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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - UFRN CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ - CERES DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DO CERES - DHC RAFAEL JEFFERSON DOS SANTOS FERREIRA “VOCÊ NÃO GOSTA DE MIM MAS SUA FILHA GOSTA”: AS AMBUIGUIDADES CONTIDAS NAS CANÇÕES DE CHICO BUARQUE DE HOLANDA. (1964-1967) CAICÓ, 2015

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - … · sobre os trabalhos já publicados sobre Chico Buarque, faremos um resumo de sua biografia até ... fora dele Chico Buarque; um

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - UFRN

CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ - CERES

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DO CERES - DHC

RAFAEL JEFFERSON DOS SANTOS FERREIRA

“VOCÊ NÃO GOSTA DE MIM MAS SUA FILHA GOSTA”: AS AMBUIGUIDADES

CONTIDAS NAS CANÇÕES DE CHICO BUARQUE DE HOLANDA. (1964-1967)

CAICÓ,

2015

RAFAEL JEFFERSON DOS SANTOS FERREIRA

“VOCÊ NÃO GOSTA DE MIM MAS SUA FILHA GOSTA”: AS AMBUIGUIDADES

CONTIDAS NAS CANÇÕES DE CHICO BUARQUE DE HOLANDA. (1964-1967)

Monografia apresentada ao Curso de

História Bacharelado, da Universidade Federal

do Rio Grande do Norte-CERES, para obtenção

do título de Bacharel em História.

Orientador: Prof. Dr. Antônio Manoel

Elíbio Júnior.

CAICÓ,

2015

RAFAEL JEFFERSON DOS SANTOS FERREIRA

“VOCÊ NÃO GOSTA DE MIM MAS SUA FILHA GOSTA”: AS AMBUIGUIDADES

CONTIDAS NAS CANÇÕES DE CHICO BUARQUE DE HOLANDA. (1964-1967)

Aprovada em: _____/_____/_______

BANCA DE DEFESA

Professor Dr. Antônio Manoel Elíbio Júnior.

Departamento de História do CERES- UFRN

(Professor Orientador)

_____________________________________________________________________

_

Professor Elton John da Silva Farias

Departamento de História do CERES- UFRN

(Professor Coorientador)

_____________________________________________________________________

_

Professor Rosenilson da Silva Santos

Departamento de História do CERES- UFRN

CAICÓ,

2015

Dedico este trabalho inteiramente à Francineide

dos Santos e a Antônia Severina da Silva, minhas mães, que

desde o começo acreditaram na minha capacidade e que

sempre me apoiaram em todas as minhas decisões.

AGRADECIMENTOS

“Agradeço todas as dificuldades que enfrentei; não fosse por

elas, eu não teria saído do lugar. As facilidades nos impedem de

caminhar. Mesmo as críticas nos auxiliam muito.” (Chico Xavier)

É citando esse grande homem que começo os meus agradecimentos.

A minha família, em especial a minha mãe Francineide dos Santos, meu exemplo

maior de força e de superação, minha primeira professora, que desde de criança me ensinou a

trilhar pelo caminho do bem, fazendo da educação a minha maior arma.

Aos meus avós/pais, Dona Antônia Severina da Silva e seu Damião Ferreira da

Silva, que me apoiaram em tudo, sempre me mostrando qual seria o melhor caminho e sempre

torcendo por mim.

Aos amigos que fiz nesse curso, Francicleide, Antônio, Cristiano, Nara, Lucélia,

saibam que vocês sempre farão parte da minha história, e que me sinto honrado em tê-los como

amigos, e que essa amizade siga para o resto de nossas vidas.

Gostaria de agradecer também a uma das pessoas que mais amo nessa vida, uma

irmã, não de sangue, mas sim de coração. Luana Barros, saiba que sou muito grato por ter você

na minha vida, que você é muito especial para mim, quero carregar nosso elo de amizade para

onde for e por toda minha vida.

Gostaria de agradecer aos amigos que fiz no decorrer desses anos nas viagens de

ônibus, a duas pessoas em especial, Joyciana Medeiros, amiga e futura historiadora, por todas

as conversas que tivemos (que não foram poucas). Como também queria agradecer a Gabi

Lúcio, uma grande amiga, que ao decorrer do tempo ganhou um lugar muito especial no meu

coração, muito obrigado pelas noites de conversas e conselhos, saiba que você me ajudou na

superação de um dos momentos mais turbulentos da minha vida.

Agradeço imensamente aos meus professores, em especial ao meu orientador

Professor Antônio Manoel Elíbio Júnior, como também ao meu coorientador Professor Elton

John da Silva Farias, saibam que sem a ajuda de vocês nada disto seria possível.

Agradeço a Helder Macedo, grande historiador o qual tive a honra de ter como professor,

que sempre foi solícito, e que sempre esteve pronto a me ajudar.

Agradeço também a todos os professores que ao longo desse curso me ensinaram, os

que ainda se encontram no CERES, os que partiram para outras cidades, como as professoras

Kyara Almeida e Manuela Aguiar, grandes pessoas e professoras, que mesmo tendo passado

pouco tempo nos ensinado, esse tempo foi suficiente para marcar minha vida.

Enfim, gostaria de agradecer a todos que fizeram e fazem parte da minha vida, saibam

que este trabalho é uma vitória que eu quero compartilhar com todo vocês.

RESUMO

O presente trabalho tem como por objetivo principal realizar uma discursão sobre a obra

musical de Chico Buarque de Holanda em relação ao Brasil pós golpe de 1964 até o ano de

1967, analisando a visão que o compositor tinha sobre o país, e como ele a demostrava em suas

canções. Para isso, faremos a análise de duas composições “Marcha para um dia de sol” e “A

Banda”. Utilizaremos seis livros, sendo três de teor biográfico (ZAPPA 2011, HOMEM 2009

e SILVA 2004), como também dez trabalhos (PIMENTEL 2011, DEL VECCHIO 2013,

NAPOLITANO 2001, SOUSA 2012, MENDES 2003, MARTINS 2005, MATOS 2011, ROSA

2008, PINA 2008 e CAVALCANTI 2003), para fundamentarmos nossa pesquisa. Falaremos

sobre os trabalhos já publicados sobre Chico Buarque, faremos um resumo de sua biografia até

meados de 1967, como também das ambiguidades contidas nas duas canções analisadas.

Palavras-chave: Chico Buarque – Ditadura – Ambiguidades.

ABSTRACT

The present work has as main objective to perform a for reflexion on the musical work of Chico

Buarque de Holanda in relation to Brazil after coup of 1964, analyzing the vision that the

composer had on the country, and as he was already arguing in their songs. For this reason, we

will do the analysis of two compositions "Marcha para um dia de sol" and "A Banda". We will

use six books, three of biographical (ZAPPA, HOMEM e SILVA) content, as also four theses

for footing our research. We will use six books, three of biographical content (ZAPPA 2011,

HOMEM 2009 and SILVA 2004), as also ten jobs (PIMENTEL 2011, DEL VECCHIO 2013,

NAPOLITANO 2001, SOUSA 2012, MENDES 2003, MARTINS 2005, MATOS 2011, ROSA

2008, PINA 2008 and CAVALCANTI 2003), footing for our research. We will talk about the

work that has already been published on Chico Buarque, we will have a summary of his

biography by mid-1967, as well as the ambiguities contained in the two songs analyzed.

Key words: Chico Buarque - Dictatorship - Ambiguities.

“A liberdade é um dos dons mais preciosos que o céu deu aos

homens. Nada a iguala, nem os tesouros que a terra encerra no seu seio,

nem os que o mar guarda nos seus abismos. Pela liberdade, tanto quanto

pela honra, pode e deve aventurar-se a nossa vida.”

(Miguel de Cervantes, Dom Quixote, 1605)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 11

1. “VAI PASSAR NESSA AVENIDA UM SAMBA POPULAR”: AS INTERPRETAÇÕES

SEOBRE A OBRA DE CHICO BUARQUE DE HOLANDA................................................15

2. “PRA VER A BANDA PASSAR”: DE FRANCISCO A CHICO, O INÍCIO DE SUA

JORNADA................................................................................................................................28

3. “SE TODO MUNDO SAMBASSE SERIA TÃO FÁCIL VIVER”: AS

AMBIGUIDADES NAS CANÇÕES DE CHICO BUARQUE................................................50

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................77

REFERÊNCIAS......................................................................................................................80

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INTRODUÇÃO

“A música tem sido no Brasil a intérprete de dilemas

nacionais e veículos de utopias sociais. Para completar, ela

conseguiu, ao menos nos últimos quarenta anos, atingir um grau de

reconhecimento cultural que encontra poucos paralelos no mundo

ocidental. O Brasil é, sem dúvida, uma das grandes usinas sonoras do

planeta e um lugar privilegiado não apenas para ouvir música mas

também para pensar a música. A música, sobretudo a chamada

“música popular”, ocupa o lugar das mediações, fusões, encontro de

diversas etnias, classes e regiões que formam o nosso grande mosaico

nacional.” (NAPOLITANO, 2005).

Em rememoração aos cinquenta anos do Golpe Civil-Militar de 1963, ocorrido em

2014, e em comemoração aos setenta anos de vida completos também no mesmo ano, do cantor,

compositor e escritor Francisco Buarque de Holanda - ou como ficou conhecido no Brasil e

fora dele Chico Buarque; um dos símbolos da MPB, grande nome da Bossa Nova, criador de

clássicos da música nacional como, “Construção”, “Apesar de você”, “Cálice”, como também

de “A Banda”, possivelmente sua composição mais conhecida, é que o presente trabalho

pretende falar.

É interessante notar como certas canções nos fazem ter emoções as mais diversas

possíveis, e de como muitas delas condizem com a nossa situação. Por vezes nos vemos nas

letras de certas composições, seja por ela tratar de um situação que vivemos no nosso cotidiano,

ou por falar de um amor findo ou não correspondido. Qualquer que seja a situação, sempre

existirá uma trilha sonora que acompanhará esses momentos.

Chico Buarque domina como poucos o ato de compor canções que falam

diretamente com quem as ouvem. Suas letras são carregadas dos mais variados sentidos e

sentimentos, seja o da dor da perda como em “Bastidores”:

“Não me troquei

Voltei correndo ao nosso lar

Voltei pra me certificar

Que tu nunca mais vais voltar

Vais voltar, vais voltar”

Ou como a alegria do boêmio carioca em “A volta do Malandro”:

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Eis o malandro na praça outra vez

Caminhando na ponta dos pés

Como quem pisa nos corações

Que rolaram dos cabarés

Ele, com a maestria de grande compositor, interprete, cantor, artista popular, e

escritor que é, consegue passar sua mensagem em suas canções.

É sobre essas mensagens que trataremos nesse trabalho. Mais precisamente das

quais traziam suas composições durante o início dos anos 1960, até de depois do golpe de 1964.

Esse período ficou conhecido como os “anos de chumbo” onde o direito de livre expressão foi

cerceado pelo governo civil-militar, anos em que mostrar seus ideais e pensamentos, em que se

opor ao governo militar poderia incorrer na morte. Mas foi durante essa época tão turbulenta da

história recente do Brasil, que Chico Buarque compôs seus maiores trabalhos, onde ficou

conhecido por suas “canções de protesto”, cheias de duplicidades em suas letras, que

conseguiam passar desapercebidas aos olhos dos censores do governo militar.

A escolha das canções de Chico Buarque se deu por além de ser um dos maiores

compositores do país como já foi dito antes, foi também pelo fato de que ele é filho de Sergio

Buarque de Holanda, um dos maiores historiadores do Brasil. O que nos levou a indagar qual

seria o posicionamento do filho de um historiador tão importante sobre o momento que vivia o

país. Qual a influência que os trabalhos de seu pai exerciam sobre ele, e o que ele, como artista,

poderia fazer para contestar o governo militar sem sofrer as consequências desse ato.

Outro fator que levou a composição desse trabalho, foi a leitura de “O Falso

Observador de Pássaros”, de Luiz Maria Veiga, lançado em 1988 pela editora Atual, que narra

a história do jovem Ernesto que, no final da década de 1960, descobre uma base subterrânea do

governo, e que consegue explodi-la, desarticulando assim um esquema de espionagem dos

militares. Em uma das passagens do livro, Ernesto ouve uma mensagem de resistência ao

regime militar contida na letra de uma canção. Essa passagem do livro chamou a atenção para

esse fato, mensagens escondidas em letras de canções que faziam oposição ao governo militar.

É sabido que a composição “Cálice” fora censurada por trazer uma mensagem de

contestação ao governo militar, por esse fato, surgiu a curiosidade de saber quais outras canções

tinham também essas letras de oposição, se tinha sido censuradas ou não, quais mensagens

passavam, e que sentimentos poderiam evocar em quem as ouvia.

Seria essa a verdadeira natureza do historiador, a curiosidade, a necessidade de saber

mais, de não se contentar com explicações superficiais, de sempre querer saber “Porquês” das

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coisas terem sido assim, de estar sempre pesquisado, procurando por respostas que não estavam

a vista dos outros.

É isso que essa pesquisa pretende mostrar. Trazer à tona as mensagens contidas nas

canções de Chico Buarque que passaram desapercebias, tanto dos censores quanto de muitos

que as ouviam, sem dar a atenção aos seus detalhes, pois como diz o professor Dr. Lourival

Andrade Júnior nas suas saudosas aulas de história da arte: “O diabo se esconde nos detalhes”,

e é nesses detalhes escondidos que a nossa pesquisa trabalha, lendo nas estrelinhas o que essas

canções queriam dizer, escutando os silêncios para saber o que ele falam.

Nossa monografia é composta por três capítulos:

O primeiro capítulo do nosso trabalho é uma revisão bibliográfica de artigos de

âmbito acadêmico que tratam da mesma temática que a nossa, ou seja, essas publicações falam

das músicas de protesto de Chico Buarque, neles podemos ter uma gama de informações sobre

tais canções como também as opiniões que pesquisadores tem sobre esse assunto, afim de nos

dar um norte para seguir nossa pesquisa.

Já o segundo capítulo é uma pequena biografia sobre Chico Buarque, nele veremos

a sua trajetória, desde sua infância até o momento em que ele surge para o país como cantor e

compositor da Bossa Nova, é importante relatar que esse capítulo mostra a vida do compositor

até os anos de 1967, quando ele lança “A Banda”, isso acontece pois é até esse ano que nossa

pesquisa se concentra. Mostraremos quem foram suas influências na vida pessoal e profissional,

suas primeiras composições, e como ele se tornou um dos maiores nomes da música popular

brasileira. Essa passagem pela vida de Chico Buarque se torna de suma importância, já que

antes de conhecer as suas criações, temos que conhecer um pouco sobre seu criador.

O terceiro e último capítulo desse trabalho é a análise das letras escolhidas na

composição da nossa pesquisa, trabalhamos com as canções “Marcha para um dia de Sol”

(1964), como também com “A Banda” (1967). Essas duas canções foram escolhidas por serem

de épocas diferentes da vida de Chico Buarque, mas mesmo tendo alguns anos de diferença

entre as composições, ambas tratam de uma mesma temática, e é sobre essa temática que

trataremos neste capítulo.

A música nos leva ao contexto histórico e a época em que foram escritas. Podemos

ver nos elementos das canções passagem da história que mesmo que não tenhamos

testemunhado, apenas em ouvi-las identificamos o momento o qual se passava quando foram

compostas. Pesquisar sobre música por mais difícil que seja - e é muito difícil, se torna

prazeroso; pois no leva a uma viagem pela história através dos sons.

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Esse trabalho pretende fazer uma viagem pelas canções de Chico Buarque, trazendo

nelas a história recente do Brasil. Mostrando como é possível protestar usando da arte, sem

recorrer a violência. Reafirmando a importância da música na vida das pessoas, pois como disse

o filósofo alemão Arthur Schopenhaue: “A música exprime a mais alta filosofia numa

linguagem que a razão não compreende”

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Capítulo I

“Vai passar nessa avenida um samba popular”: As

interpretações sobre a obra de Chico Buarque de Holanda

“Eu falava através de personagens, enxergava através de outros olhos”

(Chico Buarque de Holanda, 1976)

O leque de trabalhos publicados sobre a obra de Chico Buarque é muito grande, já

que como é um dos grandes artistas da MPB e pessoa de alto nível cultural e intelectual, ele se

torna um formador de opinião, onde tudo que escreve ou compõe de uma forma ou de outra

abre oportunidade para discussão.

Nesse capítulo iremos apresentar algumas publicações que envolvem a obra de

Chico Buarque. Mostraremos quais são, quem as escreveu, e a sua finalidade, afim de

entendemos o pensamento que outros pesquisadores tem sobre esse cantor, compositor, poeta,

escritor, ator, figura tão importante no cenário artístico brasileiro. Elencamos aqui apenas os

trabalhos usados na composição da nossa pesquisa, trabalhamos com quatro artigos e um livro

que foram dedicados a analisar as obras de Chico Buarque, sejam elas na música, teatro ou

literatura.

Ao pesquisarmos sobre os trabalhos publicados sobre Chico Buarque e suas canções,

não reduzimos nossa busca apenas as publicações de âmbito acadêmico, mas também as de

contexto mais popular, procuramos por essa visão mais popularizada do compositor, já que ele

era a voz dos “excluídos” durante a época da ditadura militar, agora, tivemos a necessidade de

saber o que o povo de um modo geral pensava sobre essa figura tão importante da música

brasileira. E como a maioria de suas canções é ritmada pelo samba, utilizamos justamente um

samba-enredo para ter essa ideia do “Chico Buarque popular”.

No carnaval do Rio de Janeiro de 1998, o G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira1

canta o samba-enredo: “Chico Buarque da Mangueira”, composto por Nelson Dalla Rosa, Vila

1 “O Grêmio Recreativo Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira é uma das mais tradicionais

escolas de samba do Rio de Janeiro e uma das mais populares do Brasil. Foi fundada em 28 de abril de 1928, no

Morro da Mangueira, próximo à região do Maracanã, pelos sambistas Carlos Cachaça, Cartola, Zé Espinguela,

16

Boas, Carlinhos das Camisas e Nelson Csipai, deu a escola de samba o título de campeã do

carnaval daquele ano.

Figura 1 - Carnaval de 1998, desfile da Mangueira em homenagem a Chico Buarque.

Fonte: Ouro de Tolo Blog spot2

Figura 2- Em 1998, a Mangueira foi campeã do carnaval do Rio de Janeiro.

Fonte: O mundo maia Blog spot3

entre outros. Sua quadra está sediada na Rua Visconde de Niterói, no bairro do mesmo nome. Biografia:

Mangueira. Em: mangueira website. Disponível em: (http://www.mangueira.com.br/a-

mangueira/historia/historia-da-mangueira/). Acesso em 27/05/2015.

2 (http://www.pedromigao.com.br/ourodetolo/wpcontent/uploads/2013/11/sambodromo_08.jpg). Acesso

em 20/05/2015.

3

(http://4.bp.blogspot.com/cX6ELZA7CMg/TmvhlJmVKkI/AAAAAAAAAvA/zXw2zlZ_3KE/s1600/desfile+ma

ngueira+1998.jpg ). Acesso em 20/05/2015.

17

Chico Buarque da Mangueira

Nelson Dalla Rosa, Vila Boas, Carlinhos das Camisas e Nelson Csipai/1998

Mangueira despontando na avenida

Ecoa como canta um sabiá

Lira de um anjo em verso e prosa

De um querubim que em verde e rosa

Faz toda a galera balançar

"Hoje o samba saiu"

Pra falar de você

Grande Chico iluminado

E na Sapucaí eu faço a festa

E a minha escola chega dando o seu recado

É o Chico das artes.... O gênio

Poeta Buarque... Boêmio

A vida no palco, teatro, cinema

Malandro sambista, carioca da gema

Marcando feito "tatuagem"

Acordes do seu violão

Chico abraça a verdade

Com dignidade contra a opressão

Reluz o seu nome na história

A luz que ficou na memória

E hoje o seu canto de fé (de fé)

Vai "buarqueando" com muito axé

Ô iaiá... vem pra avenida

Ver "meu guri" desfilar

Ô iaiá... é a Mangueira

Fazendo o povo sambar

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Figura 3- Homenagem ao malandro, tão cantado por Chico Buarque

Fonte: Aqui é só Samba website4

Figura 4- Carro alegórico homenageando o malandro, referência ao espetáculo de 1978,

escrito por Chico Buarque “Opera do Malando”.

Fonte: Estadão Website5

4 (http://robsoncotta.orgfree.com/carnaval/imagens/005.jpg). Acesso em 20/05/2015.

5 (http://img.estadao.com.br/fotos/D9/DB/F9/D9DBF9D61BEA4FF6ACF50930233AB884.jpg).

Acesso em 20/05/2015.

