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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE LINGUAGENS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM PERLA HAYDEE DA SILVA Efeitos identitários do trabalho com o livro didático: Links - English for teens" Propostas de abordagens e práticas no contexto público mato-grossense CUIABÁ-MT 2012

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE ... · 3. Livro didático – Língua inglesa. 4. Língua inglesa – Escolas públicas – Mato Grosso. I. Título. CDU – 371.3:811.111

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE LINGUAGENS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM

PERLA HAYDEE DA SILVA

Efeitos identitários do trabalho com o livro didático:

“Links - English for teens"

Propostas de abordagens e práticas no contexto público

mato-grossense

CUIABÁ-MT 2012

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PERLA HAYDEE DA SILVA

Efeitos identitários do trabalho com o livro didático:

“Links - English for teens"

Propostas de abordagens e práticas no contexto público

mato-grossense

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal de Mato Grosso como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Estudos de Linguagem. Área de Concentração: Paradigmas do Ensino de Línguas Orientador: Prof. Dr. Sérgio Flores Pedroso Instituto de Linguagens

CUIABÁ-MT 2012

FICHA CATALOGRÁFICA

S586e Silva, Perla Haydee da.

Efeitos identitários do trabalho com o livro didático: Links – English for teens – propostas de

abordagens práticas no contexto público mato-grossense / Perla Haydee da Silva. – 2012.

ix, 117 f. : il. color.

Orientador: Prof. Dr. Sérgio Flores Pedroso. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Mato Grosso, Instituto de Linguagens, Pós-

Graduação em Estudos de Linguagem, Área de Concentração: Paradigmas do Ensino de Línguas,

2012.

Bibliografia: f. 104-109. Inclui anexos.

1. Língua inglesa – Estudo e ensino. 2. Língua inglesa – Prática pedagógica. 3. Livro didático – Língua inglesa. 4. Língua inglesa – Escolas públicas – Mato Grosso. I. Título.

CDU – 371.3:811.111

Ficha elaborada por: Rosângela Aparecida Vicente Söhn – CRB-1/931

iii

iv

DEDICATÓRIA

”Saudade” Recordação nostálgica e suave de pessoas ou

coisas distantes, ou de coisas passadas. Fonte: www.michaelis.uol.com.br É com muita saudade que dedico este trabalho a meu querido pai, Edson da Silva (in memorian), a quem tanto devo e cuja ausência será sempre carinhosamente lembrada.

v

AGRADECIMENTOS

À minha amada família, minha mãe Haydee e minhas irmãs Andréa e Suzy, pelo

exemplo, cuidado, apoio e amor que fizeram de mim a pessoa que sou hoje.

Ao professor Dr. Sérgio Flores Pedroso, meu orientador, que diligentemente me

guiou no percurso desta pesquisa e contribuiu sobremaneira para meu

amadurecimento acadêmico.

Aos professores do MEeL, bem como às professoras Solange Ibarra Papa e Ana

Antônia de Assis Peterson, por partilharem seus conhecimentos e por suas

inestimáveis contribuições para este trabalho.

Aos amigos que fiz durante o mestrado, Ana Regina Bresolin, Anderson Simão, Ana

Raquel Diamante, Graziani França, Carmem Zirr, Delvânia Góes e Fernando Zolin.

A todos os meus queridos amigos e amigas, com quem tenho compartilhado bons e

maus momentos e a quem amo como irmãos.

vi

“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, Muda-se o ser, muda-se a confiança;

Todo o mundo é composto de mudança, Tomando sempre novas qualidades.”

Luís de Camões

vii

RESUMO

SILVA, P. H. Efeitos identitários do trabalho com o livro didático: “Links - English for teens" - Propostas de abordagens e práticas no contexto público mato-grossense. Dissertação de Mestrado. Cuiabá IL/UFMT – MeEL, 2012, 110 p.

Todo e qualquer trabalho com a linguagem, seja ele em língua materna ou

estrangeira, é ideológico, imprimindo nos sujeitos mudanças identitárias Sendo

assim, o presente trabalho objetiva investigar como a prática pedagógica de

professores de inglês como língua estrangeira, num contexto de escolas públicas de

Mato Grosso, com a utilização do livro didático “ Links - English for teens" sugerido

pelo MEC através do PNLD 2011 para o ensino de língua inglesa no Ensino

Fundamental para a disciplina de língua estrangeira, contribui para a proposta de um

fazer didático que contemple o aspecto ideológico do uso da linguagem e de

instaurar nos aprendizes uma postura crítica. Fundamentada na vertente francesa

da Análise do Discurso, serão analisadas atividades selecionadas do livro didático,

bem como respostas a um questionário preenchido por 5 professoras de inglês

como LE no Ensino Fundamental. Com base na análise dos dados obtidos, objetiva-

se apresentar propostas de abordagem e práticas para cursos de formação de

professores, de modo a contribuir para que a prática docente fomente nos

estudantes uma postura crítica, de relativização e de desnaturalização de sentidos,

que propicie a formação de sujeitos capazes de interagir em sociedade com uma

atitude de aceitação e respeito ao outro, sem que para tal, depreciem sua própria

cultura, língua, valores, referências e comportamentos que configuram a sua

identidade.

Palavras-chave: ensino/aprendizagem de inglês como LE, livro didático, identidade.

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ABSTRACT

SILVA, P. H. Effects of identity of the work with the textbook: “Links - English for teens" – Proposals of approaches and practices in the context of public schools in Mato Grosso. Dissertação de Mestrado. Cuiabá IL/UFMT – MeEL, 2012, 110 p.

Any work with language whether as native or foreign language is ideological,

imprinting changes on the subjects’ identity. Thus, this study aims to investigate how

the pedagogical practice of teachers of English as a foreign language in a context of

public schools in the estate of Mato Grosso, through the use of the textbook "Links -

English for teens" recommended by the Ministry of Education (MEC) in the 2011

PNLD program for the teaching of English in basic education, contributes to a

pedagogical practice that addresses the ideological aspect of language use and to

establish in learners a critical attitude. Grounded on French Discourse Analysis,

selected activities of the textbook will be analyzed as well as answers to a

questionnaire completed by five teachers of English as a foreign language in basic

education. Based on the data analysis, the objective is to present some suggestions

for teacher education courses in order to contribute to a pedagogical practice that

fosters in students a critical attitude, which leads to the formation of individuals

capable of interacting in society with an attitude of acceptance and respect for others,

without necessarily, depreciating their own culture, language, values, references and

behaviors that shape their identity.

Keywords: teaching/learning English as foreign language, textbook, identity.

ix

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11

CAPÍTULO 1

REFERÊNCIAS TEÓRICAS E CONCEITOS ............................................................ 18

1.1 A análise do discurso francesa ........................................................................ 18

1.2 Discurso ........................................................................................................... 20

1.3 Formação discursiva ........................................................................................ 22

1.4 Ideologia .......................................................................................................... 23

1.5 Sujeito .............................................................................................................. 24

CAPÍTULO 2

O ENSINO DE LE NO CONTEXTO DE ESCOLA PÚBLICA NO BRASIL ............... 27

2.1 O ensino de LE no Brasil ................................................................................. 27

2.2 O ensino de LE e a identidade ......................................................................... 33

2.3 O ensino de LE e os documentos oficiais ........................................................ 37

CAPÍTULO 3

O LIVRO DIDÁTICO DE LE NA ESCOLA PÚBLICA ............................................... 41

3.1 O LD em sala de aula de LE ............................................................................ 41

3.2 O LD e a identidade ......................................................................................... 46

3.3 O LD de LE para o Ensino Fundamental ......................................................... 50

CAPÍTULO 4

METODOLOGIA DA PESQUISA .............................................................................. 53

4.1 A escolha da metodologia ................................................................................ 53

4.2 Justificativa da escolha e descrição do corpus ................................................ 57

x

CAPÍTULO 5

ANÁLISE E DISCUSSÃO DE DADOS ..................................................................... 61

5.1 “Links – English for teens” ............................................................................... 61

5.2 Análise dos questionários ................................................................................ 84

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 97

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 104

ANEXOS ................................................................................................................. 110

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INTRODUÇÃO

É do buscar e não do achar que nasce o que eu não conhecia. - Clarice Lispector A paixão segundo G.H. 1990, p.180.

Em minha trajetória de professora de Inglês como Língua Estrangeira

ministrei aulas em cursos de idiomas, cursos superiores, turmas de Ensino Médio,

além de, no meu processo de formação profissional, ter a oportunidade de concluir o

curso de Letras na UFMT e uma especialização em Docência do Ensino Superior.

Durante este percurso profissional e acadêmico, sempre me acompanhou a

percepção de que ensinar um idioma estrangeiro é mais do que apenas transmitir

aos estudantes estruturas gramaticais e listas de vocabulário.

Eu reconhecia a importância da influência que as interações em sala de aula

e com o idioma e cultura estrangeiros exerciam no modo como um indivíduo

chegava a considerar a linguagem, a língua estrangeira, os seus falantes nativos, a

si próprio, e que, consequentemente, tal influência vinha a refletir-se no seu

comportamento. Dava-me conta, portanto, das implicações e influências que as

relações em sala de aula podiam exercer nas pessoas envolvidas no processo de

ensino/aprendizagem (alunos e professores) e me perguntava até que ponto eu,

enquanto professora, contribuía de maneira significativa neste processo.

No entanto, faltavam-me, nesta época, as ferramentas para compreender e

abordar tais inquietações. As disciplinas cursadas durante o primeiro ano do

Mestrado me forneceram os recursos necessários para começar a refletir acerca

destes questionamentos. Através do contato com as teorias da Análise do Discurso

(AD) de linha Francesa, teoria que fundamenta a presente análise, foi possível

compreender o que me incomodava; era o fato de observar que, em geral, a

concepção acerca de ensino de língua, presente nos livros didáticos (LDs) e

subjacente à prática docente de muitos professores de língua estrangeira (LE), é a

de mera transmissão de conhecimentos linguísticos, dando mais atenção à forma do

que ao conteúdo. Este procedimento, em geral, não levava em conta aspectos

históricos, sociais e ideológicos do trabalho com a linguagem, deixando de

proporcionar aos alunos a oportunidade de se pronunciarem, de se (re)significarem,

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de construírem sentidos na língua-alvo. Isto, sem levar em conta o papel que as

relações em sala de aula desempenham na formação destes alunos, no seu modo

de ser, de comportar-se, de enxergar a si, ao outro e ao mundo que os rodeia.

Coracini (2003), autora inscrita no arcabouço teórico da AD de linha francesa,

afirma que o sujeito jamais está pronto, acabado, completo, mas sua identidade está

em constante movimento. Acerca da constituição da subjetividade do indivíduo, a

autora explica que “a criança é formada por e no olhar do outro que começa a

constituí-la, nela incrustando sistemas simbólicos bem como sentimentos

contraditórios não-resolvidos, inscritos em seu inconsciente para toda a vida” (idem,

p. 198).

De fato, no entendimento que proporciona a análise do discurso, o sujeito é

constantemente influenciado pelo contato com o outro, não tendo, portanto, uma

identidade una, indivisa, mas fragmentada, instável, em constante processo de

formação e construída no contato com o outro e com o mundo. Assim, entende-se o

papel protagonista que a escola desempenha na questão identitária, pois lá estamos

em contato com o outro e somos influenciados por ele e pelas condições em que se

produz tal contato.

Ao tomar conhecimento de como a AD aborda tais aspectos, descobri meu

interesse por questões de cunho identitário no ensino de LE. Consoante com este

entendimento, as Orientações Curriculares para a Educação Básica do Estado de

Mato Grosso -OCMT, ao definir o que é ensinar uma LE, afirmam que:

Ensinar uma língua estrangeira na contemporaneidade, sob a perspectiva sociocultural e crítica, significa engendrar um processo de ruptura com a crença na inquestionável naturalidade das coisas e da linguagem, que é instaurar a noção do relacional (da postura de relativização que questiona pretensas verdades absolutas) nos estudantes logo após o seu processo de amadurecimento na linguagem. O contato com outros modos de dizer, com as diferenças, com recortes de outra realidade instaura a auto-observação, reforça a consciência da própria identidade em todos os seus aspectos. (MATO GROSSO, 2010, p. 105)

Observa-se, portanto, que o contato com o Outro, o estrangeiro, que propicia

o ensino de LE em escolas públicas, na pós-modernidade, em vista das diferentes

realidades vivenciadas na sociedade, deve se dar de maneira que contribua para a

formação de estudantes críticos, cidadãos capazes de interagir na sociedade

contemporânea. Para tanto, faz-se necessário que os objetivos do ensino sejam

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reformulados e mudanças sejam implementadas, de forma a atender as novas

demandas da sociedade, o que envolve uma postura crítica também da parte dos

professores, de modo que seu fazer pedagógico contribua para instaurar, nos

aprendizes, uma postura de relativização.

Meu interesse em realizar esta pesquisa surgiu, além das leituras e reflexões

durante meus estudos de Mestrado, também do reconhecimento da contribuição

vital do fazer pedagógico para um ensino crítico; que estimule os aprendizes a uma

postura de relativização e de desnaturalização de sentidos, que propicie a formação

de estudantes cidadãos, capazes de interagir no mundo social, com uma atitude de

respeito e aceitação do outro, da diversidade, sem que para tal, depreciem sua

própria cultura, língua e valores.

A escolha do objeto de pesquisa

Considerando as necessidades apresentadas pela sociedade atual com

relação à disciplina de Língua Estrangeira Moderna, dentre elas a necessidade de

que a disciplina contribua para a formação de aprendizes/cidadãos críticos, o

Ministério da Educação, através do PNLD 2011, analisou diversos livros didáticos de

língua inglesa e selecionou duas coleções para serem adotadas pelas escolas para

os anos finais do Ensino Fundamental. Com base em estudos na área de ensino e

aprendizagem de línguas estrangeiras, foram observados critérios tais como:

respeito à legislação, diretrizes e normas relativas ao Ensino Fundamental,

coerência entre abordagem e objetivos propostos, o trabalho com as ditas quatro

habilidades do arcabouço teórico comunicativo (leitura, escrita, fala e audição), entre

outros.

Um aspecto que ainda recebeu atenção na referida avaliação foi a questão

identitária. Segundo o Guia que orientou o trabalho de avaliação (BRASIL, 2010), o

livro didático deve reconhecer a diversidade dos alunos brasileiros, bem como a

diversidade de contextos em que se dá o ensino e a aprendizagem. Reconhecendo

a importância do livro didático na construção social da identidade, o referido Guia

afirma que:

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[...] é fundamental que os livros contribuam para a desnaturalização das desigualdades e promovam o respeito às diferenças. Em síntese, o livro precisa contribuir para a formação de cidadãos críticos e reflexivos, desprovidos de preconceitos, capazes de respeitar a si mesmos e a outros, a sua própria cultura e a dos outros, partindo de experiências críticas e reflexivas com a língua estrangeira. (BRASIL, 2010, p. 12)

Uma das obras selecionadas, o livro “Links – English for teens”, tem como

objetivo:

[...] estabelecer ligações, apresentar conexões entre a língua inglesa e os temas que fazem parte do mundo do estudante de Ensino Fundamental II. Através dessas ligações, o estudante vai aprender a ler, ouvir, falar e escrever em inglês para poder comunicar-se sobre assuntos relevantes e que têm tudo a ver com ele, num processo de construção do conhecimento e de formação da cidadania que é ao mesmo tempo sério, eficiente e dinâmico. (SANTOS, D.; MARQUES, A., 2009, Disponível em: < http://www.atica.com.br/SitePages/Obra.aspx?cdObra=1539&Exec=1>. Acesso em: 20 set. 2011.)

A escolha de um LD que fosse sensível a tais questões justifica-se levando

em conta o papel importante que este desempenha na constituição de identidades

(CORACINI, 2003). Soma-se a isso o fato de que a maioria dos LDs de língua

inglesa disponíveis no mercado apresenta, conforme observou Grigoletto (2003),

uma imagem estereotipada do brasileiro, em que a diversidade é minimizada, a

língua e a cultura estrangeiras são idealizadas e apresentadas como superiores,

sugerindo que o indivíduo que se expresse nessa língua com fluência teria acesso a

conhecimentos importantes e deveria fazê-lo, apagando traços de sua própria

cultura e língua materna.

Estes aspectos levam a autora a sugerir que o livro didático de língua

estrangeira deixe de representar as identidades como fixas, estáticas, levando “o

aluno a se “encaixar” na realidade de outra cultura” (GRIGOLETTO, 2003, p. 360),

mas que entenda a constituição da identidade como um processo contínuo,

processo este que acontece na interação, nas práticas sociais.

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A pesquisa

Esta pesquisa parte do pressuposto de que o ensino de língua estrangeira,

por ser um trabalho com a linguagem, deve levar em conta o caráter ideológico e o

papel que a língua e as interações em sala de aula desempenham no processo de

formação da identidade. O livro didático (LD) selecionado pelo MEC como sugestão

para o trabalho com línguas estrangeiras propõe um fazer didático crítico, mas é vital

que o professor tenha uma postura crítica em sua prática pedagógica de modo a

propiciar o trabalho com aspectos identitários ressaltados pelo LD. Tal fator merece

séria consideração e análise, quando levamos em conta que os professores que

atuam em escolas públicas do Estado são fruto de uma formação tradicional do

ensino de LE, pautada pela transmissão de conteúdos linguísticos

descontextualizados, LDs que veiculam um discurso homogeneizador e

estereotipado, levando-os então a refletir essa formação em sua prática e em seu

discurso.

Portanto, este referido trabalho acadêmico será conduzido, tendo como base

os seguintes aspectos na sua organização:

Perguntas de pesquisa

Como o trabalho com o LD se aproxima de uma abordagem discursiva

no trabalho com a linguagem?

Qual concepção de ensino norteia a prática de professores de LE em

escolas públicas de Mato Grosso?

O que fazer para reverter efeitos pouco desejados e propiciar

resultados afinados com as expectativas atuais?

Objetivos:

Identificar a abordagem de trabalho com a linguagem que embasa as

atividades propostas pelo LD analisado.

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Identificar a que discursos remete a enunciação de professores de Língua

Inglesa do Ensino Fundamental, de forma a evidenciar a concepção de

ensino que subjaz à sua prática.

Apresentar sugestões para o trabalho pedagógico, visando incentivar

posturas críticas em professores e alunos.

De forma a analisar o fazer pedagógico destes professores, com o propósito

de formular sugestões práticas para o trabalho crítico com o livro didático no

contexto mato-grossense, serão aplicados questionários a 5 professores de língua

inglesa, em escolas públicas das cidades de Cuiabá e Várzea grande, nos anos

finais do Ensino Fundamental.

Organização da dissertação

O presente trabalho está dividido em 5 capítulos.

O primeiro capítulo trata do embasamento teórico, em que são explicitados

alguns conceitos da Análise de Discurso Francesa relevantes para a análise. Dentre

eles, recorre-se aos conceitos da AD sobre o sujeito inconsciente, de acordo com a

teoria de Lacan (1987), que é cindido e cuja identidade é assumida pela AD como

continuamente reconfigurada pelas relações sociais. Também são abordados os

conceitos de discurso, ideologia e formações discursivas, por estarem diretamente

ligados ao uso da linguagem e à produção de sentidos. Apesar de serem muitas as

ferramentas das quais dispõe a AD, escolheu-se lançar mão destes conceitos, pois

parecem mais adequados para a análise a que se propõe este trabalho.

O segundo capítulo traz um apanhado acerca do percurso do ensino de

língua estrangeira em escolas públicas no Brasil, mostrando como esta disciplina

tem sofrido adequações em decorrência do período histórico em que se encontra a

sociedade. Tais adequações envolvem os idiomas ensinados e os objetivos

propostos para a disciplina. Este capítulo aborda ainda as influências do ensino de

LE na constituição dos traços identitários dos aprendizes, bem como faz um

apanhado do que os documentos oficiais têm postulado para a disciplina de LE, em

escolas públicas no Brasil.

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O terceiro capítulo é dedicado ao livro didático como ferramenta no processo

de ensino/aprendizagem de LE. Faz-se referência a trabalhos da área de linguística

aplicada, dedicados à análise de LD de LE, assim como seu papel no ensino e na

constituição identitária de professores e aprendizes.

No quarto capítulo, acerca da Metodologia da pesquisa, encontram-se a

explicitação do objeto da pesquisa, as razões que nortearam a escolha do LD

analisado, assim como a descrição dos professores que participaram da presente

pesquisa, além dos objetivos e perguntas referentes à mesma.

No quinto capítulo é feita a análise do LD sugerido pelo MEC através do

Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), à luz das teorias da AD, de forma a

identificar a visão de ensino subjacente ao trabalho com a linguagem proposto pelos

autores e, ainda, a análise dos dados coletados nos questionários respondidos pelos

professores. Saliento então a importância do conhecimento da abordagem

discursiva por parte do professor, e que ele esteja apto a utilizá-la em sua prática.

Considero apropriado utilizar o termo abordagem, pois segundo Leffa, este é um

“termo mais abrangente e engloba os pressupostos teóricos acerca da língua e da

aprendizagem. As abordagens variam na medida em que variam esses

pressupostos” (LEFFA, 1988, p. 212)

Nas considerações finais são apresentadas sugestões para o trabalho

pedagógico, visando contribuir de maneira prática com o processo de

ensino/aprendizagem de língua estrangeira no contexto mato-grossense.

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CAPÍTULO 1 REFERÊNCIAS TEÓRICAS E CONCEITOS

Toda teoria é provisória, acidental, dependente de um estado de desenvolvimento da pesquisa que aceita seus limites, seu inacabado, sua parcialidade, formulando conceitos que clarificam os dados – organizando-os, explicitando suas relações, desenvolvendo implicações – mas que, em seguida, são revistos, reformulados, substituídos [...] - Roberto Machado Microfísica do Poder,Foucault, 2004, p.11.

