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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE DANYELLE OLIVEIRA DA SILVA OUSAR, LUTAR! LUTAR, VENCER: memórias da formação acadêmica de uma estudante da classe popular NATAL 2015

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE … · E por último, mas não menos importante, as professoras e professores ... SER PROFESSOR E NÃO LUTAR É UMA CONTRADIÇÃO PEDAGÓGICA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

DANYELLE OLIVEIRA DA SILVA

OUSAR, LUTAR! LUTAR, VENCER: memórias da formação acadêmica de

uma estudante da classe popular

NATAL

2015

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DANYELLE OLIVEIRA DA SILVA

OUSAR, LUTAR! LUTAR, VENCER: memórias da formação acadêmica de

uma estudante da classe popular

Memorial de formação apresentado ao

Curso de Pedagogia da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte como um

dos requisitos para obtenção da Graduação

da licenciatura plena em Pedagogia.

Professora Orientadora: Kilza Fernanda

Moreira de Viveiros

NATAL

2015

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Dedico este memorial a dona Francisca Martins, na qual tive a honra de ser

agraciada pela vida com o melhor título do mundo, o de ser sua neta e a Maria

Vitória que me ensinou um bocado a ser professora (in memoriam)

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AGRADECIMENTOS

As minhas primeiras palavras de gratidão vão ao meu pai que me fez

uma Silva, a minha mãe exemplo de luta contra o patriarcado, mesmo que de

forma inconsciente. Meus irmãos pela convivência e minhas sobrinhas Thayná

e Yasmim por transformar tantas vezes lágrimas em gargalhadas.

A Catarina, pelos sonhos, desejos e saudades compartilhadas. Pelo

companheirismo, apoio, carinho, incentivo e por ser presença constante,

mesmo quando à distância insiste em parecer maior.

As amigas e amigos da “Casa da tia" por me acolherem em seus

corações. Obrigada a Tia, Diogo e tio Beto por abrirem as portas de sua casa,

ela que me serviu muitas vezes de abrigo e refúgio para a realização dessa

escrita.

Meus sorridentes e calorosos agradecimentos as amigas (os) e irmãs e

irmãos: Allan Fernandes, Alessandra Nascimento, Amanda Hellen, Dayane

Ponciano, Eliza, Luana Palhano, Nathália Potiguara, Natalia Medeiros, Rafael

Araújo e Rafael Nunnes por tornarem a vida mais leve.

Ao Coletivo “Se arrete e lute!" Por acreditarem que uma educação

feminista e popular é possível.

Para as "pariceiras e pariceiros" do MEPE (Movimento Estudantil de

Pedagogia) por ousarem e lutarem por uma educação pública de qualidade.

As companheiras e companheiros do CAPED Paulo Freire nas gestões

DialogAção e Novos Caminhos, pela amizade e o desejo em construir um curso

melhor.

E por último, mas não menos importante, as professoras e professores

que participaram do meu processo de formação, em especial a professora Kilza

Viveiros, Marisa Sampaio e Érika Andrade.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 07

A FAMÍLIA COMO BERÇO PEDAGÓGICO 08

2. O ADMIRÁVEL MUNDO NOVO 10

3. LÁ VEM O VESTIBULAR E AGORA!? 15

4. PINTANDO A UNIVERSIDADE DE POVO 18

5. OS PRIMEIROS ENSAIOS NA DOCÊNCIA 21

6. QUANDO SÓ A SALA DE AULA NÃO BASTA 25

7. SER PROFESSOR E NÃO LUTAR É UMA CONTRADIÇÃO

PEDAGÓGICA 26

7.1. O CENTRO ACADÊMICO DO CURSO DE PEDAGOGIA –

CAPED PAULO FREIRE 26

7.2. O MOVIMENTO ESTUDANTIL DE PEDAGOGIA – MEPE 27

7.3 O COLETIVO AUTÔNOMO DE PEDAGOGIA “SE

ARRETE E LUTE!” 28

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS OU INCONCLUSÕES 29

9. REFERENCIAL TEÓRICO 31

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INTRODUÇÃO

Guimarães Rosa já falava sobre a dificuldade de escrever sobre nós

mesmos, devido sermos como anônimos pela falta do hábito de escrevermos

sobre os "eus" perdidos que vivem dentro de nós. O trabalho que aqui exponho

trata-se de uma busca para trazer esses "eus" à tona e refletir como estes

foram se constituindo ao longo de minha trajetória. Para isso, vou revisitando e

rememorando determinadas épocas que se fizeram fundamentais para minha

constituição pessoal e profissional.

Drummond (1987) dizia que só é lutador quem sabe lutar consigo

mesmo. Nesses escritos, travo uma verdadeira batalha em busca das

recordações que o tempo levou e/ou eu fizera questão de esquecer. Embora

saiba que voltar a determinadas épocas de nossa vida nem sempre se trata de

um retorno prazeroso e que ao cobrar da memória essas lembranças,

vivenciamos novamente situações difíceis, percalços surgidos no nosso

caminho, mas sabemos que esses foram essenciais durante todo o trajeto que

até aqui foi percorrido.

Nada pode ser perdido para a História, segundo Benjamin (1994) e a

maior preocupação é que nada fosse perdido durante o exercício dessa escrita.

Portanto, não perder nada que fosse essencial e elencar aqui o que seria

registrado foi o mais difícil desse exercício, pensar no que seria primordial para

relacionar as minhas vivências fora e dentro da universidade com o

aprendizado proporcionado durante esses anos na academia, se constitui em

um grande desafio.

E durante o exercício de pensar em quais os momentos queria que aqui

ficassem registrados, houve a necessidade de para melhor entendimento do

leitor e para dar dinamismo, coerência ao texto e que como dito por Cartoga

(2001) para que não houvessem buracos negros causados pelo esquecimento

e assim, consiga englobar todos os aspectos mencionados anteriormente,

surgiu à necessidade de dividir essa escrita em capítulos.

Espero que neles consiga expressar-me claramente e trazer para o leitor

um pouco das minhas experiências de vida. Vygostsky (1989) Fala que o

significado é critério para a palavra não ser um som vazio. Espero que cada

palavra desse memorial se encha de significado.

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1. A família como berço pedagógico

Minha trajetória foi iniciada no dia 14 de março, dia nacional da poesia.

Nascia assim, uma menina, nordestina, potiguar, filha de Manoel Alves da

Silva, operário em uma indústria de lacticínios da capital e Maria de Fátima

Oliveira da Silva, na época dona de casa. Ao nascer fui morar com meus

quatro irmãos e meus pais em uma casa localizada em um bairro periférico da

cidade, onde convivi e convivo com a dura realidade dele, como a

concentração dos maiores índices de pessoas de baixa renda e os maiores

índices de violência.

