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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CURSO DE MESTRADO EM DIREITO CONSTITUCIONAL SID MARQUES FONSECA JUNIOR A APLICAÇÃO DOS ACORDOS DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE COMÉRCIO PELO PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO NATAL/RN 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CURSO DE MESTRADO EM DIREITO CONSTITUCIONAL

SID MARQUES FONSECA JUNIOR

A APLICAÇÃO DOS ACORDOS DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE COMÉRCIO PELO PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO

NATAL/RN 2017

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SID MARQUES FONSECA JUNIOR

A APLICAÇÃO DOS ACORDOS DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE COMÉRCIO PELO PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD) do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito. Orientador: Prof. Doutor Jahyr-Philippe Bichara.

NATAL/RN 2017

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SID MARQUES FONSECA JUNIOR

A APLICAÇÃO DOS ACORDOS DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE COMÉRCIO PELO PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD) do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito.

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________ Prof. Doutor Jahyr-Philippe Bichara

(Orientador)

_______________________________________ Prof. Doutor Marco Bruno Miranda Clementino

(Membro Interno)

_______________________________________ Prof. Doutor Sébastien Kiwonghi Bizawu

(Membro Externo) Escola Superior Dom Helder Câmara

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Catalogação da Publicação na Fonte.

UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA

Fonseca Junior, Sid Marques.

A aplicação dos acordos da organização mundial de comércio pelo poder judiciário brasileiro / Sid Marques Fonseca Junior. - Natal, 2017.

171f.: il.

Orientador: Prof. Dr. Jahyr-Philippe Bichara.

Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do

Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-graduação em Direito.

1. Acordos comerciais - Dissertação. 2. Organização Mundial do Comércio

(OMC) - Dissertação. 3. Juiz brasileiro - Dissertação. 4. Acordo antidumping -

Dissertação. 5. General Agreement on Tariffs and Trade (GATT) - Dissertação. I.

Bichara, Jahyr-Philippe. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/BS/CCSA CDU 346.93:341.1

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Dedico ao meu núcleo familiar: Ana Paula, Bernardo, Ana Julia e Sarah.

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AGRADECIMENTOS Toda honra e toda glória ao Autor da vida, Deus, fonte de fé. Quando tudo parecia não ter mais jeito, Ele estendeu a mão. A conquista dessa etapa não teria sido possível sem o auxílio, paciência e orientação do Professor Dr. Jahyr-Philippe Bichara, a quem rendo minha gratidão por proporcionar, com metodologia criteriosa e o exemplo de pesquisador, um ambiente de produção acadêmica. Obrigado, professor, por me fazer acreditar que o meu sonho era possível de realizar. Agradeço à coordenação Profa. Maria dos Remédios Fontes Silva e aos professores do Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD) da UFRN, com os quais mantive contato nas disciplinas e nos seminários, destacando o Prof. Dr. Marco Bruno Miranda Clementino, incentivador da pesquisa, que me proporcionou apresentação conjunta de trabalho em Lisboa e, ainda, por ter aceitado o convite para participar da banca de qualificação. Agradeço ao Professor Dr. Vladimir da Rocha França, por ter aceitado o convite para participar da banca de qualificação, e por ter contribuído na minha formação liberal apresentando-me a obra de Mises, além de ter dedicado seu tempo para contribuir com aprimoramento deste trabalho . Agradeço ao Professor Dr. Sébastien Kiwonghi Bizawu, a aceitação do convite para a Banca examinadora final, contribuindo consubstancialmente para o aprimoramento do presente trabalho. Agradeço à Professora Dra. Keity Mara Ferreira de Souza e Saboya, por ter participado da banca de qualificação, sempre prestativa e auxiliando com correções precisas para melhorar este trabalho. Ao amigo-irmão, Professor Msc. Rodrigo Ribeiro Vitor, a minha gratidão pelas dicas pontuais e estímulo nos momentos difíceis. Aos demais colegas de turma de mestrado cuja companhia tornou mais suave o árduo período de pesquisa. À colega Luma Diniz Lúcio pela presteza na segunda leitura crítica. Ao meu pai, Sid Marques Fonseca, e à minha mãe, Thelma Câmara Fonseca, aos meus irmãos, Ana Helena, Thiago e Sérgio, à minha sogra, Maria de Lourdes Leão Maia, aos meus cunhados, que suportaram e sentiram a minha ausência quando da dedicação para a realização dessa pesquisa. Aos funcionários das bibliotecas da UFRN e da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, que me auxiliaram na pesquisa bibliográfica. Agradeço aos funcionários do PPGD/UFRN, em especial, a Lígia e Igor, que demonstraram presteza para resolução das ações corriqueiras administrativas. Aos mestres da vida, José de Lima Souza e Flavio Roberto Bezerra de Queiroz, Oficiais de Cristo, pelo companheirismo e amizade, que sentiram minha

ausência ao café às tardes.

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ALADI – Associação Latino-Americana de Integração

ALCA – Área de Livre Comércio das Américas ou FTAA – Free trade Agreement of the Americas

AMF – Acordo Multifibras sobre produtos têxteis

APEC – Asian Pacific Economic Cooperation

ASEAN – Association of South East Asian Nations

BOP – Balance of Payment Agreement

EFTA – European Free Trade Association

FAO – Food and Agriculture Organization of the Union Nations

FMI – Fundo Monetário Internacional

GATT – General Agreement on Tariffs and Trade

GATS –General Agreement on Trade and Services

GRUPO DE CAIRNS – grupo criado na cidade de Cairns, na Austrália, formado por 20 países exportadores.

MERCOSUL – Mercado Comum do Sul

NAFTA – North American Free Trade

NMF – Princípio da Nação Mais Favorecida

OCDE – Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico ou OECD – Organization for Economic Cooperation and Development

OIC – Organização Internacional do Comércio

OIT – Organização Internacional do Trabalho

OMC – Organização Mundial do Comércio, ou WTO – World Trade Organization

OMPI – Organização Mundial de Propriedade Intelectual, ou WIPO – World Intelectual Property Organization

OMT – Órgão de Monitoramento de Têxteis da OMC

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ONG – Organização Não Governamental, ou NGO – Non Governmental Organization

ONU – Organização das Nações Unidas, ou UN – United Nations

OSC – Órgão de Solução de Controvérsias da OMC

PD – Países Desenvolvidos

PMD – Países Menos Desenvolvidos

SGP – Sistema Geral de Preferências

TPRM – Trade Policy Review Mechanism

TRIMS – Trade Related Investment Measures

TRIPs – Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights

UNCTAD – United Nations Conference on Trade and Development

WTO – World Trade Organization, ou OMC – Organização Mundial do Comércio

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RESUMO A Organização Mundial do Comércio (OMC), criada pelo Tratado de Marrakesh de 06 de abril de 1994, começou a funcionar em 1º de janeiro de 1995, sucedendo o GATT/1947. Atualmente, consiste no principal foro de discussão do comércio multilateral. A OMC possui em seu organograma dois principais órgãos de execução: um de revisão das políticas comerciais e outro de solução de controvérsias. No contexto internacional, a responsabilidade dos Estados Membros é imposta após a instauração de painel pelo Órgão de Solução de Controvérsias (OSC), ao final se submetendo às sanções previstas nos acordos da OMC. O Estado brasileiro está sujeito às sanções em caso de descumprimento dessas normas, uma vez que o acordo constitutivo da OMC, seus anexos e os acordos plurilaterais, firmados sob sua égide, foram internalizados a partir do Decreto n. 1.355/1994, vigorando desde o início da organização. Nessa perspectiva, espera-se a adoção de medidas internas pelo Estado, a fim de evitar que as sanções se concretizem. Desse modo, o Poder Executivo realiza a fiscalização e a atuação das normas por meio de órgãos como DECON e CAMEX. Além disso, mediante Decretos, regulamenta a tributação, igualando ou diferenciando dos produtos importados. O Poder Judiciário consiste, quando provocado a rever os atos do Executivo, em mais uma alternativa para enquadrar o país nas normas oriundas da OMC. A pesquisa se propõe a analisar se o Poder Judiciário brasileiro vem aplicando corretamente os dois principais acordos da OMC: o Acordo geral sobre tarifas e comércio (GATT/1994) e o Acordo Antidumping. Os objetivos deste trabalho são descrever o funcionamento, a estrutura e as normas da OMC, explicitar a responsabilização internacional em matéria de direito internacional econômico, especificamente as normas da OMC, e analisar decisões judiciais brasileiras, a fim de averiguar se elas aplicam corretamente as normas da OMC. Palavras-chave: OMC. Juiz brasileiro. Acordos comerciais. Acordo Antidumping. GATT.

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ABSTRACT

The World Trade Organization-WTO, created by the Marrakesh Treaty of 06 April 1994, began operating on January 1, 1995, succeeding the GATT / 1947 and is the main forum for discussion of multilateral trade. The WTO has in its organizational chart two main enforcement agencies a review of trade policies and other dispute resolution. In the international context, the responsibility of Member States is imposed after the opening panel by the DSB, the end submitting the sanctions provided for in the WTO agreements. The Brazilian State is subject to penalties for non-compliance with those rules, since the Agreement establishing the WTO, its annexes and plurilateral agreements under its auspices were internalized from Decree n. 1.355 / 1994, in force since the organization. In this perspective, it is expected to adopt internal measures by the state to avoid the penalties are realized. Thus, the Executive Branch carries out the inspection and performance standards through DECON organs, CAMEX, and through Decree regulates the taxation equaling or differentiating of imported products. The judiciary is, when provoked to review the acts of the Executive, in an alternative to frame the country to the rules arising from the WTO. The research aims to analyze whether the Brazilian judiciary is correctly applying the two main WTO agreements, the General Agreement on Tariffs and Trade (GATT / 1994) and the Anti-Dumping Agreement. The objectives are to describe the function, structure and rules of the WTO, explicit international accountability in international economic law, specifically WTO rules, analyze Brazilian judicial decisions in order to ascertain whether they correctly apply WTO rules. Key words: WTO. Brazilian Judge. Trade Treaties. Anti Dumping Agreement.

GATT.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .................................................................................................. 12

PRIMEIRA PARTE ................................................................................................ 16

AS OBRIGAÇÕES DO ESTADO BRASILEIRO NA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO .................................................................................. 16

CAPÍTULO 2. O ESTADO BRASILEIRO NA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO ........................................................................................................... 17

Seção 1. Estrutura Institucional e Funcionamento da Omc ......................... 18 § 1º Conferência Ministerial ............................................................................... 19 A) Composição e Competência ......................................................................... 20 B) A trajetória das Conferências Ministeriais de Singapura a Nairóbi ....... 22 § 2º Conselho Geral............................................................................................. 32 A. Órgão de Exame de Políticas Comerciais .................................................. 33 B. Órgão de Solução de Controvérsias ........................................................... 35 § 3º Órgãos Secundários da OMC .................................................................... 37 B. Secretaria ......................................................................................................... 38 Seção 2. Os Principais Acordos Comerciais da OMC ................................... 40 § 2º O Acordo sobre a implementação do Artigo VI do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio de 1994 (Acordo Antidumping – ADA) .......................... 44 § 3º O Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias ....................... 46 § 4º O Acordo sobre Agricultura ....................................................................... 47

CAPÍTULO 3. O CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES PELAS INSTÂNCIAS ADMINISTRATIVAS BRASILEIRAS ................................................................... 50

Seção 1. A Legislação Interna de Regulamentação dos Acordos Da OMC ...................................................................................................................51 § 1º Decreto n. 1.355, de 30 de dezembro de 1994 ......................................... 52 § 2º Lei n. 9.019, de 30 de março de 1995 ........................................................ 54 § 3º Decreto n. 8.058 de 26 de julho de 2013 ................................................... 58 Seção 2. Órgãos da União .................................................................................. 59 § 1º A responsabilidade dos Ministérios do Governo Federal brasileiro ... 60 § 2º Órgãos administrativos competentes para fiscalizar o cumprimento dos acordos da OMC .......................................................................................... 63 A. Câmara de Comércio Exterior (CAMEX) ..................................................... 64 B. Secretaria de Comércio Exterior (SECEX) .................................................. 66 C. Departamento de Operações de Comércio Exterior (DECEX) ................. 67 D. Departamento de Negociações Internacionais (DEINT) ........................... 68 E. Departamento de Planejamento e Desenvolvimento do Comércio Exterior (DEPLA).................................................................................................. 69 F. Departamento de Defesa Comercial (DECOM) ........................................... 69

CAPÍTULO 4. A RESPONSABILIDADE DO ESTADO BRASILEIRO NA OMC...... .............................................................................................................72

Seção 1. As Regras Gerais da Responsabilidade Internacional ................. 73 § 1º Violação do Direito por omissão ou ação ................................................ 74 § 2º Imputabilidade .............................................................................................. 75 A. Atos internacionalmente ilícitos .................................................................. 76

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B. Atos não proibidos causadores de danos.................................................. 77 § 3º Danos ............................................................................................................. 79 Seção 2. A Responsabilidade perante o Órgão de Solução de Controvérsias ...................................................................................................................80 § 1º O Processo na OMC .................................................................................... 81 § 2º Órgão de Apelação ...................................................................................... 86 Seção 3. Sanções ................................................................................................ 89 § 1º Compensações tarifárias e outras medidas ............................................ 90 A. Compensações ............................................................................................... 91 B. Contramedidas ................................................................................................ 93

SEGUNDA PARTE ............................................................................................... 96

O CONTROLE EXERCIDO PELO JUIZ BRASILEIRO NA APLICAÇÃO DOS PRINCIPAIS ACORDOS DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO .... 96

CAPÍTULO 5. FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DA COMPETÊNCIA DO JUIZ BRASILEIRO ................................................................................................ 98

Seção 1. O Controle Jurisdicional sobre o Direito Internacional ................ 99

§ 1º Origem e desenvolvimento do Controle Jurisdicional .......................... 99 § 2º A primazia do Direito Internacional (normas da OMC) sobre o Direito Interno.............................................................................................................101Seção 2. A Competência da Justiça Estadual para aplicar as normas da OMC .................................................................................................................103 § 1º Princípio da Inafastabilidade ................................................................... 105 § 2º Controle de convencionalidade e legalidade dos tratados internacionais..................................................................................................... 106 § 3º A formação técnica dos operadores do Direito no Brasil ................... 108 Seção 3. A Competência do Juiz Federal para aplicar as normas da OMC .................................................................................................................110 § 1º O alcance do Artigo 109, III da Constituição brasileira ....................... 111 § 2º Da necessidade de criação de Varas Especializadas .......................... 113 Seção 4 – As Cortes Domésticas .................................................................... 115 § 1º Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais.......................... 115 § 2º Superior Tribunal de Justiça (STJ) ......................................................... 116 § 3º Supremo Tribunal Federal (STF) ............................................................. 117

CAPÍTULO 6. O CONTROLE JURISDICIONAL DO ACORDO GATT ........... 120

Seção 1. Da aplicabilidade do GATT na ordem interna ............................... 121 §1º Origem do GATT ......................................................................................... 121 § 2º Função do GATT de 1994 ......................................................................... 122 § 3º Estrutura do GATT de 1994 ...................................................................... 125 Seção 2. Aplicação pragmática ....................................................................... 126 §1º O Princípio do Tratamento da Nação Mais Favorecida ....................... 127 § 2º O Princípio do Tratamento Nacional....................................................... 129 Seção 3. Casos na Jurisprudência brasileira ............................................... 135 § 1º Casos no STF ............................................................................................. 135 § 2º Casos no STJ.............................................................................................. 136 § 3º Casos nos TJ e TRF .................................................................................. 138

CAPÍTULO 7. O CONTROLE JURISDICIONAL DO ACORDO ANTIDUMPING 140

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Seção 1. Considerações sobre o Acordo Antidumping .............................. 141 § 1º Conceito de dumping ................................................................................ 141 A. Conceito econômico .................................................................................... 141 B. Conceito jurídico do dumping .................................................................... 144 C. Definição legal prevista no Acordo da OMC ............................................ 145 § 2º Legislação brasileira sobre medidas antidumping .............................. 146 Seção 2. Decisões acertadas sobre o Dumping ........................................... 149 Seção 3. Decisões não coerentes com o Acordo Antidumping - AAD ..... 151 § 1º Falta de tecnicidade .................................................................................. 152 § 2º Não implementação da revisão judicial prevista no Artigo 13 ........... 154 A. Casos jurisprudenciais referentes a não aplicação do Artigo 13 do acordo antidumping .......................................................................................... 156

8 CONCLUSÃO ................................................................................................... 159

REFERÊNCIAS ................................................................................................... 163

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1 INTRODUÇÃO

A Organização Mundial do Comércio (OMC) foi criada através do

Tratado de Marrakesh, celebrado em 15 de abril de 1994, passando a vigorar

em 1º de janeiro de 1995. Esse foi um marco divisor de águas nas relações

comerciais internacionais, uma vez que corrigiu as deficiências do sistema

anterior estipulado pelo Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, de 1947

(General Agreement on Tariffs and Trade – GATT).

Com efeito, quando os Estados resolveram fundar uma nova

organização internacional capaz de zelar pelo cumprimento de suas prescrições

e administrar os conflitos entre os membros, criou-se um novo sistema de

condução do comércio multilateral, caracterizado por um maior grau de

segurança jurídica nas transações internacionais. Essa mudança adveio de uma

negociação, denominada rodada do Uruguai, que durou cerca de sete anos e

meio, culminando com a celebração do tratado supracitado.

O multilateralismo é, segundo Dominique Carreau, o mecanismo pelo

qual os problemas internacionais exigem soluções consensuais com base na

liberalização, igualdade e reciprocidade entre uma pluralidade de estados ou

entre todos os estados1.

No sistema GATT, as relações comerciais multilaterais se restringiam às

mercadorias, ao passo que, no sistema OMC, o organismo internacional passou

a cuidar de matérias novas como o comércio internacional dos serviços, os

investimentos relacionados ao comércio e a propriedade intelectual.

Nesse contexto, além do próprio GATT de 1947, agora denominado

GATT de 1994, também fazem parte do sistema OMC o Acordo sobre o

Comércio de Serviços (GATS), do inglês General Agreement on Trade in

Services, o Acordo sobre Propriedade Intelectual, o Acordo sobre Medidas de

Investimentos Relacionados ao Comércio (TRIMS), o Acordo sobre Subsídios,

Acordo sobre Antidumping, dentre outros. Diversos temas foram detalhadamente

alvos de tratados específicos nas searas têxtil, agrícola e de medidas sanitárias

e fitossanitárias.

1 CARREAU, Dominique; JUILLARD, Patrick. Droit international économique. 4. ed. Paris:

Dalloz, 2010. p. 52-54.

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Uma das relevantes inovações trazidas pela OMC diz respeito à criação

do Órgão de Solução de Controvérsias (OSC), que é uma espécie de jurisdição

que recebe as reclamações dos países membros em desfavor de membros que

estejam transgredindo algum dos tratados celebrados no âmbito da aludida

organização.

As Rodadas do GATT/1947 deram lugar às Conferências Ministeriais,

órgão máximo da OMC, cujos poderes plenos incluem o de suspender a

autorização prevista pela conclusão do painel instalado pelo Órgão de Solução

de Controvérsias. Além de admitir novos membros, nessas conferências são

traçados os temas a serem debatidos. Até a presente data, ocorreram dez

Conferências Ministeriais e em todas foram admitidos novos membros, o que

demonstra a expansão da liberalização do comércio mundial.

O Brasil, enquanto membro fundador da OMC, deve seguir as diretrizes

que ali foram postas em razão da regra pacta sunt servanda, o que se firma com

a incorporação desses acordos ao ordenamento jurídico brasileiro, realizado

através do Decreto n. 1.355, de 30 de dezembro de 1994.

A aplicação das regras insculpidas nos acordos travados no âmbito da

Organização independe da corrente adotada pela Constituição ou pelos

aplicadores do Direito, se monista ou dualista, posto que ambas convergem para

o cumprimento da norma internacional internalizada, sob pena de o Estado arcar

com as restrições decorrentes do descumprimento previstas nos próprios

acordos.

Pelo fato de o Brasil ser um Estado de Direito, a observância às normas

não se restringe ao Poder Executivo e Legislativo. A função jurisdicional do

Estado visa não somente à preservação de direitos individuais no âmbito do

processo judicial, mas também ao controle dos atos da administração pública

como mecanismo de defesa contra eventuais abusos decorrentes de atos

discricionários, o que, em respeito ao princípio da separação dos poderes, finda

acontecendo somente no tocante à conformação do ato à norma.

Nesse sentido, no direito brasileiro, todo juiz recebe da Constituição o

poder de zelar pelo seu cumprimento, atuando no controle da efetividade de

quaisquer regras em vigor, incluindo as de direito internacional. Tal fato implica,

sendo esse aspecto muitas vezes esquecido, que a expressão jurisdicional do

Estado deve constituir uma garantia de aplicação das normas internacionais no

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seu território, isto é, da obrigação de cumprir o que foi formalmente pactuado no

plano internacional ou o que é reconhecido internacionalmente como sendo

válido em qualquer ordem jurídica interna, em virtude do alto teor ético valorativo

de uma norma internacional, como aquelas de jus cogens.

O mecanismo de controle jurisdicional interno configura, por outro lado,

aspecto importante da soberania do Estado no exercício do seu poder

jurisdicional, muitas vezes fixado nos tratados internacionais que instauram um

sistema de resolução de controvérsias com o intuito de atrelar à norma

internacional a coercibilidade necessária à sua efetividade. É notadamente o que

revela o princípio geral do prévio esgotamento dos recursos internos, que impõe

que o controle da aplicação do direito internacional pelo Poder Judiciário nacional

seja a primeira jurisdição a ser consultada, constituindo, dessa forma, uma

manifestação do respeito à soberania jurisdicional do Estado-parte em relação a

um tratado.

Em que pese a aplicação do princípio geral do prévio esgotamento dos

recursos internos em questões envolvendo os direitos humanos, na seara do

Direito Internacional Econômico, tal princípio comumente não é exigido, de modo

que nenhum membro da OMC criou objeções quanto à legitimidade de

reclamação no Órgão de Solução de Controvérsias alegando suposta violação

ao princípio do esgotamento de recursos internos.

Todas essas regras reforçam o compromisso assumido perante a

comunidade internacional, para a aplicação do direito internacional no território,

ultrapassadas todas as esferas jurídicas internas. Sendo assim, o que se espera

do Estado jurisdicional é a execução de medidas coercitivas para que o Estado

e os particulares se submetam às normas internacionais postas.

Como regra geral, a Constituição Federal brasileira de 1988, em seu

artigo 21, inciso I, atribui à União os poderes para manter as relações com

Estados Estrangeiros e participar de organizações internacionais. Decorrem

desse dispositivo duas sentenças: a primeira está voltada para quem é dirigida

a titularidade do poder-fazer, in casu, para a União; e a segunda trata da

submissão às normas decorrentes do compromisso assumido pela União na

participação de organizações internacionais, o qual é extensivo aos demais

entes da federação (estados e municípios), de modo que não cabe ao juiz

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estadual desconhecer o direito posto nas relações internacionais, pois não fica

restrita ao Juízo Federal a proteção do Estado brasileiro.

O controle da aplicação do direito internacional pelo Poder Judiciário

brasileiro está, portanto, inscrito na Constituição, concernente às várias

jurisdições e a todos os graus jurisdicionais. A esse respeito, traz-nos a

Constituição Federal de 1988 duas esferas de manifestação do poder

jurisdicional: uma estadual, decorrente do princípio da inafastabilidade (artigo 5º,

XXXV), e uma federal, nas causas fundadas em tratados (artigo109, III), atuando

como revisor delas o Superior Tribunal de Justiça (STJ), sendo, eventualmente,

apreciada a matéria pelo Supremo Tribunal Federal (STF), quando infringir a

Constituição e incorrer em repercussão geral.

O cerne da questão é saber como o Poder Judiciário brasileiro participa

do controle de efetivação das normas da OMC em seu território. Logo, diante

dos numerosos acordos celebrados no âmbito da OMC e da limitação espaço-

temporal concernente ao mestrado, optou-se pelo estudo dos acordos mais

significativos, dentre os quais se destacam o GATT de 1994 e o Acordo

Antidumping.

O corte epistemológico direcionado a esses acordos justifica-se pela sua

repercussão socioeconômica e pela quantidade excessiva de demandas

judiciais questionando a sua aplicação pelo Poder Executivo, bem como por ter

sido observada durante a pesquisa jurisprudencial a existência de dissonância

de algumas decisões com o disposto no âmbito da OMC.

Em face desse contexto, são objetivos deste trabalho descrever as

obrigações do Estado brasileiro no seio da OMC, para, em sequência, analisar

como ocorre o controle exercido pelos juízes brasileiros, respondendo a hipótese

se estar a desempenhar corretamente, como um mecanismo de prevenção, a

eventual responsabilização do Brasil no plano internacional em caso de

descumprimento desses acordos.

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PRIMEIRA PARTE

AS OBRIGAÇÕES DO ESTADO BRASILEIRO NA ORGANIZAÇÃO

MUNDIAL DO COMÉRCIO

A condição de membro da Organização Mundial do Comércio (OMC)

impõe ao Estado brasileiro obrigações a serem cumpridas com base nos acordos

incorporados ao ordenamento jurídico. A exceção à regra ocorre no caso dos

acordos plurilaterais, os quais somente se direcionam aos membros que os

assinarem.

No primeiro capítulo, é explicado o funcionamento da OMC, incluindo os

destaques da participação do Brasil nos órgãos que compõem a estrutura dessa

Organização, sobressaindo as Conferências Ministeriais, o Conselho Geral, o

Secretariado, os Comitês e os Conselhos. O país tem se projetado mundialmente

em integrar esses órgãos, com elevado número de participação nos casos como

querelante, querelado e terceiro interessado, além de ter inclusive um

embaixador brasileiro ocupando a Direção Geral. A compreensão dos órgãos

diretivos é tida a partir do estatuto da OMC, que destaca a Conferência

Ministerial e o Conselho Geral como órgão supremo e órgão decisório,

respectivamente.

O cumprimento das normas da OMC no plano interno é explorado no

segundo capítulo, no qual são descritas as instâncias administrativas brasileiras

responsáveis pela aplicação, fiscalização e controle das aludidas normas.

Importante deixar claro que, num primeiro momento, cabe ao Poder Executivo

cumpri-las e, em seguida, proporcionar aos particulares nacionais e estrangeiros

as obrigações decorrentes das normas da OMC.

Desse modo, finaliza-se a primeira parte deste trabalho com a

responsabilidade do Estado brasileiro na OMC, informando significativa

mudança no âmbito das organizações relativa às disputas comerciais, com a

criação de um órgão jurídico que confere consequências de caráter punitivo, no

caso, trata-se das retaliações que podem ser praticadas pelo vencedor aos

membros que infringirem as normas pactuadas.

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17

Capítulo 2. O ESTADO BRASILEIRO NA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO

COMÉRCIO

O Estado brasileiro participa da Organização Mundial do Comércio

desde sua fundação. Desse modo, em face da condição de país dependente de

exportações de produtos primários e de país em desenvolvimento, submeter-se

às regras da OMC é vantajoso para o Brasil, que tem a oportunidade de estar

inserido no sistema multilateral do comércio, bem como de gozar de proteção

contra as medidas que inviabilizam ou restringem o comércio, como subsídios

ou antidumping.

Estudar a participação do Brasil na OMC requer o conhecimento prévio

da estrutura institucional e do funcionamento dessa organização. Por essa

razão, descrevem-se os órgãos superiores, os quais se distribuem em órgãos de

direção, administração e processamento e julgamento de casos (painéis2), bem

como os órgãos secundários, que auxiliam os órgãos mencionados.

Ante a vultosa quantidade de acordos, e por questões didáticas, foram

eleitos para verificação de sua aplicação pelo juiz brasileiro os acordos mais

significativos sob a perspectiva do (des)cumprimento pelo Estado brasileiro.

Nesse caso, são julgados os acordos comerciais da OMC descritos na seção 2

deste capítulo, entendidos como os que gozam de maior repercussão

econômica, política e jurídica.

Nessa perspectiva, destacam-se do Estatuto da OMC os seguintes

acordos: o anexo 1 A, que versa sobre o Acordo Geral sobre tarifas e comércio

de1994 (GATT), o Acordo sobre a implementação do artigo VI do acordo GATT

de 1994 (Acordo Antidumping), o Acordo sobre Subsídios e medidas

compensatórias e o Acordo sobre Agricultura, cuja relevância para o Estado

2 A nomenclatura utilizada nos textos originais da OMC inclui duas formas: panel, em inglês, e painel, em espanhol. A tradução literal para o português, painel, conforme explica José Cretella Neto (CRETELA NETO, José. Curso de Direito Internacional Econômico. São Paulo: Saraiva,

2012. p. 439), não reflete o sentido ao qual se propõe, já que o termo “painel” não é utilizado no português com significado de caso jurídico. Nesse sentido, ele cita o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa e o Dicionário Houaiss, que trazem as acepções da palavra painel utilizadas no Brasil, além de mencionar o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia de Ciências de Lisboa. Ele conclui que houve um falso cognato. Confira o significado no Essential English Dictionary: “panel is a group of people selected for a special purpose, e. to judge a contest […]”. Em uma tradução livre, panel é um grupo de pessoas designadas para um propósito

especial, como julgar uma contestação. Esse significado não consta em nenhum dos dicionários da língua portuguesa.

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brasileiro é notória por impactar as finanças públicas e privadas do país, que é

um dos maiores exportadores agrícolas mundiais.

Seção 1. Estrutura institucional e funcionamento da OMC

A Organização Mundial do Comércio é formada por 162 membros,

configurando-se o principal órgão internacional, cujas normas regulamentam o

comércio internacional com aceitação dos membros. Nesse contexto, estão

inseridas as normas referentes ao comércio de mercadorias e serviços.

A estrutura da OMC engloba a Conferência Ministerial, o Conselho

Geral, os Conselhos e os Comitês, tendo como órgão administrativo e financeiro

a Secretaria, cuja direção é atribuída ao Diretor-Geral.

O funcionamento da OMC ocorre em níveis hierárquicos, sendo o órgão

supremo a Conferência Ministerial, composta pelos Ministros das Relações

Exteriores ou Comércio Internacional, seguida do Conselho Geral, cuja

composição envolve os Embaixadores dos Estados Membros lotados em

Genebra. Os Conselhos e Comitês são formados por técnicos dos países

membros.

A participação do Estado brasileiro vem sendo destacada desde o início

da OMC, tornando-se relevante com a ocupação das primeiras posições nos

casos do Órgão de Solução de Controvérsias (OSC), tanto como demandante

quanto como demandado, ressaltando também a participação do embaixador

brasileiro Roberto Azevedo, que ocupa, desde setembro de 2013, o cargo de

Diretor-geral da OMC.

Destaca-se a participação do Brasil nas Conferências Ministeriais como

conciliador, atuando na formação de grupos3, e no Conselho Geral,

apresentando respostas formuladas pelos comitês e transparência quanto à

3 A título de exemplo, um dos grupos encabeçados pelo Brasil nas Conferências Ministeriais foi o G20+, composto por mais de 20 países que fizeram frente às principais potências econômicas. MOTTA VEIGA, Pedro da. Brazil and the G20 group of developing countries. In: GALLAGHER, Peter; LOW, Patrick; STOLER, Andrew. Managing the challenge of WTO participation. 45 case studies. Cambridge: Cambridge University Press, 2005. Disponível em:

<http://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/casestudies_e/case7_e.htm>. Acesso em: 10 out. 2016.

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legislação inerente ao comércio exterior, em face da exigência do Órgão Revisor

de Políticas Comerciais. Ainda há a participação brasileira no órgão jurídico da

OMC, o Órgão de Resolução de Controvérsias.

Diferentemente do seu antecessor, o GATT, que era apenas um acordo,

a OMC passa a ser uma pessoa jurídica internacional com poderes coercitivos.

A parte de estrutura física foi absorvida pelo GATT em Genebra. No tocante aos

órgãos que foram criados, passaram a funcionar exclusivamente em Genebra,

não havendo escritórios em outros lugares. As Conferências Ministeriais, no

entanto, acontecem em diversos lugares como forma de privilegiar os Ministros

dos países anfitriões que as presidem e coordenam os trabalhos. Já as

inspeções do Órgão de Exame das Políticas Comerciais ocorrem nos países

membros e são desenvolvidas pelo Conselho Geral.

Em concreto, a OMC pretende que as relações entre países na esfera

da atividade comercial contribuam para: 1) elevar os níveis de vida; 2)

desenvolver o pleno emprego; 3) conseguir um volume considerável e um

aumento constante dos ingressos reais, bem como a demanda efetiva; 4)

aumentar a produção e o comércio de bens e serviços; 5) utilizar de forma

adequada os recursos mundiais e estabelecer elo em conformidade com o

objetivo de um desenvolvimento sustentável, procurando proteger e preservar o

meio ambiente4.

§ 1º Conferência Ministerial

O órgão máximo da OMC responsável pelas decisões é a Conferência

Ministerial, composta por todos os membros com poder de voto igualitário. Tendo

em vista a importância desse órgão, o fato de o Diretor-geral da OMC não possuir

poderes para decidir sobre questões de mérito dos acordos permite à

4 WTO. Acordo constitutivo da OMC. Preâmbulo. Disponível em:

<https://www.wto.org/spanish/docs_s/legal_s/04-wto_s.htm>. Acesso em: 29 fev. 2016.

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Conferência Ministerial resguardar o firme cumprimento e a adoção de acordos

gerais impositivos a todos os membros.

A respeito desse assunto, o item a seguir descreve a composição e as

atribuições dessa Conferência. Em um segundo momento, em uma narrativa

histórica, expõem-se as propostas e os resultados de cada uma das dez

conferências ocorridas até então, contextualizando-as e demarcando os

resultados mais importantes para os membros e a participação do Brasil nelas.

A) Composição e Competência

Na estrutura da OMC, não há um presidente que a dirija, ou um grupo

de países, diferentemente do que acontece com o FMI, com o Banco Mundial ou

com outras organizações internacionais. Na OMC, todos os seus membros

compõem por meio de representantes a instância máxima denominada de

Conferência Ministerial, na qual cada país membro tem direito a voto,

independentemente do seu tamanho. A tomada de decisão é por consenso,

assim como ocorria no GATT de 19475.

A Conferência Ministerial, segundo o artigo IV, item 1, do Acordo

Constitutivo da Organização Mundial de Comércio, tem competência para

exercer as funções da OMC, adotando as disposições necessárias para tais fins.

Prossegue o referido dispositivo atribuindo como competência da Conferência o

poder de tratar sobre decisão de qualquer dos Acordos comerciais multilaterais.

Outra destacada função está na admissão de novo membro da Organização,

posto que, nos termos do artigo XII, Item 2, do Acordo Constitutivo da OMC, a

decisão sobre a acessão é exceção à regra geral e se fará por maioria de dois

terços dos Membros6.

A periodicidade das Conferências Ministeriais é a cada dois anos, tendo

a primeira ocorrido em Singapura, de 9 a 13 de dezembro de 1996, a segunda

5 O papel do Diretor-geral da OMC é de um coordenador que executa as determinações da Conferência Ministerial e do Conselho Geral. Cf. §3º deste mesmo capítulo. 6 Acordo Constitutivo da OMC, Artigo IV, “1. Estabelecer-se-á uma Conferência Ministerial composta por representantes de todos os Membros que se reunirá ao menos uma vez cada dois anos. A Conferência Ministerial desempenhará as funções da OMC e adotará as disposições necessárias para tais fins. A Conferência Ministerial terá a faculdade de adotar decisões sobre todos os assuntos compreendidos no âmbito de qualquer dos Acordos Comerciais Multilaterais caso assim o solicite um membro em conformidade com o estipulado especificamente em matéria de adoção de decisões no presente Acordo e no Acordo comercial multilateral relevante”.

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em Genebra, de 18 a 20 de maio de 1998, a terceira em Seattle, de 30 de

novembro a 3 de dezembro de 1999, a quarta em Doha, de 9 a 13 de dezembro

de 2005, a quinta em Cancun, de 10 a 14 de setembro de 2005, a sexta em

Hong Kong, de 13 a 18 de dezembro de 2005, a sétima em Genebra, de 30 de

novembro a 2 de dezembro 2009, a oitava em Genebra, de 15 a 17 de dezembro

de 2011, a nona em Bali, de 3 a 6 de dezembro de 2013, e a décima em Nairóbi,

de 15 a 18 de dezembro de 2015.

Verificando as datas dos eventos acima, observa-se que não foi atendido

o prazo interstício de dois anos entre as conferências em duas ocasiões, na

terceira e na sétima conferência, tendo a primeira sido antecipada em um ano, a

fim de coincidir a data com as comemorações de 50 anos do sistema multilateral.

Por sua vez, na sétima conferência, houve um retardo de quatro anos

em virtude do esfriamento no comércio multilateral à época e do fortalecimento

do comércio regional, a exemplo do MERCOSUL e da União Europeia, ou entre

Grupos econômicos, como, por exemplo, a Parceria Transpacífica7 e as

tratativas entre NAFTA (North American Free Trade Agreement) e União

Europeia, bem como da formação, ainda que informal, do BRICS8.

O Estado Brasileiro, membro fundador, fez-se presente em todas as

conferências, exercendo papel de destaque pelos avanços nas tratativas de

formalização dos acordos referentes ao comércio de bens e serviços. Tal

assertiva é reforçada com a atitude política do embaixador brasileiro Roberto

Azevedo, Diretor-Geral, que conseguiu, coordenando um lento processo,

finalizar o primeiro acordo da OMC, desde a sua criação.

A ideia inicial da criação da OMC, defendida por alguns membros,

segundo Vera Thorstensen, era de que a partir daquela data não seriam

necessárias novas rodadas, “uma vez que a organização estaria capacitada para

analisar todos os temas de seu interesse e iniciar negociações de acordos sobre

eles, desde que houvesse acordos sobre eles”. No entanto, os diversos membros

7 A Parceria Transpacífica (Trans-Pacific Partnership –TPP) consiste em um bloco de 12 nações

que inclui, dentre outros, os Estados Unidos, Austrália e Japão e constitui atualmente uma das grandes ameaças ao comércio multilateral, nas palavras do Diretor-geral Roberto Azevedo em entrevista ao jornal digital Extra, publicado em 13/02/2016. Disponível em: <http://extra.globo.com/noticias/ economia/politicas-fiscais-monetarias-estao-no-limite-diz-diretor-geral-da-omc-18665876.html>. Acesso em: 27 fev. 2016. 8 O BRICS, acrônimo que significa as iniciais de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (South Africa), não possui um documento formal, tipo estatuto ou acordo, em que figure sua constituição

formal, embora, os seus integrantes tenham fundado um banco com cotas de cada um deles.

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da OMC não concordaram com a ideia e “passaram a discutir a questão sempre

com o entendimento de que os custos e os benefícios de cada tema negociado

seriam balanceados, e que ao final do processo, todos poderiam ter ganhos

equivalentes nas atividades do comércio exterior”9.

O relato dos temas tratados nas Conferências Ministeriais está inserido

nas Declarações Ministeriais, que são as inovações normativas e obrigações

decorrentes para os membros. Faz-se necessário conhecer, portanto, quais os

temas escolhidos para as discussões comerciais e o modo como ocorre a

participação do Brasil no processo de negociação.

É possível perceber que em algumas Conferências sequer fora emitida

declaração ministerial. Um dos motivos principais para o impasse deve-se ao

fato de o processo decisório ser o consensual, atribuindo a cada membro o

direito de um voto. Não obstante tal dificuldade, nas mais recentes Conferências,

houve uma retomada das negociações satisfativas, com a finalização do primeiro

acordo desde a fundação da OMC, que foi denominado “Pacote Bali”. O avanço

prosseguiu também com a aprovação da Conferência de Nairóbi, em dezembro

de 2015.

B) A trajetória das Conferências Ministeriais de Singapura a Nairóbi

A primeira Conferência Ministerial ocorreu em Singapura, em dezembro

de 1996, e três pontos podem ser destacados a partir desse evento: a revisão

dos acordos e negociações em curso, um programa de trabalho e a análise do

desenvolvimento do comércio mundial e os seus desafios10.

De acordo com Vera Thorstensen, a declaração constatou que o

crescimento do comércio mundial elevou a remuneração dos trabalhadores,

existindo um compromisso em tornar o sistema multilateral como vetor de

9 THORSTENSEN, Vera. OMC – A Organização Mundial do Comércio: as Regras do Comércio

Internacional e a Nova Rodada de Negociações Multilaterais. 2. ed. São Paulo: Aduaneiras, 2001. p. 406. 10 WTO, sítio da Organização Mundial do comércio. Disponível em: <https://www.wto.org/english/thewto_e/minist_e/min96_e/wtodec_e.htm>. Acesso em: 01 fev. 2016.

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crescimento e desenvolvimento sustentável, o que contribui para a estabilidade

e segurança nas relações internacionais11.

Os compromissos assumidos, de um modo geral, versam sobre a

liberalização progressiva e a eliminação das tarifas e barreiras não tarifárias no

comércio de bens, a rejeição de todas as formas de protecionismo, o enfoque

para integração dos países em desenvolvimento e menos desenvolvidos e de

economias em transição dentro do sistema multilateral e o maior nível possível

de transparência12.

Foi tema de discussão a padronização do trabalho, o qual foi remetido

pela Declaração da Conferência à Organização Internacional (OIT), que seria o

foro competente para tal discussão. Segundo Thorstensen, houve uma rejeição

do uso de padrões como forma protecionista, refutando a comparação salarial

feita pelos países em desenvolvimento13.

Depreende-se da Declaração que os ministros reconheceram o papel do

Comitê sobre Acordos regionais, havendo um comprometimento com a primazia

do sistema multilateral, de modo que esses acordos sejam complementares ao

sistema e consistente com suas regras14.

Foi reconhecido o esforço dos países em desenvolvimento em assumir

novos compromissos. Ficou acordado, ainda, um plano de ação para auxílio aos

países menos desenvolvidos (PMD), listando-se por Thorstensen três medidas

a serem adotadas: “acesso livre para melhorar a capacidade de responder as

oportunidades oferecidas pelo sistema de comércio, fortalecimento de condições

para os investimentos e organização de encontros com as agências de

financiamento multilaterais”. A finalidade é auxiliar os PMD a aproveitarem

melhor suas oportunidades de comércio internacional15.

O Comitê sobre comércio e meio ambiente teve seu reconhecimento no

importante papel de coordenação de políticas nacionais de comércio junto com

as de meio ambiente. Houve uma concordância dos ministros, segundo

Thorstensen, no estabelecimento de três grupos de trabalho: “comércio e

11 THORSTENSEN, Vera. Op cit., p. 400. 12 Ibidem, p. 400. 13 Ibidem, p. 400. 14 WTO, Declaração da 1ª Conferência, retirada do sítio da OMC, Disponível em: <https://www.wto.org/english/thew to_e/minist_e/min96_e/wtodec_e.htm>. Acesso em: 01 fev. 2016 15 THORSTENSEN, Vera. Op. cit., p. 401.

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investimento, comércio e política de concorrência, e transparência nas práticas

de compras governamentais”16.

A segunda Conferência Ministerial, ocorrida em maio de 1998, em

Genebra, foi escolhida para coincidir com a data de 50 anos do sistema

multilateral do comércio, que teve início com o GATT de 1948.

A Declaração Ministerial apontou a rejeição ao uso de qualquer medida

protecionista, ficando acordado que a OMC iria trabalhar em conjunto com o FMI

e o Banco Mundial. No parágrafo 9, estabeleceu que o Conselho Geral dirigirá

um procedimento para assegurar a implementação completa e fiel dos acordos

existentes, preparando-se para a terceira conferência.

No item “b” do parágrafo 9, a Declaração sugere recomendações

relativas aos trabalhos iniciados em Singapura, que são matérias de

investimentos, concorrência, transparência em compras governamentais e

facilitação do Comércio. Nos parágrafos 10 e 11, a Declaração afirma que o

Conselho Geral deveria apresentar um programa de trabalho para a terceira

Conferência Ministerial. Nesse sentido, Thorstensen explica que deveria incluir

a abrangência, estrutura e prazos, com o intuito de iniciá-la e terminá-la

rapidamente e ter como objetivo a realização de um balanço geral de interesse

de todos os membros17.

A terceira Conferência Ministerial, que ocorreu em novembro de 1999,

na cidade de Seattle (EUA), não foi conclusiva em razão do impasse gerado

entre os membros, uma vez que as decisões das conferências sobre as pautas

a serem negociadas devem ser tomadas por consenso e não por maioria, o que

tornam ainda mais exigíveis as obrigações da organização.

