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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
GRUPO PESQUISADOR EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL,
COMUNICAÇÃO E ARTE
RITA DE CÁSSIA LEVENTI ALEIXES
JUSTIÇA CLIMÁTICA E EDUCAÇÃO AMBIENTAL NAS TEIAS DO
FÓRUM DE DIREITOS HUMANOS E DA TERRA DE MATO
GROSSO
CUIABÁ–MT
2015
2
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
GRUPO PESQUISADOR EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL,
COMUNICAÇÃO E ARTE
RITA DE CÁSSIA LEVENTI ALEIXES
JUSTIÇA CLIMÁTICA E EDUCAÇÃO AMBIENTAL NAS TEIAS DO
FÓRUM DE DIREITOS HUMANOS E DA TERRA DE MATO
GROSSO
Árvore da Vida (PORTINARI, 1957)
CUIABÁ-MT
2015
3
RITA DE CÁSSIA LEVENTI ALEIXES
JUSTIÇA CLIMÁTICA E EDUCAÇÃO AMBIENTAL NAS TEIAS DO FÓRUM
DE DIREITOS HUMANOS E DA TERRA DE MATO GROSSO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação, na Área de Concentração Educação, Linha de Pesquisa Movimentos Sociais, Política e Educação Popular – Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte.
Orientadora: Profa. Dra. Michèle Sato
Coorientadora: Profa. Dra Regina Silva
CUIABÁ–MT
2015
4
Dados Internacionais de Catalogação na Fonte.
A366j ALEIXES, Rita de Cássia Leventi. JUSTIÇA CLIMÁTICA E EDUCAÇÃO AMBIENTAL NAS TEIAS DO FÓRUM DE DIREITOS HUMANOS E DA TERRA DE MATO GROSSO / Rita de Cássia Leventi ALEIXES. -- 2015 102 f. : il. color. ; 30 cm.
Orientadora: Profa. Dra. Michèle Sato. Coorientadora: Profa. Dra. Regina Silva. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Mato Grosso, Instituto de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Cuiabá, 2015. Inclui bibliografia. 1. Justiça Climática. 2. Educação Ambiental. 3. Direitos Humanos. 4. Fórum de Direitos Humanos e da Terra de Mato Grosso.
Ficha catalográfica elaborada automaticamente de acordo com os dados fornecidos
pelo(a) autor(a).
Permitida a reprodução parcial ou total, desde que citada a fonte.
5
DISSERTAÇÃO APRESENTADA À COORDENAÇÃO DO PROGRAMA DE
PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DA UFMT
RITA DE CÁSSIA LEVENTI ALEIXES
JUSTIÇA CLIMÁTICA E EDUCAÇÃO AMBIENTAL NAS TEIAS DO FÓRUM
DE DIREITOS HUMANOS E DA TERRA DE MATO GROSSO.
BANCA EXAMINADORA
Michèle Sato – Orientadora – Presidente da Banca
Regina Silva – Coorientadora – Membro da Banca
Tânia Maria Lima – Banca Interna
Marcos Sorrentino – Banca Externa
Michelle Jaber – Banca Interna (suplente)
Cuiabá-MT, 18 de maio de 2015.
6
DEDICATÓRIA
Figura 1 - Bird drinking water1
Autoria: Edwin Kats
À Vera e Francisco,
amados Pais que me ensinaram que sabedoria precede o conhecimento (ambos in memorian).
Às minhas filhas Mariana, Vitória e Gabriela, amores de minha vida, pelo apoio e cuidado.
À Milton, para além de esposo, grande amigo e companheiro.
À Luzia, Simony, Fernando, Matheus, João Pedro, Gonçalo, Nayara, Letícia, família que amo. Sem vocês, jamais seria possível.
1 Disponível em: < http://batyar.com/wp-content/uploads/2014/05/0_db34b_8e9a28ff_XXL.jpg> Acesso em: 10 fev. 2015.
http://batyar.com/wp-content/uploads/2014/05/0_db34b_8e9a28ff_XXL.jpg
7
A G RA D EC IM E NT O S
A Deus, em sua suprema e diversas formas, por permitir este caminhar. A todos e todas de um grupo de pessoas que possibilitaram encontros,
aprendizagens, alegrias, superações e tudo aquilo que faz relevar ainda mais o sentido de humanidade em um encontro de sonhos coletivos.
À amada professora Doutora Michèle Sato pelo exemplo de dedicação acadêmica, mas principalmente pela generosidade de, ao perceber as minhas dificuldades, alumiar os trilhos da pesquisa.
A muito querida professora Doutora Regina Silva, pela coorientação neste trabalho, exemplo de amor e persistência acadêmica.
Ao professor Doutor Marcos Sorrentino pela generosidade em participar deste percurso, registrando meu sincero orgulho em tê-lo como examinador em minha banca de defesa.
À professora Doutora Tânia Maria Lima, em seu jeito especial de sempre instigar, de modo firme e ao mesmo tempo com admirável gentileza, a necessidade de superação das fragilidades acadêmicas, naturais as trilhas da pesquisa.
À professora Doutora Michele Jaber pelo constante carinho creditado a mim, durante todo o tempo e espaço de convivência. Agradeço muito o prazer de estar contigo nesta caminhada.
A todos os colegas do GPEA, em especial a Lushi em sua alegria, Denize amiga sempre, Giseli Nora sempre energia contagiante, Rosana com sua constante determinação.
À Maria Eliete (Lika) e sua exemplar intensidade, ao querido Herman sempre por perto com seus ‘ver-sos’, a Ivan Belém pela alegria e ao Júlio pelo peculiar bom humor.
À amiga Elizete, irmã de alma, por possibilitar momentos inesquecíveis de risos (e algumas angústias), minha sincera admiração pela integridade e persistência com que supera medos e busca seus sonhos, na certeza que estaremos sempre juntas, alheias aos diversos caminhos que possamos no futuro trilhar.
Ao inesquecível colega André (in memorian), querido menino que em sua luta nos ensinou o sentido do amor à vida, ao Direito e à Justiça, traduzidos na paixão pela pesquisa.
Aos professores e técnicos, servidores do Instituto de Educação da UFMT, do Programa de Pós-Graduação em Educação, pela atenção dispendida em todos os momentos, em especial à professora Márcia, aos colegas Mariza e Marcos.
À especial Luisa, sempre disposta à ajudas preciosas, mas principalmente por nos contagiar com o seu constante sorriso, capaz de amenizar dificuldades burocráticas administrativas inerentes aos passos de uma vida acadêmica.
A todas as Pessoas Especiais que militam junto ao Fórum de Direitos Humanos e da Terra de Mato Grosso, ainda que não entrevistadas nesta pesquisa, mas com as quais convivi durante esta pesquisa, pelo acolhimento e confiança dispensados a mim, e, principalmente, com as quais aprendi a manter a esperança e os sonhos de construção de uma sociedade melhor.
Muitíssimo obrigada àqueles que aceitaram ser os sujeitos desta pesquisa, os quais, com carinho e compreensão, renunciaram de precioso tempo pessoal para
8
propiciar momentos inesquecivelmente educativos a esta pesquisadora: Gilberto Vieira, Michelle Jaber, Roberto Tadeu, Roberto Rossi, João Inácio, José Inácio, Elizete Gonçalves, Romário Augusto, Paulo César e Denize Amorim.
9
ALEIXES, Rita de Cássia Leventi. A Justiça Climática e a Educação Ambiental nas teias do Fórum de Direitos Humanos e da Terra de Mato Grosso. 2015. 103 f. Dissertação (Mestrado em Educação), Universidade Federal de Mato Grosso, Instituto de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte (GPEA). Cuiabá, 2015. Orientadora: Dra. Michèle Sato. Coorientadora: Dra. Regina Silva.
RESUMO
O Fórum de Direitos Humanos e da Terra de Mato Grosso (FDHT-MT) é uma instância
da sociedade civil que agrega diversos sujeitos e entidades – a maioria de organizações
não-governamentais (Ongs) – que buscam proteger os Direitos Humanos e também as
vidas não humanas e seus ambientes. O fórum possui 11 Grupos de Trabalho (GT),
entre esses o GT “Meio Ambiente e Grupos Sociais” composto por 7 entidades que,
juntas, buscam usar táticas para combater as violações socioambientais. O objetivo da
pesquisa foi compreender de que maneira os participantes deste GT percebem a
dimensão ambiental e climática em suas formas de luta e organização, se trabalham
com o conceito de justiça climática e também se consideram o fórum como uma
estrutura educadora capaz de promover a aprendizagem entre seus participantes.
Compreendendo diferentemente mudança climática e justiça climática, considero que
os grupos sociais vulneráveis e as comunidades economicamente desfavorecidas estão
mais expostos aos riscos e desastres provocados pelas alterações extremas do clima, e
sofrerão mais os efeitos dos câmbios de forma injusta. Com inspiração metodológica
na pesquisa participante, os integrantes do fórum foram entrevistados com perguntas
não-estruturadas, algumas gravadas por meio eletrônico, outras por transcrições
manuscritas, mas todas expressamente autorizando a utilização de imagens e das
entrevistas, bem como a identificação de seus nomes completos. Os resultados revelam
que os membros do FDHT-MT possuem uma visão que entrelaça o ambiente com a
sociedade humana na intrincada teia que tece os cuidados da vida. Possuem
organizações, projetos, programas e ainda respondem a demanda dos Movimentos
Sociais, muitas vezes fugindo do próprio escopo da constituição original das
entidades. Embora concebam a mudança climática, e estejam preocupados com os
efeitos deste fenômeno, raras são as organizações que possuem ações diretas com os
princípios da Justiça Climática. Todos os participantes compreendem que o fórum é
uma estrutura educadora capaz de promover aprendizagens que tecem as políticas
públicas sobre Direitos Humanos e da Terra. Esta constatação autoriza afirmar que o
fórum é uma instância da Educação Ambiental popular, capaz de propor, construir e
sustentar as políticas públicas que visem a inclusão social, a proteção ecológica e a
democracia.