Neste capítulo apresento, de modo sucinto, alguns conceitos com os quais

trabalha a Análise do Discurso francesa (AD), corrente teórica que embasa a

presente pesquisa, conceitos estes a partir dos quais será abordado o objeto em

estudo, a saber: os conceitos de sujeito e identidade, ideologia, discurso, e formação

discursiva.

1.1 A Análise do Discurso francesa

A análise do discurso (AD) como disciplina teve início na França, na década

de 1960, no momento em que a Linguística encontrava-se em desenvolvimento

como ciência com base no Estruturalismo. A Linguística buscava estudar a língua

atribuindo a ela regularidades, sem levar em conta aspectos externos, afirmando

estes não fazerem parte da sua estrutura. Fundada por Saussure, tal ciência

concebia a língua como um sistema de valores formado por diferenças puras

desvinculadas da sua constituição como produto social. Atentava-se ao estudo da

forma, abstendo-se de observar o uso da língua, pois, sob a concepção vigente na

época, fazer ciência implicava “objetividade”, regularidade, e consequentemente,

distanciar o objeto de estudo – a língua — dos efeitos da ação humana.

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A AD tem como um de seus criadores e principal referência o filósofo francês

Michel Pêcheux, que propõe uma ruptura com a Linguística baseada no corte

dicotômico saussuriano. A disciplina surge da tentativa de retomar as teses

estruturalistas de Freud e de Marx, procurando explicar a relação entre sujeito e

história. Foucault e Pêcheux, ao problematizar o corte saussuriano língua/fala,

introduzem o sujeito (da psicanálise) e a história – na concepção reformulada

através do materialismo histórico— que a definição do objeto da linguística não

contemplou.

O objeto “discurso” nasce da articulação dos conceitos de sujeito, História e

língua de Saussure, Marx e Freud, que desconstroem as verdades científicas do

funcionalismo positivista. Sendo assim, as releituras do estruturalismo de Saussure,

do poder do inconsciente de Freud (relido por Lacan) e da infraestrutura econômica

de Marx (relida por Althusser) constituíram os fundamentos da análise do discurso.

Portanto, diferentemente da Linguística, que se ocupava do estudo da língua

concebida como conjunto de regras e estruturas formais, abstendo-se da

observação de seu uso, a AD concentra-se no estudo da linguagem como prática,

levando em conta seus aspectos sociais, históricos e ideológicos. Orlandi sustenta

que,

A análise do discurso pressupõe o legado do materialismo histórico, isto é, o de que há um real da história de tal forma que o homem faz história, mas esta também não lhe é transparente. Daí, conjugando a língua com a história na produção de sentidos, esses estudos do discurso trabalham o que vai se chamar a forma material (não abstrata como a da linguística) que é a forma encarnada na história para produzir sentidos: esta forma é, portanto linguístico-histórica. (ORLANDI, 2005, p. 19).

De fato, segundo a autora, não é possível dar conta de explicar o

funcionamento da linguagem somente valendo-se da linguística imanente. É

reconhecida a relação entre língua e sociedade e, portanto, a importância de se

levar em conta aspectos sociais, da interação, ao tentar explicar a linguagem. Daí a

aplicação que a AD faz do materialismo histórico na compreensão do sujeito,

explicando as relações sociais sob uma ótica econômica, através da observação da

ação do homem ao produzir melhores condições materiais de existência.

20

Após essa breve consideração a respeito da AD e suas origens, bem como de

seu caráter histórico-social no estudo da linguagem, apresento alguns conceitos-

chave sobre os quais se apoiará o presente trabalho, dentre eles, os conceitos de

sujeito e identidade, ideologia, discurso, e formação discursiva.

1.2 Discurso

Como já mencionado, a AD considera a língua no seu uso, como forma de

interação; preocupa-se com o sentido, muito mais do que apenas com a forma.

Sendo assim, para a AD, o discurso não pode ser considerado um sinônimo de

texto, como se contivesse um sentido único a ser detectado, nem como uma mera

transmissão de informações, mas antes, como “efeito de sentido entre

interlocutores” conforme afirma Pêcheux (1995, p.82). Orlandi (2005, p.21) adere a

tal entendimento, ao defender que “as relações de linguagens são relações de

sujeitos e de sentidos e seus efeitos são múltiplos e variados”.

Para Pêcheux, a significação depende das posições ocupadas pelos sujeitos

que enunciam e das condições de produção do discurso, condições sociais,

históricas e ideológicas que possibilitaram que o discurso fosse produzido e criasse

certos efeitos de sentido e não outros, e as representações que o sujeito faz de si

mesmo, do seu interlocutor e do seu discurso. De fato, o contexto histórico-social da

enunciação, para a AD, é fundamental para a significação, fazendo ele próprio parte

do sentido do discurso. Por isso pode-se afirmar que para a AD os sentidos não

estão anteriormente fixados nas palavras, mas são historicamente construídos e

determinados, permitindo, portanto, múltiplas interpretações.

Ao abordar a relação entre sentido e história, Orlandi afirma que:

Essa relação com a exterioridade, a historicidade, tem um lugar importante, eu diria mesmo definidor, na Análise de Discurso. De tal modo que, ao pensar a relação entre linguagem e sociedade, ela não sugere meramente uma correlação entre elas. Mais do que isso, o discurso é definido como processo social cuja especificidade está em que sua materialidade é linguística. Há, pois, construção conjunta entre o social e o linguístico. (ORLANDI, 1994a, p. 56)

21

Tal concepção de discurso é relevante para a presente análise, visto ser o

discurso um processo no qual os sujeitos significam e também se significam. Neste

processo relacional ocorrem também os processos de subjetivação. É no contato

com o outro, mediante o discurso, que construímos uma imagem de nós mesmos,

nos re-significamos, produzimos novas identificações – novas marcas ou referências

que remetem a nós mesmos através dos nossos fazer e dizer – num processo

jamais acabado, mas que continua ao longo da vida (CORACINI, 2003). Sendo

assim, é fundamental analisar o discurso e as interações em sala de aula de língua

estrangeira de modo a compreender os traços identitários dos sujeitos envolvidos no

processo de ensino/aprendizagem (professores e alunos).

É frequente perceber, na fala de alunos, professores e no discurso veiculado

por livros didáticos de língua estrangeira, a atribuição de certa superioridade à língua

e à cultura estrangeiras (que sempre acontecerá, afetando a concepção que o

próprio aprendiz tem da sua língua e cultura maternas). Na produção deste efeito de

sobrevalorização da outra língua/cultura, funciona a crença de que possuir fluência

em um idioma estrangeiro seria uma ferramenta de ascensão social e econômica,

assim como o desejo de expressar-se na língua-alvo com a mesma fluência de um

falante nativo, minimizando, ao máximo, traços da língua materna do aprendiz. Estes

são alguns dos aspectos que evidenciam o chamado “discurso colonizador”

(GRIGOLETTO, 2003), discurso este que já não é pertinente dado o momento

histórico-social e as transformações na sociedade acarretadas pela globalização na

pós-modernidade.

Com o fim de desconstruir este discurso, que por tanto tempo tem sido

veiculado por livros didáticos de língua estrangeira, e assim contribuir para uma

prática pedagógica crítica e uma postura de relativização, por parte de professores e

alunos, a AD é posta em prática na presente pesquisa. A análise do discurso de

professores de inglês como LE nos permite evidenciar traços deste discurso colonial,

uma vez que a enunciação destes indivíduos nos torna possível identificar a que

formações discursivas (FDs) se remete o seu discurso. A seguir, trato brevemente

do conceito de formação discursiva.

22

1.3 Formação discursiva

O conceito de formação discursiva, inicialmente formulado por Foucault em

1969 e posteriormente adaptado por Pêcheux para a Análise do Discurso, passa a

ser definido como:

Aquilo que, numa conjuntura dada, determinada pelo estado de luta de classes, determina o que pode e deve ser dito (articulado sob a forma de uma arenga, de um sermão, de um panfleto, de uma exposição, de um programa, etc.). (PÊCHEUX, 1995, p. 160).

Ao conceber a formação discursiva (FD), Foucault (2005) se preocupa em

determinar as “regras de formação” dos discursos; como os elementos do discurso,

que a princípio não têm conexão entre si, se articulam e passam da dispersão à

regularidade. Ao trazer o conceito de formação discursiva para a AD, Pêcheux o faz

à luz do pensamento althusseriano, associando ao conceito as questões de

ideologia e luta de classes.

Tal conceito é central para a AD, pois, nos leva a entender que, partindo do

pressuposto de que os sentidos não pré-existem às palavras, mas são histórica e

socialmente construídos, diferentes palavras podem ter diferentes sentidos e

interpretações, dependendo da FD em que são produzidas. Conforme observa

Orlandi,

O discurso se constitui em seus sentidos porque aquilo que o sujeito diz se inscreve em uma formação discursiva e não outra para ter um sentido e não outro. Por aí podemos perceber que as palavras não têm um sentido nelas mesmas, elas derivam seus sentidos das formações discursivas em que se inscrevem. (ORLANDI, 2005, p.43).

Pode-se entender que tanto Foucault quanto Pêcheux consideravam as

formações discursivas como lugares fechados que determinavam ‘o que pode e

deve ser dito’ (idem), assim como aquilo que não pode ou não deve ser dito. No

entanto, não cabe considerar as FDs como lugares do dizível e do não-dizível,

regiões fechadas e inflexíveis, pois como afirma Serrani-Infanti (1997, p.69) as FDs

antes devem ser consideradas como “condensações de regularidades enunciativas

23

no processo constitutivamente heterogêneo e contraditório da produção de sentidos

no e pelo discurso em diferentes domínios do saber”. Ainda como afirma Orlandi,

As formações estão em contínuo movimento, em constante processo de reconfiguração. Delimitam-se por aproximações e afastamentos. Mas em cada gesto de significação (de interpretação) elas estabelecem e determinam as relações de sentido, mesmo que momentaneamente. (ORLANDI, 1994b, p.11)

Dessa forma, levar em conta o conceito de FD ao realizar a análise do

discurso de professores de língua inglesa como LE nos permite compreender a que

FD se remete o discurso do professor, de que lugar ele enuncia e como, lentamente,

as interações vão imprimindo marcas indeléveis na constituição identitária dos

aprendizes.

1.4 Ideologia

Um dos conceitos de maior relevância para a AD é o conceito de ideologia.

Ao longo dos séculos, diversos sentidos têm sido atribuídos ao termo, sendo este

utilizado por diversas correntes filosóficas.

A palavra ideologia, cunhada pelo francês Destutt de Tracy no século XVIII,

se referia a uma ciência universal das ideias humanas. Napoleão, em uma manobra

política, imprime ao termo uma conotação negativa, diminuindo seu valor inicial

dentro da ciência e atribuindo-lhe a culpa pelos problemas enfrentados pelo país.

Posteriormente, Marx também atribui uma conotação negativa ao termo, associando

o conceito de ideologia com alienação, instrumento utilizado pela classe dominante

para garantir a sujeição da classe trabalhadora às suas ideias.

Dentre os autores que contribuíram para o arcabouço teórico da AD, Louis

Althusser, filosofo marxista, propôs e empreendeu o estudo das ideologias, não no

campo das ideias, mas como “um conjunto de práticas materiais que reproduzem as

relações de produção” (MUSSALIN, 2001, p. 103). Althusser, portanto, baseia sua

teoria no estruturalismo e no materialismo histórico de Marx, que defende a

24

observação da história humana através da análise da história do homem na busca

de melhores condições materiais de vida, da análise das estruturas e

superestruturas relacionadas a um modo de produção.

Para Althusser (1974), os aparelhos ideológicos do Estado garantem a

reprodução dos meios de produção, através da disseminação da ideologia da classe

dominante. A ideologia, para ele, é uma “representação da relação imaginária dos

indivíduos com suas condições reais de existência” (idem, p. 77). A linguagem é,

portanto, de interesse para Althusser, pois é na linguagem que se materializa a

ideologia.

Fundamentada no materialismo histórico, a AD considera o discurso como

uma materialização da ideologia na forma de organização dos modos de produção

social, enquanto crenças, valores e práticas constrangendo (interpelando) as

pessoas a agir e dizer segundo as referências existentes desses “agir” e “dizer” num

momento histórico dado, que as moldam segundo as representações em circulação

para diversos tipos de pessoas. Essas referências as constituem modelarmente

como sujeitos sociais. Conforme Orlandi:

É no discurso que se pode apreender a relação entre linguagem e ideologia, tendo a noção de sujeito como mediadora: não há discurso sem sujeito nem sujeito sem ideologia. O efeito ideológico elementar é o que institui o sujeito (sempre já-lá). (ORLANDI, 1994a, p. 54)

Tal interpelação em sujeito ocorre de forma inconsciente, já que o sujeito não

é origem do seu discurso, práticas e valores, mas é assujeitado (constrangido); ao

nascer, tem como opção única inscrever-se em um conjunto de valores, crenças e

condutas sociais.

1.5 Sujeito

O sujeito com que trabalha a AD francesa é descrito como clivado, cindido,

jamais acabado, estático, em constante processo de produção, construindo-se no

contato com o Outro.

25

Coracini (2003, p. 150), afirma não ser possível “acreditar na possibilidade de

uma identidade acabada, descritível; só podemos postular momentos de

“identificação” em movimento constante e em constante modificação”. Portanto, o

contato com outro é fundamental na compreensão da identidade. Neste contato, que

se dá através do discurso, se produzem constantes alterações em nossa identidade.

Existe sempre em nós a presença do outro e das condições que se tornaram

significativas no constante processo de nos refazermos que se condensa como a

nossa identidade. Esses ‘pedaços’ do outro em nós, essa variedade de contribuições

que o contato com outro deixa em nós é que contribui para a formação do sujeito.

Fundamental também dentro do arcabouço teórico da AD é o trabalho

fundador do psicanalista Jacques Lacan, que elabora uma teoria do inconsciente a

partir de Freud, sustentando que o funcionamento do inconsciente é semelhante ao

da linguagem e afirmando – em uma coincidência epistemológica com a teoria

bakhtiniana – que o discurso é sempre atravessado pelo discurso do Outro. Para

Lacan (1987),

[...] o inconsciente é o lugar do desconhecido, do estranho, de onde emana o discurso do pai, da família, da lei, enfim, do Outro e em relação ao qual o sujeito se define, ganha identidade. Assim, o sujeito é visto como uma representação – como ele se representa a partir do discurso do pai, da família etc -, sendo, portanto da ordem da linguagem”. (MUSSALIM, 2001, p. 107)

Semelhante aos critérios que Saussurre (1974) usa para definir o sistema

linguístico (critério diferencial, relacional, posicional), o sujeito do inconsciente de

Lacan é definido em relação ao Outro. É o inconsciente (lugar onde reside o Outro –

discurso do pai, da família) que imprime identidade ao sujeito. O Outro, segundo

Lacan (1987), “ocupa uma posição de domínio em relação ao sujeito, é uma ordem

anterior e exterior a ele, em relação à qual o sujeito se define, ganha identidade”

(MUSSALIM, 2001, p. 109).

Dessa forma, o sujeito lacaniano é atravessado pelo inconsciente, enuncia de

um determinado lugar social, estando inserido num processo histórico que lhe

permite produzir certos enunciados e não outros, dependendo do lugar que ocupa

na formação social, mas não detecta/pensa (n)isso no momento da produção

enunciativa.

26

Tal concepção de sujeito leva-nos a entender quão fundamental é o papel que

o ensino/aprendizagem de língua estrangeira e as interações que ocorrem em sala

de aula desempenham nos processos de subjetivação dos aprendizes. Todo e

qualquer trabalho com a linguagem, seja ele em língua materna ou estrangeira, é

ideológico, interpelando o indivíduo em sujeito e propiciando-lhe mudanças

interpretativas, que são ideológicas e atitudinais, que respondem ao funcionamento

da ideologia que se torna visível através do comportamento.

Como observa Pêcheux (1995, p. 155) ao analisar o conceito de ideologia, “é

a coletividade, como entidade pré-existente, que impõe sua marca ideológica em

cada sujeito, sob a forma de uma ‘socialização’ do individuo em ‘relações sociais’

concebidas como relações intersubjetivas”.

Com base nos conceitos acima explicitados – discurso, formação discursiva,

ideologia e sujeito, serão realizadas as análises dos dados coletados nas entrevistas

com os professores. Serão também propostas sugestões para um trabalho crítico e

em consonância com a proposta de ensino enunciativo-discursiva. Outros conceitos

ocasionalmente operacionais, em momentos determinados do processo analítico e

explicativo, serão explicitados quando operacionalizados.

27

CAPÍTULO 2

O ensino de LE no contexto de escola pública no Brasil

O saber deve ser como um rio, cujas águas doces, grossas, copiosas, transbordem do indivíduo, e se espraiem, estancando a sede dos outros. Sem um fim social, o saber será a maior das futilidades. - Gilberto Freire Adeus ao collegio, 1917.

No presente capítulo exponho, em linhas gerais, o percurso do ensino de LE

em escolas públicas no Brasil, analisando como a disciplina vem passando por

adaptações em razão do período histórico em que se encontra a sociedade. Este

capítulo trata ainda das influências do ensino de LE no processo identitário dos

aprendizes e do que os documentos oficiais têm proposto para a disciplina de LE em

escolas públicas no Brasil.

2.1 O ensino de LE no Brasil

As transformações sociais ocorridas ao longo da história, graças aos esforços

do homem em produzir suas condições de subsistência, criam novas realidades

sociais. Cabe à escola imprimir constantes mudanças e adaptações ao seu currículo

e conteúdos, de forma a transmitir aos indivíduos os conhecimentos, saberes,

valores e crenças necessários para a vida em sociedade, em diferentes momentos

da história (ALTHUSSER, 1998), num constante processo de adequação.

Pedroso, ao analisar o ensino de língua espanhola como LE no Estado de

Mato Grosso sob a ótica que preside esta pesquisa, afirma que:

O pressuposto teórico desta abordagem estabelece que as condições em que se produz o acontecimento pedagógico determinam o mesmo. Isto envolve que os objetivos que justificam o processo de ensino/aprendizagem encontrem relevância apenas nas necessidades decorrentes da prática social nacional e local. Ou seja,

28

de como vai sendo considerado o processo de ensino pelas condições econômicas e sociais fazendo as políticas públicas detectarem prioridades e necessidades de mudanças. (PEDROSO, 2010b, p.7)

Partindo de tal pressuposto, é possível compreender o caminho trilhado pelo

ensino de línguas estrangeiras em escolas públicas no Brasil e as transformações

sofridas pela disciplina ao longo dos anos. Determinadas línguas estrangeiras

gozam de maior ou menor prestígio e destaque em decorrência do momento

histórico e de fatores sociais e políticos. Lemos nos PCNs para o Ensino

Fundamental, sobre os fatores considerados para a inclusão de uma LE no currículo

que:

Os fatores históricos estão relacionados ao papel que uma língua específica representa em certos momentos da história da humanidade, fazendo com que sua aprendizagem adquira maior relevância. A relevância é frequentemente determinada pelo papel hegemônico dessa língua nas trocas internacionais, gerando implicações para as trocas interacionais nos campos da cultura, da educação, da ciência, do trabalho etc. (BRASIL, 1998, p. 22)

Fogaça e Gimenez (2007), em seu artigo falando a respeito das tendências

político-filosóficas que têm regido a educação no contexto brasileiro, traçam um

percurso histórico da disciplina de LE no Brasil e assinalam que no Brasil colonial, as

línguas clássicas, como latim e grego, eram ensinadas pelo método de tradução e

com ênfase na gramática, sendo outras disciplinas como História e Geografia

ensinadas nestes idiomas. Segundo os autores, a partir de 1808 e da chegada da

família real, as LE modernas, como o francês, o alemão, o inglês e o italiano passam

a fazer parte do currículo. Em 1915 o grego é excluído do currículo e o tempo

dedicado ao ensino do latim é significativamente reduzido.

A educação, durante este período, era destinada apenas a um público

restrito, voltada para a emergente burguesia. No entanto, ao longo dos anos, cada

vez mais camadas populares passam a ganhar acesso à escola. Esta, portanto, não

mais tem como público-alvo apenas a minoria dominante, mas passa a ter como

público também representantes de grupos sociais antes excluídos, com o objetivo de

formar mão-de-obra trabalhadora (KUENZER, 1991). Em vista desta nova realidade,

29

aos poucos, as línguas clássicas foram perdendo espaço para o ensino das línguas

chamadas modernas, como o francês e o inglês.

Por volta dos anos 30, com a era Vargas, o país experimenta um período de

considerável desenvolvimento econômico e, consequentemente, a educação

começa a passar por um processo de adaptações. A carga horária do latim é

reduzida e mais horas são dedicadas ao ensino das LE modernas. A Reforma

Capanema, implementada em 1942, aumenta a relevância do ensino de LE. São

ensinados o inglês, o francês, o latim e o espanhol. Ela enfatiza a aplicação do

“método direto”: o ensino da LE através da própria língua em suas diferentes

modalidades (leitura, escrita, oralidade e audição), com menos ênfase em tradução

e em explicitação de regras gramaticais (FOGAÇA E GIMENEZ, 2007; LEFFA,

1999).

As décadas de 60 e 70 presenciam o surgimento da pedagogia tecnicista1, e o

ensino passa a focar ainda mais a profissionalização, a formação de trabalhadores

aptos a operar máquinas e atuar em processos de produção. A carga horária

destinada à LE é reduzida e em muitos casos a disciplina é removida (FOGAÇA E

GIMENEZ, 2007). Nos casos em que a LE era mantida, dava-se maior ênfase ao

ensino da língua inglesa, refletindo o momento de desenvolvimento econômico e

industrial pelo qual passava o país e a relevância dos EUA no cenário mundial do

pós-guerra.

