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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA
HOSPITAL UNIVERSITÁRIO
PROGRAMA DE RESIDÊNCIA MULTIPROFISSIONAL EM SAÚDE DA FAMÍLIA
KÁTIA DA SILVA MATIAS
AS CONDICIONALIDADES DE SAÚDE DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: o olhar de
uma Assistente Social residente no Programa Multiprofissional em Saúde da Família
JUIZ DE FORA
MAIO/2020
KÁTIA DA SILVA MATIAS
AS CONDICIONALIDADES DE SAÚDE DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: o olhar de
uma Assistente Social residente no Programa Multiprofissional em Saúde da Família
Trabalho de Conclusão de Residência
apresentado como requisito final para a obtenção
do título de Especialista em Saúde da Família
pela Universidade Federal de Juiz de Fora.
Orientadora: Prof.ª Josiane Barbosa Lima
JUIZ DE FORA
MAIO/ 2020
KÁTIA DA SILVA MATIAS
AS CONDICIONALIDADES DE SAÚDE DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: o olhar de
uma Assistente Social residente no Programa Multiprofissional em Saúde da Família
Trabalho de Conclusão de Residência
apresentado como requisito final para a obtenção
do título de Especialista em Saúde da Família
pela Universidade Federal de Juiz de Fora.
Orientadora: Prof.ª Josiane Barbosa Lima
Banca Examinadora
______________________________________________________________________
Prof.ª Joseane Barbosa de Lima
Orientadora
______________________________________________________________________
Prof.ª Danielle Ribeiro Sachetto
Examinadora
______________________________________________________________________
Prof.ª Nicole Cristina Oliveira Silva
Examinadora
AGRADECIMENTO
Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a Deus por ser a fonte de minha existência, meu
sustento a cada dia e por ter me iluminado nesta vitória!
Aos meus pais Vanda e José, os quais amo muito, pelo exemplo de vida e família, por ter me
ensinado os valores que tenho hoje, por terem acreditado em mim e investirem em minha formação
profissional e pessoal, pois sem a colaboração dos mesmos não chegaria a tal formação.
Ao meu esposo Marco Aurélio, por ter sido meu companheiro, amigo e confidente, e que me
acompanhou durante todo o período, estando sempre presente quando precisei, e nunca permitindo
que eu desanimasse perante todas as dificuldades que encontrei até chegar onde estou agora.
Um agradecimento também especial as minhas companheiras de especialização, Débora,
Elisa, Patrícia, que muitas vezes juntos conseguimos superar vários obstáculos.
A todos os professores que nortearam meus caminhos pelo crescimento intelectual e
construção de novos conhecimentos, e principalmente à professora Josiane, que me orientou na
construção deste TCR. Muito obrigado!
A minha preceptora Maria Regina, obrigado pelo comprometimento, dedicação, ensinamentos
e dicas profissionais. Muito obrigado por tudo!
As Profs. Danielle e Nicole, por terem aceitado fazer parte da banca examinadora.
E finalmente, agradeço a todos que me ajudaram direto ou indiretamente para o
desenvolvimento deste projeto. Um muito obrigado a todos vocês!
Kátia da Silva Matias
RESUMO
O presente Trabalho de Conclusão de Residência tem como objeto de estudo discutir “as
condicionalidades de saúde do Programa Bolsa Família dentro do conceito de pobreza” - apontando
para alguns dos desafios encontrados nesse espaço, tendo em vista a experiência vivida pela autora
enquanto Assistente Social residente do Programa Multiprofissional em Saúde da Família - e, como
objetivos específicos: Analisar as políticas sociais no Brasil; Discutir as condicionalidades impostas
pelo PBF aos seus beneficiários, especialmente as relacionadas a saúde; e problematizar os limites e
possibilidades do PBF. Para alcance dos objetivos definidos adotou-se como procedimento
metodológico as pesquisas bibliográfica e documental, além de registros pessoais da autora, como
portfólios, vivencias, observações e práticas profissionais realizadas, entre outros como uma forma
de atingir os objetivos traçados. O trabalho está dividido em dois capítulos. O primeiro intitula-se
“Política Social e Seguridade Social no Brasil”, e aborda as políticas sociais no desenvolvimento do
capitalismo e sua relação com o surgimento da seguridade social no Brasil, bem como as políticas de
combate à pobreza no brasil e os programas de transferência de renda nas décadas de 1990 e 2000. O
segundo por sua vez tem como título: “O Programa Bolsa Família e as condicionalidades de saúde:
percepções de uma Residente do Programa Multiprofissional em Saúde da Família inserida numa
Unidade Básica de Saúde”, e apresenta o PBF as condicionalidades de saúde , bem como os
determinantes sociais influenciam no processo saúde - doença da população. Em seguida, apresenta-
se o relato de experiência da autora em tela, como residente de Serviço Social numa UBS, e a
percepção da mesma em relação às condicionalidades de saúde impostas às famílias beneficiárias
pelo PBF. Nas considerações finais destaca-se que, diante do presente trabalho, posso concluir que o
PBF é muito importante para as famílias em extrema pobreza
Palavras chave: Políticas Sociais. Bolsa Família. Condicionalidades de Saúde
ABSTRACT
The purpose of this Residency Conclusion Study is to discuss “the health conditionalities of the Bolsa
Família Program within the concept of poverty” - pointing to some of the challenges found in this
space, in view of the experience lived by the author as a resident Social Worker the Multiprofessional
Program in Family Health - and, as specific objectives: Analyze social policies in Brazil; Discuss the
conditionalities imposed by the PBF on its beneficiaries, especially those related to health; and
problematize the limits and possibilities of the PBF. To achieve the defined objectives, bibliographic
and documentary research was adopted as a methodological procedure, in addition to the author's
personal records, such as portfolios, experiences, observations and professional practices carried out,
among others as a way to achieve the objectives set. The work is divided into two chapters. The first
is entitled “Sociale Social Security Policy in Brazil”, and addresses social policies in the development
of capitalism and its relationship with the emergence of social security in Brazil, as well as policies
to combat poverty in Brazil and programs for transferring poverty. income in the 1990s and 2000s.
The second, in turn, is entitled: “The Bolsa Família Program and health conditionalities: perceptions
of a resident of the Multiprofessional Program in Family Health inserted in a Basic Health Unit”, and
the PBF presents health conditionalities, as well as social determinants influence the population's
health-disease process. Then, the author's experience report on screen, as a Social Work resident at a
BHU, is presented, as well as her perception of the health conditions imposed on the beneficiary
families by the PBF. In the final remarks, it is highlighted that, in view of the present work, I can
conclude that the PBF is very important for families in extreme poverty, but there are several
challenges that need to be overcome in order to become the best income transfer program ever seen.
Keywords: Social Policy. Bolsa Família. Health Conditionalities
LISTA DE SIGLAS
ACS – Agentes Comunitários de Saúde
AIDS - Acquired Immunodeficiency Syndrome
APS- Atenção Básica de Saúde
BPC - Benefício de Prestação Continuada
CAPs - Caixas de Aposentadoria e Pensões
CFESS – Conselho Federal de Serviço Social
CF- Constituição Federal
CLT - Consolidação das Leis do Trabalho
CONSEA - Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
DSS – Determinantes Sociais da Saúde
ESF – Estratégia de Saúde da Família
FHC – Fernando Henrique Cardoso
FMI - Fundo Monetário Internacional
HIV - Vírus da Imunodeficiência Humana
HU- Hospital Universitário
IAPs - Institutos de Aposentadoria e Pensões
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IPEA- Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
LBA - Legião Brasileira de Assistência
LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social
LOPS - Lei Orgânica da Previdência Social
MDS - Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome
MEC - Ministério da Educação
MPAS - Ministério da Previdência e Assistência Social
MS - Ministério da Saúde
OMS - Organização Mundial de Saúde
PAA - Programa de Aquisição de Alimentos
PBF - Programa Bolsa Família
PETI - Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
PGRM- Programa de Garantia de Renda Mínima
PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PT- Partido dos Trabalhadores
SAPS - Serviço de Alimentação da Previdência Social
SAM - Serviço de Assistência ao Menor
SUS - Sistema Único de Saúde
SUAS - Sistema Único de Assistência Social
TCR - Trabalho de Conclusão de Residência
UBS – Unidade Básica de Saúde
UFJF – Universidade Federal de Juiz de Fora
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 10
Capítulo I. POLÍTICA SOCIAL E SEGURIDADE SOCIAL NO BRASIL 13
1.1 Política Social no capitalismo 13
1.2 A trajetória da Política Social brasileira 16
1.3 Políticas de combate a pobreza no Brasil: os programas de transferência de renda nas décadas de
1990 e 2000 31
Capítulo II. AS CONDICIONALIDADES DE SAÚDE DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA:
percepções de uma Assistente Social residente do Programa Multiprofissional em Saúde da
Família inserida numa Unidade Básica de Saúde. 39
2.1 As condicionalidades do Programa Bolsa Família: elementos para o debate 39
2.2 O SUS na relação com o PBF: as condicionalidades de saúde 45
2.3 As condicionalidades de Saúde do Programa Bolsa Família: percepções de uma Residente do
Programa Multiprofissional em Saúde da Família de Juiz de Fora/MG 50
CONSIDERAÇÕES FINAIS 57
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 61
10
INTRODUÇÃO
Este trabalho de conclusão de Residência tem como objeto de estudo as condicionalidades de
saúde do Programa Bolsa Família. Tem como objetivo geral discutir “as condicionalidades de saúde
do Programa Bolsa Família (PBF) dentro do conceito de pobreza” - apontando para alguns dos
desafios encontrados nesse espaço, tendo em vista a experiência vivida pela autora enquanto
Assistente Social residente do Programa Multiprofissional em Saúde da Família - e, como objetivos
específicos: analisar as políticas sociais no Brasil; discutir as condicionalidades impostas pelo PBF
aos seus beneficiários, especialmente as relacionadas a saúde; e problematizar os limites e
possibilidades do PBF.
A motivação para o estudo dessa temática se deu a partir da experiência profissional como
Assistente Social residente do Programa Multiprofissional Saúde da Família-Serviço Social da
Universidade Federal de Juiz de Fora /MG /HU-UFJF, junto a famílias beneficiárias do programa
bolsa família na Unidade Básica de Saúde – UBS - proposta como cenário de prática. A proximidade
com as famílias usuárias da UBS e beneficiárias do PBF, suscitou o interesse em estudar as
condicionalidades de saúde impostas pelo referido programa às famílias beneficiárias, mostrando
assim suas potencialidades e suas fragilidades.
Para alcance dos objetivos definidos adotou-se como procedimento metodológico as pesquisas
bibliográfica e documental, além de registros pessoais da autora, como portfólios, vivencias,
observações e práticas profissionais realizadas, entre outros, como uma forma de atingir os objetivos
traçados.
O levantamento bibliográfico foi realizado por meio de biblioteca pessoal e da biblioteca da
Faculdade de Serviço Social da UFJF. Foram utilizadas diferentes publicações e artigos que abordam
sobre o tema da Política Social brasileira, e se utilizou autores tais como: BEHRING, SILVA,
CABRAL, BRAVO etc. A plataforma do Google acadêmico também foi uma importante ferramenta
para o levantamento bibliográfico. Nesta, utilizou-se os descritores: Programas de Transferência de
Renda, Condicionalidades de Saúde, Programa Bolsa Família.
Já a pesquisa documental foi realizada a partir de Consultas a leis e decretos (Decreto n° 5.209
de 17 de setembro de 2004, regulamenta a Lei n°10.836, de 9 de janeiro de 2004, que cria o Bolsa
Família, etc.).
11
Parte-se do pressuposto que no contexto atual da sociedade brasileira identifica-se a existência
de diversos programas assistenciais que procuram minimizar as diferenças sociais causadas pelo
capitalismo e buscam contribuir para o desenvolvimento de uma sociedade mais igualitária. Dentre
os programas existentes, volta-se a atenção aos de transferência de renda que se propõem a garantir
uma renda mínima àqueles que se encontram em situações de pobreza e extrema pobreza. É o caso
do Programa Bolsa Família, que atende a mais de 11 milhões de famílias em todo o Brasil.
O Programa Bolsa Família foi criado em 2003 pelo Governo Federal para dar apoio às famílias
pobres na garantia do direito à alimentação, saúde e educação. Consiste na transferência de renda
mensal do Governo Federal às famílias cadastradas que se encontram dentro dos critérios de inclusão.
Estas famílias assumem o compromisso de manter as crianças na escola e estar em dia com as
vacinações e acompanhamento da saúde de seus membros (crianças, gestantes e nutrizes) como
contrapartida para a manutenção do recebimento do benefício (BRASIL, 2008). Dentro deste
contexto, Rocha (2005) alega que, no Brasil, o conceito operacionalmente relevante é o de pobreza
absoluta, já que um contingente significativo de pessoas não tem suas necessidades básicas atendidas,
mesmo quando estas são definidas de modo estrito. Segundo a pesquisadora, embora o país tenha
recursos que seriam suficientes para garantir o mínimo essencial a todos, a má distribuição de renda
impede a eliminação da pobreza absoluta.
O trabalho está dividido em dois capítulos. O primeiro intitula-se “Política Social e Seguridade
Social no Brasil”, e aborda as políticas sociais no desenvolvimento do capitalismo e sua relação com
o surgimento da seguridade social no Brasil, bem como as políticas de combate a pobreza no Brasil
e os programas de transferência de renda nas décadas de 1990 e 2000.
O segundo por sua vez, tem como título: “O Programa Bolsa Família e as condicionalidades
de saúde: percepções de uma Residente do Programa Multiprofissional em Saúde da Família inserida
numa Unidade Básica de Saúde”, e apresenta o PBF as condicionalidades de saúde, bem como levanta
a discussão da relação entre o Sistema Único de Saúde (SUS) e o PBF, considerando o conceito
ampliado de saúde, e os determinantes sociais que influenciam no processo saúde - doença da
população. Em seguida, apresenta-se o relato de experiência da autora em tela, como residente de
Serviço Social numa UBS, e a percepção da mesma em relação as condicionalidades de saúde
impostas às famílias beneficiárias pelo PBF.
12
Nas considerações finais destaca-se que o PBF é muito importante para as famílias em extrema
pobreza, porém tem vários desafios que precisam ser superados para que se torne o melhor programa
de transferência de renda já visto.
13
1. POLÍTICA SOCIAL E SEGURIDADE SOCIAL NO BRASIL
Neste capítulo, faz-se um breve relato acerca da origem (européia) e evolução histórica da
política social no capitalismo, bem como o surgimento da política social no Brasil, desde a
Constituição de 1824 até a de 1988, abordando as distintas fases das politicas sociais.
Desse modo, objetiva-se discutir o caráter contraditório das respostas do capitalismo às
expressões da questão social, através de parceria/intervenção do Estado com a adoção de políticas
sociais de transferência de renda que reforçam ainda mais esse caráter contraditório e como essa
lógica se reproduz na sociedade. A contribuição da teoria social crítica marxista é fundamental para
a análise e compreensão dos fundamentos da realidade social, a partir de sua leitura radical do
capitalismo e do conflito de classes.
1.1 Política Social no capitalismo
De acordo com Marx, Capital não é uma coisa material, mas uma determinada relação social de
produção, correspondente a uma determinada formação histórica da sociedade, que toma corpo em
uma coisa material e lhe infunde um caráter social específico. O capitalismo é um modo de produção
fundado na divisão da sociedade em duas classes essenciais: a dos proprietários dos meios de
produção (terra, matérias-primas, máquinas e instrumentos de trabalho) - sejam eles indivíduos ou
sociedades - que compram a força de trabalho para fazer funcionar as suas empresas; a dos proletários,
14
que são obrigados a vender a sua força de trabalho, porque eles não têm acesso direto aos meios de
produção ou de subsistência, nem o capital que lhes permita trabalhar por sua própria conta.
Segundo Iamamoto (2008), a reprodução ampliada do capital supõe a reprodução ampliada da
classe trabalhadora e do poder da classe capitalista, e, portanto, uma reprodução ampliada da pobreza
e da riqueza e do antagonismo de interesse que permeia a relação de classes, qual expressa a luta de
classes.
Durante a segunda metade do século XIX, as lutas da classe trabalhadora ganham força, e
expressam a insatisfação à exploração acentuada do capital contra os trabalhadores, por meio da
exploração da mais-valia absoluta1, e também contra a exploração do trabalho de crianças, mulheres
e idosos. Esse período colocou em larga escala a questão social, expondo-a para o conjunto da
sociedade. As greves e manifestações da classe trabalhadora na reivindicação por melhores condições
de vida, com uma jornada de trabalho definida e um salário que garantisse a manutenção das suas
necessidades básicas, exigiram estratégias da classe burguesa junto ao Estado, para lidar com a
pressão dos trabalhadores. Tais respostas vieram, por um lado, através da repressão do Estado contra
o movimento dos trabalhadores, e por outro, por meio de concessões formais e pontuais, na forma de
legislações fabris e assistenciais (ENGELS, 2008).
