Upload
ngodan
View
217
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
1
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CONSTITUCIONAL
VIVIAN DA SILVA SCARPI
O ensino jurídico na Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense:
um olhar sobre a abordagem do pluralismo jurídico no processo de aprendizagem sob a ótica
dos pressupostos teóricos da pedagogia freireana
NITERÓI - RJ
2017
2
VIVIAN DA SILVA SCARPI
O ensino jurídico na Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense:
um olhar sobre a abordagem do pluralismo jurídico no processo de aprendizagem sob a ótica
dos pressupostos teóricos da pedagogia freireana
Dissertação de mestrado apresentada para ao Programa de Pós-graduação em Direito
Constitucional da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial à obtenção do
título de Mestre em Direito.
NITERÓI - RJ
2017
3
Dissertação de mestrado apresentada para ao Programa de Pós-graduação em Direito
Constitucional da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial à obtenção do
título de Mestre em Direito.
VIVIAN DA SILVA SCARPI
Aprovada em ____ de ____________ de 2017.
BANCA EXAMINADORA
_________________________________
Prof. Dr. Carlos Magno Spricigo Venerio (orientador)
Universidade Federal Fluminense
_________________________________
Prof. Dra. Helena Elias Pinto
PPGDC – Universidade Federal Fluminense
_________________________________
Prof. Dr. Rogerio Dultra dos Santos
PPGSD – Universidade Federal Fluminense
_________________________________
Prof. Dr. Vladimir de Carvalho Luz
PPGSD – Universidade Federal Fluminense
Niterói, 2017.
4
Se não posso, de um lado,
estimular os sonhos impossíveis, não devo, de outro,
negar a quem sonha o direito de sonhar.
Paulo Freire
5
AGRADECIMENTOS
Certa vez assisti a uma reportagem na televisão que mostrava a vida dentro e fora dos
presídios femininos. Nessa reportagem, uma ex-detenta, após cumprir a sua pena e já estando
em liberdade, tentava, a todo custo, retomar a sua vida. Quando questionada pelo jornalista
qual era a maior dificuldade nessa nova etapa, ela de imediato respondeu: o pior é não ter
mais ninguém acreditando em você e nos seus sonhos. Pior do que não sonhar é sonhar
sozinha. Essa frase me impactou de tal forma que nunca a esqueci. Constantemente essas
palavras me vem à mente, seja em momentos mais difíceis ou até mesmo nos momentos em
que apenas para refletir e agradecer o quão abençoada eu sou por ter ao meu redor tantas
pessoas dispostas a sonhar comigo. E são a elas que agradeço profundamente.
À Deus meu eterno agradecimento, por ter me abençoado tanto ao me enviar à uma
família tão especial e por ter sido meu refúgio e fortaleza a todo tempo em minha vida.
Meu agradecimento às pessoas mais importantes da minha vida e que sempre
estiveram junto a mim, sonhando os meus sonhos: minha amorosa e forte mãe, meu doce e
carinhoso pai, meu generoso e sábio irmão. São eles o meu alicerce e o meu combustível para
sempre seguir em frente e me arriscar a alçar voos cada vez mais altos, porque tenho a certeza
de que, não importa o quão longe eu vá ou quão alto seja o meu voo, estarão sempre ao meu
lado.
Ao meu noivo, Matheus, meu muito obrigada não apenas por abraçar os meus sonhos,
mas por trazer à minha vida a deliciosa experiência de sonhar a dois. Agradeço também pela
compreensão e paciência nos momentos de abdicação e de estresse, necessários e inevitáveis
para a realização de mais esse sonho.
Aos meus amigos, agradeço pelo apoio e incentivo e, principalmente, pela
compreensão nos meus muitos momentos de ausência e por, mesmo assim, se manterem
sempre tão leais e presentes em minha vida.
Ao meu orientador, me faltam palavras para agradecer tamanha paciência e
generosidade. É certamente um exemplo que levarei para a vida do exercício da docência
pautada pelo compromisso, verdade e respeito com os seus alunos e orientandos.
Por fim, agradeço à Universidade Federal Fluminense, casa onde me graduei, pós-
graduei e agora concluo o tão desejado Mestrado. Instituição à qual devo muito e à qual
espero um dia poder retribuir por tanto que me ofereceu.
6
RESUMO
A presente dissertação tem como objetivo analisar o ensino jurídico a partir da análise
da penetração da categoria do pluralismo jurídico no ensino jurídico oferecido pela Faculdade
de Direito da Universidade Federal Fluminense. O pluralismo de ideias e de valores é
reconhecido como uma das características inerentes a uma educação de caráter emancipador e
que promove a autonomia dos seus alunos. A pesquisa pretende, a partir do reconhecimento
da importância de uma educação com essas características, utilizar a categoria do pluralismo
jurídico como parâmetro para análise do ensino jurídico oferecido. A pesquisa pretende
analisar se o pluralismo jurídico se encontra, enquanto categoria autônoma, presente no
ensino jurídico e se o seu reconhecimento é capaz de influenciar desde a elaboração do
projeto pedagógico da Universidade Federal Fluminense e da sua Faculdade de Direito,
passando pela construção da matriz curricular dessa faculdade e dos programas de pesquisa e
extensão a ela vinculados até a escolha dos temas dos trabalhos de conclusão de curso
apresentados por seus alunos. O trabalho está dividido em três capítulos. O primeiro traz um
breve relato histórico da educação superior e do ensino jurídico no Brasil e também como a
educação é tratada pelo ordenamento jurídico brasileiro. O segundo capítulo trata da teoria do
pluralismo jurídico a partir da leitura dos autores Antonio Carlos Wolkmer e Boaventura de
Sousa Santos. Analisa também o pluralismo jurídico como elemento necessário à um ensino
que promova a emancipação e autonomia dos alunos, utilizando-se como referencial teórico
os ensinamentos de Paulo Freire sobre a educação. Por fim, o terceiro e último capítulo, que
analisa a influência do pluralismo jurídico na construção dos projetos pedagógicos da
Universidade Federal Fluminense e da sua Faculdade de Direito, se há influência na
construção da matriz curricular, elaboração de trabalhos de conclusão de curso e na formação
de grupos de pesquisa e extensão vinculados à Faculdade de Direito.
Palavras-chave: ensino jurídico; pluralismo jurídico; projeto pedagógico.
7
ABSTRACT
This dissertation aims to analyze legal education based on the analysis of the
penetration of the category of legal pluralism in the legal education offered by the Faculty of
Law of the Federal Fluminense University. The pluralism of ideas and values is recognized as
one of the characteristics inherent in an emancipatory education that promotes the autonomy
of its students. The research intends, from the recognition of the importance of an education
with these characteristics, to use the category of legal pluralism as parameter for analysis of
the legal education offered. The research intends to analyze if legal pluralism is an
autonomous category present in legal education and if its recognition is capable of influencing
from the elaboration of the pedagogical project of the Fluminense Federal University and its
Faculty of Law, through the construction of the matrix Curricular of this faculty and of the
research and extension programs linked to it until the choice of the topics of the work of
conclusion of course presented by its students.
The work is divided into three chapters. The first one provides a brief historical
account of higher education and legal education in Brazil and also how education is treated in
the Brazilian legal system. The second chapter deals with the theory of legal pluralism from
the reading of the authors Antonio Carlos Wolkmer and Boaventura de Sousa Santos. It also
analyzes legal pluralism as a necessary element to a teaching that promotes the emancipation
and autonomy of the students, using Paulo Freire's teachings on education as a theoretical
reference. Finally, the third and last chapter, which analyzes the influence of legal pluralism
in the construction of the pedagogical projects of the Federal University of Fluminense and its
Law School, has an influence on the construction of the curriculum matrix, Formation of
research and extension groups linked to the Faculty of Law.
Keywords: legal education; legal pluralism; pedagogical project.
8
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ABEDi - Associação Brasileira de Ensino de Direito
ADCT - Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CES/CNE – Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação
CF – Constituição Federal
CFE – Conselho Federal de Educação
CNPCT - Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades
Tradicionais
ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente
FHC – Fernando Henrique Cardoso
FIES - Fundo de Financiamento Estudantil
FUNDEB - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos
Profissionais da Educação
FUNDEF - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério
GTI - Grupo de Trabalho Interministerial
IES – Instituição de Ensino Superior
IFES - Instituições Federais de Ensino Superior
INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação
MEC - Ministério da Educação e Cultura
MMA - Ministério do Meio Ambiente
OAB – Ordem dos Advogados do Brasil
OIT - Organização Internacional do Trabalho
ONU - Organização das Nações Unidas
PEC – Projeto de Emenda Constitucional
PDE – Plano de Desenvolvimento da Educação
PIB - Produto Interno Bruto
PNAES - Plano Nacional de Assistência Estudantil
PNE - Plano Nacional de Educação
PNEDH - Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos
9
PP – Plano Pedagógico (ou Projeto Pedagógico)
PPC – Projeto Pedagógico de Curso
PPI – Plano Pedagógico Institucional
Prouni - Programa Universidade para Todos
Reuni - Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federal
SESu - Secretaria de Educação Superior
SINAES - Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior
TaCAP /UFF -Tamoios Coletivo de Assessoria Popular da Universidade Federal Fluminense
UAB - Sistema Universidade Aberta do Brasil
UFF – Universidade Federal Fluminense
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
USAID - United States Agency for International Development
10
SUMÁRIO
Introdução
Capítulo 1. Educação Superior e o Ensino Jurídico no Brasil
1.1. Breve relato histórico da educação superior no Brasil
1.2. Breve relato histórico do ensino superior jurídico no Brasil e da Faculdade de Direito da
Universidade Federal Fluminense
1.3. O direito à educação no ordenamento jurídico brasileiro
Capítulo 2. A abordagem do pluralismo jurídico a partir da pedagogia freireana
2.1. Principais considerações sobre a doutrina do pluralismo jurídico:
2.2. O pluralismo jurídico em Antonio Carlos Wolkmer: pluralismo jurídico comunitário-
participativo
2.3. O pluralismo jurídico em Boaventura de Souza Santos
2.4. A pedagogia de Paulo Freire como referencial teórico
Capítulo 3. O ensino jurídico na Faculdade de Direito da Universidade Federal
Fluminense: Projetos Pedagógicos e a abordagem do pluralismo jurídico no ensino
oferecido
3.1. Projeto Político Pedagógico: conceito, principais características e a importância da sua
construção democrática.
3.2. Projeto Pedagógico Institucional da Universidade Federal Fluminense (PPI/UFF)
3.3. Projeto Pedagógico da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense:
3.4. Análise sobre a abordagem do pluralismo jurídico pelos projetos pedagógicos e sua
influência no ensino jurídico oferecido pela Faculdade de Direito da UFF
Considerações finais
Referências
Anexos
ANEXO A – Projeto Pedagógico Institucional da Universidade Federal Fluminense
ANEXO B - Projeto Pedagógico da Faculdade de Direito da Universidade Federal
Fluminense
11
Introdução
A educação é um direito fundamental que ajuda o desenvolvimento de um país, mas,
sobretudo, é um direito que fundamental para o desenvolvimento de cada indivíduo. Mas o
direito à educação, para ser oferecido de maneira efetiva, pressupõe o oferecimento de uma
educação de qualidade, que assegure através do seu exercício o cumprimento de outros
direitos, como o direito a um tratamento com dignidade, direito à saúde e ao bem-estar, ao
meio ambiente sadio, a condições adequadas de trabalho. Não é à toa que a educação é
reconhecida como um dever do Estado e um direito de todos, constitucionalmente garantido.
A educação que defendemos no presente trabalho não é aquela que corresponde ao que
ocorre nos espaços nos quais as figuras do professor e do aluno estejam inevitavelmente
definidas e separadas como sendo, respectivamente, aquele que detém todo o conhecimento e
aquele que é vazio de todo e qualquer saber. Nesses espaços, o aluno é visto como totalmente
dependente da transmissão do conhecimento realizada pelo professor e todo o seu saber
decorrente das suas experiências é desconsiderado nesse processo de ensino.
A educação que defendemos, pelo contrário, é aquela na qual, tanto o professor quanto o
aluno estão ciências de seus conhecimentos, mas na mesma medida tem a plena consciência
do seu inacabamento e da existência de outros saberes tão importantes quanto. O educador, é
aquele portador da consciência mais avançada de seu meio, sem dúvidas, mas não abre mão
da noção crítica de seu papel, de refletir sobre o significado da sua missão enquanto docente.
Há uma reflexão constante por parte desse educador sobre as circunstâncias que determinam e
influenciam o exercício da sua profissão e quais as finalidades a sua ação devem alcançar.
O educador deve estar apto a reconhecer o contexto no qual estão inseridos ele e os seus
educandos, deve estar aberto à troca de conhecimentos que o processo de aprendizagem
pressupõe. O educando passa a ser visto como detentor de um saber, de uma cultura e, com
isso, é reconhecido não como um objeto da educação, mas um sujeito dela. O processo de
ensino e aprendizagem, portanto, passa a ser visto como produto de uma existência real,
objetivo, concreto e material, do homem e de seu mundo.
Essa percepção sobre a educação e da sua configuração como um direito fundamental
de todo indivíduo é tratado no presente trabalho, focada na educação oferecida no ensino
superior e, em especial, no ensino jurídico.
Um breve histórico é apresentado sobre o ensino superior no Brasil, identificando as
principais características que esse ensino foi apresentando no decorrer dos anos. Analisou-se
ainda como os mais recentes governos, pós Constituição Federal de 1988, trataram a educação,
12
fazendo um breve comparativo entre esses governos no que se refere a investimentos,
programas e incentivos ao ensino superior. Apresentou-se também, um breve histórico sobre o
ensino jurídico no Brasil. Nesse ponto, em especial, focou-se nas diferentes formas de
configuração que esse ensino e as suas instituições gozaram desde a sua criação em solo
pátrio até os dias atuais. A mudança na forma como esse ensino era visto e tratado, o que
claramente pode ser percebido, por exemplo, pela evolução da construção do currículo das
instituições de ensino superior voltadas para o ensino jurídico, mostra como o ensino
oferecido tem relação direta com o contexto político e econômico em que o país se encontra
no momento. Desta forma, imperioso reconhecer que a abertura do ensino para o estudo da
realidade e do contexto social no qual o aluno e a própria instituição se encontram inseridos,
considerando a existência e importância do pluralismo jurídico, representa uma modalidade
de ensino interdisciplinar, que evita a lógica mecanicista de ensino, que considera a
consciência como criadora da realidade e o mecanismo objetivista, que considera a
consciência como cópia da realidade. É uma educação apta, pelo menos a tentar, a libertação
dos oprimidos a partir da humanização do mundo por meio da ação cultural libertadora.
