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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
LUCIANA MEDEIROS DE ARAÚJO
A PRODUÇÃO DO ESPAÇO INTRA-URBANO E AS OCUPAÇÕES IRREGULARES
NO CONJUNTO MANGABEIRA, JOÃO PESSOA - PB
João Pessoa, 2006.
LUCIANA MEDEIROS DE ARAÚJO
A PRODUÇÃO DO ESPAÇO INTRA-URBANO E AS OCUPAÇÕES IRREGULARES
NO CONJUNTO MANGABEIRA, JOÃO PESSOA - PB Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Paraíba, em cumprimento às exigências para obtenção do título de Mestre em Geografia, sob orientação da Profª Drª Doralice Sátyro Maia.
João Pessoa – PB Setembro de 2006.
Formatação e editoração eletrônica Ana Bernadete de Carvalho Accioly Soares
A663p Araújo, Luciana Medeiros de.
A produção do espaço intra-urbano e as ocupações irregulares no Conjunto Mangabeira, João Pessoa – Pb. / Luciana Medeiros de Araújo. – João Pessoa, 2006.
196p. : il. Orientadora: Doralice Sátyro Maia. Dissertação (Mestrado) – UFPB/CCEN 1. Geografia Urbana. 2. Favelização. 3. Periferização. 4. Espaço intra-urbano.
UFPB/BC CDU: 911.3 (043)
LUCIANA MEDEIROS DE ARAÚJO
A PRODUÇÃO DO ESPAÇO INTRA-URBANO E AS OCUPAÇÕES IRREGULARES
NO CONJUNTO MANGABEIRA, JOÃO PESSOA - PB Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Paraíba, em cumprimento às exigências para obtenção do título de Mestre em Geografia, sob orientação da Profª Drª Doralice Sátyro Maia.
________________________________________________________
Profª. Drª. Doralice Sátyro Maia Orientadora – UFPB
________________________________________________________
Profª. Drª. Beatriz Maria Soares Pontes Examinadora – UFRN
________________________________________________________
Prof. Dr. Carlos Augusto de Amorim Cardoso Examinador – UFPB
Dissertação aprovada em 01/09/2006
João Pessoa – PB Setembro de 2006.
PPoorr ttooddooss ooss aannooss ddee iinncceennttiivvooss,, eennssiinnaammeennttooss ee ddeeddiiccaaççããoo,, sseemmpprree aappoossttaannddoo nnaa mmiinnhhaa ffoorrmmaaççããoo ee nnoo mmeeuu ccrreesscciimmeennttoo pprrooff iissssiioonnaall,, ddeeddiiccoo eessttee ttrraabbaallhhoo ààss mmiinnhhaass ttiiaass--mmããee AAllmmiirraa ee AAllzziirraa ee aaooss mmeeuuss ppaaiiss AAlloonnssoo ee TTeerreezziinnhhaa..
AGRADECIMENTOS
O começo, o meio e o fim de uma pesquisa científica requer um longo tempo.
Um tempo de muitos envolvimentos, partilhas e cumplicidades. Cada uma dessas
etapas compõe um momento, em que surgem novas demandas, novas necessidades e
novos colaboradores diretos ou indiretos se somam. Também é verdade que há
aqueles que se desdobraram no partilhar de todas as etapas. Nestas, o nível de
responsabilidade de não deixar ninguém de fora dos meus mais sinceros
agradecimentos é maior. O risco de cometer injustiças é muito grande. Mas, antecipo
aqui as minhas desculpas.
No começo, meio e fim, do ponto de partida ao último momento: a motivação, a
indicação das primeiras leituras, as discussões, as leituras dos textos, as sugestões,
agradeço ao meu grande amigo Adauto Gomes, companheiro de trabalho, de profissão
e de muitas alegrias. Agradeço a Neide pelo envolvimento e pela cumplicidade do
chegar e do caminhar junto, incentivando-me em todos os momentos difíceis ou
festivos. E, ainda, pela amizade, pelo carinho e pela dedicação irrestrita. Com muito
desvelo, dedico-lhe este trabalho.
À Profª Doralice Sátyro Maia ou, com abuso de intimidade, Dora, pela acolhida
no meu retorno à universidade, por acreditar no projeto, pelos valiosos ensinamentos
durante a orientação e por todas as boas indicações de leituras. Esse foi um tempo de
grande aprendizado. Estimo, ainda, a sua disponibilidade e o seu desempenho à frente
da coordenação da PPGG, em seus primeiros momentos, sempre apostando na
consolidação do programa. Sucesso em sua próxima caminhada!
À amiga e Profª Fátima Rodrigues, pelos muitos momentos de força e por não ter
desistido, ao longo de um bom tempo, de nos mostrar o caminho da pesquisa, do fazer
ciência e de, insistentemente, nos incentivar a fazer o mestrado – obrigada mesmo! E
ao amigo João Manuel, que foi também um ponto de partida, incentivando-me na
elaboração do projeto de pesquisa.
Ainda, em todas as etapas, agradeço aos meus familiares. Às minhas tias-mãe
(Almira e Alzira), aos meus pais (Alonso e Terezinha) e a Jaqueline, pelos telefonemas
animadores. A todos, valeu a compreensão pela ausência em muitos momentos. Às
minhas sobrinhas-amigas: Juli (leituras), Aninha (transcrições das entrevistas), Flavinha
e Tainá (compilação dos dados). E, muito carinhosamente, com profundo apreço, por
todas as horas dedicadas, sem questionar os inúmeros chamados de socorro: durante
o trabalho de campo, como “fotográfo-mor”, como entrevistador, apoio, crítico...,
agradeço a Mateus Augusto. Também lhe dedico este trabalho, para que você possa
ter paixão pela Geografia!
Também no começo, meio e fim agradeço a Maga (Auseni) pela presença
constante e pela colaboração incomensurável, incentivando, ajudando, sempre que
necessário, no corre ali, vai acolá! Valeu mesmo! Espero poder lhe retribuir todo o apoio
em breve. Ao Senhor Segun, pela tradução do resumo, e a Ana Bernadete pela
dedicação e empenho na formatação do texto final, deixando tudo dentro das normas.
Agradeço, ainda, à professora-amiga Ezenaide por toda a sua atenção na leitura e
correção final do texto.
Com muita estima, agradeço ao Profº Carlos Augusto Amorim pelas sugestões
na qualificação e neste momento final. Sou muito grata aos Profº Luis Renato Pequeno,
pelas contribuições na qualificação e à Profª Beatriz Ponte por ter, prontamente,
aceitado o convite para examinar este trabalho e por suas considerações durante a
minha defesa. E as professoras Dadá Martins e Valéria Marco, por todas as boas dicas
no seminário de qualificação.
E, logicamente, vêm os amigos do mestrado, de modo especial, pela partilha nos
seminários, nas leituras e nas discussões para além da academia e pelos novos laços
de amizade: Marcinha, Paulo Henrique, Vera, Everaldo e Ava. Por fim, a todas as
amigas que compreenderam a longa temporada de “portas fechadas”.
Na etapa de levantamentos dos dados e confecção dos mapas, agradeço a
Ronaldo (SEDES), a Tânia Nóbrega (SEPLAN), a Walkíria (CAGEPA), a Iara (FAC), a
Tarcísio (CEHAP) e, muito especialmente, à minha amiga e Profª Araci Farias, pela
presteza e pelas horas dedicadas à confecção dos mapas – indispensável! Não
esquecerei a minha pequena grande equipe de pesquisadores Nirvana, Karol e Hélio,
pela disponibilidade e agilidade com que atenderam ao meu SOS questionário! A
Simone pela gentileza do apoio na reta final. A Regina Celly, a Bartô, a Adélia e a
Eliane por todos os incentivos e palavras de solidariedade. A Sônia (PPGG-UFPB) pela
solicitude dispensada aos mestrandos.
Aos queridos colegas de trabalho, Beth (Lourdinas); Rozimeire; Antônio,
Guilherme, Jô, André e Profº Alfredo (Geo), agradeço pela compreensão quanto ao
corre-corre, no esforço da realização desta pesquisa, bem como pelo reconhecimento
da necessidade de faltar em alguns momentos. E a Zefinha pelos inúmeros cafezinhos
para relaxar!
Enfim, sou muito grata à Dona Amélia, moradora da Feirinha, por abrir as portas
de sua casa para nos receber e por dedicar o seu precioso tempo relatando a sua
história de vida, acreditando sempre na seriedade da nossa pesquisa.
AA cciiddaaddee ssee eessccrreevvee nnooss sseeuuss mmuurrooss,, nnaass ssuuaass rruuaass.. MMaass,, eessssaa eessccrriittaa nnuunnccaa aaccaabbaa.. OO ll iivvrroo nnããoo ssee ccoommpplleettaa ee ccoonnttéémm mmuuiittaass ppáággiinnaass eemm bbrraannccoo,, oouu rraassggaaddaass.. EE ttrraattaa--ssee aappeennaass ddee uumm bboorrrraaddoorr,, mmaaiiss rraabbiissccaaddoo qquuee eessccrriittoo..
HHeennrrii LLeeffeebbvvrree
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo analisar a produção do espaço intra-urbano do conjunto de Mangabeira, localizado na cidade de João Pessoa, evidenciando as suas ocupações irregulares. Construído na década de 1980, esse conjunto inscreve-se no contexto das políticas públicas de habitação social, bem como no processo de periferização planejada, o qual expandiu o tecido urbano nas direções sul-sudeste, onde estão localizados os maiores conjuntos habitacionais da cidade. No processo de expansão da cidade, cada vez mais, os trabalhadores assalariados de baixa renda são impelidos para as áreas mais periféricas, notadamente para os conjuntos habitacionais. Muitos deles, impossibilitados de adquirir a sua casa própria de modo formal, passaram a ocupar terrenos públicos e/ou privados, autoconstruindo precariamente suas moradias, formando as ocupações irregulares. Em Mangabeira, essas ocupações estão assentadas em quarteirões, os quais estavam destinados, pelo projeto urbanístico do conjunto, à implantação de unidades de vizinhanças, equipamentos urbanos coletivos e às praças. Na verdade, hoje, constituem grandes enclaves de favelas, sendo um deles o nosso recorte territorial de pesquisa empírica: a Feirinha. O caráter desordenado, ilegal e iníquo dessa ocupação, como também as péssimas condições de vida de seus moradores refletem a omissão do poder público diante dessa questão. Ademais, essa problemática urbana reafirma a existência de um espaço intra-urbano socioespacialmente desigual e fragmentado, produzido sob a égide da lógica capitalista. Para a análise dessa problemática utilizamos a pesquisa bibliográfica, os dados quantitativos e qualitativos obtidos por meio de fontes primarias e secundárias (IBGE, FAC, PMJP), entrevistas, conversas informais, bem como documentos cartográficos. Palavras-chaves: Favelização, periferização, ocupações irregulares e espaço intra-urbano.
ABSTRACT The present work has as objective, the analysis of what is left of intra-urban space at the district of Mangabeira, located in the city of João Pesoa, demonstrated by its irregular occupations. Constructed in the decade of 1980, this habitational district was started bearing in mind the context of public politics of social habitation, as well as in the process of planned peripherization, which expanded the urban space in the south-South direction, where the biggest habitational districts of the city are located. In the process of expansion of the city, bigger and bigger, the low income wage workers are being pushed further to the peripheral areas, notedly to the habitational districts. Many of them, unable to acquire their proper houses in formal way, had started to occupy public and/or private lands, constructing themselves their own houses precariously, this way, demonstrating irregular occupations. In Mangabeira, these occupations are in form of blocks of houses, which were originally destined for the urban estate housing project, the implantation the neighborhood units, collective urban equipments and squares. The truth is that, today, these places constitute the biggest enclaves of slums, one of them being the territory for this empirical research: the Feirinha. The disorderly illegal and iniquitous character of this occupation, as well as the bad conditions of life of its inhabitants reflects the blatant omission of the public authorities towards this question. Furthermore, this urban problem reaffirms the existence of an intra-urban space socially and spatially unequal and fragmented, produced under the protection of capitalist logic. In order to analyze this problem, a bibliographical research approach was used, the quantitative and qualitative data obtained from primary and secondary sources such as (IBGE, FAC, PMJP), interviews, interviews, informal conserves as well as cartographic documents.
KEY WORDS: Slums, Periphery, Irregular occupation and Intra-Urban space
LLIISSTTAA DDEE AABBRREEVVIIAATTUURRAASS
ACCMM Associação Comunitária dos Moradores de Mangabeira
BNH Banco Nacional de Habitação
CAGEPA Companhia de Abastecimento de Água e Esgoto da Paraíba
CEHAP Companhia Estadual de Habitação Popular
COHAB Companhia de Habitação
EMLUR Empresa Municipal de Limpeza Urbana
FAC Fundação de Ação Comunitária
FCP Fundação Casa Popular
FGTS Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
FICAM Financiamento de Construção, Aquisição ou Melhoria da Habitação de Interesse Social
IBAMA Instituto Brasileiro de Meio Ambiente
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INOCOOP Instituto de Orientação às Cooperativas Habitacionais
IPASE Instituto de Pensões e Aposentadoria dos Servidores do Estado
IPEP Instituto de Previdência do Estado da Paraíba
MNLM Movimento Nacional de Luta pela Moradia
PSF Programa de Saúde da Família
PROMORAR Programa de Erradicação de Sub-Habitação
SAELPA Sociedade de Eletrificação da Paraíba S.A.
SBPE Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimos
SEPLAN Secretaria de Planejamento do Município
SFH Sistema Financeiro de Habitação
STTRANS Superintendência de Transportes e Trânsito
SUDENE Superintendência de Desenvolvimento para o Nordeste
UFPB Universidade Federal da Paraíba
ZEIS Zona Especial de Interesse Social
LISTA DE FOTOS
1.1 Parahyba do Norte, Brazil 34
1.2 Vista da Rua da República, em 1870 39
1.3 Vista da Rua do Melão, em 1904, atual Beaurepaire Rohn 39
1.4 Parahyba do Norte 41
3.1 Antigo portão de entrada da C.A.A.M. 84
3.2 Vista panorâmica de Mangabeira na ocasião da entrega 98
3.3 A Praça do Coqueiral em Mangabeira I 116
3.4 Quadra poliesportiva construída 119
3.5 Aspecto do comércio 129
4.1 Aspectos da Feirinha nos anos de 1980 138
4.2 A Feirinha 143
4.3 A Feirinha 144
4.4 Moradia em construção 148
4.5 Precariedade da construção 149
4.6 Vista aérea da Feirinha 151
4.7 Condições das pequenas vias de circulação 158
4.8 Condições das pequenas vias de circulação 158
4.9 Debulhadoras de feijão 170
4.10 Biscateiros 171
4.11 Crianças brincando 176
LISTA DE QUADROS
3.1 Projeto Mangabeira e o Bairro de Mangabeira (1982-2003) 92
3.2 Relação das ocupações irregulares 122
3.3 Total de moradores e domicílios 124
4.1 Tipo de estabelecimentos comerciais e de serviços da Feirinha 141
4.2 Principais atividades exercidas pelos responsáveis das moradias 169
LISTA DE TABELAS
2.1 Evolução do nº de domicílios (1960-1991) 69
2.2 Evolução do nº de domicílios (1963-1983) 72
3.1 Perfil dos bairros que delimitam o conjunto Mangabeira 95
3.2 Percentual dos equipamentos urbanos na Josefa Taveira (2002) 99
3.3 População residente e nº de domicílios particulares. João Pessoa – Mangabeira (2000)
101
3.4 Rendimento nominal do responsável pelo domicílio 104
3.5 Crescimento da ocupação irregular – João Pessoa 123
3.6 Tabela resumo 124
3.7 Perfil geral das três maiores ocupações irregulares de Mangabeira I 127
4.1 Condições gerais dos domicílios na Feirinha 158
LISTA DE FIGURAS
3.1 Croqui da Fazenda Mangabeira - 1979 85
3.2 Delimitação (à mão) do Conjunto de Mangabeira sobre carta topográfica de 1979
88
3.3 Delimitação (à mão) do Conjunto de Mangabeira sobre imagem de satélite do Google Earth
88
3.4 Processo de ocupação irregular em áreas públicas, Mangabeira VII 118
3.5 Pequenos fragmentos de algumas ocupações irregulares em Mangabeira
126
3.6 Principais ocupações irregulares em Mangabeira 128
4.1 Desenho esquemático da unidade de vizinhança 136
4.2 A Feirinha por fora 142
4.3 A Feirinha por dentro 153
LISTA DE MAPAS
2.1 Localização dos aglomerados 63
2.2 Conjunto habitacional em João Pessoa 73
3.1 Localização da área de estudo 94
3.2 Localização da etapa do Conjunto Mangabeira 97
4.1 Uso do solo da Feirinha por fora, Mangabeira – João Pessoa 140
4.2 Ocupação da Feirinha por dentro, Mangabeira – João Pessoa 150
LISTA DE GRÁFICOS
4.1 Condições de esgotamento sanitário 155
4.2 Naturalidade dos moradores da Feirinha 161
4.3 Mobilidade intra-urbana 163
4.4 Principais motivos apontados como fatores de mudança da residência anterior
164
4.5 Principais motivos como fatores de mudança para a Feirinha 166
4.6 Condições de ocupação e moradia 168
4.7 Rendimento do responsável pela moradia 172
4.8 Nível de escolaridade 172
4.9 Principais problemas apontados pelos moradores da Feirinha 175
4.10 Opinião dos moradores sobre o que acham de morar na Feirinha 179
SSUUMMÁÁRRIIOO
IINNTTRROODDUUÇÇÃÃOO 2233
CCAAPPÍÍTTUULLOO 11 –– AA pprroodduuççããoo ddoo eessppaaççoo iinnttrraa--uurrbbaannoo ddee JJooããoo PPeessssooaa
2299
11..11 RReeffaazzeennddoo aallgguunnss ccaammiinnhhooss ddaa eexxppaannssããoo uurrbbaannaa ddee JJooããoo PPeessssooaa 3300
11..22 DDooss ccaasseebbrreess ddaa ppeerriiffeerriiaa àà ffoorrmmaaççããoo ddaass ffaavveellaass 4422
CCAAPPÍÍTTUULLOO 22 –– PPeerriiffeerriizzaaççããoo PPllaanneejjaaddaa:: aa pprroodduuççããoo ddooss ccoonnjjuunnttooss hhaabbiittaacciioonnaaiiss eemm JJooããoo PPeessssooaa
4488
22..11 EExxppaannssããoo ddaa ppeerriiffeerriiaa ee oo pprroocceessssoo ddaa ppeerriiffeerriizzaaççããoo:: aallgguummaass rreeffeerrêênncciiaass ccoonncceeiittuuaaiiss
4499
22..22 IInntteerrvveennççããoo ddoo ppooddeerr ppúúbblliiccoo ee oo pprroocceessssoo ddee ppeerriiffeerriizzaaççããoo ppllaanneejjaaddoo 6600
22..22..11 OOss ccoonnjjuunnttooss ppooppuullaarreess nnaa ppeerriiffeerriizzaaççããoo ppllaanneejjaaddaa ddee JJooããoo PPeessssooaa 6688
22..22..22 OO rreevveerrssoo ddoo ppllaanneejjaammeennttoo ee aa aappaarreennttee lleettaarrggiiaa ddoo EEssttaaddoo:: aa sseeggrreeggaaççããoo ee aass ooccuuppaaççõõeess iirrrreegguullaarreess nnaa ((ee ddaa)) ppeerriiffeerriiaa
7777
CCAAPPÍÍTTUULLOO 33 –– OO ccoonnjjuunnttoo MMaannggaabbeeiirraa:: ddiimmeennssõõeess,, vviissiibbiilliiddaaddeess ee ssuuaass ooccuuppaaççõõeess iirrrreegguullaarreess
8822
33..11 MMaannggaabbeeiirraa ““ppeellaass eexxttrreemmaass””:: rreeccoonnssttiittuuiinnddoo uumm ppoouuccoo ddee ssuuaa hhiissttóórriiaa 8844
33..11..11 OO ppoorrqquuêê ddaa ddeessiiggnnaaççããoo ““ccoonnjjuunnttoo”” MMaannggaabbeeiirraa 8899
33..11..22 DDeelliimmiittaaççããoo ee ccaarraacctteerriizzaaççããoo ddee MMaannggaabbeeiirraa 9933
33..22 DDiimmeennssõõeess ee vviissiibbiilliiddaaddee:: uumm ccoonnjjuunnttoo ccoomm ggrraannddeess ccoonnttrraaddiiççõõeess 110000
33..33 AAss ooccuuppaaççõõeess iirrrreegguullaarreess:: lluuttaa ee rreessiissttêênncciiaa ppeelloo ddiirreeiittoo àà mmoorraaddiiaa 110077
33..44 OOccuuppaaççõõeess iirrrreegguullaarreess eemm MMaannggaabbeeiirraa:: ddaass pprraaççaass àà ffoorrmmaaççããoo ddooss ‘‘eennccllaavveess’’ ddee ffaavveellaass
111122
33..44..11 AAss pprraaççaass ddee MMaannggaabbeeiirraa:: ddoo eessppaaççoo ddee llaazzeerr aaoo eessppaaççoo ddaa mmoorraaddiiaa
111133
33..44..22 MMaannggaabbeeiirraa II ee aass pprriimmeeiirraass ooccuuppaaççõõeess iirrrreegguullaarreess:: ffoorrmmaamm--ssee ooss ‘‘eennccllaavveess’’ ddee ffaavveellaass
112211
CCAAPPÍÍTTUULLOO 44 –– AA FFeeiirriinnhhaa:: ppaarraa aalléémm ddaa iilleeggaalliiddaaddee,, oo eessppaaççoo ddaa mmoorraaddiiaa
113322
44..11 AA ooccuuppaaççããoo ddaa FFeeiirriinnhhaa:: oo iinníícciioo ddaa hhiissttóórriiaa 113355
44..22 AA FFeeiirriinnhhaa ppoorr ffoorraa:: oo ccoomméérrcciioo cchheeggoouu pprriimmeeiirroo 113399
44..33 AA FFeeiirriinnhhaa ppoorr ddeennttrroo:: aauuttooccoonnssttrruuççããoo ddaa mmoorraaddiiaa,, vviiddaa ee iilleeggaalliiddaaddee 114455
44..33..11 AA aauuttooccoonnssttrruuççããoo ddaass mmoorraaddiiaass ee aa mmoorrffoollooggiiaa iinntteerrnnaa:: ooss bbeeccooss ee vviieellaass ddaa FFeeiirriinnhhaa
114466
44..33..22 AAss ccoonnddiiççõõeess aammbbiieennttaaiiss ee ooss sseerrvviiççooss uurrbbaannooss bbáássiiccooss 115544
44..33..33 OO mmoorraaddoorr ddaa FFeeiirriinnhhaa:: oorriiggeemm ee ccoonnddiiççõõeess ddee vviiddaa 115599
44..33..33..11 AA oorriiggeemm ddooss mmoorraaddoorreess ee ssuuaass ttrraajjeettóórriiaass ddee mmuuddaannççaass 116611
44..33..33..22 CCoonnddiiççõõeess ddee vviiddaa ee ttrraabbaallhhoo 116666
44..33..44 CCoottiiddiiaannoo,, ddeesseejjooss ee nneecceessssiiddaaddeess ddooss mmoorraaddoorreess ddaa FFeeiirriinnhhaa 117744
44..44 SSoobbrree aa LLeeggiissllaaççããoo UUrrbbaannaa ee ooss aassppeeccttooss iilleeggaaiiss ddaa FFeeiirriinnhhaa 118800
CCOONNSSIIDDEERRAAÇÇÕÕEESS FFIINNAAIISS 118855
RREEFFEERRÊÊNNCCIIAASS 119900
AANNEEXXOOSS AAnneexxoo AA –– MMoorraaddoorreess ddaa FFeeiirriinnhhaa ggaannhhaarrããoo ccaassaass eemm nnoovvoo ccoonnddoommíínniioo.. FFoollhhaa ddee MMaannggaabbeeiirraa
AAnneexxoo BB –– PPrreeffeeiittuurraa jjáá tteemm pprroojjeettoo pprroonnttoo.. FFoollhhaa ddee MMaannggaabbeeiirraa..
AAPPÊÊNNDDIICCEESS
AAppêênnddiiccee AA –– QQuueessttiioonnáárriioo aapplliiccaaddoo jjuunnttoo aaooss mmoorraaddoorreess ddaa FFeeiirriinnhhaa
AAppêênnddiiccee BB –– QQuueessttiioonnáárriioo aapplliiccaaddoo jjuunnttoo ààss lliiddeerraannççaass ccoommuunniittáárriiaass
AAppêênnddiiccee CC –– QQuueessttiioonnáárriioo aapplliiccaaddoo jjuunnttoo àà SSeeccrreettaarriiaa ddee DDeesseennvvoollvviimmeennttoo SSoocciiaall –– PPMMJJPP
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
23
IInnttrroodduuççããoo
“Entendemos por pesquisa a atividade básica das ciências na sua indagação e descoberta da realidade. É uma atitude e uma prática teórica de constante busca que define um processo intrinsecamente, inacabado e permanente. É uma atividade de aproximação sucessiva da realidade que nunca se esgota, fazendo uma combinação particular entre teoria e dados”.
Minayo, 1991
Toda pesquisa tem uma história. Aquela que se apresenta como o ponto de
partida para os nossos questionamentos empíricos. Estes, amiúde, surgem a partir
de nossas observações sobre as manifestações da paisagem, de modo especial, a
urbana. Assim, ao andarmos pelas ruas da cidade, por seus bairros, por impulso ou
por força do hábito, próprio da nossa condição de geógrafos, quase sempre as
fitamos como se quiséssemos apreender ou desvelar suas formas, conteúdos e
dinâmicas.
Portanto, lançamos sobre a cidade um olhar curioso, perspicaz, aberto ao
significado de suas diferentes formas, articulando-as ao fluxo de informações,
mercadorias, pessoas e capitais que a cidade comporta. Enfim, um olhar vigilante,
questionador e revelador. No dizer de Adauto Novaes (1988, p.9), um olhar que
“deseja sempre mais do que o que lhe é dado a ver”.
Assim, ao chegarmos ao conjunto Mangabeira, mais exatamente à Feirinha,
nosso recorte de pesquisa empírica, notamos um fluxo diferente de pessoas que
entravam e saíam de seus pequenos becos. Depois de certo tempo, impulsionados
pela curiosidade, resolvemos adentrar em um deles. Deparamo-nos, então, com
uma realidade, no mínimo, inusitada para aquele local, inimaginável para quem
transita de passagem pela Feirinha.
Eis que esses becos davam acesso à área interna do quarteirão, nos quais
barracos e casebres disputam cada metro do terreno. Onde vielas e becos sem
saída compõem uma morfologia desordenada de moradias autoconstruídas e
improvisadas. Chegávamos à ocupação irregular da Feirinha. Diante daquela
realidade, levantamos um primeiro questionamento, para a qual não encontramos
uma resposta satisfatória: como o poder público permitiu (e permite) a formação e a
existência de uma ocupação com aquelas proporções em meio a um quarteirão? Um
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
24
quarteirão que abriga dezenas de famílias de trabalhadores pobres, muitas delas
vivendo no limite da miséria, tal como lá encontramos.
A rigor, imaginávamos uma resposta meio óbvia para o porquê da existência
daquela ocupação, pautada no reconhecimento da carência de moradias, bem como
da ineficácia e da insuficiência dos programas governamentais de habitação social.
Programas que são voltados para as camadas mais pobres, especialmente, para
aquelas que não têm como comprovar seus rendimentos, uma vez que sobrevivem
da economia informal, de biscates.
Motivados por essas inquietações, achamos pertinente averiguar aquela
realidade, muito mais complexa do que o revelado à primeira vista. Propondo-nos
essa investigação, por meio do presente trabalho, imaginamos contribuir com o
estudo sobre a produção do espaço intra-urbano de João Pessoa, evidenciando o
processo de periferização vivenciado por esta cidade, a partir da implantação de
grandes conjuntos habitacionais e da formação de ocupações irregulares, a exemplo
da Feirinha, situada no conjunto Mangabeira.
Entre os objetivos específicos, salientamos o entendimento da participação do
Estado não somente na construção do conjunto, mas também na permissividade
quanto à existência dessas ocupações; a análise das causas do processo de
apropriação dos espaços públicos para a produção de moradias autoconstruídas, e
de suas implicações nas condições de vida dos trabalhadores de baixa renda; a
delimitação de algumas dessas ocupações, com o intuito de perceber como os seus
moradores se sentem, postos sob o estigma de “favelados”, “invasores” ou
“ocupantes”.
Assim, percebemos que as reflexões realizadas com base nesta pesquisa
encontram-se inseridas no contexto da expansão territorial das cidades brasileiras,
sobretudo a partir das décadas de 1970-1980. Indiscutivelmente, essa problemática
reveste-se de grande importância nos estudos da Geografia Urbana. A celeridade da
urbanização dessas cidades, baseada no modelo de desenvolvimento econômico
desigual e excludente, típico do capitalismo, tem contribuído para a formação de
uma estrutura intra-urbana fragmentada e socioespacialmente segregada, cujas
áreas mais periféricas e deterioradas são reservadas à população de menor poder
aquisitivo.
Dessa forma, na medida que o tecido urbano se expande, delineia-se um
“mosaico” socioespacialmente distinto, marcado por grandes contradições e
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
25
iniqüidades sociais, demandando, portanto, uma investigação mais cuidadosa. Até
porque sob essas contradições atuam forças produtivas que tramam a produção-
reprodução do espaço urbano.
Nessa perspectiva, a cidade de João Pessoa não constitui uma exceção. O
rápido crescimento urbano, verificado nos últimos anos, tem evidenciado as
desigualdades socioespaciais, reveladas por um padrão urbano excludente, onde é
expressiva a formação de ocupações irregulares, concentrando pobreza e miséria.
Disseminadas nas áreas periféricas, essas ocupações, instalam-se nos espaços
possíveis à sobrevivência, à margem da cidade dita legal, e se caracterizam por
favelas que abrigam cada vez mais indivíduos e famílias de trabalhadores, cujo
rendimento mensal varia entre 1 e 2 salários mínimos.
Para melhor analisarmos essa problemática, dividimos este trabalho em
quatro capítulos. O primeiro, intitulado de “A produção do espaço intra-urbano de
João Pessoa”, propõe, inicialmente, um breve resgate histórico do processo de
expansão urbana dessa cidade, evidenciando a distribuição espacial das classes
pobres no tecido urbano. Em seguida, analisamos a formação das favelas, tomando
como referência as novas direções de expansão da “Cidade Modernizada”, a partir
de 1970.
Examinaremos, ainda, como a expansão do tecido urbano e a maior
valorização das áreas mais centrais e nobres da cidade provocaram o deslocamento
dos trabalhadores de baixa renda para as áreas mais distantes do centro da cidade,
promovendo a formação de bairros populares e, posteriormente, de favelas.
O segundo capítulo, denominado “Periferização planejada: a produção dos
conjuntos habitacionais em João Pessoa”, discute as intervenções do poder público
na provisão da moradia popular, tomando-se como referência os conjuntos
habitacionais implantados pelo Banco Nacional de Habitação (BNH) e pelo Sistema
Financeiro de Habitação (SFH). Veremos como o Estado, em parceria com o setor
imobiliário, articula de modo intencional o planejamento e a construção desses
conjuntos nas áreas mais periféricas, distantes dos centros principais.
O terceiro capítulo, chamado de “Conjunto Mangabeira: dimensões,
visibilidade e suas ocupações irregulares”, trata da sua localização, delimitação e
caracterização socioeconômica, destacando suas dimensões, visibilidades e
contradições. Justifica, ainda, o porquê de defini-lo como conjunto e não como
bairro. Ademais, aborda o surgimento das ocupações irregulares, a luta e a
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
26
resistência dos moradores dessas ocupações, que, neste conjunto, estão situadas
no lugar das praças, formando enclaves de favelas.
O quarto capítulo – “A Feirinha: para além da ilegalidade, o espaço da
moradia” –, está centrado na análise da ocupação irregular da Feirinha de
Mangabeira e traz a leitura e a interpretação dos dados de nossa pesquisa empírica.
Aqui, a Feirinha será vista por fora e por dentro: desde a sua origem até os dias
atuais, buscando um breve resgate de sua história.
No decorrer desse capítulo, faremos uma análise das condições de vida e
trabalho de seus moradores, bem como a precariedade da autoconstrução das
moradias, a carência dos serviços urbanos básicos, as suas origens e trajetórias de
vida. Por fim, examinaremos a legislação urbana, destacando os dispositivos legais
acerca das ocupações irregulares em áreas públicas, destinadas aos equipamentos
comunitários, como é o caso da Feirinha.
Apresentada a distribuição dos capítulos, é importante lembrarmos ao leitor
que, sob o ponto de vista da escala espacial, esta pesquisa está inscrita no espaço
intra-urbano de João Pessoa. Todavia, a problemática analisada emerge de uma
escala maior, que vai além dos limites da cidade ou mesmo da região. Assim,
admitimos que a periferização, favelização, pobreza urbana e desigualdades sociais
das cidades do mundo subdesenvolvidos são cada vez mais engendradas a partir de
forças externas e do modo de produção capitalista.
No tocante à metodologia, afirmamos que o exercício da pesquisa científica
em Geografia requer a combinação de dois procedimentos: o levantamento
bibliográfico e documental e o trabalho de campo, os quais permeiam toda a
pesquisa. Na fase inicial, selecionamos e sistematizamos melhor as referências
bibliográficas atinentes à nossa problemática, bem como acessamos alguns sítios
eletrônicos oficiais e não oficiais, objetivando a obtenção de maiores informações
sobre legislação urbana, bem como a seleção de textos acadêmicos.
Associando essa etapa ao trabalho de campo, realizamos o levantamento dos
dados secundários, realizado por meio de visitas aos órgãos públicos, a saber:
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); Fundação de Ação Comunitária
(FAC); Companhia Estadual de Habitação Popular (CEHAP); Secretária de
Planejamento, Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente do Município de João
Pessoa (SEPLAN); Secretaria de Desenvolvimento Social do Município de João
Pessoa (SEDES); Companhia de Água e Esgoto da Paraíba (CAGEPA).
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
27
Igualmente, elaboramos e confeccionamos a documentação cartográfica
necessária ao processo de identificação, localização e mapeamento das ocupações
irregulares do conjunto Mangabeira. A base dessa documentação foi obtida por
intermédio da CAGEPA e da SEPLAN.
O trabalho de campo possibilitou uma maior relação de interação social e
intersubjetividade com os moradores da Feirinha e do conjunto Mangabeira, sendo
essencial à pesquisa social. Dessa forma, a ida a campo representou um
instrumento basilar para realizarmos as observações diretas, aprofundando nossas
inquietações sobre a realidade vivenciada por esses moradores.
A partir do trabalho de campo, aplicamos os questionários com os moradores
da Feirinha (Apêndice A) e realizamos entrevistas semi-estruturadas com
representantes dos movimentos de luta pela moradia (Apêndice B) e com a
secretária de desenvolvimento social do município (Apêndice C). Essas entrevistas
foram feitas entre 2005 e 2006, e com o auxílio delas procuramos confrontar as
opiniões dos representantes desses movimentos com as do poder público.
Os questionários foram elaborados com a combinação de perguntas abertas e
fechadas, cujo objetivo principal foi observar as características socioeconômicas dos
moradores: condição de vida, de trabalho, a naturalidade, os lugares em que
moraram, seus desejos, expectativas e necessidades. Como referencial de
amostragem, tomamos de 24,5% do total de 163 moradias, correspondendo a
quarenta questionários aplicados.
As entrevistas e as conversas informais com os moradores da Feirinha, do
seu entorno e do conjunto Mangabeira, bem como com os freqüentadores e
comerciantes da feira foram fundamentais para percebermos suas visões de mundo.
De forma espontânea, nossos interlocutores manifestaram suas opiniões sobre
Mangabeira, sobre a Feirinha, acerca do dia-a-dia na ocupação e de suas
estratégias de sobrevivência.
Ainda associado ao trabalho de campo, produzimos uma documentação
fotográfica, necessária à análise e à interpretação qualitativa da área de estudo. A
pertinência do uso da fotografia redimensionou a importância de registrarmos os
momentos de sociabilidade e de cotidianidade dos moradores da Feirinha, bem
como a precariedade das condições de moradia.
Úteis à recomposição de nossa memória visual, as fotografias foram feitas de
forma sistemática, produzidas durante as nossas visitas à Feirinha, tendo duas
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
28
finalidades: obter informações e demonstrar ou enunciar conclusões, como sugere o
antropólogo Milton Guran (2000).
Outro aspecto importante do (e no) trabalho de campo refere-se à cognição
pela percepção, através do olhar e do ouvir, os quais são imprescindíveis à
apreensão da realidade social, como afirma Roberto Cardoso de Oliveira (1996, p.
21),
o olhar e o ouvir são faculdades que se interdependem no exercício da investigação [...]. No ímpeto de conhecer que o ouvir, complementando o olhar, participa das mesmas pré-condições desse último, na medida em que está preparado para iluminar todos os ruídos que lhe pareçam insignificantes.
Por fim, admitimos que para nós, geógrafos, o estímulo à percepção advém
da contemplação da paisagem. Não por meio de um olhar idílico, descritivo, mas
inquieto e questionador, atento à realidade visível e não visível, sobrepostas no
espaço geográfico. Portanto, o olhar e o ouvir, bem disciplinados e elaborados
conceitualmente, devem “funcionar como uma espécie de prisma por meio do qual a
realidade observada sofre um processo de refração” (OLIVEIRA, 1996, p.19).
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
29
11.. AA pprroodduuççããoo ddoo eessppaaççoo iinnttrraa--uurrbbaannoo ddee JJooããoo PPeessssooaa
“A cidade, o urbano, também é o mistério, oculto. Atrás da aparência, e sob a transparência, empreendimentos são tramados, potências ocultas atuam, sem contar os poderes ostensivos, como a riqueza e a política”.
Henri Lefebvre, 2004
A epígrafe de Henri Lefebvre (2004) nos convida a uma reflexão sobre o
espaço urbano e suas articulações, as quais nem sempre são percebidas sob a
materialidade da cidade. Intima-nos a transgredir a aparência da paisagem urbana:
formas, movimentos e cores. Isto porque a paisagem que simplesmente salta aos
olhos corresponde, em essencial, apenas a um conjunto de formas concretas,
constituídas em um dado momento, que exprimem as heranças do modo de
produção a partir do qual foram construídas.
Tendo em vista que a cidade não se compõe apenas dessas formas,
comportando um conteúdo oculto, que é o urbano, a tradução da cidade não deve se
basear apenas na leitura de sua aparência imediata, para que não deixemos de lado
as tramas socioeconômicas que lhe perpassam. Assim, cumpre-nos decifrá-la a
partir de suas formas-conteúdo, desvelando a complexidade de suas relações
sociais, políticas, econômicas, ideológicas e culturais.
Neste capítulo, refletiremos sobre a produção do espaço intra-urbano de João
Pessoa, buscando entender, por meio de alguns recortes históricos, os meandros de
sua expansão territorial, bem como as transformações socioespaciais que
impulsionaram (e ainda impulsionam) a configuração de uma cidade fragmentada e
desigual. Dessa forma, cabe-nos analisar o porquê dessa configuração,
especialmente por percebermos que o seu processo de expansão territorial está
atrelado a uma periferização planejada.
Indubitavelmente, a resultante dessa periferização recai sobre as classes
mais pobres, as quais estão sujeitas a deslocamentos involuntários no espaço intra-
urbano. Desta feita, malquistos, considerados ameaçadores da ordem pública e
depreciadores da urbe, os pobres foram expungidos das áreas mais centrais da
cidade, restando-lhes a periferia, que, cada vez mais depauperada e carente de
muitos dos equipamentos urbanos, tornou-se o espaço reservado aos pobres.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
30
Como ponto de partida para as nossas reflexões, temos a compreensão de
que o processo de expansão territorial de João Pessoa está inscrito no modo de
produção capitalista. Assim, as transformações espaciais oriundas desse processo
refletem os diferentes momentos do desenvolvimento socioeconômico dessa cidade.
Por conseguinte, as configurações de seu espaço intra-urbano e a combinação de
suas formas espaciais aparecem subordinadas às forças produtivas, evidenciadas
num dado tempo histórico.
A seguir, no primeiro momento deste capítulo, faremos um breve recorte
histórico dessa expansão, destacando alguns caminhos traçados pelo tecido urbano
de João Pessoa, os quais nos conduziram a uma melhor apreensão da produção de
seu espaço intra-urbano e da formação das ocupações irregulares de Mangabeira.
Destacamos, todavia, que não é nossa pretensão inventariarmos cronológica e
exaustivamente os diversos momentos da história da cidade. Assim, nos limitaremos
a alguns aspectos tomados como importantes para a nossa pesquisa.
Em um segundo momento, faremos considerações sobre a distribuição
espacial dos pobres na cidade, voltando-nos a uma análise acerca da formação das
favelas em João Pessoa, notadamente a partir da década de 1970.
11..11 RReeffaazzeennddoo aallgguunnss ccaammiinnhhooss ddaa eexxppaannssããoo uurrbbaannaa ddee JJooããoo PPeessssooaa
Quinhentista, João Pessoa guarda resíduos históricos que, materializados,
transformados e sobrepostos no tempo presente, testemunham os diferentes
momentos da sua formação. Esses resíduos são denominados por Milton Santos
(2002, p. 40) de rugosidades, referindo-se
Ao que fica do passado como forma, espaço construído, paisagem, o que resta do processo de supressão, de acumulação e superposição, com que as coisas se substituem e acumulam em todos os lugares [...]. Em cada lugar, pois, o tempo atual se defronta com o tempo passado, cristalizado em formas.
Presentes na materialidade da cidade, esses resíduos nos permitem uma
leitura das diferentes temporalidades e especificidades da produção/reprodução do
espaço intra-urbano de João Pessoa. Portanto, as ruas, os monumentos, a
distribuição espacial das moradias e dos equipamentos urbanos revelam os
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
31
meandros do processo de expansão urbana, bem como os seus significados na
formação socioespacial.
Sobrepostas aos resíduos, as novas configurações desse espaço intra-
urbano nos convidam a pensar os vários caminhos trilhados pela cidade no decurso
de sua expansão territorial, aguçando nossos olhares questionadores sobre a sua
história, na qual estão inscritas a evolução e a composição de suas formas-
conteúdo. Como já dissemos, são olhares que não se satisfazem em contemplar a
paisagem concreta, posta à primeira vista.
Até porque, enquanto geógrafos, ao estudarmos o espaço urbano e os
vários momentos de produção/reprodução de uma cidade, é conveniente
dissecarmos a sua paisagem, buscando a apreensão dos seus processos, formas e
estruturas. Assim, perceber alguns momentos da sua história nos fornecerá pistas
para pensarmos a trajetória espacial das classes pobres na cidade. Onde e como
viviam na então Cidade da Parahyba? Quais espaços ocupavam no processo de
formação e expansão dessa cidade, entre o final do século XIX e o início do século
XX? Sob esses questionamentos, buscaremos entender o porquê de estarem hoje
na periferia, especialmente nos conjuntos habitacionais e nas favelas.
Pois bem, João Pessoa acumula um tempo longo de histórias marcadas por
singularidades, as quais particularizam a produção e a estruturação de seu espaço
urbano. Circunscrita na periferia do mundo capitalista, a sua história está inserida no
processo de expansão desse modo de produção e da divisão internacional do
trabalho.
Produto da colonização do país, tal como outras cidades brasileiras, João
Pessoa foi fundada no final do século XVI. Servindo a interesses coloniais, foi sendo
constituída como “espaço derivado”1, dependente de fatores externos. Inicialmente,
assume funções administrativa e militar, além ter sido contornada como entreposto
comercial, cujo locus – distribuído na faixa litorânea, próximo aos portos de
embarque – facilitava o escoamento da produção e o comércio ultramarino.
Com um crescimento urbano lento, durante mais de três séculos, a cidade de
João Pessoa manteve seu pequeno tecido urbano circunscrito ao seu sítio original, o
qual, distribuído sobre uma topografia irregular, formava dois compartimentos: a
1 Esse termo é utilizado por Milton Santos (1982), ao fazer referência às cidades dos países subdesenvolvidos que foram erguidas para servir aos interesses externos e cuja zona de influência constitui um espaço derivado, depende, em grande parte, de fatores exógenos.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
32
Cidade Baixa, que ocupava um pequeno trecho da várzea direita do Rio Sanhauá, e
a Cidade Alta, estendida por sobre o Baixo Planalto Costeiro. Em ambos, a
simplicidade de suas estruturas socioespaciais revelava-se pela precariedade dos
equipamentos urbanos, pela modéstia das construções residenciais e pelo traçado
de suas ruas – caracterizado pelas formas espontâneas, muitas delas tortuosas,
enladeiradas e enlameadas2.
Aqui, sob esse traçado, é pertinente resgatarmos a imagem de “desleixo”,
sugerida por Sergio Buarque de Holanda (1981), ao pensar as cidades coloniais
portuguesas. Não menos pertinentes, entretanto, são as ressalvas propostas por
Maurício de Abreu (1997), para quem o traçado irregular das ruas dessas mesmas
cidades revelava-se compatível com as imposições topográficas nelas existentes.
Refutando as impressões de Holanda (1981), esse autor ressalta que as
formas tortuosas ou irregulares das ruas não significam “desleixo”, como se fossem
um produto da indiferença do Estado português na organização territorial e urbana
da colônia. Quanto a isso, afirma: “tanto a criação de cidades e vilas no Brasil
colonial, como a elevação de vilas à categoria de cidade, obedeceram a um projeto
de política territorial” (ABREU, 1997, p.31-32).
Na historiografia sobre a cidade de João Pessoa, relativa à época em que
ainda era uma colônia, identificamos a sua descrição como um lugar sem muita
relevância. Aroldo Azevedo (1992), por exemplo, ao discutir as vilas e cidades do
Brasil colonial, assinalou que, com exceção de “Salvador e Rio de Janeiro” – sedes
do Governo Geral – e das vilas de “Olinda e São Vicente” – centros econômicos de
destaque na colônia –, os demais aglomerados urbanos eram bastante modestos.
Sobre a Cidade da Filipéia3, o autor destacou: “evidentemente não deveria ter
recebido honraria [status de cidade], não fossem motivos fortuitos e ocasionais”
(AZEVEDO, 1992, p.33).