Assim, pode-se compreender que no contexto do período concorrencial do capitalismo, o qual
era regido pelo princípio liberal, as respostas dadas à questão social foram representativas e
incorporaram apenas algumas demandas da classe trabalhadora, transformando as reivindicações em
leis que minimamente melhoraram as condições de vida dos trabalhadores, mas nunca com a
pretensão de atingir a raiz da questão social. O Estado apenas passa a intervir diretamente nas
expressões da questão social em sua fase monopolista.
Partimos do pressuposto de que com o desenvolvimento do capitalismo monopolista houve
alterações significantes na dinâmica da sociedade burguesa, as quais acirraram as contradições de
classes e, consequentemente, o crescimento das expressões da questão social, que passou a ser tratada
de maneira diferenciada, com intervenção direta do Estado, por meio das políticas sociais.
1Segundo Marx, a mais-valia absoluta ocorreria em função do aumento do ritmo de trabalho, da vigilância sobre o
processo de produção ou mesmo da ameaça da perda do trabalho caso determinada meta não fosse alcançada, ainda que
em detrimento da saúde e do bem-estar do trabalhador. O empregador exige maior empenho na produção sem oferecer
nenhum tipo de compensação em troca e recolhe o aumento da produção de excedentes em forma de lucro. (MARX,1974)
15
A respeito do papel do Estado, Netto (2006) afirma que no capitalismo dos monopólios o
objetivo do capital reside na maximização dos lucros através do controle dos mercados, o que exige
mecanismos de intervenção extra econômicos. Com isso o Estado, como instância por excelência do
poder extra econômico, se refuncionaliza e se redimensiona. Até então, o Estado intervinha em
situações precisas, de forma emergencial, episódica e pontual. No capitalismo monopolista, além de
preservar as condições externas da produção capitalista, a intervenção do Estado ocorre na
organização e na dinâmica econômica desde dentro, e de forma contínua e sistemática, as funções
políticas do Estado com as suas funções econômicas (NETTO, 2006).
É importante destacar que a intervenção estatal sobre a questão social se realiza de forma
fragmentada e parcial, pois se não fosse dessa forma resultaria numa relação contraditória entre
capital/trabalho, pondo em xeque a ordem burguesa. Assim, a questão social é enfrentada nas suas
refrações, nas suas sequelas. Pode-se afirmar que as políticas sociais surgiram e foram implementadas
de forma diferenciada entre os países, dependendo dos movimentos de organização, da pressão da
classe trabalhadora e do grau de desenvolvimento das forças produtivas (BEHRING; BOSCHETTI,
2007).
De acordo com Behring e Boschetti (2007), pesquisas realizadas estabelecem o final do século
XIX como o período em que o Estado passou a assumir e a realizar as ações sociais de forma mais
ampla, planejada e sistemática, e com caráter de obrigatoriedade. As autoras demarcam a
implementação de medidas de seguro social como sendo as primeiras políticas sociais.
Primeiramente, na Alemanha, a partir de 1883, com a introdução de políticas sociais orientadas pela
lógica do seguro social. O modelo bismarckiano de seguro social, como ficou conhecido, se
caracterizava por ser público e obrigatório, apenas “[...] destinado a algumas categorias específicas
de trabalhadores e tinham como objetivo desmobilizar as lutas” (BEHRING; BOSCHETTI, 2007).
Eram medidas compulsórias que pressupunham a garantia estatal de prestações de substituição de
renda e em momentos de perda da capacidade laborativa, decorrente de doença, idade ou incapacidade
para o trabalho. Caracterizava-se, assim, como mais uma forma de conter a reação da classe
trabalhadora em setores chave da economia.
No período do capitalismo monopolista, a principal crise econômica foi a de 1929- 1933, que
atingiu todo o mundo capitalista. Esta se mostrou como uma crise sem precedentes que provocou a
quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, a falência de diversas empresas e indústrias, o
desemprego em massa, como também impactou a legitimidade política do capitalismo, evidenciando
16
o equívoco liberal de que o mercado seria autorregulável, o que provocou uma inflexão na atitude da
burguesia. A principal mudança, em decorrência da crise, foi uma maior intervenção do Estado na
economia capitalista. Com a derrota do fascismo na Segunda Guerra, o projeto social-democrata,
protagonizado pelo economista John Maynard Keynes (1883-1946), veio a se tornar hegemônico a
partir de 1945.
A política keynesiana adotada na Europa, defendeu a intervenção estatal com vistas a reativar
a produção, buscando uma maior intervenção do Estado na economia. Nesse sentido, tinha o objetivo
de elevar a demanda global e, antes de evitar a crise, visava amortecê-la através de alguns
mecanismos, tais como: planificação indicativa da economia; a intervenção na relação
capital/trabalho através da política salarial e do “controle de preços”; a distribuição de subsídios; a
política fiscal; a oferta de créditos combinada a uma política de juros; e as políticas sociais. É nesse
momento que há a generalização das políticas sociais, com o chamado Welfare State2, compondo um
rol de medidas anticíclicas do período.
O Estado de bem - estar social “institucionalizou a possibilidade de estabelecimento de
políticas abrangentes e mais universalizadas, [...] de compromisso governamental de aumento de
recursos para expansão de benefícios sociais, [...] de um amplo sistema de bem-estar e de
comprometimento estatal com crescimento econômico e pleno emprego”(BEHRING; BOSCHETTI,
2007).
O Welfare State, ou o denominado “Estado de bem - estar social”, nada mais foi do que a
sistematização de políticas sociais que estavam se generalizando nos países centrais. Nesse período ,
as necessidades do capital foram se modificando, abrindo espaço para a ampliação da intervenção do
Estado na economia e na área social. Isso não modificou em nada sua função social e aumentou o
poder do capital. Nesse sentido, foi funcional ao processo de reprodução do capital, na medida em
que a generalização das políticas sociais também serviu para amortecer o processo de luta da classe
trabalhadora naquelas circunstâncias históricas3.
2Essas políticas sociais se desenvolveram em alguns países da Europa e nos Estados Unidos.
3 Alguns autores, de perspectivas teóricas distintas da adotada aqui, tratam da generalização das políticas sociais com o
Welfare State como um “pacto de classes” no qual o movimento operário teria renunciado ao seu projeto político de luta
contra o capital em troca das condições proporcionadas pelo capital através da política social. Por outro lado, a base
teórica que sustenta nosso estudo se diferencia dessa ideia, pois entendemos que não pode haver “pacto entre classes
sociais” com poderes desiguais, visto que a burguesia é detentora do poder econômico e político, enquanto os
trabalhadores apenas têm sua força de trabalho para vender e sobreviver dela. Portanto, entendemos este movimento como
subsunção da classe trabalhadora ao capital.
17
1.2 A trajetória da Política Social brasileira
Nos marcos dos países capitalistas da Europa ocidental e da América Latina, a seguridade
social se estrutura tendo como referência a organização social do trabalho, apesar de constituir-se de
forma bastante diferenciada em cada país, em decorrência de questões estruturais, como o grau de
desenvolvimento do capitalismo e de questões conjunturais, como a organização da classe
trabalhadora. A instituição da seguridade social, como núcleo central do Estado social após a Segunda
Guerra Mundial, foi determinante na regulação das relações econômicas e sociais sob o padrão
keynesiano-fordista (BOSCHETTI, 2006).
As nações que conformam a periferia do capitalismo mundial não registram os avanços na
proteção social e trabalhista observada nos poucos países desenvolvidos durante o século XX, nem
mesmo quando foram capazes de apresentar taxas elevadas de expansão de suas atividades
econômicas. Esta é precisamente a experiência do Brasil que, por quase cinco décadas no século
passado, foi um dos países que mais rápido conseguiram expandir sua economia no mundo, sem obter,
todavia, resultados consideráveis no âmbito social.
De acordo com Behring (2010, p.78), o surgimento da política social no Brasil não acompanha
o mesmo tempo histórico dos países de capitalismo central. Não houve no Brasil escravista do século
XIX uma radicalização das lutas operárias, sua constituição em classe para si, com partidos e
organizações fortes. A questão social já existe num país de natureza capitalista, com manifestações
objetivas de pauperismo e iniquidade, em especial após o fim da escravidão e com a imensa
dificuldade de incorporação dos escravos libertos no mundo do trabalho, só se colocou como questão
política a partir da primeira década do século XX, com as primeiras lutas de trabalhadores e as
primeiras iniciativas de legislação voltadas ao mundo do trabalho.
A criação dos direitos sociais no Brasil resulta da luta de classes e expressa a correlação de
forças predominante. A distância entre a definição dos direitos em lei sua implementação real persiste
até os dias de hoje. Se a política social tem relação com a luta de classes, e considerando que o
trabalho no Brasil, apesar de importantes momentos de radicalização, esteve atravessado pelas marcas
do escravismo, pela informalidade e pela fragmentação/cooptação, e que as classes dominantes nunca
18
tiveram compromissos democráticos e redistributivos, tem-se um cenário complexo para as lutas em
defesa dos direitos de cidadania, que envolvem a constituição da política social (VARGAS, 2007).
Cabe chamar a atenção para o desafio da maior importância da política social no Brasil, que
é o de realmente democratizar a democracia representativa. Sem experiência democrática consolidada
ao longo do tempo, o país concentrou não somente a renda, mas fundamentalmente o poder. É difícil
negar que o processo de exclusão social no Brasil não esteja ligado umbilicalmente com a
concentração de poder. Nesses termos, a pobreza no país é de natureza política, que faz do pobre alvo
de mera assistência, quando muito.
Nesse processo, o modo de proteção social no Brasil ganhou expressão fundamentalmente a
partir da década de 1930, durante a gestão de Getúlio de Vargas, embora tenhamos um marco
importante no âmbito da saúde e da previdência social já na década de 1920, com a aprovação da Lei
Eloy Chaves em 1923. A partir da Lei Eloy Chaves foi criada as Caixas de Aposentadorias e Pensões
(CAPS), que eram financiadas pela União, pelas empresas empregadoras e pelos empregados. Elas
eram organizadas por empresas, de modo que só os grandes estabelecimentos tinham condições de
mantê-las. O presidente das Caps era nomeado pelo presidente da República e os patrões e
empregados participavam paritariamente da administração. Os benefícios eram proporcionais às
contribuições e foram previstos: assistência médica-curativa e fornecimento de medicamentos;
aposentadoria por tempo de serviço, velhice e invalidez, pensão para os dependentes e auxílio funeral
(BRAVO, 2001).
Os trabalhadores vinculados ao setor urbano do complexo exportador foram os mais
combativos politicamente e que primeiro lutaram pela organização das Caixas em suas empresas: os
ferroviários em 1923, os estivadores e os marítimos em 1926. Os demais só o conseguiram após 1930
(BRAVO, 2001).
A partir da década de 1930, intensificou-se no Brasil o desenvolvimento de relações
capitalistas que foram paulatinamente alterando as bases do Estado Oligárquico e patrimonial. Um
novo cenário foi sendo desenhado no país: ocorreu um crescente processo de industrialização e
urbanização; o mercado interno desenvolveu-se expandindo o sistema econômico; ocorreram
mudanças nos órgãos governamentais e na esfera política. O governo Vargas caracterizou-se como
sendo um Estado Nacionalista que passou a intervir e a reformular as relações econômicas de
mercado, tanto no âmbito nacional quanto nas relações estabelecidas no plano econômico
internacional.
19
O surgimento de novos grupos sociais, o rápido crescimento das cidades e as novas
configurações da relação capital x trabalho, entre outros elementos, colaboraram para que o Estado
realizasse políticas sociais, assumindo a responsabilidade pela gestão e execução de uma legislação
trabalhista e sindical de maneira a conter as mobilizações decorrentes do novo modelo de sociedade
que se firmava dentro do capitalismo emergente de caráter urbano (VARGAS, 2007).
A chamada “Revolução de 1930” representou a derrubada das oligarquias rurais do poder
político. Isso acabou por permitir o surgimento de um Estado autoritário com características
corporativas, que fazia das políticas sociais o instrumento de incorporação da população trabalhadora
urbana ao projeto nacional desse período. No campo da organização sindical, se declarava
explicitamente que concebia os sindicatos como um instrumento para mediar o conflito entre
empregadores e patrões. O projeto nacional visou a encontrar meios para superar os capitais
financeiros, defendeu também a valorização da mão-de-obra através da organização das leis
trabalhistas (VARGAS, 2007).
Através de incentivos à indústria nacional, o Estado aumentava sua interferência nas relações
de mercado expandindo e diversificando a economia brasileira por meio de uma política econômica
centralizada caracteristicamente burguesa. O Estado brasileiro criou empresas para atender aos
setores básicos da economia cuja finalidade estava em garantir um desenvolvimento econômico
rápido e uma estabilidade do país frente ao mercado externo.
A criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, em 26 de novembro de 1930, foi
uma das primeiras iniciativas do governo desse período. Esse órgão tinha como função concretizar o
projeto do novo regime que visava a interferir sistematicamente no conflito entre capital e trabalho.
Até então, no Brasil, as questões relativas ao mundo do trabalho eram tratadas no âmbito do
Ministério, e os sindicatos considerados como um instrumento para mediar o conflito entre
empregados e patrões. O objetivo era trazer as organizações sindicais para a órbita do novo ministério,
de forma que elas passassem a ser controladas pelo Estado. Por outro lado, estimulava-se também a
organização e reconhecimento de sindicatos patronais, na perspectiva de se construir uma organização
social sobre bases corporativas. No caso dos trabalhadores, embora a legislação dispusesse que a
sindicalização seria facultativa, apenas os sindicalizados poderiam gozar dos benefícios da legislação
sindical (FAUSTO, 2006).
Com a ascensão das classes sociais urbanas, novas formas de ação política emergem. O Estado
tutelou os trabalhadores vinculando-os aos sindicatos através do imposto sindical que era anual e
20
pago por todos, em bancos estatais que destinavam os depósitos aos sindicatos aliados ao Estado.
Assim, apesar da política operária ter garantido alguns direitos básicos à reprodução da força de
trabalho, também interferiu e dominou política e economicamente os trabalhadores, pois estes tiveram
seus direitos reivindicatórios suprimidos pelos sindicatos já que as decisões, referente às relações de
trabalho, eram elaboradas e impostas segundo os interesses do Estado brasileiro. (FAUSTO, 2005).
Para Santos et al. (1979), o conceito chave para compreender a política econômica nesse
período é o de cidadania regulada, significando um sistema de estratificação ocupacional que é
definida por leis onde são consideradas cidadãs as pessoas que ocupam profissões reconhecidas e
definidas legalmente. A cidadania estava embutida na profissão e os direitos dos cidadãos restringiam-
se aos direitos do lugar que ele ocupava no processo produtivo. Havia os pré-cidadãos, que consistiam
em todos os trabalhadores da área rural e urbana que, apesar de serem ativos no processo produtivo,
não tinham suas ocupações regulamentadas por lei.
É nesse período, segundo Duarte (1999, p.70), que se estreita a relação entre ocupação e
cidadania e que se proporcionam condições para o conceito de marginalidade. A relação que esse
conceito de cidadania estabelece entre o indivíduo e o Estado era de proteção. Uma relação paterna
onde o poder público definia tanto o que era ser cidadão quanto o que era ser marginal. Por conta
disso, nos primeiros tempos, somente os sindicatos das categorias com menor tradição organizativa
aceitaram se enquadrar nas condições exigidas pelo Ministério do Trabalho para que fossem
oficialmente reconhecidos.
Em virtude de conflitos políticos surgidos no governo em torno da reconstitucionalização do
país, Vargas cuidou de regulamentar várias iniciativas como: o trabalho feminino e as Comissões
Mistas de Conciliação. Além disso, em março de 1933, instituiu a carteira profissional e deu início à
criação dos Institutos de Aposentadoria e Pensões4 que revolucionaram o tratamento da questão
previdenciária no país, beneficiando diversas categorias profissionais. Em maio de 1933, foram
realizadas eleições para a Assembleia Constituinte com aprovação da Constituição de 1934, em
substituição à de 1891. A diferença entre essas Constituições consistia nas mudanças sociais e
políticas ocorridas no Brasil, nesse espaço de tempo. A nova Constituição criou a chamada
“representação profissional”, pela qual os sindicatos (patronais, operários, de comerciários etc.)
indicavam novos membros para o Congresso Nacional. Foram instituídas normas em relação a temas
4 Os IAPS eram os Institutos de Aposentadorias e Pensões, foram criadas em 1930 no governo de Getúlio Vargas e sua
importância era por atuarem como autarquias de categorias profissionais.