Esse impasse serviu para refletir sobre o modelo adotado pela OMC para

firmar acordos, bem como para que se fizessem ajustes, proporcionando

confiança aos países menos desenvolvidos, no intuito de que a abertura de suas

fronteiras não lhes seja prejudicial, fazendo crer que lhes seja facilitado o acesso

ao mercado dos países desenvolvidos.

Algumas matérias, como agricultura, subsídios, antidumping, tiveram

posicionamentos extremados, somadas à movimentação de manifestantes nas

ruas de Seattle, levando ao fracasso da conferência. No discurso da Presidenta

16 Ibidem, p. 402. 17 Ibidem, p. 405.

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da conferência, Charlene Barshefsky, foi notada a falta de harmonia e inovação

de ideias entre os membros. Além disso, ela ressaltou a incumbência do diretor-

geral em consultar os membros e encontrar caminhos criativos para esse tipo de

impasse18.

A Presidente da Conferência prosseguiu afirmando que as questões

colocadas diante deles são diversas e complexas, de modo que reconhece ser

necessário um processo que tivesse um maior grau de transparência interna e

de inclusão para acomodar uma sociedade maior e mais diversificada. Finalizou

explicando que seria melhor dar uma pausa, realizar consultas mútuas entre os

membros, para encontrar uma mudança criativa na conclusão do acordo19.

A proposição norte-americana de padronização das normas trabalhistas

e meio ambiente foi veemente negada pelos países em desenvolvimento e

países menos desenvolvidos, dentre eles o Brasil.

Para Marcelo Abreu, não é a primeira vez que o protagonismo da

política interna norte-americana implica indesejável resultado para o sistema

multilateral de comércio, relembrando assim que em 1948 não foi ratificado pelo

Congresso dos EUA o acordo que criou a Organização Internacional do

Comércio 20.

Tal opinião também é verificada no relatório do Ministério da Economia,

Comércio e Indústria do Japão, numa tradução livre: “Alguns são da opinião que

o país presidente da mesa, os Estados Unidos, não conseguiu exercer liderança

suficiente, e que alguns países estavam muito intransigentes nas

negociações”21.

18 “Con el tiempo hemos visto que las diferencias de opinión se mantenían y no sería posible superarlas rápidamente. Llegamos a una conclusión común, compartida por el Director General [de la OMC], los presidentes y copresidentes de los grupos de trabajo y los Miembros en general, que lo mejor sería abrir un intermedio, consultarnos mutuamente y encontrar medios originales para terminar el trabajo”. WTO, Sítio da OMC. Disponível em:

<https://www.wto.org/spanish/thewto_s/minist_s/min99_s/spanish / about_s/resum03_s.htm>. Acesso em: 02 fev. 2016. 19 Ibidem. 20 ABREU, Marcelo de Paiva. OMC, baderna e paroquialismo dos EUA. O Estado de São Paulo.

23/12/1999. 21 “Some are also of the opinion that chair country of the meeting, the United States, failed to exert sufficient leadership, and that some countries were too uncompromising in the discussions of the Ministerial Declaration.” Relatório do Ministério da economia, comércio e indústria do

Japão, Capítulo 17. Disponível em: <http://www.meti.go.jp/english/report/downloadfiles/gCT0017e.pdf>. Acesso em: 01 fev. 2016.

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A quarta Conferência Ministerial ocorreu em novembro de 2001, em

Doha, no Qatar, e quase foi adiada ante a possível não participação norte-

americana, em razão de ameaças de ataque terrorista. No tocante ao seu

conteúdo, deixou de lado o tema da agricultura, cujo desfecho teria o mesmo

impasse ocorrido na Conferência anterior, incorporando temas não controversos,

tais como o acesso ao mercado de produtos não agrícolas, os direitos de

propriedade intelectual e a facilitação do comércio.

A Declaração Ministerial de Doha expõe que os membros se

comprometem em realizar negociações abrangentes visando: melhorias

substanciais no acesso aos mercados; reduções, com vistas à eliminação

gradual, de todas as formas de subsídios à exportação; e reduções substanciais

no apoio doméstico distorcido ao comércio22.

Sabendo-se que a repetição do fracasso levaria ao descrédito do

sistema multilateral do comércio, foi determinada uma dilação no prazo para a

conclusão do programa do trabalho, passando-se a ter uma rodada denominada

de Rodada Doha sobre a agricultura cuja conclusão ocorreu em dezembro de

2013 na 9ª Conferência Ministerial.

Em Doha, foram aprovadas decisões sobre temas e preocupações

relacionadas à implementação (Implemetation-Related Issues and Concerns);

Declaração sobre o Acordo TRIPS e Saúde Pública (Declaration on the Trips

Agreement and Public Health).

Contudo, diante da necessidade de os países menos desenvolvidos

terem acesso ao mercado, é retomada a pauta da agricultura, lançando

esperanças para sua concretização. A Declaração ressalta o compromisso de os

membros realizarem negociações com o objetivo de “mejoras sustanciales del

acceso a los mercados; reducciones de todas las formas de subvenciones a la

exportación, con miras a su remoción progresiva; y reducciones sustanciales de

la ayuda interna causante de distorsión del comercio”23.

Destaca Rabih Ali Nasser, sobre a Rodada Doha, que “os países

assumem apenas a obrigação de negociar esses temas, sem se comprometer

22 WTO, Declaração Ministerial de Doha 2001. Sítio da OMC. Disponível em: <https://www.wto.org/spanish/thewto_s/minist_s/min01_s/min01_s.htm>. Acesso em: 03 fev. 2016 23 Ibidem.

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com resultados”24, de modo que a ausência desse compromisso com resultados

fez com que a rodada Doha se estendesse até 2013, finalizando-a na 9ª

conferência ministerial em Bali.

A quinta Conferência Ministerial foi realizada em dezembro de 2003, em

Cancun, no México. O momento histórico internacional, do pós-ataque terrorista

de 11 de setembro de 2001, retraiu de modo geral as relações internacionais,

sendo apresentado pelas nações desenvolvidas um forte incentivo às suas

produções internas, o que resultou no fracasso tanto nas questões suscitadas

na presente Conferência como nas anteriores. Nesse contexto, eram esperadas

duas decisões, conforme aponta Amado Luiz Cervo.

O primeiro tema focou no comércio de produtos agrícolas, agendado na

rodada DOHA, de 2001, já o segundo tema, previsto na Conferência Ministerial

de Singapura de 1996, versa sobre a sujeição de investimentos, concorrência,

compras governamentais e facilitações das trocas às regras do próprio comércio

internacional25.

Nessa Conferência Ministerial, foi formado o Grupo de 21 países

capitaneados pela China, Índia e Brasil, para fazer frente ao discurso dos países

desenvolvidos, especialmente à proposta da União Europeia e dos Estados

Unidos, de modo que não houve resultados, culminando em um impasse que

impediu a conclusão dos trabalhos, o que foi emitido numa nota em meados de

200426.

A sexta Conferência Ministerial da OMC ocorreu em Hong Kong, em

2005, e conforme a pauta predefinida, objetivava acordos em questões relativas

à agricultura, aos subsídios, ao setor têxtil, às barreiras técnicas ao comércio e

às medidas em matéria de investimentos relacionadas com o comércio.

Em razão do insucesso da Conferência anterior, em Cancun, a OMC

estava passando por um momento decisivo, da mesma forma que o sistema

multilateral de comércio, a fim de consolidar-se como foro viável para

24 NASSER, Rabih Ali. A OMC e os Países em Desenvolvimento. São Paulo: Aduaneiras. 2003. p. 268. 25 CERVO, Amado Luiz. Um balanço da reunião da OMC em Cancun. Meridiano 47 - Journal of Global Studies, [S.l.], v. 4, n. 38-39, p. 1-3, out. 203. ISSN 1518-1219 Disponível em:

<http://periodicos.unb.br/index.php/MED/article/view/4271>. Acesso em: 29 fev. 2016. 26 WTO, sítio eletrônico. Disponível em: <https://www.wto.org/spanish/thewto_s/minist_s/min03_s/min03_s.htm>. Acesso em: 29 fev. 2016.

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regulamentação do comércio global. Essa foi uma das razões para que os

principais atores propusessem passos que serviriam para a retomada de

negociações no SMC, razão pela qual foram determinados prazos para

demonstrar pragmaticidade e resultado dos acordos firmados durante a

Conferência. Ela deu um avanço significativo na questão dos subsídios

agrícolas, dando passos concretos para o fim dessa prática e estipulando ações

e datas27.

A data prevista para uma redução substancial dos subsídios à

exportação de produtos agrícolas era o ano de 2010, sendo o prazo limite para

sua completa extinção o ano de 2013. Contudo, não foi o que ocorreu, o que

gerou certo descrédito e enfraquecimento da OMC28.

A sétima Conferência Ministerial acontecida em Genebra, no ano de

2009, fracassou nas negociações da retomada da pauta da Rodada Doha. Os

países desenvolvidos não externaram o compromisso firmado de redução dos

subsídios. O contexto histórico da crise econômica que surgiu nos Estados

Unidos e atingiu os demais países foi um dos fatores que impediram o

cumprimento da agenda da OMC, com uma pauta de liberalização.

Sem Declaração Ministerial, não houve progresso na conferência.

Analisando-a, Steffen Grammiling afirma: “o principal objetivo da Sétima

Conferência Ministerial da OMC foi permitir aos ministros discutir, analisar e

fornecer orientações sobre todas as atividades da OMC. Assim, para a

Conferência foi dado o amplo título de ‘A OMC, o sistema multilateral de

comércio e o ambiente econômico global atual’”29.

Muitos membros reafirmaram o seu compromisso de concluírem a

rodada Doha em 2010, mas o fato de estarem todos presos às suas posições

arraigadas causou impasse na negociação. O Ministro Celso Amorim declarou

que seria “irrazoável esperar que a conclusão da Rodada envolveria concessões

unilaterais adicionais de países em desenvolvimento”30.

27 WTO, Declaração Ministerial de Hong Kong, 18/03/2005. Disponível em: <https://www.wto.org/spanish/thewto_s/minist_s/min05_s/final_text_s.htm>. Acesso em: 03 fev. 2016. 28 Ibidem. 29 GRAMMLING, Steffen. The Seventh WTO Ministerial Conference: a “housekeeping” exercise in Dialogue on Globalization; December, 2009. Disponível em: <http://library.fes.de/pdf-files/bueros/genf/06930.pdf>. Acesso em: 11 fev. 2016. p. 2 30 WTO. Sétima Conferência Ministerial. Disponível em: <https://w. ww.wto.org/spanish/thewto_s/minist_s/min09_s/min09_s.htm>. Acesso em: 19 fev. 2016.

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29

A oitava Conferência Ministerial foi realizada na cidade de Genebra, em

dezembro de 2011, ainda dentro do contexto histórico de crise econômica,

sentida na maioria dos países desenvolvidos, semelhante à conferência anterior.

De modo geral, deixa de avançar no Programa de Desenvolvimento de Doha,

estando pendente desde 2001.

No entanto, a Conferência traz inovação com a aprovação de novas

matérias, como propriedade intelectual, comércio eletrônico, revisões de

políticas comerciais, havendo ainda a ampliação da moratória sobre o Acordo

TRIPS de não violação e situação de queixas; a decisão por um programa de

trabalho sobre as pequenas economias; uma ampliação no período de transição

para os países menos desenvolvidos; a adesão de países menos desenvolvidos

à Organização; e o tratamento preferencial aos serviços e prestadores de

serviços de países menos desenvolvidos31.

A Conferência admitiu como novos membros da OMC três países, a

saber: Rússia, Montenegro e Samoa, destacando-se entre eles a Rússia, a

última grande economia que ainda não fazia parte da OMC32.

A nona Conferência Ministerial ocorreu em Bali, na Indonésia. Aprazada

para os dias 3 a 5 de dezembro de 2013, foi prorrogada para mais um dia,

quando foi finalizado o Programa para o Desenvolvimento firmado em Doha, em

2001. O Ministro das Relações Exteriores Luís Alberto Figueiredo participou

como representante do Estado brasileiro e narrou que o impasse do acordo girou

em torno da Índia e dos EUA para finalizar o texto do pacote de Bali33.

Com um texto aberto, o denominado Pacote de Bali foi um marco na

OMC, posto que finalizou o primeiro grande acordo desde a sua inauguração em

1995. Tal fato foi possível devido ao tripé formado pelo Diretor-geral, Roberto

Azevedo, pelo país anfitrião e pelo presidente da conferência, Gita Wirjawan,

Ministro do Comércio da Indonésia.

O ambiente onde se instalou a conferência trouxe o renascimento da

política econômica multilateral e o crédito de que, quanto aos países em

desenvolvimento, vale a pena participar e praticar as normas acordadas no

31 WTO. Oitava Conferência Ministerial. Disponível em: <https://www.wto.org/spanish/thewto_s /minist_s/min11_s/min11_s.htm>. Acesso em: 19 fev. 2016. 32 Ibidem. 33 BRASIL. ITAMARATY. Disponível em: <www.itamaraty.gov.br>. Acesso em: 29 fev. 2016.

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30

âmbito da OMC. Atualmente, o pacote de Bali já foi ratificado por três países:

Estados Unidos, Indonésia e Singapura. No Brasil, foi encaminhado pela

Presidente da República ao Congresso o projeto de Lei que incorpora ao estatuto

da OMC o acordo firmado em Bali. O processo foi aprovado no plenário da

Câmara, tendo sido encaminhado para o Senado, que aguarda a votação34.

O Pacote de Bali é um acordo abrangente de facilitação do comércio

global por meio da redução das barreiras comerciais. Nele, incluem-se temas

sensíveis, como a agricultura, e temas gerais relacionados ao comércio e ao

desenvolvimento.

Em relação ao tema de facilitação de comércio, o foco é simplificar

procedimentos aduaneiros (incluindo liberação, despacho e trânsito de

mercadorias) através da redução de custos, maximização de eficiência e

velocidade, abrangendo praticamente todos os produtos, desde matérias-primas

a serviços financeiros e telecomunicações. No que concerne à assistência a

países em desenvolvimento, avançou-se em prospectos de medidas voltadas

para a melhoria na infraestrutura, treinamento de funcionários alfandegários,

além de previsão de ajudas de custo na implementação de acordos35.

A décima Conferência Ministerial aconteceu em Nairóbi, no Quênia, em

dezembro de 2015, avançando na liberalização do comércio. A revista Valor

Econômico aponta que a OMC vinha sendo pouco prestigiada em razão da

proliferação de acordos bilaterais e da iniciativa dos mega acordos

transregionais. Visando manter-se influente no cenário do comércio internacional

e fugir da insignificância, as decisões serviram para revigorar a organização36.

A delegação brasileira, chefiada pelo Ministro Mauro Vieira, externa que

foram positivos para o país os resultados37. Segundo a Declaração Ministerial da

34 Brasil. Projeto de Decreto Legislativo n. 244/2015. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2017939>. Acesso em: 19 fev. 2016 35 WTO. Pacote de Bali. Disponível em:

<https://www.wto.org/spanish/thewto_s/minist_s/mc9_s/balipackage_s.htm>. Acesso em: 19 fev. 2016. 36 VALOR ECONÔMICO. Opinião. Rota da diplomacia comercial brasileira começa a mudar. Disponível em: <http://www.valor.com.br/opiniao/4368516/rota-da-diplomacia-comercial-brasileira-comeca-mudar>. Acesso em: 23 dez. 2015. 37 BRASIL. Itamaraty. Disponível em: <http://www.itamaraty.gov.br/index.php?option=com_ content&view=article&id=12765:resultados-da-x-conferencia-ministerial-da-organizacao-mundial-do-comercio-nairobi-15-a-18-de-dezembro-de-2015&catid=42&lang=pt-BR&Itemid=280>. Acesso em: 20 fev. de 2016.

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31

décima Conferência e o Pacote de Nairóbi, os pontos principais acordados são:

a proibição imediata de conceder subsídios à exportação de produtos agrícolas

por países desenvolvidos e, em três anos, por países em desenvolvimento, com

algumas exceções38.

O pacote define disciplina de financiamento das exportações de

produtos agrícolas com apoio oficial, que passam a estar limitadas a 18 meses

de prazo, de modo a evitar distorções nas exportações por meio de crédito

subsidiado. Prevê ainda uma obrigatoriedade de equilíbrio de longo prazo no

seguro de crédito para produtos agrícolas e de cobrar prêmios proporcionais ao

risco, de forma que os produtos agrícolas não ganhem competitividade com base

no poder dos tesouros públicos39.

Regulamenta ainda situações para evitar que empresas estatais

exportadoras de produtos agrícolas concedam subsídios disfarçados, propondo

um programa de trabalho para desenvolvê-las, bem como para evitar que a ajuda

alimentar distorça a concorrência e afete os mercados locais dos países para

onde segue o auxílio. O pacote prevê disciplinas sobre regras de origem para

mecanismos de preferência tarifária em favor de países de menor

desenvolvimento relativo40.

O Pacote de Nairóbi prolonga a “waiver” que permite a concessão de

preferências no comércio de serviços para os países de menor desenvolvimento

relativo. Prevê também a extensão da moratória sobre a cobrança de tarifas no

comércio eletrônico, além do prolongamento da moratória de abertura de

controvérsias, denominada de “não violação” na área da propriedade intelectual.

Atribui um “waiver” para países de menor desenvolvimento relativo na

implementação de certos dispositivos do Acordo de Direitos de Propriedade

Intelectual relacionados ao Comércio da OMC41.

38 WTO. Pacote de Nairóbi. Disponível em: <https://www.wto.org/spanish/thewto_s/minist_s/mc10_s /nairobipackage_s.htm>. Acesso em: 20 fev. 2016. 39 ITAMARATY, Op. cit. 40 WTO. Op. cit. 41 Pelo glossário do sítio eletrônico da OMC, define-se o termo “waiver” como uma permissão

garantida pela OMC para que os membros não sejam obrigados aos acordos. Tem tempo limitado e sua prorrogação deve ser justificada. Disponível em: <https://www.wto.org/english/thewto_e/glossary_e/waiver_e.htmplywithnormalcommitments>. Acesso em: 20 fev. 2016.

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32

Constata-se que o Brasil como participante das Conferências

Ministeriais consentiu para todos os acordos firmados, gerando as Declarações

Ministeriais, ficando, assim, obrigado a submeter-se a estes. Não apenas pelo

princípio do pacta sunt servanda, mas também pelo disposto no acordo

constitutivo da OMC, pelo qual ficam todos os membros submissos às decisões

tomadas pelas Conferências Ministeriais.

§ 2º Conselho Geral

O Estatuto da OMC prevê no artigo IV, item 2, na sua estrutura

organizacional, o Conselho Geral, órgão imediatamente abaixo da Conferência

Ministerial. Trata-se de um órgão decisório de mais alto nível da OMC, sendo

formado geralmente por embaixadores de todos os países membros. Suas

reuniões são periódicas para desempenhar as funções da OMC, tendo a

faculdade de atuar na representação da Conferência Ministerial que se reúne

unicamente uma vez a cada dois anos. Atualmente, o Presidente é o embaixador

mexicano Fernando de Mateo42.

O Conselho Geral assume duas principais funções, como destaca

Bernard Hoekman, ao fazer uma descrição do disposto no estatuto. Além disso,

aponta alguns de seus membros para formarem o Órgão de Solução de

Controvérsias e o Órgão de Exame de Políticas Comerciais dos países

membros43.

As reuniões do Conselho Geral servem para executar os temas definidos

nas Conferências Ministeriais e garantir a aplicação do que foi decidido e

transformado em acordo. Assim, o papel de órgão de exame de políticas

comerciais deve ser preventivo e o do Órgão de solução de controvérsias deve

ser no sentido de remediar transgressões.

42 WTO. O Conselho Geral da OMC. Disponível em: <https://www.wto.org/spanish/thewto_s/ gcounc_s/gcounc_shtm>. Acesso em: 19 fev. 2016 43 HOEKMAN, Bernard. The WTO: functions and basic principles. In: HOEKMAN, Bernard;

MATTOO, Aaditya; ENGLISH, Philip. Editors. Washington: The World Bank, 2002. p. 47.

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33

A. Órgão de Exame de Políticas Comerciais

A Rodada Uruguai criou em 1988 a prática de exames das políticas

comerciais de cada membro. Segundo Vera Thorstensen, as primeiras revisões

foram apresentadas já no ano seguinte, em 1989. O Acordo Constitutivo da

OMC, no artigo 3, parágrafo 4, manteve a prática, estabelecendo o mecanismo

de exame de políticas e atribuindo ao Conselho Geral, no artigo 4, item 4, a

competência para exercer as funções do Órgão revisor44.

No anexo 3 do referido acordo, consta a regulamentação do mecanismo

de exame de políticas comerciais, cujo objetivo é “contribuir para a melhor

adesão dos membros às regras, disciplinas e compromissos assumidos”, bem

como aperfeiçoar o sistema multilateral do comércio.

O princípio da transparência torna-se destaque no objetivo, quando

permite ao exame de políticas comerciais o conhecimento coletivo e regular do

conjunto das políticas comerciais de cada Membro e de seu impacto sobre o

funcionamento do sistema multilateral de comércio.

Destaca o texto do anexo 3 que os relatórios não objetivam servir de

base para o cumprimento de obrigações específicas estabelecidas pelos

acordos, ou como base do procedimento de solução de controvérsias. Desse

modo, fica compreendido que a revisão serve a um objetivo de transparência

coletiva.

A periodicidade do exame é dividida em três faixas de países, cujo

critério utilizado é o da participação de cada membro no comércio internacional,

de modo que os quatro primeiros membros são avaliados a cada dois anos e os

dezesseis maiores membros seguintes aos primeiros, grupo que inclui o Brasil,

são examinados a cada quatro anos, e os demais membros, de seis em seis

anos45.

Já ocorreram seis revisões da política comercial brasileira, encerrando-

se a última no final de junho de 2013. O processo de revisão ocorrido durante

dois dias envolveu cerca de 800 questões formuladas por representantes de 43

44 THORSTENSEN, Vera. Op. cit., p. 389. 45 WTO. Acordo da OMC. Anexo 3, Item II.

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delegações sobre temas como desempenho macroeconômico, infraestrutura,

defesa comercial, tributação e licenciamento de importações46.

Em relatório de conclusão, os membros integrantes do Órgão que

compareceram ao país teceram elogios ao desempenho econômico do Brasil,

tendo sido destacado o modo de enfrentamento da crise econômica

internacional. Restaram reconhecidos os avanços na diversificação do comércio

exterior e o potencial de desenvolvimento do país47. Para o período

compreendido entre 2009 e 2013, foi percebida uma melhoria nos indicadores

sociais, em face das políticas públicas de combate à pobreza e redução da

desigualdade e do desemprego. Tal análise não está se repetindo no momento

atual, ante a crise política e econômica vivenciada em 2015. O governo brasileiro

fez mudanças na sua política externa para tentar reverter o quadro de crise

econômica48.

Em que pesem os elogios, houve questionamentos em algumas áreas

da política comercial brasileira, bem como solicitação de aperfeiçoamentos para

evitar o protecionismo e elevar a transparência e previsibilidade das medidas

internas, com destaque para: tarifas e outros encargos que afetam as

importações; procedimentos aduaneiros e licenciamento de importações;

mecanismos de estímulo e programas de crédito; compras governamentais;

propriedade intelectual; agricultura; investimentos e serviços49.

A valorização ao princípio da transparência, um dos pilares do sistema

multilateral do comércio, pode ser vista no compromisso de o Estado brasileiro,

ao fornecer reduções de imposto sobre produtos industrializados (IPI), atuar

mediante ampla divulgação, sem subterfúgios. Ainda assim, não deixou de ser

alvo de queixa no Órgão de Solução de Controvérsias pelos países membros

46 ITAMARATY. Sítio Eletrônico. Disponível em: <http://www.itamaraty.gov.br/index.php?option =comcontent&view=article&id=3479:revisao-da-politica-comercial-do-brasil-na-omc&catid=42&lang= pt-BR&Itemid=280>. Acesso em: 25 fev. 2016. 47 WTO. Observações formuladas pelo Presidente do órgão de exame das políticas comerciais no Brasil em 2013, a título de conclusão. Disponível em: <https://www.wto.org/english/tratop_e/tpr_e/tp383_crc_e.htm>. Acesso em: 25 fev. 2016. 48 Jornal Valor Econômico. Opinião. Rota da diplomacia comercial brasileira começa a mudar.

Op. cit. 49 ITAMARATY. Sítio eletrônico: <http://www.itamaraty.gov.br/index.php?option=com_content& view=article&id=3479:revisao-da-politica-comercial-do-brasil-na-omc&catid=42&lang=pt-BR&Itemid=280>. Acesso em: 25 fev. 2016.

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que tiveram prejuízos em investimentos nos setores de automóveis, indústria

eletrônica e tecnológica e zona de livre comércio50.

B. O Órgão de Solução de Controvérsias

A criação do Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) na Organização

Mundial do Comércio é um dos grandes avanços em relação ao acordo

GATT/1947, cujos conflitos eram solucionados somente por meio de consenso.

Em outras palavras, não era um órgão que de fato solucionava as controvérsias

com imposição de medidas sancionatórias, caso lhe fossem necessárias.

O Órgão de Solução de Controvérsias, nas palavras de Vera

Thorstensen, pode ser considerado como o tribunal da OMC, segundo o qual há

muito vem sendo expresso que a OMC passou a ter “dentes”, o que aludiria

também à “espada de Themis”, por meio da qual o direito aplica a coerção

quando é necessário o uso da força para garantir o cumprimento de suas

normas51.

O OSC integra o mecanismo de Solução de Controvérsias do qual

também faz parte o Órgão de Apelação52, que aprecia os recursos às decisões

dos Painéis. É reconhecido o avanço, no cenário internacional, no

processamento e julgamento dos casos, pois até então a figura do Direito

Internacional era tida como não exigível, contudo, quando um Estado fica

submetido às sanções53 impostas pelo vencedor, observa-se a força coercitiva

que se dá mediante retaliação. Uma das formas dessa retaliação pode ser a

suspensão de benefícios ao Estado vencido, até que cesse o descumprimento

das regras do sistema multilateral54.

A finalidade primordial buscada através do Órgão de Solução de

Controvérsias é, conforme seu próprio nome, a resolução de disputa entre

membros, e não a de efetuar uma punição, tanto é que, porventura o Estado

50 A ser aprofundado no tópico a seguir. WTO. Solução de Controvérsias. DS 472. Disponível

em: <https://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds472_e.htm>. Acesso em: 25 fev. 2016. 51 Acepção “Tribunal da OMC” atribuída a Vera Thorstensen (THORSTENSEN, Vera. Op. cit. p. 371). Sobre “os dentes da OMC”, Cf. MORA, Miquel Montana I. A GATT with teeth: law wins over politics in the resolution of international trade disputes. Columbia Journal of Transnational Law,

v. 31, n. 1, p. 103-180, 1993. 52 Sobre o Órgão de Apelação, ver Capítulo 4, Seção 2, §3. 53 Sobre as sanções da OMC contra os membros que as descumprem, cf. capítulo 3, seção 3. 54 THORTENSEN, Vera. Op. cit., p. 371.

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demandado venha a abster-se de continuar com o comportamento questionado

perante a OSC, terá por finda a disputa e será encerrado o painel.

O Órgão de Solução de Controvérsias adota o sistema de consenso

negativo, que implica afirmar que, para uma decisão de um painel vir a ter

validade, ela precisa ser consensuada por todos os membros, devendo sua

rejeição ser feita também em consenso por todos. Em nota explicativa, esclarece

que o OSC decidirá por consenso negativo, inclusive pelo estado que apresentou

a queixa, o que resta quase impossível, não tendo ocorrido tal episódio desde a

criação da OMC.

Segundo ressalta Vera Thorstensen, a atividade de maior relevância do

OSC é a de supervisionar os trabalhos dos painéis e do Órgão de Apelação. Os

membros ficam cientes do andamento dos trabalhos durante as reuniões do OSC

através dos membros que são os integrantes dos painéis55.

A periodicidade das reuniões do OSC fica em torno de uma vez por mês,

segundo consta no acordo, sendo que em 2015 o lapso entre as reuniões foi de

dois meses. Já o item 1, do artigo 2º, expõe as atribuições do OSC, sendo elas:

o estabelecimento de casos (panels), o acatamento de relatórios destes e do

Órgão de Apelação (OA), a supervisão da aplicação das decisões e

recomendações e a autoridade para suspender as concessões e outras

obrigações abrangidas pelos acordos.

O número de integrantes do OSC inclui todos os membros, mas para o

painel são eleitos entre 3 e 5 membros, excluindo-se o País Membro querelante

e o querelado. Não existindo consenso na escolha dos membros do painel,

passa a ser atribuição do Diretor-geral a designação destes. A execução será

realizada pelo país vencedor, que aplicará, mediante autorização do Conselho

Geral, sanções que podem chegar à elevação de tarifas em desfavor do país

perdedor56.

O Conselho Geral também formará um Órgão revisor das decisões

denominado Órgão de Apelação57. O Entendimento de Solução de Controvérsias

aponta inicialmente uma fase denominada de consultas, antes da instalação do

caso (panel). Posteriormente, com o painel sendo aberto, tem-se a todo o

55 THORSTENSEN, Vera. Op. cit., p. 378. 56 Sobre sanções na OMC, cf. o capítulo 4. 57 Sobre o processo no órgão de solução de controvérsias e a apelação, cf. capítulo 3.

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instante a possibilidade de encerramento do caso facultado ao Estado que sofreu

a queixa, deixando de realizar os atos que estejam em desacordo com os

princípios e normas do sistema multilateral de comércio.

A participação do Estado brasileiro ocorre com 27 processos como

demandante, 16 processos como demandado e 99 processos como terceiro

interessado58. Segundo Roberto Azevedo, “o compromisso do Brasil com o

multilateralismo e contra o unilateralismo fica mais evidente quando o país

submete suas disputas às regras do sistema multilateral”59.

§ 3º Órgãos Secundários da OMC

A composição da OMC completa-se somando à Conferência Ministerial e

ao Conselho Geral vários órgãos auxiliares, cujas competências incidem

precipuamente no conhecimento técnico das matérias às quais se dedicam.

Encontra-se nesse patamar a Secretaria da OMC, cujo papel de coordenação

auxilia sobremaneira nos trabalhos dos Estados membros da organização.

A. Comitês e Conselhos

Subordinados à Conferência Ministerial e ao Conselho Geral, os Comitês

e Conselhos são divididos por temas e integrados pelos auxiliares dos

embaixadores dos Países Membros em Genebra, conforme o Organograma

disponibilizado no sítio da OMC: Órgãos Comitês de Comércio e Meio Ambiente,

e Comitê de Comércio e Desenvolvimento. Neste, encontram-se o subcomitê de

países menos desenvolvidos; o Comitê de Acordos Comerciais Regionais; o

Comitê de Restrição por Balança de pagamentos; o Comitê de Assuntos

Orçamentários, Financeiros e Administrativos, havendo ainda os Grupos de

Trabalho sobre Adesões; Comércio, Dívidas e Finanças; Comércio e

58WTO. Site oficial. Disponível em: <https://www.wto.org/english/thewto_e/countries_e/brazil_e.htm>. Acesso em: 03 dez. 2016. 59 AZEVEDO, Roberto Carvalho; RIBEIRO, Haroldo de Macedo. O Brasil e o mecanismo de Solução de Controvérsias na OMC. In: LIMA, Maria Lúcia L. M. Pádua; ROSENBERG, Bárbara (Org.). O Brasil e o Contencioso na OMC. Tomo I. São Paulo: Saraiva, 2009.

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Transferência de Tecnologia. Todos esses órgãos são diretamente vinculados

ao Conselho Geral60.

Há o Conselho do Comércio de Mercadorias, ao qual se submetem os

Comitês de Acesso aos Mercados, Agricultura, Medidas Sanitárias e

Fitossanitárias, Barreiras Técnicas ao Comércio, Subsídios e Medidas

Compensatórias, Práticas Antidumping, Valoração Aduaneira, Regras de

Origem, Licenças de Importação, Medidas de Investimento relacionadas com o

Comércio, Salvaguardas e o Grupo de Trabalho sobre Empresas Estatais61.

Foi criado também o Conselho do Comércio de Serviços, que tem sob

sua responsabilidade dois Comitês: um de Comércio de Serviços Financeiros e

outro de Compromissos Específicos, bem como dois Grupos de Trabalho sobre

a regulamentação nacional e as normas do Acordo Geral sobre Comércio e

Serviços62.

Complementa-se a estrutura organizacional com o Conselho dos

Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio

e com os acordos plurilaterais, sendo a estes a adesão facultativa, porém o

membro que o aderir estará a ele submisso. Os órgãos dos acordos plurilaterais

são comitês do Acordo sobre Tecnologia da Informação, do Comércio de

Aeronaves Civis e de Contratação Pública, que se submetem ao Conselho Geral

e ao Conselho do Comércio de Mercadorias63.

São órgãos eminentemente técnicos e suas funções são de

assessoramento, realização de estudos, pesquisa sobre o tema para o qual

foram criados, bem como prestação de informações aos Órgãos principais aos

quais estão subordinados.

B. Secretaria

O estatuto da OMC designou a criação de um órgão para executar as

tarefas administrativas determinadas pela Conferência Ministerial e pelo

60 WTO. Sítio eletrônico. Disponível em: <https://www.wto.org/spanish/thewto_s/whatis_s/tif_s/ org2_s.htm>. Acesso em: 27 fev. 2016. 61 Ibidem. 62 Cuja terminologia em inglês é General Agreement on Trade in Service (GATS). 63WTO. Sítio eletrônico. Disponível em: <https://www.wto.org/spanish/thewto_s/whatis_s/tif_s/org2_s. htm>. Acesso em: 27 fev. 2016

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Conselho Geral, sendo a Secretaria dirigida por um Diretor-Geral cujos poderes

definidos não dispõem de ingerência nas normas da OMC, mas exerce um papel

de intermediador, negociador e precipuamente de exequente das normas da

OMC.

As despesas da OMC são custeadas pelos países integrantes de acordo

com as possibilidades econômicas de cada um, no entanto, frise-se que cada

país possui o mesmo valor de voto na Conferência Ministerial, o que permite,

democraticamente, a permanência na OMC dos países com menos recursos64.

A responsabilidade da Secretaria da OMC é, segundo o sítio da

organização, oferecer um apoio independente e da mais alta qualidade aos

governos Membros da OMC em todas as atividades realizadas pela Organização

e prestar serviços à OMC com profissionalismo, imparcialidade e integridade65.

A Secretaria é, nas palavras do sítio da OMC, uma equipe multicultural

de pessoas altamente qualificadas que possuem a ampla gama de aptidões,

conhecimentos e experiência que se requerem para fazer frente às

responsabilidades da Secretaria e cooperar entre si com uma administração

pública internacional eficaz e diligente66.

A Secretaria da OMC, que somente possui oficinas em Genebra, conta

com um corpo de 634 funcionários, encabeçada por um Diretor-geral. Sua função

principal é prestar serviços de apoio para as atividades da OMC, de acordo com

William Davey, podendo ser consideradas como tais: negociações em questões

comerciais, comissões de fiscalização, processos de resolução de litígios,

cooperação técnica e cursos de política comercial para os funcionários dos

países em desenvolvimento67.

Ainda sobre os funcionários que integram o quadro, o estatuto da OMC

prevê que devem exercer o mister “exclusivamente de caráter Internacional”.

64 Recentemente, o Governo Federal brasileiro, segundo informações da Agência Reuters, afirmou que pretendia diminuir a participação do país nos Organismos internacionais como forma de amenizar os custos. Porém, no caso da OMC, é vantajoso para os cofres públicos, pois possui retorno financeiro e desenvolvimento do país, não sendo cogitada a saída da OMC. REUTERS Brasil. Disponível em <http://br.reuters.com/article/topNews/idBRKCN0Z22Y2? pageNumber=2&virtualBrandChannel=0>. Acesso em: 03 dez. 2016. 65 WTO. Disponível em: <https://www.wto.org/spanish/thewto_s/secre_s/intro_s.htm>. Acesso em: 26 fev. 2016. 66 Ibidem. 67 DAVEY, William J. Institutional Framework. In: MACRORY, Patrick F. J.; APPLETON, Arthur E.; PLUMMER, Michael G. The World Trade Organization: legal, economic and political

analysis. v. I. New York: Springer. 2005. p. 71.

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Davey ensina que eles não devem solicitar ou aceitar instruções de nenhum

governo ou outra autoridade externa, tendo os membros da OMC a obrigação de

não procurar influenciar o pessoal no exercício das suas funções68.

O Diretor-geral, que é escolhido pela Conferência Ministerial, possui um

mandato de três anos. A disputa em torno do nome para encabeçar a direção

geral não se dá por consenso, podendo ocorrer disputa, como aconteceu no caso

do Diplomata brasileiro Roberto Carvalho de Azevedo, eleito para um mandato

de quatro anos, vencendo o mexicano Herminio Blanco69.

As atribuições dadas ao Diretor-geral são comumente estabelecidas nas

Conferências Ministeriais, atuando como fomentador de coalizão para a

conclusão de acordos. Um dos destaques da atuação do Diretor Roberto

Azevedo foi a conclusão da Rodada Doha, em dezembro de 2013, poucos meses

após a sua posse ocorrida em setembro do mesmo ano.

O papel exercido pelo Diretor-geral na ocasião foi proporcionar,

juntamente com o presidente da Conferência Ministerial, um ambiente propício

às negociações, de modo que venha a ocorrer o desfecho de acordos com

repercussão positiva para os membros da OMC. Além disso, ele não impõe a

negociação de nenhum tema sem que os próprios membros se sintam

interessados. Compete ainda ao Diretor-geral a nomeação dos funcionários cujo

trabalho proporcionará auxílio nas funções administrativas da organização.

Seção 2. Os principais acordos comerciais da OMC

Os parâmetros para escolha dos acordos descritos a seguir firmam-se

em dois eixos: o primeiro refere-se à sua importância para o sistema brasileiro

de comércio exterior e o segundo diz respeito ao volume de ocorrências e à

incidência desses acordos na jurisprudência brasileira. Assim, foram elencados

o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), o Acordo Antidumping, o

Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias e o Acordo sobre

Agricultura, esse último em razão da importância do tema para a economia do

68 Ibidem. 69 WTO. Sítio eletrônico. Disponível em: <www.wto.org>. Acesso em: 27 fev. 2016.

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Brasil e suas relações internacionais.

§ 1º O Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio – GATT de 1994

O Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, mais conhecido pela sua sigla

em inglês GATT, trata-se do Anexo 1A do Estatuto da OMC. A matéria desse

acordo visa delimitar as ações dos membros para promover a liberalização das

barreiras tributárias, além de manter as diretrizes gerais. Ele encontra-se dividido

em três partes, com um total de 27 artigos. Neste texto, será feito um breve

resumo de cada artigo70.

O artigo 1º versa sobre o Tratamento Geral de Nação mais Favorecida,

havendo nele definição do conceito de tratamento de nação mais favorecida

(NMF ou, em inglês, MFN), por meio do qual, conforme Robert Read, as

concessões comerciais concedidas a um Membro são aplicadas imediatamente

e sem condições a todos os outros membros, salvo algumas exceções como a

participação nos acordos regionais (por exemplo, União Europeia, MERCOSUL)

ou parcerias comerciais (Parceria Transpacífico)71.

Sobre o assunto, Vera Kanas Grytz e Felipe de Andrade Krausz apontam

que os Painéis e Órgão de apelação construíram uma interpretação desse artigo

com base nos seguintes elementos: “a) objeto e finalidade, b) âmbito de

aplicação, c) Ordem de exame, d) qualquer vantagem, favor, privilégio ou

imunidade concedida por qualquer País Membro: i) geral, ii) Atribuição de quotas

tarifárias, e) Produtos similares, f) Qualquer produto originário ou destinado para

outro país; e g) Será outorgada imediatamente e incondicionalmente”72.

O artigo segundo apresenta as condições das listas de concessões, as

quais devem ser indicadas no contrato legal, denominado de taxas consolidadas,

bem como menciona que nenhum membro pode ser tratado de forma menos

favorável do que qualquer taxa de importação. Com a preocupação de não

favorecer os produtos nacionais em detrimento dos importados, no artigo terceiro

70 Tradução de General Agreement on Tariffs and Trade. 71 READ, Robert. A Summary of the GATT Articles. Disponível em:

<www.lancaster.ac.uk/staff/ecarar /gatt%20articles.doc>. Acesso em: 29 fev. 2016. 72 GRYTZ, Vera Kanas; KRAUSZ, Felipe de Andrade. Comentário à análise do artigo 1º. In: THORSTENSEN, Vera; OLIVEIRA, Luciana Maria (Coord.). Releitura dos Acordos da OMC como interpretados pelo Órgão de Apelação: efeitos na aplicação das regras do comércio

internacional. Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio 1994 (GATT 1994).

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consta que os membros não poderão se utilizar de medidas internas

discriminatórias entre produtos nacionais e importados dos países membros.

O GATT, no seu artigo quinto, prevê que não serão aplicadas medidas

comerciais sobre o trânsito de mercadorias realizadas entre membros73. Ainda,

no artigo VI, prevê a possibilidade de aplicação de medidas antidumping, sendo

sua regulamentação feita através de acordo, sempre que causar prejuízo à

empresa doméstica e desfrutar de subsídios à exportação sujeitos a condições

específicas.

Há regulação acerca do valor aduaneiro e das taxas referentes às

formalidades sobre importação e exportação, as quais devem ser avaliadas de

modo justo e sua utilização não pode ser uma barreira protecionista. Nesse

sentido, deve ser observado o baixo custo na aplicação de marcas de origem,

assim como sua utilização não deve danificar os produtos e sua utilização

fraudulenta deve ser coibida pelos membros.

Um dos princípios do sistema multilateral de comércio é a transparência

das políticas comerciais entre os membros. Nesse sentido, o artigo X do GATT

prevê que todas as medidas comerciais devem ser publicadas atendendo àquele

princípio.

O acordo determina a eliminação geral de restrições quantitativas,

propondo para os membros que as restrições ao comércio ocorram na forma de

impostos, taxas e outros encargos e, em última hipótese, através de quotas,

licenças de importação e de exportação. Há uma permissão específica para

restrições quando necessárias para salvaguardar o balanço de pagamentos, as

chamadas “salvaguardas”74.

No artigo XIII, do GATT 1994, está previsto que a administração não

pode ser discriminatória com restrições quantitativas, o que implica afirmar, em

outras palavras, que qualquer discriminação feita entre os Membros na aplicação

de restrições quantitativas deve refletir as ações comerciais subjacentes. A esse

respeito, Robert Read explica ainda que “as informações acerca de eventuais

restrições devem ser transparentes e negociadas com os Membros afetados”75.

73 GATT 1994, artigo V. 74 GATT 1994, artigo XII. 75 READ, Robert. Op. cit., p. 2.

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São apresentadas no artigo XIV do acordo as exceções à regra da não

discriminação, aplicando-as aos artigos XII e XVII.

A matéria dos subsídios é tratada no artigo XVI e, de modo geral,

determina-se que, em quaisquer que sejam os casos, a sua aplicação implica

notificação aos Membros cujas importações sejam atingidas. O artigo prescreve

que os Membros devem reconhecer o impacto prejudicial dos subsídios, de

maneira a evitar a sua utilização geral e específica.

Sobre as empresas estatais, tem-se, no artigo XVII, que operações por

meio delas ensejam notificações pelo Membro que as utilizar, devendo abster-

se de conceder auxílio governamental favorável causador de medidas

discriminatórias. No artigo XVIII, está prevista a assistência governamental ao

desenvolvimento econômico. Acerca desse ponto, Road indica o

reconhecimento de que alguns países membros em situação econômica

desfavorável têm a necessidade de derrogações de algumas medidas

comerciais no que diz respeito aos artigos do GATT, incluindo o apoio de

indústrias nascentes e reparação de problemas de balança de pagamento.

Como forma precípua de proteção, o acordo GATT prevê uma ação de

emergência à importação de determinados produtos, que ocorre no âmbito de

medidas corretivas, incluindo a suspensão de medidas comerciais, se as

importações de certos produtos aumentarem de tal forma a prejudicar produtos

similares, produtores nacionais e a concorrência76. Para essa medida, são

apresentadas exceções gerais77.

As Exceções Gerais envolvem a permissão para medidas não arbitrárias

e não discriminatórias contra certas importações, incluindo: razões morais

públicas; saúde; prisões; e histórico/tesouros culturais nacionais78. Há ainda a

espécie de Exceções de Segurança, pela qual se compreende que nenhuma

cláusula do GATT será interpretada de forma contrária à segurança nacional de

um de seus Membros79. Os Membros cujos benefícios no âmbito do Acordo

estão para ser anulados ou prejudicados pela falha de outros membros no

76 GATT 1994, Artigo XIX. 77 GATT 1994, Artigo XX. 78 GATT 1994, Artigo XX. 79 GATT 1994, Artigo XXI.

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cumprimento de suas obrigações, explica Road, podem se valer de

representações visando buscar uma solução satisfatória80.

