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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO CLÁUDIA SUELI RODRIGUES SANTA ROSA PEDAGOGIA FREINET: A CONSTRUÇÃO DE UMA PRÁXIS EM TURMAS DE 5ª A 8ª SÉRIES. NATAL - RN 2004

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE … · Santa Rosa, Cláudia Sueli Rodrigues. Pedagogia Freinet: a construção de uma práxis em turmas de 5ª a 8ª séries / Cláudia

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

CLÁUDIA SUELI RODRIGUES SANTA ROSA

PEDAGOGIA FREINET:

A CONSTRUÇÃO DE UMA PRÁXIS EM TURMAS DE 5ª A 8ª SÉRIES.

NATAL - RN 2004

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CLÁUDIA SUELI RODRIGUES SANTA ROSA

PEDAGOGIA FREINET:

A CONSTRUÇÃO DE UMA PRÁXIS EM TURMAS DE 5ª A 8ª SÉRIES.

Dissertação apresentada à Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação.

ORIENTADOR: Prof. Dr. Francisco de Assis Pereira

Natal - RN 2004

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Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA Divisão de Serviços Técnicos

Santa Rosa, Cláudia Sueli Rodrigues. Pedagogia Freinet: a construção de uma práxis em turmas de 5ª a 8ª séries / Cláudia Sueli Rodrigues Santa Rosa. – Natal, 2004. 241 p. il.

Orientador: Prof. Dr. Francisco de Assis Pereira. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Rio

Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-Graduação em Educação.

1. Educação - Tese. 2. Escola Freinet - Tese. 3. Ensino básico – Tese. 4. Sala de aula – Tese. 5. Conhecimento – Tese. 6. Comunicação – Tese 7 – Documentação – Tese. I. Pereira, Francisco de Assis. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/BS/CCSA CDU 37.013 (043.3)

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CLÁUDIA SUELI RODRIGUES SANTA ROSA

PEDAGOGIA FREINET:

A CONSTRUÇÃO DE UMA PRÁXIS EM TURMAS DE 5ª A 8ª SÉRIES.

Dissertação apresentada à Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação.

Aprovada em 08 de março de 2004.

BANCA EXAMINADORA:

______________________________________________________________ Prof. Dr. Francisco de Assis Pereira – Orientador

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

______________________________________________________________ Profª Drª Marisa Del Cioppo Elias

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP

______________________________________________________________ Profª Drª Rosália de Fátima e Silva

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

______________________________________________________________ Profª Drª Tânia Câmara Araújo de Carvalho

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

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Dedico este trabalho...

À professora Drª Djanira Brasilino de Souza, amiga e incentivadora, companheira de muitas reflexões, pelo seu pioneirismo ao apresentar Freinet para a comunidade acadêmica da UFRN e pela sua fecunda trajetória na educação e no Movimento de Educadores Freinet do Rio Grande do Norte.

À professora Maria Lúcia dos Santos (in memoriam), nossa querida e saudosa Lucinha, pela sua história no Movimento Freinet, nos âmbitos nacional e internacional.

Às professoras, professores e colegas de turmas que tive, nesses vinte e sete anos de trajetória escolar e acadêmica, com respeito, admiração, carinho e gratidão, por tudo que me acrescentaram.

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AGRADECIMENTOS

A Hélio, meu marido, cúmplice e amigo, pelo carinho, amor, companheirismo e incentivo. Sustentáculo fundamental ao meu equilíbrio e às minhas utopias. O obrigada por me permitir

ser eu mesma e melhorar a cada dia, tornando-me mais humana, mais mulher e mais profissional.

À Edite, minha mãe querida, pela vida, pela referência maior e pela base sólida da educação libertadora que me proporcionou.

Ao professor Dr. Francisco de Assis Pereira, pela acolhida, crença, respeito e autonomia que me permitiu. Enfim, pela orientação criteriosa e segura, durante todos os momentos deste

trabalho.

Às professoras, Drª Rosália de Fátima e Silva e Drª Tânia Câmara A. de Carvalho pela generosidade com que, desde o estágio incipiente deste texto, se dispuseram a lê-lo. A

competência com que fizeram as suas considerações, certamente, atenuou alguns desvios.

À professora Drª Marisa Del Cioppo Elias, competente docente da PUC/SP, amiga e companheira do Movimento de Educadores Freinet, pela maneira vibrante com que aceitou o

convite para participar da Banca Examinadora deste trabalho.

Às amigas, professoras Ana Chrystina V. Paulino e Ruth Helena Mallen M. de Souza, então Coordenadora Pedagógica na Escola Freinet e Presidente da Cooperativa de Professores do

RN - COOPERN, pelos apoios de primeira hora, e aos docentes que acolheram esta pesquisa.

Ao grupo de educadoras da COOPERN, em especial às amigas Eleika B. Guerreiro e Tácia Maria A. Pereira, pela oportunidade de, um dia, ter sido parte de tão grandiosa construção

coletiva.

Às companheiras e companheiros do Movimento Freinet, em especial ao grupo do Rio Grande do Norte, aqui simbolizado por Wilma Leiros e Lindemânia Costa, pelo intercâmbio

de experiências, que me enriquecem a cada dia.

Às professoras Drªs. Márcia Gurgel, Neide Santiago e Aparecida Queiroz; ao professor Dr. João Maria Valença e às colegas da UFRN, que durante os Ateliês, Cursos, Seminários de

Orientação de Dissertação e em conversas informais, colaboraram com este trabalho. O especial agradecimento a Cláudia Farache e Cristina Leandro, pela parceria amiga.

Ao meu amigo Eduardo Cavalcanti, pela vigorosa interlocução e às colegas da UFRN Geovana Carla, Deyse Karla, Ana Paula e Maria Betânia, que pesquisam a pedagogia Freinet.

À Albanita Lins de Oliveira, pelo zelo com que fez a normalização deste trabalho.

Ao amigo, professor Dr. Nílson José Machado, docente da USP, pelas partilhas.

Às minhas amigas, especialmente, Maria Evânia de Oliveira, Marta Delgado, Vanda Ferreira, Ivana Paschoal, Maria Inez Cavalieri e Anne Marie Milon Oliveira pelas torcidas sinceras.

A todos e todas que fazem o Complexo Educacional Contemporâneo e a Casa Renascer, pelos diálogos pedagógicos, realimentos fundamentais para as minhas inquietações de educadora.

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RESUMO

Esta dissertação constitui-se na sistematização de um estudo qualitativo, pesquisa-

ação, que realizamos na Escola Freinet, em Natal/RN - Brasil, sobre a viabilidade da práxis da

pedagogia do educador francês, Célestin Freinet (1896-1966), em turmas de 5ª a 8ª séries do

ensino básico. O problema central que nos mobilizou à pesquisa, foi o fato de verificarmos os

avanços na produção científica e nas práticas dos docentes que atuam na educação infantil e

nas primeiras séries do ensino fundamental, na perspectiva de conceber o aluno enquanto

sujeito ativo da sua aprendizagem e co-responsável na organização do trabalho escolar.

Porém, quando se trata das quatro últimas séries do fundamental, as propostas progressistas

são tomadas como algo praticamente impossível de materializar-se. Procuramos atenuar a

lacuna teórica sobre o tema, oferecendo um texto relevante para professores, de modo geral,

pesquisadores da academia e para a escola pesquisada, sobretudo, pelo fato de não

priorizarmos uma técnica ou princípio freinetiano, em particular. Essa pedagogia é discutida,

o mais próximo possível, da sua globalidade e de como se revelou naquela práxis.

Destacamos os aspectos relevantes para o funcionamento da sala de aula, bem como as

estratégias utilizadas para a construção, comunicação e documentação dos conhecimentos. A

intervenção permitiu que construíssemos o objeto pela reflexão em ação, a partir de dados

produzidos durante as observações, as entrevistas, as conversas, os momentos de estudos e a

consulta a materiais escritos. A análise se deu, à luz da metodologia compreensiva

(Kaufmann, 1996), entrelaçando-se o material empírico com a teoria. Esta forma de análise

permitiu alcançarmos a lógica do conjunto, como cremos que deve caracterizar a pesquisa nas

Ciências Humanas e Sociais. As considerações finais indicam o potencial da pedagogia

Freinet, para orientar os processos de ensino e aprendizagem em todas as etapas da

escolaridade. Revelam, ainda, a necessidade, premente, da equipe da escola pesquisada

qualificar a sua práxis, a partir do referencial teórico-prático da pedagogia Freinet.

Palavras-chave: Freinet. Sala de aula. 5ª a 8ª séries. Conhecimento. Comunicação. Documentação.

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RÉSUMÉ

Ce travail que nous venons de présenter apport une systématisation sur la viabilité

de la “praxis” de l´éducateur français Célestin Freinet (1896-1996). Il s´agit d´une étude

qualificative, recherche-action, développée dans une école coopérative – l´ École Freinet à

Natal/RN – Brésil, auprès des élèves du 5ème et 8ème séries de l´Enseignement

Fondamental. Le problème central que nous a amené à cette recherche, a été le fait de vérifier

les progressions dans la production scientifique et dans les pratiques des enseignants qui ont à

la charge l´Éducation Infantine et les premières séries de l´Enseignement Fondamental. Tout

cela en tenant compte en concevoir l´élève en tant que sujet actif de son apprentissage et co-

responsable à l´organisation du travail scolaire. Toutefois, qaund-il s´agit des quatre

dernières séries de l´Enseignement Fondamental (5ème au 8ème séries), les propositions

progressistes sont prises comme quelque chose pratiquement impossible d´en mettre en

marche. Pour attenuer la lacune théorique sur le sujet, nous avons offert un texte significatif

pour les enseignants d´une façon générale, les chercheurs de l´académie et pour l´école –

champ de la recherché. Tout cela par le fait de ne pas donner de priorité à une technique ou à

un principe, en particulier. Cette pédagogie est discutée autant que possible dans son contexte

global et aussi sur le “comment” s´est manifestée dans sa “práxis”. Nous avons mis en relief

les aspects importants pour le fonctionnement de la salle de classe, aussi que les estratégies

utilisées pour la construction, communication et documentation des connaissances

L´intervention nous a permis de construire l´objet par la réflexion en action, à partir des

données obtenues pendant les observations, les entretiens, les enterviews, les moments

d´études et de la quête des textes écrits. L´analyse a été faite à la lumière de la methodologie

comprehensive (Kaufmann, 1996), entrelacée au materiau empirique et à la théorie. Cette

forme d´analyse nous a permis d´obtenir la logique dans l´ensemble comme nous crayons que

doit caracteriser la recherche aux Sciences Humaines et Sociales. Les considérations finales

mettent l´accent d´un côté sur l´efficacité de la pédagogie Freinet, pour orienter le processus

de l´enseignement apprentissage, en tous les dégres de l´enseignement et de l´autre côté nous

montre la nécessité urgente de l´équipe de l´école – champ de la recherche, de qualifier sa

pratique à partir des références théoriques-pratiques de la pédagogie Freinet.

Mots chefs: - salle de classe – Freinet – 5ème au 8ème séries – connaissance – communication – documentation.

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SUMÁRIO

1- INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 11 1.1 A construção do objeto de estudo ................................................................................... 12 1.2 O cenário da pesquisa ................................................................................................... 26 1.3 A atualidade da pedagogia Freinet ................................................................................. 48 Síntese Integradora ..................................................................................................................................... 65

2 - PARA O FUNCIONAMENTO DA SALA DE AULA2.2 O espaço.......................................................................................................................... 69 Ferramentas disponíveis ................................................................................................ 72 2.3 O tempo .......................................................................................................................... 77 Os horários das aulas e a distribuição das disciplinas ................................................... 80 2.4 A planificação das atividades na educação do trabalho ................................................ 83 O Plano de Trabalho Coletivo ....................................................................................... 85 O Plano Individual de Trabalho ..................................................................................... 92 2.5 A organização cooperativa da sala de aula .................................................................... 99 A Reunião Cooperativa ................................................................................................ 100 Síntese Integradora ...................................................................................................... 113 3 – PARA A CONSTRUÇÃO DOS CONHECIMENTOS 3.1 Como se constrói conhecimento? ................................................................................. 117 Tateamento Experimental ............................................................................................. 122 Complexos de Interesse ................................................................................................ 128 3.2 Técnicas favorecedoras da aprendizagem .................................................................... 135 O texto e o desenho livre .............................................................................................. 136 Os projetos de pesquisa ................................................................................................ 142 Os trabalhos nos ateliês................................................................................................. 146 A aula-passeio............................................................................................................... 151 Os Fichários: Cooperativo e de Autocorreção .............................................................. 156 3.3 A avaliação da aprendizagem: o fazer e o refazer ........................................................ 161 Síntese Integradora ....................................................................................................... 166 4 – PARA A COMUNICAÇÃO E À DOCUMENTAÇÃO DOS CONHECIMENTOS 4.1 A Reunião Inicial .......................................................................................................... 170 4.2 A Conferência e o Seminário........................................................................................ 173 4.3 A Reunião de Pais, Alunos e Professores ..................................................................... 177 4.4 A Correspondência Interescolar.................................................................................... 179 4.5 O Jornal Escolar............................................................................................................ 183 4.6 Os Livros da Vida Coletivo e Individual ...................................................................... 187 4.7 Os Álbuns ..................................................................................................................... 189 4.8 A Biblioteca de Trabalho.............................................................................................. 191 Síntese Integradora ....................................................................................................... 193

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................196

REFERÊNCIAS....................................................................................................................206

ANEXOS................................................................................................................................219

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Toda a nossa pedagogia se baseia em instrumentos e técnicas. São eles que alteram a atmosfera da aula, e também o próprio comportamento do professor, e tornam possível este espírito de libertação e de formação que é a própria razão de ser das nossas inovações. Porque é evidente que este material e estas técnicas devem ser empregues[sic] com um determinado objectivo que é o que já definimos: formar o indivíduo culto e rico de possibilidades, portanto, dentro de um determinado espírito.

(FREINET, 1977a, p. 46-47)

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1- INTRODUÇÃO

As pesquisas não mudam o mundo. As pesquisas mudam as pessoas. As pessoas mudam o mundo. (RIBEIRO, 2000, p. 114)

Este trabalho tem como objetivo central, analisar a viabilidade da práxis pedagógica

para a educação básica - 5ª a 8ª séries - alicerçada na pedagogia do educador francês, Célestin

Freinet(1896-1966), a fim de dar prosseguimento às pesquisas e às experiências pedagógicas,

tão largamente já desenvolvidas nos âmbitos da educação infantil e das quatro primeiras séries

do ensino fundamental. Esperamos que, com a disseminação deste estudo, possamos

contribuir não somente com o projeto político-pedagógico da escola pesquisada, mas também

de outras escolas que já utilizam ou que possam vir a utilizar esse referencial.

Optamos por estruturar esta introdução em três itens, de modo que situem o leitor

sobre o processo de construção do nosso objeto de estudo, ressaltando as questões de

pesquisa, a relevância da temática e o percurso teórico-metodológico. O cenário da pesquisa é

apresentado para além de uma simples descrição do campo, pois o entendemos não somente

na sua forma física, mas como resultado de uma construção histórica, que se confunde com a

própria história dos sujeitos.

Ao refletirmos sobre a atualidade da pedagogia Freinet, pretendemos adentrar no

campo teórico que respalda o nosso estudo, especialmente às idéias políticas e sociais, que

ganham forma didático-pedagógica no decorrer do texto. Fechamos a introdução com uma

Síntese Integradora, apresentando um breve panorama dos três capítulos seguintes, quando a

intenção é situar o leitor1 sobre o conteúdo de cada um deles e sobre a necessidade de tomá-

los numa relação de interseção, o que garantirá a compreensão do objeto na sua totalidade.

1Embora consideremos como sendo uma demarcação importante, entendemos a questão de gênero para além de flexionar palavras, objetivando indicar o sexo. O espaço conquistado pela mulher na sociedadecontemporânea,

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1.1 A construção do objeto de estudo

A nossa experiência como educadora das quatro primeiras séries do ensino

fundamental, como diretora de escola e na interação com professores dos diversos níveis de

ensino, permitiu, em treze anos de fecunda atividade em educação, reflexões as mais valiosas.

O trabalho, às vezes simultaneamente, em escolas públicas, em escola cooperativista e mais

recentemente em escola particular, nos deu a noção de como as nossas questões de pesquisa

apresentam-se proeminentes nos debates, embora em contextos com projetos político-

pedagógicos distintos.

O fato é que é possível verificarmos os avanços na produção científica e num bom

número de práticas pedagógicas entre os professores da educação infantil e das séries2

iniciais, na perspectiva de uma ação pedagógica, que concebe o aluno enquanto sujeito ativo

da sua aprendizagem e co-responsável na organização do trabalho em sala de aula. Porém,

quando se trata das práticas docentes nas quatro últimas séries do ensino fundamental, as

propostas progressistas são tomadas como algo praticamente impossível de materializar-se.

Em se tratando de pedagogia Freinet, historicamente, as experiências de maior sucesso

que temos conhecimento, foram desenvolvidas em turmas do ensino fundamental, até a 4ª

série. Nos últimos anos, no Brasil, algumas poucas escolas iniciaram experiências até a 8ª

não deixa mais dúvida quanto a sua igualdade em relação aos homens. Neste trabalho, ao nos referirmos a pessoas, utilizaremos as palavras sempre no masculino, essencialmente, para não tornar a leitura cansativa e também para preservarmos o anonimato dos educadores e das educadoras que participaram da pesquisa. A nossa compreensão é que o ser humano, o Homem, a pessoa estão acima de tudo. 2 A Lei N.º 9.394 (BRASIL, 20/12/1996), que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, Art. 23 define: “A educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos semestrais, ciclos [...].” A reorganização do ensino fundamental em quatro ciclos (cada um cursado em dois anos. Tempo de duas séries) ainda limita-se à rede pública e até o momento as experiências são, praticamente, nos dois primeiros ciclos. Portanto, trabalharemos com série, sobretudo, porque na escola, campo desta pesquisa, o ensino é assim organizado.

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série3 e um número ainda mais reduzido têm se lançado ao desafio de cobrir, também, o

ensino médio4.

Para se ter uma idéia da lacuna teórica, diretamente sobre o tema, desconhecemos, até

o momento, publicações brasileiras de referência, dando conta de uma práxis freinetiana ou

mesmo numa abordagem construtivista, que transcenda ao trabalho, a partir da 5ª série, no

âmbito de disciplinas isoladas. Nesta direção, é conhecido um livro de autoria da professora

Santos (1991), que trabalha com a pedagogia Freinet, nessa etapa da escolaridade, apenas sob

o ângulo do Ensino de Língua Portuguesa, cujo valor é por demais relevante realçarmos.

Com este estudo, pretendemos colaborar para o preenchimento da lacuna que fizemos

referência, partindo do entendimento de que as bases da pedagogia iniciada por Freinet não

determinam limites quanto à faixa etária dos alunos, nem tampouco de etapas educacionais,

no que concerne a possibilidade de vivência da mesma, na prática escolar. Sobre esta questão

Freinet (1995, p.17) diz:

Não estimamos em absoluto que a escola deva parar sua ação na puberdade, que é, por assim dizer, o limiar da vida. Mas como fazemos questão de falar apenas dos temas que conhecemos particularmente, limitamos à puberdade nosso projeto educacional, deixando aos educadores do segundo e terceiros graus o cuidado de fornecerem um estudo similar relativo às idades que lhes concernem, para as quais os princípios gerais que enunciamos permanecem essencialmente válidos.

As reflexões sobre as práticas pedagógicas e as proposições que apresentaremos,

buscando construir o nosso objeto de estudo, se faz à luz dos dados, especialmente, das

práticas observadas e discutidas com os sujeitos colaboradores da pesquisa, assim como,

estabelecendo um diálogo com autores que tratam do processo de ensino e aprendizagem,

relacionando-os com a obra freinetiana.

3 Citamos algumas: o Colégio Notre Damethe – Teresina/PI; Colégio Oga Mitá – Rio de Janeiro/RJ, Colégio Portinari – Limeira/SP; Escola Curumim – Campinas/SP; Escola Oca dos Curumins – São Carlos/SP; Colégio Transformação – Florianópolis/SC, Colégio Integral – Curitiba/PR.

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Colocamos como problema para este estudo, o fato dos avanços rumo a uma prática

pedagógica progressista, não ocorrerem, na mesma proporção que se vê nas séries iniciais, a

partir da 5ª série, apresentando-se ainda, como um desafio ao qual pouquíssimas escolas

propõem-se a enfrentá-lo. Sabemos que, alunos vivenciam experiências extremamente

progressistas até a 4ª série e frustram-se ao chegarem a 5ª série, por depararem-se com a

realidade onde o conhecimento é, geralmente, trabalhado como se se tratasse apenas de

memorizar informações e reaplicá-las em diversos exercícios, testes e provas, obedecendo o

formato fragmentado de organização dos conteúdos, nas disciplinas do currículo. Os

procedimentos metodológicos são marcados pela pedagogia tradicional, ou seja, o centro do

processo é o professor e os conhecimentos que detém e que repassa aos alunos, assumindo

estes, à condição de sujeitos passivos, cuja tarefa fundamental é a recepção de informações.

Embora distante de, verdadeiramente, se materializar nas redes de ensino pública e

privada, não podemos desconsiderar que orientações oficiais, como as dos Parâmetros

Curriculares Nacionais – PCN, (BRASIL, 1998a), acenam para que as escolas organizem os

seus projetos político-pedagógicos, tendo como meta uma formação cidadã, apesar de

trazerem no seu âmago proposições merecedoras de uma análise crítica por parte dos

docentes, sobretudo no tocante ao excessivo apelo à aceitação, por exemplo, à pluralidade

cultural, o respeito ao outro, a compreensão da diversidade, em detrimento de propostas

concretas à intervenção e à transformação das circunstâncias.

As orientações para o fazer e o refazer da aprendizagem, para a expressão livre, para a

argumentação aduzidas nos volumes dos PCN, principalmente no de Língua Portuguesa,

aproximam-se das propostas de Freinet, ao deflagrar a necessidade de se construir as bases

para uma escola do povo, que, mais adiante, trataremos das suas intenções precípuas.

4Escola Recanto – Recife/PE.

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Assim, ao contrário do que se possa considerar obsoleta, a pedagogia Freinet

apresenta-se moderna, atual e insere-se como opção pedagógica, também, para o ensino de 5ª

a 8ª séries, dando a continuidade a processos de formação conduzidos até a 4ª série. Diante de

tal situação, partimos dos seguintes questionamentos para a construção do nosso objeto de

estudo:

• É possível organizarmos uma prática pedagógica para além das quatro primeiras séries

do ensino fundamental, norteada pela proposta de Freinet? Se é possível, como fazer? Quais

são as possibilidades e os limites para essa construção?

• Em que medida os sujeitos envolvidos, sobretudo, professores e coordenadores podem

contribuir para a construção dessa ação pedagógica?

• De que maneira a pedagogia Freinet pode ser significativa para a formação de

cidadãos, que encontram-se no ensino de 5ª a 8ª séries?

Minayo (1994, p, 26) denomina de “ciclo de pesquisa [grifo no original], ou seja, um

processo de trabalho em espiral que começa com um problema ou uma pergunta e termina

com um produto provisório capaz de dar origem a novas interrogações.” Foi acreditando na

provisoriedade da produção científica que lançamo-nos ao desafio de responder as questões

apresentadas ou mesmo de problematizar a temática, deixando o mote para futuros trabalhos.

Optamos por desenvolver a nossa pesquisa numa escola cooperativista - Escola Freinet - de

Natal/RN. Escola esta que, na condição de co-responsáveis, participamos do cotidiano, desde

a fundação, onde assumimos, nos quatro primeiros anos, a função de diretora e,

posteriormente, como docente trabalhamos, por um semestre, numa das salas de aula da 4ª

série.

A Escola Freinet tem como teoria norteadora da sua ação, a pedagogia Freinet e, por

esta razão, acreditamos se constituir num importante campo para a pesquisa das práticas

pedagógicas, ensejando contribuir para os avanços dos conhecimentos do Homem sobre os

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seus fazeres e, conseqüentemente, permite o fortalecimento da experiência desenvolvida no

próprio campo de pesquisa.

Para compor a amostra deste estudo, partimos do entendimento de que “O lugar dos

resultados da pesquisa não é mais o gráfico e a tabela, mas o próprio homem. Aquele que

desencadeia, realiza e serve-se da pesquisa.”(RIBEIRO, 2000, p. 112). Posição confirmada

por Minayo (1994, p. 21-22), quando diz que a pesquisa qualitativa trata-se de uma

abordagem voltada para o trabalho “com o universo de significados, motivos, aspirações,

crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos

processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.”

Neste trabalho, buscamos compreender as ações docentes e as implicações no

contexto escolar, tendo como amostra as quatro turmas do ensino de 5ª a 8ª séries, em

atividades na escola pesquisada, totalizando oitenta e quatro alunos, no ano letivo de 2002,

onde realizamos um estudo qualitativo das práticas pedagógicas dos quinze sujeitos

educadores envolvidos na pesquisa, destes, onze atuando diretamente com os alunos e quatro

na equipe técnica administrativa-pedagógica.

A nossa pretensão foi de produzir os dados e, diferentemente de apenas constatar uma

realidade, assumirmos o objetivo social de intervir para que, quando necessário, os sujeitos

pudessem redimensionar as suas ações. Segundo Thiollent (1985), a finalidade da pesquisa-

ação é, justamente, favorecer aos pesquisadores e grupos envolvidos a consciência crítica do

processo de transformação, uma vez que a interação, a troca de experiências favorece a

melhoria da qualidade do ensino, como foi a pretensão da presente pesquisa.

As estratégias e instrumentos utilizados para a produção dos dados e à intervenção,

tiveram como eixo principal as práticas docentes dos sujeitos colaboradores, que, pela

interpretação das falas dos mesmos, permitiu compreendermos as suas ações.

Complementando e articulando-se com esse eixo fundamental, tomamos como referência o

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documento de orientações pedagógicas da escola pesquisada e o referencial teórico que

fundamenta esse documento. Não nos coube fazer análise de conteúdo do referido documento,

mas analisar as práticas a partir do que ele sugere, o que faz com que ressaltemos as omissões

e os desvios que pudemos visualizar.

Um aspecto favorável, para o desenvolvimento deste estudo, foi o fato de não termos

levado uma proposta pedagógica nova para ser experimentada no campo de pesquisa,

diferente daquela que deveria ser assumida pelos sujeitos colaboradores, portanto, apesar da

exigüidade do tempo de um Curso de Mestrado, optamos por mobilizar aquele grupo de

educadores a compartilhar conosco da experiência da pesquisa-ação, transformando as suas

salas de aula num espaço de aprendizagem para eles próprios e para nós, enquanto

pesquisadores da academia.

Da mesma forma que assinala Haguette (2001, p.110), numa revisão bibliográfica,

constatamos um certo espraiamento de termos, como: pesquisa-ação, pesquisa-participante,

pesquisa-colaborativa, investigação-ação, entre outros, ora se referindo ao mesmo tipo de

pesquisa, ora assinalando pontos comuns e pontos de diferenciações entre eles.

Com origens no grego e no latim, o significado genérico da palavra ação, segundo

Abbagnano (2000, p. 8), comporta significados próprios do ser humano, que vão além do

mero fazer esvaziado da consciência. São sentidos, como: produzir, causar, agir, criar,

destruir, iniciar, continuar, terminar, bem característicos da forma interventiva como

conduzimos o nosso estudo, sendo determinantes para preservarmos, neste trabalho, o termo

pesquisa-ação, a exemplo do que fizeram estudiosos das práticas de origem européia

(HAGUETTE, 2001, p.111).

Entendíamos, já no início da pesquisa, que a adesão dos sujeitos colaboradores, havia

de ser, antes de tudo, com o projeto político-pedagógico da escola, cujas bases nos remete a

um educador, que soube ser pesquisador da sua prática. Não tememos em afirmar que Freinet

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foi um exemplo real de quem soube fazer a pesquisa-ação em educação, sendo a sua

pedagogia experimental um exemplo concreto dos resultados que são possíveis ao professor,

que toma a sua sala de aula como um laboratório rico em possibilidades de elaborações

teórico-práticas.

Em princípio, alguns educadores, especificamente do grupo que atuava em sala de

aula, mostraram-se resistentes à pesquisa. Questionavam se seria oportuno alguém observá-

los durante a docência e se os alunos não iriam modificar as suas atitudes em razão de uma

nova pessoa estar no grupo. Deparávamo-nos com a tensão vivida entre professores e

especialistas (pesquisadores), provocada pela pesquisa-ação e assinalada por Ellitott (1998, p.

139), que diz: “Os primeiros, ansiosos por preservar sua autonomia profissional no âmbito

curricular e pedagógico, e os segundos, ansiosos para validar suas idéias e teorias na

academia.” Finalmente, após duas reuniões, momentos em que discutimos sobre o nosso

objeto de estudo e sobre o referencial teórico ser o mesmo já utilizado pela escola, o grupo

demonstrou ter entendido que a pesquisa assumia um caráter positivo, frente ao trabalho da

escola.

Desenvolvemos o estudo a partir das questões levantadas, que foram postas frente aos

eixos que apontamos. Assim, fomos refletindo em ação, construindo o nosso objeto de estudo

não a partir de fenômenos idealizados, mas daqueles encontrados em sala de aula

(ELLITOTT, 1998, p. 41) e a partir do que sugerem as orientações pedagógicas da Escola,

como no dizer de Duarte (2002, p. 152-153): “entrelaçando fontes teóricas e materiais

empíricos como quem tece uma teia de diferentes matizes. Tal é, a meu ver, a aventura da

pesquisa científica.”

Esta pesquisa, há pelo menos quatro anos, estava escrita em nossa história de

professora-pesquisadora, que acompanhou, desde o início, a experiência da Escola Freinet,

sendo tarefas das mais difíceis demarcar o início da sua fase exploratória, assim como

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desconsiderar a nossa implicação (LOURAU, 1994) no campo pesquisado. Assumir o nosso

papel de pesquisadora acadêmica, no mesmo cenário onde éramos professora-pesquisadora e

sócia da cooperativa mantenedora da escola, vivendo os dilemas e as contradições de um

modelo de gestão compartilhado, foi para nós um desafio a mais.

Segundo Haguette (2001, p. 115-116), pelo fato de estarmos pesquisando no campo

das Ciências Humanas, por si só já pressupõe um envolvimento simbólico, pois o Homem é o

pesquisador e é, ao mesmo tempo, o objeto da pesquisa. Sendo assim, por se tratar de uma

pesquisa-ação, a implicação torna-se mais manifesta, pela necessidade de análise das

interações que se estabelecem entre o sujeito pesquisador e o sujeito colaborador, também

pesquisador.

Para atenuar os efeitos da implicação, procuramos entender que o nosso estudo deveria

se inserir num processo, que “favorecesse uma forma particular de desenvolvimento do

professor, sobretudo o desenvolvimento de capacidades para transformar reflexivamente e

discursivamente a sua própria prática". (ELLIOTT, 1998, p. 142). Não estávamos, na Escola

Freinet, com o objetivo fiscalizador, pretendendo impor uma metodologia para que os

professores conduzissem os seus fazeres. Desejávamos colaborar ou mesmo introduzi-los na

construção de uma práxis norteada pelo refinamento do discurso teórico; desejávamos que se

percebessem livres para experimentar, para ousar, para adaptarem a pedagogia Freinet àquela

realidade. O texto desta dissertação mostrará até onde foi possível avançarmos em um ano de

trabalho no campo.

Os dados foram produzidos, interligando-se numa rede de estratégias (ANEXO - A)

que favoreceu a intervenção. Olhar o objeto por diferentes perspectivas, requereu a utilização

de diferentes instrumentos para a construção dos dados, objetivando revelarem informações,

aspectos das práticas docentes merecedores de atenção, tomando como parâmetro o

referencial teórico das mesmas.

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Este texto dissertativo, consiste, fundamentalmente, nas nossas reflexões e

proposições, não somente a partir do que vimos e ouvimos nas salas de aula e no decorrer das

interações com os colaboradores da pesquisa, mas também do que não vimos enquanto

estivemos no campo, embora a escola pretenda, conforme o seu projeto político-pedagógico.

Estamos certos de que, esses entrecruzamentos elevam a função social da pesquisa acadêmica,

tornando-a mais significativa. Por esse viés, procuramos amenizar a dicotomia com que se dá

o ritmo das produções acadêmicas em relação ao tempo que chegam à escola, optando por

construir o objeto de estudo, pela articulação teoria e prática.

Como afirmam Bogdan e Biklen (1994, p. 298): “Os investigadores da investigação-

ação são exaustivos na busca de materiais” e, por esta razão, nos utilizamos de procedimentos

metodológicos, que favoreceram vastas possibilidades de analisar e de confrontar uma mesma

informação, através de fontes diversas. Desenvolvemos um processo de pesquisa com três

momentos, que se imbricaram durante todo o estudo:

1. O diagnóstico, ou seja, a caracterização permanente, foi revelando o estágio em que

se encontrava a prática da escola pesquisada, ao passo em que oferecia elementos para

a nossa intervenção. Recorremos às estratégias de: leitura criteriosa do documento de

Orientações Pedagógicas da escola; análise das atividades destinadas aos alunos;

observações durante as reuniões com os pais e durante as aulas, além das observações

participantes durante reuniões de estudos e de planejamentos. As observações em sala

de aula realizaram-se, conforme cronogramas, em três etapas, quando tivemos a

oportunidade de, nas duas primeiras (ANEXOS – B e C ), acompanharmos as aulas de

todos os professores, na dinâmica das quatro turmas. Na última etapa de observações

(ANEXO - D), nos fixamos numa única turma (6ª série), acompanhando todas as suas

atividades e o ritual da sala de aula, do começo ao final do turno, durante setenta e

duas horas de observações.

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2. A intervenção, enquanto pesquisadora, através da reflexão com os sujeitos

colaboradores, sobre os dados das observações feitas em sala de aula, permitiu o

movimento ação-reflexão-ação. Trabalhamos com reuniões individuais com os

professores e com a coordenação pedagógica, além de reuniões coletivas nos

encontros de planejamento e de estudos, inclusive alguns desses estudos foram por

nós coordenados;

3. Proposições para a sistematização do projeto político-pedagógico, que emergiu dos

dois momentos anteriores, das leituras que fizemos, das entrevistas semi-estruturadas

(ANEXO - E) que gravamos com os colaboradores (ANEXO - F) da pesquisa, enfim,

da reflexão sobre os dados. Deste modo, pretendemos que esta dissertação, possa vir a

ser tomada como substrato para a sistematização de propostas pedagógicas

freinetianas e àquelas fundamentadas pela teoria construtivista.

Embora na nossa pesquisa, a entrevista não seja a única e nem a principal estratégia

para a produção de dados, ela também não foi apenas ilustrativa ou exploratória, constituiu-se

numa importante técnica de pesquisa, o que nos permitiu um encontro com as formulações de

Kaufmann (1996), no seu livro L’Entretien Compréhensif, para fundamentarmos a forma que

escolhemos para a construção do nosso objeto de estudo, no que diz respeito à necessidade de

tratá-lo, buscando uma lógica de conjunto. Neste sentido, estaremos discutindo os dados da

pesquisa, juntamente com a teoria e não em partes separadas, como ainda predomina nos

trabalhos acadêmicos. Kaufmann (1996, p. 12) coloca:

Pour combattre l’ ‘empirisme abstrait’ de la production de données brutes et du formalisme méthodologique, ainsi que la théorie livresque et la spécialisation bornée, Wright Mills prend pour modèles lês grands auteurs classiques et prône une figure qui ne lui semble nullement périmée: celle de l’ ‘artisan intellectuel’. L’artisan intellectuel est celui qui sait maîtrisier et personnalisier les instruments que sont la méthode et la théorie, dans un projet concret de recherche5.

5 Para combater o “empirismo abstrato” da produção de dados brutos e do formalismo metodológico, assim como a teoria livresca e a especialização limitada, Wright Mills toma por modelo os grande autores clássicos e preconiza uma figura que lhe parece nulamente desatualizada: a do artesão “intelectual”. O artesão intelectual é

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Apesar da idéia de artesão intelectual não ser exclusiva da pesquisa-ação,

entendemos ser uma idéia muito coerente para ser levada em consideração pelos que

trabalham com esse tipo de pesquisa, pois, é o contato do pesquisador com os sujeitos

colaboradores, também pesquisadores, com as situações do cotidiano e com o referencial

teórico, que vai redirecionando o seu plano de trabalho, evocando categorias para a

apresentação e à discussão dos dados da pesquisa, favorecendo a construção do objeto, por

inteiro, em todas as suas dimensões.

A entrevista compreensiva é uma metodologia particular de pesquisa e de análise que

“permet par exemple d’analyser les pratiques en utilisant la parole6” (KAUFMANN, 1996, p.

8). A entrevista é semi-estruturada, conduzida por blocos norteadores, por temas, e não por

questões diretas e fechadas a serem dirigidas a todos os entrevistados, indistintamente.

Constitui-se no instrumento principal para a expressão da palavra.

Na metodologia compreensiva, o momento da escuta das gravações das falas já é uma

ação analítica, seletiva, interpretativa, compreensível. Transcreve-se para as fichas de análise,

apenas as frases mais marcantes, as regularidades, as omissões, aquilo que realmente vai

interessar para as conexões, buscando construir o objeto. Neste sentido, a transcrição de todo

conteúdo das entrevistas torna-se dispensável, pois é entendida como uma tarefa mecânica.

A pesquisa desenvolvida à luz da metodologia compreensiva, tem um plano como

guia, objetivando nortear o estudo e a coerência para a construção do objeto. Neste caso,

oplano proposto por Kaufmann tem características específicas, diferente de outros planos que,

igualmente, permeiam a execução de qualquer projeto. É um plano evolutivo, que, assim

como o título do trabalho, sofre alterações e evolui de acordo com a pesquisa. No caso deste

aquele que sabe dominar e personalizar os instrumentos que são o método e a teoria, num projeto concreto de pesquisa.6 permite por exemplo, analisar as práticas, utilizando a palavra.

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trabalho tivemos sete alterações mais significativas, em relação ao primeiro plano (ANEXO -

G), sendo a última versão, o sumário desta dissertação.

Desde a fase exploratória da pesquisa, o plano já se faz presente, contemplando as

hipóteses iniciais, que se imagina que nortearão o corpus do trabalho final. Entretanto, existe

clareza por parte do pesquisador que, a medida que a pesquisa se desenvolve, as hipóteses

podem mudar e, conseqüentemente, o plano vai se modificando. Como vemos, o trabalho de

análise acompanha todos os momentos da pesquisa e é da análise da palavra dos sujeitos, que

decorrem as necessidade do plano ser redimensionado ou não.

É importante esclarecermos que, no caso deste trabalho, o plano não evoluiu somente

levando em consideração a palavra dos colaboradores da pesquisa, como originalmente sugere

Kaufmann. A especificidade do nosso objeto de estudo, nos remeteu, como já assinalamos, a

outras estratégias de produção de dados, igualmente relevantes para o que nos propomos a

discutir. Não obstante a este aspecto, a palavra dos colaboradores revelou-se como sendo

fundamental para a compreensão das ações pedagógicas dos mesmos, idependente de ser

decorrente ou não de entrevistas.

A metodologia compreensiva se utiliza dessa proposta de plano flexível, que favorece

às descobertas, fugindo dos roteiros fechados por antecipação. Ao final da pesquisa, o último

plano passa a ser, como dissemos, o sumário do texto, que sistematiza o estudo e para que se

tenha uma idéia, “il n’est guère plus de 10 ou 20% de mon plan initial qui se retrouve à

l’arrivée” (KAUFMANN, 1996, p. 40)7.

As orientações teórico-metodológicas de Kaufmann foram fundamentais para este

trabalho, pois validaram, teoricamente, a técnica que adotamos, desde o início da pesquisa, de

orientar o estudo através de um Plano com partes e sub-partes que lembravam um sumário e

que o tomamos com a flexibilidade que entendíamos ser essencial numa pesquisa-ação. O

7 ele não é mais de 10 ou 20% de meu plano inicial que reencontra na chegada.

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movimento de alterar itens e sub-itens do plano, suprimindo uns, acrescentando outros,

condensando, já se constituía numa verdadeira atividade de análise dos dados, em ação.

A principal contribuição da metodologia compreensiva para este nosso trabalho, foram

as orientações que fundamentam as técnicas de análise, o que nos permitiu utilizá-la para além

de um estudo a partir da entrevista, como instrumento principal. A observação participante

das práticas docentes foi o centro desta pesquisa, que se complementou com dados de outros

instrumentos. Esta estratégia também foi fundamental para Freinet, enquanto artesão

intelectual, como nos conta Freinet, É. (1978, p.19): “No seu livro de notas, que veio

substituir o diário de guerra, Freinet anota todos os dias as observações dos seus miúdos”.

Em busca da lógica do conjunto, organizamos fichas de análise temáticas e os seus

títulos guardavam coerência com os itens e sub-itens do plano da pesquisa. Nas fichas,

reunimos os dados, ou seja, trechos curtos retirados dos diários de campo, que foram sendo

alimentados pelas informações oriundas das observações, das conversas com os colaboradores

e da análise dos documentos. Ainda compunham as fichas de análises, fotografias, falas

transcritas das entrevistas gravadas e trechos de leituras. Pelas conexões que possamos fazer

entre todo esse material, é que esperamos revelar o nosso objeto de estudo ao longo deste

texto.

Silva (2002, p. 22) lembra que, quando se trabalha com a entrevista compreensiva “É

necessário fracionar os extratos [falas e citações]. É muito freqüente ver extratos de dez linhas

ou de uma página. [ ...] Mas, não é aceito se ele representa um instrumento de elaboração

teórica como na entrevista compreensiva.” Assim, procuramos reduzir as citações aos trechos

que alimentam à interpretação qualitativa dos dados e à argumentação.

No ANEXO - F apresentamos um quadro de identificação dos colaboradores da

pesquisa, organizado conforme as proposições da metodologia compreensiva, que sugere ser

feito, destacando-se os itens que revelam os critérios estabelecidos para a definição da

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amostra. Como no nosso trabalho o critério de amostra foi o dos colaboradores atuarem no

ensino de 5ª a 8ª séries da Escola Freinet, o quadro prestou-se ao papel de situar sobre o perfil

básico dos mesmos, revelando informações pertinentes para a compreensão das suas ações e

posicionamentos.

Na primeira coluna do quadro de identificação, temos um código para cada

colaborador, pelo qual serão reconhecidos ao serem referenciados ao longo deste trabalho.

Consideramos como sendo fundamental diferenciar os códigos referentes a categoria dos

educadores que atuam como docentes, daqueles da equipe técnico administrativa-pedagógica,

o que fizemos e esclarecemos numa legenda do próprio anexo.

A análise compreensiva nos forneceu instrumentos ricos para a organização da nossa

pesquisa, mas reforçamos que o referencial teórico-prático freinetiano, é o que norteia o nosso

trabalho e, portanto, a nossa reflexão e a forma de interpretarmos a complexidade que envolve

as práticas pedagógicas pesquisadas. A pedagogia Freinet é, essencialmente, resultante de

uma teia de aportes teóricos de grandes pedagogos, filósofos, sociólogos e psicólogos, que

Celéstin Freinet baseou-se para a construção da sua práxis. Ao contrário do que se possa

imaginar, a reflexão sobre a ação pedagógica, a partir das idéias freinetianas, não se constitui

numa opção dogmática, pois é inerente o diálogo não somente com Freinet, mas, a exemplo

do que ele fez, com diversos autores/atores e, sobretudo, com os que atuam em sala de aula.

A opção metodológica de construir o nosso objeto, procurando entrelaçarmos os

dados com a teoria, nos permitiu ser artesã intelectual dessa construção, pelo fazer e o refazer

no campo de pesquisa, partindo do entendimento de que a prática docente é uma importante

fonte de elaborações teóricas. Assim, esperamos ser compreendidos ao construirmos este

trabalho, utilizando os dados da pesquisa ao longo de todos os capítulos e até mesmo já no

próximo item desta introdução, não com o caráter meramente descritivo, mais de discussão

teórico-prática.

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1.2 O cenário da pesquisa

Nada se constrói fora da história. Ela não é uma unidade vazia ou estática da realidade [sic] mas uma totalidade dinâmica de relações que explicam e são explicadas pelo modo de produção concreto. Isto é, os fenômenos econômicos e sociais são produtos da ação e da interação da produção e da reprodução da sociedade pelos indivíduos. (MINAYO, 1999, p. 68).

Situar o campo empírico onde realizamos esta pesquisa, requer que, inicialmente,

pensemos no fato de se tratar de uma escola mantida por uma cooperativa de professores,

escola esta que tem Célestin Freinet, um cooperativista, como patrono e as suas idéias como

norteadoras das práticas pedagógicas. Merece que contextualizemos a Escola Freinet,

estabelecendo relações com a fecunda experiência desse educador no cooperativismo, o que

procuraremos desenvolver, objetivando subsidiar a compreensão da práxis desenvolvida no

campo pesquisado.

A gênese da trajetória de Freinet, no movimento cooperativista, localiza-se no início

das suas atividades como docente, por volta de 1923/1924, quando passou a interessar-se pela

vida das famílias dos seus alunos e, de modo geral, das pessoas da aldeia, localizada nos

Alpes Marítimos da França, onde lecionava. As saídas para as aulas-passeios eram ocasiões

para as conversas com os artesãos e produtores do lugar.

Freinet buscou entender os condicionantes econômicos da vida social, as razões de, em

meio ao capitalismo, a indústria floral da região manter-se com técnicas deveras ultrapassadas

para a época. Concluiu que o descompasso entre a vida simples da aldeia e os avanços do

mundo industrial produzia uma precariedade nas condições de vida daquela população,

refletindo-se na flagrante paralisação imposta à escola. Freinet, É. (1978, p. 33) faz a seguinte

asserção, referindo-se a Freinet: “[...] as suas actividades assumem um duplo aspecto: inventar

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na aula formas modernas de ensino e suscitar no meio local os novos aspectos da cooperação

com o apoio [mobilizado pelos] dos dados econômicos.”

A partir do desejo de transformar a vida das pessoas daquela aldeia, Freinet reuniu um

grupo de interessados em se organizar numa cooperativa de consumo e de venda de produtos

locais, o que logo concretizou-se. Vivia-se um momento de ascensão dos empreendimentos

cooperativistas, movidos, ainda, pelos reflexos da Revolução Industrial, ocorrida no século

anterior, que gerou uma crise econômica de proporções assustadoras, frente a substituição de

boa parte da mão de obra, pelas máquinas.

Essa necessidade de auto-defesa econômica e de sobrevivência, tende a convergir

pessoas para um objetivo comum, fazendo nascer as cooperativas, que, ao longo da história,

ascenderam, predominantemente, nas situações de crise, como alternativa de enfrentamento às

adversidades impostas pelo mercado. Foi assim que se deu em relação a experiência

impulsionada por Célestin Freinet e àquelas precursoras ou mesmo primeiras realizações do

chamado cooperativismo moderno, que intensificaram-se entre o final do século XVIII e

início do século XIX, muitas delas aperfeiçoando instituições associativistas preexistentes

(GIDE, 1981).