E, para abordar a temática do pluralismo jurídico, o presente trabalho se socorre aos
ensinamentos de dois autores expoentes que tratam deste tema. O primeiro desses autores é
Antonio Carlos Wolkmer e o segundo é Boaventura de Sousa Santos.
Antonio Carlos Wolkmer é um jurista brasileiro e autor de diversas obras, sendo uma
delas uma inquestionável referência no tema, intitulada Pluralismo jurídico: fundamentos de
uma nova cultura no Direito, originalmente escrita na década de 1990. É um dos mais
destacados pensadores críticos do Direito na América do Sul. Pode-se dizer que a corrente
jurídica teórica a qual se filia é aquela pautada em uma perspectiva de viés humanista e
democrática, com atuações em áreas específicas do Direito, mas não limitando a sua pesquisa
à área jurídica, mas, ao contrário, realizando uma pesquisa de caráter interdisciplinar,
atravessando outros campos como a sociologia e a cultura jurídica, a teoria, a filosofia e a
história do Direito, com incursões e contribuições da filosofia política e das teorias sociais.
A teoria do pluralismo jurídica defendida por Wolkmer é aquela cuja base se constata a
partir da percepção de que o paradigma da modernidade jurídica, constituído pelo binômio
positivismo/monismo, encontra-se em crise e, por isso, necessita ser superado. Para tal
superação, o autor aponta como alternativas as variadas práticas de juridicidade no cenário
latino-americano que extrapolam o âmbito da juridicidade formal estatal e, evidencia uma
estrutura jurídica crítica, original e inovadora, que enfrenta aos paradigmas hegemônicos no
pensamento jurídico nacional. Um outro ponto fundamental da teoria levantada por este autor
13
diz respeito a releitura crítica das matrizes críticas tradicionais e a reinvenção dessas matrizes
a partir de uma fundamentação regional, voltada para a realidade latino-americana, mais
especificamente para a realidade brasileira. Essa visão mais regionalizada pode ser claramente
observada com o protagonismo dos novos sujeitos sociais no pluralismo observado e
defendido pelo autor, pluralismo este denominado comunitário-participativo.
O outro autor estudado para compreensão da categoria do pluralismo jurídico foi
Boaventura de Sousa Santos, que é um autor e sociólogo português, hoje considerado um dos
mais importantes autores de língua portuguesa na área de ciência sociais. Em seus diversos
livros encontramos presente a temática do pluralismo. Talvez a sua obra originada em sua tese
de doutoramento em Sociologia na Universidade de Yale, em 1973, tenha sido uma das obras
de maior referência para a introdução desse tema no direito brasileiro. Nesta obra, Notas
sobre a História Jurídico-Social de Pasárgada, o autor partiu de uma pesquisa empírica,
analisando o discurso jurídico de uma comunidade periférica do Rio de Janeiro (favela do
Jacarezinho), denominada por ele de Pasárgada. Através de uma pesquisa empírica,
identificou a coexistência de ordens jurídicas no mesmo espaço geopolítico, de origens
diversas.
Importante que se esclareça, desde já, que não pretende o presente trabalho se
aprofundar na análise da doutrina do pluralismo jurídico apresentada por esses autores,
tampouco se pretende questionar e apontar os seus eventuais aspectos negativos ou apenas
dos quais se possa discordar. O presente trabalho parte do pressuposto de que, a partir da
leitura destes autores e de uma compreensão sobre o que seria o pluralismo, mais
precisamente o pluralismo jurídico, o mesmo se constitui como uma realidade que, muitas das
vezes, é negada ou rejeitada.
Assim, será a partir da utilização dos conceitos trabalhados e das teorias apresentadas
por esses autores sobre a temática do pluralismo, que buscaremos identificar se a penetração
desta temática na educação, mais precisamente no ensino jurídico, vem ao encontro dos
ensinamentos do autor Paulo Freire, utilizado neste trabalho como referencial teórico para a
análise do papel da educação na formação dos indivíduos.
Paulo Freire (1921-1997) foi o mais célebre educador brasileiro, com atuação e
reconhecimento internacionais. Foi um educador, pedagogista e filósofo brasileiro,
considerado um dos pensadores mais notáveis na história da pedagogia mundial, tendo
influenciado o movimento chamado pedagogia crítica. A coragem de pôr em prática um
autêntico trabalho de educação que identifica a alfabetização com um processo de
conscientização, capacitando o oprimido tanto para a aquisição dos instrumentos de leitura e
14
escrita quanto para a sua libertação fez dele um dos primeiros brasileiros a serem exilados. A
sua principal obra Pedagogia do oprimido foi, inclusive, escrita durante período de exílio,
enquanto encontrava-se no Chile.
Importante que se esclareça que apesar do autor Paulo Freire, em sua vasta obra,
utilizar-se sempre do termo educação, e por ter sido a sua teoria constantemente utilizada e
aplicada a tudo o que se refere à educação básica ou fundamental, utilizaremos toda a sua
teoria e seus ensinamentos contextualizando-os ao ensino superior, em especial ao ensino
jurídico, objeto de estudo do presente trabalho. E assim o faremos por compreendermos que
as atuais demandas pela democratização do acesso à universidade geram a necessidade de se
repensar o modelo de ensino superior que é aplicado hoje. Os alunos provenientes das
camadas populares precisam encontrar condições favoráveis para ter uma inserção crítica de
qualidade no ambiente acadêmico. E, no que se refere ao ensino jurídico, compreendemos que
a penetração do pluralismo jurídico no contexto educacional de uma instituição de ensino
superior representa uma das formas de criticização do ensino capaz de promover a
emancipação e autonomia dos alunos e na (re)construção de suas identidades.
No pensamento de Freire o aluno não é um depósito que deve ser preenchido pelo
professor, cada um, juntos pode aprender e descobrir novas dimensões e possibilidades na
realidade da vida, pois o educador é somente o mediador no processo de ensino-aprendizagem
e aprende junto com seu aluno. A educação é vista por Freire como pedagogia libertadora
capaz de torna-la mais humana e transformadora para que homens e mulheres compreendam
que são sujeitos da própria história. A liberdade torna o centro de sua concepção educativa e
esta proposta é explícita desde suas primeiras obras.
Para um estudo do quanto o ensino jurídico tem sido capaz de permitir um espaço de
crítica e construção de novos saberes, buscamos a existência do estudo sobre o pluralismo
jurídico a partir da análise dos projetos pedagógicos da Universidade Federal Fluminense e da
Faculdade de Direito1, utilizados como parâmetro. Esses documentos institucionais foram
escolhidos como parâmetro para esse estudo pelo reconhecimento do seu importante papel
que desempenham, não apenas como um conjunto de metas e diretrizes para a instituição de
ensino, mas principalmente por compreender que é um documento que constitui a identidade
da instituição e quais os valores são internalizados como essenciais no exercício do mister de
1 Importante que se esclareça que a opção por essa Instituição de Ensino se deu por duas questões: a)
primeiramente, por uma questão metodológica, diante da maior facilidade de acesso às informações necessárias
para a realização do presente estudo, considerando o tempo exíguo de que dispunha para a realização do presente
trabalho, e, b) pelo apego e apreço por essa instituição, pela qual me graduei, no ano de 2006, me pós-graduei
em um curso lato sensu, no ano de 2012, e agora curso o programa de pós-graduação stricto sensu em Direito
Constitucional.
15
ensinar. Porém, o estudo não se restringe a análise deste documento, mas analisa também a
matriz curricular da faculdade, bem como os projetos de pesquisa e extensão que são
vinculados a esta instituição e, por conseguinte, de que maneira os trabalhos de conclusão de
curso refletem a forma como o ensino jurídico é oferecido aos seus alunos.
16
Capítulo 1. Educação Superior e o Ensino Jurídico no Brasil
1.1. Breve relato histórico da educação superior no Brasil
Somente nos anos 30 o ensino superior veio a adquirir caráter universitário no Brasil,
enquanto outros países da América espanhola tiveram as suas primeiras universidades ainda
no período colonial, a exemplo do México e Peru, ou no período pós-independência, como o
Chile.
O modelo de ensino superior adotado pelo Brasil à época era o modelo de formação de
profissionais liberais tradicionais, como direito e medicina, ou seja, o sistema adotado era
voltado exclusivamente para a obtenção de um diploma e, com isso, conseguir ocupar um
lugar privilegiado no mercado de trabalho e atingir certo prestígio social. O objetivo da
instituição desse ensino superior era a formação de quadros profissionais para a administração
dos negócios do Estado e também para a descoberta de novas riquezas. À Igreja Católica, por
exemplo, era vedado ensinar para além das primeiras letras. Mesmo com a independência
política, ocorrida em 1822, esse sistema perdurou, uma vez que os novos responsáveis não
vislumbravam vantagem na criação de universidades e, com isso, optaram por manter o
tradicional formato do ensino superior. 2
Somente a partir de 1850, sob o governo de Dom Pedro II, passou a existir um período
de estabilidade política e de crescimento econômico, quando então foi possível perceber uma
gradual expansão das instituições educacionais e a consolidação de alguns centros científicos.
No entanto, o ensino superior propriamente dito manteve-se exclusivamente limitado às
profissões liberais raríssimas instituições isoladas de tempo parcial.
Até 1878 o ensino superior no Brasil permaneceu exclusivamente público e privativo do
poder central, inexistindo qualquer delegação desse poder a outras esferas. O controle do
Estado era total, sendo exercido desde a elaboração dos currículos e programas, até a
proximidade forçada entre o Estado e aqueles que dirigiam essas instituições ou nela
ministravam. Nada fugia ao controle do Estado e a sua atuação era claramente pautada muito
mais por critérios políticos do que acadêmicos. Nesse contexto, impossível promover
qualquer debate sobre a criação de uma universidade brasileira sem que se discutisse o grau
2Constituição Política do Império do Brasil de 25/03/1824: art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e
Políticos dos Cidadãos Brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é
garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte: XXXIII – colégios e Universidades, aonde serão
ensinados os elementos das Ciências, Belas Letras e Artes. Em DEVECHI, Antonio (org.). Constituições do
Brasil, 1824-1988: documento histórico. Curitiba: Juruá, 2012, p. 36.
17
de controle do Estado na educação.
Após a abolição da escravidão ocorrida em 1888, a queda do Império e a proclamação
da República em 1889, instaurou-se um cenário de grandes e importantes mudanças sociais no
Brasil e a educação não poderia ficar de fora dessas mudanças. A Constituição da República3
descentralizou o ensino superior, passando-o às mãos dos governos estaduais, e permitiu a
criação de instituições privadas. Entre 1889 e 1918, cinquenta e seis novas escolas de ensino
superior, na sua maioria privadas, são criadas no país. Em 1912 foi criada a Universidade do
Paraná, a primeira formalmente constituída no Brasil por um governo estadual, e em 1920
criada a Universidade do Brasil.
Na década de 30, durante o governo provisório de Getúlio Vargas, foi fundado o
Ministério de Educação e Saúde4 e durante o seu governo também fora publicada uma lei que
definia como a universidade deveria ser, e que ficou conhecida com o nome do primeiro
Ministro da Educação do país, como a "Reforma Francisco Campos", em 1931.5 Esta reforma
estabelecia que o ensino superior deveria ser ministrado na universidade, a partir da criação
de uma faculdade de Educação, Ciências e Letras. No que diz respeito à organização do
sistema, a reforma previa duas modalidades de ensino superior: o sistema universitário
3Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 21/02/1891: Art. 35. Incumbe, outrossim, ao
Congresso, mas não privativamente: (...) 2º) animar no País o desenvolvimento das letras, artes e ciências, bem
como a imigração, a agricultura, a indústria e comércio, em privilégios que tolham ação dos Governos locais; 3º)
criar instituições de ensino superior e secundário nos Estados. DEVECHI, Antonio (org.). Constituições do
Brasil, 1824-1988: documento histórico. Curitiba: Juruá, 2012, p. 45. 4A história do MEC, como é conhecido hoje, começa em 1930, quando foi criado o Ministério dos Negócios da
Educação e Saúde Pública, no governo de Getúlio Vargas. Em 1932, um grupo de intelectuais, preocupados em
elaborar um programa de política educacional amplo e integrado, lançou o Manifesto dos Pioneiros da Educação
Nova, redigido por Fernando de Azevedo e assinado por outros conceituados educadores, como Anísio Teixeira.
O manifesto propunha que o Estado organizasse um plano geral de educação e definisse a bandeira de uma
escola única, pública, laica, obrigatória e gratuita. Nessa época, a igreja dividia com o Estado a área da educação.
Em 1934, com a nova Constituição Federal, a educação passou a ser vista como um direito de todos, a ser
ministrada pela família e pelos poderes públicos. De 1934 a 1945, o então ministro da Educação e Saúde
Pública, Gustavo Capanema Filho, promoveu uma gestão marcada pela reforma dos ensinos secundário e
universitário. Naquela época, o Brasil já implantava as bases da educação nacional.
http://portal.mec.gov.br/institucional. Acesso em janeiro de 2017. 5Em 1931, vários decretos efetivaram a legislação educacional conhecida como Reforma Francisco Campos, que
estruturou e centralizou para a administração federal os cursos superiores, o ensino secundário e o ensino
comercial (ensino médio profissionalizante). Essa reforma restringiu-se aos níveis de ensino secundário e
superior, os mais procurados pelas elites, não contemplando o ensino primário ou elementar e o ensino normal
que permaneceram da alçada dos Estados. Francisco Campos foi ministro do recém-criado Ministério da
Educação e Saúde Pública, entre 1930 e 1934, durante o Governo Provisório instaurado com a Revolução de
1930. Foram esses os decretos: Decreto n. 19.850, de 11 de abril de 1931, que criou o Conselho Nacional de
Educação; Decreto n. 19.851, de 11 de abril de 1931, que dispôs sobre a organização do ensino superior,
instituindo o Estatuto das Universidades Brasileiras; Decreto n. 19.852, de 11 de abril de 1931, que dispôs sobre
a organização da Universidade do Rio de Janeiro; Decreto n.19.890, de 18 de abril de 1931, que estruturou o
ensino secundário; Decreto n. 20.158, de 30 de junho de 1931, que organizou o ensino comercial; Decreto n.
21.241, de 14 de abril de 1932, consolidando as disposições sobre a estruturação do ensino secundário.
http://www.histedbr.fe.unicamp.br/navegando/glossario/verb_c_reforma_francisco_campos_1931.htm#_ftn1.
