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Programa de Pós-Graduação em Genética Universidade Federal de Pernambuco
Centro de Ciências Biológicas Departamento de Genética
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio cholerae O26, Isoladas de Processos Entéricos Humanos no
Nordeste do Brasil
Francisco André Marques de Oliveira Cariri
RECIFE – PE 2008
Francisco André Marques de Oliveira Cariri
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio cholerae O26, Isoladas de Processos Entéricos Humanos no Nordeste do Brasil
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Genética da Universidade Federal
de Pernambuco, como parte dos requisitos
necessários para a obtenção do grau de Mestre em
Genética.
Orientador: Prof. Dr. Osvaldo Pompílio de Melo
Neto, Depto. de Microbiologia, Centro de Pesquisas
Aggeu Magalhães, CPqAM – FIOCRUZ.
Co-Orientadora: Profa. Dra. Nilma Cintra Leal ,
Depto. de Microbiologia, Centro de Pesquisas Aggeu
Magalhães, CPqAM – FIOCRUZ.
RECIFE – PE ABRIL, 2008
Cariri, Francisco André Marques de Oliveira
Caracterização molecular de cepas de Vibrio
cholerae O26, isoladas de processos entéricos
humanos no nordeste do Brasil. / Francisco André
Marques de Oliveira Cariri. – Recife: O Autor, 2008.
90 fls. .: il.
Dissertação (Mestrado em Genética) – UFPE. CCB
1. Vibrio cholerae 2. Filologia 3. Cólera
I.Título
575.86 CDU (2ª. Ed.) UFPE
576.88 CDD (22ª. Ed.) CCB – 2008 –065
Universidade Federal de Pernambuco Programa de Pós-Graduação em Genética
PARECER DA COMISSÃO EXAMINADORA DA DEFESA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO DE FRANCISCO ANDRÉ MARQUES DE OLIVEIRA CARIRI
“Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio cholerae O26, Isoladas de Processos Entéricos Humanos no Nordeste do
Brasil”
Área de Concentração: BIOLOGIA MOLECULAR
RECIFE - PE 2008
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, Abidias e Maria, queAos meus pais, Abidias e Maria, queAos meus pais, Abidias e Maria, queAos meus pais, Abidias e Maria, que,,,,
acreditando no meu potencial, me prepararam acreditando no meu potencial, me prepararam acreditando no meu potencial, me prepararam acreditando no meu potencial, me prepararam
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durante durante durante durante a realização deste trabalhoa realização deste trabalhoa realização deste trabalhoa realização deste trabalho....
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... ... ... ... Hoje me sinto mais forte, mais feliz quem sabeHoje me sinto mais forte, mais feliz quem sabeHoje me sinto mais forte, mais feliz quem sabeHoje me sinto mais forte, mais feliz quem sabe Só levo a certeza de que muito pouco eu seiSó levo a certeza de que muito pouco eu seiSó levo a certeza de que muito pouco eu seiSó levo a certeza de que muito pouco eu sei Ou nada seiOu nada seiOu nada seiOu nada sei Penso que cumprir a vida seja simplesmentePenso que cumprir a vida seja simplesmentePenso que cumprir a vida seja simplesmentePenso que cumprir a vida seja simplesmente Compreender a marcha e ir tocando em frente...Compreender a marcha e ir tocando em frente...Compreender a marcha e ir tocando em frente...Compreender a marcha e ir tocando em frente... ... Cada um de nós compõe ... Cada um de nós compõe ... Cada um de nós compõe ... Cada um de nós compõe a sua históriaa sua históriaa sua históriaa sua história Cada ser em si carrega o dom de ser capazCada ser em si carrega o dom de ser capazCada ser em si carrega o dom de ser capazCada ser em si carrega o dom de ser capaz E ser felizE ser felizE ser felizE ser feliz ... É preciso amor pra poder pulsar,... É preciso amor pra poder pulsar,... É preciso amor pra poder pulsar,... É preciso amor pra poder pulsar, É preciso paz pra poder sorrir,É preciso paz pra poder sorrir,É preciso paz pra poder sorrir,É preciso paz pra poder sorrir, É preciso a chuva para florirÉ preciso a chuva para florirÉ preciso a chuva para florirÉ preciso a chuva para florir in: in: in: in: Tocando em Frente Almir Sater e Renato TeixeiraAlmir Sater e Renato TeixeiraAlmir Sater e Renato TeixeiraAlmir Sater e Renato Teixeira
“O processo criativo científico não é assim tão diferente do processo criativo das artes“O processo criativo científico não é assim tão diferente do processo criativo das artes“O processo criativo científico não é assim tão diferente do processo criativo das artes“O processo criativo científico não é assim tão diferente do processo criativo das artes, isto é, um veículo , isto é, um veículo , isto é, um veículo , isto é, um veículo de autodescoberta que se manifesta ao tentarmos capturar a nossa essência e lugar no universo.” de autodescoberta que se manifesta ao tentarmos capturar a nossa essência e lugar no universo.” de autodescoberta que se manifesta ao tentarmos capturar a nossa essência e lugar no universo.” de autodescoberta que se manifesta ao tentarmos capturar a nossa essência e lugar no universo.” in: in: in: in: A Dança do Universo Marcelo GleiserMarcelo GleiserMarcelo GleiserMarcelo Gleiser
AGRADECIMENTOS
A Deus pela minha saúde, pela minha família, pelos meus amigos e por permitir que eu realize meus sonhos;
Aos meus orientadores, Dr. Osvaldo Pompílio de Melo Neto e Dra. Nilma Cintra Leal, pela oportunidade, pela confiaça, pela paciência, pelo incentivo, pelos ensinamentos, pelos conselhos e, sobretudo, pela amizade. Por eles tenho a mais sincera admiração pelo brilhantismo acadêmico e um profundo respeito. Serei sempre grato pelas orientações científicas criteriosas e críticas que muito contribuíram para a minha formação.
Às doutoras Alzira, Cris e Marise (mãe de Luise) pela consideração, pela amizade e pelos ensinamentos diários;
Aos colegas de bancada (Alexandra Farias, Ana Paula Campos, Betânia, Bruna Caiado, Carlos Júnior, Érika Costa, Gerlane Souza, Maria Adelaide Barbosa, Maria Paloma Barros, Mirele Araújo, Patrícia Rosa, Rosanny Benevides e especialmente à Ana Paula Costa, Camylla Melo, Carina Mendes, Christian Reis - Negão, Danielle Moura - Danona, Éden Freire, Eduardo Nunes, Dr. Franklin Magalhães, Isabelle Luz, Dr. José Ronnie Vasconcelos, Larissa Nascimento, Mariana Andrade, Mariana Marques Pereira [companheira de disciplinas do mestrado], Mariana Palma, Marília Nascimento, Patrícia Toniolo, Rafaela Andrade, Rodrigo Lima, Tamara De' Carli Lima, Vladimir Silveira Filho, Wagner Oliveira e Wellington Silva) pelas experiências trocadas e por compartilharmos o dia-a-dia. Aos amigos do Departamente de Entomologia;
À Dra. Cássia Docena pela ajuda com o seqüenciamento e pela constante troca de idéias; e ao Dr. Valdir Balbino pelas valiosas dicas de bioinformática;
Aos funcionários do Departamento de Microbiologia (Bruna Lima, Cláudio Araújo, Edson Dantas, Fernanda Melo, Isaac Martins - Martináutico, José Dantas, Kátia Farias, Marcos Marques, Nélson Santos, Patrícia Silva, Tarcísio Oliveira, Rita Silva, Silvana Santos e Yara Nakazawa) pela ajuda substancial e pela paciência. À Bruna e Raimundo pelo suporte técnico fotográfico.
Ao Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães – FIOCRUZ por ser minha segunda casa, durante esses nove anos, onde encontrei minha vocação e aprendi que vale a pena investir cada segundo naquilo que gostamos de fazer;
Aos órgãos de fomento (CNPq, CAPES, FACEPE e FIOCRUZ), pela bolsa concedida e pelo apoio financeiro para realizar os nossos experimentos;
Aos doutores Antonio Carlos e Valdir Balbino, membros da pré-banca, pelas sugestões dadas à esta dissertação;
Aos amigos do CCB, em especial, Adri, Airton, Plínio, Pabyton e Wal;
À minha família e à “Carolinda” pelo apoio incondicional, pelo incentivo e pelos conselhos, quando necessário;
E a todos que não foram citados, mas que foram igualmente importantes nesta jornada.