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O primeiro trabalho analisado é o livro de Fernando de Barros e Silva intitulado

“Chico Buarque” da coleção “A folha explica” lançado em 2004 pela editora Publifolha. Nesse

livro, Silva faz uma viagem por parte da obra buarquiana, indo desde suas primeiras

composições ainda no início dos anos 60 até os dias mais atuais. Nesse livro, o autor faz essa

análise juntamente com uma pequena biografia de Chico Buarque, pois como ele mesmo cita

na apresentação do livro:

Estas páginas não pretendem ser uma biografia, embora contenham

elementos da vida do autor e se fixem em algumas passagens marcantes de

sua trajetória. (SILVA,2004, p-9).

Fica evidente nesse trabalho de Silva, a sua intenção de desassociar a figura de Chico

Buarque e de sua obra da fragmentação que muitos pesquisadores fazem. Ele tenta tirar o foco

dos “vários Chicos” que são publicados, tanto em trabalhos acadêmicos, quanto em publicações

para fora dos muros da academia:

“É curioso, aliás, notar como a universidade, no caso de Chico, tende

a mimetizar as clivagens do mercado e a tratar sua obra de forma

fragmentada – ou melhor, fatiada. Fala-se muito em “Chico e a política”,

“Chico e o Feminismo”, “Chico e a malandragem”. (SILVA, 2004)

Mas por ter uma obra tão grande no âmbito musical, fica muito difícil não

fragmentar Chico Buarque em vários “Chicos”. Em 1994 em comemoração aos 50 anos de

idade do compositor, foi lançado pela Polygram Philips uma coletânea de cinco discos que faz

essa separação dos vários “Chicos”.

A divisão foi feita em “O amante”, que traz as canções românticas do compositor

dando destaque a visão dele sobre a alma feminina, já que ele via o mundo “pelo olhos dos

outros”, como conta em entrevista à Revista 365 em 1976. Podemos destacar canções como

“Tatuagem” (1973) que foi composta por ele para fazer parte da trilha sonora de sua peça

Calabar6, que estrearia em 1974, mas que devido a censura, passou cerca de seis anos impedida

de ser apresentada.

6 Calabar foi escrita no final de 1973, em parceria com o cineasta Ruy Guerra e dirigida por Fernando

Peixoto. A peça relativiza a posição de Domingos Fernandes Calabar no episódio histórico em que ele preferiu

tomar partido ao lado dos holandeses contra a coroa portuguesa. Era uma das mais caras produções teatrais da

época, custou cerca de 30 mil dólares e empregava mais de 80 pessoas. Como sempre, a censura do regime militar

deveria aprovar e liberar a obra em um ensaio especialmente dedicado a isso. Depois de toda a montagem pronta

e da primeira liberação do texto, veio a espera pela aprovação final. Foram três meses de expectativa e, em 20 de

outubro de 1974, o general Antônio Bandeira, da Polícia Federal, sem motivo aparente, proibiu a peça, proibiu o

nome Calabar e, como se não bastasse, ainda proibiu que a proibição fosse divulgada. O prejuízo para os autores

20

Outro disco que faz parte dessa coletânea, é “O cronista”, onde podemos dar destaque

a “Bye, Bye, Brasil” (1979). Essa canção foi composta para fazer parte da trilha sonora do filme

dirigido por Cacá Diegues7 que tem o mesmo título que a canção. Essa composição foi feita em

um momento muito especial para o Brasil, pois, mesmo sobre a sombra do regime militar, em

15 de março do mesmo ano, o General Figueiredo assina a lei da anistia, mesmo sendo generosa

com os torturadores da Ditadura, ela permite a volta dos exilados do regime, como ex-

governador do Rio Grande do Sul Leonel Brizola.

Outra parte dessa coletânea é o disco “O Malandro”, onde entre outras canções está

a tão famosa “A Banda” que é objeto de discursão da nossa pesquisa. Mas esse disco também

pode ser uma homenagem a um dos muitos personagens criados por ele, o malandro da Favela

da Rocinha Julinho da Adelaide, que surge como uma forma de Chico Buarque promover suas

composições sem ser censurado pelo regime. Essa personagem inventada por Chico Buarque

foi tão real que em 1974 o jornalista Silvio Lancellotti fala dessa “descoberta” feita pelo

compositor:

Na festa de inauguração do novo Teatro Bandeirantes, dia 12, em

São Paulo, [...] o próprio Chico, acuado por uma terrível síndrome de

infecundidade, estava sendo obrigado, pela primeira vez em sua carreira, a

recorrer a trabalhos de outro autores. Paradoxalmente, no entanto, sua

descoberta, um certo Julinho da Adelaide, originário da favela da Rocinha,

no Rio, demostrou que pode tranquilamente preencher os vazios deixados

pelo autor de “Fado tropical” e outras coisas. Seus estilos musicais são

irmão. (HOMEM, 2009)

Julinho da Adelaide não enganou só esse jornalista, como também os censores.

Responsável por canções como “Acorda Amor” (1974), “Jorge Maravilha” (1974) e “Milagre

Brasileiro” (1975), teve sua verdadeira identidade revelada no ano de 1975, devido a uma

reportagem publicada no Jornal do Brasil. Após esse acontecimento, a polícia federal passou a

exigir CPF e RG dos autores.

O quarto disco se chama “O político”, nesse disco podemos dar destaque as mais

emblemáticas canções de Chico Buarque, nele estão contidas todas as “canções de protesto”

que durante o regime militar foram impedidas de tocar nas rádios ou tiveram os discos

recolhidos das lojas como o caso de “Cálice” (1973) por exemplo.

e para o ator Fernando Torres, produtores da montagem, foi enorme. Seis anos mais tarde, uma nova montagem

estrearia, desta vez, liberada pela censura. Obra: Calabar. Em: chicobuarque website. Disponível

em(http://www.chicobuarque.com.br/construcao/mestre_cin.asp?pg=tea_calabar.htm). Acesse em 29/05/2015. 7 Carlos Diegues, mais conhecido como Cacá Diegues, (Maceió, 19 de maio de 1940) é um premiado

cineasta brasileiro. Foi um dos fundadores do Cinema Novo. Biografia: Cacá Diegues. Em: carlosdiegues website.

Disponível em:( http://www.carlosdiegues.com.br/avida_biografia.asp). Acesso em 29/05/2015

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O quinto e último disco dessa coletânea é intitulado “O Trovador”, onde contém

canções como “Eu te Amo” (1980), composta com outro grande nome da MPB, Tom Jobim.

Com uma gama tão grande de composições, fica impossível não fragmentar Chico

Buarque em vários “Chicos”, pois para uma análise minimamente bem feita de sua obra, é

impreterível essa divisão.

Podemos notar na letra do samba enredo da Mangueira, elementos presentes nos

artigos acadêmicos acima citados. Do livro de Fernando de Barros e Silva, podemos retirar

dessa letra os vários “Chicos” como Silva destaca em seu texto. No samba da Mangueira

podemos ver “o gênio”, “o iluminado”, “o malandro”, como também “o boêmio”, variações de

uma mesma pessoa. Essa fragmentação da figura de Chico Buarque aos olhos do povo vem das

várias intepretações que esse público dava as suas canções, das verdades contidas nas letras e

que eles tomavam para si como parte do seu cotidiano.

Para Foucault:

A verdade a mais elevada já não residia mais no que era o discurso,

ou no que ele fazia, mas residia no que ele dizia. (FOUCAULT,1970)

Sendo assim, essa população mais humilde poderia interpretar essas canções como

uma descrição das suas vidas. Ao se verem nas letras de Chico Buarque, eles deixavam de ser

“pacientes”, e passavam a ser “sujeitos da história”, fazendo dessas composições suas verdades.

Usando do trabalho de Nalva Lopes de Sousa, bacharelanda pela UFVJM (Universidade

Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri): “Afasta de mim esse cálice! Chico Buarque e a

censura no Brasil pós 1964”, publicado em 2012, para compor nossa pesquisa, observamos que

nesse artigo ela trabalha com duas canções icônicas de Chico Buarque, “Cálice” (1973) e

“Apesar de Você” (1973), tidas como “canções de protesto”, a autora analisa essas canções,

explicando como ele conseguiu tornar-se uma pessoa formadora de opinião na sociedade

brasileira pós golpe de 1964, e as influências que ele teve na sua trajetória, tanto como cantor

quanto como pessoa:

Notamos também que Chico foi influenciado pelo seu pai Sérgio

Buarque de Holanda (1902- 1982) em relação à história do Brasil, pois ele

cresceu em um ambiente familiar onde se discutia muito essas questões, ele

também foi influenciando por alguns compositores como por exemplo Noel

Rosa (1910- 1937), cantor e compositor, o qual Chico ouviu desde pequeno.

Esses fatores despertaram o interesse em Chico Buarque cada vez mais pela

história do Brasil de tal modo que passou a apresentar a realidade do Brasil

no período da Ditadura militar em suas canções, o que também resultou na

perseguição do compositor por parte dos censores. (SOUSA, 2012).

22

Essa análise, mostra uma posição mais incisiva de Chico Buarque em oposição ao

regime militar vigente, podemos perceber que as canções por ela analisadas foram compostas

após 1968, quando entrou em vigor o Ato Institucional de Número 5 (AI-5), esse artigo nos

serviu para comparar as mudanças ou o redirecionamento das composições de Chico Buarque,

antes e depois do AI-5.

Uma outra parte do samba mangueirense, temos as frases: “Acordes do seu violão/

Chico abraça a verdade”, essas duas frases nos remete a outro estudo usado na

composição da nossa pesquisa, o trabalho de Nalva Lopes de Sousa: “Afasta de mim esse cálice!

Chico Buarque e a censura no Brasil pós 1964”, nesse artigo, a autora aborda as ditas “canções

de protesto” de Chico Buarque. Usando de suas canções para se opor ao governo militar e se

tornando formador de opinião, já que no contexto histórico da época, suas composições

possuíam verdades que não podiam ser ditas abertamente sem que as quem dissesse sofresse

represálias por parte do governo vigente.

Sendo assim, Chico Buarque com seu violão, abraçaria a verdade em forma de

canção. Essa era mais uma visão do povo em torno da obra buarquiana, como se ele fosse um

porta-voz das verdades escondidas dos olhos de muitos. Assim com Sousa explica em seu

trabalho.

Utilizamos também na composição da nossa pesquisa, “O Inconformismo Social no

Discurso de Chico Buarque”, escrito por Christian Alves Martins, na UFU (Universidade

Federal de Uberlândia), publicado em Junho de 2005 na Fênix – Revista de História e Estudos

Culturais.

Martins analisa as entrevistas dadas por Chico Buarque durante o regime militar,

mostrando a indignação social em seu discurso. Ele se propõe a discutir, o ponto de vista de

Chico Buarque como artista, e qual o papel do artista durante a Ditadura. Mostrando de certa

forma que mesmo falando que não, Chico Buarque estava ativo na contestação ao governo

militar:

A leitura de suas entrevistas deixa clara a tentativa de Chico Buarque

em negar esta imagem de artista militante. Concordamos com o cantor, pois,

como já dissemos alhures, isto seria uma leitura reducionista do artista.

Porém, como defendemos neste artigo, não há como negar que a tônica de

seu discurso e de sua obra seja a de indignação social. (MARTINS,2005, p-

14)

A leitura do artigo de Martins, foi de grande ajuda para a composição de nossa

pesquisa, já que contribuiu para o nosso entendimento da visão de Chico Buarque como artista

engajado na oposição ao regime militar, podemos ter uma noção do seu papel como artista, e

23

como ele via a sociedade brasileira durante a ditadura. E de como através da sua arte, ele expos

sua indignação como o momento pelo qual o Brasil passava.

Utilizamos também o trabalho de Alessandro A. Fagundes Matos intitulada:

“Ditadura, MPB e Sociedade: A música de resistência em Chico Buarque de Holanda”,

publicado pela UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul) em 2001.

Nesse artigo Matos, assim como Sousa, faz uma análise da canção da canção

“Apesar de Você” (1973), mas ao contrário do caminho traçado por Sousa, Matos busca mostrar

a dualidade que continha essa canção, e como ela fora usada na visão do autor para se opor ao

governo militar, ou como ele mesmo ressalta “interpretações consideradas anti-governo”

(MATOS, p -01).

Na continuidade do artigo, Matos tenta estabelecer um contexto entre a canção e o

momento histórico pelo qual o Brasil passava, tendo a composição de Chico Buarque como

fonte histórica, como se a literatura contida na canção fosse um reflexo da sociedade da época:

A arte em questão é a música. A música que é um discurso

materializado em sons, palavras harmonizadas com o papel de transmitir

críticas, ideologias, persuadir o seu receptor, a manifestação daquilo que o

sujeito carrega consigo e conseqüência de toda a sua formação. (MATOS,

2011, p-18)

Matos aborda um ponto de vista interessante em sua pesquisa, ele interpreta a canção

pelo ângulo do excluído, do povo, que não tinha vez nem voz, mas que fazia dessa composição

sua chance de manifestar-se contra o regime militar, usando da duplicidade da letra como

ferramenta de contestação:

O verbo “abafar” toma o sentido de silenciar. Essa prática de

silenciar é direcionada a todos os esquerdistas, ao proletariado, enfim, todos

que sofreram com a dor do silêncio, que são indicados na palavra “coro”,

que representa a união de várias vozes. Além dessa junção de vozes cantando

uma só canção, a da liberdade de expressão e opinião, mais uma vez o

antagonista da obra é ridicularizado. Tal argumento pode ser compreendido

quando lido o verso “Na sua frente”. Independente de apreciar, ou não, a

manifestação realizada pelos oprimidos – e tudo indica que não seria algo

que traria satisfação ao opressor, pois aponta para um tempo já libertado –

mais uma vez o adversário da massa seria posto à impotência de reagir.

(MATOS, 2011, p-17)

Com isso, Matos deixa aberta mais uma via de pesquisa para a canção. Essa visão

apresentada do excluído foi de grande valia para a nossa pesquisa, já que foi assim que

analisamos “A Banda”, mostrando a visão de cada um dos personagens contidos nessa canção.

E assim como Matos, analisamos esse engajamento meio que escondido de Chico Buarque ao

compor a marchinha, já que ele quebra o silencio provocado pelo medo que o regime impunha,

dando voz aos excluídos.

24

“Com dignidade contra a opressão”, assim é cantado mais um dos versos do samba-

enredo da escola de samba carioca, isso nos leva ao trabalho de Alessandro A. Fagundes Matos

“Ditadura, MPB e Sociedade: A música de resistência em Chico Buarque de Holanda”, que

faz uma abordagem das canções de Chico Buarque na visão dos excluídos, dos marginalizados

pelo regime militar, essa “opressão” a qual fala a letra, seria a vivida por pessoas comuns, fora

dos grandes círculos políticos ou de intelectuais. Os oprimidos com mais força pelo regime, já

que se desaparecessem não seriam notados de imediato pela grande mídia, por se tratarem de

pessoas comuns, na sua maioria estudantes. Eram excluídos, fantasmas de uma época que ficou

conhecida como “anos de chumbo”. Eram essas pessoas que se agarravam as esperanças

trazidas pela voz de Chico Buarque. Quando ele canta em “Apesar de Você” (1970) que

“Amanhã há de ser Outro dia” ele não só faz uma crítica ao governo, como também dá

esperanças ao povo de que mesmo o Brasil esteja vivendo uma ditadura, o amanhã sempre

chega, dando ao povo algo pra sonhar, com um país livre do governo autoritário militar.

Essa é mais uma visão popular que se tinha sobre Chico Buarque nessa época

turbulenta, a de “um anjo” de “um querubim”, como cita a o samba, e que trazia a boa nova, a

mensagem de esperança de um Brasil livre nas letras de suas canções.

Usando também da dissertação de pós-graduação escrita por Ligia Vieira Cesar: “Poesia

e Política nas canções de Bob Dylan e Chico Buarque”, feita UFPR (Universidade Federal do

Paraná) publicada em 1990. Essa pesquisa já se torna interessante pelo ano de sua composição,

que se deu apenas cinco anos após o fim da ditadura militar no Brasil, isso torna esse trabalho

um relato quase que ao vivo da história recente do país.

Em seu trabalho, Cesar aborda a “canção de protesto” como elemento fundamental

nas ideologias de Bob Dylan e de Chico Buarque, que mesmos separados por momentos

históricos diferentes - já que Bob Dylan protestava contra o racismo nos Estados Unidos e a

guerra no Vietnã, e Chico Buarque contra a ditadura no Brasil; ainda assim estavam unidos pela

mesma ideologia, ambos faziam de sua poesia ferramentas de reivindicação, como destaca a

autora:

Dylan, rompendo com a linguagem oficial, revela seu

desajustamento à realidade ideológica que o envolve, transformando sua

poesia no instrumento de reivindicações- sociais. E sua poética, centrada em

propósitos políticos, apresenta assim, um discurso social evidente, refletindo

a imagem do poeta-político preocupado com o panorama histórico de seu

país. (CESAR, 1990)

Nota-se aqui uma semelhança entre eles, Bob Dylan com sua folk music, era

contrário à política do establishment, um conceito utilizado para denominar um grupo

25

sociopolítico que exercia sua autoridade para o controle da sociedade, usando desse poder para

servir apenas a seu próprio interesse e segundo suas próprias concepções. Já Chico Buarque usa

da Bossa Nova para contestar o governo militar, que ao assumir o controle do país revogou

direitos políticos e de expressão dos que lhe eram contrário.

No decorrer de sua dissertação, Costa faz uma viagem as raízes da música de

protesto no Brasil, que segundo ela, teriam nascido junto com o samba:

Ao abordar, as canções políticas de Chico. Buarque, faz-se

necessário historiarmos primeiramente sobre a origem do samba, sua

evolução, sua interpretação com a música estrangeira – o jazz - e

conseqüente criação de um ritmo genuinamente nosso – a Bossa Nova - que,

engajando-se no contexto histórico pré e pós 64, toma a forma e a estrutura

das canções de protesto. (CESAR, 1990)

Segundo a autora, o primeiro samba com ar de protesto foi “pelo telefone”,

composto por Ernesto dos Santos “Donga”, que era um dos cantores favoritos de Chico

Buarque. Esse samba fazia críticas a polícia da época que combatia os jogos de azar. E é desse

samba que surge a Bossa Nova no início dos anos de 1960, tendo Chico Buarque como um dos

seus maiores expoentes. Para Cesar:

Após o período inicial (1958-1962) as músicas da Bossa Nova - de

letras que se prendiam a temas intimistas falando do "mar, amor e luar" -

passaram a acompanhar a evolução do problema político brasileiro, tendo

uma conotação mais popular e participativa no período pré-64, para

finalmente desempenhar uma fase de politização explícita quase militante,

nos anos de repressão militar. (CESAR,1990)

O trabalho de Ligia Vieira Cesar foi de grande utilidade para a nossa pesquisa, já

que ela aborda a temática da “canção de protesto” de um ângulo bastante interessante, fazendo

uma comparação entre Chico Buarque e Bob Dylan, dois grandes compositores e que

compunham para o público da “Intelligentsia” (CESAR, p- 65), essa expressão é designada ao

um grupo de pessoas que estão envolvidas com trabalhos intelectuais, afim de disseminar a

cultura. No caso de Chico Buarque, as canções do contestação ao regime militar. Esse trabalho

de Cesar nos serviu para entendemos o posicionamento ideológico do compositor, de como ele

usava dos desvios de linguagem em suas canções para torná-las um veículo de denúncia.

Usando de sua arte para contar a história dos vencidos e não dos vencedores, usando de sua

escrita para criar um futuro utópico, ou apenas fazendo uma perspectiva do que ainda estava

por vir.

26

Em outro trecho dessa canção, tem a seguinte frase: “Ver ‘meu guri’ desfilar”,

essa parte nos remete ao trabalho de Ligia Vieira Cesar: “Poesia e Política nas canções de Bob

Dylan e Chico Buarque”, que fala justamente dos desvios de linguagem, da duplicidade contida

nas composições de Chico Buarque. Isso nos leva ao trecho do samba-enredo, já que “Meu

Guri” (1981) é uma das composições em que ele faz críticas a situação de miséria que muitas

famílias brasileiras estavam vivendo.

A duplicidade de sentido na letra do samba-enredo da Mangueira é uma clara alusão

aos sentidos duplos que Chico Buarque põe nessa canção. Quando a letra do samba diz que

“Ver "meu guri" desfilar”, vai no sentido contrário da composição buarquiana, já que ele na

letra original, diz que: “Chega estampado, manchete, retrato/Com venda nos olhos, legenda e

as iniciais”. Essa são ambíguas, duas letras que se antagonizam. Bem como Ligia Vieira Cesar

fala em seu artigo, se na letra da escola de samba ele veem “O guri” desfilar na avenida, Chico

Buarque o traz a realidade do país nos anos de comando dos militares.

Essa visão popular de Chico Buarque foi de grande ajuda na composição de nosso

trabalho, visto que no âmbito acadêmico ele é tido como grande intelectual, formador de

opinião, de contestador, adjetivos dado também as suas composições, sejam elas na música,

literatura, teatro como também no cinema. Mas para nós foi de grande interesse ver o que o

povo achava das suas canções, de como eles a interpretavam, se elas faziam algum sentido, e

se faziam, qual era.

