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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL
CURSO DE GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
VERONICA OLIVEIRA DOS SANTOS
O AVANÇO DO NEOCONSERVADORISMO NO TRABALHO DO ASSISTENTE
SOCIAL NA SAÚDE E SUAS IMPLICAÇÕES FRENTE AO PROJETO ÉTICO-
POLÍTICO.
Natal/RN
2017
VERONICA OLIVEIRA DOS SANTOS
O AVANÇO DO NEOCONSERVADORISMO NO TRABALHO DO ASSISTENTE
SOCIAL NA SAÚDE E SUAS IMPLICAÇÕES FRENTE AO PROJETO ÉTICO-
POLÍTICO.
Trabalho de Conclusão de Curso de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito para obtenção do título de bacharel em Serviço Social.
Orientadora: Professora Larisse de Oliveira
Rodrigues.
Natal/RN
2017
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do CCSA
Santos, Veronica Oliveira dos.
O avanço do neoconservadorismo no trabalho do assistente social na saúde
e suas implicações frente ao projeto ético-político / Veronica Oliveira dos
Santos. - 2017.
55 f.
Monografia (Graduação em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio
Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Departamento de
Serviço Social. Natal, RN, 2017.
Orientadora: Profa. Larisse de Oliveira Rodrigues.
1. Serviço Social - Saúde - Monografia. 2. Neoconservadorismo -
Monografia. 3. Projeto Ético-Político - Monografia. I. Rodrigues, Larisse de
Oliveira. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.
RN/BS/CCSA CDU
364.2:61
Dedico este trabalho a minha família por ser a minha
base em todos os momentos, aos meus professores e
orientadores que tanto contribuíram para a minha
formação profissional e a todos os/as amigos/as cujo
carinho e companheirismo me fizeram mais forte.
AGRADECIMENTOS
Um trabalho que é um passo significativo para a realização de um sonho, esse é o
significado dessa monografia. Mas não cheguei aqui sozinha, muitos foram os que contribuíram
para que eu conseguisse chegar até aqui.
Por isso, agradecer é um importante gesto, pois significa reconhecer aqueles que foram
essenciais para a minha conquista. Inicialmente agradeço a Deus por ter me sustentado em todos
os meus momentos de fraqueza e me preenchido de forças quando precisei. Também agradeço
a minha família, meus pais, minha irmã, tias e tios, primas e primos e avós por serem a base
que eu tanto necessitei, pelo apoio e por acreditarem em mim quando nem eu mesma acreditei.
Conciliar uma rotina de trabalho e faculdade não foi uma tarefa fácil e muitas vezes não
acreditei que seria capaz e nesses momentos o apoio da minha família foi fundamental, desde
o primeiro momento, desde o processo da matricula até o dia-a-dia de aulas e trabalhos. Essas
meras palavras não serão o suficiente para demonstrar minha gratidão e jamais serão uma
recompensa justa por tudo o que me proporcionaram.
E nessa caminhada rumo a conclusão da graduação não poderia deixar de agradecer aos
meus/minhas professores/as (não poderia citar nomes, pois são muitos), não existiria um
processo de aprendizado tão rico se eles não estivessem dispostos a abraçar a tão árdua tarefa
de ensinar, de compartilhar conhecimento e despertar tantas interrogações em nossas cabeças.
Sou extremamente agradecida por todas as aulas que, de uma forma ou de outra me ensinaram
algo, e nas quais eu vivenciei momentos inesquecíveis. As aulas ministradas, muito mais do
que contribuir para a minha formação profissional, contribuíram para a formação do meu
caráter, da minha postura enquanto ser humano.
Durante o processo da graduação não poderia deixar de citar um dos momentos de
grande contribuição para a minha formação profissional: o estágio. Nesse momento tive a
oportunidade de me inserir no cotidiano de trabalho de uma equipe de assistentes sociais, no
Hospital Giselda Trigueiro, e encontrei profissionais preocupados em realizar seu trabalho com
qualidade e que me receberam de braços abertos, com disposição de transmitir suas experiências
para auxiliar na minha formação. Não poderia expressar suficientemente bem, o tamanho dessa
contribuição para a minha vida, como pessoa, estudante e futura assistente social. A todos os
profissionais que compunha essa equipe, as minhas orientadoras de campo: Ana Karoliny que
me acompanhou por todo esse processo de estágio ajudando a aproveitar o máximo possível
desse momento e Manuela Brandão, que embora não tenha conseguido permanecer por todo o
período, mas foi de uma disponibilidade generosa. A todas e todos eles, gostaria de expor minha
gratidão por essa experiência tão enriquecedora.
No cotidiano da vivencia da universidade enfrentei diversos obstáculos objetivos, mas
também ganhei presentes inestimáveis aos quais chamo de amigas. Desde o primeiro dia que
pisei na sala de aula do setor I conquistei amizades que foram se solidificando ao longo desses
quatro anos. Pessoas que me ajudaram, me acolheram, me deram carinho e me ensinaram
através de ações o significado da palavra compreensão. A elas (Daluz Galvão, Claudia Araújo,
Marcella Taynara e Lidiany Alves) meus sinceros agradecimentos por terem sido um verdadeiro
porto seguro no meio acadêmico, e desde já sinto saudades das conversas diárias que
compartilhamos.
Desejo, com toda a sinceridade que existe em mim, que mais e mais pessoas consigam
vivenciar a experiencia de graduação em uma universidade pública e que em mundo melhor
todos tenham acesso igualitário a esse espaço.
DAS UTOPIAS
Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas!
Mario Quintana.
RESUMO
O presente trabalho objetiva discutir a respeito das implicações do avanço do
neoconservadorismo na atuação do assistente social na área saúde frente ao Projeto ético-
político. Dessa forma foi realizada uma pesquisa bibliográfica no sentido de obter elementos
para a compreensão de como a vertente neoconservadora apresenta desafios para o fazer
profissional na área da saúde, dessa forma foi feito um levantamento de estudos que debatiam
a temática de maneira a proprcionar uma apropriação teórica qualificada e abrangente sobre o
assunto. Para isso, foi realizado um sucinto resgate histórico do desenvolvimento da profissão;
uma discussão a respeito do SUS e o Projeto Ético-Político; analisando o contexto
contemporâneo da saúde pública e as implicações que o neoconservadorismo apresenta para
o/a assistente social. O pensamento conservador é um dos elementos fundantes da profissão,
afinal o surgimento do Serviço Social está inicialmente e diretamente ligado a ação católica.
Ainda que a profissão tenha vivenciado um processo de grandes mudanças com a eclosão do
movimento de reconceitualização as questões cotidianas “(re)criam” alguns direcionamentos.
Nesse meio histórico germina a recusa ao conservadorismo na perspectiva de intensão de
ruptura o que acaba por contribuir com a superação da ideologia conservadora na profissão,
embora que não de forma plena. Ainda é presente a postura conservadora em algumas condutas
profissionais, mas é necessário destacar que isso não é mais o preceito defendido pela categoria
e suas entidades representativas, assim como em seus aportes teóricos, normativos e
ideológicos. Com o avanço da ideologia pós-moderna, com seu caráter superficialista das
análises, a investida neoconservadora traz para o Serviço Social algumas ameaças no sentido
da pobreza da análise social, a perda da perspectiva de totalidade, um conformismo ético-
político e um pensamento acrítico. Por isso, é extremamente importante enfatizar a necessidade
de clareza na compreensão da opção da categoria por um Projeto Ético-Político associado a um
projeto de sociedade que objetiva a superação da exploração e consequentemente do sistema
capitalista. Tal como a firmeza dos princípios éticos dispostos no Código de Ética do assistente
social. Por isso, entendendo que a saúde é uma área na qual os/as assistentes sociais mais se
inserem e que enfrentam diversos desafios e um desmonte dos seus serviços, percebemos a
necessidade de discutir essa dinâmica perpassada pela investida neoconservadora. A investida
neoconservadora é real e ameaçadora, a ideologia pós-moderna vem ganhado espaço na
sociedade, mas a categoria de Serviço Social dispõem de um entendimento bastante
fundamentado sobre a sua direção teórica e ética-política.
Palavras-chaves: Neoconservadorismo. Serviço Social. Projeto Ético-Político. Saúde.
ABSTRACT
This paper aims to discuss the implications of the advancement of neoconservatism in the role
of the social worker in the health area in front of the ethical-political project. In this way a
bibliographical research was carried out in order to obtain elements for the understanding of
how the neoconservative aspect presents challenges for the professional doing in the health
area. For this, a brief historical rescue of the development of the profession was carried out; a
discussion about SUS and the Ethical-Political Project; analyzing the contemporary context of
public health and the implications that neoconservatism presents to the social worker.
Understanding that conservative thinking is one of the founding elements of the profession,
after all the emergence of Social Service is initially and directly linked to Catholic action.
Although the profession has undergone a process of great changes with the outbreak of the
reconceptualization movement that presents other perspectives for the Social Service that would
be: the re-visualization of the conservative, the modernizing perspective and the rupturing
intention. In this historical environment germs the refusal to the conservatism in the perspective
of rupture intension which ends up contributing with the overcoming of the conservative
ideology in the profession, although not of full form. The conservative position is still present
in some professional conducts, but it is necessary to emphasize that this is no longer the precept
advocated by the category and its representative entities, as well as in its theoretical, normative
and ideological contributions. With the advancement of postmodern ideology, with its
superficialist character of analysis, the neoconservative inverse brings to Social Service some
threats in the sense of poverty of social analysis, loss of the perspective of totality, an ethical-
political conformity and uncritical thinking . Therefore, it is extremely important to emphasize
the need for clarity in the understanding of the option of the category by an Ethical-Political
Project associated with a project of society that aims at overcoming exploitation and
consequently the capitalist system. Such as the firmness of the ethical principles laid down in
the Code of Ethics of the social worker. Therefore, understanding that health is an area in which
social workers are most involved and that they face different challenges and a dismantling of
their services, we perceive the need to discuss this dynamic permeated by the neoconservative
inves- tigation.
Key-words: Neoconservatism. Social service. Ethical-Political Project. Cheers.
LISTA DE SIGLAS
CEBES – Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
CFESS – Conselho Federal de Serviço Social
CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas
CNS - Conselho Nacional de Saúde
EBSERH - Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares
EC – Emenda Constitucional
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social
IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social
LOS – Lei Orgânica da Saúde
OSCIP - Organização da Sociedade Civil de Interesse Público
OS - Organização Social
PEC - Proposta de Emenda Constitucional
PEP – Projeto Ético Político
PIB – Produto Interno bruto
PNH – Política Nacional de Humanização
SUS – Sistema Único de Saúde
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 13
2 PROJETO ÉTICO-POLÍTICO DO SERVIÇO SOCIAL E TRABALHO DO ASSISTENTE
SOCIAL NA SAÚDE. .............................................................................................................. 17
2.1 Princípios do SUS e o Projeto Ético-Político. .................................................................... 17
2.2 Sucinto histórico do Serviço Social na Saúde: compreendendo o trabalho profissional. ... 24
3 NEOCONSERVADORISMO NO SERVIÇO SOCIAL NA SAÚDE .................................. 31
3.1 A saúde pública no contexto capitalista – problematização e perspectiva ......................... 31
3.2 Investida neoconservadora e suas implicações para a profissão de Serviço Social ........... 38
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 47
REFERÊNCIA .......................................................................................................................... 52
13
1 INTRODUÇÃO
Analisar a profissão é um exercício necessário e intrinsecamente ligado ao fazer
profissional do/a assistente social. É importante termos conhecimento do nosso passado para
poder entendermos as implicações que podem trazer para o nosso presente e também podermos
planejar o que pretendemos para o nosso futuro profissional.
Em um contexto capitalista, onde se percebe um incentivo a análises superficialistas, a
individualização do ser e encorajamento a posturas autoritárias e de grande intolerância,
destacamos a necessidade de discutir o nosso fazer profissional para evitar reproduzirmos
posturas acríticas que beneficie unicamente a manutenção da ordem social. É extremamente
importante entendermos o contexto social que estamos inseridos para podermos nos posicionar
e defendermos os ideais presentes no Projeto Ético-Político Profissional (PEP). Principalmente,
porque, enquanto profissão:
A natureza de nossa matéria de intervenção implica necessariamente em
tomada de posição diante das relações sociais, culturais e políticas que se
expressam na conjuntura. Nesse sentido, tornou-se parte de nossa tradição a
busca pelo entendimento do contexto social e suas implicações para nossas
condições e escolhas profissionais (CFESS, 2016a).
O Serviço Social tem como um de seus elementos fundantes o conservadorismo e ao
longo da sua história conviveu e convive com as implicações desse elemento para o nosso
exercício profissional, assim como as transformações e novas roupagens com a qual o
conservadorismo se apresenta no meio profissional.
Considerando esse cenário, percebemos a importância de investigar como o
conservadorismo e neoconservadorismo influenciam a categoria profissional. Para isso
desenvolvemos esse estudo onde discutimos a respeito das implicações do avanço do
neoconservadorismo na atuação do assistente social na área saúde frente ao Projeto Ético-
Político.
A aproximação com a discussão sobre a temática do conservadorismo e
neoconservadorismo no Serviço Social se deu a partir dos debates nas disciplinas no decorrer
do curso de Serviço Social, pois é uma discussão que perpassa o desenvolvimento da profissão,
assim como o processo de aprendizado no curso.
14
Também, ao vivenciar o processo de estágio1 no Hospital Giselda Trigueiro tive a
oportunidade de participar do cotidiano de uma equipe de profissionais assistentes sociais e
acompanhar o trabalho desenvolvido por esses sujeitos. Observando a atuação desses
profissionais pude perceber que a investida neoconservadora é muito forte na categoria e que
alguns profissionais acabam por reproduzir posturas que vão de encontro ao que está colocado
no Projeto Ético-Político, ainda que de forma inconsciente. Assim como, também consegui
acompanhar a atuação de profissionais extremamente comprometidos com o Projeto Ético-
Político e preocupados com a qualidade dos serviços prestados. E isso nos despertou o interesse
de pesquisar e investigar de forma mais aprofundada o assunto.
Sabemos que a profissão tem suas bases históricas atreladas ao pensamento religioso
católico, na perspectiva de caridade.
