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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS Área de Concentração: Lingüística e Língua Portuguesa
Anna Libia Araujo Chaves
O sufixo -inho nas entrevistas do VALPB – uma análise semântico-
discursiva
João Pessoa – PB 2006
2
Anna Libia Araujo Chaves
O sufixo -inho nas entrevistas do VALPB – uma análise semântico-
discursiva
DISSERTAÇÃO apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL) da Universidade Federal da Paraíba, linha de pesquisa: “Estrutura do Português: uma abordagem semântica, sintática e pragmática”, como requisito final para a obtenção do título de MESTRE.
Orientadora: Profa. Dra. Lucienne C. Espíndola
João Pessoa – PB,
2006.
3
C512s Chaves, Anna Libia Araujo O sufixo -inho nas entrevistas do VALPB: uma análise semântico-discursiva/ Anna Libia Araujo Chaves. – João Pessoa, 2006. 78p. Orientadora: Lucienne Claudete Espíndola. Dissertação (mestrado) – UFPB/ CCHLA
1. Lingüística 2. Modalizadores 3. Sufixo –inho 4. Pragmática
UFPB/ BC CDU: 801 (043)
4
Anna Libia Araujo Chaves
O sufixo -inho nas entrevistas do VALPB – uma análise semântico-
discursiva
DISSERTAÇÃO apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL) da Universidade Federal da Paraíba, linha de pesquisa: “Estrutura do Português: uma abordagem semântica,
sintática e pragmática”, como requisito final para a obtenção do título de MESTRE.
Banca Examinadora:
______________________________________________________ Profa. Dra . Lucienne Claudete Espíndola
Orientadora – UFPB
______________________________________________________ Profa. Dra. Eliane Ferraz Alves
Examinadora – UFPB
______________________________________________________ Profa. Dra. Regina Celi Mendes Pereira da Silva
Examinadora – UFPB
________________________________________________________________
Profa. Dra. Maria Elizabeth Affonso Christiano Suplente – UFPB
5
Esta pesquisa é dedicada a minha amada sobrinha Anna Luisa Nascimento Chaves, a qual, através de sua inesperada presença e linda inocência, me trouxe a inspiração de seguir escrevendo para
concluir esta árdua tarefa.
6
AGRADECIMENTOS
A Deus, pela sua presença absoluta e direcionamento sobre que caminhos tomar
em todos os momentos, principalmente nos de angústia e dúvida.
À minha mãe, Liege Araujo Chaves, por ser a maior responsável por todas as
minhas conquistas. Pelo seu amor incondicional, sua torcida dia-a-dia, seus esforços
para me fazer crescer e seus ensinamentos.
Ao meu pai, Adauto Chaves Filho, pelos ensinamentos e credibilidade
depositados em mim durante toda a vida.
Aos meus familiares, em especial aos meus irmãos Vinicius Araújo Chaves e
Gabriella Araújo Chaves, ao meu tio Berilo Cabral de Araújo e as minhas primas Angélica
de Araújo C. L. Viana, Mariana de Araujo C. L. Viana e Kátia de Souza Araújo, pelo amor
e pela noção que sempre me deram sobre o significado da palavra família.
Ao meu esposo, Jailton Nascimento de Lima, meu grande Amor, pela (enorme)
paciência, compreensão, companheirismo e carinho. Ainda por estar sempre torcendo e
me incentivando à conclusão desta pesquisa.
À minha querida orientadora, Profa. Dra. Lucienne C. Espíndola, pelo suporte
acadêmico e mesmo moral, como exemplo de pesquisadora competente, e, ao mesmo
tempo, exemplo de humanidade, sempre presente para incentivar, dar credibilidade,
apagar, corrigir, enfim presença fundamental para o meu êxito.
À Profa. Dra. Eliane Ferraz, pelo suporte, continuamente presente para me ajudar
e me incentivar. Também pelo seu carinho e seu exemplo desde a graduação.
Ao Prof. Dr. Félix Augusto Rodrigues, meu grande mestre (e amigo), incentivador
maior da minha extensão na academia. Ainda, por me servir de exemplo de competência
dentro do meio acadêmico. Um grande amigo, responsável por conselhos valiosos.
À Profa. Ms. Walkíria Pinto de Carvalho, minha querida professora de Prática de
Ensino de Português, que me ensinou não apenas conhecimentos acadêmicos e
didáticos, mas com o seu jeito peculiar de ser, passou a lição de que, sem humanização
e amor pela vida e pelo que se faz, o profissional não vai muito além.
7
À Maria de Fátima Santos Correia, minha segunda mãe, pelas orações e palavras
de amor e apoio, presente desde o início de minha vida.
Ao meu amado amigo Erivaldo Pereira do Nascimento, pela grande força em
qualquer momento. Pela disponibilidade em compartilhar comigo seu grande saber sobre
a teoria que comungamos em nossas pesquisas.
Ao meu amado amigo Walison Paulino de Araújo Costa, por compartilharmos as
mesmas angústias e vitórias na academia.
Ao meu amado amigo José Washington de Morais Medeiros, pelos seus
ensinamentos metodológicos e presença amiga em situações difíceis.
Aos meus amigos da UEPB, em especial a Cléa Gurjão, Eliane Alves, Marineuma
de Oliveira, Rose Anne Catão e Rubens de Lucena pelo apoio e incentivo sempre.
Aos meus amigos em geral e em especial aos amados Andrea Santos, Erica
Alves, Jacilene Rodrigues, Jackeline Cordeiro e Marcos Antônio pela grandiosa amizade,
pela presença garantida e apoio moral em todas as circunstâncias.
8
“O problema fundamental... é saber porque é possível servir-se
de palavras para exercer uma influência, porque certas palavras,
em certas circunstâncias, são dotadas de eficácia”
Ducrot (1987:163)
9
RESUMO
Esta pesquisa analisa o sufixo -inho, em substantivos e adjetivos, inserido em contextos de uso da língua no gênero textual entrevista. Nessa perspectiva, este trabalho baseia-se no aspecto semântico-discursivo que trabalha a língua como forma de ação, a língua em uso, e mostra que o sufixo não é usado apenas para delimitar dimensão. O presente corpus foi coletado a partir de um projeto lingüístico denominado VALPB - Projeto Variação Lingüística no Estado da Paraíba, coordenado pelo professor Dr. Dermeval da Hora que visa pesquisar a realidade lingüística da comunidade de João Pessoa. O objetivo geral é o de investigar as funções semântico-discursivas do sufixo -inho, considerando a faixa etária e o nível de escolarização das pessoas envolvidas. Foram analisadas ocorrências decorrentes dos cinco volumes do Projeto que vão de pessoas sem nenhum ano de escolarização até universitários. As faixas etárias pesquisadas foram três, variando entre 15-26 anos, 26-49 anos e mais de cinqüenta anos, informantes do sexo masculino e feminino. Para tal análise, a base teórica fundamenta-se em Lyons (1977), Cervoni (1989), Dubois (1993), Castilho & Castilho (1992) e Koch (2000 e 2002). Foram detectadas sete funções em que o -inho possui um sentido que não o de dimensão. São elas: ponto de vista negativo, carinho, apego, ironia, piedade, malícia, eufemismo e a que expressa positividade. Em algumas delas constatou-se que o sufixo -inho é usado como elemento modalizador discursivo. Palavras-chave: modalizadores; sufixo -inho; entrevista.
10
ABSTRACT
This research analyzes the suffix -inho in nouns and adjectives which can be found in contexts of language usage. This specific study is related to the textual genre interview. In this way, this study is based on the discursive-semantic aspect which contemplates language as a form of action, the language in use, and its intention is to show that the suffix -inho is not used only to delimitate dimension. The present corpus was collected in the interviews of a project denominated VALPB – a project of linguistics variation in the State of Paraíba – coordinated by the doctor professor Dermeval da Hora. This Project aims at exploring the reality of the linguistic community of João Pessoa – PB. The research about -inho, whose main objective is to investigate the discursive-semantic functions of this suffix, considers the age group and the school level of the informants. The occurrences which were analyzed are found in the five volumes of the Project, ranging from people with no formal education to university students. The age group varies among people who are15-26 years old, 26-49 years old and more than 50 years old, taking into account male and female informants. For this research, some authors were studied: Lyons (1977), Cervoni (1989), Dubois (1993), Castilho & Castilho (1992) and Koch (2000 and 2002). Seven functions which refer to -inho, indicating another meaning and not only dimension, were identified. Eg: a negative point of view, affection, irony, piety, slyness, euphemism and positivism. In some functions it can be said that the suffix -inho is used as a discursive modalizing element. Key-words: modalizers; suffix –inho; interview.
11
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 12
2 TEORIA DA MODALIZAÇÃO ....................................................................................... 16 2.1. MODALIZAÇÃO E MODALIDADE ............................................................................. 17 2.2. O QUE É MODALIZAR? ............................................................................................ 20
2.2.1 O Núcleo duro .............................................................................................. 23 2.2.1.1 As modalidades proposicionais ..................................................... 23 2.2.1.2 Os auxiliares de modo ................................................................... 24 2.2.1.3 Os equivalentes ............................................................................. 25 2.2.2 A modalidade impura ................................................................................... 26
2.2.2.1 Lexemas verbais e expressões unipessoais ................................. 26 2.2.3 Recursos modalizadores .............................................................................. 30 2.3. MODALIZAÇÃO: SUA CLASSIFICAÇÃO .................................................................. 31 3 O SUFIXO -INHO E AS GRAMÁTICAS NORMATIVAS................................................ 37 3.1. O SUFIXO -INHO ....................................................................................................... 37 3.2. O SUFIXO -INHO E AS GRAMÁTICAS NORMATIVAS ............................................ 41 4 O GÊNERO TEXTUAL ENTREVISTA .......................................................................... 46 4.1. A ENTREVISTA ......................................................................................................... 48 5. OCORRÊNCIAS DO SUFIXO -INHO EM SUBSTANTIVOS E ADJETIVOS: ELEMENTO MODALIZADOR DISCURSIVO?.................................................................. 51
5.1. O -INHO COM FUNÇÃO DE EXPRESSAR PONTO DE VISTA NEGATIVO ............ 53 5.2. O -INHO COM FUNÇÃO DE EXPRESSAR CARINHO ............................................. 55
12
5.3. O -INHO COM FUNÇÃO DE EXPRESSAR IRONIA ................................................. 58 5.4. O -INHO COM FUNÇÃO DE EXPRESSAR PIEDADE .............................................. 60 5.5. O -INHO COM FUNÇÃO DE EXPRESSAR MALÍCIA ............................................... 62 5.6. O -INHO COM FUNÇÃO EUFEMÍSTICA .................................................................. 65 5.7. O -INHO COM FUNÇÃO DE EXPRESSAR POSITIVIDADE .................................... 67 5.8. CONSIDERAÇÕES ACERCA DO SUFIXO -INHO ENQUANTO ELEMENTO
MODALIZADOR ............................................................................................................... 69
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 72 REFERÊNCIAS................................................................................................................. 74 ANEXOS ........................................................................................................................... 79 ANEXO 1 – Normas de transcrição .................................................................................. 80 ANEXO 2 – Entrevista na íntegra ..................................................................................... 82
13
1 INTRODUÇÃO
O ato de se comunicar acontece mediante formas variadas, influenciado por
fatores diversos. O que é expresso por cada locutor se dá de acordo com o contexto
situacional (espaço, tempo e sujeitos envolvidos), considerando região, escolaridade,
classe social, idade, sexo dos participantes da interação, entre outros fatores. As
pessoas, ao interagirem, escolhem determinados termos que sejam adequados à
situação. Esses termos também carregam a intencionalidade do falante. Sabe-se que
não é imprescindível uma educação formal para que haja a comunicação. É relevante
ressaltar que as pessoas podem utilizar a língua de forma inconsciente, ou seja,
determinados termos podem ser empregados para satisfazer suas necessidades de
comunicação na comunidade lingüística em que estão inseridas, podendo, em alguns
casos, não refletir conscientemente o efeito e o valor que as palavras causam.
Diante desse contexto, percebe-se que o ensino formal da Gramática Normativa
(doravante GN), apesar de essencial para o aprofundamento de questões lingüísticas,
não é fundamental para o domínio de uma língua, ou seja, o ensino de gramática é
relevante, mas não é o responsável pela comunicação propriamente dita. Sobre ensino
formal, percebe-se que, apesar de a gramática já trabalhar com ocorrências da língua que
acontecem no contexto diário, pouco é ilustrado sobre essas situações de uso. Além
disso, há um aprofundamento sobre situações de uso em GNs mais elaboradas, mais
direcionadas ao ensino acadêmico superior; porém, nas direcionadas ao Ensino
Fundamental e Médio, prevalece o ensino marcado por conteúdos. Em muitos casos, o
aluno absorve regras, usa-as e as desenvolve em determinadas atividades prescritas na
gramática, sem haver uma relação com a língua em uso, empregada no dia-a-dia. Nessa
perspectiva, dependendo da GN, aquilo que é postulado não é exatamente o que é usado
no cotidiano, uma vez que, em muitas circunstâncias, ela se detém em um dos usos da
língua, o padrão, não contemplando os demais, e, assim, o sufixo -inho, objeto de estudo
desta pesquisa, em algumas GNs, é estudado apenas sob o ponto de vista do aspecto
formal, aquele que expressa dimensão.
14
Na tentativa de investigar o sufixo -inho, este trabalho baseia-se na perspectiva
semântico-discursiva que trabalha a língua como forma de ação, a língua em uso. De
acordo com a Pragmática (área que abrange os estudos aqui expostos, mais
especificamente a Teoria da Modalização), o significado (da língua) “existe em função da
intenção do locutor e do reconhecimento dessa intenção pelo ouvinte” (ORLANDI, 1999,
p. 56), ou seja, o usuário e o que ele expressa (o significado do que ele emite) são
levados em consideração, não se contemplando apenas os aspectos fonológicos,
morfológicos e sintáticos da língua, os quais foram foco de estudo durante o período
estruturalista.
O corpus aqui analisado é a entrevista. Essas entrevistas foram coletadas a partir
de pesquisa realizada pelo VALPB – Projeto Variação Lingüística no Estado da Paraíba –
coordenada pelo professor doutor Dermeval da Hora Oliveira, iniciada em 1993, que visa
mapear, entender e trabalhar a realidade lingüística da comunidade de João Pessoa em
seus diversos aspectos. Para a realização desse Projeto (VALPB), houve uma coleta de
dados realizada em março de 1994. Tais dados foram transcritos e, posteriormente,
armazenados eletronicamente.
Atualmente, essas entrevistas podem ser encontradas em cinco volumes
designados de acordo com o nível de escolarização de cada informante. O volume I é
composto por informantes sem nenhum ano de escolarização; o II, por aqueles que têm
entre um a quatro anos de escolarização; já o volume III, por aqueles que têm entre cinco
e oito anos; o IV, pelos que possuem nove e onze anos e, por fim, o volume V contempla
informantes que possuem mais de onze anos de escolarização. Para cada volume, existe
um número de doze informantes, dos quais seis são do sexo masculino e seis do
feminino. A faixa etária também é um requisito para a elaboração da pesquisa e se divide
em três fases: entre quinze e vinte e cinco anos, entre vinte e seis e quarenta e nove
anos e a que abrange as pessoas com mais de cinqüenta anos.
Em estudos preliminares, Chaves (2003) investigou os diversos contextos de uso
em que se encontra empregado o sufixo -inho nas entrevistas do projeto de pesquisa
VALPB. De acordo com essa pesquisa, foram encontradas, analisadas e classificadas oito
possíveis funções decorrentes do uso do sufixo -inho dentro do contexto semântico-
discursivo. São elas: ponto de vista negativo, carinho, apego, ironia, piedade, malícia,
modéstia e a eufemística. A análise dessas funções se deu, inicialmente, através de
estudos realizados com base nas entrevistas de pessoas sem nenhum nível de
escolaridade, abrangendo todas as faixas etárias.
15
Chaves (2003) constatou que o sufixo -inho não é usado apenas para expressar
dimensão, como geralmente é abordado em algumas GNs. Detectaram-se, neste estudo,
funções semântico-discursivas do referido sufixo em diversos contextos. Em estudos
preliminares e aqui serão analisados adjetivos e substantivos, acrescidos do sufixo -inho
recorrentes no corpus em análise. O interesse por esse direcionamento de estudo surgiu
a partir da constatação de uma análise superficial de seu uso em determinadas GNs, em
que a ênfase é dada ao aspecto formal, esquecendo-se de trabalhar o aspecto semântico-
discursivo cujo propósito é estudar o contexto de uso, determinando, assim, diferentes
funções.
Baseado no aspecto da língua em uso, considerando os possíveis sentidos de um
texto, esta pesquisa apresenta os seguintes objetivos: geral – investigar as funções
semântico-discursivas do sufixo -inho, considerando a faixa etária e o nível de
escolarização das pessoas envolvidas, especificamente no gênero entrevista; específicos
– (a) descrever e analisar as ocorrências do sufixo -inho em substantivos e adjetivos,
considerando a faixa etária e o nível de escolarização dos entrevistados; e (b) identificar
as funções semântico-discursivas do sufixo -inho à luz da teoria da modalização.
A proposta de continuar analisando o uso do referido sufixo reflete algumas
observações que necessitam ser confirmadas (ou não) com base nos estudos que
seguem. Há, portanto, duas possíveis hipóteses que são consideradas: (1) o -inho pode
expressar variados sentidos e não apenas o de dimensão em todas as faixas etárias e em
todos os níveis de escolarização; (2) o sufixo -inho pode ser usado como elemento
modalizador discursivo nas funções encontradas (ou em algumas delas).
A análise em questão não apenas reconhece os estudos já existentes, no que diz
respeito ao sufixo -inho nas distintas GNs, como reflete a importância de categorizar tal
sufixo e seu uso em contextos diversos, de acordo com várias funções que podem ser
estabelecidas. Seus diferentes usos também podem revelar, numa perspectiva
semântico-discursiva, o valor modalizador que o -inho apresenta em determinadas
funções discursivas.
Outro aspecto a ser considerado é o de que esta pesquisa continuará alimentando
a base de dados do LASPRAT (Laboratório Semântico-Pragmático de Textos) –
coordenado pela profª. dra. Lucienne Espíndola, cuja base de pesquisa sobre a língua é
vista sob a perspectiva do uso, de como cada locutor desenvolve o seu discurso e de
suas intenções ao se expressar verbalmente.
16
Este trabalho foi desenvolvido em quatro capítulos. O primeiro capítulo contempla
observações acerca da teoria da modalização. A referida teoria está vinculada ao modo
como o locutor compõe o seu discurso, como ele o apresenta, registrando, assim, aquilo
que deve/ pode ser entendido. Dentro deste capítulo, algumas explanações são
essenciais havendo questões discutidas sobre os termos modalidade e modalização, os
quais são explanados com base em estudiosos, tais como: Lyons (1977), Cervoni (1989),
Dubois (1993), Castilho & Castilho (1992) e Koch (2000 e 2002). Outros temas são
abordados a respeito da teoria da modalização. Esses pontos estão relacionados ao
campo de atuação da modalização e à sua classificação.
No capítulo segundo, foi feito um paralelo entre o sufixo -inho e as GNs. Neste
espaço, há um apanhado sobre essa forma presa (-inho) que ora aparece analisado sob
a perspectiva de sufixação ora sob a de substantivo. O -inho é caracterizado enquanto
sufixo derivacional. Em seguida, há uma explanação sobre o que as GNs apresentam
sobre tal sufixo em substantivos e adjetivos. Essas observações foram elaboradas com
base nos seguintes estudiosos – Bechara (1999), Câmara Júnior (1976), Cunha (1969),
Neto (1979), Pereira (1942), Rocha Lima (1998) e Sandmann (1988).
O terceiro capítulo contempla a discussão a respeito do gênero textual analisado
nesta pesquisa: a entrevista. Nesse capítulo, foi feito um apanhado sobre gêneros
textuais segundo Bakhtin (2000) e Marcuschi (2000 e 2002). Em seguida, a entrevista é
caracterizada de acordo com as suas particularidades enquanto gênero textual. Há uma
categorização de subclassificações de entrevista. A que foi trabalhada aqui foi a
entrevista de pesquisa.
Por fim, as funções encontradas para o sufixo -inho são detalhadas no quarto
capítulo. Após a análise das funções, há uma orientação quanto àquelas que exercem a
função, modalizadora ou não.
17
2 TEORIA DA MODALIZAÇÃO
Introdução
Ao utilizar a oralidade ou a escrita, o locutor pode utilizar termos que carregam em
si intencionalidade no dizer, de forma que o que é expresso não é aleatório, mas objetiva
causar respostas, comentários e argumentos no contexto comunicativo. Há
intencionalidade no que é dito/ escrito, e essa intencionalidade é marcada
lingüisticamente por determinadas classes de palavras ou estruturas discursivas
peculiares às características de cada gênero.