Palavras-chave: Justiça Climática. Educação Ambiental. Direitos Humanos.
Movimentos Sociais.
10
ALEIXES, Rita de Cássia Leventi. Climate justice and environmental education in the
webs of human rights Forum and of the land of Mato Grosso. 2015. 103 f. Dissertation
(master of education), Universidade Federal de Mato Grosso, Institute of Education,
Postgraduate Program in Education, Group Researcher in Environmental Education
GPEA. Cuiabá, 2015. Advisor: Dr. Michèle Sato. Co-Advisor: Dr. Regina Silva.
ABSTRACT
The Human Rights Forum and of the land of Mato Grosso (FDHT-MT) is an instance
of civil society that aggregates various subject and entities - the majority of non-
governmental organizations – that seek to protect human rights and non-human also.
The Forum has 11 working groups (WG), among these the GT "environment and social
groups" composed of 7 entities, which together seek to use tactics to combat the
environmental violations. The objective of the research was to understand in what way
the participants of this GT realize the environmental dimension and climate in its
forms of struggle and organization, if they work with the concept of climate justice and
also consider the Forum as an educator structure able to promote learning among its
participants. Understanding contrary to climate change and climate justice, I believe
that the vulnerable social groups and economically disadvantaged communities are
more exposed to risks and disasters caused by extreme climate changes, and will suffer
more the effects of currency exchange unfairly. Methodological research inspired
participant, the members of the Forum were interviewed with unstructured questions,
some recorded by electronic means, other by handwritten transcriptions, but all
expressly authorizing the use of images and interviews, as well as the identification of
their full names. The results show that the members of the FDHT-MT have a vision
that interweaves the environment with the human society on the intricate web that
weaves the cares of life. Have organizations, projects, programs and still respond to
demands of social movements, often fleeing from the scope of the original Constitution
of the entities. Although devise climate change, and are concerned about the effects of
this phenomenon, rare are the organizations that have direct action with the principles
of climate justice. All participants understand that the Forum is an educational
framework able to promote learning that weave public policy on human rights and of
the Earth. This authorizes state that the Forum is an instance of popular environmental
education, able to propose, to build and sustain public policies aimed at social
inclusion, environmental protection and democracy.
Keywords: Climate Justice. Environmental Education. Human Rights. Social.
11
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 - Bird drinking water ............................................................................................... 6
Figura 2 – ‘Mística’ de abertura realizada pelo Grupo Fé e Vida – Cáceres-MT -
Abertura de evento 5ª Conferência sobre DHT-MT (2014) ............................................. 16
Figura 3 – ‘Ciranda’ de Glenio Bianchetti (1988) .............................................................. 29
Figura 4 - Representação da dinâmica dos Grupos de Trabalhos no FDHT-MT ......... 31
Figura 5 - Reunião V Conferência Estadual de Direitos Humanos e da Terra de Mato
Grosso, Cuiabá-MT, 2014 ...................................................................................................... 34
Figura 6 - Representação da transversalidade das lutas sociais por direitos em redes
de MS ....................................................................................................................................... 37
Figura 7 - Puxada de Rede, de Cândido Portinari (1959) ............................................... 48
Figura 8 - ‘Ciranda’, de Antônio Poteiro ............................................................................ 58
Figura 9 - ‘Mística’ de Encerramento – Grupo Fé e Vida – Cáceres-MT. Cerimonia
abertura de evento coordenado pelo FDHT-MT (2014) ................................................... 85
12
LISTA DE QUADRO E GRÁFICO
Quadro 1 - Tipologia de Concepções sobre Ambiente na EA (SAUVÉ, 1997)..............59
Gráfico 1 - Principais Táticas de Lutas do FDHT, indicadas pelos entrevistados ....... 75
13
LISTA DE SIGLAS
ABHP Associação Brasileira de Homeopatia Popular
ADDC Associação de Defesa dos Direitos do Cidadão
CBE/CBA Comunidades Eclesiais de Base – Cuiabá
CBFJ Centro Burnier Fé e Justiça
CDHHT Centro de Direitos Humanos Henrique Trindade
CEBI/MT Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos de Mato Grosso
CEDDH Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos
CONSEMA Conselho Estadual de Meio Ambiente
CIMI Conselho Indigenista Missionário.
CJMT Coletivo Jovem de Meio Ambiente – Mato Grosso
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CPM Centro Pastoral para Migrantes
CPT Comissão Pastoral da Terra
CUT Central Única dos Trabalhadores
DCNEA Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental
DH Direitos Humanos
DHT-MT Direitos Humanos e da Terra de Mato Grosso
DNEDH Diretrizes Nacional para a Educação em Direitos Humanos
DPE/MT Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso
EA Educação Ambiental
EDHPSFA Escritório de Direitos Humanos da Prelazia de São Félix do Araguaia
FAPEMAT Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso
FBMC Fórum Brasileiro sobre Mudanças Climáticas
FDHT-MT Fórum de Direitos Humanos e da Terra de Mato Grosso
FLEC Fórum de Lutas das Entidades de Cáceres
FMMC Fórum Matogrossense sobre Mudanças Climáticas
FORMAD Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento
GPEA Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte
GT Grupo de Trabalho
IC Instituto Caracol
INAU Instituto Nacional de Ciências e Tecnologia em Áreas Úmidas
INHURAFE Instituto Humana Raça Fêmina
INPE Instituto de Pesquisas Espaciais
IPCC Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira
JC Justiça Climática
MMA Ministério do Meio Ambiente
14
MMJC Marcha Mundial por Justiça Climática
MPF Ministério Público Federal
MS Movimentos Sociais
MST Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
MT Mato Grosso
MNDH Movimento Nacional de Direitos Humanos
NESA Núcleo de Economia Socioambiental
NMS Novos Movimentos Sociais
ONU Organizações das Nações Unidas
OPAN Operação Amazônia Nativa
PC Pastoral Carcerária
PBMC Painel Brasileiro sobre Mudanças Climáticas
PM Pastoral do Migrante
PNEDH Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos
PNUA Programa das Nações Unidas para o Ambiente
RBJA Rede Brasileira de Justiça Ambiental
REDD Redução de Emissões de Gases do Efeito Estufa
REMTEA Rede Mato-grossense de Educação Ambiental
SEMA Secretaria Estadual do Meio Ambiente
SEDUC Secretaria Estadual de Educação
SINDJOR Sindicato dos Jornalistas de Mato Grosso
SINTEP Sindicato dos Trabalhadores no Ensino do Público
SFV Sociedade Fé e Vida
UFMT Universidade Federal de Mato Grosso
UNFCCC Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima
UNICEN Faculdade de Direito de Tangará da Serra
UNIVAG Universidade de Várzea Grande
USP Universidade de São Paulo
15
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO – O tempo e os fios da Teia ........................................... 16
1.1 Iniciando a tessitura ..................................................................................................... 17
1.2 Andanças e o encontro pessoal com a pesquisa ...................................................... 22
CAPÍTULO 2. OBJETIVOS – Planejando o arranjo da teia .............................................. 29
2.1 O Fórum de Direitos Humanos e da Terra de Mato Grosso .................................. 30
2.2 Direitos Humanos, Justiça Ambiental e Mudanças Climáticas ............................. 35
2.3 Justiça Climática e Educação Ambiental................................................................... 42
CAPÍTULO 3. METODOLOGIA – Na tessitura da teia ................................................... 48
3.1 Ações Investigativas e Método ................................................................................... 49
3.2 Os processos da pesquisa ............................................................................................ 54
CAPITULO 4. RESULTADOS – Arquitetura da Teia ....................................................... 58
4.1 Diálogos em Roda ........................................................................................................ 59
4.2. Justiça Climática e Equidade ..................................................................................... 64
4.3 O FDHT-MT enquanto estrutura Educativa ............................................................ 77
CAPÍTULO 5. O Entrelaçamento entre Teias de Fios ...................................................... 85
5.1 No balançar entre fios e esperanças da teia .............................................................. 86
REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 92
APÊNCIDES .........................................................................................................................102
16
Figura 2 – ‘Mística’ de abertura realizada pelo Grupo Fé e Vida/Cáceres- MT. Abertura da 5ª Conferência Estadual sobre Direitos Humanos-MT (2014)
Autoria: Regina Silva
CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO – O tempo e os fios da Teia
IDENTIDADE Preciso ser um outro, para ser eu mesmo[...]
No mundo que combato morro no mundo por que luto nasço
(MIA COUTO, 2001)
17
1.1 Iniciando a tessitura
Em tempos atuais, as novas maneiras de mobilizações populares tornaram-se
temas centrais em quase todos os segmentos organizados como forma de ecoar lutas
coletivas frente a conhecidos problemas sociais, a exemplo da corrupção na gerência
de recursos públicos, desrespeito a direitos fundamentais como educação, saúde,
alimentação de qualidade, trabalho e moradia dignos, degradação do meio ambiente,
entre outros.
A respeito dos desafios no campo ambiental, urge especial preocupação com as
ações sociais voltadas à compreensão coletiva sobre os fatores e consequências
oriundas de eventos climáticos extremos, em âmbito local e mundial, trazendo a lume
a importância dos movimentos sociais congregar as discussões sobre a Justiça
Climática (JC) e a Educação Ambiental (EA), nas lutas pela construção e efetivação de
políticas públicas.
