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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF ESCOLA DE ENFERMAGEM AURORA DE AFONSO COSTA - EEAAC MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO NA SAÚDE - MPES JAIME EVERARDO PLATNER CEZARIO O DESAFIO DA ARTICULAÇÃO ENTRE A FORMAÇÃO EM SAÚDE E A INTEGRAÇÃO ENSINO-SERVIÇO NITERÓI, RJ 2013

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - app.uff.br Everardo Platner... · mestrado profissional em ensino na saÚde - mpes ... o desafio da articulaÇÃo entre a formaÇÃo em saÚde e

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF

ESCOLA DE ENFERMAGEM AURORA DE AFONSO COSTA - EEAAC

MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO NA SADE - MPES

JAIME EVERARDO PLATNER CEZARIO

O DESAFIO DA ARTICULAO ENTRE A FORMAO EM SADE E A

INTEGRAO ENSINO-SERVIO

NITERI, RJ

2013

JAIME EVERARDO PLATNER CEZARIO

O DESAFIO DA ARTICULAO ENTRE A FORMAO EM SADE E A

INTEGRAO ENSINO-SERVIO

Dissertao apresentada ao Programa de

Mestrado Profissional em Ensino na Sade

da Escola de Enfermagem Aurora de

Afonso Costa da Universidade Federal

Fluminense, como requisito parcial

obteno do ttulo de Mestre.

Linha de Pesquisa: Formao Pedaggica

em Sade.

Orientadora:

Prof Dr Donizete Vago Daher

NITERI, RJ

2013

JAIME EVERARDO PLATNER CEZARIO

O DESAFIO DA ARTICULAO ENTRE A FORMAO EM SADE E A

INTEGRAO ENSINO-SERVIO

Dissertao apresentada ao Programa de

Mestrado Profissional em Ensino na

Sade da Escola de Enfermagem Aurora

de Afonso Costa da Universidade Federal

Fluminense, como requisito parcial

obteno do ttulo de Mestre.

Linha de Pesquisa: Formao Pedaggica

em Sade.

Aprovada em_____de outubro de 2013.

BANCA EXAMINADORA

Prof Dr Donizete Vago Daher UFF

Orientadora

Prof Dr Neiva Maria Picinini Santos UFRJ

Prof Dr Benedito Carlos Cordeiro UFF

Prof Dr ndrea Cardoso de Souza UFF

Prof Dr Lgia de Oliveira Viana UFRJ

NITERI, RJ

2013

DEDICATRIA

minha mulher

Mary e s minhas lindas,

preciosas e amadas filhas

Jlia e Gabriela.

AGRADECIMENTOS

A Deus sempre presente e soberano, pela graa da vida;

minha me Elizabeth, minha primeira mestra e

incentivadora, pela dedicao e constante elevao do esprito

pela orao silenciosa;

Ao meu pai Jos, que mesmo

ausente desta vida, ainda me ensina o que

honra;

Aos meus irmos e irms (9, todos vivos e presentes), meus primeiros

financiadores. Inspiradores de minha busca constante em ser digno da vida

que tenho como ddiva de Deus;

Mais uma vez a Deus, por ter posto em meu caminho a

Doutora, Mestra, Orientadora paciente e incansvel, Professora

Donizete Vago Daher. Muito obrigado por sempre acreditar que

vai dar tudo certo. Meu mais profundo respeito, carinho e

gratido;

Aos meus amigos e companheiros do mestrado, da

msica, do happy hour,

que sempre esto por perto quando tudo parece

desmoronar e

que de uma maneira ou

de outra compartilharam

comigo este delicioso sofrimento de buscar o conhecimento;

Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa pela acolhida

depois de tantos anos distante;

Aos participantes do PET- Sade - tutores, preceptores, bolsistas - que aceitaram

participar da pesquisa, pela disponibilidade e contribuio para que esse trabalho se

concretizasse;

Fundao Municipal de Sade de Niteri, em especial

Direo da Policlnica Regional da Engenhoca na figura do Dr

Carlos Alberto Carvalho de Almeida (meu amigo e irmo), pela

oportunidade de ingressar no Mestrado;

Muito obrigado a todos que direta ou indiretamente

compartilharam desta jornada que hoje se desdobra

nesta Dissertao;

Obrigado.

Todo

O todo sem a parte no todo;

A parte sem o todo no parte;

Mas se a parte o faz todo sendo parte,

No se diga que parte, sendo todo.

Gregrio de Matos Guerra

Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras l de Alagoas fazem seu ofcio.

Elas comeam com uma primeira lavada,

molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho,

torcem o pano, molham-no novamente,

voltam a torcer.

Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes.

Depois enxaguam, do mais uma molhada,

agora jogando a gua com a mo.

Batem o pano na laje ou na pedra limpa,

e do mais uma torcida e mais outra,

torcem at no pingar do pano uma s gota.

Somente depois de feito tudo isso que

elas dependuram a roupa lavada

na corda ou no varal, para secar.

Pois quem se mete a escrever

devia fazer a mesma coisa.

A palavra no foi feita para enfeitar,

brilhar como ouro falso; a

palavra foi feita para dizer.

(Graciliano Ramos em entrevista concedida em 1948)

RESUMO

Estudos sobre o processo de formao de profissionais da sade vem ocupando expressivo espao em eventos cientficos e publicaes, em especial aps a implantao do Sistema nico de Sade (SUS), das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) e aps a implementao da Estratgia de Sade da Famlia. Porm, em diferentes anlises, constata-se que nestes vinte anos de SUS, recorrente tanto por parte das instituies de formao quanto por parte dos servios de sade, uma postura de desconexo, de descontinuidade de ao entre cenrios de formao e de prtica profissional. Objetiva-se identificar as percepes de alunos bolsistas e preceptores do Programa de Educao pelo Trabalho em Sade (PET-Sade ) sobre a integrao ensino-servio no processo de formao para o SUS; Analisar a contribuio do Programa PET-Sade no processo de formao de profissionais da sade; Elaborar e implementar uma tecnologia educacional como proposta de sensibilizao e capacitao de profissionais Enfermeiros da Fundao Municipal de Sade (FMS) de Niteri para o exerccio da preceptoria. A metodologia descritiva e exploratria, com abordagem qualitativa. Os sujeitos foram 7 alunos graduandos de cursos da sade da UFF: Enfermagem, Medicina, Nutrio, Farmcia, Odontologia e Educao Fsica, bolsistas do Programa PET-Sade, e 9 preceptores/profissionais dos servios participantes deste mesmo Programa. Realizada durante o ano de 2012, contou com Unidades de Sade do Municpio de Niteri-RJ que acolheram o PET-Sade. A coleta de dados se deu por observao livre e entrevista. Estas foram analisadas atravs de anlise temtica, pelo agrupamento das informaes de acordo com caractersticas comuns, gerando 4 categorias: 1) A essencialidade da integrao ensino-servio na formao em sade, 2) A formao em sade e o desafiador processo de construo da integrao ensino-servio, 3) As mltiplas faces da integrao ensino servio e 4) O PET-Sade como espao de articulao e de reflexo sobre a IES. Neste sentido, as prticas de cuidado em sade, tanto podem ser compreendidas como ao individual, ou como um processo de trabalho coletivo, ou ambas as formas de pensar e de fazer podem coexistir num mesmo espao. De qualquer maneira, geram conflitos, suscitam possibilidades, revelam fragilidades nas relaes e requerem constantes reorientaes para que sirvam sempre de expresso democrtica, crtica e reflexiva na promoo da sade. Conclui-se que a relao entre o mundo do ensino e o mundo do trabalho, apesar de sua complexidade, vivel e possvel de ser concretizada. A preocupao de introduzir na agenda a discusso sobre o papel social e poltico do profissional do servio na formao deve ser constante, permanente, tal qual a necessidade de se criar conexes fortes que favoream a permeabilidade entre os saberes e o trnsito entre o ir e vir das informaes. A participao das instituies formadoras em sade e dos entes pblicos que ofertam servios de sade em aes que buscam efetivar as propostas de formao no SUS e para o SUS como a contida nos programas tal qual o PET-Sade, se configura como nova possibilidade de abordagem do processo sade-doena, da reorientao da prtica, da reaproximao com as diretrizes do SUS, da valorizao da abordagem multiprofissional, da interdisciplinaridade e da coletividade como parceira. Descritores: Educao; Sade; Pessoal de sade; Servios de integrao docente-assistencial; Instituies acadmicas.

ABSTRACT

Studies about the training process of health professionals have occupied a significant place in scientific events and publications, especially after the implementation of the Unified Health System (SUS), the National Curriculum Guidelines (DCN) and after the implementation of the Strategy of Familys Health. However, in different analyzes, it is noted that these twenty years of SUS, both by part of training institutions as part of health services, it is recurrent a disconnected attitude, a discontinuity of action between the training scenarios and the professional practice. The training in SUS and for SUS defended by DCN, for the training of health professional is still restricted to the theoretical area. The objective of this study is to identify the perceptions of the scholarship students and preceptors of the PET-Sade Project on the teaching-service integration in the training process for SUS; Analyze the contribution of the Education Program for Working in Health (PET-Sade) in the training process of health professional; Develop and implement an educational technology as a proposal of sensitization and training of nurses from the Municipal Health Service (FMS) of Niteri to exercise the preceptorship. The methodology used is descriptive and exploratory, a qualitative approach. The subjects were 7 graduating students from health courses at UFF: Nursing, Medicine, Nutrition, Pharmacy, Dentistry and Physical Education, all scholarships of PET-Sade Program, and 9 preceptors/professionals of the services participants of this same Program. Held during the year of 2012, counted on Health Units of Niteri City-RJ that welcomed the PET-Sade. Data collection occurred by observation and interview. These were analyzed using thematic analysis by grouping the information according to common characteristics generating 4 categories: 1) The essentiality of teaching-service integration in health education, 2) The health education and the challenging process of building the teaching-service integration, 3) The multiple faces of the teaching-service integration and 4) The PET-Sade as a space for articulation and reflection about the IES. In this sense, the practices of health care, both can be understood as an individual action, or as a collective work process, or both ways of thinking and doing can coexist in the same space. Anyway, generate conflicts, raise possibilities, reveal weaknesses in the relations and require frequent reorientation for a democratic expression, critical and reflective in health promotion. It can be concluded that despite the complexity in the relation between the education and the work areas, is feasible and possible to be achieved. The concern to introduce on the agenda the discussion about the social and the political roles of the professional in the training process must be constant, permanent, as well as the need to create strong connections whichpromote the permeability between the knowledge and the traffic between the coming and going of information. The participation of the health training institutions and the public entities that offer health services in actions that seek to effect the proposals of training in SUS and for SUS as contained in the programs as PET-Sade, is set a new possibility of approach to the health-disease process, the reorientation of practice, the rapprochement of the SUS guidelines, the appreciation of the multiprofessional approach, the interdisciplinary and the community as a partner. Descriptors: Education; Health; Health personal; Integration services instructor; Academic institutions.

