171
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO REDE NORDESTE DE FORMAÇÃO EM SAÚDE DA FAMÍLIA MESTRADO PROFISSIONAL EM SAÚDE DA FAMÍLIA ADRIANA FERREIRA DE MENEZES CONDIÇÕES SOCIODEMOGRÁFICAS E DE SAÚDE BUCAL DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, E DO SEU ACESSO À ATENÇÃO ODONTOLÓGICA EM UMA UNIDADE DE ATENÇÃO PRIMÀRIA À SAÚDE (UAPS), FORTALEZA-CE FORTALEZA-CE 2016

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ PRÓ-REITORIA DE … · Jereissati, Fortaleza, Ceará, 2016..... 69 Figura 5 – Distribuição percentual de motivos de não procurar os serviços

  • Upload
    hathien

  • View
    214

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

0

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEAR

PR-REITORIA DE PESQUISA E PS-GRADUAO REDE NORDESTE DE FORMAO EM SADE DA FAMLIA

MESTRADO PROFISSIONAL EM SADE DA FAMLIA

ADRIANA FERREIRA DE MENEZES

CONDIES SOCIODEMOGRFICAS E DE SADE BUCAL DAS PESSOAS

COM DEFICINCIA, E DO SEU ACESSO ATENO ODONTOLGICA EM

UMA UNIDADE DE ATENO PRIMRIA SADE (UAPS), FORTALEZA-CE

FORTALEZA-CE

2016

1

ADRIANA FERREIRA DE MENEZES

CONDIES SOCIODEMOGRFICAS E DE SADE BUCAL DAS PESSOAS COM

DEFICINCIA, E DO SEU ACESSO ATENO ODONTOLGICA EM UMA

UNIDADE DE ATENO PRIMRIA SADE (UAPS), FORTALEZA-CE

Trabalho de Concluso de Mestrado apresentado banca de defesa do Mestrado Profissional em Sade da Famlia, da Rede Nordeste de Formao em Sade da Famlia, Universidade Federal do Cear. Orientadora: Prof. Dr. Andra Silvia Walter de Aguiar. rea de concentrao: Sade da Famlia

Linha de Pesquisa: Ateno e Gesto do

Cuidado em Sade

FORTALEZA-CE

2016

2

Dados Internacionais de Catalogao na Publicao Universidade Federal do Cear Biblioteca de Cincias da Sade

M51c Menezes, Adriana Ferreira de. Condies sociodemogrficas e de sade bucal das pessoas com deficincia, e do

seu acesso ateno odontolgica em uma unidade de Ateno Primria Sade (UAPS), Fortaleza-CE / Adriana Ferreira de Menezes. 2016.

169 f. : il. color. Dissertao (Mestrado) Universidade Federal do Cear, Faculdade de Farmcia,

Odontologia e Enfermagem, Rede Nordeste de Formao em Sade da Famlia, Mestrado Profissional em Sade da Famlia, Fortaleza, 2016.

rea de Concentrao: Sade da Famlia. Orientao: Profa. Dra. Andra Silvia Walter de Aguiar. 1. Pessoas com Deficincia. 2. Estratgia Sade da Famlia. 3. Sade Bucal. 4.

Acesso aos Servios de Sade. I. Ttulo.

CDD 362.10422

3

4

A Deus, pelo dom da vida, e por sempre

me conceder:

esperana nos momentos de angstia,

perseverana nas horas de desnimo,

calma nos momentos de aflio,

coragem para enfrentar os meus medos

fora para vencer os obstculos impostos

por minhas prprias escolhas.

A todas as pessoas com deficincia, que,

com a sua convivncia, permitiram me

transformar num ser humano melhor.

5

AGRADECIMENTOS

A Deus, por ter me dado mais essa oportunidade na vida profissional e a

graa de realiz-la.

Nossa Senhora, minha me maior e me de todos, pela sua proteo,

por me socorrer e consolar nos momentos mais difceis dessa jornada.

minha famlia, meu porto seguro, pelo amor, sabedoria, unio, apoio e

motivao doados em todos os momentos da minha vida, e que sempre me deram

fora para acreditar em minha prpria capacidade.

A meus filhos Arthur e Andr Filho, meus eternos amores, pela pacincia,

pela tolerncia e por ter compreendido o motivo das minhas ausncias durante essa

caminhada.

Aos colegas da turma de mestrado, pelos momentos de compreenso,

carinho, afeto, solidariedade, alegrias, confraternizao e, ao mesmo tempo, de

angstias, dificuldades, fragilidades que vivemos juntos nesse perodo, num esprito

de famlia, formando e fortalecendo laos de amizade para nossas vidas, com os

quais muito aprendi e dos quais sentirei muitas saudades.

Aos professores do mestrado Sade da Famlia da UFC, pelos

conhecimentos transmitidos e por nos permitir essa troca de experincia.

professora Andra Silva Walter de Aguiar, minha orientadora, pelas

contribuies.

Aos professores da banca de qualificao e defesa, por aceitarem

participar, contribuindo com reflexes, crticas e sugestes, essenciais para a

elaborao da dissertao.

Suerda, funcionria do mestrado, nosso maior suporte desse curso, pela

disponibilidade e gentiliza que sempre nos ajudou.

professora Lucianna Leite Pequeno, grande amiga, mestre e profissional,

pelo incentivo e colaborao na idealizao deste projeto.

s colegas do NUASB/SESA, grupo de trabalho e amizade, pela

coorperao e estmulo durante essa trajetria.

Rita Simone Mendes Dantas, gestora da UAPS Maria de Lourdes

Jereissati, pela liberao dos turnos de trabalho, durante esses dois anos de estudo,

sem o seu apoio e compreenso, no seria possvel a concretizao deste trabalho.

6

Aos colegas dentistas, as ASB e demais profissionais da UAPS Maria de

Lourdes Jereissati, equipe competente e solidria, pelo suporte que me deram para

efetivao deste trabalho.

ASB Andra da Silva Fernandes, maior parceira desta pesquisa, pelo

seu profissionalismo, dedicao e perseverana durante a rdua coleta dos dados,

sem a qual no teria conseguido.

Aos ACS da UAPS Maria de Lourdes Jereissati, profissionais

fundamentais na conduo deste projeto, pela participao voluntria, pelo empenho

e disposio nas atividades, sem os quais no seria possvel a sua realizao.

Ao professor Paulo Goberlnio de Barros Silva, pelo excelente

desempenho dos trabalhos estatsticos e principalmente pela ateno e carinho nos

momentos de dvidas.

professora Maria Vieira de Lima Saintrain, pela concesso e os

conhecimentos prestados sobre o Indicador Comunitrio em Sade Bucal (ICSB).

A todos os amigos, parentes, profissionais e pessoas, que contriburam

de alguma forma, diretamente ou indiretamente, para essa minha etapa profissional.

Um agradecimento especial s Pessoas com Deficincia e seus

familiares/responsveis que, voluntariamente, participaram desta pesquisa, pela

credibilidade e gentileza que nos receberam em seus lares, permitindo que os

resultados desta pesquisa, futuramente, possam ser transformados em aes de

incluso social e de melhoria de suas qualidades de vida. Minha eterna gratido.

7

Tudo tem o seu tempo determinado, e h tempo para todo o propsito debaixo do cu.

H tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de colher; tempo de matar, e tempo de curar; tempo de derrubar, e tempo de edificar; tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de danar; tempo de espalhar pedras, e tempo de juntar pedras; tempo de abraar, e tempo de afastar-se de abraar; tempo de buscar, e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de lanar fora; tempo de rasgar, e tempo de coser; tempo de calar, e tempo de falar; tempo de amar, e tempo de odiar; tempo de guerra, e tempo de paz. Eclesiastes 3:1-8

https://www.bibliaonline.com.br/acf/ec/3/1-8

8

RESUMO

O estado do Cear o terceiro estado com maior ndice de Pessoas com Deficincia

(PcD), superando os ndices nordestino e nacional. Historicamente, PcD tem

dificuldade de acesso aos servios odontolgicos, apesar de suas condies de

sade bucal (SB) serem desfavorveis em relao populao em geral. Este

estudo tem como objetivo analisar as condies sociodemogrficas e as condies

de SB das PcD, assim como o acesso ateno odontolgica dessas pessoas em

uma Unidade de Ateno Primria Sade (UAPS), Fortaleza-CE. Realizou-se uma

pesquisa transversal e quantitativa, com 230 PcD da rea de abrangncia da UAPS

Maria de Lourdes Jereissati, Fortaleza-CE. Utilizou-se para avaliao um formulrio

estruturado, com dados sociodemogrficos e de acesso, e para as condies de SB

um Indicador Comunitrio em SB (ICSB). A anlise estatstica mostrou maior

prevalncia de PcD intelectual (34,6%) e motora (32,7%), predominando a faixa

etria acima de 60 anos (37%), com equilbrio ente o sexo masculino (49,1%) e

feminino (50,9%), a maioria solteiras (52,2%) e sem profisso/ocupao (73%),

43,9% eram analfabetas e com renda familiar em torno de 1,5 a 2 salrios mnimos.

Sobressaiu as deficincias adquiridas (73,5%), e a presena de 75,2% do cuidador.

Quanto ao acesso ateno odontolgica na UAPS, verificou-se pouca procura pelo

atendimento (35,2%), sendo que, 72,2% nunca foram atendidos pelo dentista da sua

unidade, 52,6% receberam orientao de higiene oral, 89,6% nunca participaram de

atividades de promoo e 87,8% nunca receberam a visita de um profissional de SB.

Dentre as PcD, a maioria demonstrou desconhecimento sobre o agendamento

(85,2%) e a prioridade (69,1%) para o atendimento odontolgico para PcD. Sobre as

condies de SB, prevaleceram as doenas periodontais (86,9%), seguida da crie

dentria (43,7%). Identificou-se o edentulismo (28,6 %), e quanto ao uso e

necessidade de prtese, 29,6% faziam uso e 56, 3% necessitavam de algum tipo de

prtese. Diante dos resultados, conclui-se ser necessrio conhecer a realidade das

PcD, para organizao dos servios e planejamento de aes que venham ampliar e

priorizar o acesso; qualificar a ateno odontolgica dessas pessoas no mbito

local; e, consequentemente, melhorar as suas condies de SB.

Palavras-chave: Pessoas com Deficincia. Estratgia Sade da Famlia. Sade

Bucal. Acesso aos Servios de Sade.