ÍNDICE
TABELA.....................................................................................................................VIII
LISTA DE FIGURAS................................................................................................... IX
LISTA DE ABREVIATURAS.......................................................................................X
RESUMO GERAL ....................................................................................................XIII
ABSTRACT ............................................................................................................... XIV
1 – INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 15
2 – OBJETIVO GERAL .............................................................................................. 17
2.1 – OBJETIVOS ESPECÍFICOS............................................................................. 17
3 – REFERENCIAL TEÓRICO ................................................................................. 18
3.1 – CÓLERA............................................................................................................ 18
3.1.1 – SINTOMAS, TRANSMISSÃO E TRATAMENTO ................................ 18
3.1.2 – EPIDEMIOLOGIA DA CÓLERA............................................................ 19
3.1.3 – HISTÓRICO DA CÓLERA...................................................................... 20
3.1.4 – DIAGNÓSTICO DA CÓLERA................................................................ 23
3.2 – AGENTE ETIOLÓGICO................................................................................... 25
3.2.1 – ECOLOGIA DO Vibrio cholerae.............................................................. 25
3.2.1.1 – RESERVATÓRIO AMBIENTAL ...................................................... 26
3.2.1.2 – ESTADO VIÁVEL MAS NÃO CULTIVÁVEL................................ 27
3.2.2 - FATORES DE VIRULÊNCIA .................................................................. 29
3.2.2.1 – A VPI................................................................................................... 29
3.2.2.2 – O PROFAGO CTXφ............................................................................ 30
3.2.2.3 – OUTROS FATORES DE VIRULÊNCIA........................................... 32
3.2.3 – TAXONOMIA DO DOMÍNIO BACTÉRIA............................................ 33
3.2.3.1 – FAMÍLIA VIBRIONACEAE ............................................................. 33
3.2.3.2 – GÊNERO Vibrio.................................................................................. 34
3.2.4 – ESPÉCIE Vibrio cholerae......................................................................... 35
3.2.4.1 – CLASSIFICAÇÃO ANTIGÊNICA .................................................... 35
3.2.4.2 – Vibrio cholerae O1 .............................................................................. 37
3.2.4.3 – Vibrio cholerae O139 .......................................................................... 37
3.2.4.4 – Vibrio cholerae NÃO-O1/ NÃO-O139 ............................................... 38
3.2.4.5 – Vibrio cholerae O26 ............................................................................ 38
3.2.5 – MÉTODOS MOLECULARES USADOS NA CLASSIFICAÇÃO
BACTERIANA ......................................................................................... 39
3.2.6 – OS GENES DE rRNA COMO MARCADORES MOLECULARES....... 39
3.2.7 – REGIÃO ESPAÇADORA INTERGÊNICA DO rRNA 16S-23S ............ 41
4 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................. 44
5 – ARTIGO CIENTÍFICO A SER SUBMETIDO................................................... 56
RESUMO ................................................................................................................... 57
INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 58
MATERIAL E MÉTODOS ........................................................................................ 60
RESULTADOS .......................................................................................................... 63
DISCUSSÃO.............................................................................................................. 68
TABELAS .................................................................................................................. 71
FIGURAS ................................................................................................................... 72
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 79
6 – INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES........................................................... 83
7 – CONCLUSÕES....................................................................................................... 84
8 – ANEXO.................................................................................................................... 85
CARIRI, F.A.M.O. Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio... VIII
TABELA
Página
Tabela 1 – Métodos moleculares usados para classificar Vibrio cholerae............................................................................................................................... 40
CARIRI, F.A.M.O. Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio... IX
LISTA DE FIGURAS
Página
Figura 1 – Paciente apresentando sinais típicos da forma grave da cólera ......................... 18
Figura 2 – Esquema evidenciando: A - A secreção da CT no lúmen intestinal; B - O aumento da concentração intracelular de cAMP; C - A secreção de sódio, cloro e água do meio intracelular para o lúmen ....................................................................................... 19
Figura 3 – Número de casos de cólera no Mundo e taxa de mortalidade, entre 1991 e 2006 ..................................................................................................................................... 21
Figura 4 – Distribuição da cólera no Brasil, entre 1990 e 1996, evidenciando a rota da epidemia ............................................................................................................................... 22
Figura 5 – Número de casos de cólera em Brasil e taxa de mortalidade, entre 1991 e 2006 …................................................................................................................................. 23
Figura 6 – Bacias hidrográficas do Estado de Pernmbuco – Brasil ................................... 23
Figura 7 – Esquema do método tradicional de diagnóstico ............................................... 24
Figura 8 – Esquema da Ilha de Patogenicidade evidenciando o conjunto de genes TCP, responsável pela expressão do fator de colonização, e demais genes envolvidos com a regulação .............................................................................................................................. 29
Figura 9 – A - Esquema representativo da cascata regulatória que controla a expressão da toxina colérica (CT), evidenciando a ativação do gene ctxA pelo ToxT e a síntese da CT. B - Região intergênica onde se encontra as sequências repetidas de heptanucleotídeos. C - Seqüências parciais de nucleotídeo a montante do gene ctxA das cepas 0395 (Vibrio cholerae O1 Clássico) e 10259 (V. cholerae não-O1/não-O139) ........ 30
Figura 10 – Esquema do profago CTXφ evidenciando a região central e a região RS2 .... 31
Figura 11 – Fotomicrografia eletrônica evidenciando a morfologia do V. cholerae .......... 35
Figura 12 – Esquema da região intergênica do rDNA (rrn), evidenciando a região espaçadora intergênica (ISR) composta de genes de tRNA e regiões não codificadores .... 41
CARIRI, F.A.M.O. Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio... X
LISTA DE ABREVIATURAS
µm Micrômetro
°C Grau Celsius
A Adenina
AFLP Amplified Fragment Length Polymorphism – Polimorfismo do Comprimento dos Fragmentos Amplificados
Ágar TCBS Ágar Tiossulfato/Citrato/Bile
APA Água Peptonada Alcalina
ARDRA Amplified Ribosomal DNA Restriction Analysis – Análise de Restrição do DNA Ribossomal Amplificado
C Citosina
cAMP Cyclic Adenosine Monophosphate – Adenosina Monofosfato Cíclico
CT Cholera Toxin – Toxina Colérica
DNA Deoxyribonucleic Acid – Ácido Desoxirribonucléico
G Guanina
gap gene da gliceraldeído-3-fosfato desidrogenase
gyrB gene da subunidade B da DNA Girase
HSP Heat Shock Protein - Proteínas de Choque Térmico
ISR Intergenic Spacer Regions – Região Espaçadora Intergênica
LPS Lipopolissacarídeo
MLEE Multilocus Enzyme Electrophoresis – Eletroforese de Enzima Multilocus
MLST Multilocus Sequence Typing – Tipagem por Seqüenciamento de Multilocus
mM Milimolar
NaCl Cloreto de Sódio
NaHCO3 Bicarbonato de Sódio
CARIRI, F.A.M.O. Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio... XI
NH4Cl Cloreto de Amônio
ORF Open reading frame – Região gênica codificadora
pb Pares de Base
PBS Phosphate Buffered Saline - Tampão Fosfato-Salino
PCR Polymerase Chain Reaction – Reação em Cadeia da Polimerase
pH Potencial hidrogeniônico
PVDF Polyvinylidene Difluoride Membrane - Membranas de Polifluoreto de Vinilideno
RAPD Random Amplified Polymorphic DNA – DNA Polimórfico Amplificado Aleatoriamente
rDNA Ribosomal DNA – DNA Ribossomal
recA gene da Recombinase A
REP Repetitive Extragenic Palindromic – Palíndromos Repetitivos Extragênicos
RFLP Restriction Fragment Length Polymorphism – Polimorfismo do Comprimento dos Fragmentos de Restrição
RNA Ribonucleic Acid – Ácido Ribonucléico
rpoB gene da subunidade beta da RNA polimerase
rrn operon de RNA ribossomal
rRNA Ribosomal RNA – RNA Ribossomal
RS Repeats Sequences – Seqüências Repetidas
RTX Repeat in toxin – Toxina em repetição
TCA Trichloroacetic Acid - Ácido Tricloroacético
TCBS Agar Thiosulfate Citrate Bile Salts Sucrose Agar – Agar Tiossulfato Citrato Bile Sacarose
TCP Toxin-Coregulated Pilus – Pílus Corregulador de Toxina
tRNA Transfer RNA – RNA Transportador
tRNAAla tRNA que transporta o aminoácido Alanina
CARIRI, F.A.M.O. Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio... XII
tRNAGlu tRNA que transporta o aminoácido Ácido glutâmico
tRNAIle tRNA que transporta o aminoácido Isoleucina
tRNALys tRNA que transporta o aminoácido Lisina
tRNAVal tRNA que transporta o aminoácido Valina
U Uracila
VNC Viable but Nonculturable – Viável mas não Cultivável
VPI Vibrio Pathogenicity Island – Ilha de Patogenicidade de Vibrio
VSP Vibrio seventh pandemic island – Ilha de patogenicidade do Vibrio da sétima pandemia
CARIRI, F.A.M.O. Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio... XIII
RESUMO GERAL
A emergência do Vibrio cholerae sorogrupo O139 como um segundo agente
etiológico da cólera serviu de alerta para o surgimento de outros clones epidêmicos que
possam passar despercebidos pelos métodos tradicionais de diagnóstico da cólera,
geralmente baseados no uso de antissoro contra o sorogrupo O1 tradicional. Em estudos
prévios, a partir da análise de 179 cepas de V. cholerae não-O1/não-O139 isoladas de
casos clínicos de cólera no Brasil, foram selecionadas sete cepas de V. cholerae O26, e
outra cepa de sorogrupo não tipável (17155), que possuíam genes de virulência
associados ao desenvolvimento desta enfermidade. Destas, duas cepas (4756 e 17155)
possuíam o gene rfb, específico do sorogrupo O1, sugerindo serem genotipicamente
deste sorogrupo, e também expressaram a toxina colérica (CT) em cultura. Este trabalho
buscou uma análise genética mais detalhada destas oito cepas comparando a
classificação sorológica com outros marcadores moleculares. Neste sentido foi realizada
a amplificação, clonagem e seqüenciamento da região espaçadora ribossomal 16S-23S
(ISR) de diferentes operons de V. cholerae. A partir da análise da seqüência de cinco
grupos de operons distintos (de um total de 210 clones seqüenciados), foram
construídas três árvores filogenéticas em que as cepas 4756 e 17155 ficaram agrupadas
no mesmo clado com cepas O1 controle, e as demais cepas O26 foram agrupadas
separadamente. Conclui-se, desta forma, que as cepas 4756 e 17155 são
filogeneticamente do sorogrupo O1 e a diferença nos resultados de sorologia pode ser
uma conseqüência de soroconversão provocada por mudanças em genes de biossíntese
do antígeno O.
