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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO
GABRIEL COSTA VAZ
DISTÂNCIA ENTRE NORMAS E O USO DE MEDICAMENTOS: UM ESTUDO SOBRE O INÍCIO E A ADESÃO AO TRATAMENTO
MÉDICO NA BAIXA RENDA BRASILEIRA
RIO DE JANEIRO – BRASIL
2015
GABRIEL COSTA VAZ
DISTÂNCIA ENTRE NORMAS E O USO DE MEDICAMENTOS: UM ESTUDO SOBRE O INÍCIO E A ADESÃO AO TRATAMENTO
MÉDICO NA BAIXA RENDA BRASILEIRA
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós Graduação em Administração, Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração.
Orientadora: Claudia Affonso Silva Araújo
RIO DE JANEIRO – BRASIL
2015
FICHA CATALOGRÁFICA
GABRIEL COSTA VAZ
DISTÂNCIA ENTRE NORMAS E O USO DE MEDICAMENTOS: UM ESTUDO SOBRE O INÍCIO E A
ADESÃO AO TRATAMENTO MÉDICO NA BAIXA RENDA BRASILEIRA
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós Graduação em Administração, Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração.
Aprovada em:
Profª. Claudia Affonso Silva Araújo, D.Sc. (COPPEAD, UFRJ) - Orientadora
Profª. Roberta Dias Campos, D.Sc. (COPPEAD, UFRJ)
Profª. Carla Fernanda Pereira Barros, D.Sc. (UFF)
AGRADECIMENTOS
Agradeço, sobretudo, à minha família, em especial aos meus pais Alexandre e
Silvana, pelo apoio incondicional a todas as minhas escolhas até este
momento. Sem este, sem dúvidas, a trajetória acadêmica não teria êxito. Ao
meu irmão Benício que, mesmo criança, alegra toda família e nos faz almejar
um futuro melhor e mais digno.
À minha parceira, Thayane, pela paciência e dedicação mesmo nos momentos
mais difíceis, apoiando as minhas escolhas e sendo compreensível com todas
as renúncias feitas em função do mestrado.
À minha orientadora, Cláudia Araújo, pela dedicação e boa vontade, mesmo
tendo assumido o compromisso com esta dissertação com tempo curto para
execução da mesma. Sua competência, disponibilidade, conhecimento e
ensinamentos foram fundamentais não apenas para a conclusão da
dissertação, mas para o meu aprendizado ao longo do mestrado.
A todos os professores do COPPEAD, que me possibilitaram grande
aprendizado ao longo do curso. A experiência de vida acumulada ao longo
desses mais de dois anos será útil em minha vida acadêmica, profissional e,
principalmente, pessoal.
Aos amigos da turma 2013, que compartilharam comigo suas experiências e
sabedoria, contribuindo para o meu aprendizado.
Por fim, mas não menos importantes, aos funcionários do COPPEAD, pela
atenção e boa vontade dispensadas a mim e aos demais alunos.
RESUMO
No cenário atual, os cuidados de saúde estão envolvidos em uma trama
altamente complexa: ambiente de pressão e rápida transformação. Levando
em conta a realidade brasileira, então, pode-se imaginar os desafios diários
evidenciados na luta por um melhor sistema de saúde no país. Não bastassem
os problemas estruturais, a área de saúde ainda lida com um assunto
altamente relevante: a adesão ao tratamento médico. Um problema complexo
e sempre presente, de grande destaque no âmbito internacional e que
representa um alto custo para os sistemas de saúde de todo o mundo.
As implicações da baixa adesão ao tratamento médico são diversas e
comprometem severamente a eficácia do tratamento, tornando este um
problema crítico na saúde da população, tanto do ponto de vista da qualidade
de vida como da economia. Quando abordado o tema da adesão ao consumo
de fármacos do ponto de vista da literatura acadêmica, têm-se evidências de
uma literatura esparsa, coincidindo com a ausência de artigos nacionais que
abordem os problemas médicos no Brasil do ponto de vista da adesão ao
consumo de medicamentos.
Dessa forma, este estudo direcionou os esforços de pesquisa para a
compreensão do início e da adesão ao tratamento médico da população
brasileira de baixa renda. Em linha com estudos de importantes organismos
internacionais como a Organização Mundial da Saúde, a revisão da literatura e
a pesquisa de campo apontaram uma série de variáveis interferentes no
processo de adesão ao tratamento médico, reforçando o arcabouço
abrangente ao qual está inserido o tema e sua inerente complexidade.
Como resultados, têm-se evidências que reforçam a literatura internacional e
ajudam a compreender importantes nuances da adesão ao tratamento médico
como, por exemplo, o conceito de doença para o grupo de pesquisa, a
percepção de risco dos sintomas, em quais situações recorresse a um
especialista, entre outros.
Palavras chave: adesão, tratamento médico, baixa renda, saúde.
ABSTRACT
Nowadays health care are involved in a highly complex network: pressure
environment and rapidly changing. Taking into account Brazilian reality, it is
possible to imagine the daily challenges perceived in the struggle for a better
health system in the country. Not enough structural, health area also deals with
a highly relevant issue: adherence to medical treatment. A complex and ever-
present problem of high profile internationally that represents a high cost for
health systems around the world.
The implications of poor adherence to medical treatment are diverse and
severely compromise the effectiveness of treatment making this a critical issue
in population health, both from the point of view of quality of life as the
economy. By the point of view of academic literature, it has been evidence of a
sparse literature, coinciding with the absence of national articles focused on
adherence issues.
Thus, this study directed research efforts to understanding the beginning and
adherence to medical treatment of the population with low incomes. In line with
studies of major international institutions like the World Health Organization,
the literature review and field research showed a number of confounding
variables in the adherence process to medical treatment, reinforcing the
comprehensive framework to which the subject is inserted and its inherent
complexity.
As a result, there are evidences that reinforce the international literature
reserch and help to understand important nuances of adherence to medical
treatment as, for example, the concept of disease to the research group, risk
perception of symptoms, in which situations paciente demand an expert,
among others.
Keywords: adherence, medical treatment, low income class, health care.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURAS Figura 1 - Dimensões do IDH .................................................................................... 17
Figura 2 - Cinco Dimensões Adesão Segundo OMS ................................................ 35
QUADROS
Quadro 1 - Métodos de Mensuração da Adesão ....................................................... 23
Quadro 2 - Modelo Paternalístico .............................................................................. 25
Quadro 3 - Dimensões Pesquisadas ......................................................................... 39
TABELAS
Tabela 1 – Perfil dos Entrevistados ........................................................................... 46
Tabela 2 - Bairro e Características Residência ......................................................... 47
Tabela 3 - Acesso a veículos, Plano de Saúde e Acesso a Internet ......................... 47
Sumário 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 12
1.1 Objetivo do Estudo ..................................................................................... 12
1.2 Relevância do Estudo ................................................................................ 15
1.3 Delimitação do Estudo ............................................................................... 16
1.4 Organização do Estudo ............................................................................. 18
2 REVISÃO DA LITERATURA ............................................................................ 19
2.1 Adesão ao tratamento médico .................................................................. 20
2.1.1 Causas da Não Adesão ......................................................................... 23
2.2 Automedicação: um problema social ........................................................ 26
2.3 Itinerário Terapêutico ................................................................................. 27
2.4 As Cinco Dimensões da Adesão segundo a OMS .................................. 35
2.4.1 Fatores relacionados com o sistema de saúde ..................................... 36
2.4.2 Fatores socioeconômicos ...................................................................... 36
2.4.3 Fatores relacionados com o tratamento ................................................ 36
2.4.4 Fatores relacionados com o paciente .................................................... 37
2.4.5 Fatores relacionados com a doença ...................................................... 37
2.4.6 Relação das Dimensões da OMS e Pesquisa de Revisão da Literatura 37
3 MÉTODO DA PESQUISA ................................................................................. 40
3.1 Tipo de Pesquisa ........................................................................................ 40
3.2 Pesquisa de campo .................................................................................... 40
3.3 Sujeitos da Pesquisa ................................................................................. 41
3.4 O Processo de Confecção do Roteiro de Entrevista .............................. 42
3.5 As entrevistas ............................................................................................. 42
3.6 Tratamento e Análise das Entrevistas .......................................................... 44
3.7 Limitações Ligadas à Pesquisa .................................................................... 44
3.8 Limitações Ligadas ao Método ..................................................................... 45
4 RESULTADOS DA PESQUISA ........................................................................ 45
4.1 Perfil dos Entrevistados ................................................................................ 45
4.2 Dimensões de Pesquisa e Resultados Encontrados .................................... 47
4.2.1 Fatores relacionados com o sistema de saúde ..................................... 48
4.2.2 Fatores socioeconômicos ...................................................................... 51
4.2.3 Fatores relacionados com o tratamento ................................................ 54
4.2.4 Fatores relacionados com o paciente .................................................... 62
4.2.5 Fatores relacionados com a doença ...................................................... 66
5 ANÁLISE DOS RESULTADOS ........................................................................ 69
5.1 Fatores relacionados com o sistema de saúde ............................................ 70
5.2 Fatores Socioeconômicos ............................................................................ 72
5.3 Fatores Relacionados com o Tratamento .................................................... 74
5.4 Fatores Relacionados com o Paciente ......................................................... 79
5.5 Fatores Relacionados com a Doença .......................................................... 82
6 RESUMO E CONCLUSÕES ............................................................................ 83
6.1 Resumo do Estudo ....................................................................................... 83
6.2 Principais Conclusões .................................................................................. 84
6.3 Sugestões de Pesquisas Futuras ................................................................. 88
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 90
ANEXO 1 – Roteiro de Pesquisa ............................................................................... 94
12
1 INTRODUÇÃO 1.1 Objetivo do Estudo
“Somente com vontade política, financiamento adequado e gestão
qualificada romperemos com o ciclo histórico da desigualdade que
tem mantido o Brasil, em diversos indicadores de saúde, em
posições incompatíveis com os anunciados progressos na área
econômica.
É preciso que o governo demonstre sua compreensão de que o
investimento em saúde – assim como em educação – coloca o
cidadão como fim maior de sua existência, provando que no país o
desenvolvimento econômico andará de braços dados com avanços
sociais”. (Demografia Médica no Brasil, CONSELHO FEDERAL DE
MEDICINA, 2013) 1
Com base no trecho retirado do estudo realizado pelo Conselho Federal
de Medicina (CFM), é possível atentar para os constantes desafios
evidenciados na luta por um melhor sistema de saúde no Brasil. Nosso país,
quinta maior nação em número de médicos formados e com uma densidade de
1,95 médicos para cada 1000 habitantes, posiciona-se acima da média
mundial (DEMOGRAFIA MÉDICA NO BRASIL, CONSELHO FEDERAL DE
MEDICINA, 2011) 2. Se consideradas as disparidades sociais e econômicas
presenciadas em nosso território, algumas regiões detêm índices que se
aproximam dos principais países europeus, o que sugere que os problemas de
saúde enfrentados dentro de nossas fronteiras não decorrem da falta de mão
de obra (SCHEFFLER, 2008).
Ainda no estudo Demografia Médica no Brasil, percebe-se que outro
indicador de qualidade na área de saúde refere-se à composição de gastos
públicos e privados na área de saúde. Nesse quesito, os países com melhores
índices são justamente aqueles com maior aporte de gastos públicos, em
contraposição ao capital privado (DEMOGRAFIA MÉDICA NO BRASIL,
1 http://www.flip3d.com.br/web/pub/cfm/index10/?numero=8 2 http://www.flip3d.com.br/web/pub/cfm/index10/?numero=3
13
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2011). Ainda de acordo com o estudo,
esta relação na área de saúde brasileira é composta de 45% em gastos
governamentais para 55% de gastos de empresas do setor privado, sendo
ainda que a maior parte da oferta de médicos direcionada para o capital
privado, o que sugere discrepância de qualidade dos serviços entre os setores
público e privado, sendo a baixa renda diretamente afetada pela baixa qualidade dos
serviços de saúde visto que é a principal consumidora dos mesmos.
O cenário presenciado no sistema de saúde é altamente complexo, pois
envolve um ambiente que lida com rápidas mudanças, muita tecnologia e,
diariamente, envolve dezenas de decisões e julgamentos por parte do quadro
de funcionários (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2006). Ainda no
estudo da Organização Mundial a Saúde (OMS), é destacado que erros
médicos são responsáveis, de maneira estimada, por entre 44.000 e 98.000
mortes todos os anos em hospitais dos Estados Unidos, tornando-se uma
causa mais fatal que câncer de mama ou acidentes de carro. O cenário chama
ainda mais atenção quando voltamos o foco para os países emergentes, que
em boa parte carecem de infraestrutura, controle de epidemias, baixo
desempenho, entre outras condições (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE,
2006).
Não bastasse o cenário acima relatado, a área de saúde ainda lida com
um problema altamente relevante: a adesão ao tratamento médico e,
correlatamente, o abandono do tratamento. A adesão ao tratamento médico é
classificada por Vermeire (2001) como um problema complexo e sempre
presente, sendo ainda um assunto de grande destaque no âmbito da saúde.
De maneira complementar, a não adesão representa ainda um alto custo
para os sistemas de saúde, que levam em conta o retrabalho nos
atendimentos quando uma doença não é tratada da maneira correta, custos
com medicamentos desperdiçados, entre outros fatores (HORNE, 1997;
MORRIS et al, 1992; DONOVAN, 1995 apud VERMEIRE, 2001). Apenas nos
EUA, em 2001, os custos com cuidados médicos nos Estados Unidos
ultrapassaram a marca de 1,2 trilhões de dólares (DIMATTEO, 2004), estando
14
o custo associado a não adesão na casa de 300 bilhões de dólares, ainda
segundo o mesmo autor, ressaltando assim a expressividade do tema.
Assim, além de um problema médico, a adesão e a não adesão
representam um caso de gestão pública de interesse governamental de
diversos países (VINCENT, 2005), principalmente para o Brasil um dos
maiores consumidores de remédios no mundo (FLEISCHER, 2012).
Desta forma, a presente dissertação tem como objetivo principal analisar
e compreender o que leva a população brasileira da baixa renda,
possivelmente usuária do sistema público de saúde e, provavelmente, mais
carente na oferta e na qualidade do serviço de saúde, a iniciar e aderir ao
tratamento prescrito pelo médico. Em outras palavras, buscou-se identificar
qual a distância entre as normas (padrões sociais e medicinais) e o uso de
medicamentos neste grupo social a ser analisado.
Assim, a pergunta geral desta pesquisa é: “O que leva a população
brasileira da baixa renda a iniciar e a aderir ao tratamento prescrito pelo
médico?”. Além disso, como objetivos secundários, buscaram-se avaliar
questões subjacentes ao tema central da pesquisa, quais sejam:
• Para a classe social estudada, o que significa estar doente?
• Como funciona a percepção de risco dos sintomas? E como isto
está associado ao uso de medicamentos?
• Em quais situações os usuários reconhecem a necessidade de um
especialista, seguindo o ‘itinerário protocolar’?
• Como a composição do medicamento (cápsulas, pomadas)
influencia os hábitos de consumo?
• Quais os agentes influenciadores (grupos sociais, influência
religiosas, entre outros) nos hábitos de consumo de medicamento
da população de baixa renda?
• Quais os atributos de qualidade avaliados em um atendimento
médico?
• O que leva a população de baixa renda a se automedicar.
15
De cunho abrangente, mas trabalhando de forma paralela ao objetivo
geral, pretende-se que os objetivos específicos sirvam de suporte analítico
para o propósito maior explicitado nesta dissertação.
1.2 Relevância do Estudo
As implicações da utilização ou não de remédios são, além de um
problema médico, representam um caso de gestão pública de interesse das
autoridades governamentais de diversos países (VINCENT, 2005), bem como
dos principais fabricantes de medicamentos e da sociedade como um todo.
Considerando ainda que o Brasil é um dos maiores consumidores de fármacos
do mundo (FLEISCHER, 2012), é possível compreender ainda melhor a
relevância do tema.
Apesar desta relevância, a literatura sobre adesão ao consumo de
fármacos ainda é esparsa e sinaliza falta de consistência na definição do
termo, bem como na proposição de um modelo que integre os diferentes
estudos (VERMEIRE, 2001). A revisão da literatura realizada por Vermeire
(2001), num recorte de tempo de quase 30 anos – de 1975 a 1999 –, é
respaldada por outras revisões da literatura acerca do tema, como as
realizadas por Dimatteo (2004) e Longtin et al (2010), que destacam o mesmo
problema de uma literatura esparsa e não conclusiva. Além disto, há também a
ausência de artigos nacionais ou que, pelo menos, abordem os problemas
médicos no Brasil, evidenciado pela baixa quantidade de artigos encontrados
nas bases de dados no tocante à adesão de medicamentos.
O foco na população de baixa renda tem diferentes justificativas como,
por exemplo, a escassez de publicações encontradas com ênfase nesta classe
social. Além disso, o presente trabalho tem um apelo acadêmico e social,
buscando agregar novos conhecimentos dentro do tema da adesão ao
consumo de medicamentos. Ainda, um apelo gerencial, visto que busca
analisar e compreender ações com impacto direto na rotina de médicos e
pacientes. Por fim, o estudo Demografia Médica no Brasil (CONSELHO
FEDERAL DE MEDICINA, 2011) aponta que a população de baixa renda é a
mais impactada pela qualidade dos serviços médicos no Brasil, uma vez que a
16
oferta de médicos na rede de saúde privada é muito maior que a oferecida no
Sistema Único de Saúde (SUS).
1.3 Delimitação do Estudo
Algumas delimitações foram colocadas na pesquisa, visando facilitar a
operacionalização da mesma. O primeiro ponto é que a pesquisa foi realizada
apenas com usuários de medicamentos. Ou seja, o presente estudo não
aborda a visão de médicos, empresas de saúde, gestores e outras partes
interessadas no tema da adesão ao tratamento médico. Assim, as
considerações e conclusões do trabalho partiram exclusivamente da
perspectiva dos pacientes, que podem ser distintas daquelas de outros grupos
envolvidos.
No âmbito desta dissertação, os termos iniciar e aderir, que constam na
pergunta de pesquisa, dizem respeito, respectivamente, ao início do
tratamento médico prescrito, uma vez que este seja receitado pelo especialista
– considerando que em muitos casos a taxa de conversão entre prescrição e
compra é baixa (VINCENT, 2005) –, e ao correto cumprimentos das
recomendações médicas, sejam elas medicamentosas ou relativas aos hábitos
de vida do paciente (OMS, 2003).
Com relação às famílias de baixa renda, foco desta pesquisa, tentou-se
classificar as mesmas conforme decreto governamental3 que regula o cadastro
de famílias aptas a usufruir dos programas sociais do governo, que define
como baixa renda aquelas famílias com renda familiar per capta de até meio
salário mínimo ou aquelas que possuam renda familiar mensal (soma dos
rendimentos brutos) de até três salários mínimos. No entanto, julgou-se
constrangedor e incômodo, no momento da entrevista, questionar o
entrevistado quanto ao nível de renda da família, já que este poderia se
rejeitar a responder a pergunta ou até mesmo informar dados imprecisos.
De maneira alternativa, pensou-se em utilizar o Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) como ferramenta de seleção, uma vez que 3 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6135.htm
17
foram encontrados dados de IDH relativos aos bairros cariocas através do
GEORIO4. Assim, levando em consideração o recorte de IDH proposto pela
Organização das Nações Unidas, seriam selecionadas as localidades com
baixo nível de IDH. No entanto, estes dados limitavam-se apenas aos bairros
do município do Rio de Janeiro, o que reduziria o escopo de participantes,
além de datarem do ano de 2008 e não terem sido encontradas versões mais
recentes do estudo.
A fonte mais confiável de IDH a nível local seria o Índice de
Desenvolvimento Humano dos Municípios (IDH-M), desenvolvido pela própria
ONU através do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD), mas ainda assim considerou-se que uma visão municipal sobre o
assunto não traria as discrepâncias sociais à tona, podendo pinçar
entrevistados que vivessem em áreas consideradas de baixo IDH, mas com
padrão de vida distante da realidade local.
Figura 1 - Dimensões do IDH
Fonte: Adaptado de Atlas Brasil5
O IDH, de forma sintética, é um índice que tem por base a utilização de
três dimensões para avaliação do desenvolvimento humano, conforme
ilustrado na Figura 1. São elas: longevidade, educação e renda. A longevidade
requer que sejam ampliadas as oportunidades que as pessoas têm de evitar a
morte prematura, e que seja garantido a elas um ambiente saudável, com 4http://portalgeo.rio.rj.gov.br/estudoscariocas/download/2394_%C3%8Dndice%20de%20Desenvolvimento%20Social_IDS.pdf 5 http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/o_atlas/desenvolvimento_humano/
18
acesso a saúde de qualidade, para que possam atingir o padrão mais elevado
possível de saúde física e mental. A educação é fundamental para expandir as
habilidades das pessoas para que elas possam decidir sobre seu futuro,
construindo confiança, conferindo dignidade e ampliando os horizontes e as
perspectivas de vida. Por fim, a renda é um meio para uma série de fins,
possibilitando a adoção de alternativas disponíveis e sua ausência poderia
limitar as oportunidades de vida.
