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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS - MG Instituto de Ciências da Natureza Curso de Geografia Bacharelado ou Licenciatura JÉSSICA DANIELLE FERREIRA DO AMARAL AS RELAÇÕES DE GÊNERO NOS ACAMPAMENTOS E ASSENTAMENTOS DO MUNICÍPIO DE CAMPO DO MEIO - MG Alfenas - MG 2019

UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS - MG · Agradecimentos Em primeiro lugar agradeço a minha orientadora Prof. ª Dr.ª Ana Rute do Vale, que com muita experiência, anos de muito trabalho

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS - MG

Instituto de Ciências da Natureza

Curso de Geografia – Bacharelado ou Licenciatura

JÉSSICA DANIELLE FERREIRA DO AMARAL

AS RELAÇÕES DE GÊNERO NOS ACAMPAMENTOS E

ASSENTAMENTOS DO MUNICÍPIO DE CAMPO DO

MEIO - MG

Alfenas - MG

2019

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JÉSSICA DANIELLE FERREIRA DO AMARAL

AS RELAÇÕES DE GÊNERO NOS ACAMPAMENTOS E

ASSENTAMENTOS DO MUNICÍPIO DE CAMPO DO

MEIO - MG

Trabalho de Conclusão de Curso

apresentado como parte dos requisitos para

obtenção do título de Licenciada em

Geografia pelo Instituto de Ciências da

Natureza da Universidade Federal de

Alfenas - MG, sob orientação do(a) Prof.ª

Dr.ª Ana Rute do Vale.

Alfenas – MG

2019

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Banca Examinadora

_____________________________________________

Titulação, nome completo e instituição do Orientador

_____________________________________________

Titulação, nome completo e instituição do Avaliador 01

_____________________________________________

Titulação, nome completo e instituição do Avaliador 02

Alfenas (MG), __/__/____

_________________________________

Resultado

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(...) Descreve seu moço, a mulher insurgente,

De foice e facão, bandeira e suor

Descreve esta luta que levo com a gente

De ser combatente com muito valor.

Descreve do jeito que bem entender,

Descreve seu moço,

Porém não te esqueças de acrescentar

Que eu também sei plantar,

Que eu também sei lutar,

Que meu nome é mulher.

(Pe Zezinho. Adaptação: Mulheres MST)

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Às mulheres de ontem, às mulheres de hoje, e às

mulheres que virão. Às mulheres: Maria (Vovó

Meu Anjo da Guarda), Valdelúcia, Gabriela,

Sandra, Flávia, Ana Rute, e xs Companheirxs do

MST. À minha família e meus Companheiros e

Companheiras de luta. Ao meu querido Enzo, que

crescerá em um mundo de Mulheres de luta.

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Agradecimentos

Em primeiro lugar agradeço a minha orientadora Prof.ª Dr.ª Ana Rute do Vale, que

com muita experiência, anos de muito trabalho na geografia, e com o seu carinho, me

proporcionou adentrar ao universo da geografia agrária e ao feminismo. E me ajuda a

construir minha jornada na geografia, através do seu apoio. A Prof.ª Dr.ª Sandra de Castro de

Azevedo, que me fez sentir a educação como ferramenta de luta, e que me ensina a arte de

como ser mais paciente e como ter força na luta. Ao Prof. Dr. Evânio dos Santos Branquinho,

por aceitar os desafios das minhas mirabolantes ideias, e abrir seu armário cheio de livros e

mais ideias, sempre com muito carinho.

A minha companheira, Gabriela Cristina da Silva Vitor, feminista negra, que me

ensina cotidianamente a arte de ser mais forte enquanto mulher, e que tem me ajudado a

compreender a minha branquitude, e que acompanha minha vitórias e derrotas, com muita

paciência, apoio, carinho e amor.

As mulheres do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que abriram

seus corações e vidas. E as mulheres campesinas que fazem parte das raízes da terra e já não

estão mais entre nós, que permitiram construir meu conhecimento, através daqueles que

deixaram.

A minha Vó, que mesmo até a quarta série, tem a sabedoria que me ajuda a trilha essa

vida, e sempre me impulsou a estudar.

As companheiras e companheiros de luta, que atravessaram meu caminho na

universidade e me ajudaram a construir meu conhecimento.

A minha família, que está sempre comigo, com suas diversas formas de apoio.

A todas e todos os meus Professores do Ensino Básico e aos meus Professores da

Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL -MG).

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Resumo

As discussões sobre as relações de gênero tiveram um enorme avanço conceitual na

década de 1970, juntamente com o desenvolvimento de uma geografia crítica. A geografia

caminhava na tentativa de apreender esses espaços sociais. Surge então a geografia feminista,

em busca da compreensão dos diversos espaços femininos, em contrapartida, a uma ciência de

homens, que apontava apenas para uma perspectiva masculina de leitura do mundo. Na cidade

ocorreu o aumento dos movimentos sociais feministas, mas o rural não fica de fora. Pois, os

constantes movimentos rural-cidade-rural, entrelaçam a diversidade e a complexidade da

sociedade atual. As relações de gênero se tornaram um dos pontos de partida para

compreender as injustiças sociais e as desigualdades de gênero. Neste sentindo, à

aproximação aos estudos de gênero e a luta pela terra no município de Campo do Meio – MG,

que despertou questionamentos sobre as relações de gênero das mulheres acampadas e

assentadas. O objetivo desta pesquisa, busca captar através do cotidiano destas mulheres

campesinas, os elementos que estruturam os papéis sociais e as relações de gênero. A

metodologia do trabalho é um convite a um novo método de exposição, em que a

transversalidade se une ao sujeito da pesquisa, para que este possa tecer a sua história. Os

resultados da pesquisa ainda identificam várias dificuldades quando se tratam das relações de

gênero, mas os avanços estão presentes na organização e na estruturação das suas

participações, representatividades e no Coletivo Mulheres Raízes da Terra.

Palavras-chave: Cotidiano; Gênero; Campesinato; Geografia; Feminismo.

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Abstract

Discussions on gender relations took a major conceptual breakthrough in the 1970s, along

with the development of a critical geography. Geography was in the process of apprehending

these social spaces. The feminist geography arises, in search of the understanding of the

diverse feminine spaces, in contrast, to a science of men, that pointed only to a masculine

perspective of reading of the world. The city is the scene of an upsurge of feminist social

movements, but the rural is not left out. For the constant rural-city-rural movements

intertwine the diversity and complexity of present-day society. Gender relations have become

one of the starting points for understanding social injustices and gender inequalities. In this

sense, the approach to gender studies and the struggle for land in the municipality of Campo

do Meio - MG, which raised questions about the gender relations of women camped and

settled. The objective of this research is to capture through the daily life of these rural women

the elements that structure social roles and gender relations. The methodology of the work is

an invitation to a new method of exposition, in which transversality joins the subject of the

research, so that it can weave its history. The results of the research still identify several

difficulties when dealing with gender relations, but the advances are present in the

organization and structuring of its participations, representativities and in the Collective

Mulheres Raízes da Terra.

Keywords: Everyday life; Gender; Peasantry; Geography; Feminism.

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Lista de ilustrações

Figura 01 – Mapa de localização geográfica do município de Campo do Meio – MG e dos

assentamentos Primeiro do Sul e Nova Conquista II............................................................... 18

Figura 02 – Mapa de localização dos acampamentos na ex-usina Ariadnópolis – Campo do

Meio-MG................................................................................................................................. 19

Figura 03 – Reunião do setor de saúde dos assentamentos e acampamentos..........................21

Figura 04 – Reunião sobre o curso de plantas medicinais dos acampamentos e assentamentos

– Campo do Meio-MG..............................................................................................................21

Figura 05 – Compartilhando saberes com as acampadas e assentadas – Campo do Meio-

MG............................................................................................................................................35

Figura 06 – Mapa mental da P.M. ...........................................................................................39

Figura 07 – Residência da P.M. ..............................................................................................39

Figura 08 – Residência da D.R. ..............................................................................................40

Figura 09 – Mapa mental da D.R. ...........................................................................................40

Figura 10 – Mapa mental da E.A. ...........................................................................................41

Figura 11 – Mapa mental E.E. ................................................................................................41

Figura 12 – Mapa mental da D.C. ...........................................................................................42

Figura 13 – Mapa mental da C.A. ...........................................................................................43

Figura 14 – Habitat I................................................................................................................50

Figura 15 – À luta I..................................................................................................................51

Figura 16 – À luta II.................................................................................................................51

Figura 17 – Habitat II...............................................................................................................52

Figura 18 – Habitat III.............................................................................................................52

Figura 19 – À luta III...............................................................................................................53

Figura 20 – Encontro do Coletivo de Mulheres Raízes da Terra.............................................71

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Lista de quadros

Quadro 01 – Resumo dos dados coletados e das anotações sobrea as mulheres acampadas e

assentadas................................................................................................................................. 23

Quadro 02 – Diferenças entres acampamentos e assentamentos.............................................44

Quadro 03 – Demandas das mulheres acampadas e assentadas do MST................................47

Quadro 04 – Processo histórico dos acampamentos e dos assentamentos..............................54

Quadro 05 – Acampamentos do Quilombo Campo Grande....................................................56

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Lista de siglas

EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

FACA – Feira Agroecológica e Cultural de Alfenas – MG

FAO – Food and Agriculture Organization of the United Nations (Organização das Nações

Unidas para Alimentação e Agricultura)

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

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Sumário

Lista de ilustrações ..................................................................................................................... 9

Lista de quadros ........................................................................................................................ 10

Lista de siglas ........................................................................................................................... 11

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 13

2 RELAÇÕES DE GÊNERO NAS RAÍZES DA TERRA .................................................. 17

3 O COTIDIANO COMO FERRAMENTA DE ANÁLISE ............................................... 30

3.1 A (re)produção do cotidiano das mulheres: O que elas têm a nos dizer? ................... 38

3.2 Uma estrutura em colapso: O patriarcado no meio rural ............................................ 48

3.3 Do habitat à luta, da luta ao habitat ............................................................................... 52

4 A PRODUÇÃO DO ESPAÇO DAS MULHERES CAMPESINAS ................................ 61

4.1 A geografia a caminho de outras categorias: As relações de gênero ........................... 63

4.2 A geografia agrária das mulheres campesinas .............................................................. 68

4.3 E para não dizer que não falei das “Margaridas”: Participando sem medo de ser

mulher! .................................................................................................................................... 72

5 CONCLUSÃO ...................................................................................................................... 76

ANEXOS ................................................................................................................................. 82

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1 INTRODUÇÃO

Ao iniciar os estudos, a partir das relações de gênero dentro da geografia, os processos

de reforma agrária e a formação política realizada pelo MST no ano de 2014 no assentamento

Primeiro do Sul, alguns questionamentos surgiram em torno desses temas. O primeiro,

pensando sobre a realidade vivida pelas mulheres e a relação com o espaço geográfico: como

esses espaços de vida cotidiana, de assentamentos e acampamentos, produz as relações de

gênero? O segundo, como os instrumentos teórico-metodológicos da ciência geográfica são

suficientes para compreender de que forma essas mulheres campesinas produzem o espaço?

Podemos incialmente afirmar, que existe uma invisibilidade, que começa a ser

descortinada sobre as mulheres na abordagem geográfica, devido aos estudos de

pesquisadoras, e o desenvolvimento da Geografia Feminista nos anos 70. Quando se fala das

relações de gênero dentro dos assentamentos e acampamentos de reforma agrária, fazendo um

recorte geográfico, busca-se dar visibilidade a esse tema dentro da ciência geográfica. Temos

que levar em consideração que existe diferenças de atuações no espaço geográfico, entre

mulheres e homens, que passam pela categoria de gênero.

Essa pesquisa avança quando percebe que a análise sobre as relações de gênero no

campo deve ir além de uma compreensão do público para alcançar a escala do privado, e por

isso fomos até o cotidiano, porque compreendemos que é nele que o sujeito apresenta sua

realidade de forma mais intensa e informal. Relacionar as relações de gênero, através de uma

leitura geográfica se torna uma proposta teórica, na tentativa de apreender o papel das

mulheres e suas atuações que envolvem tempo, espaço e escala dentro dos assentamentos e

acampamentos. Mesmo com todos os avanços promovidos pelo MST, ainda existe a

invisibilidade do papel feminino na produção do espaço, e espaços destinados às atividades

femininas, como por exemplo, a horta. Mas, de que forma as mulheres produzem o espaço?

A geografia de gênero busca interpretar as relações socioespaciais, as desigualdades de

gênero que atingem principalmente as mulheres, o trabalho feminino, para além, da esfera

doméstica e o trabalho informal, para a apreensão das origens da subordinação das mulheres.

Os estudos sobre gênero no meio rural datam aproximadamente da década de 1980, com

temáticas que envolvem as atividades produtivas, reprodutivas e o excesso de trabalho. O

tempo dedicado a atividade (re)produtiva se alterou, através da modernização do campo e o

avanço do capitalismo, que foi responsável por estabelecer em algumas regiões um complexo

agroindustrial, o que possivelmente ocasionou uma outra dinâmica no campo, e na própria

estrutura de uma prática de agricultura de base familiar. A influência do marxismo no

feminismo propiciou elaborar um recorte de classe, mas foi fundamental ir além dos fatores

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econômicos para perceber como as campesinas nas suas relações de gênero produzem o

espaço.

Foram selecionados os acampamentos e assentamentos de reforma agrária, por ser o

universo de vivência das mulheres. Os acampamentos podem ser considerados espaços de

transição, ocupados por um período temporário, no qual os sem-terra constroem barracos de

lona, os mais conhecidos são os barracos de lona preta, nas beiras das estradas, mas também

podem ocupar áreas consideradas centrais nas propriedades fundiárias. As terras ocupadas são

configuradas, através de abandono do proprietário, ou seja, são consideradas “improdutivas”,

ou tem dívidas trabalhistas ou dívidas com o Estado. Sendo assim, essas terras devem ser

analisadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), se houve

irregularidades, a terra deverá ser destinada para fins de reforma agrária. Nenhuma terra é

“invadida”, a terra é ocupada, e dela homens e mulheres buscam o seu direito pela terra, que é

ocasionada pela não ocorrência de reforma agrária no país, sujeitando esses indivíduos a

condições de acampadas e acampados em situações precárias. Quando há ocupação, mesmo

depois de percebido as irregularidades da área, o proprietário poderá solicitar a desocupação

forçada e imediata da propriedade, o que é chamado de reintegração de posse.

O acampamento então se apresenta como lugar de transição, sendo um espaço

estratégico para forçar o governo a assentar. Os assentamentos são áreas já consolidadas,

regularizadas pelo INCRA, são terras destinadas para o fim de reforma agrária. As unidades

agrícolas, que são as parcelas, lotes ou glebas, são distribuídos pelo INCRA às famílias que

não têm condições de adquirir terras. Mas, o processo de um assentamento não é tão simples

assim; poucos assentamentos são regularizados, sem ter antes passado por um processo de

acampamento.

Nesta pesquisa não vamos adentrar a essas categorias, sobre o que é um acampamento

e assentamento. O objetivo foi apenas iniciar uma pequena explanação sobre o tema, na

tentativa de compreender o porquê dos conceitos e o que está por trás deles, em forma de lutas,

conflitos e conquistas dos sem-terra. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

(MST), iniciou sua formação no Centro-Sul do País, no ano de 1979, com o objetivo de

organizar famílias/trabalhadores rurais na busca pelo direito à terra. Mesmo depois da

conquista dos assentamentos, o movimento permanece, porque compreende que para além de

assentar, é necessário reforma agrária popular. O movimento é organizado em setores, níveis,

coordenadorias, direções, núcleos, e depende da região, surgem outros papéis surgem.

O objetivo geral da pesquisa pretendeu analisar as relações de gênero, que envolvem

as mulheres acampadas e assentadas do município de Campo do Meio-MG, a fim de

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apresentar as dificuldades e os mecanismos de superação. Os objetivos específicos foram

promover um resgate histórico da luta pela terra na mesorregião, caracterizar em termos

demográficos, socioeconômico e espacial, com os elementos dos dados coletados através das

entrevistas não diretivas; compreender a organização das mulheres para permanecer na terra,

mesmo depois de serem assentadas; verificar as funções das mulheres dentro dos

assentamentos e acampamentos; analisar a situação atual dessas mulheres campesinas frente a

questão agrária, e como a geografia pode contribuir na construção de uma ciência mais ampla

que abarque as diversidades sociais - que no caso dessa pesquisa está relacionado às relações

de gênero nos acampamentos e assentamentos de reforma agrária.

Como trata-se de uma pesquisa qualitativa à divisão dos capítulos com seus subtópicos,

buscou valorizar aquilo que esse tipo de técnica nos traz, que é um processo que se inicia no

campo da pesquisa, na qual os eventos e os processos vão guiando o desenvolvimento da

pesquisa, até a chegada aos conceitos mais amplos, que estruturam a fundamentação teórica

do trabalho. Durante a leitura, o leitor irá se deparar com a metodologia diluída durante a

pesquisa, apesar de um tópico vinculado a mesma, pois a inversão dos capítulos traz uma

outra experiência na formatação do trabalho, dos processos e das situações que apareceram

durante a pesquisa. A divisão dos capítulos segue uma proposta de exposição, desafiando o

leitor a construir as questões e posicionamentos sobre o tema: No primeiro capítulo é

apresentado uma breve introdução sobre a problemática da pesquisa, objetivos gerais e

específicos, iniciando as explanações obre o que a pesquisa irá abordar. No segundo capítulo,

intitulado “Relações de Gênero nas Raízes da Terra”, está presente a caracterização da área de

estudo, localização da área, relato sobre o que foi encontrado, um quadro com um breve

resumo das mulheres que participaram e ajudaram na construção da pesquisa; sendo um

capítulo de apresentação das mulheres e da própria pesquisa, com alguns dados incorporados.

No terceiro capítulo, “O cotidiano como ferramenta de análise”, aqui é apresentado a

metodologia de pesquisa do trabalho, com os procedimentos, métodos de investigação e

alguns resultados. O que pode chamar a atenção, é que no início do capítulo três ocorrerá uma

articulação entre a metodologia da pesquisa, e o recorte, que foi o cotidiano de algumas dessas

mulheres, que se conecta com o capítulo anterior. Nos subtópicos, “A (re)produção do

cotidiano das mulheres: o que elas têm a nos dizer”, “Uma estrutura em colapso: O

patriarcado no meio rural” e “Do habitat à luta, da luta ao habitat”, foi aprofundado a

apresentação, e através dos dados e das relações estabelecidas busca, apresentar o que estaria

“ocultado entrelinhas”, aqui os resultados da pesquisa começam a ser aprofundados, mas

estarão distribuídos, no universo totalizante do trabalho; neste capítulo o referencial teórico

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começa a adentrar a pesquisa. No capítulo quatro, “A produção do espaço das mulheres

campesinas”, introduz os aspectos teóricos da geografia e da geografia agrária nos estudos das

relações de gênero, que vai se condensando nos subtópicos: “A geografia a caminho de outras

categorias: As relações de gênero”, “A geografia agrária das mulheres campesinas”, e por

último, “E para não dizer que não falei das “Margaridas”: Participando sem medo de ser

mulher!, finaliza, apresentando, que apensar do avanço teórico, e dos estudos sobre as

relações de gênero dentro da geografia, a ciência geográfica ainda precisa ampliar seu campo

conceitual para compreender e apresentar as diversas realidades sociais. Esta pesquisa é uma

forma de denúncia contra as injustiças sociais, em meio as declarações e posicionamentos do

governo atual, que reforçam ainda mais o caráter desigual das relações de gênero, e

criminalizam os movimentos socias, dentre eles o MST. A pesquisadora não é assentada ou

acampada, mas tomou os devidos cuidados ao demonstrar as relações de gênero dessas

mulheres campesinas que dispensam simpatizantes e apresentações. Elas estão lá lutando, e

entre estas linhas reforçando a luta.