Palavras-chaves: Vibrio cholerae não-O1/ não-O139, conversão sorológica, região
espaçadora intergênica rRNA16S-23S, sistemática molecular
CARIRI, F.A.M.O. Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio... XIV
ABSTRACT
The emergence of the Vibrio cholerae O139 serogroup as a second ethiologic
agent for cholera served as an alert to the rise of other epidemic strains that may pass
unnoticed by traditional methods of diagnosis, usually based on the use of antiserum
directed against the traditional O1 serogroup. In previous studies, out of 179 non-O1/
non-O139 V. cholerae strains isolated from clinical cases during the cholera outbreak in
Brazil, seven strains classified as V. cholerae O26 and one strain defined as not-typable
(17155) were selected which contained virulence genes associated with the development
of this disease. Two strains (4756 and 17155) contained the gene rfbN specific to the
O1 serogroup, suggesting that genotypically they belonged to this serogroup, and were
also able to express the cholera toxin in culture. Here a more detailed genetic analysis of
these eight strains was carried out comparing the serological classification with other
molecular markers. In this respect the 16S-23S rRNA intergenic spacer regions (ISRs)
from the various V. cholerae operons were amplified, cloned and sequenced from each
strain. From the analysis of the sequence of five operons (totalizing 210 sequenced
clones), three phylogenetic trees were built in which strains 4756 and 17155 always
clustered with control O1 strains, whilst the remaining O26 strains clustered separately.
Thus, the two strains 4756 and 17155 phylogenetically belong to the O1 serogroup and
the difference in the serological results may be a consequence of seroconversion caused
by changes in the genes required for the biosynthesis of the antigen O.
Keywords: Vibrio cholerae non-O1/ non-O139, serological conversion, 16S/23S rRNA intergenic spacer regions, Molecular systematic
CARIRI, F.A.M.O. Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio... 15
1 – INTRODUÇÃO
A cólera é uma doença infecciosa intestinal exclusiva dos seres humanos (Kaper
et al., 1995). O seu agente etiológico é o Vibrio cholerae, que foi identificado por Koch,
a partir da correlação entre a etiologia e a transmissão da doença (Sack et al., 2004).
A espécie Vibrio cholerae Pacini, 1854 utiliza a glicose, sacarose e manitol nas
suas vias metabólicas anaeróbicas. A base da identificação e da classificação sorológica
desta espécie é o antígeno “O”, um polissacarídeo termoestável integrante do
lipopolissacarídeo (LPS) de superfície que apresenta uma enorme diversidade (Yamai et
al., 1997). Os determinantes antigênicos do LPS são aglutinados com antissoro para o
antígeno “O” específico. Desta forma, mais de 200 sorogrupos de V. cholerae foram
identificados (Sack et al., 2004) e o primeiro deles foi denominado de V. cholerae
sorogrupo O1.
Os genes de biossíntese do antígeno O estão localizados no conjunto de genes
wbe, que apresenta entre outras características, regiões conservadas nas suas
extremidades. Isso permite que cepas de diferentes sorogrupos possam ser
soroconvertidas em outro sorogrupo após a recombinação homóloga desta região,
aglutinando assim com o mesmo antissoro O (Colwell, 1996). Desta forma, é destacado
o caráter falho da classificação sorológica, que não é coerente com aspectos
filogenéticos.
Historicamente, as cepas de V. cholerae O1 têm sido responsabilizadas pelas
sete pandemias ocorridas (Karaolis et al., 1995). No entanto, em 1992, com a
emergência do novo clone epidêmico, o V. cholerae O139, surgiu um novo modelo de
classificação epidemiológica: V. cholerae O1, V. cholerae O139 e V. cholerae não-
O1/não-O139 (Nair, 1994). O interesse na estrutura patogênica dos sorogrupos de V.
cholerae não-O1/não-O139 só foi concretizado com a emergência deste novo
sorogrupo, que funcionou como um alerta para o surgimento de outros clones
epidêmicos.
A patogenicidade de V. cholerae, em nível molecular, é um processo
multifatorial, que envolve diversos genes que codificam os fatores de virulência,
permitindo sua colonização no intestino (gene tcpA), a expressão coordenada destes
fatores e a secreção da toxina colérica - CT (genes ctxAB). Os principais genes de
virulência estão localizados em duas regiões distintas do cromossomo maior do V.
cholerae: a Ilha de Patogenicidade de Vibrio (VPI - Vibrio Pathogenicity Island) e o
CARIRI, F.A.M.O. Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio... 16
profago CTXφ. Tais regiões podem propagar-se horizontalmente e dispersar-se entre
diferentes cepas (Waldor e Mekalanos, 1996), permitindo, assim, que cepas de V.
cholerae não-O1/ não-O139 possuam genes de virulência.
Theophilo e colaboradores (2006), a partir da análise de 179 amostras de V.
cholerae não-O1/não-O139, isoladas de casos clínicos e ambientais durante surto de
cólera ocorrido no Brasil (entre 1991 a 2000), destacam 14 cepas de V. cholerae do
sorogrupo O26 e uma cepa de V. cholerae não-O1/não-O139 por possuirem genes do
profago CTXφ. Destas, oito cepas que apresentaram o profago completo foram
selecionadas para o presente trabalho.
Uma vez que a classificação sorológica, utilizada como um importante critério
epidemiológico, não permite a inferência do grau de parentesco entre diferentes
sorogrupos, este trabalho buscou uma análise genética mais detalhada de cepas de V.
cholerae não-O1/não-O139, abordando a região espaçadora intergênica 16S-23S (ISR)
presente nos operons de rRNA. Neste contexto, a região espaçadora se enquadra por ser
um marcador filogenético robusto, diante da possibilidade de soroconversão de uma
cepa de sorogrupo O1 em outro sorogrupo, mantendo, contudo, o potencial de
virulência do V. cholerae O1.
Este trabalho teve então como objetivo principal analisar região espaçadora
intergênica 16S-23S do rDNA, a fim de estabelecer uma relação de parentesco entre as
cepas de V. cholerae O26 e compará-las com o sorogrupo O1.
CARIRI, F.A.M.O. Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio... 17
2 – OBJETIVO GERAL
Analisar região espaçadora intergênica 16S-23S do rDNA, a fim de estabelecer
uma relação de parentesco entre as cepas de V. cholerae O26 e compará-las com o
sorogrupo O1.
2.1 – OBJETIVOS ESPECÍFICOS
� Amplificar as oito regiões espaçadoras 16S-23S de cepas de V. cholerae não-
O1/não-O139 e V. cholerae O1;
� Clonar e sequenciar os fragmentos amplificados.
� Analisar as seqüências obtidas, comparando-as com aquelas disponíveis de
genomas seqüenciados de V. cholerae e outras bactérias;
� Correlacionar os resultados obtidos com a presença ou não de fatores de
virulência e a proximidade destas cepas com o sorogrupo O1.
CARIRI, F.A.M.O. Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio... 18
3 – REFERENCIAL TEÓRICO 3.1 – CÓLERA 3.1.1 – SINTOMAS, TRANSMISSÃO E TRATAMENTO
A cólera é uma doença infecciosa intestinal aguda de transmissão fecal-oral, que
acomete os seres humanos (Kaper et al., 1995). Essa infecção é causada pela
enterotoxina do Vibrio cholerae dos sorogrupos O1 e O139, podendo apresentar
manifestações clínicas diversas, que variam da forma branda, que se manifesta com
diarréia leve, à forma grave com diarréia aquosa e profusa, com ou sem vômitos, dor
abdominal e câimbras, que pode evoluir para desidratação, podendo levar a morte em
horas (Nitrini et al., 1997; Fundação Nacional de Saúde, 2002) (Figura 1).
Figura 1 – Paciente apresentando sinais típicos da forma grave da cólera com severa desidratação. Adaptado de Sack et al., 2004.
A infecção começa com a ingestão de água ou alimentos contaminados com o V.
cholerae. Após atravessar a barreira ácida do estômago, o V. cholerae coloniza o
epitélio do intestino delgado, por meio do Pílus Corregulador de Toxina (TCP) e outros
fatores de colonização, que ainda não estão bem conhecidos, multiplica-se no intestino
delgado proximal e produz enterotoxina. A Toxina Colérica (CT) secretada age sobre o
mecanismo fisiológico de transporte de íons nas células do epitélio intestinal, elevando
a concentração intracelular de cAMP, o qual aumenta a secreção do íon cloro (Cl-) e
diminui a absorção do íon sódio (Na+) pelas células das vilosidades (Field, 1980),
formando um gradiente osmótico que contribui para perda de água intracelular e resulta
na diarréia característica (Figura 2). O vibrião não é invasivo e permanece no lúmen do
intestino durante toda a progressão da doença.
CARIRI, F.A.M.O. Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio... 19
AA B
C
Figura 2 – Esquema do mecanismo de ação da toxina colérica (CT) nos enterócitos: A - Secreção da CT no lúmen intestinal; B - Aumento da concentração intracelular de cAMP; C - Secreção de sódio, cloro e água do meio intracelular para o lúmen. Adaptado do site , acesso 28 abr 2008.
3.1.2 – EPIDEMIOLOGIA DA CÓLERA
A cólera, sendo uma doença de veiculação hídrica, apresenta uma disseminação
influenciada pelos aspectos climáticos que afetam a disponibilidade de água. Nas áreas
endêmicas, as taxas anuais de indivíduos com cólera variam de acordo com as
mudanças ambientais e climáticas (Pascual et al., 2000). Tal comportamento sazonal
pode ser observado em Bangladesh, local endêmico, em que ocorrem anualmente dois
surtos de cólera: um registrado antes da estação quente e o outro depois das monções
chuvosas (Siddique et al., 1992; Sack et al., 2003). No Peru, as epidemias de cólera são
restritas às estações quentes (Tauxe et al., 1995). Esta sazonalidade pode estar
relacionada à habilidade do gênero Vibrio em crescer rapidamente sob elevadas
temperaturas ambientais (Faruque et al., 1998a; Pascual et al., 2000). O registro de
casos de cólera, no Brasil, foi maior nos períodos mais secos do ano, quando registrado
CARIRI, F.A.M.O. Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio... 20
um baixo volume de água nos reservatórios e mananciais, proporcionando a
concentração de vibriões. A elevação da temperatura da água neste período favorece o
rápido crescimento da população de V. cholerae (Sack et al., 2004).