O Serviço Social surge como parte de um movimento social mais amplo, de
bases confessionais, articulado à necessidade de formação doutrinária e social
do laicato, para uma presença mais ativa da Igreja Católica no “mundo
temporal”, nos inícios da década de 30 (IAMAMOTO, 2008, p.18).
Com o avanço da profissão, a aproximação com método crítico dialético, o
desenvolvimento das dimensões ético-política, técnico-operativa e teórica-metodológica a
categoria conseguiu fazer enfrentamentos aos ideais conservadores na profissão, embora que
não tenha conseguido erradicá-lo completamente. O projeto Ético-Político da categoria é um
marco nesse processo de negação do viés conservador.
O projeto da profissão é compreendido aqui como um processo de ruptura com
o conservadorismo: deita raízes na configuração de um novo ethos
profissional, que amadurece teórica, acadêmica, política e eticamente, de
forma coletiva, no meio profissional da categoria dos assistentes sociais
(ABRAMIDES, 2007, p. 36 – 37).
No entanto, apesar da forte recusa ao conservadorismo, ainda existem resquícios do
pensamento conservador e uma grande investida neoconservadora na categoria. Diante disso
entendemos que é extremamente importante pensar o direcionamento que a profissão vem
tomando e os rebatimentos que as problemáticas sociais trazem para o fazer profissional.
Assim, entendendo que a saúde é uma das áreas de maior espaço de atuação dos
assistentes sociais, defendemos a importância de analisar esse contexto de trabalho e
problematizar as questões que eclodem nesse espaço.
1 Estágio curricular obrigatório na graduação de Serviço Social realizado no Hospital Giselda Trigueiro em
Natal/RN, durante o segundo semestre de 2016 e primeiro semestre de 2017.
15
É esse processo de pensar o fazer que possibilita a qualificação das ações do cotidiano.
Ao analisar a realidade conseguimos identificar as problemáticas sociais e pensar em estratégias
para lidar com as questões.
A pesquisa desenvolvida teve o intuito de discutir essa temática do neoconservadorismo
no Serviço Social com recorte na área da saúde com o intuito de contribuir para a categoria,
problematizando as questões que surgem na realidade da profissão e no seu âmbito teórico.
Levantar debates que pensem a profissão é essencial para incentivar o desenvolvimento das
ações. Ressaltamos, que não podemos apenas nos manter no mundo das ideias, mas é
fundamental analisar o concreto para não ficarmos apenas reproduzindo as mesmas posturas.
A fim de realizar um estudo com olhar crítico, analisando a realidade com uma
perspectiva de totalidade foi usado o método do materialismo histórico dialético pelo fato de
entender que com este método existe a possibilidade de apreender a realidade e as contradições
que se fazem presente nesse contexto.
Escolheu-se o método dialético por levar o pesquisador a trabalhar sempre
considerando a contradição e o conflito; o ‘devir’; o movimento histórico; a
totalidade e a unidade dos contrários; além de apreender, em todo o percurso
de pesquisa, as dimensões filosófica, material/concreta e política que envolvem
seu objeto de estudo (MIOTO, 2007, p.39).
A monografia ora apresentada foi elaborada primando por um conhecimento que busque
entender o objeto em análise para além da aparência, a escolha pelo método dialético foi
pensada nesse sentido por entender que “a dialética nos fornece os fundamentos para fazermos
um estudo em profundidade, visto que, o método dialético requer o estudo da realidade em seu
movimento, analisando as partes em constante relação com a totalidade” (OLIVEIRA, 2008,
p.53).
Com esse direcionamento, este trabalho trouxe para o debate a problemática da investida
conservadora e neoconservadora na categoria com enfoque na área da saúde. O objetivo geral
da pesquisa do projeto monográfico era discutir as implicações do avanço do
neoconservadorismo na atuação do/a assistente social na área saúde frente ao Projeto Ético-
Político e tendo como objetivos específicos: realizar um resgate histórico sobre a discussão do
Serviço Social na área da saúde compreendendo como se desenvolve o trabalho do assistente
social na área; refletir sobre os rebatimentos da ofensiva neoconservadora na saúde e analisar
os embates que se apresentam para o Projeto Ético-Político da categoria diante do contexto da
atuação do/a assistente social na saúde.
Para discutir a temática do conservadorismo e neoconservadorismo foi realizada uma
pesquisa bibliográfica, fazendo o levantamento teórico sobre as discussões realizadas a respeito
16
do avanço do neoconservadorismo no Serviço Social na saúde frente ao projeto ético-político
da categoria. Foi realizada leituras de materiais elaborados por conceituados autores da área
como Maria Inês Souza Bravo, Marilda Iamamoto, José Paulo Netto, Ana Maria de
Vasconcelos e etc.
O estudo bibliográfico possibilitou discutir as problemáticas, entendendo as
implicações que o neoconservadorismo traz para a profissão. Por isso:
[...] reafirma-se a pesquisa bibliográfica como um procedimento metodológico
importante na produção do conhecimento científico capaz de gerar,
especialmente em temas poucos explorados, a postulação de hipóteses ou
interpretações que servirão de ponto de partida para outras pesquisas (MIOTO,
2007, p.45).
Assim, o referente trabalho está organizado em dois capítulos. O primeiro irá tratar de
forma sucinta sobre o Projeto Ético-Político do Serviço Social e o exercício profissional na área
da saúde analisando os princípios do SUS – Sistema Único de Saúde e realizando um breve
resgate histórico do trabalho do assistente social na área da saúde. No segundo capítulo
encontra-se uma discussão sobre o neoconservadorismo no Serviço Social com um olhar
voltado para a área da saúde, onde será apresentado o contexto atual da saúde na sociedade
capitalista e também uma discussão sobre as implicações que a investida neoconservadora
coloca para a profissão.
Acreditamos que esse estudo além de somar ao arcabouço teórico da categoria,
possibilitará também uma amplitude maior de elementos para o debate dos estudantes de
Serviço Social e dos próprios profissionais. Considerando que a realidade é dinâmica, essa
pesquisa não tem a pretensão de ser um trabalho com o fim em si mesma, mas possivelmente
levantar outros temas a serem discutidos, outras hipóteses, e outras teorias que possam somar
na fundamentação teórico-prática.
17
2 PROJETO ÉTICO-POLÍTICO DO SERVIÇO SOCIAL E TRABALHO DO
ASSISTENTE SOCIAL NA SAÚDE.
2.1 Princípios do SUS e o Projeto Ético-Político.
A conquista de um serviço de saúde pública como direito universal, só foi
regulamentada com a constituição de 1988 e a conquista de sua efetivação é uma batalha que
se faz no cotidiano. Ainda assim, é inegável que essa regulamentação é uma vitória histórica,
ainda que atrasada.
CAPÍTULO II DOS DIREITOS SOCIAIS Art. 6º:São direitos sociais a
educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer,
a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Seção II DA SAÚDE Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco
de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1988).
Para que a saúde chegasse a essa categoria do direito, foi percorrido um longo caminho.
As discussões a respeito do modelo dos serviços de saúde que existia no Brasil e sua ineficiência
começaram a acontecer bem antes da Constituição de 1988 ser aprovada. No período ditatorial
já existia alguns questionamentos sobre os serviços prestados, porém o modelo ditatorial não
permitia que esses questionamentos avançassem, afinal vivia-se um período de forte repressão
e qualquer alteração social que trouxesse características democráticas eram violentamente
reprimidas.
Ainda assim, os profissionais da área da saúde começaram a questionar os serviços, o
que resultou em um movimento que eles chamavam de Movimento Sanitário 2 que apresentava
uma certa criticidade não apenas ao modelo de saúde, mas também a própria organização
política da época. E desde então o processo de formulação do que viria a ser o Sistema Único
de Saúde (SUS) passa a ter início.
[...] em 1979, no I Simpósio Nacional de Política de Saúde, realizado pela
Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados, o movimento, representado
2 Esse movimento, no entanto, se caracterizou por não apenas fazer denúncias contra a ditadura e os interesses
econômicos com ela envolvidos, mas também por apresentar propostas construtivas, apresentando como
alternativa um projeto de transformação do sistema de saúde vigente (BRASISL, 1995, p.8).
18
pelo CEBES – Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, apresentou e discutiu,
pela primeira vez, sua proposta de reorientação do sistema de saúde que já se
chamava, na época, Sistema Único de Saúde [...]. É claro que a proposta não
teve espaço para se impor, naquele momento, ao Governo (Ministério da
saúde. 1998, p. 9).
Com isso nota-se o quanto os processos de mudanças são difíceis e principalmente esse
que se iniciou em um contexto tão adverso a participação popular que foi a ditadura militar. É
fato que toda conquista popular no contexto capitalista é resultado de lutas da classe
trabalhadora, ou seja, a base de toda conquista é a luta, a organização da classe, o enfrentamento.
Uma das questões apontadas por alguns autores do Serviço Social é a falta de
participação mais efetiva dos assistentes sociais nesse processo de reforma sanitária. Enquanto
muito dos outros profissionais da área da saúde como médicos e enfermeiros, estavam
discutindo, criticando o modelo de saúde vigente e propondo uma grande mudança, os
assistentes sociais seguiam atuando na área de forma acrítica e conservadora.
Conforme a crise econômica se instalava no governo militar a pressão popular aumenta
e as reivindicações dos movimentos sociais ganham força na sociedade. É nesse contexto que
a ditadura militar perde força e começa a se produzir uma abertura política. Mas, é importante
destacar que isso foi um processo lento e sofrido, muitas forem as cicatrizes que ficaram desse
período, politicamente, economicamente, socialmente e humanamente falando.
Na 8ª Conferência Nacional de Saúde, que ocorreu quando o Brasil já tinha superado o
regime militar, foi o momento onde se discutiu mais abertamente a política de saúde do país e
como resultado os participantes propunham uma mudança no sentido de democratizar a saúde,
ou seja, propõem-se uma reforma sanitária. Todo esse movimento e reforma sanitária entendia
a saúde de forma mais abrangente:
[...] a saúde não é conseguida apenas com assistência médica, mas
principalmente pelo acesso das pessoas ao emprego, com salário justo, á
educação, a uma boa condição de habitação e saneamento do meio ambiente,
ao transporte adequado, a uma boa alimentação, à cultura e ao lazer, além,
evidentemente do acesso a um sistema de saúde digno, de qualidade e que
resolva os problemas ao atendimento das pessoas quando necessitem
(Ministério da saúde. 1998, p. 11).
Por isso não podemos esquecer que a Constituição de 1988 foi fruto de forte
reivindicação e pressão popular, portanto ela é a personificação de uma grande vitória social,
apesar de entender que ainda temos muito a avançar, afinal, como é percebido na vida cotidiana,
a formulação de uma lei e a efetivação dessa na sociedade na maioria das vezes não ocorre em
conjunto. Com relação a essa formulação da constituição também damos um grande passo
social no que diz respeito a formação da Seguridade Social, baseada no tripé saúde, previdência
e assistência social, que passam a ser políticas diretamente associadas:
19
CAPÍTULO II DA SEGURIDADE SOCIAL
Seção I DISPOSIÇÕES GERAIS:
Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de
iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os
direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social (BRASIL, 1988).
A formulação desse modelo de Seguridade Social é um grande marco, pois passa a
pensar constitucionalmente nessas políticas sociais de forma conjunta, entendendo essas
questões de forma interligadas. Reforçando assim, a importância de criar políticas públicas que
agissem em conjunto para responder as demandas da sociedade. No entanto, na objetividade da
vida cotidiana ainda existe um distanciamento entre uma política e outra, e uma forte investida
do capital em precarizar cada vez mais esses serviços, assim como a participação popular na
formulação e efetivação das políticas ainda enfrenta grandes dificuldades de materialização,
algo completamente contrário ao ideário presente na formulação da Seguridade social.
destaca-se como significativo na concepção de Seguridade Social: a
universalização, a concepção de direito social e dever do Estado, o estatuto de
política pública à assistência social, a definição de fontes de financiamento e
novas modalidades de gestão democrática e descentralizada com ênfase na
participação social de novos sujeitos sociais com destaque para os conselhos e
conferências (CFESS, 2009, p.10).
O movimento da reforma sanitária propôs um modelo de saúde pública com
características universais e democráticas e como resultado desse movimento e estratégia para
essa efetivação foi criado o SUS. Esse sistema trazia consigo um ideal de serviço
revolucionário, pois só em defender que a saúde é direito de todos levanta uma proposta
totalmente democrática que até então não existia no Brasil. O modelo de saúde existente até
então era voltado para os indivíduos que tinha um vínculo empregatício, ou seja, os serviços
eram “direitos” dos trabalhadores e ofertados pelo INAMPS3 – Instituto Nacional de
Assistência Médica da Previdência Social, com características curativas e os serviços privados
ofertados para as pessoas que tivesse condições financeiras de pagar. As pessoas que não
tivessem um trabalho formal e não pertencesse a classe burguesa ficavam a mercê de ações de
caridade. Diante disso, entendemos que os serviços de saúde eram na verdade um privilégio, e
3 Os institutos asseguravam o acesso dos trabalhadores a um plano de assistência médica. Até então, desde antes
da República e durante a República Velha, eram atendidos pelas Santas Casas, em razão dos baixos salários e de
horários extensivos de trabalho. Os serviços desse plano passaram a ser prestados diretamente ou em hospitais e
clínicas conveniados, por médicos assalariados ou credenciados. Nas grandes cidades, os institutos organizaram o
Serviço de Atendimento Médico Domiciliar de Urgência – SAMDU. (SIMÕES, 2014, p.125).
20
por isso a proposta do SUS foi algo tão importante e ao mesmo tempo ousado, a partir da criação
do SUS toda a população teria acesso a serviços de saúde.
O SUS é um sistema universal de que é usuária toda a população brasileira,
rica ou pobre. Mesmo os que não o utilizam, dele se beneficiam por meio das
campanhas de vacinação, ações de prevenção e de vigilância sanitária (como o
controle de sangue e hemoderivados, registro de medicamentos etc.) e de
eventual atendimento de alta complexidade, assumidos pelos hospitais
públicos universitários, onde se encontram os melhores especialistas, inclusive
no atendimento aos usuários dos planos de saúde (SIMÕES, 2014, p.134).