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AIS Aes Integradas de Sade

CEP Comit de tica em Pesquisa

CES Cmara de Educao Superior

CIES Comisses Permanentes de Integrao Ensino-Servio

CNE Conselho Nacional de Educao

DCN Diretrizes Curriculares Nacionais

EEAAC Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa

ESF Estratgia Sade da Famlia

FMS-Niteri Fundao Municipal de Sade de Niteri

GM Gabinete Ministerial

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia Estatstica

IES Instituto de Educao Superior

INEP Instituto Nacional Estudos Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira

MEC Ministrio da Educao e Cultura

MP3 Moving Picture Experts Group 1 (MPEG) Audio Layer 3

MS Ministrio da Sade

NEP Ncleo de Educao Permanente

PET-Sade Programa de Educao pelo Trabalho em Sade

PMF Programa Mdico de Famlia

PR-SADE Programa Nacional de Reorientao da Formao Profissional em Sade

SESU Secretaria de Educao Superior

SGTES Secretaria de Gesto do Trabalho e da Educao na Sade

SUS Sistema nico de Sade

TCLE Termo de Esclarecimento Livre e Esclarecido

TAUIV Termo de Autorizao de Uso de Imagem e Voz

UFF Universidade Federal Fluminense

UNESCO United Nation Educational, Scientific and Cultural Organization (Organizao para a Educao, a Cincia e a Cultura das Naes Unidas)

UNI Uma Nova Iniciativa na Educao dos Profissionais de Sade: Unio com a Comunidade

UPS Unidade Pblica de Sade

LISTA DE ILUSTRAES

Quadro 1: De caractersticas dos sujeitos, p.56

Grfico 1: Distribuio dos Participantes Estudantes/Bolsistas segundo cursos em que se encontram matriculados, p.59

Grfico 2: Distribuio dos Sujeitos Segundo Categoria Profissional- Preceptores/Profissionais, p.60

Figura 1: Panorama do territrio Coronel Lencio - p.82

Figura 2: Visitas domiciliares-presena de bolsistas, preceptor e tutor, p.82

Figura 3: Vivncia de abordagem multiprofissional-bolsistas, preceptores e

tutor, p. 82

Figura 4: Atividade de integrao com a comunidade-presena de bolsistas,

preceptores e tutor, p. 82

Figura 5: Atividade multiprofissional de campo- presena de bolsistas,

preceptores e tutor, p. 82

Quadro2: Demonstrativo do pensamento dos participantes da oficina - elaborado

pelo pesquisador, p. 87

Figura 6: Apresentao em pares dos participantes da oficina, p. 89

Figura 7: Pesquisador apresenta questes disparadoras, p. 89

Figura 8: Pesquisador apresenta ccaminhos para aprofundamento e reflexo

quanto a relevncia do trabalho em parceria, p. 89

SUMRIO

INTRODUO, p.13 CAPTULO I OS DESAFIOS DA FORMAO EM SADE E A IES: REVISO DE LITERATURA, p. 26

1.1 Desafios do processo de formao de profissionais da sade, p. 27 1.2 As possibilidades de integrao entre o ensino e o servio em sade,p. 31 1.3 O projeto PET-sade como possibilidade de formao, de prtica interdisciplinar e de IES, p. 34 CAPTULO II METODOLOGIA, p.40 2.1 Tipo de pesquisa, p. 41 2.2 O cenrio da pesquisa,p. 43 2.3 Participantes do estudo, p. 43 2.4 A coleta de dados e seus instrumentos, p. 45 2.5 O processo de anlise, p. 48 2.6 Aspectos ticos, p. 50 2.7 Sobre a trajetria de construo do produto, p. 50

CAPTULO III RESULTADO E ANLISE, p. 54

3.1 Sobre os resultados e anlise dos dados, p. 55 3.2 Caractersticas dos participantes da pesquisa e sua anlise, p. 56 3.3 Apresentao grfica das informaes dos participantes, p. 59 3.4 A observao participante: O olhar do pesquisador sobre o objeto de estudo, p. 60 3.5 As diferentes concepes sobre a articulao entre formao e IES: Os

depoimentos dos participantes, p. 64

3.5.1 As categorias: p. 64 1: A essencialidade da integrao ensino-servio na formao em sade, p. 64 2: A formao em sade e o desafiador processo de construo da IES, p. 67 3: As mltiplas faces da integrao ensino servio, p. 70 4: O PET-Sade como espao de reflexo sobre a IES, p. 74

CAPTULO IV - SOBRE O PRODUTO OFICINA DE SENSIBILIZAO E CAPACITAO DE PRECEPTORES, p. 83

4.1 Operacionalizao da dinmica da oficina, p. 84

CONSIDERAES FINAIS, p. 90

REFERNCIAS, p. 95

APNDICES, p. 102 1-Termo de autorizao de uso de imagem e voz, p. 103 2-Termo de consentimento livre e esclarecido, p. 104 3-Roteiro de entrevista, p. 105 4-Roteiro de observao, p. 106 5-Convite para a oficina, p.107 ANEXOS, p. 108 1-Parecer consubstanciado do CEP/FM/UFF, p. 109

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INTRODUO

A APROPRIAO DA TEMTICA DO ESTUDO

A liberdade, que uma

conquista, e no uma doao, exige uma permanente busca.

Busca permanente que s existe no ato responsvel de

quem a faz. Ningum tem liberdade para ser livre: pelo

contrrio, luta por ela precisamente

porque no a tem. No tambm a liberdade

um ponto ideal, fora dos homens, ao qual inclusive eles se alienam.

No idia que se faa mito. condio indispensvel ao

movimento de busca em que esto inscritos os homens como seres

inconclusos.

(Paulo Freire)

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A observao e a prtica como preceptor de graduandos de diferentes cursos

da rea da sade, durante 20 anos, perodo este em que estive atuando como servidor

pblico lotado em Unidades de Sade de ateno primria do municpio de Niteri e

Rio de Janeiro, me proporcionaram a vivncia de experincias enriquecedoras e que

contriburam para a eleio do tema integrao ensino-servio como objeto de reflexo

no Programa de mestrado em ensino na sade da Escola de Enfermagem Aurora de

Afonso Costa (EEAAC) da UFF em que me inseri em 2011.

Historicamente a Fundao Municipal de Sade de Niteri (FMS/Niteri),

mantm uma estreita relao com a Universidade Federal Fluminense UFF - em

especial com os cursos da rea de sade (mais especificamente Medicina e

Enfermagem), o que me proporcionou um constante interagir docente-assistencial,

bem como a possibilidade de ampliar minha viso crtica quanto ao direcionamento

dado ao conjunto de conhecimentos necessrios ao futuro profissional.

Estudos sobre o processo de formao de profissionais da sade

(ALBUQUERQUE et al,2008; AMNCIO Filho,2004; BARRETO et al, 2011;

FEUERWERKER e SENA, 2002) vm ocupando expressivo espao em debates, em

especial aps a implantao do Sistema nico de Sade (SUS), das Diretrizes

Curriculares Nacionais (DCN) e aps a implementao da Estratgia de Sade da

Famlia (ESF). Estes investimentos do Ministrio da Educao e da Sade foram

institudos com vistas a redirecionar o modelo de ateno sade vigente e reorientar

as prticas de formao em sade.

Assim, ao debruarmos sobre os estudos e reflexes promovidas no campo da

sade, constatamos que nestes anos, recorrente tanto por parte de docentes quanto

por parte de acadmicos, uma postura de desconexo com o ambiente em que se

encontram realizando a formao prtica. Ao que parece, a Unidade Primria de

Sade (UPS) e a rede de assistncia que compe o SUS, so entendidas como

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espaos somente para serem apresentados, observados e imediatamente deixados de

lado, sem a interconexo necessria ao processo ensino-aprendizagem que se busca

neste cenrio. Ao mesmo tempo, h tambm por conta do profissional do servio uma

resistncia, uma negao em fazer parte ou compor este processo de formao.

Neste sentido, vimos detectando distanciamentos de todos os envolvidos, o

que contribuiu para a eleio do objeto integrao ensino-servio na formao do

profissional de sade por meio do Projeto PET-Sade, para o presente estudo. Para

Albuquerque et al (2008, p. 358), que descrevem tal situao como desarticulao

entre teoria e prtica possvel a amenizao do quadro pela efetiva integrao entre

ensino-servio unindo docentes, estudantes e profissionais de sade com o foco

central no usurio, e tambm com investimento na sensibilizao dos atores

inseridos nos cenrios onde se desenvolvem os cuidados e o processo de ensino-

aprendizagem.

Um fator no menos importante que se faz presente na relao entre educao

e sade, refletindo sobremaneira na qualidade do que se produz para a populao,

fruto da integrao entre ensino e servio, refere-se ao investimento necessrio para

manuteno de um padro condizente com a realidade que se almeja. Tais fatores

vm contribuindo na institucionalizao ou permanncia da condio atual, ou seja, de

limitaes para a concretizao da integrao ensino-servio.

Contribuindo com este pensamento, Amncio Filho (2004, p.376) destaca:

No Brasil, de uma maneira geral, as instituies pblicas dos setores de sade e de educao apresentam um quadro de dificuldades e de carncias, com consequente retraimento e esvaziamento de suas aes, ocasionado por seguidos impactos de leis, de programas, de projetos referenciados em discursos de universalizao do acesso, de melhoria da qualidade dos servios, de modernizao de suas prticas, mas descolados da realidade para a qual vm sendo formulados.

Em meus estudos e minha experincia, acrescida da produo cientfica sobre

o tema integrao ensino-servio, presente em artigos e livros (CECCIM e

FEUERWERKER 2004a; ALBUQUERQUE et al 2008; SANTOS e KILLINGER, 2011)

indicam que, mesmo diante de propostas inovadoras que defendem uma formao

voltada para a implementao dos princpios e diretrizes do Sistema de Sade

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Brasileiro - SUS, vivencia-se modos de formar profissionais de sade geradores de

prticas descontextualizadas, norteadas por fragmentao de saberes e fazeres.