Na última Parte do GATT 1994, denominada de comércio e

desenvolvimento, encontram-se os princípios e objetivos, sendo um deles o

compromisso e a ação comum, de modo que a facilitação do progresso

econômico de países em desenvolvimento que sejam Membros possa requerer

deles acesso mais favorável para os mercados mundiais, sem que seja exigida

reciprocidade para compromissos assumidos pelos membros desenvolvidos. Em

outras palavras, o tratamento para os países em desenvolvimento se dá no

âmbito do Sistema Geral de Preferências81.

Os membros mais desenvolvidos devem, no entendimento de Road,

assumir o compromisso de dar maior prioridade e ter especialmente em conta a

eliminação de barreiras comerciais sobre produtos de interesse para os países

em desenvolvimento82. Os países em desenvolvimento também se

comprometem a fazer isso em relação a outros membros em desenvolvimento83.

Nessa perspectiva, o GATT de 1994 termina com a preocupação de uma ação

comum de seus membros na colaboração para avançar a situação dos membros

que se encontram em desenvolvimento em questões relativas ao comércio84.

§ 2º O Acordo sobre a Implementação do Artigo VI do Acordo Geral sobre

Tarifas e Comércio de 1994 (Acordo Antidumping – ADA)

No artigo VI, do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, está prevista a

possibilidade de serem aplicadas medidas antidumping, sendo o seu uso

necessário para o fortalecimento do comércio mundial. Além disso, a ausência

das medidas pode acarretar diversos prejuízos à indústria, no âmbito nacional

ou internacional.

As medidas antidumping podem ser consideradas como um dos pilares

do sistema multilateral do comércio, uma vez que impedem a concorrência

desleal pela prática dos preços diferenciados entre exportação e importação. O

80 ROAD, Robert. Op. cit., p. 2. GATT 1994, Artigo XXII. 81 GATT 1994, Artigo XXXVI. 82 ROAD, Robert. Op. cit., p. 3. 83 GATT 1994, Artigo XXXVII. 84 GATT 1994, Artigo XXXVIII.

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Acordo Antidumping (ADA) é apresentado em três partes divididas em 18 artigos

e dois anexos. A utilização das medidas pelos países membros deve obedecer

ao disposto no ADA, com a finalidade de se evitarem novas barreiras

alfandegárias.

A primeira parte do acordo informa os princípios, a definição e as

medidas a serem aplicadas, incluindo a temporalidade e a descrição delas. As

medidas antidumping devem ser conduzidas observando como princípio o

disposto no artigo VI e conforme as investigações iniciadas e conduzidas

segundo o disposto no ADA85. A determinação do termo dumping é “a oferta de

um produto no comércio de outro país a preço inferior a seu valor normal, no

caso de o preço de exportação do produto ser inferior àquele praticado no curso

normal das atividades comerciais para o mesmo produto quando destinado ao

consumo no país exportador”86.

Denota ressaltar, ab initio, que não há cobrança retroativa, mas sim para

interrupção de dano à indústria doméstica, posto que a simples prática do

dumping, por exemplo, para conquista de mercado de um novo produto

inexistente, ou que não resulte em dano à indústria do país importador, não será,

portanto, caso de medidas antidumping.

O Acordo Antidumping apresenta a definição de dano e de indústria

doméstica e o Órgão de Solução de Controvérsias em painéis também

aperfeiçoou os conceitos desses institutos jurídicos, de maneira a ressaltar o

nexo causal do dano à indústria doméstica pela prática do dumping como sendo

o fato primordial para a aplicação das medidas coercitivas pelo país importador87.

O ADA também explicita o procedimento a ser instaurado, bem como o

meio probatório a ser utilizado nas investigações, sendo possível a utilização de

medidas provisórias que servirão para coibir, liminarmente, o dumping

prejudicial, podendo, no entanto, ser confirmado ou revogado ao final das

investigações88.

A possibilidade da revisão judicial da (in)aplicação das medidas

antidumping é um dos requisitos para que o órgão, independentemente do que

85 Acordo Antidumping – ADA, Artigo 1, do Acordo sobre Implementação do Artigo VI do Acordo Geral sobre tarifas e Comércio 1994. 86 Artigo 2, ADA. 87 ADA, Artigos III e IV. 88 ADA, Artigos V e VI.

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efetuou as investigações, possa analisar e apresentar uma decisão isenta. No

Brasil, o Poder Judiciário, em algumas decisões, imiscuiu-se desse papel,

deixando para o Poder Executivo o recurso por entender que o julgamento era

de caráter técnico. Porém, é aceito de modo geral que cabe ao Poder Judiciário

a Revisão de atos ilegais ou omissivos do Poder Executivo, no tocante a

investigações e medidas antidumping89.

Finalmente, importa destacar que a não observância, por parte de um

país membro, dos dispositivos constantes no ADA poderá ensejar reclamações

perante o Órgão de Solução de Controvérsias, podendo resultar disso

retaliações ao membro desobediente90.

§ 3º O Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias

O Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias (ASMC) é,

segundo Marianna Perantoni, apontado pela doutrina como contribuinte, dentre

vários conceitos, em determinar o que são subsídios e quais as metodologias

para seu cálculo: “a proibição estendida a países em desenvolvimento, do

subsídio à exportação; a criação do ‘subsídio específico’ enquanto terminologia

jurídica; a classificação dos subsídios proibidos, recorríveis e irrecorríveis”91. Em

muito se assemelha ao ADA, quando esclarece a respeito do que seria um grave

dano autorizador de algum tipo de recurso unilateral ou multilateral, na repetição

do conceito de indústria doméstica.

Ab initio, a definição de subvenções apresentada pelo ASMC refere-se

a todas as possibilidades de o Estado financiar direta ou indiretamente os

destinatários nacionais em detrimento dos produtores estrangeiros92.

O ASMC aponta, no artigo 2º, os subsídios específicos como sendo os

outorgados por uma autoridade a determinada empresa ou grupo limitado de

empresas em seu território. Para ensejar a legalidade do ato, deve o instrumento

jurídico gozar das características básicas de abstração e generalidade93.

89 ADA, Artigo XIII. 90 ADA, Artigo XVII. 91 PERANTONI, Marianna. Os Subsídios no Sistema OMC e a Defesa Comercial no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris., 2014. p. 51. 92 ASMC, artigo 1. 93 PERANTONI, Marianna. Op. cit., p. 55.

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Tal qual o dumping, os subsídios não são proibidos, como explica

Mariana Perantoni: “as meras condutas, ativas ou passivas, e os seus resultados

serão repreensíveis a partir do momento em que ocasionarem efeitos adversos

e injustos ao funcionamento do mercado”94, de forma que se apresentam os

subsídios proibidos, os recorríveis e os irrecorríveis.

São considerados proibidos, conforme o artigo 3º do ASMC, os subsídios

que estejam vinculados, de fato ou de direito, ao desempenho do exportador ou

também ao conjunto de condicionantes, os quais se encontram previstos no

Anexo I do ASMC. Também é proibido o subsídio que tenha preferência por

produto nacional em detrimento do estrangeiro. Subsídios recorríveis são

aqueles que, além de não serem proibidos em si, podem ser acionados,

porventura, nos termos do artigo 5º, vindo a causar três tipos de consequências

danosas: “prejuízo à indústria nacional do Estado importador; perdas de

comércio para membros exportadores; e, em grave dano aos interesses do

Estado exportador ao enfrentar concorrência desleal de produtos

subvencionados”95.

Os subsídios irrecorríveis são, por sua vez, os auxílios dados pelos

estados, cujos impactos são minimamente perceptíveis no comércio multilateral,

sendo, portanto, imunes às disputas comerciais, tendo em vista que o ASMC

determinou que a possibilidade de subsídios irrecorríveis ocorreria por cinco

anos a partir do início do acordo OMC, qual seja 1º/01/1995. Por esse motivo,

esse tema foi debatido na III Conferência Ministerial de Seattle, ocorrida em

1999, contudo restou-se infrutífero pela ausência de consenso. Somente em

2001, no relatório anual, chega-se à conclusão pela qual se depreende a

permissão de uma única hipótese para os subsídios irrecorríveis, que “será

quando não tiverem a dotação da especificidade”, do contrário será permitido o

acionamento de medidas judiciais e administrativas cabíveis96.

§ 4º O Acordo sobre Agricultura

94 Ibidem, p. 56. 95 Ibidem, p. 59. 96 OMC. Annual Report 2001. Genebra. WTO, 2006. Disponível em:

<http://www.wto.org/english/res_e/boosp_e/anrep_e/wto_anrep01_e.pdf>. Acesso em: 29 mar. 2016.

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Na escolha para aprofundamento dos acordos, sobressaem a

relevância do tema e sua ocorrência na jurisprudência brasileira. Apesar da

ausência de disputas judiciais internas em torno da temática prevista no Acordo

sobre Agricultura (ASA) e de a pauta não ter sido alvo de divergências, e diante

da importância do tema afeto ao Brasil em razão da dependência do país da

exportação de produtos agrícolas, tornam-se relevantes o estudo e

aprofundamento acerca do ASA.

Inicialmente, cumpre dizer que não houve avanços significativos

esperados, tais como a extinção dos subsídios aos produtos agrícolas ante a

divergência existente entre os países que compunham o Grupo de CAIRNS, cuja

posição era contrária às subvenções, e os países europeus e os Estados Unidos,

com forte política de incentivo à produção agrícola97.

Os principais alvos do ASA foram os termos acertados em favor da

diminuição das medidas de apoio interno e dos subsídios à exportação. Sobre

esse ponto, Perantoni destaca que não foi o acordo ideal, mas o possível, diante

do contexto bipolarizado, que dividiu os membros da OMC98.

O Acordo sobre Agricultura é um dos acordos plurilaterais firmados no

âmbito da OMC. Ocorre que, quando do seu surgimento, foram deixados alguns

assuntos como tema plurilateral, excetuando-se a regra de observância

obrigatória para os Membros que não o subscrevessem.

Restou assim afirmar, longe do propósito basilar da OMC, que trata

evidentemente da derrubada de barreiras que impeçam a livre concorrência das

mercadorias entre os Estados-membros. Da análise do acordo, destacam-se

quatro principais tópicos: o acesso aos mercados99, as medidas de apoio

doméstico100, subsídios à exportação101 e a Cláusula de Paz102.

Após as propostas firmadas no Acordo sobre agricultura, passou-se à

Rodada Doha, iniciada na Conferência Ministerial ocorrida no Qatar, em 2001,

permanecendo longo período sem evoluir e sendo somente desbloqueada em

2013, quando aconteceu a finalização do primeiro acordo comercial multilateral

97 O Grupo de CAIRNS era formado por 20 países com perfil de exportadores agrícolas, capitaneados por Brasil e Austrália. PERANTONI, Marianna. Op. cit., p. 69. 98 Ibidem. p. 70. 99 A matéria está prevista nos artigos 4º e 5º do Acordo sobre Agricultura. 100 A matéria está prevista nos artigos 6º e 7º do Acordo sobre Agricultura. 101 A matéria está prevista nos artigos 8º ao 10º do Acordo sobre Agricultura. 102 A matéria está prevista no artigo 13º do Acordo sobre Agricultura.

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desde a criação da Organização, cujo tema de destaque trata da agricultura com

a promessa de redução dos subsídios à exportação. Foi dado o nome de acordo

de Bali, em referência à cidade onde foi subscrito o acordo cujo tema representa

tão somente 10% da audaciosa Rodada Doha. Tendo em vista a limitação do

acordo, alguns o denominaram de “Doha Light”103.

A XI Conferência Ministerial de Nairóbi, avançando ainda mais com a

estipulação de prazos para o fim de medidas distorcidas contra o sistema

multilateral do comércio, dentre elas os subsídios, estipulou um marco definitivo

para que os países possam finalizar as subvenções estatais, surpreendendo

mais uma vez a comunidade internacional com uma pauta que não era proposta

desde a Conferência Ministerial de Bali104.

Em Nairóbi, foi respeitado o princípio de tratamento diferenciado para

os países em desenvolvimento e os desenvolvidos, sendo a esses determinado

o fim dos subsídios, com exceção para os produtores de laticínios, carne de

porco e processados, até o ano de 2020. Por outro lado, foi dado aos países em

desenvolvimento o prazo até dezembro de 2018 para que sejam finalizados os

subsídios, com exceções até 2023, sendo esse o prazo máximo para finalizar

programas destinados a cobrir custos de transporte ou comercialização.

103 Sobre a rodada Doha, ver seção anterior. Em matéria jornalística do Portal da Rádio França Internacional, Simon Evenett afirmou: “É um acordo bem-vindo, mas limitado. Passamos de Doha a Doha light”, na entrevista intitulada OMC conclui acordo histórico sobre comércio mundial. Disponível em: <http://pt.rfi.fr/economia/20131207-omc-conclui-acordo-historico-

sobre-comercio-mundial>. Acesso em: 15 mar. 2016. 104 Sobre as Conferências de Nairóbi e Bali, ver seção anterior.

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Capítulo 3. O CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES PELAS INSTÂNCIAS

ADMINISTRATIVAS BRASILEIRAS

Após o panorama histórico e legislativo da OMC no que concerne aos

principais acordos firmados no âmbito dessa Organização nos parâmetros

anteriormente definidos, passa-se à descrição da legislação interna brasileira

regulamentadora dos referidos acordos da OMC. Posto que a aplicação dos

acordos firmados é válida, no entender da melhor doutrina desde sua assinatura,

há um rito próprio para a internalização da norma. Tal internalização serve para

dar publicidade aos Órgãos e instuições nacionais dos atos firmados pelo

Executivo no plano internacional, sendo esse mormente o representante do

Estado brasileiro105.

Quando os estados exercem o fiel cumprimento das leis internalizadas

dos acordos firmados no âmbito das organizações internacionais, há uma

confiança mútua e os acordos se revestem de uma função normativa e

uniformizadora relevante no contexto assecuratório dos negócios jurídicos

transfronteiriços.

Finaliza-se a primeira seção com a descrição das principais normas

brasileiras que regulamentam o comércio internacional, destacando-se a defesa

comercial, tais como o Decreto n. 1.355/1994, a Lei 9.019/1994 e o Decreto n.

8.058/2013.

A segunda seção, por sua vez, cuidará da exposição dos Ministérios da

União incubidos de intermediar as negociações entre o Estado Brasileiro e os

organismos Estrangeiros, sendo, na sequência, apresentados os órgãos federais

(SECEX, DECEX, CAMEX e DECON), cujas funções precípuas consistem na

fiscalização da aplicação dos acordos da OMC, realizando a defesa comercial e

a execução do Sistema Brasileiro de Comércio Exterior.

Por fim, será feita uma breve descrição de cada um desses órgãos,

ressaltando-se a origem e as funções precípuas. Tais órgãos, com funções

105 A doutrina capitaneada por Kelsen e Verdross defende a teoria monista, de modo que as normas tidas na esfera internacional guardam supremacia ante as normas internas, sendo o sistema de normas único. Em contraposição a esses autores, tem-se a teoria dualista defendida por Tripel e Anzilotti, para os quais há duas ordens jurídicas: uma interna e outra internacional. MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. 15. ed. Rio de

Janeiro: Renovar, 2004. v. 1, p. 111.

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eminentemente técnicas, auxiliam os Ministérios e atuam como fiscais do

cumprimento das normas, elaborando estudos, pareceres, instaurando

processos, colhendo provas, além de julgar processos administrativos, impondo,

quando cabíveis, as medidas coercitivas.

Seção 1. A legislação interna de regulamentação dos acordos da OMC

As normas de direito internacional passam a vigorar no Estado brasileiro

a partir da sua internalização106. Apesar de a Constituição Federal de 1988 deixar

lacuna sobre a hierarquia normativa dos tratados cuja matéria seja diversa de

direitos humanos, o STF posicionou-se afirmando que o tratado incorporado ao

ordenamento jurídico brasileiro tem valor de lei ordinária107.

As normas da OMC foram internalizadas no momento da sua fundação,

quando um dia antes de sua entrada em vigor fora promulgado o Decreto n.

1.355, de 31 de dezembro de 1994, cujos efeitos foram concomitantes à criação

da OMC, em 1º de janeiro de 1995.

Atualmente, regulando a disciplina do comércio exterior existem cerca

de 70 normas, entre leis complementares, ordinárias e Decretos. Todo esse

arcabouço legislativo deve estar compatível com as normas da OMC, sob pena

de se gerar insegurança nas relações comerciais estrangeiras.

Ante a diversidade de normas, faz-se o corte epistemológico mais uma

vez delimitando o aprofundamento nas principais normas que versam sobre a

matéria do GATT, acrescentando, ainda, as leis que tratam de antidumping e

106 A incorporação de tratado internacional ao direito interno, segundo o STF, ocorre com quatro fases depreendidas da junção dos artigos: 49, I e 84, VIII, da CF/88, denominada Teoria da Junção de Vontades, sendo elas: a) assinatura, b) referendo, c) retificação e d) promulgação. RAMOS, André de Carvalho. Pluralidade das ordens jurídicas: uma nova perspectiva na relação entre o direito internacional e o direito constitucional. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo-USP, São Paulo, v. 106/107, p 497-524. jan./dez. 2011/2012. 107 O STF, a partir do julgamento do RE 80.004/SE, de relatoria do Ministro Xavier Albuquerque, julgado em 1º de junho de 1977, entendeu que, ao tratar-se de matéria não relativa de direitos humanos, terá efeito infraconstitucional, rompendo até então o entendimento de que os tratados internacionais prevaleciam ante as leis internas. Frise-se, contudo, que há ao longo do texto constitucional algumas exceções, por exemplo, em matéria sobre transporte aéreo, que atribui a prevalência do tratado sobre as leis internas. Sobre o transporte aéreo, ver BICHARA, Jahyr-Philippe; FONSECA JUNIOR, Sid Marques. Análise crítica da jurisprudência relativa à aplicação da Convenção de Montreal para a unificação das regras relativas ao transporte aéreo internacional de 1999. In: PALUMA, Thiago; MENEZES, Wagner; MARTINS, Fernando (Org.). Estudos Avançados em Direito Internacional. Belo Horizonte: Arraes, 2015. v. 1, p. 254-263.

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subsídios e medidas compensatórias, por serem esses os Acordos da OMC que

causam maiores quantidades de demandas judiciais no Estado brasileiro.

O Acordo Relativo à Implementação do Artigo VI do Acordo Geral sobre

Tarifas Aduaneiras e Comércio-GATT/1994 (Acordo Antidumping) e o acordo

sobre subsídios e medidas compensatórias são regulamentados no

ordenamento jurídico brasileiro por meio dos seguintes diplomas legais: Decreto

Legislativo n. 30, de 15 de dezembro de 1994, promulgado pelo Decreto n. 1.355,

de 30 de dezembro de 1994; e Lei n. 9.019, de 30 de março de 1995. A mais

recente inovação legislativa ocorreu com a regulamentação da redução do prazo

de investigação para aplicação das medidas antidumping pelo Decreto n. 8.058,

de 26 de julho de 2013.

Importa que detalhemos os principais dispositivos dos referidos diplomas

legais, uma vez que a compreensão desses instrumentos torna-se fundamental

para a aplicação pelo Poder Judiciário das normas da OMC. Não obstante, as

decisões que versem sobre matérias de direito internacional devem se basear

nos princípios e regras gerais da OMC, posto que as transgressões às normas

firmadas no âmbito dos acordos da OMC ensejarão reclamações no Órgão de

Solução de Controvérsias, detentor de papel fiscalizador e sancionador da

própria organização.

§ 1º Decreto n. 1.355, de 30 de dezembro de 1994

O acordo constitutivo da OMC foi internalizado no ordenamento jurídico

brasileiro a partir do Decreto n 1.355, de 30 de dezembro de 1994. Sua

aprovação significa a continuidade do avanço da participação brasileira na

abertura de suas fronteiras para as mercadorias estrangeiras, bem como a

facilitação do comércio de produtos brasileiros nos países membros da OMC.

O Decreto n 1.355 é a promulgação da Ata final dos resultados da

Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT/1947. Até

então vigorava no país, quanto ao comércio multilateral, o Decreto n. 313/48,

cujo teor resguarda a aceitação do texto do GATT/1947 pelo Estado brasileiro.

O Decreto não dispõe de maiores explicações acerca da incorporação

da Ata Final da Rodada Uruguai, cujo efeito maior foi a criação da OMC. Aponta

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para cumprimento a partir de sua publicação, que ocorreu em 31 de dezembro

de 1994108.

A ata fruto da Rodada Uruguai foi anexada ao Decreto quando de sua

publicação no Diário Oficial da União109. Os textos anexados correspondem aos

acordos obrigatórios da OMC e aos facultativos subscritos pelo representante do

Brasil.

Os textos anexados compreendem: a Ata final; o Acordo constitutivo da

Organização Mundial do Comércio (OMC); os anexos 1 e1A; os Acordos

Multilaterais sobre o Comércio de Bens; o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio

de 1994 (GATT 1994), do qual decorre o Entendimento sobre a interpretação do

artigo II, 1(b), do Acordo Geral sobre tarifas e comércio de 1994; o Entendimento

sobre a interpretação do artigo XVII do Acordo Geral sobre tarifas e comércio

1994; o Entendimento sobre as Disposições Relativas a Balanço de Pagamento

do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio de 1994; o Entendimento sobre a

Interpretação do Artigo XXIV do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio de 1994;

o Entendimento sobre Derrogações (waivers) de Obrigações sob o Acordo Geral

sobre Tarifas e Comércio de 1994; o Entendimento sobre a interpretação do

Artigo XXXV do Acordo Geral sobre Tarifas e comércio de 1994; o Entendimento

sobre a interpretação do artigo XXXV do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio

de 1994; o Protocolo de Marrakesh do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio

de 1994.

Constituem ainda parte integrante da referida ata final o Acordo sobre

Agricultura, o Acordo sobre a Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias,

o Acordo sobre Têxteis e Vestuário, o Acordo sobre Barreiras Técnicas ao

Comércio, o Acordo sobre Medidas de Investimento Relacionadas ao Comércio,

o Acordo sobre a implementação do artigo VI do Acordo Geral sobre Tarifas e

Comércio 1994, o Acordo sobre a implementação do artigo VII do GATT 1994, o

Acordo sobre Inspeção Pré-Embarque, o Acordo sobre Regras de Origem, o

Acordo sobre Procedimentos para o Licenciamento de Importações, o Acordo

sobre Subsídios e Medidas Compensatórias, o Acordo sobre Salvaguardas, de

modo que todos compõem o anexo 1 A do acordo constitutivo.

108 Artigos 1º e 2º do Decreto n. 1.355/94 109 Diário Oficial da União, n. 248-A, Seção 1, pág. 21.394, Brasília-DF, 31/12/1994.

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Há, ainda, outros anexos, tais como: o Anexo 1B, Acordo Geral sobre

Comércio de Serviços (GATS); o o Anexo 1C, Acordo sobre Aspectos dos

Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio. O Anexo 2 é o

Entendimento Relativo às Normas e Procedimentos sobre Solução de

Controvérsias, já o Anexo 3 trata sobre o Mecanismo de Exame de Políticas

Comerciais.

O Anexo 4 versa sobre os acordos comerciais plurilaterais, os quais não

são obrigatórios, tendo o Brasil assinado somente um dos acordos previstos no

anexo 4, inserido no item da letra (d), cujo objeto é o Acordo Internacional sobre

Carne Bovina.

Esses Acordos firmados no âmbito da OMC foram, portanto, como

informado anteriormente, inseridos no ordenamento jurídico brasileiro e, como

tal, devem ser observados pelos juizes e tribunais brasileiros quando da

aplicação do direito nos casos a eles submetidos. Eles possuem princípios

norteadores para questões de lide que versem sobre o Direito Internacional

Econômico e Direito internacional do Comércio.

Outras normas foram sendo expedidas para regulamentar a contento as

específicas exigências das regras gerais do acordo constitutivo da OMC. Traz-

se, pois, nesse contexto de regras específicas, a seguir, uma breve explicação

das leis internalizadoras de princípios e regras da OMC.

As normas que guardam relação com as demandas judiciais mais

comumentes impetradas no judiciário brasileiro, questionando-se o cumprimento

das normas da OMC, são as que violam os dispositivos do Acordo sobre a

implementação do artigo VI do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio 1994 e

do Acordo sobre a implementação do artigo VII do GATT 1994. Tais matérias

foram reguladas em diversas leis, das quais se destacam as principais: a Lei n.

9.019/1995 e a Lei n. 8.058/2013.

§ 2º Lei n. 9.019, de 30 de março de 1995

A Lei n. 9.019/1995 surgiu em um momento histórico no qual se

pretendia conferir efetividade à proteção da defesa comercial, consignando no

sistema normativo medidas intervencionistas visando proteger a indústria

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nacional, além de ofertar proteção aos importadores, atribuindo-lhes a atuação

no mercado com segurança jurídica e estabilidade, princípios da OMC.

Houve um lapso temporal de oito anos para a expedição da lei

regulamentadora sobre antidumping e medidas compensatórias e subsídios,

tendo em vista que, desde a Rodada de Tóquio, ocorrida em 1979, o Estado

brasileiro já havia subscrito o acordo que versava sobre o antidumping.

Aparentemente, a demora para produção legislativa não teve sua

ausência reclamada pela indústria local, em razão de a característica marcante

na economia da década de 1980 ter sido extremamente fechada, pautada pelo

modelo de desenvolvimento baseado na substituição de importações, sendo

estas admitidas excepcionalmente quando fossem complementares à demanda

local, ou destinadas à produção de bens exportáveis110.

O conteúdo da norma inclui as medidas compensatórias e as

antidumping, inaugurando a regulamentação do Acordo Antidumping e do

Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias, antevendo a possibilidade

de aplicação provisória de medidas antidumping, bem como das

compensações111.

Essa lei possibilitou a aplicação provisória dos direitos antidumping e das

medidas compensatórias, de modo a permitir que os direitos compensatórios

poderão subsistir independentemente das obrigações de natureza tributária112.

A aplicação desses direitos pode ocorrer durante investigação, se constatados

preliminarmente indícios da prática de dumping ou de concessão de subsídios,

e desde que de tais práticas haja dano, ou ameaça de dano, à indústria

doméstica113.

A exigibilidade dos direitos provisórios poderá ser suspensa por meio de

duas condições a critério da CAMEX e do oferecimento pelo importador de

garantia equivalente ao valor intergral da obrigação e demais encargos legais,

110 FONSECA, Hugo Soares Porto. Tensões nas Relações Comerciais Internacionais:

Medidas Antidumping e Protecionismo sob uma perspectiva brasileira. Dissertação de Mestrado. Belo Horizonte, 2007, p. 74. Disponível em: <http://www.biblioteca.pucminas.br/teses/Direito_FonsecaHS_1.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2016. 111 Art.1º da Lei 9.019/1995. PERANTONI, Marianna. Op. cit., p. 168. 112 Art. 1º, Parágrafo único, da Lei n. 9.019/1995. 113 Art. 2º, Caput. Explicando os termos dano e indústria doméstica, tem-se no Art. 2º, Parágrafo Único: “Os termos ‘dano’ e ‘indústria doméstica’ deverão ser entendidos conforme o disposto no Acordo Antidumping e no Acordo de Subsídios e Direitos Compensatórios mencionados no art. 1º, abrangendo as empresas produtoras de bens agrícolas, minerais ou industriais”.

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incluindo a hipótese de pagamento de tributos federais, inclusive juros. A

Secretaria da Receita Federal (SRF), do Ministério da Fazenda, disporá sobre a

liberação da referida garantia, que servirá também para o desembaraço

aduaneiro dos bens objeto da aplicação dos direitos provisórios114.

A lei ventila a hipótese de celebração de compromisso entre o exportador

ou o governo do país exportador, com o fito de eliminar os efeitos prejudiciais

decorrentes da prática de dumping ou de subsídios115. O referido compromisso

deve ser celebrado perante a Secretaria de Comércio Exterior (SECEX) e

submetido à homologação da CAMEX116. Vindo a ser homologado, tal acordo

gera a suspensão da investigação, sem a imposição de direitos provisórios ou

definitivos, excetuando-se os casos previstos no Acordo Antidumping e no

Acordo de Subsídios e Direitos compensatórios117.

A competência para apurar a margem de dumping ou o montante de

subsídio, a existência de dano e a relação causal entre esses é atribuída à

SECEX118. A lei determina que a fixação dos direitos provisórios ou definitivos e

a decisão sobre a suspensão da exigibilidade dos direitos provisórios são

atribuídas à CAMEX119. Especificando acerca das exigências do ato de

imposição de direitos antidumping ou compensatórios, provisórios ou definitivos,

a lei determina que devem ser indicados o prazo de vigência, o produto atingido,

o valor da obrigação, a origem, bem como a motivação da decisão e, se possível,

o nome dos exportadores120.

O artigo 7º, da Lei n. 9.019/1995, destaca a condição legal para a

admissão de produtos objeto de dumping ou subsídio, a de que sejam cumpridas

as obrigações definitivas ou provisórias cobradas pela Secretaria da Receita

Federal quando tratar-se de valor em dinheiro, sendo devidas a partir da data do

registro da declaração de importação121.

Acerca das consequências do descumprimento do recolhimento de

direitos antidumping ou de direitos compensatórios, verifica-se que acarretarão,

114 Art. 3º, Caput, §1º, §2º e §3º. 115 Art. 4º, Caput. 116 Art. 4º, §1º. 117 Art. 4º, §2º. 118 Art.5º. Sobre a SECEX, ver seção 2, §2 deste capítulo. 119 Art. 6º. Sobre CAMEX, ver seção 2, §2 deste capítulo. 120 Art. 6º, Parágrafo único. 121 Art.7º, §1º e §2º.

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sobre o valor não recolhido, a incidência de multa e juros de mora122. A multa

não ultrapassará 20% quando for declarada pelo próprio importador; no caso de

ela ser exigida de ofício, será de 75%. Ela será exigida isoladamente, sem os

acréscimos moratórios, caso os direitos antidumping ou direitos compensatórios

tenham sido pagos após o registro da declaração de importação123.

O parágro 5º do artigo 7º estabelece que no prazo de 5 (cinco) anos,

contados da data de registro da declaração de importação, o Auditor-Fiscal da

Receita Federal formalizará a exigência de ofício de direitos antidumping ou de

direitos compensatórios e decorrentes acréscimos moratórios e penalidades,

conforme o Decreto n. 70.235, de 6 de março de 1972124. Caso não sejam

adimplidos esses direitos, caberá à Secretaria da Receita Federal encaminhar o

débito à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, para inscrição em Dívida

Ativa da União e respectiva cobrança, observado o prazo de prescrição de 5

(cinco) anos125.

Há a proteção ao princípio da irretroatividade para aplicação dos direitos

antidumping ou compensatório, cuja aplicação ocorre a partir da data da

publicação do ato que os estabelecer, ressalvando-se os casos de retroatividade

previstos nos Acordos Antidumping e nos Acordos de Subsídios e Direitos

compensatórios126. Nesses casos de retroatividade, no prazo de 30 (trinta) dias,

ocorrerá a intimação do responsável pela Secretaria da Receita Federal, para

pagar os direitos antidumping ou compensatório sem a incidência de quaisquer

acréscimos moratórios. Vencido o prazo, serão exigíveis a multa e os juros de

mora previstos no inciso II do §3º do art. 7º.

De acordo com o Art. 9º, os direitos terão vigência temporária, a ser

definida no ato de seu estabelecimento, observando que os provisórios de

direitos compensatórios terão vigência não superior a cento e vinte dias e, no

caso de direitos antidumping, poderão vigorar por um período de até duzentos e

122 Art. 7º, §3º, I: “a) a incidência de multa de mora, calculada à taxa de 0,33% (trinta e três centésimos por cento), por dia de atraso, a partir do 1o (primeiro) dia subsequente ao do registro da declaração de importação até o dia em que ocorrer o seu pagamento, limitada a 20% (vinte por cento); e b) a incidência de juros de mora calculados à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - SELIC, para títulos federais, acumulada mensalmente, a partir do 1o (primeiro) dia do mês subsequente ao do registro da declaração de importação até o último dia do mês anterior ao do pagamento e de 1% (um por cento) no mês do pagamento” 123 Art. 7º §4º. 124 Art. 7º §5º. 125 Art. 7º §6º. 126 Art. 8, Caput.

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setenta dias, por decisão da CAMEX. Os direitos definitivos ou compromisso

homologado permanecerão até que se eliminem ou neutralizem as práticas de

dumping e a concessão de subsídios causadoras do dano. Esses direitos não

vigorarão por mais de cinco anos, excetuando-se, após revisão, se necessário

mantê-los para impedir a continuação do dumping.

É facultado, ainda, aos exportadores beneficiários das medidas

solicitarem a prorrogação por até seis meses, devendo fazê-lo por solicitação

formal à SECEX no prazo de 30 (trinta) dias127. As medidas antidumping e

compensatórias podem também ser aplicadas a outros países, além do país de

origem da importação, se porventura vier a ser constatada a existência de

práticas evasivas para frustar a aplicação das referidas medidas128.

A Lei n. 9.019 disciplina que o processo administrativo referido nos arts.

1º e 5º seguirá o disposto na Resolução n. 1.227, de 14 de maio de 1987, com

as alterações da Resolução n. 1.582, de 17 de fevereiro de 1989, ambas da

extinta Comissão de Política Aduaneira (CPA)129.

§ 3º Decreto n. 8.058 de 26 de julho de 2013

Os procedimentos administrativos relativos à investigação e à aplicação

de medidas antidumping são regulamentados pelo Decreto n. 8.058, de 26 de

julho de 2013130, que substitui o Decreto n. 1.602/95. A partir desse decreto,

houve grande avanço, quantitativo e qualitativo. No diploma substituído,

constavam apenas 73 artigos cujo teor não atendia a detalhes necessários ao

fiscalizador, sendo tais brechas preenchidas ao longo dos 201 artigos do atual

instrumento legal.

Há muito essa regulamentação era esperada para colocar o Estado

brasileiro na condição de assegurador dos compromissos assumidos perante a

comunidade internacional, assim como na condição de membro da OMC, sendo

127 Art. 9º, Parágrafo único. 128 Art. 10 A. 129 Art. 12. 130 A norma interna que regulamenta os procedimentos administrativos necessários e investigações sobre medidas compensatórias e subsídios corresponde ao Decreto n. 1.751, de 19 de dezembro de 1995, não tendo sido objeto de análise em razão de não ter sido encontrada divergência jurisprudencial sobre este.

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esperada a adoção de medidas internas necessárias para o cumprimento das

regras postas nos seus acordos.

As regras trazidas pelo Decreto n. 8.058/2013 serão aprofundadas no

capítulo referente ao acordo antidumping131. Faz-se a seguir a enumeração dos

títulos de cada capítulo, a saber: os princípios e as competências dos órgãos

responsáveis pela fiscalização e execução das medidas antidumping elecandas

do artigo 1º ao 6º. O capítulo 2, intitulado “da determinação de dumping”, a partir

do artigo 7º até o artigo 28, especifica os conceitos vagos apontados nas regras

gerais132.

A legislação em comento está conforme as regras da OMC, tendo sido

inclusive objeto de análise da Organização, através da revisão de políticas

comerciais feita sistematicamente pela OMC133.

As formalidades previstas em lei muitas vezes são deixadas de lado

durante o processo administrativo instaurado pelo órgão do executivo, o que

resulta em prejuízo ao empresário, pois ao se socorrer do Poder Judiciário, este

deve estar atento àquelas exigências, as quais devem estar consoantes com os

princípios gerais do Acordo sobre a implementação do artigo VI do Acordo Geral

sobre Tarifas e Comércio 1994. Importa, portanto, conhecer quais os órgãos e

suas competências, a fim de se realizar a fiscalização deles e demandá-los

quando necessário perante o Judiciário134.

Seção 2. Órgãos da União

131 As regras específicas do Decreto 8.058/2013 serão detalhadas no capítulo VI referente ao Acordo Antidumping. 132 Sobre a Lei 9.019/2014, há, ainda, diversos temas, como os descritos a seguir: o capítulo III, cujo título é da determinação do dano, inicia-se no artigo 29 e segue até o artigo 33; o capítulo IV trata do conceito da indústria doméstica, partindo do artigo 34 ao artigo 36; o capítulo V disciplina a investigação, do artigo 37 ao artigo 77; o capítulo VI, da aplicação e cobrança dos direitos antidumping, parte do artigo 78 ao artigo 91; o capítulo VII, da duração dos direitos antidumping e dos compromissos de preço, artigos 92 e 93; o capítulo VIII, da revisão dos direitos antidumping e dos compromissos de preço, do artigo 94 ao artigo 145; o capítulo IX, da avaliação de escopo e da redeterminação, do artigo 146 ao artigo 160; o capítulo X, da publicidade, do artigo 161 ao artigo 169; o capítulo XI, da forma dos atos e dos termos processuais, do artigo 170; o capítulo XII, do processo decisório, do artigo 171 ao artigo 174; o capítulo XIII, das verificações in loco, do artigo 175 ao artigo 178; o capítulo XIX, da melhor informação disponível, do artigo 179 ao artigo 184; o capítulo XX, das disposições gerais, do artigo 185 ao artigo 201. 133 Sobre o Órgão revisor de políticas comerciais, ver capítulo 2. 134 Sobre a competência do Poder Judiciário, ver capítulo 5.

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O controle do Estado brasileiro sobre os acordos firmados no âmbito da

OMC fica a cargo da União. Importa destacar que não se restringe ao papel

fiscalizador e executório das demandas provenientes da Organização a cargo de

um único Ministério, no entanto, o que se identifica é a distribuição às mais

diversas pastas ministeriais, à medida que vai se relacionando à determinada

matéria referente ao ministério. Assim, com a especificidade do assunto, passa-

se a haver a interação de técnicos dos mais distintos ramos.

Na primeira seção, buscar-se-á enumerar os ministérios federais

brasileiros com competência para atuar nos assuntos oriundos da OMC,

descrevendo nesse item a atuação prática desses órgãos.

O Ministério de referência para os assuntos internacionais é comumente

o Ministério das Relações Exteriores, no caso da OMC, sendo substituído pelo

Ministério de Comércio Internacional, ante a especificidade, o que não é o caso

do Estado brasileiro. O Comércio Exterior é exercido pelo Ministério do

Desenvolvimento, Industria e Comércio (MDIC). A diferença está nas relações

da OMC, que demonstra uma política multilateral de relações exteriores,

porquanto o MDIC atém-se à execução daqueles acordos.

O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio desempenha

preponderantes funções executivas, possuindo em seus quadros diversos

órgãos administrativos. A estrutura organizacional dos órgãos federais com

atribuições de fiscalização, investigações, aplicações de sanções às empresas

nacionais ou estrageiras, constante no MDIC, será objeto de estudo do §2º desta

seção.

§ 1º A responsabilidade dos Ministérios do Governo Federal brasileiro

A OMC relaciona-se com o Estado membro na figura de seu

representante. Na hipótese do Estado brasileiro, esse representante é o Ministro

das Relações Exteriores. O auxílio ao executivo para representar o Estado não

se limita ao Ministério das Relações Exteriores, posto que, para a aplicação das

normas da OMC no Estado brasileiro, é necessária a participação de outros

ministérios, os quais possuem órgãos anuentes de licenças para a

comercialização de mercadorias advindas do exterior.

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Ante a importância de saber qual ministério ou órgão é competente para

anuir a licença, identificam-se a seguir os Ministérios e seus respectivos órgãos

com capacidade de expedir a licença de importação para o Brasil.

O Ministério da Justiça tem como órgão anuente o Departamento de

Polícia Federal (DPF) que atua na fiscalização do ingresso e saída de pessoas

e de armas, servindo ainda para auxiliar o trabalho da Receita Federal nas

fronteiras.

O Mistério da Saúde, com a ANVISA, responsabiliza-se pelas medidas

fitossanitárias é de suma importância para o controle de qualidade de ingresso

das mercadorias no país.

O Ministério do Meio Ambiente (MMA), com o IBAMA, fiscaliza a flora e

a fauna, destacando-se o trabalho para coibir a agressão ao meio ambiente,

permitindo o desenvolvimento sustentável do comércio internacional.

O Ministério de Ciência e Tecnologia, com o ONEM e o INMETRO,

órgãos fiscalizadores de pesos e medidas, aborda temas atinentes ao comércio

internacional.

O Ministério da Defesa participa com o Exército e a Força Aérea,

respectivamente, na anuência de licenças para o comércio de armas e para a

aquisição de aeronaves.

O Ministério das Relações Exteriores participa enviando às Conferências

ministeriais, como representante, o titular da pasta ou substituto legal, fato

ocorrido até então em todas as Conferências Ministeriais realizadas pela

OMC135. Ressalta-se também a iniciativa de ter um diplomata do seu quadro

eleito para o cargo de diretor-geral da OMC136.

O Ministério da Fazenda (MF) participa das políticas de comércio

internacionais com o Banco Central, constituindo-se como fiscalizador do

investimento estrangeiro direto, especificamente em se tratando de capital, além

da Secretaria da Receita Federal.

O Ministério da Agricultura participa ativamente da promoção e das

negociações, no âmbito da OMC, das exportações de produtos do agronegócio,

chegando a exportar para mais 200 países. Um dos órgãos desse Ministério, a

Secretaria de Relações Internacionais do Agronegócio (SRI), atua na elaboração

135 Sobre Conferências Ministeriais, ver capítulo 2. 136 Sobre o Diretor-Geral, ver capítulo anterior.

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de propostas para negociações de acordos sanitários e fitossanitários e analisa

deliberações relativas às exigências fitossanitárias que envolvem assuntos de

interesse do setor agropecuário brasileiro137.

Os representantes da SRI têm entre as atribuições intermediar

conversas em fóruns bilaterais e multilaterais, como Organização Mundial do

Comércio (OMC), Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) e Codex

Alimentarius. Além disso, acompanham e participam das decisões tomadas pela

Câmara de Comércio Exterior (CAMEX) e atuam diretamente em negociações

no âmbito do Mercosul.

Outra atribuição da SRI é articular ações relacionadas à promoção dos

produtos e serviços do agronegócio para estimular a sua comercialização

externa, consolidando a imagem do Brasil como provedor de alimentos seguros

e de qualidade. Para tanto, periodicamente, o ministério organiza ações em

parceria com outros órgãos de governo, como o Ministério das Relações

Exteriores (MRE), a Agência Brasileira de Promoção de Exportação e

Investimentos (Apex). Na esteira dos bons negócios e sob a coordenação do

Mapa, companhias de diversos setores do agronegócio participam anualmente

de feiras e eventos em países como Emirados Árabes, Indonésia, China, África

do Sul, Arábia Saudita, Vietnã e Rússia.

Considerando a pasta preponderante na matéria de comércio exterior,

tem-se a criação em 1995 do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e

Comércio Exterior (MDIC), que possui como órgãos atuantes: SECEX, DECEX,

DEPLA e SUPRAMA, além de contar com o DECON.

A importação compreendida como a entrada temporária ou definitiva em

território nacional de bens originários ou procedentes de outros países é alvo de

fiscalização para proteção tanto da indústria nacional como da garantia da livre

concorrência, constituindo-se um dos pilares do Sistema Multilateral do

Comércio.

As regras para importação devem ser claras e objetivas e não impedir a

livre concorrência por meios de barreiras não tarifárias, quais sejam: a burocracia

para o desembaraço aduaneiro ou, ainda, a exigência de documentos que

inviabilizem a entrada de produtos estrangeiros. Diante dessa sensível matéria,

137 Ministério da Agricultura. Disponível em: <http://www.agricultura.gov.br/internacional>. Acesso em: 28 abr. 2016.

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passa-se à descrição passo a passo da importação de mercadorias. Para realizar

a importação de uma mercadoria para o Brasil, em primeiro lugar, deve-se

verificar a classificação fiscal do produto (código NCM – Nomenclatura Comum

do Mercosul). A consulta inicial pode ser feita na lista da Tarifa Externa Comum

(TEC), em que também consta a alíquota do imposto de importação de cada

produto138.

Conhecida a classificação do produto, o importador deve consultar o

módulo “Tratamento Administrativo” do Sistema Integrado de Comércio Exterior

(SISCOMEX), para verificar se a importação está sujeita a licenciamento e, em

caso positivo, qual órgão do governo é responsável pela anuência da Licença de

Importação (LI). Caso haja necessidade de anuência de algum órgão, o

importador (ou seu representante legal) deverá registrar a LI no SISCOMEX.

Cada órgão anuente possui sua própria legislação. A norma que contém as

regras de importação no âmbito da Secretaria de Comércio Exterior é a Portaria

SECEX n. 23/2011.