E no decorrer da história segue a disputa entre dois projetos de saúde diferentes, o
projeto privatista e o projeto da reforma sanitária que defendem princípios distintos e no
contexto da saúde irá solicitar do assistente social atuações que se opõem. O projeto privatista
exige dos assistentes social atividades voltadas para a: “seleção socioeconômica dos usuários,
atuação psicossocial por meio do aconselhamento, ação fiscalizadora aos usuários dos planos,
assistencialismo através da ideologia do favor e predomínio de abordagens individuais”
(BRAVO, 2007a, p.35). Já o projeto da reforma sanitária solicita aos profissionais uma atuação
direcionada a:
[...] busca de democratização do acesso ás unidades e aos serviços de saúde,
atendimento humanizado, estratégias de interação da instituição de saúde com
a realidade, interdisciplinaridade, ênfase nas abordagens grupais, acesso
democrático ás informações e estímulo à participação cidadã (BRAVO, 2007a,
p.35).
As principais características do SUS (universalidade, descentralização e integralidade
da atenção) demonstram esse caráter democrático do ideário do sistema, inclusive na
Constituição de 1988 são definidos objetivos da Seguridade Social que conversam com as
características do SUS:
Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a
seguridade social, com base nos seguintes objetivos:
I - Universalidade da cobertura e do atendimento;
II - Uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações
urbanas e rurais;
III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;
IV - Irredutibilidade do valor dos benefícios;
V - Equidade na forma de participação no custeio;
VI - Diversidade da base de financiamento; (BRASIL. Constituição Federal,
1988).
Porém, percebemos que todo esse ideário não consegue se materializar completamente
na sociedade, no cotidiano da vida o que visualizamos é um sistema que enfrenta uma situação
precária. A falta de interesse do Estado na saúde pública é um fato que traz consequências
desastrosas para a população, como a falta de atendimento, a falta de instrumentos de trabalho,
a falta de medicamentos, a falta de profissionais, enfim, a saúde vive atualmente situações
21
caóticas. E é importante destacar que essa “falta de interesse” público não é algo aleatório, mas
sim uma estratégia no sentido de favorecer a mercantilização da saúde e consequentemente
beneficiar a burguesia4.
O processo histórico da reforma sanitária é bastante complexo e extenso, portanto esse
trabalho não se propõe a dá conta dele por completo, a discursão realizada nesse texto é no
intuito de fornecer uma base que facilite a compreensão da discursão central e objetivo do
trabalho.
Analisando as características dos SUS percebemos o quanto elas conversam com as
características do projeto profissional5 defendido pela categoria do Serviço Social que também
defende uma atuação critica com valores universais em defesa da classe trabalhadora.
Ser orientado por um projeto profissional que estimula a pensar a sociedade de forma
crítica é para a categoria:
[...] uma possibilidade (o que não quer dizer efetividade) de os
profissionais tomarem consciência dos fundamentos (objetivos e
subjetivos) sobre os quais a prática profissional se desenvolve, porque
os projetos profissionais se organizam em torno de um conjunto de
conhecimentos teóricos e de saberes interventivos, de valores,
princípios e diretrizes éticas e políticas, de orientações sobre o perfil
de profissionais que se deseja formar e de diretrizes para tal.
Compõem-se de orientações sobre as bases normativas e valorativas
pelas quais a profissão se relaciona internamente e com a sociedade,
um conjunto de referências metodológicas para a intervenção,
posturas e modos de operar construídos e legitimados pela categoria
profissional, cujos conteúdos objetivam a crítica da sociedade
capitalista (GUERRA, 2007, p.8).
É importante destacar que os projetos profissionais não são um documento ou algo material,
são na realidade a idealização que a categoria faz sobre a profissão, mas isso não o torna menos
importante, ao contrário. Ser orientado por um projeto vai auxiliar na formação da base
profissional e o Projeto ético-político do Serviço Social está diretamente associado a um projeto
societário que busca a superação do modelo capitalista. Portanto o Projeto ético-político propõe
uma atuação crítica e combativa ao sistema capitalista na defesa dos interesses da classe
trabalhadora. Dessa forma “orientados por um projeto profissional crítico, os assistentes sociais
4 Por burguesia entende-se a classe dos capitalistas modernos que são proprietários dos meios sociais de produção
e utilizam o trabalho assalariado. Por proletários, a classe dos modernos trabalhadores assalariados que, não
possuindo meios próprios de produção, dependem da sua força de trabalho para sobreviver (MARX, 1818 – 1883,
p.64). 5 “Os projetos profissionais apresentam a auto-imagem de uma profissão, elegem os valores que a legitimam
socialmente, delimitam e priorizam seus objetivos e funções, formulam os requisitos (teóricos, práticos e
institucionais) para o seu exercício, prescrevem normas para o comportamento dos profissionais e estabelecem as
bases das suas relações com os usuários de seus serviços, com as outras profissões e com as organizações e
instituições sociais privadas e públicas (inclusive o Estado, a que cabe o reconhecimento jurídico dos estatutos
profissionais)”. (NETTO, 2006, p.4).
22
estão aptos, em termos de possibilidades, a realizar uma intervenção profissional de qualidade,
competência e compromisso indiscutíveis” (GUERRA 2007). Por isso a importância da
articulação da teoria com a prática, pois é a teoria, a idealização que irá qualificar e capacitar a
prática.
[...] não se transforma a realidade apenas pela atividade do pensamento,
pela formulação de um projeto profissional, pela tomada de consciência
sobre os princípios, objetivos e estratégias. Não obstante, não se prescinde
da atividade do pensamento, da projeção das finalidades, do planejamento
das ações e da formulação das estratégias na transformação da realidade
(GUERRA, 2007, p.25).
A atuação dos/as assistentes sociais na área da saúde levando em consideração os
princípios defendidos pelos SUS demonstra a importância de se ter clareza do projeto ético-
político da categoria, pois o projeto vai possibilitar que o/a assistente social tenha uma visão de
totalidade de forma crítica diante da questão social6.
Considerando que a categoria profissional é composta por um conjunto de sujeitos
heterogêneos não existe apenas um projeto profissional, mas sim outros projetos disputando
por espaço na categoria, inclusive projetos que defendem a humanização do sistema capitalista
de produção. Porém, o projeto ético-político hegemônico atualmente, desde os anos noventa é
o projeto crítico que confronta a sociedade capitalista e está associado a um projeto societário
que visa a superação da sociabilidade capitalista para uma sociedade justa e igualitária. O
entendimento da categoria é que a plena igualdade só pode ser alcançada em outro tipo de
sociedade, pois a sociedade vigente limita a igualdade dos cidadãos e por isso a importância de
lutar pelos direitos sociais nesse contexto sempre visando a superação dele.
O reconhecimento desses limites não invalida a luta pelo reconhecimento e
afirmação dos direitos sociais nos marcos do capitalismo, mas sinaliza que a sua
conquista integra uma agenda estratégica da luta democrática e popular, visando a
construção de uma sociedade justa e igualitária. Essa conquista no âmbito do
capitalismo não pode ser vista como um fim, como um projeto em si, mas como
via de ingresso, de entrada, ou de transição para um padrão de civilidade que
começa pelo reconhecimento e garantia de direitos no capitalismo, mas que não se
esgota nele (BEHRING, 2011, p.195).
Inclusive um dos princípios do Código de Ética do Assistente Social de 1993 é
exatamente a “opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma
nova ordem societária, sem dominação, exploração de classe, etnia e gênero (p.24)”. Isso
demonstra o quanto a nossa direção ética e política é coerente com os ideais defendidos pela
6 A questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de
seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado
e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia, a
qual passa a exigir outros tipos de intervenção, mais além da caridade e repressão (IAMAMOTO, 2014, p. 83 e
84).
23
reforma sanitária e princípios do SUS, pois a reforma sanitária defende a universalização do
acesso aos serviços de saúde e o nosso código de ética, assim como o PEP, levantam a defesa
da universalização dos direitos sociais que engloba o direito a saúde.
A dimensão política do projeto é claramente enunciada: ele se posiciona a favor da
equidade e da justiça social, na perspectiva da universalização do acesso a bens e a
serviços relativos às políticas e programas sociais; a ampliação e a consolidação da
cidadania são explicitamente postas como garantia dos direitos civis, políticos e
sociais das classes trabalhadoras (NETTO, 2006, p. 15).
Como já foi comentado anteriormente, não existe apenas um projeto profissional na
categoria profissional, por isso alguns teóricos do Serviço Social acreditam que a hegemonia
do projeto profissional critico está ameaçada, ou seja, afirmam que existe outros projetos
profissionais que ganham força no meio profissional. Isso se dá devido o contexto adverso que
estamos inseridos cujo ideal neoliberal é tão contrário aos princípios do projeto ético-político.
E esse contexto é um dos fatores que acabam por criar abertura dentro da categoria para que o
neoconservadorismo avance e conquiste adeptos, ainda que, muitas vezes, essa assimilação a
um projeto que favoreça o modelo neoliberal seja de certa forma inconsciente.
Afinal ter como direcionamento um projeto profissional que está na contramão do
modelo de sociedade vigente é extremamente difícil, é bem mais simples e confortável
simplesmente se deixar levar pela “onda” neoliberal e desenvolver uma atuação condizente com
os interesses da burguesia. Mas, a categoria profissional segue na defesa intransigente dos
direitos humanos.
No entanto, não podemos idealizar uma atuação profissional exageradamente
revolucionária, pois o contexto social ao qual a profissão está inserida é muito desfavorável
para plena garantia de direitos sociais, ainda que não deva ser motivo para conformismo. A
saúde pública demonstra muito bem isso, o espaço de trabalho é permeado por diversos
problemas que dificultam que o assistente social consiga desenvolver suas funções de modo a
atender as necessidades do usuário para além das demandas com caráter imediatista. Afinal, o
profissional não está livre dos ditames capitalistas, levando em consideração que os detentores
do poder, a burguesia são os contratantes da força de trabalho dos/as assistentes sociais o que
acaba por limitar a autonomia profissional.
A lógica mercadológica que perpassa os serviços sociais, junto com as
políticas sociais, passa a se constituir a própria racionalidade que orienta
o exercício profissional, configurando concepções de eficácia, eficiência,
produtividade, competência, de acordo com as exigências do mundo
burguês para a acumulação/valorização do capital (GUERRA, 2007, p.7 e
8).
24
Mas, os ditames da sociedade capitalista não podem ser aceitos de forma naturalizada,
ao contrário se faz necessário que a categoria se aproveite dos instrumentos legais (Código de
ética, lei de regulamentação da profissão) e da clareza da direção do Projeto Ético-Político para
desenvolver e fortalecer uma atuação crítica e combativa, no intuito de defender os interesses
dos usuários dos serviços. Em suma, não podemos nos perder no sentido do fatalismo nem do
messianismo utópico, mas temos que nós valermos de uma visão de totalidade da realidade
social para desenvolver o trabalho profissional.
Quando o profissional não tem clareza desse direcionamento critico acaba por favorecer
uma atuação conservadora que foi presente desde o surgimento do Serviço Social, mas que vem
sendo bravamente recusada pela categoria. A área da saúde necessita de indivíduos que
fortaleçam e auxiliem a difusão dos ideais defendidos pela reforma sanitária e que atue no
sentido de unir forças para tornar efetivo todos os princípios dos SUS, e o assistente social tem
uma forte capacidade (e até mesmo uma atribuição) de auxiliar nesse processo, principalmente
levando em conta a semelhança com os princípios do nosso Projeto Ético-Político e Código de
Ética.
Ainda assim, é importante compreender que o Serviço Social é uma profissão com uma
grande bagagem histórica, o seu caminho é repleto de contradições, críticas e mudanças que
formam a base na qual a categoria está colada na contemporaneidade. As determinações atuais
é resultado do processo histórico vivenciado ao longo dos anos, por isso se faz imprescindível
conhecer a história, afinal tudo é um processo histórico.
2.2 Sucinto histórico do Serviço Social na Saúde: compreendendo o trabalho profissional.
O Serviço Social enquanto uma especialização na divisão sócio técnica do trabalho é
uma profissão consolidada na sociedade e que atua em diversas áreas, e a saúde é uma das áreas
que mais emprega assistentes sociais atualmente. O Conselho Nacional de Saúde (CNS) através
da Resolução nº 218 de 06/03/1997 afirma os/as assistentes sociais como uma categoria de
profissionais da saúde.
25
A relação da profissão com a área da saúde é desenvolvida muito antes dessa resolução,
o envolvimento social da profissão com essa área ocorreu desde o surgimento do Serviço
Social.
O Serviço Social brasileiro vai surgir no período de 1930 a 1945 com influência
europeia e intrinsecamente associado a Igreja Católica apresentando uma ideologia fortemente
conservadora com caráter filantrópico. Os personagens pioneiros a desenvolver o trabalho
social tinham características bem definidas, segundo Iamamoto (2014, p.228 e 229) tratava-se
de:
[...] um núcleo feminino, originado majoritariamente do sistema de ensino mantido
pela Igreja e das modernas obras sociais; constituir-se a partir de moças e senhoras
da sociedade, isto é, pertencentes aos setores abastados da sociedade; ter como
ponto comum alguma forma de militância nos meios católicos. O Serviço Social se
caracteriza, assim, por ser um movimento ao qual se dedicam mulheres de famílias
abastadas, reunidas a partir de seu relacionamento e militância no meio católico.
Nesse momento a saúde ainda não era a área que tinha mais assistentes sociais, mas
ainda assim a formação contava com disciplinas relacionadas a essa área. Portanto, desde o
surgimento da profissão a área da saúde influência o Serviço Social.
A necessidade de formação técnica especializada para a prática da assistência social
é vista não apenas como uma necessidade particular ao movimento católico. Tem-
se presente essa necessidade, enquanto necessidade social que não apenas envolve
o aparato religioso, mas também o Estado e o empresariado. [...]. Ainda no ano de
1936 é realizado o primeiro curso “intensivo de serviço social”, com a duração de
3 meses, constando de uma série de palestras sobre temas sociais, legais,
educacionais e médicos. (IAMAMOTO, 2014, p.195 e 196).