21
que não eram abordados em 1891 como leis sociais e organização dos sindicatos. Houve também a
instituição do voto feminino obrigatório, mas só para as mulheres funcionárias públicas.
Com a promulgação da Constituição de 1934, chegou ao fim o chamado governo provisório
instaurado em 1930. A nova Constituição introduziu no país uma nova ordem jurídico-política que
consagrava a democracia, com a garantia do voto direto e secreto, da pluralidade sindical, da
alternância no poder, dos direitos civis e da liberdade de expressão dos cidadãos. Neste período, o
Ministério do Trabalho realizou um controle sobre as organizações sindicais, que desencadeou
inúmeras intervenções em sindicatos cujos diretores foram afastados e/ou substituídos por pessoas
consideradas confiáveis sob a alegação de que se cumprisse a legislação trabalhista adotada pelo
governo. No bojo dessas contravenções, instituiu-se ainda o seguro em caso de acidente de trabalho
e foram previstas indenizações em caso de demissão sem justa causa no comércio e na indústria.
O processo de criação e organização dos Institutos de Aposentadoria e Pensões também teve
continuidade. Em novembro de 1937, outorgou-se uma nova constituição que incluía um dispositivo
autoritário, com leis rigorosas de censura, Vargas pôde conduzir sua política sem que a oposição
pudesse se manifestar legalmente. Nos primeiros anos do Estado Novo, foi regulamentado o salário
mínimo (1940) e, em agosto de 1940, foi criado o Serviço de Alimentação da Previdência Social -
SAPS. Em 1° de maio de 1941 foi inaugurada a Justiça do Trabalho, iniciando a cobrança do imposto
sindical. Com a sistematização de toda a legislação social e o aprimoramento na Consolidação das
Leis do Trabalho - CLT que Vargas criou o cartão de apresentação de suas iniciativas em prol do
trabalhador.
Com caráter eminentemente clientelista e assistencialista, em outubro de 1942, a Legião
Brasileira de Assistência - LBA tornou-se uma sociedade civil sem fins lucrativos com objetivo de
congregar as organizações de “boa vontade”. Estendeu suas ações para as famílias da grande massa
não previdenciária, subordinando essa atenção aos momentos de crise ou à ocorrência de calamidades,
assumindo um caráter eminentemente paliativo. Neste mesmo ano, também é inaugurado o Serviço
de Assistência ao Menor – SAM que consistia em um órgão do Ministério da Justiça com orientação
correcional-repressiva e que funcionava como o sistema Penitenciário para a população menor de
idade. Previa atendimento diferenciado para o adolescente autor de ato infracional e para o
adolescente pobre e abandonado através de internatos, reformatórios, casas de correção, patronatos
agrícolas e escolas de aprendizagem de ofícios urbanos. Além do SAM, algumas entidades federais
de atenção à criança e ao adolescente ligadas à figura da primeira dama foram criadas. Alguns destes
22
programas visavam ao campo do trabalho, sendo todos eles atravessados pela prática assistencialista.
Mais tarde expandiu seu atendimento, com programas direcionados a crianças e aos adolescentes
órfãos da guerra, vale pontuar alguns: Casa do Pequeno Jornaleiro: programa de apoio a jovens de
baixa renda baseado no trabalho informal e no apoio assistencial e socioeducativo; Casa do Pequeno
Lavrador: programa de assistência e aprendizagem rural para crianças e adolescentes, filhos de
camponeses; Casa do Pequeno trabalhador: programa de capacitação e encaminhamento ao trabalho
de crianças e adolescentes urbanos de baixa renda; Casa das Meninas: programa de apoio assistencial
e socioeducativo às adolescentes com problemas de conduta. (VARGAS, 2003).
O Estado Novo vigorou entre 1937 a 1945, sendo marcado no campo social, pela instalação
do aparato executor das políticas sociais, dentre elas destacam-se: a legislação trabalhista, a
obrigatoriedade do ensino e a cobertura previdenciária associada à inserção profissional - alvo de
críticas por seu caráter não universal. O governo de Vargas procurou reconhecer o trabalhador
fortalecendo assim um projeto político e introduzindo uma cultura dos direitos via Estado.
(FERREIRA, 2003). O perfil das políticas sociais no Brasil de 1930 a 1945 foi marcado pelos traços
do autoritarismo e centralização técnico – burocrático, pois emanavam do poder central, medidas
autoritárias e paternalistas, que se baseava na legislação trabalhista, ofertada como concessão numa
estrutura burocrática e corporativa.
Já na Constituição de 1946, a instituição do seguro social foi retomada com notáveis avanços,
como:
A igualdade de todos perante a lei, a inviolabilidade do sigilo da
correspondência, a extinção da pena de morte, a separação dos três poderes e,
no que se referia às Leis Trabalhistas, manteve o princípio da cooperação dos
órgãos sindicais e diminuiu o controle dos mecanismos de Estado aos
sindicatos e seus adeptos (...) (BRASIL, 1946).
Houve avanço também, principalmente na previdência social, resultando na Lei Orgânica da
Previdência Social (LOPS), em 1960. A Constituição de 1967, não diferiu muito das anteriores,
mesmo no contexto da ditadura militar5 vigente no país no período de 1964 a 1985. Em 1970, houve
a separação conceitual entre seguro social e seguro de acidentes de trabalho, devido aos recordes no
5 O Golpe Civil Militar de 1964 é o nome que se dá à articulação golpista que, entre 31 de março e 9 de abril de 1964,
realizou a tomada de poder, subvertendo a ordem existente no país e dando início à Ditadura Militar, regime ditatorial
que se estendeu no Brasil de 1964 até 1985 e foi caracterizado por censura , sequestros e execuções cometidas por agentes
do governo brasileiro.Durante o golpe realizado em 1964, o presidente então empossado, João Goulart foi destituído de
seu cargo.
23
número de acidentes desta natureza. Este, em 1967 foi estatizado e os respectivos benefícios foram
unificados e uniformizados (SIMÕES, 2010).
No Brasil, com o término do período de ditadura militar no final da década de 1970 juntamente
com a década de 1980, formam o palco para a emergência dos “novos” movimentos sociais6. Grupos
organizados reivindicavam melhores condições de educação, saúde, moradia, urbanização; buscavam
fortalecer sua identidade (mulher, índio, negro); e lutavam pelos direitos humanos e pela preservação
do meio ambiente. O clímax da mobilização das forças democráticas ocorreu com o desenrolar do
movimento pelas eleições diretas (Movimento Diretas-já) (PORFÍRIO; FILHO; BACKX, 2001).
Apesar dessas organizações autônomas não terem sido suficientes para provocar uma ruptura
no sistema político, formaram um conjunto de elementos de contraponto não só ao recente regime
autoritário, como também à prática política tradicional brasileira, baseada em fortes traços
patrimonialistas (Ibid idem, 2001).
Nessa direção, a Constituição Federal brasileira de 1988 apresentou grandes avanços em
relação aos direitos sociais, apontando claramente para a construção de um Estado de Bem-estar
provedor da universalização dos direitos sociais que apresenta segundo (PORFÍRIO, 2001 apud
FALCÃO, 1991, p. 23), as seguintes características:
Os direitos sociais como paradigma; origem num pacto social e político entre capital,
Estado e trabalho; configuração do Estado como agente central na reprodução social,
gestor poderoso das políticas sociais; intervenção social como expressão essencial
do Estado.
Além disso, foram introduzidos instrumentos de democracia direta (plebiscito, referendo e
iniciativa popular) e abriu-se a possibilidade, com o inciso II do artigo 204, de estabelecimento de
mecanismos de democracia participativa. Entretanto, no que se refere à ordem econômica e a alguns
aspectos significativos da ordem política (como o maior peso dos votos do Norte e Nordeste, áreas
em que há maior possibilidade de manipulação dos eleitores, em comparação com o Sul e o Sudeste)
– dimensões fundamentais para viabilizar a efetivação de um Estado de Bem-estar no Brasil – a
Constituição Federal de 1988 foi extremamente conservadora (PORFÍRIO; FILHO; BACKX, 2001).
6 Uma série de eventos de greves gerais e de greves por categorias, e ainda greves por empresas, que atingem as mais
diversas expressões da classe trabalhadora e uma série de manifestações que indicam, no decorrer dos anos 80, o espírito
de luta e resistência operária e popular, de um Brasil que clamava por democracia política e social. Era uma "explosão do
sindicalismo", ou ainda, de um "novo sindicalismo", que surgia e se desenvolvia a partir de um mundo do trabalho
estruturado, resultado da expansão capitalista dos anos 60 e anos 70.(ALVES,.2000, p.112).
24
Na década de 1980, em período de redemocratização no país, as reivindicações e pressões
organizadas pelos trabalhadores, provocaram a incorporação na Constituição.
Federal de 1988 de muitas demandas sociais de expansão dos direitos sociais e políticos. Um dos
maiores avanços da Constituição, na área de política social, foi a adoção do conceito de seguridade
social, englobando as políticas de saúde, previdência e assistência (SALVADOR, 2010).
O sistema de Seguridade Social, instituído pela Constituição Federal Brasileira de 1988, expõe
uma lógica fundada em duas modalidades de proteção social: assistência e seguros sociais. “A
seguridade social associa, ao mesmo tempo, universalidade e seletividade, centralização e
descentralização, distributividade e redistributividade, gratuidade e contributividade” (FERREIRA
apud BOSCHETTI, 2000, p.139).
A seguridade social, como prevê a Carta Magna, em seu art. 194, é
Um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade,
destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, assistência e previdência social.
Parágrafo único. Compete ao poder público, nos termos da lei, organizar a
seguridade social, com base nos seguintes objetivos:
I-universalidade da cobertura e do atendimento;
II-uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e
rurais;
III-seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;
IV-irredutibilidade do valor dos benefícios;
V-equidade na forma de participação do custeio;
VI-diversidade da base de financiamento;
VII-caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão
quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos
aposentados e do Governo nos órgãos colegiados (BRASIL, 1988).
O princípio da universalidade da cobertura não garante direitos iguais a todos os cidadãos,
mas certifica a política de saúde como direito universal, a assistência para aqueles a quem dela
necessitar, porém a previdência é mantida sob a lógica do seguro, em que o acesso aos direitos
depende de contribuição prévia. Os princípios da uniformidade e da equivalência dos benefícios
afirmam a unificação dos regimes urbanos e rurais no âmbito do regime geral da previdência,
mediante contribuição. A seletividade e a distributividade na prestação dos serviços apontam para a
possibilidade de estabelecer benefícios orientados pela “discriminação positiva”, podendo tornar as
políticas de assistência e saúde seletivas, em contraposição ao princípio da universalidade. A
irredutibilidade do valor dos benefícios significa que os benefícios da previdência devem ser
ajustados de acordo com os índices de inflação. A diversidade das bases de financiamento sinaliza
que as contribuições dos empregadores não devem ser mais baseadas somente sobre o salário,
25
devendo incidir sobre o faturamento e o lucro, para que o financiamento se torne mais redistributivo
e progressivo. Além disso, obriga o governo federal, os estados e os municípios a destinarem recursos
fiscais à seguridade social. Por último, o caráter democrático e descentralizado da administração deve
garantir gestão compartilhada entre governo, trabalhadores e prestadores de serviços, de modo que
os cidadãos participem das tomadas de decisão (BEHRING; BOSCHETTI, 2009).
Foi somente com a Constituição Federal de 1988 que as políticas de previdência, saúde e
assistência social foram reorganizadas e reestruturadas com novos princípios e diretrizes, passando a
compor o sistema de seguridade social brasileiro. Neste, a política de Assistência Social é considerado
um direito do cidadão e dever do Estado, superando a histórica marca do clientelismo, paternalismo
e favor que sempre permeou essa política; A saúde ganha caráter universal, isto é, direito de todos os
brasileiros, se desvinculando da previdência Social; Já a Previdência Social manteve seu caráter
contributivo. Nesse sentido, Boschetti destaca que apesar de ter um caráter inovador e intencionar
compor um sistema amplo de proteção social, a seguridade social acabou se caracterizando como um
sistema híbrido, que conjuga direitos derivados e dependentes do trabalho (previdência) com direitos
de caráter universal (saúde) e direitos seletivos (assistência) (BOSCHETTI, 2009).
De acordo com Boschetti (2000, p. 139),
a saúde é fundada nos princípios de universalidade, gratuidade, não-
contributividade, redistributividade e descentralização, adquire sentido de
direito universal e incondicional do cidadão para aqueles serviços e benefícios
que se convencionou denominar de assistência à saúde. Tal orientação
aproxima a política de saúde brasileira do modelo de proteção social
conhecido como beveridgiano7”.
A assistência social tem como princípios a
seletividade e universalidade na garantia dos benefícios e serviços; a
gratuidade e não-contributividade no que tange à natureza dos direitos;
redistributividade, no que se refere aos mecanismos de financiamento; e
descentralização e participação, quanto à sua forma de organização político-
institucional” (BOSCHETTI, 2000, p. 139).
7Sistema de proteção social inaugurado na Inglaterra, sob a coordenação de sir William Beveridge, e implementado nos
países do norte europeu, após a Segunda Guerra Mundial, fundado nos princípios de universalidade do atendimento,
uniformidade quanto ao montante e modalidade dos benefícios, unificação do aparato institucional e combinação da lógica
contributiva e não contributiva no financiamento do sistema de proteção social (BOSCHETTI, 2000, p. 139).
26
A política de Previdência Social submete-se à lógica do seguro social, de caráter contributivo,
em que o direito é assegurado mediante prévia contribuição. Quanto ao financiamento, a previdência
social brasileira orienta-se mais por uma lógica regressiva do que progressiva, pois as fontes de
recursos são asseguradas pelos próprios trabalhadores e aproxima-se do modelo bismarckiano8
alemão de proteção social (BOSCHETTI, 2000).
O princípio dessa lógica é garantir proteção, às vezes exclusivamente, e às vezes
prioritariamente, ao trabalhador e à sua família. É um tipo de proteção limitada, que garante direito
apenas àquele trabalhador que está inserido no mercado de trabalho ou que contribui mensalmente
como autônomo ou segurado especial à seguridade social. , Deste modo, se destinam a quem está
inserido em relações formais e estáveis de trabalho e possuem duas características centrais. Primeiro
são condicionados a uma contribuição prévia, ou seja, só têm acesso àqueles que contribuem
mensalmente. Segundo o valor dos benefícios é proporcional à contribuição efetuada. Essa é a
característica básica da previdência social no Brasil, que assegura aposentadorias, pensões, salário-
família, auxílio doença e outros benefícios somente aos contribuintes e seus familiares (BOSCHETTI,
2009).
Essa lógica impõe um limite estrutural para a universalização da seguridade social, em todos
os países em que se efetivou. O acesso à seguridade social é pela via do trabalho, então esse padrão
de seguridade social, fundado na lógica do seguro, “só universaliza direitos se universalizar,
igualmente, o direito ao trabalho, já que os benefícios são condicionados ao acesso a um trabalho
estável que permita contribuir para a seguridade social” (BOSCHETTI, 2009).
Assim, estabeleceu-se um sistema de seguridade social em que, manteve o princípio de
universalidade e integralidade no âmbito da saúde com o Sistema Único de Saúde (SUS), que passou
a reestruturar, a partir de 2004, a política de assistência social, com base no Sistema Único de
Assistência Social (SUAS), e que também fortaleceu a lógica do seguro no âmbito da previdência,
sobretudo com as (contra) reformas de 1998 e 2003. A seguridade social brasileira, desse modo, não
avançou no sentido de fortalecer a lógica social (Ibid idem, 2009).
8Sistema de proteção social implementado na Alemanha a partir da segunda metade do século XIX, sob o governo do
Chanceler Otto Von Bismark, a partir da criação de caixas de aposentadoria e pensões compulsórias, financiadas por
trabalhadores e empregadores, de base contributiva, e benefícios proporcionais à contribuição, fundados no princípio do
seguro social, inspirou a criação destas caixas no Brasil, a partir de 1923, tidas como os embriões da previdência social
brasileira (BOSCHETTI, 2000, p. 139).