9

ABSTRACT

The state of Cear is the third state with the highest rate of People with Disabilities

(PWDS), surpassing the Northeast and national rates. Historically, PWDS has limited

access to dental services, although their oral health (OH) conditions are unfavorable

when compared to the general population. This study aims to analyze the

sociodemographic conditions and the conditions of the OH of the PWDS, as well as

the access to dental care of these people in a Unit of Primary Health Care (UPHC),

Fortaleza-CE. A cross-sectional and quantitative research was made with 230 PWDS

of the coverage area of UPHC Maria de Lourdes Jereissati, Fortaleza-CE. A

structured form was used to evaluate, with sociodemographic and access data, and

for the OH conditions a Community Indicator in OH (CIOH). The statistical analysis

showed a higher prevalence of People with Intellectual Disabilities (34.6%) and

People with Motor Disabilities (32.7%), predominantly aged over 60 (37%), with

balance between males (49.1%) and females (50.9%), most of them single (52.2%)

and with no profession/occupation (73%), 43.9% were illiterate and with a family

income around 1.5 to 2 minimum wages. Stood out the acquired deficiencies

(73.5%), and the presence of 75.2% of the caregiver. Regarding the access to dental

care in the UPHC, it was verified a little demand for the service (35.2%), of which,

72.2% were never treated by his unit dentist, 52.6% received oral hygiene care,

89,6% never participated of promotion activities and 87.8% never received a visit

from an OH professional. Among the PWDS, most showed ignorance about the

schedule (85.2%) and priority (69.1%) of the dental care for PWDS. About OH

conditions prevailed the periodontal disease (86.9%), followed by the dental caries

(43.7%). It was identified edentulism (28.6%), and on the use and need of

prostheses, 29.6% used and 56, 3% required some type of prosthesis. Given the

results, it is clear the need to know the reality of the PWDS, for the organization of

services and the planning of actions that will expand and prioritize access, qualify the

dental care of these people at the local level, and therefore improve their conditions

of OH.

Keywords: People with Disabilities. Family Health Strategy. Oral Health. Access to

Health Services.

10

LISTA DE ILUSTRAES

Figura 1 Mapa da cidade de Fortaleza de acordo com a diviso das

Secretarias Regionais, Fortaleza, Cear, 2016...............................

51

Figura 2 Mapa da Secretaria Regional VI, de acordo com a distribuio

dos bairros, Fortaleza, Cear, 2016................................................

52

Figura 3 Fotografia da diviso do bairro Jardim das Oliveiras, Fortaleza,

Cear, 2016.....................................................................................

53

Figura 4 Distribuio percentual de motivos de busca de servios de

sade bucal das pessoas com deficincia da UAPS Lourdes

Jereissati, Fortaleza, Cear, 2016...................................................

69

Figura 5 Distribuio percentual de motivos de no procurar os servios

de sade bucal das pessoas com deficincia da UAPS Lourdes

Jereissati, Fortaleza, Cear, 2016...................................................

70

Figura 6 Distribuio da classificao por quantidade de dentes na

cavidade oral, por deficincia, das pessoas com deficincia da

UAPS Lourdes Jereissati, Fortaleza, Cear, 2016..........................

77

11

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Bloco I: Dados sociodemogrficos das PcD; Bloco II: Dados

relacionados ao acesso ateno odontolgica das PcD..............

56

Quadro 2 Variveis e definies do ICSB para avaliao das condies de

sade bucal das PcD......................................................................

56

12

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Distribuio das tipologias de deficincias, nas macroreas da

UAPS Maria de Lourdes Jereissati, Fortaleza, Cear,

2016...........

61

Tabela 2 Distribuio do perfil sociodemogrfico das pessoas com

deficincias da UAPS Maria de Lourdes Jereissati, Fortaleza,

Cear, 2016.....................................................................................

62

Tabela 3 Distribuio das caractersticas das pessoas com deficincia, da

UAPS Maria de Lourdes Jereissati, Fortaleza, Cear, 2016............

66

Tabela 4 Distribuio das caractersticas da deficincia e cuidador das PcD

da UAPS Maria de Lourdes Jereissati, Fortaleza, Cear,

2016..................................................................................................

68

Tabela 5 Associao ente as variveis Procura do Atendimento

Odontolgico na Unidade e Conhecimento sobre o

Agendamento de PcD para o Atendimento Odontolgico na

Unidade, por deficincia, das pessoas com deficincia da UAPS

Maria de Lourdes Jereissati, Fortaleza, Cear, 2016....

71

Tabela 6 Associao das variveis Procura do Atendimento Odontolgico

na Unidade e Conhecimento sobre a prioridade de PcD para o

atendimento, por deficincia, das pessoas com deficincia da

UAPS Maria de Lourdes Jereissati, Fortaleza, Cear, 2016...........

72

Tabela 7 Distribuio em relao ao ltimo atendimento odontolgico das

pessoas com deficincia da UAPS Maria de Lourdes Jereissati,

Fortaleza, Cear, 2016.....................................................................

74

Tabela 8 Distribuio das condies de sade bucal, de acordo com os

tipos de severidades bucais, das pessoas com deficincia da

UAPS Maria de Lourdes Jereissati, Fortaleza, Cear, 2016............

78

Tabela 9 Distribuio da necessidade e do uso de prtese dentria, por

deficincias, das pessoas com deficincia da UAPS Maria de

Lourdes Jereissati, Fortaleza, Cear, 2016......................................

79

Tabela 10 Associao entre as variveis Procura do Atendimento

Odontolgico na Unidade e Condies de Sade Bucal, por

13

deficincias, das pessoas com deficincia da UAPS Maria de

Lourdes Jereissati, Fortaleza, Cear, 2016........

80

Tabela 11 Associao entre as variveis Presena do Cuidador e

Condies de Sade Bucal, das pessoas com deficincia da

UAPS Maria de Lourdes Jereissati, Fortaleza, Cear, 2016............

82

14

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AB Ateno Bsica

ACS Agente Comunitrio de Sade

APS Ateno Primria Sade

ASB Auxiliar de Sade Bucal

CD Cirurgi-dentista

CE Cear

CEO Centro de Especialidades Odontolgicas

CEP Comit de tica em Pesquisa

CER Centro Especializado de Reabilitao

CFO Conselho Federal de Odontologia

CNS Conselho Nacional de Sade

CONEP Comisso Nacional de tica em Pesquisa

EPI Equipamento de Proteo Individual

EqSF Equipe de Sade da Famlia

ESB Equipe de Sade Bucal

ESF Estratgia Sade da Famlia

IBDD Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficincia

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

ICSB Indicador Comunitrio em Sade Bucal

INSS Instituto Nacional de Previdncia Social

IPECE Instituto de Pesquisa do Cear

LRPD Laboratrio Regional de Prtese Dentria

MG Minas Gerais

MS Ministrio da Sade

MT Mato Grosso

NASF Ncleo de Apoio Sade da Famlia

OMS Organizao Mundial de Sade

ONG Organizao No Governamental

ONU Organizao das Naes Unidas

PB Paraba

PcD Pessoa com Deficincia

PDAPU Plano Diretor de Ateno Primria da Unidade

15

PE Pernambuco

PNAB Poltica Nacional da Ateno Bsica

PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios

PNSB Poltica Nacional de Sade Bucal

PSF Programa Sade da Famlia

RAIS Relao Anual de Informaes Sociais

RAS Rede de Ateno Sade

RCPcD Rede de Cuidados Pessoa com Deficincia

RS Rio Grande do SUL

SB Sade Bucal

SIAB Sistema de Informao da Ateno Bsica

SMS Secretaria Municipal de Sade

SP So Paulo

SR Secretaria Regional

SUS Sistema nico de Sade

TA Termos de Assentimento

TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecimento

UAPS Unidade de Ateno Primria Sade

UBS Unidade Bsica de Sade

ULBRA Universidade Luterana Brasileira

UPA Unidade de Pronto Atendimento

16

SUMRIO

1 INTRODUO........................................................................................ 17

2 REVISO DE LITERATURA.................................................................. 23

2.1 O SUS e a ESF, na perspectiva do acesso sade........................... 23

2.2 Poltica Nacional de Sade Bucal (PNSB) - Brasil Sorridente.......... 25

2.3 Acesso/acessibilidade aos servios de sade.................................. 27

2.4 Acesso sade bucal.......................................................................... 31

2.5 Pessoas com Deficincia (PcD)........................................................... 35

2.6 Acesso ateno odontolgica das PcD e suas condies de

sade bucal...........................................................................................

39

2.7 Rede de Cuidados Pessoa com Deficincia.................................... 45

3 OBJETIVOS........................................................................................... 49

3.1 Geral....................................................................................................... 49

3.2 Especficos............................................................................................ 49

4 METODOLOGIA..................................................................................... 50

4.1 Tipo de estudo...................................................................................... 50

4.2 Localizao do estudo......................................................................... 50

4.3 Populao do estudo............................................................................ 54

4.4 Instrumentos de pesquisa e coleta de dados.................................... 55

4.5 Processamento e anlise de dados.................................................... 58

4.6 Consideraes ticas........................................................................... 58

5 RESULTADOS....................................................................................... 60

5.1 Identificao das PcD na rea de abrangncia da UAPS.................. 60

5.2 Perfil sociodemogrfico das PcD......................................................... 61

5.3 Acesso ateno odontolgica das PcD........................................... 69

5.4 Condies de sade bucal das PcD................................................... 76

6 DISCUSSO........................................................................................... 84

6.1 Identificao das PcD na rea de abrangncia da UAPS.................. 84

6.2 Perfil sociodemogrfico das PcD........................................................ 86

6.3 Acesso ateno Odontolgica das PcD.......................................... 99

6.4 Condies de sade bucal das PcD................................................... 115

6.4.1 Capacidade mastigatria..................................................................... 117

17

6.4.2 Severidades bucais.............................................................................. 120

6.4.3 Uso e necessidades de prtese.......................................................... 125

7 CONCLUSO......................................................................................... 134

REFERNCIAS...................................................................................... 137

APNDICE A INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS -

LEVANTAMENTO..................................................................................

155

APNDICE B INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS -

FORMULRIO.........................................................................................

156

APNDICE C TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E

ESCLARECIDO (TCLE).........................................................................

159

APNDICE D TERMO DE ASSENTIMENTO..................................... 162

ANEXO A DECLARAO DE ANUNCIA PARA REALIZAO

DE PESQUISA E APRECIAO DE PROJETO...................................

164

ANEXO B PARECER DO COMIT DE TICA EM PESQUISA......... 165

ANEXO C INDICADOR COMUNITRIO EM SADE BUCAL

(ICSB).....................................................................................................