Acesso em janeiro de 2017.
18
(oficial, mantido pelo governo federal ou estadual, ou livre, mantido por particulares) e o
instituto isolado.
Após a implantação das primeiras universidades, o ensino superior não experimentou
nenhum crescimento mais significativo durantes as duas décadas que se seguiram,
principalmente se compararmos o período que estava por vir. Tampouco ocorreram reformas
de grande magnitude em seu formato, se pensarmos na instituição da organização
universitária da década de 30. Mas foi justamente nesse período que o sistema de ensino vai
se encorpando, com o desenvolvimento da rede de universidades federais e com o
estabelecimento da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
O sistema federal experimentou um certo desenvolvimento, a partir de 1945,
principalmente com a federalização de algumas universidades estaduais criadas nas décadas
de 30 e início dos anos 40, ao mesmo tempo em que a ideia de que cada Estado da federação
tinha o direito pelo menos a uma universidade federal ganhava força. A criação da primeira
Universidade Católica assinala a falência do pacto entre Estado e Igreja, estabelecido a partir
de 1931, e que leva a Igreja a buscar seus próprios caminhos.6
No final da década de 50 o modelo então vigente já dava sinais de desgaste, diante das
mudanças ocorridas na sociedade, como o crescimento de setores decorrentes de uma
formação social industrial e urbana. Um novo mercado de trabalho surgia e passou a ser
intensamente disputado pela classe média o que ocasionou o crescimento da demanda pelo
ensino e pelo diploma. Esse cenário impulsionou também as transformações no ensino
6Desde a década de 1920 os católicos vinham se organizando, através da revista A Ordem (1921) e do Centro
Dom Vital (1922), com o propósito de ter uma atuação mais marcante no processo decisório nacional. Sob a
liderança do arcebispo dom Sebastião Leme, do padre Leonel Franca e de Alceu Amoroso Lima, um movimento
em prol da educação superior católica foi articulado. Em 1929, fundou-se a Associação dos Universitários
Católicos, em 1932 o Instituto de Estudos Superiores e em 1933 a Confederação Católica Brasileira de
Educação. Em 1934, o I Congresso Católico de Educação foi realizado no Rio de Janeiro. Para o grupo católico,
a universidade enquanto espaço de socialização das elites dirigentes tinha necessariamente que ser católica. Daí
sua incompatibilidade com projetos como o da Universidade do Distrito Federal, identificada com nomes como
Pedro Ernesto e Anísio Teixeira, considerados homens de esquerda. Em 1940, a Companhia de Jesus recebeu de
dom Leme a incumbência de dirigir a futura universidade católica. Nesse mesmo ano o Conselho Nacional de
Educação concedeu por unanimidade autorização prévia para o funcionamento das Faculdades Católicas, que
incluíam uma Faculdade de Direito e sete cursos da Faculdade de Filosofia (geografia, história, ciências sociais,
pedagogia, letras clássicas, neolatinas e neogermânicas). A eleição das faculdades de Filosofia e de Direito como
núcleos do ensino superior católico convinha ao projeto da Igreja, já que a maior parte das elites brasileiras era
composta de juristas e advogados. Também interessava a disseminação da cultura humanística entre as elites,
facilitando a sua espiritualização. Em março de 1941, na solenidade de abertura dos cursos, discursaram o padre
Leonel Franca, reitor das Faculdades Católicas, o ministro Gustavo Capanema e Alceu Amoroso Lima. O corpo
de professores era em grande parte oriundo da UDF e da Universidade do Brasil. Em 1946, com a agregação da
Escola de Serviço Social do Instituto Social do Rio de Janeiro às Faculdades Católicas, completou-se o número
de unidades exigido pela legislação para a formação de uma universidade. Em março desse ano, as Faculdades
Católicas foram assim elevadas à categoria de universidade, a primeira de caráter particular no país. Pensada
originariamente para atender à elite católica, a Pontifícia Universidade Católica acabaria servindo à educação das
elites em geral. http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos37-
45/EducacaoCulturaPropaganda/PUC. Acesso em janeiro de 2017.
19
superior no Brasil. Nesse período, o Brasil recebeu o auxílio de um importante consultor e
especialista na área de Administração Universitária, que foi Rudolph Atcon, um consultor
nascido na Grécia, que posteriormente viria a se naturalizar norte-americano. Rudolph ocupou
diversos cargos e exerceu diversas funções importantes e estratégicos no Brasil, como auxiliar
na reestruturação do CAPES, chefiou a Divisão de Educação do Instituto de Microbiologia na
Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, assessorou o Diretor de Educação Superior do
Ministério Brasileiro de Educação e Cultura, assessorou as autoridades competentes para
criação da Universidade de Brasília, dentre outras importantes contribuições na reformulação
do ensino superior no Brasil.
Nos anos 60 vieram os anos de repressão política que afetaram diretamente as
instituições de ensino superior. Nesta década, a relação do consultor com o país se firmou
quando o Ministério da Educação Brasileiro (MEC) e a United States Agency for
International Development (USAID) firmaram um acordo vislumbrando a criação de
convênios para estimular a educação brasileira através de assistência técnica e financeira.
Entre junho de 1964 e janeiro de 1968, foi o período de maior intensidade nesses acordos,
abrangendo desde a educação primária (atual ensino fundamental) ao ensino superior. O
último dos acordos firmados foi no ano de 1976.
Os acordos entre o MEC e o USAID inseriam-se num contexto histórico fortemente
marcado pelo tecnicismo educacional da teoria do capital humano, ou seja, prevalecia a
concepção de que a educação era um pressuposto para o desenvolvimento econômico do país.
Assim, essa ajuda externa focada na educação tinha por objetivo fornecer as diretrizes
políticas e técnicas para uma reorientação do sistema educacional brasileiro, à luz das
necessidades do desenvolvimento capitalista internacional.
Na prática, esses acordos não significaram mudanças diretas na política educacional,
mas exerceram grande influência nas formulações e orientações que, posteriormente,
conduziram o processo de reforma da educação brasileira na Ditadura Militar. Destacam-se a
Comissão Meira Mattos (1967), e o Grupo de Trabalho da Reforma Universitária (GTRU),
de 1968, ambos decisivos na reforma universitária (Lei nº 5.540/1968) e na reforma do ensino
de 1º e 2º graus (Lei nº 5.692/1971).7
7 http://www.histedbr.fe.unicamp.br/navegando/glossario/verb_c_mec-usaid%20.htm, acesso em fevereiro de
2017.
20
Nesse período, houve forte repressão política nas universidades, o que gerou
movimentos estudantis, e até docentes, que visavam confrontar os regimes militares, regimes
esses que surgiram relativamente na mesma época em alguns países latino-americanos.
Paradoxalmente, entretanto, a universidade recriada pela reforma de 68, em um período de
acirramento da repressão política-ideológica no país, incluía medidas de efetiva
democratização interna e substancial aumento da participação de estudantes e docentes na
gestão da instituição e, com isso, esta expansão acelerada teve como resultado o afastamento
cada vez maior do modelo único para o qual a legislação de 1968 julgava que o ensino
superior deveria convergir.
No setor público, a ampliação do sistema se deu através da multiplicação do mesmo
elenco restrito de cursos, o que resultou na ampliação dos quadros docentes, e das
possibilidades de manipulação clientelística dessas oportunidades de emprego. Já no setor
privado, a expansão de estabelecimentos privados e não universitários é governada pelas leis
do mercado e está, portanto, condicionada aos elementos mais imediatos da demanda social,
que se orienta no sentido da obtenção do diploma. Cria-se, assim, um sistema empresarial de
ensino no qual a qualidade da formação oferecida é secundária e a pesquisa totalmente
irrelevante. Essa forma de atendimento da demanda, que afeta tanto o sistema público como o
privado, reforça componentes extremamente conservadores na medida em que associa a
formação universitária ao acesso a profissões. Como o mercado de trabalho não pode se
estruturar dessa forma, esse tipo de atendimento alimentava uma ilusão e deformava o sistema
de formação em nível superior.
Muito dessa visão, entretanto, parece permanecer até os dias atuais em se tratando de
ensino superior, que ainda se consubstancia como um sistema de ensino de massa que tende a
uma pluralidade de formas e de funções e que, em sua maioria, incorpora instituições de
ensino superior sem maiores compromissos sociais, a não ser a obtenção do título ou do
diploma, revelando-se, dessa forma, um sistema de ensino pautado por uma visão estritamente
formalista e tecnicista.
Para uma compreensão mais completa sobre o ensino superior no Brasil, importante
analisar recentes períodos pelo qual o Brasil passou e a atual fase pela qual o país vem
passando. Dois desses períodos, identificados como as eras dos dois ex-Presidentes da
República - o período do presidente Fernando Henrique Cardoso, ou a era FHC (1995- 2002)8
8CUNHA, Luiz Antônio. O ensino superior no octênio FHC. Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 82, p. 37-61,
abril 2003. http://www.scielo.br/pdf/es/v24n82/a03v24n82.pdf. Acesso em fevereiro 2017.
21
e o período do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ou a era Lula (2003-2010) – são
paradigmáticos para a compreensão do ensino superior no Brasil.
A era do Presidente Fernando Henrique Cardoso pode ser considerada a primeira era
pós-período de redemocratização do país, motivo pelo qual as políticas voltadas para a
educação, naquele momento, revelavam-se fundamentais e cruciais para indicar o caminho
que a educação e o próprio país iriam trilhar nos próximos anos.
Na disputa pelo seu primeiro mandato presidencial, a proposta de governo apresentada
pelo então candidato Fernando Henrique Cardoso foi elaborada por uma equipe coordenada
pelo economista Paulo Renato Souza, que havia ocupado o cargo de Secretário da Educação
do Estado de São Paulo, já havia sido reitor da Universidade Estadual de Campinas, e,
naquele momento, era técnico do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Com a vitória
de Fernando Henrique Cardoso para o cargo de Presidente da República, Paulo Renato Souza
foi nomeado ministro da Educação, cargo que ocupou durante os dois mandados de FHC (de
1995 a 2002).
A educação foi indicada como uma meta prioritária do governo, mas sob uma
perspectiva ligada à economia: à educação era imputado um papel econômico, uma vez que
esta serviria como base para um novo estilo de desenvolvimento do país, e seu dinamismo e
sustentação estariam atreladas diretamente aos progressos científicos e tecnológicos. O foco
principal, para este desenvolvimento da educação, era o sistema educacional de ensino
superior, uma vez que a competência cientifica e tecnológica eram vistas como essenciais à
garantia da qualidade dos ensinos básico, secundário e técnico e, por consequência, ao
incremento da qualificação geral da população. A gestão e o financiamento desse sistema de
desenvolvimento cientifico e tecnológico era baseado na previsão de uma forte parceria entre
o setor público e o setor privado. Ao menos as propostas apesentadas para a educação
firmavam-se nesse sentido.
Duas importantes criações relacionadas à educação merecem destaque nessa era: a
criação do FIES (Fundo de Financiamento Estudantil), existente até hoje, que é o programa do
Ministério da Educação que financia cursos superiores não gratuitos e com avaliação positiva
no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), criação feita através da Lei
nº 10.260/2001, que buscava minimizar os problemas de acesso e permanência de estudantes
no ensino superior; e o estabelecimento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
através da Lei 9.394/1996.
Um dos pontos destacáveis da política educacional refere-se às universidades federais,
quando se questionou o percentual de investimento direcionado a estas instituições pelo
22
Governo Federal, considerado alto tendo e vista o baixo percentual de estudantes dessas
instituições se comparado às instituições privadas de ensino. A partir desse questionamento,
fortaleceu-se a ideia de que investimentos nessas instituições públicas de ensino estariam
vinculadas de maneira proporcional ao desempenho obtido pelas mesmas, ou seja, foi
instaurada a avaliação de desempenho dessas instituições. Nessa avaliação, seriam levados em
conta, principalmente, o número de estudantes efetivamente formados, as pesquisas realizadas
e os serviços prestados. A racionalização dos gastos e o aumento da produtividade deveriam
se refletir em aumentos salariais de professores e de funcionários.
O discurso utilizado à época pautava-se em quatro ideias fundamentais: privatização
das instituições públicas de ensino; flexibilização curricular; descentralização das instituições
e centralização do controle das instituições federais de ensino superior.9Uma das principais
críticas feitas ao Governo FHC no que se refere à educação foi justamente o abandono das
universidades públicas, sob o argumento de que se buscava uma maior eficiência na
administração dessas universidades.
Apesar da manutenção da gratuidade do ensino, superada a ideia inicial da sua
extinção ou redução, houve um intenso sucateamento das instituições federais de ensino,
decorrente da redução de investimentos e cortes profundos nas verbas para sua manutenção.
Esse sucateamento teve reflexo direto no ingresso de novos alunos nessas instituições, pois
apesar do aumento de número de vagas, não houve aumento de renda capaz de estimular o
acesso das pessoas a estas instituições. Um dos responsáveis por essa situação de evasão das
universidades foi a redução drástica do orçamento destinado ao FIES.
Um outro ponto que merece destaque na política educacional adotada durante o
governo de Fernando Henrique Cardoso foi a proliferação das instituições privadas de ensino
superior. Segundo os dados estatísticos mais importantes do ensino superior brasileiro
relativos às instituições e ao alunado de graduação, as faculdades isoladas (92% delas
privadas) são a maioria das instituições, mas perdem a posição majoritária no alunado para as
universidades, que abrangem 64,5% dos estudantes. Os centros universitários (a maior parte
deles oriunda de federações de faculdades) recebem cerca de um décimo das matrículas,
quase todas no setor privado. Já os centros de educação tecnológica se situam praticamente
9LUCHMANN, Julio César. Políticas Públicas Para o Ensino Superior no Brasil (1994-2006): Ruptura e
Continuidade entre es Governos de Fernando Henrique Cardoso e Luis Inácio Lula Da Silva. PUCPR..
http://www.pucpr.br/eventos/educere/educere2007/anaisEvento/arquivos/CI-147-01.pdf. Acesso em fevereiro de
2017.