A motivao para a seleo do tema integrao ensino-servio na formao do

profissional de sade por meio do Projeto PET-Sade, j apresentado, ancora-se no

fato de atuar como partcipe no processo de formao de profissionais de sade h

anos, como apontado anteriormente, de ter atuado como preceptor do Projeto PET-

Sade/Sade da Famlia/UFF/Niteri durante dois anos e na necessidade profissional

de refletir sobre os desafios da integrao ensino-servio. Assim, apropriando-me de

Amncio Filho (2004, p. 378), destaco que da parceria entre o ensino e o servio

resulta um processo articulador que facilita o trabalho entre educao e sade, e que,

tambm procura vencer a permanente dicotomia entre pensar e fazer, entre geral e

especfico, integrando aes e habilidades tericas e prticas.

Estudos como os de Pierantoni e Viana (2010), Pinheiro e Ceccim (2005) e

Matta (2008) comprometidos com o desenvolvimento, construo de conscincia

crtica, formao tcnica e cientfica condizentes com a realidade do sistema de sade

brasileiro vm sendo gradativamente inseridos no cotidiano do processo de formao.

A preocupao de introduzir na agenda a discusso sobre o papel social e poltico do

profissional clara e evidente, alm de alertar para a necessidade de se criar

conexes fortes que favoream a permeabilidade entre os saberes, o trnsito entre o ir

e vir das informaes, entre o direito do cidado de ser protagonista do seu cuidado e

de se reconhecer como pea fundamental no mecanismo de gesto do que pblico.

Corroboram com este pensamento Ceccim e Feuerwerker (2004a, p.43)

quando afirmam que a formao no pode tomar como referncia apenas a busca

eficiente de evidncias ao diagnstico, cuidado, tratamento, prognstico, etiologia e

profilaxia das doenas e agravos.

importante apresentar, aqui de forma sucinta por no se tratar do foco

principal da pesquisa, o Projeto PET-Sade e o PET-Sade Niteri.

A Secretaria de Gesto do Trabalho e da Educao na Sade (SGTES)

instituiu em 2007 o Programa de Educao pelo Trabalho para a Sade (PET-Sade)

que foi regulamentado pela Portaria Interministerial n 421, de 03 de maro de 2010,

disponibilizando bolsas para tutores, preceptores (profissionais dos servios) e

estudantes de graduao da rea da sade. O programa visa formar grupos de

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ensino-aprendizagem orientado por tutores e alocados em reas consideradas de

especial ateno para o Sistema nico de Sade (SUS), servindo assim como uma

ferramenta para a aproximao das polticas pblicas de sade e a prtica dos

servios profissionais em suas prprias reas de atuao, e tambm, como campo de

primeiro contato de estudantes de graduao com a realidade do trabalho bem como

introduo ao convvio com os interesses e necessidades do SUS.

Concebido como possibilidade de ponte de ligao entre o ensino-servio-

comunidade, o PET-Sade prope e estimula a parceria entre o ensino e os servios

de sade. Estreitando os laos j existentes de longa data a Universidade Federal

Fluminense (UFF) e a Fundao Municipal de Sade (FMS-Niteri) reafirmaram a

parceria

[...] em abril de 2010, aps a publicao da aprovao da proposta do Edital n 18, de 16 de setembro de 2009, do Ministrio da Sade, tendo como objetivos: fortalecer os mecanismos de cooperao entre gestores da rede local de sade e a UFF, visando ampliar os cenrios de aprendizagem; intensificar, na formao, a abordagem integral do processo sade-doena e da promoo da sade; favorecer a adoo de metodologias ativas de aprendizagem e educao permanente do trabalhador envolvido na relao trabalho e ensino; ampliar as experincias de trabalho em equipe multidisciplinar na formao dos profissionais de sade, possibilitando a construo de novos mecanismos de ateno na rede de sade local; fortalecer o processo de regionalizao e territorializao como instrumento de ampliao da resolutividade e da integralidade da ateno efetivada pela Estratgia de Sade da Famlia (ABRAHO et al, 2011).

Destaca-se a forte parceria da rede pblica de sade (Fundao Municipal de

Sade) de Niteri com a Universidade Federal Fluminense, construda desde a dcada

de 1970 e incio da dcada de 1980, a partir do Projeto Niteri, verso do municpio

para as Aes Integradas de Sade (AIS) (BRASIL, 1984a, 1984b, 1985). Desde

ento, j preocupada em fortalecer os laos entre o ensino, servio e comunidade, a

Universidade Federal Fluminense vem mantendo a parceria viabilizando projetos que

refletem a busca de integrao entre formao e servio, como o Pr-Sade e o PET-

Sade.

Tendo em vista o modelo do PET-Sade Niteri, este caracterizou-se por ser

formado :

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[...] por oito grupos, compostos por docentes da universidade,

profissionais de sade do municpio de diferentes categorias e alunos

de distintos perodos dos cursos de Educao Fsica, Enfermagem,

Farmcia, Medicina, Nutrio e Odontologia, configurando um

aprendizado multiprofissional. No total, contamos com 8 tutores, 48

preceptores, 96 alunos bolsistas e 60 alunos no bolsistas

(ABRAHO et al, 2011).

Para fins de contextualizao, considero importante descrever a experincia

como preceptor do grupo PET-Engenhoca a qual contribuiu para a eleio do presente

objeto de estudo. Entretanto, para fins da pesquisa cabe ressaltar que os cenrios e

participantes do estudo atuam em outros espaos alm do espao da Policlnica

Regional da Engenhoca.

Definida como base territorial para receber uma equipe PET-Sade da Famlia,

composta cada uma por 01 tutor docente da UFF, 06 preceptores profissionais da rede

pblica de Niteri e 12 acadmicos bolsistas selecionados nos cursos de Enfermagem,

Medicina, Odontologia, Nutrio, Educao Fsica e Farmcia da UFF, a Policlnica

Regional da Engenhoca encontra-se localizada no Bairro da Engenhoca. Este possui

uma populao de 22.193 habitantes (IBGE, 2000), onde o rendimento mdio mensal

dos chefes de domiclio baixo, sendo que 65,51% destes recebem at 3 salrios

mnimos e apenas 3,58% recebem acima de 10 salrios .

Aps o reconhecimento do universo populacional e da delimitao geogrfica

que teramos pela frente, chegou-se ao consenso da necessidade de diviso das

equipes em dois territrios: Grupo Pet-Sade Engenhoca I e Grupo Pet-Sade

Engenhoca II.

O Grupo PET-Sade Engenhoca II passou a dedicar-se ao cenrio composto

pela Comunidade Nova Braslia, que j se encontra dividida em 2 setores distintos (2

universos populacionais), 2 instalaes prediais denominadas mdulos (mdulo Nova

Braslia I e mdulo Nova Braslia II), com diagnstico de rea, delimitao geogrfica

e metodologia do Programa Mdico de Famlia (PMF ) implementado.

O segundo cenrio compreende regio do Bairro da Engenhoca que

denominada Comunidade Coronel Lencio, local onde foi desenvolvida a pesquisa de

campo como proposta de atividade para o grupo do PET-Sade.

19

EXPERIENCIANDO O PET-SADE NO TERRITRIO DA ENGENHOCA

A seleo de reas para a implementao do Programa PET-Sade da Famlia

em Niteri foi norteada por fatores de risco locais tais como vazio sanitrio,

inexistncia de Unidade de Sade ou equipe de Sade da Famlia, pobreza, difcil

acesso ou mais de um fator associado que contribuem para o risco de adoecimento.

Desenvolveram-se neste universo populacional as atividades propostas ao

Grupo PET-Sade Engenhoca I. Aps escolha da rea, baseada no diagnstico da

existncia de um vazio sanitrio, conforme citado anteriormente, delimitamos como

objeto da pesquisa-PET o Diagnstico Situacional dos pacientes portadores de

hipertenso e/ou diabetes, inscritos no Programa Hiperdia que se declaram moradores

da comunidade Coronel Lencio. No objetivo deste estudo descrever todo o

processo realizado pelo Grupo PET-Sade Engenhoca I. E sim, apontar que as aes

desenvolvidas (de pesquisa e de assistncia) que possibilitaram que alunos do PET-

Sade se aproximassem do territrio e vivenciassem o contexto social da populao

alvo, bem como indicar propostas e sugestes relativas ao atendimento prestado pela

Unidade de Sade.

Como militante do campo da sade pblica desde o incio de minha formao,

h mais de duas dcadas, deparo-me com questes que suscitam incmodos e

conflitos, nos exigindo envolvimento e participao. So situaes que no podemos

fechar os olhos a partir do momento em que nos vemos como corresponsveis por

modificaes, visto que a realidade sinaliza circunstncias pouco promissoras.

Vale aqui lembrar que desde a Constituio de 1988 (BRASIL, 1988), onde a

sade declarada como dever do Estado e direito de todos num carter universal,

inmeros temas passam a fazer parte desse processo de discusso. O processo de

formao de profissionais da sade nos servios e para os servios um deles. A

partir do momento que se amplia o quantitativo de pessoas a serem atendidas e no

se consolidam medidas equivalentes que sustentem essa demanda, prosseguimos em

meio a desafios constantes. Tanto por parte dos rgos formadores, quanto dos

servios.

Dentre o emaranhado de situaes que envolvem essa rea complexa que a

sade, optamos por direcionar nossa formao e ateno para a sade coletiva.

Assim, acreditamos que o interesse por este campo deve ser incentivado desde o

20

incio da graduao profissional como facilitador da conscincia e interveno crtica,

bem como estimulador de futuro desenvolvimento cotidiano de aes programticas.

Desta forma, conseguimos trabalhar questes que nos fazem refletir sobre as

propostas contidas no SUS, sobre o processo sade-doena em nosso pas, assuntos

inerentes morbimortalidade, dentre outros objetos de investigao e discusso

importantes para o sistema e servios de sade.

Dentre os mltiplos desafios chamamos ateno para a dinmica em que os

profissionais de sade esto envolvidos na prtica cotidiana dos servios. Frente aos

avanos e esforos como discusses correlacionadas ao direito sade,

universalizao do acesso, interdisciplinaridade em todos os nveis de ateno

sade, importncia das parcerias intersetoriais, s aes multidisciplinares, dentre

outras, refletiu-se se os futuros profissionais da sade esto tendo a oportunidade de

conhecer e vivenciar os servios de modo que contemplem as mltiplas exigncias

atuais.