Lacoste afirma a respeito da influência americana no Brasil e no mundo:

É especialmente depois do fim da Segunda Guerra Mundial que a influência política e cultural dos Estados Unidos se propagou, inicialmente na Europa Ocidental. Isso se traduziu, com mais ou menos defasagem, na difusão do inglês. O plano Marshall forneceu diversos aparelhos mecânicos que ainda não eram conhecidos na Europa, cujo nome permaneceu americano, como por exemplo “bulldozer”*, e foi necessário um mínimo de familiaridade com o inglês para ler as instruções de manutenção e de manuseio de peças de reposição. Depois as empresas americanas abriram fábricas na Europa (e de fato elas constituíram a segunda indústria mundial), e os quadros europeus tiveram de “aprender inglês”. No campo da aviação, todos os pilotos do mundo falam mais ou menos inglês para conversar com as torres de controle de diferentes países, assim como o pessoal das companhias aéreas, para falar com passageiros vindos de outros países. O formidável desenvolvimento do turismo

1 Segundo Fogaça (2007, p. 166) a pedagogia tecnicista surgiu no século XX e baseava-se nos

pressupostos de racionalidade e neutralidade científica, buscando “tornar o processo educativo “objetivo” e operacional de modo semelhante ao trabalho fabril.”

30

(doravante, a mais importante atividade mundial, pela cifra de negócios que atinge) tornou-se um dos grandes motores de difusão mundial do inglês. (LACOSTE, 2005, p.10)

Em 1996, é aprovada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei Federal n°

9.394) que tornava obrigatório o ensino de uma LE a partir da 5ª série do Ensino

Fundamental, sendo a segunda LE opcional para o Ensino Médio. A LE adotada

pelas escolas públicas era primariamente a língua inglesa, refletindo ainda a forte

influência exercida pela economia americana na economia mundial.

Em 2005, a lei n° 11.161 determina a obrigatoriedade da oferta do ensino da

língua espanhola em escolas públicas no Ensino Médio, sendo sua inserção

facultativa no Ensino Fundamental. Cabe ressaltar que a inserção da língua

espanhola no currículo do ensino público se deveu principalmente a uma

intensificação das relações comerciais entre países da América do Sul, com a

criação do Mercado Comum do Sul (Mercosul), em 1991, através do Tratado de

Assunção, entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. Em anos recentes, passaram

a participar como membros-associados Bolívia, Chile, Colômbia, Peru e Equador

(MATO GROSSO, 2010).

Observa-se, portanto, que o ensino de LE em escolas públicas no Brasil ao

longo da história sempre esteve intimamente atrelado a fatores históricos,

econômicos e sociais e que a inclusão de determinada LE no currículo escolar se

justifica pela sua aplicabilidade e a função social que o seu conhecimento

desempenha.

Conforme afirmam os PCNs:

A inclusão de uma área no currículo deve ser determinada, entre outros fatores, pela função que desempenha na sociedade. Em relação a uma língua estrangeira, isso requer uma reflexão sobre o seu uso efetivo pela população. (BRASIL, 1998; p. 20)

E adicionam:

[...] há de considerar as necessidades linguísticas da sociedade e suas prioridades econômicas, quanto a opções de línguas de significado econômico e geopolítico em um determinado momento

31

histórico. Isso reflete a atual posição do inglês e do espanhol no Brasil. (BRASIL, 1998, p. 40)

A ênfase dada ao ensino da leitura, em detrimento da oralidade, também é

justificada pela existência de poucas oportunidades para a interação oral e escrita

em LE no país (apenas a minoria da população tinha contato com estrangeiros) e as

possibilidades de viagens ao exterior eram restritas às camadas da sociedade com

maior poder aquisitivo. Em geral, os que utilizavam uma LE profissionalmente o

faziam na leitura de livros, textos acadêmicos, manuais técnicos. A preparação dos

alunos para o exame vestibular também justificava a primazia da habilidade de

leitura na educação formal.

Atualmente o ensino de LI ainda goza de considerável destaque em

instituições privadas e institutos de idiomas ao redor do país, além de ser a LE

ensinada em inúmeras escolas públicas. A LI é considerada pela sociedade em

geral como língua do progresso, como conhecimento imprescindível para a obtenção

de um bom emprego nos dias atuais. No senso comum, a fluência em LI está

atrelada à ideia de ascensão social e sucesso financeiro.

Tal pensamento pode ser explicado pelo fato de a LI ser considerada como a

língua da globalização. Kumaravadivelu (2006) discute que o processo de

globalização pelo qual está passando o mundo atual tem diminuído a distância

espacial e temporal entre as pessoas, dissolvido fronteiras e tem, como traço

distintivo de comunicação, a internet, fazendo do inglês a língua da comunicação

mundial. E isto se dá principalmente em virtude da influência econômica exercida no

cenário mundial pelos Estados Unidos, desde a Segunda Guerra mundial até os

nossos dias. No âmbito cultural, argumenta-se que os impactos causados pela

globalização implicam que o mundo esteja passando por uma homogeneização

cultural, sendo a cultura norte-americana de consumo o centro dominante, bem

como a língua inglesa (idem, p.132).

Contudo, o avanço da língua inglesa e o status de relevância que esta

alcançou mundialmente têm outras implicações que merecem ser seriamente

consideradas. Vários linguistas, tais como Pennycook (1994) e Phillipson (1992),

autores não inscritos no arcabouço teórico da AD de linha francesa, têm se dedicado

a analisar questões ideológicas, políticas, culturais e identitárias relacionadas ao

32

avanço do inglês no mundo e têm defendido que o ensino de inglês como LE não se

dá de maneira apolítica ou ideologicamente neutra. Tais autores afirmam que o

ensino de língua inglesa ao redor do mundo não está atrelado somente à

globalização e ao seu uso na internet, mas envolve questões como capitalismo,

colonialismo britânico, imperialismo linguístico e dominação cultural.

Estes assuntos merecem consideração ao se discutir o ensino/aprendizagem

de LE. No texto das OCMT, notamos que dentre os objetivos do ensino público

estão:

a construção de conhecimentos, a formação cidadã mediante a interação ativa, crítica e reflexiva com o meio físico e sociocultural, de modo que os educandos desenvolvam a autonomia para o tratamento da informação e para expressar-se socialmente utilizando as múltiplas formas de linguagens e recursos tecnológicos. (MATO GROSSO, 2010, p. 2)

O fazer pedagógico só se dará de forma crítica, reflexiva e relativizadora se o

professor possuir, ele mesmo, uma postura reflexiva, sensível a tais questões de

cunho identitário, político e ideológico. Como observa Pedroso (2007, p. 121), “as

OCMT objetivam que o ensino estimule nos alunos uma postura crítica”; portanto,

espera-se que tal postura seja observada antes nos professores.

A sala de aula de LE é o lugar ideal para fomentar discussões e levar o aluno

a questionar, a não aceitar a língua inglesa como uma imposição, mas ser capaz de

compreender as questões envolvidas em sua disseminação. Que o aprendiz de LE

não seja levado a encarar a fluência do nativo (assim como sua cultura, crenças,

valores, modos de ver o mundo) como a única ideal, mas que o contato com o

estrangeiro o leve a uma maior valorização de sua própria cultura e língua maternas.

Conforme afirma Rajagopalan acerca do ensino de inglês como LE,

[...] Em outras palavras, a língua inglesa precisa passar a ser ensinada com o intuito de formar cidadãos do mundo e não aqueles capazes de interagir com turistas estrangeiros, de trabalhar como intérpretes, etc. (...) O importante é, contudo, não esquecer que, em última análise, os nossos alunos precisam adquirir domínio da língua estrangeira para o seu próprio bem e para se tornarem mais aptos a enfrentar os novos desafios que o mundo coloca no seu caminho. São eles que têm que aprender a dominar a língua inglesa, jamais deixando que a língua inglesa comece a dominá-los. (RAJAGOPALAN, 2005, p. 45)

33

Como observado através deste breve percurso histórico do ensino de LE no

Brasil, a inclusão desta ou daquela língua estrangeira no currículo escolar, bem

como os objetivos propostos para a disciplina, obedecem a fatores históricos, sociais

e econômicos. Tomar consciência deste pressuposto é fundamental para

compreender o papel de ensino de LE na contemporaneidade e para a reflexão e

implementação de uma prática pedagógica em consonância com as demandas do

momento histórico em que o ensino se dá.

2.2 O ensino de LE e a identidade

Como já explicitado no capítulo anterior, a corrente teórica na qual se embasa

o presente trabalho, a AD, refuta a noção de uma identidade fixa, acabada,

constante e imutável.

Conforme ressalta Coracini (2003, p. 148) a noção de sujeito adotada pela

AD, apoiada na psicanálise, é de um sujeito “cindido, clivado, heterogêneo,

perpassado pelo inconsciente, que, por sua vez, é habitado pelos mais recônditos

desejos que, recalcados sob a ação do social, responsável pelos interditos, só

irrompe via simbólico”.

Esta noção nos leva ao entendimento da diferença entre a LM e a LE na

constituição do sujeito. Aquela, a primeira língua aprendida, silencia tais desejos

inconscientes, desejos de completude, gerando no indivíduo a ilusão de ser

completo, indiviso, de ser a origem do seu dizer, capaz de controlar o que enuncia e

os sentidos que serão produzidos a partir do que enuncia. Tais ilusões são

abordadas por Fuchs e Pêcheux (1997, p. 169-171), fazendo a discussão das

mesmas ferramentas básicas da teoria discursiva sob o nome de teoria dos

esquecimentos.

Esses autores denominam esquecimento número 1 a ilusão inconsciente de

que o sujeito é a origem, a fonte, o dono de seu dizer. O esquecimento número 2,

por outro lado, consiste na ilusão de que o sujeito é capaz de controlar os sentidos

presentes naquilo que ele enuncia, o que pressupõe a existência de uma relação

direta entre as palavras e as coisas.

34

Por outro lado, a LE representa para o indivíduo o lugar onde os desejos

inconscientes e interditos podem vir à tona, onde não há cerceamentos, onde

praticamente tudo pode ser dito (CORACINI, 2003). Neste fato reside a explicação

de porque algumas expressões são mais facilmente enunciadas em língua

estrangeira (aquelas geralmente cerceadas pelas convenções da língua materna) e

outras mais plenamente expressas através da língua materna (em geral emoções, já

que a LE é a língua do Outro).

Ainda relacionada ao desejo inconsciente de completude, a LE significa o

Outro, o estranho, portanto, o seu aprendizado pode tanto gerar no aprendiz uma

forte atração, como se este Outro fosse capaz de completá-lo, quanto pode gerar

medo, ansiedade e obstáculos ao aprendizado (idem, p.149).

Também facilitam a compreensão da noção de sujeito, adotada pela AD, as

contribuições feitas pelo arcabouço psicanalítico enriquecido por Lacan (1987). De

acordo com a psicanálise, o processo de subjetivação se dá nas interações, e é em

relação ao outro que o sujeito é definido. Existe sempre em nós a presença do outro

e das condições que se tornaram significativas no constante processo de nos

refazermos, que se condensa como a nossa identidade. Esses ‘pedaços’ do outro

em nós, a que Bakhtin (1929/1978) atribui o nome de polifonia, porque afloram na

produção enunciativa, essa variedade de contribuições que o contato com o outro

deixa em nós, contribui para a formação do sujeito, sendo por isso que a AD o

concebe como efeito do inconsciente. “A análise do discurso reconhece, portanto, no

sujeito seu caráter contraditório, que, marcado pela incompletude anseia pela

completude, pelo desejo de querer ser inteiro” (BERTOLDO, 2003, p. 96).

Essa pluralidade de vozes, fruto da contribuição das relações sociais na

constituição da identidade, é perceptível, segundo Authier-Revuz (1990) na

heterogeneidade observada nas enunciações dos indivíduos. Conforme a autora,

Sempre, sob nossas palavras, “outras palavras” são ditas: é a estrutura material da língua que permite que, na linearidade de uma cadeia, se faça escutar a polifonia não intencional de todo discurso, através da qual a análise pode tentar recuperar os indícios da “pontuação do inconsciente”. (AUTHIER-REVUZ , 1990, p. 28)

35

A análise de tais aspectos demonstra a complexidade do processo de

ensino/aprendizagem de LE e o papel que este desempenha nos processos de

subjetivação dos aprendizes.

Para Orlandi (2005, p. 20), “O sujeito de linguagem é descentrado, pois é

afetado pelo real da língua e também pelo real da história, não tendo o controle

sobre o modo como eles o afetam”. Torna-se possível entender, assim, que o sujeito

é continuamente constituído pelas/nas interações sociais. É, por isso, heterogêneo,

cindido, assujeitado, interpelado pela ideologia.

O sujeito, ao contrário do que ele próprio acredita, não é fonte do seu dizer.

Isso porque os possíveis sentidos depreendidos de suas enunciações já são

histórica e socialmente determinados. Conforme Foucault (2005, p. 139), “não

importa quem fala, mas o que ele diz não é dito de qualquer lugar”. Este processo

contínuo, que se dá no e pelo discurso é o que a AD concebe como processo de

subjetivação.

As interações em sala de aula de LE, portanto, fornecem contribuições vitais e

afetam indelevelmente a constituição da identidade de todos os sujeitos envolvidos

no processo de ensino/aprendizagem, a saber, professores e alunos.

É fundamental considerar que o ensino/aprendizagem de LE está intimamente

ligado com a relação do sujeito com seu inconsciente, sua língua materna, seu

desejo de completude, seus medos, ansiedades e anseios. O trabalho com LE é

ideológico, influenciando exponencialmente a imagem que o sujeito faz de si

mesmo, de sua língua materna, de sua cultura. Provoca conflitos, estranhamentos,

rejeições, à medida que o aprendiz entra em contato com o Outro, o estranho, o

estrangeiro.

Os aspectos referidos acima são inerentes ao processo de aprendizagem de

LE e devem ser levados em conta. Se abordados de forma adequada, podem levar o

aprendiz a experimentar “uma operação salutar de renovação e de relativização da

língua materna, ou como a descoberta embriagadora de um espaço de liberdade [...]

Aprender uma língua é sempre um pouco tornar-se um outro” (REVUZ, 1998, p.

224).

No entanto, o que se percebe é que pouca relevância é atribuída ao ensino de

LE em escolas públicas do país. O histórico de más condições de ensino, número

inadequado de alunos em sala, falta de material didático apropriado, salas de aula

em condições precárias, professores mal preparados e carga horária insuficiente

36

levaram a um quadro de descrença no ensino/aprendizagem de LE em escolas

públicas.

Pedroso (2009, p. 220), ao referir-se à situação do ensino de LE em escolas

públicas, afirma que “não existem minimamente condições materiais – físicas e

financeiras – que possam propiciar um modo de ensino que corresponda às

expectativas da dinâmica atual da sociedade brasileira e mundial.” Nas aulas, o

ensino em geral não apresenta coerência entre atividades e objetivos, o método de

ensino se centra na explicitação de vocabulários e estruturas gramaticais

descontextualizados.

A forma como a LE é ensinada em muito se assemelha ao trabalho com a

língua materna; aprender uma LE não prevê que o estudante aprenda a expressar-

se nesta língua, mas a falar sobre ela, “saber descrevê-la como um objeto que se

estuda e analisa” (CORACINI, 2003, p. 144). Enfatiza-se a forma e não o conteúdo.

O aluno é considerado como um receptáculo vazio a ser preenchido com o

conhecimento linguístico apresentado pelo professor. Na maioria das vezes, sua

subjetividade e seus conhecimentos prévios são desconsiderados, assim como

também o contexto em que este aluno se insere, sua realidade e anseios.

A proposta da aplicação da teoria discursiva ao processo de

ensino/aprendizagem de LE visa contribuir para que o ensinar LE se faça de uma

maneira que não silencie o aprendiz, que não desconsidere seus conhecimentos,

experiências e valores. Segundo a proposta da AD, o ensino de LE deve levar em

conta a subjetividade do aprendiz, propiciando-lhe a possibilidade de (re)significar-

se, inscrever-se na língua estrangeira. Coracini (2003) define ‘inscrever-se’ numa LE

como

Provocar confrontos, portadores de conflitos, entre as formações discursivas fundamentais, melhor dizendo, entre os modos de significação introjetados no sujeito, próprios à primeira língua, impregnados, naturalmente, por maneiras próprias de pensar e ver o mundo (aspectos ideológicos), e as formações discursivas ou modos de significação da segunda língua. É, pois, dessa relação contraditória e da capacidade de cada um em articular as diferenças que decorre o grau de sucesso e o modo de acontecimento do processo de aquisição de uma segunda língua. (CORACINI, 2003, p. 154)

37

Assim, para que o aprendizado se dê de maneira significativa –

contextualizando, subjetivando-- , o ensino deve se dar de forma a levar o aprendiz a

produzir sentido na LE, e não através da mera repetição de vocabulário e estruturas

gramaticais descontextualizados e desprovidos de sentido. É por isso que Pedroso

(2007, p. 120) afirma que “en el proceso de constante ir y venir de uma lengua a

outra, de lo que se trata es de volver ideológicamente válido lo que se enuncia em

outra lengua a partir de nuestra experiencia de trabajo con el lenguage.”

Deve-se primar por uma prática docente que, através do confronto com o

Outro, o estrangeiro, incite o aprendiz a uma postura de relativização, de reflexão,

que o faça perceber que conhecer e valorizar o estrangeiro necessariamente não

implica desvalorizar o que é próprio da sua região, o local. Conforme Pedroso (2007,

p.186) “a relativização instaurada pela língua estrangeira tem reflexos identitários

significativos. Seus efeitos reforçam o conhecimento do próprio que, neste caso, é a

LM”.

2.3 O ensino de LE e os documentos oficiais

A relevância e a contribuição do ensino de LE para a constituição da

identidade dos aprendizes e para a formação de cidadãos críticos têm sido

constantemente reconhecidas em documentos oficiais, que norteiam o ensino de LE,

em escolas públicas do país.

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), documento oficial

elaborado pelo Ministério da Educação em 1998, com a finalidade de fomentar a

reflexão acerca da prática educacional no país, dentre os objetivos atribuídos ao

Ensino Fundamental, já estava o de levar o aprendiz a:

[...] compreender a cidadania como participação social e política, assim como exercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais, adotando, no dia-a-dia, atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças, respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito. (BRASIL, 1998, p. 7)

38

Atribui-se à educação a função de formar cidadãos aptos a viver em

sociedade, abordando, portanto, temas tais como diversidades regionais, cultura,

ética, costumes, crenças e valores de determinado grupo social. Ela tem também a

função de formar os estudantes, transmitindo conhecimentos necessários que os

capacitem para desempenhar determinadas funções profissionais, propiciando neles

o exercício de um raciocínio lógico e um pensamento crítico. Tais atribuições

demonstram a necessidade de que a escola, enquanto instituição do Estado,

acompanhe sempre as transformações pelas quais passa a sociedade, assim como

a necessidade de constante adaptação de currículos e abordagens de ensino às

demandas sociais.

O ensino de LE no Ensino Fundamental visa contribuir para a obtenção

destes objetivos, pois não somente contribui para a capacitação profissional do

aprendiz, como também cria oportunidades para o desenvolvimento do pensamento

crítico, para o questionamento de valores, crenças e costumes através da percepção

do Outro, do estrangeiro, da diversidade, assim como para o desenvolvimento de

uma postura de relativização. Conforme Pedroso,

Ensinar uma LE na contemporaneidade, por isso, responde a saber que, como Revuz (1998) conseguiu explicar, vamos iniciar um processo de ruptura com a crença na inquestionável naturalidade das coisas e da linguagem e fazer da relativização um recurso discursivo imprescindível. A LE, ensinada em consonância com os valores a partir dos quais a escola pública se reorganiza ideológica e, por isso, curricularmente (Silva, 2005) representa um subsídio da maior importância na instauração desse mecanismo. (PEDROSO, 2010b, p. 3)

Dada a influência que o ensino/aprendizagem de uma LE exerce na

constituição da identidade do aprendiz, é fundamental que as aulas de LE forneçam

a possibilidade de expressar-se de maneira significativa na língua-alvo. A este

respeito, os PCNs de LE estrangeira (BRASIL, 1998, p. 29) afirmam que o

aprendizado de LE deveria “possibilitar que o aluno, ao se envolver nos processos

de construir significados nessa língua, se constitua em um ser discursivo no uso de

uma língua estrangeira.” Para tanto, entre outros aspectos, sempre se reconheceu a

necessidade de articular o ensino ao conhecimento de mundo do aluno,

aproximando à sua realidade os temas discutidos em sala de aula de LE.

39

O Estado do Mato Grosso, visando aproximar o ensino às necessidades e

realidades dos alunos de escolas públicas, em 2011 lança, através da Secretaria de

Educação, o documento Orientações Curriculares para a Educação Básica do

Estado (OCMT). Baseado em pesquisas e estudos acerca das especificidades e

demandas do contexto mato-grossense, o documento serve de apoio para

discussões acerca do processo de ensino/aprendizagem e objetiva fomentar

reflexões sobre a prática pedagógica, além de orientar a (re)elaboração do currículo

escolar.

Acerca do ensino de LE, o documento reconhece que a prática social imprime

demandas para a disciplina que já não são mais as mesmas de anos atrás, em que

a possibilidade de comunicação oral em LE era uma realidade distante da maioria

dos aprendizes. Fatores tais como a globalização, intensificadas relações

econômicas entre países, maior facilidade de deslocamento de pessoas, maior

acesso à informação, a internet propiciando a comunicação entre pessoas de

diferentes partes do mundo, dentre outros fatores, fazem com que, cada vez mais, o

domínio de uma LE se torne uma necessidade do cotidiano de muitos e uma

ferramenta para a inserção social.