O MDIC atua também na fiscalização de ocorrência de dumping, de

subsídios ilegais a produtos importados para o Brasil, possuindo em sua

estrutura organizacional diversos órgãos tratados no tópico a seguir.

§ 2º Órgãos administrativos competentes para fiscalizar o cumprimento

dos acordos da OMC

O Sistema Brasileiro de Comércio Exterior está inserido nas

competências do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior,

além de atuar em quatro eixos principais, conforme a enumeração feita por

Leonardo Vizeu Figueiredo, quais sejam: a) Operações de Comércio Exterior; b)

Negociações Internacionais; c) Planejamento e Desenvolvimento do Comércio

Exterior; e d) Defesa Comercial139.

O estudo dos órgãos executórios do Ministério de Desenvolvimento,

Indústria e Comércio Exterior, no contexto do Comércio Exterior, compõe, além

das atividades burocráticas necessárias para o mister público, as atividades fins,

138 Disponível em: <www.mdic.gov.br>. 139 FIGUEREDO, Leonardo Vizeu. Lições de Direito Econômico. 3. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2010. p. 478.

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sendo a Câmara de Comércio Exterior o órgão superior que reúne vários

ministros de Estados e determina as resoluções que serão executadas pela

SECEX, posto que a competência é a marca de cada um dos órgãos da

Secretaria de Comércio Exterior (SECEX), que se divide nos seguintes órgãos:

Departamento de Operações de Comércio Exterior (DECEX); Departamento de

Negociações Internacionais (DEINT); Departamento de Planejamento e

Desenvolvimento do Comércio Exterior (DEPLA); Departamento de Defesa

Comercial (DECON).

A. Câmara de Comércio Exterior (CAMEX)

O Conselho de Governo da Presidência da República Federativa do

Brasil possui na sua estrutura organizacional a Câmara de Comércio Exterior,

cuja evolução histórica, desde a criação até seu atual formato, apresenta as

atribuições que lhe foram acrescidas e suprimidas ao longo do tempo140.

A CAMEX foi criada através do Decreto n. 1.386, de 06 de fevereiro de

1995, inicialmente presidida pelo Ministro de Estado Chefe da Casa Civil. A partir

de 1999, passou a ser presidida pelo Ministro de Estado da Indústria, do

Comércio e do Turismo. Em 2001, o Decreto n. 3.756 realizou novas alterações

nas atribuições da CAMEX, como a possibilidade de também decidir a respeito

das políticas e atividades de comércio exterior. Houve um momento de

enfraquecimento das atividades da CAMEX, em razão da expedição do Decreto

n. 3.981, de outubro de 2001, quando lhe foi retirada a competência de

formulação de política exterior141.

No modelo atual, a CAMEX encontra-se regulamentada pelo Decreto n.

4.732, de 10 de junho de 2003, que contém as atribuições, além de sua

constituição e funcionamento. A Câmara é responsável pela formulação de

140 Sobre o histórico da CAMEX, conferir RAMOS, Guilherme Cantarino da Costa. Comércio Internacional, Política Comercial Brasileira e a Atuação da Câmara de Comércio Exterior (CAMEX) na condução das Políticas para o Setor. Dissertação de Mestrado apresentada à Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da FGV. Rio de Janeiro, 2008. p. 170. FERNANDES, Ivan Filipe de Almeida Lopes. Burocracia e política: a construção institucional

da política comercial brasileira pós-abertura econômica. 2010. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8131/tde-26082010-132117/>. Acesso em: 05 maio 2016. p. 77 e ss. 141 RAMOS, Guilherme Cantarino da Costa. Op. cit., p. 174.

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diretrizes, visando à implementação de políticas e programas de comércio

exterior de bens e serviços, além de coordenar os demais órgãos que atuem

nessa área, aos quais se propõem as medidas de caráter fiscal e cambial, de

financiamento, de recuperação de créditos à exportação de seguro de

transportes, de modo que haja melhoria de serviços portuários e de promoção

comercial142.

A CAMEX é composta pelo Conselho de Ministros, Secretaria Executiva,

Comitê Executivo de Gestão (GECEX), Comitê de Financiamento e Garantia das

Exportações (COFIG), Conselho Consultivo do Setor Privado (CONEX)143.

Desses órgãos, tem-se como o principal, com função deliberativa, o Conselho

de Ministros, formado das mais variadas pastas, participando dele o Ministro de

Estado do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, responsável pela

presidência do Conselho, sendo seus membros os Ministros de Estado Chefe da

Casa Civil; das Relações Exteriores; da Fazenda; da Agricultura, Pecuária e

Abastecimento; do Planejamento, Orçamento e Gestão; e do Desenvolvimento

Agrário. Acrescentam-se a essa composição representantes de outros órgãos

do executivo federal, mormente quando o tema a ser discutido é inerente a esses

órgãos144.

Consoante à atuação dos órgãos supramencionados, compõem ainda a

Câmara diversos grupos temáticos validando a postura técnica desenvolvida por

ela. Dentre essa variedade de grupos, Marianna Perantoni enfatiza o importante

Grupo Técnico de Defesa Comercial (GTDC), criado pela Resolução n. 82/2011,

cuja função primária consiste na análise prévia do estabelecimento de direitos

antidumping e compensatórios, de natureza provisória ou definitiva, bem como

das medidas de salvaguarda145.

As funções da CAMEX estão inseridas no artigo 2º do Decreto n.

4.732/2003, destacando-se as relacionadas a medidas de defesa comercial:

“estabelecer diretrizes e procedimentos para investigações relativas a práticas

desleais de comércio exterior”; “fixar direitos antidumping e compensatórios,

142 GOYOS JUNIOR, Durval de Noronha; GABRIEL, Amélia Regina Mussi; CARVALHO, Carolina Monteiro; NEGRINI, Maria Carolina Briza. Tratado de defesa comercial: antidumping,

compensatórias e salvaguardas. São Paulo: Observador Legal, 2003. p. 120-121. 143 Regimento Interno da CAMEX, Resolução n. 11, de 25 de abril de 2005. 144 Artigo 4º do Decreto n. 4.732/2003. 145 PERANTONI, Marianna. Op. cit., p. 163 e Artigo 2º, XV, do Decreto n. 4.732/2003.

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provisórios ou definitivos, e salvaguardas”; “decidir sobre a suspensão da

exigibilidade dos direitos provisórios”146.

B. Secretaria de Comércio Exterior (SECEX)

Em 1990, com a nova formação administrativa do executivo federal, foi

criado no âmbito da Secretaria Nacional de Economia, vinculada ao então

Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento, o Departamento de Comércio

Exterior, atual Secretaria do Comércio Exterior. Era composto de duas áreas: a

Coordenação Técnica de Intercâmbio Comercial (CTIC), que assumiu

atribuições da antiga CACEX, e a Coordenação Técnica de Tarifas (CTT),

responsável por funções anteriormente conferidas à Comissão de Política

Aduaneira147.

Foi criada com a atual nomenclatura, a SECEX, a partir do dispositivo

legal inserido no artigo 19, X, e da Lei 8.490, de 19 de novembro de 1992,

concomitantemente com a criação à época do Ministério da Indústria, Comércio

e Turismo, vindo posteriormente a se tornar órgão do Ministério do

Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, através do Decreto 5.532 de 06

de setembro de 2005. A SECEX apresenta entre suas funções precípuas a

condução das políticas de comércio exterior e gestão do controle comercial. As

funções da SECEX podem ser compreendidas pela composição dos seus órgãos

DECEX, DEINT, DEPLA e DECOM, consistindo em normatizar, supervisionar,

orientar, planejar, controlar e avaliar as atividades de comércio exterior.

Entre suas atividades, estão: participar das negociações dos

acordos comerciais internacionais do governo brasileiro; promover a cultura

exportadora; deferir atos concessórios de drawback; anuir operações de

exportação e importação; promover o exame de similaridade para averiguação

de produção nacional; compilar a balança comercial; promover a defesa

comercial do país; administrar e normatizar o Sistema Integrado de Comércio

Exterior (SISCOMEX).

146 Ibidem. Artigo 2º, VIII, XV e XVI. 147 Notícia publicada no sítio eletrônico <www.exponews.com.br>. Acesso em: 03 nov. 2010.

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As normas emitidas pela SECEX têm impacto direto nas relações

comerciais multilaterais. Desse modo, constata-se a partir de levantamento

jurisprudencial148 das decisões emanadas pelos juízes brasileiros que,

mormente, as referidas regras são questionadas na justiça, por ferirem os

dispositivos dos acordos firmados na OMC.

C. Departamento de Operações de Comércio Exterior (DECEX)

O Departamento de Operações de Comércio Exterior é o órgão

regulador das operações de comércio exterior, sendo sua atuação norteada

pelos desafios de expansão das vendas externas brasileiras. Compete a ele

desenvolver, executar e acompanhar políticas e programas de

operacionalização do comércio exterior e estabelecer normas e procedimentos

necessários à sua implantação149.

As atribuições do DECEX consistem, ainda, na implementação de

diretrizes setoriais de comércio exterior e decisões provenientes de acordos

internacionais e de legislação nacional referentes à comercialização de produtos.

Outras obrigações são o acompanhamento, a participação e a implementação

de ações de comércio exterior relacionadas com acordos internacionais que

envolvam comercialização de produtos ou setores específicos referentes à área

de atuação do departamento.

O DECEX coordena ações sobre o acordo de procedimentos de

licenciamentos das importações junto a blocos econômicos e à Organização

Mundial do Comércio, sendo também atribuição do DECEX a participação nos

eventos nacionais e internacionais e, ainda, o desenvolvimento, a execução, a

administração e o acompanhamento do desempenho operacional do comércio

exterior, bem como seus sistemas operacionais150.

Constitui sua competência a fiscalização de preços, pesos, medidas,

classificação, qualidades e tipos, declarados nas operações de exportação e

importação, diretamente ou em articulação com outros órgãos governamentais,

observadas as atribuições das repartições aduaneiras. O DECEX analisa

148 Ver capítulos 6 e 7. 149 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Op. cit., p. 479. 150 Idem, Ibidem.

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pedidos de redução da alíquota do imposto de renda nas remessas financeiras

ao exterior dirigidas ao pagamento de despesas vinculadas à promoção de

produtos brasileiros realizada no exterior151.

O DECEX é ouvido sobre normas para o Programa de Financiamento às

Exportações (PROEX) atinentes a aspectos comerciais. Ele coordena o

desenvolvimento, implantação e administração de módulos operacionais do

Sistema Integrado de Comércio Exterior em sede do Ministério, bem como a

atuação dos demais órgãos anuentes de comércio exterior, visando a

harmonização e operacionalização de procedimentos de licenciamento de

operações cursadas naquele ambiente.

Leonardo Figueiredo acrescenta como sendo deveres do DECEX:

coordenar a atuação dos agentes externos autorizados a processar operações

de comércio exterior; ter como função representar o Ministério nas reuniões de

coordenação do SISCOMEX; realizar a manutenção e atualização do Cadastro

de Exportadores e Importadores da Secretaria de Comércio Exterior152.

Atribui-se ao DECEX examinar pedidos de inscrição, atualização e

cancelamento de Registro de Empresas Comerciais Exportadoras, constituídas

nos termos da legislação específica, cabendo a ele o exame e a apuração de

fraudes no Comércio Exterior e a proposição de aplicação de penalidades153.

D. Departamento de Negociações Internacionais (DEINT)

O Departamento de Negociações Internacionais tem por finalidade

regular, como seu próprio nome indica, as negociações internacionais em que

haja a presença do Estado brasileiro, de modo que esse Departamento zele

pelos interesses nacionais.

As competências do DEINT apresentadas por Leonardo Vizeu

Figueiredo são negociar e promover estudos e iniciativas internas destinadas a

apoio, informação e orientação da participação brasileira em negociações de

comércio exterior, desenvolvimento de atividades de comércio exterior perante

organismos e participação nos acordos internacionais.

151 Idem, Ibidem, p. 479. 152 Idem, Ibidem, p. 479. 153 Ibidem, p. 479.

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Possui como atribuições a coordenação, no plano interno, de trabalhos

preparatórios da participação brasileira nas negociações de tarifas ocorridas no

cenário internacional, bem como emitir opiniões sobre a extensão e a retirada de

concessões.

E. Departamento de Planejamento e Desenvolvimento do Comércio

Exterior (DEPLA)

O Departamento responsável pelo planejamento e desenvolvimento do

Comércio Exterior possui as funções de executar políticas e programas de

comércio exterior, formulando propostas de planejamento da ação

governamental no que tange ao comércio exterior.

O DEPLA desenvolve estudos de mercados e produtos estratégicos para

expansão das exportações brasileiras. Constituem ainda suas atribuições

planejar e executar programas de capacitação em comércio exterior para

fomentar as exportações nas pequenas e médias empresas, bem como

estimular a manutenção de programas de desenvolvimento da cultura

exportadora. O DEPLA acompanha, através de fóruns e comitês internacionais,

os assuntos relacionados com o comércio internacional e o comércio eletrônico.

O DEPLA elabora e edita material técnico para orientação da atividade

exportadora, além de produzir, analisar, sistematizar e disseminar os dados e

informações estatísticas de comércio exterior. A formulação de estratégias de

parcerias entre órgãos e entidades públicas e privadas, para o desenvolvimento

de ações e programas relacionados com a promoção das exportações, é

também, segundo Leonardo Figueiredo, uma de suas atribuições. Além disso, é

o responsável pela coordenação das atividades, implementação de ações e

prestação de informações sobre comércio exterior.

F. Departamento de Defesa Comercial (DECOM)

O Departamento de Defesa Comercial foi criado por meio do Decreto n.

1.757/1995, o qual já foi alterado por inúmeros outros decretos, sendo,

atualmente, regido pelo Decreto n. 7.096/2010. O DECOM é a autoridade

investigadora brasileira para fins de inquéritos administrativos de defesa

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comercial. Ele é parte integrante da Secretaria de Comércio Exterior, do

Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio.

A criação do DECOM está situada historicamente no contexto mundial

de maior liberalização do comércio internacional, especialmente no ano de 1995,

quando da criação da OMC e do início do MERCOSUL, estando o Brasil

participando de ambos. Configuram-se uma necessidade da sociedade brasileira

a defesa comercial com a finalidade de evitar a prática predatória de indústria

nacional e a consonância dessa defesa com os acordos multilaterais das

organizações supracitadas.

A responsabilidade pela condução do processo administrativo de defesa

comercial compete ao DECOM, cuja competência abrange desde a instauração

da abertura de investigação até a sua finalização com a formação de juízo sobre

o mérito do processo administrativo.

As principais atribuições do DECOM desenvolvem-se em três vertentes

básicas: investigação sobre as práticas desleais de comércio internacional; apoio

ao exportador; e negociações internacionais no tocante às suas atribuições

próprias. As principais ações do Departamento seguem listadas: examinar a

procedência e o mérito de petições de abertura de investigações de dumping, de

subsídios e de salvaguardas, com vistas à defesa da produção doméstica; propor

a abertura e conduzir investigações para a aplicação de medidas antidumping,

compensatórias e de salvaguardas; recomendar a aplicação das medidas de

defesa comercial previstas nos correspondentes acordos da Organização

Mundial do Comércio (OMC); acompanhar as discussões relativas às normas e

à aplicação dos acordos de defesa comercial junto à OMC; participar em

negociações internacionais relativas à defesa comercial; e acompanhar as

investigações de defesa comercial abertas por terceiros países contra

exportações brasileiras e prestar assistência à defesa do exportador, em

articulação com outros órgãos governamentais e com o setor privado154.

Igualmente, possui como atribuição a participação em negociações

internacionais relacionadas ao seu campo de atuação, elaborando posições

técnicas para a delegação brasileira presente nas negociações nos foros

154 Departamento de Defesa Comercial (DECOM). Apoio ao Exportador. Disponível em:

<http://www.desenvolvimento.gov.br//sitio/interna/interna.php?area=5&menu=3961>. Acesso em: 09 maio 2016.

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internacionais155. A participação do DECOM se dá em conjunto e com a

colaboração do Ministério das Relações Exteriores.

155 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Sistema brasileiro de comércio exterior e de defesa comercial: principais aspectos jurídicos. Op. cit., p. 11.

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Capítulo 4. A RESPONSABILIDADE DO ESTADO BRASILEIRO NA OMC

A condição de membro da Organização Mundial do Comércio acarreta

sobre o Estado brasileiro responsabilidades a serem assumidas perante a

comunidade internacional. As ações e omissões do Estado membro da OMC que

porventura venham a causar danos a outros países membros, mediante a

violação de regras, princípios ou costumes internacionalmente válidos, poderão

resultar em imputação de sanções, que, via de regra, são medidas, no caso do

contexto do comércio internacional, a objetivar a interrupção do dano causado.

Em um primeiro momento, serão analisadas as regras gerais no que

tange à responsabilidade internacional do ente Estatal. Considera-se para esses

fins a violação de regra de direito internacional por ação ou omissão feita de

modo doloso, em seguida, descreve-se a imputabilidade e por quais danos

provocados aos países membros podem ser demandados os Estados.

No segundo momento, ressalta-se a responsabilidade imputada ao

Estado no foro do Órgão de Solução de Controvérsias da OMC, momento em

que são descritas as fases processuais indicando: o momento de representação;

instalação do painel; participação de terceiros; o recurso ao órgão de apelação;

e, por conseguinte, o processo de implementação da decisão, que corresponde

a medidas sancionatórias.

Em se tratando de medida sancionatória a ser tomada no âmbito da

OMC, esta será punitiva, quando precedida de processo formal promovido no

espaço próprio, qual seja, o Órgão de Solução de Controvérsias, cujos princípios

processuais se assemelham a uma corte judicial, assegurando a ampla defesa.

Assim, esgotada a possibilidade de acordo ou de suspensão da ação infringente

pelo Estado infrator, confere-se ao vencedor a possibilidade de retaliar com

medidas gradativas que podem chegar até ao aumento de tributo, a fim de cessar

o comportamento transgressor.

No terceiro tópico, na aplicação das regras da OMC, tendo ocorrido todo

o processo, o país vencedor poderá, perante o vencido, deixar de executar, caso

haja alguma compensação. Tal fato ocorreu no caso Algodão, promovido pelo

Brasil versus EUA, em que ficou acordado o valor de US$300 milhões para a

criação de um fundo de amparo ao trabalhador rural que lida com a plantação de

algodão. Diante disso, depreende-se que antes de chegar o processo na OMC

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movido pelo Estado membro, a parte interessada muitas das vezes ingressou

com ações buscando por meio do Poder Judiciário local uma prestação de um

direito assegurado nas normas da OMC, já internalizado, como mencionado no

capítulo 2. No entanto, em alguns casos, o juiz de primeira instância ou até

mesmo as Cortes superiores julgam de modo diverso, longe da expectativa

projetada para o demandante que espera uma atuação jurisdicional compatível

com os compromissos assumidos pelo Estado brasileiro no âmbito das

negociações multilaterais.

Seção 1. As regras gerais da Responsabilidade internacional

A atribuição da responsabilidade é pressuposto da noção de sujeito de

direito, ou seja, quem possui direitos e deveres perante a ordem jurídica

internacional. De modo geral, Jorge Miranda define que “sempre que um sujeito

de Direito viola uma norma ou um dever que está ligado em relação com outro

sujeito ou sempre que, por qualquer forma, causa-lhe um prejuízo, incorre em

responsabilidade; fica constituído em dever específico para com o lesado”156.

Dessa forma, Celso Mello apresenta como imprescindível ante o

reconhecimento da personalidade jurídica do Estado a atribuição da

responsabilidade. Assim, complementa, de tal modo por ser o Estado uma

pessoa jurídica, este goza de direitos e, por conseguinte, decorrem deveres, o

que, nos dizeres de Mello: “é a violação de uma norma jurídica internacional que

tem o Estado como seu destinatário, que é o principal elemento da

responsabilidade”157.

A responsabilidade internacional de um Estado perante a comunidade

internacional possui nuances gerais e específicas, de maneira que pode ocorrê-

la envolvendo as mais diversas organizações internacionais, tais como a

Organização das Nações Unidas (ONU), a Corte Internacional de Justiça (CIJ) e

a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), dentre outras. Nessa seara,

delimita-se a apresentar as violações às normas da OMC, sendo demonstrada a

156 MIRANDA, Jorge. Sobre a responsabilidade internacional em geral. Revista da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, v. 20, Brasília, jul./dez. 2002. p. 305. 157 MELLO, Celso D. Albuquerque. Responsabilidade internacional do estado. Rio de Janeiro:

Renovar, 1995. p.9.

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violação do direito, em suas espécies por omissão ou por ação infrigida pelos

Estados que assumiram na condição de membro adotar os seus estatutos.

A seguir, são descritos os elementos caracterizadores da

responsabilidade sobre imputabilidade ao Estado da conduta ilícita na esfera

internacional, bem como das condutas não proibidas, mas ensejadoras de

danos, considerando esse como pessoa capaz de ser responsabilizada na

esfera internacional.

Ademais, é necessário expor quais os danos que porventura venham a

ser causados que ensejam a possibilidade de responsabilização do Estado,

exemplificando para tanto as ocorrências no Órgão de Solução de Controvérsias

da OMC.

§ 1º Violação do direito por omissão ou ação

Um Estado viola uma norma por duas formas: por atos dos agentes, a

chamada forma comissiva; e por inércia na implementação de políticas públicas

que assegurem determinado direito, sendo uma espécie de ato por omissão.

O Estado nas suas três esferas de atuação, executivo, legislativo e

judiciário, poderá em cada uma das formas de exercício de seu poder realizar

atos comissivos ou omissivos, ilícitos ou lícitos, causadores de eventuais danos.

A Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas, através de

Projeto de artigos (Draft Articles), em seu artigo 2º, aponta: “Há um ato

internacionalmente ilícito quando conduta consistindo de uma ação ou omissão”:

(a) É atribuível ao Estado segundo o direito internacional; e (b) Constitui violação

de uma obrigação internacional do Estado”. As possibilidades exposadas nesse

artigo 2º, em ambas as letras: “a” e “b” versam sobre a ilicitude, seja da ação,

seja da omissão praticada pelo Estado158.

158 A CDI é uma comissão que foi criada em 1947 pela Assembleia Geral das Nações Unidas com o objetivo de discussão e codificação do Direito Internacional. Art. 2º do Projeto da Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas sobre Responsabilidade Internacional dos Estados, tradutor Aziz Tuffi Saliba. Disponível em: <http: //iusgentium.ufsc.br/wp-content/uploads/2015/09/Projeto-da-CDI-sobreResponsabilidadeInternacional-dos-Estados.pdf>. Acesso em: 13 maio 2016, p. 01. “There is an internationally wrongful act of a State when conduct consisting of an action or omission:(a) Is attributable to the State under international law; and (b) Constitutes a breach of an international obligation of the State”.

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O artigo 4º, do aludido projeto, expõe em seu item primeiro o que pode

ser considerado ato do Estado, a conduta de qualquer órgão do Estado que

exerça função legislativa, executiva, judicial ou qualquer outra,

independentemente do ente federal ao qual órgão pertença. No item 2, restam

incluídas como órgão qualquer pessoa ou entidade que tenha tal status de

acordo com o direito interno do Estado159.

No caso da aplicação das normas da OMC, a atuação estatal envolvendo

os agentes públicos na aplicação das medidas fiscalizatórias, por exemplo, na

instauração, processamento e julgamento de processo investigativo de prática

de dumping, bem como a aplicação de medidas antidumping que ultrapassem o

previsto no Acordo Antidumping da OMC, constitui nesse caso violação do direito

comissiva, ensejando a hipótese de vir a ser demandado ao país no Órgão de

Solução de Controvérsia da OMC.

Uma outra possibilidade pode ser percebida quando o Estado deixa de

cumprir com as medidas internas necessárias à incorporação dos acordos da

OMC, verificadas através da revisão de políticas comerciais, realizadas

periodicamente pela OMC160.

Há, ainda, o que é o objeto de estudo no capítulo 04, a violação pela

ação do judiciário dissoante das normas da OMC, em que o magistrado não

aplica corretamente os princípios do comércio multilateral, por diversas razões,

tais como protecionismo nacionalista ou falta de conhecimento técnico para a

aplicação correta do direito internacional econômico.

§ 2º Imputabilidade

A possibilidade de se imputar a algum ente a realização de conduta ilícita

no plano internacional consiste no reconhecimento pelo agente transgressor de

uma ordem jurídica além da ordem interna que o responsabilize por esse ato. O

agente não se restringe a pessoa privada, física ou jurídica, mas inclui também

159 Art. 4º do Projeto da Comissão de Direito internacional das Nações Unidas sobre Responsabilidade internacional dos Estados. Tradutor Aziz Tuffi Saliba. Disponível em: <http://iusgentium.ufsc.br/wp-content/uploads/2015/09/Projeto-da-CDI-sobre-Responsabilidade-Internacional-dos-Estados.pdf>. Acesso em: 13 maio 2016, p. 01. 160 No original em inglês Trade Policy Review.

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o Estado, porquanto, é pessoa jurídica de direito público e internacionalmente

reconhecido, podendo sobre ele recair imputação.

A possibilidade de se imputar tem se elevado a partir da globalização

cujas consequências diretas trazem para as relações internacionais e,

especificamente, na responsabilidade internacional, a ampliação do rol de atores

ativos e passivos, admitindo-se, ocasionalmente, pessoas físicas ou jurídicas de

direito privado, além ds movimentos de libertação nacional, não se furtando a

essa responsabilidade o Estado e as organizações internacionais, que, segundo

a doutrina, têm sido apontados como entes aptos à responsabilidade

internacional161.

O ato é internacionalmente ilícito a partir da existência de dois

elementos: o objetivo, o que no caso específico consiste numa violação das

obrigações assumidas perante a OMC; e o subjetivo, que implica a atribuição da

conduta ilícita ao Estado, conhecido também como “fato do Estado”162. A sua

imputação é tida a partir de institutos legais, por exemplo, os estatutos da OMC

e as normas que o compõem.

O Projeto da Comissão de Direito Internacional da Organização das

Nações Unidas (CDI), cuja função visa à promoção do desenvolvimento

progressivo do direito internacional e de sua codificação, não expõe uma regra

geral163. Há na realidade duas espécies: a responsabilidade por atos

internacionalmente ilícitos (internationally wrongful acts), conforme expressa a

CDI, e, diversos destes, os atos não proibidos, ou responsabilidade por

consequências de atos não proibidos pelo direito internacional164.

A. Atos internacionalmente ilícitos

O Projeto da CDI expressa no artigo 1º, de modo direto, que todo ato

ilícito internacional cometido por um Estado resulta na responsabilidade

161 BARTASSON, Vilma Aparecida Moreira. A Responsabilidade Internacional do Estado à luz do Direito Internacional Público Contemporâneo. COMMUNITAS – Revista de Direito, v. 1, n. 2, jul./dez. 2010, p. 48. 162 ARANTES NETO, Adelino. Responsabilidade do Estado no Direito Internacional e na OMC. 2. Ed . Juruá. Curitiba, 2008. p. 82. 163 GARCIA, Marcio. p. 277. 164 LAWSON, Michael Nunes. A reclamação de não violação no GATT/OMC. Dissertação de

Mestrado. UFRS. 188 páginas. Porto Alegre, 2009. Disponível em: <https://www.lume.ufrgs.br/ bitstream/handle/10183/18273/000728343.pdf?sequence=1>. Acesso em: 13 mai 2016. p. 31.

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internacional daquele que praticou tal ato165. As condições gerais fomentadoras

do ato internacionalmente ilícito estão previstas no artigo 2º do referido Projeto,

apresentando-se em duas condicionantes. A primeira aponta que o ato seja

atribuível ao Estado de acordo com o direito internacional e concomitantemente

constitua violação de uma obrigação internacional do Estado166.

Outro princípio relacionado à ocorrência do ato internacionalmente ilícito

é, no entendimento de Adelino Arantes Neto, ao comentar o artigo 3º do Projeto

da CDI: “a caraterização do ato ilícito, nos seus elementos objetivos e subjetivos

é operada exclusivamente pelo direito internacional e independe de sua

qualificação em direito interno”. Desse modo, não afeta a ilicitude do ato

internacional que porventura venha este a contrariar a lei interna do Estado,

ainda que no plano constitucional ou ordinário, nas esferas estadual ou

municipal167.

B. Atos não proibidos causadores de danos

A regra geral, conforme explorado no item anterior, é de que o ato

internacionalmente gerador da responsabilidade estatal é o ato ilícito, prevista a

transgressão a alguma norma previamente codificada, de modo que é

excepcional a responsabilização do Estado por ato lícito.

O direito internacional apresenta diversas áreas cuja proteção tem em

sua finalidade a proteção do bem jurídico tutelado, tendo o direito internacional

do meio ambiente, dos espaços internacionais e, neste objeto de estudo, o direito

internacional econômico, com o princípio da “responsabilidade por não violação”,

presente no ordenamento jurídico da OMC.

A definição e a compreensão da caracterização de um ato ilícito referem-

se à sua transgressão à norma. De outro modo, em se tratando de ato lícito, a

responsabilidade somente ocorre com a sua consequência danosa. A esse

respeito, Adelino Arantes Neto explica que nesse caso a responsabilidade

subsiste pelo simples fato da ocorrência do dano, sendo desnecessário o

165 Art. 1º, do Projeto da CDI, Op. cit. 166 Art. 2º, Projeto da CDI. Op. cit. 167 ARANTES NETO, Adelino. Op. cit., p. 54.

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estabelecimento da proveniência do dano, se oriunda de ato lícito ou de ato

ilícito168.

O nexo causal, que é a correlação existente entre o ato e o dano, não é

exigível nem mensurado nesse desiderato, uma vez que o que está se

responsabilizando ao Estado é o dano causado, e não o ato por ele cometido ou

deixado de realizar. A reparação é uma imposição diante do prejuízo e dano

causado.

A responsabilidade por ato lícito possui o caráter objetivo e absoluto,

diverso do que ocorre com a reponsabilidade por ato internacionalmente ilícito,

mediante o qual não são admitidas escusas relativas à ausência de culpa ou de

ilicitude169.

Diante da ausência de um ilícito, imperiosa é a necessidade de prova do

dano para que haja a responsabilização do Estado por ato lícito, de modo que,

não restando suficientemente comprovado o dano, não há como pretender que

se suspenda o ato lícito ou pleitei-se a reparação pretensa.

No trabalho desenvolvido pela CDI, cuja temática versa sobre

responsabilidade internacional por consequências danosas em decorrência de

atos não proibidos pelo direito internacional, incluindo o Projeto de princípios

sobre a alocação de prejuízo no caso de dano transfronteiriço decorrente de

atividades perigosas. Nele, restaram-se de fora essas espécies de

responsabilização (por danos transfronteiriços), assim, quando ocorrer, deverá

ser objeto de normas convencionadas entre os Estados envolvidos170.

A condição primeira para qualquer imputabilidade é a existência

irrefutável de um dever decorrente ao menos de uma das fontes de Direito

Internacional, previstas exemplificativamente no Artigo 38 do Estatuto da CIJ171.

Adelino Arantes Neto, referindo-se ao artigo XXIII.1 “a”, aduz que, nos

casos de violação deste artigo, “presume-se a ocorrência de uma anulação ou

prejuízo de benefício, cabendo ao Estado violador provar o contrário”. Esse

princípio, conforme Arantes Neto explica, “afasta o sistema GATT e a OMC da

168 Ibidem. p. 205. 169 Ibidem, p. 206. 170 LAWSON, Michael Nunes. A reclamação de não violação no GATT/OMC. Dissertação de

Mestrado. UFRS. 188 páginas. Porto Alegre, 2009. Disponível em: <https://www.lume.ufrgs.br/ bitstream/handle/10183/18273/000728343.pdf?sequence=1>. Acesso em: 13 maio 2016. p. 47. 171 BROWNLIE, Ian. Princípios de direito internacional público. Lisboa: Fundação Calouste

Gulbenkian, 1997, p. 4-5.

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79

lógica do foro de negociações, cuja finalidade é preservar o equilíbrio de

concessões, e os aproxima da lógica da implementação estrita do direito e da

solução de controvérsias com referência à norma jurídica”172.

Impera, ainda, destacar os casos previstos nas alíneas “b” e “c” do artigo

XXIII:1 do GATT/94, que prevê expressamente a possibilidade de disputa

independente de ter ocorrido violação, são os denominados “casos de não

violação”.

Observando o dispositivo supracitado, artigo XXIII do GATT/94, tem-se

assegurada a instauração de controvérsia caso um Estado membro considere

que qualquer benefício do acordo esteja sendo, direta ou indiretamente,

diminuído ou anulado bem como tenha obstado qualquer objetivo em face da

ação de outro membro, ainda que seja lícita173.

§ 3º Danos

O dano, a priori, é inexigível como pressuposto da responsabilidade

internacional, a partir da compreensão do artigo 1º do Projeto da CDI. Também

a esse respeito, Patrick Daillier, Nguyen Quoc Dinh e Alain Pellet afirmam ser o

fato internacionalmente ilícito “condição necessária e suficiente para o

comprometimento da responsabilidade. Dele se deduz que a responsabilidade

comprometida independentemente das suas eventuais consequências”174.

A teoria da reparação dos danos advém da possibilidade de se deixar o

mais próximo do estado inicial, o status quo ante, do prejudicado, de modo que

a sua exarcebação acarretará locupletamento ilícito. Impera relatar, contudo, que

não há na esfera internacional a exigência do dano para que se constranja ao

Estado medida coercitiva. Não obstante essa observação da inexigibilidade do

dano, o mesmo não ocorre quando se trata de medidas antidumping175.

A proteção da ordem jurídica internacional e das obrigações

internacionais ocorre independentemente das consequências da sua violação, o

que se dá pela prescindibilidade do dano. Adelino Arantes Neto aponta, contudo,

172 ARANTES NETO, Adelino. Op.cit., p. 237. 173 Artigo XXIII:1, GATT/1994. 174 DAILLIER, Patrick; DINH, Nguyen Quoc; PELLET, Alain. Direito Internacional Público. 2.

ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003. p. 778. 175 Sobre Antidumping ver capítulo 7.

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80

que o dano é utilizado como critério para a obrigação de reparação, quando é

responsável pela determinação da responsabilização decorrente da prática de

ato lícito176.

A reparação dos danos deve ser feita levando-se em conta o nexo de

causalidade entre o ato ilícito e a exata extensão do dano causado. Os danos

reparáveis são causados a outro Estado, via de regra, este é o principal sujeito

nas relações de direito internacional. Não obstante, conforme Adelino Arantes

Neto, poderá um particular, pessoa física ou jurídica, por intermédio do

mecanismo jurídico da proteção diplomática, invocar a responsabilidade

internacional do Estado que lhe causou dano177.

No caso de violações às regras da OMC que impliquem danos imediatos

aos particulares, somente poderão ser reparadas através do seu Estado, que

buscará a via da solução de controvérsias para a reparação do dano e a

suspensão do ato. Nesse sentido, rememora-se o caso dos produtores de

algodão brasileiros que foram prejudicados pelos subsídios agrícolas realizados

pelos Estados Unidos da América. Os direitos daqueles produtores foram

protegidos por intermédio do Estado brasileiro no Órgão de Solução de

Controvérsias (OSC), tendo se consagrado vencedor no painel e recebido o

direito de retaliar os EUA178 .

Seção 2. A responsabilidade perante o Órgão de Solução de Controvérsias

O estatuto da OMC inovou em comparação ao GATT/47, quando da

criação do Órgão de Solução de Controvérsias, atribui-lhe comportamentos mais

próximos de um tribunal, por exemplo, a mudança para o consentimento

negativo, consistindo em que todos os Estados membros, caso desejem abster-

se de aplicar a pena, devem votar pela negativa todos, inclusive o país delator.

Antes, no GATT, bastava que um dos países membros votasse pela não

aplicação, o que tornava muito difíceis as ocorrências de punições.

As decisões sobre contenciosos comerciais passaram, segundo Daniel

Arbix, a ser “ousadas por contrariar parceiros econômicos fortes”. Prossegue

176 ARANTES NETO, Adelino. Op. cit., p. 119. 177 Ibidem, p. 121. 178 WTO. Cotton – USA x Brazil. (WTO/DS267) decisão 03/03/2005.

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81

afirmando que “devem ser também audaciosas pela transparência”, a fim de que

as empresas integrantes dos setores exportadores do país se dediquem à

integração no processo decisório e às disputas no sistema multilateral do

comércio179.

A prerrogativa de se ingressar com reclamações perante o OSC é

exclusiva dos Estados membros da OMC, podendo ocorrer uma demanda com

múltiplos autores, respeitados os dispositivos do Entendimento relativo às

Normas e procedimentos sobre Solução de Controvérsias, sendo este o anexo

2 do acordo constitutivo da OMC, cuja observância se destina a todos os

membros.

Por se tratar de um Órgão que ao final impõe sanções, o Órgão de

Solução de Controvérsias obedece o desenvolvimento em regras e prazos que

contribuem para uma decisão célere, com a finalidade de promover

conformidade dos atos praticados pelos membros com o disposto no Estatuto da

OMC.

O processo na OMC divide-se em uma parte prévia denominada

consultas bilaterais e prossegue com a instauração de Painel, com a formação

de grupo especial, composto por experts e levando o relatório para votação de

todos os membros da OMC. A resignação da parte vencida pode ser

demonstrada com a apresentação de recurso da decisão do painel ao Órgão de

apelação, que proferirá a decisão final.

A judicialização da observância das regras da OMC tem contribuído para

que nações desenvolvidas respeitem as normas firmadas, posto que o seu poder

econômico não causa influência nos julgamentos que visam à tecnicidade por

parte dos painelistas.

§ 1º O Processo na OMC

O mecanismo de solução de controvérsias da OMC se divide em duas

fases, sendo elas de natureza política e jurídica, havendo, em razão disso,

179 ARBIX, Daniel. Contenciosos brasileiros na Organização Mundial do Comércio (OMC): pauta comercial, política e instituições. Contexto internacional, Rio de Janeiro, v. 30, n. 3, p. 655-

699, Dez. 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid= S010285292008000300003&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 09 maio 2016.

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constantemente, a possibilidade de se negociar o término da querela com a

melhor saída para os Estados envolvidos. Essa hipótese conciliatória pode

acontecer em qualquer das fases do processo, considerando a oferta de

proposta aceita por ambas as partes.

O processo se inicia com uma queixa apresentada por um ou mais

Estados Membros ao Presidente do Orgão de Solução de Controvérsias180. Há

uma primeira rodada de consultas bilaterais, de acordo com Celso Lafer: “elas

são uma ocasião para fact finding, e representam uma forma estruturada de

inquérito conjunto, que pode levar, pela negociação, à conciliação dos

interesses”181.

O Presidente do OSC, atendendo a solicitação do querelente, intimará o

querelado para apresentar justificativas do ato praticado, ou informar as razões

que o levaram a deixar de praticar ato previsto nos acordos firmados na OMC.

Nesse momento, pode-se ainda propor acordo entre as partes, além de as partes

avaliarem os argumentos contrários e as chances de vencer a controvérsia,

podendo antecipar conciliação182.

Pode ocorrer de um terceiro membro ter interesse na disputa, por

demonstrar interesse como parte prejudicada ou beneficiária da medida

qestionada. Para ser inserido nas consultas, esse membro terá o prazo de 10

(dez) dias a contar da data de divulgação da solicitação de consultas original aos

membros da OMC, devendo para tanto obter a aceitação pelo demandado183.

Caso a parte requerida não aceite o ingresso do terceiro interessado na

controvérsia, não restará para o terceiro nenhum recurso, contudo poderá

ingressar com a sua própria demanda.

180 A denominação original do Órgão de Solução de Controvérsias é Dispute Settlement Body. O Ministério das relações exteriores preferiu a tradução do termo “Dispute” por “controvérsias”, o

que ensejou críticas por doutrinadores que preferem uma nomenclatura mais próxima da terminologia adotada nos tribunais, como, por exemplo, litígios. Conferir: VARELLA, Marcelo Dias. Efetividade do Órgão de Solução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio: uma análise sobre os seus doze primeiros anos de existência e das propostas para seu aperfeiçoamento. Revista brasileira de política internacional, Brasília, v. 52, n. 2, p. 5-21,

dez. 2009. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-73292009000200001&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 06 jun. 2016. 181 LAFER, Celso. O sistema de solução de controvérsias da organização mundial do comércio. Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 91, p.

461-488, jan. 1996. ISSN 2318-8235. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/67346/69956>. Acesso em: 12 jun. 2016. p. 471. 182 BRAZ, Mário Sérgio Araújo. Retaliação na OMC. Curitiba: Juruá, 2006. p. 60. 183 Entendimento Relativo às Normas e Procedimentos sobre Solução de Controvérsias (ESC), art. 4.11

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Findo o prazo de 60 (sessenta) dias a contar da solicitação de consultas

bilaterais, sem que tenha sido solucionada a controvérsia, poderá ser solicitada

pela parte reclamante a formação de um grupo especial que decidirá a

questão184.

Após aceita, por consenso do OSC, a solicitação da formação do grupo

especial, cuja função precípua é de auxiliar o OSC, é formado com 3 ou 5

integrantes. A escolha de seus integrantes deve ser feita com o saber

reconhecido185, podendo ser funcionários governamentais, o que também se

levará em conta a participação deles em outros grupos especiais, como membro

ou como consultor, ainda a atuação como representante de uma parte

contratante do GATT 1947, ou como representante de Conselho ou Comitê, ou

ainda, tenha tido atuação no Secretariado, bem como exercido a docência ou

desenvolvido artigos sobre direito, economia ou política comercial internacional,

ou que tenha sido alto funcionário na área de política comercial de um dos

membros186.

A composição do grupo especial pode ser indicada a partir da lista

mantida pela Secretaria Geral da OMC, cujos integrantes possuem plenas

qualificações para exercer o mister. O Artigo 8.6 do ESC determina que o

Secretariado deve propor indicações de componentes do grupo especial para as

partes envolvidas na disputa e tal indicação não deve ser recusada, salvo por

motivos convincentes, o que se tem percebido é que não tem se restringido às

indicações feitas pelo secretariado, tampouco à lista por ele mantida187.

Terceiros interessados podem ingressar como participantes dos grupos

especiais, assim como é permitida a pluralidade de partes reclamantes, o que

ensejará a concentração de questões idênticas no mesmo Grupo Especial, bem

explica tal questão Selma Ferreira Lemes ao comentar o artigo 9.3 do

184 ESC, art. 4.7. 185 RODRIGUES, Alberto Silva. O sistema de solução de controvérsias da OMC: Um Estudo de Caso sobre os Subsídios da União Europeia ao Açúcar. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Pernambuco, Recife-PE, 2005. Disponível em: <http://repositorio.ufpe.br:8080/bitstream/handle/123456789/4411/arquivo5999_1.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 06 jun. 2016. p. 45. 186 SILVA, Elaine Cristina Gonzaga. Juridicização das Relações Internacionais e Solução de Controvérsias: Análise do Sistema Multilateral de Comércio. Dissertação de Mestrado em

Direito apresentado à Universidade de São Paulo. São Paulo, 2007. p. 67. E ESC, art.8.1. 187 BRAZ, Mário Sérgio Araújo. Op. cit., p. 65.

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Entendimento sobre Solução de Controvérsias cuja finalidade predispõe a

maximizar o tempo e a concentração de julgados.188

A função auxiliar de um Grupo Especial consiste nas obrigações contidas

no ESC bem como nos acordos abrangidos, além de “fazer uma avaliação

objetiva do assunto que lhe seja submetido, incluindo uma avaliação objetiva dos

fatos, da aplicabilidade e concordância com os acordos abrangidos pertinentes,

e formular conclusões que auxiliem o OSC”. Cabe ainda ao OSC realizar as

recomendações ou emissão de decisões previstas nos acordos abrangidos.

Considerando o princípio do melhor resultado para ambas as partes, os grupos

especiais regularmente devem realizar consultas às partes envolvidas na

controvérsia, propiciando oportunidade para encontrar a solução satisfatória

para todos os envolvidos189.

O processo do painel deverá seguir um cronograma, em condições

normais, a não exceder seis meses, ressalvando-se os casos de urgência, que

serão em três meses. Esses prazos devem ser estabelecidos em um cronograma

de trabalho e observados de modo rígido, com o objetivo de o processo ser

célere190.

Os artigos de 12 a 15, juntamente com o apêndice 3, todos do ESC,

detalham os procedimentos do grupo especial. Esse processo envolve os

seguintes passos: 1) o recebimento das argumentações escritas das partes e

terceiros, e 2) as audiências com a oitiva das partes e dos terceiros191. Quanto

aos procedimentos, podem ser flexibilizados após ouvidas as partes para adotar

procedimento diverso do previsto no ESC, a fim de assegurar a qualidade do

relatório, sem, no entanto, comprometer o cumprimento do prazo final de sua

conclusão192.