A filosofia que embasava a atuação dos assistentes sociais nesse período é o
Neotomismo7 fortemente presente no pensamento filosófico católico, e terá o direcionamento
voltado para o “bem comum” com o entendimento de pessoa humana como uma junção de
corpo e espirito e que a sociedade tem que estar voltada para o benefício de todos e que o Estado
seria a autoridade vinda de Deus e que deveria ser respeitada.
Essa visão com relação à autoridade e ao Estado justifica a posição inicial do
serviço social brasileiro de não questionamento da ordem vigente até suas raízes e
de buscar sempre apenas reformar a sociedade, melhorando consequentemente a
ordem vigente (AGUIAR, 1985, p.43).
Nesse período dos anos 1930/40 o Serviço Social já estava associado a área da saúde,
mas ainda de uma forma não muito ampla. A sua atuação se dará inicialmente de maneira mais
7 O neotomismo consiste numa retomada da filosofia expressa por Santo Tomás, no século XII. [...] Santo Tomás,
em sua filosofia, partirá da reflexão feita por Aristóteles e a trará sob nova luz ao cenário filosófico de sua época.
Vivendo seu tempo histórico, Santo Tomás tratará em sua reflexão de questões vitais para a sua época, tais como:
as relações entre Deus e o mundo, fé e ciência, teologia e filosofia, conhecimento e realidade. Estas questões e
outras mereceram tratamento e soluções dentro do pensamento tomista. (AGUIAR, 1985, p. 39 e 41).
26
“tímida” com aspecto conservador característico do trabalho da época no sentido de trabalhar
na ajuda ao “cliente”.
No campo do Serviço Social médico, as iniciativas são ainda extremamente
embrionárias. Estarão ligadas inicialmente à puericultura e à profilaxia de doenças
transmissíveis e hereditárias. As funções exercidas se referirão à triagem (o que o
cliente ou família pode pagar), elaboração de fichas informativas sobre o cliente
(“dados importantes que o médico muito atarefado teria gasto muito tempo para
obter”), distribuição de auxílios financeiros para possibilitar a ida do cliente a
instituição médica, conciliação do tratamento com os deveres profissionais do
cliente (entendimentos com o empregador), o cuidado quanto aos fatores
“psicológicos e emocionais do tratamento”, e a adequação do cliente à instituição
através da “obtenção de sua confiança” (IAMAMOTO, 2014, p. 208).
Com o aprofundamento dos problemas sociais devido à expansão do sistema capitalista,
o Serviço Social será ainda mais requisitado pela burguesia a atuar na sociedade a fim de
intermediar a relação entre capital trabalho como forma a amenizar os conflitos e garantir a
manutenção da ordem vigente, ou seja, passa a atuar dentro da contradição capital x trabalho
embora que a princípio não tenha-se muito essa percepção.
Os assistentes sociais, considerados como técnicos/executores terminais das
políticas sociais, têm a profissão referenciada pelo pensamento conservador para
realizar uma função eminentemente conservadora; não por acaso, seus
profissionais vêm sendo historicamente reconhecidos como “amortecedores do
sistema”. (VASCONCELOS, 2015, p.278. In. Netto, 1996, p.118).
A partir de 1945, no Brasil, a profissão experimentará uma grande expansão em
consequência do aprofundamento do sistema capitalista, diante disso, a conjuntura social irá
“exigir” uma maior atuação do assistente social e é nesse momento que a saúde se transforma
no setor que mais abarca assistentes sociais. Agora a influência norte-americana toma o lugar
da europeia colocando em ênfase a atuação de cunho psicológico. Essa chamada de assistentes
sociais a área da saúde ocorre devido a conjuntura histórico-política desse momento.
Além das condições gerais que determinam a ampliação profissional nesta
conjuntura, o “novo” conceito de Saúde elaborado pela Organização Mundial de
Saúde (OMS), em 1948, enfocando os aspectos biopsicossociais, determinou a
requisição de outros profissionais para atuar no setor, entre eles o assistente social.
Este conceito surge de organismos internacionais, vinculado ao agravamento das
condições de saúde da população, principalmente dos países periféricos, e teve
diversos desdobramentos (BRAVO, 2007a, p.28).
Esse novo conceito de saúde foi um verdadeiro avanço no que diz respeito no pensar a
saúde, pois passará a entender que a saúde não se dá apenas pela ausência de doença através de
um tratamento médico, que é o viés curativo da medicina. Mas que a saúde se dá em decorrência
de todo um contexto que envolve tanto o biológico, quanto o econômico, social e cultural.
Dentre os diversos fatores determinantes das condições de saúde incluem-se os
condicionantes biológicos (idade, sexo, características herdadas pela herança
genética), o meio físico (que inclui condições geográficas, características da
ocupação humana, disponibilidade e qualidade de alimento, condições de
habitação), assim como os meios socioeconômicos e cultural, que expressam os
27
níveis de ocupação, renda, acesso à educação formal e ao lazer, os graus de
liberdade, hábitos e formas de relacionamentos interpessoais, a possibilidade de
acesso aos serviços voltados para a promoção e recuperação da saúde e a qualidade
de atenção pelo sistema prestado (MIOTO, APUD: MOTA, 2009, p.229).
Esse conceito acabou por aumentar o mercado de trabalho para o/a assistente social que
terá a princípio uma atuação voltada para a: “prática educativa com intervenção normativa no
modo de vida da “clientela”, com relação aos hábitos de higiene e saúde, e atuou nos programas
prioritários estabelecidos pela normatização da política de saúde”. (BRAVO, 2007a, p.29).
Embora exista investimentos na assistência médica previdenciária, o caráter excludente
e seletivo dessa assistência faz com que a área médica curativa fique sobrecarregada, algo que
ainda é presente nos dias atuais. Diante disso se fez necessário a atuação do assistente social
nos hospitais na relação entre usuário e instituição a princípio desenvolvendo as seguintes
atividades: “plantões, triagem ou seleção, encaminhamentos, concessão de benefícios e
orientação previdenciária” (BRAVO, 2007a, p.29), nota-se que as atividades não são muito
diferentes das que os/as assistentes sociais desenvolve nos mesmos espaços atualmente, talvez
o que mude é a orientação teórico-política da categoria, apesar de que alguns profissionais ainda
mantenha uma atuação com características conservadoras, o que vai de encontro com o que é
defendido pela categoria na contemporaneidade. Na década de 1960 alguns profissionais
começam a questionar a postura conservadora do Serviço Social, mas com a instauração da
ditadura esses questionamentos são sufocados impedindo qualquer avanço no debate ou
mudança na categoria e na sua prática.
Após o período de 1964, a efervescência dos processos sócio-políticos demandará do
Serviço Social uma mudança teórico-prática no sentido de acompanhar o
“desenvolvimentismo”, para isso começará a se difundir na categoria a “perspectiva
modernizadora”, que nada mais seria que uma forma de manter a profissão dentro do contexto
capitalista com uma nova “roupagem”, mas com a mesma postura acrítica.
Esta perspectiva teve, como núcleo central, a tematização do Serviço Social como
integrador no processo de desenvolvimento, com aportes extraídos do estrutural-
funcionalismo norte-americano, sem o objetivo de questionar a ordem
sociopolítica, e sim, com a preocupação de inserir a profissão numa moldura teórica
e metodológica (BRAVO, 2007a, p.31).
O contexto social desse período era de forte repressão, o que dificultava a aproximação
com os pensamentos mais críticos e qualquer postura nesse sentido era logo sufocada. E nesse
espaço o Serviço Social na saúde segue com a mesma postura e a sua maior preocupação era
buscar delimitar as suas funções e atividades nesse espaço a fim de, desenvolver com mais
“eficiência” seu trabalho e se manter na sociedade como uma profissão contribuidora desse
28
processo de desenvolvimentismo. No entanto, a preocupação em contribuir socialmente não
afasta a profissão do seu caráter de “bem- feitor social”.
A ação profissional do/a assistente social na área da saúde vai estar mais voltado para a
vertente curativista da saúde, pois apesar do novo conceito de saúde entender a saúde do
indivíduo como o resultado de questões mais amplas como as condições sociais de trabalho,
moradia, educação e etc., a esfera preventiva historicamente é sempre mais negligenciada o que
resulta em uma grande demanda para o sistema curativista. Por isso, era um espaço em que os
assistentes sociais conseguiam ter um maior quantitativo de profissionais.
O Serviço Social na saúde, recebendo as influências da modernização que se
operou no âmbito das políticas sociais, vai sedimentar sua ação na prática curativa,
primordialmente na assistência médica previdenciária, transformada no maior
empregador de profissionais. A ação na saúde pública não foi enfatizada. O sentido
da prática profissional foi apreendido mitificadamente, sendo enfatizadas as
técnicas de intervenção, a burocratização das atividades, a psicologização das
relações sociais, a concessão de benefícios concedidos como doação e não como
direitos (BRAVO, 2007b, p.105).
O fazer profissional era realizado sem um entendimento do contexto macrossocial ao
qual aquele indivíduo que buscava o atendimento nos espaços de saúde estavam inseridos. A
atuação era no sentido de atender as necessidades de caráter mais imediatista e principalmente
desenvolver um aconselhamento social com a ideia de enquadramento daquela pessoa a
sociedade, de forma a harmonizar o contexto social sem romper com a ordem vigente.
[...] O aspecto educativo da profissão foi salientado através das funções
terapêuticas, preventivas e promocionais que visavam ao controle do trabalhador,
responsabilizando-o pela melhoria e restauração de sua saúde, reduzindo a ação a
modelos e técnicas pedagógicas desarticuladas dos determinantes da questão
social, resultante do conflito capital x trabalho. (BRAVO, 2007b, p105).
O aspecto educativo do fazer profissional é algo que está presente na profissão desde o
seu surgimento e na área da saúde também é algo bastante desenvolvido, principalmente no
viés preventivo da saúde. Porém, isso é algo que requer uma enorme atenção, para o processo
de educação não acabar por se transformar em uma imposição da ideologia pessoal do
profissional na vida dos usuários.
Ao passar dos anos no meio da profissão vão surgindo questionamentos sobre o fazer
profissional e suas bases teórico-metodológica que colocam em questão a vertente
modernizadora. Desse processo de questionamentos surgem outras perspectivas que serão a
reatualização do conservadorismo e a intenção de ruptura com características distintas. Essa
última já tinha surgido no período dos anos 1960, mas com a instauração do regime da ditadura
militar, esse ainda tímido movimento de crítica a base teórico-metodológica foi sufocado por
apresentar um pensamento mais crítico que ia na contramão da orientação social imposta pela
“autocracia burguesa”.
29
A perspectiva reatulização do conservadorismo, como o próprio nome já nos diz, é uma
vertente teórico-metodológica que resgata o caráter conservador da profissão baseado na “ajuda
ao próximo”, mas agora acompanhado de um pensamento filosófico diferente do positivismo,
Bravo (2007b, p.106) nos mostra que a reatualização do conservadorismo nada mais é que:
[...] a vertente que recupera os componentes mais estratificados da herança
histórica e conservadora da profissão, nos domínios da auto-representação
e da prática, e os repõe sobre uma base teórico-metodológica que se reclama
nova [...]. Essa perspectiva reforça na profissão o traço microscópico da sua
intervenção e a subordina à visão de mundo derivada do pensamento
católico tradicional, mas o faz com um verniz de modernidade, tentando
fundá-la em matrizes intelectuais mais sofisticadas: a inspiração
fenomenológica.
Já a perspectiva de intenção de ruptura vai buscar basear sua prática no pensamento
crítico-dialético marxista. A princípio essa aproximação com o pensamento crítico se dará
através de textos de outros autores que estudavam essa teoria como Althusser, apenas com a
abertura política essa perspectiva vai ganhar força e principalmente no meio acadêmico o
pensamento crítico vai se aprofundar, e nesse momento recorrendo as fontes originais do
materialismo histórico dialético.
É importante destacar que essas vertentes disputavam espaço social na categoria
paralelamente, pois o cotidiano é algo dinâmico. Portanto, existiam entre os profissionais
aqueles que se identificavam com a perspectiva modernizadora e outros que já se associavam
a reatualização do conservadorismo e assim essas ideologias demandavam espaço na categoria
e influenciavam o fazer profissional. A perspectiva de intenção de ruptura se limitou mais ao
espaço acadêmico, acreditamos que isso se devia ao fato de ser um pensamento mais inovador
e não muito bem visto pelas posições de poder das instituições devido a sua direção política ser
contrária ao sistema capitalista. E também, pelo fato de necessitar de um aprofundamento
teórico que o meio acadêmico possibilitava.
Apesar de no decorrer da história eclodirem diferentes direções teórico-metodológica
para a profissão (a perspectivas modernizadora, a reatualização do conservadorismo e a
intenção de ruptura) o profissional na área da saúde segue na direção modernizadora.
Apenas ao longo dos anos 1980 a perspectiva de intensão de ruptura consegue
ultrapassar os muros da universidade e penetrar na categoria de forma mais abrangente.
Paralelamente a isso, os/as assistentes sociais atuantes na área da saúde passam a ter uma
aproximação maior com a perspectiva de reatualização do conservadorismo e passam a ter um
enfoque maior no Serviço Social de caso e uma atuação psicologizante, por isso nota-se que a
saúde passa a “ser uma das áreas de concentração dos adeptos da fenomenologia no Serviço
30
Social, refere-se às influências psicologistas na área, fundadas na ajuda psicossocial e no
modelo “clinico” (BRAVO 2007b).
O trabalho do/da assistente social seja na área da saúde ou em qualquer outra área
sempre enfrentou desafios, afinal é uma profissão cuja a atividade é desenvolvida no seio da
contradição capital x trabalho. A burguesia sempre impõe os seus interesses e a:
[...] atividade do profissional do Assistente Social, como tantas outras profissões,
está submetida a um conjunto de determinações sociais inerentes ao trabalho na
sociedade capitalista, quais sejam: o trabalho assalariado, o controle da força de
trabalho e a subordinação do conteúdo do trabalho aos objetivos e necessidades das
entidades empregadoras” (COSTA, 2000, p. 306).