No contexto histórico em que a Cidade de Filipéia foi erguida, a observação
de Azevedo nos parece pertinente. Fundada a partir das necessidades de
continuidade do projeto expansionista luso-hispânico, mesmo que tenha nascido
como cidade, pode ser apresentada sob a condição de um pequeno vilarejo, sendo
descrita como uma “cidadela” carente de infra-estrutura, com sobrados modestos e
2 AGUIAR, 1985. 3 Esclareçamos: João Pessoa, designação dada à cidade na década de 1930, já teve várias outras denominações, a partir da sua fundação, em 1585: Nossa Senhora das Neves, Filipéia, Frederica e Parahyba do Norte.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
33
morfologia urbana simples. Tal simplicidade é registrada por Aécio Vilar de Aquino
(1985 in AGUIAR e OCTAVIO, 1985, p. 75), ao fazer referência à cidade do século
XIX, chamada, àquele momento, de Parahyba:
As casas residenciais eram modestas, segundo a arquitetura típica das residências coloniais e despidas de muitos dos básicos necessários a prédios urbanos destinados a moradias. Poucos sobrados ostentavam a imponência da sua arquitetura e o status mais elevado dos seus moradores. Logo depois do centro iniciavam-se os sítios [...] E logo depois a mata emoldurava a pequena cidade, às vezes seccionando-a, isolando pequenos conjuntos de habitações, que passavam a constituir povoados quase que independentes.
O fragmento acima descreve uma cidade pacata, com aspecto mais rural do
que urbano4, contornada sob uma condição de vila. Segundo o autor, essa descrição
serviria para os séculos anteriores, visto que era uma “cidade pequena, antiquada,
carente de diversos equipamentos urbanos [...] Um aglomerado urbano pequeno,
dos mais pobres e atrasados” (AQUINO, 1985 in AGUIAR e OCTÁVIO, 1985, p.75).
A Cidade da Parahyba avançou por sobre o Tabuleiro. O centro da Cidade
Alta5, parte da Cidade Tradicional, reservava-se às famílias abastadas, pertencentes
à aristocracia rural, como também àquelas que ocupavam cargos na administração
pública e aos comerciantes mais bem-sucedidos. Essas famílias habitavam as
melhores casas e sobrados, localizados, sobretudo, em torno dos pátios das igrejas
e nas ruas mais largas, a exemplo da Rua Direita e da Rua Nova, atualmente as
Ruas Duque de Caxias e General Osório, respectivamente (Foto 1.1).
4 Sobre a relação campo-cidade no processo de expansão da cidade de João Pessoa, ver O campo na cidade: necessidade e desejo – um estudo sobre subespaços rurais em João Pessoa (PB). Dissertação de mestrado de Doralice Sátyro Maia, 1994. 5 Denominação da cidade situada no compartimento geomorfológico do Baixo Planalto Costeiro –Tabuleiro.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
34
Foto 1.1 – Parahyba do Norte, Brazil – Vista da Cidade Alta, destacando-se a antiga sua Direita, atual Duque de Caxias. A “cidade dos sobrados” e dos mais abastados – início da década de 1920. Fonte: Arquivo RODRIGUES, W. In: Escola e Modernidade na Paraíba, 1910-1930, Grupo de Pesquisa Ciência, Educação e Sociedade. Centro de Educação, UFPB. 2006. 1CD.
Batista (1951 in AGUIAR e OCTÁVIO, 1985, p.107), referindo-se à
preferência da aristocracia rural pelos sobrados como forma de moradia “nas zonas
socialmente mais importantes da cidade”, ressaltou a localização e o valor dos
terrenos como fatores determinantes para a concentração da população mais
abastada nas ruas anteriormente referidas. Assim escreveu esse autor:
A “concentração” de população em determinadas zonas de maior prestígio e mais facilitadas para o comércio, ou mais saudáveis e cômodas para residência, eleva, como se sabe, o preço dos terrenos, acarretando o isolamento das outras áreas, propondo-lhes, em conseqüência, um desenvolvimento que é antes uma forma de subsistência – uma forma de auto-defesa –, enquanto “centraliza” a as atividades em determinadas áreas, dando origem a um aumento expressivo de construção e população nas zonas mais prestigiosas.
Ademais, é razoável destacarmos que, ante as péssimas condições de
arruamento, bem como as desventuras da vida urbana6, para esses segmentos da
sociedade, a escolha pelo sobrado, como moradia, era uma solução para manter a
distância física e social da rua. 6Juarez Batista, a partir das atas das câmaras e dos documentos oficiais, cita as principais reclamações registradas por particulares, tais como: a existência de becos escuros, o acúmulo de lixo e animais mortos nas ruas, loucos soltos, dentre outros.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
35
No período entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX, o
crescimento da cidade foi pouco expressivo, havendo apenas um pequeno avanço
em torno da área central edificada7 . Essa área central correspondia à Cidade Alta,
delimitada até as imediações do que viria a ser o Parque Sólon de Lucena (Lagoa),
a partir do qual ocorreria uma expansão territorial nas direções leste e sul.
É também nesse momento que a Cidade da Parahyba passa a sofrer maiores
intervenções públicas, voltadas à sua modernização. Dessa forma, a implantação de
equipamentos urbanos, a construção de praças, a abertura de novas avenidas, o
calçamento de ruas e a construção de novas edificações particulares conferiam à
cidade um aspecto de urbanidade. Quanto a tais equipamentos, assinala Doralice
Maia (1994, p.19): “foram aclamados por muitos como o início da modernidade”.
Uma modernidade anunciada no século XIX, caracterizada por grandes
transformações socioeconômicas e políticas, tendo como locus principal a cidade,
onde os equipamentos urbanos modernos estão assentados. Todavia, é importante
ressaltarmos que, sob essas transformações, ficam evidenciadas as próprias
contradições socioespaciais que a cidade comporta.
Pois bem, há uma maior convergência de pessoas, oriundas do campo e de
outras cidades menores e “atrasadas”, para a “cidade moderna”. Nela, vem a busca
da realização dos desejos – o acesso aos benefícios dos novos equipamentos
urbanos: transporte, iluminação elétrica, saneamento, calçamento, água encanada,
escola. É nesse contexto, segundo Waldeci Chagas (2004), que a Cidade da
Parahyba passa a receber um contínuo fluxo de migrante do campo, especialmente
vindo do interior do estado, acometidos pela estiagem no Sertão.
Atrelada à modernidade, à expansão da cidade e ao incremento populacional,
surge a necessidade de implantação de um conjunto de normas e regulamentações,
as quais são elaboradas pela Câmara Municipal, no século XIX, objetivando
estabelecer medidas de posturas urbanas, a fim de ordenar e disciplinar o uso do
solo urbano pelos munícipes, pelo poder público e por agentes produtores da
cidade. Como assevera Maia (2006, p. 09),
As primeiras posturas da Cidade da Parahyba datam de 1830. Essa documentação revela a preocupação por disciplinar os usos da cidade, a conduta das pessoas, enfim a sua vida social. Nas posturas de 1830, já se
7 RODRIGUEZ, 1980, p. 50.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
36
pode constatar a preocupação com a aparência da cidade e com o seu ordenamento.
Um outro aspecto importante da documentação referida acima diz respeito à
política higienista, centrada na emergência do controle da saúde pública pelo poder
governamental, sobretudo entre as classes pobres, vistas como “classes
perigosas”8. Estas, além de trazerem problemas à organização do trabalho e à
manutenção da ordem, ofereciam perigo à saúde pública, enquanto transmissoras,
em potencial, de doenças infecto-contagiosas e disseminadoras de epidemias,
segundo Chalhoub (1996), Chagas (2004) e Abreu (1997).
Entre essas epidemias estavam a gripe, a varíola, a tuberculose e a febre
amarela. Abreu (1997, p.39, aspas do autor), ao discutir as causas das mesmas,
esclarece: havia também ‘causas sociais’ da insalubridade, que se evidenciavam na superlotação, na insuficiência de ventilação e na pouca insolação das habitações, na sujeira dos logradouros públicos e, segundo alguns médicos, no excesso de trabalho e na má alimentação.
Assim como em outras cidades brasileiras, na Cidade da Parahyba, o eixo
central do Código de Postura voltava-se para as normas de higienização, dando
ênfase, sobremaneira, não somente às condições higiênicas das habitações das
classes pobres, mas também ao espaço dos pobres na cidade. Refletindo sobre
essa temática, Chalhoub (1996, p.33, grifos do autor), aportando-se no
entendimento de Abreu, assinala que, no decorrer dos anos, houve uma mudança
no modo de encarar o problema da higiene na cidade: “a ênfase deixaria de ser
prioritariamente a forma, as condições de moradia, e passaria a ser o espaço, o local
de habitação”.
Em que pese o fato dos autores referidos acima terem feito as suas
observações a partir de uma análise voltada aos cortiços da cidade do Rio de
Janeiro, podemos afirmar, contudo, que tais observações podem ser aplicadas à
realidade vivenciada na Cidade da Parahyba. Isto porque o pensamento higienista
chega com toda força ao Brasil no século XIX, difundindo-se como modelo para o
território nacional a partir do Rio de Janeiro, a então capital do Império e, depois, da
República.
8 Sobre essa discussão, ver CHALHOUB (1996).
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
37
Assim, ao admitirmos que na Cidade da Parahyba o problema central da
saúde pública incidia sobre as classes pobres, perguntamos: quem formava essas
classes? Quais os seus espaços nessa cidade? Fomos buscar respostas para essas
indagações em Chagas (2004), analisando o capítulo quatro de sua tese de
doutorado, assim intitulado: “As classes pobres no cenário urbano”.
Segundo esse autor, no decorrer do processo de modernização da cidade, as
classes pobres eram um objeto de preocupação. Classes que eram assim tomadas:
Indivíduos excluídos dos benefícios de modernização/urbanização, mas que compartilham experiências e culturas semelhantes nesse processo [o de modernização da cidade], mesmo não ocupando posições idênticas nas relações sociais e de produção. Estamos nos referindo aos operários, estivadores, aos arrumadores, aos cabeceiros, às prostitutas e aos mendigos (CHAGAS, 2004, p. 171).
Enquanto “classes perigosas”, eram vistas como ameaça pelas elites, quer
sob uma ordem moral, quer pela possibilidade de transmissão de doenças. Portanto,
cabia ao poder público evitar a sua permanência nas áreas mais centrais da cidade.
Ademais, as condições de precariedade de suas moradias e a insalubridade das
mesmas comprometiam a construção da imagem de uma urbe civilizada. Nesse
sentido, o Código de Postura seria determinante para afastar os pobres das áreas
mais nobres, impelindo-os para as áreas mais afastadas da cidade.
Quanto à moradia, estabelecia que “a estrutura das casas deveria ser de
tijolos e cobertas de telhas, com janelas frontais e laterais, indispensáveis à
circulação do ar e à entrada dos raios solares” (CHAGAS, 2004, p. 171). Também
delegava deveres de ordem higiênica aos seus proprietários, tais como: manter a
pintura da fachada externa, a limpeza da frente e das laterais e não jogar o lixo na
rua, acomodando-o de forma que possibilitasse a coleta.
Determinava, ainda, que ficava “proibida a construção de casas de palhas no
perímetro urbano e a permanência dos casebres e cortiços, considerados moradias
insalubres e de estruturas arquitetônica destoante das recomendações indicadas”
(Jornal A União 4/1/1921 apud Chagas, 2004, p. 173). Acrescenta, também, que a
moradia das classes pobres, dependendo de onde se localizava, passou a ser vista
como um foco de reprodução de vírus epidêmicos, havendo constantes denúncias
às autoridades sanitárias.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
38
A partir dessas denúncias e da pressão das elites, o poder público,
respaldado no Código de Postura, começou um processo de demolição das
moradias consideradas insalubres. Iniciou-se, ainda, o processo de espoliação
urbana dessas classes, para a qual o direito à cidade é negado. É também a partir
desse momento que os pobres começam a migrar para as áreas mais distantes do
centro da cidade, compondo as periferias.
Chagas (2004) ressalta que as imposições das posturas urbanas, juntamente
com a ação da Campanha de Higienização, geraram mudanças significativas no
cotidiano e na vida dos pobres, ante o fato de que, ao terem suas casas demolidas
e/ou terem que mudar de rua, passaram a viver uma nova realidade, submetidos ao
controle do Estado e à precariedade dos equipamentos urbanos, tão aclamados pela
elite como símbolos de modernidade.
Além disso, como não havia uma política pública de construção de moradia
popular, cabia aos pobres a incumbência e o ônus de erguer a sua moradia, o que
nem sempre era possível, devido a injunções socioeconômicas. Outrossim, como
chama atenção Chagas (2004, p.180), as intervenções higienistas eram contra a
moradia e não contra a rua. Portanto, os pobres podiam construir seus casebres nas
ruas periféricas, “desprovidas de infra-estrutura, iluminação, calçamento, água
encanada, esgoto”.
Dessa forma, foram várias as direções tomadas pelos pobres na cidade, a
exemplo do final da Rua da Imperatriz (Foto 1.2), atual Rua da República, e das ruas
Amaro Coutinho, da Raposa e do Melão (Foto 1.3), sendo esta a atual Beaurepaire
Rohan. Também de acordo com aquele estudioso, devido às condições de
insalubridade das moradias e à ausência de calçamento, essas ruas, amiúde, eram
denunciadas pelo acúmulo de água e de lixo, pelos buracos abertos com as chuvas,
pelos focos de miasmas e o constante lamaçal, deixado pelas águas servidas.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
39
Foto 1.2. Vista da Rua da República, em 1870. A rua das classes pobres e dos casebres. Observemos que o alinhamento era mantido, porém os casebres eram construídos em taipa, cobertas com palha. Fonte: Arquivo RODRIGUES, W. In: Escola e Modernidade na Paraíba, 1910-1930, Grupo de Pesquisa Ciência, Educação e Sociedade. Centro de Educação, UFPB. 2006. 1CD.
Foto 1.3. Vista da Rua do Melão, em 1904, atual Beaurepaire Rohn. Fonte: Arquivo RODRIGUES, W. In: Escola e Modernidade na Paraíba, 1910-1930, Grupo de Pesquisa Ciência, Educação e Sociedade. Centro de Educação, UFPB. 2006. 1CD.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
40
Socioespacialmente repelidos das proximidades do núcleo mais central da
Cidade Alta, essa população passou a construir suas moradias em locais mais
longínquos, formando áreas populares e carentes de serviços. Em geral, essas
moradias eram bastante modestas, caracterizadas por casebres erguidos com barro,
cobertos com palha ou telha e de chão de terra batido, sendo comum na paisagem
nordestina, especialmente no Litoral, denominadas por Freyre (1979, p. 88) de
mucambos9, os quais são assim descritos por esse autor: “a casa pobre de família
romântica: homem, mulher e filhos”.
Ainda sob esse contexto, nos espaços mais distantes da Cidade Alta,
formavam-se pequenos aglomerados de pobres, a exemplo de Cruz das Armas,
Cruz do Peixe, Jaguaribe, Roger e Torre. Isso também ocorria em direção ao que
hoje corresponde ao município de Bayeux, nas imediações da ponte do Rio
Sanhauá, antiga Ponte do Baralho. Esses eram os espaços dos pobres na Cidade
da Parahyba. Sobre a localidade de Cruz do Peixe (Foto 1.4), localizada a caminho
da praia de Tambaú, Medeiros (1985 in AGUIAR e OCTÁVIO, 1985, p. 116, grifo
nosso) fez as seguintes observações:
[...] abrigava uma população irrequieta, bulhenta, sempre movimentada por valentões e desordeiros, constituindo-se motivo de muito trabalho para a polícia. Com o passar dos anos, pessoas de distinção preferiram o arrabalde para domicílio, construíram casas confortáveis, enxotando, aos poucos, os maus elementos. [...] A Cruz do Peixe ia terminar nas matas que ensombravam a estrada de Tambaú, verdadeira floresta, coito de pretos fugitivos e malfeitores que, vez por outra, assaltavam os tranzeuntes [...].
Para além de um olhar prontamente intolerante em relação aos pobres, o
relato do autor indica um padrão urbano socioespacial desigual, sinalizando a
delimitação entre as áreas de maior concentração de pobres e aquelas mais
abastadas, cujas moradias eram edificadas nos lugares mais aprazíveis, servidas de
melhores condições de infra-estrutura. Agravando ainda mais a condição de
deterioração das condições de vida dos segmentos populares, convém lembrarmos
que, numa sociedade marcada pela opulência das oligarquias rurais, de tradição
escravista, a presença de pobres na cidade estava associada à população negra e
mestiça.
9 Gilberto Freyre, em seu livro “Oh de casa!” (1979), descreve o mucambo do Nordeste como exemplo do tipo mais primitivo de casa popular brasileira.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
41
Assim, historicamente subjugados à hierarquia socioeconômica, os pobres e
os negros permaneceram sujeitos à remoção ou ao “enxotamento” de seus espaços
de moradia, segundo os interesses da classe dominante – interesses “de pessoas
distintas”. Foto 1.4 – Parahyba do Norte, Brazil – (Início do século XX): Cruz do Peixe, atual Estação da Saelpa, ponto de junção da Epitácio Pessoa com a Juarez Távora. Observemos o aspecto rural. No lado esquerdo, a simplicidade de uma casa de taipa e do sistema de posteamento. Ao fundo, um bonde de tração animal. Fonte: Arquivo RODRIGUES, W. In: Escola e Modernidade na Paraíba, 1910-1930, Grupo de Pesquisa Ciência, Educação e Sociedade. Centro de Educação, UFPB. 2006. 1CD.
De uma forma geral, esses espaços guardam resíduos das contradições do
processo de modernização, os quais sinalizam o ponto de partida para a produção
de um modelo de espaço intra-urbano desigual, fragmentado e segregador. Esse
modelo se reproduz através do tempo. Materializa-se nos diferentes subespaços da
cidade, fixando as marcas de uma formação socioespacial distinta. Entretanto, essa
não é uma particularidade apenas da cidade de João Pessoa, reproduzindo-se,
também, em âmbito nacional.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
42
11..22 DDooss ccaasseebbrreess ddaa ppeerriiffeerriiaa àà ffoorrmmaaççããoo ddaass ffaavveellaass
No tempo mais recente, a distribuição espacial dos pobres na cidade pode ser
observada também na descrição de Justino (1960 in AGUIAR e OCTÁVIO, 1985, p.
175), ao classificar o Baixo Róger como “zona de miséria”. Ao constatar as péssimas
condições de vida e de insalubridade em que viviam as populações pobres,
vitimadas por doenças as mais diversas e pelo alcoolismo, assim o descreveu:
Ali vive, pulula ou sobrevive uma população de assombrados. Assombrados do amanhã incerto, assombro dos homens e da vida. Tudo temem, e por fim creio que se assombram do assombro. Desconfiança do irmão que lhe bate à porta a serviço do Governo comum [...]. O alcoolismo se generaliza. Mesmo estábulos e cocheiras vendem cachaça. [...] Não há saneamento; as poças infectas se sucedem; o que se bebe trai as propriedades químicas da água [...]. Andam soltos ou de mãos dadas o amarelão e a turbeculose [...].
De tradição residencial, atualmente o Róger está estruturado por uma divisão
socioeconômica e espacial arraigada no imaginário social como Baixo Róger e Alto
Róger, a partir da geomorfologia do terreno. O primeiro ocupa parte da encosta
oeste do baixo platô e da várzea do Rio Sanhauá, caracterizando-se pela
precariedade dos serviços de infra-estrutura, entremeado por três áreas de favela10,
as quais concentram uma população de baixa renda. O segundo, o Alto Róger,
situado no compartimento mais elevado do platô, apresenta uma melhor infra-
estrutura, com maior acessibilidade ao centro da cidade e um padrão de renda
diferenciado em relação ao primeiro.
Neves (1986), ao estudar a política habitacional para o Grotão, um dos bairros
mais pobres de João Pessoa, admite que a forma desigual de ocupação do solo
resulta da diferenciação de renda entre a população. Portanto, à medida que a
cidade foi passando por grandes intervenções de ordem socioeconômica e política,
as desigualdades socioespaciais se ampliaram, evidenciando-se as delimitações
entre os bairros dos ricos e os dos pobres. Assinala, ainda, que
[...] as precárias condições habitacionais de parte considerável da população de João Pessoa contrastavam com os casarões das oligarquias rurais e da burguesia comercial localizadas nas áreas privilegiadas do anel do então Parque Solo de Lucena, das avenidas Trincheiras, João Machado e outras (NEVES, 1986, p. 23).
10 Segundo a FAC (2002), eis as favelas: Asa Branca, Boca do Lixo e Favela do ‘S’. É essa porção que se encontrava o antigo lixão a céu aberto da cidade, conhecido por “Lixão do Roger”.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
43
Quanto aos pobres da cidade, a autora, acostando-se em Jofilly (1979, p.135
apud NEVES, 1986, p. 24), afirma que “viviam em choças, casebres, barracos... e
outras formas de sub-habitações que predominavam em toda a área suburbana da
cidade. Cruz das Armas abrigava mais de 6.000 pessoas, residindo em 1.265 sub-
habitações”.
Desigual, a cidade segue sua expansão por sobre o Tabuleiro, expandindo-se
no sentido nordeste, onde são estruturados os bairros do Centro, Róger, Tambiá e,
depois, para o sudoeste, constituindo os bairros de Jaguaribe, Trincheiras11 e Cruz
das Armas. Ora contínuo, ora descontínuo, o tecido urbano encontra-se entremeado
por grandes vazios urbanos.
Pelo exposto, assinalamos que a divisão da cidade revela também o retrato
da divisão das pessoas e do papel que desempenham no processo geral de
produção e reprodução da economia, “cada um mora onde pode pagar, e paga de
acordo com o que recebe por seu trabalho” (NETO SILVA, 2004, p.18). Outrossim, o
autor nos chama atenção para o fato de que, se a modernização chegou ao campo,
expulsando os pobres, será a cidade que irá abrigá-los. “Ela em si, é uma fábrica de
pobres. A cidade é o único lugar susceptível de fornecer atividades aos pobres”
(NETO SILVA, 2004, p.16).
Sob essa perspectiva, no decorrer do processo de expansão urbana de João
Pessoa, gradativamente, observaremos a passagem dos casebres da periferia e das
áreas distantes da cidade à formação das favelas. Das exigências do Código de
Postura e das intervenções dos higienistas do inicio do século, sucederam-se outras
intervenções públicas que promoveriam o beneficiamento das áreas urbanas nobres.
Como admite Rabay (1992, p.76),
Os investimentos em infra-estrutrua e bens de serviços públicos, dando-se de maneira diferenciada entre os espaços urbanos, aprofundam as desigualdades espaciais da cidade, tendendo por fim ao seu caráter mesclado, em que os habitantes de níveis de renda distintos ocupam localidades próximas entre si e aos serviços públicos.
A literatura sobre a expansão da cidade situa a década de 1970 como uma
fase de maior valorização do solo urbano, o que está relacionado a um impulso no
processo de periferização e de formação de favelas. Surgidas nessa época,
11 Definido como bairro a partir de 1998, ano da delimitação e oficialização dos bairros da cidade de João Pessoa. Até então, as Trincheiras estavam distribuídas pelos bairros de Jaguaribe, Cruz das Armas e Centro.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
44
especialmente em áreas impróprias à exploração imobiliária – nos vales dos rios e
nas encostas dos Tabuleiros –, as favelas passaram a ser o novo locus de parte dos
pobres da cidade e daqueles que chegavam do campo. Entretanto, esse era um
processo mais determinantemente observado nas grandes e médias cidades
brasileiras, decorrente da rápida urbanização do país. Contudo, os seus
rebatimentos podem ser verificados em João Pessoa, tal como ressalta Maia
Tem-se então, em João Pessoa, uma representação da urbanização brasileira, onde a partir da década de 1970 a população passa a residir predominantemente nas cidades, elevando o número de favelas, decorrente principalmente de uma expulsão do campo, seja pelo desenvolvimento de relações capitalistas e à conseqüente proletarização dos agricultores, em virtude da pressão capitalista sobre a terra rural, isto é, pela concentração da renda fundiária (MAIA, 1994, p.132).
Concomitante à urbanização e a uma maior valorização das áreas mais
centrais da cidade, intensificam-se os deslocamentos intra-urbanos das classes mais
pobres, sendo possível apontarmos três fatores condicionantes deste deslocamento.
O primeiro, é explicado pela própria condição de empobrecimento da classe
trabalhadora assalariada, impedindo-lhe o acesso às áreas mais centrais, ou mesmo
a sua permanência nestas.
O segundo, está associado à abertura das grandes avenidas12, especialmente
daquelas que se estendem no sentido Centro - sul-sudeste da cidade, as quais
garantem o acesso às áreas mais distantes da área central da cidade. E, por fim, o
terceiro fator, que está imbricado nos dois anteriores: a construção de grandes
conjuntos habitacionais, que, não casualmente, foram implantados nessa mesma
direção, distantes do núcleo mais central e das áreas mais nobres da cidade, a
exemplo dos conjuntos Castelo Branco, Ernesto Geisel, dos Bancários e
Mangabeira.
Nesse contexto, especialmente entre os anos de 1970 e 1980, vão ganhando
forma o que chamamos, neste trabalho, de ocupações irregulares, bem como a
formação de favelas, inicialmente, inscritas no entorno dos vales dos rios e das
encostas do Baixo Planalto Costeiro. Segundo o relatório de pesquisa da Fundação
Instituto de Planejamento da Paraíba (FIPLAN, 1983, p.54), datado de 1983,
12 Avenidas como, por exemplo, Dom Pedro II.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
45
Em João Pessoa, além da periferia, a existência de áreas baixas e alagadiças dos vales dos rios Jaguaribe e Sanhauá têm funcionado como alternativa viável de “morar” para os setores da população à margem do mercado habitacional. Com deficiência de serviços de infra-estrutura básica e sujeitos a inundações, tais áreas são desvalorizadas e, por isso, não visadas ainda pelo capital, oferecendo, portanto maior segurança do ponto de vista da possibilidade de permanência em tais locais. Assim, uma vez construída a moradia, está a posse da terra, temporariamente, garantida.
Pelo exposto no relatório, o que condiciona a viabilidade de “morar” nessas
áreas, com “a posse da terra” possivelmente assegurada por um tempo maior, é tão
somente o fato de não serem valorizadas pelo setor imobiliário, portanto, não
estando assentadas nas áreas de interesse do “capital”, como assinalado. Nesse
sentido, o acesso desigual à terra urbana vai se reafirmando no decorrer da
expansão da cidade. Nela, sob a lógica do mercado, a terra é tornada, cada vez
mais, uma mercadoria.
Indiscutivelmente, essa mercadoria não estará acessível para uma grande
parcela das classes pobres. Para aqueles que não podem pagar, restam os espaços
possíveis de moradia e de vida, em meio às favelas. Por conseguinte, não só foram
ampliadas as áreas com ocupações irregulares e favelas, verificáveis em diferentes
bairros de João Pessoa, como também houve uma perda da qualidade da moradia
desse segmento. De acordo com a FIPLAN (1983, p.54), ainda é pertinente
assinalarmos:
[...] os locais de baixo padrão habitacional, não só aqueles denominados “favelas” cuja ocupação se deu, ou vem se dando, de forma espontânea, no sentido de ser alheia aos padrões de loteamentos e construção estabelecidos pela Prefeitura (largura de rua, dimensões do lote, declive do terreno, afastamento das construções, etc). Como também alguns bairros, integralmente, ou em parte, mas que, do ponto de vista de provimento de serviços públicos básicos (água encanada, esgoto, calçamento, etc) e qualidade das moradias pouco diferem das favelas.
Esse relatório, que data de 1983, aponta a existência de 31 áreas com
ocorrências de moradias de baixo padrão habitacional, caracterizando quer sejam as
ocupações irregulares e/ou favelas, quer sejam os bairros populares, tais como
Mandacarú, Cruz das Armas, Oitizeiro ou Cristo Redentor. Gradativamente, a partir
dessa década, com a construção dos grandes conjuntos habitacionais, as favelas
passam a ocupar o entorno dos conjuntos ou mesmo algumas áreas mais centrais
dos mesmos, como acontece em Mangabeira, onde vamos encontrar a ocupação
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
46
irregular da Feirinha – nosso recorte espacial de análise, a ser abordado nos
capítulos seguintes.
Segundo Maria do Socorro Batista (1984, p. 2), “a favela nada mais é que a
forma de apropriação do espaço urbano por uma classe inserida no sistema
produtivo em condições desfavoráveis e bastante precárias”. E mais, complementa a
autora, o processo de favelização não é decorrente de uma crise habitacional ou de
uma situação socioeconômica conjuntural, ela se inscreve nos “fatores macro-
estruturais, determinados pelas características do processo social de produção [...].
É resultante de uma contradição engendrada no interior da organização social”
(BATISTA, 1984, p.3).
Portanto, sob as asserções da autora, corroboramos as nossas reflexões
sobre os espaços dos pobres na cidade – produto das suas condições
socioeconômicas, estando relacionados, também, aos interesses do mercado
imobiliário. Por sua vez, podemos afirmar que as favelas e as ocupações irregulares
refletem não só o processo iníquo de apropriação do solo urbano, mas, ao mesmo
tempo, a condição de segregação a qual está sujeita uma grande parcela de pobres
de João Pessoa, conforme ainda examinaremos neste trabalho.
Além disso, é oportuno conferirmos que as transformações verificadas no
processo de expansão urbana dessa cidade não implicaram igual processo de
desenvolvimento urbano, pois, historicamente, predomina uma configuração intra-
urbana desigual, seletiva e segregadora, marcada por iniqüidades sociais,
delineadas por espaços de desigualdades e identidades.
Sob o pressuposto da modernização e do desenvolvimento urbano, os
agentes produtores da cidade, privados ou não, aplicam uma maior soma de
investimentos nas áreas de maior viabilidade socioeconômica, notadamente nos
bairros da orla marítima, cujo retorno do capital empregado lhes é garantido.
Contemplada com os signos da modernidade, essa área exibe um conjunto de
equipamentos e serviços urbanos sofisticados, bem como edificações luxuosas,
horizontais e verticais, de alto padrão construtivo, conferindo aos seus moradores
um aspecto de identidade e status socioeconômico.
Distante dessas áreas, nos bairros mais periféricos, onde há grande
concentração da população de baixa renda, os investimentos são essencialmente
públicos e insuficientes para suprimir as demandas de intra-estrutura básica, tais
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
47
como saneamento básico, pavimentação e iluminação pública de boa qualidade.
Esses bairros ficam, portanto, à margem dos planos de desenvolvimento urbano.
Neles, os equipamentos de lazer, como praças, quadras poli-esportivas,
clubes comunitários ou mesmo aqueles prioritários, como postos médicos, escolas,
moradias, dentre outros, nem sempre chegam de forma satisfatória. Como bairros
preteridos, o comprometimento ambiental e a péssima qualidade de vida de seus
moradores revelam o nível de descaso do poder público para com essas áreas.
Nesse sentido, é bastante presunçoso falarmos em desenvolvimento urbano
em João Pessoa, especialmente quando tomamos por empréstimo este
entendimento de Souza(b) (2003, p. 101, grifos do autor):
Um desenvolvimento urbano autêntico, sem aspas, não se confunde com uma simples expansão do tecido urbano e a crescente complexidade deste, na esteira do crescimento econômico e da modernização tecnológica. Ele não é, meramente, um aumento da área urbanizada, e nem mesmo, simplesmente, uma sofisticação ou modernização do espaço urbano, mas, antes e acima de tudo, um desenvolvimento socioespacial na e da cidade: vale dizer, a conquista de melhor qualidade de vida para um crescente número de pessoas e de cada vez mais justiça social.
Desta feita, mediante a apropriação dos melhores espaços da cidade pelo
setor imobiliário, tem-se uma massa crescente de trabalhadores assalariados
empobrecidos, sem acesso, de forma cidadã, aos bens de consumo coletivos e à
moradia digna, submetida aos espaços mais desvalorizados da cidade. Portanto,
como falarmos, então, em justiça social? Deixemos aqui apenas esse
questionamento, buscando elucidá-lo melhor nos capítulos seguintes.
Outrossim, percebemos as contradições do que se convencionou chamar de
desenvolvimento urbano, sobretudo ao tomarmos como referência a ocupação
irregular da Feirinha, a qual se encontra encravada em um quarteirão do conjunto
Mangabeira. Planejado, segundo uma perspectiva modernista e funcional, esse
conjunto teve quase todas as suas áreas destinadas aos equipamentos públicos de
uso coletivo ocupadas irregularmente, a partir de estabelecimentos comerciais e,
principalmente, de moradias autoconstruídas e improvisadas.
Ademais, o desenvolvimento e o planejamento urbano são dotados de
intencionalidades socioeconômicas e políticas, sob as quais resulta um crescente
processo de periferização da cidade de João Pessoa. Essa discussão terá guarida
no próximo capítulo.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
48
22.. PPeerriiffeerriizzaaççããoo PPllaanneejjaaddaa:: aa pprroodduuççããoo ddooss ccoonnjjuunnttooss hhaabbiittaacciioonnaaiiss eemm JJooããoo PPeessssooaa
“O processo de periferização das classes populares se configura cada vez mais com sua marca de segregação espacial, onde a tônica dominante é a expulsão de grande parcela da população dos benefícios urbanos”.
Pedro Jacobi, 1982
Como ponto de partida da reflexão aqui proposta, deixemos claro desde já
que pressupomos o espaço intra-urbano em discussão como o de uma cidade
capitalista, situada no conjunto dos países subdesenvolvidos. Dessa forma, a
organização desse espaço expressa o modelo de divisão social e territorial do
trabalho, em conformidade com as necessidades e os interesses das forças
produtivas que lhe engendraram. Um modelo repleto de intencionalidades
econômicas, políticas e ideológicas, planejadas e articuladas, cujo produto é uma
cidade socioespacialmente desigual e segregada.
Por conseguinte, a partir desse modelo de cidade, é possível delimitarmos no
espaço intra-urbano as marcas das desigualdades socioespaciais: numa porção, os
bairros mais “nobres”, onde há maior concentração das classes média e alta; e, bem
“acolá”, distantes, os bairros mais populares, concentrando uma grande parcela dos
trabalhadores assalariados de baixa renda.
Bem contornada, essa divisão reproduz não somente as práticas sociais, os
desejos e as necessidades do conjunto da população citadina, mas, sobretudo, as
ações determinadas pelos interesses das classes dominantes, em parceria com as
diferentes esferas do poder público. Nesse sentido, a configuração da cidade revela-
se muito mais como produto da necessidade de reprodução do capital do que como
produto da manifestação espontânea da população.
Destarte, a produção-reprodução do espaço intra-urbano apresenta-se
intencionalmente imposta, sob um planejamento e desenvolvimento urbano que é
definido segundo os diferentes interesses e necessidades do capital, de um pequeno
segmento da sociedade, notadamente o de maior poder aquisitivo, e do Estado. Ao
longo do processo de expansão urbana, tanto o setor imobiliário como o poder
público, imprimem uma permanente dinâmica de valorização-desvalorização de
algumas áreas ou bairros da cidade, conforme as diferentes demandas sociais. A
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
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resultante é uma cidade socioeconomicamente iníqua, marcada pelo acentuado
processo de periferização e de favelização.
Em João Pessoa, esses processos vêm se intensificando pela crescente
presença da população pobre nos grandes conjuntos habitacionais, os quais se
encontram localizados em áreas mais afastadas do centro da cidade. Quando não,
na luta pela moradia e pelo direito à cidade, essa população, composta por
desempregados e trabalhadores, cuja média de rendimento mensal não chega a três
salários mínimos, recorre às práticas de ocupações irregulares de áreas e ou
prédios públicos, constituindo favelas que permeiam e ou circundam a cidade.
Como lembra Lojkine (1981, p. 227), referindo-se à localização da habitação1
e à segregação social na cidade, “seria esconder a realidade deixar de constatar a
segregação espacial cada dia mais forte entre locais de residência dos executivos e
locais de residência dos operários e empregados”.
Portanto, não negligenciando o aspecto socioespacial desigual da cidade de
João Pessoa, abordaremos, neste capítulo, o processo de periferização, tomando-o
não somente como resultante da expansão territorial da cidade, mas, sobretudo,
como uma ação planejada, sob a lógica da especulação imobiliária, da reprodução
do capital e da participação do Estado. Daí o título deste capítulo fazer referência a
uma periferização planejada.
22..11.. EExxppaannssããoo ddaa ppeerriiffeerriiaa ee oo pprroocceessssoo ddaa ppeerriiffeerriizzaaççããoo:: aallgguummaass
rreeffeerrêênncciiaass ccoonncceeiittuuaaiiss
Sob o senso comum, a noção de periferia está diretamente relacionada aos
espaços deteriorados e marginalizados da cidade, locus de concentração da
pobreza. Recorrendo-se ao Dicionário Aurélio (1999) ler-se-á acerca do verbete
periferia: “numa cidade, a região mais afastada do centro urbano, em geral carente
em infra-estrutura e serviços urbanos, e que abriga os setores de baixa renda da
população”. No Brasil, não muito raramente, a imagem da periferia é associada à
favela, mesmo que ela esteja encravada no bairro de classe média ou alta.
1 Muito embora esse autor analise a realidade das cidades francesas, notadamente, Paris, a sua compreensão da repartição social e espacial da habitação no espaço intra-urbano pode ser tomada de empréstimo para refletirmos sobre a produção-reprodução das cidades brasileiras, pois, a despeito de estarem localizadas em um país subdesenvolvido, elas são produto de um Estado capitalista.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
50
De modo geral, a concepção de periferia está relacionada à aceleração do
processo de urbanização brasileira, a partir das décadas de 1960-1970, quando as
grandes e médias cidades passaram a receber um expressivo afluxo populacional
originário do campo e das pequenas cidades, constituindo uma reserva de força de
trabalho barata, necessária à industrialização e às atividades terciárias em
expansão. Essa concepção também está associada à expansão horizontal das
cidades, formando extensas áreas periféricas, a partir da implantação de
loteamentos (clandestinos ou não) e de grandes conjuntos habitacionais destinados
à população de baixa renda.
O avanço do tecido urbano sobre as áreas rurais mais afastadas do núcleo
central da cidade foi ocorrendo gradativamente, por meio de assentamentos
urbanos, cujas características socioeconômicas se definiam não somente pela renda
da população mais pobre, mas também pelas condições de sub-habitações e pela
precariedade das instalações de equipamentos e serviços urbanos. Lembremos que
a ocupação dessas áreas é decorrente de novas formas de apropriação e uso do
solo urbano, orientado pela lógica especulativa do capital imobiliário, o qual tem
reservado os terrenos mais centrais da cidade à população de maior poder
aquisitivo.
A existência desses assentamentos nas periferias das cidades constitui, em
geral, grandes bolsões de pobreza e de favelas. Certamente, em muito se
diferenciando daquele modelo de periferia desejado pela pequena elite urbana, a
qual, entre o final do século XIX e início do XX, buscou nos espaços verdes do
entorno imediato da cidade um simulacro de ruralidade e de natureza “pura”. Um
desejo inspirado no modelo de subúrbio das cidades norte-americanas e, sobretudo,
européias2.
Segundo Mumford (1998, p. 533), o subúrbio dessas cidades caracterizava-se
por poder viver em comunidade auto-segregada, com características sociais
correlatas, “apartada da cidade não só pelo espaço, mas pela mesma estratificação
de classes – uma espécie de gueto verde dedicado à elite”. Segundo Martins (1981),
no Brasil, essa concepção de subúrbio esteve associada ao entorno da cidade de
São Paulo, no inicio do século XX.
2 MARTINS (1981).
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
51
Entretanto, a noção de subúrbio foi sendo rapidamente associada à noção de
periferia, sobretudo a partir da década de 1950-1960, quando se consolidava a
industrialização do país, intensificando-se o crescimento urbano, notadamente com
os fluxos migratórios extra-regionais para São Paulo. Ao tecer considerações sobre
o subúrbio e a periferia dessa cidade, Martins (2001, p. 78) admite que
A concepção de subúrbio cedeu lugar, indevidamente, à concepção ideológica de “periferia”, um produto do neopopulismo, cuja elaboração teve a contribuição do próprio subúrbio para distinguir-se dos deteriorados extremos de uma ocupação antiurbana do solo urbano, para distinguir-se do amontoado de habitações mal construídas, precárias, provisórias, inacabadas, sem infra-estrutura que começaram a disseminar-se no entorno da cidade a partir dos anos sessenta.
O referido autor esclarece ainda que a formação das periferias é um produto
da especulação imobiliária, sendo estas delineadas sob características bem
específicas: ausências de jardins e praças; calçadas estreitas; casas muito
pequenas, no limite do terreno e com poucos cômodos. Incisivo, Martins (2001, p.
78) ressalta que a “periferia é a designação dos espaços caracterizados pela
urbanização patológica, pela negação do propriamente urbano e de um modo de
habitar e viver urbanos”. Atenta, ainda, para os equívocos do uso indistinto do termo
periferia, em especial porque comporta a “armadilha política e ideológica de reduzir
todo o entorno da cidade à pobreza da noção de periferia” (MARTINS, 2001, p. 79).
Embora a sociedade tenha generalizado a idéia de periferia à condição de um
espaço de pobreza e marginalização, essa preocupação de Martins nos faz refletir
sobre os novos empreendimentos imobiliários que estão surgindo nas médias e
grandes cidades, a exemplo da implantação dos grandes condomínios fechados,
localizados nas áreas de expansão urbana. Em João Pessoa, esses condomínios
são essencialmente horizontais3 e vêm sendo construídos na porção do Litoral Sul,
demandando um novo olhar sobre os espaços periféricos da cidade.
Em verdade, esses condomínios formam ilhas de exceção, pois compõem
uma periferia luxuosa, com moradias de alto padrão, concentrando uma ínfima
parcela da sociedade de maior poder aquisitivo, que vive espontaneamente auto-
3 Esse tipo de condomínio, que vem se configurando como uma nova forma de habitar nas grandes e médias cidades brasileiras constitui, hoje, um modelo de auto-segregação da população de maior poder aquisitivo. Sobre a formação desses condomínios em João Pessoa, recomendamos a leitura de BARBOSA, A. G. Produção do espaço e transformações urbanas no Litoral Sul de João Pessoa – PB. Dissertação (Mestrado). Natal: UFRN, 2005.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
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segregada em “enclaves fortificados”4. Outrossim, demarcam os espaços dos iguais,
identificados pelo perfil de consumo, pelo status social e pelos níveis de
intelectualidade, sob um dado isolamento físico, posto logo ali, em meio a uma
realidade que, nas cercanias, desvela a face perversa da “urbanização patológica”.
Essa nova forma de habitar na periferia aprofunda as contradições do modelo
desigual de urbanização. Isso porque as disparidades das condições de vida se
inscrevem, deliberadamente, a partir das ações combinadas do poder público com o
capital privado. Assim, não muito distante desses condomínios, no seu entorno,
verificamos o reverso: as ocupações irregulares (Cidade Recreio e Comunidade
Santa Bárbara) e a vila pobre de pescadores da Praia da Penha, só para citar alguns
exemplos.
É nesse lado (no reverso) que persistem, no sentido mais amplo, a realidade
da pobreza urbana, da violência e da precariedade dos equipamentos e serviços
urbanos básicos, acessíveis de forma não dignificante a uma grande parte da
população pobre. Equipamentos e serviços prontamente encontrados nos
condomínios luxuosos – iluminação, saneamento, pavimentação, acessibilidade,
segurança, praças, jardins, quadras esportivas –, disponíveis apenas para a ínfima
parcela dos privilegiados ali residentes.
Não muito distante dessa área, diferenciando-se desse modelo de periferia,
encontramos Mangabeira, que, sob uma maior visibilidade, expressa a típica
concepção de periferia enquanto espaço de pobreza. Produto das políticas públicas
de habitação social dos governos militares, esse conjunto se destaca, dentre outros
aspectos, por uma intensa dinâmica socioeconômica, constituindo importante
subcentro da cidade, bem como pela existência de expressivo número de ocupações
irregulares em áreas públicas.
Nesse conjunto, a maioria dessas áreas, originalmente destinadas às praças,
deram lugar a um complexo emaranhado de becos e vielas, com moradias
improvisadas, constituindo o anti-modelo de seu planejamento urbanístico. São
centenas de moradores confinados no interior de quarteirões, em meio ao conjunto,
vivendo em condições de extrema pobreza e precariedade, que muito difere da
realidade do mesmo como um todo.
4 Expressão utilizada por Teresa Pires Caldeiras (2000 Apud BARBOSA, 2005) ao referir-se aos condomínios fechados, como um novo tipo de moradia fortificada da elite.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
53
Uma pobreza que, como admite Koga (2003), pode ser expressa por múltiplas
formas, revelada não apenas pela ausência de renda, mas, sobretudo, pela
escassez, discriminação e sofrimento. Sobrepostas, tais condições esmagam a
possibilidade de uma vida saudável. Uma pobreza que, indiscutivelmente, encontra-
se concentrada nas diferentes periferias das grandes e médias cidades do mundo
subdesenvolvido.
Assim, de acordo com Langenbuch (2001), a partir dos anos de 1980, o termo
periferia, assimilado sob variadas concepções no âmbito das Ciências Sociais,
passou a estar imbuída de uma forte representação social, afirmando que
Qualquer aglomeração urbana, não necessariamente grande, localizada via de regra em porções próximas aos limites externos da área edificada, onde predomina a ocupação residencial pelas camadas mais pobres da população estabelecida ali de modo bastante precário. [Onde há] uma elevada densidade demográfica acarretada pela extrema ocupação dos lotes por várias casas humildes, muitas vezes com paredes sem reboco [...] qualificadas como casebres ou barracos, sendo às vezes difícil visualizar a transição para favelas. (LANGENBUCH, 2001, p. 89, grifo do autor).
A descrição de Langenbuch aproxima-se bastante da compreensão que a
população tem de periferia, considerando-a socioespacialmente pobre e homogênea
e, quase sempre, como sinônimo de favela, sobretudo ao associá-la às grandes
metrópoles, mesmo que algumas favelas estejam fixadas em áreas centrais da
cidade, ao lado dos bairros de maior padrão de renda. A exemplo disso é a favela
Chatuba, entre os bairros de Manaíra e João Agripino, na cidade de João Pessoa.
Com efeito, vinculada à segregação socioespacial, a periferia é o espaço que
congrega uma grande parcela da população urbana de baixa renda. Todavia, em
sua totalidade, não podemos delineá-la como espaço da favela, tampouco como
uma área homogênea, porque compreende uma pluralidade de formas e de
conteúdo, diferenciando-se de acordo com os níveis de renda e de estratificação
social.
