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Universidade Federal de Santa Catarina Centro Universitário de Estudo e Pesquisas Sobre Desastres Curso de Especialização em Planejamento e Gestão em Defesa Civil A Análise do trabalho voluntariado no Sistema Nacional de Defesa Civil Armin Augusto Braun Orientador: Prof a Daniela Lopes Florianópolis 2006

Universidade Federal de Santa Catarina Centro ...ceped.ufsc.br/wp-content/uploads/2014/09/Monografia_Armin.pdf · Curso de Especialização em Planejamento e Gestão em Defesa Civil

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Universidade Federal de Santa Catarina

Centro Universitário de Estudo e Pesquisas Sobre Desastres

Curso de Especialização em Planejamento e Gestão em Defesa Civil

A Análise do trabalho voluntariado no Sistema Nacional de Defesa Civil

Armin Augusto Braun

Orientador: Profa Daniela Lopes

Florianópolis

2006

Universidade Federal de Santa Catarina

Centro Universitário de Estudo e Pesquisas Sobre Desastres

Curso de Especialização em Planejamento e Gestão em Defesa Civil

A Análise do trabalho voluntariado no Sistema Nacional de Defesa Civil

Monografia apresentada a Universidade

Federal de Santa Catarina, como parte

dos requisitos para a obtenção do título

de Especialista em Planejamento e

Gestão em Defesa Civil.

Armin Augusto Braun

Orientadora: Profa Daniela Lopes

Florianópolis

2006

Universidade Federal de Santa Catarina

Centro Universitário de Estudo e Pesquisas Sobre Desastres

Curso de Especialização em Planejamento e Gestão em Defesa Civil

Esta Monografia foi julgada adequada para obtenção do Título de

Especialista em Planejamento e Gestão da Defesa Civil e aprovada em sua forma

final pelo Programa de Pós-Graduação Lato Sensu da Universidade Federal de

Santa Catarina.

Banca Examinadora:

___________________________________________

Daniela Cunha Lopes, Especialista (Orientadora)

___________________________________________

Massato Kobiama, Dr. (1° Membro)

___________________________________________

Maria Inês Resende (2° Membro)

"Não me sinto obrigado a acreditar que o mesmo Deus que nos dotou de sentidos, razão e intelecto, pretenda que não os utilizemos."

(Galileu Galilei)

Dedico este trabalho aos meus pais pelo exemplo e ensinamento de vida reta e honesta, e a minha esposa Cássia, mulher da minha vida.

Agradeço a Deus, ser supremo e grande Pai. Aos companheiros de curso, pelos momentos de alegria e descontração. Aos professores, pelo rico conhecimento transmitido. À SEDEC e ao CEPED pela iniciativa, que possibilitou a realização do curso. Aos amigos Manfred, Albert e Max, com os quais conheci o verdadeiro sentido do que é ser voluntário.

iii

RESUMO

A presente monografia "A Análise do trabalho voluntariado no Sistema Nacional de Defesa Civil", teve por objetivo abordar, analisar e entender a relação entre Defesa Civil e comunidade, através do trabalho desenvolvido nos NUDECs e do trabalho voluntário. Apresenta a Defesa Civil, não apenas após a sua criação como responsabilidade governamental, mas sim, desde os primórdios. Aborda conceitos de proteção da sociedade, passando pela atual estruturação e recente evolução doutrinária no Brasil, culminando em uma abordagem sobre os Núcleos Comunitários de Defesa Civil, e o trabalho prestado pelos integrantes das comunidades. A Abordagem dos assuntos é realizada tomando como referência três fases com aspectos distintos. Na primeira, é feita a análise dos grupos sociais antes da criação da Defesa Civil como organismo de responsabilidade governamental. Nesta análise é demonstrado que os próprios grupos sociais buscavam sua auto proteção. Na abordagem da segunda fase, com a Defesa Civil administrada e organizada pelo poder público, é observado um forte componente relacionado à participação do estado no seu gerenciamento. Quando abordamos a terceira fase, observamos que a participação da população e dos grupos sociais passa a ser novamente importante. Assim como acontecia antes da criação da Defesa Civil, as comunidades têm importância relevante na busca da auto proteção, sendo consideradas peças fundamentais da nova estrutura de Defesa Civil. Agora, porém, com novos componentes, como a atual abordagem do voluntariado, que é realizada por dois pontos-de-vista: o da importância da participação de pessoas em NUDECs, e da nova concepção de voluntariado e serviço voluntário. Os assuntos são apresentados de forma a situar o leitor no contexto da Defesa Civil e das organizações sociais, de modo a buscar um referencial teórico que possa nortear a penetração e a consolidação da Defesa Civil nas comunidades.

iv

LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES

CEDEC – Coordenação Estadual de Defesa Civil

COMDEC – Coordenadoria Municipal de Defesa Civil

IAVE – Associação Internacional de Esforços Voluntários

NUDEC – Núcleo Comunitário de Defesa Civil

SEDEC – Secretaria Nacional de Defesa Civil

SINDEC – Sistema Nacional de Defesa Civil

OSCIP – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público

ONU – Organizações das Nações Unidas

v

SUMÁRIO

RESUMO.................................................................................................................... iii

LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES ....................................................................... iv

SUMÁRIO....................................................................................................................v

1 INTRODUÇÃO .........................................................................................................1

1 1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEMA ..................................................................1

1 2 OBJETIVOS.....................................................................................................1

1.2.1 Objetivos Gerais ......................................................................................1

1.2.1 Objetivos Específicos ..............................................................................2

1 3 JUSTIFICATIVA...............................................................................................2

1 4 METODOLOGIA ..............................................................................................3

1 5 ESTRUTURA DO TRABALHO ........................................................................3

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA................................................................................5

2.1 EVOLUÇÃO DA DEFESA CIVIL......................................................................5

2.1.1 A Evolução dos Conceitos de Proteção Civil e sua Evolução na

Sociedade.........................................................................................................5

2.1.2 A Busca de Recursos no Próprio Meio ....................................................6

2.1.3 O Surgimento da Defesa Civil como Instituição de Responsabilidade

Governamental .................................................................................................8

2.1.4 O Surgimento de Novos Conceitos........................................................10

2.2 DEFESA CIVIL NO BRASIL...........................................................................10

2.2.1 A Doutrina Brasileira de Defesa Civil.....................................................10

2.2.2 O Sistema Nacional de Defesa Civil - SINDEC .....................................13

2.2.3 A Defesa Civil e o Município..................................................................14

2.3 A DEFESA CIVIL NAS COMUNIDADES .......................................................16

2.3.1.Núcleos Comunitários DE Defesa CiviL – NUDECs..............................16