Em algumas áreas, as condições sócio-econômicas e ambientais favorecem a
instalação e rápida disseminação do V. cholerae. Assim, a deficiência do abastecimento
de água tratada, destino inadequado dos dejetos, alta densidade populacional, carências
de habitação, higiene, alimentação e educação, favorecem a ocorrência da doença
(Fundação Nacional de Saúde, 2002; Gonçalves e Hofer, 2005). Outro aspecto que
favorece a disseminação da doença é a forma atenuada da virulência do V. cholerae O1
biotipo El Tor, que apresenta um elevado número de portadores assintomáticos. O
quadro clínico da cólera provocada pelo V. cholerae O1, biotipo El Tor, responsável
pela pandemia atual, é uma síndrome diarréica mais branda do que a provocada pelo
biotipo Clássico, responsável pelas outras seis pandemias (Kaper et al., 1995).
Para causar a cólera em voluntários saudáveis é necessária a ingestão de uma
elevada dose infecciosa (108 bactérias), porém uma dose baixa (105) pode ser suficiente
para causar os mesmos sintomas, se for associada com antiácido ou bicarbonato de
sódio (NaHCO3), que neutralizaram a acidez gástrica dos indivíduos. Logo, a
suscetibilidade do indivíduo aumenta elevando-se o pH gástrico. Ainda assim, sob
circunstâncias naturais, um inóculo menor que 108 bactérias pode causar a doença, visto
que outros fatores interferem na infecção (Sack et al., 1998; Fundação Nacional de
Saúde, 2002).
3.1.3 – HISTÓRICO DA CÓLERA
As seis primeiras pandemias da cólera se originaram na Índia, considerada o
“Berço da cólera”, tendo como agente etiológico o V. cholerae O1 biotipo Clássico. A
disseminação destas pandemias foi associada às peregrinações, às guerras e às rotas
comerciais e migratórias entre os continentes europeu, asiático e americano (Lacey,
1995). Já a atual pandemia, a sétima, com quase cinco décadas de duração, atingiu mais
de 130 países, tendo como agente etiológico o V. cholerae O1 biotipo El Tor (Kaper et
al., 1995; Karaolis et al., 1995). Esta pandemia, originária da Indonésia em 1961,
atingiu a Ásia em 1964, a África e o sul da Europa em 1970, e América do Sul em 1991.
A doença tornou-se agora endêmica em muitos destes lugares, particularmente no sul da
Ásia e na África (Shears, 1994; Faruque et al., 1998a; Sack et al., 2004).
CARIRI, F.A.M.O. Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio... 21
Em janeiro de 1991, após uma ausência de quase 70 anos na América Latina,
uma grande epidemia de cólera desenvolveu-se no Peru, caracterizada por elevados
números de casos e rápida disseminação, nunca vista igual nas outras epidemias (Nitrini
et al., 1997). Estima-se que, no período de 1991 até 1999, o continente americano
notificou 44% dos casos ocorridos mundialmente e no período de 2000 até 2003, apenas
0,65% dos casos (Griffith et al., 2006; World Health Organization, 1992, 1993, 1994,
1995).
Griffith e colaboradores (2006) constataram que, entre o período de 1995 a
2005, 66% dos casos de cólera tiveram origem na África subsaariana, seguido pelos
16,8% originados do sudeste asiático. Os casos de cólera notificados na África tendem a
apresentar grandes proporções, devido às precárias condições sócio-econômicas da
população. O número de casos notificados de cólera em 2006 aumentou
consideravelmente, assumindo proporções típicas de surto da doença (Figura 3). Foram
notificados na África aproximadamente 99% dos casos mundiais. Os três países
africanos mais atingidos não tiveram casos de cólera registrados em 2005 (World Health
Organization, 2007).
Figura 3 – Número de casos de cólera no Mundo e taxa de mortalidade, entre 1991 e 2006. Adaptado da
World Health Organization, 1993 – 1995, 2007 e de Griffith et al., 2006.
A re-introdução da cólera no Brasil, em 1991, aconteceu pela selva amazônica,
na fronteira com o Peru e a Colômbia. A partir daí, alastrou-se progressivamente pela
região Norte, seguindo o curso do Rio Solimões/Amazonas e seus afluentes, principal
via de deslocamento de pessoas na região; e para as regiões Nordeste em 1992 e Sudeste
e Sul em 1993, através dos principais eixos rodoviários (Figura 4). Na região Nordeste,
216.
555
143.
349
137.
071 1
84.3
11
142.
311
111.
575
101.
383
131.
943
236.
896
208.
755
172.
790
277.
056
180.
348
293.
121
254.
310
147.
425
0
50.000
100.000
150.000
200.000
250.000
300.000
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
Ano
Núm
ero
de c
asos
0
3.000
6.000
9.000
12.000
15.000
18.000
21.000
24.000
27.000
30.000
Núm
ero
de ó
bito
sNº de Casos
Nº de Óbitos
CARIRI, F.A.M.O. Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio... 22
a epidemia assumiu um caráter acelerado disseminando-se por todos os estados da
região até o fim de 1993 (Hofer, 1993; Toledo, 1993). A chegada desta doença em áreas
indenes e com precárias condições de vida, teve quase sempre características
explosivas, o que justifica esse rápido avanço da cólera no Nordeste.
Figura 4 – Distribuição da cólera no Brasil, entre 1990 e 1996, evidenciando a rota da epidemia. Adaptado da World Health Organization (1993 - 1997).
A epidemia atingiu o ápice em 1993 com 60.340 casos notificados (Figura 5).
Foi desenvolvida uma campanha nacional de combate à cólera e, em 1994, a doença
começou a retroceder (Guthmann, 1995; Nitrini et al., 1997). A partir de 1995 reduziu-
se significativamente, tendendo a limitar-se às regiões Nordeste e Norte, onde
prevalecem condições sócio-econômicas menos satisfatórias, sugerindo a tendência de
endemização da doença (Brasil, 2000). Em 1998 e 1999, a seca no Nordeste provocou
uma severa crise de abastecimento de água, favorecendo ao aumento de número de
casos (Figura 5). Em 2004, ocorreu um pequeno surto em Pernambuco, no município de
São Bento do Una, onde foram notificados 21 casos; e no ano seguinte, foram
confirmados mais quatro no mesmo município e um caso no município de Recife
(Figura 6) (Brasil, 2005).
A doença, atualmente, está sendo detectada pela presença do V. cholerae em
águas ambientais em localidades do estado de Pernambuco monitoradas pela Secretaria
estatual de Saúde. Este monitoramento isolou em 2006 uma cepa ambiental toxigênica e
em 2007, quatro cepas de V. cholerae O1 biotipo El Tor (uma no rio Una, duas no rio
Ipojuca e outra no rio Bituri, afluente do rio Ipojuca) (Figura 6). É sempre preocupante
a possibilidade de recrudescimento da epidemia, já que as dimensões continentais do
país, as deficiências de saneamento básico e a precária situação sócio-econômica de
grande parcela da população constituem-se elementos propícios à disseminação e à
persistência da cólera (Brasil, 1992; Gonçalves e Hofer, 2005).
CARIRI, F.A.M.O. Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio... 23
37.5
72
60.3
40
51.3
24
15.9
15
4.63
4
2.88
1
2.57
1
3.23
3
715
7 0 0 21 5 0
2.10
3
0
10.000
20.000
30.000
40.000
50.000
60.000
70.000
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
ano
Núm
ero
de c
asos
0
100
200
300
400
500
600
700
800
900
1000
Núm
ero
de ó
bito
sNº de CasosNº de Óbitos
Figura 5 – Número de casos de cólera em Brasil e taxa de mortalidade, entre 1991 e 2006. Adaptado da
World Health Organization, 1993 – 1995; 2007 e de Griffith et al., 2006.
Figura 6 – Bacias hidrográficas do Estado de Pernmbuco – Brasil. Adaptado de Leal et al., 2008.
3.1.4 – DIAGNÓSTICO DA CÓLERA
O diagnóstico da cólera é a peça fundamental para o êxito das atividades de
prevenção e controle da doença. O diagnóstico laboratorial é o mais indicado para a
identificação do V. cholerae O1, El Tor, responsável pelos casos de cólera branda. Os
países recém-afetados pela doença, quando não estabelecem o diagnóstico laboratorial
nos primeiros casos, prejudicam consideravelmente a implantação de medidas sanitárias
indispensáveis ao controle da doença (Brasil, 1992). Portanto, este diagnóstico deve ser
utilizado para investigação de todos os casos suspeitos, principalmente, quando a área é
considerada livre de circulação do V. cholerae (Fundação Nacional de Saúde, 2002).
Brasil
CARIRI, F.A.M.O. Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio... 24
O V. cholerae pode ser isolado, a partir da cultura de amostras de fezes ou
vômito de doentes, de fezes de portadores e da cultura de amostras ambientais. Os
métodos tradicionais de diagnóstico da cólera, tanto em fezes, quanto em material
proveniente do ambiente (água do mar, de rios e alimentos) consistem em análises
bacteriológicas que visam isolar e identificar o V. cholerae, baseado nas características
fenotípicas (Brasil, 1998). As amostras analisadas pelo método tradicional passam por
dois enriquecimentos sucessivos do vibrião em água peptonada alcalina (APA) e semeio
em meio seletivo indicador (ágar TCBS - ágar tiossulfato/citrato/bile), conforme a
Figura 7. Posteriormente, são realizados testes bioquímicos, confirmando a presença de
características metabólicas e a capacidade de produzir a toxina colérica, e sorológicos,
soroaglutinações frente aos antissoros polivalentes (O1) e monovalentes (Inaba e
Ogawa) (Brasil, 1998).