Nesta pesquisa, apresento os caminhos e compreensões vivenciadas durante este
trabalho acadêmico, abarcando três grandes elementos teóricos: Justiça Climática,
Educação Ambiental e Direitos Humanos (DH) nas ações de luta de um determinado
movimento social: o Fórum de Direitos Humanos e da Terra de Mato Grosso (FDHT-
MT).
Em 2011, uma reunião de entidades de defesa dos Direitos Humanos atuantes no
Estado de Mato Grosso contou com participantes do movimento ecologista, propondo
a inclusão do meio ambiente como componente essencial à efetivação dos direitos
humanos.
A partir disso, foi fundado o FDHT-MT abraçando uma dimensão mais inclusiva,
menos antropocêntrica e mais justa do ponto de vista da luta socioambiental,
admitindo que o ambiente não é mais objeto de consideração humana, mas é sujeito
na sua existência com a humanidade, na medida em que evita “[...] polarizar em
extremismos do antropocentrismo ou do biocentrismo”, reconhecendo a existência de
uma “[...] rede de vida mais horizontalizada capaz de enxergar toda forma de vida e
todos os elementos da natureza” (SATO; SILVA; JABER-SILVA, 2013, p. 124).
18
Para Santos (2007, p. 23), compreender os direitos humanos na conjuntura de uma
economia globalizada e capitalista, implica reconhecer a existência de uma
globalização hegemônica neoliberal e uma globalização contra-hegemônica. E,
distinguindo os enfraquecimentos atuais dos “[...] direitos humanos e suas relações
com as dimensões da injustiça global é possível construir a partir deles, mas para além
deles, ideias e práticas de resistências fortes”.
Especialmente, ter como prioridade inibir desigualdades entre regiões ou grupos
sociais, provenientes dos impactos e conflitos socioambientais assim considerados
aqueles cujo “[...] cerne do conflito gira em torno das interações ecológicas” (SATO;
SILVA; JABER-SILVA, 2013, p. 88). Nesse diapasão, inclui-se aqueles decorrentes de
eventos relacionados às mudanças climáticas, oriundas de um modelo de crescimento
econômico que maximiza o lucro e estimula um modelo de produção e de consumo
que impacta fortemente o meio ambiente e altera profundamente os fundamentos
éticos relacionados à proteção ambiental e aos direitos humanos.
Amoldo neste trabalho, a Justiça Climática como um indispensável componente nas
ações empreendidas pelos novos Movimentos Sociais que estimulem firmes reflexões
tanto nas instâncias institucionalizadas (órgãos e agentes políticos responsáveis por
políticas públicas); quanto no ambiente escolarizado e nos espaços coletivos
organizados pela sociedade civil.
Numa das pontas da tríade proposta, sustento que uma Educação Ambiental,
estabelecendo-se como processo permanente de aprendizagem, deve firmar “[...]
valores e ações indispensáveis à transformação humana e social e preservação
ecológica [...] estimulando a formação de sociedades socialmente justas e
ecologicamente equilibradas [...]” (SATO, 2002, p. 17).
Uma Educação Ambiental assinalada em ações e espaços educativos não formais,
tende a caracterizar-se como essencialmente política, capaz de potencializar e
fortalecer atuações coletivas adequadas a enfrentar padrões e comportamentos
hegemonicamente estabelecidos, inclusive por antagonizar-se em muitos momentos
com a esfera institucional.
Como objetivo geral desta pesquisa, intencionei compreender se o conjunto das
atividades promovidas pelo FDHT-MT, em suas principais táticas (CERTEAU, 2005)
19
de lutas enquanto movimento social, constitui uma proposição da educação popular,
assumindo a Justiça Climática, os Direitos Humanos e a Educação Ambiental como
marcos de partida desta jornada científica.
Como dito anteriormente, o FDHT-MT foi fundado no ano de 2011, pela
articulação de diversas entidades da sociedade civil organizada, já experientes na luta
pela defesa dos Direitos Humanos em Mato Grosso.
Com a criação do fórum, as lutas políticas sociais tomaram contornos mais
fortalecidos e visíveis nas pautas de diálogo com o governo, podendo afirmar que o
movimento tático de lutas do FDHT-MT é um processo de aprendizagem constante,
constituindo-se parte da educação popular (FREIRE, 1987).
Dentre as diversas frentes de atuação do FDHT-MT, destaco a construção de dois
relatórios estaduais (JABER-SILVA; SILVA; SATO, 2011; WERNER; SATO; ROSSI,
2013), que por movimentos coletivos conseguiram desenhar um panorama geral das
violações dos direitos humanos e do ambiente no Estado de Mato Grosso.
No blog do FDHT-MT2, as visitações diárias são frequentes e de todo o mundo,
que além das principais manchetes, também conta com espaços temáticos específicos,
como sobre impactos socioambientais oriundos da Copa Mundial de 2014, o Programa
Estadual de Educação em Direitos Humanos, Povos Indígenas, Justiça Climática, entre
outros.
Os objetivos específicos delimitados no desenvolvimento desta pesquisa foram:
1) Conhecer de que maneira o ambiente é considerado nas atividades de algumas
entidades partícipes no FDHT-MT; 2) Compreender como alguns participantes do
fórum, em especial do Grupo de Trabalho ‘Ambiente e Grupos sociais’, percebem a
questão climática; 3) Identificar quais são as principais táticas de lutas que envolvem
a proteção socioambiental, com especial consideração à justiça climática; 4) Apreender
se o FDHT-MT pode ser considerado como um espaço educador que promove EA.
Foram entrevistados 10 (dez) representantes de entidades que participam do
FDHT-MT, sendo 08 (oito) diretamente partícipes no GT Ambiente e Grupos Sociais,
quais sejam: 02 (dois) entrevistados do CBFJ-Centro Bunier Fé e Justiça; 02 (dois)
entrevistados do CJMT-Coletivo Jovem para o Meio Ambiente; 01 (um) entrevistado
2 O blog oficial do FDHT-MT está disponível em: .
http://direitoshumanosmt.blogspot.com.br/
20
da CPT - Comissão Pastoral da Terra; 01 (um) entrevistado do CIMI-Conselho
Indigenista Missionário; 01 (uma) entrevistada do IC-Instituto Caracol; e 01 (uma)
entrevistada da UFMT - Universidade Federal de Mato Grosso. Além dessas,
entrevistei 01 (um) representante do FORMAD - Fórum Mato-grossense para o Meio
Ambiente e Desenvolvimento; e 01 (um) representante da DPE/MT - Defensoria
Pública do Estado de Mato Grosso.3
A consolidação deste trabalho aconteceu com a minha inserção no grupo que se
pretendia compreender, enquanto representante do Instituto Caracol, condição que
me oportunizou compartilhar em atividades e reuniões desenvolvidas no cotidiano do
FDHT-MT, durante os anos de 2013 e 2014.
A respeito, o IC é uma organização civil não governamental, fundada em
setembro de 2008, tendo como princípio basilar de suas atividades a Educação
Ambiental que favoreça a construção coletiva de espaços da “[...] sociedade civil para
a militância, participação e controle social das políticas públicas relacionadas à
dimensão socioambiental”.4
A construção desta pesquisa foi realizada com a participação conjunta dos
entrevistados, tornando-se estes coautores, na medida em que compartilhamos
atividades, estudos e militâncias desenvolvidas junto ao Fórum, assumindo que a
pesquisa serve para “[...] constatar, constatando se intervém, e intervindo educa e se
educa” (FREIRE, 1996, p. 32).
As entrevistas realizadas foram interpretadas por referências conceituais teóricas
detalhadas ao longo desta pesquisa, no sentido de dar mais qualidade aos processos
de compreensão do objeto pesquisado.
Além disso, evidencio as contradições ou descompassos, bem como as
potencialidades práticas inerentes ao movimento social pesquisado (FDHT-MT), e
possíveis consequências na construção de uma efetiva sustentabilidade política e
socioambiental. Procuro inspiração na pesquisa participante enquanto trilha
metodológica, por compreendê-la como:
3Os trechos de entrevistas, inseridos neste trabalho, foram transcritos e integram acervo pessoal desta pesquisadora. 4O Instituto Caracol mantém perfil na rede social facebook, desde 2009. Disponível em: .
https://www.facebook.com/caracolinstituto
21
[...] um repertório múltiplo e diferenciado de experiências de criação coletiva de conhecimentos, destinados a superar a oposição sujeito/objeto no interior de processos que geram saberes e na sequência das ações que aspiram gerar transformações a partir também desses conhecimentos. (BRANDÃO, 2006, p.
12-13).
Na pesquisa envolvo a Educação Popular como referencial teórico-metodológico
trazido enquanto processo educativo que se realiza tanto no ensino formal, no espaço
da informalidade, como no interior dos Movimentos Sociais.
A Educação Popular fortalece uma concepção educativa assentada no “[...]
envolvimento permanente do sujeito no domínio político; ativo na construção e
reconstrução das estruturas sociais e econômicas nas quais se dão as relações de poder
e se gestam as ideologias” (FREIRE, 1997, p. 11).
A práxis Freireana consolida uma cultura de cidadania e responsabilidade
socioambiental, oriunda de interações horizontais principalmente entre o sujeito e os
diversos atores coletivos ligados aos temas educação, ambiente, participação política,
entre outros direitos sociais.
Este trabalho está elaborado em cinco capítulos.
No Capítulo 1 apresento um trilhar no tempo, não apenas da minha biografia
acadêmica e profissional, mas dos contextos responsáveis pela identificação desta
pesquisadora com o tema aqui pesquisado, os passos trilhados antes e durante a
realização deste trabalho acadêmico, os aspectos éticos e a importância acadêmica
desta investigação.