2.3.2 A Motivação da Comunidade.................................................................18

2.3.3 O Sentido Comunitário ..........................................................................19

vi

3 ESTUDO DE CASO ...............................................................................................20

3.1 O VOLUNTÁRIO............................................................................................20

3.2 VOLUNTARIADO NO BRASIL.......................................................................22

3.3 OS NUDECs E O VOLUNTARIADO..............................................................23

CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................26

REFERÊNCIAS.........................................................................................................28

1

1 INTRODUÇÃO

1 1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEMA

Defesa Civil não é um tema novo, nem tão pouco tem suas raízes neste

século. A busca de sua origem remota aos primeiros agrupamentos humanos. O ser

humano proporcionou a convivência em grupos socialmente organizados, onde cada

integrante desempenhava seu papel de acordo com o aprendizado dele mesmo e de

gerações anteriores. A sua sobrevivência dependia do seu abrigo no grupo, e a

existência do próprio grupo dependia da sua capacidade de organização para

garantir a sua proteção e superar os inimigos e as adversidades naturais.

A Defesa Civil evoluiu, e hoje pode ser definida como a atuação da

sociedade organizada na defesa de si própria. É a organização de atitudes que

visam determinar procedimentos a fim de prevenir ou evitar e, em caso de

impossibilidade, minimizar os efeitos advindos de eventos incontroláveis que

causam riscos à coletividade, sendo estes naturais ou ocasionados pelo homem. É

função de todo o integrante da Defesa Civil, voluntário ou não, o socorro e

assistência às populações atingidas. Cabe à Defesa Civil tentar reduzir ao máximo

os riscos de perdas e encontrar maneiras de coordenar o restabelecimento do bem-

estar da coletividade.

1 2 OBJETIVOS

1.2.1 Objetivos Gerais

O presente trabalho tem como objetivo geral analisar, abordar e entender

a relação entre Defesa Civil e comunidade, através do trabalho desenvolvido nos

NUDECs e do trabalho voluntário.

2

1.2.1 Objetivos Específicos

1) Analisar a relação entre voluntariado, Defesa Civil e comunidade;

2) Identificar a importância da auto proteção das comunidades.

3) Descrever a participação da comunidade e de seus integrantes, em

assuntos relacionados a defesa civil, e a organização dela dentro destes núcleos

sociais

4) Definir a inserção do voluntário nos Núcleos Comunitários de Defesa

Civil

1 3 JUSTIFICATIVA

Os desastres acontecem nas comunidades, e consequentemente, são

elas que primeiro respondem aos mesmos. Logo, são estas comunidades que

melhor devem estar preparadas para o enfrentamento de situações críticas. Por isso

são chamados a um exercício de coletividade, ao integrarem um importante ente do

Sistema Nacional de Defesa Civil: os Núcleos Comunitários de Defesa Civil.

Cabe ao poder público a organização da Defesa Civil, em todas as

esferas. No entanto, cabe ao cidadão a participação ativa, não somente no sentido

de auxiliar ao próximo, mas também no sentido da auto proteção.

E, quando se fala em participação comunitária e em auxiliar ao próximo,

logo é pensado o termo voluntariado. Porém, surgem ambigüidades, pois este termo

hoje tem definições diversas, e também remete a outros termos e situações,

definidas algumas inclusive em lei. Sendo matéria bastante nova, a Defesa Civil nas

comunidades necessita de aperfeiçoamentos, que vêm acontecendo naturalmente,

com a constante atuação dos órgãos responsáveis e dos integrantes do Sistema

Nacional de Defesa Civil.

3

1 4 METODOLOGIA

O estudo apresentado tem caráter descritivo e exploratório, sendo que a

metodologia utilizada foi baseada em pesquisa bibliográfica e documental,

abrangendo os seguintes aspectos: a evolução da sociedade, doutrina de Defesa

Civil, os municípios e a Defesa Civil, convivência social e em comunidades, as

comunidades e a Defesa Civil, voluntariado e ações voluntárias.

Uma pesquisa exploratória foi realizada, no sentido de familiarizar o autor

com assuntos relacionados ao tema central do trabalho, uma vez que se trata de um

tema vasto e complexo.

Foram realizadas observações e levantamentos da realidade do trabalho

voluntariado, junto a Coordenadores Municipais de Defesa Civil de municípios que

trabalham com Núcleos Comunitários de Defesa Civil, representantes e integrantes

desses NUDECs, e junto a instituições de trabalho voluntário.

O trabalho também foi baseado na experiência profissional do autor nos

temas ligados a Defesa Civil e organização de Órgãos Municipais (COMDECs)

1 5 ESTRUTURA DO TRABALHO

O presente trabalho, no primeiro capítulo, apresenta a introdução do

trabalho, com a contextualização do tema, os objetivos e a estrutura do trabalho.

A fundamentação teórica, assunto do segundo capítulo, faz uma

abordagem histórica relacionada à Defesa Civil, com a evolução do conceito de

proteção civil desde a antiguidade, até a sua estruturação no período pós-guerra,

enfatizando as formas e ferramentas de organização da sociedade.

No terceiro capítulo é apresentada a estrutura da Defesa Civil no Brasil,

dando ênfase à doutrina brasileira, abordando os conceitos utilizados no país e

descrevendo o funcionamento do SINDEC, mostrando a importância da estrutura

municipal.

4

A Defesa Civil nas comunidades é o tópico explorado também no terceiro

capítulo, onde são abordados os NUDECs, buscando entender como motivar uma

comunidade e como ela atua, e qual o papel que desempenham. Este capítulo se

dedica ainda a refletir sobre a dinâmica entre o voluntariado e a Defesa Civil, e

entre esses e a sociedade, para o aprimoramento de suas ações, com planejamento

de ações adequadas e respostas mais eficazes.

Por fim, nas considerações finais, é retomada a questão central desta

pesquisa à luz das análises realizadas ao longo deste trabalho.

5

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 EVOLUÇÃO DA DEFESA CIVIL

2.1.1 A EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS DE PROTEÇÃO CIVIL E SUA EVOLUÇÃO

NA SOCIEDADE

A família humana tem vários milhões de anos, e a espécie humana

remonta de centenas de milhares de anos.