Dessa forma, utilizaram-se as dimensões de Educação e Renda para
determinar a escolha dos entrevistados. No quesito educação, buscaram-se
pessoas que tivessem apenas até o 2ª grau; já no quesito renda, para não
incorrer no mesmo problema de questionar o entrevistado quanto ao nível de
salário, buscaram-se pessoas que trabalhassem em profissões comumente
associadas à baixa remuneração como, por exemplo, porteiros, empregadas
domésticas, cuidadores de idosos, auxiliares de serviços gerais, donas de
casa, entre outros.
1.4 Organização do Estudo
A presente dissertação, com foco na adesão do paciente de baixa renda
ao tratamento médico, está dividida num total de seis capítulos. Inicialmente,
uma breve introdução, abordando as origens do estudo, bem como a
relevância e suas delimitações. Posteriormente, seguida de uma revisão da
literatura, que tem por objetivo organizar os assuntos inerentes ao estudo e
que se relacionam entre si, sedimentando e confrontando definições de
pesquisa a respeito do tema. O capítulo 3 apresenta o método de pesquisa,
definindo o tipo de pesquisa, o trabalho e campo e as consequentes limitações
do método e da pesquisa. O capítulo 4, por sua vez, trará os resultados da
pesquisa, sem entrar no mérito da análise. Já o capítulo 5 trará as análises
decorrentes dos resultados encontrados. Por fim, tem-se no sexto capítulo um
breve resumo e a conclusão, que é seguida das referências bibliográficas e
dos anexos.
19
2 REVISÃO DA LITERATURA
A revisão da literatura está estruturada considerando três dimensões: a
adesão ao tratamento médico; a automedicação; e, por fim, os itinerários
terapêuticos. A espinha dorsal desta dissertação é a adesão ao tratamento
médico, mas com desdobramentos na automedicação e, também, nos
itinerários terapêuticos visto que estes temas têm relação e impacto direto com
o tema central deste estudo. O termo itinerário terapêutico tem como base a
proposta de Gerhardt (2006), sendo usado como sinônimo de busca de
cuidados terapêuticos e procura descrever e analisar as práticas individuais e
socioculturais de saúde em termos dos caminhos percorridos por indivíduos
pertencentes a camadas de baixa renda, na tentativa de solucionarem seus
problemas de saúde.
A pesquisa sobre o tema central da adesão balizou-se, inicialmente, no
aprofundamento do estudo de Vermeire (2001). Este estudo é importante para
a literatura pesquisada, uma vez que faz um apanhado de quase trinta anos
sobre os principais artigos publicados dentro deste tema, abordando e
discutindo os principais problemas encontrados.
A partir do estudo de Vermeire (2001), a presente dissertação seguiu
dois caminhos complementares. O primeiro, a busca em cascata dos artigos
citados por Vermeire (2001), que balizaram seu estudo. O segundo caminho foi
utilizar bases de dados relevantes na área de gestão, como EBSCO, Science
Direct, ProQuest e Web of Science. A utilização de tais bases foi importante
para se desprender da linha de raciocínio atrelada ao estudo de Vermeire
(2001), visto que há um período de tempo significativo entre a publicação do
referido artigo e o presente, possibilitando a utilização de muitos outros
estudos.
As palavras chave utilizadas para a pesquisa de adesão ao consumo de
medicamentos foram “patient compliance”, “patient concordance” e “patient
adherence” associadas em algumas buscas a um segundo termo como, por
exemplo, “drugs” ou “medication”. A pesquisa não se prendeu a um recorte
temporal, mas sim levou em consideração a relevância indicada pelas próprias
20
bases de dados, que permitem classificar a pesquisa de acordo com uma série
filtros (relevância, temporalidade, etc) e a relação entre o presente estudo e as
informações encontradas nos abstracts dos artigos pesquisados. Artigos que
abordaram diretamente a adesão, itinerários terapêuticos ou automedicação,
com informações conexas com a pesquisa, foram pinçados para compor a
revisão da literatura.
2.1 Adesão ao tratamento médico
A adesão ao tratamento médico, terminologia usada nesta dissertação, é
classificada por Vermeire (2001) como um problema complexo e sempre
presente, sendo ainda um assunto de grande destaque no âmbito da saúde. A
não adesão representa um alto custo para os sistemas de saúde (HORNE,
1997; MORRIS et al, 1992; DONOVAN, 1995 apud VERMEIRE, 2001), bem
como impacta negativamente os próprios médicos, frustrados com os
resultados obtidos, os resultado das instituições de saúde (RAEBEL et al,
2012; MELNIKOW, 1994), e também a efetividade do tratamento e a saúde dos
pacientes (ELLIOT, 2008).
Em 2001, os custos com cuidados médicos nos Estados Unidos
ultrapassaram a marca de 1,2 trilhões de dólares (DIMATTEO, 2004). Segundo
DiMatteo (2004), que estimou um custo financeiro para a não adesão, as cifras
giram em torno de 300 bilhões de dólares por ano nos Estado Unidos. Apesar
dos impactos significativos da não adesão aos tratamentos médicos, Vermeire
(2001) afirma que, mesmo com publicações que apontaram mais de 200
variáveis analisadas desde 1975 sobre o tema, falta consistência na definição
do termo, bem como um modelo que integre os diferentes estudos. Alguns
destes estudos, inclusive, deixam de definir o significado do termo adesão
(DONOVAN, 1995 apud VERMEIRE, 2001).
No âmbito da língua inglesa, o termo adesão pode ser reconhecido na
revisão da literatura de várias formas. O termo mais utilizado (VERMEIRE,
2001) é “compliance”, que pode ser definido como o comportamento individual
no âmbito da utilização de medicamentos que coincide com as ordens médicas
ou de saúde (URQUHART, 1996). Ainda segundo Vermeire (2001), porém, os
21
termos “concordance” e “adherence” também são bastante utilizados na
literatura.
As diferentes terminologias trazem consigo, também, questões mais
profundas do que apenas uma nova nomenclatura. O termo “concordance”, por
exemplo, aborda questões como o paciente como um tomador de decisão
dentro do processo de adesão ao medicamento (ANON, 1997 apud
VERMEIRE, 2001), bem como a empatia profissional para fins de resultado na
administração de medicamentos (MIBORN et al, 1997). O termo “adherence”,
por sua vez, reduz a atribuição de poder do médico na relação médico
paciente que o termo “compliance” carrega (SACKETT et al, 1975).
A mudança da nomenclatura ao longo do tempo traz, implicitamente,
outra questão: a perspectiva do paciente no processo de adesão. A própria
definição do termo “compliance” exalta este fator, uma vez que a palavra
conota complacência, submissão, onde a perspectiva do paciente é
negligenciada ou não relevante para o estudo (ANON, 1997 apud VERMEIRE,
2001). Esta falta da perspectiva do paciente no processo de adesão ao
tratamento médico foi um dos grandes responsáveis pelo atraso no
desenvolvimento de estudos mais abrangentes (DONOVAN, 1995 apud
VERMEIRE, 2001). Além disso, a ausência de um método válido para
mensurar a não adesão também se configura como uma grande barreira para a
área de pesquisa (MORRIS et al, 1992; KRUSE, 1992).
As taxas de adesão aos medicamentos, segundo DiMatteo (2004), que
fez uma revisão da literatura de aproximadamente 50 anos e analisou 569
artigos, foi de 76% na média. Vermeire (2001) relata que há uma série de
maneiras de medir o nível de adesão no processo de utilização de
medicamentos. Estas podem ser classificadas, ainda segundo o autor, como
diretos ou indiretos, conforme Quadro 1. Quando diretos, envolvem a utilização,
por exemplo, de exames de sangue ou urina para medir a presença de
substâncias no organismo do paciente (GORDIS, 1979 apud VERMEIRE,
2001). Apesar de mais apurados, não podem ser usados para todos os
medicamentos, e também são considerados mais invasivos para os pacientes
e, portanto, inaceitáveis em muitos os casos. Os indiretos, por sua vez,
22
envolvem entrevistas, anotações, contagem cartelas, entre outros (GORDIS,
1979 apud VERMEIRE, 2001). Vermeire (2001) destaca, no entanto, que
independente do método, todos têm inconvenientes.
O avanço tecnológico recente permitiu que formas eletrônicas de
controle fossem implementadas (OLIVIERI et al, 1991). Este recurso, porém,
também não pode ser classificado como totalmente seguro para o controle da
adesão, uma vez que não há comprovação de que a medicação foi utilizada
pelo paciente (WAGNER et al, 2001). No entanto, este recurso foi capaz de
revelar comportamentos desconhecidos da literatura como, por exemplo,
“férias da medicação” (período em que paciente interrompe o uso da
medicação), e a “adesão do jaleco-branco” (situação na qual o paciente
administra as doses do medicamento para coincidirem com as datas da
próxima visita ao médico) (RAYNOR, 1992; OSTERBERG et al, 2005).
23
Quadro 1 - Métodos de Mensuração da Adesão
Fonte: Adaptado de Osterberg et al, pág. 3 (2005)
2.1.1 Causas da Não Adesão
Apesar da vastidão de variáveis apontadas como interferentes no
processo de adesão, nenhuma delas mostrou-se consistentemente relacionada
(ANON, 1997 apud VERMEIRE, 2001). Variáveis demográficas (sexo, idade,
número de habitantes na residência) foram consideradas indicadores fracos no
âmbito do estudo da adesão. Outros fatores correlacionados à baixa adesão
são, por exemplo, duração do tratamento, número de medicamentos prescritos,
custo financeiro e a frequência das dosagens (MORRIS et al, 1992; GRIFFITH,
1990).
TESTE VANTAGENS DESVANTAGENS
- Terapia diretamente observada Maior Precisão
Pacientes podem esconder pilulas na boca e
posteriormente descartá-las; Impraticável
para uso de rotina
- Mensuração do nível de medicamento ou
metabolito no sangueObjetivo
Caro; Variações no metabolismo; "adesão ao
jaleco branco" podendo dar a falsa impressão
de adesão
- Mensuração de marcadores biológicos no
Sangue
Objetivo; Em triagens clínicas pode ser usado
também para mensurar placebo
Requer ensaios quantitativos caros e a coleta
de fluidos corporais
- Questionários aos Pacientes; Relatórios
Preenchidos pelos próprios pacientes
Simples; barato; método mais comum no
attendimento clínico
Suscetível ao erro com aumentos de tempo
entre visitas; Resultados são facilmente
distorcíveis pelos pacientes
- Contagem de Pílulas Objetivo; Confiável; fácil de aplicar
Informações facilmente alteradas pelos
pacientes (p. ex.: jogar pílulas não tomadas
fora)
- Taxa de reemissão das prescrições Objetivo; Fácil de coletar informações
Nova prescrição não é equivalente a ingestão
do medicamento; Requer um sistema de
monitoramento da farmácia
- Avaliação das respostas clínicas dos
pacientesSimples; Geralmente fácil de avaliar
Fatores aleatórios a adesão podem afetar
respostas clínicas
- Medidores eletrônicos de medicação
Preciso; Resultados facilmente
quantificáveis; Monitora padrões na ingestão
dos medicamentos
Caros; Demandam o retorno do paciente e o
download de informações dos fracos de
medicamentos
- Monitoramento de marcadores fisiológicos Geralmente fácil de mensurarMarcadores podem estar alterados por outras
razões
- Diários do paciente (quando o paciente for
uma criança, questionários para o cuidador)Simples; objetivo; ajuda a corrigir falhas Facilmente alterados pelos pacientes
MÉTODOS DE MENSURAÇÃO DA ADESÃO
MÉTODOS DIRETOS
MÉTODOS INDIRETOS
24
A complexidade da prescrição, representada por um conjunto de
instruções variadas, ou a falha de comunicação também foram apontadas
como causas comuns para a não adesão, especialmente de pessoas idosas e
com problema de memória, o que as torna incapazes de seguirem um
complexo conjunto de regras (DONOVAN, 1995 apud VERMEIRE, 2001). A
falha de comunicação pode ser definida como a incapacidade de recordar as
instruções do médico (DIMATTEO, 1994 apud VERMEIRE, 2001).
Outros fatores que contribuem ainda para a causa da não adesão são
elementos pessoais dos pacientes como, por exemplo, ausência de sintomas –
visto que esta desestimula a utilização de medicamentos –, tempo entre o
início do tratamento e o efeito da medicação e o medo de efeitos colaterais
(ANNALS OF PHARMACOTHERAPY, 1993 apud VERMEIRE, 2001). Nesse
contexto, melhorar a relação médico paciente é percebido como fundamental
para reduzir as taxas de não adesão (DONOVAN, 1995 apud VERMEIRE,
2001). Pode-se considerar, por exemplo, negociação dos objetivos do
tratamento, redução da complexidade do tratamento, encorajar o apoio
familiar, adequar o tratamento ao estilo de vida do paciente, entre outros
fatores (SANSON-FISHER et al, 1989 apud VERMEIRE, 2001).
Uma perspectiva alternativa considera não apenas a relação médico
paciente, mas também as crenças do próprio usuário da medicação (CONRAD,
1985). Elementos como o controle dos sintomas, prevenção de crises,
manutenção do conforto financeiro e do ritmo de vida são temas que têm
precedente dentro da área de estudo (VERMEIRE, 2001).
No entendimento de Longtin et al (2010), a participação mais ativa do
paciente no processo de adesão à medicação é um conceito complexo que
surge como consequência de movimentos do consumidor na década de 60,
que lutavam pelo direito de escolha, segurança e informação. Ainda segundo
estes autores, e também notórias instituições como a Organização Mundial da
Saúde (OMS) têm assinalado o papel dos pacientes e seus familiares na
melhoria do sistema de saúde (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2006).
Esse novo arranjo se opõe, assim, ao sistema paternalista vigorante na
relação médico paciente (LONGTIN et al, 2010), conforme Quadro 2.
25
Quadro 2 - Modelo Paternalístico
Fonte: Adaptado de LONGTIN et al, 2010, pág. 2.
Como já abordado anteriormente, as mudanças de nomenclatura
percebidas ao longo dos anos como a transição de ‘compliance’ até
‘adherence’ vieram se modificando a reboque da discussão conceitual dos
termos, refletindo o papel desempenhado atualmente pelo paciente como um
ator central no sistema de saúde, e não mais um mero espectador (LONGTIN
et al, 2010). Na literatura, no entanto, o termo ainda é mal definido e muitos
são utilizados de maneira intercambiável (‘patient colaboration’, ‘patient
involvement’, ‘partnertship’, entre outros) e sem precisão (LONGTIN et al,
2010).
Pesquisa realizada por LONGTIN et al (2010) para avaliar a opinião dos
pacientes a respeito da participação dos mesmos na escolha de seus
tratamentos não mostrou números consistentes, mas revelou que esse apelo
pela participação pode chegar até 86% de acordo com a amostra examinada
em seu estudo. Ainda segundo os autores, algumas variáveis, no entanto,
tornam-se obstáculos para o incremento da participação como a confiança na
própria capacidade, tipo de decisão a ser tomada, o tipo de doença etc.
(LONGTIN et al, 2010).
Além disso, em termos de significado, a participação do paciente pode
estar relacionada a diferentes aspectos da assistência médica tão diversos
como: participação no processo de decisão sobre o tratamento a ser seguido
(HAYWOOD; MARSHALL; FITZPATRICK, 2006; ELDH; EKMAN; EHNFORS,
2010; LONGTIN et al, 2010); administração da própria medicação (LONGTIN
MODELO PATERNALÍSTICO DE RELACIONAMENTO DO
PROFISSIONAL DE CUIDADOS DA SAÚDE DO PACIENTE
- Somente especialistas (profissionais da área de saúde) são
qualificados para diagnosticar e tratar saúde
- Todas as decisões recaem inteiramente sobre o conhecimento
do profissional de saúde
- O profissional de saúde é o guardião dos interesses do
paciente e deve respeitar os princípios de beneficência
- O paciente é um beneficiário passivo de ajuda
26
et al, 2010); autocuidado (LONGTIN et al, 2010); instrução do paciente
(LONGTIN et al, 2010); determinação dos objetivos do tratamento
(TRIPICCHIO et al, 2009; LONGTIN et al, 2010), ou participação efetiva nos
cuidados físicos (LONGTIN et al, 2010).
2.2 Automedicação: um problema social
A automedicação é considerada um dos grandes desafios das
autoridades sanitárias no Brasil (FLEISCHER, 2012), visto que as políticas
públicas específicas vêm se revelando frágeis e pouco atuantes para inibir
essa prática. Isto se dá em grande parte pela facilidade de comprar
medicamentos sem receitas médicas, seja pela falta de controle nos pontos de
venda, seja pelo acesso a mercados ilegais (MOURA et al, 2012).
Este, no entanto, está longe de ser um problema exclusivamente
brasileiro (MOURA et al, 2012). Mesmo em nações mais desenvolvidas, a
automedicação tem participação significativa, como demonstrou Vincent (2005)
ao revelar em seu estudo que na França o consumo de fármacos sem
prescrição atingiu 10% das vendas totais no ano de 1999.
Apesar de surpreendente, pesquisa de campo realizada por Moura et al
(2012) na cidade de Santos, Brasil, com o objetivo de conhecer o perfil dos
medicamentos utilizados pelos idosos, demonstrou que nível de renda tem
relação direta com a prática de automedicação. No grupo de pesquisa
estudado, ficou evidente a procura de uma farmácia pelas classes mais
elevadas antes mesmo de se consultar com um especialista, especialmente
diante da facilidade da oferta e da baixa exigência na compra dos mesmos.
Esta atitude do grupo estudado por Moura et al (2012) é para Merino
(2007) um reflexo de crenças sociais, uma vez que as concepções de saúde
entre os indivíduos são determinadas de acordo com o meio em que estão
inseridos, sendo influenciadas pela sociedade, comunidade, família, além do
conhecimento de ciência e tecnologia a que cada indivíduo tem acesso. Merino
(2007) identificou em sua pesquisa - que buscou investigar as concepções de
saúde e itinerário terapêutico adotado por adultos no município de Porto Rico,
27
Paraná - expressões como “doença leve pode ser tratada em casa, doença
grave é que precisa de médico”.
Fleischer (2012) ressalta ainda que a prática da automedicação, ao
contrário do que o nome sugere, muitas vezes acontece após o contato com o
médico. Neste mesmo sentido, o estudo de Helman (1981), realizado quatro
décadas antes, aponta que inicialmente os usuários optam por resolver seus
problemas no âmbito imediato e familiar, mas mesmo após a avaliação de um
especialista não é garantido que o tratamento será seguido até que os
sintomas desapareçam.
Além de questões familiares, sociais e culturais no constructo da
automedicação, é possível evidenciar ainda problemas de ordem operacional
que incentivam tal prática. Merino (2007) observou, por exemplo, que para a
maioria dos entrevistados em seu estudo, o horário de atendimento dos postos
de saúde da região de Porto Rico (PR) e a dificuldade de agendamento de
consultas eram um dos principais entraves para a busca dos serviços oficiais
de saúde na região.
Como apontado por Fleischer (2012), os pacientes precisam acreditar
incialmente na palavra médica, adquirindo e consumindo os medicamentos.
Porém, depois das primeiras experiências, dosagens, horários e interações
medicamentosas são adaptados de acordo com as percepções e conhecimento
de cada indivíduo. As concepções sobre a interação entre os corpos e os
medicamentos são construídas coletivamente.
2.3 Itinerário Terapêutico
A literatura disponível sobre itinerários terapêuticos está calcada em
grande parte na antropologia – haja vista a necessidade de se entender o ser
humano neste processo -, e tem como principal objetivo interpretar os
processos pelos quais os indivíduos ou grupos sociais escolhem, avaliam e
aderem (ou não) a determinadas formas de tratamento (ALVES et al, 1999).
Apesar de apresentado na década de 60 por Mechanic & Volkart (1960)
e discutido desde então, o estudo dos itinerários terapêuticos não tem
28
relevância conhecida no Brasil, mesmo considerando a potencialidade para a
compreensão do comportamento em relação ao cuidado com a saúde e ao uso
de serviços.
Dentro desse campo, os estudos no Brasil dividem-se em três categorias
de pesquisa: (1) as percepções do paciente sobre a doença e a influência da
mesma sobre seu comportamento em relação à procura de tratamento; (2)
utilização do conhecimento como suporte para a avaliação da efetividade das
redes de serviços na garantia do acesso e para a detecção de necessidades a
serem consideradas no desenvolvimento de programas educativos em saúde,
capacitação de profissionais e adequação de fluxos e, por fim, (3) abordagens
que incorporam as duas perspectivas quando, além do reconhecimento dos
diferentes sistemas de atenção à saúde, consideram na leitura dos itinerários
que os processos saúde/doença/cuidado estão inseridos em um macro
contexto formado por dimensões sociais e macroeconômicas (CABRAL et al,
2009).