Esse documento oficial frisa, por isso, que: “Hoje, não se pode ignorar a

imprescindibilidade de aprender inglês como ampliação de oportunidades sociais e

econômicas, de inserção no mundo do trabalho globalizado” (MATO GROSSO,

2010, p. 112).

Em vista disso, faz-se necessário que a escola se adapte, realize as

mudanças necessárias de modo a fornecer um ensino contextualizado, significativo,

que reflita a realidade dos aprendizes. O documento propõe mudanças tais como

reformulação dos objetivos do ensino de LE, visando habilitar o aluno a utilizá-la

para interação oral e escrita, de maneira crítica, com uma postura relativizadora.

Neste aspecto, um modelo de ensino de LE que se paute na ênfase à forma e

não ao conteúdo da linguagem, na correção gramatical e não na adequação

enunciativa, ao ensino de vocabulário e estruturas gramaticais descontextualizados

e desprovidos de sentido não contribui para a obtenção dos objetivos propostos para

o ensino de LE. Conforme lemos nas OCMT:

[...] a linguagem em geral é mais substância (conteúdo ideológico, argumentativo) do que forma (substantivos, verbos, preposições etc.

40

e suas combinações). Quer dizer, a formulação (as formas) só existe em função da argumentação (do sentido). Confundir essa ordem natural das coisas, em se tratando da linguagem, é uma fonte produtiva de inadequações pedagógicas, políticas e enunciativas ... (MATO GROSSO, 2010, p. 103)

O documento propõe ainda que, para a obtenção destes objetivos, seria ideal

um aumento da carga horária reservada à disciplina, constante qualificação dos

professores, utilização de recursos tecnológicos (som, datashow, computador) em

sala e utilização de material didático adequado.

Por ser uma ferramenta fundamental no processo de ensino/aprendizagem de

LE, o livro de LE, como material didático, também contribui significativamente no

processo de subjetivação dos aprendizes, tendo implicações identitárias, históricas,

sociais, políticas e ideológicas. Discutirei este tema a seguir.

41

CAPÍTULO 3

O livro didático de LE na escola pública

[...] o livro didático de LE não é um inimigo a ser combatido, mas um companheiro a ser avaliado criticamente à luz das necessidades e características de cada contexto específico. - Sávio Siqueira O papel do professor na desconstrução do ‘mundo plástico’ do livro didático de língua estrangeira, in: Formação crítica de professores de línguas: desejos e possibilidades, 2010, p. 225

Neste capítulo apresento algumas considerações acerca do livro didático (LD)

como recurso nas aulas de LE. Discuto o que alguns linguistas aplicados têm

publicado acerca do tema, bem como seu papel no ensino de LE de acordo com os

objetivos propostos pelos documentos oficiais e sua implicação na constituição

identitária de todos os envolvidos no processo de ensino/aprendizagem, ou seja,

professores e alunos.

3.1 O LD em sala de aula de LE

Em se tratando de material didático, Tomlinson (1998, p.2) usa o termo para

definir “tudo que é usado por professores ou alunos para facilitar o aprendizado de

uma língua”, referindo-se a uma ampla gama de ferramentas, como livros, textos,

folhas com exercícios, fitas, Cds, Dvds, pôsteres, mapas, dentre outras. Já Almeida

Filho define material didático como:

[...] conjunto de conteúdos (mediados pela língua e por imagens) e de processos previstos (codificados como numa partitura) que apoiam a (re)criação de experiências com e na língua-alvo conforme a postura de uma dada abordagem e alinhadas com um dado planejamento. O objetivo maior do material didático é o de criar condições para que se desenvolva entre os alunos a competência

42

linguístico-comunicativa. São os recursos que deveriam servir apenas de apoio, mas muitas vezes servem mais do que isto. Servem de ‘bengala’, e chegam a dominar a aula do professor, talvez devido à formação precária dos professores de LE. (ALMEIDA FILHO, 2004, p. 05)

Vários trabalhos de diversas filiações teóricas já foram dedicados ao estudo e

produção de materiais didáticos utilizados em aulas de língua estrangeira, tais como

Tomlinson (1998), Bohn (1998), Almeida Filho (1994), Almeida Filho e Consolo

(1990), Leffa (2008), Pessoa (2006), Sheldon (1998), Cunningsworth (1995),

Kramsch (1988), Tilio (2008), entre outros.

Dentre a variedade de ferramentas que compõem o conjunto de materiais

didáticos, uma das mais utilizadas, ou talvez se possa afirmar, a de maior destaque

no processo de ensino/aprendizagem tanto de LM, quanto de LE, é o livro didático

(LD). Coracini (1999b, p. 17), falando a respeito da influência do LD no ensino,

salienta o fato de que, em muitos casos, o LD representa “a única fonte de consulta

e leitura dos professores e dos alunos”. O Guia de Livros Didáticos (PNLD 2012)

confirma essa ideia ao afirmar que “o LD, em qualquer disciplina, é um instrumento

fundamental (às vezes praticamente único) do acesso dos alunos à leitura e à

cultura letrada” (BRASIL, 2011, p. 18). Tais afirmações se demonstram muito

pertinentes, quando consideramos a definição que Tomlinson faz de LD, como

sendo:

[...] um livro texto que fornece materiais nucleares para um curso. Ele objetiva prover ao máximo em um só volume, elaborado de tal modo que sirva como único livro que os alunos necessariamente usem durante o curso. Esse livro geralmente inclui trabalho com gramática, vocabulário, pronúncia, funções e habilidades de leitura, escrita, compreensão auditiva e produção oral. (TOMLINSON, 1998, p. 9)

Observamos que o LD, em geral, já é produzido com o intuito de centralizar

nele o aprendizado, abarcando a maior quantidade possível de conteúdos,

exercícios e atividades e assim, direcionando o ensino. Devido a essa configuração

do LD, o professor é levado a depositar nele sua total confiança e a posicionar-se

em segundo plano na dinâmica de sala de aula, como um mero executor do que dita

o LD. Em salas de aula de LE onde o LD não é utilizado, sua falta é sentida pelos

professores, como observa Siqueira,

43

Mesmo em realidade como as nossas escolas públicas, em que o material didático de LE é precário, ou muitas vezes inexistente, ouvimos o tempo inteiro relatos de professores, dando seus testemunhos sofridos, atestando que, se tivessem pelo menos o livro didático, as coisas na sua sala de aula poderiam ser bem diferentes. (SIQUEIRA, 2010, p. 225)

Tal é a influência do LD no fazer pedagógico que Coracini (1999b) nota que,

mesmo em casos de aulas de LE em que os professores optam por preparar o seu

próprio material didático, o que se observa é que o LD já está neles “internalizado”,

fazendo com que a maneira como direcionam as aulas e o tratamento dado ao texto

e ao material elaborado, assemelhem-se muito ao LD, sua organização, seus

princípios e a imagem do aluno que veicula. Em aulas de produção escrita, observa-

se uma ênfase na forma e não no conteúdo, tentativas de controle e pouca atenção

à produção de sentidos, características, segundo a autora, observadas também no

LD.

Sendo assim, é inegável o protagonismo do LD no processo de

ensino/aprendizagem e, com respeito a este fato, apresentam-se posicionamentos

diversos.

De fato, é reconhecida a importância do LD como ferramenta de apoio ao

professor de LE. Richards (2001, p. 1) reconhece que o LD possui limitações e que

seu uso apresenta vantagens e desvantagens, mas defende que “grande parte do

ensino de idiomas que acontece ao redor do mundo hoje não poderia acontecer sem

o uso extensivo de livros didáticos comerciais”2 e que a utilização do LD ajuda a

conferir estrutura, padronização e qualidade ao ensino de LE.

Autores como Richards (1998; 2001), Alonso (1994), Coracini (1999),

Cerrolaza (1999), Allwright (1981) e Pessoa (2006) defendem que dentre os

benefícios da utilização do LD pode-se mencionar que este permite que alunos

consolidem conteúdos, estimulam sua autonomia, fornecem sequência e estrutura

ao ensino, variedade de propostas, sistematização de vocabulário. Ainda

consideram que os LDs são visualmente atraentes, economizam tempo do professor

em preparação de materiais, ajudam/treinam professores sem muita experiência a

2 Em inglês: “Much of the language teaching that occurs throughout the world today could not

take place without the extensive use of commercial textbooks.”

44

desenvolver e planejar suas aulas e, em alguns casos, tomam decisões quanto ao

ensino que os professores possivelmente não estejam aptos a tomar, já que o LD foi

elaborado por um autor que possui conhecimentos que talvez o professor não

possua.

Como ressalta Allwright,

Para alguns, tal concepção parece reduzir o papel do professor a mero gerente de sala de aula. Para outros, ela ‘liberta’ o professor para desenvolver o conhecimento necessário para lidar com questões práticas fundamentais relacionadas ao processo de aprendizagem de línguas no ambiente de sala de aula. (ALLWRIGHT, 1981, p. 6)

As OCMT (MATO GROSSO, 2010, p. 108) acrescentam ainda que, como em

geral este profissional não é um falante nativo da língua que ensina, o professor

encontra no LD uma “referência de correção”. O livro didático de LE, segundo o

documento, funciona para professores e aprendizes como uma “referência

considerada como uso real da língua”, corroborando assim a ideia de que o LD

fornece segurança a alunos e professores, servindo de modelo e parâmetro quanto

à utilização da língua-alvo.

Por estas razões, as OCMT apontam a necessidade de que se disponibilize

material didático adequado para a disciplina de LE, o que possibilitaria uma

sequência no ensino, permitiria a professores e escolas maior autonomia na

determinação de conteúdos relevantes ao contexto dos alunos, servindo de

ferramenta de apoio ao processo de ensino/aprendizagem e contribuindo para a

obtenção dos objetivos propostos para o ensino público.

No entanto, há quem manifeste a preocupação de que, ao invés de

ferramenta de apoio ao ensino, o LD muitas vezes acaba se tornando central no

processo, sendo ele quem define, e não o professor, os conteúdos a serem

ensinados. Assim, uma desvantagem da utilização do LD seria a de que o LD

“usurpa em muitos casos o papel protagônico do professor no planejamento e

adequação dos conteúdos” (idem, p. 108).

Dentre os efeitos negativos ou limitações do LD, Richards (2001, p. 2) ainda

afirma que, quando usado como única fonte de ensino, o LD passa a tomar todas as

decisões, reduzindo o professor a um mero “técnico cuja função principal é

apresentar material preparado por outros”.

45

Pessoa ainda adiciona que o LD

[...] pode não só limitar as possibilidades de ação do professor, como também comprometer as próprias perspectivas de análise e compreensão do ensino, de suas finalidades educativas e de sua função social. (PESSOA, 2006, p. 110)

Richards (1998; 2001), Alonso (1994), Coracini (1999), Cerrolaza (1999),

Allwright (1981), Pessoa (2006), anteriormente mencionados, também afirmam que

o LD muitas vezes tende a apresentar a LE de maneira fragmentada, priorizando a

forma e não o conteúdo da linguagem e, ainda, precisa de constante atualização de

tópicos e conteúdos. Pode ser caro, nem sempre fomenta um ensino centrado no

aluno e, por ser produzido para um grande público, tende à homogeneização e deixa

de atender à realidade e especificidades do contexto dos alunos.

Frequentemente o LD exalta uma variedade da língua ensinada (no caso da

língua inglesa), em detrimento das demais variedades, reforça a ideia de que é

preciso expressar-se como um falante nativo idealizado e se configura de tal

maneira que é tido muitas vezes pelos professores como ‘inquestionável’.

Muitos acabam por posicionar-se radicalmente contra a utilização do LD em

sala de aula de LD, defendendo a abolição do seu uso, por considerá-lo, como notou

Coracini (1999b, p. 34), “um material fabricado artificialmente, pouco ou nada

comunicativo, que escraviza o professor, limitando-o e até impedindo a sua

criatividade”.

Levando em consideração, portanto, as diferentes asserções acerca das

vantagens e desvantagens da utilização do LD em aulas de LE, me parece razoável

afirmar que não seria o caso de fazer com que o ensino gire única e exclusivamente

ao redor do LD, nem tampouco de se rejeitar por completo o seu uso, mas de se

evitar extremos que decorrem de níveis de proficiência incompatíveis com a função

do professor, de posturas que desconsideram certas características da educação

como um todo e ou de capacidades didáticas não totalmente desenvolvidas nos

cursos de formação nas universidades.

Concordo com a afirmação de Bohn (1988, p. 293) de que “os materiais não

devem ser considerados como uma panacéia que vai substituir os maus ou mal

treinados professores ou que os professores bons não precisam de materiais”, além

46

de considera que não existe LD “perfeito”. Antes, tais considerações assinalam a

importância de que o professor seja capaz de adotar uma postura crítica e

relativizadora frente ao LD, atribuindo a este o papel que realmente lhe cabe, que é

o de ferramenta de apoio para o ensino. É preciso também que o professor esteja

preparado para exercer um julgamento com respeito à relevância e aplicabilidade

dos conteúdos, valores e ideologias veiculados pelo LD e esteja apto a realizar as

necessárias adequações e adaptações, personalizando e aproximando o ensino à

realidade de seus alunos.

3.2 O LD e a identidade

Segundo o entendimento baseado no arcabouço teórico com que trabalha a

AD, o processo de subjetivação é relacional; no contato com a alteridade, mediante

o discurso, vão-se imprimindo alterações indeléveis na constituição identitária do

indivíduo (CORACINI, 2003; LAKAN, 1987; MUSSALIM, 2001). Sendo assim, todos

os elementos que fazem parte do contexto escolar – alunos, professores, material

didático – exercem significativa influência no processo de subjetivação do indivíduo-

aluno.

É possível afirmar, portanto, que o LD é uma peça fundamental no processo

de ensino/aprendizagem e tem um papel importante na constituição de identidades

em sala de aula de LE (CORACINI, 2003). Este processo implica a modificação de

referências com que o estudante comparece à escola. Estas referências que são

sobre si próprio e sobre os outros, mais próximos ou a coletividade em que está

incluído e, no aspecto abordado aqui, em relação à língua estrangeira e aos países

dos seus falantes, refletem-se no comportamento do aprendiz.

Devido à relevância do LD como elemento integrante do processo de

ensino/aprendizagem, autores como Dendrinos (1992), Richards (1998, 2001),

Siqueira (2010) e outros, têm se dedicado a analisar os aspectos ideológicos,

políticos e sociais que norteiam a seleção, feita por editoras, de conteúdos e temas a

serem incluídos em livros didáticos de língua inglesa, criando o que Siqueira (idem)

refere como “o mundo plástico do livro didático”.

47

Observa-se uma tendência a evitar abordar certos temas tidos como

polêmicos ou controversos, como pobreza, violência, marginalidade,

homossexualismo, exclusão. Contudo, percebe-se a prevalência da utilização de

temas ‘neutros’ ou ‘inofensivos’, como comidas, roupas, viagens, além de uma

constante preocupação com a estética, a exaltação do belo, do harmônico, do ideal,

de uma sociedade imaginária, desprovida de conflitos e distante da realidade dos

alunos.

Tal aspecto do LD deve ser analisado em profundidade, pois como observa

Siqueira,

[...] não raramente, nos deparamos com atividades e exercícios em materiais didáticos de LE de comprovada qualidade, publicados por editoras multinacionais, escritos por autores de renome na área de ensino e aprendizagem de línguas, que cometem deslizes inimagináveis, reforçando, dentre outras coisas, crenças e valores ultrapassados, incongruentes e altamente discriminatórios. (SIQUEIRA, 2010, p. 231)

O aspecto comentado acima não necessariamente obedece a uma postura

política consciente pautada pelo colonial, mas pelo efeito do inconsciente que evita

mostrar ao outro, dentro do jogo dialógico de imagens, “uma cara feia” do país que

todos preferimos discutir/comentar entre pessoas de uma mesma nacionalidade.

Uma prova disso está em nós mesmos. Se nos fosse encomendado planejar um LD

de português para estrangeiros, quais imagens sociais e urbanas do Brasil

prevaleceriam?

Apesar de provavelmente inconsciente, essa escolha de temas tidos como

‘neutros’ ou ‘inofensivos’ e esse esforço por apresentar uma ‘cara bonita’ do país

onde a língua-alvo é falada como primeira língua, além da apresentação de uma

sociedade idealizada, livre de conflitos e contrastes, em geral culmina por reforçar

valores, crenças, ideologias e representações muito aquém da realidade dos

aprendizes. Em análise dos temas abordados por LDs de língua inglesa, bem como

das imagens e valores sociais e culturais por eles veiculados, Dendrinos (1992, p.

152) salienta que o que, em geral, pode ocorrer, é a “aculturação linguística dos

aprendizes e, consequentemente, sua subjugação a convenções sociais e à

ideologia dominante em que a língua está imersa.”

48

O lado politicamente relevante a que atualmente se atenta, para evitar efeitos

ideológicos pouco desejados com consequências identitárias, é de responsabilidade

do professor e das pessoas assujeitadas por práticas sociais diferentes que lhes

possibilitam detectar o que permanece oculto: o ideológico. Como explicado acima,

sem possibilidades de contraste, tudo se naturaliza. É a isso que também atentamos

através da abordagem desta pesquisa. E o fazemos em função de remeter o ensino

e os meios de que nos utilizamos à vivência dos estudantes e às práticas do seu

contexto social, porque só assim atribuirão relevância aos conteúdos e serão

minimizados efeitos negativos.

Somado ao distanciamento da realidade e cultura dos alunos, a análise

criteriosa de livros didáticos de língua estrangeira revela ainda outro aspecto que

merece atenção.

Em considerações realizadas por autores como Souza (1999), Carmagnani

(1999), Coracini (1999), dando atenção ao LD de LE e a questão identitária,

demonstrou-se que os LDs, em geral, apresentam uma imagem distorcida e

estereotipada da cultura e sociedade estrangeiras como sendo homogêneas,

harmoniosas, superiores e ideais, o que constitui a assinatura ainda em

funcionamento do pensamento da modernidade atravessado pelo colonial. Como o

discurso veiculado em sala de aula (pelo professor e, também, pelo LD) exerce

influência no processo de subjetivação dos alunos, já que, através do contato com o

outro, o sujeito vai construindo uma identidade, uma imagem acerca de si mesmo

em relação ao novo e diferente, as imagens veiculadas pelo LD de LE podem fazer

com que o aluno conceba a língua e cultura estrangeiras como superiores.

Analisando livros didáticos de língua inglesa, Grigoletto (2003) observa que

nessas obras, a imagem apresentada do brasileiro é estereotipada, ressaltando a

pretensa cordialidade, a beleza natural do país e das mulheres brasileiras. A

diversidade é minimizada, contribuindo para a ideia de igualdade; daí a não criação

de um lugar para o estudante brasileiro. A autora assinala que, ‘ao negar as

diferenças e reforçar a igualdade entre povos e culturas, o livro didático afirma a

superioridade do outro. O estrangeiro e sua cultura são superiores e, portanto,

devem ser imitados’ (idem, p. 358).

A língua estrangeira nestas obras tende, ainda, a ser apresentada como

ideológica e politicamente neutra, a língua da união, acima das diferenças de

prevalência étnica, classe social e cultura. O indivíduo, de posse dessa língua, pode

49

ter acesso a conhecimentos importantes e deve procurar expressar-se de forma

homogênea, apagando traços de sua “estrangeiridade”.

Esses fatores, segundo a autora, evidenciam que o discurso didático-

pedagógico é atravessado pelo discurso colonial, veiculando a superioridade da

língua inglesa. O discurso homogeneizador e redutor serve-se também da

construção de representações, que Grigoletto (idem, p. 354) define como “sistemas

de significação que não só veiculam como também atribuem sentido às coisas, num

processo de construção do “real”. Ela afirma que estas reproduções estereotipadas

buscam naturalizar e fixar imagens das culturas representadas, criando a impressão

de que estas identidades são imutáveis, fazem parte da pretensa “essência” de um

determinado povo.

Estas asserções a respeito do discurso do LD assumem relevância quando se

considera que o LD em sala de aula de LE pode ser assumido como um instrumento

de poder, à medida que direciona o fazer pedagógico, determinando os conteúdos a

serem ensinados e deixando uma marca indelével no processo de subjetivação dos

alunos.

Aplicando as considerações de Foucault (2005) acerca das relações de poder

na sociedade ao ambiente escolar, Grigoletto (1999, p. 68) afirma que o discurso do

LD configura-se em um discurso de verdade, pois este se constitui como “um texto

fechado, no qual os sentidos já estão estabelecidos (pelo autor), para apenas ser

reconhecido e consumido pelos seus usuários (professor e aluno)”. Ela aponta

aspectos como o caráter homogeneizador que este exerce nos alunos, a repetição

de estruturas e exercícios, e a maneira “natural” com que as formas e os conteúdos

são apresentados, produzindo o efeito de que o seu discurso é inquestionável.

Essa autora observa ainda que o LD supõe o professor como um mero

‘usuário’ e dessa forma muitos professores se posicionam quanto ao LD em sala de

aula de LE, como meros reprodutores dos conhecimentos veiculados pelo LD, já

que, como nota Coracini (1999, p. 23): “a verdade está aí contida; o saber sobre a

língua e sobre o assunto a ser aprendido ali se encontra”.

O caráter de autoridade do LD encontra sua legitimidade na crença de que ele é depositário de um saber a ser decifrado, pois supõe-se que o LD contenha uma verdade sacramentada a ser transmitida e compartilhada. Verdade já dada que, o professor legitimado e

50

institucionalmente autorizado a manejar o LD, deve apenas reproduzir, cabendo ao aluno assimilá-la. A autoridade do LD estende-se à visão do livro enquanto forma de critério do saber, criando paradigmas norteadores da transmissão de conhecimento em contexto escolar. O LD parece ter como função primordial dar certa forma de conhecimento; “forma” no sentido de seleção e hierarquização do chamado “saber”. (SOUZA D. M, 1999a, p. 27-28)

Considero muito pertinente o argumento de Grigoletto (2003) ao propor a

produção de um LD nacional de LE que não mais represente as identidades como

pretensamente fixas, estáticas, idealizadas e estereotipadas, mas que leve em conta

que a constituição da identidade é processual, fortemente influenciada pelo discurso

veiculado pelo LD e construída nas práticas sociais que se dão também em sala de

aula de LE.