Figura 7 – Esquema do método tradicional de diagnóstico. Adaptado do Ministério da Saúde (Brasil, 1998).
CARIRI, F.A.M.O. Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio... 25
3.2 – AGENTE ETIOLÓGICO
Em 1883, durante a quinta pandemia, o V. cholerae foi identificado como agente
etiológico da cólera por Koch, a partir da correlação entre a etiologia e a transmissão da
doença (Sack et al., 2004). O V. cholerae O1, biotipos Clássico ou El Tor (sorotipos
Inaba, Ogawa ou Hikojima) e o V. cholerae O139 são os agentes etiológicos de cólera
epidêmica.
3.2.1 – ECOLOGIA DO Vibrio cholerae O ciclo de vida do V. cholerae consiste em duas fases: uma fase no hospedeiro
humano e outra, no ambiente aquático, onde o V. cholerae pode ser encontrado como
célula de vida livre ou associado ecologicamente com fanerógamas aquáticas, algas,
zoobentos, fungos, zoo e fitoplânctons (principalmente copépodes, cladóceros, rotíferos,
clorófitas e cianobactérias), insetos, entre outros organismos (Huq et al., 1984; Islam et
al., 1990; Tamplin et al., 1990; Islam et al., 1993; Colwell, 1996).
Acreditou-se por muito tempo que a distribuição global do V. cholerae estivesse
exclusivamente relacionada à rota da cólera. No entanto, estudos sugerem que o
deslocamento destas bactérias em associação com plânctons é o principal fator de
distribuição global (McCarthy e Khambaty, 1994). Assim, o V. cholerae ambiental
sobrevive e se multiplica em associações ecológicas independentemente do início das
infecções humanas (Sanyal, 2000; Bartlett e Azam, 2005).
Estudos do ambiente aquático mostraram que o V. cholerae, incluindo os
sorogrupos O1 e O139, habita ecossistemas aquáticos, contribuindo para a flora
bacteriana de vida livre em rios e estuários (Colwell e Spira, 1992). Enquanto que as
cepas de V. cholerae toxigênicas podem também habitar o trato gastrointestinal, pois
produzem fatores de colonização que permitem tal feito, as cepas não-O1/não-O139 são
mais freqüentemente isoladas em habitats ambientais. A maioria das cepas toxigênicas
ambientais é isolada em regiões que foram contaminados por indivíduos infectados. Já
as cepas isoladas de ambientes distantes das regiões com casos notificados, geralmente
não possuem os genes da toxina colérica.
O V. cholerae ambiental pode formar biofilme (Watnick et al., 2001) e pode se
apresentar no estado viável mas não-cultivável (VNC), em resposta a um estresse físico
ou nutricional (Colwell, 2000), facilitando a persistência do V. cholerae, em habitats
aquáticos durante períodos interepidêmicos (Reidl e Klose, 2002). Islam e
CARIRI, F.A.M.O. Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio... 26
colaboradores (1993) verificaram que as cepas de V. cholerae epidêmicas, durante
períodos interepidêmicos, fazem associações ecológicas com organismos aquáticos, na
forma VNC, até o próximo período epidêmico, quando os fatores ambientais estimulam
a multiplicação bacteriana, resultando em um novo surto de cólera.
Embora não se conheça o que determina a sazonalidade da cólera, acredita-se
que a sua presença endêmica no subcontinente indiano e sua re-emergência em outros
continentes pode estar relacionada a fatores ambientais (Pascual et al., 2000; Colwell,
1996). Estudos associam períodos interepidêmicos à alta concentração de bacteriófagos
no ambiente aquático. Tais fagos, além de possuírem importantes genes de virulência da
cólera, como as subunidades da toxina colérica, atuam no controle populacional do V.
cholerae (Faruque et al., 1998b). Assim, a ausência de fagos no ambiente aquático
potencializará a cólera epidêmica, em especial, quando o V. cholerae é introduzido pela
primeira vez em uma dada região. Isso justifica o caráter explosivo das epidemias de
cólera quando o agente etiológico foi recém introduzido em áreas livre da doença, como
ocorreu na América Latina e, mais recentemente, na África (Faruque et al., 2005). O
ciclo de vida do fago pode explicar grande parte da enigmática sazonalidade da cólera
endêmica.
Duas hipóteses são sugeridas para justificar a sazonalidade dos surtos em áreas
endêmicas: seja pelo surgimento periódico das mesmas cepas de V. cholerae, seja pela
emergência contínua de novos clones toxigênicos (Faruque et al., 1997).
3.2.1.1 – RESERVATÓRIO AMBIENTAL
As associações ecológicas prolongam a sobrevivência do V. cholerae, pois são
importantes fontes de nutrientes para o vibrião. No entanto, ainda não se sabe se tais
associações são fenômenos gerais para todos os sorogrupos ou são específicas para os
sorogrupos epidêmicos, tratando-se de um mecanismo seletivo (Bartlett e Azam, 2005).
A infecção do V. cholerae provocada pelo consumo de frutos do mar, crus ou
mal cozidos, é um indício do quão diversificados são os reservatórios ambientais deste
organismo. A ingestão de peixes, ostras, camarões e caranguejos constituem fontes de
infecção, sendo identificados como causa de epidemias ou casos isolados de cólera nos
Estados Unidos, Itália, Portugal e Austrália, entre outros países (Feachem, 1982; Lowry
et al., 1989).
CARIRI, F.A.M.O. Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio... 27
O V. cholerae possui vários reservatórios ambientais porque desenvolveu ao
longo da evolução mecanismos que o permitem sobreviver no ambiente. Pode-se citar
como exemplo, a produção de quitinase, que permite o uso da quitina como fonte de
carbono bastante abundante no exoesqueleto dos crustáceos (Colwell e Spira, 1992). A
adesão direta de V. cholerae a superfícies contendo quitina permite a formação de
biofilmes favorecendo sua proteção contra os efeitos do pH ácido encontrado
ocasionalmente no ambiente (Nalim et al., 1979; Faruque et al., 2006).
É relatado que existe uma seletiva especificidade da quitinase extracelular do V.
cholerae, contribuindo para a formação preferencial de biofilmes em copépodes (Huq et
al., 1990). Assim, a produção desta enzima permite a relação ecológica entre o V.
cholerae e os crustáceos. Estudos mostram que copépodes marinhos albergam uma flora
bacteriana em seu exoesqueleto e que esta interação pode ser decisiva na sobrevivência
ambiental do V. cholerae por longo período, visto que o mesmo é transportado para o
sedimento, sempre que a coluna de água apresenta grande concentração de matéria
orgânica (Huq et al., 1983; 1984; Araújo et al., 1996; Tamplin et al., 1990). Os víbrios,
quando associados à copépodes vivos em laboratório, sobreviveram por mais tempo e
permaneceram cultiváveis (Huq et al., 1983). A concentração de bactérias do gênero
Vibrio dissolvidas na água estuarina cai consideravelmente na presença de quitina
particulada (Kaneko e Colwell, 1975), demonstrando o quão benéfica é esta associação
para o V. cholerae.
A alta adaptabilidade às variações de temperatura e salinidade favorece a
ocorrência de elevadas concentrações de víbrios em águas com características estuarinas
(Colwell, 1996). Outro mecanismo de persistência desta espécie no ambiente é a sua
capacidade de assumir formas de sobrevivência, como a forma rugosa e o estado viável
mas não-cultivável.
3.2.1.2 – ESTADO VIÁVEL MAS NÃO CULTIVÁVEL
Investigando as condições físico-químicas das regiões estuarinas, verificou-se
que esses ambientes apresentam características que tornam possível a sobrevivência do
V. cholerae O1 (Colwell e Spira, 1992; Colwell e Huq, 1994). A forma como irá
sobreviver pode diferir e a persistência dos fatores envolvidos na conservação dos genes
de virulência não é certa. A sobrevivência depende de diversos fatores, tais como as
CARIRI, F.A.M.O. Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio... 28
propriedades físico-químicas do ambiente e as associações ecológicas específicas das
bactérias, envolvendo diversos componentes do ambiente aquático. Fatores ambientais,
como pH, temperatura, salinidade e concentração de nutrientes, exercem importante
influência nas interações ecológicas do V. cholerae, principalmente se tais condições
ambientais forem parecidas com as encontradas no estuário (Huq et al., 1984; Patel et
al., 1995).
Os vibriões coléricos sob circunstâncias de estresse (falta de nutrientes, elevação
da salinidade ou redução de temperatura) assumem como estratégia de sobrevivência
um estado de latência. Esta estratégia é conhecida como estado viável mas não
cultivável (VNC) nos meios de culturas convencionais, impossibilitando seu isolamento
por técnicas microbiológicas, embora ainda causem a infecção colérica (Colwell e Huq,
1994). Trata-se, portanto, de uma estratégia da resistência à ambientes aquáticos
oligotróficos, em que a bactéria reduz de tamanho, torna-se ovóide e entra no estado de
dormência permitindo a sua sobrevivência nas condições ambientais adversas por
períodos prolongados (Colwell, 1996). Existe uma hipótese de que o V. cholerae
sobreviveria no meio ambiente durante períodos interepidêmicos no estado VNC. No
entanto, como já foi discutido, a sua interação com o plâncton desempenha um papel
importante na ecologia do microrganismo e facilita a sobrevivência (Lobitz et al.,
2000).
O estado viável mas não cultivável pode ser induzido em laboratório, incubando
a cultura de V. cholerae sob condições de estresse salino a 48 °C, por vários dias.