A casa onde cresci e até hoje vivo fica nos fundos do quintal dos meus

avós e isso fez com que os dois tivessem uma participação muito ativa na

nossa educação. Minha avó foi uma mulher muito doce, que adorava "agradar"

os netos, vivia contando suas histórias de menina negra, moradora de um sítio

no interior do estado. Suas histórias falavam sobre sua precária escolarização,

tempos de escola onde fora aprender somente "a assinar o nome”.

Tempos esses em que eram raras as crianças das classes populares

frequentarem a escola, mas abandoná-la não. Assim aconteceu com minha avó

que teve de abandonar a escola para ir ajudar sua mãe e seu irmão no

"roçado" de onde tiravam o sustento da família. Aos 11 anos de idade com a

morte da sua mãe, minha avó veio morar na capital, e aqui foi "trabalhar" em

uma casa de uma família abastada em troca de moradia e comida e

permaneceu até se casar aos 15 anos.

Apesar da sua pouca escolaridade minha vó foi o maior exemplo de

valorização da linguagem escrita que tive, todas as tardes ela pegava um

caderninho e fica reescrevendo as letras que conhecia e seu nome, sempre

caprichava para escrever a letra M que era a letra do seu sobrenome materno

e que segundo ela era a sua letra favorita, eu sempre perguntava para minha

vó qual seria a minha letra favorita e ela sempre me respondia dizendo que a

minha seriam todas as palavras porque meu destino ia ser “cheio de leitura e

eu ia ter toda boniteza das palavras pelo caminho”, graças a minha avó eu me

deixei levar pelo encantamento das palavras.

Meu avô também só frequentou a escola até aprender a "assinar o

nome". Com onze irmãos para ajudar a sustentar foi obrigado a começar a

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trabalhar aos 6 anos de idade, vivia falando que pobre deixava de ser criança

quando conseguia se firmar no chão, e diferente da minha avó, ele não via

grande importância de não ter estudado, sempre o ouvia repetindo que escola

era lugar para filho de rico aprender a falar besteira e filho de pobre se iludir

com a vida.

Na minha casa, a vida com cinco filhos nunca foi fácil, meu pai que só

estudara até a 4º série do Ensino Fundamental, vivia em um emprego mal

remunerado que o explorava exorbitantemente. Ele acordava todos os dias

antes do sol nascer, ia trabalhar a pé, com a rua ainda escura, para

economizar dinheiro das passagens. As lembranças que tenho dessa época

são de alguém extremamente calado e cansado e o que ficou realmente

marcado eram os momentos quando ele retornava para casa, momentos esses

que precisávamos interromper qualquer tipo de brincadeira e fazer silêncio para

que ele pudesse descansar da sua jornada de trabalho regada de horas extras.

A minha mãe ficava com o papel de educar os filhos e tomar conta da

casa. Ela havia deixado de estudar assim que se casou aos 16 anos e seu

sonho sempre foi retomar seus estudos. Diferentemente das outras mães que

conhecia minha mãe nunca pareceu satisfeita em falar sobre qual o alvejante é

melhor para tirar manchas ou algo do tipo. Sempre a ouvi falar que uma das

maiores besteira que fez foi ter se deixado influenciar para casa logo e não ter

pensado em seus estudos.

Quando minha mãe finalmente resolveu voltar a estudar enfrentou

grandes dificuldades como o sistema machista. De um lado o meu avô dizia

que mulher casada não estudava e ainda mais mulher com filhos e por outro

lado sofria sem ter a ajuda do meu pai para dividir os cuidados com os filhos.

Durante muito tempo essa foi sua maior dificuldade para que pudesse enfim

retomar seus estudos. Meu pai chegava em casa e ia dormir e só acordava na

hora de ir trabalhar, muitas vezes ela tentou nos levar para a escola mas não

conseguia nenhuma que aceitasse as cinco crianças dentro da sala de aula.

Mesmo com todos esses empecilhos ela não desistiu, conseguiu

encontrar uma escola que ficava distante de nossa casa, acertou com minha

avó de deixar os netos, fazendo um tipo de revezamento, minha avó ficava com

três e ela levava dois ou vice versa. Eu sempre era a que queria ir para escola

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com minha mãe, já meus irmãos preferiam as brincadeiras na rua, durante o

tempo que “mainha” estava fora.

O caminho era muito difícil, a rua era muito mal iluminada e

frequentemente espetáculo de um verdadeiro faroeste, era um dos “pedaços

mais barra pesada” do bairro. Minha mãe estudava em uma sala da Educação

de Jovens e Adultos - EJA, onde tinham mais ou menos uns doze alunos e

todas as noites éramos recebidos por um sorridente professor que me passava

lição e sempre dizia que eu era sua melhor aluna, essa foi a minha primeira

sala de aula.

Se eu já vivia brincando com os cadernos e livros que me eram

dispostos, depois que passei a frequentar a escola de minha mãe, aí é que não

os largava mais. Tudo o que eu ouvia o professor falar a noite, eu repetia

durante o dia nas minhas brincadeiras. Todas as noites eu ficava esperando

ansiosamente o professor jogar o pedaço gasto do giz fora, quando isso

acontecia eu corria, guardava e esperava chegar em casa para brincar de

escolinha utilizando o giz em um pedaço de papelão que se transformara em

um quadro improvisado.

As figuras maternas da minha família viviam falando principalmente para

eu que não abandonasse os estudos, que isso era muito importante e que eu

só me casasse depois de estudar e de arrumar um emprego. Falavam o quanto

era difícil depender financeiramente de um homem e mesmo ainda muito nova,

sempre compreendi a angustia que minha mãe e minha avó tinham para que a

minha história fosse diferente da delas, para que eu tivesse direito as minhas

escolhas.

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2. O ADMIRÁVEL MUNDO NOVO

Aos cinco anos de idade fui matriculada na pré escola, meu irmão mais

velho então com oito anos e me levava todos os dias e me pegava. Minha

escola ficava a algumas quadras da minha casa, era muito diferente dos

Centros Municipais de educação Infantil (CMEI) que eu conheci, depois do

curso. Minha sala parecia um galpão velho, mal iluminada pela falta de janelas

e muito barulhenta por causa dos ventiladores velhos que tentavam dar um

jeito no calor.

Não me lembro de como foi o meu primeiro dia de aula, mas lembro do

incentivo que recebia da minha mãe e avó para ir à escola, a festa que faziam

quando chegava, a chuva de perguntas. Sentia-me muito bem naquele

ambiente, o espaço escolar que frequentava tanto pela manhã, quanto a noite

me faziam muito bem, apesar das condições, da distância, era muito prazeroso

estar ali.