27
Essa imbricação entre elementos próprios à assistência e elementos próprios ao seguro social
poderia ter provocado a instituição de uma seguridade social, de caráter universal, redistributiva,
pública, com direitos amplos fundados na cidadania. Porém não foi o que aconteceu, pois a seguridade
social brasileira, ao incorporar uma tendência de separação entre a lógica do seguro (bismarckiana) e
a lógica da assistência (beveridgiana), e não de reforço à clássica justaposição existente, acabou
materializando políticas com características próprias e específicas que mais se excluem do que se
complementam, fazendo com que, na prática, o conceito de seguridade fique no meio do caminho,
entre o seguro e a assistência.
Segundo Yasbek (2012, p.302 ), é necessário ressaltar o fato de que a Constituição brasileira
é promulgada em uma conjuntura dramática, dominada pelo crescimento da pobreza e da
desigualdade social no país, que vê ampliar sua situação de endividamento (que cresce 61% nos anos
1980), e que se insere em um momento histórico de ruptura do “pacto keynesiano”, que vai permitir
grande liberdade aos processos de reestruturação produtiva. A pressão do Consenso de Washington9
, com sua proposição de que é preciso limitar a intervenção do Estado e realizar as reformas
neoliberais, a presença dos organismos de internacionais (FMI, Banco Mundial), responsáveis por
estabelecer as estratégias para o enfrentamento da crise por parte dos países periféricos, e a redução
da autonomia nacional, ao lado da adoção de medidas econômicas e do ajuste fiscal são características
desse contexto, que, no campo da proteção social, vai se enfrentar com o crescimento dos índices de
desemprego, pobreza e indigência10. Assim, é na “contramão” das transformações que ocorrem na
ordem econômica internacional, tensionado pela consolidação do modelo neoliberal, pelas estratégias
de mundialização e financeirização do capital, com a sua direção privatizadora e focalizadora das
políticas sociais, enfrentando a “rearticulação do bloco conservador” com a eleição de Fernando
Collor, que buscou de diversas formas obstruir a realização dos novos direitos constitucionais, que
devemos situar o início do processo de consolidação da Seguridade Social brasileira. E, como não
poderia deixar de ser, a emergente proposta de Seguridade Social não se consolida e mostra-se incapaz
de, naquele momento, realizar suas promessas.
9Expressão emblemática que traduz o conjunto de reformas econômicas que, na visão das principais burocracias
econômicas norte americanas (BIRD, BID, FMI, FED),eram necessárias para que a América Latina encontrasse o
caminho do desenvolvimento: desregulamentação dos mercados, especialmente o financeiro e o trabalhista,
privatização,abertura comercial, redução dos gastos públicos, entre outras medidas de caráter neoliberal.
10 É a falta de meios para satisfazer as necessidades básicas (alimentação, roupa, etc.).O indigente não tem emprego ou
trabalha em condições precárias, o que se traduz em sérias dificuldades para cobrir as suas necessidades. O indigente vive
uma situação de marginalização social devido à sua extrema pobreza.
28
Sem dúvidas, o neoliberalismo é um movimento que vem na contracorrente das conquistas
históricas, principalmente as sociais. É a representação da luta de classes em torno do controle do
Estado. A burguesia se afirma como detentora do poder político-econômico, propondo um programa
de “reforma” do Estado para libertar o mercado das amarras do modelo de bem-estar social e
enfraquecer os movimentos sociais, principalmente o movimento operário (OLIVEIRA, 2011).
Em meados da década de 1990, no governo de Fernando Henrique Cardoso, a idéia de
reformar o Estado ganha força. A reforma proposta tinha como objetivos, em curto prazo, promover
o ajuste fiscal, principalmente nos estados federados e nos municípios, e, em médio prazo,
transformar a administração pública brasileira em uma administração gerencial, com dimensões
políticas, econômicas e sociais. A emenda constitucional da reforma administrativa do Estado foi
remetida ao Congresso Nacional em agosto de 1995. À emenda seguiu-se a publicação do Plano
Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (OLIVEIRA, 2011).
O receituário do Plano Diretor alude como inadiáveis para a estruturação do Estado brasileiro:
(1) o ajustamento fiscal duradouro; (2) reformas econômicas orientadas para o
mercado, que, acompanhadas de uma política industrial e tecnológica, garantam a
concorrência interna e criem as condições para o enfrentamento da competição
internacional; (3) a reforma da previdência social; (4) a inovação dos instrumentos
de política social, proporcionando maior abrangência e promovendo melhor
qualidade para os serviços sociais; e (5) a reforma do aparelho do Estado, com vistas
a aumentar sua “governança”, ou seja, sua capacidade de implementar de forma
eficiente políticas públicas (MARE, 1995, p. 11).
É nesse contexto que tem início a construção de uma nova concepção para a Assistência Social
brasileira, que é regulamentada em 1993, como política social pública, e inicia seu trânsito para um
campo novo: o dos direitos, da universalização dos acessos e da responsabilidade estatal.
Sem dúvida, houve mudanças substantivas na concepção da assistência social, um avanço que
permite sua passagem do assistencialismo e de sua tradição de não política para o campo da política
pública. Como política de Estado, passa a ser um espaço para a defesa e atenção dos interesses e
necessidades sociais dos segmentos mais empobrecidos da sociedade, configurando-se também como
estratégia fundamental no combate à pobreza, à discriminação e à subalternidade econômica, cultural
e política em que vive grande parte da população brasileira.
A busca da estabilização da economia e do equilíbrio orçamentário e fiscal a partir do Plano
Real leva, no período dos governos de FHC (1995-98 e 1999-2002), a resultados pouco favoráveis
29
para a proteção social na esfera pública estatal. O ambiente é de desacertos e tensões entre a
adequação ao ambiente neoliberal e as reformas sociais exigidas constitucionalmente. Conforme
Fagnani, (1999, p.113) a política econômica adotada não favoreceu o sucesso das políticas sociais. O
autor cita como exemplo a política de emprego (insuficiente para reverter o quadro produzido pela
política econômica) e o problema da Previdência Social (que viu sua base de financiamento erodir
com o aumento da precarização e informalização da ocupação).
No que se refere às políticas de saúde, educação e assistência social, Fagnani (1999, p. 166)
aponta avanços no processo de descentralização, mas ressalta que “ao mesmo tempo em que estados
e municípios são induzidos a aceitarem novas responsabilidades administrativas e financeiras na
gestão das políticas sociais, a política econômica desorganiza as finanças destas instâncias [...]”. É
importante assinalar que essas ações emergem no país em um contexto de profundas transformações
societárias, que interferem na “questão social” e trazem na raiz dessas modificações a indagação sobre
a compatibilidade (ou não) entre direitos, políticas sociais e as relações que se estabelecem entre
Estado, sociedade e mercado nos novo marcos da acumulação capitalista. Contexto no qual a
articulação: trabalho, direitos e proteção social pública sofrem os impactos das transformações
estruturais do capitalismo, que atingem duramente o trabalho assalariado e as relações de trabalho,
levando à redefinição dos sistemas de proteção social e da política social em geral.
Os desdobramentos da política econômica patrocinada por FHC, em seu obsessivo propósito
de contenção, a qualquer custo do déficit público, tiveram implicações desastrosas sobre as políticas
sociais, na medida em que resultaram na redução drástica dos fundos públicos destinados ao
financiamento dos serviços sociais direcionados aos segmentos mais pobres.
Ocupando-se particularmente em investigar a condição da política social no âmbito do
primeiro mandato do presidente Cardoso, Netto (1999) destaca, em princípio, a direção social
adotada, a qual se materializou em notória contradição, simultaneamente, aos seus antecedentes como
intelectual marxista e às suas promessas de campanha pautadas no ideário democrático. Nessa
perspectiva, o autor salienta que, de maneira geral, o presidente FHC “desde os seus primeiros anos
no Planalto, presidiu um governo direcionado contra os interesses e as aspirações da massa dos
trabalhadores brasileiros”. (NETTO, 1999, p. 75, grifo do autor)
Nessa direção, Boschetti (2009) afirma que todos os princípios da Seguridade Social
brasileiras, previstos na CF de 1988, estão sendo desconsiderados e diluídos em sucessivas
30
contrarreformas que têm um nítido sentido político de desestruturação da seguridade social (Ibid
idem, 2009).
O primeiro caminho desse desmonte causado pelo neoliberalismo é o da desconfiguração dos
direitos previstos na Constituição de 1988. Estes não foram nem uniformizados e nem
universalizados. Diversas contrarreformas, como a da previdência de 1998, 2002 e 2003, sendo as
primeiras no Governo Fernando Henrique Cardoso e outra no Governo Lula, restringiram direitos,
reforçaram a lógica do seguro, reduziram valor de benefícios, abriram caminho para a privatização e
para a expansão dos planos privados, para os fundos de pensão, ampliaram o tempo de trabalho e
contribuição para obter a aposentadoria (BOSCHETTI; SALVADOR, 2003 apud BOSCHETTI,
2009).
O segundo caminho do desmonte é a fragilização dos espaços de participação e controle
democrático previstos na Constituição, como Conselhos e Conferências. Enquanto instâncias
deliberativas e participativas, os Conselhos não estão sendo consolidados. Primeiro, pela extinção do
Conselho Nacional de Seguridade Social, que tinha a função de articular as três políticas e atribuir
unidade ao sistema. E também, pela extinção dos Conselhos locais de Previdência Social, o que
significa a intenção de centralização no Conselho Nacional de Previdência Social. A terceira forma
de desmonte é a via do orçamento. As fontes de recurso não foram diversificadas, contrariando o
dispositivo constitucional, e permanece a arrecadação predominantemente sobre folha de salários.
Ocorre uma usurpação de 20% dos recursos da seguridade social para o pagamento da dívida pública
por meio da Desvinculação das Receitas da União. Em relação ao financiamento, quem paga a conta
da seguridade social é a contribuição dos empregadores e dos trabalhadores sobre folha de salário, o
que torna o financiamento regressivo, já que sustentado nos rendimentos do trabalho (BOSCHETTI,
2009).
Isso significa que a seguridade social brasileira, fruto das lutas e conquistas da classe
trabalhadora, é espaço de fortes disputas de recurso e de poder. A defesa e ampliação dessas
conquistas e o posicionamento contrário às reformas neoliberais regressivas são desafios permanentes
e condições para consolidação da seguridade social pública e universal (Ibid idem, 2009).
31
1.3 Políticas de combate a pobreza no Brasil: os programas de transferência de renda
nas décadas de 1990 e 2000
Apesar de estar presente no cotidiano de todas as cidades, a pobreza pode ter diferentes
significados e formas de expressão, dependendo do local, do tempo histórico e do entendimento de
cada grupo humano sobre o assunto (Chambers, 2008). Segundo Yasbek, a pobreza pode ser abordada
como categoria histórica e socialmente construída, como fenômeno que não pode ser tomado como
natural. Uma situação de condições precárias, que dificulta as mudanças que possibilitariam atingir
tais padrões de vida, entendidos como "as condições objetivas de viver com um nível de dignidade
ou de acesso a serviços públicos e privados" (Sposati, 1997:22).
As diferentes explicações sobre o fenômeno da pobreza trazem sempre implícitas o
pressuposto da carência, da escassez de meios de subsistência, da falta, ou da desvantagem em relação
a um padrão ou nível de vida dominante.
Nessas reflexões, a pobreza é concebida enquanto um fenômeno multidimensional. Não é
mera insuficiência de renda. Ë também desigualdade na distribuição de recursos; não acesso a
serviços sociais básicos, a informação, a trabalho dignamente remunerado; não participação política
e social etc. (SILVA, 2003). Estamos também nos reportando à qualidade relativa da pobreza, que gira em
torno da desigualdade social, assim como a outras condições reiteradas da desigualdade (como gênero,
etnia, procedência e outros aspectos) (YASBECK ,2012).
O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud, 1997) entende a pobreza
como multidimensional, por estar relacionada a múltiplas formas de privações e não apenas à renda
(considerada unidimensional). Define pobreza como a falta de acesso e recursos (não apenas
financeiros) que possibilitem um padrão de vida em que sejam supridas as necessidades básicas, como
alimentação, higiene, vestuário, educação, lazer (Pnud, 2000). São pobres aqueles sujeitos que, além
de não possuírem renda suficiente para satisfação de suas necessidades e nem acesso a alternativas
para satisfazê-las, não são valorizados e respeitados como cidadãos.
Portanto, na visão do Pnud (2000), a falta de acesso pela negação da possibilidade de escolhas
e oportunidades submete a uma condição de vida subalterna. Esta visão de pobreza das Nações Unidas
está alinhada com a concepção de Sen (2000) de pobreza como privação das capacidades básicas do
ser humano. Capacidades significam a possibilidade de escolher por uma vida que se tem razão de
valorizar, em dar oportunidade real para as pessoas promoverem seus objetivos. É uma visão também
32
multidimensional, que não reduz a pobreza ao baixo nível de renda, porém que reconhece sua
importância, "uma vez que a renda é um meio importantíssimo de obter capacidades" (Sen, 2000:112)
No Brasil, desde meados dos anos 1980, uma série de estratégias de combate à fome foi sendo
idealizada por intelectuais do campo da alimentação e nutrição. Exemplo disso era a máxima
"Alimentação como direito de todos e dever do Estado", aprovada no decorrer da Conferência
Nacional de Alimentação e Nutrição, em 1987 (MS/MPAS, 1987). Entretanto, foi no decorrer de
1992, diante do agravamento da crise ética no interior do campo político brasileiro, que entidades da
sociedade civil constituíram o chamado Movimento pela Ética na Política. Seu objetivo inicial
explícito era: "Aglutinar as esperanças e ações de todo o povo na direção de uma política guiada por
valores éticos em favor da justiça social, da solidariedade e da vida" (Ação da Cidadania, op. cit., p.
1).
Com a aprovação do histórico impeachment do então presidente Collor de Mello (1992), o
Movimento pela Ética na Política11, vitorioso em sua batalha inicial contra a corrupção e a
impunidade no Brasil, deu origem a outra cruzada ética: a constituição do movimento social Ação da
Cidadania Contra a Miséria e pela Vida.
Liderado pelo sociólogo e ativista de direitos humanos Herbert José de Souza, mais conhecido
como Betinho, o movimento teve seu lançamento oficialmente em 8 de março de 1993, agora
acrescentando-se outros elementos ao nome inicial: “Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria
e pela Vida”. Seu objetivo era: "Mobilizar, e acima de tudo sensibilizar, a sociedade para a
necessidade de mudanças fundamentais e urgentes capazes de transformar a realidade econômica,
política e social do país... que leva à exclusão, à fome e à miséria" (CONSEA, 1995, p. 12).
Para a consecução desse objetivo, a Ação da Cidadania, munida dos slogans "A fome tem
pressa" e "Fome: não dá pra esquecer", iniciou o processo de formação dos chamados Comitês de
Combate à Fome. De abrangência local, municipal e/ou estadual, os comitês poderiam ser formados
por amplos e diversificados setores da sociedade (sindicatos, universidades, igrejas, organizações não
11 Desde que Collor tomou posse em 1990, viu seu governo minado pela inflação e recessão. Além disso, circulavam, de
maneira cada vez mais ostensiva, inúmeras suspeitas de corrupção, envolvendo ministros de Estado e altos funcionários
da República.Foi nessa atmosfera que atuou o Movimento pela Ética na Política, que nasceu de um pequeno grupo de
pessoas,que se reunia na UFRJ. Eram sindicalistas, universitários, militantes de partidos, pessoal das ONGs. Com a
sucessiva revelação de escândalos, através de depoimentos de funcionários que trabalhavam próximos a Collor, foi-se
constituindo a convicção generalizada sobre a existência efetiva de um esquema articulado de suborno no país,
capitaneado por auxiliar da confiança do presidente. Em decorrência, ampliava-se a indignação pública, notadamente nos
setores médios urbanos, sempre sensíveis às acusações de corrupção. Foi nesse ambiente que o Movimento pela Ética na
Política cresceu, chegando a reunir aproximadamente 900 entidades em coalizão.(Brasil Recente,2011)
33
governamentais, intelectuais, artistas, estudantes, empresários, funcionários públicos, políticos etc.),
denotando assim o caráter de pluralidade do movimento.
No âmbito da sociedade política, a Ação da Cidadania conseguiu sensibilizar o então
presidente da República Itamar Franco, que em 18 de março de 1993 assumiu o compromisso de
implantação da proposta de Política Nacional de Segurança Alimentar (Silva et al., 1991),
apresentada pelo então presidente do Partido dos Trabalhadores (PT) Luiz Inácio Lula da Silva. Em
18 de abril de 1993, foram lançados o Plano de Combate à Fome e à Miséria (Ipea, 1993b) e a proposta
de criação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA). Este último, criado por decreto
presidencial em 26 de abril de 1993 e constituído por nove ministros de Estado e 21 representantes
da sociedade civil, era definido como: "Uma forma inovadora de parceria entre o governo e a
sociedade para buscar alternativas, formular propostas e implementar ações em busca de soluções
para o problema da fome e da miséria no Brasil" (CONSEA, op. cit., p. 15).