De acordo com Ducrot (1987, p. 163), “[...] é possível servir-se de palavras para
exercer uma influência, porque certas palavras, em certas circunstâncias, são dotadas de
eficácia”, ou seja, ao se comunicar, o locutor emprega estratégias de argumentação,
palavras que veiculam a sua intenção na comunicação que, dependendo da situação,
precisam ser camuflada, implicitada.
O discurso caracteriza-se, entre outros fatores, pela possibilidade do uso de
modalizadores, uma vez que o locutor, ao explicitar sua atividade comunicativa, utiliza-se
de determinados termos que apontam a sua subjetividade no que ele quer que seja
expresso. Dessa forma, o dizer é dito de uma maneira modalizada com finalidades
específicas que dependem de como o contexto comunicativo acontece. Observa-se,
então, que, ao expressar-se verbalmente, o falante tem a opção de valer-se de diferentes
termos lexicais, de forma que eles possam indicar diversos sentidos, como: carinho,
persuasão, ironia, negatividade, galhofa, entre outros.
Este capítulo trata, pois, da teoria da modalização com base nas perspectivas de
Lyons (1977), Cervoni (1989), Castilho e Castilho (1992) e Koch (2002), havendo também
a contribuição de Dubois et alii (1993) no que se refere aos conceitos de modalização e
18
modalidade. Esses autores fundamentam a referida teoria, ou seja, eles enfocam pontos
particulares sobre a modalização.
Lyons (1977), ao tratar de modalidade, relaciona-a com os termos modal e modo e
examina os verbos a partir das noções dessas três denominações. Cervoni (1989) faz
referência, em seu estudo, à modalidade lógica e tem como interesse principal tracejar os
limites da modalização. Segundo ele, há uma delimitação do que pode ser considerado
modalização ou não; já Castilho e Castilho (1992) e Koch (2002) delineiam a modalização
vendo a língua por um viés mais abrangente. As quatro posições serão aqui esboçadas a
fim de que se possa determinar a que mais se adequa para classificar o sufixo –inho, em
substantivos e adjetivos, como elemento modalizador.
A seguir, apresenta-se uma descrição acerca da teoria da modalização proposta
na perspectiva dos lingüistas já citados e do que pode servir como contribuição para este
estudo. É válido citar que essa teoria tem fundamentos na Lógica e que, embora não seja
o foco desta pesquisa, não se pode deixar de fazer referência, pois é determinante quanto
ao estudo da modalização.
2.1 MODALIZAÇÃO E MODALIDADE
Os termos modalização e modalidade são amplamente discutidos por diversos
autores, porém existe a ressalva de que, entre os lingüistas que tratam desse assunto,
alguns fazem distinção entre um termo e outro; outros, não.
Ao abordar o termo modalidade, Lyons (1977) não faz uma referência clara sobre
esse termo e modalização. Ele faz uma relação entre modalidade, modal e modo, com o
propósito de averiguar as diferenças entre esses termos ao serem empregados na GN e
no estudo de semântica formal.
Segundo esse autor, há uma conexão etimológica entre esses três vocábulos, que
são historicamente complexos e têm uma variedade de interpretações conflitantes ao
longo do tempo, determinadas por lingüistas e lógicos.
Com relação ao modo e à modalidade, sua intenção é a de “clarear e enfatizar a
validade continuada da visão mais tradicional de ambos modo e modalidade”1 ou seja, há
1 The account that I give of modality and mood is intended to clarify the differences and to emphasize the continued validity of the more traditional view both of mood and modality. (1977, p. 294)
19
interesse em analisar esses dois termos, direcionando sua análise para a perspectiva dos
verbos, porém ao termo modo o autor reserva a idéia que a GN preserva: referência às
categorias denominadas de indicativo, subjuntivo e imperativo.
Já Dubois (1993) define os dois termos – modalidade e modalização – mostrando
que, enquanto a modalidade está relacionada ao dictum – processo de comunicação puro
e simples, dito como desembaraçado de toda intervenção do falante que “é julgado
realizado ou não, desejado ou não, aceito com alegria ou desgosto (...)” (DUBOIS, 1993,
p. 413) – a modalização refere-se à “marca dada pelo sujeito a seu enunciado” (1993, p.
414); aquilo que é proferido pelo locutor é marcado lingüisticamente, uma vez que
escolhas são feitas quanto ao que é enunciado. A modalização diz respeito “aos meios
pelos quais um falante manifesta o modo como ele considera seu próprio enunciado”
(1993, p. 415).
Dubois (1993) faz referência também às modalidades lógicas, que se referem às
várias formas de considerar o predicado da frase como verdadeiro (representado pela
ausência de auxiliar de modo e presença do tempo), contingente (necessário) e provável
(possível), sendo o contingente e o provável traduzidos pelo auxiliar de modo. Ele difere a
modalidade lógica da modalização, visto que a primeira está relacionada aos modos, e a
segunda refere-se ao fato de o locutor assumir ou não seu enunciado. Dubois acrescenta
que a modalização pode comportar uma modalidade lógica. As duas frases a seguir
ilustram a sua teoria.
Exemplo 1: O trem deve chegar às cinco horas;
Exemplo 2: O trem deveria chegar às cinco horas;
Ambas veiculam a modalidade ‘provável’, algo que poderá/ poderia acontecer e
ambas se ausentam da responsabilidade do que é dito: o locutor, ao usar o verbo dever
se ausenta de qualquer responsabilidade sobre o que está sendo expresso, porém, no
exemplo 2, o dizer é assumido pelo locutor de forma mais atenuada que no exemplo 1, ou
seja, ele se afasta ainda mais do encargo da informação veiculada.
Cervoni (1989, p. 75) coloca a modalidade no domínio da modalização e assevera
que esta é designada como um elemento geral, definida como “o reflexo, na linguagem,
do fato de que tudo que o homem pode ser, sentir, pensar, dizer e fazer se insere numa
perspectiva particular”, ao passo que a modalidade indica uma opinião do locutor sobre
determinado conteúdo. Ou seja, enquanto a modalização está direcionada ao resultado
20
do que é dito, ao que esse dito pode causar, a modalidade está para determinada opinião
que o locutor pode emitir sobre um certo contexto. Cervoni (1989) também se reporta ao
enunciado, postulando que este possui um dito (conteúdo proposicional) e uma
modalidade, classificação decorrente dos gramáticos da Idade Média.
Em seu estudo sobre modalização, Koch (2000, 2002) utiliza os termos
modalidade e modalização e os define como “todos os elementos lingüísticos diretamente
ligados ao evento de produção do enunciado e que funcionam como indicadores das
intenções, sentimentos e atitudes do locutor com relação ao seu discurso” (2002, p. 136),
não fazendo, assim, distinção entre um termo e outro. Para Koch (2002), o aspecto
determinante, a respeito da teoria, é o de enquadrá-la (ou enquadrar os termos
mencionados) como participantes na elaboração e na constituição do trajeto do discurso e
na indicação de como as coisas são ditas nos mais diversos contextos de uso da língua.
Castilho e Castilho (1992) assumem a mesma postura de Koch (2002) sobre a
questão da modalização e modalidade, mas eles trazem, primeiramente, uma tentativa de
separação dos dois termos ao relatar sobre os componentes de uma sentença,
classificando-os enquanto (a) componente proposicional (sujeito mais predicado) e (b)
componente modal, sendo (b) subdividido em outras duas categorias: (1) quanto à forma
(assertiva, interrogativa e jussiva) como o falante expressa o conteúdo proposicional e (2)
quanto ao seu relacionamento com o conteúdo proposicional, tendo o falante manifestado
aí uma escolha de como verbalizar suas idéias diante de variadas situações. Essa
distribuição do enunciado, classificado em componente proposicional e em componente
modal, remete à mesma classificação proposta por Cervoni (1989). Castilho e Castilho
asseveram que o componente (a) – o proposicional – seria o que comumente se designa
modalidade, podendo ser determinada como o processo, o dito em si; ao passo que o
componente (b) – o modal – seria a modalização, uma ação mais particular do
interlocutor, uma escolha daquilo que ele quer que seja exposto ou não. Segundo seu
julgamento, porém, essa separação acaba sendo superficial, pois,
há sempre uma avaliação prévia do falante sobre o conteúdo da proposição que ele vai veicular, decorrendo daqui suas decisões sobre afirmar, negar, interrogar, ordenar, permitir, expressar a certeza ou a dúvida sobre esse conteúdo etc. (1992, p. 217)
Diante do exposto, pode-se observar que, embora a perspectiva seja semelhante,
os autores diferem em alguns aspectos quanto à teoria da modalização. Tomando como
21
base as idéias propostas por todos os autores aqui abordados, esta pesquisa está
alicerçada no direcionamento de Castilho e Castilho (1992) e Koch (2000, 2002), segundo
os quais a modalidade e a modalização acumulam o mesmo sentido, uma vez que o
locutor é quem direciona aquilo que ele quer que seja expresso, fazendo uso, portanto,
intencional daquilo que ele quer, deseja emitir. Assim sendo, os termos modalidade e
modalização serão utilizados indistintamente nesta pesquisa.
2.2 O QUE É MODALIZAR?
Ao se expressar verbalmente, o locutor tem como opção uma gama variada de
elementos discursivos a serem utilizados em seu discurso. À medida que o locutor
exprime o seu discurso, ele vai marcando-o lingüisticamente. Essa marca pode ser
reconhecida como modalização.
Sobre modalização, Dubois (1993, p. 414), em seus estudos, investiga a
apreciação do termo distância, “concebendo uma distância máxima em que o sujeito
considera seu enunciado como parte integrante de um mundo distinto dele mesmo e a
distância mínima que consiste num enunciado totalmente assumido pelo falante”, isto é,
ao assumir o que diz, o locutor se coloca numa posição de distanciamento mínimo entre
seu discurso e ele mesmo, ocorrendo, como conseqüência, uma modalização mínima. No
caso de haver uma ausência maior de responsabilidade quanto ao que é expresso,
aponta-se um distanciamento maior, uma isenção de responsabilidade quanto ao que é
emitido. O distanciamento mínimo pode ser compreendido em
Exemplo 3: Academicamente, Jorge é muito comprometido.
Esse exemplo contempla a modalização epistêmica delimitadora, demarcando a
área com que Jorge é comprometido. O termo academicamente marca o discurso do
locutor e o aproxima do seu dizer.
O distanciamento máximo está relacionado com a modalização implícita
examinada por Koch (2002, p. 82):
A ocultação da modalidade epistêmica, contudo, deixa sempre um traço: a enunciação aí está, o locutor apenas finge esquecê-la para dar a
22
impressão de que seu ato é neutro, de que ele não manifesta nenhuma atitude com relação a ela, de que o valor de seus enunciados é objetivo.
Através do uso da modalização epistêmica, a enunciação é camuflada a fim de
que se possa persuadir o interlocutor por aquilo que está sendo dito/ escrito. Ainda,
segundo Koch (2002, p. 82), “poder-se-ia considerar a atualização da modalização como
uma situação normal e sua ausência como uma lacuna, uma ocultação que revelaria um
certo interesse do locutor.”
Para Koch (2002), a modalização deve ser analisada no âmbito da pragmática
lingüística, tendo, assim, como interesse principal a língua em uso. Ela considera os eixos
do possível e do provável como modalidades básicas. Crer e saber são verbos que
merecem destaque em toda a sua análise. De acordo com a autora, os operadores crer e
saber “ocupam uma posição de destaque com relação às demais modalidades” (2002, p.
80). Sua explanação recai sobre o fato de que as modalidades do crer e do saber
regem todo e qualquer ato de enunciação, já que todo e qualquer ato de enunciação: a) requer um mínimo de informação da parte do locutor sobre o estado de coisas designado pelo enunciado; b) deve ser compatível com as outras enunciações do mesmo locutor (Koch, 2002, p. 80).
Em outras palavras, os verbos em questão carregam um sentido a mais. Sendo
assim: se há modalização a partir de verbo desejar, por exemplo, isso implica que o
locutor sabe que deseja ou crê no que deseja.
Koch (2002) ressalta também que a modalização pode ocorrer de diversas
maneiras, entre elas: lexicalizando-se de variadas formas, partindo de uma mesma
modalidade, como é o caso do verbo poder e seus derivados e do verbo dever que, a
seguir, expressam uma probabilidade:
Exemplo 4: É possível que as aulas terminem em agosto. Exemplo 5: As aulas podem terminar em agosto. Exemplo 6: Provavelmente as aulas terminarão em agosto. Exemplo 7: As aulas devem terminar em agosto.
Por outro lado, pode acontecer por meio de diferentes modalidades determinadas
sob a perspectiva de um mesmo item lexical, como é o caso do verbo poder, a seguir,
podendo exprimir capacidade, permissão, possibilidade, probabilidade:
23
Exemplo 8: Aquela senhora pode erguer sua panela. Exemplo 9: Os alunos podem sair da aula mais cedo. A diretora permitiu. Exemplo 10: Preste atenção, o pacote pode amassar! Exemplo 11: Os raios podiam ser uns mil. Exemplo 12: O rei pode punir seus criados desobedientes.
Assim como Lyons (1977) e Koch (2002), Castilho e Castilho (1992) asseveram
que a modalização, enquanto recurso lingüístico, exerce influência sobre o dizer. Como
Koch (2002), eles acrescentam a prosódia – alongamentos vocálicos e na mudança da
tessitura, em (“Trabalhei mui::to, mas muito MESmo”) como mais um elemento lingüístico
em que a modalização atua. Castilho e Castilho (1992) fazem referência também aos
adjetivos. Eles podem aparecer sozinhos ou em expressões cristalizadas como citado por
Koch (2002) – é possível, é claro, é desejável – e sintagmas preposicionados em função
adverbial – na verdade, em realidade, por certo etc.
Por sua vez, Cervoni (1989) examina a modalização, desenvolvendo um paralelo
com a postura dos lógicos, mas demarcando-a para o campo da lingüística. Um de seus
objetivos é o de explicitar os caminhos percorridos pela modalidade, tendo como alvo
restringir o seu campo de atuação. Segundo o autor,
para que o conceito de modalidade tenha alguma pertinência em lingüística, é preciso tentar restringi-lo, apesar das razões que se podem alegar para ampliá-lo e para integrar nele, aos poucos, tudo o que, de um ou de outro modo, merece ser considerado como manifestando uma escolha, consciente ou não, do sujeito falante (CERVONI, 1989, p. 58).
Para Cervoni (1989), a modalização acontece a partir do elemento modalizador
que incide sobre toda a proposição. Em sua pesquisa, vários elementos são avaliados a
fim de serem determinados como elementos modalizadores ou não. Dessa forma, o
interesse sobre a delimitação do que é modalização recai em lingüística, segundo Cervoni
(1989), sobre o que pode ser classificado como tipicamente modal, parcialmente modal e
o que parece ser possível excluir do campo das modalidades. O que é tipicamente modal
é determinado por Cervoni (1989) como núcleo duro, e o que é parcialmente modal
constitui-se enquanto modalidade impura – campos que serão tratados a seguir.
24
Embora tenha como um dos focos principais de sua pesquisa o limite do que é
modalização, Cervoni (1989, p. 63) assevera que esse objetivo não tem um caráter rígido,
pois “a natureza do objeto estudado se opõe a isso”
2.2.1 O núcleo duro
O núcleo duro denominado, segundo Cervoni (1989), como tipicamente modal
recai, modifica inteiramente toda a proposição e pode ser observado em
Exemplo 13: É certo que você vem trabalhar amanhã.
Uma vez que a estrutura É certo vai atuar sobre toda a proposição – que você vem
trabalhar amanhã, ou seja, toda a proposição está sendo modificada pelo elemento
modalizador É certo. O núcleo duro é constituído pelas modalidades proposicionais e
pelos auxiliares de modo. De acordo com o autor, ambos possuem uma “significação
essencialmente modal e perfeitamente explícita” (CERVONI, 1989, p. 63).
2.2.1.1 As modalidades proposicionais
Cervoni (1989) apresenta uma forma canônica baseada na estrutura da língua
francesa: “// (= ele) (unipessoal) + é + Adjetivo + que P ou Infinitivo”, como em
Exemplo 14: É necessário que as crianças voltem a estudar.
Cervoni (1989) considera, em exemplos desse tipo, que a modalização ocorre a
partir dessa fórmula apresentada acima e que o elemento modalizador – nesse caso É
preciso – vai incidir sobre toda a proposição – aqui explicitada pela estrutura que as
crianças voltem a estudar, sendo, assim, constituído enquanto núcleo duro ou
modalização pura. Porém, observa-se que nem todas as estruturas aparecem assim
desenvolvidas como em
25
Exemplo 15: A chegada de Patrícia é certa.
De acordo com a postura de Cervoni (1989), a estrutura do exemplo décimo quinto
pode ser vinculada à forma canônica, sendo desenvolvida e dita da seguinte maneira – É
certo que Patrícia chegue – podendo, assim, ser analisada e confirmada a partir de sua
fórmula.
2.2.1.2 Os auxiliares de modo
Dentro dessa categoria, vários verbos são enquadrados. Há os que são
incontestavelmente modais, como poder e dever; os que são autênticos auxiliares ou
seguidos de Que P, como ser preciso, saber e querer – cujo valor modal, segundo o
contexto, refere-se à necessidade ou à obrigação (ser preciso) bem como à certeza
(saber, quando a construção for Que P) e ainda à vontade (querer).
O verbo querer é, segundo Cervoni (1989), um verbo potencial, uma vez que nem
sempre é modal e, nesse caso, quando for modalizador, é importante especificar qual é o
seu “valor modal”, já que querer pode expressar uma obrigação, um desejo ou ainda um
sonho do locutor, como em
Exemplo 16: Eu quereria ter uma casa.
Nesse caso, o verbo em questão não se enquadra no campo da modalização, ou
seja, esse verbo tem valor de auxiliar, nesse exemplo querer expressa um desejo, um
sonho. No mesmo exemplo, querer, portanto, faz parte dos verbos que modalizam, mas
com a categoria de verbo potencial, aqueles que são sempre auxiliares, mas nem sempre
modais.
Os semi-auxiliares modais crer e parecer são verbos que nem sempre são
auxiliares e nem sempre são modais. Eles podem designar uma probabilidade, sendo
assim caracterizados como verbos modalizadores epistêmicos, mas como não são
modalizadores epistêmicos em todas as suas ocorrências, denominam-se de semi-
auxiliares modais.
Exemplo 17: José parece estar preocupado.
26
No exemplo dado, o verbo parecer atua como verbo auxiliar e também verbo
modal, já que esse verbo emite uma noção de incerteza, probabilidade por parte do
locutor. Há uma isenção do locutor no discurso articulado por ele.
2.2.1.3 Os equivalentes
Os equivalentes referem-se a adjetivos e advérbios que veiculam modalidades
proposicionais, tais como em:
a) advérbios derivados de adjetivos tipicamente modais: necessariamente,
obrigatoriamente, certamente, provavelmente, facultativamente, como em
Exemplo 18: Provavelmente ela estará em casa hoje à noite.
b) adjetivos terminados em -ável, -ível, -úvel – apenas os equivalentes dos elementos
tipicamente modais, nos quais “se percebe com nitidez uma estrutura lógica
Modalidade (proposição)”, sendo assim excluídos adjetivos como abominável,
agradável, confortável, terrível (CERVONI, 1989, p. 67).
Exemplo 19: É admirável a responsabilidade daquele profissional.
Segundo a teoria de Cervoni (1989), o adjetivo pode veicular a noção de “que
devemos admirar”, tendo, assim, a estrutura proposicional de modalização proposta pelo
autor.
2.2.2 A MODALIDADE IMPURA
27
Elementos lingüísticos não inseridos no contexto do núcleo duro e que podem ser
determinados como elementos parcialmente modais são considerados como modalidade
impura. Esse tipo de modalidade pode se opor aos casos de núcleo duro, uma vez que a
modalidade é “implícita ou mesclada num mesmo lexema, num mesmo morfema, numa
mesma expressão, a outros elementos de significação” (Cervoni, 1989, p.68). São eles:
2.2.2.1 Lexemas verbais e expressões unipessoais
Ao analisar os lexemas um dos componentes sêmicos pode constituir-se enquanto
modalidade, que pode entrar em combinação tanto com um causativo (fazer) quanto com
um enunciativo (dizer). Dessa maneira, o verbo obrigar, por exemplo, pode veicular a
idéia de fazer que X dever. Como exemplo de enunciativo + modalidade existem os
verbos sustentar, afirmar, confirmar, garantir, entre outros. Outros verbos como dizer que,
responder que, explicar que não são considerados verbos modais e se limitam a explicitar
as circunstâncias da interlocução. (CERVONI, 1989, p. 68)
Exemplo 20: Eu sustento que Júlia não vai fazer a prova.
Ao utilizar o verbo sustentar, o locutor não apenas diz, mas ratifica, afirma
categoricamente que Júlia não vai fazer a prova. É o verbo expressando a ação que
denomina.