Minha professora se chamava Graça e era uma mulher de mais ou

menos 40 anos, amável e muito sorridente. Ainda hoje consigo sentir a

sensação do seu abraço, ela abraçava com a alma, e as lembranças que não

foram levadas pelo tempo e permaceram ainda intactas me fazem amar a

figura daquela mulher tão serena, que parecia amar cada aluno naquela sala.

Com ela convivi dois anos, pois devido a minha idade não pude entrar na

primeira série, dois anos que me fazem ainda hoje lembrar até do tom da sua

voz.

A convivência com esses dois professores, a minha professora e o

professor da minha mãe me marcaram imensamente, durante todo meu

processo de aprendizado em que eles participaram, construímos laços de

afetividade muito fortes e essas relações afetivas se evidenciam. Para Almeida

(1999) a transmissão do conhecimento implica, necessariamente, uma

interação entre pessoas. Portanto, na relação professor-aluno, uma relação de

pessoa para pessoa, o afeto está presente.

Aos sete anos, entrei na primeira série e fui matriculada na Escola

Municipal São Francisco de Assis, escola essa onde a maioria das crianças do

meu bairro era matriculada. Mas tarde passei a frequentar as aulas de reforço

na casa de dona Eulália, uma professora aposentada, famosa por sua rigidez e

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por ser uma famosa alfabetizadora no bairro. Assim passei a frequentar em três

horários ambientes escolares diferentes.

Dona Eulália era uma mulher muito rígida que quase nunca sorria, as

exceções eram duas ocasiões, as duas festas que promovia. A festa dos

estudantes e de fim de ano. Lembro que ela seguia todos os dias o mesmo

ritual. Na entrada tínhamos que entregar o caderno de caligrafia que era

minuciosamente examinado, assim como nossas unhas, cadernos, cabelos e

roupas. Os cadernos que não estavam de acordo com a organização proposta

por ela eram rasgados e era preciso recomeçar todas as atividades, os alunos

mal vestidos eram obrigados a voltar para casa. Além da palmatória usada

para apontar o que havia escrito no quadro ou para assustar os alunos,

batendo na mesa daqueles que conversavam. Haper e Oliveira (1986) definem

muito bem em suas palavras essa professora quanto diz que “Ele (ela) estava

tão enredado num sistema de normas e controles tão fortes quanto o que ele

(ela) impõe aos seus alunos”.

Fui alfabetizada por ela com o auxílio de uma cartilha e de um caderno

de caligrafia que eram minuciosamente examinados todos os dias, assim como

nossas unhas, cadernos, cabelos e roupas. Os cadernos que não estavam de

acordo com a organização proposta por ela eram rasgados e era preciso

recomeçar todas as atividades, os alunos mal vestidos eram obrigados a voltar

para casa. Todos os dias fazia os exercícios da escola nas aulas do reforço,

copiando as “famílias do alfabeto" e depois repetindo em voz alta para

professora. Segundo Vygotsky (1988),

(...) “a escrita deveria possuir um certo significado para as crianças, deveria despertar nelas uma inquietação intrínseca e ser incorporada a uma tarefa importante e básica para a vida. Apenas, então, poderemos estar seguros de que se desenvolverá não como uma habilidade que se executa com as mãos, mas como uma forma de linguagem realmente nova e complexa.” (Vygotsky, 1988, p. 177).

Meu pai como disse anteriormente só estudou até a quarta série do

ensino fundamental e mal sabe escrever, minha mãe voltara a estudar, mas

mal sabia como me ajudar, portanto minha alfabetização foi entregue a escola

e as aulas de reforço que utilizavam ambos os mesmos métodos de repetições

tanto da cartilha, quanto a repetição dos exercícios do caderno de caligrafia.

Minha família sempre acompanhou de muito perto minha vida escolar e como

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não apresentava dificuldades em relação a leitura e ou escrita e como o que

eles conseguiram aprender na escola foi também pela utilização desse

métodos de repetição, silabação, então, nunca contestaram a forma em que eu

era ensinada.

Mesmo com esses exercícios enfadonhos, eu era uma aluna muito

dedicada e minha família investia o que podia na minha formação. Meu pai às

vezes conseguia comprar alguns livros e com grandes sacrifícios custeava as

aulas de reforço, muitas vezes essas eram pagas com os produtos que meu

pai produzia na empresa de lacticínios e recebia em troca das horas extras.

Assim meu pai transformava, queijo e leite em formação para eu e meus

irmãos. A minha mãe ficava com a tarefa de acompanhar as atividades de

casa, encapar livros e cadernos e cuidar dos nossos uniformes, frequentar as

reuniões.

Terminado o ensino primário, passei a estudar na Escola Estadual Padre

Miguelinho, situada no bairro do Alecrim, meus pais acreditavam que essa

seria uma escola melhor do que as que tinham no nosso bairro. Essa escola

era muito maior do que a escola que eu estudava e era composta por alunos

de todas as partes da cidade, lá pude conviver com realidades muito diferente

das que eu estava acostumada. Essa fase foi muito difícil, sair de uma escola

que estudei desde sempre, conhecia todos os professores, o que mais me

causou estranhamento foi o fato de ter um professor para cada disciplina e que

geralmente não sabiam os nomes dos seus alunos.

Nessa escola passei a fazer parte do grêmio escolar e iniciei meu

período de militância no movimento estudantil (ME). Tenho um grande carinho

até hoje por esse colégio, foi onde conheci grandes amigos que até hoje

convivo diariamente e foi também onde conheci a professora que talvez tenha

mudado minha vida, uma mulher dedicada a sua profissão, que adorava trazer

discussões para a sala de aula, me influenciou em muitas coisas, inclusive no

meu gosto musical e literário e se transformou até os dias atuais em uma

grande amiga. Permaneci nesta escola até concluir o que na época era o

ensino ginasial e fui matriculada no Ensino Médio na Escola Estadual Winston

Churchill, escola que minha mãe após concluir os estudos e ser aprovada em

um concurso passou a trabalhar como auxiliar de serviços gerais.

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Essa foi à escola que mais sofri durante toda a minha vida acadêmica,

os alunos riam por minha mãe ser a ASG da escola, os professores eram

autoritários ou alheios aos alunos. Havia professores tão parados que não

sabia quem nessa escola era mais estático, se eram os professores ou os

alunos. Alguns professores tentavam superar a indiferença dos alunos por meio

de ameaças, sobre isso diálogo com Feire e Shor (1986) que dizem que “é

impossível ensinar a participação sem participação” e ainda que Toda vez que

aparecerem relações antagônicas entre professor e aluno é sinal de que houve

autoritarismo.