A diferença entre as duas primeiras abordagens refere-se,
principalmente, ao enfoque das pesquisas, uma vez que a primeira apresenta
um enfoque mais comunitário, sem se debruçar sobre questões econômicas ou
sociais. Além disto, o grupo de interesse predominante nos estudos desta
categoria são os portadores de doenças crônicas, que necessitam de
acompanhamento contínuo.
O itinerário terapêutico é um fenômeno por demais complexo para que
possa ser submetido a generalidades que procedem pela descoberta de leis
que ordenam o social. A recorrência simultânea a vários tratamentos e a
existência de visões discordantes - e até mesmo contraditórias - sobre a
questão terapêutica evidenciam que tanto a doença como a cura são
experiências intersubjetivamente construídas, em que o paciente, sua família e
aqueles que vivem próximos estão continuamente negociando significados
(ALVES et al, 1999).
Além disto, estudar o ritual seguido na compra de medicamentos
envolve muitas variáveis como, por exemplo, o tipo de medicamento a ser
29
comprado (se controlado ou de livre comercialização); de que forma é feito o
diagnóstico médico; no caso de medicamentos prescritos, quais atores
influenciam o paciente a aderir ou não o tratamento indicado (histórico do
paciente, credibilidade do médico, atores influentes no processo de compra
como a figura materna ou uma personalidade que transmita confiabilidade).
Entender como e em que momento as pessoas buscam ajuda para
solucionar problemas médicos tem estado cada vez mais presente em estudos
recentes, uma vez que estes podem subsidiar a formulação de estratégias
públicas de saúde mais eficazes para a população (CABRAL et al, 2009).
Outro fator relevante apontado por Gerhardt (2006) evidencia que ao se
deparar com um ou mais sintomas anômalos, o individuo encontra uma rede
de escolhas complexas na busca por um tratamento médico, sendo
imprescindível a análise do contexto dentro do qual o indivíduo está inserido.
Dessa forma, averiguar a avaliação dos indivíduos dentro do itinerário
terapêutico e, assim, a adesão ao tratamento é fundamental para a pergunta
de pesquisa e a classe social em questão.
Segundo Fleischer (2012), a conclusão do tratamento é relevante, pois
após iniciado, uma série de motivos podem levar os pacientes a mudar ou
largar o tratamento. Suspender ou, ao menos, reduzir ou modificar as
dosagens dos medicamentos é apenas uma consequências quando os mesmo
provocam reações indesejadas ou inesperadas nos organismos dos usuários.
O [meu marido] Bruno aqui tomou o capitopril
também. Mas começou a tossir, a tossir, a
tossir. Não parava mais. A gente não sabia o
que era. Mas aí, um dia, eu tava na fila do
posto, e eu ouvi uma mulher na fila dizendo
que a mãe dela quase morreu tomando o
capitopril. Tossia muito também. Aí, eu voltei
para casa e disse, “Meu velho, chega. Você
não vai mais tomar esse remédio. Eu ouvi que
pode causar essa tosse aí”. (FLEISCHER,
2012; pág. 2)
30
No exemplo anterior, não apenas os efeitos indesejados estavam
presentes, mas também a influência de atores externos contribuindo para a
mudança no tratamento inicial. Essa influência foi descrita também por
GERHARDT (2003), ao afirmar que a abordagem acadêmica não pode estar
centrada no sujeito, visto a multiplicidade de escolhas, condutas e tratamentos
que podem ser adotados. Como definido pelo próprio autor, há um pluralismo,
resultado das relações sociais, que transcendem as condutas individuais.
Ainda segundo FLEISCHER (2012), a posologia também é um dos
aspectos que tem relevância na adesão do tratamento, como pode ser descrito
pelo depoimento abaixo:
“O doutor mandou passar de duas em duas
horas. Mas quando que eu consigo fazer isso?
Eu pego na água o tempo todo! Não tem como
passar assim como ele mandou. Aqui no
cotovelo, eu até consigo passar mais. Mas eu
também me esqueço. Mas tô passando.”
(FLEISCHER, 2012, pág. 8)
No relato anterior, a indicação de uma pomada para psoríase não estava
sendo seguida em função da incompatibilidade da posologia e das atividades
diárias da lavadora de roupas, que lidava com água durante boa parte do dia.
Outras incompatibilidades de ordem física e perceptiva também foram
levantadas pelo autor, uma vez que os remédios indicados podem estar
associados a efeitos colaterais como enjoos e tonteiras ou associações de
sabores, por exemplo, influenciando assim a manutenção do tratamento.
“Da última vez, o doutor me passou um
bocado de remédio. Foram uns 140 AAS.
Muito mesmo. Eu tomei um bocado, depois
parei. Fiquei enjoada de tomar. Tem um gosto
de framboesa que me enjoou.” (FLEISCHER,
2012, pág. 7)
Como apontado por Gerhardt (2006), a busca pelo itinerário terapêutico
origina-se de situações diversas, sendo difícil definir objetivamente os fatores
31
que levam os indivíduos a buscarem tratamentos para as variações de saúde.
Mesmo apresentando os mesmos sintomas patológicos, cada individuo reage
de uma forma particular aos sintomas percebidos. Desta forma, a definição de
doença para um grupo social pode ser complexa e multivariada.
Gerhardt (2006) também evidencia que a procura de cuidados está
condicionada pelas atitudes, valores e ideologias, perfis da doença, o acesso
econômico e a disponibilidade de tecnologias. Estes fatores reforçam ainda
mais o caráter multidisciplinar do tema e sua inerente complexidade.
Merino (2007), por sua vez, aponta que a concepção sobre o estado de
saúde varia de acordo com o gênero. Este é um conceito que incorpora os
fatores sociais associados aos diferentes padrões de socialização de homens
e mulheres, que tem a ver com a organização familiar, as condições de
trabalho, o tipo de ocupação e a cultura, os quais, por sua vez, interferem no
processo saúde-doença.
Ainda segundo Azevedo et al (2004), masculino e feminino definem um
perfil estereotipado de homem e mulher. Os homens são vistos como ativos,
fortes, capazes do trabalho físico árduo, produtivos, competitivos e orientados,
enquanto as mulheres como sensíveis, frágeis, dependentes e geralmente
mais aptas ao cuidado. Não à toa, a concepção de saúde para os homens foi
classificada pelo autor como “aptidão para o trabalho”, enquanto para as
mulheres está relacionada a aparência física.
Por fim, Merino (2007) demonstra em sua pesquisa de campo que o
conceito de saúde descrito pela maioria dos entrevistados é coerente com
aquele adotado pela Organização Mundial de Saúde, que valoriza não apenas
a ausência de doença, mas a situação de perfeito bem estar físico, mental e
social da pessoa.
Para tratar da complexidade levantada por alguns autores, Raynaud
(2002) sugere que a interdisciplinaridade se imponha cada vez mais como uma
exigência imprescindível para abordar as questões relativas à saúde da
população e dos indivíduos. Interdisciplinaridade esta que se faz presente no
32
estudo dos itinerários terapêuticos, vide o amparo antropológico e médico na
elaboração de diversos artigos.
Novakoski (1999) sugere que a trajetória terapêutica dos indivíduos está
diretamente ligada à avaliação do estado de saúde. Para casos considerados
leves, a automedicação é a principal saída utilizada. Esta é a mesma visão
demonstrada por Merino (2007), que constatou que problemas mais comuns no
cotidiano como febre, tosse, cólica ou dores de cabeça não necessitam de
acompanhamento médico, na opinião da maior parte dos entrevistados.
Por outro lado, pesquisa de campo realizada no estudo de Gerhardt
(2006) revelou que nas situações leves, à medida que a prática da
automedicação e a adoção de cuidados tradicionais aumentam em relação aos
estratos sociais médio e inferior, inversamente há diminuição na procura de
serviços de saúde. Já para o estrato superior da sociedade, contradizendo os
resultados encontrados na pesquisa de Moura et al (2012) comentados
parágrafos antes, a procura maior é por serviços de saúde.
A definição de delitos leves ou graves tem como referencial a
experiência acumulada pela própria vivência de determinados episódios, os
hábitos culturais transmitidos de uma geração para outra, o conhecimento
incorporado pelo contato com profissionais da saúde, as mensagens
veiculadas pelos meios de comunicação, a convivência e o intercâmbio de
conhecimentos e experiências com amigos e vizinhos, eis o que determinam a
escolha de um ou outro tipo de recurso (GERHARDT, 2006).
Na mesma linha de raciocínio, no trabalho de interpretação dos
pacientes, os medicamentos são vistos ao mesmo tempo como cura e veneno
e, dessa forma, impõem aos indivíduos fazer escolhas quanto ao seu uso, que
podem ser influenciadas por ideologias, construções culturais ou até mesmo
percepções da eficácia dos mesmos (DESCLAUX, 2006).
A religião, outro tópico com influência no itinerário terapêutico, foi
demonstrado por Rabelo (1993), que ao investigar a influência desta variável
no itinerário terapêutico se deparou com um caso de uma doente mental, cuja
33
família, resignada com a falta de soluções, apelou a diferentes religiões e
centros religiosos na busca de uma cura para os problemas relatados. Ainda
no estudo de Rabelo (1993), pode-se observar a influência do meio no
processo de construção da doença, visto que a família estudada não passou
apenas por soluções de cunho religioso, mas também pela influência da rede
de contatos que permeava a região, reforçando a tese de diversos autores que
advogam sobre a interdisciplinaridade dos itinerários terapêuticos.
Este processo de busca de soluções evidenciado por Rabelo (1993) foi
também identificado por Gerhardt (2003) como uma estratégia percebida em
diferentes países onde as classes menos favorecidas criam uma rede de
relacionamentos a fim de encontrarem estratégias de sobrevivência que as
façam amenizar a situação de penúria evidenciada em seus meios sociais.
As famílias estudadas mostraram que apesar
de sua marginalização social, elas conseguem
criar práticas originais, reinterpretar ideias e
sugestões, reinventar o concreto e fazer de
suas vidas uma travessia balizada de partilhas
e de mudanças. Encontrar soluções,
reinventar a partir do nada, recriar uma vida
coletiva, tudo isso possui uma expressão
simbólica expressiva, portadora de
ensinamentos, que um olhar distante é
incapaz de compreender. (GERDHART, 2003,
pág. 13)
Nesta busca constante pela solução dos problemas de saúde
evidenciada pelos diversos autores até agora citados, duas esferas dentro da
adesão de medicamentos merecem atenção, levando-se em consideração o
conceito de itinerários terapêuticos: medicamentos genéricos6 e medicinas
alternativas.
6 Medicamento similar a um produto de referência ou inovador, que se pretende ser com este intercambiável, geralmente produzido após a expiração ou renúncia da proteção patentária ou de outros direitos de exclusividade, comprovada a sua eficácia, segurança e qualidade. Fonte: http://www.anvisa.gov.br/medicamentos/conceito.htm#2.5
34
No estudo de Sanyal et al (2011) - que realizou uma pesquisa acerca do
efeito da qualidade percebida sob o valor da marca de medicamentos
genéricos – mostrou-se que a qualidade percebida dos medicamentos
genéricos afeta o valor agregado das marcas de diversas maneiras, entre elas
na prescrição dos medicamentos. Segundo Zeithaml (1988, apud Sanyal,
2011), qualidade percebida pode ser definida como o julgamento dos
consumidores sobre a superioridade ou excelência do produto.
Ainda de acordo com Zeithaml (1988, apud Sanyal, 2011), teorias de
comportamento do consumidor descobriram que há relação entre qualidade
percebida e intenções de compra. Um produto percebido pelos consumidores
como sendo de alta qualidade tende a contribuir para a satisfação do
consumidor para esse mesmo produto. Assim, a compreensão da percepção
de qualidade dos consumidores frente aos medicamentos genéricos faz-se
necessária para entender seus efeitos sobre a adesão a prescrição médica.
Do lado da medicina alternativa e complementar (MAC), Azevedo et al
(2004), afirmam que esta abrange um enorme espectro de práticas e crenças,
sendo difícil defini-las. Ainda segundo os autores, muitas são bem conhecidas,
outras são exóticas, misteriosas e algumas vezes perigosas. Assim, o modo de
lidar com a doença e os recursos utilizados para cuidar da saúde relacionam-
se dentre complexas variáveis de ordem psicológica e social, à cultura de
origem (AZEVEDO et al, 2004).
Algumas das técnicas da medicina alternativa e complementar podem
ser descritas como uso de ervas medicinais, massagens e trabalhos corporais.
Segundo Azevedo et al (2004), as formas da MAC que trazem a promessa de
cura em curto espaço de tempo podem constituir-se em sério risco quando
conduzem à desistência do tratamento tradicional, contribuindo, por exemplo,
para um aumento na frequência de crises, além de retardarem o diagnóstico
médico adequado.
Ainda segundo estes autores, ao lado das formas tradicionais de
tratamento, a medicina alternativa e complementar (MAC) vem sendo bastante
difundida na sociedade e pelos meios de comunicação, sendo por vezes mais
35
acessível à nossa população do que a própria medicina tradicional,
especialmente se considerarmos a baixa renda e as restrições financeiras
enfrentadas. Dessa forma, faz-se necessário investigar os impactos da
medicina alternativa e complementar na adesão para avaliar o grau de
interferência no processo tradicional de itinerário terapêutico.
2.4 As Cinco Dimensões da Adesão segundo a OMS
Segundo relatório da Organização Mundial da Saúde (ADHERENCE TO
LONG-TERM THERAPIES, 2003), a adesão é um fenômeno multidimensional
determinado pela influência de cinco conjuntos de fatores, descritas como
‘dimensões’. As cinco dimensões, conforme já abordado nos três primeiros
subitens do capítulo dois, reforçam a ideia de que a questão da adesão não
deve ser estudada apenas pela ótica do paciente, sendo na verdade uma
questão multidisciplinar (OMS, 2003).
Conforme Figura 2, as cinco dimensões são (1) fatores relacionados com
o sistema de saúde, (2) fatores socioeconômicos, (3) fatores relacionados com
o tratamento, (4) fatores relacionados com o paciente e (5) fatores
relacionados com a doença.
Figura 2 - Cinco Dimensões Adesão Segundo OMS
Fonte: OMS (2003)
36
2.4.1 Fatores relacionados com o sistema de saúde
Segundo a OMS (2003), poucas pesquisas foram conduzidas no sentido
de descobrir os fatores relacionados ao sistema de saúde que impactam na
adesão. Ainda segundo o estudo, apesar de a relação do médico-paciente ser
importante para promover a adesão, muitos fatores contribuem negativamente
para esta relação como, por exemplo, serviços de saúde precários, sistemas
de reembolso ausentes ou inadequados pelos planos de saúde, falta de
conhecimento e/ou treinamento dos profissionais, sobrecarga de trabalho,
ausência de incentivo e feedback sobre o desempenho, consultas de curta
duração, entre outros.
2.4.2 Fatores socioeconômicos
Apesar de fatores socioeconômicos não terem sido encontrados
consistentemente relacionados à adesão, em países em desenvolvimento o
baixo status socioeconômico pode colocar os pacientes em situações onde
deverão escolher entre prioridades competitivas (OMS, 2003) como, por
exemplo, recursos limitados já direcionados para outros membros da família
como crianças e idosos.
Outros fatores considerados relevantes no quesito da adesão são baixo
status socioeconômico, pobreza, analfabetismo, baixo nível de educação,
desemprego, ausência de redes de apoio social, condições de vida instáveis,
grandes distâncias de centros de tratamento, alto custo de transporte, altos
custos de medicação, cultura, crenças leigas sobre doença e tratamento, entre
outros (OMS, 2003).
2.4.3 Fatores relacionados com o tratamento
Os fatores relacionados com o tratamento envolvem, segundo a OMS
(2003), questões como a complexidade do regime de medicamentos, duração
do tratamento, falhas em tratamentos prévios, mudanças frequentes no
tratamento, a urgência do efeito dos benefícios, efeitos colaterais e a
disponibilidade de suporte médico para lidar com os problemas.
37
2.4.4 Fatores relacionados com o paciente
Os fatores relacionados com o paciente envolvem, segundo a OMS
(2003), questões como esquecimento, estresse psicossocial, ansiedade
provocada por possíveis efeitos colaterais, baixa motivação, conhecimento e
habilidade inadequada para gerenciar os sintomas da doença e o tratamento.
Por fim, os conhecimentos e crenças dos pacientes sobre as suas
doenças, motivações para gerenciar a doença, expectativas com relação aos
resultados do tratamento e as consequências da baixa adesão, entre outros,
são fatores relacionados, mas não totalmente compreendidos pela literatura
referente à adesão e, portanto, possíveis campos de estudos futuros.
2.4.5 Fatores relacionados com a doença
Por fim, os fatores relacionados com a doença envolvem, segundo a
OMS (2003), questões enfrentadas pelos usuários no tangente à adesão como,
por exemplo, a severidade dos sintomas, o grau de incapacidade
experimentado (física, psicológica, social e vocacional), taxa de evolução dos
sintomas / doença, severidade da doença e a avaliação da efetividade do
tratamento. Além disso, ainda segundo o estudo, o impacto destas variáveis
está diretamente correlacionado com a influência na percepção de risco do
paciente.
2.4.6 Relação das Dimensões da OMS e Pesquisa de Revisão da Literatura
De acordo com as a pesquisa de revisão da literatura levantada nos
itens 2.1 (Adesão ao Tratamento Médico), 2.2 (Automedicação: um problema
social) e 2.3 (Itinerários Terapêuticos), é possível perceber que foram
levantados aspectos diretamente correlacionados com as dimensões
categorizadas pela Organização Mundial da Saúde, conforme itens 2.4.1 à
2.4.5. Apesar de classificado pela OMS como fatores relevantes para a
adesão, as cinco dimensões propostas no estudo têm alta conexão com as
questões abordadas nos três primeiros subitens da revisão da literatura de
maneira abrangente, reforçando o caráter holístico do tema em questão.
38
No Quadro 3 é possível visualizar, segundo proposto pelo próprio, como
ocorre a relação entre as dimensões levantadas no início da revisão da
literatura e as dimensões abordadas pela Organização Mundial da Saúde. A
relação foi feita com base na própria caracterização do organismo
internacional sobre que fatores influenciam cada uma das dimensões. Esta
caracterização, descrita no estudo, foi abordada anteriormente ainda nesta
seção, onde tratou-se individualmente de cada uma das dimensões da OMS.
Já na coluna “Autores / Ano”, tem-se os autores pesquisados para embasar as
dimensões pesquisadas pelo próprio autor durante a revisão da literatura.
Dessa forma, por exemplo, podemos visualizar que, segundo a
dimensão da OMS de fatores relacionados com o paciente, estão relacionadas
questões conhecimentos e crenças dos pacientes, que foram abordados pelas
dimensões de pesquisa de “crenças sociais”, “influência da religião”,
“percepção sobre o papel dos medicamentos” e outros. Em alguns casos, a
OMS não faz menção a alguns itens percebidos pela revisão da literatura,
como é o caso de medicamentos genéricos, o que leva a um trabalho de
interpretação deste item de pesquisa na revisão de literatura dentro da
dimensão de medicamentos genéricos.
A relação entre as dimensões propostas pela OMS e a literatura
disponível acerca da adesão ao tratamento médico também pode ser reforçada por
outros estudos com este mesmo propósito. A partir dos estudos de Jin et al (2008) –
que realizou uma revisão sistemática da literatura entre 1970 e 2005 – foram
propostas correlações semelhantes as do Quadro 3. No entanto, diferenças são
inevitáveis visto que estão sujeitas a interpretação do autor e, também, a revisão da
literatura e a nomenclatura utilizada para cada variável em função da pesquisa.