Com toda a movimentação democrática e a maturação do caráter crítico dos
profissionais a categoria passa a desenvolver uma crítica cada vez mais forte com relação ao
fazer profissional. E assim a associação com a classe trabalhadora se firma ainda mais.
E com a configuração atual da seguridade social que comporta o tripé saúde, previdência
e assistência, podemos perceber que se exige do/a assistente social na área da saúde uma
atuação voltada para a efetivação dessa articulação das políticas sociais, pois os usuários dos
serviços de saúde chegam nas instituições com o tratamento da doença como principal
demanda, mas por traz dessa demanda existe muitas outras que ultrapassa esse tratamento da
doença. Diante disso se coloca a importância da articulação das políticas/programas sociais no
sentido de buscar atender as demandas dos usuários.
[...] pode-se afirmar que o assistente social se insere, no interior do processo de
trabalho em saúde, como agente de interação ou como um elo orgânico entre os
diversos níveis do SUS e entre este e as demais políticas sociais setoriais, o que nos
leva a concluir que o seu principal produto parece ser assegurar – pelos caminhos
mais tortuosos – a integralidade das ações (COSTA, 2000, p. 341).
Atualmente podemos afirmar que tivemos um grande avanço nesse sentido, a
aproximação com a vertente crítica e o direcionamento do Projeto Ético-Político tem
desenvolvido nos profissionais uma postura mais combativa ao modelo capitalista de produção
e a direção política da categoria tem se fortalecido no intuito de atuar em defesa dos interesses
da classe trabalhadora. Porém, na contramão disso, percebe-se uma investida neoconservadora
que traz para a categoria ainda mais desafios e a necessidade de ser ter muito bem fundamentado
a recusa a perspectiva conservadora.
Sabendo que o profissional está situado em um contexto onde novas e velhas
perspectivas teórico-políticas disputam espaço é preciso entender o que se coloca como
problemática e o que essas perspectivas trazem para a sociedade. O neoconservadorismo é uma
dessas e exigem do/a assistente social bastante atenção para evitar propagar ideais acríticos,
principalmente no contexto de desmonte que a saúde pública vivencia atualmente.
31
3 NEOCONSERVADORISMO NO SERVIÇO SOCIAL NA SAÚDE
3.1 A saúde pública no contexto capitalista – problematização e perspectiva
Enquanto direito de todos e dever do Estado, a saúde ainda tem muito o que percorrer.
Principalmente considerando o contexto capitalista que apresenta diversos obstáculos a sua
plena materialização. O capital está intrinsecamente ligado a exploração do trabalho e a saúde
é um espaço que foi totalmente mercantilizado, onde a busca por lucros ganha todos os
holofotes. Afinal:
[...] o capitalismo orienta-se para o crescimento, condição para a acumulação,
independente de consequências sociais, políticas, ecológicas e outras; esse
crescimento em valores reais tem apoio na exploração do trabalho vivo, que tem a
capacidade de criar valor, ou seja, o crescimento funda-se na relação
capital/trabalho, que é uma relação de classe, de controle e dominação; o
capitalismo é organizacional e tecnicamente dinâmico, já que a concorrência
impele para as inovações em busca da maximização dos lucros, o que repercute nas
relações de capital/trabalho (BEHRING, 2011, p.118 e 119).
A saúde passa a ser enquadrada dentro dos conceitos de produtividade e lucro. E apesar
de todo o caráter inovador dos ideais da Reforma sanitária os SUS enfrenta grandes entraves
para conseguir se materializar no cotidiano social e a sua funcionalização ainda é bastante
precária.
Na realidade, a atual organização do sistema de saúde, ao tempo em que atende
algumas reivindicações históricas do movimento sanitário, de que são exemplos a
universalização, a descentralização e a incorporação dos mecanismos de controle
social e participação social da comunidade, ainda não superam algumas
contradições existentes, dentre as quais constam a demanda reprimida/exclusão, a
precariedade dos recursos, a questão da quantidade e qualidade da atenção, a
burocratização e a ênfase na assistência médica curativa individual (COSTA, 2000,
p.311).
O caráter neoliberal assumido pelo Estado (mínimo para o social e máximo para o
capital) gera consequências para a organização da saúde pública, por isso se percebe um
incentivo a terceirização dos serviços públicos de saúde, ou seja, muitas vezes os investimentos
são direcionados para o setor privado e assim o público é cada vez mais sucateado.
[...] o SUS, ao longo de sua construção, vem gastando aproximadamente 70% dos
seus recursos com pagamentos à rede privada conveniada (tanto em nível local,
quanto nacional), desencadeando o seguinte ciclo vicioso: se encaminha para os
serviços conveniados porque os serviços públicos não conseguem assegurar
cobertura de sua demanda somente com os serviços próprios. Não investe na rede
32
própria, porque tem 70% de seus recursos comprometidos com o pagamento da
rede conveniada (COSTA, 2000, p.335).
E ainda assim o que se percebe é a dificuldade que a população usuária dos serviços
públicos tem para conseguir atendimento na rede. Falando do ponto de vista de usuária dos
serviços públicos o que vejo quando procuro atendimento é a forte burocratização para
conseguir acesso, principalmente na atenção básica, onde a Unidade dificilmente tem
profissionais e recursos materiais para realizar o atendimento, quando voltamos o olhar para a
rede atendimento de média e alta complexidade o que notamos é a superlotação das instituições,
falta de materiais básicos para o funcionamento (medicamentos, curativos, alimentação,
limpeza...), falta de profissionais, enfim, um verdadeiro caos. Isso porque estamos falando do
caráter curativo da saúde que é aonde se tem mais incentivo, mas quando observamos as ações
de caráter preventivo percebemos que é ainda muito restrito. E quando não investimos em
prevenção, logo teremos que gastar muito mais com tratamento/cura, e dessa falta de
investimentos em prevenção resulta a superlotação nos hospitais. Algo que parece ser tão obvio
é ao mesmo tempo, historicamente, extremamente difícil de ser superado.
No que diz respeito à operacionalização, temos a histórica questão da demanda
reprimida e da própria natureza das políticas de saúde no Brasil, de que é exemplo
o seu corte curativo em detrimento de uma concepção preventiva e coletiva que
considere a saúde como resultante da qualidade geral de vida da população e não
uma política reduzida ao controle das doenças. (COSTA, 2000, p.311).
Com a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, agora PEC 55 a
tendência é que os investimentos na saúde diminuam cada vez mais, e isso é algo muito
preocupante, pois afetará diretamente a efetivação do SUS e o acesso a saúde para a população
carente. A PEC 241/55 propõem:
[...] propõe um Novo Regime Fiscal (NRF) no âmbito da União para os próximos
20 anos, estabelecendo um limite para as despesas primárias, individualizado por
cada um dos poderes. No novo regime proposto, o crescimento anual do gasto não
poderá ultrapassar a inflação, o que implicará num congelamento, em termos reais,
destas despesas até 2036, nos patamares de 2016. Portanto, as mudanças propostas
pela PEC 241/16 alterariam o modo como o orçamento é elaborado e debatido; o
modo como se dão as disputas e negociações pelo fundo público; e as pressões e
limites aplicados sobre a gestão das políticas públicas em geral (IPEA, 2016 p.4).
O que significaria esse congelamento de gastos com as despesas para a saúde pública,
seria um agravante para a manutenção dos serviços e impedimento de crescimento na área pelo
fato de não ter recursos suficientes e é isso que vivemos atualmente. É importante destacar que
essa emenda é direcionada não apenas para a saúde, mas também para a assistência social e
educação, considerando que este trabalho é voltado para a área da saúde estamos focando nos
impactos na saúde, mas é inegável que os impactos que terão na assistência e educação também
irão refletir na saúde e visse e versa.
33
A PEC 241/55 foi promulgada em dezembro de 2016, apesar de diversos setores da
sociedade demonstrarem uma posição contrária a essa aprovação. Sabemos que a saúde pública
enfrenta diversos problemas no cotidiano e que os SUS não conseguiu a sua plena efetivação,
muitos são os desafios que se apresentam historicamente, e agora ainda teremos que lidar com
esse congelamento dos gastos. A justificativa do governo para essa emenda é de que seria uma
estratégia de superação da crise enfrentada pelo País, no entanto essa argumentação de crise
não é algo novo, ao contrário, essa é uma clássica desculpa usada para justificar as ações
prejudiciais para a classe trabalhadora em benefício da burguesia.
Os sucessivos cortes no orçamento da saúde são sustentados com o argumento de
que há uma crise financeira e de que todos os ministérios deveriam contribuir com
o contingenciamento, necessário para o ajuste fiscal. Vale lembrar que este
discurso não é novo: desde a constituição do SUS, projetos privatistas disputam a
concepção de saúde em nosso país (CFESS, 2015a).
Alguns estudos apontam que a PEC 241/55 implicaria em um déficit de recursos para a
área da saúde, ao observamos o contexto da saúde nos últimos anos notamos que muitos dos
serviços vivenciavam condições precárias de funcionamento, e ao pensar no futuro com essa
promulgação da PEC entendemos que o caminho será de grandes dificuldades o que
consequentemente irá requerer da população uma postura combativa, e também será um
contexto de lutas para assistentes sociais.
Uma simulação feita pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), mostra
como teria sido os gastos federal com o SUS se a PEC estivesse em vigor desde 2003 até 2015,
o que fica evidente é que os gastos seriam cada vez menores (gráfico 1), ou seja teríamos
perdido recursos de uma forma alarmante. Enquanto tivemos uma média de gastos de 1,64%
do PIB (Produto Interno Bruto), se a PEC estivesse em vigor a média de gatos seria de 1,29%
do PIB. Falando em dinheiro, segundo a pesquisa do IPEA “a perda entre 2003 e 2015 teria
sido de R$ 257 bilhões em comparação com a aplicação realizada no período, cuja regra era
dada pela EC8 29.” (2016, p.9).
8 Emenda Constitucional
34
GRÁFICO 1:
FONTE: IPEA, 2016.
A preocupação com o futuro é latente na categoria de assistentes sociais, vivemos
momentos alarmantes para a vida social. Cada vez mais a população brasileira está
envelhecendo, o número de idosos cresce constantemente, e essa categoria da população é umas
das que mais precisam dos serviços de saúde, ou seja, são os usuários que apresentam as
maiores demandas para saúde pública. Uma pesquisa do IPEA mostra que nos próximos anos
o número de pessoas com idade acima de 60 anos vai crescer consideravelmente (gráfico 2),
estima-se que em 2036, que seria o prazo final da PEC 241/55 a população idosa vai ser quase
o dobro da quantidade de idosos que temos atualmente.
35
GRÁFICO 2
FONTE: IPEA, 2016.
Esse contexto só nos afirma a importância de uma consciência crítica que permita uma
análise do contexto social de forma clara que fuja do aparente, mas que consiga analisar a
essência e dessa forma buscar estratégias de resistência e corroborar com enfrentamento a toda
essa barbárie mascarada de solução da crise.
A saúde pública, gratuita, universal e de qualidade é pauta histórica de luta dos/as
assistentes sociais brasileiros/as, que reconhecem a saúde com parte da seguridade
social, como um campo de luta e de formação de consciências críticas em relação
à desigualdade social no Brasil e de organização dos trabalhadores e das
trabalhadoras (CFESS, 2015a).
Concordamos com o Conselho Federal de Serviço Social, ao entender que, a grande
estratégia do capital é desacreditar o SUS, é propagar a ideia de que o SUS não funciona, que
saúde pública não é eficiente, e isso acaba por chegar no discurso da população usuária. O ideal
para a maioria dos indivíduos é a obtenção de um plano de saúde privado, porque acredita-se
que os serviços são de maior qualidade, o atendimento é mais rápido, a estrutura é melhor. E
36
para conseguir isso, as pessoas tem que trabalhar ainda mais, fazer mais horas extras, aumentar
a carga horária de trabalho, o que beneficia o capital duplamente porque tem a sua disposição
um indivíduo ao qual explorar a força de trabalho com maior intensidade e ao mesmo tempo
tem uma pessoa que investirá parte da sua renda para pagar um plano de saúde que na maioria
das vezes não supre todas as necessidades de seus usuários.
O progressivo desfinanciamento dos serviços sob responsabilidade direta do Estado
e a ampliação sistemática e contínua da privatização da saúde têm levado a
população a desacreditar que seja possível um sistema público e gratuito de saúde,
a pensar que o SUS não é viável ou que não tem capacidade para prestar serviços
de saúde com qualidade. A lógica do capital é exatamente esta: desacreditar o SUS
e credibilizar e valorizar a privatização – quer seja via saúde privada financiada
diretamente pelo próprio trabalhador, quer seja via SUS (CFESS, 2015a).
O que não é divulgado na mídia burguesa é de quem é a responsabilidade dessa
dificuldade do SUS de conseguir efetivar plenamente os seus ideais. O Estado além de não
investir adequadamente também não administra com eficiência os serviços do SUS. A grande
tendência vivida na área da saúde é a terceirização, não apenas dos serviços prestados pelas
instituições, mas também da própria administração das instituições de saúde pública. Essa
delegação da administração influência exatamente na forma de ofertas dos serviços, pois nessa
maneira de gestão o que prevalece é a busca por lucro em detrimento da qualidade. É o atender
o paciente em um tempo mínimo para que no final do plantão consiga atender o máximo de
pessoas possíveis, e na maioria das vezes nem se quer escutar o que esse indivíduo está falando
sobre seus sintomas.
Nos últimos anos, temos assistido ao adensamento do sucateamento e da
privatização no interior do SUS. As parcerias público-privadas são intensificadas
por meio da transferência da gestão das unidades de saúde pública para as
organizações sociais (Oscip, OS, Fundações, Ebserh9, dentre outras); [...] (CFESS,
2015a).
Isso causa impactos para todos os profissionais que atuam na área, e não é diferente para
os/as assistentes sociais, esse caráter mercadológico dificulta o fazer profissional porque muitos
são os usuários que chegam ao Serviço Social com alguma demanda de serviço de saúde que
lhe foi negado ou que ele não tem conhecimento de como acessar. O Serviço Social trabalha
com um público fragilizado e que na maioria das vezes não consegue ter uma análise crítica do
contexto social ao qual está inserido, até mesmo porque os meios de comunicação ao qual tem
acesso está completamente deturpado e voltado para os interesses da burguesia, na realidade a
mídia pertence a própria burguesia. É esse público que o/a assistente social recebe todos os dias
em seus espaços de trabalho.