169

17

1 INTRODUO

Em termos constitucionais, a criao do Sistema nico de Sade (SUS)

pode ser considerada como o maior movimento de incluso social j visto na Histria

do Brasil, devido o compromisso poltico do Estado brasileiro com os direitos dos

seus cidados sade (BRASIL, 2007).

Dentre os princpios do SUS, a universalidade do acesso merece um

destaque, pois traz consigo uma das questes bsicas, que a necessidade da

populao de ter acesso aos servios de sade, sem os quais os direitos no esto

garantidos (GIOVANELLA; FLEURY, 1996; LORA, 2004; OLIVEIRA, 2008).

Com a implantao do SUS, a sade no Brasil passou a ser direito de

todos e dever do Estado, e mudanas no modelo de assistncia sade ocorreram

com a finalidade de priorizar a Ateno Bsica (AB), destacando-se em 1994 o

Programa Sade da Famlia (PSF), que, posteriormente, passou a ser Estratgia

Sade da Famlia (ESF), como uma nova proposta do Ministrio da Sade (MS) de

reorganizar as aes da AB, reorientando a assistncia sade, enfatizando a

promoo e preveno, incorporando os princpios e diretrizes do SUS. A insero

da sade bucal (SB) na ESF, s ocorreu em 2000, diante da necessidade de ampliar

a ateno odontolgica para a populao brasileira, sendo uma proposta de

mudana no modelo excludente e tecnicista para um modelo de incluso social e de

promoo da sade, que valorize o trabalho em equipe, a epidemiologia e a

interdisciplinaridade, tendo o conceito de cuidado como eixo de reorientao do

modelo (ARAUJO; ROCHA, 2007; BRASIL, 2011a).

Em 2004, o MS lanou oficialmente a Poltica Nacional de Sade Bucal

(PNSB), denominada Brasil Sorridente, com o objetivo de reorganizar a prtica e

qualificar as aes e servios de sade bucal, oferecidos para os cidados de todas

as idades, com ampliao do acesso ao tratamento odontolgico gratuito aos

brasileiros por meio do SUS (BRASIL, 2004a).

Polticas Pblicas de Sade como o SUS, ESF e PNSB vm enfrentando,

ao longo dos anos, o desafio de tornar suas aes e servios de sade mais

acessveis populao, para que realmente seja conquistada a garantia da ateno

sade, assim como o direito de todos sade (CARVALHO et al., 2004; LORA,

2004).

18

Em relao ao acesso sade bucal, para ampliar a oferta e a qualidade

dos servios prestados no mbito da integralidade do cuidado e do trabalho em

equipe multidisciplinar, a PNSB prope que a insero da sade bucal nos

diferentes programas de sade se processe, observando-se as linhas de cuidado,

que preveem o reconhecimento de especificidades prprias da idade e consideram a

condio de vida, estabelecendo protocolos de atendimentos para determinados

grupos etrios e prioritrios, como Pessoas com Deficincia (BRASIL, 2004a;

SILVESTRE et al., 2013).

No caso especfico dessa pesquisa, enfatizou-se o grupo das Pessoas

com Deficincia (PcD), sendo o objeto deste estudo. Segundo conveno da

Organizao das Naes Unidas (ONU), PcD so aquelas que tm impedimentos de

longo prazo de natureza fsica, auditiva, visual, intelectual ou sensorial, os quais, em

interao com diversas barreiras, podem obstruir sua participao plena e efetiva na

sociedade, em igualdade de condies com as demais pessoas (BRASIL, 2009).

Em termos epidemiolgicos, a Organizao Mundial da Sade (OMS)

estima que cerca de um bilho de pessoas no mundo convivam com alguma forma

de deficincia, algo em torno de 15% da populao mundial. Dentre essas pessoas,

cerca de 200 milhes apresentam dificuldades funcionais considerveis e possuem

piores perspectivas de sade comparadas s pessoas sem deficincia (OMS, 2012).

Ainda de acordo com a OMS, em torno de 10% das pessoas de qualquer pas, em

tempo de paz, apresentam algum tipo de deficincia, das quais 5% apresentam

deficincia mental; 2% fsica; 1,5% auditiva; 0,5% visual e 1% mltipla (SILVA;

PANHOCA; BLANCHMAN, 2004).

No Brasil, os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

(IBGE), censo de 2010, apontam que 45,6 milhes de pessoas tm algum tipo de

deficincia, o que corresponde a 23,91% da populao brasileira. Destas, 12,7

milhes (6,7% da populao total) possuem, pelo menos, um tipo de deficincia

severa. A pesquisa mostra ainda que entre as pessoas com deficincia que vivem

no Brasil, a deficincia mais comum a visual (18,8%), seguida da motora (7,0%);

auditiva (5,1%) e intelectual (1,4%) (IBGE, 2011).

Esse mesmo censo de 2010 revelou que o Estado do Cear foi

considerado o terceiro estado com o maior ndice de PcD no Brasil (27,69%),

superando os ndices nordestino (26,63%) e nacional (23,91%), sendo que a

deficincia mais comum entre os cearenses a visual (22,15%) (IBGE, 2011). Em

19

Fortaleza, capital do estado, em 2000, data do ltimo levantamento por municpio, os

dados obtidos constam que 15% da populao apresenta algum tipo de deficincia

(IBGE, 2003).

A OMS afirma que a prevalncia das deficincias no mundo de uma

pessoa a cada dez e que mais de 2/3 no recebem nenhum tipo de assistncia

odontolgica (BRASIL, 1992; SAMPAIO; CESAR; MARTINS, 2004). No Brasil,

alguns estudos como o de Pereira et al. (2010), que avaliou as condies de sade

bucal dos pacientes com deficincia atendidos no Projeto de Extenso do Curso de

Odontologia em Canoas-RS, constatou que aproximadamente 80% dos pacientes

apresentavam experincia de crie.

As PcD podem apresentar condies de sade bucal associada sua

doena de base, ou o tipo de deficincia apresentada pode torn-las mais

vulnerveis s doenas da cavidade bucal, o que confirma a necessidade de

incluso desse grupo populacional na ateno odontolgica (BRASIL, 2002). Esses

pacientes necessitam de um atendimento diferenciado, prioritrio e integral. Devido

s limitaes da deficincia, muitos desses indivduos no conseguem realizar uma

higiene oral eficiente, e consequentemente apresentam maior frequncia de

problemas bucais relevantes como a crie e a doena periodontal. Normalmente

seus pais/responsveis possuem dificuldades de encontrar atendimento

odontolgico adequado para suas demandas, alm de enfrentarem outras

dificuldades como: as barreiras arquitetnicas, limitaes financeiras, medo,

ignorncia ou negligncia em relao sade bucal e, principalmente, carncia de

profissionais qualificados e interessados em tratar tais pacientes (CANCINO et al.,

2005)

O acesso das PcD no SUS deve acontecer como ocorre para todo e

qualquer paciente, ou seja, de preferncia por meio da AB. Para tanto, os servios

devem se organizar a fim de ofertarem atendimento prioritrio no mbito da ateno

primria, considerada um campo importante na tica da incluso e dos direitos de

cidadania da PcD (OTHERO; DALMASO, 2009).

Nesse sentindo, o MS estabelece no Caderno da Ateno Bsica n 17,

em seu tpico Ateno Sade Bucal de PcD, que as ESB na ESF devem ser

capazes de acolher, avaliar e prestar assistncia odontolgica a pacientes

deficientes, e estes s devem ser encaminhados ao atendimento de nvel secundrio

Centro de Especialidades Odontolgicas (CEO) e tercirio (ambiente hospitalar),

20

nos casos em que as Unidades Bsicas de Sade (UBS) extrapolem essa

capacidade (BRASIL, 2006a, 2010).

A UBS, como porta de entrada do sistema, deve ser responsvel pela

garantia do acesso universal aos servios de sade s PcD, constituindo-se como

local ideal de atendimento, devido a sua proximidade geogrfica e sociocultural com

a comunidade circundante. A grande maioria desses usurios possui necessidade

de atendimento solucionvel no mbito da ateno primria, nas UBS, desde que os

locais estejam adaptados e as equipes capacitadas para esse atendimento (BRASIL,

2006b; CUNHA; VIEIRA-DA-SILVA, 2010).

Entretanto, para que esse acesso realmente acontea, necessrio que

seja implementada a Poltica Nacional de Sade da PcD, e que assegure a sade

bucal numa perspectiva de ateno integral a essas pessoas. A Poltica Nacional de

Sade da PcD (2002), em conformidade com esse iderio democrtico, assegurou

os direitos dessas pessoas nos mais diferentes campos.

A partir de ento, outros instrumentos legais foram estabelecidos para a

integrao da PcD. Mais recentemente, o MS instituiu por meio do Decreto 7.612/11

o Plano Nacional dos Direitos da PcD Plano Viver sem Limite, e pela portaria n

793/12 a Rede de Cuidados PcD (BRASIL, 2012a) Considerando que a linha do

cuidado a imagem pensada para expressar os fluxos assistenciais seguros e

garantidos ao usurio, no sentido de atender s suas necessidades de sade,

incorpora a ideia da integralidade na assistncia sade, o que significa unificar

aes preventivas, curativas e de reabilitao; proporcionar o acesso a todos os

recursos tecnolgicos que o usurio necessita (FRANCO, C.; FRANCO,T., 2003).

No mbito da sade bucal, a Rede de cuidados PcD no SUS se prope

a garantir o atendimento odontolgico qualificado e integral a todas as PcD.

Contudo, dados e informaes acerca da acessibilidade dessas pessoas aos

servios odontolgicos so muito limitados, mesmo diante de polticas pblicas que

garantem a ateno integral e asseguram o acesso a bens e servios de sade

(BRASIL, 2012a; FRANA; PAGLIUCA; BAPTISTA, 2008).

Nesse contexto, atuando como cirurgi-dentista (CD) na ESF do

municpio de Fortaleza-CE, desde 2006, na Unidade de Ateno Primria Sade

(UAPS) Maria de Lourdes Jereissati, percebe-se na prtica cotidiana que as ESB

no realizavam uma busca criteriosa dos usurios com deficincia, para cadastr-los

e definir as aes que garantam seu atendimento odontolgico, conforme

21

recomenda o MS no caderno n 17 da AB (BRASIL, 2006a). Observa-se que

geralmente esses usurios tinham acesso ao atendimento odontolgico por uma

queixa de dor, como demanda de emergncia/urgncia. Ento sensibilizada com

essa situao do acesso e com as condies de sade bucal dessas pessoas, como

defensora do SUS e solidria s polticas de integrao da PcD, surgiu a

necessidade e o interesse de realizar esse projeto de pesquisa com as PcD do meu

territrio.