39
Quadro 3 - Dimensões Pesquisadas
Dimensões OMS Dimensões Pesquisadas Autores / Ano
Fatores Relacionados com
a Doença
Percepção de Doença e
Cura
ALVES et al (1999), MERINO (2007);
GERHARDT (2005)
Crenças Sociais MERINO (2007)
Impacto Empatia
Profissional na Adesão
MILBORN et al (1997); DONOVAN
(1995)
Influência da Religião RABELO (1993)
Influência do Meio
ALVES et al (1999); CABRAL et al (2009);
GERHARDT (2005); RABELO (1993);
GERDHART (2003)
Percepção Sobre o Papel
dos MedicamentosDESCLAUX (2006)
Dificuldades Operacionais
no Tratamento MédicoMERINO (2007)
Envolvimento do Paciente
no Processo de Decisão
ANON (1997); SACKETT et al (1975);
DONOVAN (1995); SANSON-FISHER et
al (1995); LONGTIN et al (2010);
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE
(2006); HAYWOOD; MARSHALL &
FITZPATRICK (2006); ELDH, EKMAN &
EHNFORS (2010); TRIPICCHIO et al
(2009)
Falhas de Comunicação na
relação Médico-PacienteDIMATTEO; 1994
Complexidade da
PrescriçãoDONOVAN (1995)
Efeitos Colaterais FLEISCHER (2012)
Medicamentos Genéricos SANYAL (2011)
Medicina Alternativa AZEVEDO (2004)
Percepção dos Pacientes
sobre o Tratamento
ANNALS OF PHARMACOTHERAPY
(1993); CONRAD (1995); VERMEIRE
(2001)
Posologia do
MedicamentoFLEISCHER (2012)
Processo de Compra de
MedicamentosALVES et al (1999)
Variáveis DemográficasMORRIS et al (1992); GRIFFITH (1990);
GERHARDT (2005)
Fatores Relacionados com
o Paciente
Fatores Relacionados com
o Sistema de Saúde
Fatores Relacionados com
o Tratamento
Fatores Socioeconômicos
40
3 MÉTODO DA PESQUISA
Este capítulo tem por objetivo apresentar o método utilizado no trabalho
e especificar detalhadamente os procedimentos utilizados para a realização
desse estudo. O capítulo se inicia descrevendo o tipo de pesquisa realizada e
a justificativa para essa escolha. A segunda seção abordará as perguntas de
pesquisa. Na terceira parte, é detalhada a metodologia utilizada e, por fim, as
limitações do método escolhido.
3.1 Tipo de Pesquisa
A presente pesquisa pode ser classificada, a partir dos critérios
sugeridos por Malhotra (2004), como uma pesquisa qualitativa exploratória.
Este é um tipo pesquisa que tem como principal objetivo o fornecimento de
critérios sobre a situação problema enfrentado pelo pesquisador e sua
compreensão (MALHOTRA, 2004). Ainda segundo Malhotra (2004), a pesquisa
exploratória é usada em casos nos quais é necessário definir o problema com
maior precisão, identificar cursos relevantes de ação ou obter dados adicionais
antes que se possa desenvolver uma abordagem. Além disso, é caracterizada
por flexibilidade e versatilidade com respeito aos métodos, porque não são
empregados protocolos e procedimentos formais de pesquisa.
3.2 Pesquisa de campo
Após a revisão da literatura, foi elaborado um roteiro de entrevista para
servir de guia para o pesquisador. A entrevista é uma técnica de observação
direta intensiva muito empregada na pesquisa das ciências sociais
(ANDRADE, 2001). No presente estudo, foi utilizada a entrevista em
profundidade, na qual há uma entrevista não estruturada, direta e pessoal, em
que um único respondente é testado por um entrevistador para descobrir
motivações, crenças, atitudes e sensações subjacentes sobre o tópico
(MALHOTRA, 2004).
Como inspiração, a presente pesquisa utilizou como modelo o método
dos itinerários. Desenvolvido pelo antropólogo Dominique Desjeux (DESJEUX,
2006), a partir de pesquisas empíricas realizadas em diversos países, e tem
41
sido aplicado no estudo de comportamento do consumidor (CAMPOS et al,
2006).
O método dos itinerários é um método qualitativo indutivo, que propõe o
acompanhamento do objeto estudado ao longo de sete etapas do itinerário de
consumo: a decisão de compra, o transporte ao local de compra, a compra
propriamente dita, a estocagem, a preparação para o consumo, o consumo e o
descarte. O princípio que norteia esta prática está em acumular observações
qualitativas dentro de um mesmo quadro comparativo dos itinerários,
evidenciando a diversidade de ocorrências dentro da estrutura do itinerário.
Pode-se dizer que a pesquisa foi inspirada no método dos itinerários
uma vez que não utilizou todas as sete etapas do método na prática. Não
foram, por exemplo, observados propriamente ditos aspectos como preparação
para consumo, consumo e descarte. Estas perguntas foram consideradas
durante a elaboração do questionário e os entrevistados naturalmente
perguntados e contestados acerca de todos os sete aspectos. Mas, por
questões operacionais, optou-se por não realizar entrevistas in loco na casa
dos entrevistados para acelerar o processo de entrevistas e, também, evitar
recusas dos selecionados para a pesquisa.
3.3 Sujeitos da Pesquisa
Como o objetivo do estudo é entender o comportamento da população
de baixa renda quanto à ao início e a adesão a tratamentos médicos, optou-se
por adotar, como critério de inclusão, duas das três dimensões utilizadas para
compor o IDH, o qual utiliza como base indicadores de longevidade, educação
e renda para compor suas análises. Neste estudo, utilizaram-se as dimensões
de Educação e Renda para determinar a escolha dos entrevistados. No quesito
educação, buscaram-se pessoas que tivessem apenas até o 2ª grau; já no
quesito renda, para não incorrer no mesmo problema de questionar o
entrevistado quanto ao nível de salário, buscaram-se pessoas que
trabalhassem em profissões comumente associadas a baixa remuneração
como, por exemplo, porteiros, empregadas domésticas, cuidadores de idosos,
auxiliares de serviços gerais, entre outros.
42
3.4 O Processo de Confecção do Roteiro de Entrevista
O roteiro utilizado como base para realizar as entrevistas em
profundidade foi desenvolvido em seis etapas, conforme apresentado a seguir:
1ª) Revisão da literatura – a revisão da literatura foi a fonte primária de
informações. Nessa etapa, vários artigos apontaram os caminhos a serem
utilizados para a elaboração das perguntas de pesquisa, roteiro e entrevistas,
bem como o desenvolvimento de perguntas.
2ª) Elaboração do roteiro inicial – Foi elaborada pelo autor uma primeira
versão do roteiro, com base na literatura revisada.
3ª) Teste do roteiro – após a avaliação e comentários da orientadora da
dissertação, o roteiro foi levado a campo para a realização de um pré-teste
com um voluntário de baixa renda. Este voluntário é homem, na faixa dos 40
anos, e preenche os requisitos de pesquisa, uma vez que não finalizou o
ensino fundamental e exerce a profissão de porteiro. Como não houve
dificuldade em relação aos enunciados ou em relação a qualquer outro aspecto
do instrumento, julgou-se que não seria mais necessário prosseguir com o pré-
teste.
4ª) Elaboração definitiva do roteiro – após a realização do pré-teste, foram
feitos os últimos ajustes de ordem formal no instrumento, de maneira a obter a
versão final do roteiro da pesquisa. Esta versão encontra-se no anexo um.
3.5 As entrevistas
As entrevistas foram feitas pelo próprio pesquisador, seguindo uma linha
mais informal para que os entrevistados se sentissem mais à vontade com o
conteúdo das perguntas e não ficassem inibidos com a presença do gravador
ou do próprio entrevistador, que realizou perguntas de cunho pessoal. Todos
foram informados sobre a gravação da conversa, que teria apenas fins de
recordar o conteúdo das respostas e não iria expor os entrevistados de
maneira alguma. De todo modo, desvantagens como a possibilidade de os
respondentes se sentirem inibidos ou de responderem aquilo que acham que o
43
pesquisador quer ouvir, ao invés de revelarem sua opinião mais franca, devem
ser considerados.
As perguntas foram lidas pelo próprio entrevistado, em tom de conversa,
não seguindo necessariamente a estrutura do roteiro. De acordo com o grau
de abertura do entrevistado, ou a antecipação de respostas, alterava-se a
ordem da entrevista para garantir a descontração.
O fato de o pesquisador ser o único responsável pela coleta de dados
apresenta uma vantagem, que se refere ao maior controle sobre a aplicação
do instrumento de pesquisa, no sentido de serem evitadas possíveis distorções
causadas pela aplicação do roteiro por pessoas diferentes.
Cabe mencionar que as entrevistas foram realizadas de acordo com a
rede de contatos do autor e da professora orientadora, levando em
consideração os critérios que se encaixassem no perfil de seleção (renda e
escolaridade).
As entrevistas foram realizadas todas no mês de Maio de 2015, estando o
entrevistador responsável por realizar o deslocamento até o encontro com o
entrevistado, na maior parte do tempo o local de trabalho, visando facilitar a
adesão dos mesmos à pesquisa. Tal prática, no entanto, esbarrou na limitação
de concentração dos entrevistados, que em alguns momentos viam-se presos
em situações profissionais que demandavam a interrupção da entrevista,
fragmentando a captura de algumas ideias.
Do total de nove entrevistas, a duração média das entrevistas foi de
quarenta e dois minutos, sendo a máxima de uma hora e 28 minutos, e a
mínima de vinte e cinco minutos. A variação de tempo nas entrevistas deve-se
principalmente a abertura e detalhe das respostas dadas pelos entrevistados
para a realização da pesquisa. Em alguns casos, entrevistados mais tímidos
ou diretos em suas respostas não contribuíam com um material de pesquisa
muito relevante do ponto de vista da descoberta de pesquisa.
Dessa forma, foi analisado o conteúdo das respostas dos entrevistados
durante as entrevistas para avaliar o melhor momento de finalização da
44
mesma. Na ausência de respostas satisfatórias, mais perguntas eram feitas
aos entrevistados com o objetivo de entender as lacunas da pesquisa.
O total de entrevista (nove) foi compreendido como satisfatório para os
objetivos da pesquisa uma vez que percebeu-se a repetição dos argumentos e
exemplos utilizados pelos entrevistados nas respostas. Além disso, em função
da variação de perfil de entrevistados entre gênero, faixa etária e profissão,
entendeu-se que novas entrevistas não iriam agregar informações relevantes
para a pesquisa.
3.6 Tratamento e Análise das Entrevistas
Após o trabalho de campo, as informações obtidas pelas entrevistas
foram analisadas com base nas dimensões apresentadas na literatura. Mesmo
que de caráter qualitativo, buscou-se pinçar as principais informações através
da compilação das entrevistas, trazendo de forma mais clara para o leitor em
formato de quadros e tabelas como, por exemplo, a respeito do perfil
demográfico dos entrevistados.
As entrevistas foram transcritas e analisadas pelo próprio pesquisador,
que utilizou o Excel como ferramenta de suporte para organizar as
informações nas de acordo com as dimensões extraídas pela literatura.
3.7 Limitações Ligadas à Pesquisa
Esta pesquisa está sujeita a limitações, que não podem deixar de ser
consideradas, conforme seguem.
Subjetividade de parte das informações coletadas – deve-se atentar para o
fato de que as informações fornecidas derivam exclusivamente das
percepções e da sinceridade dos respondentes, podendo suas visões estarem
enviesadas ou até mesmo alteradas pela presença do entrevistador.
A ordem de apresentação das perguntas – a ordem em que as questões são
apresentadas no roteiro pode introduzir um viés de resposta. No caso desse
trabalho, os respondentes podem se sentir induzidos a manter a coerência em
45
relação às respostas anteriormente fornecidas, mesmo que isso não
represente inteiramente a verdade de suas atitudes.
Perfil dos respondentes – pode-se dizer que a seleção dos entrevistados
voluntária, ou seja, onde o participante decide se quer ou não ser incluído
(TRIOLA, 2008 apud SUCCAR, 2013). Desta forma, é possível que seja
introduzido um viés na seleção dos entrevistados e consequentemente na
coleta de dados. A introdução desse viés foge ao controle do pesquisador.
3.8 Limitações Ligadas ao Método
De maneira similar as limitações ligadas a pesquisa, o estudo também
apresenta limitações ligadas ao método, conforme seguem:
Não possibilidade de generalização dos resultados – dado o escopo qualitativo
da pesquisa, não se podem generalizar os resultados encontrados.
Entrevistas realizadas no ambiente de trabalho dos entrevistados – para
facilitar a participação dos entrevistados, optou-se por realizar entrevistas indo
ao encontro dos entrevistados, na maioria das vezes em seus locais de
trabalho. Tal fato foi um complicador no momento da entrevista em função das
interferências externas ocorridas durante as entrevistas, que demandavam que
o entrevistado, em alguns casos, tivesse que se ausentar por alguns instantes
da entrevista e quebrando a sequencia de respostas.
Ausência de comprovação visual de algumas informações – realizar a
entrevista no ambiente de trabalho dos entrevistados facilitou a aceitação das
entrevistas, mas tornou impossível confrontar os entrevistados quanto alguns
relatos em termos da pesquisa e a prática (práticas de estocagem, verificação
da validade, entre outros fatores).
4 RESULTADOS DA PESQUISA 4.1 Perfil dos Entrevistados
Foram entrevistadas nove pessoas selecionadas através da rede de
contatos do pesquisador e da orientadora, sempre levando em consideração
os critérios de renda e escolaridade destacados anteriormente.
46
Dos selecionados para as entrevistas, foram um total de cinco homens e
quatro mulheres, com idades que variaram entre vinte e dois e setenta e sete
anos, conforme Tabela 1. Na mesma tabela, e respeitando as informações
dadas aos entrevistados antes da gravação das entrevistas, nenhum deles
seria identificado, razão pela qual estão sendo identificados apenas como
entrevistados de 01 a 09. A média de idade dos entrevistados ficou em 45,22
anos.
Tabela 1 – Perfil dos Entrevistados
Dos nove entrevistados, o grau máximo de escolaridade atingido foi o
ensino médio completo, assinalado por dois entrevistados, conforme Tabela 1 –
Perfil dos Entrevistados. Os demais interromperam os estudos, em alguns
casos, ainda bem cedo. No quesito profissão, todos se encaixaram em funções
que não demandam elevado grau de especialização ou capacitação técnica, o
que reforça que os entrevistados se encaixam no perfil procurado.
Com relação ao bairro de residência e ao perfil do imóvel em termos de
infraestrutura, as respostas também se mostraram em consonância com o
esperado para o perfil dos entrevistados: em sua grande maioria, casas com
apenas um banheiro, poucos quartos e em localidades distantes da localidade
ENTREVISTADO IDADE GÊNERO ESCOLARIDADE PROFISSÃO
01 56 Mulher4ª Série Ensino
FundamentalEmpregada Doméstica
02 58 Mulher7ª Série Ensino
FundamentalCuidadora de Idosos
03 54 Homem 2º Grau CompletoPorteiro, Técnico Seg.
Trabalho e Detetive Particular
04 22 Homem8ª Série Ensino
FundamentalPorteiro
05 32 Homem 1º Ensino Médio Porteiro
06 54 Mulher4ª Série Ensino
FundamentalDiarista
07 22 Homem 2º Grau Completo Instalador Equip. Eletrônicos
08 32 Mulher8ª Série Ensino
FundamentalAuxiliar de Serviços Gerais
09 77 Mulher2º Grau
Incompleto
Técnica Enfermagem / Dona
de Casa / Costureira
47
de trabalho ou em regiões carentes como favelas, vide Tabela 2 - Bairro e
Características Residência.
Tabela 2 - Bairro e Características Residência
Além disso, conforme Erro! Fonte de referência não encontrada.,
apenas um entrevistado relatou ter plano de saúde, como beneficiária do
marido, servidor aposentado do Exército Brasileiro. Um total de cinco
entrevistados afirmou ter acesso à internet em casa, seja nos aparelhos de
telefone ou via contratação de empresa especializada de banda larga. Por fim,
apenas dois entrevistados alegaram ter acesso a veículos.
Tabela 3 - Acesso a veículos, Plano de Saúde e Acesso a Internet
4.2 Dimensões de Pesquisa e Resultados Encontrados
Como forma de organizar esta seção, optou-se por apresentar os
resultados obtidos de acordo com as dimensões de adesão da Organização
Mundial da Saúde, permitindo ao leitor maior facilidade de exploração dos
resultados em função da dimensão.
Entrevistado Bairro de Residência Quantidade Banheiros Quantidade Quartos
01 Queimados 01 01
02 Nilópolis 01 01
03 Maurimárcia (Magé) 01 02
04 Usina (Favela Casa Branca) 01 01
05 Usina (Favela Casa Branca) 02 01
06 Bairro Peixoto 01 01
07 Pavuna 01 03
08 Guadalupe 01 02
09 Engenho de Dentro 01 02
Entrevistado Acesso a Veículos Plano de Saúde Acesso a Internet em casa / Celular
01 Não Não Não
02 Veículo Filha Não Não
03 Carro Não Sim
04 Não Não Celular
05 Não Não Sim
06 Não Não Sim
07 Não Não Sim
08 Moto Não Celular
09 Não Sim Não
48
4.2.1 Fatores relacionados com o sistema de saúde
De acordo com o estudo “Adherence to long-therm therapies” da OMS,
os fatores relacionados ao sistema de saúde que impactam na adesão podem
ser descritos como serviços de saúde precários, sistemas de reembolso
ausentes ou inadequados pelos planos de saúde, falta de conhecimento e/ou
treinamento dos profissionais, sobrecarga de trabalho, ausência de incentivo e
feedback sobre o desempenho, consultas de curta duração, entre outros.
Como abordado anteriormente, este estudo está focado na percepção
dos pacientes sobre o processo de adesão e, dessa forma, as variáveis
mencionadas pelo estudo da OMS referentes aos profissionais de saúde como
falta de conhecimento e sobrecarga não serão abordados. Da mesma forma,
questões que envolvem o reembolso por parte dos planos de saúde e,
portanto, as empresas privadas do setor também não serão comtemplados.
No âmbito das dificuldades operacionais no tratamento - uma das
dimensões de pesquisa e em linha com o artigo da OMS no sentido de ser
avaliado como potencial incentivador da baixa adesão ao tratamento médico -,
esta foi relevantemente citada por todos os entrevistados como empecilhos
para a busca e adesão ao tratamento médico.
Dentro da classe social estudada, apenas um dos entrevistados tinha
plano de saúde, o que significa que os demais estavam à mercê das
instituições públicas de saúde. Como é possível imaginar, a avaliação geral
dos entrevistados foi péssima quanto à qualidade do serviço público. As
reclamações foram diversas: demora nos atendimentos, falta de médicos
especialistas, impossibilidade de realizar exames, entre outras queixas.
Chamam a atenção, no entanto, as opiniões das entrevistadas 01 e 09,
coincidentemente ou não com problemas crônicos de saúde – problemas como
diabete, pressão, colesterol alto –, que relataram ser bem atendidas em
situações específicas.
“UPA e eu faço tratamento no CETHID. É pra
pressão alta, diabetes. Porque eu já fui
49
diabética. Então lá eles dão remédio, fazem
todos os exames direitinho. Lá nessa parte eu
não tenho do que reclamar”. Entrevistada 01
O CETHID, como relatado pela entrevistada, é o Centro Especializado no
Tratamento de Hipertensão e Diabetes localizado em Queimados, ao qual
afirma ter acesso a especialistas e medicamentos sem grandes complicações.
É possível identificar nas entrevistas, no entanto, que a avaliação positiva está
ligada a esta instituição e não ao sistema de saúde como um todo, sistema
esse avaliado como precário pela própria entrevistada.
A entrevistada 09 também não teceu grandes reclamações, informando
ser bem atendida quanto vai a um hospital perto de sua casa, sendo possível
agendar consultas e pegar medicamentos. A entrevistada é usuária regular de
mais de nove medicações diárias em função de mais de 12 cirurgias realizadas
para tratamento de diversos problemas de saúde. A mesma entrevistada é a
única com acesso a plano de saúde.
Os demais entrevistados, no entanto, são críticos da qualidade da saúde
pública, fator que pode ser correlacionado a não adesão visto que os mesmos
não tem acesso ao tratamento e, principalmente, com a automedicação,
prática rotineira entre os entrevistados.
Entre as unidades de atendimento mais procuradas no aparecimento de
problemas estão as Unidades de Pronto Atendimento (UPA) que, mesmo com
as críticas, são enxergadas como a primeira opção para parte dos
entrevistados.
No âmbito do envolvimento do paciente no processo de adesão – aspecto
também categorizado pela OMS como inerente à dimensão relacionada ao
sistema de saúde - percebe-se que o termo adesão carrega implicitamente a
redução da atribuição de poder do médico nesta relação médico-paciente,
trazendo consigo uma noção de cooperação, parceria, evidenciando o paciente
não como um ser passivo nesta relação, mas como proeminente na aceitação
e discussão do tratamento. No entanto, o envolvimento dos pacientes no
processo de decisão não apareceu nas entrevistas como um fator relevante.
50
Poucos foram os casos no quais os entrevistados afirmaram questionar os
médicos sobre tópicos gerais dentro das consultas. De maneira mais
acentuada, questionamentos sobre se os medicamentos prescritos eram ou
não os genéricos foram os que aparecem com maior evidência. Poucos foram
os questionamentos sobre qual a real necessidade da medicação, possíveis
efeitos colaterais, entre outros fatores.
Em alguns casos, predomina a visão de que, para estar naquela posição
em uma consulta, o médico já demonstrou capacidade suficiente para exercer
a profissão e, portanto, não deveria ser questionado ou indagado sobre o
tratamento.
“Se eu procurei um médico, e ele passou
aquilo, ele sabe o que está fazendo”.
Entrevistado 03
Tal opinião, no entanto, pode ser confrontada com as alegações de que a
falta de confiança do paciente no médico pode sim ter impacto na adesão ao
tratamento médico. A falta de clareza e o uso de palavras rebuscadas na
consulta podem contribuir para o grau de confiança no médico, conforme
palavras do entrevistado 04. Em outros casos, a idade dos médicos – que
seria um fator relacionado a experiência – também apareceu como
impulsionador da confiança.