Atentemos, ainda, para os equívocos de restringi-la à localização geográfica,
opondo-a às áreas centrais da cidade ou mesmo considerando-a apenas por sua
distância em relação ao centro principal da mesma. De modo geral, o que
evidenciamos na preferia não é a distância física, mas a distância social, onde dois
fatores se combinam: pobreza e segregação residencial, sendo esta última
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
54
caracterizada como um fenômeno urbano, um produto essencialmente urbano, típico
das médias e grandes cidades.
Aliás, segundo Souza(b) (2003, p. 84), esses fatores se constituem em dois
grandes conjuntos de problemas urbanos. Para o autor, a segregação residencial
resulta da junção de vários fatores, que emergem “da pobreza ao papel do Estado
na criação de disparidades espaciais em matéria de infra-estrutura e no
favorecimento dos moradores de elite”. Acrescenta, ainda:
Em uma cidade capitalista, no entanto, especialmente se situada em um país (semi) periférico [como é o nosso caso], o quadro é muito diverso: a segregação está entrelaçada com disparidades estruturais na distribuição da riqueza socialmente gerada e do poder. A segregação deriva de desigualdades e, ao mesmo tempo, retroalimenta desigualdades. (SOUZA(b), 2003, p. 84).
Na esteira da segregação residencial está a intolerância, o preconceito social,
as péssimas condições de moradia, a escassez de investimentos públicos em
equipamentos de infra-estrutura ou mesmo a deterioração ambiental, a espoliação
urbana. De forma mais ou menos intensa, a segregação residencial recai sobre
aqueles que moram na periferia, tomada sob uma ampla referência.
Amiúde, esses são problemas que nos remetem a situações vivenciadas no
cotidiano da cidade de João Pessoa, em especial quando associamos periferia-
pobreza-segregação residencial. Admitimos que essa associação é uma herança de
todo o processo de urbanização desde a formação colonial e consolidada no final do
século XIX, com o processo de modernização da cidade, conforme já analisamos.
Não raro, os moradores de nossa área de estudo, a Feirinha, sofrem os impactos
sociais dessa “trilogia”, que compõem a “trama de vida” daqueles que têm o espaço
da favela como moradia.
Ainda sobre o conceito de periferia, Bonduki e Rolnik afirmam que o elemento
que a caracterizará é a baixa renda diferencial, a qual
É o componente da renda fundiária que se baseia nas diferenças entre as condições físicas e localizações dos terrenos e nos diferenciais de investimentos sobre eles, ou no seu entorno, aplicados. Este componente se soma à renda absoluta, que é, propriamente, a remuneração paga pela existência da propriedade privada (BONDUKI E ROLNIK, 1982, p. 147).
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
55
Tais autores admitem que não existe apenas uma periferia, mas periferias,
que independentemente de sua localização, a sociedade sempre as distinguirá como
um espaço marginal. Ao tomarmos como base o fator renda, os espaços urbanos
tidos como periferias serão sempre o local de concentração de habitação dos
trabalhadores de baixa renda, embora sejam espaços em contínua transformação.
Para os referidos autores, a definição e a caracterização entre uma periferia e
outra está atrelada às condições de vida, à salubridade ambiental, à disponibilidade
de infra-estrutura, às estruturas residenciais e ao acesso aos equipamentos urbanos
coletivos. E mais, mesmo sendo a periferia equipada com infra-estrutura, como
água, iluminação pública, saneamento, coleta de lixo, pavimentação, ainda assim a
grande parcela dos pobres residentes estará sujeita a algum nível de discriminação
socioespacial.
Esse é caso de Mangabeira e de outros conjuntos de João Pessoa, pois,
mesmo dotados dos equipamentos acima citados, aos quais ainda somamos o
transporte coletivo, essas localidades compõem parte da imensa periferia da cidade.
Uma periferia formada a partir da implantação de grandes conjuntos habitacionais,
onde nem todos apresentam o quadro de precariedade comum às áreas ditas
periféricas, no que tange aos seus equipamentos. Em tais conjuntos, como em
Mangabeira, as demandas são outras, a exemplo de postos de saúde, segurança,
áreas de lazer, escolas, hospitais.
Mangabeira, inclusive, é bastante representativa na discussão aqui levantada,
pois, apesar de ter uma infra-estrutura razoável, formando um subcentro comercial,
recai sobre esse conjunto, de forma acentuada, o estigma de periferia, perpassado
por duas questões: primeiro, por abrigar um grande contingente de trabalhadores
assalariados, com baixo rendimento, cuja média mensal do responsável pelo
domicílio é pouco superior a dois salários mínimos5; segundo, por ser marcado pela
existência de inúmeras ocupações irregulares nas suas áreas públicas, destinadas à
implantação de equipamentos de uso coletivo, como creches, escolas, praças e
postos de saúde.
5 De acordo com o IBGE, o valor do rendimento mediano mensal dos responsáveis pelo domicílio em Mangabeira, inseridos no conjunto da população economicamente ativa, era de R$ 350, 00, ou seja, pouco mais de dois salários mínimos. Considerando-se que em 2000, ano do Censo Demográfico, o salário mínimos era R$ 151,00 (cento e cinqüenta e um reais), segundo a Medida Provisória No 2.019, de 23 de março de 2000, vigorada a partir de 3 de abril de 2000.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
56
Nessas ocupações, o aspecto de improvisação, a degradação socioambiental,
a falta de infra-estrutura básica e a informalidade de suas autoconstruções
residenciais e comerciais contribuem para reafirmar a tríade periferia-pobreza-
segregação residencial do (e no) conjunto. Exteriorizam o aspecto de deterioração e
de precariedade, deixando-os mais visíveis. Usando as expressões de Hardoy e
Satterthwaite (1987) e de Maricato (2001, 2002), diríamos que delimitam claramente
a cidade “ilegal”, em meio a uma cidade “legal”, formada pelo conjunto em si. Essas
ocupações podem ser vistas logo que nele se adentra. Espalham-se em torno das
suas principais avenidas, como a Josefa Taveira e a Alfredo Ferreira da Rocha.
Para muitos moradores de Mangabeira, as ocupações são responsáveis pela
degradação, violência e desvalorização do conjunto, conforme constatamos por
meio de entrevistas e conversas informais, realizadas durante a pesquisa de campo.
Em verdade, a existência de ocupações irregulares, vistas como favelas, quer seja
para o setor imobiliário, quer seja para a sociedade, significa a desvalorização das
terras em seu entorno.
O trecho a seguir reproduz a impressão de um taxista que acompanhou a
expansão do conjunto, o qual se mostrou incomodado com a presença das
ocupações, mais reconhecidas como favelas:
Às vezes, quem não conhece Mangabeira e nunca veio aqui, pensa que aqui é um favelão só, mas favela é isso aí dentro é só entrar pra ver [referindo-se à ocupação irregular da Feirinha]. [...] Outro dia, peguei uma senhora pro lado da praia, ela perguntou se Mangabeira era a maior favela da cidade e eu disse que era o maior conjunto e não favela. Está vendo como a gente é discriminado? Quando a gente fala que mora aqui, o povo pensa logo que é tudo pobre, mas tem muito bacana aqui no conjunto, não só tem miserável, não. [...] Eu não saio daqui de jeito nenhum, o que você procura, em Mangabeira tem, toda hora, festa, brincadeira, comércio, aqui a gente vive numa cidade, né? (Informação verbal)6.
Impressões como essas, voltadas à Feirinha de Mangabeira, não são raras.
Elas aparecem em outras entrevistas, tornando-se um consenso entre os
moradores, principalmente para aqueles que moram nas áreas circunvizinhas às
ocupações. Para estes, as ocupações são espaços de concentração de
desocupados, de marginalidade, devendo ser removidas. Percebemos, ainda que,
de forma sutil, há certo receio de quem mora no entorno dessas ocupações de ser
6 Informação verbal concedida por morador do conjunto e taxista. Pesquisa Direta, mai 2006.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
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identificado como morador da favela e não como do conjunto, o que não deixa de
ser uma concepção discriminatória.
Ao analisarmos a formação da periferia de uma determinada cidade, bem
como as suas condições, convém considerarmos que o seu espaço intra-urbano,
enquanto produto de interesses econômicos, políticos e ideológicos, é produzido-
reproduzido segundo o status social dos consumidores, as condições de rendimento
e de solvência da população – elemento essencial para os investimentos do capital
imobiliário.
Portanto, quando refletimos sobre a produção e a configuração dos espaços
de moradia, a diferenciação na apropriação e uso do espaço urbano torna-se mais
patente. Como sugere Souza(b) (2003, p. 67):
[...] Essa diferenciação entre áreas residenciais de uma cidade – diferenciação, em última análise, em matéria de condições de qualidade de vida, incluindo aí tanto aspectos materiais como coisas imateriais como prestígio e poder – reflete uma diferenciação entre grupos sociais. Em outras palavras: diferenças econômicas, de poder, de status etc. entre diversos grupos sociais se refletem no espaço, determinando ou, pelo menos, influenciando decisivamente onde os membros da cada grupo podem viver.
Em João Pessoa, tal distinção é visível quando relacionamos os grandes
empreendimentos imobiliários à direção da expansão urbana e às ações de
instalação dos equipamentos urbanos básicos (públicos ou privados) entre
diferentes áreas da cidade. Indiscutivelmente, as áreas mais periféricas, onde há
maior concentração de pobres, são, em geral, preteridas nos planos de implantação
de muitos dos benefícios públicos, os quais, no mais das vezes, são destinados às
áreas centrais de maior valorização.
Desta feita, as disparidades e as contradições socioeconômicas no (e do)
espaço intra-urbano das grandes e médias cidades brasileiras podem ser
encontradas nos demais países subdesenvolvidos. Inclusive, esse é um dos
aspectos de maior expressão na paisagem urbana desses países, reflexo do modelo
de acumulação capitalista concentrado e excludente, comum no processo de
produção-reprodução das cidades do mundo subdesenvolvido.7
7 HARDOY e SATTERTHWAITE (1987); MARICATO (2001).
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
58
Nas cidades latino-americanas, cuja urbanização se intensificou no pós-
Segunda Guerra Mundial, revelam-se as marcas de uma estrutura socioeconômica
dependente, evidenciando a primazia pelas grandes e médias cidades. Nesse
contexto, cumpre-nos lembrar que a urbanização latino-americana esteve muito
mais atrelada ao processo de terceirização da atividade econômica urbana, com
crescente desenvolvimento de atividades informais, do que a um efetivo processo de
industrialização.
Diante disso, essas cidades se tornaram mais atrativas para a população
migrante, não somente do campo, mas também das cidades menores, tendo em
vista que o mercado de trabalho passou a absorver um maior contingente de mão-
de-obra não qualificada. Nessas cidades, a possibilidade de emprego se ampliava,
assim como a força de trabalho se tornava cada vez mais abundante e barata. Para
González (2004, p. 96-97),
El desarrollo del terciario artesanal se convirtió en un componente estructural del modo heterogéneo de reproducción de la fuerza de trabajo. La familia trabajadora de las grandes ciudades latinoamericanas garantiza su subsistencia gracias a la combinación de muy heterogéneas formas de ingreso, salarial y no salarial, monetario y no monetario. En un primer momento, los ingresos provenientes de las actividades terciarias artesanales constituyeron un complemento al ingreso salarial. No obstante, con el correr del tiempo, este complemento se convirtió en un componente indispensable para mantener bajas remuneraciones salariales.
Submetida à exploração da força de trabalho e à baixa remuneração, essa
mão-de-obra assalariada tendeu ao empobrecimento progressivo, cujas
circunstâncias socioeconômicas muito contribuíram para acentuar a periferização e
a favelização nessas cidades. Realidade que marcou, de modo especial, tanto as
cidades de origem colonial, como aquelas que surgiram ao longo do século XX,
onde o crescimento demográfico e territorial ocorreu muito mais rápido do que a
capacidade de atendimento das demandas populacionais por moradia, transporte,
trabalho fixo, abastecimento de água, saneamento, etc.
Segundo Maricato (2001, p. 16), o processo de urbanização brasileira
constituiu um “gigantesco movimento de construção de cidade, necessário para o
assentamento residencial da população, bem como de suas necessidades de
trabalho, abastecimento, transporte, saúde, energia, água”. Dessa forma, surgiram
novas cidades, outras cresceram de forma expressiva, reafirmando as dinâmicas de
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
59
periferização aqui discutidas. Sobre essas dinâmicas, Sposito (2004, p. 270) salienta
que elas: Possibilitaram a emergência de áreas residenciais distantes, cuja origem não foi sempre suburbana, mas muito mais resultante da própria extensão do tecido urbano de forma contínua ou descontínua. Em função das formas como essa expansão ocorreu e das características que essas áreas têm, vêm se aplicando as noções de periferização, para falar da dinâmica e periferia, para falar das novas áreas urbanas que resultam da implantação dos loteamentos urbanos mais distantes.
Sobre a concepção de periferização, Valladares (1982), ao estudar a
habitação no Brasil nos anos 1980, afirma que esse termo passou a ser utilizado
para designar um modo específico de estruturação do espaço urbano,
representando um novo modo de urbanização. De acordo com a autora, esse
processo é entendido como uma projeção ao nível do espaço, do processo de
acumulação de capital e de seus rebatimentos sobre a moradia dos trabalhadores,
“determinando sua segregação espacial em áreas cada vez mais afastadas dos
núcleos dos principais centros urbanos” (VALLADARES, 1982, p.47).
Aportando-se em Santos (1980 apud VALLADARES, 1982, p. 47), essa
autora aponta alguns fatores que condicionam o processo de periferização:
As condições salariais da classe trabalhadora; a expulsão direta dos núcleos por ação de programas de remoção de favelas e renovação urbana; a expulsão indireta em decorrência da legislação e taxação urbanas e, ainda, a especulação imobiliária. [Ademais] A periferia oferece como fator de atração a “informalidade” presente nas relações sociais entre loteadores, corretores e compradores, permitindo à classe trabalhadora fazer e desfazer contratos informais e solucionar problemas por relações face-a-face.
Na esteira desses fatores, adicionemos, como elemento de atração, a
disponibilidade de terras públicas nas áreas mais periféricas e a sua ocupação
irregular, realizada por “invasão” e/ou por movimentos organizados. Muito embora
em João Pessoa as ocupações irregulares estejam espalhadas no espaço intra-
urbano, podendo ser encontradas, também, em algumas áreas centrais da cidade,
onde elas se concentram, sobretudo, nas periferias mais distantes, devido às
facilidades de obtenção de terreno público e de menos controle por parte do poder
público. À luz de tais considerações, observamos que a periferização da cidade de
João Pessoa é produto de uma rápida urbanização, cujo vetor principal tem sido o
grande contingente populacional migrante, especialmente proveniente do interior do
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
60
Estado. Concomitante ao crescimento populacional, tem havido um significativo
aumento do desemprego, do empobrecimento dos trabalhadores assalariados e, por
fim, da demanda por moradia.
Como veremos a seguir, uma das formas de atenuar essa demanda e
planejar a expansão territorial da cidade foi a implantação da política habitacional
desenvolvida pelos governos militares, a partir da década de 1960. Essa política
imprimiu um ritmo célere e irreversível de periferização, massificando a construção
de grandes conjuntos habitacionais destinados aos trabalhadores assalariados de
baixa renda. Em João Pessoa, esses conjuntos foram erguidos, sobretudo, nas
porções sudoeste-sul-sudeste da cidade, compondo à época uma nova periferia
urbana.
22..22.. IInntteerrvveennççããoo ddoo ppooddeerr ppúúbblliiccoo ee oo pprroocceessssoo ddee ppeerriiffeerriizzaaççããoo ppllaanneejjaaddoo
Em João Pessoa, assim como em grande parte das cidades brasileiras, a
maior intervenção pública no espaço urbano teve início na década de 1960. É
também a partir desse período que ocorre um maior desempenho da economia
urbano-industrial e da política habitacional, resultantes de uma maior participação do
Governo Federal nos programas de desenvolvimento regional e de integração
nacional da economia brasileira.
Segundo Lavieri & Lavieri (1999), coadunando-se à dinâmica sócio-
econômica, os processos de crescimento urbano e de urbanização redefiniram
novos ritmos de produção e estruturação da cidade. As novas dinâmicas
econômicas tornam a cidade mais moderna, buscando atender ao maior fluxo de
mercadorias, capitais e mão-de-obra, bem como as demandas de consumo da
produção industrial e dos serviços.
Diacrônicos, esses dois processos emergiram de uma dinâmica maior: a nova
fase de expansão e de acumulação do capital industrial, tornado cada vez mais
internacionalizado e imperativo, a partir da segunda metade do século XX. No Brasil,
sob a égide de um Estado interventor, esse capital é fortemente concentrado nas
regiões mais produtivas e de melhor infra-estrutura. Desta forma, grande parte dos
investimentos industriais e tecnológicos foi concentrada no Centro-Sul brasileiro,
principal centro econômico e consumidor do país.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
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A deseconomia de aglomeração8 nas Regiões Sul e Sudeste, provocada pela
maior concentração industrial, determinava a busca de novas vantagens
comparativas em outras partes do território nacional. A partir da década de 1970, foi
intensificado o fluxo de investimento de capitais, direcionados para as demais
regiões, por meio de políticas públicas de desenvolvimento regional. A translação
desses investimentos e do capital transnacional é motivada pela política de
incentivos fiscais e de garantias de vantagens para sua reprodução.
Longe de suprimir o atraso industrial e tecnológico e de corrigir os graves
desníveis socioeconômicos entre as diferentes regiões, essas políticas de
desenvolvimento regional priorizaram algumas poucas áreas do Norte e do
Nordeste. No Norte, atraindo as industriais de eletro-eletrônicos para a Zona Franca
de Manaus, implantada nos anos de 1970; e no Nordeste, beneficiando,
notadamente, as Regiões Metropolitanas de Recife, Salvador e Fortaleza, a partir do
desenvolvimento de áreas industriais, concentrada nas atividades mecânicas,
petroquímicas, têxteis e calçadísticas.
Não obstante o incipiente desenvolvimento industrial do Nordeste, os capitais
extra-regionais e transnacionais, atraídos pelas vantagens fiscais concedidas pela
Superintendência de Desenvolvimento para o Nordeste (SUDENE)9, deram um novo
contorno ao quadro socioeconômico e espacial dessa região. A partir dos anos
1960, a SUDENE destacou-se como o principal vetor de estímulo ao processo de
industrialização e, por conseguinte, dinamizou a terciarização da economia e o
processo de urbanização.
Ante a possibilidade de trabalho nas indústrias e no comércio e a inserção do
capitalismo no campo, modificando as relações de trabalho e produção, bem como
aumentando a concentração fundiária, as cidades tornaram-se condição sine qua
non à sobrevivência, especialmente, dos expropriados do campo. Dessa forma, o
fluxo campo-cidade intensificou os processos de urbanização e de expansão urbana
das médias e grandes cidades brasileiras.
Não resta dúvida que o padrão de crescimento urbano desigual e concentrado
nessas cidades é uma conseqüência direta do processo de urbanização acelerada,
8 Fenômeno provocado pela maior concentração de indústrias nas regiões industriais tradicionais, elevando os custos de produção e da implantação de novas unidades, por exemplo, terrenos mais caros, impostos mais elevados. Como conseqüência, os novos investimentos industriais são atraídos para as regiões que oferecem maiores vantagens comparativas, a exemplo de isenção de impostos e mão-de-obra barata. 9Agência de planejamento e de desenvolvimento regional criada em 1959, no governo de Juscelino Kubistchek.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
62
conforme vimos anteriormente. Para Hardoy e Satterthwaite (1987), esse processo
foi herdado da colonização, a qual sempre privilegiou as cidades de maior projeção,
enquanto espaços de concentração da produção e do consumo, bem como a
manutenção do controle do poder político e ideológico nas mãos da classe
dominante.
Ademais, o fato das grandes e médias cidades constituírem centros de
produção e de intercâmbio integrados ao mercado mundial, por si só atrai um
contingente de mão-de-obra bastante heterogêneo. Aqueles que não foram
absorvidos pelo mercado de trabalho formal passaram a engrossar a fila de
desempregados e compor a periferia dessas cidades, formando uma massa de
pobres urbanos, que, não tendo onde nem como morar, começou a autoconstruir
suas moradias em terrenos desocupados nas áreas públicas, aumentando o número
de ocupações irregulares e favelas.
Nesse contexto, considerando a cidade de João Pessoa, levantamentos
recentes, realizados em 2005 pela Secretaria de Planejamento do município
(SEPLAN), revelam que o total de ocupações irregulares na cidade chega a 122
(Mapa 2.1), o que representa um aumento em torno de 12% nos últimos três anos.
Dados de 2002, arrolados pela Fundação de Ação Comunitária (FAC), apontavam
um total de 109 ocupações irregulares, denominadas por ambas as instituições de
aglomeradas subnormais10.
Essas ocupações encontram-se distribuídas em quarenta bairros da cidade, o
que significa dizer que mais de 60% dos bairros aqui existentes possuem uma área
ou mais com concentração de moradia em condição irregular. Em termos de
localização, elas estão predominantemente situadas nas áreas mais afastadas do
centro da cidade, sendo o local de moradia de, aproximadamente, 18% da
população total de João Pessoa.
10Tanto a SEPLAN quanto a FAC classificam as ocupações irregulares como aglomerados subnormais, considerando os seus aspectos qualitativos, tais como: o perfil do emprego ao qual estão vinculadas essas populações; o perfil da renda familiar; o acesso às políticas públicas e aos equipamentos de infra-estrutura.
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Mapa 2.1 da prefeitura_aglomerados
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
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Pelo que foi dito até aqui, reafirmamos que, à medida que o tecido urbano se
expande, a periferia vai sendo delineada como o lugar do pobre na (da) cidade.
Especialmente o lugar daqueles que foram socialmente “expulsos” da cidade dita
formal, que não foram contemplados pelas políticas de habitação, nem tampouco
pelo mercado formal de trabalho.
Essa parcela de excluídos vivencia nas cidades médias, como em João
Pessoa, uma realidade comum àquela verificável nas grandes cidades: crise
habitacional, insuficiência de abastecimento de água, precariedade dos transportes
urbanos, concentração fundiária da terra urbana, especulação imobiliária,
segregação socioespacial e muitos outros. Entretanto, frisemos que tais problemas
não acometem, igualmente, todos os espaços da cidade: estão mais prontamente
presentes em algumas áreas, é certo, do que noutras. Em todas, contudo, as
populações inscritas nesses espaços estão à espera de soluções.
Ressaltemos que, sob a égide do capital e dos interesses privados da classe
dominante, os processos de produção e estruturação do tecido urbano, planejados
para as grandes cidades, são também reproduzidos nas cidades médias. Portanto,
como já foi analisado, a especulação da terra urbana, a periferização e a favelização
das camadas de baixa renda, a carência de serviços de infra-estrutura ou as
ocupações ilegais do solo, são evidências de um modelo concentrado e excludente,
típico da seletividade e da valorização dos diferentes espaços intra-urbanos pelo
capital, sobretudo pelo capital imobiliário.
Assevera Santos (1990 apud BARBOSA, 2005) que esse capital, ao priorizar
as demandas dos setores hegemônicos, apropriando-se dos melhores espaços da
cidade, consolida a ‘urbanização corporativa’. Assinala o autor:
[...] o processo de urbanização corporativa se impõe à vida urbana como um todo, mas como processo contraditório opondo parcelas da cidade, frações de população, formas concretas de produção, modos de vida, comportamentos. Há oposição e complementaridade, mas os aspectos corporativos da vida urbana tendem a prevalecer sobre as formas precedentes das relações externas e internas da cidade, mesmo quando essas formas prévias, chamadas tradicionais, de realização econômica e social, interessam a população mais numerosa e a áreas mais vastas. A lógica dominante, entretanto, é, agora, a da urbanização corporativa e a cidade corporativa (SANTOS, 1990, p. 111 apud BARBOSA, 2005, p.40).
Enquanto produto de uma expansão capitalista, a cidade corporativa torna-se
receptora cada vez mais de recursos públicos, os quais são aplicados em grandes
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
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investimentos urbanos, em detrimento dos gastos sociais essenciais ao conjunto da
sociedade. Quanto a isso, Barbosa (2005, p. 40) assinala que, Ao analisarmos o processo de expansão urbana nas cidades produzidas sob a lógica da urbanização corporativa, é preciso que estejamos atentos à atuação do Estado no tocante às áreas-alvo das suas inversões e à correspondente escassez de investimentos oficiais em outras áreas.
Sob essa concepção, o processo de expansão de João Pessoa, revelado pela
produção de seu espaço intra-urbano, não constitui uma exceção. Em uma
observação mais atenta sobre a cidade, fitando os bairros de maior concentração de
renda e os mais periféricos, onde o adensamento da população assalariada é maior,
notamos quão foi (e continua sendo) desigual a distribuição dos recursos públicos no
incremento dos diferentes bairros da cidade. Dessa forma, a intervenção do Estado
tem sido decisiva no processo de crescimento urbano, especialmente no que diz
respeito ao processo de periferização planejada.
A partir do final da década de 1960, essa intervenção foi significativa,
sobretudo com a alocação de recursos do Governo Federal para a construção de
grandes conjuntos habitacionais, de anéis viários e eixos rodoviários intra-urbanos,
tais como o do campus da UFPB, os das rodovias BR 101 e 230 e o do Distrito
Industrial. Inicia-se, então, um intenso processo de espraiamento da cidade, tendo à
frente da sistematização do planejamento urbano a parceria entre capital privado e o
Estado.
Efetivamente, podemos afirmar que o Estado passou a ser um grande agente
do par urbanização-periferização, tendo em vista que a expansão da periferia em
João Pessoa tem como principal vetor a política de habitação social do Governo
Federal, em parceria com os Governos Estadual e Municipal. O ‘carro-chefe’ dessa
política foi a implantação de conjuntos habitacionais em torno desses equipamentos
urbanos, especialmente, dos eixos viários. Os conjuntos habitacionais Castelo
Branco II e III, Costa e Silva, José Américo, Ernesto Geisel, Bancários, Esplanada,
Mangabeira, Bairro das Indústrias, Ernani Sátyro e Valentina são exemplos dessas
políticas.
Esses equipamentos não só permitiram a maior circulação do capital industrial
e terciário emergentes, ampliado com a implantação do distrito industrial, como
também direcionaram a ocupação do espaço intra-urbano nas direções sudoeste,
sul e sudeste, formando um grande arco de conjuntos habitacionais populares quase
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
66
contínuos. Tais equipamentos constituíram importante fator de produção e
estruturação desses espaços, circunscrevendo-os sob um processo de expansão
desigual e segregador.
Desta feita, a implantação seletiva dos equipamentos e serviços urbanos,
além de demonstrar a planificação do processo de periferização, revela a primazia
dos agentes produtores do espaço urbano pelas áreas centrais e pelos bairros
‘nobres’ da cidade, beneficiando-os com toda sorte de infra-estrutura urbana
moderna11. Mais valorizadas, essas áreas se tornam menos acessíveis às camadas
de menor renda, que em meio ao jogo de forças dos interesses dos agentes
imobiliários e do Estado, são impelidas para os espaços mais distantes, muitas
vezes fora do tecido urbano.
É importante ressaltarmos também que, no processo de expansão da cidade,
além da elevação do preço do lote urbano nas áreas centrais, os espaços mais
próximos a essas áreas foram sendo retidos, formando grandes vazios urbanos. Por
sua vez, esses vazios geraram uma dinamização maior do mercado de terra urbana,
por meio de práticas especulativas, cuja valorização vai sendo contornada,
principalmente, na medida em que são ocupados.
Assim, toda a melhoria advinda da oferta de serviços urbanos, ou a iminência
desses serviços, é incorporada ao valor da terra nesses vazios, tornando mais
restritiva para a maioria da população, a aquisição de um terreno urbano nas
proximidades das áreas centrais da cidade. Mediante tais injunções, cresce a
demanda por moradia, pois, não tendo condições de morar nessas áreas, o
trabalhador recorre às “vantagens” de aquisição da casa própria, facilitada pelos
programas de habitação social do Estado.
Dessa forma, a partir das décadas de 1960-1970, ao mesmo tempo em que
se intensifica a urbanização, verificamos a existência de vazios urbanos entre o
espaço urbanizado e a periferia mais distante, em que serão erguidos os grandes
conjuntos habitacionais, os quais passarão a abrigar grande parcela da população
excluída do acesso às áreas mais centrais da cidade, massificando-se a política de
habitação social.
11 Dentre os bairros considerados “nobres”, com disponibilidade de equipamentos urbanos e de intra-estrutura, podemos apontar Cabo Branco, Tambaú, Manaíra, Bairros dos Estados e Bessa, dentre outros. Este último constitui uma exceção, pois, a despeito de estar inserido neste exemplo, apresenta uma infra-estrutura bastante precária, destacando-se a falta de pavimentação na maioria das ruas, saneamento e iluminação pública insuficientes.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
67
De modo geral, essa lógica se reproduziu nas grandes e médias cidades
brasileiras, delineando-as, segundo um padrão urbano, bastante desigual e
socialmente injusto, o que nos leva a concordar com Jacobi (1982, p. 53), quando
ele afirma que A questão da terra urbana na cidade está estritamente vinculada com a dinâmica do processo de urbanização espoliativo que tem ocorrido nas grandes metrópoles brasileiras. O processo de periferização das classes populares se configura cada vez mais com sua marca de segregação espacial, onde a tônica dominante é a expulsão de grande parcela da população dos benefícios urbanos.
Impelidos de forma involuntária para os espaços mais afastados, a maioria
dos trabalhadores de renda baixa, com ganhos de até dois salários mínimos, em
geral, passam a se fixar em pequenos lotes de terras urbanas mais baratos,
clandestinos ou não, autoconstruindo sua moradia. Passam, também, a adquirir sua
casa própria em conjuntos habitacionais ou em seu entorno. Em ambos os casos, se
distanciam física e socialmente dos seus locais de trabalho, bem como do acesso a
determinados serviços urbanos que são precariamente oferecidos nas áreas mais
periféricas, a exemplo do atendimento médico-hospitalar.
Para Abreu (1986, p. 69), se, por um lado, as periferias são a “expressão
concreta da distância da maior parte da população urbana dos frutos da
acumulação”, por outro, é “a sua proximidade que permite acumulação ainda maior,
[...] constituindo exemplos concretos da dominação do trabalho pelo capital”. Isso
porque esses espaços representam o locus de produção e reprodução de mão-de-
obra barata, efetiva ou mesmo futura, portanto, necessária à acumulação capitalista.
Outro aspecto que assume grande relevo no processo de periferização diz
respeito ao aumento do tempo gasto com o deslocamento dessa população para os
locais de trabalho, bem como o maior ônus do custo desse deslocamento sobre
seus rendimentos. Além disso, a precariedade e insuficiência dos transportes
coletivos, o longo tempo de espera e de “viagem”, são fatores que refletem
diretamente na dilapidação da força de trabalho, tornando-a mais barata, segundo
Bonduki e Rolnik (1982), Valladares (1982) e Kowarick (1993).
De modo irredutível, esses trabalhadores são alijados do acesso e do desfrute
dos benefícios dos serviços e equipamentos urbanos mais modernos, disponíveis
apenas para um pequeno segmento de maior poder aquisitivo da sociedade. Nesse
sentido, a ação dos agentes imobiliários e da iniciativa privada nas áreas mais
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
68
valorizadas, e, ao contrário, a inação do Estado nas áreas periféricas, têm
engendrado o modelo desigual e segregador entre os diferentes espaços da cidade.
Por conseguinte, inferimos que a expansão das ocupações irregulares nas
áreas periféricas da cidade é um reflexo dessas (in)ações, que, em parceria público-
privado, produzem e fragmentam a cidade em distintos espaços urbanos, atribuindo-
lhes diferentes valores de uso e de troca. Sob essa premissa, a periferização não
deve ser vista como fruto de uma urbanização espontânea e ilegal, pois, como
adverte Abreu (1986, p. 69), “ela não tem nada de espontâneo, já que é bastante
determinada pela lógica do modo de produção capitalista”. Assim, as ocupações
irregulares da terra urbana passam a ser uma condição indispensável para a
reprodução de grande parte da força de trabalho.
A seguir, analisaremos a importância da construção dos grandes conjuntos
habitacionais no processo de expansão urbana e periferização de João Pessoa.
22..22..11.. OOss ccoonnjjuunnttooss ppooppuullaarreess nnaa ppeerriiffeerriizzaaççããoo ppllaanneejjaaddaa ddee JJooããoo PPeessssooaa
Inscritos no contexto das políticas de habitação social desenvolvidas no Brasil,
os conjuntos habitacionais, em sua maioria, foram financiados pelo Sistema
Financeiro de Habitação (SFH), por intermédio do Banco Nacional de Habitação
(BNH)12, órgãos criados pelo Governo Federal, em 1964.
O Estado passou a formular a política nacional de habitação e de
planejamento territorial, coordenando “a ação dos órgãos públicos e orientando a
iniciativa privada no sentido de estimular a construção de habitações de interesse
social e o financiamento da aquisição da casa própria, especialmente pelas classes
da população de menor renda” (ART.1º DA LEI nº 4.380, 1964)13.
Na Paraíba, essa política foi intensificada pós-1968, com grande participação
das esferas do poder público em parceiras com órgãos-gestores, como o Instituto de
Orientação às Cooperativas Habitacionais (INOCOOP)14, a Companhia Estadual de
12 O BNH era um banco de segunda linha, ou seja, não operava diretamente com o público. Sua função era realizar operações de crédito e gerir o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), por intermédio de bancos privados e/ou públicos e de agentes promotores, como as companhias habitacionais e as companhias de água e esgoto. Foi extinto, por decreto presidencial, em 1986. 13Lei de 21 de agosto de 1964, publicado no Diário Oficial da União – DOU de 11/09/64. Disponível em http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4380.htm. Acesso em 28 de junho de 2006. 14 Os INOCOOPs, entidades com caráter de Sociedade Civil sem fins lucrativos e regulamentados pelas Resoluções 68/66 e 95/66, ambas do BHN, foram instalados nos estados e tinham como atribuições prestarem
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
69
Habitação Popular (CEHAP), o Instituto de Pensões e Aposentadoria dos
Servidores do Estado (IPASE) e o Instituto de Previdência do Estado da Paraíba
(IPEP).
Em João Pessoa, o maior incremento dessa política ocorreu entre os anos de
1968 e 1983, quando foram construídos mais de trinta conjuntos habitacionais
financiados pelo SFN e o BNH, totalizando mais de dezoito mil unidades
domiciliares, segundo Lavieri & Lavieri (1999). Para melhor expressarmos o impacto
da política habitacional no aumento do número de domicílios na cidade,
especialmente na década de 1960, é suficiente afirmarmos que, apenas entre os
anos de 1967 e 1969, foram construídos seis conjuntos, representando um
crescimento de 33,5% no total de domicílios aqui existentes.
Nos anos de 1980-1990, houve uma maior aceleração da expansão urbana
de João Pessoa, período em que o seu tecido urbano avançou sobre os espaços
rurais. Em 1980, a cidade possuía 64.647 domicílios15, sendo que pouco mais de
dez mil e trezentas unidades estavam situadas em conjuntos habitacionais,
representando 16% do número de domicílios, distribuídos por 25 conjuntos.
Observemos a tabela 2.1.
Ano
Número
de domicílios na cidade
Incremento dos
domicílios
Conjuntos habitacionais
Número de conjuntos construídos
Número de unidades domiciliares
% da cidade
% do incremento Número
Absoluto (%)
1960 28.956 - - 10 694 2,4 - 1970 38.663 9.707 33,5 10 2.488 6,4 25,7 1980 64.647 25.984 67,2 15 7.140 11,0 27,5 1991* 109.956 45.309 41,2 07 14.752** 13,41 32,5
Tabela 2.1. Evolução do número de domicílios permanentes, com destaque para os domicílios em conjuntos habitacionais de João Pessoa (PB) – 1960 a 1991.16 Fonte: Censos Demográficos do IBGE; CEHAP e LAVIERI & LAVIERI (1999). Elaborada por Luciana Medeiros de Araújo * Consideramos apenas os dados dos conjuntos habitacionais construídos até 1984. ** Incluindo-se as etapas de Mangabeira (I, II, III, IV, V e PROSINDI), construídas entre 1982 e 1984.
Todavia, Lavieri & Lavieri (1999) analisaram o período entre 1968 e 1983,
considerando apenas a construção do conjunto Mangabeira I, que, isoladamente,
assessoria técnica e política com a finalidade de orientar as Cooperativas Habitacionais, em todas as operações necessárias para a produção e aquisição da moradia. 15 Dados do Censo 2000, IBGE. 16 Foram considerados os conjuntos habitacionais construídos até 1963 – não financiados pelos BNH, e aqueles financiados por esse órgão, entre os anos de 1968-1984, não estando incluso grandes conjuntos como, por exemplo, o Valentina Figueiredo.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
70
representava 3.238 unidades residenciais. Somando-se as etapas de Mangabeira II,
III, IV, V, e o PROSIND, construídos entre os anos de 1983 e 1984, o número de
domicílios nesse conjunto supera 9.400 unidades, segundo dados fornecidos pela
CEHAP. Ainda sob o contexto da importância da construção dos conjuntos
habitacionais para o crescimento da cidade, ressaltamos que, entre 1980 e 1991, o
crescimento total de domicílios foi de 45 mil unidades. Somente em três anos, de
1981 a 1984, foi efetivada a construção de onze conjuntos, dos quais seis são
etapas de Mangabeira, os outros cinco conjuntos estão distribuídos na porção sul-
sudeste da cidade, perfazendo mais de 11.300 domicílios.
Isto significa que, em apenas três anos, 25,12% do incremento do número de
domicílios da cidade foi proveniente da construção de onze conjuntos residenciais.
Estendendo o período entre os anos de 1980 e 1991, esse percentual sobe para
32,5%, conforme evidencia a tabela anterior. Indiscutivelmente, o conjunto
Mangabeira teve uma participação decisiva no incremento do número de domicílios
nas duas últimas décadas.
Os estudiosos Lavieri & Lavieri (1999), ao analisar a evolução urbana de João
Pessoa pós-64, distinguem e especificam cinco períodos de construção desses
conjuntos, agrupando-os conforme os incrementos de novos conjuntos
habitacionais, implantados pela política de habitação social do Governo Federal.
Uma breve síntese desses períodos possibilita a compreensão do processo:
O primeiro corresponde aos conjuntos habitacionais existentes até 1963,
edificados entre os anos de 1935 e 1963, por instituições como Montepio e
Fundação Casa Popular (FCP), distribuídos pelos bairros de Tambiá, Torre, Centro,
Jaguaribe e Expedicionários. Destinados aos funcionários públicos federais, eram
compostos por poucas unidades domiciliares e, com exceção dos Expedicionários,
localizado mais distante do centro da cidade, situavam-se em bairros tradicionais
mais valorizados, concentrando parcelas significativas da população, em especial no
Centro.
O segundo compreende os primeiros conjuntos financiados pelo SFH, por
meio do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimos (SBPE), entre 1968 e 1969.
Com maior número de unidades, esses conjuntos foram erguidos em áreas mais
distantes do centro da cidade, espraiando o tecido urbano para as direções nordeste
e sudoeste-sudeste: Jardim 13 de Maio (1968); Redenção (1968), no Jardim Luna;
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
71
Boa Vista (1968), Ipês; Pedro Gondim (1968), Cidade dos Funcionários (1968) e
Castelo Branco (1969).
Desse grupo, o Castelo Branco representa
o primeiro empreendimento habitacional a transcender, simultaneamente, o anel rodoviário e o Vale do Jaguaribe, situando-se nas imediações do Campus Universitário. [...] foi também o primeiro conjunto resultante da política oficial de remoção de favelas17 (LAVIERI & LAVIERI, p. 43).
Igualmente, nesse período tem-se a participação da Companhia de Habitação
(COHAB) como instituição gestora das obras.
No terceiro, entre 1970 e 1974, constatamos um decréscimo do número de
unidades habitacionais construídas em relação ao período anterior, muito embora
tenham sido construídos o Costa e Silva (1971) e o João Agripino (1974), além de
ampliado o conjunto do Castelo Branco (1970/1974). Esse decréscimo está inscrito
em um contexto que coincide com grandes investimentos em infra-estrutura e
embelezamento da cidade. Por isso mesmo, a crítica à política de investimentos do
Estado, ao não priorizar a construção de moradias populares.
No quarto, entre 1975 e 1979, o SFH volta a investir na construção dessas
moradias. Os principais bairros contemplados foram: Castelo Branco, Ernani Sátyro,
Brisamar, Cristo, Jardim Luna, José Américo, Ernesto Geisel, Distrito Industrial e o
Altiplano Cabo Branco.
O quinto e último período se situa entre 1980 e 1983, marcado pela
construção dos grandes conjuntos habitacionais, os quais esgarçaram o tecido
urbano para o sudeste, intensificando o processo de periferização da cidade. Para o
sul-sudeste foram erguidos os Bancários, Anatólia e Mangabeira; para o sul-
sudoeste, o Alto do Mateus, Cristo, Esplanada, dentre outros. Foi iniciada, também,
a construção do conjunto Valentina Figueiredo, com mais de quatro mil unidades
habitacionais, constituindo-se como o segundo maior da cidade. Na tabela 2.2, uma
síntese desses períodos, onde fica evidenciada a evolução do número de conjuntos
habitacionais no período anterior a 1963 até 1983.
17Segundo esses autores, a favela removida circunscrevia a área que hoje corresponde a Av. Beira Rio.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
72
Períodos
Número de conjuntos
Número de unidades
Incremento (%)
Média de unidades/conjunto
Até 1963* 08 849 - 60 1968/1969 06 2.333 63,3 388 1970/1974 04 2.266 -2,8 566 1975/1979 11 4.874 115 443 1980/1983 12 8.492 74,2 707 Total 41 18.814 - -
Tabela 2.2. Evolução do número e de unidades domiciliares em conjuntos habitacionais, João Pessoa (PB) – 1963 a 198318. Fonte: LAVIERI & LAVIERI, 1999.
Em seguida, no mapa 2.2, observamos a distribuição dos conjuntos
habitacionais financiados pelo SFH/BNH, lembrando que grande parte dos grandes
conjuntos do arco sudoeste-sul-sudeste foi construída pela CEHAP e pelo IPEP, sob
um padrão construtivo inferior ao dos conjuntos construídos pelo INOCOOP e pelo
IPASE, predominantemente localizados na porção norte da cidade, junto aos bairros
de maior poder aquisitivo.
Cavalcanti (1999), ao analisar os reflexos da política habitacional do BHN na
expansão urbana de João Pessoa, destaca que, a partir de 1975, essa instituição,
ao direcionar seus investimentos para os programas de habitação popular, revigorou
as COHABs como agente-promotor responsável pela construção de grandes
conjuntos residenciais. Para essa autora,
As Companhias foram instituídas sob a forma de sociedade de economia mista, tendo o poder público o controle acionário. As COHABs operavam através do repasse de recursos do BNH para as empreiteiras e da posterior comercialização das habitações construídas entre a população de baixa renda. Assim, a construção das residências era feita por empresas privadas vencedoras das licitações públicas e a fiscalização das obras e a liberação do financiamento eram feitas pelas COHABs, que se sustentavam por meio de cobrança de taxas para serviços técnicos de fiscalização, pois a margem de lucro na comercialização era praticamente nula (CAVALCANTI, 1999, p.21-22).
18Com exceção do período compreendido até 1963, todos os demais conjuntos habitacionais contabilizados na tabela foram construídos através do financiamento do SFH/BNH.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
73
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Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
74
Na Paraíba, a CEHAP19 passa a ser o principal órgão responsável pela
elaboração e gestão dos projetos urbanísticos dos grandes conjuntos habitacionais
populares no Estado, especialmente na cidade de João Pessoa. Um dos maiores
projetos dessa instituição foi a construção de Mangabeira, entre o final dos anos
1970 e início da década de 1980.
No âmbito nacional, vivenciávamos uma conjuntura política bastante rígida,
consolidada pela imposição de um modelo de crescimento econômico que não
refletia um desenvolvimento social equânime. Sob os efeitos do milagre econômico,
o país se afirmava como uma economia urbano-industrial, moderna e emergente,
porém marcada por grandes contradições socioeconômicas, manifestadas numa
urbanização desigual e numa crescente pobreza urbana.
Em meio a esse modelo, o aumento do empobrecimento da classe
trabalhadora, decorrente da defasagem salarial, além da elevação dos níveis de
concentração de renda, repercutiu de forma direta no mercado de terras urbanas,
beneficiando o setor imobiliário, o qual ampliou a produção de moradias do tipo
capitalista, tornando-as acessível apenas aos segmentos mais privilegiados da
sociedade. A moradia passava cada vez mais a se constituir em uma mercadoria
potencialmente lucrativa para esse setor.
Nesse contexto, ante a grande demanda por moradia e as condições
socioeconômicas da classe trabalhadora, impossibilitada de adquirir sua casa no
mesmo espaço daqueles que podem pagar “pelo lugar” que desejam morar, o
Estado, juntamente como o setor imobiliário, por via de ações planejadas, promove
uma oferta de moradia e terrenos baratos nas áreas mais periféricas da cidade. Daí,
então, afirmarmos que o processo de periferização de João Pessoa e de outras
cidades brasileiras também está atrelado a políticas de implantação dos conjuntos
habitacionais, destinados à provisão da casa própria para esse segmento da
sociedade.
No bojo da implementação dessas políticas, está a necessidade do Estado
em exercer um controle ideológico sobre milhões de trabalhadores assalariados
19 Segundo informações fornecidas por funcionários da CEHAP, a atual situação financeira deste órgão é bastante delicada, especialmente depois que o Governo do Estado, através do programa de regulamentação fundiária A Casa é Sua, outorgou a quitação da moradia para quase todos os seus mutuários. Anteriormente, este órgão administrava seus períodos de crise financeira, decorrentes dos altos índices de inadimplência dos mutuários, convocando-os para negociações através do parcelamento de seus débitos, especialmente em Mangabeira, grande fonte arrecadadora de recursos.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
75
empobrecidos. Assim, a provisão da moradia passou a ser um elemento
fundamental da política autoritária e centralizadora dos governos militares. Para
Maricato, esses trabalhadores privados do acesso à moradia nos moldes capitalistas
de produção, não foram totalmente excluídos dessa política habitacional, porque
Os deserdados por essa política habitacional são envolvidos pelas promessas da casa própria: ao organizar a provisão de residências em moldes capitalistas, centralizada fortemente por organismos federais, de forma autoritária, o Estado exclui desse mercado a maior parte da população, submetida ao arrocho salarial. [...] raras foram as realizações de governos municipais ou estaduais na área de habitação, independentes do BNH, tal o acentuamento da centralização de recursos e decisões nas mãos do Governo Federal [durante o período militar]. (MARICATO,1987, p. 30-31)
Convém ressaltarmos também que o maior incremento da provisão estatal de
moradias populares decorre da necessidade de reduzir os impactos causados pelos
processos de valorização do solo urbano e de modernização das áreas mais
centrais da cidade e dos bairros reconhecidos como “nobres”. Concomitante à
elitização desses bairros, intensificava-se a expansão da periferia, ampliando-se não
somente o número de conjuntos residenciais, mas também o número de favelas a
partir dos anos de 1970 e 1980.