Passei a não ir mais para escola, de repente o lugar que era

praticamente minha casa passou a ser um lugar desconhecido, um lugar onde

eu não entendia mais o motivo de estar ali. Conheci o sebo vermelho,

costumava passar horas conversando com o proprietário e lendo no local. Ali

conheci artistas locais que me fizeram conhecer e admirar o que era produzido

aqui em Natal e foi nessa época que conheci o professor Alcides e passei a ter

aulas de tupi guarani na Praça André de Albuquerque, de repente tudo o que

eu via naquele local era significativo e era naquele momento eram esses

saberes que me enchiam os olhos e a curiosidade. Os saberes desarticulados

da escola não me contemplavam.

Nesse período a escola não fazia mais parte de mim, existia um mundo

lá fora que eram naquele momento muito mais espetacular, os meus

conhecimentos não serviam para a escola e os conhecimentos dela tão pouco

me serviam, naquele momento precisava de ar, precisava de coisas novas, de

sensações novas que não eram supridas pelos livros didáticos e nem pelo

ensino que tentava depositar conhecimentos já prontos e que não existia a

possibilidade de levantar questionamento algum.

A necessidade desse momento que vivi pode ser expresso nos versos

de Baudelaire (1857) que dizia que "É preciso se estar sempre embriagado... É

preciso que embriague-se sem descanso. Com quê? Com vinho, poesia ou

virtude, a escolher. Mas embriaguem-se" e era isso que eu precisava,

embriagar me de vida, de coisas, de pessoas, de histórias e lugares. Segundo

Freire (2009)

O necessário é que (...), o educando mantenha vivo em si o gosto da rebeldia que, aguçando sua curiosidade e

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estimulando sua capacidade de arriscar-se, de aventurar-se, de certa forma o “imuniza” contra o poder apassivador do bancarismo. (...) Neste caso, é a força o criadora do aprender que (...) supera os efeitos negativos do falso ensinar. Esta é uma das significativas vantagens dos seres humanos – a de se terem tornado capazes de ir mais além de seus condicionantes. (FREIRE, Paulo, pág. 25)

Por um acaso, desses que a vida está cheia deles, me encontrei com

minha professora de história do ginásio, que até então, havia perdido o contato

e nesse reencontro pudemos conversar sobre muitas coisas e inclusive um dos

seus primeiros questionamentos foi o motivo de não estar mais estudando.

Conversamos muito sobre a escola e pela primeira vez alguém me falou em

entrar na UFRN. Mesmo com todo incentivo que minha família me dava para

estudar, sempre acreditamos no Ensino Médio como a última etapa da

escolarização. De acordo com Zago apud Bourdieu (2003) meus pais não

tinham "aquilo que julgava como um dos elementos mais importantes na

composição do capital cultural, que era um capital de informações sobre a

dinâmica do espaço escolar”.

Tomei consciência de que era necessário voltar para a escola e voltei

totalmente dedicada a superar o que tinha provocado a minha desistência da

escola e obstinada a passar no tão temido e concorrido vestibular, lembro que

na minha sala de aula apenas eu e outra colega iríamos fazê-lo, nossos

professores, apesar de estarmos na etapa escolar que seria de preparação

para o ensino superior, não tocavam no assunto e sinceramente eu nem sabia

como fazer para entrar na universidade, quais os procedimentos necessários.

Isso Zago apud Silva (2006) chama de ausência de um capital informacional

sobre o sistema de vestibular.

Apesar da grande vontade havia também a grande dificuldade em voltar

para a sala de aula, a voltar para o mesmo esquema que tinha fugido da apatia

dos professores e alunos, a readaptação ao ambiente escolar foi uma etapa

mais complicada. Mas para a minha surpresa tive alguns encontros

maravilhosos, com as professoras de Filosofia, Geografia e Sociologia, que

eram estagiárias da UFRN. Através delas descobri tudo que era preciso para

se inscrever no vestibular e acabei sendo muito incentivada por essas

professoras, que me ajudavam sempre quando era preciso.

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3. LÁ VEM O VESTIBULAR E AGORA!?

Os desafios para concorrer a uma vaga na universidade pública não são

os mesmos para todos os candidatos, ainda mais quando se trata dos filhos da

classe trabalhadora, de moradores dos bairros periféricos, de estudantes da

escola pública, de alunos com deficiência, alunos camponeses, alunos filhos de

trabalhadores rurais, quilombolas, assentados, indígenas. Não se pode

simplesmente esquecer todo um histórico social e escolar que irá com ele ao

prestar o vestibular ou qualquer exame de ingresso para o Ensino Superior.

Ao tomar conhecimento de que ia concorrer à vaga também com alunos

das escolas particulares, me bateu um sentimento de insegurança muito

grande que me fizeram pensar desistir, apesar de ser sempre uma aluna com

boas notas eu sabia que a realidade do ensino público era diferente do ensino

nas escolas particulares e principalmente por haver disciplinas que devido a

falta de professores para ministrar as materiais só tivemos aulas por um

bimestre, se muito. Para Zago apud Oiveira (2006)

Em breve, todos terão oito anos de escolarização, mas nem todos terão acesso aos mesmos níveis de conhecimento. Muitos, nem mesmo a patamares mínimos. Elimina-se, assim, a exclusão da escola, não a exclusão do acesso ao conhecimento, criando-se condições historicamente novas para demandas por qualidade de ensino. ( ZAGO, Nadir, pág. 232)

Descobri os cursinhos pré vestibulares e os usem como como dito por

Zago (2006) como meio para preencher as lacunas da formação básica.

Procurei saber sobre todos os valores dos cursinhos, todos eram muito caros e

estavam além de minha realidade financeira e da minha família. Fiquei

sabendo por intermédio de uma amiga que havia um vereador que distribuía

bolsas de cursinhos e algumas chegavam a ser uma bolsa integral. Lembro-me

da fila imensa e depois de quatro horas de espera nela, consegui uma bolsa

parcial na metade do valor, o que ainda era muito difícil.

Assistindo televisão, vi que uma das escolas do sistema S estava com

vagas abertas para um dos seus cursos técnicos e que fazendo esse curso o

aluno seria remunerado com metade de um salário mínimo para suas despesas

mais o auxílio de transporte. Percebi nesse curso uma grande oportunidade de

realizar uma atividade remunerada sem precisar enfrentar oito horas no

mercado de trabalho. Realizei minha inscrição e a seleção que era composta

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de uma prova e entrevista, aprovada fui então fazer o curso técnico durante a

tarde e o cursinho à noite. Sobre isso Zago (2006) Afirma que:

Para tornarem-se mais competitivos, os jovens dispostos a investir em sua formação fazem esforços consideráveis para pagar a mensalidade do cursinho, geralmente frequentado em

período noturno e em taxas mais condizentes com as suas possibilidades financeiras, ou em cursos gratuitos. Essa formação suplementar é, portanto, bastante desigual entre os candidatos do vestibular. (ZAGO, Nadir, pág. 231)

Fiz o caminho inverso de muitos estudantes, geralmente esses já tem

uma escolha por determinado curso e depois é que vão à procura dos meios

para fazer o vestibular. Eu entrei primeiro no cursinho e lá fui ter uma noção

melhor sobre os cursos oferecidos na universidade, embora já tivesse entrado

sabendo que queria seguir a carreira docente, ser professora era minha certeza

mesmo sem saber de quê, o importante era ser chamada de professora. Minha

família sempre me fez acreditar que essa era profissão de maior

reconhecimento, acredito que a falta de formação os fez criar um imaginário de

uma profissão com profissionais quase com status de divindades. A pior

reclamação que poderia chegar da escola era que um de nós tivesse

desrespeitado um professor, isso na era algo inadmissível.