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2 RELAÇÕES DE GÊNERO NAS RAÍZES DA TERRA

As relações de gênero na cidade começam a chamar atenção dos pesquisadores e

pesquisadoras, na tentativa de compreender as relações de gênero e a reprodução social desses

agentes. Mas, as relações de gênero com os seus conflitos, também, estão presentes no meio

rural. E foi através da observação da pesquisadora com a aproximação dos acampamentos e

assentamentos de reforma agrária, localizados no município de Campo do Meio-MG que os

questionamentos surgiram. As mulheres do campo construíram essas questões sobre as

relações de gênero, quando trabalham na terra, cuidam de sua família, militam no MST e

resistem na terra.

A observação de como essas mulheres produzem o espaço no campo, vem nos mostrar

que as lutas e as relações de gênero passam principalmente pelo cotidiano, e por mulheres e

homens, que traçam sua resistência e constroem juntos e juntas suas histórias no campesinato.

Um dos objetivos desta pesquisa é captar e compreender as relações de gênero das mulheres

assentadas e acampadas no município de Campo do Meio – MG, através da análise do

cotidiano; “[...] a vida real? Não é justamente disso que se ocupam as ciências ditas humanas

ou sociais há mais de um século” (LEFEBVRE, 1991, p. 27).

O município de Campo do Meio – MG encontra-se na mesorregião Sul/Sudoeste do

Estado de Minas Gerais (figura 2), com uma população de 11.476 habitantes, com população

de 10.106 (88%) que residem na zona urbana, e aproximadamente 1.370 (12%) na zona rural

(IBGE, 2010). O município está localizado na microrregião do reservatório de Furnas, o qual

foi construído no ano de 1962, e é formado pelos rios Sapucaí e Grande. A área do município

desenvolveu-se através de doações de terreno de uma antiga fazenda da região, tornando-se

município no dia 27 de dezembro de 1948.

As características morfológicas observadas durante a pesquisa são de predominância

de relevos de colinas com amplitude de 40 a 80m e altitudes de 700 até 850m (dados

coletados via GPS, de 14 pontos). Durante os trabalhos de campo, foi possível identificar por

meio da observação in loco dos solos, a presença marcante de latossolos vermelho escuro.

Estes estão vinculados a relevos suaves, ocorrendo colinas amplas com amplitudes baixas. De

acordo com a Embrapa (2019), o tipo de solo Lê-Latossolo Vermelho Escuro são solos

porosos, profundos, consideravelmente bem drenados, permeáveis, muito argilosos, friáveis e

de fácil preparo. Atualmente, estas colinas e planícies apresentam no uso do solo: a pastagem,

o cultivo de café, campos antrópicos e alguns vestígios de mata secundária, se reportando a

década de 1990, na qual a área tinha o intenso cultivo de cana - de - açúcar. Quanto as

planícies, são áreas de acumulação dendrítica, acompanham os fundos de vales dos principais

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cursos d’água presentes nos acampamentos e assentamentos. Podem formar solos do tipo

gleissolos, escuros, com teor de matéria orgânica e de textura areno-argilosa.

A população economicamente ativa por setor de atividade é maior nos setores:

Agropecuária, Silvicultura, Exploração Florestal e Pesca, representando 57,59% da população

ativa. O munícipio de Campo do Meio - MG destaca-se na agricultura da região, com

emprego de mão-de-obra em grande escala, predominando a cultura do café (PREFEITURA

MUNICIPAL DE CAMPO DO MEIO – MG, 2006, não paginado). A predominância da

cultura de café na região foi responsável pela permanência do cultivo nos assentamentos.

Ademais, o fato de o assentamento estar inserido em um contexto econômico

mercadológico de uma região tradicionalmente produtora de café, acabou por

induzir essas famílias a permanecerem na cafeicultura, principalmente pela

expectativa de facilidade no escoamento da produção a bons preços. Com essa

expectativa não atingida, a maioria dos assentados ficaram insatisfeitos, conforme os

relatos coletados (LUCAS; VALE, 2014, p. 14).

As mulheres que fizeram parte desta pesquisa residem nos acampamentos e

assentamentos, localizados nas terras da antiga fazenda e usina Ariadnópolis de cana-de-

açúcar e da antiga fazenda Jatobá (figura 01). Está localizada na antiga fazenda Jatobá, o

assentamento Primeiro do Sul, e na ex-usina de cana-de-açúcar Ariadnópolis o acampamento

Quilombo Campo Grande, com os outros acampamentos e o assentamento Nova Conquista II

(figura 02). O Quilombo Campo Grande é composto por alguns acampamentos dentre eles:

Sidney Dias, Rosa Luxemburgo, Tiradentes, Girassol, Fome Zero, Chico Mendes, Betinho,

Irmã Dorothy, Vitória da Conquista, Potreiro e Resistência. A cultura do plantio de café ainda

é intensiva na maioria dos acampamentos e assentamentos.

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Figura 01 – Mapa de localização geográfica do município de Campo do Meio – MG e dos

assentamentos Primeiro do Sul e Nova Conquista II

Fonte: IBGE; i3GEO INGRA, 2018. Org.: Autora.

Figura 02 – Mapa de localização dos acampamentos na ex-usina Ariadnópolis – Campo

do Meio-MG

Fonte: IBGE/Bing, 2018. Org.: GeoAtiva Jr.

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É importante salientar que depois das ocupações e da criação dos dois assentamentos e

dos acampamentos, na área da ex-usina Ariadnópolis, vem sendo cultivada por diversas

culturas e preservada, sendo responsável pela recuperação de córregos, rios e da mata nativa,

o que antes se encontrava em degradação devido ao intenso plantio de cana-de-açúcar. A

atividade econômica principal do assentamento Primeiro do Sul é o cultivo do café; os

assentados do Nova Conquista II também cultivam café, mas se diferenciam, na busca de uma

policultura. De acordo com Lucas e Vale (2014), a permanência da produção de café, nos

assentamentos foi vista como “cômoda”, já que a região favorece a produção; a mesorregião

Sul/Sudoeste tem uma produção de café que corresponde a 50% do estado de Minas Gerais.

Observando as mulheres durante 9 dias, a pesquisadora viveu em um ambiente de

imersão, no qual, foi possível descrever e analisar junto com as mulheres e homens a

importância de se discutir e observar na prática as relações de gênero nos acampamentos e

assentamentos de reforma agrária. Foi no cotidiano que esses elementos sobre a produção do

espaço das mulheres foram aparecendo. Durante esses dias a pesquisadora trabalhou junto

com as mulheres, fez suas refeições, conversou, aprendeu, dormiu em suas casas e barracos. A

Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO)1, relata que as

mulheres do campo são as mais ocupadas do mundo, a pesquisa comprova esse relato.

Provavelmente, muitos pesquisadores se perguntam: o que os estudos das relações de gênero

no campo têm a ver com a geografia, e mais precisamente, com a geografia agrária? A

pesquisa começa na observação da vivência dessas mulheres, e encontramos as prováveis

respostas para algumas das questões levantadas durante a pesquisa. No entanto, as respostas

identificadas durante a pesquisa foram fundamentais para associar a geografia ao conceito de

gênero, mas são os questionamentos que permeiam toda a pesquisa e este capítulo.

Essas mulheres, que fazem parte das “raízes da terra” algumas vezes rompem com o

cotidiano, que tem como característica o tempo programado. A cotidianidade dessas mulheres

se diferencia através da percepção e ritmo da passagem do tempo, do fluxo temporal das

mulheres da cidade, mesmo que tragam vestígios de um cotidiano urbano. Além de combater

o machismo, essas mulheres resistem na terra contra os ataques dos latifundiários,

desapropriação de terra, preconceitos da cidade, e mais recentemente, com o fascismo do

atual governo, que estabelece o movimento social que essas mulheres participam como

“terrorista”.

1FAO. Food and Agriculture Organiztion (1993) Report Agriculture Extension And Farm Women in the 1980 s.

Rome.

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O que “as terras” do município de Campo do Meio -MG abrigaram e abrigam nas suas

“raízes da terra”? Mulheres da periferia da grande São Paulo, mulheres negras, educadoras,

bruxas, mães, mulheres que construíram nossa história, mulheres violentadas, viúvas, solteiras,

divorciadas, meninas, mulheres pobres, mulheres resistentes e trabalhadoras, campesinas,

mulheres que representam o MST, em sua complexa diversidade, e um Coletivo de Mulheres

Raízes da Terra. A análise das relações de gênero, e do modo de produção da vida, também

passa por um recorte de classe, gênero, político, econômico e de cor/raça. O modo de

produção da vida material é, portanto, o que determina o processo social, político e espiritual

(GIL, 2008, p.22).

O Coletivo de Mulheres Raízes da Terra 2 surgiu em 2012, com participação de

aproximadamente 50 mulheres, dos assentamentos Primeiro do Sul, Nova Conquista II e os

acampamentos Sidney Dias, Rosa Luxemburgo, Tiradentes, Girassol, Fome Zero, Chico

Mendes, Betinho, Irmã Dorothy, Vitória da Conquista, Potreiro e Resistência. As primeiras

reuniões das mulheres aconteciam uma vez por mês. Atualmente as reuniões acontecem as

quartas-feiras, no período da manhã (08h00 – 11h00), iniciando com um café coletivo e, logo

em seguida, realizam as atividades na horta, como a colheita de camomila. Das 12h00 às

13h00 ocorre o almoço coletivo, no qual duas mulheres saem da atividade da manhã para

realizar essa atividade, às vezes as mulheres trazem pratos. Às 13h00 retornam para as

atividades, esporadicamente ocorre reuniões neste horário, como uma realizada pelo setor de

saúde durante essa pesquisa (figura 03). Durante o acompanhamento da pesquisa, as mulheres

estavam realizando o curso sobre plantas medicinais (figura 04).

Figura 03 – Reunião do Setor de Saúde dos assentamentos e acampamentos -

Campo do Meio-MG

Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2018.

2 O Coletivo de Mulheres Raízes da Terra, foi criado no ano de 2012, através da demanda local das mulheres

acampadas e assentadas do município de Campo do Meio – MG.

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Figura 04 – Reunião sobre o curso de plantas medicinais dos assentamentos e

acampamentos - Campo do Meio-MG

Fonte: Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2018.

Para Gonçalves (2009, p. 199), as mulheres estão sempre na linha de frente nas

ocupações, nos acampamentos, elas buscam se organizar, resultando em uma maior

participação política, mas quando é estabelecido os assentamentos, foi identificado que existe

um recuo das mulheres para o ambiente doméstico. É por isso que é fundamental a criação do

setor de gênero dentro do MST, para maior politização e ação das mulheres.

Durante a pesquisa os principais setores citados foram: Saúde, quem tem como

objetivo fazer levantamentos e acompanhar os acampamentos e assentamentos, captar as

necessidades ligadas a saúde; Educação, que organiza os processos educativos e a

implementação das escolas; Formação, que tem como objetivo promover processos de

formação política e de bases; Cultura, responsável pelas místicas, eventos e as atividades

culturais; Comunicação, divulga as informações e faz os repasses através de boletins, sites e

redes sociais; Produção, que atua na organização das produções dos acampamentos e

assentamentos; Frente de Massas, responsável pelas as ocupações e dirige os acampamentos;

Gênero, com o objetivo de organizar os coletivos de gênero, mobilizando através de ações e

politicamente as mulheres assentadas e acampadas. Outras especificações, como setor da

juventude sem-terra, os sem-terrinhas (as crianças), também fazem parte da estrutura e

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organização do MST, que conduz a organicidade dos acampamentos e assentamentos de

Campo do Meio -MG.

Nos anos de 1990 começou a ser criado um Coletivo Nacional de Mulheres do MST; a

“invisibilidade” da participação feminina passou a ser o objeto de debates e resoluções

(GONÇALVES, p. 202, 2009). Para essas mulheres a terra é algo sagrado, lugar que

sobrevivem, sozinhas ou com sua família; para o sistema capitalista de produção a terra é

tratada como objeto de negócio, o qual apropria-se do trabalho alheio, extraindo a mais-valia,

transformando-a em mercadoria. O trabalho realizado no roçado conta com a família e ajuda

coletiva. Quanto à propriedade camponesa, constitui-se em terra de trabalho, estando a

exploração restrita ao regime de trabalho familiar; assim, essa não se configura como

instrumento de acumulação de capital, mas de sobrevivência da família (PAULINO, 2006,

p.30).

O quadro logo a seguir (quadro 01) apresenta um resumo de alguns dados das

mulheres participantes dessa pesquisa como: identificação3; estado civil; tem filhos; já morou

em cidade; qual é o seu assentamento ou acampamento, participa do Coletivo de Mulheres

Raízes da Terra? E por último, outras informações observadas. Este quadro tem como

objetivo iniciar as considerações dos levantamentos dos dados, e uma tentativa de estabelecer

um perfil das mulheres que participaram da pesquisa. Foram retirados informações e

fragmentos das entrevistas, para dar início a apresentação dos dados informados e registrados

nas entrevistas e nas anotações.

Quadro 01 - Resumo dos dados sobre as mulheres participantes da pesquisa dos

assentamentos e acampamentos - Campo do Meio-MG.

3 Foi preservado o anonimato das mulheres.

P. M.: tem 55 anos, sete filhos, sendo quatro homens e três mulheres, apenas uma vive com

ela. Se criou na roça, mas passou boa parte da sua vida em Campinas. Veio para Campo do

Meio – MG em 2012. Reside no assentamento Sidney Dias, há aproximadamente 7 anos, e

participa do Coletivo de Mulheres Raízes da Terra. Suas principais plantações são milho,

feijão, banana; cria uma leitoa, galinhas; cultiva seu roçado e sua horta com a ajuda da filha.

Todo cultivo é para subsistência; ganha um salário mínimo por trabalhar nos serviços gerais

e de cozinheira na escola do campo, que é uma extensão da escola urbana de Campo do

Meio -MG. Seu principal meio de descolamento é um carro, simples, que funciona com

muita dificuldade. Mora em casa de alvenaria, com algumas paredes finalizadas com

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cimento. E dentro do MST é responsável pelo setor de saúde, gênero e educação. Cursou até

a antiga 3ª série do ensino fundamental (4°ano). Foi acompanhada, entre o dia 05 e 08 de

agosto de 2018.

1. C. A.: tem 35 anos, quatro filhos, está em processo de divórcio, vive no assentamento

Primeiro do Sul. Não foi informado se já morou na cidade. Participa do Coletivo de

Mulheres Raízes da terra. Foi uma entrevista rápida, o que dificultou a identificação

de maiores detalhes.

2. R. A.: não foi entrevistada. Participou da elaboração do mapa mental; participa do

Coletivo de Mulheres Raízes da terra.

3. E. E.: tem 54 anos, tem cinco filhos, solteira, reside no assentamento Primeiro do Sul.

Não foi informado se já morou na cidade, mas através da entrevista podemos

identificar que existe uma ideia do que seria a cidade: “Liberdade! A gente é livre de

muitas coisas que a gente encontra na cidade né. Muitas coisas feias que tá

acontecendo, então assim a importância, não tem nem palavra para falar da

importância da rente viver no campo” (E.E, 2018). Participa do Coletivo de

Mulheres Raízes da terra. Foi uma entrevista rápida, o que dificultou a identificação

de maiores detalhes.

4. D. R.: tem 68 anos, solteira, nasceu no interior de São Paulo, infância vivida na roça,

“ A gente estava no interior né, aí quando foi o êxodo rural dos anos 60 minha família

como tantas outras teve que sair da roça, porque nós não tínhamos mais terra, nós

éramos meeiro, arrendatário, e não se tinha mais campo para gente na roça, aí nós

fomos para São Paulo capital” (D.R, 2018). Tem um filho, que não mora com ela.

Cursou o ensino fundamental completo. Participa do Coletivo de Mulheres Raízes da

Terra. Não reside no seu acampamento, devido a um incêndio, considerado

criminoso, no dia 24 de julho de 2017. Ela reside hoje na chamada “Coloninha”, que

fica entre a escola e o assentamento Nova Conquista II. Seu rendimento vem através

de sua aposentadoria, e de alguns trocados que ganha na sua participação na Feira

Agroecológica e Cultural de Alfenas - MG (F.A.C.A), que acontece todos os sábados

na cidade de Alfenas – MG, das 07h00 até às 15h00. Faz parte do setor de saúde, e

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principalmente de educação. Foi acompanhada em dois dias diferentes. Possuí apenas

um pequeno espaço em frente à sua porta onde cultiva algumas ervas e frutos.

5. M. L.: tem 65 anos, não tem filhos que residem com ela, apenas um neto, é casada.

Antes de morar no acampamento Irmã Dorothy, veio de Campinas -SP. Participa do

Coletivo de Mulheres Raízes da Terra.

6. S. A.: tem 43 anos, tem cinco filhos, é casada, morava em Campinas – SP. Reside

atualmente no acampamento Rosa Luxemburgo. Participa do Coletivo de Mulheres

Raízes da Terra.

7. M. A.: tem 58 anos, não tem filhos. Devido à dificuldade na fala, a acampada não

conseguiu realizar até o final a entrevista. Mas as informações foram retiradas do

mapa mental: o ano de nascimento, e o acampamento que é o Herbet de Souza.

8. M. C.: tem 56 anos, acampamento Girassol, veio de Campinas, e já está a sete anos

acampada. Não tem nenhum filho morando com ela, é viúva. Participa do Coletivo de

Mulheres Raízes da Terra.

9. C. M.: tem 64 anos, tem uma filha, é viúva e tem um companheiro. Veio de

Uberlândia – MG. Reside no acampamento Rosa Luxemburgo. Participa do Coletivo

de Mulheres Raízes da Terra.

10. D. C.: tem uma filha, é casada, veio de São Paulo. Reside no acampamento Rosa

Luxemburgo. Participa do Coletivo de Mulheres Raízes da Terra.

11. S. M.: nenhuma entrevista coletada; participou da elaboração do mapa mental;

participa do Coletivo de Mulheres Raízes da Terra.

12. E. A.: reside no acampamento Betinho, tem 45 anos, tem dois filhos, um casal. “Eu

sou daqui da região mesmo. Meu marido trabalhava aqui na usina e depois a gente já

ficou por aqui” (E.A, 2018); participa do Coletivo de Mulheres Raízes da Terra.

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13. R. S.: tem 47 anos, tem três filhos, é solteira, veio de São Paulo, faz 12 anos que

reside no assentamento Primeiro do Sul; participa do Coletivo de Mulheres Raízes da

terra.

14. D. J.: tem 64 anos, morou no estado de São Paulo, veio para o acampamento em

2013, tem seu lote no Sidney Dias, mas ainda reside na Coloninha. Acaba visitando e

trabalhando no lote. É viúva, mas tem um companheiro, tem filhos, mas não informou

a quantidade. Não participa do Coletivo Mulheres Raízes da Terra.

15. O. B.: antes de ser assentada, morou no Vale do Ribeira – SP. Tem 49 anos, tem dez

filhos, sete homens e três meninas. É solteira, mas tem um namorado. É acampada no

Nova Conquista II; faz parte do Setor de Saúde; participa do Coletivo de Mulheres

Raízes da Terra.