Cervoni (1989, p. 74) trata das modalidades de frase, excluindo-as do campo das
modalidades. São aquelas que “se limitam a explicitar o fato da enunciação, a sublinhá-lo,
a chamar a atenção para ele.” O caso Eu digo que, por exemplo, representa este
fenômeno, pois se coloca como pouco corrente na língua em uso, só “empregado nos
casos em que existe uma razão particular para insistir no fato de que se está enunciando
alguma coisa.”
As expressões unipessoais – útil, agradável, interessante, grave etc. carregam
uma dualidade – têm uma fraca relação com a modalidade, mas com ressalvas: “do
ponto de vista sintático, essas expressões não se distinguem em nada das modalidades
proposicionais” (Cervoni, 1989, p.69)
Exemplo 21: Seria útil a presença do prefeito na comitiva.
28
Os avaliativos são aplicados em situações em que adjetivos, por exemplo, podem
veicular uma modalidade em determinada estrutura, enquanto em outras, não. O vocábulo
grave em
Exemplo 22: É grave que isso tenha ocorrido
Pode determinar uma modalização, mas em
Exemplo 23: Uma grave doença se alastra
não se verifica a ocorrência de modalização.
Cervoni (1989) menciona os adjetivos que, mesmo podendo ser avaliativos, não
entram na categoria precedente (a de se denominarem como modalizadores) por serem
incapazes de determinar uma proposição e, assim, não têm nada de modal. O adjetivo
rápido e seu advérbio rapidamente constituem essa categoria
Exemplo 24: A volta da criança é rápida (ou A criança volta rapidamente),
mas,
Exemplo 25: É rápido que a criança volte.
Essa estrutura é inaceitável, uma vez que não possui sentido.
Os adjetivos modais e não modais – os adjetivos tipicamente modais são assim
considerados quando eles “se relacionam com um nome, ou reativam de certo modo uma
proposição subjacente” (CERVONI, 1989, p.70), como é o caso de
Exemplo 26: A leitura do livro é proibida.
A proposição subjacente – É proibido que se leia o livro – constitui a forma
canônica proposta por Cervoni (1989).
O autor remete novamente aos adjetivos avaliativos, assegurando que estes são
modais se recuperada a forma canônica quando assim se expressa:
29
Os adjetivos avaliativos que podem fornecer uma expressão unipessoal determinam ou uma proposição – eventualmente “reativada” (ex.: Sua queda é grave – É grave que tenha caído), e então eles se vinculam às modalidades – e, ou um nome não “reativável” (ex.: Um ferimento grave), e, neste caso, não cabe considerá-los como portadores de modalidade (CERVONI, 1989, p. 70).
Há, porém, uma ressalva a se fazer quanto ao fato de os adjetivos avaliativos
terem valor modal apenas se apresentarem a forma canônica, como explicita a citação
anterior. Neves (2000) veicula que os adjetivos podem exprimir valores modais sem que
seja preciso recuperar a forma canônica proposta por Cervoni (1989).
Exemplo 27: Pareceu-me o meio mais simples de evitar uma possível crise na
família.
O adjetivo possível é o elemento modalizador que incide sobre crise na família.
Analisando esse exemplo, percebe-se que ele não se enquadra na forma canônica
proposta por Cervoni (1989). Neves (2000) o caracteriza enquanto modalizador
epistêmico, pois ele “exprime conhecimento ou opinião do falante” (NEVES, 2000, p. 188).
É necessário considerar que os adjetivos modalizadores podem exercer a função
de modalizadores epistêmicos, assim classificado por Neves, mas eles podem também
exercer a função de modalizadores avaliativos (não tomando esse termo como
semelhante aos adjetivos avaliativos propostos por Cervoni (1989)), estando inseridos na
forma canônica, proposta por Cervoni (1989) ou não, visto que exprimem uma avaliação
da proposição por parte do locutor, um ponto de vista, um juízo de valor quanto ao seu
conteúdo proposicional; o locutor, ao exprimir seu enunciado indica como ele quer que
este seja lido.
Exemplo 28: Eu era gordinha, bem gordinha, bem gordinha, o pescocinho bem
enterradinho.
A partir desse exemplo, retirado da pesquisa do VALPB – Volume II, pode-se
atentar para o uso do termo enterradinho. Esse adjetivo, assim emitido pela entrevistada
com o uso do sufixo -inho, carrega em si o sentido de expressar qualidades negativas a
seu respeito. Ela relata suas características físicas de quando era mais jovem e tenta
30
envolver o interlocutor com o seu discurso, usando um termo que demonstra o seu ponto
de vista. A informante faz uma avaliação do que está descrevendo e utiliza o adjetivo para
causar um certo impacto quanto ao que está proferindo.
Como se vê a partir desse exemplo e de outros que seguirão na análise, os
adjetivos (neste caso, adjetivos com o sufixo -inho) podem exprimir certos sentidos que
são dotados de modalização. Faz-se necessário, ainda, acrescentar que, não somente
em adjetivos, como também em substantivos, o locutor pode emitir seu juízo de valor ao
produzir enunciados.
Exemplo 29: Uma história que eu aprendi quando criança? Num tenho nenhuma
pra contar não. *Porque todas as <histo-> (riso) que eu- eu me lembro assim da minha vó,
a mãe da minha mãe, ela era muito boazinha pra mim, sabe. Muito boazinha, a bichinha.
Bichinha, retirado também de uma entrevista contida no VALPB – Volume II,
demonstra o carinho que a entrevistada sente pela avó. Assim como no exemplo anterior,
ela tenta envolver o interlocutor, só que, nesse exemplo, o termo denota a idéia de
carinho. O seu ponto de vista e a sua intenção de mostrar ao interlocutor a idéia que ela
tem da parenta, ficam expressos a partir de seu enunciado.
Considerando as observações aqui esboçadas, diz-se que ocorre modalização não
apenas quando o elemento modalizador, no caso o adjetivo, assume a forma canônica
(Cervoni, 1989) ou quando exprime o conhecimento do falante – modalização epistêmica
(Neves, 2000). Há modalização no que se refere à uma avaliação do locutor quanto ao
que está sendo por ele articulado e com o propósito de fazer com que seu interlocutor leia
seu discurso da maneira como ele propõe. E não apenas adjetivos, como também
substantivos podem, em algumas ocasiões, ser classificados enquanto modalizadores
avaliativos – aqueles em cujo uso o locutor expressa sua avaliação, opinião de seu
enunciado, como já dito anteriormente.
2.2.3 RECURSOS MODALIZADORES
31
Para Koch (2002), é importante declarar que as intenções do locutor são
expressas a partir dos enunciados que ele produz e que essas intenções podem ser
demonstradas de maneira camuflada, isenta de responsabilidade, marcando o discurso
de alguma maneira, ou seja, sob aspectos da Teoria da Modalização. A autora elenca
diversos tipos de lexicalização em que a modalização pode aparecer como recursos
utilizados pelo locutor:
a) performativos explícitos: eu ordeno, eu proíbo, eu permito, etc.; b) auxiliares modais: poder, dever, querer etc.; c) predicados cristalizados: é certo, é preciso, é necessário, é
provável etc.; d) advérbios modalizadores: provavelmente, certamente,
necessariamente; e) formas verbais perifrásticas: dever, poder, querer etc. + infinitivo; f) modos e tempos verbais: imperativo; certos empregos de
subjuntivo; uso do futuro do pretérito com valor de probabilidade, hipótese, notícia não confirmada; uso do imperfeito do indicativo com valor de irrealidade etc.;
g) verbos de atitude proposicional: eu creio, eu sei, eu duvido, eu acho etc.;
h) entonação: (que permite, por ex.: distinguir uma ordem de um pedido, na linguagem oral);
i) operadores argumentativos: pouco, um pouco, quase, apenas, mesmo etc.
(2002, p. 85). j) adjetivos; l) substantivos.
É por meio desses recursos modalizadores (e de outros) que o locutor exprime
suas intenções e sua atitude diante dos enunciados por ele produzidos. Esse discurso
pode aparecer de maneira camuflada, desprendida de responsabilidade.
A teoria da modalização, apreciada sob a perspectiva de alguns autores, pode
ocorrer através de vários tipos de lexicalização. As observações aqui esboçadas
fundamentam essa teoria. O dizer camuflado, ausente de responsabilidade é implícito, ou
seja, dito de uma maneira modalizada. O locutor, ao comunicar-se, utiliza diversos
recursos lingüísticos, e o discurso modalizado é mais uma estratégia utilizada na
comunicação.
2.3. MODALIZAÇÃO: SUA CLASSIFICAÇÃO
32
Os modalizadores, elementos lingüísticos que “funcionam como indicadores das
intenções, sentimentos e atitudes do locutor com relação ao seu discurso” (KOCH, 2002,
p. 136) são classificados, segundo Castilho e Castilho (1992), em três tipos de
modalização, as quais demonstram as diferentes posições do locutor ao produzir seu
enunciado: modalização epistêmica, deôntica e afetiva. Os modalizadores se materializam
em determinadas classes de palavras como também em estruturas e recursos da língua
tais como os tipos de lexicalização, mencionados acima.
Koch (2002, p. 73) adiciona mais uma denominação à classificação dos
modalizadores ao fazer referência aos modalizadores aléticos, (também chamados de
Ontológicos ou Aristotélicos) que dizem respeito à verdade de estado de coisas. A
modalidade alética não é discutida apenas por Koch (2002), Cervoni (1989) e Lyons
(1977), como se verá a seguir. Essa modalidade provém dos lógicos e é concernente às
noções de necessidade e possibilidade ligadas ao valor de verdade e (falsidade) das
proposições. Para Cervoni (1989, p. 60), necessidade pode “se confundir mais ou menos
com a indicação do que é preciso fazer ou ser para chegar a um determinado resultado
ou para respeitar uma certa norma”. Dessa maneira, os lógicos ampliaram o conceito de
modalidade no âmbito do saber e do dever, ou seja, as modalidades aléticas e as
deônticas, respectivamente.
Para Lyons (1977), a necessidade e a possibilidade alética são interdefinidas na
negação, ou seja, elas são duais. Vejam-se os exemplos:
Exemplo 30: Necessarily, the sky is blue.2
É logicamente equivalente a:
Exemplo 31: It is not possible that the sky is not blue.3
O fato de a necessidade e a possibilidade aléticas serem duais significa que elas
são como quantificadores universais e existenciais. Esse paralelismo entre quantificação
2 Necessariamente, o céu é azul.
3 Não é possível que o céu não seja azul.
33
e modalidade é, de alguma forma, casual. Geralmente os lógicos relacionam a
modalidade alética mais à necessidade do que à possibilidade. Esse tipo de modalidade,
como a negação proposicional, é uma definição funcional da verdade. Veja-se o seguinte
exemplo, contextualizado em uso do dia-a-dia em línguas naturais:
Exemplo 32: He may not come.4
Não há dúvida de que essa sentença pode ser usada para defender a proposição
negativa modalizada. Nesse caso, tanto a negativa not (não) quanto o verbo modal may
(poder) contribuem para a construção do conteúdo proposicional da sentença. Porém,
nessa sentença, a modalidade é mais epistêmica (concernente ao valor de verdade da
proposição) ou deôntica (concernente à obrigatoriedade do conteúdo proposicional) do
que alética. Ela é mais subjetiva do que objetiva. Ao se expressar através desses
recursos, o falante pode expor suas crenças, sua maneira de pensar mais do que se
apresentar como portador de dizeres neutros.
Lyons (1977) subdivide as modalidades epistêmica e deôntica, afirmando que elas
podem ser objetivas (máxima distância entre o que está sendo asseverado e o locutor) ou
subjetivas (mínima distância entre o que está sendo asseverado e o locutor). Quanto a
essa classificação, devem ser consideradas as noções de Dubois (1993) já discutidas
anteriormente.
Se for dada uma interpretação epistêmica objetiva à sentença 32 acima, seu
conteúdo proposicional deve ser:
Exemplo33: Relative to what is known, it is possible that he will not come5 (p. 330)
Se for dada a interpretação deôntica objetiva, seu conteúdo proposicional será:
Exemplo 34: It is not permitted that he come6 (p. 330)
4 Pode ser que ele não venha.
5 Relativo ao que se sabe, é possível que ele não venha.
6 Não é permitido que ele venha.
34
Em ambos os casos, a modalidade é concebida como algo que é, em certo
universo deôntico ou epistêmico, externo a quem quer que expresse a sentença na
ocasião particular da enunciação. Isso é o que se refere à modalidade objetiva. Ambas as
modalidades, epistêmica e deôntica, são realizadas objetivamente na modalidade lógica
padrão e na semântica formal.
A modalidade epistêmica subjetiva não é nada mais do que a qualificação de um
locutor sobre seu enunciado epistêmico. Esse locutor pode indicar que sua autoridade
epistêmica não é tão boa quanto deveria; que seu enunciado é experimental, provisório
ou condicional ao invés de absoluto, e assim por diante.
Todas as línguas naturais oferecem aos seus falantes recursos prosódicos
(acentuação e entonação) com os quais eles expressam tipos distintos de enunciados
epistêmicos. Alguns, mas nem todos, são gramaticalizados (categoria de modo); alguns
são lexicalizados ou semilexicalizados (verbos modais – dever, adjetivos modais –
possível, advérbios modais – possivelmente, partículas modais – talvez).
Sobre a categorização dos modalizadores, descreve-se, a seguir, sua classificação
na perspectiva de Castilho e Castilho (1992) que determinam os modalizadores em três
tipos: 1. modalizadores epistêmicos (asseverativos, quase-asseverativos e os
delimitadores); 2. modalizadores deônticos e 3. modalizadores afetivos (subjetivos e
intersubjetivos).
A modalização epistêmica caracteriza-se pela escolha do falante em expressar
uma avaliação sobre o valor de verdade e as condições de verdade da proposição. Esse
tipo de modalização pode se dividir em:
a) asseverativos – o falante considera verdadeiro o conteúdo da proposição,
apresentado por ele, como uma afirmação ou uma negação que não dá margem a
dúvidas, constituindo-se numa necessidade epistêmica. Nessa classificação podem se
enquadrar os predicados cristalizados, tal como é certo; verbos de atitude proposicional
do tipo eu sei;
b) quase-asseverativos – o falante considera o conteúdo da proposição quase
certo, próximo à verdade, como uma hipótese que pode ser confirmada, e por isso
mesmo ele se isenta de toda responsabilidade sobre a verdade ou a falsidade (da
proposição), como ocorre nos auxiliares modais poder, dever, quando expressam
eventualidade e probabilidade; nos advérbios modalizadores provavelmente,
necessariamente, possivelmente; e no uso do futuro do pretérito com valor de
probabilidade, hipótese, notícia não confirmada; e
35
c) delimitadores – em que o falante estabelece os limites dentro dos quais se deve
qualificar o conteúdo da proposição. Essa classificação é caracterizada por implicitar uma
negociação entre os interlocutores, necessária à manutenção do dialogo (CASTILHO &
CASTILHO,1992, p. 222).
Como exemplo de modalizadores epistêmicos asseverativos, na oração
Exemplo 35: Realmente a peça “As malditas” é muito boa,
há a indicação de que o locutor assume como verdadeiro o conteúdo da
proposição. O falante sabe que a peça é mesmo boa e introduz seu discurso, fazendo uso
do termo realmente.
Um exemplo que justifica a denominação dos quase-asseverativos é
Exemplo 36: Talvez amanhã ele venha.
Nota-se que o locutor, ao expressar-se, deixa a sua marca de indefinição e
incerteza, evidenciando que ele (o falante) não assume o que está sendo dito. Há uma
crença no que ele expressou, uma possibilidade, porém dúbia. Por isso, o uso de talvez.
Pode-se considerar o seguinte exemplo com relação aos modalizadores
epistêmicos delimitadores:
Exemplo 37: Politicamente, Lula está negando as suas raízes.
O locutor estabelece uma espécie de negociação com o interlocutor, delimitando o
assunto em questão. O termo politicamente estabelece os limites dentro dos quais se
deve ler o conteúdo da proposição. Com o uso desse advérbio, desprezam-se, na
conversação, todos os outros aspectos relativos à vida de Lula, enfatizando, delimitando
apenas o aspecto político.
Os modalizadores deônticos indicam que o falante considera o conteúdo da
proposição como um estado de coisas que deve, precisa ocorrer obrigatoriamente. Esses
modalizadores referem-se ao eixo da conduta, à linguagem das normas, àquilo que se
deve fazer (KOCH, 1987) e podem ser materializados em recursos como os performativos
36
explícitos, eu ordeno, eu proíbo; auxiliares modais, dever, quando indica uma obrigação;
formas verbais perifrásticas, dever + infinitivo; na entonação.
Exemplo 38: Obrigatoriamente, este exercício deve ser entregue até amanhã.
O grau de ordem é bastante explícito. A proposição aparece indicando uma
obrigação, uma ordem, algo que precisa acontecer.
O terceiro tipo de modalização é denominado de modalizadores afetivos. Eles
verbalizam as reações emotivas do falante em face do conteúdo proposicional. Segundo
os autores, esse tipo de modalização caracteriza a função emotiva da linguagem e pode
ser representado pelo predicador ‘eu sinto X em face de P (proposição)’. Esse tipo de
modalização pode ocorrer, por exemplo, em recursos de entonação, quando o locutor
exprime sua subjetividade.
Os modalizadores afetivos podem ser subdivididos em:
a) subjetivos – que expressam uma predicação dupla, a do falante em face da
proposição e a da própria predicação, como em
Exemplo 39: Infelizmente não haverá a festa
Ao se expressar usando o termo infelizmente, o locutor deixa marcado o seu ponto
de vista (opinião), pois ele opina sobre a proposição. Para ele é infeliz o fato de não haver
a festa e, ao mesmo tempo, o termo incide sobre o contexto, considerando que é uma
infelicidade não haver a festa; e
b) intersubjetivos – expressam uma predicação simples, assumida pelo falante em
face de seu interlocutor, como em
Exemplo 40: Sinceramente, não consigo perceber esse erro
Neste caso, nota-se que apenas o ponto de vista do locutor é expresso pelo termo
sinceramente. A sentença Não perceber esse erro é uma sinceridade não faz sentido; o
modalizador sinceramente recai apenas quanto ao sentimento do falante. É, portanto,
monovalente.
Para fins de melhor compreensão e adaptação ao corpus estudado, convém que
essa última classificação (modalizadores afetivos) seja redefinida, assumindo, nesta
37
pesquisa, a denominação de modalizadores avaliativos. Esse termo é apresentado por
Nascimento (2005) em sua pesquisa sobre a polifonia e a modalização na notícia
jornalística. Essa nova designação pode ser justificada porque,
Mais do que revelar um sentimento ou emoção do locutor em função da proposição ou enunciado, esse tipo de modalização indica uma avaliação da proposição por parte do falante, emitindo um juízo de valor e indicando, ao mesmo tempo, como o falante quer que essa proposição seja lida (NASCIMENTO, p. 64, 2005).
Ao analisar os dois exemplos determinados a partir da classificação de
modalizadores afetivos subjetivos e intersubjetivos acima, percebe-se que o locutor, ao
emitir seu discurso, possui uma avaliação do que está sendo proferido da mesma forma
que o interlocutor, que também apresenta seus próprios juízos de valor ao receber o que
está sendo expresso pelo locutor. “Tanto num caso como no outro, o locutor responsável
pelo enunciado imprime o modo como este deve ser lido ao mesmo tempo em que emite
um juízo de valor ou uma avaliação sobre o conteúdo da proposição” (NASCIMENTO,
2005, p. 65). O locutor conduz seu discurso de modo a causar determinadas impressões
no interlocutor.
Neves (2000) faz uso dessa idéia ao se referir a adjetivos e os classifica enquanto
modalizadores epistêmicos. Ressalte-se, porém, que para a idéia de opinião, avaliação
por parte do falante, o termo aqui utilizado é o de modalizadores avaliativos e que, nesta
pesquisa, eles isentam-se de qualquer caráter epistêmico ou deôntico. Como exemplos
de recursos modalizadores atuando na classificação de modalizadores avaliativos,
podem-se enquadrar adjetivos e substantivos.
Assim, como já definido, ao avaliar o corpus em questão, tendo como propósito um
direcionamento didático, o conceito de modalizadores avaliativos é o que será adotado
nesta pesquisa.
38
3 O SUFIXO -INHO E AS GRAMÁTICAS NORMATIVAS
Introdução
A língua se constitui como um fenômeno dinâmico que, ao longo do tempo, vai se
transformando, moldando-se às necessidades e tendências que surgem de acordo com
mudanças históricas, culturais e geográficas de um povo. A sociedade é, assim,
fundamental para a rapidez ou a lentidão desses fatores modificadores concernentes à
língua. Havendo modificação na língua, seja de qual natureza for, vários aspectos devem
ser considerados. A língua portuguesa sofreu diversas alterações ao longo de sua
evolução, e essas modificações podem ser constatadas sob alguns aspectos. Assim, este
capítulo tem o objetivo de mostrar o sufixo -inho na língua portuguesa e sua apreciação
nas GNs.
