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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA DO BRASIL JULINETE VIEIRA CASTELO BRANCO TERESINA-PI 2006 HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DO COLÉGIO AGRÍCOLA DE TERESINA (1954 A 1976): FORMANDO LÍDERES PARA A CONSTRUÇÃO DO NOVO E PARA A IMPLACÁVEL DESTRUIÇÃO DO ARCAICO

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA DO BRASIL

JULINETE VIEIRA CASTELO BRANCO

TERESINA-PI 2006

HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DO COLÉGIO AGRÍCOLA DE TERESINA (1954 A 1976):

FORMANDO LÍDERES PARA A CONSTRUÇÃO DO NOVO E PARA A IMPLACÁVEL

DESTRUIÇÃO DO ARCAICO

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JULINETE VIEIRA CASTELO BRANCO

HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DO COLÉGIO AGRÍCOLA DE TERESINA

(1954 A 1976): FORMANDO LÍDERES PARA A CONSTRUÇÃO DO NOVO E PARA A IMPLACÁVEL DESTRUIÇÃO DO ARCAICO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em História da Universidade Federal do Piauí-UFPI como requisito para a obtenção do grau de Mestre em História.

Orientador: Prof. Dr. Antonio de Pádua C. Lopes

TERESINA-PI

2006

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Castelo Branco, Julinete Vieira C348h

Histórias e Memórias do Colégio Agrícola de Teresina (1954 a 1976): formando líderes para a construção do novo e para a implacável destruição do arcaico./Julinete Vieira Castelo Branco. Teresina: 2007 177 fls. il Dissertação (Mestrado em História do Brasil) UFPI. 1. Ensino Agrícola - História e Memória. 2. Colégio Agrícola - Teresina – História e Memória. 3. Universidade Federal do Piauí. História e Memória. I.Título C.D.D – 630.71

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JULINETE VIEIRA CASTELO BRANCO

HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DO COLÉGIO AGRÍCOLA DE TERESINA (1954 A 1976): FORMANDO LÍDERES PARA A CONSTRUÇÃO DO NOVO E PARA A

IMPLACÁVEL DESTRUIÇÃO DO ARCAICO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Piauí-UFPI como requisito para a obtenção do grau de Mestre em História.

Área de concentração:

Aprovada em: 15/12/2006

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________ Prof. Dr. Antonio de Pádua C. Lopes - UFPI

Orientador

________________________________________________ Prof. Dr. Jose Arimatea Barros Bezerra - UFC

Examinador

________________________________________________ Profª. Dra – Áurea da Paz Pinheiro - UFPI

Examinador

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À memória de meu pai, que me incentivou a seguir o caminho da sabedoria e do conhecimento.

À minha mãe,

sobretudo, pelo dom da coragem e determinação que herdei.

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AGRADECIMENTOS

A realização de um sonho é sempre uma dura trajetória, um caminho tortuoso, cheio de

grandes obstáculos. Porém, às vezes, não percebemos, mas estamos sempre acompanhados...

Sendo assim, a experiência de um Curso de Mestrado foi, para mim, um dos momentos mais

difíceis e prazerosos da minha caminhada. Nessa árdua jornada, encontramos os que vivem, os

que torcem, os que cobram, os que esperam, os que sonham, os que se afastam, e os que também

se realizam, a cada passo dado conosco.

No meu caminhar, encontrei amigos verdadeiros; e, como Fernão Capelo Gaivota,

acreditei que “longe é um lugar que não existe”. Agora, no fim do caminho, louvo os tantos

pássaros, que não foram poucos, e, por serem tantos, receio, sem desmerecer, deixar de citar

algum nome, no instante de abraçar e agradecer.

Necessário se faz dividir a alegria do trabalho realizado por momentos; assim, inicio com

os que apareceram antes da seleção do Mestrado, acreditando e se preocupando com a elaboração

do projeto; mas, como sempre é preciso coragem para iniciar, sigo o meu “alfabeto”,

considerando a preciosidade de cada nome nessa trilha... E agradeço imensamente a todos...

À minha mãe, pela imensa força herdada, e por acreditar, em todos os instantes, nessa

realização. Às minhas irmãs, Marília e Socorro.

Ao professor Francisco Cardoso Figueiredo, a quem considero indispensável agradecer os

momentos de alegria, na realização inicial da pesquisa nos arquivos do CAT, até os momentos

difíceis da Qualificação.

Ao grande amigo e parceiro, Armstrong Evangelista (DMTE-UFPI), que, entre uma

viagem e outra durante o doutorado, não esqueceu de cobrar o Projeto para a Seleção, sempre

lembrando a importância do mestrado.

À minha irmã e grande amiga Rosania Dias, que, no momento de desistir da seleção,

juntou livros para obrigar-me a estudar. À minha outra irmã, Josélia Saraiva e Silva, que viveu e

conviveu comigo todos os momentos e etapas difíceis desse caminhar. À grande amiga Conceição

Rodrigues, que fez o resumé do trabalho; e à Rosilândia Melo, por estar sempre atenta, mesmo de

longe, emanando bons pensamentos. À Expedita Araújo, que sempre me incentivou a seguir em

frente. A todas, o meu abraço carinhoso e muitíssimo obrigada!

Ao meu ídolo, amigo e orientador, Antonio de Pádua Carvalho Lopes, a quem tenho

profundo respeito, pelo caráter e consciência justos e honestos. Não poderia esquecer de registrar,

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aqui, sua fórmula de orientação: o equilíbrio e a experiência de sábio e a sensibilidade de criança,

nos momentos mais difíceis da orientação.

Aos amigos do DMTE-UFPI, entre eles, Francílio Oliveira, às professoras: Elizabeth

Evaristo e Teresa Cristina, pela amizade e pela força no momento da seleção. À torcida fiel de

Maurício e de Sr. Veloso.

Ao professor Edwar Castelo Branco, que acompanhou desde o resultado da seleção, e que,

no início do Curso, de forma incansável, procurou, no primeiro ano, impulsionar toda a turma,

transformando suas aulas em momentos felizes para os primeiros alunos do Mestrado, não poderia

deixar de citar aqui suas palavras: ”os primeiros interlocutores mais íntimos”.

Ao professor Alcides Nascimento, Coordenador do Curso, que cedeu gentilmente o

gravador digital, para a realização das entrevistas. Ao João Kennedy Eugênio, que se envolveu e

demonstrou seu interesse pelo trabalho. À Áurea Paz, que sinalizou com palavras de muito

carinho, exigindo sempre os cuidados com o texto. A todos os professores doutores do Mestrado,

por suas contribuições valiosas.

Na UESPI-Campus Clóves Moura, aos dois grandes amigos que apareceram na trilha, na

hora certa, no momento mais exigente da pesquisa e que, desconfio, não são humanos, são anjos...

Cláudia Fontenele e Marcelo Neto. Aos alunos e professores, entre eles, Rosângela Assunção e

Edilene, parceiras de caminhada. Um agradecimento especial ao professor e diretor do Campus:

Goethe Sandes (in memoriam), por sua grande força e valiosa contribuição, quando disponibilizou

a máquina fotográfica digital para a pesquisa no arquivo.

No CAT, aos professores que vivenciaram comigo a fase de pesquisa na instituição. Ao

professor e diretor, Francisco Sinimbu, que disponibilizou a abertura dos armários, com toda a

atenção possível. Entre muitos, cito: professor Martinho Andrade do Rego, que abriu sua casa

para as entrevistas; Francisco Figueiredo; Melquíades. Aos funcionários: Hortênsia; Pedro Braga;

Francisco Rodrigues; Antonio dos Santos, que muito colaboraram para a pesquisa.

Aos meus sujeitos de pesquisa, que se emocionaram com o trabalho e não limitaram

esforços em contribuir para a construção da história do CAT. Inicialmente, ao professor Fonseca

Neto, que, além da entrevista, no início, sentou-se comigo para selecionar os sujeitos da pesquisa.

Ao professor Raimundo Santana e professor Paulo Nunes, que disponibilizaram suas atenções e

uma rica colaboração. À Dona Antonieta P. Rebelo, que me recebeu em sua casa às 20h, às

vésperas do Ano Novo de 2006, pela impossibilidade dos horários, e, gentilmente, cedeu a

fotografia da pedra fundamental da Escola. Ao professor Antonio Andrade do Rego, por sua gentil

colaboração e pela entrevista emocionada na tarde de domingo em sua casa. Ao professor Cineas

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Santos, que não poupou elogios ao trabalho, e muito contribuiu com sua entrevista e com a

pesquisa iconográfica. Ao professor Cristovão Belfort, à professora Izália Lustosa N. de Araújo, à

professora Maria Vilani Monteiro, que cedeu material para ajudar na pesquisa. Abraço a todos,

agradeço e registro a alegria e a emoção de todos em participar do trabalho. Um nome se faz

urgente por sua emoção e dedicação imensa à minha pesquisa: Luís Paiva. E a Lúcio Brígido

Neto, Antonio João Rodrigues, Wilson Herbeth M. Caland, Raimundo José do Rego Neto e

Otávio Monteiro que muito contribuíram.

Aos amigos da FAP, que chegaram no meio da estrada, aos quais muito agradeço a grande

força. Em especial, à Mônica Carvalho, que soube compreender o momento final do curso; à

Adriana, Ribamar e Gardene Lacerda, coordenadores que sempre acenaram com seu incentivo de

força. A todos os amigos professores, aqui representados: Elenir Figueiredo, Amanda Raquel e

Anísia. Aos professores do Curso de Pedagogia, Oneide Lino, Julival, Jaderlan Noleto, que,

comigo, transcreveram as entrevistas; a Carlos Alberto Medino da Rocha, que formatou o texto

final; e à Virna Teive e Rosemeire, pelas palavras de força e carinho. Aos meus alunos do Curso

de Administração e Pedagogia, agradeço o doce carinho.

Um agradecimento cheio de carinho a Jorge Carvalho Nascimento, que cedeu e enviou o

material tão importante para a pesquisa, além de sua disponibilidade e atenção. À Sônia

Mendonça, que me presenteou com seu livro, ainda, sem me conhecer, e muito colaborou com o

estudo. Ao Marco Arlindo Melo, que me remeteu sua dissertação e ficou à minha disposição,

sempre enviando palavras de confiança. Nesse caminhar, chamo-os de grandes amigos...

Por fim, aos colegas da primeira turma de Mestrado. A amizade revelou-se por todos;

porém, um se tornou meu irmão de pesquisa, com quem, no início, dividi as tardes no arquivo,

compartilhando sua máquina digital, Daniel Sólon, por quem cultivo, além da amizade, grande

admiração, respeito e carinho. Aos outros parceiros de caminhada e sempre presentes: Francisco,

Lidiane, Ana Cristina, Johny, Bernardo, Amparo, Marcos Aurélio, Jaqueline, Jóina, Sônia,

Shamália e Paulo Gutemberg. Aqui faço uso das palavras de Daniel: “ainda vamos rir muito de

tudo isso”.

Portanto, a todos aqueles que me iluminaram e acenaram com palavras, olhares e sorrisos

verdadeiros para esse trabalho; a todos os que, nesse trilhar, buscaram construir também a história

do Piauí.

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A ESCOLA era na Rua do Costa, um sobradinho de grade de pau. O ano era de 1840. Naquele dia – uma segunda-feira, do mês de maio – deixei-me estar alguns instantes na Rua da Princesa a ver onde iria brincar a manhã. Hesitava entre o morro de S. Diogo e o Campo de Sant'Ana, que não era então esse parque atual, construção de gentleman, mas um espaço rústico, mais ou menos infinito, alastrado de lavadeiras, capim e burros soltos. Morro ou campo? Tal era o problema. De repente disse comigo que o melhor era a escola. E guiei para a escola. Aqui vai a razão...

Machado de Assis

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RESUMO

Esse estudo tem como objetivo construir as histórias e as memórias do Colégio Agrícola de Teresina, a partir da análise da sua trajetória, desde o momento de criação da Escola Agrotécnica de Teresina, em 1954, até a sua incorporação à Universidade Federal do Piauí, em 1976. O recorte apresenta duas décadas de efetivas mudanças na instituição escolar. Buscamos conhecer e analisar o discurso agrário presente na imprensa, acerca da criação da sua instalação nos anos 50 e, posteriormente, desvendar e entrecruzar as falas que se constituíram memórias dos ex-professores, ex- funcionários e ex-alunos do CAT, no período em estudo. Enfatizamos três importantes momentos da instituição: o primeiro trata da construção dos discursos de modernização do campo e da expectativa acerca da criação da Escola Agrotécnica; o segundo refere-se ao início do funcionamento e as dificuldades encontradas no grande projeto agrícola dos anos 60; e o terceiro, quando a instituição educativa é transferida para o Ministério da Educação, sendo incorporado, posteriormente, à UFPI, período de indefinição institucional que repercutiu nas memórias escolares. Para esse estudo, utilizamos a pesquisa e análise documental, fazendo uso da técnica de análise de conteúdo para a interpretação de fontes, tais como: documentos oficiais (mensagens, diários oficiais, decretos, fotografias, artigos de jornais, revistas) e documentos escolares (fichas de matrículas, boletins, históricos etc.) Além da pesquisa documental, utilizamos a História Oral, através do uso de entrevistas e questionários para a coleta de dados junto aos 18 sujeitos da pesquisa. Utilizamos como fundamento teórico, a História Cultural, a partir das concepções de Chartier (1990) Pesavento(2004), Le Goff (1996), Halbwacks (1990), Santos (2003), Pollack (2001). Portanto, o estudo apresenta as histórias e memórias do Colégio Agrícola de Teresina, sob a ótica dos discursos agrários piauienses. Percebemos que o projeto escolar estabeleceu teias de conexões com a modernização industrial, com a cidade de Teresina e com o desenvolvimento econômico do Estado. Por meio das representações dos ex-alunos, ex-professores e ex-funcionários sobre o CAT foi possível conhecer o cotidiano escolar, o internato e o semi-internato, a transferência para a UFPI, os conflitos, tempos, espaços e vivências da instituição educativa agrícola. Palavras-Chaves: Escolas Agrotécnicas, Ensino agrícola, História, Memória.

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RÉSUMÉ

Cet étude a l’objectif de construire les histoires et les memoires du Collège Agricole de Teresina à partir de l’analyse de sa trajectoire depuis le moment de la création de l’École Agrothechnique de Teresina, em 1954, jusqu’à son incorporation à l’Université Féderale du Piauí, em 1976. Ce sont vingt deux ans de transformations effectives dans cette institution scolaire. On a cherché à connaitre et à analyser le discours agraire présent dans la presse, à propos de sa création dans les annés 50 et posterieurement, découvrir et entrecroiser les voix qui sont constituées les mémoires des ex-professeurs, ex-fonctionnaires et ex-élèves du CAT, dans cette période ètudiée. La période choisie met en relief les moments importants de l’institution pendant la Dictature Militaire brésilienne; le premier moment s’agit de la construction des discours agraires et de la représentation des discours de modernisation et de l’attent de la création de l’École Agrotechnique le deuxième moment est le debut du fonctionnement et les dificultés retrouvées dans le grand projet agricole des années 60 et le troisième moment, quand l’institution educative est transférée au Ministère de l’Education et incorporée, posterieurement, à l’UFPI, une période d’indéfinition institutionelle qui s’est repercutée dans les mémoires scolaires. Pour cela, on a utilisé la recherche et l’analyse du contenu à travers l’interpretation des sources, comme documents officielles (messages, journaux, revues) et documents scolaîres (fiches d’inscriptions, bouletins, historiques etc.) En plus, on a utilisé l'Histoire Oral, à travers des interviews et des questionnaires, faits avec les 18 sujets historiques de la recherche. On a utilisé comme fondement théorique l’Histoire Culturelle basée sur les conceptions de Chartiers (1990) Pesavento (2004), Le Goff (1996), Halbwachs (1990) Santos (2003), Polack (2001). Donc, l’étude presente les histoires et memoires du Collége Agricole de Teresina, du point de vue des discours agraires piauienses nous apercevons que le projet scolaire a établi des sistèmes de relations avec la modernisation industrielle, la ville Teresina et le developpement économique de L’État. En plus, à travers des representations les ex-éleves, ex-professeurs et ex-fonctionnaires sur le CAT, il a été possible de connaître le quotidien scolaire, internat e semi-internat, le changement pour l’UFPI, les conflits, temps, espaces et experiences de l’institution educative agricole.

Mots clés: Écoles Agrotechniques, Enseignement agricole, Histoire, Mémoire

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Salas de aula do CAT/área interna – UFPI......................................................... 45

Figura 2 – Área do CAT até 1976, atual CCA/UFPI............................................................ 56

Figura 3 – Lançamento da Pedra Fundamental do CAT, em 28.07.2955............................ 58

Figura 4 – Mapa do Colégio Agrícola de Teresina-PI.......................................................... 64

Figura 5 – Área interna do CAT/UFPI................................................................................. 66

Figura 6 – Entrada do Centro de Ciências Agrárias e do CAT/UFPI................................... 74

Figura 7 – Colégio Agrícola de Teresina.............................................................................. 75

Figura 8 – Caminho de entrada para o CAT/ CCA/UFPI..................................................... 84

Figura 9 – Documento de inscrição para o exame de admissão no CAT/1967.................... 89

Figura 10 – Atestado médico apresentado ao CAT pelo aluno.............................................. 93

Figura 11 – Desfile da Primeira Turma do Ginásio Agrícola do CAT na Avenida Frei Serafim, em 07.09.1968...................................................................................... 102

Figura 12 – CAT/ Biblioteca Setorial – CCA/UFPI FONTE................................................. 103

Figura 13 – Estudantes mostrando a produção de tomates feita no CAT em 1968................ 106

Figura 14 – Histórico Escolar da 1ª e 2º séries do CAT, de 1967 e 1968.............................. 107

Figura 15 – Antonio dos Santos, Inspetor do CAT, em 1974, atual funcionário da Instituição............................................................................................................ 109

Figura 16 – Alunos da primeira turma do Curso Ginasial Agrícola do CAT, no transporte escolar em 1968................................................................................................... 110

Figura 17 – Antonio Andrade do Rego, ex-professor de ciências, ex-secretário, ex-diretor substituto do CAT entre 1958 e 1984................................................................. 111

Figura 18 – Raimundo José do R. Neto em sala de aula, ex-aluno do curso Ginasial Agrícola, em sala de aula no CAT, em 1968.....................................................

116

Figura 19 – Alunos do 3º ano do Curso Ginasial Agrícola do CAT em Campo Maior, em visita ao FRIPISA em 1968.................................................................................

118

Figura 20 – Carteira de Estudante do CAT, do aluno Antonio João Rodrigues em 1976...... 123

Figura 21 – Níveis de Ensino conforme a Lei 4.024/62......................................................... 127

Figura 22 – Mapa da UFPI, com o CAT/ área do Campus da Ininga..................................... 129

Figura 23 – Universidade Federal do Piauí............................................................................ 130

Figura 24 – Mapa do Centro de Ciências Agrárias da UFPI.................................................. 133

Figura 25 – Lúcio Brígido Neto, ex-aluno do Ginasial Agrícola no CAT de 1967 a 1971.... 142

Figura 26 – Alunos do CAT, em aula - passeio, numa fazenda em Castelo-PI...................... 146

Figura 27 – Área interna do CAT - Salas de aula................................................................... 151

Figura 28 – Alunos do CAT trabalhando na Fazenda, em 1968............................................ 153

Figura 29 – Alunos do Ginásio Agrícola do CAT trabalhando no campo, em 1968............. 155

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Alguns aspectos da lavoura no Estado do Piauí - produção................................ 24

Quadro 2 – Situação demográfica.......................................................................................... 37

Quadro 3 – Distribuição da população urbana e rural em 1940............................................. 37

Quadro 4 – População presente segundo o domicílio (1.000 hab.)........................................ 37

Quadro 5 – Situação demográfica.......................................................................................... 38

Quadro 6 – Dados do Anuário Estatístico brasileiro de 1965/1966 sobre o ensino agrícola................................................................................................................ 49

Quadro 7 – Crescimento da matrícula no Ensino Médio (1963-1964).................................. 61

Quadro 8 – Unidades Escolares em 1952............................................................................... 65

Quadro 9 – Dados Orçamentários da Secretaria da Agricultura em 1960............................. 81

Quadro 10 – Anuário Estatístico do Brasil – 1962 – ano XXIII.............................................. 85

Quadro 11 – Ficha de Relação dos alunos matriculados, desistentes e transferidos do CAT entre 1964 e 1971................................................................................................ 90

Quadro 12 – CAT - Disciplinas do Curso Ginasial Agrícola – 1964....................................... 91

Quadro 13 – Número de Alunos da 1ª Turma do Ginasial Agrícola do CAT-1964................ 95

Quadro 14 – Lista de Concludentes da Última Turma do Ginasial Agrícola 1970/1971........ 96

Quadro 15 – Registro de Funcionários do CAT-UFPI entre 1965 e 1976............................... 113

Quadro 16 – Número de Alunos Matriculados no CAT em 1969/1970.................................. 116

Quadro 17 – Colégio Agrícola de Teresina – Professores....................................................... 123

Quadro 18 – Lista do Número de Técnicos de 2º Grau Formados pelo CAT entre 1973 e 1976..................................................................................................................... 138

Quadro 19 – Disciplinas do Curso Ginasial - 4ª série – Turma: única..................................... 141

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO............................................................................................................... 15

2 ESCOLA AGROTÉCNICA DE TERESINA: SIGNO MODERNIZANTE DA “NOVA ERA AGRÁRIA”.............................................................................................. 23

2.1 Delimitando novos espaços: o perfil do trabalhador rural no discurso agrário................. 36

2.2 O pensar agrícola: a nuance moderna do agrário piauiense.............................................. 46

2.3 As luzes no campo: o discurso metafórico acerca da modernização e Juventude............ 50

2.4 O sentido inaugural dos tempos novos: a escola agrotécnica de Teresina........................ 57

2.5 O espaço neoagrário: a via de mão dupla entre a cidade e o campo................................. 68

3 SUPERANDO A ENXADA, O MACHADO E O FOGO: O NASCER DO COLÉGIO AGRÍCOLA DE TERESINA..................................................................... 78

3.1 A ânsia pelo ensino superior público: afloram as expectativas por uma universidade piauiense............................................................................................................................ 97

3.2 Entre as a aulas, a horta e o pomar: o cotidiano no CAT.................................................. 104

3.3 Os professores e as práticas escolares............................................................................... 110

3.4 Os novos caminhos: a transferência para o Ministério da Educação e Cultura para a COAGRI............................................................................................................................ 115

3.5 CAT: anos 1970, outras histórias...................................................................................... 119

3.6 A Universidade Federal do Piauí: novos tempos e novos projetos para o CAT............... 125

4 COLÉGIO AGRÍCOLA DE TERESINA: AS MULTIFACES DAS MEMÓRIAS.. 139

4.1 A tradução de um lugar: o imaginário do internato e a instituição do agrário como espaço masculino............................................................................................................... 140

4.2 Colhendo memórias: entrecruzando falas, olhares, tempos e vivências........................... 147

4.3 Fragmentos de memórias: construindo tempos e espaços escolares................................. 154

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................... 160

REFERÊNCIAS............................................................................................................... 168

ANEXOS........................................................................................................................... 177

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INTRODUÇÃO

As escolas agrotécnicas no Brasil têm sido consideradas, de modo crescente, como um

importante espaço de investigação da História da Educação brasileira, possibilitando um

maior conhecimento da história do Brasil pela inclusão de uma importante dimensão da

escolarização: a do ensino agrícola. A escolha desse tema para a pesquisa realizada justifica-

se pela necessidade de compreendermos a relação entre o ensino, o homem e a terra.

O desejo de realizar uma pesquisa no âmbito das instituições escolares possibilitou-

nos a aproximação com a temática do ensino agrícola. Nesse sentido, as investigações

efetivadas sobre os diversos modelos escolares, entre eles, as escolas de Iniciação Agrícola, os

Patronatos, as Escolas Agrotécnicas e Colégios Agrícolas, promoveram o fortalecimento da

produção historiográfica acerca da educação no campo, e nos estimularam para a realização

da presente pesquisa. Conforme a explicação de Nascimento,1 “as abordagens a respeito do

ensino agrícola sempre estão presentes nos estudos que discutem as condições sociais do

processo produtivo no campo.” Observamos que esse é um dado inerente à essa análise.

Assim, desejamos compreender como se delineou o processo de criação da Escola

Agrotécnica de Teresina, priorizando o estudo das três etapas distintas e importantes de sua

construção e desenvolvimento. Procuramos analisar, desse modo, a trajetória de uma

instituição educativa agrícola, que compreende o período de 1954 a 1976. O recorte temporal

privilegiou o ano de instalação da escola, em 1954, até o momento de sua incorporação à

Universidade Federal do Piauí em 1976, ocorrendo nessas décadas importantes mudanças na

Escola e na educação brasileira.

Nesse sentido, o estudo nasceu do desejo de compreender o papel da instituição

educativa agrícola, no âmbito da educação piauiense, como também seus mecanismos de

funcionamento escolar, próprios à modalidade do ensino agrícola. Propusemos, no texto,

entender as práticas, valores e vivências no âmbito do espaço escolar do sistema de internato e

externato agrícola. A partir dessa proposição, apresentamos a ligação dos discursos agrários

nos anos 1950 com a criação da Escola Agrotécnica de Teresina.

1 NASCIMENTO, Jorge Carvalho do. Memórias do aprendizado: 80 anos do ensino agrícola em Sergipe. Maceió: Catavento, 2004. p. 32.

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Dessa forma, sendo essa a intenção do presente estudo, voltamos o olhar analítico

sobre a criação e trajetória da Escola, procurando entender sua relação com os discursos

existentes acerca da agricultura na década de 1950. Para tanto, propusemos uma leitura das

representações circulantes nos discursos dos jornais, diários oficiais, mensagens de

presidentes e governadores, estabelecendo uma ligação com as falas dos sujeitos da escola,

historiando e permeando os vários tempos e espaços escolares, na visão de ex-professores, ex-

diretores, ex-funcionários e ex-alunos do CAT.

A instituição foi criada sob a denominação de Escola Agrotécnica de Teresina, em

1954, em plena efervescência em torno do tema agrário no Piauí. Nesse sentido, os anos 50 do

século XX constituíram palco de intensas discussões, que enfatizaram a importância de sua

criação. O discurso governamental, representado pelas falas do governador Pedro Freitas e

fazendeiros tradicionais que dominavam o agrário piauiense, propunha laços entre a

modernização agrícola e a educação.

Na mesma direção dos anseios piauienses, a efervescência política do Brasil

modernizante, proposta futura dos anos JK contribuiu para fortalecer a vontade de mudança

no setor agrário piauiense. Desta forma, a instalação de uma Escola Agrotécnica em Teresina

constituía o desejo de Pedro de Almendra Freitas, no seu último ano de governo, em 1954.

Isto era pensado visando proporcionar o desenvolvimento econômico, via agricultura, para o

Piauí. Neste sentido, a campanha de Juscelino Kubitscheck, em 1955, potencializou esse

desejo de um novo tempo para o Brasil e também para o Piauí. Observamos que durante toda

a década de 1950 promovia-se a expectativa de conexão entre o agrário e “a nova era

tecnológica”.

Instalada como parte da rede federal de escolas agrícolas, a Escola Agrotécnica de

Teresina, apesar de ser um projeto dos dirigentes piauienses, concentrou interesses do

governo estadual e federal em implantar esse modelo escolar no sistema educacional

piauiense, visando suprir a necessidade de técnicos para o trabalho nas fazendas locais.

Inicialmente, em 1954, foi instalada como Escola Agrotécnica de Teresina, recebendo, dez

anos depois, a denominação de Colégio Agrícola de Teresina. Por isso, no presente texto,

usamos as duas denominações da escola.

As vozes que representaram o poder agrário local desejavam, sobretudo, a ação efetiva

no campo, como saída para a falta de credibilidade política do governo federal, nesse âmbito

no Piauí, isto em conseqüência do resultado de profunda crise econômica dos anos 1940.

Denominamos representantes do poder agrário, nesse período, embora fossem vinculados ao

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comércio e ao governo local, o governador Pedro de Almendra Freitas e Jacob Manuel

Almendra Freitas, secretário de Fazenda, sucessor e cunhado do então governador. Esses

procuraram manter a idéia e o projeto de criação da Escola Agrotécnica de Teresina ao longo

dos anos 1950.

O percurso da pesquisa além de tortuoso apresentou algumas dificuldades.

Recorremos, inicialmente, para responder às nossas indagações, à historiografia piauiense,

através da qual percebemos um certo silêncio acerca do projeto e criação da Escola

Agrotécnica de Teresina. Deste modo, efetivamente, não há trabalhos realizados sobre essa

Escola, salvo o recente estudo de Oldênia Fonseca Guerra,2 no qual o olhar da autora analisa

as relações de gênero nas Escolas Agrotécnicas Federais do Piauí, mencionando a criação da

primeira escola, o Colégio Agrícola de Teresina. No entanto, nenhum registro de publicação

específica foi encontrado, o que transformou a pesquisa em um processo de “garimpagem”.

Desse modo, nos arquivos do CAT, encontramos uma diversidade de documentos

escolares que se tornaram fontes de grande importância para a percepção da instituição

educativa, de 1954 a 1976. Neste acervo, foram analisados fichas de matrículas, boletins e

diários escolares, listagem de turmas iniciantes e concludentes, fichas de controles de reuniões

de professores, históricos escolares do curso Ginasial Agrícola e Técnico Agrícola, jornais de

grêmios, exames de admissão, atestados médicos etc. Na casa Anísio Brito foi realizada a

pesquisa em seis jornais: O Dia, Folha da Manhã, Estado do Piauí, Jornal do Piauí, Jornal do

Comércio, além de mensagens de governadores locais e mensagens presidenciais dos anos

referentes ao objeto em estudo. Na Academia Piauiense de Letras, foi feita uma pesquisa de

revistas do período de 1954 a 1976. Na Fundação Cepro, as revistas referentes aos anos 1950.

Na Biblioteca da Secretaria de Fazenda e Secretaria de Educação do Piauí foi possível

encontrar periódicos que subsidiaram a pesquisa dos anos 1960 sobre a cidade de Teresina.

Na UFPI, mais especificamente no setor de recursos humanos, buscamos a listagem dos

funcionários contratados pela Instituição em 1976. Na Biblioteca da UFPI, encontramos os

fascículos da Revista Econômica Piauiense, de 1954 a 1970, e o Almanaque da Parnaíba, de

1950 a 1955.

Na internet, recorremos ao site do Senado, onde encontramos vasta documentação e

informação sobre o tema, sobretudo, documentos como os Decretos de aceitação das terras do

2 GUERRA, Oldênia Fonseca. Relações de gênero e trabalho nas escolas agrotécnicas federais do Piauí: entre diferenças e preconceitos. 2004. Dissertação (Mestrado) – Programa de Mestrado em Educação, UFPI, Teresina, 2004.

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CAT em 1961. A Legislação do Ensino Agrícola os decretos-lei de 1954 a 1976 e os Diários

Oficiais. Além desses acervos, realizamos as entrevistas com 18 sujeitos da pesquisa, tais

como ex-professores, ex-diretores, ex-alunos e ex-funcionários do CAT.

Os sujeitos da pesquisa colaboraram de forma preciosa com o acervo iconográfico,

gentilmente cedido por: Antonieta Pires Rebelo, Cineas Santos, Lúcio Brígido Neto, Wilson

Herbeth Moreira Caland, Antonio João Rodrigues, Raimundo José do Rego Neto e Antonio

dos Santos.

Na tentativa de seguir construindo as histórias e memórias do Colégio Agrícola de

Teresina, pudemos compreender a importância desse símbolo escolar para a revitalização dos

discursos agrários, sendo possível entender as representações criadas acerca da instalação da

Escola Agrícola, de 1954 até sua incorporação à Universidade Federal do Piauí, em 1976.

As entrevistas com os ex-professores, ex-funcionários, ex-diretores e ex-alunos do

CAT permitiram o conhecimento do espaço da instituição educativa agrícola, por meio das

memórias construídas pelos sujeitos da pesquisa. Entrecruzamos olhares e falas sobre as

vivências, as festas, o cotidiano e também as angústias escolares. Sob este aspecto,

consideramos o papel dessa Escola de grande importância para a compreensão da História da

Educação no Piauí e no Brasil, por serem essas instituições educativas modelos educacionais

ligados ao modelo econômico agrícola do País.

Durante a pesquisa, constatamos que o CAT passou por 22 anos de profundas

transformações. De 1954 a 1976, a instituição educativa passou por orientações e

modificações propostas pelo governo federal. Essa época correspondeu à longa direção de

Carlos Estevam Pires Rebelo, primeiro diretor do CAT. Nessa travessia, a escola viveu três

etapas distintas e importantes: a primeira, na sua criação, subordinada ao Ministério da

Agricultura, em 1954; nos primeiros 10 anos, definindo-se um longo período de construção. A

segunda, em 1964, em sua inauguração e posterior transferência para o Ministério da

Educação, transformada em Colégio Agrícola de Teresina, período de grande efervescência

social no ensino público no Piauí. A terceira e última etapa foi vivenciada em um cenário

conflitante, reflexo dos anos de ditadura militar, nos anos 1970, período em que a instituição

passou a formar técnicos agrícolas e foi incorporada à Universidade Federal do Piauí, em

1976, final do recorte temporal da pesquisa.

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“A história como a entendemos é um campo de possibilidades, no qual os sujeitos são

atuantes e portadores de projetos diferenciados”.3 Com relação à escrita do trabalho, faz-se

necessário destacar a contribuição da História Cultural, com os novos objetos de análise

histórica da educação, o que possibilitou a abertura para o campo das instituições educativas.

Por sua vez, o estudo baseia-se nos conceitos formulados por Chartier,4 onde encontramos as

categorias de representações, práticas e apropriações, consideradas amplas e sugerem diversas

concepções e olhares sobre a análise histórica. Esses elementos são norteadores da

interpretação histórica, feita na perspectiva dos estudos culturais, considerando que “é preciso

pensá-la como a análise do trabalho de representação, isto é das classificações e das exclusões

que a constituem, na sua diferença radical, as configurações sociais e conceptuais próprias de

um tempo ou de um espaço”.5

Nessa direção, o estudo das práticas e representações escolares contribuiu também

para um maior conhecimento das instituições educativas agrícolas, oportunizando

compreender as histórias, os contextos históricos e os elementos que nortearam a criação

dessas instituições no Brasil. Nossa análise tem como preocupação a construção dos 22 anos

escolares que preencheram o período objeto do nosso estudo, sendo esses elementos

discursos, imagens, falas, que, de uma forma ou de outra, foram silenciadas pelo tempo e pela

historiografia piauiense. Por conseguinte, buscando construir as histórias e memórias do

Colégio Agrícola de Teresina, utilizamos a idéia proposta por Magalhães, que afirma:

A complexidade de elementos e relações, que compõe e molda a realidade educativa, na sua materialidade, representação e apropriação, pode ser analisada de forma integrativa ou de forma mais acentuadamente analítica, em consonância com os paradigmas, os meios de observação, a utensilagem conceitual e os critérios de avaliação ao alcance do investigador.6

Dessa maneira, o desejo de estudar a história e memória do Colégio Agrícola

possibilitou a proximidade com as análises realizadas acerca das instituições escolares

agrícolas. Entre os estudos publicados em âmbito nacional, encontramos trabalhos que

enfatizam a história do ensino agrícola, as escolas agrotécnicas federais, o papel da

agricultura, o sistema de internato nas escolas agrotécnicas federais, a infância pobre e os

patronatos agrícolas. Assim, apresentamos os trabalhos que mais contribuíram no sentido da

produção do conhecimento acerca do ensino agrícola no Brasil; entre eles, destacamos o

3 VIEIRA, Maria do Pilar de Araújo et al. A pesquisa em história. 2. ed. São Paulo: Ática, 1991. p. 43. 4 CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro: DIFEL, 1990. 5 Ibid., p. 17. 6 MAGALHÃES, Justino Pereira. Tecendo nexos: história das instituições educativas. Bragança Paulista: Universitária / São Francisco, 2004. p. 39.

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trabalho de Jorge Carvalho do Nascimento,7 que subsidiou a pesquisa, com as informações

sobre a criação e os 80 anos da Escola Agrícola de Sergipe. O estudo de Sônia Regina

Mendonça,8 que trata de forma consistente sobre as vocações do ensino agrícola brasileiro. O

trabalho de Milton Ramon Pires de Oliveira,9 que esclareceu o ensino dos patronatos e a

relação com a infância pobre. Por outro lado, a perspectiva das práticas educativas do

Patronato Agrícola de Sergipe foi apresentada por Marco Arlindo Amorim Melo;10 E a ótica e

construção do ensino agrícola brasileiro republicano na visão de Maria da Glória de Rosa.

Para o trabalho de constituição das memórias escolares, fundamentamos nosso estudo

nas concepções de Halbwachs,11 na construção dos quadros sociais da memória, buscando a

compreensão de uma memória coletiva. Conforme explica o mencionado autor, as memórias

podem ser coletivas quando são construções de um grupo social, bem como quando por ele

são evocadas:

Trazíamos conosco, com efeito, sentimentos e idéias que tinham sua origem em outros grupos, reais ou imaginários: é com outras pessoas que nos entretínhamos interiormente, percorrendo esse país nós o povoamos, em pensamentos, com outros seres.

Utilizamos as concepções de Miriam Sepúlveda Santos, esclarecendo o pensamento

acerca da urgência de compreensão dessas categorias nas análises sobre a memória coletiva,

definida como um processo de construção:

Podemos afirmar que os estudos sobre memórias coletivas tornaram – se não só interdisciplinares, como resolveram, em grande parte, as antinomias teóricas anteriores, pois a memória coletiva passou a ser compreendida como sendo parte constituinte ou das práticas reflexivas ou das construções sociais analisadas.12

A contribuição da análise de Michel Pollack13 definiu o sentido de um lugar de

memórias sugerido por Pierre Nora, no qual o primeiro acrescenta como lugares ligados à

lembrança e que podem apoiar-se em um tempo cronológico, destacando ainda o sentimento

de pertencimento na construção das memórias.

7 NASCIMENTO, op. cit., 2004. 8 MENDONÇA, Sônia Regina. Agronomia e poder no Brasil. Rio de Janeiro: Vício de Leitura, 1999. 9 OLIVEIRA, Milton Ramon Pires de. Formar cidadãos úteis: os patronatos agrícolas e a infância pobre na Primeira República. Bragança Paulista: EDUSF, 2003. 10 MELO, Marco Arlindo Amorim. A regeneração da infância pobre sergipana no início do século XX: o Patronato Agrícola de Sergipe e suas práticas educativas. 2006. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Sergipe. 11 HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990. 12 SANTOS, Miriam Sepúlveda. Memória coletiva & teoria social. São Paulo: Annablume. 2003. p.25. 13 POLLACK, Michael. Memória e identidade social. In: Estudos históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, n.10, p. 202.

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Nessa direção, procuramos analisar as histórias e memórias do Colégio Agrícola de

Teresina, buscando engendrar os mecanismos que constituíram suas práticas, discursos,

conflitos, imagens e que foram responsáveis pela construção das vivências dos sujeitos que

dividiam o espaço escolar.

Apresentamos o trabalho dividido em três capítulos. O Capítulo I, intitulado “Escola

Agrotécnica de Teresina: signo modernizante da ‘nova era agrária’”, propôs um olhar

analítico sobre os discursos em torno da criação da Escola Agrotécnica. Dessa forma, o estudo

analisou os interesses econômicos ligados à constituição de uma nova representação da

agricultura piauiense, nos anos 1950. Neste capítulo, o estudo procurou demonstrar a presença

dos seguintes elementos nessa discussão: a relação entre agricultura e educação e a

delimitação de um novo perfil para o trabalhador rural piauiense, bem como a criação de um

pensamento que visava constituir o trabalhador rural no próprio campo em que vivia, sob a

representação de um novo agrário, que seria simbolizado pela Escola Agrotécnica de

Teresina. Um outro olhar se volta sobre a idéia de modernização relacionada ao ensino

agrícola nos anos 1950, sob a perspectiva de desenvolvimento industrial dos anos JK. O

capítulo encerrou com a narrativa sobre a construção da Escola Agrotécnica de Teresina e a

análise dos mecanismos políticos desenvolvidos no governo Pedro Freitas para a sua criação,

bem como discute a proximidade da relação entre o campo e a cidade, como a construção da

representação de um novo espaço agrário, abordando ainda a saída dos estudantes do Interior

do Estado para as proximidades da Capital, o que modifica o perfil do estudante rural nesse

período.

No Capítulo II, “Superando a enxada, o machado e o fogo: o nascer do Colégio

Agrícola de Teresina”, inicialmente, buscamos apresentar a primeira década escolar, quando

foi inaugurado o Colégio Agrícola de Teresina, sob uma nova denominação. Procuramos

analisar a difícil trajetória da escola a partir de sua inauguração, enfatizando as mudanças

administrativas ocorridas na Escola, bem como as mudanças governamentais exigidas à

instituição com a transferência para o MEC e COAGRI, também abordamos a implantação

dos cursos de mestria e técnico agrícola no decorrer dos anos 1960. Sempre tentando perceber

os entrelaçamentos entre os anseios juvenis pela educação superior piauiense e os desejos

presentes no espaço agrário, para promover uma análise crítica acerca da educação no Piauí.

Neste capítulo, discutimos ainda as práticas, as aulas no sistema de internato, que desenhavam

o cotidiano no CAT. A análise discorreu sobre os anos 1970, as mudanças que foram

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efetivadas nessa década, com a transferência da Escola para a UFPI, em 1976, e os reflexos

desta mudança para o Colégio Agrícola de Teresina.

No Capítulo III, “Colégio Agrícola de Teresina: as multifaces das memórias”,

procuramos tratar das memórias constituídas pelos sujeitos históricos. Estudamos as

representações construídas sobre as falas dos ex-professores, ex-alunos, ex-diretores, e ex-

funcionários do CAT. Abordamos, então, as trajetórias, os conflitos, a relação com as práticas,

e a construção dos diversos tempos e espaços escolares. Na vivência dos sujeitos, percebemos

a instituição educativa agrícola como um espaço multifacetado de importantes experiências

que vão constituindo as histórias e memórias da instituição educativa agrícola.

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2 ESCOLA AGROTÉCNICA DE TERESINA: SIGNO MODERNIZANTE

DA “NOVA ERA AGRÁRIA”

As iniciativas para a criação da Escola Agrotécnica de Teresina, em 1954,

constituíram um ponto importante para reacender a chama dos discursos agrários no Piauí,

nos anos 50 do século XX. O Piauí apresentava um cenário de mutação, proporcionado pelo

declínio do extrativismo e a crescente expressão da lavoura no final dos anos 1940, que

apontavam a necessidade urgente de uma transformação significativa nas bases econômicas e

agrárias do Estado. Para Medeiros, essa realidade econômica do Estado proporcionou um

novo rumo para o Piauí: “o extrativismo deixara de ser, portanto, o setor de maior peso e mais

dinâmico da economia piauiense”.15

O comércio aparecia com a organização das grandes empresas: “se predomina no

comércio a organização empresarial individual, integrando o quadro de subdesenvolvimento

da economia piauiense, a tendência atual é para a organização de grandes empresas”.16 Deste

modo, o quadro se modificava, tendo em vista que “na composição da renda do setor terciário,

predominava o comércio, o qual gerou, em 1948, 246 milhões de cruzeiros e 611 em 1955, da

renda social do setor”.17 Contudo, há um relativo crescimento da lavoura, atribuído à

construção de estradas e ao crescimento demográfico:

A lavoura nos últimos anos cresceu vantajosamente graças às altas taxas do crescimento demográfico, à quase totalidade da renda na aquisição de alimentos e à maior integração do Piauí à economia nordestina. Aliás terceira dessas assertivas à construção de estradas de rodagem ligando o Estado ao Nordeste. Cresceu, além disso, em quantidade produzida.18

Dessa forma, as estradas tornam-se elementos importantes na comercialização da

lavoura e no impulso da agricultura entre 1940 e 1950:

O acesso dos caminhões ao interior “entre outros motivos, vem contribuindo eficazmente para que se tenha uma lavoura comercializada onde até pouco tempo a agricultura era, como é hoje na maior parte, atividade de subsistência”. Muito se desenvolve, pois a atividade agrícola nessas áreas é cortada pelas rodovias, pelas possibilidades que se abriram ao comércio interestadual.19

15 MEDEIROS, Antonio José. Movimentos sociais e participação política. Teresina. CEPAC, 1996. p. 36. 16 COMÉRCIO PIAUIENSE – HISTÓRICO. Revista Econômica Piauiense, n. 3, vol. IV, p. 207, 1960. 17 Ibid., p. 215. 18 Ibid. p. 217. 19 Id. ibid.

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De acordo com a Associação Comercial, o Quadro 1 apresenta os principais produtos

da lavoura, à época:

Quadro 1 – Alguns aspectos da lavoura no Estado do Piauí - Produção. Fonte: Comércio piauiense – histórico. Revista Econômica Piauiense, n. 3. vol. IV, 1960. p. 211.

Observando por outro prisma, os anseios eufóricos e a expectativa política de

modernização industrial pelos quais passava o País impulsionaram o desejo dos grupos

políticos que almejavam ressignificar o agrário piauiense.

Em 1950, esses representantes, em sua maioria, fazendeiros piauienses, vinculados

tanto ao poder político estatal como ao âmbito comercial, demonstravam o desejo de

aproximar a agricultura do projeto de progresso tecnológico presente nas intenções do

governo Vargas. Essa expectativa impulsionou os fazendeiros tradicionais do Estado a

levantar uma bandeira em torno do agrário, provocando discussões na imprensa local e

propondo uma nova mentalidade acerca da agricultura. Dois argumentos eram enfáticos em

tais discussões: a criação da Escola Agrotécnica de Teresina e o estímulo à economia

piauiense.

As fontes escritas pesquisadas para a compreensão do novo discurso agrário foram

diversas; para tanto, consultamos jornais, revistas e documentos oficiais: leis, decretos,

relatórios e mensagens de governadores e presidentes, de 1950 a 1960. Durante a pesquisa,

pudemos observar o desalento nos discursos; constatamos que a angústia era proporcionada

pelo declínio do extrativismo, que, entre 1930 e 1940, havia proporcionado anos de relativo

equilíbrio econômico para o Piauí. Assim, um novo pensamento sobre a agricultura se

constituiu, provocando o desejo de técnicos agrícolas para o impulso econômico do Estado.

Ao analisar o poder e o prestígio na Primeira República brasileira, Perecin explica que

esses estavam ligados às origens dos agrossenhores e que era

[...] impossível separar o estadista do fazendeiro. Da mesma forma que não se separam das raízes agrárias o coronel, o bacharel, o deputado, o burocrata, os

ANOS PRODUTO TOTAL/TONELADAS

1940/1950 Algodão em caroço 6.596/8.154

1940/1950 Arroz com casca 14.541/32.135

1940/1950 Cana-de-açúcar 157.857/234.260

1940/1950 Feijão 3.600/14.509

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presidentes do partido, os intelectuais; quanto a estes, salvo exceções, poder, prestígio e conhecimento eram implícitos às condições do berço.20

Tendo em vista que esta era uma característica dos primeiros anos republicanos no

Brasil, no Piauí, de 1950 a 1960, as vozes que lutavam pela defesa agrária não eram

diferentes. Este quadro é resultado do que a colonização deixou como resquícios, dentre os

quais a definição de Estado “essencialmente agrário”. Essa concepção era atribuída à

existência das grandes fazendas, que simbolizaram a prática econômica exercida pelas

tradicionais famílias presentes no Estado; fato que aproximou, por muitos anos, o perfil

econômico piauiense à agricultura. Contudo, diferentemente de outros Estados brasileiros

considerados agrícolas, essa prática não efetivou o crescimento do Estado, no cenário

econômico do País. Conforme justifica Martins:

Os antecedentes históricos da ocupação no Piauí, com ainda a própria existência de certas áreas muito férteis nos primórdios da formação da sociedade em análise, compõem o quadro de fixação ou de “ilusão” na indicação da estratégia agrícola. E é precisamente a ausência de uma visão histórica do processo piauiense que faz com que grupos de técnicos e políticos ainda persistam na interpretação errônea da ”vocação agrícola”. De fato, a história econômica do Piauí retrata a época em que o rebanho bovino do Estado se encontrava entre os maiores do país e em que as exportações agrícolas provenientes do extrativismo da cera de carnaúba, do tucum e da maniçoba contribuíram em terceiro lugar para a formação de divisas no País.21

Por sua vez, Brandão explica que na colonização do Estado a escolha da pecuária:

Como atividade principal talvez tenha resultado da observação aos caracteres físicos regionais e ao fato de os currais já virem adentrando o sertão. Mas é provável ainda que a capacidade da criação bovina de ocupar vasta área em tempo relativamente exíguo, com reduzido número de pessoas e pouco capital tenha influído na escolha.22

É importante que se perceba que é no envolvimento com a pecuária que a prática

agrícola se insere na colonização piauiense e constrói uma significação característica para a

história do Piauí. Desta forma, ao propor uma análise dos argumentos políticos, em torno da

criação da Escola Agrotécnica de Teresina, utilizamos as formulações teóricas oferecidas pela

história cultural e apresentadas por Chartier23 e Pesavento.24 Para tanto, julgamos necessário

explicitar os conceitos de representação, imaginário, símbolo e signo.

20 PERECYN, Marly Therezinha Germano. Os passos do saber: a Escola Agrícola Prática Luiz de Queiroz. São Paulo: USP, 2004. p. 84. 21 MARTINS, Agenor de Sousa Martins et al. Piauí: evolução, realidade e desenvolvimento. 2. ed. Teresina: Fundação CEPRO, 2002. p. 103. 22 BRANDÃO, Tânia Maria Pires. O escravo na formação social do Piauí: perspectiva histórica do século XVIII. Teresina: EDUFFPI. 1999. p.47. 23 CHARTIER, 1992, op. cit. 24 PESAVENTO, S. J. História cultural: experiências de pesquisa. Porto Alegre: UFRGS, 2003.

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Para Chartier,25 “a problemática do mundo como representação, moldada através das

séries de discursos que o apreendem e o estruturam, conduz obrigatoriamente a uma reflexão

[...] que dão a ver e pensar o real”. Nesse mesmo sentido, a realidade que é historicamente

produzida traduz um sentido, e, como reforça o autor, é construída sobre ela uma significação

diferenciada. Logo, entendemos por representação diferentes formas e instrumentos de

captação da realidade. Por isso fazemos uso das categorias de símbolos e de signos como

formas de representação da realidade em estudo. Desta forma, compreendemos com Chartier26

que esses podem ser atos, formas, objetos ou imagens que envolvam o universo a ser lido.