Analisando o cenário econômico dos dias atuais, Tesch (2000, p. 189) traça um

paralelo com aquela crise experimentada nas primeiras décadas da Revolução Industrial,

lembrando que “esta preocupação se fundamenta no fato de que os fenômenos provocados

pela revolução tecnológica, guardadas as proporções, possuem semelhanças com aqueles

acontecidos durante a primeira revolução industrial”. Tais fenômenos se materializam nos

altos índices de desemprego, gerando o empobrecimento das pessoas, que, cada vez mais, são

substituídas pela tecnologia de ponta.

Não obstante aos outros aspectos, poderíamos colocar a revolução tecnológica como

tendo sido um dos condicionantes para a expansão, nos últimos anos, do número de

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cooperativas de trabalho, formadas por profissionais liberais. Foi nesse cenário que um grupo

de professores fundou a Cooperativa de Professores do Rio Grande do Norte – COOPERN.

Atualmente (junho/2003), os quadros da cooperativa contam com vinte e oito

associadas e apenas três associados. Esta realidade revela uma condição inversa ao que é

comum tanto nas cooperativas brasileiras quanto em diversos países, no que diz respeito a

baixa participação da mulher no movimento cooperativista, como assinala Pinho (2000) na

sua obra que documenta estudos sobre a questão de gênero no cooperativismo.

O Livro de Matrícula, documento que registra o ingresso e a saída de sócios da

COOPERN, em sete anos de atividades, demonstra um movimento dinâmico: 20%, dos

quarenta e oito sócios fundadores permanecem na Cooperativa. É oportuno questionarmos,

pretendendo a compreensão sobre o que teria provocado a evasão de tantos associados: seriam

desconhecidos os princípios do Cooperativismo e portanto distantes das práticas dos

associados da COOPERN? Será que os objetivos da Cooperativa estão sendo atingidos? O

grupo compreendeu o que seja fazer parte de uma cooperativa e ainda assim filiada a uma

proposta pedagógica, essencialmente, cooperativa? Os sonhos do início teriam se mostrado

impossíveis, diante das práticas? A opção por outros modelos de gestão e relação de trabalho

teria se apresentado mais proeminente?

A Escola Freinet foi a primeira ação concreta da COOPERN, tendo sido criada em 30

de outubro de 1996, impulsionada por uma proposta de parceria feita pela direção do

Educandário Osvaldo Cruz, instituição filantrópica de assistência a crianças e adolescentes de

classe desfavorecida economicamente. A parceria consistira em disponibilizar as instalações

físicas do Educandário para o funcionamento da escola e em contra-partida setenta

beneficiários, hoje oitenta e cinco, seriam atendidos pela cooperativa, na oferta de ensino

regular, dividindo as salas de aula com outros alunos, oriundos de classe média e que os seus

responsáveis pagariam uma anuidade escolar para a Cooperativa.

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Cientes de tamanha responsabilidade e do desafio que estaria por vir, após muitas

discussões acaloradas, os sócios deliberaram, em assembléia, pela criação da escola e pela

parceria com o Educandário Osvaldo Cruz. Porém, não bastava apenas decidir pela parceria,

haviam de ser verdadeiros educadores para assumirem aquele projeto, pois, como fez Freinet,

para o educador comprometido com as transformações sociais a criança não é somente o

“aluno que ele tem de ensinar a ler; é o filho do camponês e da lavadeira [do médico, do

professor, do empresário], é o filho dos campos e do ribeiro, a planta bravia da quinta

longínqua, a criança misto de poeta e de pensador, que apenas em seus isolamentos se recria”

(FREINET, E. 1978, p. 19).

Nascia então, um empreendimento educacional com características tão originais

quanto a de realizar talvez a mais difícil de todas as inclusões, evidentemente que para uma

sociedade elitizada: a sócio-econômica e cultural, reunindo numa mesma sala de aula os filhos

de famílias de baixa renda, que passavam a semana internos no Educandário e longe dos seus

parentes, com as crianças que os pais dispunham de recursos para matriculá-las numa escola

privada (SANTA ROSA, 1999). O horizonte entre mundos tão distantes passara a ser a

aprendizagem, a formação cidadã, independente de classe social.

A COOPERN passou então, a ocupar parte da área física do Educandário, ao todo são

onze salas de aula de diferentes dimensões, uma sala de múltiplos usos para

leitura/biblioteca/vídeo, uma sala de informática, um auditório para cinqüenta pessoas, três

salas ocupadas pela equipe técnica administrativa-pedagógica, uma sala para os professores,

um espaço coberto para atividades coletivas, duas áreas recreativas com parques infantis, uma

quadra de esportes, cantina para a comercialização de lanches, dois depósitos para materiais

diversos, banheiros, amplas varandas e área livre.

A Escola Freinet atende aproximadamente a trezentos alunos, da educação infantil a 8ª

série do ensino fundamental, nos turnos matutino e vespertino, embora tenha capacidade

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física para quinhentas matrículas, sendo este aspecto merecedor de atenção e indiciário de que

algo precisa ser revisto pelos associados. Conforme as orientações da pedagogia Freinet, as

turmas não ultrapassam vinte e cinco alunos até a 4ª série e a partir da 5ª são, no máximo,

trinta alunos por sala de aula. Como as dimensões do espaço é um elemento importante na

organização das turmas, em uma das salas, que tem capacidade apenas para quinze alunos,

funciona a 8ª série.

Desde a sua fundação, a COOPERN/Escola Freinet é gerenciada e assumida a

docência, soberanamente, por um grupo de mulheres professoras, que saíram da condição

habitual de contratadas de algum órgão público ou instituição particular, para a de

empreendedoras. Os homens sempre compuseram o grupo menos numeroso, aliás,

confirmando-se o que chega a ser convencional de que as mulheres formam o grande

“exército” de docentes, principalmente, quando o foco é a educação infantil e o ensino

fundamental.

Os associados, que iniciaram a COOPERN, entre os quais nos incluímos, desejavam o

sucesso de uma obra comum, que lhes garantissem condições dignas de trabalho, embora em

meio ao capitalismo. Os objetivos eram semelhantes aos de Freinet, educador que, juntamente

aos habitantes da pequena aldeia dos Alpes Franceses, fez a sua cooperativa prosperar,

conquistando o respeito e a admiração por parte dos mais humildes. O Educador Francês

levou a cabo, através do movimento cooperativista, uma série de projetos em prol da melhoria

das condições de vida da comunidade, atenuando circunstâncias adversas, comparando-se aos

pólos abastados de uma França de contrastes.

A publicação de um artigo na Revista École Emancipée (FREINET, E. 1978, p.50),

próximo ao final do ano de 1924, Freinet relata as suas primeiras experiências como

educador, destacando a sua idéia de levar a imprensa para a sala de aula com o objetivo de

imprimir os textos e os desenhos dos alunos. A partir do artigo, logo surgiram colegas

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interessados em saber mais sobre o seu projeto de educação e um deles, em especial, resolveu

desenvolver a mesma proposta de Freinet na sua sala de aula. Os dois educadores e os alunos

das suas turmas passaram a trocar experiências e textos todas as semanas, nascendo a

correspondência interescolar, uma das técnicas cooperativas mais importantes da pedagogia

Freinet, utilizada até hoje pelos seus seguidores.

Conta Freinet, É. (1978, p. 55) que, no diário do seu marido, um registro simples

representa o que significou para ele o início da experiência cooperativa da correspondência

interescolar: “28 de outubro de 24 [1924]: agora já não estamos sós!”. Foi a correspondência

entre as duas escolas francesas que marcou o início do Movimento Internacional dos

Educadores Freinet, que objetiva a pesquisa em conjunto, o intercâmbio cooperativo,

ampliando o número de educadores que vivenciam e colaboram para a construção de um

verdadeiro projeto pedagógico para cidadãos de todas as partes do mundo.

Ciente da necessidade de superar a falta de materiais pedagógicos adequados e

necessários à obra da escola do povo, em 1926, Freinet funda a Cooperativa de Ensino Leigo

– CEL, com o objetivo de investigar técnicas educativas, ferramentas facilitadoras da

aprendizagem. Educadores de diferentes países, que já haviam tomado conhecimento do

trabalho pedagógico e social desenvolvido na aldeia de Bar-sur-Loup, ingressam na

cooperativa e dividem entre si as responsabilidades pela pesquisa, experimentação e produção

de materiais didáticos a serem comercializados junto aos colegas de diversas partes,

interessados em construir uma escola do povo. Era este o sentido da cooperativa e do

movimento de educadores que nascia, para o qual todos exerciam vigilância, no intuito de

serem fiéis aos princípios orientadores.

O espírito de equipe ao dividirem as tarefas, o dinamismo, o entusiasmo dos

educadores da CEL foram determinantes para fazê-la crescer, mobilizando outros tantos a

ingressarem, apesar do sistema capitalista impor dificuldades e exigir investimentos

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financeiros dos que se propunham a tal iniciativa. A cooperativa tem como princípio não se

submeter a uma mais-valia excessiva, o que torna necessário, para que seja viável, um

empenho redobrado por parte dos seus associados. Trata-se de optar, politicamente, por uma

filosofia de vida, comprometida com a preparação do Homem para uma nova sociedade,

diferente daquela determinada pelo capital.

Antes de Freinet (1896-1966), outros educadores, considerados “socialistas utópicos”,

desenvolveram projetos cooperativistas, destacadamente, Charles Fourier (1772-1837) e

Robert Owen (1771-1858). Basta citar que Owen defendeu uma proposta educativa que

articulava estudo-trabalho-atividades físicas, lúdicas e estéticas, a ser desenvolvida em

espaços adequados. Com isto queria que, nas escolas, as crianças e os jovens construíssem

hábitos morais e instrução útil à vida nas suas comunidades (CAMBI, 1999, p. 481-482).

Na primeira metade do século XIX, o francês Fourier escreveu textos em que assumia

idéias voltadas para “um modelo de sociedade organizada segundo critérios antiautoritários e

segundo um ideal de vida artesanal e campesina, em cujo centro era colocado o princípio da

harmonia e da solidariedade.” (CAMBI, 1999, p. 480). Defendeu a emancipação da mulher,

colocando-a em igualdade em relação ao homem.

Fourier levantou críticas em relação a instituições como a família e a escola,

respectivamente: a primeira, pelo caráter autoritário, comprometendo as relações afetivas

entre os seus membros e a segunda pela prática elitista e discriminatória voltada para o projeto

das classes dominantes da sociedade, priorizando o trabalho intelectual em detrimento do

prático.

Na verdade Fourier desejava uma formação para os jovens baseada em características

socializantes e não individualistas, onde o homem tivesse uma vida livre e feliz, as relações

econômicas e sociais fossem pautadas pela justiça e a fraternidade, contrapondo-se ao

extremismo e ao liberalismo que sustentara a Revolução Industrial. Estas posições atribuíram

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a Fourier, juntamente com Robert Owen, a condição de maiores precursores do socialismo

utópico (CAMBI, 1999, 466), que mais tarde passou ao estágio de socialismo científico com a

construção teórica dos filósofos Karl Marx e Friedrich Engels, que no próximo item desta

introdução veremos um pouco do tanto que estes pensadores influenciaram a práxis

freinetiana.

A respeito de Owen, segundo Cambi (1999, p. 478), Marx disse se tratar do “[...]

teórico burguês mais progressista do seu tempo e ao qual se deve a primeira tentativa de

realizar uma comunidade ideal, que coloca no centro do seu projeto o momento educativo.”

Robert Owen era inglês, originou-se de família humilde e começou as suas experiências

práticas associativistas em 1825, sendo precursor do sindicalismo inglês, movimento que,

assim como o cooperativismo, desenvolveu-se a partir da Revolução Industrial com a

necessidade premente da auto-defesa por parte dos trabalhadores.

Paradoxalmente, Owen tornou-se industrial e logo foi acusado de sonhador, pois

resolveu dar exemplos de que o socialismo era possível, tomando medidas humanizadoras no

seu próprio negócio, onde mudou as relações de trabalho, reduziu a jornada de trabalho,

aumentou os salários, instituiu práticas previdenciárias, amparou a velhice, proibiu o trabalho

infantil para menores de dez anos. Esta última medida, tomando como referência às leis atuais

pode parecer um absurdo, porém, na época, a atitude de Owen foi entendida como

revolucionária pelo fato da lei fabril aprovada em 1833, pelo Parlamento Inglês, acobertar a

carga horária de oito horas diárias de trabalho para crianças entre nove e treze anos

(CAVALCANTI, 2002, p. 77).

As idéias de Owen de combate ao lucro, que dizia ser o “maior flagelo da

humanidade“, provocaram-lhe retaliações por parte dos poderosos e previsões de que acabaria

falindo. Passou por altos e baixos nos negócios, mas acabara por consolidar-se pelo nível de

satisfação que as suas medidas provocaram nos operários que com ele trabalhavam. O seu

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posicionamento de combater o lucro é interpretado como “uma das maiores contribuições

para a formação da doutrina cooperativista.” (GUIMARÃES; ARAÚJO, 2001, p. 8).

Em 1843, os operários das fábricas de algodão da Inglaterra amargavam um momento

de enormes dificuldades impostas pelo modelo econômico. Um grupo destes, no qual se

incluíam alunos de Robert Owen, reuniu-se para discutir alternativas que viessem contribuir

para amenizar as suas dificuldades. Entre as diversas propostas lançadas e discutidas, uma

delas foi a de fundarem uma associação, objetivando aumentar o poder de compra com os

seus baixos salários, através da anulação da figura do intermediário que comercializava, tendo

em vista o lucro que teria com as vendas.

Nessas reuniões, as discussões eram em torno da razão do fracasso das cooperativas de

tempos passados e naquele contexto foi fundamental a participação de Charles Howard,

considerado o mais intelectual dos alunos de Owen, que mais tarde foi cognominado como o

Arquimedes da Cooperação pelas suas duas proposições fundamentais que são referenciais

para o Cooperativismo, até os dias atuais, quais sejam: 1- distribuir as sobras, entre os sócios,

“pro rata” das compras feitas; 2- Atribuir ao capital integralizado por cada sócio, pela sua

melhor valia, apenas uma modesta atualização, na forma de um juro de 4% ao ano.

As reuniões foram acontecendo e o pequeno grupo concluíra que necessitaria de mais

aderentes àquela idéia, permitindo a formação de um capital possível de iniciar as atividades

da sociedade. Da necessidade de aumentar o número de associados elaboraram o manifesto

conclamando a todos os operários de Rochdale para abraçarem a idéia. O conteúdo do

manifesto expressava o plano daqueles operários e foi considerado ambicioso e utópico para a

realidade que viviam. O fato é que, lentamente, foram conseguindo as adesões e formaram um

grupo de vinte e oito tecelões que, após juntar um capital avaliado como sendo necessário,

utilizaram a metade deste para a montagem de um pequeno comércio, numa loja alugada.

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No dia 21 de dezembro de 1844, com registro oficial no dia 24, foi aberta a loja da

cooperativa de Rochdale e iniciado, definitivamente, o movimento cooperativista que se

ramificou e hoje está presente em todos os continentes e, praticamente, em todos os países do

mundo. A Sociedade dos Pioneiros de Rochdale, como ficou conhecida a cooperativa dos

tecelões, recebeu críticas das mais diversas e era dado como certo o seu fracasso prematuro,

pelo descrédito frente as outras iniciativas que não lograram êxito.

A perseverança e a firmeza dos objetivos fizeram com que cada tecelão se doasse cada

vez mais aquele projeto e o crescimento da cooperativa se deu de forma vertiginosa, de modo

que passou a ser referência para estudiosos da contemporaneidade. Em 1855, já somava

quatrocentos sócios e contava com diversas filiais, inspirando a criação de outras, que fizeram

com que em 1881 houvesse mil cooperativas de consumo somente na Inglaterra e, mais tarde,

em 1968, para que se tenha uma idéia, 73% dos gêneros alimentícios consumidos na

Inglaterra eram distribuídos pelas cooperativas de consumo.

O êxito da cooperativa de Rochdale foi atribuído “simplesmente pelo exagerado

cuidado que tiveram na formulação de seus estatutos, das regras e princípios nele inseridos,

corajosamente feitos cumprir pelos seus idealizadores.” (GUIMARÃES; ARAÚJO, 2001, p.

11). As análises dos estatutos de Rochdale, feitas por diversos profissionais, revelam regras

que foram formatando a doutrina cooperativista ao longo do tempo, evidentemente, com as

adaptações necessárias a cada época. O que mais impressiona aos estudiosos é que o âmago

do documento permanece intocável, provavelmente pela consistência dos valores ali

elencados.

Os tecelões produziram um texto normativo, que sintetizara os ensinamentos dos seus

precursores, mas com o cuidado de redimensionarem os aspectos que teriam sido as razões

dos insucessos das cooperativas do passado. Os Pioneiros de Rochdale, assim como ocorreu

em relação ao grupo liderado por Freinet e o dos educadores da COOPERN, criaram a sua

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cooperativa, resultante da necessidade e do movimento deles próprios. Sem imposições e sem

intermediários, o que se pode chamar de uma mobilização da base, partindo dos maiores

interessados.

Nas entrevistas que gravamos com os colaboradores da nossa pesquisa, apenas numa

única ocasião pedimos a todos, independentes de ser ou não sócio da COOPERN, que

falassem diretamente sobre a cooperativa ou sobre o cooperativismo, quisemos saber o

significado, para cada um de trabalhar numa escola de uma cooperativa de professores, o que

não impediu de, amiúde, ao longo das entrevistas, o tema retornar nas falas referentes a outras

temáticas.

Embora, E1, um dos entrevistados desta pesquisa, tenha dito que a cooperativa “é

interessante, porque a pessoa cresce mais [...] um ajuda o outro”, opinião esta que é

compartilhada pelos que destacaram que “é a filosofia que deveria ser empregada em todos os

setores da vida” (ETPA4), o fato é que a análise do conjunto das falas, sugere um grupo que

apresenta um certo desencantamento com a COOPERN. Tal asserção aporta-se tanto nas falas

dos entrevistados, quanto no que diz respeito a evasão de associados dos quadros da

cooperativa, a falta de comprometimento de alguns com o seu projeto político-pedagógico e

ainda no fato de ser real a não ocupação da capacidade instalada da escola.

A vivência da gestão cooperativista sugere antes de tudo uma compreensão de que é

uma ação que envolve todos os sujeitos e não apenas aqueles que assumem as funções de

conselheiros ou de diretores, como aponta ETPA3: “Vejo a atuação dos profissionais, eu acho

que poderiam ser mais engajados, porque são donos”. Este depoimento nos faz refletir: não é

difícil constatarmos que tomar parte numa cooperativa exige um repensar sobre as próprias

concepções e posições políticas e ideológicas. Pressupõe assumir o compromisso com a

qualidade do serviço prestado, que conduz ao sucesso de cada um e de todos.

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Pudemos constatar a procedência do chamado da entrevistada (ETPA3) para um maior

engajamento, ao acompanharmos os encontros de estudos e planejamentos, ocasiões que

verificamos uma acentuada falta de assiduidade por parte dos docentes (ANEXO – H), assim

como problemas relacionados a pontualidade, comprometendo o ritmo e a qualidade do

processo de implementação do projeto político-pedagógico da escola. Durante a entrevista,

ETAP1 reflete: “É difícil cobrar de cooperantes8, porque eles acham que o meu direito é o

direito deles também. O profissional tem que construir a consciência de que não precisa ser

cobrado. Ele tem que cumprir com as suas responsabilidades.”

A gestão cooperativista, também é colocada como um entrave para o êxito do trabalho

pedagógico desenvolvido, “porque 90% do quadro ou mais é composto de professores

cooperantes e até agora, pelo menos, não tenho visto que os professores cooperantes

realmente assumem esta postura e então prejudica todo trabalho da escola” (ETAP1). Esta

fala revela a falta de consciência por parte de alguns membros da COOPERN, no tocante ao

que seja trabalhar numa escola cooperativa, onde se é parte. Sinaliza a dificuldade de

vivenciarem uma gestão educacional, que foge dos paradigmas estatais e de empresas

particulares.

Entendemos que algumas interpretações dos colaboradores da nossa pesquisa são

desviadas do âmago dos princípios do Cooperativismo, que assinalamos ao discutir sobre as

iniciativas de Fourier, Owen, Freinet e dos Pioneiros de Rochdale. Conceituações conflituosas

de auto-gestão, são condições que parecem validar para alguns sócios da COOPERN fazerem

o que desejam e da forma supostamente mais correta.

No discurso circulante permeia a idéia de que um cooperante, em relação aos seus

fazeres, não tem que dar satisfações a um outro, ou seja, numa negação aos princípios para o

bom convívio humano, caracterizado pela cordialidade que Holanda (1998) diz ser

8 Cooperante é a designação dada aos sócios de uma cooperativa.

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fundamental para a vida em sociedade. Os posicionamentos de alguns cooperantes

desconsideram a hierarquização natural, comum nas sociedades organizadas, revelando-se,

por analogia, atitudes coerentes com a crença de que a auto-gestão exime quaisquer propostas

de coordenação grupal, cujo conteúdo simbólico dessas concepções, apoiam-se na certeza da

impunidade, pelo fato de serem sócios da cooperativa e assumirem o status de donos.

A reflexão que acabamos de fazer, é consubstanciada pela fala de ETAP1, que,

durante a entrevista, chamou a atenção para o fato dos professores, que são funcionários

contratados, com carteira de trabalho assinada, não serem oprimidos ou submissos, porém são

mais comprometidos do que os sócios da COOPERN: “em todos os aspectos eles são mais

comprometidos, inclusive mais interessados. Querem aprender, enquanto os cooperantes... há

uma acomodação.” (ETAP 1).

Entre os professores contratados, algumas falas deram conta do desconforto que

sentiam, pela falta de compromisso dos associados para a implementação da proposta da

Escola Freinet e a passividade dos membros dos Conselhos e dos gestores da cooperativa,

destacamos o que disse E9: “Não há investimento dos próprios cooperantes. Fazem coisas que

se fossem de escolas particulares já teriam sido demitidos há muito tempo. A Cooperativa é

refém desses sócios. Ninguém faz nada! Precisamos estudar mais.”

Quando perguntados sobre o que mudariam na Escola Freinet para fortalecer cada vez

mais a sua proposta pedagógica, foram muitos os que citaram que desenvolveriam ações para

melhorar a qualidade das relações interpessoais, que dizem interferir no trabalho de todos. E3,

colocou:

Quando eu cheguei aqui, eu vinha com uma perspectiva muito boa [...], a gente de repente perde assim o horizonte, a gente tem uma idéia de uma coisa né? Mas depois essa idéia vai se desfazendo negativamente. Eu fui vendo conversinha aqui, conversinha acolá. Prá esta escola crescer vai precisar de todo mundo.

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As falas são bastante reveladoras e se confrontadas com as discussões durante os

encontros pedagógicos da escola e os desencontros revelados no cotidiano, constatamos a

existência de questões ligadas às relações de poder e ao desejo de liderança por parte de

alguns, influenciando nos posicionamentos de outros. Os conflitos aos quais os entrevistados

fazem referências, localizam-se, predominantemente, no grupo dos associados, pois parece ser

claro, na estrutura organizacional e administrativa da COOPERN, o lugar do educador

contratado, aquele que não oferece, em princípio, “ameaça” de ocupar funções gerenciais.

Para ele é reservada a sala de aula.

No dizer de Holanda (1998, p.144-145)., “Na civilidade há qualquer coisa de

coercitivo – ela pode exprimir-se em mandamentos e em sentenças.” O que podemos transpor

desta asserção, para a reflexão que fazemos, é o fato do Homem ser produto da sua história,

da sua cultura, que vai se construindo e reconstruindo mediante a sua evolução, enquanto

cidadão, sujeito de direitos.

O próprio educador contratado, aquele que não é sócio da cooperativa, tem clareza do

seu lugar na Escola Freinet, não sendo, concretamente, nenhum sacrifício se colocar numa

posição de quem precisa cumprir com o seu papel, de forma exemplar, inclusive justificando-

se, quando necessário, perante a coordenação da instituição. A cultura da civilização,

imbricada ou não de um conteúdo coercitivo, orienta que as relações se estabeleçam sobre

este prisma, o que não implica, necessariamente, em sacrifícios.

Já para os sócios da cooperativa, independente de serem os do campo pesquisado, as

orientações quanto a civilidade estão por se construir, ou que seja, por se consolidarem. A

vida em comunidade é entrelaçada pela concorrência em relação a ocupação de funções tidas,

tradicionalmente, como sendo as de destaque e as mais importantes, no contexto de uma

empresa. Isto se dá em razão do estigma da relação hierarquizada, entre trabalhador e

proprietário, (HOLANDA, 1998, p. 140) ainda perseguir os cooperantes, tomando, em

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especial, o caso da COOPERN. Percebemos que, para eles, o trabalho docente é visto como

sendo inferior, enquanto as funções de gerenciamento são tidas como aquelas de maior

prestígio e portanto, objeto do desejo de quase todos.

Os conflitos gerados desse contexto, produz efeitos para a implementação do projeto

político-pedagógico da Escola Freinet, sobretudo, pela negação de uns cooperantes à

orientação pedagógica vinda de um outro. Tal postura deixa de validar o conhecimento e a

competência daquele que se apresenta como um concorrente ao projeto de poder, que o

educador/cooperante possa ter. Agindo dessa forma, o sócio esquece que numa cooperativa, é

preciso que cada membro assuma a postura de que o espaço de poder precisa ser substituído

pela intersecção entre dirigentes e demais associados, que assumem papéis, igualmente

relevantes.

O mundo cooperativista espera de um cooperante, a esperança e a utopia de que é

possível construir uma sociedade democrática, compartilhando de uma empresa diferente

daquelas norteadas pelos ditames do capitalismo, que impõe regras e modelos a serem

seguidos e que cessa a possibilidade de opinar. Significa deixar-se conduzir, sobretudo os que

ocupam funções de gestores, pela arte de convencer pelo poder do argumento, como quer

Habermas, o filósofo alemão, que elaborou a Teoria da Ação Comunicativa. Sobre este tema,

Goergen, (2001, p. 40) diz que:

[...] esforçam-se por resgatar um conceito comunicativo de razão e uma visão de sociedade na qual os atores estão conscientes do que fazem e são responsáveis pelas suas ações. Essas ações nunca são vistas de forma isolada ou unilateral, mas são colocadas em discussão. Os valores, as normas e as sanções vigentes na sociedade são tematizadas, isto é, avaliadas desde várias perspectivas pelos diferentes atores que, argumentativamente, buscam alcançar um consenso dos pontos que, então, são considerados válidos.

Eis o que consideramos o maior desafio da gestão cooperativista: através do diálogo

“alcançar o consenso dos pontos”, sem que se estabeleçam relações autoritárias,

corporativistas e partidaristas, ao contrário, validando o entendimento de que os interesses da

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cooperativa transcendem aqueles de cada um dos seus sócios, tomados isoladamente. O sócio

é, na sua essência, um indivíduo, que se fez cidadão pela práxis social (HOLANDA, 1998, p.

139), sendo natural, por vezes, a competitividade e a ocorrência de choques entre os interesses

pessoais e coletivos.

O consenso ao qual nos referimos e que colocamos como questão perspícua à gestão

cooperativista, é determinado a medida em que os sujeitos interagem em condições iguais

para a expressão da palavra, situação em que, realmente, se estabelece o diálogo. O consenso

ou a concordância em torno de idéias, é possível, pelo reconhecimento dos interlocutores,

membros do grupo, de alguns requisitos9 imprescindíveis para que a comunicação aconteça

(HABERMAS, 1997).

No âmago dos requisitos necessários ao consenso, inserem-se valores, que, se

observados, conduzem os interlocutores ao entendimento. Esta perspectiva se coaduna com os

modelos democráticos de sociedade, que Rodrigues (2002, p. 24) examina, de forma muito

interessante, o conceito de democracia em diversos países e articula no contexto do

cooperativismo, destacando que: “Cooperativa é democracia econômica. É o avançado estágio

da democracia. Todos são iguais perante a cooperativa”. E justifica a sua afirmativa: “[...]

seus valores, seus princípios, sua ética básica, conduzem à igualdade, às oportunidades de

direitos e de deveres. Portanto, ela é [a cooperativa], enquanto doutrina, o caminho dorsal

para a formatação da democracia em qualquer país que se preze.”

A opção da COOPERN de eleger um educador democrata e cooperativista para

patrono da sua escola e depois a sua pedagogia, que tem a cooperação como um dos

princípios, assinala, no mínimo, a coerência e o compromisso com a construção de uma

cultura de que a pessoa se completa na interação com o seu grupo. No dizer de Arruda (1999,

9 Não é objetivo deste trabalho aprofundar conceitos da Teoria da Ação Comunicativa, de Jürgen Habermas, como é o caso dos requisitos para a situação ideal de fala, mas destacamos a influência dos estudos desse pensador, no que se refere a nossa maneira de analisar as interações sociais e as práxis coletivas.

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p. 77) “É a cultura que toma como sujeito ecossocial não mais o setor privado nem o Estado,

mas a sociedade”. Nesta perspectiva, assim como a própria COOPERN, a sala de aula da sua

escola deve transforma-se num local de trabalho, de produção de conhecimento, que funcione

como uma cooperativa que é gerida de forma democrática, pelos alunos e os educadores, onde

há espaço para o exercício da cidadania, para a expressão livre do pensamento, como

defendeu Celéstin Freinet.

A cooperativa caracteriza-se por um campo de intersubjetividade, pela reciprocidade e

interação entre diferentes, sujeitos que se comunicam e se complementam em torno dos

mesmos objetivos. Não havendo receitas do como fazer, mas decerto a indicação de que a

esperança e a capacidade de sonhar de cada pessoa, aliada a crença na doutrina escolhida e a

capacidade de trabalho, são determinantes. São como jatos lançados para frente, para as

realizações, são o âmago e tudo mais é ulterior, mera conseqüência, como o foi a experiência

cooperativista da Sociedade dos Pioneiros de Rochdale, que passados mais de cento e

cinqüenta anos do ato maior da sua fundação, continua sendo a principal referência para o

mundo cooperativista.

Sabemos que, para os professores assumirem tal postura, não é uma tarefa que se

alcance êxito a toque de mágica. As instituições acadêmicas não propiciam uma formação

global, que capacite os futuros professores a serem educadores, mais humanos e portanto

cooperativos e comprometidos, eticamente, com um ensino, que exerce influência na

trajetória de vida de tantos alunos. O que se evidencia com muita nitidez é que, ao assumir a

função docente, o professor constata a desvalorização da profissão que escolhera, sujeitando-

se a uma remuneração indigna e, portanto, sem condições de dedicar-se inteiramente ao

ensino.

Por questões de sobrevivência, inclusive os que são ligados a COOPERN, são

obrigados a assumirem outros afazeres, mesmo contra à própria vontade. Com essas

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colocações, não queremos imiscuir o professor da responsabilidade como educador, mesmo

diante das suas angústias, ele não pode cruzar os braços e esperar que a solução aconteça

milagrosamente, pois, numa cooperativa, a inércia de um poderá resultar em perdas para

todos.

A filosofia cooperativista permeia a pedagogia de Célestin Freinet, que preocupou-se

em mobilizar os alunos para um “ponto de interesse colectivo, num trabalho comum cujo

êxito seria inevitavelmente um meio de criar a solidariedade indispensável à vida em

comunidade”( FREINET, E., 1978, p. 96). Neste sentido, criou técnicas favorecedoras do

trabalho cooperativo, algumas delas estaremos apresentando ao longo desta dissertação.

O ativismo de Célestin Freinet se fez visível pelas suas ações através da Cooperativa

de Ensino Leigo – CEL, quando realizou diversos congressos e encontros para as trocas de

experiências entre educadores. Publicou diversos jornais, boletins, revistas para a divulgação

do pensamento dos membros da CEL, inspirando, após a segunda guerra mundial, a fundação

do Instituto Cooperativo de Escola Moderna – ICEM.

Em atividades até os dias atuais, o ICEM, embora sem o mesmo vigor predominante

até os anos 80, “se dedica mais especificamente à pesquisa de técnicas educativas. A

produção de material, propriamente dita, continua [continuou até 1986] cabendo à CEL”

(OLIVEIRA, 1995, p. 160). Eis o perfil que se espera de um educador que trabalha com a

pedagogia Freinet: transcender os limites de quem consome o conhecimento produzido por

outras pessoas, para assumir o papel de pesquisador, alguém que se utiliza de informações,

mas cria e constrói o seu próprio conhecimento.

O ICEM congrega educadores e se amálgama com o Movimento Internacional de

Educadores Freinet, oficialmente representado através de educadores e de grupos organizados

em cerca de quarenta e cinco países, formando a Federação Internacional dos Movimentos de

Escola Moderna – FIMEM, fundada em 1957. No Brasil, atualmente, dois grupos são filiados

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a FIMEM, um deles é a Associação Brasileira para a Divulgação, Estudos e Pesquisas da

Pedagogia Freinet – ABDEPP/Freinet, que, atualmente, estamos na coordenação geral e o

outro é o Movimento Regional de Educadores Freinet de Santa Catarina – MRFSC, ambos

congregam centenas de educadores praticantes ou simpatizantes do projeto coletivo, que

caracteriza a pedagogia freinetiana.

Esses educadores compõem uma imensa rede, onde parte deles consegue compreender

o verdadeiro significado de não estarem sozinhos. Portanto, se correspondem,

sistematicamente, através de e-mails, jornais, boletins, cartas, e se reúnem nos seus países por

diversas vezes durante o ano, realizando desde pequenas reuniões até encontros regionais e

nacionais. A cada dois anos, num país diferente, acontece a Reunião Internacional. É um

movimento organizado por princípios democráticos, sobretudo quanto a escolha dos que

exercem as funções de dirigentes e o zelo para que alguns não se cristalizem nessas funções.

Durante as entrevistas com os colaboradores da nossa pesquisa, quisemos saber sobre

os cursos, encontros, entre outras situações que mais teriam contribuído para a ação docente

dos mesmos. Particularmente, nos chamou a atenção as poucas referências aos encontros de

educadores Freinet, talvez pela falta de envolvimento deles, nas atividades do Movimento

Freinet. A junção deste aspecto, com a baixa média de leituras, são indiciários das

dificuldades ou mesmo das omissões pedagógicas reveladas nas suas práxis.

Ao examinarmos um trabalho de Guimarães e Araújo (2001), confirmamos a sintonia

da obra pedagógica freinetiana, com os princípios do cooperativismo. Eles destacam a síntese

dos valores do cooperativismo elaborada em setembro de 1995, no Congresso do Centenário

da ACI – Aliança Cooperativa Internacional, realizado em Manchester, na Inglaterra,

baseados nos princípios organizados pelos Pioneiros de Rochdale:

As cooperativas baseiam-se em valores de ajuda mútua e responsabilidade, democracia, igualdade, equidade e solidariedade. Na tradição dos seus fundadores, os membros da cooperativa acreditam nos valores éticos de

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honestidade, transparência, responsabilidade social e preocupação com os semelhantes. (GUIMARÃES; ARAÚJO, 2001p. 14).

Os fracassos de algumas cooperativas brasileiras, nos tempos atuais, são atribuídos por

especialistas do tema, como decorrentes da ausência de conhecimento sobre os princípios do

cooperativismo e sobre o conteúdo dos seus estatutos, por parte de associados e dirigentes. É

comum ouvirmos saídas tangenciais do tipo a cooperativa é uma empresa como outra

qualquer. Confunde-se administrar como uma empresa, com administrar igual a uma empresa

qualquer. Esbarra-se muitas vezes tanto em práticas corporativistas, quanto naquelas tidas

como antidemocráticas ou mesmo manipuladoras.

A condição de ser uma instituição mantida por uma cooperativa, atribui aos

educadores da Escola Freinet, uma dupla responsabilidade: do ponto de vista empresarial, ser

fiel aos princípios do movimento cooperativista e do ponto de vista pedagógico, ser coerente

com a proposta cooperativa de Célestin Freinet, exigindo, portanto, uma coerência redobrada.

Ao tecermos esses comentários, sobre a forma de gerenciamento da Escola Freinet, o

fizemos por acreditar que trata-se de uma nuance fundamental para a compreensão de

determinadas ações dos colaboradores da nossa pesquisa, entretanto, aprofundar a questão não

se configura como objeto deste trabalho, o que nos damos por satisfeitos com as reflexões que

estamos podendo fazer, mesmo que de forma breviária.

Touraine (1998, p.63), sociólogo francês, que desenvolve análises da sociedade

contemporânea, produziu um longo texto, buscando responder uma questão que entendemos

pertinente nesta reflexão: “podemos viver juntos, ao mesmo tempo iguais e diferentes?”. Não

tivemos aqui a pretensão de apresentarmos respostas, mas sim provocar a discussão e quiçá

mobilizar uma boa pesquisa. Decerto, com base nos dados da nossa pesquisa, embora sem

aprofundarmos na questão, entendemos que o arcabouço das práticas dos educadores da

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Escola Freinet, carecem dos princípios e da utopia que impregnara aos Pioneiros de Rochdale

e aos membros da CEL.

A utopia, facilmente, os conduziria para um maior compromisso com o projeto

político-pedagógico da Escola Freinet, inserindo-se num projeto coletivo, numa obra comum.

Na análise das falas das entrevistas, apresentadas ao longo deste trabalho, se tornarão claras as

razões das dificuldades que observamos nas práticas desses educadores. As questões

relacionadas à pedagogia Freinet foram respondidas, pela maioria, de forma imprecisa,

superficial, demonstrando flagrante desconhecimento. Foi freqüente responderem uma outra

coisa, frente a temas claros e básicos, como quando pedimos para que falassem sobre os

princípios fundamentais da pedagogia Freinet e de que maneira trabalham para que sejam

vivenciados pelos alunos.

Também demonstraram não conhecerem as publicações de e sobre Freinet, mesmo as

traduzidas para o português. Eis algumas respostas sobre os livros que teriam lido: “Aquele,

aquele grossinho...” (E1); “Não. Já li alguns textos. Livro não” (E3); “Sou péssima para

gravar autores[!]. Você me pegou em cheio. Deixe eu ver: Pedagogia do Bom Senso foi ele ou

alguém que escreveu[!]? agora já não lembro. Estou confusa” (ETPA4). São falas que

assinalam a fratura no conhecimento sobre o referencial teórico assumido pela escola.

Há de se considerar, como sendo um aspecto positivo, o fato de todos os entrevistados

se dizerem satisfeitos com a profissão, mesmo os que trabalham os três expedientes em

escolas com propostas pedagógicas completamente diferentes, alguns com mais de vinte anos

de atividades. Dizem entenderem que o contexto educacional está imerso numa fragilidade de

valores e que as Universidades têm se preocupado em formar professores, esvaziando-se a

formação do educador, aquele que tem a consciência de que forma pessoas, que prepara seres

humanos para a vida.

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Nesse cenário desenvolvemos o nosso estudo, o que não foi uma tarefa fácil. As

dificuldades advindas da falta de hábito de se auto-gerir, à gestão cooperativista imersa num

mundo capitalista, as questões ligadas à profissionalização docente, à formação inicial e

continuada dos professores, os problemas em conciliar as faltas de tempo. Enfim, o que

sabemos que de melhor poderíamos ter feito durante a pesquisa de campo, antes de se

constituir numa lacuna para o nosso trabalho, entendemos ser uma lacuna para as práticas dos

colaboradores deste trabalho e para a consolidação do projeto-político-pedagógico da escola.

Uma opinião espontânea de ETAP1 ilustra muito bem em que medida a nossa atuação

possa ter colaborado com a escola pesquisada: “o seu projeto de pesquisa é o projeto da

escola. Na hora que você tá vendo uma coisa e tá trazendo para o grupo o que tá sendo

observado, isso aí é uma mediação magnífica. É uma mediação.” O espaço para mais

encontros, mais estudos, mais trocas, teria sido oportuno para consubstanciarmos novas

intervenções e mediações, a se constituírem em mais conhecimentos e possíveis ganhos para

as práxis.

1.3 A atualidade da pedagogia Freinet

A nossa contribuição de avançar na pesquisa sobre a pedagogia de Célestin Freinet,

justifica-se não somente pela riqueza das orientações didáticas que a envolve, mas pelas suas

bases psicológica, filosófica e sociológica, facilmente localizadas ao se estudar a sua obra.

Pedagogia que fundamenta-se num quadro de valores comprometido, politicamente, com a

formação do cidadão, do ser humano inteiro, consciente do seu papel social. Trata-se,

essencialmente, de um projeto que se contrapõe ao do ensino tradicional, que reproduz o

modelo social burguês.

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No seu livro “Para uma escola do povo”, ulterior a Segunda Guerra Mundial, Freinet

(1995), apresenta as linhas gerais da sua proposta prática e as intenções político-pedagógicas

da mesma. As suas reflexões, partem da “escola” da Idade Média, quando era voltada para a

prática, para o ensino de ofícios, objetivando atender as necessidades sociais dos senhores da

época. No seu resgate, analisa os efeitos, ao longo da história, do sistema econômico, social e

político, que vem determinando os modelos pedagógicos e as ações da escola. Destaca o fato

da igreja ter estruturado uma escola para atender aos próprios objetivos, precisamente “a

iniciação de futuros homens da igreja, que não precisariam compreender, mas crer e servir

em seu seio cioso.” (FREINET, 1995, p. 2 - Grifo nosso).

Realça que a burguesia também teve uma escola, que instrumentalizava os seus filhos,

inclusive com as ferramentas raras e respeitadas da época, ou seja, a leitura e a escrita, o que

lhes conferiu novos parâmetros de poder à dominação. Lembra que, com a Revolução

Industrial, eclodiu a necessidade econômica de se ter um povo com o mínimo de instrução, de

modo que pudesse servir ao capitalismo. Daí, foi um passo para instituir-se a escola pública,

voltada para a preparação de uma mão de obra qualificada, para lidar com as máquinas, cuja

ideologia perpassada, levava o povo, acriticamente, a sentir-se satisfeito e orgulhoso por

tamanha conquista.

Segundo Freinet (1995, p. 2), a ordem econômica imposta pela Revolução Industrial

estabeleceu que “ler, escrever, contar tornavam-se as técnicas básicas, sem as quais o

proletário não era mais que um operário medíocre.” Por outro lado, a iniciação aos

conhecimentos de outras áreas, como a geografia, a história, as ciências, a literatura e a moral

eram apenas complementares, dando conta de adaptar o homem às novas demandas.

Os reflexos dessa organização curricular, que supervaloriza o ler, o escrever e o

contar, no nosso entendimento, produz efeitos até os dias atuais, onde as escolas dedicam o

maior tempo da carga horária de aulas, às disciplinas de português e matemática, como se os

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alunos também não escrevessem, lessem, raciocinassem nas demais áreas. O cronograma das

aulas da escola pesquisada, apresentado no ANEXO - D, revela a supervalorização de

disciplinas, cuja algumas análises faremos no segundo e terceiro capítulos, deste trabalho.

Freinet enfatiza que, malgrado os efeitos danosos ao mundo, a Primeira Guerra

Mundial contribuiu decisivamente para que, pouco a pouco, uma parcela do povo percebesse

o quadro de submissão ao qual tinha sido imerso e o quanto aquela escola pública servia aos

interesses do capital. Instante em que ascendem os movimentos em prol de uma escola

adaptada as necessidades dos filhos da classe popular e ganham força com os movimentos

operários, que seguem o rastro das idéias revolucionárias elaboradas no século XIX, por Karl

Marx (1818-1883), filósofo alemão e comunista.

Marx foi um teórico que procurou conhecer a sociedade capitalista, via pela qual

entendia ser possível o proletariado superar os seus efeitos alienadores (LENIN, 1988). As

suas idéias serviram de base teórica para a Revolução Russa de 1917, experiência socialista

que Freinet conheceu numa viagem de estudos pedagógicos, realizada em 1925, compondo

“a primeira delegação do Ocidente a ser convidada pelos sindicatos” (FREINET, E., 1978, p.

57) da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Diz a sua esposa Freinet, É., (1978, p.

57), que, em meio ao caos e a pobreza que lá reinavam, ele encontrou semelhanças com a sua

escola da França, contagiando-se pelo ânimo dos pedagogos soviéticos.

“A sua disposição de espírito [a de Freinet] orientou-o muito naturalmente para o

modo de pensar marxista: leu Marx e Lénine, e, dominado pelo dinamismo de um pensamento

em movimento” (FREINET, E., 1978, p.19), Freinet procurou se aprofundar num modo de

pensar sobre a sociedade e de compreender as circunstâncias, que permitia tomá-las no que

havia de mais contraditório e nas suas partes isoladas, que ao mesmo tempo recuperava-as,

retomando o todo, para entendê-lo na sua amplitude. Este modo de pensar orientou a sua

maneira crítica de ler o mundo e a sua práxis político-pedagógica.

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Nas primeiras décadas do século XX, os sinais eram patentes de que fazia-se

necessária a revolução da escola que, nos dizeres de Freinet (1995, p. 3), iria atender “às

aspirações de um proletariado que adquire, a cada dia, maior consciência de seu papel

histórico e humano.” Tratava-se de organizar, a partir da escola pública, uma escola do povo,

que atendesse aos interesses do povo, assim como o fizeram os senhores da Idade Média, a

igreja, a burguesia, o capitalismo industrial. Era essa a missão que se propunha e convidava os

educadores a se mobilizarem para a construção da escola capaz de formar uma geração de

Homens conscientes do seu papel social.

O chamado do educador francês dá conta da sua opção política em favor da cidadania,

dando contornos socialistas a todo o seu projeto e práxis pedagógica. Alertamos para o fato de

que, trata-se de um equívoco sem precedentes, tomar, isoladamente, técnicas, ferramentas,

estratégias de ensino da pedagogia Freinet, esvaziadas das bases filosófica, psicológica e

sociológica que as reveste, assim como é um equívoco, pensá-las como sendo um método,

uma metodologia ou algumas técnicas que dinamizam a sala de aula e que imprimem o

aspecto novidade à ação docente.

O conjunto da obra de Célestin Freinet é revelador de fundamentos filiados às idéias

de grandes filósofos, pedagogos, psicólogos, pensadores de várias épocas, mas, sobretudo, das

suas reflexões a partir da experiência docente. O percurso dessa construção político-

pedagógica é, magistralmente, apresentado por Èlise Freinet em publicações de 1978 e 1979,

quando confirma que Freinet buscou a organização da escola do povo, de um modo que, no

olhar de hoje, podemos lhe conferir a condição de professor-pesquisador, que para Dickel

(1998, p. 41-42) é:

[...] aquele profissional que, ao optar pela luta (que é fundamentalmente) coletiva por alternativas viáveis e comprometidas com a especificidade e o valor do trabalho docente e com uma educação que fomente nas crianças a potencialidade de inventar e lançar as bases de um mundo diferente daquele anteriormente esboçado, seja capaz de se engajar na busca de uma pedagogia e de uma escola que consigam trabalhar nesse meio adverso.

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As primeiras experiências desse educador já davam conta desse compromisso, pois,

aconteceram no início da segunda década do século XX, como vimos, num contexto de

ascensão do capitalismo e pós Primeira Guerra Mundial, época em que grande parcela da

população sofria os efeitos dos ditames do capital.