Percebemos ao analisar a letra do samba-enredo da mangueira que as canções de

Chico Buarque ajudaram a compor um sentido para a vida da população mais humilde que as

ouviam, claro que em sua grande maioria, as duplicidades, as ambiguidades, os sofismas

passam por muitas vezes desapercebidos, mas como Cesar deixa claro em seu texto, Chico

Buarque não estava compondo apenas para um público “Intelligentsia”, mas sim para a “grande

massa”.

Esse primeiro capítulo foi uma revisão dos principais textos usados na composição

da nossa pesquisa. Foi relevante essa breve discursão, visto que precisamos entender o que já

tinha sido publicado sobre esse assunto, para que pudéssemos alicerçar bem nosso trabalho sem

que o mesmo fosse apenas um conjunto de dados sem trazer nada a acrescentar junto aos

demais, já que falar de Chico Buarque abre espaço para um grande campo de pesquisa.

O próximo capítulo será uma breve biografia do compositor, já que para que

possamos entender sua obra, antes de tudo devemos entender quem era Chico Buarque tirando

o olhar de grande cantor da MPB, precisamos entender quais foram suas influências tanto na

27

vida privada quanto na carreira como cantor e compositor. Afim, iremos explorar um pouco

sobre a pessoa de Chico Buarque de Holanda.

28

Capítulo II

“Pra ver a banda passar”: De Francisco a Chico, o início

de sua jornada

A certa altura da vida, vai ficando possível dar balanço no passado

sem cair em autocomplacência, pois o nosso testemunho se torna registro da

experiência de muitos, de todos que, pertencendo ao que se denomina uma geração,

julgam-se a princípio diferentes uns dos outros e vão, aos poucos, ficando tão iguais

que acabam desaparecendo como indivíduos para se dissolveram nas

características gerais de uma época. (Antônio Candido, 1967)

É com essa citação feita para o livro Raízes do Brasil, que começamos este capítulo.

Nele, falamos de uma figura que se torna “atemporal”, devido à sua importância para a história

recente do Brasil. Cantor, compositor e escritor, Francisco Buarque de Holanda é um dos

grandes nomes do seu tempo.

Chico Buarque, autor consagrado de canções como “A Banda”, por exemplo, foi de

grande importância na luta contra o Regime Militar. Através de suas obras, conseguia

comunicar mensagens que contestavam o atual momento em que se encontrava o país. Mas

antes de conhecer quais obras eram essas e qual a importância das mesmas na oposição ao modo

como o Brasil estava sendo gerido por um ditadura civil-militar, antes de tudo temos que

conhecer a pessoa por trás do mito Chico Buarque de Holanda, sua trajetória da infância ao seu

surgimento como cantor e compositor que marcou uma geração que esse capítulo irá tratar.

Nascido no Rio de Janeiro em 19 de Junho de 1944, Francisco Buarque de Holanda,

foi o quarto filho dos sete de um dos maiores intelectuais brasileiros do século XX, Sérgio

Buarque de Holanda8 e dona Maria Amélia Cesário Alvim de Holanda. Na infância, Chico

8 Juntamente com Gilberto Freyre e Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda, nascido em São Paulo

em 11 de julho de 1902, foi um dos “explicadores do Brasil”, isto é, alguém que, por meio de uma respeitável

obra, procurou tornar o país mais inteligível aos próprios brasileiros. Seu interesse oscilou entre a literatura e a

história, sempre abordadas pelo viés da sociologia, especialmente a da escola alemã, mais precisamente a de Max

Weber. Hoje, Sérgio Buarque de Holanda, falecido em 1982, é considerado um dos mais eminentes intelectuais

29

Buarque morava no Rio de Janeiro, até os oito anos de idade, quando foi junto com a família

morar na Itália, devido ao trabalho de seu pai, que foi lecionar na Universidade de Roma.

Sua iniciação musical vem desde seus primeiros dias de vida. Na casa dos Buarque

de Holanda, a música era quase que uma regra. Chico Buarque ouvia cantores como: Ataulfo

Alves, Mário Lago, Lupicínio Rodrigues, Lamartine Babo, Pixinguinha, Benedito Lacerda,

Herivelto Martins, Ary Barroso, Donga, Ismael Silva, Dorival Caymmi e muitos outros bambas

que, em meados dos anos 1940, povoaram as rádios com belos sambas e alegres marchinhas,

nas vozes de Orlando Silva, Dalva de Oliveira, Francisco Alves, Sílvio Caldas. Vários desses

músicos tiveram influência marcante na obra de Chico. (ZAPPA, 2011,p-43)

Isso, aliado aos livros de Guimarães Rosa9, Dostoiévki10, Tolstoi 11 e Kafka12, seus

autores preferidos durante a juventude, moldaram sua intelectualidade. Claro que os trabalhos

de seu pai também o influenciaram bastante. Já que em Raízes do Brasil (1936) Sérgio Buarque,

brasileiros do século XX. Texto Sérgio Buarque, o explicador do Brasil, em: educaterra web site. Disponível em:

(http://educaterra.terra.com.br/voltaire/brasil/2002/07/03/001.htm). Acesso em 10/10/2014

9 João Guimarães Rosa (Cordisburgo, 27 de junho de 1908 — Rio de Janeiro, 19 de novembro de 1967)

foi um dos mais importantes escritores brasileiros de todos os tempos. Foi também médico e diplomata.

Os contos e romances escritos por Guimarães Rosa ambientam-se quase todos no chamado sertão brasileiro. A sua

obra destaca-se, sobretudo, pelas inovações de linguagem, sendo marcada pela influência de falares populares e

regionais que, somados à erudição do autor, permitiu a criação de inúmeros vocábulos a partir de arcaísmos e

palavras populares, invenções e intervenções semânticas e sintáticas. Biografia: Guimarães Rosa. Em: Academia

Brasileira de Letras web site. Disponível em:

(http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=681&sid=96). Acesso em 10/10/2014

10 Fiódor Mikhailovich Dostoiévski (Moscou em 11 de novembro de 1821 - 9 de fevereiro de 1881)

foi um escritor russo do século XIX. É considerado um dos maiores romancistas de todos os tempos. É

um dos pais do existencialismo (escola literária e filosófica que defende da liberdade individual,

subjetividade e responsabilidade do ser humano). Escreveu novelas, contos e romances que são lidos por

pessoas do mundo todo. Biografia: Dostoiévski. Em: Sua pesquisa web site. Disponível em:

(http://www.suapesquisa.com/quemfoi/dostoievski.htm). Acesso em 10/10/2014.

11 O Conde Liev Tolstói nasceu em 1828. Participou da Guerra da Crimeia e casou-se com Sofia

Andrêievna Berhs em 1862. Enquanto Tolstói administrava suas vastas propriedades nas estepes do Volga, dava

continuidade a projetos educacionais, cuidava dos servos e escrevia Guerra e paz (1869) eAnna

Kariênina (1877). Uma confissão (1882) marcou uma crise espiritual em sua vida; ele se tornou um moralista

extremista e, em uma série de panfletos, a partir de 1880, expressou sua rejeição em relação ao Estado e à

Igreja. Morreu em 1910, em meio a uma dramática fuga de casa, na pequena estação de trem de Astápovo.

Biografia: Liev Tolstói. Em: Companhia das letras web site. Disponível em:

(http://www.companhiadasletras.com.br/autor.php?codigo=02524). Acesso em 10/10/2014.

12 Franz Kafka (Praga, 3 de julho de 1883 — Klosterneuburg, 3 de junho de 1924)1 2 foi um escritor

tcheco, autor de romances e contos, considerado pelos críticos como um dos escritores mais influentes do século

XX. A maior parte de sua obra, como A Metamorfose, O Processo e O Castelo, está repleta de temas e arquétipos

de alienação e brutalidade física e psicológica, conflito entre pais e filhos, personagens com missões aterrorizantes,

labirintos burocráticos e transformações místicas. Biografia: Franz Kafka. Em: Companhia das letras web site.

Disponível em: (http://www.companhiadasletras.com.br/autor.php?codigo=00250). Acesso em 10/10/2014.

30

traz uma macro interpretação da formação do povo brasileiro, mostrando a multiplicidade da

nossa população, assim como Chico Buarque mostra vários Brasis em suas canções.

Figura 5- Chico Buarque jovem.

Fonte: Correio website13

13 (http://www.correio24horas.com.br/detalhe/noticia/coluna-vip-chico-buarque-acervo- digital-com-

1044-fotos/). Acesso em 20/05/2015.

31

Mas na questão poética de suas obras pode-se notar a influência de Guimarães Rosa,

pois assim como o escritor mineiro, Chico Buarque também gostava de “inventar” palavras.

Isso pode ser visto na canção “Pedro Pedreiro (1966)”, onde ele cria a palavra “penseiro”:

Pedro Pedreiro Chico Buarque/1965

“Pedro pedreiro penseiro esperando o trem

Manhã parece, carece de esperar também

Para o bem de quem tem bem de quem não tem vintém

Pedro pedreiro espera o carnaval”

Em 1966, em uma entrevista para a revista Manchete, Sérgio Buarque fala da paixão

do filho pelos livros:

Chico andava sempre com um livro de Guimarães Rosa. Numa de

suas músicas, aliás, ele usou palavras inventadas tiradas da linguagem

popular, como faz o Guimarães. Lê em inglês e Francês às vezes em italiano.

Em política, tem pensamentos próprios, e me disse certa vez que não dá às

suas composições, intencionalmente, um conteúdo político, pois o resultado

final surge mais de sua criação e de sua formação. Quando as músicas ficam

prontas, geralmente têm significado social ou político. Mas Chico não está

preso a um só tipo de influência. (Revista Manchete 1966).

Em 1959, um fato surge na vida Chico Buarque, é lançado o LP Chega de Saudade14,

do cantor baiano João Gilberto15. Isso muda drasticamente a vida do Jovem, que até então tinha

14 Chega de Saudade é o primeiro álbum do cantor e compositor brasileiro João Gilberto.

O disco foi lançado em LP em 1959 pela Odeon, este é um grande disco, tanto por suas canções quanto por sua

importância na história da música popular brasileira, tendo sido mantido em catálogo desde o seu lançamento até

1990, por 31 anos consecutivos. Em 2007, foi eleito em uma lista da versão brasileira da revista Rolling

Stone como o quarto melhor disco brasileiro de todos os tempos. Espaço da Música. Em: Espaço da Música web

site. Disponível em: (http://espacodamusicadownload.blogspot.com.br/2012/09/download-1959-chega-de-

saudade-joao_14.html). Acesso em 10/10/2014

15 João Gilberto Prado Pereira de Oliveira (Juazeiro, Bahia, 10 de junho de 1931), conhecido como João

Gilberto, é um cantor, violonista e compositor brasileiro. Tido como o pioneiro criador da bossa nova, é

considerado um gênio e uma lenda viva da música popular brasileira.

Desde o lançamento do compacto que continha Chega de Saudade e Bim Bom, munido apenas da voz e

do violão, começou uma revolução na música brasileira e na música mundial. Dono de uma sonoridade original e

moderna até hoje, João Gilberto foi o artista que levou a música popular brasileira ao mundo, principalmente para

os Estados Unidos, Europa e Japão. Tido como um dos maiores influentes do jazz americano no século XX ganhou

prêmios importantes nos Estados Unidos e na Europa, como o Grammy, em meio à beatlemania. Espaço da

Música. Em: Espaço da Música web site. Disponível em:

(http://espacodamusicadownload.blogspot.com.br/2012/09/download-1959-chega-de-saudade-joao_14.html).

Acesso em 10/10/2014

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o sonho de ser escritor, pois tinha crônicas escritas no jornal verbâmidas, jornal do colégio

Santa Cruz em São Paulo onde estudava. Essa “descoberta” para a música aconteceu quando

ele tinha 14 anos.

Nesse mesmo ano de 1963, Chico Buarque ingressa na FAU (Faculdade de

Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo). Sua entrada nesse curso se deu mais

por falta de alternativa do que por escolha. Em entrevista à revista Manchete, em Outubro de

1966, Chico Buarque reconhece seu engano em relação ao curso de Arquitetura:

Resolvi estudar arquitetura por engano, e estou meio desanimado

por isso. Não é por causa da música. Tenho a intenção de estudar depois

alguma coisa, mas ainda não descobri o que é. Sou forte em matemática, mas

fraco em desenho. Em física, prefiro não falar: é fogo. Para resumir a minha

situação: gosto muito de arquitetura, mas como leigo, olhando de fora os

edifícios, coisa que sempre me atraiu. Prefiro desconhecer os mistérios de

sua construção. (Revista Manchete 1966).

Em 1º de Abril de 1964, o até então presidente João Goulart é deposto pelo golpe

Civil-Militar16. Nesse tempo, os movimentos estudantis foram ganhando força e as

universidades passaram a ser um dos focos de resistência contra o Regime. Chico Buarque que

se considerava de “esquerda”, se juntava assim a grupos como o JUC (Juventude Universitária

Católica) como também ao DCE (Diretório Central de Estudantes).

Com o Presidente Goulart sendo deposto nove dias após o Golpe, um ato

institucional cassou quarenta mandatos de parlamentares17. A censura começava a mostrar suas

16 “A Ditadura militar no Brasil teve seu início com o golpe militar de 31 de março de 1964, resultando

no afastamento do Presidente da República, João Goulart, e tomando o poder o Marechal Castelo Branco. Este

golpe de estado, caracterizado por personagens afinados como uma revolução instituiu no país uma ditadura

militar, que durou até a eleição de Tancredo Neves em 1985. Os militares na época justificaram o golpe, sob a

alegação de que havia uma ameaça comunista no país.” Fico, Carlos. Em: “Versões e controvérsias sobre 1964 e

a ditadura militar”. UFRJ,2004. Revista Brasileira de História, Vol.24 Nº 47. Disponível em:

(http://www.scielo.br/cgi-

bin/wxis.exe/iah/?IsisScript=iah/iah.xis&base=article%5Edlibrary&format=iso.pft&lang=i&nextAction=lnk&in

dexSearch=AU&exprSearch=FICO,+CARLOS). Acesso em 30/05/2015.

17 Durante o período dos governos militares, foram cassados e suspensos cerca de 4.700 direitos políticos.

Só no primeiro ato institucional, de 10 de abril de 1964, são cassados, entre outros, quarenta parlamentares e dois

ex-presidentes, Jânio Quadros e João Goulart. Em 8 de junho, o senador Juscelino Kubitscheck tem seu mandato

eletivo cassado e os seus direitos políticos suspensos pelo prazo de dez anos. A história da Câmara dos Deputados.

Em: Portal da Câmara dos Deputados web site. Disponível em: (http://www2.camara.leg.br/a-

camara/conheca/historia/historia/a4republica.html). Acesso em 10/10/2014.

33

garras, proibindo, depois liberando a exibição do filme de Glauber Rocha: Deus e o Diabo na

terra do Sol18 de 1963.

Sobre o golpe, Chico Buarque fala em entrevista à Folha de São Paulo em 1999:

Nos anos 50 havia um projeto coletivo, ainda que difuso, de um

Brasil possível, antes mesmo de haver a radicalização de esquerda dos anos

60. [...] Ela [Brasília] foi construída sustentada numa ideia daquele Brasil

que era visível para todos nós. Inclusive nós, que estávamos fazendo música,

teatro etc. Aquele Brasil foi cortado evidentemente em 64. Além de tortura,

de todos os horrores de que eu poderia falar, houve um emburrecimento do

país. A perspectiva do país foi dissipada pelo Golpe. (Folha de São Paulo,

1999).

Em 1965, o Ato institucional nº 2 dissolve os partidos políticos e estabelece o

bipartidarismo, no qual a ARENA (Aliança Renovadora Nacional) apoia o Regime, e o MDB

(Movimento Democrático Brasileiro), reúne uma raquítica oposição. Nesse mesmo ano é

inaugurada a TV Globo, que viria a se transformar na maior emissora do Brasil.

Nesse clima e durante sua época como universitário, Chico Buarque ajudava nas

vigílias, se revezando com outros, para evitar que a faculdade fosse tomada. No mesmo ano de

1965, ele participa de um show no teatro Arena19, intitulado de “Um quadro negro”. Nesse

show, ele e Taiguara20 tiveram sua “estreia” por assim dizer ao público paulista. Chico Buarque

18 Manuel (Geraldo Del Rey) é um vaqueiro que se revolta contra a exploração imposta pelo coronel

Moraes (Mílton Roda) e acaba matando-o numa briga. Ele passa a ser perseguido por jagunços, o que faz com que

fuja com sua esposa Rosa (Yoná Magalhães). O casal se junta aos seguidores do beato Sebastião (Lídio Silva), que

promete o fim do sofrimento através do retorno a um catolicismo místico e ritual. Porém ao presenciar a morte de

uma criança Rosa mata o beato. Simultaneamente Antônio das Mortes (Maurício do Valle), um matador de aluguel

a serviço da Igreja Católica e dos latifundiários da região, extermina os seguidores do beato. Filmes. Em: Adoro

Cinema web site. Disponível em: (http://www.adorocinema.com/filmes/filme-91057/). Acesso em 10/10/2014.

19 O Teatro de Arena de São Paulo (ou somente Teatro de Arena) foi um dos mais importantes

grupos teatrais brasileiros das décadas de 50 e 60. Inicia-se em 1953 tendo promovido uma renovação e

nacionalização do teatro brasileiro, sua existência termina em 1972. Em seu palco, de cerca de 90 lugares,

hoje Teatro de Arena Eugênio Kusnet apresentaram-se espetáculos de importantes diretores e dramaturgos

brasileiros comoJosé Renato Pécora, Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri. Teatro Arena-SP. Em:

Enciclopédia Itaú Cultural web site. Disponível em: (http://enciclopedia.itaucultural.org.br/grupo399339/Teatro-

de-Arena-(S%C3%A3o-Paulo,-SP). Acesso em 11/10/2014.

20 Taiguara Chalar da Silva (Montevidéu, 9 de outubro de 1945 — São Paulo, 14 de fevereiro de 1996)

foi um cantor e compositor brasileiro, emobora nascido no Uruguai durante uma temporada de espetáculos de seu

pai, o bandoneonista e maestro Ubirajara Silva.

Mudou-se para o Rio de Janeiro em 1949 e para São Paulo, posteriormente, em 1960. Largou a faculdade

de Direito para se dedicar à música. Participou de vários festivais e programas da TV. Fez bastante sucesso nas

décadas de 60 e 70. Autor de vários clássicos da MPB, como Hoje, Universo do teu corpo, Piano e

viola, Amanda,Tributo a Jacob do Bandolim, Viagem, Berço de Marcela, Teu sonho não acabou, Geração

70 e Que as Crianças Cantem Livres; entre outros.

Considerado um dos símbolos da resistência à censura durante a ditadura militar brasileira, Taiguara foi

um dos compositores mais censurados na história da MPB, tendo 68 canções censuradas e escreveu uma, Cavaleiro

34

canta “Marcha para um dia de sol”, uma das suas primeiras composições. Era uma canção

ingênua e pacifista, mas que ele nunca gravou.

Marcha para um dia de sol Chico Buarque/1964

Gravada por Maricenne Costa

Eu quero ver um dia

Nascer sorrindo

E toda a gente

Sorrir com o dia

Com alegria

Do sol do mar

Criança brincando

Mulher a cantar

Eu quero ver um dia

Numa só canção

O pobre e rico

Andando mão e mão

Que nada falte

Que nada sobre

O pão do rico

E o pão do pobre

Eu quero ver um dia

Todos trabalhar

E ao fim do dia

Ter onde voltar

E ter amor

Eu quero ver a paz

Tristeza nunca mais

Eu quero tanto um dia

O pobre ver sem frio

E o rico com coração

Eu quero ver um dia

Numa só canção

O pobre e rico

Andando mão e mão

Que nada falte

Que nada sobre

da Esperança, em homenagem a Luís Carlos Prestes1 . Os problemas com a censura eventualmente levaram

Taiguara a se auto-exilar na Inglaterra em meados de 1973. Em Londres, estudou no Guildhall School of Music

and Drama e gravou o Let the Children Hear the Music, que nunca chegou ao mercado, tornando-se o primeiro

disco estrangeiro de um brasileiro censurado no Brasil. Taiguara O cancioneiro da esperança. Em: Flávio Tiné

web site. Disponivel em: (http://flaviotine.blogspot.com.br/2008/08/taiguara.html). Acesso em 11/10/2014.

35

O pão do rico

E o pão do pobre

Eu quero ver um dia

Todos trabalhar

E ao fim do dia

Ter onde voltar

E ter amor

Eu quero ver a paz

Tristeza nunca mais

Eu quero tanto um dia

O pobre ver sem frio

E o rico com coração

No mesmo ano, no colégio Santa Cruz onde havia estudado, ele canta o que seria

considerando o “marco zero” da sua carreira. “Tem mais Samba ai”, é considerada por ele sua

canção de número Um. Essa obra além de ser a primeira inaugura uma das constantes no

trabalho de Chico Buarque como compositor: a criação por encomenda. Essa canção foi feita

para o show Balanço de Orfeu, produzida por Luiz Vergueiro, estreando no teatro Maria Della

Costa em 7 de Dezembro de 1964 em São Paulo.