Se afirmamos que é de se esperar que, ao produzir um LD, se procure

veicular uma imagem positiva dos países onde a língua-alvo é falada como LM, além

de valores, crenças, explicações e representações próprios do país onde a língua-

alvo é falada como LM, também podemos afirmar que é possível produzir um LD

que trabalhe a LE com conteúdos e temas que instiguem os alunos à

problematização, ao questionamento, à relativização, à discussão de tais valores,

crenças, explicações e representações. Um LD que não exerça o efeito indesejável

de generalizar, estereotipar e, ao mesmo tempo, homogeneizar a cultura dos

aprendizes e que não os leve a depreciar suas próprias crenças e valores, mas que

esteja mais próximo à realidade dos aprendizes.

3.3 O LD de LE para o Ensino Fundamental

Tendo em vista os aspectos já discutidos neste capítulo, acerca do papel

desempenhado pelo LD no processo de ensino/aprendizagem e da importância da

sua utilização de maneira apropriada como ferramenta de ensino pelo professor, o

Ministério da Educação, através do PNLD 2011, analisou e selecionou duas

coleções de LDs de Língua Inglesa para serem adotados pelas escolas para os anos

finais do Ensino Fundamental.

51

Além de aspectos como respeito à legislação, diretrizes e normas relativas ao

Ensino Fundamental, coerência entre abordagem e objetivos propostos, o trabalho

com as ditas quatro habilidades do arcabouço teórico comunicativo (leitura, escrita,

fala e audição), entre outros, levou-se em conta na escolha das coleções, que o

material reconhecesse a diversidade dos alunos brasileiros, bem como a diversidade

de contextos em que se dá o ensino e a aprendizagem.

Dessa forma, o LD adotado pela escola, dentre os sugeridos pelo PNLD 2011,

pode contribuir de maneira significativa para que o ensino aconteça de maneira

crítica, fomentando nos alunos uma postura de relativização. O professor é peça

fundamental para que isto se dê, ao desempenhar sua prática pedagógica de

maneira crítica, buscando estimular nos alunos uma postura de relativização, de

questionamentos, de discussão, de desnaturalização de sentidos, de aceitação das

diferenças e de valorização da própria cultura.

Conforme aponta McKay, acerca do ensino de inglês:

[...] o objetivo do ensino desse idioma na contemporaneidade não deve ser aquele de levar o aprendiz a internalizar e/ou aceitar os padrões da(s) cultura(s) alvo; ao contrário, os alunos devem ser encorajados a refletir sobre sua própria cultura em relação a outras culturas... (MCKAY, 2002 apud SIQUEIRA, 2010, p. 240)

Tal questão merece consideração, pois conforme analisado anteriormente,

muitos LDs de Língua Inglesa apresentam um discurso colonial e uma visão

estereotipada de cultura e após extenso trabalho com tais materiais, os professores

de LE têm como que ‘internalizados’ neles estes discursos, tornando-se

‘reprodutores’ destes. Isso acontece por que, no contexto de sala de aula, o LD se

configura como o detentor da verdade, um manual do que e como ensinar, um guia

para ser seguido à risca, um referencial de correção tanto no sentido metodológico,

quanto do uso da língua. É muito compreensível, portanto, que o professor, que se

considera um mero transmissor dos saberes contidos no LD, culmine por fazer do

discurso do LD o seu discurso, da visão de sociedade e cultura, valores e ideologias

veiculados por este, os seus próprios.

Como observa Souza,

52

[...] é responsabilidade do professor de língua estrangeira criar condições que favoreçam o processo de desenvolvimento da habilidade crítica do aluno. Entretanto, isso não será possível se não houver iniciativa e disposição do professor para questionar e tentar transformar, na medida do possível, o círculo vicioso texto-perguntas sobre o texto-respostas no texto-via professor via livro didático. (SOUZA, 1999b, p. 102).

Portanto, para que o ensino se dê de forma a instaurar nos aprendizes uma

postura de relativização, motivando-os à desnaturalização de sentidos, formando

cidadãos dotados de uma atitude de respeito e aceitação do outro e da diversidade,

sem deixar de respeitar sua própria cultura, língua e valores, é imprescindível que o

professor tenha seu olhar voltado para estas questões em sala de aula, se afastando

das suas práticas atuais.

53

CAPÍTULO 4 METODOLOGIA DE PESQUISA

Caminhante, não há caminho,se faz caminho ao andar. - Antônio Machado Antologia Poética, 1999.

No presente capítulo procedo à apresentação da metodologia adotada para a

pesquisa, descrição e justificativa da escolha do LD analisado, breve descrição dos

professores participantes e do seu contexto, descrição do questionário utilizado

como instrumentos de coleta e, posteriormente, a análise dos dados obtidos.

4.1 A escolha da metodologia

A presente pesquisa se organiza em torno de dois momentos ou eixos

principais; em um primeiro momento realizamos a análise de dados obtidos através

da seleção de atividades do LD de LE “Links – English for teens”, e em um segundo

momento, a análise de questionários respondidos por professoras de inglês como

LE em escolas públicas das cidades de Cuiabá e Várzea Grande.

O que se objetiva com tal pesquisa é identificar a abordagem de trabalho com

a linguagem que norteou a formulação das atividades propostas pelo LD analisado,

bem como identificar os discursos aos quais remetem as enunciações de

professoras de LI como LE no Ensino Fundamental, evidenciando a concepção de

ensino que subjaz à sua prática. Conforme se caracterizam pesquisas no campo da

Linguística Aplicada, o presente trabalho tem como objetivo final apresentar

sugestões práticas de forma a contribuir para o aprimoramento do trabalho didático,

incentivando posturas críticas em professores e alunos e um fazer pedagógico em

consonância com uma abordagem discursiva de trabalho com a linguagem.

Tais objetivos foram traçados no intuito de responder às perguntas:

54

Como o trabalho com o LD se aproxima de uma abordagem discursiva

no trabalho com a linguagem?

Qual concepção de ensino norteia a prática de professores de LE em

escolas públicas de Mato Grosso?

O que fazer para reverter efeitos pouco desejados e propiciar

resultados afinados com as expectativas atuais?

Sendo assim, o corpus da pesquisa foi constituído, como é próprio de

pesquisas na área da Análise do Discurso, por duas vias, a via experimental e de

arquivo (Pêcheux, 1997). Para a obtenção de dados pela via experimental, o

pesquisador/analista elabora perguntas, estrategicamente formuladas de acordo

com os objetivos de sua pesquisa e as enunciações produzidas a partir de tal

situação (as respostas dadas pelos participantes) passam a fazer parte do corpus,

servindo de material para análise do pesquisador. Na presente pesquisa, as

professoras participantes responderam a um questionário composto pelas seguintes

perguntas:

Qual a sua formação e há quanto tempo ministra aulas de língua

inglesa?

Em sua opinião, qual a importância do ensino de língua inglesa? E por

que ela se tornou tão importante na atualidade?

Você considera importante trabalhar questões relacionadas aos

valores, costumes e temas relacionados ao cotidiano dos alunos em

suas aulas? Por quê?

Como você avalia o trabalho do livro didático com respeito a

gramática, vocabulário, leitura e oralidade? Acha que algum desses

aspectos é trabalhado de maneira insuficiente? Em caso afirmativo,

como você supre essa necessidade?

Na via de arquivo, o corpus é constituído de documentos ou enunciações

acerca de determinado tema, produzidos em situações discursivas reais, com fins

outros que não o de serem analisados. Conforme observa Revel (2005, p. 19) “o

arquivo representa, portanto, o conjunto dos diversos discursos efetivamente

pronunciados numa época e que continuam a existir através da história”. É decisão

55

posterior do pesquisador/analista selecionar os documentos ou enunciações para

fazer parte de seu corpus de pesquisa. No presente trabalho, tal explicitação se

refere a atividades selecionadas do LD “Links – English for teens”. Conforme

Possenti (2006, p. 96) ao selecionar seu corpus, o analista “necessariamente

privilegiará determinados aspectos, o que dependerá de seu projeto de análise”.

Sendo assim, foram escolhidas atividades de diferentes unidades, ao longo dos 4

volumes da série, que servem de pano de fundo para discussões que podem

oferecer ao aprendiz oportunidades de significar-se na LE. Ao mesmo tempo, estas

atividades fomentam uma postura de criticidade e relativização, estando em

consonância com uma proposta de trabalho de viés discursivo.

Aplicando à totalidade de nossa pesquisa as considerações que Gregolin

(2004) faz de Foucault acerca de arquivo, afirmamos que nesta análise objetivamos

aceder à “positividade” do corpus, pois

Quando se conseguir enxergar, analiticamente, na dispersão de enunciados, regularidades de acontecimentos discursivos, estaremos segundo Foucault, diante da sua positividade, que caracteriza sua unidade através do tempo e muito além das obras individuais, dos livros e dos textos. Se a positividade não revela quem estava com a verdade, pode mostrar como os enunciados “falavam a mesma coisa”, colocando-se no ‘mesmo nível’, no ‘mesmo campo de batalha’. Toda a massa de textos que pertencem a uma mesma formação discursiva comunica-se pela forma de positividade de seus discursos, pois ela desenvolve um campo em que podem ser estabelecidas identidades formais, continuidades temáticas, translações de conceitos, jogos polêmicos. (GREGOLIN, 2004, p. 91)

A análise do corpus (questionários e atividades do LD) busca identificar os

sentidos que podem ser produzidos da interpretação da materialidade linguística,

através da articulação entre o linguístico, o social e o histórico (MELO, 2005). A

materialidade linguística, portanto, não é apenas forma ou texto, mas é concebida

como materialização da ideologia, manifestação do inconsciente, possibilitando ao

analista identificar a filiação do sujeito a determinado discurso.

[...] o texto é a unidade que o analista tem diante de si e da qual ele parte. [...] por isso, no procedimento de análise, devemos procurar remeter os textos ao discurso e esclarecer as relações deste com as formações discursivas pensando, por sua vez, as relações destas

56

com a ideologia. Este é o percurso que constitui as diferentes etapas da análise, passando-se da superfície linguística ao processo discursivo. (ORLANDI, 2005, p.71)

Assim, o analista, ao selecionar e determinar o que fará parte do corpus de

sua pesquisa, já está realizando sua análise (ORLANDI, 1988). Ao delimitar o

recorte de sua análise, já está pondo em operação a teoria. Tomamos nossos

dados, a materialidade linguística, portanto, como ponto de partida, de onde

possamos observar enunciados, identificar os discursos a que estes se remetem,

suas formações discursivas e consequentemente, ideológicas. Visto ser o objetivo

da presente análise remeter os enunciados às FDs, compreender as vozes que se

fazem presentes nos discursos analisados, vale ressaltar que, ao descrever e

interpretar os dados, não procuro fazê-lo de maneira exaustiva (ORLANDI, 2005) ou

“completa”. A constituição do corpus não se deu tendo em mente uma significativa

quantidade de dados, mas sim em sua representatividade para a análise. Foram

feitos recortes que tornassem possível evidenciar a relação entre os enunciados e

os discursos, entre os enunciados e os sentidos que a eles podem ser atribuídos.

Descrevendo o percurso metodológico que um pesquisador baseado na AD

deve percorrer, Orlandi (2005) descreve 3 etapas. Este deve partir de uma

dessuperficialização do corpus, da materialidade ou superfície linguística,

procurando evidenciar as formações discursivas (FDs) a que estes discursos

remetem, transformando-o em objeto discursivo e daí então em processo discursivo,

relacionando as FDs à formação ideológica (FI) que as rege.

Passemos agora a uma descrição do LD analisado, bem como uma descrição

das professoras envolvidas na pesquisa.

57

4.2 Justificativa da escolha e descrição do corpus

O LD

Em 2010, pela primeira vez, o Ministério da Educação, através do Programa

Nacional do Livro Didático – PNLD (programa em existência há mais de 10 anos),

analisa e seleciona LDs para a disciplina de Língua Estrangeira Moderna (LEM):

Espanhol e Inglês para as séries do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental em

escolas públicas do país. Tal fato por si só já demonstra a relevância com que a

disciplina de LE passa a ser encarada e acena para sensíveis melhoras na

qualidade do ensino.

Das 26 coleções de LD de LI que foram submetidas à criteriosa análise, duas

foram selecionadas e sugeridas pelo Guia de Livros Didáticos (BRASIL, 2010); a

obra “Keep in Mind” de autoria de Elizabeth Young Chin e Maria Lúcia Fernandes

Abreu Zaorob, Editora Scipione e a obra “Links – English for teens” dos autores

Amadeu Onofre da Cunha Coutinho Marques e Denise Machado dos Santos, pela

Editora Ática.

Os critérios que nortearam a seleção das obras são descritos pelo Guia

(idem) como sendo, dentre outros, linguagem contextualizada, situações autênticas,

trabalho com as 4 habilidades (leitura, escrita, compreensão auditiva e oralidade),

incentivo à autonomia do aprendiz, objetivando a instauração de uma postura

reflexiva. Como explicita o documento, uma das características ideais do LD

[...] deveria ser a de reconhecer as marcas identitárias dos diversos alunos brasileiros, tais como gênero, raça e classe social, entre outras, além da diversidade de contextos de ensino e aprendizagem do Brasil, prevendo a diversidade do público alvo ao qual ele se destina. [...] é fundamental que os livros contribuam para a desnaturalização das desigualdades e promovam o respeito às diferenças. Em síntese, o livro precisa contribuir para a formação de cidadãos críticos e reflexivos, desprovidos de preconceitos, capazes de respeitar a si mesmos e a outros, a sua própria cultura e as dos outros, partindo de experiências críticas e reflexivas com a língua estrangeira.

(BRASIL, 2010, p.12)

58

Diante de tais critérios, optou-se por escolher para a análise uma das obras

que preencheu os requisitos satisfatoriamente, sendo também sugerida pelo Guia

PNLD para a disciplina de LEM. Trata-se da coleção “Links – English for teens”, São

Paulo, Editora Ática, 2009. De acordo com a descrição da obra, a coleção tem como

objetivo:

[...] estabelecer ligações, apresentar conexões entre a língua inglesa e os temas que fazem parte do mundo do estudante de Ensino Fundamental II. Através dessas ligações, o estudante vai aprender a ler, ouvir, falar e escrever em inglês para poder comunicar-se sobre assuntos relevantes e que têm tudo a ver com ele, num processo de construção do conhecimento e de formação da cidadania que é ao mesmo tempo sério, eficiente e dinâmico. (SANTOS, D.; MARQUES, A., 2009, Disponível em: < http://www.atica.com.br/SitePages/Obra.aspx?cdObra=1539&Exec=1>. Acesso em: 20 set. 2011. )

Através da análise de atividades,assim como de imagens e personagens do

LD, procurou-se observar quais são os prováveis efeitos identitários decorrentes do

trabalho com o LD e como este trabalho contribui para a formação de aprendizes

dotados de uma postura de reflexão e desnaturalização de sentidos.

As professoras

A pesquisa com as professoras decorre de que a proposta dos documentos

oficiais é uma abordagem de ensino de LE de viés discursivo. Esse parece ser o

embasamento dos autores do LD, já que não parece haver ruptura de coerência

entre os documentos oficiais e o que objetivam os dois professores: instaurar nos

aprendizes uma atitude crítica e de relativização. Para que tal objetivo seja

alcançado, considero de suma importância que o fazer pedagógico dos próprios

professores se aproxime da referida abordagem.

Portanto, foram aplicados questionários a professoras de escolas públicas de

Cuiabá e Várzea Grande que optaram pela adoção do LD “Links – English for teens”,

no intuito de investigar quais efeitos de sentido podem se refletir no seu discurso,

quais as formações discursivas em que se inscrevem e as formações ideológicas a

59

que estes discursos remetem, o que indica a concepção de ensino subjacente à sua

prática e até que ponto esta se aproxima de uma abordagem de viés discursivo.

Participaram da pesquisa 5 professoras: Liana, Débora, Patrícia, Bárbara e Joana.

(nomes fictícios)

A primeira professora a responder o questionário, Débora, é formada em

Letras, com habilitação em Inglês e Português, e ministra aulas de LI há 2 anos e 6

meses.

A segunda professora a responder o questionário, Liana, é formada em

Letras, com habilitação em Inglês, Português e Espanhol, e ministra aulas de LI há

09 anos.

A terceira professora a responder o questionário, Patrícia, é formada em

Letras, com habilitação em Inglês e Português, e ministra aulas de LI há 04 anos.

Também responderam ao questionário: Bárbara, uma aluna do curso de

Letras, habilitação em Inglês e Português, que está cursando o último semestre e

está ministrando aulas de LI há 01 semana na escola como estagiária, e uma

professora substituta, Joana, formada em Letras, com habilitação em Português e

Literatura, há 04 anos.

Tanto as três professoras efetivas referidas acima quanto a professora

substituta e a estagiária se desempenham em escolas estaduais.

As professoras foram contatadas nas escolas, durante o período letivo e

responderam os questionários. O número reduzido de professoras entrevistadas se

justifica porque o que se objetiva na presente pesquisa é uma pequena mostra do

que se observa em geral e eu, enquanto professora, tenho podido constatar que

profissionais de ensino advindos de cursos de formação de professores de inscrição

sócio-interacionista e construtivista, não contemplam o lado discursivo do trabalho

com a linguagem.

Também se justifica a análise de questionários respondidos por uma

professora substituta e uma aluna em estágio de conclusão de curso, pois tais

respostas podem fornecer dados relevantes acerca do perfil de profissionais

formados por cursos de Letras, atuando como professores de LI, em escolas

públicas do Estado.

Após a coleta dos questionários, as respostas das professoras foram

dessuperficializadas e transformadas em objeto discursivo, podendo assim ser

analisadas à luz dos pressupostos da AD.

60

A análise do LD e dos questionários das professoras tem como objetivo

apresentar sugestões de forma a contribuir com o ensino de LI como LE em escolas

públicas mato-grossenses, no intuito de formar aprendizes e cidadão críticos nos

moldes de uma abordagem de ensino discursiva.

61

CAPÍTULO 5

ANÁLISE E DISCUSSÃO DE DADOS

[...] toda vez que falamos, ao tomar a palavra, produzimos uma mexida na rede de filiações dos sentidos, no entanto, falamos com palavras já ditas. - Eni Orlandi Análise de discurso: Princípios e procedimentos, 2005, p. 36.

Neste capítulo, realizo a análise e discussão de excertos do LD “Links –

English for teens” de forma a colocar em evidencia os prováveis efeitos identitários,

que podem ocorrer nos aprendizes, decorrentes do trabalho com o LD e como este

se aproxima de uma abordagem discursiva de trabalho com a linguagem. Procuro,

também, relacionar tais excertos com a proposta delineada por documentos oficiais

para o ensino/aprendizagem de LE em escolas públicas, com o objetivo de

demonstrar de que maneira o trabalho com o LD propicia o fazer pedagógico

postulado por tais documentos.

5.1 “Links – English for teens”

Com base no que foi exposto até agora, inicio a análise de excertos do LD,

focalizando suas personagens, as atividades e temas abordados nas propostas de

discussões. Através da análise, procuro observar qual a concepção de

aprendizagem de LE subjaz à elaboração do LD e que efeitos identitários se

apresentam como os mais prováveis em decorrência do trabalho com o LD de língua

inglesa “Links – English for teens” nos estudantes, bem como observar qual é a

contribuição do trabalho com o LD para a formação de um aluno crítico e ainda, de

que maneira a abordagem do LD está afinada com a abordagem postulada por

documentos oficiais para o ensino de LE, em escolas públicas no contexto atual.

62

A coleção “Links-English for teens” é produzida nacionalmente, tendo como

público - alvo alunos brasileiros. É composta por 4 volumes, que vão do 6º ao 9º ano

do Ensino Fundamental. Cada volume é dividido em 10 unidades.

O livro do aluno traz as atividades propostas para o trabalho em sala de aula,

com exercícios de sistematização de gramática e vocabulário ao final do livro.

Também no final, é possível encontrar uma lista com sugestões de leituras para os

alunos, muitas em português. Os textos apresentados são, em geral, ‘não-

autênticos’, artificialmente produzidos para o ensino de LE. Os temas discutidos nas

unidades abrangem temas transversais como pluralidade cultural, cidadania, ética,

saúde, linguagem, meio-ambiente, diversidade, consumismo, em conformidade com

as orientações dos PCNs.

A coleção conta ainda com um CD de áudio, ao final do livro do aluno, e o

manual do professor com informações acerca da metodologia que embasa a obra,

sua organização, informações culturais e sugestão de estratégias.

A apresentação do LD

O LD traz na sua introdução, o seguinte trecho de apresentação:

Bem-vindo ao mundo da Língua Inglesa! Pensando bem, há muito tempo esse exciting world não é novidade para você. Ouvir música (e cantar junto!) em inglês, vestir aquela t-shirt com sua frase preferida (in English!), ir ao cinema e ver aquele filme que acabou de ganhar vários oscars, tudo isso mostra que a Língua Inglesa está à nossa volta. Hey, não podemos nos esquecer de comprar um milkshake e um pacote de popcorn, companheiros indispensáveis para um filme mais gostoso. O inglês está vivamente presente no nosso dia a dia, nos CDs que escutamos, na internet, nos e-mails, nos vídeos, nos blogs, nos chat rooms, nos sites e nos links! A língua inglesa já faz parte do seu mundo, este seu livro de inglês vai fazer exactly esse trabalho, estabelecendo ligações, apresentando conexões entre a língua inglesa e os temas que fazem parte desse seu mundo. Através dessas ligações você vai aprender a ler, ouvir, falar e escrever em inglês para poder comunicar-se (in English, of course!) sobre assuntos relevantes e que têm tudo a ver com você, num processo de construção do conhecimento e de formação da cidadania que é ao mesmo tempo sério, eficiente e dinâmico. Então... Let’s get to work! (p.3)

63

Nessa apresentação, os autores do LD, ao se dirigirem aos alunos, através do

uso de um estilo de linguagem mais informal e mais próximo ao estilo de linguagem

dos indivíduos dessa faixa etária (“sua frase preferida”, “aquele filme que acabou de

ganhar vários oscars”, um filme mais gostoso”), indicam que o objetivo da obra é o

ensino da língua inglesa, relacionando-a a temas que concernem à sua realidade.