Desde os Primórdios da Humanidade, o homem luta pela sobrevivência

num ambiente hostil, tendo a necessidade de se abrigar de elementos naturais, e de

animais selvagens, utilizando para isso cavernas, troncos ocos de árvores e a

floresta. A necessidade da auto-proteção motiva as associações humanas, pois o

homem isolado era um alvo fácil.

No início da sua existência sobre a Terra , o ser humano sobrevivia pela

coleta e caça de alimentos. Eram nômades, perambulando atrás de alimentos e de

água. Montavam acampamentos, fazendo uso dos recursos de um determinado

local. Quando os meios de subsistência acabavam, os grupos se deslocavam para

outros locais, onde montavam novos acampamentos.

Acredita-se que homens caçavam e mulheres coletavam alimentos e

madeira. Esta divisão e as atribuições de responsabilidade entre ambos era

eqüidistante. Provavelmente, os grupos chegavam a dezenas de indivíduos, e eram

compostos por parentes consangüíneos. A caça só era realizada para a obtenção de

alimento.

Os meninos adolescentes caçavam pequenos mamíferos e pássaros

através do uso de arcos e flechas, além de pequenas armadilhas. Os homens

adultos já utilizavam técnicas de aproximação furtiva e ataque combinado para o

6

abate da presa. Os caçadores, ao observarem os rastros dos animais, sabiam que

animais eram, a quantidade e outros dados necessários para efetuarem a

observação e o planejamento do ataque. Isto foi importante para a sobrevivência do

grupo, e para o desenvolvimento do trabalho em equipe.

Logo, a caça passou a ser a garantia de sobrevivência para milhares de

gerações. Pode-se deduzir que bons caçadores, com o passar do tempo, acabariam

por se transformar futuramente em bons guerreiros e defensores do grupo.

Pela própria pré-disposição humana à caça, à coleta de alimentos e ao

trabalho em grupo, iniciou-se o sentimento de comunidade, a qual tinha a

necessidade da proteção dos indivíduos do grupo para poder sobreviver.

No início, os humanos revezavam-se ao cuidar dos agrupamentos contra

agentes que causavam danos à comunidade, estabelecendo-se estrategicamente de

forma a proteger-se de ataques de animais e de manterem a comunidade fora de

situações de risco. Sempre havia alguém que observava os arredores e o

acampamento em algum local estratégico, de forma a proteger o grupo de ataques,

de inundações, de incêndios, entre outros perigos.

Nas comunidades da antiguidade, havia aqueles que eram os

responsáveis para dar o alarme em caso de algum tipo de calamidade natural, ou

não. Estas ações foram observadas nas populações indígenas no interior da

Amazônia, cuja cultura tecnológica estava ainda bem inferior a de outros povos.

2.1.2 A BUSCA DE RECURSOS NO PRÓPRIO MEIO

Em virtude de uma defesa mais eficiente, e da necessidade de

sobrevivência surgiram outros artifícios para a proteção da comunidade.

O Egito sempre foi uma região bastante inóspita, localizada numa área de

clima muito quente. No entanto, rios vindos de fontes longínquas, com pluviosidade

7

abundante, traziam a água e o humo (Aymard,1998). As cheias anuais dos rios

depositavam no leito grande quantidade de matéria orgânica, e, nas épocas do ano

em que o nível do rio era mais baixo, as regiões ribeirinhas ficavam propícias para a

agricultura.

No entanto, com a nova cheia do rio que ocorria nos períodos mais

chuvosos do ano, populações eram obrigadas a mudar para regiões secas. Com o

passar do tempo, houve uma evolução na maneira do homem viver, e as populações

daquela região, na busca de recursos no próprio meio em que viviam, passaram a

construir suas habitações no alto de palafitas, se fixando em uma determinada

região.

Uma vez que os homens deixaram a vida nômade, surgiram as aldeias,

cidades e vilas. A defesa do grupo se desenvolveu de tal forma que acabou se

tornando um sistema de ataque e defesa, distanciando-se da população, pois

começou a servir aos detentores do poder. Desta forma, a população como um todo

começou a deixar de ser protegida. A comunidade foi distanciada dos que detinham

o poder, não sendo mais protegidos por eles.

Diferentes tipos de formas de proteção da sociedade foram observados ao

longo de seu desenvolvimento. Enquanto no Ocidente a população começou a ser

deixada à sua própria sorte, não tendo dos governantes uma proteção adequada, no

oriente já prosperava o sentido da proteção social.

Um bom exemplo disto estava na Ásia. No Império Chinês havia sistemas

bem delineados de proteção civil. As cidades eram planejadas de forma a proteger

os colonos em caso de guerra e, em caso de calamidades públicas, os imperadores

chineses e sua administração tinham uma completa rede de informação e socorro à

população comum.

Já no ocidente não era bem assim. Na Grécia e Roma antigas, a

população externa ao aglomerado urbano era relevada a sua própria sorte. Com as

cidades cercadas por muralhas, as quais, uma vez fechadas, em caso de ataques

ou catástrofes, somente eram abertas após a cessação do perigo. O envio de ajuda

8

e recursos às populações das cidades, na maioria das vezes, não era possível. E

quando era possível, ocorria de maneira escassa.

2.1.3 O SURGIMENTO DA DEFESA CIVIL COMO INSTITUIÇÃO DE

RESPONSABILIDADE GOVERNAMENTAL

Durante a I Guerra Mundial (1914 – 1918), balões dirigíveis da Marinha

Imperial Alemã efetuaram cerca de 200 incursões de bombardeio contra a Grã-

Bretanha, atacando, principalmente alvos civis. A precariedade dos meios utilizados

produziu menos de 2.000 vítimas, entre mortos e feridos, e parcos prejuízos

materiais. De fato, o prejuízo maior foi do lado dos atacantes, cujos frágeis balões

foram destruídos às dezenas pelo tempo inclemente sobre os mares Báltico e do

Norte.

O Governo britânico daquela época era formado por competentes

administradores, necessários ao controle de um império que rodeava o planeta. As

possibilidades abertas pelo bombardeio de áreas urbanas começaram a serem

estudadas metodicamente, projetando-se as conseqüências e tentando criar contra-

medidas. Nas décadas de 20 e 30 outras ações do tipo chamaram a atenção, como

o ataque aéreo japonês contra Shangai e o devastador bombardeio da cidade de

Guernica pela aviação alemã, em 1937, durante a Guerra Civil Espanhola.