16. R. T.: veio da Bahia, tem 40 anos, está a 15 anos no movimento, tem dois filhos. Não

informou se morou na cidade, mas demostra algum conhecimento “É muito

importante né, que a gente fique aqui trabalhando, consegui melhor pra morar que a

cidade” (R.T, 2018). Não informou onde reside atualmente, se é em acampamento ou

assentamento; participa do Coletivo de Mulheres Raízes da Terra.

17. A. T.: tem 54 anos, tem três filhas, mas não reside com ela, é divorciada. Faz quatro

anos que é acampada no Rosa Luxemburgo. “Eu saí do campo eu tinha 15 anos, casei

fui para Cidade né, agora retornei pro campo” (A.T, 2018); participa do Coletivo de

Mulheres Raízes da Terra.

18. E. G.: nenhuma entrevista coletada; participou da elaboração do mapa mental;

participa do Coletivo de Mulheres Raízes da Terra.

19. E. L.: nenhuma entrevista coletada; participou da elaboração do mapa mental;

participa do Coletivo de Mulheres Raízes da Terra.

20. T. A.: nenhuma entrevista coletada; não participou da elaboração do mapa mental;

participa do Coletivo de Mulheres Raízes da Terra. Reside no acampamento Nova

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Fonte: Trabalho de campo, 2018. Org.: Autora.

De acordo com o quadro apresentado, a maioria das mulheres que fizeram parte da

pesquisa residiram no estado de São Paulo, mais precisamente na cidade de Campinas. Nas

conversas informais, elas relatam as dificuldades de viver na periferia, como falta de

saneamento básico, problemas com o tráfico de drogas e a falta de emprego. A estrutura

familiar dessas mulheres é bem diferente daquela que estamos acostumados a perceber, ou

seja, muitas delas são divorciadas, solteiras, viúvas ou apenas tem companheiros, vivendo

com os filhos no lote. A idade dessas mulheres varia entre 30 a 68 anos. Tendo em vista o

universo da pesquisa, e no período da pesquisa (agosto de 2018), os jovens e a maioria dos

assentados e acampados estavam envolvidas com as atividades políticas do MST. A maioria é

acampada, mas em vários momentos assentadas e acampadas se unem para se organizaram

nos seus setores e atividades. Todas essas características são incorporadas e acabam definindo

os papéis sociais, que são desempenhados por mulheres e homens, tanto na cidade, como nos

acampamentos e assentamentos de reforma agrária. Devido a esta construção social, os papéis

atribuídos aos seres de ambos os sexos, assim como seus direitos, podem variar no tempo e no

espaço e estão sujeitos a mudanças (BRUMER, 2005, p.351).

Conquista II, faz parte do setor de produção, é referência no MST. Ela foi

acompanhada, mas por uma ocorrência específica que ocorreu antes do início da

pesquisa em campo, a pesquisadora optou por não registrar nenhuma entrevista, por

uma situação de tensão, responsável pelo furto a residência da acampada.

21. D. A.: é natural de Minas, mas se criou no interior de São Paulo, é filha da O.B. É

dirigente regional do MST em Campo do Meio – MG. Tem ensino médio completo, é

casada e tem dois filhos, uma menina e um menino. Reside atualmente no

acampamento Irmã Dorothy. Idade não foi informada, mas através da análise da

entrevista da O.B, sua idade varia dos 30 aos 35 anos. Tem uma horta, produzia arroz

orgânico, vivia de leite e queijo, plantava arroz e feijão. É dirigente regional do MST,

e conta com uma ajuda de custo de R$ 800,00 reais. É responsável pela organização

dos acampamentos e assentamentos. Seu marido coopera no cultivo, no roçado, no

cuidado com a casa, com as crianças e desempenha as tarefas de construções no

viveiro de mudas. Ambos participam ativamente do movimento (MST).

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Levando em consideração os papéis sociais adotados por homens e mulheres, os quais

representam no espaço geográfico, há necessidade de compreender esses papéis, nos leva a

refletir, de acordo com Heller (2008), que quando se incorpora os papéis, os seres tendem a

degradar suas relações sociais, juntamente com o aparecimento de estereótipos, transformam

aquilo que seria elementos qualitativos do ser em sentidos apenas quantitativos,

empobrecendo sua essência. Esses papéis por questões sociais, culturais, econômicas e

políticas atribuíram as diferenças entre homens e mulheres.

Ao considerarmos o que foi dito anteriormente, surge a pergunta: qual é a produção do

espaço dessas mulheres, que desempenham papéis sociais em torno de uma estrutura

patriarcal, machista, latifundiária e de luta pela terra? Por esse e outros motivos, alguns

pesquisadores e pesquisadoras levam apenas em consideração o recorte de classe social, por

consequência dos estereótipos e dos papéis sociais estabelecem dificuldades de

(re)conhecimentos e intepretações, que são encobridas pela exterioridade, perguntam-se: qual

é a importância de se estudar as relações de gênero na geografia? É preciso compreender que

estamos cercados de uma alienação quando estabelecemos apenas uma visão universal.

Reconhecer o tipo de papel desempenhado por mulheres e homens em uma sociedade, é

também, uma forma de revelar suas desigualdades. É fundamental partir de uma investigação

que leve em consideração mulheres e homens, na constituição familiar, e na luta pela terra,

que circundam as relações de trabalho e família, para entender o papel da (re)produção social.

Como os pesquisadores explicam o aparecimento de um “novo” termo de violência contra as

mulheres, que também ocorre no campo, o chamado feminicídio4. Se para muitas dessas

mulheres que lutam e sobrevivem no campo a frase de Margarida Maria Alves5 se faz como

autoexplicativa “é melhor morrer na luta, do que morrer de fome”. Será que a ciência

geográfica, nada tem a nos dizer, sobre essas “raízes da terra”, ou é essas mulheres que tem

algo a dizer a ciência geográfica?

Se o campesinato que essas mulheres e homens constroem estão interligados com a

cidade, os quais trazem (re)produção de elementos da vida cotidiana urbana para o campo, os

casos de violência contra a mulher, violência sexual, ou problemas relacionados a drogas,

acompanham alguns indivíduos dentro dos assentamentos e acampamentos de reforma agrária.

O próprio MST se organiza em várias assembleias em busca de solucionar ou de alguma

medida paliativa, e acompanham mulheres e homens, que buscam se “aculturar” no campo.

4 Lei 13.104/2015, que altera o Código Penal (art. 121 do Decreto Lei nº 2.848/40). 5 Frase dita pela líder sindical Margarida Maria Alves, em discurso de comemoração pelo 1° de maio, em

Alagoa Grande – PB, no ano 1983.

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O diferencial, é que no campo isso não vira “assunto de polícia”, mas é tratado como “um

problema, muitas vezes relacionado à saúde ou patologia social”, e é na construção coletiva

que se sugere possíveis resoluções de futuros problemas, sempre em busca de uma construção

coletiva, seja na luta pela terra ou na ajuda a alguma companheira ou companheiro de luta.

Foi relatado, que houve processos de “trairagem”, ou seja, alguns acampados ou assentados

“se venderam para os latifundiários”, e comprometeram a transparência do movimento e dos

seus trabalhadores. Mas, em momento algum, podemos afirmar que mesmo com as

dificuldades enfrentadas, precariedades, possibilidade de despejo, tentativas de homicídio, que

o melhor lugar seria o retorno para a cidade. Desafio ao leitor que vá até alguns desses

acampamentos e assentamentos e pergunte, se preferem deixar a terra e voltar para a cidade?

A terra é a joia mais desejável de um país, não se planta no asfalto, é através da terra que se

alimenta o latifundiário e o sem-terra.

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3 O COTIDIANO COMO FERRAMENTA DE ANÁLISE

O primeiro contado da pesquisadora com uma das representantes do MST foi realizado

por rede social, um mês antes do trabalho de campo desta pesquisa. Essa representante é

assentada no Nova Conquista II, é responsável pela organização do grupo das mulheres e faz

parte da coordenação o setor de produção. Foi realizada uma reunião no primeiro dia, com

algumas mulheres do coletivo, no Sindicato da Agricultura Familiar, localizado no município

de Campo do Meio – MG, no dia 30 de julho de 2018, para que fosse explicado o que iria

ocorrer durante os dias da pesquisa. Logo depois da conversa e da aceitação das mulheres

presentes na reunião, seguimos para a “Coloninha”, próxima ao assentamento Nova Conquista

II, onde a pesquisadora foi hospedada na casa de uma dessas mulheres, cujo dia a dia foi

acompanhado pela pesquisadora, entre o dia 30 e 31 de julho de 2018. É importante registrar,

que na quarta-feira, dia 01 de agosto de 2018, dia da reunião do Coletivo de Mulheres Raízes

da Terra, a pesquisadora se apresentou às demais mulheres do coletivo, o motivo pelo qual as

estaria acompanhando por 9 dias. Os registros das experiências e algumas anotações foram

realizados no diário da pesquisadora. Devido à dinâmica dos acampamentos e assentamentos,

estabelecer uma rotina de pesquisa não iria alcançar o objetivo proposto. As reuniões se

modificam, bem como as atividades das mulheres e seus prazos para o término delas, viagens

e imprevisto podem surgir, como relata uma das acampadas: “tá demorando é muito, começa

uma coisa hoje já mudou amanhã, amanhã né, hoje... ontem à noite mesmo tinha uma viagem

para gente ir. Então aí antes de ontem postaram que não ia mais, muda muito as coisas” (P.M,

2018). Foram realizadas anotações, elaborados cerca de 15 mapas mentais, 17 entrevistas

coletadas e a observação mais intensa de 6 mulheres, o que ocasionou as diferentes formas de

análises dos dados.

Os quadros elaborados servem para agrupar os dados coletados durante a pesquisa,

para identificar os principais tópicos. Trata-se de uma pesquisa participante (Estudo de

observador-participante), com elementos, também de um estudo de caso. Toda a construção

da pesquisa, desde da coleta dos dados até a captação do cotidiano fazem parte dos “[...]

ambientes da vida real pertencem às pessoas na vida real, não aos pesquisadores que

interferem nesses ambientes” (YIN, 2016, p.102). O método utilizado para a interpretação da

realidade dessas mulheres campesinas foi o método dialético, precisamente o materialismo

histórico dialético. De acordo Engels (1974), apud Gil (2008), existem três princípios

fundamentais dentro da análise do materialismo histórico dialético: a unidade dos opostos, no

qual os objetos apresentam questões contraditórias; Quantidade e qualidade, inseridos nas

características de todos os objetos, em um processo gradual é possível que as mudanças

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quantitativas possam gerar mudanças qualitativas; a negação da negação, para que se possa

avançar, nega-se a mudança e o resultado, sem retornar ao que já foi. Sendo dialético, a

(re)produção das relações sociais devem ser compreendidas para além do trabalho do roçado,

ou seja, a análise deve ir no sentido dos outros momentos da vida social no campo, porque

ambos se complementam.

A dialética fornece as bases para uma interpretação dinâmica e totalizante da

realidade, já que estabelece que os fatos sociais não podem ser entendidos quando

considerados isoladamente, abstraídos de suas influências políticas, econômicas,

culturais etc. Por outro lado, como a dialética privilegia as mudanças qualitativas,

opõe-se naturalmente a qualquer modo de pensar em que se a ordem quantitativa se

torne norma (GIL, 2008, p.14).

A metodologia utilizada no trabalho compreendeu que não basta apenas coletar a

produtividade das áreas cultivadas, e quais eram os trabalhos realizados pelas acampadas e

assentadas. Foi necessário ir até a subjetividade, ao ambiente privado, para captar as suas

relações dentro da vida cotidiana, o que não foi fácil, tendo em vista a realidade urbana da

pesquisadora.

Nesse método, a relação entre o sujeito e o objeto se dá de forma contraditória não

ocorrendo a “soberania” de nenhum deles, o que pode ser representada da seguinte

forma:

Sujeito Objeto

No método dialético o sujeito se constrói e se transforma vis-à-vis o objeto e vice-

versa. Nesse caso, teremos as antíteses e as teses em constante contradição e

movimento (SPOSITO, 2003, p.46).

O objetivo não é apenas descrever as relações observadas, mas apresentar algumas

considerações. Um dos métodos utilizado foi o observacional, ou seja, priorizando a

observação do cotidiano, e as atividades das mulheres, sobre o que acontece ou o que

aconteceu. É através da observação do cotidiano que a pesquisa acontece. Porque estudar as

relações de gênero na vida cotidiana, é estabelecer a proposição de uma mudança total na vida,

os projetos que se estabelecem como revolucionário devem incluir, abarcar a vida por inteiro,

e nessa perspectiva que a vida cotidiana campesina não deve ser desconsiderada. É no

público-privado que a vida cotidiana vai tomando forma, e no campo isso não é diferente, do

que ocorre na cidade. O cotidiano atinge todos os níveis da (re)produção social. Sendo assim,

é preciso transcender a esfera do público, e alcançar a esfera do privado, pois ambos reforçam

e (re)produzem as relações socioespaciais, e é nesse momento que o estudo pela vida

cotidiana surge.

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O estudo da vida cotidiana oferece um ponto de encontro para as ciências parcelares

e alguma coisa mais. Mostra o lugar dos conflitos entre o racional e o irracional na

nossa sociedade e na nossa época. Determina assim o lugar em que se formulam os

problemas concretos da produção em sentido amplo: a maneira como é produzida a

existência social dos seres humanos, com as transições de escassez para a

abundância e do precioso para a depreciação (LEFEBVRE, 1991, p.30).

O espaço é um elemento chave para compreender a (re)produção das relações de

produção, e o estabelecimento de papéis sociais, por esse motivo as relações de gênero estão

incorporadas ao conceito de espaço, o qual apresenta ferramentas profundas de análise sobre

as relações de gênero nos acampamentos e assentamentos. Se o espaço é produzido através do

trabalho de mulheres e homens, seus conflitos e suas conquistas estão interligadas. O

momento da vida que interliga e rompe, em um processo dialético, o qual podemos considerar

nessa pesquisa como essencial, é a vida cotidiana. É no cotidiano que as lógicas de um

sistema patriarcal, vão se concretizar. É no espaço geográfico que existe a mediação, ou seja,

o espaço é produto e também produtor das relações, que envolvem os indivíduos e as suas

diferentes escalas geográficas. Nessa pesquisa trata-se de um recorte local, utilizando dados

primários (coleta de dados em campo) e secundários.

A realidade ordinária, cotidiana, que nasce no lugar e o constitui, feita de fatos e

situações, que mantém a vida, pode e é o que torna a cotidianidade de um tema a se

examinar, compreendendo “o extraordinário no ordinário”, o “sentido do

insignificante (DAMIANI, 1999, p.164).

O espaço é, então, um produto social, que quando optamos por observar a sua natureza

modificada, identificamos os efeitos da sociedade. A “natureza”, de acordo com Lefebvre

(2006), é modificada e produzida pelos seres humanos, e é assim, apresentada na vida social.

Sendo assim, as lógicas dos papéis socias, são construídas, não somente pela cultura, que

determina como será esses papéis, mas pelos próprios seres humanos. Ao passo que

consideramos que a produção – produtor traz as marcas dos processos ideológicos, mesmo

que a metafísica não seja expressa pelos produtos, ela o é através das ações, e de como a

sociedade atual vai formular as suas questões a respeito de determinados temas. Frase

dogmática e vaga, que restringem a produção do espaço apenas: “[...] a produção engloba a

reprodução biológica, econômica, social, sem outra precisão” (LEFEBVRE, 2006, p. 107).

A natureza, em si, não produz relações socias, a não ser os seus próprios elementos, mas a

interação entre mulheres, homens, produz o espaço, e em direção à pesquisa, as relações de

gênero; e se aprofundarmos a análise chegaremos as questões como identidades de gênero,

orientações sexuais, e as diversidades dentro dos gêneros. O que vai definir a produção do

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espaço, nas relações de gênero no campo, é a temporalidade e a espacialidade que vão

conformando, as sucessões, sincronizações, que são estabelecidas por mulheres e homens.

Ao contrário do que se pensa, que “[...] se há um sistema, é preciso descobri-lo e

mostrá-lo, ao invés de partir dele” (LEFEBVRE, 2016, p.39), concordamos com Lefebvre

(2016), que essa leitura dissimularia processos, no qual considera que as lógicas já estão

estabelecidas. É por isso, que se partimos da realidade, para se aproximar das relações de

gênero, é necessário chegar até ela. É preciso, ao contrário, mostrar sua função nesta

perspectiva (prática e estratégica) (LEFEBVRE, 2016, p.39). Não partiremos apenas da

totalidade para se aproximar das relações de gênero. São dois os espaços que se constituem os

papéis e as relações de gênero na vida cotidiana das mulheres campesinas: o espaço mental

(percebido, concebido, representado), que nesse momento, ultrapassa a restrição de um

recorte apenas de classes; e o espaço social (construído, produzido e projetado) no campo,

vivenciado por constantes lutas, que combatem a estrutura agrária brasileira, fundamentada

na concentração de terra e nos latifúndios.

O método regressivo-progressivo, com base em Lefebvre (2006), adotado sutilmente

nesta pesquisa, numa lógica dialética, leva em consideração esses diferentes espaços como

fundamentais e formuladores na produção do espaço. Queremos dizer aqui, que o método

regressivo-progressivo, compreendendo o que acontece atualmente, em sentidos econômicos,

técnicos e científicos, tenta demostrar os efeitos e ameaças que os sujeitos e a própria natureza

podem sofrer, ora construtivas, ora destrutivas. Os conceitos então tomam forma, como ainda

conformam o passado-presente. Os historiadores, provavelmente se apegariam ao passado ou

presente (a história), aqui, a geografia vai detectar através dos elementos do espaço, a sua

produção e o seu cotidiano. É através dos vestígios do cotidiano, e do espaço campesino que a

pesquisa tenta captar as relações de gênero. Não basta, somente, levar em consideração a

(re)produção dos meios de produção, é necessário observar e considerar o cotidiano. A vida

cotidiana é uma repetição e inovação constante.

Quais são, porém, perguntou eu, os momentos cotidianos da vida? Onde? No

público e no privado. Em casa, mas também na rua e no local de trabalho: nos

lugares em que o homem está desencontrado em relação a si mesmo. Na casa, sim,

mas na intimidade, não. Não nos momentos do desejo e da festa. A vinculação entre

vida privada e vida cotidiana vem do equívoco de confundir num novo objeto,

composto e confuso, o que é residual na historiografia tradicional: a longa duração,

o que marca tempos épocas. O cotidiano tende a ser confundido com o banal, com o

indefinido, com o que não tem qualidade própria, que não se define a si mesmo

como momento histórico qualitativamente único e diferente (MARTINS, 2012, p.88

- 89).

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O cotidiano gera a cotidianidade, realidade parcial da vida dessas mulheres

campesinas. A vida cotidiana começa a se conformar de acordo com Martins (2012), quando

começamos a agir de forma repetitiva, através de atos e gestos, estabelecendo uma rotina com

procedimentos, que ora não pertence e nem está sob o nosso domínio, que enquanto vivido

vai em direção a um sistema alienado, é nesse momento que a imaginação, esperança, o

mistério das ações passa despercebida, se concretiza no imediatismo, mas os vários tempos

vividos e as contradições nos trazem elementos para escapar, através da consciência. Nesse

sentido, foi necessário ampliar a visão sobre o cotidiano, para compreender a cotidianidade

que penetra a vida, para assim, defini-la, sob a ótica da observação. Durante a pesquisa, foram

delimitados alguns recortes, que serviram para uma posterior análise, as mulheres foram

separadas nas seguintes classificações: do total de 22 mulheres participantes desta pesquisa,

foram realizadas entrevistas com 17, não foram coletadas 5 entrevistas; houve registro

fotográfico de 4 mulheres, as quais foram acompanhadas. Procurou-se relacionar, as

entrevistas realizadas, com os mapas mentais e com as fotografias, levando em consideração,

o conjunto daquilo que foi coletado de cada participante (mapa mental, entrevista, fotografia

ou anotações). Devido a alguns acontecimentos, principalmente de ataques ao assentamento

Nova Conquista II e aos acampamentos 6. A pesquisa teve que ser dinâmica, a qual foi se

ajustando à realidade das acampadas e assentadas, através dos dias. O modelo de seleção dos

dados foi baseado em “dados macios”, que de acordo com Olsen (2015), são organizados

sequencialmente por um delicado ato de equilíbrio de três elementos: a entrevista, a

entrevistadora e a entrevistada. À pesquisa de campo que foi fundamental para definir a

quantidade das entrevistas, pois houve uma saturação das repostas das entrevistadas. As

entrevistas foram realizadas durante as atividades do Coletivo de Mulheres Raízes da Terra,

que não contou com a presença dos companheiros das mulheres. E quando foi realizado com a

acampada D.A, o seu marido não permaneceu na cozinha e não interferiu nas repostas.