No texto, o uso do recurso gráfico em itálico, nas palavras advindas da língua

inglesa, busca ressaltar que a língua inglesa já faz parte do cotidiano dos estudantes

– de tal forma que, muitas vezes, o próprio aluno nem se dá conta – e que, portanto,

não é algo alheio ao seu interesse.

Assegurar o aprendiz de que a LE é relevante para ele e faz parte de um

conhecimento de mundo que, em parte ele já possui, é de vital importância para que

o aprendizado aconteça de forma eficaz, pois como observado pelas OCMT “a

própria língua estrangeira mina essa segurança desde os primeiros contatos do

estudante com ela” (MATO GROSSO, 2010, p.46).

O trabalho do LD será de propiciar ao aprendiz condições para que este

possa produzir enunciações e sentidos na língua-alvo, e que o processo de

ensino/aprendizagem no qual está prestes a se engajar afetará a constituição de sua

subjetividade, enquanto cidadão brasileiro.

Tais afirmações já acenam na direção de demonstrar que a proposta do LD

está em consonância com o que é postulado por uma abordagem discursiva no

trabalho com a LE, que considera o sujeito (nesse caso o sujeito-aprendiz) como

inscrito em uma formação discursiva (FD), localizada no interior de uma formação

ideológica (FI), a partir da qual enuncia. A produção enunciativa desse sujeito ganha

coerência apenas do interior de uma FD. Estes fatores devem ser levados em conta

quando se considera a produção de linguagem e sentidos.

Nessa abordagem, o discurso não é considerado como mera troca de

informações, mas como efeitos de sentidos entre os interlocutores (PÊCHEUX,

1969), como um acontecimento social e, portanto, ideológico.

Sendo assim, uma aprendizagem bem-sucedida de uma LE, do ponto de vista

discursivo, envolve produzir sentidos, significar-se, inscrever-se nessa língua, o que

contrasta com uma abordagem de ensino pautada pela mera repetição de estruturas

gramaticais e vocabulário vazios de sentido. É preciso levar em conta que o

aprender uma LE colocará o aprendiz em contato com novas vozes,

64

questionamentos e ideologia que influenciarão sua subjetividade e obrigatoriamente

produzirão re-significações (CORACINI, 2003).

Atividades como a que será introduzida a seguir, extraída da segunda

unidade no volume para o 9º ano do Ensino Fundamental, indicam a necessidade de

considerar o que se sustenta no parágrafo acima. Nessa atividade, se oferece aos

alunos uma oportunidade de tentar se inscrever na LE, ao produzir uma frase que

eles gostariam de ver estampada em uma camiseta. Com esse exercício, não

trabalham vocabulários e expressões descontextualizados, mas produzem sentidos

ligados à sua subjetividade, temas que os concernem e que fazem parte de seu

mundo.

65

Com base nesses pressupostos da abordagem discursiva, defende-se aqui

que um ensino de LE que propicie a formação de alunos críticos e dotados de

postura de relativização e que seja apropriado para as especificidades da sociedade

no contexto atual. Não deve considerar o trabalho com a linguagem como neutro,

como inocente transmissor de conhecimentos, considerando os aprendizes como

receptáculos vazios a serem preenchidos de informações linguísticas, estruturas

gramaticais e listas de vocabulário desprovidos de conteúdo.

66

O ensino de LE, antes, deve levar em conta a dimensão social, histórica e

ideológica do trabalho com a linguagem, além de buscar levar os aprendizes a

engajarem-se discursivamente, assim significando e atribuindo sentido ao que

enunciam. Acerca da importância do engajamento discursivo dos aprendizes no

processo de ensino\aprendizagem de LE, lemos nos PCNs que:

A aprendizagem de uma língua estrangeira deve garantir ao aluno seu engajamento discursivo, ou seja, a capacidade de se envolver e envolver outros no discurso. Isso pode ser viabilizado em sala de aula por meio de atividades pedagógicas centradas na constituição do aluno como ser discursivo, ou seja, sua construção como sujeito do discurso via Língua Estrangeira. Essa construção passa pelo envolvimento do aluno com os processos sociais de criar significados por intermédio da utilização de uma língua estrangeira. (BRASIL, 1998, p.19)

Essa concepção teórica fica evidente em várias atividades propostas ao longo

das unidades nos 4 volumes da coleção. Analisemos, a partir de agora, como são

divididas as unidades, qual o enfoque dado, em geral, ao trabalho com a LE em

seus diferentes aspectos e como se evidencia a subjacente concepção teórica de

linguagem e ensino.

As unidades

Cada volume da coleção é composto de 10 unidades, nas quais as atividades

são divididas em seções que seguem a mesma ordem, ao longo dos 4 volumes.

A seção intitulada “Let’s read!” inicia cada unidade e é dedicada ao trabalho

com a leitura. Logo em seguida, a seção “Let’s listen” promove a compreensão

auditiva e a seção “Let’s speak” aborda a prática oral da LE.

As estruturas gramaticais e o vocabulário relevantes de cada lição são

praticados, não de forma estanque e descontextualizada, mas em função da

enunciação, nas seções “Grammar in action”, “ Grammar notes” e “Words in

action”.

67

Na seção “Let’s write” o aluno é levado a praticar a LE na modalidade escrita.

A seção “Let’s play” traz sugestões de jogos e atividades para a prática da LE de

maneira lúdica. E a unidade se encerra com a seção “Let’s stop and think” em que

os aprendizes são encorajados à reflexão e à discussão acerca de um tema

relacionado ao da unidade, ao cotidiano dos alunos ou de importância para a vida

em sociedade.

“Let’s read!’

Os textos apresentados ao longo da coleção são, em geral, não-autênticos,

artificiais, ou seja, produzidos para o ensino de LE, e cobrem um número limitado

de gêneros. O texto literário não recebe significativa atenção na obra. As

atividades, em especial no primeiro volume, limitam-se a que o aluno identifique o

tipo de texto, sua organização, palavras-chave e ideias principais. Também se

praticam estratégias de leitura, como a inferência do vocabulário pelo contexto e

previsão da informação. Acredito que, talvez mesmo por se tratar do primeiro

volume, nas atividades de leitura, em sua maioria, a forma como os textos são

trabalhados e como o aprendiz é levado a posicionar-se frente ao texto,

apresentam baixo nível de complexidade e profundidade, do ponto de vista

discursivo.

Aspectos de uma unidade: representações e enunciação

Observemos a reprodução abaixo de uma atividade de leitura, encontrada na

9ª unidade do volume para o 6º ano do Ensino Fundamental:

68

69

Na primeira figura, as atividades propostas para o texto sugerem que os

alunos identifiquem o tipo de texto e sua organização. O texto é uma mensagem de

e-maiI em que uma das personagens descreve o Brasil, suas maiores cidades,

número de habitantes, importância econômica e industrial, praias, atrações

turísticas e belezas naturais. O povo é descrito como gentil e amigável e “mesmo

quando a vida é difícil, ele tem um sorriso no rosto e um sorriso para você.”3

Considero que nesta atividade, o tema poderia ter sido explorado de maneira

mais relevante no que tange às representações, pois apresenta a mesma visão

3 As traduções apresentadas ao longo do trabalho são de responsabilidade da autora.

70

estereotipada do povo brasileiro comum a LDs de língua inglesa que, conforme

apontado por Grigoletto (2003), tendem a veicular uma imagem estereotipada e

distorcida do Brasil e do povo brasileiro, exaltando as belezas naturais do país e a

suposta cordialidade dos seus habitantes.

A partir do segundo volume da coleção, destinado ao 7° ano do Ensino

Fundamental, ocorre um aprofundamento na maneira como as atividades de leitura

são exploradas, do ponto de vista discursivo. Nos demais volumes da coleção, na

seção “Let’s read!” são abordados temas que tratam da cultura de países onde a LI

é falada como LM, problemas enfrentados por adolescentes, esportes, alimentação

saudável, classificação indicativa de jogos eletrônicos, segurança na internet,

mudanças climáticas e poluição, além do trabalho com tipologia textual, estratégias

de leitura e vocabulário. Em muitas das atividades, o aluno é levado a não apenas

decodificar o texto como se o sentido já estivesse dado, mas a produzir sentidos,

posicionar-se frente ao texto, refletir acerca do tema tratado.

Digna de nota é a atividade de leitura acerca de violência doméstica, proposta

no último volume da coleção, para o 9º ano do Ensino Fundamental, na unidade 9,

que trata de relacionamentos. Neste texto, o leitor encontra conselhos dados a uma

adolescente que diz temer que seu namorado reaja de maneira violenta, caso ela

termine o relacionamento. Ao final da atividade, os estudantes discutem em grupo

se consideram ser uma boa ideia buscar ajuda em uma situação como essa e

como encaram a atitude de terminar um relacionamento através de mensagens de

e-mail.

Menciono a discussão deste tema no LD porque vai de encontro com a

tendência, observada por alguns estudos dedicados à análise de LDs de língua

inglesa como LE, de se realizar um ‘saneamento’ nos temas discutidos nessas

obras, optando-se por abordar temas mais inofensivos e menos polêmicos

(SIQUEIRA, 2010). Tal tendência, no entanto, não contribui para a formação de um

sujeito-aprendiz crítico, nem muito menos, traz para a sala de aula temas de

relevância e que fazem parte do contexto dos alunos, mas criam o que Siqueira

(idem) chama de “um mundo plástico”, imaginário e irreal.

71

72

“Let’s stop and think”

A seção “Let’s stop and think” encerra cada unidade, convidando o aluno a

discutir e refletir acerca do tema trabalhado na unidade. São discutidos temas

transversais como ética, cidadania, meio ambiente, diversidade, linguagem, entre

outros.

Considero que esta é uma das seções do livro que mais contribui para a

formação de um aprendiz crítico, pois muitas das discussões, propostas ao longo

da coleção, incitam o aluno à desconstrução de conceitos e a uma postura de

relativização. As discussões propostas, devido ao nível de complexidade dos

temas, geralmente devem ser conduzidas usando a língua materna dos

aprendizes, o que está em consonância com a proposta das OCMT, que afirmam

que:

À medida que vão se apropriando da oralidade, os aprendizes são instigados a comparar ideias, desenvolver argumentos, pontos de vista e fazer escolhas adequadas ao contexto em que está inserido. Isto envolve um percurso espontâneo, de idas e vindas entre as línguas portuguesa e estrangeira para tornar significativo o que querem dizer/escrever e o que escutam ou lêem. Essa dinâmica tem por efeito a apropriação da sua inscrição enunciativa na língua estrangeira. (MATO GROSSO, 2010, p. 45)

Essa proposta se justifica, pois se considera que a primeira inscrição que o

sujeito faz na linguagem se dá em sua língua materna, e é por meio dela que ele

tem acesso ao estrangeiro, a outra maneira de enunciar e de enxergar o mundo. É

através dela que o indivíduo pode ser capaz de interpretar, de produzir sentidos.

Logo, como defende Pedroso,

Los valores y nociones [...] sólo se vuelven ideologicamente significativos a través de la lengua materna porque ella es el modelo para el contraste y sólo mediante el trabajo contrastivo, comparativo, formal y argumentativo, hacemos significativa la enunciación del otro. (PEDROSO, 2007, p. 119)

73

Interessante é o trabalho das seções com respeito às representações acerca

do povo brasileiro. Conforme definido por Grigoletto (2003, p. 354), as

representações atuam como “sistemas de significação que não só veiculam como

também atribuem sentido às coisas, num processo de construção do “real”. Como

observado pela autora, em LDs de LI como LE, as representações veiculadas do

povo brasileiro são homogeneizadoras e reforçam a impressão de que

determinadas características são inerentes ao povo, imutáveis, fazem parte de sua

“essência”. Neste sentido, exercícios como os analisados a seguir, levam o

estudante a questionar os estereótipos associados à forma como o Brasil e o povo

brasileiro são representados.

No exercício abaixo, as personagens se questionam acerca da forma como o

Brasil é representado em um parque de diversões nos Estados Unidos.

74

Na atividade a seguir, essas representações do povo brasileiro são postas em

questionamento, na seção “Let’s stop and think”, em que o aluno se depara com um

pôster com os dizeres “Brazil is wonderful” (O Brasil é maravilhoso) acompanhado

de figuras que geralmente são usadas para representar o país – carnaval, futebol,

75

animais silvestres e café. Uma das personagens do livro observa o pôster, com uma

expressão aparentemente incomodada, e diz “Brazil is much more than that!” (O

Brasil é muito mais do que isso!). Acima da figura, a pergunta: “What is Brazil for

you?” (O que é o Brasil pra você?).

Podemos ressaltar nessa atividade, e em outras semelhantes ao longo dos 4

volumes da série, que se observa a tentativa de se construir um lugar discursivo

para o aluno brasileiro, ele não é levado a apenas “encaixar-se” na cultura

estrangeira. Ele é levado a refletir sobre semelhanças e diferenças entre língua,

cultura, costumes e valores estrangeiros e os seus próprios, levando-o a

problematizar o processo social no qual a identidade e a diferença são produzidas e

instaurando uma atitude de relativização e criticidade no processo de aprendizagem

(SILVA, 2000; GRIGOLETTO, 2003).

O uso de perguntas abertas, neste caso “O que você pensa a respeito dessa

representação do Brasil?”, “O que é o Brasil para você?”, denota uma tentativa de

76

quebra dos paradigmas do discurso pedagógico (DP) presente na escola e em

LDs, em que geralmente figura o discurso autoritário.

A respeito do discurso pedagógico, Orlandi (1987) afirma que é um tipo de

discurso que se propõe neutro, científico, cujo objetivo é única e exclusivamente a

transmissão de informações. O aluno, no discurso autoritário, é concebido como

aquele que não sabe e está na escola para aprender e tem os seus conhecimentos

de mundo desconsiderados, abafados. Este tipo de discurso se apresenta

arbitrariamente, pois “fixa o ouvinte na posição de ouvinte e o locutor na posição de

locutor” (idem, p. 33), dando ao aluno pouco espaço para expressar-se ou

discordar. Como define a autora,

O DP é um discurso autoritário: sua reversibilidade tende a zero (não se dá a palavra), há um agente único (aquele que tem o poder de dizer), a polissemia é contida (se coloca o sentido único), o dizer recobre o ser (o referente está obscurecido). (ORLANDI, 1987, p. 85)

No caso da atividade analisada, a voz do LD não se configura como

autoridade, não apresenta sua opinião como irrefutável, dando ao aluno pouca

chance de diálogo, não procura exercer controle sobre a resposta do aprendiz, não

evoca a noção de erro; antes, dá voz ao aluno, sugere uma polissemia, ou

multiplicidade de sentidos e respostas possíveis, não há certo e errado em sua

resposta.

Essa aproximação a uma postura discursiva no trabalho com a linguagem

denota a concepção de que, segundo Orlandi (1996, p. 30), “Há uma injunção à

interpretação. Diante de qualquer objeto simbólico, somos instados a interpretar”.

Portanto, o exercício não exige arbitrariamente que o aluno encontre a resposta

correta, nem o priva do direito de realizar uma interpretação, silenciando-o. Mas

demonstra conceber o aluno como sujeito discursivo, capaz de interpretar, capaz

de produzir sentidos que transcendem as fronteiras do LD.

O mesmo se pode observar no exercício a seguir, encontrado na 9ª unidade

do segundo volume da coleção, para alunos do 7º ano do Ensino Fundamental,

que suscita uma discussão a respeito de zoológicos.

77

O exercício simula uma situação em que os alunos, após visitarem um

zoológico, realizam uma discussão ética: é justificável manter animais em cativeiro?

O exercício apresenta dois pontos de vista divergentes acerca da utilidade dos

zoológicos; por um lado promovem a educação ambiental e conservação de

78

espécies e por outro lado, configuram-se como crueldade contra os animais. Os

aprendizes são convidados a refletir e expressar a sua opinião. O discurso afasta-se

dos moldes do discurso autoritário, com que, em geral, trabalham a escola e o LD, e

caminha em direção a um discurso mais polêmico, em que há mais espaço para

polissemia (ORLANDI, 1987). No caso do exercício proposto, não há verdadeiro ou

falso, certo ou errado, apenas perspectivas distintas de se encarar a mesma

questão.

O LD e a homogeneização

O discurso pedagógico da escola e do LD funcionam com a homogeneização

dos estudantes, dos conteúdos, dos conhecimentos (ORLANDI,1987;

GRIGOLETTO, 2003), que podem ter como efeito indesejável “o abafamento da

heterogeneidade, das diferenças, promovendo uns ao lugar de centro e relegando

outros às margens” (CORACINI, 2003, p. 152). As identidades nacionais e a

sociedade, com seus hábitos, crenças, valores e costumes, também tendem a ser

apresentadas de forma homogeneizada, idealizada, estereotipada, como se fossem

fixas, estáveis. Isso é comum em LDs de LI, onde tanto a sociedade estrangeira,

quanto a sociedade brasileira são retratadas como homogêneas, estanques, sem

diferenças, imperfeições, conflitos, nem diversidade, construindo uma espécie de

‘realidade’ que só existe nas páginas do LD.

Em uma abordagem discursiva de trabalho com a LE, essa atitude

homogeneizadora não se justifica, pois não contribui para a formação de aprendizes

críticos, que problematizem as diferenças (SILVA, 2000). Observa-se, contudo, em

várias atividades na obra analisada, uma tentativa de levar o sujeito-aprendiz a

considerar a diversidade que compõe a nação brasileira, a questionar as

representações e os estereótipos, a aceitar as diferenças. Esse processo contribui

para que o estudante aprenda a respeito do Outro, da cultura e língua estrangeiras,

ao mesmo tempo em que valoriza o próprio, o local onde vive.

Abaixo observamos uma atividade de discussão proposta para alunos do 6°

ano do Ensino Fundamental, encontrada logo ao final da primeira unidade. A

atividade apresenta um mapa do Brasil, com a divisão dos Estados e fotos de

79

diferentes pessoas, de diferentes cores e etnias em cada Estado. Acima do mapa, a

palavra “Brasileiros” e as perguntas “Essas pessoas são similares ou diferentes? O

que elas têm em comum?”

As imagens usadas na atividade indicam que o povo brasileiro não é

homogêneo, mas heterogêneo, constituído por uma mescla de pessoas de

diferentes etnias. As perguntas visam levar o aluno a essa reflexão e à compreensão

dessa diversidade. Essa visão está em harmonia com os pressupostos delineados

pelas OCMT para o trabalho com a LE, pois o documento afirma que:

[...] as línguas estrangeiras podem ser vistas como a presença viva da diferença cultural na escola, outras formas de compreender e nomear o mundo, e não um estudo de vocabulário e sintaxe

80

mecânico, repetitivo e desconectado de sua historicidade e mesmo do sentido histórico de sua presença na matriz curricular. (MATO GROSSO, 2010, p. 73)

Também é interessante notar que o LD não contribui para a exaltação da

cultura norte-americana ou anglo-saxã, tão frequente em LDs de língua inglesa. Ao

longo dos volumes da coleção observa-se a exploração de elementos culturais de

diversos países e culturas, como celebrações espanholas (encontradas na unidade

5 do volume para o 7º ano), informações a respeito de Angola (encontrados na

unidade 8 do volume para o 6° ano), lanches típicos em diversos países (nessa

atividade, encontrada na unidade 5 do volume para o 8° ano, os alunos comparam o

que é típico nos EUA, Ucrânia e França). Nas atividades mencionadas, os

aprendizes são incentivados a comparar costumes e práticas de outros países com

os seus próprios, não exaltando um ou outro, apenas apresentando-os como

diversos.

As personagens que figuram nos 4 volumes da coleção também contribuem

para incitar o aprendiz a questionar o conceito de diversidade. Geralmente, em LDs

de LI observa-se a apresentação de um mesmo tipo de pessoas, de uma mesma

etnia, com as mesmas características consideradas ‘normais’ ou ‘ideais’, em geral

“uma família loira, branca, heterossexual, com um casal de filhos (mostrando

claramente que todos visitam o dentista regularmente)” (PENNYCOOK, 2000, p.

100). Pode-se ainda perceber a tendência de evitar um certo grupo de pessoas e

temas em LDs de LI; temas como pobreza, deficiências ou anomalias físicas

diversas, terceira-idade, entre outros.

Diferente dessa postura, o LD analisado apresenta personagens de diversos

países (dentre eles Brasil, Estados Unidos, Argentina, Angola, Inglaterra), etnias,

culturas, idades e níveis sócio-econômicos. É digno de nota que uma das

personagens de destaque na coleção é Simone, uma adolescente cadeirante cujos

desenhos e histórias ilustram as seções “Grammar in Action” ao longo dos 4

volumes da coleção. Ela é retratada em diversas situações, interagindo com as

outras personagens, e na primeira unidade do volume para o 9° ano, lemos acerca

da personagem:

Eu não posso andar e algumas pessoas pensam que eu não posso fazer nada porque estou em uma cadeira de rodas, mas elas estão

81

tão enganadas! Eu posso fazer muitas coisas e tenho muitas estórias para contar. (p. 12)4

Grigoletto (2003, p. 357) também defende que, uma das estratégias de

homogeneização observada em LDs de LI, é a neutralização da língua, a

representação da LI “como objeto neutro de comunicação e transmissão de

informações”, apresentando-a como apolítica, não ideológica. Numa proposta de

ensino que se aproxime da abordagem discursiva de trabalho com a LE, no entanto,

leva-se em conta a natureza social e ideológica do discurso e que “as palavras

mudam de sentido ao passar de uma FD para outra. Assim, não são somente as

intenções que determinam o dizer. Há uma articulação entre intenção e convenções

sociais” (ORLANDI, 1987, p. 27).