Dessa forma, os grandes conjuntos habitacionais reafirmam, pois, o processo
de periferização da cidade, deslocando a massa de pobres das áreas mais
valorizadas para a sua periferia. Um espaço distante precariamente servido de infra-
estrutura, cuja racionalização dos projetos urbanísticos lhe conferia um aspecto
uniforme, com casas padronizadas, distanciando socioespacialmente a “cidade dos
ricos” e a “cidade dos pobres”20.
Para Bonduki (1998, p.135), a massificação da produção de habitação social
no Brasil, implantada pelos programas do BNH, foi caracterizada por um “suposto
racionalismo formal desprovido de conteúdo, consubstanciado em projetos de
péssima qualidade, monótonos, repetitivos, desvinculados do contexto urbano e do
meio físico e, principalmente, desarticulados de um projeto social”.
Quanto a esses projetos e seus significados no processo de urbanização de
João Pessoa, Madruga (1992, p. 111) assim se refere:
São os anos setenta, e são também os tempos de manifestação de outra visão de urbanismo, de certa forma na linha do urbanismo culturalista, mas
20 HARDOY; SATTERTHWAITE,1987
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
76
bastante tupinicanizado, por apresentar-se apenas em “conjuntos” destinados a baixa renda, que em si, já apresentam má qualidade e formas de controle, representando verdadeiros guetos.
É inquestionável a crítica que o autor faz ao modelo de urbanismo, sobretudo
quando analisamos, por exemplo, as contradições no (e do) espaço intra-urbano
geradas pelo processo de modernização da cidade. Sendo inegável, também, que
esse processo resultou em uma maior fragmentação e segregação da cidade, tendo
em vista que a partir dos anos de 1970 e 1980, a cidade adquiriu uma nova
configuração periférica, associada a uma crescente favelização.
De modo geral, esses conjuntos apresentavam péssima qualidade
construtiva, baixo nível de infra-estrutura básica, precariedade de transporte coletivo,
insuficiência de vias pavimentadas e de saneamento e abastecimento de água.
Características que contribuíam para agravar as condições de depauperamento da
população e de segregação socioespacial.
Dessa forma, a expansão urbana de João Pessoa segue seu curso,
agravando as iniqüidades socioeconômicas, distinguindo a “cidade dos conjuntos
residenciais” e a “cidade modernizada” 21. Intencionalmente diferenciadas, porque
não são fruto de um crescimento espontâneo e sim planejado pelo poder público e
de outros agentes, materializadas em diferentes porções do espaço intra-urbano,
essas cidades cada vez mais se complementam economicamente, havendo uma
interdependência determinada pela divisão social e territorial do trabalho do (e no)
espaço urbano.
Assim, de um lado, na porção sudoeste-sul-sudeste, nos conjuntos
habitacionais e bairros populares, concentram-se os trabalhadores assalariados, os
desempregados e os pobres, nicho da mão-de-obra barata. No outro, a “cidade dos
ricos”, cuja modernização revela-se pelo seu embelezamento: praças, monumentos
públicos, pavimentação e iluminação das grandes vias, centros comerciais, como os
shopping centers. Nesse lado, forma-se a cidade da urbanidade e das amenidades,
no outro a cidade da penúria e da escassez.
21 MAIA, 2000.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
77
22..22..22.. OO rreevveerrssoo ddoo ppllaanneejjaammeennttoo ee aa aappaarreennttee lleettaarrggiiaa ddoo EEssttaaddoo:: aa sseeggrreeggaaççããoo ee aass ooccuuppaaççõõeess iirrrreegguullaarreess nnaa ((ee ddaa)) ppeerriiffeerriiaa
Procuramos mostrar na seção anterior a importância da implantação dos
grandes conjuntos habitacionais para a ampliação dos limites da cidade, bem como
para a formação de uma periferia que cada vez mais se revela como locus de uma
crescente massa de trabalhadores pobres. Igualmente, vimos que as ações do
Estado, especialmente pela política de habitação social, foram decisivas para
consolidação do processo de periferização da cidade.
Todavia, por trás das ações do Estado, emerge não só a clivagem da
sociedade, mas também da cidade, tornando-a socioespacialmente desigual. Isso
porque as intervenções públicas, conforme discutimos, estão inscritas sob um
modelo de planificação capitalista do espaço urbano. Como parceiros do Estado, os
agentes imobiliários e os segmentos de maior poder aquisitivo da sociedade
orquestram a produção-reprodução do espaço intra-urbano das grandes e médias
cidades, em conformidade com seus interesses.
Nesse contexto, a produção do espaço intra-urbano não é algo aleatório,
casual, mas sim muito bem planejado, com cada segmento da sociedade tem seu
lugar, voluntária ou involuntariamente. Ademais, os diferentes espaços recebem
investimentos sob uma demanda associada a uma capacidade de retorno lucrativo,
não só para o capital, mas também para a administração local, quer seja na forma
de arrecadação de impostos, quer seja como marketing turístico.
Aos olhos do morador da periferia que se vê discriminado, segregado,
excluído das amenidades da modernidade, essa diferenciação é bastante
representativa, podendo ser expressa a partir da fala de uma moradora da Feirinha
de Mangabeira, a qual constitui nosso principal referencial empírico.
A gente vive aqui esquecida, né? Ninguém sabe o que a gente vive, morando nesse barraco, vendo a hora cair na cabeça dos meninos. Os políticos quando vêm aqui cala a boca do povo com promessa, dá leite e pão, diz que vai tirar a gente daqui, e o povo se cala, acredita, né?Todo mundo fica aí esperando. Veja a situação aí dentro [no interior da Feirinha], lama, esgoto, fossa, lixo por todo lado, isso fede dia e noite, mingúem agüenta mais, o posto de saúde atende a gente mal. [...] pro lado da praia, onde eles moram [referindo-se aos políticos] é rico, é tudo muito bom, bonito, não tem esgoto nas calçadas né? Outro dia arranjei um dinheirinho e levei os meninos lá na praia de Tambaú, eles nunca tinham ido à praia e ficaram doido, passaram o dia todo falando de como lá era bom. Quando
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
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sai a cidade na televisão é tudo tão bonito [...] para a gente que nunca sai, sem dinheiro, né, parece que nem é aqui. (Informação verbal)22.
A imagem das “duas cidades”, descrita por Dona Graça, expressa o injusto
processo de urbanização, cujas disparidades resultam do sincronismo da parceria
entre o Estado e os agentes produtores de maior ingerência sobre a produção da
cidade. As obras de recuperação da calçada da praia, a iluminação da orla, a
recuperação de canteiros e praças, o alargamento e o asfaltamento de avenidas,
sinalização de trânsito, redefinição dos percursos dos transportes coletivos,
saneamento básico, enfim, são benefícios que realçam os contornos das
disparidades intra-urbanas.
Essa é a tônica que vem acentuando a segregação socioespacial, a partir de
investimentos do poder público que são estratégicos por tornar a apropriação e o
uso do solo urbano mais seletivo. Nesse sentido, é pertinente recorrermos às
palavras de Lefebvre (2001, p. 94-95) Social e politicamente, as estratégias de classes (inconsciente ou consciente) visam a segregação. Os poderes públicos, num país democrático, não podem decretar publicamente a segregação como tal. Assim, freqüentemente, adotam uma ideologia humanística que se transforma em utopia no sentido mais desusado, quando não em demagogia. A segregação prevalece mesmo nos setores da vida social que esses setores públicos regem mais ou menos facilmente, mais ou menos profundamente, porém sempre.
Ora, se não há uma institucionalização da segregação socioespacial, até
porque isso seria inadmissível para um Estado democrático, como admite Lefebvre
(2001), é igualmente verdadeiro que há uma letargia do poder público. Portanto, se o
Estado não atua no sentido de promover e desenvolver uma política habitacional
que contemple aqueles que estão fora das possibilidades de adquirir sua moradia de
modo legal, a tendência será o crescimento irreversível dos movimentos de
ocupações irregulares e do processo de favelização, conforme ocorre
deliberadamente na cidade de João Pessoa.
Destarte, a permissividade do poder público ante a expansão das ocupações
irregulares não revela a negligência do Estado, mas sim, sob o ponto de vista
político, a sua conivência. Pois constatamos que essas ocupações não compõem 22 Informação verbal concedida por Dona Graça, lavadeira e moradora da Feirinha. Pesquisa direta, mai 2006.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
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apenas o reverso do planejamento, porque, no sentido mais amplo, a sua existência
é decididamente necessária para se manter uma reserva permanente de demandas
coletivas por equipamentos urbanos, as quais alimentam a cooptação de sua
população, sobretudo para fins eleitorais.
A situação de penúria em que se encontra a população dessas ocupações
termina contribuindo para manter um maior controle do Estado sobre a mesma, o
qual se beneficia, pelas ações clientelistas e populistas, especialmente durante as
campanhas eleitorais. Daí, a despeito de seu caráter ilegal e das condições
subumanas de moradia e de vida, as ocupações irregulares constituem um espaço
fértil às práticas políticas baseadas no engodo e na troca de votos.
Voltamo-nos à fala de Dona Graça, por ser esta representativa do que fora
dito acima: “Os políticos quando vêm aqui cala a boca do povo com promessa, dá
leite e pão, diz que vai tirar a gente daqui, e o povo se cala, acredita, né? Todo
mundo fica aí esperando”.(Informação verbal)23.
Ora, se o Estado é um dos grandes agentes do processo de periferização
planejada, a partir da implantação dos grandes conjuntos habitacionais nas áreas
mais distantes dos centros urbanos, não é de se admirar que o mesmo faça “vista
grossa” ao crescente processo de favelização na cidade de João Pessoa, nem
tampouco a proeminente crise da moradia. Pois bem, se essa crise não foi atenuada
oportunamente pela massificação da política habitacional do Governo Federal, pelo
extinto BHN, atualmente ela é incomensurável e proporcional à condição de
empobrecimento da classe trabalhadora.
Se bem que, para o Estado, considerando-se a lógica capitalista de produção
da cidade, essa crise é necessária, pois, de certo modo, não deixa de ser uma forma
de controle da classe trabalhadora. No clássico texto de Engels, intitulado, “Como a
burguesia resolve o problemas da habitação”, escrito no final do século XIX24, o
autor tece importantes críticas sobre a questão e a crise da habitação na Alemanha,
reafirmando os interesses da burguesia capitalista.
Nesse texto, Engels questiona a origem da crise de habitação, e reafirma que
“ela é um produto da forma social burguesa”25, ou seja, do próprio modo de
23Informação concedida por Dona Graça, moradora da Feirinha. Pesquisa Direta, mai 2006. 24 Neste contexto, a Alemanha vivenciava um célere momento industrialização, com grandes massas de trabalhadores migrando do campo para as cidades, as quais rapidamente se transformam em centros industriais, acentuando a questão da moradia. 25 ENGELS, 1979, p. 24.
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produção capitalista. A despeito da grande distância espaço-temporal, suas
observações muito dizem sobre a nossa realidade. Eis, então, um breve recorte de
seu texto:
Uma sociedade não pode existir sem problemas de habitação quando a grande massa de trabalhadores dispõe apenas do seu salário, isto é, da soma dos meios indispensáveis à sua subsistência e à sua reprodução; quando os melhoramentos mecânicos deixam massas de operários sem trabalho; quando violentas e cíclicas crises industriais determinam, por um lado, a existência de um grande exército de reserva de desempregados, e por outro lado, atiram periodicamente à rua volumosa massa de trabalhadores; quando os proprietários se amontoam nas grandes cidades, e isso se dá num ritmo mais rápido que a construção de habitações nas circunstâncias atuais, e se encontram sempre inquilinos para a mais infecta das pocilgas; quando, enfim, o proprietário de uma casa, na sua qualidade de capitalista, tem não só o direito mas também, em certa medida graças à concorrência, o dever de exigir, sem escrúpulos, aluguéis elevados. Em semelhante sociedade a crise da habitação não é um acaso, mas uma instituição necessária; não pode ser eliminada com modificações a nível de saúde pública etc. Porém sim quando toda a ordem social que a originou for transformada pela raiz (ENGELS, 1979, p. 24).
Podemos inferir, então, que se a segregação não pode ser institucional, a
crise da moradia o é, porque se revela imprescindível à acumulação capitalista. Os
seus efeitos garantem a reprodução do modelo de “urbanização patológica”, já
apontada neste capítulo. Um modelo que sempre necessitará de cuidados, ainda
que paliativos, sem perspectiva de solução efetiva.
João Pessoa não foge à regra. Para termos uma dimensão da inobservância
do Estado em relação à existência das ocupações irregulares, em Mangabeira, elas
existem desde a inauguração do conjunto, em 1982. Cresceram, multiplicaram-se,
formaram gerações de favelados, sob a indiferença do Estado, preenchendo
quarteirões inteiros que serviriam às praças, aos postos de saúde, às creches e
escolas, ao lazer.
Outro aspecto importante para dimensionarmos a intencional letargia do
poder público diz respeito à transferência do ônus da construção da moradia do
Estado para o trabalhador. Nas ocupações irregulares e favelas, o trabalhador será
o responsável pela autoconstrução de sua moradia. Esse fato isenta o poder público
do processo de construção de um maior número de habitação popular para suprir a
demanda. Quando colabora, o faz por meio de práticas paternalistas, doando
material de construção, intermediada por vereadores ou associações comunitárias a
serviço de determinados parlamentares.
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Remetemo-nos mais uma vez à fala dos moradores da Feirinha:
Faz mais de quatro anos que moro aqui nesse lugar [na Feirinha] e ainda não consegui terminar de construir esse barraco, estamos esperando as eleições, para vê se sai alguma ajuda. A senhora sabe, né, é quando eles lembram [os candidatos] que a gente existe. (Informação verbal)26.
Esse depoimento revela as práticas assistencialistas, reafirmando um Estado
muito mais provedor de bens individuais do que instituição responsável em
assegurar o bem estar social, garantindo o direito do cidadão à moradia, a um
ambiente saudável, à educação e à saúde.
Por fim, buscamos evidenciar como o poder público institucionaliza a crise de
habitação, repassando à população de baixa renda, incapaz de adquirir formalmente
sua moradia, os encargos da autoconstrução de sua casa própria. Residem aqui,
pois, o contraponto da política habitacional e do planejamento urbano estatal: da
planificação da produção da moradia à legitimidade das ocupações irregulares e das
favelas, como forma de possibilitar aos despossuídos, o acesso à terra urbana e à
moradia. Da periferização planejada à produção de uma cidade fragmentada e
socioespacialmente desigual.
Nos capítulos seguintes, discutiremos o conjunto Mangabeira, destacando as
ocupações irregulares e, em especial, a Feirinha, nosso recorte espacial de
pesquisa empírica.
26 Informação verbal concedida por morador da Feirinha, desempregado. Pesquisa Direta, mai 2006.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
82
33.. OO ccoonnjjuunnttoo MMaannggaabbeeiirraa:: ddiimmeennssõõeess,, vviissiibbiilliiddaaddeess ee ssuuaass ooccuuppaaççõõeess iirrrreegguullaarreess
Mangabeira é como uma cidade. Grande e cheia de problemas. Agitada, barulhenta. [...] Mas, quanto a gente sair daqui da Feir inha, não vou querer ir para outro lugar.
Morador da Feirinha, 2006
Comecemos as discussões, propostas para este capítulo, fomentando uma
recomendação sugerida por Capel (2002), relativa à análise da morfologia urbana
de uma dada cidade. De acordo com esse estudioso, é pertinente refletirmos sobre
as armadilhas que a relação forma-conteúdo (aparência-conteúdo) comporta,
porque ela pode não expressar as dimensões sócio-econômicas inscritas nos
espaços urbanos. Ressalta, ainda, a relação entre morfologia e espaço social,
admitindo que a forma urbana é um produto social, cuja produção envolve distintos
processos e agentes, os quais merecem ser analisados, sob pena de não
desvendarmos tais “armadilhas”.
Buscamos analisar o conjunto Mangabeira e suas ocupações irregulares a
partir da orientação posta acima. Tencionamos apreender os diferentes processos e
os agentes que engendraram a morfologia desse conjunto, bem como as suas
formas e funções. Uma localidade que é revestida de uma ampla projeção quando
comparado aos demais bairros da cidade, sendo aclamado pelas suas dimensões
socioeconômicas: “maior conjunto do estado”; “é quase uma cidade”; “maior
população de João Pessoa”.
Entretanto, no decorrer da realização desta pesquisa, constatamos que, para
além dessa projeção valorativa, o conjunto também se reveste de uma visibilidade
negativa, ante os seus problemas socais e estruturais, os quais são reconhecidos,
em especial, pelos seus moradores: violência, insuficiência de postos de saúde e de
áreas de lazer, poluição ambiental, precariedade das moradias, existência de
favelas nas ocupações irregulares. Indiscutivelmente, então, estamos diante de um
conjunto marcado por grandes contradições, relacionadas a um deliberado processo
de periferização planejada na cidade.
Por conseguinte, os dados e as análises evidenciadas, neste capítulo, são
fruto de uma investigação que foi além da aparência que Mangabeira nos sugere,
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
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bem como dos dados arrolados em instituições públicas. Deparamo-nos com um
conjunto duplamente planejado: primeiramente, pela política estatal de periferização
e posteriormente, por um projeto urbanístico funcional e “moderno”.
Quanto a esse segundo aspecto, compreendemos Mangabeira como o
“antimodelo” do planejamento, uma vez que, no decorrer da sua história, desde
quando foi entregue, uma de suas características marcantes tem sido a ocupação
irregular e espontânea de suas áreas públicas, originalmente pensadas como
espaços reservados a equipamentos públicos e áreas de lazer.
As formas que caracterizam os seus quarteirões, edificações, vias e serviços
refletem o modo como o seu morador se apropria e usa os diferentes espaços do
conjunto, como estão organizadas as relações de vida e de trabalho. Em meio às
formas planejadas, como nos espaços públicos, surgem as ocupações irregulares ali
existentes, as quais estão encravadas em alguns dos seus quarteirões, conforme
veremos neste capítulo. Essas ocupações são a nossa principal preocupação, sob
um recorte voltado à Feirinha, a mais conhecida entre elas.
Portanto, pretendemos caracterizar as dimensões e contrastes
socioeconômicos de Mangabeira, evidenciando a existência dessas ocupações
irregulares, que hoje formam verdadeiros “enclaves” de favelas no seu interior. Muito
embora essa problemática seja verificável em outros conjuntos e bairros da cidade,
em Mangabeira ela se configura como um caso particular, pois, além de
inadequadamente localizadas, constituem fortes adensamentos de moradias,
atividades comerciais e de serviços informais, precariamente improvisados.
Nesse contexto, os dados apresentados a seguir têm o intuito de caracterizar
Mangabeira como um todo, sempre na perspectiva de melhor entendê-lo enquanto
espaço intra-urbano, produto do processo de periferização de João Pessoa.
Ademais, buscaremos responder às nossas inquietações: como as ocupações de
Mangabeira foram formadas? Por que elas estão situadas nas áreas destinadas aos
equipamentos urbanos? E o poder público, o que diz e o que tem feito quanto às
mesmas?
Para tanto, assim fomos buscar esses dados: em fontes primárias, a visitas in
loco; em fontes secundárias, a partir de levantamentos feitos por órgãos públicos,
como o IBGE, a FAC, a CEHAP e a PMJP; e, ainda, em trabalhos acadêmicos que
abordam a área em questão. Apesar de termos notado algumas diferenciações
quanto aos períodos de coleta, resultados e procedimentos metodológicos de cada
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
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instituição, entendemos que o uso desses dados não compromete a validade das
discussões aqui presentes, porque não imaginamos uma análise quantitativa da
realidade de Mangabeira, nem tampouco da Feirinha.
A apreciação dos dados que aqui apresentamos se dará sob a perspectiva de
corroborar as nossas hipóteses sobre o nosso objeto de estudo, concebendo-o para
além de sua morfologia e aparência. Para iniciarmos, vamos recompor um pouco da
história desse conjunto.
33..11.. MMaannggaabbeeiirraa ““ppeellaass eexxttrreemmaass””:: rreeccoonnssttiittuuiinnddoo uumm ppoouuccoo ddee ssuuaa hhiissttóórriiaa
Da área territorial que compreende Mangabeira, uma parte significativa
compunha a Colônia de Readaptação Agrícola, que se estendia por uma área de
1.935,20 ha, pertencente ao Governo do Estado, cujas terras foram desmembradas
da Fazenda Mangabeira, antiga propriedade do Comendador Antônio dos Santos
Coelho, adquiridas pelo Estado em 1934. “Essas terras se limitavam de um lado com
o que hoje é a Praia da Penha e do outro com o Rio Água Fria, vizinho ao atual
conjunto José Américo” (OLIVEIRA, 2004). As etapas de Mangabeira VI, VII e
Cidade Verde foram construídas nessa área. A foto abaixo indica o portão de
entrada dessa colônia, um dos poucos resíduos que remontam às origens do
conjunto.
Foto 3.1 – Antigo portão de entrada da Colônia de Readaptação Agrícola de Mangabeira. Foto: Auseni Araújo, mai 2006.
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A outra parte integrava a Fazenda Cuiá, com aproximadamente 300 ha, do
então proprietário Sr. Joaquim Veloso Galvão, sendo vendida ao Estado em 1979 e
transferida para a CEHAP. Nesse mesmo ano, inicia-se a construção da primeira
etapa do Projeto Mangabeira, cuja denominação era Parque Residencial Tarcísio de
Miranda Burity – então governador do Estado. A distribuição dessas terras pode ser
observada na figura 3.1, a seguir.
Figura 3.1. Croqui da Fazenda Mangabeira de Propriedade do Estado Paraíba, com destaque para a área loteada em 1979.
Indo além das pesquisas bibliográfica e documental sobre as origens de
Mangabeira, sob um breve recorte etnográfico, assinalamos aqui uma entrevista que
realizamos com um foreiro da antiga Fazenda Cuiá. Conversando com o mesmo
sobre os seus vínculos em relação a essa fazenda, chegamos à expressão “pelas
extremas”, a partir da qual ele nos falou sobre os contornos do que viria a ser o
conjunto Mangabeira – expressão que tomamos de empréstimo neste sub-capítulo.
Isso se deu por ocasião de um trabalho de campo, quando visitávamos o
Bairro Planalto da Boa Esperança. Lá, em sua casa, o senhor Inácio, mais
conhecido como Seu Dedé, nos fez um rápido relato do seu dia-a-dia na fazenda.
Perguntado sobre as dimensões daquela propriedade, esse senhor nos concedeu
uma valiosa descrição de seus limites:
Área loteada para a construção do Projeto Mangabeira I
Faz. Cuiá
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Eu não lembro o tamanho que era. Agora, não era pequeno [...] se eu fosse por lá hoje, eu saia pelas extremas [...] na descida de Laranjeiras, do rio Laranjeiras, mas faz muito tempo até agora, quase tudo mudou. [...] O rio nem existe mais, mas tem a ponte, está lá, nas extremas, perto de Laranjeiras, quando chega no rio, 500 braças de Mangabeira [...] A fazenda não ia até a CEHAP não, era Laranjeiras, até o mercado, pegava direto aqui, Água Fria, né? Estrada de Mangabeira, a estrada velha da Penha, onde existe um portão [...] (Informação Verbal)1.
A despeito de ter sido breve, o diálogo com Seu Dedé contribuiu com o
resgate da história do conjunto, a partir da Fazenda Cuiá. Essa fazenda encontrava-
se na zona rural da cidade, numa área mais distante do entorno da zona urbana.
Como já assinalamos no primeiro capítulo, essa zona urbana, até o início da década
de 1980, se estendia até o conjunto Castelo Branco e ao Campus da UFPB.
O Sr. Dedé era lavrador e cultivava mandioca e outros produtos para vender
“na ‘cidade’, na feira do bairro da Torre” (Informação Verbal) 2. Essa atividade nos
remete ao cotidiano de uma vida rural, diluída gradativamente pelo processo de
expansão de João Pessoa, sobretudo a partir dos anos de 1980. Nesta década,
aliás, era possível delimitarmos bem os espaços das vacarias, estábulos, granjas e
algumas fazendas, como a Mascarenhas, a Laranjeiras e a Paratibe, localizadas no
entorno da cidade (MAIA, 2004).
Ao descrever a Fazenda Cuia, “Seu” Dedé mencionou a existência de
inúmeros caminhos que cruzavam a propriedade, bem como os cursos de água,
como os Rios Cuiá e Laranjeiras, que, hoje, delimitam parte do conjunto.
Remanescente do passado rural do que viria a ser Mangabeira, este último rio
constitui um elemento presente na memória desse senhor, tanto como definidor dos
limites da propriedade “pelas extremas”3, como resistente às transformações
oriundas da expansão do conjunto.
Atualmente, os pequenos canais fluviais ainda existentes são marcados por
um acentuado processo de degradação, estando encobertos por efluentes
domésticos. Por sua vez, os antigos caminhos carroçáveis deram lugar aos traçados
planejados, funcionais e retilíneos das grandes vias de circulação, bem como aos
quarteirões, os quais dão forma ao atual Conjunto Mangabeira, conforme
1Informação fornecida pelo Seu Dedé. Pesquisa Direta, nov 2004. 2 Informação fornecida pelo Seu Dedé, em novembro de 2004, ao se referir à cidade de João Pessoa. 3 Delimitar a antiga área da fazenda “pelas extremas!” é entendido como os limites da antiga propriedade,
margeando as bacias hidrográficas que cortam o bairro.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
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destacamos nas figuras 3.2 e 3.3, seguintes. Em verdade, são poucos os resíduos
da antiga fazenda, além dos córregos assoreados.
A figura 3.2, a despeito de ter um caráter meramente ilustrativo, serve para
realçar as descrições do Sr. Dedé, dando ao leitor uma visão da ocupação e do uso
do solo rural até o final da década de 1970. Além da cobertura vegetal, existiam
algumas áreas com o cultivo de coco e de mandioca, pequenas construções
dispersas, especialmente concentradas no entorno da Fazenda Mangabeira e
pequenas bacias hidrográficas, que delimitam o atual conjunto.
As informações de Seu Dedé nos conduzem à compreensão de que, no
processo de expansão da cidade, a persistência do passado rural se esconde muitas
vezes por trás das formas modernas4. Desta feita, o relato desse senhor sobre as
“extremas” de Mangabeira parece querer sobrepor a “grande cidade” de Mangabeira
ao seu antigo espaço rural, transformado em grande espaço construído.
4 MAIA (2000).
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
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Feitas essas considerações sobre a origem do conjunto, parece-nos
importante um esclarecimento sobre o porquê do uso do termo conjunto e não do
termo bairro, ao nos referirmos a Mangabeira. Assim, delimitaremos e
caracterizaremos esse conjunto nas seções subseqüentes, situando-o melhor na
cidade de João Pessoa, dando ênfase ao processo de formação de suas ocupações.
33..11..11 OO ppoorrqquuêê ddaa ddeessiiggnnaaççããoo ““ccoonnjjuunnttoo”” MMaannggaabbeeiirraa
A cidade de João Pessoa teve todos os seus os bairros oficialmente
delimitados em 1998. Até esse momento, Mangabeira, como o conjunto sempre fora
popularmente conhecido, era denominado de Parque Residencial Tarcísio de
Miranda Buriti. Nesse sentido, é possível que o leitor se pergunte sobre o porquê de
não tratarmos Mangabeira como um bairro5, mas sim como um conjunto, mesmo
que, na atualidade, ele não mais se constitua como tal. Para esclarecermos a nossa
opção, vejamos dois argumentos. Primeiro: apesar de ser oficialmente um bairro, os
moradores de Mangabeira continuam considerando a etapa na qual reside como a
principal referência de seu endereço.
Esse fato foi confirmado a partir de conversas informais com os seus
moradores, notadamente com os mais antigos. Para muitos deles, a concepção de
bairro ainda não foi assimilada. Daí termos optado pelo uso do termo conjunto
Mangabeira ou, mais simplesmente, Mangabeira. Nessas conversas, notamos que é
comum o morador se identificar como residente em Mangabeira I ou II ou III.
Utilizam, ainda, a referência “direto” ou “por dentro”, dependendo do percurso
realizado pelo transporte coletivo, a partir de suas duas avenidas principais. Mais
ainda, há aqueles que moram nos apartamentos de Mangabeira VII; no Cidade
Verde ou Mangabeira VIII; no Portal do Seixas; na “Ocupação da Feirinha”.
Esse tipo de referência manifesta uma identidade com o lugar, sob um
sentimento de pertencimento ao fragmento em que residem, não ao bairro ou ao
conjunto como um todo. Igualmente, para aqueles que moram nas ocupações, a
identificação não é diferente, pois a referência de endereço é a própria ocupação:
“eu moro na Feirinha, em Mangabeira I (direto)”; “no Colégio invadido”; “no Balcão”;
“na Chapéu de Couro” ou “no Centro Espírita”. Enfim, cada uma tem sua 5 Muito embora em alguns momentos o mencionaremos como bairro, quando, por exemplo, ele estiver inserido no conjunto da cidade.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
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denominação de acordo com a localização em relação a um ponto de referência
específico – um bar, um ponto comercial, a feira.
Portanto, ante essa compreensão, cada etapa de Mangabeira forma um micro
espaço dentro do conjunto. Ana Fani Carlos (2001), ao estudar a metrópole,
considera o bairro em si um micro espaço da cidade. Tomando-a como referência,
admitimos que, no caso de Mangabeira, é como se existissem vários micros espaços
em um só bairro. Ainda pautados nessa estudiosa, assinalemos que o bairro é uma
dimensão concreta onde
Ocorre a produção de laços de solidariedade e união dos habitantes, criados nas relações de vizinhanças, que colocam em evidência a prática do habitante (espaço e tempo do lazer e da vida privada, bem como espaço e tempo do trabalho), iluminando usos, particularmente aquele que se estabelece fora do mundo do Trabalho e da vida privada. (...) É o microcosmo que ilumina a vida, o referencial definido por uma base espacial que se constitui como prática urbana e também referência a partir da qual o habitante se relaciona com espaços mais amplos (CARLOS, 2001, p. 144).
Por conseguinte, sob essa acepção, assentamos o nosso entendimento de
que, em Mangabeira, os laços de solidariedade e as relações de vizinhança se
constituem como uma prática mais organizada nos fragmentos do bairro.
Acreditamos que isso seja um reflexo de sua grande dimensão territorial e
populacional, como também tenha uma relação direta com o fato de que o conjunto
foi erguido em etapas, construídas em diferentes intervalos de tempo.
Assim, a cada nova etapa, novos espaços de moradia iam surgindo, sendo
progressivamente ocupados. Nas relações cotidianas, formaram-se as identidades
com esses micros espaços, reconhecidos como o lugar de moradia, onde as
relações de vida são reproduzidas. Identidades que também são forjadas no
enfrentamento dos problemas de intra-estrutura verificáveis no conjunto, próprios de
cada uma das suas etapas. Para tanto, os seus moradores se organizam em
associações comunitárias, buscando o atendimento das suas reivindicações mais
básicas e imediatas: segurança, postos de saúde e/ou equipamentos de lazer.
Contudo, é inquestionável que, para outros moradores, essa relação de
identidade extrapola o fragmento no qual se mora, construindo uma relação de
intimidade com o conjunto como um todo, sob uma familiarização com o lugar, com
as ruas, pessoas e serviços, com a dinâmica que lhe caracteriza, reconhecendo o
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
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conjunto como moradia, como lugar de sua vida6. A partir da fala de um jovem,
registramos: “Morar aqui é muito bom, Mangabeira é tudo! Sou de Mangabeira,
nascido aqui!” (Informação Verbal)7.
Em segundo lugar, ainda pontuando a nossa escolha quanto ao termo
“conjunto”, esclareçamos: a área que compreende Mangabeira, segundo a
delimitação oficial, envolve mais de 14 outros conjuntos que foram construídos entre
1994 e 2003, tais como Cidade Verde, Mariz III, Parque das Violetas, Manain ou
Raio de Sol. Cada um soma mais de quinhentas unidades residenciais. Em números
absolutos, são mais de dezenove mil unidades construídas. Hoje, Mangabeira
apresenta mais de sessenta e sete mil habitantes8. Esses dados estão apresentados
no quadro 3.1, a seguir.
6 Sobre os sentidos possíveis de uso e apropriação do bairro, o sentimento de pertencimento ao lugar, recomendamos a dissertação de mestrado de Regina Celly Nogueira da Silva, intitulada “As singularidades do Bairro na realização da cidade. Um estudo sobre as transformações na paisagem urbana do bairro da Torre na cidade de João Pessoa – PB” (USP, 1999). 7 Entrevista concedida por morador de Mangabeira I, estudante secundarista. Pesquisa Direta, mai 2006 8 IBGE (2000); CEHAP (2003).
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
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Bairro de Mangabeira /Conjunto
Mangabeira Ano de
construção Nº de unidades B
AIR
RO
DE
MA
NG
AB
EIR
A
Pro
jeto
Man
gabe
ira
(pro
jeto
orig
inal
)
Mangabeira I 1982 3.238
Mangabeira PROSIND 1982 1000
Mangabeira II 1983 3.020
Mangabeira III 1983 500
Mangabeira IV 1983 1.500
Mangabeira V 1984 240
Mangabeira VI 1987 1.045
Mangabeira VII 1991 1.962
Total de domicílios do Projeto Mangabeira 12.505
Mangabeira FICAM9
Mangabeira PROJETO MARIZ I
Mangabeira PORTAL DO SEIXAS
Mangabeira PROJETO MARIZ II
Mangabeira CIDADE VERDE IPEP
Mangabeira RAIO DE SOL IPEP
Mangabeira CELSO MARIZ
Mangabeira PROJETO MARIZ III
Mangabeira PARQUE DAS VIOLETAS
Mangabeira MANAIN IPEP
Mangabeira CASA DA FAC
Mangabeira CONJ. DOS DELEGADOS
Mangabeira POLÍCIA MILITAR
Mangabeira SEM TETO
1994 40
1996 130
1996 256
1997 220
1997 2.977
1998 616
1998 272
1998 590
1999 553
1999 679
2001 12
2001 48
2002 150
2003 118
Total do Bairro de Mangabeira mais o Projeto Mangabeira 19.166 Quadro 3.1. O Projeto Mangabeira e o bairro de Mangabeira – unidades residenciais construídas pela CEHAP entre 1982 e 2003 – João Pessoa – PB. Fonte: Companhia Estadual de Habitação – CEHAP, 2005.
Desta feita, a par dos dados acima, o que compreende o “bairro” de
Mangabeira, do ponto de vista da divisão administrativa da cidade por bairros, é uma
área que abriga a maior parcela populacional de João Pessoa, quando pensamos na
população de cada um dos bairros da cidade. Nesse sentido, sob essa dimensão,
tomá-lo como um bairro exigiria que a nossa pesquisa se debruçasse sobre um
recorte impraticável a um trabalho de mestrado, ante o quantitativo da população
envolvida, bem como frente aos problemas socioespaciais e ambientais que essa
área/esse bairro comporta.
9 FICAM (Financiamento de Construção, Aquisição ou Melhoria da Habitação de Interesse Social)
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
93
Ademais, as nossas reflexões estão voltadas para este foco: o processo de
periferização planejada e a problemática da moradia, a partir da formação de
ocupações irregulares, sob um recorte empírico que está relacionado à Feirinha, que
está localizada na primeira das etapas construídas em Mangabeira. A seguir,
propomos uma breve consideração acerca da delimitação e da caracterização do
conjunto Mangabeira.
33..11..22 DDeelliimmiittaaççããoo ee ccaarraacctteerriizzaaççããoo ddee MMaannggaabbeeiirraa
Localizado na porção sudeste de João Pessoa, Mangabeira é delimitado por
estes bairros: Jardim Cidade Universitária, ao norte; Portal do Sol, a nordeste; Costa
do Sol, a leste; Valentina Figueiredo e Paratibe, ao sul; Cuiá, a sudoeste e José
Américo e a Cidade dos Colibris, a oeste. Esse conjunto dista aproximadamente seis quilômetros em relação ao centro principal da cidade, nas imediações do Parque
Solon de Lucena, conforme observamos no mapa 3.1.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
94
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Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
95
Nos bairros do entorno de Mangabeira reside uma massa de trabalhadores
assalariados, cujo rendimento do responsável pelo domicílio é, em média, inferior a
cinco salários mínimos10, com exceção do Jardim Cidade Universitária, no qual o
rendimento médio é superior a oito salários mínimos, compondo um padrão de vida
um pouco diferenciado dos demais bairros aqui referidos. No total, somam mais 125
mil habitantes, correspondendo 21% do total da população da cidade, conforme
podemos analisar na tabela abaixo.
Bairros População (%) Nº de domicílio (%) Esgotamento
Sanitário (%) Rendimento Médio (R$)
Bai
rros
que
del
imita
m
Man
gabe
ira
João Pessoa 597.934 100 151.865 100 39,1 890 Mangabeira 67.398 11,2 17.259 11,36 81,0 495 Cidade dos Colibris 1.802 0,30 459 0,30 0,2 556 Costa do Sol 609 0,10 157 0,10 0,0 328 Cuiá 3.418 0,60 907 0,59 20,6 915 Jd. Cidade Universitária 11.108 1,88 3.188 2,09 67,6 1.229 José Américo 8.376 1,40 2.240 1,47 1,6 527 Paratibe 8.134 1,40 2.128 1,43 1,5 318 Portal do Sol 1.878 0,30 444 0,29 0,0 604 Valentina 22.306 3,73 5.518 3,63 2,7 579
Bairros de Mangabeira - Total 125.029 20,91 32.300 21,26 - 616,7
Tabela 3.1. Perfil dos bairros que delimitam o conjunto Mangabeira – João Pessoa (PB). Fonte: Censo Demográfico do IBGE, 2000.
A qualidade de vida, nesses bairros, não só se revela pelo baixo nível de
renda, a qual, muitas vezes, é insuficiente para garantir o sustento da família,
composta por uma média de três a quatro pessoas. Mas, igualmente, pela
precariedade do esgotamento sanitário, serviço urbano indispensável para garantir
uma melhor qualidade de vida aos moradores desses bairros.
Deste entorno, bairros como Paratibe, Cuiá, Costa do Sol e Portal do Sol se
destacam pelo estoque de terras disponíveis à especulação imobiliária, em que
observamos com mais freqüência a implantação de loteamentos destinados a
diferentes segmentos da sociedade. Por exemplo, no Costa do Sol e no Portal do
Sol, os loteamentos são destinados à população de maior poder aquisitivo,
especialmente para a formação dos condomínios horizontais, como já ocorre neste
último bairro11.
10Conforme já evidenciamos anteriormente, essa média de rendimento é com base no salário mínimo em 2000, o qual era de R$ 151, 00. 11GOMES (2005).
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
96
Voltemos à Mangabeira.
Toda a sua área estende-se sobre uma topografia relativamente plana do
Baixo Planalto Costeiro, o qual era recoberto por uma vegetação composta por
espécies da Mata Atlântica. Atualmente, as pequenas manchas residuais de sua
vegetação original, caracterizadas por um porte arbóreo pequeno, com espécies
variáveis e em processo de degradação, podem ser encontradas nos limites a leste
e nas várzeas do Rio Cuiá, ao sul. De modo geral, predominam as espécies
frutíferas, como cajueiros, mangueiras, jaqueiras e mangabeiras – daí a origem do
nome popular do conjunto.
O clima, como em todo o litoral paraibano, é o tropical quente-úmido,
litorâneo, com forte influência da maritimidade, umidade relativa do ar elevada e
chuvas de outono-inverno. Quanto à hidrografia, destacam-se as microbacias dos
rios Cabelo, na porção nordeste do conjunto; Laranjeiras, a oeste; e Cuiá, ao sul. Os
dois últimos contornam parte do conjunto, servindo como elemento de delimitação
com alguns bairros circunvizinhos.
Conforme já mencionamos, a construção do conjunto teve inicio em 1979 e
até o ano de 1991 foram construídas as oito etapas do Projeto Mangabeira,
predominantemente, sob um padrão de moradia unifamiliar, com casas geminadas,
isoladas e em estilos térreo e duplex, excetuando-se Mangabeira VII, edificada
também com unidades multifamiliares12. As etapas que compõem o Projeto
Mangabeira somam um total de 12.505 domicílios, conforme vimos no quadro 3.1,
apresentado anteriormente.
A primeira etapa, Mangabeira I, é a de maior área, com 110,50 hectares,
equivalentes a pouco mais de 10% da área total de Mangabeira, cuja extensão é de
1.069,60 ha. Originalmente com 3.238 unidades residenciais, essa etapa, distante
do centro principal de João Pessoa, estava separada dos Bancários por um vazio
urbano que, posteriormente, foi preenchido pelo atual bairro Jardim Cidade
Universitária.
Localizada no início do conjunto, Mangabeira I faz limite com a Avenida Hilton
Souto Maior – Perimetral Leste-Oeste, com Mangabeira VII, PROSIND e a Cidade
dos Colibris (Mapa 3.2). Essa localização permite uma maior acessibilidade, por
12Nessa etapa foram construídas 1.962 unidades, 761 são casas e o restante compreende 75 blocos, com 1.200 apartamentos, constituindo a primeira experiência de habitação popular verticalizada na Paraíba.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
97
meio de boa parte das vinte e uma linhas de ônibus que circulam diariamente no
conjunto.
Mapa 3.2 - Localização da etapa do conjunto Mangabeira I em relação ao conjunto Mangabeira – João Pessoa – PB
As etapas que correspondem ao Projeto Mangabeira, com exceção de
Mangabeira VII, são servidas por duas grandes vias principais: a Avenida Josefa
Taveira (Mangabeira direto) e a Avenida Alfredo Ferreira da Rocha (Mangabeira por
dentro), as quais se destacam pelo intenso fluxo de veículos e de pessoas, bem
como pela maior concentração de atividades comerciais e de serviços. A Josefa
Taveira é a via mais extensa, sendo a principal de todo o conjunto, onde predomina
grande parte do comércio e dos serviços locais. É também a via que interliga esse
conjunto a outros bairros, como Valentina Figueiredo, Paratibe e Cuiá.
Mangabeira VII e as demais áreas do conjunto, incluindo Cidade Verde, são
servidas por outras duas vias, igualmente importantes. Essas vias garantem uma
maior acessibilidade à porção leste do conjunto. Estendem-se no sentido Norte-Sul,
comunicando-se com a Perimetral Leste-Oeste, a qual interliga as praias do Litoral
Sul aos bairros da porção sudeste-sudoeste da cidade.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
98
A despeito de sua localização privilegiada, em relação aos demais conjuntos
da porção sudeste e de sua maior visibilidade e valorização na atualidade, a história
desse conjunto nos revela que nos primeiros anos de sua existência as
adversidades foram muitas. No início, após a entrega das casas, Mangabeira “caiu”
em descrédito junto aos moradores, conforme assinala a matéria intitulada
“Descrédito de quem chegou primeiro”, veiculada pelo Jornal Folha de Mangabeira13,
por ocasião do aniversário de 21 anos do conjunto:
Casas entregues e as mudanças não paravam de chegar. Em poucos dias Mangabeira I estava habitada. Os problemas que rodearam a construção permaneciam no mesmo lugar. Isso fazia com que o conjunto se tornasse um local desagradável para se viver. A conseqüência disso não demorou para chegar. Aos poucos as pessoas começaram a abandonar o conjunto e as queixas começaram a encabeçar abaixo-assinados. A falta de pavimentação nas ruas fazia subir a poeira que se harmonizava com a infestação de insetos, tirando o sossego dos moradores. Os mais inquietos venderam suas casas por qualquer valor, inclusive na Josefa Taveira. Não imaginavam que um dia o local seria disputado a centavos pelos grandes estabelecimentos comerciais da cidade. A avenida principal se tornaria em um grande centro comercial, quando tivessem chegado todas as melhorias que, meses após a inauguração começaram a surgir no conjunto. (JORNAL FOLHA DE MANGABEIRA, 14/05/2004).
A fotografia 3.2, do início dos anos de 1980, quando da inauguração do
conjunto, revela as impressões do descrédito apontado no recorte de jornal.
Foto 3.2. Vista panorâmica de Mangabeira, na ocasião da entrega – João Pessoa (PB). Fonte: Silva (2005).
13Jornal comemorativo dos 21 anos de Mangabeira, que circulou como suplemento do Jornal da Paraíba, em 14 de maio de 2004.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
99
Com o passar do tempo, a infra-estrutura e os equipamentos urbanos vão
sendo implantados. O seu solo vai se valorizando e o conjunto como um todo vai se
transformando. Ao longo dos vinte e três anos de existência de sua primeira etapa,
notamos expressivas modificações funcionais nas unidades residenciais em relação
ao seu projeto original, sobretudo aquelas localizadas nas principais vias. Essas
unidades, em sua grande maioria, foram substituídas por estabelecimentos
comerciais, de serviços e em outros equipamentos urbanos.
A título de exemplificação, a tabela 3.2 mostra o atual perfil do uso do solo na
Avenida Josefa Taveira, a qual apresenta um maior número de alterações
funcionais, constituindo-se na avenida mais movimentada e de maior adensamento
do comércio local. Segundo dados levantados por Nóbrega (2002), mais de 80% das
unidades dessa avenida são estabelecimentos comerciais e de serviços, enquanto
que apenas 16,16% mantêm a sua função residencial.
Além dessas mudanças, muitas moradias foram reformadas por seus
proprietários que, de modo planejado ou improvisado, buscaram adequá-las às suas
necessidades e desejos. Assim, em algumas casas, notamos uma “puxadinha aqui”,
a construção de um cômodo a mais, um revestimento diferente, a melhoria da
fachada. Mudanças que sugerem a aspiração de uma moradia mais próxima dos
gostos e necessidades individuais e menos de produção em série, padronizada e
monótona.