Foi possvel vivenciarmos a implementao de uma estratgia/Programa PET-

Sade que busca negar o repasse unilateral de conhecimentos e ampliar a concepo

de ensino/aprendizagem/saberes/fazeres, entendendo a educao como capacidade

de construo coletiva de autonomia tendo os cenrios de prtica como espaos de

aprendizagem significativa, que se faz e refaz num movimento dialgico.

medida que se alargam as oportunidades profissionais (e acadmicas),

amplia-se, consecutivamente, a viso de mundo. E quanto mais tempo de atuao no

cotidiano das prticas seja proporcionado, pressupomos que estes trabalhadores (e

futuros trabalhadores) devam adquirir novas formas de manejar os diferentes

processos de cuidar em sade. No entanto, retomamos nossas inquietaes a fim de

questionar se isso acontece de fato. Os trabalhadores de sade acompanham essas

modificaes e as incorporam em suas prticas? Desta forma, algumas questes

merecem ser observadas. Os profissionais de sade atualmente conseguem

compreender a relao entre a universalidade de acesso e a afunilada porta de

entrada, a demanda reprimida nos servios, a territorialidade, a insuficiente cobertura

da ateno em sade, a descentralizao e regionalizao dos servios e o deficitrio

sistema de referncia e contrarreferncia, entre outros?

21

Tendo em vista a complexidade que envolve o processo sade-doena, torna-

se inevitvel reflexes no campo da Sade Coletiva, no que se refere ao

Planejamento, Educao em Sade e Interdisciplinaridade baseados no

questionamento e busca constante de aprendizado, de avaliao sob a tica dos

parmetros curriculares, mas principalmente a integrao entre ensino e servio. No

bojo de todo pensamento exposto busca-se fomentar a pesquisa onde profissionais e

acadmicos, numa metodologia que favorea cooperao e facilitao do

entendimento mtuo, convivam sem a renncia ao saber j existente e ao mesmo

tempo, mantenham aceso o desejo constante de produo do conhecimento e a

aceitao do novo. Este um grande desafio.

Desse modo, surge a inteno de compreender como est sendo desenvolvida

a formao profissional em sade frente s novas demandas e discusses terico-

prticas no mbito do SUS. Fica claro que as respostas no so simples e demandam

tempo, sendo processo vivo e contnuo. Ceccim e Feuerwerker (2004a, p. 48)

reforam este pensar quando dizem:

A educao nos servios parte do pressuposto da aprendizagem significativa, a que promove e produz sentidos, e prope que a transformao das prticas profissionais deva estar baseada na reflexo crtica sobre as prticas reais de profissionais reais em ao na rede de servios.

Ainda segundo estes autores os processos de formao e de qualificao dos

profissionais de sade devem ser estruturados a partir da problematizao dos

processos de trabalho. O objetivo deve ser, assim, a transformao das prticas

profissionais e da prpria organizao do trabalho, tomando como referncia as

necessidades de sade das pessoas e das populaes, da gesto setorial e do

controle social em sade.

Com base no exposto acima, elegemos as questes norteadoras que seguem.

QUESTES NORTEADORAS

- Qual a percepo de alunos bolsistas e preceptores, participantes do PET-Sade,

sobre o processo de formao para o SUS e no SUS?

22

- O PET-Sade se apresenta como espao para se trabalhar a formao e a

integrao ensino-servio?

OBJETO DE ESTUDO

Com base nas questes norteadoras elegeu-se como objeto de estudo: A

articulao entre a formao em sade e a Integrao Ensino-Servio.

OBJETIVOS

- Identificar as percepes de alunos bolsistas e preceptores do Projeto PET-Sade

sobre a integrao ensino-servio no processo de formao para o SUS;

- Analisar a contribuio do Programa de Educao pelo Trabalho em Sade (PET-

Sade) no processo de formao de profissionais da sade.

- Elaborar e implementar uma tecnologia educacional como proposta de

sensibilizao e capacitao de profissionais Enfermeiros da Fundao Municipal de

Sade de Niteri para o exerccio da preceptoria.

JUSTIFICATIVA

Muito se tem falado, escrito, debatido sobre os rumos da sade no Brasil. As

construes do pensamento em busca de respostas sobre o que melhor para o

Sistema nico de Sade brasileiro e o que se pode comemorar nestes quase 25 anos

de sua implementao e histria, causam angstias e podem induzir ao erro.

No podemos perder de vista a histria (MATTA, 2008; PAIM e ALMEIDA FILHO,

1998), que explica o que temos hoje, para que possamos corrigir os possveis erros,

numa perspectiva de avanar para um sistema de sade mais eficiente e resolutivo

das necessidades individuais e coletivas. Um processo de cuidado que se julgue

prximo da excelncia da qualidade requer dedicao ao crescimento profissional com

23

a produo e utilizao de novas tecnologias, bem como oferea clientela a

possibilidade de participao no seu tratamento que resulte em autonomia e promova

autoestima como componentes da sade e do bem-estar. Neste contexto, o PET-

Sade proporcionou vislumbrar a relevncia da discusso sobre formao e

integrao entre ensino e servio pela possibilidade da aproximao do acadmico

com a realidade do SUS.

O processo de formao de profissionais de sade possui uma dinmica

prpria, singular, caracterizada por avanos e resistncias e na necessidade de

adaptao s mudanas propostas, condizente com as demandas sociais,

observaes e registros clnicos, indagaes e indicaes da epidemiologia.

Diante desse contexto, chama-nos a ateno que dentre as Diretrizes

Curriculares dos cursos de graduao em sade h o apontamento para a

necessidade desses cursos incorporarem, nos seus projetos pedaggicos o arcabouo terico do SUS. Valorizam ainda os postulados ticos, a cidadania, a epidemiologia e o processo sade/doena/cuidado, no sentido de garantir formao contempornea de acordo com referenciais nacionais e internacionais de qualidade e inova ao estimular a insero precoce e progressiva do estudante no SUS, o que lhe garantir conhecimento e compromisso com a realidade de sade do seu pas e sua regio. (HADDAD et al, 2006, p. 19)

Assim, a manuteno de um Sistema de Sade forte e responsivo s

demandas apresentadas se faz vislumbrar com a possibilidade da insero do docente

e do discente na prtica dos servios, no cotidiano das unidades de sade. O primeiro

(o professor-aprendiz) introduzindo, reconhecendo as possveis tendncias

tecnolgicas e as chances de renovar o seu saber. E o segundo (o aluno)

experimentando a troca, a prtica interdisciplinar, a multidisciplinaridade, o trabalho em

equipe, a integrao entre ensino e servio, a interao entre o saber tcnico-cientfico

e o originado do censo comum, que deve ser respeitado at o limite onde no fere a

tica nem coloca em risco a integridade individual e coletiva.

Cabe ressaltar que todo processo de mudana do modelo assistencial da

sade a partir da Reforma Sanitria brasileira, inspirada na experincia e no modelo

italiano, e iniciada na dcada de 1970 (COHN, 1989), vem vinculado parceria entre

Educao/Formao e Sade. Esta parceria ganha novos rumos em 2005 com o

24

lanamento do Programa Nacional de Reorientao da Formao Profissional, o Pr-

Sade, por meio da Portaria Interministerial MS/MEC n 2101 de 03 de novembro de

2005.

No conjunto de propostas do Pr-Sade encontra-se o Programa de Educao

pelo Trabalho para a Sade, o PET-Sade. Concebido como estratgia do Pr-Sade

na incrementao de aes em reas prioritrias para o SUS, o PET-Sade incentiva

a integrao entre ensino, servio e comunidade, alm de facilitar a formao de

profissionais conhecedores da realidade dos servios de sade e as demandas

geradas pela populao usuria.

Este estudo se justifica, assim, por possibilitar o aprofundamento das questes

relacionadas a formao e a integrao entre ensino e servio em sade tendo como

ferramenta o PET-Sade.

CONTRIBUIES DO ESTUDO

Pretende-se com este estudo refletir sobre avanos e retrocessos que ainda

persistem entre a formao e a prtica profissional para o SUS e no SUS. Busca-se,

assim, contribuir com uma reflexo sobre as novas propostas pedaggicas de

formao como por exemplo o PET- Sade, que buscam o equilbrio entre excelncia

tcnica e relevncia social, estes entendidos como espaos que contribuem com o

movimento de mudana curricular, em modelos pedaggicos mais interativos, na

adoo de metodologias de ensino-aprendizagem ativas, centradas no aluno como

sujeito da aprendizagem e no professor como facilitador do processo de construo

de conhecimento (FEUERWERKER e SENA 2002, p. 45).

As experincias vividas no exerccio profissional, incluindo as trocas e

parcerias com profissionais de outras categorias no servio como nutricionistas,

mdicos, odontlogos, fisioterapeutas, assistentes sociais entre outras, permitem-me

avaliar que o ensino oferecido em nosso pas ainda acontece de maneira tradicional,

com aulas expositivas, em ambiente que pouco contribui para a participao ativa do

estudante. Em conversas durante as atividades de campo, nos relatos verbais dos

bolsistas/acadmicos e dos profissionais/preceptores nas entrevistas destinadas a

esta pesquisa, que mais adiante sero apresentadas, pode ser notada a relevncia da

25

introduo de graduandos em experincias que integram ensino e servio,

principalmente em se tratando de procurar distanciamento de experincias educativas

montonas, desestimulantes e pouco criativas.

Este projeto contribui, assim, com a possibilidade de produzir novas

tecnologias ou modos de pensar e de fazer o processo de formao, que englobem

um conjunto de conhecimentos que qualifiquem e aprimorem a prtica dos futuros

profissionais da sade.

Por fim, entendo que este estudo traz contribuies tanto para o ensino como

para a prtica profissional e para os servios de sade na medida em que conclama

todos os envolvidos no processo de formao em sade reorientao de seus

saberes e fazeres. Mediante a complexidade da temtica faz-se importante ressaltar a

inevitvel necessidade de ampliar a apreenso de conhecimentos tericos que

analisem as questes aqui colocadas fundamentando os resultados e os possveis

vieses do estudo.

26

CAPTULO I

OS DESAFIOS DA FORMAO EM SADE E A IES:

REVISO DE LITERATURA

No h ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino.

Esses quefazeres se encontram um no corpo do outro.

Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando.

Ensino porque busco, porque indaguei, porque

indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando,

intervenho, intervindo educo e me educo.

Pesquiso para conhecer o que ainda no conheo e

comunicar ou anunciar a novidade.

(Paulo Freire)

27

Como balizador e estruturador do pensamento formado durante o

levantamento realizado, opto pela apresentao da reviso em trs eixos reflexivos: O

primeiro refletir sobre os desafios do processo de formao dos profissionais de

sade, o SUS e as DCN . O segundo abordar as possibilidades de integrao entre

o mundo do ensino e o mundo do trabalho. E o terceiro se debruar sobre o Projeto

PET-Sade na UFF como possibilidade de formao, de prtica interdisciplinar e de

integrao ensino-servio.