A ideia desse estudo tambm foi instigada e subsidiada pelos resultados

de outras pesquisas envolvendo PcD, e principalmente a realizada por uma cirurgi-

dentista (CD) da ESF do municpio de Fortaleza, em 2012, sobre Acessibilidade das

PcD aos Servios Pblicos Odontolgicos em Fortaleza-CE. Participaram dessa

pesquisa uma amostra de 293 pessoas, das quais 89 eram CD atuantes na ESF e

204 PcD, seja ela motora, auditiva ou visual, entre 3 a 97 anos, residentes no

municpio de Fortaleza. A pesquisa demonstrou os seguintes resultados: 43,1% dos

usurios com deficincia no reconhecem seu atendimento como prioritrio na

UAPS; 52,5% no costumam procurar o servio odontolgico e dos que buscam o

servio, 76,3% encontram dificuldade para receber atendimento odontolgico e

84,5% o fazem em carter de urgncia. Quanto organizao dos servios

odontolgicos, a referida pesquisa verificou que 45% dos usurios desconhecem os

servios ofertados na unidade. Esse estudo concluiu que a pequena procura e a

baixa utilizao dos servios odontolgicos por PcD, na UAPS, pode ser

consequncia da dificuldade enfrentada por essas pessoas em superar barreiras

culturais na busca e obteno de ateno sade bucal, assim como da

necessidade imperativa de reorientao dos servios odontolgicos (ROCHA, 2012).

Nesse sentindo, como profissional da ESF do municpio de Fortaleza, os

dados da pesquisa acima despertaram preocupao e ainda mais a curiosidade de

estudar no s o acesso ateno odontolgica das PcD, mas tambm conhecer

perfil sociodemogrfico e as condies de sade bucal dessas pessoas no territrio

da minha unidade. Surgindo os seguintes questionamentos: Quantas PcD tm no

territrio? Ser que todas as PcD esto tendo acesso ateno odontolgica?

Como esto as condies de sade bucal dessas pessoas? Tais questionamentos

serviram para nortear o objetivo dessa pesquisa que consiste em estudar o perfil

sociodemogrfico e as condies de sade bucal das PcD, e do seu acesso

ateno odontolgica na UAPS.

22

Diante do exposto, os dados acima citados em relao PcD,

principalmente referente aos altos ndices do estado do Cear (27,69%) e os

resultados da pesquisa feita em Fortaleza sobre acessibilidade dessas pessoas, por

si s, j justifica a relevncia da proposta deste estudo, que culmina com a proposta

da Poltica Nacional de Sade da PcD, ao determinar o aprimoramento nos

processos de acolhimento, incluso social, ateno e referncia, voltados s

especificidades das PcD para que elas possam ter melhor acesso aos servios de

sade, contribuindo assim, para fortalecer a implantao da Rede de Cuidados PcD

no mbito do SUS. Essa rede est sendo discutida e estruturada em todos os nveis

de ateno, e um dos seus componentes organizativos a AB, tendo como pontos

de ateno UAPS, Ncleo de Apoio Sade da Famlia (NASF) e Ateno

Odontolgica.

Acredita-se que os resultados desta pesquisa venham a contribuir para

que as Equipes de Sade dessa UAPS tenham conhecimento da realidade das PcD

do seu territrio, apropriando-se desses resultados para o planejamento das aes e

organizao dos servios, que venham ampliar e priorizar o acesso, melhorar e

qualificar a ateno odontolgica a essas pessoas, no mbito local, de uma maneira

humanizada, com intuito de promover efetivamente a incluso e igualdade social,

resgatar a cidadania e possibilitar o cuidado integral, em conformidade com os

princpios e diretrizes do SUS. Alm de servir de motivao e incentivo para que os

profissionais da ESF dessa e de outras unidades de sade do municpio de

Fortaleza-CE possam realizar projetos como esse no seu territrio, em relao as

PcD.

23

2 REVISO DE LITERATURA

Iniciou-se a reviso de literatura relatando um pouco sobre o Sistema

nico de Sade (SUS), a Estratgia Sade da Famlia (ESF) e Poltica Nacional de

Sade Bucal (PNSB), resgatando nessas polticas pblicas de sade questes

relacionadas cidadania, direitos constitucionais, lutas sociais, acesso e incluso

social, que so questes que esto diretamente relacionadas com PcD, nosso objeto

de estudo.

2.1 O SUS e a ESF, na perspectiva do acesso sade

A garantia da ateno sade, assim como o direito de todos sade,

somente adquirida se a populao tiver condies de acesso s aes e aos

servios de sade. No Brasil, esses direitos foram conquistados, ao longo da histria

de lutas sociais e polticas iniciadas por vrias instituies legais e movimentos

sociais, que culminaram com a criao do SUS (LORA, 2004).

O SUS uma poltica social e universalista, criado em 1990, resultante da

Reforma Sanitria, baseada juridicamente nas definies legais estabelecidas no

Artigo 196 da Constituio Federal de 1988, sendo regulamentada pelas Leis

Orgnicas n 8.080/90 e n 8.142/90, e considerou a sade como direito de todos e

dever do Estado (BRASIL, 2007).

A criao do SUS constituiu um grande avano social e poltico, podendo

ser considerado como o maior movimento de incluso social na Histria do Brasil e,

em termos constitucionais, representou o compromisso poltico do Estado brasileiro

para com os direitos dos seus cidados (BRASIL, 2007). Garantiu medidas sociais e

econmicas que visam reduo do risco de doena e de outros agravos,

possibilitando o acesso universal e igualitrio s aes e servios para promoo,

proteo e recuperao (BRASIL, 1988). Formulado em diretrizes organizativas e

princpios doutrinrios, os quais se complementam e se articulam no amoldamento

da lgica e do iderio de organizao do sistema (VASCONCELOS; PASCHE,2009).

24

Os princpios doutrinrios que atribuem extensa legitimidade ao SUS

consistem em: Universalidade, Integralidade e Equidade. Porm, o direito

informao se constitui um requisito bsico para firmao da cidadania.

As diretrizes organizativas mais significativas do SUS correspondem :

Descentralizao, Regionalizao e Hierarquizao dos servios, e a Participao

Comunitria (VASCONCELOS; PASCHE, 2009).

A Universalidade do Acesso merece aqui uma ressalva, pois entre os

princpios do SUS, ela traz consigo uma das questes bsicas, que a necessidade

da populao de ter acesso aos servios de sade, sem os quais os direitos no

esto garantidos. A universalidade da ateno implica na formulao de um modelo

social tico e equnime norteado pela incluso social e pela solidariedade humana

(GIOVANELLA; FLEURY, 1996; LORA, 2004; OLIVEIRA, 2008).

Nesse sentido, desde a criao do SUS at os dias atuais, vivencia-se um

impasse na concretizao do acesso universal aos servios de sade, marcado por

uma luta constante de fortalecimento da sade como bem pblico e pela construo

de uma utopia social e igualitria, tendo a sade como direito individual e coletivo,

necessitando de um redirecionamento de uma nova prtica construda a partir de

uma gesto democrtica e participativa, para que de fato o SUS seja efetivamente

consolidado (ASSIS; VILLA; NASCIMENTO, 2003).

Assim, aps a criao do SUS, o Estado comeou a adotar polticas de

ampliao do acesso ateno bsica, promovendo a um maior nmero de pessoas

uma diversidade de aes e servios de sade. Segundo Oikawa (2001), esta

universalizao do acesso ateno vem sendo implementada ao longo das duas

ltimas dcadas por uma srie de mecanismos legais, institucionais e

organizacionais, objetivando unificar e descentralizar a ateno sade.

Nesse contexto, dentre o universo das experincias que foram surgindo,

destacou-se, em 1994, o Programa Sade da Famlia (PSF) renomeado como

Estratgia Sade da Famlia (ESF), como uma nova proposta do Ministrio da

Sade (MS) de atuar nesse setor, mudando toda a antiga concepo de atuao dos

profissionais de sade, saindo da medicina curativa e passando a atuar na

integralidade da assistncia (ARAJO; ROCHA, 2007; BRASIL, 2011a).

A ESF visa a atender o indivduo e a famlia de forma integral e contnua,

no seu ambiente fsico e sociocultural, desenvolvendo aes de promoo, proteo

e recuperao da sade. Tem como objetivo reorganizar, ampliar e qualificar a

25

assistncia, a partir da ateno primria, em conformidade com os princpios do

SUS, imprimindo uma nova dinmica de atuao das equipes de sade, com

definio de responsabilidades entre os servios de sade e a populao, o estmulo

organizao da comunidade para o efetivo exerccio do controle social e o

estabelecimento de parcerias, buscando desenvolver aes intersetoriais,

configurando-se, portanto, como a porta de entrada do modelo de ateno

(ANDRADE et al., 2007; BRASIL,1997, 2004b, 2011a)

A ESF, formada por equipes multiprofissionais, atua a partir de um

conjunto de aes conjugadas em sintonia com os princpios de territorializao,

intersetorialidade, descentralizao, corresponsabilizao e priorizao de grupos

populacionais com maior risco de adoecer ou morrer, orientada pelos atributos

essenciais da Ateno Primria em Sade (APS): acesso, vnculo, elenco de

servios, coordenao ou integrao dos servios. A indissociabilidade entre gesto

e a ateno so fundamentais no desenvolvimento dessas aes (ANDRADE et al.,

2007; BRASIL,1997, 2004b, 2011a).

No Brasil, a ESF destacou-se como uma estratgia de real implantao

do SUS e de seus princpios doutrinrios e organizacionais. Atualmente, a portaria

2488/11 do MS, aprovou a Poltica Nacional de Ateno Bsica (PNAB)

considerando a ESF como estratgia prioritria para reorganizao da APS.

inegvel a significativa expanso da ESF em mbito nacional como reorganizadora

da APS, ampliando o acesso, a resolutividade e o impacto na situao de sade das

pessoas e comunidade (BRASIL, 2011a).