Foi um período em que o capitalismo desenvolveu um Estado forte, que tinha a tarefa de impulsionar o progresso do capital mediante a criação de infra-estrutura: tecnologia, proteção, abertura e controle de mercados produtores e consumidores, matérias-primas e controle de povos em face das rebeldias diante do supremo sistema de produção e relações humanas. Esse Estado também era o responsável pela [sic] sistema de saúde e educação. (AHLERT, 1999, p. 107)

Numa reação política ao imperialismo do sistema capitalista, a proposta freinetiana foi,

ao longo dos anos, sendo aperfeiçoada pelas experiências docentes do seu idealizador e por

aquelas desenvolvidas por educadores de diversos países, amplamente socializadas através de

correspondências, impressos e durante os congressos e encontros de educadores. Os dias

atuais não são diferentes, a humanidade passa por um acelerado processo de desenvolvimento

tecnológico e científico, onde o capitalismo continua determinando a política, desta feita

voltada para um mundo economicamente globalizado, formado por grandes corporações

internacionais que, conseqüentemente, reduzem o controle do Estado sobre o próprio mercado

consumidor.

A contemporaneidade está marcada pela política do neoliberalismo, que “não se refere

somente a questões econômicas, comércio internacional e proteção aos blocos econômicos.

Ele é um programa global e filosófico que atenta para todas as esferas da vida humana”

(AHLERT, 1999, p. 112-113), desestabilizando o poder de reação da sociedade e a força dos

movimentos sociais, que em alguns setores procuram resistir.

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No Brasil, como em outros países, a filosofia do projeto neoliberal tem produzido

reflexos às políticas educacionais, que, nas duas últimas décadas, voltaram-se para o ensino

fundamental, consubstanciadas pelo discurso da formação mínima indispensável.

Submetendo-se ao mercado mundializado e na tentativa de atenuar o seu descaso com a

educação do povo, o Estado formaliza parcerias com agências financiadoras internacionais,

que determinam os rumos políticos-pedagógicos para o ajuste da escola ao modelo econômico

vigente.

Ao colocar o ensino fundamental como ponto central, as políticas educacionais

brasileiras abrem um fosso para que a universalização da educação do povo passe a ser, de

fato, a prioridade. A educação infantil está distante de chegar a todas as crianças de zero a seis

anos, os ensinos médio e superior estão cada vez mais depauperados, sendo este último com

um número de vagas exíguo, o que tem ocasionado na proliferação de Universidades e

Faculdades privadas por todo o país, cuja a adjetivação das mesmas, entendemos ser

necessário analisá-la, porém não é objeto de discussão deste trabalho.

Nesse cenário adverso, em que os países desenvolvidos produzem conhecimento e

tecnologia, enquanto os periféricos apenas consomem, alguns avanços foram se dando,

principalmente no tocante às abordagens teóricas sobre como o Homem conhece e como deve

ser encaminhado os processos de ensino e aprendizagem significativos. O enfoque teórico-

metodológico tem sugerido contornos, na perspectiva de um trabalho docente, que atribui

importância não só para os conteúdos factuais e conceituais, mas também, para aqueles que

visam à construção de atitudes, valores e procedimentos, que favoreçam o conhecer articulado

ao fazer, permitindo o viver e o conviver de forma mais humanizadora. Esses avanços

teóricos são frutos de pesquisas e experiências desenvolvidas por estudiosos e profissionais de

várias épocas, que se mostram resistentes às forças dominantes e produzem conhecimentos

fundamentais à transformação.

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A partir de 1985, pós um período de vinte e um anos de regime militar (GERMANO,

1994), acentuou-se, no Brasil, os movimentos de educadores e pesquisadores pela construção

de uma prática pedagógica de tendência progressista, objetivando a democratização da escola

pública e dos conhecimentos, contribuindo para as transformações sociais. No tocante às

questões pedagógicas, tomou-se como referência as contribuições de diferentes pesquisadores

e, majoritariamente, as idéias do suíço Jean Piaget e do soviético Lev Vygotsky,

contemporâneos de Célestin Freinet. Em relação à política educacional, nas Universidades

foram desenvolvidos trabalhos de muita fecundidade, como os de Dermeval Saviani,

resgatando-se, também, a proposta da Pedagogia Libertadora de Paulo Freire.

Na mesma década de 80, a pedagogia Freinet tomou impulso em algumas poucas

escolas brasileiras, principalmente da rede privada. Hoje o campo foi alargado e experiências

são desenvolvidas, também, em salas de aula de escolas públicas. Insistimos para o fato de

que, o quadro de valores dessa pedagogia, voltado para a cidadania e, portanto, para o

compromisso político-social com as transformações de uma sociedade imersa no modelo

econômico capitalista, não nos permite reduzi-la a simples técnicas. É bem verdade que a

originalidade e a dinamicidade do materialismo escolar da pedagogia Freinet, encantam a

quantos a ela têm acesso, entretanto, logo se descobre a complexidade que a envolve,

justamente pelo fato das técnicas não funcionarem se os princípios não estiverem

respaldando-as.

Compartilhamos das idéias de Freinet e reiteramos que, a escola, em todos os

momentos históricos, sofreu/sofre influência do modelo econômico vigente, modelo este que

é mobilizador de reação ou de acomodação por parte dos educadores. Porém, parece não ter

cessado a busca pela escola do povo, visto que o capitalismo ainda é o modelo econômico

triunfante e em países em desenvolvimento, uma grande parte dos indivíduos é excluída,

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vítima de uma má distribuição de riquezas, não querendo com isto considerar que em países

desenvolvidos não ocorre exclusão social.

Não importa o estágio de desenvolvimento do país, o fato é que, soberanamente, ainda

hoje, a escola se atém a programas e às orientações metodológicas direcionados para os

interesses das forças dominantes, que agem para que os seus representantes permaneçam no

poder e, assim, a escola não prepara condignamente os alunos para o exercício pleno da

cidadania, tendo como objetivo, quando muito, o mercado de trabalho.

A pedagogia Freinet é uma proposta de ensino e aprendizagem voltada à cooperação,

que tanto defendeu Rousseau. O princípio da comunidade, apresenta-se, segundo Santos,

(2001, p. 77), como sendo um dos três princípios do pilar da regulação, onde assenta-se o

projeto sócio-cultural da modernidade. A luta de Freinet pela escola do povo, foi um reflexo

das práticas sociais e políticas permitidas pelo período em que Santos (2001, p. 79-87)

chamou de capitalismo organizado, justamente por ter sido a fase de maior equilíbrio e

articulação entre os pilares da regulação e da emancipação, essência filosófica do projeto da

modernidade, para neutralizar os efeitos produzidos pelo capitalismo.

A luta de Freinet pode ser inserida na busca do Homem por cumprir as promessas do

projeto da modernidade, pelo resgate dos movimentos em prol da escola do povo e pela

valorização do humano, embora num contexto que trazia a herança do princípio individualista

do mercado, que não tardou a voltar e predominar nas relações, submetendo a ciência a se

constituir numa força produtiva, cujos reflexos tomam efeitos na escola, através do currículo

fragmentado e distante da vida, da forma de interação, da metodologia estática, da avaliação

classificatória.

A evolução histórica da pedagogia Freinet confere à mesma, a condição de misto entre

teorias e práticas, ou seja, uma práxis que convida o professor a adaptá-la, conforme a

realidade vivida. Foram idéias e práticas lançadas num cenário de lutas políticas e sociais,

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contrapondo-se ao modelo capitalista, contexto que não nos parece ser diferente do atual, em

que o capitalismo continua soberano e a educação do povo distante da qualidade desejada.

Não podemos, hoje, esperar facilidades, como querem alguns educadores, para

trabalharmos com a pedagogia Freinet, visto que, o cenário não mudou. Continua sendo uma

proposta revolucionária e de enfrentamento à ideologia das forças dominantes, opção dos que

percebem o mundo, a sociedade, a escola, a criança, o Homem, o conhecimento, numa

perspectiva humanística e transformadora. É neste universo que reside a atualidade das

propostas freinetianas e que entendemos ser fundamental ao educador que opta por esse

referencial, refletir, cotidianamente, sobre as suas ações para construir a sua práxis.

Igualmente relevante é entendermos que, refletir sobre a prática escolar, seja qual for a

opção teórico-metodológica, requer situá-la a partir de estudos como o de Libâneo (1994),

pesquisador brasileiro, que organizou o conjunto das pedagogias que mais influenciaram a

educação, apresentando-as em dois grupos: o das pedagogias de tendência liberal e o das

pedagogias de tendência progressista. Esse autor alerta para o fato de que as pedagogias se

entrelaçam e tanto recebem influências quanto influenciam umas às outras, sendo em vão

qualquer tentativa de definição que desconsidere esse fato, que se revela na prática escolar.

Destaca como características das pedagogias liberais, a valorização do indivíduo e do

interesse que deve ter de se amoldar às normas determinadas pela sociedade, caminho que

garante à ascensão social pelo próprio esforço e cultura. É essa a ideologia passada pelos

liberais, principalmente pelos seguidores da pedagogia tradicional, que Libâneo (1994, p. 55).

analisa: "A ênfase no aspecto cultural esconde a realidade das diferenças de classes, pois,

embora difunda a idéia de igualdade de oportunidades, não leva em conta a desigualdade de

condições".

Apesar de nesses estudos, os movimentos das escolas novas ou ativas estarem situados

no grupo das pedagogias liberais de tendência renovada progressivista, consideramos como

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tendo sido movimentos de grande importância para a educação, dados os avanços que

repercutem, até hoje, na prática escolar, em contraposição a pedagogia tradicional. Arriscamo-

nos a ressaltar que, na proposta da escola nova, a valorização dada aos interesses individuais

assume uma conotação diferente daquela difundida pelos liberais tradicionais, pois, através da

atividade e das experiências, o sujeito age sobre o meio.

Os processos ativos implicam na interação sujeito-ambiente, numa tentativa muito

maior de valorização da natureza e dos diferentes processos de desenvolvimento do ser

humano, do que a valorização dos interesses individuais, meramente para manter a sociedade

de classes. É possível serem visualizados traços dos fundamentos e dos princípios filosóficos

das escolas ativas ou novas, influenciando as pedagogias de tendência progressista, dando-

lhes respaldo psicopedagógico.

A partir do final do século XX, as pedagogias de tendência progressista, vêm

ganhando espaço num bom número de escolas brasileiras. Com elas, a proposta liberal de

renovação pedagógica foi ampliada, atribuindo-se importância à prática escolar que parte da

análise crítica da realidade, quando percebemos o caráter de vanguarda da pedagogia Freinet.

Esse fato não vem desconsiderar as descobertas realizadas pelos estudiosos das escolas ativas

ou novas - os estudos da psicologia genética desenvolvidos pelo escolanovista Jean Piaget,

por exemplo, até hoje são utilizados nos mais diferentes contextos - apenas foi posto em

evidência o componente sócio-político que permeia a educação, ou seja, tudo aquilo que era

negado pelas pedagogias de tendência liberal.

As propostas progressistas colocam no centro das preocupações a necessidade de um

processo de ensino e aprendizagem que considere os envolvidos como verdadeiros cidadãos:

sujeitos críticos que analisam e interferem na realidade onde estão inseridos. A escola se

organiza, partindo do princípio que o aluno, em função de quem a escola existe, não é o único,

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mas é o personagem central, participante ativo no planejamento, no desenvolvimento e na

avaliação do trabalho escolar.

Contudo, não se desconsidera o papel dos educadores nem tampouco a eles atribui-se

menor importância. Sabemos que são profissionais que exercem uma função imprescindível

no processo de ensino e aprendizagem, exemplo disto, é a pedagogia experienciada e

construída por Freinet e depois por educadores que se utilizam das suas idéias para orientar as

práticas pedagógicas.

Trabalhos acadêmicos e relatos de professores dão conta de que, quando bem

conduzido, o conjunto de técnicas freinetianas traz resultados positivos à formação dos

alunos, desde que estejam articuladas e fundamentadas por princípios que valorizam a relação

escola-vida, a expressão livre do aluno, a consciência de que as atividades escolares devem

receber o tratamento responsável que é dado ao trabalho, o estímulo à descoberta e à

realização pessoal do indivíduo, no seio do grupo cooperativo.

Fazer opção pela Pedagogia Freinet significa entender a educação como um fenômeno

social que acontece em diversos grupos, nos quais os indivíduos estão inseridos; significa

concebê-la como parte das relações sociais, políticas, econômicas e culturais de uma dada

sociedade, o que bem explica a gênese dessa pedagogia, cujo ápice, já assinalamos que

remete-se a primeira metade do século XX, período da história da humanidade marcada pelas

duas guerras mundiais, enormes crises, conflitos e transformações econômicas, políticas e

sociais.

As mesmas preocupações e a necessidade de mobilização dos educadores apontadas

por Freinet, mostram-se bastante atuais se analisarmos um texto de Saviani (1995, p. 89),

referindo-se a Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos, proposta progressista que defende

para a educação, onde se coloca sobre a organização curricular voltada para a fragmentação

do saber:

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[...] ela foi pensada para ser implementada nas condições da sociedade brasileira atual, onde predomina a divisão do saber. [...] um professor de história ou de matemática, de ciências[...] têm cada um uma contribuição específica a dar, em vista da democratização da sociedade brasileira, do atendimento aos interesses das camadas populares, da transformação estrutural da sociedade.

É perceptível a importância da escola e, conseqüentemente, das ações do educador, na

perspectiva de democratização da sociedade, pois é a instituição responsável por permitir os

meios para a construção e à socialização de conhecimentos, que instrumentalizam o Homem

para agir e interagir no seu meio social, em condições de sucesso.

Freinet (1996, p. 15) nos diz: “[...] não preparamos homens que aceitarão

passivamente um conteúdo-ortodoxo ou não, mas cidadãos que amanhã saberão enfrentar a

vida com eficiência e heroísmo”. Analisando tal afirmativa, podemos concluir que a escola,

dependendo da tendência pedagógica que norteia o seu projeto político-pedagógico e que,

conseqüentemente, orienta as ações dos sujeitos, permite ou não a ampliação e a

diversificação dos olhares com os quais alunos e educadores analisam o meio em que vivem e

como relacionam os fatos.

A coerência entre as práticas docentes e as intenções expressas no projeto pedagógico

da escola ou do professor, determinam o grau de satisfação daqueles que optaram pelo

mesmo. Sendo assim, é imprescindível o professor situar-se teoricamente para que, de

maneira consciente, faça as suas opções, tendo clareza de que a prática educativa é

determinante na formação dos educandos e que sempre reflete uma posição política.

Libâneo (1994, p. 69) fala da Tendência Progressista Libertária, tendência esta que diz

abranger praticamente todas àquelas pedagogias antiautoritárias, inclusive as de professores

progressistas, destacando: “Particularmente significativo é o trabalho de C. Freinet, que tem

sido muito estudado entre nós, existindo inclusive algumas escolas aplicando seu método [!].”

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Mais adiante analisaremos o emprego da palavra método, utilizada neste fragmento de texto,

ao se referir a pedagogia Freinet.

Queremos ressaltar que o comentário do autor apresenta-se bastante esclarecedor, do

ponto de vista de permitir uma reflexão que desfaça um equívoco por vezes acentuado: de

que Freinet teria feito parte das escolas novas ou ativas. Como se vê, ele é caracterizado como

sendo um professor progressista, cuja pedagogia que construiu está calcada em princípios que

combatem o autoritarismo. Ele mesmo fez questão de assumir o compromisso com uma

Escola Moderna, como chamou a pedagogia que iniciou em 1920, numa escola do vilarejo de

Bar-sur-Loup, localizado nos Alpes Marítimos da França, e disse:

Dizemos Escola Moderna e não Escola Nova porque insistimos muito menos no aspecto novidade do que no da adaptação às necessidades do nosso século [...]. De facto, a Escola Nova, cujo contributo ao longo da primeira metade do nosso século não negligenciamos, permaneceu sobretudo teórica. Dizemos Escola Moderna e não Métodos Activos [...]. Não pensamos que a actividade seja o elemento fundamental de uma pedagogia válida. Preferimos-lhe a concentração, por vezes silenciosa, do trabalhador na sua tarefa inteligente, uma permanente actividade do espírito que é como que um antídoto da passividade tradicional. (FREINET, 1977b, p. 9-10)

Como vimos, a palavra atividade, para Freinet, tem um sentido profundo e ganha uma

conotação diferente daquela empregada pelos seguidores das escolas ativas10. Para estes,

somente introduzindo a atividade manual nas aulas, é possível opor-se ao que chamam de

"excesso de intelectualismo da escola tradicional". Atividade escolar, para Freinet, é o

trabalho responsável que, desde criança, deve dignificar o ser humano. Trabalho que não deve

ser confundido com a prática da formação de mão-de-obra para atuar no mercado de trabalho,

mas sim um dos princípios da escola onde o aluno é um sujeito político e ativo, que assume

tarefas, tendo em vista a responsabilidade com a sua própria aprendizagem, no seio da vida

cooperativa.

10 Para os que desejem um maior aprofundamento sobre os métodos ativos, indicamos a leitura de FERRIÈRE, Adolphe. L´ecole active. 8ª ed. Neauchatel (Suiça): Delacahaux et Niestlé, 1972 e de DEWEY, John. Obras Selecionadas. São Paulo: Abril Cultural, 1980. (Os Pensadores), entre outros trabalhos, que tratam sobre o tema.

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Para dar sentido à prática escolar, afastando o tédio que rodeia a profissão do

professor que, na maioria das vezes, trabalha fora das condições humanas, desmotivado e

preso a uma prática tradicional, é que Freinet (1977b, p. 40), defendendo a sua pedagogia, diz:

“Foi o trabalho da Escola Moderna que nos devolveu a fé”. O trabalho do qual fala é

impulsionado pelo desejo de ver a escola respeitar o aluno enquanto cidadão, superando o

hiato que separa a escola e a vida. Objetivo este, que, para se tornar possível, foram situados

princípios que fundamentam a prática docente, os quais só são possíveis de serem vivenciados

através de técnicas de trabalho, que dão condições para o desenvolvimento de competências e

habilidades, que servem para toda a vida.

Os princípios só existem porque existe com clareza um fim para a educação; as

técnicas só sobrevivem com os princípios e se fazem necessárias para que se dê vida aos

mesmos e para que o aluno construa conhecimentos. Esse conjunto, articulado entre si, numa

relação de intercessão e de interdependência é o que se pode chamar de Escola Moderna ou de

Pedagogia Freinet.

Para esclarecer a nossa restrição à expressão método, usada por Libâneo, ao se referir a

pedagogia Freinet, tomamos como base:

Jamais tivemos a pretensão de criar, de implantar um método intocável, bem pelo contrário. As Técnicas Freinet não são actualmente o que eram em 1940, pois novos instrumentos e novas técnicas vieram enriquecer e, da mesma maneira, facilitar o nosso trabalho. Igualmente, não serão em 1980 o que são hoje, se formos capazes de fomentar, juntos, os progressos técnicos indispensáveis. (FREINET, 1976a, p. 44-45 - Grifo nosso)

Este recorte de texto é apenas um, dos tantos através dos quais Freinet procurou deixar

claro que não propôs um método pedagógico, algo fechado no qual se deve seguir conforme

instruções pré-fixadas, e sim técnicas, permeadas por princípios, por Invariantes Pedagógicos

(FREINET, C., 1978a), que são abertas ao diálogo e às adaptações que os educadores forem

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capazes de fazê-las. Esta idéia, acreditamos que também responde as tantas críticas lançadas a

Freinet, do tipo: "é uma pedagogia ultrapassada. Não acredito que Freinet disse isso! Essa

pedagogia serve para Europa, aqui é outra cultura."

Tomando as falas acima como referência, diríamos que é importante que se leia a obra

de Freinet, sem buscar nomenclaturas, frases de efeito, jargões pedagógicos ou mesmo

conceitos e idéias ditas atuais, reféns dos modismos que dominam os meios e as conversas

educacionais, mas que tão rápido cedem lugar a outros. Assim procedendo, há um risco de

haver decepção, por se buscar terminologias usadas nos dias atuais, embora em textos

registrados há 40/50 anos. Por esta razão, respeitando as capacidades dos sujeitos, a dimensão

histórica da sociedade e o caráter provisório do conhecimento, Freinet preferiu valorizar

princípios que dariam sustentação a Escola Moderna, terminologia que, como vimos, preferiu

adotar, numa alusão ao fato de ser uma pedagogia aberta a acompanhar os avanços

necessários e possível de ser sempre atual.

Ao apresentar a proposta de Escola Moderna, Freinet partiu de sua própria

experiência, da necessidade que o mobilizou para adaptar à escola pública predominante no

início do século XX, aos anseios do povo. Ele buscava, na verdade, uma escola que

considerasse o ponto de vista da criança e para isto definiu o que chamou de verdadeiro

objetivo educacional: “a criança desenvolverá ao máximo sua personalidade no seio de uma

comunidade racional a que ela serve e que lhe serve.” (FREINET, 1995, p. 09).

O objetivo educacional assinalado por Freinet aponta a sua própria concepção de

sociedade, de homem e de como deve ser o processo de conhecer. Para ele, o homem é um

sujeito que se desenvolve de maneira ativa. Sujeito que está inserido num grupo pensante, ou

seja, que raciocina e que evolui no ato de conhecer a partir de regras e princípios criados e

preservados na prática social. Afirmativa que sugere que o processo de desenvolvimento

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acontece a partir da interação do sujeito na comunidade. Comunidade esta, composta pelo

meio natural, pelos Homens e pelos objetos, de quem recebe influências e a quem influencia.

Os princípios da cooperação, da expressão livre e do tateamento experimental, confere

à obra pedagógica de Freinet uma concepção de aprendizagem coerente com a abordagem

interacionista, fundamentada a partir das correntes defendidas pelo biólogo Jean Piaget(1896-

1980), também estudioso da filosofia e da psicologia da criança, e pelo psicólogo Lev

Vygotsky(1896-1934), como dissemos, contemporâneos de Célestin Freinet, para os quais o

conhecimento se dá através da inter-relação entre os fatores internos ou maturacionais do

sujeito e os externos ou ambientais, embora existam disparidades entre os pontos de vista

desses teóricos.

Os pressupostos da concepção interacionista, no tocante à aprendizagem, torna-se

visível ao analisarmos as técnicas elaboradas por Freinet, pensando em atingir o objetivo que

definiu para a educação. Interacionismo este, que, enquanto corrente teórica, é um tanto

recente, pois ao longo dos tempos predominou ora a concepção inatista, segundo a qual ao

nascer o indivíduo já trás consigo as capacidades básicas para se desenvolver, ora a concepção

ambientalista, que defende a idéia de que o indivíduo é um ser passivo que reage a partir dos

estímulos do meio.

O brilho intelectual tanto de Piaget quanto de Vygotsky fizeram com que as suas

formulações teóricas sobre o conhecimento e o desenvolvimento humano, ganhasse espaço

nos meios acadêmicos e nas instituições de ensino, contribuído para a orientação de muitas

práticas docentes. Ambos partem do princípio que o conhecimento é construído num processo

de evolução da mente e não simplesmente adquirido, o que consideramos fundamental,

quando se deseja um processo de ensino e aprendizagem voltado à democratização do saber e

à transformação das relações de poder.

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O Homem é capaz de produzir “teorias e relatos que nos permitem entender e até

mesmo explicar esse mundo e nossas atividades”, diz Bruner (2002, p. 214) num trabalho

sobre Piaget e Vygotsky. Bruner (2002, p. 214) quis assinalar o cerne das diferenças de

concepções desses dois estudiosos e clarifica: “A genialidade de Piaget estava em analisar o

papel fundamental das operações de tipo lógico na atividade mental humana; a de Vygotsky,

em mostrar como o poder do indivíduo repousa em sua capacidade de se apropriar da cultura

e da história como ferramentas intelectuais”.

Para o primeiro, interessa o caminho invariável como a lógica infantil se desenvolve

até atingir a lógica adulta, estudos que fizerem surgir as quatro sucessivas etapas do

desenvolvimento cognitivo que, embora com uma certa flexibilidade, estão associadas à idade

cronológica do indivíduo. Para o segundo, importa saber “como o material simbólico de uma

cultura consegue, pela interação social, tornar-se parte integrante do repertório do

pensamento” (BRUNER, 2002, p.218).

Vygotsky (1998) coloca como determinantes para o pensamento, as trocas sociais, que

são possibilitadas pela linguagem. O caráter político revolucionário presente nas suas idéias o

faz colocar em cena a consciência e a certeza de que tanto a mente reflete, como liberta o

Homem da cultura dominante. A Zona de Desenvolvimento Proximal, é uma questão central

na teoria de Vygotsky, ela é caracterizada pelo que o indivíduo ainda não é capaz de fazer

sozinho e que portanto precisa da ajuda de um mediador social, de alguém mais informado,

mais experiente.

Não podemos deixar de ressaltar a existência de uma maior proximidade entre a práxis

de Freinet e a teoria de Vygotsky, provavelmente, pelo fato deste psicólogo defender idéias

filiadas ao pensamento marxista, impulsionado pela crença de que era possível uma Rússia

diferente, a partir da revolução, assim como acreditava Freinet ser possível transformar as

circunstâncias na sua França de tantas desigualdades, a partir da revolução pedagógica da

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escola. Atribuir importância à linguagem e aos mediadores sociais entre o sujeito e o objeto a

ser conhecido, é o que defende Freinet, ao colocar, justamente, a cooperação e a expressão

livre como princípios fundamentais da sua pedagogia.

Os sentidos que o ser humano confere ao mundo, como vimos, acontece por caminhos

diferentes para esses dois estudiosos: conforme Piaget é pela prova, pela explicação e

justificação; e para Vygotsky é pela narrativa, pela interpretação e compreensão. Porém, seja

com o ambiente físico como valoriza Piaget, seja com o ambiente sócio-histórico como

aponta Vygotsky, a interação para Célestin Freinet vai além de uma teoria que explica como

se dá o desenvolvimento humano.

Com a pedagogia do educador francês, o interacionismo ganha vida na prática escolar,

impulsionado pelo materialismo escolar e pelas técnicas construídas e experimentadas tanto

por ele, quanto pelos seus seguidores espalhados por diversos países. A práxis freinetiana

demonstra, concretamente, como se constrói conhecimento, ultrapassando a assertiva teórica

que afirma ser o Homem capaz dessa construção.

Quer se analise do ponto de vista da filosofia, da sociologia, da psicologia ou da

didática, o fato é que a pedagogia Freinet apresenta-se atual, fundamentalmente, por se

permitir ser atualizada ao longo da história e pela concepção de que o trabalho deve ocupar

um lugar central, tanto na escola quanto nos outros espaços sociais. Freinet comunga de uma

das idéias mais vivas do pensamento marxista, a de que o trabalho é inerente ao Homem e que

através dele é possível superar as condições de alienação.

É por meio do trabalho que o Homem se constitui, em interação com a natureza e com

os outros Homens, sendo natural que esteja norteando a formação humana, como condição

para a emancipação (CAMBI, 1999, p. 483). Freinet (1995, p. 11 - Grifo do autor) nos diz:

“O trabalho será o grande princípio, o motor e a filosofia da pedagogia popular, a atividade

de que decorrerão todas as aquisições.”

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Com estas reflexões, objetivamos introduzir idéias fundamentais do campo teórico que

respalda a nossa pesquisa. Pretendemos que, a sistematização da organização pedagógica para

o ensino das quatro últimas séries do fundamental, seja apresentada nos três capítulos

seguintes deste trabalho, sem que incorramos no equívoco que assinalamos: o de parecerem as

técnicas Freinet, esvaziadas de intenções políticas e de um quadro teórico definido.

Síntese Integradora

Nesta introdução procuramos situar o leitor sobre o nosso objeto de estudo,

apresentando, também, um panorama geral de como e onde se deu a nossa pesquisa. Daqui

por diante adentraremos na parte concernente ao desenvolvimento deste trabalho, que

compõe-se de três capítulos, especialmente, voltados para a organização e análise dos dados.

São formados por categorias que emergiram do campo, em confronto com a essência da

pedagogia Freinet. Das análises brotaram informações valiosas, que foram dando contornos

aos planos de trabalho, que guiaram a pesquisa e até mesmo o momento de sistematização

deste texto dissertativo.

A nossa análise voltou-se para quatro grandes categorias que se mostraram

proeminentes, no cotidiano das salas de aula, fundamentalmente, por agruparem aspectos que

mostraram-se necessários à construção do nosso objeto de estudo. Essas categorias são

desenvolvidas nos três capítulos seguintes (segundo, terceiro e quarto), pois, optamos por

fundirmos duas delas, o que gerou o quarto capítulo, considerando-se que esta introdução

assume o posto de primeiro.

Em linhas gerais, o segundo capítulo dá conta de aspectos relevantes Para o

funcionamento da sala de aula, discutindo sobre o espaço, os tempos de aula, a planificação

das atividades e a organização cooperativa da sala de aula.

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O terceiro capítulo trata sobre o que é fundamental, na práxis freinetiana, Para a

construção do conhecimento, realçando o Tateamento Experimental e a idéia de Complexos

de Interesse, numa tentativa de responder a seguinte questão: Como se constrói o

conhecimento? Estaremos analisando as concepções que permeiam os discursos, as ações e as

atividades propostas pelos professores, acerca de como o sujeito conhece. Algumas técnicas

favorecedoras da aprendizagem, também, serão discutidas nesta parte do texto.

O quarto capítulo apresenta as técnicas e estratégias utilizadas na sala de aula e que se

prestam Para a comunicação e à documentação dos conhecimentos. Alertamos para o fato de

que teremos a preocupação de, no início de cada capítulo, fazermos um breve anúncio do que

nele estaremos tratando e, ao final, aduziremos uma espécie de síntese integradora, que

apontará para o capítulo seguinte. Estaremos, deste modo, buscando para este trabalho, uma

imagem de rede, onde teremos o desafio de tecermos as partes, de tal modo que o objeto de

estudo se revele, na sua completude.

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Você acha, eu sei, que a expressão canteiro de obras, como a palavra trabalho, de que louvo a nobreza, está excessivamente carregada de penas, de sofrimentos e de sacrifícios injustos. No entanto, repare como os seus alunos, quando não estão sob a sua dependência, organizam canteiros de obra: para desviar o curso de um riacho, encher um charco ou apanhar peixes; para fazer uma praça forte de um monte de areia, construir uma aldeia de índios... Que entusiasmo, que empenho, que atividade! Não economizam trabalho nem suor! Chegam sempre até o limite das próprias forças, pois é da natureza humana ultrapassar-se... Até se esquecem de comer!. . . Esse esforço não se realiza forçosamente num ambiente de risos e de canto - que são apenas uma das manifestações, e não a mais corrente, do verdadeiro trabalho. Há sofrimento e ranger de dentes. .. Há a vida! A criança sonha, à noite, com o seu canteiro, esperando impaciente o novo dia, para recomeçar. Você não acha que, se a Escola se tornasse também um canteiro de obras entusiasmando tanto como o monte de areia ou a cabana dos índios, se os seus alunos sonhassem com ela, à noite, se eles se entregassem assim, totalmente, músculos tensos e dentes cerrados, ao traba-lho... alguma coisa teria mudado na atmosfera das salas de aula e no rendimento dos seus esforços? Impossível! diziam os velhos pedagogos. ‘De brincar é que elas gostam, mas não de trabalhar’. Não gostam do trabalho nem do canteiro - e os adultos reagem da mesma maneira - se o esforço que têm de fazer não estiver ligado à sua vida profunda, a todo o seu comportamento não só econômico e social, mas também psíquico. Mas organize a Cooperativa escolar, essa sociedade de crianças que nasce espontaneamente logo que se trata de construir a cabana dos índios; dê aos seus alunos ferramentas de trabalho, uma imprensa, linóleo para gravar, lápis de cor para desenhar, fichas ilustradas para consultar e classificar, livros para ler, um jardim e uma coelheira, sem esquecer o teatro e os fantoches - e a Escola será esse canteiro em que a palavra trabalho aparecerá em todo o seu esplendor, ao mesmo tempo manual, intelectual e social, no seio do qual a criança nunca se cansa de procurar, de realizar, de experimentar, de conhecer e de subir, concentrada, séria, refletida, humana! Então, é o educador que se fará à sua imagem.

(FREINET, 1996, p. 84.)

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2- PARA O FUNCIONAMENTO DA SALA DE AULA

Freinet (1976a, p.52) nos ensina: “Não formamos um homem pré-fabricado, mas

homens vivos e dinâmicos.” Essa dinamicidade, pretendida para o processo de formação de

cidadãos, aponta para orientações que discutiremos ao longo de todo este trabalho. De modo

especial, este capítulo objetiva reunir os aspectos que identificamos, tanto no referencial

teórico, quanto nas observações das práticas e na análise das falas dos colaboradores da nossa

pesquisa, como sendo fundamentais para o funcionamento da sala de aula.

Questões como a composição do espaço, a distribuição e utilização do tempo, a

planificação das atividades e a organização cooperativa da sala de aula, serão aduzidas como

determinantes para que a ação pedagógica aconteça. O ambiente e o materialismo escolar,

como Freinet se referiu as ferramentas didáticas, devem reunir as condições para que ocorra a

construção de conhecimentos, ou seja, à aprendizagem, de forma significativa.

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2.1 O espaço

As limitações quanto ao espaço físico das escolas e das salas de aula brasileiras,

sobretudo das públicas, bem como os recursos didáticos disponíveis, amiúde, são objetos de

argumentação por parte de educadores para o não desenvolvimento de um trabalho mais

dinâmico e interativo. Embora atentando para a cautela que se deve ter nesse tipo de

justificativa para práticas, excessivamente, reprodutivistas, convém lembrarmos que é comum

alunos e professor se aglomerarem em espaços diminutos, dificultando ações básicas, como

uma disposição de carteiras que não seja o tradicional estilo de auditório.

Como dissemos, essa não é uma característica apenas das escolas públicas. De modo

geral, a engenharia e a ambientação dos espaços escolares, aliadas aos critérios, pouco

pedagógicos, elencados para a formação das turmas de alunos, são frutos de políticas

educacionais fundamentadas por uma concepção de educação que compreende ser suficiente

para o processo de ensino e aprendizagem, uma sala, carteiras, quadro, giz, caderno, lápis,

alguns livros, alunos interessados em aprender e o professor para repassar o conhecimento

que acumulou em alguns anos de estudo.

Há escolas nas quais, as mesmas salas e carteiras servem aos diferentes grupos de

alunos, independente de faixa etária. A infantilização de adolescentes e de adultos ou a

antecipação de estágios superiores impostos às crianças, revelam-se através do mobiliário

inadequado, que gera, por vezes, problemas de saúde, como é o caso das carteiras em que

crianças ficam por horas com as pernas penduradas ou, do contrário, adolescentes e adultos

com as pernas e a parte posterior do corpo desacomodadas. Podemos fazer uma asserção de

que tais situações são desencadeadoras de baixa concentração nas atividades escolares,

inquietação e indisciplina.

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Na sala de aula que trabalha com a pedagogia Freinet, a atenção em relação ao espaço

e ao mobiliário é tão importante quanto a que se deve ter com os outros aspectos que

envolvem a ação pedagógica. Em função disto, em algumas das suas publicações, Freinet

(1976a e 1995) tratou de descrever de forma minuciosa e de até representar, graficamente,

uma planta baixa de como entendia que deveriam ser os espaços para o trabalho escolar.

Acreditamos que tais orientações têm sido inspiradoras dos educadores Freinet, que, no

Brasil, procuram aproximar as condições reais dos prédios escolares, daquelas que seriam as

ideais. Cumpre-nos fazer justiça, dizendo que: conhecemos espaços escolares amplos e bem

equipados, bem semelhantes aos que sugere o mestre francês, porém ainda são casos isolados.

As quatro salas de aula onde realizamos a nossa pesquisa apresentam dimensões

diferentes, o que faz com que, em cada uma delas, o número de alunos seja adequado para a

acomodação do mobiliário disponível, das ferramentas mínimas necessárias e para permitir o

desenvolvimento do trabalho em pequenos grupos, individualmente e na grande roda de

discussão. As turmas não ultrapassam trinta alunos e constatamos uma variação de alturas de

carteiras para atenderem as diferentes estaturas dos alunos. O espaço das salas de aula da

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Escola Freinet ainda são insuficientes para a disposição de materiais em ateliês11 permanentes,

que promoveriam à dinamicidade orientada pela pedagogia Freinet, para o desenvolvimento

dos planos de trabalho. As salas contam apenas com duas estantes para acomodarem livros,

fichários e outros portadores de textos. Um armário fechado, que embora guarde materiais

para o uso coletivo, o acesso é restrito aos professores, conforme veremos mais adiante, ao

tratarmos da Reunião Cooperativa.

As repercussões da ausência de bancadas nas salas de aula para a exposição de

trabalhos e à acomodação de materiais, fica evidente, quando os alunos colocam sobre o

armário e improvisam com carteiras um local para as maquetes confeccionadas na aula de

geografia. A sala de aula freinetiana precisa ser viva no seu materialismo escolar, mesmo que

disponha apenas de estantes. Estas precisam ser bem aproveitadas, dispondo de materiais,

como: diversos tipos de lápis coloridos, de colas, papéis, cartolinas, tesouras, livros, revistas,

jornais, dicionários, fichários, álbuns, mapas, jogos, objetos para auxiliar em contagens,

materiais alternativos e recicláveis para os trabalhos em ateliês.

O espaço da sala é fundamental para que as técnicas possam ser desenvolvidas, em

favor das aprendizagens. Os materiais têm que ser acessíveis aos alunos, para que possam agir

com autonomia e independência, utilizando-os conforme as necessidades do trabalho que

desenvolvem em cada momento. Submetê-los a sempre ter que recorrer ao professor, é privá-

los da condição de membros da cooperativa, que é a sala de aula.

As paredes da sala revestem-se de uma função por demais significativa, elas são vivas

e funcionam como grandes murais, onde são afixados não somente os trabalhos, mas as

ferramentas indispensáveis à comunicação, à planificação das atividades, à organização

cooperativa da turma. Não se concebe uma turma de escola Freinet que não utiliza as paredes

de forma plena.

11 Sobre este tema, falaremos mais, no próximo capítulo.

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Um aspecto favorável merecedor de nosso registro, é o fato das salas de aula

pesquisadas serem exclusivas para uma turma, por não funcionarem outras nos demais turnos.

Isto confere alguns benefícios, que aqui destacamos pelo menos dois deles: primeiro, os

alunos não têm que se preocupar com os materiais deixados na sala; segundo, os únicos

responsáveis pela manutenção do espaço, dos materiais, das ferramentas são eles e os

professores.

Além da sala de aula, na Escola Freinet, existe um espaço com computadores,

denominado de Laboratório de Informática e uma biblioteca/sala de leitura com aparelhos de

televisão e vídeo cassete, que nos sugerem ateliês, devendo serem, de fato, extensões da sala

de aula. O ideal seria que existissem esses equipamentos nas próprias salas ou em espaços

entre cada duas delas, servindo para, no máximo, duas turmas por turno, o que permitiria aos

alunos uma maior independência para trabalharem, conforme os seus planos individuais de

trabalho, sem se prenderem a um horário fixado para o ano inteiro.

Concluímos que, na ausência de salas de aula que acomodem todos os ateliês

indispensáveis a um projeto freinetiano, as demais salas de trabalho existentes na escola,

devem ser percebidas e utilizadas como espaços de ateliês e não com se fossem novas salas de

aula para atividades pontuais. Neste sentido, devem ser disponibilizadas para atenderem,

principalmente, as demandas individuais e não apenas aquelas coletivas, orientadas para todo

o grupo.

Ferramentas disponíveis

No início dos nossos estudos sobre a pedagogia Freinet, no ano de 1996, elaboramos

uma idéia de como entendíamos a sala de aula freinetiana, dizíamos: “é uma oficina de

trabalho cooperativo, onde algumas técnicas mobilizam os alunos a cumprirem o papel social

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de comunicarem as suas descobertas e aprendizagens para o maior número possível de

pessoas” (SANTA ROSA. Sem publicação impressa). Este conceito nos acompanha até os

dias atuais, seja referendado pelo aprofundamento nas leituras, seja pela pesquisa ou pelo

acompanhamento de experiências pedagógicas em escolas brasileiras e em países europeus,

como é o caso de Portugal.

O espaço da sala de aula desprovido de recursos que favoreçam os tateios, à pesquisa e

portanto à aprendizagem, é incompatível com a proposta freinetiana. A ausência de

instrumentos para o trabalho e para a criação, tolhe a possibilidade dos alunos serem sujeitos

dos seus processos de formação. Porém, nem sempre as orientações expressas nos

documentos tomam vida no cotidiano escolar, resumindo-se o mobiliário e as ferramentas de

trabalho, a objetos como carteiras, quadro, giz, alguns livros e cartazes.

As observações que realizamos durante a pesquisa, nos fizeram constatar um dado

aparentemente incoerente: constatamos tanto a carência de ferramentas que melhor

enriqueceriam as experiências dos alunos, quanto a subutilização daquelas existentes, seja

dentro da sala de aula ou em outros espaços da escola.

Durante a primeira etapa de observações (ANEXO - B) pudemos verificar, em todas as

salas de aula, painéis disponíveis nas paredes, mas alguns sem nenhum uso e até mesmo sem

título, que identificasse a sua função. Refletimos com a Coordenação Pedagógica e a mesma

levou a discussão para a reunião pedagógica, ressaltando a necessidade da funcionalidade de

cada um deles, para a concretização da proposta da escola. Numa ação conjunta com a

Coordenadora, preparamos todos os murais, conforme as orientações da pedagogia Freinet,

ficando os seguintes:

a) Plano de Trabalho Coletivo – onde são visualizadas as atividades da semana. No item 2.3,

deste capítulo, estaremos melhor detalhando esta ferramenta enquanto técnica.

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b) Organização Cooperativa da Sala de Aula – as tarefas são repartidas entre os alunos e

alunas, que assumem responsabilidades e, neste painel, ficam os registros. No item 2.4,

deste capítulo, voltaremos a falar desta técnica, trabalhada durante a Reunião Cooperativa.

c) Regras de Vida – espaço para a documentação das regras para uma boa convivência,

definidas pelo grupo durante a Reunião Cooperativa. É uma espécie de Contrato assumido

por todos e que vai sendo reformulado de acordo com a necessidade de uma ou outra regra

permanecer visível, pelo fato de ainda requerer ser incorporada por algum membro do

grupo.

d) Auto e Hetero-avaliação – painel com a relação nominal dos alunos e uma legenda com os

conceitos discutidos no grupo. Durante a Reunião Cooperativa, cada aluno é avaliado pelo

grupo, se auto-avalia e registra, de acordo com a legenda, o conceito mais adequado para

o seu desempenho durante aquela quinzena. Este quadro é possível ser visualizado na

fotografia que apresentaremos no item 2.4, deste capítulo.

e) Freqüência – relação nominal dos alunos, com colunas para o registro da freqüência

diária, a ser feito por aquele ou aquela que esteja responsável por esta tarefa. Não se

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utiliza a prática do professor ocupar minutos da aula, fazendo a tradicional chamada que, em

algumas propostas, reduzem seres humanos a um número. Como as faltas tendem a ser raras,

ao final do mês os professores fazem os registros nos seus Diários de Classe.

f) Parabéns – neste painel, visto na fotografia anterior ao lado da freqüência, embora esteja

sem o título, são registrados os dias dos aniversários de alunos e professores, reforçando

os laços de afetividade, amizade e companheirismo. A periodicidade de renovação fica a

critério de cada turma.

g) Áreas de Conhecimento – mural para a exposição dos textos, resultados de pesquisas,

matérias jornalísticas, curiosidades, trabalhos em geral. No quarto capítulo voltaremos a

este tema, ao tratarmos da técnica do jornal escolar.

Além dos painéis, alguns livros e caixas são estruturadas, pois compõem o conjunto de

ferramentas fundamentais para o desenvolvimento das técnicas de trabalho, vejamos:

a) Caixas para os Fichários – têm um mesmo tamanho e são disponibilizadas numa das

estantes, servindo para acomodarem as fichas de estudo. No capítulo seguinte trataremos

de forma detalhada, enquanto técnica de trabalho favorecedora da aprendizagem.

b) Caixa do Diário de Turma – na experiência da Escola Freinet, esta caixa faz a função do

jornal mural defendido por Freinet. É uma caixa de madeira com três aberturas, onde são

deixados textos, conforme três categorias: Parabenizo, Critico, Sugiro. Na Reunião

Cooperativa os textos escritos, no período, são lidos, discutidos e, quando necessário, são

dados encaminhamentos. A idéia da caixa, tem o intuito de não inibir a liberdade de

expressão, apesar de todos os registros só serem considerados válidos quando trazem a

identificação dos seus autores. O fato dos escritos não ficarem expostos, com isto evita-se

alguns conflitos durante a semana, pois o painel desencadeia a leitura esvaziada da

discussão.

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c) Livro da Vida da Turma – encadernação de folhas em branco, no tamanho que a turma

fizer a opção, trazendo página inicial com uma apresentação e o objetivo do livro. A capa

é ilustrada pelos alunos e o conteúdo é uma construção individual e coletiva, num

processo, que estaremos tratando no quarto capítulo deste trabalho.

d) Livro de Atas da Reunião Cooperativa – encadernação para os registros e à documentação

das discussões e encaminhamentos das Reuniões Cooperativas. É organizado pelo aluno-

secretário ou aluna-secretária de cada Reunião.

O materialismo escolar de Freinet tem o objetivo de dar o aspecto de vida ao

ambiente escolar e um significado à aprendizagem. “Narrar, escrever para ser lido, discutido,

criticado, era a grande motivação a descobrir; a imprensa e as trocas realizam-na maravilhas”

(BALISSE, 1977, p. 96) e foi a busca desses sentidos para o trabalho escolar, que fizera

Freinet (1974a, p. 11) buscar a tecnologia da época para a sua sala de aula, disse: “A própria

escrita manuscrita tende a minimizar num mundo em que a máquina de escrever, a poligrafia,

o disco, a rádio, o cinema, a televisão, o gravador intensificam e aceleram a intercomunicação

e as trocas.”

Diríamos que a tecnologia de hoje permite intercâmbios e trocas que as escolas

precisam tirar proveito, a exemplo do que fizera Freinet. Entretanto, na época dos recursos

multimídia as escolas agonizam, restringindo-se ao uso de manuais escolares e de um ou outro

recurso, de forma pontual, com um caráter, meramente, de atender ao aspecto novidade. A

Escola Freinet dispõe de aparelho de fax, copiadora, computadores com impressora e

conectados a internet, filmadora, aparelho de som com entrada para gravações, uma

tecnologia que pouco é utilizada com um fim pedagógico.

As práticas e as falas dos colaboradores da nossa pesquisa, revelam a dificuldade à

exploração dos textos dos alunos, ampliando os seus saberes, a partir das ferramentas

disponíveis na escola e aqui já referenciadas. A posição que se concede ao livro didático

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decorre, possivelmente, do fato de ainda não terem descoberto as possibilidades das

ferramentas e técnicas de trabalho propostas no projeto da escola. Tais posicionamentos

poderão ser clarificados, no segundo capítulo deste trabalho, ao analisarmos algumas imagens

que os professores utilizam para representarem como o sujeito conhece.

2.2 O tempo

Na condição de professora-pesquisadora, atuando como docente na escola pública,

realizamos, durante cinco semestres letivos (do ano de 1995 a 1997.1), um estudo de caso,

objetivando constatar o número de dias letivos, que, verdadeiramente, ocorriam para os alunos

de uma sala de aula, cuja professora era exemplo de assiduidade e pontualidade. Incomodava-

nos o não cumprimento dos tempos de aula e, conseqüentemente, dos dias letivos,

comprometendo a qualidade do ensino. Ao relatório final demos o seguinte título: “Escola

Pública: afinal, quantos dias letivos?” Divulgamos esse trabalho junto a órgãos gestores do

ensino público e um resumo foi publicado num dos jornais12 de grande circulação no nosso

Estado.