O recebimento das petições pelo grupo especial, em regra, obedecem à

seguinte ordem: primeiro, o demandante deposita seus argumentos e,

posteriormente, o demandado apresenta suas argumentações de defesa, salvo

188 LEMES, Selma M. Ferreira. Estudo Comparativo entre o Grupo Especial (Panel) da OMC e um Tribunal Arbitral. São Paulo, 2001. Disponível em: <http//www.selmalemes.adv.br/artigos/ artigo_juri27.pdf>. Acesso em: 06 jun. 2016. 189 ESC, Art.11. 190 ESC., Art.12.8 191 MATSUSHITA, Matsuo; SCHOENBAUM, Thomas J.; MAVROIDIS, Petros C. THE WORLD TRADE ORGANIZATION: law, practice and policy. 2. ed. New York: The Oxford International

Law Library, 2006. p. 116. 192 BRAZ, Mário Sérgio Araújo. Op. cit., p. 66.

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85

quando o grupo especial decide pelo prazo comum, quando serão apresentadas

concomitantemente193.

O artigo 14 do ESC aponta o caráter confidencial das deliberações do

grupo especial, bem como afirma que as opiniões individuais de seus integrantes

serão mantidas anônimas.

Encerrada a segunda audiência, após um prazo de cerca de dois a três

meses, é entregue somente às partes na disputa um relatório provisório, no qual

o grupo especial expõe suas constações e conclusões194. As partes na disputa

poderão “apresentar por escrito solicitação para que o grupo especial reveja

aspectos específicos do relatório provisório antes da distribuição do relatório

definitivo aos Membros”195.

Como já afirmado, o reexame somente se refere a “aspectos concretos”

do relatório. Em outras palavras, as partes não podem aproveitar a etapa

provisória de reexame para conseguir que se retome a análise integral do

relatório196. Observando um caso prático, a Austrália solicitou tal reexame em

um caso em disputa com o Canadá, que versava sobre as normas vigentes na

Austrália para a importação de salmão. Neste, o Órgão de Apelação decidiu que

não era esse o objetivo da etapa do relatório provisório197.

Sobre a eficácia e manutenção do relatório provisório, foi sugerido por

alguns membros que essa etapa fosse eliminada sob a alegação de que não

resultava útil, já que existe um mecanismo de apelação, e ainda pelo fato de sua

eliminação resultar em ganho de tempo. A respeito dessa proposta, Valerie

Hugues afirma: “Creio que esta proposta tem um fundamento, posto que a

estratégia de reservar toda a munição para a apelação pode ser muito mais

efetiva do que fazer suprimir do relatório do grupo especial aquele conteúdo que

possam ser objeto de apelação”198.

193 ESC, Art.12.6 194 HUGHES. Valerie. El Sistema de Solución de difencias de La OMC: una experiencia exitosa. In: LACARTE, Julio; GRANADOS, Jaime (Ed.). Solución de Controversias Comerciales Inter-Gubernamentales: enfoques multilaterales y regionales. Buenos Aires: BID-INTAL, 2004. p. 70. 195 ESC, Art. 15.2 196 HUGUES, Valerie. Op. cit., p. 70. 197 Informe do Órgão de Apelação, Austrália – Medidas que afetam a importação de salmão (Austrália-Salmão), WT/DS18/AB/R, adotado em 06 de novembro de 1998, DSR 1998: VIII, 3327. 198 “Creo que esta propuesta tiene fundamento, puesto que la estratégia de reservar toda la artillería para la apelación puede ser mucho más efectiva que la de hacer suprimir del informe del grupo especial aquellos contenidos que puedan ser objeto de uma apelación”, HUGUES,

Valerie. Op cit., p. 70.

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Finalizados os prazos da revisão preliminar, com o apontamento das

partes e posteriores correções pelo grupo especial ou sem que tenha ocorrido

manifestação de qualquer das partes, o relatório será tido como final e será

apresentado a todos os demais membros da OMC199.

Somente após 20 dias, contados da distribuição aos membros, é que o

relatório poderá ser adotado pelo OSC. Como já mencionado, o relatório

somente poderá ser obstado caso haja o consenso de todos os membros,

inclusive do demandante, é a denominda regra do consenso negativo, o que

torna improvável a obstenção, uma vez que resulta em contradição o reclamante

denunciar e ao mesmo tempo obstar o prosseguimento da demanda.

Caso decorram sessenta dias sem que nenhuma das partes manifeste o

desejo de recorrer, o OSC poderá adotar o relatório. Contudo, caso seja utilizado

o direito à apelação por alguma das partes, não serão aplicadas ainda as

medidas propostas pelo grupo especial.

§ 2º Órgão de Apelação

Constituindo-se em relevante inovação, o Órgão de Apelação (OA) não

existia no acordo GATT de 1947, ele vem a fortalecer ainda mais a segurança e

a previsibilidade do sistema multilateral de comércio. Diversamente do grupo

especial formado para o painel, o Órgão de Apelação é um órgão permanente

mantido pelo OSC.

Tal órgão, de acordo com Thortensen, Ramos e Müller, “é um

mecanismo único no sistema internacional, uma vez que medidas consideradas

inconsistentes com as regras do sistema multilateral do comércio devem ser

modificadas, para não serem passíveis de retaliação comercial”. Com isso,

atribui-se “um poder significativo à OMC e a distingue das demais organizações

internacionais que não possuem tal poder de sanção”200.

199 ESC, Art. 12.2. 200 THORSTENSEN, Vera; RAMOS, Daniel; MÜLLER, Carolina. O Órgão de Apelação frente à fragmentação da regulação do comércio global. Disponível em: <http://ccgi.fgv.br/sites/ccgi.fgv.br/files/file/O%20papel%20do%20orgao%20de%20apelacao%20frente%20a%20fragmentacao%20da%20regulacao%20do%20comercio%20global.pdf>. Acesso em: 13 jun. 2016.

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Na descrição da delimitação da atuação do Órgão de Apelação, Alberto

Amaral Júnior explica que este “não se ocupa do deslinde de questões fáticas,

mas apenas de questões jurídicas concernentes à interpretação dos tratados da

OMC. Efetua nessa condição um controle de legalidade ao verificar se o direito

da OMC foi corretamente interpretado”201.

Quanto à interpretação do direito no OSC, vale trazer ensinamento de

Vera Thorstensen, que o considera “sui generis, uma vez que aplica

conjuntamente princípios e práticas tanto do Civil Law como do Common Law”.

Embora as decisões dos painéis e das apelações somente se apliquem ao caso

em disputa, complementa a autora, “são transformadas em jurisprudência do

sistema e passam a orientar as futuras decisões” do OSC. Desse modo, a

aplicação das normas do comércio internacional, atualmente, não consiste

apenas na leitura dos acordos existentes, “mas também na interpretação do

Órgão de Apelação. O conhecimento e a análise de tal jurisprudência se tornam,

assim, essenciais para o entendimento da regulação multilateral”202.

Vale salientar ainda que o limite do mandato do OA é, segundo Carla

Junqueira, “bastante preciso e limitado”, sendo definido nos artigos 3.2, 17.13 e

17.6 do ESC, os quais dispõem que “não poderá promover o aumento ou

diminuição dos direitos e obrigações negociados pelos Membros nos acordos

abrangidos”203.

A importância, portanto, da atuação do OA na confirmação ou contra o

relatório final do grupo especial repercute de maneira ampla nas demais

decisões, devendo, pois, se ater a questões de direito e de interpretação dos

textos legais envolvidos, de modo que gere segurança e estabilidade no sistema

multilateral do comércio.

O ESC, em seu artigo 16.4, estabelece que apenas as partes envolvidas

na disputa gozarão do direito de apelar da decisão do grupo especial. Não

201 AMARAL JUNIOR, Alberto. A Solução de Controvérsias na OMC. São Paulo: Atlas, 2008.

p. 383 202 THORSTENSEN, Vera. O Multissistema da Regulação do Comércio Global: proposta de

novo referencial teórico e nova metodologia de análise. Janeiro de 2011. Disponível em : <http://disciplinas.stoa.usp.br/pluginfile.php/114213/mod_resource/content/2/o_muti-sistema_com-glo-25-01-2011_1_1_.pdf>. Acesso em: 15 jun. 2016. 203 JUNQUEIRA, Carla Amaral de Andrade. A técnica interpretativa do órgão de apelação da Organização Mundial do Comércio. 2010. Tese (Doutorado em Direito Internacional) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2135/tde-31012011-151312/>. Acesso em: 15 jun. 2016. p. 32.

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obstante a vedação de tal direito por terceiros, estes poderão submeter e ser

ouvidos pelo OA caso tenham participado dos procedimentos perante o grupo

especial, nos termos do artigo 10.2, que permite a participação. Contudo, o

terceiro não gozará de tal benefício, caso queira ingressar no procedimento

apenas na fase da apelação, devendo, como já afirmado, ter participado da

primeira instância.

O recurso de apelação pode ser interposto por uma ou por ambas as

partes, nesse caso, quando a decisão se referir apenas, parcialmente, às

medidas questionadas. O anexo sobre os Procedimentos de Trabalho do Órgão

de Apelação informa duas opções de início. A primeira ocorre com a notificação

de uma das partes, tida como recurso propriamente dito; ao tomar conhecimento,

a parte contrária interpõe seus argumentos de apelação, gerando assim uma

expansão do escopo do recurso, de acordo com a regra estipulada no art. 23.1

dos Procedimentos do Trabalho204. A segunda acontece quando ambas as

partes optam, simultaneamente, pelo recurso de apelação, conforme o art.16.4;

nesse caso, de acordo com as regras do artigo 23, itens 3 e 4, o OA vai lidar com

as apelações de uma única vez.

O OA é constituído de sete membros, sendo que três deles atuam em

cada caso205. Mantém-se a exigência de total independência dos membros do

OA, tal qual para os membros do Grupo Especial, em relação aos governos de

seus países de origem, bem como de quaisquer organizações governamentais

ou não governamentais e, ainda, de interesses de grupos econômicos, os quais,

muitas vezes, são os reais interessados das demandas e provocadores delas no

âmbito da OMC.

Um detalhe esquecido de se ressaltar no rol de qualificação dos

membros do Órgão de Apelação é a ausência de regra proibindo, ou restringindo,

que a apreciação do caso se dê por nacional de alguma das partes206.

As opiniões e os votos dos membros do OA emitidos nos casos são

mantidos sob rigoroso sigilo, de tal modo que se evite a previsibilidade de

decisões por futuros apelantes207.

204 BRAZ, Mário Sérgio Araújo. Op. cit., p. 73. 205 ESC, Art. 17.1. 206 BRAZ, Mario Sérgio Araújo. Op. cit., p. 74. 207 Ibidem, p. 74.

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Um efeito marcante do recurso ao Órgão de Apelação é a suspensão do

que fora decidido pelo OSC em consonância com as medidas sugeridas pelo

Grupo especial. Assim, enquanto estiver transcorrendo o processo em curso no

OA, serão suspensos os efeitos de decisão do OSC. O prazo para os

procedimentos não poderá exceder sessenta dias, no entanto, o OA poderá,

fundamentademente, solicitar prorrogação por mais 30 dias, caso julgue

insuficiente aquele prazo208.

O relatório, após emitido pelo Órgão de Apelação, com a manutenção

ou retificação do relatório do grupo especial, será disponibilizado a todos os

membros, para que, no prazo de trinta dias, o OSC realize uma sessão que o

adotará ou o rejeitará por consenso209.

Seção 3. Sanções

A retaliação é outra inovação que o sistema GATT tinha dificuldade de

implementar. Ela consiste em direito conferido às partes vencedoras, sendo,

muitas vezes, formulado um acordo, que envolve um prazo para que a medida

contestada venha a suspender a sua prática, pois é muito forte a característica

de manter as relações comerciais da melhor forma entre os litigantes.

Os principais doutrinadores aduzem que a OMC passou a ter “dentes e

garras”, o que se refere ao poder de aplicar sanções mesmo contra a vontade

do trangressor da norma e, ainda, independentemente do poderio econômico

que este possa ter. Aqui se rememora o já mencionado caso no qual o Brasil

questionou os subsídios agrícolas no setor de produção de algodão, rendendo-

lhe uma decisão para retaliar os Estados Unidos em até U$ 600.000.000,00

(seiscentos milhões de doláres).

O Brasil realizou um acordo com os Estados Unidos e criou um fundo de

amparo ao produtor brasileiro, que passou a receber quantias dos Estados

Unidos, dando assim por encerrada a disputa. Nesse sentido, os EUA foram

coagidos a reformular sua política de subsídio ao algodão contrária às normas

da OMC210.

208 ESC, art. 17.5 209 ESC, Art.17.14. BRAZ, Mario Sérgio Araújo. Op. cit., p. 75. 210 BUSCH, Marc L.; REINHARDT, Eric. The Evolution of GATT/WTO Dispute Settlement. In: CURTIS, John M.; CIURIAK, Dan (Ed.). Trade Policy Research. Department of Foreign Affairs and International Trade. Ottawa, 2003. Disponível em:

Page 93: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE … · FMI – Fundo Monetário Internacional GATT – General Agreement on Tariffs and Trade ... descumprimento dessas normas, uma vez

90

O grupo especial do painel pode determinar apenas que a parte sobreste

os atos que estão causando dano; assim o fazendo, o querelante pode se dar

por satisfeito e solicitar a desistência do painel. No procedimento da OMC, vigora

um princípio pelo qual não será a decisão necessariamente aplicada, outrossim,

será a interpretação que melhor se aplique para ambos. Desse modo, mesmo

após a decisão, as partes podem negociar e encontrar solução diversa, levando

à finalização do litígio.

§ 1º Compensações tarifárias e outras medidas

As medidas impostas aos Estados membros que mais causam impacto

e reação para o seu cumprimento são as de poder econômico. A OMC procurou

elencar rol não taxativo de medidas a serem aplicadas a fim de reestabelecer o

status quo ante da infração.

Observa-se que, dentre as medidas passíveis de serem aplicadas por

um Estado membro vencedor de uma disputa, a mais drástica é a majoração das

tarifas sobre os produtos do Estado vencido. Há uma crítica de que, em se

tratando de país em desenvolvimento versus país desenvolvido, não surtirá

muito efeito a medida, posto que, a depender da diferença econômica entre eles,

torna-se irrisória a aplicação de sobretaxa. “A efetividade da implementação da

maioria das decisões da OMC se realiza por vários motivos. Os principais são a

manutenção da confiança no sistema como um todo, o aumento dos custos de

não implementação e a consolidação da imagem de um tribunal rápido, eficiente

e com densidade técnico-jurídica”211.

As sanções previstas pelos acordos da OMC são aplicadas pelos

Membros sob a autorização do Órgão de Solução de Controvérsias somente

quando o Estado transgressor porventura continue com as práticas

incompatíveis com os acordos da OMC, nos termos do art. 3.7 do ESC212.

<http://faculty.georgetown.edu/mlb66/TPR2003_ Busch_Reinhardt.pdf>. Acesso em: 09 jul. 2016. 211 VARELLA, Marcelo D. Dificuldades de implementação das decisões da OMC: um estudo de caso a partir do contencioso pneus. Revista de Direito GV, São Paulo, v. 10, n. 1, p. 53-

68, jun. 2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-24322014000100003&ln g=pt&nrm=iso>. Acesso em: 23 jul. 2016. 212 A terminologia utilizada pelo ESC é, no original inglês, suspension of concenssions or other obligations, o que seria suspensão de concessões ou outras obrigações; a jurisprudência do OSC sempre faz referências com o termo, original em inglês, countermeasures, traduzido por

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As ações sugeridas pelo relatório do painel, ou pelo órgão de apelação,

devem ser implementadas segundo o ESC, em um prazo razoável, em que pese

a vagueza do termo temporal. O próprio ESC apresenta três marcos temporais

para determinação do prazo: a) o Membro interessado poderá propor um prazo,

desde que este seja aprovado pelo OSC, ou não havendo tal aprovação; b) um

prazo mutuamente acordado pelas partes em controvérsia dentro de 45 dias a

partir da data de adoção das recomendações e decisões, ou não havendo tal

acordo; c) um prazo determinado mediante arbitragem compulsória dentro de 90

dias após a data de adoção das recomendações e decisões213.

As medidas sancionatórias podem ser compreendidas como medidas de

compensação e suspensão de concessões, que podem ocorrer no mesmo setor,

no mesmo acordo; caso não seja possível, ainda pode se dar por retaliação

cruzada.

Há, ainda, outras formas de retaliações que acontecem sem a

participação do órgão de solução de controvérsias, que são as medidas

antidumping e as medidas compensatórias, aplicadas diretamente pelos países

membros seguindo as normas previstas nos acordos específicos,

respectivamente, o Acordo sobre Antidumping e o Acordo sobre Subsídios e

Medidas compensatórias.

A. Compensações

A primeira das medidas a serem tomadas no início da etapa executória

do contencioso da OMC pode ser vista não como uma sanção propriamente dita,

mas como uma medida compensatória face à transgressão à norma violada, uma

contramedidas. Eles não fazem uso da palavra sanção, contudo a adotamos, pois, no direito brasileiro, o operador jurídico é mais afeto à consequência da infração à sanção. E ESC: Art. 3.7 – “[...] Na impossibilidade de uma solução mutuamente acordada, o primeiro objetivo do mecanismo de solução de controvérsias será geralmente o de conseguir a supressão das medidas de que se trata, caso se verifique que estas são incompatíveis com as disposições de qualquer dos acordos abrangidos. Não se deverá recorrer à compensação a não ser nos casos em que não seja factível a supressão imediata das medidas incompatíveis com o acordo abrangido e como solução provisória até a supressão dessas medidas. O último recurso previsto no presente Entendimento para o Membro que invoque os procedimentos de solução de controvérsias é a possibilidade de suspender, de maneira discriminatória contra o outro Membro, a aplicação de concessões ou o cumprimento de outras obrigações no âmbito dos acordos abrangidos, caso o OSC autorize a adoção de tais medidas”. 213 ESC. Art. 21. 3, a, b e c.

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vez que o membro reclamado voluntariamente apresentará “compensações

mutuamente satisfatórias” quando provocado pela parte reclamante214.

A compensação tem sua duração e momento de aplicação previstos nos

artigos 3.7 e 22.1 do ESC, pelos quais se compreende tratar-se de medida

temporária à qual se deve recorrer na impossibilidade da “supressão imediata

das medidas incompatíveis com o acordo abrangido”215.

Impõe-se acentuar características não correspondentes à

compensação. Ela não apresenta natureza indenizatória, ou seja, não busca

reparar os danos causados retroativamente pelo ato ilícito, mas reinstaurar o

equilíbrio desfeito pelo dano decorrente do ato incompatível com as normas da

OMC216.

Um dos fatores a serem observados quando da aplicação da medida

compensatória é sua estreita compatibilidade com os acordos abrangidos pela

OMC, de modo que tal medida não esteja a transgredir nenhuma de suas

cláusulas. Assim, caso algum outro Estado membro se sinta prejudicado,

poderá, com base na cláusula da nação mais favorecida, requerer os benefícios

da concessão para ele também.

Nesse cotejo, Adelino Neto aponta que poderá ocorrer um efeito

multiplicador para os demais membros, que buscarão ser atendidos com os

mesmos benefícios que foram atribuídos àqueles membros satisfeitos com as

medidas compensatórias.

Em contrapartida, a compensação não foca na solução da controvérsia

original. Por ser voluntária, a área que o Estado demandado oferece para sofrer

a retaliação não lhe causa efeito coercitivo de sobrestar a transgressão à norma

da OMC, frustrando de tal modo um dos principais objetivo pretendidos com a

aplicação de sanção 217.

214 ESC: Art. 22.2 – “Se o Membro afetado não adaptar a um acordo abrangido a medida considerada incompatível ou não cumprir de outro modo as recomendações e decisões adotadas dentro do prazo razoável determinado conforme o § 3º do art. 21, tal Membro deverá se assim for solicitado, e em período não superior à expiração do prazo razoável, entabular negociações com quaisquer das partes que hajam recorrido ao procedimento de solução de controvérsias, tendo em vista a fixação de compensações mutuamente satisfatórias [...]”. 215 ESC, Art. 22.1. 216 ARANTES NETO, Adelino. Op. cit., p. 357. 217 Ibidem, p. 357.

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B. Contramedidas

As retaliações mais severas a serem utilizadas pelos países membros

são as suspensões de concessões ou aplicação de outras medidas, conforme

previsto no ESC art. 22.2218. As sanções aqui relacionadas consistem no

principal avanço evolutivo do GATT de 1947 para a OMC, uma vez que são

coercitivamente impostas aos membros transgressores. Ainda que não sejam

aplicadas pela própria OMC, há a necessidade de outorga pelo OSC, conferindo

uma espécie de controle institucional, que fiscaliza os valores e as medidas

impostas219.

As retaliações podem ser aplicadas após ultrapassado o prazo de vinte

dias da expiração do prazo razoável para a parte vencida apresentar o

cumprimento das recomendações do painel, ou as compensações.

As contramedidas se constituem em vantagens tanto para o demandante

como para o demandado. Conforme relaciona Mário Braz, um dos benefícios das

contramedidas para o Estado que sofreu o dano diz respeito à agilidade na

imposição, posto que são implementadas unilateralmente pelo demandante, não

havendo a necessidade de serem acordadas, como ocorre na compensação220.

As contramedidas geram benefícios políticos internos. Desse modo,

diante da pressão sofrida pelo setor atingido, o resultado econômico obtido pelo

estado demandante pode ser revertido para esse setor em compensações

econômicas. Ainda, causa um efeito moral da notoriedade da violação,

consistindo em um fator de pressão para os demais Membros da OMC

cumprirem os compromissos assumidos221.

§ 2º O papel do juiz brasileiro como mecanismo preventivo às demandas no OSC

A doutrina brasileira pouco se debruçou, ainda, sobre o assunto da

aplicação do juiz brasileiro das normas da OMC. Hodiernamente, o juiz possui

218 ESC, Art.22.2 219 BRAZ, Mário Sérgio Araújo. Op. cit., p. 145. 220 Ibidem, p. 141. 221 Ibidem, p. 144.

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mais pró-atividade no exercício de suas funções, resguardados os tradicionais

princípios da oficialidade e da inércia, pelo qual se escusa de agir de ofício. Ainda

assim, cabe ao magistrado exercer o seu mister de modo a proteger o bem

jurídico público quando as eventuais consequências da decisão proferida

venham a atingir o erário público. Uma das hipóteses em que isso pode ocorrer

refere-se ao descumprimento das regras da OMC. No caso de o Estado brasileiro

ser vencido numa eventual disputa no Órgão de Solução de Controvérsias,

conforme mencionado, o Estado membro vencido deverá despender milhões

para reparar os danos que porventura venha causando ao Estado vencedor222.

O Poder Judiciário brasileiro, ao se deparar com as demandas afetas às

matérias da OMC, poderá evitar que entes estatais ou privados descumpram

com as normas da OMC. A esse respeito, Marcelo Varella aduz que vários são

os óbices de aplicação das normas da OMC pelo juiz brasileiro, em que a maioria

dos magistrados desconhece a OMC, bem como as determinações dela

decorrentes223.

Outra dificuldade suscitada por Marcelo Varella é o prazo de

implementação das normas da OMC, visto que um processo dura cerca de doze

meses, e o prazo razoável para sua implementação, a exemplo do que ocorreu

no caso da importação de pneus usados, deu-se em 15 meses, ao passo que

um processo no Brasil leva em média, superior a cinco anos 224.

O processo decisório do judiciário brasileiro necessita ser adaptado aos

compromissos assumidos perante os demais organismos internacionais, de

modo que a decisão vá além dos critérios domésticos, não se limitando à

conveniência político-nacional. De acordo com Ênio Leão, a questão concerne a

como conseguir adequadamente a atuação do judiciário nesse contexto de

222 Sobre o Assunto: AMARAL Junior, Alberto. Curso de Direito Internacional. São Paulo: Atlas,

2015, Capítulo 17. BICHARA, Jahyr-Philippe. O controle da aplicação do direito internacional pelo poder judiciário brasileiro: uma análise crítica. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 958,

p. 233-268, 2015. Em contrapartida à atuação do juiz brasileiro como promovente das medidas da OMC: ZANDAVALI, Marcelo F. O Juiz Brasileiro e as Normas da OMC. Revista CEJ, Brasília,

ano XVII, n. 61, p. 47-58, set./dez. 2013. A atualidade do tema foi debatida no 16º Seminário sobre comércio Internacional, tendo um dos painéis com o tema: O Comércio Internacional e Poder Judiciário, Moderador Rabih Nasser. Palestrantes: Cynthia Kramer, Daniela Arruda Benjamin, Marcelo Zandavali e Aluísio de Lima-Campos. São Paulo, 10/06/2016. 223 Varella, Marcelo D. Op. cit., p. 2. 224 Ibidem, p. 2.

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avanços de internacionalização225.

Ainda, Ênio Leão ressalta que “o STF, às vezes, tem criado a esdrúxula

situação de vigência de um tratado dentro e fora do país, mas de não aplicação

do mesmo pelas instituições judiciárias, sem a denúncia do tratado”226. Isso pode

gerar, além dos problemas de credibilidade para o representante do Estado nas

negociações internacionais, sanções e retaliações cabíveis.

O Judiciário tem se tornado um ator importante para o processo de

formulação da política externa, atuando, principalmente, durante o processo de

implementação desta e por meio da revisão judicial.

Uma análise quantitativa da jurisprudência do STF, segundo Ênio Leão,

demonstra ser considerável a aplicação dos tratados internacionais subscritos

pelo Brasil na maioria dos casos por ele analisados, denotando-se obediência à

ordem internacional e o cumprimento dos compromissos internacionais

assumidos pelo país por parte dos Tribunais brasileiros. Contudo, em diversas

matérias, a Justiça brasileira deixou de aplicar os tratados por ele assinado, o

que levou o país a ser demandado nas cortes internacionais227.

Na medida em que são realizados debates e pesquisas sobre a temática

da aplicação do direito internacional econômico, passa-se a ser divulgada a

preocupação dos internacionalistas em difundir a compreensão do direito

internacional público, de modo que os demais poderes estejam consoantes em

cumprir os acordos ou, em desejando refutá-los, o façam mediante a denúncia

ou saída dos organismos, tal como dispõem os estatutos e acordos firmados pelo

representante do Estado Brasileiro.

225 LEÃO, Ênio Saraiva. O Poder Judiciário como um novo tomador de decisão na Política Externa Brasileira pós 1988. 2012. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) – Faculdade de

Ciência Política, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2012. Disponível em: <http://repositorio.ufpe.br/bitstream/handle/123456789/10394/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20%20% C3%8Anio%20Saraiva%20Le%C3%A3o.pdf?sequence=1&isAllowed=y/>. Acesso em: 23 jul. 2016. p. 66. 226 Ibidem, p. 66. 227 Ibidem, p. 68.

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SEGUNDA PARTE

O CONTROLE EXERCIDO PELO JUIZ BRASILEIRO NA APLICAÇÃO

DOS PRINCIPAIS ACORDOS DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO

A primeira parte debruçou-se sobre a exposição geral do funcionamento

da Organização Mundial do Comércio, detendo-se de modo especial em torno

do Orgão de Solução de Controvérsias (OSC), cujos avanços trazidos ao

Sistema Multilateral do Comércio são, dentre outros, a coercibilidade e a

punibilidade das suas decisões.

Esta segunda parte inicia-se com o capítulo 5, no qual se discorre sobre

os fundamentos legais do Poder Judiciário brasileiro, de matriz constitucional,

seja de competência estadual ou federal, seja de primeira ou segunda instância,

a competência para aplicar os acordos firmados no âmbito da OMC, uma vez

que, como visto no capítulo 4, sendo condenado pelo OSC/OMC, o Estado

brasileiro poderá arcar com valores vultosos de reparações ou contramedidas

que representam uma limitação à exportação, além do estremecimento das

relações internacionais.

No capítulo 6, após uma sucinta explanação a respeito das obrigações

contidas no Acordo Geral sobre Tarifa e Comércio (GATT), tem-se uma

coletânea jurisprudencial, na qual diversas vezes o Poder Judiciário brasileiro se

omitiu de, mesmo quando lhe fora apresentada a transgressão ao GATT, reparar

a afronta. Houve, porém, casos em que o acordo GATT foi aplicado corretamente

pelo juiz brasileiro.

Por sua vez, o capítulo 7, seguindo a demada recorrente revelada na

pesquisa jurisprudencial, dedica-se ao tema do antidumping, cuja utilização deve

ser feita com observância às regras da OMC, sob pena de constituir-se em um

instituto de restrição às importações. No levantamento jurisprudencial, percebe-

se que em todos os Tribunais Regionais Federais encontram-se acórdãos ou

decisões individuais sobre o tema, tendo tal matéria também sido alvo de

apreciação do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. Não

obstante considerável número de decisões sobre o assunto, notou-se

atecnicidade sobre o tema em algumas decisões.

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Finalmente, constata-se que o conhecimento da coercibilidade do direito

internacional econômico vem se expandindo na jurisprudência brasileira, não

sendo ainda algo consolidado em diversas decisões que contrariam o direito

posto na Organização Mundial do Comércio. Algumas justificativas nesse

sentido são encontradas, tais como o desconhecimento pelos operadores do

direito da disciplina de direito internacional econômico (DIE) decorrente da

ausência de incentivo nas grades curriculares pelas escolas das magistraturas

no Brasil.

Inobstante tal ausência, pari passu, há timidamente a expansão do

conhecimento técnico do DIE. Isto tem ocorrido com o processo de facilitação

das informações através de meios eletrônicos, da world wide web e, ainda, com

o acesso de brasileiros a postos considerados relevantes no comércio

internacional, dentre os quais podem ser destacados Luís Olavo Baptista, ex-juiz

do Órgão de Apelação, e o Embaixador Roberto Azevedo, atual Diretor-Geral da

OMC.

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Capítulo 5. FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DA COMPETÊNCIA DO

JUIZ BRASILEIRO

A aplicação dos tratados internacionais pelo Poder Judiciário é mais um

dos meios preventivos internos de cumprir os estatutos internacionais firmados

pelo representante do Estado brasileiro e admitido no ordenamento jurídico

através das formalidades que tornam os acordos internacionais atos que

obrigam ao Estado e aos particulares.

No presente capítulo, será abordada a fundamentação da aplicação do

direito internacional público, especificamente quanto às normas oriundas da

Organização Mundial do Comércio pelo Poder Judiciário brasileiro, envolvendo

os juízes estaduais e federais, os respectivos Tribunais, bem como o Superior

Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF)228.

A competência jurisdicional para o juiz brasileiro aplicar as normas da

OMC independe de qualquer requisito prévio dessa Organização, sendo tais

normas aplicadas e interpretadas em conformidade com os princípios do direito

internacional econômico, devendo ainda serem consideradas as interpretações

atribuídas a elas pelo Órgão de Apelação do OSC/OMC.

Em seguida, discorre-se sobre a competência processual dos

magistrados prevista na Constituição Federal, somando-se a outros atos

normativos que emprestam tal respaldo, como o Código de Processo Civil, além

da jurisprudência dos Tribunais Superiores, em cujas matérias determinam a

competência dos ramos da Justiça”229.

No tocante aos Tribunais Superiores, concentra-se no STJ a

competência dos recursos especiais envolvendo a matéria de direito

228 A clássica divisão dicotômica entre direito público e direito privado, nesse contexto, entende-se como sendo as matérias atinentes ao direito internacional econômico, como ramo do direito internacional público, por envolver relações entre os Estados e as organizações internacionais. Por sua vez, o direito internacional privado consiste na regulação do conflito normativo no espaço, quando o caso concreto versa entre pessoas privadas, vincula-se a mais de uma norma originária de mais de um Estado. Philip Jessup, ultrapassando a nomenclatura, atribui a junção de ambos os ramos do direito internacional e nomeia de “Direito Transnacional” as relações que envolvem Estados e sujeitos privados. AMARAL JUNIOR, Alberto. Op. cit. p.19-20 e JESSUP, Philip C. Direito transnacional. Tradução de Carlos Ramires Pinheiro da Silva. São Paulo:

Fundo de Cultura, 1965. p. 12. 229 O termo Justiça aqui é aplicado com sentido de esfera de atuação. Nesse sentido, ensina Pontes de Miranda que somente há uma jurisdição uma e indivisível (PONTES DE MIRANDA. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo II. Rio de Janeiro: Forense, 1973. p. 171-

172).

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internacional; por sua vez, no STF, nos termos do artigo 102, da Constituição

Federal dentre diversas competências do STF destaca-se para estudo da

aplicação do direito internacional a promoção do controle de constitucionalidade

concentrado e difuso, além dos eventuais recursos extraordinários com

repercussão geral e que infrinjam o texto constitucional.

Seção 1. O controle jurisdicional sobre o Direito Internacional

A atuação do Poder Judiciário é inicialmente coercitiva punitiva,

atribuindo-se uma conotação preventiva diante da aplicação futura de sanções

oriundas da OMC. A punição ao agente transgressor das normas internacionais

aplicadas pelo Judiciário servirá previamente para impedir que os danos venham

a ser contabilizados e exigíveis pelos Membros prejudicados pela OMC.

Com o intuito de compreender a competência do Poder Judiciário

brasileiro para aplicar as normas de direito internacional, prima face, faz-se

necessário revelar a origem do controle jurisdicional, de modo que, ancorando-

se na contemporaneidade, seja possível apreender os fundamentos da primazia

do direito internacional ante o direito interno.

§ 1º Origem e desenvolvimento do Controle Jurisdicional

A atuação do Poder absolutista foi se descentralizando ao longo do

tempo com o avanço da classe burguesa e substituição pelo poder democrático,

ao passo que teóricos arquitetaram a separação do exercício do Poder. Em um

período bastante anterior ao efetivo fim do absolutismo, já se teorizava sobre a

divisão das funções do Poder Estatal.

Nesse contexto, podem-se destacar dentre os principais autores

Aristóteles230, na Grécia Antiga, São Tomás de Aquino231 e Marsílio de Pádua232,

230 Aristóteles aponta no capítulo X, do Livro III, titulado de Dos Governos, os três poderes existentes em toda forma de governo (ARISTÓTELES, A Política, Trad. Roberto Leal Ferreira, 3ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 128). 231 TOMÁS DE AQUINO, S. Suma teológica. Vols. II e III. Trad. Carlos-Josaphat P. de Oliveira

(Coord.). São Paulo: Loyola, 2002. 232 PÁDUA, Marsílio de. O defensor da paz. Trad. Antonio C. R. Souza. Petrópolis: Vozes, 1995.

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na Idade Média, John Locke233, na era moderna, até chegar a Charles-Louis de

Secondat, o Barão de Montesquieu, a quem se tributa a demonstração clara que

cada um dos poderes deveria exercer funções distintas. Em sua obra O espírito

das leis, delineia as competências de cada um dos poderes que constituem o

Estado, o executivo, o legislativo e o judiciário234. Nesse desiderato, atribui-se o

controle de um poder sobre o outro harmoniosamente, qual seja, o surgimento

do sistema checks and balances235.

O Poder é uma característica do Estado, ele é uno e indivisível, sendo

possível ser separado o exercício de sua função. A importância da implantação

em uma sociedade da tripartição dos poderes é tamanha que hoje é inegável

como característica do Estado contemporâneo de Direito que as funções

executória, legislativa e judiciária sejam desempenhadas por três diferentes

Órgãos.

Cada um dos poderes projeta uma predominância no exercício de suas

competências. Desse modo, ao Executivo compete a administração e a captação

dos recursos; ao Legislativo, a promulgação de leis que conduzirão os atos dos

particulares e do próprio Estado; e, ao Judiciário, nas palavras do Barão de

Montesquieu, aplicar as leis quando houver litígio entre os particulares, ou entre

estes e o Estado236.

O Estado brasileiro, firmado em Estado Democrático de Direito, possui a

função Jurisdicional não apenas para dirimir conflitos entre os particulares, mas,

sobretudo, para garantir direitos contra os atos arbitrários dos demais poderes.

A convivência harmoniosa dos poderes independentes entre si, no Estado de

Direito, garante o exercício da função judicial, a qual se encontra baseada na

Constituição Federal, recebendo desta o poder de zelar pelo seu cumprimento e

de todo o ordenamento jurídico, no qual se inclui o direito internacional237.

Nesse ponto, Jahyr-Philippe Bichara ressalta que “a função jurisdicional

do Estado deve constituir uma garantia de aplicação das normas internacionais

233 LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo. Tradução de Júlio Fischer e Introdução de

Peter Laslett. São Paulo: Martins Fontes, 1998. 234 MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron. O Espírito das Leis. Tradução de Cristina

Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 167-168. 235 RESURREIÇÃO, Valéria Carneiro Lages. Estado de Direito, separação de poderes e controle de constitucionalidade da norma pelo administrador destinatário. Dissertação apresentada a Universidade Federal de Pernambuco-UFPE. Recife, 2002. 236 MONTESQUIEU. Op. cit., p. 168. 237 Constituição Federal, art. 1°.

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no seu território”. Em outras palavras, obrigar o cumprimento do que fora

pactuado entre os demais Estados e Organizações constitui-se numa relevante

observância a ser considerada pelo magistrado238, sendo sua aplicação tão

necessária e relevante reforçando a participação brasileira na sociedade

internacional.

§ 2º A primazia do Direito Internacional (normas da OMC) sobre o Direito Interno

A autonomia do Poder Judiciário, decorrente de um dos elementos

formadores do Estado – a soberania – não é mitigada, ou diminuída para julgar

as questões que envolvam as matérias de direito internacional e tenham que

aplicá-las precipuamente em dissonância com o direito interno. No entanto,

destaca-se a possibilidade de o Estado vir a responder pelo descumprimento do

pactuado no plano internacional, podendo tal descumprimento advir inclusive de

julgamentos contrários aos tratados internacionais.

Nessa perspectiva, espera-se que o Poder Judiciário, como integrante

da estrutura constitutiva do Estado, exerça coerentemente sua jurisdição

conforme o direito internacional. Afinal, decorrente do compromisso tem-se a

regra do princípio do pacta sunt servanda ao estabelecer que o Estado se obriga

a cumprir com o pactuado no plano internacional aliado ao princípio da boa-fé,

por meio do qual o Estado não deixará de cumprir as obrigações, escusando-se

através de medidas internas. Aplicam-se esses dois princípios também ao

magistrado.

Dentre as competências inerentes ao cargo ocupado pelo juiz, deve

observar que as normas internacionais possuem um grau de imperatividade e

inderrogabilidade, se não obtida pelo pacta sunt servanda, consistente nos

tratados firmados. Tal se afirma com base no ideário monista, teoria capitaneada

por Kelsen e Verdross, na qual consiste a existência de uma única ordem

jurídica, em que as normas internacionais gozam de primazia sobre as normas

238 BICHARA, Jahyr-Philippe. O controle da aplicação do direito internacional pelo poder judiciário brasileiro: uma análise crítica. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 958, p. 233-268, 2015.

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internas e a participação no plano internacional ocorre com a independência de

cada um dos Estados soberanos pertencentes à sociedade internacional239.

A primazia do direito internacional é fundamentada pelos defensores da

corrente monista, pela qual o fundamento central consiste em uma única ordem

jurídica em que se inserem o direito internacional e o direito interno, sendo

aquele, nas palavras de Kelsen, a norma hipotética fundamental240, cuja validade

é atribuída pelas constituições dos Estados.

A teoria formulada por Kelsen é reforçada nas palavras de Verdross: “Se

reconhecermos que a regra do pacta sunt servanda é superior à vontade dos

Estados, é fácil provar que as estipulações entre os Estados em virtude dessas

regras lhes são igualmente superiores. Porque a norma ‘pacta sunt servanda’

obriga os Estados a cumprir as regras estabelecidas por acordo entre eles”241.

As normas da OMC são consideradas, além do princípio do pacta sunt

servanda, também pela sua internalização nos ordenamentos dos países

membros, cabendo aos magistrados observar tais normas; os demais poderes

também devem cumpri-las, bem como legislar novas normas compatíveis com o

direito internacional, a fim de que normas internas não contrariem o firmado no

seio da Organização.

O Direito Internacional possui meios distintos para cobrança do

cumprimento de suas normas, o que não implica que não exista o Direito

internacional, mas sim que este é desenvolvido de modo diverso nos

ordenamentos jurídicos internos. Nesse contexto, a OMC inova, firmando,

através do Entendimento sobre Solução de Controvérsia (ESC), que o país

membro pode reclamar ou ser reclamado perante o Órgão de Solução de

Controvérsia.

Em face do mencionado, cabe ao Estado, de modo geral, adotar todas

as medidas administrativas cabíveis para cumprir as determinações

internacionais assumidas. Essa responsabilidade é do Poder Executivo ou do

239 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito: introdução à problemática científica do direito. Tradução de J. Cretella Jr. e Agnes Cretella. 2. ed. rev. da tradução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002; VERDROSS, Alfred. Le fondement du droit international. Recueil de Cours de l’Académie de Droit International, Paris, 1927. p. 325-384. Tradução de Marcelo Dias Varella

(coordenador), Amábile Pierroti, Luiza Nogueira e Marlon Tomazette. O Fundamento do Direito Internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013. 240 Kelsen, Hans. Op. cit., p. 150. 241 VERDROSS, Alfred. Op. cit., p. 18.

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Poder Legislativo que, eventualmente, pode publicar uma lei regulamentadora

que fixa as obrigações do Estado e os direitos das pessoas. Esses poderes têm

atuado no âmbito das relações comerciais internacionais para especificar as

condições de implementação dos acordos da OMC.

Compreendida a divisão das funções a serem desempenhadas por cada

componente do Poder, tem-se a distribuição de competências de modo a melhor

desempenhar a atividade primordial. No Estado Federal brasileiro, existem três

esferas de poder – A Federal, a Estadual e a Municipal. No caso, o federalismo

brasileiro não contempla ao Poder Judiciário, a esfera municipal. Restando

apenas os níveis: Federal e Estadual ou Distrital, em razão do ente federativo.

Seção 2. A competência da Justiça Estadual para aplicar as normas da

OMC

O Poder Judiciário, de acordo com o artigo 2º da Constituição Federal,

constitui um dos poderes independentes e convive harmoniosamente com os

Poderes Executivo e Legislativo. Sempre que um dos Poderes excede sua

competência ou exerce atos ilegais, será possível ao Poder Judiciário o controle

de tais atos, conforme disposto no art. 5º, XXXV, da CF: “a lei não excluirá da

apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Depreende-se

desses dois artigos que o Poder Judiciário poderá exercer o controle de

legalidade de atos, incluindo a conformação com os tratados.

A divisão de competências para a aplicação do direito internacional é

matéria de direito interno que resguarda salutar importância quando tais

mecanismos são utilizados para solucionar situações provocadas por agentes

estatais com o intuito de retardar ou inviabilizar o cumprimento de obrigações

assumidas pelo Estado perante as organizações internacionais.

Antes de sequenciar com as descrições da atuação jurisdicional, importa

trazer explicação de Pontes de Miranda sobre a diferença entre jurisdição e

competência, atribuindo à primeira “competência judiciária distribuída a cada

Estado pela ordem supra estatal”. Trata-se, pois, do poder que o Estado tem de

julgar, indiferente à repartição. O jurista prossegue: “quando o Estado reparte

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essa jurisdição, essa iudicius dandi licentia, então se chama, ao poder de julgar

“repartido”, competência”242.

A Constituição Federal distribui a competência (função) sobre diversos

órgãos do Poder Judiciário; por sua vez, a jurisdição é una e indivisível. Os

órgãos que compõem o judiciário brasileiro são: o Supremo Tribunal Federal, o

Superior Tribunal de Justiça, os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais,

os Tribunais Regionais e Juízes do Trabalho, os Tribunais e Juízes Eleitorais, os

Tribunais e Juízes Militares e os Tribunais e os Juízes dos Estados e do Distrito

Federal243.

A pesquisa feita a respeito das decisões jurisprudenciais constatou

diversas ocorrências do descumprimento por parte de órgãos do Poder

Executivo, em especial os que atuam na área do fisco, seja federal, seja

estadual. Nesse sentido, observa-se quão importante é o papel do Poder

Judiciário, federal ou estadual, no exercício de sua jurisdição, aplicar o direito

interno em consonância com os tratados internacionais244.

A competência no Brasil para aplicar o gênero Direito Internacional

Público, em sua espécie Direito Internacional Econômico, no qual se inserem as

normas da OMC, é precipuamente da Justiça Federal, nos termos do artigo 109,

III, da Constituição Federal. No entanto, tal competência não exclui de

apreciação pela Justiça Estadual, desde que não esteja a discutir aspectos de

validade dos Tratados245.