A destruição de Guernica confirmou os estudos anteriores e precipitou a

tomada de uma série de medidas pelo governo britânico, tendo em vista o iminente

início de mais uma guerra na Europa. O Ministério do Interior criou uma organização

chamada Air Raid Precautions ou Precauções contra Ataques Aéreos, que

imediatamente iniciou as atividades já planejadas como: remoção de crianças das

áreas de Londres e sudeste da Inglaterra para o interior do país; construção de

abrigos subterrâneos públicos e incentivos à construção de abrigos particulares;

distribuição de máscaras contra gases e capacetes de aço; treinamento de pessoal

para combate a incêndios, prestação de primeiros socorros, e salvamento de vítimas

sob escombros.

9

Outras instruções eram difundidas em larga escala para população:

ensinar a limpar os sótãos de materiais combustíveis; cobrir a janelas para escurecer

as ruas; grudar fita adesiva nos vidros para evitar estilhaçamento e conhecer os

toques de alarme e de fim do ataque.

As organizações de voluntários para atuar em emergências cresceram.

Milhares de cidadãos apresentaram-se à Cruz Vermelha, Exército de Salvação,

Malteses. Organizações governamentais foram criadas para finalidades específicas

como os Grupos de Salvamento Pesado, o Real Corpo de Observadores, os

Vigilantes Anti-Aéreos e os Controladores de Danos.

A Segunda Guerra Mundial evidenciou um novo problema: os grandes

complexos industriais estavam inseridos nas grandes cidades e passaram a ser o

alvo de ataques, nos quais eram usadas bombas poderosas o suficiente para

destruir quarteirões inteiros. Além disso, a taxa de urbanização estava elevada, e,

consequentemente a densidade demográfica também, fazendo com que a

população estivesse cada vez mais vulnerável aos ataques (Freitas, 1983). Assim, o

povo seria atingido de forma direta pelos grandes bombardeios, que não

mensuravam alvos e sim a destruição em massa, como aconteceu no Japão,

atacado por bombas atômicas, e com a Alemanha.

Em decorrência desta exposição da população aos ataques sofridos por

exércitos inimigos, a Inglaterra montou uma organização denominada Civil Defense,

que tinha o objetivo de preparar e organizar a população, no sentido de minimizar os

danos causados, quando do ataque de inimigos (Brasil, 2005).

Passou a ser dada uma grande importância à organização da Defesa Civil.

O Japão já possuía, durante a segunda guerra, um sistema eficiente de proteção

civil, com alto grau de organização e mobilização. Esta organização foi evidenciada

quando da explosão das bombas atômicas nas cidades de Hiroshima e Nagasaki.

De um total de 500.000 pessoas que residiam nas duas cidades, aproximadamente

200.000 foram evacuadas, e cerca de 350.000 sobreviveram. Número bastante

representativo, uma vez que armas atômicas têm um grande poder letal. Além do

10

que, em dez dias as indústrias já estavam trabalhando com 70% de sua capacidade.

Ao contrário da Alemanha, que, após os bombardeios, a população ficou paralisada,

pois não havia um sistema de proteção civil eficiente e organizado.

Durante e após este conturbado período de guerras, surgiram outros

organismos internacionais de proteção civil, como a Organização Internacional de

Proteção Civil (1931), Organização das Nações Unidas (1945), Secretaria de

Coordenação de Socorro às Catástrofes da Organização das Nações Unidas (1971),

Cruz Vermelha Internacional (1859). Isto refletiu a mudança de foco, colocando o ser

humano no tema principal, sendo que a proteção deveria não ser dada somente ao

estado, mas sim ao cidadão.

2.1.4 O SURGIMENTO DE NOVOS CONCEITOS

Os dramas da Segunda Guerra nortearam o debate de novos temas, entre

eles a proteção do ser humano. Em 1948 a Assembléia Geral das Nações Unidas

proclama a Declaração Universal dos Direitos do Homem como o ideal comum a ser

atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo

e cada órgão da sociedade se esforcem, através do ensino e da educação, por

promover o respeito a direitos e liberdades. O Artigo 1o da declaração reza que

“Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de

razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de

fraternidade”.

2.2 DEFESA CIVIL NO BRASIL

2.2.1 A DOUTRINA BRASILEIRA DE DEFESA CIVIL

A Política Nacional de Defesa Civil define para a Defesa Civil no Brasil o

11

seguinte conceito: “é o conjunto de ações preventivas, de socorro, assistenciais e

reconstrutivas destinadas a evitar ou minimizar os desastres, preservar o moral da

população e restabelecer a normalidade social” (Castro, 2000a:12).

Define ainda que a finalidade da Defesa Civil é “o direito natural à vida e à

incolumidade, formalmente reconhecido pela Constituição da República Federativa

do Brasil. Compete à Defesa Civil a garantia desse direito, em circunstâncias de

desastre” (Castro, 2000a:12).

O Brasil tem passado, nos últimos anos, por um desenvolvimento

econômico e tecnológico, que com seu avassalador cortejo de indústrias, desatento

aos padrões de segurança da sociedade, tornando os desastres cada vez mais

intensos, assim como tem deteriorado as condições de vida, e consequentemente o

bem-estar social, principalmente nas camadas populacionais menos favorecidas.

Além disso, tem-se o fato de que os ecossistemas humanos ficaram cada vez mais

vulneráveis em virtude, dentre outros fatores, da deterioração e degradação

ambiental que avassala o meio em que vivemos. Estes fatores tem tornado cada vez

mais importante a estruturação de um sistema de defesa civil eficiente e eficaz.

As principais calamidades como inundações, deslizamentos, secas,

granizos, vendavais, enxurradas, incêndios florestais, pragas animais e vegetais,

acidentes envolvendo substâncias tóxicas, vêm trazendo cada vez mais danos e

prejuízos, o que é demonstrado por estudos epidemiológicos. Esses estudos

mostram que a somação dos danos e prejuízos causados por desastres naturais,

humanos ou mistos ultrapassa, em muito, a da provocada por todas as guerras.

A Defesa Civil no Brasil trabalha com o objetivo geral de reduzir estes

desastres, o que é conseguido pela diminuição da ocorrência e da intensidade dos

mesmos.

Castro (2000b) expõe que, elegeu-se a expressão “reduzir desastres”,

porque a ação “eliminar desastres” definiria um objetivo inatingível.