Figura 6- Gravação de Show no teatro da TV Record em 1964

Fonte: Estadão Website21

21 (http://acervo.estadao.com.br/noticias/personalidades,chico-buarque,915,0.htm). Acesso em

20/05/205.

36

No cenário internacional, o tempo era de cantores como Bob Dylan22, Ella

Fitzgerald23, Frank Sinatra24, e os Beach Boys25. O filósofo francês Jean-Paul Sartre26recusa o

prêmio Nobel de literatura. Os Beatles, o fenômeno musical da época, desembarcam nos

Estados Unidos, com o seu sucesso “I want to hold your hand”27. Mas os sons harmoniosos

da banda inglesa não impressionavam Chico Buarque, que nesse tempo já fazia canções, ele

preferia as imperfeições das composições dissonantes de João Gilberto.

Em 1965, ele faz um show ainda na faculdade, intitulado de “Avanço”, cantando

para um grande público no Teatro Paramount em São Paulo. Nesse show também participam

22 Bob Dylan (1941) é um cantor e compositor norte-americano de folk. Um dos ícones da contracultura.

É considerado um dos maiores compositores do século XX. Biografia - Bob Dylan. Em: E-Biografias web site.

Disponível em: (http://www.e-biografias.net/bob_dylan/). Acesso em 11/10/2014.

23 Ella Jane Fitzgerald (Newport News, 25 de abril de 1917 — Beverly Hills, 15 de junho de 1996)

também conhecida como a "Primeira Dama da Canção" (em inglês: First Lady of Song) e "Lady Ella", foi uma

popular cantora de jazz estadunidense Com uma extensão vocal que abrangia três oitavas, era notória pela pureza

de sua tonalidade, sua dicção, fraseado e entonação impecáveis, bem como uma habilidade de improviso

"semelhante a um instrumento de sopro", particularmente no scat. Considerada uma das intérpretes supremas do

chamado Great American Songbook,3 teve uma carreira que durou 59 anos, venceu 14 prêmios Grammy e recebeu

a Medalha Nacional das Artes do presidente americano Ronald Reagan, bem como a Medalha Presidencial da

Liberdade, do sucessor de Reagan, George H. W. Bush. Biografia – Ella Fitzgerald. Em: Clube de Jazz web site.

Disponível em: (http://clubedejazz.com.br/ojazz/jazzista_exibir.php?jazzista_id=11). Acesso em 11/10/2014.

24 Francis Albert "Frank" Sinatra (Hoboken, 12 de dezembro de 1915 — Los Angeles, 14 de maio de

1998) foi um cantor e ator norte-americano.

25 The Beach Boys é uma banda de rock dos Estados Unidos formada em Hawthorne, Califórnia, em

1961, e é tida como uma das mais influentes da história do rock e do pop. Emplacou dúzias de canções nas paradas

de sucesso (também emplacou quatro compactos no primeiro lugar entre os mais vendidos nos Estados Unidos),

além de álbuns recordistas de venda. Foi incluída no Hall da Fama do Rock and Roll em 1988. Seu álbum Pet

Sounds, de 1966, que contêm clássicos como "Wouldn't It Be Nice", "Sloop John B", e "God Only Knows", e é

considerada uma das maiores obras primas da história da música pop. Biografia – The Beach Boys. Em:

Almanaque da Folha web site. Disponível em: (http://almanaque.folha.uol.com.br/quizes/biobboys.shtml). Acesso

em 11/10/2014.

26 Jean-Paul Sartre (1905-1980) foi filósofo e escritor francês. "O Ser e o Nada" foi o seu principal

trabalho filosófico. Foi um dos maiores integrantes do pensamento existencialista na França, juntamente com

Albert Camus e Simone de Beauvoir. Biografia: Jean-Paul Sartre. Em: E-Biografias web site. Disponível em:

(http://www.e-biografias.net/jean_paul_sartre/). Acesso em 11/10/2014.

27 I Want To Hold Your Hand é o nome de uma música lançada pelo grupo de rock inglês The Beatles

em 1963. É uma das músicas de maior sucesso dos Beatles. Composta pela dupla Lennon/McCartney pode ser

considerada o marco inicial da Beatlemania nos Estados Unidos, pois foi a primeira música do Beatles a fazer

sucesso nos EUA, alcançando a primeira posição na Billboard no dia 1º de fevereiro de 1964 como a mais tocada

nas rádios por sete semanas (Billboard 1) e esteve entre as cem mais tocadas por quinze semanas (Hot 100). No

Reino Unido, o single havia alcançado o primeiro lugar nas paradas no dia 12 de dezembro de 1963, permanecendo

no topo por cinco semanas. Biografia – Beatles. Em: Beatlemania web site. Disponível em:

(http://www.beatlemania.com.br/). Acesso em 11/10/2014.

37

Gilberto Gil28, até então um desconhecido do grande público, como também Maria Bethânia29.

1965 é um ano de mudanças na vida de Chico Buarque, nesse ano, ele inscreve sua canção

“Sonho de um Carnaval”, para o festival de música da TV Excelsior30. A composição foi

defendida no festival por Geraldo Vandré31. A canção foi para a final, mas não ficou entre as

primeiras.

Essa ideia de concurso surgiu nas universidades, tendo como o Teatro da

Universidade Católica de São Paulo (TUCA)32, seu marco inicial. Vendo o sucesso do festival

28 Gilberto Gil (1942) é um músico brasileiro e um dos criadores do movimento tropicalista nos anos 60.

Biografia – Gilberto Gil. Em: E-Biografias web site. Disponível em: (http://www.e-biografias.net/gilberto_gil/).

Acesso em 12/10/2014.

29 Maria Bethânia Viana Teles Velloso1 (Santo Amaro, 18 de Junho de 1946 é uma cantora e compositora

brasileira). Nascida em Santo Amaro da Purificação, Bahia, ela participou, na juventude, de peças teatrais ao lado

de seu irmão, o cantor Caetano Veloso e de outros cantores proeminentes da época. Em 1965, mudou-se para o

Rio de Janeiro onde começou sua carreira musical substituindo a cantora Nara Leão no espetáculo Opinião.

Biografia – Maria Bethania. Em: Infoescola web site. Disponível em:

(http://www.infoescola.com/biografias/maria-bethania/). Acesso em 12/10/2014.

30 Rede Excelsior foi uma rede de televisão brasileira cuja primeira emissora, a TV Excelsior de São

Paulo, entrou no ar em 9 de julho de 1960. Fechou as portas em definitivo em 30 de setembro de 1970. A rede de

televisão pertencia ao empresário Mário Wallace Simonsen. TV Excelsior. Em: Tudosobretv web site. Disponível

em: (http://www.tudosobretv.com.br/histortv/tv50.htm). Acesso em 12/10/2014.

31 Geraldo Vandré, nome artístico de Geraldo Pedrosa de Araújo Dias, paraibano, (João Pessoa, 12 de

setembro de 1935) é um cantor e compositor brasileiro. Mudou-se para o Rio de Janeiro em 1951, tendo ingressado

na Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Militante estudantil participou

ativamente do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (UNE). Em 1966, chegou à final do

Festival de Música Popular Brasileira da TV Record com o sucesso “Disparada”, interpretada por Jair Rodrigues.

A canção arrebatou o primeiro lugar ao lado de A Banda, de Chico Buarque. Em 1968, participou do III Festival

Internacional da Canção com Pra não dizer que não falei de flores ou Caminhando. Biografia – Geraldo Vandré.

Em: Vandretempoderepouso web site. Disponível em:

(http://vandretempoderepouso.blogspot.com.br/p/biografia.html). Acesso em 12/10/2014.

32 O Teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, mais conhecido como TUCA (Teatro da

Universidade Católica), é um teatro brasileiro inaugurado em 1965. Sua inauguração se deu com a peça Morte e

Vida Severina, escrita por João Cabral de Melo Neto. Tornou-se famoso pelas manifestações políticas durante a

ditadura militar. O teatro conta com duas salas: o Auditório Tibiriçá e o Tucarena. O teatro sofreu dois incêndios

em 1984, que causou sérios danos em sua estrutura. Foi reaberto em 1986, com as obras de reconstrução

incompletas. Tombado pelo Patrimônio Histórico do município de São Paulo, retomou as obras de reforma em

2002, tendo sido reinaugurado em agosto de 2003. História – TUCA. Em: Teatrotuca web site. Disponível em:

(http://www.teatrotuca.com.br/historia.html). Acesso em 12/10/2014.

38

promovido pela Excelsior, emissoras como a Record, em São Paulo, e Globo no Rio de Janeiro,

fizeram também seus festivais. A música agora era a bola da vez33.

Ainda de 1965 acontece uma transição no mundo da música brasileira, que mexe

com Chico Buarque. A bem-comportada Bossa Nova começa a abrir espaço para um novo tipo

de música: O Afro-samba34 surge, e com ele traz nomes consagrados da música, como Vinicius

de Moraes e o violonista Baden Powell. Atento a esse novo estilo de música, Chico Buarque

sente a necessidade de voltar às fontes que o inspiraram, aos cantores que o inspiraram, tornou

a ouvir os sambas de sua infância. Sambistas como: Noel Rosa, Ismael Silva, Ataulfo Alves,

Donga, como também Pixinguinha, fizeram sua cabeça borbulhar com novas ideias.

Em entrevista à revista Intervalo, Chico Buarque fala desse novo tempo na música:

Fazer música popular brasileira é procurar falar como o povo.

Fazendo samba numa linguagem que o povo não entende é somente ser

festivo, e isso não existe em música. (Revista Intervalo, 1965).

Nesse mesmo ano, Roberto Freire35, que era amigo de Miúcha irmã de Chico

Buarque, e que estava no júri do festival da Excelsior, faz um convite ao Jovem compositor

para se juntar ao TUCA do qual Roberto Freire era o diretor. Seu primeiro trabalho era musicar

o poema de João Cabral de Melo Neto: Morte e Vida Severina36, para uma apresentação teatral.

33 Realizado em 1960, 1º Festival da Record assinalou o início de um dos períodos mais criativos da

Música Popular Brasileira e que seria conhecido na crônica musical como ´a era dos festivais´. Foi nessa época

em que a bossa nova convivia com o samba e o iê-iê-iê, a Tropicália se afirmava ao lado da canção de protesto,

que surgiram os talentos de Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso, os Mutantes e dezenas de outros

cantores e compositores. MELLO, Zuza Homem de. A era dos Festivais. Editora 34 –SP, Vol. 5, 2010.

34 Considerado por muitos críticos como um divisor de águas na MPB por fundir vários elementos da

sonoridade africana ao samba, "Os Afro-sambas" é o segundo LP lançado pela parceria Baden Powell / Vínicius

de Moraes. Segundo relata Vinicius, numa crônica escrita em 1965 e disponível no livro "Samba Falado" (Editora

Beco do Azougue), o poeta recebera de Coqueijo Costa um disco com sambas-de-roda da Bahia, pontos de

candomblé e toques de berimbau que encantaram Vinicius de Moraes. Baden Powell também fora à Bahia e

conferira pessoalmente os cantos do candomblé baiano. Desse mútuo encantamento pelo samba e religiosidade

encontrada na Bahia, surgiu o projeto dos Afro-sambas, que se tornou um álbum gravado em 1966. 100 discos

fundamentais da MPB. Em: Luizamerico web site. Disponível em: (http://www.luizamerico.com.br/fundamentais-

baden-vinicius.php). Acesso em 12/10/2014.

35 Joaquim Roberto Corrêa Freire (São Paulo, 18 de janeiro de 1927 — São Paulo, 23 de maio de 2008)1

foi um médico psiquiatra e escritor brasileiro, conhecido por ser o criador de uma nova e heterodoxa técnica

terapêutica denominada Soma (somaterapia), baseada no anarquismo e nas ideias de Wilhelm Reich. Foi também

diretor de cinema e teatro, autor de telenovela, letrista e pesquisador científico. Biografia – Roberto Freire. Em:

L&PM editores web site. Disponível em:

(http://www.lpm.com.br/site/default.asp?TroncoID=805134&SecaoID=948848&SubsecaoID=0&Template=../li

vros/layout_autor.asp&AutorID=827193). Acesso em 12/10/2014.

36 Morte e Vida Severina é um livro do escritor brasileiro João Cabral de Melo Neto, escrito entre 1954 e

1955 e publicado em 1955. O nome do livro é uma alusão ao sofrimento enfrentado pela personagem. O livro

apresenta um poema dramático, que relata a dura trajetória de um migrante nordestino (retirante) em busca de uma

39

E assim foi feito. O resultado do trabalho foi tão bom que muitos críticos consideraram que ele

havia “extraído” os versos do poema, e não composto para ele. A peça foi apresentada no 4º

Festival em Nancy na França em Maio de 1966, com a presença de Chico Buarque. A peça foi

de um sucesso tão grande que até o poeta João Cabral de Melo Neto, que era contra a montagem

do espetáculo, ficou encantado com as composições feitas para sua obra, que viajou com o

grupo para Portugal onde foram feitas outras apresentações. O espetáculo foi tão bem sucedido,

que em 1966 a gravadora Philips lança o LP Morte e vida Severina, gravando ao vivo no TUCA.

Mas para Chico Buarque, o ano prometia. Nara Leão, a grande voz da época, e

tida como descobridora de talentos, grava três canções de Chico Buarque em seu LP “Nara

pede Passagem” (“Olê, Olâ”, “Pedro Pedreiro” e “Madalena foi pro Mar”). Isso era o mesmo

que um selo de garantia da boa qualidade de suas obras.

Em 1966 ele já tinha músicas suficientes para fazer um show completo, então, surge

o espetáculo “Meu Refrão”, idealizado por Hugo Carvana37 e Antônio Carlos Fontoura. O

primeiro encontro entre Chico Buarque e Hugo Carvana foi em São Paulo na TV Record:

Carvana não conhecia o jovem cantor, que após uma hora de atraso, finalmente chega para o

encontro com seu produtor, com uma tremenda ressaca. Apesar disso, seguiram para um boteco

para conversar, e resultado, outro porre monumental.

Chico Buarque estreia no final de 1966 na Boate Arpège no Rio de Janeiro. O show

continha dezesseis canções interpretadas por ele e por Odete Lara38 e pelo grupo MPB-439. Mas

vida mais fácil e favorável no litoral. Educação e Literatura. Em: educaçãoglobo web site. Disponível em:

(http://educacao.globo.com/literatura/assunto/resumos-de-livros/morte-e-vida-severina.html). Acesso em

12/10/2014

37 Hugo Carvana de Hollanda (Rio de Janeiro, 4 de junho de 1937 — Rio de Janeiro, 4 de outubro de

2014) foi um ator e diretor de cinema e televisão brasileiro. O ator tornou-se conhecido do grande público na

televisão interpretando personagens notáveis, como o jornalista do seriado Plantão de Polícia, "Valdomiro Pena",

nos anos 80, embora não escondesse sua paixão pelo cinema. Biografia – Hugo Carvana. Em: HugoCarvana web

site. Disponivel em: (http://hugocarvana.com.br/hugo-carvana/biografia/). Acesso em: 12/10/2014.

38 Atriz, cantora e escritora, Odete Lara nasceu em São Paulo, capital, em 17 de abril de 1929. Seu nome

de nascimento é Odete Righi. Filha única de imigrantes do norte da Itália. A beleza de Odete deslumbrou Otomar

dos Santos, que a indicou para a então recém-inaugurada TV Tupi de Assis Chateaubriand. Na televisão, Odete

Lara começou como garota-propaganda. Em seguida participou da versão televisiva de Luz de Gás, com Tônia

Carrero e Paulo Autran, depois Branca Neve e os sete anões, onde interpretou a Rainha Má.Odete Lara se tornou

estrela do “TV de Vanguarda”, uma das maiores atrações da TV Tupi. Algumas telenovelas em que atuou nessa

emissora foram: As Bruxas, A volta de Beto Rockefeller e Em busca da felicidade. Biografia – Odete Lara. Em:

Lastfm web site. Disponível em: (http://www.lastfm.com.br/music/Odette+Lara). Acesso em 12/10/2014.

39 O histórico do grupo remonta a 1962, inicialmente com formação de trio, integrado por Ruy, Aquiles

e Miltinho, responsáveis pelo suporte musical do Centro Popular de Cultura, da Universidade Federal Fluminense

(filiado ao CPC da UNE), em Niterói. História MPB-4. Em: MPB4 web site. Disponível em:

(http://www.mpb4.com.br/historia). Acesso em 12/10/2014.

40

dentre os espectadores, havia um que não tinha sido convidado: a censura. Que pela primeira

vez bate à porta de Chico Buarque.

Uma das canções do show era “Tamandaré”, na qual ele comentava a desvalorização

da moeda, brincado com a figura do Almirante Joaquim Marques de Lisboa, Marquês de

Tamandaré, patrono da Marinha, que tinha seu rosto estampado nas notas de um cruzeiro.

Assim, a Marinha proíbe a execução de tal canção.

Tamandaré Chico Buarque/1965

Zé qualquer tava sem samba, sem dinheiro

Sem Maria sequer

Sem qualquer paradeiro

Quando encontrou um samba

Inútil e derradeiro

Numa inútil e derradeira

Velha nota de um cruzeiro

“Seu” Marquês, "seu" Almirante

Do semblante meio contrariado

Que fazes parado

No meio dessa nota de um cruzeiro rasgado

"Seu” Marquês, "seu" Almirante

Sei que antigamente era bem diferente

Desculpe a liberdade

E o samba sem maldade

Deste Zé qualquer

Perdão Marquês de Tamandaré

Perdão Marquês de Tamandaré

Pois é, Tamandaré

A maré não tá boa

Vai virar a canoa

E este mar não dá pé, Tamandaré

Cadê as batalhas

Cadê as medalhas

Cadê a nobreza

Cadê a marquesa, cadê.

Não diga que o vento levou

Teu amor até

Pois é, Tamandaré

A maré não tá boa

Vai virar a canoa

E este mar não dá pé, Tamandaré

Meu marquês de papel

Cadê teu troféu

Cadê teu valor

Meu caro almirante

O tempo inconstante roubou

Zé qualquer tornou-se amigo do marquês

41

Solidário na dor

Que eu contei a vocês

Menos que queira ou mais que faça

É o fim do samba, é o fim da raça

Zé qualquer tá caducando

Desvalorizando

Como o tempo passa, passando

Virando fumaça, virando

Caindo em desgraça, caindo

Sumindo, saindo da praça

Passando, sumindo

Saindo da praça

Mas nessa época, Chico Buarque não era de levar desaforo para casa. Levando com

bom humor a proibição, durante a execução de “Meu Refrão”, ele insere estes versos na melodia

da canção durante algumas apresentações:

“ Você me procura

Pede explicação

Depois me censura

O que é de coração

Mesmo assim não brigo

Não me importo não

Pois quem canta comigo

Canta meu refrão

Meu melhor amigo

É o meu violão”

A canção Tamandaré permaneceu proibida por muito tempo, só foi gravada em 1991

pelo Quarteto em CY40, no CD Chico em CY.

Para substituir a canção que fora censurada, nasce “Noite dos Mascarados”. Nessa

mesma época, Vinicius de Moraes41 organizava a trilha sonora do filme “Garota de Ipanema”

40 O Quarteto em Cy foi originalmente formado pelas irmãs Cylene, Cynara, Cybele e Cyva, nascidas em

Ibirataia (BA). Ainda em seu estado natal, as quatro irmãs Sá Leite iniciaram sua relação com a música através do

projeto sociocultural “Hora da Criança”, que visava introduzir os jovens no fascinante mundo das artes. No início

dos anos 60, de passagem pelo Rio de Janeiro, Cyva, a irmã mais velha, conhece o poeta Vinícius de Moraes, que

incentiva as quatro irmãs a formar um conjunto vocal. Com o auxílio de Carlos Lyra, o grupo foi batizado como

Quarteto em Cy, em referência às iniciais dos nomes das integrantes. Anos 60 – O início. Em: Quarteto em Cy

web site. Disponível em: (http://www.quartetoemcy.com.br/historia.html). Acesso em 14/10/2014.