Essa pesquisa não tem objetivo de transformar a análise das relações de gênero nos

assentamentos e acampamentos em um recorte filosófico, ou melhor, somente epistemológico

sobre a produção do espaço geográfico e nem em um “economismo”, baseado no

materialismo histórico dialético, pois procura avançar nas análises, ou seja, como o espaço é

produzido por essas mulheres, para além da produção ou e do trabalho, como essas mulheres

criam e recriam seu tempo e seu espaço. O que será chamado aqui de produção de relações

sociais, e como isso é (re)produzido, vai em direção ao sentido do avanço sobre a questão de

6 Tentativa de despejo nos acampamentos; e os incêndios e roubos nas propriedades das acampadas e assentadas.

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uma simples reprodução biológica, por isso que foi utilizado o termo relações de gênero, que

vai além do sexo. A produção do espaço deve ser compreendida através das relações de

gênero, e o cotidiano é uma possibilidade de análise, e foi através dele que identificamos o

quanto de elementos urbanos tem o cotidiano das mulheres campesinas. As mulheres que

(re)produzem aspectos do cotidiano urbano, que é fragmentado, regido por um tempo

estabelecido, com trabalho relacionado a falta de liberdade e autonomia; o trabalho no campo

difere no quesito de liberdade e autonomia, quando é a própria assentada que cuida do seu lote,

“[...]o complexo emaranhado de interpretações sobre a vida rural e urbana é fruto da

variedade de migrações e consequentes mudanças de ocupação por que passaram” (TURATTI,

2005 p.74).

Por que escolhemos o cotidiano como ferramenta de análise? Para Marx (2006, p.16),

é mais fácil estudar organismo, como um todo, do que suas células, não podemos usar nessas

condições, para captar as relações de gênero nos acampamentos e assentamentos do município

de Campo do Meio -MG, nenhum microscópio e/ou reagente químico, teremos que nos ater a

capacidade da abstração e a observação das relações sociais para substituir esses meios. A

célula do patriarcado, do trabalho não valorizado, das violências e das desigualdades entre

mulheres e homens no meio rural, é captada através das relações de gênero, resultado das

relações do cotidiano, e da cotidianidade de mulheres e homens, constituindo, assim, o

organismo.

A preocupação da corrente neomarxista com a interrelação entre micro e contexto

global permite a abordagem do cotidiano, dos papéis informais e das mediações

sociais – elementos fundamentais na apreensão das vivências desses grupos, de suas

formas de luta e de resistência. Ignorados, num enfoque marcado pelo caráter

totalizante, tornam-se perceptíveis numa análise que capte o significado de sutilezas,

possibilitando o desvendamento de processos, de outra forma, invisíveis (SOIHET,

2013, p. 36).

Para observar o cotidiano foi necessário adentrar as casas e os barracos, dessas

mulheres. Indiscreto, o habitat confessa sem disfarce o nível de renda e as ambições sociais de

seus ocupantes (CERTEAU, 2008, p.204). Por cada casa de alvenaria e barraco com algumas

partes cobertas por lonas, a pesquisadora captou, diversas situações de modo de vida. O

espaço que abriga o habitat dessas mulheres, em alguns acampamentos são as casas de

alvenaria e os barracos, feitos de madeira, que ora se misturam com telhas e remendos, ora

com tijolos e lonas plásticas. Alguns lugares que a pesquisadora, se hospedou, eram casas de

alvenaria, com cimento na parede, sem todos os acabamentos, onde muitas vezes a luz do sol

passava pelas frestas dos tijolos, as fiações elétricas estavam penduradas, mas em perfeitas

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condições de uso. Os barracos que se misturam, entre a alvenaria e o barraco de lona, davam

uma impressão de transição, ou seja, do barraco para a alvenaria. A precariedade do barraco,

que chega a se aproximar das divisões dos cômodos de uma casa de alvenaria, com suas

paredes remendadas com pedaços de madeira. Mesmo com precariedades, falta de segurança,

das suas casas de alvenarias ou barracos, o particular, ali, já tinha sido incorporado, e as

mulheres estavam presentes, fortemente, principalmente as assentadas, nos espaços

domésticos.

O território onde se desdobram e se repetem dia a dia os gestos elementares das

“artes de fazer” é antes de tudo o espaço doméstico, a casa da gente. De tudo se faz

para não “retira-se” dela, porque é o lugar “em que a gente se sente em paz”. “Entra-

se em casa”, no lugar próprio que, por definição, não poderia ser lugar de outrem.

(CERTEAU, 2008, p. 203).

A pesquisa de campo foi realizada durante 9 dias - de 30 de julho a 08 de agosto de

2018 - entre o assentamento Nova Conquista II e os acampamentos do Quilombo Campo

Grande e, após seu término, as mulheres foram acompanhadas nas redes sociais,

principalmente no grupo de WhatsApp criado pela pesquisadora, que resultou no contato mais

intensivo com o MST e do Coletivo de Mulheres Raízes da Terra, responsável pelo subtópico

de um dos capítulos intitulado “do habitat à luta e da luta ao habitat”.

Devido à falta de transporte e a distância, não foi possível ir até o assentamento

Primeiro do Sul, embora também tenham sido realizadas entrevistas com as mulheres

assentadas de lá. A maioria das entrevistas foi realizada nas quartas-feiras durante a reunião

do Coletivo de Mulheres Raízes da Terra. A pesquisadora buscou estar presente em

momentos formais e informais; esteve presente no Sindicato da Agricultura Familiar,

localizado no município de Campo do Meio – MG, no qual, concentra as atividades da

Cooperativa Camponesa e Guaí. Como foi muito difícil estabelecer uma rotina de campo, a

pesquisadora buscou ajudar e participar das atividades das mulheres durante a manhã,

ajudando até mesmo na horta e na organização do espaço onde o Coletivo de Mulheres Raízes

da Terra se encontra toda quarta-feira; a pesquisadora contribuiu com sua participação, no

segundo dia em campo, semeando mais de 100 sementes de tomate. As entrevistas com

algumas das mulheres acompanhadas aconteciam no período da manhã, durante o café, ou no

final da noite. No último dia da pesquisa foram realizadas as atividades de colheita de

camomila no período da manhã, e no período da tarde uma reunião, bate-papo, proposto pela

pesquisadora (o qual foi chamado de compartilhando saberes), com questões centrais como:

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relações de gênero, produção do espaço pela mulher, feminismo, campesinato, violência,

trabalho e outros temas que surgiram durante as discussões (figura 05).

Figura 05 – Compartilhando Saberes com as acampadas e assentadas - Campo do

Meio-MG

Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2018.

Os principais meios de transportes usadas pelas acampadas e assentadas são bicicletas

e alguns carros que já estão muito degradados, e as caronas, principalmente no deslocamento

até a sede do município. Esses também foram utilizados pela pesquisadora, apesar de a

maioria dos trajetos terem sido feitos a pé. O viveiro de mudas, que é o local onde acontece as

reuniões do MST e das mulheres, acaba sendo um dos pontos principais dos encontros e

reuniões, além do barracão da Rosa Luxemburgo que ocorre as festas, encontros, as reuniões

dos setores, assembleias do assentamento Nova Conquista II e dos acampamentos. A Escola

do Campo Eduardo Galeano é destinada apenas as atividades do setor de educação.

Além de ter visitado alguns lares dessas mulheres, foi observado o comportamento

familiar. “O fascínio da pesquisa qualitativa é que ela permite a realização de estudos

aprofundados sobre uma ampla variedade de tópicos, incluindo seus favoritos, em termos

simples e cotidianos” (YIN, 2016, p.6). Para a observação da vida cotidiana, foi

extremamente importante utilizar a pesquisa qualitativa.

Em vez de tentar chegar a uma definição singular de pesquisa qualitativa, você pode

considerar cinco características, listadas abaixo e em seguida discutidas

individualmente:

1. estudar o significado da vida das pessoas, nas condições da vida real;

2. representar as opiniões e perspectivas das pessoas (rotuladas neste livro como os

participantes) de um estudo;

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3. abranger as condições contextuais em que as pessoas vivem;

4. contribuir com revelações sobre conceitos existentes ou emergentes que podem

ajudar a explicar o comportamento social humano; e

5. esforça-se por usar múltiplas fontes de evidências em vez de se basear em uma

única fonte (YIN, 2016, p.7).

Cada mulher observada apresenta múltiplas realidades, diferenciados em idade, estado

civil, trabalho na terra, se é ou não de origem campesina, e a própria cotidianidade. As

diferentes vozes que fizeram parte da pesquisa, foram fundamentais para complementar o

trabalho, e ajudar na tentativa de compreender as relações de gênero, e qual seria a localização

epistemológica da geografia dentro das relações de gênero. Podemos considerar que a rotina

de campo foi mais informal, tendo em vista a dinâmica do cotidiano dessas mulheres. De

acordo com as observações durante os dias, foi captado o melhor momento de oportunidades

de realizar as entrevistas.

3.1 A (re)produção do cotidiano das mulheres: O que elas têm a nos dizer?

A vida cotidiana é heterogênea e hierárquica, mas não são estabelecidas eternamente e

não são imutáveis, pois se conforma de acordo com as diversas estruturas sociais. O que está

ocupando o centro da cotidianidade no campo nos dias de hoje? Os espaços privados e

domésticos acabam revelando as funções diárias estabelecidas na vida cotidiana dessas

mulheres. Mesmo tendo filhos ou não, acordam sempre muito cedo, e vão dormir, quase

sempre, muito tarde, cuidam da janta e da casa, e ainda relembram as atividades que deverão

ser desenvolvidas no dia seguinte; como é o caso de três mulheres entrevistadas, que estão

envolvidas em praticamente todas as atividades do MST. O particular, então, começa a se

desvelar, ao se aproximar das mulheres que foram acompanhadas, ainda assim foi captado um

cotidiano, considerado como “normal”, ou seja, se não tem atividade do movimento ou algum

evento, os dias seguem, “quase sempre do mesmo jeito”.

A heterogeneidade e a ordem hierárquica (que é condição de organicidade) da vida

cotidiana coincidem no sentido de possibilitar uma explicitação “normal” da

produção e da reprodução, não apenas no “campo da produção” em sentido estrito,

mas também no que se refere às formas de intercâmbio. A heterogeneidade é

imprescindível para conseguir essa “explicação normal” da cotidianidade; e esse

funcionamento rotineiro da hierarquia espontânea é igualmente necessário para que

as esferas heterogêneas se mantenham em movimento simultâneo (HELLER, 2008,

p.32).

O que essas mulheres estão tentando nos dizer é que, mesmo com os avanços na

participação no movimento, em algum momento vão se deparar com as relações de gênero.

Principalmente, se essas mulheres tiverem companheiros e/ou filhos, “[...] a combinação de

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atividades produtivas e reprodutivas levada por longas horas pelas mulheres rurais, faz com

que elas sejam provavelmente as pessoas mais ocupadas do mundo” (FAO, 1993, não

paginado). Vamos examinar a parte da entrevista7 realizada com a D.A, que confirmará a

hipótese:

Eu acordo 5h30, esse ano tá sendo um pouquinho diferente porque minhas crianças

estão estudando depois do almoço. Mas eu sempre levantei 5h00 da manhã, levanto

faço café, meu marido contribuí bastante, quando eu não faço ele faz, e levanto faço

café, dou café pras crianças né, trato das criação, e saío. Saio, porque a gente tem um

calendário, durante o mês durante a semana do que que é, aí eu olho na minha

agenda, tem compromisso levanto de manhã vou fazer, se eu não tenho tem

semana que eu tô mais folgada, aí eu fico em casa, aí eu cuidar da minha vida, vou

cuidar de criança, lavar roupa, às vezes eu largo tanquinho batendo vou para uma

reunião, na hora que eu chego aí eu torço ponho no varal, aí depois do almoço tem

outra reunião ou alguma palestra, aí eu saio, largo o tanquinho batendo de novo, aí

chego de tardezinha, torço a roupa, às vezes não dá tempo de colocar no varal aí eu

largo torcida no tanque, no outro dia de manhã eu estendo. [...] Meu horário

padronizado mais ou menos que eu chego aqui é sempre 6 horas! Agora essa semana

eu cheguei aqui em casa 22h00 da noite (D.A, agosto de 2018).

Por que acompanhar o cotidiano dessas mulheres? Porque consideramos que o

particular é a base reveladora do cotidiano, “[...] o particular não é nem o sentimento nem a

paixão, mas sim seu modo de manifestar-se, referido ao eu e colocação a serviço da satisfação

das necessidades e da teologia do indivíduo” (HELLER, 2008, p.36). Foi dentro de suas casas

ou barracos, e na recepção do Coletivo de Mulheres Raízes da Terra, que foram retiradas as

pequenas informações, consideradas para muitos pesquisadores desimportantes, mas, o que a

vida cotidiana de mulheres acampadas e assentadas tem a nos dizer sobre as relações de

gênero? Nos deparamos então com mais um questionamento, se os acampamentos são

espaços transitórios, os seus espaços comportam o cotidiano?

Há uma demografia das coisas, que mede o seu número e a duração da existência,

assim como uma demografia dos animais e das pessoas. No entanto, essas pessoas

nascem, vivem e morrem. Vivem bem ou mal. É no cotidiano que eles ganham ou

deixam de ganhar a vida, num duplo sentido: não sobreviver ou sobreviver, apenas

sobreviver ou viver plenamente. É no cotidiano que se tem prazer ou se sofre. Aqui

e agora (LEFEBVRE, 1991, p.27).

Foi observado elementos cotidianos, ao acompanhar as mulheres acampadas, quando

relatam suas histórias dentro dos acampamentos, muitas delas residem há mais de 10 anos,

aguardando a possibilidade de terem o direito à terra. Podemos afirmar que tanto o cotidiano

das mulheres acampadas, como as assentadas, são expressões da riqueza reveladora escondida

no cotidiano, a resistência, que chega a impressionar, pela luta e a espera do direito à terra. O

7 As transcrições das entrevistas preservaram o modo de falar das entrevistadas, não houve modificações nas

transcrições.

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que tem por trás deste cotidiano? O que existe na interminável complexidade da vida

cotidiana, que para muitos parece oculta e misteriosa, mas para a pesquisadora foi admirável,

foi a revelação que em alguns momentos, os sistemas fogem das lógicas. Se existe aspectos de

sua individualidade, e de sua personalidade, a vida cotidiana vai incorporar nos sujeitos suas

assimilações inseridas na cotidianidade. Quando essas mulheres e homens assumiram papéis

sociais, assimilaram as relações sociais. Foi possível identificar que as mulheres conseguiram

apreender os elementos da cotidianidade, mesmo as que não tiveram infância no campo e/ou

se mudaram por ser a única alternativa de sobrevivência.

A questão que estamos tentando chegar, é que a espontaneidade como tendência da

vida cotidiana abriu um leque de observações singulares para a pesquisadora. Devemos

considerar que o que é tido como “normal” presente em uma vida cotidiana, já está inserido

em um processo de alienação. Em busca de captar as espontaneidades, e fugir das alienações,

relacionamos o que parece, para muitos algo distante. Algumas análises ou pesquisadores

poderiam supor: é uma questão de sorte a captação das imagens, que estabelecem a relação

com os mapas mentais e com as entrevistas. Poderíamos considerar uma questão de sorte, ou

de manipulação dos dados se fosse a pesquisadora tentando “falar”, mas pelo contrário, são as

mulheres acampadas e assentadas que estão nos dirigindo suas falas e detalhes do cotidiano.

Foi uma questão de técnica, de percepção e de arriscar no cotidiano como recorte.

As grandes ações não cotidianas que são contadas nos livros de história partem da

vida cotidiana e a ela retornam. Toda grande façanha histórica concreta torna-se

particular e histórica precisamente graças a seu posterior efeito na cotidianidade. O

que assimila a cotidianidade de sua época assimila também, com isso, o passado da

humanidade, embora tal assimilação possa não ser consciente, mas apenas “em si”

(HELLER, 2008, p.34).

Alguns detalhes cotidianos serão apresentados por meio de algumas ferramentas

utilizadas em campo. A primeira foi a elaboração do mapa mental, no último dia da pesquisa,

conforme salientado anteriormente, no qual foi solicitado que as mulheres colocassem no

papel suas representações da casa, destacando o que consideravam mais importante, e/ou do

seu roçado (percurso casa-roçado). Depois da discussão foi solicitado que fizessem como “se

fosse um mapa”, sem preocupação com a perfeição dos elementos do desenho, que apenas

desenhassem aquilo que estava na memória. Os mapas mentais são representações construídas

através da percepção dos lugares, partindo da realidade vivida. Para compreensão da produção

do espaço das mulheres através dos mapas mentais, é necessário entendermos que a Geografia,

“[...] antes de formular a caracterização da área, deve procurar investigar e interpretar os

saberes que cada um traz e que foi adquirido durante a relação de vida com aquele lugar”

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(NOGUEIRA, 2013, p.129). Lynch (2011) explica que há diversas maneiras de manifestação

da coerência da imagem. No objeto real, pode haver pouca coisa ordenada ou digna de nota,

mas ainda assim a sua imagem mental terá adquirido identidade e organização através de uma

longa familiaridade com ele”. (LYNCH, 2011, p. 7). Para esse autor, as “imagens públicas”

são imagens mentais comuns, “[...] áreas consensuais que se pode esperar surjam da interação

de uma única realidade física, de uma cultura comum e de uma natureza fisiológica básica”

(idem, p. 8). São nas figuras (associação entre fotografias, entrevistas e/ou nos mapas

mentais), logo abaixo, que vamos identificar os elementos do espaço (re)produzido e vivido.

Pesquisadora: E a tua propriedade, o que você cultiva aqui?

P.M: Olha agora, agora já plantou milho, já plantou feijão né, mas lá pra baixo eu

nunca plantei sozinha, nunca plantei o lote todo não, é muita terra, né! Então eu tirei

um quadrado em volta, e tô plantando, vou fazer a cerca de banana. Comprei já o

arame pra fazer a cerca, porque de vez em quando solta uns bicho aí como tudo aí,

vou plantando, tem maçã, tem jabuticaba, tem já uns pé de abacate que eu plantei

ali e como eu tenho muito problema com água é mais difícil, né que tá mais difícil

para mim plantar, é isso agora Deus quiser, eu quero plantar, uma comprar umas 50

muda de goiaba (P.M, agosto de 2018).