A atuação jurisdicional da Justiça Estadual é de competência comum, ou

seja, a matéria que for excepcionada para os demais ramos do Poder Judiciário

(federal, trabalhista e militar), em razão da matéria ou da pessoa, caberá aos

juízes ou Tribunais dos Estados a apreciação e o julgamento. Pode-se afirmar

que a competência da Justiça Estadual é residual246 ou classificada por

exclusão247. Desse modo, os magistrados estaduais possuem competência para

242 PONTES DE MIRANDA. Comentários ao Código de Processo Civil. T. II. Rio de Janeiro:

Forense, 1973. p. 171-172. 243 Brasil. Constituição Federal. Art. 92. 244 Levantamento jurisprudencial constante nos capítulos 6 e 7. 245 BAPTISTA, Luiz Olavo. A Solução Arbitral. Revista do Centro de Estudos Judiciários Conselho da Justiça Federal, São Paulo, p. 38, 1997. 246 DIDIER JUNIOR, Freddie. Curso de Direito Processual Civil. v. 1. 13. ed. Salvador: JusPODIVM, 2011. p. 128. 247 CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e Competência. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

p. 30.

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aplicar as normas que constituem o ordenamento jurídico brasileiro, dentre elas

as normas internalizadas de Direito Internacional Público, em que se incluem as

normas da OMC.

Nas hipóteses em que o Estado transgrida as normas da OMC

praticando atos administrativos eivados de vícios, isso poderá ensejar a

demanda de ações judiciais contra os referidos atos.

Nesse cortejo, identifica-se em pesquisa realizada no sítio Jus Brasil a

ocorrência de 4.950 processos, somente na seara dos Tribunais de Justiça

Estaduais, constando o teor das expressões GATT e ICMS. Verificou-se que

constam em 17 Tribunais de Justiças, cuja maioria versa sobre manutenção de

decisões proferidas acertadamente por juízes de primeira instância sobre

isenção de ICMS a ser concedida a produto importado de país membro da

OMC248.

A aplicação do Direito Internacional, em especial das normas da OMC,

pelas Cortes domésticas, nos seus mais diversos órgãos jurisdicionais, não

depende de nenhuma autorização prévia desse órgão. Desse modo, estando o

Brasil na condição de membro da OMC, e seu acordo constitutivo (Protocolo de

Marrakesh) já tendo sido devidamente internalizado desde 1994, resta ao Poder

Judiciário, na condição de integrante do Estado exercendo suas funções, aplicar

o acordo da OMC.

§ 1º Princípio da Inafastabilidade

A Constituição Federal instituiu como princípio para garantir a

apreciação pelo Poder Judiciário sobre quaisquer questões o princípio da

inafastabilidade, previsto no já citado artigo 5°, XXXV: “a lei não excluirá da

apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. O princípio é também

conhecido como princípio da acessibilidade ampla ao Poder Judiciário.

Outra característica decorrente desse princípio é a definitividade como

elemento da jurisdição. Assim, a solução de litígios pela administração, a

248 Sítio eletrônico do Jusbrasil. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/ jurisprudencia/busca?q=GATT+e+ICMS>. Acesso em: 27 ago. 2016.

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aplicação de qualquer norma e a expedição de atos administrativos não serão

consideradas definitivas, posto que poderão ser questionadas no Poder

Judiciário, cuja decisão se reveste de definitividade. Reforça-se aqui que o

magistrado não poderá declinar de sua competência para dizer o direito, e

espera-se que sua decisão esteja consoante com as normas internacionais249.

Teoricamente, a norma internacional está apta à produção de efeitos

diretos na ordem interna, sem que haja a necessidade de prévia autorização da

Organização internacional. Nas palavras de Dominique Carreau e Jahyr-Philippe

Bichara: “no que tange às regras não escritas do direito internacional, caberá ao

juiz nacional determinar se o costume ou o princípio geral invocado por uma

parte tem aplicação direta e, por conseguinte, força executória”. Nesse contexto,

note-se a importância do papel do juiz nacional na aplicação das normas de

direito internacional250.

A função assecuratória da aplicabilidade do direito pelo juiz nacional

significa que deve contemplar o direito internacional em sua primazia ante o

direito interno. Desse modo, conforme Dominique Carreau e Jahyr-Philippe

Bichara: “O juiz nacional contribui para o desenvolvimento do direito

internacional, devendo proceder ao controle de sua execução. Vale ressaltar que

essa competência não é própria do juiz internacional, cujo acesso não é

automático, fazendo do juiz interno um importante mecanismo de controle de

legalidade internacional”251.

§ 2º Controle de convencionalidade e legalidade dos tratados internacionais

Conforme anteriormente ressaltado, o descumprimento às normas da

OMC enseja responsabilidade econômica, além de constrangimento aos

negociadores perante a OMC. Portanto, constitui-se em um dever, quando da

aplicação de normas infraconstitucionais, a realização do controle difuso de

legalidade, submetendo-se, se for o caso, à conformidade do tratado.

249 TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

p. 172. 250 CARREAU, Dominique; BICHARA, Jahyr-Philippe. Direito Internacional. Rio de Janeiro:

Lumen Juris, 2015. p. 570. 251 Ibidem, p. 718.

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107

Impera nesse sentido trazer à baila o posicionamento de Valério

Mazzuoli, ao discorrer acerca do controle de convencionalidade e do controle de

legalidade das normas infraconstitucionais. O primeiro ocorre quando os tratados

versam sobre matéria de direitos humanos, e a segunda hipótese é atribuída aos

juízes e tribunais, tal qual o controle de constitucionalidade via difuso252.

Sobre o controle de convencionalidade, Valério Mazzuoli expõe que “é a

compatibilização das normas de direito interno com os tratados de direitos

humanos ratificados pelo governo e em vigor no país”253.

Seguindo esse esteio, o exercício das ações de controle concentrado

consistirá na possibilidade de valer-se da Ação Direta de Inconstitucionalidade

com o objetivo de invalidar pela inconvencionalidade uma norma

infraconstitucional; a Ação declaratória de constitucionalidade poderá ser

demandada com efeito de garantir à norma infraconstitucional a compatibilidade

vertical com um tratado de direitos humanos, aprovado com maioria de 3/5, cujo

valor será de norma constitucional; finalmente, será plausível a Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) quando houver a

necessidade de cumprimento de um “preceito fundamental” presente em tratado

de direitos humanos também de status constitucional nos termos do artigo 5º, §

3º, da Constituição Federal254.

O controle de legalidade consiste em quando o magistrado se deparar

com qualquer caso afeto à matéria de um acordo ou tratado, este deverá

compatibilizar a aplicação dessas espécies normativas com as normas internas.

Surge, nesse momento, a seguinte questão: sendo a lei posterior ao tratado, e

contrária a este, qual a solução a ser dada? Nesse ponto, o magistrado deve

aplicar o tratado, primeiramente em razão do princípio do pacta sunt servanda;

em segundo lugar por tais normas estarem internalizadas; por fim, por entender

que o Estado brasileiro pode sofrer sanções no caso de essas normas serem

emanadas do acordo da OMC. As sanções, que já foram descriminadas no

capítulo anterior, podem resultar em retaliações comerciais encarecendo

substancialmente as exportações do país transgressor das normas da OMC.

252 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Teoria geral do controle de convencionalidade no direito brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 46, n. 181, p. 129, jan./mar. 2009. 253 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O Controle Jurisdicional da Convencionalidade das Leis.

2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 73. 254 Ibidem, p. 147.

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108

§ 3º A formação técnica dos Operadores do Direito no Brasil

Não é comum na seara estadual a aplicação do direito internacional, não

obstante a facilidade e os avanços tecnológicos das trocas de informações entre

Órgãos jurisdicionais venha crescendo a aplicabilidade das normas de direito

internacional. Tal constatação foi evidenciada por Wellington Beckman Saraiva,

ao pesquisar o currículo do curso de formação da Escola da Magistratura do

Estado do Rio de Janeiro, na qual não faziam parte as disciplinas de Direito

internacional, Direito econômico, ou de comércio internacional255.

Na tradição jurídica brasileira, não integram o rol de disciplinas

oferecidas pelas Faculdades de Direito espalhadas pelo país, tampouco nos

cursos de formação de magistrados estaduais, a instrução detalhada dos

tratados firmados pelo Brasil e um aprofundamento sobre o Direito Internacional

Econômico. Nesse contexto, o aprimoramento da formação dos magistrados

deve ir além do conhecimento positivista pátrio, de modo a prezar-se o

conhecimento interdisciplinar por meio de disciplinas de economia internacional

e comércio internacional. A ausência da oferta da disciplina de Direito

Internacional Econômico no curso de formação dos magistrados implica

eventuais falhas na aplicação das normas que versem sobre o assunto256.

O conhecimento do direito internacional econômico é esperado dos

magistrados estaduais, uma vez que, lidando com causas que envolvem isenção

tributária de produtos estrangeiros decorrente da aplicação dos princípios do

tratamento nacional e da não discriminação, inseridos no GATT de 1994, são

lhes exigidos conhecimentos específicos sobre a matéria.

Outra expectativa depositada no Poder Judiciário se firma na aplicação

do direito internacional em conformidade com as interpretações sobre os

dispositivos emanados pelo Órgão de Apelação da OMC. Para tanto, o

magistrado deve estar atualizado não apenas com o conhecimento positivo das

normas da OMC, mas também com a jurisprudência da OMC, de modo que isso

255 SARAIVA, Wellington Beckman. Poder Judiciário fluminense e capixaba diante do comércio internacional do pré-sal: novos desafios. Dissertação de mestrado em Poder Judiciário. FGV Direito Rio. Rio de Janeiro, 2012. 256 No capítulo 7, são relatadas algumas deficiências encontradas na jurisprudência pátria sobre a aplicação das medidas antidumping.

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109

vai refletir “a consistência da conduta brasileira frente às obrigações assumidas

no plano internacional”257.

Quando um juiz brasileiro, seja estadual, seja federal, depara-se com

uma questão que envolva matéria constante dos acordos da OMC e aplica seus

dispositivos em conformidade com o Órgão de Apelação, estar-se-á evitando ab

initio estremecimento nas relações diplomáticas comerciais. Em segundo lugar,

está contribuindo para a ampliação da segurança jurídica do sistema multilateral

do comércio; por fim, evita eventual demanda desfavorável contra o Brasil

perante o OSC/OMC.

A matéria de direito internacional econômico sobre OMC e seus acordos

é precipuamente oriunda do direito internacional, vindo a internalizar-se. Desse

modo, a Justiça Estadual possui competência para aplicar as normas que

constituem o ordenamento jurídico brasileiro, dentre elas as normas de Direito

Internacional Público, em que se incluem as normas da OMC.

O Poder Judiciário brasileiro deve participar, preventivamente, de

maneira ativa no cumprimento das normas da OMC, independentemente de sua

esfera de atuação (estadual ou federal). As causas fundamentadas em tratado,

o que é a hipótese das normas da OMC, são de competência tanto da Justiça

Federal quanto da Justiça Estadual. Uma vez que as demandas perante cada

uma dessas seara seguem regras de competências previstas tanto na carta

magna como nas leis processuais.

A Constituição Federal Brasileira de 1988 trouxe diferentes institutos

jurídicos assecuratórios dos direitos das pessoas, sejam físicas, sejam jurídicas.

Um deles é o Mandado de Segurança contra ato ilegal praticado por qualquer

agente estatal. A regulamentação do Mandado de Segurança está na Lei

12016/2009. Sobre a competência, o texto da lei silencia, tampouco o CPC o

menciona, de modo que a jurisprudência firmou entendimento de que, seja quem

for a autoridade coatora, será o elemento decisório para competência do

Mandado de Segurança. Nesse sentido, segundo a decisão do Ministro

257 LUPI, André Luiz Pinto Basto; BASTOS JUNIOR, Luiz Magno Pinto. A interpretação da norma internacional em conformidade com seu contexto: uma proposta para aplicação do direito internacional pelos tribunais brasileiros. In: CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI 17., Brasília. Anais... Florianópolis: Fundação José Boiteux, 2008. p. 2490-2513.

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Napoleão Nunes Maia Filho, no Conflito de Competência n. 108.886-CE258, “a

competência para conhecer e processar Mandado de Segurança é aferida a

partir da categoria funcional da autoridade apontada como coatora”. Assim, em

se tratando de Mandado de Segurança que verse sobre acordo da OMC e seja

a autoridade coatora estadual, será competente a Justiça Estadual.

Decorre da participação do Brasil como país-Membro da OMC a

submissão dos seus agentes ao cumprimento das normas dela originadas, de

maneira que é esperado dos magistrados estaduais não apenas o conhecimento

em Direito Internacional Econômico, mas, de fato, a sua aplicação nas causas

que envolvam tal direito, respeitando-se princípios gerais, pacta sunt servanda e

boa-fé, bem como princípios específicos contidos nos acordos, por exemplo,

princípio da Nação mais favorecida, princípio do tratamento nacional.

Até março de 2015, o Estado Brasileiro precisava contratar escritório de

advocacia no exterior para realizar sua defesa perante o Órgão de Solução de

Controvérsias da OMC, denotando a escassa afeição à matéria entre os

operadores jurídicos brasileiros, fruto de uma Escola doutrinária que privilegia a

atenção às normas cujas fontes sejam tão somente as estatais internas. Nesse

sentido, apresentava claro preconceito às normas advindas das Organizações

internacionais.

Seção 3. A competência do juiz federal para aplicar as normas da OMC

A Carta Magna reservou para os membros da Justiça Federal

expressamente a competência para aplicar os tratados internacionais de modo

genérico, sem distinguir as espécies de tratado-lei e tratado-contrato. Essa

questão será esclarecida no ponto a seguir. Subsequentemente, formula-se uma

alternativa ante o crescente número de ações judiciais envolvendo o tema do

direito internacional econômico, que é a criação de varas especializadas, embora

se reconheça a inviabilidade para alguns órgãos jurisdicionais Federais que

258 STJ. Conflito de Competência n. 108.886 – CE (2009/0219625-8). Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. 09/02/2010. Publicado no DJU 24/02/2010. No mesmo sentido, STJ. Conflito de Competência n. 19.543/DF. Relator Ministro Fernando Gonçalves. Publicado no DJU 30.06.2003.

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possuam baixa demanda, que é o caso da Seção judiciária do Rio Grande do

Norte.

§ 1º O alcance do Artigo 109, III da Constituição brasileira

A obrigação do Estado brasileiro de exercer a função jurisdicional

aplicando o direito internacional pode ser realizada pelo Juiz Federal em três

casos previstos na Constituição, no artigo 109, incisos III, V e V-A. As hipóteses

dos incisos V e V-A versam sobre hipóteses de crimes previstos em tratado ou

convenção internacional e causas relativas a direitos humanos, respectivamente.

Todavia, importa deter-se no inciso III, do artigo 109, considerando que a

aplicação dos acordos da OMC está contemplada nesse inciso, ao revelar ser

competente o juiz federal para julgar as causas fundadas em tratado.

A regra da kompetenzkompetenz, de origem alemã, afirma que todo juiz

possui competência para afirmar a sua competência. 259 No direito brasileiro, ela

se aplica ao Juiz Federal para apontar se a causa é de sua competência ou não.

Pelas decisões do STJ, cabe ao juiz federal confirmar sua competência quando

constatar que a análise de mérito do pedido esteja respaldada em tratado

internacional.

A competência para o Juiz Federal para aplicar o direito internacional

econômico, além dos mesmos dispositivos já expostos para o juiz estadual,

acrescenta-se, expressamente, o dispositivo do texto constitucional, do qual se

extrai serem os juízes federais competentes para processar e julgar “as causas

fundadas em tratado ou em contrato da União com Estado estrangeiro ou com

organismo internacional”260.

Ab initio, é necessário apresentar a definição de tratado e contrato

internacional, posto que os termos utilizados possuem amplitude, conforme se

depreende dos artigos extraídos da Convenção de Viena de 1969 e da

Convenção de Viena de 1986. A convenção de Viena de 1969 sobre Direito dos

Tratados menciona que tratado “significa um acordo internacional celebrado

259 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do Processo de Conhecimento. 3. ed. São Paulo:

Revistas dos Tribunais, 2004. p. 51. 260 Constituição Federal, art. 109, III.

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entre Estados em forma escrita e regido pelo direito internacional, que conste,

ou de um instrumento único ou de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer

que seja sua denominação específica”261.

A Convenção de Viena de 1986, sobre Direito dos Tratados entre

Estados e Organizações Internacionais, definiu, semelhante à Convenção

anterior, que tratado é o acordo internacional “regido pelo Direito Internacional e

celebrado por escrito: i) entre um ou mais Estados e uma ou mais organizações

internacionais; ou ii) entre organizações internacionais, quer este acordo conste

de um único instrumento ou de dois ou mais instrumentos conexos e qualquer

que seja sua denominação específica”262.

Ambas as convenções, em sua parte final, ressaltam que serão

considerados tratados, independentemente da “denominação específica”, o que

ocorre em razão dos inúmeros termos que podem ser utilizados com o sentido

atribuído ao vocábulo “tratado”, dentre os quais se destacam: convenção,

declaração, ato, pacto, estatuto, protocolo, acordo, modus vivendi, concordata,

compromisso, troca de notas, acordos em forma simplificada, carta, convênio,

acomodação e compromisso263. Inexiste regulamentação específica quanto ao

uso dessas terminologias, sendo utilizadas livremente pelos Estados e

Organizações Internacionais.

Discorrendo sobre a aplicação do Artigo 109, III da Constituição Federal,

Odilon Romano Neto apresenta a distinção do Tratado quanto à matéria,

apontando a clássica divisão entre tratado-lei e tratado-contrato264.

O tratado-lei, segundo Celso Mello, seria “fonte do direito internacional

público e nos quais se manifestaria a vontade coletiva de conteúdo idêntico”,

estabelecendo “uma situação jurídica impessoal e objetiva”265.

261 Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, celebrada em 1969, Artigo 1º. 262 Convenção de Viena sobre os Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais de 1986, Artigo 2º. 263 MELLO, Celso D. Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público.15. ed. v. 1. Rio de

Janeiro: Renovar, 2004. 264 ROMANO NETO, Odilon. Competência da Justiça Federal fundada em tratados internacionais. Revista eletrônica de Direito Processual – REDP. v. 5, n. 5, p. 453-483. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/23100/16453>. Acesso em: 23 set. 2016. 265 MELLO, Celso D. de Albuquerque, Op. cit., p. 219.

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Por outro lado, os tratados-contratos regulariam interesses de natureza

bilateral ou multilateral dos Estados, criando situações jurídicas subjetivas,

assim, diversamente das normas de conduta, teriam finalidades de acordos de

comércio, de aliança, de cessão territorial.

A previsão constitucional para a Justiça Federal julgar as causas

fundadas em tratados não ocorreu para que se aglomerasse essa justiça, mas

sim considerasse de sua matéria as causas que versem sobre os tratados-

contratos, de modo que os tratados-leis devem ser aplicados por todo e qualquer

juiz, seja qual for sua jurisdição, posto que esses tratados-leis visam definir

regras de condutas, de caráter normativo geral. Tal conclusão realizada por

Odilon Romano Neto não é pacífica, na jurisprudência do STJ não encontra-se

solidez para definir a questão, e ainda não há na doutrina uma posição

consolidada sobre o assunto, acrescenta-se aunda que não há norma que verse

especificamente sobre o assunto266.

O acordo da OMC é considerado um tratado-lei, por consistir em normas

de caráter geral e abstrato, e dirige-se a todas as pessoas dos países signatários

incluindo o próprio Estado. No caso dos acordos que constituem a OMC, estão

já internalizados por meio de Decreto, de modo que sequer resta dúvida da sua

aplicação pelo magistrado brasileiro, tendo em vista o crescimento e

fortalecimento das relações comerciais internacionais, intensificando-se a

invocação dos dispositivos do referido acordo267.

§ 2º Da necessidade de criação de Varas Especializadas

Ante o crescente número de demandas judiciais sobre a matéria de

direito comercial internacional e direito internacional econômico, há a

preocupação de que a resposta dada pelos juízes, enquanto poder constituído e

integrante do Estado, no exercício das suas atribuições, contribua para o

266 ROMANO NETO, Odilon, Op. cit., p. 463. 267 Decreto n. 1355 de 30 de dezembro de 1994.

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fortalecimento das relações diplomáticas do Estado brasileiro, para evitar a

condenação no Órgão de Solução de Controvérsias da OMC.

A proposta de criação de varas especializadas para a justiça federal a

fim de evitar prejuízos ao país, e como forma de ofertar a melhor prestação

jurisdicional envolvendo uma matéria tão específica quanto é o Direito

internacional econômico, atende um viés importante no país, que é a

manutenção das relações internacionais268.

A justiça federal, cuja competência para apreciar os feitos em que

configure parte a União, tem sido palco de diversas ações envolvendo a temática

de assuntos regulados pela OMC, tais como o GATT de 1994, o Acordo

Antidumping, porquanto tenha o Poder Executivo, quando da aplicação das

normas da OMC, as descumprido, o que tem ensejado o ajuizamento das

ações269.

A doutrina fixa critérios para aplicar o dispositivo art. 109, III da

Constituição Federal, de modo a somente justificar a competência da Justiça

Federal quando houver efetivo interesse internacional, referindo-se, portanto, ao

tratado-contrato, e não a um tratado-lei, acrescendo-se ainda que a controvérsia

deve cingir-se às disposições contidas no próprio tratado.

Assim, o critério para determinar a competência da Justiça Federal em

face do enunciado legal do art. 109, III, não se cinge à incidência na causa de

um tratado internacional, considerando este a causa de pedir, ou sua

fundamentação, além de levar em conta a repercussão internacional da matéria

discutida e constatar que se trata de um tratado na modalidade contrato. Vale

salientar que poderão ocorrer hipóteses do tratado-lei comum em qualquer

esfera de justiça que esteja aplicando o direito internacional.

Reconhece-se que tal proposta poderá ser economicamente inviável em

algumas seções judiciárias em razão da ausência de números de processos cujo

teor sejam a matéria de direito internacional econômico justifiquem a

exclusividade de uma vara especializada, o que não afasta porém a sua criação

nos Tribunais Regionais Federais que lidam com o elevado número.

268 Nesse sentido, KRAMER, Cynthia. Medidas antidumping: devido processo legal à luz das

regras da OMC. 2012. Tese (Doutorado em Direito Internacional) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. Disponível em: doi:10.11606/T.2.2012.tde-14062013-133021. Acesso em: 23 set. 2016. p. 179. 269 Brasil. Constituição Federal, Art. 109, I.

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115

SEÇÃO 4 – AS CORTES DOMÉSTICAS

Considerando os fundamentos constitucionais do Estado brasileiro em

que configura presente a possibilidade de se recorrer das decisões monocráticas

para uma corte colegiada, é premente a necessidade de informar o fundamento

de aplicação do direito internacional por esses Tribunais, cujas competências

residem no controle difuso e concentrado de constitucionalidade das normas.

Além disso, deve realizar o controle de convencionalidade.

§ 1º Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais

As cortes domésticas – Tribunais de Justiças, Tribunais Regionais

Federais – possuem a competência de revisar a matéria julgada pelos juízes

monocráticos estaduais e federais, em segunda instância respectivamente.

Embora não se restrinjam à revisão, por vezes são considerados foro inicial em

demandas contra atos de autoridades cuja competência demande o ajuizamento

nos Tribunais referidos.

A importância desses tribunais em aplicar o direito internacional consiste

em ser, especialmente no caso dos Tribunais de Justiça, a última palavra a ser

dada quando se referir a questionamento de normas estaduais. Diversas ações

foram ajuizadas contra atos de órgãos estaduais que, no exercício de suas

funções, discriminaram produtos importados em relação aos produtos nacionais,

incorrendo em violação às normas do GATT e do Acordo Antidumping. Sendo o

Tribunal de Justiça a corte máxima a dizer o direito no que tange às normas

estaduais, reclama-se que seja feita a aplicação do direito internacional posto,

contribuindo desse modo para o cumprimento das obrigações assumidas

mediante os acordos internacionais.

A aplicação do direito internacional deve considerar, além dos tratados,

os princípios, pacta sunt servanda, da boa-fé, bem como observar as decisões

do Órgão de Solução de Controvérsias da OMC. Discorrendo sobre um método

de aplicação do direito internacional pelos tribunais brasileiros, André Lupi e Luiz

Bastos Junior apontam que a interpretação dada pelos tribunais em

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116

conformidade com o Direito Internacional resulta em benefícios, tais como: “a

maior uniformidade de interpretação (eis que mantém o mesmo referente), a

compatibilização com a interpretação que deve ser dada por outros tribunais de

outros países em caso de interesse do Brasil (o que garante a reciprocidade das

obrigações) e a consistência da conduta brasileira frente às obrigações

assumidas no plano internacional”270.

§ 2º Superior Tribunal de Justiça (STJ)

O STJ adquire competência para conservar a aplicação dos tratados

internacionais decorrentes do dispositivo constitucional, artigo 105, III, “a”, da

Constituição Federal. Tem-se no dispositivo o fato de ser atribuída competência

ao STJ para julgar, sob a via de recurso especial, as causas decididas, em única

ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos

Estados, do Distrito Federal e Territórios, mormente a decisão recorrida

contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhe vigência.

O STJ, na estrutura organizacional do Poder Judiciário brasileiro, possui

competência para processar e julgar demandas originárias em razão do foro

privativo de autoridades (por exemplo, Ministros de Estado) e realiza o controle

das normas federais, sendo a instância a emitir em grau de recurso a última

sentença em questões envolvendo o controle de legalidade de tratados.

Em uma observação pontual, Jahyr-Philippe Bichara chama a atenção

para a ausência de “distinção entre tratados internacionais de direitos humanos

e tratados internacionais comuns”, no texto constitucional, conferindo ao STJ o

poder de solucionar no País a resolução de situações sobre a OMC, caso a

demanda verse acerca de algum de seus acordos. Em razão de estar no patamar

mais alto, caso o tratado não viole norma de direito constitucional, cuja

consequência resultaria em recurso extraordinário, ter-se-á no STJ a palavra

final para a quase totalidade dos litígios envolvendo os acordos da OMC, posto

que o Decreto n. 1.355/1994 não teve questionada a sua constitucionalidade271

270 LUPI, André Luiz Pinto Basto; BASTOS JUNIOR, Luiz Magno Pinto, Op. cit., p. 2500. 271 Jahyr-Philippe Bichara exemplifica como sendo tratados internacionais comuns os que versam sobre comércio, cooperação econômica, cooperação judiciária ou ambiental. BICHARA, Jahyr-Philippe, Op. cit., p. 27.

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117

A comunidade internacional está preocupada com o desfecho dos

processos, para verificar se estão sendo violadas ou não as normas

internacionais, de modo que a importância dessa última instância jurisdicional

reside em garantir a aplicação do direito internacional, mesmo que tenham sido

equivocadas as decisões das instâncias inferiores, a ponto de refletir o papel

cumpridor das obrigações assumidas no plano internacional.

Diante do contexto apresentado, Jahyr-Philippe Bichara enumera três

possibilidades que podem ocorrer diante da aplicação do direito internacional

pelo STJ: a) o STJ poderá constatar a inaplicabilidade de um tratado

internacional por considerar ausente na reivindicação de uma das partes

litigantes o direito previsto no tratado, estando em jogo não um eventual conflito

de normas, mas a devida aplicação do direito como um todo; b) o STJ, ao atuar

na função revisora, pode vir a aplicar um tratado que tenha sido negado na

primeira instância, de modo a conciliar o requerido por uma das partes com os

tratados internacionais firmados e internacionalizados pelo Brasil; c) o STJ pode,

com fundamentação destoante da doutrina que afirma a primazia dos tratados

internacionais, manter a recusa de aplicação do tratado internacional272.

No primeiro e no segundo casos, a atuação do STJ ensejará

credibilidade, segurança jurídica e cumprimento das obrigações pactuadas no

seio das Organizações Internacionais ou com outros Países. Já no terceiro caso,

em se tratando de normas da OMC, como visto no capítulo 4, será possível a

aplicação de medidas sancionatórias, além de constranger os negociadores à

frente das relações comerciais, por quebra de compromisso assumido.

§ 3º SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF)

Nos termos do artigo 102 da Constituição Federal, compete ao Supremo

Tribunal Federal a guarda da Constituição. A partir da emenda constitucional nº.

45/2004, o STF passou a ser uma autêntica Corte Constitucional, tendo a

competência predominante de matérias constitucionais, realizando o controle de

constitucionalidade por via das Ações Direta de inconstitucionalidade e

Declaratória de constitucionalidade. De um modo geral, o STF aprecia causas

272 Ibidem.

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118

cujo teor esboce violação à Carta Magna, somando a esse requisito a exigência

de demonstração de repercussão geral no controle difuso para admissibilidade

do recurso extraordinário, quando no controle de constitucionalidade difuso.

Nesse contexto, esse será o remédio constitucional no qual o STF verificará a

constitucionalidade dos tratados internacionais.273

No rol do artigo 102, está previsto no inciso III, b, que compete ao STF

julgar, mediante recurso extraordinário, os litígios em única ou última instância,

mormente a decisão recorrida declare a inconstitucionalidade de tratado ou lei

federal. Em outras palavras, ao STF cabe apenas apreciar recurso cujo objeto

da decisão recorrida afirme a inconstitucionalidade de um tratado de modo a

concretizar o controle jurisdicional, conforme o texto da Constituição Federal.

A jurisprudência assentada do STF em torno da aplicação do artigo 102,

III, b, informa uma decisão sobre o controle de constitucionalidade de tratado

incorporado ao ordenamento jurídico: “Controle de constitucionalidade de

tratados internacionais no sistema jurídico brasileiro. O Poder Judiciário –

fundado na supremacia da Constituição Federal – dispõe de competência, para,

quer em sede de fiscalização abstrata, quer no âmbito do controle difuso, efetuar

o exame de constitucionalidade dos tratados ou convenções internacionais já

incorporados ao sistema de direito positivo interno”274.

Contudo, no que tange à aplicabilidade das normas da OMC, as

posições adotadas pelo STF não interferem na aplicação do direito internacional,

posto que já houve a expedição de decreto pelo Presidente da República.

Inobstante, destacam-se, ainda, as normas posteriores que contrariem o acordo

GATT/1994 e sejam de teor tributário. Tais leis não prevalecem sobre o acordo,

consoante o Código Tributário Nacional275.

273 Posição não aceita por José Afonso da Silva em razão do controle difuso de constitucionalidade, pelo qual qualquer juiz brasileiro poderá exercer o controle de constitucionalidade (SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 34. ed.

São Paulo: Malheiros, 2010. p. 558-559. Já para Gilmar Mendes, o STF vem avançando no seu papel de corte constitucional. MENDES, Gilmar. Controle de Constitucionalidade e Processo de Deliberação: legitimidade, transparência e segurança jurídica nas decisões das cortes

supremas. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo /cms/noticiaNoticiaStf/anexo/EUA_GM.pdf>. Acesso em: 27 set. 2016. p. 7. 274 STF. ADI 1.480-MC, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 4-9-1997, Plenário, DJ de 18-5-2001. 275 Código Tributário Nacional, “Art. 98. Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha”.

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119

Nessa perspectiva, restam a todos os magistrados do País a disposição

e a responsabilidade para colocar em prática as normas da OMC. Afinal, não

fora de modo coativo que o país se tornou membro, antes pelo contrário, “cada

Estado, como membro da comunidade internacional, é dotado de autoridade

para declarar e tornar efetivo o direito nacional e internacional”276. Desse modo,

o Brasil goza de contrapartida por participar da Organização Mundial do

Comércio com os benefícios de impetrar ações contra os demais membros em

caso de descumprimento, podendo ser demandado caso também não cumpra

as regras do sistema multilateral do comércio.

276 MAGALHÃES, José Carlos. Op.cit. p. 30.

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120

Capítulo 6. O CONTROLE JURISDICIONAL DO ACORDO GATT

O Acordo Geral Sobre Tarifas e Comércio (General Agreement on Tarifs

and Trade – GATT) de 1994, como já exposado no capítulo 2, é parte integrante

do acordo fundante da OMC. Sucessor do GATT de 1947, elenca diversas regras

sobre o comércio multilateral e deve ser observado por todos os seus membros,

nos quais se inclui o Brasil.

O Poder Judiciário brasileiro, conforme visto no capítulo anterior, possui

competência para realizar o controle preventivo a fim de se evitar que o Estado

Brasileiro incorra em transgressão ao acordo do GATT de 1994, que constituti

um dos acordos da OMC.

O conhecimento do acordo GATT de 1994 levará os magistrados à

compreensão de princípios e normas do comércio multilateral que, diante de

diversas situações fáticas, constatados a partir de casos concretos e julgados

pelos juízes e tribunais brasileiros, poderão conduzir o julgamento de modo a

levar o Estado brasileiro (incluindo aqui todos os seus entes – União, estados e

municípios) a cumprir com as normas estabelecidas nos tratados internacionais,

evitando assim a condição de reclamado no OSC.

Neste capítulo, buscar-se-á enfatizar as regras do GATT de 1994, as

quais devem ser utilizadas pelos magistrados brasileiros com o intuito de

resguardar futuras representações contra o Brasil perante o OSC. Inicia-se,

assim, dicorrendo sobre a origem do GATT de 1994 desde seu antecessor GATT

de 1947, conceituando-se seus principais institutos e princípios e informando sua

função facilitadora no comércio multilateral.

Prossegue-se com a aplicação pragmática do GATT de 1994, listando

as principais ocorrências na jurisprudência brasileira, analisando como decorreu

a atuação do judiciário brasileiro na aplicação dos princípios e normas do GATT

de 1994 e invocando julgados referentes ao GATT de 1947 que servem ainda ao

GATT de 1994 em razão da absorção deste.

Finaliza-se o capítulo com comentários acerca do levantamento

estatístico das decisões juridicionais exaradas pelos Tribunais regionais federais

e tribunais de justiça, além do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo

Tribunal Federal, cujo teor envolva o GATT de 1994.

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Seção 1. Da Aplicabilidade do GATT na ordem interna

Os acordos obrigatórios que compõem o ordenamento jurídico da OMC

devem ser objeto de detalhado estudo pelos operadores do direito. Assim, nesta

seção, abordam-se a origem, a função e a estrutura do GATT, a fim de subsidiar

a compreensão dos precedentes pesquisadas ao final do capítulo.

§1º Origem do GATT

O escorço histórico do GATT de 1947 remete à necessidade da criação

de um braço comercial para assegurar o fluxo das relações comerciais, uma vez

já criado um Fundo Monetário Internacional para garantir a balança de

pagamentos dos países que participaram da Segunda Grande Guerra de 1945,

além do Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento, atual Banco

Mundial, com a função de emprestar aos países aliados devastados condições

de resconstruírem seus parques industriais e desenvolverem suas economias277.

Faltava, pois, para a consolidação do tripé, o braço da regulação

comercial multilateral, de modo que facilitasse as transações comerciais entre as

nações, com o objetivo de evitar barreiras comerciais. Eis que surge a

Organização Internacional do Comércio (OIC), fundada com a Carta de Havana,

em 1947. Contudo, os Estados Unidos foram signatários da Carta, mas o

Congresso não ratificou.

O primeiro GATT surgiu em 1947 como acordo provisório antes de se

anunciar o insucesso da criação da Organização Internacional do Comércio,

criada na Carta de Havana, cuja presença dos Estados Unidos foi mitigada pela

falta de ratificação pelo Congresso Americano, que refutou o ingresso dos EUA

à OIC. Creditavam a participação do EUA a provável impedimento ao

crescimento da economia norte-americana, ante o momento favorável de

expansão comercial propiciado pelo pós-Segunda Grande Guerra.

O texto do GATT de 1947 tinha o intuito de ser provisório, no entanto

perdurou até 1994, quando da fundação da OMC, tendo sido o seu texto anexado

ao GATT de 1994, e constitiui acordo da OMC. A OMC possui acordos que são

277 NASSER, Rabih Ali. A OMC e os Países em Desenvolvimento. São Paulo: Aduaneira, 2003.

p. 34.

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obrigatórios aos seus membros e alguns acordos (os plurilaterais) que são de

adesão facultativa, nesse caso, o GATT de 1994 é acordo de observância

obrigatória.

A nomenclatura atribuída ao Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio é

comumente representada por sua sigla GATT, acrescida do ano de 1994,

servindo para diferenciar do seu antecessor (GATT de 1947). O GATT de 1994

é um acordo da OMC que trata exclusivamente do comércio de bens, mas não

é o único acordo sobre o tema de bens, visto que há outros que versam também

sobre o assunto no Anexo 1A. Ele visa uma maior liberalização do comércio de

bens por meio de redução de tarifas e outras barreiras ao comércio, refutando

ainda o protecionismo aos produtos nacionais que venham a gerar discriminação

sobre os bens importados278.

§ 2º Função do GATT de 1994

O GATT de 1994 possui importantes funções que, na visão de Paulo

Estivallet de Mesquita, podem se traduzir em quatro regras gerais: “(1) cláusula

de nação mais favorecida, para equalizar as condições de concorrência entre os

fornecedores externos; (2) tratamento nacional, para que, uma vez superados os

obstáculos na fronteira, o produto importado não seja discriminado em relação

ao doméstico; (3) proteção exclusivamente por meio de tarifas e (4)

transparência, para assegurar previsibilidade”279.

Apresenta relevante destaque o princípio da não discriminação inferido

a partir do princípio da Nação Mais Favorecida. Nas lições de Vera Thorstensen,

Daniel Ramos e Carolina Muller, inicialmente, fica garantido que nenhum país

exercerá vantagem comercial em suas relações com outro membro da OMC,

278 O Anexo 1A do acordo constitutivo da OMC elenca os Acordos Multilaterais sobre Comércio de Bens: Acordo sobre Agricultura; Acordo sobre a Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias; Acordo sobre Têxteis e Vestuário; Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio; Acordo sobre Medidas de Investimento Relacionadas ao Comércio; Acordo sobre a Implementação do Artigo VI do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio1994 (também conhecido como Acordo Antidumping); Acordo sobre a Implementação do Artigo VII do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio 1994 (também conhecido como Acordo sobre Valoração Aduaneira); Acordo sobre Inspeção Pré-Embarque; Acordo sobre Regras de Origem; Acordo sobre Procedimentos para o Licenciamento de Importações; Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias; e Acordo sobre Salvaguardas. 279 MESQUITA, Paulo Estivallet. A Organização Mundial do Comércio. Brasília: Fundação

Alexandre Gusmão, 2013. p. 28-29.

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posto que poderia decorrer “em tensões e em desvio de comércio”. Trata-se, nas

palavras dos autores, “de uma garantia ampla, que engloba qualquer tipo de

benefício que possa ser concedido por uma parte contratante a outra”. Segundo

esses autores, objetiva-se precaver uma destinação arbitrária dos fluxos de

comércio entre os membros, de sorte que afetaria os benefícios almejados pela

concorrência no comércio internacional280.

Outro intuito relevante diz respeito à proteção à estabilidade do sistema

multilateral do comércio global regido pela OMC. Conforme explicam

Thorstensen, Ramos e Muller, o produtor, ciente do tratamento isonômico nas

mesmas barreiras tarifárias, quando exportar a um determinado país,

independentemente de sua origem, “ele será capaz de decidir o melhor local

para produzir, sem levar em consideração as tarifas aplicadas”281.

O princípio retromencionado também corteja a previsibilidade ao deixar

um espaço favorável à escolha do local a ser encaminhada a mercardoria pelos

exportadores de acordo com as ofertas e incentivos ao comércio. Thorstensen,

Ramos e Müller expõem que “o princípio NMF é um dos principais pilares do

sistema multilateral de comércio, estabelecido após a Segunda Guerra Mundial,

em resposta à turbulência econômica dos anos 1930, fortalecida por medidas

protecionistas e arbitrárias implementadas na época”282.

Uma das peculiaridades do GATT de 1994 está na sua constituição, em

que são diversas as origens de suas fontes. Tem-se, pois, integrando o GATT

de 1994, os dispositivos do GATT de 1947, instrumentos legais celebrados sob

o GATT de 1947, e as resoluções denominadas “Entendimentos”, firmadas

durante a Rodada Uruguai, esclarecendo a natureza e extensão das obrigações

estabelecidas nos dispositivos do GATT 1947, e pelo Protocolo de Marrakesh

sobre Concessões Tarifárias283.

O GATT de 1994 incorporou na íntegra os dispositivos do GATT de 1947,

conforme já mencionado, por meio dos “Entendimentos” e outros instumentos

legais houve intereferências no texto do GATT 1947, como, por exemplo, a

280 THORSTENSEN, Vera; RAMOS, Daniel; MÜLLER, Carolina. O Princípio da Nação Mais Favorecida e os desalinhamentos cambiais. Nota Técnica n. 6 - Dinte, IPEA, Brasília,

dezembro de 2011. p. 3. 281 Ibidem, p. 3. 282 Ibidem, p. 3. 283 NAÇÕES UNIDAS. Relatório da UNCTAD. Disponível em: <http://unctad.org/pt/docs/edmmisc232add33_pt.pdf>.

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alteração dos termos “partes contrantes”, passando-se a utilizar os termos

“membros”284.

Na relação entre o GATT 1994 e os outros acordos específicos da OMC,

quando conflitarem entre si, prevalece sempre o acordo específico, conforme

definido em interpretação do Órgão de Apelação do OSC, que afirma que o

acordo sobre bens do GATT do 1994 não se sobrepõe a nenhum outro acordo

cujo tema verse também sobre bens285.

Questão por vezes controversa é a situação envolvendo serviço e

mercadoria, nesse sentido, o Órgão de Apelação do OSC/OMC no Caso EC-

Bananas III teve a oportunidade de analisar o eventual conflito de competência

dos acordos GATT (mercadorias) e GATS (serviços)286.

O Órgão de Apelação reforça que o GATS não se destina a tratar do

mesmo tema substantivo do GATT 1994, qual seja o seu objeto, o comércio de

serviços. O GATS, ao regular a prestação de serviços, aplica tanto o tratamento

da nação mais favorecida quanto o tratamento nacional para serviços e

fornecedores de serviços. Nessa perspectiva, pode ocorrer uma sobreposição

de acordos sobre um determinado evento, a depender das medidas em

questão287.

O Órgão de Apelação discorre sobre três hipóteses: uma que envolve

medidas apenas do GATT 1994, por abranger o comércio de bens; uma segunda

hipótese com medidas submetidas exclusivamente ao acordo GATS quando

versarem sobre o fornecimento de serviços; por fim, medidas que englobem

serviço relativo a um bem em particular ou um serviço fornecido em conjunção

com um bem em particular, quando se referissem tanto ao GATT 1994 como ao

GATS288.

A conclusão que aponta o Órgão de Apelação sobre a questão

sobreposta de ambos os acordos se dá na análise da medida sob cada um dos

acordos, de modo que as medidas determinadas poderiam ser diferentes.

284 WTO. Protocolo de Marrakesh. Anexo 1-A. GATT de 1994. Nota explicativa n. 2. 285 Relatório do Órgão de Apelação, Guatemala–Investigação Antidumping relativa ao Cimento Portland do México (“Guatemala – CementI”), WT/DS60/AB/R, adotado em 25 de novembro de 1998, para. 65. 286 Relatório do Órgão de Apelação, Comunidades Europeias – Regime para a Importação, Venda e Distribuição de Bananas (“EC-Bananas III”), WT/DS27/AB/R, adotado em 25 de setembro de 1997, 287 Ibidem. 288 Ibidem.

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§ 3º Estrutura do GATT de 1994

A Estrutura do GATT de 1947 reproduzida no GATT de 1994 está

dividida em 30 artigos, distribuídos em quatro partes. A primeira parte contém

somente dois artigos, não obstante deles se extraírem princípios como o da não

discriminação, uma das colunas do sistema multilateral de comércio objetivada

pela OMC. Os artigos integrantes da Parte I são o Artigo I, que estipula a

obrigação de tratamento da nação mais favorecida, e o Artigo II, que estabelece

as obrigações aplicáveis às Listas de Concessões de cada Membro da OMC289.

A segunda parte do GATT de 1994 é a mais longa, incluindo-se os

Artigos III a XXIII. O Artigo III regulamenta a obrigação de tratamento nacional.

Os Artigos IV a XIX discorrem sobre barreiras e medidas não tarifárias, tais como

as práticas desleais de comércio (dumping e subsídios à exportação), restrições

quantitativas, restrições por razões de balanço de pagamentos, empresas

comerciais estatais, assistência governamental ao desenvolvimento econômico

e medidas de salvaguarda emergenciais.

Essa matéria disciplinada no artigo VI sobre Dumping guarda uma

importância para o magistrado brasileiro. Em razão de ser alvo de diversas

demandas judiciais no Brasil, a atuação de medidas antidumping destoa do

acordo firmado290.