23
todos no setor público e representam uma parcela diminuta na oferta de ensino superior. Das
156 universidades, a maioria é privada (85 versus 71).10
Percebe-se, dessa forma, o quão rápido foi o crescimento das universidades privadas:
no primeiro ano do octênio, enquanto as universidades públicas ficaram estacionadas no
mesmo período. Mas o dinamismo do setor privado expressou-se, igualmente, na categoria
centros universitários, que não existiam em 1995 e já eram 66 em 2001, dos quais apenas dois
desses públicos. Tal crescimento fez-se com a complacência governamental diante da
qualidade insuficiente do ensino ministrado nas instituições privadas e até mesmo com o
benefício do credenciamento acadêmico e do crédito financeiro. De um lado, as Instituições
de Ensino Superior Federais padeceram de recursos para continuarem a operar nos termos que
antes faziam, e, de outro, as Instituições de Ensino Superior privadas recebiam os benefícios
visíveis, o que pode representar um intento deliberado de sucateamento das instituições
públicas de ensino. O governo FHC criou apenas duas universidades federais em oito anos: a
Universidade Federal de Tocantins e a Universidade Federal do Vale do São Francisco
O Governo Lula, por sua vez, teve uma visão diferenciada sobre as instituições
privadas de ensino, pois o foco das políticas públicas voltadas para a educação não era o
incentivo à criação de novas instituições, mas sim na manutenção destas. A expansão da
Educação Superior por intermédio das universidades públicas federais foi a opção expressa do
MEC através de dois programas criados no governo Lula: Programa de Expansão da
Educação Superior Pública/Expandir (2003-2006) e Programa de Apoio a Planos de Expansão
e Reestruturação de Universidades Federais/REUNI – 2007/2012. Esses programas vinham
cumprir o estabelecido o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE)11 que definia os
seguintes princípios complementares entre si, aplicáveis ao ensino superior no Brasil: a)
expansão da oferta de vagas; b) garantia de qualidade; c) promoção de inclusão social pela
educação; d) ordenamento territorial, levando o ensino superior às regiões mais remotas; e e)
fortalecer o desenvolvimento econômico, seja como formadora de recursos humanos
altamente qualificados, seja na produção científico-tecnológica. As principais ações, além das
vagas de demanda social da UAB12, foram, portanto, o Plano de Reestruturação e Expansão
10 Número de instituições e de estudantes no ensino superior (graduação), segundo tipo e dependência
administrativa – Brasil, 2001. Fontes: MEC/INEP, Censo Escolar, Ensino Superior, 2001.
http://www.publicacoes.inep.gov.br/portal/download/26. Acesso em fevereiro de 2017. 11Através do Decreto nº 6.094/07, foi lançado um conjunto de programas visando a melhoria da educação no
Brasil, em todas as suas etapas, atrelados ao Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), em um prazo de
quinze anos a contar de seu lançamento, em 2007. 12O Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB) foi instituído pelo Decreto nº 5.800, de junho de 2006: Art.
1º. Fica instituído o Sistema Universidade Aberta do Brasil - UAB, voltado para o desenvolvimento da
modalidade de educação a distância, com a finalidade de expandir e interiorizar a oferta de cursos e programas
24
das Universidades Federais – Reuni e o Plano Nacional de Assistência Estudantil – PNAES.
O Plano Nacional de Assistência Estudantil é apresentado como instrumento de consolidação
do Reuni, visando garantir condições de apoio à presença do estudante nas universidades,
especialmente aqueles mais carentes. Ainda no âmbito da educação superior, o PDE destaca o
Programa Universidade para Todos – PROUNI e o Fundo de Financiamento ao Estudante do
Ensino Superior – FIES13.
A política de educação superior do governo Lula, portanto, começou a ser
efetivamente construída a partir da preocupação com dois temas centrais: a avaliação, já
presente na gestão do então Ministro Cristóvão Buarque, com a criação do Sistema Nacional
de Avaliação da Educação Superior (Sinaes) 14 ; e a expansão da educação superior,
especialmente a partir do Decreto nº 20 de outubro de 200315 que criou o Grupo de Trabalho
de educação superior no País. Parágrafo único. São objetivos do Sistema UAB: I - oferecer, prioritariamente,
cursos de licenciatura e de formação inicial e continuada de professores da educação básica; II - oferecer cursos
superiores para capacitação de dirigentes, gestores e trabalhadores em educação básica dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios; III - oferecer cursos superiores nas diferentes áreas do conhecimento; IV - ampliar o
acesso à educação superior pública; V - reduzir as desigualdades de oferta de ensino superior entre as diferentes
regiões do País; VI - estabelecer amplo sistema nacional de educação superior a distância; e VII - fomentar o
desenvolvimento institucional para a modalidade de educação a distância, bem como a pesquisa em
metodologias inovadoras de ensino superior apoiadas em tecnologias de informação e comunicação.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/decreto/d5800.htm. Acesso em fevereiro de 2017. 13A Lei nº 10.260 de julho de 2001, que converteu em lei a Medida Provisória nº 2.094-28 de 2001, dispôs sobre
o Fundo de Financiamento ao estudante do Ensino Superior (FIES). Essa Lei, no entanto, sofreu alterações por
leis posteriores, vigendo atualmente as alterações mais recentes realizadas pela Lei nº 12.513 de 2011: Art. 1º. É
instituído, nos termos desta Lei, o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), de natureza contábil, destinado à
concessão de financiamento a estudantes regularmente matriculados em cursos superiores não gratuitos e com
avaliação positiva nos processos conduzidos pelo Ministério da Educação, de acordo com regulamentação
própria. § 1º. O financiamento de que trata o caput poderá beneficiar estudantes matriculados em cursos da
educação profissional e tecnológica, bem como em programas de mestrado e doutorado com avaliação positiva,
desde que haja disponibilidade de recursos. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10260.htm.
Acesso em fevereiro de 2017. 14Sistema criado através da Lei nº 10.861/04 que converteu em lei a Medida Provisória nº 147, de 2003, o Sinaes
é composto também pelos processos de Avaliação de Cursos de Graduação e de Avaliação Institucional que,
junto com o Enade, formam um tripé avaliativo, que permite conhecer a qualidade dos cursos e instituições de
educação superior (IES) de todo o Brasil: Art. 1o Fica instituído o Sistema Nacional de Avaliação da Educação
Superior - SINAES, com o objetivo de assegurar processo nacional de avaliação das instituições de educação
superior, dos cursos de graduação e do desempenho acadêmico de seus estudantes, nos termos do art. 9º, VI, VIII
e IX, da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996. § 1º. O SINAES tem por finalidades a melhoria da qualidade
da educação superior, a orientação da expansão da sua oferta, o aumento permanente da sua eficácia institucional
e efetividade acadêmica e social e, especialmente, a promoção do aprofundamento dos compromissos e
responsabilidades sociais das instituições de educação superior, por meio da valorização de sua missão pública,
da promoção dos valores democráticos, do respeito à diferença e à diversidade, da afirmação da autonomia e da
identidade institucional. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.861.htm. Acesso em
fevereiro de 2017. 15O Decreto nº 20/03 instituiu o Grupo de Trabalho Interministerial encarregado de analisar a situação atual à
época de sua criação e de apresentar plano de ação visando a reestruturação, desenvolvimento e democratização
das Instituições Federais de Ensino Superior – IFES: Art. 1º. Fica instituído Grupo de Trabalho Interministerial
encarregado de, no prazo de sessenta dias a contar da publicação deste Decreto, analisar a situação atual e
apresentar plano de ação visando a reestruturação, desenvolvimento e democratização das Instituições Federais
de Ensino Superior - IFES. Parágrafo único. O plano de ação a que se refere o caput deverá contemplar, entre
outros aspectos, medidas visando a adequação da legislação relativa às IFES, inclusive no que diz respeito às
25
Interministerial (GTI) que teve como objetivo analisar a situação da educação superior
brasileira e apresentar um plano de ação visando a reestruturação, desenvolvimento e
democratização das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES). O Sinaes veio alterar a
sistemática de avaliação do ensino superior, cuja ênfase, na gestão de Fernando Henrique
Cardoso, voltara-se para testes dos estudantes, através do Exame Nacional de Cursos. O
Sinaes, embora tenha incorporado os testes com a criação do Exame Nacional de
Desempenho dos Estudantes (Enade) 16 , ampliou a dimensão avaliativa incorporando a
autoavaliação das instituições, a avaliação externa e um programa de verificação das
condições de oferta do ensino, da pesquisa e da extensão.
O Programa Expandir foi criado com o objetivo de estabelecer uma série de medidas
com vistas à ampliação de cursos e vagas nas universidades federais, à interiorização de
campus universitários, à redefinição das formas de ingresso, à democratização do acesso a
universidades privadas, ao desenvolvimento de programas de assistência estudantil, à
reformulação da avaliação de cursos e instituições, ao desenvolvimento dos instrumentos de
regulação e supervisão, bem como à ampliação da pós-graduação. Uma das metas tidas como
principal era fortalecer, ampliar e interiorizar o ensino superior público e gratuito no Brasil.
Para isso, objetivava-se a criação de novas universidades federais, como também a expansão
das universidades já existentes, com a criação de polos universitários avançados.17
Com essa política voltada para a educação, durante a chamada era Lula houve um
aumento do número de vagas em instituições públicas de ensino e um incremento no
orçamento destinado ao FIES. Durante o primeiro mandato do ex-presidente Lula (2003-
suas respectivas estruturas regimentais, bem assim sobre a eficácia da gestão, os aspectos organizacionais,
administrativos e operacionais, a melhoria da qualidade dos serviços e instrumentos de avaliação de
desempenho. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/dnn/2003/dnn9998.htm. Acesso em fevereiro de 2017. 16 O Enade avalia o rendimento dos concluintes dos cursos de graduação, em relação aos conteúdos
programáticos, habilidades e competências adquiridas em sua formação. O exame é obrigatório e a situação de
regularidade do estudante no Exame deve constar em seu histórico escolar. A primeira aplicação do Enade
ocorreu em 2004 e a periodicidade máxima da avaliação é trienal para cada área do conhecimento. O objetivo do
Enade é avaliar o desempenho dos estudantes com relação aos conteúdos programáticos previstos nas diretrizes
curriculares dos cursos de graduação, o desenvolvimento de competências e habilidades necessárias ao
aprofundamento da formação geral e profissional, e o nível de atualização dos estudantes com relação à
realidade brasileira e mundial, integrando o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior
(Sinaes).http://portal.inep.gov.br/enade. Acesso em fevereiro de 2017. 17Para isso, o governo federal teria investido R$ 712,8 milhões para expandir e interiorizar o ensino superior
público no Brasil. Parte dos recursos (R$ 192 milhões) foi repassada em 2005 às instituições federais de ensino
superior. A previsão lançada para os anos de 2006 e 2007, serão mais R$ 520 milhões. São recursos para
construção de novos prédios, compra de equipamentos e mobiliários, reforma e adequação de campi,
principalmente no interior do país. (Assessoria de Comunicação Social do MEC)O polo universitário de Volta
Redonda (PUVR), no Rio de Janeiro, ligado à Universidade Federal Fluminense (UFF), foi construído durante
este programa. Segundo informações lançadas no site do MEC, o investimento nesta construção foi na ordem de
R$ 7,4 milhões. http://portal.mec.gov.br/ultimas-noticias/202-264937351/6592-sp-1567514816. Acesso em
fevereiro de 2017.
26
2006), foram criadas novas universidades públicas federais, como a Universidade Federal da
Grande Dourados, a Universidade Federal do Vale do São Francisco e a Universidade Federal
do Recôncavo Baiano. E deu-se início ao processo de criação das universidades de Alfenas
Triângulo Mineiro Semiárido, Vale do Jequitinhonha e a Vale do Mucuri do Paraná. Além
disso, cinco faculdades tornaram-se universidades, e foram criados ou ampliados 42 campi em
todo o país.
Dessa forma, ao se falar da educação superior durante o governo Lula, imprescindível
que se destaque quatro programas principais, voltados a expansão da educação superior no
Brasil: o Programa Universidade para Todos – PROUNI, o programa Expandir, o sistema
UAB- Universidade Aberta do Brasil e o REUNI – Programa de Reestruturação e Expansão
das Universidades Federais. As políticas para a expansão do número de matrículas foram
guiadas pela criação do FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica e Valorização dos Profissionais da Educação), o Prouni (Programa Universidade para
Todos) e o Reuni (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das
Universidades Federal).
O FUNDEB foi criado pela Emenda Constitucional nº 53/06 que alterou o art. 60 do
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mais especificamente o seu art. 60, I e XII,
§3º18 e foi e regulamentado pela Lei nº 11.494/2007 e pelo Decreto nº 6.253/2007, em
substituição ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério - FUNDEF, que vigorou de 1998 a 2006. O FUNDEB é um fundo
especial, de natureza contábil e de âmbito estadual (um fundo por estado e Distrito Federal,
num total de vinte e sete fundos), formado, na quase totalidade, por recursos provenientes dos
impostos e transferências dos Estados, Distrito Federal e Municípios, vinculados à educação
por força do disposto no art. 212 da Constituição Federal. Além desses recursos, o FUNDEB
ainda é composto, a título de complementação, por uma parcela de recursos federais, sempre
18Art. 60. Até o 14º (décimo quarto) ano a partir da promulgação desta Emenda Constitucional, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios destinarão parte dos recursos a que se refere o caput do art. 212 da Constituição
Federal à manutenção e desenvolvimento da educação básica e à remuneração condigna dos trabalhadores da
educação, respeitadas as seguintes disposições: I - a distribuição dos recursos e de responsabilidades entre o
Distrito Federal, os Estados e seus Municípios é assegurada mediante a criação, no âmbito de cada Estado e do
Distrito Federal, de um Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação - FUNDEB, de natureza contábil; (...) XII - proporção não inferior a 60% (sessenta
por cento) de cada Fundo referido no inciso I do caput deste artigo será destinada ao pagamento dos profissionais
do magistério da educação básica em efetivo exercício. (...) § 3º O valor anual mínimo por aluno do ensino
fundamental, no âmbito do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação - FUNDEB, não poderá ser inferior ao valor mínimo fixado nacionalmente no ano
anterior ao da vigência desta Emenda Constitucional.
https://www.fnde.gov.br/fndelegis/action/UrlPublicasAction.php?acao=abrirAtoPublico&sgl_tipo=EMC&num_
ato=00000053&seq_ato=000&vlr_ano=2006&sgl_orgao=NI. Acesso em fevereiro de 2017.
27
que, no âmbito de cada Estado, seu valor por aluno não alcançar o mínimo definido
nacionalmente. Independentemente da origem, todo o recurso gerado é redistribuído para
aplicação exclusiva na educação básica.19
Já o PROUNI, o Programa Universidade para Todos, é um programa do Ministério da
Educação criado pelo governo federal em 2004, que oferece bolsas de estudo, integrais e
parciais (50%, cinquenta por cento), em instituições particulares de educação superior, em
cursos de graduação e sequenciais de formação específica, a estudantes brasileiros sem
diploma de nível superior.20 Foi instituído pela Medida Provisória nº 213/2004, que fora
convertida na Lei nº 11096/2005 com regulamento do Decreto nº 5493/05.