Tipos de unidades de equipamentos urbanos
Total de unidades
Percentual (%)
Comércio 213 43,03 Serviços 147 35,15 Indústria de Transformação 13 2,62 Residências 80 16,16 Educação 5 1,01 Religiosas 6 1,21 Lazer 2 0,40 Saúde 1 0,20 Repartição Pública 1 0,20 Total 468 100,0
Tabela 3.2. Percentual dos equipamentos urbanos na Josefa Taveira, Mangabeira, 2002. Fonte: NÓBREGA (2002).
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
100
Dessa forma, gradativamente, Mangabeira vai assumindo novas
configurações urbanas e funcionais, revelando o perfil socioeconômico de seus
moradores, a sua cultura, o seu modo de vida, bem como as suas relações com o
espaço construído. Igualmente, reconhecemos que a concretização de um modelo
“ideal” ou “certo” de moradia é quase sempre aquele que é possível à classe
trabalhadora conquistar com o seu trabalho, e suas condições socioeconômicas14.
Quando pensamos em todo o conjunto, é em Mangabeira I onde encontramos
um grande número de ocupações irregulares. Ocupações que estão presentes nos
seis quarteirões que foram destinados à implantação de equipamentos e serviços
urbanos. Aportando-nos em dados do IBGE, da PMJP e da FAC, podemos constatar
que as três maiores ocupações de Mangabeira I somam 361 domicílios, com
aproximadamente 1.400 moradores, a saber: a Feirinha, o Centro Espírita e o
Balcão. A Feirinha é a maior delas, a qual será mais bem analisada no decorrer
deste capítulo.
33..22.. DDiimmeennssõõeess ee vviissiibbiilliiddaaddee:: uumm ccoonnjjuunnttoo ccoomm ggrraannddeess ccoonnttrraaddiiççõõeess
Conforme vimos, a dimensão populacional de Mangabeira revela-o como o
maior conjunto não só de João Pessoa, mas do Estado da Paraíba, cuja população,
segundo o IBGE (2000), totalizava 67.398 habitantes, representando 11,27% da
população dessa cidade, conforme apresentaremos na tabela 3.3, logo abaixo. No
tocante ao número de residências, esse órgão aponta um total de 17.259 domicílios.
Entretanto, é importante esclarecermos que esse dado corresponde apenas às
unidades com função residencial. Isto porque, no censo demográfico realizado pelo
IBGE, são recenseados apenas os domicílios permanentes (particulares, coletivos e
improvisados), sendo excluídos os estabelecimentos comerciais.
Essa ressalva é importante porque, ao longo desta pesquisa, nos deparamos
com inúmeros dados sobre o contingente populacional de Mangabeira, que, extra-
oficialmente, é estimado em mais de cem mil habitantes. A própria CEHAP, em
2004, fez uma projeção de noventa e sete mil habitantes e mais de dezenove mil
unidades construídas. É certo que os dados apontados pela CEHAP são mais
amplos, pois a mesma considera o total de unidades lá existentes, comerciais ou
14 BONDUKI (1998)
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
101
residenciais. Porém, neste trabalho, damos prioridade à utilização de dados do
IBGE, por seu caráter oficial.
Localidade População Residente (%) Número de domicílios (%)
João Pessoa 597.934 100,00 151.865 100,00
Mangabeira 67.398 11,27 17.259 11,36
Tabela 3.3. População residente e número de domicílios particulares em João Pessoa e Mangabeira – 2000. Fonte: Censo Demográfico – IBGE (2000).
Afora a sua dinâmica socioespacial, que por si confere à Mangabeira o status
de ser “quase uma cidade”, como geralmente é intitulada por seus moradores, as
demandas sociais e os problemas infra-estruturais e ambientais conferem ao
conjunto uma maior visibilidade em relação aos demais bairros de João Pessoa.
Como espaço intra-urbano em expansão, oriundo do processo de periferização da
cidade, há uma contínua convergência populacional para Mangabeira, não cessando
a construção de novas moradias legais ou ilegais, aumentando o seu adensamento.
A dinâmica de seu comércio interno, a partir do seu mercado de consumo,
propicia o incremento da circulação de mercadorias e serviços, bem como a sua
inter-relação com os bairros do seu entorno. Isso nos leva a classificar Mangabeira
como um importante subcentro, o qual à luz da definição de Villaça (2001, p. 293)
corresponde a uma
Réplica em tamanho menor do centro principal, com o qual concorre em parte sem, entretanto, a ele se igualar. [..] A diferença é que o subcentro apresenta tais requisitos [aglomerações diversificadas e equilibradas de comércio e serviços] apenas para uma parte da cidade, e o centro principal cumpre-os para toda a cidade.
Atendendo a esses requisitos e dispondo de serviços como consultórios
médico-odontológicos, hospital, fórum, mercado público, bancos, restaurantes,
supermercados, lojas comerciais, escolas, bares, repartições públicas15 e um distrito
industrial, Mangabeira não só atende a população local como também exerce um
forte poder atrativo sobre os bairros circunvizinhos, onde seus habitantes buscam
suprir suas demandas de consumo mais imediatas. Portanto, enquanto subcentro,
esse conjunto desempenha um papel complementar de centro de atividades em
relação ao centro principal de João Pessoa.
15 Para citar algumas: CEHAP, Centro de Ensino da Polícia Militar, Posto da Prefeitura, Posto do Programa de Saúde da Família (PSF), Companhia de Abastecimento de Água e Esgoto da Paraíba (CAGEPA), dentre outros.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
102
Assim, o conjunto vai sendo delineado como subcentro, em meio à
diversidade e ao equilíbrio na distribuição dos seus equipamentos de comércio e de
serviços, os quais favorecem a convergência contínua de um maior número de
consumidores para o seu comércio, intenso e diário. Como alguns moradores
gostam de exclamar, “Mangabeira é 24 horas, não pára”.
Algumas das empresas nele instaladas são filiais de grandes lojas e serviços,
cujas matrizes estão localizadas nas áreas mais centrais e valorizadas de João
Pessoa, tais como: Unimed, Lojas Maia, Thiago Calçados, Armazém Paraíba,
laboratórios de análises clínicas, como o Maurílio de Almeida, cursos de inglês,
como o CCAA, e postos de gasolina, entre outros. A outra parte corresponde a
pequenos e médios estabelecimentos, sendo que alguns deles são instalados na
própria residência, erguidos de forma espontânea, não atendendo ao zoneamento
do uso do solo estabelecido pelo seu projeto urbanístico original.
Segundo Silva (2005), no projeto original de Mangabeira, 58% de sua área
urbanizada estavam destinados ao uso residencial. Hoje, esse percentual é de 48%.
A área para fins comerciais e de serviços, que era de apenas 1%, passou para 21%,
sendo 13% de uso misto: comercial e residencial.
O uso misto das residências para fins comerciais ou de serviços, formais ou
informais, é bastante comum em Mangabeira, principalmente quando considerarmos
o baixo rendimento dos responsáveis pelo domicílio. Na verdade, representam
estratégias de vida, voltadas à complementação do orçamento familiar.
Constatamos, assim, a presença de pequenos fiteiros, lanchonetes, salões de
beleza, depósitos de bebidas, mercadinhos, sorveterias ou pequenos magazines, os
quais são construídos na frente ou ao lado da casa onde se mora, por meio da
ocupação de um ou mais de seus cômodos.
Assim, como destacou uma pequena comerciante da Feirinha: “nós vivemos
praticamente desta lanchonete. Meu marido está desempregado, eu lavava roupa
prá fora, mas agora não posso mais, sou doente. A gente colocou essa ‘negocinho’
e está dando certo. É daqui que a gente tira o sustento”. (Informação Verbal)16.
Ao perguntarmos se pagava imposto, ela desconversou, disse-nos que o
ponto existe há tempo, mas como a “área aqui é de invasão, a gente fica com medo
de ser retirado, né?” (Informação Verbal)17.
16 Informação concedida por moradora de Mangabeira I, comerciante. Pesquisa Direta, mai 2006.
17Informação concedida por moradora de Mangabeira I, comerciante na Feirinha. Pesquisa Direta, mai 2006.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
103
Como essa senhora destacou em seu depoimento, na maioria das vezes tais
atividades se transformam na principal fonte de renda da família, complementando
ou sobrepondo os salários ou mesmo as aposentadorias dos membros familiares,
situação que Silva (1982, p.87) define como a “inversão da centralidade do trabalho
assalariado, que passa à condição de fonte complementar”. Portanto, representam
formas de sobretrabalho, que, em geral, absorvem o tempo de descanso, o qual
poderia ser utilizado para o lazer, por exemplo. Um tempo que termina por se
transformar numa extensão da jornada de trabalho, dedicado ao próprio
empreendimento. É comum, pois, encontrarmos nesses estabelecimentos um ou
mais membros da família trabalhando, inclusive nos feriados.
Tomando-se como base alguns indicadores socioeconômicos desse conjunto,
podemos constatar melhor as suas dimensões e visibilidades, sinalizadas como
componentes de análise desse capítulo. Segundo dados do IBGE (2000), a quase
totalidade dos domicílios de Mangabeira dispõe de banheiros ou sanitários e 80,97%
são servidos pela rede geral de esgotamento sanitário, os demais possuem fossa
séptica ou rudimentar.
A coleta de lixo direta, realizada pelo serviço público de limpeza urbana,
abrange quase cem por cento dos domicílios. Apenas nas ocupações irregulares,
onde não é possível o acesso do caminhão de lixo, essa coleta é feita por meio de
caçambas instaladas nas suas proximidades. De modo geral, são indicadores
bastante satisfatórios, que estão acima da média verificável em João Pessoa,
inclusive de alguns bairros de classe média.
Entretanto, apesar de expressivo, esses indicadores não isentam Mangabeira
da condição de conjunto popular e periférico, cuja concentração de trabalhadores de
baixa renda até parece contradizer as condições socioambientais favoráveis,
apresentadas acima. Isso porque os indicadores relativos ao perfil socioeconômico
dos responsáveis pelo domicílio revelam o reverso das dimensões e visibilidades
espaciais desse conjunto. Senão, vejamos.
De um total de 17.259 responsáveis por domicílios, 93,1% são alfabetizados,
sendo que 74,4% cursaram até dez anos de estudo, o que representa a não
conclusão do ensino médio. Do universo de habitantes inscritos nesse perfil, quase
cinqüenta por cento têm rendimento médio de até dois salários mínimos. Esses
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
104
dados revelam a baixa qualificação profissional de grande parte dos habitantes de
Mangabeira, os quais, presumimos, passarão a compor uma massa de mão-de-obra
barata, submetida à exploração da força de trabalho e ao subemprego temporário.
Acentuando a gravidade dessa situação, quando consideramos o rendimento
médio dos responsáveis pelo domicílio de até cinco salários mínimos, bem como
aqueles sem rendimento mensal, esse percentual atinge 84% do total absoluto,
conforme podemos apreciar na tabela 3.4. Entre os que recebem rendimentos,
42,2% ganham até dois salários, o que representa uma renda insuficiente para
garantir, de forma satisfatória, a subsistência de uma família.
Classes de rendimento nominal, segundo o número de salário mínimo Total de
domicílios
Até 1/2 %
Entre 1/2 a
1 % Entre
1 a 2 % Entre 2 a 5 %
Entre 5 a 10
% Entre 10 a 20
% Entre 20 %
Sem Rendi-mento
%
17.259 124 0,7 2.810 16 4.356 25 6.095 35 2.273 13 435 2,5 59 0,4 1.107 6,4
Tabela 3.4 - Rendimento nominal do responsável pelo domicílio em Mangabeira – João Pessoa/Paraíba Fonte: IBGE - Censo Demográfico – 2000
Sobrepondo esses dados à condição de ocupação dos seus domicílios,
constatamos que mais de 75% deles são próprios, porém, até o ano 2000, mais da
metade ainda não estavam quitados18. Mediante as circunstâncias orçamentárias
dos responsáveis pelo domicílio, não é difícil atestarmos a condição da
insolvabilidade de parte dos moradores-mutuários, que, impossibilitados de arcar
com as prestações fixadas pela CEHAP, submergem num processo de
inadimplência quase irreversível. Especialmente quando verificamos que, em pouco
mais de 20% dos domicílios, os seus responsáveis ganham até um salário mínimo
ou mesmo não têm rendimento.
Contudo, salientamos que o alto índice de inadimplência é uma realidade
presente nos demais sistemas de financiamento de habitação no Brasil. Fato que
evidencia a ineficácia dos programas de habitação popular, dos quais é excluída uma
grande parcela de trabalhadores assalariados e não assalariados, que não tem como
18 O Governo do Estado anunciou este ano que os mutuários de Mangabeira e outros conjuntos de João Pessoa e da Paraíba, em débito com a CEHAP, terão assegurado o Termo de Liberação de Hipoteca de imóveis, sendo beneficiados com a quitação do saldo devedor, através do programa “A casa é sua”. Disponível em http://www.paraiba.pb.gov.br/noticias/noticia_secom.jsp?canal=20¬icia=11588). Acesso em jun 2006.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
105
declarar seus rendimentos ou mesmo não tem condições de adesão a esses
programas, por não apresentar rendimento suficiente19.
Hardoy e Satterthwaite (1987) compartilham dessa mesma concepção,
asseverando-nos que poucas famílias pobres têm acesso às moradias
convencionais construídas pelo Estado, até porque não há como se comprovar uma
renda quando se vive de subempregos, em atividades informais. Portanto, sem
alternativas “legais”,
Para tener un techo sobre sus cabezas, los pobres urbanos geralmente construyen sus propias viviendas con la ayuda de familiares y amigos. Pero sólo consiguen un terreno para sus viviendas cuando invaden tierras públicas o privadas, o cuando compran un terreno en subdivisiones ilegais, porque los terrenos para viviendas legales son demasiado caros y también lo es construir de acuerdo con las normas edilicias vigentes. (HARDOY E SATTERTHWAITE,1987, p. 25).
Concomitantemente à condição de defasagem salarial e à exclusão nos
programas de habitação popular, essas famílias, cada vez mais empobrecidas,
tendem a recorrer aos movimentos de ocupações irregulares, aumentando o
processo de favelização. Em João Pessoa, esses movimentos tiveram início mais
efetivamente a partir do final dos anos de 1970 e início dos anos de 1980, momento
em que ocorre um grande aumento do número de favelas na cidade, passando de
16, em 1970, para 31, em 1980 e 41 favelas, em 1982, segundo Rabay (1992).
Como admite Kowarick (1993, p. 94), mediante a espoliação urbana, a favela
representa “um expediente necessário para sobreviver na cidade, e muitas vezes, o
resultado de uma trajetória onde já houve melhores níveis de vida”. Admitimos que
isso seja verdadeiro, pois as injunções socioeconômicas impelem os indivíduos,
involuntariamente, para as favelas. Tal como nos afirmou uma moradora da Feirinha:
“não moro aqui porque gosto, quem gosta de viver numa situação de pobreza como
a senhora está vendo aí, nesse barraco? Eu só moro aqui porque não se tem pra
onde ir”(Informação Verbal)20.
Esse depoimento é revelador dessa imposição socioeconômica, pois o desejo
é sempre de sair, de mudar para uma casa melhor, de viver uma condição mais
confortável, mais digna. Essa senhora nos apontou outras dificuldades impeditivas
de uma possível mudança: para onde ir e como viver fora da ocupação? Não
19BONDUKI (200); MARICATO (2001); VALLADARES (1982). 20 Informação concedida por moradora da Feirinha. Pesquisa Direta, jul, 2005.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
106
apresentando condições de pagar o aluguel de uma casa, tampouco de arcar com
as despesas domésticas básicas (energia e água), a ocupação se constitui como
uma alternativa possível.
Em meio ao escasso orçamento do trabalhador assalariado, não raro, mesmo
as moradias construídas por intermédio dos programas habitacionais de “interesse
social” tornam-se inviáveis a uma grande parcela da sociedade. Sem falarmos aqui
daqueles que não têm rendimento regular. Para esses segmentos, impostos como o
IPTU e as taxas de serviços de abastecimento de água e de energia compõem um
quadro de despesas não solváveis. Assim, na favela, no mais das vezes, esses
serviços são acessíveis por meio alternativas ilegais, por meio de “gatos”21 de
energia e de ligações clandestinas de água.
Na ocupação da Feirinha, essa realidade é uma constante. A cada dia chega
gente em busca de um barraco, cuja justificativa é uma só: “não tenho como pagar
um aluguel, nem tampouco para comprar uma casa, por isso vim morar aqui com
minha família, eu faço uns bicos e minha esposa faz faxina nas casas por perto”
(Informação verbal)22. Dessa forma, o que está posto é a permanente luta pelo
direito à cidade, à moradia e ao trabalho, mesmo de forma ilegal e não cidadã.
Podemos afirmar, então, que a crise da moradia, associada ao achatamento
salarial de amplas parcelas de trabalhadores, constitui um mecanismo favorável a
estratégias de dominação engendradas pelo poder público. Afinal, ao não
demonstrar um interesse efetivo em solucionar essa crise, o poder público alimenta
relações clientelistas, conforme já apontamos.
Além disso, é também verdade que para o capital privado muito interessa a
permanência da crise habitacional, já que esse universo de trabalhadores carentes
de moradia constitui um contingente de mão-de-obra barata, necessária à
acumulação capitalista. Como assevera Peruzzo (1984, p. 116-117),
Ao capital interessa que o mutuário use de seu Fundo de Garantia, pois desta maneira lhe paga um salário menor, pois ele contará com outro meio (o FGTS) para reprodução da força de trabalho, e, mais, pelo fato de o mutuário não poder ficar desempregado, submetendo-se ao capital, em relação tanto ao montante do salário como às condições de trabalho.
21 Denominação usual atribuída às ligações clandestinas de energia elétrica pela população local, como também pelas companhias de eletrificação. 22Informação concedida por Seu José, morador da Feirinha. Pesquisa Direta, jul, 2005.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
107
Portanto, a moradia não quitada é uma forma de submeter o morador-
mutuário à condição de extrema exploração do trabalho, até porque para ele a
moradia é elemento imprescindível à reprodução de sua força de trabalho.
Somando-se a isso, o fato de compor uma reserva de mão-de-obra essencialmente
desqualificada o sujeita, ainda mais, a todo tipo de subemprego informal e mal
remunerado, agravando a sua condição de penúria e de espoliação urbana.
Ademais, a maior privatização e a mercantilização do solo urbano e da
moradia, cujo valor se define pela lógica do mercado financeiro, têm ampliado essa
espoliação e, conseqüentemente, a oferta de loteamentos clandestinos e a
ocorrência de ocupações irregulares e ou “invasões” nas áreas mais periféricas das
cidades brasileiras23. Por conseguinte, esses mecanismos, juntamente com a
autoconstrução, têm se revelado como único meio possível de acesso à casa própria
para uma grande parcela da sociedade de baixa renda e sem rendimento.
Em Mangabeira, essas ocupações são freqüentes, daí porque o conjunto,
como um todo, não dispõe de praças ou áreas verdes para o lazer de seus
moradores, tal como previa o seu projeto inicial. Nos espaços destinados a este fim,
instalaram-se as favelas – enclaves autoconstruídos, marcados pela exclusão,
segregação e injustiça social, os quais serão objetos da discussão doravante.
33..33 AAss ooccuuppaaççõõeess iirrrreegguullaarreess:: lluuttaa ee rreessiissttêênncciiaa ppeelloo ddiirreeiittoo àà mmoorraaddiiaa
Anteriormente, sentimos a necessidade de esclarecer a opção pela
designação Conjunto Mangabeira e não bairro de Mangabeira. Pois bem, parece-
nos importante também fazermos o mesmo para os termos invasão e ocupação.
Considerando-se a literatura científica sobre essa problemática urbana no Brasil,
vamos encontrar com maior freqüência o uso do termo invasão, sobretudo até os
anos de 1980. Atualmente, notamos que esse termo vem sendo repensado,
substituído pelo termo ocupação, especialmente quando ocorre em terreno público.
Segundo o Dicionário Aurélio (1999) o termo “invasão”, arraigado na cultura
popular brasileira, significa “local ocupado ilegalmente por habitações populares”.
Essa concepção, de modo geral, é a mais comum na compreensão do cidadão, o
qual, à luz do senso comum, concebe a invasão como um ato hostil, fruto da força
23MARICATO (1982); PAVIANNI (1989); KOWARICK (1993); SOUZA (2001).
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
108
física para se apossar de algo que não lhe pertence. Dessa forma, para a opinião
pública, a invasão quase sempre é vista como um ato de violação do direito à
propriedade, mesmo que o propósito seja a luta pela moradia.
Em nossas conversas com os moradores do conjunto, especialmente da
Feirinha, percebemos que recaem sobre eles três estigmas: ser pobre; ser da
periferia; ser “invasor”. Amiúde, ouvimos: “é morador na invasão”; “é da invasão”;
“essa área foi invadida” ou então “eu moro na invasão”.24 Tomando-se como base
essas falas, seria possível usarmos o termo invasão para tratarmos das áreas de
favelas em Mangabeira. Entretanto, optamos por denominá-las de ocupação, que
significa “ato de ocupar, ou de se apoderar de algo; posse” (Dicionário Aurélio,
1999), onde ocupar quer dizer “tomar posse de; conquistar o direito de” (Dicionário
Aurélio, 1999). Assim, coadunamo-nos com a visão dos movimentos de luta pela
moradia.
Sob o ponto de vista jurídico, considerando-se a propriedade da terra, ambos
os termos estão relacionados a uma questão central: o caráter da ilegalidade, pois o
que ocorre é a posse indevida do terreno ou da edificação, privada ou pública, sem
que haja um acordo prévio de concessão de uso, deliberada pelo proprietário. Nessa
perspectiva, a escolha de um ou do outro termo seria irrelevante. No entanto, à luz
dos depoimentos de líderes de associações comunitárias e de movimentos de luta
pela moradia, percebemos que há um consenso quanto ao termo ocupação.
Ao ser indagado sobre a diferença entre ocupação e invasão, Roberto
Guilherme, representante do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), em
João Pessoa, deixou claro que o termo ocupação é mais adequado, pois a mesma
ocorre em áreas desocupadas, ociosas, conforme ressaltou:
Para a gente, a invasão existe também. Agora, por exemplo, pra gente, nós não trabalhamos com invasão, nós trabalhamos com ocupação. Agora, qual a diferença de invasão pra ocupação? Primeiro: é o seguinte, você tem um terreno, está lá, certo? Você nunca usou esse terreno, então ele está ocioso. Segundo: o estatuto da cidade diz que toda terra tem que ter utilidade, tem que ter construção. E aí o movimento ocupa aquele terreno e faz com que, a partir daquele momento, ele tenha a sua própria utilidade [...]. Porque o que é que acontece, [...] no Brasil e no mundo existe muito especulador. Tem donos de terras aí que nunca pagaram um centavo à prefeitura, outros que só pagaram a metade e as terras estão aí ociosas e o povo morando em situações terríveis, então porque não ocupar os terrenos? (Informação verbal)25.
24 Informações verbais concedidas durante Pesquisa Direta, nov 2005. 25 Informações concedidas por Roberto Guilherme, representante do MNLM. Pesquisa Direta, mar 2006.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
109
Sob essa concepção, a razão da ocupação aparece revestida de uma
legitimidade social muito forte, cujo objetivo é a conquista da moradia para aqueles
sem teto ou que estão em situação de risco, morando em área inundáveis, encostas,
próximos a tubulação de gás. Uma legitimidade que também apela à função social
da terra urbana, a partir de seu uso, destinado-a a moradia. Nesse sentido, o termo
ocupação reveste-se de um apelo mais aceitável, denotando um caráter menos
agressivo, que aquele sugerido pela palavra invasão. Daí, certamente, a escolha
pela sua utilização.
Historicamente, os movimentos de ocupação irregular são antigos, têm uma
longa história. A despeito de, hoje em dia, estarem associados aos países
subdesenvolvidos, esses movimentos tiveram início nos países desenvolvidos, no
século XIX, notadamente na Inglaterra, em Londres, como protestos populares
contra os parques construídos nessa cidade, segundo Gohn (1991)26. Essa autora,
ao discutir a origem das chamadas “invasões”27, faz uma associação aos mods
ingleses – multidões revoltadas, desempregadas e sem moradia, que iniciaram
sucessivas “invasões” aos parques londrinos.
Delineadas como ações espontâneas e desordenadas, essas “invasões”,
foram desencadeadas em momentos de “crise do sistema econômico, da
desagregação do tecido social, de crise da hegemonia do poder e de desarticulação
do movimento popular” (GOHN, 1991, p.71). “Invasões” que revelaram a insurgência
da população contra as condições de sua exploração e pauperização.
No Brasil, os movimentos de ocupações surgiram atrelados à organização e à
intensificação dos movimentos sociais populares, especialmente a partir do final da
década de 1970. Até então, ainda, segundo Gohn (1991), predominavam as lutas
isoladas por água, luz, transportes ou saneamento, a partir das quais irão surgir
diferentes associações populares. Nos anos 1980, essas lutas deram origem aos
movimentos sociais organizados, com apoio dos partidos de esquerda, de
segmentos liberais da sociedade civil e de setores da igreja, a exemplo das
comissões pastorais.
26 A autora se refere em especial ao parque Hyde Park, em Londres, o qual surgiu “como símbolo de uma nova camada social economicamente ascendente, que procurava, entre outras coisas, recriar, através do paisagismo, um novo visual para a cidade pestilenta e desumana que era Londres” (GOHN, 1991, p.71). 27 O uso do termo “invasão” ou “invasões”, entre aspas, é para manter a fidelidade da forma de escrever da referida autora.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
110
A eclosão desses movimentos foi um reflexo da conjuntura político-econômica
vigente naquela década: fim do regime militar; maior inserção do capital estrangeiro
no país; instabilidade econômica e agravamento das condições de empobrecimento
dos trabalhadores assalariados. Vivia-se, no país, uma situação de crise e de
incertezas socioeconômicas e políticas, propícias à emergência e fortalecimento dos
movimentos sociais28.
Com o agravamento da crise da moradia nos anos de 1980, massificaram-se
as ocupações de áreas urbanas que, organizadas por entidades civis ou a partir de
ações espontâneas, passaram a ocorrer, predominantemente, em áreas públicas,
próximas às grandes avenidas e em áreas de risco29. Todavia, na atualidade, com a
maior participação popular e o trabalho de base das entidades junto às associações
comunitárias, as ocupações são mais planejadas. Remetendo-nos, novamente, à
fala de Roberto Guilherme, do MNLM, destacamos:
[...] O movimento não quer mais ocupar a favela não, nem beiras de mangue, de marés. Tem que ocupar o centro da cidade, tem que ir pra praia. Chega de dizer que porque é pobre tem que morar em lugar ruim, em barreiras. Pobre também pode morar em lugar bom. Porque a própria Constituição diz que nós somos iguais perante a justiça. [...] Por exemplo, quando a gente vai fazer uma ocupação não se faz de uma hora pra outra, passa uns 6 meses, no mínimo, passa 4 meses se organizando. A gente vai fazer o estudo da terra, vai olhar onde é que é, vai fazer toda aquela analise com a família, pra saber se ela pode ou não pode participar [...]. (Informação verbal)30.
Por conseguinte, como ressalta Gohn (1991), as “invasões” urbanas nos
padrões atuais ganharam novas formas e novos atores, com ações mais
coordenadas, comumente ocorrendo em áreas desocupadas, à espera de
valorização ou como estoque de terras públicas. Para a autora, sob esse novo
formato, após a ocupação de uma área, os lotes são demarcados e imediatamente
erguem-se as casas de alvenaria. Em geral, essa forma de ação é apoiada por
28Aportando-nos ainda em GOHN (1991), é importante ressaltarmos que no final dos anos 1980, os movimentos sociais, mediante a nova conjuntura política, passam por uma crise de identidade, especialmente quando alguns agentes e atores dos movimentos sociais assumem a gerência de secretarias e órgãos públicos. Confundia-se muitas vezes ‘ser governo’ e ‘ser movimento’. 29“Áreas de vulnerabilidade físico-natural com riscos na quebra de equilíbrio de ecossistemas significativos e diferentes níveis de comprometimento na qualidade e sustentabilidade da vida humana e, ainda, diante às diversidades de escala de influencia dos seus impactos” (FAC, 2002, p.33, grifo do autor). Essas áreas estão localizadas, por exemplo, em fundos e encostas de vales; em estuários e manguezais; próximas às falésias, dutos e vias; e, embaixo das linhas de alta tensão. 30Informações concedidas por Roberto Guilherme, representante do MNLM. Pesquisa direta, mar 2006.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
111
lideranças políticas vinculadas a partidos de oposição, assumindo o papel de
mediadores dos interesses dos ocupantes.
Rodrigues (2003), ao discutir as ocupações irregulares, reafirma que elas
ocorrem pelas mobilizações prévias, realizadas em bloco, em um mesmo dia para
todos, refletindo a transformação de uma necessidade individual em necessidade
coletiva, fortalecendo as futuras reivindicações por infra-estrutura básica, junto ao
poder público. Daí o interesse das lideranças políticas em atuar junto aos
movimentos de luta pela moradia, pois a conquista da moradia é só o primeiro
momento dessa luta, vindo depois as demandas por transportes, saneamento, água,
postos de saúde, escolas, creches. É no decorrer desse processo que essas
lideranças projetam a sua influência política junto a esses movimentos e às
comunidades formadas.
Para essa autora, as ocupações surgem da “necessidade de onde e do como
morar” (ROCRIGUES, 1991, p.40, grifo da autora), evidenciando a moradia como
componente essencial à reprodução da força de trabalho e, por conseguinte, como
uma condição básica de sobrevivência. Morar é preciso e “não é fraccionável, não
se pode morar um dia e no outro não morar”, adverte-nos Rodrigues (2003, p. 14).
Como a terra urbana e a moradia são mercadorias, as quais têm preços e nem todos
podem pagar, o ato de ocupar e de autoconstruir sua moradia passa a ser uma
alternativa para aqueles que não têm onde morar.
Em João Pessoa, segundo Rabay (1992, p. 79), os movimentos urbanos de
luta e resistência pela moradia têm início com as organizações de moradores, a
partir da década de 1970, e com a intensificação do processo de favelização.
Segundo a autora, O quadro de insatisfação popular com a política urbana implantada em João Pessoa, somado a conjuntura política e econômica do final dos anos 70, fez emergir no cenário político da cidade, conflitos acirrados em torno da produção, apropriação e gestão urbana, principalmente nos últimos anos da década de 70 e nos três primeiros da de 80.
Ainda de acordo com Rabay (1992, p. 4), é, nesse contexto, que eclode com
maior força as articulações de uma série de movimentos “contra o aumento do custo
de vida; contra algumas obras do governo que implicavam remoção de população de
certas áreas; movimentos por melhorias habitacionais, em favelas; reivindicações
por infra-estrutura”, [tornando a cidade uma] “arena da luta urbana”.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
112
Em meio a esses movimentos, formaram-se aqueles cuja finalidade era
orientar as ocupações coletivas e/ou garantir a permanência dos moradores nos
locais já ocupados. Com a redemocratização política, em meados dos anos de 1980,
esses movimentos se fortalecem e se intensificam, tornando-se mais resistentes,
organizados e sistematizados, tal como essa estudiosa também ressalta.
O surgimento de Mangabeira coincide com o momento em que esses
movimentos estavam em efervescência na cidade. Assim, temos relatos que
apontam que as ocupações, nesse conjunto, começaram pouco antes de sua
inauguração. E, já no final da década de 1990, as inúmeras ocupações irregulares
assentadas nas áreas públicas, nas quais deveriam ter sido implantadas praças e
equipamentos comunitários de lazer, particularizavam a morfologia urbana desse
conjunto.
Conforme frisou um agente comunitário, residente há doze anos nesse
conjunto: Mangabeira estava em evidência, o conjunto tava crescendo rápido demais, o comércio se estruturando, e as pessoas começaram a ver Mangabeira como uma possibilidade de trabalhar, de morar. O povo que chegava do interior vinha para cá. De repente quando menos se esperava as áreas públicas estavam sendo ocupadas, não tinha quem controlasse as invasões e depois de invadir era mais difícil de retirar, havia e há muita resistência. [...] Quanto mais a CEHAP construía casas mais gente aparecia precisando [...]. (Informação verbal)31
Nessas ocupações, seus moradores vivem, trabalham e, cotidianamente,
resistem à condição de “favelados”, “invasores” e “desordeiros”. Excluídos do direito
à moradia digna, vivem “escondidos”, segregados em verdadeiros “enclaves” de
favelas, conforme destacaremos no subcapítulo seguinte.
33..44 OOccuuppaaççõõeess iirrrreegguullaarreess eemm MMaannggaabbeeiirraa:: ddaass pprraaççaass àà ffoorrmmaaççããoo ddooss
‘‘eennccllaavveess’’ ddee ffaavveellaass Na primeira seção deste subcapítulo realizaremos uma breve reflexão acerca
das propostas do projeto urbanístico de Mangabeira para as áreas públicas, as
quais, hoje, se encontram ocupadas irregularmente com moradias e
estabelecimentos comerciais. Contudo, não entraremos no mérito das questões
31Informação concedida por agente comunitário e morador de Mangabeira. Pesquisa Direta, nov 2005.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
113
técnicas, já amplamente estudadas pelos arquitetos e urbanistas. Buscaremos, pois,
entender o porquê da inação do poder público e da CEHAP na ocasião das
ocupações dessas áreas. Postura esta assumida no decorrer dos vinte e três anos
de existência do conjunto, uma vez que as ocupações mais antigas datam de sua
inauguração.
33..44..11 AAss pprraaççaass ddee MMaannggaabbeeiirraa:: ddoo eessppaaççoo ddee llaazzeerr aaoo eessppaaççoo ddaa mmoorraaddiiaa
De acordo com o projeto urbanístico de Mangabeira, elaborado pela CEHAP,
os quarteirões onde estão localizadas as ocupações irregulares destinavam-se à
implantação de unidades de vizinhança. Essas áreas, segundo Silva (2005, p. 60),
“deveriam ser compostas por unidades habitacionais, equipamentos de comércio e
serviço, pontos de ônibus, praças (áreas verdes) e por equipamentos comunitários e
associação de moradores”. Idealizadas sob uma perspectiva do urbanismo moderno,
seriam a “alma” desse conjunto.
No início do século XX, as unidades de vizinhança constituíram verdadeiros
paradigmas do urbanismo moderno, sendo amplamente utilizadas como princípio
básico da organização de novas cidades norte-americanas e européias.
Posteriormente, espalharam-se por outros continentes como símbolo de
modernidade e funcionalidade, chegando ao Brasil no Pós-Segunda Guerra Mundial.
Assim, projetadas sob um padrão funcional, apresentariam os seus equipamentos
básicos distribuídos de forma ordenada, onde “a escola e outras instituições
deveriam estar no centro da unidade e o comércio na periferia, de preferência nos
cruzamentos de artérias”, como descreveu Costa (2001, p.11).
O projeto elaborado para Mangabeira vai ao encontro dessa proposta. No
entanto, o uso das unidades de vizinhança, nesse conjunto, se distancia do que fora
o inicialmente idealizado. Nesse uso, emergem as suas imensas contradições. Aliás,
como também assinala Silva (2005, p.60), é justamente “nos seus centros que se
verificam as maiores alterações realizadas pelos moradores [...] modificando, de
forma radical, a morfologia da proposta”.
Admitimos que, com o passar do tempo, algumas mudanças no projeto
original sejam inevitáveis e necessárias à adequação das demandas sociais dos
moradores. Porém, nessas unidades, as ocupações irregulares não só
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
114
transformaram o conjunto sob o ponto de vista urbanístico, como vêm contribuindo
para agravar os impactos socioespaciais e a condição de desigualdade e
segregação socioeconômica de seus moradores.
Ao analisar as transformações do uso do solo em Mangabeira, Silva (2005)
atenta para o fato de não ter havido uma fiscalização mais rigorosa, especialmente
por parte da CEHAP, no processo de implantação dos equipamentos coletivos
nessas unidades. Por exemplo, quanto à construção das escolas, equipamento
básico dessas unidades, Silva (2005, p. 60) questiona “o porquê de os acessos das
escolas não terem sido locados de uma forma que a fachada principal desse para as
praças”.
Com efeito, as escolas e as creches existentes nas unidades de vizinhança
apresentam a entrada principal voltada para a rua e todas elas têm as suas áreas
muradas, isolando-as do restante do quarteirão. Como reconhece esse estudioso, se
tivesse havido a execução correta do projeto urbanístico, talvez as ocupações
irregulares tivessem sido inibidas ou coibidas, pois, defronte às escolas e/ou às
creches, seriam criados espaços de recreação e lazer voltados à melhoria da
qualidade socioambiental do conjunto, cujos moradores se ressentem da falta de
mais praças e áreas verdes.
As ocupações irregulares de Mangabeira foram se constituindo em meio à
efervescência dos movimentos de luta pela moradia. Entretanto, consideramos que
a expansão das mesmas também está relacionada às falhas de execução do projeto
desse conjunto, somada, ainda, à omissão do poder público e da CEHAP, como já
ressaltamos. Os seus desdobramentos estão impressos na paisagem de
Mangabeira: a depreciação das moradias; a deterioração dos equipamentos
comunitários; a poluição ambiental; a ausência de áreas verdes; e, por fim, a
insuficiência de espaços de lazer, problemas que se acumulam com o passar do
tempo.
Assim, formado por uma densa e imensa massa edificada que corresponde a
80% de sua área total, Mangabeira quase não tem áreas verdes. O pouco verde
existente encontra-se distribuído no entorno das microbacias, em suas “extremas”, a
leste e ao sul, nos limites com o Costa do Sol e o Valentina, respectivamente.
Quanto às praças, o projeto urbanístico original previa uma área de 5% sobre o total
da área urbanizada. No entanto, esses equipamentos, hoje, estão restritos a 1%
desse total.
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115
Daí porque, em todo o conjunto, encontramos apenas duas áreas com praças
instaladas. A Praça do Coqueiral, de arborização e jardinagem rarefeitas, cujos
equipamentos de lazer são poucos: uma quadra de vôlei e outra de futebol, assim
revelada na fotografia 3.3. A praça abriga, ainda, a sede do 3º Distrito Sanitário de
Mangabeira, uma Associação de Alcoólicos Anônimos (AAA) e um pequeno
quiosque. A do Cristo Rei, localizada na Josefa Taveira, abriga uma igreja, o fórum
e um conjunto de quiosques, compostos essencialmente de bares, freqüentados
pelos jovens que buscam o “agito das noitadas”, o encontro com o outro, o flerte.
Áreas iguais a essas são raridades no conjunto. Portanto, a despeito das
demandas sociais mais emergenciais, a exemplo de postos de saúde, postos
policiais, escolas, creches, é bastante razoável percebermos que as praças e outros
equipamentos de lazer estão inscritos no quadro de demandas anunciadas pelos
seus moradores. Uma necessidade posta, em especial, pelas famílias que têm
crianças entre os seus integrantes e pelos jovens, universo etário correspondente a
quase 40% da população de Mangabeira, segundo o IBGE (2000).
De modo inquestionável, as praças disponibilizariam aos moradores do
conjunto uma maior possibilidade de sociabilidade, de lazer e de recreação.
Conforme presenciamos na Praça do Coqueiral, o ponto de encontro nos fins de
tarde é marcado por práticas lúdicas e recreativas, onde crianças correm, pedalam;
idosos e jovens caminham; outros namoram; outros jogam vôlei, futebol,
congregando moradores de diferentes lugares do conjunto.
Foto 3.3 – A Praça do Coqueiral, em Mangabeira I. Foto: Luciana Araújo, 2004.
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116
Além desses equipamentos, os moradores contam com alguns ginásios de
esportes, os quais são bem freqüentados pelos jovens do conjunto e de outros
bairros circunvizinhos. A implantação desse tipo de equipamento representa para os
moradores uma conquista, obtida após anos de reivindicações e apelos junto à
prefeitura da cidade. Para isso, os moradores contam com a intermediação das
associações comunitárias, as quais fazem a interlocução entre os moradores e o
poder público.
O mais recente ginásio construído no conjunto, a quadra poli-esportiva de
Mangabeira VII, é marcado por uma história emblemática, pois representa não
somente a conquista desse equipamento comunitário, mas também a conquista do
próprio espaço no qual ele se encontra. Trata-se de uma área que por várias vezes,
nos anos de 1990, sofreu incursões isoladas e/ou coletivas de sem teto, para a
construção de moradias. Uma dessas incursões ocorreu em 1996, de forma
coletiva, mas logo depois de alguns dias foi desarticulada pelo poder público, por
meio de instrumentos jurídicos, como a ação de despejo dos ocupantes e a
reintegração de posse do terreno à CEHAP.
Nesse período, como moradora de Mangabeira VII, acompanhamos mais de
perto essa ocupação. A ação teve início logo pela manhã, com a chegada de um
grupo de pessoas organizadas, transportando poucos objetos, como fogão,
geladeira e mesas. Apossando-se da área, muito rapidamente demarcaram e
distribuíram os lotes entre os ocupantes. À noite, em sistema de mutirão,
começaram a erguer casas de alvenaria. Pela manhã, outras pessoas chegaram,
carregando os seus pertences, ocupando o que viriam a ser as suas casas, ainda
sem telhado, portas ou janelas.
O trabalho continuou arduamente durante toda a tarde e noite, sob o olhar
dos moradores da circunvizinhança e dos policiais, que aguardavam a ordem de
despejo para dar início à desocupação e à demolição das casas. Após quatro ou
cinco dias, numa operação “relâmpago”, 150 homens32 da Polícia Militar, juntamente
com o batalhão de choque, entraram em ação: as casas foram destruídas, o terreno
foi desocupado, limpo e reintegrado à CEHAP. A figura 3.4, seguinte, revela um
pouco das etapas desse processo de ocupação em Mangabeira VII.
32Noticiado no Jornal O Norte, do dia 22 de Maio de 1996, sob a manchete: “SEM-TETO SÃO RETIRADOS DE TERRENO: operação foi executada por cerca de 150 homens da Polícia Militar, incluindo Batalhão de Choque”.
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É verdade que naquela ocasião houve uma pressão por parte dos moradores
“dos apartamentos” (Mangabeira VII) sobre a CEHAP e o poder público, cobrando-
lhes uma posição acerca da desocupação daquela área. Como essa etapa havia
sido entregue há pouco tempo, em 1991, para os seus moradores, a ocupação da
área representava a formação de mais uma favela, o que provocaria uma
desvalorização dos imóveis ali localizados.
Àquele momento, já percebíamos que havia uma saturação física e
populacional em algumas ocupações irregulares em Mangabeira, demandando, pois,
a organização de novas tentativas para tal. Além desse adensamento, os poucos
lotes não construídos dentro das favelas passaram a ser comercializados, fato que
também justificava essas incursões nas áreas públicas ainda vazias.
Nesse contexto, foi impulsionada a organização da Associação Comunitária
de Mangabeira VII, a qual passaria a reivindicar a implantação de equipamentos
comunitários no local desocupado, bem como o funcionamento da Escola Municipal
João Gadelha, ali instalada, evitando-se, pois, a ocupação do prédio, como ocorrera
no Colégio Invadido (Escola Invadida), em Mangabeira VI.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
118
Figura 3.4. Processo de ocupação irregular em área pública, Mangabeira VII, maio de 1996. Fotos: Luciana Araújo, 1996.
Com a área reintegrada, só alguns anos depois foi dado início às obras da
construção da quadra poli-esportiva (Fotografia 3.4), noticiada no folhetim de
circulação local como “um presente” da prefeitura para Mangabeira: “O ginásio foi
um presente que o prefeito Cícero Lucena prometeu dar a Mangabeira pela
passagem do décimo sexto aniversário do conjunto” (JORNAL FOLHA DE
MANGABEIRA, 1/06 a 1/07 de 1999).
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
119
Foto 3.4 – Quadra poli-esportiva construída após a remoção da ocupação irregular em Mangabeira VII. Foto: Auseni Araújo, jul 2006.
À luz dessa compreensão, para os moradores de Mangabeira a obra passou
a ser vista muito mais como uma benesse do prefeito do que como a conquista de
uma reivindicação popular, há seis anos apelada junto ao poder público. As ações
de caráter clientelista, tal como a noticiada acima, são práticas comuns,
especialmente quando se constitui como um “reduto” de mais de quarenta mil
eleitores33, disputado por diferentes grupos político-partidários da cidade.
Gradativamente, Mangabeira tornou-se o conjunto mais populoso e também o
de maior visibilidade na cidade, particularizado não apenas por suas dimensões,
mas, também, pelas ocupações irregulares nele existentes. Em 1998, segundo o
folhetim citado, essas ocupações distribuíam-se por 22 áreas. Hoje, esse número
está estimado, extra-oficialmente, em 34, segundo o presidente da Associação
Comunitária dos Moradores de Mangabeira (ACCMM), Eldézio Cruz, o qual
reconhece que A reordenação do bairro realmente é um trabalho difícil e complicado, mas acreditamos que através da negociação é possível chegar lá. Nossa proposta é a urbanização das favelas e a relocação do pessoal para outras áreas, cabendo à Prefeitura a responsabilidade de construir as moradias (FOLHA DE MANGABEIRA, 01 a 15 de setembro de 1998, p.7).
33 Jornal Correio da Paraíba, 14 de maio de 2004.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
120
A despeito de sabermos que esse veículo de informação sempre esteve,
oportunamente, atrelado a grupos políticos atuantes no conjunto, motivados por
interesses os mais diversos, declarações como essas são pertinentes. As
ocupações irregulares comportam uma complexidade que extrapola o âmbito
jurídico, dado o seu caráter ilegal, constituindo-se numa questão socioespacial e
política de difícil solução.
Assim, como são proveitosas para o exercício de ações assistencialistas
praticadas por grupos políticos locais, compreendemos que é patente a “indiferença”
com que o Parlamento e outras esferas de poder tratam a questão da favelização,
não somente em Mangabeira, mas na cidade de João Pessoa. Portanto, é razoável
entendermos que é difícil uma reversão a curto prazo do quadro de ocupações
irregulares posto em Mangabeira.
Além disso, no que diz respeito às expectativas dos moradores dessas
ocupações, vem à tona um questionamento essencial: em caso de remoção, para
onde levá-los? A fala de Dona Graça deixa claro que a moradia na ocupação,
mesmo sob condições precárias, é melhor do que remoção para áreas mais
distantes, onde o acesso aos equipamentos urbanos é mais difícil.