3.1. O SUFIXO -INHO
A partícula -inho, usada mais comumente na linguagem oral, corresponde a uma
das formas presas mais empregadas em substantivos no uso diário. Segundo Sandmann
(1988, p. 41), “as formações diminutivas são, afinal, uma riqueza de todas as línguas
românicas, que com exceção do francês, tiram proveito.”
Esta partícula -inho pode ser compreendida de duas maneiras: enquanto afixo,
denominando-se como sufixo derivacional, e enquanto grau do substantivo, determinado
sob o aspecto de diminutivo. Para esta pesquisa, a partícula -inho será denominada de
sufixo derivacional.
Nas GNs analisadas nesta pesquisa, o sufixo -inho encontra-se na seção referente
a sufixos e a substantivos. É necessário que haja uma explanação sobre como os autores
tratam o referido sufixo. Em primeiro lugar, ocorre nas GNs o -inho como afixo. Em
seções seguintes, ele aparece como grau do substantivo.
39
Sobre o sufixo -inho, do ponto de vista formal, é importante observar a distinção
entre flexão e derivação e encaixá-lo em determinada classificação. O substantivo não
possui flexão de grau, sendo, então o -inho um sufixo derivacional. O -inho tem valor
derivacional, posto que a flexão consiste fundamentalmente no morfema aditivo sufixal acrescido ao radical, enquanto a derivação consiste no acréscimo ao radical de um sufixo lexical ou derivacional: casa + s: casas (flexão de plural); casa + -inha: casinha (derivação) (BECHARA, 2003, p. 341).
Além disso, os sufixos derivativos são em geral mais longos que as desinências gramaticais, além de serem estas quase sempre átonas, enquanto aqueles são normalmente tônicos; outra distinção consiste em que os sufixos vêm imediatamente após o núcleo, e as desinências após os sufixos (BECHARA, 2003, p. 339).
Devido a essas observações e à estrutura da pesquisa, o sufixo -inho será aqui
analisado enquanto sufixo derivacional. É cabível apontar o valor semântico que esse
sufixo carrega e não apenas o morfológico, aquele que altera a categoria gramatical do
radical.
Assim como todas as outras línguas naturais e vivas, o português absorve
estruturas gramaticais que visam a “ampliar e renovar o seu léxico em função das
palavras já existentes” (MATTOSO, 1976). O processo de derivação é mais um
mecanismo proveniente do latim. O português do Brasil passou por variadas modificações
ao longo dos anos. O léxico, bastante ampliado, evoluiu e sofreu variações distintas. O
uso de sufixos remete a um dos vários subsídios existentes para o funcionamento e
enriquecimento de uma língua.
O sufixo -inho é determinado a partir de seu uso e se concretiza em substantivos,
adjetivos e advérbios, embora não se trabalhe com advérbios nesta pesquisa. Os sufixos
têm a característica de serem “elementos presos e de formarem ou ser possível formar
com eles palavras em série” (SANDMANN, 1988) – bonito + -inho → bonitinho. Os sufixos
têm como definição o fato de serem pospostos ao radical. Pelo atributo mencionado,
pode-se concluir, entretanto, que esta é uma definição parcial, pois eles se caracterizam
“muito mais pela função ou pelo resultado que provocam” (SANDMANN, 1988). Sabe-se
que os sufixos possuem ainda a particularidade de mudarem a classe de palavras em que
estão inseridos – feliz → felizmente, com exceção dos sufixos aumentativos e diminutivos,
os quais permanecem com a mesma classe gramatical do radical – casa→ casinha.
40
A derivação desempenhava um mecanismo ponderado em latim clássico mas, se
desenvolveu bastante em latim vulgar. Segundo Mattoso,
Ampliou-se a utilização dos sufixos que já funcionavam, outros foram remodelados, e novos se introduziram por combinações, dentro da língua, ou por empréstimo a outra língua, como especialmente ao grego. A grande tendência foi abandonar para esse fim os segmentos átonos e dar preferência a segmentos nitidamente marcados pelo acento vocabular (MATTOSO, 1976, p. 214/ 215).
Seguindo o pensamento de Mattoso (1976), observa-se que, considerando a
estrutura, há duas circunstâncias muito importantes em relação ao sufixo. A primeira está
relacionada ao que é sufixo e ao que é radical em um vocábulo qualquer. Há, ao longo da
evolução da língua, uma ampliação ou redução, acontecendo, assim, uma incorporação
de um fonema ao radical, como também um destaque do que era inicialmente um fonema.
De acordo com Bourciez (1930), “nas diferentes épocas houve certas mudanças de
concepção em referência à porção do vocábulo sentida como sufixo” (apud MATTOSO,
1976, p. 215). Pode haver, então, variação quanto a esse fato mesmo nos dias atuais. Um
exemplo desse fenômeno pode ser constatado no sufixo diminutivo em latim – -ulu e sua
variante -culu – que perdeu a função de diminutivo. Nos nomes em que se manteve,
integrou-se ao radical, constituindo “uma nova palavra simples que substituiu o termo
primitivo” (MATTOSO, 1976, p. 224)
A segunda circunstância está relacionada à integração no sufixo de uma vogal
temática, “que situa a palavra derivada num tema determinado, independente da palavra
primitiva de que se deriva – artista, pianista, de tema em -a, derivados de arte, com tema
em -e e piano, com tema em -o” (MATTOSO, 1976, p.215).
Há outras possíveis alterações quanto a este fator: ao se colocar junto à palavra
primitiva, a vogal do tema primitivo pode ser ocultada por regra de supressão de uma
vogal átona em contato com outra vogal. Isso ocorre com o sufixo -inho – bonitinho de
bonito. Pode, ainda, haver uma redução e tornar-se uma “vogal de ligação” entre o radical
e a consoante inicial do sufixo – amenidade de ameno + dade com a redução de -o para -
i. Outra característica a ser considerada é com relação ao sufixo -zinho que cria uma
locução em que o vocábulo fonológico tem a sua variação concordando com a do sufixo,
o que resulta nas terminações em -zinho e -zinha – lobazinha; lobozinho .
É válido destacar que palavras derivadas, sejam de origem latina ou derivadas do
empréstimo a outras línguas, “podem servir de modelo para a estruturação de novas
palavras, fornecendo no seu elemento final um meio permanente na língua para novas
41
derivações” (MATTOSO, 1976, p. 216). Se assim não ocorrer, o sufixo não é produtivo e
não funciona como ferramenta de criação lexical.
Quanto à classificação, a derivação sufixal pode se dividir em:
a) Nominal → quando se aglutina a um radical para dar origem a um
substantivo ou a um adjetivo – ponteira, pontinha; b) Verbal → quando, ligado a um radical, dá origem a um verbo – bordejar,
amanhecer; c) Adverbial → sufixo -mente, acrescentado à forma feminina de um
adjetivo – bondosamente, felizmente. (CUNHA, 1969, p. 65).
Embora o -inho seja o foco nesse estudo, é importante ressalvar que existem
outros sufixos diminutivos:
SUFIXO EXEMPLIFICAÇÃO SUFIXO EXEMPLIFICAÇÃO
-zinho,- a -ino, -a -im -acho, -a -icho, -a -ucho, -a -ebre -eco, -a -ico, -a -ela
Cãozinho cravina espadim riacho barbicha casucha casebre livreco burrico ruela
-elho, -a -ejo -ilho, -a -ete -eto, -a -ito, -a -zito, -a -ote, -a -isco, -a -usco, -a -ola
Rapazelho animalejo tropilha lembrete saleta casita florzita velhote chuvisco velhusco rapazola
E ainda há os sufixos eruditos, provenientes do latim e usados na língua literária e
em terminologia científica:
corpo → corpúsculo febre → febrícula globo → glóbulo gota → gotícula grão → grânulo homem → homúnculo modo → módulo monte → montículo
nota → nótula obra → opúsculo parte → partícula pele → película questão → questiúncula raiz → radícula rei → régulo verme → vermículo
42
nó → nódulo verso → versículo
Com relação ao uso do sufixo -inho ou -zinho, convém apresentar o comentário de
Cunha (1969):
Executando-se o caso das palavras terminadas em s e z, que naturalmente exigem a forma -inho (pires-inho, rapaz-inho), não é fácil indicar as razões que comandam a escolha entre -inho e -zinho. Sente-se que muitas vezes a seleção está ligada ao ritmo da frase. Por outro lado, verifica-se uma preferência na linguagem culta pelas formações com -zinho, no evidente intuito de manter íntegra a pronúncia da palavra derivante; a linguagem popular, no entanto, simplificadora por excelência, tende para as formações com -inho (CUNHA, 1969, p. 66)
Lima (1998, p. 88), postula que, ao terminar em vogal tônica ou ditongo, o
substantivo vai receber a forma –zinho: pai → paizinho; café → cafezinho. Analisando
essa observação com base no que foi examinado anteriormente, percebe-se a marca de
sufixo derivacional que o -inho carrega, pois além de ser o termo tônico do vocábulo, ele
aparece imediatamente após o radical seja o uso do -inho seja o uso do -zinho.
3.2. O SUFIXO -INHO E AS GRAMÁTICAS NORMATIVAS
Em se tratando de GNs, é oportuno afirmar que o sufixo -inho é abordado em duas
seções distintas: uma delas é quando se trata de sufixos; a outra está relacionada ao grau
dos substantivos. Nem todas as GNs, porém, trazem explanações nas duas seções.
Adiante, delineiam-se algumas observações envolvendo o -inho, com base em alguns
gramáticos da língua portuguesa. As observações estão assim divididas: em um primeiro
momento, os gramáticos que tratam do -inho apenas na seção de substantivos; em um
segundo momento, os gramáticos que tratam também dessa forma presa enquanto sufixo
derivacional; e em um terceiro momento aqueles que mencionam o sufixo -inho
determinado nos substantivos.
Pereira (1942) apresenta o sufixo -inho no campo do grau dos substantivos. Nesse
espaço, o autor apresenta o sufixo e suas possíveis variações e descreve a relação entre
os substantivos que recebem a designação -inho e os que recebem a designação -zinho:
“Nas palavras terminadas por vogal tônica ou por ditongo, é de rigor -zinho (pezinho,
43
mãezinha), nas outras, é, em geral, facultativo → -inho ou -zinho” (PEREIRA, 1942, p.
93). Ele acrescenta uma noção bastante condizente com relação ao -inho:
Os aumentativos e os diminutivos têm, às vezes, sentido PEJORATIVO, isto é, deprimem a idéia, encarecendo-a ridícula ou ironicamente; o diminutivo tem, não raro, sentido AFETIVO, exprimindo ternura, como – filhinho, amiguinho, mãezinha, Zequinha, Mariquinhas (PEREIRA, 1942, p. 93).
Apesar dessa ressalva, não há uma descrição mais aprofundada a respeito de
outras possíveis funções quanto ao uso do sufixo -inho. Falta, ainda, um apanhado
contextualizado, pois, em sua explicação, o referido autor cita apenas vocábulos soltos.
Cunha (1969) esboça o -inho na seção de substantivos. Ele faz uma observação
que merece destaque: Convém ter presente que o que denominamos AUMENTATIVO e DIMINUTIVO nem sempre indica o aumento ou a diminuição do tamanho de um ser. Ou melhor, essas noções são expressas em geral pelas formas analíticas, especialmente pelos adjetivos grande e pequeno, ou sinônimos, que acompanham o substantivo (CUNHA, 1969, p. 140).
Cunha (1969) ainda cita uma passagem de Skorge, segundo a qual
O emprego dos sufixos diminutivos indica ao leitor ou interlocutor que aquele que fala ou escreve põe a linguagem afetiva no primeiro plano. Não quer comunicar idéias ou reflexões, resultantes de profunda meditação, mas o que quer é exprimir, de modo espontâneo e impulsivo, o que sente, o que o comove ou impressiona – quer seja carinho, saudade, desejo, prazer, quer, digamos, um impulso negativo: troça, desprezo, ofensa. Assim se encontra no sufixo diminutivo um meio estilístico que elide a objetividade sóbria e a severidade da linguagem, tornando-a mais flexível e amável, mas às vezes também mais vaga (SKORGE apud CUNHA, 1969, p. 50-51).
Nesse relato, a autora demonstra que o sufixo -inho tem um valor a mais que o de
expressar apenas dimensão. Este sentido, aliás, não é sequer enfocado. Ela abre espaço
para uma contextualização semântica em que o sufixo pode expressar espontaneidade e
impulso. Sua contribuição é pertinente, porém faltam-lhe exemplificações para que possa
ficar mais completa.
Lima (1998) classifica o grau dos substantivos dando ênfase aos diminutivos -inho
e -zinho. Ele demonstra como usar esses dois sufixos e acrescenta que os diminutivos
encerram idéia de carinho.
Bechara apresenta o -inho semelhante a outras posturas e postula que:
44
fora da idéia de tamanho, as formas aumentativas e diminutivas podem traduzir o nosso desprezo, a nossa crítica, o nosso pouco caso para certos objetos e pessoas, sempre em função da significação lexical da base, auxiliados por uma entoação especial (eufórica, crítica, admirativa, lamentativa, etc.) e os entornos que envolvem falante e ouvinte: poetastro, politicalho, livreco, padreco, coisinha, issozinho – dizemos então que os substantivos estão em sentido pejorativo. A idéia de pequenez se associa facilmente à de carinho que transparece nas formas diminutivas das seguintes bases léxicas – paizinho, mãezinha, queridinha (BECHARA, 1999, p. 141).
Sua observação refere-se à função pejorativa, que, em suas observações está
mais relacionada com o sufixo aumentativo, e à função de carinho é designada, segundo
este autor, através do sufixo -inho. O que Bechara (e outros) apresentam, condiz com o
uso real do -inho, mas pode-se dizer que falta um aprofundamento maior, uma vez que,
ao longo de todas as discussões citadas, percebe-se que essas duas funções são as
mais enfatizadas e não há contextualização do que é proferido.
Macambira (1999, p. 32), além de expor o sufixo -inho com a mesma postura dos
gramáticos já mencionados, acrescenta um tópico que deve ser considerado. Segundo
ele, quando empregado em adjetivos, substantivos e advérbios, o sufixo -inho traz
diferença em termos semânticos se comparado à idéia de extensão; bonitinha, por
exemplo, não tem como definição pequena bonita. Assim, ele mostra que A casa é
bonitinha não tem a mesma conotação de A casa é pequena bonita; ou seja, há uma
diferença de sentido quanto ao uso do sufixo -inho, que normativamente é designado para
expressar dimensão, e do termo pequeno (a), que realmente pode expressar tamanho.
Uma gramática bastante recorrente no meio escolar é a de Pasquale e Ulisses
(1999, p. 231). No que diz respeito ao grau dos substantivos, os autores assim se
colocam:
os substantivos podem ser modificados a fim de exprimir intensificação, exagero, atenuação, diminuição, ou mesmo deformação de seu significado. Essas modificações, que constituem as variações de grau do substantivo, são tradicionalmente consideradas um mecanismo de flexão. Você perceberá, no entanto, que não se trata de mecanismos de flexão – obrigatórios para a manutenção da concordância nas frases –, mas sim de processos de derivação e de caracterização sintática.
Os autores relatam em seu comentário a caracterização sintática do sufixo sendo
trabalhado com a intenção de exprimir intensificação, exagero, atenuação, porém, cabe
acrescer que o aspecto semântico também deve ser considerado, visto que, dependendo
45
do contexto e de aspectos prosódicos, o mesmo vocábulo pode ter várias interpretações.
Os gramáticos fazem menção ao sufixo enquanto termo derivacional.
Em se tratando da seção de sufixos, Cunha (1969) faz uma apresentação bastante
didática a respeito destes e coloca algumas observações quanto ao sufixo -inho (-zinho).
Ele aponta as possíveis aglutinações com algumas classes gramaticais, por exemplo,
quando o sufixo mant´m o gênero da palavra derivante como em casa – casinha; cão –
cãozinho e quando usar o sufixo -inho ou -zinho.
Pereira (1942) também expõe os sufixos nominais e coloca que tanto o -inho como
o -zinho podem ser usados na formação de diminutivos populares – peixinho ou
peixezinho.
Pasquale e Ulisses (1999) trazem uma seção separada em que são delimitados os
sufixos e, nesse espaço, os sufixos diminutivos. Eles apresentam o conteúdo e trazem
uma observação semelhante às já detectadas anteriormente:
É fácil notar que muitas vezes os sufixos aumentativos e diminutivos sugerem deformidade (como em beiçorra, cabeçorra), admiração (carrão), desprezo (asneirão), carinho (paizinho, pequenino), intensidade (alegrinho), ironia (safadinha) e vários outros matizes semânticos” (Pasquale e Ulisses: 1999).
Há, porém, assim como em Cunha (1969), um acréscimo de possíveis funções,
embora não sejam ainda assim denominadas. Pasquale e Ulisses (1999) mencionam
aspectos como admiração, desprezo, intensidade e ironia. Cunha (1969) aponta como
possíveis sentidos do -inho a intenção de expressar saudade, desejo, prazer, impulso
negativo. Não há, entretanto, um encaminhamento para estudos sobre o aspecto quanto a
possíveis funções do referido sufixo na língua, apenas menção.
Quanto ao uso do sufixo -inho empregado em adjetivos, quase nada é descrito.
Lima (1998) faz breve menção a esse respeito ao comentar que, com a idéia de carinho, o
referido sufixo pode se juntar a adjetivos, resultando em limpinho, bonitinho, pequenito.
Em outras gramáticas, esse fator é expresso de uma maneira generalizada na seção de
sufixos ao esclarecer que o -inho pode ser empregado não só em substantivos, como em
adjetivos, advérbios e outras palavras invariáveis, como é o caso de Cunha (1969).
Considerando as discussões aqui expostas acerca do sufixo -inho, o sufixo -inho é
bastante trabalhado nas GNs, entretanto, no que se refere a seus diferentes sentidos,
determinados de acordo com o contexto, pouco ainda é desenvolvido. Quando se trata de
seu uso empregado em adjetivos, percebe-se que quase nada é abordado.Os adjetivos
46
são mencionados em Lima (1998), o qual faz uma observação sobre adjetivos e o sufixo -
inho, de maneira superficial, sem exemplos contextualizados.
47
4 O GÊNERO TEXTUAL ENTREVISTA
Introdução
A língua compreende uma esfera da atividade humana de bastante repercussão e
utilização para a sociedade. Todos os contextos dessa atividade estão sempre
relacionados com o seu uso. Sua utilização é histórica, cultural, social e se desenvolve em
todos os eventos comunicativos denominados nos mais variados contextos. Assim sendo,
é impossível comunicar-se verbalmente sem considerar que o indivíduo faz uso de algum
gênero textual (Bakhtin, 2000). Para Bakhtin (2000, p. 279),
qualquer enunciado considerado isoladamente, é, claro, individual, mas cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos gêneros do discurso.
O enunciado é individual, entretanto a escolha de um gênero textual por algum
falante “não será nunca um ato individual, mas sim uma forma de inserção social e de
execução de um plano comunicativo intencional” (MARCUSCHI, 2000, p. 24).
É necessário ressaltar que a denominação de gêneros pode aparecer designada
enquanto gênero do discurso ou gênero textual. Segundo Marcuschi (2000, p. 07), quanto
à terminologia gêneros textuais – “trata de aspectos constitutivos de natureza empírica,
seja intrínseco ou extrínseco.” Já quanto à de gêneros discursivos “se trata de algo
realizado numa situação discursiva.” Cabe ressaltar que, nesta pesquisa, um termo ou
outro será usado, indistintamente.
Os gêneros não se caracterizam por aspectos formais, individuais, mas por
aspectos sócio-comunicativos e funcionais, os quais possuem suas características
48
peculiares de acordo com o contexto e a comunidade lingüística em que estão sendo
utilizados.
A noção de gênero decorre de necessidades sócio-culturais e de inovações
tecnológicas com suas interferências nas atividades comunicativas diárias. Inicialmente o
conceito de gênero era empregado para se referir aos gêneros literários – épico, lírico e
dramático – especificamente (BAKHTIN, 2000, p. 280). Porém, “hoje gênero é facilmente
usado para referir uma categoria distintiva de discurso de qualquer tipo, falado ou escrito,
com ou sem aspirações literárias” (SWALES, 1990, p. 33). Os gêneros estão à disposição
do contexto social e assim se desenvolvem, aparecem e podem até desaparecer,
dependendo das necessidades da comunidade discursiva em que estão inseridos.
Para Marcuschi (2002, p. 29), a utilização de um gênero não pressupõe a
caracterização de uso de formas lingüísticas, mas “a forma de realizar lingüisticamente
objetivos específicos em situações sociais particulares”. Por serem atividades
comunicativas, os gêneros concretizam-se na esfera oral ou escrita e constituem uma
vasta escala de denominações. Segundo Bakhtin (2000, p. 279), a variedade e
heterogeneidade dos gêneros são sem fim, uma vez que “a variedade virtual da atividade
humana (...) comporta um repertório de gêneros do discurso que vai diferenciando-se e
ampliando-se à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa.” Alguns
exemplos podem, entretanto, ser citados, telefonema, sermão, carta comercial, carta
pessoal, romance, bilhete, reportagem jornalística, aula expositiva, reunião de
condomínio, notícia jornalística, horóscopo, receita culinária, bula de remédio, lista de
compras, artigo científico, e-mail, conferência, entrevista, edital de concurso e muitos
outros.