Constatamos que, dos 459 dias letivos previstos para os cinco semestres daquela

escola pública, apenas 277 foram cumpridos, produzindo um déficit de 40%. A idéia que

defendemos parece óbvia: se a escola não funciona, fica difícil acontecer um ensino tanto de

boa, quanto de má qualidade. A cultura do fracasso escolar é analisada nos meios acadêmicos

a partir de diversos condicionantes internos e externos a escola, porém pouco se refere a

questão do tempo, provavelmente para não se correr o risco de ressaltar aspectos quantitativos

e parecer que são mais importantes do que os qualitativos.

12 Diário de Natal - DN Educação. Natal/RN- 18/06/1998, p. 2 e 5.

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Na Escola Freinet, alguns educadores, não somente os do ensino de 5ª a 8ª séries,

dizem ser difícil trabalhar com a pedagogia Freinet, justamente pelo fato da escola não ser de

tempo integral, numa alusão a escola francesa, que adota este modelo. Dizem não dar tempo

de realizar a rotina que seria necessária à práxis e que se trabalhassem exclusivamente na

escola é que se tornaria possível realizar um trabalho a contento.

As observações da rotina da escola, acompanhando, numa mesma turma, do início ao

final das manhãs de aula, bem como durante as reuniões pedagógicas, nos faz aduzir algumas

considerações: primeiro, se a escola fosse de tempo integral, certamente a carga horária

efetiva não seria tão diferente assim, já que, neste tipo de escola, ocorrem paradas para

almoço, descanso e lanches; a segunda consideração decorre da nossa percepção de que a

prática da Escola Freinet requer um melhor aproveitamento do tempo por parte de alunos,

educadores e membros da equipe administrativo-pedagógica, pois o nosso diário de campo

registra sucessivas reincidências de alunas e alunos que chegam a escola com até quarenta

minutos de atraso. Alguns educadores e alunos retardam a entrada em sala de aula, mesmo

após o sinal de retorno aos trabalhos.

No que se refere à assiduidade nos encontros pedagógicos, educadores como E2, E3,

E7 e E8, todos sócios da COOPERN, chegaram a faltar mais de 70% dos encontros agendados

no calendário letivo, conforme levantamento (ANEXO - H) feito pela Coordenação

Pedagógica e coerente com os dados registrados no nosso diário de campo. Alertamos sobre o

citado levantamento, quanto ao fato de destacar apenas os Cooperantes, pois os educadores

contratados eram assíduos e pontuais em todos os encontros.

As faltas de alguns docentes às atividades em sala de aula, geraram um déficit nos

conteúdos das suas respectivas disciplinas, sem que houvesse qualquer proposta de reposição

de aulas. Além desta causa, perdas foram computadas em função de vários dias feriados, entre

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outros eventos, terem se concentrado, coincidentemente, nos mesmos dias da semana,

comprometendo o cumprimento do programa de algumas disciplinas.

Acompanhamos vários momentos, inclusive em reuniões pedagógicas, em que apenas

E9 solicitava um tempo extra para trabalhar com turmas que estariam prejudicadas com o

excesso de perdas de aulas, dizia: “os feriados e eventos ocorrem sempre nos dias das minhas

aulas nessas turmas. Os alunos precisam ver conteúdos, que são fundamentais para a base que

eles precisam. Preciso de aulas extras aos sábados ou em algumas tardes.”

Surpreendentemente, outros educadores, nas suas respectivas disciplinas, tinham situações

idênticas ou mais complicadas do que E9, mas não tinham as mesmas preocupações e ouviam,

passivamente.

Os argumentos de ETPA4 eram insuficientes para convencer E9, vejamos o que dizia:

“se a escola permitir que você reponha as aulas, vai ficar numa situação complicada, pois vai

abrir um precedente. Seria difícil explicar aos pais e aos alunos as razões de outros

professores não fazerem o mesmo.” E9 mostrou-se irredutível e o tema chegou a outras

instâncias da Cooperativa, quando finalmente foram agendadas as aulas extras, apenas da sua

disciplina.

Ao levantarmos a questão da reposição de aulas, queremos ressaltar que, numa escola

que deseja a qualidade nos seus processos educativos, não basta alguém suprir a falta do

professor com uma atividade extra, às vezes improvisada, para atender a uma emergência. É

preciso que a turma não tenha o seu programa de aprendizagens comprometido e daí a

importância da escola se organizar para que, diante da impossibilidade de comparecimento de

algum docente, que não foi o caso de E9, realizar as trocas de horário/dia com colegas de

outras disciplinas, recorrendo aos momentos extras, apenas quando não tiver uma outra

alternativa.

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Nas reuniões em que o tema foi discutido refletimos com o grupo sobre a necessidade

da equipe ficar atenta aos feriados, entre outros eventos, evitando prejuízos em razão de

acontecerem sempre em dias das aulas de determinadas disciplinas. É óbvio que a escola não

tem o poder de modificar o calendário nacional, mas poderá alterar o seu plano semanal de

atividades. Exemplificaremos, de modo que fique mais claro o que propomos: se as aulas de

Geografia, na turma da 5ª série, estão concentradas na terça-feira e durante o ano letivo vão

acontecer três feriados neste dia da semana, além de outros eventos internos, a escola deverá

se organizar para que, em algumas dessas semanas as aulas de Geografia ocorram nos dias e

horários de outras disciplinas. Seria uma forma de equilibrar, atenuando prejuízos, que, do

contrário, estariam concentrados em determinadas áreas de conhecimento.

Ainda no que concerne a ausência de um bom aproveitamento do tempo, destacamos

os momentos em que os alunos, de forma improvisada, foram convidados a tomarem parte de

atividades, envolvendo todos da escola, quando nem mesmo o professor que conduzia as

atividades, num dado momento, estava a par do que iria acontecer. O resultado dessa prática,

são situações que, pela falta de planejamento, não assumem o devido caráter pedagógico,

gerando dispersão no grupo e até atitudes de indisciplina.

Malgrado esta situação, ressaltamos um aspecto extremamente positivo, que é o fato

da Escola Freinet trabalhar, já a partir da 5ª série, com uma carga horária de seis horas-aulas

diárias, quando grande parte das escolas, nesta fase, ainda trabalha com apenas cinco. São

trinta horas-aulas semanais e o horário é das 7 às 12 horas, com duas aulas de cinqüenta e

quatro aulas de quarenta minutos.

Os horários das aulas e a distribuição das disciplinas

Não temos como objetivo, nesta parte do trabalho, analisarmos a questão da

fragmentação disciplinar e as repercussões para o processo de ensino e aprendizagem. Esta

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conotação daremos no próximo capítulo. Entretanto, nos cabe destacar a forma como os

tempos de aula estão repartidos entre as disciplinas, destacando o número de horas-aulas para

cada uma e para algumas atividades específicas. O gráfico a seguir ajudará nas nossas

reflexões:

Como vemos, o cronograma da Escola Freinet dispõe de uma hora-aula para as

atividades no Laboratório de Informática e outra para a Sala de Leitura, mas não são espaços

tomados como sendo ateliês, que estão a serviço do trabalho escolar e, em princípio, sem

filiação a uma única disciplina. Existe ainda, uma hora-aula destinada para que cada professor

oriente um grupo de alunos em pesquisas individuais e outra hora-aula para a realização da

Reunião Cooperativa. Trata-se de uma divisão que já não atende somente à lógica disciplinar,

mas que a equipe imprime um caráter disciplinar, pelo menos em relação às duas primeiras

atividades.

No ANEXO – D temos o horário das aulas da turma da 6ª série, quando é possível

analisarmos um aspecto extremamente positivo da proposta da Escola Freinet, justamente no

que diz respeito à concentração das aulas, em momentos seqüenciados. Apenas as disciplinas

6

5

333

2

2

211 1 1 Português

Matemática

Ciências

Geografia

História

Inglês

Arte

Ed. Física

Lab. Informática

Sala de leitura

Projeto de Pesquisa Extra-Curricular

Reunião Cooperativa

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de Português e Matemática, em razão de terem um número maior de horas de atividades, têm

dois encontros semanais.

Essa práxi apresenta coerência com a perspectiva da não fragmentação do

conhecimento, superando ao ensino em migalhas, que, como afirma Freinet (1996, p. 31):

“Só há migalhas na nossa vida de educadores. [...] Migalhas de leitura, [...] Migalhas de

história, [...] Migalhas de matemática e migalhas de ciências, [...] Migalhas de moral, [...]

Migalhas de arte... Migalhas de aula, migalhas de horas de trabalho”. Entretanto, esta proposta

ainda não supera a hierarquia entre as disciplinas, razão pela qual apresentamos, a seguir, uma

outra proposta para repartir os tempos de aula entre as disciplinas, que chegamos a discutir

com a Equipe Técnica Administrativa-Pedagógica e com um grupo de educadores:

Desta forma, a carga horária semanal passaria a ser de trinta e duas horas, pois as duas

aulas de Educação Física aconteceriam fora do período das 7 às 12 horas. Durante as nossas

observações, percebemos o quanto é problemático o retorno à normalidade das atividades

após a turma freqüentar os momentos de Educação Física. Os alunos retornam

4

4

4

44

4

4

2 1 1Português

Matemática

Ciências

Geografia

História

Inglês

Arte

Ed. Física

Projeto de Pesquisa Extra-Curricular

Reunião Cooperativa

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excessivamente cansados, transpirando e com baixa concentração, além de demorarem cerca

de vinte minutos para entrarem em sala de aula.

Com o Laboratório de Informática e a Sala de Leitura assumindo, ambos, o lugar de

ateliês, disponíveis para todas as disciplinas, e mais as duas horas-aulas deixadas pela

Educação Física, vinte e oito horas seriam repartidas, igualmente, por sete disciplinas,

preservando-se a hora-aula da Reunião Cooperativa e a da Orientação do Projeto de Pesquisa

Extra-Curricular. Cada disciplina teria quatro horas-aula, uma vez que o aluno lê, escreve,

interpreta, discute, pesquisa, raciocina, resolve problemas, constrói conhecimentos, expressa o

que sabe, não somente em Língua Portuguesa e Matemática, mas em todas as áreas. Portanto,

entendemos que não há razão para tão forte hierarquia na divisão dos tempos das aulas,

priorizando umas disciplinas em detrimento de outras, igualmente importantes.

2.3 A planificação das atividades na educação do trabalho

Ensina Freinet (1996. p.45): “O educador não vai mais se contentar com ordenar tudo,

hora após hora, por iniciativa própria. Estabelecerá os planos de trabalho em colaboração com

as crianças.” A prática pedagógica respaldada pelas idéias freinetianas, necessariamente, está

vinculada a ações planejadas pelo professor, pelos alunos e por ambos, onde os objetivos

estão bem definidos e são o norte para a construção do sucesso escolar. Freinet (1976a, p. 74)

fala em “uma ordem nova baseada nos planos de trabalho”, e prossegue, fazendo observações

sobre os planos de trabalho da escola tradicional: “são definidos no exterior, com freqüência

na capital, através dos manuais escolares, dos programas e dos horários” (1976a, p. 74).

Não se trata de querer um outro currículo para as escolas Freinet baseado somente nas

vontades dos alunos, mas de adaptar o currículo oficial às suas necessidades e centros de

interesse. Esta práxis torna-se possível no instante em que o professor flexibiliza o seu

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planejamento, ouvindo as demandas do grupo e levando em consideração as questões

desencadeadas, por exemplo, a partir dos textos livres apresentados. A avaliação do trabalho

da semana e as sugestões para a semana seguinte, colocadas tanto na Reunião Cooperativa,

quanto no cotidiano, conferem a condição de planificação participativa, que foge das práticas

autoritárias.

Na Escola Freinet, o Plano Anual elaborado pelos professores, define as competências

e habilidades que, durante o ano letivo, espera-se que os alunos de cada turma construam,

tendo como base as orientações curriculares nacionais. Os conteúdos são relacionados de

acordo com cada disciplina, mas cada uma delas tem o seu espectro de competências, que

mais se confunde com objetivos. Seria por demais interessante que a escola avançasse para a

definição de um espectro de competências a serviço dos projetos dos alunos, que deverão ser

os primeiros a terem essa clareza, e que cada professor voltasse os conteúdos da sua disciplina

para, de forma contextualizada, possibilitar que os alunos construam as competências e não

apenas dominem conteúdos de uma ou de outra disciplina.

Tomando como referência a experiência com os planos de trabalho, relatada pelo

educador Nadeau, companheiro de Freinet, constatamos que o Plano Anual funciona como

guia para o professor, para os alunos e para os pais, ele diz: “Este plano serve-me por isso de

guia [...] e de consciência, pois recorda-me a cada instante que, apesar de tudo, tenho

programas que devo respeitar.”(In: FREINET, 1976a, p. 79). A Escola Freinet, embora sem

ser uma prática efetiva, se propõe a distribuir o programa de conteúdos a serem trabalhados

durante o ano letivo, para que os alunos assinalem cada um, a medida que forem estudando.

Entretanto, numa das reuniões com os pais, após dois meses de aula, alguns

reclamavam a não distribuição, até então, desse programa de conteúdos. A causa de tamanha

falta, foi objeto de discussão em diversas reuniões pedagógicas, em que ETAP1 solicitava aos

colegas educadores a definição e a apresentação dos seus planos. Alguns docentes parecem

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não ter descoberto o valor pedagógico do guia, que Nadeau relata: “Os meus alunos[...], como

eu, escurecem as respectivas casas. Fazem questão nisso e nunca se esquecem de me dizer:

‘ainda falta ver isto[...]’[...] consultamos os planos anuais e baseamo-nos nas casas que estão

em branco” (In: FREINET, 1976a, p. 79). As casas são os espaços para assinalar, a medida

que cada conteúdo for sendo estudado.

Definido o Plano Anual de cada turma, ao longo do ano o trabalho escolar é

organizado de forma cooperativa, através do Plano de Trabalho Coletivo, que, na Escola

Freinet, é definido semanalmente e, também, pelo Plano Individual de Trabalho.

O Plano de Trabalho Coletivo

A organização deste tipo de Plano está ligada diretamente a utilização do tempo, pelos

professores das diferentes disciplinas. Tomando por base os relatos de experiências de Freinet

e de seus companheiros (FREINET, 1976a, p. 102), propomos que a programação diária

contemple, nas suas seis horas-aulas:

a) Duas horas-aulas de Trabalho Coletivo – o professor mediando o processo de

sistematização de estudos e discussões, dialogando com a turma toda. No dia em que ocorre

a Reunião Cooperativa o momento de Trabalho Coletivo é contemplando com essa

Reunião;

b) Duas horas-aulas de Trabalho em Grupos – os alunos agrupados para desenvolverem

atividades comuns aos seus interesses. Durante a nossa pesquisa não vimos em nenhum

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momento grupos se formarem pelas opções dos alunos em relação a um determinado projeto,

tema a ser estudado ou trabalho a ser realizado, como estaria mais coerente com a pedagogia

defendida pela escola. Os agrupamentos se deram sempre por afinidades e relações de

amizade, chegando a ocorrer, também, através de sorteio. No dia de Orientação do Projeto de

Pesquisa Extra-Curricular, o momento de Trabalho em Grupo estaria sendo contemplado,

nessa ocasião;

c) Duas horas-aulas de Trabalho Individual – cada aluno realizando atividades, conforme um

Plano Individual de Trabalho.

Em todos os momentos diários, o professor deve voltar as suas atenções para o

acompanhamento do que o aluno aprendeu ou não apreendeu, de modo que norteie o trabalho

planificado semanalmente. Os encontros pedagógicos, entre os educadores, assumem uma

importância fundamental para a organização do Plano de Trabalho Coletivo, de modo que o

planejamento de cada um apresente-se, em sala de aula, dentro de uma unidade, que

contemple, durante uma manhã de aulas, os momentos coletivos, em grupo e individuais.

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A ausência dessa organização e planejamento é que torna a escola enfadonha, já que é

freqüente passarem dois ou três professores pela sala de aula, numa mesma manhã e, às vezes,

todos utilizando uma mesma dinâmica, quase sempre o trabalho coletivo, arraigado na prática

tradicional da aula expositiva, que confere ao professor toda capacidade de transmissão das

informações que os alunos terão que se apropriarem.

Sobre a prática dos docentes das turmas pesquisadas, durante a entrevista, uma das

lamentações: “Nem sempre o Plano de Trabalho Coletivo é preenchido por todos os

professores logo na segunda-feira” (E9). Além das lacunas deixadas pelos que não explicitam

o planejamento, preenchendo o painel exposto na parede da sala, observamos que alguns

educadores percebem o Plano de Trabalho como se fosse um cronograma, destacando,

unicamente, o horário da sua disciplina e deixando de explicitar o que e como será trabalhado

durante os seus tempos de aula, como podemos verificar, pela fotografia, a seguir, feita numa

terça-feira do mês de outubro, após meses de discussões e de estudos, objetivando

implementar esta prática:

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Uma outra fala, destaca: “É preciso existir mais compromisso de todos para que o

Plano esteja completo a cada segunda-feira. Ele guia os alunos e os professores” (ETAP1).

Percebemos nesta fala que há uma compreensão sobre a finalidade do Plano de Trabalho.

Chegamos a conferir alunos, após a saída de um professor da sala de aula para a entrada de

um outro, verificando o Plano de Trabalho Coletivo, como se quisessem saber o que teriam

pela frente e o material que iriam utilizar.

Numa das suas aulas, E4 iniciou fazendo um roteiro da mesma, num dos cantos do

quadro-negro. Não havia compreendido o sentido do Plano de Trabalho Coletivo afixado

numa das paredes da sala, pois nada estava escrito no espaço reservado a descrição do

desenvolvimento da aula, naquela disciplina. Refletimos com E4, durante conversa individual,

sobre o roteiro que escrevera no quadro ser o mesmo que deveria constar no Plano de

Trabalho, afixado na parede. Posteriormente, ampliamos a discussão numa das reuniões

pedagógicas. E4 passou a registrar o seu roteiro de aula, antecipadamente, no Plano de

Trabalho Coletivo, mas ainda assim de forma reduzida a algumas informações que não

expressavam a amplitude do trabalho que, concretamente, realizava.

Durante a entrevista, E5 diz: “Eu me identifico demais com os princípios pedagógicos

da pedagogia [Freinet]. E aí, daí eu procuro fazer a minha prática. Eu não me prendo muito à

parte, é...é aquela parte de estar se preocupando exatamente em fazer a metodologia.” Esta

fala é reveladora do não comprometimento com as técnicas e ferramentas de trabalho

propostas pela pedagogia que a escola optou. É legítimo que o professor não reduza os seus

procedimentos de ensino às técnicas propostas por Freinet, pois, se assim o fizesse, estaria

colaborando para o envelhecimento de tão rica experiência pedagógica.

Embora chegue a ser pleonástico, não é demais atentarmos para o fato de que o

professor que trabalha com a pedagogia Freinet tem liberdade para inovar, criar, produzir,

construir, agregar estratégias, técnicas e ferramentas que favoreçam às aprendizagens dos

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alunos, desde que o faça à luz dos Invariantes Pedagógicos, que Freinet anunciou como sendo

orientadores daqueles que desejarem uma práxi freinetiana. Trata-se de uma pedagogia que

convida o educador a ser reflexivo e pesquisador da sua prática.

Na sua tese de doutoramento, Carvalho (1999) desenvolve um texto por demais

significativo para contextos escolares, cujo valor consideramos indispensável a esta nossa

discussão. Apoiando-se numa base teórica consistente, a autora chama a atenção para o

entendimento de que “a reflexão é um instrumento essencial ao desenvolvimento do

pensamento e da ação docente.” (CARVALHO, 1999, p. 71). Coloca em cena a figura do

professor reflexivo, tão evocada nos tempos atuais, especialmente por Donald A. Schön, que

“propôs o conceito de reflexão-na-ação como o processo pelo qual os professores aprendem a

partir da análise e da interpretação de sua própria atividade” (CARVALHO, 1999, p. 72).

A despeito do que acabamos de analisar, chamamos a atenção para a fala de um dos

colaboradores da nossa pesquisa:

Aquele plano de aula pra pregar no quadrinho, aquilo ali me, me, me dá uma dificuldade, porque eu planejo ali no meu caderno, eu sei o que vou fazer, mas às vezes, a, a, a dinâmica da aula é tão diferente que corre o risco de você ter colocado uma coisa ali e fazer outra e você ter que tá analisando porque que não faz. (E5 - Grifo nosso)

É preocupante que existam docentes da Escola Freinet que vêem como sendo um problema ter

que refletir sobre a própria prática, além de não tomarem para si a responsabilidade com a

execução do projeto pedagógico da instituição, pois compromete a unidade tão necessária ao

sucesso dos processos de ensino e aprendizagem. Basta que imaginemos a organização do

Plano de Trabalho Coletivo, quando, na equipe, existem membros que pensam como E5.

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O discurso de E5 apresenta vários outros aspectos que mereceriam ser analisados, mas

vamos destacar o fato de que: contar com a possibilidade de alguma mudança na aula

planejada deve ser inerente a prática pedagógica numa perspectiva progressista, porém, deve

ser tomada como exceção e não tornar-se uma regra. É natural que, ocasionalmente, ocorram

mudanças no planejamento, em virtude de demandas do momento, mas é discutível quando

essas mudanças ocorrem sempre, pois torna a prática espontaneista e baseada na

improvisação. A reflexão sobre a prática deve acompanhar o professor das escolas Freinet,

não somente para registrar o que não fez, como teme E5, mas, sobretudo, para analisar o que

fez, o que foi positivo, o que não foi positivo, o que precisa ser redimensionado.

Conhecendo o Plano de Trabalho Coletivo, os alunos se programam e aprendem a se

organizar durante os dias da semana, selecionando os livros e outros materiais que precisarão

transportar, diariamente, de casa para a escola e desta para casa. Alguns antecipam estudos,

fazem os seus próprios planos, tendo como referência as responsabilidades e as atividades a

cumprirem durante os cinco dias. O Plano serve de subsídio para que, ao final da semana,

cada um se auto-avalie e seja avaliado, por ocasião da Reunião Cooperativa.

Trabalhar com os Planos de Trabalho requer a disciplina e a organização que Freinet

tanto fez referência, como sendo condições para a implementação da sua pedagogia. Conhecer

os pressupostos que a fundamenta evitaria posições do tipo: “Eu não consigo, não me

amarrem que eu não faço. Eu tenho que ter uma diretriz, mas, exatamente aqueles passinhos,

não dá não.” (E5). Os “passinhos” aos quais se refere são nada mais do que a síntese do

planejamento de cada aula, que é exposta no Plano de Trabalho Coletivo e que parece não ter

sido compreendida a razão de ser.

Um dos grandes desafios para a prática da pedagogia Freinet no ensino de 5ª a 8ª

séries e, especialmente, para a utilização dos planos de trabalho enquanto guias, é um

planejamento coeso dos professores, que revele a inteireza da adesão da equipe à proposta da

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escola. Somente com uma visão de conjunto é possível definir a dinâmica das aulas, pensando

na divisão dos tempos de aula. Para ilustrar essa idéia apresentamos o seguinte exemplo: se na

manhã de segunda-feira a turma tem três aulas de Português e três de História, os professores

das respectivas disciplinas terão que entrar em consenso sobre qual ou quais momentos

(trabalho coletivo, em grupo e individual) se responsabilizarão por desenvolvê-los.

Uma boa alternativa é o sistema de rodízio entre os que trabalham no mesmo dia,

numa determinada turma, consistindo, em: se numa semana a aula de Português da segunda-

feira foi dividida em momentos coletivos e em grupo é porque a de História, que ocorre no

mesmo dia, terá um momento coletivo e outro individual. Sendo assim, na semana seguinte o

trabalho em grupo da disciplina de Português, será substituído pelo individual e o individual

da disciplina de História será substituído pelo grupal. Enfim, as estratégias de organização

fica por conta do planejamento e da organização dos docentes de cada escola.

Sabemos não ser uma tarefa fácil estruturar um planejamento coletivo, dada a

realidade em que os educadores trabalham em várias escolas, porém, se desejarem

desenvolver a proposta da escola e se os momentos das reuniões pedagógicas forem bem

aproveitados, juntando-se a um bom trabalho de articulação por parte da Coordenação

Pedagógica, é possível uma planificação coletiva das atividades, estabelecendo-se boas

parcerias entre os docentes, sobretudo entre aqueles que trabalham no mesmo dia, em uma

turma.

O zelo para que o Plano de Trabalho Coletivo seja cumprido deve ser uma

preocupação de todos os educadores e educandos. Aos primeiros, cabe o acompanhamento

não somente da parte correspondente as suas disciplinas, em específico, mas do todo,

alertando a turma, durante as suas aulas, para os trabalhos agendados, às solicitações dos

demais professores e os compromissos de cada um para com o desenvolvimento do Plano

Coletivo e dos Planos Individuais de Trabalho.

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O Plano Individual de Trabalho

Educar cidadãos, é o objetivo mais marcante da pedagogia Freinet. É também aquele

que permeia o discurso circulante entre os educadores da atualidade, é também o que

encontra-se expresso nas letras oficiais. Porém, educar cidadãos significa colocá-los no centro

do processo, numa posição de participante ativo, exigindo da escola, uma organização técnica

e pedagógica que fuja das turmas formadas como se fossem massas anônimas, onde

predomina a impessoalidade e o trabalho em rebanho13.

É um paradoxo falar em vivência da cidadania, em valorização das diferenças e dos

ritmos de desenvolvimento de cada pessoa, em salas com quarenta ou cinqüenta alunos, pois

compromete o acompanhamento individualizado do professor, o espaço à comunicação, à

expressão e para o entendimento do grupo. Nestes casos, anulam-se as possibilidades de

desenvolvimento de uma proposta progressista e ganham força os recursos da escola

tradicional, que apelam à memorização mecânica e ao excessivo verbalismo.

A busca da coerência entre os aspectos estruturais, que envolvem a escola e as ações

dos educadores, são determinantes para o projeto de uma escola democrática, que tem a

missão de formar pessoas e não apenas instrui-las. Transcender do papel de instruir para o de

educar, certamente, justificou a defesa feita por Freinet, explicitada num dos seus trinta

Invariantes Pedagógicos (FREINET, 1978a, p. 200-201), que trata da importância de ser ter,

no máximo, vinte e cinco alunos por sala de aula.

Permitir que o aluno seja cidadão e que, em alguns momentos, escolha o trabalho que

13 Metáfora utilizada, incansavelmente, por Freinet para criticar a forma como o projeto pedagógico da Escola Tradicional desconsidera os interesses e as necessidades dos alunos, tratando-os como se fossem todos iguais, com os mesmos projetos, os mesmos sonhos, os mesmos desejos. Sendo possível, por esta razão, o trabalho em grupos numerosos.

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deseja realizar, que vai gerar maior satisfação, atendendo as suas necessidades profundas, são

as possibilidades permitidas para um grupo de vinte e cinco, no máximo trinta alunos. Esta

dinâmica acontece através do Plano Individual de Trabalho ou PIT, como é mais conhecido na

Escola Freinet.

O PIT está voltado para ser desenvolvido no momento do trabalho individual e

naqueles minutos livres, entre uma atividade e outra. O aluno que estuda numa escola

freinetiana jamais deixa de ter o que fazer em casa, pois o PIT chama para a responsabilidade

com o cumprimento de atividades que ele mesmo escolheu. É estruturado a partir de um leque

de propostas apresentadas pelos professores, com base no currículo, nos projetos em estudo,

nas necessidades de aprendizagens dos alunos e nas sugestões feitas durante a Reunião

Cooperativa.

Freinet (1995, p. 45 - Grifo do autor) sugere: “um plano de trabalho individual para

uma semana, no qual a criança [o aluno] inscreve as tarefas que quer e deve realizar e por cuja

execução ela mesma zela.” Executar uma tarefa que não deseja é um convite para atitudes de

indisciplina. O PIT imprime um clima de liberdade organizada, decorrente do compromisso

que o aluno assume com o cumprimento das atividades por ele escolhidas. Constrói a

consciência de que pode escolher o que fazer num dado momento e até mesmo o ritmo de

trabalho, mas, necessariamente, sabe que terá de cumprir o seu Plano até o final da semana ou

mesmo de uma quinzena.

Ao organizar o Plano Individual de Trabalho, o aluno dá um aceite de que o cumprirá

durante um determinado período, consciência que se constrói a partir do princípio da

Educação do Trabalho, que confere responsabilidades para aquele que aprende. Deste modo,

estudar deixa de ser um ato penoso, imposto pelos pais e professores aos filhos e alunos,

respectivamente. É uma prática que favorece, desde cedo, a construção da autonomia, da

“noção de ordem, controle de si, confiança, amor pela conclusão do trabalho, que evoluirá em

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consciência profissional, equilíbrio e paz, conquistados em virtude do trabalho” (FREINET,

1995, p. 45.).

No seu estudo sobre Contrato Didático, Joannaert e Borght (2002) discutem o conceito

de contrato em seus diversos significados, desde o sentido estrito do termo, passando pelo

conceito de Contrato Social proposto por Rousseau e de Contrato Pedagógico, este último,

bastante utilizado, atualmente, nos meios escolares, cujos pressupostos apresentam-se

bastantes semelhantes com as idéias de Freinet, ao estruturar a sua proposta de Plano

Individual de Trabalho. A este respeito, Joannaert e Borght (2002, p. 159) fazem a seguinte

colocação: “O contrato pedagógico é considerado, então, como uma ‘técnica de

ensino/aprendizagem’ que permite que um professor negocie com um aprendiz um trabalho

pessoal que corresponda a um objetivo determinado.”.

Como dissemos, as aproximações são facilmente constatadas e, assim como no PIT,

no contrato pedagógico é possível vivenciar a heterogeneidade, característica dos grupos

humanos, uma vez que, “o próprio aluno escolhe a natureza e a dificuldade da tarefa que

deseja cumprir. Depois disso, compromete-se com o professor, mediante contrato, a realizar a

tarefa escolhida e a desenvolver as competências úteis ao tratamento dessa tarefa.” (Joannaert

e Borght, 2002, p. 159). Subentende-se que, ao aluno, do mesmo modo que ocorre com o PIT,

são apresentadas atividades diversificadas. Espera-se que existam objetivos comuns a todas

elas, assim como seja dada as condições materiais para que o trabalho se realize a contento,

resultando na auto-realização do aluno.

A prática do Plano Individual de Trabalho é considerada como um outro desafio posto

aos docentes do ensino a partir da 5ª série, visto que a diversidade de professores numa

mesma turma dificulta para uma melhor otimização do tempo. Um outro aspecto que se faz

necessário esclarecer é a idéia de trabalho individual em Freinet, que difere da concepção

tradicional. No ensino tradicional, e até mesmo em outras propostas, basta propor uma

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atividade para os alunos realizarem sozinhos, que já se configura como sendo um trabalho

individual. É comum o docente distribuir uma mesma atividade para toda a turma e pedir que

os alunos façam sozinhos, sem comunicação entre si, sendo o bastante para ser tomado como

trabalho individual.

Na pedagogia Freinet, o trabalho somente é individual quando o aluno tem a

possibilidade de fazer escolhas e organizar o seu plano pessoal, a partir de propostas

apresentadas pelo professor. Neste caso, o aluno poderá até solicitar ajuda de alguém mais

experiente para realizar o seu trabalho, não quer dizer que, necessariamente, tenha que fazer

sozinho, entretanto, continuará sendo uma atividade individual, pois foi objeto da sua escolha

e portanto o zelo para o cumprimento da mesma, é de sua total responsabilidade. Mesmo que

a atividade seja orientada para que cada um faça a sua, individualmente, se for a mesma para

todos e sem ter sido dada a possibilidade de escolha, na pedagogia Freinet, não passa de uma

atividade coletiva, embora feita, isoladamente.

Entendido nesta perspectiva, o momento individual, nas salas de aula freinetianas, são

ocasiões para se observar os alunos trabalhando em atividades diversificadas. Eles se dirigem

aos espaços da sala ou da escola, aos ateliês ou cantinhos, como se queira nominar, que

dispõem dos materiais e ferramentas que utilizarão, formando pequenos grupos, dentro do

grande ateliê que é a sala de aula. Às vezes poderão estar tratando de um mesmo tema,

quando desenvolvem um projeto de pesquisa comum a toda turma, porém, expressam suas

competências sobre o assunto de formas diferentes. Alguns escrevem textos e montam uma

pequena dramatização; enquanto outros fazem maquetes; pesquisam em fichários, livros ou

dicionários; outros trabalham num jornal para circular pela internet; outros escrevem aos

correspondentes. São as atividades diversificadas que melhor caracterizam a prática

freinetiana, porque permitem fugir da massificação imposta pelo ensino tradicional.

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Durante a nossa pesquisa foram feitas tentativas de implementação do Plano

Individual de Trabalho, inclusive com a elaboração de um instrumental para cada aluno

organizar o seu plano, de acordo com a proposta de atividades de cada educador (ANEXO –

I). Entretanto, notadamente, não houve um envolvimento dos educadores para que fosse

viabilizada a experiência. Numa das suas aulas, E1 orientou: “Quem for acabando a atividade

faça o PIT.” E1 deixava os alunos completamente livres para decidirem o que iriam fazer, sem

apresentar nenhuma sugestão, que fosse ou não coerente com os objetivos e conteúdos em

estudo.

Completando o flagrante equívoco da prática de E1, o trabalho a partir do PIT não se

dava num momento planejado para este fim, mas era entendido como a saída para ocupar os

alunos que acabavam as atividades coletivas com rapidez e ficavam sem nenhuma ocupação,

havendo uma extrema redução quanto ao fim dessa importante técnica, que estamos

procurando clarificar neste trabalho.

Numa época em que estava distante do psicólogo norte-americano, Howard Gardner

(1995; 1998; 1999), através da sua Teoria das Inteligências Múltiplas, sistematizada na

década de 80, do século passado, contrapor-se ao modelo de inteligência única, propondo um

outro modelo que reconhece que o sujeito tem diferentes formas de expressar as suas

competências, Freinet (1978a, p. 188) já dizia que a inteligência é educada pela prática do

tateamento experimental, seja dentro ou fora da sala de aula e caracteriza-se pela

permeabilidade à experiência. Nesta linha de pensamento, não se comunga com a idéia de

que: existe ser humano que é e ser humano que não é inteligente, porque, para Freinet, a

inteligência não é algo que possa ser medido por instrumentos padronizados, pois são

múltiplas e bem específicas as possibilidades de cada pessoa.

O Plano Individual de Trabalho ainda não teve o seu fim, compreendido pelos

educadores da escola pesquisada. É uma técnica que se presta, justamente, ao papel de

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permitir que os alunos façam escolhas e que se organizem para expressarem as suas

competências, sobre um objeto de estudo, da maneira que melhor lhes interesse e que seja

capaz, num determinado momento. É esta prática que diferencia uns alunos dos outros e que

Freinet utilizou a metáfora do rebanho de ovelhas para dizer que os alunos podem chegar ao

mesmo ponto, mas que não devem ser obrigados a caminharem da mesma forma e pelo

mesmo itinerário. A sua pedagogia entende que os seres humanos têm potenciais e desejos

diferentes, que vão se desenvolvendo no cotidiano, de acordo com as interações, os contextos

culturais e os estímulos recebidos.

A Teoria das Inteligências Múltiplas não se constitui num método pedagógico, mas

vem sendo utilizada em contextos escolares, que concebem que as pessoas têm um espectro

particular de inteligências, evidenciado na forma como cada um expressa as suas

competências. Inicialmente, Gardner apresentou sete tipos de inteligências: a Lingüística, a

Musical, a Corporal-Cinestésica, a Interpessoal, a Intra-Pessoal, a Lógica-Matemática e a

Espacial, defendendo que todos nascem com o potencial para desenvolver todas elas, embora

algumas se sobressaem, variando de pessoa para pessoa. Machado (1999), pesquisador

brasileiro, realizou estudos e acrescentou a Inteligência Pictórica, ressaltando que as

inteligências se articulam em pares, que guardam afinidades entre si.

Através dessa teoria se explica o sucesso particular daqueles que se dão bem na vida

em diferentes áreas, nem sempre necessitando da escola ou de uma universidade para

alcançarem êxito. O fato é que de dominam habilidades específicas, como: a linguagem nas

suas diferentes formas; a musicalidade para compor, cantar e tocar instrumentos; o próprio

corpo para realizar movimentos precisos; a capacidade de se relacionar com as outras pessoas;

o equilíbrio pessoal; o raciocínio e o pensamento científico; a construção mental de espaços,

que mais tarde se materializam e, por fim, a representação de situações reais ou imaginárias,

através do desenho.

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O próprio Gardner já acrescentou outros tipos de inteligências à sua proposta inicial,

porém, não é o caso de aqui detalharmos a sua teoria, porque a idéia é ressaltar a importância

do professor valorizar a heterogeneidade, tomando as diferenças individuais dos alunos como

ponto de partida para um desenvolvimento harmônico e livre de bloqueios das suas

capacidades. Quando nos referimos a bloqueios, queremos dizer que, algumas vezes, o aluno

tem desejo e competência, para expressar-se de uma forma, mas é obrigado a fazê-lo de uma

outra, o que termina não se saindo tão bem, sendo rotulado de incapaz e como conseqüência

desenvolve a baixa auto-estima.

Para Freinet, C., (1978a, p. 189) a escola tradicional cultiva, unicamente, a

inteligência que atua por meio da memorização, enquanto a Escola Moderna ou a pedagogia

freinetiana defende que existem outras formas de inteligência, que poderão se desenvolver e

tornarem-se explícitas, de acordo com os tateamentos que o indivíduo realiza. De forma

excepcional, diríamos que Freinet se antecipou a teoria formulada por Gardner, mas,

provavelmente, o educador francês é desconhecido para o norte-americano, que não o

referencia na sua obra, sinalizando que muito ainda há por se estudar da obra de Célestin

Freinet.

Ao demonstrar a amplitude de inteligências, especificas de cada ser humano, Freinet,

C. (1978a, p. 189), no seu Invariante Nº 15, aponta para:

- a inteligência que vem das aptidões manuais com as quais opera sobre o meio para o dominar e transformar; - a inteligência artística; - a inteligência sensível que desenvolve o bom senso;- a inteligência especulativa que constitui o gênio dos investigadores científicos e dos grandes comerciantes e industriais; - a inteligência política e social que forma os homens de acção e os condutores de massas.

Nas suas asserções, Freinet destaca que é dessa concepção de múltiplas inteligências

que “resultaram os gênios artísticos, os inventores e os sábios que freqüentemente tinham

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fracassado na escola porque se rebelavam contra o seu ensino tradicional” (FREINET, C.;

1978a, p. 189), que prioriza uma forma única de expressão de competências. A reflexão de

Freinet vai encontrar ecos, décadas depois, quando, num dos seus trabalhos, Machado (1999,

p. 91-93) analisa o reducionismo ao qual se convencionou, de que somente é possível a

associação de idéias, justamente pelo campo lingüístico-lógico-matemático.

Para desmontar tal assertiva, Machado cita os exemplos de dois grandes homens,

reconhecidos, mundialmente, pela suas notáveis inteligências, mas que não tinham como

predominantes nos seus espectros, nem a Inteligência Lingüística e nem a Lógico-

Matemática: trata-se de Einstein e Jung. Tomaremos, para ilustrar estas idéias, apenas uma

parte do que diz Machado (1999, p. 92) sobre o primeiro: “seu desempenho escolar deixou a

desejar, sua inteligência não encontrou canais adequados para manifestar-se no ambiente

escolar.”

Einstein, assim como tantos outros grandes pensadores, artistas, intelectuais e atletas

que conseguiram vencer na vida, independentemente da escola, são a prova real de que a

inteligência não é única. Insistir nesta direção é impor milhares de homens e mulheres a

condição de fracassados e de excluídos socialmente, pois nem todos têm o destino de um

Einstein ou de um Jung.

A prática dos Planos Individuais de Trabalho, como quer a proposta freinetiana,

oportuniza que os alunos olhem o mesmo objeto de estudo de formas diferentes, sendo

autorizados a pensar e a agir conforme as suas competências. Ao professor caberá planejar e

propor atividades que explorem os diversos tipos de inteligências, que resultam numa sala de

aula viva em oportunidades de trabalho e expressão. Os ateliês que se organizam a partir dos

PIT, são exemplos do compromisso de Freinet com a valorização da pessoalidade dos alunos,

prática esta que não pode ser esquecida numa escola que utiliza tal referencial para respaldar

as suas ações pedagógicas.

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2.4 A organização cooperativa da sala de aula

A cooperação escolar na sala de aula freinetiana é resultante da inserção do professor

no espírito dos Invariantes Pedagógicos, que já fizemos referências. O entendimento de que os

alunos são capazes de, junto ao professor, gerenciarem a vida da sala de aula é o que confere a

dimensão de que é oportuno pensar numa proposta de organização cooperativa.

A organização cooperativa da sala de aula pressupõe a divisão da autoridade entre

todos e a eliminação dos ranços de superioridade que envolvem a figura do docente, em

relação aos alunos. Além de ser um princípio que precisa estar amalgamado no cotidiano de

cada um, a cooperação se materializa através de técnicas como, por exemplo, o jornal de

parede, espécie de diário da turma, onde se registra o que foi bem, o que não foi tão bem e as

sugestões para que tudo melhore. A Reunião Cooperativa, é a assembléia semanal que serve

para organizar e avaliar o trabalho cooperativo da sala de aula. Técnica esta que, estaremos

apresentando, a seguir, de forma mais detalhada.

A Reunião Cooperativa

Sempre que temos a oportunidade de discutir, com educadores, sobre a pedagogia

Freinet, defendemos a idéia de que a Reunião Cooperativa é, certamente, uma das técnicas

mais fundamentais para o êxito das práxis freinetianas. É na Reunião Cooperativa que,

professores e alunos, avaliam a semana que está acabando, discutem o que apreenderam e o

que não apreenderam, sugerem ações para os planos de trabalho da semana seguinte, se auto-

avaliam, avaliam uns aos outros, avaliam a escola, repartem responsabilidades para um bom

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andamento da turma, procuram resolver os seus conflitos vivenciados durante a semana,

negociam, tiram encaminhamentos, constróem regras de vida para o grupo.

Freinet (1977a, p. 15) analisa a contribuição dada pela escola e pelos educadores para

a instalação da situação de crise de autoridade dos adultos em relação às crianças e aos

jovens: “Quer mandar autoritariamente em alunos que se recusam a obedecer passivamente

num mundo em vias de democratização onde, quer queiramos quer não, a autoridade tem,

pelo menos, de mudar de forma.” A forma de autoridade que propõe revela-se nas suas

proposições para um gerenciamento cooperativo da sala de aula, passando a ser uma

responsabilidade de todos, a tarefa de zelar pelo bom funcionamento da mesma.

Entretanto, é preciso que o professor fique atento para não usar os alunos, através da

Reunião Cooperativa, e, tacitamente, mediar situações, objetivando validar as suas

debilidades e o seu autoritarismo. Pelo exemplo e pela ação, a escola deverá ir preparando a

verdadeira democracia, o que implica em não submeter a criança à autoridade indiscutível dos

professores, mas fortalecer a proposta de Reunião Cooperativa como sendo um caminho para

a construção de um espaço democrático, para a divisão do poder.

A perspectiva democrática exige um movimento de rever posições, pois, segundo

Freinet, C. (1978a, p. 202-203), os professores, assim como o fazem os pais, por mais que se

digam progressistas e, em alguns casos, até participantes de movimentos sindicais, via de

regra, não admitem que as crianças discordem das suas posições e ordens. Desta forma, torna-

se difícil que as crianças construam autonomia e resolvam as situações que no cotidiano se

apresentam. Lembra, Freinet: “A democracia de amanhã prepara-se pela democracia na

escola. Um regime autoritário na Escola não seria capaz de formar cidadãos democratas”

(FREINET, C., 1978a, p. 202.).

Num tempo, como o que vivemos, em que a universalização do Ensino Fundamental é

colocada, pelos Governos Federal, Estaduais e Municipais, como sendo real, já tendo atingido

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quase 100% das crianças e adolescentes brasileiros em idade escolar, demonstra a necessidade

da escola rever os seus processos, pois as práticas pedagógicas da imensa maioria não são

coerentes com o discurso de um país democrático. Concordamos com o educador francês: se

queremos construir uma sociedade democrática, temos que começar pela democratização da

escola, sobretudo, se é verdade que todas as crianças estão tendo acesso a escolarização. É

insuficiente falarmos de democracia, reduzindo ao fato de elegermos os nossos governantes

pelo voto direto ou a uma certa liberdade de expressão.

Não tememos em afirmar que a sala de aula freinetiana constitui-se num espaço

propício para vivenciar a democracia, pelo diálogo que é permitido e que possibilita a

negociação necessária para o entendimento e bom andamento do grupo. A assembléia

semanal é coordenada e secretariada por dois alunos ou alunas. O primeiro dirige cada

momento e o segundo faz os registros num livro de atas (no ANEXO – J, apresentamos um

exemplo), relatando tudo que for discutido e que ficar definido. Os educadores são membros

da cooperativa e devem se colocar, quando necessário, fazendo o papel de mediadores,

enquanto pessoas mais experientes do grupo.

O diário de campo da nossa pesquisa registra, no dia 22 de fevereiro de 2002, a

primeira Reunião Cooperativa que acompanhamos. Foi na turma da 5ª série, que tinha, além

dos alunos, dois educadores. Ficamos impressionados com a estrutura da assembléia, pois o

tempo inteiro destinou-se a leitura e discussão do Diário de Turma ou Jornal de Parede, como

chamava Freinet e que mais adiante detalharemos sobre o seu funcionamento.

A turma resumiu-se a destacar os pontos negativos de determinados alunos, tirando

encaminhamentos marcados, meramente, por punições destinadas aos que tinham cometido

algum deslize durante a semana. Num dado momento, um aluno diz: “Aqui parece um

tribunal.” Ninguém lhe dar atenção, mas a observação é respaldada com ordenações dos

educadores, do tipo: “sua defesa” (E6). Observamos que não havia uma pauta para a Reunião

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Cooperativa, tampouco clareza dos passos a serem seguidos. Era algo que precisávamos

construir de imediato, pela interferência que exerce a assembléia para o bom andamento do

trabalho escolar.

Discutimos com a coordenação pedagógica sobre o que havíamos observado e a

necessidade de se estudar e discutir com os docentes uma melhor estrutura psrs a Reunião

Cooperativa. Esta discussão foi levada, embora sem um maior aprofundamento, para o

encontro pedagógico seguinte, infelizmente sem as presenças de todos da equipe, o que

refletiu-se, em seguida, na ausência de unidade das práticas. A segunda assembléia que

acompanhamos foi na turma da 6ª série, no dia 15 de março de 2003.

Na 6ª série, concentramos as nossas observações até o final da pesquisa de campo e

nesta turma pudemos acompanhar os avanços que se deram na prática desta técnica. Três

educadores funcionavam como mediadores nesta turma, pois a escola trabalha com a prática

de realizar a assembléia no mesmo horário em todas as salas. Os educadores que atuam no

ensino de 5ª a 8ª séries são divididos pelas turmas e, ao final do ano letivo de 2002, estavam

assim distribuídos: E6 e E9 na 5ª série; E1, E10 e E11 na 6ª série; E2 e E4 na 7ª série; e E5 na

8ª série. E3, E7 e E8 não acompanharam nenhuma das turmas.