Eu só quero sair daqui se for pra ficar no conjunto. Aqui tem tudo que a gente precisa. Se for prá levar a gente prá longe, como fizeram com o povo da Torre de Babel34, lá no Valentina, que não tem nem transporte direito, eu não saio, não. (Informação verbal)35.
Nesse sentido, a conquista desses espaços no conjunto, mesmo ilegais,
simboliza para seus moradores o fruto da luta pela direito não só à moradia, mas a
uma moradia cuja localização lhes garanta acesso aos serviços e equipamentos
urbanos disponíveis no conjunto, bem como maiores possibilidades de desenvolver
estratégias de sobrevivência. É importante destacarmos que parte dos moradores
dessas ocupações vive da realização diária de pequenos biscates, feitos ali mesmo,
em Mangabeira ou em locais no seu entorno.
34Situada no Conjunto Valentina Figueiredo, a “Torre de Babel” é a designação popular dos condomínios construídos pela PMJP dentro do Programa “É pra Morar”, na gestão passada em parceria com o governo estadual. O objetivo desse programa era garantir a moradia para quem estivesse em situação de risco em ocupações irregulares. Entretanto, as péssimas condições de infra-estrutura, localização e da qualidade do material utilizado na construção desse condomínio o torna impróprio para a habitação, por apresentar risco de vida para os seus moradores. 35Informação concedida por moradora da Feirinha, doméstica. Pesquisa direta, nov 2005.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
121
Ou seja, para aqueles que têm emprego, fixo ou não, a proximidade com os
locais de trabalho, a facilidade de deslocamento, a disponibilidade dos serviços
básicos, tais como padaria, mercadinho, posto de saúde, escola, açougue, feira,
creche, representam um dos principais elementos que os fazem permanecer nas
ocupações, resistindo a ameaças de remoção.
Apresentaremos, a seguir, alguns meandros acerca dos dados arrolados nas
fontes secundárias, disponíveis em instituições públicas como IBGE, FAC e PMJP,
sobre as ocupações irregulares de Mangabeira. Destacaremos ainda três ocupações
em Mangabeira I para exemplificarmos a configuração dessas ocupações enquanto
“enclaves” de favelização.
33..44..22 MMaannggaabbeeiirraa II ee aass pprriimmeeiirraass ooccuuppaaççõõeess iirrrreegguullaarreess:: ffoorrmmaamm--ssee ooss
eennccllaavveess ddee ffaavveellaass Os dados sobre as ocupações irregulares de Mangabeira, disponíveis no
IBGE (2000), na FAC (1997, 2002) e na PMJP (2005), apresentam algumas
divergências quanto ao cadastro de identificação das ocupações pesquisadas.
Vejamos algumas considerações sobre os dados apresentados por essas
instituições.
Esses órgãos denominam as ocupações irregulares de aglomerados
subnormais, porém utilizam metodologias diferentes para classificá-los. A FAC
evidencia os aglomerados subnormais sob aspectos qualitativos, independente do
número de domicílios existentes: o perfil do emprego aos quais estão vinculados os
moradores; o perfil da renda familiar; o acesso às políticas públicas e aos
equipamentos de infra-estrutura.
Para o IBGE, por sua vez, um aglomerado subnormal é definido como “um
conjunto constituído por um mínimo de 51 unidades habitacionais [...] dispostas,
em geral, de forma desordenada e densa; e carente, em sua maioria, de serviços
públicos e essenciais” (IBGE, 2000). Fitando tal definição, entendemos que esse
caráter quantitativo impõe uma exigência que compromete o debate acerca das
ocupações, sob o risco, inclusive, de escamoteá-lo, ao restringir o universo de
aglomerados, tal como denomina. Ora, à revelia do número de unidades de uma
dada área, a discussão relevante diz respeito à precariedade do morar e do viver
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
122
na ilegalidade ou, tomando-se a designação da FAC e do IBGE, na
subnormalidade.
Pois bem, a partir da sua definição quanto ao que vem a ser um aglomerado
subnormal, o IBGE não cadastrou algumas ocupações existentes em Mangabeira,
a exemplo do Balcão e da Vila União. Entretanto, é importante ressaltarmos que,
pelo levantamento da FAC, realizado em 1998, todas as ocupações irregulares de
Mangabeira apresentavam mais que 51 domicílios, número de referência utilizado
pelo IBGE. Aliás, o Balcão apresentava um total de 88 unidades.
Destaquemos aqui que a prefeitura de João Pessoa também tem um cadastro
das ocupações irregulares em Mangabeira, realizado em 2005, com base nos
referenciais conceituais da FAC. Contudo, como um complicador no desencontro de
informações acerca dessas ocupações, a nossa pesquisa indica que o levantamento
feito pela PMJP não faz menção à ocupação irregular do Centro Espírita, não tendo,
pois, cadastrado essa área. Mais ainda, as ocupações do Eucalipto e do Pirão
d’Água foram cadastradas pela FAC como sendo em Mangabeira. Contudo,
verificamos in loco que, em verdade, elas estão localizadas no Jardim Cidade
Universitária e no Portal do Sol, bairros circunvizinhos.
Para ilustrar esse desencontro de dados, apresentamos o quadro 3.2, abaixo.
Destacamos que apenas a ocupação da Feirinha aparece registrada nos cadastros
organizados pelas três instituições aqui referidas: IBGE, FAC e PMJP.
IBGE FAC PMJP
Nova Esperança Balcão C. Americano Colégio Invadido Boa Esperança Jd. Mangueira Feirinha Feirinha Feirinha Com. S. João/ S. Jorge C. do Americano Vila União Centro Espírita Mangueira Nova Esperança Vila União Boa Esperança
Balcão
Quadro 3.2 - Relação das ocupações irregulares de Mangabeira cadastradas por instituição36. Fonte: FAC. Aglomerados Subnormais: diagnóstico e sugestões, 2002; IBGE. Censo demográfico, 2000; Prefeitura Municipal de João Pessoa, 2004. Elaborado por Luciana Araújo.
36 Dos dados fornecidos pela FAC, eliminamos as ocupações Eucalipto e Pirão d’água por estarem localizadas em outros bairros, respectivamente, Jd. Cid Universitária e Portal do Sol.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
123
Façamos menção a uma discussão já apontada. Registramos aqui que, no
início dos anos de 1980, vimos emergir, na cidade, o movimento de luta pela
moradia, relacionado à ocupação de diferentes espaços, os quais vieram a se
constituir naquilo que chamamos de ocupações irregulares. Nesse contexto, entre
1980 e 1982, identificamos um crescimento superior a 32% no número de
ocupações.
Atualmente, estudos feitos pela PMJP, arrolados em 2005, nos indicam um
total de 122 ocupações irregulares em João Pessoa. Quando comparamos esses
dados àqueles elaborados pelos da FAC, em 2002, percebemos um incremento de
15% no número dessas ocupações, número que nos revela uma redução no ritmo
de crescimento de áreas de favelas na cidade, muito embora isso não signifique a
minimização da problemática habitacional aqui observável.
Isso porque, de outra forma, quando consideramos o número de domicílios
instalados nas ocupações existentes, os dados apontam uma discrepância bastante
significativa. Vejamos. De acordo com a FAC, entre os anos de 1992 e 1997, houve
um crescimento expressivo do número de moradias, superior a quarenta por cento,
enquanto que entre os anos de 1997 e 2002, esse aumento não chegou a um por
cento. Essa situação fica ainda mais complicada de entendermos quando nos
deparamos com os dados mais recentes arrolados pela Prefeitura, os quais indicam
a existência de 24.142 domicílios, ou seja, entre os anos de 2002 e 2005, houve
uma redução de 2,3%, conforme os dados expostos na tabela 3.5.
Ano
FAC PMJP
Número de domicílios em ocupações irregulares
Crescimento (%)
Número de ocupações irregulares
Crescimento (%)
Número de ocupações irregulares
Crescimento (%)
Número de domicílios em ocupações irregulares
Crescimento
(%)
1992 16.899 - 94 - - - - - 1997 24.363 44,17 108 14,89 - - - -
2002 24.735 1,5 109 0,92 - - - - 2005 - - 122 11,92* 24.142 -2,39*
Tabela 3.5 – Crescimento das ocupações irregulares em João Pessoa (PB). Fonte: FAC (1997, 2002), PMJP (2005). Elaborado por Luciana M. de Araújo. * Percentuais relativos aos dados da FAC, 2002.
Diante desses dados, o que podemos conjeturar? Cessaram os movimentos
de ocupações irregulares? O Estado supriu a demanda de moradias entre os anos
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
124
de 1992 e 2002 ou essa demanda não existiu? Pararam os fluxos migratórios de
pobres para a cidade? Aumentaram as coabitações familiares? Evidentemente que
não pretendemos entrar no cerne desses questionamentos esgotando todas as
nossas possibilidades de reflexão sobre esses dados, mas fica aqui uma inquietação
para futuras investigações.
Voltemos para a realidade de Mangabeira. O quadro de dados mais recentes
de suas ocupações irregulares foi o fornecido pela Prefeitura, estruturada no quadro
3.3, seguinte.
Ocupações Cadastradas
Número de domicílios
Número de Moradores
Morador/ Domicílio
C. Americano 54 216 4,0 Jd. Mangueira 79 350 4,4 Balcão 88 350 3,9 Feirinha 200 680 3,4 Nova Esperança 56 230 4,1 Boa Esperança 300 1100 3,6 Vila União 56 220 3,9 Total 833 3.146 3,9¹
Quadro 3.3. Total de moradores e domicílios no conjunto Mangabeira – João Pessoa (PB). Fonte: PMJP (2005). Elaborado por Luciana M. de Araújo. ¹ Densidade Média.
Referências Número de
domicílios (%) Número de moradores (%)
Total de ocupações 833 4,83 3.146 4,67
Total do conjunto 16.426 95,17 64.252 95,33
Total Geral 17.259 100 67.398 100
Tabela resumo 3.6. Fonte: PMJP (2005). Elaborado por Luciana M de Araújo.
Desde o processo inicial das ocupações irregulares nas áreas públicas em
Mangabeira, só houve duas remoções de moradores: a do Colégio Invadido e a da
área de Mangabeira VII, anteriormente relatada. No entanto, conforme observamos
in loco, está havendo uma reocuparão desse prédio, cujas condições
socioambientais são de extrema precariedade e insalubridade. Lá vivem inúmeras
famílias alojadas nas salas de aula, as quais foram divididas formando pequenos
cômodos onde em alguns coabitam famílias. Na verdade, esse colégio, erguido em
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
125
meados dos anos de 1980, não chegou sequer a exercer sua função educacional,
sendo logo ocupado, após a conclusão de suas obras.
A figura 3.5, a seguir, constitui um quadro de pequenos fragmentos de
algumas ocupações irregulares em Mangabeira, destacando o cotidiano de seus
moradores e as condições socioambientais lá verificáveis. Mesmo que a fotografia
seja um recorte, fitada a partir do nosso olhar, disponibilizamos essas imagens para
o leitor, sob a perspectiva de que venha a construir a sua própria leitura.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
126
Figura 3.5 – Pequenos fragmentos de algumas ocupações irregulares em Mangabeira. Fotos: Mateus Augusto, julho de 2006.
Ocupação do Balcão por fora
Ocupação do Balcão por dentro
Ocupação do Centro Espírita por dentro
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
127
Entre as etapas que formam o conjunto, Mangabeira I apresenta um maior
adensamento de ocupações, as quais podem ser identificadas nos seis quarteirões
destinados à implantação de equipamentos urbanos. A partir dos dados coletados
nas instituições já referidas, as três maiores ocupações dessa etapa somam 361
domicílios, a saber: a Feirinha, o Centro Espírita e o Balcão, sendo a Feirinha a maior
em número de moradias e estabelecimentos comerciais, conforme mostra a tabela
3.7. A configuração e a localização dessas três ocupações podem ser mais bem
visualizadas na figura 3.6, apresentada na página seguinte.
Nome da ocupação
Área (m)
Estimativa do Número de moradores
Numero de moradias
Feirinha 21.185,28 680 200 Balcão 15.013,38 350 88 Centro Espírita¹ 14.850,00 256 73 Total - 1.286 361
Tabela 3.7. Perfil geral das três maiores ocupações irregulares de Mangabeira I – João Pessoa – Paraíba, 2006. Fonte: Prefeitura Municipal de João Pessoa, 2006. Planta do Projeto Urbanístico de Mangabeira I, CEHAP. Levantamento direto realizado em 2006. ¹ Censo Demográfico, IBGE (2000).
Tomando quarteirões inteiros, os quais estavam destinados às praças e aos
equipamentos comunitários e de serviços, essas ocupações foram se sucedendo,
formando verdadeiros “enclaves” de favelas em meio ao conjunto. Por analogia, nos
acostamos na definição de Marcuse (2004, p. 25), para quem um enclave está
relacionado a uma dada concentração espacial, “na qual os membros de um
determinado grupo populacional, autodefinido por etnicidade, religião ou de outra
forma, congregam-se de modo a proteger e intensificar o seu desenvolvimento
econômico, social, político e ou cultural”.
Pensando a realidade que investigamos, podemos ressaltar que o elemento
congregador dos moradores desses “enclaves” de favelas em Mangabeira é,
sobremaneira, a resistência às adversidades enfrentadas no dia-a-dia, mantendo-os
coesos e protegidos. Socioespacialmente segregados, estigmatizados como
“favelados” ou “invasores”, esses moradores se fortalecem amparados pelos laços
de solidariedade e pela perseverança.
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128
FiFigura 3.6 Principais ocupações irregulares em Mangabeira I – João Pessoa (PB). Fonte: Adaptada por Luciana Araújo, a partir da fotografia de Ricardo O. Silva, 2002.
As três ocupações destacadas acima são bem antigas e estão localizadas nas
principais vias de circulação do conjunto: a do Balcão, na Av. Alfredo Ferreira da
Rocha (B) e as do Centro Espírita e da Feirinha na Av. Josefa Taveira. Todas
apresentam equipamentos comunitários precários. As ocupações do Balcão (2) e a
do Centro Espírita (3) possuem escolas públicas de ensino fundamental e a da
Feirinha (1) uma creche. Os demais espaços são ocupados com moradias e
estabelecimentos comerciais.
No centro da ocupação do Balcão, existe uma área desocupada que funciona
como um mini campo de futebol, a qual é freqüentada tanto pela garotada como
pelas lavadeiras, que o utilizam como varal para suas “lavagens de roupa de ganho”,
1. Feirinha 2. Balcão 3. Centro Espírita A. Av. Josefa Taveira B. Av. Com. Alfredo Ferreira da Rocha
B
A
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129
uma das principais atividades remuneradas das mulheres moradoras dessas
ocupações. Existem também uma escola e uma associação comunitária. Na do
Centro Espírita encontramos ainda uma associação afro-brasileira. Nas três ocupações, observamos a existência de um comércio informal, cujos
estabelecimentos são precários e muitas vezes improvisados. Apenas alguns se
apresentam mais bem estruturados, muito embora, no dia-a-dia, suas atividades
geralmente se estendam por sobre as ruas e as calçadas, tornado-as privadas pelos
comerciantes, servindo, pois, como prolongamento de seu estabelecimento. Nas
calçadas e ruas do entorno dessas ocupações, misturam-se de forma caótica a
poluição visual, provocada pela exposição desordenada de anúncios, a poluição
sonora, oriunda dos carros de som e alto-falantes com propagandas e reclames
publicitários das lojas e placas, tablados com mercadorias esparramadas, como
podemos observar na fotografia 3.5.
Foto 3.5. Aspecto do comércio instalado no mesmo quarteirão na Feirinha, em Mangabeira. As mercadorias são expostas à venda em tablados sobre as calçadas, as quais são disputadas pelas pedestres. Foto: Luciana Araújo, 2004.
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130
O comércio informal sempre esteve presente nessas áreas. No passado,
segundo um estudo de avaliação do desempenho urbanístico37 do conjunto,
realizado em 1989, o número de estabelecimentos comerciais predominava sobre o
número de moradias. Essa avaliação apresenta apenas duas moradias no Balcão e
sete no Centro Espírita. Na Feirinha só havia estabelecimentos comercias. Hoje,
essa realidade é bastante diferente, pois o número de moradias aumentou
consideravelmente, concentrando-se nos espaços internos dos quarteirões.
Assim, no decorrer de anos, a expansão e o maior adensamento de ocupações
irregulares, quer seja para fins comerciais ou residenciais, têm contribuído
sobremaneira para agravar o aspecto de degradação socioambiental e pauperização
do conjunto. Distribuídos em lotes assimétricos, as moradias e os estabelecimentos
comerciais são construídos de forma espontânea, sendo muitas vezes inacabados,
utilizando-se materiais os mais diversos, em geral restos de construções, como
portas, janelas, revestimentos e telhas. A seguir, um trecho da fala de um senhor que
trabalhou nas obras do conjunto e fixou moradia em um de seus quarteirões, dando
início à ocupação do Centro Espírita:
Quando eu cheguei aqui, nada disso existia, essa área (referindo-se ao Centro Espírita) era só mata baixo. Tinha uma espécie de depósito de material de construção do conjunto, que ainda ia ser inaugurado, mas já tinha algumas casas ocupadas. Isso foi no final das obras.[...] Meu irmão trabalhava como pedreiro na construção do conjunto e mandou me chamar prá trabalhar aqui também. Como não tinha onde morar levantei um barraco aqui e aqui mesmo fiz minha casa e mandei chamar minha família no interior e a gente ta aqui até hoje. (Informação verbal)38
Por fim, é por estarem encravadas em meio ao conjunto, formando os
“enclaves” favelados, que essas ocupações conferem uma morfologia bastante
peculiar à Mangabeira, diferenciando-as das demais favelas existentes em outros
bairros e conjuntos de João Pessoa. Enquanto espaços de moradia, expressam não
só a luta daqueles que como cidadãos têm o direito de habitar a cidade, mas
também de conquistar seu espaço onde seja possível a reprodução de sua
subsistência.
37Avaliação realizada pelo Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Paraíba, intitulado “Contribuição para avaliação do desempenho urbanístico do conjunto habitacional de Mangabeira”, tendo como autores: Carmem Lúcia Costa L. Araújo, Nilene da Cunha Lisboa Cardoso, Silvana de Oliveira Chaves (1989). 38 Informação concedida por morador de Mangabeira, quando da ocupação do Centro Espírita. Pesquisa Direta, ago 2004.
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131
No capítulo seguinte, trataremos do nosso recorte territorial de forma mais
específica, analisando o perfil dos moradores da Feirinha, como vivem e convivem
com o fato de morarem “escondidos”, como bem disse uma moradora: “aqui nós
vivemos escondidos” (Informação verbal)39. Assim, também analisaremos o
processo de ocupação e uso do solo, tanto por dentro como por fora, como são
estabelecidas as interfaces entre os dois, bem como discutiremos as estratégias de
trabalho, de lazer, e de sociabilidade nessa ocupação.
39 Informação concedia por moradora de Mangabeira. Pesquisa Direta, mai 2006.
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132
44.. AA FFeeiirriinnhhaa:: ppaarraa aalléémm ddaa iilleeggaalliiddaaddee,, oo eessppaaççoo ddaa mmoorraaddiiaa
Se a gente não tem condições de sair daqui, de ir para uma casa de verdade, então eu só posso dizer que este é o melhor lugar do mundo. Gosto de viver aqui, mas quem não quer uma casa toda ajeitadinha, quem gosta de dizer que mora num barraco, de ser chamado de favelado? [...] É isso, a gente mora escondido aqui, mas vive, né?
Morador da Feirinha, 2006
No capítulo anterior, analisamos mais detalhadamente as particularidades de
Mangabeira, as quais denotam uma grande visibilidade ao conjunto como um todo.
De modo oportuno, vimos como as suas dimensões socioespaciais lhe desvelam
como “uma cidade” imensa, densa, dinâmica, entremeada por ocupações
irregulares, compondo “enclaves” de favelização.
Essas ocupações, assim como todo o conjunto, inscrevem-se no quadro das
desigualdades do espaço intra-urbano de João Pessoa, cujo modelo de produção e
expansão está pautado no modo capitalista de produção, sendo configurado,
portanto, sob a lógica de um desenvolvimento socioeconômico segmentado e
excludente. Representam, pois, a materialidade de uma cidade fragmentada, fruto
de uma periferização planejada, a qual delineou duas cidades bem distintas: uma
para as camadas mais abastadas e outra para os pobres.
Quanto às classes trabalhadoras, empobrecidas pelas injunções salariais,
restaram-lhes os espaços mais periféricos e distantes, inscritos, sobretudo, nos
conjuntos habitacionais. Mais ainda, para aqueles segmentos sem rendimentos, não
contemplados pelos programas oficiais de habitação, restaram a favela, as
ocupações irregulares, os loteamentos clandestinos. Nesses espaços, a conquista
da moradia possível se dá pelas mãos dos próprios trabalhadores, como os
mutirões, que, solidariamente, autoconstroem suas casas, casebres e barracos,
permitindo-se, no limite, o “direito” de habitar em cidade.
Entretanto, essa é uma conquista que entendemos como incompleta, porque
ter uma casa e habitar na cidade não significa o direito à cidade. Afinal, quase
sempre é negado a esses trabalhadores o usufruto dos seus mais diversos
equipamentos e serviços, fatores de realização da cidadania. Isto porque, numa
sociedade socioeconomicamente desigual, “cada homem vale pelo lugar onde está:
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133
o seu valor como produtor, consumidor, cidadão, depende de sua localização no
território” (SANTOS, 1987, p.81). Portanto, sob essa lógica, o que os moradores das
favelas e das ocupações irregulares podem esperar do viver em uma sociedade?
Como pensar a condição cidadã daqueles que vivem na Feirinha, em Mangabeira?
Nessa perspectiva, morar na Feirinha, “confinado” em uma área de ocupação
irregular, revela duplamente um estigma de pobreza. Primeiro, por morar na periferia
da cidade; e, segundo, por morar na favela. Isso reafirma, sobremaneira, uma
condição de penúria e de escassez daquilo que é básico: o direito à moradia, à
cidadania e a uma qualidade de vida digna, saudável.
No dizer de Pedro Demo (1990), uma pobreza que não se manifesta somente
pela miséria pura e simples, mas também, em sua essência, pela discriminação,
humilhação e subserviência. Como bem exclamou um morador da Feirinha: “quem
gosta de dizer que mora num barraco, de ser chamado de favelado?” (Informação
verbal)1. Este depoimento, assim como outros que recortamos para este capítulo,
exprime a relação que o indivíduo tem com a sua condição socioeconômica
enquanto “favelado”, cujo local de residência lhe impõe a segregação e a
depreciação social.
Revela, por outro lado, uma postura conformista: morar ali é posto como um
limite, ante a falta de condições socioeconômicas para mudar de local de moradia.
Se a gente não tem condições de sair daqui, de ir para uma casa de verdade, então eu só posso dizer que este é o melhor lugar do mundo [...], [afirmou-nos um morador da Feirinha, completando] mas quem não quer uma casa toda ajeitadinha? (Informação verbal)2
Sob esse questionamento, o conformismo não significa a ausência do desejo
de ter uma moradia digna. Por conseguinte, a moradia na favela se impõe como a
única forma de garantir um teto e a reprodução da subsistência3.
Na verdade, são relatos que emergem de manifestações espontâneas dos
moradores da Feirinha e que expressam as suas expectativas e demandas. Uma
forma de mostrar para a sociedade onde e como vivem, em meio a precárias
condições no direito de morar e de trabalhar na cidade. Até porque, como já vimos,
1Informação concedida por morador da Feirinha, em Mangabeira. Pesquisa Direta, mai 2006. 2Informação concedida por morador da Feirinha, em Mangabeira. Pesquisa Direta, mai 2006. 3KOWARICK (1993); JACOBI (1982); VALLADARES (1982); RODRIGUES (2003).
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134
viver sob a “pecha” de ser favelado não é tão somente uma resignação, mas uma
imposição do capital, e, sobretudo, do poder público.
Portanto, esses moradores, bem mais do que sujeitos de nossa pesquisa,
estão inseridos em uma realidade social perversa, em que a desigualdade, em geral,
é encarada com certa naturalidade pela sociedade brasileira, em especial pelas
forças produtivas que condicionam a divisão social da cidade, reafirmando as
contradições do modelo de desenvolvimento socioeconômico vigente em nosso
país.
Além disso, percebemos que essa divisão contribui para agravar a
segmentação social do espaço urbano, onde cada vez mais se somam as barreiras
impeditivas para a ascensão e mobilidade socioespacial da classe trabalhadora,
dificultando uma reversão da sua condição de pobreza. Barreiras de amplas
dimensões, passando pelo descompromisso do poder público quanto à garantia do
acesso a determinados bens coletivos, muitas vezes ausentes ou insuficientemente
instalados nos espaços com maior concentração de pobres.
A condição favelada do morador da Feirinha é acompanhada de uma sensível
carga de discriminação, dissimulada ou não, em relação à vivência nesta localidade.
Para muitos que moram no seu entorno, a presença dessa ocupação é vista com
desconfiança, especialmente quando associam a favela à marginalidade e à
criminalidade. O relato abaixo mostra claramente essa impressão. Uma condição
tratada de forma pejorativa e impessoal: “essa gente”, “aquela gente”, “aquele povo
da Feirinha”. Assim, denota-se uma distância social entre os que vivem legalmente
no conjunto e os que vivem na ilegalidade das ocupações.
Isto aí dentro é uma boca de fumo. Tem gente boa, mas tem muito mais vagabundo. Hoje, minha filha, é até perigoso ficar aqui na calçada de noite, pois a gente vê o entre e sai de gente comprando maconha. Tem muito desocupado aí, que vive disso.. [...] É uma gente que chegou aí e foi ficando. Está na hora do prefeito mudar essa gente. Até que eu não me incomodava, mas de uns tempos para cá, essa área ficou muito violenta. (Informação verbal, grifo nosso)4.
Este e outros relatos compõem um importante instrumento de análise de
nossa pesquisa empírica. Por intermédio deles, buscamos compreender as
diferentes expectativas e necessidades do morador da Feirinha. Todavia, não
negligenciamos o quadro teórico, o qual nos deu suporte para refletirmos e 4Depoimento concedido por moradora do entorno da Feirinha. Pesquisa Direta, mai 2006.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
135
interpretarmos o processo de formação dessa ocupação, como também sobre o
perfil socioeconômico de seus moradores.
Além desses relatos, utilizamos alguns dados quantitativos, os quais foram
apresentados por meio de tabelas, quadros e gráficos. Esses dados foram
elaborados a partir de fontes secundárias, oriundas do IBGE, e primárias, obtidos in
loco, coletados por pesquisa direta, realizada entre os anos de 2005 e 2006. Quanto
a esta última fonte, tomamos como referência uma amostra de 24,5% do total de
163 moradias, a qual corresponde a quarenta questionários aplicados juntos aos
moradores da Feirinha.
No tocante aos dados mais gerais, relativos a saneamento, grau de
escolaridade, estrutura etária, condição da ocupação do solo, condições de
rendimento do responsável pela moradia, optamos por usar aqueles que foram
levantados pelo IBGE, cuja pesquisa censitária nesta área, inclusive, cobriu o
universo absoluto daquelas moradias.
Para as questões de viés mais subjetivo, versando sobre o cotidiano, os
desejos e as necessidades dos moradores, e suas trajetórias de vida, construímos
um quadro de referência a partir do trabalho de campo lá realizado. Além das
conversas informais, realizamos inúmeras entrevistas, abertas e semi-abertas, num
exercício de aproximação com esses moradores. Conversas e entrevistas feitas
também com os que vivem no entorno da Feirinha, e em outras localidades do
conjunto. Dessa forma, buscamos impressões de dentro para fora – do morador da
Feirinha em relação ao conjunto; e de fora para dentro – do morador do conjunto em
relação à Feirinha.
Nos subcapítulos seguintes, analisamos o material coletado, buscando
desvelar os meandros socioespaciais que caracterizam a Feirinha, enquanto produto
do processo de periferização e da luta pela moradia, numa cidade entremeada por
ocupações irregulares.
44..11.. AA ooccuuppaaççããoo ddaa FFeeiirriinnhhaa:: oo iinníícciioo ddaa hhiissttóórriiaa
Como vimos no capítulo anterior, segundo o projeto urbanístico elaborado
para Mangabeira, a área onde está localizada a Feirinha se configurava como uma
unidade de vizinhança, cuja ocupação do solo deveria ter sido feita a partir da
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
136
implantação de equipamentos de comércio e de serviços. Esses equipamentos
seriam instalados no seu entorno. O centro, como planejado, abrigaria uma praça,
conforme a figura abaixo:
Figura 4.1. Desenho esquemático da unidade de Vizinhança da Feirinha, Mangabeira. Fonte: Silva (2005, p.68).
Localizada em Mangabeira I, essa área se encontra delimitada pela Avenida
Josefa Taveira e por três ruas secundárias: a Catequista Maria José, a Capitão
Carlos Sobreira e a Ana Gama e Melo. Segundo relatos dos moradores mais velhos,
o termo Feirinha advém de uma feira que, inicialmente, ocorria nos fins de semana,
com a montagem de pequenos tabuleiros de madeira para a comercialização de
frutas e verduras, os quais ocupavam a parte externa do quarteirão, voltada para a
avenida principal, ou seja, a Josefa Taveira.
Tradicionalmente, como acontece em quase todas as feiras de João Pessoa,
os sábados e os domingos são os principais dias de atividade. O sábado, em
especial, é o dia do grande movimento, da maior aglutinação de consumidores,
feirantes, ambulantes, camelôs, curiosos e transeuntes, a partir dos quais a feira
torna-se mais do que um espaço de negócio e de troca. Realizando-se enquanto
espaço de convergência, permite o exercício da sociabilidade, do encontro, muitas
vezes ocorrido apenas uma vez por semana.
As grandes feiras, mais do que outras, como as de Oitizeiro, Jaguaribe,
Mercado Central e Torre, são tradicionais e estão incorporadas ao cotidiano da
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
137
cidade. Cada uma apresenta sua própria dinâmica, onde os seus personagens
emblemáticos são identificados pelos freqüentadores mais assíduos. Ir à feira da
Torre aos sábados, ou mesmo “dar uma passadinha para tomar café da manhã com
bode e cuscuz”, faz parte da rotina de muitos moradores do bairro, bem como de
outras localidades.
Mais recente, a feira de Mangabeira teve início nos anos de 1980, logo depois
da entrega das casas aos mutuários. O seu rápido processo de ocupação e de
expansão tornava imprescindível à formação de uma feira, a qual não tardou para se
desenvolver. Além da crescente demanda local, dois outros fatores contribuíram
para o seu desenvolvimento: a localização geográfica do conjunto, cuja distância em
relação à feira do Mercado Central era considerável, bem como em relação à feira
da Torre (a mais próxima) e, somando-se a isto, a precariedade dos transportes
públicos naquela época. Esses fatores compunham uma realidade que dificultava o
acesso de muitos moradores a espaços de consumo fora do conjunto.
A implantação da Feirinha antecedeu à construção do mercado público de
Mangabeira, inaugurado no inicio dos anos 1990. Os comerciantes e feirantes
vinham das cercanias. Alguns eram pequenos sitiantes nas proximidades do
conjunto, em cujas pequenas roças eram cultivados a mandioca, o inhame e o feijão,
aproveitando-se as várzeas dos rios Laranjeiras e Cuiá. A maior intensidade desse
fluxo de feirantes, assim como de usuários, ocorria aos sábados, os quais também
passaram a ser designados como o dia de feira.
Com a formação do conjunto e o crescimento populacional ali verificado,
alguns desses pequenos sitiantes e feirantes, que antes comercializavam seus
produtos de forma ambulante na feira da Torre, passaram a fazê-lo em Mangabeira,
devido a maior proximidade com as áreas de produção. Assim nos descreveu um
desses comerciantes, que hoje tem um ponto fixo na ocupação da Feirinha:
Eu morava num sítio em Paratibe e vinha com meus dois filhos para cá vender banana, mandioca, coco, pimenta e galinha de capoeira. A gente saía com uma carroça bem cedo, chegava aqui e na carroça mesmo a gente vendia os produtos [...], eu não tinha uma banca. Também não sobrava nada. Durante muito tempo foi assim, só depois cada um lutou para conseguir ficar com um pedaço e montar o seu negócio (Informação verbal)5.
5Informação concedida por feirante e morador de Mangabeira VI. Pesquisa Direta, mai 2006.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
138
Os tabuleiros ocupavam a parte do quarteirão voltado para Avenida Josefa
Taveira, cujo acesso facilitava o maior fluxo de consumidores, beneficiando os
pequenos feirantes, conforme podemos observar a seguir numa fotografia que data
da década de 1980. Posteriormente, de forma gradativa, os tabuleiros vão se fixando
e transformando-se em pequenos boxes. Desde então, essa área assumiria uma
vocação comercial apresentando, desde então, sinais de uma ocupação
desordenada de aspecto improvisado e informal.
Foto 4.1. Aspecto da Feirinha nos anos de 1980. Fonte: Silva (2005).
Hoje, mesmo com a existência do mercado público, a Feirinha continua sendo
um espaço de grande convergência, atendendo à demanda dos moradores do
conjunto, bem como de bairros circunvizinhos, especialmente daqueles que não têm
uma tradição de feira livre. Portanto, é comum encontrarmos moradores da Cidade
dos Colibris, Jardim Cidade Universitária, Jacarapé ou dos Bancários entre os seus
freqüentadores e usuários.
Como em outras feiras da cidade, a Feirinha vai se configurando como um
ponto de encontro, tornando-se, para alguns moradores do conjunto, um lugar de
parada obrigatória aos sábados, quer para as compras, quer para “jogar conversa
fora”, em que tudo pode ser discutido, as opiniões são conjeturadas, formulando as
mais diversas articulações.
O espaço da Feirinha também é marcado por contradições, pois, por trás da
“fartura” de suas mercadorias, moram inúmeras famílias que nem sempre têm a
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
139
garantia, no dia-a-dia, de uma boa refeição. Essa realidade nos remete aos versos
de Paulinho Pedra Azul (CD PAULINHO PEDRA AZUL VIVO, 1995)6: “na feira, o
bate boca e a festa do feijão, arroz / verduras, frutas e artesanatos mostram fartura /
como se a cidade nunca tivesse ouvido a palavra fome”.
Não obstante a sua dinâmica, a feira soma à ocupação da Feirinha um quadro
de precariedade, de improviso e de sujeira, comprometendo a qualidade ambiental
de seus moradores, conforme analisaremos doravante. Para isso, achamos por bem
dividir essa ocupação em duas porções, as quais serão chamadas de Feirinha por
fora e Feirinha por dentro.
44..22.. AA FFeeiirriinnhhaa ppoorr ffoorraa:: oo ccoomméérrcciioo cchheeggoouu pprriimmeeiirroo
O que chamamos de Feirinha por fora é a parte externa do quarteirão, voltada
para a avenida principal, a Josefa Taveira, e para as ruas vicinais: Catequista Maria
José, Capitão Carlos Sobreira e Ana Gama e Melo. Como já visto, essa foi a
primeira parte da Feirinha a ser ocupada. Além da feira livre, há também a presença
de pequenos estabelecimentos comerciais e de serviços limitados destinados a um
comércio informal.
Esse comércio encontra-se distribuído ilegalmente em pequenos lotes de
tamanhos variados, os quais foram ocupados espontaneamente, sem que houvesse
uma fiscalização quanto ao plano de zoneamento estabelecido no projeto
urbanístico para a ocupação e o uso da unidade de vizinhança. No mapa 4.1,
seguinte, fica destacada a divisão dos lotes e o uso do solo na Feirinha.
6 Compositor e cantor. Esses versos estão no CD “Paulinho Pedra Azul Vivo”, 1995.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
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141
Esses estabelecimentos não apresentam uma infra-estrutura adequada,
apesar das instalações serem, no geral, de alvenaria, cobertas com telha de amianto
e/ou cerâmica. Tanto por fora como no interior é comum o aspecto de degradação:
pouca manutenção dos boxes e das lojas, as infiltrações de água e a sujeira.
Os setores de vestuário, calçado e material esportivo compõem as poucas
lojas que dispõem de uma estrutura mais acabada, com espaços maiores e
aspectos menos improvisados. Os demais setores encerram uma ocupação
desordenada, com precárias adaptações ou transformações de moradias em
estabelecimentos comerciais.
Abaixo, trazemos um quadro demonstrativo da composição dos
estabelecimentos comerciais e de serviços existentes nessa área da Feirinha,
indicando a diversidade dos mesmos.
Quadro 4.1. Tipo de estabelecimentos comerciais e de serviços da Feirinha, Mangabeira, João Pessoa – Paraíba. Fonte: Elaborado por Luciana Medeiros de Araújo. Pesquisa direta, agosto de 2005.
Outrossim, percebemos que, predominantemente, os comerciantes não são
moradores da Feirinha. Portanto, nessa parte externa, registramos apenas seis
moradias, coexistindo as funções residenciais e comerciais ou de serviços. Elas
estão situadas nas áreas laterais, voltadas para as ruas vicinais, onde os pequenos
estabelecimentos comerciais são igualmente informais e precários, conforme
podemos observar na figura 4.2.
Tipos de atividades comerciais e serviços
Número de estabelecimentos
Tipos de atividades comerciais e serviços
Número de estabelecimentos
Sapataria 01 Encanador 01 Material esportivo 01 Eletrônica 01 Mercadinho 04 Consertos em roupas 03 Padaria e bolos 03 Sapateiro 01 Vestuário 01 Jogos eletrônicos 01 Verduras e verduras 03 Ferreiros 01 Peixaria 02 Creche pública 01 Frios e carnes 01 Artigos religiosos 01 Açougue 06 Descartáveis 01 Lanchonete 01 Lotérica 02 Secos e molhados 01 Bar 03 Fábrica de gelo 01 Movéis 02 Subtotal 25 18
Total 43
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143
Na porção voltada para a Avenida Josefa Taveira, a maior circulação de
pessoas e consumidores agita o comércio da Feirinha, sobretudo em torno dos
boxes e da feira de frutas e verduras. Nesse lado, sem moradias, todos os lotes são
ocupados com estabelecimentos comerciais: mercadinhos, açougues, abatedouros
de frango, lanchonetes, padaria, peixaria, lojas de secos e molhados, lojas de frios.
Ainda nesse lado, a feira livre avança por sobre as calçadas e a rua,
formando um estreito corredor, onde os feirantes de verduras e frutas barganham
seus produtos numa profusão de vozes e gestos, atraindo com o “melhor preço” os
passantes. Tudo se vende, por meio de barganhas, tudo é exposto aos olhos do
consumidor. O que é “resto”, não servindo para o consumo, é lançado na rua,
deixando um rastro de sujeira, lama e fedor.
A fala de um comerciante local expressa bem essa realidade:
Tenho meu box há mais de dez anos, e não quero sair nunca. O que falta aqui é mais limpeza. O pessoal que trabalha vendendo verdura deveria ter mais consciência. A prefeitura vem, limpa, mas no outro dia está essa imundice, uma fedentina, só. (Informação verbal).7
As fotografias a seguir ilustram a ocupação da Feirinha por Fora, em
meio a imagens do comércio nela realizado.
Foto 4.2 –A Feirinha. Na Feirinha, forma-se um corredor, onde todo tipo de mercadoria é exposto aos olhos do consumidor. Foto: Luciana Araújo, 2004.
7Informação concedida por comerciante da Feirinha. Pesquisa Direta, mai 2006.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
144
Foto 4.3 – A Feirinha. Na Feirinha, sobre as calçadas e pela rua, percebe-se o rastro de lixo e lama. Foto: Mateus Augusto, 2005.
O comércio da Feirinha é beneficiado pela densidade do fluxo de
mercadorias, de consumidores e de informações em torno da Avenida Josefa
Taveira, a qual representa não só a principal artéria do conjunto, mas também um
importante vetor que qualifica Mangabeira como subcentro da cidade de João
Pessoa, como já foi discutido no capítulo anterior. O seu traçado retilíneo e a sua
dinâmica comercial podem ser relacionados às ruas definidas como redes atreladas
ao consumo, como aponta Lefebvre (2004).
Para este autor a rua é como “uma vitrine, um desfile entre lojas”, onde a
“mercadoria, tornada espetáculo (provocante, atraente), transforma as pessoas em
espetáculo umas para as outras. Nela, mais que noutros lugares, a troca e o valor de
troca prevalecem sobre o uso, até reduzi-lo a um resíduo” (LEFEBVRE, 2004, p. 30),
convertendo-a, por isso mesmo, em rede organizada para/pelo consumo.
Em Mangabeira, essa avenida “vitrine” é a Josefa Taveira. Porém, vista sob a
ausência do zoneamento do comércio, a sua dinâmica revela uma rua densa,
caótica, barulhenta e suja. À luz do trecho acima transcrito, poderíamos pensá-la
como um modelo às avessas. Sobre suas calçadas, as mercadorias são
esparramadas, expostas à venda. Os vendedores chamam atenção dos passantes,
segundo um “jogo” de persuasão para o consumo.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
145
A rua transforma-se num tumultuado espaço, fundindo-se lojas, vendedores
ambulantes, consumidores, carros, pedintes, anúncios, bicicletas e sons. Essa
“agitação” confere à Avenida Josefa Taveira certa singularidade: “a rua vinte e
quatro horas”, “a rua que tem tudo”, “a rua principal” ou “a rua grande”. Por fim,
podemos afirmar que essa avenida representa parte do cotidiano da vida social de
Mangabeira e de modo especial dos moradores da Feirinha. Além do comércio,
também é o lugar do encontro, das manifestações cívicas, das festas.
No subcapítulo seguinte, analisaremos a Feirinha por dentro, buscando fazer
um quadro geral do seu morador, suas necessidades e seus desejos, bem como as
suas perspectivas futuras quanto ao significado de morar numa ocupação ilegal.
44..33 AA FFeeiirriinnhhaa ppoorr ddeennttrroo:: aauuttooccoonnssttrruuççããoo ddaa mmoorraaddiiaa,, vviiddaa ee
iilleeggaalliiddaaddee
Chegamos ao que consideramos a “essência” de nossa pesquisa: a Feirinha
vista por dentro. É nesta seção onde depositamos a nossa capacidade de questionar
e de refletir sobre a condição de vida do outro, suas necessidades, desejos e o seu
cotidiano.
Nesse sentido, na medida que fomos adentrando e conhecendo melhor a
Feirinha e seus moradores, muitos questionamentos foram surgindo, relacionados
ao impacto visual causado pelas condições do ambiente construído, especialmente
no tocante à autoconstrução das moradias e do esgotamento sanitário. Indagávamo-
nos sobre como viver ali e o que esperar do poder público, após tanto tempo de
ocupação. Quais são as estratégias de vida e de trabalho dos moradores? Estão
politicamente organizados em associações comunitárias?
Pois bem, nas próximas seções buscaremos responder a esses
questionamentos, dedicando-nos à análise dos dados coletados em campo sobre as
condições de moradia, vida e trabalho do morador da Feirinha. Igualmente,
discutiremos as questões que dizem respeito ao caráter da ilegalidade da ocupação.
Antes de iniciarmos nossas reflexões acerca dos questionamentos listados
aqui, achamos pertinente reafirmar que a realidade vivenciada na ocupação da
Feirinha não é um fenômeno isolado ou uma particularidade de Mangabeira. Afinal,
“a existência de aglomerados com habitações faveladas distribui-se pelo conjunto da
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
146
malha urbana de João Pessoa e centra-se principalmente ao longo dos vales dos
rios” (MAIA, 1994, p.127). Assim, as favelas de João Pessoa, como as de outras
cidades brasileiras, foram erguidas em áreas de baixa valorização para o setor
imobiliário, notadamente em áreas inadequadas para a construção: várzeas de rios,
encostas e manguezais.
Todavia, o traço diferenciador da ocupação da Feirinha, como outras
existentes em Mangabeira, é justamente a sua localização, encravada no meio de
um quarteirão, entremeado no conjunto. Além disso, a despeito de estarem
localizadas na periferia da cidade, algumas áreas desse conjunto são bastante
valorizadas, sobretudo aquelas situadas ao longo da Avenida Josefa Taveira, onde
há uma maior concentração das atividades comerciais e de serviços. Este é o caso
da imensa área onde está situada a Feirinha, hoje também “cobiçada” pelo setor
imobiliário.
44..33..11 AA aauuttooccoonnssttrruuççããoo ddaass mmoorraaddiiaass ee aa mmoorrffoollooggiiaa iinntteerrnnaa:: ooss bbeeccooss ee vviieellaass
ddaa FFeeiirriinnhhaa
Por dentro, a Feirinha é essencialmente constituída por barracos, casebres
autoconstruídos em alvenaria, os quais expressam a real condição de pobreza dos
seus moradores e da luta pela moradia em João Pessoa. Conforme já destacamos,
a ocupação e autoconstrução da moradia representam para o trabalhador sem-teto,
desempregado, sem renda fixa, fora dos programas habitacionais de interesse
social, a única alternativa para resolver o seu problema de morar, especialmente
aqueles que vivem nas “cidades ilegais”8.
Sabemos que, ao longo da história, os trabalhadores pobres sempre se
esforçaram para construir suas moradias, utilizando-se de técnicas próprias e
rudimentares. Utilizaram-se, ainda, de diferentes mecanismos de apropriação do
solo, seja por de ocupações ilegais ou da concessão temporária do terreno, na
perspectiva de erguê-las precariamente, sem muitas benfeitorias. Até porque, na
condição de ilegal, a ocupação irregular e a favela sempre tiveram um caráter meio
8HARDOY e SATTERTHWAITE (1987); MARICATO (2002).
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
147
transitório, o qual pode estar associado à constante iminência do despejo, da
remoção ou da regulamentação fundiária, com a garantia da urbanização da área.
Para Maricato (1982), a autoconstrução, o mutirão, a solidariedade mútua,
são termos usados para designar o processo de trabalho baseado na cooperação
entre familiares, amigos, bem como na troca de favores, diferenciando-se das
relações capitalistas de compra e venda da força de trabalho. Todavia, a
autoconstrução não pode ser vista como cultura de subsistência na cidade, pois a
expressiva massa de trabalhadores assalariados está inserida numa economia
urbano-industrial e capitalista. Desta forma,
Se a massa de trabalhadores constrói sua casa, é porque não lhes resta outra alternativa, já que ela não tem condições de comprar esse produto ou pagar por esse serviço, seja pelo baixo poder aquisitivo dos salários, seja porque as políticas oficiais estatais tratam a infra-estrutura e equipamentos urbanos, coletivos ou não, como mercadorias a exemplo dos setores privados, [..] ou combinados a eles ( MARICATO, 1982, p. 74).