Bakhtin (2000, p. 281) caracteriza os gêneros textuais enquanto gêneros primários
e secundários, concernentes a uma instância cultural mais complexa, mais bem
elaborada: artística, científica, sócio-política. Os primários são aqueles que “se
constituíram em circunstâncias de uma comunicação verbal espontânea.” . Dentro dos
secundários, podem ser encontrados os primários: “durante o processo de sua formação,
esses gêneros secundários absorvem e transmutam os gêneros primários (simples) de
todas as espécies, que se constituíram em circunstâncias de uma comunicação verbal
espontânea” (BAKHTIN, 2000, p. 281). Os gêneros primários, porém, ao se encontrarem
inseridos nos secundários, passam a ter características peculiares, assumindo atributos
atinentes ao gênero secundário. Por exemplo, dentro do romance, o diálogo deixa de se
49
caracterizar como gênero espontâneo para se integrar à realidade do romance enquanto
movimento artístico e não enquanto fenômeno do cotidiano.
Outro aspecto a ser considerado, quanto aos gêneros textuais, refere-se à
perspectiva de que uma compreensão do enunciado, bem como dos gêneros textuais, é
indispensável para qualquer estudo lingüístico. De acordo com Bakhtin (2000, p. 282),
Ignorar a natureza do enunciado e as particularidades de gênero que assinalam a variedade do discurso em área do estudo lingüístico leva ao formalismo e a abstração, desvirtua a historicidade do estudo, enfraquece o vínculo entre a língua e a vida.
4.1. A ENTREVISTA
A palavra entrevista encontra-se assim definida em Holanda (2001)
colóquio previamente marcado entre duas ou mais pessoas para se obterem certos esclarecimentos; encontro combinado entre duas ou mais pessoas a fim de divulgar ou elucidar atos, idéias, planos etc. de um dos participantes; comentário ou opinião fornecida a entrevistadores para ser divulgado pelos meios de comunicação.
Diante dessa definição, alguns aspectos já podem ser considerados sobre esse
gênero textual.
As duas ou mais pessoas mencionadas no conceito acima são, respectivamente, o
entrevistador e o (os) entrevistado (s). Ao entrevistador cabe o domínio de turno e o poder
e controle de comandar os tópicos, introduzindo-os ou retirando-os do evento discursivo.
Pode-se ter ainda mais de um entrevistador ou mais de um entrevistado, dependendo do
tipo de entrevista que esteja sendo executada. A entrevista, enquanto gênero textual oral,
ocorre em momentos interacionais face a face. As pessoas envolvidas desempenham o
papel de introduzir, manter ou retirar tópicos discursivos. Constata-se que esse gênero
textual é caracterizado como componente de interações discursivas, podendo ser
classificadas da seguinte maneira:
a) conversações casuais e
b) encontros institucionalizados.
Quanto à primeira classificação, são encontrados todos os eventos comunicativos,
para os quais não é necessária uma elaboração precedente, pois as pessoas envolvidas
50
se conhecem. Um exemplo dessa classificação pode ser o de uma conversa entre
amigos. Já, na segunda classificação,
situam-se os eventos interacionais que usualmente têm um objetivo definido. As situações são geralmente públicas e os contextos caracterizados por normas convencionalizadas; os participantes nem sempre se conhecem e um deles representa, em princípio, um papel específico e predominante derivado de sua posição institucional. (MARCUSCHI, 1988, p. 52)
Com base nessa definição, a entrevista faz parte da segunda classificação, pois
em entrevistas há objetivos e tema determinados; os participantes nem sempre se
conhecem e, normalmente, um dos participantes predomina no contexto desse gênero. É
importante ressaltar, entretanto, que essas não são normas fechadas e canonizadas e
que, no contexto interacional, pode haver variações dessas características, sejam das
conversações casuais para os encontros institucionalizados seja o oposto.
A entrevista caracteriza-se pela perspectiva da assimetria. Por assimetria entende-
se a “noção usada para descrever uma relação de desigualdade ou desequilíbrio entre os
membros participantes de um evento de fala” (MARCUSCHI, 1988, p. 58), isto é, nesse
contexto discursivo, é comum a tomada de turno e a relação de poder desenvolvida por
um dos participantes, que é (são) o entrevistador (s). Assim, é cabível dizer que a
entrevista se constitui como uma estrutura de autoridade por parte de um indivíduo para
com o(s) outro (s). Ainda, considerando o processo de assimetria existente em relações
de encontros institucionalizados como a entrevista, Marcuschi (1988, p. 54) reafirma a
classificação de van Dijk (1987) quanto às manifestações de poder em interações
interpessoais assimétricas. São elas:
(1) o poder baseia-se geralmente na posse de recursos socialmente valorizados mas desigualmente distribuídos, como status, conhecimento, especialização, etc; (2) poder é analisado em geral em relação a conceitos como dominação influência, força, autoridade, prestígio, coerção, manipulação, persuasão e legitimação; (3) em todos os casos deve ser feita uma distinção entre o poder individual e o poder social derivado da posição no grupo. (4) poder é uma propriedade específica da inter(ação) e como tal nem sempre é exercido de forma explícita, sobretudo nas relações discursivas. (5) poder é uma noção relacional em que um indivíduo A exerce algum tipo de pressão sobre outro B. Isto significa que poder é uma propriedade de uma relação específica entre A e B. (6) o poder é exercido por A sobre B no interesse de A que, para tanto, recorrerá aos meios adequados.
51
(7) o poder de A se legitima se B se rende a A seja por acreditar que os desejos e ações de A são de seu interesse ou porque quer evitar sanções.
As características de poder, acima citadas, não são necessariamente recorrentes
em todas as entrevistas de um modo geral. No caso das entrevistas do VALPB, não
houve assimetria, uma vez que o objetivo era o de explorar a fala do entrevistado, o seu
falar era o objeto da pesquisa. Porém, em outras situações, há diferença de status,
influência, persuasão por parte do entrevistador para com o entrevistado. Em muitos
casos, as pessoas entrevistadas enxergam o entrevistador enquanto uma “autoridade”.
Mais uma indicação de que esse contexto discursivo é caracterizado como uma relação
assimétrica. Quanto ao entrevistador e ainda sobre as relações de poder, pode-se
observar que cabe ao entrevistador:
- selecionar preferencialmente os falantes; - produzir preferencialmente determinados tipos de fala; - definir as formas de polidez; - definir o estilo, o léxico, etc.; - avaliar posições, opiniões, situações etc. (MARCUSCHI, 1988, p. 61)
Aos participantes, cabe seguir as normas estabelecidas na entrevista, tendo,
assim, um espaço reduzido para a negociação de papéis, posições e estratégias, já que o
entrevistador é quem conduz a entrevista.
A entrevista pode ser dividida em classificações outras que ocorrem de acordo
com o contexto situacional em que estão inseridos. Assim, podem ser designadas
entrevistas acadêmicas, em revista, na televisão, médica, entre outras, cada uma
abrangendo características discursivas e objetivos próprios.
Diante do exposto, a entrevista é um gênero textual que tem caráter assimétrico e
se constitui por sua classificação quanto aos encontros institucionalizados (ESPÍNDOLA,
1998). Suas características revelam que esse gênero textual pode desempenhar relações
de poder e controle no contexto social relacionado à desigualdade de papéis entre os
participantes no desenvolvimento da interação.
52
5 OCORRÊNCIAS DO SUFIXO -INHO EM SUBSTANTIVOS E ADJETIVOS: ELEMENTO MODALIZADOR DISCURSIVO?
Introdução
Neste capítulo, será efetuada a análise, à luz da teoria da modalização, em
ocorrências do sufixo -inho retiradas das entrevistas do VALPB. Para tal, convém recordar
que as hipóteses que norteiam esta pesquisa referem-se aos variados sentidos que o
sufixo pode exprimir, bem como ao seu enquadramento enquanto elemento modalizador
discursivo em algumas ocorrências. Será verificada, então, a confirmação (ou não) das
hipóteses aqui propostas.
É importante considerar que as entrevistas aqui analisadas são caracterizadas
como entrevistas de pesquisa bastante utilizadas com propósitos os mais diversos. Esse
gênero caracteriza-se pela função de “atuar enquanto entidade sócio-discursiva e forma
de ação social (...)” (MARCUSCHI, 2002, p. 19). Isso é o que acontece com as entrevistas
do VALPB, cujo propósito é traçar o perfil lingüístico dos falantes da comunidade de João
Pessoa para, a partir daí, desenvolver estudos concernentes a esse fenômeno social.
O material coletado para a realização dessa análise foi retirado do VALPB –
Projeto Variação Lingüística no Estado da Paraíba – organizado pelo professor dr.
Dermeval da Hora, da área de sociolingüística da Universidade Federal da Paraíba. Ao
coletar o corpus, dois requisitos foram necessários: o nível de escolaridade e a faixa
etária dos informantes. A escolha dos informantes ocorreu com base em dois requisitos já
considerados pelo Projeto:
a) ser natural de João Pessoa ou morar nessa cidade desde cinco anos de idade;
b) nunca ter passado mais que dois anos consecutivos fora de João Pessoa.
Os cinco volumes do projeto estão assim designados:
53
Volume I – informantes com nenhum ano de escolaridade;
Volume II – informantes que têm de um a quatro anos de escolaridade;
Volume III – informantes que possuem entre cinco e oito anos de escolaridade;
Volume IV – informantes que têm entre nove e onze anos e o
Volume V – informantes que têm mais de onze anos de escolaridade.
A faixa etária está classificada em três fases:
a. entre quinze e vinte e cinco anos
b. entre vinte e seis e quarenta e nove anos e
c. pessoas com mais de cinqüenta anos.
Foram coletadas novecentas e cinco ocorrências com o sufixo -inho retiradas dos
cinco volumes do VALPB. No Volume I, foram encontradas cento e onze ocorrências; no
Volume II, duzentas e trinta e três; no Volume III, houve duzentas e cinqüenta e oito; no
Volume IV, cento e quarenta e três e no Volume V, cento e sessenta ocorrências foram
localizadas. Convém ressaltar que essas ocorrências referem-se a substantivos e
adjetivos. Em algumas ocorrências, mais de uma vez o sufixo aparece, porém ele só é
analisado de acordo com o sentido proposto naquela ocorrência.
Para cada ocorrência, há a identificação do informante e da localização do trecho
no livro, organizada da seguinte maneira:
1. volume de onde foi retirado o excerto simbolizado pelos números em
algarismo romano;
2. nome do (a) informante, representado pelas suas iniciais;
3. sexo, indicado por F para feminino e M para masculino;
4. faixa etária, indicada por:
a. A – pessoas com idade entre 15 e 26 anos;
b. B – pessoas com idade entre 26 e 49 anos e;
c. C – pessoas com idade de 50 anos em diante;
5. página;
6. linha, visualizados no exemplo subseqüente.
I-AFD;M;A;18;2.
A seguir encontram-se as sete funções nas realizações contextuais do uso do
sufixo -inho e em anexo, as normas de transcrição adotadas nos trechos em estudo e a
54
cópia integral de uma entrevista do VALPB a fim de que o leitor possa ter uma noção de
como estão organizadas as entrevistas do VALPB aqui analisadas.
5.1. O -INHO COM FUNÇÃO DE EXPRESSAR PONTO DE VISTA
NEGATIVO
O sufixo -inho pode indicar negatividade no sentido de depreciar algo que esteja
em questão em um determinado contexto. Quando usado para expressar diminuição no
sentido negativo, não está propriamente exprimindo dimensão. Se estiver, essa
dimensão é enfatizada, como é o caso da palavra pequenininho, algumas vezes utilizada
por falantes do VALPB (e em outros contextos) para designar que algo é realmente
pequeno. Porém, para dar ênfase a sua fala, os informantes utilizam a partícula -inho(a).
O sufixo pode ainda ocorrer com efeito pejorativo ou preconceituoso. Outro fator que pode
ser observado é o de que ao sentido de negatividade também pode se incorporar o de
desprezo.
Ocorrência 01: (I-MLS;F;A;98;29)
I* Aquilo é outra besteira, mas eu gosto que é engraçado, que o povo às vezes sai chupando uma manga, né? E Sílvio Santo é engraçado, ele vai e dá manga à mulher, pra mulher ir chupandoa manga pelo caminho. Tem os namorado; os namorado eu gosto. É umas estória séria, né? Tem uns negócio bonito que aconteceu, né? Até a estória mesmo da vida dos cantor; os cantor quando era pobre, né? Morava no interior, que nem aquele menino mesmo, Zezé de Camargo e Luciano. Morava numa casa tão velhinha, num era? Os pais dele e a mãe dele trabalhava que só; ele ia pro colégio de cavalo, num era?.
Nessa ocorrência, o entrevistado está se referindo ao programa de Sílvio Santos
que acontecia aos domingos. O contexto refere-se à descrição de uma casa, e o sentido
diminutivo está no adjetivo. É perceptível, nesse contexto, que, através da entonação,
sendo o texto expresso oralmente, provavelmente enfatizou-se o efeito pejorativo. É
importante ressaltar que a entonação, apesar de não poder ser mostrada aqui, é um
outro fator que contribui para o efeito que se deseja exprimir na fala. A locutora, ao
mencionar que era uma casa tão velhinha, deixa expresso o seu juízo de valor, a sua
55
opinião sobre a casa e pretende causar no interlocutor uma reação ao que ela está
dizendo.
O exemplo que segue deixa bastante clara a posição do informante quanto ao
termo baixinho determinante em seu enunciado. Ele prório analisa esse uso do -inho,
como se pode ver a seguir: Ocorrência 02: (II-ASF;M;C;108;23)
E* O que o senhor acha de Xuxa?
I* Eu acho assim... sei lá. Eu acho que ela vive enganando aquela criança. Qu’ela não gosta de criança. Assim os comentário, né? E antes desse comentário, eu já num gostava muito dela, não. Não é o fato de não gosta# da pessoa dela. É o jeito dela se apresenta#, entendeu? Aquela coisa tão... é baixinho, aqueles negócio. Acho que ninguém que# se# baixinho, né? Mais pequeno que a pessoa seja num que# se# baixinho. Mays só que o povo é muito entusiamo, assim, por ela. Aceita aquilo tudo mas... a palavra baixinho é tão chata. Cê pode analisa#; a palavra baixinho é tão chata: - “Aquela baixinha que vai ali”. Acho um negócio tão deselegante. - “Aquela baixinha dali”, eu acho um negócio tão... Ou - “Ana, meu baixinho, num sei o quê”. Eu num gosto daquilo não. Acho que a pessoa se torna mais baixinho ainda. (risos)
Note que o próprio informante faz as devidas observações a respeito do termo em
questão. É bastante coerente sua última sentença: Eu num gosto daquilo não. Acho que
a pessoa se torna mais baixinho ainda. (risos), ou seja, mesmo a pessoa sendo de
estatura baixa, o termo em questão, baixinho, dependendo de como usado, traz em si
uma conotação pejorativa, embora a apresentadora use o termo com a intenção de
demonstrar carinho. Esse é um exemplo claro do sufixo -inho usado como modalizador
avaliativo, pois, ao expressar toda a sua opinião sobre Xuxa, o locutor emite um juízo de
valor a seu respeito, indicando como o seu discurso deve ser lido, tentando influenciar o
interlocutor quanto a sua opinião.
Ocorrência 03: (III-RAM;F;B;147;33-34)
I* Aí mi deu né? prontu, aí Glaucia era mais bem bunitinha qui Gleiciani, Gleiciani nayceu feinha, |may∅| Glaucia nayceu muitu linda, essa daí, Gleiciani era muitu branquinha paricia um ratinhu, Glaucia nãu, Glaucia nasceu toda bunitinha, toda perfeitinha prontu. *Agora diga mais.
Na ocorrência 03, a informante está comentando a respeito do sexo de seu bebê e
sua conversa com o médico que lhe “deu” a criança depois de fazer o parto. Os termos
feinha, branquinha e ratinho denotam as impressões negativas da mãe quanto à sua
56
segunda filha. Ela resgata a descrição da primeira e faz uma comparação com a segunda.
O seu discurso é marcado por elementos modalizadores avaliativos, nesse caso, os
adjetivos e substantivo utilizados com o sufixo -inho, os quais expressam o seu ponto de
vista sobre sua filha, bem como induzem o interlocutor a uma leitura quanto as
características físicas de seu bebê. Ocorrência 04: (V-RTO;F;B;142;11)
E* Como você vê a situação das criançax de rua?
F* Péssima péssima, [tem nem]- ahente nu~ sabe nem [como]- o qui falá desses mininoφ de rua, apesá qui são u~as pexti~aφ, né? |mayφ|, eu te~o pena puque, [é um]- eu acho qui é lá disajuxtado aquil´ali, |mayx| também as vezes é os pais qui manda, viu? *[A gente fica]- eu tava pensan´assim: a gente fica: “*Né esse ladrãozi~ safado.”
A entrevistada responde à pergunta do entrevistador, e os termos que ela utiliza
para falar sobre o assunto meninos de rua já denotam uma impressão negativa. A palavra
pestinha vem corroborar essa idéia, prontamente cristalizada na cabeça das pessoas –
meninos de rua são umas pestinhas. Não apenas pestinha, como também o termo
ladrãozinho, emitido ao final de sua fala, carregam essa idéia de negatividade. Os
vocábulos analisados transmitem a sua subjetividade avaliativa por parte do informante e
confirma no interlocutor o mesmo pensamento.
5.2. O -INHO COM FUNÇÃO DE EXPRESSAR CARINHO
Na citada função, foram encontradas várias ocorrências. Uma situação muito
comum é feita através da diminuição de nomes próprios e, em alguns casos, provém da
infância, acompanhando o ser mesmo depois de adulto como uma forma de denotar
meiguice. O uso do sufixo -inho, além de designar carinho, pode expressar ainda
intimidade entre os seres envolvidos. Nesse caso, é usado apenas em um contexto
momentâneo, com a intenção mesmo de expressar afeto, sem ser um termo permanente.
Outro sentido que pode ser aplicado a esse sufixo, dentro da dimensão de carinho, é o de
expressar apego a coisas materiais de forma carinhosa. Em alguns casos, ainda, há uma
denotação de humildade para com a coisa possuída.
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Ocorrência 05: (I-SVS;M;A;25/26;42)
E* E o que é paixão para você?
I* Ah! * Paixão é a gente olhar assim, como eu sô apaxonado por minha magrelinha lá -- vô dize0 o nome dela: posso?(...).
O informante se refere à pessoa que ama usando um termo que designa
aparência física, mas com todo um grau de subjetividade carinhosa que fica explícito
mesmo sem ser preciso considerar a entonação do falante, fazendo-se uso, nesse
contexto, do sufixo -inho. A palavra magrelinha, da forma como é dita, além de expressar
enorme carinho por parte de seu locutor, demonstra que, para ele, o fato de ela ser
magrelinha, além de ser a avaliação que ele faz dela, não é um problema; o informante
parece gostar mais ainda de sua parceira por causa de sua aparência física. Ocorrência 06: (II-JAS;F;A;134;14)
E* E o nascimento em si∅ é bonito?
F* A primeira eu não consigui ver não porque eu desmaei, né? *Não sei se eu desmaiei ou foi anestesia geral que eu tomei. *Não sei o que foi, eu sei que foi. *Eu sei que eu dormi, só me acordei quando eu já estava na sala de∅ recuperação, né? (est) *E já a segunda eu consegui ver , ma∅s eu não vi tudo, que eles não deixaram. *Eu vi só quando ela trouxe a pequinininha, assim tamanho de nada [no]- nos ppanos enrolada. *”Oh, mãe, é menina.” *Aí isso deixa agente tão feliz, né? (est) quando elas nascem.
Entrevistador e entrevistada discutem sobre parto. A entrevistada descreve seus
dois partos e sua grande emoção ao ver sua pequenininha – a segunda filha. Ao usar
esse termo, ela está demonstrando o seu carinho pela filha que acabara de receber e
transmitindo, diante de um contexto carinhoso, a impressão, a avaliação que ela teve da
filha.
Ocorrências 07 e 08: (III-MLT;F;A;120; 28); (III-MLT;F;A;122; 38)
E* Aí, por que você veio para esse bairro?
F* Ah, a gente naysceu aqui, né? Aí, pai~o consiguiu casa lá , a gente passô treys mese0, aí o meu avô disse qui ne~ alugava n~e vendia essa casa e ne~ imprestava só pra nós, aí a
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gente teve qui vowta# pra ela nu~ fica# abandonada | aí a gente vendemos| a de lá e |viemos| pra cá (est)
E, E* Como surgiu a idéia de coloca# + o negócio?