De acordo com informações divulgadas no próprio portal eletrônico do ProUni21, o
número de bolsas de estudo ofertadas por ano foi, inicialmente, de 112.275 (cento e doze mil
e duzentas e setenta e cinco) bolsas no ano de 2005, passando pelo ano de 2010 com o total de
241.273 (duzentas e quarenta e uma mil e duzentas e setenta e três) bolsas, e chegando ao ano
de 2014 com o total de 306.726 (trezentas e seis mil e setecentas e vinte e seis) bolsas, sendo
dessas 205.237 (duzentas e cinco mil e duzentas e trinta e sete) bolsas integrais e 101.489
(cento e uma mil e quatrocentos e oitenta e nove) bolsas parciais (de 50%).22
Outro dado também importante diz respeito as categorias administrativas de
Instituições de Ensino Superior em cujos cursos foram ofertadas as bolsas criadas através
deste programa do governo. De acordo com dados fornecidos em 2015, 57% (cinquenta e sete
por cento) das bolsas foram ofertadas para o estudo em instituições de ensino superior com
fins lucrativos; 26% (vinte e seis por cento) para bolsas em entidades beneficentes de
assistência social e 17% (dezessete por cento) em instituições sem fins lucrativos.23
19Com vigência estabelecida para o período 2007-2020, sua implantação começou em 1º de janeiro de 2007,
sendo plenamente concluída em 2009, quando o total de alunos matriculados na rede pública foi considerado na
distribuição dos recursos e o percentual de contribuição dos estados, Distrito Federal e municípios para a
formação do Fundo atingiu o patamar de 20%. O aporte de recursos do governo federal ao FUNDEB, de R$ 2
bilhões em 2007, aumentou para R$ 3,2 bilhões em 2008, R$ 5,1 bilhões em 2009 e, a partir de 2010, passou a
ser no valor correspondente a 10% da contribuição total dos estados e municípios de todo o país.
http://www.fnde.gov.br/financiamento/fundeb/fundeb-apresentacao. Acesso em fevereiro de 2017. 20http://siteprouni.mec.gov.br/. Acesso em fevereiro de 2017. 21http://prouniportal.mec.gov.br/images/pdf/Representacoes_graficas/bolsas_ofertadas_ano.pdf. Acesso em
fevereiro de 2017. 22 Outro número interessante disponibilizado pelo site do PROUNI diz respeito ao tipo de ensino ao qual
correspondem as bolsas: em um levantamento feito no ano de 2015, constatou-se que a modalidade presencial de
ensino abarcava 85% (oitenta e cinco por cento) das bolsas concedidas, restando os 15% (quinze por cento) das
bolsas para a modalidade de ensino de Educação à Distância.
http://prouniportal.mec.gov.br/images/pdf/Representacoes_graficas/bolsistas_por_modalidade_de_ensino1.pdf.
Acesso em fevereiro de 2017. 23http://prouniportal.mec.gov.br/images/pdf/Representacoes_graficas/bolsistas_por_categoria_administrativa_da
_ies.pdf. Acesso em fevereiro de 2017.
28
Já o Reuni, instituído pelo Decreto nº 6.096, de 24 de abril de 200724, foi um programa
do governo estabelecido visando especificamente a expansão da educação superior no Brasil.
Para isso, criou-se o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais, que tem como principal objetivo ampliar o acesso e a permanência na
educação superior. Com o Reuni, o governo federal adotou uma série de medidas para retomar
o crescimento do ensino superior público, criando condições para que as universidades
federais promovam a expansão física, acadêmica e pedagógica da rede federal de educação
superior. Os efeitos da iniciativa podem ser percebidos pelos expressivos números da
expansão, iniciada em 2003 e com previsão de conclusão em 2012.25
As ações do programa contemplam o aumento de vagas nos cursos de graduação, a
ampliação da oferta de cursos noturnos, a promoção de inovações pedagógicas e o combate à
evasão, entre outras metas que têm o propósito de diminuir as desigualdades sociais no país.
Com esse programa, buscava-se não só o aumento do número de cursos e de vagas nos cursos
de graduação, expansão do número de campi, bem como uma melhor relação aluno professor,
além de investimento em obras nas universidades federais, com a ampliação e a adequação da
sua insfraestrutura física e a contratação de novos docentes e técnicos.
De acordo com o mais recente relatório apresentado, houve, ao menos a priori, o
atingimento das metas estabelecidas por este Programa, em especial no que se refere ao
aumento do número de vagas e do aumento do número de cursos:
Considerando 2007 como ano referencial, quando o número de vagas em cursos presenciais
de graduação totalizava 132.451, os projetos institucionais pactuaram um aumento para
146.762, o que representa acréscimo de 11%. No entanto, essa meta foi superada e em 2008
as universidades federais ofertaram um total de 147.277 vagas, o que equivale a um
aumento de 14.826 novas vagas(...).
Em 2007, o número de cursos de graduação presencial totalizava 2.326. Os projetos
institucionais pactuaram um aumento para 2.552, resultando num incremento de 9,7%. As
informações relativas aos cursos de graduação presenciais projetados e aos 2.506
efetivamente criados indicam um percentual de execução na ordem de 98%.
(...)
O Programa Reuni também possibilitou a expansão e interiorização das instituições federais
de educação superior. Desde 2003, foram criados 104 novos campi que, em conjunto com
os 151 já existentes, representam a presença das universidades federais em 235 municípios
24http://reuni.mec.gov.br/o-que-e-o-reuni. Acesso em fevereiro de 2017. 25No ano de 2009, foi apresentado pelo MEC um Relatório do Reuni referente ao ano de 2008, através da
Diretoria de Desenvolvimento das Instituições Federais de Ensino Superior vinculada à Secretaria de Educação
Superior. Das 54 universidades federais existentes ao final de 2007, 53 aderiram ao programa. A Universidade
Federal Fluminense aderiu ao programa na primeira chamada, ou seja, para implantação do programa já no
primeiro semestre de 2008. E a Universidade Federal do ABC (UFABC) criada em 2005, não participou do
programa por já adotar as inovações pedagógicas preconizadas pelo Reuni.
29
brasileiros. Os novos campi foram implantados no Programa de Expansão (2003-2008) e
Reuni.26
Segundo dados preliminares do Censo do Ensino Superior, a combinação entre o
ProUni e o Reuni resultou em uma expansão de mais de 2 milhões de matrículas durante o
Governo Lula. Apesar dos avanços inquestionáveis obtidos durante este governo, fato é que a
educação no Brasil, o que abrange a Educação Superior, não alcançou um significativo salto
na qualidade do ensino. Apesar de uma Universidade Federal brasileira figurar em primeiro
lugar no ranking das universidades a nível a América Latina, nenhuma universidade pública
brasileira figura entre as cinquenta melhores do mundo. Além disso, as avaliações nacionais
mostram a baixa qualidade praticamente generalizada das instituições privadas de ensino
superior. Portanto, apesar de ter adotado uma política pública para a educação muito mais
expressiva e democrática que o seu antecessor, a gestão Lula não foi capaz de revolucionar a
educação brasileira, tal como o fez no combate à miséria.27
Em um passado mais recente, vivemos o período do governo da ex-presidenta Dilma
Roussef pelos períodos de 2011-2014, período do primeiro mandato, e 2015-2016, período do
seu segundo mandato, precocemente interrompido pelo processo de impeachment. Ao tomar
posse para dar início ao seu segundo mandato, a presidenta anunciou que o lema para o seu
governo seria “Brasil, Pátria educadora”, firmando, dessa forma, um compromisso com a
adoção de políticas públicas de fomento e incentivo a educação. Nesse caso, o documento que
representava a proposta preliminar para discussão desse projeto de “Brasil, Pátria educadora”
apresentava diretrizes de um projeto nacional de qualificação direcionadas ao ensino básico.
Durante o governo Dilma Rousseff, vale destacar alguns fatos importantes ligados à
educação superior no Brasil: foi inaugurado, em agosto de 2013 pela então presidenta Dilma,
o campus avançado da Universidade Federal de Alfenas (Unifal), que fica em Varginha, no
sudeste de Minas Gerais; em maio de 2016 foi divulgado pela então presidenta a apresentação
de projetos de lei28 para a criação de mais universidades federais no Brasil, a serem somadas
26 http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=2069-reuni-relatorio-
pdf&category_slug=dezembro-2009-pdf&Itemid=30192. Acesso em fevereiro de 2017. 27 Nem tudo foi perfeito nesse processo de ampliação ainda em curso em muitas universidades. Os desafios
incluíam falta de professores e demais servidores e problemas na infraestrutura, problemas estes muitos dos
quais até hoje se enfrenta. Mesmo assim, com a ampliação física da rede articulada com um sistema de ingresso
mais democrático e a adoção de cotas, as universidades federais passaram a ter entre seus alunos os filhos da
classe trabalhadora, indígenas e até quilombolas, historicamente excluídos. 28PL 5275/2016. Autor: Poder Executivo. Data da apresentação: 12/05/2016. Ementa: Cria a Universidade
Federal de Jataí, por desmembramento da Universidade Federal de Goiás. Situação: Aguardando Parecer - Ag.
devolução Relator não-membro; Pronta para Pauta no PLENÁRIO (PLEN). PL 5274/2016. Autor: Poder
Executivo. Data da apresentação: 12/05/2016. Ementa: Cria a Universidade Federal do Norte do Tocantins, por
desmembramento de campus da Universidade Federal do Tocantins. Situação: Aguardando Designação de
Relator na Comissão de Educação (CE). PL 5271/2016. Autor: Poder Executivo. Data da apresentação:
30
as 63 universidades federais atualmente existentes. Ainda foram inaugurados 41 novos
campus em institutos federais, com novas instalações de ensino superior, técnico e de
educação básica, em 14 Estados e no Distrito Federal.
Outra medida relevante durante o mandato da presidenta afastada foi a criação do
Programa “Ciência sem Fronteiras”, instituído através da Lei 7.642/11, com o objetivo de
propiciar a formação e capacitação de pessoas com elevada qualificação em universidades,
instituições de educação profissional e tecnológica, e centros de pesquisa estrangeiros de
excelência, além de atrair para o Brasil jovens talentos e pesquisadores estrangeiros de
elevada qualificação, em áreas de conhecimento definidas como prioritárias. De acordo com
informações disponibilizadas no site oficial do Programa, com dados atualizados até janeiro
de 2016, o número total de bolsas implementadas chegou 92.880 (noventa e duas mil e
oitocentos e oitenta) bolsas.29
Foi apresentado o Projeto de Lei nº 798/15, de iniciativa da Comissão de Ciência,
Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática, objetivando fazer do “Programa Ciência
sem Fronteiras” um programa fixo, não apenas uma política pública criada por determinado
governo, como, no caso, do governo Dilma. Este projeto ainda se encontra em trâmite no
Senado, não tendo sido aprovado até o presente momento.30
Em junho de 2014 foi aprovada a Lei nº 13.005 que aprovou o Plano Nacional de
Educação pelo período de dez anos (PNE 2014-2024). O PNE é um instrumento de
planejamento do Estado que orienta a execução e o aprimoramento de políticas públicas do
setor. O novo texto definiu os objetivos e metas para o ensino em todos os níveis – infantil,
básico e superior – a serem executados nos dez anos seguintes e trouxe dez diretrizes, entre
elas a erradicação do analfabetismo, a melhoria da qualidade da educação, além da
valorização dos profissionais de educação, um dos maiores desafios das políticas educacionais.
Este é o Plano Nacional de Educação que vigora atualmente.
Atualmente estamos vivendo a gestão presidencial do ex vice-presidente, agora
presidente da República, Michel Temer, que em poucos dias de governo já parece ter deixado
12/05/2016. Ementa: Cria a Universidade Federal de Catalão, por desmembramento da Universidade Federal de
Goiás. Situação: Aguardando Parecer - Aguardando devolução Relator não-membro; Pronta para Pauta no
PLENÁRIO (PLEN). http://www.camara.leg.br/buscaProposicoesWeb/?wicket:interface=:14:10::: Acesso em
fevereiro de 2017. 29De acordo com os dados disponibilizados de bolsas implementadas pelo CNPq e Capes, a distribuição de
bolsas implementadas por Estado tem o Rio de Janeiro em terceiro lugar, com o total de 8.126 bolsas, seguindo o
Estado de São Paulo com o maior número de bolsas (19.232) e Minas Gerais (15.925). No Rio de Janeiro, as três
instituições com maior número de bolsas implementadas são a Universidade Federal do Rio de Janeiro (3.093
bolsas), Universidade Federal Fluminense (1.437 bolsas) e a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (577
bolsas). http://www.cienciasemfronteiras.gov.br/web/csf/painel-de-controle. Acesso em fevereiro de 2017. 30https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/124533. Acesso em fevereiro de 2017.
31
claro que as suas metas são as políticas públicas voltadas para a economia, sob o argumento
da necessidade de retirada do país da situação de “crise econômica”. Diversas medidas vêm
sendo tomadas nessa área, visando a limitação do crescimento dos gastos do governo à inflação,
com a promessa de que a retomada do equilíbrio das contas públicas trará a volta da confiança dos
investidores e empresário, criando mais empregos.
Um dos atos mais emblemáticos desse recente governo foi a promulgação, em
dezembro de 2016, da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 55/2016, a “PEC do teto
dos gastos públicos” ou, para os seus opositores, a “PEC do fim do mundo”, dando origem a
Emenda Constitucional nº 94/2016. O argumento utilizado para a sua aprovação e
promulgação foi a da necessidade do estabelecimento de um equilíbrio das contas públicas
por meio de rígido mecanismo de controle de gastos. A aprovação desta PEC foi bastante
criticada por alguns setores da sociedade, pois, para esses oposicionistas, a consequência
dessa aprovação seria o impedimento a investimentos públicos, o agravamento da recessão e o
prejuízo social, que certamente afetará principalmente os mais pobres, ao diminuir recursos
para áreas como educação e saúde. Com esses argumentos, tentaram adiar ou cancelar a
votação, mas tiveram seus requerimentos derrotados.31Outras medidas vêm sendo tomadas ou
divulgadas como parte integrante do pacote apresentado pelo atual governo como políticas
necessárias para o resgate do país dessa crise econômica apontada.