Sob este aspecto, no Piauí, a representação de Estado agrícola continuou a perpassar

os anos 1950, agora como reforço da crença em anos áureos agrícolas. Fortalecia-se, assim, a

nítida inquietação de políticos ligados às práticas agrícolas, preocupados com a situação da

pecuária e da agricultura piauiense. Em 1950, Pedro de Almendra Freitas, então governador

do Estado, respondia pela economia agrária, sendo uma das vozes que propunha a

modernização desse setor, acompanhado de seu cunhado e secretário Jacob Manuel Gayoso e

Almendra. Embora ambos estivessem vinculados aos setores político e comercial, tal situação

constituiu uma das preocupações desse governo.

Nesse sentido, em Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa, em 21 de abril de

1951, o governador procurou demonstrar a angústia acerca da situação agrícola do Piauí

justificando as dificuldades do governo estadual em implementar ações nesse setor, não

obstante reconhecesse suas necessidades:

A agricultura e a pecuária não têm recebido a atenção que merecem dos poderes públicos, como raízes que são, em verdade, da economia piauiense. A circunstância da aflitiva situação do Estado será alarmante, cujos efeitos muito contribuíram para a diminuição das nossas possibilidades materiais, impediram-nos anos passados de dedicar maior interesse a esses importantes setores da nossa produção, como era o desejo expresso da administração.27

Esse desejo pelo impulso econômico agrícola era visível no artigo intitulado “Fomento

à agricultura e à pecuária” do “Jornal do Piauí”. O texto deixou clara uma insatisfação com a

prática agrícola vigente e ressaltava a urgente necessidade do fomento à agricultura e à

pecuária, bem como enfatizava a preocupação com a imagem e condição agrícola piauiense:

Ninguém desconhece que o Piauí é um Estado essencialmente agrícola, em que o lavrador cava o solo, em procura de riqueza, com as próprias mãos nos mais

25 CHARTIER, 1992, op. cit., p. 23-24. 26 Id. ibid. 27 BRASIL. Mensagem apresentada pelo governador Pedro de Almendra Freitas à Assembléia Legislativa em 21.04.1951, p. 9.

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antiquados métodos de lavoura, sem nenhum conhecimento dos modernos processos de agricultura já usados nos Estados do Sul do País.[...] O que se verifica hoje é uma situação precaríssima nessas duas fontes de riqueza do nosso Estado. Chega a constituir mesmo uma ironia chamar-se o Piauí de “Estado Agrícola [...]”.28

Por se tratarem de anos difíceis para o Estado, foi traçado um perfil do Piauí na

“Revista Econômica Piauiense”, apontando a situação de carência, nos anos de 1953 e 1954:

O Piauí está situado na região nordestina e conta atualmente com uma população de cerca de 1.300.000 habitantes. Acompanhando as características da região a que pertence, ocupa cerca de 86% de sua população ativa nas atividades primárias, produzindo esta ocupação apenas 38% da renda social. A relação entre as percentagens da renda da população é de 0,4, o que evidencia ser um dos mais baixos índices do país. No biênio53/54 o Piauí produziu apenas 0,5% da renda nacional, a menor contribuição. Por estes poucos dados, já é possível avaliar a situação de extremo subdesenvolvimento em que se acha, e a premência em que se encontra, para a elaboração de um plano de desenvolvimento que o socorra a curto prazo.29

Ressalte-se que, historicamente, as grandes fazendas constituíram o signo do perfil

agrário piauiense, desde o encontro com os colonizadores. Isso reforça a afirmação de

Mendes,30 quando se refere à representação que envolve o Estado, definindo o Piauí como

“uma grande fazenda”. Para Ferreira,31 essa afirmação corresponde a uma resposta necessária

às condições geográficas estabelecidas pela própria condição natural do Estado:

O que se deu com o Piauí, não figurando entre as capitanias do ciclo agrário, foi exatamente o efeito de uma causa, encontrada na penúria das terras a serem exploradas. A pecuária veio por conveniência geográfica, sobretudo, por que sua civilização começa na zona acima aludida, imprópria ao crescimento de cereais, legumes etc.

A realidade piauiense se estampa nítida, na face geológica apontada em sínteses, de modo a não caber dúvidas, quanto à fraca capacidade produtora da agricultura, entre nós. Mas, às particularidades físicas dos terrenos centrais, juntamos o rigor do clima com seus tipos desfavoráveis do subúmido ao semi-árido, concorrendo para a inquietante oscilação da pluviosidade, distribuída com irregular freqüência. O lavrador é o simples e bisonho indivíduo, a vagar no seu isolamento, analfabeto na colônia como o é nos nossos dias presentes.

No entanto, conforme citado anteriormente, durante as décadas de 1930 e 1940 do

século passado, o modelo extrativista foi a marca da economia piauiense; porém, de forma

paradoxal, os baixos índices do babaçu, da maniçoba e da carnaúba apontaram o declínio do

extrativismo e a ânsia por um “novo tempo” agrícola, que seria impulsionado pela significante

expressão da lavoura em 1949. Deste modo, “o esgotamento do extrativismo exportador,

28 Fomento à agricultura e à pecuária. Jornal do Piauí, 24.07.1957, p. 3. 29 NASCIMENTO, Osvaldo Soares. Esboço de um projeto de desenvolvimento para o Piauí. Revista Econômica Piauiense. Teresina-PI, v. I, n. 2, abr./jun. 1957. p. 63. 30 MENDES, Felipe. Economia e desenvolvimento do Piauí. Teresina: Fundação Monsenhor Chaves, 2003. p. 23. 31 FERREIRA, Álvaro. Geografia econômica: realidade piauiense. Revista Econômica Piauiense, 1957. p. 78.

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enquanto ciclo da economia piauiense, foi definitivo, na década de 1950. A extração vegetal

que, em 1948, representava 43% da produção do setor agropecuário, em 1958 representava

21% e, em 1964, 12%”.32

Revelava-se um novo tempo para os anseios agrários; de certo modo, a euforia

modernizante sonhada na Era Vargas e retomada nas propostas de governo de Juscelino

Kubitschek, em 1955, renovou o desejo de grupos ligados aos poderes políticos e às fazendas

do Estado em rever as possibilidades de desenvolvimento econômico via agricultura. O

interesse concentrava o objetivo de construção de um novo perfil agrícola para o Piauí.

Assim, no discurso agrário, o momento era propício às novas tentativas de modernização. No

sentido de despertar os interesses dos grupos em foco, uma proposta de desenvolvimento

econômico para o Estado foi apresentada em um texto da “Revista Econômica Piauiense”.

Nesse texto, transparece uma nítida aspiração de mudança daquela realidade, porém afirma-se

a exigência para tal fim:

Pretendemos elaborar um esboço de projeto de desenvolvimento para um dos Estados menos desenvolvidos do Brasil, para não dizer o menos desenvolvido: o Piauí. Daí, então, ser-nos absolutamente necessário trabalhar dentro de suas estritas possibilidades e atingir, objetivamente, os setores básicos para o seu desenvolvimento. Esta é a nossa intenção, a nossa difícil tarefa.33

Compreendemos, desse modo, que há uma relação simbólica presente na discussão

sobre o agrário, que remonta a uma representação de símbolos e significados. Para essa

compreensão, utilizamos a concepção de Chartier,34 que destaca “uma relação compreensível

entre o signo visível e o referente por ele significado”; em outras palavras, “o que não quer

dizer que seja necessariamente estável e unívoca”. Desse modo, a agricultura revelou-se o

signo, o desejo agrário de desenvolvimento, o significado estabelecido no discurso.

Contudo, importa afirmar que os ares de modernização, trazidos desde o início do

século XX, originados pelas “luzes” dos primeiros anos republicanos, não evidenciaram

significativos efeitos no Piauí; a agricultura ainda correspondia ao signo da sua legitimação

econômica; sendo essa expressão, teoricamente, contraditória aos anseios da época industrial

desse período.

Desta forma, para a compreensão do estatuto criado acerca da agricultura no Piauí,

utilizamos as categorias de análise oferecidas pela história cultural, consideramos, então, os

32 MEDEIROS, 1996, op. cit., p. 37. 33 NASCIMENTO, op. cit., p. 63. 34 CHARTIER, 1992, op. cit. p. 21.

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conceitos propostos por Chartier, quando explica a importância da abordagem, sobretudo,

para compreendermos a posição de grupos e sua forma simbólica no mundo social.

Mais do que o conceito de mentalidade ela permite articular três modalidades da relação com o mundo social: em primeiro lugar, o trabalho da classificação e de delimitação que produz as configurações intelectuais múltiplas, através das quais a realidade é contraditoriamente construída pelos diferentes grupos; seguidamente, as práticas que visam fazer reconhecer uma identidade social, exibir uma maneira própria de estar no mundo, significar simbolicamente um estatuto e uma posição; por fim, as formas institucionalizadas e objetivadas graças as quais uns “representantes” (instâncias coletivas ou pessoas singulares) marcam de forma visível e perpetuada a existência do grupo, da classe ou da comunidade.35

Essa ótica permite visualizar os grupos de fazendeiros tradicionais piauienses, como

representantes de um modelo econômico agrário, os quais estabeleciam para si o estatuto

agrícola, institucionalizando as práticas agrárias e determinando as posições desse grupo

social. Neste contexto, a ânsia do estabelecimento de uma nova “era agrícola” era perceptível

nas ações do governador Pedro de Almendra Freitas, oriundo e representante de uma das

famílias tradicionais de fazendeiros ligados ao comércio, e proprietário de várias fazendas no

Estado. Pedro Freitas, ao assumir em 1950, procurou estabelecer laços econômicos entre o

comércio e a agropecuária no Estado. Conforme explica Passos:

Pedro de Almendra Freitas conciliaria os interesses dos setores agropecuários e do comércio. Hegemônicos na política municipal, durante toda a República Velha, os Freitas representavam tanto os interesses do grande latifundiário ligado à agricultura e à pecuária quanto dos setores do comércio, sua principal atividade. Atuavam tanto em Teresina na exportação como quanto no Norte do Estado, com ligações com os grupos mercantis de Parnaíba na venda da cera de carnaúba.36

O governador atribuía como resposta à ausência de um crescimento econômico viável

para a agricultura piauiense a carência no Piauí de técnicos bem preparados para impulsionar

o trabalho no campo. Certamente somou-se a esse argumento a falta de escolas e a ausência

de um projeto educacional para a sociedade piauiense. Porém as conseqüências dessa

realidade para o Piauí foram a ênfase dos problemas seculares, representados pelo despreparo

teórico e técnico do trabalhador rural e pela incorreta lida com a terra, constituindo, assim, sua

imagem de atraso econômico. A motivação dos fazendeiros, nesse momento, originou uma

grande expectativa acerca do ensino agrícola no Piauí.

Pedro Freitas representava a continuidade do sistema de poder vigente antes de 1945, que havia adquirido projeção estadual durante o período ditatorial, ancorado nos resultados favoráveis às exportações dos produtos extrativos. As exportações da borracha de maniçoba da cera de carnaúba e da amêndoa do babaçu, nas cinco

35 CHARTIER, 1992, op. cit. 36 PASSOS, Guiomar. A Universidade Federal do Piauí e suas marcas de nascença: conformação da Reforma Universitária de 1968 à sociedade piauiense. 2001. Tese (Doutorado) – UFPI, Teresina-PI.

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décadas em que dinamizaram a economia piauiense, por conviverem com a grande propriedade, reforçaram a estrutura fundiária e a base produtiva e, conseqüentemente, os antigos proprietários rurais, ainda que os vinculados ao comércio.37

A passagem do governador Juscelino Kubitscheck pelo Piauí, em 01.01.1955, em

campanha eleitoral pela presidência da República, possibilitou ao governador Pedro Freitas

entregar ao candidato um memorial, no qual relatava os planos de seu governo, enfocando os

problemas considerados graves para o Estado. O “Jornal do Piauí” fez referência ao momento

político, enfatizando os assuntos informados que correspondiam à lavoura e pecuária, à cera

de carnaúba, ao financiamento da cera, ao frigorífico, transportes rodoviários, silos e

armazéns, ao ensino agrícola, ao transporte ferroviário, marítimo e aéreo, à saúde pública, aos

hospitais e maternidades. No âmbito do ensino agrícola, o memorial apresentava a criação da

Escola Agrotécnica de Teresina como projeto necessário, tanto para o desenvolvimento da

agricultura e pecuária piauienses, como para o crescimento efetivo do trabalhador rural:

Embora sendo uma região essencialmente agrícola, o Piauí não possuía até o meu governo um estabelecimento em que se ministrasse conhecimento de agricultura. Fui levado a promover com o Ministério da Agricultura um acordo visando a fundação de uma escola agrotécnica, para a preparação da nossa mocidade, que se dedicasse ao amanho da terra.38

No mesmo memorial, o então governador solicitou auxílio para a conclusão da

instalação da Escola Agrotécnica, confirmando a doação de uma verba realizada pelo governo

estadual para a compra do terreno:

Consegui da Assembléia Legislativa verbas para a compra de terreno, situado à margem de rio perene, e o Estado já entregou a primeira quota para construção dos edifícios. Solicita o Estado ao governo federal um auxílio além do que consta do orçamento, de CR$ 2.000.000,00 para que concluísse em tempo mínimo as novas instalações.39

Dessa maneira, durante toda a década de 1950, o discurso sobre o agrário no Brasil

possibilitou um forte retorno à temática agrícola e à proposta de uma nova relação com a

modernização e industrialização. Sendo assim, por essa percepção, acreditava-se ainda que,

no Piauí, o único caminho viável para as expectativas de mudanças econômicas fosse o

37 PASSOS, 2001, op. cit. 38 Memorial apresentado ao governador Juscelino Kubistcheck pelo governador Pedro de Almendra Freitas. Jornal do Piauí, 01.01.1954, p.1. 39 Id. ibid.

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agrário. No fragmento do texto, Silva40 evidencia o receio visível na discussão agrária, em

relação aos assuntos relacionados à industrialização e ao atraso agrícola:

Já no final dos anos 1950 e no início dos anos 1960, a discussão sobre a questão agrária fazia parte da polêmica sobre os rumos que deveria seguir a industrialização brasileira. Argumentava-se, então, que a agricultura brasileira, devido ao seu atraso, seria um empecilho ao desenvolvimento econômico, entendido como sinônimo da industrialização do País.41

Nesse contexto, o conceito de modernização utilizado no presente estudo é explicitado

por Bobbio et al “como o processo pelo qual a organização da esfera econômica de um

determinado sistema se torna mais racional e mais eficiente”. Assim, o pensamento sobre a

modernização agrícola de 1950 visou a criação de novas técnicas de produção, para a

mecanização da agropecuária e uma aceleração do trabalho do campo, aproximando-se do

conceito de Bandeira: “um conjunto de mudanças, nos métodos de produção, na composição

da produção agropecuária, nas relações de trabalho, no sentido assalariamento, na estrutura

fundiária etc”.42

Consideramos, então, a modernização agrícola não como um artifício novo nesse

cenário, mas como peculiar ao seu contexto socioeconômico e político. De tal modo,

observamos o caráter de modernização discutido em 1901, apresentado por Oliveira, que

discorre sobre a atuação do Ministério da Agricultura e Comércio nos primeiros anos

republicanos e discute a intenção do ensino agrícola exposta no Congresso Nacional de

Agricultura:

Coerente com os diagnósticos que eram produzidos e propagados à época, os quais destacavam a situação de abandono, atraso e degeneração do campo e da população que nele habitava, junto ao MAIC foi constituída uma série de medidas voltadas para a intervenção na situação exposta, a qual tinha direção definida: era preciso fomentar o progresso e a modernização; a civilização precisava ser levada até o campo.43

Analisando o discurso, o conceito de campo aparece com a mesma definição dos anos

1950, significando o atraso e exigindo a necessidade de uma nova representação para esse

espaço, que seria proposta pela “modernização” ou “civilização” do campo. Esse pensamento

visava uma revalorização das práticas agrícolas. Em comparação ao ano de 1954, a

40 SILVA, José Graziano da. O que é a questão agrária. São Paulo: Brasiliense, 2001.p. 8. (Coleção Primeiros Passos). 41 Id. ibid. 42 BANDEIRA, William Jorge. A nova dinâmica do setor rural piauiense. CARTA CEPRO. Teresina, vol. 15, n.1, p. 49, jan./jun. 1994. 43 OLIVEIRA, Milton Ramon Pires de. Formar cidadãos úteis: os patronatos agrícolas e a infância pobre na Primeira República. Bragança Paulista: EDUSF, 2003. p. 26.

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característica peculiar do momento industrial, emergente na República populista e definida

por uma política nacional desenvolvimentista, significou a aspiração de mudanças marcantes

no campo, porém vinculadas ao pensamento tecnológico que se expandia. Por conseguinte,

tornou-se necessário incrementar as práticas e instrumentos agrícolas, como também

incentivar a falácia de construção de um novo homem rural.

Por sua vez, a discussão agrária piauiense construiu um ávido desejo de técnicos

agrícolas; nesse ideário, os técnicos seriam os “redentores” da agricultura e do Piauí,

procurando incentivar um novo olhar sobre o trabalho no campo, de forma a pensar esse

modelo econômico como o mais importante para o Estado. Esse desejo revelou-se nos

propósitos dos proprietários das grandes fazendas no Estado. Esta ênfase ao trabalho técnico

pode ser comprovada pelo artigo publicado no “Jornal O Dia”:

Desta agricultura que possui um código, cujo parágrafo principal é este: “produzir e alimentar o povo com base científica” [...] os agrônomos e técnicos agrícolas são os líderes desta nossa e vossa batalha; são eles de quem podemos, muito bem secundando um escritor patrício: “eles que serão irredutíveis nas suas atitudes, implacáveis na destruição e tudo o que é antiquado, como serão gloriosos, na construção de tudo o que é novo.44

Podemos considerar que a agricultura em diferentes épocas no Brasil foi tema de

difícil consenso; a justificativa para tanto foi legitimar o imaginário de um Brasil

“essencialmente agrícola”, assunto que suscitou, desde o século XIX, no cenário político,

econômico e social brasileiro um constante debate acerca dessa temática. Desse modo, a ânsia

por uma solução agrária não era realmente um desejo singular na década de 1950, posto que

diversas foram as tentativas de retomar esse argumento no Piauí, como forma de incentivar o

trabalho agrícola. Para reforçar essa idéia, um ensaio no referido jornal apontava a

necessidade desse pensamento:

O Brasil precisa acompanhar o ritmo progressivo de outras nações na indústria pesada e na cultura técnica e científica. Mas, o Brasil foi e deve ser ainda um país agrícola por excelência. [...] Se em todos os Estados brasileiros houvesse incremento intensivo da pecuária e da agricultura, haveria abastança de carnes, leite e de tudo quanto é cereal, legumes, verduras, próprios do nosso clima tropical. E onde existe superabundância das substâncias alimentares.45

Quanto aos discursos políticos sobre a industrialização como via de desenvolvimento,

esses eram existentes e ganharam força após os anos 1920. Na visão de Nagle, nesse período,

houve uma polarização de ideários para o Brasil, justificada pela transição social, política e

44 A agricultura e a juventude. Jornal “O Dia”, 12.05.57, p. 3. 45 País agrícola por excelência. Jornal “O Dia”, 21 de jul. de 1957, p. 1.

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econômica que se apresentava com os ideais republicanos. Com relação a esse período, o

autor afirma:

A imagem que decorre da combinação de setores, correntes e movimentos são a de uma sociedade que sofre os impactos que apresentam uma tendência a provocar alterações nas bases. O sinal mais evidente da tendência se encontra na retomada, intensa e sistemática dos princípios do liberalismo.46

No Piauí, a República consolidou os laços políticos voltados para uma revitalização

agrária e definiu sua face própria desse período de transição econômica. A característica

peculiar concentra-se nos anos 1950, direcionada à perspectiva do desenvolvimento

tecnológico da era JK. É importante notar que as mudanças ocorridas no País, na travessia da

década de 1930 e 1940, foram necessárias para estabelecer, posteriormente, na década de

1950, uma revitalização da consciência agrária de nova modernização, constituindo-se o novo

projeto de concepção moderna sobre o campo, sobretudo, representados pelos programas

educacionais voltados para a população rural.

Entre 1951 e 1954, no último governo Vargas, a proposta de impulso moderno à

agricultura é fortalecida, visando uma ação de políticas agrárias no campo. No ano de 1954, a

mensagem de Getúlio Vargas explicitou objetivamente a relação entre o agrário e o progresso

do Brasil:

Conforme assinalei em Mensagens anteriores, o meu governo está vivamente interessado em que se realizem, dentro da prudência e com rigorosa observância dos preceitos constitucionais, as mudanças estruturais de que nossa economia agrária necessita para que o seu desenvolvimento atinja os elevados níveis que clama o ulterior progresso do País.47

No mesmo texto, há referência à ação da Comissão de Política Agrária nos Estados, e

à descentralização proposta pelo governo a subcomissões regionais, como uma forma de

entrosamento da política agrária no País. A Mensagem destacou a natureza dos estudos, entre

esses, a preocupação com o ensino agrícola e a participação de órgãos do Piauí nessa ação:

No momento, a Comissão realiza estudos referentes à defesa dos recursos naturais renováveis, aos contratos rurais, ao ensino agrícola e à organização e defesa da classe rural. Procurou também descentralizar sua atuação através de subcomissões regionais, localizadas nas capitais dos Estados, sendo já apreciável a cooperação prestada pelos órgãos do Pará, Piauí, Ceará, Paraíba e Goiás. Providências serão tomadas para que os demais Estados se entrosem com as atribuições da Comissão Nacional de Política Agrária.48

46 NAGLE, Jorge. Educação e sociedade na Primeira República. São Paulo: EPU/EDUSP, 1974. p. 97. 47 BRASIL. Mensagem apresentada ao Congresso Nacional, pelo presidente Getúlio Dornelles Vargas. Rio de Janeiro, 1954, p. 128. 48 Ibid., p. 129.

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Nesse sentido, Vargas encontrava-se diante daquele que seria o impasse para a

economia brasileira, conforme explica Linhares:

O debate que se iniciara sob a era Vargas, acerca do caráter que deveria assumir o desenvolvimentismo brasileiro, torna-se o grande catalisador da política brasileira nas décadas de 1950 a 1960. Dar continuidade ou não ao modelo implantado nos anos anteriores e, ao mesmo tempo, corrigir desvios e implementar novas medidas implicaria mudar com decisão, o cenário econômico brasileiro.49

É perceptível a aspiração do governo Vargas em remodelar o perfil do trabalhador

rural. Observamos a construção de uma imagem que buscava reafirmar a postura do

trabalhador rural. Essa valorização do estereótipo também é citada por Linhares:

[...] Uma das conquistas mais perenes da política do Estado Novo para o campo foi, a nosso ver, a integração produtiva ao homem do campo como condição prévia para o desenvolvimento. O imaginário popular brasileiro fora carregado por representações de um trabalhador rural forte, habilidoso e oprimido.50

A construção do mundo por representações, segundo Chartier,51 nos direciona aos

processos de apropriação da realidade; assim, faz-se necessária a compreensão dessas formas

de apropriação como instrumentos de um esquema de práticas e perfis modelados. A

apreensão do mundo social, como o autor afirma, “são esquemas intelectuais incorporados

que criam as figuras, graças as quais o presente pode adquirir sentido”.

Em 1956, a ação desenvolvimentista dos anos JK, embora não priorizasse, o problema

agrícola, procurou entre os projetos de industrialização e expansão de estradas no País

conciliar os interesses modernos à estrutura agrária brasileira. Na Mensagem, observamos o

interesse sobre o ensino e a instalação de escolas agrícolas:

No sentido de encaminhar este setor da administração dentro de diretrizes convenientes, foram, em 1955, assinados vários acordos, para a instalação de novos estabelecimentos de ensino, entre a União e os Estados do Ceará, Goiás e Rio Grande do Norte. Além desses, lavraram-se acordos especiais entre o Ministério da Agricultura e autarquias, para a execução de um programa de educação rural e para a manutenção de um Centro de Tratoristas.52

A transição do governo Vargas para o governo JK, precisamente entre 1950 e 1960, no

Piauí, foi caracterizada pela presença do discurso agrário; o cenário social tornou-se palco de

intensos debates acerca da agricultura. As palavras-chaves dos argumentos foram o pequeno

49 LINHARES, Maria Yeda. SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Terra prometida: uma história da questão agrária no Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1998. p. 159. 50 Ibid., p. 160. 51 CHARTIER, 1990. p. 17. 52 BRASIL. Rio de Janeiro. Mensagem de Juscelino Kubitscheck de Oliveira ao Congresso Nacional. 03.04.1956, p. 205-206.

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agricultor, os programas de incentivos às práticas agrícolas, que incitavam a mudar a ótica

sobre a agricultura.

Na imprensa local, as falas clamavam inquietas por um novo tempo agrário, ansiavam

pela preparação de pessoas para o trabalho agrícola. De certo modo, os fazendeiros piauienses

sentiam-se atraídos pela nova ordem industrial, seduzidos pela nova propaganda do modelo

agromoderno. Uma das vozes pela defesa agrária piauiense era representante do fomento

agrícola no Estado, incumbência atribuída ao chefe da seção Albelar Pinheiro Telles, que era

visto como um homem incansável e persistente na defesa agrária. Vale observar a forma pela

qual o artigo publicado em “O Dia” referiu-se ao mencionado diretor do fomento e ao teor

dessas discussões:

Ouvíamos sempre, em todas as rodas de diversas atividades, breves e às vezes prolongados sussurros em torno de um trabalho modesto mais eficiente, em prol da lavoura piauiense em que se há verificado de fevereiro de 1950 pra cá.53

Albelar Pinheiro Telles, sobretudo, preocupou-se com a instalação de vários postos

agropecuários, como também com a distribuição de sementes para residências agrícolas do

Piauí. Essa atitude transpareceu nos jornais como uma forma de assegurar a valorização da

agricultura. O mesmo ressaltou sua intenção na defesa agrícola, justificando à sociedade

piauiense o trabalho do fomento:

Foram instalados cinco postos agrícolas, em Picos, Valença, São João, União, e Corrente. Sedes agrícolas em Barras e Altos. Campus de sementes no município de Floriano e mais três postos em funcionamento, os Postos de Amarante, Campo Maior e Buenos Aires, sendo este último em Teresina.

O posto agropecuário do Buenos Aires era uma área irrigável, situada na zona Norte

de Teresina, próximo ao rio Poti. A idéia de localização da Escola Agrotécnica e do Centro de

Tratorista constituía uma conexão estratégica com o posto e o horto florestal, sendo uma

extensa área verde, propícia às práticas e aos projetos agropecuários. O objetivo do trabalho

desenvolvido nos postos foi apresentado na mensagem do governador Pedro Freitas:

Os nossos Postos Agropecuários e Campos de Sementes além de prestarem uma assistência técnica e material aos lavradores e criadores através de seu serviço de Revenda e empréstimo, de apetrechos agrícolas e de constituírem locais para demonstrações das práticas agropecuárias têm uma missão toda especial, multiplicadores de sementes adquiridas nas estações experimentais. [...] temos tido a preocupação de instalar em nossas dependências pomares de árvores frutíferas.54

53 O fomento agrícola federal. Jornal “O Dia”, 18 de fevereiro de 1955, p. 1. 54 PIAUÍ. Mensagem apresentada pelo governador Pedro Freitas á Assembléia Legislativa, em 21 de abril de 1954, p. 54.

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O governador destacou ainda o trabalho do Posto Agropecuário de Buenos Aires,

justificando a sua produção: “no PAP de Buenos Aires mantemos um aviário que se destina a

fomentar a produção da avicultura, fornecendo aos interessados ovos, para incubação e aves,

para reprodução”.55

Desse modo, compreendemos a forma de apropriação dos discursos agrários

piauienses, como representações que se manifestam em comunidades simbólicas; segundo

explica Pesavento:

Nação e região são comunidades simbólicas de sentido que operam no âmbito do imaginário. Como tal, correspondem a um sistema de representações sociais, construídas historicamente e que se expressam por discursos, imagens e práticas.

Dessa maneira, é na transição do final dos anos 1940 ao início dos anos 1950 que o

trabalhador rural é inserido com certa relevância na pauta das reivindicações sobre as

iniciativas referentes ao âmbito agrícola no Brasil. Possivelmente, a razão para tanto seria a

própria reorganização do espaço agrário e urbano; efeito provocado pelas novas idéias

desenvolvimentistas, como também pelos anseios de mudanças, que sinalizavam um novo

momento para o País, influenciando a participação da população rural, entusiasmada pelas

vozes e idéias propagadas pelo sindicalismo rural e pelas ligas camponesas.

2.1 Delimitando novos espaços: o perfil do trabalhador rural

Somente no final dos anos 1950, o crescimento demográfico apareceu efetivamente no

Piauí, resultado do fenômeno da imigração, campo-cidade. Consideramos um dado importante

para essa análise, tendo em vista que esse fator contribuiu para o aumento da população no

cenário urbano piauiense, a partir da década de 1950, que, até esse momento, apresentou-se

com características rurais. Somente após essa década, a cidade passa a ter um ritmo mais

urbano. Segundo Façanha:

A nova ordem piauiense, iniciada a partir de 1950, configurou-se dentro de um rearranjo de forças provenientes do modelo de desenvolvimento do Estado brasileiro, que resultou num novo (re)ordenamento espacial das atividades produtivas e de suas cidades.[...].56

55 PIAUÍ. Mensagem apresentada pelo governador Pedro Freitas á Assembléia Legislativa, em 21 de abril de 1954, p. 54. 56 FAÇANHA, Antonio Cardoso. A evolução urbana de Teresina: agentes, processos e formas espaciais da cidade. 1998. Dissertação (Mestrado) – UFPE, Recife.

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São dados perceptíveis no censo demográfico que confirmam o crescimento da

população piauiense. Acreditamos que esta se apresentava, entre 1940 e 1950, como um

reflexo do processo industrial:

Regiões e Unidade da Federação População de Fato 1940 1950

Piauí - 817.601 1.064.468

Quadro 2 – Situação Demográfica. Estado da população. 1 População de fato na data dos recenseamentos gerais. 2 Distribuição segundo as Unidades da Federação-1940/1950. Fonte: Anuário Estatístico do Brasil de 1950, Ano V, V.11, Rio de Janeiro: IBGE. 1951.

Conforme observamos, a população piauiense apresentava índices relativos de

crescimento demográfico entre as duas décadas. Contudo, o Piauí constituía-se ainda rural. o

Quadro 3 apresenta esse cenário no Brasil e no Piauí em 1940:

ESTADO TOTAL URBANA RURAL % DA POPULAÇÃO RURAL SOBRE O TOTAL

BRASIL 41.236.315 12.880.178 28.356.133 68.86

PIAUÍ 817.601 309.749 693.404 84,80

Quadro 3 – Distribuição da população urbana e rural em 1940. Fonte: Contribuição à Ciência Geográfica. Boletim Geográfico, n. 111, Ano: X, nov./dez. 1952. p. 698.

De acordo com o Boletim Geográfico esse cenário apresentou-se tanto no Brasil

quanto no Piauí, em 1950. Desta forma, o Piauí prosseguiu constituído em sua maioria pela

população rural. Os dados da “Revista Econômica Piauiense”, apresentados no Quadro 4,

mostram a situação entre as duas décadas.

1940-QUADRO

URBANO QUADRO RURAL

1950-QUADRO URBANO

QUADRO RURAL

BRASIL 9.190 28.356 12.958 33.161

PIAUÍ 63 693 84 875

Quadro 4 – População presente segundo o domicílio (1.000 HABTS.) Fonte: Comércio piauiense-histórico. Revista Econômica Piauiense, vol. IV, jul./set. 1960, n. 3, p. 216.

Esses dados legitimam o princípio incorporado ao discurso governamental; nesse

período, o incentivo à criação de programas para o campo, em consenso com o plano de

diretrizes do governo federal, enfatizava-se a necessidade de propor uma relação afetiva entre

o a agricultor e a terra, em cidades do interior do Estado, como, por exemplo, a cidade de

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Picos, onde foram aplicados projetos como escolas de iniciação agrícola, postos

agropecuários, fomento agrícola e inspeção agrícola, com o objetivo de impulsionar a

agricultura e a pecuária.

Um dado importante no ano de 1950 demonstra o aumento populacional da cidade de

Teresina, sendo ela incluída entre os municípios com população superior a 50.000 habitantes,

conforme se pode observar no Quadro 5, a seguir.

Município Unidade da Federação População registrada em 1º-VII-1950

Teresina Piauí 93.352

Quadro 5 – Situação Demográfica. Estado da população. 3 Resultados Preliminares do Recenseamento Geral de 1950. 4 Relação dos municípios com população superior a 50.000 habitantes. Fonte: Anuário Estatístico do Brasil de 1950, Ano V, V.11, Rio de Janeiro: IBGE. 1951.

Em Teresina, o crescimento demográfico provocou o crescimento urbano; neste

sentido, Façanha aponta as diferenças entre as zonas espaciais da cidade; para este autor,

“entre os anos de 1940 e 1950, o espaço urbano de Teresina sofreu algumas transformações

espaciais, gerando novas áreas de crescimento na cidade, com destaque aos bairros Mafuá,

Vila Operária, Vila Militar, Feira de Amostra e Matadouro”.57

No ano de 1952, há referência sobre verba para a instalação de uma escola de iniciação

agrícola em Picos. Sobre o assunto, o “Jornal do Piauí” publica o telegrama do ministro da

Agricultura, João Cleophas, ao governador Pedro Freitas.

Tenho o prazer comunicar Vossa Excelência Poder Legislativo aprovou verba destinada instalação Escola agrícola de Picos pt Torna-se indispensável cessão de terras área correspondente duzentos hectares forma possibilitar desenvolver atividades Agropecuárias imprescindíveis Ensino e respectivos trabalhos pt Aguardo pronunciamento Vossência a fim Ministério possa tomar necessárias providências pt Crds Sdcs pt João Cleophas – Ministro Agricultura. 2-11-52.58

No documento, o ministro faz referência à necessidade no Estado de atividades ligadas

à agropecuária, sobretudo ao ensino agrícola. Entre os elementos que impulsionavam esse

argumento, o mais forte seria a expectativa de uma Reforma Agrária no Brasil, que

contribuiu, à época, para fortalecer essas discussões sobre a agricultura, ao tempo em que

motivou a população rural a manifestar-se acerca desse tema.

57 FAÇANHA, 1998, op. cit. 58 Escola Agrícola de Picos. Jornal do Piauí, 02/11/52, p. 3.

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Nascimento,59 ao analisar o ensino agrícola na Era Vargas, acrescenta que o projeto de

modernização executado nesse período introduziu práticas “que foram vistas, à época, como

inovadoras na área.” Todavia, a partir de 1954, no Piauí, o debate sobre a temática constituiu

um caráter próprio e simbólico devido aos efeitos tecnológicos, promovidos pela transição dos

“anos áureos” do governo JK, que definiu uma política de incentivo à industrialização do

País, ambicionando o lema progressista do seu governo em transformar o País, propondo

“cinqüenta anos em cinco”. A intenção desse pensamento direcionou a preocupação agrária

ainda muito presente no partido de JK, Partido Social Democrático (PSD) e que, no Piauí, foi

liderado por Pedro Freitas, representante do grupo de fazendeiros locais que uniu interesses

comerciais modernos à perspectiva econômica agrícola. Dessa forma, não podemos descartar

a participação da população rural nesse processo:

Na verdade, se isso se deu, o crédito se deve menos ao governo JK e mais à própria dinâmica dos movimentos sociais no campo. Apesar da presença e das pressões do PTB, seu aliado, JK, oriundo do PSD, partido de forte representação dos interesses agrários, experimentado nas turbulências que o ameaçaram até assumir o governo, optou por evitar tensões desestabilizadoras que certamente adviriam de qualquer medida que pudesse afetar as tradicionais relações de poder existentes no campo. Portanto, não se originou de seu governo nenhum movimento no sentido de efetivamente promover políticas destinadas a reformar a estrutura de propriedade da terra, base do poder dos grandes proprietários. De toda forma, deve-se destacar que uma de suas políticas, a de estimular o desenvolvimento regional do Nordeste via criação da Sudene, terminou por conferir, como um efeito não previsto, uma forte visibilidade a uma das organizações do campesinato, as Ligas Camponesas.60

O governo JK procurou conciliar os interesses agrários, promovendo condições para

uma adaptação do desenvolvimento da agricultura ao movimento industrial, centrando em

uma preocupação com a nova perspectiva econômica para o Brasil, com o plano de metas, que

exigia urgentemente a modernização do pensamento agrário.

Para Rosa, o desinteresse pela agricultura é justificado por razões histórico-culturais:

Em 1956, ao assumir a Presidência Juscelino Kubitschek de Oliveira, foi dada larga atenção ao parque industrial. Não seria, contudo, verdadeiro admitir-se o desleixo com a educação. No setor do ensino agrícola, ocorreram tentativas de organização de escolas secundárias desse tipo. Razões histórico-culturais, no entanto, conferiam aos estabelecimentos agrícolas um desenvolvimento insatisfatório.61

Nesse sentido, o ensino das práticas agrícolas foi associado à profissionalização no

Decreto n. 16.826 de 13.10.1944, que aprovou o regimento da SEAV, Superintendência do

Ensino Agrícola, definindo a finalidade dessa instituição, no art. 1º:

59 NASCIMENTO, 2004, op. cit., p. 32. 60 GRYNSZPAN, Mario. Movimentos sociais do período JK. Disponível em: <www. Cepedoc.fgv.br>. 61 ROSA, 1980, op. cit., p. 134.

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A Superintendência do Ensino Agrícola e Veterinário (S.E.A.V), diretamente subordinada ao Ministério da Agricultura, tem por finalidade orientar e fiscalizar o ensino da agricultura e da veterinária, em seus diferentes graus, fiscalizar o exercício das respectivas profissões e ministrar o ensino médio e elementar da agricultura às populações rurais.62

Com base no mesmo Decreto-Lei, a Secretaria de Difusão Educativa desse órgão

deveria atuar de forma a “promover, pelos meios ao seu alcance, a educação direta das

populações rurais”.63 Dessa maneira, institucionalizaram-se as medidas para desenvolver os

programas de incentivo à educação rural.

Foi nessa direção que nortearam as intenções dos projetos criados pelo Ministério da

Agricultura em 1955. Na Gestão Café Filho, as escolas agrotécnicas e agrícolas ocuparam um

espaço relevante, com o intuito de levar a educação ao campo. O Relatório do Ministério da

Agricultura desse ano dá ênfase aos acordos realizados:

Lavraram-se acordos especiais entre o Ministério da Agricultura e autarquias, para a execução de um programa de educação rural e para a manutenção de um Centro de Tratoristas. No campo do ensino de Grau Médio, realizou-se o controle à fiscalização e à orientação de 20 escolas agrícolas, encontrando-se 26 unidades em instalação, tendo-se reconhecido duas e outras duas já em via de reconhecimento.64

Desse modo, o lema agrário modernizante, existente nos projetos governamentais

piauienses, procurou orientar iniciativas que vinculassem a aprendizagem de novos saberes

para o homem do campo, buscando, mantê-lo no lugar em que vivia e prepará-lo para

desmistificar os segredos da terra. O foco desse debate concentrou dois problemas presentes,

historicamente, na realidade brasileira e piauiense, o campo e a educação.

Nesse momento, a imagem que se constituiu sobre o trabalho agrícola distanciou-se da

representação que caracterizou o rural brasileiro. Na concepção de Linhares:

Não há mais espaço para o bugre abestado de Bilac, o amarelo doentio de Belizário Penna, o Jeca Tatu incapaz de Monteiro Lobato ou o forte fanático de Euclides da Cunha, agora são homens novos, muitos saídos das cidades, outros incorporados ao processo produtivo nacional, no mais das vezes através da rede de colônias agrícolas mantidas pelo Governo Federal.65

Os interesses desse novo pensamento revelavam-se nos programas governamentais

direcionados para a juventude rural, como proposta de mudança dos valores arcaicos

constituídos sobre a prática agrícola. O Relatório da pasta da Agricultura do presidente Café

62 BRASIL. Decreto-Lei n. 16.826, publicado no Diário Oficial da União de 13.10.1944, que aprovou o regimento da Superintendência do Ensino Agrícola e Veterinário. 63 Id. ibid. 64 BRASIL. Ministério da Agricultura. Relatório. Rio de Janeiro. 1954-1955. p.166. 65 LINHARES, 1999, op. cit., p.123.

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Filho em 1955 buscou esclarecer os propósitos de implantação dessa política educacional

agrícola e justificar o trabalho da SEAV:

No sentido de proporcionar à juventude – sobretudo a do meio rural – oportunidade e facilidade de complementar sua educação, permitindo desenvolver suas aptidões, a Superintendência do Ensino Agrícola e Veterinário, atendendo, de um lado, a necessidade do melhor aproveitamento dos recursos que lhe são atribuídos, e do outro a sua rede de escolas, procurou aumentar o número desses estabelecimentos de ensino, equiparando-os convenientemente.66

O movimento de ação das populações rurais contribuiu favoravelmente para esse

cenário; o relevante papel do campesinato, em 1955, representou uma constante insatisfação

dos camponeses com a dominação dos donos de terra, o qual incitou o movimento criado no

campo. Com base em Grynszpan:

Foi principalmente no governo JK que começou a ganhar evidência um dos mais novos atores na cena política brasileira, o campesinato. Até então restritos ao interior das propriedades, sujeitos à dominação dos grandes senhores, os camponeses começaram a se mobilizar e a se organizar, lutando por direitos e por terra. É certo que esse processo se iniciou bem anteriormente, em 1940. Contudo, foi apenas na segunda metade da década de 1950 que passou a ter maior visibilidade, ocupando as primeiras páginas dos jornais, impondo-se ao debate político, projetando os camponeses nas cidades, nos centros de tomadas de decisão.67

De tal modo, a época tecnológica criou expectativas na população rural e despertou o

desejo pela Reforma Agrária. A criação da primeira Liga Camponesa, em 1955, acelerou essa

discussão no Nordeste, área de maior atuação dos movimentos, os quais se intensificaram por

todo o País. As Ligas se baseavam no imaginário de “região atrasada”, imagem projetada nos

anos 1950. O fragmento, a seguir, aborda a construção dessa representação:

Foi no Nordeste, no entanto, que sua atuação foi mais intensa. A sua projeção nacional e também de seu principal líder, Francisco Julião, foi embalada pela visão que se firmou do Nordeste, na década de 1950, como região problema, caracterizada por calamidades climáticas como as secas, pela miséria, pela fome, por índices altos de mortalidade e baixos de saúde e educação, constituindo-se, enfim, em uma das representações do atraso.68

A resposta do presidente Café Filho foi estabelecer diversas medidas, procurando

justificar a atuação do agricultor no espaço em que vivia. Para tanto, foi impulsionada a

Campanha Nacional de Educação Rural que, com base no Relatório, objetivava esclarecer os

problemas do campo ao agricultor e incentivá-los ao trabalho.

Levar a educação de base ao meio rural, ajudando crianças, adolescentes e adultos a compreenderem os problemas peculiares ao meio em que vivem, a formarem uma

66 MINISTÉRIO DA AGRICULTURA. Relatório. Rio de Janeiro, 1955. p. 1. 67 MOVIMENTOS SOCIAIS NO CAMPO NO PERÍODO JK. Disponível em: <www.cpdoc.fgv.br>. 68 Id. ibid.

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idéia exata de seus deveres e direitos individuais e cívicos, bem como a participarem eficazmente do progresso econômico e social da comunidade a que pertencem.69

Com a ação da Campanha, foram veiculados meios para a construção do novo perfil

agrário para o País. As iniciativas apresentaram-se sob a forma de Missões Rurais de Centros

Sociais da Comunidade, propagou-se a instalação de Centros de treinamentos, professores e

auxiliares rurais de Centros de Treinamento, de Cooperativismo de jovens locais e Centros de

Orientações de Líderes Locais. Os centros pretendiam “educar os moços e despertar o amor

pela terra e a fixação na zona rural”.70

Multiplicaram-se, então, os programas educacionais que visavam atrair o agricultor ao

próprio campo e, especificamente, tratavam de estabelecer a conexão entre a realidade

agrícola do pequeno agricultor e a ação deste sobre o espaço rural. Em 1956, foi idealizada a

Rede Nacional de Divulgação Agrícola, proposta pelo Ministério da Agricultura, que

pretendeu esclarecer informações aos habitantes do campo. O Relatório desse ano informava:

Para atingir plenamente os objetivos da divulgação, foi idealizada a Rede Nacional de Divulgação Agrícola, um sistema de cooperação entre órgãos e instituições interessadas em levar aos homens do campo, um conjunto de informações, conselhos e sugestões úteis à melhoria das condições de vida e de trabalho.71

Por meio da Rede de Divulgação Agrícola, foram criados diversos projetos de rádios

para agricultores, os quais veiculavam programas educativos de incentivo e de orientação à

correta utilização da terra. Na reportagem do “Jornal do Piauí”, de 13.11.1955, o ministro da

Agricultura Munhoz da Rocha destacava seu interesse pela criação de rádios e cinemas para

agricultores; esse empenho demonstrou um incentivo à relação entre o campo e a educação:

Tiveram início as obras de adaptação do prédio destinado à instalação do laboratório cinematográfico do Ministério da Agricultura. Essas obras fazem parte do plano de aparelhamento do Serviço de Informação Agrícola, aprovado pelo ministro Munhoz da Rocha, em sua primeira etapa, compreendendo também a construção já em andamento, de abrigo para os transmissores de ondas curtas da Rádio Rural em Benfica. Os recursos também foram proporcionados pelo atual titular, que demonstrou assim compreender o valor educativo da rádio e do cinema.72

O Ministério da Agricultura buscava com o projeto estimular o agricultor ao empenho

do trabalho rural; para tanto, estabeleceu convênio com cooperativas e órgãos interessados na

profissionalização do homem do campo, como, por exemplo, o Instituto do Mate.

69 MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, Relatório. Rio de Janeiro, 1955. p. 180. 70 Id. ibid. 71 MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, Relatório. Rio de Janeiro, 1956. p. 77. 72 Rádio e cinema para agricultores. Jornal do Piauí, 13.11.1955, p. 3.

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Por sua vez, as formas de preocupação com a temática agrária se manifestaram com a

criação das semanas ruralistas, dos clubes agrícolas, dos fomentos, e das escolas agrícolas e

agrotécnicas em todo o País. A proposta do Ministério da Agricultura procurou justificar as

bases e intenções sobre a educação técnica no seguinte Relatório:

Urge, pois que o governo se empenhe em assistir todos os tipos de escolas necessárias à formação do homem, seriamente integrado na realidade nacional, quer em termos de cultura humanística, quer em termos de cultura técnica, quer, sobretudo, de cultura técnico-humanística.73

Nesse mesmo sentido, a aspiração pela escola de técnicos só se manifestou no governo

representado pelo governador Pedro de Almendra Freitas, entre 1951 e 1954. Esse período foi

caracterizado por um momento de intensas crises econômicas e políticas; o governador, como

árduo defensor do lema agrário, defendia a educação técnica agrícola. Sendo assim, o Piauí

continuou por muito tempo sem receber investimentos econômicos do governo federal,

embora a intenção de criação das escolas no texto do mesmo Relatório demonstre o

entendimento de uma urgência econômica no País, “salientada a urgência de criar ou

reestruturar as escolas, em todos os níveis de ensino, e fixados os objetivos superiores dessas

providências, com o intuito de preparar eficientes construtores da economia e cultura do

país”.74

Contudo, o crescimento educacional piauiense ainda correspondia de forma lenta ao

panorama geral do Brasil, devido à falta de incentivos políticos, às condições econômicas e à

ausência de escolas. Na visita do ministro da Agricultura do governo Vargas, João Cleophas,

foi apresentada uma exposição de motivos ao então ministro, pelo governador Pedro Freitas, a

qual apontou a extrema carência em que vivia o Estado do Piauí, como também demonstrou a

necessidade da existência de uma escola que preparasse técnicos para o aproveitamento dos

campos. Uma passagem no artigo do “Jornal do Piauí”, de 1955, ao abordar a visita, buscou

demonstrar a intenção do governo em instalar e seguir a construção de um modelo pré-

estabelecido no País para esse modelo escolar:

Quando da visita do então ministro da Agricultura, senhor João Cleophas, ao Piauí, nasceu dos entendimentos com o governador Pedro Freitas, a idéia de criação de uma Escola Agrotécnica em Teresina. Estabeleceu-se o acordo entre o governo do Estado e a União Federal, nos moldes já existentes em outras regiões para empreendimento dessa natureza.75

73 MINISTÉRIO DA AGRICULTURA. Relatório. Rio de Janeiro. 1956. p.197. 74 Id. ibid. 75 Escola Agrotécnica de Teresina, amanhã a colocação da Pedra Fundamental, Jornal do Piauí, 27.01.1955, p. 1.

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Desse modo, Pedro Freitas propôs uma conciliação entre os dois governos para a

criação da Escola de técnicos, de acordo com a orientação da SEAV. O ministro da

Agricultura autorizou o acordo e garantiu que metade das verbas seria doada pelo governo

federal. Em visita ao Piauí, o candidato à Presidência da República, Juscelino Kubistcheck,

foi convidado pelo governador a conhecer o terreno onde seria instalada a futura Escola

Agrotécnica e assim apresentada a proposta de realização do projeto, que seria a obra

responsável pelo o impulso agropecuário do Estado.

A imprensa, ao abordar o lançamento da Pedra Fundamental da Escola Agrotécnica de

Teresina em 1955, enfatizou o discurso de criação da Escola pautado como uma meta

prioritária do governador Pedro Freitas:

No governo do senhor Pedro Freitas, muito esforço foi efetuado a fim de que o Estado pudesse dar alguns passos no sentido de melhorar as nossas forças produtivas. Todos os convênios tiveram suas quotas elevadas, muito embora a nossa situação financeira continue aflitiva. Todavia, a iniciativa e o esforço inicial para a realização da Escola Agrotécnica de Teresina valem como o maior desses trabalhos.76

Na verdade, tanto nos discursos dos fazendeiros locais como na leitura da imprensa

veiculada no Piauí, a Escola Agrotécnica de Teresina constituiu, simbolicamente, uma

referência de conquista para o Estado, justificando a crença na possibilidade de superação da

concepção secular de um Estado atrasado. A instituição representou um alto empreendimento,

devido à grandiosidade do seu planejamento, o mesmo contava com a construção de vários

prédios e uma larga extensão territorial, cedida pelo próprio governo do Estado para a sua

instalação, em uma área próxima a capital, Teresina, e, ao mesmo tempo, próxima ao rio Poty.

Esses constituíram os primeiros passos para a realização do projeto escolar agrícola.