“Acha ele assim, até já faleceu, muito sincero.
Aquele médico que todo mundo... fomos nele
eu e Almir várias vezes, aquele médico antigo,
que abria a boca e você já estava entendendo
o que ele dizia. Você abria a boca e ele já
estava entendendo o que você queria falar”.
Entrevistada 09
Dessa forma, percebeu-se nas entrevistas realizadas que, dentro do
grupo de pesquisa, os pacientes adotam uma postura mais passiva quanto à
interação com os médicos e possíveis questionamentos sobre seus
diagnósticos.
51
Ainda considerando a relação médico paciente, mas no âmbito das falhas
de comunicação nesta relação, as mesmas podem ser definidas como a
incapacidade de recordar as instruções do médico, contribuindo assim para a
baixa adesão ao tratamento médico. Tais falhas de comunicação podem estar
associadas, em alguns casos, à complexidade da prescrição.
No entanto, falhas de comunicação na relação médico-paciente não foram
largamente relatadas. De maneira hipotética, muitos entrevistados afirmaram
que em casos de falha de comunicação ou dúvidas quanto à prescrição,
voltariam a consultar o médico para se informar sobre o tratamento.
A principal reclamação que pode gerar falhas é com relação à letra dos
médicos na prescrição, o que pode gerar dúvidas quanto ao medicamento que
está sendo indicado, dosagens, prazos, entre outros fatores. Tais incidentes
podem contribuir, assim, para afetar a adesão ao tratamento médico visto que
as dificuldades operacionais no tratamento como falta de médicos e hospitais
de qualidade podem interferir na decisão do paciente em voltar a buscar
auxílio médico.
4.2.2 Fatores socioeconômicos
Segundo a OMS, fatores socioeconômicos são mais relevantes
principalmente em países em desenvolvimento, onde o baixo status
socioeconômico pode colocar os pacientes em situações onde deverão forçar
escolhas entre prioridades competitivas Outros fatores considerados
relevantes no quesito da adesão estão relacionados a variáveis demográficas
como baixo status socioeconômico, pobreza, analfabetismo, baixo nível de
educação, desemprego e também a ausência de redes de apoio social,
condições de vida instáveis, grandes distâncias de centros de tratamento, alto
custo de transporte, altos custos de medicação, cultura, crenças leigas sobre
doença e tratamento, entre outros.
Consideradas as variáveis sugeridas pela OMS, a revisão de literatura
buscou compreender o processo de compra de medicamentos, que tem como
principal objetivo interpretar os processos pelos quais os indivíduos ou grupos
sociais escolhem, avaliam e aderem (ou não) a determinadas formas de
52
tratamento calcado no conceito de itinerário terapêutico abordado na revisão
de literatura. Dessa forma, o processo de compra dos medicamentos foi
abordado para avaliar os possíveis fatores de interferência entre a prescrição
médica e o ato de compra, especialmente quando o aspecto financeiro gera
conflitos de prioridades competitivas, conforme destacado pela OMS.
Como já abordado anteriormente, a questão financeira é um grande
empecilho para as famílias de baixa renda. A entrevistada 01, por exemplo,
alega esperar ter condições financeiras para comprar os medicamentos
receitados, o que é uma prática recorrente de outros entrevistados diante das
dificuldades financeiras.
Não obstante o adiamento da compra, alguns entrevistados também
levantaram o fato de comprarem menos medicamentos do que o recomendado
pelo médico, em função de situações como cartelas em quantidades
incompatíveis com as dosagens prescritas pelo médico. Nesses casos,
também houve uma justificativa financeira, o que pode ser percebido pela
opinião do Entrevistado 05:
“Aí depende... depende do valor do remédio,
né? Se o remédio for caro e o meu bolso não
der, né? Passa pra sete dias, e aí vem uma
caixa de remédio com cinco comprimidos, aí
meu bolso não dá, eu não vou comprar. Vou
parar o tratamento, entendeu?”. Entrevistado
05
Além do fator financeiro interferindo no ato da compra e, por
consequência, na adesão ao tratamento médico, outro aspecto muito
levantado pelos entrevistados foi a interferência de balconistas e
farmacêuticos no ato da compra. Esta interferência pode ocorrer de maneiras
distintas como, por exemplo, influência no processo de automedicação, onde o
entrevistado não tem uma demanda específica de medicamento, o que o leva a
estar refém de conselhos diversos. Em outros casos, a falta do remédio
receitado pelo médico no ato da compra também pode abrir caminho para os
funcionários dos estabelecimentos recomendarem outros medicamentos.
53
Alguns entrevistados afirmaram, ainda, desenvolver uma relação de
confiança com funcionários de suas farmácias de preferência, o que pode
contribuir para mudanças no tratamento. As entrevistadas 02 e 09 alegam ter o
hábito de comprar remédios em estabelecimentos conhecidos de longa data,
nos quais conhecem os funcionários e desenvolveram assim, uma relação de
confiança.
Outro fator relevante no ato da compra, levantado pelos entrevistados 06
e 08, foi que ambos relataram comprar os remédios indicados pelo médico
apenas após conversarem com parentes ou fontes de confiança próximas,
podendo ser caracterizado como a rede de apoio social descrita pela OMS. No
caso da entrevistada 06, a compra ocorre apenas após falar com a filha. Já
para o entrevistado 08, a opinião dos sogros é relevante, visto que estes
trabalham na área de saúde:
“Porque no fundo, no fundo, você sempre
sente aquela desconfiança. E eles podem
dizer como usa esse, ou se consultar em outro
médico”. Entrevistado 08.
No âmbito das variáveis demográficas, muitos são os fatores que
contribuem para a adesão ao tratamento médico. Atitudes, valores, ideologias,
perfis da doença não são os únicos fatores correlacionados, mas também
acesso econômico, disponibilidade de tecnologias, escolaridade, renda e
outras variáveis demográficas, reforçando o caráter multidisciplinar do tema e
sua inerente complexidade.
O perfil de entrevistados da pesquisa mostrou-se bem variado. Apesar do
número relativamente baixo de entrevistados, em função da técnica de
pesquisa (entrevistas em profundidade), conseguiram-se entrevistados
equilibrados em termos de gênero, e ao mesmo tempo com realidades e
características distintas, conforme pode ser percebido pelas tabelas anexadas
no item de perfil da dos entrevistados.
Dentro deste contexto, das variáveis demográficas verificadas, não é
possível fazer grandes suposições a respeitos da baixa renda no que tange à
54
adesão aos medicamentos. No entanto, algumas considerações fazem-se
relevantes. Variáveis demográficas como idade, escolaridade, número de
filhos, entre outras não foram percebidas como variáveis relevantes para
indicar reflexões sobre os impactos das mesmas na adesão ao consumo de
medicamentos, em linha com os achados na literatura pesquisada, que
apontavam as variáveis demográficas como indicadores fracos na relação com
a baixa adesão.
4.2.3 Fatores relacionados com o tratamento
Os fatores relacionados ao tratamento foram caracterizados pela OMS
como questões que envolvem a complexidade do regime de medicamentos,
duração do tratamento, falhas em tratamentos prévios, mudanças frequentes
no tratamento, a urgência do efeito dos benefícios, efeitos colaterais e a
disponibilidade de suporte médico para lidar com os problemas.
No âmbito dos efeitos colaterais, a suspensão ou, ao menos, redução ou
modificação das dosagens dos medicamentos é apenas uma das
consequências quando os mesmo provocam reações indesejadas ou
inesperadas no organismo dos usuários. Ou seja, os possíveis efeitos
colaterais resultantes da ingestão medicamentosa podem ser potenciais
inibidores da adesão de medicamentos, influenciando na alteração dos
horários programados ou até mesmo na interrupção de eventuais tratamentos.
A entrevistada 01, por exemplo, informou sobre a percepção de não
ingerir medicamentos de barriga vazia. Por morar distante do trabalho –
deslocamento de Queimados até Ipanema – afirma acordar muito cedo para
trabalhar e, em função disso, demonstra certo receio de algum efeito colateral
advindo da ingestão da medicação, deixando para tomar os remédios apenas
quando chega ao trabalho. Além da entrevistada 01, a entrevistada 06 também
levantou consideração parecida, conforme segue:
“Às vezes o estômago não está bom, né? Ou
então você toma um café quente, né? Ai pra
depois você pra tomar o remédio ou com suco
ou com agua não fica legal, entendeu? Ai eu
55
deixo dar um intervalor quando eu chego no
serviço”. Entrevistada 06
Além disso, a entrevistada 01 alega ficar “empanzinada”, conforme suas
próprias palavras, com a quantidade de remédios que toma diariamente (para
diabetes e pressão alta), mas que esse efeito colateral não a faz parar de
tomar os medicamentos, por esta entender a necessidade de preservar sua
saúde.
A Entrevistada 02 alegou já ter sofrido sérias complicações após a
ingestão de medicamentos. Na ocasião, em função da automedicação para
tratar problemas de estômago, seu corpo apresentou sinais de inchaço e
vermelhidão, que não geraram maiores complicações após a suspensão da
medicação.
A entrevistada 06 também alegou ter sofrido de efeitos colaterais. Na
primeira ocasião, após uma crise de dor na coluna, tomou injeções que não
surtiram efeito e ainda agravaram ainda mais o quadro de dor, nas palavras da
entrevistada. Já na segunda ocasião, após sofrer um aborto espontâneo, foi-
lhe receitado um antidepressivo pelo médico. Porém, o remédio teve
resultados indesejados, deixando a entrevistada mais nervosa que o habitual.
Nesta ocasião, a percepção dos efeitos colaterais fez com que a entrevistada
voltasse ao médico e que este receitasse outro medicamento. Nestes dois
casos, no entanto, os efeitos colaterais foram assistidos por especialistas que
puderam propor a melhor solução.
Ainda sobre a entrevistada 06, a mesma já chegou também a dispensar
tratamento receitado pelo médico por acreditar que aquela medicação estaria
associada a efeitos colaterais perigosos como o câncer, evidenciando assim
que as percepções sobre os possíveis efeitos colaterais têm influência sobre o
comportamento dos pacientes.
Parte dos entrevistados afirmou ler a bula dos medicamentos, não apenas
para avaliar a necessidade dos medicamentos diante dos sintomas
evidenciados, mas também para avaliar efeitos colaterais. Em alguns casos,
principalmente na automedicação, possíveis efeitos colaterais considerados
56
arriscados pelos entrevistados funcionaram como inibidores da
automedicação. Os demais entrevistados não levantaram informações
relevantes ou afirmaram que, na presença de efeitos colaterais,
interromperiam o uso do medicamento.
A complexidade da prescrição, representada por um conjunto de
instruções variadas, não foi levantada por muitos entrevistados como um
potencial influenciador na adesão aos medicamentos. A grande maioria
afirmou não ter problemas em entender as prescrições e alegou que, em casos
de dúvida, voltariam a questionar o médico para utilizar os medicamentos da
maneira adequada.
Neste cenário, chamam a atenção as respostas do Entrevistado 05, que
ao se deparar com um problema dermatológico, alegou ficar confuso com o
regime prescrito pelo médico, conforme segue:
“Porque o shampoo era um dia e o outro não.
O sabonete é todos os dias. Ai você pega
shampoo, sabonete e o remédio três
comprimidos ao dia. Acabei esquecendo”.
Entrevistado 05.
Os demais entrevistados, apesar de não levantarem questões sobre a
complexidade da prescrição, afirmaram sentir dificuldades de entender a letra
do médico, o que pode ser caracterizado por uma falha de comunicação e é
também um potencial inibidor da adesão ao tratamento médico.
Outro fator que pode ser levantado dentro do campo de complexidade da
prescrição é que parte dos pacientes afirmou ser mais fácil lembrar-se dos
medicamentos quando estes são utilizados apenas uma vez ao dia ou menos.
Tais afirmações foram acompanhadas de relatos sucessivos de esquecimento
na utilização de medicamentos, o que indica relação entre a complexidade da
prescrição e a quantidade de doses a serem utilizadas por dia durante o
tratamento.
57
No âmbito dos medicamentos genéricos – apesar de não ser classificado
pela OMS como um fator impactante na adesão, mas presente na revisão da
literatura e categorizado como um dos aspectos relacionados ao tratamento -
todos os entrevistados afirmaram fazerem uso ou já terem usado genéricos. A
primeira impressão, quando questionados, é de que os entrevistados não têm
má impressão quanto à eficácia dos medicamentos genéricos. Em alguns
casos, existia sim um preconceito inicial quanto ao uso deste tipo de
medicamento, mas logo desmistificado em função de experiências positivas,
também relatadas por muitos como diferenciais para a utilização de
medicamentos genéricos.
O mais impressionante foi que, quando abordados de outra forma ou com
perguntas subjetivas, ficou evidente que existe sim certa resistência ao
medicamento genérico. Em alguns casos, foi perceptível que a escolha entre o
medicamento genérico e o de marca fica restrita a uma esfera financeira.
“É igual eu ter cinco reais no bolso, aí tem a
Coca-Cola e como é o nome do outro?
Paquera, né? Eu prefiro pagar a Coca-Cola,
né? Entrevistado 03
A escolha das palavras também revela uma percepção negativa quanto
ao genérico quando percebe-se entrevistados referindo-se ao medicamento de
marca como o “verdadeiro”, em contraposição ao medicamento genérico, ou
“não-verdadeiro”.
Dessa forma, entende-se que apesar da primeira impressão não ter sido
detectada resistência quanto à utilização de medicamentos genéricos, quando
olhado com mais cuidado este é sim um fator relevante no quesito
confiabilidade para os entrevistados.
Mesmo com experiências positivas, percebeu-se que para parte dos
entrevistados, a figura do médico é percebida como incontestável, não sendo
apropriado questioná-lo sobre a medicação escolhida como, por exemplo, se
caberia a utilização de medicamentos genéricos ou se o próprio remédio
58
receitado já é o genérico. Outros entrevistados, no entanto, afirmam questionar
abertamente os médicos sobre os genéricos.
Vale ressaltar, também, que muitos entrevistados fazem o uso da
automedicação, o que tem uma alta influência de outros atores como
farmacêuticos, balconistas e rede de contados pessoais na escolha dos
remédios e, portanto, na escolha de medicamentos genéricos.
No âmbito da medicina alternativa, assim como nos medicamentos
genéricos, todos os entrevistados também relataram terem feito ou fazerem
uso regular de medicinas alternativas para o combate de doenças. Para o
grupo de pesquisa estudado, entende-se majoritariamente como medicina
alternativa o uso de chás e ervas medicinais para o alívio de sintomas
diversos.
De todos os entrevistados, apenas a entrevistada 09 informou ter utilizado
medicamentos para homeopatia como alternativa aos tratamentos
convencionais. Fora esta, demais práticas não foram levantadas pelos
entrevistados para referir-se a medicinas alternativas, apesar da revisão da
literatura apontar para uma lista extensiva de práticas.
Pela descrição dos entrevistados, a utilização de chás e ervas com
propósito medicinal é fruto de experiências de família, conhecimentos
passados através de gerações e que, por tradição e crença em seus
resultados, são utilizados em diversas situações.
Para a entrevistada 06, por exemplo, chás também têm algum valor
terapêutico quando há confusão em saber se algum medicamento foi ou não
tomado no momento correto. Nesses casos, para não repetir a dose do
remédio ao qual se está confuso, opta-se por um chá para aliviar quaisquer
sintomas ao invés de correr o risco de ingerir o mesmo medicamento duas
vezes.
Para o entrevistado 07, chás podem ser considerados em casos mais
brandos, quando o entrevistado acreditava que o problema em questão não
precisaria de intervenção médica – em geral sintomas brandos – , podendo
59
aguardar os efeitos do chá quando tivesse a oportunidade de ingeri-lo, ao
invés de utilizar remédios.
Para a entrevistada 09, a utilização de chás para o combate a um
problema crônico de gastrite poderia evitá-la de realizar uma endoscopia,
procedimento ao qual a entrevistada recusava-se em fazer em função do
receio que existia pelo desconforto causado pela técnica. Mesmo após ser
operada do problema no estômago, afirma continuar tomando o chá para o
estômago mesmo que não haja nenhuma validação dos benefícios ou
indicação médica.
Outro ponto relevante foi levantado pela entrevista 01, a qual afirmou que
os chás são percebidos como menos arriscados que os medicamentos
convencionais, uma vez que são caseiros, o que também foi levantado pelo
entrevistado 03 e sua percepção sobre os medicamentos, conforme segue.
“No meu caso, eu particular, eu evito muito
usar remédio. Evito porque, como eu estava
falando, teve um curso que eu fiz anterior,
existe uma NR chamada NR15 que só fala
tudo sobre agente químico e agente agressivo.
E muitos desses produtos estão munidos nas
bulas de remédio. Então o que acontece, você
tem uma dor de cabeça, você vai tomar um
remédio para aquela dor de cabeça e isso vai
te prejudicar o outro organismo seu”.
Entrevistado 03.
Ainda para a entrevistada 01, os benefícios da medicina alternativa não
se limitam apenas ao combate dos sintomas percebidos, mas como podem,
inclusive, preparar o corpo para procedimentos de rotina, conforme transcrição
a seguir:
“Então, tipo assim, tem que fazer um
preventivo, que a mulher tem que fazer. A
mulher pode se preparar tomando um chá que
faz a limpeza e quando você vai fazer esse
exame já dá tudo certo e tudo bom, já vem
60
escrito parabéns porque você está se
cuidando, né?.” Entrevistada 01.
No âmbito das percepções dos pacientes sobre o tratamento, dentre
algumas das causas que contribuem para a não adesão estão as percepções
pessoais dos pacientes como, por exemplo, ausência de sintomas, tempo
entre o início do tratamento e o efeito da medicação, entre outros.
Em linhas gerais, a percepção dos entrevistados aos medicamentos é
negativa. Apesar dos possíveis benefícios advindos da utilização de
medicamentos, para a maior parte dos entrevistados há a percepção de que
remédios são necessários em caso de doença e, portanto, algo não prazeroso.
Dos entrevistados, a única avaliação positiva quanto ao uso de
medicamentos foi do entrevistado 03, que afirmou acreditar no objetivo do
medicamento de melhoria das condições de saúde. No entanto, o mesmo
entrevistado alega ter realizado um curso sobre saúde e segurança e que evita
tomar remédios, pois acredita que os medicamentos estão cheios de agentes
químicos que são muito agressivos para o corpo humano.
O término dos sintomas após o início do tratamento também foi levantado
por parte dos entrevistados como um fator relevante para abandonar o
medicamento, mesmo que a recomendação médica insista que o tratamento
deva durar mais tempo do que o adotado pelo paciente. A entrevistada 09, por
exemplo, afirma que após a utilização da medicação, com o efeito dos
remédios e a posterior ausência dos sintomas da doença, esta interrompe o
tratamento mesmo que a recomendação dada pelo médico seja diferente.
Por outro lado, diferentes entrevistados fazem uso de remédios de rotina
para combater problemas como colesterol e pressão e, mesmo sem ter efeitos
perceptíveis no dia a dia, consideram-se saudáveis e continuam a fazer o uso
dos medicamentos. A própria entrevistada 09 faz uso de medicações diárias.
Assim, o abandono de tratamentos em curso está mais associado a problemas
pontuais de saúde.
61
Complementarmente, a entrevistada 02 foi enfática ao afirmar que a
continuação do tratamento médico depende exclusivamente do resultado
rápido da medicação sobre os sintomas, conforme relato a seguir:
“Remédio para mim, eu tenho que tomar ele e
em cinco dias ele tem que fazer efeito. Se ele
em cinco dias não fizer efeito eu paro, troco”.
Entrevistada 02.
No âmbito da posologia, esta foi percebida pelos entrevistados como um
fator associado à eficácia dos medicamentos e, portanto, influenciando na
adesão dos mesmos. Para parte dos entrevistados, a posologia foi levantada
como incompatível com as atividades desenvolvidas ou até mesmo como
menos efetiva no tratamento de algumas doenças.
Por tratar-se de uma diarista e, portanto, habituada a lidar com água e
produtos químicos durante boa parte de seu dia, a entrevistada 06 alega que
ao ter sido prescrita uma pomada para o ressecamento da pele, seu
tratamento não foi efetivo uma vez que demorava mais para secar e
atrapalhava suas funções diárias. Em contrapartida, utilizou um creme para
suprir o problema de ressecamento, o qual alegou ter uma ação mais eficaz.
O entrevistado 05, por sua vez, alegou não confiar na eficácia de
pomadas, chegando inclusive a não considerar as mesmas como um remédio
de uso tópico.
“Olha, depende do remédio, entendeu? Mas
pra mim eu não acredito muito em pomada,
não. Meu negócio é remédio mesmo.
Comprimido, vacina.” Entrevistado 05.