Ao examinar a entrevista, também identificamos os elementos na fala que

correspondem aos elementos observados no mapa mental, como os perímetros delimitados

que a P.M cultiva: “Então eu tirei um quadrado em volta” (P.M, 2018). As áreas delimitadas

pelos quadrados, pretendem demonstrar as coincidências e o domínio espacial. A área

delimitada pelo círculo, demonstra o espaço vazio e não cultivado: “[...] olha agora, agora já

plantou milho, já plantou feijão né, mas lá pra baixo eu nunca plantei sozinha, nunca plantei o

lote todo não, é muita terra, né!” (P.M, 2018). É acampada no Sidney Dias. A pesquisadora

Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2018. Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2018.

Figura 06 – Mapa Mental da P.M Figura 07 – Residência da P.M

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passou três dias, acompanhando esta mulher, no final da pesquisa, devido à dificuldade de

mobilidade.

Então é aquilo que eu falo, você persegue esse sonho, pra você ver, eu saí com 13

anos da roça, mas por 51 eu estava na roça de novo. Muitas pessoas falava essa

moça chegou de São Paulo magina que ela vai saber trabalhar na terra, saber tirar

água de um poço né, a mão, essas dificuldades, catar lenha pra acender fogo, mas eu

fiz tudo isso na minha infância, quando eu retornei, era gostoso, parecia que eu tava

tinha saído ontem da roça, estão tudo aquilo que os meus pais me ensinaram estava

dentro de mim já cheguei fiz de novo, e faço, e gosto de fazer (D.R, 2018).

Como a D. R. não está acampada e nem assentada, está morando em um lugar

transitório, chamado de Coloninha, que é o local que recebe as pessoas por um tempo

determinado, até se mudarem para os seus acampamentos, ela não tem um lugar extenso de

cultivo e nem um roçado. Mas essa cena, de saída, representa o que foi muitas vezes

acompanhado durante a observação, registrada apenas suas saídas, podemos identificar que o

seu lugar de cultivo é em frente à sua porta. A casa é de alvenaria, mas encontra-se em

processo de degradação, a iluminação da casa se encontra em lugares específicos. O fundo da

casa é cimentado, o que impossibilita o cultivo, razão pela qual planta no seu “poejo” em

frente à sua casa: hortelã, orégano, mirra, boldo, e tem um pé de maracujá e de mamão e uma

palma. Ela faz questão de colocar seus companheiros e companheiras cotidianas, os gatos

Chiquinho e Amiguinho, e a cachorra Dona. Na entrevista demonstra que mesmo em meio as

dificuldades, ela ainda preserva tudo que pode muito próximo aos seus cuidados campesinos.

Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2018. Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2018.

Figura 08 – Residência da D. R. Figura 09 – Mapa Mental da D.R

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Existe uma disposição dos objetos, muito próximos, que estão demarcados pelo quadrado

vermelho, a seta indica a orientação, no qual deve ser examinado o mapa mental e a imagem.

E.A: Olha eu acho que a mulher agora tendo consciência e trabalhando no campo é

muito importante, é o sustento da família, principalmente eu que tenho só até o

quarto ano do primário então a gente sabe como pode trabalhar sim, principalmente

diminuindo os agrotóxicos essas coisas para importância da Saúde está sabendo que

a gente está consumindo né.

Pesquisadora: Qual a importância da Terra para você?

E.A: A terra é tudo né! (E.A, agosto de 2018).

A E.A, durante a entrevista adiciona ao seu mapa mental elementos que considera

muito importante, “[...]é o sustento da família, principalmente eu que tenho só até o quarto

ano do primário então a gente sabe como pode trabalhar sim” (E.A, agosto de 2018). A horta,

galinheiro, e o desenho do que seria lugar onde se retira a água, são lugares que a acampada

consegue reconhecer dentro do seu domínio espacial. Reside no acampamento Betinho.

Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2018.

Figura 10 – Mapa mental da E.A

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Pesquisadora: E qual é a importância da mulher no campo?

E.E: Toda importância, todo tipo de importância. Liberdade! A gente é livre de

muitas coisas que a gente encontra na cidade né. Muitas coisas feias que tá

acontecendo, então assim a importância, não tem nem palavra para falar da

importância de a rente viver no campo.

Pesquisadora: Se um homem chegasse e falasse para a senhora: Você só ajuda você

não trabalha! O que você diria para eles?

E.E: Como eu não tenho essa chance de falar porque eu nunca tive homem na

minha vida, só passageiro, eu não tenho esse momento de falar que eu só ajudo,

porque o homem de casa sou eu! (E.E, agosto de 2018).

Apesar da dificuldade de elaborar os elementos de forma mais abstrata, a assentada,

que reside no Primeiro do Sul, consegue identificar seu espaço, e demonstra domínio espacial

através da escrita, relatando a disposição dos objetos. Como já foi relatado durante a pesquisa,

o café está fortemente presente dentro dos assentamentos. A entrevista “conversa” com o

mapa mental, quando a assentada demonstra que é ela mesma que cuida do seu lote,

mostrando que existe uma disposição dos elementos, organizada por ela: “[...] eu nunca tive

homem na minha vida, só passageiro, eu não tenho esse momento de falar que eu só ajudo,

porque o homem de casa sou eu!” (E.E, 2018).

Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2018.

Figura 11 – Mapa Mental da E.E

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Pesquisadora: Qual é a importância da mulher no campo?

D.C: Eu acho muito bom né, E a gente vai aprendendo as coisas, conhecendo as

coisas que a gente não conhece, eu memo não conhecia quase nada né. É muito bom

que a gente vai aprendendo (D.C, 2018).

Neste mapa mental a acampada que reside no acampamento Rosa Luxemburgo,

apresenta uma certa dificuldade na hora de relacionar os elementos, na disposição da horta, os

elementos estão muito distantes. “E a gente vai aprendendo as coisas, conhecendo as coisas

que a gente não conhece, eu memo não conhecia quase nada né. É muito bom que a gente vai

aprendendo” (D.C, 2018).

Pesquisadora: Qual a importância da mulher no campo?

C.A: É muito importante a mulher, o trabalho das mulheres (C.A, agosto de 2018).

Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2018.

Figura 12 – Mapa Mental da D.C

Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2018.

Figura 13: Mapa Mental da C.A

Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2018.

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Os elementos estão enquadrados dentro do mapa mental, a assentada delimita os

espaços. Sua entrevista foi breve, o que dificultou a retirada de elementos para fazer a relação

entre o mapa metal.

É possível deduzir que quando associamos as entrevistas, mapas mentais e as

fotografias percebemos que eles nos trazem as informações sobre domínio espacial. Os

elementos apresentados nos mapas mentais podem dizer pouco, sobre a relação com o espaço

cultivado e habitado pelas mulheres. Mas, foi uma tentativa de revelar através do mapa mental

um pouco daquilo que as mulheres têm como registro espacial, guardados na sua memória. A

pesquisa não busca aprofundar sobre questões metodológicas usando o mapa mental, mas

serve neste momento como ferramenta de complemento, para contribuir, juntamente com as

entrevistas e as imagens. Os mapas mentais contêm saberes sobre os lugares que só quem vive

neles pode ter e revelar (NOGUEIRA, 2013, p.130). Os mapas mentais, então, serviram para

identificar elementos básicos da paisagem, ou traços de aspectos já discutidos durante a

pesquisa.

Poderíamos supor, então, que os registros dos mapas mentais são rotas percorridas

cotidianamente pelas mulheres, considerando que a intensidade do percurso revelara maior

conhecimento da área de cultivo e um maior domínio espacial. São espaços representados

carregados de valores simbólicos. Existe a importância de se relacionar elementos materiais e

simbólicos, o que confirma o interesse de relacionar de alguma forma as imagens, mapas

mentais e as entrevistas, porque esses elementos têm algo a nos dizer. O mais importante, é

perceber que esses mapas mentais, estão cheios de significados, e cada um foi elaborado à sua

maneira, por cada mulher, sem nenhum modelo ou esquema apresentado.

A isso se dá o nome de identidade, não no sentido de igualdade com alguma outra

coisa, mas com o significado de individualidade ou unicidade. Em segundo lugar, a

imagem deve incluir a relação espacial ou paradigmática do objeto com o

observador e os outros objetos. Por último, esse objeto deve ter algum significado

para o observador, seja ele prático ou emocional. O significado também é uma

relação, ainda que bastante diversa da relação espacial ou paradigmática (LYNCH,

2011, p. 9).

As configurações da organização espacial dos acampamentos e assentamentos se

diferenciam. Logo abaixo, o quadro demostra a comparação entre ambos:

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Quadro 02 - Diferenças entre acampamentos e assentamentos

Aspectos Assentamentos Acampamentos

Território

Fixo e determinado

(individual e coletivamente).

Provisório e indefinido

(individual e coletivamente).

Atividade Produtivas

Constantes, baseadas na

posse de terra e

desenvolvimento da

agricultura, com obtenção de

renda.

Podem ser escassas ou

cultivarem; podem criar

animais; compreendendo a

manutenção do acampamento

e ocasionais serviços

assalariados para terceiros.

Sociabilidade

Similar à dos bairros rurais

tradicionais, ainda em

processo constante de

consolidação.

Calcada na “economia de

guerra”; solidariedade

entrecortada pela prevalência

das garantias individuais.

Relação com o MST

Independência relativa,

variando de acordo com o

grau de controle que o

movimento exerce sobre a

atividade produtiva e sua

organização.

Dependência absoluta, tanto

para a sobrevivência material

quanto para o êxito na

obtenção de terras.

Condição Jurídica Legal Ilegal

Fonte: TURATTI, 2005.

O objetivo fixado nas entrevistas buscou fazer um estudo mais aprofundado com o

auxílio de entrevistas não diretivas. Procurou-se não propor questões. Nas entrevistadas, foi

seguida apenas algumas instruções no início de cada entrevista como: Me fale do seu

cotidiano! Qual a importância da mulher no campo? Após 17 entrevistas não diretivas, os

temas foram centrados no cotidiano das mulheres, sua relação com o campo, e como os

homens enxergam o trabalho delas. Mesmo assim insistiremos em apontar, que o cotidiano

dessas mulheres:

[...] seria algo mais: não uma queda vertiginosa, nem um bloqueio ou obstáculo, mas

um campo e uma renovação simultânea, uma etapa e um trampolim, um momento

composto de momentos (necessidades, trabalho, diversão – produtos e obras –

passividade e criatividade – meios e finalidades etc.), interação dialética da qual

seria impossível não partir para realizar o possível (a totalidade dos possíveis)

(LEFEBVRE, 1991, p. 20).

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As entrevistas tiveram duração de 1 minuto 50 segundos até 57 minutos. O objetivo

foi captar através das entrevistas as falas que poderíamos relacionar com os outros dados

coletados e com as observações. Entrevistas não-diretas, as quais, possibilitaram maior fluidez

dos relatos. Então, buscou-se, nas entrelinhas das entrevistas, aquilo que as mulheres

tentaram nos dizer sobre as relações de gênero. Buscou-se captar quais eram as relações de

gênero no campo, observando a produção do espaço que essas mulheres (re)produzem. Para

abordar as relações de gênero com mais profundidade, foi, necessário fazer algumas divisões

para separar as mulheres entrevistadas, apresentado nos quadros, anteriormente. Existe uma

(re)produção cotidiana dessas mulheres; essas mulheres ainda dão continuidade a reproduções

machistas, imbuídas dentro do movimento e de suas relações ainda mais íntimas, por fim,

ainda reproduzem um cotidiano que trazem da sua experiência da cidade; uma das formas de

manter essas reproduções sociais é ainda manter essas diferenças entre os sexos. As mulheres

rompem quando participam dos movimentos e constroem juntas novos espaços de

representatividade.

3.2 Uma estrutura em colapso: O patriarcado no meio rural

Dentro das diferenças estabelecidas na sociedade do que é ser homem e ser mulher, o

meio rural não se distanciaria dessa diferença em forma de desigualdade entre os gêneros.

Essas diferenças revelam as opressões das mulheres. Para reforçar essas diferenças a

construção simbólica vem como um aporte utilizado também para fazer do corpo um aspecto

diferenciador. Assim, gênero é o conjunto de ideias que uma cultura constrói do que é “ser

mulher” e “ser homem” e tal conjunto é resultado de lutas sociais na vivência cotidiana

(SILVA, 2003, p.36). Mesmo com os avanços sobre o papel da mulher no campo e a sua

importância, “[...] A subordinação da mulher ao homem, porém, continua” (ROSSINI, 1993,

p.2). No município de Campo do Meio – MG, a proletarização do campo, passou pela cana-

de-açúcar, e avançou com a ampliação da monocultura de café, vinculado à produção do

espaço agroindustrial. Houve um aumento das responsabilidades das mulheres, mas a

configuração de autoridade no meio familiar e no MST ainda exige muito avanço. A categoria

de gênero acaba se tornando uma ferramenta para compreender os papéis socias e as

construções sociais, vinculadas às relações de gênero.

O gênero se torna, aliás, uma maneira de indicar as “construções sociais” – a criação

inteiramente social das ideias sobre os papéis próprios aos homens e às mulheres. É

uma maneira de se referir às origens exclusivamente sociais das identidades

subjetivas dos homens e das mulheres (SCOTT, 1990 p.7).

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Os acampamentos e os assentamentos, ambos inseridos e estruturados dentro da

organização do MST, que tem como projeto a reforma agrária popular. O MST busca então a

tentativa de construir um documento coletivo, no qual a terra não seja restrita apenas à venda

e compra, que seja encarada como o direito do povo. Nestas mais diversas questões, as

mulheres estão sempre presentes, contribuindo à luta contra uma estrutura fundiária de

concentração de terra. Para essas mulheres acampadas e assentadas está ocorrendo aos

poucos as rupturas do sistema patriarcal no meio rural. Essas mulheres, em seu movimento

feminino, buscam nas teorias feministas, fortalecer os seus coletivos e a própria organização

do movimento, porque compreende a necessidade da construção coletiva. É difícil estabelecer

uma definição precisa do que seja feminismo, pois este termo traduz todo um processo que

tem raízes no passado, que se constrói no cotidiano, e que não tem um ponto predeterminado

de chegada (ALVES, PITANGUY, 1991, p.7).

No ano de 1996, ocorreu o Encontro Nacional das Mulheres Militantes do MST, que

foi responsável pela produção de uma cartilha que trata do tema sobre a “Mulher no MST”.

Logo abaixo, estão relacionadas algumas pautas, estabelecidas no encontro:

Quadro 03 – Demandas das Mulheres Acampadas e Assentadas do MST

Problemas relacionados com a luta

pela terra

Nos assentamentos e acampamentos se

produz os mesmos problemas da

sociedade. As mulheres enfrentariam os

mesmos problemas se não estivessem no

acampamento, como discriminação,

dupla moral, falta de estrutura para

possibilidade a participação, etc.

Problemas relacionados à

participação no MST

As mulheres lutam, mas não têm

representatividade; diferença entre teoria

e prática do MST; trabalho com/ sobre/

das mulheres é considerado secundário.

Causas dos problemas

Da sociedade: preconceito histórico e

atraso das relações sociais do campo.

Do MST: falta entendimento do

problema (maioria acha que não existe

problema); falta de incentivo e de criar

mecanismos de participação; falta

qualidade na formação de seus membros.

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Das mulheres: Medo de enfrentar os

problemas.

Avanços

Conscientização de que há problema e o

jeito como enfrentamos a discriminação;

preocupação que está existindo no MST

de debater o problema enquanto fato

político (enquadrar o gênero na luta de

classe) e do ponto de vista científico.

Qualidade do debate que as lideranças

femininas iniciaram.

Fonte: Cartilha sobre A questão da Mulher no MST. Org.: Autora, 2019.

A formulação da cartilha, ao discutir as relações de gênero, aponta mais uma vez, que

esse tema é um problema geral da sociedade, e por esse motivo está inserido nos

acampamentos e assentamentos de reforma agrária. Na cidade e no campo, os problemas

vinculados ao machismo e às desigualdades de gênero, são combatidos com o

aprofundamento dos estudos e pesquisas sobre o feminismo, e sobre as próprias relações de

gênero.

Entretanto, o feminismo não é apenas o movimento organizado, publicamente

visível. Revela-se também na esfera doméstica, no trabalho, em todas as esferas em

que as mulheres buscam recriar as relações interpessoais sob um prisma onde o

feminino não seja o menos, o desvalorizado (ALVES, PITANGUY, 1991, p.8).

Na cartilha os principais temas, estão ligados aos problemas da participação das

mulheres no MST. De acordo com o relato apresentado na cartilha, as mulheres lutam e

resistem, mas não têm representatividade consideráveis; existe diferenças entre teoria e

prática do MST; o trabalho com/ sobre/ das mulheres é considerado secundário (Coletivo

Nacional de Mulheres do MST, 1996). Ainda intensificam na cartilha a importância da

criação de quadros femininos, ou até mesmo para a criação de lideranças femininas, pois à

luta de classes, também devem estar relacionadas as relações de gênero.

o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças

percebidas entre os sexos, e o gênero é uma forma primeira de significar as relações

de poder. As mudanças na organização das relações sociais correspondem sempre à

mudança nas representações de poder, mas a direção da mudança não segue

necessariamente um sentido único (SCOTT, 1990, p.21).

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Dentro dessas relações de gênero e das diferenças estabelecidas entre os sexos,

podemos refletir que o sistema de significados e a reprodução social, é formulada através do

estabelecimento da continuidade das estruturas, práticas, instituições, e formas sociais. Para

alguns o trabalho doméstico é visto como secundário, mas no campo é difícil dissociar essa

relação, entre esfera doméstica e roçado. Então os sentidos são bombardeados de significados

e representações, para conformarem os papéis que mulheres e homens deverão desempenhar.

As desigualdades de gênero são formuladas e estabelecidas socialmente, cheio de:

[...] sistemas de significados, isto é, às maneiras como as sociedades representam o

gênero, o utilizam para articular regras de relações sociais ou para construir o

sentido da experiência. Sem o sentido, não tem experiência; e sem processo de

significação, não tem sentido (SCOTT, 1990, p.15).

Com todas as alterações no campo a mulher veio reduzindo seu número de filhos,

como podemos observar no perfil das entrevistadas (quadro 01), pois acaba sendo uma

despesa a mais. Houve um aumento de mães solteiras, divorciadas, e o aumento de mulheres

que coordenam suas famílias. As pressões econômicas, juntamente com as mudanças de

valores, foram as responsáveis pelo enfraquecimento dos laços familiares, por isso que nessa

pesquisa, não consideramos a questão da agricultura familiar, mas a camponesa, porque

compreendemos que vai além de uma configuração familiar do cultivo da terra. A

configuração observada das mulheres acampadas e assentadas demostram a modificação da

estrutura familiar, tendo em vista o aumento dos divórcios, separações, nascimento fora do

casamento, diminuição do número de filhos, optar ou não por casar e vários arranjos

alternativos, foram alterados na vida privada-cotidiana, e repercutiram no espaço público.

Essas transformações refletem o processo de individuação da mulher, o que

repercute de forma evidente na autoridade patriarcal, desmantelando a estruturação

da família tradicional, qual o “chefe” detinha o poder de controle e de decisão sobre

os membros do grupo familiar (OLIVEIRA, 2005, p.124).

O aumento, cada vez mais gradativo da concentração fundiária, afeta a presença das

mulheres no campo; apresentaremos alguns conflitos no próximo subtópico “Do habitat à luta,

da luta ao habitat”, que nos ajudará a entender a afirmação anterior. Em meio às dificuldades,

quando ainda existe uma possibilidade de sobreviver na cidade, essas mulheres migram, e vão

compor o setor de assalariamento, na maioria das vezes como empregadas domésticas.

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3.3 Do habitat à luta, da luta ao habitat

O cotidiano de algumas dessas mulheres está interligado fortemente à luta pela terra.