1.1 DESAFIOS DO PROCESSO DE FORMAO DE PROFISSIONAIS DA SADE

A UNESCO (United Nation Educational, Scientific and Cultural Organization -

Organizao para a Educao, a Cincia e a Cultura das Naes Unidas) atravs do

Relatrio Educao: Um tesouro a descobrir, apresentado pela Comisso

Internacional sobre Educao para o sculo XXI, Braslia, julho de 2010, e publicado

pelo Setor de Educao da Representao da UNESCO no Brasil, apresenta,

tomando como base os conceitos de Jacques Delors, os 4 pilares da educao

contempornea: aprender a ser, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a

conhecer ( DELORS, 2001).

Calcado no desejo e na certeza de que o caminho para a construo de um novo

saber em sade deva se ancorar nestes 4 pilares da UNESCO para a educao, h,

por parte do MEC e das instituies formadoras, um esforo para a reorientao da

proposta ao modelo ainda vigente, centrado na prtica profissional que adota o usurio

como seu objeto de manuseio, fragmentao e medicalizao em todo o processo de

cuidar. Na tentativa de reduo do distanciamento entre formao e prtica

profissional e superao deste modelo que se contrape s proposies presentes na

Poltica Nacional de Sade (Poltica Nacional de Sade Lei N 8080/1990 Dispe

sobre as condies para a promoo, proteo e recuperao da sade, a

28

organizao e o funcionamento dos servios correspondentes e d outras

providncias) e formalizadas no SUS, um novo formato de ateno sade tem sido

considerado. Este ancora-se na interdisciplinaridade, na multiprofissionalidade e na

estreita aproximao entre ensino e servio.

Por este caminho, mudanas no sistema de formao dos profissionais de

sade, onde d-se nfase ao compromisso com a realidade do SUS, acompanhado

da responsabilidade social (aqui vista como o ato do cumprimento de deveres e

obrigaes, tanto pelo indivduo como por entidades , pblicas ou privadas,

dedicadas ou no ao ensino/educao para com a sociedade em geral ) aparecem

como possibilidades para a transformao que se faz necessria. O Programa de

Educao pelo Trabalho para a Sade um dos exemplos deste movimento de

mudana.

Neste movimento destaca-se o Parecer 776/97 do Conselho Nacional de

Educao, indicando que as Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL,1997)

constituem orientaes para a elaborao dos currculos que devem ser

necessariamente respeitadas por todas as instituies de ensino superior.

Para tanto, as Diretrizes Curriculares Nacionais destacam alguns princpios

gerais, num total de oito, descritos a seguir:

1) Assegurar s instituies de ensino superior ampla liberdade na composio da carga horria a ser cumprida para a integralizao dos currculos, assim como na especificao das unidades de estudos a serem ministradas; 2) Indicar os tpicos ou campos de estudo e demais experincias de ensino-aprendizagem que comporo os currculos, evitando ao mximo a fixao de contedos especficos com 3 cargas horrias pr-determinadas, as quais no podero exceder 50% da carga horria total dos cursos; 3) Evitar o prolongamento desnecessrio da durao dos cursos de graduao; 4) Incentivar uma slida formao geral, necessria para que o futuro graduado possa vir a superar os desafios de renovadas condies de exerccio profissional e de produo do conhecimento, permitindo variados tipos de formao e habilitaes diferenciadas em um mesmo programa; 5) Estimular prticas de estudo independente, visando uma progressiva autonomia profissional e intelectual do aluno; 6) Encorajar o reconhecimento de conhecimentos, habilidades e competncias adquiridas fora do ambiente escolar, inclusive as que se referiram experincia profissional julgada relevante para a rea de formao considerada;

29

7) Fortalecer a articulao da teoria com a prtica, valorizando a pesquisa individual e coletiva, assim como os estgios e a participao em atividades de extenso; 8) Incluir orientaes para a conduo de avaliaes peridicas que utilizem instrumentos variados e sirvam para informar a docentes e a discentes acerca do desenvolvimento das atividades didticas. (MEC/CNE/Parecer 776/97)

Destacamos o princpio de nmero 7, que aponta para o fortalecimento e a

articulao da teoria com a prtica, valorizando a pesquisa individual e coletiva, assim

como os estgios e a participao em atividades de extenso, as quais podero ser

includas como parte da carga horria de cada formando.

Para que seja materializada uma efetiva mudana no modelo de ateno

vigente, transformaes so propostas e indicadas pelas Diretrizes Curriculares

Nacionais (DCN) especficas para a formao em sade.

Em seu objeto, as DCN destacam que faz-se necessrio:

Permitir que os currculos propostos possam construir perfil acadmico profissional com competncias, habilidades e contedos, dentro de perspectivas e abordagens contemporneas de formao pertinentes e compatveis com referencias nacionais e internacionais, capazes de atuar com qualidade, eficincia e resolutividade, no Sistema nico de Sade (SUS), considerando o processo da Reforma Sanitria Brasileira. (BRASIL, Parecer N: CNE/CES 1.133/2001)

Parece bvio que as instituies de formao em sade busquem, a partir das

propostas que encaminham para essa nova formao, dirigir seus pensamentos e

planos na meta da construo deste novo profissional. A lgica do compromisso

profissional diferenciado no deve, apesar de tudo, distanciar a prtica das exigncias

do mercado. Porm, de suma importncia que esta insero seja feita de forma

reflexiva e responsvel com o compromisso de ser agente de mudana social, no

compactuando na perpetuao das desigualdades que, no contexto da sociedade em

que vivemos, facilitam a manuteno de um determinado grupo hegemnico.

Quanto ao Objetivo das Diretrizes Curriculares Nacionais o Ministrio da

Educao atravs do Conselho Nacional de Educao/Cmara de Ensino Superior em

seu Parecer N: CNE/CES 1.133/2001 coloca a seguinte recomendao no

direcionamento da formao em sade:

30

[...] levar os alunos dos cursos de graduao em sade a aprender a aprender que engloba aprender a ser, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a conhecer, garantindo a capacitao de profissionais com autonomia e discernimento para assegurar a integralidade da ateno e a qualidade e humanizao do

atendimento prestado aos indivduos, famlias e comunidades.

Pressupe-se que para o desenvolvimento de profissionais comprometidos

com uma prtica diferenciada, torna-se mais que urgente repensar todo processo de

construo da formao. Esta deve ser desenvolvida em cenrios comuns do dia a

dia, reais, definidas de acordo com as partes interessadas - instituies de ensino,

instituies de sade (no se afaste aqui as instituies hospitalares apesar de no

ser parte do objeto deste estudo) e alunos - que possibilitem o mximo de ganho na

experincia de aprender e produzir trabalho.

Buscando enfatizar a grande necessidade que se tem de tornar realidade a

mudana do paradigma existente, quando vemos ainda profissionais saindo de

frmas, longe daquele crtico-reflexivo que se deseja para o modelo de ateno

proposto pelo SUS, destaco que em passado recente Sordi e Bagnato (1998, p. 85) j

colocavam que :

O processo pedaggico, que visa a construo do saber do indivduo, deve estimular o ato reflexivo, desenvolvendo sua capacidade de observao, anlise, crtica, autonomia de pensar e de ideias, ampliando os seus horizontes, tornando-o agente ativo nas transformaes da sociedade, buscando interagir com a realidade na qual est inserido.

Em 2007 o Ministrio da Sade atravs da Portaria 1996/2007, institui as

Comisses Permanentes de Integrao Ensino-Servio - CIES - buscando assim

definir novas diretrizes e estratgias para a implementao da Poltica Nacional de

Educao Permanente em Sade, adequando-a s diretrizes operacionais e ao

regulamento do Pacto pela Sade( BRASIL, 2007). Em meio s atribuies formais

dadas pelos artigos e s recomendaes da lei, ficou clara a inteno do Ministrio em

fortalecer a compreenso entre todos que lidam com a sade que o carter principal

dado em direo a consolidao do espao do trabalho como espao de

aprendizagem e manuteno contnua do processo de formao profissional. Aqui nos

chamada a ateno para o entendimento de que dada s Universidades pblicas e

Instituies de Ensino Mdio com cursos na rea da sade, a responsabilidade de

31

formar profissionais plenos em conhecimentos fortalecedores dos princpios da poltica

de educao voltada para o SUS.

Busca-se, deste modo, rever e reorientar o modelo que fragmenta e dicotomiza

o conhecimento e que tem se refletido na formao dos profissionais das diferentes

reas do conhecimento. Cabe ressaltar que j na dcada de 1960, experincias

norte-americanas e europias indicaram uma nova possibilidade de articulao entre

saberes sociais e biomdicos (SOUZA e SOUZA, 2009, p. 118). E no Brasil, no final

da mesma dcada, com o objetivo de rever a fragmentao no ensino, surge o

movimento de promoo da interdisciplinaridade (FAZENDA, 2006, p. 13).

Em suma, no Brasil as propostas de formao em sade tem buscado, diante

de novas demandas em sade, ultrapassar o reducionismo desencadeado pelo

modelo flexneriano, como destacam Pagliosa e Da Ros (2008, p. 496):

O modelo biomdico, centrado na doena e no hospital, conduziu os programas educacionais mdicos a uma viso reducionista. Ao adotar o modelo de sade-doena unicausal, biologicista, a proposta de Flexner reserva pequeno espao, se algum, para as dimenses social, psicolgica e econmica da sade e para a incluso do amplo espectro da sade, que vai muito alm da medicina e seus mdicos. Mesmo que, na retrica e tangencialmente, ele aborde questes mais amplas em alguns momentos de sua vida e obra, elas jamais constituram parte importante de suas propostas.

Ao analisar o processo de formao de profissionais de sade no Brasil,

Ceccim e Feuerwerker (2004a, p. 43) lembram, ainda, que a formao:

Deve buscar desenvolver condies de atendimento s necessidades de sade das pessoas e das populaes, da gesto setorial e do controle social em sade, redimensionando o desenvolvimento da autonomia das pessoas at a condio de influncia na formulao de polticas do cuidado.

1.2 AS POSSIBILIDADES DE INTEGRAO ENTRE O ENSINO E O SERVIO EM

SADE

A integrao entre ensino-servio um desafio que h muito se apresenta nas

relaes entre as instituies de formao e as de assistncia ou de servio em

sade. Neste sentido, cabe apresentar que entende-se neste estudo,

32

por integrao ensino-servio, o trabalho coletivo, pactuado e integrado de estudantes e professores dos cursos de formao na rea da sade com trabalhadores que compem as equipes dos servios de sade, incluindo-se os gestores, visando qualidade de ateno sade individual e coletiva, qualidade da formao profissional e ao desenvolvimento e satisfao dos trabalhadores dos servios. (ALBUQUERQUE et al, 2008 ).