Algumas medidas têm sido divulgadas e tomadas pelo governo relacionadas a
educação, mas, até o momento, as relacionadas diretamente a educação superior tem gerado
menor repercussão. Uma das políticas relacionadas à educação apontada pelo governo vem
gerando intenso debate, que se trata da reforma do Ensino Médio, proposta através da Medida
Provisória nº 746/2016 e convertida, em 16 de fevereiro deste ano de 2017, na Lei nº
13415/2017. Muito se critica essa reforma, sob o argumento de que as mudanças
apresentadas, e que acabaram sendo aprovadas, dependiam de uma prévia e ampla discussão
entre os atores envolvidos, além de se questionar o conteúdo de determinados pontos
considerados cruciais nessa Reforma como, por exemplo, a dispensa de formação específica
31Algumas despesas não vão ficar sujeitas ao teto. É o caso das transferências de recursos da União para estados
e municípios. Também escapam gastos para realização de eleições e verbas para o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização do Profissionais da Educação Básica (Fundeb), conforme
prevê a introdução do art. 105 pela EC 94/2016: "Art. 105. Enquanto viger o regime de pagamento de
precatórios previsto no art. 101 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, é facultada aos credores
de precatórios, próprios ou de terceiros, a compensação com débitos de natureza tributária ou de outra natureza
que até 25 de março de 2015 tenham sido inscritos na dívida ativa dos Estados, do Distrito Federal ou dos
Municípios, observados os requisitos definidos em lei própria do ente federado. Parágrafo único. Não se aplica
às compensações referidas no caput deste artigo qualquer tipo de vinculação, como as transferências a outros
entes e as destinadas à educação, à saúde e a outras finalidades."
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc94.htm. Acesso em fevereiro de 2017.
32
dos profissionais da educação básica, possibilitando que os mesmos ministrem conteúdo com
base não em sua formação específica, mas apenas em sua experiência profissional e a visão
extremamente tecnicista do ensino que permeia as novas regras estabelecidas, ao invés do
incentivo a uma formação crítica dos alunos.32
Outra proposta de governo que tem gerado intenso debate é o “Programa Escola sem
Partido”, programa que existe desde 2014, criado por membros da sociedade civil, mas que
ganhou maior destaque em 2016, dando origem ao Projeto de Lei do Senado nº 193/16, de
autoria do Senador Magno Malta (PR-ES), que busca incluir este programa entre as diretrizes
e bases da educação nacional de que trata a Lei nº 9.394/96. Em julho de 2016, o Senado
lançou uma consulta pública através da qual toda a sociedade pode dar o seu voto contra ou a
favor deste projeto de lei, ainda pendente de aprovação.33
Em relação as políticas públicas voltadas para o ensino superior, merecem destaque a
edição da Portaria Normativa nº 20/2016, que simplifica o procedimento de redução de vagas
de cursos de graduação, ofertados por Instituições de Ensino Superior - IES integrantes do
Sistema Federal de Ensino e alterou a Portaria Normativa nº 10, de 6 de maio de 2016. Esta
Portaria dispõe que a redução do número de vagas nas IES é considerada uma alteração de
menor relevância, dispensando pedido de aditamento ao ato autorizativo, devendo apenas ser
informada imediatamente ao público, de modo a preservar os interesses dos estudantes e da
comunidade universitária, e apresentada ao MEC, na forma de atualização, por ocasião da
renovação do ato autorizativo em vigor.
Outro ato representativo do governo Temer relacionado a educação superior diz
respeito ao anúncio, divulgado ano passado (2016), da suspensão de novas vagas para o
programa de financiamento estudantil (Fies), o programa Universidade para Todos (Prouni) e
o programa nacional de acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), além do anúncio de
alterações no programa “Ciência sem Fronteiras”. Um golpe fatal no espírito do programa, o
de proporcionar intercâmbio em universidades estrangeiras para estudantes da graduação.
Sem contar as bolsas para pesquisa na pós-graduação, que também sofreram cortes.
32Apesar da grande importância desta reforma no ensino médio, considerada a sua representatividade na forma
como atual governo encara a educação no Brasil, o presente estudo não irá se aprofundar na análise dos
conteúdos da Medida Provisória nº 746/2016 e da Lei 13.415/2017, por não tratarem de regras direta ou
especificamente aplicáveis ao ensino superior no país. 33Em fevereiro de 2017, foi disponibilizado no site oficial do Senado Federal um local onde é possível se
posicionar a favor ou contra o projeto, através do voto virtual. Quando realizada a presente pesquisa, o resultado
da votação estava da seguinte forma: os votos favoráveis contavam com pouco mais de 187 (cento e oitenta e
sete) mil votos, enquanto os votos desfavoráveis a este projeto contavam com mais de 200 (duzentos) mil votos.
Resultado visualizado em https://www12.senado.leg.br/ecidadania/visualizacaomateria?id=125666. Acesso em
fevereiro de 2017.
33
Como o governo Temer ainda é recente, é cedo para que se chegue a qualquer tipo de
conclusão sobre como será a postura desse atual governo em relação a educação superior no
Brasil. No entanto, diante das medidas já tomadas e do constante argumento da necessidade
de se priorizar a recuperação do país com a sua retirada de uma crise econômica, não parece
difícil prever timidez nos investimentos na educação, cortes de programas e, como
consequência, um retrocesso nos avanços e conquistas da educação pública superior.
Importante trazer a questão sobre a discussão da gratuidade do ensino superior, que
pode vir a ganhar ainda mais força em tempos de arrocho em investimentos na educação
pública superior. Sobre esse tema, vale destacar recente manifestação do professor Luis
Roberto Barroso, Ministro do Supremo Tribunal Federal, que em artigo publicado no jornal O
Globo em janeiro deste ano de 2017, ao discutir a crise financeira pela qual a Universidade do
Estado do Rio de Janeiro vem atravessando, levantou a bandeira de um modelo de
financiamento privado para as Universidades Públicas nos moldes norte-americanos,
propondo, de certa forma, a privatização do ensino público superior. O professor e Ministro
afirmou ser necessário manter o caráter público da universidade, mas apenas no que diz
respeito aos seus propósitos e suas finalidades, enquanto que em seu financiamento as
universidades públicas devem ser autossuficientes. O Ministro ainda defendeu a reunião das
“melhores cabeças do país e, talvez, uma consultoria internacional” para repensar o sistema
público de ensino, além dela ter uma gestão profissional e “despolitizada”.
As palavras do Ministro geraram intenso debate, no qual há vozes favoráveis e
contrárias ao seu posicionamento. Os que defendem os argumentos de Luis Roberto Barroso
afirmam que o modelo de universidades 100% públicas se encontra esgotado, uma vez que a
universidade fica absolutamente a mercê dos investimentos públicos (ou da ausência deles), o
que significa que a crise financeira do ente público responsável pela sua manutenção afeta
diretamente os investimentos na instituição de ensino e, por consequência, todas as atividades
por ela desenvolvidas, como ensino, pesquisa, extensão, além da própria manutenção do
corpo docente e seu quadro administrativo. Além disso, afirmam que, na prática, a maioria
dos alunos dessas universidades gozam de condições financeiras de arcar, de alguma forma,
com os custos de seus estudos nessas universidades. A lógica estaria, portanto, invertida, uma
vez que os alunos de origem mais pobre, na maioria das vezes, acabam cursando faculdades
em instituições de ensino superior privadas e os alunos com maior renda familiar, por
usufruírem de um ensino de melhor qualidade durante toda a sua vida, acabam sendo
beneficiados pelo ensino totalmente gratuito fornecido pelas universidades públicas. A
obrigatoriedade de pagamento de mensalidade ou de outro tipo de contribuição pelos alunos
34
seria, portanto, uma forma de tornar mais justa essa relação entre a realidade da maioria dos
alunos dessas instituições e o custeio, ao menos em parte, desse ensino por esses próprios
alunos.
Já os que se posicionam contrariamente as ideias defendidas pelo professor e ministro
afirmam que qualquer forma de financiamento privado do ensino superior público, que
atualmente é universal e gratuito, pode vir a representar uma ameaça a autonomia pedagógica,
uma vez que a instituição estaria se submetendo ao grande capital, aos interesses daqueles que
financiam esse ensino. Há ainda a questão das cotas legalmente previstas para instituições de
ensino superior público, como as cotas de acordo com a raça ou da origem integral de ensino
médio público. Questionam, ainda, a proposta da reunião das “melhores cabeças do país e,
talvez, uma consultoria internacional”, compreendendo que esta é pautada em uma visão
elitizada e que submeteria o ensino superior público no Brasil a interesses internacionais,
principalmente interesses de mercado, colocando o país em uma posição de submissão não só
econômica, mas também intelectual. A grave crise pela qual vem atravessando a Universidade
do Estado do Rio de Janeiro, objeto de análise do artigo publicado pelo Ministro, não pode ser
imputado ao modelo de ensino superior público adotado no Brasil, que tem fundamento em
sua Constituição, mas sim imputado a má gestão dos agentes públicos, desde os chefes do
Poder Executivo, que promovem verdadeiro sucateamento dessas Instituições, até os
administradores da instituição. As universidades têm o dever, e o direito, de serem um espaço
público de produção de conhecimento e de independência.
Aprofundando-se na análise sobre o modelo proposto por Barroso, importante destacar
que já há um modelo semelhante experimentado no país. O professor Carlos Magno Spricigo
Venerio afirma que poucos sabem que um conjunto de instituições com estas características
existe no Brasil, mais especificamente no estado de Santa Catarina, inspiradas no modelo
norte-americano, instituições estas que constituem o chamado sistema ACAFE 34 . Essas
instituições foram criadas por leis municipais (com destinação de recursos públicos na origem
e em parte menor para seu custeio até hoje), e o regime jurídico ao qual os professores e
funcionários se encontram submetidos é o regime celetista, sendo os professores em sua
maioria horistas. Há ainda a cobrança de mensalidades dos alunos por seus serviços
34Em 1974, os presidentes das fundações criadas por lei municipal e da fundação criada pelo Estado constituíram
a ACAFE – Associação Catarinense das Fundações Educacionais, entidade sem fins lucrativos, com a missão de
promover a integração dos esforços de consolidação das instituições de ensino superior por elas mantidas, de
executar atividades de suporte técnico-operacional e de representá-las junto aos órgãos dos Governos Estadual e
Federal. A missão dessa Associação seria desenvolver o ensino, ciência, tecnologia e inovação pelo
compartilhamento de ações e competências para assegurar o fortalecimento das IES associadas em prol da
educação superior em Santa Catarina. http://www.new.acafe.org.br/acafe/. Acesso em fevereiro de 2017.
35
educacionais. A partir de sua experiência pessoal nessas instituições, o professor afirma que a
despolitização proposta pelo ministro, na prática, é difícil se concretizar, ao mesmo tempo em
que a trajetória histórica dessas instituições demonstra uma vocação predominante para a
atividade do ensino, tendo pouco impacto na pesquisa e extensão. Destacando a importância
do papel das instituições de ensino superior públicas, o professor afirma que:
O quadro institucional brasileiro é caracterizado pela complexidade: nele
convivem universidades públicas estatais, universidades comunitárias e
confessionais, além de instituições privadas em sentido estrito. Nunca se
poderá minimizar o papel relevante que as IES públicas representam na
história educacional brasileira, posicionando-se sempre à frente nos quesitos
de qualidade de ensino e produção científica.35
Diante da postura adotada pelo atual governo em relação a educação, desde a educação
básica até a educação superior, a exemplo do anúncio da redução de investimento público nas
universidades federais, da proposta de uma escola sem partido no âmbito da formação básica
dos estudantes, da reforma do ensino médio, há que se ficar atento e temeroso quanto ao
futuro da educação no país.
1.2. Breve relato histórico do ensino superior jurídico no Brasil e da Faculdade de
Direito da Universidade Federal Fluminense
Após uma breve exposição sobre o histórico do ensino superior no Brasil, corolário do
direito à educação também tratado no tópico anterior, passa-se a analisar brevemente o
histórico do ensino superior jurídico no Brasil. Os primeiros cursos de Direito no Brasil foram
criados em 1827, com sede nas cidades de São Paulo e Olinda36 e recebiam o nome de
Academias de Direito, passando, em 1854, a se chamar Faculdades de Direito. Esses
primeiros cursos de Direito no Brasil, assim como todos os cursos existentes no período de
1827 a 1961, possuíam um currículo pleno determinado, que era fixo e rígido, composto por
nove cadeiras e com duração de cinco anos. Uma de suas características mais marcantes era a
vinculação político-ideológica que prevalecia na época do Império, o que se verifica com a
35http://blogdoprofcarlosmagno.blogspot.com.br/2017/01/a-universidade-desenhada-pelo-ministro.html. Acesso
em fevereiro de 2017. 36 O Curso de São Paulo foi instalado no Convento de São Francisco, em março de 1828, e o de Olinda no
Mosteiro de São Bento, em maio também de 1828. No entanto, em 1854, o curso de Olinda foi transferido para a
cidade de Recife. RODRIGUES, Horário Wanderlei. Pensando o ensino do direito no século XXI: diretrizes
curriculares, projetos pedagógicos e outras questões pertinentes. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005, p.
25.
36
existência da disciplina Direito Público Eclesiástico e Direito Natural.
Durante o período do Império, uma característica marcante do ensino do Direito era o
seu controle total por parte do governo central, controle esse que ia desde recursos, currículo e
metodologia de ensino à definição de programas de ensino e nomeação do diretor.
Uma significativa alteração ocorrida no currículo durante esse período, mais
precisamente em 1854, foi a introdução de duas novas cadeiras: a de Direito Romano e a de
Direito Administrativo. Posteriormente, em 1869, uma importante reforma foi implantada,
conhecida como a reforma do ensino livre, segundo a qual o aluno não era obrigado a
frequentar as aulas, mas apenas a realizar os exames e obter aprovação. Uma das cadeiras
mais emblemáticas desse período, a de Direito Eclesiástico, foi extinta no ano de 1890, dando
lugar às cadeiras de Filosofia e História do Direito e de Legislação Comparada sobre Direito
Privado. Essas alterações foram introduzidas após a proclamação da República em 1889, o
que demonstra as influências política e epistemológica desse acontecimento histórico na
elaboração dos currículos. Outro exemplo claro dessa nova visão foi a também exclusão da
cadeira de Direito Natural, o que demonstrava a forte influência positivista prevalecente nesse
momento.