Segundo estudos preliminares, estas células podem se tornar viáveis quando ingeridas
por voluntários humanos (Colwell e Spira, 1992). A manutenção do potencial infeccioso
da bactéria nessa condição, o torna de grande importância epidemiológica (Colwell,
1996; Binsztein et al., 2004). O emprego da imunofluorescência indireta para a
demonstração da bactéria em amostras de água e, posteriormente, a associação com a
contagem direta de células viáveis permitiu a detecção de formas VNC do vibrião
colérico em ambientes aquáticos (Colwell et al., 1985; Xu et al., 1984).
CARIRI, F.A.M.O. Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio... 29
3.2.2 - FATORES DE VIRULÊNCIA
No V. cholerae, os principais genes de virulência requeridos para a
patogenicidade estão agrupados e podem aparentemente propagar-se horizontalmente e
dispersar-se entre diferentes cepas. Análises genéticas revelaram a presença de duas
regiões principais que participam diretamente dos mecanismos de virulência: a Ilha de
Patogenicidade de Vibrio (VPI) e o profago CTXφ (Waldor e Mekalanos, 1996).
3.2.2.1 – A VPI A VPI (Figura 8) é uma região do DNA adquirida, apresentando o conjunto de
genes tcpAHP (toxin-coregulated pilus), que codificam o fator de colonização; e genes
de regulação que atuam em cascata, como o toxR, acfABCD, toxT, aldA e tagAB. A
expressão de genes de virulência em V. cholerae envolve um grande número de etapas
que culminam na ativação do promotor do toxR (Skorupski e Taylor, 1997). O ToxR
liga-se a um motivo de DNA repetido em tandem (TTTTGAT) (Figura 9), localizado
entre os genes zot e ctxA do profago CTXφ para ativar a transcrição dos genes ctxAB
(Withey e Dirita, 2006). Cepas epidêmicas dos sorogrupos O1 e O139 possuem três ou
mais cópias do heptanucleotídeo nessa região. Cepas de V. cholerae que possuem
apenas duas cópias do heptanucleotídeo não são capazes de expressar a CT (Sarkar et
al., 2002).
Figura 8 – Esquema da Ilha de Patogenicidade do Vibrio, evidenciando o conjunto de genes TCP, responsável pela expressão do fator de colonização, e demais genes envolvidos com a regulação. Adaptado de Zhang et al. (2003).
CARIRI, F.A.M.O. Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio... 30
Figura 9 – A - Esquema representativo da cascata regulatória que controla a expressão da toxina colérica (CT), evidenciando a ativação do gene ctxA pelo ToxT e a síntese da CT. RNAP, a RNA polimerase. Pequenas setas abaixo das caixas indicam promotores, assim como a direção da transcrição. A linha ondulada grossa indica mRNA. B - Região intergênica onde se encontra as sequências repetidas de heptanucleotídeos. C - Seqüências parciais de nucleotídeo a montante do gene ctxA das cepas 0395 (Vibrio cholerae O1 Clássico) e 10259 (V. cholerae não-O1/não-O139), evidenciando o número de cópias do heptanucleotídeo nessa região presente em cada uma destas. Adaptado de Sarkar et al. (2002) e de Sanchez et al. (2004).
3.2.2.2 – O PROFAGO CTXφφφφ Os genes ctxAB, que codificam a CT, principal fator de virulência do V.
cholerae, estão localizados em um bacteriófago lisogênico conhecido como CTXφ ou
elemento genético CTX (Figura 10). Esse bacteriófago possui uma região central (core),
que é flanqueada por uma ou múltiplas cópias das seqüências repetidas – RS (Pearson et
al., 1993). O profago CTXφ compreende a região do core e a do RS presente antes do
core, denominada RS2. A região central (core) codifica a CT, que não contribui para a
manuntenção do profago, e outros genes que codificam proteínas, como psh, cep, orfU e
ace, que atuam no empacotamento e na liberação do fago (Waldor e Mekalanos, 1996).
C
A
CARIRI, F.A.M.O. Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio... 31
Figura 10 – Esquema do profago CTXφ evidenciando a região central e a região RS2. A região núcleo apresenta genes ctxAB, codificadores da toxina colérica, e outros genes de virulência. A região RS2 codifica proteínas estruturais do profago. Já região RS1, embora não faça parte do profago, o flanqueia nas duas estremidades e possui o gene rstC, que traduz uma proteína anti-repressora do profago. Adaptado de Nandi et al. (2003) e de Maiti et al. (2006).
A molécula da CT é constituída por cinco subunidades B (codificado pelo gene
ctxB) e uma subunidade A (ctxA). A subunidade B é responsável pela ligação da toxina
a um receptor da célula intestinal e a subunidade A é a parte enzimaticamente ativa que
atua sobre as células da mucosa intestinal provocando desequilíbrio hidroeletrolítico,
resultando na secreção abundante de líquido isotônico. Outros peptídeos codificados
pelos genes zot e ace, presentes na região core do CTXφ, também apresentam atividade
enterotóxica (Fasano et al., 1991). Já a região RS2 codifica proteínas que estão
envolvidas na regulação (gene rstR), na replicação (gene rstA) e na integração (gene
rstB) de CTXφ no genoma de V. cholerae (Waldor et al., 1997). A RS1 flanqueia as
extremidades do profago.
Embora a forma lisogênica do profago CTXφ seja mantida pela proteína
repressora fágica RstR, a proteína anti-repressora RstC, que influencia a replicação e
transmissão do CTXφ, é codificada na RS1, região adjacente ao seu genoma (Davis et
al., 2002). Por outro lado, a região RS1 necessita de cópias dos genes de manuntenção
do CTXφ (rstR, rstA e rstB) para produzir partículas RS1 (Figura 10), demonstrando
que existe uma interação simbiótica e parasitária entre o fago e a região RS1 (Faruque et
al., 2002). Portanto, a interação entre o profago CTXφ e RS1 promove a eficiente
propagação dos genes produtores da CT, intensificando a virulência e as relações
evolutivas das cepas de V. cholerae.
São relatados diferentes alelos para o gene rstR, estando cada alelo associado a
um tipo distinto de profago CTXφ. O profago que apresenta o alelo rstR El Tor, típico
do V. cholerae O1 El Tor, é denominado CTXETφ. Assim, o CTXclassφ é típico do V.
cholerae O1 Clássico; o CTXCalcφ do V. cholerae O139 (Davis et al., 1999); o CTXEnvφ
Central
Profago CTX
CARIRI, F.A.M.O. Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio... 32
do V. cholerae não-O1/ não-O139 (Mukhopadhyay et al., 2001); e o CTXvarφ presentes
nos isolados de V. cholerae El Tor pré-O139 (Nandi et al., 2003).
O profago CTXφ pode ser encontrado intracelularmente como um plasmídeo ou
incorporado a um dos cromossomos do V. cholerae. Sob condições apropriadas, as
cepas toxigênicas do V. cholerae podem ser induzidas a produzir várias partículas do
CTXφ (Waldor e Mekalanos, 1996; Faruque et al., 1998b). Nas culturas de V. cholerae,
que apresentam o CTXφ na fase de replicação, são encontradas elevadas concentrações
deste fago no sobrenadante. As cepas ambientais não toxigênicas podem ser convertidas
por transdução, surgindo assim novas cepas toxigênicas (Reidl e Klose, 2002).
3.2.2.3 – OUTROS FATORES DE VIRULÊNCIA
É evidente o papel crucial desempenhado pelos fagos filamentosos na
transferência horizontal de genes entre cepas de V. cholerae. Isto não ocorre apenas
porque alguns fagos possuem em seu genoma grupos gênicos associados à virulência,
mas também porque a estrutura flexível do capsídeo permite transferir DNA heterólogo
(Faruque e Mekalanos, 2003).
Os clones de V. cholerae patogênicos evoluíram, provavelmente, de clones
aquáticos de vida livre que adquiriram a capacidade de colonizar o intestino humano
pela aquisição de novas informações genéticas (Colwell e Spira, 1992). A ausência de
conjuntos de genes associados à virulência nas cepas não patogênicas é uma evidência
que corrobora a hipótese evolutiva acima. De fato, a análise da estrutura, do conteúdo
GC e da freqüência de códons (codon usage) da VPI sugere que esta região foi
recentemente adquirida pelo V. cholerae. O CTXφ, que codifica CT, utiliza a TCP como
sua receptora para infectar novas cepas (Waldor e Mekalanos, 1996), e, portanto, estes
dois elementos adquiridos horizontalmente estão ligados evolutivamente.
Outros conjuntos de genes que têm papéis adicionais hipotéticos na patogênese
do V. cholerae também foram relatados, e segundo alguns indícios, foram também
recentemente adquiridos. Estes incluem o conjunto de genes RTX (toxina em repeat)
(Lin et al., 1999), o novo conjunto de genes pílus tipo IV (Fullner e Mekalanos, 1999) e
as Ilhas do Vibrio da sétima pandemia (VSP-1 e VPS-2) (O’Shea et al., 2004).
CARIRI, F.A.M.O. Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio... 33
3.2.3 – TAXONOMIA DO DOMÍNIO BACTÉRIA
O Manual de Sistemática Bacteriológica de Bergey descreve 32 agrupamentos
de bactérias pertencentes ao domínio Bactéria (Eubactéria), compreendendo 384
gêneros. Segundo Woese (1987), a análise de seqüências de rDNA 16S de organismos
cultivados permite descrever 12 divisões para o domínio Bactéria. O termo divisão é
aplicado para um grupo filogenético contendo duas ou mais seqüências de rDNA 16S
monofiléticas e não similar a outros grupos filogenéticos que integram o domínio.
Utilizando o mesmo marcador molecular, Hugenholtz e colaboradores (1998),
acrescentou ao domínio Bactéria 12 novas divisões hipotéticas, descritas em um
levantamento metagenômico do meio ambiente e outras 12 divisões descendentes
descritas em outros estudos (Maidak et al., 1999). Assim, este Domínio compreende 36
divisões.