A partir de então, no decorrer do governo Itamar Franco (1993/1994), a chamada parceria
entre governo e sociedade, caracterizada pela ação conjunta entre Consea e Ação da Cidadania,
desenvolveu inúmeras atividades, em sua grande maioria de caráter emergencial, na tentativa de
combate à fome e à miséria do país (Peliano et al., 1993; Valente et alii, op. cit.; Pereira et al., 1993;
Consea, op. cit.; Valente, 1997)
No Brasil, a discussão dos programas de transferência de renda como uma estratégia de
combate à fome e à pobreza, foi introduzida na agenda pública, inicialmente na esfera federal, em
início dos anos de 1990. Foi colocada em pauta por Eduardo Suplicy, na época Senador do Estado de
São Paulo, por meio do Projeto de Lei nº. 80 de 1991, que propunha a instituição do Programa de
Garantia de Renda Mínima – PGRM, sendo uma “possibilidade concreta, simples e objetiva de
garantia do direito mais elementar do ser humano, o direito à vida, mediante uma justa participação
na riqueza socialmente produzida” (SILVA; YAZBEK; GIOVANNI, 2006). A proposta do senador
é de uma “Renda de Cidadania” em que todos os cidadãos, acima de 25 anos de idade, recebam o
benefício do governo, indistintamente de suas condições sociais e econômicas, de contribuição prévia
e de contrapartidas, sendo distribuído de forma igualitária. Está baseada em uma proposta de imposto
negativo12.
12 É um instrumento de política social seletiva,que garante aos cidadãos beneficiados um valor mínimo de renda em
dinheiro, e por isso é comumente denominado Programa de Garantia de Renda Mínima(PGRM).Caso a renda do cidadão
não alcance o mínimo determinado,ele recebe um complemento financeiro para que sua renda atinja aquele patamar.(Paes
; Siqueira, 2008).
34
Alguns anos depois veio a regulamentação da Assistência Social. Esta foi regulamentada com
a promulgação da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), lei nº. 8.742 de 1993, que estabeleceu
critérios para a organização da Assistência no Brasil. De acordo com o artigo primeiro da LOAS
(1993), a assistência social é “direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social
não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de
iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas”. A Assistência
efetivou-se em estratégia pública objetivando minimizar as situações de desigualdades sociais e para
o enfrentamento da pobreza. Ocorre, então, o surgimento de políticas públicas de proteção social
voltada aos chamados “mínimos sociais” nos programas governamentais brasileiros.
É importante salientar que a discussão sobre os mínimos sociais também é muito antiga e
fruto das sociedades divididas em classes, nos diferenciados períodos históricos. No entanto, no
Brasil, esse debate teve fôlego apenas com a implementação da LOAS e da discussão dos programas
de transferência de renda que apresentam o tema da provisão de mínimos “identificada com patamares
de satisfação de necessidades que beiram a desproteção social” (PEREIRA, 2007, p. 26). Nesse
sentido, nos anos 1990, diversos programas de transferência de renda foram considerados pioneiros
e a base para a ampliação da discussão sobre as políticas e programas de transferência de renda nas
políticas de Assistência Social.
No final do governo Fernando Henrique Cardoso foi lançado algumas políticas voltadas para
a melhoria da renda e da qualidade de vida da população mais pobre que incluiria também a
previdência rural e os programas não contributivos da assistência social: Bolsa Escola, PETI
(Programa de Erradicação do Trabalho Infantil), Bolsa Alimentação, Auxílio-Gás, Agente Jovem,
Programa de Saúde da Família, Programa de Apoio à Agricultura Familiar, além do Projeto Alvorada,
para os 2.361 municípios brasileiros com maior proporção de habitantes situados abaixo da linha da
pobreza. Em todos esses programas a opção foi a transferência direta de renda monetária aos
beneficiários, com gestão centralizada no governo federal. Foram assim eliminados os programas de
distribuição de cesta básica de alimentos, que com freqüência se prestavam à manipulação clientelista.
Os programas de transferência direta de renda impõem contrapartidas aos beneficiários, tais
como freqüência escolar das crianças e ida da família a postos de saúde, na suposição de que assim
se criariam condições para a sua futura independência econômica. Na prática, porém, o controle das
contrapartidas foi de difícil execução. Por outro lado, o estabelecimento de mecanismos automáticos
35
de transferência de recursos para educação, saúde e assistência social reduziu os espaços da barganha
política e do clientelismo, embora não os tenha eliminado (ALMEIDA, 2004).
No ano de 2001, foram criados dois programas nacionais de largo alcance: o Programa
Nacional de Renda Mínima vinculada à educação, o chamado Bolsa Escola (PNBE), gerido pelo
Ministério da Educação, e o Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à saúde - Bolsa
Alimentação (PBA)-, no âmbito do Ministério da Saúde.
A Bolsa Escola criado pelo governo federal em 2001 na gestão do então presidente Fernando
Henrique Cardoso, teve o objetivo de manter as crianças na escola sem precisar trabalhar para ajudar
os pais, o programa Bolsa Escola beneficiava as famílias com uma quantia em dinheiro para suprir as
necessidades dos pais.
Para poder se beneficiar do programa Bolsa Escola, as famílias tinham que ter uma renda de
R$ 90,00 por pessoa, e a frequência das crianças na escola tinha que atingir a marca de 85%, no
mínimo.
Além disso, para participar desse programa, as famílias tinham que estar enquadradas nos
requisitos que eram exigidos pelo governo federal. Tais como:
a criança precisava morar no município da escola onde estudava há, pelo menos, uns
5 anos; a família precisava ter uma renda per capita de, pelo menos, meio salário-
mínimo por adulto apto a trabalhar;as crianças deveriam ter entre 7 a 14 anos e
estarem matriculadas regularmente na escola;a frequência da criança na escola
deveria ser acompanhada pelo adulto responsável.(ALMEIDA, 2004)
Todo o controle de frequência do aluno na escola era feito pela Secretaria de Educação, que
repassava esse controle para o governo federal que providenciava o pagamento dos valores para as
famílias participantes.
Além desses controles de frequência, alguns outros acompanhamentos eram feitos e
repassados para as secretarias de governo, como acompanhamentos psicológicos, de reforço escolar,
médico ou qualquer outra situação que pudesse colocar a criança em risco. O programa contemplou
cerca de cinco milhões de famílias que tiveram os seus filhos na escola em ensinos regulares. No ano
de 2003, o Bolsa Escola foi extinto pelo governo Lula, que o incorporou ao programa chamado de
Bolsa Família, o qual será abordado mais adiante.
Já o Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à saúde-Bolsa Alimentação (PBA), no
âmbito do Ministério da Saúde, visava o aprimoramento das ações de combate às carências
36
nutricionais em todo território nacional, alcançando, até o exercício de 2003 a meta de atendimento
direto a 3,58 milhões de beneficiários, dos quais 2,77 milhões são crianças com idade entre seis meses
e seis anos e onze meses de idade e 803,0 mil mulheres gestantes e nutrizes, contribuindo para que
até o final daquele exercício seja atingido o marco de redução da mortalidade infantil da taxa atual de
33,6 para 30 por mil nascidos vivos.
O Programa “Bolsa-Alimentação” foi um instrumento de participação financeira da União na
complementação da renda familiar para melhoria da alimentação, envolvendo pagamento mensal de
R$ 15,00 (quinze reais) até o limite de R$ 45,00 (quarenta e cinco) reais por família beneficiada.
Eram beneficiárias do Programa Bolsa-Alimentação, gestantes e nutrizes e ainda, crianças de seis
meses a seis anos e onze meses de idade, que estivessem em risco nutricional, pertencentes a famílias
com renda mensal per capita inferior ao valor fixado nacionalmente em ato do Poder Executivo para
cada exercício. Crianças órfãs de mãe ou filhas de mães soropositivas para o HIV/AIDS tinham
direito ao benefício logo no primeiro mês de vida, uma vez que, no primeiro caso não haveria
possibilidade de amamentação e no segundo, por medida preventiva, seria contraindicado o
aleitamento materno tendo em vista o risco de transmissão do vírus.
Desse modo, a partir de 2001, um conjunto de programas deu origem a uma “rede de proteção
social”, formada por programas públicos de transferência de renda destinada à população mais pobre
do país. A população beneficiária era, em sua maioria, “famílias” de camadas carentes em situação
de pobreza ou extrema pobreza e com renda inferior a meio salário mínimo. Essa população passou
a ser o foco e a prioridade dessas políticas. O que estava em pauta era a ampliação dos recursos
alocados, elevação do valor monetário e melhor atendimento das famílias beneficiadas pelo
programa, em articulação com as esferas nacional, estaduais e municipais, buscando a instituição de
uma “Política Nacional de Transferência de Renda”.
No curso dos anos 2000, a vitória presidencial de Luís Inácio Lula da Silva, este foi
acompanhada por um discurso eleitoral forte e eficaz, que consistia em enfatizar a magnitude da
pobreza e das desigualdades existentes no país e em apresentar a oposição como a mais capaz de
vencê-las. A mudança anunciada, mais pela força da imagem do candidato e de seu partido do que
pela definição das propostas, adquiria um conteúdo social preciso: a redução substancial da pobreza
e das desigualdades, a inclusão plena dos milhões de pobres pelo Brasil afora (ALMEIDA, 2004).
37
A única promessa concreta da campanha foi a criação de empregos, com a alteração da política
econômica de forma a promover a retomada do crescimento sustentado. No terreno das políticas
sociais propriamente ditas, pouco se disse durante a disputa eleitoral.
Dois foram os documentos sobre políticas sociais dados a público antes e imediatamente
depois das eleições: “Projeto Fome Zero: uma proposta de política de segurança alimentar para o
Brasil”, de 2001, e “Política econômica e reformas estruturais”, produzido entre a eleição e a posse
do novo governo. O primeiro, produzido por 45 pesquisadores do thinktank petista Instituto
Cidadania, sob a orientação de José Graziano da Silva, consistia numa combinação de políticas
assistenciais com ações mais abrangentes de incentivo à agricultura familiar (ALMEIDA, 2004).
O tema das políticas sociais era tratado do ângulo da redução de seus efeitos regressivos
mediante o aumento da eficácia do gasto social e da efetividade dos programas e ações, a ser obtida
com maior focalização nos grupos de menor renda. Pouco se falava de outras políticas universais
além da previdência, e conferia-se uma clara primazia às políticas destinadas aos mais pobres,
percebidas como o núcleo duro da política social (ALMEIDA, 2004).
O governo Lula, com a criação do Ministério de Desenvolvimento Social vai incorporar e
integrar as políticas sociais em um único programa que procura unificar as ações públicas nas áreas
de assistência social, segurança alimentar e nutricional, saúde, educação infantil e transferência de
renda.
Um dos primeiros atos de Lula, dez dias após sua posse, foi promover uma viagem com uma
comitiva de 30 ministros ao semiárido e à periferia do Recife. O objetivo era levar os formuladores
de políticas públicas ao contato direto com a realidade da extrema pobreza, reiterando assim o foco
no combate à fome. No fim de janeiro de 2003, o governo federal lançou o programa Fome Zero,
com o objetivo de integrar políticas emergenciais de combate à fome com políticas públicas
estruturais. Destaque para a criação do Programa Cartão Alimentação, destinado à compra de
alimentos pelas famílias mais pobres, e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), com compras
públicas dirigidas para a agricultura familiar. No PAA, o governo compra diretamente de produtores
e cooperativas em larga escala, eliminando os atravessadores.
Entre janeiro de 2003 e janeiro de 2004, o Fome Zero beneficiou 11 milhões de pessoas, em
2.369 municípios concentrados especialmente no semiárido e nas regiões mais pobres do Nordeste.
O programa partia da premissa de que o problema da fome no Brasil estava muito mais conectado à
falta de dinheiro para comprar alimentos do que à falta de alimento (Memorial da Democracia).
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O Fome Zero também recebeu doações de pessoas físicas e jurídicas. Uma única empresa de
embalagens doou um milhão de litros de leite, artistas nacionais e internacionais de renome, como
Lenny Kravitz, Bono Vox e Shakira participaram da campanha.
O Fome Zero sofreu uma série de dificuldades em sua implementação, desde a ausência de
um cadastro atualizado de beneficiários até a articulação com outras políticas sociais. Em junho de
2003, com o governo Lula, a situação começa a mudar com a unificação dos quatro programas Cartão
da Alimentação, Bolsa Escola, Bolsa Alimentação e Vale Gás, originando o Programa Bolsa Família,
que superaria essas dificuldades e se tornaria o maior programa de transferência de renda do mundo
(BRASIL, 2010).
Ao decidir implementar um programa de transferência de renda voltado à erradicação da fome
no Brasil, o governo Lula sofreu muitas críticas por parte da oposição e de setores conservadores da
sociedade. Eram recorrentes os discursos inflamados nas tribunas do Congresso, afirmando – sem o
menor conhecimento de causa – que o Bolsa Família era esmola e que deixaria os pobres “mal
acostumados”, estimulando “a preguiça” .
A partir do governo Lula, o combate à pobreza e a erradicação da fome passaram a ter como
principal estratégia a implementação dos programas de transferência de renda, cuja principal
expressão foi a criação do Programa Bolsa Família, em 2004. Este, logo se tornaria o maior programa
desse tipo no mundo.
No próximo capítulo será apresentado o Programa Bolsa Família e suas condicionalidades,
especialmente as de saúde, procurando discutir seu impacto nas condições de saúde da população, e
os dilemas dessas condicionalidades, bem como os desafios apresentados.
2. AS CONDICIONALIDADES DE SAÚDE DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA:
percepções de uma Assistente Social residente do Programa Multiprofissional em Saúde da
Família inserida numa Unidade Básica de Saúde.
Esse capítulo tem por objetivo discutir as condicionalidades do Programa Bolsa Família -
especialmente aquelas relacionadas à saúde - impostas às famílias beneficiárias. Bem se sabe,
que grande parcela da população brasileira ainda sofre de problemas geradores de importantes
iniqüidades de saúde, como o desemprego, a falta de acesso à moradia digna, ao sistema de
39
saneamento básico, a serviços de saúde e de educação de qualidade e a um meio ambiente
protegido.No entanto, para combater essas iniquidades de saúde é necessário políticas públicas, que
sejam mais efetivas, portanto, articular-se com outras iniciativas de políticas públicas de redução da
pobreza e de riscos à saúde.
2.1 As condicionalidades do Programa Bolsa Família: elementos para o debate
No contexto atual de políticas públicas da sociedade brasileira identifica-se a existência de
diversos programas assistenciais que procuram minimizar as diferenças sociais e buscam contribuir
para o desenvolvimento de uma sociedade mais igualitária. É o caso do Programa Bolsa Família, que
atende a mais de 13 milhões de famílias em todo o Brasil. Como já destacado, o programa foi criado
pelo governo federal para dar apoio às famílias pobres na garantia do direito à alimentação, saúde e
educação. Consiste na transferência de renda mensal do governo federal às famílias cadastradas que
se encontram dentro dos critérios de inclusão (Brasil, 2012).
O valor do benefício recebido varia de R$ 32,00 a R$ 242,00, a depender da renda familiar e
do número e idade das (os) filhas (os). O programa coloca como objetivos: reduzir a pobreza e a
extrema pobreza; promover o acesso à rede de serviços públicos, em especial de Saúde, de Educação
e de Assistência; estimular a emancipação sustentada das famílias que vivem em situação de pobreza
e extrema pobreza.
O PBF é construído por três tipos de benefícios: O Benefício Básico, o Variável e o Variável
Vinculado ao adolescente. A Lei n° 10.836, de 9 de janeiro de 2004, no artigo 2° prescreve os
benefícios financeiros do Programa. “I – o benefício básico, destinado a unidades familiares que se
encontrem em situação de extrema pobreza; II – o benefício variável, destinado a unidades familiares
que se encontrem em situação de pobreza e extrema pobreza”.
O valor que a família recebe por mês é a soma de vários tipos de benefícios previstos no
Programa Bolsa Família. Os tipos e as quantidades de benefícios que cada família recebe dependem
da composição (número de pessoas, idades, presença de gestantes etc.) e da renda da família
beneficiária.
O Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (2016) MDS e a Caixa
Econômica relatam as alterações e a atualização dos benefícios como:
40
Benefício Básico: concedido às famílias em situação de extrema pobreza (com renda
mensal de até R$ 89,00 por pessoa). O auxílio é de R$ 89,00 mensais. Benefício
Variável: para as famílias pobres e extremamente pobres, que tenham em sua
composição gestantes, nutrizes (mães que amamentam), crianças e adolescentes de
0 a 16 anos incompletos. O valor de cada benefício é de R$ 41,00 e cada família
pode acumular até 5 benefícios por mês, chegando a R$ 178,00.Benefício Variável
de 0 a 15 anos: Destinado a famílias que tenham em sua composição, crianças e
adolescentes de zero a 15 anos de idade. O valor de benefício é de R$ 41,00.
Benefício Variável Gestante: Destinado às famílias que tenham em sua composição
gestante. Podem ser pagas até nove parcelas consecutivas a contar da data do início
do pagamento do benefício, desde que a gestante tenha sido identificada até nono
mês pela área de saúde para que a informação seja inserida no Sistema Bolsa Família na Saúde.. O valor do benefício é de R$ 41,00. Benefício Variável Nutriz:
Destinado às famílias que tenham em sua composição crianças com idade entre 0 e
6 meses para reforçar a alimentação do bebê, mesmo nos casos em que o bebê não
more com a mãe. São seis parcelas mensais.Para que o benefício seja concedido, a
criança precisa ter seus dados incluídos no Cadastro Único até o sexto mês de vida.
O valor do benefício é R$ 41,00. Benefício Variável Jovem: Destinado às famílias
que se encontram em situação de pobreza ou extrema pobreza e que tenham em sua
composição adolescente entre 16 e 17 anos. O valor do benefício é de R$ 48,00 por
mês e cada família pode acumular até dois benefícios, ou seja, R$ 96,00. Benefício
para Superação da Extrema Pobreza: Destinado às famílias que se encontram em
situação de extrema pobreza. Este benefício é pago às famílias que continuem com
renda mensal por pessoa inferior a R$ 89,00, mesmo após receberem os outros tipos
de benefícios do programa. O valor do benefício é calculado caso a caso, de acordo
com a renda e a quantidade de pessoas da família, para garantir que a família
ultrapasse o piso de R$ 89,00 de renda por pessoa. (MDS, 2016)
O Programa Bolsa Família tem um papel fundamental em reforçar o acesso das famílias à
educação e à saúde, por meio de alguns compromissos, chamados condicionalidades. Mas não são
apenas os beneficiários que têm a responsabilidade de cumprir esses compromissos. O poder público
também deve ter um foco nessas famílias ao garantir a elas a oferta e a qualidade dos serviços. (MDS,
2016)
Na área de educação, os responsáveis devem matricular as crianças e os adolescentes de 6 a
17 anos na escola; a frequência escolar deve ser de, pelo menos, 85% das aulas para crianças e
adolescentes de 6 a 15 anos e de 75% para jovens de 16 e 17 anos, todo mês. Para as situações em
que as crianças ou os adolescentes tenham que faltar às aulas, é importante que a família informe o
motivo na escola, que o marcará no sistema onde se registra o acompanhamento da frequência escolar,
o Sistema Presença/MEC.
Na área de saúde, os responsáveis devem levar as crianças menores de 7 anos para tomar as
vacinas recomendadas pelas equipes de saúde e para pesar, medir e fazer o acompanhamento do
crescimento e do desenvolvimento; as gestantes devem fazer o pré-natal e ir às consultas na Unidade
41
de Saúde. Se deixar de cumprir as exigências nas áreas de educação, saúde, e de manter o cadastro
atualizado na Secretaria de Assistência Social, a família pode perder o benefício instituído pelo
programa.
As famílias que não cumprem as condicionalidades estão sujeitas a efeitos gradativos, que vão
desde a notificação da família, passando pela suspensão do benefício, podendo chegar à exclusão da
família do programa. Essas ações tem dois objetivos principais: fazer com que a família cumpra os
compromissos junto ao programa e, principalmente, permitir aos governos identificar os motivos do
não - cumprimento das condicionalidades e oferecer apoio e acompanhamento à família para que os
problemas que causaram o descumprimento possam ser resolvidos.
Além disso, o governo deve acompanhar o cumprimento das condicionalidades para
identificar dificuldades de acesso e para buscar, de forma ativa, as famílias mais vulneráveis
socialmente.
Outra questão importante sobre condicionantes, é que a pessoa da família, chamada de
responsável familiar, deve ser preferencialmente, a mulher, o que torna relevante analisar, ainda que
com pouca profundidade, a feminização desse programa.
Conforme o Censo 2010 (IBGE), as mulheres são a maioria da população em situação de
extrema pobreza, ou seja, apresentam renda de até R$ 70,00 mensais, representando 50,5% do total,
ou seja, cerca de 8,2 milhões de mulheres em todo o Brasil. As mulheres são maioria em quase todas
as regiões, com destaque para a região Sudeste com 52,8%, conforme o Censo 2010. Há um
predomínio das mulheres em situação de extrema pobreza na zona urbana. Como já demonstrado em
outras pesquisas, os resultados e impactos do PBF na vida das mulheres são diferentes conforme a
região do país e a área de domicílio. O papel das mulheres na chamada esfera privada por intermédio
dos programas de transferência de renda com foco na família se dá fundamentalmente a partir da
atuação das mulheres na esfera dos cuidados intrafamiliares, reforçando suas responsabilidades no
âmbito privado doméstico. Essas responsabilidades, aliadas a uma infraestrutura precária para
socialização dos cuidados e ao tipo de qualificação profissional exigida pelo mercado de trabalho,
contribuem para aumentar as dificuldades das mulheres em busca de sua autonomia econômica a
partir do trabalho assalariado e, portanto, dificultam suas chances de sair da pobreza extrema e da
condição de beneficiária permanente do PBF. Por outro lado, a imposição de condicionalidades nas
áreas de Educação, Saúde e Assistência Social pode gerar, para as mulheres em situação de extrema
pobreza, responsabilidades ou sobrecarga de obrigações relacionadas à reprodução social,
42
impactando o tempo e o trabalho das mulheres, além de reforçar papéis tradicionais na esfera dos
cuidados (RANGEL, 2019).
A predominância de mulheres usuárias na Política de Assistência Social também sinaliza para
a importância deste debate no sentido de contribuir para a potencialização de espaços emancipatórios
para as mulheres.
A categoria gênero recusa explicações e justificativas de ordem exclusivamente biológica para
as desigualdades existentes entre homens e mulheres, de modo que a sua adoção constituiu a
superação dos aspectos biológicos e o desvendamento da dimensão eminentemente social dessas
desigualdades.
O gênero se torna, aliás, uma maneira de indicar as “construções sociais” – a criação
inteiramente social das idéias sobre os papéis próprios aos homens e às mulheres. É
uma maneira de se referir às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas
dos homens e das mulheres (SCOTT, 1989, p. 7).
As desigualdades que decorrem de questões de gênero se reproduzem nas diferentes
dimensões da vida em sociedade, no espaço privado e no espaço público, inclusive no campo das
políticas sociais. São desigualdades de toda ordem: social, econômica, política, cultural, que atingem
de modo diferenciado, homens e mulheres, sendo elas a parcela da população que vivencia essas
desigualdades e opressões cotidianamente de forma acentuada. Em vista disso, concorda-se que:
sendo homens e mulheres seres complementares na produção e reprodução da vida,
fatos básicos da convivência social, nenhum fenômeno há que afete a um deixando de
atingir o outro sexo. [...]. Na vida real, entretanto, as ações de homens e mulheres
continuam a complementar-se, de modo que à mistificação dos seres femininos
corresponde a mistificação dos seres masculinos (SAFFIOTI, 2013, p. 34).
Nessa perspectiva, homens e mulheres vivenciam os impactos das desigualdades de gênero.
Embora de maneira desigual, ambas as categorias de sexo são atingidas pelas inúmeras desigualdades
existentes entre homens e mulheres, pois essas categorias não se constroem de modo isolado, uma
vez que o conceito de gênero acena “imediatamente para a ideia de relação; os sujeitos se produzem
em relação e na relação” (LOURO, 1996 ).
Não resta dúvida de que alguns traços marcantes dos Programas de Transferência de Renda,
como vêm sendo formulados no Brasil, são promissores no âmbito de uma Política Pública de
Enfrentamento à Pobreza. Nesse sentido, destaca-se, sobretudo, a proposição de articular a
43
transferência monetária às famílias pobres com políticas estruturantes, com destaque às políticas de
educação, trabalho e saúde. Todavia, na implementação desses programas o que tem se verificado é
que, apesar da obrigatoriedade de as crianças frequentarem escolas e postos de saúde e de os adultos
se engajarem em atividades de preparação para o trabalho, pouco ou nada tem sido feito para melhorar
as condições do Sistema Público do Ensino Fundamental no Brasil.
O mesmo ocorre com a precariedade do atendimento básico à saúde. No campo do trabalho,
como se sabe, tem-se vivenciado no Brasil um retrocesso em termos da diminuição dos postos de
trabalho e do aprofundamento da precariedade das condições de trabalho, principalmente no que diz
respeito àqueles que potencialmente podem alcançar a população adulta das famílias atendidas pelos
Programas de Transferência de Renda. Como tem sido demonstrado na vasta documentação referente
a esses programas, trata-se de uma população atingida por severos limites e deficiências de todas as
ordens que restringem ainda mais seu acesso ao mercado de trabalho. Por outro lado, o acesso aos
serviços sociais básicos, também preconizados no âmbito dos Programas de Transferência de Renda
como medida de superação do déficit da pobreza acumulada pelas famílias atendidas tem sido muito
limitada em decorrência do déficit quantitativo e da precariedade qualitativa que marca esses serviços,
além da tradição não democrática de acesso a eles (SILVA, 2007).
No caso dos impactos do programa, diversos autores apontam a recente redução da pobreza e
da desigualdade no Brasil, divergindo, entretanto, em relação ao peso relativo dos fatores
responsáveis por essa dinâmica. Muitos apontam a relevância dos programas de transferência de
renda — em especial o PBF e o Benefício de Prestação Continuada (BPC) para a redução da pobreza
e da desigualdade. Ou seja, demonstram que sem políticas distributivas o crescimento econômico
observado nos últimos anos não teria levado, isoladamente, a uma queda na desigualdade. Muitos
também afirmam que o PBF tem maior impacto sobre os índices de desigualdade — notadamente o
coeficiente de Gini13 — do que sobre a pobreza. A eficácia do PBF na redução da desigualdade está
ligada à progressividade dos benefícios, que são bem direcionados para os mais pobres. Por outro
lado, o PBF tem pouco impacto sobre a redução da proporção de pobres devido ao baixo valor dos
benefícios transferidos, que ficam abaixo da linha da pobreza. (BICHIR, 2010)
13 O Índice de Gini, criado pelo matemático italiano Conrado Gini, é um instrumento para medir o grau de concentração
de renda em determinado grupo.Ele aponta a diferença entre os rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos.
Numericamente, varia de zero a um (alguns apresentam de zero a cem). O valor zero representa a situação de igualdade,
ou seja, todos têm a mesma renda. O valor um (ou cem) está no extremo oposto, isto é, uma só pessoa detém toda a
riqueza. Na prática, o Índice de Gini costuma comparar os 20% mais pobres com os 20% mais ricos.(IPEA, 2004)
44
A despeito das divergências, cada vez mais se reconhece que o PBF é um programa bem
focalizado e com cobertura de grande fôlego. Por outro lado, tornam-se mais claras as potencialidades
e as limitações do programa em termos de seus impactos sobre a redução da pobreza e da
desigualdade. Nesse sentido, creio que o debate cada vez mais apontará para a necessidade de
articulação do programa com outras políticas — saúde, educação, geração de emprego e renda, entre
outras —, uma vez que é ingênuo depositar expectativas de reversão de problemas históricos do país
em um único programa de transferência de renda (BICHIR, 2010).
Filgueiras e Gonçalves (2007), ao analisarem o PBF no âmbito do governo Lula, apontam
para sua função ideológica no âmbito da sociedade capitalista, enfatizando que o programa
transformou-se numa arma político-eleitoral e ideológica importantíssima, dando um aparente viés
progressista (social) ao governo Lula, o que camufla a política neoliberal adotada por esse governo e
reforça o discurso conservador do Banco Mundial em relação à pobreza e às políticas sociais
focalistas. Nesse processo, o Bolsa Família apenas “maneja a pobreza, pois mantém em permanente
estado de insegurança, indigência e dependência o seu público alvo, permitindo, assim, a sua
manipulação política” (FILGUEIRAS;GONÇALVES,2007), ao mesmo tempo em que sua
ampliação, por vezes, inviabiliza o desmonte das políticas de Seguridade Social garantidas na CF de
1988.
Em que pese a forte associação simbólica entre o presidente Lula e seu partido, de um lado, e
sua ênfase no compromisso social, de outro, o então governo não mostrou ter uma concepção clara e
realista de proteção social, capaz de guiar a sua ação pública. A julgar pelo que foi realizado, as
políticas sociais durante os governos PT (Lula da Silva – 2003-2010, e sua sucessora Dilma Rousseff
2011-2016) seguem as das administrações anteriores, especialmente as de Cardoso, isto é, manteve-
se a subordinação da política social à política econômica neoliberal. A ênfase da atividade
governamental parece ter se deslocado das políticas universalizantes e habilitadoras, como educação
e saúde, para os programas assistenciais destinados aos mais pobres, como o Bolsa Família. Nesse
sentido, a atual política social em parte se distingue e se afasta do curso seguido desde meados dos
anos 1980, aproximando-se das concepções mais limitadas de proteção social (ALMEIDA, 2004), e
se mostrando incapaz de superar as iniqüidades sociais que impactam a população brasileira em todos
os âmbitos.
No próximo item discutiremos a relação das iniquidades sociais com as condições de saúde,
considerando que as determinações sociais (fatores sociais, econômicos etc.) influenciam a ocorrência
45
de problemas de saúde e seus fatores de risco na população, e, portanto, no bem estar das pessoas na
sociedade.
2.2 O SUS na relação com o PBF: as condicionalidades de saúde
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), as condições em que as pessoas vivem e
trabalham são determinantes para suas condições de saúde. Essa compreensão tem seu marco a partir
de 1947, quando a referida organização formulou e divulgou amplamente um conceito de saúde que
considera as influencias das determinações sociais no processo de adoecimento e bem estar das
pessoas em sociedade. Desde então, a compreensão de saúde vem sendo entendida como “Um estado
de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”
(OMS, 1947).
Nessa lógica, a articulação de políticas sociais, bem como os demais fatores sociais,
econômicos, culturais, étnico-raciais, psicológicos e comportamentais, é considerada na análise de
problemas de saúde e fatores de risco à população. São consideradas também as condições de
moradia, alimentação, escolaridade, renda e emprego. Desse modo, todas as políticas que tenham por
objetivo a redução das desigualdades sociais e que visem proporcionar melhores condições de
mobilidade, trabalho e lazer, estão relacionadas às políticas de saúde, dentro de uma compreensão de
integralidade.
Estudos sobre determinantes sociais apontam que há distintas abordagens possíveis. Além
disso, que há uma variação quanto à compreensão sobre os mecanismos que acarretam em iniquidades
de saúde. Por isso, os determinantes sociais não podem ser avaliados somente pelas doenças geradas,
pois vai além, influenciando todas as dimensões do processo de saúde das populações, tanto do ponto
de vista do indivíduo, quanto da coletividade na qual ele se insere .
O principal desafio dos estudos sobre as relações entre determinantes sociais e saúde consiste
em estabelecer uma hierarquia de determinações entre os fatores mais gerais de natureza social,
econômica, política e as mediações através das quais esses fatores incidem sobre a situação de saúde
de grupos e pessoas, já que a relação de determinação não é uma simples relação direta de causa
efeito. É através do conhecimento deste complexo de mediações que se pode entender, por exemplo,
por que não há uma correlação constante entre os macros indicadores de riqueza de uma sociedade,
46
como o PIB, com os indicadores de saúde. Embora o volume de riqueza gerado por uma sociedade
seja um elemento fundamental para viabilizar melhores condições de vida e de saúde, o estudo dessas
mediações permite entender por que existem países com um PIB total ou PIB per capita muito
superior a outros que, no entanto, possuem indicadores de saúde muito mais satisfatórios. O estudo
dessa cadeia de mediações permite também identificar onde e como devem ser feitas as intervenções,
com o objetivo de reduzir as iniqüidades de saúde, ou seja, os pontos mais sensíveis onde tais
intervenções podem provocar maior impacto (BUSS ; PELLEGRINI FILHO, 2007). Diversos são os
modelos que procuram esquematizar a trama de relações entre os diversos fatores estudados através
desses diversos enfoques. Dois modelos serão analisados a seguir: o modelo de Dahlgren e Whitehead
e o modelo de Didericksen.