Em 1895 (Lei 314 de 30 de outubro) criou-se, então, um novo currículo para os Cursos
de Direito37, dessa vez muito mais abrangente e com caráter profissionalizante. Mas, somente
em 1962 veio a ocorrer a criação de um currículo mínimo para o ensino do Direito, através do
Conselho Federal de Educação, que também passou a admitir, a partir de 1963, um certo grau
de liberdade das instituições de ensino, na medida em que permitia que essas instituições
construíssem currículos plenos parcialmente diferenciados, principalmente com a adaptação
às necessidades regionais dessas instituições. A duração do curso, por sua vez, permaneceu a
mesma – de cinco anos - e deveriam ser estudadas, no mínimo, as quatorze matérias
constituintes desse currículo mínimo. 38 Pela leitura das disciplinas obrigatórias desse
37 A estrutura desse novo currículo criado tinha a seguinte estrutura: Filosofia do Direito, Direito Romano,
Direito Público Constitucional (1º ano); Direito Civil, Direito Criminal, Direito Internacional Público e
Diplomacia, Economia Política (2º ano); Direito Civil, Direito Criminal, especialmente Direito Militar e Regime
Penitenciário, Ciências das Finanças e Contabilidade do Estado, Direito Comercial (3º ano); Direito Civil,
Direito Comercial (especialmente Direito Marítimo, Falência e Liquidação Judiciária), Teoria do Processo Civil,
Comercial e Criminal, Medicina Pública (4º ano); Prática Forense, Ciência da Administração e Direito
Administrativo, História do Direito e especialmente do Direito Nacional, Legislação Comparada sobre Direito
Privado (5º anos). RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Pensando o ensino do direito no século XXI: diretrizes
curriculares, projetos pedagógicos e outras questões pertinentes. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005,
p.63. 38As matérias obrigatórias eram as seguintes: Economia Política, Medicina Legal, Introdução à Ciência do
Direito, Direito Civil, Direito Comercial, Direito Constitucional (incluindo Teoria Geral do Estado), Direito
Administrativo, Direito Financeiro e Finanças, Direito Penal, Direito do Trabalho, Direito Internacional Privado,
Direito Internacional Público, Direito Judiciário Civil (com Prática Forense), Direito Judiciário Penal (com
37
currículo mínimo, percebe-se prevalência da visão profissionalizante sobre o ensino do
Direito, sendo o seu foco a formação técnica dos estudantes, enquanto as disciplinas de cunho
humanista e de cultura geral não constavam como obrigatórias, tendo pouca relevância na
formação dos estudantes. O Direito era ensinado, então, sob uma visão tecnicista do ensino.
No período de 1973 a 1995 vigoraram as regras estabelecidas pela Resolução CFE nº
3/197239, que tratou de diversos pontos como o currículo mínimo, número mínimo de horas,
duração do curso e de outras normas gerais relativas à estruturação do ensino do Direito
brasileiro. Essa Resolução é de grande relevância, pois foi a partir dela que se passou a se
admitir certa flexibilização dos currículos dos cursos de Direito, apesar da imposição de um
mesmo currículo mínimo para todos os cursos do país. Essa resolução trouxe flexibilidade ao
permitir a criação, pelas instituições de ensino, de habilitações específicas e também a
extensão e flexibilização do tempo de duração desses cursos. Assim, permitiu-se a construção
de um currículo pleno estruturado sobre uma visão interdisciplinar do Direito, bem como a
melhor adequação da formação profissional às necessidades do mercado de trabalho e às
diversas realidades locais e regionais.
Essa Resolução foi alvo de diversas críticas, havendo aqueles que reconhecem os
avanços por ela trazidos e também aqueles que apontam que, apesar da certa liberdade trazida,
ela não foi capaz de promover uma verdadeira evolução, uma vez que as instituições não se
utilizaram dessa liberdade e limitaram-se a reproduzir em seus currículos o currículo mínimo
estabelecido por essa Resolução, não adequando os seus cursos às realidades regionais.40
Em meados da década de 1970 as críticas ao modelo vigente de ensino do Direito
ganham força, principalmente no que diz respeito a metodologia de ensino empregada e ao
currículo. Em meio a essas críticas, uma em especial floresce nesse momento: a crítica aos
valores e conteúdos reproduzidos pelo ensino do Direito. Nasce, portanto, uma forte crítica de
Prática Forense). RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Pensando o ensino do direito no século XXI: diretrizes
curriculares, projetos pedagógicos e outras questões pertinentes. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005, p.
64. 39O currículo mínimo era dividido entre as matérias básicas, as profissionais e optativas, das quais duas eram
obrigatórias. As matérias básicas eram Introdução ao Estudo do Direito, Economia e Sociologia. As profissionais
eram Direito Constitucional, Direito Civil, Direito Penal, Direito Comercial, Direito do Trabalho, Direito
Administrativo, Direito Processual Civil e Direito Processual Penal. As optativas são Direito Internacional
Público, Direito Internacional Privado, Ciência das Finanças e Direito Financeiro, Direito da Navegação, Direito
Romano, Direito Agrário, Direito Previdenciário e Medicina Legal. RODRIGUES, Horácio Wanderlei.
Pensando o ensino do direito no século XXI: diretrizes curriculares, projetos pedagógicos e outras
questões pertinentes. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005, p. 65/66. 40Uns dos que realizaram essas críticas foram Álvaro Melo Filho, em sua obra Metodologia do ensino jurídico,
afirmando que apesar liberdade concedida às Universidades na elaboração de seus currículos, essas não
souberam se utilizar dessa liberdade, renunciando à autonomia e afastando a flexibilidade, variedade e a
regionalização curriculares. MELO FILHO, Álvaro. Metodologia do ensino jurídico. 3. Ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1984, p. 45.
38
matriz política. Nesse cenário, entre as décadas de 1980 e 1990, vamos ter o período de
debate mais intenso sobre o ensino jurídico no Brasil e também o período em que houve o
maior número de propostas e movimentos de mudança. Em meio a esse intenso debate, o
Ministério da Educação e Cultura (MEC), no ano de 1980, nomeou uma Comissão de
Especialistas de Ensino de Direito para que ela, a partir de uma análise profunda acerca da
organização e funcionamento dos Cursos de Direito no Brasil, apresentasse propostas de
alteração do currículo mínimo. Apesar da proposta apresentada ter trazido a divisão das
matérias em quatro grupos (de matérias básicas, de formação geral, de formação profissional
e de habilitações específicas) e de ter trazido também inovações no que diz respeito ao estágio
e habilitações específicas, ou seja, apesar do caráter significativo dessas alterações propostas,
as mesmas não foram implantadas pelo Conselho Federal de Educação (CEF) e pelo MEC.
No entanto, essas propostas acabaram exercendo uma influência efetiva na elaboração de
alguns currículos elaborados posteriormente.
No início da década de 1990, mais precisamente no ano de 1991, o Conselho Federal da
OAB instituiu a Comissão de Ciência e Ensino Jurídico com o objetivo de levantar dados e
informações sobre o ensino do Direito e o mercado de trabalho para advogados no Brasil e, a
partir das suas conclusões, elaborar uma proposta para correção das distorções detectadas. O
resultado dessa pesquisa e a proposta elaborada foram apresentados na XIV Conferência
Nacional da OAB, no ano de 1992.41 As medidas e proposições apontadas foram estabelecidas
a partir de cinco momentos diferenciados: proposições em linhas de princípios; proposições
gerais; avaliação dos cursos de Direito; estrutura curricular; e medidas legislativas e
corporativo-profissionais.
Nos atendo mais às questões curriculares, importantes diretrizes apontadas merecem
destaque, tais como: a) a reforma do currículo, por si só, não seria capaz de produzir a efetiva
melhoria da qualidade do ensino. É preciso que haja um envolvimento dos docentes e
discentes, a partir da mudança de comportamento pedagógico; b) a importância de um
currículo de forma tridimensional, no qual haja interligação entre as disciplinas de formação
geral, profissionalizantes e atividades práticas; c) a necessidade de incentivar e promover o
raciocínio jurídico e também a reflexão crítica na formação do aluno, através da inclusão de
disciplinas como sociologia, filosofia, história do direito e pensamento jurídico, ética etc.; d)
as disciplinas profissionalizantes devem também observar uma perspectiva crítica; e) a
41 A XIV Conferência Nacional da OAB foi realizada em Vitória, em setembro de 1992, e tinha como tema “A
defesa da cidadania e seus desdobramentos”. http://www.oabrj.org.br/materia-tribuna-do-advogado/18225-
conferencias-de-90-e-92-impeachment-privatizacoes-e-mps. Acesso em janeiro de 2017.
39
orientação de que o currículo deve ser composto com o menor número de disciplinas e com a
maior carga horária possível, de forma a promover maior contato e interação entre professor e
aluno; f) a necessidade de previsão de parte flexível do currículo, de forma a preenchê-lo com
atividades extras, como monitoria, seminários, extensão e iniciação científica, por exemplo; g)
a especialização deve levar em conta as peculiaridades de regiões geo-educacionais e as
especializações intensificadas em cursos de pós-graduação lato-senso.
Em 1993, surge uma nova etapa na análise do ensino jurídico no Brasil com a criação,
pelo MEC, de uma nova Comissão de Especialistas de Ensino de Direito, com a árdua missão
de, em tempos de forte crise na qual se encontrava o ensino à época, elaborar propostas
concretas capazes de solucionar a crise. O método de trabalho utilizado por essa Comissão era
a de realização de reuniões regionais com dirigentes dos Cursos de Direito e de seus
respectivos Centros Acadêmicos e, a partir dos principais pontos levantados nessas reuniões, a
realização de um Seminário, de âmbito Nacional, tendo como tema a elevação de qualidade
dos cursos de Direito e a avaliação desses cursos. Este Seminário foi realizado e, após o seu
encerramento, elaborou-se relatório que foi encaminhado ao MEC e utilizado como parâmetro
para elaboração do anteprojeto pela Comissão de Especialistas. Esse documento, portanto,
serviu como fonte interpretativa das disposições contidas na Portaria MEC nº 1.886/199442,
que editou diretrizes curriculares e o conteúdo mínimo para os cursos de Direito.
Dentre as principais disposições dessa Portaria podemos mencionar a duração do curso,
com tempo mínimo de cinco e máximo de oito anos; a integração entre ensino, pesquisa e
extensão; a obrigatoriedade da defesa de monografia final para a conclusão do curso;
obrigatoriedade de realização do estágio de prática jurídica; e o estabelecimento do currículo
mínimo do curso jurídico, com a previsão de matérias fundamentais, como filosofia,
sociologia e economia. Um dos pontos que merece destaque é o estabelecimento da
obrigatoriedade da realização de atividades complementares, na ordem de cinco a dez por
cento do currículo pleno do curso de Direito, como forma de incentivar as atividades extra
sala de aula.
Outro ponto destacável é a ressalva sobre o conteúdo curricular trazido por essa Portaria:
a mesma limitou-se a definir o conteúdo mínimo dos cursos de Direito, enumerando as
matérias obrigatórias ao currículo pleno de qualquer curso de Direito. A opção pelas demais
matérias a compor esses currículos plenos ficava à disposição das instituições de ensino.
Em relação a obrigatoriedade de determinadas disciplinas, vale frisar a inclusão de
42http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/pdf/dir_dire.pdf. Acesso em janeiro de 2017.
40
Direito Tributário e Direito Internacional como obrigatórias, quando antes eram apenas
optativas, e a inclusão de Filosofia, Ética e Ciência Política como disciplinas também
obrigatórias. Outro ponto que merece destaque é a determinação de que as peculiaridades do
curso e a interdisciplinaridade fossem observadas quando do estabelecimento de matérias não
constantes do currículo mínimo, assim como a consideração sobre os novos direitos. A
exigência da monografia final para a conclusão do curso também foi uma inovação trazida
pela Portaria nº 1.886/1994 que passou a tornar obrigatória a existência de pesquisa em nível
de graduação.
Para o professor Carlos Magno Spricigo Venerio, um dos pontos de grande relevância
nesta Portaria foi a inclusão no rol das matérias obrigatórias nos cursos de graduação de
direito um número considerável de disciplinas propedêuticas, representando uma orientação
da formação dos bacharéis em direito para um sentido claramente mais humanista e com um
aprofundamento teórico mais consistente na compreensão do fenômeno jurídico.43
Após uma leitura do teor desta Portaria nº 1.886/1994 e tendo ciência da realização
prévia de discussões sobre as crises e problemas no ensino do Direito, podemos destacar
como pressupostos desta Portaria o rompimento com o dogmatismo estreito, a ampliação da
visão sobre a atuação do profissional do Direito, não se limitando a atuação forense, o
reconhecimento da inexistência da autossuficiência do Direito, a educação vista também
como atividade extra-sala de aula e a preocupação com a formação profissional de maneira
integral.
Posteriormente à Portaria nº 1.886/1994 foram editados alguns outros atos normativos
com o mesmo objeto: o ensino nos cursos de graduação, dentre eles os cursos de graduação
em Direito, tendo culminado na elaboração da Resolução CNE/CES nº 9/2004, cujas regras,
de maneira geral, prevalecem até os dias atuais. Mas antes de adentrarmos no teor desta
Resolução, importante entender o caminho percorrido até a sua edição.
Em 1995, a Lei nº 9.131/95 estabeleceu a competência da Câmara Superior de
Educação/Conselho Nacional de Educação (CES/CNE) para deliberar sobre as diretrizes
curriculares propostas pelo Ministério da Educação e do Desporto para os cursos de
graduação. No ano seguinte, a Lei nº 9.394/96 trouxe as finalidades da educação superior, sem,
no entanto, fazer qualquer menção a currículos mínimos ou a diretrizes curriculares. Em seu
artigo 43 dispõe sobre as finalidades da educação superior, das quais se destacam a
43VENERIO, Carlos Magno Spricigo. A Introdução ao Estudo do Direito. In O ensino jurídico em debate: o
papel das disciplinas propedêuticas na formação jurídica. CERQUEIRA, Daniel Torres; FRAGALE FILHO,
Fragale. Campinas/SP: Millennium Editora, 2006, p. 1.
41
estimulação do pensamento reflexivo, o estímulo ao conhecimento do mundo presente,
principalmente os nacionais e regionais e a promoção e divulgação de conhecimentos
científicos.
No ano de 1997, diante da competência legal que lhe foi outorgada, a CES/CNE iniciou
os trabalhos para a construção dos parâmetros gerais a serem seguidos na elaboração das
diretrizes curriculares em todas as áreas da educação superior (cursos de graduação). Com
isso foi emitido o Parecer CNE/CES nº 776/1997 44 que foi o ponto de partida para a
convocação, através do Edital MEC/SESu nº 4/199745, das instituições de ensino superior
para apresentarem propostas para elaboração de novas diretrizes curriculares dos cursos
superiores.