O mesmo entrevistado ainda complementa:
“Eu passei a pomada na minha pele, e eu
tomo banho toda hora. E por isso eu não
confio, entendeu? E o remédio não. Com
remédio é diferente, entendeu?”. Entrevistado
05.
62
No quesito eficácia, também foi possível perceber diferenciações quanto
à posologia dos medicamentos. O entrevistado 06, por exemplo, afirmou que
acredita que determinadas formas de medicamentos, como as injeções, são
aconselháveis em casos onde os sintomas são mais agudos, acelerando os
efeitos no corpo do paciente. Os demais entrevistados não teceram
considerações sobre a interferência da posologia na manutenção do
tratamento.
4.2.4 Fatores relacionados com o paciente
Os fatores relacionados com o paciente envolvem, segundo a OMS
(2003), questões como esquecimento, estresse psicossocial, ansiedade
provocada por possíveis efeitos colaterais, baixa motivação, conhecimento e
habilidade inadequada para gerenciar os sintomas da doença e o tratamento.
Além desses fatores, conhecimentos e crenças dos pacientes sobre as suas
doenças, motivações para gerenciar a doença, expectativas com relação aos
resultados do tratamento e as consequências da baixa adesão, entre outros,
são fatores relacionados.
No âmbito da percepção sobre o papel dos medicamentos, estes são
vistos como cura e veneno, impondo aos indivíduos escolhas quanto ao seu
uso que podem ser influenciadas por ideologias, construções culturais ou até
mesmo percepções da eficácia dos mesmos.
Desse ponto de vista, a visão geral relatada pelos entrevistados sobre
medicamentos é negativa, associando os mesmos a doenças, sempre do ponto
de vista pessimista. Tal percepção pode ser descrita através da frase da
entrevistada 09, que afirma que “se você não está doente, então você não
toma remédio”.
Além disso, ideologias e construções culturais estão muito presentes no
meio, seja através de crenças ou do conhecimento acumulado em função da
experiência e das percepções sobre o uso de medicamentos que serão
detalhados em outros tópicos.
63
No âmbito da influência do meio social, cura e doença são experiências
intersubjetivamente construídas, em que o paciente, sua família e aqueles que
vivem próximos estão continuamente negociando significados. Ou seja,
percebemos que a influência do meio no constructo da adesão é
extremamente relevante para o tema.
A influência do meio aparece de maneira expressiva nas entrevistas de
maneira geral. São inúmeros os relatos de casos onde pacientes são
influenciados a tomar medicamentos, trocar prescrições e até mesmo tentar
tratamentos alternativos objetivando a cura.
Foi possível identificar, por exemplo, que todos os entrevistados, sem
exceção, têm pontos de referência no sentido de buscar ajuda ou tirar dúvidas,
no que tange à utilização de medicamentos. Não necessariamente os pontos
de referência precisam ser ligados à área de saúde, mas são pessoas que têm
uma relação de confiança com o paciente.
Em alguns casos, as fontes de confiança são sim ligadas à área de
saúde, como no caso da entrevistada 02, cuja filha estuda enfermagem em
uma Universidade Pública na cidade do Rio de Janeiro e, dessa forma, acaba
sendo referência para a mãe não apenas para tirar dúvidas, como também é
uma fonte de acesso a remédios, conforme relatado pela entrevistada.
“Que eu tenho outra filha que trabalha em
posto de saúde também, ela é técnica de
enfermagem. Aí de vez em quando em peço a
ela: arruma umas amoxicilinas para mim? Aí
ela me dá. Nem tomei ainda. Tá dentro da
minha bolsa”. Entrevistada 02.
Em outro exemplo, o entrevistado 05 informa que a esposa trabalha para
uma médica e que, nesse caso, quando há dúvida sobre tratamentos ou
remédios, esta médica é o ponto de referência do casal.
Não apenas de pontos de referência individuais são constituídas as
redes de relacionamento. A entrevistada 01, por exemplo, afirma que em sua
localidade de residência, a comunidade reconhece um médico particular da
64
área como um “super médico”, referência quando os moradores estão com
algum problema de saúde e não dispõem de auxílio na rede pública,
recorrendo a uma consulta particular. Dessa forma, a rede de contatos dos
entrevistados aparece como um grande influenciador no processo de adesão
ao tratamento médico no sentido do compartilhamento de informações e na
percepção e definição do que vem a ser bons médicos.
No âmbito da influência da religião, todos os entrevistados declararam,
em maior ou menor grau de fervor, sua fé religiosa, sendo estes praticantes ou
não. No entanto, apenas um entrevistado, o de número 03, afirmou perceber
conexões entre a cura de problemas de saúde e sua religião, conforme citação
a seguir.
“Eu quando era mais jovem, tinha um
problema de febre, e meu olho me dava tipo
assim uma “tontissa” e eu caia e se
machucava. Depois que eu aceitei Jesus, não
tenho mais”. Entrevistado 03.
Ainda no campo da religião, os demais entrevistados não compartilharam
da mesma opinião do entrevistado 03, revelando acreditar no máximo no poder
da fé como um revigorante no sentido de crer na melhora individual, mas não
como um fator determinante para a cura.
Por fim, no âmbito da empatia profissional, melhorar a relação médico
paciente é percebido como fundamental para reduzir as taxas de não adesão e
consideraram estratégias como, por exemplo, negociação dos objetivos do
tratamento, redução da complexidade do tratamento, encorajar o apoio
familiar, adequar o tratamento ao estilo de vida do paciente, entre outros
fatores.
Desse ponto de vista, a empatia profissional mostrou-se um aspecto
altamente relevante sobre a adesão. Comentado por quase todos os
entrevistados, a confiança no profissional faz toda a diferença no tratamento.
Mesmo que alguns entrevistados tenham mostrado uma postura de respeito
frente aos médicos, reconhecendo-os como uma figura quase que ilibada, a
65
falta de confiança no diagnóstico ou na consulta pode fazer toda a diferença
entre escolher seguir a prescrição ou não.
Determinados hábitos médicos durante a consulta que podem contribuir
para criar uma boa impressão cabem ser levantados. A entrevistada 02, por
exemplo, afirma que um bom médico é aquele que escuta o que o paciente tem a
dizer, examinando-o, em oposição à figura de um médico que mantem a cabeça
baixa e fica escrevendo, conforme palavras da entrevistada.
Assim como na opinião da entrevistada 02, o entrevistado 03 compartilha
da mesma visão, preferindo médicos que realizem exames “pelo corpo” para
desenvolver uma relação de confiança. Caso essa relação de confiança não se
estabeleça, todos os entrevistados afirmaram que não seguiriam as
recomendações médicas, em alguns casos optando por uma nova consulta.
Para o entrevistado 04, outras variáveis que podem interferir na relação
de confiança é o uso de palavras rebuscadas ou não claras, contribuindo
assim para a troca de médico ou o não seguimento da prescrição.
Por fim, no âmbito das crenças sociais, estas são determinadas de
acordo com o meio em que estamos inseridos, sendo influenciadas pela
sociedade, comunidade, família, além do conhecimento da ciência e tecnologia
a que cada indivíduo tem acesso. Dessa forma, muitos outros tópicos
abordados anteriormente têm sintonia com o que será abordado dentro de
crenças sociais e, portanto, não serão repetidos como, por exemplo, a
influência do meio.
No quesito de conhecimento de ciência e tecnologia a que cada
indivíduo tem acesso, o grupo pesquisado não demonstrou engajamento, por
exemplo, com plataformas online para o debate de tratamentos, fóruns,
dúvidas ou leitura de bulas, não sendo este um canal relevante. Quando muito,
pacientes mais velhos que têm como ponto de referência filhos ou pessoas
mais jovens, alegam que estes recorrem a informações na internet, mas não
souberam precisar qual nível nem quais as principais informações procuradas.
66
Tal fato chama a atenção, pois apesar de não usarem a internet com
este propósito, muitos dos entrevistados alegaram ter acesso à internet em
casa ou celular, demonstrando que a falta de acesso não reside na
impossibilidade técnica de acesso, mas sim nos hábitos de cada entrevistado.
4.2.5 Fatores relacionados com a doença
Por fim, os fatores relacionados com a doença envolvem, segundo a OMS
(2003), questões enfrentadas pelos usuários no tangente à adesão como, por
exemplo, a severidade dos sintomas, o grau de incapacidade experimentado
(física, psicológica, social e vocacional), taxa de evolução dos sintomas /
doença, severidade da doença e a avaliação da efetividade do tratamento.
Além disso, ainda segundo o estudo, o impacto destas variáveis está
diretamente correlacionado com a influência na percepção de risco do
paciente.
Na revisão da literatura, os fatores categorizados pela OMS como
relacionados a doença podem ser compreendidos de maneira abrangente pela
percepção de doença e cura dos pacientes. Percebe-se que a adesão ao
tratamento médico incorpora fatores sociais associados aos diferentes padrões
de socialização de homens e mulheres, que tem a ver com a organização
familiar, as condições de trabalho, o tipo de ocupação e a cultura, os quais por
sua vez, interferem no processo saúde-doença. Dessa forma, a adesão ao
tratamento médico é significantemente influenciada pela percepção do que
vem a ser doença.
Ficou evidente que, para a o grupo de entrevistados analisados,
praticamente todos têm como recurso número um a automedicação como
principal saída para sintomas considerados mais brandos. A exceção da regra
poderia ser exemplificada pelo entrevistado 03, que afirmou não ficar doente
em quase nenhuma situação e, portanto, não precisaria de medicamentos.
“Você pode até falar: mas você não é biônico.
Eu quando tô com dor de cabeça, às vezes é
porque eu não dormi direito. Às vezes. Aí eu
durmo, e passa. Gripe, eu não sei se é porque
67
meu sangue é forte, não é assim, é.. Tipo A ou
B. Ele é O+, eu não tenho gripe. Raramente. E
quando eu tenho eu apelo muito para o
remédio de mato.” Entrevistado 03
No entanto, o mesmo entrevistado, após o fim das gravações e em um
momento mais descontraído, afirmou que em um momento de estresse
vivenciado em uma situação com sua família, apelou para calmantes em
função dos sintomas que estava sentindo, contradizendo assim suas palavras
de não se automedicar e de não ficar doente. Além disto, o mesmo
entrevistado sofre de problemas na coluna recorrentes, o que foi identificado
por seu médico como reflexo do trabalho na lavoura quando este era mais
novo, reforçando a ideia de percepção de doença e cura retratada neste
tópico.
Como apontado pela literatura, cada individuo reage de uma forma
particular aos sintomas percebidos. Desta forma, a definição de doença para
um grupo social pode ser complexa e multivariada. A procura de cuidados está
condicionada pelas atitudes, valores e ideologias, perfis da doença, o acesso
econômico e a disponibilidade de tecnologias. Estes fatores reforçam ainda
mais o caráter multidisciplinar do tema e sua inerente complexidade.
No quesito perfil da doença, sintomas corriqueiros do cotidiano não
foram considerados pelos entrevistados como doença. Tal opinião pode ser
retratada pela percepção do entrevistado 08, conforme transcrito a seguir.
“Não foi uma doença, teve uma vez que eu
tava com uma dor de coluna muito forte e teve
uma amiga minha que mandou eu tomar um
certo medicamento”. Entrevistado 08
São inúmeros os exemplos que podem ser citados pelos entrevistados
para caracterizar ou não doenças. Em linhas gerais, são feitas diversas
associações para caracterizar uma doença, como: (1) o tempo de duração dos
sintomas, que quando de curta duração não são considerados efetivamente
doenças (ex. de gripes e resfriados); (2) severidade dos sintomas, que quando
brandos e não impedem o entrevistado de trabalhar também não são
68
consideradas doenças; (3) conhecimento dos sintomas, que quando já são
conhecidos pelo entrevistado não geram grande preocupação.
“Melhorei, não sinto nada? Jogo pra lá. Pra
que eu vou tomar remédio? Mesmo sem
acabar o tratamento”. Entrevistada 09
Muitos entrevistados, com problemas de saúde como diabetes, pressão,
colesterol e até mesmo glaucoma alegavam não ter nenhum problema de
saúde, mas quando indagados ao decorrer das entrevistas se tomavam algum
medicamento, lembravam-se dos tratamentos, mas não os associavam a
doenças propriamente ditas. Nas palavras da entrevistada 01, por exemplo,
doença seria estar com AIDS ou câncer.
Além desses fatores, a responsabilidade do trabalho e do dever
apareceu como um inibidor da busca por tratamento médico, em casos mais
brandos. Como relatado pela entrevistada 02, que é cuidadora de idosos, a
responsabilidade de sua profissão faz com que esta sinta-se impossibilitada de
ir ao médico, especialmente o sistema público de saúde, exceto em casos
extremos.
Por fim, foram relatados pelos entrevistados percepções de saúde mais
amplas, assim como de acordo com a literatura, como, por exemplo, realização
de atividades físicas e disposição para o trabalho, levantados pelo
entrevistado 03, homem. A entrevistada 06, mulher, de maneira complementar,
também classifica saúde como aparência física, reforçando as evidências
encontradas na literatura que fazem uma contraposição ao conceito de saúde
e doença percebido por homens e mulheres.
69
5 ANÁLISE DOS RESULTADOS
Em linha com a ampla revisão de literatura realizada acerca do consumo
de fármacos, encontraram-se evidências relevantes e diversificadas que
ajudam a compreender essa complexa teia que envolve o início e a adesão ao
tratamento médico no Brasil na baixa renda.
Nesta seção, assim como na seção de Apresentação dos Resultados da
Pesquisa, as dimensões de pesquisa estudadas serão destrinchadas em
tópicos, onde serão tecidos comentários a respeito das evidências
encontradas após entrevistas, levando em consideração a literatura
pesquisada.
Antes de destrinchar os resultados, algumas considerações de cunho
generalista fazem-se válidas no âmbito desta pesquisa. Foi possível afirmar,
por exemplo, a existência de diferentes fatores que poder ser classificados em
sistemas interferindo no âmbito da adesão. Foram identificados fatores que
podem ser subdivididos em três grandes categorias: operacional, social e
simbólico, conforme proposto pelo autor.
No âmbito operacional, encontram-se fatores funcionais ligados ao
acesso aos médicos e a infraestrutura de saúde. Já no âmbito social, estão
fatores relacionados ao meio em que as pessoas estão inseridas e,
naturalmente, a influência exercida por este ciclo social, através da troca de
experiências, sugestões, conselhos etc. Por fim, a última esfera seria a
simbólica, que poderia ser analisada a partir do ponto de vista dos próprios
pacientes e de como estes se relacionam com a doença através de
interpretações, crenças valores etc.
Pode-se dizer que estes três sistemas interagem de maneira
interdependente, contribuindo cada qual com a temática da adesão ao
consumo de fármacos sendo, portanto, relevantes para compreensão do tema
de forma categorizada.
Além disto, através das pesquisas de campo e revisão de literatura,
podemos afirmar que existem tipos diferentes de adesão. Não foram
70
encontrados relatos na literatura a respeito desta subclassificação, e o
presente estudo considera o estrito entendimento de adesão como a correta
utilização de medicamentos conforme instrução médica. No entanto, diferentes
tipos de adesão podem ser considerados como, por exemplo, adesões
integrais, conforme definido no estudo; não adesão que pode ocorrer, por
exemplo, em função de questões financeiras; adesões parciais marcadas pelo
esquecimento de algumas doses ou até mesmo pela mudança de remédios;
entre outras subclassificações.
O entendimento tanto dos diferentes tipos de adesão como dos sistemas
agindo no âmbito do consumo de fármacos ajuda a destrinchar e compreender
melhor este tema, saindo de uma esfera de análise em uma escala macro e
permitindo gerenciar o tema de maneira mais prática.
5.1 Fatores relacionados com o sistema de saúde
No âmbito dos fatores relacionados com o sistema de saúde levantados
pela OMS (2003), a seção de Resultados da Pesquisa abordou uma série de
variáveis interferentes no processo de início e adesão ao tratamento médico.
Ainda segundo a OMS (2003), as dificuldades operacionais podem ser
caracterizadas como dificuldades de ordem prática como, por exemplo, a
distância percorrida pelos pacientes até as unidades de atendimento, a
incompatibilidade do horário de atendimento com os possíveis problemas
enfrentados pelos pacientes, e até mesmo a falta de profissionais capacitados
nos plantões.
Nesta linha, as críticas dos entrevistados ao sistema de saúde são
consistentes e ilustram a dificuldade dos pacientes em conseguir tratamento
na rede pública de saúde - que é a única saída para a maioria dos
entrevistados -, em linha com o estudo de Merino (2007), que detectou o
mesmo problema em sua pesquisa. As críticas são as mais variadas, desde
relatos de horas de espera em unidades de atendimento até ausência de
especialistas, ocasionando a impossibilidade do atendimento. Podemos dizer,
dessa forma, que a falta de estrutura para atendimento dos pacientes é um
71
fator relevante no âmbito da adesão, criando uma barreira antes mesmo de o
paciente ser diagnosticado, incentivando assim ações como a automedicação.
No âmbito da relação médico paciente, melhorá-la é fundamental para
reduzir as taxas de não adesão (DONOVAN, 1995 apud VERMEIRE, 2001),
pois há fatores que contribuem para a mesma, derivados de percepções
pessoais dos pacientes como, por exemplo, ausência de sintomas – visto que
esta desestimula a utilização de medicamentos –, tempo entre o início do
tratamento e o efeito da medicação e o medo de efeitos colaterais (ANNALS
OF PHARMACOTHERAPY, 1993 apud VERMEIRE, 2001). Dessa forma, a
melhora na relação médico paciente é um fator relativamente recente que visa
agregar benefícios a adesão, visto que um tratamento mais personalizado
pode fazer a diferença em função da adaptação das necessidades do paciente
ao tratamento conforme abordado por Longtin et al (2010).
No entanto, apesar de vasta literatura apontando para a evolução do
conceito do tratamento médico desde o conceito de “compliance” a
“adherence” passando pelo modelo paternalístico proposto por Longtin et al
(2010), o envolvimento dos pacientes não foi um fator de destaque nas
entrevistas. Poucos foram os casos no quais os entrevistados afirmaram
questionar os médicos sobre tópicos gerais dentro das consultas. Assim, pode-
se dizer que, dentro do grupo de pesquisa, os entrevistados demonstraram
uma postura mais passiva quanto à interação com os médicos e possíveis
questionamentos sobre seus diagnósticos, numa relação mais próxima do
conceito de “compliance”, que foi definido como o comportamento individual no
âmbito da utilização de medicamentos que coincide com as ordens médicas ou
de saúde (SACKETT, 1979 apud VERMEIRE, 2001).
Como afirmado anteriormente, no entanto, ações que visem melhorar a
relação médico paciente parecem ser não triviais e passar por outras questões
de cunho cultural e até mesmo educacional, pois esta relação entre médico e
paciente pode esbarrar em aspectos da língua (vocabulário mais técnico ou
rebuscado), a percepção do médico como uma peça dentro do processo e não
como ator principal e até mesmo sujeito a erros como em qualquer outra
profissão, devendo ser questionado pelos pacientes.
72
Ainda no âmbito da relação médico paciente, mas abordando as falhas
desse processo, a falha de comunicação pode ser definida como a
incapacidade de recordar ou compreender as instruções do médico
(DIMATTEO, 1994 apud VERMEIRE, 2001). Como abordado anteriormente,
este é um item de difícil mensuração, uma vez que os entrevistados
pesquisados têm um forte viés de automedicação, sendo difícil avaliar esta
questão.
No entanto, chama a atenção o fato de que, apesar de não terem sido
reveladas maiores dificuldades de compreensão do tratamento, todos os
entrevistados relataram já ter se esquecido de tomar os medicamentos no
prazo ou dosagem corretos, o que pode ser indicativo de uma possível falta de
compreensão em alguns casos.
Outros fatores foram percebidos como contribuintes para a não adesão,
como um número excessivo de doses ao dia – fator também relacionado ao
esquecimento das doses –, como também o número de medicações diferentes
a serem utilizadas num mesmo dia, em linha com os estudos de Morris et al
(1992) e Griffith (1990). Conforme levantado pelo entrevistado 05, a
combinação de medicamentos diferentes, em dias alternados, o confundiu no
processo de adesão, sendo um claro exemplo de que determinados
tratamentos podem ser simplificados para evitar falta de adesão ao tratamento,
estando em cheque a relação médico paciente e as possíveis falhas de
comunicação oriundas deste processo.
5.2 Fatores Socioeconômicos
Dentro dos fatores socioeconômicos apontados pela OMS (2003),
abordou-se o processo de compras dos medicamentos, que pode ser
caracterizado como uma compilação de variáveis citadas pela OMS (2003)
como interferentes no processo de adesão aos medicamentos como, por
exemplo, baixo status socioeconômico, pobreza, condições de vida instáveis, e
altos custos de medicação. Esbarrou-se mais uma vez, no entanto, em outros
problemas como, por exemplo, o alto índice de automedicação percebido pelos
entrevistados e em questões estruturais como a carência e a baixa qualidade
73
de serviços de saúde. Ao avaliar o processo de compra, tem-se como principal
objetivo interpretar os processos pelos quais os indivíduos ou grupos sociais
escolhem, avaliam e aderem (ou não) a determinadas formas de tratamento
(ALVES et al, 1999).