A divisão Proteobacteria, também conhecida como bactérias púrpuras, é
merecedora de destaque por constituir o maior e mais diverso grupo de bactérias
cultivadas, com cerca de 1.600 espécies descritas (Thompson et al., 2004a). Segundo
Kersters e colaboradores (2003), a classificação das Proteobactérias na categoria
taxonômica “divisão” teria caído em desuso, sendo recomendado o uso da categoria
“filo”. De acordo com esta nova classificação, o filo Proteobacteria é dividido em 5
classes fenotipicamente indistinguíveis (Thompson et al., 2004a): Alfa (α), Beta (β),
Gama (γ), Delta (δ) e Epsilonproteobacteria (ε).
As Proteobactérias apresentam coloração Gram-negativa e uma enorme
diversidade morfológica e fisiológica (sobretudo metabólica), apesar de estarem no
mesmo clado. As estratégias para obtenção de energia são variadas, incluindo
organismos com metabolismo quimiolitotrófico, quimiorganotróficos e fototrófico, além
de outras vias metabólicas especializadas em organismos adaptados a diversos nichos
ecológicos. A classe Gamaproteobacteria compreende várias famílias, entre estas
Aeromonadaceae, Chromatiaceae, Enterobacteriaceae, Legionellaceae, Pasteurellaceae,
Xanthomonadaceae e Vibrionaceae (Thompson et al., 2004a).
3.2.3.1 – FAMÍLIA VIBRIONACEAE
O V. cholerae é uma bactéria Gram-negativa toxigênica pertencente à família
Vibrionaceae. O gênero-tipo desta família é Vibrio Pacini, 1854 (Baumann e Schubert,
1984). As espécies pertencentes a esta família são bacilos retos ou curvos, móveis por
CARIRI, F.A.M.O. Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio... 34
meio de flagelo polar. Quando cultivadas em meio de cultura sólido apresentam flagelos
laterais, podendo cada célula possuir até 100 flagelos. Não formam endósporos nem
microcistos. São organismos quimiorganotróficos e anaeróbios facultativos,
apresentando metabolismo oxidativo e fermentativo. O oxigênio é o aceptor universal
de elétrons durante a respiração. A maioria das espécies desta família é oxidase positiva.
Todos utilizam a D-glicose como principal fonte de carbono e energia. A maioria dos
indivíduos utiliza sais de amônio como fonte de nitrogênio.
Originalmente, são habitantes aquáticos encontrados no mar, em água doce e em
associações ecológicas com seres aquáticos. Algumas espécies são patogênicas para
vertebrados e invertebrados (Baumann e Schubert, 1984). Uma importante função
ecológica dessas bactérias é a degradação da quitina, o segundo biopolímero mais
comum no mundo e o mais abundante no ambiente aquático (Meibom et al., 2004).
Quando a família Vibrionaceae foi proposta por Véron em 1965, compreendia
vários gêneros que apresentavam indivíduos oxidase positivos e que se deslocavam por
meio de flagelo polar. Tais características sinapomórficas não implicam numa relação
evolutiva entre as espécies, mas foi proposto por conveniência para diferenciação das
espécies pertencentes à família Enterobacteriaceae, que são, por sua vez, oxidase
negativas e possuem flagelos peritriquiais. Estudos posteriores de fisiologia e genética
comparada, com membros das duas famílias, sugerem que evoluíram de um ancestral
comum próximo (Baumann e Schubert, 1984). A origem evolutiva comum foi
evidenciada a partir comparação de seqüências 5S do RNA ribossomal e hibridização do
rRNA utilizando sonda de DNA (Baumann e Baumann, 1981).
A família Vibrionaceae abriga oito gêneros (Vibrio, Allomonas, Catenococcus,
Enterovibrio, Grimontia, Listonella, Photobacterium e Salinivibrio), sendo o gênero
Vibrio o mais abundante (Thompson e Swings, 2006).
3.2.3.2 – GÊNERO Vibrio
A espécie-tipo deste gênero é Vibrio cholerae Pacini, 1854 (Baumann et al.,
1984). As espécies do gênero Vibrio são bacilos com 0,5-0,8 µm de diâmetro e 1,4-2,6
µm de comprimento. Algumas espécies podem crescer em meio mineral contendo
apenas D-glicose e NH4Cl. Os íons de sódio estimulam o crescimento de todas as
espécies e são de extrema importância para algumas. Algumas espécies crescem bem
em meio à base de água do mar. Todas as espécies utilizam D-glicose, D-frutose,
CARIRI, F.A.M.O. Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio... 35
maltose e glicerol. A fermentação de D-glicose, geralmente, não produz gás. A maioria
das espécies cresce a 20ºC (Baumann et al., 1984).
Os membros deste gênero são encontrados em associações ecológicas com
organismos bênticos, fito e zooplâncton e em ambientes marinhos e estuarinos, com
ampla faixa de variação de salinidade. São encontradas também algumas espécies em
habitats de água doce. Algumas espécies deste gênero são patogênicas para o homem e
outras para os animais marinhos (Baumann et al., 1984).
Este gênero compreende 47 espécies (Euzéby, 1997), entre as quais se destaca o
V. cholerae por ser o agente etiológico de sete pandemias de cólera. O V. cholerae e o
V. mimicus são filogeneticamente próximos dentro do gênero Vibrio (Thompson et al.,
2004a). Estas duas espécies apresentam genomas bastante relacionados, sugerindo um
ancestral comum recente.
3.2.4 – ESPÉCIE Vibrio cholerae
O Vibrio cholerae Pacini, 1854 (Figura 11) utiliza em suas vias metabólicas
anaeróbicas glicose, sacarose e manitol e é lisina e ornitina descarboxilases positivas.
Esse organismo é classificado por testes bioquímicos e é subdividido em sorogrupos
baseados no antígeno somático “O” (Sack et al., 2004).
Figura 11 – Fotomicrografia eletrônica evidenciando a morfologia do V. cholerae. Adaptado de Albert (1994).
3.2.4.1 – CLASSIFICAÇÃO ANTIGÊNICA
O antígeno “O” é um polissacarídeo termoestável integrante do lipolissacarídeo
(LPS) da parede celular das bactérias Gram-negativas, sendo constituído de três frações
(“A”, “B” e “C”). Por apresentar uma enorme diversidade, este antígeno é a base da
identificação e da classificação sorológica da espécie V. cholerae (Yamai et al., 1997).
Os determinantes antigênicos de superfície são aglutinados com antissoro para o
CARIRI, F.A.M.O. Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio... 36
antígeno “O” específico, sendo identificados mais de 200 sorogrupos de V. cholerae
(Sack et al., 2004). O primeiro a ser identificado foi denominado de V. cholerae
sorogrupo O1.
Os diferentes sorogrupos “O” de V. cholerae não podem ser distingüidos
bioquimicamente, portanto a sua identificação baseia-se no fato de que o sorogrupo O1
possui apenas um antígeno “O”, o qual reagirá especificamente aglutinando-se com o
antissoro O1. Epidemiologicamente, a espécie V. cholerae tem sido dividida em cepas
do sorogrupo O1 e de sorogrupos diversos, denominados não-O1, as quais se imaginou,
por muito tempo, que tinham diferentes capacidades patogênicas (Colwell, 1996).
Porém, em 1992, surgiu um novo clone epidêmico, o V. cholerae O139, dando origem a
um novo modelo de classificação epidemiológica: V. cholerae O1, V. cholerae O139 e
V. cholerae não-O1/ não-O139 (Nair, 1994, Sack et al., 2004).
O conjunto de genes wbe de V. cholerae O1, constituído de genes de biossíntese
do antígeno O (O-PS), está localizado no cromossomo maior, entre as ORFs VC0240
(gene gmhD) e VC0264 (gene rjg) (Heidelberg et al., 2000). Este conjunto de genes
consiste em cinco regiões: 1 – biossíntese da perosamina, compreendendo os genes
manC, manB, gmd e wbeE (Stroeher et al., 1995); 2 – transportador do antígeno O,
compreendendo os genes wbeG, wzm e wzt (Manning et al., 1994; Manning et al.,
1995); 3 – biossíntese do tetronato, compreendendo os genes wbeK, wbeL, wbeM,
wbeN e wbeO (Stroeher et al., 1998); 4 – modificador de antígeno O, compreendendo o
gene wbeT (Stroeher et al., 1992; Hisatsune et al., 1993); e 5 – genes adicionais,
compreendendo o gene wbeU, wbeV e wbeW (Fallarino et al., 1997).
A possibilidade de recombinação homóloga entre o conjunto de genes de
biossíntese do antígeno O foi testada em 300 cepas de V. cholerae não-O1 e não-O139
(Li et al., 2002). Destas, quatro cepas não-O1, sorogrupos O27, O37, O53 e O65,
apresentaram a organização genética similar à do sorogrupo O1, sugerindo a
recombinação desta região. Yamasaki e colaboradores (1999) sugerem que a
emergência do sorogrupo O139 é resultado da transferência horizontal de genes do
sorogrupo O1 e O22.
O estreito parentesco genético da linhagem ancestral do V. cholerae O1 El Tor
com o novo serogrupo O139 (Stroeher et al., 1995; Li et al., 2002), a existência de
diferentes cassetes codificadores do antígeno O presentes no mesmo locus
cromossômico (Stroeher et al., 1995; Li et al., 2002), bem como a presença de regiões
similares em ambos os lados deste cluster (Stroeher et al., 1997), apoiam firmemente a
CARIRI, F.A.M.O. Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio... 37
hipótese de que algum tipo de transferência horizontal de genes teria ocorrido (Li et al.,
2002; Mooi e Bik, 1997; Faruque et al., 2003; Chatterjee e Chaudhuri, 2004). No
entanto, nem o mecanismo de transferência genética, nem o contexto ecológico em que
este ocorreu foram elucidados (Blokesch e Schoolnik, 2007).