O “Jornal do Piauí” enfatizou a reportagem sobre o momento da instalação da Pedra

Fundamental, descrevendo a localização, a estrutura da Escola e a educação em sistema de

internato como uma meta ousada para o Estado, e predisse que a Escola seria concluída em

1957:

Em extensa margem situada à direita do rio Poty, confrontando com o serviço de irrigação e o Posto Agrícola de Buenos Aires, será localizada a futura escola que deverá possuir diversos pavilhões construídos com solidez e simplicidade para o adequado funcionamento dos seus diversos órgãos: direção administrativa, internato, salas de aula, oficina de carpintaria, alfaiataria etc. Sua capacidade será para 200 alunos, em regime de internato, e tudo faz crer que no próximo no ano, poderá

76 Escola Agrotécnica de Teresina, amanhã a colocação da pedra fundamental, Jornal do Piauí, 27.01.1955, p. 3.

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começar o período de aulas, de vez que até lá estarão construindo as necessárias instalações.77

No dia 12 de agosto de 1955, o diretor Carlos Estevão Pires Rebelo publicou no Diário

Oficial da União um edital de concorrência para o fornecimento de material necessário à

instalação e ao serviço da Escola Agrotécnica de Teresina, sendo que as propostas deveriam

ser apresentadas no escritório da Escola, à Rua Miguel Couto, n. 150, em Teresina-PI, onde

era resolvido, temporariamente, todo o processo de construção do prédio escolar. Essa foi

uma importante iniciativa na construção da instituição.

No ano de 1955, realizam-se os primeiros trabalhos na área, tais como o cercamento, a

construção da serraria e olaria, como também foram recebidos os primeiros materiais para sua

instalação. O registro dos serviços foi apresentado na mensagem do governador Pedro de

Almendra Freitas; esta dizia: “continuarão os trabalhos de construção desta escola, tendo sido

realizados os seguintes serviços: construção de uma casa rural; construção de um pavilhão

para oficinas; desmonte e acabamento de 3.000m de estradas internas”.78 Porém a instalação

efetiva da escola levaria dez anos para a sua efetivação. O governo estadual atribuiu sua lenta

construção à falta de verbas no Piauí.

Figura 1 – Salas de aula do CAT/área interna – UFPI. Fonte: Crédito direto da autora.

77 Escola Agrotécnica de Teresina, amanhã a colocação da pedra fundamental, Jornal do Piauí, 27.01.1955, p. 3. 78 PIAUÍ. Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa pelo governador Pedro de Almendra Freitas em 21 de abril de 1954, p. 59.

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2.2 O pensar agrícola: a nuance moderna do agrário piauiense

Na Escola Agrotécnica, a nuance moderna do ensino agrícola constituiria a fixação do

trabalhador do campo em um espaço agrário transformado. Este novo agrário era produto de

uma construção do espaço imaginário do campo. Na década de 1970, a criação da COAGRI

influenciou a ação pedagógica, visando criar uma Escola-Fazenda que refletisse o agrário

transformado. Segundo Antonio Andrade do Rego, ex-professor da Escola, o projeto

pedagógico da Escola pretendia o domínio teórico da técnica e de sua aplicação, entretanto,

ocorriam algumas dificuldades na execução:

Geralmente o que era certo era o aluno aplicar no campo aquilo que já tinha visto na teoria [...] mas isso era difícil de dar certo, você plantar tomate, depois que aprendeu a cultivar tomate na sala de aula era difícil; eles criaram aí a Escola-Fazenda, não tinha operário, todo serviço era feito pelos alunos.79

Esse projeto pedagógico visava a articulação teórico-prática do ensino na Escola. A

Escola-Fazenda deveria proporcionar uma relação entre a teoria e a prática dos conhecimentos

transmitidos em seu currículo. Com relação aos limites desse modelo escolar nas escolas

Agrícolas, Antonio Andrade, secretário da EAT, fez o seguinte comentário:

Eu mesmo fiz o curso em Recife, muito bonito na teoria, mas na prática não dava certo... Esse negócio de Escola-Fazenda começou em Presidente Prudente, com o professor japonês, Sigeomisogushi e ele com o sucesso do colégio de Presidente Prudente que era do Estado foi convidado para implantar o sistema na COAGRI, e deram cursos e fizeram tudo [...].80

A Reforma Capanema, quando estabeleceu a Reforma do Ensino Secundário em 1942,

com as Leis Orgânicas do Ensino Agrícola, oficializou a percepção do ensino agrícola como

um modelo educacional voltado para uma juventude carente do interior. Essa intenção

aproximou as escolas de iniciação e os aprendizados agrícolas no País do Ensino Primário,

distanciando-se de uma proposta educacional mais direcionada para o Ensino Científico das

academias. Nesse sentido, o caráter de práticas, induzia à concepção de um ensino de saberes

técnicos, destinados à função do trabalho e não ao conhecimento intelectual. Entre as escolas

que objetivavam essa formação, havia também a proposta de estabelecer uma relação entre o

ensino e a origem familiar. Deste modo, uma das formas de análise sobre o ensino das

práticas agrícolas no Brasil é associada aos aprendizados relacionados às práticas familiares:

79 Entrevista concedida por Antonio Andrade do Rego em 20.01.06, ex-professor, ex-secretário, ex-diretor substituto do CAT entre 1958-1984. 80 Id. Ibid.

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Logo, tem-se, no caso brasileiro, o ensino da prática agrícola de cunho familiar e tradicional, lado a lado com aquele de caráter elementar ou primário, ministrado em instituições especiais, destinado a jovens filhos de “cultivadores”. Ambos se opõem ao dito ensino da agricultura, ministrado nas grandes escolas agronômicas, para futuros professores, altos funcionários e, sobretudo, filhos de grandes proprietários rurais, segundo a instituição focalizada.81

Havia, afinal, alternativas de análise para esse modelo, exemplo disso é o pensamento

de Mendonça, que implica no caráter de um ensino que deve ser analisado por sua “finalidade

social”; a autora propõe uma visão sobre o caráter de ação do campesinato:

Muito embora em suas origens históricas européias, datadas de meados do século passado, o ensino agrícola tenha sido o único a se arvorar com direito a um público definido quanto a sua extração social – filhos de agricultores ou de rurais – ele não deve ser definido pela origem de sua clientela, mas sim por sua finalidade social. Isso implica dizer que o ensino agrícola tendeu a perder, ao longo do tempo, seu caráter camponês, para transformar-se em um instrumento de ação do campesinato, seja na medida em que se multiplicaram as instituições destinadas a inculcar-lhe a idéia de progresso técnico, seja na medida em que acabou por enfatizar-se o grau superior deste ramo do ensino, o que também não deixa de significar a ampliação do quadro dos novos gestores do “mundo rural”.

No Piauí, essa discussão perpassou os interesses econômicos dos proprietários de

terras, como o governador Pedro de Almendra Gayoso Freitas e seu cunhado, coronel Jacob

Manuel Gayoso e Almendra, que se vinculavam também ao âmbito político, e faziam parte do

campo agrário e comercial no Estado. Também propiciou a iniciativa de uma educação de

trabalhadores técnicos vinculados ao espaço rural. Desse modo, o interesse pelo ensino

técnico agrícola permaneceu longe dos saberes acadêmicos, pois a necessidade do trabalho

nas fazendas e a falta de opção de trabalho para o pequeno agricultor favoreceram o empenho

em torno desse modelo escolar.

O discurso agrícola piauiense revelava ainda um caráter peculiar: a ânsia pela

instalação do trabalho técnico e a formação de um profissional que impulsionasse a

agricultura: o técnico agrícola; embora no Brasil já existissem Estados que formavam esse

profissional, como, por exemplo, a Bahia, Paraíba, Sergipe, Minas Gerais, Rio Grande do Sul,

São Paulo, onde existiam modelos de escolas agrícolas e agrotécnicas equipadas para o

trabalho do campo. Contudo, segundo Antonio Andrade do Rego, técnico agrícola e professor

do CAT, no Piauí, “havia uma grande carência de técnicos”, esse pensamento consolidou a

urgência da criação de uma Escola Agrotécnica.

Os técnicos chamados a preencher as vagas tinham sua formação na Escola Técnica de

Viçosa-MG. Sob este aspecto, a ausência desse perfil profissional no Estado fortaleceu o

81 MENDONÇA, 1998, op. cit., p. 19.

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discurso agrário que versou sobre o ensino, então, voltado aos filhos dos pequenos

agricultores das zonas rurais e do interior do Estado, com a perspectiva de que estes se

tornassem os “futuros redentores” da agricultura. Por conseguinte, acreditou-se no lema que

afirmava: existindo o contato com a terra, precisava-se apenas do conhecimento técnico sobre

a área. Nesses argumentos que alicerçavam o discurso agrário piauiense, em toda a década de

1950, era comum a ênfase aos temas: o ensino agrícola, a modernização e a juventude.

As escolas agrícolas em nível nacional já se expandiam pelo País, apresentando um

número bastante considerável entre 1966 e 1967. Segundo Rosa,82 o ensino agrícola nesse

período tende a crescer e a revelar-se nas esferas federal e estadual. A autora observou que

pela primeira vez havia dados do Anuário Estatístico Brasileiro de 1965/1966 sobre o ensino

agrícola, demonstrando o número crescente de escolas no Brasil, conforme se pode observar

no Quadro 2. No mesmo Quadro observamos que o Piauí é representado pelo Colégio

Agrícola de Teresina, que, já pertencendo ao governo federal, aparecia como única escola de

nível médio e formadora de técnicos agrícolas. Percebemos que no âmbito estadual, nesse

mesmo grau de ensino, não havia nenhuma escola agrícola no Estado.

82 ROSA, 1980, op. cit., p.151.

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Quadro 6 – Dados do Anuário Estatístico Brasileiro de 1965/1966 sobre o ensino agrícola. Fonte: ANUÁRIO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO. In: ROSA, 1980. p. 151.

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2.3 As luzes no campo: o discurso metafórico acerca da modernização e juventude

A construção do ensino agrícola foi relacionada ao discurso moderno, desde os

primeiros anos do século XIX. No Brasil, essa característica permaneceu como um elemento

discursivo do tema agrário nos anos republicanos, e se fortaleceu, a partir de 1956, no

governo JK, em conseqüência do efetivo processo de industrialização e modernização

econômica, ressaltados nesse governo. Dessa forma, a ênfase no conceito de modernização

agrícola tornou-se a força constante sobre as perspectivas futuras da agricultura rudimentar

piauiense. No Estado, a modernização estava ligada à prática agropecuária, que indicava a

expectativa em torno da concepção de que:

As máquinas deviam substituir os milenares instrumentos da roça, a enxada, a foice, o machado; os homens livres deviam habilitar-se para o trabalho mediante o treinamento; qualificar-se por ação educativa e escolaridade específica, não apenas nas escolas agrícolas, mas nas fazendas modelos, nos campos de experiência e demonstração [...].83

Esse discurso no Brasil foi enfatizado na Primeira República, quando os anseios de

progresso, modernização e civilização eram lemas do novo pensamento político. Nesse

sentido, o aspecto moderno foi direcionado as práticas agrícolas, e tratava-se de:

Deixar o “essencialmente agrícola”, a roça para integrar o Ocidente, de marcado perfil urbano. A modernização técnica e econômica envolvia modificações na

83 PERECYN, 2004, op. cit., p. 91.

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agricultura, em parte objetivada com as reorganizações do Ministério, em especial a constituição e articulação do ensino e pesquisa agronômica.84

O público escolar desejado na criação da EAT era basicamente a juventude rural,

segundo afirma Antonio Andrade do Rego: “a filosofia do ensino era trazer alunos do interior,

da capital não. A gente ia fazer vestibular dentro do interior, em Campo Maior, Piripiri,

Esperantina, Floriano; vinham alunos do interior do Maranhão”.85

Tornou-se necessário atrair tanto a juventude rural quanto construir um imaginário

agrário moderno acerca da instituição agrícola, uma justificativa de desconstrução da

realidade econômica agrária no Estado, percebida, então, como ultrapassada e carente de

novas tecnologias. Essa proposta correspondia aos anseios dos projetos do Ministério da

Agricultura. Logo, tornou-se explícito o desejo de superação dessa realidade, conforme

discorre o artigo do “Jornal do Piauí”:

Para um Estado como o Piauí, cuja economia se baseia exclusivamente na agricultura, na pecuária e nas indústrias extrativas, um estabelecimento de ensino como o que ora aqui se inicia representa uma conquista altamente proveitosa, sobretudo para a nossa juventude estudiosa que, até hoje, não podia, senão com muito esforço e afastando-se do seu meio ambiente, adquirir conhecimentos no que diz respeito a trabalhos agrícolas. Estamos ainda, lamentavelmente, no velho sistema da enxada, do machado e do fogo, de que resulta uma produção agrícola que mal chega para o consumo de uma parte da nossa população.86

Dessa forma, o pensamento presente no discurso sobre a agricultura permite uma

montagem das instituições sociais sobre esse ideário. A sua construção aproxima-se da

definição de Chartier:

As estruturas do mundo social não são um dado objetivo, tal como não são as categorias intelectuais e psicológicas: todas elas são historicamente produzidas pelas práticas articuladas (políticas, sociais, discursivas) que constroem as suas figuras.87

Sendo assim, a construção de uma escola que funcionasse como um espaço de

aprendizado para as práticas agrícolas constituiu o desejo que proporcionaria à sociedade

piauiense rural o sonho de desenvolvimento para um Estado secularmente atrasado; a

instituição seria o signo da representação de um Estado agrícola desenvolvido. Desta forma, a

escola, o campo, a agricultura moderna e o trabalho técnico foram símbolos de constituição

do novo mundo agrícola, por meio do aprendizado dos filhos de pequenos agricultores, os

84 OLIVEIRA, 2002, op. cit. 85 Entrevista concedida por Antonio Andrade do Rego em 20.01.06, ex-professor, ex-secretário, ex-diretor substituto do CAT entre 1958 e 1984. 86 Escola Agrotécnica do Piauí. Jornal do Piauí, 27.01.1955, p. 3. 87 CHARTIER, 1990, op. cit., p. 2.

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quais, ao se formarem técnicos, construiriam um “novo tempo” para as práticas agrícolas,

constituindo-se a tão esperada ”era moderna”.

No Jornal “O Dia” de 1955, o texto publicado reuniu os argumentos fundamentais para

a construção de uma representação, uma vez que procura relacionar a juventude e a

agricultura, incitando os jovens à luta pelo trabalho agrícola e à modernização tecnológica:

O Brasil, meus amigos, vos conclama a uma batalha, não se trata de uma batalha de armas bélicas, mas sim de uma batalha de armas produtivas, uma batalha de produção industrial e, principalmente agrícola, porquanto continuam atualíssimas aquelas palavras de Pereira Barreto proferidas no I Congresso do Ensino Agrícola (1911). Tudo quanto somos, tudo quanto possuímos devemos à AGRICULTURA.88

Ao mesmo tempo, a concepção de “atraso” no Estado justificou a necessidade de um

novo pensar agrícola e se refletiu na idealização de uma nova juventude, que buscasse a

concretização de uma nova agricultura como solução para o surgimento de novos líderes na

batalha contra a falta de desenvolvimento do Estado, atribuído ao mau uso da agricultura. É

estabelecida, assim, a crença, sobretudo, em dois importantes ícones: os agrônomos e técnicos

agrícolas. Discurso que constituiu uma chamada da juventude para os “novos tempos”; o

enfoque no texto ressalta a esperança nesses novos profissionais:

Entreguem-se os jovens do Brasil à luta pela especialização agrícola! Desta agricultura que possui um código e cujo parágrafo principal é este: produzir e alimentar o povo, com base científica [...]. Os agrônomos e técnicos agrícolas são os líderes desta nossa e vossa batalha [...]. São eles de quem podemos afirmar como muito bem diz um escritor patrício: Eles que serão irredutíveis nas suas atitudes, implacáveis na destruição e tudo o que é antiquado, como serão gloriosos na construção de tudo que é novo. Trazem eles o sentido inaugural dos tempos novos.89

Nesse sentido, a ânsia maior pela Escola de técnicos manifestou o desejo de realização

de alguns políticos e fazendeiros piauienses, que estavam à frente de instituições como a

Cooperativa Mista, criada para favorecer o crescimento agropecuário industrial do Piauí, o

Fomento Agrícola, o governo estadual, o Comércio Piauiense, o Frigorífico e o Banco do

Estado. O empreendimento escolar visava satisfazer os desejos políticos em torno do agrário,

que envolvia a solução de problemas como a mão-de-obra técnica e o uso da terra.

A relação entre a agricultura e a indústria buscou sustentáculo com a criação da

Cooperativa Mista para o desenvolvimento agropecuário industrial do Piauí. O trabalho na

Cooperativa Mista ficou sob responsabilidade de nomes como: coronel Otávio Miranda, Dr.

Raimundo Couto Castelo Branco, Eustáquio Soares de Sousa, Waldemar Martins e João

88 A agricultura e a juventude. Jornal “O Dia”, 28 jul. 1955, p. 3. 89 A agricultura e a juventude. Jornal “O Dia”, 28 jul. 1955, p. 3.

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Marques Barbosa que compunham o Conselho de Administração da Cooperativa Mista,

sociedade autônoma que procurava incentivar o serviço de economia rural. Uma nota na

“Revista Econômica Piauiense” comentou a proposta de criação da instituição, reafirmando os

interesses agroindustriais em torno da sua criação:

Os piauienses estão de parabéns com a criação da COOPERATIVA MISTA PARA O DESENVOLVIMENTO AGROPECUÁRIO INDUSTRIAL DO PIAUÍ, aos poucos, forma-se no Piauí uma elite dirigente, sempre preocupada em promover o desenvolvimento das diversas camadas sociais. Um exemplo mais concreto do que a Cooperativa recém-fundada não seria possível, e a sua instituição no momento veio graças a homens idealizadores e realizadores, como o Sr. Otávio Miranda, comerciante possuidor de elevados predicados produtivos nos diversos setores de atividades, já tendo por várias vezes provado quanto pode fazer em benefício do Piauí.90

A Cooperativa mista instituiu os planos de desenvolvimento agrário, fazendo parte dos

anseios políticos pelo incentivo à industrialização da agricultura piauiense. Assim, a iniciativa

objetivava:

Estimular o desenvolvimento da pecuária, comércio, agricultura e indústria, através da distribuição de sementes, aquisição de reprodutores, contratação de técnicos para ministrarem aulas de acordo com técnicas modernas, além de promover financiamentos, venda e controle dos produtos provenientes dos associados. Propõe-se ainda a Cooperativa a compra de máquinas agrícolas para a venda ou aluguel aos elementos a ela vinculados.91

Esse corpo de representantes discutia o agrário piauiense. Uma outra forma de dar

ênfase ao discurso agrário manifestou-se com a intenção de enaltecer as futuras perspectivas

modernizantes agrárias. O Jornal “O Dia”, do ano de 1955, dedicou uma página ao então

candidato à Presidência, Juscelino Kubitschek, informando as diretrizes de suas propostas

presidenciais, que se chamou: “A Voz de Juscelino”. O artigo intitulava-se “Restauração da

Terra”, no qual o candidato ressaltava seu interesse pela modernização agrícola e seu

pensamento acerca do agrário, o qual sugeriu a ótica de uma nova apropriação da agricultura.

Essa era uma resposta do então candidato ao grupo de fazendeiros:

Estou decidido, assim me seja dado agir, a repetir em largos moldes no governo federal, uma ação direta ou subsidiária da iniciativa privada, no sentido de que, de uma vez por todas, o problema do adubo seja resolvido. O ensino, o fomento de adubação orgânica pela produção do composto nas fazendas, a complementação

90 Cooperativa Mista para o Desenvolvimento Agropecuário Industrial do Piauí. Revista Econômica Piauiense, vol. I, n. 1, jan./mar. 1969. 91 COOPERATIVA MISTA PARA O DESENVOLVIMENTO AGROPECUÁRIO INDUSTRIAL DO PIAUÍ. Revista Econômica Piauiense, vol. I, n. 1, jan./mar. 1969.

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química com adubos ditos comerciais, o experimento, a demonstração, tudo são laços da cruzada em que não descansarei.92

A evidência na fala de Kubitscheck remete a urgência da necessidade de um agrário

modernizante, que tanto acompanhasse a industrialização como simbolizasse a crítica e o

abandono à visão mais arcaica da agricultura:

Só assim pouparemos o solo. Só assim quebraremos o ciclo insustentável de uma economia agrícola vinculada a um transporte que falta, quando a lavoura se apresenta, de uma produção que foge quando o transporte a ela chega, com os enormes custos que a enorme extensão territorial do Brasil, irremediavelmente condiciona.93

Convém enfatizar que compreendemos por modernização agrícola a utilização das

novas tecnologias às práticas agrícolas, bem como o conhecimento de novos saberes,

aplicados ao âmbito da agricultura. Nesse sentido, efetivamente, pretende-se definir o

conceito utilizado de uma forma mais ampla, vinculando também ao perfil constituído para a

agricultura. O caráter de modernização, apesar de estar historicamente ligado ao conceito do

agrário, nesse período apresentou um significado peculiar, forjado pelo pensamento criado

para o momento industrial no País, diferentemente dos primeiros anos do período republicano,

quando havia uma outra conotação à palavra modernização, tendo assim um sentido que se

configurou, de forma própria, nas diferentes épocas e contextos políticos, econômicos e

sociais.

Na análise de Bandeira,94 a discussão acerca da modernização agrícola se justifica pelo

próprio cenário da agricultura entre 1950 e 1970, no Piauí; está influenciada “por conta das

políticas e dos programas governamentais para o setor, que adquire um movimento de

modernização”. Para o autor, no período de 1950 a 1970, a agricultura piauiense:

[...] passou por um processo onde a grande propriedade, face à crise do extracionismo pela falência dos mercados externos, se redefine com a formação de unidades latifundiárias em que a força de trabalho era garantida através da formação de parcelas entregues às famílias não proprietárias.

Assinale-se que a tônica das discussões sobre a modernização no Piauí, nos anos 1950,

concentrou-se no tema das novas tecnologias e no trabalho no campo, buscando uma

reafirmação do imaginário agrícola que visava a superação do estereótipo da agricultura como

uma prática ainda rudimentar no Estado, configurando-se, nessa imagem, a transição para

92 Id. ibid. 93 Id. ibid. 94 BANDEIRA, William Jorge. A nova dinâmica do setor rural piauiense. Revista CARTA CEPRO. Teresina, v. 15, n. 1, jan./jun. 1994, p. 46.

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uma nova concepção da realidade agrícola. O alicerce desse pensamento sustentou-se na

propícia fase da lavoura. Na análise a seguir, Silva procura mostrar como a percepção acerca

da imagem arcaica do agrário provocou receio ao projeto de industrialização do País,

exigindo-se, para tanto, a necessária urgência da modernização das práticas agrícolas:

[...] no final dos anos 1950 e início da década de 1960, a agricultura brasileira passou a ser um dos temas centrais em discussão. Os vários diagnósticos – entre os mais progressistas e respeitados, diga-se passagem, como, por exemplo, aqueles inspirados no arcabouço teórico da Comissão Econômica para América Latina (CEPAL) – convergiam na tentativa de mostrar que a nossa estrutura agrária extremamente concentrada era limitante ao processo de industrialização do País.95

Na afirmação, o autor assinala a necessidade de a transformação tecnológica estar

ligada às práticas agrícolas e aos novos instrumentos; esses se tornaram uma exigência do

contexto econômico vigente do fim dos anos 1950. Contudo, não encontraram subsídio na

agricultura, por isso tornou-se necessária a existência de uma interconexão com o momento

industrial.

[...] a agricultura se conectou ao circuito global da economia, não apenas como compradora de bens de consumo industriais, como também houve o que podemos chamar de uma verdadeira “industrialização da agricultura”, na medida em que essa passou a demandar quantidades crescentes de insumos e máquinas geradas pelo próprio setor industrial.96

O movimento propiciado pela modernização impôs um referencial próprio, o estímulo

tecnológico à agricultura. Dessa maneira, houve a necessidade de criação do sistema de

crédito rural, para o implemento das atividades no campo. A origem ocorreu em meados dos

anos 1950, como um mecanismo viável à política agrícola brasileira; esperava-se, nesse

momento, que essa relação contribuísse para impulsionar a modernização agrícola. Na

concepção de Santos, “a partir dessa época, houve um maior relacionamento entre os setores

agrícola e industrial por força da aceleração da mudança do sistema produtivo tradicional para

um sistema mais avançado tecnicamente”.

No que se refere á paisagem educacional, o cenário foi preocupante para o início do

governo do general Jacob Manuel Gayoso e Almendra. O governador procurou avaliar as

iniciativas acerca da educação primária na mensagem de 1957, em que fez referência à

exigência da situação educacional e a um plano de atividades como proposta de acordo com o

Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos:

95 SILVA, p. 31. 96 O autor estabelece uma relação das práticas agrícolas com o momento modernizante, afirmando que houve uma “industrialização da agricultura”.

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Continuou a crescer em 1956, a matrícula escolar notadamente no Ensino Primário. Isto importa dizer que se acentua de ano para ano, o problema já de solução inadiável, da ampliação da rede escolar, quer em extensão, quer em profundidade, e não é só. Impõe-se vigorosa necessidade de lhe proporcionar instalação material condigna. Com esse pensamento cuidou o meu governo de elaborar um plano de atividades educacionais para o triênio 1956-1958, objeto de acordo já firmado com o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, em 14 de julho de 1956.

Dessa maneira, o interesse governamental pautava-se em torno das escolas de

iniciação primária, que, no discurso do governador, aparecia como prioridade no acordo com

o INEP. Na mesma mensagem, o governador citou a verba e a criação das escolas destinadas

ao acordo:

Como primeira etapa na execução desse plano, já em face de construção de 9 prédios para grupos escolares, dos quais 6 em Teresina, 2 em Floriano e 1 em Parnaíba, espera-se pôr em funcionamento, em breve tempo, a primeira de uma série de “escolas de aplicação” [...] acordo firmado com um auxílio de CR$ 6.300.000.00 (seis milhões e trezentos mil cruzeiros) pago pelo INEP.

De certo modo, podemos afirmar que a educação no Piauí atravessou uma longa fase

de estruturação ocorrida entre 1950 e 1960. Embora, no final dos anos 1950, a preocupação

que se manifestou por parte do governo privilegiasse a educação primária. No tocante ao

ensino agrícola, a relação entre essa modalidade de ensino e a situação econômica piauiense

foi de fundamental importância para a construção das primeiras idéias acerca da criação da

Escola Agrotécnica de Teresina, incluindo a idéia de instalar o ensino primário.

Compreendemos a educação como instrumento que manifestou os interesses sociais,

econômicos e políticos de mudanças, constituindo uma rede conjugada de valores que

representavam o aspecto social, como possibilidade de um novo tempo econômico para o

Estado. Percebemos uma construção institucional presente na representação. Portanto, “a

educação/instituição traduz toda a panóplia de meios, estruturas, agente, recursos, mas

também as marcas socioculturais e civilizacionais que os Estados e outras organizações

mantêm em funcionamento para fins de permanência e mudança social”.97

97 MAGALHÃES, Justino Pereira. Tecendo nexos: história das instituições educativas. São Francisco/Bragança Paulista: Universitária, 2004. p.15.

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Figura 2: Área do CAT até 1976, atual CCA/UFPI. Fonte: Crédito direto da autora.

A educação agrícola proposta para a Escola Agrotécnica de Teresina tornou-se um

instrumento de representação de valores e estruturas construídos acerca do agrário, como uma

tentativa de mudança social, que institucionalizou práticas inerentes ao campo e à sociedade

rural. E ao mesmo tempo representou os anseios dos fazendeiros locais.

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2.4 O sentido inaugural dos tempos novos: a Escola Agrotécnica de Teresina

Foi a partir de 1953 que o projeto de construção da Escola Agrotécnica de

Teresina se consolidou. A visita do ministro da Agricultura João Cleophas a Teresina,

em 22.03.1953, representou o passo inicial para a sua implantação; o pensamento

constituído sobre a Escola Agrotécnica passou a incorporar o significado de uma

realidade educacional e econômica mais próspera para o Piauí. Esses constituíam os

anseios de uma hierarquia agrária da sociedade piauiense representada por um grupo de

fazendeiros oriundos de famílias tradicionalmente vinculadas à esfera agrícola no Piauí.

Esses eram representados pelo governador do Estado Pedro de Almendra Freitas. O

acordo foi abordado no texto do Jornal do Piauí de 1954 e explicitava:

Graças aos esforços do Sr. governador Pedro Freitas, foi assinado recentemente, no Ministério da Agricultura, acordo com o governo do Piauí, para a instalação em nosso Estado da escola Agrotécnica e do Centro de Tratoristas. O estado como contribuição doará um terreno e o Ministério da Agricultura concorrerá com um milhão e duzentos mil cruzeiros para o início das obras, aquisição de tratores e outras máquinas necessárias para o funcionamento da referida Escola nas vizinhanças desta capital para a construção da Escola Agrotécnica e do Centro Tratorista, o que representa uma grande conquista de interesse e proveito para a coletividade.98

Embora, o ensino agrícola no Piauí remonte ao século XIX, a ambição do ensino

agrotécnico, em 1954, buscou simbolizar no imaginário social um divisor de águas para

a agricultura piauiense, significando a superação da imagem de Estado obsoleto, na sua

forma arcaica e a passagem a um estágio considerável de evolução econômica.

Procurava apresentar a perspectiva de um futuro promissor para a grande maioria de

jovens que viviam no interior e não tinham opções de crescimento educacional.

Às nove horas da manhã do dia 28 de janeiro de 1955 foi lançada a Pedra

Fundamental da Escola Agrotécnica de Teresina, na área “São João” e “Centro” da Data

Covas, no município de Teresina. Esse momento é destacado nas manchetes dos jornais,

proporcionando grande expectativa:

Em extensa área situada à margem do rio Poty confrontando-se com o serviço de irrigação e o posto agrícola de Buenos Aires, será localizada a futura escola que deverá possuir diversos pavilhões, construídos com solidez e simplicidade para o adequado funcionamento dos seus diversos órgãos [...].99

98 Escola Agrotécnica e Centro de Tratoristas. Jornal do Piauí, 04.07.1954, p. 1. 99 JORNAL DO PIAUÍ; JORNAL DO COMÉRCIO, 28 de janeiro de 1955.

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O “Jornal do Piauí” e o “Jornal do Comércio” registraram o evento como uma

solenidade de grande importância para a cidade, e referiam-se ao momento como uma grande

conquista para o Piauí, tendo em vista que a representação do momento de construção da

Escola Agrotécnica estabeleceu o novo ideário acerca das práticas agrícolas.

Para a solenidade, foram convidadas várias personalidades políticas do Estado. A

cerimônia foi realizada no local de instalação da Escola Agrotécnica. Compareceram ao

evento o governador Pedro Freitas, o governador-eleito Gayoso e Almendra, Dr. Valdir

Gonçalves, Dr. Fernando Pires Leal, deputado Epaminondas Castelo Branco, deputado

Gayoso Freitas, Dr. Oscar Cavalcanti, Dr., Evandro Rocha, Dr. Albelar Pinheiro Telles,

deputado Antonio Gayoso, Sr. José Rebelo Freitas, Dr. Elói do Egito Coelho, Sr. José

Belfort, Dr. Raimundo Medeiros, Sr. Moaci Fonseca, Sr. Paulo Carneiro, Sr. Teobaldo

Parente, deputado Clóvis Melo, Cel. José Camilo, prof. Alceu Brandão, Sra. Rosa Amélia

França, Sr. Jeremias Pereira, deputado Constantino Pereira, deputado Valdemar Leal, Sr.

Paulo Mota, deputado Milton Lima, deputado coronel José Ribeiro, Major Joaquim Freitas,

deputado Cleante Sales, Sr. Bonifácio Abreu, jornalista Clarindo Bastos, Sr. Noé Fortes e

funcionários dos fomentos agrícolas, animal e vegetal.

Figura 3 – Lançamento da Pedra Fundamental do CAT, em 28.07.2955. Fonte: Documento cedido por Antonieta P. Rebelo.

O “Jornal do Comércio”, ao realizar a cobertura do evento, demonstrou a importância

que se imprimiu à solenidade, destacou inicialmente o lançamento da Pedra Fundamental,

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realizado pelo governador Pedro de Almendra Freitas, e publicou, na íntegra, o discurso do

primeiro diretor Carlos Estevam Pires Rebelo, após o ato:

Senhores: Nesta data que ficará, por certo, distinta na história do ensino e das realizações agrícolas do Piauí, aqui nos reunimos para se fazer o lançamento da Pedra Fundamental do que será em breves dias a Escola Agrotécnica de Teresina. O acontecimento que ora ocorre tem uma significação mais ampla e mais profunda de que, à primeira vista, poderia dar a perceber. De há muito se ressentia o Piauí de um estabelecimento técnico a exemplo dos existentes nos outros Estados da federação que possibilitasse aos filhos desta terra uma orientação precisa no que se refere às práticas agrícolas. A Escola Agrotécnica de Teresina, na sua espécie, a primeira do Estado, proporcionará aos jovens que nela ingressarem todos os elementos indispensáveis à melhoria de seus conhecimentos técnicos. Será ela a célula-mater, na formação de grupos que, vivendo no próprio meio e conhecedores das novas condições ecológicas, por certo só poderão melhorar a nossa agricultura com práticas racionais eficientes. A objetivação da Escola Agrotécnica de Teresina que se erguerá de agora em diante não é fruto conseguido ao acaso. Muito pelo contrário, foi devido aos esforços conjugados de ilustres piauienses e a boa vontade demonstrada do senhor ministro da Agricultura, Sr. Costa Porto, em prol do nosso desenvolvimento agropecuário. Cabe ressaltar aqui a figura do Dr. Newton Beleza que, na direção da SEAV, tem dado todo o seu apoio à concretização desta obra. Aos filhos de nossa terra, às figuras representativas no cenário político, os nossos aplausos pelos esforços despendidos junto aos poderes constituídos pelo perene trabalho a favor do desenvolvimento de nosso Estado. Senhores: cumpre fazer especial referência ao trabalho empreendedor e profícuo da administração Pedro Freitas, auxiliado pelo espírito progressista do general Gayoso, pessoa não menos merecedora de elogios e destacado expoente na agricultura piauiense. Finalizando estas despretensiosas palavras, faço votos para que a Escola Agrotécnica de Teresina tenha brilhante futuro, e, com acerto, desempenhe sua verdadeira finalidade na formação de uma mentalidade agrícola tão necessária à grandeza do Piauí. Tenho dito.100

Percebemos no discurso a construção da afirmação que objetivava a manutenção da

juventude no seu lugar de origem, sendo a escola a instituição que proporcionaria a

racionalização da agricultura piauiense. A proposta escolar foi destinada a esse público-alvo,

o qual tinha conhecimento sobre a lida com a terra, o que facilitaria o aprendizado das práticas

modernizantes do campo. Destacamos que o valor educacional representado estava ligado à

solução econômica da agricultura no Piauí pelo conhecimento técnico.

É enfatizada, ainda nos anos 1950, uma característica semelhante a dos patronatos e

aprendizados agrícolas do final do século XIX e início do século XX – a predisposição do

ensino agrícola à juventude carente. A associação do trabalho, educação agrícola e infância

100 Lançada a pedra fundamental da Escola Agrotécnica de Teresina. Jornal do Comércio, 10.02.1955, p. 1.

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foi observada por Melo101 que definiu o objetivo dos patronatos. “Os Patronatos responderiam

a um duplo aspecto: aquele voltado para as técnicas profissionais ligadas ao trabalho

agropecuário e o voltado para a regeneração das crianças, tendo por arcabouço um rigoroso

código disciplinar”.

A construção do pensamento escolar agrícola apresentado definiu-se como um novo

modelo para o trabalho rural. À Escola Agrotécnica foi incorporado o meio de possibilitar a

oportunidade aos jovens, filhos de agricultores, de buscar a preparação da técnica do campo.

A idéia de representação aqui utilizada é um conceito primordial para a compreensão do

“funcionamento da sociedade” e das relações que nela se travaram nos anos 1950. Assim, a

imagem de progresso é ligada à instituição e apresentada na mensagem do “Jornal do

Comércio” de 1954: “sendo esta obra uma das grandes realizações do governador Pedro

Freitas, coube à sua excelência lançar a sua pedra fundamental”.102

A montagem do estereótipo escolar é evidenciada como uma imagem concreta,

desenvolvimentista da educação agrícola. Nesse sentido, consideramos a interpretação com

base na história cultural, que sugere:

A problemática do mundo como representação, moldado através das séries de discursos que o apreendem e o estruturam, [...] o interesse manifestado pelo processo por intermédio do qual é historicamente produzido um sentido e diferencialmente construída uma significação.103

O contrato assinado originou um acordo estabelecido entre governo federal e governo

estadual para a criação de uma Escola Agrotécnica, um Centro Tratorista e um Horto

Florestal, todas sob o comando de um único diretor. Ressalte-se que esse modelo de projeto já

existia em algumas cidades do País. De acordo com Rosa, entre 1963 e 1964, houve, no

Brasil, um considerável aumento no ensino industrial e agrícola; a autora destacou os números

de crescimento dessa vertente escolar, conforme apresenta o Quadro 7, a seguir.

101 MELO, Marco Arlindo Amorim. A regeneração da infância pobre sergipana no início do século XX: o Patronato Agrícola de Sergipe e suas práticas educativas. 2006. Dissertação (Mestrado em Educação) – Núcleo de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Sergipe. 102 Lançada a pedra fundamental da Escola Agrotécnica de Teresina. Jornal do Comércio, 10.02.1955. p. 1. 103 CHARTIER, 1990, op. cit., p.22.

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Ensino 1963 1964 Crescimento %

Normal

Secundário

Comercial

Industrial

Agrícola

148.550

1.246.125

261.254

55.353

8307

175.397

1.368.177

270.036

68.819

10295

26.847

122.052

8.782

13.466

1.988

18,00

9,7

3,3

24,3

23,9

TOTAL 1.719.589 1.892.724 171.135 100,0

Quadro 7 – Crescimento da Matricula no Ensino Médio (1963-1964). Fonte: ROSA, 1980, p.134.

Desse modo, as escolas agrotécnicas passavam por um momento de transição, quando

foram sendo transformadas em Colégios Agrícolas. Em Teresina, o acordo rezava que o

governo estadual deveria doar uma gleba de 300 hectares, para a instalação das instituições.

De acordo com Antonio Andrade do Rego, diretor de atividades culturais do Colégio, foi

assim definida a distribuição de terras entre essas instituições:

200 ha para a Escola Agrotécnica; 100 ha para o Centro Tratorista; 69 ha para o Horto Florestal.104

Através da portaria de n. 933/54, do Ministério da Agricultura, em 09 de julho de

1954, foi nomeado o primeiro diretor da Escola Agrotécnica de Teresina, o engenheiro

agrônomo Carlos Estevam Pires Rebelo, que iria dirigir a Escola por 22 anos, de 09.07.1954 a

1976. Coube ao primeiro diretor a escolha das terras para o estabelecimento do contrato entre

os governos.

Um documento narrando uma palestra do diretor de atividades Auxiliares do CAT,

Antonio Andrade do Rego, referia-se ao Decreto assinado pelo então governador Pedro

Freitas, definindo a extensão das terras destinadas à escola:

O primeiro passo para a consecução da obra coube ao Estado do Piauí, que, através de Decreto assinado em 1954 pelo então governador Pedro de Almendra Freitas, doava à União uma gleba de terras com 369 hectares, denominada São João, encravada na data “Covas” a 9 km de Teresina [...].105

Desse modo, a Escola Agrotécnica constituiu-se na expectativa de solução dos

problemas agrícolas, os quais significavam, em 1954, um traço marcante da região. O mesmo

104 Palestra do Diretor da Divisão de Atividades Auxiliares do CAT, Antonio Andrade do Rego em 09.03.79 (Documentação concedida pelo CAT). 105 Id. ibid.

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documento, buscando ressaltar a importância do CAT, referiu-se à sua instalação,

assemelhando-a a um farol de “luzes agrícolas”:

Com estes propósitos surgiu a então Escola Agrotécnica de Teresina, tal como um farol a emitir luzes agrícolas para todos os quadrantes do estado. E que cada técnico aqui formado ao deixar esta casa, deveria levar consigo uma chama, um ideal, a orientação inteligente, a fim de debelar o grande mal que depauperava o estado do Piauí, a falta de produção.106

O momento de compra do terreno para a instalação da obra, bem como as primeiras

construções são definidas nas lembranças da viúva do primeiro diretor – Antonieta Pires

Rebelo. Conforme seu relato:

O terreno ele comprou, o governo comprou, aí ele começou a cercar a fundação, uma das primeiras coisas que ele fez foi a serraria, para poder fazer os tetos direitinho, olaria para fazer tijolos [...]. Olha, tudo aquilo foi feito lá. Os tijolos, a madeira foram comprados fora, ele arrendou uma madeira aqui na Brava, que era do Dr. José Olímpio de Melo, irmão do Dr. João Mendes, que foi prefeito [...] ele montou a oficina pra fazer o Colégio Agrícola.107

Desta forma, a Escola Agrotécnica de Teresina e as escolas que tinham o objetivo de

propor o ensino das práticas agrícolas – ou escola de iniciação agrícola – eram subordinadas

ao Ministério da Agricultura e ficavam sob a direção da Superintendência do Ensino Agrícola

e Veterinário. Isto, de certo modo, limitou o campo desse modelo escolar aos conhecimentos

do mundo agrícola. Embora o curriculum adotado nessas escolas organizasse as disciplinas

básicas ou teóricas, as prioridades eram as técnicas, ou os aprendizados das práticas agrícolas.

Essa lei procurou justificar a legitimação do caráter agrário, ainda fortemente presente

no País, estabelecendo uma nova conscientização dos valores ligados a terra. Essa consciência

ainda estava abalada pelo estereótipo trazido pela Primeira República de país atrasado, devido

aos males agrários causados pela Colônia, o que afetava diretamente os grupos representados

pelos grandes agricultores do País.

Conforme abordamos anteriormente, as idéias de modernização do pensamento agrário

eram remetidas ao ensino agrícola, desde o século XIX, o qual seguiu a influência do

paradigma positivista. Segundo Perecin,108 essa influência se revelou entre 1880 e 1920, no

discurso de um médico que se referia à necessidade do ensino agrícola no Brasil:

106 Palestra do Diretor da Divisão de Atividades Auxiliares do CAT, Antonio Andrade do Rego em 09.03.79 (Documentação concedida pelo CAT). 107 Entrevista concedida por Antonieta Pires Rebelo, viúva do primeiro diretor, Carlos Estevam Pires Rebelo em 28.12.05. 108 PERECIN, 2004, op. cit., p. 90.

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Talvez o mais constante e perene defensor dessa modernização [...] tenha sido o médico Luiz Pereira Barreto [...]. O médico enxergava o País como o grande enfermo vitimado, por dois males ingênitos, a colônia e o escravismo, que respondiam pela mentalidade atrasada do brasileiro, em especial a do agricultor, inerte, infenso à tecnificação praticando à base da foice e da enxada.

Esse discurso propunha uma “cura” dos conhecimentos agrícolas através de um

método mais racional ou “positivo” para os conhecimentos sobre a agricultura, conforme

afirma a autora:

Parte referencial da reforma do ensino que defendia estava no sistema educacional, que devia ser aparelhado para oferecer o ensino dentro da classificação de Auguste Comte e formar o profissional técnico embasado nas ciências matemático-físicas e da natureza, a serem ministradas nas escolas secundárias e superiores, indispensáveis à agricultura e à indústria do País.109

De acordo com as observações de Nascimento sobre o movimento dinâmico existente

na sociedade brasileira, que favoreceu a constituição do pensamento agrícola, sobretudo as

manifestações pelo ensino, existentes em uma inter-relação entre o século XIX e XX:

As mudanças registradas nas últimas décadas do século XIX e nas primeiras do século XX são, assim, parte de um processo que se produziu no Brasil ao longo dos anos oitocentos e que obedece a uma dinâmica própria que não se subordina diretamente ao processo de substituição do regime monárquico pelo republicano. Portanto, não são novidades introduzidas no século XX, ou por uma intervenção direta de políticos republicanos, ações como o estímulo à migração de trabalhadores ou à europeização, por exemplo, processos que, de resto, foram vividos intensamente durante o século XIX, sob a Monarquia.110

Pode-se afirmar que a representação do início do século XX corresponde à proposta do

ensino que visava a criação de um “novo” profissional, que conhecesse e dominasse os

conhecimentos científicos – o agrônomo. Os ideais republicanos definiam o valor desse

modelo escolar representado pela figura do agrônomo, como uma personagem importante no

processo de revalorização do conhecimento das práticas agrícolas e do ruralismo brasileiro.

Na opinião de Mendonça:

A temática do ensino agrícola, a despeito, discutido desde o Segundo Reinado, ganhou relevo ao longo da Primeira República, na medida em que as transformações suscitadas pela Abolição impuseram a necessidade de redefinirem-se as formas de controle e/ou coerção sobre a força de trabalho rural, impedindo sua fuga ao circuito do mercado. Nessa conjuntura, enquanto potenciais gestores da nova ordem social emergente no campo, os agrônomos trabalhados, a despeito de diferenças quanto a suas posições, guardavam entre si um denominador comum: o papel de porta-vozes dos interesses da classe dominante agrária do período, em sua “missão” de “modernizar” a agricultura brasileira.111

109 Id. ibid. 110 NASCIMENTO, 2004, op. cit., p. 71. 111 MENDONÇA, 1999, op. cit., p. 30.

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Certamente a imensa extensão territorial cedida para a construção escolar foi um fator

que confirmou o pensamento de renovação do espaço agrário, por meio do ensino agrícola,

conforme podemos constatar, observando a Figura 4, a seguir:

Figura 4 – Mapa do Colégio Agrícola de Teresina-PI. Fonte: DIPRO/UFPI.

O ensino estabelecido pelo Decreto n. 9.614 de 1946 determinava como finalidade que

este fosse direcionado aos habitantes e trabalhadores do campo, buscando formar

profissionais aptos ao trabalho no campo: os técnicos agrícolas. No Art. 3º, a Lei especificava:

Art. 3º – O ensino agrícola, no que respeita especialmente à preparação profissional do trabalhador agrícola, tem as finalidades seguintes: 1 Formar profissionais aptos a diferentes modalidades de trabalhos agrícolas. 2 Dar a trabalhadores agrícolas jovens e adultos não diplomados uma qualificação profissional que lhes aumentem a eficiência e produtividade. 3 Aperfeiçoar os conhecimentos e capacidades técnicas de trabalhadores agrícolas diplomados.112

A Lei previa o estabelecimento de três modelos escolares para esse tipo de ensino; as

escolas de iniciação agrícolas, as escolas agrícolas e as escolas agrotécnicas. A Escola

Agrotécnica, ao iniciar suas atividades em 1964, ofereceu como proposta o curso de “Mestre

Agrícola e Técnico Agrícola”. O Art. 12 da referida lei definia ainda o caráter dessas

instituições:

1 As Escolas de Iniciação Agrícolas são as destinadas ministrar o curso de iniciação agrícola. 2 As Escolas Agrícolas são as que têm por objetivo ministrar o curso de mestria agrícola e o curso de iniciação agrícola. 3 As Escolas Agrotécnicas são as que se designam a dar um ou mais cursos agrícolas técnicos. As Escolas Agrotécnicas poderão ainda ministrar um ou mais cursos agrícolas pedagógicos e bem assim o curso de Mestria Agrícola e o Curso de Iniciação agrícola.113

112 Decreto-Lei n.9.614 de 20.08.1946. 113 Decreto-Lei n. 9.614 de 20.08.1946, que determinou o ensino profissionalizante para os estabelecimentos de ensino agrícola.

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No Piauí, em 1952, o número de escolas agrícolas apresentava-se bastante reduzido. O

ensino agrícola manifestava-se através das escolas de iniciação agrícola existentes em cidades

como Parnaíba, Floriano, União, Picos, criadas por iniciativa do ministro da Agricultura João

Cleophas, ainda no governo Vargas. Essas escolas visavam a preparação das práticas

agrícolas para o trabalho no campo. Contudo, não havia no Estado uma Escola Agrotécnica

que possibilitasse a formação técnica. O ministro da Agricultura objetivava, além de

incentivar a produção, mecanizar a lavoura, bem como aumentar os estabelecimentos de

fomento e ensino.

No tocante a outras escolas de nível primário, existiam, em 1952, 1.438 unidades

escolares. A Mensagem do governador Pedro Freitas destacava os números, conforme

apresenta o Quadro 8, a seguir.

Estaduais 1.071 (Todas as unidades)

Municipais 291

Particulares 76

TOTAL 1.438

Quadro 8 – Unidades Escolares em 1952. Fonte: Mensagem do governador Pedro de Almendra Freitas apresentada à Assembléia Legislativa em 21.04.1954. p. 36.

O governador explicitava em sua mensagem os limites de recursos, especialmente

didáticos da escola, durante o ano de 1952:

De modo geral, todos os estabelecimentos do ensino primário, normal e secundário funcionaram com a regularidade que lhes foi possível exigir, diante da escassez de material didático, e da falta de equipamento mais necessário para uma produção mais vantajosa das aulas.114

Em 1954, os órgãos relacionados à pesquisa e à educação eram o Centro Nacional de

Pesquisas Agronômicas e a Superintendência do Ensino Agrícola (SEAV). A partir desse ano,

foi inserida a Escola Agrotécnica de Teresina e o Centro de Tratorista. É importante observar-

se que a educação, em âmbito geral, tinha uma realidade difícil no País, assim, a educação

agrícola também se manifestou como pequena expressão nesse quadro. A visita de um técnico

do INEP, em 1956, ao Piauí, demonstra a situação da educação, em relação à construção de

escolas rurais, como ele próprio destacou em entrevista dada ao “Jornal do Piauí”:

114 PIAUÍ. Mensagem do governador Pedro de Almendra Freitas apresentada á Assembléia Legislativa em 21 de abril de 1954.

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Vim ao Piauí, de ordem do diretor do INEP, professor Anísio Teixeira, atendendo solicitação do governador Gayoso e Almendra [...] no corrente ano o INEP, não remeteu um centavo para o Piauí, embora disponha destinado para essa progressista unidade da Federação CR$ 3.723.000.00, por que existem escolas rurais iniciadas e ainda não concluídas. Este fato repercute gravemente para o Estado.115

Significando uma alternativa educacional, ao promover o ensino agrícola em nível

técnico, a Escola passa a ser o referencial educacional para os estudantes oriundos do interior

do Estado, que almejavam a carreira de técnico, para exercer o trabalho nas fazendas. Para a

juventude piauiense, estudar na escola tanto significou o desejo de aprender os segredos da

terra, como possibilitou a oportunidade de continuação dos estudos que não eram oferecidos,

até então, no Estado. Outra alternativa foi a proximidade entre a Escola e a capital, motivo

que atraía os interesses dos jovens teresinenses para o ensino agrícola.