O modelo de Diderichsene Hallqvist, de 1998, foi adaptado por Diderichsen, Evans e
Whitehead (2001). Esse modelo enfatiza a estratificação social gerada pelo contexto social, que
confere aos indivíduos posições sociais distintas, as quais por sua vez provocam diferenciais de saúde.
Logo em seguida, representa o processo segundo o qual cada indivíduo ocupa determinada posição
social como resultado de diversos mecanismos sociais, como o sistema educacional e o mercado de
trabalho. De acordo com a posição social ocupada pelos diferentes indivíduos, aparecem diferenciais,
como o de exposição a riscos que causam danos à saúde; o diferencial de vulnerabilidade à ocorrência
de doença, uma vez exposto a estes riscos; e o diferencial de conseqüências sociais ou físicas, uma
vez contraída a doença. Portanto, entende-se o impacto que a doença pode ter sobre a situação
socioeconômica do indivíduo e sua família (BUSS ; PELLEGRINI FILHO, 2007).
O modelo de Dahlgren e Whitehead e o de Diderichsen permitem identificar pontos para
intervenções de políticas, no sentido de minimizar os diferenciais de DSS originados pela posição
social dos indivíduos e grupos. Um dos pontos seria um conjunto de políticas que busca diminuir os
diferenciais de exposição a riscos, tendo como alvo, por exemplo, os grupos que vivem em condições
de habitação insalubres, trabalham em ambientes pouco seguros ou estão expostos a deficiências
nutricionais. Aqui se incluem também políticas de fortalecimento de redes de apoio a grupos
vulneráveis para suavizar os efeitos de condições materiais e psicossociais adversas. Quanto ao
enfrentamento dos diferenciais de vulnerabilidade, são mais efetivas as intervenções que buscam
fortalecer a resistência a diversas exposições, como por exemplo, a educação das mulheres para
diminuir sua própria vulnerabilidade e a de seus filhos. A intervenção no sistema de saúde busca
reduzir os diferenciais de conseqüências ocasionadas pela doença, aqui incluindo a melhoria da
47
qualidade dos serviços a toda a população, apoio a deficientes, acesso a cuidados de reabilitação e
mecanismos de financiamento eqüitativos, que impeçam o empobrecimento adicional causado pela
doença. (BUSS ; PELLEGRINI FILHO, 2007).
No Brasil, a Constituição Federal de 1988, em seu caput do artigo 3º da Lei Orgânica da Saúde
(Lei 8.080/1990), apresentam a definição do conceito ampliado de saúde, relacionando-o a políticas
importantes para enfrentamento das iniqüidades sociais.
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e
ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação. (CF, 1988)
Assim, tanto o conceito ampliado de saúde, o Sistema Único de Saúde com seus princípios:
equidade, universalidade e integralidade, trazem a importância do cuidado integral ao indivíduo,
como aquele que enxerga o sujeito de forma totalizante, nos seus mais diversos aspectos da vida,
social, emocional, material e biológica. Dos princípios do SUS que possuem uma relação direta com
o combate as desigualdades sociais e as iniqüidades em saúde, podemos destacar: a universalidade e
a equidade.
O princípio da universalidade, que caracteriza o direito à saúde, trouxe um significativo
avanço com relação à possibilidade de todos terem direito ao atendimento, ao acesso aos serviços de
saúde nos vários níveis de complexidade conforme a necessidade, anteriormente restritos àqueles
segurados pela Previdência Social ou àqueles atendidos na rede privada.
Art. 3º A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a
alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda,
a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis
de saúde da população expressam a organização social e econômica do País. (Lei 8080/1990)
Já o princípio da equidade, remete a justiça social, tem relação direta com o combate as
desigualdades. De acordo com (Sem et al., 2010), os problemas de justiça não se restringem aos
arranjos institucionais – sendo as instituições entendidas como instrumentos para promover as
capacidades e os funcionamentos básicos dos indivíduos e grupos –, mas, também, aos
comportamentos adotados pelas pessoas em suas interações sociais e aos padrões de comportamento
48
dos atores sociais no cumprimento da justiça, o que incluiria todos aqueles que tivessem o poder
efetivo para realizá-la, incluindo os gestores e os profissionais da saúde.
É preciso considerar a equidade como sendo a estratégia para se atingir a igualdade
de oportunidades no tocante ao usufruto de boas condições de saúde e de acesso aos
serviços de promoção, prevenção e recuperação, levando-se em conta as
disparidades de ordem social, étnica, econômica e cultural. Ela poderá ser mensurada
através da análise das políticas públicas, no setor da saúde, voltadas para o
enfrentamento de tais situações (Nunes et al., 2001, apud, BARROS et al., 2016,
p.16).
As políticas de saúde pública efetivas constituem o único meio de assegurar à população o
acesso à saúde e, por conseguinte, minimizar as iniqüidades sociais em saúde. No entanto, somente
tomando-se a saúde como um direito de todos, situada dentro de um contexto amplo, influenciada por
inúmeros determinantes sociais, será possível elaborar e executar tais políticas. Com base nisso, faz-
se indispensável compreender o que a saúde significa e representa dentro de uma sociedade antes de
elaborar uma política que vise alcançá-la (BADZIAK; MOURA, 2010). Em suma, as políticas de
saúde não podem está desarticuladas de emprego e renda, e de bem estar social de modo efetivo.
Sabe-se também que a saúde é um direito interligado a vários outros: educação, lazer, moradia
e segurança, por exemplo. Por isso, só possível alcançar bons índices de saúde, combatendo as
desigualdades sociais, de onde se podem compreender as exigências impostas pelos programas de
combate a pobreza, tais como o Bolsa Família. Dentre as citadas exigências, estão as
condicionalidades de saúde. Trata-se dos compromissos assumidos pelas famílias beneficiárias que
tenham em sua composição crianças menores de sete anos e/ou gestantes. O SUS na relação com o
Bolsa Família conseguiu acompanhar no período de 2005 a 2014 aproximadamente 12,1 milhões de
famílias. Conforme apontado por Magalhães Jr et al. (2013), há evidência dos impactos positivos do
Bolsa Família nas condições de vida e saúde das famílias beneficiárias. Destacam-se a contribuição
do Programa para o melhor acesso à atenção básica em saúde e a utilização dos serviços relacionados;
e para redução de desnutrição, mortalidade infantil e baixo peso ao nascer.
Alguns estudos apontam a tendência temporal do estado nutricional de crianças de até cinco
anos beneficiárias do Bolsa Família. Em relação à altura média das crianças, a análise dos dados
revela que, de 2008 a 2012, houve aumento significativo de 0,8 cm entre os meninos e 0,7 cm entre
as meninas aos 60 meses de idade. Dessa forma, a diferença entre a estatura média observada e o
49
valor de referência para crescimento infantil estabelecido pela Organização Mundial de Saúde
reduziu-se a 1,4 cm e 1,5 cm para meninos e meninas, respectivamente.
Em painel longitudinal com cerca de 360 mil crianças, o percentual que estava com
desnutrição crônica (déficit de estatura) caiu significativamente entre 2008 e 2012, passando de
17,5% para 8,5%. Os resultados deste estudo sugerem que a intensidade de exposição ao programa
de transferência de renda, ou, em outras palavras, o tempo de permanência no Bolsa Família e de
acompanhamento contínuo pela atenção básica em saúde, resulta em melhor crescimento e melhora
do estado nutricional (JAIME; AMARAL; MAGALHÃES, 2014).
A compreensão da determinação social do processo saúde-doença direciona o olhar para as
iniquidades em saúde como produto das desigualdades sociais e econômicas (CNDSS, 2008). O
impacto da pobreza no perfil de saúde tem origem nas situações persistentes de desvantagem e
discriminação vivenciadas por determinados grupos sociais e que afetam a saúde de modo distinto.
Por outro lado, a ocorrência de doenças em determinados grupos sociais contribui para reforçar as
vulnerabilidades sociais e econômicas, colaborando para a persistência do ciclo perverso da pobreza.
No Brasil, a despeito dos avanços de oferta e cobertura da rede pública de saúde com o
desenvolvimento do Sistema Único de Saúde (SUS), ainda são flagrantes as maiores dificuldades de
acesso ao sistema de saúde e os piores indicadores sanitários para os grupos mais pobres e de baixa
escolaridade, tais como os negros, os indígenas e os habitantes das regiões Norte e Nordeste
(Magalhães col., 2007).
O combate a situações de pobreza requer ação intersetorial do Estado. No Brasil, essas ações
podem ser consideradas em pelo menos dois grandes eixos: garantia de renda para alívio imediato da
situação de extrema pobreza, por meio da realização dos programas de transferências de rendas, ainda
insuficientes e de baixo impacto, quando se considera as necessidades mínimas de uma família e o
valor dos recursos repassados pelo PBF; e acesso a serviços sociais, enquanto direito de cidadania
garantidos pela constituição.
Contudo, esses como já destacados nesse trabalho têm sofrido desde a década de 1990
sucessivas contrarreformas. Tais processos promoveram mudanças objetivas nas condições de vida e
de trabalho dos “de baixo”, o que incluiu o desenvolvimento de um Estado social, mas sempre
contidas e limitadas diante das possibilidades, e sempre sob controle das classes dominantes. Houve
o desmonte e a destruição numa espécie de reformatação do Estado brasileiro para a adaptação passiva
à lógica do capital.
50
2.3 As condicionalidades de Saúde do Programa Bolsa Família: percepções de uma Residente
do Programa Multiprofissional em Saúde da Família de Juiz de Fora/MG
A presente análise trata-se de um relato de experiência analítico-descritivo construído a partir
das reflexões da autora enquanto residente de Serviço Social do Programa de Residência
Multiprofissional em Saúde da Família, inserida numa Unidade Básica de Saúde no município de Juiz
de Fora (MG).
As residências multiprofissionais e em área profissional da saúde, foram criadas a partir da
promulgação da Lei n° 11.129 de 2005, e são orientadas pelos princípios e diretrizes do Sistema
Único de Saúde (SUS), a partir das necessidades e realidades locais e regionais, e abrangem as
profissões da área da saúde, a saber: Biomedicina, Ciências Biológicas, Educação Física,
Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina Veterinária, Nutrição, Odontologia,
Psicologia, Serviço Social e Terapia Ocupacional (Resolução CNS nº 287/1998).
O Programa de Residência em Saúde da Família é desenvolvido na forma de educação em
serviço e ocorre prioritariamente nas unidades básicas de saúde que adotam a estratégia de saúde da
família. Desenvolve-se ainda em estabelecimentos de saúde de referência secundária e terciária,
contemplando as linhas de cuidado e obedecendo aos princípios de integração ensino-serviço,
regionalizado, vinculando as instituições acadêmicas e prestadoras de serviço, segundo os preceitos
básicos do SUS. Possui um caráter multiprofissional, envolvendo profissionais da área de
Enfermagem, Odontologia e Serviço social, visando à integração interdisciplinar, mas preservando
as especificidades de cada área profissional participante. Visa formar profissionais competentes,
criativos e resolutivos quanto aos aspectos clínicos, individuais e coletivos, em sua área específica,
mas trabalhando em equipes multiprofissionais e interdisciplinares. O programa está articulado com
o Conselho Municipal de Saúde de Juiz de Fora e com a Secretaria de Saúde do município como
forma de materializar a universalidade, integralidade, equidade e controle social no SUS.
A maior parte das atividades do programa é executada nas Unidades Primárias de
Atendimento à Saúde de Juiz de Fora e têm como objetivo aprimorar o conhecimento sobre os
diversos fatores que influenciam na saúde familiar e colaborar com a inversão do modelo assistencial
de saúde.
51
Os residentes em saúde da família perpassam na Atenção Básica de Saúde (ABS) e tem ações
a serem desenvolvidas na Unidade Básica de Saúde (UBS), nesse sentido é possível conhecer em um
período de 02 anos (2018-2020), o funcionamento do serviço no município.
A participação do profissional de Serviço Social nas atividades junto à saúde pública tem por
objetivo o acolhimento, atendimento e orientações aos pacientes e familiares que necessitam do setor
de serviço social.
A área da saúde, para os profissionais de Serviço Social é vista como um desafio profissional
por conta das vulnerabilidades sociais e econômicas apresentadas como demandas diárias. É
necessário que esse profissional conheça as políticas que norteiam a área e as referências específicas
como as principais patologias, para compreender o contexto o qual está inserido.
Segundo Martinelli (2007, p.23) o assistente social trabalha com pessoas vulnerabilizadas que
pedem um gesto humano: um olhar, um sorriso, uma palavra, uma escuta atenta, um acolhimento,
para que possam se fortalecer na sua própria humanidade.
Abordar sobre as condicionalidades de saúde do programa bolsa família é de suma
importância, para os setores responsáveis pela articulação de programas sociais que visam melhorar
a qualidade de vida e promover a inclusão social de famílias vulneráveis. Visto que, ainda existem
muitas lacunas a serem preenchidas para que se encontre uma forma de amenizar os problemas sociais
dessa população.
Mioto & Nogueira (2006, p. 282) evidenciam que por estar situado no processo de trabalho
coletivo em saúde, o assistente social, pautado na lógica dos direitos e da cidadania, a organização do
seu trabalho “abarca os fatores de ordem política, econômica e social que condicionam o direito a ter
acesso aos bens e serviços necessários para se garantir a saúde, bem como exige uma consciência
sanitária que se traduz em ações operativas na concretização dos direitos”.
Segundo definição do Ministério da Saúde, a atenção básica é o primeiro nível de atenção em
saúde e se caracteriza por um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que
abrange a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento,a
reabilitação, a redução de danos e a manutenção da saúde com o objetivo de desenvolver uma atenção
integral que impacte positivamente na situação de saúde das coletividades (BRASIL, 2002).
O assistente social não compõe a equipe mínima do Programa Saúde da Família priorizada
pelo Ministério da Saúde que é composta pelo médico, enfermeiro, agentes comunitários de saúde e
auxiliar de enfermagem, mas tem autonomia e capacidade de integrar a equipe observando sempre as
52
necessidades de cada localidade. A intervenção profissional do assistente social acontece no campo
da proposição e formulação da gestão, do desenvolvimento e execução das políticas públicas,
possibilitando o acesso dos segmentos das populações excluídas dos serviços, dos benefícios que
foram conquistados socialmente que assegura a cidadania, participação e exercício do controle social.
O Serviço Social defende sua participação nas UBS, a fim de assegurar, institucionalmente, a
participação de diferentes profissionais de saúde no mesmo.
A UBS onde vivenciei a experiência de residente do Programa de Saúde da Família comporta,
além dos seus profissionais contratados, uma equipe de trabalho ampliada composta por equipe de
residentes multiprofissional: assistente social, dentista e enfermeiras, que inseridas no processo de
trabalho adensam conhecimentos na composição de práticas multi/interdisciplinares. O conjunto de
profissionais é responsável por realizar ações básicas de saúde, visando o acompanhamento
permanente e sistemático das famílias cadastradas em consonância com os princípios e diretrizes do
SUS. Ao enfatizar ações de educação em saúde, abrem-se novas oportunidades de debates envolvendo
a participação ativa dos usuários tanto em torno das decisões a serem tomadas em relação a sua saúde
quanto à possibilidade de efetivar o controle social, compreendendo a saúde como um problema
coletivo e não uma questão meramente individual que se restringe ao curativo. Nesse sentido, amplia-
se a discussão acerca do conceito de saúde, relacionando-a as condições de vida da população.
Uma das competências dos assistentes sociais naquele espaço era o acompanhamento das
famílias beneficiárias do programa bolsa família quanto ao cumprimento das condicionalidades de
saúde (a verificação do calendário de vacinação, o peso e a altura para a avaliação nutricional). Esse
cumprimento era realizado em duas vigências: 1ª (janeiro a junho), 2ª (julho a dezembro), conforme
Ministério da Cidadania. Os assistentes sociais ficavam com a parte da organização, confecção de
cartazes, convites e digitação no sistema do Programa Bolsa Família.
Bem sabemos que o objetivo das condicionalidades do programa é garantir a oferta das ações
básicas, e potencializar a melhoria da qualidade de vida das famílias e contribuir para a sua inclusão
social. Assim sendo, existe uma agenda de saúde do PBF no SUS, que compreende a oferta de
serviços para a realização do pré-natal pelas gestantes, o acompanhamento do crescimento e
desenvolvimento infantil e imunização das crianças. Assim, as famílias beneficiárias do PBF com
mulheres com idade entre 14 e 44 anos e crianças menores de sete anos de idade devem ser assistidas
por uma equipe de saúde da família, por agentes comunitários de saúde ou por unidades básicas de
53
saúde, que proverão os serviços necessários ao cumprimento das ações de responsabilidade da
família.