9 Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), Organização Social (OS), Empresa Brasileira de
Serviços Hospitalares (Ebserh).
37
[...] são ‘estes portadores materiais de necessidades não contempladas pelo sistema’
– os que não têm a quem recorrer – que constituem a população usuária do Serviço
Social no contexto do SUS, seja na condição de excluídos da sociedade, seja na de
excluídos do atendimento realizado (COSTA, 2000, p.344).
Nos hospitais, por exemplo, esses usuários chegam para o serviço com demandas de
caráter emergencial que precisam ser atendidas, essa é uma das atividades mais recorrentes para
o assistente social, o “agenciamento de medidas de caráter emergencial”10, o que exige um
grande cuidado porque embora essas demandas sejam legitimas e precisam ser atendidas, o
trabalho do profissional não pode se restringir apenas a isso, a análise do contexto social é algo
intrinsecamente ligado ao fazer profissional e não é qualquer análise, mas uma análise com
visão de totalidade, pois é a partir dessa leitura de realidade que conseguimos qualificar o nosso
fazer profissional.
Exige a capacidade de irmos além do aparente, reproduzido pelos meios de
comunicação dominados pela burguesia, e do simplismo de suas polarizações.
Instiga-nos a partir de parâmetros que nos orientem para uma direção política
fundamentada nos princípios éticos fundamentais da profissão. Nesse sentido,
nossas análises tomam como referência o patamar da realidade brasileira,
questionando os elementos que impactam nos interesses da classe trabalhadora
(CFESS, 2015b).
E para conseguir realizar uma atuação qualificada e comprometida com a classe
trabalhadora o/a assistente social precisa ter um vasto conhecimento de diversas questões que
dizem respeito a área social. Os usuários ao buscarem atendimento no Serviço Social trazem
diversas demandas para o profissional, sejam elas, explicitas ou implícitas. A atuação do/a
assistente social na área da saúde tem como principal intuito a articulação dos serviços da
Seguridade Social, assim como os direitos do cidadão, e para isso necessita desse conhecimento
amplo dos serviços dispostos na sociedade que podem beneficiar os usuários.
[...] numa perspectiva mais coletiva, o assistente social, além de dispor de normas
e portarias, necessita tomar conhecimento da legislação social existente, de que é
exemplo a LOAS, LOS, ECA, Código de Defesa do Consumidor, CLT, Legislação
Previdenciária etc., e estar atento às mudanças na dinâmica do atendimento, seja
em nível da unidade em que trabalha e/ou da rede de saúde, seja nas demais
instituições para as quais rotineiramente, faz encaminhamentos, com o objetivo de
facilitar/assegurar o atendimento aos usuários. (COSTA, 2000, p.329).
10 Agenciamento de medidas e iniciativas de caráter emergencial – assistencial – constituem emergências
sociais que interferem no processo saúde doença, bem como relacionam-se à demanda reprimida/déficit de
oferta dos serviços de saúde e demais políticas sociais públicas e sobretudo relacionam-se às desigualdades
econômicas, políticas e sociais e culturais a que estão submetidos a maioria da população usuária do SUS.
Nesses termos, são atividades voltadas para agilização de internamentos/leitos, exames e consultas (extras),
tudo que envolve o tratamento e acompanhamento dos usuários e sua família ou cuidadores, tais como o acesso
a transporte, medicamentos, órteses, próteses, sangue, alimentos, roupa, abrigo adequado, translado,
atestados/declarações etc. Demandam a mobilização e articulação de recursos assistenciais inerentes à política
de saúde e as demais políticas sociais, portanto dentro e fora do sistema de saúde. (COSTA, 2000, p.317).
38
Porém, destacamos que além do conhecimento intelectual e técnico que o/a assistente
social precisa desenvolver no decorrer de sua atuação, no seu cotidiano de trabalho, a postura
ética e política é um fator primordial para o seu fazer profissional. Um conhecimento intelectual
dissociado de um embasamento ético e critico compromissado com a classe trabalhadora,
acabara por transformar o profissional, como acertadamente definiu Netto, em um “mero
executor de políticas terminais”, suscetível a posturas conservadoras.
E em um contexto onde a “onda” neoconservadora é uma forte ameaça é necessário que
a categoria esteja cada vez mais consciente da sua direção ética-política, e para isso o nosso
Código de ética e projeto ético político são fortes ferramentas que nos possibilita essa clareza
e fornecem suporte para o enfrentamento que o cotidiano profissional no contexto capitalista
nos apresenta. É nos respaldando nessas ferramentas que podemos fazer o enfrentamento
necessário a investida neoconservadora e os desafios que ela coloca para a categoria.
3.2 Investida neoconservadora e suas implicações para a profissão de Serviço Social
A preocupação com o fazer profissional sempre esteve presente na categoria, afinal uma
profissão precisa estar constantemente atenta com as suas posturas e como vem desempenhando
as suas atividades na sociedade. E o Serviço Social por trazer como um de seus elementos
fundantes o conservadorismo11 tem essa necessidade latente de analisar a profissão em si e
como ela se relaciona com a sociedade.
O trabalho do/a assistente social na área da saúde, assim como em outras áreas, é repleto
de desafios. Historicamente no contexto da saúde existe fortemente a cultura de que os
profissionais são os donos do saber e o usuário paciente é um simples receptor das orientações
desse profissional, o que traz um caráter muito subalterno para o paciente. É obvio que a parte
técnica e intelectual do processo saúde doença é competência desses profissionais, mas não
podemos inferiorizar o outro que chega em busca de atendimento. É importante entender esse
usuário enquanto parceiro nessa busca da saúde.
11 Em termos de Serviço Social, o conservadorismo é constitutivo da sua trajetória. A iniciativa de fundação da
primeira escola, em São Paulo, foi resultante da mobilização do laicato em torno do projeto de recristianização da
Igreja Católica entre as décadas de 1920 e 1930. Tem-se aí presente o conservadorismo de matriz restauradora
colocando-se como alternativa no enfrentamento da “questão-social” [...]. (SANTOS, 2007, p.53).
39
O usuário não é apenas consumidor dos efeitos úteis do trabalho e/ou de
insumos, medicamentos etc., mas é co-participante do processo de trabalho, na
medida em que dele dependem o fornecimento de informações sobre seu
estado de saúde e o cumprimento/aplicação das prescrições médicas e
recomendações terapêuticas (COSTA, 2000, p.309).
No entanto, o que se nota é uma hierarquização nos serviços de maneira que o usuário
é por muitas vezes colocado numa posição inferior. No âmbito das profissões, essa
hierarquização atinge o Serviço Social no sentido de descaracterizar a sua atuação como
elemento necessário para o processo da saúde. Nos hospitais ainda existe a cultura, por parte de
alguns profissionais de que o/a assistente social atua no sentido da caridade, porém o mais
preocupante é quando os próprios/as assistentes sociais ainda acredita nesse estereótipo. Ainda
assim, é bastante importante destacar que enquanto categoria temos muito claro que o Serviço
Social é uma profissão inserida na divisão sócio-técnica do trabalho voltada para a defesa dos
interesses da classe trabalhadora.
Atualmente podemos afirmar que o nosso Código de Ética e o Projeto ético-político da
categoria tem um direcionamento muito claro no sentido de orientar os profissionais para uma
atuação preocupada com a qualidade dos serviços prestados, assim como a ética no tratamento
da sua relação os seus usuários. E essa direção aponta para a recusa ao conservadorismo, a
categoria defende de forma muito veemente a postura crítica no que diz respeito a análise social
e desempenho de suas atividades no cotidiano do trabalho. Ainda assim, não podemos ser
ingênuos em acreditar que o conservadorismo é algo completamente erradicado do Serviço
Social, até porque a categoria é composta por um conjunto de profissionais completamente
diferentes entre si, e isso acaba por propiciar que alguns profissionais, consciente ou
inconsciente, adote uma postura de caráter conservador.
[...] a ruptura com o quase monopólio do conservadorismo no Serviço Social
não suprimiu tendências conservadoras e neoconservadoras – [...] a
heterogeneidade própria dos corpos profissionais propicia, em condições de
democracia política, a existência e a concorrência entre projetos diferentes
(NETTO, 2006, p. 17).
Isso nos mostra a importância de sempre lançar em debate a investida neoconservadora
presente na atualidade no campo da saúde, disseminar e problematizar a postura ética defendida
pela categoria é fundamental no sentido de aumentar o seu alcance entre os profissionais. É
necessário ter o entendimento de que o projeto ético-político da categoria não é uma utopia,
mas um ideal alcançável e que deve ser presente no cotidiano, para assim desenvolvermos um
atendimento com direcionamento ético-político extremamente claro.
[...] as contradições são apreendidas e (re)construídas, num movimento
dialético em que sobressai o entendimento de que formação e exercício
profissional com qualidade exigem, entre muitas outras questões, direção
40
política crítica para que o projeto ético-político profissional não se degenere
em mera “carta de intenção” (BARROCO, 2012, p.10).
Uma grande preocupação quando volto o olhar para a área da saúde é a naturalização
dos problemas sociais no sentido de atender a um usuário com demandas diversas, mas olhar
apenas para a situação pontual e emergente e a preocupação com tramites burocráticos.
Principalmente aqueles profissionais inseridos na urgência e emergência dos Hospitais são
muitos requisitados a atuar de forma pontual e isolada o que acaba por privar o profissional do
entendimento de contexto social e reforça a postura técnico-burocrático do hospital. Isso
favorece o sistema capitalista, pois não se problematiza as questões dispostas na realidade, logo,
não se propõem projetos de enfrentamento. O que ocorre é a naturalização da barbárie.
[...] um dos grandes conflitos enfrentados pelos assistentes sociais é trabalhar
demandas, pleitos, exigências imediatas – a dor, o sofrimento, a falta de tudo,
a iminência da morte, da perda do outro, enfim, a falta de condições de
trabalho, as condições de vida e o estilo – sem perder a perspectiva de médio e
longo prazo. Ou seja, enfrentar os problemas cotidianos sem perder de vista
que, nesta realidade social, ainda que seja necessário dar respostas às questões
imediatas, elas não se resolverão nesta organização social assentada na
exploração do homem pelo homem (VASCONCELOS, 2002, p. 21).
O incentivo realizado no contexto neoliberal é propagar o entendimento de que a
sociedade é como está posta e que os responsáveis são os indivíduos e, portanto, a busca por
soluções deve ser algo particular, individual. Isso dificulta a organização da classe e propaga
um conformismo social generalizado.
É próprio da sociabilidade do capital disseminar a ideia de que todos são
igualmente responsáveis pela crise societária que estamos vivenciando. Nesta
perspectiva, desemprego, violência, fome, mercantilização da saúde, da
educação e de todas as dimensões da vida social são considerados fenômenos
comuns do desenvolvimento da humanidade. E se todos são tidos como
responsáveis pela crise e se a barbárie é normal como destino da humanidade,
o resultado na vida cotidiana é a instauração de um profundo niilismo ético-
político (BARROCO, 2012, p.14).
E é essa descrença que muitas vezes invade o dia-a-dia do/a assistente social que se
desmotiva por acreditar que as suas ações não vão ter efetividade na vida daquele usuário com
um contexto de vida precário e que não tem a menor perspectiva. Mas, precisamos manter em
nossa atuação o entendimento que apenas na luta, enquanto classe trabalhadora é que podemos
conquistar e promover mudanças, é preciso ter clareza que a transformação social não será
realizada unicamente pelo/ assistente social, porque assim realmente nos frustraremos, mas não
podemos nos manter isentos frente a luta por uma nova sociabilidade.
Em outras palavras, de acordo com os pressupostos de nosso compromisso
profissional e social, não nos cabe ficar assistindo á barbárie como se cada um
de nós não tivesse nada a ver com isso. Entendemos que essa é uma questão
ética e política da maior importância: o posicionamento de cada um e de todos
41
a cada dia em face do possível mesmo que ele possa parecer ínfimo perto do
que gostaríamos que fosse (BARROCO, 2010, p. 215-216).
Uma linha de pensamento que perpassa e que cada dia ganha mais força na categoria é
a ideia de “humanização do sistema capitalista”, onde se defende a ideia de que podemos moldar
o sistema de forma que ele abarque mais direitos sociais, melhore as condições de vida da
população, mas que continue a sua forma de produção social e apropriação privada. O que
entendemos que seria impossível, pois a base do capitalismo está posta na exploração, e como
forma uma sociedade igualitária quando a exploração é sua base de sustentação? Não há
possibilidade disso, mas a força com que essa ideia é reproduzida chega a assustar, e aquilo que
parece tão obvio acabar por ser obscurecido pelo poder burguês. Não estamos afirmando que
não devemos lutar por condições de vida mais digna nesse contexto social, ao contrário,
entendemos que é primordial a luta por direitos e pela sua efetivação no cotidiano dos
indivíduos, inclusive no Código de Ética do/a Assistente Social de 1993 está colocado como
um de seus princípios fundamentais a: “Ampliação e consolidação da cidadania, considerada
tarefa primordial de toda sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis sociais e políticos
das classes trabalhadoras” (p.23), o que enfatizamos é que isso não pode ser visto como um fim
último, mas como um caminhar para outra sociabilidade. O que não podemos de forma
nenhuma é perder de vista o horizonte de uma nova sociabilidade. Concordamos com Behring
que:
[...] reafirmar direitos e políticas sociais no âmbito do capitalismo e lutar por
eles, tendo como projeto uma sociedade justa e igualitária, não significa
contentar-se com os direitos nos marcos do capitalismo. Essa é uma estratégia
para o estabelecimento de condições objetivas de construção de outra forma de
sociabilidade (2011, p. 195).