O Capítulo 2 foi pensado com o fito de evidenciar o FDHT-MT, ente coletivo
escolhido para realização da pesquisa; apresento uma descrição de cada entidade e os
seus respectivos representantes entrevistados; algumas referências teóricas e
metodológicas ligadas às formas de atuação daquele Fórum e uma preliminar reflexão
conceitual sobre Justiça Climática, Direitos Humanos e Educação Ambiental.
A opção metodológica que inspira a pesquisa foi delineada no Capítulo 3, pela
descrição das ações investigativas utilizadas por meio da pesquisa participante de
Paulo Freire e Carlos Brandão.
No Capítulo 4 reflito sobre os resultados colhidos no presente trabalho,
dialogando, nessa compreensão, com alguns teóricos referenciados e, respondendo
22
questões, a exemplo de como o ambiente e a justiça climática são percebidos pelos
sujeitos entrevistados; as principais táticas de lutas e resistências de enfrentamento das
atividades contribuintes para a mudança climática e suas consequências
socioambientais apresentados pelos entrevistados; como eles percebem as injustiças
sociais e a diversidade de sujeitos na arena de lutas, e, por fim, se o processo construído
no FDHT-MT pode ser considerado uma instância do exercício da Educação
Ambiental.
Na pesquisa, os resultados demonstram os textos e contextos que possibilitam a
apreensão do ambiente como um componente transversal nas atividades cotidianas
das entidades que integram o FDHT-MT; as táticas de lutas que buscam garantir a
construção e implantação de políticas públicas, participação e controle social, o
reconhecimento da importância da ocupação de espaços institucionalizados ou não,
como forma de exercício de direitos.
A relevância do Fórum desponta ao mesmo tempo que possibilita encontros e
diálogos com uma multiplicidade de outros movimentos, explorando o formato de sua
atuação em rede. Alguns entrevistados destacam a necessidade de formação e
discussões teóricas com participação da comunidade acadêmica científica, atribuindo
a essa ação importância fundamental e inerente a natureza do FDHT-MT, além de
reconhecer em quais condições aquele Fórum caracteriza-se em um espaço educativo.
Demarcado como Capítulo 5 deste trabalho, apresento uma entrelaçada reflexão
de todo o caminho, que não ouso atribuir como conclusão, mas como singelo marco
de partida para uma pesquisa que necessita ter diversos outros capítulos.
1.2 Andanças e o encontro pessoal com a pesquisa
A leitura e estudos realizados nesta pesquisa reavivaram memórias de caminhos
percorridos por mim desde a graduação no curso de Direito. Enquanto assessora junto
ao Ministério Público Federal (MPF), comecei minhas experiências práticas no
acompanhamento de diversificadas ações judiciais relacionadas a defesa do meio
ambiente natural, proteção do patrimônio histórico cultural, dos interesses de povos
23
indígenas (Bororo, Xavante, Cinta-Larga, Nambikwara, Pareci, Rikbaktsa, Suyá), bem
como, outras demandas de natureza coletiva.
Assim, despertou meu interesse pessoal e profissional pelas lutas empreendidas
por movimentos sociais organizados, como o Conselho Indigenista Missionário
(CIMI), Associações de Bairros populares localizados na periferia urbana dos
municípios de Cuiabá-MT e Várzea Grande-MT, envolvidos nas lutas pelo direito à
moradia, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em parceria com
instituições públicas federais, estaduais e municipais, entre estas a própria
Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
Nessa fase embrionária de formação profissional, por assim dizer, compreendi
que aqueles MS buscavam no espaço institucionalizado uma atuação judiciária
direcionada não apenas a aplicação sistematizada de normas e leis vigentes, mas para,
além disso, uma ação que efetivasse a proteção a direitos fundamentais de natureza
individual e coletiva.
Algumas atuações conjuntas entre entidades governamentais, sociedade civil
organizada e MPF traduziram-se na efetivação de direitos coletivos e difusos, pois,
além de pioneiras no contexto judiciário nacional, notoriamente potencializaram uma
ressignificação das normas jurídicas voltadas aos interesses de segmentos sociais em
condições de vulnerabilidade, esta compreendida como “[...] um conjunto de
características, de recursos materiais ou simbólicos e de habilidades inerentes a
indivíduos ou grupos, que podem ser insuficientes ou inadequados para o
aproveitamento das oportunidades disponíveis na sociedade” (MONTEIRO, 2011, p.
35).
Cite-se, por exemplo, as lutas de grupos e associações de mutuários pela
efetividade do direito à moradia, por meio do equilíbrio socioeconômico nos contratos
firmados no âmbito dos Programas Sociais integrantes do Sistema Financeiro da
Habitação, administrado por Governos Federal, Estadual e Municipal.
Igualmente, diversas medidas judiciais protetivas para demarcação do território
indígena Maraiwatsede, localizado entre os municípios de São Félix do Araguaia e
Alto de Boa Vista; foram associadas as ações cíveis e criminais ajuizadas contra
invasores de áreas indígenas localizadas em Mato Grosso.
24
Essa experiência inicial possibilitou conhecer potencialidades e fragilidades na
atuação institucional, inclusive em razão das limitações oriundas de uma legislação
edificada quase sempre em molde hegemônico, revelando que a atuação dos entes
institucionalizados e os interesses almejados pelas lutas sociais, muitas das vezes,
confrontavam-se, em razão das prioridades assumidas por cada um dos atores sociais.
Mesmo existindo aparente comunhão de interesses entre representantes da
sociedade organizada, entes governamentais e, até mesmo, instituições de ensino e
pesquisa, todos comprometidos com a luta pela garantia à participação democrática
na construção e efetivação de políticas públicas e programas sociais direcionados à
garantia de direitos humanos fundamentais, restavam nítidos os desafios de uma
atuação conjunta.
Sobre esse contexto, Santos (2009, p. 13) afirma que a “[...] complexidade dos
Direitos Humanos reside em que eles podem ser concebidos e praticados, quer como
forma de localismo globalizado, quer como forma de cosmopolitismo ou, por outras
palavras, quer como globalização hegemônica, quer como globalização contra-
hegemônica”.
Desde então, percebi-me nas cirandas de diálogos entre movimentos sociais e
instituições oficiais federais, estaduais e municipais, a exemplo da Secretaria Estadual
do Meio Ambiente, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, entre outros entes
públicos ou representantes da sociedade civil.
Após essa experiência na esfera institucional, assumi caminho autônomo
passando a atuar na advocacia privada, em defesa de direitos de consumidores
hipossuficientes, mutuários de programas habitacionais e a defesa do meio ambiente.
Em 2001, especializei-me em Direito Agroambiental pela Universidade Federal de
Mato Grosso, momento em que, academicamente, aprofundei os estudos direcionados
as legislações ambientais.
Na docência, ministrei aulas em cursos de graduação e pós-graduação em
Instituições de Ensino Superior, a exemplo da Univag – Centro Universitário Várzea-
grandense, Unicen – Faculdade de Direito de Tangará da Serra, e por último, na
25
Faculdade de Direito da UFMT, especialmente em disciplinas de ramos de Direito
Público como Direito Ambiental, Administrativo e Direito do Consumidor, etc.
Desde o início dessa vivência prática, uma inquietação passou a tomar corpo
quando percebido que as normas jurídicas, por si só, muitas vezes não conseguiam
concretizar-se em resultados emancipatórios, fosse para antigos ou mesmo para novos
conflitos sociais.
Daí, entre as razões para a escolha do Mestrado em Educação, em especial pela
linha de pesquisa de Movimentos Sociais, Política e Educação Popular, está a pretensão
de compreender e contribuir, por meio da pesquisa, para o fortalecimento de ações que
concretizem esperanças e sonhos vivenciados no contexto coletivo e individual,
especialmente através dos resultados que certamente constarão neste trabalho de
pesquisa.
A experiência até então vivenciada possibilita assumir com mais propriedade e
responsabilidade a luta cotidiana pelo direito à participação democrática (ampla e
equitativamente acessível), acreditando-a fortalecedora de grupos sociais na busca por
uma maior autonomia política do indivíduo, diante do reconhecimento dos seus
efetivos direitos e obrigações. Com isso, acalento a persistente inquietação ao pensar o
papel da lei e da educação na busca da emancipação necessária à efetiva Justiça
Democrática e Social, além da singular oportunidade de aprimoramento pessoal e
como componente indispensável para a minha permanência no meio acadêmico.
A partir do ingresso no Mestrado, pelas leituras iniciais realizadas para o
desenvolvimento da pesquisa pretendida, um elemento se fez instigador: a Justiça
Climática, refletida pela necessidade de, nas ações dos movimentos sociais, estimular
um diálogo educativo que possibilite compreender e lidar com os novos cenários
ambientais extremos e consequências das mudanças climáticas.
Esta pesquisa está inserida nas atividades do Grupo Pesquisador em Educação
Ambiental, Comunicação e Arte (GPEA).
Criado e coordenado, desde 1997, pela Dra. Michèle Sato, e a partir de 2014
coordenado pela Dra. Regina Silva, as pesquisas no GPEA têm por princípio “[...]
fortalecer não somente o campo teórico (Episteme) da EA, mas também pelas
26
vivências, intervenções e metodologia (práxis), além de colaborar com os valores éticos
(axioma) e participativos da construção de políticas públicas” (GPEA/UFMT). 5
No Blog oficial do GPEA é possível conhecer não apenas os projetos científicos
protagonizados pelo grupo, como os integrantes do grupo pesquisador, além de
acessar um diversificado e valioso acervo de referências bibliográficas sobre os temas
educação ambiental, comunicação, arte e temas relacionados.
Este trabalho não se apresenta como uma pesquisa esparsa e fragmentada. Ao
contrário, pretende torna-se coerente ao conjunto de estudos já realizados pelo
GPEA/UFMT, por ser este um grupo pesquisador com extensa experiência de
participação em projetos de pesquisas, tendo como agências de fomento a Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso (FAPEMAT), Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e Instituto Nacional de Ciência e
Tecnologia em Áreas Úmidas (INAU 2).