Nas entrevistas, percebeu-se que a rede de contatos dos entrevistados –
que pode ter se articulado em função da baixa qualidade dos serviços
públicos, forçando os entrevistados a buscarem alternativas – tem grande
influência na adesão ao tratamento médico, em linha com os estudos de
Gerhardt (2003). Mesmo quando prescritos por um especialista, os
entrevistados relataram consultar-se com suas fontes de confiança. Como
abordado por Alves et al (1999), tanto a doença como a cura são experiências
intersubjetivamente construídas, em que o paciente, sua família e aqueles que
vivem próximos estão continuamente negociando significado. Dessa forma,
não podemos afirmar que os resultados foram surpreendentes, pois já poderia
se esperar tal configuração social.
Além disso, a questão financeira parece relevante para a adesão ao
tratamento (GEHARDT, 2005). Medicamentos muito caros, ou vendidos em
doses incompatíveis com a prescrição médica, têm maiores chances de
estimular a baixa adesão conforme percebido pelas entrevistas.
No âmbito das variáveis demográficas, analisá-las através de uma
seleção de entrevistados em busca de relações entre estas variáveis e a
adesão ao tratamento médico não é trivial, muito em função do tipo de
pesquisa. Por tratar-se de uma pesquisa qualitativa, baseada em entrevistas
de profundidade, o número de pesquisados é baixo quando comparados a
pesquisas quantitativas, que permitem tecer maiores generalizações quanto à
amostra do estudo. Outra justificativa seria que variáveis demográficas (sexo,
idade, número de habitantes na residência) foram consideradas indicadores
fracos no âmbito do estudo da adesão conforme pesquisa de revisão da
literatura (ANON, 1997 apud VERMEIRE, 2001).
No entanto, podem ser tecidas algumas considerações a respeito das
entrevistas realizadas. Conforme pesquisa de literatura, fatores como
74
ideologias, acesso econômico e disponibilidade de tecnologias são variáveis
demográficas correlacionas a adesão ao tratamento médico.
Neste sentido, apesar de acesso a internet estar mais difundido nos dias
de hoje, não foi percebido movimento de interação e de busca de informação
na rede, seja através das redes sociais, seja por meio de ferramentas de
busca. Considerando que pessoas mais jovens também foram entrevistadas, a
internet não parecer ser uma ferramenta aliada dos entrevistados no auxílio ao
tratamento médico.
Além disso, a grande maioria dos entrevistados não tem acesso aos
planos de saúde particulares. No entanto, mesmo aqueles que têm algum tipo
de acesso – foram dois os entrevistados que relataram a disponibilidade –
apresentaram comportamento similar no âmbito da automedicação e do
abandono do tratamento.
Por fim, no quesito da religião, apesar de todos os entrevistados terem
relatado vínculos ou crenças religiosas das mais variadas, este não apareceu
como um aspecto de interferência no âmbito da adesão ao tratamento médico,
diferentemente do estudo de Rabelo (1993) que apontou a religião como um
processo interferente na busca pelo tratamento médico.
5.3 Fatores Relacionados com o Tratamento
No âmbito dos possíveis efeitos colaterais resultantes da utilização de
medicamentos, estes foram percebidos como potenciais inibidores da adesão
de medicamentos (ANNALS OF PHARMACOTHERAPY, 1993 apud
VERMEIRE, 2001), influenciando na alteração dos horários programados ou
até mesmo na interrupção de eventuais tratamentos.
Não apenas efeitos colaterais concretos, mas como também o risco
associado a hábitos ou crenças culturais, como a utilização de remédios de
estômago vazio, um suposto ensinamento geracional ou talvez uma percepção
pessoal sem comprovação científica, assim como experiências de pessoas
próximas com a medicação em questão podem provocar resistência ao seu
uso (FLEISCHER, 2012).
75
A percepção de riscos de efeitos colaterais também pareceu estar em
linha com o tipo de medicamento que está sendo utilizado, em linha com os
estudos de Fleischer (2012). A automedicação foi percebida como uma prática
altamente banalizada nas entrevistas realizadas, o que pode contribuir para a
incidência de problemas advindos da utilização de medicamentos sem a
devida prescrição médica. No entanto, o risco percebido é maior quando os
medicamentos não são de uso familiar do entrevistado, estando estes em
muitos casos receosos quanto à utilização de remédios que tenham relação
direta com o coração, antidepressivos, entre outros. A leitura das bulas, neste
caso, é um balizador das decisões sobre a utilização ou não dos
medicamentos, não apenas pela percepção de relação entre sintomas e
benefícios, mas também pelos riscos associados.
A complexidade da prescrição citada por Donovan (1994, apud
VERMEIRE, 2001), por sua vez, gera uma interpretação dúbia sobre como os
pacientes reagem a problemas dessa natureza. A figura do médico foi relatada
por muitos entrevistados como ilibada, no sentido de não questionarem seu
conhecimento ou suas práticas. Dessa forma, apesar da grande maioria ter
relatado não sentir dificuldades quanto à complexidade da prescrição,
praticamente todos os entrevistados afirmaram terem se esquecido de tomar
medicações dentro do prazo em algum momento de suas vidas. Tal fato pode
sugerir não apenas descaso quanto ao uso correto dos medicamentos, mas
dificuldades de compreensão que em muitos casos podem não ser sanadas
em virtude do receio do entrevistado em questionar as instruções do médico.
Além disso, devemos considerar a estrutura carente à qual estão
submetidos os entrevistados, na qual faltam médicos e qualidade no
atendimento, desestimulando o retorno do paciente ao centro médico para
sanar quaisquer objeções que este possa vir a ter quanto à utilização dos
medicamentos, como apontado por Merino (2007).
No âmbito dos medicamentos genéricos, estes se mostraram amplamente
difundidos pela população de baixa renda, muito em função das restrições
econômicas vividas pelos entrevistados. No entanto, apesar das inúmeras
experiências positivas quanto ao uso dos medicamentos genéricos, ficou
76
evidente que existe sim certa restrição quanto ao uso dos mesmos, uma vez
que a compra destes medicamentos ficou condicionada à viabilidade
econômica para alguns entrevistados. Dessa forma, os estudos de Sanyal et al
(2011) trazem importantes contribuições como a relação entre qualidade
percebida e eficácia e, portanto, o possível viés de qualidade negativa imposto
aos medicamentos genéricos.
O uso de palavras como “original”, para referir-se ao remédio de marca,
e questionamentos sobre como o entrevistado realizava a escolha entre
medicamento genérico e de marca – associação com a viabilidade financeira -
revelam a faceta da desconfiança sobre a utilização de genéricos.
Desconfiança esta também relatada por alguns entrevistados, que alegaram
acreditar que o remédio genérico é mais fraco que o de marca, podendo ser
esta uma das causas da desconfiança na eficácia do tratamento.
Conforme abordado na revisão de literatura, a qualidade percebida dos
medicamentos genéricos afeta significativamente o valor agregado das marcas
(SANYAL et al, 2011). Desta forma, mesmo que haja vantagens financeiras
quanto à utilização de medicamentos genéricos para a população estudada, é
possível que exista relação entre genéricos e adesão ao tratamento médico no
sentido definido nesta pesquisa, que considera o início e conclusão do
tratamento.
No âmbito da medicina alternativa e complementar abordado por Azevedo
et al (2004), esta apareceu em larga escala nos comentários dos
entrevistados. Mais do que um fator cultural, fica a impressão de que o uso de
alternativas terapêuticas é um reflexo dos problemas estruturais vivenciados
pela população das baixa renda. Ainda segundo o autor, o modo de lidar com a
doença e os recursos utilizados para cuidar da saúde relacionam-se dentre
complexas variáveis de ordem psicológica e social, à cultura de origem,
reforçando a influência de fatores como a carência estrutural e o meio social
ao qual os entrevistados estão inseridos.
Durantes as entrevistas, o entrevistado 03 chegou a afirmar que seu
primeiro contato com “medicamentos de farmácia” teria sido aos quinze anos,
77
pois naquela época, morando na “roça”, não se tinha acesso a tais
medicamentos. Essa situação ilustra exatamente o exposto no primeiro
parágrafo, onde tem-se a nítida sensação de que, em função de problemas
assistenciais, foram criadas alternativas construídas ao longo das gerações
anteriores, e mantidas em função de crenças sociais ou experiências positivas,
mesmo que não haja evidência científica que suporte a validade de
determinados tratamentos, em linha com Gerhardt (2006).
Apesar de o conhecimento estar mais difundido nos dias de hoje, ainda
assim os serviços de saúde para a população de baixa renda são muito
deficitários, incentivando práticas não indicadas como a automedicação ou de
medicinas alternativas, contribuindo assim para a não adesão.
No âmbito da percepção dos pacientes sobre o tratamento, os
medicamentos são vistos ao mesmo tempo como cura e veneno e, dessa
forma, impõem aos indivíduos fazer escolhas quanto ao seu uso, que podem
ser influenciadas por ideologias, construções culturais ou até mesmo
percepções da eficácia dos mesmos (DESCLAUX, 2006).
Dessa forma, fatores relacionados a percepção dos pacientes e que
contribuem para a não adesão podem ser exemplificadas como: ausência de
sintomas, tempo entre o início do tratamento e o efeito da medicação e o medo
de efeitos colaterais (ANNALS OF PHARMACOTERAPY, 1993, apud
VERMEIRE, 2001). Relevante nesse contexto, a relação médico paciente é
percebido também foi percebida como fundamental para reduzir as taxas de
não adesão através de ações como, por exemplo, negociação dos objetivos do
tratamento, redução da complexidade do tratamento, encorajar o apoio
familiar, adequar o tratamento ao estilo de vida do paciente, entre outros
fatores.
Do lado dos pacientes, os fatores levantados pelos entrevistados foram
sim percebidos como fatores influenciadores na adesão ao tratamento médico.
Ausência de sintomas, duração do tratamento, número de utilizações do
medicamento por dia, tempo de efeito da medicação e efeitos colaterais foram
citados pelos entrevistadores e aparecem com fatores de interferência no
78
tratamento, em linha com diversos estudos levantados na revisão de literatura
como Annals of Pharmacoterapy (1993, apud VERMEIRE, 2001). Dessa forma,
soluções no campo da medicina como encurtamento dos tratamentos, redução
dos efeitos colaterais com dosagens menos agressivas fazem-se necessárias
para reduzir a baixa adesão.
Por outro lado, são necessárias medidas sócio educativas, seja por parte
das empresas ou governos, no sentido de mobilizar a população quanto à
importância do tratamento, mesmo que não haja sintomas, e também na
perseverança do tratamento mesmo diante de alguns possíveis efeitos
colaterais.
No cenário brasileiro, no entanto, melhorar a relação médico paciente
parece ser um problema mais profundo. Ações que visem estimular a
negociação dos objetivos do tratamento e encorajar o apoio familiar não
parecem ações triviais. Durantes as entrevistas, percebeu-se pouca interação
dos médicos com os pacientes, exceto em questões mais triviais como, por
exemplo, perguntar se o medicamento indicado é ou não o genérico,
contrapondo a literatura que identificou uma participação crescente do
paciente na escolha e negociação do tratamento médico (OMS, 2003). Há
casos, no entanto, em que nem mesmo esta pergunta que poderia ser
considerada básica, é contestada pelos pacientes, mostrando que o estímulo a
ações dessa natureza pode residir em questões sociais mais profundas como,
por exemplo, a educação.
No âmbito da posologia dos medicamentos, esta é percebida como
relevante para a adesão ao tratamento médico em dois sentidos. No primeiro,
quando a posologia é inadequada para o tratamento do paciente em função da
incompatibilidade entre posologia e as funções diárias exercidas pelos
pacientes (FLEISCHER, 2012). No segundo, quando a posologia é percebida
como ineficaz pelo paciente, podendo ser descartada pelo mesmo antes até do
início do tratamento (FLEISCHER, 2012).
Ambas as situações puderam ser evidenciadas através das entrevistas.
Tanto no primeiro quanto no segundo problema, as soluções remetem ao
79
tópico anterior, na qual o paciente e o médico deveriam ter uma relação mais
estreita durante a consulta para, em conjunto, chegarem ao melhor tratamento,
onde o paciente possa tirar suas dúvidas quanto à eficácia, outras soluções
etc.
5.4 Fatores Relacionados com o Paciente
Como abordado anteriormente, medicamentos são vistos como cura e
veneno, conforme literatura pesquisada, impondo aos indivíduos escolhas
quanto ao seu uso que podem ser influenciadas por ideologias, construções
culturais ou até mesmo percepções da eficácia dos mesmos (DESCLAUX,
2006).
Apesar, no entanto, da maioria dos entrevistados revelar uma faceta
negativa quando a percepção dos medicamentos, sempre associando-os a
doença, e não a cura, por exemplo, não foram detectados traços relevantes de
pacientes que abdicam do tratamento médico em função desta avaliação
negativa quando aos medicamentos.
O mais próximo a que se chegou foi o entrevistado 03, que afirmou ter
conhecimentos sobre a grande quantidade de agentes químicos presentes nos
remédios, evitando tomar medicações, principalmente a automedicação. Este
mesmo entrevistado, no entanto, estava realizando tratamento para coluna no
momento da pesquisa, sendo consumidor de fármacos em um tratamento
estimado em 03 meses.
Dessa forma, não podem ser consideradas relevantes para o âmbito da
adesão a percepção dos pacientes da baixa renda brasileira sobre o papel dos
medicamentos, visto que não foram detectados casos nos quais os pacientes
se neguem ou interrompam o tratamento em função da percepção negativa
sobre os medicamentos.
Doença e cura são experiências intersubjetivamente construídas, em
que o paciente e o meio ambiente (familiar, trabalho, lazer etc.) estão
constantemente negociando significados (ALVES et al, 1999). Considerando
este conceito, a influência do meio aparece de maneira expressiva nas
80
entrevistas de maneira geral. São inúmeros os relatos de casos onde
pacientes são influenciados a tomar medicamentos, trocar prescrições e até
mesmo tentar tratamentos alternativos objetivando a cura, tendo todos esses
cenários impactos diretos na adesão de medicamentos.
Todos os entrevistados, sem exceção, têm pontos de referência no
sentido de buscar ajuda ou tirar dúvidas, no que tange a utilização de
medicamentos. Os meios pelos quais estas redes informais se articulam
podem estar conectadas com a falta de serviços de saúde de qualidade,
fazendo com que um espírito de comunidade se fortaleça. Isso fica evidente no
compartilhamento de soluções, como exposto pelos entrevistados que indicam
remédios que já utilizaram caso os vizinhos estejam sentindo sintomas
parecidos, por exemplo.
Mesmo que os pacientes consigam atendimento na rede de saúde, seja
pública ou até mesmo pagando por uma consulta na rede particular, a prática
de referendar o tratamento médico é comum diante da baixa qualidade do
serviço.
No âmbito da religião, apesar de todos os entrevistados terem se
declarado religiosos, não foram encontrados relatos relevantes da influência
da religião na adesão ao tratamento médico, não tendo nenhum entrevistado
relatado contraindicações advindas da religião acerca do uso de
medicamentos. Tal fato confronta, assim, a pesquisa de Merino (1993), que
abordou em sua pesquisa o impacto da religião na busca por tratamentos de
uma família resignada com o diagnóstico da filha, sendo influenciada pelo meio
a buscar diferentes religiões para a solução do problema.
No âmbito da empatia profissional, devemos levar em consideração,
antes disso, que ao buscar tratamento médico os pacientes estão envolvidos
em uma teia complexa de fatores e preocupações pessoais como, por
exemplo, tempo entre o início do tratamento e o efeito da medicação, o medo
de efeitos colaterais, receio dos impactos da doença, ausência de sintomas
etc.
81
Assim, a empatia profissional está altamente atrelada a interação do
profissional de saúde e o paciente, visto que em virtude dos anseios de cada
paciente o tratamento dado pelo médico, se mais solicito e atencioso, pode ser
fundamental para a adesão ao tratamento médico (DONOVAN, 1995 apud
VERMEIRE, 2001).
Não à toa, grande parte dos entrevistados utilizou-se de exemplos
práticos para suportar como a empatia do profissional era percebida. Para os
entrevistados, o médico realizar procedimentos básicos de saúde como checar
a pressão ou sentir os batimentos cardíacos são importantes para a avaliação
do profissional, pois demonstram cuidado. Além disso, a paciência na hora de
explicar os sintomas, os resultados de exames foram descritos como
relevantes.
Dessa forma, e com base nas entrevistas e na revisão de literatura
realizada, podemos dizer que a empatia é sim um fator relevante para a
adesão ao tratamento médico.
Como abordado na revisão de literatura, crenças sociais são
determinadas de acordo com o meio em que estamos inseridos, sendo
influenciadas pela sociedade, comunidade, família, além do conhecimento da
ciência e tecnologia as quais cada indivíduo tem acesso (MERINO, 2007).
Muitos dos aspectos foram abordados em outros tópicos, como a
influência do meio, caracterizado pela comunidade, família etc. Além disso, a
tecnologia representada pelo conhecimento e acesso a internet, neste caso,
pouco difundidos com o propósito da informação na área de saúde no grupo
pesquisado.
No entanto, não podemos ignorar que o ser humano, como indivíduo, é
balizado por crenças. Crenças essas que tem interferência direta na adesão ao
tratamento médico. Foi aspecto comum nas entrevistas notar que, cada
entrevistado a sua maneira, baliza determinadas decisões referentes à saúde
de acordo com crenças do tipo acreditar que chás têm funcionalidades
82
terapêuticas capazes de auxiliar no resultado de exames periódicos, por
exemplo.
Tais crenças, assim como outros aspectos aqui levantados, são difíceis
de serem trabalhados uma vez que são reflexos de traços culturais e até
mesmo de educação e conhecimento. Tal análise só evidencia que o consumo
de fármacos está envolto em uma rede complexa e densa de informações.
5.5 Fatores Relacionados com a Doença
As percepções sobre doença e cura tem impacto significativo na adesão
ao tratamento médico a partir do momento em que, em função da percepção
dos entrevistados, estes julgam determinados sintomas não como doenças,
mas como enfermidades de baixo risco e, assim, optam pela automedicação,
soluções caseiras, ou até mesmo a espera pelo fim dos sintomas.
As razões que vão determinar a busca pelo tratamento médico vão em
função da percepção da gravidade dos sintomas, do conhecimento dos
mesmos – se novos ou desconhecidos -, assim como de aspectos financeiros,
incidência de sintomas similares na comunidade ou região, entre outros
aspectos mais.
A realidade é que a percepção de cura e doença tem total conexão
também com a adesão ao tratamento médico, potencializado pela carência na
estrutura de serviços de saúde vivenciado pelos entrevistados, que buscam
outras alternativas de tratamento, exceção em casos excepcionais,
influenciando diretamente no tratamento médico.
83
6 RESUMO E CONCLUSÕES
Este é o capítulo de conclusão e nele serão apresentados um breve
resumo do estudo e as principais conclusões da pesquisa. Além disso, são
sugeridas pesquisas futuras, endereçadas tanto a expandir o conteúdo que foi
abordado nesse trabalho quanto a investigar pontos que divergiram do que era
esperado, segundo a literatura.
6.1 Resumo do Estudo
No contexto atual, os cuidados de saúde estão envolvidos em uma trama
altamente complexa. O ambiente vivenciado nas unidades de saúde, pelos
profissionais, entre outros atores, é de pressão e rápida transformação,
envolvendo uma vasta gama de tecnologia, muitas decisões individuais e
julgamentos por parte da equipe de profissionais. Se considerada a realidade
brasileira, então, pode-se imaginar os desafios evidenciados na luta por um
melhor sistema de saúde no Brasil.
Não bastasse o cenário acima relatado, a área de saúde ainda lida com
um problema altamente relevante: a adesão ao tratamento médico e,
correlatamente, o abandono do tratamento. Um problema complexo e sempre
presente, sendo ainda um assunto de grande destaque no âmbito da saúde,
representando um alto custo para os sistemas de saúde, seja pelo retrabalho
nos atendimentos quando uma doença não é tratada, seja pela potencialidade
de novas enfermidades surgirem quando o tratamento não é feito da maneira
adequada (ex. administração de antibióticos).
As implicações da baixa adesão ao tratamento médico são diversas e
comprometem severamente a eficácia do tratamento, tornando este um
problema crítico na saúde da população, tanto do ponto de vista da qualidade
de vida como da economia. Uma série de variáveis interferentes no processo
de adesão ao tratamento médico foram estudadas ao longo de mais de 50
anos de revisão de literatura, conforme abordado previamente, e muito bem
condensadas através de estudo da Organização Mundial de Saúde em cinco
grandes dimensões: (1) fatores relacionados com o sistema de saúde, (2)
84
fatores socioeconômicos, (3) fatores relacionados com o tratamento, (4)
fatores relacionados com o paciente e (5) fatores relacionados com a doença.