Figura 5 – Área interna do CAT/UFPI. Fonte: Crédito direto da autora.

O momento se caracterizava pela inspiração ao trabalho técnico, o desejo de

profissionais para a agricultura aflorava. A mensagem publicada no Jornal “O Dia”,

denominada “Um convite à agricultura”, chamava a juventude piauiense a estudar na Escola

de Agronomia do Nordeste, localizada na Paraíba, a instituição intencionava despertar a

atenção dos jovens secundaristas piauienses para o ensino agrotécnico:

O Brasil, um país agrícola de terras fertilizáveis, encontra-se desprezado no que diz respeito à agricultura. É de lastimar que ainda sejam empregados métodos primitivos para o cultivo do nosso solo. Métodos estes que só impedem a boa marcha do progresso da nação. [...] Mas quem vai orientar o agricultor? O técnico [...].

115 Em Teresina um técnico do INEP. Jornal do Piauí, 13 de novembro de 1955, p. 1.

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Funcionam nesse estabelecimento de ensino dois cursos o Agrotécnico e o Superior [...] nos outros estudantes da Escola de Agronomia do Nordeste, empenhados como estamos para que seja acrescido o número de técnicos agrícolas desta próspera nação, convidamos os demais colegas concludentes do curso secundário (Ciclo Ginasial) para cursar o AGROTÉCNICO, a fim de que este imenso país no futuro disponha de elementos capacitados para maior êxito de sua agricultura.116

No presente estudo, não há intenção de discutir, mas apresentar a concepção de

habitus de Bourdieu,117 uma vez que as escolas agrotécnicas no Brasil revelaram-se

instituições que caracterizam modelos determinados a uma forma de habitus; considerando o

conceito como “sistemas de disposições duráveis e intransponíveis que, integrando todas as

experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções, de

apreciações e de ações”. Dessa forma, explica Nascimento, “as Escolas agrotécnicas são

agências formadoras de habitus, que incorporaram padrões culturais em circulação no Brasil,

nos Estados Unidos da América e em alguns países europeus como a França e a Suíça”.118

Acrescente-se que essas instituições seguem modelos pré-estabelecidos e determinam

singulares relações e posições de poder; nesse sentido, Mendonça enfatiza:

O habitus não é apenas a marca distintiva dos elementos oriundos de um dado campo de instituições de ensino, mas também e principalmente de uma dada escola, tornando-se, tal como o “espírito de família”. Apropria condição da formação do capital social que permite a cada um dos membros de um grupo integrado participar daquele capital, individualmente possuído por todos eles.119

De maneira peculiar, o habitus existente na Escola Agrotécnica de Teresina revela o

sentido de conservação de determinados perfis e práticas, vinculados ao mundo agrícola e

determina lugares e espaços na discussão sobre o agrário.

No debate que centraliza o ensino agrícola, transparece a estreita relação com a

agricultura. Para Oliveira, essa relação é colocada em pauta sempre que a abordagem sobre o

ensino agrícola é recorrente quando debatidas as condições sociais da produção agrícola; dos

diversos setores da sociedade e com diferenciados níveis de elaboração partem menções ao

tema.120

116 Um convite à agricultura. Jornal do Piauí, 06 de outubro de 1956, p. 3. 117 BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. 118 NASCIMENTO, 2004, op. cit., p. 39. 119 MENDONÇA, 1999, op. cit., p.18. 120 OLIVEIRA, Milton Ramon Pires de. Formar cidadãos úteis: os patronatos agrícolas e a infância pobre na Primeira República. Bragança Paulista: EDUSF, 2003. p.63.

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Vale destacar que o ensino agrícola no Piauí, nos anos 1950, constituiu uma ponte

entre os anseios econômicos dos grandes agricultores e a urgência da capacitação de

trabalhadores para o campo, como definiu o espaço determinado ao conhecimento das práticas

agrícolas. Interessa-nos, assim, explicitar como esse modelo escolar permaneceu ávido, na

discussão nos anos 1960, que se revelou um cenário de intensa efervescência, uma energia de

mudança econômica, política e social, reflexo das idéias que afloravam no País.

2.5 O espaço neoagrário: a via de mão dupla entre a cidade e o campo

A construção efetiva da Escola Agrotécnica iniciou em 1955, após o lançamento da

sua Pedra Fundamental, realizada no Quilômetro Nove, nos lugares ”São João” e “Centro” da

“Data Covas”, em 28.01.1955, no município de Teresina-PI, considerada uma área rural, a

uma distância relativamente próxima da capital. Essa localização foi um ponto de conexão

entre o campo e a cidade, estrategicamente criada próxima à margem do rio Poty, a

localização favoreceu a ligação com a Capital do Estado, cidade mais importante e centro das

relações econômicas.

A cidade conecta-se ao campo, em um movimento de comunicação, o êxodo surgiu

como um elemento importante nesse diálogo:

Somos convidados a pensar na relação campo-cidade, sempre em termos móveis, por um lado, em sua condição específica e contemplada pelo êxodo forçado de algumas regiões brasileiras, cujos habitantes são mantidos em permanente processo de expulsão ou de extermínio, sob a desculpa de “fatalidade inexorável [...] esta é uma das várias movimentações rumo à cidade, e a cidade atinge o campo, impõe-se em promessas falhas, transmitidas boca a boca, por quem chega ou retorna, pelos meios de comunicação que injetam novas promessas.121

A problemática entre os lugares produz esse movimento entre campo e cidade, que, no

caso em estudo, se manifestou com a presença de jovens que saíam dos lugares mais distantes

do Estado e de Estados como Maranhão, Ceará, para estudar próximo a capital do Piauí.

Exemplo disso são os filhos de agricultores que migravam de lugares como Parnaíba, Picos,

Bom Jesus, Floriano, Castelo do Piauí, para estudar na Escola Agrotécnica de Teresina. Desta

forma, a condição de localização da EAT diferenciou-se das propostas de criação dos

Patronatos Agrícolas do início do século XX, o qual propunha a criação dessas escolas

121 FERREIRA, Jerusa Pires. Campo e cidade: uma história na voz de poetas e de seus protagonistas. Proj. História. São Paulo, 19 nov.1999. p. 47.

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afastadas das cidades. Na análise de Oliveira,122 essa era uma justificativa para o

disciplinamento da infância pobre:

A instalação de patronatos agrícolas em locais específicos registrou justificativas delimitadas às condições presentes nas regiões; alegava-se a necessidade das iniciativas de ensino de práticas agrícolas atenderem à variedade dos meios regionais onde eram implementadas. As exigências locais derivadas dos métodos produtivos e dos métodos culturais deveriam informar a instrução a ser implementada, levando tanto o estabelecimento quanto as ações que se desenvolvessem a amoldar-se às condições locais.

A Escola Agrotécnica representou a imagem de um campo-laboratório, onde os alunos

se sentissem próximos aos seus lugares de origem, onde aprendessem práticas modernas. Nos

anos 1960, o crescimento urbano no Piauí, proporcionado pelo aumento da migração,

favoreceu a reorganização da cidade de Teresina. Logo, a cidade redesenhava-se. Na

Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, eram destacadas as transformações urbanas de

Teresina:

A cidade de Teresina conta 208 logradouros, assim distribuídos: 21 praças, 16 avenidas e 171 ruas. [...] o governo do Estado, através de uma autarquia estadual (Instituto de águas e energia elétrica), mantém os serviços: de iluminação pública; telefônico e abastecimento [...]. Teresina apresenta atualmente notável aspecto urbanístico pelo traçado regular de suas ruas, praças ajardinadas e arborizadas, dentre as quais se destaca a Praça Pedro II, onde a população se reúne aos domingos e às quintas-feiras, e a Praça Rio Branco, ponto de maior movimento comercial da cidade. Os edifícios e casas residenciais, construídos aos mais modernos requisitos técnicos, completam o quadro harmonioso do seu panorama arquitetônico. Como edifícios mais importantes sobressaem-se as igrejas de São Benedito, do Amparo e de Nossa Senhora das Dores; o edifício dos comerciários, Hotel Piauí, Estação de Estrada de Ferro São Luís-Teresina, Escola Normal Antonino Freyre, Colégio Estadual, Correios e Telégrafos, Hospital Getúlio Vargas, Sanatório Meduna, Banco do Brasil, Delegacia Fiscal do Tesouro Nacional, Departamento de Saúde do Estado, Quartel do 25º BC, Batalhão de Caçadores, Palácio de Karnak, Colégio das Irmãs, Palácio Episcopal, Escola Industrial, Casa Anísio Brito e edifício da Casa Inglesa.123

Percebemos que a capital representava um considerável “contingente populacional:

segundo o Recenseamento Geral de 1950, era de 90.723. habitantes”.124 Nas atividades

econômicas, a cidade se caracterizava pela agricultura e pecuária, extração de produtos

vegetais e o comércio que se realiza na capital de par com um a indústria incipiente que, de

certo modo, está intimamente ligada à sua economia”.125

122 OLIVEIRA, 2003, p. 30. 123 ENCICLOPÉDIA DOS MUNÍCPIOS BRASILEIROS. IBGE, XV Vol. Rio de Janeiro. 1959. p. 636. 124 Ibid., p. 638. 125 Ibid., p. 639.

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Sendo assim, é importante enfatizar que as imagens de campo e cidade, como

definições de lugares, sempre foram colocadas em contradição ou significando lugares

conflitantes, como afirma Williams:

Em torno das comunidades existentes, historicamente bastante variadas, cristalizaram-se e generalizaram-se atitudes emocionais poderosas. O campo passou a ser associado a uma forma natural de vida – de paz, inocência e virtudes simples. À cidade associou-se a idéia de centro de realizações – de saber, comunicações, luz. Também constelaram-se poderosas associações negativas: a cidade como lugar de barulho, mundanidade e ambição; o campo como lugar de atraso, ignorância e limitação. O contraste entre campo e cidade remonta à Antiguidade Clássica.126

A partir de 1955, Teresina redefiniu sua urbanização. Inicialmente, a cidade foi

projetada para o desenvolvimento econômico, agrícola, e comercial, que iniciou com as

mudanças ocorridas ainda na década de 1950. O Estado vivia os efeitos do governo de Jacob

Manuel Almendra Freitas, general, fazendeiro e militar, cunhado de Pedro Freitas. O recente

governador encontrou nesse momento um Estado para organizar, desestruturado, sem

incentivos de recursos federais. O governador cria a CODESE, como plano de

desenvolvimento que iria acompanhar as medidas do presidente JK.

No tocante à cidade de Teresina, aqui se manifestou como uma cidade de sonhos,

conforme explicaria Benjamin; sob este aspecto, nos interessa indagar também: – que cidade

era essa?127 Trazendo à reflexão: “é a cidade que habita os homens ou os homens que moram

nela?” Compreendemos que a cidade transparece o desejo dos grupos que se envolvem com

ela. Assim, caberia nessa interpretação o pensamento de Calvino ao lembrar Marco Pólo: “as

cidades como os sonhos são construídos por desejos e medos”.128 Por isso Teresina se

constituía a cidade dos sonhos que eram planejados. Seria a cidade invisível de Calvino, como

interpreta Coelho:

O sonho pode ser interpretado, transformado em práxis sua dimensão utópica e não recusando-o em nome da realidade. [...] Ele cria, sim, cidades de sonho que “habitam” as cidades reais, construindo através do fantástico, representações delicadas da sociedade moderna [...] e assim são construídas com materiais diáfanos e voláteis – a memória e o desejo – invisíveis. São cidades da memória, cidades dos símbolos, cidades dos desejos, que residem em cada um de nós.129

Nesse sentido, na Capital, as empresas foram instaladas com a ambição de uma

reforma administrativa que superasse a realidade difícil do início da década de 1950,

126 WILLIAMS, Raymond. O campo e a cidade na história e na literatura. Trad. Henriques Brito. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 11. 127 COELHO, Eliana Orduna. Cultura e cidade em as cidades invisíveis. Proj. História. São Paulo, (10) dez. 1993, p.168. 128 Id. ibid. 129 Id. ibid.

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apresentada ainda no governo de Pedro Freitas. Acreditava-se que a direção que iria trilhar

esse novo governo seria o impulso à agroindústria. Assim, uma tentativa de empreender a

economia agrária foi a criação do Banco do Nordeste em 1952, a estadualização do Banco

Comercial Agrícola, uma instituição particular que apresentou uma séria crise em 1957, e que,

nesse período, foi transformado em Banco do Estado do Piauí, buscando apoio financeiro aos

agropecuaristas, principalmente, aos fazendeiros locais, e a criação da Sudene,

Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste, em 1959. É importante ressaltar que essas

instituições incentivaram a esperança, sobretudo no grupo de fazendeiros locais, os quais

também eram vinculados ao comércio piauiense, liderados pelo governador Pedro Freitas,

importante proprietário de fazendas como também de lojas comerciais na capital. Neste

contexto, em uma releitura do significado da cidade, os homens constroem o perfil urbano que

desejam. Nessa relação, entrelaçamos a cidade e a história, em uma construção simbólica de

desejos. Conforme explica Coelho:

E assim, ao caminhar pelas ruas e praças, avenidas, somos bombardeados continuamente com estímulos que poderão gerar, ou não, usos articuladores dessa linguagem ambiental, e que, por sua vez, acabarão por interferir, ou não, outra vez sobre o contexto. É um processo dinâmico que dá outra dimensão à história do espaço urbano, assim como ao processo de construção das imagens do cotidiano. Torna-se necessário, então, compreender as questões que as cidades colocam, pois são os espaços onde a história se dá, e esse sentido implica percepção não apenas do passado como passado, mas do passado enraizado no presente.130

No Piauí havia a estreita ligação entre o comércio e a prática agrícola. A palestra

proferida por José Gayoso Freitas, no Clube dos Advogados do Piauí, na semana da

“Operação Nordeste”, realizada em agosto de 1959, dava ênfase a importância do Banco do

Estado para o impulso pecuarista, onde aquele apontava a relação entre os dois pólos, campo e

cidade:

O Banco do Estado do Piauí, S.A. criado pela lei nº 1.678 de dezembro de 1957, dispõe de carteira comercial e industrial, dele participando o Estado, no mínimo com 51% do capital social. [...] o Banco administrará uma carteira de crédito rural que terá por finalidade prestar assistência financeira a agricultores e criadores, as suas cooperativas de produção e ainda às empresas que lhes prestem serviços ou complementares.131

Com a preocupação em incentivar a agropecuária piauiense, o governador general

Jacob Manuel Almendra Freitas, que assumiu a administração do Estado entre 1956 a 1959,

instalou, em 1957, empresas que favoreciam esse âmbito, tais como o Fripisa e a

130 COÊLHO, 1993, op. cit., p. 169. 131 FREITAS, José Gayoso. A pecuária na economia do Piauí. José Gayoso Freitas. Revista Econômica Piauiense. p. 50.

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Agroindústria, o primeiro Frigorífico do Piauí, que se localizava em Campo Maior e

posteriormente em Teresina. Na mesma palestra anteriormente citada, José Gayoso Freitas,

também oriundo da mesma família do então governador, destacou a finalidade da criação do

frigorífico:

O Frigorífico do Piauí S.A., conforme prospecto que acompanha o seu estatuto, foi criado com as seguintes finalidades principais: a) melhoramento da carne e normalização de sua distribuição; b) aproveitamento integral do gado bovino e outros, com a fabricação de subprodutos; c) suprimentos intermediários; d) estímulo à melhoria da pecuária piauiense.132

No mesmo sentido, com o Banco do Estado do Piauí esperava-se impulsionar o crédito

às iniciativas agropecuárias, comerciais e industriais, como afirmava ao Art.1º e Art. 3, da Lei

n. 1678 de 5/12/1957:

Art.1º – o poder Executivo providenciará imediatamente, a constituição de um banco de depósito e de crédito rural, comercial e industrial, sob a forma de sociedade anônima e a denominação de Banco do Estado do Piauí S.A., de cujo capital social o Estado subscreverá, no mínimo, cinqüenta e um por cento. Artº 3 – O capital inicial do BEP será de CR$ 40.000.000.00 (Quarenta milhões de cruzeiros) divididos em 200.000 (duzentas mil ações) ordinárias.

Embora o Fripisa tenha sido construído na cidade de Campo Maior, também próxima a

Teresina, sua construção no Piauí procurou significar os passos iniciais para a evolução do

pensamento agrário modernizante. A Lei n. 1626 de 05.11.1957 autorizava o governo estadual

a participar da sociedade para a construção do Frigorífico, no artigo 1º e 2º do documento foi

determinado o valor que corresponderia à participação do Estado, assim tornou-se público,

conforme apresenta a “Revista Econômica Piauiense”, de 1957:

O Governador do Piauí

Faço saber que o Poder Legislativo decreta e eu sanciono e promulgo a seguinte Lei: Art.1º – Fica o governo do Estado do Piauí, na forma do disposto no artigo 407 da Lei nº 1.479 de 5/12/1956, autorizado a participar da sociedade, em organização – Frigorífico do Piauí” S.A. (FRIPISA) (vetada a expressão na cidade de Teresina).

Art.2º – O capital a ser subscrito pelo Estado será de CR$10.000.000,00(dez milhões de cruzeiros), pagável em duas prestações anuais de CR$5.000.000.00 (cinco milhões de cruzeiros) cada uma correspondente aos exercícios de 1957 e 1958.133

Convidado a discutir a situação econômica e política do Piauí, em 1957, o deputado

estadual Petrônio Portela Nunes posicionou-se de forma incrédula acerca da criação dessas

empresas, segundo se pode comprovar no artigo publicado na “Revista Econômica

Piauiense”:

132 Ibid., p. 51. 133 FRIGORÍFICO DO PIAUÍ S.A. (FRIPISA) LEI Nº 1526 DE 5 /11/1957. Revista Econômica Piauiense, nov./dez. 1957, p. 205.

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Fala o governador da fundação do Banco do Estado, como obra necessária ao desenvolvimento econômico. Não creio na viabilidade desse empreendimento ou no seu proveito para nossa economia. Os planos agropecuários de pequeno vulto, como os do Estado do Piauí, sempre contaram com os auxílios do Banco do Brasil, por intermédio de sua carteira Agrícola e Industrial e mais recentemente do Banco do Nordeste. Não cremos muito em que um Estado de tão parcas possibilidades de Crédito como o nosso tenha meios de expandir o crédito, tão justamente reclamado, em condições mais favoráveis que as do Banco do Brasil e do Nordeste. O que vislumbro é o descaminho a que será levado o estabelecimento de Crédito, pelas clientelas eleitorais exigentes. O Banco do Estado não deixará de sofrer descrédito, oriundo do domínio político-partidário que acreditamos inevitável. Poder-se-ia admiti-lo, como mola propulsora de um grande planejamento em função do qual viesse a ser criado. Quanto ao Frigorífico, nada será possível acrescentar. O laconismo da Mensagem nos impede de apreciá-lo, como o do nosso desejo.134

Contudo, nessa análise, a abordagem de Camillo Filho sobre o governo de Gayoso e

Almendra pode ser interpretada através do interesse e da estreita relação estabelecida com a

imagem do novo agrário, e presente na ação desse governo:

A crise que ameaça o Banco Comercial e Agrícola (particular) foi por ele enfrentada; e em 1957 o estabelecimento de crédito foi estadualizado, nascendo o Banco do Estado do Piauí. Teve ele ampla ação no apoio creditício aos agropecuaristas. Iniciou a construção do Frigorífico do Piauí (Teresina e Campo Maior) e fundou a Agroindústria no Piauí, apoiando a ação dos criadores e agricultores piauienses. A Secretaria de Agricultura viveu um período de grande atividade. Adquiriu para revenda, a médio e longo prazo, tratores, arados, cultivadores, moto-bombas, raladores de mandioca, engenhos de cana, machados, enxadas, foices, chibancas, facões.135

Nesse sentido, o então governador pretendeu justificar a íntima relação entre a terra e o

homem, destacando as palavras, posteriormente, no seu discurso de posse na Academia

Piauiense de Letras: “a terra é uma forja, cria a feição dos seus filhos. O sertanejo nascido nas

brenhas traz no sangue a vitalidade adusta dos descavados e das caatingas. O poder telúrico

concebe a criação. Robustece-lhe a carne, os ossos, os nervos”.136

Consideramos que a educação foi uma passagem para a realização da relação campo e

cidade ou agricultura e modernização. Com a instalação da Escola Agrotécnica, Gayoso e

Almendra pretendeu acompanhar o projeto de Pedro Freitas, da construção de uma escola

preparatória para as atividades do campo. Nesse período, a Escola recebeu o material parcial,

necessário à construção de prédios e ao cercamento do terreno. Uma etapa de longa duração

até a efetiva inauguração do Colégio.

134 NUNES, Petrônio Portela. Política econômica e financeira do governo. Revista econômica Piauiense, vol. I, n. 2, p. 61, abr./jun. 1957. 135 CAMILLO FILHO, José. Gayoso e Almendra. Teresina: EDUFPI, 2003. p. 35. 136 Id. ibid.

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Figura 6 – Entrada do Centro de Ciências Agrárias e do CAT/UFPI. Fonte: Crédito direto da autora.

Em 1960, a preocupação do governo Chagas Rodrigues com a construção das estradas

no Piauí direcionou os interesses para o crescimento espacial da cidade de Teresina; porém

somente no final dessa década as mudanças começam a efetivar-se; como explicou em

entrevista o professor Raimundo Santana:

[...] nesse período, o Brasil não tinha estradas, e por isso havia limitações. Contudo, a transformação social do Piauí é mais na segunda metade de 1960. Mas só depois de escrever este livro há uma maior penetração de estradas, de comunicação, isso também foi uma forma de o Brasil crescer e o Piauí acompanhou; não havia propriamente grandes transformações no Piauí, até 1960. Surge a Unidade de Desenvolvimento, depois a CODESE, o BEP, nasce a Faculdade Católica de Direito, a Faculdade de Medicina, Faculdade de Odontologia que favorecia a criação posterior da UFPI.137

Destaque-se que o pensamento que se constituiu sobre a configuração dos novos

espaços agrários delimitou uma via de acesso ao espaço urbano, que foi aparecendo à

proporção que os valores sociais se modificavam com as pequenas feições de modernidade da

cidade de Teresina. Sendo uma prática comum ir e vir da Escola para a cidade. Embora, essas

mudanças tenham ocorrido de uma forma muito discreta e a presença dos valores rurais ainda

fosse permanente na sociedade piauiense.

As novas concepções sobre o agrário aproximaram o campo e a cidade, por uma via de

mão dupla que buscou vincular os valores modernos e urbanos às práticas da agricultura. A

instalação da Escola Agrotécnica buscou constituir o signo modernizante agrário, que iria

possibilitar as relações entre esses espaços. Por conseguinte, é importante lembrar que a

137 Entrevista concedida por Raimundo Nonato Monteiro de Santana em 02.03.03, ex-presidente da CODESE na década de 1960 e professor titular da Faculdade de Direito do Piauí e da FAFI, Faculdade Católica de Filosofia do Piauí.

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instituição educativa, conforme Magalhães, “é local, tradição, representação. [...] é contexto,

materialidade e é apropriação”.138

Figura 7 – Colégio Agrícola de Teresina. Fonte: Crédito direto da autora.

A Igreja Católica manifestou-se no projeto agrário piauiense, a partir da chegada, em

1956, do Arcebispo em Teresina, D. Avelar Brandão Vilela, que direcionou sua atenção às

ações no meio rural e urbano. O Arcebispo com origens familiares ligadas à agricultura

desenvolveu vários projetos escolares para as populares rurais, influenciando na realização da

Primeira Semana Ruralista no Piauí. Esse evento reuniu a Igreja e os fazendeiros do Estado na

discussão de temas como a mecanização da lavoura, o associativismo, financiamento da

produção, exploração dos produtos Babaçu, Carnaúba e Tucum, e ainda a exploração de gado.

Essa relação evidenciou-se na mensagem do governador general Jacob Manuel Gayoso e

Almendra, de 1957, que explicitava:

Ao certame que constou de aulas e preleções sobre os assuntos relacionados com os problemas do homem do campo e o desenvolvimento econômico do Estado do Piauí, se fez representar por intermédio dos seus técnicos o serviço de informação agrícola do Ministério da Agricultura. Nessa oportunidade, diversos temas que tocam de perto ao interesse econômico do Piauí foram debatidos por técnicos especializados [...] e outros não menos importantes e estreitamente ligados às atividades pastoris. Diversos fazendeiros, provenientes de quase todos os municípios, acorreram a essa concentração e tomaram parte ativa nos debates, esposando pontos de vista em defesa das suas reivindicações.139

138 MAGALHÃES, 2004, op. cit., p. 67. 139 PIAUÍ. Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa em 1º de Junho de 1957, pelo governador Jacob Manuel Gayoso e Almendra, p. 57.

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No tocante á educação de uma forma geral, Mendes assinala a preocupação do

Arcebispo com o ensino superior no Piauí:

Uma de suas primeiras iniciativas foi a criação da Faculdade de Filosofia, um ano depois de sua posse, que se constituiu em um centro de pensamento crítico dos problemas do Estado, fazendo, de certa forma, um contraponto à Faculdade de Direito, onde se formavam advogados para as lides forenses e se qualificava a elite de funcionários públicos e dirigentes do governo.140

O professor Manuel Paulo Nunes, secretário Municipal de Educação nos anos 1960,

relevou na entrevista o valor atribuído à ação do Arcebispo e sua fundamental importância

para a cidade, sobretudo para a educação piauiense:

No Piauí, as escolas da CNEC foram criadas (havia apenas uma que tinha sido criada antes da chegada de Dom Avelar) por Dom Avelar. Ele assumiu a Presidência da CNEC no Estado quando chegou aqui; a Presidência foi concedida a ele, que tinha um assessor muito competente, era o professor Roberto Gonçalves Freitas, que disseminou o estabelecimento de ensino por todo o Estado. Dom Avelar chegou a fundar, eu vi aqui nas informações, cerca de 30 estabelecimentos locais, onde não havia estabelecimentos. Começaram a funcionar com esses professores preparados em caráter de emergência. Então, veja bem, a presença de Dom Avelar trouxe essa mudança, e ele ao mesmo tempo também criou a Rádio Pioneira de Teresina, que depois foi transformada em TV e transferida para outro grupo; mas quem teve a iniciativa de trazer a Televisão para o Piauí foi Dom Avelar juntamente com o professor Valter Alencar que criou a TV Rádio Clube. Nessa época, antes disso, Dom Avelar já tinha se preocupado em trazer uma televisão para o Piauí. Veja bem, os jornais foram criados nessa época também, O Dia foi o primeiro mesmo, depois vem O Estado. A educação com Dom Avelar teve um grande desenvolvimento; então foi Dom Avelar que deu uma contribuição significativa para a Educação no Estado, no período em que foi Arcebispo, nós devemos essa grande colaboração, nós devemos reverenciá-lo por essa grande colaboração que deu ao Estado.141

Na Mensagem de governo do general Jacob Manuel Gayoso e Almendra, o Arcebispo

é elogiado por seu espírito empreendedor e pela iniciativa de criação da Primeira Semana

Ruralista no Piauí; percebe-se, assim, o interesse pela discussão agrícola:

Por iniciativa do espírito esclarecido e empreendedor de sua excelência, D. Avelar Brandão Vilela, Arcebispo de Teresina, e com integral apoio desta S.FA do Sr. governador do Estado, do presidente do Banco do Nordeste do Brasil S.A. e Associação de Classe foi levada a efeito no 1º de agosto passado a primeira semana ruralista.142

Por sua vez, o sentido da problemática rural seguia a mesma direção, tanto nos

projetos de governo como nas intenções da Igreja. Dom Avelar B. Vilela aliou-se à atividade

do Arcebispo, o desejo dos fazendeiros por uma nova agricultura piauiense. Esse projeto foi

140 MENDES, 2003, op. cit., p. 181. 141 Entrevista concedida por Manuel Paulo Nunes, em 18.04.05, ex-professor do Colégio Estadual Zacarias de Góes, Liceu Piauiense, em Teresina, atual presidente do Conselho de Cultura e membro da Academia Piauiense de Letras. 142 PIAUÍ. Mensagem do governador Jacob Manuel Gayoso Almendra apresentada à Assembléia Legislativa em 1956.

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apresentado no Relatório do Ministério da Agricultura de 1956, que estabelecia os apoios ao

governo federal nesses eventos:

Realizaram-se as semanas ruralistas, nas mais variadas zonas de produção. Esses certames têm sido efetuados com a colaboração dos técnicos federais, municipais estaduais e com o apoio do clero católico. Vinte arcebispos e bispos, além de numerosos sacerdotes, já trabalharam permanente em articulação com as autoridades e os técnicos do Ministério da Agricultura, como autênticos agentes das tarefas extensionistas.143

A Primeira Semana Ruralista no Piauí não obteve êxitos significativos, porém a

proposta persistia em conscientizar todos os setores sobre a urgência em resolver os

problemas agrícolas, assim como sensibilizar as classes para o máximo aproveitamento da

agricultura e o ensino técnico para o agricultor. A angústia em discutir essa temática foi

explícita no artigo publicado na “Revista Econômica Piauiense” de 1957:

Todos se recordam ainda do interesse que despertou, entre nós, o primeiro desses certames, realizado no ano passado em Teresina, com a participação conjunta do governo, da Igreja, dos técnicos e do povo. Reuniões como essa especialmente num meio como nosso, onde estes sérios e gravíssimos não são sequer ventilados, são de importância suma e de necessidade inadiável. A primeira semana ruralista do Piauí, embora não tenha produzido resultados imediatos, não foi inútil. Serviu o esforço generoso de quebrar o isolamento em que vive o nosso homem rural.144

Por fim, a Segunda Semana Ruralista transformou-se na expectativa de esses

fazendeiros continuarem a impulsionar as discussões acerca do desenvolvimento agrário, o

evento se realizaria no mês de agosto de 1957, na Cidade de Campo Maior. Portanto, os

rumos que deveriam tomar as discussões agrárias piauienses buscavam, sobretudo,

acompanhar a tecnologia moderna ventilada pelo desenvolvimentismo dos anos áureos.

143 BRASIL. Ministério da Agricultura. Relatório. 1956, p. 77. 144 PAULA, Alves de. Problemas ruralistas. Revista Econômica Piauiense, vol. 1, abr./jun. 1957.

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3 SUPERANDO A ENXADA, O MACHADO E O FOGO: O NASCER DO

COLÉGIO AGRÍCOLA DE TERESINA

O projeto escolar agrotécnico de Pedro de Almendra Freitas consolidou-se finalmente

com a determinação no Art. 1 e 2 do Decreto-Lei n. 51.017, de 24.07.1961, quando o

presidente João Goulart autorizou o Serviço de Patrimônio da União a aceitar a doação do

terreno da Escola Agrotécnica de Teresina:

Art. 1º Fica o Serviço do Patrimônio da União autorizado a aceitar, mediante retificação e ratificação da respectiva escritura, a doação que o Estado do Piauí fez à União Federal, de um terreno com área de 300ha (trezentos hectares), situado nos lugares "São José" e "Centro" da Data Covas, município de Terezinha, naquele Estado, tudo de acordo com os elementos constantes do processo protocolado no Ministério da Fazenda sob número 131.695, de 1955.

Art. 2º Destina-se o terreno a que se refere o artigo anterior à construção da Escola Agrotécnica de Teresina e do Centro de Tratoristas que funcionará anexo ao referido estabelecimento.145

Um extenso período de espera se prolongou da criação até a inauguração do CAT,

entre 1954 e 1964. Deste modo, em 1957, o governador Jacob Almendra Freitas realizou uma

viagem ao Rio de Janeiro, com a expectativa de atrair incentivos federais para a realização

dos planos ambiciosos de seu governo, que constituíam as obras da Escola Agrotécnica e do

Frigorífico do Piauí (Fripisa), duas instituições maiores que visavam impulsionar a atividade

agropecuária e favorecer a agroindústria no Estado. Podemos comprovar o resultado da

viagem do referido governador, ao apresentar seus planos ao então ministro da Agricultura,

Mário Menegheti:

Falei largamente com o ministro Mário Menegheti e seu chefe de Gabinete, Dr. Blanc de Freitas, sobre as necessidades do Piauí. A Escola Agrotécnica de Teresina será construída exclusivamente pelo governo federal, tal como se fez em outras unidades da Federação. Nesse sentido, o Dr. Mário Menegheti apresentou uma exposição de motivos ao presidente Juscelino Kubitschek. Nossa Escola de técnicos agrícolas será dentro em breve uma realidade, pois este é o desejo daqueles que circundam o titular da agricultura.146

Certamente, a construção da Escola também seria uma obra de grande interesse para o

ministro da Agricultura; é perceptível a representação de um grande empreendimento para

ambos os governos, como foi o projeto do Frigorífico ligado à mesma intenção de impulso à

agricultura e pecuária, pelo então ministro:

145 BRASIL. Decreto-Lei 51.017 de 224.07.1961, que autorizou a doação do terreno da EAT, através governo estadual do Piauí ao governo federal. 146 Fala ao Jornal do Piauí o governador Gayoso e Almendra. Jornal do Piauí, 25 de agosto de 1957, p. 3.

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Assegurou-me o notável filho de Pelotas que mantém o seu propósito de edificar no Piauí uma obra que recomende sua passagem pelo Ministério da Agricultura, filho dos pampas, ele também tem a alma do vaqueiro. Concordou plenamente com a orientação piauiense do Frigorífico, cujo capital deverá ser constituído com a participação dos piauienses, fugindo à ação de empresas estranhas, que visam mais a defesa dos seus empreendimentos do que acudir as necessidades piauienses.147

Foram efetivamente três etapas distintas para a edificação da EAT: no primeiro

momento, de 1951 a 1954, o governo Pedro Freitas iniciou a projeção da Escola, instalando a

pedra fundamental em 1955, o cercamento do terreno, a compra da madeira, a construção da

olaria e serraria, que iriam acelerar o processo de sua construção. Nesse período, sob o

aspecto político, o Estado enfrentava sérios conflitos, desencadeando crises partidárias.

Percebemos que a projeção da escola acarretou discussões anteriores a esse momento,

contudo, só se concretizaram em 1954. No âmbito educacional, podemos apontar a existência

de escolas com o ensino primário e as escolas normais. A educação piauiense, segundo Paulo

Nunes, distribuía-se de uma forma geral entre escolas primárias, normais, algumas com

caráter religioso católico e protestante, em todo o Estado. Conforme suas referências ao

ensino:

Havia colégios em Parnaíba, sempre existiu porque Parnaíba era nosso centro exportador e importador, havia colégios em Floriano, um chamado Santa Teresinha, uma escola normal regional; em São Raimundo Nonato havia o Ginásio Dom Inocêncio; em Corrente havia o Instituto Batista, dirigido por protestantes; o Colégio São José (Ginásio São José) que era dirigido pelo Vigário da Cidade.148

A discussão que versava sobre a educação no Brasil, nesse momento, priorizava o

ensino secundário que não existia para toda a população brasileira, Paulo Nunes assinala que

essa discussão no Piauí já se consolidava:

O panorama educacional na década de 1950 era isso, havia escolas industriais, hoje nós temos a antiga Escola Industrial do Piauí, o atual CEFET, que é um centro de educação tecnológica. Nos anos 1950, o número que pretendia atingir a escola secundária era muito grande e as instituições eram insuficientes e havia uma divisão entre a escola secundária, que era a educação de elite, e a Escola Industrial, que era destinada às classes menos favorecidas [...] Essa dicotomia sempre existiu no nosso sistema educacional.149

No governo do coronel Jacob Manuel Gayoso e Almendra, entre 1955 e 1959,

consolidou-se a segunda etapa de construção do CAT; sob a influência do governo nacional-

desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek, os interesses voltavam-se para a agroindústria.

Nesse mesmo período, são criadas obras que buscavam favorecer a pecuária e a agricultura;

147 Fala ao Jornal do Piauí o governador Gayoso e Almendra. Jornal do Piauí, 25 de agosto de 1957, p. 3. 148 Entrevista concedida por Manuel Paulo Nunes, ex-professor do Colégio Estadual Zacarias de Góis, Liceu Piauiense, em Teresina, atual presidente do Conselho de Cultura e membro da Academia Piauiense de Letras. 149 Id. ibid.

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destacavam-se a EAT, o FRIPISA, o BEP, a CODESE e vários postos de fomento agrícolas

no Piauí. Em 1955, foi registrada a autorização de verbas para a construção da Escola

Agrotécnica, tendo início as primeiras realizações do projeto: as casas para servidores, a

compra do primeiro trator, as estradas internas da Escola.

A Secretaria de Obras Públicas, Indústria e Comércio, na mensagem de 1956, citava o

trabalho realizado:

Nessa Escola foram realizados os seguintes trabalhos, em 1955: 1 A construção de 8.975 m de cerca de arame, sendo 2.200 m com rodapé de pedra. 2 Compra de um Trator Caterpillar “D4” e implementos (Grade e arado). 3 Aberturas de três poços tubulares. 4 Abertura da estrada principal em 3.300m, aproximadamente para o futuro conjunto escolar. 5 Restauração de quatro residências rústicas para servidores da Escola. 6 Aquisição de 200 milheiros de Alvenaria.

7 Compra de madeira para sua construção.150

Teresina vivia seus novos ares modernos, com o funcionamento da Superintendência

de Desenvolvimento do Nordeste-SUDENE; a primeira Faculdade de Filosofia-FAFI; o

Banco do Estado do Piauí-BEP; Centrais Elétricas do Piauí S/A-CEPISA; Agroindústrias do

Piauí S/A-AGRINPISA; Telefones do Piauí S/A-TELEPISA; Águas e Esgotos do Piauí S/A-

AGESPISA. A partir dessas transformações, a cidade adquiriu um ritmo mais urbano, a

transição de um novo momento econômico para o Estado se configurava, com a organização

da máquina administrativa. Desse modo, o Colégio Agrícola estava relacionado à rede de

transformações que envolviam a cidade. Com base na afirmação de Magalhães,151 podemos

compreender que a análise histórica de uma instituição deve refletir:

Um processo investigativo de complexificação e integração, compreendendo e explicando a evolução institucional no quadro da realidade histórica sociocultural envolvente e inscrevendo-a no plano sistêmico, mas deve, sobretudo, apresentar de forma inteligível a história de uma realidade institucional na sua identidade e na sua evolução.

Porém, foi no governo Chagas Rodrigues, em 1960, que a Escola, denominada

“elefante branco”, pelo então diretor da Sudene, referindo-se à demora para sua inauguração,

revelar-se-ia aos olhos da sociedade piauiense. Nesse mesmo ano, a mensagem da Secretaria

de Estado de Viação, Obras Públicas, Agricultura, Indústria e Comércio prestava contas do

orçamento destinado às obras voltadas para a agricultura, como serviço de acordo e

assistência aos rurícolas. Entre as discriminações orçamentárias, enfatizava que foi destinada

150 PIAUÍ. Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa em 1º de junho de 1956, pelo governador general Jacob Manuel Gayoso e Almendra, p. 91. 151 MAGALHÃES, 2004, op. cit., p. 142.

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à Escola Agrotécnica o valor para a finalização da sua construção, junto a outros orçamentos

da área da agricultura:

Fomento Agrícola de CR$800.000.00 para CR$1.600.000.00

Escola Agrotécnica de CR$600.000.00 para CR$ 1.500.000.00

Defesa Sanitária Vegetal de CR$3.000.000.00 para CR$9.000.000.00

Fomento Animal de CR$ 450.000.00 para CR$9.000.000.00

Defesa Sanitária Animal de CR$400.000.00 para CR$800.000.00

Serviço de Acordo Florestal de CR$150 para CR$500.00.00

Quadro 9 – Dados Orçamentários da Secretaria da Agricultura em 1960. Fonte: BRASIL. Mensagem apresentada à Assembléia pelo governador Chagas Rodrigues em 1960.

A última etapa de construção foi autorizada pelo então governador, como um serviço

em regime de acordo, favorecendo as iniciativas ligadas à agricultura. Embora não fosse uma

proposta desse governo, na mensagem, eram destacados os investimentos para tal fim:

ESCOLA AGROTÉCNICA DE TERESINA:

As despesas com a execução do acordo para esse estabelecimento agrícola atingiram o total de CR$8.600.000,00, sendo CR$600.000,00 o valor da contribuição estadual. As principais realizações ali verificadas foram as seguintes: Conclusão de duas casas rurais; prosseguimento da construção do pavilhão do Almoxarifado, desmatação, estudo e levantamento topográfico da área de 13 hectares à margem do rio Poti, para a construção da rede de canais de irrigação da Escola, instalação de uma rede elétrica de alta tensão, com 2,20m, incluindo um transformador, plantio de um pomar citrus. Além do material de construção, foi adquirido um trator Allis-Chalmers D-272, Diesel de 31 HP.152

Embora o atraso das verbas fosse um problema constante, os investimentos iniciavam

por meio do olhar atento do engenheiro agrônomo Carlos Estevam Pires Rebelo, que, ao ser

escolhido para o cargo de primeiro diretor, interessava-se em participar minuciosamente da

ação na instituição. Para tanto, foram preparadas as oficinas de olaria e serraria, necessárias ao

levantamento da construção. Destaque-se que o material de construção utilizado foi produzido

no próprio espaço da Escola. Desse modo, como sinaliza Leite, a instituição agrícola, também

depende da percepção do diretor e da sua relação com o ambiente rural:

Se o ensino agrícola é por natureza indissociável da agropecuária, e se o sucesso da escola depende em grande parte da sua conexão com o meio rural – que por sua vez está associada à percepção dos seus diretores(as) – então a forma como estes

152 BRASIL. Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa pelo governador Chagas Rodrigues em 1961, p. 49.

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percebem a agropecuária e o meio rural é fator crítico na construção dos objetivos da escola e do ensino agrícola em si mesmo.153

Para essa análise é conveniente compreendermos que a educação piauiense, ainda em

1960, apresentou-se de forma ainda frágil, sendo necessário o estabelecimento de várias

medidas e a criação de projetos para sua mínima realização; no entanto, a estrutura

educacional somente se configurou sob a influência da Lei 4.024/61, com a estruturação do

ensino primário e a junção dos graus médio e secundário, incentivando discretas iniciativas

para a educação primária e comercial. Na opinião de Paulo Nunes, Inspetor Educacional do

Ensino Secundário em 1961, as dificuldades com as formas de instrução apresentavam-se

ligadas à ausência de escolas para todos os setores sociais:

A situação educacional no Piauí, em particular, era muito penosa porque nós não tínhamos evidentemente, fora estabelecimentos oficiais e alguns particulares de pequeno de pequeno mundo, instituições educacionais que pudessem atender a elevação social das classes populares do País.154

Embora nos anos 1950 do século XX, o modelo adotado para o ensino agrícola tenha

sido o modelo norte-americano proposto nos acordos realizados entre o Brasil e os Estados

Unidos, esses projetos só apareceram efetivamente, no Piauí, no pós-64, quando a efeito da

ditadura militar tornou-se necessário para o governo implantar uma política de assistência

técnica financeira. Nesse período, foram estabelecidos acordos entre o Ministério da

Educação e Cultura e a USAID (United States Agency for Internacional Developement), com

a finalidade de implantar uma reforma que propusesse a relação educação e desenvolvimento,

para a formação de profissionais que viessem a atender ao mercado em expansão.

De modo que a educação brasileira, a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional, de 1961, passaria a estabelecer o grau médio, significando dois ciclos chamados

ginasial e colegial. O ensino agrícola como os demais cursos técnicos passariam a ter o valor

do grau secundário. De certo modo, a mudança foi significativa para as escolas agrotécnicas.

Conforme explica Nascimento, essa lei se constituiu:

[...] de importância vital para o ensino agrícola e os demais ramos do ensino técnico, porque a partir dela passou a existir, de fato, equivalência entre todos os cursos do mesmo nível, sem necessidades de exames e provas de conhecimento.155

153 LEITE, Francisco C. Caracterização das escolas agrícolas brasileiras de educação profissional de nível técnico e de suas percepções acerca da agricultura e do meio rural. 1999. p. 2. 154 Entrevista concedida por Manuel Paulo Nunes, ex-professor do Colégio Estadual Zacarias de Góis, Liceu Piauiense, em Teresina, atual presidente do Conselho de Cultura e membro da Academia Piauiense de Letras. 155 NASCIMENTO, 2004, op. cit., p. 269.

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Nesse sentido, o Colégio Agrícola de Teresina iniciou em 1964 com o Ensino Técnico

Ginasial, através da implantação do curso de Mestria Agrícola, formando os primeiros

mestres agrícolas no Estado. Em 1970, foi implantado o curso Técnico Agrícola, com a

formação de nível médio.

Com referência ao ensino primário no Piauí, observamos que no governo Francisco

das Chagas Caldas Rodrigues foi elaborado um projeto que propunha um incentivo à

educação, por meio do estímulo à docência. A mensagem do governador explica a intenção

dessa proposta:

No tocante ao ensino primário, fator decisivo de educação ao homem em sociedade, desde o início houve a preocupação constante de torná-lo mais eficiente e de expandir a sua rede, quer sob a forma comum, quer sob a forma supletiva. Esses objetivos têm de ser conseguidos, em nosso meio, pela adoção de medidas variadas, uma delas é a instituição de concurso público para o magistério com atribuição aos mesmos de remuneração compatível com a dignidade de seu mister, a fim de poder-se contar com os mais aptos... [...]. E, no mesmo período, foi criada nova mensagem a esta assembléia com projeto de lei em que se previa a reclassificação de carreira do magistério, medida, aliás, já concretizada na lei n. 2.094 de 20 de fevereiro do corrente ano.156

Assim, a política educacional no Piauí, no decorrer da década de 1960, procurava

ainda transformar as escolas de ensino primário, pela valorização da profissão docente; sendo

que a grande maioria da população continuava sem o acesso ao nível secundário. Contudo,

anteriormente, em 1955, percebe-se que o governo federal demonstrou uma preocupação com

o aperfeiçoamento do magistério primário. Uma nota do “Jornal do Piauí”, de 31 de Julho de

1955, aborda a verba destinada à melhoria desse modelo escolar e à instalação de escolas

normais:

Assim é que, relativamente, ao Instituto Nacional de estudos Pedagógicos mais de 100 milhões de Cruzeiros serão distribuídos para a ampliação e melhoria da rede escolar primária e normal do País; consta ainda dos planos o aperfeiçoamento do magistério primário. Para se conseguir esse objetivo serão distribuídas bolsas de estudo e realizados estágios e cursos nos centros regionais do INEP, estando os custos previstos em mais de cem milhões de cruzeiros. Noventa milhões de cruzeiros estão destinados ao incentivo Federal aos Estados, ficando para a ampliação e melhoria da rede escolar primária, além de mais de 10 milhões para o prosseguimento da construção das escolas normais.157

Esse programa do INEP não fez referência às escolas agrícolas, apenas às escolas

técnicas, que visavam o ensino comercial. Contudo, a EAT, como instituto do ensino agrícola

no Piauí, surge com uma ampla proposta que favorece à juventude rural, objetivando atrair

filhos de agricultores e garantir a formação agrícola, possibilitando, assim, o conhecimento de

156 BRASIL. Mensagem apresentada à Assembléia pelo governador Francisco das Chagas Rodrigues, 1962, p. 61. 157 Ensino. Maior disseminação do ensino em todo o País. Jornal o Dia, 31 de julho de 1955, p. 3.

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novas técnicas ao homem do campo. Em linhas gerais, Santana afirma que a educação

piauiense na década de 1950 e 1960 apresentava-se com o seguinte quadro: “[...] apenas

algumas pessoas saíam para estudar fora, fazer o curso de Direito, um curso superior. Não

havia pessoas preparadas tecnicamente, o ensino primário era o que existia e o ensino médio

para poucos”.158 De forma objetiva, a exigência econômica foi também um ponto a favor da

construção dessa nova realidade agrícola. Na fala do professor Santana é estabelecida essa

relação:

A agricultura era basicamente de subsistência, nunca apareceu como economia do Estado; o desenvolvimento antes da década de 1950 dependia da venda de produtos como o babaçu, a carnaúba e a maniçoba. A Escola surgiu com o propósito de favorecer uma classe pobre. [...] não havia agricultura, era subsistência, no Estado não havia como os técnicos aplicarem o que aprenderam.159

De certa forma, o Ministério da Agricultura destinou-se, durante toda a década de

1950, à criação de projetos para o ensino agrícola; nesse sentido, o Relatório da Agricultura

de 1955 destacou o número de escolas criadas:

No campo do grau médio, realizou-se o controle, a fiscalização e a orientação de 20 escolas agrícolas, encontrando-se 26 unidades em instalação, tendo-se reconhecido duas e outras duas em via de reconhecimento. Elevou-se para 3.120 alunos a matrícula nessas 20 unidades, situadas nos diversos Estados da Federação.160

Figura 8: Caminho de entrada para o CAT/ CCA/UFPI. Fonte: Crédito direto da autora.

No amplo cenário da educação brasileira, conforme os dados do Anúario Estatístico do

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística de 1962, o ensino agrícola apresentado nos

cursos de Mestria e Iniciação Agrícola aparecia de forma crescente, em relação aos cursos de

158 Entrevista concedida por Raimundo Nonato Monteiro de Santana, em 02/03/2005. 159 Id. ibid. 160 BRASIL. Ministério da Agricultura. Relatório. Rio de Janeiro, 1955, p. 20.

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nível médio, Ginasial, Científico, Clássico, Comercial, Normal e Industrial, entre 1957 e

1961, conforme Quadro 10, a seguir.

Quadro 10 – Anuário Estatístico do Brasil –1962, Ano XXIII. Fonte: IBGE-CONSELHO NACIONAL DE ESTATÍSTICA.