A investigação se aproxima no objetivo com outros projetos desenvolvidos pelo
grupo, qual seja, formar consciências políticas, pois alguns deles integram um projeto
maior denominado ‘Justiça climática no ambiente Pantaneiro’.
Denominado subprojeto 5.3 - “Justiça climática no ambiente Pantaneiro”, parte
do Laboratório 5 do Projeto “Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Áreas
Úmidas (INAU)”, teme como objetivo promover a formação em vários níveis e idades
à construção de Projetos Ambientais Escolares Comunitários ao enfrentamento do
clima.
Partindo da orientação do Intergovernamental Painel on Climate Change (IPCC), o
referido projeto defende que a maior parte da população brasileira, mas
principalmente as pessoas com baixo poder econômico, estará mais vulnerável aos
efeitos desastrosos oriundos da mudança climática.
Assim, um dos objetivos iniciais do projeto Justiça Climática é justamente
conhecer como a população percebe a mudança climática, razão em envolver o FDHT-
MT para este cenário investigativo.
A importância acadêmica desta pesquisa é possibilitar uma reflexão sobre a
relação entre Justiça Climática, Educação Ambiental e Movimentos Sociais, estes que
5Blog GPEA/UFMT. Disponível em: . Acesso em: 20 nov. 2014.
http://gpeaufmt.blogspot.com.br/
27
se constituem espaços não apenas de mobilização, mas, inclusive, de formação política,
capazes de contribuir para a edificação da cidadania democrática-participativa e para
o reconhecimento da responsabilidade individual para o exercício político. É fato que
os novos movimentos coletivos podem contribuir no aprimoramento de defesa e
exercício dos direitos coletivos e individuais.
Para tanto, pautamo-nos em Sato (2014a, grifo da autora)6 ao utilizar a palavra
“prognóstico” como um sinal precursor, uma previsão ou um estudo antecipado,
considerando que “[...] no contexto fenomenológico da incompletude humana, nada é
conclusivo e está sempre sujeito à transmutação. Assim, [...] a palavra ‘prognóstico’,
ainda que soe estranha à tradição ambiental ou educativa, gera possiblidades de novas
reinvenções investigativas”.
Isso considerado, importa frisar que os aportes acadêmicos, coadunando-se aos
objetivos da linha de pesquisa Movimentos Sociais, Política e Educação Popular, ante
as proposições de educação popular nas ações de um determinado movimento social,
contribuem incisivamente para os estudos de espaços social e coletivamente
organizados, nas lutas pelo exercício de uma participação democrática.
A respeito das entrevistas, vale ressaltar que os pesquisados foram previamente
esclarecidos acerca dos objetivos do estudo, e expressamente concordaram ao assinar,
individualmente, o respectivo Termo de Consentimento Livre e Esclarecimento, bem
assim sobre a importância de sua autorização para dar início a essa técnica de coleta
de informações (Apêndice A).
Importa, ainda, enfatizar que todos os sujeitos do estudo foram esclarecidos que
poderiam ter a identidade preservada e garantia do sigilo das informações, se assim
pretendessem, além de esclarecer que seria permitido a desistência de participar desse
estudo, sem qualquer prejuízo físico, psicológico, biológico e/ou material, a qualquer
momento, se assim desejassem.
De acordo com a Pró-reitoria de Pesquisa da UFMT, ao GPEA é dispensada a
submissão de pesquisas ao conselho de ética por não envolver investigação com seres
6Material acadêmico elaborado e disponibilizado pela Dra. Michèle Sato, intitulado “Minutos de Orientação”. Blog oficial do GPEA/UFMT. Disponível em: . Acesso em: 25 maio 2014.
http://gpeaufmt.blogspot.com.br/2014/06/minutos-de-orientacao-diagnostico.html
28
humanos, que se relaciona com vidas, patentes ou informações do conhecimento
tradicional.
Experimentando rico aprendizado pelo fortalecimento do conhecimento teórico
e no campo social, participei ativamente de mobilizações e ações institucionais, a
exemplo de integrar a comissão de sistematização junto a Secretaria Estadual de
Educação de Mato Grosso, formada para coordenar os trabalhos de construção de um
Plano Estadual de Educação em Direitos Humanos de Mato Grosso.
E, na ajuda para elaboração do Relatório de DH e da Terra de Mato Grosso –
edição 2013, bem como outros subsídios nas ações cotidianas do Fórum, junto a entes
oficiais, como formulações de pedidos e denúncias para informações e providências
administrativas.
Consciente que este estudo trará informações de uma realidade localizada,
pretendemos cooperar minimamente para que se iniciem processos de reflexão interna
e externa junto ao nosso objeto de pesquisa, centrado em sua dimensão histórica,
intencionando converter a tradicional relação sujeito-objeto, em uma relação do tipo
sujeito-sujeito, criando solidariamente conhecimentos e valores (BRANDÃO, 2006), a
respeito dos temas aqui tratados.
Hoje, estou associada ao Instituto Caracol, uma organização não governamental
que, em parceria com a UFMT, desenvolve projetos de cunho socioeducativo, inclusive
buscando desenvolver projetos de educação ambiental como componente essencial na
luta pela justiça climática.
O Instituto Caracol é um dos elos mais importantes da Rede Mato-Grossense de
Educação Ambiental, surgindo no bojo dos movimentos do GPEA, que via a
necessidade de um espaço da sociedade civil, para o enfrentamento de políticas
hegemônicas governistas que favoreciam o agronegócio.
Assim, o IC faz parte das estruturas colegiadas para políticas públicas, como o
Conselho Estadual de Meio Ambiente (CONSEMA), Conselho Estatual de Defesa dos
Direitos Humanos (CEDDH), a Comissão das lutas femininas, entre outros espaços.
29
Figura 3 – ‘Ciranda’ de Glenio Bianchetti (1988) 7
Fonte: Peregrinacultural’s Weblog (2013).
CAPÍTULO 2. OBJETIVOS – Planejando o arranjo da teia
Tempo, tempo, tempo, tempo,
...compositor de destinos... tambor de todos os ritmos... entro num acordo contigo... por seres tão inventivo... e pareceres contínuo... És um dos deuses mais lindos ... tempo, tempo, tempo (Música ‘Oração ao Tempo’, de Caetano Veloso, 1979).8
7Disponível em: . Acesso em: 20 out. 2014. 8‘Oração ao tempo’ é uma composição musical de autoria de Caetano Veloso, lançada no álbum Cinema Transcendental, em 1979. Disponível em: . Acesso em: 03 mar. 2015.
https://peregrinacultural.wordpress.com/2013/10/10/brincadeiras-de-criancas-arte-brasileira/https://peregrinacultural.wordpress.com/2013/10/10/brincadeiras-de-criancas-arte-brasileira/http://letras.mus.br/caetano-veloso/discografia/
30
2.1 O Fórum de Direitos Humanos e da Terra de Mato Grosso
Convidada a participar de uma reunião junto ao FDHT-MT, acompanhando a
Dra. Michèle Sato que representa a UFMT nesse fórum, exaltou-nos inequívoco que
aquele espaço seria o nosso objeto de pesquisa, compreendo-o como um coletivo social
autônomo e organizado em rede, mesclado por uma heterogeneidade de atores sociais,
com o objetivo principal de combater as várias formas de violações em DHs e danos
socioambientais, presentes nos territórios mato-grossenses.
Já na segunda reunião de trabalho que participei no fórum, oficialmente passei a
integrá-lo na condição de representante do Instituto Caracol (IC), com direito a
manifestação sobre as decisões do FDHT-MT, independente da minha condição de
mestranda. Portanto, esta dissertação trará a 1ª pessoa do singular nas interpretações
e trilhas inspiradoras de uma pesquisa participativa, mas em alguns momentos
assumirá a 1ª pessoa do plural sobre as ações táticas e de lutas do próprio fórum que
se dinamiza pelo “articulamento” coletivo (SATO, 2004, p. 2).
Para Sato, a noção de “articulação” é abandonada para, talvez, surgir uma noção
inacabada de “articulamento” em pleno processo de debate e construção o qual estará
longe de ser finalizado, propondo:
[...] construir uma EA sob a noção neologista de ‘articulamento’, oferecendo a ideia da ‘incompletude’, do não finalizada ou ainda por estar descoberta. Alguma coisa tão original revolucionária que muitos haverão de negar, porque suas cartesianas visões do mundo não lhes permitem compreender inovações. Ainda que a luta seja recente, mas como enormes dissabores nas disputas territoriais, o que interessa é construir uma linguagem comprometida com a postura de com-viver na diferença, aceitando a existência da pluriculturalidade onde a biodiversidade é um consenso incondicional. (SATO, 2004, p. 2, grifos da autora).
O FDHT-MT teve seu lançamento ‘oficial’ em meados de junho de 2011, após
uma reunião com representantes de diversos segmentos sociais, realizada no Centro
de Formação Olga Benário Prestes. E, o FDHT-MT originou-se exatamente pela
confluência de diálogos entre os movimentos e segmentos organizados sociais e
ambientais, fortalecido pela experiência de militância e ações coletivas e parceria com
31
outras entidades, porém deliberadamente concentradas na defesa dos DHs, muitas
dessas protagonizadas pelas diversas instituições que inclusive ainda hoje o integra.
A composição do FDHT-MT inclui um conjunto de 28 entidades agrupadas por
11 eixos temáticos, quais sejam: 1) Educação e comunicação; 2) Saúde; 3) Migrações,
trabalho escravo e tráfico de pessoas; 4) Meio Ambiente e Grupos Sociais; 5) Presídio,
tortura e comitê da verdade; 6) Políticas e Conselhos; 7) Programas de Proteção; 8)
Copa e megaeventos; 9) Terra e conflitos; 10) Gênero, diversidade sexual e geracional;
e 11) Religiões, imbuídas sempre na efetivação de processos emancipatórios e de
justiça social (Figura 4).