41 Vinicius de Moraes, nascido Marcus Vinicius de Moraes1 (Rio de Janeiro, 19 de outubro de 1913 —

Rio de Janeiro, 9 de julho de 1980) foi um diplomata, dramaturgo, jornalista, poeta e compositor brasileiro. Poeta

essencialmente lírico, o que lhe renderia a alcunha "poetinha", que lhe teria atribuído Tom Jobim, notabilizou-se

pelos seus sonetos. Conhecido como um boêmio inveterado, fumante e apreciador do uísque, era também

conhecido por ser um grande conquistador. O poetinha casou-se por nove vezes ao longo de sua vida e suas esposas

foram, respectivamente: Beatriz Azevedo de Melo (mais conhecida como Tati de Moraes), Regina Pederneiras,

Lila Bôscoli, Maria Lúcia Proença, Nelita de Abreu, Cristina Gurjão, Gesse Gessy, Marta Rodrigues Santamaria

(a Martita) e Gilda de Queirós Mattoso. Sua obra é vasta, passando pela literatura, teatro, cinema e música. Ainda

assim, sempre considerou que a poesia foi sua primeira e maior vocação, e que toda sua atividade artística deriva

42

(1967), e sugeriu que Chico Buarque juntamente com Elis Regina42 gravasse o dueto para ser

introduzida na trilha sonora. Essa canção se torna mais um marco na carreira do compositor,

pois é interpretando ele mesmo, que Chico Buarque inicia sua carreira no cinema, fazendo o

papel dele mesmo, ao lado de nomes como Tom Jobim, Vinicius de Moraes e Nara Leão. Esse

foi seu primeiro trabalho no cinema, outras encenações viriam posteriormente.

Noite dos Mascarados Chico Buarque 1966

Para o musical Meu refrão

Quem é você?

Adivinhe, se gosta de mim

Hoje os dois mascarados

Procuram os seus namorados

Perguntando assim:

Quem é você, diga logo

Que eu quero saber o seu jogo

Que eu quero morrer no seu bloco

Que eu quero me arder no seu fogo

Eu sou seresteiro

Poeta e cantor

O meu tempo inteiro

Só zombo do amor

Eu tenho um pandeiro

Só quero um violão

Eu nado em dinheiro

Não tenho um tostão

Fui porta-estandarte

Não sei mais dançar

Eu, modéstia à parte

Nasci pra sambar

Eu sou tão menina

Meu tempo passou

Eu sou Colombina

Eu sou Pierrot

Mas é carnaval

Não me diga mais quem é você

Amanhã, tudo volta ao normal

Deixe a festa acabar

Deixe o barco correr

do fato de ser poeta. No campo musical, o poetinha teve como principais parceiros Tom Jobim, Toquinho, Baden

Powell, João Gilberto, Chico Buarque e Carlos Lyra. Vida e Obra. Em: Viniciusdemoraes web site. Disponível

em: (http://www.viniciusdemoraes.com.br/pt-br/vida). Acesso em 14/10/2014.

42 Elis Regina (1945-1982) foi uma cantora brasileira. Por sua performance versátil, foi considerada a

maior cantora do Brasil. É Também reconhecida pelas sua forma de expressão altamente emotiva, tanto na

interpretação musical quanto em seus gestos. Biografia – Elis Regina. Em: E-Biografias web site. Disponível em:

(http://www.e-biografias.net/elis_regina/). Acesso em 14/10/2014.

43

Deixe o dia raiar

Que hoje eu sou

Da maneira que você me quer

O que você pedir

Eu lhe dou

Seja você quem for

Seja o que Deus quiser

Seja você quem for

Seja o que Deus quiser

Essa canção consiste em um diálogo entre duas pessoas que se encontram em um

baile de carnaval. Durante a conversa, eles vão se descrevendo e se descobrindo, é ai que

começam a aparecer às diferenças entre eles: “Eu nado em dinheiro/ Não tenho um tostão”.

Mas, mesmo com diferenças econômicas, eles não se importam, pois “é carnaval” tudo é

permitido.

Há também, a construção de um “mundo utópico”, onde todos pelo menos por uma

noite convivem de forma pacífica e harmônica, e que o autoritarismo do Regime não podia

chegar: “Mas é carnaval/Não me diga mais quem é você/Amanhã tudo volta ao normal/Deixa

a festa acabar”. Noite dos mascarados era quase uma fuga da realidade séria e oficializada

imposta pelo Regime.

Em 1966, Chico Buarque compôs a canção que daria uma guinada na sua vida como

cantor e compositor. Composta em um momento de tensão vivida no país após o golpe de 1964,

e com cerca de 300.000 copias vendidas no país e 1.200,00 no exterior (EUA e Itália), “A

Banda”, traria fama e reconhecimento para o jovem que com apenas 23 anos se tornaria um

fenômeno quase que unânime no Brasil. Trazendo para Chico Buarque status de celebridade.

A Banda Chico Buarque/1966

Estava à toa na vida

O meu amor me chamou

Pra ver a banda passar

Cantando coisas de amor

A minha gente sofrida

Despediu-se da dor

Pra ver a banda passar

Cantando coisas de amor

O homem sério que contava dinheiro parou

O faroleiro que contava vantagem parou

A namorada que contava as estrelas parou

Para ver, ouvir e dar passagem

44

A moça triste que vivia calada sorriu

A rosa triste que vivia fechada se abriu

E a meninada toda se assanhou

Pra ver a banda passar

Cantando coisas de amor

O velho fraco se esqueceu do cansaço e pensou

Que ainda era moço pra sair no terraço e dançou

A moça feia debruçou na janela

Pensando que a banda tocava pra ela

A marcha alegre se espalhou na avenida e insistiu

A lua cheia que vivia escondida surgiu

Minha cidade toda se enfeitou

Pra ver a banda passar cantando coisas de amor

Mas para meu desencanto

O que era doce acabou

Tudo tomou seu lugar

Depois que a banda passou

E cada qual no seu canto

Em cada canto uma dor

Depois da banda passar

Cantando coisas de amor

Em 1967, acontecem grandes mudanças no Brasil. No início do ano, uma nova

constituição é outorgada. O Ato constitucional nº 4 ou AI-4 que atribuiu função de poder

constituinte originário ("ilimitado e soberano"). Com o congresso nacional transformado em

Assembleia Nacional Constituinte, e com os membros de oposição ao Regime afastados do

congresso, foi elaborada mediante pressão dos militares, uma Carta Constitucional semi-

outorgada que buscava legalizar e institucionalizar o Regime Militar consequente do golpe de

1964. Essa seria a sexta constituição do Brasil, e nela, o poder Executivo teve sua influência

aumentada sobre os poderes Legislativo e Judiciário, criando assim uma hierarquia

constitucional centralizadora. As emendas constitucionais que antes eram atribuídas ao poder

Legislativo, com o aval do Poder Executivo e Judiciário, agora passam a ser de exclusividade

de quem estivesse à frente do poder Executivo, deixando os demais poderes reduzidos a meros

expectadores das aprovações de emendas e legislações baixadas pelo Presidente da República43.

O presidente Castelo Branco sai do poder, e em Março, o Marechal Arthur da Costa

e Silva assume. Com a crescente dos grupos armados de oposição ao governo, é criado o CIE

43 Disponível em: (http://www.acervoditadura.rs.gov.br/legislacao_5.htm). Acesso em 20/05/2015.

45

(Centro de Informação do Exército), para investigar esses grupos. Aumentam as denúncias de

tortura a presos políticos. No cenário da música, surge o movimento Tropicalista44.

Figura 7- Apresentação no II Festival de Música Popular Brasileira, realizado no Teatro

Record, em São Paulo

Fonte: Estadão website45

44 O Tropicalismo foi um movimento de ruptura que sacudiu o ambiente da música popular e da cultura

brasileira entre 1967 e 1968. Seus participantes formaram um grande coletivo, cujos destaques foram os cantores-

compositores Caetano Veloso e Gilberto Gil, além das participações da cantora Gal Costa e do cantor-compositor

Tom Zé, da banda Mutantes, e do maestro Rogério Duprat. A cantora Nara Leão e os letristas José Carlos Capinan

e Torquato Neto completaram o grupo, que teve também o artista gráfico, compositor e poeta Rogério Duarte

como um de seus principais mentores intelectual. Os tropicalistas deram um histórico passo à frente no meio

musical brasileiro. A música brasileira pós-Bossa Nova e a definição da “qualidade musical” no País estavam cada

vez mais dominadas pelas posições tradicionais ou nacionalistas de movimentos ligados à esquerda. Contra essas

tendências, o grupo baiano e seus colaboradores procuram universalizar a linguagem da MPB, incorporando

elementos da cultura jovem mundial, como o rock, a psicodelia e a guitarra elétrica. Identisignificados. Em:

Tropicália web site. Disponível em:

(http://tropicalia.com.br/identifisignificados/movimento#sthash.uUXjfoKk.dpuf). Acesso em 16/10/2014.

45 (http://acervo.estadao.com.br/noticias/personalidades,chico-buarque,915,0.htm). Acesso em

20/05/2015.

46

Nesse ano, Chico Buarque já era um cantor de fama reconhecida nacionalmente.

Com o estrondoso sucesso de “A banda”, ele fazia shows por todo país. E nessas idas e vindas,

entre apresentações, que surge outro grande sucesso: “Roda Viva”.

Essa canção foi composta para o III Festival de Música da TV Record, pode-se dizer

que esse festival reuniu a “nata da MPB”. Além de Chico Buarque com “Roda Viva”, Edu Lobo

inscreve “Ponteiro”, interpretada por Marília Medalha, Gilberto Gil com “Domingo no Parque”,

como também Caetano Veloso com “Alegria, Alegria”. Porém, a campeã desse festival foi à

composição de Edu Lobo46.

Surpresas ocorreram nesse festival. Na segunda eliminatória, Gilberto Gil faz sua

apresentação, incorporando a guitarra elétrica – novidade na época – como também faz

apresentações com o grupo paulista “Os Mutantes47”. Já Caetano Veloso, conta com a

participação dos Beat Boys48, que eram vinculados a Jovem Guarda. No ano de 1967 pode-se

dizer que foi o início do Rock n’ Roll no Brasil.

46 Carioca, filho do compositor Fernando Lobo, começou na música tocando acordeom. Depois se

interessou pelo violão e dedicou-se ao instrumento, contra a vontade do pai. Passou a frequentar shows em bares

de Copacabana e formou um conjunto com Dori Caymmi e Marcos Valle, que chegou a se apresentar algumas

vezes. Em 1962 compôs sua primeira parceria com Vinicius de Moraes, "Só Me Fez Bem". Gravou no mesmo ano

seu primeiro compacto, com canções tipicamente de bossa nova. Mais tarde desviou-se um pouco dessa tendência,

adotando uma linha mais combativa de cultura popular, graças à parceria com Ruy Guerra, que resultou em

composições como "Canção da Terra", "Reza" e "Aleluia". Fez trilha para teatro, participou do evento "Arena

Conta Zumbi" em 1965 em São Paulo, onde estreou um de seus maiores sucessos, "Upa, Neguinho", em parceria

com Gianfrancesco Guarnieri, mais tarde gravada por Elis Regina. Participou dos festivais de música popular,

obtendo o primeiro prêmio em 1965 como "Arrastão" (com Vinicius de Moraes) e em 1967 com "Ponteio", parceria

com Capinam. Entre 1969 e 1971 morou nos Estados Unidos, onde aprofundou seus estudos musicais. Por essa

época trabalhou com Sergio Mendes e Paul Desmond. De volta ao Brasil, lançou discos solo e em parcerias ilustres,

como "Edu e Tom", em 1981, e "O Grande Circo Místico", de 1983, com composições suas e de Chico Buarque

interpretadas por outros artistas. Nos anos 90 lançou discos com músicas inéditas e compôs trilhas para filmes

como "Canudos", de Sergio Resende. Seu CD "Meia-noite" (1995) recebeu o prêmio Sharp de melhor disco de

música popular brasileira do ano. Biografia: Edu Lobo. Em Edulobo web site. Disponível em:

(http://www.edulobo.com.br/site/). Acesso em 21/04/2015.

47 Esta banda paulista foi formada inicialmente em 1966 pelo baixista, pianista, cantor e compositor

Arnaldo Baptista (1948); por seu irmão, o guitarrista, violonista e compositor Sérgio Dias (1951); e pela cantora e

compositora Rita Lee Jones (1947). Após os nomes The Wooden Faces e O Conjunto, a banda foi finalmente

batizada de Mutantes (1966). Biografia: Os Mutantes. Em: Tropicália web site. Disponível em:

(http://tropicalia.com.br/ilumencarnados-seres/biografias/mutantes). Acesso em 16/10/2014.

48 Beat Boys foi um grupo brasileiro de rock, surgido em São Paulo (SP) em meados da década de 1960,

formado pelos músicos argentinos Tony Osanah (guitarra e voz), Cacho Valdez (guitarra), Toyo (órgão

(instrumento), Willie Verdager (baixo) e Marcelo Frias (bateria). Surgiu com o movimento da Jovem Guarda,

porém o marco principal da carreira foi a participação tanto na gravação, como na apresentação de "Alegria,

alegria", de Caetano Veloso, no "III Festival de Música Popular Brasileira", da TV Record, em 1967. Biografia:

Beat Boys. Em: Lastfm web site. Disponível em: (http://www.lastfm.com.br/music/Beat+Boys). Acesso em

16/10/2014.

47

Mesmo com sua canção ficando em terceiro lugar no festival. “Roda Viva” iria

render no ano seguinte, a entrada de Chico Buarque no teatro, agora não mais como compositor,

e sim, como escritor.

Roda Viva Chico Buarque / 1967

Tem dias que a gente se sente

Como quem partiu ou morreu

A gente estancou de repente

Ou foi o mundo então que cresceu

A gente quer ter voz ativa

No nosso destino mandar

Mas eis que chega a roda-viva

E carrega o destino pra lá

Roda mundo, roda-gigante

Rodamoinho, roda pião

O tempo rodou num instante

Nas voltas do meu coração

A gente vai contra a corrente

Até não poder resistir

Na volta do barco é que sente

O quanto deixou de cumprir

Faz tempo que a gente cultiva

A mais linda roseira que há

Mas eis que chega a roda-viva

E carrega a roseira pra lá

Roda mundo, roda-gigante

Rodamoinho, roda pião

O tempo rodou num instante

Nas voltas do meu coração

A roda da saia, a mulata

Não quer mais rodar, não senhor

Não posso fazer serenata

A roda de samba acabou

A gente toma a iniciativa

Viola na rua, a cantar

Mas eis que chega a roda-viva

E carrega a viola pra lá

Roda mundo, roda-gigante

Rodamoinho, roda pião

O tempo rodou num instante

Nas voltas do meu coração

O samba, a viola, a roseira

Um dia a fogueira queimou

Foi tudo ilusão passageira

48

Que a brisa primeira levou

No peito a saudade cativa

Faz força pro tempo parar

Mas eis que chega a roda-viva

E carrega a saudade pra lá

Roda mundo, roda-gigante

Rodamoinho, roda pião

O tempo rodou num instante

Nas voltas do meu coração

Roda mundo, roda-gigante

Rodamoinho, roda pião

O tempo rodou num instante

Nas voltas do meu coração

Roda mundo, roda-gigante

Rodamoinho, roda pião

O tempo rodou num instante

Nas voltas do meu coração

A partir do ano de 1968, acontecem mudanças que irão aterrorizar o Brasil. A partir

desse ano, a Ditadura mostra de vez suas garras. A repressão à liberdade de imprensa se torna

mais incisiva, a caça dos opositores ao Regime é mais dura e por vezes mortal. Manifestações

antigoverno eclodem pelo país, surge o CCC49 (Comando de Caça aos Comunistas). O Brasil

agora irá viver um dos piores momentos de sua história. Os “anos de chumbo” vem com muita

força, com a promessa de calar todo aquele que se opusesse ao Regime. E é nesse contexto que

Chico Buarque compôs uma de suas mais emblemáticas canções, “Cálice”, que foi censurada,

pois fazia de um jogo de palavras, para fazer uma crítica direta ao Regime e que por isso teve

sua divulgação proibida. Cálice tornaria uma canção de protesto, de contestação ao período que

o país estava enfrentado. Mas como ela já foi por vezes estudada e discutida, nossa pesquisa

mostra duas composições que também contestavam o Regime, mas que diferente de Cálice, não

sofreram com a censura.

Analisamos duas canções compostas antes da instauração do Ato Institucional

número cinco (AI-5). Foram feitas as análises de “Marcha para um dia de Sol” (1961) e de “A

Banda’ (1966), onde mostramos as ambiguidades contidas nas letras dessas duas canções, quais

49 Comando de Caça aos Comunistas (CCC) foi uma organização paramilitar anticomunista brasileira de

extrema direita, atuante sobretudo nos anos 1960 e composta por estudantes, policiais e intelectuais favoráveis ao

regime militar então vigente. O Comando de Caça aos Comunistas (CCC) era chefiado pelo advogado João Marcos

Monteiro Flaquer e recebia treinamento do Exército Brasileiro. CCC. Em Infoescola web site. Disponível em:

(http://www.infoescola.com/historia/comando-de-caca-aos-comunistas/). Acesso em 21/04/15.

49

as denúncias que elas faziam, e quais as mensagens Chico Buarque queria passar quando as

compôs. Para isso, fizemos um capitulo a parte para a análise e discursão dessas canções.

Figura 8- Em 2015, Chico Buarque lança mais um livro, “O irmão Alemão”, que já vendeu

cerca de 70 mil exemplares.

Fonte: Livraria Saraiva website50

50 Fonte: (http://img.estadao.com.br/thumbs/550/resources/jpg/4/0/1417675756604.jpg). Acesso em

20/05/2015.

50

Capitulo III

“Se todo mundo sambasse seria tão fácil viver”: As

ambiguidades nas canções de Chico Buarque

O discurso humano é assim mesmo, um composto de partes excessivas e

partes diminutas, que se compensam ajustando-se.

(Dom Casmurro, Machado de Assim, 1899)

Neste capitulo, explicaremos quais eram as mensagens contidas em duas canções de

Chico Buarque. Escolhemos como material de análise as composições “Marcha para um dia

de Sol” de 1964, e a tão consagrada “A Banda” de 1966.

Nelas, tentaremos mostrar as mensagens de inconformismo e as denúncias feitas

pelo compositor, mesmo que usando de ambiguidades para fazê-las.

Para Foucault:

O discurso não é simplesmente aquilo que traduz lutas ou os

sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual

nos queremos apoderar. (1970, p-9)

E é sobre esse discurso envolto nas canções de Chico Buarque que dedicaremos esse

capitulo. De como mesmo em tempos de censura imposta pelo regime militar que governava o

Brasil, ele conseguia comunicar sua mensagem de insatisfação, denunciando a situação que

estavam passando os brasileiros.

Marcha para um dia de sol Chico Buarque/1964

Gravada por Maricenne Costa

Eu quero ver um dia

Nascer sorrindo

E toda a gente

Sorrir com o dia

51

Com alegria

Do sol do mar

Criança brincando

Mulher a cantar

Eu quero ver um dia

Numa só canção

O pobre e rico

Andando mão e mão

Que nada falte

Que nada sobre

O pão do rico

E o pão do pobre

Eu quero ver um dia

Todos trabalhar

E ao fim do dia

Ter onde voltar

E ter amor

Eu quero ver a paz

Tristeza nunca mais

Eu quero tanto um dia

O pobre ver sem frio

E o rico com coração

Eu quero ver um dia

Numa só canção

O pobre e rico

Andando mão e mão

Que nada falte

Que nada sobre

O pão do rico

E o pão do pobre

Eu quero ver um dia

Todos trabalhar

E ao fim do dia

Ter onde voltar

E ter amor

Eu quero ver a paz

Tristeza nunca mais

Eu quero tanto um dia

O pobre ver sem frio

E o rico com coração

52

Figura 9- Disco de Maricene Costa, com a primeira gravação de uma composição de

Chico Buarque.

Fonte: Instituto Antonio Carlos Jobim website51

Essa canção tratava de temas inovadores para a época, as questões sociais como o

desemprego e a moradia, por exemplo, como também, da divisão de classes. Nela Chico

Buarque enfatiza bem essa temática em versos como:

“Eu quero ver um dia

Numa só canção

O pobre e rico

Andando mão e mão

Que nada falte

Que nada sobre

O pão do rico

E o pão do pobre”

51 (http://www.jobim.org/chico/bitstream/handle/2010.2/431/CB3%20PrR%20053-60%202-2.jpg?sequence=1).

Acesso em 20/05/2015.

53

Essa estrofe evidencia a desigualdade social e econômica que existia no país. Já que

na década de 1960, segundo o IBGE52, havia cerca de 22,7 milhões de brasileiros

economicamente ativos, em uma população de pouco mais de 70 milhões de habitantes, ou seja,

menos de um terço da população do Brasil estava apto para o mercado de trabalho, mercado

esse que estava em um momento de transição, saindo do meio rural para o industrial.

Em uma tentativa de conter a inflação que chegou a 40,1%, o governo provoca a

diminuição dos salários (arrocho salarial) que acarreta no fechamento de centenas de pequenas

empresas, aumentando o número de desempregados. Em longo prazo, essa política econômica,

favoreceu apenas as classes e grupos que eram ou faziam parte da aliança golpista como a

burguesia industrial e as elites rurais.