2.2 Poltica Nacional de Sade Bucal (PNSB) - Brasil Sorridente

Mesmo sendo a integralidade um dos princpios doutrinrios da ESF, a

incluso da sade bucal s aconteceu aps 06 anos de sua implantao, em 2000,

devido divulgao dos dados da Pesquisa Nacional de Amostras de Domiclio

(PNAD), que mostraram que 30 milhes de brasileiros estavam totalmente excludos

de ateno odontolgica. Com isso, o MS, diante da necessidade de ampliar a

ateno em sade bucal para a populao brasileira, melhorar os ndices

epidemiolgicos e incluir aes de sade bucal na ESF, estabeleceu incentivo

financeiro para formao das ESB, o que representou um importante aporte no

financiamento pblico da odontologia, resultando um grande impulso na sua

26

expanso e no aumento da rede de servios em todo o pas (CARVALHO et al.,

2004; SILVESTRE et al., 2013).

Em 2004, o MS lanou oficialmente a Poltica Nacional de Sade Bucal

(PNSB), denominado Brasil Sorridente, no qual foram apresentadas as diretrizes do

MS para organizao da ateno sade bucal, no mbito do SUS, com o intuito de

ampliar o atendimento e melhorar as condies de sade bucal da populao

brasileira, reunindo uma srie de aes voltada para os cidados de todas as idades

(BRASIL, 2004a; SILVESTRE et al., 2013).

A PNSB Brasil Sorridente se constitui num marco na histria das

Polticas Pblicas no Brasil na medida em que incorpora uma poltica centrada na

vigilncia em sade, foco na famlia, guiada por linhas do cuidado. Suas principais

linhas de ao so a reorganizao da ateno bsica em sade bucal,

principalmente com a implantao das ESB na ESF; a ampliao e qualificao da

ateno especializada, especialmente com a implantao de Centros de

Especialidades Odontolgicas (CEO) e Laboratrios Regionais de Prteses

Dentrias (LRPD), como elementos estruturantes da ateno secundria. Na

Ateno Especializada encontra-se tambm a Assistncia Hospitalar (BRASIL,

2004a).

Para a Odontologia, a implantao da PNSB representa, ao mesmo tempo,

um avano significativo e um grande desafio. Vislumbra-se uma possibilidade de

aumento de cobertura, a oferta de mais servios, assegurando atendimentos nos

nveis secundrios e tercirios de modo a buscar a integralidade da ateno, de

efetividade na resposta s demandas da populao e de alcance de medidas de

carter coletivo. As maiores possibilidades de ganhos situam-se nos campos do

trabalho em equipe, das relaes com os usurios e da gesto, implicando uma

nova forma de se produzir o cuidado em sade bucal. (BRASIL, 2004a; PUCCA,

2004, 2006).

Nesse sentindo, no mbito da integralidade do cuidado e na busca de um

trabalho em equipe multi e interdisciplinar, foram elaborados protocolos de

atendimento para determinados grupos etrios, prioritrios e especiais, como o de

PcD. Dessa maneira, cabe ESB atender as PcD de acordo com sua competncia

de ao e escopo, acolhendo, prestando assistncia s queixas, orientando para

realizao de exames complementares e encaminhando para unidades de ateno

http://dab.saude.gov.br/portaldab/ape_brasil_sorridente.php?conteudo=assistencia_hospitalar

27

especializada somente quando necessrio, de acordo como previsto nas diretrizes

(BRASIL, 2004a; PUCCA, 2004, 2006).

2.3 Acesso/acessibilidade aos servios de sade

O SUS, assim como os outros sistemas de sade de vrios pases

europeus, orienta-se pelo princpio de acesso universal e igualitrio. O princpio

constitucional de justia social nos servios de sade pode ser traduzido em

igualdade no acesso entre indivduos socialmente distintos (VAN DOORSLAER;

WAGSTAFF; RUTTEN, 1993; OLIVEIRA, 2008).

O acesso aos servios de sade constitui um dos pontos mais pertinentes

dentre as variveis que atuam na dificuldade da efetiva consolidao do SUS,

necessitando de uma anlise das questes referentes aos problemas encontrados

pelo usurio que busca esse servio. A maneira primordial para anlise dessas inter-

relaes o acesso (GIOVANELLA; FLEURY, 1996).

Para Pereira (2002) o acesso sade envolve mltiplos aspectos de

ordem socioeconmica e cultural que extrapolam a assistncia sade. Portanto o

acesso deve ser garantido a todos os nveis de complexidade, sejam de ordem

mdica, odontolgica, sanitria, epidemiolgica e ambiental.

Dessa forma, de acordo com a legislao vigente em sade pblica no

Brasil, a Constituio Federal, Captulo II - Dos Princpios e Diretrizes, Artigo 7,

relata que as aes e servios pblicos de sade e os servios privados contratados

ou conveniados que integram o SUS, desenvolvidos de acordo com as diretrizes

previstas no art. 198, devem obedecer, alm de outros princpios, a universalidade

de acesso aos servios de sade em todos os nveis de assistncia e a integralidade

de assistncia, entendida como conjunto articulado e contnuo das aes e servios

preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os

nveis de complexidade do sistema. Assim, as polticas pblicas de sade devem ser

formuladas dando nfase questo do acesso (BRASIL, 1988).

A definio de acesso tem significado amplo, complexo, ainda de uso

impreciso, variando entre autores, sendo ainda hoje alvo de debate e discusso

(TRAVASSOS; MARTINS, 2004). Acesso refere-se possibilidade de utilizar

servios de sade quando necessrio, implica garantia de ingresso do indivduo no

sistema, ou o uso de bens e servios considerados socialmente importantes, sem

28

obstculos fsicos, financeiros ou de outra natureza, de forma que os indivduos

possam usufruir desses servios de maneira contnua e organizada (FRENK, 1985;

ANDRADE et al., 2004). Para Donabedian (1973) ultrapassa a entrada nos servios,

representa a adequao entre as caractersticas do servio oferecido e as

expectativas e necessidades trazidas pelo paciente.

De uma forma geral, o conceito de acesso aos servios de sade est

relacionado percepo das necessidades de sade, converso destas

necessidades em demanda e converso das demandas em uso dos servios de

sade (PEREIRA, 2002).

Alguns autores, como Donabedian (1973), empregam o substantivo

acessibilidade carter ou qualidade do que acessvel , enquanto outros

preferem o substantivo acesso ato de ingressar, entrada , ou ambos os termos

para indicar o grau de facilidade com que as pessoas obtm cuidados de sade.

A terminologia acessibilidade tambm varivel. Para Donabedian (1973)

acessibilidade um dos aspectos da oferta de servios relativos capacidade de

produzir servios e de responder s necessidades de sade de uma determinada

populao.

Starfiel (2002) refere-se acessibilidade como a caracterstica da oferta e

o acesso a forma como as pessoas percebem a acessibilidade, ou seja, a

disponibilidade, as dificuldades/facilidades para conseguirem os servios de sade

de que necessitam e, portanto, o acesso aos mesmos. nessa perspectiva que se

pode afirmar que a forma como as pessoas percebem a disponibilidade de servios

afeta a deciso de procur-los.

Para o MS acessibilidade significa o grau de ajuste entre as

caractersticas dos servios e as caractersticas da populao na busca e obteno

da ateno. Conceito importante porque possibilita verificar se os servios

favorecem de fato o acesso do usurio, sendo desta forma influenciada por diversas

barreiras: geogrficas que representam a localizao do estabelecimento, a

distncia a ser percorrida, os obstculos a serem transpostos, entre outros;

funcionais horrios e dias de atendimento e de agendamento de consultas,

capacidade de atendimento de demanda, programas e aes de sade oferecidas,

entre outros; culturais desrespeito e desconhecimento dos hbitos e costumes da

populao, destacando-se as questes de gnero, etnia, raa, orientao sexual e

populaes especficas; e econmicas medicamentos, exames e consultas

29

especializadas no fornecidas, transporte, dentre outros. Sendo de extrema

importncia a avaliao de todas essas dimenses da acessibilidade (BRASIL,

2006b)

O estudo das questes referentes acessibilidade aos servios de sade

de vital importncia para a garantia da universalidade da ateno. Para Oliveira, et

al. (2012) a acessibilidade a servios de sade refere-se s caractersticas destes

que permitem que sejam facilmente utilizados pelos usurios, porm a persistncia

de barreiras no processo de busca e utilizao dos servios gera oportunidades

diferenciadas entre os grupos sociais na obteno do cuidado em sade, que muitas

vezes caracterizam situaes de injustia social, proporcionando que indivduos com

condies socioeconmicas mais favorveis faam maior e melhor uso dos servios

de sade. Uma maneira de se estudar as condies de acessibilidade aos servios

utilizando-se da metodologia da Territorializao em Sade, adotada pela ESF.

Outro conceito importante para a melhoria das condies de acessibilidade aos

servios o Acolhimento, que hoje tratado como diretriz operacional.

A melhoria das condies de acesso aos servios deve ser permeada

pelo aumento do coeficiente de vnculo entre o profissional e a comunidade

assistida. Coeficiente este que se eleva medida que ambos passam a conviver,

cotidianamente, na unidade de sade e no territrio de abrangncia. A ESF trabalha

com ferramentas que aproximam esses dois lados, atuando no territrio por meio da

adscrio de clientela, do diagnstico situacional e do planejamento de aes

dirigidas aos problemas de sade, de forma pactuada com a comunidade

fortalecendo o vnculo e, portanto, facilitando e garantindo o acesso (DI GIOVANI,

2001). De acordo com Rohr e Barcellos (2008) a equidade e o acesso aos servios

de sade esto diretamente relacionados aos obstculos da assistncia sade,

como a insuficincia de recursos e/ou a ineficincia de seu uso.

Alguns autores, como Travassos e Martins (2004), argumentaram que o

conceito de acessibilidade mais comum que o de acesso e que prevalece a ideia

de que o acesso uma dimenso do desempenho dos sistemas de ateno sade

associada oferta. Segundo essas autoras, a utilizao dos servios de sade

representa o centro do funcionamento dos sistemas de sade. Os fatores

determinantes do uso dos servios de sade variam em funo do tipo de servio

(ambulatrio, hospital, assistncia domiciliar) e da proposta assistencial (cuidados

30

preventivos ou curativos ou de reabilitao). O que vai determinar esta utilizao so

fatores relacionados:

a) necessidade de sade morbidade, gravidade e urgncia da doena;

b) aos usurios caractersticas demogrficas (idade e sexo), geogrficas

(regio), socioeconmicas (renda, educao), culturais (religio) e

psquicas;

c) aos prestadores de servios caractersticas demogrficas (idade e

sexo), tempo de graduao, especialidade, caractersticas psquicas,

experincia profissional, tipo de prtica, forma de pagamento;

d) organizao recursos disponveis, caractersticas da oferta

(disponibilidade de mdicos, hospitais, ambulatrios), modo de

remunerao, acesso geogrfico e social;

e) poltica tipo de sistema de sade, financiamento, tipo de seguro de

sade, quantidade, tipo de distribuio dos recursos, legislao e

regulamentao profissional e do sistema.