Recordo-me no cursinho da semana em que tivemos que conversar com

um conselheiro profissional e alguns professores, fazer alguns testes

vocacionais e na minha conversa falei sobrei meu desejo de ser professora e

ao ser questionada em qual área de atuação, não titubeei e de forma firme

respondi que gostaria de alfabetizar adultos. A professora sorriu e me felicitou,

disse que estava muito feliz em estar na frente de uma futura colega de

profissão, que a Pedagogia era uma ótima escolha.

Mesmo estando certa do que escolhi me foram apresentadas outras

profissões, através de palestras, ida aos locais de trabalho, falas sobre as

possibilidades de locais de trabalho e percebi uma supervalorização do

cursinho que eu fazia a determinados cursos como medicina, direito e

engenharias, em detrimento das outras profissões.

A minha relação com a profissão sempre foi muito afetiva, tive

professores que me marcaram muito, a escola sempre foi um ambiente onde

minha relação de pertencimento era muito grande, mesmo quando tentei “fugir”

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da escola ficando um tempo sem frequentá-la, os locais em que me refugiei

foram em espaços educativos não formais.

Portanto, ao escolher a minha profissão não poderia fugir de forma

alguma do ambiente educativo e também tendo consciência do quão

concorridos eram os outros cursos fiz de acordo com o que a Sociologia nos

mostrou, os indivíduos ajustam seu gosto ao que é objetivamente possível de

ser alcançado. Bourdieu assim chama de “gosto pelo possível” ou “gosto pelo

necessário” como já dito por Almeida (2010).

Mesmo tendo realizado toda a minha trajetória escolar na rede pública

de ensino, o fato de ter sido reprovada na época que me afastei da escola, me

fez perde a isenção para fazer a prova do vestibular. Meu pai teve que “arranjar

emprestado” com um vizinho. No final do ano de 2009 fiz a prova do vestibular

e em janeiro de 2010 recebia o resultado de minha aprovação através da tv

universitária.

Fiquei atônita com o resultado, apesar de ter lutado tanto por aquele

momento, eu sinceramente não tinha parado para pensar em como seria o

momento se ele acontecesse, na verdade nem tinha parado realmente para

pensar na possibilidade de passar, fiquei atônita e recebia os parabéns

entusiasmados das pessoas sem saber como reagir direito, afinal eu era a

primeira de minha família, a primeira da minha rua, uma das poucas pessoas

do meu bairro a fazer e passar em um vestibular para uma universidade

pública. De acordo com Almeida (2007)

A universidade parece como algo mágico, mítico, inatingível, sagrado, marcando nos planos simbólico e objetivo, fronteiras entre os que conseguem ingressar nesse espaço e os que não obtêm êxito. Fazer parte de um local prestigioso, tendo reconhecimento familiar e social, aparece como uma sensação de ter alcançado o sublime.

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4. Pintando a universidade de povo

Conseguir ultrapassar as barreiras impostas e conseguir perpassar os

muros e entrar na universidade é apenas o começo do processo. A entrada na

universidade da população vinda das classes populares é apenas superar o

problema do acesso, mas é sabido que nossa permanência é há todo o

momento desafiada. Mesmo com a expansão universitária financiada por

programas federais que vem aumentando o acesso de uma parcela da

população que historicamente era negado o direito ao ensino superior, muito

ainda tem que ser feito principalmente no que se referem ao acesso,

permanência e sucesso dos estudantes pobres. Portanto, Para Zago (2006)

É preciso entendermos que uma efetiva democratização da

educação requer certamente políticas para a ampliação do

acesso e fortalecimento do ensino público, em todos os seus

níveis, mas requer também políticas voltadas para a

permanência dos estudantes no sistema educacional de

ensino. ( ZAGO,Nadir, pág. 228)

Para um estudante da periferia, a euforia de entrar na universidade logo

se transforma em angustia. Logo vem os gastos com passagens, alimentação,

materiais de estudo, entre outras coisas. E com isso vem também a

necessidade de conseguir um meio para manter seus custos, ou seja, arrumar

um trabalho. Alguns alunos conseguem entrar em bolsas oferecidas na

universidade e aí observamos uma espécie de hierarquização nessas bolsas.

Os estudantes pobres e vindos das escolas públicas geralmente ocupam as

bolsas de apoio técnico enquanto as bolsas de iniciação científica ficam para

aqueles que estudaram em escolas particulares e já dominam a linguagem

acadêmica/científica e assim a universidade reafirma quem produz e para

quem é produzido o conhecimento acadêmico.

Não muito diferente da grande realidade dos meus colegas de sala eu

tive que conseguir um meio de me manter na universidade, os gastos eram

muitos. Vi um anúncio de uma escola particular e me candidatei a vaga para

estagiar, acabei sendo aprovada nessa seleção, estava na universidade faziam

apenas alguns meses e passei a ter que me dividir na rotina dupla de

estudante e trabalhadora.

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Imediatamente quem trabalha e estuda percebe que há dificuldades em

conseguir incorporar-se inteiramente ao “Ser universitário” e com isso acaba

não usufruindo tudo que a universidade oferece, como a prática de esportes, a

biblioteca, as conferências, palestras, seminários. O universo acadêmico acaba

se tornando um universo para as classes mais privilegiadas, onde as maiores

exigências giram em torno de adaptar-se aquele espaço, que afinal passaram a

vida a serem preparados para ocupa-lo.

Em estudos sobre a integração acadêmica e social que mostram a

adaptação de alunos recém ingressos na universidade, Teixeira, Castro e Hutz

(2012) trazem alguns fatores como importantes para a integração dos

estudantes. Dentre eles, eles destacam os pares como um fator importante na

integração social e as disciplinas que discutem e informam a prática da

profissão. Que Segundo Teixeira, Bardagi e Hutz (2007) são importantes, pois

elas fomentam o comportamento exploratório e suprem uma lacuna sobre a

profissão escolhida.