Figura 4 - Representação da dinâmica dos Grupos de Trabalhos no FDHT-MT
Elaborado por: Michèle Sato (2012).
32
As 28 entidades que integram o FDHT-MT, estão identificadas adiante por ordem
alfabética, objetivando demonstrar a amplitude da atuação desse movimento, não
obstante o recorte que se faz imperioso para o desenvolvimento nos limites de uma
pesquisa em Mestrado.
São elas:
1) Associação Brasileira de Homeopatia Popular-ABHP;
2) Associação de Defesa dos Direitos do Cidadão-ADDC;
3) Central Única dos Trabalhadores-CUT;
4) Centro Burnier Fé e Justiça-CBFJ;
5) Centro de DHs Henrique Trindade-CDHHT;
6) Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos de Mato Grosso–CEBI/MT;
7) Centro Pastoral Para Migrantes-CPM;
8) Conselho Indigenista Missionário em Mato Grosso-CIMI/MT;
9) Coletivo Jovem de Meio Ambiente-CJMT;
10) Comissão Pastoral da Terra-CPT/MT;
11) Comunidades Eclesiais de Base–CEB/Cuiabá;
12) Defensoria Pública de Mato Grosso-DPE;
13) Escritório de Direitos Humanos da Prelazia de São Félix do Araguaia;
14) Fórum de Lutas das Entidades de Cáceres-FLEC;
15) Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento-FORMAD;
16) Grupo Pesquisador em EA, comunicação e arte–GPEA-MT;
17) Instituto Caracol-IC;
18) Instituto Humana Raça Fêmina-INHURAFE;
19) Movimento dos Trabalhadores Sem Terra-MST;
20) Movimento Nacional de Direitos Humanos-MNDH-MT;
21) Operação Amazônia Nativa-OPAN;
22) Pastoral Carcerária-PC;
23) Pastoral do Migrante-PM;
24) Rede Mato-grossense de EA-REMTEA;
25) Sindicato dos Jornalistas de Mato Grosso-SINDJOR;
33
26) Sindicato dos Trabalhadores no Ensino do Público de Mato Grosso –
SINTEP/MT;
27) Sociedade Fé e Vida – Cáceres; e
28) Universidade Federal de Mato Grosso-UFMT.
O FDHT-MT estrutura suas atividades de diversos modos. Além de reuniões
mensais presenciais, vale-se, igualmente, das novas tecnologias da informação, tendo
uma lista de discussão pelo sistema Google, nas redes sociais Facebook, e em seu Blog.
O seu perfil criado na rede social Facebook abarca quase 1.531 amigos (FACEBOOK,
2015).9
Apesar de direcionar a sua atuação em demandas coletivas, em algumas ocasiões,
o fórum recebeu denúncias de pessoas ameaçadas, a exemplo de ilustração, temos o
caso do rapaz que noticiou os efeitos indesejáveis do terreno baldio no interior do MT,
e foi ameaçado pelo proprietário do imóvel. O FDHT-MT escreveu uma carta de apoio,
após apuração dos fatos, o rapaz publicou em seu blog e as ameaças pararam.
Outro caso interessante foi de um rapaz deficiente mental, morador no interior
de Mato Grosso, que desapareceu de casa. Sua mãe contatou representantes do fórum,
e sua fotografia e endereço foram divulgados no blog e Facebook (2014)10. Depois de
uma semana o rapaz foi encontrado. Isto porque alguém ligou para a mãe, alegando
ter visto a foto no Facebook do fórum.
E, ainda, em razão de algumas circunstâncias, representantes do FDHT-MT
visitam região e localidades denunciadas como áreas de conflitos sociais, no sentido
de dar apoio aos movimentos de grupos sociais em situação de risco.
Suas ações coletivas são resultantes muito de um articulamento, principalmente,
com entidades da sociedade civil organizada local, nacional e, em alguns casos,
internacional. Ao mesmo tempo, o FDHT-MT desenvolve intensa atividade de
mobilização coletiva com o objetivo de discutir políticas públicas voltadas à defesa dos
DHs e proteção socioambiental.
9Facebook. Perfil FDHT-MT. Disponível em: . Acesso em: 10 fev. 2015. 10Facebook. Perfil FDHT-MT. Disponível em: . Acesso em 10 fev. 2015.
https://www.facebook.com/direitoshumanosMT/friends
34
Regularmente empenha-se em organizar e participar de encontros coletivos
organizados em locais comunitários nos bairros e municípios de Mato Grosso, a
exemplo da V Conferencia Estadual de Direitos Humanos e da Terra de Mato Grosso,
coordenada pelo FDHT-MT (Figura 5).
Figura 5 - Reunião V Conferência Estadual de DH e da Terra de Mato Grosso, Cuiabá-MT, 2014
Autoria: Regina Silva e Michelle Jaber (2014). Fonte: Acervo de Denize Amorim.
Decorrente dessas articulações, o FDHT-MT consegue potencializar elaboração
coletiva de relatórios, denúncias, manifestos de Apoio, notas de Repúdio, bem como
Documentos Bases construídos a partir de uma discussão coletiva com representantes
comunitários de segmentos sociais e de comunidades tradicionais, essenciais a
formulação de Políticas Públicas.
Outro aspecto importante é que o FDHT-MT constrói suas ações primando pela
horizontalidade em suas decisões, sem prejuízo de estabelecer como mediador
35
administrativo o representante do CBFJ. Suas táticas de lutas resultam de um processo
de consulta coletiva entre todos representantes no fórum, contribuindo para a
construção e manutenção desse espaço coletivo e democrático.
Os diálogos e discussões temáticas, no mais das vezes, são iniciados e encerrados
por meio de ferramentas eletrônicas das redes sociais, além de utilizá-las para informes
e coordenação de ações coletivas, como a exemplo de dar apoio imediato a
determinada ação de enfrentamento nacional ou mesmo formular manifesto de
repúdio.
A lista de discussão não é aberta, exigindo que o interessado seja indicado por
algum membro do fórum. O gerenciamento da lista, do blog, das redes sociais e dos
sistemas de comunicação é realizado pelo GPEA/UFMT.
A organização e atuação em forma de rede permite ao FDHT-MT interligar-se a
diferentes realidades e espaços sociais, fortalecidos por meio de debates, trocas de
experiências, diálogos reflexivos e deliberações coletivas, firmados em valores e
projetos comuns.
2.2 Direitos Humanos, Justiça Ambiental e Mudanças Climáticas
Nesta pesquisa, marcos conceituais normativos julgo complementares e
facilitadores para uma melhor compreensão sobre a temática aqui tratada. Alguns dos
documentos institucionais aqui mencionados estão reproduzidos em meio magnético,
anexo a esta dissertação (Apêndice B).
Evidente que as soluções aos desafios sociais, ambientais e econômicos pautados
nas lutas pelo enfrentamento das desigualdades sociais, mesmo em uma perspectiva
abrangente, dinâmica e complexa, não se delimitam apenas pelas diretrizes
regulatórias atualmente em vigor.
Ao mesmo tempo, não se pode desconhecer a importância de documentos
internacionais, como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), a
Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem (1948), o Pacto de San José da
Costa Rica / Convenção Interamericana de Direitos Humanos (1968), o Protocolo de
San Salvador sobre direitos econômicos, sociais e culturais (1988), voltados ao
36
fortalecimento das lutas dos movimentos sociais, no enfrentamento das desigualdades
sociais que atingem direitos fundamentais da pessoa humana envolvendo o meio
ambiente.
No Brasil, em 1988, a então promulgada Constituição Federal evidenciou a
preocupação com a construção de um Estado Brasileiro Democrático fundado na
dignidade da pessoa humana e na cidadania plena como componentes
principiológicos orientadores das relações institucionais em território brasileiro.
Em 2009, por Decreto Executivo Federal sob nº 7.037/2009, foi aprovado o
Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH-3, estabelecendo entre suas
diretrizes a interação democrática entre Estado e sociedade civil, e principalmente o
fortalecimento dos Direitos Humanos como instrumento transversal das políticas
públicas e de interação democrática.
O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH) instituído como
política pública de responsabilidade dos Governos Federal e Estaduais, no âmbito da
educação formal e não formal, estabelece como um dos princípios a mobilização e
organização de processos participativos em “[...] defesa dos direitos humanos de
grupos em situação de risco e vulnerabilidade social, denúncia de violações e
construção de proposta para sua promoção, proteção e reparação” (BRASIL, PNEDH,
2009, p. 44).
Com a edição das Diretrizes Nacionais para Educação em Direitos Humanos -
DNEDH (BRASIL, 2012), o processo educativo em DHs vem sendo acreditado como
fundamental “[...] tanto para o acesso ao legado histórico dos Direitos Humanos,
quanto para a compreensão de que a cultura dos Direitos Humanos é um dos alicerces
para a mudança social”.
A partir disso, o fortalecimento da “educação em direitos humanos, com
finalidade de promover a educação para a mudança e a transformação social”,
fundamentalmente implica em efetivar o princípio da sustentabilidade socioambiental
(BRASIL, DNEDH, 2012). A educação em direitos humanos, no sentir de Maués e Weyl
(2007, p. 108), provoca a “[...] constante pesquisa desse aberto e dinâmico ‘objeto’ ”,
observando que:
37
Para além das pautas normativas – sem distar delas –, estamos diante da necessidade de ampliar os processos compreensivos acerca do humano, de sua natureza, da sua cultura como uma dimensão de sua natureza, de suas normas como uma das dimensões de sua forma, de seu viver.