A Política Nacional de Atenção Básica (2017) destaca que é de responsabilidade comum a
todos os membros das equipes que atuam na Atenção Básica acompanharem e registrar no Sistema
de Informação da Atenção Básica e no mapa de acompanhamento do Programa Bolsa Família (PBF)
as condicionalidades de saúde das famílias beneficiárias. Durante minha especialização na UBS, pude
perceber que a equipe era comprometida com as condicionalidades do programa, o comportamento
das famílias com os serviços de saúde é outro após o PBF, devido à preocupação dessas famílias em
manter o benefício financeiro. Os beneficiários têm tido mais atenção com a saúde, em especial com
a saúde das crianças, seja com a vacinação ou com o monitoramento do estado nutricional,
considerando que os profissionais são atores-chave no acompanhamento das condicionalidades de
saúde, visto que podem viabilizar a aproximação entre os participantes do PBF (usuários potenciais
dos serviços de saúde) e os serviços de saúde, de modo a contribuir para a inclusão social, sob a
perspectiva da exigibilidade de direito. E, ainda, têm um papel fundamental na qualificação da
atenção à saúde, por meio da apropriação da importância dessas condicionalidades, com vistas à
integralidade do cuidado.
Ao serem acompanhadas por uma equipe da ESF, as famílias participantes do PBF deve ser
orientada quanto ao fato de as condicionalidades representarem o exercício de direitos para que as
famílias possam alcançar sua autonomia e a inclusão social sustentável (SILVA,2007).Entende-se
que as condicionalidades devem ser uma estratégia positiva para as pessoas, mas para isso, as famílias
necessitam se sentirem estimuladas a conhecer a sua própria realidade e seus direitos.
Durante as vigências, podemos destacara facilidade de localizar as famílias beneficiárias do
PBF, residentes nas áreas de abrangência da UBS, por parte dos ACS, onde são considerados pelos
demais profissionais da equipe fortes aliados.
No entanto, alguns profissionais reconhecem a ausência de familiaridade com as normas do
PBF e até com o próprio funcionamento do programa, o que dificulta sua atuação junto às famílias
beneficiárias e penso que ações de qualificação e capacitação possibilitariam a eles ter mais segurança
no repasse de informações às famílias, que, por sua vez, cientes de seus direitos e deveres em relação
ao PBF, seriam corresponsáveis no cumprimento das condicionalidades de saúde.
Tais obrigações se expressam no cumprimento de atividades e responsabilidades estipuladas
pelas políticas de combate à pobreza. O Estado cobra das mulheres pobres a execução de tarefas
54
relacionadas ao cuidado de crianças, adolescentes, idosos, doentes e pessoas com deficiência.
Igualmente, convoca as mulheres para a participação em atividades extras, como, por exemplo,
grupos de geração de trabalho e renda e grupos de ações educativas, sendo estas, via de regra,
relacionadas às tarefas reprodutivas. Ao fazê-lo, o Estado está gerando, para as mulheres pobres,
responsabilidades ou sobrecarga de obrigações relacionadas à reprodução social. Analisando esse tipo
de ocupação do trabalho e do tempo das mulheres um dos fatores vinculados à desigualdade, entre
homens e mulheres e entre estratos sociais, pois disponibiliza menos as mulheres para o trabalho
remunerado. Esse fator deve ser colocado em evidência, pois o modo de inclusão das mulheres, no
PBF, opera instituindo condicionalidades nas áreas de educação, saúde e atividades complementares,
como os grupos socioeducativos (CARLOTO; MARIANO, 2009).
Para as famílias com dificuldade em cumprir as condicionalidades pode haver efeitos no
benefício do bolsa família, como bloqueios e suspensões.
No entanto, os beneficiários do programa bolsa família são famílias em situação de extrema
pobreza, sem acesso às políticas públicas de infraestrutura básicas, com baixo índice de escolaridade,
submetidas ao trabalho precário e sem proteção previdenciária.
Verificamos que nem todas as famílias têm o acompanhamento de saúde como deveriam como
condicionalidade ao benefício. Obviamente, as famílias não deixam de ser atendidas pelo SUS caso
precisem, mas não há um acompanhamento direcionado ao BF de modo a registrar as situações
familiares com o intuito de promover ações de intervenção, com vistas à superação de tais
problemáticas.
Busquei encontrar a partir das vivências cotidianas na UBS, as principais demandas
apresentadas ao Serviço Social, suas respostas profissionais, e seus limites e possibilidades dentro de
uma conjuntura histórica, onde vigora o modelo capitalista de produção e um Estado neoliberal, no
que se refere ao atendimento das necessidades da população, garantindo os mínimos sociais. O
trabalho profissional tem como objeto de trabalho as expressões da questão social, sendo que esta é
reflexo e resultado da desigualdade e da exclusão social. É necessário entender os limites impostos
ao profissional do serviço social no atual contexto, as normas e exigências institucionais, assim como
perceber suas possibilidades de se posicionar em favor da promoção da equidade e atuar de acordo
com seus princípios éticos, pois a profissão é desde sua gênese contraditória.
Durante a atuação na atenção básica, foi possível observar as demandas, estas que por vezes
são espontâneas, pois os usuários vão até a unidade solicitar atendimento do assistente social. Neste
55
campo de atuação, a questão social se manifesta de diversas formas, pois o assistente social trabalha
com usuários que se encontram em vulnerabilidade. Assim, as pessoas procuram o serviço, porque
estão doentes ou acompanhando familiares, então é necessário ir além do atendimento das
necessidades biológicas e físicas, mas atender também suas carências subjetivas, por meio da técnica
da escuta qualificada da história /situação e entender sua dor, além da atenção e do respeito ao
momento que o usuário está passando, e o profissional de serviço social tem competências e
habilidades para realizar este tipo de atendimento.
O caso de uma beneficiária do programa bolsa família atendida por mim na UBS me chamou
a atenção, pois ela estava com o benefício cancelado. Segundo a usuária, na casa onde mora, tem
nove pessoas, sendo seis netos e três filhos. Um deles já teria completado 17 anos, e não estava
frequentando a escola, então explicamos à usuária, que o benefício estava cancelado devido ao não
cumprimento da condicionalidade na educação. Neste caso, verifica-se a responsabilização da criança
pelo benefício (por estar condicionado à presença na escola), gerando situações de pressão e até
mesmo de violência. Evidentemente, essa é uma questão que deve ser trabalhada com as famílias de
modo a evitar a violência, e não responsabilizar as crianças pela retenção do benefício. Para muitas
famílias, o benefício do BF constitui praticamente a única forma de sustento para a manutenção de
seus membros.
Além disso, também se percebe que às vezes os beneficiários não reconhecem o recurso como
um direito, pois entendem que precisam pedir "autorização para o governo" para utilizá-lo. O
desemprego se mostra um importante desafio para a autonomia dos sujeitos beneficiários, pois, como
já citado, não se trata apenas de renda. O desemprego e o trabalho precário têm sido associados a
diversas outras formas de privação que comprometem o desenvolvimento das capacidades, como a
perda de autoconfiança, aumento de doenças, perturbação das relações familiares e da vida social
(Sen, 2000).
A importância do programa se torna perceptível quando se conhece um pouco mais de perto
a realidade de quem vive em extrema pobreza. Contudo é preciso considerar que o mesmo não se
encontra no âmbito do direito social, enquanto política social de Estado, gerando relações clientelistas
entre os governantes e a população mais pobre. Tais relações podem ser observadas no curso das
campanhas eleitorais para Presidente da República, e os discursos dos candidatos em relação ao
referido Programa.
56
Ainda é importante refletir sobre a necessidade de todos os trabalhadores se apropriarem de
um amplo leque de informações relacionadas às diversas políticas, programas, ações e estratégias
desenvolvidas no âmbito do SUS, inseridas no contexto da garantia dos direitos humanos, da equidade
e da intersetorialidade. Essas informações devem contemplar estratégias que promovam mudanças
de prática no cuidado em saúde, com vistas à integralidade da atenção, de modo que as
condicionalidades de saúde sejam uma oportunidade para que o usuário acesse os diversos serviços
dos quais necessita (BRASIL, 2011).
No caso dos ACS, considerando que não possuem uma formação acadêmica que os habilite à
atuação na ESF, devem ser pensados e criados espaços de formação com atividades que possam
instrumentalizá-los para operacionalização das questões do PBF, de modo que tenham um processo
de trabalho qualificado e, ainda, sintam-se partícipes e corresponsáveis no cuidado às famílias
participantes do programa.
O Serviço Social vem produzindo conhecimentos e alternativas para enfrentar as dificuldades
vivenciadas no cotidiano, provocando o alargamento da prática profissional, que, associada à
produção de conhecimentos e à qualificação profissional, tem ampliado a inserção do profissional na
área e, ao mesmo tempo, vem legitimando o trabalho e ampliando as possibilidades de acesso e de
inclusão social (SARRETA ; BERTANI, 2006). Sobretudo, o Serviço Social se sobressai no endosso
ao reconhecimento dos fatores condicionantes e determinantes e da saúde da população – trabalho,
renda, alimentação, moradia, educação, saneamento básico, acesso aos bens e serviços essenciais,
como expressões da questão social.
A partir dessa vivência, considero ter atingido meus objetivos na medida em que consegui
identificar os espaços onde o Serviço Social está inserido, a lógica que permeia as políticas de saúde
nestes espaços e as ações profissionais desenvolvidas dentro dessa lógica. Diante do que foi
apresentado e de uma avaliação sobre a prática do assistente social no programa bolsa família,
acredito na necessidade de ampliar a atuação com as seguintes sugestões:
• Fortalecer o papel do Serviço Social dentro da equipe da UBS;
• Priorizar o estudo social das famílias em situação de risco como atividade especifica do Serviço
Social. Apontamos o desafio para o Serviço Social e o Ministério da Saúde, de fazer do Programa
Saúde da Família não mais um programa paralelo a rede de saúde, mas de inseri-lo nas políticas
sociais que, mesmo com seus limites estruturais e conjunturais, podem significar um instrumento de
enfrentamento da pobreza, da desigualdade e da injustiça social.
57
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Residência Multiprofissional proporciona a troca de saberes entre profissionais e amplia o
conhecimento em relação à vivência na comunidade, na comunicação com os usuários do serviço.
Permite o contato multidisciplinar entre a equipe, proporcionando uma atuação crítica e reflexiva.
A profissão de Serviço Social na Residência Multiprofissional em Saúde da Família possibilita
a ampliação dos espaços de formação, buscando o fortalecimento da categoria e o enfrentamento das
múltiplas expressões da questão social, articulada às políticas de saúde. Durante a residência houve
viabilidade para o aprimoramento das atribuições profissionais, bem como conhecer as políticas de
saúde, educação e assistência, possibilitando que a realidade profissional do residente seja enfrentada
com maior segurança e autonomia.
A experiência vivida incita um reposicionamento permanente como trabalhadora na saúde
pública de considerar a demanda que advém dos usuários, mediar encontros, difundir informações e
pactuar possibilidades. Percebe-se que trabalhar neste campo é viabilizar a consumação de direitos
que se operam pela política e pela produção de conhecimento destas pessoas para resolução de suas
principais demandas. É função do assistente social, contribuir ao empoderamento dos usuários e na
disputa social necessária para melhoria das condições de vida. Dado a estes aspectos, esta experiência
contribui para ampliação e garantia dos direitos aos usuários atendidos. Para nós assistentes sociais a
importância do trabalho intersetorial, multidisciplinar se dá em razão de reconhecermos a necessária
interlocução entre as políticas públicas no atendimento as necessidades dos usuários. Enquanto
assistente social, nos casos que envolvia questões sociais detectadas em reuniões de equipe,
58
matriciamento da saúde mental, visitas domiciliares e/ ou demandas dos/das Agentes Comunitários
de Saúde (ACS), a equipe sempre verificava a possibilidade de marcar um atendimento para a
demanda apresentada.
A profissão por atuar no âmbito da sociedade capitalista se depara com diversas controvérsias
na execução das tarefas profissionais. Sua atuação no Programa Bolsa Família se estrutura no intuito
de assegurar aos beneficiários o direito a renda através do programa. O Estado através do MDS afirma
que as condicionalidades são estratégias de assegurar melhor qualidade de vida, no entanto, muitas
famílias absorvem a condicionalidade como imposições do tripé Assistência Social, Educação e
Saúde. Diante dessas abordagens, há controvérsias entre a percepção do Estado e o enfrentamento
das famílias, não fica claro como este acompanhamento pode proporcionar a saída dessa família da
situação de vulnerabilidade em que se encontra.
A partir da aproximação com a realidade das famílias que estão inseridas no PBF, pôde-se de
início, compreender que projetam o PBF, as condicionalidades do programa tornam-se uma das
estratégias de ampliação e acesso com qualidade aos direitos de educação, saúde e assistência. Sendo
um acordo entre as famílias e o poder público, assim, devem ser cumpridas pelo núcleo familiar para
que possa receber o benefício mensal. No entanto, o programa tem caráter restritivo e seletista, que
inclui uma parcela de trabalhadores em situação de pobreza, cuja renda per capita é muito baixa.
Percebe-se que muitas pessoas não se reconhecem em situação de desigualdade, enxergam a sua
conjuntura de forma naturalizada. A pobreza não é uma consequência para uma classe de pessoas, a
pobreza é uma consequência de desigualdades e negação de direitos. Mesmo que o programa enfatize
as questões econômicas das famílias, não há definição concreta, além da renda para diferenciar as
condições da família, sendo assim, quando não se pensa na conjuntura social consequentemente nega-
se que haja as transformações sociais das pessoas. Na perspectiva da forma com que as famílias
enxergam as condicionalidades do PBF torna-se totalmente diferente das intenções do projeto do
governo. As pessoas visualizam o programa como uma oportunidade de uma renda para a compra do
básico para a sobrevivência, no entanto, se sentem obrigadas a realizar as condições do programa para
não ter o benefício bloqueado.
Nesse sentido, de acordo com Magalhães K. et al. (2011), para que o PBF promova realmente
uma emancipação sustentável das famílias beneficiárias é necessário fortalecer outros aspectos
articuladores na saúde, educação e assistência social além de outras políticas sociais, que valorizem
as habilidades e capacidades dos sujeitos para promover a inclusão social. Licioet al (2011) apontam
59
os principais desafios enfrentados pela coordenação intergovernamental do programa: o primeiro é
que o governo federal deve investir em espaços e oportunidades de negociação nas relações
intergovernamentais para que os governos estaduais e municipais possam se preparar para adotar as
medidas que forem tomadas por ele para o fortalecimento e continuidade do sistema de proteção
social, e o segundo, a dificuldade de articulação de programas complementares.
Diante do que foi apresentado e de uma avaliação sobre o Programa Bolsa Família, poderia
ser ofertado cursos de geração de renda; a participação dos usuários para pensar o programa e suas
melhorias, com um valor regionalizado de acordo com o custo de vida de cada local; maior clareza e
um trabalho efetivo e de qualidade para a autonomia dos usuários; gestão clara do programa;
avaliação e monitoramento permanentes; qualificação do serviço público e garantia do programa
como direito.
A experiência da residência multiprofissional foi um marco em minha trajetória profissional,
porque possibilitou aprender e intervir em conjunto com outros profissionais e foram possíveis
vivenciar habilidades, competências e atitudes no âmbito pessoal e profissional, o trabalho em equipe
se torna fundamental no campo da saúde. O período de experiência na UBS proporcionou o
conhecimento sobre o funcionamento do serviço, bem como a importância e necessidade do
profissional do Serviço Social nesta instituição, além disso, oportunizou-me em contribuir com a
equipe, a partir do momento em que pude intervir profissionalmente e estabelecer vínculos com os
usuários e familiares, formulando estratégias visando à melhoria das condições de saúde e ampliando
os direitos de cidadania dos usuários.
Realizar um trabalho que produza bons frutos, com profissionais e usuários satisfeitos nas
ações e serviços da instituição é algo que todos almejam, mas para isso acontecer depende de vários
fatores. Em especial dos órgãos públicos que são responsáveis por deliberar as condições necessárias
para a realização dos serviços. Porém, os profissionais não devem se deter apenas a esse argumento,
pois mesmo sem muitos investimentos para a execução das ações, os assistentes sociais devem
oferecer os seus melhores resultados.
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