Essa primeira reunião na 6ª série, foi bastante tumultuada, mas ali já se falou em pauta.

Os professores não se encontravam nos encaminhamentos e, mais uma vez, tudo começara

pelo Diário de Turma. Não havia espaço para os alunos argumentarem e até eram impedidos

por E1, que dizia não haver necessidades. Uma aluna diz: “Ninguém pode falar!” E1 ordena

ao aluno que presidia a assembléia: “Passe para o próximo ponto.” Era o momento de repartir

as responsabilidades e expor no painel afixado na parede. O aluno que presidia a Reunião,

coloca: “Ainda não tem o material exposto na parede para registrar as responsabilidades e

nem para a auto e hétero-avaliação.” Faltavam as ferramentas tão fundamentais para o

funcionamento das técnicas, como Freinet chama a atenção.

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Sem nenhuma justificativa, E1 assumiu a coordenação dos trabalhos daquela

assembléia e desenvolveu um discurso centrado na falta de disciplina da turma, que iria

resultar em reclamações a serem feitas junto aos pais e a presidente do Educandário Oswaldo

Cruz. As colocações de E1 podem ser interpretadas na linha do que Freinet (1977b, p. 42)

chama a atenção: “[...] na grande maioria dos casos, o professor não tem a subtileza suficiente

para, apenas pelo seu prestígio, manter a indispensável autoridade, e é por isso que as sanções

de toda espécie [...], são ainda tão freqüentes na escola.”

Após várias discussões que tivemos com ETAP1 e ETAP2, sobre os fundamentos e

algumas práticas de Reunião Cooperativa, finalmente sistematizamos uma proposta de roteiro,

que foi levado para a reunião pedagógica. Outra vez a equipe não esteve completa, mas

definiu-se os momentos que teria a assembléia, tendo sido bastante consistente o debate em

torno dos argumentos teóricos para validarem cada um deles. Para uma melhor compreensão

passaremos a tratar de cada um desses momentos:

1º momento - Avaliação da semana que termina e sugestões para os Planos de

Trabalho da semana seguinte – é o grande “termômetro” para os educadores, pois os alunos

expressam-se, segundo os trabalhos que foram mais significativos, que propiciaram

aprendizagens ou que geraram dificuldades. Apresentam propostas de atividades, que os

educadores procuram levar em consideração no momento da planificação para a semana.

Através das falas os docentes também avaliam as suas ações pedagógicas e redimensionam o

que se mostra como necessário para o sucesso do grupo.

Durante uma das assembléias da 6ª série, uma aluna avalia o quanto não foi positiva a

solicitação da professora E3, para que cada um confeccionasse uma bússola, sem ter dado

maiores explicações. Entre os coordenadores da turma estava E10, que diz: “Nossa! Se ela

tivesse me falado que iria indicar esse trabalho eu teria orientado vocês, pois também faz

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parte do meu conteúdo,” confirmando a falta de planejamento coletivo e a importância da

comunicação entre as áreas de conhecimento.

Numa outra assembléia, um aluno diz: “a professora de matemática não explica e

ainda diz para M. (uma das alunas): ‘eu não acredito que você não sabe’!” Os educadores,

coordenadores da turma, encarregam-se de levar a questão para a professora de matemática.

Uma aluna avalia: “não temos como fazer a Reunião Inicial do mesmo jeito todos os dias,

porque a professora E3 disse que é ela quem manda na Reunião Inicial dela e dividiu a gente

para se apresentar em cada Reunião da aula dela.” Veremos no quarto capítulo deste trabalho,

o quanto o encaminhamento dado por E3 apresenta-se incoerente com a pedagogia Freinet.

Nas diferentes partes da Reunião Cooperativa, não quer dizer que todos os alunos

terão que falar alguma coisa, inclusive devem ser orientados para não se tornarem repetitivos.

A objetividade é imprescindível para que os trabalhos fluam e aconteçam no tempo de

cinqüenta minutos, tempo disponível, por exemplo, na escola onde desenvolvemos a nossa

pesquisa. Para os grupos principiantes orientamos, quando possível, a filmagem da assembléia

e a posterior exibição para a turma, seguida de discussão, buscando os ajustes e o

aperfeiçoamento da práxis.

2º momento - Leitura e discussão do Diário de Turma – Freinet (1977b, p. 63), disse:

“Afixar, à segunda-feira, o jornal de parede onde as crianças escrevem livremente tudo o que

têm a dizer e que se lê ao sábado à noite, na reunião cooperativa (quatro rubricas: criticamos –

felicitamos – gostávamos – fizemos).” Como já fizemos referência, na Escola Freinet houve

uma opção pela terminologia Diário de Turma, em substituição a original Jornal de Parede,

ressaltando-se que ambas cumprem a mesma função.

Nas turmas de 5ª a 8ª séries da Freinet, o Diário de Turma não é feito em painel

exposto na parede e sim numa caixa de madeira com compartimentos específicos para que

sejam depositados papéis, conforme três categorias: Parabenizo, Crítico e Sugiro. Durante a

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semana, de acordo com o desejo e a necessidade de cada um, mensagens são deixadas na

caixa. Todas deverão ter os seus autores identificados, pois, do contrário não são lidas, por

ocasião da assembléia da sexta-feira.

Sendo a Reunião Cooperativa entendida como um espaço para a discussão da vida do

grupo, é nela que os grandes debates deverão acontecer e, na opinião de E2, “eles [os alunos]

já entenderam o sentido da Reunião Cooperativa. Coisas que aconteceram durante a semana é

(sic) discutido (sic) naquele momento da Reunião Cooperativa”. A importância da assembléia

é preservada, quando se procura resolver, fora dela, apenas questões menores ou aquelas de

caráter extremamente urgente. Os alunos são chamados a resolverem, no dia-a-dia, os

problemas interpessoais que por ventura se envolvam, evitando banalizar a assembléia,

tratando de temas possíveis de serem resolvidos numa boa conversa.

O momento da leitura do Diário de Turma é aguardado por todos e entendemos que

isto se dá, porque cada um deseja saber se foi escrita alguma mensagem sobre si. O

coordenador da Reunião começa a leitura pelos parabenizos, depois, simultaneamente, lê as

críticas e as sugestões. Para cada crítica deve ser apresentada uma proposta, fazendo com que

o aluno aprenda a não apenas apontar as falhas.

A medida que as mensagens vão sendo lidas se discute as questões mais pertinentes,

geralmente as de conteúdo crítico, que implicam na necessidade de definição de regras de

vida a serem incorporadas pelo grupo. Inicialmente a palavra é concedida para aquele

docente, discente ou outro profissional da comunidade escolar, que teve alguma atitude ou

procedimento criticado. Caso não esteja no recinto a discussão é adiada e a pessoa citada é

convidada a comparecer na próxima Reunião.

Não são apenas os que recebem críticas que têm a oportunidade de falar, pois a eles

seguem-se outros, que expõem as suas opiniões apoiando ou se contrapondo. Instala-se, na

sala de aula, um ambiente de diálogo, onde, através da palavra, se negocia e se tira

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encaminhamentos favorecedores da convivência cooperativa, pois a assembléia “é somente

um aspecto menor de uma cooperação que deve estender-se a toda a vida da aula, sobretudo

no aspecto social e moral da organização.”(FREINET, C., 1978a, p. 200). Retomaremos estas

idéias mais adiante, ao tratarmos das Regras de Vida.

3º momento A - Auto e hétero-avaliação – na escola, campo da nossa pesquisa, este

momento é quinzenal, em razão do reduzido tempo destinado a Reunião Cooperativa e

alterna-se com o momento de repartir as responsabilidades para a organização cooperativa da

sala de aula e por esta razão estamos chamando de 3º momento A e 3º momento B. É uma

ocasião para que cada aluno, oralmente, faça uma breve auto-avaliação do próprio

desempenho durante a quinzena. É um espaço para a reflexão, quando cada um diz o conceito

que entende que melhor expressa o desempenho nas aprendizagens e nas relações com as

outras pessoas.

Aqueles que venham a discordar do posicionamento de quem se auto-avalia, se

inscrevem e falam, expondo as suas opiniões. Podem ocorrer réplicas e tréplicas, até se chegar

a um conceito de consenso ou pelo menos aproximado, que é registrado no painel afixado na

parede, conforme uma legenda de cores bem semelhante aquelas que Freinet, C. (1978a)

utiliza ao propor o teste dos Invariantes Pedagógicos para os educadores. São as cores dos

sinais de trânsito, representando:

a) Verde = ótimo

b) Laranja = bom

c) Vermelho = preciso melhorar

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Cada painel tem espaço para o registro de oito semanas, que, ao final, revela um

gráfico interessante para o próprio aluno avaliar o seu desempenho, os seus avanços e os seus

recuos, de maneira global.

3º momento B - Repartir as responsabilidades para a organização cooperativa da sala

de aula – como em qualquer comunidade cooperativa, na sala de aula, as necessidades são

levantadas e listadas num painel, acompanhadas de ilustrações. A cada quinze dias o grupo

discute o desempenho dos que estavam responsáveis por determinadas tarefas e define as

atribuições de cada um para o próximo período. Deste modo, os educadores não são os únicos

responsáveis pelo funcionamento da sala, mas compartilham a gestão com os alunos e alunas.

Objetivando definir responsabilidades quanto a coordenação, arrumação, distribuição,

controle ou acompanhamento, na 6ª série o painel trazia os seguintes itens: Reunião

Cooperativa; Arrumação da Sala; Recados; Reunião Inicial; Material Coletivo; Freqüência;

Fichários, Armários e Estantes; Plano Semanal e Quadro de Responsabilidades. Ao lado de

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cada uma dessas tarefas, são colocados os nomes de dois ou três alunos, que terão de dar

conta das mesmas. Podemos ver na fotografia:

4º momento - Definição de Regras de Vida – acabamos de ver uma fotografia do dia

08 de outubro de 2002, que apresenta um quadro de Regras de Vida com quinze [!] itens

digitados e impressos (ANEXO – L), cujo conteúdo e prática está mais para os combinados

das escolas que se dizem adeptas da teoria construtivista, do que para as Regras de Vida da

pedagogia Freinet.

Os combinados são organizados antes dos acontecimentos, geralmente no início do

ano letivo e caracterizam-se por pre-julgamentos de ações que não se sabe se os alunos irão

realizar. As Regras de Vida são dinâmicas e vão sendo construídas de acordo com os

encaminhamentos tirados nos diferentes momentos da Reunião Cooperativa. O grupo trabalha

na perspectiva de que cada regra seja incorporada por todos, passando a fazer parte das suas

vidas. Quando este objetivo é atingido a regra não precisa ficar mais exposta no painel, de

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onde se conclui que não devem ser listadas numa única folha, mas em pequenas tarjas de

papel cartão, que facilitam a mobilidade.

Freinet (1977b, p. 53), disse: “Velem pela ordem (as nossas técnicas não se dão bem

com barafundas). É preciso chegar a uma disciplina de trabalho, mas para isso é necessário

que a aula esteja impregnada de trabalhos novos.” Com isto percebemos que é necessário a

construção de uma regra de vida, que consista no respeito ao outro, valor bem enfatizado na

prática da 6ª série da Escola Freinet, notadamente, uma condição para que se eduque num

contexto de dignidade. O próprio Freinet, C. (1978a, p. 204) diz que as relações entre alunos e

professores precisam ser norteadas pelo provérbio: “Não faças aos outros o que não queres

que te façam a ti. Faz aos outros o que quererias que te fizessem a ti”.

É, no mínimo, questionável que numa sala freinetiana, próximo ao final do ano letivo

ainda se persiga a incorporação de regras tidas como básicas, como é o caso da maioria que

compõe o ANEXO – L. As nossas observações do cotidiano deram conta das constantes

transgressões a essas regras, sob o argumento de que a proposta da escola orienta à liberdade.

O Invariante Pedagógico Nº 22 (FREINET, C.,1978a, p.197) alerta para o fato de que a

expressão livre defendida pela pedagogia Freinet, não é sinônimo de auto-determinação,

alheia as regras do grupo, ou de falta de organização, pelo contrário, as técnicas da Escola

Moderna, que exigem ações simultâneas, requerem muito mais de ordem e disciplina do que

aquelas tradicionais. A ordem nas salas freinetianas é conduzida pela incorporação do

princípio da educação do trabalho e pelo desejo dos próprios alunos de realizar. Para tanto,

percebem que são necessárias a ordem e a disciplina, para a organização do trabalho e para a

aprendizagem.

Entretanto, as Regras de Vida de que trata Freinet não podem ser reduzidas,

unicamente, como condicionantes para a disciplina, pois é um conceito bem mais amplo, que

ele diz: “a tendência de renovar a experiência bem-sucedida já se terá tornado um hábito, um

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reflexo automático, que constitui como que uma regra de vida que evita e reduz o tateamento,

assegurando ao mesmo tempo a satisfação das necessidades mais imperiosas.” (FREINET,

1998a, p. 48) Portanto, tudo que é apreendido, que é incorporado, independente da idade do

ser humano, e que já não precisa de tateamento para ser reproduzido e chegar a um resultado,

é porque já se transformou em Regra de Vida.

Neste sentido, na sala de aula, o grupo pode e deve ser mobilizado para construir

Regras de Vida que precisem ser incorporadas por todos, não apenas no que diz respeito as

boas normas de comportamento, mas também quanto aos conceitos relacionados a conteúdos

estudados, por exemplo. Não é nosso objetivo aprofundarmos esta questão neste trabalho,

mais deixamos a indicação do livro Ensaio de Psicologia Sensível, de Célestin Freinet para os

que queiram mergulhar nessa temática.

Cumpre-nos aqui destacar a riqueza que é a prática da construção coletiva de Regras

de Vida à luz da pedagogia Freinet, justamente por não serem impostas pelo professor, mas

elaboradas pelo grupo cooperativo, que exerce a prática do diálogo, buscando o consenso.

Ressaltamos que, na nossa análise, um longo caminho ainda está por ser percorrido pelos

docentes da Escola Freinet, no tocante a essa práxis, basta que pensemos sobre o conteúdo do

aviso afixado no armário da sala de aula, que se pretende um ambiente cooperativo e de

relações de co-responsabilidade. A foto a seguir, nos provoca, pelo menos, um

questionamento: Qual seria o sentido, nessa sala de aula, do painel para as Regras de Vida?

No armário, um cartaz diz: “Por favor, não mexa sem a permissão do professor! Obrigado...”

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A riqueza desta experiência de práxis pedagógica cooperativa, que, através de

assembléias, abre o espaço para a comunicação entre os sujeitos dos processos de ensino e

aprendizagem, é desencadeadora de muitas possibilidades de estudos. Não fosse o rigor que

requer o ato de pesquisar e a necessidade de delimitação do objeto de estudo, certamente,

adentraríamos por muitas outras análises.

Acreditamos, por exemplo, que os estudos do filósofo alemão Jürgen Habermas muito

tem a dizer à práxis cooperativa da pedagogia Freinet, pois a visão democrática deste filósofo,

fundamentada no diálogo, propõe uma racionalidade que seja capaz de se chegar ao consenso,

numa vivência grupal. Como vimos, Freinet orienta técnicas pedagógicas para a vivência da

democracia na escola, que se pressupõe a livre expressão e o entendimento.

Habermas (1997), em diversas passagens, desta e de outras obras, apresenta como

estruturou a Teoria da Ação Comunicativa, cujo conceito principal é justamente o de

racionalidade, de onde origina-se a idéia de ação comunicativa. Tal proposta, pretende que os

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Homens sejam capazes de discutir e construir normas, que pelo fato de terem sido autores das

mesmas, não as deixe de cumprir. Questionamo-nos: Pode existir uma idéia mais freinetiana

do que esta? Queremos crer que muito da teoria de Habermas se materializa na proposta de

Reunião Cooperativa da pedagogia do educador francês, especialmente, nos instantes de

discussões sobre Regras de Vida, necessárias de serem incorporadas pelos alunos e os

educadores. Realizar um estudo sobre a prática das assembléias, aproximando essas e outras

perspectivas teóricas, é o que hoje se apresenta na primeira ordem do nosso plano de

pesquisadora.

Síntese Integradora

Neste capítulo nos propomos a discutir os aspectos mais relevantes para o

funcionamento da sala de aula freinetiana. Ao longo do texto, verificamos o quanto se faz

necessário que o sentido de responsabilidade com o trabalho escolar, seja assumido pelo

grupo cooperativo.

É natural o fato de que cada um dos sujeitos, docentes e alunos, têm funções diferentes

no contexto da sala de aula, mas que não é uma questão de quem é mais ou menos importante.

Atitudes autoritárias por parte do professor geram resistência, seguidas de bloqueios e

comportamentos reprimidos do aluno. O professor deve usar menos a sua autoridade, aqui no

sentido do autoritarismo, e preparar o aluno para que construa a sua autonomia, oferecendo

opções para que faça as suas escolhas e participe das decisões.

As técnicas e ferramentas que apresentamos guardam afinidades com o conjunto de

Invariantes Pedagógicos de Freinet, cuja atualidade se evidencia ao dialogarmos com idéias,

que estão presentes nas pautas de discussões dos debates educacionais da atualidade.

Ao situarmos sobre o que se faz necessário para um bom funcionamento da sala de

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aula, anunciamos os aspectos fundamentais ou as condições perspícuas à vivência de

estratégias que favorecerão à construção de conhecimentos. Sobre essas estratégias estaremos

tratando no próximo capítulo deste trabalho.

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‘O trabalho em migalhas’, diz um autor. . . Só há migalhas na nossa vida de educadores. Nem sequer conseguimos reuni-las, o que aliás seria inútil, pois migalhas de pão espremidas e enroladas nunca dão mais do que bolinhas, boas apenas para servir de projéteis nos refeitórios. Migalhas de leitura, caídas de uma obra que ignoramos e que têm gosto de pão que ficou ressecando nas gavetas e nos sacos.

Migalhas de história, umas bolorentas, outras mal cozidas, e cuja amálgama é um problema insolúvel. Migalhas de matemática e migalhas de ciências, como peças de máquinas, sinais e números que uma explosão tivesse dispersado e que nos esforçamos por montar, como um quebra-cabeça. Migalhas de moral, como gavetas que mudamos de lugar, no complexo de uma vida de infinitas combinações. Migalhas de arte. . . Migalhas de aula, migalhas de horas de trabalho, migalhas de pátio de recreio. . . Migalhas de homens! Perigos de uma Escola que alinha, compara, agrupa e reagrupa, ausculta e avalia essas migalhas. Urgência de uma educação que evita a explosão irreparável e faz circular um sangue novo na função viva e construtiva da pedagogia do trabalho.

(FREINET, 1996, p. 31)

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3 - PARA A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO

Há um acordo praticamente generalizado sobre o fato de que o conhecimento deve ser construído a partir das relações vivenciadas pelos alunos. A grande questão que permanece desafiadora é: como se constrói o conhecimento? (MACHADO, 2000, p. 99)

No capítulo anterior trabalhamos os aspectos, as ferramentas e as técnicas mais

relevantes para o funcionamento da sala de aula, movidos, na verdade, pelo que se impõe, na

proposta freinetiana, como fundamental para criar as condições de um ambiente que seja

favorável à construção do conhecimento e para a vivência da cidadania.

Neste capítulo, estamos nos propondo a apresentar algumas reflexões, tomando como

referência o questionamento de Machado, no texto em epígrafe, ou seja, “como se constrói

conhecimento?” A partir das orientações da pedagogia Freinet e dos dados da nossa pesquisa,

apontaremos alguns caminhos para a aprendizagem, entre os tantos que são possíveis de se

percorrer.

No que diz respeito à construção de conhecimentos, veremos que a proposta de

Célestin Freinet sustenta-se no tateamento experimental, assim como a aprendizagem dos

conteúdos escolares desenvolve-se a partir dos complexos de interesse dos alunos. O

permanente fazer e refazer dos percursos, mostra-se fundamental para o ato de conhecer,

assim como a condução da avaliação das aprendizagens, na perspectiva contínua, é um

componente decisivo para a aprendizagem.

Das técnicas e ferramentas de trabalho, que compõem o espectro organizado pela

Escola Moderna, abordaremos aquelas que consideramos serem, diretamente, os meios mais

decisivos, pelo fato de propiciarem as condições para a construção dos conhecimentos

previstos no currículo escolar .

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3.1 Como se constrói conhecimento?

Na introdução deste trabalho, embora correndo o risco de termos cometido um certo

reducionismo, tentamos apresentar, de acordo com diferentes tendências pedagógicas e teorias

de aprendizagem, a complexidade que envolve os processos de ensinar e de apreender.

Localizamos a existência de uma coerência da pedagogia Freinet com a Tendência

Pedagógica Progressista e com os estudos que fundamentam as correntes teóricas sócio-

histórica e construtivista.

Antes de discutirmos sobre como se constrói conhecimento, julgamos ser pertinente

situarmos o que entendemos por conhecimento. Igualmente relevante é, em princípio,

deixarmos claro que o projeto pedagógico freinetiano não se contenta em reduzir o processo

educacional ao ato de conhecer, embora a sua essência aporte algumas semelhanças com

Giles (1983, p. 37), que afirma ser esta uma dimensão importante.

Nada é tão óbvio quanto a asserção que tem sido feita amiúde: o aluno é capaz de

construir conhecimento. Na verdade o que se pretende é dizer que o conhecimento não é

privilégio de algumas mentes iluminadas ou fruto, somente, de uma produção de adulto, que

se dedica à pesquisa. Sendo assim, a descoberta de um caminho, que revela um dado objeto,

se refeito por outras pessoas, deverá ser capaz de chegar às mesmas conclusões e, portanto, de

permitir serem encontrados resultados semelhantes ao primeiro. Segundo Abbagnano (2000,

p. 174), é o conjunto de procedimentos para a verificação de um objeto, que podemos

considerar como sendo conhecimento.

O fato de um aluno identificar, por exemplo, entre diferentes fotografias, aquela que

traz a imagem da vegetação predominante no Nordeste brasileiro, por si só, não lhe garante

conhecer a vegetação nordestina, assim como não se pode dizer que alguém conhece uma

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pessoa pelo simples fato de identificá-la no meio de uma multidão. Conhecer é muito mais do

que memorizar elementos característicos de um objeto.

Conhecer a vegetação Nordestina pressupõe dominar procedimentos que possibilite a

sua descrição, ressaltando os aspectos que a torna singular e diferente da vegetação de outras

regiões. A explicitação do objeto Vegetação Nordestina é possível, pelas estratégias

construídas por quem o estudou inicialmente, para demonstrar as suas características

específicas. Conhecimento que foi democratizado e que serve de base para outros estudos.

A partir dessas reflexões é preciso que chamemos a atenção para o fato de que, repetir

procedimentos elaborados por outra pessoa, não é mais do que a verificação de um

conhecimento já construído, cuja autoria pertence a quem elaborou em primeiro lugar.

Entretanto, um conhecimento é sempre referência para um novo, pois tanto é possível

se chegar a um mesmo objeto, percorrendo diferentes caminhos, como os elementos de um

objeto podem guardar afinidades com os de um outro. Cabe aqui um novo questionamento:

até onde, na escola, se constrói conhecimentos?

Observando a dinâmica da sala de aula, percebemos que havia ausência, na prática dos

professores, no tocante as elaborações dos projetos de estudos se darem juntamente com os

alunos. Nas conversas individuais com E3, repassamos um roteiro básico para servir de

referência nos momentos de elaborações desses projetos e, posteriormente, socializamos para

toda equipe, durante um dos encontros pedagógicos. O roteiro foi o seguinte:

• O que vamos estudar? (o Tema);

• O que sabemos, o que queremos saber sobre o tema e o porquê de estudá-lo? (a

Justificativa);

• Para que estudar o tema? (os Objetivos);

• O que precisamos saber sobre o tema e que teremos que recorrer às diversas disciplinas do

currículo? (os conhecimentos já sistematizados ou a Base Teórica);

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• Como vamos construir os conhecimentos e onde vamos buscar as informações? (a

Metodologia e as Referências Bibliográficas);

• O que vamos produzir para organizar e documentar os conhecimentos?(o Registro);

• Quais as etapas do estudo, como, quando e para que público vamos comunicá-lo? (o

Cronograma).

Numa das suas aulas, ao apresentar o tema para ser estudado, E3 perguntou à turma:

“Como vamos trabalhar este tema?” antes o educador tinha dito que iriam elaborar um projeto

para a quinzena, o que não aconteceu, apesar de ter escrito alguns passos no quadro, que

sugeriam as partes do projeto.

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Sem nenhuma explicação, E3 não seguiu, absolutamente, os passos que escrevera no

quadro, inclusive, como podemos ver, omitiu na sua escrita, até mesmo a única pergunta que

lançou para a turma, ou seja, “Como vamos trabalhar o tema?”. As respostas dos alunos foram

diversas: pesquisas, dramatizações, dinâmica, jogos, texto, seminários, grupos. O educador

diz: “Vamos decidir o que vamos fazer, pois não dá pra fazer tudo isto.”

Reforçamos a nossa análise: a pergunta de E3 dizia respeito ao como fazer para

construir conhecimentos, que seriam as estratégias metodológicas. Entretanto, é clara a

confusão dos alunos e do próprio educador, no que diz respeito às categorias das atividades,

que fizeram referências. Quando diz que não dá para fazer tudo, E3 reconhece todos os itens

referenciados nas falas dos alunos, como sendo procedimentos da metodologia, que aqui

procuraremos situá-los:

• Pesquisas e jogos = não chegaram a explicitar os tipos e como utilizariam;

• Grupos = seria a modalidade de organização da turma para realizar o estudo;

• Texto = atividade de documentação dos conhecimentos;

• Dramatizações, dinâmicas e seminários = atividades de comunicação/socialização dos

conhecimentos.

Sem nada definir, concretamente, E3 não mais falou no projeto que havia feito

referência no início da aula e, abruptamente, passou a expor sobre o tema, numa prática de

lições ex cathedra, que Freinet, C. (1978a, p. 190 – Grifo do autor) diz contrariar as

expectativas e interesses dos alunos, bem como compromete a perspectiva de construírem

conhecimentos. Orienta:

Organizai o trabalho de tal maneira que a criança seja ela própria a actuar, a experimentar, a inquirir, a ler, a selecionar e a classificar documentos. Então

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fará [a criança/o aluno] perguntas que a tenham mais ou menos intrigado. Respondei às suas perguntas: será o que nós chamamos de lição a posteriori.

A fala de Freinet, que acabamos de destacar, expressa a sua compreensão sobre o

potencial que tem o aluno para realizar descobertas e, portanto, os seus conhecimentos,

resgatando o papel do educador, enquanto mediador entre o sujeito que aprende e o objeto em

estudo. E3 assumiu o papel central na experiência que relatamos, limitando-se a repassar

informações aos alunos.

O interacionismo de Freinet, propõe, que: para a construção de conhecimentos, o

sujeito que aprende deve ocupar o lugar central no processo educacional, aquela posição de

quem é capaz de produzir algo novo, de transformar informações em um saber que será útil

para si e para outras pessoas. Porém, o trabalho de Freinet não responde somente a dimensão

de como o sujeito aprende, como pretendem os especialistas da teoria construtivista, ele vai

além, preocupando-se, amplamente, com a dimensão ensino e com as questões ligadas ao

como ensinar para que ocorra aprendizagem significativa.

Ao explicitar o seu objetivo educacional, Freinet quis enfatizar a importância de se ter

clareza dos fins que se pretende atingir num determinado projeto, evitando ações

desordenadas. Esse fim mais premente seria, justamente, a formação humanística de Homens

livres para pensar e agir, numa sociedade democrática e portanto que permite a vivência da

cidadania. Tal entendimento o fez criar meios, que considerou favoráveis à revolução

pedagógica da escola, dependendo da capacidade de mobilização dos educadores.

A obra pedagógica estruturada por Freinet, pelos seus companheiros e seguidores, ao

longo desses mais de oitenta anos de experiência, assenta-se na compreensão de que o sujeito

que aprende, age de forma inteligente em busca de conhecer e de atingir objetivos. Essa idéia

resume muito bem o conceito de tateamento experimental, que não deve ser confundido com

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o de ensaio e erro, e que estaremos tratando a seguir, buscando continuar explicitando como

se constrói conhecimento, segundo a pedagogia Freinet.

Tateamento Experimental

Para Freinet, C. (1978a, p.185), a base do ensino da escola tradicional está nas

palavras, nas explicações, que, quando muito, utilizam as atividades de experiências para as

demonstrações, o que resultam em aquisições superficiais e formais. Defende o tateamento

experimental, como base para a sua pedagogia, que pela permeabilidade a experiência, o ser

humano, independente de idade, realiza tateios, procurando satisfazer as suas necessidades e

curiosidades.

No início da vida esses tateamentos são mecânicos, pois a criança, somente após

diversas tentativas e erros, por exemplo, acerta colocar a colher na boca, passando a refazer o

mesmo procedimento. Não se pode dizer que trata-se de um ato inteligente, uma vez que não

houve nenhuma reflexão consciente, para a construção do conhecimento sobre os

procedimentos de levar uma colher até a boca, mas Freinet (1998a, p. 66), diz que o ser

humano “não se contenta muito tempo com seus tateamentos mecânicos: evolui muito

depressa para a forma inteligente dos tateamentos.”

Pensando no ambiente escolar, podemos dizer que, após uma determinada descoberta,

fruto de tateios inteligentes, experiências bem sucedidas e da utilização de procedimentos

adequados, o aluno constrói conhecimentos e incorpora ao seu repertório, como regra de vida.

Nas situações futuras, em que seja necessária a utilização do mesmo conhecimento,

dispensará a realização de novas experiências tateantes, pois recorrerá ao próprio repertório se

dando uma repetição natural, em virtude de já existir o domínio daquele conhecimento

(FREINET, 1998a, p. 48).

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Como vimos, o tateamento experimental inteligente é intencional e tem o objetivo de

atender a uma necessidade de gerar conhecimento sobre um determinado objeto, ainda

desconhecido do autor da experiência tateante. Tanto o processo como o resultado da

experiência, sendo democratizados, portanto, socializados, deve servir de informações para

outras pessoas, que não mais precisarão tatear para chegar à mesma conclusão, sendo o

bastante seguir os mesmos procedimentos. Neste caso, o sujeito que realizou o tateamento é

quem detém a autoria da elaboração do conhecimento. Podemos então pensar, que: para se

ocupar a posição de quem produz conhecimento, não basta repetir o que outras pessoas

fizeram e divulgaram.

Na sala de aula freinetiana, o educador deve organizar o ensino para que a

aprendizagem parta da problematização, da experiência, do trabalho vivo e experimental e

não da memorização e reprodução de informações, regras, fórmulas e leis, filiadas às

diferentes áreas de conhecimento. A memória deve ser integrada aos processos de tateamento

experimental e não como o veículo para conhecer.

Num dos seus trinta Invariantes Pedagógicos, exatamente o vigésimo quinto, Freinet

trata da defesa em prol de, no máximo, vinte e cinco alunos por sala de aula, aspecto este que

nos dias atuais ainda apresenta-se como um dos pontos de reivindicação dos educadores, uma

vez que a superlotação das salas, amiúde, é destacada nas discussões educacionais, como uma

das razões para os insucessos pedagógicos e, portanto, para o fracasso escolar.

As políticas governamentais trabalham com o indiscutível lema: toda criança na

escola, entretanto, a lógica não se materializa no sentido de que, é preciso garantir a

qualidade. Faz-se necessário aumentar o número de escolas para atender a demanda, pois

ainda predomina a prática de abarrotar as salas de aula, entregando os alunos à própria sorte e

à pedagogia da mera reprodução de conhecimentos divulgados nos livros, ainda assim, às

vezes, de forma precária.

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Algumas escolas da rede privada de ensino e Secretarias de Educação de alguns

Estados e Municípios já fazem investidas no sentido de limitar a oferta de vagas por sala de

aula e, pelo menos nas séries/ciclos iniciais, esse teto máximo tem sido trabalhado para oscilar

entre 25-30 alunos. Para a Educação infantil, os Referenciais Curriculares Nacionais

(BRASIL,1998b, p. 72-73) estabelecem parâmetros e orientam formas de organização dos

grupos, de modo que não ultrapassem o teto dos vinte e cinco alunos.

Geralmente esse tema é tratado como se fosse uma discussão nova, uma demanda

apenas do tempo histórico em que vivemos, quando na verdade, foi essa uma das grandes

lutas de Freinet, que lançou, em 1955-1956, na França, a campanha 25 alunos por sala, uma

das reivindicações da pauta da Grande Campanha Nacional para a modernização da Escola

em todos os graus (FREINET,1977c, p. 71). Lutar pelo número máximo de vinte e cinco

alunos, era uma das condições para assegurar a expressão livre, a educação do trabalho, a vida

cooperativa, o tateamento experimental e, conseqüentemente, à construção de conhecimentos,

alcançando a plenitude do ato de educar, que transcende a mera prática da instrução.

Questiona Freinet (1976a, p. 73): “Que fazer numa classe de 35, 40, 50 alunos?”

Poderíamos tentar responder, fazendo uma rápida análise do panorama e dos resultados das

nossas escolas ou mesmo utilizando diversas idéias do próprio Freinet, mas nos limitaremos a

destacar um fragmento de texto do Invariante Pedagógico nº 12 para respaldar o nosso

entendimento de que: em salas superlotadas não há como construir conhecimentos, como

realizar projetos pessoais e coletivos, restando aos alunos de tais coletivos anônimos, as

funções de receptores e reprodutores de informações, valendo-se da memória, que “o único

papel que desempenha é o de uma fita magnética que grava as palavras para as reproduzir

quando se quer, sem que exista o menor processo de integração na vida mental.” (FREINET,

C., 1978a, 186).

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A nossa pesquisa demonstrou que, para permitir aos alunos um processo de

tateamento experimental, também não é suficiente o fato da turma ser formada com menos de

trinta alunos. É imprescindível a forma como os educadores percebem os processos de ensino

e aprendizagem, a forma como conceituam o conhecimento, assim como a fundamentação no

referencial teórico, que respalda à práxis pedagógica voltada para o compromisso com a

produção de conhecimentos.

Na Escola Freinet, acompanhamos longas exposições teóricas protagonizadas por

educadores, nem sempre admitindo interferências dos alunos antes da conclusão das suas

falas. Ao final de tais discursos, seguia-se uma série de questionamentos a determinados

alunos, cujas respostas tinham sido apresentadas durante a exposição. Por ocasião da

formação de grupos para algum estudo, nos chamou a atenção, de modo particular, o fato dos

alunos não se agruparem pelos interesses com as temáticas. Numa das aulas de E3, um aluno

perguntou: “podemos escolher os grupos?” após um momento de silêncio, a resposta: “Podem

escolher.” Em seguida, E3 disse o tema que cada grupo iria estudar, discutir e depois

apresentar.

A fragilidade da prática do tateamento experimental é reforçada por E2 e E6, cujas

disciplinas que lecionam faz indicação de livros didáticos, que são adquiridos pelos alunos. O

excessivo uso do livro e de respostas a exercícios, nos fez analisar que, na verdade, a condição

não era de um material indicado para consulta e sim um “livro adotado”, como se pratica em

escolas de propostas tradicionais. Foi freqüente acompanharmos E2 listar no quadro, sem

sequer consultar registros, uma gama de exercícios, sem nenhum conteúdo problematizador.

Com essa prática, E2 reforçava a concepção de que tudo estava na sua cabeça,

memorizado, dispensando qualquer consulta, o que discutimos juntos, durante as nossas

reflexões acerca da prática observada. E2 justificou: “Na universidade eu já aprendi a me

desprender das folhas.” Percebemos, posteriormente, uma mudança de postura, no instante em

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que E2 procurou não mais formular as suas atividades, somente no momento de escrever no

quadro, para os alunos copiarem. Entretanto, o que transcrevia continuava esvaziado da

possibilidade de reflexão, confronto, análise.

Numa de suas falas durante a entrevista, ETAP1 refere-se aos educadores e aos

educandos da seguinte forma: “Eles ainda não conseguem produzir conhecimentos. Eles

reproduzem informações, porque a pedagogia Freinet ainda não está acontecendo.”

Percebemos a compreensão de quem visualiza possibilidades reais de construção de

conhecimentos, desde que o trabalho seja realmente coerente com uma práxis freinetiana. A

expressão “ainda não está acontecendo”, também sinaliza a existência de um processo, que

faz parte da própria sistematização da proposta da escola.

Destacamos, entre tudo que acompanhamos, o trabalho de E9, como uma prática

mobilizadora do tateamento experimental. A forma criteriosa e cuidadosa como fazia a

correção e os comentários dos trabalhos, oportunizava o refazer dos processos. Certa vez,

cada aluno escolheu, entre as próprias curiosidades, um tema para cumprir as etapas do

Método Científico e a partir da apresentação de um dos alunos, E9 foi discutindo e

registrando cada passo, numa verdadeira explicação a posteriori sobre o Método Científico. A

seguir, apresentaremos uma transcrição do trabalho que foi discutido:

1. Curiosidade – “As barrigadas dos mamíferos”.

2.Objetivo – Descobrir o número de descendentes de alguns mamíferos, por barrigada.

3. Hipóteses – será que o habitat interfere no número de descendentes? Será que o porte,

tamanho do animal, influencia no número de descendentes?

4.Experiências – realizar uma pesquisa junto a especialistas para acompanhar a vida

reprodutiva das baleias e saber qual o número de filhotes que geralmente nascem; Observar a

gestação de uma cadela para verificar o número de filhotes; Observar o número de filhotes da

égua e do rato (fêmea).

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5. Resultado – a baléia: no máximo dois filhotes; cachorro: aproximadamente dezoito filhotes;

égua: um filhote; rato: aproximadamente dez filhotes.

6.Conclusão – o habitat não interfere no número de filhotes. O tamanho do animal interfere

no número de descendentes.

7. Considerações da Professora – o número de filhotes também tem a ver com a evolução.

Quanto maior a atenção que a mãe tenha que dá ao filhote, menor é o número. A existência de

predadores também influencia.

O trabalho de E9 também contemplava registros minuciosos sobre a vida escolar de

cada aluno, o que lhe permitia melhor mapear, cotidianamente, as aprendizagens e

dificuldades. A agenda, livro para registros diário, organizado para todos os alunos da Escola

Freinet, era um instrumento utilizado por E9 para explicitar aos pais, mães e/ou responsáveis,

o real desempenho do educando e o cumprimento dos diferentes trabalhos. Freinet (1995, p.

92) trata da importância da agenda, no contexto da sua pedagogia, lembrando que deve ser

tomada “de acordo com o princípio de nossos livros de vida escolar [veremos no próximo

capítulo]”. Orienta, exemplificando:

Nessa página diária, escrevemos [cada aluno escreve]: - os temas que merecem ser estudados especialmente em conferência; - os projetos que se revelaram desejáveis; - se deveríamos visitar determinado artesão [alguma aula passeio]; - os maiores deveriam fabricar determinado objeto de compensado; - se poderíamos pedir ao sr. Fulano para vir nos explicar determinada realização que lhe é familiar. (FREINET, 1995, p. 92).

Durante a Reunião Cooperativa, as anotações das agendas devem ser discutidas,

podendo ser levadas em consideração, no momento de planificação das atividades da semana

seguinte. Organiza-se então, um cenário favorável ao tateamento experimental e a construção

de conhecimentos e para tanto o educador francês propõe os Complexos de Interesse.

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Complexos de Interesse

O ensino puramente disciplinar e seguidor dos programas escolares, é insuficiente

para a formação do Homem, no sentido que tantas referências fez Freinet. Porém, ainda

observarmos que, na maioria das escolas, a já diminuta carga horária/dia é subdividida em

horas/aula, para atender às diversas disciplinas do currículo, inclusive sem a preocupação

sequer com a possibilidade de aproximar disciplinas de áreas afins. Portanto, o aluno acaba de

estudar sobre o corpo humano e passa, inexplicavelmente, ao estudo de álgebra sem que se

faça nenhuma articulação dessas informações.

Ter conhecimento acerca do como fazer e de como articular diversas ciências para a

compreensão de um mesmo objeto de estudo, consiste num dos maiores desafios à superação

da fragmentação experimentada pelos alunos, a partir da 5ª série, requerendo por parte dos

educadores, estudos, discussões e planejamento coletivo. Necessidades que se acentuam, em

razão da formação dos professores para lecionarem nessas etapas do ensino, caracterizar-se

pelas especializações em determinadas áreas do conhecimento. Tem-se o professor de

Matemática, o professor de História e assim por diante. Conseqüentemente, as escolas se

organizam tendo como centro as disciplinas, quando o centro do trabalho escolar deveria ser

os alunos e os seus projetos, como lembra Machado (2000).

A proposta de formação por licenciaturas que temos em nossas universidades produz

reflexos no ensino a partir da 5ª série, pois perde-se a polivalência do professor das séries

iniciais e o prepara, insuficientemente, para ser educador, do ponto de vista didático,

psicológico e filosófico. A formação compartimentalizada compromete o enxergar mais

global dos problemas da sociedade, como chama a atenção Santomé (1998, p. 108): “Esta

organização e apresentação da cultura em disciplinas não favorece a proposta de visões mais

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holísticas do conhecimento nem de metodologias de pesquisa mais interdisciplinares para

intervir na realidade.”

Tal dificuldade de tratar a problemática da fragmentação do currículo, nesse nível de

ensino, é denunciante, quando se analisa, por exemplo, programas de cursos, encontros,

seminários, simpósios, fóruns educacionais, que tratam diretamente do fazer docente e se

constata que os temas tratados voltam-se quase que totalmente para a Educação infantil e para

as séries iniciais do Ensino Fundamental. Nessas ocasiões repetem-se, quando muito, as

discussões em torno das especializações, atribuindo-se às dificuldades ao fato do ensino de 5ª

a 8ª séries envolver um elevado número de professores.

Um mesmo professor trabalha em várias escolas. Escolas estas, com diferentes

orientações metodológicas. Este fato acontece, sobretudo, porque a idéia da especialização lhe

confere importância maior para o repasse do conhecimento que detém, em detrimento de

como vai fazê-lo. Até porque, geralmente, as escolas acabam valorizando muito mais o

domínio que o professor tem do conteúdo do que o modo de abordá-lo.

Não há clareza de que, mesmo com as especializações, é possível trabalhar na

perspectiva da totalidade, embora que para isto, exija planejamento coletivo, discussão

conjunta dos conteúdos, das atividades e experiências realizadas, bem como dos resultados

obtidos. Lamentavelmente, o planejamento coletivo, quando ocorre, apresenta um caráter

muito mais burocrático, em obediência às normas estabelecidas pela escola. Discutir e

planejar as estratégias para estudar a totalidade de um determinado objeto, a partir das

contribuições de diferentes ciências, ainda é uma prática bastante inusitada e passível de

muitos equívocos.

As práticas interdisciplinares são tidas como inovadoras, assim como aquelas

concepções de ensino, que conferem ao aluno a oportunidade de participar de modo mais

ativo do próprio processo de formação. Trata-se de um conjunto de boas intenções que têm

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invadido parte das escolas, comumente sem a devida clareza, o que torna-se comum ouvir que

tal proposta vai até a 4ª série do ensino fundamental, pois a partir da 5ª série é preciso

priorizar os conteúdos.

Não há conhecimento, por parte das equipes pedagógicas dessas escolas, que o

conteúdo é visto do mesmo modo que nas propostas tidas como tradicionais, mudando apenas

a forma como esse conteúdo é abordado. Equívoco à parte, reserva-se ao ensino de 5ª a 8ª

séries um tipo de "pedagogia habitual", conhecida, "comum a toda escola", que não precisa

estar escrita em documentos e que tampouco é atrativa a ponto de ser objeto de publicações

ou teses acadêmicas.

É nesse nível de ensino que o coordenador pedagógico deve exercer com maior

consistência o seu papel, pois tem a responsabilidade de reunir os professores em torno dos

projetos de estudo, provocando a construção de atitudes interdisciplinares. Cabe àquele que

coordena, orientar o grupo, facilitando o planejamento coletivo, a comunicação, a organização

dos estudos, a troca de idéias, a socialização das experiências. A carência de momentos de

planejamentos mais estruturados foi realçada por um elevado número de entrevistados, da

nossa pesquisa, especialmente por parte daqueles menos assíduos aos encontros pedagógicos

da Escola Freinet.

As reflexões que aqui fazemos, cumprem o papel de apontarmos alguns

condicionantes para que o educador supere o terreno dos conhecimentos da sua área de

ensino. Na proposta de Complexos de Interesse, Freinet (1995, p. 125) fala da “preocupação

com integrar o complexo escolar no complexo social; obrigações suscitadas pelo ambiente”.

Com isto ele quer aproximar escola e vida, conteúdos programáticos e conteúdos das

vivências e interesses dos alunos. Discutimos com um grupo de educadores da escola

pesquisada, a forma que representamos a proposta freinetiana para a construção de

conhecimentos e que a seguir, demostraremos:

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MEIO SOCIAL ESCOLA

TEXTO LIVRE

COMPLEXOS DE INTERESSE (Tateamentos Experimentais)

PROGRAMA PARA A ESCOLA

As vivências dos alunos, tanto do meio social quanto da escola, se amálgamam e são

explicitadas nos textos livres14, que os mesmos produzem e apresentam na sala de aula.

Desses textos, diversos temas passam a ser objetos de interesse dos próprios autores e dos

ouvintes, que participaram dos momentos em que foram apresentados. A turma poderá

também se interessar por pesquisar sobre um mesmo tema e então repartem responsabilidades.

O fato da escola freinetiana se situar no centro da vida e dos seus condicionantes

sociais, foi que Freinet (1995, p. 86-87) considerou que os seus Complexos de Interesse são

superiores ao formato meramente acadêmico e intelectualizado da proposta de Centros de

Interesse, organizada pelo médico belga, Óvide Decroly (1871-1932). Entretanto, no intuito

de demarcar essa diferença e o posicionamento do educador francês, Freinet, É. (1979, p. 99-

100) resgata um escrito de Freinet para a Revista l’Éducateur, de 5 de junho de 1938, que diz:

“Os belgas erram ao comparar, e mais ainda ao opor Freinet e Decroly. Não gostaríamos que

nos colocassem na mesma condição dos criadores dos sistemas pedagógicos. Não tenho a

pretensão de estar acima: apenas não estou no mesmo plano.”

14 Ainda neste capítulo melhor detalharemos sobre esta técnica.

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Não podemos deixar de expressar a nossa frustração por não termos identificado

nenhuma experiência de tateamento experimental a partir de Complexos de Interesse e,

também, por não termos tido tempo de colaborarmos para a construção de uma práxis, nesta

direção, durante a nossa pesquisa. Isto só faz aumentar a nossa responsabilidade de tecer estas

considerações, esperando estar contribuindo para a superação do que consideramos, ainda,

uma lacuna na práxis pedagógica da Escola Freinet.

Pelo que discutimos neste capítulo, até o momento, podemos dizer que, pelo menos

um conhecimento já elaboramos: para a pedagogia Freinet interessa a construção de

conhecimentos e não somente a transmissão de informações e essa construção se dá, num

processo de tateamento experimental, que atende as demandas dos Complexos de Interesse

dos alunos.