Sobre o tema, Santos (2007, p. 23) alerta para a necessidade de reconhecer que
“[...] a complexidade dos Direitos Humanos reside em que eles podem ser concebidos
e praticados, quer como globalização hegemônica (localismo globalizado), quer como
globalização contra-hegemônica (cosmopolitismo)”. E, continua:
O multiculturalismo progressista pressupõe que o princípio da igualdade seja prosseguido de par com o princípio do reconhecimento da diferença. A hermenêutica diatópica pressupõe a aceitação do seguinte imperativo transcultural: temos o direito a ser iguais quando a diferença nos inferioriza; temos o direito a ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza (SANTOS, 2009, p.18).
Para Scherer-Warren (2012, p. 36), por meio das articulações em rede de
movimentos sociais implementam-se debates de temas transversais “[...] relacionados
a várias faces da exclusão social, e a demanda de novos direitos, [...] trazendo para esse
movimento a necessidade da ideia de indivisibilidade dos direitos humanos” (Figura
6).
Figura 6 - Representação da transversalidade das lutas sociais por direitos em redes de MS
Fonte: Scherer-Warren (2012).
38
Assim, a Justiça Ambiental e as Mudanças do Clima são temáticas que se
relacionam transversalmente com os direitos humanos, na medida em que se
interlaçam as lutas pelos direitos ecológicos, direitos políticos, direitos
socioeconômicos, entre outros.
Avançando nessa discussão, Acselrad (2010, p. 114) aduz que também as lutas
por justiça ambiental, tal como caracterizadas no caso brasileiro, combinam a defesa
dos direitos a ambientes culturalmente específicos (comunidades tradicionais); a
proteção ambiental equânime contra a segregação socioterritorial; e a defesa dos
direitos de acesso equânime a natureza.
A Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA), organização não governamental,
em 2002, constituía-se como movimento social referindo-se a Justiça Ambiental como
o “[...] ao tratamento justo e ao envolvimento pleno de todos os grupos sociais,
independentemente de sua origem ou renda nas decisões sobre o acesso, ocupação e
uso dos recursos naturais em seus territórios” (RBJA, 2002, online).11
Para a RBJA, são princípios da Justiça Ambiental: 1) os recursos ambientais como
bens coletivos, [...] cujos modos de apropriação e gestão devem ser objeto de debate
público e de controle social; 2) os direitos das populações do campo e da cidade a uma
proteção ambiental equânime contra a discriminação sócio-territorial e a desigualdade
ambiental; 3) garantias à saúde coletiva, através do acesso equânime aos recursos
ambientais, de sua preservação, e do combate à poluição, à degradação ambiental, à
contaminação e à intoxicação química ― que atingem especialmente as populações que
vivem e trabalham nas áreas de influência dos empreendimentos industriais e
agrícolas; 4) os direitos dos atingidos pelas mudanças climáticas, exigindo que as
políticas de mitigação e adaptação priorizem a assistência aos grupos diretamente
afetados; 5) a valorização das diferentes formas de viver e produzir nos territórios,
reconhecendo a contribuição que grupos indígenas, comunidades tradicionais,
agroextrativistas e agricultores familiares dão à conservação dos ecossistemas; 6) o
direito a ambientes culturalmente específicos às comunidades tradicionais, e 7) a
alteração radical do atual padrão de produção e de consumo.
11Embora a terminologia ‘recursos naturais’ seja utilizada pela RBJA, tem-se que a perspectiva presente nesse termo associa de modo ilegítimo a ideia de uso do solo, água, plantas e animais, em contexto absolutamente extrativista e servível à e descontrolada manipulação reprodutiva e tecnológica.
39
Dentre os princípios assumidos pela RBJA, merece destaque, nesta pesquisa, o
princípio – 4, sobre a proteção dos direitos dos grupos diretamente afetados pelas
mudanças climáticas, exigindo efetividade de políticas de mitigação e adaptação para
os grupos sociais mais vulneráveis.
Na leitura dos marcos principiológicos orientadores das ações da RBJA, percebe-
se que as lutas por Justiça Ambiental se aliam com as “[...] lutas populares pelos
direitos sociais e humanos, a qualidade coletiva de vida e a sustentabilidade
ambiental” (RBJA, 2002, online).
A respeito das mudanças do clima e suas consequências, a Convenção Quadro
das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) atribuiu expressa diferença
conceitual entre mudanças climáticas e variabilidade climática (IPCC, 2014, p. 5).
A mudança climática implica em alterações climáticas que possam direta ou
indiretamente ser atribuída à atividade humana, indicando uma tendência de
alteração da média no tempo. Por sua vez, a variabilidade climática é considerada uma
variação das condições climáticas em torno da média climatológica, aquelas
decorrentes exclusivamente de causas naturais (ANGELOCCI; SENTELHAS, 2007).
No Brasil, a Política Nacional sobre Mudança do Clima, instituída pela Lei
Federal nº 12.187, em 28.12.2009, considera mudança do clima quando “[...] possa ser
direta ou indiretamente atribuída à atividade humana que altere a composição da
atmosfera mundial e que se some àquela provocada pela variabilidade climática
natural observada ao longo de períodos comparáveis” (BRASIL, 2009).
Com a criação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas12,
reuniu-se cientistas de 130 países objetivando “[...] avaliar informações científicas,
técnicas e socioeconômicas relevantes para a compreensão da mudança climática
induzida, seus impactos e opções de mitigação e adaptação em potencial”, no âmbito
do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA, 1988, não paginado?).
O IPCC já concluiu quatro relatórios completos de avaliação, diretrizes e
metodologias, relatórios especiais e documentos técnicos, inclusive sobre os impactos,
condições de adaptação e vulnerabilidades humanas (IPCC, 2014).
12Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), órgão criado em 1988, pelo Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA) e da Organização Meteorológica Mundial (OMM). Disponível em . Acesso em: 20 dez. 2014.
http://www.ipcc-wg2.gov/
40
Em 1992, surge a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do
Clima elaborada durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, realizada no Rio Janeiro – Brasil, destacando expressiva
preocupação quanto a anomalias nos dados de variações de temperatura observados
por cientistas, “[...] que indicavam uma tendência de aquecimento global devido a
razões antrópicas” (MMA, 2010).
O Brasil foi o primeiro a ratificar a Convenção do Clima, em 1994, e hoje é um
dos Estados firmatários da Convenção que mantém posição de liderança, alcançando
importante protagonismo dentro das negociações ali compromissadas (BRASIL,
MMA, 2010, online).
Em 2000, constituiu-se o Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas (FBMC)13
tendo por objetivo auxiliar o governo na incorporação das questões sobre mudanças
climáticas nas diversas etapas das políticas públicas, e também conscientizar e
mobilizar a sociedade para a discussão e tomada de posição sobre os problemas
decorrentes da mudança do clima por gases de efeito estufa.
O FBMC está organizado por câmaras temáticas, compostas por representantes
de diversos setores econômicos, sociais e técnico-científicos do País com
responsabilidade na implantação das medidas relacionadas à Convenção-Quadro das
Nações Unidas sobre Mudança do Clima.
Na condição de política pública, a abordagem brasileira sobre mudanças
climáticas consolida-se inicialmente com a edição do Plano Nacional sobre Mudança
Climática (BRASIL, 2008), passando este a ser considerado como um dos principais
instrumentos de planejamento e implementação da Política Nacional sobre Mudança
do Clima (BRASIL, 2009), estruturado em quatro eixos: oportunidades de mitigação;
impactos, vulnerabilidades e adaptação. O Plano possui caráter dinâmico e sujeita-se
a revisões e avaliações de resultados periodicamente
A Política Nacional sobre Mudança do Clima ganha status legislativo com a
edição da Lei Federal nº 12.187/2009, orientando impositivamente ao
13 O FBMC foi criado originalmente pelo Decreto nº 3.515, de 20 de junho de 2000, sofreu alterações
normativas pelo Decreto Presidencial de 28.08.2000. Para conhecer os órgãos e entidades que atualmente participam do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas. Disponível em: http://www.forumclima.org.br/pt/o-forum/composição>. Acesso em: 20 maio 2014.
http://www.forumclima.org.br/pt/o-forum/composição
41
comprometimento político de integração e harmonização dos “princípios, objetivos,
diretrizes e instrumentos” dos programas e das políticas públicas governamentais
compatibilizarem-se com o respectivo marco regulatório sobre o tema Mudanças
Climáticas.
Coadunado a essa proposta, o Painel Brasileiro sobre Mudanças Climáticas
apresenta o ‘Primeiro Relatório de Avaliação Nacional (PBMC, 2014), destacando a
relevância do crescente número de publicações científicas disponíveis para avaliar as
condições de adaptação e de vulnerabilidade, bem como a crescimento da base de
publicações sob o enfoque multidisciplinar, possibilitando maior foco nos impactos e
nas respostas sociais, além de uma cobertura integral continuada a nível regional,
contexto favorável à mobilização social. Ressalta, ainda, que:
A situação atual do clima exige grandes mudanças no estilo de vida, uma verdadeira revolução energética e a transformação do modo como lidamos com os recursos naturais. Nesse sentido, um processo de adaptação substancial é fundamental para se tentar reverter o panorama atual. [...] Todas as esferas de governo, a indústria, o comércio e a sociedade precisam estar envolvidos no desenvolvimento de uma resposta nacional adequada. Portanto, o entendimento dessas alterações climáticas em cada região é essencial para um planejamento estratégico e o processo de tomada de decisão. (PBMC, 2014, p. 10).