Em outra estrofe da canção, Chico Buarque aborda outro problema que afetava e

ainda afeta o Brasil, a falta de moradia:

Eu quero ver um dia

Todos trabalhar

E ao fim do dia

Ter onde voltar

E ter amor

Eu quero ver a paz

Tristeza nunca mais

Eu quero tanto um dia

O pobre ver sem frio

E o rico com coração

Com o aumento das exportações e a implantação da indústria de produção de bens

duráveis (imóveis, carros e eletrodomésticos) na região Sudeste, principalmente no estado de

São Paulo, o Brasil começa a experimentar um leve crescimento econômico, o que gera uma

expectativa de melhora de vida para muitos cidadãos, que abandonam o campo e migram para

as cidades na tentativa de melhorar suas condições financeiras, gerando assim um aumento das

populações urbanas e trazendo vários problemas de infraestrutura. Na década de 1960 cerca de

treze milhões de pessoas migraram do campo para a cidade, o equivalente a 33% da população

rural da época. Isso trauxe vários problemas, já que muitas dessas pessoas não estavam

preparadas para trabalhar na indústria, pois na sua grande maioria esses migrantes vinham de

regiões pouco desenvolvidas na época como o Nordeste, e como grande parte não possuía

escolaridade para conseguir uma colocação na indústria ficavam desempregados e sem ter para

onde ir. Muitos partiram para trabalhos informais e moravam em habitações inapropriadas, as

52 Anuário estatístico do Brasil, 1964.

54

favelas tiveram um grande crescimento populacional nesse período. Temos como exemplo a

expansão das favelas na cidade do Rio de Janeiro da década de 1960:

Com o regime instaurado a partir do golpe ocorrido de 31 de março

para 1 de abril de 1964, a ideia da remoção de favelas ganharia um ímpeto

nunca tido antes. O “problema-favela” clamava, segundo autoridades e

setores da sociedade, por uma solução urgente, tendo o número de habitante

destas praticamente dobrado entre 1950 e 1960, passando de cerca de 170

mil moradores, correspondendo a 7,2% do total da população da cidade, para

335 mil, 10% da população total. (Ribeiro e Lago, 1991)

Marcha para um dia de sol explorava bem esses problemas. Chico Buarque não a

gravou porque não “acreditava” na canção, por se tratar de uma temática nova e que gerava

algum desconforto para os consumidores de música da época, pessoas que em sua maioria eram

de classes mais abastadas da sociedade. Outro empecilho para a não gravação foi o golpe de

1964. Com os militares no poder, o país era gerido por um regime político autoritário, o qual

agia muitas vezes de forma bruta contra os que se opunham a ele.

Os militares tomaram o poder para combater a “ameaça comunista” que segundo

eles, pairava pelo Brasil. Influenciados pela imprensa, uma parte da população passa a acreditar

que a tomada do poder pelos militares seria um modo de impedir que o país fosse tomado por

ideias e ideais comunistas:

As classes médias bombardeadas pelos discursos anticomunistas

da imprensa e de várias entidades civis e religiosas reacionárias acreditaram

piamente que Moscou tramava para conquistar o Brasil, ameaçando a

civilização cristã, as hierarquias “naturais” da sociedade e a liberdade

individual. (NAPOLITANO, 2014, p-55).

Em 1966, com 22 anos e com pouco mais de 30 músicas compostas, Chico Buarque,

que nesse ano havia ganhado o II Festival de Música Popular Brasileira da TV Record com “A

Banda”, tornava-se também o artista mais jovem a prestar depoimento ao MIS (Museu da

Imagem e do Som), que fundado em 1965, tinha como objetivo ser um qualificado centro de

documentação de música e imagem, foi também um centro cultural de vanguarda nas décadas

de 1960 e 1970. Lugar de encontros e de lançamento de ideias e novos cantores e compositores,

tendo as composições de Chico Buarque ainda que muito jovem como parte de seu acervo53.

53 Diposnivel em: (http://www.mis.rj.gov.br/acervo/). Acesso em 30/05/2015.

55

Em uma entrevista54 para os membros do conselho superior de música popular

brasileira, ele fala dos motivos pelos quais não gravou essa canção:

E - Dentro de todas as suas composições, qual foi a primeira gravada,

imortalizada?

C - Foi essa marchinha.

E - Você poderia exemplificá-la, rapidamente?

E - Letra e música sua? Qual o título?

C - É, Marcha para um dia de sol. (canta) Naquele tempo era novidade

falar de pobre e de rico, para mim era bom ... Depois ninguém queria

gravar. E quando veio a revolução foi pior, porque acharam que eu era

comunista, então não gravaram de vez mesmo.

Chico Buarque ainda estava no começo de sua jornada como cantor e compositor, e

não podia ser tachado de “comunista”, o que seria provavelmente o fim de sua tentativa de

ingressar no mundo artístico, dessa maneira, não gravou a canção.

O receio em fazer essa gravação não era tanto por medo de uma eventual perseguição

por parte de censores do Regime, já que pelo menos no seu início, o Brasil experimentou uma

ditadura “mais tolerante” - mesmo que por pouco tempo - essa em relação às manifestações

artísticas:

Os quatro primeiros anos dos militares no poder foram marcados

pela combinação de repressão seletiva e construção de uma ordem

institucional autoritária e centralista. Em outras palavras, a ordem autoritária

dos primeiros anos do regime militar brasileiro estava mais interessada na

blindagem do Estado diante das pressões da sociedade civil e na

despolitização dos setores populares (operários e camponeses) do que em

impedir completamente a manifestação da opinião pública ou silenciar as

manifestações culturais da esquerda. (NAPOLITANO, 2014, p-66)

Sendo assim, uma das razões da não gravação dessa canção foi mais “por não

querer”, do que “por não poder”. Ser tachado de comunista pela população poderia ser o fim

da carreira de qualquer um naquela época. Já que para muitos, devido à propaganda negativa

feita pelo Regime que fazia do comunismo uma ameaça ao estado brasileiro:

54 Entrevista. Em: Chicobuarque web site. Disponível em:(

http://www.chicobuarque.com.br/texto/mestre.asp?pg=entrevistas/entre_11_11_66.htm). Acesso em 10/03/2015.

56

O comunismo apresentava-se como uma implementação de

ditadura, como ameaça a religião e aos princípios ocidentais da civilização,

que vinculavam a sociedade brasileira à democracia. Afirma-se que a

doutrina comunista era, ao mesmo tempo, uma estratégia e “uma religião

cuja à máxima ambição é a de se opor às religiões clássicas, especialmente

a cristã, tendo em vista destruí-la e em seguida substituí-la. (MENDES,

2003, p-83).

Seria esse a questão do “não querer” citado acima, já que a grande maioria da

população tinha uma ideia tão negativa a respeito do comunismo, Chico Buarque não poderia

ser visto como comunista. Mas esse não seria o único motivo para ela não ter sido gravada.

Por abordar essa temática social com certa “ingenuidade”, Marcha para um dia de

sol foi apelidada de “João XXIII55”, que em 1961 e 1963 havia publicados as encíclicas56 Mater

et magistra e Pacem in terris, que continham mensagens de reflexão sobre os direitos e deveres

das pessoas, pregando a Paz de todos os povos na base da Verdade, Justiça, Caridade e

Liberdade. Esse deboche deixou Chico Buarque com certo desgosto, já essa era umas de suas

primeiras composições.

Pode ser que o tom conciliatório dessa canção seja derivado da participação de Chico

Buarque como membro da OAF (Organização de Auxílio Fraterno) quando estudou no colégio

Santa Cruz, pois nessa época, ele ia com frequência a Estação da Luz entregar comida e

cobertores aos moradores de rua. Em uma entrevista57 para o jornalista Tarso de Castro do

Jornal Folha de São Paulo em 1977, Chico Buarque faz uma menção ao trabalho que fazia com

essas pessoas:

Tarso - É, porque o Sérgio parece que mandava todo o mundo pra

Europa, não é? (risos), quando se irritava.

Chico - Aí, foi isso. Fui pro colégio interno e tal e passou. Agora,

isso de dizer que foi TFP é um pouquinho puxado. E se tivesse sido, também,

não teria preocupado de negar, entende? Agora, voltando ao negócio, estudei

em escola de padre e tudo. Também não tenho vergonha de dizer isso,

porque, inclusive, encontrei lá nessa escola um padre que me marcou muito

em termos de conhecer miséria mesmo, entende? Era um negócio que hoje

a gente olha de outro ponto-de-vista e tal e até acha muito ingênuo. Mas pra

formação de um cara, assim, de um garoto, achei até que foi um negócio

muito importante. Então, tinha um negócio chamado OAF - não sei se existe

ainda - Organização de Auxílio Fraterno. A gente ia de noite, assim um

grupo pequeno, com umas Kombis, à Estação da Luz, levar cobertor. A gente

55 O Papa João XXIII, ou São João XXIII pp, OFS, nascido Angelo Giuseppe Roncalli (Sotto Il Monte,

25 de novembro de 1881 — Vaticano, 3 de junho de 1963) foi Papa de 28 de outubro de 1958 até à data da sua

morte. Pertencia à Ordem Franciscana Secular (OFS) e escolheu como lema papal: Obediência e Paz. Em vatican

web site. Disponível em: (http://www.vatican.va/news_services/liturgy/saints/ns_lit_doc_20000903_john-

xxiii_po.html). Acesso em 16/04/2015. 56 Carta solene, dogmática ou doutrinária, dirigida pelo papa ao clero do mundo católico, ou somente aos

bispos de uma mesma nação. (Dicionário Aurélio) 57 Entrevista. Em: Chicobuarque web site. Disponível em

(http://www.chicobuarque.com.br/texto/mestre.asp?pg=entrevistas/entre_11_09_77.htm). Acesso em 12/03/2015.

57

olha hoje, e pode achar até uma bobagem. Mas pra um cara como eu que

morava ali no que seria Zona Sul de São Paulo, aliás, por coincidência

também zona sul, e que estudou em colégio de menino rico, de repente ter

essa missão, duas vezes por semana, era muito importante. Então a gente ia,

chegava com aqueles cobertores e o pessoal, os mendigos, fugiam

apavorados. (Folha de S. Paulo- 1977)

Marcha para um dia de Sol não era uma simples canção, foi composta mediante

experiências vividas pelo próprio compositor, que assim como os trabalhos de seu pai Sergio

Buarque de Holanda, Chico Buarque também descrevia as realidades do país. Pegando como

base “Raízes do Brasil”, ele faz uma macrointerpretação do cenário que vivenciava o país no

início da década de 1960. Já que como o próprio havia dito em entrevista para os membros do

MIS: “Naquele tempo era novidade falar de pobre e de rico”. Visto que as canções do fim da

década de 1950 eram composições que falavam de amor. Podemos dizer que Marcha para um

dia de Sol foi a primeira canção de Chico Buarque que denunciava uma realidade que não era

divulgada pelo governo do país.

Acompanhado por sua irmã Miúcha para o João Sebastião Bar, Chico Buarque canta

para os presentes a marcha. Esse bar na época era reduto de boa música, onde muitos artistas

se encontravam. Dentre eles estava Claudette Soares58, que ao ouvir a canção, prometeu que

iria gravá-la; aquilo deixou o jovem compositor muito feliz, pois ela era uma cantora de grande

fama na cidade, e ter uma música gravada por alguém assim iria impulsionar a sua carreira.

Mas para seu dissabor a gravação ficou só na promessa.

A essa altura ele já havia perdido o interesse por essa composição:

58 Começou sua carreira muito cedo: foi revelada no programa “A raia miúda”, de Renato Murce, na

Rádio Nacional. Apresentou-se no programa da Rádio Mauá chamado Clube do Guri, de Silveira Lima. Depois

também se apresentou no programa Papel Carbono, de Renato Murce. Na Rádio Tupi participou do programa

“Salve o Baião!”, conhecendo Luiz Gonzaga, o Rei do Baião. Ele a apelidou de Princesinha do baião. Ainda na

década de 1950, na Rádio Tamoio, ela apresentou ao lado de Ademilde Fonseca o programa “No mundo do baião”

(programa de Zé Gonzaga, irmão do Luís)

Silvinha Telles chamou-a para substituí-la como cantora na boate do Plaza, no final da década de 1950.

Dividiu o palco com Luiz Eça, João Donato, Baden Powell e Milton Banana e outros músicos. Participou do

programa de TV - Brasil 60, da apresentadora de TV e atriz Bibi Ferreira, pela TV Excelsior - canal 9, de São

Paulo. Divulgou as canções da Bossa Nova em São Paulo, nas casas noturnas Baiúca, Cambridge e João Sebastião

Bar. Inaugurou a boate Ela, Cravo e Canela, junto com o pianista Pedrinho Mattar, apresentando o espetáculo Um

show de show. Em 1967, compareceu ao programa de “TV Jovem Guarda” da TV Record, (Rede Record), canal

7 de São Paulo, ocasião em que interpretou Como é grande o meu amor por você (Roberto Carlos/Erasmo Carlos).

Casou-se com o músico Júlio César Figueiredo, em 1972. Seu grande sucesso, De tanto amor, foi um presente de

casamento dado por Roberto Carlos, que foi seu padrinho. Veio a se divorciar na década de 1990. Tinha um projeto

junto com Dick Farney de gravar uma série de músicas brasileiras, mas, com a morte do amigo, isso foi

abandonado. Claudette retomou à sua carreira artística, depois do seu divórcio. Fez turnês por Paris e Lisboa.

Biografia: Claudette Soares. Em: vanderproduções web site. Disponível em:

(http://www.vanderproducoes.com.br/claudettesoares/biografia.htm). Acesso em 18/03/2015.

58

Na última hora, saía o disco, eu procurava e não tinha a música, e eu

morria de triste [...] Ela foi gravada quando eu já não acreditava nela.

Quando eu acreditava nela, ninguém acreditava em mim, porque eu era

muito moleque. Quando parei de acreditar nela, eu já estava mais crescido,

então resolveram gravar — mas aí a música já não tinha mais sentido

nenhum... (HOMEM, 2009, p-15).

Marcha para um dia de sol foi composta em 1961, mas só foi gravada em 1964 na

voz de Maricene Costa59, porém Chico Buarque devido à frustração da promessa não cumprida,

não gostava mais dessa canção:

Nem João XXIII concorda com aquele tipo de ecumenismo social.

Não adianta conciliar rico e pobre, o negócio é não haver distinção.

(HOMEM, 2009, p-15).

Mesmo sem gostar, essa foi sua primeira canção a ser gravada, mesmo que na voz

de outra pessoa.

Marcha para um dia de Sol pode à primeira vista parecer uma canção simplória,

uma marchinha até um tanto infantil, como as bandas que o compositor via passar na rua de sua

casa, tocando a simplicidade da vida das pequenas cidades. Ela não possui a complexidade do

jogo de palavras de Construção, tão pouco as palavras de ordem cantadas em Cálice, compostas

numa fase mais madura. Ela trata de problemas vividos pela população brasileira, que estava

vendo o início de uma ditadura, sem saber que o pior estava por vir. E mesmo com mensagens

de igualdade entre classes, o que poderia ser vista como uma canção que incentivava o

comunismo.

Essa canção era imbuída do que seria uma recorrente em seus trabalhos: canções de

protesto. Por ainda estar no início de sua trajetória como cantor e compositor, e sendo mais

conhecido como o filho de Sérgio Buarque de Holanda do que como Chico Buarque, ele

arriscou-se compondo essa canção, visto que mesmo com uma ditadura ainda um pouco mais

59 Cantora paulista, natural de Cruzeiro, estreou na carreira artística em 1958, quando venceu o concurso

A Voz de Ouro, que lhe rendeu um contrato com a TV Tupi. No início da década de 60 atuou em casas noturnas

de São Paulo cantando repertório de bossa nova. Foi a primeira a gravar uma composição de Chico Buarque, a

"Marcha para um Dia de Sol", pela Philips em 1964. Depois disso foi para os Estados Unidos, onde foi ouvida por

nomes como Tony Bennett, Judy Garland e Eddie Fischer. Na volta ao Brasil chegou a vencer um festival da TV

Excelsior (com a música "Até Mais Ver", de Vitor Martins e C. Castilho) antes de trabalhar em teatro, na montagem

de peças como "Morte e Vida Severina" (João Cabral de Melo Neto) e "Adeus Fadas e Bruxas". Atuou também

em um projeto experimental baseado na obra do poeta francês Mallarmé. Em 1992 lançou "Correntes Alternadas",

com repertório eclético que incluía, entre outros, o grupo punk Inocentes, Tom Zé e Paulo Vanzolini. Neste mesmo

ano começou a elaborar o projeto que resultou no CD "Como Tem Passado!!", lançado em 1999 pela CPC-Umes,

que, com o auxílio do pesquisador José Ramos Tinhorão, reuniu doze músicas que representam as primeiras

gravações de doze estilos musicais brasileiros diferentes. Outro projeto de destaque foi o show "Sábios Costumam

Mentir" (1998), cujo repertório era constituído pelas parcerias do poeta e letrista Waly Salomão ao lado de

compositores como Caetano Veloso, Jards Macalé, João Bosco, Gilberto Gil, Lulu Santos e outros. Biografia:

Maricene Costa. Em: dicionariompb web site. Disponível em: (http://www.dicionariompb.com.br/maricene-

costa). Acesso em 18/03/2015

59

tolerante, corria-se o risco mesmo que mínimo de sofrer uma censura, que na maioria das vezes

não era imposta pelo regime e sim pela própria população que com medo, rejeitada tudo o que

parecia seguir ideias comunistas.

Marcha para um dia de sol mostra um Chico Buarque pouco conhecido. Ela não é

composta pelo cantor de fama nacional, que já havia ganho prêmios por suas composições, e

nem foi feita em meio do caos que enfrentava o Brasil com uma ditadura ríspida, que levava

seus opositores de encontro a morte ou ao desaparecimento. Essa canção foi feita por um Chico

Buarque, que guiado pelos trabalhos de seu pai, sonhava com um país mais igualitário para

todos os brasileiros.

A Banda Chico Buarque/1966

Estava à toa na vida

O meu amor me chamou

Pra ver a banda passar

Cantando coisas de amor

A minha gente sofrida

Despediu-se da dor

Pra ver a banda passar

Cantando coisas de amor

O homem sério que contava dinheiro parou

O faroleiro que contava vantagem parou

A namorada que contava as estrelas parou

Para ver, ouvir e dar passagem

A moça triste que vivia calada sorriu

A rosa triste que vivia fechada se abriu

E a meninada toda se assanhou

Pra ver a banda passar

Cantando coisas de amor

O velho fraco se esqueceu do cansaço e pensou

Que ainda era moço pra sair no terraço e dançou

A moça feia debruçou na janela

Pensando que a banda tocava pra ela

A marcha alegre se espalhou na avenida e insistiu

A lua cheia que vivia escondida surgiu

Minha cidade toda se enfeitou

Pra ver a banda passar cantando coisas de amor

Mas para meu desencanto

O que era doce acabou

Tudo tomou seu lugar

Depois que a banda passou

E cada qual no seu canto

Em cada canto uma dor

Depois da banda passar

Cantando coisas de amor

60

Era julho de 1966. Chico esperava o almoço, em casa, quando escutou

(ou imaginou ter escutado) o som de uma banda nos fundos de sua casa em São

Paulo. Imediatamente veio à sua cabeça a imagem de uma banda passando e várias

coisas acontecendo. Tinha visto bandas na infância, perto de sua casa, em São

Paulo, ou da pequena cidade de Cataguases, onde ficou seis meses no internato,

aos 17 anos. Viu banda também na troca da guarda do palácio de Buckingham,

quando visitou Londres. Sua memória era povoada de bandas. Esqueceu o almoço

e a fome, pegou o violão, papel na mesa e, assim, de uma vez só, escreveu quase

toda a letra da canção que o consagraria: “A Banda”. (ZAPPA P-119)

Figura 10- Em 1967, Chico Buarque lança um dos seus maiores sucessos, “A Banda”.

Fonte: Jornal O Globo website60

Animado com sua composição, Chico Buarque vai para o Sandchurra, um bar da Galeria

Metrópole no centro de São Paulo, reduto de encontro de jovens artistas da época. Lá, encontra-

se com Torquato Neto61, Gilberto Gil e Caetano Veloso, que mostraram a canção “Ensaio

Geral” a Chico Buarque. Mais que empolgado com sua criação, canta a marchinha mesmo que

incompleta.

Mesmo achando a composição do amigo uma forte candidata, Chico Buarque

inscreve sua canção no II Festival de Música Popular Brasileira, que aconteceria em Setembro

60 (http://og.infg.com.br/in/6901342-036-103/FT1500A/550/2004-037507-_19661023.jpg). Acesso em

20/05/2015.

61 Torquato Pereira de Araújo Neto (Teresina, 9 de novembro de 1944 — Rio de Janeiro, 10 de novembro

de 1972) foi um poeta, jornalista, letrista de música popular, experimentador da contracultura brasileiro. Biografia

– Torquato Neto. Em: dicionáriodampb web site. Disponível em: (http://www.dicionariompb.com.br/torquato-

neto/biografia). Acesso em: 16/10/2014.