Vale ressaltar que a acessibilidade, ou o acesso, a aes e servios de

sade tem sido considerada como um dos componentes principais da qualidade da

ateno sade (DONABEDIEN, 2003). No entanto, no basta dispor dos servios

em posies estratgicas e considerar que o acesso esteja assegurado.

conveniente avaliar, constantemente, se os servios esto realmente atingindo os

seguimentos que mais necessitam de ateno, por exemplo PcD.

Em geral, a preocupao das autoridades sanitrias direcionada para a

falta ou a dificuldade de acesso de subgrupos menos privilegiados da populao. A

vigilncia dos grupos em maior risco, com particular ateno em suas necessidades

em sade, postulada como forma de verificar acesso aos servios e assegurar a

equidade (TAYLOR, 1992). A equidade entendida como igualdade no acesso

sade e deve ser provida como um direito de todo cidado. Um princpio de justia

social. importante destacar que o acesso/acessibilidade dos servios de sade

um fator de fundamental importncia para que essa equidade seja concretizada

(TRAVASSOS, 1997).

31

2.4 Acesso sade bucal

A problemtica do acesso ateno sade bucal no uma questo

recente. Durante anos, a sade bucal esteve margem das polticas pblicas de

sade, mas, mesmo assim, o acesso dos brasileiros aos servios odontolgicos

sempre foi difcil e limitado (BRASIL, 2004a; VIANA et al., 2011).

Um dos eixos do Programa Brasil Sorridente a busca do acesso

universal assistncia odontolgica, adotando aes integrais, voltadas para todas

as faixas etrias, e aos grupos prioritrios e especiais, inclusive PcD. Porm,

existem poucas informaes acerca do uso de servios odontolgicos por parte da

populao brasileira. Por meio da PNAD, pode-se conseguir um retrato da situao

dos servios odontolgicos no Brasil, e ter condies de averiguar se est havendo

algum progresso no que se refere a polticas pblicas voltadas para a sade bucal.

Geralmente, nos resultados dessas pesquisas, relatado baixo acesso aos servios

odontolgicos, havendo diferenas significativas entre os estados, sendo menor nas

regies mais pobres, principalmente nos estados da regio norte. Sendo assim, os

pobres, homens e idosos so os que apresentaram valores de acessibilidade mais

baixos (PINHEIRO et al., 2006).

A PNAD (1998) apresentava um mdulo especfico de demanda sobre

necessidade, acesso e utilizao dos servios de sade. A partir desses dados,

constatou-se que dentre todos os servios odontolgicos realizados pelo servio

pblico, o SUS financiou apenas 24,2% desses atendimentos, enquanto para

atendimentos de sade no-odontolgicos o SUS financiou 52,4% (ANTUNES;

NARVAI, 2010)

Conforme dados da PNAD (1998), quase um quinto (19%) da populao

brasileira nunca consultou um dentista. Em 2003, os resultados da PNAD

demonstraram que caiu para 15,7% o percentual dos entrevistados que nunca

haviam ido ao dentista. Aps 10 anos, ao comparar o dado da PNAD-1998 com a

PNAD-2008, observou-se que houve uma queda de 19% para 7,8% em relao ao

nmero de brasileiros que nunca foram ao dentista. Embora essa reduo tenha

sido em torno de 11,5%, esse dado foi considerado alarmante, pois correspondia a

21.805.474 brasileiros (IBGE, 2010), comprovando que a falta de acesso s aes e

servios ainda um grande problema na sade bucal.

32

No estado do Cear, o SB Cear 2004, apresentou alguns resultados

relevantes em relao ao acesso aos servios odontolgicos no Estado. Nesse

estudo, verificou-se que nos grupos etrios: 15 a 19 anos; 35 a 44 anos e 65 a 74

anos, 89% j tinha feito uma consulta odontolgica pelo menos uma vez na vida,

sendo que 37% h menos de 01 ano, 17% entre 01 e 02 anos e 35% h mais de trs

anos, consequentemente 11% nunca tinha ido ao dentista na vida. Dentre os

entrevistados, 66% foram atendidos no servio pblico, 13% no privado liberal e 5%

no privado suplementar. No que se refere aos motivos da ida ao dentista, foi relatado

que 17% foram consultas de rotina, 41% por causa da dor e 23% cavidades nos

dentes (CEAR, 2004).

Viana et al., (2011) destacaram que a cobertura populacional pelas

ESF/ESB um dos elementos constitutivos do acesso, mas no o suficiente para

indicar que o acesso tenha sido ampliado e que os servios de sade estejam sendo

utilizados adequadamente. Desde a implantao das ESB houve uma grande

expanso das mesmas no Brasil, mas pouco tem sido feito para monitorar os

impactos, inclusive para propor novas estratgias para melhoria do acesso da

populao aos servios odontolgicos.

De modo geral, as dificuldades de acesso, tambm chamadas de

barreiras de acesso aos cuidados bucais, e as taxas de utilizao desses servios

podem se apresentar diferenciadas por vrias razes, como acessibilidade

geogrfica, econmica, cultural e funcional. O conhecimento sobre essas barreiras

de acesso pode gerar informaes importantes para a implantao da poltica de

sade bucal (ROHR; BARCELOS, 2008). Existem barreiras concernentes ao

indivduo que so: baixa percepo de necessidade, ansiedade e medo, custos e

dificuldade de acesso. Entre os fatores limitantes prtica da odontologia, aparecem

a inadequao dos recursos humanos, a formao inadequada dos profissionais, a

m distribuio geogrfica da mo de obra e a ocorrncia de estresse ocupacional.

As barreiras concernentes sociedade se referem ao nmero insuficiente de aes

de promoo de sade, a instalaes imprprias dos servios e ao reduzido apoio

financeiro pesquisa (ALBUQUERQUE et al., 2004).

A importncia da identificao das barreiras de acesso ao atendimento

odontolgico, responde necessidade de atingir clientelas especficas e sondar

grupos ainda no alcanados pelos servios de sade, como os PcD. Tais grupos,

em geral, no buscam esses servios por iniciativa prpria porque, embora

33

percebam as necessidades de tratamento, no se sentem seguros quanto sua

indicao formal (FINCH et al., 1988). Ao investigar barreiras ao atendimento

odontolgico, deve-se enfatizar questes fundamentais que dizem respeito

equidade, integralidade, humanizao, acesso e qualidade da ateno odontolgica

(ALBUQUERQUE et al., 2004).

Talvez seja a sade bucal, dentro das condies de vida da populao

brasileira, uma das reas que mais traduz as desigualdades em relao ao acesso

aos servios de sade. Dentre os fatores que levam a uma oferta desigual dos

servios odontolgicos, destacam-se: o modelo assistencial privatista predominante

no Brasil, desigualdade socioeconmica, m distribuio dos profissionais de sade,

baixa capacidade instalada e financiamento irregular do setor, comprometendo,

assim, o acesso aos servios, especialmente da populao menos favorecida

socioeconomicamente. A condio socioeconmica apresentou-se como um fator

significante para a utilizao dos servios de sade bucal: indivduos inseridos nas

classes econmicas mais favorecidas procuram mais por servios. Apesar dos

esforos feitos nos ltimos anos, ainda alta a disparidade nas desigualdades das

condies socioeconmicas da populao no acesso aos servios de sade bucal

(VIANA et al., 2011; JACCOTTET et al., 2012).

De acordo com os dados do projeto SB Brasil 2010 (BRASIL, 2011b), o

Brasil passou a fazer parte do grupo de pases com baixa prevalncia de crie.

Apesar de o perfil epidemiolgico das doenas bucais estar mudando,

principalmente com a reduo da prevalncia e severidade da crie aos 12 anos de

idade, evidenciado que tal fato no ocorre de forma equnime na populao, ou

seja, as desigualdades sociais presentes, implicam em desigualdades nos padres

de doenas e tambm no padro de utilizao dos servios, com prejuzo aqueles

de maior risco social, tambm vlidos aos agravos em sade bucal (FIGUEIREDO,

2001; MATOS et al., 2002; BRASIL, 2004a).

Quanto utilizao dos servios de sade, os servios odontolgicos so

menos utilizados do que os servios de ateno sade geral. Embora a sade

bucal seja reconhecida como parte integrante e inseparvel da sade geral do

indivduo, os problemas bucais, em sua maioria, no causam ameaa vida

diretamente, sendo compostos, em geral, de alguns episdios agudos e

prontamente tratveis (BARROS; BERTOLDI, 2002). Dessa forma, as razes de sua

importncia esto em sua alta prevalncia, demanda pblica elevada aos servios,

34

impacto sobre a vida dos indivduos e sociedade em termos de dor, desconforto,

limitao, deficincia social e funcional, interferindo sobre a qualidade de vida

(BALDIRSSEROTTO, 1995).

A insero das Equipes de Sade Bucal na ESF (2000) e a implantao da

PNSB Brasil Sorridente (2004) contribuiro de forma significante para

reorganizao e ampliao das aes e servios de sade bucal, favorecendo um

avano expressivo no que se refere ao sistema pblico de sade bucal no Brasil.

Porm os investimentos j realizados nesta rea ficam aqum do que realmente a

populao necessita em termos de servios odontolgicos ofertados pelo Estado, e

o acesso e a utilizao dos servios odontolgicos no SUS continua sendo um

desafio para a Odontologia. (NARVAI; FRAZO, 2008; ROHR; BARCELOS, 2008)

A assistncia odontolgica pblica no Brasil tem se restringido quase

completamente aos servios bsicos, ainda assim com grande demanda reprimida.

Sua utilizao no Brasil baixa, ficando uma parcela importante da populao sem

acesso a esses servios. Nesse sentido, ainda so necessrios esforos para que

seja efetivada uma poltica ampla capaz de reduzir desigualdades sociais no acesso,

num processo do cuidado e na avaliao dos resultados epidemiolgicos da rea de

sade bucal. A problemtica da demanda publica dos servios odontolgicos ainda

elevada (ANTUNES; NARVAI, 2010).

A universalidade do acesso aos servios de sade bucal ainda parece

uma realidade longnqua. Mais do que garantir o acesso, vale lembrar que o modelo

de assistncia odontolgica deve ser constante, universal, justo, eficiente, de carter

integral e resolutivo, capaz de satisfazer tanto usurios como profissionais de sade,

de forma a contribuir para melhorar a qualidade de vida da populao (ROHR;

BARCELOS, 2008). A partir desse contexto, mudanas na organizao dos servios

odontolgicos devem ser feitas, e a rede de AB deve ser responsvel pela maioria

das aes em sade bucal, funcionando como porta de entrada, de maneira

resolutiva. Certamente, esse um desafio ainda a se vencer na grande maioria dos

municpios brasileiros.

