGF associada a uma matriz biomineralizada. Estes autores sugerem que a
89
angiogênese aumenta a velocidade de diferenciação e/ou maturação de células
precursoras de osteoblastos, durante o desenvolvimento de novo osso,
provavelmente pela liberação de sinais solúveis osteoindutores.
Além da angiogênese em um reparo ósseo, a população celular derivada
da medula, incluindo pericitos vasculares, células do estroma, células-tronco
mesenquimais e, em menor grau, os osteócitos e osteoblastos das superfícies
ósseas existentes (DAVIES; HOSSEINI, 2000) são importantes para o
desenvolvimento de uma matriz osteóide e posterior mineralização para a
regeneração do tecido ósseo. Nos defeitos com dimensões muito amplas, os
elementos celulares osteogênicos são escassos e, consequentemente, não há
formação de um novo osso. O espaço do defeito é preenchido por um tecido fibroso
cicatricial (SCHMITZ et al., 1990).
Comparando-se, histomorfologicamente, os dois grupos utilizados neste
trabalho, vê-se uma diferença em relação às placas de mineralização observadas no
GII, as quais foram mais predominantes, principalmente entre as microesferas
localizadas centralmente e próximas à dura-máter, nos três pontos biológicos
observados, com presença de matriz osteóide e osteoblastos. No GI, aos 15 dias,
observou-se em alguns espécimes formação de raros núcleos de mineralização
nesta área, contudo aos 45 e 90 dias, não foram mais localizados, posto que um
tecido cicatricial conjuntivo fibroso ocupou toda a extensão do defeito. Concomitante
à neoformação óssea no GII, observou-se também um tecido conjuntivo fibroso, que
foi adensando-se progressivamente, de acordo com o ponto biológico estudado e
que, aos 90 dias, este tecido circundava quase todas as microesferas. Em algumas,
notava-se entre a interface direta e o novo tecido circunvizinho, a ausência de
reação inflamatória granulomatosa.
90
Os aspectos descritos acima denotam a biocompatibilidade destas
microesferas, quando implantadas em defeitos com dimensões críticas em calvária
de rato, atuando como material de preenchimento, e também como material
osteocondutor nas regiões em que células osteoprogenitoras estavam presentes.
Portanto, sabe-se que adicionalmente a esta característica osteocondutora da
microesfera estudada, é necessária a utilização de biomateriais com propriedades
osteoindutora e/ou osteoestimuladora para a regeneração de defeitos críticos.
Diante disso, sugere-se a realização de novos estudos com este biomaterial,
associando-o a adjuvantes para a regeneração óssea.
91
7 CONCLUSÃO
Nas condições experimentais deste trabalho, conclui-se que:
• as microesferas de HA são biocompatíveis, exibindo apenas
moderada inflamação granulomatosa;
• o potencial osteogênico dessas microesferas restringiu-se à
osteocunditividade, observada somente quando estavam próximas
às bordas ósseas do defeito ou na região supra-dural, sendo
freqüentemente envoltas por tecido fibroso;
• as microesferas de HA atuaram, principalmente, como material de
preenchimento do defeito.
92
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