Um estudo de Machado (2000, p. 77) parece ser muito coerente com o que quer

Freinet, e para respaldar esta nossa reflexão, recuperamos um trecho, quando ele afirma de

forma bastante acurada: “Dados, informações, conhecimento e inteligência compõem uma

grande pirâmide: na base, estão os dados, dos quais são obtidas as informações, com as quais

se constrói conhecimento, que se justifica apenas na medida em que serve às pessoas.” Servir

às pessoas, implica no conhecimento ser útil aos seus projetos. Eis a representação da

pirâmide (MACHADO, 2000, p. 77):

Pirâmide Informacional

inteligência (projetos)

conhecimento (teorias)

informações (veículos)

dados (bancos)

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Não tememos em afirmar que grande parte das nossas escolas não ultrapassa o estágio

de transmitir informações, o que, como vimos, não seria aplicável numa escola freinetiana. No

mesmo trabalho que fizemos referência e mais profundamente num outro de 1999, Machado

apresenta quatro imagens, que diz serem representações de diferentes concepções acerca do

conhecimento. Essas imagens permeiam os discursos e as práticas dos professores, o que, no

nosso entendimento, determina o estágio da Pirâmide Informacional que os alunos atingirão,

em relação aos conhecimentos escolares.

Para Machado (1999, p. 30; 2000, p. 99), a imagem do balde é aquela que concebe o

ser humano como sendo um recipiente, que recebe e acumula conhecimento. Na conhecida

metáfora de Freire (1985, p. 66-67), ao ser oprimido pelo ensino tradicional, o Homem é

entendido como se fosse uma conta bancária, que recebe depósitos de conhecimento. Freinet,

C. (1978a, p.186) já expunha seu posicionamento contrário a tal imagem, assinalando: “Saber

de memória, não é saber’; já dizia Montaigne, que fulminava então contra esse costume

escolástico de impor os conhecimentos como quem despeja por um funil”, imagem que não se

coaduna com o Tateamento Experimental e com a prática dos Complexos de Interesse.

A imagem da cadeia, apresentada por Machado (2000, p. 99), fundamenta-se,

sobremaneira, nas formulações de Descartes, que validam as práticas lineares para a

organização dos conteúdos a serem estudados durante o ano letivo e que perseguem idéias,

como a de ter que se partir do simples para o mais complexo.

Assim como a imagem do balde, a da cadeia é uma imagem coerente com as práticas

do ensino tradicional, pois o seu processo de encadeamento e de linearidade não permite um

ensino que valorize os interesses dos alunos, deixando de agregar as condições para a

organização do processo de construção de conhecimentos, a partir dos Complexos de

Interesse.

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A imagem de rede se aproxima do que quer a pedagogia Freinet, quando sua idéia

principal é a de tecer significados, estabelecendo relações e conexões entre conceitos.

Machado (2000, p. 102), coloca: “A teia de significados que representa o conhecimento não

tem centro [...] tem centros de interesse.” Transpondo-se esta imagem para a prática

pedagógica, diríamos que, verdadeiramente, não é uma regra o mesmo objeto ser alvo de

interesse de todos os alunos e, ainda que seja, em pedagogias como a freinetiana, “não existe

algo como um ponto de partida necessário, nem um único caminho a ser seguido”

(MACHADO, 2000, p. 102). Os Complexos de Interesse admitem múltiplas possibilidades

para se chegar a uma conclusão e confere ao aluno essa autonomia para realizar os seus

tateios, orientados pelas disciplinas.

A imagem do iceberg confere ao conhecimento uma dimensão explícita e outra tácita.

Acredita-se que o ser humano conhece muito mais do que aquilo que consegue explicitar. A

escola deve valorizar os conhecimentos explícitos, na mesma medida em que deve organizar

os meios para que o aluno possa expressar, ao máximo, os seus conhecimentos tácitos. Não

custa alertarmos que o educador freinetiano deverá tomar, como referências principais, no

momento do planejamento e da avaliação, esta imagem e aquela da rede.

Propomos e coordenamos um estudo sobre as imagens do conhecimento, analisando a

Pirâmide Informacional e a relação com a pedagogia Freinet, após observarmos práticas com

pouca ou nenhuma sintonia com as concepções mais coerentes com o projeto da Escola

Freinet. A partir do estudo, E9 foi quem mais explicitou as suas reflexões críticas sobre a

própria prática, de vez em quando, se dizia ainda muito vinculado às concepções baldistas e

encadeadoras, mas também identificando os aspectos que considerava já ter avançado.

Acreditamos nas possibilidades de redimensionamentos das práxis pedagógicas dos

educadores, quando, essencialmente, o projeto da escola for o projeto de cada um. É esta

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filiação que cremos, garantirá o exercício prazeroso do processo ação-reflexão-ação e da

mudança de postura, quando analisada como pertinente.

3.2 Técnicas favorecedoras da aprendizagem

No primeiro capítulo deste trabalho, destacamos as técnicas e ferramentas freinetianas,

que consideramos indispensáveis para o bom funcionamento da sala de aula. Igualmente

relevantes, são aquelas que funcionam como meio para as aprendizagens dos conteúdos

propostos nos programas curriculares e extra-curriculares. O sucesso ou o insucesso, no

desenvolvimento de cada uma delas, em muito depende das condições materiais e humanas da

escola.

Freinet (1977b, p. 56), alerta: “O que, efectivamente, complica a utilização das nossas

técnicas pelos educadores, é que eles as abordam com as concepções e o espírito tradicional”.

O professor que não consegue ultrapassar a imagem baldista de representação do

conhecimento, certamente terá dificuldades para desenvolver técnicas de ensino, que

coloquem o aluno como centro do processo pedagógico.

Conhecer a proposta freinetiana, no que concerne aos objetivos de cada técnica e

ferramenta de ensino, é condição para o sucesso na implementação de cada uma delas. É um

fato que o educador deve adaptar as técnicas a realidade e ao tempo vivido, assim como tem

liberdade para criar e elaborar novas técnicas, baseadas no quadro de valores freinetiano.

Porém, é de se questionar quando o docente não consegue perceber o valor

pedagógico de técnicas de uma atualidade de impressionar a qualquer estudioso da didática.

Durante a entrevista, E5 coloca: “Não sou muito de seguir a metodologia por seguir. Eu

procuro ver se no que eu estou fazendo, eu estou aplicando os princípios pedagógicos da

pedagogia Freinet e aí eu me dou a liberdade de criar os meus métodos.”

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A fala de E5, assim como apresentamos no item O Plano de Trabalho Coletivo, no

primeiro capítulo deste texto, revela alguém que não deseja grandes comprometimentos com

a proposta da escola, sugerindo uma completa necessidade de auto-criação metodológica,

inegavelmente louvável, não fosse o fato de praticamente desconsiderar a possibilidade de se

utilizar de uma pedagogia de imensurável riqueza didática, o que constatamos por ocasião

das observações. Para confirmar as nossas assertivas, passaremos a tratar das técnicas, que

estão disponíveis para os educadores e alunos dinamizarem os processos de ensino e

aprendizagem.

O texto e o desenho livre

O texto e o desenho livre são a mais natural forma de expressão do aluno. Para esta

prática o educador nada deve determinar a hora, o local e tampouco o tema. Devem ser

realmente livres. O material que apresentaremos a seguir, foi retirado do Livro da Vida da

sala da 6ª série, constituindo-se num dos poucos textos livres que tivemos a oportunidade de

tomar conhecimento durante a nossa pesquisa. É uma técnica que não é estimulada nas salas

pesquisadas, cuja escassez resulta, principalmente, na ausência do trabalho a partir de

Complexos de Interesse.

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Freinet (1976b, p. 20), procura esclarecer a sua técnica do texto livre, diferenciando-o

da tradicional redação, em que o texto é encomendado num determinado tempo e sobre um

tema específico. Também não é semelhante ao texto com tema livre, em que numa hora fixa o

aluno fica livre para escrever sobre o que desejar. “Um texto livre deve ser realmente livre.

Quer isto dizer que escrevemos quando temos alguma coisa a dizer, quando sentimos a

necessidade de exprimir, escrevendo ou desenhando, aquilo que em nós se agita.” (FREINET,

1976b, p. 21)

No próximo capítulo desta dissertação, trataremos das técnicas de comunicação e

documentação dos conhecimentos, quando será extremamente oportuno para melhor

realçarmos as estratégias que funcionam como motivadoras da prática de produção do texto e

do desenho livres. Aqui, nos deteremos em colocar o texto livre como ponto de partida para

tateamentos e fonte de Complexos de Interesse, o que é perfeitamente possível em salas de 5ª

a 8ª séries.

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A pedagogia Freinet orienta que os textos ou desenhos livres sejam socializados, pelos

seus autores, durante a reunião inicial15 ou num outro momento definido pela turma. Quando

mais de um texto é apresentado, os alunos votam e escolhem apenas um, definindo o seu

destino, que, após ser aperfeiçoado, poderá ser colocado no livro da vida da sala, ser enviado

para os correspondentes, ir para o mural da sala ou da escola, ou a turma poderá decidir que o

texto tenha mais de um destino. Sabe-se ao certo, que: quando corrigido, coletivamente, o

texto alcança o significado de ser explorado para o estudo de conteúdos gramaticais,

ortográficos e interpretativos, dependendo do objetivo do educador.

O texto escolhido, poderá ser o primeiro passo para o início de uma ou mais

pesquisas, dependendo do interesse que o seu conteúdo possa provocar. É natural que os

textos, apresentem, além das vivências dos alunos, traços do que está sendo estudado em sala,

constituindo-se em indicadores da repercussão que cada estudo esteja provocando no grupo

cooperativo. A ampla exploração pedagógica do texto livre, carrega um sentido de

valorização da vida, nele expressada, além da vasta possibilidade de utilização didática.

A funcionalidade que é atribuída ao texto livre, faz com que o aluno perceba a sua

importância e queira escrever mais e mais. Quando a turma mergulha na cultura da produção

livre, num curto espaço de tempo, cada aluno tem um livro de textos, que poderá resultar

numa publicação. Poderão optar por fazer uma coletânea, juntando os melhores textos de cada

colega, cuja publicação passa a fazer parte da Biblioteca de Trabalho16 da escola, servindo

para leitura e consulta por parte de outros alunos, de pais e de professores.

Durante a entrevista, quando solicitado para falar das dificuldades para realizar a sua

ação docente na Escola Freinet, E1 responde: “A falta do livro didático. A pedagogia diz:

estudar o texto do aluno. Professor está acostumado a trabalhar com o livro. A dificuldade é

não ter o livro didático.” Esta fala é emblemática e bastante ilustrativa para uma reflexão, que

15 No próximo capítulo trataremos da Reunião Inicial.

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julgamos ser pertinente aos educadores, de modo geral. Tal pertinência justifica-se pela pouca

compreensão, que ainda se tem, de que trabalhar, em alguns momentos, a partir dos textos dos

alunos, não elimina a possibilidade de utilização de outros portadores de textos e diferentes

gêneros textuais.

Seria um equívoco sem precedentes se aqui fôssemos afirmar que, no mercado, não

existem bons livros didáticos. Do mesmo modo, seria desconsiderar os conhecimentos

sistematizados ao longo da história, que são apresentados nesses livros e que são úteis para os

tateios dos alunos e, portanto, para a construção de novos conhecimentos. É preciso ficar

claro: a sala de aula freinetiana não despreza os livros, apenas eles são tão importantes, quanto

as tantas outras ferramentas de trabalho e os outros portadores de informações.

Freinet (1976a, p. 54) esclarece:

Devemos dizer, por fim, para evitar todos os mal-entendidos, que a nossa condenação não visa os livros, cujas virtudes jamais seremos capazes de enaltecer suficientemente, mas os livros que se usam como ‘Manuais Escolares’ para o estudo e o trabalho na escola, ‘súmulas’ sem horizonte, especialmente escritas tendo em conta os programas e os exames.

A dificuldade colocada por E1, que diz ser decorrente da “falta do livro didático”, é

incoerente para o que se pretende na proposta da Escola Freinet, pois, na verdade, o que

deseja E1, é poder utilizar o livro didático como um manual escolar, que oferece o suporte

para validar e encadear os seus ensinamentos.

O uso que se faz do livro didático, nas escolas brasileiras, geralmente, é limitador das

possibilidades criativas dos alunos, do mesmo modo que, submetê-los, num dado momento,

às mesmas páginas de atividades, é desconsiderar a diversidade das capacidades que eles têm.

Essa superioridade do livro, especialmente do didático, em relação a outros portadores de

textos, decorre, queremos crer, do tratamento dispensado ao conhecimento, enquanto

16 No próximo capítulo trataremos sobre a Biblioteca de Trabalho.

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mercadoria, disponível para a comercialização. Machado (2002, p. 33) apresenta tal

discussão, destacando que “A publicação e a comercialização da Enciclopédia de Diderot e

D’Alembert, em meados do século XVIII, constituem um marco expressivo no progressivo

tratamento do conhecimento como mercadoria em sentido industrial.”

O fato é que o conhecimento só tem sentido, quando é socializado e se torna útil para

as pessoas. Entretanto, as leis do mercado convencionaram que o valor de um bem é medido

pelo seu custo, pela sua apresentação, ou seja, pela embalagem, em detrimento do conteúdo.

Em relação aos conhecimentos, que devem chegar aos alunos, numa relação pedagógica, a

lógica tem sido a mesma: quando apresentam-se editados, no formato de livro e postos à

venda numa boa livraria, os conhecimentos assumem um valor que jamais teriam, caso

fossem sistematizados numa encadernação simples, tendo como autor o próprio professor ou

mesmo um ou mais alunos.

Não custa se verificar, nesta Era Tecnológica, que, cada vez mais, o professor assume

o papel de consumidor de conhecimentos, pois necessita apegar-se às práticas de catar textos

de terceiros, freqüentemente pela internet, a despeito de qual seja a fonte e até mesmo a

fidedignidade da mesma. É como se precisasse da autoria de uma outra pessoa para validar

que trata-se de um conhecimento legítimo. Conseqüentemente, assume uma flagrante

incapacidade de produzir o seu próprio material, de acordo com as necessidades do grupo de

alunos. Decorre desta prática secular, o pouco caso que se dá às produções realizadas durante

os processos de ensino e aprendizagem, inclusive àquelas que documentam conhecimentos

construídos ou mesmo informações categorizadas.

A cultura de “adotar” livro didático responde a todo esse apelo, que acabamos de

analisar. Representa o meio seguro do professor caminhar, sem maiores cargas de trabalho.

Para a Escola Freinet, malgrado a prática que encontramos durante a nossa pesquisa, ao ser

implantado o ensino de 5ª a 8ª séries, as discussões e a prática dos primeiros anos, seguiam a

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proposta de algumas disciplinas (História, Geografia, Ciências e Matemática) indicarem

(diferente de adotarem), cada uma, três referências de livros, resultando em diferentes pontos

de vistas, para o estudo de um mesmo conteúdo. A posição assumida pela escola pesquisada,

durante os primeiros anos da sua experiência, encontrava aporte teórico nas reflexões de

Freinet (1976a, p. 55), quando afirma:

Em lugar de equipar os alunos com trinta livros semelhantes para cada disciplina, coloquemos estes livros – um exemplar de cada – e outros ainda, na nossa Biblioteca de Trabalho, de maneira a termos uma mais vasta documentação apresentada com pontos de vista diferente e modifiquemos a técnica de utilização dos livros.

A atualidade do pensamento de Freinet é confirmada ao verificarmos as reflexões

críticas de Machado (1997) sobre a utilização dos livros didáticos, especialmente no caso das

escolas públicas, onde sabemos que o livro é, demasiadamente, tomado como um material

descartável e que, apesar de distribuído em enormes quantidades, ainda assim não atende a

todos. Machado (1997, p. 114) aponta a causa deste problema: “os livros são distribuídos aos

estudantes quando deveriam sê-lo às escolas.”

No que tange a esse tema, vejamos a coerência das proposições de Machado (1997, p.

114-115), com as de Freinet: “Em cada sala de aula deveria ter prateleiras com os livros a

serem utilizados pelos alunos, um livro para cada um. [...] tal perspectiva pressupõe algumas

condições básicas, como uma alteração significativa na forma de utilização dos livros.” Mais

adiante estaremos discutindo o papel do caderno escolar, instrumento de documentação, no

contexto da pedagogia Freinet, por considerarmos uma peça significativa no processo de

redimensionamento da relação alunos e educadores, no que tange a parceria livro e

conhecimento.

Acreditamos, diante desta discussão, que as múltiplas perspectivas de exploração do

texto do aluno, somente será percebida e dada a devida importância, quando o conhecimento

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não for entendido como algo distante da perspectiva de construção em sala de aula.

Chegando-se a este estágio, os alunos serão mobilizados a produzirem e a sistematizarem as

suas descobertas, recorrendo a diferentes ferramentas.

Os projetos de pesquisa

É de conhecimento de todos os educadores que estudam sobre as pedagogias de

tendência progressista, as razões das tantas dificuldades que temos de perceber o mundo com

um olhar interdisciplinar. Somos produtos de uma escola e de uma sociedade, que nos ensina

a ver as coisas de maneira fragmentada, portanto, a saída desta condição, parece não ser pela

via de buscarmos culpados, mas sim, a partir da consciência deste fato, nos sentirmos

mobilizados na construção de um olhar mais holístico e transversalizado.

O trabalho individual, em Freinet, nos ensina a respeitar a subjetividade dos alunos, a

aceitar o fato de que temos interesses diversos e que às escolas alinhadas com a necessidade

das transformações sociais, precisam abrir espaços no seu tempo de aula e nos seus currículos

para que os alunos saiam da escola da saliva, caracterizada pelo excesso de verborragia dos

professores, e aprendam a aprender, buscando respostas para as suas curiosidades.

Sendo assim, o Projeto de Pesquisa, ainda, é tido como um significativo procedimento

de ensino e aprendizagem, que atende a esta necessidade e a esses pressupostos teóricos.

Consiste na organização de uma atividade de pesquisa, orientada por alguém mais maduro,

mais experiente, no caso o professor. Profissional que, naturalmente, também deve ter a sua

ação pedagógica, precedida pela pesquisa, que, dificilmente, se prenderá a apenas uma área do

conhecimento.

A Escola Freinet abre um espaço no seu tempo de aula e no seu currículo de 5ª a 8ª

séries, para que os alunos recebam orientações de um professor, num horário específico, na

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elaboração de um projeto, para o desenvolvimento da pesquisa e à documentação dos

conhecimentos construídos. Tal iniciativa decorre da opção em trabalhar, respeitando a

construção de um fazer pedagógico, norteado por princípios que permitem autonomia para

pensar, para fazer e para ser, aliás tidos como pilares básicos para a educação na atualidade.

Este aspecto da proposta pedagógica da Escola Freinet, constitui-se, talvez, num dos

maiores exercícios da prática do tateamento experimental, pela autonomia que deve ser

permitida ao aluno para pesquisar sobre o que deseja, sem nenhuma preocupação com o

currículo ou com os conteúdos da série que estuda. É uma pesquisa que tem a duração de um

ano letivo, contemplando desde a fase de elaboração do projeto até a documentação e

comunicação das conclusões. Desenvolve-se, paralelamente, com as demais atividades

escolares, projetos e pesquisas desenvolvidas durante os trabalhos das diferentes disciplinas.

Na sua essência, a forma de desenvolver tal experiência, consiste, essencialmente, na

formação de pequenos grupos, como seis ou oito alunos, coordenados por um professor. Não

é o mais importante a tentativa de homogeneização do grupo (por faixa etária, série, etc), pois

não podemos esquecer, que o projeto é individual e não em grupo. Reunido com os seus

orientandos, semanalmente, durante uma hora-aula para esta finalidade, o professor irá

orientar, propor, indicar fontes, leituras que enriqueçam as diferentes pesquisas, evitando

leituras de trabalhos, correções, refacções, entre outras de caráter específico.

Como os grupos serão formados, é uma tarefa para ser definida de acordo com cada

realidade, desde que não se fuja do princípio dos alunos poderem pesquisar sobre o que estão

desejando no momento. Lembremos: o projeto deve ser do aluno e não do professor. Se

acontecer de maneira inversa, a prática poderá ter muito valor pedagógico, mas,

decididamente, não será aquela pautada no princípio maior da pedagogia Freinet: o do

respeito a diversidade de interesses. A diversidade até poderá ser discutida, mas jamais

moldada pelos interesses ou conveniências da escola.

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Algumas descompaços entre intenção e ação, em relação a proposta que apresentamos

até aqui, pudemos constatar, durante a nossa pesquisa. Tivemos a oportunidade de discutir

sobre qual seria o melhor formato para o Projeto de Pesquisa, no sentido da práxis que

acabamos de aduzir informações. No intuito de melhor clarificar o que deseja a Escola Freinet

com tal experiência, organizamos um pequeno texto sobre o tema, que foi lido e discutido

com a equipe docente.

Lamentavelmente, ao nosso ver, a equipe escolheu o caminho que, teoricamente,

considerou como sendo o mais fácil, porém, a argumentação foi a de que outros modelos não

teriam dado certo, valendo a pena tentar uma outra forma, que terminou por ser seguida,

durante o ano letivo de 2002. O projeto que deveria ser individual, acabou sendo em grupo e,

em sendo em grupo, os alunos deveriam se juntar pelo interesse em relação à temática

escolhida, independente de série, mas acabaram priorizando somente as afinidades entre si e

as relações de amizade.

Considerando que o horário para a orientação do Projeto de Pesquisa é o mesmo para

todas as turmas, no nosso entendimento, o caminho mais rico e significativo seria deixar cada

aluno (de 5ª a 8ª séries) definir o seu tema e só então os professores definiriam os grupos para

a orientação. Misturando-se alunos das quatro séries, seria resolvido o problema de algumas

turmas serem compostas por 28 alunos e outras por 10. Cada professor teria,

aproximadamente, o mesmo número de orientandos, além dos alunos enriquecerem as suas

experiências.

Na sala da 6ª série, onde realizamos observações mais sistemáticas, revelou-se uma

certa falta de envolvimento com o Projeto, por parte dos alunos. Tanto é que a publicação

(capa, logo abaixo) que documenta a pesquisa, ao todo com cinqüenta e oito páginas, registra

a autoria de quinze alunos, de um total de trinta que iniciaram o ano letivo e vinte e cinco

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que chegaram até o final. Como percebemos, dez alunos, ou dois grupos, não apresentaram as

suas produções, o que é, no mínimo, questionável.

Nos momentos em que observamos a “orientação da pesquisa”, vimos a carência de

um melhor acompanhamento dos orientadores, pois limitavam-se, praticamente, a tirar

dúvidas, quando solicitados pelos diferentes grupos. O horário que deveria ser destinado para

a orientação, era voltado para os grupos trabalharem na pesquisa, como se devesse ser uma

atividade para ser desenvolvida em sala de aula.

Independentemente dos ajustes que possam acontecer na proposta que acabamos de

discutir, o fato é que consideramos como sendo um dos aspectos mais interessantes da

proposta da Escola Freinet, para o ensino de 5ª a 8ª séries, pelo seu caráter original e pela

introdução dos alunos na prática da pesquisa orientada, que tem como objetivo o tateamento

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experimental, verdadeiramente, a partir de Complexos de Interesse. A construção de

conhecimentos é uma conseqüência, com os ganhos de acontecer dentro de um espírito de

autonomia, que é tão fundamental ao pesquisador.

Os trabalhos nos ateliês

No capítulo anterior, ao tratarmos do aspecto espaço, fizemos referências as

limitações quanto a área física das salas de aula das nossas escolas, inclusive da Escola

Freinet, o que dificulta à organização de ateliês permanentes. Neste item, trataremos da

importância, para a construção de conhecimentos, do trabalho realizado em ateliês.

Ao discorrer sobre como organizava o trabalho na sua sala de aula, Freinet (1976a, p.

75) chama a atenção: “As mesas estão dispostas para que todos os utensílios se encontrem por

assim dizer à mão dos alunos. [...] é inútil propor à criança um plano de trabalho se não se

colocam à sua disposição os utensílios e os documentos que lhes são necessários.” Esta

arrumação da qual fala Freinet, atualmente é utilizada por muitas escolas de Educação Infantil

e das séries iniciais do Ensino Fundamental, independente de seguirem ou não a pedagogia

Freinet. Nestes casos, os ateliês são chamados de cantinhos e assumem um outro papel

daquele que é próprio da proposta freinetiana.

Os ateliês característicos da pedagogia Freinet, são espaços organizados para que os

alunos trabalhem com autonomia e utilizem os diferentes recursos disponibilizados, para

realizarem as atividades dos seus Planos de Trabalho, quer seja individual, em grupo ou

mesmo coletivo. Na impossibilidade de se ter ateliês fixos dentro da própria sala de aula,

utiliza-se a prática de trabalhar com ateliês móveis, que são planejados e montados, sempre,

de acordo com a aula do dia, funcionando, como por exemplo, ateliês, para: construções e

montagens de maquetes, mapeamentos e representações gráficas, criação de jogos, pesquisa

em livros e fichários, leitura, produção de textos.

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Nas escolas onde existam salas com espaços maiores, alguns ateliês, que sejam

comuns a todas as disciplinas, como é o caso daqueles para a leitura, pesquisas, jogos e

produção de textos, devem permanecer montados, cotidianamente. Assim como acontece com

os ateliês que funcionam fora da sala de aula, destacando-se, na Escola Freinet, o de

informática, impressão e reprodução de materiais.

O funcionamento dos ateliês em muito depende da mediação do educador, que planeja

os ateliês a serem oferecidos em cada aula. Ao planejar, define um número de vagas, que é

possível para cada ateliê, de modo que os alunos se dividam e produzam sem atropelos.

Organiza a sala de aula com pequenos ambientes para cinco ou seis alunos trabalharem em

cada um.

Iniciada a aula, os alunos se inscrevem para o ateliê onde irá trabalhar, respeitando o

próprio interesse, mas também o número máximo de vagas oferecidas pelo professor. Quando

não há mais vaga num determinado ateliê, o aluno escolhe o segundo ou terceiro da sua

preferência, exercitando uma prática presente, por exemplo, na vida dos educadores quando

participam de eventos e precisam fazer as suas escolhas para palestras, cursos, grupos de

trabalho ou mesmo ateliês.

Durante a 2ª etapa de observações, um trabalho de E4, na sala da 7ª série, nos chamou

a atenção. Antes de detalharmos como os ateliês se desenvolveram, é oportuno destacarmos

que não havia qualquer registro no Plano de Trabalho Coletivo, que revelasse a riqueza de

detalhes daquela experiência, assim como percebemos que E4 tinha o domínio técnico do que

propunha aos alunos, mas faltava-lhe a compreensão pedagógica para respaldar a sua prática.

O referencial teórico-prático de Célestin Freinet, certamente, poderia ter ajudado para uma

melhor organização didática do trabalho e, posteriormente, até refletimos juntos.

O trabalho que fizemos referências no parágrafo anterior, desenvolveu-se durante

mais de seis horas-aula da referida disciplina ou três semanas seguidas. Observei durante as

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três semanas e depois pude ver a fita conclusiva. Passo então a relatar, resumidamente, as

minhas observações, acompanhadas de alguns comentários:

1ª Semana:

• E4 escreveu no quadro: “Técnicas de Animação”, explicou que o trabalho consistiria em

fazer um vídeo, utilizando a técnica da animação com objetos em miniaturas, alguns

construídos com massa de modelar. Os alunos copiaram o tema da aula e o educador pediu

para formarem grupos com quatro componentes, objetivando que, cada grupo, elaborasse o

roteiro de um vídeo, passando a circular pelos grupos. Alguns alunos não se envolveram na

atividade, chegando a não haver produção de alguns grupos. Ao final da aula, E4 solicitou

que concluíssem o roteiro, pois na aula seguinte já seria iniciada a parte prática.

Como podemos perceber, trata-se de um trabalho em grupo, mas realizado num único

ateliê, que seria o de produção de texto. A questão da fragmentação disciplinar ficou evidente,

assim como a ausência de um trabalho com o texto livre dos alunos. Esta nossa afirmativa

respalda-se no fato do educador ter “encomendado” um roteiro para o vídeo, sem que os

alunos tivessem um texto como base, o que talvez justifique a dispersão de alguns deles.

Na ausência do trabalho com os textos livres, poderia ter restado o aproveitamento de

algum texto, que vinha sendo trabalhado numa outra disciplina, pelo menos integrariam

disciplinas. Era notável que o que interessava, substancialmente, era a técnica de fazer o

vídeo, pois a maioria dos grupos limitou-se a produzir as cenas, sem fazer nascê-las de um

texto inteiro, vivo e reflexivo. Os roteiros elaborados não chegaram a ser discutidos,

coletivamente, antes de serem encenados, o que consideramos uma simplificação dos

processos de ensino e aprendizagem, que não podemos deixar de ressaltar.

2ª Semana:

• A aula começa com a exibição de um vídeo feito no ano 2001, a partir da mesma proposta.

Um resultado que avaliamos como muito interessante, apesar de não conhecermos o

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processo de como se deu. No retorno para a sala os mesmos grupos se reúnem para a

conclusão dos roteiros e a criação e confecção dos cenários. Os grupos não tinham clareza

dos títulos das suas histórias e, em se tratando de um filme, nem que teriam que abrir o

vídeo com o título e, ao final, fechar com os créditos. Colaborei, chamando a atenção para

esses detalhes, o que provocou a preparação em folhas de papel ofício, inclusive alguns

grupos optaram por confeccionar as letras com massa de modelar. Passaram para a fase do

trabalho de modelagem, quando confeccionaram personagens.

A exibição do vídeo, realizada no primeiro momento, não constava no Plano de

Trabalho Coletivo e constato que um grupo sequer registrou o roteiro que produziu, passando

a trabalhar na preparação do cenário. E4 não mobilizou-se para mediar os grupos, no sentido

de haver, de fato, um planejamento e um registro do que iriam fazer. Ao final da aula

conversei com o educador sobre a necessidade dos alunos sistematizarem os textos, pois, do

contrário, a técnica de produção do vídeo passaria a ser o fim e não um meio para a

aprendizagem. Sugeri que, na próxima aula, enquanto um grupo estiver filmando os outros

poderião estar retomando os registros e até organizando um jornal ou um folder a ser

distribuído, divulgando os vídeos, entre outras possibilidades de trabalho.

3ª Semana:

A aula já iniciou-se com um grupo filmando, após E4 orientar o uso do equipamento e a parte

técnica. Utilizaram um refletor para melhorar a iluminação e uma máquina filmadora. Em

cada grupo, os alunos decidiram quem faria a luz e quem seria o câmara. O primeiro

grupo fez o filme em vinte e cinco minutos. Enquanto isto, alguns grupos se dispersaram, no

momento em que questionamos se não teriam nenhum trabalho de outras disciplinas, que

aproveitassem o tempo de forma mais útil. Os alunos disseram não ter o que fazer.

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O segundo grupo começou a filmar e percebemos que dois outros grupos sairam da

sala. Perguntamos ao educador para onde teriam ido os alunos e a resposta foi de que estariam

preparando um relatório sobre o trabalho. A aula terminou e os dois grupos que faltaram,

ficam de filmar na semana seguinte.

A riqueza da técnica e o uso da tecnologia são merecedores do nosso reconhecimento

quanto ao mérito do trabalho que aqui apresentamos, porém não podemos deixar de ressaltar a

falta de contextualização na práxis de pedagogia freinetiana, que a escola assume como sendo

norteadora das suas ações. Refletimos: durante a terceira e a quarta semanas, que não mais

acompanhamos, a aula esteve voltada para o trabalho de filmagem, portanto, focada nos

grupos, em momentos distintos.

O ateliê de filmagem poderia ser um dos ateliês disponíveis na sala de aula, evitando a

ociosidade e a pouca produtividade. Outros ateliês poderiam ter sido oferecidos,

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simultaneamente, de maneira mais clara e com objetivos melhor definidos, pois o grupo que

estaria fazendo o relatório, na verdade, constatamos que conversava sobre temas diversos,

além daqueles que disseram não ter nada para fazer. Se o aluno tem um Plano Individual de

Trabalho, sempre terá alguma coisa para fazer.

Ao relatarmos essa experiência tivemos a pretensão de chamar a atenção para o

quanto os espaços e a proposta de trabalho em ateliês podem ser útéis num processo de

aprendizagem, pois são disponibilizados os recursos para os alunos tatearem, conforme os

seus projetos e, conseqüentemente, as suas necessidades. A proposta de ateliês é uma aliada

do educador e do aluno, para trabalhar os Complexos de Interesse e favorecer as

aprendizagens, restando para aqueles que atuam em escolas Freinet, procurar compreender os

seus fundamentos e funcionamento, enquanto estratégia pedagógica.

A aula-passeio

Contrariando as opiniões iniciais do diretor da escola e dos pais dos alunos, que

diziam ser as saídas da sala de aula, uma forma de perder tempo, Freinet fez nascer a aula-

passeio, com o objetivo de fugir do ambiente sufocante e sem vida, que dominava a sala de

aula tradicional, do início da sua experiência docente. Freinet, É. (1978, p. 27) nos diz: “Com

a desenvoltura própria dos audaciosos, Freinet tinha decidido levar todas as tardes17, os seus

miúdos a passearem e ter contacto com a natureza.” Era perceptível aos olhos e ao bom senso

do professor, que o passeio era a atividade que mais dava prazer aos alunos e por esta razão

ele as observava com a atenção necessária para suprir a própria curiosidade enquanto ser

humano e a preocupação pedagógica de quem começara por se tornar um artesão da própria

prática.

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Munidos de lápis e papel, os alunos saiam pela aldeia, realizando os seus tateios, como

se aprendessem a olhar o seu entorno, expressando-se livremente, desenvolvendo o discurso

necessário e espontâneo para relatar as suas aventuras ou mesmo para indicar ao professor e

aos colegas o trajeto até um ponto familiar observado à distância. A representação do percurso

sugeria uma boa lição de geografia; com as comparações de distâncias aprendiam matemática;

ouvir a gente do lugar era uma ótima aula de história e assim por diante.

O retorno à sala de aula, para Freinet, era sempre o retorno ao ensino escolástico, até

que percebeu que os alunos voltavam dos passeios, trazendo pequenos insetos e folhas secas

nos bolsos das roupas e que muito tinham a falar sobre a experiência vivida. Desta forma,

percebeu que os textos, contando as descobertas realizadas, poderiam suprir as faltas impostas

pelas cartilhas, manuais escolares, nascendo daí o texto coletivo e posteriormente o texto livre

do aluno, técnica que, como vimos, é de uma importância fundamental, por oferecer

Complexos de Interesse e múltiplas possibilidades de exploração pedagógica.

A aula-passeio desencadeou a técnica do texto livre e este motivou Complexos de

Interesse a serem pesquisados, caminho fecundo para o conhecimento. Cenário no qual, só

tem sentido falar em conhecimento, repetimos, se tiver como objetivo ser socializado,

transformando-se em informação para outras pessoas.

Foi para dar o lugar de honra ao texto do aluno, muitos deles tratando das experiências

durante as aulas-passeios, que a imprensa entrou na sala de aula freinetiana e para a

socialização das produções, surgiu a correspondência interescolar entre alunos e professores,

técnicas pedagógicas que melhor abordaremos, no capítulo seguinte.

Pouco a pouco, textos dos mais diversos tipos foram compondo jornais, que eram

reproduzidos na própria sala de aula. Este processo, nem sempre linear, foi dando origem a

17 A escola francesa trabalha com turno integral de aula.

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pedagogia Freinet, que fortaleceu-se com muitas outras técnicas e ferramentas, algumas delas

já tratadas até este ponto da dissertação.

Passados mais de oitenta anos, podemos dizer que a iniciativa pedagógica de Célestin

Freinet continua viva e atual, basta pensarmos nas mais diferentes escolas, que seguem

orientações políticas e filosóficas, igualmente diversas e que, ainda assim, entendem que levar

os alunos para o encontro com a vida permite construções por demais significativas. É comum

ouvirmos outras terminologias, referindo-se a aula-passeio, como: aula de campo, passeio

pedagógico, aula de descobertas, porém, salvo as exceções que confundem esta técnica,

como mero objeto de marketing institucional ou como sendo momentos para o ócio ou para o

lazer despretensioso, o fato é que parte dos educadores já compreenderam que há muito o que

aprender em contato com a vida, com o que está fora da escola, no meio ambiente natural e

social. Estabelecer tal parceria é de uma riqueza incalculável, transcendendo o terreno daquilo

que se pode mensurar, para entrar em cena os valores que fundamentam a formação humana.

Examinadas as bases que deram origem à proposta de aula-passeio, cabe aos

educadores organizarem os seus fazeres, com base na realidade do seu grupo cooperativo, da

escola e da comunidade. À luz dos pressupostos freinetianos, destacaremos alguns cuidados,

seguidos de passos que julgamos relevantes, para o bom aproveitamento de uma saída da sala

de aula:

• É preciso não confundir aula-passeio com a obrigatoriedade de ter que sair num veículo de

transporte para um lugar distante, pois a vida encontra-se no pátio da escola, nos arredores

desta ou mesmo há poucos quarteirões, possíveis de serem percorridos numa caminhada;

• A aula-passeio poderá ter o objetivo de permitir o encontro dos alunos com a natureza ou

com uma determinada realidade e dela desencadear pesquisas e novas aulas-passeios. Neste

caso, o roteiro que apresentaremos mais adiante poderá ser aberto, pois o contato com o

campo, é que revelará questões a serem aprofundadas;

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• Numa espécie de continuidade do ponto anterior, dizemos que a aula-passeio, também

poderá acontecer para aprofundar os conhecimentos sobre um objeto que esteja sendo

estudado em sala de aula e, neste caso, é importante que o educador visite o local com

antecedência, para poder melhor planejar, com os alunos, o roteiro da aula-passeio e, por

ocasião da mesma, orientá-los de forma adequada;

• As aulas-passeios devem ser previstas no Plano de Trabalho Coletivo, organizado

semanalmente pelo educador, mas levando em consideração as sugestões e interesses

expostos pelos alunos;

• O grupo precisa entender o objetivo geral que envolve a aula-passeio e os objetivos

específicos de cada uma delas: se é para aprofundar um tema em estudo ou se para tomar

contato com uma situação e a partir dela, realizar novos tateios;

• O educador precisa ter sensibilidade, visão holística, conhecimento de técnicas e

instrumentos de trabalho capazes de explorarem, pedagogicamente, as descobertas dos

alunos suscitadas antes, durante e depois de uma aula-passeio. As saídas não podem se

transformar num fim em si mesmo.

Tomados esses cuidados, pode-se utilizar um roteiro simples para, coletivamente,

alunos e educadores, contextualizarem e planejarem a aula-passeio, em especial àquelas que

objetivem aprofundar algum tema que vem sendo estudado, porém, que não seja nada muito

sistematizado. Apenas uma sugestão:

Plano de Trabalho Coletivo nº________

Atividade: Aula-passeio

Data: Local:

Hora de saída: Hora de chegada:

Será necessário transporte? Que tipo?

Quem será responsável pelos contatos? ( ) Escola ( ) Agência ( ) outros

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Quem será responsável pelo grupo?

Tema estudado:

Disciplinas envolvidas (quando for o caso):

1- O que sabemos sobre o local?

2- O que já sabemos sobre o tema em estudo?

3- O que esperamos saber sobre o tema, durante a aula-passeio?

4- Como devemos agir e interagir, para sabermos sobre o que queremos?

5- Que recursos serão necessários para a aula-passeio? Qual será a origem? Que instrumentos

serão necessários durante a aula-passeio?

6- Que providências precisam ser tomadas? Quem são os responsáveis?

AO RETORNAREM À SALA DE AULA:

7- Como vamos trabalhar para documentar os conhecimentos construídos a partir das

informações colhidas durante a aula-passeio, articulando-os com os estudos em sala de aula?

Será um trabalho em grupo, individual ou coletivo?

8- A avaliação da aula-passeio e a sua contribuição para estudos maiores.

Durante a nossa pesquisa pudemos constatar o investimento dos educadores na

realização de aulas-passeios, porém, ainda é perceptível um trabalho focado no momento da

realização, carecendo aperfeiçoar tanto o planejamento coletivo, quanto os desdobramentos

que poderão advir para torná-la realmente significativa.

Numa das suas aulas, E9 discutia com o grupo de alunos sobre uma determinada

temática. Concluíram que seria interessante realizarem observações no pátio da escola e então

definiram um tempo de duração da aula-passeio. Todos se deslocaram, espalhando-se pelos

jardins e pelas áreas livres, numa prática de tomar o meio ambiente como um verdadeiro

laboratório e uma extensão da sala de aula. Voltaram enriquecidos com as suas descobertas e

com maiores subsídios para aprofundarem os estudos que desenvolviam.

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O exemplo acima relatado, ilustra muito bem as nossas colocações acerca da essência

da aula-passeio, como orienta Freinet. Entretanto, não descartamos o fato de, as demandas de

um mundo em crescente processo de transformação, demonstrarem que, em alguns casos,

sozinha, a escola não tem dado conta de atender as necessidades de determinadas aulas-

passeios, sobretudo aquelas que envolvem viagens para outras cidades, Estados e até mesmo

países. Assim como é pouco razoável, pensarmos que, sem a devida fundamentação e

formação específica, agentes de viagem possam substituir as funções dos professores, durante

uma viagem de caráter pedagógico.

Alertamos quanto ao cuidado que se deve ter no tocante a qualificação dos

profissionais da área Turística, que se lancem ao desafio de trabalhar no ramo pedagógico.

Atentos a uma parcela do mercado consumidor, empresas surgem com o propósito de

trabalharem com o chamado Turismo Pedagógico, oferecendo os seus serviços e “pacotes”

voltados para as escolas. Algumas instituições consomem tal serviço, o que não

desconsideramos que possa ter o seu valor pedagógico. Contudo, a proposta não pode ser

confundida com a práxis da aula-passeio freinetiana.

Seja aula-passeio, turismo pedagógico ou outra expressão que se queira usar, neste

tipo de atividade, principalmente, se for uma iniciativa da escola, a quem é delegada a função

de lidar com o conhecimento, o fim não deve ser o lazer, mas a aprendizagem prazerosa, o

contato com situações reais e a oportunidade de interagir com o meio ambiente e percebê-lo

de forma crítica.

Os Fichários: Cooperativo e de Autocorreção

Ao organizar a biblioteca da sua escola, Freinet destinou algumas prateleiras para

livros, manuais e revistas (FREINET, E. 1978, p. 123). Porém, dizia ser o livro um

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instrumento demasiadamente complexo e pouco funcional para os alunos das primeiras séries,

o que carecia a elaboração de um material melhor adequado. Dessa necessidade, após alguns

tateamentos, sistematizou a proposta de fichas de estudo e de fichário.

No seu primeiro artigo sobre o tema, escrito em fevereiro de 1929, assim como fez ao

organizar outras técnicas, Freinet apresentou os fundamentos e benefícios pedagógicos dos

fichários. O referido artigo foi transcrito por Freinet, É. (1978, 123-125), do qual destacamos

um trecho da página 124:

Quem é que ao examinar os numerosos artigos espalhados pelos livros e pelas revistas pedagógicas não sonhou: ‘Ah! Se pudéssemos ter à mão uma importante selecção desses artigos no momento que precisássemos deles e em que os alunos os haviam de ler com o máximo de aproveitamento, como seriam consideravelmente melhoradas as nossas condições de trabalho.’

Os fichários tornaram real, o que até então era apenas um sonho. O mais interessante

é que é uma importante ferramenta de estudo não somente para as crianças, mas também para

os adolescentes e para os adultos. Os do tipo Cooperativo reúnem textos para subsidiar

pesquisas e são organizados por temas ou por disciplinas, sendo esta última um sistema de

organização utilizado, mas que Freinet considerou “caduca” (FREINET, E., 1978, p. 142). A

organização por tema oferece uma maior praticidade, apesar do fichário de uma disciplina

poder aglutinar vários temas.

As fichas de trabalho do Fichário Escolar Cooperativo, são oriundas de diversas

fontes: revistas, jornais, livros, panfletos, produções textuais de alunos e professores, assim

como dos materiais recebidos dos correspondentes e de outras pessoas. A partir das suas

necessidades de estudos, a turma poderá definir que deseja montar um fichário, por exemplo,

sobre “a poluição dos rios” e a cooperação de todos é fundamental para juntar o máximo de

informações sobre o tema.

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Para uma melhor organização, o educador define um tamanho padrão para as fichas,

geralmente o formato 15x20, onde são colados os textos. No alto da ficha, coloca-se a

numeração, a data, o autor da organização e a (s) fonte (s) de origem. As fichas são arrumadas

em caixas, compondo fichários. É uma prática que estimula o educador a produzir os seus

próprios textos e não apenas consumir aqueles que copia de fontes diversas.

Em todas as salas do ensino de 5ª a 8ª séries, da Escola Freinet, encontramos caixas

para fichários, como as que estão dispostas na estante da foto abaixo. Entretanto, não vimos

nenhum trabalho sistemático com as fichas de trabalho. O acervo existente expressa muito

bem esta nossa afirmativa, pois não é atualizado e nem organizado para atender a proposta de

funcionalidade e de superação da proposta limitadora dos livros didáticos.

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Nas entrevistas com os colaboradores da nossa pesquisa, professores-pesquisadores,

solicitamos que falassem sobre as técnicas freinetianas que realizam com mais sucesso. E1

destacou os fichários, em primeiro lugar, justificando: “Pra superar as dificuldades deles.” O

detalhe é que em nenhuma das fases da nossa pesquisa vimos os fichários serem utilizados nas

aulas de E1, tampouco naquelas mediadas por outros educadores, apesar de E2 dizer: “No

fichário eu contemplo vários conteúdos.”

Insistimos com E2, pelo fato de não termos observado a utilização dos fichários em

nenhuma das aulas que acompanhamos. A resposta: “Na 6ª série [turma que observei por mais

tempo], termina não contemplando os fichários. O número de alunos [!], o universo da

turma.” Curiosamente, é como se quisesse dizer que nas outras turmas os fichários são usados,

exceto naquela que realizei observações por mais tempo.

A utilização de fichas de trabalho, objetivando trabalhar dificuldades de

aprendizagem, que E1 fez referências, nos remete ao Fichário de Autocorreção, que é

organizado pelo educador. O formato é o mesmo do Cooperativo, alterando-se a proposta de

conteúdo e técnica de trabalho. “Põem à disposição da criança exercícios destinados à

aquisição dos mecanismos do cálculo (operações, problemas, exercícios sobre os números

complexos e a geometria), ortografia e conjugação, nos diferentes cursos.” (FREINET, 1976a,

p. 145).

Apesar de Freinet (1976a, p. 145) propor quatro tipo de fichas para o Fichário de

Autocorreção, as práticas pedagógicas que tivemos a oportunidade de acompanhar e de

experimentar nas séries iniciais, têm demonstrado que é bem funcional a utilização de apenas

dois tipos: as Fichas-Perguntas e as Fichas-Respostas. O arquivo é feito numa caixa idêntica

a do Fichário Escolar Cooperativo, diferenciando-se somente quanto a uma divisória interna.

Numa parte são acomodadas as fichas com as questões e na outra parte as fichas com as

respostas, ambas têm o mesmo número, facilitando a localização nos momentos de estudos.