Nesse mesmo sentido, Rodrigues (2003, p. 33) nos a chama atenção para o
fato de que a produção doméstica da moradia é “considerada como uma alternativa
viável pelos poderes públicos, porque é mais barata, já que não se ‘conta’ os custos
de mão-de-obra, assumidos pelo trabalhador”. Assim, muitas vezes, o trabalhador
converte em trabalho o seu tempo de lazer e de descanso, visando a realização do
seu “projeto de casa própria”. De igual modo, parte de sua renda é voltada à compra
de material de construção.
A construção, conforme constatamos na Feirinha, é realizada de forma
descontínua, levando-se um longo tempo até a sua conclusão. Esse tempo é
estabelecido de acordo com a disponibilidade de recursos para a compra de material
ou mesmo conforme a aquisição por doação ou reaproveitamento. Assim,
resgatamos esta referência de uma moradora, cuja casa está por ser construída:
Estou na dependência de ganhar umas telhas para fazer mais um quarto. Se tudo der certo, eu vou conseguir. Já comprei parte do cimento e a minha patroa ficou de me dar uma porta. Mas a porta é o que menos conta. Preciso de mais cimento e uns tijolos (Informação verbal)9.
9 Informação concedida por moradora da Feirinha, empregada doméstica. Pesquisa Direta, mai 2006.
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Além do material de construção, outro fator que demanda tempo é a mão-de-
obra, a qual é quase sempre obtida pela convocação dos amigos e da família, que
utilizam os fins-de-semana e o tempo livre para, gradativamente, erguerem as
moradias. Assim, como assevera Rodrigues (2003, p. 31),
O tempo do trabalho para autoconstruir não é calculado monetariamente, não entra no cômputo do salário, mas faz parte do tempo de trabalho necessário para a garantia do abrigo, faz parte do tempo de descanso que é usado para o trabalho e também do desgaste do trabalhador, e da superexploração da força de trabalho.
Em suma, a precarização das moradias da Feirinha, cujo aspecto é sempre
de improvisação, inacabadas que são, pode ser entendida como um reflexo do uso
de técnicas próprias, seguindo os seus valores culturais, os limites de seus
rendimentos, a disponibilidade da solidariedade dos amigos e parentes e do tempo
livre para a produção10. Além disso, ressaltemos que não há nenhum controle
normativo dessas construções por parte do poder público, estando fora de qualquer
código de construção civil ou urbanista. Inclusive, representam sempre uma ameaça
aos seus moradores, pelas condições estruturais. As fotografias 4.4 e 4.5, abaixo
revelam essas condições.
Foto 4.4. Moradia em construção. Destaque para o uso de material reaproveitado. Foto: Mateus Augusto, 2006.
10 HARDOY e SATTERTHWAITE (1987).
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
149
Foto 4.5. Precariedade da construção. Rachaduras e infiltrações. Observação: esta foto foi realizada no inicio do ano e durante as chuvas de junho a parede caiu. Foto: Mateus Augusto, 2006.
A partir dessas fotografias podemos constatar a precariedade dos materiais
da construção. Quanto a isso, observara Maricato (1982, p. 91):
A ingênua busca de criação arquitetônica popular resulta bastante frustrada, dada a articulação rígida de todos os elementos que se compõe na determinação do produto, e casa popular: o lote, de dimensões pequenas, os materiais baratos, simples, de manipulação fácil e largamente conhecidos, a mão de obra não-especializada e intermitente, a técnica rudimentar, poucas ferramentas , nenhuma máquina, e a disponibilidade de tempo e dinheiro, o que determina a construção por etapas.
Sob essas condições, a moradia ainda não concluída começa a deteriorar-se.
O aspecto é sempre de algo inacabado, depreciado, improvisado, dado o tempo de
uso que precede o seu término. Como a referida autora admite, a “autoconstrução é
a arquitetura do possível” (MARICATO, 1992, p. 91).
Quanto à morfologia interna da Feirinha (Mapa 4.2), ela é um produto social,
resultante das iniqüidades sociais às quais estão submetidas as inúmeras famílias
que ali moram. Expressa também o nível de espoliação urbana dos trabalhadores de
baixa renda ou sem rendimento, a quem é negado o direito de morar e viver com
dignidade.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
150
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Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
151
Nós vivemos meio escondidos, tendo que agüentar a vizinhança chamando a gente de invasor. Era assim que tratavam a gente no inicio. [...] Tá pensando que a gente é respeitado? É nada. Veja aí as crianças brincando na lama. Minha casa já caiu uma vez. Eu levantei. E só levantei porque na época trabalhava como vigilante do supermercado e tinha meu salário. Mas se fosse isso, eu nem sei. A nossa condição é essa que a senhora ta vendo [...].(Informação verbal)11
Essa compreensão de morar “escondido” é bastante freqüente entre os
moradores da Feirinha. Isso porque, como podemos observar na foto 4.6, as casas
foram construídas bem no meio do quarteirão, cujo acesso é feito por becos muito
estreitos. Ademais, percebemos que há uma preocupação constante com a
manutenção da casa, especialmente na época do inverno, quando a iminência de
desabamento é maior, devido à umidade.
Foto 4.6 – Vista aérea da Feirinha. Observação do quarteirão totalmente invadido por ocupações irregulares. Foto: Ricardo Paulo O. Silva, 2002.
As moradias ocupam pequenos lotes, de tamanhos variados e irregulares.
Quase todas são baixas, geminadas, possuindo apenas porta e janela. Algumas
delas só apresentam porta. Em geral, não têm entrada de ar suficiente, fato que
contribui para agravar as condições de insalubridade, aumentando a ocorrência de
doenças, a exemplo de gripes, pneumonia e asma.
11Informação concedida por morador da Feirinha, sem emprego há três meses. Pesquisa Direta, abr 2006.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
152
As vielas de circulação interna são estreitas e nem todas são calçadas,
quando são, observamos a sua deterioração, decorrente da canalização das águas
servidas. Em alguns becos, a largura não chega a dois metros. Nesses, a passagem
com objetos maiores, como um móvel, é quase em via única. As portas das casas
ficam bem defronte umas das outras, inviabilizando a privacidade dos seus
moradores. Os becos sem saída, em geral formam um verdadeiro T ou L, abrigando
quatro ou três moradias, muitas delas com apenas um cômodo.
Essa morfologia interna impossibilita a entrada do caminhão de lixo, bem
como o acesso de outros veículos. Esse fato é bastante referido pelos moradores
locais, compondo uma das suas grandes preocupações, porque se sentem
prejudicados quando necessitam, por exemplo, de ambulância. “Outro dia, um rapaz
levou um tiro, chamaram o SAMU, mas tiveram que levar o rapaz, porque a
ambulância não tinha como entrar aqui” (Informação verbal)12. Apenas a “rua larga”,
a viela de maior largura, dá acesso à passagem de veículos, sendo também a rua de
maior abertura para a parte externa do quarteirão.
Em meio aos pequenos corredores, a vida é partilhada de portas e janelas
abertas, sempre disponíveis para o entre e sai de vizinhos, onde as conversas,
fofocas, discussões durante os afazeres domésticos “ganham o dia”. Essa realidade
repete-se em outras ocupações irregulares no conjunto como um todo, expressando
a condição de exclusão dessas áreas dos programas de obras públicas voltadas ao
planejamento urbano. Observe a figura 4.3 a seguir.
12 Informação concedida por moradora da Feirinha. Pesquisa Direta, abr 2006.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
153
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
154
44..33..22 AAss ccoonnddiiççõõeess aammbbiieennttaaiiss ee ooss sseerrvviiççooss uurrbbaannooss bbáássiiccooss
Como acabamos de descrever, a morfologia da Feirinha é formada por um
emaranhado de becos e vielas, com corredores estreitos, não calçados, casas
improvisadas e insalubres. Sem saneamento, com fossas rudimentares, os esgotos
correm a céu aberto. Aliás, esse serviço é um dos mais negligenciados pelo poder
público, sendo apontado como a maior demanda pelos moradores locais.
Observamos in loco que a precariedade do esgotamento sanitário se constitui no
mais grave problema dessa ocupação. Há casos em que a fossa está localizada no
interior da própria moradia. Após averiguarmos o porquê, atribuímos essa
ocorrência, sobretudo, ao parcelamento do solo no entorno das casas mais antigas,
onde novos cômodos ou novas unidades foram construídos.
De acordo com os relatos de moradores mais antigos, à medida que as
famílias foram aumentando, com os casamentos dos filhos e dos netos, houve a
necessidade de se fazer uma “puxada”. Dessa forma, ante a falta de espaço, alguns
cômodos foram construídos em cima de antigas fossas, as quais são cobertas com
uma fina camada de concreto. Embora desativadas, há aquelas que apresentam
pequenas fissuras no concreto, sob um claro risco de desabamento.
Ao questionarmos essa situação, uma moradora, sem delongas, nos
destacou: “o povo aqui está acostumado. Lá em casa mesmo tem uma fossa no
quarto. Eu só fiz colocar minha cama no outro lado e não deixo meus filhos
brincarem em cima. Aquilo não me incomoda.” (Informação verbal)13. Apesar de
sincero, esse depoimento não é consenso entre os moradores da Feirinha, pois,
como já ressaltamos, a falta de saneamento aparece como um dos mais graves
problemas de infra-estrutura apontado pelos mesmos.
Em geral, as fossas apresentam um nível de saturação expressivo, onde
algumas podem ser vistas abertas ou semi-abertas, colocando em risco a saúde de
todos, principalmente das crianças, que brincam nos poucos espaços disponíveis,
mesmo que estes sejam nas proximidades de tais fossas. Considerando-se o
universo de 163 moradias arroladas pelo IBGE (2000), apenas as da Feirinha por
fora têm esgotamento sanitário ligado à rede geral, totalizando 27 casas. Quase
100% delas têm banheiro e sanitário dentro de casa. Entretanto, isso não evidencia
13Informação concedida por moradora da Feirinha, lavadeira. Pesquisa Direta, abr 2006.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
155
um ambiente saudável, ante a precariedade das instalações sanitárias, cujos dejetos
correm para aquelas fossas rudimentares. Em geral, as águas servidas do banho e
do uso doméstico correm para as valas a céu aberto.
De acordo com um morador, as fossas não comportam o volume dessas
águas, porque são raras e pequenas. Como o número de lavadeiras de roupa é
grande, constituindo-se numa das principais atividades das mulheres que lá vivem,
as águas tomam o caminho das vielas. Não há medidores e, em geral, o
abastecimento é feito por meio de “pés de galinha”, ou seja, de ligações
clandestinas. O gráfico abaixo identifica as condições sanitárias das edificações da
Feirinha, especificando aquelas que têm banheiro, bem como aas que têm acesso à
rede de esgoto (em menor percentual) ou acesso a fossas, entre as quais, as
rudimentares são em maior número, mais de 80%.
Gráfico 4.1. Condições de esgotamento sanitário na ocupação da Feirinha, em Mangabeira I – João Pessoa (PB). Fonte: IBGE - Censo Demográfico - 2000
Segundo a Companhia de Água e Esgoto da Paraíba (CAGEPA), é difícil
exercer um controle sobre essas ligações, sobretudo porque não é possível a
instalação de medidores, com a cobrança do consumo, uma vez que para o Estado
a área é completamente ilegal. Esse órgão reconhece que o consumo dentro da
Feirinha é demasiado e que já foram feitas várias incursões de fiscalização.
Todavia, há uma resistência por parte dos moradores quanto à
regulamentação do fornecimento desse serviço. Resistência justificada pelo custo
98,7%
16,5%
1,2%
81%
1,2% 0
20
40
60
80
100
120
140
160
180
Condições sanitárias
Núm
ero
de m
orad
ias
Com Banheiro ou Sanitário
Rede Geral de Esgoto
Fossa Séptica
Fossa Rudimentar
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
156
adicional que esse serviço representaria no minguado orçamento desses moradores,
os quais, via de regra, nem sempre têm condições de solver o seu pagamento.
Como já enfatizamos, o acesso à água e à energia com custo zero é um dos fatores
que motiva a permanência de muitos moradores nas ocupações irregulares e
favelas.
Quanto ao serviço de energia, após a privatização da Sociedade de
Eletrificação da Paraíba S.A. (SAELPA), em 1999, o seu fornecimento passou a ser
cobrado regularmente. Contudo, a prática do gato (ligação elétrica clandestina), por
meio do sistema de eletrificação pública, continua sendo a principal forma de
consumo de energia, como admitiram alguns moradores:
Não adianta a SAELPA cortar os gatos. A gente aqui não tem condições de pagar (energia) mesmo, então só resta o gato. Lá em casa tem um bocado de papel da luz, mas não tenho como pagar. Se somar tudo dá mais de 800 reais. O rapaz vem todo mês fazer a leitura, mas é perdido. (Informação verbal)14 Quando comprei essa casa, um mês depois a SAELPA chegou com um comunicado que ia cortar minha luz, pois estava atrasada em mais de um ano. [...] Eu vivo de fazer essas cestinhas pra vender e tomo conta de duas crianças aqui na comunidade. Elas passam o dia aqui em casa assistindo televisão. É do que vivo. O dinheiro é pouco demais. Aí, cortaram, eu mandei fazer um gato, paguei dez reais para o rapaz. (Informação verbal)15
Tomando-se como referência as discussões fomentadas por Souza(a)
(2003, p. 51), relativas aos serviços urbanos nas favelas, é possível admitirmos que
“a expansão da oferta de energia elétrica se explica pela natureza comercial do
serviço, pela facilidade técnica e pela modesta inversão de capital implícita na
extensão da rede existente até as favelas”. Nesse sentido, a companhia de energia
conta com toda uma infra-estrutura do sistema de eletrificação, o qual foi montado
pelo poder público quando da implantação do conjunto, facilitando a execução desse
serviço por parte da SAELPA.
No tocante às questões socioambientais, a coleta do lixo realizada pela
Empresa Municipal de Limpeza Urbana (EMLUR) cobre quase cem por cento das
moradias da Feirinha. No entanto, mediante a impossibilidade de uma coleta direta,
o lixo é acondicionado em um contêiner fora da ocupação, sendo posteriormente
14 Informação concedida por morador da Feirinha e empacotador. Pesquisa Direta, fev 2006. 15 Informação concedida por moradora da Feirinha, artesã. Pesquisa Direta, fev 2006.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
157
coletado por essa empresa. De forma geral, a questão do destino do lixo sempre
representou um problema para essa ocupação.
Primeiro, pelo volume de lixo produzido na feira, estando permanentemente
tomada por todo tipo de resíduo, especialmente no final dos dias de feira. Em
segundo lugar, ao lixo da feira é somado o das moradias, acondicionado das mais
diferentes, e precárias, formas.
O povo joga o lixo aí de todo jeito! Aqui tem todo tipo de bicho. Rato, barata, mosca. E a fedentina, principalmente do açougue a do abatedouro de frango aí atrás. Sábado de noite, ninguém agüenta. Tem dia que fico doente, com dor de cabeça, com vontade de vomitar. [...] Além disso, o povo joga o lixo nas calçadas, nos becos, é uma imundice. Mas agora, o prefeito organizou a Ciranda da Qualidade e tem um pessoal trabalhando, conscientizando os moradores e organizando a coleta. (Informação verbal)16
A fala da moradora demonstra haver um entendimento de que os moradores
têm uma participação no processo de poluição local, pois delega parte da
responsabilidade do acúmulo de lixo à indisciplina de alguns deles, ao lançarem o
lixo indevidamente no contêiner. Ademais, entre os resíduos da feira predominam
restos orgânicos de intensa decomposição. A referência feita à “Ciranda de
Qualidade” diz respeito a um programa recentemente implantado pela PMJP.
Esse programa corresponde a um conjunto de ações coordenadas por várias
secretarias municipais, cujo primeiro passo é a conscientização e a organização
comunitária, buscando-se o engajamento da comunidade assistida, a partir de uma
parceria do poder público e da população contemplada no programa. Em
Mangabeira, além da Feirinha, estão envolvidas as comunidades de Cidade Verde,
Patrícia Tomaz, Porjeto Mariz, dentre outras.
A prefeitura aponta dois objetivos fundamentais: sensibilizar a população
para intervir na sua comunidade, especialmente nas questões pertinentes à
preservação do meio ambiente, mantendo uma campanha permanente de
educação e monitoramento ambiental. Na Feirinha, participam três moradoras,
cuja função, enquanto agentes da Ciranda, é sensibilizar a comunidade para a
necessidade de se manter um ambiente limpo, bem como disciplinar os
moradores quanto à coleta de lixo, a qual passou a ter uma maior regularidade.
Abaixo, as fotografias revelam as condições socioambientais da Feirinha.
16 Informação concedida por moradora da Feirinha, Faxineira. Pesquisa Direta, abr 2006.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
158
Fotos 4. 7. Aspec Fotos 4.7 e 4.8. Condições das pequenas vias de circulação da Feirinha. Esgotos escorrendo a céu aberto fazem parte do dia-a-dia de seus moradores. Foto: Luciana Araújo, 2005.
A tabela abaixo mostra de forma sucinta o quadro geral das condições da
ocupação da Feirinha. Lembramos que o dado referente ao abastecimento de água
pela rede geral é feito pelas de ligações clandestinas, conhecidas como “pé de
galinha”. Nas moradias em que não há banheiro e/ou sanitário, as necessidades
fisiológicas são feitas em sacos plásticos e lançadas no lixo. Em outros casos, o
morador recorre ao vizinho.
Condições Gerais Número de Domicílios
Percentual (%)
Total de Moradias 163 100
Casa 163 100
Próprio e quitado 143 87,1
Esgotamento sanitário - fossa rudimentar 132 80,9
Abastecimento de água - rede geral 161 98,7
Com banheiro ou sanitário 161 98,7
Sem Banheiro ou Sanitário 2 1,2
Lixo coletado por serviço de limpeza 161 98,7
Tabela 4.1. Condições gerais dos domicílios na ocupação da Feirinha, em Mangabeira. Fonte: Censo Demográfico, IBGE, (2000).
Para finalizar essa seção, afirmamos que a insalubridade, a precariedade
física das moradias, a morfologia interna, com os becos e vielas estreitas,
juntamente com a falta de saneamento básico, agravam a condição de degradação
Canos com saída das águas servidas
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
159
e de penúria dos moradores dessa ocupação, reafirmando a existência de uma
cidadania incompleta. O nível de negligência com que o poder público tem
conduzido os problemas dessa área e de seus moradores leva-nos a admitir, à luz
de Maricato (1982, p. 74), que “se o Estado ignora o assentamento da classe
trabalhadora urbana, [..] é porque essa não constitui demanda econômica para
pagar esses bens e serviços”.
Portanto, como reafirmou essa mesma autora em um outro momento, para
esse tipo de ocupação irregular “não há planos, nem ordem. Aliás, ela não é
conhecida em suas dimensões e características. Trata-se de um lugar fora das
idéias” (MARICATO, 2002, p.122). “Fora das idéias” daqueles que pensam e
produzem o espaço urbano conforme seus interesses, reafirmando e reproduzindo
desigualdades e privilégios para diferentes grupos que formam a nossa sociedade. A
seguir, analisaremos as condições socioeconômicas dos moradores da Feirinha,
seus desejos e necessidades.
44..33..33 OO mmoorraaddoorr ddaa FFeeiirriinnhhaa:: oorriiggeemm ee ccoonnddiiççõõeess ddee vviiddaa
A despeito da precariedade construtiva das moradias, a possibilidade de
adquirir um lote de terra, uma casa, ou mesmo de pagar um aluguel na Feirinha é,
para os seus moradores, uma solução possível de subsistência e trabalho. Isso
porque, muito deles trabalham em Mangabeira, exercendo atividades diversas, como
vigilantes, seguranças, lavadeiras de roupa, faxineiras, catadores de lixo,
flanelinhas, domésticas, encanadores.
Conforme discutimos nos capítulos anteriores, para os trabalhadores de baixa
renda ou sem rendimento, ter uma casa ou um barraco é a garantia de reprodução
da sua vida e do seu trabalho. Daí a moradia ser revestida de um significado
incomensurável para os mesmos. Portanto, por ser indispensável à subsistência,
não tendo muita opção de escolha quanto onde e como morar, o trabalhador acaba
se submetendo involuntariamente a viver em moradias cada vez mais precárias e
em lugares insalubres, inclusive pondo em risco a vida de sua família.
Dessa forma, autoconstruídas, improvisadas, inacabadas, permanentes ou
transitórias, essas moradias representam a luta pelo direito à cidade e a conquista
de um teto, que nem sempre quer dizer a conquista de uma casa própria, pois, na
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
160
condição de ocupantes, de “invasores” de áreas privadas e/ou públicas, constroem
suas casas sob as incertezas do dia seguinte.
De forma iníqua, as péssimas condições de moradia dos trabalhadores de
baixa renda contribuem para o agravamento de seu quadro de pobreza material e
imaterial. Uma pobreza que se reproduz continuamente na cidade, especialmente a
migração de trabalhadores vindos de cidades menores, da zona rural ou urbana. Em
sua maioria, são trabalhadores sem nenhuma qualificação profissional que, não
sendo absorvidos pelo mercado formal de trabalho, têm, na favela, o único lugar
possível de morar na cidade. O depoimento que segue expressa bem essa
realidade:
Quando vim morar aqui em João Pessoa, não pensei em passar tanta fome. Achei que logo arrumaria um trabalho e que, sabe, teria minha casinha. [...] Vim influenciado pelo meu cunhado, que mora aqui na Feirinha. [...] Tudo que consegui foi um emprego num lava jato, tem mês que não tiro nem um salário [...] Minha mulher faz bico na feira, vende umas coisas que ela faz [docinho, brigadeiro]. Quando eu vim para cá, tinha umas economias, o pai de minha mulher ajudou a gente. Mas, tudo que a gente tinha só deu para comprar essa casa. Morar aqui não é muito ruim, mas eu gostaria sim de sair. (Informação verbal)17
Depoimentos como estes ilustram bem a trajetória dos moradores da Feirinha,
suas aspirações e perspectivas, especialmente daqueles que chegam à cidade,
vindo de outras realidades, em busca de uma ascensão social na “cidade grande”.
Cidade que, no mais das vezes, é imaginada como a cidade das oportunidades,
revelando-se, não raramente, como a cidade das desilusões, do abandono. Mas
também na condição de “fracasso”, do sonho não realizado. Na seção seguinte
analisaremos as trajetórias de mudanças do morador da Feirinha. Quais são suas
origens, que trajetórias foram vivenciadas até chegarem à Feirinha? De onde eles
vieram e quais suas condições de vida e trabalho?
17Informação concedida por morador da Feirinha, desempregado. Pesquisa Direta, abr 2006.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
161
44..33..33..11 AA oorriiggeemm ddooss mmoorraaddoorreess ee ssuuaass ttrraajjeettóórriiaass ddee mmuuddaannççaass
A Feirinha não pára de crescer. Frase que sintetiza a realidade da ocupação
desse espaço. Melhor, pensemos naquela que nos foi dita por um dos seus
moradores: “a procura de casa é grande. Aqui, quem tem não vende, só se for para
sair para uma melhor” (Informação verbal)18. A origem dos mesmos é
essencialmente interiorana, compondo 57,5% do total, vindos das diferentes
mesorregiões da Paraíba e de outros Estados circunvizinhos. Do universo
pesquisado, 25% emigraram da Borborema, sobretudo de municípios como Cacimba
de Dentro, Pocinhos, Araruna, Bananeiras; 17,5% são originários do Sertão
paraibano.
Gráfico 4.2. Naturalidade dos moradores da Feirinha. Fonte: Pesquisa direta da autora, realizada em 2006.
Ao indagar o porquê da mudança, a resposta foi quase unânime: a busca por
trabalho, oportunidade, já que morar numa cidade maior representa a chance de
sobreviver. “Aqui, a gente faz um bico aqui outro ali e passa. Não dá para viver bem,
mas se vive” (Informação verbal)19. Poucos foram os que apontaram outros motivos.
De uma forma geral, o morador que veio do interior tem sua história de vida
ligada ao campo. No entanto, observamos que na sua trajetória, primeiro houve a
migração para a pequena cidade e, posteriormente para a cidade maior.
18 Informação concedida por morador da Feirinha. Pesquisa Direta, abr 2006. 19 Informação concedida por morador da Feirinha. Pesquisa Direta, abr 2006.
15%27,5%
57,5%
0
10
20
30
40
Interior daParaíba
João Pessoa Outros estados
Naturalidade
Nº d
e En
trev
ista
dos
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162
Constatamos que, em alguns casos, a migração não se deu de forma direta, no
sentido campo - João Pessoa, mesmo que o campo tenha sido o ponto de partida.
Ainda nessa trajetória de migração do morador da Feirinha, percebemos que
uma pequena parcela percorreu um longo caminho até chegar em João Pessoa.
Pelo menos 10% dos entrevistados, ao sair de sua cidade, migraram primeiro para
algumas cidades do sudeste, notadamente, São Paulo e Rio de Janeiro. Lá, a
história se repete: trabalhar para juntar um dinheiro, comprar uma casa aqui e voltar.
Geralmente, ao retornar, o destino já não é a sua pequena cidade de origem. Mais
experiente e muitas vezes semiqualificado, quase sempre procura a capital do
Estado para fixar nova residência.
Entretanto, a pouca economia guardada, geralmente fruto de rescisões
contratuais, apenas permite a compra de uma casa ou um de barraco na ocupação
ou na favela. A declaração aqui transcrita revela um pouco dessa trajetória:
Eu saí da minha cidade com dezessete anos e fui morar com meu tio em São Paulo. Fiz de tudo por lá e aprendi a mexer com eletricidade. Eu trabalhava como eletricista para uma construtora. Passei quase dez anos lá. Só vim embora porque a empresa faliu e como ficou difícil de arrumar emprego eu vim para cá.[...] Meu sogro já morava aqui (Feirinha) e nós (a família) viemos para morar aqui. Com o que ganhei e ajuda do meu sogro, comprei essa casa e devagar estou reformando. [...] Mas, não quero criar meus filhos aqui, quero sair. (Informação verbal) 20
Outrossim, verificamos que muitos dos moradores mais antigos da Feirinha
são também os primeiros ocupantes, como uma média entre dez e quinze anos de
moradia. “A gente foi chegando e construindo as casa. Como todo ano diziam (poder
público) que iam tirar a gente daqui, a gente foi ficando, até hoje. Só tinha a
promessa, né?” (Informação verbal)21
Isto é justificável, pois dentro dos inúmeros cadastros para remoção feitos
pelos diferentes governos locais, ao longo desse tempo de existência da Feirinha, a
prioridade seria para quem já morava há mais tempo. Sem recursos financeiros, não
tendo para onde ir, além de receosos quanto à perda das suas casas, a lógica era
ficar, sob a expectativa de obter uma casa melhor. Os anos se seguiram nessa
espera.
20Informação concedida por morador da Feirinha, eletricista. Pesquisa Direta. Mai 2006. 21Informação concedida por morador da Feirinha. Pesquisa Direta. Mai 2006.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
163
Tentando refazer a sua trajetória de mudanças na cidade, perguntamos em
qual bairro havia morado antes de migrar para a Feirinha. Do total de entrevistados,
constatamos que 75% declararam que vieram de outros bairros da cidade,
notadamente dos mais periféricos, como podemos atestar no gráfico 4.3.
Gráfico 4.3. Mobilidade intra-urbana dos moradores da Feirinha Fonte: Pesquisa direta da autora, realizada em 2006.
Os bairros mais citados foram Valentina, Costa e Silva, Bairro das Indústrias e
Funcionários. A freqüência com que os bairros mais periféricos aparecem nas
respostas leva-nos a crer que essa mobilidade intra-urbana ocorre muito mais entre
periferia-periferia que entre as áreas mais centrais e a periferia. Os moradores que
declaram a Feirinha como único lugar de moradia em João Pessoa, 10% dos
entrevistados, representam aqueles que migraram de outras cidades, bem como
aqueles que casaram e continuaram morando na localidade, porém em outra casa.
Também é representativa a quantidade de moradores originários do próprio
conjunto Mangabeira. Inclusive, alguns deles são ex-mutuários, os quais passaram
da condição de moradores legais para “invasores”, vivem sob a ilegalidade da
apropriação de seu espaço de moradia.
Quando perguntamos quais os motivos da mudança, o porquê de sair do
antigo local de residência para buscar uma nova moradia, as respostas se
diversificam. Todavia, entre os principais motivos apontados para a mudança, o
gasto como o aluguel vem em primeiro lugar. Em segundo, vem o desejo de comprar
uma casa própria. Outros motivos também são destacados: a questão de morar em
um lugar distante dos seus locais de trabalho, pesando sobre o pouco orçamento
75%
15% 10%0
10
20
30
40
Diferentesbairros da
cidade
Mangabeira Feirinha
Localidades
Nº d
e En
trev
ista
dos
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164
familiar os gastos com transportes públicos; a troca de moradia, a qual parece ser
comum, ocorrendo, geralmente, em forma de barganha, onde são incluídos outros
bens, como eletroeletrônicos, bicicletas e geladeiras.
No tocante ao desejo de obter uma casa e deixar de pagar aluguel, isso é
evidenciado quando consideramos a crescente pauperização dos moradores da
Feirinha. Entre estes, 70% têm uma média de rendimento que está situada em até
dois salários mínimos, rendimento que torna o aluguel uma despesa insolvível.
Nesse sentido, a favela, muitas vezes, se apresenta como a solução possível. Como
ressalta Kowarick (1993, p. 64), ao discutir a espoliação urbana,
É o aluguel de um cômodo de cortiço localizado em deterioradas, ou de uma casa de mínimas dimensões nas periferias distantes da cidade, ambas as soluções implicando em condições de habitabilidade extremamente precárias e, no mais das vezes, em gastos de aluguéis que comprimem ainda mais o já minguado orçamento de consumo das famílias trabalhadoras. A solução de sobrevivência mais econômica, mas também a mais drástica, é a favela.
A manifestação de outros motivos se inscreve no âmbito dos meandros da
vida pessoal e das relações que ela contorna: desentendimentos com vizinhos;
separação de cônjuges; o desejo de mudar do bairro porque “não gostava, achava
ruim” ou mesmo de ir para um determinado bairro que gosta mais, com o qual tem
uma maior identidade, porque “gosta do lugar”. Enfim, são muitas as motivações,
como podemos observar no gráfico 4.4, que levam o cidadão a mudar e a procurar
um outro lugar que seja possível para morar e viver.
Gráfico 4.4. Principais motivos apontados como fatores de mudança da residência anterior em freqüência de resposta. Fonte: Pesquisa direta da autora, realizada em 2006.
14 5 4
10
2 1 3 1 14 2 3
05
10152025303540
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Principais motivos
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üênc
ia
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165
Aqui, uma ressalva. Apesar das motivações para a mudança de local de
moradia também ser contornada por uma escolha, tal como apontamos acima, morar
especificamente na Feirinha não deve ser tomada, efetivamente, como uma opção.
Afinal, de forma prevalecente, recaem sobre esse ‘morar’ as imposições
socioeconômicas, as quais são proibitivas do acesso a outras localidades. Como já
dissemos, a vivência na favela não é uma escolha voluntária – no sentido de
expressar um ato de vontade: “não se vive numa situação dessas porque se gosta,
veja a condição da minha casa”. (Informação verbal)22
Endossando a fala desse morador, sob o ponto de vista moral, morar na
favela ou numa ocupação irregular, na qual para muitos a presença é indesejável,
representa o limite da condição humana. Todavia, à guisa do pensamento de
Kowarick (1993), admitimos que as imposições supracitadas estão atreladas à
redução dos gastos com moradia, do tempo de locomoção e dos gastos com
transportes, sobretudo porque muitos deles trabalham no próprio Conjunto
Mangabeira.
No gráfico 4.5 estão registrados alguns motivos declarados pelos moradores
da Feirinha para a escolha de morar nesta ocupação e não em outra. Mais de 70%
apontaram as condições financeiras e o fato de não ter que pagar aluguel. A
freqüência de respostas dessas condições foi obtida principalmente entre os
moradores que estão desempregados e, consequentemente, não têm rendimento
certo. Para os que estão trabalhando, mesmo sendo em atividades informais, a
localização e as oportunidades de emprego, “de fazer um bico”, também foram
bastante mencionadas.
22 Informação concedida por morador da Feirinha, aposentado. Pesquisa Direta. Mai 2006.
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Gráfico 4.5. Principais motivos apontados como fatores de mudança para a Feirinha. Fonte: Censo Demográfico, IBGE (2000).
Ampliando a nossa análise sobre as estratégias de sobrevivência do
morador da Feirinha, tentaremos, a seguir, sobrepor os dados vistos nesta seção às
condições de vida e de trabalho desse morador.
44..33..33..22 CCoonnddiiççõõeess ddee vviiddaa ee ttrraabbaallhhoo
Outra questão importante que convém considerarmos é a condição de
ocupação da moradia, associada à média de rendimento. Das 163 unidades
particulares recenseadas pelo IBGE, 87,73% são próprias e apenas 6,13% são
alugadas. Esse dado revela a concretização do sonho da casa própria, mesmo que
seja numa favela, sem endereço, sem infra-estrutura, em meio à pobreza, onde não
está assegurada uma condição cidadã àqueles que vivem nesses espaços. Uma
cidadania pensada sob o acesso a direitos políticos e civis, mas também sociais,
entre os quais se incluem o acesso à moradia, condignamente.
Em âmbito nacional, ao migrar, a classe trabalhadora de baixa renda é quem
mais sofre os impactos da perda da qualidade de vida e da moradia. Esse fato tem
sido observado por intermédio de alguns estudos sobre a pauperização e as
migrações intra-urbanas dos trabalhadores nas médias e grandes cidades. Uma das
conclusões a que chegamos é que o empobrecimento desse segmento da
45%
5% 2,5%
25%
2,5% 7,5% 7,5% 5%
05
10152025303540
Con
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Opo
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idad
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preg
o
Troc
ou a
casa
Principais motivos mencionados
Freq
üênc
ia
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167
sociedade tem sido acompanhado pela redução do tamanho e da qualidade de sua
moradia.
Essa é uma realidade também comum na cidade de João Pessoa, verificável
pelo aumento do número de moradias nas ocupações irregulares e favelas
existentes. Além disso, constatamos que muitas delas foram divididas, abrigando
mais de uma família. Em 58,2% das casas visitas, o número de moradores varia
entre quatro a seis, sendo que em 13% encontramos famílias conviventes, cuja prole
é bastante numerosa.
A freqüência das famílias conviventes revela o déficit habitacional, o qual é
definido pela Fundação João Pinheiro (2000), como sendo
A noção mais imediata e intuitiva de necessidade de construção de novas moradias para a solução de problemas sociais e específicos de habitação, detectados em um certo momento. O conceito utilizado está ligado diretamente às deficiências do estoque de moradias. Engloba tanto aquelas moradias sem condições de serem habitadas devido à precariedade das construções ou em virtude de terem sofrido desgaste da estrutura física e que devem ser repostas, quanto à necessidade de incremento do estoque, decorrente da coabitação familiar ou da moradia em locais destinados a fins não residenciais. Inclui também as famílias urbanas com renda até 3 salários mínimos, que despendam mais de 30% dessa renda com aluguel, o que se denomina ônus excessivo com aluguel.
Em João Pessoa, segundo essa instituição, o déficit habitacional básico é de
23.205 domicílios, sendo que quase 90% desse total correspondem aos indicadores
de famílias conviventes e de moradias improvisadas. Além disso, os indicadores
apontam que quanto menor a renda familiar, maior o número de famílias que
convivem sob um mesmo teto. Sob essa perspectiva, a Feirinha pode ser vista como
uma síntese desse quadro na cidade. Assim declarou uma das nossas
entrevistadas:
Aqui somos seis pessoas. Eu morava com minha filha e meu neto. Minha filha casou e veio morar dentro de casa. Tem dois filhos pequenos. A casa fica apertada, pois só tem três vãos: a sala, um quarto e a cozinha. [Fez um longo silêncio, olhou para dentro da pequena casa e completou] Mas é isso mesmo [...]. O marido dela está trabalhando e como a minha aposentadoria a gente vai passando, como Deus quer. (Informação verbal)23
Essa fala revela uma realidade que muitas vezes se torna imperativa para
muitas famílias de baixa renda, pois, geralmente, a convivência de mais de uma
23Informação concedida por moradora da Feirinha, viúva e aposentada. Pesquisa Direta, mai 2006.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
168
família pressupõe um aumento do orçamento familiar. Evidentemente, é possível a
ocorrência de um efeito contrário. Ou seja, um aumento da família, associado ao
desemprego, pode vir a se constituir num penoso incremento da condição de
escassez e penúria.
Com um total de seiscentos e noventa e nove moradores, segundo o IBGE
(2000), a Feirinha apresenta um quadro etário equilibrado, composto por uma
população jovem, que corresponde a 49%. Entre esses jovens existe uma grande
quantidade de mães adolescentes solteiras, as quais, conforme constatamos in loco,
não estão inseridas no mercado de trabalho.
O gráfico 4.6 representa a composição da família em relação ao grau de
parentesco com o responsável pela moradia. Predominantemente, tem-se uma
família nuclear (pai, mãe e filho), com uma média de dois filhos. É também a partir
desse gráfico que confirmamos a existência de famílias conviventes (sogras (os);
neto (as) e outros parentes).
Gráfico 4.6. Condição de ocupação da moradia na Feirinha. Fonte: Censo Demográfico, IBGE (2000).
O quadro socioeconômico dos moradores da Feirinha, até aqui apresentado,
leva-nos a admitir que eles constituem uma parcela da população pessoense à
margem de políticas públicas, as quais poderiam lhes garantir uma expectativa de
qualidade de vida melhor, pelo menos a curto prazo. A situação de pobreza soma-se
aos inúmeros problemas de ordem socioespacial e moral. A marginalidade, a
prostituição infanto-juvenil, a desqualificação profissional, o baixo nível de
9 24 15 24 14
330
120
0
50
100
150
200
250
300
350
Tipo de Relação
Freq
üênc
ia
Cônjuge
filho(a)
sogro(a)
neto(a)
irmã(ão)
outro parente
agregado(a)
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
169
escolaridade e o baixo rendimento dos responsáveis pela moradia, reforçam a
depauperação desse quadro.
A sobreposição de alguns dados referentes à escolaridade, trabalho e renda
ajuda-nos a entender melhor a manutenção da precariedade de vida dos moradores
da Feirinha. Entretanto, não deixamos de atribuir ao poder público uma imensa
carga de responsabilidade nesse processo de deterioração das condições
socioeconômicas dessa parcela da sociedade, a qual representa a realidade de
milhões de favelados e pobres do país.
Portanto, em parte, se essa parcela não tem qualificação suficiente para ser
absorvida pelo mercado formal de trabalho, é porque seu grau de escolaridade não
lhe permite uma qualificação melhor. A isso, evidentemente, somamos uma
conjuntura político-econômica, marcada por uma limitada oferta de emprego e por
um ritmo lento de incremento da economia, amparados pelo modelo de globalização
da mesma. Ingredientes que têm contribuído para o distanciamento social entre ricos
e pobres, aumentando as injustiças sociais.
. Durante as entrevistas, percebemos como as ocupações produtivas dos
responsáveis pela moradia na Feirinha revelam a precariedade de sua inserção no
mercado de trabalho informal, o que pode ser observado no quadro 4.2. Poucos são
os que trabalham com carteira assinada e têm rendimento superior a três salários
mínimos. A maior parte trabalha por conta própria e isso inclui os biscates diários
Principal Atividade Qtd. Principal Atividade Qtd.
Lavadeira 3 Catador de Papel 1 Padeiro 1 Mecânico 1
Serralheiro 1 Caseiro 1 Empregada doméstica 3 Lavador de carro 1
Costureira 1 Aposentado 3 Vendedor 1 Eletricista 1 Biscateiro 5 Porteiro 1
Debulhador de Feijão 1 Empacotador 1 Babá 1 Fiteiro 1 Pintor 1 Desempregado 6
Segurança 1 Empalhador 1 Garçom 2 Marceneiro 1
Total de Entrevistados 40
Quadro 4.2 Principais atividades exercidas pelos responsáveis pela moradia. Fonte: Pesquisa direta da autora, realizada em 2006.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
170
Refletindo sobre a condição de vida daqueles que trabalham por conta
própria, vivendo de biscates ou bicos, ou seja, que têm uma atividade irregular,
sabemos que eles são os que estão submetidos a uma jornada mais intensa de
trabalho. Para Silva (1982, p. 88),
Os trabalhadores por conta própria, irregulares, têm toda uma vida centrada no trabalho por praticamente qualquer remuneração. Se o tempo gasto no processo de procura por trabalho for incluído, então esse tipo de trabalhador pode ser considerado o mais sobrecarregado dentre os estratos sociais mais baixos.
Além da situação exposta, encontramos, na Feirinha, famílias cujos filhos
trabalham como ajudantes dos pais, sem remuneração. Percebemos, ainda, a
necessidade da participação da mulher no mercado de trabalho. Igualmente
submetida à baixa remuneração, as mulheres exercem atividades como faxineiras,
domésticas, babás ou lavadeiras de roupa. Fazem os mais diversos bicos, como
algumas que debulham feijão para os feirantes (fotos 4.9 e 4.10).
Foto 4.9. Debulhadoras de feijão, sapateiro, catador de lixo. Eis algumas estratégias de vida dos moradores da Feirinha! Foto: Luciana Araújo, 2005.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
171
Foto 4.10. Biscateiro. Estratégias de vida dos moradores da Feirinha: este senhor trabalha como catador de papelão em Mangabeira. Foto: Luciana Araújo, 2005
Pelo depoimento abaixo, percebemos que a estratégia de vida é garantir a
provisão das necessidades básicas, diariamente. O dia seguinte é sempre um devir,
uma possibilidade de sobreviver.
Aqui a gente vive de fazer tudo um pouco, como dizem a gente se vira. Se souber fazer não falta trabalho, mas o dinheiro que é bom, nem sempre se vê [...] A semana passada foi pintar uma casa e o que ganhei no caminho de casa acabou [Fez a feira]. Minha mulher faz faxina nas casas, todos os dias. Ganha 20 reais por faxina. [...] O dela é mais certo. [...] Nem lembro mais quando assinei minha carteira [...]. (Informação verbal)24
Observamos que, comparando os gráficos 4.7 e 4.8, que serão apresentados
a seguir, confirmaremos as nossas suposições acerca da relação direta entre baixa
escolaridade, trabalho informal e baixa remuneração. No primeiro gráfico,
constatamos que a maior parte dos responsáveis pela moradia ganha até dois
salários mínimos, representando 74,9%. E na maioria das casas o único rendimento
existente é o do responsável pela moradia, o que compõe um quadro mais
expressivo de precariedade, quando verificamos que quase 40% dessas famílias
ganham até um salário mínimo.
24 Informação concedida por morador da Feirinha, biscateiro. Pesquisa Direta, mai 2006.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
172
Gráfico 4.7. Rendimento do responsável pela moradia na Feirinha. Fonte: Censo Demográfico, IBGE (2000).
Ademais, constatamos, ainda, o baixo nível de instrução dos responsáveis
pela moradia na Feirinha, onde quase 70% cursaram apenas o ensino fundamental,
sendo que neste total estão incluídos aqueles que fizeram alfabetização de adultos,
conforme indica o gráfico 4.8. 16% não concluíram nenhum curso, o que sugere que
os mesmos têm o ensino fundamental incompleto. O baixo grau de escolaridade, em
parte, justifica o nível de rendimento, reafirmando a condição de uma mão-de-obra
sem qualificação profissional, de baixa instrução e, por fim, mal remunerada.
Indiscutivelmente, esse quadro dificulta a absorção dessa força de trabalho pelo
mercado, daí a sujeição ao subemprego e à exploração.
Gráfico 4.8. Nível de escolaridades do responsável pela moradia na Feirinha. Fonte: Censo Demográfico, IBGE (2000).
0 1,2 %
3 8 ,7% 3 5%
14 ,1%
5% 2 ,4 % 3 ,7%
0
20
40
60
80
100
120
140
Número de salários mínimos
Res
pons
ável
pel
a m
orad
ia até 1/2
1/2 a 1
1 a 2
2 a 3
3 a 5
5 a 10
Mais de 10
sem rendimento
16% 2,5%
14%
64,5%
3% 0
20 40 60 80
100 120 140 160 180
Alfab. d
e adu
ltos
Ens. Fund
amen
tal
Em. Médio
Superior
Nenhu
m curso
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
173
Essa é uma situação bastante complexa, pois, como observamos in loco, são
muitos os jovens na faixa etária entre quinze e vinte anos fora da escola, tendo
abandonado os estudos por falta de condições, como a necessidade de trabalhar.
Aliás, essa é uma situação identificável em todo o país, onde os jovens, cada vez
mais estão ingressando cedo no mercado de trabalho. O rendimento por eles gerado
é somado ao orçamento familiar, complementando-o. Portanto, para as famílias mais
pobres, a importância da condição desse jovem como trabalhador é bem maior do
que como estudante.
As crianças, ainda na fase do ensino fundamental, estão mais regularmente
matriculadas, até porque a freqüência à escola é a garantia do recebimento dos
benefícios dos programas sociais do Governo Federal, especialmente o Bolsa
Família25. Dos nossos entrevistados, 35% tinham filhos matriculados, os quais
recebem em torno de R$ 90,00 por mês, referente ao benefício governamental. Para
muitas famílias da Feirinha, esses benefícios constituem parte significativa do
orçamento familiar, como expressou uma mãe, moradora da Feirinha: “hoje a gente
tem passado praticamente com essa ajuda, é uma extra, né? Aqui em casa tinha dia
de não se ter nada para comer. É coisa pouca, mas dá”. (Informação verbal)26
Outrossim, percebemos que essa “ajuda” representa uma forma de
rendimento certo, fixo, com o qual se pode contar, sendo constante preocupação
das famílias beneficiadas quanto à possibilidade de perder esse “extra”. De modo
apelativo, conclui essa mãe: “Deus me livre de meus filhos deixarem de ir à escola.
Só aqui são três, a ajuda da bolsa família é muito grande para a gente que não tem
nada. [...] Aqui quase todo mundo tem” (Informação verbal)27.
Doravante, adentremos nas questões mais subjetivas, que diz respeito os
desejos e às necessidades dos moradores da Feirinha, apreendendo um pouco mais
sobre o seu cotidiano.