A expansão dessa linha de pensamento de humanizar o capitalismo se dá ainda mais
fortemente na sociedade devido à grande afirmativa disseminada de que o ideal socialista de
uma sociedade igualitária e livre de exploração, assim como a apropriação social da riqueza
socialmente produzida não passa de uma utopia que na realidade não consegue se materializar,
que não é competente ao ponto de objetivar seus ideais. Essa desqualificação do pensamento
socialista é uma forma de estratégia de elevar o sistema capitalista como único caminho possível
para a sociedade e de fomentar a crença da impossibilidade de sua superação.
Por isso, é tão latente a necessidade de reforçar entre os/as assistentes sociais que a nossa
categoria tem um projeto ético-político que está diretamente associado a um projeto societário
com vista a superação da ordem vigente e criação de uma sociabilidade livre de qualquer tipo
de exploração.
42
Nesse contexto temos o pensamento pós-moderno12 com vistas a entender a sociedade
como uma confusão de determinantes analisados na sua particularidade de forma que a sua
compreensão permanece na superficialidade, motivo pelo qual é tão requisitado pela capital.
Isso representa um verdadeiro problema para a categoria, pois entendendo a nossa atuação
frente as expressões da questão social, é primordial que o profissional faça uso de uma análise
que busque compreender as problemáticas na sua essência de forma crítica com o intuito de
qualificar a sua atuação, algo que o pensamento pós-moderno não abarca.
[...] toda a construção teórico-metodológica da pós-modernidade emerge a
partir de determinada interpretação da realidade contemporânea marcada, sim,
por significativas alterações. [...] a percepção dessas alterações, conforme
demonstrado, é fundamentalmente aparente: descreve-as como uma série de
problemas componentes da chamada “crise da modernidade” sem penetrar em
sua essência [...]. Percebe-se que esta superficialidade analítica, sendo um
componente funcional à ordem burguesa, possui caráter conservador, pois
termina por afirmar a sua positividade (SANTOS, 2007, p.45).
Na lógica de analises individualizantes, perde-se a ótica da totalidade, e o profissional
inserido na instituição não conseguirá enxergar o contexto social que aquele usuário ao qual
está atendendo se insere. E o que se apresenta como um uso compulsivo de medicações para
conseguir sobreviver em meio ao estresse da vida, será visto como algo particular daquele
indivíduo que não consegue manter o controle em meio a situações de extrema competitividade
que a sociedade prega como algo normal, ou seja, é um problema particular que o indivíduo
não quer resolver e a solução é apresentada em forma de mercadoria, que é o medicamento.
Tudo é cada vez mais mercantilizável, inclusive os males que o próprio
capitalismo produz. Os tranquilizantes químicos têm seu consumo em alta. [...]
Os seguros-saúde fazem parte de um mercado que lucra com o
desmantelamento do sistema público de saúde e das políticas de prevenção de
doenças; isso para não falar da indústria farmacêutica (SANTOS, 2007, p.29).
Nesse caminhar individualizante, nos preocupa a perda desse total, do conjunto até
mesmo enquanto profissionais, pois sabemos que a desarticulação da categoria enfraquece o
nosso poder na luta social, o que beneficia a burguesia no sentido de manutenção do seu poder.
A investida neoconservadora13 adentra o cotidiano do trabalho no sentido de obscurecer os
12 O pensamento pós-moderno, com sua defesa de um pluralismo de jogos de linguagem que impossibilita ir além
de consensos locais e temporais, não permite dispor de critério algum para discernir as injustiças sociais. Nos deixa
a mercê do status quo, encerrados no existente e sem possibilidades de uma crítica sócio-política racional. Tal
pensamento, ainda que se proponha o contrário, termina não oferecendo apoio à democracia e sendo um apoio às
injustiças vigentes. Merece, portanto, ser denominado conservador ou neoconservador ou, ao menos, ser suspeito
de realizar tais funções” (MARONDES, 1994, p.38. APUD.: SANTOS, 2007, p.42). 13 A ideologia neoconservadora tende a se irradiar nas instituições sob formas de controle pautadas na
racionalidade tecnocrática e sistêmica tendo por finalidade a produtividade, a competitividade e a lucratividade,
onde o profissional é requisitado para executar um trabalho repetitivo e burocrático, pragmático e heterogêneo,
que não favorece atitudes críticas e posicionamentos políticos. (BARROCO, 2011 p. 213).
43
determinantes sociais que agudizam a questão social de forma a provocar no/a assistente social
uma postura tecnoburocrática com ausência de um senso crítico.
E todas as atrocidades vivenciada na sociedade é justificada pela situação de crise,
estado quase que natural do sistema capitalista. Essa justificativa invade a vida das pessoas no
sentido de agravar cada vez mais um contexto social onde a classe trabalhadora é penalizada de
uma forma que todos os seus infortúnios se apresentam como algo natural. E a busca por
superação das condições de vida precária se apresenta como um desafio individual.
Dilui-se a distância entre crise e normalidade, pois a existência normal torna-
se crítica [...] [em face de] um cotidiano de miséria material e moral que a todos
atinge. Desaparece a ideia de que a vida pode e deve ter um horizonte amplo,
sólido e aberto. Em seu lugar, predomina a sensação, psicologicamente
desestruturante, de desgoverno das expectativas. Tudo se torna precário. Um
sentimento do provisório, do frágil, do especulativo [...] preside as ações. As
elites sempre pensando no próximo bom negócio; o povo, na estratégia de
sobrevivência para o próximo dia (BENJAMIN, 1998, p. 14. APUD:
SANTOS, 2007, p.28).
Por isso, é tão imprescindível que a categoria esteja firmemente pautada em uma
ideologia crítica que permita perceber as contradições do sistema capitalista a fim de realizar
uma atuação e análise social que transcenda a compreensão capitalista de que:
[...] (a) alienação social e a violência estrutural da sociedade, (explicita nas)
desigualdades econômicas, sociais e culturais, (n)as exclusões econômicas
políticas e sociais, (n)o autoritarismo que regula todas as relações sociais e
culturais, (n)a corrupção como forma de funcionamento das instituições, (n)o
sexismo, (n)as intolerâncias religiosa, sexual e política (que) não são
consideradas formas de violência (CHAUI, 1999. APUD: VASCONCELOS,
2002, p.105).
No entanto, é importante ter a clareza de toda a conjuntura social para não acabar
desenvolvendo uma crítica no sentido de culpabilizar o profissional pela intensificação da
questão social, queremos deixar claro que a categoria também é atingida pela barbárie
capitalista. Se voltarmos o olhar para as condições de trabalho dos/as assistentes sociais
visualizaremos que a maior parte trabalha em condições precárias que objetivamente não
comporta as condições mínimas para a realização do trabalho. Isso dificulta o processo de
enfrentamento as situações cotidianas ao qual o profissional é atacado por diversas frentes e de
forma simultânea.
Não podemos cair no entendimento messiânico de acreditar que unicamente enquanto
profissionais seremos os salvadores da classe trabalhadora, primeiro porque a transformação
social não pode ser realizada por uma categoria profissional, mas sim pela classe trabalhadora
como um todo. Segundo, quando acreditamos nesse heroísmo utópico, nos afastamos do
entendimento de pertencimento da classe trabalhadora e maquiamos a nossa condição de
indivíduos que também sofre as consequências das expressões da questão social, dessa forma
44
concordamos com Barroco (2011, p. 212) ao afirmar que “a categoria não está imune aos
processos de alienação, à influência do medo social, à violência, em suas formas subjetivas e
objetivas.”. Isso favorece para que o conservadorismo encontre espaço na categoria, pois:
A reatualização do conservadorismo14 é favorecida pela precarização das
condições de trabalho e da formação profissional, pela falta de preparo técnico
e teórico, pela fragilização de uma consciência crítica e política, o que pode
motivar a busca de respostas pragmáticas e irracionalistas, a incorporação de
técnicas aparentemente úteis em um contexto fragmentário e imediatista
(BARROCO, 2011 p. 212).
A sociedade é um sistema propicio a “proliferação” da alienação, inclusive é uma forte
ferramenta para garantir a sua reprodução. A cotidianidade15 na qual se desenvolve o trabalho
do/a assistente social é um espaço onde a alienação mais se expressa, portanto é de grande
relevância manter uma postura crítica e atenta aos determinantes sociais a fim de não perder de
vista os ideais defendidos pela categoria, assim como conseguir compreender o contexto social
de forma aprofundada.
Essa alienação, forja um caminho que facilita a efervescência de posturas
antidemocráticas e preconceituosas. É bastante preocupante quando notamos essas posturas no
trabalho profissional, o âmbito da saúde é uma área pela qual perpassa muitas questões que
causam conflitos no sentido da relação dos profissionais com os usuários e com as instituições.
Temáticas como aborto, doenças sexualmente transmissíveis, dependência química, doenças
psicológicas, e etc., são alguns dos assuntos que geram atritos entre os assistentes sociais, apesar
de termos de forma muito clara no nosso Código de Ética profissional de 1993, como um dos
princípios fundamentais o “empenho na eliminação de todas as formas de preconceito,
incentivando o respeito a diversidade, à participação de grupos socialmente descriminados e a
discussão das diferenças” (p.23). Isso é algo que precisa ser exaustivamente enfatizado no
cotidiano de trabalho no sentido de propagar uma democratização social no acesso aos serviços
e direitos.
Sendo assim, a resistência a investida neoconservadora precisa ser feita com muito
afinco, pois o neoconservadorismo e o “[...] ideário pós-moderno, que negam a universalidade
dos valores, a perspectiva de totalidade, a luta de classes, o trabalho, o marxismo, afirmando
um pluralismo apoiado no ecletismo e na relativização da verdade objetiva (BARROCO, 2011
14 Entenda aqui reatualização do conservadorismo enquanto a investida de pensamentos conservadores na categoria
e não como o movimento de reconceitualização ocorrido na profissão por volta dos anos 70. 15 A vida cotidiana é o espaço de trabalho do assistente social. As demandas típicas das instituições rebatem na
dinâmica da cotidianidade, ganhando consistência, pois a heterogeneidade, a repetição, a falta de crítica, o
imediatismo, a fragmentação, o senso comum, o espontaneísmo são atitudes típicas da vida cotidiana repetidas
automaticamente em face da burocracia institucional. (BARROCO, 2012, p.73).
45
p.214), não possibilitará o desenvolvimento de um trabalho qualificado na defesa dos interesses
da classe trabalhadora.
Esse ideário neoconservador não pode ser subestimado, uma vez que, é de interesse da
burguesia que esse fator ganhe força entre a sociedade e que utilizará de diversas “armas” para
garantir que ela continue ganhando espaço.
O neoconservadorismo busca legitimação pela repressão dos trabalhadores ou
pela criminalização dos movimentos sociais, da pobreza e da militarização da
vida cotidiana. Essas formas de repressão implicam violência contra o outro, e
todas são mediadas moralmente, em diferentes graus, na medida em que se
objetiva a negação do outro: quando o outro é discriminado lhe é negado o
direito de existir como tal ou de existir com as suas diferenças (BARROCO,
2011 p.209).
Nesse cenário de violência, negação do outro e incentivo a individualização e
competitividade, uma política que pode ser um bom “instrumento” ao combate a esses fatores
na área da saúde é a Política Nacional de Humanização16 – PNH que se apresenta como uma
estratégia que auxilia no processo de efetivar os princípios do SUS utilizando a participação
dos profissionais e usuários como protagonistas no “fazer” o SUS funcionar da forma como ele
foi idealizado. Essa política preconiza o modelo de gestão coparticipativa o que enfatiza o
caráter democrático que o SUS defende. Trabalhar essa temática de forma aprofundada
ultrapassa os limites deste trabalho, mas queremos mostrar de forma sucinta que a PNH é uma
estratégia que podem auxiliar a categoria dos assistentes sociais no sentido de trabalhar nessa
democratização do acesso aos serviços de saúde.
É importante destacar que a PNH vai muito além do que “embelezar” os espaços físicos
das instituições, ela preconiza uma mudança cultural em um espaço onde a hierarquização é tão
arraigada. Porém, os assistentes sociais precisam ter clareza que essa política não é sinônimo
de postura humanista e/ou caritativa, não é ser “bonzinho” ao atender o usuário, é na realidade
defender um serviço de qualidade e lutar pela plena efetivação dos ideais propostos pela
Reforma Sanitária.
[...] o grande desafio do Serviço Social é fazer uma discussão crítica acerca das
práticas de humanização no sentido de romper com as práticas
individualizantes, de favor, de ajustamento e disciplinamento dos usuários,
bem como de alívio das tensões e amenização de conflitos e avançar no sentido
de construir e fortalecer práticas voltadas para potencializar a capacidade de
participação enquanto deliberação de sujeitos individuais e coletivos (usuários
e trabalhadores) na efetiva construção de condições objetivas dignas de
trabalho e atendimento no SUS... (COSTA, 2000, p.332).
16 Para um maior aprofundamento sobre essa politica ler: Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à
Saúde. Política Nacional de Humanização. Formação e intervenção / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção
à Saúde, Política Nacional de Humanização. – Brasília : Ministério da Saúde, 2010. – (Série B. Textos Básicos de
Saúde) (Cadernos HumanizaSUS ; v. 1)
46
Sendo assim, a afirmativa é que a realidade está posta, o grande desafio da categoria é
desenvolver um trabalho com a clareza do nosso direcionamento político, principalmente tendo
a clareza de que os ditames capitalistas não podem ser enfrentados de forma individual. É
necessário que os profissionais estejam articulados com a luta geral da classe trabalhadora.
Enquanto categoria precisamos nos manter alerta para confrontar o ataque que o
neoconservadorismo vem realizando no Serviço Social.
Nesse sentido, o enfrentamento do neoconservadorismo, sob o ponto de vista
profissional, é de caráter político em dois aspectos articulados. Por um lado, é
preciso que nossa organização política esteja fortalecida e renovada com novos
quadros, supondo o trabalho de base, junto à categoria, com as entidades de
representação, as unidades de ensino, os profissionais e alunos. Por outro lado,
só conseguiremos consolidar politicamente o nosso projeto, na direção social
pretendida, se tivermos uma base social de sustentação; logo, é fundamental a
articulação com os partidos, sindicatos e entidades de classe dos trabalhadores,
com os movimentos populares e democráticos, com as associações
profissionais e entidades de defesa de direitos. E o avanço político do nosso
projeto está articulado ao avanço dessas forças sociais mais amplas. Ao mesmo
tempo, é preciso ter clareza de que essa luta é limitada, uma vez que ela envolve
dimensões que extrapolam a profissão (BARROCO, 2011 p.212).