F* Foi mai~a ( “depois”) que’u ti~a saído da loja,aí a mai~a disse: “por que tu não investe teu di~êro numa mercadoria ?| Tu nu~ já trabalhasse| cu~ bijoteria quando era criança, por que você nu~ investe?” * Aí, eu disse: é o que’eu vô faze#
Como se vê, esses termos são empregados para se referir às palavras pai e mãe,
respectivamente, e podem ser usados para expressar carinho, como também para
expressar outros sentidos, dependendo da situação. Assim, os apelidos são termos
permanentes, mas inicialmente lançados em sentido afetuoso. Por isso, o efeito causado
vai depender do contexto de uso. Há variações como mãezinha, paizinho e com o uso de
outros sufixos, como é o caso, por exemplo, do sufixo aumentativo ão em paizão. Nessas
ocorrências, entretanto, o sufixo -inho não veicula a noção de modalizador avaliativo uma
vez que o informante não demonstra em seu discurso que quer convencer seu interlocutor
sobre algo ou manipular o modo deste fazer a leitura de seu discurso, a intenção é
apenas a de mencionar pessoas envolvidas no seu contexto familiar diário.
Ocorrência 09: (I-AJM;M;C;30;3)
E* O senhor tem vontade de ir embora daqui?
I* Eu daqui só tem vontade de i() pa, :: pa o cemitero, somente (risos F). Que é o lugar de todo() noy(), né? May() aqui eu vivo tranqüilo, graças a Deu(). Sai() daqui pa onde? Quando eu era novo, nunca saí. E depois de véi vô pa onde? Fica() no meu cantim mesmo, né? :: num brigo cum ninguém, num arengo cum ninguém, num vô, :: {inint} de ninguém, num vô na casa de ninguém. E nisso eu vivo, né?”
Nesse exemplo, há uma variação do sufixo diminutivo -inho, substituído pelo sufixo
-im, mas a idéia de carinho e apego está explícita; há uma variação do sufixo comumente
usado na linguagem coloquial que varia de pessoa para pessoa, de acordo com seu grau
de escolaridade, regionalidade, intelectualidade. Além do apego à casa, há a indicação de
carinho: meu cantim. É o -inho usado mais uma vez exprimindo algo que não se trata
apenas de dimensão e transmitindo o ponto de vista do falante. O sufixo funciona, mais
uma vez, com valor modalizador avaliativo.
59
Ocorrência 10: (III-RAM;F;B;135;17)
E* Dus bairrus que você já morô qual u que lhe deixa mais saudade assim?
F* Barru de Novais E* Pur quê? F* Purque lá minha casinha era tãu boa, era [era] tãu [tãu] bom di morar lá, num sabi?
A informante refere-se a sua antiga casa com carinho, mas esse contexto também
pode denotar apego. Mais uma vez, a casa é o assunto em questão, e o sufixo diminutivo
-inho é usado para expressar um valor por um bem material. Nesse caso, novamente se
identifica um juízo de valor feito pela informante acerca de seu bem possuído. A idéia é a
de expressar apego, e há presente em seu discurso uma avaliação do falante quanto ao
que está sendo proferido. Confirma-se, entretanto, não a noção de dimensão
propriamente dita, mas a de estima e apego veiculada de maneira avaliativa, em que o
ponto de vista do locutor é enfatizado.
O sufixo -inho inserido em ocorrências que expressam carinho em casos em que
se denominam apelidos ou outros termos cristalizados como painho ou mainha, não se
caracteriza a função modalizadora avaliativa, uma vez que o locutor está apenas se
referindo a pessoas de seu convívio e não faz uma avaliação ou emite uma opinião,
tentando direcionar a leitura do interlocutor para o que ele profere.
5.3. O -INHO COM FUNÇÃO DE EXPRESSAR IRONIA
O sufixo -inho pode aparecer veiculando pontos de vistas irônicos, em que o
locutor pretende dar sua opinião irônica, crítica acerca de algum assunto específico.
Pode-se dizer, ainda, que, na maior parte das ocorrências em que se expressa a ironia, o
sufixo -inho perde o valor semântico de diminutivo. É válido ressaltar que a entonação
auxilia nessa função e os exemplos que se seguem trazem em si a força da expressão
oral quando do uso do sufixo.
Ocorrência 11: (I-MHS;F;A;111;35)
E* Tem alguma história marcante da sua infância?
I* Tenho não.
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E* Nenhuma assim alguma (Hes) traquinagem que você fez, alguma coisa assim, quando você saiu escondida dos seus pais? I* Essas traquinagem foi quando é eu soube que eu tava grávida que eu num tava morando com ele ainda não. Aí eu fui dormir lá na casa dele. Aí quando eu cheguei aí tava um falatório. “Ave Maria essa tua filha né moça mais não, né moça mais não”.Mas eu já tava já tava buchuda já. Eu dizia: -“Eu sou, eu sou.” Mas que sou é esse, eu já tava buchuda já, que esses vizinho daqui é um problema. Eles tendo filha, eles num olha pro rabinho de ninguém não. Elas olha pro da gente.
A informante revela, em seu discurso, a sua indignação pela falta de discrição e
conveniência por parte dos seus vizinhos. Para se expressar nesse contexto, ela emprega
uma expressão corriqueira: (...) num olha pro rabinho de ninguém não. Elas olha pro da
gente, que quer dizer que os vizinhos não reparam suas próprias vidas, seus próprios
erros, mas se preocupam com a vida alheia. O termo em questão é carregado de sentido
e demonstra a repulsa da informante para com essas pessoas. Seu ponto de vista está
sendo expresso ao utilizar essa expressão que é direcionada ao interlocutor, indicando
como este deve ler o enunciado e, ao usar essa expressão, a informante tenta convencer
o interlocutor de que as pessoas de quem ela fala não são discretas, corretas para com
os outros.
Ocorrência 12: (III-RRB;M;C;102;29)
O dono da empresa disse: “*Qué dizê qui só tem aqui? *Disse: “*Então é aqui.” *Disse: “*Cum’é qui você mi~ prova isso? *Puque o inge~êro já chegô aqui butô até [um]- um toço pa ixcutá um ráydo nu~ sei o quê nu~ localizô; você já tá i~ cima cumo você tá dizeno (inint). *Eu disse: “*Eny mi dá licença u~a coisa, vamo∅ brincá de dá um bai~o nele qu’é p’el’aprendê.”*Aí, u~a taλadêra, um martelo, aí bati [no]- [no]- no azulejo, tum u~ah lapada∅ [de]- [de]- de+ detritos, tanto+ feze [como]- como água na parte qu’eu bati torô, alarmô, né? *[Aí eu]- (inint) aí eu cheguei disse: “*[O qui o]- o qu’eu disse qui ía incontrá, já disparô.”
Nessa ocorrência, o informante está narrando o seu trabalho de encanador no Rio
de Janeiro. Um prédio apareceu com um vazamento do terceiro ao sexto andar, e um
engenheiro já havia tentado resolver o problema, mas quem resolveu foi o “Paraíba”,
como ele (o informante), com muito orgulho, se intitula. Pode-se fazer um paralelo
contrastivo através do discurso do entrevistado. Ele se coloca como um “Paraíba”,
descriminado, porém consegue resolver um problema que nem o engenheiro havia
resolvido. Diante desse fato, ele utiliza a expressão vamo brincar de dar um bainho nele,
a qual evidencia a sua ironia perante o caso. O informante se coloca numa posição de
61
superioridade em relação à situação e ironiza a fraqueza do engenheiro. O seu discurso
evidencia a sua avaliação perante o contexto. Trata-se, portanto, de um elemento
modalizador avaliativo.
Ocorrência 13: (IV-EBC;F;B;80;08)
E* Como definiria amor e paixão?
I* Puxa, perguntinha, heim? Bom, amor é o que você sente por uma pessoa e não acaba logo não, e paixão é só fogo de palha.
A informante, ao introduzir sua definição quanto à pergunta emitida pelo
entrevistador, utiliza a palavra perguntinha, no sentido de ironizar a questão feita. Ela
ratifica uma crítica sutil ao entrevistador através do uso desse termo. Mais uma vez, o
sufixo -inho está corroborando o ponto de vista do locutor, que direciona o seu discurso
para que o interlocutor o leia de acordo com o efeito que o locutor deseja causar, se
denominando, assim, como elemento modalizador avaliativo.
Ocorrência 14: (V-RTO;F;B;141;09)
E* Qui ixtória qui você mais goxtava de uví quand´era criança?
F* Eu goxtava de Chapeuzi~o Vermeλo, Branca de Neve, até os discoφ ahente ti~a pra uví, (“goxtava”) muitjo, que naquele tempo você er´infantiw mehmo, né? (est) *Oje, u~as veλi~aφ qui têm na rua tudo de batom, nu~ qué sabê mais de Branca de Neve, nem de nada, qué sabê de namorá. *Nu~ é não as mininaφ de oje?
Nesse contexto, a informante está criticando a forma como as crianças se vestem
e se comportam hoje em dia, fazendo um paralelo com a sua época. Para ironizar as
crianças de hoje, ela utiliza a palavra velhinha. Através desse termo, a entrevistada
demonstra um discurso que contempla o seu juízo de valor com relação ao que ela está
enunciando, bem como pretende atingir o interlocutor a partir do termo por ela escolhido.
Trata-se, mais uma vez, de modalização avaliativa.
5.4. O -INHO COM FUNÇÃO DE EXPRESSAR PIEDADE
É usual utilizar o diminutivo para expressar compaixão por algo ou alguém. Um
termo bastante recorrente nas ocorrências que denotam essa função foi bichinho (a).
62
Esse sentido de compaixão pode vir acrescido de discriminação, inferiorização do ser ou
da coisa que está sendo mencionada. Também pode haver nessa função um certo
sentido de carinho para com o ser ou a coisa referida.
Ocorrência 15: (I-SVS;M;A;19;36)
E* E o que faria pelos seus vizinhos, ajudaria algum vizinho?
I* Só --- eu acho qui ajudaria o + o o seu Juão pu()que ele – é cotó. * Ele tem um + num tem uma perna, só tem uma perna. * Aí o bichinho eu acho qui compraria uma cadêra de de roída pra ele.
Nessa ocorrência, o entrevistador e o informante discutem sobre a possibilidade
de ficar rico, sobre o que aquele faria se isso acontecesse com este. O entrevistado, para
se referir ao deficiente, começa usando o termo cotó, que denota um certo preconceito.
Em seguida, ele explica o que é ser cotó e, ao se referir novamente ao deficiente, usa a
denominação bichinho, expressando a sua compaixão direcionada ao seu João. Esse
termo poderia ser substituído por o coitadinho, o inválido, o incapaz. O ser em questão é
inferiorizado num contexto de dó por causa de seu problema físico. Não apenas dó, mas
essa situação também demonstra um certo carinho por parte do entrevistado para com o
seu João. A sua escolha lexical mostra como o informante vê o deficiente físico e tenta
causar no entrevistador o mesmo sentimento de piedade. O -inho funciona nesse contexto
enquanto modalizador avaliativo.
Ocorrência 16: (IV-LS;F;B;146;17)
E* Porque em cima da casa?
F* Hem? *Porque era [um lugar]- o lugar (falando rindo) mais (inint) [que a gente]- que a gente pegava escada, botava escada e saía. (F) (risos E) (falando rindo) *Teve outro também, o sobrinho que a gente tinha, né? (F) *Mamãe estava fazendo uma casa atrá∅s, pra minha outra irmã, aí minha irmã pegou sobrinho botou, né? pendurou ele (falando rindo) no banco, |pendurou ele| no pau da casa e ficou balançando, ela botou e a gente ficou balançando, né? *Daqui a pouco o menino voou, minha filha, quebrou o braço, e faturou a mãozinha do bichinho, aí pronto, até hoje. (F) *Outra coisa que a gente nunca esqueceu foi essa. (risos F).
Na ocorrência 16, a informante relata sobre um acidente acontecido com o
sobrinho. Para descrever o fato, ela usa as denominações mãozinha e bichinho. É
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utilizado no discurso dos informantes um recurso modalizador que exprime o seu ponto de
vista sobre uma situação específica e direciona o que se diz, de modo que o entrevistador
o leia assim como a informante pretende. Trata-se, pois, de modalização avaliativa. Nesse
caso, a avaliação recai sobre a piedade que a informante sente em virtude do que
aconteceu com o seu sobrinho.
Ocorrência 17: (IV-VEF;F;B;165;12)
E* Vânia, quaw foi a nutícia qui você viu na TV e qui λe marcô e pur que λe marcô?
F* (inint) acho qui foi agora recente, de um garoti~o qui disapareceu no <shoppi>- [qui]- qui duas criança0 também parece qui ti~a onze ou era doze anos qui róbaru o minino e mataru. *Isso foi nos Ixtados Unido0, isso me chocô dimaih, pu#que uma criança, né, (inint) duas criança0. *Pega#, assim , uma crianci~a também e faze# [um]- um crime bárbaro desse *Que# dize# (gaguejo) o <ome>- tá <meo>- lôco, tá <meo> doido me0mo, pu#que (inint) uma criança assim, de onze ano0 qui te`a um ixtinto desse, de pega# uma criança de dois anos assim, e matar. *Nu~ sei-- eu mehmo9 eu fiquei muito chocada cum isso.
O mesmo efeito do caso anterior acontece nessa ocorrência. A informante narra
um fato triste que ocorreu com uma criança. Para desenvolver o seu discurso e propor um
contexto de dó, ela utiliza também os termos garotinho e criancinha, pois tanto esses
dois vocábulos quanto todo o campo lexical utilizado por ela em seu discurso, remete à
piedade, tristeza – matar, chocar (chocada), crime bárbaro. O enunciado produzido pela
informante além de apontar a sua opinião quanto ao fato, procura causar no entrevistador
a idéia de dó.
5.5. O -INHO COM FUNÇÃO DE EXPRESSAR MALÍCIA
A malícia está presente em vários contextos e o sufixo -inho também pode
designar esse sentido numa linguagem mais coloquial com uma entonação peculiar ao
que se propõe anunciar. Mais do que se esperava, o -inho pode denotar várias ocasiões
em que prevalece um tom malicioso. A seguir, há casos em que o referido sufixo se
apresenta com um teor de malícia, marotice. Ocorrência 18: (I-JM;M;B;74;20)
64
E* A liberdade, /sim/ o que é que você acha dessa liberdade sexual entre os jovens de hoje?
I* Ah!, acho hoje :: eu acho muito avançado, sabe? É, acho muito avançado, may() apesa() que é bom mesmo, sabe? Tem muita mulhe() aí, poxa! :: Por isso que as veze() dá uma quebradinha. O caba mal :: o caba mal conversa, [oia]: psii! Bate() o cartão! (risos I**).
Em todo o seu discurso, o informante utiliza termos e expressões que têm idéia de
malícia, não apenas quando menciona a quebradinha. O -inho é usado, nesse contexto,
em uma expressão já enraizada pelo uso da língua que significa paquerar, olhar com
certa intenção. É isso que o informante deseja expor em seu discurso carregado de
manha e vivacidade. O que é dito por ele pressupõe um sentido malicioso. Ele propõe
uma interpretação por parte do ouvinte para que este leia o seu discurso assim como ele
deseja. Há um juízo de valor no seu dizer e este é marcado lingüisticamente pelo uso do
sufixo -inho, que ocorre enquanto elemento modalizador avaliativo.
Ocorrência 19: (II-NPL;M;B;58;33)
E* Pra ondi?
F* Im Jaguaribi (bairro da capital), trabalhaha im Jaguaribi, lá nas Coremas (rua de João Pessoa) i ela morava na Conceição (rua da capital), nu Edifiçu Sabará+ i eu arrumei também uma namorada mayh na dozi di ôtubru. *Intão noys saiu juntu, eli (amigo) dissi: *“Nivawdu, passa pur lá a mais tardi, Nivawdu. *Tem uma galegui~a lá, taw, baxi~a i taw, (ruídos) assim, Ela tem ninguém, vai dá pra tu.
O informante relata como conheceu sua esposa, através de um amigo. Para que
ele se aproxime dessa pessoa, o amigo joga com as palavras de modo a convencê-lo a ir
até essa mulher: Tem uma galeguinha lá, tal, baixinha, tal. Ao falar em uma mulher que é
galega e baixa, o informante se sente influenciado a visitar o local e hoje está casado com
ela. A avaliação que o amigo fez da mulher levou o informante a querer conhecê-la. Não
apenas o tom malicioso, mas também a sua opinião, o seu juízo de valor sobre a mulher
convenceram o informante, direcionaram sua decisão. Mais uma vez, ocorre, nesse caso,
modalização avaliativa.
Ocorrência 20: (IV-AA;M;C;93;5)
E* O senhor tem quantos netos?
65
I* Ah! Tem treis figura() beleza, os trêis mosqueteiro() do rei. É o Lucas, num sei se você conhece? É o Henrique vagabundo e e o Marcelinho taradinho, Marcelinho taradinho. E* Taradinho porquê? I* Marcelinho é uma figura. Tem uma moça lá, que cuida dele lá na casa dele. Dá banho, dá mingau, ajeita ele. Ele tem trêis anos {inint} e a moça gosta muito dele, mais ele é safado, é tarado, ele chegou pra moça e disse: - “moça, mostre os peitinho”. Aí ela disse: - “menino, pare com isso”. Aí disse: “mostre os peitinho que eu não digo a pai não”. Quer dizer, é um taradinho todo (risos).
Pelo discurso do informante, há um tom bastante malicioso no que ele emite. O
contexto remete a uma criança de três anos que, naturalmente, não teria tal maturidade.
Porém, o garoto, segundo o avô, comporta-se com malícia perante sua babá. Pelo
encadeamento da entrevista, fica claro que a malícia está no avô e não na criança
exatamente. A forma como ele fala e todos os termos por ele selecionados para se referir
ao assunto demonstram o tom espirituoso que ele usa. A fala do informante revela, em
seu discurso, aquilo que ele quer que seja dito, nesse caso, com tom de malícia, mas
mostrando a sua avaliação diante do que está sendo exposto.
Na seguinte ocorrência, a informante relata sobre o mal que os programas
televisivos causam.
Ocorrência 21: (V;RTO;F;B;144;27)
F* [Televisão]- televisão oje nu~ tem- s´eu pudesse, oje, a mi~a casa nu~ ti~a maiφ televisão não eu dihligava. (...)*Toda criança oje sabe o qui é sexo mi~a fiλa, esse meu minino tem doze anoφ ele sabe de tudo agor´ele né minino+ de saí+ dizeno o qu´ele sabe não el´é- |mayφ| sabe. *Ahente as vezeφ convεsa, ela sowta cada u~a, eu digo: “*|Mayφ| minino tu já sabe disso?” *É é, ele dis fazê aquilo sabe? fazê aquilo mai~a, quond´eu fizê aquilo. *Eu digo: (falando rindo) “*Qui quilo, minino?” (F) “*Tu nu~ sabe mai~a.” (risos F) *É é, |mays|´é quem? *[É a <nove->]- é as noveli~aφ qui qui insina.
A informante fala sobre uma passagem em sua casa com o seu filho, quando ele
manifestou conhecimento de determinado assunto, sobre o qual ela não imaginava que
ele detivesse informação. Ela se mostra indignada com a fala do garoto e põe a culpa nas
novelinhas. O seu tom de malícia é perceptível, mas não apenas esse sentido. A sua fala
também expressa um sentimento de irritação perante o que a televisão transmite às
pessoas. Com esse termo, a entrevistada assume um teor malicioso, apontando o modo
como ela vê a televisão, o juízo de valor que a informante faz do assunto em questão – a
66
TV – e dos programas que esta apresenta. O sufixo -inho corrobora a função de
modalizador avaliativo.
5.6. O -INHO COM FUNÇÃO EUFEMÍSTICA
Uma forma polida de se expressar é usando eufemismos que “suavizam a
expressão duma idéia substituindo a palavra ou expressão própria por outra mais
agradável, mais polida”. (Ferreira, p. 2001). Em muitas das ocorrências aqui citadas,
percebe-se que a intenção do locutor é a de se proteger ou proteger alguém, não deixar
que características as quais poderiam ser lidas como negativas sejam assim
interpretadas. Já há em seu discurso um eufemismo dos fatos de modo que o interlocutor
não o julgue ou a alguém de quem o locutor fala. Como se verá a seguir, o sufixo -inho
pode indicar essa função de abrandar o sentido das coisas, dando uma idéia mais
atenuada dos fatos e fazendo, concomitantemente, uma avaliação dos fatos relatados.
Ocorrência 22: (I-JM;M;B;62;25)
E* E o relacionamento com a sua família é bom?
I* Rapayz, às veze() é, às veze() não. Às vezes sai uma confusãozinha lá em ca:as, sai briga, :: um um joga pedra no outro, (...). Aí pronto, a:í a a a a gente {inint} fica em payz, :: fica {inint} pra descansa() may () às vezes <sai> aquela confusãozinha dentro de casa como sempre, né?