Realmente a questão dos pares foi de extrema importância, foi muito

importante entrar na universidade e ter sido recebida pela coordenação do

curso, mas mais importante ainda foi ser recepcionada pelos veteranos que

nos traziam as histórias das suas vivências, dificuldades, frustações e

superações dentro e fora da sala de aula. Através dos relatos que ouvimos

passamos a incorporar o pensamento de que todo o medo, angústia,

ansiedade e às vezes até a vontade de querer desistir é normal e pode ser

superada, assim como aqueles estudantes já passaram por aquele momento e

superaram.

A minha turma foi a primeira a ter contato com o currículo reformulado

do curso, havia um cuidado por parte da coordenação, dos professores para

que essa mudança ocorresse sem transtornos e por parte dos alunos

veteranos havia uma valorização em relação ao novo currículo. Ouvíamos

sempre os alunos comentando “vocês cursam tal disciplina antes de cursar

essa aqui ó, assim fica muito mais fácil”. As primeiras disciplinas eram de

caráter mais introdutório e havia por parte de nós estudantes uma grande

ansiedade para realizar a prática, de vivenciar a sala de aula e conhecer cada

vez mais a profissão que escolhemos.

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Conforme foram se passando os primeiros semestres, eu ia fui me

modificando. O contato com os colegas e professores me fazia repensar,

reorganizar e desorganizar muita coisa. Já não era mais a mesma estudante

que entrou no curso de Pedagogia apenas com o intuito de ensinar a ler e

escrever na Educação de Jovens e Adultos (EJA). Era agora alguém que

discutia, modificava o discurso de acordo com reflexões feitas, acreditava na

mudança de pensamento, desacreditava nas certezas e pensava no outro

como responsável também pela minha formação e me percebia cada vez mais

como pertencente aquele espaço que estava ocupando. Para Pollack (1992);

As construções que alguém faz de si, sobre os outros e sobre sua participação no mundo são o resultado do processo de negociação e de transformação em razão dos outros. Na sua dimensão social, ambas foram tomadas como valores plurais, que são disputados, considerando as demandas humanas para construir sentimentos de pertencimento e de continuidade.

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5. Os primeiros ensaios na docência

No decorrer das disciplinas e das aulas e o surgimento de novas

problemáticas a cerca da educação, no terceiro período do curso entrei em

contato com a disciplina de Educação Especial Numa Perspectiva Inclusiva e a

partir daí soube que essa seria essa a área dos meus estudos e de minhas

pesquisas. Nunca tinha parado para pensar, até então, o motivo de nunca ter

estudado com um colega com deficiência, não tinha parado para refletir porque

a pessoa com deficiência quase nunca é vista em lugares públicos e quando é

vista é encarada com estranheza e desconforto pelos que estão presentes. A

partir dele, passei a encarar a educação com um direito e que a Declaração

dos direitos humanos, proclama que todos temos direito à educação, que esse

direito está “em igualdade de condições de acesso e permanência na escola”

(Art. 206, inciso I da Constituição Brasileira de 1988).

Segundo Pimenta (1997), a sociedade exige uma educação capaz de

preparar o cidadão social, técnica e cientificamente. As esporádicas

observações e visitas ao ambiente escolar nos faz criar certa apreensão, que

nos acompanha durante toda a formação, o medo de sairmos da universidade

para “enfrentarmos” uma sala de aula é uma constante. Porém, esse medo é

amenizado diariamente da nossa vida na academia, onde são retomadas

nossas memórias como estudantes e percebemos todos que com as nossas

vivências na escola, já nos tornamos experientes sobre o processo educativo.

Mas o desejo de estar atuando este nos acompanha durante todo o

curso e esse desejo veio a se concretizar com minha entrada no projeto de

extensão da universidade APEDV- Apoio Pedagógico à Estudantes com

Deficiência Visual (2012), realizado no Instituto de Educação e Reabilitação

dos Cegos –IERC/ RN.

O projeto consistia em ensinar os alunos com deficiência visual,

auxiliando nas suas maiores dificuldades. Este projeto teve uma grande

importância, através dele pude aprender muito, embora cada aluno tivesse seu

horário marcado e não está propriamente atuando em uma sala de aula, foi

muito válido, pois como diz Tardif (2002), os saberes docentes são plurais e

heterogêneos, visto que são constituídos pela integração de saberes

profissionais, disciplinares, curriculares e da experiência.

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A cada observação, a cada anotação, cada intervenção, pude retornar

aos conceitos, discussões e teorias que encontrei na universidade, voltando

aos conceitos e fazendo uma reflexão sobre a prática que eu observava dos

outros professores e construindo meu pensamento crítico e reflexivo sobre a

Educação Especial, o processo de alfabetização, a Educação de Jovens e

Adultos e a Educação infantil. Assim, Silva (2008) destaca a importância

dessas experiências, pois;

“À prática como modelos cumulativos em que a construção da

sua identidade docente acontece a partir dos modelos

presenciados durante sua experiência educacional enquanto

discente e, ainda, durante sua formação profissional, mais

precisamente, durante o estágio, momento em que os mesmos

são colocados em contato com a prática docente” Silva (2008,

p.46)

Saí do projeto no final de 2012, quando este se encerrou. O APEDV me

rendeu muitos trabalhos escritos e apresentados, como na XVIII Semana de

Ciência e Tecnologia da UFRN a CIENTEC, o V seminário de Educação

Especial, promovido pelo Centro de Educação e a base de inclusão, a I

semana de C&T, no II Seminário de Educação Inclusiva no Ensino Superior,

entre outros. Além da oportunidade de estar diante da prática docente e viver a

experiência de atuar com crianças e jovens e adultos com deficiência.

No ano seguinte, em de 2013, o ano se iniciou com um convite para

auxiliar em uma classe do 2º ano do Ensino Fundamental na Escola Madre

Fitzbach, instituição ligada a Associação de Orientação aos Deficientes –

ADOTE. A princípio fiquei muito angustiada, pois diferente do IERC, essa

instituição trabalha como uma escola regular e não uma instituição

especializada.

Aceitei, pois o querer fazer, à vontade e a curiosidade, se tornaram bem

maior que o medo, a apreensão, a desconfiança. Como diria Freire (1996, p.95)

“como professor devo saber que sem a curiosidade que me move, que me

inquieta, que me insere na busca, não aprendo nem ensino”.

Essa instituição foi uma verdadeira escola, muitas dificuldades surgiam

cotidianamente, estar em uma turma ainda na alfabetização foi um grande

desafio, pude perceber a alfabetização como um processo. Uma das grandes

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dificuldades que tive foi com o planejamento, aprendi sua importância e

diariamente planejava junto com a professora e semanalmente com a

coordenação.