25 O principal programa social do Governo Federal que contempla as famílias da Feirinha é o Programa Bolsa Família (PBF), o qual corresponde a um programa de transferência direta de renda com condicionalidades que beneficiam famílias pobres (com renda mensal por pessoa de R$ 60,01 a R$ 120,00) e extremamente pobres (com renda mensal por pessoal de até R$ 60,00). Para entrar no Programa Bolsa Família, as famílias devem ter uma renda mensal por pessoa de até R$120,00. http://www.redegoverno.gov.br
26Informação concedida por moradora da Feirinha. Pesquisa Direta, mai 2006. 27Informação concedida por moradora da Feirinha. Pesquisa Direta, mai 2006.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
174
44..33..44 CCoottiiddiiaannoo,, ddeesseejjooss ee nneecceessssiiddaaddeess ddooss mmoorraaddoorreess ddaa FFeeiirriinnhhaa
Fundamentada na pesquisa empírica pudemos conhecer melhor a realidade
dos moradores da Feirinha, seus problemas, necessidades e desejos.
Predominantemente são problemas estruturais, coletivos, muito deles complexos, a
exemplo da regulamentação fundiária, sobre a qual discutiremos mais adiante.
A bem da verdade, esses problemas refletem, em escala nacional, a realidade
de milhares de trabalhadores assalariados, em crescente condição de
empobrecimento e de desigualdades sociais, cujas demandas básicas não têm sido
atendidas pelo Estado. Portanto, evidenciam o descaso do poder local e a ausência
de políticas públicas voltadas para provisão de moradias populares, bem como de
bens e serviços urbanos necessários à reprodução de suas condições de vida,
trabalho e cidadania.
Cidadania que deve ser incorporada às condições de habitabilidade, de
convivência e de vivência. Esta se realiza quando, conforme salienta Koga (2003), o
cidadão pode morar bem, passear com prazer e segurança, usufruindo dos serviços
públicos de forma digna. Muito embora, como nos aponta Milton Santos (1987), para
ter direito ao entorno, aos espaços públicos, os quais, segundo esse autor, foram
privatizados, o cidadão transforma-se em consumidor, tendo que pagar para usufruí-
los. Assim, ressalta
Temos que comprar o ar puro, os bosques, os planos de água, enquanto se criam espaços privatizados publicizados, como os playgrounds [...]. O lazer na cidade se torna igualmente o lazer pago, inserindo a população no mundo do consumo. Quem não pode pagar pelo estádio, pela piscina [...] fica excluído do gozo desses bens, que deveriam ser públicos, porque essenciais (SANTOS, 1987, p.48).
Esse geógrafo segue afirmando que essas questões constituem a formação
de um espaço empobrecido e que também se empobrece, quer seja de forma
material ou imaterial. Sob essa premissa, buscamos analisar as opiniões dos
moradores da Feirinha a respeito de seu cotidiano, arrolando as suas necessidades
mais emergenciais e os seus desejos, bem como as suas expectativas,
especialmente quanto, à iminência de uma remoção.
Assim, ao serem indagados sobre os principais problemas da ocupação e as
necessidades mais emergenciais, pedimos a eles que apontassem dois, dentre
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
175
aqueles mais graves, diretamente relacionados à sua qualidade de vida e à vida da
comunidade. As respostas fornecidas apontam as precárias condições de infra-
estrutura, sobretudo relativas ao esgoto a céu aberto, que aparece em 50% das
reclamações referidas, seguido dos Itens como a falta de calçamento e de
segurança (gráfico 4.9).
Gráfico 4.9. Principais problemas apontados pelos moradores da Feirinha. Fonte: Pesquisa Direta, 2006.
Outros problemas relevantes, manifestados em alguns depoimentos,
ressaltaram a preocupação com a violência e a falta de segurança, associada ao
consumo de drogas. Segundo os moradores, “a Feirinha está visada pela polícia”,
admitindo a existência de redes de tráficos de drogas em alguns setores da
ocupação, notadamente, no que eles chamam de “Rua Larga”, a única rua que
possibilita a passagem de carro e onde o fluxo de pessoas é maior. A ocorrência de
pequenos furtos, as constantes incursões da polícia, as brigas e o consumo de
drogas, sobretudo à noite, têm provocado uma maior inquietação entre os
moradores, conforme revelado no depoimento abaixo:
De uns tempos para cá, é um entre e sai de gente estranha aqui. Eu acho que é para comprar maconha. Na rua larga dizem que é o ponto de venda. [...] Agora, quando a polícia, vem eles correm e se escondem nos becos. A polícia fica perdida aqui dentro. Já houve troca de tiro pra lá. [...] A gente sai perdendo, né? Porque não se tem sossego. [...] Eu nem ando para o lado de lá (Informação verbal)28
28Informação concedida por moradora, dona de casa. Pesquisa Direta, mai 2006.
2
40
10
4
6
4
7
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45
Quantidade de vezes citados
Consum o de drogas
Esgoto a céu aberto
Falta de calçam ento
Falta de endereço
Falta de espaço de lazer
Falta de infra-estrutura
Falta de segurança
Prin
cipa
is p
robl
emas
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
176
Não menos importante que os problemas já apresentados, destaquemos a
demanda por uma área de lazer. A lamaceira dos esgotos, o restrito espaço físico
para circulação e a falta de calçamento são fatores que limitam ou mesmo impedem
as brincadeiras de corre-corre, a recreação, os jogos de bola nos becos e vielas
para um grupo de crianças, entre um e quinze anos, que compõe quarenta por
centos dos moradores.
As nossas crianças não têm espaço para brincar. Na frente de casa só tem esgoto. [...] Eu não deixo meus filhos irem para a rua larga porque lá só tem bebedeira e maconheiro. [...] Elas passam o dia em casa, só sai para a escola. [...] Vê televisão o dia todo e brinca em casa [...]. (Informação verbal)29
Essa fala confirma a nossa impressão sobre a inviabilidade do uso das vielas
da Feirinha para o desenvolvimento de atividades lúdicas da criançada. Na verdade,
essa realidade constitui um paradoxo, pois, a rua, nos bairros mais periféricos, é por
excelência o espaço das brincadeiras de criança, é onde acontecem os primeiros
ensaios de sociabilidade, de partilha, de articulações. No entanto, na Feirinha, de
modo geral, não há reserva de espaço para essas atividades. Por conseguinte, é
comum as crianças brincarem dentro de casa ou assistirem televisão.
Foto 4.11. Crianças brincando na porta de casa. Foto: Mateus Augusto, 2006
29 Informação concedida por moradora, dona de casa. Pesquisa Direta, mai 2006.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
177
Como bem assinalou uma mãe: “minha filha não brinca lá fora porque tem
muito esgoto, eu prefiro que ela fique vendo desenhos na TV. Eu não quero que ela
fique correndo por essas águas sujas. [...] Eu tenho muito medo que ela adoeça”
(Informação verbal)30. Aliás, a televisão é a principal forma de lazer e entretenimento
cotidiano não só da criançada, mas de toda a família. No tempo livre e nos finais de
semana, o encontro familiar se dá defronte à TV.
Outra forma de propiciar as atividades lúdicas seria o uso das praças. Mas
que praças?! Praticamente inexistentes em Mangabeira, como já vimos, a única
praça possível de atender a essa demanda é a do Coqueiral. No entanto, encontra-
se distante da Feirinha, fato que dificulta o deslocamento diário até lá. Além da
distância, pois o deslocamento seria feito a pé, vem ainda a falta de tempo dos pais,
os quais geralmente trabalham o dia todo em suas atividades domésticas ou extra-
lar.
Para os homens, o lazer ocorre nos fins de semana, promovido por reuniões
nos becos e vielas. O encontro dá-se defronte à casa de um amigo ou parente, onde
jogam cartas, dominó, regado com muita conversa e “bebedeira”. Na viela, o espaço
reduz-se ainda mais, fecha-se. Por ali, muitos evitam passar, pois as provocações e
zombarias do outro são muitas. Os olhares são indiscretos, as discussões em tom
alto discorrem sobre futebol, mulher, política, auto-afirmações, fofocas que, por
vezes, terminam em desavenças e agressões verbais. Quando não, vão para a
Feirinha ou para os bares do entorno da Feirinha.
“De bom de andar por aqui é dia de semana. Hoje é assim, jogo e bebida. O
que dá muito é isso, é discussão”, (Informação verbal)31, relatou-nos, meio
intolerante, uma moradora, numa de nossas idas à Feirinha, em um sábado à tarde.
Outrossim, dentre os problemas mencionados, uma reclamação nos chamou
atenção de modo especial. “Nós não temos endereço. O correio nem entra aqui.
Cadê o nome da rua? E o número?” (Informação verbal)32 A inexistência do
endereço reafirma a fragilidade da cidadania dos moradores da Feirinha,
principalmente quando os mesmos têm a necessidade de comprovar seus locais de
moradia, por ocasião de um cadastro comercial, de uma proposta de trabalho, de
30Informação concedida por moradora, faxineira. Pesquisa Direta, abr 2006. 31Informação concedida por moradora da Feirinha. Pesquisa Direta, abr 2006. 32Informação concedida por morador da Feirinha. Pesquisa Direta, abr 2006.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
178
uma mercadoria. Ou, ainda, no recebimento de correspondência de familiares que
moram em outras cidades.
O senhor continuou:
para se receber uma carta ou para fazer um crediário na loja, a gente pede o endereço de um parente ou dos vizinhos aí do conjunto. Se eles sabem que a pessoa é honesta, eles dão. Já deixei de comprar coisa no crediário porque não tinha como provar onde morava. (Informação verbal)33
Apesar de representar uma demanda mínima, comparada àquelas mais
emergenciais, ter um endereço é uma condição básica para quem habita numa
cidade, seja qual for o porte dessa cidade ou o perfil socioeconômico de uma dada
pessoa. Faz parte de sua condição social, de ser cidadão ou simples citadino.
Sabemos dos inúmeros problemas estruturais enfrentados pelos moradores
da Feirinha: a dura privação de bens e serviços; o estigma de ser favelado ou de ser
“da invasão”; a descriminação fomentada pelos moradores do entorno do quarteirão.
A despeito disso, a pesquisa direta revelou que as opiniões sobre morar na Feirinha
se dividem, apresentando diferentes formas de conceber a vida nesse espaço, que
para muitos significa a humilhação, depreciação social.
Para outros moradores, essa condição é definida pela falta de uma opção
melhor: “Moro porque é o jeito”; “não tenho um lugar melhor para ir”; “quem dera sair
desse lixo”; “mingúem merece viver escondido aqui”; “meu maior sonho é mudar”.
Essas são algumas referências negativas, em que 42,5% dos entrevistados acham
ruim ou péssimo morar nessa ocupação (gráfico 4.10).
No entanto, para aqueles que trabalham nas proximidades da mesma, os que
se ocupam dos biscates, a moradia na favela assume uma outra acepção, orientada
pela importância da acessibilidade aos serviços e bens urbanos disponíveis no
conjunto Mangabeira. Entre os entrevistados, 47,5% opinaram que gostam ou
acham muito bom, mesmo reconhecendo que “seria ainda melhor se o prefeito
mandasse fazer o saneamento e o calçamento”.
Sob essa visão, as falas seguintes: “Só é bom porque tem as coisas por
perto”. “Gosto daqui, porque sempre quis vir morar em Mangabeira”. “Pra mim é bom
porque trabalho aqui na Feirinha”. “Aqui eu tenho minha casa, então é bom”. “Gosto
33Informação concedida por morador da Feirinha, pintor. Pesquisa Direta, mai 2006.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
179
muito daqui, eu nasci e me criei aqui”. “Já saí e já voltei, porque gosto desse lugar”.
(Informações verbais)34.
Gráfico 4.10. Opinião dos moradores sobre o que acham de morar na Feirinha. Fonte: Pesquisa direta da autora, 2006.
Os mais recentes e aqueles que se declararam estar de passagem, pois não
pretendem ficar na Feirinha, não souberam dizer se é bom ou ruim. Associada à
pergunta acerca do morar na Feirinha, fizemos uma outra, cuja resposta foi
unânime. Em caso de remoção, para onde gostaria de ir? De forma desejosa, todos
apontaram o próprio conjunto Mangabeira como o lugar ideal de uma nova moradia.
Alguns moradores assim se expressaram: “Ninguém quer sair de Mangabeira”. “O
prefeito tem que fazer umas casas aqui em Mangabeira”. “Só saio daqui se for para
uma casa aqui mesmo no conjunto”. (Informações verbais)35
Inclusive, quando pronunciamos a questão da remoção, sentimos certa
apreensão por parte dos moradores, uma vez que são muitas as incertezas quanto
ao futuro da Feirinha, mesmo porque os moradores têm a compreensão que estão
numa área ilegal e que a ocupação é irregular. Em sua maioria, admitem, ainda, que
a única opção do poder público é a remoção.
De fato, sob o ponto de vista da legislação urbana, não é possível a
regulamentação fundiária, garantindo a posse do terreno ao morador, nem criar uma
Zona Especial de Interesse Social (ZEIS). Mas, considerando-se, sobretudo, a
34Concedidas por moradores da Feirinha. Pesquisa Direta, mai 2006. 35Informações concedidas por moradores da Feirinha. Pesquisa Direta, mai 2006.
10%
17,5
25%
10%
27.5%
10%
0 2 4 6 8 10 12
Muito bom
Bom
Gosta
Ruim
Péssimo
Não sabe
Opi
niõe
s
Freqüência de respostas
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
180
legislação municipal, quais são as garantias possíveis para os moradores da
Feirinha? Qual a viabilidade de remoção ou de regulamentação fundiária da área?
As discussões pertinentes a essas indagações compõem os próximos parágrafos.
44..44 SSoobbrree aa LLeeggiissllaaççããoo UUrrbbaannaa ee ooss aassppeeccttooss iilleeggaaiiss ddaa FFeeiirriinnhhaa
A priori, a organização de uma cidade deve ser orientada de acordo com um
conjunto de regras e posturas que formam a legislação urbana. Em João Pessoa,
assim como em muitas outras cidades brasileiras, os dispositivos legais que
ordenam a sua espacialidade têm sido burlados e desrespeitados sob diferentes
vieses. É possível observarmos o descumprimento, por exemplo, de alguns artigos
que compõem o Plano Diretor, especialmente os que versam sobre o uso e a
ocupação do solo urbano.
Deixemos claro que não queremos discutir o cumprimento da legislação
urbana por ela mesma, tampouco contorná-lo como solução para a garantia da
qualidade de vida do cidadão pessoense ou, mais especificamente, da Feirinha. Não
é esse o escopo. Até porque, como tivemos a oportunidade de refletir aqui, a origem
da Feirinha é de ordem estrutural, estando amplamente relacionada ao processo de
produção e reprodução desigual e fragmentada do espaço intra-urbano dessa
cidade. Mais ainda, a sua origem está inscrita sob uma lógica capitalista de divisão
territorial e social da cidade, segundo a qual os diferentes fragmentos da cidade
representam valores de uso e troca diferenciados.
Indiscutivelmente, o simples cumprimento da lei não promoverá a reversão de
um quadro de periferização, cuja forma planejada não esteve inscrita sob uma
legislação urbana, porque não é institucionalizada. Apesar de que, gradativa e
intencionalmente, reafirmou a formação de uma “cidade dos pobres” e uma “cidade
dos ricos”, como sugere Hardoy e Satterthwaite (1987).
No caso da Feirinha, como em tantas outras ocupações irregulares na cidade
de João Pessoa, o que esperamos do poder público são ações deliberativas, que,
baseadas em instrumentos legais, garantam aos moradores das ocupações e das
favelas o direito de morar na “cidade legal”, usando uma expressão de Maricato
(2001) e de Hardoy e Satterthwaite (1987). Ou seja, ações que visem a
democratização do acesso da população de baixa renda à terra regularizada e
urbanizada, possibilitando a obtenção do endereço da cidadania.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
181
Sob tais perspectivas, o propósito da elaboração deste subcapítulo é tão
somente para apresentarmos algumas disposições legais acerca do nosso objeto de
pesquisa empírica, o qual se encontra localizado numa área pública destinada à
implantação de equipamentos urbanos e de uma praça. À luz do Plano Diretor,
examinaremos sucintamente a ilegalidade da apropriação e uso do terreno da
Feirinha e os instrumentos legais que possibilitem uma solução a médio e curto
prazo, conforme os moradores esperam.
Instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana, o
Plano Diretor de João Pessoa, elaborado em 1992, juntamente com a Lei Orgânica
do Município, devem estabelecer as diretrizes para uma política urbana que
assegure o desenvolvimento integrado das funções sociais da cidade, garantindo o
seu uso de forma equânime por todos os segmentos da sociedade. Dentre seus
objetivos está a “regulamentação fundiária e a urbanização das áreas habitadas pela
população de baixa renda” (PLANO DIRETOR DE JOÃO PESSOA, 1994, p.2).
É também competência do poder público municipal, juntamente com as
demais esferas institucionais, o desenvolvimento de políticas habitacionais, voltadas
à provisão de moradia para a população de baixa renda. Esta é definida como
habitação de interesse social, ou seja, “aquela destinada à população que vive em
condições precárias de habitabilidade ou aufere renda inferior a cinco vezes o
salário mínimo ou seu sucedâneo legal” (PLANO DIRETOR DE JOÃO PESSOA
1994, p.7.) 36.
Tomando-se como referência o critério de renda e as condições de
habitabilidade, o morador da Feirinha apresenta todos os pré-requisitos necessários
para a sua inclusão nessa política. Aliás, uma inclusão que há muito se espera do
poder público. No decorrer dos anos, muitos foram os cadastros das famílias para,
possivelmente, serem contempladas com uma casa própria. Famílias que estão sob
uma condição de precariedade, de escassez e de penúria há mais de vinte anos –
um longo tempo de espera. Como observa Maricato (2001, p. 119).
A terra urbana significa terra servida por infra-estrutura e serviços (rede de água, rede de esgotos, rede de drenagem, transporte, coleta de lixo, iluminação pública, além dos equipamentos de educação, saúde etc.) Ou seja, a produção da moradia exige um pedaço de cidade e não de terra nua.
36 De acordo com o Plano Diretor de João Pessoa, para que houvesse a regulamentação fundiária e a urbanização dessas áreas, seria necessária a criação das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), no entanto, até os dias atuais estas zonas não foram definidas pelo poder público.
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Mas, sob o uso dos instrumentos legais, qual seria a solução para as
ocupações irregulares de Mangabeira, inclusive a Feirinha? De modo geral, no que
diz respeito às ocupações irregulares e às favelas, de acordo com a legislação
urbana, segundo o Plano Diretor e o Estatuto da Cidade, elas devem passar por
uma regularização fundiária e/ou urbanização ou, ainda, ser removidas. Fazendo-se
o uso adequado da lei, só há uma solução legal para a Feirinha: a remoção. Senão,
vejamos.
Primeiro. No tocante à regularização fundiária, cujo princípio básico é a
preservação da posse dos moradores no próprio local onde fixaram residência,
assim definida por Alfonsin (1997, p. 24, grifo nosso) como sendo o
Processo de intervenção pública, sob os aspectos jurídico, físico e social, que objetiva legalizar a permanência de populações moradoras de áreas urbanas ocupadas em desconformidade com a lei para fins de habitação, implicando acessoriamente melhorias no ambiente urbano do assentamento, no resgate da cidadania e da qualidade de vida da população beneficiária.
Segundo. Outra forma seria defini-la como ZEIS, por meio de lei municipal
específica ou de lei estabelecida no Plano Diretor da cidade. As ZEIS são definidas
como Zonas urbanas específicas, que podem conter áreas públicas ou particulares ocupadas por população de baixa renda, onde há interesse público de promover a urbanização e/ou a regulamentação jurídica da posse da terra, para salvaguardar o direito à moradia. [No Plano Diretor de João Pessoa, as ZEIS são] áreas destinadas primordialmente à produção, manutenção e à recuperação de habitações de interesses social e compreendem: I – terrenos públicos ou particulares ocupados por favelas ou por assentamentos assemelhados, em relação aos quais haja interesse público em se promover a urbanização ou a regulamentação jurídica da posse da terra. (CARDOSO, UZZO et alli, 2002, p. 92; 16).
Ora, sob o aspecto legal, esses dois instrumentos não poderão ser aplicados
à Feirinha, pois, em seu Art. 36, parágrafo III, o Plano Diretor da cidade estabelece:
Não são passíveis de urbanização e regulamentação fundiária as favelas, ou assentamentos assemelhados, localizados em áreas de uso público, nos seguintes casos:[...] III – localizados em áreas destinadas à realização de obras de interesse coletivo, sobretudo nas áreas de praças e de equipamentos de uso institucional. (CARDOSO, UZZO et alli, 2002, p. 18).
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Como vimos no capítulo três, em Mangabeira, todas as ocupações irregulares
estão localizadas em áreas públicas que foram planejadas como unidades de
vizinhança, destinadas à implantação de praças, equipamentos e serviços urbanos.
Portanto, qualquer forma de regularização fundiária terá impedimento mediante os
dispositivos da legislação urbana, estando inviabilizada, também, a urbanização da
área e a Concessão de Direito Real Uso do Solo. Este, segundo Costa (2002, p.
114), refere-se
A um direito real devido à relação estabelecida entre o imóvel (terreno, casa, prédio) e a pessoa que o possui e utiliza para satisfazer sua necessidade de moradia. O direito real permite o uso de ações para defender a posse ou a propriedade contra qualquer pessoa que viole ou prejudique o direito de possuir, utilizar e dispor do imóvel.
A partir do exposto, podemos afirmar que, sob o aspecto jurídico, a questão
das ocupações irregulares em Mangabeira se reveste de grande complexidade, daí
porque apontamos a remoção como solução viável para a Feirinha. Mas, para onde?
Indiscutivelmente, essa medida deve vir acompanhada de ampla participação dos
moradores, de forma direta ou por intermédio das associações, compondo-se uma
permanente interlocução com o poder público.
Ademais, enquanto não houver, efetivamente, um plano de intervenção
nessas áreas, elas estarão sujeitas às falsas promessas de campanhas eleitorais,
como constatamos ter ocorrido na última gestão municipal. O então prefeito Cícero
Lucena concedeu a alguns moradores da Feirinha um Termo Administrativo de
Concessão de Direito Real de Uso, cuja finalidade era de cumprir o Programa de
Regulamentação Fundiária previsto no Projeto “É Pra Morar” (Anexo A).
Muitos moradores foram ilusoriamente “contemplados”, sendo cooptados
politicamente, porque esse Termo não tem respaldo legal junto à legislação urbana.
Quando não, é ao “próprio espaço” da Feirinha que são prometidas obras de
modernização, a exemplo do projeto de construção de um shopping popular, após a
relocação dos moradores para uma outra área (Anexo B).
Por fim, reafirmamos a negligência e/ou ambigüidade do poder público na
elaboração e execução das políticas públicas de desenvolvimento urbano,
especialmente quando se trata de assegurar o direito de morar, com dignidade, às
camadas mais pobres e necessitadas da sociedade. Exemplo desse descaso é a
relocação dos recursos públicos do extinto BNH. Com efeito, lembramos que, na
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década de 1980, foi criado o Programa de Erradicação de Sub-Habitação
(PROMORAR), direcionado à urbanização de favelas e à promoção de novas
habitações, pelo sistema de autoconstrução.
Em João Pessoa, nessa época, essa política habitacional manteve seus
investimentos voltados para a construção dos grandes conjuntos populacionais
periféricos, com a remoção de algumas favelas, transferindo-se os seus moradores
para outras áreas, as quais, além de distantes, também não dispunham de infra-
estrutura básica. Segundo Cavalcanti (1999, p. 30), “a maior novidade do
PROMORAR era que promoveria a participação popular nas áreas de favelas e a
legalização da posse da terra, a construção das unidades habitacionais e a infra-
estrutura”.
Hoje, novos programas estão sendo implantados, como por exemplo, o
Programa Habitar Brasil BID/HBB (HABITAT), o qual destina recursos para o
fortalecimento institucional dos municípios e para a execução de obras e serviços de
infra-estrutura urbana e de ações de intervenção social e ambiental. Está destinado
“às famílias de baixa renda, predominantemente na faixa de até 3 salários mínimos,
que residam em assentamentos precários – favelas, mocambos, palafitas, entre
outras – localizados em regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e capitais de
estados” (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2006, p. 151)37. Mas, ainda assim, a
demanda por moradia é grande e as ações governamentais são lentas, sobretudo as
do governo local.
37 Disponível em http://www.cidades.gov.br/index. Acesso em jul 2006.
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CCoonnssiiddeerraaççõõeess ffiinnaaiiss
É difícil tecermos considerações finais após a análise de questões urbanas
tão complexas e prementes, postas como desafiadoras para qualquer gestão
pública: o processo de periferização e a condição da moradia. São questões que
consideramos estruturais, arraigadas nas cidades dos países subdesenvolvidos,
cujo espaço urbano foi contornado à luz de um modelo socioeconômico capitalista,
excludente e dependente, herdado de todo o processo de formação da urbanização
e industrialização. Assim, não restam dúvidas de que ele comporta grandes
contradições, conflitos e segregações socioespaciais.
Aliás, vimos que essas características reforçam o alto índice de pobreza
urbana, marcando, de forma lastimável, as médias e grandes cidades brasileiras.
Nestas, as periferias crescem evidenciadas pelas iniqüidades sociais e pelos
bolsões de misérias, concentrando um grande contingente de trabalhadores pobres
alijados do acesso à moradia digna e das benesses dos equipamentos e serviços
urbanos mais modernos, configurando-se, pois, uma “urbanização patológica”, no
dizer de José de Souza Martins (1981).
Em João Pessoa essa realidade, sob vários aspectos, não é diferente. Pois,
ao analisarmos o seu processo de expansão urbana, observamos que a cidade tem
sido estruturada a partir de um espaço intra-urbano fragmentado e
socioespacialmente desigual, no qual, também crescem as periferias. Como
resultante dessa estruturação, notamos a formação de uma cidade socialmente
segmentada, na qual, historicamente, as periferias mais afastadas dos centros
principais estiveram reservadas às classes mais pobres.
Inicialmente, no limiar do século XX, quando a cidade se “modernizava”, os
pobres foram considerados uma “classe perigosa” para a sociedade, por serem em
potencial responsáveis pela disseminação de epidemias. Nesse momento, as
campanhas higienistas, juntamente com a normatização das posturas urbanas,
impeliram os pobres para as áreas periféricas da cidade, onde passaram a viver em
moradias precárias, sem infra-estrutura e serviços urbanos.
Em um segundo momento, no Pós-Segunda Guerra, sob uma nova
conjuntura político-econômica, João Pessoa passa a sofrer uma maior intervenção
do poder público, sobretudo do Governo Federal, o que impulsiona o seu
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crescimento urbano. A cidade se expande na direção das praias, formando novas
áreas nobres, para as quais a elite se deslocou. Neste ínterim, vimos como as ações
públicas ou privadas de “modernização” da cidade transformaram o solo urbano,
conferindo-lhe um novo valor de uso e de troca.
Essas novas áreas, contempladas com maiores investimentos em infra-
estrutura, tornaram-se mais valorizadas, gerando uma maior especulação imobiliária,
cuja tendência, conforme constatamos, é o crescente aumento do preço da terra
urbana nas áreas nobres. Cada vez mais transformada em mercadoria, a sua
apropriação ocorre de forma seletiva, portanto, impeditiva à maioria dos
trabalhadores assalariados de baixa renda.
Concomitantemente, a cidade expande-se para as áreas mais ao sul-sudeste,
a partir da construção de grandes conjuntos habitacionais, financiados pelo
SFH/BNH. Por seu turno, esses conjuntos estão inseridos nas políticas públicas de
habitação, as quais tinham como intuito minimizar os impactos causados pela maior
valorização do solo urbano, por meio da provisão estatal de moradias populares.
Intencionalmente implantados em áreas distantes, fora do tecido urbano,
esses conjuntos passaram a abrigar grande parte dos trabalhadores assalariados de
baixa renda. Estes, devido às injunções socioeconômicas que sobre eles recaem,
não tendo condições de permanecer nas áreas mais centrais da cidade, recorrem às
linhas de créditos facilitados pelo então BHN, bem como das companhias de
habitação popular, a exemplo da CEHAP.
Entretanto, inscritos no modelo de desenvolvimento urbano desigual, esses
conjuntos reafirmaram a “urbanização patológica”, configurada por um processo de
periferização planejada. Como produtos desse processo, ampliaram-se as áreas
periféricas empobrecidas, carentes de equipamentos e serviços urbanos, locus da
moradia da classe trabalhadora pobre. É nesse contexto que inserimos e analisamos
o nosso objeto de pesquisa, a Feirinha, localizada no conjunto Mangabeira.
Como afirmamos ao longo deste trabalho, Mangabeira expressa a típica
periferia enquanto espaço de pobreza, sobretudo, quando nos debruçamos sobre a
análise de suas ocupações irregulares. Estas representam um subproduto do
processo de expansão urbana da cidade de João Pessoa, considerando-se que são
formadas por centenas de trabalhadores que foram excluídos dos programas de
construção de habitações sociais, bem como da cidade legal.
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Esses trabalhadores, “negligenciados” pelo poder público, passaram a ocupar
ou “invadir” espaços públicos, transformando-os espontaneamente em espaços de
moradia, onde autoconstruíram precariamente e de forma improvisada suas casas.
Ora, como salientamos no decorrer deste texto, se os trabalhadores recorreram a
essas formas de moradia, é porque não lhes restou outra opção. Afinal, “morar é
necessário”, como sentencia Rodrigues (2003).
Nessas ocupações encontramos parte dos trabalhadores despossuídos de
uma renda regular, os quais, na luta pela moradia, pelo direito à cidade, passam a
ocupar áreas públicas e/ou privadas transformando-as em espaços de moradia e de
sobrevivência. Submetidos a viver ilegalmente e em condições de extrema
precariedade e escassez, em casas autoconstruídas, improvisadas e sub-habitáveis.
Ademais, a alternativa da autoconstrução revela que os programas oficiais
estatais de provisão habitacional são incompatíveis com a realidade de milhões de
trabalhadores sem rendimento ou que estão baixo da média exigida pelas linhas de
crédito dos financiamentos da tão sonhada e desejada casa própria. Portanto, é pela
autoconstrução nas ocupações irregulares, fazendo-se uso de seus dias de folga, do
sobretrabalho, dos sistemas de mutirão, que a classe pobre realiza esse desejo.
Assim, a ocupação irregular da Feirinha, tomada como recorte empírico de
nossa pesquisa, constitui uma síntese das condições de vida e de trabalho desse
segmento de trabalhadores, para o qual associamos, além das péssimas condições
de moradia, outros problemas não menos complexos: baixo nível de renda e de
escolaridade, subemprego, desemprego, falta de participação social. Expressa
também, os níveis de descaso do poder local com a problemática da moradia em
João Pessoa, o fato de ser essa uma situação comum em mais de sessenta por
cento dos bairros dessa cidade.
Daí, considerarmos que a problemática da moradia dificilmente será resolvida
dentro do sistema capitalista, onde persistem os modelos injustos de
distribuição/concentração de renda. Além disso, o poder público, de certa forma,
institucionaliza esse modelo, quando viabiliza a sua reprodução em função de seus
próprios interesses e do capital. Portanto, essa problemática é um produto
necessário a esse sistema de produção. Ademais, como vimos, o capitalismo
transformou a moradia em uma mercadoria e, como qualquer outro produto, a sua
oferta passou a depender da capacidade de solvência do “consumidor”.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
188
Nesse caso, partimos da premissa de que o acesso à moradia de qualidade,
estão diretamente relacionados ao quanto o cidadão pode pagar para consumi-la. O
sistema, contudo, não propõe uma solução para quem não tem condições de pagar
por esta mercadoria. Entretanto, o cidadão que imaginamos não é aquele que é tão
somente portador de direitos civis e políticos, mas aquele que também deve ser
revestido de direitos sociais, entre os quais se incluem, exatamente, o direito à
moradia.
Portanto, admitimos que a ação do Estado como a gente da urbanização e
como fomentador da produção de moradia, releva-se ambígua. Sob a égide do
capitalismo, o Estado age fortemente atrelado aos interesses do grande capital,
secundarizando as políticas sociais. Quando pressionado pelos interesses das
camadas mais pobres, assume um papel clientelista e paternalista, desenvolvendo
programas sociais paliativos, nem sempre sequer compatíveis com as demandas da
sociedade.
Conforme tivemos oportunidade de constatar, a situação de penúria dos
moradores da Feirinha contribui para que o Estado mantenha um maior controle das
demandas de infra-estrutura mais emergenciais. Isso lhes impõe uma dependência
quanto às ações oportunistas de muitos parlamentares, que se utilizam das práticas
assistencialistas para garantir seus interesses eleitorais. Nesse sentido, a pobreza, a
ilegalidade e a fragilidade da cidadania dos moradores da Feirinha são funcionais a
esse tipo de prática.
Ainda a partir de nossas incursões na Feirinha, pudemos perceber a violação
dos direitos constitucionais do cidadão, tal como a violação do direito à moradia
adequada, Art. 6º da Constituição Federal: a situação de risco, com grave ameaça à
saúde e à vida, pela insalubridade provocada pelas infiltrações, pelos esgotos a céu
aberto, configura ameaça à saúde pública. Contrariando o direito a viver
dignamente, vimos habitações precárias, barracos autoconstruídos, que não
garantem aos moradores segurança e qualidade de vida.
Por fim, reafirmamos que o poder público, especialmente a administração
municipal, deve ser responsabilizado por omitir-se de uma solução definitiva para os
moradores da ocupação irregular da Feirinha. A ausência do poder local contribui
para a exposição dos moradores a uma situação de risco, bem como à constante
humilhação de morar na ilegalidade. Pois, se a legislação urbana, com base no
Plano Diretor não garante a regulamentação fundiária, então que se criem condições
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
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adequadas para a remoção, assegurando-lhes o direito a uma moradia legal, numa
localidade que lhes possibilite desenvolver suas atividades produtivas de
subsistência.
Para os moradores da Feirinha, acreditamos que o mais emergencial é a
retomada da organização comunitária, por intermédio de formação de uma
associação que possa, de forma lícita – não cooptada por interesses político-
partidários –, lutar pelo interesses coletivos, conquistando seus direitos de cidadãos
e o direito de morar com dignidade.
Portanto, a não participação do cidadão na luta por seus direitos implicará a
manutenção do modelo de desenvolvimento socioeconômico desigual e segregador,
como já apontado aqui, levando-nos a crer numa agudização do atual quadro das
iniqüidades sociais nessas ocupações irregulares. Assim, um prognóstico
lamentável: multiplicar-se-ão as favelas, as ocupações e a pobreza urbana.
Nesse sentido, esperamos que as reflexões desenvolvidas, neste trabalho,
possam contribuir para o exercício de pensar e planejar uma cidade mais justa e
humana, onde as desigualdades sejam atenuadas; havendo um maior compromisso
político e social com os milhões de trabalhadores que constituem a grande parte da
força de trabalho desse país, para que sua inclusão na sociedade não seja periférica
como um cidadão alijado do direito à cidade e a dignidade.
Portanto, admitimos que mais do que em nem um outro espaço, é no espaço
da cidade onde percebemos o permanente gládio entre os poderes hegemônicos, o
Estado e uma imensa camada da sociedade à espera de seu devir cidadão. Desta
forma, reafirmamos que não só o planejamento urbano, mas também a gestão
urbana e o poder público, parecem não querer dissimular as dicotomias entre as
concepções cidadão-citadino; cidade legal-cidade ilegal; cidade modernizada-cidade
tradicional. Pois, aos olhos do cidadão, dos citadinos, essas dicotomias são bem
visíveis e estão desenhadas, materializadas nas múltiplas paisagens da cidade
fragmentada, prestes a uma explosão-implosão.
Dissertação de Mestrado – PPGG/UFPB ARAÚJO, L.M.
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ANEXO A
ANEXO B
APÊNDICE A
I. OCUPAÇÃO DO DOMICÍLIO 1. Esta casa é: a. [ ] Própria d. [ ] Cedida b. [ ] Ocupada e. [ ] Invadida c. [ ] Alugada Ú Valor Médio: ___________ 2. Como adquiriu? a. [ ] Recursos Próprios d. [ ] Construída/instituição b. [ ] Cedida e. [ ] Comprada pronto c. [ ] Construída /conta própria Inst.? _________________________________________
3. Já foi realizada melhoria ou aumento? [ ] Não [ ] Sim Ú Qual a origem dos recursos? a. [ ] Próprio b. [ ] Instituição governamental c. [ ] Associação ou instituição beneficente d. [ [ Políticos Ú [ ] Vereador [ ] Deputado e. [ ] Doações Ú [ ] Parente [ ] Amigos Instituição: _____________________________________ II. CARACTERÍSTICAS DO DOMICÍLIO 1. Tipo de domicílio a. [ ] Casa isolada b. [ ] Casa geminada > por 1 [ ] lado ou 2 [ ] dos lados Numero de cômodos: ____________ 2. Instalações sanitárias: a. [ ] Privada [ ] Dentro de casa [ ] Fora de casa b. [ ] Banheiro [ ] Dentro de casa [ ] Fora de casa c. [ ] Usa banheiro coletivo
Outro tipo de condição: _________________________ 3. Destino das águas servidas (banheiro e pia): a. [ ] Rede geral c. [ ] Vala para viela b. [ ] Fossa Céu aberto? [ ] Não [ ] Sim Outro tipo de condição: ____________________________ 4. Destino dos dejetos das privadas: a. [ ] Rede geral c. [ ] Vala para rua ou quintal b. [ ] Fossa Céu aberto? [ ] Não [ ] Sim
Outro tipo de condição: __________________________ 5. Abastecimento de água: a. [ ] Rede pública Ligação direta: [ ] b. [ ] Poço c. Faz Tratamento para consumir? [ ] Não [ ] Sim 6. Energia elétrica: a. [ ] Com medidor c. [ ] Ligação direta b. [ [ Sem medidor Outro ____________________ III. CARACTERÍSTICAS DA FAMÍLIA 1. Responsável pelo domicílio: [ ] Masculino [ ] Feminino 2. Composição da família residente: a. [ ] Único morador d. [ ] Marido + mulher b. [ ] Família e. [ ] Família + agregados c. [ ] Mais de uma família f. [ ] Grupo convivente Total de pessoas residentes? _________ 3. Qual o membro de maior rendimento? a. [ ]Esposo ou [ ] Esposa b. [ ]Avô ou [ ] Avó c. [ ]Filho ou [ ] Filha 4. Em que e onde trabalha o responsável do domicílio? _____________________________/_____________________ a) Qual a idade: _________ 5. No domicílio, quantas pessoas trabalham?_________ a) Quais são as atividades? E onde trabalham (bairro) ____________________________/______________________________________________________/__________________________________________________________/__________________________________ 6. Qual a média geral de rendimento da família: ___________ 7. Tem criança? a. [ ]Não b. [ ] Sim Quantas? ____ a) Qual(ais) a(s) idade(s)? ____, ___, ___, ____, ___, ____ b) Freqüenta(m) a escola? ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( )
(Marcar com X as que estudam) 8. A família é beneficiada por algum programa do Governo Federal ou estadual? Qual(ais)? __________________________________________
Nome do entrevistado: _______________________Idade: _______ Nome do entrevistador: ______________
Rua:_________________________ Referência: _________________ Data da entrevista: ___ / ____ / ____
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA - CCEN - PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA (MESTRADO) PESQUISA: Produção do espaço intra-urbano e ocupações irregulares em Mangabeira PESQUISADORA: Luciana Araújo ORIENTADORA: Profª Drª. Doralice Sátyro Maia
9. Tem alguém doente no domicílio? [ ]Não [ ] Sim. De
que?
__________________________________________________
VI. CARACTERÍSTICAS DO RESPONSÁVEL PELO DOMICÍLIO
1.O responsável pelo domicílio é nasceu em J. Pessoa?
a. [ ] Não b. [ ] Sim
2. Em qual município nasceu? (o responsável pelo
domicílio) _______________________________________UF:____
a. [ ] zona urbana b. [ ] Zona rural
3. Quando e por que mudou do município de onde nasceu? __________________________________________________
__________________________________________________
4. Para onde mudou (ou em quais cidades já morou)?: __________________________________________________
__________________________________________________ 5. Em que ano veio morar em J. Pessoa? ________
6. Quando chegou em João Pessoa, em qual (ais) área(s) ou bairro(s) da cidade morou? (onde já morou)
__________________________________________________
7. Qual o tipo de casa que morava antes de morar na Feirinha? (Era própria ou alugada ou cedida)
__________________________________________________
__________________________________________________
a) Por que saiu? __________________________________________________
__________________________________________________ 8. Em qual ano o (a) senhor(s) veio morar aqui na Feirinha?
(ou há quanto tempo mora) _____________ 9 . Onde morou antes de morar neste lugar (Feirinha)?
__________________________________________________
10. Por que veio morar na Feirinha? __________________________________________________
__________________________________________________
V. SOBRE O ENTREVISTADO
1. O que o (a) senhor (a) acha de morar aqui, na Feirinha? __________________________________________________
__________________________________________________
__________________________________________________________
____________________________________________________________________________________________________________________
2. Como o senhor(a) vê a participação das associações
comunitárias aqui na Feirinha? Já recebeu algum beneficiamento meio delas? Qual (ais)?
____________________________________________________________________________________________________________________
3. Em sua opinião, quais são os principais problemas daqui da
Feirinha? (pelo menos três problemas) __________________________________________________________
__________________________________________________________
4. O (a) senhor (a) tem vontade se mudar daqui da Feirinha? Por quê?
__________________________________________________________ __________________________________________________________
5. Vem muitos políticos por aqui? O que mais eles prometem?
____________________________________________________________________________________________________________________
6. O (a) senhor(a) acha que os moradores daqui são discriminados
pelo restante do conjunto? O que eles dizem sobre estas ocupações?
____________________________________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________
7. O que o (a) senhor(a) acha do conjunto de Mangabeira? __________________________________________________________
__________________________________________________________
8. Quando necessita de atendimento médico, para onde vai? __________________________________________________________
9. O (a) senhor(a) costuma participa das reuniões comunitárias para discutir os problemas daqui da feirinha?(pedir para justificar)
____________________________________________________________________________________________________________________
10. Caso haja remoção da Feirinha, para onde gostaria de ir morar? Por que?
____________________________________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________
APÊNDICE B
Universidade Federal da Paraíba - UFPB
Centro de Ciências Exatas e da Natureza - CCEN
Programa de Pós-Graduação em Geografia – Mestrado - PPGG
Local da entrevista: ________________________________________ Data: ______________ Duração:
Entrevistadora: Luciana Medeiros de Araújo
Entidade: __________________________________________________________________________________
Entrevistado: Sr(a) . ____________________________________ Função: _____________________________
__________________________________________________________________________________________
1. Quais são as áreas irregulares, em João Pessoa, acompanhadas por esta entidade?
2. Esta entidade vem atuando em Mangabeira? Tem alguma área específica (ou áreas)?
3. Há alguma atuação desta entidade na ocupação da Feirinha, em Mangaberia? Que tipo de trabalho é
realizado?
4. Como esta entidade analisa a questão de moradia em João Pessoa?
5. Qual o principal objetivo desta entidade em relação à moradia? Como se dá o trabalho da entidade?
6. Quais as principais urgências detectadas por esta entidade no que se refere à habitação em João
Pessoa?
7. Como se dá a relação desta entidade como as associações comunitárias de Mangabeira?
8. Como se dá o diálogo entre esta entidade e o poder público local?
9. Quando ocorrem as ocupações, como se dá o seu planejamento? Existe uma escala de atendimento
prioritário?
10. Como esta entidade analisa as ocupações irregulares em Mangabeira, especialmente aquelas situadas
em áreas públicas destinadas aos equipamentos comunitários?
APÊNDICE C
Universidade Federal da Paraíba - UFPB
Centro de Ciências Exatas e da Natureza - CCEN
Programa de Pós-Graduação em Geografia – Mestrado - PPGG
Local da entrevista: __________________________________Data: ______________
Entrevistadora: Luciana Medeiros de Araújo
Entrevistado: Srª. Douraci Vieira dos Santos – Secretária de Desenvolvimento
Social – SEDES/PMJP
___________________________________________________________________
1) O Plano Diretor, em seu Art. 58, estabelece as diretrizes para a política
habitacional da cidade de João Pessoa. Existe uma diretriz que diz respeito à
criação, por lei especial, do Fundo Municipal de fomento à habitação. Este fundo já
foi criado? Se existe:
a) De onde capta recursos?
b) Como tem sido aplicado para a produção de habitação de interesse social?
c) Em quais áreas da cidade será mais aplicado?
d) O Plano Diretor prevê também a formação de um conselho Diretor. Este conselho
existe? Como funciona?
2) Dentre as diretrizes da política de habitação do Plano Diretor (seção I sobre
habitação e as ZEIS) tem-se a adoção de programas de incremento de moradias
populares, com prioridade para autoconstrução. Como o poder público local
viabilizará este programa de autoconstrução?
3) Existe algum tipo de controle sobre o uso de material e técnicas de
autoconstrução de moradias?
4) Qual o nível de renda do cidadão é necessário para que este possa ser
contemplado com os benefícios destes programas?
5) O Plano Diretor prevê a formação do Conselho de Desenvolvimento Urbano.
a) Quem forma este conselho? Quais as entidades participantes?
b) Quais os instrumentos de atuação?
c) Quem é o secretário executivo do Conselho de Desenvolvimento Urbano?
6) O Plano Diretor prevê a criação das ZEIS.
a) Estas zonas já foram regularizadas e implementadas?
b) De acordo com o Plano Diretor, só existe uma ZEIS em Mangabeira, por que as
demais áreas com ocupações irregulares não são consideradas? Ou já são? Quais?
c) Já existem programas de urbanização elaborados para essas ZEIS?
d) Dentre aquelas previstas pelo Plano Diretor, quais as mais prioritárias?
7) Qual o déficit habitacional quantitativo, hoje, em João Pessoa?
8) Sobre as áreas com ocupações irregulares em Mangabeira:
a) Como esta secretaria vê a expansão das ocupações irregulares em Mangabeira?
b) Existe algum programa de urbanização ou de remoção, ou mesmo de
regulamentação fundiária, paras áreas públicas ocupadas irregularmente neste
conjunto?
c) Existe algum projeto voltado para a ocupação da Feirinha? Qual?
9) Qual a associação entre os programas de habitação implantados por esta
administração e o Programa Habitar Brasil do Governo Federal?