Ademais, nesta parte também estão inclusas disposições relacionadas

à aplicação de medidas de fronteira. Os artigos XX e XXI versam sobre eventuais

exceções ao GATT de 1994, mais precisamente exceções gerais e por motivos

de segurança. Os Artigos XXII e XXIII tratam de procedimentos para a solução

de controvérsias, os quais estão mais detalhados no Entendimento sobre os

Princípios que Governam a Solução de Controvérsias (“ESC”)291.

A terceira parte do GATT de 1994 consiste nos Artigos XXIV a XXXV. O

Artigo XXIV refere-se a uniões alfandegárias e áreas de livre comércio, além da

responsabilidade dos Membros pelos atos dos governos regionais e locais

existentes dentro do seu território. Frise-se que tal dispositivo é dos

289 Oito artigos do GATT de 1947 foram derrogados pelo Acordo geral da OMC. 290 Vide capítulo 7 sobre antidumping. 291 Apresentado no capítulo 4.

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fundamentadores da responsabilidade da atuação do juiz brasileiro como um

agente preventivo às demandas contra o Brasil perante a OMC. Os Artigos

XXVIII e XXVIII (bis) consistem na negociação e renegociação de concessões

tarifárias.

A última parte do GATT de 1994 é intitulada “Comércio e

Desenvolvimento” e tem como objetivo o aumento das oportunidades comerciais

para os Estados Membros em desenvolvimento, propondo para tanto várias

formas relacionadas na Parte IV.

Os dispositivos cujos conteúdos visavam aspectos procedimentais de

funcionamento, tais como da entrada em vigor, acessão, alterações, retiradas,

não aplicação e ação conjunta, foram derrogados pelos dispositivos relevantes

similares do Acordo da OMC (Protocolo de Marrakesh).

Observado um panorama geral das partes que compõem o GATT de

1994, passa-se à análise dos principais dispositivos que implicam demandas

judiciais, ocorrendo inclusive diversas ações judiciais contra os agentes públicos

que descumprem tais normas, além das demandas internacionais interpostas

pelos Membros contra o Estado Brasileiro na OSC.

Direciona-se a pesquisa para os artigos que têm uma aplicação

pragmática no cotidiano jurídico nos quais se destacam a obrigação de

Tratamento da Nação mais Favorecida, o princípio da não discriminação, o

princípio de acesso ao mercado, nos quais se aplicam as barreiras tarifárias ou

não tarifárias, tais como restrições quantitativas.Prossegue-se com as exceções

à aplicação das disciplinas do GATT de 1994, dentre as quais se evidenciam

medidas de segurança e proteção a vida e saúde humana, animal e vegetal,

medidas de salvaguarda, integração regional, em que estão inseridos a

Comunidade Europeia e o MERCOSUL, restrições de balança de pagamento.

Seção 2. Aplicação pragmática

Ultrapassada a explanação geral sobre o GATT de 1994, com sua

origem, conceituação e finalidade, debruça-se com mais atenção em torno de

dispositivos que implicam diversas demandas judiciais, fazendo-se necessário o

seu prévio conhecimento pelos magistrados brasileiros que, como já observado,

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estão aptos para exercer um controle preventivo à responsabilização

internacional do país perante o OSC da OMC.

§1º O Princípio do Tratamento da Nação mais favorecida

O Artigo I.1, do GATT 1994, traz em seu título “tratamento da nação mais

favorecida”, do qual decorre o princípio da não discriminação, pelo qual os

membros da OMC estão vedados de tratar desfavoravelmente os bens

originados de outros membros292. Esse princípio deve ser objeto de atenção aos

aplicadores do direito brasileiro, posto que diversas demandas judiciais se

solucionariam satisfatoriamente respeitando as normas da OMC com sua

aplicação, compreendendo ainda o fato de ser considerado a pedra angular do

sistema multilateral de comércio da OMC. A obrigação de não discriminação,

conforme o relatório da UNCTAD, órgão das Nações Unidas, contribui para

garantir que “as relações comerciais sejam justas previsíveis”293.

A obrigação de tratamento da nação mais favorecida, prevista no título

do artigo I:1, traz em seu cortejo que os membros da OMC estão obrigados a

tratar igualmente produtos originados em ou destinados a diferentes países. O

objetivo deste artigo é garantir a igualdade de oportunidades para todos os

Membros da OMC, na importação ou exportação294.

Assim sendo, Pedro Infante da Mota explica sobre a proibição de “um

Membro da OMC (País A) tratar mais favoravelmente os produtos originários de

outro País em relação aos produtos similares originários de todos os outros

Membros da OMC”295.

O Artigo I:1, do GATT de 1994, expõe uma técnica para constatar se há

violação da obrigação de tratamento da Nação Mais favorecida, em explanação

de Peter Van den Bossche, sendo conhecida por teste das três fases. Nesse

sentido, devem ser respondidas três perguntas: 1º) A medida questionada atribui

292 WTO, Anexo 1A ao Acordo da OMC. GATT de 1994, Artigo Primeiro. 293 NAÇÕES UNIDAS. UNCTAD. Op. cit. p.14 294 GATT de 1994, Art. I, parágrafo 1º. [...] “qualquer vantagem, benefício, privilégio ou imunidade concedida por qualquer [Membro] a qualquer produto originado em ou destinado a qualquer outro país será conferido imediatamente e automaticamente aos produtos equivalentes originados em ou destinados aos territórios de todos os outros [Membros]”. 295 MOTA, Pedro Infante. A Organização Mundial do Comércio e os Blocos Econômicos Regionais. Cadernos PROLAM/USP, ano 3, v. 2, p. 103-104, 2004. Disponível em:

<www.usp.br/prolam/dow nloads/2004_2_5.pdf>. Acesso em: 22 ago. 2016.

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128

uma “vantagem” aos produtos originados em ou destinados aos territórios de

todos os outros Membros? 2º) Os produtos na disputa são “similares”? 3º) A

vantagem questionada foi concedida “imediata e incondicionalmente” a todos os

produtos similares? A resposta à primeira pergunta vai ao encontro da vantagem

atribuída por um Membro, por intermédio de uma gama de medidas, a qualquer

produto originado em ou destinado a qualquer outro país. Ressalta-se que as

vantagens podem ser tarifas e taxas de qualquer tipo impostas em conexão com

importação e exportação; o método de imposição dessas tarifas e taxas; regras

e formalidades relacionadas a importação e exportação; tributos internos e taxas

incidentes sobre bens importados; leis internas, regulamentos e requisitos que

afetem as vendas296.

A expressão “qualquer outro país” considera que se um Membro da OMC

atribui qualquer vantagem a produtos de origem ou destinados a um país não

membro, obrigar-se-á tal Membro a estender a todos os demais Membros da

OMC.

No caso EC-Bananas III, o Órgão de Apelação, observando que a

Comunidade Europeia fazia distinção entre países ao impor determinados

requisitos a um certo grupo de países, assim concluiu que a Comunidade

Europeia agiu de modo incompatível com o artigo I:1 do GATT de 1994, ao

conferir vantagens às bananas importadas de um grupo de estados, mesmo

sendo este diverso dos Membros da OMC297.

A segunda questão para ser respondida requer o conhecimento do

conceito de “produtos similares”, o qual não consta em nenhum dispositivo do

GATT de 1994, sendo esclarecido em relatórios da OMC.

Em Spain – Unroasted Coffee, o Painel determinou critérios para

configurar a ocorrência de produtos similares, considerando, para tanto, além

das caractéristicas dos produtos, sua utilização final e a incidência de tributos

por outros Membros. O caso tratava se as diferentes espécies de tipos de café

não torrado eram similares nos termos propostos pelo Artigo I:1, do GATT de

1994298.

296 VAN DEN BOSSCHE, Peter. The Law and Policy of the World Trade Organization: text,

cases and materials. Cambridge: Cambridge University Press, 2005. p. 325. 297 WTO. Relatório do Órgão de Apelação, EC – Bananas III, parágrafo. 206. 298 WTO. Relatório do Painel, Espanha – Tratamento Tarifário do Café Não torrado (“Spain – Unroasted Coffee”), adotado em 19 de junho de 1981, BISD 28S/102, parágrafo. 4.11.

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129

A Espanha apresentou diversos argumentos com o intuito de respaldar

uma diferenciação na aplicação das tarifas para os diversos tipos de café não

torrado. De acordo com o relatório, os argumentos se fundavam principalmente

em diversidades decorrentes de fatores geográficos, métodos de cultivo,

processamento da semente e fator genético.

Em sua conclusão, o Painel não considerou suficientes tais diferenças a

fim de permitir um tratamento não isonômico para os produtos. O Painel

considerou relevante o fato de ser vendido na forma de misturas, combinando

vários tipos de café, e que o “seu uso final era visto como um produto único e

bem-definido, feito para ser bebido”299. Houve também a constatação pelo Painel

de que nenhum outro país realizava distinção entre o café não torrado e não

descafeinado quanto à aplicação de tarifas distintas300.

A resposta à terceira pergunta do teste dos três consiste em auferir se a

vantagem foi conferida “imediatamente e incondicionalmente”. Denota-se

constatado por um Membro da OMC que qualquer outro Membro que concedeu

vantagem a qualquer outro país deverá, sem impor condições, estender o

benefício da vantagem a todos os outros Membros da OMC.

§ 2º O Princípio do Tratamento nacional

No artigo III, do GATT de 1994, é apresentada a obrigação de tratamento

nacional, pela qual fica condicionada a não discriminação de produtos

importados após seu ingresso no mercado nacional. Nos termos do Artigo III:1,

tem-se: “1.Os Membros reconhecem que tributos internos e outros encargos

internos, e leis, regulamentos e requisitos que afetem a venda interna [...] não

devem ser aplicados a produtos importados ou domésticos de modo a conferir

proteção à produção doméstica”.

O caso Japan – Alcoholic Beverages II ilustra bem o que o Órgão de

Apelação destacou como sendo a finalidade do Artigo III, qual seja, combater o

299 Ibidem. 300 Ibidem.

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130

protecionismo e “fornecer igualdade de condições competitivas para produtos

importados em relação a produtos domésticos”301.

Quando da requisição via judicial de aplicação de concessão de

tratamento isonômico em face dos dispositivos supracitados, é de bom alvitre

que o juiz aplique a norma da OMC, posto que sua não observância levará a

consequências pecuniárias e, muito provalvemente, a um estremecimento nas

relações diplomáticas, prejudicando o Estado brasileiro no cenário internacional,

do qual depende sensivelmente para o seu crescimento econômico.

Ainda sob a influência e direção do princípio de não discriminação,

prosseguem os demais parágrafos do artigo III. O artigo III:2 do GATT 1994302

discorre sobre a aplicação de tributos internos ou outra taxa interna de qualquer

tipo, sobre produtos similares. Como explicitam Matsuo Matsushita, Thomas

Shoenbaum e Petros Mavroidis a respeito dos produtos diferentes, é possível

existir a distinção tributária303. Diversamente do Artigo I, o Artigo III:2 foca em

duas sentenças, estabelecendo-se, portanto, segundo Van den Bossche, “um

teste de duas fases”304, a fim de que, quando respondidas as duas questões,

seja, portanto, determinada a existência de violação ao citado artigo.

A primeira sentença consiste em duas partes, inicialmente em

determinar se os produtos importado e doméstico são produtos similares, e, por

último, averiguar se os tributos sobre os bens importados encontram-se acima

dos bens domésticos. O Magistrado brasileiro deve observar, quando provocado

sobre esse dispositivo, que toda e qualquer medida interna com cunho fiscal se

enquadrará na incidência desse artigo. Ressalta-se que, caso não seja aplicada

a compra, depósitos de segurança não são considerados como ato tributário305.

301 Relatório do Órgão de Apelação, Japão – Impostos sobre Bebidas Alcoólicas (“Japan-Alcoholic Beverages II”), WT/DS8/AB/R, WT/DS10/AB/R, WT/DS11/AB/R, adotado em 1º de

novembro de 1996. p.16. 302 GATT/1994, artigo III: “2. Os produtos do território de qualquer [Membro] importados para o território de qualquer outro [Membro] não serão sujeitos, direta ou indiretamente, a tributos internos ou outros encargos internos de qualquer tipo superiores àqueles aplicados, direta ou indiretamente, a produtos domésticos similares. Além disso, nenhum [Membro] aplicará tributos internos ou outros encargos internos a produtos importados ou domésticos de forma contrária aos princípios estabelecidos no parágrafo 1”. 303 MATSUSHITA, Mitsuo, SCHOENBAUM, Thomas J.; MAVROIDIS, Petros C. Op. cit. p. 236. 304 VAN DEN BOSSCHE, Peter. Op. cit., p. 349. 305 WTO. Relatório do Painel, Medidas da Comunidade Econômica Europeia sobre Proteínas para Ração Animal (“EEC – Animal Feed Proteins”), adotado em 14 de março de 1978, BISD

25S/49, parágrafo. 4.4.

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131

No artigo I, do GATT 1994, a similaridade é questionada entre produtos

externos, por sua vez, no artigo III, a similaridade a ser alcançada ocorre entre o

bem doméstico e o bem importado. Também importante é a definição do que

seja produto similar, cuja ausência no texto do acordo do GATT remete para

vários relatórios de Paineis e do Órgão de Apelação, sem, contudo, ter sido

apresentada uma definição pronta e acabada. Segundo Carolina Machado.

“quanto mais abrangente for considerado o conceito de produto similar, maior

será a invocação da cláusula do tratamento nacional”306.

Assim, a constatação da similitude não está enclausurada em um

conceito pré-determinado, de modo que restará variável, uma vez que serão

levados em conta, a depender do contexto, as características do produto, seu

uso final e o regime tributário de outros membros.

O magistrado brasileiro se depara, por vezes, com questões envolvendo

a aplicação de isenções tributárias com base na similitude. Uma dessas

questões resultou, inclusive, em súmula do STJ307 tratando da similitude de peixe

bacalhau com o peixe salgado produzido pelo mercado interno. Uma vez que o

Brasil não tem em seu litoral o peixe de água fria (bacalhau) pescado nas águas

de países como Noruega, Inglaterra, entre outros, os ministros do STJ

entenderam, ante o contexto da comercialização do peixe salgado brasileiro com

a mesma finalidade do peixe bacalhau, estender os benefícios fiscais atribuídos

pelos estados. Tal entendimento serve preventivamente para evitar as

demandas contra o Estado brasileiro perante o OSC.

Exemplificando a atuação do Órgão de Apelação, Stephanie Cartier 308

destaca o caso Japan – Alcoholic Beverages II309, cujo cerne era aferir se as

bebidas shochu e vodka tratavam-se ou não de produtos considerados

similiares. Como não há uma definição prévia sobre o assunto, restando a

análise do caso concreto para determinar a similitude, o Painel desenvolveu uma

linha de raciocínio e, considerando o compartilhamento da maior quantidade de

características físicas entre as duas bebidas, afastou como elemento

306 MACHADO, Carolina de Paiva Queiroz. O Princípio do Tratamento Nacional e a edição da súmula 71 do Superior Tribunal de Justiça: um estudo de caso: importação de bacalhau de países signatários do GATT. Revista do Mestrado em Direito da Unversidade de Brasília,

Brasília, v. 3, n. 1, p. 86, 2009. 307 STJ. Súmula n. 71. 308 CARTIER, Stephanie. Op. cit., p. 24. 309 WTO, Relatório do Órgão de Apelação Japan – Alcoholic Bevereges II. Op. cit., p. 19-20.

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132

diferenciador o fato de as bebidas não possuírem o mesmo teor alcoólico e

apontou ao final que o sochu japonês e a vodka são “similares”, excluindo da

similitude outras bebidas alcoólicas, tais como whisk e brandy, em face da

aparência e processos de fabricação. Por causa do uso de aditivos, desqualificou

os licores, gin e genever e, pela utilização de ingredientes, desqualificou o

rum310.

Espera-se do magistrado brasileiro uma sensibilidade ao se deparar com

as demandas propostas por importadores que almejam o reconhecimento da

similitude entre o produto estrangeiro e o nacional, para auferir benefício dado a

situações análogas, com o fito de poupar o Brasil de eventuais demandas.

Retomando a análise do artigo III:2 do GATT de 1994, a segunda

sentença aponta: “Ademais, nenhum [Membro] deverá de outro modo aplicar

taxas internas ou outros encargos internos para produtos importados ou

domésticos de maneira contrária aos princípios estabelecidos no parágrafo 1”311.

A segunda sentença do artigo III:2, conforme o Órgão de Apelação, pode

ser averiguada ao aplicar o teste de três fases, com três questões, que,

conforme o Órgão de Apelação, são: “1ª) Os produtos importados e os produtos

domésticos são ‘produtos diretamente concorrentes ou substituíveis’ que estão

em concorrência entre si; 2ª) os produtos importados e domésticos, diretamente

concorrentes ou substituíveis, ‘não são similarmente taxados’; e 3ª) a taxação

não-similar dos produtos importados e domésticos, diretamente concorrentes ou

substituíveis, é aplicada de modo a sustentar proteção à produção doméstica”312.

O dispositivo III:4, do GATT de 1994, ao ser questionado por qualquer

dos membros da OMC, e para ter sua aplicabilidade efetivada, deverá ser

submetido a um teste de três fases, conforme ensina Stephanie Cartier citando

o caso Korea - Beef313, que lista as seguintes perguntas: “1) se a medida em

questão é uma “lei, regulamento ou requisito afetando sua venda interna, oferta

para venda, compra, transporte, distribuição ou uso”; 2) se os produtos

importados e domésticos em questão são produtos similares; 3) se o tratamento

310 Ibidem, parágrafo 6.23. 311 WTO. GATT de 1994, Artigo III:2. Segunda sentença. 312 WTO, Relatório do Órgão de Apelação Japan – Alcoholic Bevereges II. Op. cit. p. 21. 313 WTO. Relatório do Órgão de Apelação, Coreia – Medidas que afetam as Importações de Carne Bovina Fresca, Resfriada e Congelada (“Korea – Beef ”), WT/DS161/AB/R,

WT/DS169/AB/R, adotado em 10 de janeiro de 2001, par. 133.

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133

concedido aos produtos importados é menos favorável do que aquele concedido

a produtos similares domésticos.

A aplicação do conceito de produtos similares, quando interpretado o

art.III:4 do GATT de 1994, pelo Orgão de apelação no caso EC-Asbestos314,

diferenciou-se dos demais artigos, pois foram apresentados quatro critérios

gerais: i) as propriedades, natureza e qualidade dos produtos; ii) os usos finais

dos produtos; iii) gostos e hábitos dos consumidores; iv) a classificação tarifária

dos produtos. Desse modo, tem-se que, no Art. III:2, o sentido de produtos

similares é mais restritos do que o previsto no artigo III:4315.

A aplicação desses critérios deve ser considerada pelo juiz brasileiro

ante o pleito de tramento igualitário nas tarifas sobre produtos estrangeiros e

seus similares nacionais. É comum o ajuizamento de ações por empresas

importadoras quando os órgãos executivos realizam a distinção entre produtos

quando em relação à origem316.

Em que pese o avançado estágio do processo de globalização, ainda

são presentes as barreiras contestadas pelo Princípio de acesso a mercados.

Esse é mais um dos princípios norteadores do GATT de 1994, o qual visa

salientar quais as regras e tarifas exigidas para ingresso dos produtos. As tarifas

ou taxas alfandegárias incidem sobre os produtos quando de sua importação,

sendo preferidas pela OMC em razão de deixar claro, em se tratando de

impedimento, qual a barreira que está sendo posta, além de restar mais fácil sua

retirada ou a punição do país no caso de condenação no OSC por violação ao

ordenamento da OMC.

Além das barreiras fiscais, existem muitas outras barreiras não tarifárias

que impedem o acesso ao mercado de países membros da OMC, destacando-

se os procedimentos aduaneiros, as medidas sanitárias e fitossanitárias, as

medidas antidumping317 e de salvaguarda sobre serviços prestados318. A

dificuldade de se constatar a barreira não fiscal como uma transgressão às

normas da OMC resulta na preferência pelas tarifas aduaneiras.

314 EC – Measures Affecting Asbestos and Asbestos – containing Products, Report of the Appellate Body (AB – 2000 – 11) 12 Mar 2001. WT/DS135/AB/R, 01-1157 (EC – Asbestos). 315 CARTIER, Stephanie. Op. cit., p. 38. 316 Como já citado, o caso da isenção de ICMS sobre o bacalhau importado será aprofundado no tópico sobre jurisprudências. 317 As medidas antidumping serão abordadas no capítulo 7. 318 CARTIER, Stephanie. Op. cit., p. 52.

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134

Há exceções aos princípios anteriormente expostos (não discriminação,

Nação mais favorecida, tratamento nacional e acesso a mercados), não sendo,

portanto, absolutos, podendo os Membros da OMC se absterem de praticá-los

nas hipóteses listadas no artigo XX do GATT de 1994: a) necessárias à proteção

da moralidade pública; b) necessárias à proteção da saúde e da vida das

pessoas e dos animais e à preservação dos vegetais; c) que se relacionem à

exportação e à importação do ouro e da prata; d) necessárias para assegurar a

aplicação das leis e regulamentos que não sejam incompatíveis com as

disposições do presente acordo [...]; e) relativas aos artigos fabricados nas

prisões; (f) impostas para a proteção de tesouros nacionais de valor artístico,

histórico ou arqueológico; g) relativas à conservação dos recursos naturais

esgotáveis, se tais medidas forem aplicadas conjuntamente com restrições à

produção ou ao consumo nacionais; h) tomadas em execução de compromissos

contraídos em virtude de um Acordo intergovernamental sobre um produto de

base [...]; i) que impliquem restrições à exportação de matérias-primas

produzidas no interior do país e necessárias para assegurar a uma indústria

nacional de transformação as quantidades essenciais das referidas matérias-

primas durante os períodos nos quais o preço nacional seja mantido abaixo do

preço mundial, em execução de um plano governamental de estabilização; sob

reserva de que essas restrições não tenham por efeito reforçar a exportação ou

a proteção concedida à referida indústria nacional e não sejam contrárias às

disposições do presente Acordo relativas a não discriminação; j) essenciais à

aquisição ou à distribuição de produtos dos quais se faz sentir uma penúria geral

ou local319.

Como foi ressalvada a importância dos princípios que norteiam o Acordo

GATT de 1994, ao magistrado brasileiro cabe também conferir se presente a

ocorrência de algum excludente previsto no Artigo XX do GATT de 1994. Isso

posto, tal qual deve o juiz quando provocado prevenir eventual demanda perante

a OSC, também manter a medida idônea, cujo respaldo se dá em razão das

exceções previstas no Artigo XX supramencionado.

Para melhor compreender a incidência dos despositivos e princípios

expostos, passa-se ao relato de diferentes casos de jurisprudências, cuja

319 WTO. Acordo GATT 1994, Artigo XX.

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fundamentação jurídica repousa sobre as transgressões dos artigos do GATT de

1994.

Seção 3. Casos na jurisprudência brasileira

A atuação do juiz brasileiro sobre a matéria GATT engloba desde o

magistrado de primeira instância Estadual até os Tribunais de Justiça, o juiz

Federal, os Tribunais Regionais Federal, o Superior Tribunal de Justiça e o

Supremo Tribunal Federal.

O critério para as buscas de decisão foi a digitação do termo “GATT” no

campo pesquisa livre de jurisprudência de cada Tribunal de Justiça, Tribunal

Regional Federal, STJ e STF. Em seguida, foi realizado o destacamento das

decisões mais recentes, bem como de todas as súmulas.

§ 1º Casos no STF

O Supremo Tribunal Federal atualmente analisa apenas as questões

atinentes ao direito internacional econômico, se porventura forem ofensivas ao

texto constitucional e constituam repercussão geral, não obstante tenham sido

expedidas algumas súmulas sobre o GATT.

A primeira Súmula editada foi a 88, do STF, com o texto: “É válida a

majoração da tarifa alfandegária, resultante da Lei 3244, de 14/8/1957, que

modificou o acordo geral sobre tarifas aduaneiras e comércio (GATT), aprovado

pela Lei 313, de 30/7/1948”; subsequentemente, veio a Súmula 130, com a

seguinte redação: “A taxa de despacho aduaneiro (art. 66 da Lei 3244, de

14/8/1957) continua a ser exigível após o Decreto Legislativo 14, de 25/8/1960,

que aprovou alterações introduzidas no acordo geral sobre tarifas aduaneiras e

comércio (GATT)”.

Além das já destacadas, foi expedida também a Súmula 131, com os

seguintes dizeres: “A taxa de despacho aduaneiro (art. 66 da lei 3244, de

14/8/1957) continua a ser exigível após o Decreto Legislativo 14, de 25/8/1960,

mesmo para as mercadorias incluídas na vigente lista III do acordo geral sobre

tarifas aduaneiras e comércio (GATT)”.

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136

Ainda, há a Súmula 575, por meio da qual ficou estabelecido: “À

mercadoria importada de país signatário do GATT, ou membro da ALALC,

estende-se a isenção do imposto de circulação de mercadorias concedida a

similar nacional”. Referente a essa Súmula 575, tem sido uma matéria corrente

nos Tribunais de Justiça dos Estados a que versa sobre a extensão do benefício

de isenção de ICMS concedido a produto nacional para produto importado.

§ 2º Casos no STJ

Um caso que chama a atenção, julgado no STJ, para a interpretação e

conceituação do termo “produto similar”, ocorreu em uma Ação Rescisória

proposta pelo Estado de Pernambuco em desfavor da Empresa Júlio e Manoela

Importadora e Exportadora Ltda320. Versou o caso sobre a importação do boldo

proveniente do Chile, país membro tanto do Mercosul como da OMC. O acórdão

entendeu que, em razão de a importação ser feita para uso de chá, com função

medicinal, tendo para tanto submetido, assim por processo de industrialização,

e os produtos beneficiados pela isenção do Decreto estadual n. 14.876/91, prevê

que serão isentos os alimentos, os quais devem estar in natura, o que restou

constatado que as folhas do boldo do Chile não vêm in natura, não havendo

produto similar isento no Estado de Pernambuco. O assunto também foi objeto

no STJ, através de Recurso Especial321, cujo entendimento foi o mesmo daquela

Ação Rescisória.

O acordo OMC permite que os produtos diferentes (não similares) sejam

tratados de forma diversa, assim, entende-se que, não ficando comprovada a

presença no Estado de Pernambuco, local onde é concedido o benefício da

isenção a qualquer produto similar ao Boldo, restou acertada a decisão nos

parâmetros do GATT/OMC.

O Superior Tribunal de Justiça já julgou dois Recursos repetitivos que

envolvem dispositivo ou princípios do GATT de 1994. O primeiro322 concerne à

320 TJPE. Ação Rescisória n. 0205845-3 (0000333-55.2010.8.17.0000). Relator Des. Erik de Sousa Dantas Simões. Data do Julgado: 01/04/2015. Data da Publicação 10/04/2015. 321 STJ. Recurso Especial n. 89.582/SP, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Turma, julgado em 22/08/1996, DJ 14/10/1996, p. 38946. 322 STJ. Embargos no Recurso Especial 1403532/SC, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 14/10/2015, DJe 18/12/2015.

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incidência do IPI em dois momentos – um quando do ingresso da mercadoria no

País e outro quando da saída do estabelecimento. Um dos pontos questionados

diz respeito a se está sendo aplicado o princípio de tratamento nacional ao

produto importado tal qual é dado ao produto nacional. Para averiguar se os

argumentos do voto vencedor não trangridem as normas do GATT de 1994, não

importam as questões internas, tais como a hipótese de serem dois fatos

geradores distintos, outrossim, a infringência ao somatório do valor dos tributos

atribuídos ao produto importado. O critério confirma o princípio da não

discriminação, uma vez que sobre o produto nacional incide o IPI na saída da

indústria e na saída da venda, assim, quando do desembaraço aduaneiro, seria

análogo ao da saída da indústria brasileira, na medida em que não seria possível

efetuar a cobrança do contra à indústria estrangeira, em face da limitação do

princípio da territorialidade. Nessa direção, foi acertado o entendimento posto

pelo STJ, que considerou o valor final atribuído ao produto como fato

determinante para dirimir o conflito.

O segundo recurso especial323 analisado como representativo de

controvérsia de Recurso repetitivo envolve questão sobre o prazo de aplicação

dos efeitos de isenção de pescado gênero, do qual o bacalhau é espécie. A

controvérsia cinge-se no fato de que o produto tido como similar no país, qual

seja, o pescado, teve a isenção do ICMS finalizada em 30/04/1999, pelo que

restou compreendido que, após essa data, para não gerar benefício superior ao

bacalhau importado, deveria ser aplicado sobre este o mesmo tributo (ICMS) a

partir de 01/05/1999. O pedido era sobre produto importado após 30/04/1999, ao

qual fora indeferida a isenção do ICMS. Assim como guardou tratamento

isonômico aos produtos importado e nacional, guardou o caso conformidade com

o GATT de 1994 a decisão de que, por ser tratar de representativo da

controvérsia, se estenderá o entendimento sobre todos os processos em trâmite

nas instâncias inferiores.

Outras decisões do STJ envolvendo temas disciplinados no acordo

GATT de 1994 prosseguem aplicando corretamente os dispositivos do acordo

OMC. Em um caso que versou acerca do questionamento de aumento de tributo

específico sobre produtos importados COFINS importação, tratando-se de

323 STJ. REsp 871.760/BA, Representativo da controvérsia, Recurso repetitivo. Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em 11/03/2009, DJe 30/03/2009.

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recurso especial324, o STJ não aplicou a cláusula da obrigação do tratamento

nacional quando da elevação em 1% do PIS/COFINS importação, ao entender

que a referida cláusula não se aplica sobre essas contribuições, frisando-se que

são compensatórias sobre os produtos produzidos no País.

As exceções da cláusula do tratamento nacional do GATT de 1994 não

contêm diferenciação de tributos quanto ao fato gerador do tributo, mas tão

somente quanto ao valor final, de modo que não configura uma transgressão do

Estado brasileiro às normas da OMC a cobrança de tributos (PIS/COFINS)

sobre os produtos importados em comparação com os nacionais, quando

diferentes outros tributos incidem sobre o produto produzido no Brasil e estes

sofrem aumento, de modo que não há que se falar em transgressão da norma

do GATT de 1994.

§ 3º Casos nos TJ e TRF

A Primeira Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de

Pernambuco, em apelação cível325, que configura como apelante o Estado de

Pernambuco e apelado a empresa Brasileiro Coelho Indústria e Comércio Ltda,

foi provocada a se manifestar acerca da isenção de ICMS nas operações de

“painço” 326 importado da China e da Argentina. O Relator fez menção ao fato de

esses países serem signatários do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio

(GATT). Poderia ter atualizado os termos ressaltando a condição atual de

membros da OMC, em que um de seus princípios é o da obrigação do tratamento

nacional.

A matéria fática cinge-se da aplicação do benefício previsto no Decreto

Estadual n. 14.876/91, que regulamenta o ICMS no Estado de Pernambuco, que

dispõe em seu art. 9º, V, "c" serem isentos da cobrança do ICMS os produtos:

“destinados exclusivamente ao uso na pecuária e avicultura: rações para

animais, concentrados e suplementos fabricados por indústria de ração animal,

de concentrado ou de suplemento”. O relator aponta que a isenção tributária no

324 STJ. Recurso Especial n. 1513436/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 01/12/2015, DJe 09/12/2015 325 TJPE. 1ª Câmara de Direito Público, Apelação n. 0044153-29.2007.8.17.0001, Rel. Des. Erik de Sousa Dantas Simões. Data do julgado 24/05/2016, Data da publicação: 09/06/2016. 326 Painço é uma espécie de grão utilizado como ração para pássaros e aves.

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139

caso é de natureza heterônoma, uma vez que o acordo (GATT) firmado pela

União concedeu a obrigação de tratamento igualitário entre o produto nacional e

o similar importado, devendo, pois, ser isento dos tributos, independentemente

de sua compentência (federal, estadual ou municipal). O painço, apesar de não

ser produzido no Brasil, guarda similitude com o conceito de ração, concentrados

e suplementos apresentado no texto do Decreto que julgou acertadamente

quanto ao assunto e fundamentou ainda com a Súmula n. 575: do STF.

Esse entendimento da aplicação da norma é consolidado em razão da

Súmula 575, de modo que, no mesmo Tribunal, há outros processos julgados

com coerência entre o Acordo da OMC e os procedimentos a serem

desempenhados pelas instituições públicas.

Destaca-se que, no Recurso de Apelação em que são partes o Estado

de Pernambuco e o Rancho Alegre Produtos Agropecuários Ltda. contra a

decisão, estendeu-se o benefício de isenção do ICMS para alpiste importado. No

mérito, a causa se cingia ao questionamento sobre se o alpista era considerado

“produto similar” aos beneficiários, em que o acórdão invocou o texto do Decreto

Estadual n. 14.876/91, art.9º, § 3º, III, que conceituou suplemento, sendo o

alpiste incluso nesse conceito, além de ingrediente capaz de suprir a ração.

Assim, apresentou o julgado aplicação correta dos dispositivos da OMC, sem ter

sido utilizada fundamentação sobre o acordo GATT.

Houve nesse julgamento aplicação coerente conforme as explicações da

seção anterior sobre “produtos similares”, referente ao artigo III do GATT.

Importante destacar que, se porventura houver casos nos quais inexista no texto

do Decreto tal conceituação dos produtos como no caso em análise, deverá o

julgador de qualquer país membro da OMC, quando realizando preventivamente

a aplicação dos acordos da OMC, aplicar as hipóteses e interpretações de

“produtos similares” previstas nos painéis e no Órgão de Apelação a fim de

garantir o cumprimento do acordo GATT de 1994.

Ultrapassada a análise sobre a matéria do GATT de 1994, passa-se à

aplicação do acordo Antidumping pelo Poder Judiciário brasileiro, observando os

aspectos técnicos, bem como os entraves legais para o completo cumprimento

do referido acordo.

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140

Capítulo 7. O CONTROLE JURISDICIONAL DO ACORDO ANTIDUMPING

O acordo antidumping, que versa sobre a implementação do artigo VI do

GATT de 1994, é corriqueiramente alvo de ações judiciais perante a Justiça

Federal brasileira em razão dos órgãos do Poder Executivo (CAMEX e DECON)

responsáveis, respectivamente, pela expedição de medidas antidumping e pela

fiscalização e consequente aplicação das medidas antidumping. O aumento das

demandas judiciais está intrinsecamente ligado ao fato de o Brasil ter sido o país

membro da Organização Mundial do Comércio que mais implementou as

medidas antidumping no triênio 2013-2015327.

Conforme apresentado no capítulo 5, a competência para apreciar e

julgar as ações cujo teor sejam os atos expedidos por Órgãos federais e versem

sobre o acordo antidumping será da Justiça Federal. Então, para realizar a

análise das decisões emanadas pelos Tribunais Regionais Federais e pelo STJ,

faz-se imperiosa a exposição inicial do conceito econômico, jurídico e legal do

dumping.

Por esse viés, apontam-se as diferenças entre os conceitos e destacam-

se no conceito legal exposto no artigo VI do acordo GATT de 1994, e no

consequente Acordo Antidumping, os requisitos exigíveis para a implementação

das medidas antidumping, uma vez que o dumping condenável pela OMC está

restrito aos casos em que gere dano à indústria doméstica.

Após a conceituação, as decisões judiciais são explicadas, nas seções

2 e 3, sobre o acordo antidumping. Posteriormente, tem-se a explanação das

decisões acertadas, de modo que são consideradas aquelas cujo teor obedeceu

à legislação pátria e ao Acordo Antidumping. Não obstante, no acerto da maioria

das decisões, foram identificados alguns julgados cuja fundamentação restou

distante do previsto no acordo antidumping, não se coadunando com o acordado

pelo Brasil no sistema multilateral do comércio, chegando em alguns dos casos,

inclusive, abster-se de agir como corte revisional do ato administrativo, em

flagrante inobservância do artigo 13 do Acordo Antidumping.

Considerar-se-á necessária a especialização das cortes domésticas na

matéria de Direito internacional econômico para que sejam aplicadas as normas

327 AZEVEDO, Roberto. Entrevista. Jornal do Comércio. Porto Alegre, 26/07/2016.

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da OMC, levando em conta seus princípios e a força normativa do direito

internacional, entendendo a primazia e as consequências que podem advir, no

caso de sua inobservância, com demonstrado no capítulo 4.

Seção 1. Considerações sobre o acordo antidumping

A compreensão do acordo antidumping perpassa primeiramente pelo

entendimento do conceito de Dumping, nas acepções econômicas e jurídicas,

além dos requisitos legais para a aplicação de medidas sancionatórias

antidumping. Ultrapassada essa fase, debruça-se sobre a análise do Acordo

sobre a implementação do artigo VI do Acordo GATT, conhecido como Acordo

Antidumping.

§ 1º Conceito de dumping

O termo “dumping”, original do inglês descarte, era utilizado como forma

de despejar no mercado produtos com preços abaixo do custo de produção. Na

legislação brasileira não foi utilizado o termo traduzido, motivo pelo qual se faz

uso do mesmo sem itálico. A conceituação deve ser feita sob duas óticas, uma

econômica e outra jurídica, em razão de o enfoque dado por uma ser diverso da

outra. Quanto à conceituação jurídica, impede que seja posta a definição geral,

prosseguindo com a definição legal prevista no texto da OMC, que é o interesse

deste capítulo.

A. Conceito Econômico

O conceito econômico de dumping consiste em uma discriminação de

preços entre compradores em diferentes mercados nacionais328, característica

que se apresenta em todas as espécies de dumping329: dumping esporádico,

dumping persistente, dumping predatório; mais recentemente, constatam-se

328 VINER, Jacob. Dumping: a problem in international trade. Chicago: University of Chicago Press, 1923. 329 MONTUSCHI, Luisa. De la Retorica del dumping a la practica del antidumping. Analisis de un aspecto del proteccionismo moderno. Revista Económica, La Plata, v. 39, n. 1-2, p. 50, 1993.

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outras características que geram outras espécies de dumping, tais como o

dumping social, o dumping tecnológico, o dumping ambiental, o dumping fiscal

administrativo.

O dumping esporádico se apresenta ocasionalmente, cuja origem

consiste na necessidade do produtor ou exportador estrangeiro de descartar os

excessos de produção330. Gerado por diversos fatores, como uma espécie de

“liquidação” sobre os produtos não absorvidos pelo mercado interno, o

excedente temporário pode abalar a economia ou determinada área de um país

emergente. Os danos de setores agrícolas cujo momento de venda é pontual

relacionado ao período entre a safra e a colheita, além de indústrias nacionais

que estão se firmando com tecnologias não tão avançadas, requerem a adoção

de medidas para impedir os danos decorrentes331.

Sendo duradoura a prática de oferta de preço menor na exportação do

que no mercado interno de produção, ocorre nesse caso o chamado “dumping

persistente”. Essa forma pode ser decorrente do monopólio da empresa

produtora que, ante a ausência de concorrência interna, elevaria ao máximo o

preço do seu produto. Outro fator que desencadeia são os cálculos envolvendo

a formação do preço do produto para o mercado interno, que cobre, além dos

custos marginais, os custos fixos, aplicando para o mercado exterior somente os

custos marginais, contando para tanto com incentivos governamentais para

garantir os preços elevados no mercado interno332. Em ambos os casos, não há

prejuízo para as empresas do mercado externo.

A doutrina econômica denomina de dumping predatório a forma clássica

de concorrência desleal, na qual uma empresa se utiliza da oferta no exterior do

preço menor do que o produzido em seu país de origem para afastar a

concorrência no mercado externo, com a finalidade de ganhar espaço no

mercado externo, a empresa eleva seus preços quando atinge seu objetivo.

Uma outra forma de dumping vem sendo estudada – o chamado

“dumping social” se dá com prejuízo causado aos concorrentes em razão da

elevada diferença no custo social, direitos e garantias trabalhistas no país de

330 Ibidem. 331 APPLEYARD, Dennis R.; FIELD JUNIOR, Alfred; COBB, Steven L. Economia Internacional. Tradução de André Fernandes Lima, Joaquim Carlos Racy, Marcel Guedes Leite e Márcia Flaire Pedroza. 6. ed. São Paulo: ArtMed, 2010. p. 331. 332 MONTUSCHI, Luisa. Op. cit., p. 52.

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143

origem e tem ocorrido no mercado interno com a precarização (ou terceirização)

dos trabalhadores. A China foi duramente criticada por Países membros da

OMC, que alegavam que seu ingresso era inviável pela defasagem salarial e

ausência de direitos trabalhistas naquele país, o que ensejaria o dumping social.

Dumping tecnológico, segundo Alice Rocha Silva, é a espécie na qual,

diante das repentinas mudanças e aperfeiçoamento no campo tecnológico, o

avanço acontece de modo a gerar a redução do custo de produção, tornando o

preço mais baixo, culminando em uma espécie de dumping estratégico333.

O dumping pode ser denominado de dumping ecológico, conhecido

também por dumping ambiental, cuja determinação ocorre pela utilização de

material não reciclável e proveniente de fontes não renováveis. Conforme Alice

Silva, é em sua maioria praticado pelos europeus, podendo ainda se manifestar

com a transferência de uma empresa de um determinado país com exigências

severas contra poluição para outros países com legislação e fiscalização bem

menos onerosas em relação àquelas334.

O Dumping Fiscal constitui-se quando as empresas multinacionais ou

transnacionais, nas palavras de Alexandre Moura, fazem “uso de sofisticados

esquemas de planejamento fiscal internacional, conseguem se aproveitar das

oportunidades oferecidas pelos países engajados na concorrência fiscal e, com

isso, reduzir ou quase eliminar a carga fiscal incidente sobre suas operações”335,

tendo como consequência a oferta de baixos preços ou de lucro aviltante ante a

diminuição do encargo fiscal.

A compreensão do dumping na visão econômica, pelos exemplos acima,

fica sempre a marca, com base em Barral, da “discriminação de preços entre

dois mercados nacionais, entre o mercado exportador e o mercado importador.

Em outras palavras, o preço demandado por um determinado bem, pelo mesmo

produtor, difere entre dois mercados, desconsiderando-se os fatores

relacionados a transporte, tributos etc.”336.

333 SILVA, Alice Rocha. Dumping e Direito Internacional Econômico. Revista do Programa de Mestrado em Direito do UniCEUB, Brasília, v. 2, n. 2, p. 400, jul./dez. 2005. 334 Ibidem. 335 MOURA, Alexandre C. F. Concorrência fiscal prejudicial: uma nova proposta de World Tax Organization. Revista Fórum de Direito Tributário–RFDT, Belo Horizonte, ano 12, n. 68, p. 113-158, mar./abr. 2014. 336 BARRAL, Welber. Medidas Antidumping. In: _____. (Org.). O Brasil e a OMC. 2. ed. Curitiba:

Juruá, 2004. p. 217.

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144

Na definição econômica do termo dumping, inobstante tenha sido

analisado sob os diversos aspectos que ensejam a sua ocorrência, tem-se que

tais características não são relevantes para a definição jurídica do dumping.

Desse modo, a definição econômica não é necessariamente a mesma para

efeitos jurídicos337, cuja preocupação debruça-se sob dois aspectos, quais

sejam, a sua consequência condenável ou não condenável. Essa consequência

deve ter ainda outro fator preponderante que se trava na verificação da

ocorrência de danos para a indústria doméstica.

Assim, explanada a parte geral e econômica, importante para

fundamentar e caracterizar o instituto do dumping, passa-se à análise do viés

jurídico do conceito do dumping.

B. Conceito Jurídico do dumping

A formação de um conceito jurídico somente é possível após a

constatação de ocorrência de dumping mediante uma investigação que parte da

preexistência de elementos econômicos338. O dumping, no conceito jurídico, é

em linhas gerais a oferta de produtos em um outro país a preço inferior ao “valor

normal”, sendo condenável “se causa ou ameaça causar prejuízo material a uma

indústria estabelecida no território de uma Parte Contratante ou retardar,

sensivelmente o estabelecimento de uma indústria nacional”339.

A definição de “valor normal” passa a ser determinada com a

consideração de duas situações predefinidas, mas, especificamente no caso de

dumping, vem a ser o valor do preço praticado no mercado exterior abaixo do

valor ofertado no seu país de origem, sem considerar os gastos com tributos e

transportes, ou, ainda, uma segunda hipótese diz respeito ao preço ofertado no

mercado externo inferior ao custo de produção340.

337 BAPTISTA, Luiz Olavo. Dumping e Antidumping no Brasil. In: AMARAL JÚNIOR, Alberto (Coord.). OMC e o comércio internacional. São Paulo: Aduaneiras, 2002. p. 30. 338 SILVA, Alice Rocha. Dumping e Direito Internacional Econômico. Revista do Programa de Mestrado em Direito do UniCEUB, Brasília, v. 2, n. 2, p. 400, jul./dez. 2005. 339 WTO. GATT, art. VI. 340 DI SENA JÚNIOR, Roberto. O dumping e as práticas desleais de comércio exterior. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 44, ago. 2000. Disponível em:

<https://jus.com.br/artigos/768>. Acesso em: 1 set. 2016.