Na ADOTE enfrentei um dos momentos mais difíceis da minha formação

que foi a morte de uma das alunas. Aprendemos que a educação é um ato

vivo, quando educamos exalamos vida, apesar de falarmos durante a nossa

formação sobre classe hospitalar, falamos nas crianças com deficiência que

muitas vezes apresentam um estado muito delicado de saúde, mas muito

pouco ou quase nada falamos sobre a morte.

No ano que se seguiu, fui convidada a assumir o laboratório de

informática da instituição, onde realizava aulas individuais para as pessoas

com deficiência que recebiam atendimentos especializados na associação,

além das aulas de informática para os alunos da escola, iniciamos um trabalho

de alfabetização utilizando o computador como ferramenta de aprendizagem.

Esse trabalho resultou em grandes conquistas para os alunos, como evolução

na socialização, melhora da concentração e o reconhecimento das funções

sociais das linguagens. E com esse projeto fui premiada no prêmio IEL de

estágio, promovido pelo Instituto Euvaldo Lodi em 2º lugar pela prática de

estágio desenvolvida.

Apesar de sempre está envolvida com espaços educativos, desde que

entrei na universidade não tive muito contato com a educação infantil, até por

acreditar não fazer parte do meu perfil, mas era algo que precisava conhecer

melhor. Então, estagiei esse ano em um Centro de Educação Infantil, em uma

turma do Berçário I e foi uma experiência muito enriquecedora, poder

acompanhar o processo de aquisição da linguagem, o início do processo

educativo, foi realmente uma experiência formativa maravilhosa.

Reitero as palavras de Charlot (2001, p. 26-27) para falar do meu

processo formativo “Aprender é uma construção de si que só é possível pela

intervenção do outro – reciprocamente, ensinar (ou formar) é uma ação do

outro que só tem êxito se encontrar o sujeito em construção”. Os meus alunos,

os pais dos alunos, os professores, as merendeiras, os porteiros, os gestores

que convivi, todos intervém e interviram no meu processo e tenho me

construído e desconstruído graças a essas pessoas que me fizeram e que me

fazem.

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Essas vivências me fizeram entender que somos sujeitos que

aprendemos de formas diferentes e que perceber o papel do professor como

provocador de meios para que os alunos consigam se desenvolver

plenamente. Os estágios me fizeram ver que a profissão docente tem suas

turbulências, são inúmeras as dificuldades em sala de aula, mas foi através

desses estágios que minha vontade e comprometimento com o ato de educar

se reafirmaram.

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6. Quando só a sala de aula não basta

A interação dentro da universidade, a oportunidade de conhecer,

dialogar, conviver com grupos diferentes, para mim é o que há de mais

enriquecedor nessa experiência. Nas longas filas do restaurante universitário,

na xerox, no circular lotado, esses lugares são de grande significância para

mim pois são lá que geralmente encontramos os colegas que não convivemos

diariamente, mas que são tão queridos, são onde geralmente começam as

discursões acaloradas, são onde as pessoas se lembram de cobrarem

mudanças, são os espaços onde a universidade se mostra como real universo,

permitindo encontros com os diversos.

Ferreira (2014) fala na socialização como estratégia de aprendizado e

adaptação ao mundo universitário, trazendo tanto o engajamento o

engajamento social e cognitivo como estratégias essenciais para a

sobrevivência universitária e segue afirmando que:

“a sobrevivência acadêmica dos estudantes, de fato, depende (...) da construção de estratégias de aprendizagem e com o investimento em processos de socialização, efetivamente orientados mais por relações sociais, pessoais e coletivas, do que institucionais. Adaptar se simultaneamente às exigências cognitivas e relações sociais do ensino superior, contando com amigos, colegas e professores para suprir as deficiências organizacionais, não é uma “escolha” dos estudantes: a maioria descobre rapidamente que é a única chance de sucesso real nos seus projetos de estudo e de formação profissional.” ( FERREIRA, Adir, pág. 120)

Muitos foram os aprendizados que tive nos espaços educativos não

formais da universidade “pagar corredor” nunca foi um desperdício de tempo,

muitas vezes eram essas “fugidas” que me motivava para voltar para a sala de

aula, muito mais atenta e disposta. Eram nesses espaços que conhecíamos a

rotina e a metodologia do trabalho de muitos professores, através dos relatos

de outros estudantes, eram através desses momentos que entravamos em

contato com outros grupos e foram nesses momentos de diálogos que surgiram

muitos grupos estudantis de discussões e estudos no curso de pedagogia.

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7. Ser professor e não lutar é uma contradição pedagógica

Iniciei minha e muito cedo, quando entrei na universidade e me vi tendo

que recomeçar em um novo espaço, procurei me envolver com alguns grupos

que partilhassem algo em comum, sempre soube da importância do movimento

estudantil para o país, principalmente quando os direitos civis foram

ameaçados, por acreditar no poder de transformação tanto da minha profissão,

quanto na organização popular iniciei no movimento estudantil universitário.

Sobre o movimento estudantil Almeida apud Forrachi (2003) diz que;

Representam uma nova situação... Abrem-se horizontes de participação que são novos pelas oportunidades que o jovem encontra de conviver com outros que compartilham dos seus problemas, envolvendo-se, na busca comum das alternativas desejadas, criando compromissos semelhantes com a condição que, no momento, define as suas vidas e que é a condição de jovem.

Com o ME pude conhecer mais profundamente a universidade, participar

de colegiados, reuniões com a reitoria, falar dos anseios dos estudantes vindos

das classes populares, ver como ocorriam os processos licitatórios e participar

ativamente na luta por um Ensino Superior de qualidade, onde você entendido

que o acesso a universidade pelo estudante pobre não é sinônimo de sucesso

escolar se esse não tiver garantias de como se manter na universidade.

7.1. O Centro Acadêmico do Curso de Pedagogia – CAPED Paulo Freire

Quando entrei no curso procurei saber sobre o Centro Acadêmico que é

a representação direta dos estudantes do curso e soube que fazia muito tempo

que não havia eleições e que este estava abandonado. Conheci um grupo de

alunos que também reivindicavam a volta de um centro acadêmico atuante,

conseguimos nos fortalecer enquanto grupo, fazíamos formações, discutíamos

textos, falávamos sobre as diretrizes do curso e da universidade.

Conseguimos puxar eleições e fomos eleitos pelos estudantes do curso,

estar naquele ambiente foi uma experiência formativa e afetiva muito grande.

Através do CAPED conheci grandes companheiros dentro do C.A e de outros

cursos, pessoas com pensamentos e correntes diferentes, grupos que se

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enfrentavam no embate de ideias e fazia com que o diálogo se tornasse mais

plural.