12

Estas ações para a redução de desastres abrangem os seguintes

aspectos:

PREVENÇÃO: Ações dirigidas a avaliar e reduzir os riscos;

PREPARAÇÃO: Medidas e ações destinadas a reduzir ao mínimo a perda

de vidas humanas e outros danos;

RESPOSTA: Ações desenvolvidas durante um evento adverso e para

salvar vidas, reduzir o sofrimento humano e diminuir perdas;

RECONSTRUÇÃO: Processo onde se repara e restaura em busca da

normalidade

Marcondes (2003) colabora para um melhor entendimento do trabalho da

Defesa Civil nestas fases, quando as apresenta de maneira diferenciada, pois elas

doutrinariamente se apresentam em linha, encerrando as atividades após a

reconstrução. Ele enfatiza que as fases devem ser apresentas de forma a uma

complementar a outra, no sentido da retro-alimentação do sistema. Faz-se a

prevenção, atua-se no socorro, é dada a assistência aos atingidos. Mas na

recuperação, alem de restabelecer a normalidade, visa a prevenção de novos

desastres.

A doutrina brasileira estabelece ainda objetivos específicos a serem

alcançados. Estes estão elencados na Política Nacional de Defesa Civil, e são os

seguintes:

• Promover a defesa permanente contra desastres naturais ou

provocados pelo homem;

• Prevenir ou minimizar danos, socorrer e assistir populações atingidas,

reabilitar e recuperar áreas deterioradas por desastres;

• Atuar na iminência ou em situações de desastres;

• Promover a articulação e a coordenação do Sistema Nacional de

Defesa Civil - SINDEC, em todo o território nacional.

13

2.2.2 O SISTEMA NACIONAL DE DEFESA CIVIL - SINDEC

A União, por ter o dever de garantir a segurança global da população, ou

seja, garantir o direito à vida, à saúde, à segurança pública e à incolumidade das

pessoas e do patrimônio em todas as circunstâncias de desastres, instituiu o

Sistema Nacional de Defesa Civil (SINDEC). Este é articulado em nível federal,

estadual e municipal, e tem a responsabilidade de planejar e promover a defesa

contra desastres, prevenir e minimizar danos, socorrer e assistir as populações

afetadas, reabilitar e reconstruir cenários deteriorados por desastres e atuar na

iminência ou em situação de desastres.

Em âmbito federal o órgão central é a Secretaria Nacional de Defesa Civil

(SEDEC), responsável pela articulação, coordenação e gerência técnica do sistema.

Os Órgãos Estaduais de Defesa são responsáveis pela coordenação e controle em

nível estadual, e nos municípios existem os Órgãos Municipais de Defesa Civil,

muitas vezes denominados pela sigla COMDEC, e os Núcleos Comunitários de

Defesa Civil.

Integram ainda o SINDEC os Órgãos Setoriais e os Órgãos de Apoio. Os

Órgãos Setorias são órgãos da administração pública federal, estadual, municipal e

do Distrito Federal, e se articulam com os órgãos de coordenação, com o objetivo de

garantir atuação sistêmica. Os Órgãos de Apoio são órgãos públicos e entidades

privadas, associações de voluntários, clubes de serviços, organizações não-

governamentais e associações de classe e comunitárias, que apóiam os demais

órgãos integrantes do Sistema.

Este Sistema abrangente e devidamente estruturado nos diferentes níveis

municipal, estadual e federal, tem sob sua responsabilidade preparar o país para

qualquer eventualidade, seja nas comoções internas ou nas situações emergenciais

provenientes de fenômenos naturais, seja nas catástrofes ou em acidentes de

grandes proporções, ou ainda na antevisão de outras emergências de qualquer

natureza.

14

A Defesa Civil bem estruturada é a certeza de que essas ameaças,

quando concretizadas, serão minimizadas, devido à sua atuação prévia. É

importante salientar que no Brasil desastre é conceituado como:

Resultado de eventos adversos, naturais ou provocados pelo

homem, sobre um ecossistema (vulnerável), causando danos

humanos, ambientais e/ou materiais e conseqüentes prejuízos

econômicos e sociais (Castro, 2000a:11).

Os desastres são quantificados em função dos danos e prejuízos, em

termos de intensidade, e os eventos adversos são quantificados em termos de

magnitude. A intensidade de um desastre depende da interação entre a magnitude

do evento adverso e o grau de vulnerabilidade do sistema receptor afetado.

Normalmente o fator preponderante para a intensificação de um desastre, é o grau

de vulnerabilidade do sistema receptor (Brasil, 1998)

Esta cadeia de intenções, ações e atividades é que forma o Sistema

Nacional de Defesa Civil, cuja coordenação global recai no seu Órgão Central, que é

a Secretaria Nacional de Defesa Civil.

2.2.3 A DEFESA CIVIL E O MUNICÍPIO

O objetivo básico dos órgãos municipais de Defesa Civil é congregar as

forças vivas e institucionais da área, a fim de motivá-las a participarem de uma

organização aberta, que tenha como preocupação fundamental capacitar-se para

que nas situações emergenciais adversas, estejam devidamente preparadas para

enfrentá-las.

É conveniente que a população (autoridades, serviços e o público) esteja

efetivamente habilitada e dotada de meios a fim de evitar ou minimizar, o quanto

possível, os efeitos de fenômenos adversos ou de situações críticas, sendo que a

população deve estar organizada, preparada orientada como fazer e o que fazer,

15

podendo assim a comunidade dar uma reposta eficiente aos desastres (Calheiros,

2004).

Para que as ações de Defesa Civil no município sejam eficazes, é

necessário que o Órgão Municipal de Defesa Civil venha a manter-se em estado

permanente de alerta e devidamente preparado para fazer frente às situações

emergenciais.

Isto significa tornar o Município perfeitamente capacitado a agir no

momento oportuno, através do acionamento de planos específicos, previamente

elaborados, contando com todos os recursos institucionais, humanos e materiais

disponíveis, cadastrados e com funções definidas.

Deste modo o Órgão Municipal de Defesa Civil estará perfeitamente

habilitado e orientado, quando os efeitos dessas ocorrências adversas extrapolarem

as condições desse atendimento com recursos do próprio Município, para recorrer

ao Órgão Estadual de Defesa Civil e, em última instância, ao Órgão Federal.

Integrando o Sistema, a atividade local deverá estar integrada nos planos

preventivos a serem preparados com outras unidades municipais da região,

abrangendo as áreas criticas, com a participação estadual.

É de muita importância, a boa estruturação da Defesa Civil municipal, que

não pode ser um organismo ocioso, aguardando qualquer fato para agir. E, para que

ela esteja preparada, seus componentes devem ter conhecimento técnico, devendo

estar capacitados e instruídos para trabalharem na prevenção de desastres e

estarem prontos para enfrentá-los, o que consiste na tomada de uma variedade de

medidas, de curta e longa duração, planejadas para salvar vidas e limitar os danos

que podem ser causados.