61

e Outubro na TV Record. Ele terminou sua composição em uma semana, pois, segundo o

próprio compositor “Não queria deixar a banda tocando para sempre na rua” (HOMEM, P-41).

O que o jovem compositor, que na época tinha apenas 23 anos, não imaginava, seria

o sucesso estrondoso que “A banda” faria. No festival, ela foi defendida na voz de Nara Leão.

A canção chegou à final, tendo como concorrente a composição de Theo de Barros e Geraldo

Vandré “Disparada62”, interpretada por Jair Rodrigues:

“A polarização entre “A banda” e “Disparada”, defendida por Jair

Rodrigues, ganharam uma dimensão inimaginável, a ponto de o jornal O

Estado de S. Paulo escrever: “desde o finzinho de Setembro, só duas torcidas

contam: a da Associação Atlética Disparada e a da Banda Futebol Clube”.

A expectativa era tão grande que alguns teatros e cinemas chegaram a

suspender suas sessões.” (HOMEM, 2009, p-42).

A final do festival acontece no dia 10 de Outubro de 1966, no Teatro Record. A

plateia estava dividida entre as duas composições. A tensão era tanta que Chico Buarque sugeriu

que o prêmio fosse dividido entre as duas canções. Esse seu pedido foi atendido, pois havia um

receio dos produtores em que ele não fosse receber o troféu sozinho, e como aquele festival era

transmitido pela tevê, eles não podiam deixar que terminasse em confusão.

Em apenas três dias, o compacto com a música lançado por Nara vendeu cerca de

50 mil cópias; uma semana depois já eram mais de 100 mil. A agenda de Chico ficou cheia de

shows e por diversas vezes ele se viu obrigado a desfilar em carros de bombeiro nas cidades

por onde passava. Ele se tornara a própria banda encarnada. Rubem Braga saudou a canção e

Carlos Drummond de Andrade lhe dedicou uma crônica entusiasmada. Eis um trecho: “A

felicidade geral com que foi recebida essa banda tão simples, tão brasileira e tão antiga na sua

tradição lírica, que um rapaz de pouco mais de vinte anos botou na rua, alvoroçando novos e

velhos, dá bem a ideia de como andávamos precisando de amor [...] Não de ARENA nem do

MDB, sou desse partido congregacional e superior às classificações de emergência, que

encontram na banda o remédio, a angra, o roteiro, a solução”. (SILVA, 2004, p-39).

62 As músicas de Geraldo Vandré fazem parte de um Brasil marcado pela contracultura juvenil num

contexto de contestação política, perseguições, anseios de mudança, num mix de medo e esperança. É impossível

desvincular a música Disparada (1966) ao contexto do golpe civil-militar daquele período. Analise: Disparada.

Em: Cafecomsociologia web site. Disponível em: (http://www.cafecomsociologia.com/2014/05/analise-da-

musica-disparada-1966.html). Acesso em 16/10/2014.

62

Figura 11 - Chico Buarque e Quarteto CY em 1967, 4º Festival da Canção.

Fonte: 50 e mais Blogspot63

Mesmo em tom de deboche, Nelson Rodrigues faz uma “exaltação” à canção em sua

coluna no jornal O Globo:

“Imaginem vocês que, um dia desses, entro em casa e encontro

minha mulher, Lúcia, e a minha filhinha Daniela, com olhos marejados.

Acabavam de ouvir “A banda”, ou seja, a mais doce música da Terra. Dias

depois, eu próprio ouvi a marchinha genial. E a minha vontade foi sair de

casa, me sentar no meio-fio e começar a chorar. Com “A banda”, começa

uma nova época da música popular no Brasil”. (HOMEM, 2009, p-45).

Mesmo sendo saudada por figuras tão opostas como Nelson Rodrigues e Carlos

Drummond de Andrade, a canção “A banda” não se tornou um unanimidade nacional como

parecia. Havia quem visse no lirismo e na singeleza da canção um “retrocesso”, pois na época,

exigia-se um engajamento político dos artistas e “A banda”, não estava nessa linha de

pensamento, por isso, foi julgada por alguns como “alienada”.

O próprio Chico Buarque, em entrevista à rádio do centro de cultura de São Paulo

esclarece que foi de caso pensado a composição de “A banda”:

63 (http://www.50emais.com.br/artigos/chico-buarque-e-o-mpb-4-cantando-roda-viva-1967/). Acesso em

20/05/2015.

63

Quando compus “A banda” eu me lembro que – pra não dizer que

havia unanimidade – havia, sim, uma discreta condenação por parte da

esquerda que ainda insistia em ouvir o grito do Opinião, o grito de um

“carcará” e tal. A Nara Leão, aliás, me acompanhou nesse movimento,

porque ele também já estava um pouco cansada dessa tal música de protesto

que se fazia então, que não passava das portas do teatro e que, no fim das

contas era ineficaz. “A banda” era uma retomada do lirismo, proposital

mesmo, porque eu não era tão inocente assim quanto parecia. Eu tinha um

passado – também discreto, porque eu era muito garoto – de luta estudantil.

(HOMEM, 2009, p-46).

Essa canção ainda lhe rendeu um programa na TV Record, ao lado de Nara Leão,

Chico Buarque estrela “Pra ver a banda passar” (1967), mas sua performance tímida fez com

que sua carreira como apresentador não fosse longe.

Figura 12- Lp “Chico Buarque de Holanda” 1966.

Fonte: Instituto Antonio Carlos Jobim website64

64(http://www.jobim.org/chico/bitstream/handle/2010.2/1129/chico%20buarque%20de%20hollanda%2

0vol1.capaCD.jpg?sequence=2). Acesso em 20/05/2015.

64

Uma surpresa nada agradável que também envolveu essa canção foi seu uso em

propaganda do governo, que convocava os jovens para o alistamento militar. Ao ver isso, Chico

Buarque protesta, fazendo com que a propaganda fosse retirada do ar. Esse fora um dos embates

com o Regime Militar que o cantor travou, mas outros ainda haveriam de vir.

Mesmo dizendo que tinha “cansado” dessas canções de protesto, e que “A Banda”

tinha sido feita propositalmente para sair um pouco dessas questões políticas, podemos perceber

que mesmo em tom simplista, a marchinha buarquiana é sim cheia de duplicidade,

características de suas canções. Podemos destacar na letra dessa canção várias frases ou

palavras que de certa forma traziam essas ambiguidades.

Na primeira estrofe da canção:

“Estava à toa na vida

O meu amor me chamou

Pra ver a banda passar

Cantando coisas de amor”

Podemos destacar a frase: “Cantando coisas de amor”. Por que a banda precisaria

cantar coisas de amor no Brasil dos anos de 1960?

Com o poder dado pela nova constituição que fora aprovada no fim de 1966 e início

de 1967, o governo militar opera com dureza e sem piedade – diferentemente dos primeiros

anos do golpe - contra aqueles de dele discordavam. Dois casos ocorridos no ano de 1966

deixam claro que agora começariam o que viria a ser conhecido como os “anos de chumbo”

vividos no Brasil.

O primeiro caso se dá no Rio de Janeiro. O “Massacre da praia vermelha” como

ficou conhecido, foi a invasão por forças policiais do regime ao prédio da Universidade Federal

do Rio de Janeiro (UFRJ). No interior do prédio haviam cerca de seiscentos estudantes, que

foram brutalmente espancados no intuito de evacuarem as instalações. O motivo de tamanha

hostilidade por parte da polícia, teria sido pelo fato de os estudantes “ousarem” se rebelar

pedindo a autonomia da universidade e em favor de uma sociedade justa e solidária.

Um dos fatores para essa rebelião seria o acordo MEC-USAID. Assinado em 1966,

que foi um acordo do governo brasileiro com a USAID (Agency for International Development)

65

uma agência americana criada durante o período da Guerra Fria para auxiliar países

subdesenvolvidos:

O pano de fundo da contribuição técnica para o ensino superior se

transformar em prioridade da USAID foi o conflito EUA versus URSS, pois

a chave para que o Brasil permanecesse uma sociedade livre e um país amigo

próximo dos EUA estava no ensino superior. (PINA, 2008, p-01).

No início da Ditadura, o Brasil estava em péssima situação econômica, recebendo

assim ajuda dos EUA que temiam que o país se transformasse como ocorrera em Cuba e se

tornasse comunista. Esse auxilio dado pelos norte-americanos se deu devido à falta de dinheiro

dos países subdesenvolvidos possuíam, e isso implicava na não compra de produtos

industrializados americanos:

Agência norte-americana para o desenvolvimento internacional,

agência bilateral responsável pelas reações estabelecidas entre os EUA e os

países periféricos, que contribuiu decisivamente na ordenação, regulação e

concretização de parte da retórica da aliança para o progresso, construindo

as decisões quanto às doações e empréstimos em favor dos países periféricos

e realizando um novo ajuste entre os países capitalistas. (PINA apud

SOLANGE, 2008, p-01).

Assim, o “Acordo MEC-USAID de Assessoria do Planejamento do Ensino Superior”

como ficou conhecido, seria uma maneira dos EUA de manter a vigência do regime capitalista

nesses países e transferir as concepções de organização social, econômica e política que

prevalecia nos Estados Unidos.

O discurso do Presidente Humberto de Alencar Castelo Branco, no V fórum

universitário em Outubro de 1964, foi usado como pretexto para justificar esse acordo, para ele

a universidade:

Deveria preparar cidadãos de alto nível cultural que teriam a missão

de impulsionar o desenvolvimento do país. O estudante deveria, antes de

desejar um simples diploma, alcançar amplos conhecimentos que lhe

permitiriam ser elemento útil ao progresso e à prosperidade da sociedade.

Em contrapartida, na Universidade não se poderia permitir o fortalecimento

das ideologias. Era necessário um aperfeiçoamento da comunidade

universitária. (PINA, 2008, p-02).

Essa modernização da sociedade brasileira era um dos principais objetivos do

governo, e para alcança-la, o sistema educacional deveria caminhar neste sentido.

Mas esse acordo não agradou a UNE, que desde Abril de 1964 já operava na

clandestinidade, muito antes da aprovação de Lei n. 4.464 que ficou conhecida como Lei

66

Suplicy de Lacerda, a qual visava o controle, o esvaziamento ou a extinção do movimento

estudantil. Com isso a UNE segue na clandestinidade até 1968. No XXVIII Fórum ocorrido em

Junho de 1966 em Belo Horizonte – MG, os estudantes afirmaram que “o governo militar

propõe para a universidade, uma universidade e um universitário inteiramente distantes e

alienados dos problemas do seu país e do seu povo”. Segundo eles, o governo não queria formar

cidadãos pensantes e sim uma sociedade empresarialista, onde as cursos como engenharia,

medicina e treinamento empresarial, se sobressaíssem aos demais.

GOERTZEL em seu livro: MEC-USAID: Ideologia de desenvolvimento americano

aplicado à educação superior brasileira” (1967), deixa claro o porquê dessa preferência pelo

empresarialíssimo:

Quando os empresários recomendam, com empenho, que as

universidades sirvam à sociedade, querem dizer servir aos grupos dirigentes

da sociedade. (GOERTZEL, 1967, p-126).

Na concepção dos estudantes, esse convênio levaria as universidades uma estrutura

arcaica e empresarial, e não era isso que eles queriam, assim como os estudantes vítimas do

“Massacre da praia vermelha”, o restante dos universitários queriam: “Uma universidade

crítica, autônoma, queriam a democratização do ensino, a gratuidade de todos os níveis,

vestibulares de habilitação e não de seleção e a expansão dos cursos noturnos” (PINA, 2008, p-

06).

Em 1968 Carlos Marighella65 escreveu “Chamamento ao povo brasileiro”, no qual

faz uma citação a esse acordo, o qual ele acreditava que levaria a uma privatização do ensino

no Brasil:

O acordo MEC-USAID vem sendo posto em prática pela ditadura,

com o propósito de aplicar em nosso país o sistema norte-americano de

ensino e de transformar nossa Universidade em uma instituição de capital

privado, onde somente os ricos posam estudar. (PINA apud MARIGELLA,

2008, p-06).

Por fim, o acordo MEC-USAID foi um retrocesso na educação brasileira, visando

priorizar o ensino de informações factuais em detrimento de reflexão e análise, esse novo

modelo de ensino não permitia ao aluno questionar, ao contrário, matérias que estimulavam o

65 Carlos Marighella (Salvador, 5 de dezembro de 1911 – São Paulo, 4 de novembro de 1969) foi um

político e guerrilheiro, um dos principais organizadores da luta durante a ditadura militar a partir de 19641 tendo

em vista a implantação de um regime comunista. Chegou a ser considerado o inimigo "número um" da ditadura.

Biografia: Carlos Marighella. Em: PCB.ORG web site. Disponível em:

(http://pcb.org.br/fdr/index.php?option=com_content&view=article&id=327:breve-biografia-de-

marighella&catid=6:memoria-pcb). Acesso em 04/05/2015.

s

67

senso crítico foram reduzidas como no caso da disciplina de história, e outras foram retiradas

do currículo, como filosofia e sociologia.

O outro fato que ocorrera no mesmo ano, e que também mostra a crueldade cometida

contra os que se opunham ao regime, foi “O caso das mãos amarradas”, como ficou conhecido

o crime cometido contra o Sargento Manoel Raimundo Soares, morto na Ilha Presídio, no Rio

Guaíba. Seu corpo fora achado boiando nas margens do rio Jacuí com os pês e mãos atadas em

24 de Agosto de 1966.

No ano de 1953 o jovem Manoel Raimundo Soares, ingressa no exército, antes de

completar um ano de corporação, já ocupava a patente de Terceiro Sargento.

No ano de 1963, ele já respondia a um inquérito militar pelo acusado de desviar

armas e de agregar sargentos a sua causa. Defensor das reformas de base, foi transferido do Rio

de Janeiro para o Mato Grosso. Assim que o golpe militar foi dado, ele teve sua prisão

decretada, mas fugira antes que ela fosse cumprida.

Entre 1964 e 1966, Raimundo Soares viveu na clandestinidade. Envolvido com a

militância política e na luta pela redemocratização, ele fugiu do Mato Grasso para Porto Alegre-

RS, onde teve seus passos rastreados por agentes do DOPS, quem em uma emboscada em março

de 1966 o prenderam:

Preso, ou melhor, sequestrado - já que a prisão de Manoel Raimundo

foi negada pelos responsáveis até sua morte - foi conduzido à Polícia do

Exército e depois ao DOPS/RS. Na 6ª Cia. de Polícia do Exército, teve início

o suplício físico: foi duramente espancado por um tenente e um sargento,

chegando ao DOPS, horas mais tarde, com a visão do olho esquerdo

comprometida em função do tratamento recebido. (ROSA, 2008, p-02).

No dia 19 de março ele é transferido para a ilha presídio, localizado na ilha de Pedras

Brancas. Retornou ao DOPS em 13 de agosto, onde na mesma noite fora transferido para o

DOPS do Rio Guaíba, seria a última vez que o Sargento Raimundo era visto, até o aparecimento

do seu corpo no dia 24 do mesmo mês.

Companheiro do Sargento durante seus dias no DOPS, o estudante de agronomia da

UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) Luís Renato Pires de Almeida, que

passou cerca de 19 dias sem ver a luz do sol, tomar banho ou comer direito, havia sido preso

por “ligações com o esquema subversivo de Leonel Brizola66” e levado a ilha presidio, onde

66 O “esquema organizado por Leonel Brizola” era a Rede de Legalidade, que unia uma cadeia de rádios

à resistência do 3º Exercito, para garantir a posse de João Goulart na Presidência da República em agosto/setembro

de 1961. (Aguiar, Flavio, Crônicas do mundo ao revés / Flavio Aguiar – São Paulo: Biotempo, 2011, p 107)

68

conheceu o Raimundo Soares, que por algum tempo dividiram o cárcere e sofrimento juntos.

Deitado em um colchão nos corredores do DOPS, estava o Sargento, com marcas de

espancamento nítidas, as duas da manhã ele foi levado para mais um sessão de tortura, essa

tática era comum dos torturadores:

Esses intervalos são premeditados pelos algozes no intuito de deixar

ao supliciado “um tempo aparentemente vazio que deve lhe permitir

recuperar-se fisicamente e ‘refletir’ sobre as vantagens da capitulação.

(Viñar, 1992, p.-77).

As marcas da tortura já eram abundantes no corpo de Raimundo Soares, e as dores

não o deixavam esquecer que a tortura logo se reiniciara:

“Às 8h da manhã, Manoel Raimundo Soares ainda sofria violência.

Era queimado a ponta de cigarro, que os policiais apagavam lentamente

sobre as suas carnes. Recebia pontapés e pauladas (...) foi posto no pau-de-

arara. Recomeçaram as torturas do cigarro aceso. O Delegado Itamar passa

a bater com os fios. Findo o tratamento, Soares parece um trapo. Ele ainda

está só de cuecas, as costas a sangrar e uma das vistas fechada...Levam-no

então para a sala do fiscal Olinto, chefe da guarda do DOPS. Está semi-

inconsciente. O fiscal Olinto passa a chutá-lo com violência e exibe

ameaçadoramente um facão. Faz uma advertência:

- Como é? Já melhorou? Estás pronto para outra?

Luís Renato é o preso mais antigo. Por isso é incumbido pelo

delegado José Morsch de servir um cafezinho a Soares. Luís Renato

estocado ao rever Soares após a sessão de torturas. Morsch explica por que

deseja dar café ao preso:

- Quero que esse homem recuperado logo. Hoje à noite ele vai contar

o que sabe.

Ao chegar à sala para servir o café, Luís Renato depara com Soares

deitado no chão e com uma poça de água em volta. Ao lado ainda está o

balde. Os policiais jogaram água para reanimá-lo.

(...)

As torturas prosseguem nos dias seguintes. Os policiais insistem em

saber o endereço do tal sargento Leony. A cada negativa a violência é

intensificada. Pedaços de tijolos e pedras são amarrados a tiras de pano, para

golpes mais fortes.

No reencontro com Luís Renato, Soares desabafa:

- Esses caras querem a.. de um endereço que eu não sei. Se eu for

torturado novamente vou morrer. Não aguento mais.” (ROSA, 2008).

Já em liberdade, Luís Renato Pires de Almeida escreve a um parente. Nessa carta,

ele faz um pedido de dinheiro a família, pois estava com vontade de cursar jornalismo. Mas ao

saber da morte do amigo de prisão ele relata:

Os filhos da puta desses traidores da Pátria mataram, afogado e com

as mãos amarradas atrás, o sargento Soares, que tanto tempo esteve preso

69

comigo, e ao qual deixei roupas, aparelho de barba e outras coisas. O

assassinato foi aí em Porto Alegre e mais ou menos sei quem deu esta ordem.

Esses são os homens bons que estão no governo, que vão à missa aos

domingos e que durante as madrugadas torturam seus semelhantes como se

fossem animais, para depois matar da maneira mais covarde possível.

Quanto mais sacrifício passarem os companheiros, mais disposição nós

temos para enfrentar os traidores fascistas. (Jornal “Última hora” setembro

de 1966).

Esse relato de Luís Renato era um resumo de como os agentes da repressão

conseguiam obter confissões dos presos, por meio de torturas muitas vezes levada ao extremo

como no caso de Raimundo Soares que veio a falecer devido aos maus tratos ao qual era sujeito

dentro da prisão.

Para Foucault: “a confissão constitui uma prova tão forte que praticamente

“desobriga o acusador do cuidado de fornecer outras provas” Foucault (2002, p-34). E é por

uma confissão que o Sargento Raimundo Soares é espancado até a morte. E tem seu corpo

jogado no rio Jacuí.

O “caso das mãos amarradas”, foi o um dos primeiros caso de tortura e morte por

parte dos órgãos de repreensão de que se teve notícia. A repercussão da morte de Raimundo

Soares foi tão grande, que em 12 de Abril de 1967, foi criada na Assembleia Legislativa gaúcha

uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar a morte do Sargento. Tendo como

principais acusados pelo crime, os delegados José Morsch e Itamar Fernandes de Souza, que

foram denunciados por Luiz Renato, e que ao fim do inquérito, foram responsabilizados pela

morte do Sargento Raimundo Soares.

Durante o tempo em que estiveram presos, Luiz Renato conta a CPI que seu colega

de cárcere tinha plena ciência de que os que eles estavam passando seria apenas o início, como

se o Sargento previsse o período mais duro vivido na história recente do Brasil:

No fim de tudo, nós vamos nos encontrar. Não somos os primeiros

a sofrer torturas nem seremos os últimos. Se morrermos não seremos os

primeiros nem os últimos. Isso faz parte da nossa luta. (Manoel Raimundo

Soares, 1966).