Confusãozinha é usado, nessa situação, com a intenção de amenizar, de mostrar
que a confusão não é séria, embora o informante fale em jogar pedra. Ele quer mostrar
que não é uma briga grande, mas algo que é corriqueiro em família e se resolve – a gente
fica em paz – diz o entrevistado. Ele pretende veicular para o ouvinte a idéia de que nada
grave ocorre. O modo como ele utiliza o substantivo, com o uso do sufixo diminutivo -inho,
exprime a atenuação do fato. Há intencionalidade na forma como se narra o
acontecimento. Essa intencionalidade é demarcada por um recurso modalizador, que é a
modalização avaliativa.
Ocorrência 23: (II-NPL;M;B;60;14-15)
67
E* I com seus vizi~us, comu u si~o# si relaciona, seu Nivawdu?
F* Mehma coisa du impregu, da repartição. *Cada cá nu qu’é seu. *Si dão muitu beym. *Num te~u u qui dize# di ni~um. *As vey pinta umah be$teri~a∅, né [águas]-+ beym rapidazi~a, beym ligêri~. *(inint) também.
A ocorrência 23 se assemelha à anterior, pois as duas tratam de relacionamentos
entre as pessoas, porém, esta descreve a relação do entrevistado com os seus colegas
de trabalho. Análogo à ocorrência 22, seu Nivaldo responde que há problemas, embora
sejam umas besteirinhas, rapidazinhas e ligeirinhas. Não se sabe ao certo o grau dos
desentendimentos, mas o entrevistado já os ameniza usando vocábulos com o sufixo -
inho. A avaliação que ele faz do relacionamento com seus colegas leva o ouvinte a
concluir que não acontece nada grave, ele pretende assim, preservar seus colegas de
trabalho. O uso do -inho denota o ponto de vista do informante e conduz a conclusão do
ouvinte, caracterizando-se, portanto, enquanto recurso modalizador avaliativo.
Ocorrência 24: (III-MJC;F;164;31)
E* qui séri ele fays? F* Tá na quar- tá no quarto ano, tá atrasadi~o, (risos F) tá atrasadi~o.
O contexto da ocorrência 24 trata da informante falando de seu filho. A
entrevistada, ao relatar sobre o nível escolar de seu filho, acrescenta que ele não está
estudando a série que deveria. O termo que ela usa – atrasadinho – suaviza a
informação de que ele não está na série devida na escola, pois seu filho tem 15 anos e
está estudando o quarto ano do Ensino Fundamental. Seu modo de ver o fato fica
explícito através do uso do termo em questão; ela tenta passar a idéia de suavização para
o ouvinte. O -inho corrobora nesse sentido o valor de modalização avaliativa.
Ocorrência 25: (IV-AA;M;C;99;8-9)
E* Do “Sai de Baixo”, qual o ator da sua preferência?
I* Rapaiz, é é como é o nome da gordinha? A gente conhece o nome, na Escolinha era Cacilda, né? É Cacilda, porque a gordinha, aquela gordinha é sem vergonha demais, e você vê que ela num é uma mulher bonita, num tem o corpo bonita, bonito, mais ela é simpática e num tem complexo. Toda desenrolada mesmo, sabe? Num precisa ser bonita e linda não ela faiz o papel dela dentro da da...
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Pela resposta do informante, sabe-se que ele está se referindo à atriz Claudia
Jimenez, que se trata de uma pessoa untuosa. O uso de gordinha aparece, nesse
contexto, para diminuir a carga pejorativa e negativa que a palavra gorda, ou outra de
significado semelhante causaria. O entrevistado faz uso desse vocábulo a fim de aliviar
esse sentido. Ele ratifica a sua opinião e determina como quer que o ouvinte leia o seu
enunciado. Tem-se, então, mais um caso de modalização avaliativa.
5.7. O -INHO COM FUNÇÃO DE EXPRESSAR POSITIVIDADE
Esta função tem como finalidade mostrar que, em alguns contextos, as pessoas se
referem a outrem ou a algo com um sentido positivo, com a idéia de elevar algo ou
alguém. O -inho pode ser usado para estabelecer esse sentido, embora, literalmente,
traga a idéia de dimensão.
Ocorrência 26: (II-EFS;F;B;119;35)
E* Conte um so~o qui você tevi.
F* Eu já so~ei, deixa eu- eu tivi um so~o que- eu taha- di repenti eu ficava grávida, né? *|Eu digu: “ô chênti, eu grávida”?| *|Mays| [eu]- [eu <fu->]- eu fui- ligada comu é qui eu possu tá grávida?”| *Aí eu dissi: “Si reawmenti eu tive# grávida, ah, u médicu qui feyz a mi~a cirurgia, minina, eu vô da# uma iscuλambação neli” (risos F) *Aí+ di repenti- nasci u mininu, mininu machu, digo: |“Êta, lindu” us oλu0 azul, branqui~u , eu digu: “Ai qui coisa linda, meu Deus”|
A informante conta um sonho em que estava grávida. Ao descrever o filho, ela usa
algumas qualificações, dentre as quais a palavra branquinho. Esse adjetivo, usado com o
sufixo -inho, veicula um sentido que eleva o bebê descrito. Além de linda, a criança é
branquinha. A modalização avaliativa ocorre com o uso do sufixo, uma vez que o
informante expressa o seu juízo de valor sobre algo.
Ocorrência 27: (III-RRB;M;C;95;39)
*Quando eles se agitaru~ qui nóys nu~ pudíamus’usá condutô, qu’era o trocadô [oje <anti->]- oje atuaw, então nessas’awtura eu trabaλava [pelo]- pelos dois, achava meλó ainda porque era dispoxto, reawmente era u~a dispusição grande, cuncurria cu~ quawqué um contano,
69
fazia coisa fantástica dento [do]- [do]- do carro, quondo era época eles’[obricava]- obrigava [arente]- [arente]- |nóys butá| (quondo) tu butava, aí o minino+ oλava novamente os condutô, [<i~>]- inxugava o se~a, inxugá [era]- era [passá]- pegava assim a bucha e+ passava [u~a]- [u~a]- u~a cuλé, ixticava e vendia novamente, |mays|’eu era muito danadi~o, e olhava. *Quando os minino∅ chegava no fim do dia eu tava cu~ a a conta dele feita, de cabeça, er’u~a cabeça é um absudo; eu oje qu’eu vejo o qu’é qu’eu fazia.
Na ocorrência 27, o informante relata sobre o seu trabalho com uma marinete que
havia comprado e a fiscalização da prefeitura quanto ao uso de condutores. Ele descreve
o seu trabalho e se engrandece usando o termo danadinho. O entrevistado tem a
intenção de expor a característica de ser inteligente, ágil, rápido de raciocínio e utiliza o
termo citado para evidenciar, com positividade, suas qualidades e causar no interlocutor
uma boa impressão de si. Há uma auto-avaliação, uma opinião de sei próprio, a qual pode
ser caracterizada pelo uso do sufixo -inho que funciona aí como elemento modalizador
avaliativo.
Ocorrência 28: (IV-CP;F;C;182;04)
E* Como a si~ora co~eceu o seu marido?
F* Eu cu~eci é, eu passano no <co-> p#a o colégio, num é? Eu passava p#a o colégio cum mi~as colega0, né? E ele ficava assim [num]- num luga# lá, numa casa lá. Un0 rapaizi~os, uns garotos, num é? Foi assim qu’eu cu~eci e no meio daqueles garotos, lá istava ele, né? Todo inchiridi~o, tal. Eu começava passa# ali, todos os dias cum a0 mi~as colegas. Sabe como é moci~a, né? Aí, “ah aquele gordi~o num sei que, tal. Aí pronto, eu fiquei achando o gordi~o muito simpático e terminamo0 namorando e casamos. (risos)
O termo gordinho, que já apareceu designando a função eufemística, aparece
nessa ocorrência para delimitar uma idéia de positividade em relação a alguém. A
informante descreve o seu marido usando o vocábulo de maneira construtiva e tem, por
objetivo, passar essa idéia para o ouvinte. Ao se expressar, ela emite um juízo de valor. A
palavra em destaque revela como a informante vê a pessoa a quem está descrevendo, da
mesma forma que imprime o modo como o ouvinte deve ler o seu discurso. Através do
enunciado, observa-se que o uso do -inho pela informante veicula nesse contexto o valor
de modalizador avaliativo.
Ocorrência 29: (V-WL;M;C;70;04)
E* E a sua infância como foi?
70
I* (...) A minha infância, eu posso dizer que não foi boa não devido a pouca liberdade que eu tenho. A gente morava ali, não sei se vocês conhecem? Em frente o Quartel do Quinze pacote. E ali não tinha água encanada prá começar, viu? Não tinha água encanada, e eu como [o]- [o]- [o]- contador mais velho veaøs era parrudinho coisa e tal. Aí eu- a turma castigava. * Eu tinha [que]- [que]- dar duro mesmo. * Quando eu terminava de fazer tudo isso de botar água prá isso, [água prá quilo]- [água prá aquilo]- eu tinha que correr, porque eu estudava na Igreja de Lurdes ali na João Machado.
O locutor quer exprimir a sua força, pois não havia água encanada em sua casa e
ele, por ser parrudinho, ia buscá-la. Ele revela o seu vigor ao cumprir todas as suas
obrigações, além do dever de ir à escola. O termo destacado é usado para designar a sua
qualidade, a maneira como o informante se via e como ele espera que o ouvinte o veja
enquanto jovem. Há um juízo de valor quanto ao que é proferido por meio do sufixo -inho
e este uso designa o valor de modalização avaliativa.
5.8. CONSIDERAÇÕES ACERCA DO SUFIXO -INHO ENQUANTO
ELEMENTO MODALIZADOR
O sufixo -inho pode funcionar enquanto elemento modalizador em determinadas
funções. Essas funções, embora mencionadas de forma sucinta em Cunha (1969) e
Bechara (1999) e não com essa denominação, foram exploradas previamente em Chaves
(2003) e aprofundadas a partir deste estudo. Chaves (2003) constatou, em estudos
iniciais, oito funções determinadas: ponto de vista negativo, carinho, apego, ironia,
piedade, malícia, modéstia e eufemismo. Para o presente estudo, no entanto, algumas
alterações foram consideradas, de modo que as funções de carinho e apego foram
fundidas, pois elas possuem bastante semelhança; a função de expressar modéstia foi
extinta, por não aparecer com relevância nas entrevistas avaliadas; já a função de
expressar positividade surgiu, considerando a ocorrência nos cinco volumes. Apareceu,
portanto, em todas as faixas etárias e em todos os níveis de escolarização.
Na continuidade da pesquisa, acerca do sufixo -inho, tanto as funções quanto o
valor modalizador que elas podem desempenhar são resultados relevantes. Quanto à
teoria da modalização, adotou-se, para essa pesquisa, a classificação de modalização
avaliativa destrinchada por Nascimento (2005) a partir da classificação de modalização
afetiva de Castilho e Castilho (1992). Convém ressaltar que os modalizadores avaliativos
71
são aqueles os quais não apenas revelam um sentimento ou emoção do locutor em
função da proposição ou enunciado, mas indicam uma avaliação da proposição por parte
do locutor, emitindo um juízo de valor e indicando, ao mesmo tempo, como o locutor quer
que essa proposição seja lida. (NASCIMENTO, p. 64, 2005).
Pode-se dizer, então, que algumas das funções encontradas para o uso do sufixo -
inho desempenham esse papel de modalização avaliativa, pois retratam não somente a
intenção, o ponto de vista, a avaliação do locutor em face do que é proferido, como
também revelam o modo como quer que seu interlocutor leia o enunciado. As funções
aqui esboçadas organizam-se da seguinte maneira:
a) Funções com valor de modalização avaliativa – ponto de vista
negativo, ironia, piedade, malícia, a função eufemística e a de positividade.
b) Função que não revela seu valor modalizador avaliativo em todos os
eventos comunicativos – carinho.
O sufixo -inho é elemento modalizador avaliativo na maioria das funções aqui
discutidas, mas ele pode também ocorrer sem essa avaliação por parte do locutor e sem
a intenção de que o que ele emite influa na leitura de seu interlocutor. Esse resultado
constitui-se como estratégia discursiva importante, pois confirma a intenção do locutor de
estabelecer as suas idéias com o seu dizer. Ao usar o sufixo -inho em adjetivos e
substantivos, o locutor deixa registrado no enunciado o seu dizer, tentando convencer ou
até manipular o interlocutor para que este leia o seu discurso da forma como ele (o
locutor) pretende. A intencionalidade de suas palavras fica marcada no seu discurso e o
sufixo -inho constitui-se mais um recurso que veicula uma modalização na qual predomina
o juízo de valor, a opinião do locutor quanto ao que é exposto. Existe nesse discurso
modalizado um valor argumentativo de convencer o interlocutor quanto à idéia que ele
quer transmitir.
Considerando a configuração da teoria da modalização proposta por Cervoni
(1989), o sufixo -inho desempenha seu papel de modalização enquanto modalização
impura, pois, através do uso desse sufixo em adjetivos e substantivos, a modalização “é
implícita ou mesclada num mesmo lexema, num mesmo morfema, numa mesma
expressão, a outros elementos de significação” (Cervoni, 1989, p. 68), ou seja, no caso
específico deste estudo, o sufixo -inho, ao ser usado enquanto recurso modalizador, não
72
recai sobre toda a proposição, nem pode se recuperar a partir dele a forma canônica
esboçada por Cervoni (1989) – // (= ele) (unipessoal) + é + Adjetivo + que P ou Infinitivo.
Os resultados aqui apresentados revelam que, além de todos os elementos
corroborados por Cervoni (1989) – núcleo duro e modalidade impura – e por Koch (2002)
– recursos modalizadores – os quais operam enquanto elementos modalizadores, pode-
se também incluir nesse rol de modalizadores os adjetivos e substantivos formados com o
sufixo –inho. O uso desse elemento modalizador mostra que, em seu enunciado, o
locutor expressa um juízo de valor a respeito de algo. Isso permite dizer que o sufixo, aqui
estudado em adjetivos e substantivos, é carregado de efeitos de sentido os mais diversos.
Estes podem modalizar o dizer, ou seja, revelar como este dizer deve ser realmente
compreendido.
73
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este espaço está destinado a apresentar as conclusões acerca de toda a
pesquisa, desde suas hipóteses, passando pela teoria até a análise feita com base na
entrevista, corpus deste estudo, retirado do VALPB.
As hipóteses aqui postuladas, embora já apresentadas, dizem respeito a dois
aspectos: (1) o fato de o sufixo -inho expressar variados sentidos e não apenas o de
dimensão em todas as faixas etárias e em todos os níveis de escolarização nos volumes
do VALPB e (2) o de o sufixo -inho ser usado como elemento modalizador discursivo nas
funções encontradas (ou em algumas delas).
Quanto às hipóteses consideradas, a primeira delas foi confirmada. O sufixo aqui
analisado, apresentou alguns sentidos e não apenas o de dimensão em todas as faixas
etárias e em todos os níveis de escolarização propostos nos volumes do Projeto em
adjetivos e substantivos.
A segunda hipótese confirma que o -inho é um elemento modalizador avaliativo
em determinadas funções, tais como: ponto de vista negativo, ironia, piedade, malícia, a
função eufemística e a de positividade. Nessas funções, foi detectado que, ao expressar-
se usando o referido sufixo, o locutor deseja expor o seu juízo de valor, a sua avaliação
sobre determinado assunto, bem como direcionar a maneira como o seu discurso deve
ser entendido.
A função que expressa carinho não apresentou valor modalizador em todas as
situações analisadas, não sendo o -inho então classificado como modalizador. Ao ocorrer
em termos cristalizados como mainha e painho e em apelidos, o sufixo não designa
propriamente uma avaliação ou um juízo de valor por parte do locutor quanto ao que está
proferindo, não podendo, assim, ser classificado enquanto modalizador avaliativo.
A teoria utilizada para dar suporte às funções desenvolvidas pelo -inho foi a teoria
da modalização, a qual sustentou todas as explicações necessárias para as ocorrências
aqui analisadas. Além disso, foi acrescida ao domínio dessa teoria a perspectiva de que
ela pode ocorrer em adjetivos e substantivos em que há o sufixo -inho demarcando o
modo como o locutor quer que seu discurso seja lido, ou seja, que o sujeito marca o seu
74
dizer no enunciado (Dubois, 1993, p.414) e este dizer pode ser marcado pelo uso do -inho
em adjetivos e substantivos.
É válido ressaltar que o corpus, embora extenso, uma vez que foram
compreendidos os cinco volumes do VALPB e encontradas novecentas e cinco
ocorrências do sufixo com todas elas armazenadas e analisadas de acordo com as
ocorrências aqui citadas, vinte e nove foram aqui apresentadas por se tratar de
quantidade suficiente para se chegar às devidas conclusões e servir como demonstração
em um estudo de caso.
Outra observação, quanto ao corpus e ao uso do sufixo –inho, remete ao registro
de que alguns termos já são cristalizados com o -inho e foram bastante recorrentes em
todos os volumes. Alguns deles são: camisinha, padrinho, madrinha, amarelinha
(brincadeira), passarinho, salgadinho, barzinho, coroinha, entre outros.
Sob o ponto de vista de gêneros textuais, reconhecendo o seu domínio enquanto
forma de ação social (Miller, 1984), a entrevista retrata um gênero que, efetivamente, está
inserido no meio social que pretende englobar. Ela tem como características a perspectiva
de entrevistador-entrevistado, em cuja essência há uma conversa conduzida pelo
entrevistador, controlada, artificial. Em alguns casos, como nas entrevistas referentes a
esta pesquisa, com tema previamente delimitado.
Esta pesquisa, que retrata o sufixo -inho como elemento lingüístico vivo e
dinâmico, é de grande contribuição para todos os que estejam dispostos a ver a língua a
partir de suas varias possibilidades de ocorrência, distante de regras estáticas, que, em
alguns casos, apenas existem em livros e não fazem parte da rotina diária de cada um.
Na perspectiva semântico-discursiva, através do estudo aqui elaborado, observa-
se que o sufixo -inho pode ser empregado de acordo com sentidos diversos e, nesse
sentido, serve para alimentar o LASPRAT, auxiliando no ensino de língua portuguesa.
Este estudo pode servir de subsídios para que professores e alunos possam
compreender mais ainda que a língua é algo vivo e dinâmico, embora não tenha sido
elaborado e realizado sob a perspectiva de ensino, já que trata de uma investigação
teórica.
75
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ANEXOS
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ANEXO 1 – Normas de transcrição
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Normas de Transcrição
Na transcrição dos dados foram utilizadas as normas apresentadas a seguir:
1. Pausas e interrupções: + → pausa curta - - → pausa média - - - → pausa longa 2. Dúvida quanto à palavra: a palavra sob dúvida está entre colchetes angulares < >. Ex.: Ele <andava> muito 3. Cruzamento de vozes: os enunciados pronunciados por dois falantes ao mesmo tempo são sublinhados. Ex.: Que legal 4. Pontuação a) Ponto de interrogação nas frases interrogativas e o de exclamação nas frases exclamativas são mantidos. Ex.: Mas nem sempre se compra, né?/ Aí eu falei: que bom! b) Os outros sinais de pontuação também são mantidos. Ex.: Aí, ele pegou uma vassoura e começou a bater nele./ Ele disse: Maria, você vai pra casa hoje. 5. Alongamento de vogal: após a vogal alongada dois pontos são repetidos. Ex.: Ele gostava, e co::mo gostava! 6. Silabação: coloca-se traço no meio da palavra. Ex.: ca-fé, ca-mi-nha-da, etc. 7. Repetições: são reduplicadas letras ou sílabas repetidas. Ex.: Aí, e e ele foi pra casa de de Carlos. 8. Palavra incompleta: coloca-se a palavra entre colchetes [ ]. Ex.: Ele comprou um [carr], uma bicicleta. 9. Comentários do transcritor: atitudes não lingüísticas do informante estão entre parênteses.
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Ex.: Ele gosta de mim. (risos) 10. Intrusão de outro interlocutor: o comentário está entre barras / /. Ex.: F* Ah, eu acho isso muito bom, /ah, eu também acho/ mas meu pai não gosta. Obs.: Falante 1: Ah, eu acho isso muito bom, mas meeu pai não gosta. Falante 2: /ah, eu também acho/. 11. Palavra ou trecho ininteligível: oi comentário está entre colchetes. Ex.: Maria queria comprar {inint}, a mãe dela falou que não queria.
Elencadas as normas utilizadas na transcrição dos dados, vale salientar que foram
mantidos nas transcrições:
• Os apagamentos: me0mo, brinca0do, rapay0, etc; acrescenta-se zero no lugar do
item apagado;
• Os erros de concordância: as casa0 bonita0, eles brinca0, etc.
• Itens lexicais que fazem parte da fala coloquial: vixi, cá, num, cum, ni (ao invés de
em), etc.
• Segmentos epentéticos: luyz, fayz, avoar, cawso (caso), etc; quando a inserção
for de glides, transcreve-se com o “y” ou “w”.
• Casos de apagamento silábico: estava – tava; está – tá.