No Piauí, esse contexto favoreceu a existência de uma certa ansiedade pela urgência

da construção do CAT, nos anos seguintes. Segundo afirmamos anteriormente, data desse

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período uma expectativa no investimento em torno da agricultura. Na mensagem do

governador Chagas Rodrigues, a Escola Agrotécnica aparece, entre outros projetos

relacionados ao setor da agricultura, como serviço de acordo e para o melhor funcionamento

do Estado:

Resta-nos aqui, ainda, no setor da agricultura, reviver o interesse do Estado por suas atividades agro-pastoris, lembrando aqui o seu papel nos Serviços de Acordo, em que colabora para o melhor funcionamento do Piauí, dos serviços de Reflorestamento, Defesa Sanitária, Defesa Sanitária Vegetal, Fomento Agrícola, Escola Agrotécnica de Teresina, Serviço de Assistência ao Cooperativismo, fomento animal e Serviço de Classificação de Produtos Agropecuários.161

Destaque-se que se tornou óbvia para a sociedade a situação de longa demora em

inaugurar a EAT, o que provocou uma certa reação social. Assim, em 3 de março de 1964, foi

publicado, no “Jornal Folha da Manhã”, um ensaio tecendo comentários críticos acerca do

projeto educacional agrícola para o Piauí. A crítica baseou-se na pretensão e expectativa da

juventude, pela Escola de técnicos:

Não se sabe ainda quando é que tanto dinheiro do governo federal vai começar a produzir seus efeitos benéficos à educação de nossa mocidade. Faz muitos anos que se iniciou a construção da Escola Agrotécnica de Teresina, ali no caminho da SOCOPO. Como obra propriamente dita em demora, somente a ponte rodoviária sobre o rio Poty lhe superou. Mas ninguém sabe o que se pretende realmente fazer naquele local. Constroem-se galpões, casas, armazéns, plantam-se etc. e a tal escola não sai. A rapaziada até já cansou de esperar por ela. E não é para menos.162

A exigência e interesse pelo ensino agrícola no Piauí foram abordados no documento,

o qual fez referência à necessidade urgente de uma instituição educativa agrícola no Estado

para a formação de técnicos, bem como procurou definir o delicado cenário educacional

piauiense, sugerindo a extensão dos currículos escolares para o conhecimento das práticas

agropecuárias:

Se há uma instituição que precisava ser ativada é essa. O Piauí vive carente de técnicos em agricultura e pecuária. São poucos os agrônomos que militam por nossa terra; pois, é forçoso reconhecer, somente de poucos anos para cá é que essa especialidade realmente começou a despertar maior interesse no seio de nossa mocidade, pela importância com que é olhada hoje. De forma que, pretendendo desenvolver uma política de desenvolvimento das fontes de produção agro-pecuária, o governo não possui gente especializada bastante para levar a bom termo o seu programa. O mais fácil será a instalação e funcionamento de uma Escola Agrotécnica e a revisão dos currículos das escolas, visando a introduzir, o mais que possa, a prática agropecuária como matéria das mais necessárias.163

161 BRASIL. Mensagem apresentada à Assembléia pelo governador Francisco das Chagas Rodrigues, 1962, p. 26. 162 A verdade dos fatos - A Escola Agrotécnica de Teresina. Jornal Folha da Manhã, 03.03.1964, p. 2. 163 Id. ibid.

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No Piauí, a realidade educacional que seguiu os anos 1960 confrontou-se com as

expectativas políticas desejosas de transformações presentes no discurso governamental. O

cenário piauiense apresentou a fragilidade da educação brasileira, embora esses anos fossem

de intensa repercussão no País, posto que o momento revelou preocupação com o ensino

superior. A discussão governamental voltava-se para a criação de universidades, embora já

existissem sensíveis mudanças nesse sentido, em relação aos anos 1950.

No ano do Golpe militar, 1964, no dia 9 de maio, durante o governo Petrônio Portela,

foi inaugurada a Escola Agrotécnica de Teresina, com uma nova denominação, Colégio

Agrícola de Teresina; conforme autorizava o Decreto n. 53.558, de 13.02.1964, que alterou a

denominação das escolas em regime de acordo entre o Ministério da Agricultura, Estados e

municípios, sendo autorizada a mudança no Art.1º:

Art.1º As escolas de Iniciação Agrícola, Escolas Agrícolas e Agrotécnicas da rede federal, em regime de acordo entre o Ministério da Agricultura, Estados e municípios, passam a denominar-se as duas primeiras Ginásios Agrícolas e as duas últimas Colégios Agrícolas.164

O Colégio Agrícola de Teresina iniciou suas atividades, após o extenso período de dez

anos para sua construção, o evento foi realizado com uma solenidade de abertura. No espaço

do CAT, os professores, alunos, servidores e diretores se fizeram presentes, sendo o professor

Cláudio Ferreira convidado a proferir a aula inaugural. A intenção de criar o Colégio foi

destaque nas lembranças do primeiro secretário Antônio Andrade do Rego, que, ao

rememorar, constrói as imagens do momento:

Houve a aula inaugural, o Petrônio veio com as autoridades daqui de Teresina, Cláudio Ferreira foi quem proferiu a aula inaugural, os objetivos da Escola eram formar técnicos agrícolas, como eles chamam hoje, técnicos em agropecuária. Começou como Ginásio Agrícola, quando terminou a primeira turma, aí foi extinto o Ginásio e passou a ser só o curso técnico.165

Antonio Andrade do Rego desenvolveu várias atividades importantes na Escola; de

primeiro secretário a diretor substituto, vivenciou a história do CAT. Ele próprio esclarece sua

trajetória relatando as dificuldades pelas quais passou a instituição:

Eu era secretário, encarregado da contabilidade agrícola da COAGRI, também do CAT e depois passei a diretor substituto do CAT, durante vários anos. O Colégio passou vários anos sem diretor substituto, eles saíam e passavam a direção para o secretário e o colégio não estava funcionando. [...] depois houve a necessidade de

164 BRASIL. Decreto n. 53.558, de 13 de fevereiro de 1964, que altera a denominação de escolas de iniciação agrícola e agrotécnica. 165 Entrevista concedida por Antonio Andrade do Rego em 20.01.06, ex-professor, ex-secretário, ex-diretor substituto do CAT entre 1958 e 1984.

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um diretor substituto. Fui chefe da turma de Administração, que era para fazer as notas de alunos; finalmente, eu fui tudo lá.166

A proposta da Escola Agrotécnica de Teresina, após uma década de construção,

priorizava o atendimento aos jovens, filhos de agricultores, com idade entre 14 e 18 anos.

Assim, destinada à juventude do campo, a EAT iniciou com uma estrutura bastante precária,

com salas de aula, e muitos prédios ainda por finalizar a construção. A Escola possuía uma

vasta extensão de terras, sendo 300 hectares, muito próxima ao rio Poty, local apropriado aos

projetos futuros de irrigação. O primeiro diretor, o agrônomo Carlos Estevam Pires Rebelo,

iniciou os trabalhos com a construção dos prédios, para o levantamento das obras que seriam

necessárias à própria construção, tais como: serraria, olaria, definindo arquitetonicamente a

divisão dos espaços institucionais. Ele buscava um projeto ambicioso para a realização de um

pensamento progressista acerca das práticas agrárias. Contudo, a fundação da Escola exigiu

do primeiro diretor a perseverança para um empreendimento de tamanha relevância

econômica. A Lei Orgânica do Ensino Agrícola de 1946 determinava que caberia às essas

escolas, realizar o curso de Mestria Agrícola e de Iniciação Agrícola.

Ainda com base no supramencionado Decreto, no Art. 13 foi determinado que apenas

as escolas agrotécnicas poderiam realizar cursos que fossem direcionados a professores ou

administradores e oficializava que “quaisquer estabelecimento de ensino agrícola poderão

ministrar cursos de aperfeiçoamento, salvo os destinados a professores ou a administradores,

os quais só poderão as agrotécnicas”.

Do público que procurou o CAT em 1964, 90% era oriundo do interior do Estado. Em

sua primeira seleção contou com um número de 200 vagas para o curso de Mestria Agrícola,

para um número em torno de 600 inscrições para o Exame de Admissão. Os estudantes

migravam de cidades como Campo Maior, Piripiri, Paulistana, Altos, Ipiranga, Oeiras,

Ribeiro Gonçalves, Castelo, Floriano, Água Branca, Parnaíba e Teresina.

166 Entrevista concedida por Antonio Andrade do Rego em 20.01.06, ex-professor, ex-secretário, ex-diretor substituto do CAT entre 1958 e 1984.

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Figura 9: Documento de inscrição p/ o exame de admissão no CAT/1967 . Fonte: Acervo Lúcio Brígido Neto.

A grande procura por vagas na escola fez com que a seleção do CAT se tornasse cada

vez mais exigente para o estudantado. Desta forma, uma das dificuldades enfrentadas pelos

alunos, inicialmente, foi o Exame de Admissão do Colégio, considerado pelos jovens uma

seleção difícil, tendo em vista que o teste exigia conhecimentos das disciplinas: Português,

Matemática e Conhecimentos Gerais. Wilson Herbeth M. Caland, aluno da primeira turma,

em seu depoimento, revelou a expectativa em ser aprovado na instituição:

Quando abriu o Exame de Admissão para o CAT, procurei uma aliada que tenho até hoje, que é minha mãe [...]. Ela ficava estudando comigo até muito tarde. E, graças a Deus, fiz e passei [...]. Era muito difícil o teste para a época; houve muitos candidatos; a primeira turma teve 41 pessoas. Eram, então, várias pessoas, e a turma muito grande [...]. Quando saiu o resultado no jornal, fomos ao Colégio mostrar [...]. Foi uma alegria. Primeiro eu estava ali e passei; e segundo porque eu acho que se a gente quiser a gente consegue!167

Podemos observar na fala do estudante, a preocupação de sua família com sua

aprovação no CAT, em conseqüência do expressivo número de concorrentes. De certo modo,

167 Entrevista com Wilson Herbeth M. Caland, em 05.06.06, ex-aluno do curso Ginásio Agrícola do CAT, entre 1964 e 1968.

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no final dos anos 1960, o CAT concentrou um número relativo de alunos, sendo crescente, a

cada ano, o interesse dos estudantes pela instituição. Com base nas fichas de matrícula,

preservadas nos arquivos da instituição, percebemos que o quadro se constituiu de forma

diversificada nas primeiras séries criadas. A grande concorrência possibilitou iniciar o Curso

Ginasial Agrícola com 41 alunos matriculados; contudo, no Curso Ginasial, entre 1964 e

1971, a realidade educacional no CAT, apresentava-se de forma bastante diferenciada.

No ano de 1965, havia no CAT duas turmas de primeira série, perfazendo um total de

80 alunos. Nos anos seguintes, as matrículas baixaram de forma sensível, devido à oferta de

apenas uma turma inicial. Sendo entre 1967 e 1968 os anos de maior relevância no número

total de alunos matriculados no CAT. Entre 1970/1971, por determinação legal, a Escola

encerrou o Curso Ginasial Agrícola, conforme Quadro 11.

COLÉGIO AGRÍCOLA DE TERESINA

DEPARTAMENTO DE ENSINO MÉDIO

RELAÇÃO GERAL DE TODOS OS ALUNOS, MATRICULADOS, DESISTENTES E

TRANSFERIDOS DE 1964 A 1971

CURSOS ANO 1ª 2ª 3ª 4ª OBSERVAÇÕES

1964 40 - - - 41

1965 80 37 - - 117

1966 31 62 32 - 125

1967 32 34 48 25 139

1968 37 35 38 34 144

1969 - 24 25 16 65

GINASIAL

1970/1971 - - 20 18 38

Quadro 11 – Ficha de relação dos alunos matriculados, desistentes e transferidos do CAT entre 1964 e 1971. Fonte: Ficha escolar, acervo do CAT.

No ano anterior, foi aprovado o Decreto n. 52.666 de 11.10.1963, que legitimava o

regimento do Ministério da Superintendência do Ensino Agrícola e Veterinário, do Ministério

da Agricultura. Com base nas orientações, através da SEAV, o currículo do Curso Ginásio

Agrícola determinava o ensino de disciplinas de Cultura Geral e Cultura Técnica; sendo

definidas as disciplinas conforme apresenta o Quadro 12, a seguir.

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CURSO: Ginasial Agrícola

TURMA: Única

ANO: 1964

N º de Alunos: 41

DISCIPLINAS

CULTURA GERAL

Português

Matemática

História do Brasil

Iniciação às Ciências

Inglês

CULTURA TÉCNICA

Práticas Agrícolas

Práticas Pecuárias

Higiene. Enf. Soc. Urgência

Educação Cívica

Educação Física

Quadro 12 – CAT - Disciplinas do Curso Ginasial Agrícola – 1964 FONTE: Diário de Classe da 1ª Turma de Ginásio de 1964. Acervo do CAT.

Conforme as informações coletadas nas entrevistas e documentos escolares,

percebemos que a Escola funcionava em regime de internato e semi-internato. Inicialmente,

os alunos que moravam nas cidades mais distantes ficavam internos na Escola, desenvolvendo

projetos agrícolas no campo. Os semi-internos eram liberados da escola aos finais de semana.

O Colégio contava, em sua fase inicial, com uma estrutura física que abrangia o prédio da

Diretoria, os alojamentos, o refeitório e as salas de aula. A experiência de ser a primeira turma

possibilitou aos estudantes uma apropriação do lugar e dos espaços escolares. Conforme a

entrevista do aluno da primeira turma, Wilson Calland Moreira, “essa era a primeira turma de

41 alunos; é um orgulho falar; nós moldamos o Colégio, nós desbravamos o Colégio

Agrícola, na primeira oportunidade, só era homem, fizemos um campo de futebol”.168

Em seu depoimento, é perceptível o sistema de posições que se opera em lugares

determinados pela comunidade, constituindo o que poderíamos chamar de habitus agrícola

masculino. Nos anos seguintes, houve um aumento no número de turmas e vagas na

Instituição, o que, certamente, consolidou o espaço criado pelo gênero masculino no CAT, em

torno da prática e atividade agrícola.

Na primeira turma do Curso Ginasial Agrícola, foram aprovados, no Exame de

Admissão, 41 alunos; suas origens eram diversificadas, a turma era distribuída entre jovens do

168 Entrevista concedida por Wilson Herbeth M. Caland, em 28.01.06, ex-aluno do curso Ginasial Agrícola, entre 1964 e 1968.

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próprio Estado, do Ceará e do Maranhão. Os estudantes, com faixa etária entre 14 e 18 anos,

iniciavam e concluíam sua trajetória escolar no CAT. É interessante notar que a Escola

realizava os seus exames de admissão nos espaços rurais. Para tanto, havia a preparação de

uma equipe para a divulgação e aplicação do concurso. Esse grupo, liderado por professores e

funcionários do CAT, viajava anualmente, para as cidades do Estado. O concurso realizava-se

em cidades escolhidas pela instituição, tais como Picos, Parnaíba, Floriano. Raimundo José do

Rego Neto comentou, em seu relato, com saudosismo, a relação entre o interior e a cidade,

nesse momento da seleção, quando iniciaram suas atividades, como funcionário do CAT:

Foi uma boa época. Achei importante porque nos relacionávamos com muitas pessoas do Interior; porque aqui se cumpria uma orientação do Ministério. Você tinha que fazer exames nas cidades; então o CAT, apesar de sua localização perto do Centro da Capital, ia ao Interior. Então mandavam para Parnaíba, escolhiam dois ou três para ir, e a gente ficava conhecendo muita gente [...].169

No ato da matrícula, exigia-se, também, um questionário socioeconômico, envolvendo

questões que caracterizaram a realidade econômica e social dos alunos. Sendo aprovados, os

discentes deveriam apresentar os documentos requeridos para a matrícula. Entre esses, deveria

constar uma declaração registrada em cartório, afirmando que o aluno teria um responsável

em Teresina. Esse documento justificava a saída do discente da Escola nos finais de semana e

atenuava a responsabilidade da Escola sobre o adolescente. Para os alunos que moravam nos

lugares mais distantes, o internato caracterizava uma separação ou distância da família, nem

sempre tranqüila. Assim, alguns iam para a casa de amigos na cidade, outros ficavam na casa

de parentes. O aluno da segunda turma do curso Ginasial Agrícola, Lúcio B. Neto, em seu

depoimento, rememorou esse momento e procurou defini-lo como uma ruptura familiar:

Havia umas pessoas que choravam realmente; acho que essas pessoas eram as mesmas que choraram quando o pai deixou no jardim de infância [...]. Por que havia uma ruptura, havia um corte do cordão umbilical, a partir daquele momento em que eles saíam de casa; e eram muito crianças, eu não sentia tanto porque eu passei dois anos semi-interno.170

No mesmo termo de responsabilidade, ficava estabelecido que o responsável deveria

assumir qualquer dano causado pelo aluno à Instituição, como também nos casos de doenças e

nos dias de folga. Uma outra preocupação da Escola manifestou-se com a saúde dos

estudantes, que vinham de diferentes lugares. Para tanto, fez-se necessária a apresentação de

exames que detectavam qualquer doença contagiosa. Por isso era obrigatório o atestado

169 Entrevista com Raimundo José do Rego Neto, em 05.01.06, ex-aluno do curso Ginásio Agrícola, entre 1964 e 1968, e ex-funcionário do CAT em 1974. 170 Entrevista concedida por Lúcio Brígido Neto, ex-aluno do CAT entre 1966 e 1971, realizada em 18.01.06.

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médico, bem como o cartão de vacinas de doenças como: poliomielite, sarampo, varíola, no

ato da matrícula e a cada dois anos. Para o curso de Mestria Agrícola, no capítulo IV, da Lei

Orgânica do Ensino Agrícola, destacava-se no Art. 25 e 26, para admissão aos cursos, a

justificativa para a exigência de comprovação de sanidade:

Art.25 – O candidato à matrícula inicial em qualquer dos cursos de formação deverá apresentar prova de não ser portador de doença contagiosa e de estar vacinado.

Art. 26 – Além das condições referidas no artigo anterior, deverá o candidato satisfazer o seguinte:

I – Para os Cursos de Mestria Agrícola:

a) Possuir capacidade física para os trabalhos escolares que devam ser realizados.171

Figura 10 – Atestado médico apresentado ao CAT, pelo aluno Lúcio Brígido Neto, em 1968. FONTE: CAT/ Lúcio Brígido Neto.

171 Lei Orgânica do Ensino Agrícola de 1946.

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A representação que envolve o ensino agrícola brasileiro consolidou o estereótipo de

ser um ensino voltado para pobres ou desvalidos da sorte. Na criação desse modelo de ensino,

voltado para práticas agrícolas, configurou-se um perfil social para esse modelo escolar,

destinado a um público específico da sociedade. Esse perfil foi caracterizado por Nascimento,

em sua análise sobre o Patronato Agrícola de Sergipe, o qual relaciona o objetivo criado para

esse fim educacional e a prática agrícola, demonstrando essa estreita relação entre ambos:

O patronato objetivava assistir menores carentes do ponto de vista intelectual e físico. Estes eram vistos como pessoas que tinham que se integrar à vida social. Assim, o ensino das noções de agricultura era tido como uma alternativa interessante para a formação desse tipo de menor.172

Com a criação da modalidade do ensino superior agronômico, destinado a impulsionar

a agricultura e fortalecer a imagem do agrônomo, estabelecia-se, no contexto social brasileiro

da Primeira República, a discussão que apresentava a transição desse perfil escolar, para um

novo grupo social, pensado efetivamente para favorecer o ensino agrícola. Conforme

Mendonça, esse debate caracterizou o que a autora denominou de ruralismo brasileiro; nesse

período:

O Debate em torno da necessidade de difusão do Ensino agrícola foi uma das constantes no ruralismo da Primeira República [...] Representada como uma das soluções plausíveis para a suposta crise agrícola em curso no País, a questão do ensino profissional agrícola seria enfaticamente defendida pelos representantes dessa nova categoria profissional agrícola em via de construção e reconhecimento no período, quer no tocante a seu nível primário ou elementar [...].173

No caso do Colégio Agrícola de Teresina, a proposta era seguir as diretrizes do

Ministério da Agricultura, que determinavam o ensino agrícola para uma população rural. No

entanto, havia alunos da capital piauiense que também se sentiam atraídos por esse modelo de

ensino e pela estrutura criada na instituição, existindo, inicialmente, na escola, jovens

oriundos também da capital. Exemplo disso é o caso do ex-aluno do Ginasial Agrícola,

Wilson H. Moreira Caland, que, embora fosse residente do espaço urbano, desejava estudar

no CAT:

Meu nome é Wilson Herbeth Moreira Caland, estudei na primeira turma do CAT, no período de 1964 a 1968. Por que eu fui estudar no CAT? Meus pais tinham uma fazenda e eu gostava muito do campo; havia até uma preocupação em plantar, mas sem entender técnica nenhuma, como também meu pai não entendia, apesar de minha mãe ser coordenadora de ensino, certo? Meu pai tinha fazenda, mas não tinha

172 NASCIMENTO, 2004, op. cit., p. 87. 173 MENDONÇA, 1998, p. 29.

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conhecimento da técnica, em São Vicente [...] então aquela vontade de entender as técnicas, de querer viver no campo, foi o que me levou para o CAT.174

Por conseguinte, o quadro da primeira turma do Ginasial Agrícola foi registrado no

documento “Vida Escolar da 1ª série de 1964, numerando os primeiros alunos matriculados

na Escola Agrotécnica de Teresina”.

1 ALDINO LIMA DE SOUSA 16 JOSÉ ANCHIETA DA C. SOARES 31 MARTIN VIEIRA DA CRUZ

2 ALBERTO DA SILVA ROCHA 17 JOSÉ DE RIBAMAR V. DE SOUSA 32 WILTON JESUS M. DE SOUZA

3 ANTONIO JÓLIO DO ESPÍRITO SANTO 18 JOSÉ OSMEU DE SOUSA 33 MOISÉS GOMES DA SILVA

4 BENJAMIN RODRIGUES DE CARVALHO 19 JURANDÍ BORGES TEIXEIRA 34 NEON NUNES DA S. LOPES

5 CLAUDIO JOSÉ DA ROCHA 20 JOSÉ MESSIAS R, DE CARVALHO 35 OSIEL NERÍ DO REGO

6 CÍCERO MACHADO SANTOS 21 JOSÉ MUNIZ DE SOUSA 36 OLON MENDES SOARES

7 FRANCISCO JOSÉ DE SOUSA 22 JOÃO DE AGUIAR MELO 37 PEDRO ALVES DE SOUSA

8 FRANCISCO BORGES VIEIRA 23 JOSÉ DE CARVALHO NOGUEIRA 38 RAIMUNDO JOSÉ DO R. NETO

9 FRANCISCO DAS CHAGAS S. PACÍFICO 24 JOELSON GOMES DOS S. CUNHA 39 SIMON B. DE L. SOUSA

10 FRANCISCO DAS CHAGAS CHAVES 25 LUIZ CARLOS PEREIRA DA S. SILVA 40 VALDIR BORGES VIEIRA

11 FRANCISCO SOARES CARDOSO 26 LUIZ CARLOS DE MORAES SANTOS 41 WILSON H. M. CALAND

12 GABRIEL CASTELO B. DA SILVA 27 LEONARDO DE MORAES SANTOS

13 GILBERTO DE SOUSA BRANDIM 28 MATEUS CORREIA BRANDIM

14 JANARÍ PINHEIRO DE CARVALHO 29 MANOEL VITÓRIOD A COSTA

15 JOSÉ SEPÚLVEDA A. FILHO 30 MANOEL MESSIAS CABRAL

Quadro 13: Número de alunos da 1ª turma do Ginasial Agrícola do CAT-1964. Fonte: Quadro de registro da Vida Escolar do CAT, acervo do CAT.

Lúcio Brígido Neto, estudante da turma de Ginásio Agrícola de 1967 constitui um

perfil de origem urbana, com família em Teresina, esse aluno havia realizado o teste seletivo

para o CAT, por condições específicas familiares, que não correspondiam à natureza da

proposta escolar do ensino agrícola. Conforme seu próprio relato, não era um modelo discente

comparado aos que trabalhavam nos serviços da vida rural; porém era um aluno semi-interno,

que voltava para casa, em Teresina, e, para esses, havia a flexibilidade de poder passar os

finais de semana com a família. Vejamos o início de sua trajetória no CAT:

Meu nome é Lúcio Brígido Neto, e o que me levou ao Colégio Agrícola no ano de 1966 foi que meu pai ficou viúvo. Ele era viajante, representante comercial, e de

174 Entrevista realizada com Wilson Herbeth M. Caland, em 05.02.06, aluno da 1º turma do Ginasial Agrícola, entre 1964 e 1968.

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certa forma não tinha como cuidar dos filhos. Então apareceu essa oportunidade de fazer um teste no Colégio Agrícola, era um semi-internato, o que seria conveniente para ele, porque viajava durante a semana e no fim-de-semana ele estava aqui; nós íamos à segunda-feira de manhã, pegávamos um caminhão – íamos em cima – dirigido pelo seu Valter, o motorista da época; [...] a gente pegava aqui atrás da Igreja São Benedito e voltávamos no sábado pela manhã, depois da reunião do Grêmio Cultural professor Antonio Andrade do Rego.175

Embora o número de matriculados, na primeira turma, fosse relevante, os alunos

encontraram dificuldades em adaptar-se na instituição; alguns por conta da idade, por

iniciarem muito jovens, outros pela própria condição do afastamento familiar. O quadro de

relação dos alunos desistentes na instituição em 1964 destacou o número considerável de 14

alunos. O depoimento de Otávio Monteiro da Silva, cozinheiro do Refeitório do CAT, em

1974, deixou explícito alguns conflitos enfrentados pelos alunos, no cotidiano da escolar,

devido ao afastamento familiar:

Havia aluno que desistia, vi dois alunos do interior desistindo, porque eram poucos de Teresina, eles não tinham muita dificuldade, eram pessoas boas, mas alguns deles reclamavam muito por ficar longe dos pais. Eu dizia: – rapaz, não lembra dos seus pais? Eles diziam lembro, mas não posso dar jeito.176

No acervo do Colégio, encontramos o registro da última turma de concludentes do

CAT. Observamos que, ao final do ano de 1970, apenas 9 alunos concluíram o curso Ginasial

Agrícola. Entretanto, foram matriculados 18 alunos e somente 1 foi transferido.

CAT-CONCLUDENTES DE 1970/71 - CURSO GINASIAL

1 Benedito Faria da Silva Torres

2 Carlos Alberto Nogueira Barbosa

3 Edivar Araújo da Silva

4 Francisco José Gomes Teixeira

5 Francisco de Assis Araújo

6 Francisco Theodoro das Chagas Oliveira

7 Leví Barbosa

8 Lúcio Brígido Neto

9 Luiz José de Almeida

Teresina, 5 de dezembro de 1975

J.MS

Quadro 14 – Lista de concludentes da última turma do Ginasial Agrícola 1970/1971. Fonte: Documentos Escolares, Diário Escolar, acervo do CAT.

175 Entrevista concedida por Lúcio Brígido Neto, em 03.02.06, ex-aluno do curso Ginasial Agrícola, em 1967. 176 Entrevista concedida por Otávio Monteiro da Silva, realizada em 28.12.05, ex-funcionário do CAT, entre 1973 e 1975.

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Dessa maneira, estudar no CAT representou diversos significados para a juventude, os

mesmos foram definidos de forma específica. Nesse sentido os grupos constituem e são

constituídos por espaços de conflitos, de interação e discussão. Compreendemos que esses:

Partilham, pois, desta capacidade mágica do imaginário de fazer o mundo existir desta ou daquela maneira, guiando e iluminando o olhar, dando existência à coisa nomeada e admirada. Sendo um universo paralelo de sinais, o imaginário, como uma constelação de representações, tem a propriedade também de se substituir ao mundo real, pois as pessoas fazem dele e nele a sua capacidade.177

A realidade escolar se propõe como um universo a ser descoberto, sendo

compreensível apenas para aqueles que interagem no mesmo espaço. Nessa discussão,

apresentamos as propostas da cultura escolar como objeto de pesquisa para o entendimento

das práticas, dos valores, dos mecanismos escolares. Neste sentido, cultura aproxima-se da

interpretação de Certau:

Como práticas das pessoas comuns, as maneiras de fazer que majoritárias na vida social, não aparecem muitas vezes senão a título de resistência ou a inércia em relação ao desenvolvimento da produção sociocultural; uma ciência prática do singular que faz dos espaços público e privado um lugar de vida possível.178

Dessa forma, os alunos, professores e servidores do CAT, como pessoas comuns

representavam uma possível condição de exercerem a construção de um lócus, onde se

travavam – por resistência ou não – suas posições, o seu lugar social. Determinando, assim, a

teia cultural que constrói valores, comportamentos, significados. Como propõe Geertz,

“cultura como tecido de significados, expectativas e comportamentos, discrepantes ou

convergentes, que um grupo humano compartilha e constrói socialmente”.179

3.1 A ânsia pelo ensino superior público: afloram as expectativas por uma universidade

piauiense

No final da década de 1950, o ensino superior se estruturava no Piauí. O

funcionamento de algumas Faculdades, como a Faculdade de Direito, a Faculdade de

Filosofia, a Faculdade de Odontologia e, mais tarde, em 1966, a Faculdade de Medicina

aumentam as possibilidades de expansão do ensino superior no Estado. Iniciam-se, assim, as

discussões sobre a criação de uma Universidade no Piauí. A década de 1960, surgindo como

década promissora para os novos ideais que se constituíam no País, manifestou-se como o

momento de redespertar os sonhos de uma nova realidade piauiense. O professor Manoel

177 PESAVENTO, 2003, op. cit., p. 209. 178 CERTAU, Michel de. A cultura no Plural. Campinas-SP: Papirus, 1995. p. 2. 179 GEERTZ, 2004, p. 62.

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Paulo Nunes, em entrevista, procurou justificar a expectativa social pelo ensino superior, à

época, em Teresina:

Em 1958, eu fui um dos primeiros a lecionar na Faculdade de Filosofia, porque nós não tínhamos uma Escola de formação de professores [...] os professores eram recrutados, de modo geral, através de uma das pessoas das mais diferentes profissões que pudessem ter e tivessem inclinação para o magistério público. E o Ministério da Educação – a partir de 1954, em todo o País, através da CAD, Campanha de Aperfeiçoamento de Exame do Ensino Secundário, o Ministério da Educação – começou a preparar professores de emergência, e aqui nós tivemos esses cursos de formação de professores de emergência, com a instituição da Inspetoria Seccional do Ensino no Piauí, a qual eu passei a chefiar de 1961 a 1971. Através da Inspetoria nós tivemos uma preparação intensiva de professores, justamente para atender a essa carência que havia no Estado.

Desse modo, o governo Chagas Rodrigues, em 1961, demonstrou preocupação com a

organização estatal; procurou ressaltar a preocupação com a criação de várias empresas

estatais, continuando o projeto de modernização para o Estado, do governo anterior.

Evidenciavam-se como metas de seu governo a construção de estradas, o reaparelhamento de

ferrovias, aeroportos, implantação da rede de distribuição de energia elétrica e a construção da

Usina de Boa Esperança. Tal “como Saraiva e as lideranças estaduais do Período Imperial,

esse governador também acreditava que a instalação da infra-estrutura traria o aumento da

produção e o desenvolvimento”.180

Um artigo publicado na “Revista Almanaque da Parnaíba”, em fascículo do ano de

1963, destacava o tema: “A Universidade e a Realidade Brasileira”; este abordava

criticamente a intenção da Lei de Diretrizes e Bases de 1961, por não priorizar o ensino

superior. O texto procurou demonstrar o caos do panorama educacional brasileiro desse

período:

No curso primário, além da deficiência incrível de escola, há uma marginalização de mais de 50% da população em virtude das dificuldades financeiras que o ensino requer. Dentre 15 milhões de crianças, em idade escolar, 7 milhões não têm escolas, e, dentre as 8 milhões que conseguem se matricular, apenas 600 mil conseguem terminar o Curso Primário. Verificando esses dados, somos levados à incrível realidade. – Metade da população brasileira é oficialmente analfabeta. Ao atingir o curso médio, as dificuldades do estudante aumentam assustadoramente, pois 85% dos estabelecimentos de Ensino Médio do País são particulares, o que torna o estudo impossível aos jovens sem recursos.

O texto ainda assegurou a necessidade premente de universidades para toda a

população brasileira, criticando a intenção vertical da criação dos cursos superiores:

Primeiramente é notório que as Faculdades só recebem em seu seio certa parte do povo; somente 1% de privilegiados consegue o título de universitário, que amanhã

180 PASSOS, 2001, op. cit.

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se tornarão em máquinas humanas de fazer dinheiro. O povo vive alheio à universidade [...]. Como etapa central desse sistema de educação, vamos encontrar a universidade, que tem constituído o maior empecilho à revolução brasileira e à própria reformulação do nosso ensino secundário, médio, primário. É preciso que nossas universidades se entrosem na realidade socioeconômica do Brasil, articulando-se com o desenvolvimento brasileiro, não apenas como observadoras, mas participando ativamente dele. [...] outro aspecto estrutural importante é o entrosamento perfeito das faculdades e não se devem conceber universidades como um grupo de escolas isoladas, sem nenhuma relação entre si.181

Com igual intenção, na mesma revista, enfatizava o artigo: A Universidade do Piauí:

[...] Consideramos a Universidade do Piauí um problema urgentísimo. Um problema que há muito deveria ter tocado de perto a sensibilidade administrativa dos nossos dignos e honrados representantes lá no Congresso Nacional. [...] A criação da Universidade do Piauí é uma necessidade. Todos o sabemos, e, mais do que nunca, devemos agora pensar na sua instituição. Para tal é indispensável uma visão sadia, associada a uma mentalidade construtora e bem atualizada.182

Concomitantemente aos discursos sobre a educação superior, é importante destacar

que havia anseios de construção de uma Universidade Rural no Estado; essa instituição, como

a EAT, representaria os ideais do grupo de agropecuaristas. Tal intenção definiu-se no

governo seguinte, de Petrônio Portela; com o incentivo à educação, o governador buscou criar

instituições, cujo caráter seria importante para o desenvolvimento de uma infra-estrutura no

Estado.

Havia, também, intensos debates acerca do desenvolvimento industrial, por parte de

um grupo político mais preocupado com a instalação de um novo modelo econômico para o

Piauí. Contudo, apesar da nova estruturação social, nos anos 1960, os valores agrários se

mantinham fortemente enraizados.

Podemos estabelecer a relação desse momento com a própria performance da

instituição escolar. No ano de 1967, o CAT, como escola agrícola da rede federal de ensino,

passa a ser subordinada ao Ministério da Educação, deixando de ser vinculada ao Ministério

da Agricultura. Nesse sentido, a educação agrícola passa a fazer parte do Departamento de

Ensino Médio (DEM). A passagem para o Ministério da Educação e Cultura favorece a

abertura de cursos para o Ensino Médio, quando é implantado o curso de Técnico Agrícola,

em 1969. Assim, no ano de 1967 são criadas duas portarias que terão fundamental

importância para o ensino agrícola. A primeira, em 23 de janeiro de 1967, determinou que o

181 CRAVEIRO, Afrânio Aragão. A Universidade e a Realidade Brasileira. Revista Almanaque da Parnaíba. 40. ed. Teresina-PI, 1963, p. 51-52. 182 SALES, Genuíno. A Universidade do Piauí. Revista Almanaque da Parnaíba. 40. ed. Teresina-PI, 1963, p. 207-208.

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ensino técnico agrícola de grau médio seria ministrado em dois ciclos. E apresentou o

curriculum do curso. Nos Art. 1, 2 e 3, observamos como específicos a essa finalidade:

Art.1º- O ensino técnico agrícola de grau médio, no sistema federal, será ministrado com quatro anos e o segundo com, no mínimo, três anos de duração.

Art. – 2 No primeiro ciclo, a primeira e a segunda séries incluirão as cinco disciplinas obrigatórias constantes da Indicação nº1-1962 do Conselho Federal de Educação e mais uma disciplina optativa e uma vocacional agrícola, escolhido pelas escolas. O currículo da terceira e da quarta séries, quanto às disciplinas de cultura geral, compreenderá: Português, Matemática, Ciências, Físicas e Biológicas e mais uma disciplina optativa de livre escolha do estabelecimento, dentre as seguintes: Geografia, História, Desenho, Língua Estrangeira Moderna e Organização Social e Política.

Art. 3 – O currículo de segundo ciclo do ensino técnico agrícola, nos seus cursos e modalidades, compreenderá, além das disciplinas específicas do ensino técnico, as seguintes disciplinas de cultura geral: Português, Matemática, Biologia, Química e mais uma optativa de livre escolha dentre as seguintes: Física, desenho, Língua Estrangeira Moderna, Economia, Ciências Sociais, História, e Geografia.183

Havia ainda a disciplina de Educação Física que foi incluída no Art. 4, e também

práticas educativas, que ficavam a critério de escolha das escolas. Nesse sentido, o Ensino

Técnico Agrícola foi incorporado ao nível médio, com a condição de, na quarta série do

segundo ciclo, ser inserida a disciplina Estágio, objetivando a admissão ao nível superior.

Essa mudança favoreceu o acesso escolar ao ensino agrícola.

A segunda mudança efetivamente importante foi o estabelecimento do Decreto n.

60.731 de 19 de maio de 1967 pelo presidente Costa e Silva. Esse documento apresentava a

transferência dos órgãos de ensino do Ministério da Agricultura para o Ministério da

Educação. O Decreto afirmava:

Art. 1- Os órgãos de ensino vinculados ou subordinados ao Ministério da Agricultura ficam transferidos para o Ministério da Educação e Cultura, nos termos do art. 6º da Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, combinado com o artigo 154 do Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967.

Art. 2 - Fica transferida para o Ministério da Agricultura e Cultura, com a denominação de Diretoria de Ensino Agrícola do Ministério da Educação e Cultura.184

Essas mudanças foram significativas para a estruturação do campo do ensino agrícola

no Piauí. A possibilidade de ascender ao ensino superior, de certo modo possibilitou uma

valorização da carreira de técnico agrícola, que poderia, após o fim do nível médio, ampliar

conhecimentos no curso de Agronomia.

183 BRASIL. Portaria n. 0018, de 23 de janeiro de 1967, publicada no Diário Oficial da União de 10.02.1967. 184 BRASIL. Decreto n. 60.731, de 19 de maio de 1967, publicado no Diário Oficial da União de 22.05.1967.

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Observamos que a cidade de Teresina imerge sob o turbilhão das idéias políticas, com

a instauração do Golpe Militar, passando, assim, por uma grande indefinição política

brasileira. Em meio a esse cenário político, econômico, social bastante confuso, foi

inaugurado o CAT. No desfile de 7 de Setembro de 1968, quando a cidade assistia à

apresentação das escolas de Teresina, o desfile do CAT era sempre o mais esperado, por sua

riqueza e beleza. A população postava-se para ver, especialmente, na Avenida Frei Serafim, o

desfile dos estudantes do Colégio Agrícola de Teresina. O CAT chamava a atenção por ser

espacialmente distante da cidade e os alunos serem estranhos ao ritmo normal da urbe, em

razão de serem internos na instituição. Os alunos do terceiro ano entravam na Avenida Frei

Serafim com a faixa intitulada: “Soldados da Terra”, representando a ligação política do

momento com a intenção do ensino agrícola.

A imagem criada na Figura 11 permite revelar a importância do contexto histórico,

bem como os valores sociais instituídos acerca da instituição educativa. Do mesmo modo, a

construção escolar adequa-se aos perfis dos estudantes do CAT. Aproximamos essa

concepção da idéia de Boto, quando apresenta um lugar social, com convenções e sentidos

criados na imagem escolar construída nos anos republicanos:

Organizar a arquitetura da escola, como se de um templo da República se tratasse, vinha ao encontro de toda uma simbologia nacional necessária para a tessitura do imaginário a ser inaugurado por aquela República em construção. Tratava-se pois de engendrar protocolos de sentidos e convenções de significados. Quanto ao espaço, temos a classe com colunas e fileiras; quanto ao tempo, temos os horários e a grade que os coordena. Demarca-se um lugar social que possui, sim, uma linguagem toda sua – isso que nós chamamos escola.185

185 BOTO, Carlota. Histórias, idéias da cultura escolar: um desafio metodológico. In: CAVALCANTE, Maria Juraci Maia; BEZERRA. José de Arimatéia B. (Org.). Biografias, instituições, idéias, experiências e políticas educacionais. Fortaleza: UFC, 2003. p. 39.

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Figura 11: Desfile da Primeira Turma do Ginásio Agrícola do CAT na Av. Frei Serafim, em 07.09.1968. Fonte: Foto cedida do acervo de Antonio José do R. Monteiro.

Essa imagem é construída com saudosismo, na visão de um estudante da terceira

turma ginasial, o qual deixa transparecer a importância de ser aluno da instituição:

No dia 7 de Setembro, a gente saía com um touro, puxando, na avenida, com um trator, e com tudo aquilo as crianças ficavam admiradas, porque viam o trator e as outras não tinham trator, e a gente vinha fazendo parte da banda, fazíamos questão! A gente vinha marchando num calor louco, onze horas da manhã, pingando de suor [...] mas todo mundo naquela dignidade de estar representando o CAT [...].186

A cidade de Teresina, refletida pelos ares dos anos 1960, modificava-se em passos

rápidos. O governo Petrônio Portela Nunes, em 1965, inaugurou um novo momento

piauiense, preocupando-se com a intervenção estatal no âmbito econômico, implantando

empresas como CEPISA, TELEPISA, AGRINPISA. Nesse governo aparecem sinais de

iniciativas à educação de forma mais consistente, por meio da estruturação dos ramos de

ensino, primário e médio e iniciando as metas estatais ao ensino superior. Segundo Passos,

entre as ações no campo educacional, revelou-se o interesse por uma Universidade Rural:

[...] Contudo, volta-se também para o setor educacional com as seguintes ações: criação e instalação do Conselho Estadual de Educação; expande a rede de Ensino Primário e Médio, inaugura as ações do Estado no Ensino Superior com a estadualização da Faculdade de Odontologia (1965) e a criação da Faculdade de Medicina (1966). Além disso, inclui no “Plano de Desenvolvimento Social do Piauí” a criação, constituição e instituição da Universidade Rural do Piauí e propõe, como se verá adiante, a Assembléia Legislativa Estadual, a Universidade do Estado do Piauí-UESP.187

186 Entrevista concedida por Lúcio Brígido Neto, em 03.02.06, aluno do curso Ginasial Agrícola do CAT, entre 1967 e 1970. 187 PASSOS, 2001, op. cit., p. 35.

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Contudo, tal plano não foi realizado, a representação cultural do trabalho agrícola

ainda definia o perfil de trabalhador, como um profissional desprovido de conhecimentos na

área da agricultura. Embora esse campo fosse o maior lugar de mão-de-obra:

O setor agrícola, maior absorvedor de mão-de-obra, continuava voltado para as suas seculares atividades: a pecuária extensiva e a agricultura de subsistência praticada por pequenos agricultores sob relações de trabalho assentadas, principalmente na parceria e no arrendamento.188

O discurso do Estado atrasado economicamente inquietava os políticos, então ligados

ao governo Petrônio Portela, que lutavam pela instauração da universidade piauiense, desde

1931, e buscavam a realização da ânsia pelo ensino superior. Para a sua concretização, a

investigação histórica permite, para tanto, reunir a ação de determinadas instituições, que,

segundo Passos,189 são “agentes individuais ou coletivos personalizados como o Estado, a

Igreja etc.; ou seja, intenções e premeditações”.

Em meio às discussões sobre o ensino superior, as mudanças no Colégio Agrícola

iniciavam de forma concreta, com a transferência da instituição para o Ministério da

Educação e Cultura. Essa mudança já indicava a possibilidade de autonomia do governo

federal frente aos rumores políticos pelo ensino superior no Piauí.

Figura 12 – CAT/ Biblioteca Setorial – CCA/UFPI. Fonte: Crédito direto da autora.

188 Ibid., p. 36. 189 PASSOS, 2001, op. cit., p. 40.

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3.2 Entre as aulas, a horta e o pomar: o cotidiano no CAT

No segundo ano, a instituição funcionava com duas turmas do curso Ginasial Agrícola,

a Escola contava com 117 alunos, em sua maioria de origem do interior do Estado e dos

Estados vizinhos.

Às 7 horas da manhã, iniciava a rotina escolar; o inspetor tocava o sino, informando

que os alunos deveriam estar prontos para o café da manhã. Após o momento de refeição, os

estudantes eram organizados para as aulas de Educação Física. Analisamos a experiência

vivenciada na instituição, por meio das lembranças do ex-aluno do segundo ano do Curso

Ginasial Agrícola, que nos permitiu construir o cenário e conhecer as relações existentes entre

os alunos, através das práticas da rotina escolar:

Estudar numa escola agrícola era [...] uma coisa totalmente diferente. De uma hora para outra, você está aprendendo e fazendo, não é? Porque, no período da manhã, a gente aprendia a parte teórica, e à tarde a gente aprendia a parte prática, as técnicas agrícolas, que são muito importantes; também, pelo seguinte, por ser um colégio interno, ou, se quiser considerar, semi-interno; a gente começa a ter uma responsabilidade maior [...]. Além de você começar a ver o campo de uma forma diferente, há também aquela formação moral. Inclusive, nesse ponto, tínhamos um professor de Educação Física que era terrível, três vezes por semana. Eu esqueço o nome dele! Só sei que ele era um sargento do Exército e era muito “caxias”! Ele chegava e corria, fazia a gente correr! Era muito interessante, mas todo mundo gostava! E depois a educação física acordava os alunos! Depois da Educação Física, ainda havia um tempinho para jogar futebol! E por que ter responsabilidade em ter assim uma formação começada diferente? Porque sabíamos que tudo tinha hora marcada! Tinha hora marcada para a educação física, para o esporte de manhã, depois tinha que tomar banho, tomar café, ir para a sala de aula, o lanche, o almoço, um pequeno descanso, depois o campo [...].190

As práticas escolares conduziam os comportamentos institucionais dos alunos,

professores e funcionários do CAT, de forma a hierarquizar os papéis sociais. A disciplina, as

normas escolares rígidas eram uma exigência do diretor Carlos Estevam, para quem a

disciplina era a regra para o crescimento da instituição. Os alunos nutriam pela imagem do

diretor, um grande respeito e, assim, buscavam compreender suas atitudes rígidas na Escola.

Lúcio Brígido Neto comenta a postura do diretor com admiração e como necessidade da

instituição:

Ele era professor de Mecânica Rural, como professor ele era muito rígido, e acho que ele tinha que ser, ele tinha que manter a autoridade, porque no momento em que você é diretor e professor e tem essa função dúbia, você é diretor e professor, então... A forma de ele manter a distância do professor e do diretor era sendo muito austero. De certa forma, os alunos temiam [...] por que ele tinha o poder de expulsar

190 Entrevista concedida por Wilson Herbeth M. Caland, em 28.01.06, ex-aluno do CAT, entre 1964 a 1968, no curso de Ginásio Agrícola.

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o aluno do CAT. Eu acho até que por isso os desvios de conduta eram muito poucos e algumas pessoas sempre se mantinham dentro do padrão do Colégio.191

Nesse sentido, em uma instituição escolar definem-se condutas que são determinadas

por práticas escolares, vivências, experiências próprias do ambiente escolar. No segundo ano,

foi criado, na Escola, um projeto visando o incentivo às aulas e à formação de uma pequena

renda para os alunos. O projeto constituía a compra, pela Escola, de toda a produção agrícola

realizada pelos estudantes nas aulas práticas, com a plantação das verduras. Desse modo, a

alimentação destinada ao consumo por alunos, funcionários e professores era produzida e

comercializada na própria instituição. Durante as aulas, esses eram incentivados a produzir

cada vez mais; para aqueles que vendessem mais, era dada uma porcentagem maior de lucro.

Os estudantes passaram, então, a realizar uma competição pelas vendas dos produtos,

inclusive possibilitando o comércio fora do espaço escolar. Os estudantes estabeleciam trocas

com outros produtos nos comércios próximos à instituição. Recordando as aulas práticas,

Lúcio Brígido Neto procurou construir o cotidiano Escolar na horta:

Eram formadas equipes de áreas de terras, plantando verduras e legumes para que a gente comesse, servisse de alimento para nós, só que era vendido [...] Como funcionava: eu com minha equipe, eles formavam equipes de um a cinco; era uma equipe de seis, e dez era outra equipe; então a equipe de um a cinco ia plantar tomate; plantávamos o tomate e vendíamos para o próprio Colégio; no fim do ano, o Colégio dizia: a equipe do Lúcio vendeu tantos quilos de tomates a tantos cruzeiros. Dá tanto. Então está aqui o dinheiro. E a gente dividia, ou seja... oh! Era emocionante esse dinheiro; muitos deles não tinham o que levar para casa, mas levavam um dinheirinho de todo o trabalho da produção da Escola [...].192

191 Entrevista concedida por Lúcio Brígido Neto, em 03.02.06, ex-aluno do curso Ginásio Agrícola do CAT entre 1967 e 1971. 192 Entrevista concedida por Lúcio Brígido Neto em 03.02.06, ex-aluno do curso Ginásio Agrícola do CAT, entre 1967 e 1971.

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Figura 13: Estudantes mostrando a produção de tomates feita no CAT em 1968. Fonte: Fotografia cedida por Antonio José do R. Monteiro, em 05.02.2006.

Após as aulas de Educação Física, havia um espaço cedido para que os alunos

pudessem integrar-se, era o momento da diversão, que consistia na ida ao campo de futebol,

espaço preferido dos discentes. Essa prática tornou-se comum aos estudantes, elevando a

fama da modalidade esportiva do CAT em outras instituições. A construção do campo

caracterizava espaço singular de lazer e descontração, apropriado para os alunos. Em seu

relato, Wilson Moreira Caland traz à tona suas lembranças desse período.

Qual o cenário do Colégio Agrícola? Ele tinha três órgãos. Um da Diretoria e outros dois que serviam de alojamento e salas de aula e também um deles tinha um refeitório por trás. E no restante um descampado total. Mato não havia, o caminho do chamariz era o caminho da roça [...] nós exercitamos o futebol e foi muito interessante porque, com o decorrer do tempo, no primeiro ano mesmo, houve várias competições [...].

O currículo do Curso Ginasial Agrícola correspondia às disciplinas práticas e teóricas.

As disciplinas teóricas eram voltadas para os conhecimentos de Português, Matemática,

História, Geografia, Ciências, Inglês. As práticas eram ensinadas nos espaços do campo, na

horta, onde eram exercidas as práticas agrícolas. Havia ainda as aulas de educação física e

higiene. Assim, a rotina escolar do alunado restringia-se às atividades matutinas em sala de

aula, e, à tarde, em campo. Os alunos não se manifestavam, mas demonstravam o seu

descontentamento com os horários das aulas práticas, que iniciavam às 12 horas. O ex-aluno

Antonio José do Rego, cita a disciplina para o aprendizado das práticas:

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Os alunos acordavam cedo para a educação física. Depois iam assistir às aulas teóricas pela manhã; aulas práticas á tarde; eu achava um martírio, tinha que apanhar feijão, milho no sol quente, carrapicho era um negócio! Plantávamos tudo, fazíamos horta, até que o colégio deu um tempo de serviço para os alunos, eles chamavam aluno-operário.

Figura 14 – Histórico Escolar da 1ª e 2º séries do CAT, de 1967 e 1968. Fonte: Acervo do CAT, documento cedido por Lúcio Brígido Neto.

Desse modo, as normas escolares no CAT, eram bastante rígidas, e correspondiam ao

momento político em que vivia o País; eram determinadas pela direção institucional,

representadas pelo diretor e exercidas por professores, bedéis e outros funcionários. Sob este

aspecto, o Colégio constrói-se na opinião dos agentes que constituíram o corpo escolar.