O grau de eficácia, tanto antes quanto após o desastre, é determinado

basicamente pelo nível de preparação da Defesa Civil local. A experiência tem

revelado que os municípios que suportam as calamidades são os que possuem

melhores conhecimentos e, conseqüentemente, estão mais preparados, pois

16

conforme enfatiza Castro (1999:10), “... as medidas iniciais de segurança são

aquelas que produzem os melhores resultados”.

O nível de preparação da Defesa Civil municipal é que determina o

comportamento diante de um desastre, ou seja, determina se o município terá

condições de abrigar, agasalhar e alimentar a população atingida, se será capaz de

mobilizar a melhor força de trabalho no menor tempo, se terá agilidade para pedir

auxílio externo e se saberá a quem recorrer.

O Órgão Municipal de Defesa Civil deve estar devidamente estruturado

para educar, no sentido de preparar as populações; prevenir, sugerindo medidas e

obras públicas para os pontos críticos; planejar, elaborando planos operacionais

específicos; socorrer as vítimas, conduzindo-as aos hospitais; assistir, conduzindo

os desabrigados para locais seguros, atendendo-os com medicamentos, alimentos,

agasalhos e conforto moral, nos locais de abrigo ou acampamentos; e recuperar, a

fim de possibilitar à comunidade seu retorno à normalidade.

2.3 A DEFESA CIVIL NAS COMUNIDADES

2.3.1.NÚCLEOS COMUNITÁRIOS DE DEFESA CIVIL – NUDECs

Os NUDECs são núcleos comunitários de Defesa Civil, formados nas

comunidades, cujo objetivo é planejar, promover e coordenar atividades de defesa

civil, trabalhando em suas diferentes fases: preparação, prevenção, resposta e

reconstrução. São compostos por pessoas da comunidade que por meio de ações

voluntárias se organizam na busca da qualidade de vida e da auto-proteção.

O princípio fundamental do SINDEC está baseado no fato de que a base

de uma pirâmide sustenta todo o resto. Em outras palavras, as ações de Defesa

Civil se iniciam no município, seguindo-se o estado e a união, fazendo com que os

Órgãos Municipais e, principalmente, os Núcleos Comunitários sejam a base de todo

17

o sistema, o elo mais forte da corrente. O cidadão, as autoridades, órgãos públicos,

entidades filantrópicas, associações esportivas, ou seja, todos são chamados ao

exercício da coletividade, do voluntariado e da solidariedade.

O funcionamento dos NUDECs é de primordial importância para o bom

funcionamento do SINDEC, uma vez que os principais desastres ocorrem nas

comunidades, afetando-as. Logo quem primeiro dá a resposta àquele desastre é

quem melhor o conhece, ou seja, a própria comunidade. Por isso, comunidades bem

preparadas fortalecerão o sistema, conforme estabelecido na sétima diretriz da

Política Nacional de Defesa Civil:

Implementar programas de mudança cultural e de treinamento de

voluntários, objetivando o engajamento de comunidades

participativas, informadas, preparadas e cônscias de seus direitos e

deveres relativos à segurança comunitária contra desastres (Castro

2000a:13)

Os NUDECs funcionam como elos entre a comunidade e o governo

municipal através do Órgão Municipal de Defesa Civil (Calheiros, 2004), e suas

atribuições estão previstas no decreto federal número 5376 de 17 de fevereiro de

2005, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Defesa Civil:

Art. 14. Os NUDECs, ou entidades correspondentes, funcionam

como centros de reuniões e debates entre a COMDEC e as

comunidades locais e planejam, promovem e coordenam atividades

de defesa civil, com destaque para:

I - a avaliação de riscos de desastres e a preparação de mapas

temáticos relacionados com as ameaças, as vulnerabilidades dos

cenários e com as áreas de riscos intensificados;

II - a promoção de medidas preventivas estruturais e não-estruturais,

com o objetivo de reduzir os riscos de desastres;

III - a elaboração de planos de contingência e de operações,

objetivando a resposta aos desastres e de exercícios simulados,

para aperfeiçoá-los;

18

IV - o treinamento de voluntários e de equipes técnicas para

atuarem em circunstâncias de desastres;

V - a articulação com órgãos de monitorização, alerta e alarme, com

o objetivo de otimizar a previsão de desastres; e

VI - a organização de planos de chamadas, com o objetivo de

otimizar o estado de alerta na iminência de desastres.

2.3.2 A MOTIVAÇÃO DA COMUNIDADE

A Comunidade é mobilizada através da conscientização da população,

de forma a democratizar os espaços, podendo então criar princípios para uma

melhor convivência, de forma a levar o indivíduo a crescer e construir novos

referenciais sobre a vida em conjunto e sociedade.

Segundo Lucena (2005) a motivação da população deve estar atenta a

dois pontos: o primeiro é investir na sensibilização da comunidade, destacando não

só a problemática do risco, mas a possibilidade de uma reversão quanto às

vulnerabilidades decorrentes de ações causadoras de desastres e da degradação do

meio ambiente local. O segundo ponto importante é o grupo responsável pela

formação do NUDECs, que deve realizar um trabalho voltado para a conscientização

da comunidade, ressaltando a sua história, tradição, costumes, enfim, promovendo

um resgate à cultura local, construindo uma relação pautada na valorização de

comportamentos éticos, solidários e participativos, que favoreçam efetivamente uma

compreensão do que é a problemática do risco. Deve também estabelecer os

princípios pelos quais a comunidade deve estar permanentemente envolvida, bem

como, definir os elementos geradores de alternativas possíveis de serem

viabilizadas.

19

2.3.3 O SENTIDO COMUNITÁRIO

O sentido do voluntariado na Europa se desenvolveu de maneira bastante

positiva, de forma que em muitos países europeus, o voluntariado há muito tempo já

está institucionalizado em comunidades, através da participação dos seus membros,

onde a população gera seus próprios benefícios, em busca do bem-estar e da

resolução de problemas.

O sentido de auto-proteção está arraigado em alguns povos. Na

Alemanha, por exemplo, existem milhares de bombeiros voluntários. Apenas cidades

com mais de 200 mil habitantes têm a necessidade de terem bombeiros profissionais

pagos e mantidos pelo poder público. No entanto, cada vilarejo possui uma

guarnição de bombeiros voluntários, que atuam nas mais diversas ocorrências,

como incêndios, acidentes automobilísticos, acidentes com produtos perigosos,

entre outros. Fato parecido, em menor escala, pode-se observar no sul do Brasil,

onde estados como Santa Catarina e Rio Grande do Sul, que tiveram forte

colonização européia, possuem uma grande quantidade de Bombeiros Voluntários.