Um processo de mudana alm de ter implicao diretamente sobre aqueles

que so objeto do processo (em nosso caso, alunos dos cursos de graduao e/ou

futuros profissionais de sade) requer tambm reconhecimento por parte de outros

atores no menos importantes, que so elementos estruturantes e ativos desta

engrenagem, da viabilidade e necessidade do que se busca.

No entanto, a necessria reconfigurao das relaes entre os

sujeitos, objetos, meios e formas de organizao do trabalho em

sade (TEIXEIRA, PAIM E VILASBAS, 1998 apud BATISTELLA,

2009) somente ser vivel mediante ampla reflexo no campo da

sade coletiva. Uma das dimenses estratgicas desse movimento

passa pela mudana na formao dos trabalhadores de sade.

(BATISTELLA, 2009, p. 17)

Em suas recomendaes e diretrizes o Ministrio da Sade e o Ministrio da

Educao em parceria de grande potencial transformador, e na firme inteno de

garantir formao de qualidade e em consonncia com referenciais nacionais e

internacionais inova e renova ao

estimular a insero precoce e progressiva do estudante no SUS, o

que lhe garantir conhecimento e compromisso com a realidade de

sade do seu pas e sua regio. Alm de formao profissional de

acordo com as necessidades da populao e do sistema de sade

brasileiro. (BRASIL, 2006, p.19)

Desde 2003, com a criao da Secretaria de Gesto do Trabalho e da

Educao na Sade SGTES a comunicao entre o Ministrio da Sade e o

Ministrio da Educao sinalizam para um sinergismo em busca de uma excelncia na

execuo do que foi indicado nas Diretrizes Curriculares Nacionais, estas vistas como

estratgia principal, em se tratando do que se espera com as mudanas na graduao

dos profissionais de sade. Esta articulao entre os dois ministrios, promovida pela

SGTES, vem direcionar e revitalizar a orientao constitucional em seu artigo 200

33

(BRASIL,CF,1988) de que compete ao SUS o papel de protagonista na ordenao

acerca da formao deste futuro profissional de sade. Profissional que dever estar

ciente das necessidades e anseios da populao e do sistema em que estar inserido.

A aproximao entre a Universidade e a realidade dos servios

aprimorar a qualidade dos servios prestados. Far com que a

produo acadmica nas reas de ensino, pesquisas e servios,

constantemente espelhada na presso das demandas do mundo real

possa se tornar mais relevante sociedade. A verdadeira autonomia

deve sim, tornar a academia menos vulnervel a presses de carter

mais imediatistas, mas deve conect-la cada dia mais firmemente s

necessidades da sociedade. (SARAIVA FELIPE, Ministro da Sade,

2005 apud BRASIL, 2006. p.20).

A Lei 8080 de 19 de setembro de 1990 ( BRASIL, 1990) em seu artigo 14 j

determinava a criao e a funo das Comisses Permanentes de Integrao entre os

servios de sade e as instituies de ensino, levando em considerao que a

Educao Permanente instrumento pedaggico que pontua a relao entre

docncia, formao e ateno sade. No que tange Reforma Sanitria Brasileira,

formaliza tambm a responsabilidade da consolidao da citada Reforma, ao

Ministrio da Sade.

Sob a luz das consideraes acima, no podemos deixar de chamar a ateno

para o aspecto relevante na discusso que permeia este estudo, qual seja, a formao

em sade, sem deixar de tratar que na base do profissional que se deseja para

responder s necessidades e estender de forma decisiva as possibilidades da

integrao entre ensino e servio se encontra a estrutura curricular. A identificao

com o que se proposto a ser executado em nossa funo cotidiana no medida

nem garantida por fora de leis. Assim,

Um dos aspectos centrais elaborao curricular diz respeito ao

quem da formao, ou seja, das identidades que sero projetadas

nos currculos. Geralmente essa preocupao remetida ao perfil de

concluso, no mais das vezes identificado atravs de uma matriz

funcionalista do processo de trabalho, para o qual so prescritos os

conhecimentos, habilidades e atitudes que devero compor o

currculo. No entanto, a construo de identidades profissionais

envolve processos bem mais complexos, remetidos qualificao

mais ampla dos trabalhadores, o que requer a considerao das

34

trajetrias profissionais, da insero nos servios e das relaes de

trabalho a desenvolvidas. (BATISTELLA, 2009, p. 22)

1.3 O PROJETO PET SADE COMO POSSIBILIDADE DE FORMAO, DE

PRTICA INTERDISCIPLINAR E DE INTEGRAO ENSINO-SERVIO

Posicionando-se por meio de poltica pblica que j em sua essncia, por se

tratar de fruto de parceria entre entes ministeriais, vem em defesa da concepo de

integrao ensino-servio e a formao no SUS e para o SUS,

o Ministrio da Sade, por meio da Secretaria de Gesto do Trabalho e da Educao na Sade (SGTES), o Ministrio da Educao por meio da Secretaria de Educao Superior (SESu), e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira (INEP) lanaram, em novembro de 2005, o Programa Nacional de Reorientao da Formao Profissional em Sade (Pr-Sade). (BRASIL, 2009).

O Programa visa, com incentivos financeiros e pedaggicos s Instituies de

Educao Superior e s Secretarias de Sade, promover reorientaes na formao

em sade, gerao de conhecimentos e prestao de servios populao, para

abordagem integral do processo de sade-doena. Em sua estruturao delineado

em trs eixos: Orientao Terica, Orientao Pedaggica e Cenrios de Prtica

(insero dos estudantes na rede pblica de servios de sade), sendo este ltimo,

seu eixo central.

Destaque para os objetivos especficos do PR-SADE:

1) Reorientar o processo de formao, inicialmente nos cursos de Enfermagem, Medicina e Odontologia de modo a oferecer sociedade profissionais habilitados para responder s necessidades da populao brasileira, em acordo com os princpios e diretrizes do SUS; 2) estabelecer mecanismos de cooperao entre os gestores do SUS e as escolas de medicina, enfermagem e odontologia, visando tanto melhoria da qualidade e resolubilidade da ateno prestada ao cidado quanto integrao da rede pblica de servios de sade e formao dos profissionais de sade na graduao e na educao permanente;

35

3) incorporar, no processo de formao na rea da sade, a abordagem integral do processo sade-doena e a promoo da sade; e 4) ampliar a durao da prtica educacional na rede pblica de servios de sade. (BRASIL, 2005a, p. 17)

Inicialmente, trs reas foram contempladas no PR-SADE: Enfermagem,

Medicina e Odontologia, cujas profisses fazem parte das equipes de Sade da

Famlia. Foram selecionados, por meio de edital pblico, 90 projetos, com impacto

inicial sobre aproximadamente 46 mil estudantes de graduao da rea de Sade no

Pas. A portaria n 3019, de 26 de novembro de 2007 (MEC/MS, 2007), amplia o

Programa para os demais cursos de graduao da rea de sade, alm dos cursos de

Medicina, Enfermagem e Odontologia, j tendo ocorrido a seleo de novos projetos

conjuntos de Instituies de Ensino Superior e Secretarias de Sade.

O PR-SADE prope-se a desempenhar um papel indutor na transformao

dos processos formativos no Pas, em consonncia com as diretrizes do SUS, de

modo a conferir direcionalidade ao processo de mudana na graduao e facilitar a

consecuo dos objetivos propostos, em busca de uma ateno sade mais

equnime, resolutiva e de qualidade.

No contexto acima, a Promoo da Sade surge como um compromisso da

produo social, do trabalho, da produo de sade, um modo de pensar e de

modificar os condicionantes do processo de adoecimento (no s como questo

biolgica) que, articulado a demais estratgias e polticas do SUS, defendem e

constroem aes que possibilitam responder s transformaes sociais necessrias

para a melhoria da qualidade da sade. Brasil (2007b, p. 35) assim destaca:

Produzir sade por meio da perspectiva da promoo da sade significa comprometer-se com sujeitos e coletividades que expressem crescente autonomia, crescente capacidade para gerenciar satisfatoriamente os limites e os riscos impostos pela doena, pela constituio gentica e pelo contexto scio-poltico-econmico-cultural, enfim pela vida.

Construdos a partir da articulao com a sociedade civil organizada, os

planejamentos e aes da sade garantem sustentao do processo de interveno

vinculadas s necessidades apresentadas pela populao e confirmadas pelas aes

de vigilncia (ambiental, epidemiolgica e sanitria).

36

Definida como produo social de determinao mltipla, a sade exige uma

estratgia que implique participao ativa de todos os sujeitos envolvidos em sua

produo (usurios, movimentos sociais, profissionais da sade, gestores do setor

sanitrio e de outros setores), na anlise e na formulao de aes que visem

melhoria da qualidade de vida. De modo sincrnico, comprometer-se e

corresponsabilizar-se pelo viver e por suas condies so marcas e aes prprias da

prtica clnica, da atividade poltica, da ateno e da gesto, ratificando esses planos

de atuao como indissociveis.

A promoo da sade coloca a necessidade de que o processo de produo

cientfica, do conhecimento humano e das prticas, no campo da sade, e, mais ainda,

no bojo das polticas pblicas, faa-se por meio da construo e da gesto

participativa (aqui entendida como de domnio comunitrio/social). Promover sade ,

portanto, dilatar o entendimento do processo sade/adoecimento, de modo que

ultrapasse a zona de conflito que coloca indivduo e a coletividade em dimenses

incompatveis. Sob o olhar da promoo da sade, a gesto de tudo aquilo que tem

impacto sobre a vida e o bem estar envolve, fundamentalmente, a pactuao de uma

rede de compromissos (scio-ambiental, segurana, educao, leis, direitos e

deveres) necessariamente eficientes e resolutivas.

Ainda preocupado com os modelos de ateno sade que focalizam a

doena e as aes curativas, e com a extensiva carga horria terica contida nos

projetos pedaggicos dos cursos de graduao da sade e como forma de

potencializar o PR-SADE, a SGTES instituiu uma estratgia de interveno que

possibilitasse a insero dos graduandos dos diferentes cursos da sade nos

cotidianos das prticas de ateno bsica em sade, tendo os profissionais da rede

como preceptores destes alunos. Esta estratgia o Programa de Educao pelo

Trabalho em Sade PET-Sade, regulamentado pela Portaria Interministerial n421,

de 03 de maro de 2010 (BRASIL, 2010).