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ANEXO 2 – Entrevista na íntegra
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Informante: AFD Anos de Escolarização: Nenhum ano Faixa Etária: 15 a 25 anos Sexo: Masculino E* Por que o senhor não estudou? I* É: :: num estudei porque num num de:u, sabe? num quis, né? num gostava mesmo,:: porque só só queria trabalha0 mesmo e brinca0 :: e, minha mãe era do interio0, :: ficô grávida, <ela> ficô grávida de mim, né? :: aí: :: veio pra cá, pa capital, né? A a gente a era era era do Catolé do Rocha. Aí: :: nasci, né? quando eu tinha nove anos ela morreu. :: Aí sô criado [po-] fui criado também como como se da família mesmo {inint}onde eu moro lá. Gente muito boa lá, muito boa pa mim. E* O que seria diferente se você tivesse estudado? I* É: :: conhece0 :: pode0 trabalha0 em outro luga0, assim, já que eu sô bem dize0 da famílhia, :: fala0 [corre-] mais correto, :: te0 uma noção melho0 da vida. É, só isso mesmo, may0 eu num qui0 estuda0. :: Só pra trabalha0 mesmo, pronto. E* Você sente alguma falta por isso? Você sente falta por isso, ter estudado, não? I* Eu não, nunca estudei, num :: sinto nada não. E* Como é o seu dia-a-dia nesse trabalho, com essa família que lhe criou? I* [Assi-] Ela manda :: varre0 a casa, às veze0, :: é, varre0 o quintal, faze0 compra {inint}. Às veze0 eu dirijo, com ela a :: bem dize0, posso dize0 minha mãe, né? que me criô, né? pois que :: a: minha mãe verdadeira morreu, né? E* Se lhe oferecessem um emprego pra ganhar mais dinheiro, você deixaria esse povo? I* Não não não deixaria. :: Gosto muito deles. E* Se ganhasse na loteria, a quem a quem você [ajuda-] ajudaria? I* Ajudaria a eles, em primeiro luga0, que me criaru. E* E que sonho realizaria? I* É: :: O que eles quisesse0. A: :: Aqui, compra0 uma :: uma casa maio0, dinheiro, ajudava financeiramente, assim, cada um. E* Sonho, assim, pra você mesmo. I* É: te0 a minha própria casa, :: carro, :: [se-] se0 independente, assim, mays sempre visitá-los, né? que a pessoa, bem dize0 é minha famílhia, é minha é minha famílhia agora. E* E como é o seu relacionamento com os vizinhos?
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I* Bem. :: Da de eu conheço desde criança, né? :: bem dize0 eu me nasci, eu me criei lá, sempre: me conheceru. E* Você ajudaria os vizinhos com dinheiro? I* Eu emprestaria, :: may0 [aju-] ajuda0 eu ajudaria melho0 a minha minha famílhia mesmo, :: aos que me criaru. E* Como é os, o relacionamento com esse pessoal que lhe criou? I* Muito: é normal. :: <é como se fosse> é como já disse, né? eu sô como como se fosse da famílhia mesmo, né? como fosse :: é filho da da da da dona da casa, como se fosse meus irmão0, :: como se fosse filho dela. :: Me dô muito bem cum eles. E* Fale um pouco sobre cada pessoa dessa família. I* Bem, :; começa0 po0 :: seu Aluísio. :: É bom, :: é bom, :: pai de famílhia, trabalhado0, gosto gosto [mui-] gosto muito dele. :: Ele ele me aconselha muito. :: A dona Diva também, :: a esposa dele, :: que: é como a minha mãe agora, né? :: Me :: ela me aconselha muito, como disse, :: me trata como se eu fosse um filho dela, de verdade, né? :: Tem também Geralda, minha, é como se, é minha irmã, né? minha irmã, tem, :: tem Vinícius, meu irmão, < a gente> arenga, may0 é normal, né? may0 é meu irmão, né? pô! A gente sabe, né? Viníciu0 te:m dezessete, sete anos. Também tem :: o outro que tem quinze ano0, :: Flávio, esse é é [mu-] eu me dô melho0 cum ele, sabe? A gente sai junto, pa festa. E* E como foi a sua infância? I* Minha infância foi mais, como eles estudavam, eu não, :: apesa0 que eles, :: de veyz em quando, falava assim: “Cê num me corrija”, may0 eu continuei sempre errando às veze0.:: [no a-] isso [so-] estudava, eu ficava em casa , brincava, trabalhava, {inint} né? pintava, :: ia faze0 compra, compra0 o pão, apanha0 o lixo. E* E que brincadeira você mais gostava, na infância? I* Subi0 no pé de goiaba. :: Pé de goiaba, joga0 bola, joga0 time de botão. E* E que história você gostava mais de ouvir? Você ouviu alguma história, assim, que lhe contavam? I* Quem, meus pai0? E* O pessoal lá {inint} Você ouvia alguma história? I* [U-] uma história é aquela, que eu ficava muito com medo é aquela do papa-figo. Ficava cum um medo danado. :: Falava, eu num conseguia dormi0 à noite, não.:: Inventava uma história que:, quando tinha um vizinho {inint} um vizinho doente : catapora, sarampo, e :tu, tu vai pega0, num sei o que, eu ficava cum medo. E* Conte alguma aventura da infância, uma coisa bem marcante, assim.
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I* Marcante :: quando eu fui:, a muito tempo atray0, eu fui :; de bicicleta pra Jacumã cum eles, né? cum meus dois irmãos, :: se perderu na volta, passô um bocado de tempo procurando, aí, mays num conseguiru, sabe? Dei umas carreiras {inint} cum medo, tava esquisito. Aí chegô, saiu de manhã e chegô de noite, todo mundo já tava preocupado, todo mundo {inint} já pensando que que tinha morrido. E* Você carrega alguma frustração da infância? I* Frustação é minha, minha mãe te0 morrido :: quando eu tinha nove ano0. E* Praticava algum esporte ou pratica na infância , praticou na infância? I* É: Joga0 bola mesmo. E* O que acha do futebol, essa grande paixão nacional? I* Todo mundo [go-] todo mundo gosta. :: É bom. É, [cê-] se diverte, né? E* Por qual time você torce? I* Flamengo, flamenguista. E* E de onde veio esse paixão pelo Flamengo {inint}. Quem quem lhe indicou, através de quem? I* Quando eu era mais novo, sabe? cada um, um veio dize0 que era vascaíno, o outro disse que era Flamenguista. Eu : “tá! Eu vou, eu gostei do [jo-] do jogo”. Era :: tinha Zico jogando na época, :: ganhô o jogo, eu sô flamenguista, escolhi. E* Conte um jogo inesquecível do Flamengo. I* Inesquecível foi quando :: o Flamengo tava <com o> Vasco, no Maracanã, tava lotado. :: O Vasco :: tava tava pressionando muito o Flamengo, :; mays :: tinha {inint} tinha Zico, :: feyz um gol lá, um golaço :: e ganhô o campeonato :: carioca, [may-] mais uma vey0. E* E o que acha da seleção brasileira, dessa seleção do Parreira? I* Uma droga! Tem que, tem que tira0 o :: técnico, a seleção tá boa, tem que tira0 o técnico mesmo. Num num precisa nem se0 se0 Telê Santana, só basta tira0 o técnico mesmo. Só num, menos Parreira e Zagalo, o resto tá bom. E* Quem você escalaria na seleção, que não tá nessa seleção? I* Escalaria :: {inint} Roberto Carlos, doPalmeira0, :: Escalaria também, aquele goleiro do Vitória, é muito bom, :: pa reserva. :: Botava também :: que: :: Viola, do Coríntians, Leonardo, nã:o, tem muito jogado0 já tão. E* E tiraria algum dessa seleção? I* Tirava Raí. :: Tá muito fraco. E* Qual o melhor jogador brasileiro, na sua opinião?
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I* Romário o primeiro e Bebeto o segundo. E* E o melhor do mundo é um deles dois? I* É Romário mesmo. E* Que acha do voleibol? I* É bom o voleibol, gosto. Acompanhei o [ba-] é o as Olimpíada0, né? de Barcelona, :: vibrei muito quando o Brasil ganhô. E* E como você vê esse geração de de ouro aí, ganhou a medaλa I* Tem que: :: mante0 a a bola, né? num pode deixa0 a bola cai0, né? :: senão perde de novo, né? Então, mostra0 que o Brasil é bom, né? no esporte pelo meno0. E* Qual a importância do esporte, para o homem? I* Ajuda a: :: a desenvolve0, né? o corpo físico, :: é: relaxa, :: deixa mais :: calmo, :: . É bom. E* E como você vê a violência no esporte em geral hoje em dia? I* É inevitável, porque quando, outro dia, quando eu tô jogando, assim, às veze0, :: cum a pressa de de ganha0, fay0 uma jogada perigosa, né? Aí se torna violento, mays tem muitos que: :: devia se0 punidos que são muito violentos, machuca mesmo. E* Conte um caso de violência que lhe marcou, assim, pode ser no [is-] qualquer lugar, qualquer caso de violência. I* Aqui perto de casa. Um [as-] foru assalta0 um rapayz ali e: [a-] além de te0 assaltado deru uma surra nele. Acho que ficô cego de um olho. Deru, meteru um chute no, um bocado de chute no olho nele, quebraru as as costela0 dele, :: só num só num furaru porque, com a peixeira que a gente chegô, eu e meus amigo0. E* Onde estaria a solução pra esse problema da violência, na sua opinião? I* É educação mesmo. :: Que :: muitos filho0 aí que tem tudo na mão e: :: deixa cai0, num que0 nada Porque: :: não que0 dize0 que: :: a pessoa num estude e: seja violento, não é? Porque: vai no mal caminho porque que0, né? E* A televisão contribui, na sua opinião, com esse negócio de violência? I* Às vezes. E* Por quê? I* Quando mostra: :: aquele aqueles :: programas, assim, que até eu gosto de assisti0, sabe? Documento, parece que é documento especial {inint} mostra muito, sabe? :: o mundo da violência, :: o baile funk. Odeio funk.
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E* Que tipo de música você mais gosta? I* Um forrozinho, um reggaezinho, uma lambadinha, um house, :: Tudo que é de música agradável eu gosto. {inint} gosto de tudo, bem dize0. E* E o que, o que acha das novelas? I* Eu goto às veze0, :: may0 no momento tá: tá muito fraca. :: Uma novela que eu gostei foi aquela: :: que trabalhô :: os primeiros capítulo0, aquela é: :: é: de Leonardo. :: Seu seu como é o nome dele? Me esquece o nome, :: novela das oito. E* Renascer. I* Renasce0, é essa mesmo. E* Inocêncio. I* Seu Zé Inocêncio. E* Qual o lado bom da televisão e o lado ruim? I* E o lado ruim... :: Passa :: novela, filme, {inint} jornalismo. O lado ruim é que: :: como eu disse, né? como passa um :: umas propaganda0 aí que é meio violentas. É é isso mesmo, :: assim como :: pra o pra o pra o programa político, por exemplo, num era pa pa passa0 na televisão, eu eu acho, né? E* Qual a importância do rádio para o, a comunidade, o pessoal? I* É bom o rádio porque: :: é um meio de comunicação, né? E: :: tem as música0, né? a gente pode escuta0 uma musiquinha, de veyz em quando. E* O que acha do cinema, cinema de filme? I* Gosto muito de cinema. E* Que tipo de filme você mais gosta? I* De ação. E* Conte <me> conte um filme que lhe marcou, que lhe, os filmes que você mais gostou, assim. I* Qualque:0, Duro de mata0. :: Duro de Mata0, Difícil de Mata0. :: filme cum aquele Conan, o Bárbaro. E* Como era o como, me fala um um pouco do da história desse filme, Duro de Matar. Só um pouco, resumindo. I* É: que ele :: tava no :: no no prédio, né? dentro do prédio, numa festa lá, né? os terrorista0 foru lá, toma0 o prédio, pa rouba0, né? aí tinha um um [pulia-] um policial só
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lá. Num tinha nada a ve0 cum a história, a mulhe0 dele <também> tava lá no meio, :: tava como refém, né? Ele foi lá:, <como era o mocinho, né? :: aí conseguiu vence0 os terrorista e matô tudinho. E* Que outras diversões você pratica? I* Vô pa festa. Gosto de dança0, :: né? :: Conversa0 com os colega0, né? meus irmão0, a gente vai. I0 à praia. E* Como é o seu dia-a-dia, de segunda a sexta? I* Segunda a sexta é: fico em casa, :: <cuido da casa> , minha mãe, Dona Diva. Seu Aluísio vai trabalha0, :: ele manda :: às veze0 lava0 o carro, da0 banho nos cachorro0. E* E no final de semana, que é que você faz? I* Eu fico em casa às veze0, às veze0 eu saio, :: nada planejado, não. E* Como você brinca o carnaval? I* Geralmente em praia. A gente viaja, né? vai pa: :: vai pa Lucena, pa Jacumã Aí eu como, aí como tá sem dinheiro, né? esse ano talveyz :: fique por aqui mesmo. E* O que acha do carnaval daqui de João Pessoa? I* Tá: melhorando. Aqueles Muriçoca0 do Mirama0 é muito bom, muita gente mesmo. {interrupção no gravador} [mui-] <gente mesmo>. E* Gostaria de passa0 um carnaval no Rio algum dia? I* (Ruído) Preferia em: na na preferia i0 pa Bahia. E* Prefere o da Bahia? :: Que [mu-] que conjunto da Bahia você mais gosta? I* Eu gosto de, eu gosto mesmo é mai0 de Chiclete cum Banana, :: Banda Banda Beijo, Banda Cheiro Cheiro, Cheiro de Amo0, :: Reflexo. E* Você tem alguma aventura de carnaval pra conta0? I* Tenho. :: E: eu tinha um, foi a primeira :: a primeira veyz que eu saí. :: Inexperinte, tal. :: Conheci uma menina lá, né? {inint} :: Aí, primêra veyz, né? a gente foi lá, foi dançô, né? se engraçô po0 lá, fui da0 uma voltinha na praia. :: Aí :: pintei e rolei, né? deitei e rolei, como di0 a história. E* Na sua opinião, o jovem o jovem de hoje sabe se divertir? I* Saabe! E* Que é que ele faz muito mais, o que é que o jovem mais <curte>?
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I* Vai pas festa0, :: conversa direitinho, namora, dança, :: bebe um pouquinho, may0 tem uns que: bebe pa fica0 bebo, né? aí começa a briga0, o que é normal, sempre. E* E o que acha das gangs de bairro? I* Odeio. :: Num pode mai0 anda0 sossegado hoje de [no-] de noite não. E* Como você vê a educação, o papel da educação na formação do jovem, o papel da educação? Qual a importância da educação para o jovem? I* Fundamental. E se os pais forem, :: num forem rígido0 mesmo, :: é num vai se0 :: num vai se0 depois que, de maio0 que, :: com uma certa idade que eles num vão, num vão faze0 o certo. Tem que proibi0 e tem que te0 a hora de dize0 sim e a ora de dize0 não, :: definitivo. E* E o que acha da liberdade sexual [entr-] entre os jovens hoje? I* É bom, é bom hoje em dia. :: Cada um na sua, ninguém :: se mete. [tu-] tudo previnido, né? camisinha. :: Tem esse lance da da AIDS também, né? E* O que acha do homossexualismo? Dos gays, esse negócio, desses viados? I* Acho que: :: eu eu num eu conheço alguns, né? mai0 :: que0 dize0 que eu eu [con-] conheço, falo, respeito, :: mais ele me respeitano tudo bom, mai0 {inint} eu fico na minha, eu num me meto. Ele eles que querem da0, eles dê. E* E você teria algum amigo assim, teria preconceito de algum amigo? I* Eu não. Ele ele sabendo que eu num que eu num gosto, né? :: num tirando liberdade, tudo bem. E* E como você vê a situação do pessoal que tem AIDS, sabe que vai morrer e... I* É um problema, porque: sabe que vai morre0 e passa AIDS pra o pra pra os outros, né? :: Num tá nem aí. E* O que você faria pelo jovem, se fosse presidente? I* <Da:va> Melhorava melhoraria o :: como eu num estudei, né? :: tem muita gente reclamando do estudo, colégio estadual, eu acho que: em breve eu vô faze0 um supletivo, :: faze0 pelo meno0 estuda0 o [pri-] [pri-] faze0 o primário. :: <Então eu sonho> em faze0 o supletivo. Que aqui o pessoal tá já o pessoal tá insistindo já, vô :: vô vô entra0 nessa. E: :: melhora0 o me melhora0 {inint} o ensino, né? E* O que você acha, assim, do dos políticos? O que você achou da saída de Collor, importante? I* Eu, a saída foi boa! Ele era pa te0 saído antes, não somente ele como muitos outros, né? Que só fay0 rouba0. Conversa0, conversa0 e nada, só fay0 rouba0. E* Você acredita que o país ainda tem solução?
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I* Te:m! Só só é: [ess-] é acaba0 cum os político0. Tira0 tudinho e bota0 um de vergonha. Num tem um de vergonha. E* Você é esperançoso? Por quê? I* Se eu num tive0 esperança, eu num adianta eu tá vivendo aqui, né? {inint} o melho0, né? E* Como católico, você acredita na fé? I* Acredi:to! E* Você tem algum santo protetor? I* Meu santo, rezo, eu rezo muito po anjo da guarda. E* Você acredita no amor verdadeiro? I* Acredi:to! E* O que é o amor verdadeiro pra você? I* Sinceridade, num te0 vergonha de: :: da pessoa que gosta :: e a pessoa que gosta num te0 vergonha de mim, no caso. É isso mesmo. E* E o que é paixão pra você? I* Que0 ve0 {inint} é quere0 uma coisa e :: de todos os jeitos, de todo todo o todo jeito quere0 uma coisa e consegui0. E fica0 cum aquela coisa. Com alguém, no caso. E* O que acha do casamento? I* Casamento hoje tá muito :: tem uns que se dão certo, outros dão errado, :: casamento hoje em é, hoje em dia tem que se0 na :: fase de :: na base de vinte e cinco a :: a trinta anos. E* Você tem medo da morte? I* Morre0, todo mundo morre um dia. :: Acho que ninguém tá preparado pa morre0. Esse aí é um um problema, esse é o problema, porque quando {inint} quando a gente é sabe, assim, que tem uma doença incurável, :: vai morre0, né? Fica é assustado, ou [sena-] ou se fo0 cabeça quente, se conscientiza0 que vai morre0, né? se conforma0. E* Você já passou por uma situação de perigo de morte, assim, que você disse : “Chegou a minha vez, você pensando que ia morre0? I* Já:! <Foi cum>, esse lance aí de violência um dia. E* Como foi assim, a situação que você achou que ia morre0 um dia?
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I* Foi muito <foi> muito são muitos. E* Conte uma só. I* Eu fui cum colega meu, né? na :: e a namorada dele e mais outro colega deixa0 :: na casa dela, né? e volta0, né? Eu enquanto vinha assim, uma gang né? gang de bairro {inint} pa desvia0. {inint} desvia0, num sei quê, num sei quê, conversa pa lá, e tapeando, :: tá certo. Dobrô assim, “Vamo0 dobra0 aqui, que <tinha> :: o pessoal :: sentada, sentado próximo, aí desviô. :: Quando a gente deu as costa0 aí :: chamaru a gente, gritô assim, :: aí pronto! vai se0 agora! :: Aí pediru um cigarro. :: Aí deu :: aí disseru que: :: tava doido pa fuma0 o :: tal, porque tavam querendo mata0 um hoje, num sei o quê, de todo jeito. A gente deu o cigarro, deu tudo, fomo0 simbora. :: A turma já tava preparada pa corre0, já. E* Você tem vontade de deixar o país? Por quê? I* Como eu disse, né? :: Num tenho estudo. Num tenho noção, aliás, estudo até :: poderia pensa0 nisso, may0 eu gosto daqui. E* Você você acha que fala diferente das outras pessoas daqui de João Pessoa? I* Não! E* E do resto dos brasileiros? I* Também não! E* O que você mudaria no seu jeito de falar? I* <Como> quando eu estuda0, né? começa0 a estuda0, aí aí eu vô sabe0 direitinho se eu se eu num [fa-] se eu falo, :: o <problema é que> eu sei que eu erro muito, :: muito, tenho uns cacuete0, né? may0. E* Todos os brasileiros falam do mesmo jeito? I* Não. E* Por quê você acha? I* Tem uns que: :: tem aquele pessoal do interio0, né? aquele [so-] sotaque, :: eles falam cum um sotaque regional, né? região é tem um sotaque :: predominante. E* Conhece alguém que fala diferente de você? I* Conhe:ço! Um colega meu :: que tá aqui, {inint} ele ele é de São Paulo, ele tá aí, tem um sotaque :: sulista. E* E o que torna o seu falar diferente de das outras pessoas? I* Meu meu meu :: meus pai0, aí no caso, eu num percebo, mays eles percebem. E* O que significa falar bem para você?
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I* Fala0 corretame:nte, sabe0 tudinho direitinho, :: te0 estudo, né? se0 bem bem instruído:: Fala0 :: sem sem medo de erra0. Fala0 cum calma, num tá nervoso.