Estes trabalham, assim como na Europa, no sentido de proteção de suas

comunidades.

Em geral, no Brasil não existe uma forte tradição comunitária. Segundo

Corullón (2002) isto pode ser explicado pelo fato de a colonização na América Latina

ter sido montada como empreendimento do estado, onde, concomitantemente com a

chegada dos colonos, foram instalados aparatos burocráticos das Coroa Portuguesa

e Espanhola, juntamente com as estruturas hierárquicas do catolicismo, fazendo

com que a sociedade identificasse o espaço da atuação pública como sendo

exclusivamente estatal ou religioso.

20

3 ESTUDO DE CASO

3.1 O VOLUNTÁRIO

Apresenta-se, a seguir, algumas definições do que seja o “voluntário”,

entendendo que essas definições contribuem um pouco mais para o entendimento

da ação.

De acordo com definição da Organização das Nações Unidas:

O voluntário é o jovem ou o adulto que, devido a seu interesse

pessoal e ao seu espírito cívico, dedica parte de seu tempo, sem

remuneração alguma, a diversas formas de atividades, organizadas

ou não, de bem estar social, ou outros campos.

Segundo a Associação Internacional de Esforços Voluntários -

International Association for Volunteer Efforts - IAVE:

Trata-se de um serviço comprometido com a sociedade e alicerçado

na liberdade de escolha. O voluntário promove um mundo melhor e

torna-se um valor para todas as sociedades.

A Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança, define o voluntário da

seguinte maneira:

O voluntário, como ator social e agente de transformação, presta

serviços não remunerados em benefício da comunidade; doando

seu tempo e seus conhecimentos, realiza um trabalho gerado pela

energia de seu impulso solidário, atendendo tanto as necessidades

do próximo ou aos imperativos de uma causa, como às suas

próprias motivações pessoais, sejam estas de caráter religioso,

cultural, filosófico, político ou emocional.

21

O Programa Voluntários, da OSCIP Parcerias para o Desenvolvimento

Solidário, ex-Comunidade Solidária, que desde 1997 se dedica a estimular o

desenvolvimento do voluntariado no Brasil, define:

O voluntário é o cidadão que, motivado pelos valores de

participação e solidariedade, doa seu tempo, trabalho e talento, de

maneira espontânea e não remunerada, para causas de interesse

social e comunitário.

Ao analisar os motivos que mobilizam em direção ao trabalho voluntário,

descobrem-se, entre outros, dois componentes fundamentais: o de cunho pessoal, a

doação de tempo e esforço como resposta a uma inquietação interior que é levada à

prática; e o social, a tomada de consciência dos problemas ao se enfrentar com a

realidade, o que leva à luta por um ideal ou ao comprometimento com uma causa.

Altruísmo e solidariedade são valores morais socialmente constituídos,

vistos como virtudes do indivíduo. Do ponto-de-vista religioso acredita-se que a

prática do bem salva a alma; numa perspectiva social e política, pressupõe-se que a

prática de tais valores zelará pela manutenção da ordem social e pelo progresso do

homem.

A caridade (forte herança cultural e religiosa), reforçada pelo ideal, as

crenças, os sistemas de valores, e o compromisso com determinadas causas, são

componentes vitais do engajamento.

Não se deve esquecer, contudo, o potencial transformador que essas

atitudes representam para o crescimento interior do próprio indivíduo.

22

3.2 VOLUNTARIADO NO BRASIL

O trabalho voluntário, as ações voluntárias e a concepção de voluntário

não são temas com forte tradição de estudos ou mesmo debates na sociedade

brasileira.

Recentemente, nas últimas décadas, em decorrência da luta por direitos

humanos, civis e sociais é que este trabalho começou a ser visto, em algumas

esferas da sociedade civil, como possibilidade de ação cívica, bem como de ação

voltada para o bem alheio (ou público).

Com o desenvolvimento da Defesa Civil no Brasil, surgiu também o

sentido da participação comunitária, o que culminou na definição dos NUDECs como

parte integrante do SINDEC.

A ação voluntária pode ser apenas uma ajuda informal (ao vizinho, ao

colega), seja em momentos de normalidade ou de desastres, e também um esforço

no sentido de consolidar o espírito comunitário, uma ajuda formal, através dos

serviços sociais organizados.

Segundo Marcondes (2003), até o ano de 1997, o entendimento era de

que voluntário era o indivíduo que procedia espontaneamente, prestando um

trabalho cooperativo para qualquer fim.

Com a promulgação da Lei Federal 9.608, de 18/02/1998, o termo

voluntário passou a ter uma nova conotação. Conforme prescreve a lei, em seu

artigo 2o, “o serviço ou trabalho voluntário será exercido mediante a celebração de

termo de adesão entre a entidade e o prestador do serviço voluntário”. Tal

preocupação do legislador visa assegurar à entidade a garantia da inexistência do

vínculo trabalhista com obrigações de natureza trabalhista, previdenciária ou afins.

O Termo de Adesão ao Trabalho Voluntário é o registro da intenção das

partes de comprometerem-se, sem expectativa de contrapartida por parte do

23

prestador e tem o poder de excluir a hipótese de relação empregatícia, como

destaca Eduardo Szazi: “...este será prova documental da não-existência de vínculo

laboral.” (Szazi: 2000:01).

A Defesa Civil passou a ter a responsabilidade e a necessidade de se

organizar em torno do serviço voluntário, pois o mesmo passou a obedecer às

regras que são estabelecidas em um termo de adesão, que é firmado entre o

prestador de serviço e a entidade para o qual o cidadão prestará tal serviço.

3.3 OS NUDECs E O VOLUNTARIADO

A tendência é de que ocorra uma descentralização do poder, na qual as

comunidades tenham devolvido a autoridade e a responsabilidade das ações locais

de redução de risco, onde melhor podem ser identificadas e atendidas as

necessidades, uma vez que os níveis da administração que estão mais distantes da

comunidade têm dificuldade para identificar as percepções e necessidades locais

(Brasil, 2005). Isso mostra a necessidade e a importância da participação das

pessoas na Defesa Civil.