Como uma das aes intersetoriais direcionadas para o fortalecimento de reas

estratgicas para o Sistema nico de Sade (SUS), de acordo com seus princpios e

necessidades, o PET-Sade tem como pressuposto a educao pelo trabalho e

disponibiliza bolsas para tutores, preceptores (profissionais dos servios) e estudantes

de graduao da rea da sade, sendo uma das estratgias do Programa Nacional de

Reorientao da Formao Profissional em Sade, o PR-SADE, em

37

implementao no pas desde 2005. Foram institudas 3 modalidades de PET: PET-

Sade da Famlia, PET- Vigilncia em Sade e PET-Sade mental lcool e drogas.

Santos e Thiesen (2010, p. 1) ao analisarem as propostas do Programa de

Educao pelo Trabalho para a Sade destacam:

Os objetivos do PET so fomentar a formao profissional articulada Estratgia de Sade da Famlia; facilitar o processo de integrao entre o ensino, os servios e a comunidade; e estimular a insero das necessidades dos servios na produo de conhecimento nos Cursos de Graduao. O Programa desenvolvido por estudantes que realizam atividades nos servios de sade de forma sistemtica com preceptores (trabalhadores dos servios) e com tutores (professores). Os alunos, oriundos de vrios Cursos de Graduao da rea da Sade, so organizados em grupos multidisciplinares. Atividades assistenciais, de capacitao e de pesquisa so realizadas conjuntamente nos servios, promovendo a aprendizagem significativa por meio da integrao, das trocas contnuas e da construo conjunta.

Observando as novas possibilidades de formao de profissionais da sade,

Morais et al (2012, p. 38) tambm discorrem sobre o PET-Sade e destacam que este

Programa:

Pode ser entendido como uma estratgia de ao capaz de contribuir para melhor articulao entre a academia e os servios de sade, favorecendo processos reflexivos nos diferentes envolvidos na perspectiva de uma formao profissional que atenda aos princpios do SUS e s necessidades dos servios e da populao.

Neste estudo nos debruamos a analisar um grupo PET-Sade/Sade da

Famlia Grupo Engenhoca I - e seu papel na formao de profissionais da sade no

que se refere a atitude interdisciplinar, a educao em sade e, principalmente, no que

se refere a possibilidade de integrao entre o mundo do ensino e o mundo do

trabalho. Neste grupo PET atuei como preceptor durante 2 anos e por acreditar na

proposta da estreita parceria ensino-servio que elegi esta experincia para reflexo

no Mestrado em Ensino na Sade. Cabe ainda destacar que h aproximadamente

duas dcadas recebo no servio onde atuo, mais especificamente na Policlnica

Regional da Engenhoca, alunos dos cursos de medicina e enfermagem para realizar

aulas terico-prticas e estgios, sempre defendendo os servios como espaos de

aprendizagem significativa e de constantes trocas com as instituies de formao.

38

Os grupos PET-Sade/Sade da Famlia so formados por 1 tutor acadmico,

12 estudantes de diferentes cursos da sade, que efetivamente recebem bolsas e 6

preceptores. No pas, em 2011, foram selecionados 484 grupos PET-Sade/Sade da

Famlia, o que representa, considerando a formao completa desses grupos, 9196

bolsas/ms, alm da participao de 8712 estudantes no bolsistas, totalizando 17908

participantes/ms (PET-Sade, 2012).

Na proposta do PET-Sade/Sade da Famlia, trs conceitos contribuem para a

compreenso por parte dos alunos do papel do profissional da sade na sua relao

com os usurios e demais componentes das equipes de sade: o de educao em

sade, o de interdisciplinaridade e o de integrao ensino-servio. E como estes so

temas trabalhados nos processos de formao? Pretende-se refletir sobre os mesmos

no presente estudo, como j destacado, aprofundando-se no processo de anlise da

integrao ensino-servio.

Em relao educao em sade, Gazzinelli et al (2005) ressaltam que a

mesma deve ser entendida como uma construo compartilhada de conhecimentos,

que parte da experincia e das prticas dos sujeitos envolvidos buscando interveno

nas relaes sociais que vo influenciar a qualidade de suas vidas e que vo,

consequentemente, produzir outras representaes.

O Ministrio da Sade em sua Poltica Nacional de Promoo da Sade nos

remete a pensar, a partir de setembro de 1995, nos 3 eixos que agregam o

compromisso pela Sade: O Pacto em Defesa do SUS, o Pacto em Defesa da Vida e

o Pacto de Gesto. Este conjunto de compromissos constitui-se de srio poder

transformador da realidade sanitria do pas, a partir do rever da prtica cotidiana das

atividades no cuidar da sade. Coloca a sade como direito inalienvel do ser

humano, trazendo luz assim, o momento (ou movimento) marcante da Reforma

Sanitria Brasileira (BRASIL, 2006).

Na base do processo de criao do SUS encontramos o conceito ampliado de

sade, a necessidade de criar polticas pblicas para promov-la, o imperativo da

participao social na construo do sistema e das polticas de sade e a

impossibilidade do setor sanitrio responder sozinho transformao dos

determinantes e condicionantes para garantir opes saudveis para a populao.

Nesse sentido, o SUS, como poltica do Estado brasileiro pela melhoria da qualidade

39

de vida e pela afirmao do direito vida e sade, dialoga com as reflexes e os

movimentos no mbito da promoo da sade.

Dentre as propostas do SUS, ainda encontra-se que a sade como produo

social de determinao mltipla e complexa, exige a participao ativa de todos os

sujeitos envolvidos em sua produo usurios, movimentos sociais, trabalhadores

em sade, gestores do setor sanitrio e de outros setores - na anlise e na formulao

de aes que visam a melhoria da qualidade de vida. O paradigma da promoo da

sade vem colocar a necessidade de que o processo de produo do conhecimento e

das prticas no campo da sade e, mais ainda, no campo das polticas pblicas, faa-

se por meio da construo e da gesto compartilhadas (BRASIL, 2006).

Cabe ainda destacar que o Programa PET-Sade vem atuando, segundo Lima

(2009, p. 43):

Como um instrumento para a viabilizao de programas de aperfeioamento e especializao em servio, bem como de iniciao ao trabalho, estgios e vivncias, dirigidos, respectivamente, aos profissionais e aos estudantes da rea da sade, de acordo com as necessidades do Sistema nico de Sade.

Neste sentido, os investimentos de instituies formadoras de profissionais de

sade que acolhem projetos como o PET-sade, devem ser vislumbrados e

valorizados como possibilidades concretas de efetivao da articulao entre

formao e servios, como ser demonstrado mais adiante nos resultados.

40

CAPTULO II

METODOLOGIA

O educador democrtico no pode negar-se o dever de, na

sua prtica docente, reforar a capacidade crtica

do educando, sua curiosidade, sua

insubmisso. Uma de suas tarefas

primordiais trabalhar com o

educando a rigorosidade metdica com que

devem se aproximar dos objetos

cognoscveis.

(Paulo Freire)

41

2.1 TIPO DE PESQUISA

A metodologia deste estudo trilhou passos em uma abordagem qualitativa,

descritiva e exploratria.

Segundo pontua Minayo (2003, p. 21), a abordagem qualitativa se preocupa

[...] com um nvel de realidade que no pode ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com universo de significados, motivos, aspiraes, crenas, valores e atitudes, o que corresponde a um espao mais profundo das relaes, dos processos e dos fenmenos que no podem ser reduzidos operacionalizao de variveis.

A pesquisa qualitativa, ou seja, a pesquisa em seu aspecto de

pertinncia no mensurvel matematicamente, tambm abordada por Fraser e

Gondim (2004, p. 3) que nos dizem que

[...] a abordagem qualitativa [...] parte da premissa de que a ao humana tem sempre um significado (subjetivo ou intersubjetivo) que no pode ser apreendido somente do ponto de vista quantitativo e objetivo (aqui entendido como independente do percebedor e do contexto da percepo). O significado subjetivo diz respeito ao que se passa na mente consciente ou inconsciente da pessoa (individualismo metodolgico o nvel de anlise a pessoa) e o significado intersubjetivo se refere ao conjunto de regras e normas que favorecem o compartilhamento de crenas por grupos de pessoas inseridas em determinado contexto sciocultural (holismo metodolgico o nvel de anlise a estrutura e os sistemas).

Driessnack et al (2007, p. 184) consideram que na pesquisa qualitativa o

processo de pesquisa indutivo ao invs de dedutivo, e comea com objetivos

exploratrios mais amplos que fornecem foco para o estudo sem esvaziar

prematuramente aspectos da experincia que possam ser julgados importantes ou

relevantes. Acrescente-se ainda o fato de ser apropriada ao fenmeno quando este

42

tem carter complexo, cunho social e no oferecer propriedades que o habilitem

quantificao. Permite ao pesquisador o contato direto com os discursos dos sujeitos,

bem como ele prprio (o pesquisador)

tambm considerado um instrumento da coleta de dados e os

dados resultantes so principalmente palavras ou descries

narrativas [...] e inferncias [...]. Os dados qualitativos so

classificados por temas, conceitos, e/ou teorias, identificados e

sintetizados a partir das descries detalhadas de experincias e

processos sociais compartilhados pelos participantes (DRIESSNACK

et al, 2007, p. 184).

Em relao a pesquisa descritiva, Rudio( 2001) salienta que esta procura

conhecer e interpretar a realidade, sem nela interferir para modific-la e ainda explica

que descrever narrar o que acontece, conhecer o fenmeno, procurando interpret-

lo.

Ao apresentar-se como possibilidade metodolgica cuja principal meta de

descrever um fato, evento ou fenmeno, Ponte et al (2006, p. 5) afirmam que a pesquisa

descritiva objetiva a descrio de determinada populao ou fenmeno ou

estabelecimento de relaes entre variveis. Refere ainda, que esse tipo de estudo tem

como caracterstica mais significativa a utilizao de tcnicas padronizadas de coleta de

dados, tais como o questionrio e a observao sistemtica (PONTE et al, 2006, p. 5).

Quanto ao carter exploratrio da investigao, este eleito por se apresentar como

um modelo capaz de facilitar a elaborao de um instrumento de medida capaz de captar,

do elenco de respostas, aquelas mais adequadas ou convenientes para a pesquisa

(PIOVESAN e TEMPORINI, 1995).

Assim, em se tratando de respostas adequadas aos interesses da pesquisa, faz-se

necessrio o agrupamento de perguntas facilitadoras de respostas, ou, boas perguntas.

Neste sentido, Piovesan e Temporini (1995, p. 321) definem pesquisa exploratria, na

qualidade de parte integrante da pesquisa principal, como o estudo preliminar realizado

com a finalidade de melhor adequar o instrumento de medida realidade que se pretende

conhecer.

Vistas as abordagens acima, passemos ento ao cenrio em que foi

desenvolvido o presente estudo.