Após 09 dias de pesquisa, o inesperado surge, metaforicamente, “o habitat” solicita que essas

mulheres o deixem, para ir à luta; então recebem a notícia da solicitação de despejo. No dia 07

de novembro de 2018, no fórum de Campos Gerais – MG, cidade próxima a Campo do Meio

– MG, aconteceu a audiência para desapropriação, que resultaria na decisão de despejo das

famílias do acampamento Quilombo Campo Grande. O poder de monopólio que se acumula

para os proprietários de terra mediante a propriedade privada da terra é a base da renda como

uma forma de mais-valor (HARVEY, 2013, p.128).

De acordo com o MST, o acampamento conta com 450 famílias, na qual 178 são

naturais de Campo do Meio – MG, sendo que 120 trabalharam na antiga usina (histórico

apresentado no quadro 03). Foram solicitados através de e-mails e redes sociais que fosse

realizado a suspensão da ação da reintegração de posse, pela quantidade de famílias, com

mais de 2.000 pessoas, que já estão na área há mais de 20 anos. Foi estabelecido prazo de uma

semana para que as famílias desocupassem as terras, que encerrava na quarta-feira, dia 14 de

novembro de 2018. O que os latifundiários e os capitalistas burgueses fizeram nessas terras é

favorecer a usurpação, “dentre outros motivos, para transformar a terra em mero artigo de

comércio, ampliar a área da grande exploração agrícola, aumentar o suprimento dos

proletários sem direitos, enxotados das terras etc” (MARX, 2008, p. 838).

Ao relacionarmos a expropriação das terras, transformadas em propriedades privadas

encontramos as relações que vão sendo institucionalizadas para atender aos interesses do

capital, no sentido de que ele o capital se apropria do trabalho de homens e mulheres no

campo. Se no século XVIII a lei vira uma ferramenta para efetivar o veículo do próprio roubo

das terras que pertence ao povo, de acordo com Marx (2008), o roubo vai assumir forma

parlamentar, estabelecendo o cercamento das propriedades, expropriando o povo, tornando a

terra propriedade privada, o Estado e os latifundiários se associam, o que vai influenciar na

relação com os sujeitos; “ [...] as sociedades capitalistas, conclui que a base da inferiorização

da mulher encontra-se no surgimento da propriedade privada. Desta forma, o casamento e a

sujeição da mulher surgiram como garantia para a transmissão da propriedade (herança)”

(ALVES, PITANGUY, 1991, p. 41). Essas mulheres saem de suas casas e barracos e vão para

a luta. As imagens, logo abaixo, relatam essa saída para a luta. Nesses momentos foram

registrados dois espaços: o primeiro é o do habitat, no qual estive com as mulheres; e o

segundo a luta que estavam travando pelo direito à terra. Para nível de organização, as figuras

receberam dois nomes: o habitat e a luta (foram enumerados).

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Figura 14 – Habitat I

Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2018.

Figura 15 – A luta I

Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2018.

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Figura 15 – A luta II

Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2018.

Figura 17 – Habitat II

Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2018.

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Figura 18 – Habitat III

Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2018.

Figura 19 – A luta III

Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2018.

Essas mulheres captadas nessas imagens, são a prova da resistência e da luta pelo o

direito de cultivar a terra. Mais do que quantidade imensas de mulheres participando

ativamente do movimento e tendo representatividade, é preciso preservar a qualidade de

formação de base e política, que também envolve os homens. Ainda assim, as mulheres

ocupando diversas frentes dentro do movimento, foi percebido uma maior concentração das

mulheres nos setores de saúde e educação. Além dos espaços destinados à produção e à

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formação política, as mulheres se reúnem para tratar de problemas como despejos e as

alternativas frente ao movimento. Dentro dos acampamentos e assentamentos, vão à cidade

solicitar melhores condições de vida. Os encontros do Coletivo das Mulheres Raízes da Terra,

servem para potencializar a luta. As dificuldades na formação política, a violência, problemas

relacionados com transporte para à escola, saúde e a qualidade de vida, fazem parte das

preocupações dessas mulheres. Quando essas mulheres se aproximam mais de suas

organizações, se apropriam dos espaços:

Nesses casos de mudança de função, a transformação real nunca é igual zero. É um

fato elementar que o indivíduo desenvolve capacidades diferentes na execução de

tarefas diferentes; e que, em diferentes situações, consegue inverter a atitude de todo

o seu ser moral, ou seja, que a “interioridade” do homem transforma-se em interação

com a sua exterioridade (HELLER, 2008, p.123).

As falas das mulheres durante as reuniões demostram maiores preocupações no

sentindo de reforçar o próprio coletivo, para situações de conflito, sobre a importância das

mulheres e o conhecimento sobre suas lutas dentro dos acampamentos e assentamentos, o

combate ao machismo, autonomia econômica e várias outras questões. As opressões

relacionadas às relações de gênero, atingem as mulheres independente do desenvolvimento

das forças produtivas estabelecidas dentro dos seus lotes. As falas e as vivências dessas

mulheres estão carregadas de idas e vindas de um longo processo histórico de luta pela terra

nessa região. As mulheres e os homens, passam a compor uma grande força em meio às

diversidades. Apresentaremos, o quadro logo abaixo, que configura durante anos muitas idas e

vindas.

Quadro 04 – Processo histórico dos acampamentos e dos assentamentos

ANO HISTÓRICO

1994 Com dívidas trabalhistas, 2000 trabalhadores deflagram greve na Usina

Ariadnópolis.

1996 Chegada do MST em Campo do Meio – MG e ocupação da antiga Fazenda Jatobá,

próxima da Usina. Neste ano também é decretada a falência da empresa.

1997

Os ex-trabalhadores da Usina, junto com militantes do MST ocupam uma parcela da

terra e fundam o acampamento Girassol. Criação do Assentamento Primeiro do Sul

com área de 888 Hectares, comportando 42 famílias.

1998 Ocupação e Despejo do Acampamento Girassol.

1999 Retorno do Acampamento Girassol e

Fundação do Acampamento Vitória da Conquista (esta área foi a única que ainda

não sofreu nenhuma reintegração de posse).

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2000 Ocupação do território central da Usina: Criação do Acampamento Tiradentes.

2001 Fundação do Acampamento Betinho.

2002 Fundação do Acampamentos Chico Mendes, Herbert de Souza, Fome Zero,

Resistência, Chico Mendes,

2003 Fundação do Acampamento Irmã Dorothy

2004 Fundação do Acampamento Irmã Dorothy, após despejo da primeira área.

2005 Despejo do Acampamento Tiradentes, mesmo ano de retorno.

2007 Fundação do Acampamento Sidney Dias.

2008 Fundação do Acampamento Rosa Luxemburgo.

2009 Fundação do Acampamento Nova Conquista II. Segundo despejo do Acampamento

Tiradentes. Primeiro despejo Irmã Dorothy, Sydney Dias e Rosa Luxemburgo.

2010 Retorno do Acampamento Tiradentes, Irmã Dorothy, Sydney Dias e Rosa

Luxemburgo.

2014 Criação do Assentamento Nova Conquista II, com área de 300 hectares,

comportando 12 famílias.

2018 Nova tentativa de despejo do Acampamento Quilombo Campo Grande, local que se

concentra maior parte dos assentamentos. Atualmente o processo está em

tramitação.

Fonte: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) de Campo do Meio – MG, 2019. Org.: Autora.

Durante a pesquisa foi observado que estas mulheres e homens já tinham construído

suas casas, e que havia uma vasta (re)produção da vida neste local. Para compreender esse

conflito temos que observar esse quadro com cuidado, pois há 20 anos essas mulheres e

homens, ocupam as terras da antiga Usina Ariadnópolis, que há muito tempo havia falido,

deixando uma dívida de mais de R$ 300 milhões com o Estado e com os seus trabalhadores.

A área da antiga usina é de 4.000 hectares, na qual contava com o plantio de cana-de-açúcar.

Atualmente a área ocupada pelos acampamentos produz cerca de 510 toneladas de café

orgânico por ano, cerca de 55.000 sacas de milho crioulo, 500 toneladas de feijão, 8 toneladas

de mel, com uma área de cerca de 40 hectares de hortas, de acordo com o movimento (MST),

que conta com o setor de produção, isso apenas nos anos de 2017 e 2018. E o coletivo de

mulheres que produz ervas medicinais. A área ainda foi reflorestada e conta com um viveiro

de mudas, no qual, nos acampamentos foram plantadas 60 mil mudas de árvores nativas e 60

mil árvores frutíferas. De acordo com o IBGE (2010), hoje o município conta com uma

população estimada de 11.658 habitantes, o acampamento Quilombo Campo Grande e os

demais acampamentos possuem cerca de dois mil moradores, o que representa quase 18% da

população do município. O que este conflito revela? Através da datação que revela um pouco

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da história dos conflitos agrários e injustiças socias que existem há várias décadas na região

de Campo do Meio – MG, e que hoje conta com uma dirigente regional do MST, mulher, que

organiza junto a suas companheiros e companheiros a resistência e a luta pela terra. A

injustiça social e agrária que ocorre nesta área, só tem uma resolução através de política

pública, a reforma agrária. Na década de 1980, ocorreu um intenso combate ao trabalho

escravo no sul de Minas Gerais, com aproximadamente 15 Sindicatos de Trabalhadores

Rurais (STRs) da região que romperam com a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do

estado de Minas Gerais (FETAEMG).

[...] depois de um ano que eu tava aqui e descobriu que tinha sem terra. Mas não foi

o MST que me convidou, foi Fetaemg, aí eu entrei, aí depois que eu entrei e eu

percebi estava sendo explorada pela Fetaemg. Aí foi a hora que eu entrei para o

MST, e trouxe o povo que era da Fetaemg para o MST, aconteceu isso (...) (D.R,

julho de 2018).

De acordo com as pesquisas realizadas, em 1983, com a falência da Usina

Ariadnópolis , deixando mais de 300 milhões de reais de dívidas trabalhistas e milhares de

desempregados, concidentemente, no ano seguinte, que data de 20 a 22 de janeiro de 1884,

ocorreu o Encontro Nacional de Camponeses em Cascavel – PR, que foi o momento de

criação do Movimento do Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Os agentes da Comissão

Pastoral da Terra (CPT) estavam envolvidos na organização das famílias e do trabalho de base

em algumas regiões. Com muita luta pela terra, mulheres e homens do MST conquistaram o

direito pela terra, com a criação de três assentamentos: O Assentamento Primeiro do Sul, o

Assentamento Nova Conquista II, em Campo do Meio – MG, e o Assentamento Santos Dias,

no município de Guapé. No latifúndio da antiga usina Ariadnópolis está o Quilombo Campo

Grande.

Quadro 05 – Acampamentos do Quilombo Campo Grande no município de Campo do

Meio-MG (2018).

ACAMPAMENTOS NÚMERO DE FAMÍLIAS

Tiradentes 28

Vitória da Conquista 36

Rosa Luxemburgo 77

Sidney Dias 86

Girassol 35

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Fome zero 36

Resistência 40

Betim 40

Chico Mendes 30

Irmã Dorothy 07

Campo das Flores 15

Fonte: Dados da coordenação do MST de Campo do Meio – MG, 2018. Org.: Autora.

Depois da intensa plantação de cana-de-açúcar, e da falência da usina, a monocultura

de café se estabeleceu fortemente. A região Sul de Minas Gerais nessa época já era

reconhecida pela forte monocultura de café, e não demorou muito para que chegasse aos

latifúndios da cidade de Campo do Meio -MG, que também iria influenciar os acampados e

assentados, a escolherem o cultivo de café.

Será mesmo que a geografia agrária deveria estudar as relações de gênero no campo?

O que os conflitos de luta pela terra se relacionam com as relações de gênero? Podemos

afirmar que se o latifúndio é combatido pelo MST, outras desigualdades também passam a ser

pautadas e combatidas dentro dos acampamentos e assentamentos, ou para além dessas áreas.

Tendo em vista todo retrocesso político que nos acompanha no ano de 2019, falar em mulher

no campo, em mulher sem terra é afrontar um sistema fascista, autoritário e desumano, que

extinguiu vários ministérios importantes, e prioriza o agronegócio e os ruralistas. Será que o

patriarcado no meio rural é uma estrutura em colapso? Em um país que o atual Presidente se

declara machista, que uma Ministra diz “que iniciamos uma nova era no Brasil, menino veste

azul e menina veste rosa”, no qual o próprio presidente se declara inimigo do MST; ambos

mostram um despreparo sobre os temas da reforma agrária, de luta pela terra e das relações de

gênero, essa pesquisa se torna fundamental, porque é a geografia falando da produção do

espaço atual das mulheres no meio campesino. Essas mulheres retornam à casa, da casa à luta,

da luta à casa, levando consigo a resistência de dias de “desavanço” na história.

A pesquisadora esteve presente na decisão da tentativa de desapropriação da terra,

solicitado pelo latifundiário. Os gritos de desespero ainda ecoam: “da minha terra não saio”.

Em meio à multidão, mulheres e homens se desesperam, mas de alguma forma, sabem como

resistir, e se for possível, fazem o que for possível pelo direito à terra; pelos 2 anos, 5 anos, 10

ou 20 anos de plantação e cultivo. Os choros, ainda se fazem ouvir, escorrem feito rio, nos

meandros dos rotos dessas mulheres e homens campesinos, em direção as casas de alvenaria

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e/ ou dos seus barracos. Da casa à luta, da luta à casa, como não se comover entre esses

conflitos. Dentro desse processo, ecoam os gritos de suas referências dentro do movimento.

De cima do coreto, da praça central do município de Campos Gerais -MG, em frente ao fórum,

a Dirigente Regional do MST anuncia: “Essa terra é nossa Companheirada, essa terra é nossa”

(D.A, 2018).

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4 A PRODUÇÃO DO ESPAÇO DAS MULHERES CAMPESINAS

O espaço geográfico é o lugar da interação de homens, mulheres e da natureza, no qual

se projetam as relações sociais e os mais diversos fenômenos. A produção do espaço não é

resultado das relações invisíveis, de um sistema econômico. Este trabalho é um convite para

as discussões e debates sobre o conceito de gênero na geografia, relacionado a um campo que

está inserido dentro de um sistema capitalista e patriarcal. É fundamental que se supere a

visão reprodutivista do espaço. A ciência geográfica se conformou dentro de um universo

hegemonicamente masculino, favorecendo aquilo que era visível no espaço, assim, “[...]

relegou a mulher a uma invisibilidade no processo de produção do espaço” (SILVA, 2003,

p.33). Dentro das diversas correntes do pensamento geográfico, nos aproximamos da

geografia crítica para tratar dos temas como: campesinato, relações de gênero, geografia

agrária, concentração fundiária, e por vezes, relatado a importância do MST no processo de

organização dos acampamentos e assentamentos de reforma agrária. Mas, o que buscamos é

apresentar as mulheres, confrontando temas e conflitos. Para superar o embate reducionista da

história da ciência geográfica, avançamos para além de um quesito de econômico e de classe

social.

É esse debate que alimenta a visão reducionista da história, a qual reduz os conflitos

essenciais da sociedade capitalista ao embate de apenas duas classes: proletariado e

burgueses, como se os primeiros estivessem imbuídos da tarefa histórica de conduzir

o processo de transformação da sociedade (PAULINO, 2006, p.22).

Nos acampamentos e assentamentos a divisão sexual do trabalho é muito próxima à da

cidade, o que reforça o sistema patriarcal e de discursos que restringem o trabalho da mulher a

“ajuda”, se compreendemos que é através do trabalho que o ser humano (re)produz o espaço,

seria reduzir a mulher a uma condição de ajuda nessa produção socioespacial.

O serviço da mulher é tipo como eu ouvia na infância, “que trabalho de mulher e

criança é pouco, mas quem desperdiçava era um louco”, olha que ouvia na infância

dos homens mais velhos, serviço de mulher e criança é pouco mas que desperdiça é

louco, ajudava, ajudava né, porque era louco não tô querendo que a mulher, que o

filho me ajude, e sendo que a gente sabe que a mulher tem a capacidade de tocar

uma roça sozinha. Nós temo mulher aqui que, têm plantação orgânica de café e o

marido é contra a plantação orgânica, o dele é do randap né, entendeu, magina

guerra que vive um casal desse (D. R, agosto de 2018).

Por esse motivo é necessário compartimentar as análises e dentro dos recortes apontar

que os estudos das relações de gênero fazem parte de uma tentativa maior para ampliar a

análise do espaço geográfico, identificando suas desigualdades e resistências. Pergunta-se

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qual é a função da divisão do trabalho é, portanto, procurar a que necessidade ela corresponde

(DURKHEIM, 1999, p.13). O que determina essa divisão sexual do trabalho na área de estudo

é enquanto o homem trabalha na roça e nas construções dentro dos assentamentos e

acampamentos, a mulher cuida dos filhos, da casa, de algumas tarefas do roçado; para o

homem ainda o “trabalho pesado”, para a mulher o “trabalho mais leve”, como se essa

partilha de funções representasse algo de positivo, na verdade essa divisão do trabalho que

determina a desvalorização da mulher no campesinato e nas esferas de representatividade do

movimento, tanto de mulheres como do MST. Para justificar esse efeito moral da divisão

sexual do trabalho precisaríamos de uma outra pesquisa, aqui neste trabalho não avançaremos

nessa questão que além de filosófica, também é geográfica, porque a constituição da moral

determina os objetivos da produção do espaço de uma sociedade, por isso que vai além da

relação das classes, ou seja, de uma questão restritamente econômica. Se existe diferenças, e

produção de desigualdades nas relações de gênero, é necessário que sejam demonstradas

através da ciência geográfica, porque a produção do espaço depende dessas mulheres e

homens.

Um conceito novo, a produção do espaço, se descobre no início; ele deve “operar”,

ou, como se diz às vezes, “trabalhar” esclarecendo processos dos quais ele não pode

se separar porque deles se origina. É preciso, portanto, servir-se dele deixando-o se

desenvolver, sem por isso admitir, à maneira dos hegelianos, a vida e a força

próprias do conceito, a realidade autônoma do saber. Ao final, após ter esclarecido

verificando-se sua própria formação, a produção do espaço (conceito teórico e

realidade prática indissoluvelmente ligados) explicitar-se-á e isso será a

demonstração: uma verdade “em si e para si”, realizada e, contudo, relativa.

(LEFEBVRE, 2006, p. 103).

Apreender as relações de gênero no campo é uma ferramenta para construir a equidade,

em um recorte de classe, no qual possamos identificar momentos de ruptura, sendo o

capitalismo, um processo que constrói aspectos ideológicos vinculado à mercadoria, para

combater um processo ideológico que constrói papéis, estereótipos, resultando em muitas

desigualdades, é necessário reforçar de um lado as ideologias e lutas que favorecem aquilo

que categorizam, como direito das minorias, na qual as mulheres fazem parte. O capitalismo

se apropria das relações, e quando analisamos as entrevistas identificamos que a maioria

destas mulheres vieram da cidade, ou passaram maior parte da sua vida na cidade, trazem

consigo o cotidiano embutido pelo capital, mas rompem em sua cotidianidade, rompem aquilo

que foi institucionalizado, quando trabalham, estudam, se organizam e ocupam terras e são as

representações dentro dos seus movimentos.

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O destino da produção do espaço campesino, foi visto como espaço próprio ao

desaparecimento, devido ao desenvolvimento do capitalismo e à modernização do campo. O

que identificamos no campo no século XXI é a recriação do campesinato e de suas relações

mais cotidianas. O conceito de campesinato utilizado para se referir às mulheres no meio rural,

estão associadas as concepções políticas e ideológicas relacionadas à história da luta pela terra

do Brasil, e mais precisamente, tratado desta pesquisa a influência do Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), vinculadas à questão de classe. Não tratamos aqui do

conceito como algo apenas para descrever um conjunto de pessoas e suas atividades, a

importância de usar o termo campesinato é formulado através de um posicionamento político.