Compreendemos que:

As opiniões a respeito da escola são uma importante ferramenta que ajuda a compreender tal instituição, o que ela significa para a sociedade que a cria e na qual ela sobrevive. É fundamental apreender não apenas o que a instituição escolar diz fazer do ponto de vista das práticas escolares, mas aquilo que ela efetivamente faz. Buscar entendê-la a partir de algumas práticas de seus agentes, apanhando-lhe os dispositivos de organização e cotidiano. Evidenciando a perspectiva dos seus agentes educacionais, de modo a recortar alguns dois seus agentes disciplinadores ali praticados.193

Para as indisciplinas, havia determinadas formas de punição; não sendo, entretanto,

identificados, na pesquisa, sinais de castigos corporais. Porém, aos alunos que ousavam fugir

às normas escolares, eram aplicados, na maioria das vezes, castigos. Estes eram justificados

por alguma desordem na instituição, como o não cumprimento dos horários, a falta de

193 NASCIMENTO, 2004, op. cit., p. 195.

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organização nos alojamentos, a falta de cuidado com os objetos e bens escolares, assim como

o desrespeito nas relações com os outros alunos. A essas práticas eram atribuídos castigos

leves. Para os casos mais graves de desordem, havia a suspensão das aulas, por 15 dias,

considerada a maior punição. Inicialmente, uma outra forma de punir, mais severa, usada

pelos inspetores para os alunos indisciplinados, era o castigo de passar uma noite no quarto

meio escuro. Os alunos viam o inspetor como um vigilante de suas ações na escola, sendo, na

maioria das vezes, distante a relação entre eles. Contudo, havia inspetores que conseguiam

cultivar a amizade dos discentes. Outras formas de castigos foram reveladas na fala de Wilson

Herbeth M. Caland:

A gente tinha que cumprir de forma mais rígida até castigos. O que eram os castigos? Eram interessantes! Tinha um mato chamado “relógio”, um mato assim, tipo de planta; na parte da superfície, ele é mais ou menos pequeno, mas tem uma raiz profunda. E o castigo preferido pelos inspetores era ter que arrancar o mato. E o outro era você ter que ficar no horário de lazer estudando.194

Afirmamos que, para tais castigos, eram necessárias condutas indisciplinares que

comprometiam a ordem institucional, conforme demonstrou ainda o ex-aluno:

Na hora de dormir tinha um toque de recolher que era às 09:00 horas; em cima da hora tocava e você não podia fazer barulho nenhum, Mas nós fazíamos. Eu pedi para o meu pai levar dois sacos, três sacos de laranjas, para eu distribuir para todo mundo. Uma vez, à noite quando tocou o sino, a gente começou a “guerra das laranjas”. E o inspetor quis me levar, mas eu disse: todo mundo tem laranja, como é que você vai me levar? Mas eu nunca fui não [...]. Esse quarto tinha uma janela, não era muito escuro, era só para assustar; era só para a pessoa ficar longe dos outros... Às vezes ele ia à meia noite e tirava também, mas não era nada pesado.195

Na concepção do ex-aluno, os castigos eram necessários, para manter a disciplina da

Instituição, a punição era vista apenas como uma forma de educar o aluno indisciplinado:

Não existia uma forma de ficar com raiva daquilo. No dia seguinte, não tinha continuação de nenhuma forma de repressão. É porque tinha de criar uma responsabilidade, não é? Um respeito pelo outro, por si e pela comunidade. Eles não podiam perder o controle, porque eram muitos jovens [...].196

A construção da figura do inspetor ou bedel no Colégio Agrícola foi considerada

necessária para o sistema de internato. Para o alunado, o funcionário exercia um papel de

vigilante da aplicação da ordem e das normas escolares. O contrato dos inspetores afirmava

194 Entrevista concedida por Wilson Herbeth M. Caland, em 03.02.06, ex-aluno do Ginásio Agrícola do CAT, 1964 a 1968. 195 Id. ibid. 196 Entrevista concedida por Wilson Herbeth M. Caland, em 03.02.06, ex-aluno do Ginásio Agrícola do CAT, 1964 a 1968.

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que estes deveriam passar o dia e a noite na Escola. O ex-professor e secretário Antonio

Andrade do Rego, procurou definir a figura do inspetor no CAT e a postura dos alunos:

No começo, a disciplina era cumprida religiosamente, porque cada turma tinha um inspetor de alunos; o inspetor acompanhava aqueles alunos e ficava de olho. A função do inspetor era ser chefe da disciplina dos alunos. Ah! Havia o horário de 19:00h às 21:00h horas, em que eram obrigados a estudar. Às 21:00h iam para o alojamento dormir e o inspetor estava lá acompanhando, dormia lá também, faziam alimentação e tudo. Não houve problemas de inspetor com alunos, nem de alunos com alunos, o comportamento lá eu posso dizer que era ótimo.

A vivência do inspetor foi explicitada por Antonio dos Santos, que entrou no CAT,

para ser inspetor de alunos em 1974, exercendo o cargo por apenas seis meses; sob seu ponto

de vista, a função era mais um cuidado com os alunos, com a sua rotina escolar:

A função do inspetor era cuidar dos alunos, digamos assim, era uma espécie de vigia dos alunos, eu ficava aqui o dia com eles e dormia aqui. Começava sete horas da manhã a rotina do Colégio, a aula às sete horas da manhã e ia até às onze e meia, começava às duas e ia até cinco e meia, de segunda a sexta. 197

Figura 15 – Antonio dos Santos, Inspetor do CAT, em 1974, atual funcionário da Instituição.

Fonte: Crédito direto da autora.

Nas entrevistas realizadas, uma lembrança comum foi a localização do Colégio fora do

espaço urbano. Para professores e alunos, esse foi um dos motivos exigentes de adaptação na

Escola. O trajeto feito para a instituição seguia um caminho por dentro da mata. Para resolver

o problema da distância da cidade, a instituição efetuou a compra de um caminhão para

transportes de funcionários, professores e alunos. Os funcionários inspetores faziam

revezamentos na Escola, como forma de controle da ordem.

197 Entrevista concedida por Antonio dos Santos, ex-inspetor, em 1974, atual funcionário do CAT.

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Figura 16 – Alunos da primeira turma do Curso Ginasial Agrícola do CAT, no transporte escolar em 1968. Fonte: Acervo de Raimundo José do R. Neto.

3.3 Os professores e as práticas escolares

A preocupação com a seleção dos professores do CAT era presente na administração

do diretor Carlos Estevam P. Rebelo; este objetivava a qualificação dos professores como

uma meta prioritária para a Escola. Nesse sentido, exigia-se que o quadro de docentes fosse

composto pelos melhores professores da cidade de Teresina. Esses em sua maioria eram

também famosos por serem professores da rede estadual de ensino, do Colégio Estadual

Zacarias de Góes ou Liceu Piauiense. Os professores da área técnica deveriam ser agrônomos

e técnicos agrícolas formados fora do Estado. É importante notar que, na década de 1960, o

contexto educacional do Piauí ainda era bastante delicado, conforme citamos anteriormente,

assim, não revelou condições favoráveis à formação de professores para as escolas existentes.

Portanto, os poucos profissionais que existiam no Estado eram oriundos de famílias

tradicionais. Essa condição possibilitou a conclusão de seus estudos em cidades dos Estados

de Minas Gerais, Pernambuco, Ceará.

Entre os primeiros professores do CAT estavam: o diretor Carlos Estevam Pires

Rebelo; o agrônomo Antonio Andrade do Rego; o técnico agrícola Hugo Bastos; o militar

Cláudio Ferreira; Vicente de Paula Gomes, José Gayoso Castelo Branco, Arimatéia Tito

Filho, Antonio Paixão, Izália Lustosa N. de Araújo, Ney Ferraz, Ferdinan Paiva.

A importância da escolha dos professores do CAT, feita pelo diretor Carlos Estevam

Pires Rebelo, evidenciou-se na narração de Antonieta P. Rebelo, quando citou nomes de

docentes que fizeram parte do quadro do Colégio:

O professor José Gayoso dizia que o Carlos fez um tipo regime militar e conseguiu com isso aí galgar a simpatia de todo mundo [...]. Ele escolhia os professores a dedo,

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todos os professores. O Cineas foi um grande professor de Português; professor José Gayoso Freitas; a professora Cecília Mendes; só havia professor de gabarito; ele só queria se fosse professor de gabarito; eram os mesmos professores das faculdades, das escolas, do Colégio Diocesano, do Liceu. Para entrar como professor do Colégio Agrícola, primeiro ele fazia uma grande pesquisa; e, naquela época, as nomeações eram feitas por ele mesmo, mas ele não tinha condescendência, só se realmente soubesse trabalhar. Ele trabalhou vinte e dois anos na Escola como diretor [...].198

Figura 17 – Antonio Andrade do Rego, ex-professor de ciências, ex-secretário, ex-diretor substituto do CAT entre 1958 e 1984. Fonte: Acervo do CAT.

O professor Antonio Andrade do Rego tornou-se uma das figuras mais respeitada da

instituição, pelos alunos, funcionários e corpo docente. Funcionário mais antigo da Escola.

Desempenhou diversas funções como secretário, professor da disciplina Ciências e diretor

substituto; acompanhando as mudanças estruturais no Colégio desde o início da construção.

Sua trajetória no CAT iniciou com o convite do primeiro diretor Carlos Estevam P. Rebelo,

para transferir-se para o CAT, em 1958, quando então era funcionário do Ministério da

Agricultura, em Uruçui. Em sua mudança para Teresina, chegou a se estabelecer em uma das

casas para servidores da instituição, onde morou com a família por 10 anos. Raimundo José

do Rego Neto, Filho de Antonio Andrade do Rego, recordou a passagem de sua infância na

casa de servidor do CAT:

Nós chegamos antes de funcionar, por volta dos anos 1960. Eu tive muitas recordações ali, porque o papai chegou a morar lá, no próprio colégio. Nós alugamos uma residência; havia casa de moradores, eram poucas, só duas, todas assim construídas de tijolos, direitinho [...]. Se não me engano, Papai morou lá de 1960 a

198 Entrevista concedida por Antonieta Pires Rebelo, viúva do ex-diretor Carlos Estevam Pires Rebelo, em 28.12.05.

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1973/1974 [...]. Eu tenho recordações porque minha infância ficou marcada ali [...]. Eu entrei lá com 15 anos, então, era uma experiência.199

A descrição do percurso realizado para ir trabalhar no CAT foi um dado importante

nas entrevistas dos docentes, por caracterizar uma exigência à adaptação ao trabalho na

Escola. Todos os professores do CAT residiam em Teresina e, para chegar à Escola,

deslocavam-se pela Avenida Presidente Kennedy, em direção ao bairro Socopo, localizado

fora do perímetro urbano. O caminho para chegar ao Colégio não era de estrada asfaltada e

adentrava um trecho de veredas inseridas na mata, o que tornava o acesso mais difícil. Assim,

diariamente, o carro do CAT esperava professores e alunos na Igreja São Benedito para o

transporte à Escola. A professora Maria Monteiro da Silva, ao comentar o percurso para a

escola, explicou a importância de sua experiência em trabalhar em uma Escola agrícola,

deixando clara a sua coragem em enfrentar o preconceito existente, devido à sua condição

feminina, e encontrar um meio para enfrentar a distância e a dificuldade do caminho:

[...] Foi um desafio para mim [...] fora da cidade, naquele recanto muito distante [...]. Acho que por isso eu usava a figura de meu pai para me acompanhar; eu ia pela Kennedy, aí tinha um portão bem grande, a gente atravessava o mato, só tinha aquela estrada estreitinha [...] só dava para passar o carro, o carroçal; aí chegava lá. Eu sempre ia com meu pai, talvez para me dar mais amparo, mais garantia. Depois eu tinha um namorado, que também ia me deixar. Era aquela preocupação [...]. Assim eu rompi muitos preconceitos, muitas barreiras; por outro lado foi muito importante, muito gratificante, por que eu amadureci [...].200

O Colégio Agrícola de Teresina passou por mudanças efetivas e estruturais na

transição dos anos 1960 para a década de 1970, momento de reorganização do Colégio,

quando foram inseridos novos cursos e o novo quadro docente, bem como o controle da

Coordenação do Ensino Agrícola, em 1973, sobre a escola. O funcionário e professor Antonio

Andrade do Rego acompanhou as sensíveis mudanças no CAT; rememorando a Escola,

destacou o quadro docente dos anos 1960:

Quando começou a funcionar eu era professor, o diretor era o professor Cláudio Ferreira; Vicente Paulo Gomes, José Gayoso, professores de Inglês; Arimatéia Tito Filho, Antonio Paixão, de Matemática; havia a professora Rita, que era casada com Raimundo Fernandes, uma professora muito boa, a professora Izália [...].

Observamos que a instituição possuía um corpo de funcionários com número

suficiente para o trabalho burocrático; havia também, na escola, dois motoristas, um tratorista

e cozinheiros. A pesquisa na instituição possibilitou conhecer o registro de funcionários de

199 Entrevista concedida por Raimundo José do Rego Neto, em 05.02.06, ex-aluno do CAT, entre 1964 e 1968. 200 Entrevista concedida por Maria Monteiro da Silva, em 21/12/05, ex-professora de História e ex-coordenadora do CAT, em 1974.

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1965 a 1976, nele encontramos os funcionários do Restaurante, que correspondiam a cinco

técnicos, conforme apresenta o Quadro 15, com os dados cedidos pelo CAT:

SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL - UFPI SISTEMA DE PESSOAL LOTAÇÃO: 1506000 – CAT – RESTAURANTE

TÉCNICOS

NOME

DATA ADM.

CARG. REF.

HS

1 SILVESTRE MONTEIRO DA SILVA 2. OTÁVIO MONTEIRO DA SILVA 3 SALUSTIANO DOS S. SOUSA 4 MIGUEL ALVES DA ROCHA 5 RICARDO JOSÉ VIANA

01.04.67 01.08.65 10.09.74 09.09.74 09.09.74

383 - NAA3 385 - NAA3 327 - NAA1 365 - NAA3 383 - NAA3

40 40 40 40 40

1 JOSÉ TEIXEIRA SOARES 2 ANTONIO JUSTINIANO 3 MARIAELIETE FERNANDES C. SOARES 4 MARIA LOPES DE OLIVEIRA BARROS 5 ANTONIO DOS SANTOS

19.03.65 01.09.65 01.04.70 09.09.74 12.08.74

391 - NAA3 366 - NAA3 181 - NMA3 382 - NAA3 181- NMA2

40 40 40 40 40

LOTAÇÃO: 15030000 - CAT/DIVISÃO DE ATIVIDADES TÉNICAS

DATA ADM.

CARG. REF.

HS

1 VALDECI GOMES DA SILVA 2 MANOEL FRANCISCO CARDOSO 3 PEDRO JOAQUIM BRAGA FILHO

01.11.67 17.03.76 17.05.76

397 - NMB 366 - NAA1 181- NMS5

40 40 40

Quadro 15 – Registro de Funcionários do CAT-UFPI entre 1965 e 1976. FONTE: Acervo do CAT-UFPI.

É importante notar um dado relevante para esta análise – o caráter masculino da

escola. De 1964 a 1971, essa prática exigiu que quase todos os professores do CAT fossem do

sexo masculino, existindo apenas uma única mulher a lecionar; Izália Lustosa N. de Araújo

foi professora das disciplinas História e Geografia. Em entrevista, a professora Izália

comentou a sua chegada à instituição, e registrou o impacto com o grupo masculino:

Fui convidada por um colega que trabalhava no CAT, para dar umas aulas lá, ele era Ferdinan Paiva, professor de geografia e aí me convidou, lá havia necessidade de professor... Tive muitas dificuldades, por que lá não havia professoras, era aquele tabu [...].201

Contudo, no espaço representado pelas práticas escolares agrárias, tornou-se comum a

presença masculina, o que configurou a instituição como “lugar” de homens, determinando

posturas, que, constituídas pelo habitus escolar agrícola, produziam, no mesmo espaço,

201 Entrevista concedida por Izália Lustosa N. de Araújo, em 20.05.05, ex-professora e ex-diretora do CAT, entre 1964 e 1976.

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conflituosas relações de gênero. Conforme explica Guerra, reforçava a construção da

diferenciação social dos gêneros:

A representação do masculino sempre esteve atrelada à idéia da força, racionalidade, agressividade; já o feminino é representado pela fragilidade, subjetividade, docilidade. Estas representações, tornadas um condicionante social, psicológico e cultural, podem levar as pessoas a construírem-se em acordo (ou desacordo) às suas características biológicas.202

Consideramos, portanto, que as práticas escolares traduzem comportamentos, regras,

condutas, valores do mundo escolar envoltos em uma teia de significados, símbolos e signos

que constroem um imagético escolar que estabelece a montagem do caráter e perfil

institucional, constituindo o habitus escolar do CAT. Desse modo, o discurso masculino na

instituição relaciona-se com o objetivo da formação de mestres e técnicos agrícolas, segundo

justificou Guerra:

O CAT, mesmo fincado em um centro urbano, tinha o objetivo de preparar técnicos para o trabalho no campo. Literalmente técnicos, uma vez que a escola à época da sua criação reproduzia o pensamento hegemônico de que a agropecuária é uma atividade típica do homem, principalmente em se tratando do homem sertanejo nordestino piauiense.203

Assim, percebemos que em uma instituição agrícola há uma “combinatória escolar”,

que representa significados para os sujeitos inseridos no contexto institucional. O termo

instituição é empregado considerando-se os mecanismos representantes das várias ações que

compõem o mundo escolar. Por isso, concordamos com Magalhães:

A idéia de uma instituição consagra uma combinatória de finalidades, regras e normas, estruturas sociais organizadas, realidade sociológica envolvente e fundadora, relação intra e extra-sistêmica; [...] consagra ainda a idéia de relação/comunicação e de categoria social, como condições instituintes, que, no plano educativo, compreendem alteridade, autonomização, participação e implica materialidade, representação, apropriação, normatividade [...].204

Observamos que a Escola apresenta-se como um universo de códigos móveis e

mobilizadores que envolve os educandos, de forma a construir determinados perfis escolares.

Na sua ação concreta e do cotidiano, como na dimensão temporal, as instituições educativas sendo instâncias complexas e multifacetadas, engendram e desenvolvem culturas, representações, formas de organização, relacionamento e ação que se constituem em fatores de diferenciação e de identidade.205

202 GUERRA, Oldênia Fonseca. Relações de gênero e trabalho nas escolas agrotécnicas federais do Piauí: entre diferenças e preconceitos. 2004. Dissertação (Mestrado) – Programa de Mestrado em Educação, Universidade Federal do Piauí, Teresina-PI. p. 26. 203 Ibid., p. 100. 204 MAGALHÃES, 2004, op. cit., p. 58. 205 Ibid., p. 69.

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Contudo, investigar as formas de escolarização é um caminho para que possamos

compreender os papéis construídos social e culturalmente. É importante refletir as afirmações

de Julia206 acerca das práticas e normas escolares, quando afirma que:

[...] para além dos limites da escola, pode-se buscar identificar, em um sentido mais amplo, modos de pensar e de agir longamente difundidos no interior de nossas sociedades, modos que não concebem a aquisição de conhecimentos e de habilidades senão por intermédio de processos formais de escolarização.

Neste sentido, as escolas agrícolas são, ao mesmo tempo, espaços complexos e

singulares, assim como a realidade de uma instituição escolar é representada de várias formas,

de acordo com as práticas, vivências e conflitos vivenciados pelos sujeitos. Conforme

Magalhães,207 “as instituições educativas constituem realidades em constante transformação

interna no e pelo relacionamento com a realidade envolvente”.

3.4 Os novos caminhos: a transferência para o Ministério da Educação e Cultura e para

a COAGRI

Quando o Colégio Agrícola de Teresina foi incorporado pelo Ministério da Educação e

Cultura, de acordo com o Decreto n. 60.731, publicado no Diário Oficial de 19.05. 1967, a

Escola passou a ser regulamentada pelo Departamento de Ensino Médio (DEM). Essa

determinação legal foi proposta a todas as escolas agrícolas do País.

Entre 1964 a 1968, a instituição ainda não havia terminado suas instalações, o espaço

físico contava com alojamentos, salas de aulas e o refeitório. Em 1969, existiam na escola 65

alunos do Curso Ginasial Agrícola, distribuídos em três turmas de 2ª, 3ª e 4ª séries.

Entretanto, o número de alunos formandos baixa para 16. Certamente esse déficit deve ser

atribuído, dentre outras causas, à situação dos alunos do interior, que, devido à distância da

família e do lugar de origem, a adaptação ao cotidiano escolar e à exigência institucional,

tinham dificuldades para permanecer na instituição, desistindo dos estudos. Como podemos

observar no Quadro 16 esta desistência significativa.

206 JULIA, Dominique. Cultura escolar como objeto histórico. In: Revista Brasileira de História da Educação. Campinas: Editores Associados, n. 11, jan./jun. 2001. 207 MAGALHÃES, 2004, op. cit., p. 69.

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ANO SÉRIES NÚM. DE MATRICULADOS

DESISTENTES TRANSFERIDOS

1969/1970 2º 24 2 5

3º 25 4 3

4º 16 1 1

Quadro 16 – Número de alunos matriculados no CAT em 1969/1970. Fonte: Acervo CAT.

No ano de 1967 ocorreram as mudanças administrativas no Ministério da Agricultura,

quando os estabelecimentos de Ensino desse Ministério passam para o Ministério da

Educação, afetando o funcionamento das escolas e colégios agrícolas. Assim, o Decreto n.

61.647, de 7 de novembro de 1967 determinou nos Art. 1º e 8º a transferência de coordenação

dos colégios agrícolas:

Art. 1º - O Artigo 8º do Decreto número 60.731, de 19 de maio de 1967, que transfere para o Ministério da Educação e Cultura os órgãos de ensino do Ministério da Agricultura, passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 8º - As dotações orçamentárias referentes ao exercício de 1967, consignadas aos órgãos do Ministério da Agricultura que passam para o Ministério da Educação e Cultura, continuarão a ser movimentadas pelo Ministério da Agricultura.208

Com o fim do Curso Ginasial, em 1969, houve a seleção para o Curso Técnico

Agrícola, determinada pela Lei. 4.024, que consolidaria os níveis de ensino. Portanto, o ano

de 1969 foi determinante para o CAT, com a formatura da 1ª turma de mestres agrícolas e

com a instalação do Curso de Técnico Agrícola, em nível médio.

Figura 18 – Raimundo José do R. Neto em sala de aula, ex-aluno do Curso Ginasial Agrícola, em sala de aula no CAT, em 1968. Fonte: Acervo Raimundo José do Rego Neto.

208 BRASIL. Decreto n. 61.647, de 7/11/1967, que altera o art. 8º do Decreto n. 60.731, de 19 de maio de 1967, publicado no Diário Oficial de 11/11/1967.

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117

No início da década de 70, a escola providenciou um novo transporte escolar para o

CAT, melhorando a condição dos estudantes, que passaram a dispor de um ônibus para o

trânsito entre a zona rural e urbana. Havia no quadro de funcionários, para essa finalidade,

dois motoristas. O ônibus buscava os estudantes às segundas-feiras, e os deixava em Teresina,

para que pudessem passar o final de semana com a família, aos sábados às 12 horas. Os

alunos semi-internos esperavam na Igreja São Benedito. Os alunos entrevistados se referiam

ao apego ao transporte, às relações com o motorista, como as melhores lembranças da escola.

Raimundo José do Rego descreveu:

[...] Tinha sábado e domingo, a escola deixava, eles pegavam o caminhão, porque havia um caminhão que era uma espécie de pau-de-arara, botavam uns bancos; depois colocaram um ônibus. Aí melhorou muito, para levar e trazer.209

As viagens de campo foram consideradas uma atividade necessária na escola. Desse

modo, tornou-se uma prática comum aos estudantes terem aulas-passeios dentro do Estado.

No ano de 1968, O diretor Carlos Estevam P. Rebelo levou a primeira turma do CAT para

realizar passeios fora do espaço escolar. Os lugares visitados foram a cidade de Castelo, o

Parque Sete Cidades, o FRIPISA em Campo Maior e uma de suas fazendas.

Para a instituição, a visita ao FRIPISA constituía uma aula técnica de aprendizagem; a

turma de 4ª série do Curso Ginasial Agrícola foi encaminhada a Campo Maior, para visitar as

instalações do Frigorífico, pelo diretor Estevam P. Rebelo. Para os alunos, constituiu-se uma

grande novidade conhecer o Frigorífico que representou, naquele ano, a tecnologia mais

moderna na agropecuária piauiense, que em um futuro próximo seria o local de trabalho,

possibilitando ainda novas oportunidades.

A primeira turma a concluir o Ginásio Agrícola, em 1968, não realizou a festa de

formatura; os estudantes foram convidados a conhecer uma das fazendas do diretor como

comemoração. A lembrança emocionada dos anos escolares foi expressa com saudosismo,

conforme se pode observar no relato aluno:

Não houve formatura, houve uma excursão, a parte mais interessante era o FRIPISA, que, naquela época, era novidade; a gente quis saber como era desde a parte da matança até a lavagem, parte final, era o próprio diretor quem levava. Aí o próprio diretor nos levava para uma propriedade dele, para passar o final de semana, nesse dia ele matou um boi.210

209 Entrevista concedida por Raimundo José do Rego Monteiro, em 05.01.06, ex-aluno do CAT entre 1964 e 1968 e ex-funcionário de 1968 a 1973. 210 Entrevista concedida por Raimundo José do Rego Neto, em 05.01.06, ex-aluno do CAT entre 1964 e 1968 e ex-funcionário de 1968 a 1973.

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Figura 19 – Alunos do 3º ano do Curso Ginasial Agrícola do CAT em Campo Maior, em visita ao FRIPISA em 1968. Fonte: acervo de Raimundo José do Rego Neto.

No final da década de 60, a Escola já se havia tornado presente aos olhares da cidade,

através das festas escolares e das competições esportivas com outras escolas de Teresina. O

Lazer, como a prática do futebol, foi se tornando comum entre o alunado do CAT; a fama de

bons jogadores não demorou a estender-se por Teresina.

A partir de 1968, as escolas agrícolas passam a ter vagas reservadas aos agricultores.

O presidente Costa e Silva determinou a Lei 5.465 no Diário Oficial de 03.07.68,

oficializando que 50% das vagas dessas instituições deveriam ser direcionadas para

agricultores ou para os filhos de agricultores, que residissem na zona rural, e que 30% das

vagas seriam destinadas aos filhos de agricultores que residiam nas cidades ou vilas. Dessa

forma, diversificou-se o público destinado ao ensino agrícola. Conforme trata o Art. da

mesma Lei:

1º Os estabelecimentos de ensino médio agrícola e as escolas superiores de Agricultura e Veterinária, mantidos pela União, reservarão, anualmente, de preferência, de 50% (cinqüenta por cento) de suas vagas a candidatos agricultores ou filhos destes, proprietários ou não de terras, que residam com suas famílias na zona rural e 30% (trinta por cento) a agricultores ou filhos destes, proprietários ou não de terras, que residam em cidades ou vilas que não possuam estabelecimentos de ensino médio.

§ 1º A preferência de que trata este artigo se estenderá aos portadores de certificado de conclusão do 2º ciclo dos estabelecimentos de ensino agrícola, candidatos à

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matrícula nas escolas superiores de Agricultura e Veterinária, mantidas pela União.211

Essa decisão objetivou formalizar a continuação dos estudos para a população da zona

rural nessas instituições, de forma que pudessem ingressar em escolas de nível superior da

mesma área. Esse ideal propunha, sobretudo, o fortalecimento do interesse estudantil pelo

ensino agrícola de nível médio ou superior.

O CAT conseguiu formar, entre 1967 e 1971, 113 mestres agrícolas, que concluíram o

Curso Ginasial Agrícola, sendo a grande maioria oriunda do interior. No período entre 1954 e

1976, estiveram na direção do Colégio três diretores, porém, durante o período de 22 anos, a

instituição ficou sob o comando do primeiro diretor Carlos Estevam Pires Rebelo, que

assumiu a direção do CAT anteriormente à sua construção, de 09.07.1954 a 05.03.76. Nas

entrevistas realizadas, tornou-se unânime, a opinião de ex-professores, ex-funcionários e ex-

estudantes da instituição a respeito das realizações do primeiro diretor, para a efetiva prática

de formação do alunado no ensino agrícola. Para o ex-diretor do CAT, Cristovam Belfort,

aquele foi o precursor do ensino agrícola no Piauí.

Após a saída de Carlos Estevam Pires Rebelo do cargo, sucessivas mudanças de

diretores ocorreram na Instituição. No mesmo ano, Hildegardo Thaumaturgo Teles de

Miranda assumiu a direção em 05.03.1976, e dirigiu em curto prazo de dois meses, saindo do

cargo em 05.05.1976. João Paulino Torres, o terceiro diretor, militar, assumiu a Instituição no

dia 05.05.1976 e saiu em 31.12.1976. Ressalte-se que esse ano foi bastante crítico para o

CAT, na visão dos ex-alunos e ex-professores, devido à troca de funcionários, como também

pelo iminente desligamento da COAGRI e Ministério da Educação e Cultura. Não estava

definida ainda a situação da Escola frente às mudanças que ocorriam, havia tanto a

possibilidade de fechamento da Escola, como de transferência para a UFPI.

3.5 CAT: anos 1970, outras histórias...

Os anos 1970 significaram tempos de efetivas transformações no CAT, em razão da

mudança do discurso político governamental acerca das diretrizes educacionais, com a Lei

5.692, em 1971, proposta pela ditadura militar, no governo Garrastazu Médici; como também

pela aprovação do projeto de criação da UFPI em 1969, sob a influência do então senador

211 BRASIL. Senado Federal. Subsecretaria de Informações. Lei 5.0462 de 03.07.68. Informações disponíveis no site: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=193920>.

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Petrônio Portela, que proporcionou efetivas mudanças na estrutura institucional, no cotidiano

de funcionários, estudantes e professores do CAT.

Essas etapas foram historicamente decisivas e favoreceram a criação de projetos

escolares, como a construção de novas identidades na configuração de um também novo

espaço institucional, com a entrada de professores, diretores na instituição. Foi o momento em

que o agrário e o Colégio passam a ser observados sob uma outra dimensão.

A articulação entre o pensamento agrário, os interesses políticos da ditadura militar e a

proposta educacional do CAT apresentar-se-iam a partir da Reforma Educacional Tecnicista

de 1971, quando se inicia a proposta governamental da educação técnica, por meio do

laboratório da Escola-Fazenda que iria proporcionar aos alunos o aprendizado e a aplicação de

técnicas, para a profissionalização. Neste sentido:

A reforma do ensino do ano de 1971 extinguiu a divisão em ramos, estabeleceu normas para a elaboração dos currículos pelos próprios estabelecimentos e determinou que todos oferecessem aos estudantes oportunidades de habilitação profissional.212

No âmbito político, o governo Alberto Silva inaugurou um tempo social crítico no

tocante às urgentes mudanças sociais e econômicas, configurou-se uma realidade mais

exigente influenciada pela ditadura militar. Embora o Piauí se apresentasse em conexão com

esse momento, o governador afirmava, na mensagem, os resultados otimistas sobre o

panorama educacional piauiense:

O setor educacional foi daqueles para os quais voltei minha especial atenção, nem poderia deixar de ser assim, como forma de compatibilizar o Piauí com as novas exigências da educação no Brasil, principalmente sob a égide desse dinâmico ministro que é o senador Jarbas Passarinho. Inicialmente, coube a o governo realizar a reformulação estrutural da Secretaria. [...] paralelamente o governo empenhou-se na obtenção de recurso [...] tendo logrado a mobilização de [...] CR$ 9 milhões.

Um dos indicadores mais expressivos [...] em favor da educação primária que consiste no número de professores no fim do ano de 1971, comparativamente ao final do anterior [...] com uma diferença de 55%. A demanda de matrículas no Ensino Primário cresceu neste último ano de maneira surpreendente. Obrigando o Estado a adotar medidas para a extensão da rede escolar. Desse modo, a rede estadual [...] apresentou a matrícula de 132.129 alunos com um aumento da ordem de 32%. [...] a crescente demanda de matrículas no Ensino Primário e Médio reclama da Secretaria redobrados esforços na expansão física da rede escolar, e de modo a oferecer oportunidade a quantos procuram a escola.213

Foi o momento de concretização de sonhos antigos para o Piauí, como as estradas, a

Barragem de Boa Esperança e a Universidade Federal do Piauí; realizações que mudariam o

212 BRASIL. SECRETARIA DE ENSINO DE 1º e 2º graus. Ensino de 1º e 2º graus: habilitação profissional. 2. ed. Brasília: Ministério da Educação e Cultura, 1979. p. 13. 213 PIAUÍ. Mensagem ao Poder Legislativo do governador Alberto Tavares Silva. Estado do Piauí. 1971, p. 9.

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estilo do Estado, conferindo-lhe uma aura de crescimento econômico. É interessante notar que

essas discussões iniciaram e constituíram frutos dos anseios políticos da década anterior, dos

projetos criados no governo Petrônio Portela Nunes. Segundo afirma Passos, a preocupação se

manifestou com a infra-estrutura do Piauí:

Apesar da inovação, os investimentos, principalmente os originados da esfera federal de governo, continuaram canalizados, preferencialmente para a infra-estrutura. Entre 1965 e 1969, a maior parte para a Usina Hidroelétrica de Boa Esperança; e, entre 1974 e 1979, para estradas (35,65%), serviços comunitários (30,17%) energia, água e construções (23,27%) [...] enquanto a indústria recebeu (0,11%) e o setor agropecuário 7,12%.214

A concepção da profissionalização técnica foi justificada pela Lei de 1971, afirmando

a necessidade social de técnicos, como “um profissional capaz de conduzir com acerto um

trabalho, obtendo o resultado efetivo para o qual foi planejado”.215 O pensamento enfoca,

ainda, o valor dessa área, posto que “o essencial da prática escolar é que ela será orientada

para a modalidade técnica pretendida, sem o que corre o risco de perder-se em um

“artificialismo oneroso e sem utilidade”.216 Desse modo, com relação às escolas agrícolas,

esse discurso objetivou criar a consciência da necessidade de um profissional capacitado

para o trabalho técnico agropecuário, de modo que essa idéia se propagou com a deixa:

“nenhuma prática escolar, por melhor que seja e em qualquer nível, consegue substituir a

experiência que só se adquire na vida prática e ao longo de todo o seu exercício”. Definiu-se,

assim, o lugar do agrário, como necessário ao desenvolvimento econômico piauiense,

representado pela imagem do técnico agrícola.

No ano de 1973 foi criada a Coordenação do Ensino Agrícola, órgão vinculado ao

Ministério da Educação, que visava coordenar as escolas agrícolas, sob a orientação do MEC.

O CAT continuou a atravessar profundas transformações, como a autorização de verbas para a

construção de um restaurante, de salas de aulas, escritórios adequados às suas instalações. O

acordo do MEC com a USAID e a SUDENE possibilitou o andamento das obras destinadas

ao reaparelhamento da instituição.

Dessa maneira, as mudanças ocorridas nos anos 1970, no âmbito político nacional, de

certo modo, ressignificaram a instituição, contribuindo com um novo olhar para o ensino

agrícola. Esse momento caracterizou a chegada de novos professores ao CAT.

214 PASSOS, 2001, op. cit., p. 36. 215 Id. Ibid. 216 Id. Ibid.

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Um dos constantes motivos de mudança do quadro docente estava relacionado à falta

de pagamento aos professores; em contrapartida, a escola sofria com a desistência dos

docentes.

A falta de estabilidade no trabalho associada ao desânimo do professorado, de certo

forma, foi uma reposta à situação conflitante de instabilidade na Instituição, proporcionando a

intensa troca de professores em curtos períodos de tempo. O professor substituto do CAT de

1972, Cristóvão Colombo Belfort, procurou explicar a situação de contrato dos professores

nesse período:

Comecei no CAT em 1972/1973 até 1974, 1975; nesse momento, nós entramos; os contratados naquele momento abrangidos pela CLT, tampouco pelo Registro Único, e aí exercemos várias funções lá, primeiras atividades como professor; depois fomos enquadrados pela CLT, e aí ficamos com a função de auxiliar de magistério, durante esse período, até porque existia uma pressão muito grande com respeito a que se procedesse a reforma de ensino.217

Esse problema de professores substitutos nos anos 1970 não era um problema novo na

Escola; entre 1964 e 1970, a Instituição atravessou pequenas mudanças, no quadro de

professores.

A representação do Colégio para a cidade de Teresina, na visão do ex-diretor

Cristóvão Colombo Belfort ressignificou o contexto de crise interna, vivenciada pela

Instituição; assim, era comum, o reconhecimento do CAT, como escola qualificada e

formadora de técnicos, sendo, então, percebida com respeito. Porém, como instituição

empregatícia, apresentou críticas à sua falta de estabilidade. O ex-diretor analisou essa

representação, como responsabilidade dos planos políticos federais:

O CAT tinha dois planos de análise: o primeiro plano era bem mais visto sob a ótica de entidade empregadora; a sociedade via de modo negativo, porque no Colégio havia um atraso de pagamento, porque o repasse dos recursos era sempre atrasado e o plano como instituição formadora de recursos humanos; ele era muito bem visto porque, primeiro, tinha critérios bastante sérios para definir sua clientela. Buscava o pessoal do Interior particularmente; o sistema era [...] de internato, o tratamento de qualidade, desde o tratamento à qualificação.

Em pleno regime ditatorial, o CAT procurou funcionar de uma forma independente

das relações políticas que existiam na sociedade piauiense. O exame de seleção de certa forma

implicou na credibilidade escolar por parte da sociedade. Essa ação elevou a credibilidade do

Colégio, diante da escolha do alunado. Nesse período, é importante notar a integração dos

estudantes junto a outras instituições estudantis. Os alunos do CAT, embora internos,

217 Entrevista concedida por Cristóvão Colombo Belfort, em 18.05.05, ex-coordendador, ex-professor e ex-diretor substituto do CAT entre 1973 a 1976.

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mantinham contato com a cidade de uma forma mais dinâmica, participando do centro

colegial dos estudantes (CCE) e fazendo viagens de campo dentro do próprio Estado. Em

1974, os estudantes já tinham direito a obter a carteira de estudante do CAT. Consideramos

que esse fator interferiu no envolvimento social e político dos estudantes com o espaço

urbano de Teresina.

Figura 20 – Carteira de Estudante do CAT, do aluno Antonio João Rodrigues em 1976. Fonte: acervo de Antonio João Rodrigues.

Uma outra peculiaridade que apresentou o cenário educacional nos anos 1970 foi a

organização do quadro funcional, que, com base ns afirmações do ex-diretor, correspondeu a

95% de estudantes universitários, constituindo a fama de bons professores do CAT.

Analisando essa realidade, o número de docentes foi estruturado de acordo com a relação

apresentada no Quadro 17, a seguir.

PROFESSORES 11.02.1971

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

13

14

15

16

Antonio Júlio Lopes Caribé

Maria do Perpétuo do S. F. Maranhão

Joaquim Vieira de Moura

Ferdinand Bastos V. de Moura

Antonio da Paixão de Freitas e Silva

Maria José Braga Caribe

João Mariz Guimarães neto

Júlio Ferreira Ramos

José Pires Gayoso Almendra Freitas

Hugo Daniel de carvalho

Maria Monteiro da Silva

Cristovam Colombo Belfort

Epitácio de Moura Nunes

Maurício Colares Alves

Alcí Batista Machado

Pe. Cláudio Melo

....................................................... ....................................................... ....................................................... ....................................................... ....................................................... ........................................................ ........................................................ ....................................................... ....................................................... ....................................................... ....................................................... ....................................................... .......................................................

Quadro 17 – Colégio Agrícola de Teresina – Professores Fonte: Acervo do CAT – Ficha de Controle e Participação do Planejamento Quinzenal.

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Com base nesta referência, os professores que compunham a estrutura docente inicial da

Escola eram somente três; estes representavam o quadro de professores que permaneciam no

Colégio. Com base nos dados pesquisados, podemos citar Ferdinand Bastos V. de Moura,

José Pires Gayoso Almendra Freitas, Hugo Daniel de Carvalho. O número restante de

professores correspondia às alterações ocorridas na Escola, devido aos problemas justificados

anteriormente. Desta Forma, faziam parte do quadro professores do Curso Técnico Agrícola,

em 1971, os seguintes professores e suas respectivas disciplinas:

- Antonio José Lopes Caribé – Inglês;

- Maria do Perpétuo do Socorro F. Maranhão – Português;

- Joaquim Vieira de Moura – Topografia;

- Antonio da Paixão de Freitas e Silva – Matemática;

- Maria José Braga Caribé – Biologia;

- João Mariz Guimarães Neto – Química;

- Júlio Ferreira Ramos – Química;

- José Pires Gayoso Almendra Freitas – Inglês;

- Hugo Daniel Carvalho – Educação Física;

- Maria Monteiro da Silva – História e Educação Moral e Cívica;

- Cristovam Colombo Belfort – Agricultura e Horticultura;

- Epitácio de Moura Nunes – Agricultura e Horticultura;

- Maurício Colares Alves – Zootecnia;

- Padre Cláudio Melo – Ensino Religioso.

Apenas três mulheres faziam parte do quadro docente, somente a professora Izália

Lustosa, professora do Ginásio Agrícola, se ausentou da Escola, nesse período, só retornando

em 1977, constituindo, assim, duas etapas de trabalho no CAT.

Em 1975, cogitou-se a idéia de se criar uma Escola Agrícola em Floriano. A idéia

partiu de um Projeto do deputado José Bruno dos Santos; este alegava para a instalação da

escola, que, além do ótimo solo, os estudantes ansiavam pelo Curso de Técnicas Agrícolas.

Na nota publicada no “Jornal o Dia”, o deputado afirmava a necessidade de técnicos, para a

escola, sendo apoiado de forma unânime na Assembléia:

O pedido do deputado foi oficializado, através de requerimento aprovado por unanimidade no Poder Legislativo; Bruno dos Santos declarou que seu pedido era feito em forma de sugestão, para que o governo do Estado, através da sua Secretaria de Educação fizesse constar no plano educacional a construção do Colégio Agrícola para o ano de 1976. Bruno afirmou que “isso era uma velha aspiração moços estudiosos de minha terra.218

218 Deputado quer colégio agrícola para Floriano. Jornal O Dia, 02.04.1975, p. 3.

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No discurso do deputado, ficou clara a urgência em criar a Escola, em razão da

importância dada pelos estudantes às práticas agrícolas, naquela região. É importante notar

que a intenção de uma Escola Agrícola no Sul do Estado era uma proposta existente desde

1958:

Desde o ano de 1958, que a população de Floriano está esperando a construção de um Colégio Agrícola em sua cidade [...] Bruno afirmou ainda que, nesse ano, o governo federal teria autorizado a criação desse colégio. A prefeitura Municipal doou o terreno [...] “mas até hoje este colégio nunca saiu”, declarou. [...] a construção desse colégio agrícola só traria benefícios e resultados positivos para os estudantes do Centro-Sul do Piauí.

Dessa forma, nos anos 1970, o Curso de Técnico Agrícola constituía ainda uma

necessidade para o Estado, havendo uma considerável procura por parte dos estudantes

piauienses.

Contudo, a transição dos anos 1960 para a década de 1970, no Piauí, caracterizou-se,

em especial, por ser um momento de grandes manifestações acerca da criação da

Universidade do Piauí. Com esse intuito, o CAT começou a ser visualizado pela elite que

lutava em favor da criação da UFPI. Os jornais transformaram-se em palco de intensas críticas

acerca da efetivação do projeto educacional; os estudantes passam a instigar a sociedade a

persistir na realização do sonho da Universidade para os piauienses. Nesse momento, surgem

as perspectivas de relacionar o Ensino Médio com o Ensino Superior.

Dessa forma, pensamos a história do Colégio Agrícola de Teresina com a visão de

Bloch, ou seja, uma história dinâmica de sujeitos, tempos e espaços, conforme interpretada

por Le Goff: “a ação da História na modelagem das paisagens e dos sistemas de cultura”.219

3.6 A Universidade Federal do Piauí: novos tempos e novos projetos para CAT

A legitimidade do ensino superior no Piauí ocorreu pela força e união do mesmo grito:

era preciso instalar a UFPI, porém, essa realidade se configurou de forma tensa. Os discursos

eram cada vez mais agressivos nos jornais, e os intelectuais, professores das Faculdades, e os

estudantes universitários terminaram por exigir a urgência desse projeto.

De certa forma, no esboço de construção da Universidade piauiense, pensava-se em

estabelecer um vínculo com o agrário, por meio da perspectiva de uma Universidade Rural,

conforme citamos anteriormente. Porém, somente no ano de 1963 tiveram início,

efetivamente, as exigências pelo ensino superior público. Assim segundo Passos:

219 LE GOFF, Jacques. A história nova. São Paulo. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 34.

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A luta tem início com a publicação pela União Estadual dos Estudantes do brado: O PIAUÍ EXIGE A CRIAÇÃO DE SUA UNIVERSIDADE, por vários dias, na coluna “Retalhos Universitários”, coluna que o “Jornal O Dia” reservava para o Diretório Acadêmico da Faculdade de Direito.220

Entre as vozes que se levantaram a favor do ensino público superior, podemos citar o

então presidente da CODESE, professor Raimundo Santana; o diretor da Faculdade de Direito

do Piauí, professor Wilson Brandão; e Simplício de Sousa Mendes, desembargador e

presidente da Academia Piauiense de Letras. Os intelectuais piauienses convidaram o

governador Petrônio Portela para fazer parte do grito de reverência ao ensino superior público

no Piauí. Passos221 cita ainda como iniciativa a existência de um comitê Pró-Universidade do

Piauí.

Observamos, assim, que os anos 1960 refletiram um divisor de águas na educação

piauiense, sendo palco constante de intensas reclamações acerca da educação deficitária

existente no Piauí. Nesse sentido, em 1963, um artigo publicado na Revista “Almanaque da

Parnaíba”, intitulado “A Universidade e a Realidade Brasileira”, buscou chamar a atenção

para uma análise acerca do papel da Universidade como instituição propulsora do crescimento

do País, colocando à sociedade piauiense a problemática do ensino superior no Brasil e a ação

da Lei 4.024 de 20/12/1961.

A Lei definiu a articulação entre os níveis do ensino, possibilitando a ascensão do

ensino secundário a disciplinas que tivessem relação com os cursos superiores, conforme a

estrutura dos níveis apresentada na Figura 21, seguir:

220 Ibid., p. 40. 221 PASSOS, 2001, op. cit., p. 42.

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Figura 21 – Níveis de Ensino conforme a Lei 4.024/62. Fonte: Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Ensino de 1º e 2º Graus. Ensino de 1º e 2º Graus. Brasília, 1979, p. 3.

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É importante notar a presença de estudantes de Parnaíba na discussão pela criação da

Universidade do Piauí:

A universidade deve ser um fator de propulsão de nosso desenvolvimento e não tornar-se entrave a este, como acontece atualmente [...]. Será que o povo brasileiro está satisfeito com a universidade que ele sustenta e que foi feita para ele? A administração das universidades devia e deve ter sempre em vista que a universidade é produto da região em que vive, e deve atender as aspirações do povo e do lugar onde está inserida. Toda a estrutura das universidades, seus currículos e planos de estudos deviam estar voltados para os problemas regionais, e nunca se tornar veículo do colonialismo cultural, patrocinando atividades alienadas à realidade local.222

Com base em Passos,223 “a autorização para a organização de uma Universidade

Estadual se consolidou no governo Petrônio Portela, em 10.01.1964, quando foi aprovada na

Assembléia Legislativa a Lei n. 2.567”.

No primeiro momento, a universidade não passaria de sonho, não saindo do papel. O

desejo da Universidade do Piauí uniu-se aos projetos da Barragem de Boa Esperança, do

Porto de Luís Corrêa, problemas encarados como urgentes no Estado e para a sociedade

piauiense. O artigo de Genuíno Sales, em 1965, destacava-o como o mais urgente,

incentivando a preocupação com o problema educacional:

Temos debatido, sempre que temos oportunidade, sobre os principais problemas do nosso Estado. Diariamente falamos do Porto de Luís Corrêa, da Barragem da Boa Esperança e de tantos outros [...]. Entretanto, o problema da educação se nos afigura sobremodo palpitante. E porque assim enxergamos é que consideramos a Universidade do Piauí um problema urgentíssimo. [...] sem universidade que possibilite a formação de técnicos, nos vários setores da cultura, é inevitável que a leiguice impere no seio do Estado. Como poderemos estabilizar as finanças se não temos economistas? Como a arquitetura, se nos faltam engenheiros? A saúde sem médicos?224

Dessa forma, ouviam-se murmúrios em todo o Estado pela criação de uma instituição

de nível superior. Inicialmente, pretendeu-se ampliar o projeto desenvolvido para a

Universidade piauiense, transformando-se em uma obra faraônica, embora tenha se realizado

em um processo de longa demora em efetivar a construção dos centros. Desse modo, todo o

espaço territorial do CAT foi incorporado à UFPI, segundo mostra a expansão no mapa atual

da UFPI:

222 CRAVEIRO, Afrânio Aragão. A universidade e a realidade brasileira. Almanaque da Parnaíba. 40. ed. n. 10, Teresina-PI, 1963. 223 PASSOS, 2001, op. cit., p. 43. 224 SALES, Genuíno. A Universidade do Piauí. Almanaque da Parnaíba. 42. ed. Teresina-PI, 1965.

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Figura 22 – Mapa da UFPI, com o CAT/ área do Campus da Ininga. Fonte: DIPRO.

Ao observar os laços existentes entre a criação da UFPI e o Colégio Agrícola de

Teresina, procuramos compreender como ocorreu o processo de transformação dessa

instituição educativa. Investigamos, assim, as íntimas pretensões acerca da união das duas

instituições educacionais e de que forma interagiam no mesmo espaço. É importante enfatizar

que esse processo de transferência ocorreu também com outras escolas agrotécnicas

brasileiras, em vários períodos do século XX, e que as mudanças realizaram-se em contextos

específicos.

Na concepção de Passos,225 efetivamente, o processo de implantação ocorreu como

conseqüência da reestruturação do ensino superior, em 1965, tornando-se reflexo dos acordos

225 PASSOS, 2001, op. cit., p. 12.

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firmados entre o governo brasileiro e a Agência Norte-Americana para o desenvolvimento

Internacional (USAID), reforçados pela Lei n. 5.540 em 28 de novembro de 1968. Nesse

sentido, a implantação da Universidade Federal do Piauí é realizada em 12 de novembro de

1968; seu projeto de implantação, ainda segundo a autora, rezava:

Constitui-se como fundação de direito público e estabeleceu, desde o primeiro Estatuto, organização baseada em departamentos; integração do ensino e da pesquisa; atividades de extensão; sistema de crédito; currículos estruturados em ciclo básico e ciclo profissional; instituição de órgãos colegiados centrais para a supervisão das atividades de ensino e da pesquisa e também para as administrações

setoriais e superior.226

Figura 23 – Universidade Federal do Piauí. Fonte: Crédito direto da autora.