Existem vrios trabalhos na rea do acesso aos servios de sade,

porm, so poucas as pesquisas do acesso aos servios de sade bucal,

principalmente, aps a insero da sade bucal na ESF (ROCHA, 2006).

35

2.5 Pessoas com Deficincia (PcD)

A sociedade sempre encontrou dificuldades em lidar com PcD. Essas

dificuldades so frutos do legado histrico e da falta de informao, gerando

preconceito e despreparo da sociedade para atend-las (MATARAZZO, 2009).

Definir a PcD pressupe analisar conceito discrepantes daqueles

produzidos no campo das Polticas Pblicas e das Instituies sociais. Essas

pessoas so denominadas geralmente como portadoras, termo usado em relao

queles que tem ou adquiriram alguma deficincia como portadoras de doenas, o

que obrigatoriamente no ocorre. Ademais, conceitua-se toda PcD como pessoas

com necessidades especiais, conceito tambm imprprio, haja vista necessidade

especial no significa que a pessoa tem deficincia (FVERO, 2004). medida que

o conceito de deficincia foi ampliado, estabeleceu-se uma interao entre a PcD, a

limitao da atividade e os fatores do contexto socioambiental. A deficincia, antes

conceituada como incapacidade, passa a ser entendida como uma dificuldade no

desempenho pessoal (SILVA; PANHOCA; BLANCHMAN, 2004). Ento, atualmente,

o termo considerado mais politicamente correto pessoa com deficincia (LIPPO,

2008; MATARAZZO, 2009).

A Conveno sobre os Direitos das Pessoas com Deficincia da ONU

definiu que a PcD aquela que tem impedimentos de longo prazo, de natureza

fsica, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interao com diversas

barreiras, podem obstruir sua participao plena e efetiva na sociedade em

igualdade de condies com as demais pessoas. Reconhece-se que a deficincia

um conceito em evoluo e que resultante da interao entre pessoas com

deficincia e barreiras comportamentais e ambientais que impedem sua participao

plena e eficaz na sociedade de forma igualitria, portanto, no se restringe ou

atributo da pessoa, e sim do ambiente a sua volta (BRASIL, 2009)

Esse modelo representa uma mudana de paradigma de uma perspectiva

medica e individual (modelo mdico) em que a deficincia estaria na pessoa para

uma perspectiva social e estrutural (modelo social), no qual a deficincia est na

sociedade, que no consegue acolher as diferentes formas de existncia, e no no

indivduo. A deficincia, assim como a funcionalidade compreendem uma interao

dinmica entre problemas de sade e fatores contextuais, tanto pessoais quanto

ambientais (OMS, 2012)

36

Segundo a Academia Americana de Odontopediatria (2006), na odontologia

considerado Paciente com Necessidades Especiais (PNE) todo usurio que

apresenta uma ou mais limitaes, temporrias ou permanentes, de ordem mental,

fsica, sensorial, emocional, de crescimento ou mdica, que o impea de ser

submetido a uma situao odontolgica convencional. Assim, entende-se que as

PcD so consideradas uma parcela de pacientes do grupo de PNE.

Em relao ao Brasil, a Poltica Nacional para a Integrao da Pessoa

Portadora de Deficincia serviu de instrumento para orientar aes do setor de

sade voltadas a esse segmento social, e pelo Decreto n 3.298/99, adotou o

conceito que considera: Pessoa com deficincia aquela que apresenta, em carter

permanente, perdas ou anormalidades de sua estrutura ou funo psicolgica,

fisiolgica ou anatmica, que gerem incapacidade para o desempenho de atividades

dentro do padro considerado normal para o ser humano (BRASIL, 1999).

No Brasil, para fins de delimitao da problemtica das deficincias, so

utilizadas, nas Polticas da PcD, os tipos de deficincias mais abrangentes e

frequentes, segundo a classificao adotada pela OMS, com as definies

estabelecidas pelos Decretos N 3.298/99 e N 5.296/04, que classificam as pessoas

mediante as deficincias por elas apresentadas em cinco categorias (BRASIL,

2004c):

a) Deficincia fsica: alterao completa ou parcial de um ou mais

segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da

funo fsica, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia,

monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia,

hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputao ou ausncia de membro,

paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congnita ou

adquirida, exceto as deformidades estticas e as que no produzam

dificuldades para o desempenho de funes;

b) Deficincia auditiva: perda bilateral, parcial ou total, de quarenta

e um decibis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequncias de

500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz;

c) Deficincia visual: cegueira, na qual a acuidade visual igual ou

menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correo ptica; a baixa

viso, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho,

37

com a melhor correo ptica; os casos nos quais a somatria da

medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que

60o; ou a ocorrncia simultnea de quaisquer das condies anteriores;

d) Deficincia mental: funcionamento intelectual significativamente

inferior mdia, com manifestao antes dos dezoito anos e limitaes

associadas a duas ou mais reas de habilidades adaptativas, tais

como: comunicao; cuidado pessoal; habilidades sociais /

interpessoais / acadmicas; atividades de vida diria, vida comunitria,

autossuficincia; sade e segurana; lazer e trabalho

e) Deficincia mltipla - associao de duas ou mais deficincias.

De acordo com o Relatrio Mundial sobre Deficincia (OMS, 2012) a

deficincia faz parte da condio humana e quase todas as pessoas tem ou tero

uma deficincia temporria ou permanente em algum momento de suas vidas.

Diversos fatores contribuem para isso, como o envelhecimento, o aumento da

populao idosa e a sobrevida dos bebs prematuros e de baixo peso, graas

melhoria da tecnologia nos hospitais e medicaes de alta gerao.

De acordo com a OMS, cerca de 10% das pessoas de qualquer pas, em

tempo de paz, apresentam algum tipo de deficincia, das quais: 5% apresentam

deficincia mental; 2% fsica; 1,5% auditiva; 0,5% visual e 1% mltipla (BRASIL,

2002; SILVA; PANHOCA; BLANCHMAN, 2004).

O Brasil vem se organizando em termos de dados estatsticos oficiais

sobre as PcD. Pela Lei n 7.853/89, ficou obrigatria a incluso de itens especficos

nos censos nacionais. O Censo Demogrfico de 1991, pela primeira vez, incluiu

essas questes, e indicou 1,49% de PcD na populao brasileira (BRASIL, 2010).

No censo realizado no ano 2000, o IBGE, utilizando nova abordagem

conceitual e metodolgica (CIF/percepo de funcionalidade), identificou 24,5

milhes de pessoas com algum tipo de deficincia (14,5% da populao brasileira),

desde alguma dificuldade para andar, ouvir e enxergar, at as graves leses

incapacitantes. A metodologia adotada incluiu, na contagem, muitos idosos que

apresentam dificuldades para se locomover, ver e/ou ouvir. Ao se considerar apenas

as pessoas com limitaes mais severas (percepo de incapacidade) o percentual

encontrado foi de 2,5% do total da populao (4,3 milhes de pessoas) (BRASIL,

2010).

38

O Censo 2010 possibilitou a investigao acerca da existncia ou no de

algum tipo de deficincia permanente por autodeclarao, sendo os tipos de

deficincia investigados a visual, auditiva, mental e motora (IPECE, 2012). Tendo os

seguintes resultados: 48,1% de deficientes visuais, 4,1% fsicos, 8,3% mentais,

22,9% motores e 16,7% auditivos. Demonstrou, tambm, que o nmero de pessoas

com deficincia aumenta com a idade e que h uma maior quantidade dessas

pessoas no Nordeste (16,8%) quando comparado ao sudeste brasileiro (13,1%)

(LIMA; ARRUDA; GUERRA, 2006).

No mbito estadual, de acordo com os resultados do IBGE (2011), o

Estado do Cear, o terceiro com o maior ndice de PcD no Brasil, o percentual da

populao residente no Estado com algum tipo de deficincia de 27,69%, superior

aos ndices nordestino (26,63%) e nacional (23,92%), sendo a deficincia visual a

mais incidente nos cearenses (22,15%), seguida da deficincia fsica com 8,08% e

auditiva com 6,23%. Em nmeros absolutos, a pesquisa indicou que no Cear h

mais de dois milhes de pessoas com pelo menos uma das deficincias

investigadas (IPECE, 2012). A nvel municipal, Fortaleza, capital do estado, a

populao de aproximadamente 2,5 milhes de habitantes, e segundo dados

apenas do ano 2000, revelou uma estimativa de que 293 mil pessoas possuem

algum tipo de deficincia, o que significava quase 15% da populao (IBGE, 2011).

Dados como esses em relao s PcD confirmam a necessidade de

incluso desse segmento populacional em todos os setores sociais, haja vista que

para as PcD, a palavra incluso tem o significado de possibilitar a elas iguais

oportunidades de cuidados, no apenas o tratamento convencional, mas o

tratamento diferenciado (HADDAD, 2007). Entretanto, embora haja um esforo

louvvel para acertar, o mais importante a incluso vem sendo feito de maneira

muito mais lenta que o desejvel (MATARAZZO, 2009). A sociedade se preocupa

muito com a incapacidade desses indivduos, porm esquece que eles necessitam

de educao e atendimento especiais.

No Brasil a todo o momento ocorrem mudanas e inovaes sobre o tema

Pessoas com Deficincia. Isso acontece com a finalidade de diminuir a

desigualdade e promover a incluso social dessas pessoas. Nessa perspectiva

que o Brasil se encontra dentro de 1/3 dos pases membros da ONU que dispem

de legislao para as PcD (BRASIL, 2008b).

39

Os direitos que as PcD possuem esto estabelecidos na Constituio

Federal e se referem acessibilidade, educao, trabalho, sade e assistncia

social, transporte, cultura e lazer, entre outros. A Constituio Federal, juntamente

com o Poder Pblico, tem o dever de assegurar s PcD o pleno exerccio e a

viabilizao de seus direitos individuais e sociais, sua integrao social; promover

aes governamentais visando ao cumprimento das leis; conferir tratamento

prioritrio e adequado aos assuntos relativos s PcD; implementar as polticas que

assegurem os direitos dessas pessoas, com a criao e o desenvolvimento de

planos, programas e projetos especficos (BRASIL, 2008b).