Dessa forma, é urgente a necessidade de articulação da categoria, desde os alunos de
graduação aos profissionais no sentido de não fraquejar diante da investida neoconservadora.
Os/as assistentes sociais precisam ser assertivos no seu fazer profissional, fazendo uso dos
suportes teórico, ideológicos e normativos para qualificar e defender os ideais profissionais. O
Código de Ética, o Projeto Ético-Político e a Lei que regulamenta a profissão precisam ser
usados em favor do fazer profissional e para isso é preciso que a categoria esteja disposta a se
manter firmes na luta contra a barbárie capitalista. Não estamos subjugando as “dores” que as
batalhas nos trazem, mas vivemos em um momento histórico que não podemos recuar.
47
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Voltarmos o olhar para o interior do Serviço Social é uma atividade essencial para o
desenvolvimento e fortalecimento da profissão. Enquanto profissão inserida na divisão sócio
técnica do trabalho e que tem como um de seus elementos fundantes o conservadorismo, nos
mostra o quanto é importante nos mantermos alertas a esse elemento.
Reforçamos que, apesar do conservadorismo ser um dos elementos fundantes ele não é
o único.
Se temos uma herança conservadora, temos também uma história de ruptura:
um patrimônio conquistado que é nosso, mas cujos valores, cujas referências
teóricas e cuja força para a luta não foram inventadas por nós. Trata-se de uma
herança que pertence à humanidade e que nós resgatamos dos movimentos
revolucionários, das lutas democráticas, do marxismo, do socialismo, e
incorporamos ao nosso projeto (BARROCO, 2011, p.215).
O avanço da profissão e o seu reconhecimento social é uma trajetória repleta de
paradoxos e transformações que possibilitou o amadurecimento da categoria profissional. O
movimento de reconceitualização vivido na profissão, em especial a vertente de intenção de
ruptura foi um marco histórico no sentido de recusa ao conservadorismo no Serviço Social.
Atualmente podemos afirmar que a categoria é direcionada por uma vertente critica dialética
com visão de totalidade em defesa dos interesses da classe trabalhadora.
Sabendo que a área da saúde é um dos espaços de atuação profissional que mais
absorvem trabalhadores assistentes sociais, e que também é um espaço onde perpassa diversas
problemáticas sociais nota-se que é um campo rico em temáticas que merecem ser estudas. Mas,
a investida neoconservadora na categoria nessa área é um assunto que nos despertou o interesse
e se apresentou como uma tendência de forte relevância para o Serviço Social.
É fato que os ideias da reforma sanitária ainda não conseguiram se materializar de
forma plena, cujo sistema de saúde (SUS) não consegue se efetivar no contexto social, pois
enfrenta um verdadeiro desmonte patrocinado pela burguesia. Os ideais democráticos na saúde
enfrentam enormes obstáculos na sociedade capitalista, mas faz parte de uma das bandeiras de
luta dos assistentes sociais a defesa por um serviço de saúde pública universal e de qualidade
para a população.
A política pública de saúde tem encontrado notórias dificuldades para a sua
efetivação, como a desigualdade de acesso da população aos serviços de saúde,
o desafio de construção de práticas na integralidade, os dilemas para alcançar
a equidade no financiamento do setor, os avanços e recuos nas experiências de
48
controle social, a falta de articulação entre movimentos sociais, dentre outras.
Todas essas questões são exemplos de que a construção e consolidação dos
princípios da Reforma Sanitária permanecem como desafios fundamentais na
agenda contemporânea da política de saúde (CFESS, 2009, p. 12).
Nota-se que no contexto atual a saúde pública vem enfrentando um verdadeiro desmonte
nos serviços, e uma forte articulação do governo em criar um ambiente propicio para o
crescimento da privatização dos serviços em benefício da burguesia. A grande estratégia é
fragilizar o setor público e espalhar o discurso de que o SUS não funciona, quando na realidade
a responsabilidade disso é do poder público. A PEC 241/55 é uma das mais novas formas de
ataque do governo no sentido de congelar os gastos não apenas com a saúde pública, mas
também congelar os gastos com a educação e assistência social, ou seja, “matar dois coelhos
com uma cajadada só”, mais especificamente atingir três “coelhos” com um só golpe.
As contrarreformas político-administrativas efetuadas pelo Estado brasileiro
nos últimos anos, têm impactado brutalmente no financiamento e na
estruturação do sistema de saúde, fragilizando a assistência à população, bem
como têm estimulado a expansão do setor privado (CFESS, 2015a).
A mídia burguesa atua fortemente na divulgação das dificuldades no sistema de saúde
pública de conseguir fornecer um atendimento de qualidade a população usuária e
comitantemente as empresas privadas divulgam cada vez mais os seus planos de saúde como
algo fundamental na vida dos indivíduos pregando uma assistência que na prática não acontece.
Nesse meio social se desenvolve o trabalho do/a assistente social na área da saúde que
tem que lidar com as demandas dos usuários em um cenário permeado por precarização da
estrutura institucional, de contratos flexíveis de trabalhos, da ausência de materiais de trabalho,
da hierarquização do saber, ou seja, um cotidiano repleto de desafios.
A sociedade capitalista solicita dos/as assistentes sociais uma postura técnico-
burocrática com uma exigência de produtividade absurda sem a menor preocupação com a
qualidade do serviço. Diante disso fica evidente o quanto a categoria precisa ter clareza do seu
direcionamento político e preceitos éticos para resistir a desqualificação do exercício
profissional. E para esse enfrentamento o/a assistente social conta com alguns recursos
ideológico e normativos como o Código de Ética Profissional, a Lei que regulamenta a profissão
e o Projeto Ético-Político.
Enfatizamos que o Projeto Ético-Político da categoria está diretamente vinculado a um
projeto de sociedade sem exploração, com igualdade de direitos e de socialização na
participação da riqueza socialmente produzida, que é um modelo de sociedade completamente
oposto ao sistema capitalista. Por isso, a materialização do nosso projeto profissional é tão
desafiadora, porque ele é incompatível com a sociabilidade vigente. Dessa forma é necessário
49
que a categoria continue insistentemente a resistir a implicações que o capitalismo impõe a
sociedade, pois nesse modelo não será possível a plena efetivação dos diretos sociais.
Não é o Código de Ética que dificulta a realização do trabalho profissional. Não é o
projeto ético-político que é ilusório ou de impossível efetivação. É a sociabilidade
capitalista que não assegura condições concretas para o atendimento das necessidades
humanas e dos direitos na vida cotidiana (BARROCO, 2012, p.15).
Contudo, essa é uma luta que não se trava sozinho, nem mesmo a categoria profissional
é a única responsável por realizar as transformações sociais necessárias, o poder transformador
está na classe trabalhadora de forma geral e articulada. O diferencial é que o Serviço Social
enquanto categoria profissional tem em seus preceitos ético-políticos a articulação com a luta
geral da classe trabalhadora em defesa do interesse desta em detrimento da burguesia.
A investida neoconservadora é real e ameaçadora, mas nota-se que os profissionais na
área da saúde dispõem de um entendimento bem fundamentado sobre a direção ética-política
adotada pela categoria e assim conseguem atuar levando consigo a recusa a desqualificação do
seu exercício profissional. No entanto, não podemos negligenciar o avanço que a ideologia pós-
moderna vem conquistando, afinal o contexto social é bastante propenso a isso. E mesmo que
enquanto categoria tenhamos muito claramente a nossa posição, ainda existe profissionais nos
espaços institucionais que demonstram ideologias conservadoras, pois também precisamos ter
consciência que a categoria profissional é composta por uma heterogeneidade de indivíduos. E
nesse sentido que o CFESS é bastante assertivo ao realizar um chamado a categoria para resistir
a investida neoconservadora.
Nessa conjuntura de retrocessos sociais, econômicos, políticos e culturais, o
Serviço Social brasileiro reafirma seu compromisso com a liberdade e a
democracia, conclamando os/as assistentes sociais a se mobilizarem nos
espaços coletivos contra os avanços do neoconservadorismo na atual
conjuntura (CFESS, 2016a).
O avanço do neoconservadorismo encontra terreno fértil no processo de precarização da
educação que é a base da formação do assistente social, é o momento de forte contribuição para
forjar o caráter profissional. Principalmente o ensino a distância, alvo de diversas críticas, é
apontado como um dos fatores que tem causado uma certa fragilização na categoria no sentido
de fornecer um ensino “deficiente” que não consegue abarcar toda as dimensões teórico-
metodológica, ético-política e técnico-operativa de forma qualitativa, e por muitas vezes coloca
nos espaços de trabalho indivíduos despreparados que não conseguem desenvolver uma atuação
com caráter crítico. Da mesma forma que o materialismo histórico dialético não é abordado
nesse tipo de formação profissional com a seriedade com o qual é abordado na graduação
pública, a ideologia mercadológica é excessiva nos espaços de ensino privado. Assim, a
dimensão ética é vista apenas como uma mera norma a ser seguida e perde a sua significação
50
social. A discussão a respeito do ensino a distância ultrapassa os limites desse trabalho, mas é
sem nenhuma dúvida um fator que necessita um debate mais aprofundado, mas diante da sua
relevância e as implicações não poderia me isentar de apontar o quanto isso influência no
avanço do neoconservadorismo.
Por isso, reforçamos a necessidade de fortalecer as lutas sociais com autonomia
e destacamos o impacto do acirramento da luta de classes na produção e
reprodução do modo de viver e de pensar da classe trabalhadora. Essa
conjuntura pode alimentar as veias abertas do conservadorismo, histórico na
categoria, ou reavivar as nossas resistências profissionais (CFESS, 2015b, s/p).
Outra temática na área da saúde que necessita ser problematizada é a atuação dos/as
assistentes sociais junto a PNH, pois é uma política com a qual os profissionais estão se
envolvendo cada vez mais, e diante disso precisamos entender como isso vem acontecendo e
analisar os impactos (bons e ruins) que surgem ou podem surgir nesse envolvimento. A nossa
preocupação é a mesma apresentada por Costa de que:
[...] a categoria passe a implementar tal política sem uma efetiva e coletiva
discussão crítica. Sobretudo se considerarmos que tal reconhecimento do
profissional de serviço social em lidar com a questão da humanização e a sua
própria adesão à tal política ainda é associada a tradição e à influência do
pensamento humanista cristão (2000, p. 331).
Consideramos a PNH, uma política com grande potencial transformador, desde que
aplicada da forma com a qual foi idealizada no sentido de atuar objetivando a efetivação dos
princípios do SUS, por isso é importante que os/as assistentes sociais absorvam essa política
sempre basilados pelo método crítico dialético, evitando assim cair nas armadilhas do
pensamento conservador que tudo quer invadir.
Os assistentes sociais, nas suas diversas inserções e na efetivação das suas
atribuições e competências, precisam ter como preocupação as diversas
armadilhas pela organização social capitalista e pelas teorias não críticas e pós-
modernas no que se refere à análise das expressões da questão social
evidenciadas no cotidiano profissional (CFESS, 2009, p. 40).
Para além de uma bandeira de luta, a defesa do SUS de qualidade deve ser vista como
uma “atribuição” profissional, além de uma bandeira de luta. A investida neoliberal está
presente na conjuntura atual, e isso implica em diversas perdas para a classe trabalhadora e
diante disso a necessidade de profissionais que se coloque na luta pelos direitos da população é
de extrema importância.
Algo bastante presente no contexto da saúde é a naturalização da precarização das
condições dos serviços de saúde sem realizar o enfrentamento necessário que a categoria precisa
fazer no cotidiano de trabalho. No universo da saúde pública muitos profissionais ainda mantém
a postura do fiscalizador de normas hospitalares, atuando no sentido do “mando”, do
julgamento da postura do paciente. Percebe-se muito fortemente a postura de culpabilizar o
51
indivíduo pela situação da doença, principalmente doenças historicamente estigmatizadas como
o HIV/AIDS, por exemplo. É notório que muitos profissionais demonstram uma postura
conservadora e até mesmo arbitraria diante de demandas que envolva o público da população
LGBT, dependente químico, etc. A própria população que vive na condição de pobreza e
extrema pobreza é muitas vezes estigmatizadas e tratadas com caráter de favor pelo Serviço
Social com o viés de “conseguir” um exame, de “dar” um pacote de fraldas, de “conceder” uma
autorização para o almoço, saindo do caráter do direito que a atuação profissional precisa estar
pautada e se baseando no caráter do “favor”. O que acontece também é a confusão da função
pedagógica com o “aconselhamento” pautado em valores pessoais no que diz respeito no
processo de prevenção/tratamento de doenças.
Por isso, precisamos enfatizar cotidiana e incessantemente a visão do usuário enquanto
sujeito de direito e que a nosso trabalho é articular para que esses usuários consigam ter acesso
as políticas sociais, pois entendemos que “[...] ao garantir direitos sociais, as políticas sociais
podem contribuir para melhorar as condições de vida e trabalho das classes que vivem do seu
trabalho, ainda que não possam alterar estruturalmente o capitalismo” (CFESS, 2009, p. 10). E
para isso que é importante que a categoria busque cada vez mais:
[...] ocupar espaços públicos e estatais estratégicos que possam viabilizar a
formulação e realização dos direitos, de modo a imprimir nestes os valores e
princípios que defendemos. Quanto ao fortalecimento dos movimentos sociais,
essa postura é essencial para não restringir a materialização do projeto ao
âmbito institucional. Fazer história requer lutas coletivas, exige situar o
indivíduo e a atuação profissional nas lutas mais gerais dos trabalhadores
(BEHRING, 2011, p. 199).
É extremamente importante que o profissional desenvolva uma atitude comprometida
com a análise da conjuntura social e a consequência desse social na vida de seus usuários com
o intuito de promover uma atuação centrada na qualidade dos serviços prestados. Entendo que
isso é um grande desafio, pois vai de encontro a lógica capitalista imposta na sociedade, mas é
um enfretamento necessário, afinal “o Serviço Social se faz na luta”.
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