Considerados os objetivos do estudo, entendeu-se que a pesquisa
qualitativa – de natureza exploratória e desestruturada -, seria a mais
adequada para alcança-los. Diante da incipiência dos estudos, a pesquisa
exploratória se encaixa, pois é usada em casos nos quais é necessário definir
o problema com maior precisão, identificar cursos relevantes de ação ou obter
dados adicionais antes que se possa desenvolver uma abordagem mais direta.
Para alcançar o objetivo pretendido, foi elaborado um roteiro de
entrevista para servir de guia para o pesquisador durante as entrevistas em
profundidade. A abordagem escolhida leva em consideração a técnica de
‘Laddering’ que tem por objetivo ir além da superfície aparente para descobrir
mecanismos geradores e estruturas ocultas. Assim, a pesquisa não é
interrompida ao se encontrar as causas de um evento particular, mas
continuam a buscar continuamente os mecanismos ocultos que expliquem a
realidade.
6.2 Principais Conclusões
Conforme destacado por inúmeros autores e organismos internacionais
como a OMS, a revisão da literatura abordou a complexidade do assunto e a
vastidão de variáveis que exercem influência no processo de adesão ao
consumo de medicamentos.
Tal complexidade dificulta, por exemplo, o processo de análise visto que
é difícil atribuir relações causais para os problemas evidenciados. Mais do que
relações de causas e consequências, o tema da adesão ao consumo de
fármacos poderia ser melhor definido por de um sistema, visto que os agentes
desse sistema exercem influência simultânea e tem interferência direta entre
si, afetando seu funcionamento.
De todo modo, foram coletadas evidencias suficientes capazes de
responder as perguntas de pesquisa propostas, atingindo o objetivo de
85
pesquisa proposto inicialmente. Dessa forma, as perguntas de pesquisa
específica e geral serão respondidas na sequência.
Para a primeira pergunta específica, que questionava o significado de
doença para a classe social estudada, por exemplo, tanto a revisão de
literatura quanto pesquisa de campo evidenciaram que a procura de cuidados
está condicionada por uma série conjunta de fatores como atitudes, valores e
ideologias, perfis da doença, entre outros. Foi comum perceber, por exemplo,
entrevistados afirmando que não tinham condições de se ausentar do trabalho
em função de sintomas conhecidos ou classificados como de menor
importância, relevando a faceta anteriormente detalhada das atitudes e dos
valores pessoais na adesão ao tratamento médico.
A concepção sobre o estado de saúde varia também de acordo com o
gênero, incorporando fatores sociais relacionados a organização familiar, as
condições de trabalho, o tipo de ocupação e a cultura. Masculino e feminino
definem um perfil estereotipado de homem e mulher. Os homens são vistos
como ativos, fortes, capazes do trabalho físico árduo, produtivos, competitivos
e orientados, enquanto as mulheres como sensíveis, frágeis, dependentes e
geralmente mais aptas ao cuidado. Dessa forma, foi notório nas palavras dos
entrevistados percepções de saúde associada à disposição para o trabalho,
em ambos os gêneros, e também de aparência visual.
O conceito de saúde descrito pela maioria dos entrevistados é coerente
com o adotado pela Organização Mundial de Saúde, que valoriza não apenas
a ausência de doença, mas a situação de perfeito bem estar físico, mental e
social da pessoa, pontos levantados por praticamente todos os entrevistados
durante a pesquisa.
Já no âmbito da segunda pergunta, que questiona sobre a percepção de
risco dos sintomas e o impacto desta no na adesão ao tratamento, a literatura
afirma que mesmo apresentando os mesmos sintomas patológicos, cada
individuo reage de uma forma particular aos sintomas percebidos. Esse
comportamento já poderia ser esperado de acordo com o respondido na
86
primeira pergunta, mas no caso da percepção de risco, há mais do que apenas
atitudes e valores.
A trajetória terapêutica dos indivíduos está diretamente ligada à
avaliação de seu próprio estado de saúde. Ou seja, para casos considerados
leves, a automedicação é a principal saída utilizada, fato comumente abordado
por praticamente todos os entrevistados.
A definição de casos leves ou graves tem como referencial a experiência
acumulada dos indivíduos, caracterizada pela própria vivência, pelos hábitos
culturais, o conhecimento incorporado pelo contato com profissionais da
saúde, rede de apoio social, entre outras experiências. Dessa forma, podemos
afirmar que a percepção de risco dos sintomas está em linha com o início e a
adesão ao tratamento médico.
Em linha com a segunda pergunta, compreender em quais situações os
usuários reconhecem a necessidade de um especialista, seguindo o ‘itinerário
protocolar’, acaba sendo um desdobramento da pergunta anterior, visto que a
severidade dos sintomas tem influência direta na busca pelo tratamento
médico. Neste sentido, sintomas considerados graves pelos pacientes irão
gerar, num primeiro momento, preocupação. Tal preocupação, no entanto,
também não é garantia de busca pelo tratamento médico. Como percebido
pelas entrevistas, a duração dos sintomas também se torna relevante. Ou seja,
se forem problemas pontuais, mesmo que percebidos como grave, muito
provavelmente não irão mobilizar o paciente a seguir o itinerário protocolar.
Dessa forma, apenas problemas considerados graves e persistentes são
tratados, forçando o paciente a buscar auxílio de especialistas.
No âmbito da composição dos medicamentos, a posologia foi percebida
pelos entrevistados como um fator associado à eficácia dos medicamentos e,
portanto, influenciando na adesão dos mesmos. Em depoimento, foi possível
perceber entrevistados descrentes com o uso de pomadas, por exemplo, ou
ainda afirmando que para problemas graves o que funcionava era injeção
apenas. Dessa forma, há indícios da posologia dos medicamentos interferindo
na percepção de eficácia e, portanto, na adesão ao tratamento médico.
87
Por outro lado, não apenas do ponto de vista da eficácia a posologia de
determinados medicamentos foi contestada. Em alguns caos, percebeu-se que
a composição dos medicamentos tem interferência direta na rotina de
determinados trabalhadores, demonstrando que a incompatibilidade entre
posologia e tarefas pessoais ou profissionais também têm impacto na adesão
ao tratamento médico.
Neste processo de busca pelo tratamento de saúde, não
necessariamente seguindo o itinerário protocolar, diversos agentes
influenciadores podem ser percebidos na adesão dos pacientes. Na ausência
de estruturas de saúde de qualidade, a rede de contatos dos entrevistados é
fundamental no auxílio ao tratamento médico nas classes menos favorecidas
de diversos países, pois criam uma rede de relacionamentos capaz de
encontrar estratégias de sobrevivência que as façam amenizar a situação de
penúria evidenciada em seus meios sociais. Essa estrutura de apoio foi
largamente evidenciada pelas entrevistas, que identificaram que todos os
entrevistados recorrem a pontos de referência, mesmo que não ligados a área
de saúde, para confrontar opiniões médicas, sugestões, ou conselhos, e se
mostrou-se relevante para influir na adesão ao tratamento médico.
Em menor grau, mas também percebido pelas entrevistas, é possível
destacar a influência de outros agentes atuando no processo de compra como,
por exemplo, balconistas e farmacêuticos, que em alguns casos foram
apontados como relevantes no aconselhamento de remédios similares e
genéricos para o tratamento médico.
Conforme literatura, melhorar a relação médico paciente é percebido
como fundamental para reduzir as taxas de não adesão. Assim, no âmbito dos
atributos de qualidade avaliados no atendimento médico, as entrevistas
demonstraram que a empatia profissional é um aspecto relevante dentro do
relacionamento médico paciente e, portanto, influenciador na adesão.
Foi identificado que determinados hábitos médicos durante a consulta
podem contribuir para criar uma boa impressão por parte dos pacientes.
Relatos como afirmar que um bom médico é aquele que escuta o que o paciente
88
tem a dizer, examinando-o, em oposição à figura de um médico que mantem a
cabeça baixa e fica escrevendo; médicos que realizem exames “pelo corpo” para
desenvolver uma relação de confiança; o uso de palavras rebuscadas ou não
claras são exemplos de ações que contribuem para a adesão ao tratamento
médico.
Por fim, como última pergunta específica de pesquisa, pode-se afirmar
que os motivos que levam a população de baixa renda a se automedicar são
diversos. No entanto, chamam a atenção dois aspectos primordiais. O primeiro
deles, estrutural, pois como apontado por diversas vezes pelos entrevistados,
a carência de bons hospitais e atendimento de qualidade faz que com seguir o
itinerário protocolar seja a última das escolhas dos entrevistados. Em um
segundo plano, pode-se perceber também um viés cultural, em função de
percepções sobre o que vem a ser estar doente, implicações do tratamento
médico, riscos da automedicação etc.
Diante do exposto, e tendo por base a pergunta principal de pesquisa a
respeito do que leva a população brasileira de baixa renda a iniciar e a aderir
ao tratamento prescrito pelo médico, pode-se afirmar que a adesão é um
fenômeno complexo para que possa ser submetido a generalidades. Como viu-
se, as variáveis interferentes no processo de início e adesão ao tratamento
médico são diversos, passando por questões culturais, estruturais, sociais,
entre outras. No entanto, foram fornecidas evidências suficientes para nortear
políticas públicas capazes de combater a falta de adesão ao tratamento
médico, assunto de relevância internacional que deveria ser administrado
como caso de gestão pública em função de sua relevância social.
6.3 Sugestões de Pesquisas Futuras
Diante de um cenário de descobertas, a pesquisa exploratória veio a
calhar em função da necessidade de definir o problema com maior precisão,
identificando os cursos relevantes de ação. Dessa forma, foram propostas
entrevistas em profundida que ajudaram a compreender em que situação
estava a baixa renda brasileira diante das dimensões de pesquisa acerca do
consumo de fármacos.
89
Dessa forma, como sugestões de pesquisa futuras, a primeira das ideias
a se explorar é uma pesquisa quantitativa capaz de avaliar em larga escala,
com validade estatística, algumas ou a totalidade das dimensões apresentadas
neste estudo, uma vez que a espinha dorsal sobre o consumo de fármacos nas
na baixa renda está sendo lançada.
Outra ideia de pesquisa que surge é uma possível comparação entre
classes, para entender quais as diferenças básicas entre, por exemplo, a baixa
renda, aqui estudada, e as classes A e B brasileiras. Serão encontradas
diferenças quanto à interação com os médicos, automedicação, influência do
meio e outros aspectos relevantes na adesão ao consumo de fármacos? E
como essas diferenças podem influenciar políticas públicas capazes de reduzir
os problemas inerentes da falta de adesão?
Além disso, diante do grande número de variáveis estudadas, podem ser
realizadas pesquisas que compreendam de maneira mais específica uma ou
duas dimensões correlatas, de forma a explorar de maneira mais profunda a
relação destes itens com a adesão ao consumo de fármacos.
Por fim, estudos podem ser desenvolvidos no sentido de compreender o
papel e as ações históricas de outros agentes no processo de adesão ao
consumo de fármacos. Como governo, médicos e empresas do setor estão
lidando com esta questão para entender os impactos e soluções para esse que
parecer ser um problema global?
90
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ANEXO 1 – Roteiro de Pesquisa
1. APRESENTAÇÃO DA PESQUISA E AUTORIZAÇÃO PARA
GRAVAÇÃO/FOTOS
Bom dia / tarde / noite, meu nome é Gabriel Vaz e sou aluno da COPPEAD
(UFRJ). Nós estamos realizando uma pesquisa sobre o consumo de medicamentos
pelos brasileiros.
Nós gravamos as entrevistas. O objetivo disso é não perdemos detalhes
importantes da nossa conversa. Em nenhum momento sua identidade será
divulgada. Ou seja, a Sra. não será identificado em nenhum momento. Ok?
2. CONTEXTO:
A. Qual seu nome?
B. Idade?
C. Formação?
D. Qual a profissão?
E. Tem plano de saúde?
F. Tem filhos? Se sim, quantos? De qual idade?
G. De onde você é? E sua família?
H. Qual o bairro de residência?
I. Com quem vive em sua residência?
J. Alguém mais frequenta sua casa diariamente? Quem?
K. Tem acesso a internet? (Celular, em casa, vizinhos, lan houses)
L. A residência tem quantos:
i. Banheiros?
ii. Quartos?
iii. Automóveis?
3. AQUECIMENTO:
A. Qual a sua avaliação do sistema de saúde público?
B. Quando eu digo a palavra remédio, o que lhe vem à cabeça?
C. O que é ter saúde para você?
D. Você toma algum remédio?
E. Toma algum remédio diariamente? Para que?
F. Você tem algum problema de saúde?
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G. Quando você tem uma dor de cabeça, o que você faz?
H. Que tipo de problema te leva a procurar um médico?
I. O que é para você estar doente?
4. MÉDICOS E MEDICAMENTOS
A. Você tem costume de ir ao médico? Se sim, em quais ocasiões (prevenção ou
aparecimento de algum sintoma?). Se não, por quê?
B. Quando o médico te passa um medicamento que você ainda não conhece, o
que você faz? Você busca informações sobre ele? Você pergunta para o
médico? Pergunta sobre o novo medicamento para outras pessoas? Para
quem? Por quê?
C. Já pesquisou sobre um medicamento na internet? Qual(is)? O que você
queria saber? O que encontrou? Em que sites? Com que frequência você
procura a internet?
D. Você tem o hábito de ler a bula dos medicamentos? Quando? Por quê?
E. Você costuma seguir a risca a prescrição do médico? Completa os dias e
horários? Em quais momentos isso não foi possível? Por quê?
F. O tipo (pomada, comprimido etc.) e a finalidade do remédio influenciam a sua
percepção sobre o medicamento? Você busca mais informações de acordo
com o tipo ou acha que alguns são melhores que outros?
G. A duração do tratamento influencia na correta utilização?
H. O valor dos remédios influencia na compra dos medicamentos?
I. A quantidade de vezes ao dia / semana que é preciso tomar a medicação
influencia?
J. A prescrição do médico é sempre clara quanto aos remédios e dosagens? Se
você tiver qualquer dúvida, como faz? Volta para falar com o médico? Pede
ajuda?
K. Você acha que as prescrições são difíceis de entender?
L. Se o médico detecta algum problema em sua saúde, mas você não tem
sintomas aparentes, vai tomar os remédios mesmo que não sinta
necessidade?
M. Quando você tem efeitos colaterais ao tomar remédios, interrompe o
tratamento?
N. Em quais ocasiões você toma remédios sem consultar um médico? Por quê?
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O. Quando você não tem confiança no médico, o que faz? Procura outros
médicos? Ou segue a receita mesmo assim?
5. PERCEPÇÃO SOBRE GENÉRICOS
A. O que você acha dos medicamentos genéricos?
B. Você confia neste tipo de medicamentos? O que te faz confiar (ou não)
neles? Por quê?
C. Você costuma dar preferência para genéricos ou medicamentos de marca?
Quando opta por um ou por outro?
D. Na escolha entre genérico e de marca, faz diferença se o medicamento é
para você ou para seu(s) filho(s)?
E. Quando o médico prescreve um medicamento, você procura ver se tem
genérico?
F. Tem preferência por algum laboratório, alguma marca? Qual? Por qual
motivo? Deixa de comprar o medicamento de algum laboratório? Por qual
motivo?
6. APRENDIZADO SOBRE MEDICAMENTOS
A. Contexto familiar: pais/familiares tinham alguma doença, tomam muito
remédio? Iam a médico?
B. Há alguém que você procura quando você tem alguma dor, ou se sente mal?
Quem? Por que?
C. Consegue recordar de coisas que aprendeu com essa pessoa sobre
tratamento de doenças e medicamentos? O quê? Ainda usa estes
ensinamentos? O quê? Quando?
D. Consegue listar medicamentos que você ainda usa e que aprendeu com
alguém da família?
7. CUIDADOS COM A PRÓPRIA SAÚDE E USO DE MEDICAMENTOS
A. Quando você sente alguma coisa como dor de cabeça, enjoo, gripe, virose...
(algo que você tenha tido algumas vezes ou tenha com frequência...). O que
você costuma fazer?
B. Qual foi a última vez que você foi a um médico?
C. Que (tipo de) medicamentos você só usa quando receitado por um médico?
Por quê?
D. Tem algum remédio que você não usa mesmo que o médico mande? Por
que?
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E. O que te faz não usar o remédio prescrito por um médico?
F. Que medicamentos você sempre tem em casa? O que não pode faltar na sua
casa? O que faz destes medicamentos necessários?
G. Há algum medicamento que leve sempre com você? Qual(is)? Por quê?
H. Como é que você carrega estes medicamentos? Bota no bolso? Na bolsa?
Em caixinha?
8. ITINERÁRIOS DE CONSUMO DE MEDICAMENTOS
A. MOMENTO DA COMPRA:
• Onde/como os medicamentos são comprados?
i. Onde você costuma comprar medicamentos?
ii. Como escolhe a farmácia / loja online?
iii. Você tem alguma farmácia que você frequenta mais? Por que?
iv. Você compra remédio pela internet? Pede pelo telefone ou vai até a
farmácia? (explorar possíveis diferenças)
v. Compara preços? Para todos os medicamentos ou medicamentos
específicos?
• Compra de medicamentos prescritos: escolha do medicamento/marca
i. Quando o médico te prescreve um remédio, você vai direto
comprar? Ou conversa com alguém?
ii. E se você vai na farmácia e não encontra, o que faz? (Entra em
contato com o médico? Busca orientação de alguém? Quem?
Compra outra? Como escolhe?)
iii. Você busca exatamente a marca do remédio indicado pelo médico
ou procura também genéricos ou outras marcas? Por quê? Isso
varia dependendo do medicamento? Por quê?
iv. Contou ao médico da mudança do remédio prescrito? Por quê?
Caso tenha contado, o que o médico achou da mudança?
• Influências do balconista e/ou do farmacêutico (explorar situações)
i. No momento da compra, você busca orientação de alguém? De
quem?
ii. Você lembra de alguma situação em que foi comprar um
medicamento e recebeu indicação não solicitada do balconista da
farmácia (explorar balconista x farmacêutico)? Você seguiu a
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sugestão dele? E o medicamento indicado fez o efeito desejado?
Isso já ocorreu outras vezes/é algo comum de acontecer?
iii. Você confia no que o balconista diz? Por quê? Em todas as
farmácias ou em alguma específica? E no farmacêutico?
• Outras influências na compra (redes sociais)
i. Você procura informações sobre remédios, doenças na internet?
ii. Que sites você usa?
iii. Visita comunidades?
• Em caso de compra online
i. Quais sites você utiliza para a compra?
ii. Com que frequência?
iii. Começou a comprar pela internet quando?
B. ARMAZENAMENTO / ESTOCAGEM:
• Onde / como são guardados os medicamentos na sua casa? Por quê?
i. Quando o medicamento chega a casa, onde você guarda? Por quê?
ii. Onde o medicamento fica quando está sendo usado? Por quê?
iii. Explorar os locais de armazenagem e diferenças no
armazenamento de medicamentos dos filhos e dos pais.
iv. Que critérios você utiliza para guardá-los em locais diferentes? Qual
é o critério para passar os medicamentos de um lugar para outro?
• O que você guarda junto com medicamentos? Por quê?
i. Você guarda algum outro tipo de produto no mesmo lugar que os
medicamentos? Quais? Por que eles podem ser guardados juntos?
• Explorar possíveis estoques de medicamentos
i. Faz estoque de algum medicamento? Quais? Por quê? Como é a
reposição deste estoque? Quando é hora de repor?
C. CONSUMO DO MEDICAMENTO
i. Quando você está tomando um medicamento, como você faz para
lembrar das doses/horários?
ii. E para lembrar o que já tomou/deu ou não? O que faz quando não
lembra se tomou/deu uma dose? O que faz quando esquece de
tomar/dar uma dose?
D. DESCARTE
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i. Você tem o hábito de verificar os medicamentos que estão
vencidos?
ii. O que você faz com medicamentos vencidos? Por quê? Como?
Onde? Separa o medicamento da embalagem?
iii. O que faz com os medicamentos que para de usar? Guarda? Por
quê? Onde? Como?
iv. Joga fora? Por quê? Como? Onde? Separa o medicamento da
embalagem?
v. Doa? Para quem?
9. FECHAMENTO
A. Outros tratamentos: Além dos medicamentos que nós conversamos, você usa
ou já usou outros tratamentos de medicina natural (como homeopatia, ervas
ou chás, acupuntura, massagens, etc...) em você? (Caso sim:) Poderia contar
como foi (ou é) este tratamento? Qual avaliação que você faz do resultado
desses outros tratamentos?
10. RELIGIÃO A. Você é religioso (a)?
B. Qual a sua religião?
C. (Caso sim) Você considera que a religião é importante para a sua saúde? De
que modo?