E com isso, também me foi proporcionado à oportunidade de participar

das reuniões de colegiados, plenárias, onde eram tomadas as decisões

relacionadas ao curso, além de organizar a Semana dx Pedagogx, o

CineCaped, debates sobre a função do educador na contemporaneidade,

mesas redondas. Além de conhecer o Movimento Sem Terra - MST, através

dos colegas do curso de Pedagogia da terra que enriqueceram muito minha

formação e até hoje nutro grandes amizades.

Exigência na nossa luta diária eram nossas formações internas, essas

formações me fizeram entrar em contato com outros autores que para mim

eram desconhecidos como Makarenko, Mariguella, Florestan Fernandes,

Galeano, entre outros nomes que não são geralmente usados nas referências

do curso. Através dessas formações também descobri o Movimento Estudantil

de Pedagogia - MEPe, O Levante Popular da Juventude – LPJ, O coletivo

autônomo de Pedagogia se arrete e lute, o movimento LGBTT e o movimento

feminista na qual milito até hoje em alguns grupos, como o Coletivo de

mulheres da UFRN, a Frente Feminista de Natal e no recentemente criado

Coletivo Feminista de Pedagogia Nísia Floresta.

7.2. O Movimento Estudantil de Pedagogia - MEPe

Nacionalmente os estudantes de Pedagogia se organizam no MEPe,

que é estância maior de representação estudantil de Pedagogia. Coma

reestruturação do nosso Centro Acadêmico procuramos nos organizarmos

também nacionalmente e descobrirmos que apesar de muito tempo sem

compor o movimento de Pedagogia nacionalmente, o movimento do Rio

Grande do Norte já havia contribuído muito e inclusive era um dos que

encabeçavam o movimento, sediando inclusive um Encontro Nacional dos

Estudantes de Pedagogia - ENEPE que entrou para a história do movimento

por ter acontecido uma ocupação na reitoria durante o evento.

O MEPe se organiza através dos diretórios acadêmicos e centros e

executivas estaduais, em 2014 e 2015 foram anos que nós nos reafirmamos

nacionalmente e com isso fomos convidados para fazer formações e ajudar

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outras cidades que os C.A’s estavam desativados ou não existiam, que foram

os casos do C.A do curso de Pedagogia da Universidade de Fortaleza e o C.A

do curso de Pedagogia da Universidade de Pernambuco do campus de

Caruaru, além de ajudar na criação do C.A da Universidade Potiguar – UNP e

começamos um trabalho no estado para futuramente voltarmos a ter uma

executiva estadual com o maior número de representantes de universidade e

faculdades do Estado.

Promovemos na nossa universidade o Encontro Norte e Nordeste de

Estudantes de Pedagogia – ENNOEPE. Foi uma semana de encontro onde

participaram mais de 200 estudantes, essa foi uma experiência marcante, pois

foi um trabalho imenso na organização, conversas com pró reitores, discussão

sobre alojamento, alimentação, culturais do evento, a busca por nomes na

mesa, arrecadação de verba, organizar as vivências e uma série de demandas

que me fizeram conhecer toda a estrutura e burocracia para que um evento

acadêmico aconteça.

Através do movimento estudantil do curso de Pedagogia, eu consegui

conhecer vários estados brasileiros, representando o CAPED da UFRN e/ou

apresentando os trabalhos desenvolvidos durante as disciplinas cursadas,

compreendo o meu envolvimento com o movimento estudantil como primordial

no meu processo de identidade enquanto aluna do curso e enquanto futura

pedagoga.

7.3 O coletivo autônomo de Pedagogia “Se arrete e lute!”

Esse ano após nossa participação no Encontro Nacional dos Estudantes

de Pedagogia em Curitiba – PR. Voltamos sentindo a necessidade de

ampliarmos o debate sobre o currículo e sua reestruturação, observou-se que

nossa formação ainda está muito aquém da desejada, disciplinas essenciais

para a formação crítica-reflexiva do professor não estão sendo oferecidas.

Pensando em um grupo de diálogo e ação que fugisse um pouco do

academicismo da universidade, para que trouxéssemos mais elementos da

educação popular numa tentativa de aproximar o povo da universidade foi

criado o coletivo se arrete e lute.

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Apesar do pouco tempo que o coletivo tem de atuação, já conseguimos

fazer muita coisas, temos acompanhado as discussões para a votação do

Plano Municipal de Educação – PME. Tivemos direito a fala em audiência na

Câmara dos vereadores, onde defendemos a manutenção da discussão sobre

gênero e sexualidade no documento. Realizamos atividades na semana da

consciência, onde tivemos a participação de cerca de 50 estudantes do curso,

trazendo discussões sobre intolerância religiosa com as religiões de matrizes

africanas e convidamos 5 mulheres negras de diferentes coletivos e partidos

para falar sobre como atualmente vivem as mulheres negras, dentre elas

estava uma estudante do Ensino Médio de uma escola pública da capital.

As atividades da semana da consciência negra resultaram em um

documento assinado por todos que participaram das rodas de conversas que

será apresentado ao núcleo docente estruturante, o NDE. A fim de implementar

a disciplina de relações étnicos raciais e educação no currículo do curso de

Pedagogia e ela seja implementada como disciplina obrigatória no nosso

currículo.

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8. Considerações finais ou inconclusões

Escrever esse memorial foi muito importante, através dele pude ir de

encontro à raiz da minha escolha profissional, me reaproximar da história da

minha família, de como ela influenciou e contínua me influenciando, relembrar

minha evolução como profissional e minha vida dentro do movimento estudantil

de Pedagogia.

Essa escrita me fez rememorar a estudante entusiasmada que entrou na

universidade, passando por cima de todas as barreiras e desconfianças que se

ergueram, superando uma situação econômica bem difícil e que superou o

convívio diário com a violência se tornando a única de toda a sua turma do

Ensino Fundamental I a frequentar uma universidade pública e umas das

poucas que ainda está viva.

A formação humana assim como a profissional é fruto das relações que

construímos e ela, portanto, é constantemente modificada pela participação do

outro e para mim foi muito importante o exercício de refletir em como fui me

constituindo e como os outros me constituíram, quais os grupos que estiveram

envolvidos no meu processo formativo.

Para Freire (1996, pág 50) “O inacabamento do ser humano ou sua

inconclusão é próprio da experiência vital. Onde há vida, há inacabamentos”

Destarte, é com a certeza de que apenas comecei a trilhar o caminho como

pessoa e pedagoga, e de que “ A formação não se constrói por acumulação (de

cursos, conhecimentos ou técnicas) mas sim através de reflexividade crítica

sobre as práticas de (re)construção permanente de uma identidade pessoal” (

Moraes apud Nóvoa pag 9 . 2010)

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9. Referencial teórico

ABRAHÃO, Maria Helena Menna Barreto. Memórias de formação: a

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BAQUERO, Ricardo. Vygotsky e a aprendizagem escolar. Editora Artmed.

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Janeiro, 1968.

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