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O educador vai preparando as fichas de autocorreção, de acordo com os conteúdos

que vão sendo trabalhados. Entre as sugestões de atividades propostas para os Planos

Individuais de Trabalho, propõe a utilização dos fichários. Os alunos que escolhem trabalhar

no ateliê de arquivos documentais, fazem as escolhas entre as fichas-perguntas, conforme as

suas necessidades e orientações recebidas, transcrevem as questões para o caderno e procuram

respondê-las, inicialmente sem consulta. Após reflexões poderá consultar outros documentos

que possam amenizar dúvidas. Apresenta o seu trabalho ao educador, que, se for o caso,

promoverá novas orientações. A etapa final é que será para recorrer a Ficha-Resposta,

conferindo a coerência da resposta que conseguiu sistematizar.

Uma pergunta é bem comum, da parte de educadores iniciantes na práxis freinetiana:

“Mas os alunos não olham logo a resposta na Ficha-Resposta?” Dizemos que, a

funcionalidade, a contento, da técnica de estudar com o Fichário de Autocorreção, somente é

viável, nos moldes que orienta Freinet, quando o compromisso com a própria aprendizagem,

ou seja, o trabalho vivo e criativo, é a preocupação que mobiliza o aluno. Deste modo, ele

compreenderá que, mais importante do que copiar uma resposta, é realizar tateios e aprender

de maneira significativa, passando os fichários, independente do tipo, a ser um aliado dos

processos de ensino e aprendizagem.

Durante a entrevista conversamos por alguns minutos com E5, refletindo sobre o uso

indiscriminado da Internet, por alunos das mais diferentes escolas. É lamentável como, para

atender solicitações, encomendas dos educadores, alunos transcrevem e muitas vezes apenas

imprimem textos disponíveis na rede, denominando-os de pesquisa. De fato, como percebe

E5, a Internet é um grande Fichário Cooperativo e pode ser acessado a qualquer momento.

Tomar a internet como sendo um fichário, é uma forma interessante de modernizar a

ferramenta freinetiana de organização de informações em fichas, assim como possibilita o

monitoramento do uso da tecnologia informática, bastante vulnerável à disseminação de

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informações de qualidade questionável. Após análise de sites, o educador organizaria fichas

de trabalho, indicando os endereços na rede, que levam o aluno diretamente ao documento,

que possa lhe servir de referência nos seus estudos. Do mesmo modo que, através de

provedores gratuitos ou não, os educadores e os alunos podem socializar as suas produções,

que servirão para outras pessoas.

A autonomia permitida através do estudo por fichas é tão fundamental que por si só já

justificaria a sua inserção na sala de aula, mas adicionamos todos os benefícios e

possibilidades aqui apresentadas, que não desmerecem outras técnicas, mas conduz os

Fichários para um lugar de especial destaque, entre as técnicas voltadas a favorecer a

aprendizagem.

3.3 A avaliação da aprendizagem: o fazer e o refazer

A função classificatória da escola tradicional, sempre cumpriu-se apoiada pelo sistema

de avaliação ou, como veremos, na verdade, pelo sistema de exames, que assume o papel de

detectar os alunos capazes de memorizarem informações, fórmulas, entre outros. Este caráter

seletivo da escola brasileira, imprime uma concepção incoerente com o objetivo de se atingir

o desenvolvimento integral do ser humano, produzindo efeitos na sociedade e colaborando

para a perpetuação de um quadro de exclusão, ao qual é imposta a maioria da população.

Imagina-se que a aprendizagem do aluno deva interessar não somente a ele próprio,

mas, também, ao professor, à escola, à família, ao sistema educacional e à sociedade, pois o

êxito escolar é um aspecto importante para a melhoria da qualidade de vida do povo.

Entretanto, contraditoriamente, a repetência, sobretudo na escola pública, é acentuada em

todos os níveis de ensino, como se fosse um resultado natural a se esperar da maioria. Esta

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realidade decorre de uma Pedagogia Excludente, que não tem a aprendizagem como fim e

nem como questão central.

É importante saber que, avaliar, seja qual for a etapa da escolaridade, deve ser um

processo dinâmico, contínuo e sistemático, atrelado ao planejamento e a prática. Deve

acompanhar todo o processo educativo, de modo a permitir o seu constante aperfeiçoamento,

através do fazer e refazer das estratégias de ensino e das atividades. Em primeiro lugar,

cumpre o papel de analisar se os objetivos, definidos no planejamento, foram atingidos e se as

competências e habilidades foram construídas.

A avaliação, na essência de uma educação transformadora, significa é um recurso

processual, que tem a função fundamental de diagnosticar o estágio em que se encontra o

aluno em relação as suas aprendizagens, provocando tomadas de decisões por parte do aluno,

do educador e/ou da escola. Neste sentido, torna-se necessário entendermos que, qualificar o

processo de avaliação não é somente redefinir instrumentos, mas é preciso critérios claros

para analisar o que foi ou não apreendido. Os critérios precisam ser conhecidos e discutidos

com os alunos, no instante que for dado início a um estudo.

Entendemos que as escolas com propostas mais progressistas, ainda encontram-se num

dilema ou, se assim podemos dizer, numa fase de transição entre a avaliação e o exame. Os

exames são o reflexo da imagem do conhecimento na perspectiva baldista ou bancária, que já

tratamos neste capítulo. É o modelo que, habitualmente, a escola pratica, denominando-o de

avaliação e caracteriza-se pela cobrança da memorização dos conteúdos que foram repassados

pelo professor, o que lamenta Freinet, C. (1978a, p. 187): “Infelizmente, todo o ensino

escolástico se baseia na memória e os exames avaliam exclusivamente as aquisições a base da

memória.”

Na avaliação os dados, acerca do que foi ou não aprendido, são apresentados pelos

alunos, em todas as atividades do dia-a-dia, de forma escrita ou mesmo oral, seja através das

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apresentações, debates ou os demais trabalhos do dia-a-dia. Os mesmos são utilizados para a

reflexão sobre o que fazer, sobre o próximo passo a ser dado para que o aluno refaça

percursos e avance cada vez mais. No exame, pega-se os dados de algumas atividades, atribui-

se notas e encerra-se a caderneta/boletim de registro dos resultados.

Pensar em avaliação transformadora, é entender que não basta mudar ou criar

instrumentais, o que verdadeiramente conta é a mudança do espírito, da postura, das atitudes,

do olhar. É o auto-conhecimento, é a percepção de que a avaliação inclui e os exames

excluem, classificam, rotulam. Os mesmos instrumentais podem servir tanto à avaliação

quanto aos exames, porque o que vai diferenciar são as imagens de representação do

conhecimento e o olhar de quem avalia ou examina, contando, também, o que será feito com

as respostas, com as informações coletadas junto ao aluno.

Até mesmo a prova pode ser entendida nas duas perspectivas: de exame e de

avaliação, porque o que interessa não é o instrumento, mas como está sendo utilizado pelo

educador. A prova de avaliação insere-se numa proposta de finalidades amplamente

discutidas com os alunos, dispensando recursos como a “cola”, pois o fim não é a nota e sim

a aprendizagem. É uma atividade como outra qualquer, sem carecer de momento especial ou

de qualquer tipo de ritual. Por outro lado, a prova de exames tem um peso maior do que

qualquer outro trabalho. Respeita certos rituais, é de caráter terminal, acontece ao final de um

período e classifica quem será aprovado ou reprovado.

Na pedagogia Freinet “o erro não é erro quando temos consciência dele” (FREINET,

1998a, p. 37), essência esta que norteia o tateamento experimental. O aluno deve saber quais

as aprendizagens a serem atingidas em cada trabalho que realiza e, portanto, assume,

pessoalmente, o monitoramento das suas realizações. Neste contexto, errar passa a fazer parte

do processo e perceber o erro é saber que algo ainda estar por fazer, para que tenha sucesso.

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Quando se pensa em avaliação, logo entendemos que também deva perpassar a práxis

do educador e, em razão disto, Freinet, C. (1978a) organizou um teste correspondente a cada

um dos Invariantes Pedagógicos, apresentando o que chamou de Código Pedagógico,

representado pelas cores verde, amarela e vermelha, que servem como indicações para mapear

a auto-avaliação do professor em relação a sua ação docente. A resposta a cada teste permite a

reflexão e, quando necessário, o redimensionamento da prática pedagógica, tendo em vista

atingir os objetivos da Escola Moderna.

A fala de ETAP2 reforça o que acabamos de colocar: “O refazer não é só do aluno, é

do professor também. Quando recebe uma orientação e volta pra sala para fazer diferente, é o

refazer.” Este movimento de querer refazer as suas práxis, pudemos perceber por parte de

poucos educadores, o que talvez explique a lentidão para que alguns aspectos da proposta

pedagógica da Escola Freinet avancem, apesar dos quatro anos de experiência com ensino de

5ª a 8ª séries.

O espaço para a avaliação durante a Reunião Cooperativa, também é um exercício

importante para alunos e educadores, que têm a oportunidade de avaliarem as ações dos

outros, de serem avaliados e de se auto-avaliarem. Desta prática só se pode esperar o sucesso

escolar, desde que, com bom senso, se leve em consideração os encaminhamentos do grupo

cooperativo. A abertura do docente é fundamental, como colocou ETAP2: “Se o professor

está disposto a fazer e refazer o seu trabalho, conseqüentemente, terá facilidades para orientar

o fazer e o refazer dos seus alunos e isto é um propósito da pedagogia Freinet.”

O tema avaliação da aprendizagem foi objeto de diversas discussões, na Escola

Freinet, durante o ano letivo de 2002. Nessas ocasiões pudemos ouvir algumas frases

emblemáticas, referindo-se a avaliação: “Ele não respondeu quase nada da minha avaliação”

E9; “Na 7ª e 8ª séries faço simulado” E2; “Ainda vou preencher a avaliação” E6. Há uma

flagrante confusão no que seja avaliar, entendendo-se como sendo a atividade a ser

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respondida pelo aluno ou um exame simulado e ainda como se se tratasse do preenchimento

da ficha de registro da avaliação.

As falas, durante as entrevistas, são reveladoras do momento vivido pela escola em

relação a avaliação. ETAP1 expressa a sua indignação frente a ausência da prática de

avaliação, permeando as ações do corpo docente: “Não é um exercício contínuo, nem da

cooperativa e nem na sala de aula.” Esclarece: “O que acontece na sala de aula [falta de

avaliação] é o que acontece com a gente na cooperativa. O fazer e o refazer resume-se a E9.

Os pais reclamam que não há correção das atividades”. ETAP4 reforça: “O fazer e o refazer,

ainda há muitas dificuldades de se desprenderem [os educadores] da coisa de esperar terminar

o bimestre.”

Resultado de um processo de discussão com a equipe docente e de experimentação de

E9, sistematizamos, já no segundo semestre, junto com ETAP1 e ETAP2, um mapa (ANEXO

– M) para os educadores acompanharem o desenvolvimento dos alunos, tanto no que

concerne a construção de conceitos, quanto ao desempenho nos diferentes procedimentos de

ensino e formação de hábitos e atitudes. Até a fase de conclusão das observações não

chegamos a ver o mapa ser utilizado pelo conjunto dos educadores, resumindo-se a E9, que já

desenvolvia uma prática um tanto semelhante.

Deixamos de aqui apresentar atividades impressas, que analisamos, ou mesmo

exemplificações de partes isoladas, pela opção de preservarmos o anonimato dos

colaboradores da nossa pesquisa. A simples identificação dos conteúdos e códigos próprios de

cada disciplina, já seriam suficientes para saber o docente responsável pela mesma, o que não

nos impede de dizer o quanto nos chamou a atenção, por exemplo, uma atividade que E6

devolveu aos alunos, num dos dias que observávamos a sua aula, na 5ª série: a atividade mais

parecia um exercício, do tipo característico da maioria dos manuais escolares. Nada reflexivo.

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Solicitei a atividade de um dos alunos, que estava sentado ao meu lado, pois queria

analisá-la. Constatei que em cada espaço destinado para resposta, E6 tinha colocado um sinal

de interrogação, naquelas que o aluno não havia respondido. Quando a resposta estava errada

colocou a letra E e a letra C para aquelas que estavam certas. No alto da folha da atividade,

estava escrito: Precisa melhorar. O mais surpreendente foi, apesar dos vários erros e de

respostas não apresentadas, nenhuma orientação ocorreu para que refizesse a atividade,

inclusive dentro de uma nova proposta de trabalho. A atividade tornou-se um fim em si

mesma.

Constatamos um esforço surpreendente, no caso de E9, para rever a sua prática

avaliativa, sendo vários os momentos em que se auto-corrigia ao se referir aos instrumentos,

como sendo a própria avaliação. Avanços aconteceram, provavelmente impulsionados pelas

suas novas perspectivas, em relação a como se constrói conhecimentos, o que reforça o

quanto o compromisso do docente é fundamental, para a implementação de qualquer que seja

a proposta pedagógica.

Síntese Integradora

Neste capítulo, procuramos apresentar as orientações necessárias para a construção de

conhecimentos na sala de aula freinetiana. Discutimos os aspectos teóricos e práticos que

fundamentam a referida proposta, independentemente de terem sido evidenciados no campo

de pesquisa. A análise compreensiva, que respalda o nosso referencial teórico para a análise

dos dados, chama a atenção, também, para que sejam realçadas as omissões das falas e, no

caso do nosso trabalho, das práticas.

Para a construção do nosso objeto de estudo, a importância deste capítulo assume a

mesma dimensão daquela que caracterizou o anterior, haja vista a explicitação do que é

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relevante para o funcionamento da sala de aula, ser condicionante para que ocorra a

aprendizagem, finalidade principal da escola.

No próximo capítulo, aduziremos as práxis da pedagogia Freinet, que assumem o

papel de comunicar e documentar os conhecimentos construídos.

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Trabalhar ‘seriamente’... ‘Fazer coisas bonitas’... ‘Para servir’... São estas as grandes preocupações da criança em contato com a vida. Termina o seu castelo de areia coroando-o com um ramo de flores. Nos seus dedos de mágico, agita ao sol um prisma que dá ao mundo as cores maravilhosas do arco-íris. A própria folha de papel que a criança acaba de animar com seus desenhos, aguarda a paleta caprichosa do pintor para adquirir vida e esplendor, como se a criança precisasse sempre revestir a sua obra com o toque decisivo que faz as coisas mais belas do que são. Mas você se contenta em bater o compasso para nada, mandar copiar textos que você marca sem escrúpulos e que você risca autoritariamente de vermelho cor de raiva. E você acha absolutamente natural a hecatombe final, para recuperar a argila plástica das obras-primas modeladas com tanta seriedade e tanto amor. Será que o pedreiro trabalharia com ardor e com gosto se lhe destruíssemos sistematicamente a casa que acabou de fazer e sobre a qual colocou, com legítimo orgulho de construtor, a bandeira simbólica? Será que o camponês retomaria o arado, se lhe ceifassem o trigo ainda verde, não acidental mas metodicamente, e se abatessem as árvores que plantou? Neste começo de ano, tente esquecer os ensinamentos desumanos da escolástica, escute as exigências normais da vida, valorize a obra mais humilde do mais humilde dos seus alunos! Que cada trabalhador – e a criança tem as preocupações e a dignidade do trabalhador - tenha consciência, a cada momento, de ter posto uma pedra no seu edifício e ter acrescentado ao seu patrimônio um pouco de eficiência e um pouco de beleza. Valorize o texto informe, dando-Ihe a perenidade do majestoso impresso; valorize, pelas cores e pela apresentação, os desenhos que forem dignos de uma coleção ou de uma exposição; esmalte e coza as louças que, na sua forma definitiva,' poderão desafiar os séculos. Então você sentirá o orgulho da obra bem feita animar e apaixonar os seus jovens operários, e fará nascer e se impor essa grande dignidade do TRABALHO, que nós também desejaríamos escrever, em letras definitivas, na fachada das nossas modernas escolas do povo.

(FREINET, 1996, p. 33-34)

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4 - PARA A COMUNICAÇÃO E À DOCUMENTAÇÃO DOS CONHECIMENTOS

O espaço da sala de aula freinetiana deve ser propício para a vida cooperativa e para

que o aluno produza conhecimentos, o que acabamos de discutir nos dois capítulos anteriores.

Entretanto, seria muito pouco o aluno realizar as suas descobertas, sem que houvesse a

possibilidade de comunicá-las, fazendo-as cumprir a função social de servirem a outras

pessoas.

Comprometido com a proposta de vivência plena da cidadania, desde o ambiente da

sala de aula, Freinet criou ferramentas, técnicas e estratégias pedagógicas para a expressão do

pensamento e das aprendizagens, algumas delas assumindo, também, o papel de

documentarem os conhecimentos do Homem social e histórico, através de diferentes tipos de

linguagem.

O texto e o desenho livre, assim como os fichários, poderiam, perfeitamente, serem

apresentados, também, nesta parte do trabalho, visto que, além de serem técnicas

favorecedoras das aprendizagens, também cumprem o papel de ferramentas, que comunicam e

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documentam conhecimentos. Porém, a partir deste ponto, vamos tratar daquelas mais

diretamente voltadas para a categoria que dá nome a este capítulo.

4.1 A Reunião Inicial

Freinet (1976a, p. 121) relata o dia de aula, que, segundo ele, inicia antes mesmo da

entrada, pelo fato dos alunos se prepararem para, nos instantes iniciais, partilharem algo com

a turma, o que “para uns, é um texto redigido e que elas [as crianças] estão impacientes por ler

aos camaradas; para os outros é um inseto ou um fóssil encontrados no caminho, para outros

ainda, observações que vão servir de base ao trabalho de ciências ou de história.” Ao entrar na

sala, “tomamos já contato com todas estas promessas. É a nossa maneira de nos saudarmos.”

(FREINET, 1976a, p. 121). Eis a justificativa para a prática da Reunião Inicial, uma técnica

pedagógica, que permite a vida adentrar à sala de aula, já nos primeiros minutos de atividades.

Trata-se de um momento de acolhida, que acontece diariamente, nos primeiros quinze

minutos da aula, objetivando que os alunos socializem as suas produções, experiências,

histórias, situações reais vivenciadas no cotidiano. A reunião é coordenada por um dos alunos,

conforme a divisão das responsabilidades para a gestão cooperativa da turma.

Não abrir o espaço para os alunos socializarem o que desejam, seria, de certa forma, o

próprio educador nutri-los para atitudes de “indisciplina”, pois, certamente, a concentração de

alguns passaria a centrar-se naquilo que gostariam de falar, de dividirem com o grupo.

Pensando nesta necessidade vital, que tem o ser humano de se comunicar, Célestin Freinet

criou o primeiro momento da aula, cuja terminologia é bastante variada: Conversa Livre,

Conversa Inicial, Roda de Conversa, Rodinha, Rotina, Reunião Inicial.

Não obstante ao espraiamento semântico, a práxis têm assumido diferentes formatos

no seu corpus de desenvolvimento, atendendo as demandas de diferentes propostas

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pedagógicas. Na Escola Freinet, em todas as turmas, Reunião Inicial é a terminologia

utilizada por alunos e educadores, razão pela qual optamos por preservá-la, neste trabalho.

Consideramos pertinente tecermos algumas orientações sobre o funcionamento da

Reunião Inicial freinetiana, procurando colaborarmos para a compreensão do que a diferencia

das práticas de outros tipos de propostas. Inicialmente, é preciso que se entenda que não é

uma prática mecânica e nem tampouco carregada de qualquer determinismo quanto a quem

deve fazer uso da palavra. Consiste nas apresentações de até quatro alunos por reunião, que se

inscrevem no dia anterior, junto ao coordenador, podendo haver os casos de inscrições

definidas no mesmo dia, desde que ocorra vaga.

Cada inscrito tem cerca de quatro minutos para a sua participação e quando ocorrer de

mais de um aluno apresentar texto livre, a turma deve votar, escolhendo aquele de conteúdo

mais interessante. Após a escolha, definem o que irão fazer com o texto eleito: se o colocam

no Livro da Vida da turma, se enviam cópias aos correspondentes, se colocam no jornal

escolar impresso e/ou no mural, ou mesmo se o utilizam para realizar estudos ortográficos e

gramaticais.

O texto livre escolhido, como já vimos no capítulo anterior, poderá mobilizar

Complexos de Interesse, desencadeando pesquisas individuais, de pequenos grupos ou da

turma toda. Ao final da Reunião Inicial, o professor chama a atenção para o Plano de

Trabalho Coletivo, destacando de forma clara, os objetivos que precisam ser desenvolvidos a

partir da aula daquele dia. Os alunos já ficam sabendo, a priori, o que precisam atingir,

assumem o compromisso com o trabalho e com a própria aprendizagem. Este assumir é o que

caracteriza o princípio da educação do trabalho, motor da pedagogia Freinet.

Durante a nossa pesquisa, constatamos que a Reunião Inicial é tida, para a equipe da

Escola Freinet, como um exemplo de técnica pedagógica freinetiana, que é realizada com

sucesso. Porém, alguns descompassos de encaminhamentos, entre os educadores, mostraram-

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se evidentes, apesar das discussões que aconteceram nos encontros pedagógicos, buscando a

unidade das práxis. Sendo assim, o sentimento de sucesso decorre muito mais da regularidade

com que acontece a reunião e menos da sua composição.

Parece-nos oportuno uma reflexão sobre os encaminhamentos de educadores, que a

exemplo de E3, amparados pela justificativa que todos os alunos devem se apresentar na

Reunião Inicial, recorrem às práticas dos sorteios, para definir escalas de participações, em

cada dia da semana, assim como exigem que os conteúdos das apresentações, nos dias de suas

aulas, tratem sobre os temas que estão sendo estudados na respectiva disciplina.

Com esse formato de reunião os alunos atendem, unicamente, as determinações

externas. Substitui-se um momento natural de expressão, de proposições espontâneas, por

comunicações encomendadas, movidas pela imposição e que comprometem a livre expressão.

Já não se fala sobre aquilo que deseja e no dia que se mostra ideal, o que é, no mínimo, uma

contradição, para os pressupostos que sustentam a técnica da Reunião Inicial.

Consideramos que a falta de vivência plena das técnicas freinetianas, aliada a escassez

do trabalho com textos livres, contribuíram para uma certa limitação imposta às reuniões que

acompanhamos, pois as apresentações giravam, essencialmente, em torno de leituras a partir

de recortes de matérias de jornais e revistas ou de textos transcritos de livros, versando sobre

algum tema em estudo. A dispersão dos alunos, enquanto ocorriam exposições, assinalava a

pouca vida que compunha aqueles momentos, tornando-os pouco interessantes e necessários

de serem repensados, para que possam cumprir a função de ser um espaço para a

comunicação e à expressão livre.

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4.2 A Conferência e o Seminário

A conferência é uma técnica desenvolvida por um único aluno, que apresenta os seus

conhecimentos sobre um tema que pesquisou, individualmente. O conferencista compartilha

saberes e demonstra a sua capacidade de compreensão, expressão e argumentação sobre o

tema que aprofundou estudos. É uma prática valiosa para o processo de formação de

adolescentes, pois, desde cedo, aprendem a utilizar a palavra, dirigindo-se a um público que

poderá se colocar, concordando ou descordando do conferencista.

Para que se tenha um público amplo, convites são preparados pelo conferencista e

distribuídos para alunos e professores de outras salas, pessoas da comunidade escolar,

familiares, jornalistas, entre outros. O ambiente é preparado para que seja um momento

valorizado por todos. O aluno-conferencista é o protagonista, que discorre sobre o seu tema,

lendo um texto, mostrando materiais, gráficos, desenhos, ou seja, tudo que possa ser útil para

tornar clara a sua exposição. Terminada a explanação geral, os participantes “fazem

perguntas, a que o autor responde, se puder![...] Se não, serão realizadas pesquisas

complementares, que são anotadas na agenda” (FREINET, 1995, p. 110).

Para que todos tenham acesso as principais idéias da conferência, o autor deverá

publicar o seu texto, com antecedência, nos murais da escola (FREINET, 1995, p. 101),

prática que mobiliza a preocupação com o aperfeiçoamento da escrita, tornando-a

comunicável e funcional, facilitando, conseqüentemente, a leitura.

Uma publicação de Ocampo (1997, p. 10) oferece orientações preciosas sobre cada

uma das etapas da técnica da Conferência, que o autor afirma “promueve el trabajo com las

inquietudes proprias de los niños pues por naturaleza llegan a preguntarse el por qué, el cómo

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y el cuándo de muchas cosas, satisfaciendo de esta manera su curiosidad natural”18. O

trabalho se inicia com a seleção do tema e encerra-se com a avaliação da conferência,

contando com a análise daqueles que participaram da exposição, especialmente os colegas de

turma do conferencista.

Durante a nossa pesquisa não aconteceu nenhuma conferência, realizada por aluno

do ensino de 5ª a 8ª séries, o que atribuímos pela ausência do trabalho a partir de Complexos

de Interesses, pela predominância da organização grupal para o desenvolvimento das

pesquisas, mas, sobretudo, pelo fato dos educadores ainda não terem uma imagem de

representação do conhecimento que os tornem convencidos “que el niño puede ser agente de

su próprio aprendizaje.”19 (OCAMPO, 1997, p. 33). Ao tratarmos da conferência, queremos

ressaltar a sua importância e o quanto pode contribuir para o enriquecimento das experiências

dos alunos, sendo oportuna a sua inserção no processo de ensino e aprendizagem.

Em relação aos seminários, técnica desenvolvida por um grupo de alunos que estuda,

em conjunto, um determinado tema, pudemos acompanhar trabalhos bem desenvolvidos,

inclusive alguns foram apresentados durante reuniões de pais/mães.

Os alunos da 7ª série chegaram a falar, durante seminários, sobre temas como a

globalização da economia e meio ambiente, o que podemos verificar nas fotografias abaixo.

Para o seminário, as providências são iguais aquelas tomadas para a conferência, porém, trata-

se de um trabalho cooperativo, que envolve mais de um aluno. Ficamos impressionados com

o desempenho de um dos grupos que se apresentou durante um seminário e vimos que seria

positivo se levassem aquele trabalho para o III Encontro Estadual de Educadores Freinet do

RN, realizado nos dias 08 e 09 de novembro de 2002.

18 Promove o trabalho a partir das curiosidades das próprias crianças, que por natureza começam a se perguntarem o porquê, como e quando de muitas coisas, satisfazendo desta maneira sua curiosidade natural. 19 que a criança pode ser sujeito da sua própria aprendizagem.

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A apresentação dos alunos no Encontro Estadual, seria uma forma viva de falarmos

sobre a viabilidade das Técnicas de Freinet. Acertamos com os alunos e com o professor

orientador do trabalho, que teve uma rápida passagem pela Escola Freinet, sendo substituído

por E10. Todos concordaram e o seminário entrou na programação do evento, na parte

voltada para as Comunicações de Trabalhos (ANEXO – N), tendo sido um sucesso e elogiado

pelos educadores que participaram daquele momento.

Tanto a conferência quanto o seminário acontecem sempre que um aluno ou um grupo

coloca essas técnicas nos seus planos de trabalho. Poderão ocorrer mais de uma vez, durante a

semana ou até mesmo não acontecer nenhuma vez, depende do volume de produção da turma.

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Os benefícios dessas técnicas fazem delas importantes aliadas dos processos de ensino e

aprendizagem, atribuindo à palavra o poder de ser instrumento de socialização de diferentes

assuntos, que são expostos para a reflexão de um grupo maior.

Numa de suas tantas e sábias reflexões, Freire (1996, p. 152-159) diz que “Ensinar

exige disponibilidade para o diálogo”. Transpondo esta asserção para a práxis da Conferência

e do Seminário das salas de aula freinetianas, pudemos entender que são técnicas que

pressupõe a auto-exposição dos alunos-conferencistas, que somente se sentirão encorajados

se, no cotidiano escolar, as relações forem permeadas pela concepção de que, na vida e na

escola, o ser humano tem o direito de errar. Para se colocar sobre um tema, o aluno não tem

como preocupação a memorização de um aglomerado de possíveis respostas. Fala sobre o que

estudou, percebendo-se incompleto e aberto para questionar e ser questionado.

A segurança de falar em público sobre um determinado objeto de estudo, deverá advir

de uma pedagogia que defende a idéia de que se sabe sobre muitas coisas e se desconhece

sobre tantas outras. Que entende o Homem como um sujeito ativo, que a cada dia aperfeiçoa

as suas experiências, realiza tateios e constrói conhecimentos novos. Ao mostrar-se, lançando-

se na tarefa de comunicar as suas descobertas, ao mesmo tempo, o aluno abre-se “ao mundo e

aos outros à procura de explicação, de respostas a múltiplas perguntas ” (FREIRE, 1996, p.

153).

Propostas como estas inauguram uma nova lógica, que rompe com a prática do aluno

ir à escola, unicamente, num determinado horário de aulas, geralmente num dos turnos do dia,

como se tivesse que ter o momento certo para pensar. A sala de aula é autorizada a estender-

se para outros espaços, até mesmo fora da escola. Uma conferência ou um seminário poderá

ser realizado num turno que não é aquele que o aluno estuda, regularmente, e em locais dos

mais diversos, onde possam atrair públicos dos mais diversos. No ensino de 5ª a 8ª séries estas

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técnicas poderão ser das mais eficazes, dado o estágio avançado de autonomia, que espera-se

perpassar o desenvolvimento dos adolescentes.

4.3 A Reunião de Pais, Alunos e Professores

Ao nos referirmos à Reuniões de Pais, pretendemos que entenda-se contempladas as

Mães e demais familiares responsáveis pelos alunos, que estejam envolvidos na relação

educativa. A questão de gênero é aqui tomada da maneira que esclarecemos logo na

introdução deste trabalho.

Não fossem as características próprias de como ocorre numa escola freinetiana, não

teríamos como aqui colocar a Reunião de Pais, Alunos e Professores, como sendo uma técnica

da pedagogia Freinet, haja visto ser uma prática de todas as escolas, independente de opção

teórico-metodológica. Porém, o próprio nome já assinala um processo diferente do habitual,

ou seja, na Escola Freinet a reunião não é apenas de pais e mestres. Os alunos têm uma

participação fundamental, na comunicação das suas produções e aprendizagens.

Sem apresentar nenhum modelo mais sistematizado, embora tratando de deixar claro o

quanto é necessária a parceria família-escola, Freinet (1977b, p. 52) chama a atenção: “não

forcem os pais, porque a escola nunca poderá modernizar-se se não beneficiar-se da sua

compreensão.” Propõe que a escola crie situações em que os pais possam constatar o prazer e

o sucesso dos filhos, onde o trabalho tenha lugar de destaque.

Dessas orientações, a Escola Freinet, ao longo da sua experiência, construiu uma

práxis carregada de originalidade e de alcance pedagógico por demais relevante: os encontros

são momentos de interações entre pais, alunos e professores. Ocorre num dia letivo e no turno

de aula de cada turma. É planejada previamente, pelos docentes e discentes, que definem a

programação e quem serão os responsáveis pelos diferentes momentos.

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O tempo de duas horas, é dividido em duas partes: na primeira os alunos participam

ativamente, expondo as suas produções e, em seguida, cada um coloca-se ao lado do

respectivo membro da família, quando apresenta o seu caderno de registros avaliativos, onde

encontram-se as observações dos educadores e do próprio aluno. Na segunda parte é opcional

as presenças dos alunos, pois destina-se para que os pais tirem dúvidas com os educadores

sobre questões gerais a respeito do trabalho desenvolvido no período. Este momento é

realizado nas salas de aula, com os educadores-coordenadores de cada turma.

Esta proposta de reuniões reforça a importância de um trabalho integrado entre toda a

equipe docente, pois os alunos apresentam trabalhos ligados, também, a outras disciplinas,

que não sejam aquelas conduzidas pelos coordenadores de turma. Os pais questionam sobre o

trabalho desenvolvido no período e todos os educadores precisam conhecer a vida do grupo,

para além do que ocorre nas suas aulas. Cabe aos coordenadores ficarem atentos as falas dos

alunos durante as Reuniões Cooperativas, aos textos do Jornal de Parede/Diário de Turma, aos

Planos de Trabalho Coletivo, aos registros feitos nos materiais de documentação e,

fundamentalmente, através dos demais educadores, acompanhando o andamento do

planejamento e a sua execução no cotidiano.

As questões individuais ou que sejam específicas de uma disciplina, são discutidas em

pequenas reuniões agendadas para esse fim. Evita-se o compartilhar de problemas e

dificuldades localizadas, para que não gerem constrangimentos durante as reuniões e afaste as

famílias da escola. Para atrair os pais são organizados, “em sua honra, exposições dos vossos

trabalhos nas quais eles possam ver os filhos compor, pintar, desenhar, ter uma reunião da

cooperativa ou fazer uma conferência” (FREINET, 1977b, p. 52). No momento coletivo são

realçados os aspectos positivos vivenciados no período.

Quando os alunos preferem não participar da segunda parte da reunião, devem se

ocupar de outras atividades dos seus Planos Individuais de Trabalho, realizando-as num outro

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espaço da escola. Também podem aproveitar as presenças dos pais na escola, para fazerem o

que sugere Freinet: “Preparem tômbolas com objectos para vender: desenhos, impressos,

jornais, trabalhos de verga, objectos de cerâmica.” (FREINET, 1977b, p. 52).

Perceber as aprendizagens, a criatividade, os avanços do filho e a dinamicidade da

escola, é o que dará a segurança aos pais e a certeza de terem optado por uma escola que

atende as expectativas de propiciar uma formação integral. A escola freinetiana não deve

esperar seduzir os pais, apelando para as atividades pontuais, centradas nos meios e não nos

fins, basta que faça a pedagogia Freinet, recorrendo a riqueza das suas orientações para o bom

funcionamento cooperativo da sala de aula, para a construção, comunicação e documentação

dos conhecimentos e os pais localizarão todo o seu valor pedagógico.

Além desta modalidade de Reunião, que acabamos de detalhar, a Escola Freinet ainda

organiza a Escola de Pais, com encontros bimensais, que alternam-se com as Reuniões de

Pais Alunos e Professores. É um dia em que, por algumas horas da noite, os pais discutem

temas de interesse para uma melhor educação dos filhos. Com esses espaços para o diálogo,

espera-se atenuar desencontros de orientações entre família e escola, afinando os discursos.

São momentos nos quais a Equipe da Escola situa os pais sobre a sua práxis pedagógica,

espelhando-se na proposta de Conselho aos Pais, organizada por Freinet (1974b).

4.4 A Correspondência Interescolar

Deste item, até o final do capítulo, reuniremos as técnicas que não só comunicam os

conhecimentos, mas que também cumprem o papel de documentarem as elaborações dos

alunos. Para Elias (1997, p. 40), assim como a afetividade, a cooperação e a comunicação, a

documentação é um dos eixos da pedagogia Freinet, constituindo-se no “registro da história

que se constrói diariamente”.

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A correspondência interescolar compõe o espectro de técnicas voltadas tanto para a

comunicação, quanto para a documentação da vida do grupo e da sociedade onde está

inserido. É um instrumento político, pois estreita as distâncias para a discussão de temas de

interesses comuns, promove as trocas de textos, relatórios de pesquisas, fotografias de aulas-

passeios, postais, jornais, materiais para pesquisas, vídeos feitos por um grupo de alunos, CDs

e fitas cassetes produzidas num ateliê de música ou em outro qualquer, enriquecendo as

experiências mútuas e favorecendo à construção de atitudes solidárias e de vínculos de

amizade e companheirismo.

Nos estudos de Elias (1997, p. 67 - Grifo da autora) sobre a proposta de Freinet,

destaca: “Na pedagogia Freinet a correspondência é o elemento essencial para estimular o

equilíbrio, a comunicação, a expressão, a afetividade, a pesquisa, os conhecimentos, fonte

permanente de realização individual e coletiva.” Fazemos questão de ressaltar o quanto é

significativa a contribuição desta autora, acerca da discussão sobre tão importante técnica,

deixando-a como referência para aqueles que desejem se aprofundar na temática, bem como

desenvolver estudos sobre a obra freinetiana.

Em se tratando da prática, a correspondência é organizada entre turmas de duas

escolas, preferencialmente de regiões diferentes, pois as diferenças culturais tendem a ser um

componente motivador, juntando-se ao fato das trocas serem instigantes, pela dificuldade do

encontro presencial. Não só os alunos se correspondem, pois é igualmente significativo o

intercâmbio entre os educadores, coordenadores e diretores, que passam a trocar experiências.

É pelas mensagens e envios coletivos que tudo começa, evoluindo para a prática entre

duplas ou trios de alunos. Nos tempos atuais, os intercâmbios se dão utilizando os Correios,

aparelhos de fax e a internet. Nesta última, seja através de e-mails ou em salas de bate papo,

quando os correspondentes combinam momentos para discutirem determinadas questões e

definem o provedor, que permitirá o encontro virtual.

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É inegável a revolução que a tecnologia informática tem promovido, produzindo os

seus efeitos nos processos de ensino e aprendizagem, pela rapidez com que se pode divulgar e

ter acesso a um universo de informações, em qualquer hora do dia. Os trabalhos de Lévy

(1993; 2000), filósofo francês, que trata de modalidades de comunicação numa perspectiva

humanizadora da tecnologia informática, provocam a reflexão sobre a importância de superar

a dicotomia homem/técnica, historicamente alimentada.

Levy (2000) sugere que pensemos em novas formas de trabalhar, de conhecer e de

comunicar, a partir da socialização da inteligência, que denomina como Inteligência Coletiva,

entendida no sentido da expressão trabalhar em comum acordo. Este autor, afirma: “Toda

atividade, todo ato de comunicação, toda relação humana implica um aprendizado. Pelas

competências e conhecimentos que envolve, um percurso de vida pode alimentar um circuito

de troca, alimentar uma sociabilidade do saber” (LEVY, 2000, p. 27).

Neste sentido, a aprendizagem é colocada como mediadora das relações humanas,

portanto, entendemos como sendo mobilizadora dos intercâmbios escolares. A construção de

significados é representada por Lévy (1993) pela metáfora do “hipertexto”, que caracteriza a

comunicação através das tecnologias informáticas, quando articulam oralidade, escrita, sons.

Esta idéia é interpretada de forma muito interessante por Machado (1999, p. 144), que se

utiliza dos mesmos fundamentos que caracterizam o hipertexto para apresentar a sua metáfora

do conhecimento como rede, idéia já discutida neste trabalho.

Logo, no dizer de Machado (1999, p. 138), “a idéia de conhecer assemelha-se à de

enredar”, assim como à comunicação e as trocas pela tecnologia informática implicam em

enredar relações, informações e múltiplos canais. Alertamos para o fato que não temos aqui a

pretensão de aprofundar nenhuma dessas idéias, mas assinalar o quanto foi de vanguarda a

proposta de correspondência interescolar, iniciada por Célestin Freinet.

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A necessidade do enriquecimento mútuo entre pessoas, provoca um movimento de

enredar, de trocar saberes, democratizando o acesso ao conhecimento produzido. Com os

intercâmbios, transcende-se a lógica de que cabe somente à escola ou aos professores a função

de mediadores entre os sujeitos e os objetos de conhecimento, exemplo disto é que entram em

cena, nos atuais discursos educacionais, as chamadas comunidades de aprendizagem,

expressão que identifica a maneira como coletivos de pessoas estão, a distância, se

organizando com o objetivo de se complementarem, de se conhecerem a partir das

informações socializadas entre si e de comunicarem as suas aprendizagens através das

ferramentas de multimídia.

Podemos dizer que o Movimento Internacional de Educadores Freinet, organizado

pela Federação Internacional dos Movimentos de Escola Moderna – FIMEM, representa um

exemplo vivo de “Comunidades de Aprendizagens”, pois a interação e o intercâmbio entre os

seus membros, funciona como peça fundamental do grupo. O fazer de um, interessa aos

demais e obras podem ser construídas por muitos, recorrendo-se, principalmente, à

comunicação via sistema de e-mails.

Na Escola Freinet, durante a nossa pesquisa, fizemos, pessoalmente, tentativas para

introduzir a correspondência interescolar nas turmas de 5ª a 8ª séries. Contatos com escolas de

outros Estados brasileiros foram feitos (ANEXOS – O e P), mas apenas a turma da 5ª série

chegou a trocar pelos Correios. Talvez por falta de uma mediação adequada, o conteúdo de

algumas cartas causou insatisfações a determinados alunos, que sentiram-se incomodados

com os comentários dos correspondentes acerca dos conteúdos das suas auto-descrições.

Um contato, por telefone, da professora da escola correspondente, com a coordenação

da Escola Freinet, tratava da proposta dos alunos da 5ª série, de ambas as escolas, realizarem

uma discussão virtual, através da sala de bate papo. ETAP1 nos informou que tudo teria

ficado agendado e que havia repassado para ETAP4 coordenar o trabalho, pois tinha mais

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conhecimentos das tecnologias informáticas. Estranhamente, a discussão não aconteceu e

somente após vários dias, por nossa insistência, ETAP4 fez contato, justificando-se perante ao

grupo da outra escola.

A quebra do ciclo, no nosso entendimento, decorreu da falta de percepção da equipe,

quanto a riqueza de uma experiência de correspondência interescolar, como aquela que

iniciava-se. Sendo assim, não houve investimento. Tal prática, apresenta-se coerente com as

falas durante as entrevistas, cujo conteúdo revela pouca fundamentação quanto aos sentidos

do projeto freinetiano e, portanto, daqueles que orientam a prática pedagógica da Escola

Freinet. Sem ocorrer cumplicidade entre a equipe pedagógica e a proposta da escola, esbarra-

se num descompasso entre teoria e prática.

4.5 O Jornal Escolar

A técnica do Jornal Escolar desenvolveu-se, num contexto em que Freinet tinha

conhecimento apenas da experiência desenvolvida na Escola Decroly, na Bélgica. Esta

referência, ele diz ter sido inspiradora de algumas das suas realizações pedagógicas

(FREINET, 1974a, p. 17) com a imprensa.

O jornal escolar, na perspectiva freinetiana, não é uma réplica dos modelos de

periódicos convencionais, pois é original na concepção pedagógica, que faz nascer o material

a ser impresso. É composto dos textos e desenhos realizados dentro ou fora da sala de aula. O

grupo cooperativo faz a escolha daqueles considerados como sendo os mais relevantes para

serem socializados no jornal. Deste modo, nada deve ser produzido especialmente para este

fim, pois comunica-se e documenta-se a história do cotidiano, registrada em textos, que são

“agrupados, mês a mês, numa encadernação especial, para os assinantes e os

correspondentes.” (FREINET, 1974a, p. 19).

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Há sessenta anos, os alunos usavam a imprensa escolar ou o limógrafo, ferramentas

introduzidas por Freinet na sala de aula. Atualmente têm disponível o computador a

impressora e a copiadora para a reprodução das cópias. As escolas com menos recursos, que

ainda é a imensa maioria, usam mimeógrafos e os alunos se organizam numa cooperativa para

administrarem os recursos oriundos dos repasses dos exemplares do jornal. A pequena taxa

cobrada é para cobrir as despesas e favorecer a publicação de novas edições. A periodicidade

do jornal depende de cada realidade, mas o importante é que não ocorram períodos longos de

espaçamento entre uma edição e outra.

Para falar do jornal escolar, enquanto arquivo vivo da sala de aula, Freinet comenta o

quanto o caderno do aluno perdeu status na Escola Tradicional, para as produções técnicas, ou

seja, os livros didáticos. Com o jornal escolar e as tantas outras técnicas de documentação,

“os ‘momentos’ memoráveis da vida da classe são fixados definitivamente sob uma forma que

desafiará os anos, como aquelas fotografias de família a que a luz dos séculos não conseguirá

nunca apagar os traços” (FREINET, 1974a, p. 83-84).

Freinet (1974a), num texto homônimo ao título deste item, apresenta, de forma

cuidadosa, o valor pedagógico do jornal escolar. Seria repeti-lo, ao extremo, se aqui fóssemos

detalhar em profundidade tudo o que envolve essa técnica. Cumpre-nos, muito mais, refletir

sobre como se apresenta na escola onde realizamos a nossa pesquisa.

Embora ainda guardando uma certa distância do que propõe Freinet, a escola já

registra experiências significativas com o jornal escolar, haja visto o acervo disponível para

consulta. Porém, no ano de 2002, período em que produzimos os dados desta pesquisa,

nenhuma produção mais sistemática foi concretizada.

No rastro da modernização das técnicas, como anuncia Freinet, o jornal escolar

assume, também, a versão falada e, para isto, os alunos podem gravar os textos, utilizando

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filmadoras e/ou gravadores e depois, em uma ou mais sessões, passam para os alunos de

outras salas, para os pais, educadores da escola e fazem envios de fitas aos correspondentes.

Numa das aulas de E1, na 7ª série, foi proposto que os alunos trabalhassem com

alguns meios de comunicação: revista, televisão, rádio, jornal. Acompanhamos o trabalho de

um dos grupos, que gravou um programa de rádio, o que consideramos uma versão atualizada

do formato de jornal escolar.

Tanto o resultado, quanto o processo de gravação do programa (ver fotografia abaixo)

foram interessantes. As alunas demonstraram auto-crítica, refazendo várias vezes as suas

falas, até chegarem a versão, que avaliaram como sendo satisfatória. Lamentamos não ter

existido uma proposta de ampla socialização do material produzido, ficando restrito à sala de

aula.

Por ocasião da “Semana da Pátria”, a Escola Freinet organizou uma programação

envolvendo palestras, seminários, ateliês e apresentações culturais. No primeiro dia,

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acompanhamos o trabalho de E9 com a turma da 6ª série. Foram oferecidos pequenos ateliês,

para que os alunos se inscrevessem naquele que tivesse mais afinidade.

Em virtude de sentirmos a falta de atividades mais voltadas para a comunicação das

produções dos alunos, assim como um trabalho mais sistemático, utilizando os recursos

multimídia e a internet, sugerimos, por ocasião do planejamento, que E9 incluisse, entre os

ateliês, a construção de um site para a divulgação das produções da turma. Seria uma espécie

de jornal escolar eletrônico. A proposta foi aceita e para o ateliê de produção do site, foram

oferecidas três vagas, imediatamente preenchidas. Voltamos as nossas observações e

intervenções para esse ateliê, que funcionou no laboratório de informática. Orientamos todo o

processo e foi muito bom ver o envolvimento do grupo. O nosso diário de campo registra o

fato dos alunos, naquele dia, sequer terem se dado conta da hora do intervalo para o lanche.

Envolveram-se completamente no trabalho que realizavam.

Ao final do ateliê tinham colocado a página no ar e as suas expressões faciais

revelavam o quanto é positivo o que diz Freinet (1996, p. 29): “No número cada vez maior de

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atividades que lhe são oferecidas, escolha primeiro as que iluminam sua vida, as que dão sede

de desenvolvimento e de conhecimentos, as que fazem brilhar o sol.” Com isto, ficou claro

que, no ensino de 5ª a 8ª séries, é possível a realização das Técnicas Freinet, sendo

fundamental o compromisso do educador, um bom planejamento articulado as atividades e

condições materiais para desenvolver o trabalho.

4.6 Os Livros da Vida Coletivo e Individual

Documentar o percurso, a vida dos alunos e da sala de aula, é o objetivo maior da

técnica do Livro da Vida, nas suas versões individual e coletiva. O Livro da Vida Coletivo, é

aquele da turma, construído, cooperativamente, com as produções dos alunos, que são

apresentadas, votadas e escolhidas pelo grupo. Escritos e desenhos também podem ser feitos

diretamente nas páginas do livro, que aos poucos vai revelando a trajetória da turma, através

dos textos e desenhos livres, das fotografias, dos resultados de pesquisas, dos trabalhos de

artes, das representações gráficas, que são socializados durante a Reunião Inicial e em outros

momentos.