Ao analisar a Reforma Universitária na Implantação da Universidade Federal do Piauí

a autora aproxima-se da concepção teórica de Bourdieu como explicação das disputas

encerradas pelos atores vivenciados no contexto, utilizando conceitos como habitus e campo

social, percebendo as relações como “elo entre o ator e a estrutura, agente e sociedade,

homem e história, interior e exterior, o habitus, se compreende como uma maneira de se

pensar, de ser, uma propensão, uma inclinação, uma tendência, uma segunda natureza”.227

O projeto da UFPI começou de modo lento, inicialmente, com a instalação do Centro

de Ciências da Saúde (CCS), em 15. 02.1973, e a instalação do Centro de Ciências Humanas e

Letras (CCHL) na mesma data. O Centro de Tecnologia (CT) foi o terceiro centro criado, em

226 PASSOS, 2001, op. cit., p. 12. 227 Id. Ibid.

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28. 08. 1975. Destaque-se que esse Centro passou por uma reestruturação em 15.03.1978. Dos

centros instalados, o que exigiu maior atenção foi o Centro de Ciências Agrárias (CCA),

instalado somente em 16.03.1978. O processo foi estudado minuciosamente, pois envolvia

uma área específica para a prática agropecuária e veterinária. Nesse momento crucial, as

autoridades envolvidas no Projeto incluíram o espaço do Colégio Agrícola de Teresina. O

estudo apontou, nesse momento, uma indefinição identitária do Colégio, em conseqüência dos

grandes interesses políticos direcionados para o ensino superior.

Entre o curto período de 1975 e 1978, são intensos os projetos para a criação do

Centro de Ciências Agrárias, onde funcionariam os cursos de Agronomia e Medicina

Veterinária. O CAT incorporado a COAGRI, órgão do Ministério da Educação e Cultura

passa a ser observado como área adequada para a instalação do Centro. Essas intenções são

claras na entrevista com Antonio Manuel Gayoso Castelo Branco, um dos responsáveis pela

implantação do CCA e CT:

Entre 1975 e 1978, nós lutamos por três coisas básicas: primeiro uma base física para a área de Ciências Agrárias, nós analisamos muito os cursos onde iriam ficar os cursos dessa área, não podia fiar no Campus da Ininga, não tinha como; então, nós tivemos algumas opções, pensamos em ir para a Fazenda Soares, área do Estado próxima à União [...] analisamos um terreno do Ibama entre Altos e Teresina, Fazenda Palmares, e eu dei a opção ao prof. Camillo de colocarmos em Altos, onde haveria mais facilidades para o estudante, pensões, convivência. Mas surgiu, à época, a opção de engajarmos o CAT, à época era COAGRI, e foram feitas várias tentativas, analisadas várias hipóteses, e o melhor seria o CAT. Porque já tinha certa infra-estrutura, como pontos de irrigação, alguns galpões, já era voltado para as Ciências Agrárias.228

Nas negociações para a incorporação do CAT à UFPI, foi decisiva a iniciativa de

elaboração de um processo a ser enviado ao MEC. Com a visita do senador Ney Braga a

Teresina, esse documento foi entregue para ser avaliado. Na entrevista de Antonio Manoel

Gayoso Castelo Branco, fica evidente a negociação realizada:

[...] Então fizemos um processo para o MEC, e tivemos aqui a visita do senador Ney Braga, à época, ministro da Educação; e na mesa do Conselho Universitário, fizemos um mapa, mostrando a proximidade do CAT, como Campus da Ininga da EMBRAPA, no Bairro Buenos Aires e da Fundação Zoobotânica, que demonstraria para Teresina um grande pulmão verde, com estas três áreas; e o Ney Braga sensibilizou-se com essa proposta, disse apenas que a Universidade não poderia fechar o Colégio de Segundo Grau. E o professor Camillo aceitou. A proposta foi aceita e o ministro deu a autorização. Isso foi de certa forma, muito dinâmico [...].229

228 Entrevista concedida por Antonio Manuel Gayoso Castelo Branco a Guiomar Passos, para a Dissertação de Doutorado: A Universidade Federal do Piauí e suas marcas de nascença: conformação da Reforma Universitária de 1968 à sociedade piauiense. Dissertação de Mestrado apresentada à defesa em 2001. 229 Id. Ibid.

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Com a propagação dos rumores sobre a transferência do CAT para a UFPI, cogitou-

se na imprensa local a possibilidade de o CAT vir a tornar-se uma Faculdade. A reportagem

do “Jornal O Dia”, de 23.11.1974, informava a seguinte manchete: “Colégio Agrícola pode

ser Faculdade”. O texto afirmava que o CAT poder-se-ia tornar a Faculdade Rural da UFPI,

com a perspectiva de abertura do curso de Licenciatura em Técnicas Agrícolas:

Há uma possibilidade de a Escola Agrícola vir a se transformar na Universidade Rural da Universidade Federal do Piauí; disse ontem um porta-voz da FUFPI que contatos já estão sendo mantidos. É na Escola Agrícola que deverá funcionar, de imediato, o Curso Licenciatura em Técnicas Agrícolas [...] Alguns observadores admitem que, com a transformação da Escola Agrícola em Universidade Rural, será criado o Curso de Agronomia, que tem em Licenciatura em Técnicas Agrícolas um meio caminho percorrido. Afirmam os mesmos observadores que o Piauí não pode ficar importando seus técnicos para o setor primário nem deixar que estudantes da terra saiam do Piauí à procura do curso em outros Estados.230

No mesmo ano a Universidade Federal do Piauí publicou um considerável número de

vagas, 715 para o Vestibular de 1975. Entre os cursos, apresentava-se o de Técnicas

Agrícolas, para professores de Primeiro Grau, reflexo da implantação deste ensino nas escolas

públicas.

Todos os trabalhos relacionados com o Vestibular de 1975 da Universidade Federal do Piauí entram amanhã em sua final. As provas já estão prontas e os resultados, segundo declarações do professor Machado Lopes. [...] As provas deverão viajar para Brasília, ainda no dia 17, onde serão corrigidas pelo Centro de Computação de dados, DATAMEC, do Ministério da Educação e Cultura; os resultados serão afixados na Universidade Federal do Piauí, existem 715 vagas.

Áreas e Vagas

-Medicina – 50 vagas -Odontologia – 40 vagas -Enfermagem – 20 vagas -Licenciatura em Educação Física para o Primeiro Grau – 40 vagas -Licenciatura me Ciências – Primeiro Grau – 40 vagas -Licenciatura Plena em Ciências – 120 vagas -Administração – 40 vagas -Direito – 40 vagas -Técnico em Planejamento – 25 vagas -Letras – 40 vagas -História – 25 vagas -Geografia – 25 vagas -Estudos Sociais – Primeiro Grau – 30 vagas -Filosofia – 20 vagas -Pedagogia – Primeiro Grau – 20 vagas -Licenciatura Plena em Pedagogia – 60 vagas -Técnicas Agrícolas – Primeiro Grau – 40 vagas -Educação Para o Lar – Primeiro Grau – 40 vagas.231

230 Escola Agrícola pode ser Faculdade. Jornal O Dia, 23.11.1974, p. 2. 231 Id. Ibid.

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Lembramos que o Curso de Técnicos Agrícolas foi oferecido, também, como

possibilidade de iniciar o Curso de Agronomia na UFPI, uma ponte para a criação do Centro

de Ciências Agrárias.

Dessa forma, o amplo espaço do CAT, a infra-estrutura, bem como a proximidade do

rio Poty constituíram fatores que influenciaram a decisão em incorporar o CAT à UFPI,

favorecendo a extensão da instituição, com a criação dos cursos de Medicina Veterinária e

Agronomia. Desse modo, o CCA passa a ocupar a extensa área, anteriormente cedida ao

CAT. Como mostra o mapa da Figura 24, a seguir.

Figura 24 – Mapa do Centro de Ciências Agrárias da UFPI. Fonte: DIPRO.

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Consideramos que a pressa em transferir o CAT para a UFPI seria justificada pela

urgência de implantação do Curso de Medicina Veterinária, que apressaria de forma objetiva

o resultado do MEC para sua aprovação, conforme depoimento de Antonio Manuel Castelo

Branco.

[...] Logo depois da Agronomia e da Veterinária em 1977/1978, o MEC determinou a proibição da criação de cursos nas Universidades Federais como um todo; nós soubemos disso antes e fizemos uma aceleração muito rápida para criar o Curso de Veterinária. Inclusive, à época, no Conselho Departamental do CT, a área de Agronomia votou contra o Curso de Veterinária; o de Tecnologia voltou a favor, porque era uma decisão precipitada, açodada, mas era uma forma que tínhamos de consolidar logo a área de Ciências Agrárias.232

A manchete do “Jornal O Dia” concluía a discussão sobre a transferência do CAT.

Esse foi o momento de passagem da autonomia da Escola de Ensino Médio para um órgão da

Universidade Federal do Piauí. A manchete afirmava: “Colégio Agrícola agora sob jurisdição

da UFPI”, informando à sociedade teresinense a transferência da Escola:

O Colégio Agrícola de Teresina deixou de ser uma entidade autônoma, passando à Jurisdição da Universidade Federal do Piauí; a Resolução nesse sentido foi autorizada pelo ministro Ney Braga, que, após a apreciação dos estudos técnicos, que lhe foi apresentado concluiu ser mais viável, em termos de economia e de qualidade de ensino, a incorporação do Colégio à Universidade. A Universidade Federal do Piauí incorporará todos ao seu patrimônio, todos os imóveis, edificações e terrenos, bem como equipamentos. Os corpos discentes e docentes e os funcionários estarão também sob administração da Universidade. Como ficará incumbida de toda a sua manutenção, a Universidade Federal do Piauí será beneficiária dos recursos orçamentários até então destinados ao Colégio Agrícola de Teresina.233

A mesma reportagem faz referência a um primeiro projeto de implantação do Colégio

Agrícola de Floriano, afirmando que, se implantado, atenderia à demanda de toda a região:

Por outro lado, o projeto para implantação de um campus universitário na cidade de Floriano encontra-se no Departamento de Assuntos Universitários, para a devida apreciação e aprovação, o projeto originalmente encaminhado à Secretaria de Planejamento, de quem recebeu parecer favorável, pretende implantar cursos de 2º Grau na área Pastoril e formação de professores para ensino de 1º e 2º Graus.234

Percebemos que o projeto do Colégio Agrícola de Floriano, embora criado como

projeto autônomo, foi transformado em unidade da UFPI, adequando-se às novas

transformações dessas instituições no Piauí.

Dessa forma, não se cogitava nos discursos, nenhum plano efetivo para a escola de

Ensino Médio, somente acreditava-se no intuito de estender o Ensino Superior. Em

232 Escola Agrícola pode ser Faculdade. Jornal O Dia, 23.11.1974, p. 2. 233 Colégio Agrícola agora sob jurisdição da UFPI. Jornal O Dia, 6 de julho de 1976, p. 3. 234 Id. ibid.

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conseqüência, o clima de turbulência na Instituição alterou o cotidiano do CAT; assim, a

perspectiva da mudança levou vários funcionários a pedir transferência para outras escolas

agrícolas, entre elas as de São Luís, Fortaleza e Viçosa.

No “Jornal do Piauí” de 01.10.1974, a reportagem sobre a criação do Centro de

Ciências Agrárias da UFPI informava que no ano seguinte já estariam funcionando os cursos

de Cooperativismo e Bovinocultura; nesse sentido, a expectativa pela transferência do CAT,

era dada como efetiva. Dizia a mensagem: “A Universidade Federal do Piauí acaba de dar

mais um grande passo”.235

Esse período na visão dos professores foi um momento extremamente delicado para os

estudantes, funcionários, diretores. Os funcionários eram contratados pela COAGRI e o

pagamento oficial da Escola, então, realizava-se por esse órgão. Com a transferência, a UFPI,

não enquadrou todos os funcionários da instituição rapidamente, proporcionando um clima de

tensão. Isto deixou muitos servidores à mercê do tempo. A UFPI somente incorporou

efetivamente os últimos funcionários em 1981.

De uma maneira mais ampla, a atuação do secretário de Educação Wall Ferraz

possibilitou uma sensível melhora no panorama educacional do Estado, com o

reaparelhamento do sistema escolar, o aumento do número de escolas. A abertura aos cursos

profissionalizantes também possibilitou a extensão ao ensino, após a Lei de 1971. A redução

do quadro de analfabetismo levou, durante seu pronunciamento, o ministro da Educação e

Cultura Ney Braga a elogiar o trabalho do secretário da Educação e a melhora educacional no

Piauí, no VII Encontro de Secretários da Educação e Representantes dos Conselhos de

Educação. A mensagem do “Jornal O Dia” afirmava:

O trabalho desenvolvido pela Secretaria de Educação no Piauí foi reconhecido pelo ministro da Educação e Cultura Ney Braga. [...] É do seguinte teor a carta enviada ao professor Wall Ferraz: ‘Com satisfação me dirijo a vossa senhoria para apresentar o meu reconhecimento pessoal e do Ministério da Educação e Cultura a sua valiosa colaboração evidenciada no Encontro de Secretários. O seu entusiasmo, a sua dedicação à causa pública e a sua experiência colaboram para o equacionamento da problemática da educação no Brasil, com vistas à busca de alternativas que melhor possibilitem atingir as metas, a que nos propomos unidos a alcançar’.236

O ano de 1974 revelou-se promissor, no que tange ao desenvolvimento social; o teor

do governo Alberto Silva, com a criação de estradas, as obras criou um outro perfil para a

cidade. No mesmo ano, em Teresina, foi construída, em novas instalações, a Companhia de

235 A Universidade Federal do Piauí acaba de dar um grande passo. Jornal do Piauí. 01.10.1974, p.1. 236 Ministro elogia a educação no Piauí. Jornal O Dia, 23.11.1974 , p. 5.

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Correios e Telégrafos, que favoreceu a vinda do presidente Ernesto Geisel e do ministro das

Telecomunicações, Euclides Quandt de Oliveira, para a inauguração. “O Jornal O Dia”

enfatizava:

A inauguração do novo prédio da Companhia de Correios e Telégrafos de Teresina será realizada somente no fim do mês de dezembro, contando com a presença do presidente Ernesto Geisel e do ministro das Telecomunicações, Euclides Quandt de Oliveira. [...] o edifício contará com aproximadamente 200 acomodações, quase todas com aparelhos de ar condicionado. Ainda está sendo feito um levantamento para se saber quanto foi o total gasto, na construção do prédio, que é um dos mais belos postos da Empresa de Correios e Telégrafos do Nordeste.237

Na esfera econômica, o Piauí apresentou melhoras com a atuação da SUDENE,

porém, era um momento de iniciativas econômicas, o cenário da agricultura ainda constituía o

atraso entre os outros estados do Nordeste. Desse modo, o governador eleito Dirceu Mendes

Arcoverde destacou sua preocupação com o âmbito agrário:

A Agropecuária do Piauí assemelha-se à de qualquer outra região subdesenvolvida; no caso, vale estabelecer comparação com o Nordeste; elevada participação do produto interno, concentrada em poucos produtos, baixa produtividade decorrente do atraso tecnológico deficiente, infra-estrutura agrícola são alguns dos aspectos comuns.238

Foi projeto do governador Eleito Dirceu Mendes Arcoverde, entre outras medidas,

impulsionar a agroindústria, tendo por base uma política industrial; os feitos que prometeu

realizar na agricultura aproximou-se dos anseios de Jacob Gayoso e Almendra em 1955.

Nesse sentido, sua preocupação visou:

O modelo econômico preconizado para o Piauí nos próximos anos toma o setor industrial, como motriz do processo em um segundo momento, dadas as condições propícias a que a agropecuária assuma a função relevante nos estágios iniciais, inclusive por sua elevada participação na renda interna. [...] o processo de industrialização no Piauí seguirá duas linhas básicas: uma orientada pelo mercado consumidor e outra em função da disponibilidade de matérias-primas.239

Configura-se, portanto, um quadro essencialmente agroindustrial, em que o processo

terá ênfase nos ramos tradicionais.

No CAT, as mudanças são aceleradas e ditam regras essenciais ao novo percurso

institucional. O ano de 1976 foi o fechamento da gestão de Carlos Estevam Pires Rebelo,

primeiro diretor da Instituição, que a dirigiu por longos 22 anos. Por motivos pessoais e

políticos, o diretor entrega o cargo do CAT. Efetivamente, nesse contexto é publicada através

237 Geisel vem inaugurar prédios dos Correios. Jornal O Dia, 23.11.1974, p. 5. 238 Dirceu promete dinamizar agricultura no seu governo. Jornal O Dia, 8/9 de dezembro de 1974, p. 3. 239 Id. ibid.

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do Decreto n. 78.672 de 5 de novembro de 1976 a transferência do CAT para a FUFPI, os

artigos 1, 2, 3, e 4 explicavam as condições:

Art. 1º - Fica transferido com os seus bens, instalações, equipamentos e recursos financeiros o Colégio Agrícola de Teresina para a Fundação Universidade Federal do Piauí.

Art. 2º - Os imóveis de propriedade da União utilizados pelo Colégio Agrícola de Teresina, que se constituem de uma área de 360 hectares, situada no município de Teresina Estado do Piauí, e respectivas benfeitorias serão cedidos gratuitamente à Fundação Universidade Federal do Piauí.

Art. 3º - A Fundação Universidade Federal do Piauí fica obrigada a manter cursos para a formação de técnicos em Agropecuária, ao nível de 2º grau.

Art. 4º - O Serviço do Patrimônio da União providenciará os atos necessários à cessão gratuita dos imóveis a que se refere o art. 2º, de acordo com o disposto no art.

1º do Decreto.240

Desse modo, o CAT é cedido gratuitamente à FUFPI, sob a condição de continuar

formando técnicos de nível médio; no mesmo ano, foi modificado o curso técnico agrícola

para uma nova modalidade técnica em agropecuária. A notícia tornou-se pública, quando o

presidente Ernesto Geisel chegou a Teresina, para a inauguração do Conjunto Habitacional

Bela Vista e, no mesmo dia, participou da solenidade de transferência do CAT para a FUFPI,

passando a instituição às mãos do Reitor Camillo da Silveira Filho. Essa etapa foi vivenciada

pela professora Maria Monteiro da Silva, que ressalta a argumentação do presidente Ernesto

Geisel sobre a cerimônia:

A cerimônia de transferência foi no próprio CAT [...] houve todo o processo do cerimonial [...] de assinaturas de documentos; assim, a passagem se deu exatamente com a entrega para o Reitor. Os funcionários estavam todos presentes [...]. A questão da argumentação do presidente Ernesto Geisel era a expansão da Universidade, o fato de que precisava daquele espaço, para dar expansão aos cursos universitários, por conta de ser Agronomia e Veterinária [...]. No momento, ninguém se manifestou; a manifestação se deu antes com a manifestação com os encontros com o pessoal do CCA, que, à época, o diretor era o Dr. Manuel Gayoso Almendra.241

A instituição escolar representou a incerteza de novos tempos para os funcionários.

Consideramos, então, que o sentimento de pertencimento é um elemento de constituição da

memória, e este se tornou perceptível na emoção da professora Maria Vilani Monteiro. Na

tentativa de definir essa etapa, analisou-a como um processo de descaracterização

institucional, e explicou o difícil momento vivenciado pelos funcionários do CAT:

240 BRASIL. Decreto n. 78.672 de 5 de novembro de 1976, publicado pelo presidente Ernesto Geisel, dispõe sobre a transferência do Colégio Agrícola de Teresina para a Fundação Universidade Federal do Piauí e dá outras providências. 241 Entrevista concedida por Maria Vilani Monteiro da Silva, em 22.012.05, ex-professora de História, posteriormente, de Educação Moral e Cívica, e ex-coordenadora do CAT, nos anos 1970.

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Houve grande repercussão, como a quebra de identidade, a ponto de ter redução nos salários; meu salário foi reduzido em 50%, em relação ao pessoal que estava na FUFPI. Aí fui obrigada a ir para a UFPI, porque eu tava com prejuízo inclusive por conta de ter passado para a Universidade, a COAGRI foi perdendo o interesse [...].

Entre 1973 e 1976, o Colégio Agrícola de Teresina formou 243 técnicos agrícolas, ao

nível de Ensino Médio, que representaram mão-de-obra qualificada para as empresas que

iniciavam no cenário piauiense; com essa formação os alunos encontravam oportunidades de

trabalho no próprio Estado. Assinale-se que Empresas como o IBAMA e COAGRI

constituíram o espaço de atuação para o campo do trabalho técnico agrícola no Piauí.

Conforme o Quadro 18, a seguir, podemos observar a distribuição do número de técnicos,

considerando-a de forma equilibrada nesse período.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ

COLÉGIO AGRÍCOLA DE TERESINA

ANO CONCLUDENTES

1973 1974 1975 1976

60

50

68

65

Quadro 18 – Lista do número de técnicos de 2º Grau formados pelo CAT, entre 1973 e 1976. Fonte: Arquivo/CAT.

Dessa forma, os anos 1970 foram definidores para a situação da Escola, as mudanças

ocorridas alteraram consideravelmente o ritmo da instituição. E mesmo em meio a uma crise

identitária, o CAT continuou formando e oferecendo ao mercado técnicos agrícolas com

experiência para o trabalho nas empresas e nas fazendas piauienses.

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4 COLÉGIO AGRÍCOLA DE TERESINA: as multifaces das memórias

Um outro olhar sobre o CAT se desenhou na emoção dos relatos dos sujeitos que

vivenciaram os espaços institucionais, possibilitando conhecer as aulas, o cotidiano, as festas,

as práticas de uma instituição educativa agrícola. Para tanto, fez-se necessário coletar as

memórias de ex-alunos, ex-professores, ex-diretores do CAT, para a construção das histórias e

memórias. Nesta análise, a história do CAT apresenta-se no sentido de revelar o interior da

instituição agrícola, adentrando os espaços vividos, as experiências, a afirmação dos valores,

na tentativa de uma configuração de memórias. Neste sentido, consideramos a visão de

Chartier de que “a história, tal como a entendemos, tem por principal objeto identificar o

modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída,

pensada, dada a ler”.242

No mesmo sentido, a trajetória de uma instituição escolar se delineia a partir do

conhecimento de seu universo; por isso é importante mencionar Boto: “conhecer a escola e

sua história requer o reconhecimento de um universo, a portas fechadas, escondido, fugaz e

travesso”.243 Por esse caminho, seguimos para construir as histórias e memórias do Colégio

Agrícola de Teresina, entrelaçando as falas, imagens, os símbolos perceptíveis nas entrevistas

dos sujeitos históricos. Estes sujeitos testemunharam, a nosso ver, os três momentos cruciais

da instituição, o momento de instalação do CAT, as transformações com a mudança para o

MEC e a transferência para a UFPI. Utilizamos para a análise das entrevistas a técnica de

análise de conteúdo, tendo como suporte as informações obtidas pela História Oral.

Compreendemos que o ofício do historiador está intimamente ligado ao processo de

construção, de constituição de uma realidade observável. Conforme Pesavento:

Escrever a História ou construir um discurso sobre o passado é sempre ir ao encontro das questões de uma época. A história se faz como resposta às perguntas e questões formuladas pelos homens em todos os tempos. Ela é sempre uma explicação sobre o mundo, reescrita ao longo das gerações que elaboram novas indagações e elaboram novos projetos para o presente e para o futuro, pelo que reinventam continuamente o passado.244

242 Chartier, 2002, p. 17. 243 BOTO, Carlota. In: NASCIMENTO, Jorge Carvalho de. Memórias do aprendizado: 80 anos do ensino agrícola. Sergipe: Catavento, 2004. p. 40. 244 PESAVENTO, 2005, p. 57.

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4.1 A tradução de um lugar: o imaginário do internato e a instituição do agrário como

espaço masculino

Desde a elaboração do projeto da EAT foi prevista a criação da escola com sistema de

internato, visando a possibilidade de absorver uma clientela oriunda de outras cidades do

Estado e dos Estados vizinhos. Assim, em 1964, o Colégio Agrícola de Teresina iniciou com

o internato apenas para os alunos oriundos de cidades distantes, existindo também a opção do

semi-internato, essa voltada para os alunos da própria Capital, que passavam apenas a semana

na Escola, e no final de semana eram liberados. Deste modo, o CAT iniciou com uma

proposta de abrigar 200 alunos na instituição.

O internato consistiu no primeiro desafio significativo para os alunos do CAT, uma

dificuldade que se manifestou no primeiro dia de aula. O encontro com a instituição significou

um divisor de águas na trajetória dos estudantes aprovados na seleção.

O grande impasse revelou-se na chegada dos estudantes à escola e à adaptação dos

jovens ao sistema de internato. A Escola oferecia o material para os alunos em forma de um

kit escolar, onde constavam: um copo, o lençol e a chave do armário. Os estudantes ao se

dirigirem para os alojamentos recebiam cama, colchão e armário para o uso na instituição.

O impacto da separação familiar e a adaptação ao mundo escolar fechado ao sexo

masculino apresentaram algumas dificuldades para os alunos. O contato apenas com homens

exigia uma postura mais austera e dura frente ao cotidiano escolar. Acreditamos que a este

quadro acrescentava-se a imposição de um status ligado à representação do trabalho agrícola,

que caracterizava a escola como masculina, tendo uma rigidez disciplinar que implicava

mudanças de costumes e exigências de novas práticas de relacionamentos importantes para o

convívio escolar. Lúcio Brígido Neto relembra a difícil realidade do internato para alguns

alunos:

Fiquei dois anos interno, mas esses dois anos para mim não fez assim muita diferença [...]. E o internato funcionava, ficávamos lá direto, até sábado, e o semi-internato a gente ia de manhã e voltava à tarde, eu dormia em casa. Depois eles disseram que não mais haveria o semi-internato, todos seriam internos.245

Francisco Rodrigues da Silva, ex-aluno do Ginásio Agrícola, comentou sobre a relação

com o espaço escolar e a rotina interna no Colégio:

Bom, naquele tempo, que eu lembre, só havia internato, o colégio, era muito significativo [...] a gente se identificava muito. Era a aula teórica em sala [...]. Grande parte do tempo da gente era no campo, tinha uns projetos lá embaixo na

245 Entrevista concedida por Lúcio Brígido Neto, ex-aluno do CAT entre 1966 e 1971, realizada em 18.01.06.

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beira do rio, ainda hoje tem um canal; está um pouco abandonado porque a universidade tomou conta; era mais projeto de experimento de produzir arroz, milho, tomate, cebola. Existia horta.246

Essa visão do internato como separação da casa é uma característica lembrada pelos

estudantes. O aluno Antonio João Rodrigues narrou sua experiência de interno, destacando o

esforço no cumprimento das atividades, que tinha como prêmio a volta para casa:

[...] No colégio, na minha época todinha, era assim, eu tinha aula pela manhã, tinha aula à tarde, jantava ali um pouquinho, e voltava para a sala de aula, para estudar; então eu estudava todo santo dia até dez, onze horas da noite, é tanto que eu nunca fiz uma prova final no Colégio. Em outubro, estava passado por média; era para poder me liberar, para voltar para o interior [...]. O internato funcionava mais ou menos assim, eu tinha meus colegas lá, jogava bola, mas não me divertia como todos; não saía no final de semana com os amigos, ficava mesmo lá dentro [...].

Assim, caracterizou-se a representação de um novo homem rural, que, embora

trouxesse na sua forma física a rigidez do labor fecundo do campo, também constituía a

experiência, a força, a aprendizagem de novos conhecimentos agrícolas. Desse modo, foram

impressas à imagem de homem rural características de um homem técnico.

Nesse sentido, as disciplinas da 4ª série do Curso Ginasial Agrícola, apresentadas no

Quadro 19, a seguir, formavam uma grade curricular que abrangia:

DISCIPLINAS

CULTURA GERAL

Português Matemática Ciências Físicas e Biológicas Desenho

CULTURA TÉCNICA

Zootecnia Mecânica Agrícola Agricultura

PRÁTICAS EDUCATIVAS

Educ. Artística Educação Física Prog. Agric. Orientação

Quadro 19 – Disciplinas do Curso Ginasial – 4ª Série – Turma: Única.

Compreendemos que a construção de uma representação escolar se realiza de forma

multifacetada; assim, o lugar masculino direcionou as mudanças de valores, costumes,

hábitos, crenças, que se alinhavam à conduta imposta pela exigência do regime escolar. Neste

sentido, definimos o internato como sistema importante para a constituição do habitus escolar

246 Entrevista concedida por Francisco Rodrigues da Silva, ex-aluno do Curso Ginasial Agrícola entre 1964 e 1968. Atual funcionário do CAT.

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masculino agrícola, que determina posições por força do simbolismo presente no agrário.

Conforme a concepção de Pesavento:

Entende-se por imaginários um sistema de idéias e imagens de representações coletivas que os homens em todas as épocas construíram para si dando sentido ao mundo. A idéia do imaginário é histórica, e datada em cada época; ou seja, os homens constroem representações para conferir sentido ao real, essa construção de sentido é ampla, uma vez que se expressa por palavras, discursos, sons, por imagens, coisas, materialidades e por práticas ritos, performances.247

Na mesma direção, Le Goff248 aponta a extensão do conceito: “o imaginário é de tal

forma amplo, que, no seu entender, tudo pode ser submetido a uma leitura imaginária”.

É importante observar a distribuição do alunado do CAT e a caracterização de suas

origens para essa análise. Ressalte-se que a grande maioria dos estudantes era do Interior do

Estado ou da Zona Rural.

No CAT, a maioria dos estudantes era originada de uma classe média baixa, porém,

nos primeiros anos escolares, havia certa parcela de estudantes oriundos de famílias da

capital, filhos de fazendeiros. O modelo escolar proposto era direcionado para a camada de

jovens rurais que tinha que contribuir com a sociedade no sentido do desenvolvimento

econômico. Observamos, também, que o internato significou uma forma de atração,

possibilitando a intensa preparação técnica dos estudantes e resolvendo o problema do

deslocamento e hospedagem na Capital para esse alunado.

Figura 25 – Lúcio Brígido Neto, ex-aluno do Ginásio Agrícola do CAT de 1967 a 1971. Fonte: Acervo do CAT.

247 PESAVENTO, 2005, op. cit., p. 43. 248 LE GOFF apud PESAVENTO, 2005, op. cit., p. 45.

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Havia na Escola alunos de Teresina, porém, a grande maioria era constituída por

alunos do interior do Estado e de Estados próximos, de cidades como Campo Maior, Olho

D’Água, Parnaíba, Fé de Deus, Castelo, Pimenteiras, Pedras, Codó (MA), Altos, Buriti Bravo

(MA), São Pedro, Alto Alegre, Água Branca, Piripiri, Recurso, Pousado, Brazão, Angical,

Oeiras, Tingui, Fortaleza (CE), Matias Olímpio, Bom Jardim (MA), Valença, Inhumas,

Esperantina, Bocaina, Picos, São João do Piauí.249

Assim, percebemos que a educação agrícola proposta no Colégio Agrícola, como nas

escolas da rede federal, assumiu o papel instrumental de modelar perfis adotados ao interesse

institucional. Isso se consolidou com a exigência da Lei n. 5.465 de 3 de jul. de 1968, que

autorizava destinar 50% das vagas nas escolas agrícolas aos jovens do Interior do Estado.

Essa determinação incluía tanto as vagas nas escolas de nível médio como nas escolas

superiores de Agricultura, segundo afirma o Art. 1 da Lei:

Art. 1º - Os estabelecimentos de Ensino Médio Agrícola e as escolas superiores de Agricultura e Veterinária, mantidos pela União, reservarão, anualmente, de preferência, de 50% (cinqüenta por cento) de suas vagas a candidatos agricultores ou filhos destes, proprietários ou não de terras, que residam com suas famílias na zona rural e 30% (trinta por cento) a agricultores ou filhos destes, proprietários ou não de terras, que residam em cidades ou vilas que não possuam estabelecimentos de ensino médio.

§ 1º - A preferência de que trata este artigo se estenderá aos portadores de certificado de conclusão do 2º ciclo dos estabelecimentos de ensino agrícola, candidatos à matrícula nas escolas superiores de Agricultura e Veterinária, mantidas pela União.250

Sob este aspecto, a educação envolve os agentes, em um processo de apropriação que,

conforme Magalhães, é assim definida:

A ação educativa integra um sujeito, um agente, um argumento, os meios adequados, e desenvolve-se em um determinado contexto, com vistas a um fim. A educação é o constructo que resulta destes elementos e destes fatores por apropriação do sujeito; é relação e relacionamento.251

Além da proposta de abrigar estudantes de zonas rurais, faz-se necessário apontar uma

outra questão, a imposição do gênero masculino como proposta de reafirmação do trabalho

agrícola. As escolas de internato masculino traduziram características explícitas à idéia de

formação de homens fortes capazes de enfrentar o trabalho exigente da agricultura. A

intenção da instrução educacional para jovens de origem rural reforçava a imagem de que

para o trabalho agrícola era necessária a força masculina. 249 Fichas de matrículas do CAT. 250 Lei n. 5.465, de 3 de julho de 1968. Dispõe sobre o preenchimento de vagas nos estabelecimentos de ensino agrícola. Assinada pelo presidente A. Costa e Silva em 03.07.1968. 251 MAGALHÃES, 2004, op. cit., p. 31.

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É importante compreender, sobre a inserção do gênero, como nascem suas identidades

e como se entrecruzam no todo social, assim:

É possível pensar as identidades de gênero de modo semelhante, elas também estão continuamente se construindo e se transformando em suas relações sociais. Atravessados por diferentes discursos, símbolos, representações e práticas, os sujeitos vão se construindo como masculinos ou femininos, arranjando e desarranjando seus lugares sociais, suas disposições, suas formas de ser e de estar no mundo.252

Por sua vez, entrecruzando os olhares, o internato foi considerado um episódio

inesquecível para alguns estudantes e importante para outros, sobretudo para os alunos que

passavam finais de semana na Escola, devido à longa distância das cidades, onde moravam e à

falta de condições para voltar para casa. Otávio Monteiro da Silva, cozinheiro do Refeitório

do CAT, de 1973 a 1975, rememorou a vivência e dificuldades dos alunos:

Os alunos tinham que estar em aulas 7 horas; 06:30h eles tomavam o café; à tarde era aula normal; pela manhã educação física, aula no campo, lá embaixo, à tarde todinha [...]. Tinha aluno que desistia mesmo, vi dois alunos desistirem, por que tinham que quebrar milho na roça e espalhar; eram alunos do interior, eles eram pessoas boas, reclamavam muito de ter que ficar longe dos pais, eles diziam, lembro: mas não posso dar jeito.253

Por outro lado, a oportunidade do internato significou a possibilidade de morada,

quando a escola aproximou-se da concepção de família; ao mesmo tempo, revelou momentos

de insegurança, angústias, devido às brincadeiras que se tornaram comuns no espaço escolar.

Na visão dos ex-alunos, a escola representou uma ótima experiência para a vida. O ex-aluno

Antonio João Rodrigues, estudante do Curso Técnico Agrícola assinalou as dificuldades

enfrentadas pelos calouros na instituição, porém, avaliou e reconheceu a importância da

Escola:

À noite, jantar, café, tinha tudo. Tudo era por conta da escola, a gente não trazia nada. Trazia lençol, material escolar; usava roupa passada e lavada, tinha lavanderia para lavar e passar; tínhamos almoço, café, almoço, jantar, tudo [...]. O Colégio Agrícola era um pai. Olha, para mim, não sei se é por que eu era do interior, ‘tinha muito vontade de voltar lá para o interior, né?’ Tanto assim que na nossa turma, logo no primeiro mês, desistiram vários alunos. Na época [...] de cem ficaram setenta e poucos alunos, porque a gente chegava lá calouro [...]. A gente sofria muito, havia a questão dos outros que jogavam comida na gente, o trote, tinha um bocado de coisas; então complicava muito a vida da gente, realmente, aqueles que queriam mesmo, era difícil.

252 SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. In: Educação e realidade. Porto Alegre, 20(22): 71.99. jul./dez. 1995, p. 74. 253 Entrevista concedida por Otávio Monteiro da Silva em 28.12.05, ex-funcionário do CAT no período de 1973 a 1975.

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Nos anos 1970, o sistema de internato melhora sensivelmente, com a reforma da

estrutura física escolar. Porém, o internato interferiu também na prática das professoras, que

trabalhavam em meio ao universo masculino do CAT. Apenas duas mulheres resistiram ao

domínio dos homens na Instituição, quais sejam: a professora Izália Lustosa e a professora de

História, Maria Monteiro da Silva. A primeira rompeu com a predominância do masculino,

quando iniciou como professora ainda em 1964, chegando a assumir a Instituição como

diretora em 1976. A referida professora constituiu experiência, montando o que Halbwachs254

chama de “quadros da memória”:

É aí que quero chegar. Eu disse: “professor para assumir não, porque eu não tenho responsabilidade [...].” E, primeiro, existia um problema sério: só havia homem; até aí eu não tive uma aluna mulher, e os professores, já estavam naquele grupo; depois que eu entrei começou a entrar mulher, mas não havia ninguém que tivesse sido diretora; era só homem: agrônomo, veterinário [...]. Quando ele me chamou, eu disse professor... E ele: “não, eu estou perguntando se você está preparada para receber?”. Dois dias depois, ele mandou a Portaria. Foi assim um choque, pelo menos para todo mundo, porque ninguém esperava uma mulher assumindo o Colégio; até aquele momento, o Curso de Agropecuária era só para homens, era um tabu, não podia ser mulher, porque também havia um problema de internato, esses meninos todos eram do interior, a maioria, todos não, a grande parte era do interior que vinha e ficava no internato no Colégio. Era difícil para quem assumisse aquilo dali [...] porque eles achavam que as mulheres não eram capazes de fazer um trabalho daqueles.255

Assim, a conquista do espaço feminino no CAT foi se estabelecendo a passos lentos;

contudo, nos anos 1970, a configuração do número de professores, efetivamente se modificou,

depois que a professora Izália Lustosa assumiu a Coordenação de ensino.

Para a professora Maria Monteiro da Silva Ramos, a experiência representou um

avanço para a época. Pois, de acordo com seu relato:

O quadro nessa época tinha duas mulheres, eu de História e uma professora de Português; do ponto de vista do relacionamento, era um momento histórico; duas mulheres no CAT representariam um percentual muito pequeno, num universo de pessoas que trabalhavam. Eram mais homens, eram duas pessoas; eu, muito moça, noiva; e a outra era uma pessoa de bem mais idade do que eu, solteira, já na faixa etária passando dos 40 anos; de modo que foi assim muito difícil a relação interpessoal nesse universo, mais de homens. Era uma fase da nossa própria cultura, mais machista, o próprio sistema de internato. A gente se entendeu muito bem com os alunos [...] até por conta de eles serem alunos do interior [...].

Sobre o espaço masculino, Garcia considera a visão do Gênero uma forma

estabelecida de determinadas construções dos papéis sociais masculino e feminino e, “como

254 HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990. p. 25. 255 Entrevista concedida por Izália Lustosa Nogueira de Araújo, em 20.05.05, ex-professora e ex-diretora do CAT entre 1964 e1976.

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as feminilidades, as masculinidades ocupam um lugar na dimensão simbólica e nas relações

sociais e institucionais”.256

Portanto, a realidade do CAT se configurou de modo a constituir padrões, valores, que

simbolizassem o predomínio do gênero masculino. Nesse sentido, os professores, diretores

eram representados pelas figuras de veterinários, agrônomos, técnicos agrícolas, constituindo

as imagens institucionais na Escola.

Figura 26 – Alunos do CAT, em aula-passeio, em uma fazenda em Castelo-PI. Fonte: Acervo Raimundo José do Rego Neto.

Convém enfatizar que nos interessa falar de uma memória coletiva, que, ao se

construir, estabelece um sentimento de pertencimento, entre os agentes que convivem no

mesmo espaço. De modo a perceber como alunos, professores, funcionários do CAT

buscaram arquitetar os quadros de memórias. Acreditamos que “a memória está em cada

passo que damos, idéias pensadas, ações realizadas. A memória está presente em tudo e em

todos. Somos tudo aquilo que lembramos; somos a memória que temos”.257

256 GARCIA, Sandra Mara. In: ARILHA, Margareth; RIDENTI, Sandra G. U.; MEDRADO, Benedito. Outras palavras. São Paulo: Ecos/Ed.34, 1998. p. 36. 257 SANTOS, Miriam Sepúlveda. Memória coletiva & Teoria Social. São Paulo: Annablume, 2003. p. 25.

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4.2 Colhendo memórias: entrecruzando falas, olhares, tempos e vivências

Para Le Goff, “a matéria fundamental da história é o tempo”, sendo assim, a “história

está diretamente ligada às diferentes concepções do tempo em sociedade.258 Em consonância

com esse pensamento, nas narrativas dos sujeitos envolvidos na construção histórica do CAT,

as falas de ex-professores, ex-alunos e ex-funcionários foram de significativa importância

para a compreensão do funcionamento da instituição, bem como para a construção do valor

simbólico que cada um constituiu no tempo e espaço institucional. A história que vamos

construindo, assim, por meio das múltiplas falas que coletamos em conversas sobre o

cotidiano escolar, procura montar um poliedro de memórias acerca dos olhares, tempos e

vivências no CAT.

A Escola se faz presente nas memórias desses agentes transformadores do espaço

agrícola. Notamos a existência de uma intrínseca relação entre os sujeitos e o espaço

percebido nas palavras do ex-funcionário administrativo, Antonio Fonseca dos Santos Neto,

que, ao construir as lembranças do CAT, constrói também sua história, sua relação com o

mundo escolar. Seu relato emocionado nos faz conhecer os primeiros momentos da

instituição, sob sua ótica.

Iniciei no CAT em 12.09.1974. Entrei na escola a partir de um processo seletivo que ocorreu naquele ano e entrei numa função técnica administrativa, na condição de burocrata. Nessa época, eu não conhecia o CAT [...] só o conheci quando fui como servidor. Quando cheguei à Escola, ela ainda estava sob a direção do primeiro diretor, o engenheiro agrônomo Carlos Estevão Pires Rebelo [...].259

Para Antonio Fonseca dos Santos Neto, a Escola incorporou os ideais e princípios do

primeiro diretor que incentivou a experiência do ensino agrícola, tendo sido, à época, uma

iniciativa exigente para a realidade do Estado:

Era muito famosa a história de que ele estava com 20 anos de direção; isso já dizia respeito à idade da própria Escola, porque ele foi um dos elementos mais atuantes em sua instalação. No ano de 1954, quando ainda pertencia ao Ministério da Agricultura, depois à SEAV, ele implantou aquela escola junto com o técnico agrícola Antonio Andrade do Rego, que, como ele, tinha formação nas Escolas de Agronomia e Agrotécnica. Os dois eram formados em Minas. Enfim encabeçaram a experiência do CAT. Inicialmente uma Escola de Aprendizes Agrícolas, depois o Ginasial Agrícola, só depois viria o Ensino Médio, pertencendo ao Ministério da Educação, para o qual ele entregou em maio de 1967, por Decreto presidencial.260

258 LE GOFF, Jacques. História e memória. 4. ed. Campinas-SP: UNICAMP, 1996. p. 12. 259 Entrevista concedida por Antonio Fonseca Neto em 05.08.05, ex-funcionário do CAT entre 1974 e 1976. 260 Id. ibid.

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Esse pensamento é edificado nas lembranças do ex-diretor substituto Cristóvão

Colombo Belfort, quando este destaca a importância do trabalho de Carlos Estevam Pires

Rebelo, e faz referência a sua atuação como iniciante na ação do ensino agrícola no Estado.

Foi nos idos dos anos 1970, quando houve uma exigência do MEC e da classe estudantil à

implantação da Reforma de Ensino de 1971 no CAT. Segundo o ex-diretor, essa seria uma

reforma administrativa:

[...] É, doutor Carlos Estevam Pires Rebelo para mim é o precursor do Ensino Agrícola no Estado do Piauí, não recebeu conhecimento ainda [...] Doutor Carlos naquela época participou do curso, nós dois, e eu fiquei, portanto, na responsabilidade de implantar ou de criar questões para isso de natureza mais técnica. E, no retorno, sentimos que, para efeito de implantar aquela reforma, precisaríamos também de uma reforma estrutural do próprio colégio, uma reforma administrativa. Então fui encarregado de realizar isso; e nós montamos toda uma estrutura que ia desde as atribuições da criação dos setores da otimização da estrutura discente pela diminuição de atribuições para cada setor até chegar à fase também da tramitação dos processos; naquela época, o colégio era considerado distante, era fora do perímetro urbano [...].261

A escola agrícola perpassou valores que foram importantes na formação de um

pensamento que aglutinou professores e alunos, no mesmo espaço escolar, unindo interesses

em corresponder e fortalecer a imagem que constituía o Colégio Agrícola. De certa forma,

com apenas seis anos de inaugurada, essa realidade se transforma nas falas dos professores e

alunos; as mudanças ocorridas se revelam com a Lei de 1971 e a anterior implantação do

Colégio ao Ministério da Educação, caracterizou uma nova etapa institucional.

Na visão dos estudantes, houve, nesse período, uma ansiedade pelo Ensino Médio, que

era proporcionado pela mudança para o curso Técnico em Agropecuária, a qual possibilitou

novas oportunidades para o mercado de trabalho, para os estudantes do Curso Técnico

Agrícola, que se destacavam em seu desempenho escolar. Nesse sentido, estudar no CAT

possibilitou, além dos conhecimentos das práticas agrícolas, a oportunidade de ingresso

facilmente no mercado de trabalho. Conforme Antonio João Rodrigues, estudante do Curso

Técnico em Agropecuária, o CAT facilitou oportunidades de emprego, tendo em vista que

preparava uma juventude estudiosa e capacitada:

[...] Eu acho que nesse tempo, bom quando nós terminamos o curso, aliás, antes de eu terminar o curso, eu já tinha um contrato com a ANCAR, nós éramos procurados; nessa época nós não procurávamos emprego, nós alunos. A ANCAR ia lá e procurava os melhores alunos, existia bastante campo, é tanto que eu nem quis

261 Entrevista concedida por Cristóvão Colombo Belfort, em 18.08.2005, ex-professor, coordenador e diretor-substituto do CAT entre 1972 e 1975.

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emprego da ANCAR, eu fiquei muito feliz com o emprego e tudo, mas, quando foi para a posse mesmo, eu teria que morar em Parnaíba [...].262

O Colégio Agrícola de Teresina se faz notar, além da prática desportiva do futebol, por

uma outra característica, pela necessidade de atuação dos primeiros técnicos no mercado de

trabalho. Nos anos 1970, os alunos do CAT sempre se destacavam nos concursos, o que

favoreceu o reconhecimento do trabalho institucional, conforme explica a professora de

História Maria Monteiro da Silva, lembrando a relação distante entre a escola e a cidade:

Na década de 1970, o colégio ainda era muito voltado para o interior, ele era isolado, só aparecia quando colocava no mercado os técnicos, que faziam os concursos, e eles eram muito bem colocados [...]. No processo, não existia essa relação com a comunidade, somente quando chegava no estágio [...].263

Assim as Escolas Agrícolas são ao mesmo tempo espaços complexos e singulares, e a

realidade escolar pode ser representada de diversas formas, de acordo com as práticas,

vivências e conflitos vividos pelos sujeitos. Segundo caracteriza Magalhães,264 “as

instituições educativas constituem realidades em constante transformação interna no e pelo

relacionamento com a realidade envolvente”.

A estrutura física do CAT se modificava; em 1971 o restaurante do Colégio recebe

verba destinada a uma reforma. Para alguns professores, vivia-se nos anos 1970 a expectativa

de uma profunda fase de transição na Instituição. Embora ainda existisse certa ansiedade pela

estabilidade do corpo docente, eram pertinentes a esse período as discussões nos jornais sobre

a criação de uma universidade em Teresina. O diretor Cristóvão Colombo Belfort mencionou

as mudanças físicas ocorridas na Instituição, por meio do convênio com o BIRD e sua

participação nesse processo:

Muito posteriormente é que as ações foram implementadas [...]. Sua infra-estrutura talvez seja hoje 65% do que efetivamente foi naquela época. O que se implementou depois foi um convênio com o BIRD, que, inclusive excepcional e circunstancialmente, fui eu quem assinou e quem construiu a parte complementar, que foram os laboratórios [...]. BIRD quer dizer Banco Interamericano, e isso deu os recursos para que construíssemos, complementássemos a sede, a parte central onde hoje funciona a Biblioteca Setorial e umas estruturas para depósito e os laboratórios de Ciência que precisasse [...].

262 Entrevista concedida por Antonio João Rodrigues, em 28.07.05, ex-aluno do Curso Técnico Agrícola do CAT entre 1974 e 1976. 263 Entrevista concedida por Maria Vilani Monteiro, em 21.12.05, ex-professora de História do Curso Técnico Agrícola e ex-coordenadora do CAT entre 1974 e 1976. 264 MAGALHÃES, Justino Pereira de. Tecendo nexos: história das Instituições Educativas. Bragança Paulista-SP: EDUSF, 2004. p. 69.

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Uma outra característica peculiar à segunda década da Instituição foi a organização do

quadro funcional. Uma grande parte concentrava professores ainda graduandos, o que, de

certa forma, também caracterizava um ensino ministrado por uma elite. Na visão de Cristóvão

Colombo Belfort, a organização funcional e os interesses institucionais apresentavam-se:

[...] A comunidade, se nós separarmos os segmentos, foi muito bem recebida em princípio pelo estudante e pelo professor. Como o quadro funcional era pequeno e de certo modo era composto por uma elite, 95% universitários, e que de certo modo, pelo fato de ser pequena a estrutura, também eles controlavam o funcionamento, eles se sentiram impactados por essa mudança, porque se passou a organizar e inclusive o lema era “descentralizar pra organizar”, porque era muito centralizado o poder naquele momento [...]. Olha, [...] tínhamos pessoas de todo o Estado, eu não sei te dizer, por exemplo, hoje, qual era o número de vagas, mas eu acredito que não era menos.