43

2.2 O CENRIO DA PESQUISA

O PET-Sade Niteri, seguindo a lgica da harmonia e paridade na seleo do

grupo formou-se da seguinte maneira: tutores-docentes indicados pelos cursos

envolvidos; preceptores de formaes diversas, indicados pela Fundao Municipal de

Sade de Niteri; e acadmicos bolsistas e no bolsistas selecionados pelas

coordenaes dos seis cursos de graduao. Posteriormente divididos, os grupos

foram alocados nas unidades de sade da rea norte do municpio, espao

previamente eleito para receber a equipe a partir da situao de vulnerabilidade

decorrente de um vazio sanitrio.

A regio norte de Niteri, selecionada pela Fundao Municipal de Sade de

Niteri e a Universidade Federal Fluminense como territrio para acolher o PET-Sade

representada pelos seguintes bairros: Baldeador, Barreto, Caramujo, Cubango,

Engenhoca, Fonseca, Ilha da Conceio, Santa Brbara, Santana, So Loureno,

Tenente Jardim e Vioso Jardim. Encontra limites com o municpio de So Gonalo,

praias da Baa de Guanabara e Pendotiba (regio ocenica). Possui ainda pequena

rea banhada pelas guas da Baia de Guanabara, incluindo a as ilhas do Caju,

Mocangu Pequeno, Vianna, Santa Cruz e Manoel Joo. Conta em sua rea urbana

com uma importante via de ligao intermunicipal e acesso para a Ponte Rio-Niteri: a

Alameda So Boaventura.

Em linhas gerais pode-se dizer que a rea norte de Niteri caracterizada por

uma densa populao, alojada principalmente em construes verticais e apresenta

expressivo nmero de espaos de favelizao. A regio possui significativa quantidade

de indstrias de gneros alimentcios, construo naval e txtil que ocupam grande

parte da mo-de-obra da populao local. desprovida de equipamentos como

creches, reas de lazer, espao cultural e para prtica de esportes. Segundo Abraho

et al (2011, p. 437) o reconhecimento do marcante desnvel scio-econmico da

regio e a existncia de relevantes desigualdades nas condies de vida e sade da

populao municipal foi sendo assumida como referncia no modo de organizao da

sade e na escolha desta rea para a atuao do PET-Sade em Niteri.

2.3 PARTICIPANTES DO ESTUDO

Em relao aos participantes em um estudo de abordagem qualitativa, Driessnack

et al ( 2007, p. 184) afirmam que:

44

Na pesquisa qualitativa os participantes so selecionados propositalmente pelas suas experincias com relao ao fenmeno de interesse, ao contrrio da seleo ou amostragem aleatria de uma populao maior. Os dados dos participantes selecionados so considerados ricos em detalhes e frequentemente so referidos como descries densas ou pesadas. [...]. O poder em pesquisa qualitativa est na riqueza da descrio e detalhes de experincias especficas, processos sociais, culturas, e narrativas.

Inicialmente todos os profissionais da rede que eram preceptores e todos os

alunos bolsistas no PET-Sade foram convidados a participar da pesquisa. Os que

atuaram diretamente na Policlnica da Engenhoca receberam convite verbal, pessoal.

Aqueles que fizeram parte do grupo de fora da Policlnica receberam comunicao por

via eletrnica ou por telefone. No total, o Programa contou nos anos pesquisados, com

8 tutores, 48 preceptores e 96 alunos bolsistas. Porm, por razes diversas, como

afastamento do programa e mudanas de endereo, chegamos ao nmero de 7

bolsistas e 9 preceptores. Estes compuseram, ento, a amostra para o

desenvolvimento do estudo.

Assim, os participantes deste estudo, graduandos da rea da sade, dos cursos

de Enfermagem, Medicina, Nutrio, Farmcia, Odontologia e Educao Fsica,

bolsistas do grupo do PET-Sade/Sade da Famlia/UFF e tambm preceptores,

distribudos em quatro profisses distintas: Servio Social, Enfermagem, Nutrio e

Medicina que so profissionais que acolhem estes bolsistas nos servios aceitaram

participar da pesquisa aps convite verbal pessoal, oportunidade em que todos

tiveram chance de esclarecerem dvidas e entenderem a relevncia do estudo

proposto.

Como forma de manter o anonimato de todos os participantes da pesquisa cada

preceptor recebeu como identificao uma letra P, acompanhada por um nmero que

seguiu a sequncia de preceptores entrevistados (Ex.: Primeiro preceptor entrevistado,

P1). Seguindo o mesmo raciocnio, os bolsistas foram identificados por uma letra B

seguida de um nmero, tambm na ordem de entrevista (Ex.: Primeiro bolsista

entrevistado, B1).

Para critrios de incluso dos sujeitos da pesquisa foram estabelecidos os

seguintes pontos: Alunos que estejam cursando disciplinas em graduaes na rea de

sade da Universidade Federal Fluminense no perodo de realizao da pesquisa e

que participaram como bolsistas do Programa de Educao pelo Trabalho para a

Sade na rede pblica de sade do Municpio de Niteri, nos anos de 2010 e/ou 2011,

45

2011 e/ou 2012, cientes do objetivo da pesquisa e que assinaram o Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE); Profissionais de nvel superior da rede

pblica de sade do Municpio de Niteri que participaram como preceptores/bolsistas

do Programa de Educao pelo Trabalho para a Sade nos anos de 2010 e/ou 2011,

2011 e/ou 2012, cientes do objetivo da pesquisa e que assinaram o TCLE.

Para critrios de excluso: alunos de graduao dos cursos da rea de sade da

Universidade Federal Fluminense e, Profissionais de Sade do Municpio de Niteri

que participaram do PET/Sade de Niteri por perodo menor que 3 meses e aqueles

participantes do programa que no concordaram em participar do estudo.

2.4 A COLETA DE DADOS E SEUS INSTRUMENTOS

A coleta de dados se deu por meio de um trabalho de campo realizado em dois

momentos: observao participante e entrevista semiestruturada individual. A

observao participante efetivou-se em diferentes momentos quando o pesquisador

encontrava-se em campo atuando e tinha a oportunidade de observar o cotidiano dos

demais preceptores e dos bolsistas no e com o servio durante a efetivao do Projeto

PET-Sade. No que se refere ao momento de realizao das entrevistas, estas aps

agendadas, aconteceram em espaos eleitos pelos participantes sendo gravadas,

transcritas e analisadas atravs de anlise temtica, conforme defendida por Minayo

(2003).

Cabe destacar que a pesquisa qualitativa ao efetivar um trabalho de campo,

desenvolve-se com a peculiaridade de ter sua ateno voltada para o cotidiano e para

os processos que envolvem o sujeito e suas reaes ao meio (em seu contexto

biopsicossocial), tanto individuais como coletivos.

Em sua variao metodolgica, a abordagem qualitativa conta, tambm, com a

observao participante que Queiroz et al (2007, p. 277) consideram um processo

pelo qual a interao da teoria com a prtica concorre para a transformao ou

implementao do meio pesquisado.

De acordo com Correia (2009, p. 31), a observao participante realizada em

contato direto, frequente e prolongado do investigador, com os atores sociais, nos

seus contextos culturais, sendo o prprio investigador instrumento de pesquisa. Para

46

que a pesquisa desenvolva a contento, necessrio que o observador esteja em

constante refinamento dos seus pensamentos em busca de fidelidade a aquilo que se

proponha como objetivos de seus estudos.

Assim, para o pesquisador, que tambm entendido como participante da

pesquisa, importante um afastamento do cenrio e a no inferncia nos dados

apreendidos para que possam estes ser o mais fidedignos possvel. importante,

tambm, que o pesquisador esteja atento para que os dados respondam tanto as

questes norteadoras como aos objetivos do estudo.

Minayo (2003, p. 59) aponta que a observao participante [...] enquanto parte

do contexto de observao, estabelece uma relao face a face com os observados.

Relaciona a tcnica com um complemento da entrevista, haja vista o fato de no

podermos captar uma variedade de situaes ou fenmenos que no so obtidos por

meio de perguntas, uma vez que, observados diretamente na prpria realidade,

transmitem o que h de mais impondervel e evasivo na vida real.

Quanto a entrevista semiestruturada, Belei et al (2008), afirmam ser aquela que

contm perguntas direcionadas por um roteiro previamente elaborado, composto

geralmente por questes abertas. Este tipo de instrumento de coleta de dados parte

de certos questionamentos bsicos, apoiados em teorias e hipteses, que interessem

pesquisa. a tcnica mais usual no trabalho de campo (TRIVIOS, 1992).

Para fins deste estudo, foi construdo pelo pesquisador um roteiro de entrevista

semiestruturada, conduzida tambm pelo prprio pesquisador.

Desta maneira, o sujeito/entrevistado, seguindo espontaneamente a linha de seu

pensamento e de suas experincias dentro do foco principal colocado pelo

investigador, comea a participar na elaborao do contedo da pesquisa. Atravs

dela, o pesquisador busca obter informes contidos na fala dos participantes. Ela no

significa uma conversa despretensiosa e neutra, uma vez que se insere como meio de

coleta dos fatos relatados pelos participantes, enquanto sujeitos-objeto da pesquisa

que vivenciam uma determinada realidade que est sendo investigada, observada

(MINAYO, 2003).

Oliveira (2008) tambm destaca a importncia da entrevista semiestruturada ao

dizer que esta ferramenta situa-se entre a estruturada e a no estruturada,

caracterizando-se pelo momento das perguntas anteriormente determinadas, podendo

47

ser as respostas relativamente livres. Havendo necessidade, o pesquisador pode

acrescentar uma questo no prevista, na dependncia das respostas dos

respondentes. Possivelmente a entrevista semiestruturada dar uma maior chance de

entendimento das questes em estudo, uma vez que permite no somente a

realizao de perguntas que so necessrias pesquisa e no podem ser deixadas

de lado, mas tambm a relativizao dessas perguntas, dando liberdade ao

entrevistado e a possibilidade de surgir novos questionamentos no esperados pelo

pesquisador, o que poder dar origem a uma melhor compreenso do objeto em

questo.

Sempre com a presena do pesquisador e precedida de assinatura do Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido, o momento da entrevista serviu tambm para que

os sujeitos fossem informados acerca dos passos a serem seguidos pela pesquisa

(escolha do cenrio, coleta de material, seleo dos sujeitos, aspectos ticos, etc.). As

entrevistas foram gravadas e transcritas pelo prprio pesquisador.

As entrevistas foram realizadas em locais onde melhor se adequassem

necessidade do entrevistado, respeitando-se os intervalos das aulas dos acadmicos

e os momentos em que os profissionais/preceptores estivessem fora de seus horrios

de dedicao ao servio. O