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145

O conceito jurídico do dumping diferencia-se de sua proposição

econômica, uma vez que leva em conta não apenas a discriminação de preços

entre mercados, sendo que na seara do direito são considerados relevantes

outros aspectos, como o valor “normal” da mercadoria, passado despercebido

na proposição conceitual econômica, o que de fato foi ignorado em sua

formulação341.

O estudo sobre o conceito econômico do dumping atribuiu, segundo a

finalidade da prática do dumping, uma divisão e especificação dos tipos de

dumping, conforme fossem sendo o seu modo de diminuir o custo de produção

e consequente oferta predatória de preços. Contudo, no patamar jurídico,

diferentemente do que ocorreu com o conceito econômico, não foi inserida em

sua conceituação a sua finalidade, critério subjetivo, de modo que resultou em

uma definição objetiva342. O conceito jurídico de “dumping”, portanto, coincide

com o disposto no artigo VI do GATT de 1994.

De um modo geral, o conceito jurídico de dumping não se interessa em

constatar apenas se houve discriminação entre os preços do mercado de origem

e de exportação343, mas, essencialmente, se ocorreu, nas palavras de Maria

Carolina Mendonça Barros: “a) venda estipulando o preço de exportação inferior

a seu valor normal; b) se desta prática decorreu dano ou ameaça de dano à

indústria nacional, ou ainda, atraso na implantação da indústria nacional; e por

fim, para alguns autores, acrescente-se um último pressuposto; c) juízo de

conveniência e oportunidade frente ao caso específico”344.

C. Definição Legal prevista no Acordo da OMC

A definição legal de dumping está prevista no artigo VI do Acordo

GATT/1994 e no anexo denominado Acordo sobre a implementação do Artigo VI

341 TOMAZZETE, Marlon. O conceito do dumping para a regulamentação multilateral do comércio internacional. Revista PRISMAS: Direito, Políticas Públicas e Mundialização, Brasília, v. 4, n. 1, p. 194-214, jan./jul. 2007. 342 Ibidem. 343 SANTORO, Valéria Figueiró. Dumping a partir de uma abordagem dogmática e aplicada no âmbito da OMC: Estudo de caso. Dissertação. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2009. p. 25. 344 BARROS, Maria Carolina de Mendonça. Antidumping e protecionismo. São Paulo:

Aduaneiras, 2004. p. 37.

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146

do GATT de 1994345, cujo destaque está para a condição em que se aplicam as

medidas antidumping, além da fundamentação para considerar condenável

somente o dumping que cause dano material à indústria do país importador ou

prejudique a instalação de indústrias no país importador.

Assim, tem-se no artigo VI que nem todo dumping será alvo de medidas

antidumping impostas pelo país importador. Caso exemplar é o envio de

mercadorias a preço abaixo do normal para que a indústria esteja a apresentar

algum produto ao mercado, de maneira que não venha a causar prejuízo à

indústria do país importador ou a instalação industrial neste.

Quando da aplicação de medidas antidumping, uma das discussões

recorrentes reside no caráter discricionário do país investigador, posto que cada

país importador interpreta particularmente o texto do acordo antidumping, o que

enseja o protecionismo346.

§ 2º Legislação brasileira sobre medidas antidumping

O Acordo Relativo à Implementação do Artigo VI do Acordo Geral sobre

Tarifas Aduaneiras e Comércio - GATT/1994 (Acordo Antidumping) foi aprovado

pelo Decreto Legislativo n. 30, de 15 de dezembro de 1994, e promulgado pelo

Decreto no 1.355, de 30 de dezembro de 1994, e na Lei no 9.019, de 30 de

março de 1995, tendo sido regulamentadas as medidas Antidumping pelo

Decreto n. 1.602/1995, tendo sido posteriormente revogadas pelo Decreto n.

8.058, de 26 de julho de 2013.

O Decreto 8.058/2013 não apenas substitui o Decreto 1.602/1995, que

vigorava desde a criação da OMC, necessitando, portanto, de atualização,

modernização e adequação às mudanças ocorridas no cenário internacional,

bem como no acréscimo da tecnologia e pessoal humano capazes de inovar e

aperfeiçoar o procedimento antidumping.

345 WTO. Anexo 1-A do Acordo constitutivo da OMC. Acordo Antidumping. Disponível em: <https://www.wto.org/english/docs_e/legal_e/19-adp.pdf>. Acesso em: 08 set. 2016. 346 MARQUES, Maria de Fátima Rodrigues. A OMC e as Medidas Antidumping no Brasil. Revista eletrônica do Curso de Direito das Faculdades OPET, Curitiba, ano IV, n. 10, p. 175, jun./dez.

2013.

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147

Assim, de forma inovadora, o Decreto n. 8.058/2013, em relação ao

Decreto n. 1.602/1995, impõe ao procedimento de aplicação de medidas

antidumping maior transparência e, além de atender um reclamo do setor privado

nacional e internacional, prevê diminuição da burocracia, com consequências

positivas no custo e tempo previsto nas investigações.

Imperioso avanço tecnológico e acréscimo de pessoal tornaram possível

editar Decreto, cujas consequências positivas foram a redução do prazo de

investigação antidumping e a redução do prazo médio para determinações

preliminares, condição precípua para a aplicação de direitos provisórios,

mormente ainda perdure a fase de investigação.

Portanto, a duração média do prazo de investigação foi de 15 meses

para até 10 meses. Há de se considerar que nos países que mais aplicam as

medidas antidumping tal prazo médio é de 12 a 13 meses. Avançou ainda com

a estipulação do prazo médio para as determinações preliminares, reduzindo-as

de 240 para 120 dias.

Tal iniciativa responde a uma das principais demandas do setor industrial

brasileiro na área de defesa comercial, conforme expõe Tatiana Lacerda

Prazeres: “investigações demoradas e a ausência de proteção durante a

investigação, quando cabível, podem levar, em várias situações, a danos

irreversíveis para empresas brasileiras sujeitas ao dumping”347.

Sobre a inexigibilidade da audiência final com as partes, até então era

obrigatória a presença das partes, que tinham que se deslocar para as

audiências, em que muitas vezes não havia necessidade ante os documentos

postos. Deixava ainda a possibilidade de as partes solicitarem, caso considerem

necessária, a realização de audiências.

A legislação brasileira, ao versar sobre os temas referentes ao comércio

internacional, dentre eles o dumping, deve observar sua consonância com o

texto dos acordos da OMC, posto que serão as normas minuciosamente

analisadas pelo Órgão de Exame Políticas Comerciais da OMC, na medida em

que, como visto no capítulo 2, periodicamente, a OMC, através desse seu Órgão,

revisa a legislação referente ao comércio exterior, estando na 6ª revisão ocorrida

347 PRAZERES, Tatiana Lacerda. A modernização da defesa comercial brasileira. Valor Econômico. 2013. Disponível em: <http://www.valor.com.br/opiniao/3219982/modernizacao-da-

defesa-comercial-brasileira>. Acesso em: 20 set. 2016.

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no final de junho de 2013, no Brasil, antes da edição do Decreto n. 8058/2013.

Contudo, os encarregados pelo colhimento das informações receberam da

equipe técnica do governo brasileiro previamente o teor do referido Decreto,

reconhecendo, desse modo, o esforço do governo brasileiro em propiciar

qualidade técnica e celeridade nas investigações348.

O 6º relatório do Órgão revisor de políticas comerciais da OMC ainda

destacou, no tocante ao combate brasileiro às práticas desleais e aos efeitos de

distorção do comércio durante o período de 2008 a 2013 analisado, em que os

relatores observaram que o país recorreu a medidas intervencionistas de

comércio, tais como direitos antidumping, em conformidade com as regras da

OMC349.

As normas emandas pelos Órgãos administrativos do Poder Executivo

(CAMEX e SECEX) também vão se somar ao rol de normas a serem requeridas

para a compreensão e devida aplicação das medidas antidumping. Inclusive, no

último relatório do Órgão de Revisão de Política Comercial, foi motivo de

destaque a portaria da SECEX n. 46/2011350. As demandas judiciais que

incorrem em razão das investigações feitas pelo DECON resultam de decisões

tomadas pela SECEX ou pela CAMEX, em cujas atribuições encontra-se a

determinação da aplicação das medidas antidumping.

Os procedimentos administrativos instaurados pelos órgãos brasileiros

que realizam a defesa comercial devem seguir, além da legislação brasileira, as

normas previstas no acordo da OMC, sob pena de realizarem um protecionismo

indevido, pelas vias dos direitos antidumping.

O Poder Judiciário deve ser mais um agente colaborador para o

cumprimento das obrigações assumidas pelo Estado brasileiro perante os

organismos internacionais, de modo que, quando provocado a manifestar-se

348 WTO. Trade Policy Review Body. Relatório: WT/TPR/G/283/Rev. 1. 349WTO. Relatório WT/TPR/G/283/Rev. 1: “4.25. Por lo que respecta a la lucha contra las prácticas desleales y con efectos de distorsión del comercio durante el período examinado, el Brasil recurrió a medidas comerciales correctivas, como los derechos antidumping, de conformidad con las normas pertinentes de la OMC”. 350 WTO. Relatório WT/TPR/G/283/Rev. 1 :4.26. “Para adaptar su marco jurídico a la utilización de esos instrumentos, el Brasil promulgó en 2011 una nueva normativa (Portaria SECEX 46/2011) destinada a aclarar las normas vigentes y a simplificar y acelerar las investigaciones antidumping. En 2012, se promulgó una nueva norma que regulaba la representación de las partes interesadas durante las investigaciones”.

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sobre procedimentos investigatórios, deve aplicar não apenas a legislação

brasileira, mas também os acordos da OMC.

Seção 2. Decisões acertadas sobre o Dumping

A aplicação correta do direito internacional, em especial, das normas

contidas no Acordo sobre implementação do artigo VI do Acordo GATT de 1994,

foi percebida em sua maioria nas ações que versam sobre medidas antidumping,

não sendo ainda a totalidade, como será visto na seção seguinte.

Corteja de modo exemplificativo, dentre os diversos julgados, o acórdão

do Tribunal Regional Federal da 4ª Região351, que negou provimento às

apelações interpostas contra a sentença do Juiz Federal da 4ª Vara Federal de

Londrina/PR, que julgou parcialmente procedente a demanda.

O caso, em perfunctório histórico factual, cinge-se à ação proposta por

empresas de produtos eletrônicos em desfavor da União, cujo pleito objetivava-

se ao reconhecimento da inexigibilidade dos direitos antidumping pagos quando

da importação de alto-falantes oriundos da China.

O Juiz Federal Gilson Luiz Inácio, da 4ª Vara Federal, pronunciou, na

parte final do dispositivo sentencial, julgada parcialmente a demanda para

“reconhecer o direito das autoras de não se sujeitarem à incidência dos direitos

antidumping impostos pelo art. 1º da Resolução CAMEX 66, de 11 de dezembro

de 2007, no que se refere aos alto-falantes montados nos seus próprios

receptáculos (NCM 8518.21.00) descritos nas declarações de importação de ev.

1 (OUT25/OUT68)”.

As questões recursais alegadas pelos apelantes autores cingiam-se ao

valor da restituição, e a União alegou que o produto (alto-falantes) ora em

comento não fora excluído da cobrança de direitos antidumping.

Em que pese a questão meritória cingir-se à aplicação de resolução da

CAMEX, n. 66/2007, é certo que a aplicação das medidas antidumping é

autorizada pelo Acordo antidumping, desde que o produto seja precedido de

investigação e, como apontou a resolução, o bem importado pelos autores fora

351 TRF 4 5019975-29.2014.404.7001, Segunda Turma, Relator Rômulo Pizzolatti, juntado aos autos em 14/09/2016

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excluído expressamente no texto da referida resolução352, por não apresentar os

requisitos necessários de ameaça ou dano à indústria nacional. Acertada, assim,

a decisão do Juiz a quo e a manutenção desta pelo TRF da 4ª Região.

No mesmo sentido, apresenta-se acórdão proferido pelo Tribunal

Regional Federal da 3ª Região, cujas partes figuram como apelante a União e

apelada a empresa do ramo de calçados353.

Nessa questão, cinge-se em torno da aplicação de medidas antidumping

pela União, baseando-se na Resolução CAMEX n. 14/2010, que permite a

aplicação de direitos antidumping sobre calçados importados da China. Contudo,

na mesma Resolução, constam exceções, dentre elas, o inciso IV, do artigo 1º,

que excetua calçados destinados a práticas esportivas, possuindo ou prontos a

receber grampos, no que se enquadram as chuteiras com travas comprovadas

como sendo a mercadoria importada pela parte autora.

A Juíza a quo da 4ª Vara Federal de Santos, ao sentenciar, aplicou a

exceção prevista na Resolução n. 14/2010, da CAMEX, e afastou a aplicação

dos direitos antidumping. O TRF da 4ª manteve a sentença à sua integralidade.

Tal qual a decisão anterior, o mérito da lide firma-se em torno de

Resolução da CAMEX, o que ocorre em razão de o processo investigativo de

dumping finalizar com a Resolução detalhando todos os bens que preenchem os

requisitos para aplicação dos direitos antidumping. Então, quando consta alguma

exceção na Resolução, é pelo fato de não prejudicar a indústria doméstica ou a

implementação dela no país, razões determinantes para a condenação de

dumping.

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região, ao apreciar a apelação

cível354 promovida por uma importadora em desfavor de sentença proferida pelo

Juiz Federal da Subseção do Distrito Federal, agiu de modo coerente com o

papel de revisor proposto no artigo 13, do acordo antidumping, a órgão autônomo

diverso da autoridade aplicadora da medida antidumping.

352 CAMEX, Resolução n. 66/2007, Art. 2º Ficam excluídos os alto-falantes para telefonia, para câmeras fotográficas vídeo, para notebooks, para uso em equipamentos de segurança (normas EVAC BS 5839-8, IEC 60849 ou NFPA) e aqueles destinados a aparelhos de áudio e vídeo, que não sejam de uso em veículos automóveis, tratores e outros veículos terrestres. 353 TRF 3ª Região. Sexta Turma, AMS - Apelação Cível - 344826 - 0007277-49.2012.4.03.6104, Rel. Juíza convocada Giselle França, julgado em 19/05/2016, e-djf3 judicial 1 data:01/06/2016 354 TRF 1ª Região. AC 0034374-13.2010.4.01.3400 / DF, Rel. Juiz Federal Rafael Paulo Soares Pinto (CONV.), Sétima Turma, e-DJF1 p.583 de 11/07/2014.

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151

Os fatos da querela restringem-se à aplicação do valor a ser aplicado

referente aos direitos antidumping sobre a importação de pneus originários da

China. Em investigação antidumping, o DECOM aplicou para algumas empresas

o valor de direito antidumping na quantia de US$1,12/Kg, sendo que, para as

apelantes, por critérios administrativos (não ter respondido a questionário

enviado pelo DECOM), foi determinado o pagamento de medida antidumping no

valor de US$ 2,59/Kg. A parte apelante pleiteou a aplicação dos princípios

constitucionais da igualdade, proporcionalidade e da livre concorrência, de modo

que fosse determinada a modificação do valor para que a alíquota fosse

analisada em cada operação, e o cálculo fosse a diferença entre o valor normal

do similar nacional, correspondente a US$ 5,00/Kg, e o preço de exportação do

produto estrangeiro, de acordo com parecer n. 9, de 25 de maio de 2009, do

DECOM.

O Magistrado a quo, atuando de modo contrário ao entendimento do

acordo antidumping e do Decreto 1.602/1995, que prevê exatamente no seu

artigo 9º a impossibilidade de cobrança do direito antidumping como medida

punitiva, ela é uma medida de ajuste de valor do preço da mercadoria abaixo do

normal para valor de exportação acrescido dos encargos inerentes (frete, seguro

etc.).

Inova na jurisprudência, sem realizar um ativismo judicial prejudicial ou

imiscuindo-se em searas que não sejam de sua competência, a Sétima Turma

do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, cujo acórdão corrige a retração

do magistrado de primeiro grau, que se absteve a conceder o direito de alteração

do valor da alíquota antidumping aplicada pela SECEX, em razão de esta infringir

princípios constitucionais, norma interna e o acordo antidumping.

Não obstante, a atuação coerente com o direito interno e o direito

internacional de tais decisões observará na próxima seção que houve casos nos

quais o Poder Judiciário se absteve de exercer a análise do mérito da

investigação antidumping sob a alegação de não poder se substituir a SECEX.

Seção 3. Decisões não coerentes com o Acordo Antidumping - AAD

A Justiça Federal brasileira nem sempre exerceu o seu papel de

aplicação do acordo antidumping de modo coerente com o ordenamento jurídico,

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152

considerando nesse momento não apenas as normas de direito interno, mas

também as normas de direito internacional. Rememore-se que quando se está a

tratar de aplicação das normas da OMC, estas já foram devidamente

internalizadas pelo processo formal, tendo válida, nos termos do STF, a sua

aplicação com base no Decreto n. 1.355/94.

A incoerência nas decisões, por diversas vezes, não observou a correta

aplicação da terminologia, inclusive não foi dotada de rigor técnico nos conceitos

jurídicos e econômicos a que se referiam os institutos jurídicos, atinente à

matéria do direito internacional econômico, especificamente quando se tratava

de direitos antidumping.

Houve, ainda, decisões que, seguindo a doutrina nacional a respeito do

controle jurisdicional dos atos do Poder Executivo, deixavam de analisar as

matérias referentes ao acordo antidumping, alegando que os órgãos executivos

eram mais bem dotados de competência técnica, o que impedia o magistrado de

agir, transgredindo o artigo 13 do Acordo antidumping.

§ 1º Falta de tecnicidade

A pesquisa debruçada sobre as decisões dos Tribunais Regionais

Federais não foi toda positiva, conforme seção anterior. No entendimento de

Cynthia Kramer, demonstrou “falta de conhecimento técnico”355 em parte das

decisões analisadas. Percebe-se que a conceituação de institutos referentes ao

dumping é apresentada equivocadamente, em descompasso com a doutrina e

até mesmo com as normas internas concernentes ao dumping.

As constatações realizadas por Cynthia Kramer foram nos Tribunais

Regionais Federais da 1ª e 2ª Região. Em um dos casos versando sobre insulina,

apresentou os seguintes dizeres: “Não demonstrados de plano os fundamentos

que revelam o descabimento da Resolução impugnada, quer quanto à existência

de dumping, quer quanto à inadequação das sanções aplicadas, não merece ser

desprestigiada a conclusão administrativa tomada após procedimento

investigatório prévio, que apurou a prática efetiva de preço predatório pela

agravada e impôs medidas corretivas, porquanto insuficientes os elementos

355 KRAMER, Cynthia, Op. Cit. p. 124.

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153

apresentados para afastar a presunção de legalidade e legitimidade do ato

administrativo”356.

Infere-se da decisão que o descabimento da Resolução seria apropriado

se comprovada a inexistência de dumping ou sendo inadequadas as sanções

aplicadas. Ficaram ausentes importantes requisitos para configurar a aplicação

de direitos antidumping, tais como o dano e o nexo de causalidade. Kramer

aponta “despreparo do poder judiciário para analisar questões específicas do

comércio internacional”357.

As decisões analisadas por Kramer358 antecedem a expedição do

Decreto n. 8.058, de 26 de julho de 2013. Em uma análise sobre as

jurisprudências posteriores a essa data, constatou-se considerável melhora na

aplicação do Acordo Antidumping, posto que no referido Decreto detalha-se

consubstancialmente o texto do Acordo.

Uma decisão questionável, pelo prisma do direito internacional, com

eventual transgressão ao Acordo Antidumping, está na Apelação cível359

proposta pela empresa PVTEC Indústria e Comércio de Polímeros Ltda. em

desfavor de sentença favorável à União Federal, proferida pela 1ª Vara Federal

de Santos/SP.

O caso versa sobre a importação de PVC, tendo sido realizada

investigação antidumping, chegou-se à conclusão de que seria isenta a empresa

exportadora sul-coreana Hanwha Chemical Corporation, cuja margem de

dumping foi considerada minimis.

A querela reside por terem sido exportadas as mercadorias pela

empresa Hanwha Chemical Corporation, estando isenta de sobretaxa. Contudo,

na declaração de importação os exportadores declarados são Jebsen & Jebsen,

da Alemanha, e Green Corporation Ltda., de Hong Kong, constando a empresa

Hanwha Chemical Corporation como fabricante/produtor.

356 TRF1ª. Agravo n. 200101000201567. Rel. Juíza Mônica J. Sifuentes(Conv). DJ Data 09/01/2002. 357 Kramer, Cynthia, Op. Cit. p. 125. 358 TRF1. Apelação Cível 263669, Proc. N. 2001.02.01.015570-3, Órgão Julgador Sétima Turma Especializada. Data da Decisão 13/05/2009. E TRF2. Agravo nº200302010067616, Relator: Desembargador Federal Benedito Gonçalves, DJU data 11/11/2004. 359 TRF 3ª Região, Sexta Turma, AMS - Apelação Cível - 332108 - 0008052-35.2010.4.03.6104, Rel. Desembargadora Federal Consuelo Yoshida, julgado em 16/06/2016, e-DJF3 Judicial 1 Data:28/06/2016.

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154

Os desembargadores no acórdão fundamentaram-se no artigo 111, do

Código Tributário Nacional, segundo o qual a isenção deve ser analisada

restritivamente, não cabendo ao judiciário estendê-la a outros integrantes da

trading comercial, de modo que negaram provimento à apelação.

Não obstante a regra de direito interno, se fosse aplicado o constante

no parágrafo 8, do artigo 5, do Acordo Antidumping, que aponta: “Deverá ocorrer

imediato encerramento da investigação naqueles casos em que as autoridades

determinem que a em de dumping é de minimis [...]”, deveria ser verificado se o

valor da importação é de minimis ou não, e assim aplicar a isenção com base no

Acordo Antidumping, e não o estendendo com base no artigo 111, do Código

Tributário Nacional. Contudo, não foi mencionado o referido dispositivo do

acordo da OMC. É preocupante a não aplicação do direito internacional, em face

das consequências que podem ser advindas por meio das retaliações no seio da

OMC. Frisa-se, ainda, que sequer houve uma argumentação sobre os motivos

que levaram ao afastamento da aplicação do dispositivo da OMC, que consta

também na norma interna no Decreto n. 8.058/2013.

§ 2º Não implementação da revisão judicial prevista no artigo 13

No Acordo Antidumping da OMC (ou AAD), há uma expressa

determinação para a garantia de revisão de julgamento, que é a observância do

artigo 13 do Acordo Antidumping da OMC, que impõe a todos os membros que

têm legislação específica sobre esse assunto a manutenção de tribunais ou

procedimentos judiciais, arbitrais ou administrativos, a fim de revisar as medidas

adotadas no combate àquela prática oriunda do executivo. É corroborado pelo

artigo 23 do Acordo sobre Medidas Compensatórias, que prevê a mesma

obrigatoriedade quanto a manutenção de Tribunais e procedimentos para

revisão. Segundo o aludido Acordo, esses tribunais, ou os procedimentos

mencionados, deverão ser independentes das autoridades responsáveis pelas

determinações ou revisões aludidas.

No que tange ao cumprimento do citado Artigo 13 (Acordo Antidumping),

ainda não há no Brasil a plena aplicação do Acordo Antidumping, já que não

existem tribunais independentes das autoridades responsáveis pelas

determinações ou revisões. As decisões antidumping emanadas pelos órgãos

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155

federais têm sido submetidas ao judiciário apenas nos casos de abuso, sendo-

lhe vedada a análise material acerca do fato, fruto do julgamento exclusivo da

SECEX e da CAMEX.

A fim de dedicar-se ao aprofundamento da análise das questões

propostas no Acordo Antidumping, Cynthia Kramer explica que somente um juízo

especializado em direito internacional econômico estaria preparado para revisar

nos moldes exigidos pelo artigo 13 do Acordo antidumping, o que se deve em

razão de a especificidade da matéria envolver conhecimentos aprofundados de

direito internacional, direito econômico e direito comercial internacional360.

Quando provocado, o Poder Judiciário tem seguido o ordenamento

jurídico brasileiro acerca da revisão (ou controle) judicial dos atos

administrativos, que, em se tratando dos atos administrativos discricionários,

será respeitado o mérito e analisadas as razões de conveniência e oportunidade.

Nesse contexto, o Judiciário tem se declarado incompetente para efetuar a

revisão e substituir a análise técnica desses órgãos. Nesse sentido, a 2ª Turma

do STJ, no Recurso Especial n. 1.105.993, de relatoria da Ministra Eliana

Calmon, assim pronunciou-se: “O Poder Judiciário não pode substituir-se à

SECEX, órgão administrativo especializado nas investigações relativas a

dumping, cabendo-lhe apenas o controle da aplicação das normas

procedimentais estabelecidas”361.

O STJ tem seguido o ordenamento jurídico brasileiro que permite o

controle jurisdicional do ato administrativo discricionário nas hipóteses de ato

abusivo, respeitando a vontade do administrador. O judiciário brasileiro, com

base na tripartição dos poderes362, independentes e harmônicos entre si, não

pode interferir na conveniência e oportunidade do ato administrativo, o que resta

limitada a revisão judicial à forma, ou ao excesso de poder discricionário363.

Posição consolidada na jurisprudência é a possibilidade da sujeição do ato

administrativo discricionário ao controle jurisdicional de sua juridicidade. É

mantida a competência do executivo no que tange ao mérito administrativo –

pertinente às razões de conveniência e oportunidade – a verificação judicial dos

360 KRAMER, Cynthia. Op cit., p. 121. 361 STJ/DJe de 18/02/2010. 362 CF, 1988, art. 2º. 363 MEIRELLES, Helly Lopes. Curso de Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo:

Malheiros, 2003. p. 168.

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156

aspectos de legalidade do ato praticado, para conter eventuais abusos ou

excessos.

O respeito ao mérito é uma consolidação do ordenamento jurídico

brasileiro, diferentemente do modelo americano judicial review, bem mais

abrangente, que permite a revisão inclusive do mérito do ato administrativo364. O

juiz brasileiro atuará nos casos de desvio de poder ou de desvio de finalidade,

previstos na Lei n. 4.717/65. Em alegação à impossibilidade de examinar mérito

de ato administrativo, o Poder Judiciário se exime de adentrar no mérito, em

razão da separação de poderes e competências de cada uma delas, contudo,

poderia ser feita uma análise técnica sobre a legalidade do ato praticado pela

administração, a fim de averiguar se as regras administrativas examinadas não

tornaram menos competitivo o setor, servindo para eliminar concorrência,

ampliar burocracia, que recorrentemente tem sido alvo de grandes críticas dos

países desenvolvidos e de relatório de política de revisão365.

A. Casos jurisprudenciais referentes a não aplicação do Artigo 13 do Acordo

Antidumping

Em algumas ações de apelações, agravos, recursos especiais e

mandados de segurança, é percebida a não aplicação do artigo 13 do acordo

antidumping. Destaque-se a decisão do STJ no Agravo Regimento no Recurso

Especial n. 1479614/PR, em que fora questionada a modificação nas regras para

importação de coco ralado, a pretensão deduzida de inaplicação de portaria da

Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e

Comércio Exterior (SECEX/MDIC) foi julgado juridicamente impossível o pedido

porque, segundo o STJ, colimava, em última análise, o exame do mérito

administrativo de ato que, a seu turno, foi considerado como decisão de política

364 LEAL, Vitor Nunes. Problemas de Direito Público e outros problemas. Brasília: Série

Arquivos do Ministério da Justiça, 1997. p. 291. 365 OMC/WTO, report, 2013. Disponível em: <www.wto.org.br>. Acesso em: 20 set. 2016.

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governamental, o que encontrava óbice no normativo constitucional da

separação dos poderes estatais366.

Tal situação, de não interferência na discricionariedade do executivo, é

uma máxima do ordenamento jurídico brasileiro que poderá ser vista em várias

decisões, por exemplo, o Mandado de Segurança n. 14.670/DF, da relatoria do

Ministro Humberto Martins, no qual a empresa “trata-se, de ato discricionário da

autoridade coatora, razão pela qual o administrador, diante do caso concreto,

deve escolher a providência que melhor satisfaça a finalidade legal”367.

Leonor Cordovil fundamenta que a medida antidumping somente deve

ser utilizada observando o interesse público, e o dano à indústria não deve se

limitar às indústrias do setor, mas a toda uma cadeia de fornecedores que estão

envolvidos na produção daquele produto. Desse modo, pode ser ampliado ou

restringido às medidas antidumping quando levado em conta o interesse

público368.

A jurisprudência pesquisada analisa apenas aspectos legais e formais,

deixando de lado os fundamentos técnicos que ensejaram a aplicação das

medidas. Dessa forma, os casos citados apontam para um distanciamento da

aplicação no caso de decisões dos TRF; em sede de STJ, foi percebida uma

considerável evolução, como exemplo, cite-se o caso do MS 1460-DF.

Em questão análoga ao dumping, tem-se a aplicação de salvaguarda e,

como exemplo da atuação judicial na revisão, a Associação brasileira de

produtos e equipamentos ópticos (ABIÓTICA) impetrou Mandado de Segurança

contra ato do Presidente do Conselho de Ministros da CAMEX questionando a

legitimidade da autoridade coatora em expedir o ato e ainda alegando a

conclusão contida na Resolução CAMEX 44/2007, complementada pela

Resolução CAMEX 61/2007, que “decidiu pela aplicação de direito antidumping

definitivo nas importações brasileiras”.

O Ministro Relator decidiu pela Denegação da Segurança, pois, ao

analisar os esclarecimentos prestados pela autoridade coatora, convenceu-se

366 AgRg no REsp 1479614/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 03/03/2015, DJe 10/03/2015. 367 Tal posição foi repetida, ainda no STJ, no Mandado de Segurança 14691/DF, Rel. Ministra Eliana Calmon, Primeira Seção, julgado em 09/12/2009, DJe 18/12/2009. 368 CORDOVIL, Leonor A. G. O Interesse Público no antidumping. Tese de doutorado.

Universidade de São Paulo. São Paulo, 2009. p. 100.

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158

de que houve a prática de dumping. Contudo, ele transcreve apenas a questão

do dano sofrido pela indústria nacional e a inferência de que o dano decorreu do

dumping. Não de fato no voto do Ministro relator a apreciação sobre o estudo do

preço do produto, pois, caso o preço da mercadoria que ingressa no Brasil seja

o mesmo praticado no mercado interno do país que exporta, o Estado brasileiro

como membro da OMC deve permitir o ingresso em razão da livre concorrência.

Uma tendência das decisões judiciais é a proteção do mercado interno,

seja pela ausência de conhecimento do direito internacional, seja pelo

sentimento nacionalista.

No MS n. 14691, impetrado pela empresa Puma Sports Ltda. contra ato

do Presidente da Câmara de Comércio Exterior (CAMEX), pugnou pela

ilegalidade da Resolução n. 48/2009, que lhe aplicou o direito antidumping

provisório, tendo alegado que não houve justificativa para a não concessão de

substituição por oferta de contracautela. A Ministra Relatora que concedeu

medida liminar ao final do processo cassou a Liminar e reverteu todo o valor

depositado cautelarmente em favor da União. Na fundamentação de mérito, a

Ministra abstém-se de manifestação, alegando ser “ato técnico” e “claramente

típico ato de cunho discricionário”, e conclui concordando com todas as

alegações da autoridade coatora, sem uma análise crítica e aprofundada do

mérito.

Essas decisões equivocadas poderão levar o Estado brasileiro ao Órgão

de solução de Controvérsias da OMC e a ser responsabilizado, devendo,

portanto, tais órgãos do Poder Judiciário ser dotados de melhor qualificação

técnica. Ainda, conforme citado por Cynthia Kramer, deveria haver a criação de

varas especializadas.

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159

8. CONCLUSÃO

A análise das decisões leva a concluir que o Poder Judiciário brasileiro

vem avançando na aplicação do direito internacional econômico, obviamente

considerando que têm sido aplicadas as normas de direito interno, tais como o

Decreto n. 1.355/94, que incorpora ao ordenamento jurídico brasileiro os acordos

fundantes da OMC, e o Decreto n. 8.058/2013, que incrementa o processo

investigativo e ressalta diversos dispositivos do já incorporado acordo

antidumping.

É percebida considerável melhora na utilização da terminologia técnica

e nos conceitos dos institutos do direito internacional utilizados nas decisões

analisadas no período de 2013-2016. Antes desse período, foram percebidas

diversas confusões entre termos técnicos e a conceituação de aplicação de

dumping. Ainda, é necessário um aperfeiçoamento do Poder Judiciário de modo

que venha a ser compreendido pelos magistrados, independentemente de sua

instância, a responsabilidade que lhe incorre diante de transgressão à regra

firmada em sede da Organização Mundial do Comércio, e não apenas pelos

princípios contidos na Convenção de Viena, de 1969 e de 1986, do pacta sunt

servanda e da boa-fé, mas principalmente pelos instrumentos coercitivos de que

estão dotados a OMC.

A OMC, por meio do seu Órgão de Solução de Controvérsia, poderá ser

provocada por qualquer um dos países membros que se sinta prejudicado pela

ação de qualquer outro membro, cujo ato tenha afrontado a um de seus

comandos normativos, podendo assim ser instaurado um Painel que, ao final,

serão expedidas considerações a serem tomadas pelo estado transgressor.

No caso do Brasil, existiram várias ocasiões em que o país foi

demandante, e, em número bem menor, situações em que fora demandado no

OSC. Os casos em que os países oferecem subsídios aos produtores internos,

cuja produção chega a prejudicar os demais países membros nas importações,

são um dos principais objetos das causas de demandas no OSC. A prática de

dumping pelas empresas cujos efeitos tenham nexo de causalidade com danos

na indústria doméstica também é passível de demanda na OMC. No caso sobre

incentivos para produtores de algodão nos Estados Unidos da América, para

finalizar a disputa após a recomendação do painel, foi feito um acordo entre o

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EUA e o Brasil. O caso envolvendo subsídios para a produção de aeronaves

(Brasil – Canadá) que após condenação inicial do Brasil, posterior condenação

do Canadá, e finalizou-se com acordo entre os países. O caso dos pneumáticos,

em que o Estado brasileiro proibiu a importação de pneus usados ou

recauchutados da Europa, gerou demanda perante o OSC, tendo sido emitido

um relatório do painel indicando diversas recomendações ao Brasil, que alterou

o seu posicionamento jurídico para se adequar às normas da OMC.

Os exemplos apresentados acima mostram a coercitividade e a

efetividade do cumprimento das decisões do OSC/OMC, razão pela qual o Poder

Judiciário brasileiro, em todas as suas esferas, consiste em mais um órgão capaz

de, no exercício de suas atribuições constitucionais, desempenhar um controle

preventivo de aplicação das normas da OMC, sob pena de, não o exercendo,

possam os países prejudicados demandarem contra o Estado Brasileiro e este

vir a sofrer as retaliações que incidem sobre as transações comerciais

internacionais firmadas pelo membro demandante com o Brasil.

Os órgãos de fiscalização e atuação das medidas de subsídios e

antidumping, DECON e CAMEX, por vezes ultrapassam suas atribuições no afã

de proteção à indústria doméstica, provocando, em alguns casos, danos ao

ingresso de produtos advindos de países membros da OMC. Nesse sentido, foi

observada elevada demanda judicial com essa temática, e a conclusão é que

devem ser levadas em consideração as normas do direito internacional

econômico, aqui especificamente os acordos que constituem a OMC, para que

não resulte em consequências danosas para o País, que poderá responder com

as retaliações permitidas pelo OSC/OMC.

No tocante à aplicação da revisão judicial proposta pelo artigo 13 do

acordo antidumping, tem o Poder Judiciário alegado a impossibilidade de

examinar o mérito de ato administrativo, em razão da separação de poderes e

competências atribuídas a cada um deles, contudo, poderia ser feita uma análise

técnica sobre a legalidade do ato praticado pela administração. Com o intuito de

constatar se as regras e decisões administrativas tornaram menos competitivo o

setor de importação, cujo objetivo serviu para a eliminação da concorrência, ou

ainda, de maneira indireta ampliou a burocracia, questões recorrentemente alvos

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de críticas dos países desenvolvidos e destacadas no relatório de revisão das

políticas comerciais, realizado periodicamente pela OMC.

Outras questões recorrentes dizem respeito à concessão de isenção de

imposto (ICMS) para produto interno e a não extensão ao produto similar

importado, transgredindo assim o GATT de 1994, que destaca como sendo um

de seus princípios a não discriminação entre produtos nacionais e importados.

Tais demandas judiciais ocorrem em todas as esferas, federal e estadual,

impondo aos magistrados o conhecimento precípuo do direito internacional.

Pode resultar em novidade para alguns operadores do direito que o juiz brasileiro

está obrigado a aplicar as normas da OMC, contudo, desde 1995, quando entrou

em vigor a Organização, têm a precípua obrigação de observância de suas

regras todos os agentes públicos, sob pena de vir a sofrer as consequências

previstas no seu estatuto, sendo a mais comum a retaliação comercial, que pode

gerar elevadas perdas ao Estado que porventura venha a transgredir as normas

pactuadas no seio da OMC.

A aplicação da primazia do direito internacional sobre as normas de

direito interno não é observada nas decisões judiciais, demonstrando ainda um

distanciamento da visão das maiores potências comerciais com o ordenamento

jurídico como único, de modo que impede sobremaneira que as decisões fluam

com coerência com as normas pactuadas no plano internacional. Apesar de não

ser essa a visão do Supremo Tribunal Federal, nada impede que, na

independência inerente ao seu cargo, os magistrados desenvolvessem tal tese

no decorrer de decisões que envolvem a matéria do direito internacional.

Inobstante o debate sobre a primazia do direito internacional, as normas

da OMC estão todas internalizadas por meio do Decreto n. 1.355/94, que

ultrapassou todas as fases requisitórias para a internalização de um tratado

internacional, portanto não pode deixar de ser aplicado por estar incorporado ao

ordenamento jurídico brasileiro.

A política de capacitação e atualização dos servidores e magistrados,

que constitui uma das bandeiras do Conselho Nacional de Justiça, deve priorizar

no ensino técnico não apenas a normatização do direito, mas também o debate

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162

sobre a formação da ordem jurídica una. Além, é claro, da doutrina,

jurisprudência sobre a Organização Mundial do Comércio.

A precariedade da matéria, tanto nos cursos de graduação como na exigência

para concursos públicos, e no posterior curso preparatório para as carreiras de

magistrados, é um fator que tem colaborado para um desempenho aquém do

esperado das decisões judiciais em matéria de direito internacional público, em

especial no que concerne ao direito do comércio internacional, mais

especificamente à aplicação das normas da OMC.

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163

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_____. Austrália-Salmão, WT/DS18/AB/R, adotado em 06 de novembro de 1998, DSR 1998: VIII, 3327 _____. Algodão – USA x Brasil, Cotton – USA x Brazil. WT/DS267 decisão 03/03/2005 _____. Declaração da Primeira Conferência. Disponível em: <https: //www.wto.org/english/thewto_e/minist_e/min96_e/wtodec_e.htm>. Acesso em: 01 fev. 2016. ______. Oitava Conferência Ministerial. Disponível em: <https://www.wto.org/spanish/thewto_s/minist_s/min11_s/min11_s.htm>. Acesso em: 19 fev. 2016. _____. Pacote de Bali. Disponível em: <https://www.wto.org/spanish/thewto_s/minist_s/mc9_s/balipackage_s.htm>. Acesso em: 19 fev. 2016. _____. Pacote de Nairóbi. Disponível em: <https://www.wto.org/spanish/thewtos/minist_s/mc10_s/nairobipackage_s.htm>. Acesso em: 20 fev. 2016. _____. Relatório do Painel, Espanha – Tratamento Tarifário do Café Não-torrado (“Spain – Unroasted Coffee”), adotado em 19 de junho de 1981, BISD 28S/102, parágrafo. 4.11. _____. Sétima Conferência ministerial. Disponível em: <https://w. ww.wto.org/spanish/thewto_s/minist_s/min09_s/min09_s.htm>. Acesso em: 19 fev. 2016. _____. Trade Policy Review Body. Relatório do Órgão de Apelação, Guatemala–Investigação Antidumping relativa ao Cimento Portland do México (“Guatemala – CementI”), WT/DS60/AB/R, adotado em 25 de novembro de 1998, parágrafo. 65 _____. Trade Policy Review Body. Relatório do Órgão de Apelação, Comunidades Europeias – Regime para a Importação, Venda e Distribuição de Bananas (“EC-Bananas III”), WT/DS27/AB/R, adotado em 25 de setembro de 1997. _____. Trade Policy Review Body. Relatório do Órgão de Apelação, Japão – Impostos sobre Bebidas Alcoólicas (“Japan-Alcoholic Beverages II”),

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WT/DS8/AB/R, WT/DS10/AB/R, WT/DS11/AB/R, adotado em 1º de novembro de 1996. _____. Trade Policy Review Body. Relatório: WT/TPR/G/283/Rev.1.Brasil. Genebra, 23 jul. 2013. ZANDAVALI, Marcelo F. O Juiz Brasileiro e as Normas da OMC. Revista CEJ, Brasília, ano 17, n. 61, p. 47-58. set./dez. 2013. DECISÕES JUDICIAIS: STF. Conflito de Jurisdição n. 4663/SP, Rel. Ministro Eloy da Rocha. Julgado em 17/05/1968, DJ de 13/02/1969. ______. Conflito de Jurisdição n. 6147. Rel. Ministro Xavier de Albuquerque, julgado em 29/03/1979. DJ de 19/04/1979. STJ. Conflito de Competência n. 108.886 – CE (2009/0219625-8). Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. 09/02/2010. Publicado no DJU 24/02/2010. ______. Conflito de Competência n. 19.543/DF. Relator Ministro Fernando Gonçalves. Publicado no DJU 30v.06.2003. ______. Embargos de Declaração no Conflito de Competência n. 2.473/SP, Rel. Ministro Antônio De Pádua Ribeiro, Primeira Seção, julgado em 20/04/1993, DJ 10/05/1993, p. 8584. ______. Embargos em Recurso Especial 1403532/SC, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 14/10/2015, DJe 18/12/2015. ______. Recurso Especial n. 1184867/SC, Rel. Ministro Luís Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 15/05/2014, DJe 06/06/2014. ______. Recurso Especial n. 1513436/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 01/12/2015, DJe 09/12/2015. ______. Recurso Especial n. 89.582/SP, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Turma, julgado em 22/08/1996, DJ 14/10/1996. ______. Recurso Especial n. 871.760/BA, Representativo da controvérsia, Recurso repetitivo. Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em 11/03/2009, DJe 30/03/2009. ______. Sentença Estrangeira Contestada n. 13.818/EX, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Corte Especial, julgado em 16/12/2015, DJe 18/12/2015. TRF 1ª Região. AC 0034374-13.2010.4.01.3400 / DF, Rel. Juiz Federal Rafael Paulo Soares Pinto (CONV.), Sétima Turma, e-DJF1 p.583 de 11/07/2014.

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TRF 2ª Região. Agravo nº200302010067616, Relator: Desembargador Federal Benedito Gonçalves, DJU data 11/11/2004. ______. Apelação Cível 263669, Proc. n. 2001.02.01.015570-3, Órgão Julgador Sétima Turma Especializada. Relatora: Desembargadora Federal Salete Maccalóz. Data da Decisão 13/05/2009.

TRF 3ª Região. Sexta Turma, AMS - Apelação Cível - 344826 - 0007277-49.2012.4.03.6104, Rel. Juíza convocada Giselle França, julgado em 19/05/2016, e-DJF3 Judicial 1. Data:01/06/2016. ______. Sexta Turma, AMS - Apelação Cível - 332108 - 0008052-35.2010.4.03.6104, Rel. Desembargadora Federal Consuelo Yoshida, julgado em 16/06/2016, e-DJF3 Judicial 1 Data: 28/06/2016. TRF 4ª Região. Processo n. 5019975-29.2014.404.7001, Segunda Turma, Relator Rômulo Pizzolatti, data decisão 13/09/2016, juntado aos autos em 14/09/2016. TJPE. 1ª Câmara de Direito Público, Apelação n. 0044153-29.2007.8.17.0001, Rel. Des. Erik de Sousa Dantas Simões. Data do julgado 24/05/2016, Data da publicação: 09/06/2016. ______. Apelação Cível n. 0399332-6. Relator Des. Francisco Bandeira de Mello. Data do julg.05/11/2015, Data da publicação 02/12/2015. ______. Ação Rescisória n. 0205845-3 (0000333-55.2010.8.17.0000). Relator Des. Erik de Sousa Dantas Simões. Data do Julgado: 01/04/2015. Data da Publicação 10/04/2015.