Consideramos uma decisão política usar o termo campesino, pois muitas mortes acontecem e

aconteceram, de campesinas e campesinos que resistiram, contra a visão dicotômica, de um

campo visto como atrasado; essa visão foi impregnada na sociedade brasileira, através da

estrutura fundiária extremamente concentrada, que não trouxe benefícios aos que lutam pelo

o direito à terra, apenas reforçaram o desenvolvimento desigual e contraditório do meio rural.

Então imagine, ser mulher campesina, dento desse sistema concentrado e desigual. No campo

que as compensas e camponeses têm a oferecer é a sua renda da terra. Nos anos de 1940 e

1960 as Ligas Camponesas deram início à intensa luta pela terra, tentaram preservar a

produção campesina e a sobrevivência da classe. Para além de estabelecer um espaço para que

possam retirar as suas rendas, essas mulheres campesinas estão em busca de construir um

modo de vida, longe do caos da cidade. Durante as entrevistas foram citadas várias vezes as

dificuldades e os limites da cidade, a preocupação com a criação dos filhos, por isso,

insistem em continuar na campo, porque enxergam a possibilidade de concretizar o seu sonho

do direito pela terra, da autonomia de cultivar seu lote, de poder também viver e/constituir sua

família, encarando como fundamental o processo coletivo na construção de uma vida de

qualidade no meio rural. O que essas mulheres e homens buscam é cultivar, semear a terra;

mas ao conseguir se assentar não se pode reduzir a luta, ou fragmenta-la, mas compreender

que em um processo dialético ao superamos um processo, vamos nos deparar com outros

processos, talvez, mais complexos. Da terra é extraído o valor de uso, pois a renda da terra

cresce do solo.

4.1 A geografia a caminho de outras categorias: As relações de gênero

Dentro de uma perspectiva histórica, o aprofundamento dos estudos sobre o feminismo

começa a ser difundido no Brasil, no período da ditadura militar, entre os anos de 1964 até o

ano de 1985, que tinha como modelo econômico, a intensa concentração de renda. As relações

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de gênero estão inseridas dentro de espaços de poder, é por isso que muitos questionamentos

surgem, principalmente, como o sujeito feminino é construído dentro do espaço geográfico?

Sendo esse “sujeito feminino construído dentro de estruturas de dominação socioespacial”

(SILVA, 2003, p.37). Na década de 1970 a geografia contou com o surgimento de um espaço

inserido dentro de uma concepção crítica, o qual foi caracterizado como geografa crítica,

estabelecido através da concepção crítica do materialismo histórico dialético. Nesta pesquisa,

o espaço é o conceito-chave, na tentativa de compreender as contradições sociais e espaciais

das relações de gênero presentes nos acampamentos e assentamentos, localizados no

município de Campo do Meio - MG. O aprofundamento dos estudos feministas, datam

aproximadamente da mesma década, e coincidentemente o desenvolvimento da geografia

feminista. Os espaços feministas foram responsáveis por amparar as bandeiras do movimento

trabalhista. A entrada das mulheres no mercado de trabalho não alterou as desigualdades de

gênero:

[...] elas não foram bem ‘encaixadas’ e que há um ‘viés urbano’ perpassando as

análises sobre trabalho feminino no campo, viés que se estende inclusive ao

entendimento de seus movimentos reivindicativos, seja o Movimento das Mulheres

Trabalhadoras Rurais (MMTR), seja o movimento sindical ou, ainda, a luta das

mulheres ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)

(PAULINO, 2004, p.230).

Por esses motivos, fomos em direção ao marxismo para tratar das relações de classes.

O espaço geográfico é o lugar que ocorre a (re)produção das relações sociais de produção, e

reprodução dos papéis sociais. A formação socioespacial, é fundamentada pela sociedade, que

se torna concreta pela produção do espaço. Quando estabelecemos um recorte para

compreender as determinadas práticas espaciais, devemos levar em consideração de acordo

com Corrêa (2007): a seletividade espacial, que correspondem aos atribuídos isolados em uma

determinada área, no caso da pesquisa estão relacionadas as relações de gênero. A

fragmentação, que corresponde a divisão do espaço, e uma possível tentativa de

remembramento espacial, ou seja, a luta pelo o direito à terra pode ser fragmentado, mas as

mulheres e os homens campesinos vão reconstruído seus processos de luta e resistência; a

antecipação espacial, é caracterizado pela localização de algum evento com suas condições

favoráveis de (re)produção; a marginalização espacial; reprodução da região produtora,

devem ser examinados em suas relações dialéticas.

As categorias que são responsáveis pela conformação do espaço geográfico, são

formulados através de estruturas, que procuramos relacionar com os processos que ocorrem

no âmbito das relações de gênero dentro dos acampamentos e assentamentos; o processo pelo

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qual a estrutura do movimento das relações de gênero se transforma no meio campesino; as

funções relacionados ao habitat (acampamentos e assentamentos) vivenciadas no cotidiano

das mulheres e suas múltiplas dimensões, e por último é a forma do padrão espacial

identificados na área de estudo. Essas explanações demostram a relação da geográfica com os

estudos de gênero. As investigações na geografia sobre as relações de gênero tiveram início

entre os anos de 1970 e 1980, acompanhado do alargamento de outras discussões que

possibilitaram a ampliação das referências teóricas. As correntes do pensamento geográfico

que se aproximaram da Geografia de Gênero foram: A Geografia Neopositivista, Geografia

Humanística e Geografia Marxista. A Geografia Humanística procurou retratar a experiência

vivida pelas as mulheres, sem analisar as relações sociais. A Geografia Neopositivista buscou

modelos matemáticos para compreender o tempo pessoal e o tempo de trabalho das mulheres,

baseado em um modelo geográfico-temporal da sociedade. A Geografia Marxista procura

analisar a mulher no trabalho, relacionando processos econômicos e sociais, para

compreender como se dá a subordinação na sociedade capitalista.

A Geografia de Gênero tem possibilitado o desenvolvimento de estudos centrados

na ótica, que parte do trabalho para a produção e reprodução do espaço, entendendo

as mulheres como atrizes sociais, que através de seus papéis ativos produzem e

reproduzem o espaço (FRANCISCO, 2011, p.33).

O espaço geográfico estaria assim relacionado com a materialidade que conformam os

papéis socias de mulheres e homens no processo de trabalho, como na construção de

processos ideológicos, que vão resultar nas desigualdades. A produção do espaço geográfico e

das relações de gênero, também coincidem com a reprodução. Os relatos presentes neste

trabalho estão relacionados a um espaço historicamente construído. O conteúdo presente nos

acampamentos e assentamentos é o conteúdo do próprio espaço, sendo assim o conteúdo das

relações de gênero, é o conteúdo do próprio espaço. Os conteúdos perpassam também as

relações de gênero, estão relacionadas as diversas lutas pelo universo da diversidade das

contradições sociais. A condição de dominante-dominado dentro da relação patriarcal, se

autoexplicam na sua condição pontual de desigualdades entre os sexos. As correlações de

forças entre as análises geográficos e os estudos feministas, podem contribuir na

transformação social, com caráter revolucionário ou reformista.

A Geografia Feminista surge como necessidade de se repensar quais eram os papéis

desempenhados pelas mulheres no espaço geográfico, em uma tentativa de enfrentamento das

injustiças que foram institucionalizadas e que acabam atingindo as mulheres. A Geografia

Feminista se aproxima mais da Geografia Marxista, dessa maneira “[...] pode ser entendido

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como a busca de uma fundamentação teórica que possibilitasse o estudo das desigualdades

sociais e das relações de gênero, unindo esfera social e esfera econômica (FRANCISCO, 2011,

p.31). As transformações epistemológicas na Geografia Humana permitiram uma ampliação

dos temas para compreender as relações sociais dinâmicas na produção do espaço. A partir da

análise das relações de produção do sistema capitalista, “[...]entende-se a condição da mulher

como parte das relações de exploração na sociedade de classes” (ALVES, PITANGUY, 1991,

p. 40). Nos anos 60 com as indagações sobre a organização social, possibilitaram a

aproximação da Geografia com as teorias Marxista. Se aproximar das teorias marxistas não

foi sinônimo e total compreensão das dinâmicas sociais no espaço, se fez como necessário

analisar para além do sistema produtivo, relações de consumo e as classes sociais, a esfera

do privado foi incorporado, porque foi no cotidiano que encontramos às práticas espaciais e

outras formas de relações que produzem e reproduzem o espaço geográfico cotidianamente,

“[...] incorporar a geografia a componente gênero, procurando evidenciar que a organização

social e territorial engloba diferenças consideráveis entre homens e mulheres” (ANDRÉ, 1990,

p.334). As relações no âmbito do privado também são responsáveis por estabelecer, em parte,

as estruturas sócias, porque como na própria produção do ser, produtor de cultura, o qual

também se apropria, nesse conjunto da relação público-privado nos constitui, a mais do

público em nós do que o privado, levando em consideração que nos apropriamos daquilo que

é produzido culturalmente. Através do conceito de espaço a geografia oferece

metodologicamente a oportunidade de compreender as realidades sócias no cotidiano

fragmentando. A partir desses estudos foi possível se ater ao fato de que a (re)reprodução

social de homens e mulheres afetava diferentemente cada um dos gêneros em relação a esfera

do trabalho, do consumo, esfera público e privado.

A instituição familiar foi inserida na análise, para captar quais eram as atividades

desenvolvidas pelos homens e mulheres no ambiente doméstico, por isso a integração entre o

público e o privado, passando a ser aqui o privado do cotidiano a ferramenta de análise mais

importante. Com o desenvolvimento do capitalismo a instituição familiar passa por

transformações, que vão modificando a figura de chefe da família, mas o trabalho doméstico

ainda passa pelo processo de uma marginalização, a cozinha, a pequena horta, “lugar” que as

mulheres ocupam estão inseridos em uma marginalização espacial. O trabalho doméstico não

é o único espaço ocupado pela mulher, ainda cabe a ela a responsabilidade do cuidado

familiar. Se homens e mulheres assentadas e acampadas produzem o espaço através do

trabalho, a problemática das relações de gênero em geografia nos traz contribuições

necessárias numa concepção incorporada para não perder a essência da sistematização da

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geografia. A geografia crítica ou social buscou “compreender a diversidade das relações

sociais sob a ótica espacial, assim o espaço geográfico se apresenta como objeto central de

análise” (REIS, 2015, p.21).

Foram associados durante esta pesquisa a análise sobre a produção do espaço

geográfico e o conceito de gênero, para captar a organização do espaço geográfico das

mulheres campesinas. A geografia, mais precisamente dentro do recorte escolhido, a

geografia agrária, é capaz de promover considerações espaciais partido do conceito de gênero,

“entendendo-as como parte das práticas espaciais que permite desvendar a base da

organização geográfica das sociedades” (REIS, 2015, p.12). A Geografia Crítica tornou-se o

ponta pé inicial para se repensar os conceitos sobre o espaço, dentro dessa ótica o espaço

social se aproximou da vida cotidiana das relações sociais. O conceito de gênero não está

reduzido apenas a uma questão de sexo, ou seja, “o ser homem ou ser mulher”. Podemos

afirmar que, como as relações de gênero se materializam no espaço, e que nos traz

entendimento sobre as questões relacionadas às formações sociais, como a divisão sexual do

trabalho, dominações, a política, exploração e os demais processos ideológicos. Não podemos

esquecer que para uma análise mais aprofundada das relações de gênero no espaço geográfico

é preciso considerar as variáveis como raça, classe, etnia, geração e sexualidade; pela

dimensão da pesquisa e seu recorte nos atemos a algumas variáveis.

Como a geografia pode contribuir nos estudos das relações de gênero no campesinato,

em uma tentativa de superar a exploração dentro da estrutura de classe? “a emancipação da

mulher, e as melhorias “deve se dar no seio da classe trabalhadora” (REIS, 2015, p.13), para

sejam contempladas e alcancem o poder político e o fim de todas as opressões e

discriminações. O espaço geográfico é produzido por mulheres e homens em uma relação

dialética, seja coletivamente ou individualmente pelo trabalho e por seu cotidiano. Para

superar uma ciência geográfica que foi construída em um meio hegemônico, masculino,

branco, heterossexual, ainda com vestígios de uma ciência tardia, que só na década de 70 iria

se reformular para incorporar outros conceitos, para logo depois, compartimentar suas

análises para conseguir adentrar as diversas realidades sociais. Se o espaço geográfico é

constituído dentro de uma (re)produção e construção simbólica, cabe a geografia analisa-las, e

é isso que a geografia feminista vem contribuir, através da necessidade histórico-temporal,

para renovar as investigações e apontar dentro da complexidade da realidade cotidiana da

sociedade, e no caso desta pesquisa, a realidade cotidiana do campo, com as suas

desigualdades, lutas e resistências das mulheres campesinas quando produzem o espaço.

“Construir uma perspectiva científica além do androcentrismo é também uma maneira de luta

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e resistência à dominação masculina” (SILVA, 2003, p.42). A geografia de gênero vem nos

apresentar o feminismo como perspectiva para compreender as relações de gênero, e o

desenvolvimento da abordagem da construção de papéis incorporados socialmente no espaço

geográfico.

4.2 A geografia agrária das mulheres campesinas

O gênero enquanto categoria para compreender a produção do espaço das mulheres

campesinas está vinculado às relações de poder, inseridas no processo histórico, nas práticas

cotidianas da sociedade e na produção do espaço, como já observado. A possível, e muitas

vezes comum, a possibilidade de desenvolver a autonomia “[...]que se manifesta na maneira

com que os camponeses, agregados em unidades familiares e comunitárias, controlam seu

tempo e seu espaço de forma contrastante com a lógica dominante” (PAULINO, 2006, p. 21).

Nesta pesquisa foi utilizado o termo camponês, mesmo com vestígios de uma prática de

agricultura de base familiar entre os acampados e assentados:

Conforme destacamos anteriormente, a terminologia agricultor familiar constrói-se

em substituição ao conceito de camponês. Sua utilização implica no entendimento

de que o progresso técnico é o elemento fundante dos processos em curso no campo.

É por isso que o mesmo refratário ao conteúdo de classe, sendo, em suma, o

desdobramento ulterior de um princípio basilar do positivismo, o conservadorismo”

(PAULINO, 2006, p. 64).

O conceito de camponês utilizado nessa pesquisa está associado a uma identidade

dentro dos movimentos sociais, não só dentro do MST, de luta e resistência pela conquista do

direito à terra. Esse termo é usado tanto no MST, como foi aderido pelo Movimento de

Mulheres Trabalhadoras Rurais (MMTR). Em torno desse termo, foram construídas ideias,

como de comunidade, (des)construção de uma dupla mistificação do que seria atrasado e

moderno. Se para homens, mulheres e crianças sem-terra existe forte restrições, dentro dos

próprios assentamentos e acampamentos, esses fatores muitas vezes são reforçados, a falta de

políticas públicas para os assentados, também repercute na permanência das mulheres no

campo, ou seja, o acesso à terra é menor para as mulheres. Como estamos tratando de

assentamentos e acampamentos de reforma agrária, não cabe a análise de sucessão geracional,

porque os assentamentos e acampamentos não são considerados propriedades privadas e

individualizadas.

Com a criação do setor de gênero ocorreu o movimento autônomo das mulheres, mas

de acordo com as entrevistas, ainda existe um caminho longo a percorrer. A crítica realizada

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devido a fragmentação e a tentativa de uniformizar as demandas e lutas das mulheres na busca

pela igualdade de gênero muitas vezes provoca:

[...] nos movimentos que colocam a luta de classes em primeiro lugar, o modelo de

participação política é machista. O discurso da igualdade de gênero é consenso, mas

não se discute quão desigual é essa igualdade, na medida em que se cobra das

mulheres um comportamento masculino e elas acabam por incorporá-lo, sentindo-se

culpadas quando não conseguem segui-lo à risca (PAULINO, 2004, p.239-240).

Para as mulheres há opressão as atinge independentemente do desenvolvimento das

forças produtivas, da sua participação no trabalho no campo, e da relação espaço-tempo, pois

a opressão é imposta, sendo ela uma construção de papéis, permeada por uma estruturação

social e cultural, atingindo os homens; observar os homens camponeses e perceber as

opressões que os atinge, é entender como se dá as circunstâncias da condição feminina no

campo. A opressão que as mulheres vivem envolve toda a sociedade. A tentativa de

uniformizar a luta vem no sentido de simplificar e permitir que a desigualdade se torne ainda

mais latente, pois existem diferenças entre o significado da luta das mulheres, e diversos

pontos de consenso e de descontinuidade entre os movimentos de mulheres campesinas. A

geografia agrária dessas mulheres campesinas passa pelo quesito de opressão e exploração, ou

seja, a opressão que muitos camponeses vivem é muito próximo daquela que vamos aqui

definir para as mulheres campesinas, que seria o aproveitamento das diferenças existentes

entre os indivíduos, na qual se transformam em desigualdades e em discriminações; a

exploração é vinculada ao fator econômico, no qual ocasiona a divisão da sociedade em

classes, mas a exploração e a opressão também se associam na questão econômica. Se

compreendermos que a exploração e a opressão são fatores construídos pela sociedade,

conseguiremos compreender outros espaços de construção, como por exemplo, a cozinha, que

sempre foi um espaço destinado às mulheres, os espaços de confinamentos dentro de casa,

que promovem as diferentes intensidades e formas de acessos físicos entre mulheres e homens,

que é marcado por certos espaços.

Não podemos desconsiderar que o trabalho no campo passou por transformações

relevantes, principalmente para as mulheres, se alguns não consideram mais como “ajuda”,

através do assalariamento ou da manutenção da sobrevivência, para outros a palavra ajuda

ainda é sinônimo de trabalho de mulher no campo.

Aquela do trabalho não ser reconhecido, a mulher trabalha e trabalha muito,

principalmente a mulher da roça. Ela vai para roça ela ajuda o marido de igual para

igual, ela chega em casa um pouco antes pra fazer a janta, mas quem vai tratar das

galinhas do porco é a mulher, quem vai trocar dos meninos que estão chegando da

escola é a mulher e ainda vai fazer a janta, e ainda depois das 22h00 ainda tem que

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servir o marido né, tem muitas ainda que usam esse termo, e não é reconhecida e

quando ele vai falar assim do café que eles plantaram marido e mulher, então ele não

fala nós plantamos 2.000 mil pé de café, eu plantei, há porque a roça de milho minha

eu colhi cem saco por hectare; ele colheu coisa nenhuma, foram os dois, até mesmo

se ela não foi lá acolher uma espiga de milho, quem foi levar o almoço pra ele lá

quentinho foi ela, mas não fala isso, não reconhece isso, mas isso tá inculturado no

homem (D. R, agosto de 2018).

As relações espaciais estabelecidas entre o cultivo da terra e os limites de quem

definirá sua propriedade estão situados em uma base de operações, que contribui na

construção do trabalho da mulher como “ajuda”, ou seja, quando os homens têm a

propriedade da terra ou organizam o roçado, restringem as mulheres a uma subcondição,

assim como o latifundiário faz com ambos, criando situações de aprisionamento no processo

de concentração fundiária. O assalariamento e o trabalho mais intenso no roçado das

mulheres no meio rural não modifica as condições de trabalho específicas e desvalorizadas,

porque o trabalho doméstico ainda é formulado através de um processo ideológico e

simbólico no espaço-tempo, reprodutor de uma condição de aprisionamento, que

classificamos como dupla jornada. Não estamos desconsiderando a importância da obtenção

do salário individual, que permite o acesso à renda, e uma maior autonomia para as mulheres,

ou no caso da pesquisa, o acesso à produção no seu roçado, mas concepções sobre o direito da

tomada de decisões sobre a própria vida, da mulher, pode se desvincular da obtenção da renda.