Nas falas dos ex-professores, a referência ao CAT é associada a uma comoção e

afetividade pelo lugar ou espaço agrícola, justificada pelo apego aos alunos e ao mesmo

tempo à preocupação com a condição exigente do ensino de internato. Essa afinidade ficou

expressa na entrevista com o professor de Português do CAT, Cineas Santos, ao narrar sua

trajetória na Instituição:

Trabalhei no Colégio Agrícola durante pouco mais de um ano, é, eu creio que 1972 ou 1973 aproximadamente. Fui para o colégio como professor substituto, para substituir o professor Figueiredo. Ele assumiu a direção do Liceu e teve que deixar o colégio [...]. Acho que era Francisco Figueiredo, não sei, era conhecido só como Figueiredo, ele era o diretor do Elias Torres; eu já trabalhava como professor no Elias Torres e, como o Figueiredo assumiu a direção do Liceu, ele me convidou para substituí-lo. Eu não conhecia ninguém no colégio, e a primeira surpresa agradável foi que aquela área era completamente preservada, a vegetação era extraordinária, o proprietário, o ex-proprietário do espaço da terra tinha muito cuidado, a vegetação nativa estava toda íntegra e era muito agradável trabalhar no colégio. O arquiteto do colégio era muito bom; e a segunda surpresa foi que os alunos eram todos ou quase todos do interior do Piauí; e eles vinham para cá para estudar, e como eles ficavam internos havia um interesse muito grande, e eu gostei muito de trabalhar no colégio [...].265

A concepção do ensino agrícola e sua relação com a exigência da Lei Tecnicista

tornavam o aluno um técnico agrícola; porém, nesses anos da ditadura militar, havia novos

desejos de ascensão social. Acreditamos que a perspectiva de criação de uma Universidade

em Teresina despertou o desejo dos jovens oriundos do Interior do Estado, que, nesse

momento, além do curso técnico, também sonhavam com a possibilidade de ingresso no

terceiro grau. Segundo afirmou Cineas Santos, ao comentar a proposta da Escola e

relacionando aos anseios estudantis no CAT:

265 Entrevista concedida por Cineas Santos, ex-professor substituto de Português do Curso Técnico Agrícola do CAT entre 1972 e 1973.

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Acho interessante, porque o fato de trazer alunos do interior era muito interessante porque era para formar esse aluno e devolvê-lo ao interior onde ele poderia atuar e, conseqüentemente, levar os conhecimentos adquiridos na escola; ele poderia melhorar o tipo de agricultura que se fazia em cada lugar [...] a proposta era interessante, muito interessante, só que a maioria dos alunos não queria virar apenas Técnico Agrícola, eles queriam mesmo era fazer Universidade [...] ou de Agrimensura ou de Veterinária [...] era a década de 1970.266

Uma das lembranças marcantes para os funcionários e professores foi a transição do

CAT para a UFPI em 1976. Nesse período, houve um sentimento que causou a reação do

professorado da Instituição, que via a mudança como um processo de indefinição da Escola.

Entre os funcionários, as queixas se revelavam em função do atraso nos salários e a falta de

segurança provocada pelo abandono da COAGRI, instituição pagadora do quadro de pessoal

do CAT. Como afirmamos, essa se caracterizou uma difícil travessia, devido à instabilidade

inicial tanto dos funcionários como dos professores do CAT.

Nesse sentido, existem vários mundos dentro da escola. Assim uma Escola Agrícola

possui elementos peculiares, tais como a distância, o internato, as práticas que constituem o

espaço da educação agrícola e que definem seu perfil escolar. Segundo Alves e Oliveira:267

As escolas rurais como as escolas urbanas não são iguais umas às outras; mais do que isso, podemos afirmar que dentro de cada escola há muitas escolas, se observarmos as diferentes situações diversas que se produzem no espaço tempo escolar.

Figura 27 – Área interna do CAT - Salas de aula. Fonte: Crédito direto da autora.

266 Entrevista concedida por Cineas Santos, ex-professor substituto de Português do Curso Técnico Agrícola do CAT entre 1972 e 1973. 267 Revista de Ciência da Educação. Educação e Sociedade, Campinas, vol. 25, n. 86, p. 17-36, abr. 2004.

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Algumas das práticas ocorridas na escola na sua primeira fase, de 1964 a 1970,

permaneciam na segunda década, após a mudança do Curso para Técnico Agrícola e para a

Coordenação do Ministério da Educação. Entendemos que a própria construção do ambiente

escolar favoreceu essa permanência. Exemplo disso são as atividades culturais que eram

exercidas pelos estudantes. O modelo de uma organização estudantil continuou presente desde

a década de 1960; assim, tornou-se comum a prática de reunir os alunos do Curso de Mestria

Agrícola com os de Técnicas Agrícolas, aos sábados, para favorecer a integração e discussão

na escola. Deste modo, promoviam palestras sobre temas importantes e atualizados. Para as

reuniões, os estudantes convidavam professores do CAT e palestrantes de outras escolas para

diversas atividades, bem como os representantes de outras escolas de Teresina. Segundo

Wilson Herbeth Caland, membro do Grêmio Estudantil, nas reuniões dos sábados, era comum

a discussão política e a propagação de um estilo cultural dos anos 1960, que também envolvia

a juventude do CAT, as músicas do estilo “Jovem Guarda”:

Então, no Grêmio a gente tinha essa liberdade de falar a respeito de política; alguns amigos nossos cantavam [...]. Era aquela época do movimento da Jovem Guarda. Como Rony Von, Neto, Adriele, cada um tinha sua preferência. É! E a musica era uma forma de você não tornar cansativas as reuniões. Existiam discussões, digamos assim, internas e particulares no colégio. E existiam também esses momentos de lazer, e também essa tentativa de se discutir. E cada um tinha sua ideologia, sua forma. Eu digo cada um tinha [...]. Tinha! Existia, pelo seguinte, alem de lá já ter o rádio e fora quando a gente saía se inteirava das coisas.268

Falar sobre o Grêmio Escolar possibilitou o conhecimento da mentalidade juvenil

construída nos espaços escolares do Colégio, desmistificando a concepção do sistema

inteiramente fechado ao internato e a postura alheia ao mundo urbano. Nesse sentido, para

Wilson Herbeth Caland, essa integração constituía, na Escola, um pensamento crítico acerca

da realidade política; seria esse o momento da conscientização de uma cidadania, de uma

postura mais politizada para os estudantes que assistiam às reuniões. Os assuntos

contemplados nesses encontros estudantis foram: o regime militar, a cidadania, a corrupção, o

papel da escola, a realidade política e social do País; eram temas veiculados, na escola, pelo

rádio.

E tem uma coisa muito interessante, que é bom falar [...]. O Grêmio serviu para muito depois a gente fazer exercício da cidadania! Porque nós discutíamos; e, às vezes, era uma coisa simples! Mas a coisa foi mudando paulatinamente, de acordo com o que a gente ia ouvindo com os problemas! A própria corrupção [...] problemática vivida pelo país, que era o Regime Militar [...]. Discutiam política! No Grêmio, eles tinham essas discussões, porque questionavam! Alguns nem entendiam na realidade! Mas, os que entendiam questionavam! Por que os militares? Por que você não podia falar? Por que era censurado? E por que os civis não eram capazes

268 Entrevista concedida por Wilson Herbeth M. Caland, em 05.06.06, ex-aluno do Curso Ginasial Agrícola do CAT entre 1964 e 1968.

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de administrar o País! Os militares não eram para administrar o País! Eram para defender o País! Então, com isso, começaram a surgir muitas conversas entre grêmios de outros colégios! E nós aproveitávamos, inclusive, as competições que existiam lá, de futebol, que era a única coisa que nós tínhamos! [...] E havia também o que chamavam de Futebol Militar de jogar bola! Nós jogávamos também no campo. Então, aproveitávamos o Grêmio para falar da problemática do País! E, até falávamos de regime político! Comunismo! Democracia! Esquerda, Direita [...] Inclusive, Fidel Castro e alguns de seus atos [...]. A escola, na verdade, nós não podemos considerar que ela apoiava completamente [...] os temas que eram desenvolvidos, mas ela nos dava certa liberdade [...].269

Destacamos que o rádio se tornou, nesse momento, um importante instrumento

informativo de integração entre os estudantes do CAT, a cidade e o País. O meio de

comunicação que ultrapassou as fronteiras escolares e possibilitou a conscientização política

dos estudantes.

Figura 28 – Alunos do CAT trabalhando na Fazenda, em 1968. Fonte: Acervo Raimundo José do Rego Neto.

269 Entrevista concedida por Wilson Herbeth M. Caland, em 05.06.06, ex-aluno do Curso Ginasial Agrícola do CAT entre 1964 e 1968.

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4.3 Fragmentos de memórias: construindo tempos e espaços escolares

Nas entrevistas realizadas com os ex-docentes e ex-discentes, bem como com ex-

diretores do CAT, era perceptível, nos relatos que abordavam os anos 1970, a configuração de

um novo tempo escolar. Esses anos foram definidores de uma nova mentalidade juvenil no

CAT. O clima de mudança institucional provocado pela construção da UFPI influenciou o

cotidiano de estudantes, professores e funcionários.

Como afirmamos anteriormente, a transição do CAT para a UFPI, em 1976, tornou-se

uma difícil passagem, que constituiu lembranças marcantes para os funcionários e professores

da Instituição. Pudemos notar, nas entrevistas, que, nesse período – além do sentimento que

causou a reação dos docentes e discentes, devido ao processo de indefinição institucional,

causado pelo momento sensível de transição e que provocou o desligamento da COAGRI,

instituição pagadora do quadro de pessoal do CAT, e também com base nessas informações –

existiam vários mundos dentro da escola. Assim, compusemos o quadro de uma escola rural,

com os elementos que a caracterizam, tais como: o tempo, a distância, o internato. Deste

modo, as práticas que representam o espaço da educação agrícola definiram sua peculiaridade

de tempo e espaço escolar.

O controle do espaço e tempo no CAT foi evidenciado como uma forma disciplinar,

porém, aproximado dos modelos de construção espaços-temporais dos Patronatos Agrícolas.

Ao explicar as práticas educativas dos patronatos, Melo afirma que “somado ao controle do

tempo estava o uso dos espaços que perpassavam inclusive pela própria arquitetura escolar,

sendo esta parte integrante do direcionamento dado ao ensino no Patronato Agrícola”.270

Acreditamos que a arquitetura fechada e distante da instituição escolar agrícola contribuía

para o controle e difusão das normas e regras escolares exigidas.

Para os estudantes, as festas escolares eram momentos de integração social, quando

saíam da rotina de estudo e trabalho para comemorar. Para Francisco Rodrigues da Silva, as

festas eram dias diferentes na escola:

Havia muitas manifestações, no dia comemorativo, no dia da Árvore, nem se fala mais [...] faziam festinhas, alunos discursavam, o dia 7 de Setembro era um dia bom, tinha trator, bolo, ônibus [...] os alunos participavam de todas as datas comemorativas. O colégio desfilava todos os anos no dia 7 de Setembro. O calendário escolar tinha as datas comemorativas, o dia da Escola era comemorado,

270 MELO, Marco Arlindo Amorim. A regeneração da infância pobre sergipana no início do século XX: o Patronato Agrícola de Sergipe e suas práticas educativas. 2006. p. 37. Dissertação (Mestrado em Educação) – Núcleo de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Sergipe. São Cristóvão.

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todos os dias cantavam o hino nacional, tinha o padre Negromonte, que toda semana confessava os alunos.271

A participação dos pais dos alunos no ambiente escolar se restringiu às festas escolares

de formatura; a dificuldade de acesso à Escola foi apontada como uma razão para tal; as

famílias que moravam mais distantes só iam à Escola em momentos especiais. Como explica

Antonio dos Santos:

Era difícil se ver um pai de aluno, porque o acesso também era difícil, o próprio acesso era difícil demais, o acesso do Interior para Teresina já era difícil, imagina de Teresina para cá. Então eles não participavam tanto não [...]. Era difícil demais, a visita dos pais aos alunos só ocorria na série da Colação de Grau, aí eles participavam. [...] eles passavam o ano inteiro estudando [...].272

Figura 29 – Alunos do Ginásio Agrícola do CAT, trabalhando no campo, em 1968. Fonte: Raimundo José do Rego Monteiro.

Enfatizar o tempo e o espaço escolar como elementos que influenciaram a construção

histórica do CAT significa, sobretudo, entender os diferentes sentidos do tempo na visão dos

sujeitos, bem como compreender e conhecer a relação desses com o tempo vivenciado no

cotidiano escolar. Ao analisar a concepção de tempo, Teixeira273 define “entendendo a noção

de tempo e suas formas de demarcação, de mensuração e de representação como construções

sociohistóricas, parte dos sistemas simbólicos de distintas épocas e culturas”.

271 Entrevista concedida por Francisco Rodrigues da Silva em 11/04/05, ex-aluno do Ginásio Agrícola, entre 1964 e 1968. 272 Id. ibid. 273 TEIXEIRA, Inês A. de Castro. Narrativas do tempo em enredos de professores. In: Revista Brasileira de História Oral. 2004. p. 93-119.

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Neste âmbito, professores, funcionários e alunos do CAT desempenharam funções

diversas; e, de formas diferentes, estão associados às rítmicas temporais da escola. O CAT,

enquanto espaço coletivo, permeado de trocas, foi caracterizado pelas experiências humanas

como um lugar de singularidades e diferenças. Em seu depoimento, Antonio João Rodrigues

rememorou a rotina de um dia escolar, referindo-se às aulas de canto na escola, como também

às atividades diárias, de modo geral:

[...] Bom, morávamos lá, no dormitório; então a rotina era a seguinte: íamos ao refeitório tomar café, e, à tardinha, voltávamos para jantar e assistir à aula, geralmente, aula de canto. Íamos para o campo pela manhã, e, ao meio-dia, tomávamos o banho, almoçávamos, cochilávamos um pouquinho, porque tínhamos aula à tarde. Então íamos à aula, entre 17:30h e 18:00h até acabar a aula. Íamos jogar bola, porque quase todo mundo jogava bola; havia um campo bem grande, então geralmente tinha esse pouquinho de bola. Depois jantávamos, depois [...] todo mundo ia para a televisão, ficávamos lá até umas 19:30h ou 20:00h e uns iam dormir, outros iam para o Campus conversar, bater papo; e aqueles mais interessados voltavam para o colégio para estudar, as salas do colégio eram abertas à noite [...].274

Neste sentido, a memória tem a função de estabelecer ligações essenciais entre os

sujeitos e o meio no qual vivenciaram as experiências e conflitos. Assim, partindo da

construção de um pensamento sobre o CAT, os atores, a escola, o espaço e o tempo vivido, é

possível conhecer as relações que se travaram nesse espaço e foram importantes para a

trajetória escolar da instituição. Compreendemos essa complexidade a partir da investigação

histórica; segundo afirma Le Goff, falar dos silêncios não basta, é preciso ir mais longe e

ainda fazer uso e questionamentos sobre a documentação histórica, ou seja:

Questionar a documentação histórica sobre as lacunas, interrogar-se sobre os esquecimentos, os hiatos, os espaços brancos da história. Devemos fazer o inventário dos arquivos e do silêncio, e fazer a história a partir dos documentos e das ausências de documentos.275

Sabe-se que historiar uma escola agrícola remete à investigação das práticas ocorridas

dentro do espaço escolar. Entendemos a categoria de tempo como indissociável à construção

das memórias. Logo, as histórias construídas nas lembranças de professores, alunos e

funcionários do CAT são necessárias para a compreensão da memória como um instrumento

do tempo presente. Exemplo disso são as lembranças da professora Maria Monteiro da Silva,

que fixaram as normas da postura feminina no universo masculino agrícola:

274 Entrevista concedida por Antonio João Rodrigues, em 28.07.05, ex-aluno do curso Técnico em Agropecuária, do CAT entre 1973 e 1976. 275 LE GOFF, Jacques. História e memória. 4. ed. Campinas-SP: UNICAMP, 1996. p. 109.

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[...] eu participei de um grupo em que nós mulheres não podíamos falar [...] chegávamos à escola, quietinhas, caladinhas; eu me preocupava até com a maneira de vestir, eu tinha que vestir uma roupa que não chamasse a atenção; exatamente, eu tinha que me resguardar do comentário, do olhar malicioso. [...] a princípio, eu sofri muito, por conta da minha formação; eu estava num meio muito censurador, num meio muito conturbado do ponto de vista dessa sexualidade muito exacerbada, quando não era de fato o meu convívio em outra escola, era um convívio de homens e mulheres e prevaleceram as mulheres [...]. Tinha um convívio de conversar, de trocar informações, às vezes até de namoro; e lá, não, eu me resguardava, eu passava o tempo todo me protegendo, na autodefensiva.

Neste sentido, as lembranças são também coletivas e são compartilhadas pelos outros

atores sociais. Defendendo a idéia de uma memória coletiva; Halwachs mostra como é

possível entender as memórias de um grupo:

É difícil encontrar lembranças que nos levem a um momento em que nossas sensações foram apenas o reflexo dos objetos exteriores, no qual não misturávamos nenhuma das imagens, nenhum dos pensamentos que nos prendiam aos homens e aos grupos que nos rodearam.

Assim, o ex-funcionário Pedro Joaquim Braga Filho concentrou-se no momento de

transição das instituições, construindo nas memórias a lembrança da escola, como um lugar

produtivo, onde havia uma produção comercializada pelos próprios funcionários:

O Colégio era realmente na zona do subúrbio, porque naquele tempo, a Socopo ficava numa zona fora da cidade mesmo; aí eu soube e vim. Quando eu cheguei aqui tinha esse diretor que veio de Brasília, que por sinal já é falecido; então ele fez uma seleção para contratar gente para manter o colégio, pois não podia parar. [...] À época, ele era realmente um colégio muito bom e sobrevivia de produções internas; nós comprávamos aqui – por sinal fui membro da Comissão de Administração – o gado e esse gado era abatido aqui mesmo. Eu fiz essa seleção juntamente com mais uma quantidade de gente que não sei quantos e mais [...]. Na época, o ensino, o Ministério da Educação contratava o pessoal como amanuense ou auxiliar amanuense, e eu vim fazer essa seleção, e fui selecionado [...] então, fui contratado pelo MEC como auxiliar amanuense [...].276

As lembranças de escola tornaram-se presentes, bem como a emoção em todas as falas

dos sujeitos históricos; os alunos destacaram a afetividade trazida pelas lembranças escolares

e o apego com os lugares que se traduziam na constituição de um tempo e de um espaço

educativo, sobretudo, pelo ritmo lento do sistema de internato. Antonio João Rodrigues

enfatizou a vantagem e a experiência de ter estudado no CAT.

[...] eles já lhe davam o modelinho da farda, o tipo de tecido que você tinha que trazer, mas o Colégio oferecia morada. À noite, o jantar, o café, tinha tudo. Tudo era por conta da escola, a gente não trazia nada, trazia lençol, material [...].277

276 Entrevista concedida por Pedro Joaquim Braga, em 12.12.05, atual funcionário do CAT, começou a trabalhar na escola em maio de 1976. 277 Entrevista concedida por Antonio João Rodrigues, em 28.07.05, ex-aluno do Curso Técnico Agrícola, do CAT entre 1973 e 1976.

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Para Lúcio Brígido Neto, as lembranças da Instituição constituíram a montagem do

momento da incorporação à Universidade, que definiu um período conflitante, vivenciado

pelos alunos em relação à expectativa da mudança do diploma para o Curso de Técnico em

Agropecuária; demonstrando também a ânsia estudantil por o Colégio ser encampado pela

UFPI, e a iniciativa de luta dos estudantes pelo diploma de técnico:

[...] a incorporação da Escola à Universidade Federal foi [...] um pedido da Universidade Federal, mas eu me sinto peça importante nesse processo, eu e o Humberto. O João Paulino é ex-militar e muito rígido, ele estava entendendo que, para ter o diploma de técnico em Agropecuária, teríamos que cumprir mais um tanto de carga horária; e não nos deu nosso certificado; então eu e o Humberto elaboramos um documento pedindo ao ministro da Educação, Ney Braga, à época em que veio visitar a UFPI; eu e o Humberto tivemos a oportunidade de falar com ele, nós o encontramos dentro da Universidade Federal, entregamos a ele um documento, pedindo providências para que nos fossem entregues os diplomas. Nós tínhamos terminado o Curso e não tínhamos recebido os diplomas [...]. Nesse documento, sugeríamos que a UFPI encampasse o CAT pelas dificuldades [...] financeiras que sofria, com a COAGRI sem mandar repassar os recursos e tudo mais. Lembro bem que o ministro disse para o secretário dele: – ‘que foi que houve que não entregaram ainda os certificados do pessoal do CAT?’ Lembro bem de ele dizer assim: – ‘não sei, seu ministro’. – ‘Pois vamos examinar’. E agradeceu, foi embora e nós ficamos naquela sensação de dever cumprido; e realmente foi perfeito, pois, logo depois, fomos chamados para receber nossos certificados, nossos diplomas [...].278

Concomitante às rememorações, a Escola aparece significando um lugar de grande

aprendizado. Os alunos e funcionários deixaram transparecer certa afetividade e

agradecimento com a instituição escolar agrícola:

Tenho muito orgulho disso, e digo a você com convicção, a metade de mim não existiria se não fosse o Colégio Agrícola; eu teria uma parte podre na vida, entendeu?! Foi difícil, foi duro; passei minha adolescência lá, mas essa adolescência, esse sacrifício não tem que pague o conhecimento de mundo que eu tenho [...] Eu aprendi isso lá [...].

Para Luís Paiva Filho, ex-funcionário da Instituição, rememorar os anos do CAT foi

também rever a sua infância. Ele afirmou que sua história se confunde com a história do CAT.

Por ser filho do ex-motorista, vivenciou a oportunidade de morar no espaço escolar, nas casas

de moradores da Instituição. Na fala emocionada, percebemos a relação entre a constituição

dos espaços escolares nas lembranças, bem como as dificuldades dos anos de transição para a

UFPI. Conforme seu relato:

Falar do CAT é falar da minha história, da minha infância, das brincadeiras até o momento da juventude, quando passei a trabalhar na Mecanografia do Colégio. Como filho de funcionário, eu vivia muito dentro do espaço da escola. Meu pai dirigiu o primeiro trator do CAT [...]. Falar daquele tempo é falar da minha infância [...]. Lembro dos professores, dos alunos; era uma época muito boa [...] até quando

278 Entrevista concedida por Lúcio Brígido Neto, ex-aluno do CAT entre 1966 e 1971, realizada em 18.01.06.

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se transformou em UFPI; muitos acharam ruim a transição, mas, para mim, foi uma coisa boa para o CAT, a casa que eu morei continua lá.279

Nas lembranças, do aluno do Ginasial Agrícola, Francisco Rodrigues da Silva, estudar

no CAT significou o espaço da própria casa; ao construir as memórias, refletiu:

[...] Era o único Colégio Agrícola Federal que existia naquele período [...]. Era a casa da gente. Havia uns projetos lá embaixo; fim-de-semana, a gente nem ia para a rua. Trabalhando por acolá, era a segunda casa da gente. Procurávamos zelar ao máximo; só íamos para casa nas férias. A gente ficava aqui, nem fim-de-semana não saíamos nunca.280

Bosi, ao atribuir à memória uma função social, refere-se ao papel da lembrança:

Uma lembrança é diamante bruto, que precisa ser lapidado pelo espírito. Sem o trabalho da reflexão e da localização seria uma imagem fugidia. O sentimento também precisa acompanhá-la para que ela não seja uma repetição do estado antigo, mas uma reaparição.281

Por isso, a constituição das memórias é importante para que possamos compreender os

espaços escolares, entender suas práticas, seus mecanismos de funcionamento, bem como as

emoções, conflitos, angústias e alegrias que se travam no ambiente escolar agrícola.

Desvendar esses lugares nos fez conhecer os sentimentos e ações dos sujeitos nesse âmbito;

evidencia como esses atores foram inseridos nesses espaços, resistiram às dificuldades do

cotidiano escolar, e buscaram construir, espaços de sociabilidade. Por fim, ao trabalhar as

representações que os indivíduos possuem de si e dos outros, como também das práticas

desenvolvidas no CAT, buscamos a compreensão das dinâmicas que compuseram e compõem

a história da Instituição educativa agrícola. Analisando as multifaces das memórias escolares,

tentamos seguir a trajetória do Colégio Agrícola de Teresina, enfatizando a importância da

Escola, na vida dos sujeitos, por via de uma construção histórica das memórias.

279 Entrevista concedida por Luis Paiva Filho, em 20.07.05, ex-funcionário do CAT, atual funcionário da UFPI. 280 Entrevista concedida por Francisco Rodrigues da Silva, em 11/04/05, ex-aluno do Ginásio Agrícola, entre 1964 e 1968. 281 BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembrança de velhos. São Paulo: Cia das Letras, 1994. p. 2.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desejo de entender a realidade das Escolas Agrícolas, especificamente adentrar os

espaços do Colégio Agrícola de Teresina, direcionou nossa pesquisa para o estudo das

instituições escolares, bem como para a compreensão da História da Educação brasileira. No

trabalho exploratório desse estudo, percebemos a originalidade da pesquisa na historiografia

piauiense, tendo em vista a ausência de estudos realizados sobre essa temática no Piauí.

Ressaltamos que as escolas agrícolas, como campo de pesquisa, têm-se, ao longo dos últimos

anos, destacado nos estudos sobre essa área de atuação no Brasil.

A análise realizada sobre a trajetória do Colégio Agrícola de Teresina, entre 1954 a

1976, permitiu-nos observar como a construção do ensino agrícola, em nível ginasial e médio

no Piauí, esteve vinculada à construção de um discurso agrário, que buscava ressignificar a

economia piauiense, em torno do lema agrícola nos anos 50 do século XX.

A forte discussão que envolveu os grupos de fazendeiros tradicionais do Estado

clamava por um novo tempo econômico. Esse desejo expresso nos jornais da época definiu a

referida década como um divisor de águas para a economia piauiense. Tal discurso construiu

uma nova representação para a agricultura, sendo sempre estabelecido nas discussões o

vínculo com os temas: modernização e juventude.

A perspectiva moderna da industrialização na transição dos anos 1950 para os anos

1960 influenciou também o discurso de novos métodos para a mecanização agrícola no Piauí,

proporcionando uma ligação com os discursos dos anos Vargas e JK. Estabelecido esse ideal,

uma escola para técnicos agrícolas, há muito desejada por esses grupos, significou a

realização econômica para o Estado.

Percebemos que a política econômica do último governo Vargas, entre 1951 e 1954,

inseriu possibilidades para a revitalização de um novo discurso agrário no Piauí. Isto, de certa

forma, possibilitou a criação da Escola Agrotécnica de Teresina em 1954. Deste modo, a

instituição nasceu vinculada à política econômica de Vargas e foi inserida na concepção

desenvolvimentista da era JK. Embora a agricultura não fosse a meta prioritária desse

governo.

Sob este aspecto, a Escola Agrotécnica de Teresina incorporou o projeto de um novo

perfil de trabalhador rural, tendo em vista que se buscava, então, um trabalhador que

dominasse o conhecimento técnico e empírico da agricultura. No discurso, a imagem que se

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construiu de um trabalhador rural, ao longo da historia, era superada pelo uso e conhecimento

da nova tecnologia, adaptada ao momento industrial.

Logo, a EAT, embora criada sob os interesses do governo federal e estadual, a partir

de 1964, tornou-se responsabilidade somente do governo federal. O projeto faraônico escolar

iniciou efetivamente suas atividades, após dez anos de construção, tendo passado por três

longas fases de grandes mudanças.

Com base no estudo realizado, elencamos como início da primeira fase o momento da

instalação da pedra fundamental da Escola, em 1954. Os planos de criação da escola de

técnicos levaram dez anos para a sua realização. Por sua vez, a Escola (1954 a 1964) passou

por três governos estaduais, quais sejam: o do governador Pedro Freitas, o do general Gayoso

e Almendra e do Francisco das Chagas C. Rodrigues. A Escola tinha à sua frente Carlos

Estevam Pires Rebelo, o primeiro diretor da instituição, que buscou conciliar meios para sua

instalação.

A segunda fase tem início em 1964, com a inauguração da Escola e sob a

denominação de Colégio Agrícola de Teresina, por determinação do governo federal a todas

as Escolas Agrotécnicas no País. Observamos que, na construção escolar, um detalhe se

diversificou dos projetos das escolas agrícolas, a localização do CAT. Embora a escola fosse

instalada em zona rural, o local era bastante próximo da capital, característica que não era

peculiar às instituições agrícolas e aos patronatos. Assim, sua localização estratégica próxima

ao rio Poty favoreceu uma intermediação entre a cidade e o campo, definindo o caráter do

ensino agrícola nesse período.

Podemos considerar, de forma concreta, que foi na década de 1960 que Teresina

apresentou-se mais urbana; a criação de empresas como a SUDENE, O BEP, O FRIPISA,

CEPISA, AGESPISA, AGRINPISA, TELEPISA proporcionou à cidade aspectos urbanos,

voltados para uma nova ordem. Constatamos que essas empresas estavam interligadas ao

CAT, no sentido de estabelecerem novas formas de conexão econômica para o Estado.

A

Escola iniciou em 1964, funcionando em sistema de internato e externato. Foram ofertadas

duas turmas do curso Ginasial Agrícola, para a formação de mestres agrícolas. Assim, eram

80 vagas para uma concorrência de 200 candidatos, oriundos do interior do Estado, de

Estados vizinhos e da capital. Percebemos um número considerável de concorrentes, bem

como constatamos que a implantação do curso Ginasial Agrícola iniciou com uma realidade

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escolar bastante precária, ainda em fase de conclusão de suas instalações; e funcionou

somente com os prédios das salas de aulas, dormitórios e um refeitório em fase de construção.

Para os jovens, estudar no CAT significou a oportunidade de poder concluir o ensino

secundário, além de promover um rico aprendizado sobre as práticas agrícolas, em razão da

equivalência ao quadro de bons professores da instituição. Essa era uma exigência do diretor

Carlos Estevam Pires Rebelo, que procurou valorizar a Escola, selecionando os professores

das melhores escolas de Teresina, como o Liceu piauiense e o Colégio Diocesano.

Com o encerramento das matrículas para o curso Ginasial Agrícola em 1969, inicia um

novo momento, a Escola passa a oferecer vagas para o curso de nível secundário. Desta

forma, a última turma de mestres agrícolas é formada em 1968, e a primeira de técnicos em

1971. Esta mudança, de certa forma, possibilitou a construção de um novo perfil escolar: o

técnico agrícola – que corresponderia às necessidades do mercado de trabalho nessa nova

época.

Nas entrevistas com os sujeitos, podemos observar a construção de um cotidiano

escolar com sistema de internato, e que os alunos do Ginásio Agrícola e do Técnico Agrícola

foram constituindo os espaços escolares. Neste sentido, os lugares destacados pelos alunos

como preferidos foram aulas de campo e as horas de lazer, quando iam para o campo de

futebol. Esse espaço foi criado pelos próprios alunos. Nos relatos, percebemos que era

habitual eles ficarem até muito tarde, nas salas de aula, estudando ou ouvindo rádio no pátio

da escola, possibilitando momentos de sociabilidade.

A rotina escolar era ajustada com as atividades no CAT, as quais se iniciavam pela

manhã, com as aulas de educação física, posteriormente os alunos se dirigiam às salas de aula,

para assistirem às aulas teóricas, e à tarde às aulas práticas. À noite, após o jantar,

costumavam ficar em entretenimento com os colegas de turma nos corredores e pátio do

colégio.

Os sujeitos destacaram como uma lembrança importante dos momentos de lazer a

modalidade esportiva do futebol; esta possibilitou a preparação dos estudantes para

competições com outras escolas, oportunizando o conhecimento do esporte do CAT, para a

cidade de Teresina. Os alunos destacavam-se nessa prática, sendo sempre vencedores nas

competições esportivas.

Outro importante elemento do cotidiano escolar eram as festas cívicas. Nas

comemorações do dia 7 de Setembro, a apresentação da Escola era bastante organizada e

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reconhecida pela sociedade. Os alunos chamavam a atenção da sociedade, por estudarem em

uma escola de internato, situada fora do espaço urbano. Ao mesmo tempo representavam a

modernidade do momento industrial, devido à exposição nas apresentações de máquinas,

como o primeiro trator. Esses também exibiam as produções realizadas na Escola, produções

essas que eram comercializadas na Ceasa em Teresina. Nessas ocasiões, a sociedade

teresinense esperava para ver o desfile dos alunos internos do CAT.

Compreendemos que, no CAT, além da formação para o trabalho agrícola, na

instituição, eram realizadas atividades, tais como aulas de canto e as missas semanais, que

eram voltadas para o trabalho de desenvolvimento humano dos estudantes. As aulas de canto

eram uma determinação da Lei Orgânica do Ensino Agrícola.

O significado do internato para os estudantes apresentou-se de forma diferenciada. A

rotina, embora objetivasse moralizar e disciplinar os estudantes, não isolava a escola da

cidade. A existência do Grêmio Estudantil funcionou como um instrumento que mobilizava as

discussões acerca do pensamento político vigente à época, como, por exemplo, a ação da

ditadura militar no País. As reuniões do Grêmio ocorriam aos sábados e participavam

professores e representantes estudantis de outras escolas de Teresina. Provavelmente essa

prática deve ter possibilitado uma postura política mais consciente nos alunos, que discutiam

o cerceamento da liberdade no Brasil, pois cultuavam ídolos como Che Guevara e Fidel

Castro.

Com relação aos espaços escolares, notamos, também, que em função do cotidiano

escolar os espaços foram divididos, como uma disciplina do tempo escolar agrícola. Havia

ainda a preocupação da escola com a produtividade dos alunos. Neste contexto, foram criados

projetos que favoreciam a condição dos alunos internos oriundos de cidades distantes do

Estado, que, por isso, não podiam sair aos finais de semana da Escola. O objetivo dos projetos

era criar um mecanismo de produção e renda para o estudante, bem como resolver o problema

da estadia no Colégio nos finais de semana.

Quanto à terceira fase do CAT, trata-se de uma etapa que consideramos bastante

significativa por compreender os anos de 1970 e 1976, quando são contratados novos

professores para a instituição. Esta última etapa, de forma ambígua, corresponde à ampliação

física escolar, e também ao início de sua fase de transição, quando o Colégio atravessou uma

crise identitária com a criação da UFPI.

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Existiam no CAT professores com categorias: efetivos e substitutos. Isso demonstrou a

facilidade de a Escola, nesse período, favorecer a permanente troca de professores. Deste

modo, pudemos ver que esse era um reflexo da crise identitária que se iniciava na Escola.

Porém, havia casos de professores que permaneciam na Escola, desde a sua fundação, que

acompanharam o processo de criação, como, por exemplo, o ex-professor Antônio Andrade

do Rego, que exerceu várias funções dentro do CAT. Constatamos também que essa

experiência possibilitou um vínculo afetivo entre os funcionários e o Colégio.

No que se refere às atuações pedagógicas dos professores e diretores, podemos afirmar

que esses dividiam o espaço escolar, sendo alguns influenciados pelo rigor do sistema de

ditadura militar na educação brasileira, mesmo porque alguns eram militares como no caso do

diretor João Paulino Torres. Afinal, o CAT foi constituindo um espaço tipicamente masculino,

característica relacionada ao caráter das práticas do trabalho agrícola.

A construção do espaço agrícola ligada à afirmação do gênero masculino foi uma

conseqüência das práticas desenvolvidas na Escola, associadas à força e poder que se

imprimiu à masculinidade. No entanto, é importante apontar que, nesse universo masculino,

dividiam o espaço três mulheres, uma peculiaridade no ensino do CAT. Por conseguinte,

apesar da definição do espaço para homens, havia no quadro de professores: Maria Izália

Lustosa Nogueira de Araújo, Maria Vilani Monteiro e Maria Caribé. Essas mulheres

inseriam-se no espaço profissional masculino. Certamente isto significou, nesse período, a

quebra de uma resistência imperativa masculina, característica no espaço agrário. Observamos

que essas professoras conseguiram conquistar o respaldo pelo trabalho feminino no CAT.

Com base no estudo sobre o tema em discussão, foram perceptíveis os interesses

manifestados pela transferência do CAT para a UFPI, em 1974. A visita do ministro da

Educação Ney Braga propiciou a expectativa de criação do Centro de Ciências Agrárias da

UFPI. Nesse sentido, uma das sugestões cogitadas por meio da imprensa foi transformar o

CAT em Universidade Rural. Constatamos, então, que a intenção de incorporar a Escola

caracterizou-se pela ampla estrutura física do CAT, a sua proximidade com o rio Poty, bem

como a infra-estrutura da Escola para os futuros cursos de Agronomia e Medicina Veterinária.

A notícia de transferência foi divulgada e criou um certo descontentamento entre professores

e funcionários do CAT. Esse sentimento ocorreu pela indefinição da escola, nessa fase de

transição. Isto levou os funcionários mais antigos a pedir transferência para outros Estados,

como, por exemplo, Maranhão, Bahia, Minas, pelo temor em perder os direitos adquiridos

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com o tempo de serviço exercido no CAT, como também pelo desligamento dos funcionários

da COAGRI.

Essa medida afetou os diretores da instituição, ocasionando em 1976 substituições

consecutivas de três diretores. O primeiro dirigiu a Escola desde a sua instalação, Carlos

Estevam Pires Rebelo; o segundo Hildegardo Thaumaturgo dirigiu a escola por dois meses

apenas; e o terceiro, João Paulino Torres, dirigiu a Escola de maio a dezembro de 1976.

Pudemos constatar que esse foi um ano bastante difícil para professores, alunos, diretores e

funcionários do CAT; principalmente para os que após o desligamento da COAGRI ficaram à

mercê da UFPI. A Transferência ocorreu com a presença do presidente Ernesto Garrastazu

Médici, que oficializou a mudança para a UFPI, entregando, em cerimônia realizada em uma

sala da Instituição, o CAT ao reitor José Camillo da Silveira. No trâmite para a transferência

não ficou definido nenhum plano efetivo para o CAT. Embora o MEC tenha feito a exigência

para o reitor de que a UFPI continuasse formando técnicos de nível médio, no espaço do

ensino superior.

Dessa forma, a autonomia do CAT foi encerrada com a gestão do primeiro diretor

Carlos Estevam Pires Rebelo. Em 05.11.1976, a Instituição foi transferida oficialmente por

Decreto-lei para a Universidade Federal do Piauí. Percebemos, na visão da imprensa, que a

ligação com a UFPI seria um grande passo dado, no sentido do desenvolvimento da Escola.

Ao mesmo tempo, o ano de 1976 foi caracterizado como o ano de um novo começo para a

Instituição.

Assinale-se que o estudo das memórias possibilitou conhecer a escola por dentro,

observar os espaços escolares, perceber as angústias, os conflitos criados e vivenciados no

cotidiano dos ex-alunos, ex-funcionários, ex-professores, ex-diretores do CAT, bem como a

construção do tempo e espaço institucionais.

Nas entrevistas notamos que uma das imagens marcantes para os estudantes do CAT

foi a possibilidade de estudar longe de casa e em sistema de internato. Esse cotidiano permitia

o contato apenas com estudantes do sexo masculino. Observamos ainda que o contato exigiu

dos estudantes uma postura mais austera e dura, frente à realidade do ensino agrícola. Nessa

direção, a construção do espaço masculino determinou mudanças costumes, hábitos, crenças

que se alinharam à conduta exigida pelo regime escolar. Compreendemos que o internato

incorporou o habitus escolar masculino, determinando rígidas condutas em comunidades que

simbolizam o espaço agrário.

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Desta forma, a imposição do gênero masculino, no CAT, significou uma reafirmação

do trabalho agrícola. As escolas agrícolas com sistema de internato masculino traduziam

características explícitas à idéia de formação de homens fortes, capazes de enfrentar o

trabalho exigente da agricultura.

Sob outra ótica, o internato significou a proximidade da concepção de família e escola.

Por conseguinte, considerando a percepção dos alunos sobre o CAT, observamos o apego aos

ambientes escolares, que muitas vezes se confundiam com o espaço familiar.

Na narração sobre a vivência de professores e alunos, percebemos que havia uma

relação entre o tempo e o espaço escolar na constituição das memórias de cada um. Nesse

sentido, a concepção criada pelos sujeitos sobre a escola implicou a formação de valores que

estabeleceu um pensamento comum acerca da construção da imagem da instituição. Dessa

maneira, ficou explícita a emoção desses em falar sobre o CAT.

Convém enfatizar que, nas falas, tornou-se perceptível a boa preparação dos

estudantes. Certamente razões tais como o sistema de internato, bons professores e a

disciplina escolar tenham exigido dos alunos uma formação segura frente ao mercado de

trabalho. Nesse sentido, na terceira fase escolar, percebemos o desejo de os estudantes

ampliarem o nível de educação, após a criação da UFPI. Nesse período, surgiu um vasto

campo de trabalho para os técnicos agrícolas. Deste modo, os estudantes do CAT eram

comumente chamados a trabalhar em empresas ligadas à agricultura, como a EMBRAPA,

COAGRI, Secretaria de Agricultura e nas fazendas estaduais.

Pudemos notar que entre as alternativas de trabalho encontradas pelos alunos recém-

formados, à época, confirma-se a aprovação em concursos públicos, esses classificados

sempre em primeiros lugares; outros iniciavam a carreira docente, tornando-se professores de

práticas agrícolas, disciplina exigida pela Reforma Tecnicista.

Sob a ótica das narrações dos professores, ficou clara a relação de apego entre

professores e alunos e também aos espaços escolares. Acreditamos que esse processo de

integração foi favorecido em conseqüência do sistema fechado, no qual esses se tornaram

agentes desse tempo e espaço escolar.

Concluindo, podemos afirmar que a transferência para a UFPI constituiu um difícil

momento para os docentes e discentes da instituição, porque a transição afetou o elo que

organizava as relações escolares. Esse período finalizou com a absorção do pessoal

administrativo pela UFPI em 1981.

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Por fim, evocar os silêncios, as expressões de tristeza e alegrias, as emoções nas

entrevistas com ex-professores, ex-alunos, ex-diretores, ex-funcionários do CAT possibilitou

o conhecimento da história e memória de uma instituição educativa agrícola, por via das

representações criadas sobre os espaços escolares. Na tentativa de fazer uma leitura das

relações inseridas nesse modelo escolar, buscamos também contribuir para a construção da

história da Educação no Piauí. Podemos afirmar, portanto, com base na realidade pesquisada,

que este estudo visualizou o Colégio Agrícola de Teresina como espaço de múltiplas

significações, histórias e memórias.

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CAT-Lista de concludentes da última turma do Ginasial Agrícola.

CAT-Lista do Número de Técnicos de 2º Grau- Formados Pelo CAT entre 1973 E 1976.

CAT-Números de alunos da 1ª turma do curso Ginasial Agrícola do CAT – 1964

CAT-Mapa-CAT. Teresina, DIPRO, 2006.

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CAT-Mapa do CCA.Teresina, DIPRO, 2006.

CAT-Mapa da UFPI. Teresina, DIPRO, 2006.

CAT-Palestra do Diretor de Divisão de Atividades Auxiliares do CAT, Antonio Andrade Rego em 09.03.79

CAT-Regimento de Funcionários do CAT - UFPI entre 1965 e 1976.

CAT-Registro de Funcionários do CAT - UFPI entre 1965 e 1976

CAT-TABELA - Ensino Agrícola de Nível Médio

PIAUÍ. Mensagem apresentada pelo Governador Pedro de Almendra Freitas à Assembléia Legislativa em Jornal do Piauí. 21.04.1951, p.09.

PIAUÍ. Mensagem apresentada ao Congresso Nacional, pelo Presidente Getúlio Dornelles Vargas em 1954. Rio de Janeiro. p.128

PIAUÍ. Mensagem apresentada ao Congresso Nacional, pelo Presidente Getúlio Dornelles Vargas. Em 1954. p.129.

PIAUÍ. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. DEM. Ensino de 2º Grau, critérios para currículos. Brasília: 1972.

PIAUÍ. Mensagem do governador Jacob Manuel Gayoso e Almendra Apresentada à Assembléia Legislativa em 1956.

PIAUÍ. Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa pelo Governador Chagas Rodrigues em 1961. p. 49.

PIAUÍ. Mensagem apresentada à Assembléia pelo Governador Francisco das Chagas Rodrigues, 1962. p. 61.

PIAUÍ. Mensagem apresentada à Assembléia pelo Governador Francisco das Chagas Rodrigues, 1962. P.26

PIAUÍ. Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa em 1º de Junho de 1957, pelo Governador Jacob Manuel Gayoso e Almendra. P. 57.

PIAUÍ. SECRETARIA DE ENSINO DE 1º e 2º GRAUS. Ensino de 2º Grau. Ensino d e 2º Grau: Habilitação Profissional. Ministério da Educação e Cultura. 2ª ed. Brasília 1979.

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JORNAIS

A INSTALAÇÃO DA PEDRA FUNDAMENTAL DA ESCOLA AGROTÉCNICA DE TERESINA. Jornal do Piauí, 28 jan. 1955. p. 1.

ALMENDRA FREITAS. Jornal do Piauí, 01 jan. 1954, n. 1, Ano: 8, p.1.

AMANHÃ A COLOCAÇÃO DA PEDRA FUNDAMENTAL. Jornal do Piauí, 27 jan. 1955. p. 1.

A UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ ACABA DE DAR UM GRANDE PASSO. Jornal do Piauí, 01 out. 1974.

A VERDADE DOS FATOS - A Escola Agrotécnica de Teresina. Jornal Folha da Manhã, 03 mar. 1964. p. 2.

DEPUTADO QUER COLÉGIO AGRÍCOLA PARA FLORIANO. Jornal O Dia, 02 abr. 1975. p. 3.

ENSINO – Maior disseminação do ensino em todo o país. Jornal o Dia, 31 jul. 1955. p. 3.

ESCOLA AGRÍCOLA DE PICOS. Jornal do Piauí, Teresina, 02 nov. 1952. p.3.

ESCOLA AGROTÉCNICA E CENTRO DE TRATORISTAS. Jornal do Piauí, 04 jul. 1954. p. 1.

ESCOLA AGROTÉCNICA DO PIAUÍ. Jornal do Piauí, 27 jan. 1955. p. 1.

ESCOLA AGROTÉCNICA DE TERESINA, AMANHÃ A COLOCAÇÃO DA PEDRA FUNDAMENTAL. Jornal do Piauí, 27 jan. 1955. p. 1.

FOMENTO AGRÍCOLA FEDERAL. Jornal O Dia, 18 fev. 1955, Ano I, n. 3, p. 1.

FOMENTO À AGRICULTURA E À PECUÁRIA. Jornal do Piauí, 24 jul. 1957. p.3.

LANÇADA A PEDRA FUNDAMENTAL DA ESCOLA AGROTÉCNICA DE TERESINA. Jornal do Comércio, 10 fev. 1955, p. 1.

MINISTRO ELOGIA A EDUCAÇÃO NO PIAUÍ. Jornal O Dia. 23 nov. 1974. p. 5.

RÁDIO E CINEMA PARA AGRICULTORES. Jornal do Piauí, 13 nov. 1955.

VESTIBULAR: FUFPI convoca os inscritos no dia 2. Jornal O Dia. 29/30 dez. 1974. p. 3.

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ENTREVISTAS

ARAÚJO, Izália Lustosa N. de. Ex-professora e ex-diretora do CAT entre 1964 e 1976. Entrevista concedida à J.V.C.B. Teresina, em 20 maio 2005.

BELFORT, Cristóvão Colombo. Ex-coordenador, ex-professor e ex-diretor substituto do CAT entre 1973 a 1976. Entrevista concedida à J.V.C.B. Teresina, em 18 maio 2005.

BRAGA, Pedro Joaquim. Atual funcionário do CAT. Começou a trabalhar na escola em maio de 1976. Entrevista concedida à J.V.C.B. Teresina, em 12 dez. 2005.

BRÍGIDO NETO, Lúcio. Ex-aluno do CAT entre 1966 e 1971. Entrevista concedida à J.V.C.B. Teresina, em 18 jan. 2006.

CALAND, Wilson Herbeth M. Ex-aluno do curso Ginásio Agrícola do CAT, entre 1964 e 1968. Entrevista concedida à J.V.C.B. Teresina, em 05 jun. 2006.

CASTELO BRANCO, Antonio Manuel Gayoso. Entrevista concedida à Guiomar Passos, para a Dissertação (Mestrado) “A Universidade Federal do Piauí e suas marcas de nascença: conformação da Reforma Universitária de 1968 à sociedade piauiense”. Apresentada à defesa em 2001.

FONSECA NETO, Antonio. Ex-funcionário do CAT entre 1974 e 1976. Atual diretor do CCHL. Entrevista concedida à J.V.C.B. Teresina, em 05 ago. 2005.

NUNES, Manuel Paulo. Ex-professor do Colégio Estadual Zacarias de Góis, Liceu Piauiense, em Teresina, atual presidente do Conselho de Cultura e membro da Academia Piauiense de Letras. Entrevista concedida à J.V.C.B. Teresina, em 18.04.05

PAIVA FILHO, Luis. Ex-funcionário do CAT, atual funcionário da UFPI. Entrevista concedida à J.V.C.B. Teresina, em 20 jul. 2005.

REBELO, Antonieta Pires. Viúva do ex-diretor Carlos Estevam Pires Rebelo. Entrevista concedida à J.V.C.B. Teresina, em 28 dez. 2005.

REGO NETO, Raimundo José do. Ex-aluno do curso Ginásio Agrícola entre 1964 e 1968 e ex-funcionário do CAT em 1974. Entrevista concedida à J.V.C.B. Teresina, em 05 jan. 2006.

REGO, Antonio Andrade do. Ex-professor, ex-secretário, ex-diretor substituto do CAT entre 1958 e 1984. Entrevista concedida à J.V.C.B. Teresina, em 20 jan. 2006.

RODRIGUES, Antonio João. Ex-aluno do curso técnico agrícola, do CAT entre 1973 e 1976. Entrevista concedida à J.V.C.B. Teresina, em 28 jul. 2005.

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SANTANA, Raimundo Nonato Monteiro de. Ex-presidente da CODESE na década de 1960 e Professor titular da Faculdade de Direito do Piauí e da FAFI, Faculdade Católica de Filosofia do Piauí. Entrevista concedida à J.V.C.B. Teresina, em 02 mar. 2003.

SANTOS, Antonio dos. Ex-inspetor em 1974. Atual funcionário do CAT. Entrevista concedida à J.V.C.B. Teresina, em 2005.

SANTOS, Cineas. Ex-professor substituto de português do curso técnico agrícola, do CAT entre 1972 e 1973. Entrevista concedida à J.V.C.B. Teresina, em 2005.

SILVA, Francisco Rodrigues da. Ex-aluno do Ginásio Agrícola, entre 1964 e 1968. Entrevista concedida à J.V.C.B. Teresina, em 11 abr. 2005.

SILVA, Maria Monteiro da. Ex-professora de História e ex-coordenadora do CAT, em 1974. Entrevista concedida à J.V.C.B. Teresina, em 21 dez. 2005.

SITES

Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/351/000013.html>.

Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u2034/000259.html>.

Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/hartness/index.html>.

Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/hartness/prestoc.htm>.

Disponível em: <http://www.crl.edu/content.asp?l1=4&l2=18&l3=33>.

Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u2035/000165.html>.

Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u2035/000166.html>.

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