Em contexto mais local, temos o Fórum Mato-grossense de Mudanças Climáticas
(FMMC), instituído pela Lei Estadual nº 9.111, de 15.04.200914, criado com o objetivo
geral de mobilizar e conscientizar a sociedade mato-grossense sobre o fenômeno das
Mudanças Climáticas e propõe a promoção e a articulação dos órgãos e entidades
públicas e privadas com o Forum Brasileiro de Mudanças Climáticas.
Porém, apenas em 2010, o Fórum Mato-grossense aprovou o seu regimento
interno, definindo expressamente alguns de seus principais objetivos:
14Vinculado à Secretaria Estadual do Meio Ambiente (SEMA), o Fórum Mato-grossense de Mudanças
Climáticas tem sua composição definida no Decreto Estadual nº 2.197, de 22 de outubro de 2009. Seu
Regimento Interno foi aprovado em 2010, em encontra-se disponível no site oficial da SEMA. Disponível
em:
.
Acesso em: 20 maio 2014.
http://www.sema.mt.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=26&Itemid=45
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I - promover a articulação dos órgãos e entidades públicas e privadas com o Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas e com a Comissão Interministerial de Mudanças Climáticas, visando à formulação e implementação eficiente de políticas públicas relativas às mudanças climáticas globais;
II - propor normas para a instituição de uma Política Estadual de Mudanças Climáticas, em articulação com a Política Nacional de Mudanças Climáticas e outras políticas públicas estaduais e federais correlatas;
III - estimular a cooperação entre as três esferas de governo, organismos nacionais e internacionais, agências multilaterais, organizações não-governamentais nacionais e internacionais, instituições privadas, academia, setor empresarial, entre outros, no campo das mudanças climáticas globais. (MATO GROSSO, 2009).
Em 2012, foi aprovado pelo FMMC a proposta de anteprojeto de Lei do Sistema
Estadual de REDD+ de Mato Grosso. E, com a edição da Lei Estadual nº 9.878, de
07.01.2013, restou regulamentado o Sistema Estadual de Redução de Emissões de
Gases do Efeito Estufa (REDD+) para o Estado de Mato Grosso.
2.3 Justiça Climática e Educação Ambiental
Este trabalho abarca a Justiça Climática como um componente fundamental para
o desenvolvimento de medidas que potencializem condições de enfretamento humano
e ambiental frente às consequências de mudanças climáticas extremas.
Para Sato (2013, p. 41), o conceito de Justiça Climática referendado pela RBJA,
pode ser traduzido como “[...] o direito ao acesso justo e equitativo aos ambientes
naturais, [...], assim como a garantia de que nenhum grupo social suporte uma parcela
desproporcional da degradação ambiental”.
Milanez (2011, p. 84) expressa que a Justiça Climática “[...] surge como um
desdobramento do paradigma da justiça ambiental e da percepção de que os impactos
das mudanças climáticas atingem de forma e intensidade diferentes grupos sociais
distintos”.
43
Malerba e Leroy (2008, p. 48), por sua vez, defendem que é uma categoria
sociopolítica, construída no plano político, no plano econômico, no plano institucional,
no plano jurídico, e na sociedade. Preceituam que:
A Justiça Climática é entendida como o conjunto de princípios que asseguram que nenhum grupo de pessoas, sejam grupos étnicos, raciais ou de classe, suporte uma parcela desproporcional de degradação do espaço coletivo provocada pelo câmbio climático tal que afete gravemente a qualidade de vida, inviabilize a sua reprodução e os obriga a migrar.
O componente Justiça Climática ganha maior visibilidade política a partir de
diversas mobilizações organizadas pela sociedade civil, que sustentadas em estudos
científicos e conhecimentos populares, reivindicam a efetividade dos direitos
fundamentais a dignidade da pessoa humana, inseridos em marcos regulatórios
instituídos no contexto internacional e nacional, e nos quais definiram-se conceitos,
princípios e obrigações aos países signatários, fortalecendo as discussões sobre a
temática Justiça Climática.
A ‘Marcha Mundial por Justiça Climática, Sustentabilidade e Contra o
Aquecimento Global’ (MMJC, 2013), que atua como fórum e ocorre em 100 países, tem
entre seus objetivos básicos a democratização de informação sobre a Emergência
Climática a fim de alcançar a mobilização da sociedade mundial; realizar a Marcha
Mundial do Clima anualmente, com ações que pressionem os Governos a cumprirem
legislação local e mundial sobre o Clima; e, ainda, a luta pela mudança imediata da
“matriz energética suja para a limpa” e “por medidas para socorrer as vítimas
nacionais e mundiais da emergência climática”.
Oportunamente, a Rede Brasileira de Justiça Ambiental manifestou
expressamente sua compreensão a respeito da Justiça Climática, considerando-a como
uma temática com características específicas que exsurge a partir do novo contexto
social sobre eventos extremos oriundos das mudanças climáticas, ressalvando:
Globalmente, os países mais pobres e os ditos emergentes são vítimas de injustiça climática por parte dos países industrializados que, historicamente, são os primeiros responsáveis por nos levar a essa situação.
44
Mas, por sua vez, os países pobres e emergentes não podem se eximir das suas responsabilidades, primeiro porque governos, setor privado e boa parte das suas sociedades buscam copiar o mesmo modelo e, segundo, porque repetem no seu interior as desigualdades ‘Norte-Sul’.
Em relação às mudanças climáticas, também operam mecanismos sociopolíticos que destinam a maior carga dos danos produzidos por essas mudanças sobre populações de baixa renda, segmentos raciais discriminados, parcelas marginalizadas e mais vulneráveis da cidadania (RBJA, grifos do autor).
A Justiça Climática, hoje, mostra-se um movimento independente, com
características particulares e princípios específicos, envolvendo garantias às
comunidades e segmentos sociais frente aos impactos e outras formas de danos
coletivos oriundos de eventos extremos relacionados as mudanças climáticas. É
considerada um componente fundamental para o desenvolvimento de ações que
potencializem condições de enfretamento humano e ambiental frente as consequências
de mudanças climáticas.
Como particularidade, os movimentos de lutas por Justiça Climática acontecem
em contextos socioeconômicos que apresentam um caráter transfronteriço, pois
envolvem Estados não limítrofes, em razão da natureza dos danos e impactos
ambientais, e respectivas consequências oriundos de fenômenos extremos no clima.
No Brasil, esse movimento independente que se criou por Justiça Climática,
inspirado na Convenção do Clima e em outros marcos regulatórios, orientando-se
fortemente em princípios específicos como da precaução, da prevenção, da
participação cidadã, do desenvolvimento sustentável, das responsabilidades comuns
e da equidade, firmando a inequívoca conexão entre justiça climática e direitos
humanos.
O princípio da equidade serve para assegurar a observância dos diferentes
contextos socioeconômicos,
[...] distribuindo os ônus e encargos decorrentes entre os setores econômicos e as populações e comunidades interessadas de modo equitativo e equilibrado e sopesar as responsabilidades individuais quanto à origem das fontes emissoras e dos efeitos ocasionados sobre o clima. (BRASIL, PNMC, 2009).15
15 Lei Federal que dispõe sobre o Plano Nacional sobre Mudanças Climáticas.
45
Nas interseções conceituais entre justiça climática e direitos humanos,
confiamos na necessidade de um olhar inteiro, sistêmico dos conflitos socioambientais,
para tanto propondo agregar uma Educação Ambiental que considere as
particularidades de cada indivíduo e ou grupo, em seus respectivos contextos,
consubstanciado por um processo educador que potencialize os atores nele
envolvidos, “[...] promovendo a ampliação de sua conectividade com instituições
educativas ambientais diversas e o fortalecimento desse processo, possibilitando assim
a sua continuidade” (SORRENTINO, 2010, p. 09).
Ao elaborar um documento descritivo contendo proposta de campanha sobre
educação ambiental e mudanças climáticas, incluindo “estratégia” (sic) de execução,
Tamaio (2010, p. 4) destaca a seriedade da “[...] modalidade difusa de EA no processo
de enfrentamento do aquecimento global e suas implicações, podendo contribuir para
o esclarecimento, engajamento e participação da sociedade civil em ações individuais
e coletivas”.
A Educação Ambiental em sua percepção política, não se limita a compreensão
unitária dos resultados negativos das modificações ambientais em seu sentido
ecológico, mas protesta pela necessidade de apreender os seus “[...] objetivos
multidimensionais”, para em seu processo construtivo trazer eloquência para uma
concepção de democracia participativa, esta enquanto princípio natural do movimento
de construção de uma efetiva cidadania ambiental (SATO, 2002, p. 23).
Relevando a importância dos espaços coletivos sociais, Gohn (2010a, p. 16),
afirma que os Novos Movimentos Sociais (NMS) destacam-se em uma típica ciranda
educativa de formação popular, envolvendo temas como inclusão social e cultura
política, em uma ressignificação dos ideais clássicos de Igualdade (para Justiça Social),
Fraternidade (para Solidariedade) e Liberdade (para Inclusão Social).
Isso porque, a conjuntura política de uma sociedade significa um fator
determinante no desenvolvimento e fortalecimento dos NMS, principalmente, quando
no contexto social predomina uma crise de legitimidade do regime político vigente e
a crescente degradação das condições socioeconômicas de uma coletividade (JACOBI,
1993, p. 138).
46
Nesse contexto multidimensional, elegendo a justiça climática como porta de
entrada dos diálogos investigativos junto ao FDHT, a Educação Ambiental poderá
ensejar uma reflexão individual e ao mesmo tempo coletiva que possibilite debater
sobre a necessidade de formação popular direcionada aos desafios derivados de lutas
por Justiça Climática, principalmente junto aos grupos e comunidades mais
vulneráveis.
As Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos16 impõem sejam
observadas pelos sistemas de ensino e respectivas instituições, o uso de concepções e
práticas educativas capaz de promover uma educação para mudança e transformaçã