A Defesa Civil deve estar sempre pronta para acolher a todos que dela,

voluntariamente, se propuserem a participar. Pelos interesses comuns deve ser

também um sistema envolvente porque integra todas as atividades, quer públicas ou

particulares, povo e governo.

Os conceitos tanto dos núcleos comunitários de Defesa Civil, quanto do

tema do voluntariado, sofreram evolução. Pode-se dizer que, de certa forma, esta

evolução foi paralela fazendo com que aparecessem algumas distorções relativas

aos dois temas. Enquanto o voluntariado foi tomando forma e ocupando espaço

importante na sociedade brasileira, o conceito de defesa civil na comunidade

evoluiu. Surgiu então uma contraposição: todo integrante dos NUDECs seria ou

deveria ser voluntário? Esta pergunta poderia ser facilmente respondida se o

conceito de voluntário não tivesse tomado as proporções que tomou hoje.

24

Em alguns municípios onde existe trabalho sendo desenvolvido com

NUDECs, é comum que coordenadores municipais de Defesa Civil digam que “tem

vários voluntários à minha disposição”, ou que conseguem mobilizar um grande

grupo de pessoas de uma comunidade e o apresenta como “voluntários do Núcleo

de Defesa Civil”.

Como mostrado anteriormente, vários organismos e entidades passaram a

definir conceitos para o voluntário e atribuir-lhe responsabilidades e obrigações. A

definição do Conselho da Comunidade Solidária, por exemplo, define que o

voluntário deve doar seu tempo, trabalho e talento. Já a legislação brasileira

determina que seja assinado um termo de adesão entre a entidade e o prestador do

serviço voluntário. Estas responsabilidades e obrigações, quando aplicadas a

qualquer cidadão que quer integrar ao NUDEC, fazem com que este se sinta

incumbido de atribuições e deveres, que muitas vezes não é capaz de cumprir, por

diferentes motivos, culminado em um afastamento dele, e conseqüentemente,

enfraquecendo um elo da Defesa Civil.

O NUDEC não pode deixar de acolher o cidadão que, de maneira

voluntária, se predispõe a ajudar a trabalhar em alguma das fases da Defesa Civil.

Quando é observado, por exemplo, uma pessoa que mora numa comunidade onde

está ocorrendo uma inundação, e que por fazer parte do NUDEC auxilia em alguma

atividade de resposta, logo é visto que a ação daquela pessoa foi uma ação

voluntária.

Daí surge a necessidade de uma definição de “o que” e “quem” é o

voluntário que dedica seu “tempo, trabalho e talento”, que integra um NUDEC. E

quem é o integrante deste núcleo, que através de ações voluntárias, auxilia no

trabalho de alguma maneira, seja auxiliando na prevenção de desastres, seja

atuando na resposta, ou auxiliando a recuperar áreas atingidas, dando auxílio

àqueles que mais necessitam.

Em linhas gerais o NUDEC pode ser visualizado como a comunidade

treinada para o trabalho nas quatro fases de Defesa Civil. Esta comunidade tem

25

peculiaridades que somente ela conhece, fazendo com que os mecanismos de

prevenção se originem dentro dela, e que sejam intrínsecos a ela. Basta para isso a

criação de uma percepção de risco e a difusão dos conhecimentos de Defesa Civil.

Ou seja, a comunidade define a ação, partindo de um sentido de proteção, onde o

indivíduo, ao identificar um risco inerente a ele e a sua família, desencadeia uma

série de ações que mobilizam todo o coletivo, culminando em uma mobilização do

SINDEC, no município, eficiente e eficaz.

26

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho foi concebido como instrumento de estudo e análise

de uma vertente relacionada à Defesa Civil ainda pouco estudada, e sobre a qual

ainda existe muito a ser trabalhado, que é a relação entre voluntários, comunidade e

a própria Defesa Civil. A importância da relação destes já, esta consolidada e não

pode mais ser questionada. No entanto, o presente trabalho não esgota o assunto,

pois ainda há muito a ser estudado sobre este tema vasto e complexo.

A questão central não é a importância do estudo deste assunto, e sim o

delineamento da participação de pessoas, que sem qualquer tipo de remuneração,

e, para uma causa de interesse comunitário participam das diversas ações dos

NUDECs. A colocação destes indivíduos como voluntários, pode gerar alguns

problemas para a administração da Defesa Civil nas comunidades.

A Defesa Civil fundamenta-se na ativa participação da comunidade, e por

isso necessita dispor de uma eficiente estrutura próxima à população, e de um

arcabouço teórico e técnico, que possibilite o desenvolvimento de ações voltadas à

proteção civil e à redução de desastres. E, estas ações devem ser particularizadas

para cada comunidade, pois cada grupo social, apesar de analogias encontradas

entre eles, tem um comportamento diferenciado. Daí, mais uma vez, deve ser

valorizada a participação também na gestão de riscos, e não somente na

administração de desastres.

Quando se trata de desastres, os temas Defesa Civil, comunidades e

voluntariado, caminham para um mesmo lado, o da organização das NUDECs. É

esta organização que vai definir a vulnerabilidade das comunidades frente a uma

hipótese de um evento adverso, e, vai determinar o tamanho da resposta, os danos

causados e os conseqüentes prejuízos.

Cabe destacar que um fator primordial que pode mobilizar grandes

coletivos de pessoas para uma integração à Defesa Civil, como mencionado neste

trabalho, surge da necessidade de auto proteção da comunidade, baseada em

27

valores de solidariedade humana e não de uma consciência coletiva de projeto

político-social.

A formação de uma consciência de participação e voluntariado deve

favorecer a construção de um cidadão bem informado e consciente da importância

da redução de riscos de desastres em sua comunidade, que participe considerando

o seu papel, ou seja, estimulando o crescimento da percepção de risco, de forma a

poder atuar pró ativamente, envidando esforços no sentido de auxiliar e dar

importância ao trabalho realizado nas atividades de prevenção e preparação para os

desastres.

Assim será possível diminuir os danos e conseqüências dos desastres,

colaborando com a formação de uma concepção moderna e eficiente da atuação da

Defesa Civil, de forma que a pessoa e a comunidade se tornem agentes de seu

próprio desenvolvimento.

Por esta perspectiva, pode-se concluir que os NUDECs e seus

integrantes, sejam eles voluntários na acepção da palavra, ou pessoas que se

voluntariam num gesto altruísta de solidariedade ao próximo, desempenham um

relevante papel frente ao movimento que visa fortalecer a cultura da participação

cidadã em nossa sociedade e a conseqüente consolidação da Defesa Civil.

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