A Conveno sobre os Direitos da Pessoa com Deficincia promulgada

pelo Estado brasileiro, por meio do Decreto n 6.949, de 25 de agosto de 2009,

resultou numa mudana paradigmtica das condutas oferecidas s pessoas com

deficincia, elegendo a acessibilidade como ponto central para a garantia dos

direitos individuais. Seu propsito promover, proteger e assegurar o exerccio

pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais para

todas as pessoas com deficincia e promover respeito pela sua dignidade inerente

(BRASIL, 2009).

Assim, segundo apontam alguns autores, no campo da sade s aes

destinadas a PcD no so marcadas pelos desgnios da integralidade, ou seja, nos

moldes da universalidade. Nessa tica, a implementao de uma poltica atinente

sade da PcD e sua consolidao no cenrio brasileiro um demonstrativo da

situao a ser estudada num contexto de aes focalizadas e descontnuas,

portanto produtoras de desigualdades que acentuam as iniquidades vivenciadas por

essa parcela da populao. Contudo, a garantia da integralidade da assistncia

PcD deve ultrapassar os aspectos das boas prticas de sade e da organizao dos

servios adequados, centrando-se no acolhimento das necessidades e dos desejos

de sade especficos dessa populao (FRANA; PAGLIUCA; BAPTISTA, 2008).

2.6 Acesso ateno odontolgica das PcD e suas condies de sade bucal

A Conveno sobre os Direitos de Cidadania da PcD representa um

marco definitivo para os direitos humanos e sua clientela especifica. Considerada

um tratado do direito internacional veio para promover, defender e garantir melhor

qualidade de vida e emancipao cidad para as PcD, e no artigo 25, refora o

40

direito dessas pessoas em alcanar um alto padro de cuidados com a sade, sem

discriminao (OMS, 2012).

No Brasil existem poucos estudos sobre as reais condies de vida e

sade da pessoa que vive com deficincia. Desse modo, dimensionar

quantitativamente e qualitativamente a problemtica que envolve essas pessoas

uma tarefa complexa, haja vista a ausncia de produo de informaes

sistemticas sobre essa populao. As instituies pblicas de sade no dispem

de informaes aptas a diagnosticar com preciso a situao de sade e as

necessidades da PcD (BRASIL, 2006a).

Nesse sentindo, por iniciativa do MS, em 1991, foi criado o Programa de

Ateno Sade da PcD (BRASIL,1992). Esse programa teve como objetivo o apoio

ao desenvolvimento de pesquisas e de estudos epidemiolgicos que buscassem o

diagnstico da situao dos servios de assistncia sade da PcD e o

levantamento das necessidades dessa clientela. Com os resultados, esperava-se

obter dados para planejar, implantar, acompanhar e avaliar a assistncia integral

sade e reabilitao dessas pessoas. Porm, mesmo existindo h 24 anos, esse

programa ainda no foi implantado em sua plenitude no nosso pas, apesar de suas

diretrizes continuarem atuais (RIBEIRO; PINHEIRO, 2004).

Existe uma determinao, desde a Constituio Federal de 1988, em seu

artigo 23, Captulo II, que: competncia comum da Unio, dos Estados, do Distrito

Federal e dos Municpios cuidarem da sade e assistncia pblicas, da proteo e

garantia das PcD (BRASIL, 1988). No entanto, para que isso acontea,

instrumentos legais foram necessrios para regulamentar os ditames constitucionais

relativos a esse grupo populacional, tendo como destaque, no campo da sade, A

Poltica Nacional de Sade da PcD, criada pela Portaria n 1060/2002. Essa poltica

voltada para a incluso da PcD em toda a rede de servios do SUS. Define como

seus propsitos gerais um amplo leque de possibilidades que vai da preveno de

agravos proteo da sade, passando pela reabilitao (BRASIL, 2010). Apesar

de legtima, sem discutir seu mrito, a Poltica Nacional de Sade da PcD ocorre de

modo tardio na agenda da poltica de proteo social, quase vinte e cinco anos aps

a criao do SUS.

Para a implementao desta Poltica, a AB tem papel de fundamental

importncia, pois com a ESF trabalhando com reas territorializadas de

abrangncia, capilariza o cuidado sade e ao adoecimento, aproximando os

41

servios das comunidades, famlias e indivduos. Os processos de trabalho devem

incorporar, ao reconhecer seus territrios de responsabilidade sanitria, um olhar

especialmente voltado s PcD que habitam as comunidades. Da a importncia do

tema ser includo nas capacitaes, manuais, cartilhas, projetos de pesquisa,

protocolos tcnicos e clnicos, sensibilizando gestores, profissionais e comunidades

(BRASIL, 2010).

A populao com deficincia, historicamente, tem dificuldades de acesso

aos servios primrios de sade, pois, tradicionalmente, considerada como usuria

dos servios especializados (ROCHA, E., 2006). PcD necessitam, em muitos casos,

de um maior apoio do setor de sade, entretanto pouco se sabe sobre a capacidade

deste de atender, de forma integral, a esta necessidade. Um dos aspectos

importantes dessa ateno integral relaciona-se ao acesso dessa parcela da

populao aos servios de sade. O acesso pleno da populao com deficincia

pressupe servios organizados para receb-la; a articulao de aes intersetoriais

que facilitem a chegada desses usurios aos mesmos e um modelo assistencial

centrando em princpio tico pautado na proposta de humanizao do SUS e dirigido

incluso e participao social de todas as pessoas. (ROCHA, E., 2006; ROCHA,

R., 2006)

H muito ainda o que se trabalhar nos processos de Acolhimento,

Ateno, Referncia e Contrarreferncia, voltados s especificidades das PcD para

que elas possam ter acesso s Unidades de Sade, em todo o Pas, sem barreiras

(arquitetnicas ou atitudinais), como todos os demais cidados brasileiros (BRASIL,

2010).

No que tange ateno odontolgica da PcD, segundo estimativa da

OMS, a prevalncia das deficincias no mundo de uma pessoa a cada dez e que

mais de 2/3 no recebem nenhum tipo de assistncia odontolgica. (BRASIL, 1992;

SAMPAIO, CEZAR e MARTINS, 2004).

Segundo Cancino et al. (2005) pacientes deficientes apresentam

necessidades de cuidado em sade bucal e enfrentam dificuldades para encontrar

os servios apropriados s suas demandas como barreiras arquitetnicas, limitaes

financeiras, medo, ignorncia ou negligncia em relao sade bucal e,

principalmente, carncia de profissionais qualificados e interessados em tratar tais

pacientes.

42

Geralmente as condies de sade bucal das PcD so desfavorveis e seu

acesso ateno odontolgica limitado. Algumas pesquisas mostram a dificuldade

de acesso, como um estudo sobre o uso de servios de assistncia mdica bucal

por crianas de Lagos, na Nigria, o qual revelou que aquelas com deficincias ou

com menores condies socioeconmicas no usavam adequadamente os

consultrios odontolgicos. Outra pesquisa realizada na Austrlia sobre tratamento

dentrio de crianas com deficincia, concluiu que no eram atendidas as

necessidades relativas a tratamentos simples de 41% da amostra pesquisada (OMS,

2012).

Os pacientes com deficincias tm um risco maior em desenvolver doenas

bucais, que, por sua vez, podem ter um impacto direto e negativo em sua sade. Os

problemas odontolgicos so frequentes nesses pacientes. A incidncia de crie

dentria e doena periodontal so geralmente altas, sendo igual ou superior ao da

populao em geral (SOUZA FILHO; NOGUEIRA; MARTINS, 2010). O grau de

limitao da prpria deficincia, a dificuldade da realizao da higiene bucal, a dieta

alimentar, geralmente rica em carboidratos e alimentos pastosos, alm do fato de

muitas vezes terem sua higiene oral negligenciada pelos seus responsveis so

fatores que favorecem o acmulo de placa bacteriana e, consequentemente, o

aparecimento dessas patologias (SILVA; LOBO, 2010).

Em um estudo realizado por Queiroz, et.al (2014), foram avaliadas as

condies de sade bucal de alunos com deficincias de uma Escola Especial da

cidade de Patos-PB, de uma amostra de 74 alunos examinados (deficientes

intelectuais, auditivos, visuais e mltiplos), foi observado que 52% dos alunos

apresentaram uma condio de higiene oral deficiente e ndice mdio de crie

dentria com uma prevalncia muito alta.

Para Previtali et al. (2012) cada grupo de PcD deve ter uma abordagem

odontolgica especfica considerando e respeitando a condio incapacitante de

cada tipo de deficincia, avaliando-se os riscos, as necessidades versus

oportunidades e o custo/benefcio para o tratamento odontolgico.

Baseado nesse contexto, constata-se a necessidade de incluso desse

segmento populacional na ateno odontolgica, haja vista que sua incluso

significa respeitar as necessidades prprias da sua condio, possibilit-las o

acesso aos servios pblicos de sade, aos bens culturais e produtos decorrentes

do avano social, poltico, econmico e tecnolgico (BRASIL, 2001). Esse processo,

43

entretanto, tem sido bastante irregular com avanos em alguns setores e lentido

em outros. Neste sentido, o acesso assistncia odontolgica precisa ser

incentivado para esse grupo populacional.

O tratamento odontolgico integral, com medidas preventivas e

educativas, alm do tratamento reabilitador, pode modificar o perfil das PcD

estimulando sua participao social como cidados (FIGUEIREDO et al., 2003).

Assim, a ateno integral sade das PcD dever incluir a sade bucal e a

assistncia odontolgica nos programas de sade pblica destinados populao

em geral, tendo a AB organizada em redes assistenciais e como porta de entrada do

SUS.

Com relao ao atendimento odontolgico, a grande maioria das PcD

podem e devem ter esse atendimento solucionado no mbito da AB, nas UBS. De

acordo com o Caderno da AB n 17, em seu tpico Ateno Sade Bucal de PcD,

a orientao que:

Servios de sade devem realizar uma busca criteriosa dos usurios com deficincia, cadastr-los e definir as aes para garantir seu atendimento. As equipes de sade bucal devem ser capacitadas a fim de que possam, em nvel local, estarem aptas ao atendimento destes usurios, em nveis crescentes de complexidade de atendimento. Protocolos podem ser elaborados, com a definio, em cada nvel de ateno, dos cuidados a serem tomados (de acordo com diagnstico mdico, condies de sade e tratamento, agravos associados, limitaes e capacidades individuais de cada paciente). Em seguida, definir os critrios de encaminhamento e os fluxos de referncia e contrarreferncia (BRASIL, 2008a,