O trabalho realizado em casa é considerado secundário, mas o trabalho doméstico é essencial

na produção social. Como explicar esse paradoxo por um lado o trabalho doméstico é

considerado secundário, por outro lado garante a (re)produção social. Mesmo dentro de uma

configuração de acampados e assentados, muitos homens trazem consigo a posição de chefe

da família, sob uma função de autoridade e de coordenação das atividades dentro do roçado;

mesmo a mulher trabalhando no roçado e o homem ajudando nos serviços domésticos, é ela

que ainda se preocupa com os trabalhos domésticos, o cultivo da horta e a coparticipação no

roçado. Sendo assim, a mulher passa por essa dupla jornada de trabalho, ou seja, além do

trabalho realizado no campo, logo em seguida, o trabalho doméstico finaliza o seu expediente.

O trabalho doméstico e o trabalho produtivo estão imbricados no meio rural, pois um

trabalho acaba dependendo do outro para se manter, e no quesito de subsistência, tudo que é

produzido no roçado, é convertido para a esfera doméstica. O mais importante em meio a

todas essas questões é que os movimentos sociais devem considerar e pautar as discussões

sobre as desigualdades entre homens e mulheres. Não basta formar setores e construir

coletivos, é necessário reconhecer a importância e dar visibilidade a essas mulheres que

sempre estiveram e estão presentes na luta pela terra. Porque a luta pela reforma agrária e o

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direito pela terra não é apenas uma condição abarcada no interesse econômico, ou uma luta

estritamente masculina. A cada mulher e jovem que deixa os assentamentos, acampamentos, e

de modo geral, o campo, é uma pessoa a menos na luta.

A importância da maior participação das mulheres em várias esferas dentro dos

assentamentos e acampamentos, e o reconhecimento da mulher enquanto força de trabalho no

campo, nunca foi sinônimo de participação e de qualidade de vida, principalmente para as

mulheres acampadas, que vivem condições precárias, vulneráveis e itinerantes, com

possibilidades de despejo a qualquer momento; essas mulheres ainda apresentam enorme

dificuldades para a sua sobrevivência no campo.

Uma das lógicas da agricultura brasileira é desenvolvimento de processos técnicos, a

concentração da distribuição da renda, e a intensa marginalização social. Essas lógicas

reforçam os privilégios dos latifundiários. A resistência dos camponeses foi fundamental para

se contrapor à empresa rural, que foi considerado único modelo da atividade agrícola. O

camponês teve sua construção identitária, e como ator social no campo reduzida a formas

pejorativas e de não desenvolvimento, sendo os mesmos considerados responsáveis pelas suas

misérias e dificuldades. A modernização da agricultura no Brasil teve efeitos negativos, como

a expulsão dos trabalhadores e a inviabilização da reprodução campesina no campo. A

modernização da agricultura se configurou como conservadora, profundamente seletiva e

excludente. O Estado com o objetivo de trocar de termos reduziu o camponês a pequeno

produtor ou produtor de baixa renda, não reconhecendo a unidade familiar ou mesmo a

unidade camponesa como uma forma social de produção. Apesar das contradições do Estado,

que por um lado desenvolve políticas públicas para a permanência dos camponeses no campo,

e por outro lado reforça a grande propriedade, os camponeses resistiram nas suas formas de

organização e nas suas estratégias de reprodução.

O recorte do trabalho tem como prioridade compreender as relações de gênero através

da observação das mulheres e seu cotidiano nos acampamentos e se possível nos

assentamentos. Devido as dificuldades de locomoção, a pesquisa não conseguiu abarcar o

maior número de acampamentos e assentamentos. Mas, uma questão veio em contrapartida às

dificuldades de abrangência. Se não era possível ir até essas mulheres, compreendendo os

espaços coletivos como primordiais dentro do movimento, para o encontro das mulheres dos

diversos acampamentos e dos dois assentamentos. Foi frequentado durante a pesquisa outros

espaços, que promoviam os encontros de praticamente todas as acampadas e assentadas. Para

finalizar esse subtópico, não podemos esquecer de relatar sobre o espaço observado dos

homens camponeses, que são companheiros, amigos e/ou namorados. A primeira observação

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feita, foi quando a pesquisadora foi ao viveiro de mudas, e percebeu que os trabalhos que

estavam envolvendo construções, e mesmo o trabalho no viveiro de mudas, estão centrados

em trabalhos masculinos. No curso de ervas medicinais isso ficava ainda mais latente,

enquanto as mulheres colhiam camomilas, os homens delimitam e fincavam vigas na terra

para a construção de um novo espaço. Ao assumir cargos de lideranças, as três mulheres, que

são referências no movimento são “marcadas”, e por vezes perseguidas, ou acusadas de

receberem algo em troca da sua dedicação ao movimento. Os lotes de algumas delas, foram

totalmente furtados, os barracos de algumas delas foram queimados. Na impossibilidade de

investigar as causas, resta a desconfiança da possibilidade de os latifundiários tentarem

estabelecer o medo em meio ao movimento.

4.3 E para não dizer que não falei das “Margaridas”8: Participando sem medo de ser

mulher!

A atuação política das mulheres acampadas e assentadas, associada a um movimento

feminista, não expressa profundamente valorização das mulheres. A “[...] percepção coletiva

das mulheres de que existe uma opressão, dominação e exploração de que foram e são objetos

de sujeição por parte dos homens” (MELO, 2018, p.19). A democracia contemporânea se

reveste a muito tempo de complexidades que procuram demonstrar falsas visibilidades, em

condições de outras, como se todas as lutas fossem uniformes. As mulheres ainda encontram

obstáculos para participar dos espaços institucionais, seja dentro do Movimento de

Trabalhadores Rurais Sem Terra, seja fora dos acampamentos e assentamentos. As questões

relacionadas às mulheres não devem se esgotar apenas em questões relacionadas às diferenças

e desigualdades entre os sexos ou ao gênero, pois existe uma gama de variáveis que estão

relacionadas às relações de gênero no cotidiano. Os “[...] obstáculos materiais, simbólicos e

institucionais erigem barreiras que dificultam a atuação das mulheres e alimentam os circuitos

da exclusão” (BIROLI, 2018, p. 172). Ao afirmamos que o sexo é construído através de uma

relação política, pois ele estabelece as relações de poder, sendo assim, o feminismo rompe

com os modelos políticos tradicionais, que naturalizam os processos sociais, que atribuem

uma neutralidade ao espaço individual e que definem como política unicamente a esfera

pública, “objetiva”.

8 Referência a sindicalista Paraibana Margaria Maria Alves, primeira mulher presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais da cidade de Alagoa Grande – PB, cidade onde nasceu.

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Um outro aspecto a ser ressaltado refere-se ao predomínio de imagens que atribuíam

às mulheres os papéis de “vítima” ou de “rebelde”. Até a década de 1970, muito se

discutiu acerca da passividade das mulheres diante da sua opressão, ou da sua reação

apenas como resposta às restrições de uma sociedade patriarcal. Tal visão

empobrecedora obscurece seu protagonismo, como sujeitos políticos ativos e

participantes na mudança social e em sua própria mudança, assim como suas

alianças e, inclusive, participação na manutenção da ordem patriarcal (SOIHET,

2013, p. 38).

No Capital, livro primeiro, quarta parte, Marx (2008) analisa a apropriação pelo

capital das forças de trabalho das mulheres e das criança, aponta que o valor da força de

trabalho “[...] lançando à máquina todos os membros da família do trabalhador no mercado de

trabalho, reparte ela o valor da força de trabalho do homem adulto pela família inteira”

(MARX, 2018, p.452). A mulher é destinada a ter trabalhos secundários, considerado o

emprego de trabalho sem força muscular, e na mesma obra, o autor associa a mortalidade das

crianças à ausência das mães, ou até mesmo o envenenamento das crianças. Sendo, porém, o

capital um nivelador por natureza, que exige, como direito natural, inato, a igualdade das

condições de exploração do trabalho em todos os ramos de produção (MARX, 2018, p.452), a

entrada da mulher no mercado de trabalho não significa necessariamente um avanço em

termos de superação do patriarcado, a elas ainda ficará a dupla jornada, se a exploração

permeia as relações de produção e trabalho, a exploração em outros setores ainda continua,

mas não podemos desconsiderar as conquistas na autonomia das mulheres. A ciência foi

construída sob uma ótica masculina, que vai influenciar a construção dos papéis

desempenhados por ambos os gêneros. Há necessidade de explicitar uma outra perspectiva, a

parti da análise feminina. Dada a transversalidade do machismo, este fenômeno perpassa

todas as manifestações da vida humana nas sociedades centradas (ou que já foram) na

propriedade privada dos meios de produção (SAFFIOTI; FERRANTE, 1982, p.111).

As barreiras de contenções de violência, apropriação de terras refletem no trabalho das

mulheres campesinas. Mas, “cabe lembrar que a ação organizada das mulheres tem seguido

cursos alternativos e produzido efeitos também no âmbito estatal” (BIROLI, 2018, p.174). A

figura, logo abaixo, é um registro da participação das mulheres e sua colaboração com a

pesquisa.

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Figura 20- Encontro do Coletivo de Mulheres Raízes da Terra

Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2018.

Durante a pesquisa, as mulheres estavam realizando o curso sobre as ervas medicinais.

O projeto teve como mediadora uma instrutora, que fazia a medição entre a teoria e a prática

através do projeto relacionado ao Programa de Pequenos Projetos Ecossocias (PPP-ECOS).

De acordo com os registros, e as declarações das mulheres, muitas vezes, algumas das

produções dos lotes são destinados aos cursos ofertados pelos SENAR; houve a produção de

móveis com bambu, através do curso ofertado pela PRONATEC. Outros cursos foram

destinados a processos destinados ao beneficiamento de alimentos, compotas, doces e

conservas. A produção das compotas, conservas, doces e o processamento das ervas

medicinais para comercialização, são produzidas na cozinha coletiva localizada no viveiro de

mudas, onde também é o espaço que ocorre as reuniões do coletivo de mulheres. O

escoamento dos produtos, se dá através das feiras em Campo do Meio – MG, também são

estocados para o uso do movimento, e comercializados na Feira Agroecológica e Cultura de

Alfenas – MG (F.A.C.A). Ainda assim, a invisibilidade do trabalho da mulher continua sendo

um dos pontos apontado nas entrevistas.

A invisibilidade do trabalho feminino, tema caro das reflexões sobre o rural, está

restrita ao trabalho desempenhado pela mulher no interior do lote: tanto na esfera do

domicílio, o cuidado da casa, dos filhos, da horta e a “ajuda” prestada ao marido. O

desprestígio do trabalho feminino é interpretado por alguns autores pelo fato de ser

este um trabalho reprodutivo (MORAES; SILVA; BARONE, 2011, p.120).

Essas mulheres constroem todos os dias táticas diretas de resistência, e a geografia

agrária é uma ferramenta para “produzir uma geografia sobre o campo que possibilite o seu

entendimento; ou, mais que isto, uma geografia que possa servir de instrumento para a

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transformação do campo, se possível também, da cidade” (OLIVEIRA, 1991, p.7). Os estudos

das geógrafas feministas ainda encaram o estudo sobre a mulher como uma ferramenta

política e uma estratégia para tornar as pesquisas e trabalhos sobre as relações de gênero, ou

assuntos vinculados ao tema mais visível dentro da ciência geográfica. A formação do

coletivo é extremamente importante para organização destas mulheres, mas existe uma

necessidade de ampliar e fortalecer as bases e o desenvolvimento dos estudos e formas de

participação, dentro dos assentamentos e acampamentos, e na ciência geográfica, para que

reconheçamos as ações femininas na produção do espaço. Através dos estudos sobre a

produção do espaço partindo da perspectiva das relações de gênero, foi possível (re)conhecer

um pouco do cotidiano das mulheres e suas experiências; e foi a Geografia Feminista que

permitiu estabelecer maiores análises sobre o gênero dentro do espaço geográfico.

Dentro da vida cotidiana não é possível “calcular com segurança científica a

consequência possível de uma ação. Nem tampouco haveria tempo para fazê-lo na múltipla

riqueza das atividades cotidianas” (HELLER, 2008, p.48). O marxismo talvez deixe escapar a

prioridade do conhecimento das realidades individuais ao examinar as consciências

individuais dentro do cotidiano. Os elementos contraditórios passam através das questões

relacionadas à representatividade das mulheres, e os trabalhos desenvolvidos no roçado.

Durante a pesquisa para estabelecer o entendimento sobre a vida cotidiana em diversos

momentos tivemos que ir em direção a história local e cotidiana. Podemos afirmar que em

meio ao cotidiano existem diversos desencontros de temporalidades. As relações entre os

sexos, são considerados motores da história, por esse motivo voltamos a reforçar que a trama

do cotidiano rompe com as características da racionalidade universal. Toda as relações socias

se estruturam, a partir do cotidiano, e não de lapsos repetimos ou de grandes marcos. Tratar

do cotidiano, “é, em princípio, lidar com as alienações superiores à necessidade bruta do

alimento, da casa, transcendendo o nível estrito da sobrevivência” (DAMIANI, 1999, p. 163).

E para romper com as alienações é necessário o surgimento de alternativas/propostas. Na

proposta de reforma agrária popular do MST9, nos objetivos encontramos em destaque: “[...] e)

garantir a participação igualitária das mulheres que vivem no campo em todas as atividades,

em especial no acesso à terra, na produção e gestão, buscando superar a opressão histórica

imposta a elas” (MST, 2013, p,150).

9 Resoluções aprovadas no V Congresso Nacional do MST, realizado em 2007.

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5 CONCLUSÃO

Na década de 1970 o conceito de gênero tem sido utilizado como termo que diferencia

as relações entre mulheres e homens na sociedade. Nesta pesquisa quando tratamos do

conceito de gênero relacionamos sempre a uma categoria social, enquanto o sexo a uma

categoria biológica, mas ambos se associam nas conformações dos papéis sociais. As

construções do movimento feminino ampliaram o espectro de concepções sobre o conceito.

Em cada contexto histórico os desvios dos instrumentos simbólicos, em torno das relações de

gênero se reformam, e aumentam suas complexidades. Existe uma grande necessidade de

avançar e buscar saídas epistemológicas dentro da geografia, para conseguir adentrar as várias

esferas das relações sociais e os diversos meios que os sujeitos produzem o espaço geográfico,

para compreender o cotidiano e seus reforçadores, e para se aproximar mais profundamente

da vida real. Em suma, a Geografia Feminista e à Geografia Marxista conseguiram

demonstrar as desigualdades sociais das relações de gênero, levando em consideração os

fatores sociais e econômicos.

A Geografia de Gênero procura analisar os aspectos socioespaciais nas relações de

gênero. A mulher produz e reproduz o espaço juntamente com os membros da família. Dessa

maneira, é preciso adentrar a escala pública e privada para examinar as relações de gênero no

cotidiano do meio rural. O conceito de igualdade de gênero, o sentido universal, impregnado

nos conceitos, faz com que muitas desigualdades sejam ampliadas. As questões permanecem,

a pergunta ainda vem nos desafiar: Será que dividir a luta pela terra não dificulta os avanços?

Pelo o contrário, não objetivamos na pesquisa fragmentar a luta dos(as) assentados(as) e

acampados(as), mas promover o reconhecimento da diversidade que uma luta pode ter, e

nesse caso, as relações de gênero e as perspectivas de combate às desigualdades de gênero,

porque a luta e o direito pela terra é travado por mulheres e homens.

O espaço geográfico associado às relações de gênero nos acampamentos e

assentamentos é uma intermediação ou mesmo uma mediação, servindo a uma estratégia ao

mesmo tempo abstrata e concreta, e também concreta e abstrata. O trabalho na terra produz os

meios de subsistência dessas mulheres e são os responsáveis pela (re)produção da força de

trabalho. O cotidiano campesino dessas mulheres vem acompanhado das influências de um

cotidiano urbano, que ao mesmo tempo que parece homogêneo é desarticulado, com um

cotidiano fragmentado, mas com uma cotidianidade que tem uma percepção e ritmo próprios

que o campo proporciona. Mesmo com essas diferenciações as relações de gênero ainda

encontram dificuldades muito semelhantes à cidade. Na busca por uma totalidade, através de

processos que partem do econômico, social, e político, o cotidiano no meio rural também

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busca se concretizar na sua lógica, repetitiva. Mas, como todas as contradições, e adentrando

uma perspectiva dialética, as mulheres e homens campesinos não obedecem ao tempo todo a

uma lógica predeterminada, pois o cotidiano se origina de um conteúdo prático e social,

podendo ser modificado a qualquer momento.

Historicamente, as relações entre homens e mulheres foram construídas de forma

opressora, desigual, que reforçam a submissão das mulheres e a violência, que excluí as

mulheres campesinas e da cidade. Foram observadas as atividades produtivas e reprodutivas

desenvolvidas pelas mulheres, que se concentram no cultivo da horta, de alguns animais,

quando não trabalham e cuidam elas mesmas do seu lote. Mesmo que os homens estejam

inseridos no conflito pela terra, a suas opressões não se equivalem às que as mulheres passam.

As características biológicas foram transformadas em limites de ações, ou seja, aquilo que o

homem faz, e aquilo que é destinado às mulheres. Certamente, esses homens estão dentro da

estrutura patriarcal e machista, mas a cultura e as estruturas são construídas pelos sujeitos,

homens e mulheres. Reconhecer os privilégios de ser homem em vários níveis das relações

sociais, abre espaço para uma construção coletiva.

Transformar as lutas e o sujeito humano em uma figura universal comprimi as suas

desigualdades, apontando um sentido único de superação, modificando as relações sociais e a

produção do espaço, em direção a processos totalizantes e universais. A existência de

múltiplas identidades, as diversas origens e histórias das mulheres acampadas e assentadas,

estão associadas às relações: classe, etnia/raça, político e questões que envolvem a

sexualidade; também podem ser associadas as diferenciações políticas, que estão presentes

nos interesses políticos dos movimentos feministas, seja da cidade ou do campo. As relações

de gênero das mulheres acampadas e assentadas do município de Campo do Meio – MG,

apontam em direção ao reconhecimento constante das injustiças socias, e a ciência geográfica

deverá saber identificar esses diversos espaços.

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ANEXOS

Anexo 1 – Roteiro de temas discutidos com as mulheres acampadas e assentadas de

Campo do Meio – MG10

Qual é o seu nome? _______________________________ E a sua idade? __________

Tem filhos? _________________________________

Qual a importância da mulher no campo?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

Você participa do Coletivo Mulheres Raízes da Terra? _______________________________

Fale sobre seu cotidiano.

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

O que você cultiva na sua propriedade?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

E se um homem, se dirigisse a você, e falasse que você só “ajuda” no roçado, o que você

falaria?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

Você mora em acampamento ou assentamento?

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Já marou na cidade? _______________________________

Você acha que depois que começou a participar do Coletivo Mulheres Raízes da Terra mudou

a forma como você se relaciona com o seu roçado/terra?

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10 As entrevistas não seguiram uma ordem. Tendo em vista a dinâmica e a metodologia da pesquisa. As

entrevistas são não-diretivas e/ou semidiretivas, as quais tiveram melhor aplicabilidade, dentro da realidade das

mulheres acampadas ou assentadas.