Estes pressupostos se fazem evidentes na atividade demonstrada abaixo

(encontrada na unidade 8 no volume para o 8º ano), em que duas personagens do

LD, ao estudar para um exame de História, chegam à conclusão que não seria

correto afirmar que Cristóvão Colombo descobriu a América em 1492, mas sim que

ele chegou à América nessa data, pois essa região já era habitada por indígenas

antes de sua chegada. Ao final da atividade, o aprendiz se depara com a seguinte

indagação “É importante escolher nossas palavras corretamente. Correto ou

incorreto?”

4 Em inglês: “I can’t walk and some people think I can’t do anything because I’m in a wheelchair, but

they are so-ooo wrong! I can do lots of things, and I have many stories to tell!”

82

Uma discussão semelhante é encontrada na unidade 6 do volume para o 6º

ano, em que os alunos são levados a refletir sobre os sentidos que podem ser

atribuídos ao termo exótico.

De acordo com o que foi analisado até aqui, é possível concluir que as

atividades propostas pelo LD, em especial as de reflexão e discussão, demonstram

significativa aproximação ao que é postulado por uma abordagem discursiva no

trabalho com a LE, levando em conta o caráter social, histórico e ideológico da

linguagem. Além disso, estas atividades revelam levar em conta o papel do

aprendizado de uma LE, na constituição da identidade dos indivíduos, já que o

processo de subjetivação é relacional. Sendo assim, as atividades demonstram levar

o aluno a não meramente assimilar conteúdos linguísticos descontextualizados, mas

a inscrever-se na LE, fazendo uso, para isso, da LM, num processo comparativo e

contrastivo.

83

E tal postura está em consonância com o viés teórico que embasa o que é

postulado pelas OCMT (MATO GROSSO, 2010) para o trabalho com a linguagem,

sustentando que aprender uma LE implica entrar em contato com diferentes

maneiras de ver o mundo e envolve a enunciação, a argumentação, o ideológico.

Contudo, apesar de observarmos, através da análise do LD, que este

demonstra, em muitas das atividades, coerência com uma abordagem enunciativo-

discursiva no trabalho com a linguagem, pode-se notar que os autores deixam de se

referir, nos textos e atividades ao longo da coleção, à heterogeneidade e à

sociedade de países onde a LI é falada como LM.

Considero que o que pode embasar tal postura por parte dos autores seria a

concepção de inglês como língua internacional, usada para comunicação ao redor

do globo, que, portanto não pertenceria mais a esse ou àquele país, mas ao mundo

globalizado. Sob essa ótica, a LI é concebida como neutra, não veicula mais essa ou

aquela cultura, podendo qualquer cultura ou sociedade dela fazer uso, tornando-se,

assim, híbrida (LEFFA, 2006).

É preciso reconhecer que, de fato, a LI é amplamente ensinada ao redor do

mundo, sendo falada por um número de indivíduos não-nativos que em muito supera

o número de falantes nativos, e que esta vem sofrendo a influência de tais falantes,

imprimindo-lhe mudanças com o passar dos anos.

No entanto, além de discutir a diversidade étnica, bem como de valores,

costumes, crenças e representações da sociedade brasileira, o mesmo poderia ser

feito a respeito de países como Estados Unidos, Inglaterra, tidos como “centrais”,

além de países africanos, caribenhos e asiáticos, entre outros, onde a LI é a língua

nativa. Tais discussões contribuiriam para instaurar nos alunos uma atitude de

relativização e questionamento de representações também a respeito de tais

sociedades, em especial as sociedades americana e britânica, que em geral são

retratadas pelo discurso veiculado em LDs e pela mídia como harmônicas, ideais,

livres de conflitos, problemas sociais e desigualdades. Tal postura estaria mais em

harmonia com uma abordagem enunciativo-discursiva.

Passemos agora à análise dos questionários dos professores, de forma a

identificar até que ponto o fazer pedagógico está em harmonia com os pressupostos

vistos aqui.

84

5.2 Análise dos questionários

A partir daqui, dou início à análise dos questionários submetidos a

professoras da disciplina de língua inglesa como LE, em escolas públicas do Estado

de Mato Grosso.

No intuito de comprovar ou não a hipótese que norteou a presente pesquisa,

os dados obtidos serão analisados sob a ótica discursiva. O objetivo é evidenciar a

que FDs remetem os enunciados das professoras, qual concepção teórica acerca do

ensino de LE subjaz à sua prática pedagógica e em que medida seu fazer

pedagógico, afinado com uma abordagem enunciativo-discursiva de trabalho com a

linguagem, conforme sugerido pelas OCMT (MATO GROSSO, 2010), contribui para

a formação de sujeitos/aprendizes críticos.

Participaram da pesquisa 5 professoras de LI como LE, em escolas públicas

de Cuiabá e Várzea Grande que estão utilizando o LD “Links – English for teens”.

A importância do ensino de LI

Ao falar a respeito da importância do ensino de LI e dos fatores que levaram o

idioma a atingir o grau de relevância que possui na sociedade atual, as professoras

se expressaram da seguinte maneira:

Exemplo 1:

Débora – Para o bom desenvolvimento profissional, independente da área que você exerça. Devido ser uma língua universal e imprescindível no mercado de negócios. Vale lembrar que o inglês está presente a todo momento, pois encontramos inúmeros vocabulários “LI” que já fazem parte do nosso cotidiano.

Exemplo 2:

85

Liana – É de aprender uma 2ª língua, e de conhecer uma nova cultura. Hoje se tornou uma exigência no mercado de trabalho, e também pelas relações internacionais entre as empresas.

Exemplo 3:

Joana – No mundo globalizado ter uma segunda língua é muito importante porque até mesmo os comandos do computador estão na sua maioria em inglês.

Exemplo 4:

Patrícia – O ensino de língua inglesa é importante porque é mais uma ferramenta para a formação geral do aluno, não visando apenas a gramática, mas preparando-o para o uso que a língua inglesa, de certa forma nos impõe a conhecê-la. Na atualidade a língua inglesa tornou-se ainda mais importante devido à globalização e o valor que o sistema capitalista e a política neo-liberal exercem sobre o mundo.

Exemplo 5:

Bárbara – A língua inglesa além de ser mundialmente utilizada, ajuda a trabalhar na formação plena do aluno como cidadão do mundo. Hoje é importante para a formação profissional também.

Observa-se, na fala dessas professoras, a presença de elementos, como

“desenvolvimento profissional”, “negócios”, “mercado de trabalho”, “relações

internacionais entre as empresas”, “mundo globalizado”, “comandos do computador”,

“globalização”, “formação profissional”, indicando que sua enunciação reproduz um

discurso que circula na sociedade que considera o inglês como fundamental para

inclusão profissional, em um mundo onde a LI está “presente a todo momento” e já

faz “parte do nosso cotidiano”. Este discurso é amplamente difundido pela mídia e

pelo marketing de escolas de idiomas. A LI é vista de forma idealizada, como uma

língua neutra, língua de cooperação, propiciando comunicação global, contribuindo

na “formação plena” do aprendiz e fazendo com que este se torne “cidadão do

mundo”. Portanto, o domínio do idioma é visto como fundamental para melhores

oportunidades de trabalho e consequente ascensão social.

86

Levando em conta que, conforme observado por Gregolin (2006, p. 30), “o

discurso é sempre produzido por sujeitos socio-historicamente determinados e, por

isso, condicionados a regras (linguageiras e históricas) que regulam as práticas

discursivas”, consideramos que a fala dos professores se ajusta a essa explicação.

Tal discurso utiliza-se do fenômeno da globalização para justificar a importância do

domínio da LI na atualidade, dada sua exigência no mercado de trabalho, no uso de

computadores e da internet. Tais enunciados também trazem em seu bojo outros

sentidos, evidenciando com o “dito”, o “não-dito” (ORLANDI, 2005) de que os que

não possuírem o tão almejado “domínio” da LI permanecerão à margem, excluídos

do mercado de trabalho e do mundo globalizado.

No entanto, a AD também leva em conta que, conforme Fernandes,

[...] ao considerarmos um sujeito discursivo, acerca de um mesmo tema, encontramos em sua voz diferentes vozes, oriundas de diferentes discursos. A presença dessas diferentes vozes integrantes da voz de um sujeito, na Análise do Discurso, denomina-se polifonia. (FERNANDES, 2007, p. 36)

A polifonia se faz evidente na fala dessas professoras quando observamos

que, ao mesmo tempo em que consideram a necessidade de dominar a LI para uma

desejada inclusão profissional, a escolha de termos para adjetivar a LI como “língua

universal”, “imprescindível”, ou “uma exigência”, “preparando-o (o aluno) para o uso

que a língua inglesa, de certa forma nos impõe a conhecê-la”, manifestam certo

sentimento de conflito. Seu discurso demonstra considerarem que esta necessidade

lhes é imposta, forçada. Não há como resistir, cabendo aos sujeitos apenas ceder à

pressão que “o sistema capitalista e a política neo-liberal exercem sobre o mundo”,

adaptar-se ao sistema e resignar-se a aprender a LI.

Entende-se, pelas respostas dadas, que os enunciados das professoras

demonstram que estas reproduzem um discurso de uma formação discursiva que

encara o domínio da LI de grande importância em vista da globalização. Como é

próprio do discurso, o discurso destas professoras está inscrito em uma FD, sendo

que no viés teórico da análise do discurso francesa, consideram-se FDs como

“condensações de regularidades enunciativas no processo constitutivamente

heterogêneo e contraditório da produção de sentidos no e pelo discurso em

diferentes domínios do saber” (SERRANI, 1997, p. 69).

87

Tais afirmações acerca da importância da LI na atualidade são válidas, pois

reconhecemos, conforme Pedroso (2010b), que “a dinâmica social é outra e as

possibilidades e necessidades de interação direta ou mediada pelas novas

tecnologias — a informática e a telefonia móvel — são exponencialmente maiores.”

No entanto, é interessante notar que, com exceção da professora que

menciona “o valor que o sistema capitalista e a política neo-liberal exercem sobre o

mundo”, o discurso das outras professoras indica a não problematização da

hegemonia da LI no cenário mundial, a não preocupação com questões relativas a

essa hegemonia - o imperialismo linguístico (PHILIPSON, 1992) nem os interesses

colonialistas que promoveram a expansão da LI ao redor do mundo. As professoras

tampouco demonstram considerar as questões ideológicas, culturais, políticas e

éticas, relacionadas ao ensino de LI como LE. Algumas delas, apesar de sentirem a

imposição da LI, não questionam nem problematizam tal imposição.

Tal observação é relevante, pois segundo as OCMT,

Ensinar uma língua estrangeira na contemporaneidade, sob a perspectiva sociocultural e crítica, significa engendrar um processo de ruptura com a crença na inquestionável naturalidade das coisas e da linguagem, que é instaurar a noção do relacional (da postura de relativização que questiona pretensas verdades absolutas) nos estudantes logo após o seu processo de amadurecimento na linguagem. (MATO GROSSO, 2010, p. 105)

Para que este objetivo, proposto para o ensino de LE, em escolas públicas,

seja atingido, é preciso que o professor evidencie em seu próprio discurso uma

postura de relativização. É preciso que ele demonstre questionar os motivos que

fazem com que a língua inglesa tenha atingido o status que ocupa na sociedade

atual; que ele desconstrua, e não apenas reproduza o discurso de inglês como

língua franca. E que leve em conta que o ensino de LI envolve também a

disseminação de ideologias, lembrando que a ideologia, segundo Rodrigues (2005,

p. 75) “numa noção mais ampla pode ser definida como uma visão de mundo,

valores de uma determinada comunidade social.”

Tendo em vista a observação de que o discurso do professor não acena em

direção a uma postura de desconstrução e relativização, proponho que a discussão

destes aspectos esteja presente no processo de formação de professores, para que

88

possam contribuir na formação de aprendizes críticos. Não se trata, afinal, de rejeitar

a língua inglesa, mas de evitar que a substância enunciativa que, através dela é

veiculada, continue a produzir efeitos que abalem a autoestima e diminuam a

valorização da cultura materna.

Os efeitos identitários do trabalho com a LE

Quando indagadas acerca da importância de se trabalhar com questões

relacionadas a valores, costumes e temas do cotidiano dos aprendizes, as

professoras expressaram as opiniões descritas a seguir.

Exemplo 6:

Débora – Sim, para que aconteça a construção de conhecimento de cada aprendizado é importante trabalhar essas questões acima mencionadas.

Exemplo 7:

Liana – Sim, porque nos dias de hoje vivemos um índice muito alto de indisciplina em sala. E discutindo esses assuntos, a indisciplina tende a diminuir.

Exemplo 8:

Joana – Sim. Porque os pais estão cada vez mais distantes dos filhos e os mais próximos depois dos pais somos nós professores que convivemos com os alunos até mais que muitos pais.

O trabalho com a linguagem, nos moldes de uma abordagem enunciativa,

reconhece que, para a aprendizagem bem sucedida de uma LE, é fundamental

propiciar ao aprendiz a possibilidade de significar-se, inscrever-se na língua-alvo

através da discussão de temas de relevância, voltados à sua realidade e de seu

89

interesse. Além disso, leva-se em conta o fato de que as identidades não são fixas,

estáveis, mas têm caráter processual, são constituídas na interação, no e pelo

discurso. Sendo assim, todo trabalho com a linguagem, seja ele em língua materna

ou estrangeira, provoca alterações no processo de subjetivação dos aprendizes.

Retomando Christine Revuz,

[...] toda tentativa para aprender uma outra língua vem perturbar, questionar, modificar aquilo que está inscrito em nós com as palavras dessa primeira língua. Muito antes de ser objeto de conhecimento, a língua é o material fundador de nosso psiquismo e de nossa vida relacional. [...] É justamente por que a língua não é, em princípio, e nunca só um instrumento, que o encontro com uma outra língua é tão problemático, e que ela suscita reações tão vivas, diversificadas e enigmáticas”. (REVUZ,1998, p. 217)

Acerca dessas afirmações, lemos nas OCMT:

A linguagem constitui o sujeito, imprimindo nele marcas identitárias que, em se tratando da língua materna, podem sofrer mudanças, já que a identidade está em constante processo de reconfiguração a partir de aspectos básicos em que o sujeito se ancora para lidar com o exterior a ele, com o heterogêneo. (MATO GROSSO, 2010, p. 78)

Nas respostas das professoras, mencionadas anteriormente, podemos

observar que, dada a inscrição teórica que prevaleceu na sua formação na

graduação, desconhecem as implicações identitárias e ideológicas relacionadas ao

trabalho enunciativo-discursivo com a linguagem. Ao tentarem se referir à

importância do trabalho com questões relacionadas a valores, costumes e temas do

cotidiano dos aprendizes, o fazem de maneira vaga, como observamos no caso da

professora que afirma que “para que aconteça a construção de conhecimento de

cada aprendizado é importante trabalhar essas questões acima mencionadas”, ou

consideram que o trabalho com tais aspectos pode contribuir para diminuir os

índices de “indisciplina” o que se justifica, segundo a opinião expressa na resposta

da professora Joana, pelo fato de que os professores passam mais tempo com os

aprendizes do que seus pais.

No entanto, do que se trata, no trabalho com uma LE, ao serem discutidos

temas relacionados a valores, crenças, referências e justificação do comportamento,

90

tanto dos aprendizes quanto de outros países e culturas, é de contribuir para que se

instaure uma postura de relativização no aprendiz, para que o contato com outras

culturas e outros modos de explicar o mundo não se dê em detrimento de sua

própria cultura, valores e costumes locais, nem tampouco de sua língua materna.

Isso porque, de acordo com Pedroso (2010a), “a relativização que a língua

estrangeira instaura tem reflexos identitários significativos. Seus efeitos reforçam o

conhecimento do próprio que, neste caso, é a LM [Língua Materna]”.

Conforme observado por autores como Philipson (1992), ao entrar em contato

com a LI, o que muitas vezes pode ocorrer é que os aprendizes se ‘deslumbrem’

com a cultura, língua e identidade do Outro, do estrangeiro. Isso, por sua vez, pode

contribuir para a idealização da cultura estrangeira, a supervalorização do falante

nativo e o desejo de se tornar o Outro, desvalorizando a cultura, a língua e a

identidade local. Nesse sentido, um fazer pedagógico crítico vai contribuir para que

os alunos se inscrevam em uma LE, sem que para isso tenham que desvalorizar a

própria língua, o local onde vivem. De acordo com as OCMT,

O contato com outros modos de dizer, com as diferenças, com recortes de outra realidade, instaura a auto-observação, reforça a consciência da própria identidade em todos os seus aspectos, o mais visível dos quais é a própria língua materna e a própria cultura, a realidade em que se vive. Esse contato torna a relativização uma ferramenta de uso constante e imprescindível em que a língua estrangeira é mais um recurso para acessar e produzir conhecimento e novas tecnologias. (MATO GROSSO, 2010, p. 106)

Ainda mais, tal tipo de abordagem enunciativo-discursiva, no ensino de LE,

contribui para que o aluno se insira de forma bem sucedida na linguagem,

compreendendo que ela é ideológica e política – o que lhe dá sentido é a ideologia e

o que produz os efeitos de sentido, evidenciando-os, é a política. Os sentidos não

são dados, mas são constituídos sócio-historicamente, em função da formação

discursiva a que pertencem os falantes e das condições de produção. Este fazer

pedagógico contribui para um menor índice de equívocos e problemas na

enunciação, pois, conforme lemos nas OCMT para o ensino de língua espanhola,

que também podem ser aplicadas para o ensino de língua inglesa,

91

Estamos falando de uma abordagem da linguagem em que prestamos atenção àquilo que justifica que os enunciados sejam ditos de uma maneira e não de outra numa língua estrangeira. Essa abordagem exige conhecimentos mínimos de conceitos, valores, noções e comportamentos de que se vale o enunciador nativo no processo de elaboração do que quer dizer. Essa parte é a substância à qual se fez referência na introdução às línguas estrangeiras neste documento e sem as quais um enunciador estrangeiro estaria remetendo o que diz em língua espanhola às referências próprias – neste caso, brasileiras, propiciando assim equívocos vários. (MATO GROSSO, 2010, p. 121)

Ainda acerca da importância de se trabalhar temas relativos a valores,

costumes e questões relacionadas ao cotidiano dos aprendizes, duas professoras

afirmaram:

Exemplo 9:

Patrícia – Sim, mais do que transmissores de conteúdos, temos o compromisso de formar cidadãos compromissados com transformação do mundo.

Exemplo 10:

Bárbara – Sim, Porque o aluno aprende a lidar com as diversas situações de comunicação e entender a importância de cada cultura p/ que possa respeitar o próximo.

Os enunciados expressos nos exemplos acima revelam que as professoras

consideram que o trabalho com as questões indicadas na pergunta é relevante.

Segundo as respostas, conforme indicado pelo uso da palavra “compromisso”, é

obrigação do professor de LI não apenas transmitir “conteúdos” linguísticos, mas

contribuir para a formação de aprendizes-cidadãos que tenham a capacidade de

atuar para a “transformação do mundo” e instaurar no aprendiz uma atitude de

respeito para com o outro.

Uma das professoras, Bárbara, conforme observamos no exemplo 10,

evidencia um desejo de controle, de completude de sentidos, pois considera que a

discussão de tais temas contribui para que o aluno aprenda “a lidar com as diversas

92

situações de comunicação”, quando sabemos que de fato, mesmo em língua

materna, este tipo de controle total dos sentidos possíveis no discurso nunca é

possível. Partimos do pressuposto de que a AD trabalha, considerando o

funcionamento do inconsciente.

Ambos os enunciados denotam que o discurso das professoras rejeita uma

abordagem conteudista no trabalho com a linguagem e defende a transformação, a

aceitação e o respeito à diversidade.

O contato com o Outro, com a língua e cultura estrangeiras contribui para

uma atitude de respeito à diversidade, mas consideramos que um fazer pedagógico

crítico e em conformidade com uma abordagem enunciativo-discursiva vai além

porque supera a mera aceitação sem problematização, que não resolve na

profundidade os conflitos que levam a discriminação e a exclusão, mas preserva o

seu funcionamento, por trás da aparente solução.

Para que o fazer pedagógico esteja de fato em harmonia com a abordagem

discursiva da linguagem, é preciso também reconhecer que a relativização

problematizadora é a via expressa para a aceleração dos processos identitários que

dão conta dos atuais objetivos educacionais.

A abordagem de ensino

A seguir, analisaremos as respostas das professoras quando questionadas

acerca do LD “Links-English for teens”. Foi pedido a elas que avaliassem o trabalho

do LD com respeito ao trabalho com a gramática, vocabulário, leitura e oralidade e,

no caso de considerarem que um desses aspectos seja trabalhado de maneira

insuficiente pelo LD, como buscam suprir tal suposta necessidade.

Para a análise dos enunciados, retomamos Coracini (2001, p. 187) que afirma

que o sujeito (neste caso o sujeito-professor) é constituído por “vozes que vão

tecendo a sua subjetividade a cada momento, tomado por identificações que, longe

de fixarem o sujeito, estabilizando suas características, o transformam num sujeito

em processo, em constante transformação.”