O “Massacre da praia vermelha”, o “Caso das mãos amarradas”, todos eles se

deram no mesmo ano em que Chico Buarque compôs “A Banda”, quando ele na primeira estrofe

fala que a bandinha passa cantando coisas de amor, seria uma forma do compositor de alertar

aos ouvintes a violência que estava acontecendo no país, torturas e perseguições eram

constantes, e cabia a população tomar alguma atitude contra isso, para que os gritos de dor

70

vindos dos porões da ditadura, fossem trocados com por gritos de amor. Para que assim como

na segunda estrofe da canção:

A minha gente sofrida

Despediu-se da dor

Pra ver a banda passar

Cantando coisas de amor

No decorrer da canção, Chico Buarque lista uma série de personagens que a primeira

vista apenas compõe o cenário por onde a sua bandinha passa, mas será mesmo que esses

personagens descritos por ele são apenas coadjuvantes na marchinha, ou eles são mais

ambiguidades buarquianas?

Podemos destacar nas estrofes que se seguem alguns personagens como: “O homem

sério que contava dinheiro”, “A namorada que contava estrelas”, “A moça triste”, “O velho

fraco” e a “Moça feia”, todos esses personagens foram introduzidos nas canção com algum

proposito, faremos uma análise de cada um deles, e o que eles representavam.

O homem sério que contava dinheiro:

Com o país expandindo sua indústria de produção de bens de consumo, era de se

esperar que a renda da população acompanhasse essa expansão, mas o que se nota é que houve

um declínio na renda do trabalhador, muito devido ao arrocho salarial promovido pelo governo

militar, sem falar no aumento de desempregados. Isso como foi explicado no início deste

capitulo, gerou um crescimento desordenado das favelas.

O estudo de Barros, acerca da desigualdade de rendimentos, observa

que os 20% mais ricos da População Economicamente Ativa (PEA)

brasileira aumentaram sua fração na apropriação da renda de 54% para 62%,

de 1960 a 1970, enquanto a fração apropriada pelos 50% mais pobres

declinou de 18% para 15% nesse mesmo período. (CÔRREA E CASTRO,

2000, p-66).

Com isso, Chico Buarque mostra que a figura do homem que contava dinheiro, nada

mais era que as elites que apoiavam o governo militar e que desse apoio tiravam proveito, como

no caso das elites rurais, que se sentiram ameaçadas pelo governo de João Goulart que queria

implantar a reforma agrária no Brasil, o que acarretaria numa perca de rendimentos e terras dos

grandes latifundiários. Com medo que essa reforma fosse feita, essa elite na sua grande maioria

apoiava o regime. Então, esse homem rico poderia ser um grande proprietário de terras que

enriquecera com o golpe, e que ao ver a banda percebera que algo novo estava por vir.

71

A namorada que contava estrelas e A moça triste:

Podemos identificar esses dois personagens como o antes e o depois da

mesma pessoa. A namorada que contava estrelas seria uma alusão as pessoas que tinham

seus filhos, maridos ou outros parentes presos pelos agentes do regime, e aos que

ficavam só bastava “contar estrelas”, esperar que eles voltassem para seus lares, o que

por vezes não acontecia. No relatório final da Comissão da Verdade67, estimasse que

cerca de 210 pessoas desapareceram durante a ditadura militar.

Esse “contar estrelas” seria uma forma de mostrar a espera por vezes desesperadora

dos parentes de presos do regime militar. Um relato dessas pessoas que esperavam pela volta

de familiares, pode ser visto no livro do jornalista e historiador Claudio Blanc: “Ex-Presos

Políticos: Memórias e Conquistas” (2014). Nele destaca-se o depoimento da professora Rosa

Maria, filha do preso político, o advogado Raphael Martinelli. Em seu relato, Rosa Maria

conta como era seus encontros com seu pai durante o período em que ele esteve preso:

Nós sofremos muito na época do golpe, quando ele foi preso. Eu era

ainda muito menina, tinha 8 anos. Tenho memórias daquele período, em que

o visitava na prisão e não o reconhecia. Ele estava machucado, magro,

barbudo. Era uma pessoa irreconhecível para mim. Como menina, não sabia

do que se tratava, apenas cresci com uma infância silenciosa. Eu era filha de

comunista, e isso era palavrão na época. Essas coisas que a ditadura promove

se estendem aos filhos e familiares. (BLANC, 2014, p-56).

Percebe-se que o impacto dessas prisões afetava toda a família. E que como fala a

letra de “A banda”, só restava contar estrelas.

O outro lado dessa personagem seria a “A moça triste”. Essa moça representava

uma faceta recorrente durante o período em que o país esteve sobre a égide do governo militar.

Essa moça trazia um semblante de tristeza em seu rosto pois diferente da que contava estrelas,

ela não tinha mais por quem esperar.

67 A Comissão Nacional da Verdade foi criada pela Lei 12528/2011 e instituída em 16 de maio de 2012.

A CNV tem por finalidade apurar graves violações de Direitos Humanos ocorridas entre 18 de setembro de 1946

e 5 de outubro de 1988. Conheça abaixo a lei que criou a Comissão da Verdade e outros documentos-base sobre o

colegiado. Em dezembro de 2013, o mandato da CNV foi prorrogado até dezembro de 2014 pela medida provisória

nº 632. Comissão da verdade. Em: cnv web site. Disponível em: (http://www.cnv.gov.br/index.php/institucional-

acesso-informacao/a-cnv). Acesso e, 09/05/2015.

72

Ela era o retrato de muitas pessoas que perderam seus parentes durante o regime

militar, “A moça triste” era uma mãe, irmã, esposa ou namorada de alguém que fora preso e

que nunca mais voltou para casa, ou que teve sua vida tirada pelo regime. Voltando ao caso

anterior, da morte do Sargento Manoel Raimundo Soares, podemos identificar na figura da

moça triste a própria esposa do sargento, Maria Elisabeth Challup Soares ou apenas “Betinha”,

que sofrera por meses com a prisão do marido “contando estrelas”, até que no dia 24 de agosto

de 1966 torna-se “a moça triste”, pois o corpo do seu marido é encontrado boiando no rio Jacuí.

Não podemos afirmar que esses dois personagens compostos por Chico Buarque

tenham sido inspirados na história do Sargento Manoel Raimundo Soares, que seriam um misto

de homenagem e denúncia que o compositor fizera referente ao “caso das mãos amarradas”,

mas podemos sim destacar essas duas figuras como uma triste e dura realidade que o país

começaria a enfrentar.

Nessas personagens Chico Buarque exprime sua indignação mesmo que em forma

de poesia com as mortes e os desaparecimentos comandados pelo governo militar. E deixa uma

mensagem de esperança para os parentes desses presos políticos:

A moça triste que vivia calada sorriu

A rosa triste que vivia fechada se abriu

E a meninada toda se assanhou

Pra ver a banda passar

Cantando coisas de amor

Chico Buarque dá a entender nessa estrofe, que por mais que demore, “A banda” vai

passar trazendo alegria e paz, cantado suas coisas de amor.

O velho fraco:

Podemos presumir que este personagem representava a política nacional, que estava

“fraca” de lutar contra o governo militar que assumira as rédeas do país.

Decretado em 5 de fevereiro de 1966, pelo então presidente Castelo Branco, o Ato

Institucional de nº3 (AI 3) como ficou conhecido, estabelecia eleições indiretas para

governadores, vice-governadores e prefeitos. Essa medida foi tomada devido a derrotas sofridas

pelo regime nas campanhas para o governo de Minas Gerais e Guanabara, que foi uma cidade-

estado brasileira que existiu de 1960 a 1975, e que ficava localizada no território da atual cidade

do Rio de Janeiro. Outro fator que motivou a instauração do AI 3, foi a derrota em 1965 do

regime nas eleições para prefeito da cidade de São Paulo; a perca da prefeitura da capital

paulistana foi mais dura para o governo militar, pois eles haviam perdido a cidade mais rica do

país para políticos ligados a Jânio Quadros e Juscelino Kubitschek, que eram seus opositores,

73

e seria justamente o antigo presidente, um dos responsáveis por fazer com que “o velho fraco

se esquecesse do seu cansaço” como canta Chico Buarque.

No mesmo ano de 1966, juntamente com Carlos Lacerda e João Goulart, nascia um

movimento de ordem civil que pretendia combater a centralização do poder que estava nas mãos

do poder executivo, que assumido pelos militares, o mantinha por uma política bipartidária

artificial. A “Frente Ampla” como ficou conhecido esse movimento, trazia um proposta

conciliadora, era como uma ponte entre o governo militar e a sociedade civil. Na sua criação já

trazia uma novidade, pois unira antigos adversários políticos como Kubitschek e Carlos

Lacerda, que no início apoiava o golpe de 1964, mas que agora estava descontente com o jeito

que o país estava sendo regido. Líderes dos três maiores partidos do Brasil antes do golpe e

sem ainda terem seus direitos políticos cassados pelo governo militar, Juscelino (PSD), Lacerda

(UDN) e Jango (PTB), agora se uniam para ser oposição ao regime68.

No manifesto da Frente Ampla, divulgado em 27 de Outubro de 1966, eles

anunciavam que a partir daquele momento, esses antigos adversários juntariam suas forças para

forçar ou pelo menos tentar forçar a redemocratização do país:

Com propostas que contemplavam os interesses de seu principal

representante, mas que também se apresentavam com uma difusa conotação

democrática, este movimento inicialmente tornou públicos, no dia 23 de

março de 1967, os elementos de seu “programa mínimo”, a saber:

a) restauração do poder civil

b) elaboração de uma constituição democrática, que contemple o direito de

greve e a pluralidade partidária e,

c) o reestabelecimento das eleições diretas para presidente, vice, governo do

Estado e prefeituras das capitais. (DEL VECCHIO, 2013, p-03)

O movimento da Frente Ampla, foi tentativa de trazer ao “velho fraco” (a política

nacional), seus áureos tempos de juventude, fazendo-o “subir ao terraço e dançar. Como numa

tentativa mesmo que frustrada, pois após a implantação do AI5, esse movimento teve suas

atividades encerradas, já que com as prisões, cassações de direitos políticos e exilio, os líderes

desse movimento tiveram que se ausentar da vida política nacional. A tão desejada democracia

teria que esperar mais um pouco.

68 Disponível em: (http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/artigos/Exilio/Articulacao_da_oposicao).

Acesso em 30/05/2015.

74

A moça feia:

Essa personagem era a principal, pois “A moça feia” poderia ser comparada ao

próprio Brasil, que tomado por um regime autoritário via-se “feio” devido as mudanças

provocadas pela ditadura.

A beleza tão cantada por Tom Jobim da “Garota de Ipanema” (1962), não era vista

no Brasil comandado pelo regime militar. Nem tão pouco o país descrito por Martinho da Vila

em “Aquarela Brasileira” (1964):

“Tudo é belo e tem lindo matiz.

No Rio dos sambas e batucadas,

Dos malandros e mulatas

De requebros febris.

Brasil, essas nossas verdes matas,

Cachoeiras e cascatas de colorido sutil

E este lindo céu azul de anil

Emoldura em aquarela o meu Brasil.”

O país pós golpe de 1964 passa por mudanças tão drásticas que perde um pouco da

sua beleza descrita em canções como essas. Com o aumento do número de pessoas

desempregadas, com sua economia abalada onde os índices de inflação chegariam a 40%, com

perseguições, mortes, desaparecimentos, direitos cassados, o Brasil torna-se “a moça feia” da

marchinha de Chico Buarque, o país fica na espera, “debruçada na janela” vendo a bandinha

passar.

A Banda:

Por fim, explicaremos quem ou o que seria essa “banda” tão citada na canção.

Usando de poesia, ele faz da bandinha que passa por toda a cidade, “cantando coisas de amor”,

um sonho quase que utópico pra época que o país vivia. Sobre o comando de um regime militar

autoritário, que usava muitas vezes de força para combater os que a ele se opunham, Chico

Buarque mostra a figura da banda como um sentido de esperança, como se ela fosse a liberdade

tão desejada por ele e por todos que eram contrários ao governo militar. Ele nessa canção usa

de sofismas para exprimir seu inconformismo com a atual situação que o Brasil vivia, como ele

conta em entrevista à Rádio Eldorado em 1989:

Toda uma criação condicionada ao país em que eu vivi. Tem

referências a isso o tempo todo. Existe alguma coisa de abafado, pode ser

chamado de protesto... Eu nem acho que eu faça música de protesto... mas

existem músicas aqui que se referem imediatamente à realidade que eu

estava vivendo, à realidade política do país. (MARTINS, 2005, p-07).

75

Nessa entrevista podemos notar que ele quando compôs “a banda” não estava tão

alheio assim a atual situação do país. Possivelmente inspirado em “Visão do Paraíso” (1959)

um dos livros de seu pai, Chico Buarque quer mostrar o Brasil idealizado por ele, como se cada

um dos personagens citados fosse um pouco de cada brasileiro, que assim como ele tinham

vontade de ver essa banda (liberdade) passar. Esquecendo-se por alguns instantes de todos os

males que passavam durante essa privação de direitos imposta pelo regime militar.

Quando ele compôs “a banda”, deve ter usado de sua vivencia obtida em todos os

lugares onde morou ou viajou, seja na Itália, seja na casa de sua avó no Rio de Janeiro, Chico

Buarque usa de sua música para tentar mudar o meio onde vivia, como ele mesmo explica em

entrevista à Revista 365 em 197669:

Eu acho que o homem vai ter que se modificar, pelo próprio instinto

de sobrevivência. Não acredito que isso vá acontecer por influência de um

indivíduo, muito menos por ordens superiores. A sociedade é que deve se

aperfeiçoar por uma dinâmica própria, de baixo pra cima, com a participação

da grande massa de indivíduos, certo? Quer dizer, o homem modificando a

sociedade para a sociedade modificar o homem. Isso pode parecer utópico,

mas, como eu já lhe disse, eu sou artista e não político; nem sociólogo. É

nessa utopia que entra a contribuição da arte que não só testemunha o seu

tempo, como tem licença poética pra imaginar tempos melhores. (Revista

365, 1976).

Esses lugares por onde ele passou estão embutidos mesmo que sutilmente em sua

canção. Esse lugar de onde se escreve, afeta o conteúdo do que se escreve, essa questão é

abordada em “A escrita da História” (1982) de Michel de Certeau. Nela Certeau explica a

importância de compreender o espaço social de onde se compõe a obra:

Toda pesquisa historiográfica se articula com um lugar de produção

sócio-econômico, político e cultural. Implica um meio de elaboração que

circunscrito por determinações próprias: uma profissão liberal, um posto de

observação ou de ensino, uma categoria de letrados, etc. Ela está, pois,

submetida a imposições, ligada a privilégios, enraizada em uma

particularidade. (CERTEAU, 1982, p-77).

Partindo dessa explicação, podemos presumir que quando compôs “a banda”, Chico

Buarque queria mesmo passar uma mensagem de inconformismo e de esperança ao mesmo

tempo. Mesmo correndo o risco de “exclusão” ou de “interdição” de seu discurso, como explica

Michel Foucault em “A ordem do Discurso” (1970):

Sabe-se bem que não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode

falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não pode

falar de qualquer coisa. (FOUCAULT, 1970, p-09).

69 Revista 365, 1976. Em: chicobuarque web site. Disponível em:

(http://www.chicobuarque.com.br/texto/entrevistas/entre_365_76.htm). Acesso em 18/05/2015.

76

Sendo assim, Chico Buarque usa da ambiguidade em sua canção. Ao mesmo tempo

que ele denuncia o momento pelo qual está passando o país, ele também traz a esperança de

dias melhores

77

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao término dessa pesquisa, podemos notar que as composições de Chico Buarque

mesmo antes do golpe de 1964 como no caso de “Marcha para um dia de Sol” ou após o golpe

como “A Banda”, traziam à tona personagens excluídos pela sociedade, mas que ganharam

notoriedade nas suas canções.

Em “Marcha para um dia de Sol” podemos ver que ele revela um Brasil desigual

como sua gente, seja pela falta de emprego, de moradia ou pela divisão de classes. Como

também em “A Banda” onde ele denuncia a violência, traz aos olhos do povo casos de torturas,

sequestros e até mortes cometidas durante o início do regime militar.

Mesmo antes da “canção de protesto” ser quase que uma obrigatoriedade para os

artistas do Brasil pós 1964, já que muitos reivindicavam o engajamento de todos das artes nos

protestos contra o governo militar, Chico Buarque já denunciava as mazelas pelas quais o povo

brasileiro passava, como ele mesmo disse em entrevista à Revista 365:

“Eu falava através de personagens, enxergava através de outros

olhos” (Revista 365,1976).

E era através dessa visão do outro, que em suas canções ele introduzia

propositalmente ou não mensagens de insatisfação, de contestação ao governo militar. Assim

como seu pai Sérgio Buarque de Holanda descreveu o país em seu livro “Raízes do Brasil”,

mostrando o Brasil de um ponto de vista sociológico, Chico Buarque também o descreve em

suas composições. É notório como sua arte traz à superfície problemas que estavam afastados

dos olhos da grande maioria da população, e como artista que era, sabia da importância de sua

opinião no contexto do pós 1964:

A ordem é uma palavra que não rima com a arte, nem nunca vai

rimar. Os artistas estão aí justamente para perturbar a ordem e nisso sempre

estiveram - não adianta agora querer mudar a História. De alguma maneira,

nós, os artistas, sempre vamos perturbar a ordem, e note que não estou

falando nem da arte diretamente política, do tipo “canção de protesto.

(MARTINS,2005, p-06)

Fica evidente na análise de “A Banda” que Chico Buarque se antecipou a alguns fatos

que só ocorreriam meses depois do lançamento da canção. Lógico que não tem nada de

78

sobrenatural nisso, pois por mais que suas canções tenham uma certa magia, de bruxo ele não

tinha nada.

Essa antecipação de fatos pode ser explicado no trabalho do historiador alemão

Reinhart Koselleck70, em seu livro “Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos

70 “Reinhart Koselleck nasceu em Gorlitz na Alemanha, em 23 de abril de 1923. Doutor em 1954, teve

sua tese publicada em 1959, com o título Kritik und Krise (há traduções para o francês e o italiano). Seu campo de

investigação diz respeito à teoria da história e a aspectos da história moderna e contemporânea. Foi professor nas

universidades de Bochum (1966), Heidelberg (a partir de 1968) e Bielefeld (de 1973 até hoje). É autor de Presussen

zwischen Reform und Revolution (1967) e Vergangene Zukunft (1979), e co-autor de Das Zeitalter der

europaischen Revolution (1969), Geschichte-Ereignis und Erzahlung (1973), Objektivitat und Parteilichkeit in der

Geschichtswissenschaft (1977), Geschichtfche Grundbegriffe. Historische Lexikon zur politisch-sozialen Sprache

in Deutschland (desde 1972), Sprache und Geschichte (desde 1978). É ainda colaborador da revista Geschichte

und Gesellschaft.” Em: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 10, 1992, p. 134-146.

79

históricos” (1979), onde o autor explica que por meio do conceito de Horizonte de Expectativa

pode-se minimamente prever fatos que poderão ocorrer em um futuro próximo ou como

conceitua Koselleck, um “Futuro Presente”:

Podemos citar um exemplo simples: a experiência da execução de

Carlos I abriu, mais de um século depois, o horizonte de expectativas de

Turgot, quando ele insistiu com Luís XVI que realizasse as reformas que o

haveriam de preservar de um destino semelhante. O alerta de Turgot ao rei

não encontrou eco. Mas entre a Revolução Inglesa Passada e a Revolução

Francesa futura foi possível descobrir e experimentar uma relação temporal

que ia além da mera cronologia. A história concreta amadurece em meio a

determinadas experiências e determinadas expectativas. (KOSELLECK,

2006, p. 308-309).

Sendo assim, a antecipação de fatos que ocorreram após a composição de “A Banda”,

partiriam apenas da visão que Chico Buarque tinha de outros golpes que aconteceram na

América Latina, como por exemplo no país vizinho, a Argentina que sofrera seis golpes

militares: 1930, 1943, 1955, 1962, 1966, 1976.

Tendo a Argentina como exemplo, Chico Buarque podia presumir que a mesma

violência ocorrida durante os governos militares no país vizinho, podia acontecer no Brasil, e

como de fato ocorreram. E essa visão que ele tinha do futuro foi posta em suas canções.

Por fim, vemos que mesmo que não querendo se engajar diretamente na oposição ao

governo militar, Chico Buarque usa de sua arte para fazê-lo. Denunciando fatos ou apenas

expondo a situação do Brasil antes de depois do golpe de 1964, ele revela um país que muitos

não queriam ou não podiam enxergar devido a censura imposta pelo governo.

Foi com essas ações, usando da ambiguidade na composição de suas canções, de

pseudônimos para escapar da censura – como ocorreu com Julinho da Adelaide; que Chico

Buarque conseguiu passar a mensagem de que dias melhores ainda estavam por vir. Ele

consegue trazer na figura de uma simples banda a esperança para todo um país.

E é por usar de sua inteligência na escrita e de esperteza para se desviar da censura

que Chico Buarque de Holanda se dúvida alguma se torna um dos maiores compositores e

cantores da música brasileira de todos os tempos.

80

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