A tendência natural é que todos queiram ter uma produção sua no Livro da Vida da

turma, sentindo-se mobilizados a aperfeiçoar os seus trabalhos, para terem a honra de fazer

parte de tal documento. É um livro que deve ser organizado e, abundantemente, ilustrado

pelos alunos, onde, também, pessoas que visitam a sala podem se expressarem ou deixar os

seus depoimentos registrados.

Pode ser uma encadernação do tamanho que a turma escolher como sendo a mais

adequada e depois de concluído passa a fazer parte da Biblioteca de Trabalho, resultando em

fonte de consulta para os alunos, inclusive de outras turmas, durante as suas pesquisas.

A pedagogia Freinet não só foi, como vai se construindo a cada dia, fruto da

experiência docente de Célestin Freinet, dos seus companheiros contemporâneos e dos

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seguidores da atualidade. Cada técnica se estrutura a partir das necessidades pedagógicas,

fruto do bom senso que deve acompanhar o educador. Como vimos, da aula-passeio originou-

se o texto livre, que fez nascer o trabalho com os Complexos de Interesse e assim por diante.

Do texto livre para o Livro da Vida foi um passo, pois era preciso arquivar os bons

textos trabalhados com a turma (FREINET, 1976a, p. 39). A grandiosidade desta técnica

torna-se perceptível, quando, ao se folhear o Livro da Vida, ele fala pela turma, possibilitando

a compreensão de toda dinâmica de trabalho daquele grupo cooperativo.

Em todas as turmas pesquisadas pudemos conferir a existência de uma encadernação

para se transformar em Livro da Vida. Porém, não há um trabalho sistematizado, que o faça

cumprir o seu verdadeiro objetivo, provavelmente pelo não funcionamento da técnica do texto

livre e da tríade computador, impressora e copiadora. Adicionamos ainda, o compromisso que

a equipe docente deve ter com a implementação da proposta pedagógica, o que estamos certos

passa pelo conhecimento dos seus pressupostos teóricos e das suas orientações práticas.

O Livro da Vida da turma da 6ª série, terminou o ano letivo de 2002 com dezenove

páginas utilizadas. Uma com a apresentação, outra com a relação nominal dos alunos e

professores e as demais com trabalhos de artes, texto livre, mapa do Brasil, polígonos e

poliedros recortados em cartolinas e colados, fotografias de oficinas, produção de textos,

poesias, cartões-postais de lugares visitados durante aula-passeio, atividades de inglês,

pinturas com aquarelas e mensagens natalinas.

A versão individual do Livro da Vida cumpre o mesmo objetivo daquele definido para

o Livro da Vida Coletivo, mas é pessoal, composta por tudo que o aluno produz. O Livro da

Vida Individual não deve ser dividido por matérias ou áreas de conhecimento, pois reflete um

percurso histórico do aluno, que não é compartimentalizado em disciplinas curriculares.

O Livro da Vida Individual seria o caderno, usado pelos alunos de todas as escolas,

porém, é permeado por um novo espírito pedagógico e tem a sua função ampliada, porque

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assume o papel de registro dos conhecimentos construídos. O caderno, no seu uso

convencional, serve, essencialmente, para as anotações dos conteúdos repassados durante as

aulas. Ao acabarem-se as folhas em branco, geralmente, o destino do caderno é o lixo, pois a

lógica não é a de ser tomado como uma ferramenta de arquivo de conhecimentos e

informações.

Na pedagogia Freinet, o caderno assume o posto de Livro e, após ser preenchido,

passa a fazer parte da biblioteca pessoal do autor. É fonte permanente de consultas. Nele são

feitas anotações, sínteses, desenhos, colagens, comentários, balanços, avaliações de

atividades, fotografias são arquivadas, relatórios, conclusões de pesquisas.

O caderno, Livro da Vida Individual, torna-se parceiro dos demais livros, como uma

ferramenta essencial para a autonomia intelectual do aluno, pois é um documento que contém

o produto do trabalho de um sujeito pensante. Num dos seus textos, Machado (1997) dedica

um capítulo para tratar dos livros, mas precisamente dos didáticos. Nas suas reflexões fala do

que chamou de par livro–caderno, denunciando que o papel dos livros didáticos “é

freqüentemente superestimado, sobretudo em sua relação com a do caderno” (MACHADO,

1997, p. 111).

Sair da idéia convencional de caderno escolar, requer uma nova compreensão do

fenômeno educativo. Processo este que ainda não se materializou no cotidiano da escola

pesquisada, pois não verificamos nenhum aluno tomando o seu caderno na perspectiva de

Livro da Vida Individual, assim como os educadores jamais fizeram referência a esta técnica,

seja nas suas aulas, nas reuniões pedagógicas ou por ocasião das entrevistas que gravamos.

4.7 Os Álbuns

Ao final de um estudo, a turma, o grupo ou mesmo o aluno que realizou a pesquisa,

organiza uma coletânea composta de textos, desenhos e fotografias sobre o tema estudado.

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Trata-se do álbum, arquivo documental destinado para alguém que o autor queira presentear

ou mesmo para ser disponibilizado na Biblioteca de Trabalho da sala de aula ou da escola.

Também poderá ser produzido para a biblioteca pessoal do próprio aluno.

Na ausência do jornal escolar, o álbum poderá cumprir o papel de reunir textos e

desenhos livres de um período. O importante é que as produções dos alunos sejam

documentadas e socializadas e não se percam no tempo, como diz Freinet (1974a, p. 24): “o

professor pode também realizar [orientar] alguns bons álbuns, profusamente ilustrados, que

poderão ser instrumentos preciosos para as comunicações interescolares”.

O álbum não deve ser confundido com o Livro da Vida, seja o coletivo ou o

individual, pois ambos têm finalidades convergentes, mas também características específicas.

Como vimos, o Livro da Vida é o registro de todo um percurso do cotidiano escolar, enquanto

o álbum é temático.

Podemos nos referir às publicações que documentam os projetos de pesquisa da

Escola Freinet, dimensão tratada no terceiro capítulo deste trabalho, como sendo álbuns. É

bem verdade que, se assim entendidos, são tomados como componentes de um avançado

estágio de produção, que foge a prática da publicação seriada.

No nosso entendimento, os livros/álbuns temáticos, atenuam a lacuna que denuncia

Machado (1997, p. 119): “a partir da década de 70, paralelamente a uma incorporação

descabida de certas características desejáveis apenas nos cadernos, houve um acentuado

predomínio dos livros seriados em relação aos compêndios”. Neste sentido, os livros

assumem um formato mesclado, atendendo as funções de livro e caderno, haja visto os

espaços para registros, empregando aos livros o aspecto de curta duração, geralmente de um

ano letivo. O autor completa: “tornou-se cada vez mais difícil encontrara um livro [por

exemplo] de álgebra, ou de aritmética, ou mesmo de geometria”(MACHADO, 1997, p. 119),

o que não seria tão raro, como veremos no próximo item deste trabalho, se tomássemos para a

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práxis escolar a proposta de publicações, nos moldes que é aconselhável para a Biblioteca de

Trabalho.

Afora as publicações que já fizemos referências, no cotidiano das turmas pesquisadas,

não verificamos experiências de organização de álbum, no sentido convencional da

perspectiva freinetiana. Os registros dos alunos se davam no caderno, nos livros didáticos ou

em folhas avulsas, confirmando-se o desconhecimento da riqueza das técnicas de Célestin

Freinet e dos seus objetivos.

4.8 A Biblioteca de Trabalho

A Biblioteca de Trabalho originou-se da necessidade de Freinet de reunir documentos,

naturalmente espalhados por diversos livros, que facilitassem os estudos dos alunos.

Organizou-se então, a proposta dos educadores escreverem pequenas obras, na proposta de

brochuras, bem ilustradas (FREINET, E., 1978, p. 178). A reunião de todo esse material,

disposto em prateleiras, é o que se caracteriza como Biblioteca de Trabalho.

Na sua gênese, a preocupação principal não era de produzir textos originais para a

Biblioteca de Trabalho, mas facilitar o estudo dos alunos. Juntamente com os fichários, esse

instrumento pedagógico dava sustentação “a pedagogia sem manuais escolares” (FREINET,

E., 1978, p. 182). Ao longo do tempo a experiência foi aperfeiçoada e os alunos passaram a

produzir para a Biblioteca de Trabalho, uma vez que são entendidos não somente como

consumidores de cultura, mas também como produtores.

É uma técnica que permite a organização de espaços na sala de aula e na biblioteca da

escola, composto pelas produções dos educadores e dos alunos, sobretudo àquelas que se

transformam em publicações, mesmo que sejam simples, do tipo brochuras. Na Biblioteca de

Trabalho também ficam arquivados os Livros da Vida das turmas que já estão concluídos,

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exemplares de jornais (antigos e novos). É o acervo para a pesquisa, inclusive composto de

livros convencionais e enciclopédias.

Nas entrevistas que gravamos, educadores lamentaram a falta de material nas salas de

aula que possibilitem a pesquisa, por parte dos alunos. Entre as dificuldades para desenvolver

o seu trabalho, E3 coloca, como sendo a principal: “a falta de material para as pesquisas dos

alunos. Que se consiga bastante livros!”

A fala de E3, a exemplo daquelas de outros, revela a credibilidade que credita aos

livros disponibilizados no comércio. Em nenhum momento das entrevistas, a Biblioteca de

Trabalho foi citada como instrumento fundamental para a sala de aula freinetiana.

Acreditamos que este fato decorre das concepções que os mesmos têm, quanto ao processo de

construção de conhecimentos.

Os educadores do grupo de colaboradores da nossa pesquisa, não se colocam

enquanto produtores de conhecimentos e nem na posição de organizadores dos seus próprios

materiais didático-pedagógico. Postura contraditória em relação aquela assumida por Freinet,

que foi sujeito da sua práxis, capaz de sistematizar conhecimentos.

Ao falar do Fichário Escolar, disse: “Iniciamos em seguida a nossa grande série de

brochuras da Biblioteca de Trabalho, programadas, actualmente uma verdadeira enciclopédia

pedagógica com mais de 20 000 páginas ilustradas que permitem formas novas de trabalho”

(FREINET, 1976a, p. 156). No ano de 2002, os textos dos projetos de pesquisa das turmas

pesquisadas, foram editados em quatro publicações, que poderiam compor a Biblioteca de

Trabalho das diversas salas de aula e da escola. As capas dessas publicações podemos ver na

fotografia, a seguir:

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Entretanto, apesar do zelo das publicações, ainda não há, na Escola Freinet, uma

proposta de Biblioteca de Trabalho. Neste caso, publica-se materiais, que acabam ficando

fechados em algum armário, interessando, unicamente, a quem possa compreender o

significado pedagógico dos mesmos. Nenhum dos entrevistados fizeram menção a Biblioteca

de Trabalho, o que reforça a importância do que temos insistido: é preciso aprofundarem

estudos na pedagogia Freinet.

Síntese Integradora

No segundo e terceiro capítulos deste trabalho, discutimos sobre o que é relevante

para o funcionamento da sala de aula e para a construção do conhecimento. Neste quarto

capítulo, tratamos sobre as técnicas de trabalho responsáveis por comunicar e documentar os

conhecimentos. Procuramos alcançar uma lógica de conjunto, que se mostra necessária num

projeto freinetiano.

No seu todo, desde a introdução, este trabalho procurou construir uma proposta

pedagógica para o ensino de 5ª a 8ª séries, baseada na pedagogia Freinet. Para que esse objeto

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tomasse corpo, recorremos aos dados empíricos e teóricos, esperando revelar uma práxis que

dê conta dos processos de ensino e aprendizagem.

No capítulo das considerações finais, discorreremos sobre em que medida as nossas

questões de estudos foram atendidas e as perspectivas que poderão ser vislumbradas com este

trabalho.

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Mas já falei demais, não é? Não pretendo ter dito tudo, mas não se deve deixar a outros a

alegria da descoberta? Ficaria bem satisfeito se tivesse conseguido, com meus raciocínios de

bom senso, instigar os educadores para os métodos de vida, e se um dia, para além dos hábitos

nefastos gerados pelo lado trágico de nossa época, nossos filhos e netos pudessem se preparar

para melhor cumprir o seu destino numa

ESCOLA PELA VIDA

PARA A VIDA

PELO TRABALHO!

(FREINET, 1998b, p. 417)

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5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Investigar o contexto escolar, na perspectiva da pedagogia Freinet, foi o que nos

mobilizou para esta pesquisa, onde procuramos contribuir com as produtivas discussões, que

têm sido postuladas, nos últimos tempos, voltadas para o fenômeno educacional. Queremos

crer, que o nosso objeto de estudo se revestiu de uma substancial originalidade, em razão da

escassa produção científica voltada para o ensino nas turmas de 5ª a 8ª séries.

Nesses dois anos de trabalho, cujo substrato insere-se na nossa trajetória como

educadora e aprendente, contabilizamos a primeira metade deles, numa atuação simultânea,

articulando as ações no campo de pesquisa e os momentos de formação vivenciados na

Universidade. O tempo restante dedicamos às reflexões, ao aprofundamento dos estudos, ao

trabalho de sistematização das análises dos dados, enfim, à elaboração deste texto, no formato

que conseguimos atingir.

Antes de retomarmos as questões que desencadearam a pesquisa, julgamos ser

pertinente tecermos alguns comentários sobre essa nossa experiência com a pesquisa-ação,

pois entendemos que sejam oportunas para uma reflexão acerca das conclusões as quais

chegamos sobre o nosso objeto de estudo. Desde a fase de organização do nosso projeto,

colocamos como característica precípua a proposta de realizarmos uma pesquisa, que nos

permitisse interagir e intervir junto aos colaboradores do estudo.

A interação, na perspectiva interventiva, entre pesquisadora e sujeitos colaboradores,

permitiria a discussão sobre as práticas pedagógicas acompanhadas, nutrindo essas práticas do

respaldo teórico para possíveis e necessários redimensionamentos e, por outro lado, a partir da

complexidade e fertilidade da sala de aula, revelar conhecimentos novos, pertinentes à

consistência que deve revestir o ato de ensinar.

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Avaliamos que a dimensão da intervenção foi contemplada, embora, seguramente, não

tenha se dado na medida que julgamos teria sido a mais adequada. No instante em que

desenvolvemos sessões reflexivas individuais, mediamos estudos, participamos ativamente

das reuniões pedagógicas, expressando opiniões e propondo fazeres, agimos e interagimos,

objetivando que as práxis dos docentes se aproximassem cada vez mais da pedagogia Freinet

e, portanto, das orientações do Projeto Político-Pedagógico da escola.

A ação mediadora era o verdadeiro sentido do nosso trabalho na Escola Freinet.

Vislumbrávamos contribuir de forma que os educadores se instrumentalizassem para

orientarem e reorientarem as suas ações. Entretanto, não tocamos a unanimidade do grupo,

uma vez que esta perspectiva enseja que o professor se faça pesquisador, atuando de forma

reflexiva, em relação as suas experiências pedagógicas. Eis o imenso vácuo que se abriu: os

encontros para discussão sobre os dados da pesquisa e o próprio estudo, verdadeiramente, não

se constituía numa demanda do grupo de educadores, o que contribuiu para não serem criadas

as oportunidades para reuniões mais sistemáticas e específicas.

Neste sentido, ainda não podemos dizer que os educadores da Escola Freinet

assumissem ou tenham passado a assumir a postura de pesquisadores, como o fez Célestin

Freinet, ao construir uma pedagogia a partir da observação dos seus alunos, das

experimentações e do confronto com as teorias pedagógicas. Não obstante ao fato do projeto

desta pesquisa ter sido por nós estruturado, em função das exigências para a seleção no curso

de mestrado, gostaríamos de ter analisado o seu desenvolvimento e os dados, de maneira mais

sistemática, com os educadores, colaboradores do estudo.

O pouco tempo para encontros e reflexões sobre o cotidiano das salas de aula, foi um

componente desfavorável, repercutindo no volume de estratégias didáticas que continuaram

sem ser experimentadas pelos educadores e que assinalamos ao longo dos capítulos desta

dissertação. Podemos dizer que a ausência do espírito de pesquisador, atrelado à escassez de

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leituras, confirmada através das falas, durante as entrevistas, tornaram-se visíveis ao

acompanharmos as práticas e verificarmos as lacunas ainda presentes.

Ao longo de todo este texto, nos referimos aos sujeitos participantes da pesquisa,

como sendo colaboradores, mas esclarecemos que tal adjetivação é decorrente do fato da

nossa interação, de alguma forma, ter se dado com todos eles. As observações em sala de

aula, as participações em reuniões pedagógicas e as entrevistas que gravamos, revelaram

informações valiosas para a construção do nosso objeto de estudo.

O sentido de colaboração, pela realização de uma atividade comum, ou seja, um certo

envolvimento enquanto pesquisadores, co-participantes de um projeto, reservamos a dois ou

três membros, que deixamos de mencioná-los pelo compromisso que assumimos de preservar

o anonimato de todos os envolvidos. Como vemos, o componente da colaboração, se fez

presente, mesmo que aqui não seja tomado na perspectiva de um método de pesquisa,

condicionado ao envolvimento de todos os participantes do processo.

A exposição que acabamos de fazer, devíamos a nós mesmos, pelo incômodo peculiar

de quem compreende ser a pesquisa e a reflexão, inerentes aos educadores que trabalham com

a pedagogia Freinet. Enfatizamos a grandiosidade do trabalho experimental de Célestin

Freinet, já na página 18 deste trabalho, quando dissemos da sua postura coerente com aquela

dos adeptos da pesquisa-ação. A construção das técnicas, ferramentas e estratégias didáticas

da pedagogia Freinet, foi fruto de um grande projeto de pesquisa colaborativa, norteada pela

cooperação de muitos, em torno de uma obra comum, que objetivava, através da Cooperativa

de Ensino Leigo – CEL, estruturar as bases para a escola do povo.

Num trabalho em que discute o saber docente, a partir da análise de uma série de

pesquisas, Gauthier (1998, p, 140 - Grifo nosso) faz a seguinte asserção:

Existem vários modelos de ensino ou correntes pedagógicas. Muitos desses modelos derivam da própria prática de professores experientes. Entre outros, encontram-se, por exemplo, os modelos de Montessori, de

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Freinet[!], de Neill, etc. Esses modelos são oriundos da reflexão e da ação de ensinar nas salas de aula.

Inicialmente, diríamos que incluir Freinet no rol dos professores que organizaram

modelos de ensino, é incorrer num demasiado reducionismo de uma obra pedagógica centrada

em um quadro de valores e aberta aos seus praticantes, para que promovam às atualizações,

adaptações e incorporações que sejam válidas. Entretanto, não nos compete fazer análise do

trabalho de Gauthier, cujo mérito seria tarefa das mais difíceis dimensionarmos. O que

trazemos da sua análise para esta discussão, é a afirmação de que a obra freinetiana tem

origens no movimento reflexão-ação a partir do processo de ensino e aprendizagem.

Questionamos: o que dizer de tal qualificação, a não ser que estamos tratando de um

professor, pesquisador da própria práxis pedagógica?

Dito isto, torna-se ainda mais clara a razão de nos utilizarmos da terminologia

marxista, práxis, para nos referirmos ao trabalho pedagógico à luz da pedagogia Freinet. Uma

consulta ao Dicionário de Filosofia (ABBAGNANO, 2000, p. 786), permite excetuarmos

quaisquer dúvida: “transcrita da palavra grega que significa ação, a terminologia marxista

[práxis] designa o conjunto de relações de produção e trabalho [...] Marx dizia que é preciso

explicar a formação das idéias a partir da ‘práxis material’.” Desta forma foi que se deu o

percurso experimental, realizado por Célestin Freinet.

O projeto da escola do povo continua a exigir a dimensão investigativa, experiencial e

colaborativa, por parte daqueles que se sentem mobilizados a desenvolvê-lo. A Escola Freinet

fez esta opção político-pedagógica, porém, constatamos que apenas 20% dos colaboradores da

nossa pesquisa são imbuídos de tal espírito, o que, seguramente, tem influenciado para a

sistematização de sua práxis, enquanto escola do povo.

As dificuldades técnicas, vivenciadas nesta pesquisa, especialmente, aquelas que

acabamos de expor, colocam a importância de um estudo sobre o lado de Freinet Pesquisador,

sobre a pesquisa-ação em Freinet, ou a colaboração na construção da pedagogia Freinet.

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Trata-se de uma dimensão ainda por explorar, da obra desse grande educador, sobretudo

quando constatamos as dificuldades, dos que se dizem seguidores da sua proposta, para se

inserirem na prática da pesquisa. Por outro lado, sem aqui querermos propor panegíricos em

seu favor, seria uma maneira de atenuar a dívida da comunidade científica em relação a

Célestin Freinet, por vezes confundido como sendo autor de uma obra menor, esvaziada de

consistência teórica.

Entendemos a discussão que ora fazemos, como sinalizadora da compreensão que

construímos acerca da segunda questão colocada para o desenvolvimento desta pesquisa,

tanscrevemos-a: Em que medida os sujeitos envolvidos, sobretudo, professores e

coordenadores podem contribuir para a construção dessa ação pedagógica? Pois bem, nos

referíamos à parcela de contribuição da equipe técnica e dos docentes para a viabilização da

pedagogia Freinet, em turmas de 5ª a 8ª séries.

Percebemos que tal contribuição se fará real, quando os educadores assumirem o

compromisso com a pesquisa, tornando-se autores e atores das suas práxis. Postura que não

deve ser específica dos que atuam nas últimas séries do ensino fundamental, mas de todos

aqueles que se propõem a trabalhar com a pedagogia Freinet. Machado (2000, p. 7), afirma:

“não se pode ter projetos pelos outros.” Diríamos que a escola, representada por um grupo de

educadores, não pode ter projeto por todo o seu corpo docente. Sendo assim, o projeto

político-pedagógico precisa ser coletivo, partir do que deseja e decide o coletivo das pessoas

que irão executá-lo.

Em conseqüência, um novo membro só deveria se inserir no grupo, que desenvolve

um projeto, sentindo-se mobilizado para desenvolvê-lo. Acontecendo desta forma, é porque

encontrou coerência com os próprios princípios, pois, do contrário, não irá colaborar com o

processo. A pedagogia Freinet é um projeto de educação popular, sendo difícil fazê-la por

obrigação ou quando não se tem como objetivo formar Homens democratas.

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É importante ressaltamos, que o fato de termos realizado a nossa pesquisa num campo

específico, não quer dizer que deixe de refletir conhecimentos possíveis de serem parâmetros

para outros contextos. Não pretendemos que este trabalho sirva de guia, pois seria

desconsiderarmos o que defendemos até aqui, ao evocarmos a figura do professor-

pesquisador, aquele que deve “recusar-se a adotar uma posição preestabelecida”

(GAUTHIER, 1998, p. 400).

Por outro lado, comungamos com as idéias desse autor (GAUTHIER, 1998, p. 399),

quando afirma que há “uma certa estabilidade de estrutura na sala de aula, e que essa

estabilidade leva os professores a produzir um certo número de comportamentos, que podem

se parecer.” De onde entendemos, que o conteúdo desta dissertação não impõe um modelo,

mas apresenta, certamente, orientações para uma reflexão sobre o fazer do educador, que se

propõe a trabalhar com a pedagogia Freinet, independente de sua atuação ser de 5ª a 8ª séries.

Uma outra questão que levantamos, a partir do problema posto para este estudo, foi a

seguinte: É possível organizarmos uma prática pedagógica para além das quatro primeiras

séries do ensino fundamental, norteada pela proposta de Freinet? Se é possível, como fazer?

Quais são as possibilidades e os limites para essa construção? A resposta a este bloco de

perguntas abriga os elementos concernentes ao objetivo central do nosso trabalho.

Provavelmente incorreríamos numa superfluidade, se tentássemos responder, nesta parte, o

que fizemos ao longo de todo texto desta dissertação, mas, a seguir, aduziremos algumas

sínteses, que julgamos relevantes:

• A pedagogia Freinet não é um modelo de ensino voltado para as séries iniciais, já anunciava

o próprio Freinet, num texto que resgatamos na página 13, desta dissertação. O conjunto de

orientações que construímos revela componentes de uma pedagogia acessível a todas as

séries e etapas da escolaridade. Pudemos constatar a sua eficácia nas práxis de um ou dois

colaboradores da nossa pesquisa, o que nos garante que os limites seriam superados, com

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um bom trabalho de equipe, estruturado numa prática sistemática de estudos e planejamento

articulado, entre os mediadores das diferentes disciplinas;

• A dificuldade das escolas trabalharem com uma proposta progressista, a partir da 5ª série,

supomos ser a mesma que verificamos entre os colaboradores da nossa pesquisa. A

desconstrução de uma prática pedagógica fragmentadora, mediada por especializações em

determinadas disciplinas, é o desafio maior, que encontra resistências frente a uma cultura

padronizada de organização curricular e de definição acerca dos fazeres docentes;

• O sentimento de equipe, respaldado pela vivência cooperativa, é necessário que esteja

presente nos grupos que trabalham com a pedagogia Freinet. No caso particular da Escola

Freinet, o resgate do entusiasmo entre aqueles que compõem o quadro de associados da

Cooperativa de Professores do Rio Grande do Norte - COOPERN, mostra-se tão relevante,

quanto a qualificação das práticas a partir dos princípios do Cooperativismo e dos

fundamentos teóricos que norteiam o projeto político-pedagógico da escola;

• A COOPERN e a Escola Freinet são reais, assim como a opção pedagógica pelo projeto da

escola do povo, o que se caracteriza como possibilidade para a construção de uma práxis

progressista para o ensino de 5ª a 8ª séries. Entretanto, o querer por parte de um grupo, não é

suficiente para o fazer coletivo, como já fizemos referência. Adicionamos, ainda, o

conhecimento da equipe técnica e docente, que é imprescindível, sobre os fundamentos

teóricos iluminadores do como fazer.

Por tudo que a análise dos dados nos revelou, sugerimos à Escola Freinet, estendendo

a quantas instituições encontre afinidades com esta pesquisa, o apoio de uma Assessoria

Pedagógica, que atue, de maneira sistemática, junto aos educadores, tendo como meta a

implementação da pedagogia Freinet no ensino de 5ª a 8ª séries. Não estamos nos referindo a

um profissional que acompanhe o trabalho a distância, contribuindo de maneira pontual, mas

alguém que se insira na sala de aula, caracterizando-se “o processo de assessoria [...] como

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uma intervenção participativa, configurando uma atuação ativa na formação em serviço das

professoras [e dos professores]”. (CARVALHO, 1999, p. 1).

Neste sentido, indicamos a leitura da tese de doutoramento da professora Tânia

Câmara Araújo de Carvalho (1999), pois cremos que o percurso feito por ela, no processo de

assessoria pedagógica junto a equipe do Núcleo Educacional Infantil – NEI, da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte, poderá ser indiciário de uma proposta, na direção que

apontamos para a Escola Freinet.

A terceira e última questão que levantamos para este estudo, foi a seguinte: De que

maneira a pedagogia Freinet pode ser significativa para a formação de cidadãos, que

encontram-se no ensino de 5ª a 8ª série? Eis uma questão, que não temos outra resposta,

senão insistirmos na fertilidade que é, para um grupo de alunos, terem a sua vida escolar

conduzida por orientações pedagógicas, norteadas pelas idéias de Freinet.

A pedagogia Freinet é voltada para formar o cidadão, pois é uma proposta onde “o que

importa é a formação na criança do homem que será amanhã, o homem moral e social, o

trabalhador consciente dos seus direitos e dos seus deveres” (FREINET, C., 1978a, p. 200).

Para isto, as técnicas, ferramentas e estratégias de ensino foram criadas, objetivando

oportunizarem, ao aluno, a “possibilidade efetiva de trabalhar, de agir e de viver individual e

socialmente.”( FREINET, C., 1978a, p. 201).

A escola do povo, que tanto defendeu Freinet, é a escola na qual “o cidadão é o

homem livre” (TOURAINE, 1998, p. 30). Livre para ser sujeito, que pensa, age e faz

escolhas, diferentemente do imobilismo imposto por certas propostas tradicionais,

desenvolvidas por inúmeros professores, aos quais Freinet, C. (1978b, p. 16) se dirige:

“podeis manter as vossas crianças sentadas na aula, mas não podeis acorrentar o seu

pensamento, a sua imaginação e a sua audácia que vão para algures, para onde borbulha

doravante o progresso e o futuro.”

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O trabalho, conduzido pelo tateamento experimental; o espaço para a livre expressão;

a vida cooperativa e a aprendizagem significativa são os verdadeiros aspectos da pedagogia

Freinet, que norteiam a formação do aluno, entendido, desde cedo, como cidadão. Na vivência

cooperativa, essencialmente, mediada pela prática do diálogo, o aluno constrói-se cidadão,

aprendendo que “o individual e o coletivo devem se corresponder perfeitamente.”

(TOURAINE, 1998, p. 30).

Sendo, a sala de aula freinetiana, um exemplo de comunidade cooperativa, é evidente

que torna-se inerente os processos de articulação entre interesses individuais e coletivos.

Como vimos, no segundo capítulo deste trabalho, a Reunião Cooperativa se configura num

espaço interativo, para o exercício da cidadania, onde se pratica o diálogo, buscando o

entendimento entre os participantes dos atos de fala. Entretanto, malgrado o valor pedagógico

e o formato por demais acurado da técnica da Reunião Cooperativa, não podemos excetuar as

dificuldades quanto a sua consolidação como estratégia, para o uso comunicativo da

linguagem, que promove o entendimento.

Deste modo, sugerimos uma análise sobre o que têm a dizer, para o aperfeiçoamento

da gestão cooperativa da sala de aula, os estudos de autores, como: Paulo Freire, Vygotsky,

Bakhtin e Habermas, que defendem o interacionismo e a dialogicidade. Este último, afirma:

“[...] quando os indivíduos e os grupos querem cooperar entre si, isto é, viver pacificamente

com o mínimo de emprego de força, são obrigados a agir comunicativamente.”

(HABERMAS, 1993, p. 105). A ação comunicativa conduz ao consenso, e, para que se atinja

tal objetivo, o autor propõe a “situação ideal de fala”, como peça central, cujos requisitos são

apresentados como sendo fundamentais para que ocorra o entendimento. Acreditamos que tais

requisitos poderiam se mostrar eficazes, se tomados como orientadores dos diálogos

estabelecidos, por ocasião das Reuniões Cooperativas das salas de aula freinetianas, objeto de

estudo que, diante mão, anunciamos: é o que nos mobiliza à pesquisa nos próximos anos.

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Por fim, reiteramos a relevância deste trabalho, que, na sua completude, apresenta uma

proposta educacional de cidadania, à luz da pedagogia Freinet, abrangendo as dimensões

teórica e prática, cujas possibilidades concretas de ser implementada, estão disponíveis para

todas as séries. Aos educadores, de modo geral, aos companheiros do Movimento Freinet e à

comunidade acadêmica, temos a dizer, que: não tivemos, aqui, absolutamente, a pretensão de

construir nenhum texto magistral e por esta razão fica aberto para ser objeto de reflexão,

crítica, ponto de partida para novas pesquisas, experimentações, atualizações e adaptações,

por parte daqueles que o tema possa vir interessar.

Não é demais ressaltarmos, que a abertura dada pela COOPERN/Escola Freinet, para

que pudéssemos realizar este estudo, foi um exercício de confiança na pesquisa científica e no

poder que ela tem de se tornar acessível e útil às escolas. Somos gratos pela receptividade dos

que fazem essa instituição, aos que se propuseram a se desnudar, para aprenderem mais e

permitirem que eu pudesse aprender com eles.

Concluímos que, mostrar-se não é uma tarefa fácil, assim como dissertar num trabalho

acadêmico sobre os fazeres do outro, exige dosar sensibilidade e rigor científico. Este foi o

nosso maior desafio, assim como tem sido um esforço imenso, a tarefa de finalizar este texto.

Porém, a cada aparente ponto final, vêm as releituras, oportunidades valiosas de constatarmos

a nossa incompletude e a grandeza do ato de pesquisar, mas, entendemos que é chegado o

momento de uma pausa mais demorada, para partilharmos o conhecimento com outras

pessoas, quando a pesquisa, finalmente, cumprirá o seu principal papel.

Ficamos com Freinet, C. (1978b, p. 22):

Gostaríamos de romper este muro de silêncio para examinar os problemas na sua realidade objetiva. Era a um verdadeiro trabalho científico que queríamos entregar-nos, estudando experimentalmente as taras de que sofre a escola, os impasses a que chegou, as causas profundas das perturbações que detectamos, os sintomas e possibilidades de cura, na esperança de que uma vasta campanha de pesquisa e ação, ultrapassando a escola, desencadeie no país uma corrente de opinião que exija, por fim, a modernização e humanização do nosso ensino.

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TRINDADE, V. ; FAZENDA, I.; LINHARES, C.(Orgs.). Os lugares dos sujeitos na pesquisa educacional. Campo Grande, MS: UFMS, 1999.

VASCONCELLOS, Celso. Avaliação da aprendizagem: Práticas de mudanças. São Paulo: Libertad, 1998.

VIEGA, Sandra Mayrink e FONSECA, Isaque. Cooperativismo: uma revolução pacífica em ação. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2002.

VYGOTSKY, Lev S. Psicologia Pedagógica. Tradução: Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

______. Pensamento e Linguagem. 2 ed., Tradução: Jeferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

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219

ANEXOS

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220

DOCUMENTO FORNECIDO PELA ESCOLA FREINET, AUTORIZANDO A PUBLICAÇÃO DOS DADOS PRODUZIDOS DURANTE A NOSSA PESQUISA, ESPECIALMENTE AS

FOTOGRAFIAS.

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221

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222

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223

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224

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225

ANEXO – E

Roteiro de entrevista com os colaboradores da pesquisa

1- Caso você trabalhe em outra(s) escola(s), fale como você define a proposta da(s) mesma(s).

2- Como se sente na profissionalmente. 3- O significado de trabalhar numa escola de uma cooperativa de professores. 4- Experiências anteriores com a pedagogia Freinet. 5- Avaliar a própria prática pedagógica no tocante a pedagogia Freinet. Em que esta

pedagogia facilita e/ou dificulta a ação docente. 6- Outros aspectos que considera que dificulta e/ou facilita a docência na Escola Freinet. 7- Cursos, encontros ou momentos de estudos que participou e que considera como tendo

sido os mais proveitosos para a prática. 8- Livro(s) que já leu e que são de autoria de Célestin Freinet. 9- Livros que já leu e que são de autoria de outras pessoas, mas que tratam da pedagogia

Freinet. 10- Falar sobre os princípios fundamentais da pedagogia Freinet e de que maneira trabalha

para que os mesmos sejam vivenciados pelos alunos. 11- Falar sobre as técnicas da pedagogia Freinet que considera que, na prática, têm sido

desenvolvidas com mais êxito. 12- A contribuição da reunião cooperativa para a ação docente. 13- A experiência com a interdisciplinaridade. 14- Situações que considera que propiciam à construção de conhecimentos por parte dos

alunos e o próprio papel, como docente, neste processo. 15- A avaliação das aprendizagens dos alunos. 16- A educação no atual contexto.

17- Mudanças que adotaria na Escola Freinet para fortalecer cada vez mais a sua proposta pedagógica.

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226

ANEXO – F

Quadro de Identificação dos colaboradores da pesquisa

Informações prestadas entre outubro e novembro de 2002 durante entrevista gravada,

individualmente.

Colaborador(a)

Atividade na Escola Freinet.

Tempo de

experiência

Tempo de experiência na Escola Freinet.

Em quantas outras escolas

trabalha.

Atua em instituições

públicas e/ou

privadas.

Situação na Cooperativa: Sócio(a) ou

Contratado(a)?

E1 Docência 02 anos e meio.

02 anos e meio. Nenhuma -

Sócio(a)

E2 Docência 09 anos Quase 04 anos.

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E3 Docência 27 anos 04 anos + 02 Em ambas Sócio(a) E4 Docência 06 anos 03 anos + 02 Privadas Sócio(a) E5 Docência 20 anos 04 anos

alternados. + 01 Pública Sócio(a)

E6 Docência 03 anos 03 anos + 01 Privada Sócio(a) E7 Docência 06 anos 02 anos Nenhuma - Sócio(a)

E8 Docência 39 anos 08 meses NenhumaJá atuou em

ambas Sócio(a) E9 Docência 08 anos 09 meses + 01 Pública Contratado(a)

E10 Docência 02 anos 03 meses + 01 Pública Contratado(a) E11 Docência 28 anos 02 meses + 03 Em ambas Contratado(a)

ETAP1 Extra-sala 23 anos

05 anos (destes, quase

01 ano na atual função).

+ 02 Em ambas

Sócia

ETPA2 Extra-sala 27 anos 06 anos Nenhuma Já atuou em ambas

Sócia

ETPA3 Extra-sala 03 meses 03 meses Nenhuma - Contratada

ETPA4 Extra-sala 18 anos 05 anos

(destes, quase 02 anos na

atual função).

+ 01 Pública Sócia

Legenda: E = Educador ETPA = Equipe Técnico Administrativa-Pedagógica

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227

ANEXO – G

Primeiro Plano de Trabalho da Pesquisa

INTRODUÇÃO

Capítulo 1 - A ESCOLA COOPERATIVISTA E A PEDAGOGIA COOPERATIVA

1.1 A gestão cooperativista e a Cooperativa de Professores do Rio Grande

do Norte

1.1.1 A parceria com o Educandário Osvaldo Cruz

1.2 A Escola Freinet de Natal

1.2.1 O patrono e a pedagogia norteadora

1.2.2 A equipe de profissionais

1.2.3 A oferta do Ensino Fundamental – 5ª a 8ª Série

Capítulo 2 - RELEVANTES PARA O FUNCIONAMENTO DA SALA DE AULA

2.1. O espaço

2.1.1. Organização e Ferramentas disponíveis

2.2. O tempo

2.2.1. Os horários das aulas e a distribuição das disciplinas

2.2.2. A administração do tempo planificado

2.3. A planificação das atividades na educação do trabalho

2.3.1. Os planejamentos dos professores

2.3.2. Os planos de trabalho coletivos

2.3.3. O plano de trabalho do aluno

2.4. A organização cooperativa da sala de aula

2.4.1. A Reunião Cooperativa

2.4.1.1 A avaliação da semana

2.4.1.2 Sugestões para a semana seguinte

2.4.1.3 O Diário de Turma

2.4.1.4 O Quadro de Responsabilidades

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228 2.4.1.5 A auto e hétero-avaliação

2.4.1.6 As Regras de Vida

Capítulo 3 - À CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO

3.1. As concepções de conhecimento que permeiam os discursos, as ações

e as atividades propostas pelo professores

3.2. A superação da fragmentação disciplinar: a busca da unidade

3.3. Conhecer pelo tateamento experimental

3.4. Técnicas favorecedoras da aprendizagem

3.4.1. O texto e o desenho livre

3.4.2. Os projetos de pesquisa

3.4.3. Os trabalhos nos ateliês

3.4.4. A aula-passeio

3.4.5. Os Fichários: Cooperativo e Auto-Corretivo

3.5. A avaliação da aprendizagem: o fazer e o refazer

Capítulo 4 - À COMUNICAÇÃO E À DOCUMENTAÇÃO DOS CONHECIMENTOS

4.1 A Reunião Inicial

4.2 As Conferências

4.3 Os Seminários

4.4 A reunião de pais, alunos e professores

4.5. A Correspondência Interescolar

4.6. O Jornal Escolar

4.7. O Livro da Vida

4.8. Os Álbuns

4.9. A Biblioteca de Trabalho.

Capítulo 5 – O QUE PENSAM OS PROFESSORES SOBRE...

5.1. a educação

5.2. o ofício de professor

5.3. a Escola Freinet e a pedagogia Freinet

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229

ANEXO – H

COOPERN COOPERATIVA DE PROFESSORES DO RN

FREQÜÊNCIA DE REUNIÕES – 2002

Cooperante 31.01 15.02 20.04 21.06 12.07 25.07 17.08 14.09 21.09 05.10 18.10 Total Faltas

ETAP 1 P P P P P P P P P P P - E1 P P P F P P P P P P F 02 E2 P P F F F P P F F F F 07 E3 F F F F F F F F P P F 09 E6 P P F P P P P P P P P 01 E4 P P F P P P P F P P F 03 E7 P F F F F P F F F F F 09 E5 P P P F F F P P F F F 06 E8 F F F F P P P F F F F 08

TOTAL DE ENCONTROS – 11

Natal, 21 de outubro de 2002

Ana Chrystina Vieira Paulino

Gerente Pedagógica

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230

ANEXO – I

PLANO INDIVIDUAL DE TRABALHO – PIT

PARÍODO DE__________________ A _____________________ ALUNO(A):___________________________________________ SÉRIE: _________

Proposta de trabalho Quando realizei Acompanhamento do Professor(a)

LÍNGUA PORTUGUESA S T Q Q S S T Q Q S Professor(a)------ LITERATURA S T Q Q S S T Q Q S INGLÊS S T Q Q S S T Q Q S ARTE S T Q Q S S T Q Q S HISTÓRIA S T Q Q S S T Q Q S GEOGRAFIA S T Q Q S S T Q Q S

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231 MATEMÁTICA S T Q Q S S T Q Q S CIÊNCIAS S T Q Q S S T Q Q S

OBSERVAÇÕES SOBRE O PLANO INDIVIDUAL DE TRABALHO QUINZENAL

O que eu penso O que pensam os professores (síntese) O que pensam os meus pais __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Natal, _____/____/_____

_________________________ ______________________ ______________________ Assinatura do(a) Aluno(a) Assinatura de um(a) Prof.(a) Assinatura dos Pais

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232ANEXO – J

PARTES DE ATAS DE REUNIÕES COOPERATIVAS

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234

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235

Divisão das Responsabilidades

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236

ANEXO – L

REGRAS DE VIDA

RESPEITAR: COLEGAS, PROFESSORES E FUNCIONÁRIOS; RESPEITAR: A DECISÃO (sic) DOS PROFESSORES; RESPEITAR: O HORÁRIO DA ESCOLA; RESPEITAR: A OPINIÃO DOS OUTROS; RESPEITAR: PARA SER RESPEITADO; RESPEITAR: PARA AS REGRAS DE VIDA; ESPERAR A VEZ DE FALAR; CUMPRIR COM AS RESPONSABILIDADES; NÃO CONVERSAR NA AULA; NÃO MASCAR CHICLETES NA SALA DE AULA; NÃO USAR BONÉ NA SALA DE AULA; NÃO COMER EM SALA DE AULA; NÃO SUJAR A SALA; USAR A FARDA CORRETAMENTE; TODOS NÓS DEVEMOS RESPEITAR A INDIVIDUALIDADE DOS COLEGAS.

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237

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ANEXO – N

Programação

08/11/2002

III Encontro Estadual de Educadores Freinet do RN

Entrega de Credenciais Solenidade de Abertura Conferência de Abertura: A dimensão ética e a prática docenteProf. Mestra Sandra Maria Borba pereira -"Professora da UFRN - Natal/RN Coquetel Cooperativo

18h30 19h 19h30

10h 10h15

Intervalo Debate

2. A UFRN e as pesquisas na pedagogia Freinet - articulação entre a teoria e a prática.

Prof. Eduardo Antônio Gurgel Cavalcanti - UFRN - Natal/RN. 3. Desafios de uma prática pedagógica Profª Adele Guimarães Ubarana - UFRN - Natal/RN. 4. Globalizacão: a nova ordem do capitalismo

Alunos da 7ª série da Escola Freinet / Prof. Orientador: Francisco Ednardo Gonçalves.

5. Interagindo e construindo sentidos através da expressão livre Profª Geovana Carla Cardoso A. de MeIo - UFRN - Natal/RN. 6. Texto livre: a expressão da linguagem de mundo na educação infantil

Profªs Josileide Silveira de Oliveira / Cláudia Sueli Oliveira - COOPERN –Natal/RN.

21h

11h15 COMUNICAÇOES DE TRABALHOS-45 minutos

1. Área de Livre Comércio das Américas - ALCA: uma proposta em discussão

Douglas Thauam A. da Silva, aluno da 6ª série da E. E. Prof~ Maria Queiroz Prof~ Orientadora: Socorro de Maria C. da S. Potes.

09/11/2002Mesa Redonda: As estratégias de ensino na pedagogia Freinet Coordenadora:

Profª Drª Djanira Brasilino de Souza - COOPERN /Escola Freinet - Natal/RN 1. Organização Cooperativa da Sala de Aula Profª Cláudia Sueli Rodrigues Santa Rosa - COOPERN / UFRN - Natàl/RN. 2. Organização dos Estudos Profª Maria Evânia de Oliveira - COOPERN - SECO - Natal/RN. 3. Expressão Livre e Comunicação Prof. Dr.. Francisco de Assis Pereira - Professor da UFRN - Natal/RN. 4. Documentação dos Trabalhos Escolares Profª Wilma Leiros Cunha - CEC - Natal/RN.

08h

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ANEXO – O

-----Mensagem original----- De: Colégio ...... Para: Cláudia Santa Rosa Data: Terça-feira, 12 de Março de 2002 14:29 Assunto: Intercomunicação

Cláudia: Você não imagino o quanto esse seu e-mail me deixou feliz pois estávamos procurando correspondente para alunos da 5as. séries pois as demais já possuem correspondentes em Bauru e Caruaru. Aceito o convite e já envio a lista das 1as. séries. Ah, também faltam correspondentes para 2as e 3as séries. Vocês têm essas séries na escola? Um abraço, .............. (Diretora, Profa. de Ética de 5as e 8as e Profa. da 1a. série)

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ANEXO – P

----- Original Message ----- From: Cláudia Santa Rosa To: Colégio... Sent: Tuesday, March 12, 2002 9:05 PM Subject: Re: Intercomunicação

Prezada .....,

Você não tem idéia de como estou feliz, pois já estava perdendo a esperança de conseguir organizar a correspondência nessas turmas. Olha só: temos 5ª, 6ª, 7ª e 8ª séries, todas sem correspondentes. Acredite! Pergunta sobre 2ª e 3ª Séries. Ótimo! também precisamos nestas turmas. Vamos, cooperativamente, nos arrumando aqui e aí. Como poderemos fazer para concretizar o início? Sugiro que, com urgência, nos envie o endereço (Correios e/ou e-mail) das suas turmas com o nome de um professor responsável e logo enviaremos a primeira carta (Coletiva) para que todos se auto-apresentem, falem da própria escola, da cidade e etc. As turmas daí respondem mais ou menos na mesma linha e a partir de então ficaríamos com a correspondência coletiva e aquela entre pares. O que acha? o negócio é começarmos. Rita (RS) tem me falado maravilhas da experiência de vocês com a Biblioteca de Trabalho. Quero conhecer em breve. Estou iniciando uma pesquisa (Mestrado) que tem como objeto de estudo a Pedagogia Freinet no ensino de 5ª a 8ª séries. Um desafio. Quero trocar figurinhas com você. Em anexo, um texto já não muito atualizado, para que conheça um pouco da história da Escola Freinet.

Fico no aguardo de um breve retorno, pois considero a correspondência interescolar de uma riqueza sem comentários.

Um grande abraço extensivo a toda sua equipe e obrigada pela atenção.

Cláudia Santa Rosa Para Contatos: ESCOLA FREINET Av. Hermes da Fonseca, 1500 - Tirol 59015-001 Natal/RN - BRASIL Telefax: (84) 221-2594