93

Exemplo 11:

Liana – Muito bom, porém acho o vocabulário muito além do que os alunos conhecem e também há alguns fatores distantes da realidade do aluno, onde tenho que às vezes voltar a conteúdos anteriores para suprir essa necessidade e também a outros materiais como exemplo: outros livros, vídeos e dicionário.

É possível identificar na fala desta professora que, mesmo apesar da

existência de documentos oficiais (OCMT, 2010) e da adoção do LD “Links-English

for teens” que preconizam um trabalho enunciativo-discursivo com a linguagem, seu

discurso ainda remete a uma abordagem de trabalho com a linguagem que concebe

o ensino como transmissão de “conteúdos” linguísticos, expressões gramaticais

desprovidas de sentido e vocabulário apresentado de forma descontextualizada,

mais centrada na forma do que no conteúdo da linguagem. Constato também que tal

concepção é subjacente ao fazer pedagógico de muitos professores com os quais

tenho contato no exercício da profissão. A resposta a seguir, confirma essa

afirmação.

Exemplo 12:

Joana – Sim, Vejo que muitos professores se preocupam com quantidade em vez de qualidade, estão mais preocupados em terminar o livro do que ver se o aluno aprendeu.

Essa professora, ao descrever a prática de “muitos professores” deixa

implícita uma crítica a um grupo em que ela não se inclui. Seus componentes estão

mais preocupados com a forma, com a “quantidade” de conteúdos transmitidos, de

páginas estudadas, como se ensinar uma LE fosse apenas “terminar o livro” didático

e aprender uma LE se limitasse a apenas conhecer o máximo número de tempos

verbais, estruturas gramaticais e conteúdos lexicais possíveis.

Ainda em conformidade com essa concepção conteudista de ensino de LE, na

opinião expressa por Liana, no exemplo 11, a escolha que a professora faz do termo

“conteúdos”, deixando implícita a referência à gramática e ao vocabulário, indica que

a professora considera o trabalho proposto pelo LD como inviável, pois está muito

94

aquém do que conhece/sabe o aprendiz, obrigando-a a recorrer a outros materiais,

incluindo outros LDs.

Podemos depreender dessa resposta que a professora, apesar de agora

contar com um LD para a disciplina de LE, cujo objetivo é fornecer uma sequencia

ao ensino de LE, nos moldes de um fazer enunciativo no trabalho com a linguagem,

continua trazendo para a sala de aula outros materiais, retirados de outros LDs. Tal

constatação é comprovada pelas respostas seguintes, que afirmam:

Exemplo 13:

Débora – Sim, a leitura e oralidade são insuficientes. São abordados pequenos textos / diálogos. Trabalho com outros livros didáticos não apenas o livro didático adotado pela escola.

Exemplo 14:

Bárbara – Em virtude do conteúdo que estamos trabalhando, o livro não está sendo utilizado. Porém, ao fazer análise do mesmo foi possível verificar que os termos e atividades não trabalham o cotidiano dos alunos.

Essas afirmações não nos causam surpresa, uma vez que a tradição escolar

sempre se pautou pela formalização, e uma visão “conteudista” da linguagem, de

que o ensino de LE deveria ser realizado por meio da memorização de normas

gramaticais e listas de vocabulário descontextualizadas e, por isso, desprovidas de

sentido. Tal concepção de ensino até hoje perdura em cursos de formação de

professores, na confecção de LDs e, consequentemente, no fazer pedagógico.

No entanto, este fato contradiz a proposta das OCMT que frisam que a

linguagem é muito mais “substância” e menos “forma”, ou seja, um ensino que dê

prioridade ao ensino da forma, com estruturas e listas de vocabulários

descontextualizados, e não dê ao aprendiz oportunidade de engajar-se

discursivamente na LE, estará produzindo “inadequações pedagógicas” (MATO

GROSSO, 2010, p. 103).

Ainda outra consideração a fazer acerca dos LD de LI é que, além de

apresentarem uma imagem estereotipada e idealizada da cultura de países onde a

95

LI é falada como língua materna, tais livros têm caráter homogeneizador, não

apresentam um lugar para o aluno brasileiro, produzindo efeitos identitários

indesejáveis nos estudantes e dando poucas oportunidades para participação e

reflexão por parte dos aprendizes (GRIGOLETTO, 2003; CORACINI, 1999).

Com isso, não se pretende endossar a utilização do LD como única e

exclusiva fonte de ensino, permitindo que ele direcione as aulas. Mas é preciso que

a prática pedagógica dê voz ao aprendiz, que o estimule a se expressar, enfatizando

a adequação da linguagem e não sua rigorosa correção gramatical, através da

discussão de temas de caráter social, histórico, político e ideológico, respeitando a

cultura e traços identitários do contexto em que está inserido o sujeito-aprendiz.

Conforme afirma Silva,

Nessa mesma perspectiva, acredito que enfocar somente a escrita, a gramática e a tradução são situações que não propiciam a interação entre aluno e aluno e aluno e professor. Esta maneira tradicional de ensinar apresenta-se muito distante do que exige a nova dinâmica social. (SILVA, 2010, p. 82)

Portanto, considero ser fundamental que o professor compreenda que, para

as especificidades da sociedade atual, o ensino de LE deve propiciar ao estudante

que se engaje discursivamente na LE, não através do ensino da norma, e sim

através da produção de sentidos que estão intimamente ligados ao contexto em que

as enunciações são produzidas. Segundo Orlandi:

O discurso se constitui em seus sentidos porque aquilo que o sujeito diz se inscreve em uma formação discursiva e não em outra para ter sentido e não outro. Por aí podemos perceber que as palavras não têm um sentido nelas mesmas, elas derivam seus sentidos das formações discursivas em que elas se inscrevem. (ORLANDI, 2005, p. 43)

Esta visão de ensino é possível através de um fazer pedagógico norteado por

uma abordagem que aqui está sendo proposta. De acordo com as OCMT:

A abordagem do lado enunciativo da linguagem com a complexidade de funcionamento que apresenta é próprio do tempo em que vivemos, daí a necessidade de assumirmos nosso trabalho visando

96

suprir essa nova cobrança da sociedade ao trabalho do professor de língua estrangeira. (MATO GROSSO, 2010, p121)

Constata-se com esta análise, que o discurso das professoras é pautado por

uma FD que encara a LI como fundamental para inserção social e profissional, mas

que ao mesmo tempo não problematiza, nem questiona tal hegemonia. As

enunciações das professoras indicam que seu fazer pedagógico não sinaliza em

direção a contemplar o caráter ideológico do trabalho com a linguagem, estando,

portanto, distante da abordagem proposta pelas OCMT.

Tal postura por parte dos professores se deve, em geral a serem estes frutos

de uma formação de inscrição socio-interacionista e construtivista, que não privilegia

o lado discursivo do trabalho com a linguagem, e que não estimula que os indivíduos

problematizem ou desconstruam discursos. Estas correntes teóricas, apesar de seu

reconhecido valor, já não atendem às expectativas e às necessidades da sociedade

na pós-modernidade, sendo, portanto, fundamental cursos de formação de

professores que fomentem a construção de uma postura crítica.

Tanto ou mais do que somente treinar os professores a utilizar ferramentas

tecnológicas, materiais didáticos e métodos de ensino, proponho que os cursos de

formação de professores fomentem discussões mais abrangentes, que os levem a

problematizar estereótipos, a questionar representações, a desconstruir discursos, a

compreender as questões ideológicas, sociais e políticas envolvidas no trabalho com

a LE, bem como seus prováveis efeitos no processo de subjetivação dos aprendizes.

Em outras palavras, os cursos de formação de professores devem contemplar

as teorias relacionadas ao fazer enunciativo-discursivo no trabalho com a linguagem.

Somente dessa forma os professores poderão incorporar tais teorias à sua prática,

teorias essas que são mais eficazes e relevantes na contemporaneidade porque

inscritas nela e porque possuem o apelo a uma face da experiência existencial do

público que permaneceria oculta e inoperante.

97

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Se depender de mim, nunca ficarei plenamente maduro nem nas ideias nem no estilo, mas sempre verde, incompleto, experimental. - Gilberto Freyre Tempo morto e outros tempos, anotação de 1926.

Concluo a presente pesquisa com a sensação de haver tão somente

arranhado a superfície de um iceberg. Já muito foi e com certeza ainda será

produzido acerca da importância de um ensino crítico de LE. Espero que as

sugestões apresentadas ao final deste trabalho contribuam de forma positiva para

uma prática docente em conformidade com o que se espera da disciplina de LI como

LE na sociedade atual.

Em um primeiro momento, no presente trabalho, foram explicitados conceitos

da Análise de Discurso Francesa que seriam operacionalizados na análise, dentre

eles, os conceitos de discurso, ideologia, sujeito e formações discursivas.

Foi apresentada uma breve retomada do percurso histórico do ensino de LE

em escolas públicas no Brasil e as transformações pelas quais passou a disciplina,

além de terem sido apresentadas, também, algumas considerações acerca do que

postulam os documentos oficiais OCMT (Orientações Curriculares para o Estado de

Mato Grosso) e os PCNs para a disciplina de LE. Tudo isso no intuito de demonstrar

como a opção de LE a ser ensinada nas escolas públicas do país sempre esteve

intimamente ligada a fatores econômicos, políticos e históricos e que seu ensino tem

fortes implicações na constituição identitária dos aprendizes.

Em seguida, foram discutidos alguns aspectos relacionados ao uso do LD

como ferramenta de ensino de LE. Conforme defendido por trabalhos na área de

linguística aplicada, observamos que LDs de LE por vezes apresentam um discurso

colonial, naturalizador, exaltando a cultura e a língua-alvo. Como se configura na

sala de aula como um instrumento de poder, sendo utilizado pelo professor como

autoridade, manual de correção, o discurso de LD acaba por exercer,

consequentemente, forte influência no processo de subjetivação de ambos,

professores e aprendizes.

98

Com o objetivo de responder às perguntas delineadas para a presente

pesquisa, optou-se por proceder à análise de um corpus formado por excertos do LD

“Links – English for teens”, bem como de questionários respondidos por 5

professoras de inglês como LE atuando em salas de aula de Ensino Fundamental

em escolas públicas de Cuiabá e Várzea Grande. As atividades do LD selecionadas

para análise objetivavam demonstrar a abordagem de trabalho com a linguagem que

embasa a proposta do LD. No que tange ao questionário respondido pelas

professoras, as perguntas elaboradas pretendiam evidenciar a concepção de ensino

que subjaz à prática docente das professoras participantes da pesquisa.

Referente às duas primeiras perguntas de pesquisa “Como o trabalho com o

LD se aproxima de uma abordagem discursiva no trabalho com a linguagem?” e

“Qual concepção de ensino norteia a prática de professores de LE em escolas

públicas de Mato Grosso?”, pude observar primeiramente através da análise das

atividades selecionadas do LD “Links – English for teens” que a abordagem do LD

está em consonância com a abordagem, de viés discursivo, postulada pelos

documentos oficiais PCNs e OCMT.

As atividades propostas pelos autores do LD em geral fornecem aos

aprendizes oportunidades de engajar-se discursivamente. Acerca de engajamento

discursivo, documentos oficiais como os PCNs defendem que o ensino de LE deva

fomentar no aprendiz “a capacidade de se envolver e envolver outros no discurso”

(BRASIL, 1998, p. 19). Tal engajamento pode ser produzido através das discussões

sugeridas pelos autores do LD, que levam os aprendizes a posicionar-se, a refletir e

produzir sentidos na LE, através da discussão de temas pertinentes a sua realidade

e de seu interesse. Esta consideração é de vital importância, pois do ponto de vista

discursivo, não se pode conceber o trabalho com a linguagem, seja ela materna ou

estrangeira, como simples troca de informações linguísticas, transmissão de

estruturas gramaticais e listas de vocabulário descontextualizados, mas como efeitos

de sentidos (PÊCHEUX, 1969). Sendo assim, o LD analisado não se configura como

um discurso de autoridade, fixando um lugar para o aprendiz e controlando sua

resposta, mas faz uso de perguntas abertas, dá voz ao aluno e o leva a se

expressar.

O trabalho com o LD ainda demonstra estar em harmonia com o postulado

por documentos oficiais no que tange à formação de aprendizes\cidadãos críticos.

As discussões propostas demonstram levar os aprendizes a relativizar, desconstruir

99

conceitos, questionar estereótipos, problematizar diferenças. Os temas abordados

nas discussões, bem como as personagens, ainda tratam de violência, inclusão

social, representações acerca do povo brasileiro, demonstrando assim relevante

diferença do observado em LDs de LE, que em geral evitam a discussão de temas

polêmicos, e criam uma realidade imaginária, um “mundo plástico” que só existe nas

páginas do LD (SIQUEIRA, 2010).

Em seguida, com as respostas das professoras de LI como LE aos

questionários, através da análise de suas enunciações, pude observar o não-dito, as

FDs às quais se remetiam seu discurso, bem como as posições ideológicas

evidenciadas pelas suas falas. Isso foi possível, pois, conforme afirma Bakhtin:

O objeto do discurso do falante, seja esse objeto qual for, não se torna pela primeira vez objeto do discurso em um dado enunciado, e um dado falante não é o primeiro a falar sobre ele. (...) O falante não é um Adão bíblico, só relacionando com objetos virgens ainda não nomeados, aos quais dá nome pela primeira vez. (BAKHTIN, 2003, p. 300)

Cabe ainda ressaltar que o objetivo, ao analisar as respostas das professoras

em questão, não foi o de expor seu fazer pedagógico de forma negativa, mas foi o

de tão somente evidenciar o que está implícito em suas falas e que,

consequentemente, é observável na fala de professores de LI como LE em geral,

com o fim de contribuir positivamente para sua prática.

Foi possível perceber, nesta análise, que as professoras de LI como LE,

atuantes em escolas públicas do Estado de Mato Grosso, no Ensino Fundamental,

ao expressar-se acerca da importância do ensino do idioma e dos fatores que

contribuíram para que atingisse tal grau de relevância na sociedade atual, não

evidenciam em seu discurso a problematização da hegemonia da língua inglesa na

atualidade. As professoras apenas reproduzem um discurso amplamente difundido

na contemporaneidade que considera a LI como meio de ascensão social, inclusão

no mercado de trabalho, requisito para o sucesso profissional; a língua da

globalização. Considero esta forma idealizada de conceber a LI por parte de

professores de LE como problemática, pois não demonstra contribuir para fomentar

nos aprendizes uma atitude de desconstrução, mas de reprodução de discursos e

estereótipos acerca da LE propagados na sociedade.

100

Além disso, ao comentar acerca da importância de se trabalhar questões

relacionadas aos valores, costumes e temas do cotidiano dos alunos em aulas de

LE, o discurso das professoras não demonstra contemplar que o ensino de uma LE

envolve questões ideológicas, políticas, históricas, bem como a transmissão de

valores e costumes, afetando assim o processo de subjetivação dos aprendizes, a

forma como estes encaram o Outro, o estrangeiro, assim como a forma com a qual

encaram a si mesmos, o local onde vivem, sua própria cultura, valores e costumes.

Este entendimento é evidente em uma abordagem de trabalho com a

linguagem de viés discursivo, conforme postulado pelos documentos oficiais para a

disciplina de LE, pois defendem que o contato com o Outro, com o diferente, com

outras realidades faz com que o aprendiz volte seu olhar para si próprio, sua cultura,

sua língua, seus valores, sua realidade (MATO GROSSO, 2010). Nesta perspectiva,

incluir a discussão de tais temas no trabalho com a LE contribuiria para instaurar nos

estudantes uma postura de relativização, respeito e aceitação do Outro e de

valorização de sua própria identidade. Isso é o que se espera que o ensino na

atualidade propicie. Conforme lemos no documento OCMT:

O reconhecimento do outro por meio de um modo de dizer diferente, via relativização, contribui para o desenvolvimento cognitivo dos estudantes, para construir e ampliar o conhecimento da língua e da cultura própria, valorizando-as e reforçando a aprendizagem ao abordar temas incluídos em outras disciplinas das diversas Áreas. (MATO GROSSO, 2010, p.10)

Percebo que o fazer didático destas professoras ainda é pautado num molde

de trabalho com a linguagem “conteudista”, baseado no ensino de estruturas

gramaticais, tempos verbais, listas de vocabulário descontextualizados e

desprovidos de sentido. Tal observação justifica-se, pois este foi o modelo em que

se pautou o trabalho com a LE até o presente momento. Seus atuais professores

são fruto de uma formação sócio-interacionista e construtivista, que não contempla o

lado enunciativo-discursivo no trabalho com a linguagem e, portanto, reproduzem

este modelo em sua prática docente.

Conforme notado nas respostas das professoras, muitos ainda centram o

ensino de LE na forma e não na substância da língua, dando indevida ênfase à

correção gramatical e não à adequação da linguagem, deixando de lado o trabalho

101

com o LD adotado e trazendo para a sala de aula atividades retiradas de outros LDs

que consideram mais adequados. Considero tal fato preocupante, pois ao fazer isso,

o professor de LE promove um trabalho que pode levar a equívocos linguísticos,

além de deixar de fomentar relevantes discussões em sala de aula. Dessa forma, se

torna mais difícil propiciar ao aprendiz oportunidade de significar-se, de produzir

sentidos na língua-alvo, distanciando seu fazer pedagógico do modelo enunciativo-

discursivo proposto pelo LD e postulado pelos documentos oficiais, que afirmam

que:

[...] as línguas estrangeiras podem ser vistas como a presença viva da diferença cultural na escola, outras formas de compreender e nomear o mundo, e não um estudo de vocabulário e sintaxe mecânico, repetitivo e desconectado de sua historicidade e mesmo do sentido histórico de sua presença na matriz curricular. (MATO GROSSO, 2010, p. 73)

Um dos objetivos estabelecidos para a presente pesquisa foi o de intervir na

dinâmica de ensino\aprendizagem de maneira significativa, apresentando propostas

de trabalho didático, visando incentivar posturas críticas em professores e alunos.

Isso nos leva, portanto, à pergunta “O que fazer para reverter efeitos pouco

desejados e propiciar resultados afinados com as expectativas atuais?”

Como resultado da presente pesquisa, advogo que é preciso que os

professores não apenas reproduzam discursos que circulam no senso comum, que

não pensem seu fazer pedagógico como apenas ensinar uma língua neutra,

apolítica, mas que concebam o ensino de uma LI como um trabalho com implicações

ideológicas, que veicula culturas, valores, crenças e afeta a constituição identitária

dos envolvidos no processo. Que questionem e contribuam para a formação de

aprendizes críticos, questionadores. Desta forma, se faz necessário que os

professores aprendam a “compartilhar seu poder e dar voz ao aluno de modo que

este possa se constituir como sujeito do discurso e, portanto, da aprendizagem”

(BRASIL, 1998 p. 15).

Saliento a importância de que o professor tenha conhecimento da relevância

da abordagem discursiva no trabalho com a linguagem e esteja apto a reverter este

conhecimento em prática. Como discutido anteriormente, a formação de inscrição

construtivista que esteve em voga até o presente momento, apesar de reconhecido

102

valor, não mais atende às necessidades impostas à disciplina de LE na

contemporaneidade.

Por este motivo, proponho, com a presente pesquisa, que se ofereçam cursos

de formação continuada a professores atuando em escolas da rede pública do

Estado, fomentando discussões acerca de um fazer enunciativo-discursivo no

trabalho com a linguagem, despertando os docentes para a importância de levar o

aluno a inscrever-se na LE, da influência que o ensino de LE exerce nos processos

de subjetivação do aprendiz e na forma como este encara a si mesmo e ao outro, da

necessidade de fomentar nos aprendizes uma postura de relativização, de

desconstrução de discursos, de se formar aprendizes\cidadãos críticos.

Com a devida formação, os docentes compreenderão que ensinar LE não é

apenas ensinar palavras e tempos verbais neutros, mas que a aula de LE é o

momento ideal para discussões, questionamentos, problematizações, pois propicia o

contato com o diferente, o estrangeiro. Assim é possível levar os professores a

perceber que se pode instaurar o desenvolvimento de uma postura crítica nos

aprendizes através da discussão e problematização de estereótipos (como por

exemplo, acerca de determinado povo, sexo, classe social) presentes em piadas,

músicas, programas de televisão e discursos ecoados pela sociedade. O ensino

deve ir além da artificialidade encontrada nos LDs e trazer para a sala de aula

questões e conflitos reais e que em geral são ‘saneados’ em suas páginas, tais

como desigualdade social, violência, diversidade, levando o aluno não somente a

reconhecer sua existência, mas a problematizar sobre elas. É preciso também levar

os aprendizes a desconstruir o discurso de “certo” versus “errado”, principalmente no

que diz respeito ao trabalho com a linguagem, mas que adotem uma postura de

relativização, compreendendo as noções de “adequado” versus “inadequado”.

Compreendo que são transformações significativas e que impõem ao

professor uma pesada responsabilidade. Conforme observado durante a pesquisa e

em conversas com diversos professores, muitos têm se sentido à deriva, sem saber

exatamente como proceder frente às novas realidades impostas à disciplina de LE

na atualidade, como utilizar adequadamente o novo instrumento que possuem, o LD

adotado para a disciplina, nem como transpor o abismo que observam entre a

realidade de seus alunos e o que é proposto pelo LD.

103

Sugiro que se forneçam cursos para professores, atuantes na rede pública, a

fim de prepará-los para uma adequada utilização do LD (ferramenta de ensino),

levando-os a compreender a abordagem que embasa a formulação das atividades

propostas. Os professores devem ser auxiliados de maneira prática a avaliar as

necessidades de seus alunos em diferentes contextos, podendo valer-se também de

ferramentas, sempre fazendo do aprendiz não somente um conhecedor de

estruturas gramaticais, como era feito num molde tradicional de ensino, mas um

sujeito discursivamente engajado na LE.

104

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