3.2.4.2 – Vibrio cholerae O1
O V. cholerae O1 tem sido associado à cólera pandêmica. No entanto, cepas
ambientais O1, de áreas não epidêmicas, usualmente não produzem a toxina colérica
(CT), sendo, portanto, consideradas não patogênicas (Levine et al., 1982). Este
sorogrupo, a depender da constituição antigênica, pode ser subdividido em três
sorotipos: Inaba, Ogawa e Hikojima. O sorotipo Inaba possui as frações de antígeno
“A” e “C”; e o Ogawa possui as frações “A” e “B”. O Hikojima é um sorotipo muito
raro e instável, possuindo as três frações do antígeno “O”, sendo considerado como um
sorotipo de transição (Manning et al., 1994).
Além dos sorotipos, o V. cholerae O1 pode ser dividido em dois biotipos: o
Clássico e o El Tor, que são diferenciados através de características fenotípicas, como a
sensibilidade ao bacteriófago IV e a polimixina B (Kay et al., 1994). As cepas de cada
biotipo podem ser Inaba, Ogawa ou Hikojima, elaborando a mesma enterotoxina, de
forma que o quadro clínico é bastante semelhante. Em uma epidemia, tende a
predominar um único sorotipo (São Paulo, 2001).
O biotipo El Tor, isolado por Gotschlich, em 1906, que foi examinado na
estação de quarentena de El Tor, no Egito, é o agente etiológico da atual pandemia de
cólera. A virulência deste biotipo é atenuada apresentando um considerável aumento no
número de portadores sadios. Além disso, a resistência deste biotipo é maior que o
Clássico, o que lhe confere condições de sobreviver por mais tempo no meio ambiente,
crescer melhor e mais rápido em meios de cultura, ser menos susceptível aos agentes
químicos e ter maior tendência à endemização (Fundação Nacional de Saúde, 2002).
3.2.4.3 – Vibrio cholerae O139
O V. cholerae O139 foi o primeiro sorogrupo não-O1 identificado, em 1992,
como agente etiológico de uma grande epidemia no sul da Ásia, com considerável
mortalidade. Até então, acreditava-se que apenas o sorogrupo O1 era patogênico. As
CARIRI, F.A.M.O. Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio... 38
enterotoxinas elaboradas pelo sorogrupo O139 são similares e ocasionam quadros
clínicos muito semelhantes aos do sorogrupo O1 (Fundação Nacional de Saúde, 2002).
O V. cholerae O139, também conhecido como Bengal, é um híbrido dos
sorogrupos O1 El Tor e O22, apresentando características importantes de virulência
típicas do V. cholerae O1 (Rhine e Taylor, 1994), como os genes da toxina colérica
(ctxAB) e do pílus corregulador da toxina (tcpA); e a capacidade de expressar um
cápsula polissacarídica, típica dos sorogrupos não-O1 (Hall et al., 1993).
3.2.4.4 – Vibrio cholerae NÃO-O1/ NÃO-O139
Embora a grande maioria das cepas de V. cholerae não-O1/não-O139 não seja
toxigênica, algumas possuem a capacidade de produzir toxinas e outros fatores
associados à virulência da espécie. Estas cepas já foram identificadas como
responsáveis por ocasionar patologias extra-intestinais, diarréias com desidratação
severa semelhante à cólera, estando associados a casos isolados ou surtos muito
limitados (Morris Jr. et al., 1990; Sack et al., 2004). A ocorrência de tantos fatores de
virulência nos diferentes sorogrupos não-O1/não-O139, sugere que a patogenicidade
destas bactérias seja multifatorial, não dependendo de um único mecanismo para causar
a doença. O interesse na estrutura patogênica V. cholerae não-O1/não-O139 só foi
concretizado com a emergência do sorogrupo O139, cuja epidemia funcionou como um
alerta para o surgimento de outros clones epidêmicos. De forma similar ao sorogrupo
O1, estas cepas não obedecem a um critério rígido de classificação quanto ao seu poder
toxigênico.
3.2.4.5 – Vibrio cholerae O26 Cepas de V. cholerae O26 representaram 7,8% das 179 amostras de V. cholerae
não O1/ não O139, isoladas de casos clínicos e do meio ambiente, durante o surto de
cólera no Brasil (1991 a 2000) (Theophilo et al., 2006). Predominantemente, nesse
sorogrupo (e em outra cepa de V. cholerae de sorogrupo não tipável) foi evidenciado o
cassete de virulência CTXφ intacto.
CARIRI, F.A.M.O. Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio... 39
3.2.5 – MÉTODOS MOLECULARES USADOS NA CLASSIFICAÇÃO BACTERIANA Uma variedade de técnicas fenotípicas e genômicas tornou-se disponível para a
identificação do V. cholerae nas últimas três décadas (Thompson et al., 2004a). A
Tabela 1 apresenta algumas destas técnicas que contribuem com valiosas informações
sobre a classificação e estrutura populacional do V. cholerae. Diante destas técnicas, o
seqüenciamento da região espaçadora intergênica de rRNA 16S-23S (ISR) se destaca
por ter a capacidade discriminatória de classificar níveis taxonômicos inferiores a
espécie.
3.2.6 – OS GENES DE rRNA COMO MARCADORES MOLECULARES
As bactérias apresentam variações morfológicas simples, não sendo, portanto,
um caráter robusto para a sua classificação filogenética. A fisiologia bacteriana, embora
limitada com alguns agrupamentos artificiais, auxilia melhor esta classificação, pois
características fisiológicas são compartilhadas entre grupos próximos de espécies
bacterianas (Woese, 1987). Com o advento do seqüenciamento de ácidos nucléicos, a
sistemática molecular bacteriana ganhou a sua principal ferramenta. Na prática, todas as
relações filogenéticas puderam ser determinadas de forma mais fácil, com maior
profundidade e riqueza de detalhes (Lane et al., 1985). As moléculas mais úteis para a
medida filogenética possuem uma alta estabilidade funcional compartilhada entre
diversos grupos taxonômicos e são conhecidas como marcadores filogenéticos (Gevers
et al., 2004). Entre os marcadores mais promissores para a inferência filogenética
bacteriana destacam-se as proteínas de choque térmico HSP60 e HSP70, e os genes
rRNAs 16S e 23S, recA, gliceraldeído-3-fosfato desidrogenase (gap), rpoB e gyrB
(Byun et al., 1999).
Nas últimas duas décadas, o uso de seqüências codificadoras de rRNAs (5S, 16S
e 23S), como marcadores para identificação taxonômica, permitiu a restruturação da
filogenia bacteriana. Em muitos casos, os resultados filogenéticos obtidos pelo
seqüenciamento de genes de rRNA sugeriram que os agrupamentos de bactérias feitos
pelos critérios clássicos, aspectos morfológicos e bioquímicos, eram inconsistentes.
Nesse aspecto, o gene do rRNA 5S, apesar de sua seqüência ter sido utilizada para
reclassificar algumas espécies da família Vibrionaceae (MacDonell e Colwell, 1985), é
de uso limitado para reconstruir filogenias, provavelmente devido ao seu pequeno
tamanho (cerca de 120 pb) (Woese, 1987). Já o gene de rRNA 16S, que apresenta cerca
Tabela 1 – Métodos moleculares usados para classificar Vibrio cholerae.
Método Princípio do método Poder discriminatório Referências
Hibridação DNA-DNA A região específica do genoma ou o DNA genômico purificado da amostra a ser testada é hibridizado com DNA marcado da linhagem de referência.
De gênero a sorogrupo Pang et al., (2007)
RFLP
Fragmentos de genes amplificados por PCR (rRNA 16S, gyrB e rpoD) ou o DNA genômico é digerido com uma enzima de restrição e, posteriormente, esse material é separado por eletroforese em gel de agarose. Pode-se, hibridizar com sondas marcadas para reduzir o número de bandas.
De espécie a sorogrupo Qu et al., (2003); Nandi et al., (2003)
Amplificação de DNA
(AFLP, ARDRA, ERIC-PCR, RAPD, rep-PCR e Ribotipagem-PCR)
Amplificação do DNA por PCR, produzindo diferentes perfis associado ou não, a digestão com enzimas de restrição.
De gênero a sorogrupo
Singh et al., (2001); Theophilo et al., (2006); Leal et al., (2004); Lee et al., (2006); Chun et al., (1999); Danin-Poleg et al., (2007)
MLEE Eletroforese de enzimas constitutivas. De gênero a sorogrupo Farfan et al., (2000)
MLST PCR e seqüenciamento. De gênero a sorogrupo Rivera et al., (1995)
Seqüenciamento do gene rRNA 16S e recA
PCR e seqüenciamento. De família a espécie Thompson et al., (2004b)
Seqüenciamento da região intergênica ribossomal - ISR
PCR e seqüenciamento. De espécie a sorogrupo Chun et al., (1999); Ghatak et al., (2005)
Amplificação dos genes rfb PCR com primers específicos para a região do antígeno O1 e O139.
Sorogrupo Hoshino et al., (1998)
Micro arranjo de DNA Amplificação de 4.600 cDNA conhecidos e catalogados, posterior fixação destes numa lâmina especial e hibridação com as sondas de interesse.
De gênero a sorogrupo Pang et al., (2007)
CA
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Ce
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CA
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Ce
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Vib
rio... 40
CARIRI, F.A.M.O. Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio... 41
de 1.500 pb, inclui regiões altamente conservadas, que permitem o agrupamento em
categorias taxonômicas maiores, como classes e filos; e regiões variáveis, que podem
discriminar espécies dentro do mesmo gênero. Esta característica fez com que as
seqüências de rRNA 16S fossem amplamente utilizadas como uma ferramenta na
identificação e como um marcador filogenético (Wiik et al., 1995). Para se ter idéia foi
criado o projeto Banco de Dados Ribossomal II (Ribosomal Database