Em 2001, foi aprovada pelo Congresso Nacional a Lei nº 10.172/01 e com ela o Plano
Nacional de Educação (PNE), em observância ao artigo 21446 da Constituição Federal. A
partir daí a flexibilidade e diversidade nos programas de estudo decorrentes da elaboração das
diretrizes curriculares pelas instituições de ensino superior passou a ser prevista
expressamente, fazendo parte do Plano Nacional de Educação. Nesse mesmo ano também foi
aprovado o Parecer nº 583/201147 pela Câmara de Educação Superior do CNE, que além de
transcrever os princípios já constantes no Parecer 776/1997 48 , trouxe também o que as
diretrizes curriculares deveriam contemplar, como, por exemplo, estágios e atividades
complementares e o perfil almejado do formando/egresso.
A partir de um conjunto de recomendações ao qual denominou Diretrizes Curriculares
Nacionais, a CES/CNE em 2002, através do Parecer nº 14649 , veio definir as diretrizes
curriculares de diversos cursos superiores, dentre eles o de Direito. Um dos pontos
destacáveis nessas diretrizes são o estabelecimento de maior autonomia às instituições de
ensino superior, permitindo às mesmas a definição dos currículos de seus cursos, somada a
flexibilização do tempo de duração do curso, propondo-se apenas uma carga horária mínima
44 De acordo com o site do Ministério da Educação, ainda se encontra pendente de homologação.
http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/1997/pces776_97.pdf. Acesso em janeiro de 2017. 45http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/pdf/e04.pdf. Acesso em janeiro de 2017. 46Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com o objetivo de articular o
sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de
implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e
modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas que conduzam
a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009).
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em janeiro de 2017. 47 http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=6545-pces583-
01&category_slug=agosto-2010-pdf&Itemid=30192. Acesso em janeiro de 2017. 48Este Parecer consta, segundo informações do site do Ministério da Educação, ainda pendente de homologação
até a presente data. http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/1997/pces776_97.pdf. Acesso em janeiro de 2017. 49Revogado pelo Parecer CNE/CES 67 de 11 de março de 2003.
42
em horas, e também a contribuição para a inovação e qualidade do projeto pedagógico do
ensino de graduação. Em contraposição ao currículo mínimo, as diretrizes curriculares
ensejam a flexibilização curricular e a liberdade de as instituições elaborarem seus projetos
pedagógicos para cada curso, levando em consideração as demandas sociais e do meio em que
se situam, conferindo assim maior autonomia na definição dos currículos plenos dos seus
cursos. Dentre as diretrizes específicas para os cursos de graduação em Direito, essa
Resolução trazia orientações quantos aos elementos necessários para a construção do projeto
pedagógico dessas instituições e quais conteúdos esses cursos de graduação deveriam
contemplar também na elaboração da sua organização curricular.
Esse Parecer, no entanto, gerou intensa repercussão no meio acadêmico e profissional,
repercussão não muito positiva permeada por uma série de críticas ao seu conteúdo.50 Uma
das principais críticas era a de que este Parecer trazia uma regulamentação do curso jurídico
muito aberta, extremamente flexível, o que poderia gerar a formação extremamente
diferenciada entre os bacharéis de direito das diversas instituições de ensino superior e o
conflito entre esse tipo de formação e as condições para o próprio exercício da advocacia; os
efeitos negativos que a falta de definição de um conteúdo mínimo das matérias
profissionalizantes poderia gerar, como o surgimento de cursos voltados para a especialização
precoce de bacharéis; o risco da simplificação na formação dos bacharéis em Direito com a
não manutenção do tempo mínimo de curso em cinco anos, além da retirada da
obrigatoriedade de manutenção de um acervo bibliográfico mínimo nas instituições de ensino.
Foram talvez os maiores críticos a esse Parecer a Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB)51, a Associação Brasileira de Ensino do Direito (ABEDi)52 e o Colégio Brasileiro de
Faculdades de Direito53. O autor Horácio Wanderlei Rodrigues, por exemplo, em relação as
reações e manifestações das comunidades profissional e acadêmica, destacou que, sob o seu
50 Com duras críticas a este Parecer, a Ordem dos Advogados do Brasil encaminhou ao Ministro da Educação
ofício (nº 467/2002-GPR) no qual declara preocupação com a homologação deste Parecer. 51 Inclusive o Conselho Federal, em 2002, impetrou Mandado de Segurança (nº 8.592/DF – 2002/0107490-7)
junto ao STJ contra a homologação do Parecer CNE/CES nº 146/2002 e a edição da Resolução que seguia em
anexo. Os dois pontos principais atacados nessa ação judicial foram a não-fixação dos conteúdos
profissionalizantes e a duração mínima dos cursos em três anos. A segurança foi concedida pelo STJ. 52Em maio de 2002, a Associação Brasileira de Ensino do Direito (ABEDi) encaminhou ofício ao Ministério da
Educação expressando a sua discordância com o conteúdo deste Parecer, afirmando, dentre outras questões, que
o Parecer CNE/CSE nº 146/2002 pareceu desconsiderar todas as contribuições feitas pelas comissões de
especialistas da SESu e do INEP e da própria Comissão de Ensino Jurídico do Conselho Federal da OAB,
contribuições essas que haviam sido incorporadas pela Portaria MEC nº 1.886/94. Afirmou ainda que o CNE não
ouviu em audiências públicas as entidades interessadas e os membros da Comissão do SESu. Com essa postura,
segundo a ABEDi, o CNE estaria pondo em risco, por exemplo, os projetos pedagógicos elaborados de maneira
séria pelas instituições de ensino. 53As críticas elaboradas pelo Colégio Brasileiro de Faculdades de Direito foram expostas durante o XXX
Encontro Brasileiro de Faculdades de Direito, realizado no mês de junho de 2002 em Campinas.
43
ponto de vista, havia uma intransigência extremada e recíproca entre ambas as partes
discordantes: entre os Conselheiros com a área do Direito, em virtude do seu conservadorismo,
e as comunidades acadêmica e profissional com os Conselheiros, em virtude das suas fortes
oposições às positivações da CES/CNE. Para o autor, as partes deveriam ceder: o CNE
deveria reconhecer as especificidades da área do Direito e a necessidade da dispensa de um
tratamento relativamente diferenciado, e as comunidades acadêmica e profissional deveriam
reconhecer os avanços e aspectos positivos trazidos pelo MEC e pelo CNE que, segundo o
autor, podem ser vistos, em parte, nas novas diretrizes.54 Diante das fortes e duras críticas
sofridas, o CES/CNE recuou e não transformou em Resolução o anexo do Parecer CNE/CES
nº 146/2002 e o Parecer CNE/CES nº 100/2002, que tratava da duração dos cursos, nem
sequer foi homologada pelo Ministro da Justiça.
Sucessivamente a esses Pareceres, foram emitidos o Parecer CNE/CES nº 55/200455, o
Parecer CNE/CES nº 211/200456, a Resolução CNE/CES nº 9/200457 e o Parecer CNE/CES nº
329/2004 58 . O Parecer CNE/CES nº 55/2004 foi objeto de Pedido de Reconsideração
formulado pela ABEDi, sob o argumento de que a sua construção não levou em consideração
os debates promovidos e as expectativas geradas a partir desse debate, principalmente após a
realização de audiências públicas sobre as novas diretrizes curriculares para a área de Direito.
Foi o texto da Resolução que acompanhou o Parecer CNE/CES nº 211/2004 que acabou
se transformando na Resolução CNE/CES nº 9/2004 59 e que atendeu a todos os pedidos
apresentados no mencionado Pedido de Reconsideração, exceto os pedidos relacionados à
carga horária e ao tempo de duração dos cursos de Direito, que seriam objeto de Resolução
específica.
Em 2004, a Câmara de Educação superior do CNE editou novo Parecer, o de nº 329,
visando estabelecer cargas horárias mínimas dos cursos de graduação, bacharelados, na
modalidade presencial. No entanto, esse Parecer também foi alvo de novo Pedido de
Reconsideração por parte da ABEDi, por entender que, ao contrário do que fora estabelecido
54 Horácio Wanderlei. Pensando o ensino do direito no século XXI: diretrizes curriculares, projetos
pedagógicos e outras questões pertinentes. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005, p. 121/122. 55http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/2004/pces055_04.pdf. Acesso em janeiro de 2017. 56http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/2004/pces211_04.pdf. Acesso em janeiro de 2017. 57http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rces09_04.pdf. Acesso em janeiro de 2017. 58 http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=14358-pces329-
04&category_slug=outubro-2013-pdf&Itemid=30192. Acesso em janeiro de 2017. 59Há Parecer emitido objetivando a revisão do Art. 7º da Resolução CNE/CES nº 9/2004, que institui as
Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Direito e dá outras providências. Este Parecer, de
nº 150/2013 encontra-se pendente de homologação.
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=14036-pces150-
13&category_slug=setembro-2013-pdf&Itemid=30192. Acesso em janeiro de 2017.
44
neste Parecer, a posição da área do Direito é a de que, além da carga horária mínima, seria
necessária a fixação de tempo mínimo de duração do curso.
Posteriormente, o Conselho Nacional de Educação emitiu o Parecer nº CNE/CES nº
8/200760 versando sobre a carga horária mínima e procedimentos relativos à integralização e
duração dos cursos de graduação, bacharelados, na modalidade presencial, retificando, assim,
o Parecer CNE/CES nº 329/2004 no que se refere à carga horária mínima dos cursos de
graduação, bacharelados, na modalidade presencial.61
Em 2007, foi editada a Resolução nº 02 de 18 de junho62 para tratar sobre carga horária
mínima e procedimentos relativos à integralização e duração dos cursos de graduação,
bacharelados, na modalidade presencial. A carga horária mínima para os cursos de graduação
de Direito, na modalidade presencial, estabelecida foi de três mil e setecentas horas, havendo
a possibilidade, de acordo com o inciso IV de seu artigo 2º, de a integralização ocorrer de
maneira distinta das desenhadas nos cenários apresentados, desde que o Projeto Pedagógico
justifique sua adequação. Vê-se, portanto, a importância do Projeto Pedagógico reconhecida
pela própria Resolução.
Basicamente, estes são os principais atos normativos aplicáveis atualmente aos cursos
de graduação em Direito. E pela leitura desses atos normativos, em especial da Portaria
1.886/94, da Lei de Diretrizes e Bases e da Resolução CNE/CES nº 9/2004, vê-se a
importância de seus preceitos para a evolução do ensino no Brasil.
A Portaria 1.886/94, sem dúvida alguma, trouxe significativas mudanças para os
currículos existentes nas faculdades de direito e uma das suas características mais marcantes é
o resgate da responsabilidade institucional em permitir aos alunos um espaço onde teoria e
prática sejam, da mesma forma, ensinadas e experimentadas. Ao dar ênfase a implementação
obrigatória de atividades práticas vinculadas à pesquisa, a estágios e à extensão. Uma
perspectiva de que a educação jurídica não se dava, ou ao menos não se limitava, com a
transmissão de conhecimento, de maneira unilateral, do professor para o aluno parecia surgir
no horizonte do ensino jurídico no país. A percepção de que o ensino jurídico, assim como
todo processo de aprendizagem, é um processo contínuo no qual aos alunos deve ser
60http://unb2.unb.br/administracao/decanatos/dex/formularios/Documentos%20normativos/DEX/pces008_07.pdf.
Acesso em janeiro de 2017. 61O Parecer CNE/CES nº 329/2004 sofreu uma primeira retificação, através do Parecer CNE/CES nº 184/2006
diante de questionamentos levantados sobre as seguintes áreas: Ciências Biológicas; Educação Física, Farmácia,
Fisioterapia, Fonoaudiologia e Pedagogia.
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=14359-pces184-
06&category_slug=outubro-2013-pdf&Itemid=30192. Acesso em janeiro de 2017. 62 http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=16872-res-cne-ces-002-
18062007&category_slug=janeiro-2015-pdf&Itemid=30192. Acesso em janeiro de 2017.
45
permitido, e incentivado, a adoção de postura ativa dentro desse processo parece ter ganhado
força a partir dessa importante Portaria.
Da mesma forma, a LDB tem importância significativa na educação brasileira e, por
consequência, no ensino jurídico no país. Essa lei contém as indicações fundamentais que
garantem a organização dos sistemas educacionais do país, abarcando todos os níveis e
modalidades de ensino. Com essa Lei, uma nova ordem social e educativa foi implantada
alterando a realidade no âmbito educacional, o que gerou reflexos políticos imensos. Trouxe
consigo uma concepção que refletiu no novo olhar que a sociedade brasileira lançou sobre a
Educação e figurou como um importante instrumento de concretização dos direitos
educacionais. Junto com as demais leis protetoras dos direitos sociais, contemplou-se no
âmbito educacional uma preocupação de formar um indivíduo mais crítico, participativo,
questionador e cidadão. Embora, como muitas leis, não tenha alcançado todos os seus
objetivos, revela-se como um fundamental instrumento para a evolução da educação no país.
Por fim, temos a Resolução CNE/CSE nº 9/2004, que trouxe em seu conteúdo
importantes inovações ao resgatar o educando como centro do processo de aprendizagem do
ensino jurídico. Pela leitura de seu inteiro teor constata-se a definitiva incorporação da
pesquisa e da extensão como fomentadores de uma atividade de aprendizagem e da relevância
da formação docente, evidenciando a importância da formação ocorrida fora da sala de aula,
como em trabalhos de pesquisa e de extensão. Com as mudanças propostas para a estrutura
curricular dos cursos de graduação, fica claro o objetivo de manter interligados os
conhecimentos da teoria e da prática.
Fica clara a preocupação posta pela Resolução com a qualidade da formação dos
bacharéis, e a sua opção por um ensino menos tecnicista e menos dogmático, incentivando a
ampliação da visão dos estudantes de direito promovendo uma visão mais crítica e uma
formação mais ampla.
Nesse contexto e com essas importantes mudanças trazidas por esses três atos
normativos paradigmáticos para o ensino no país, fica ainda mais evidente a importância dos
projetos pedagógicos das instituições de ensino superior, inclusive porque esses projetos são
um reflexo da maior autonomia conferida a essas instituições. E, imbuídos desse papel tão
importante na formação e identidade da instituição de ensino superior, os projetos
pedagógicos analisados no presente trabalho assumem a visão mais aberta e crítica assumidas
por suas instituições e quais os efeitos dessa nova postura no ensino oferecido.
Antes de analisarmos os conteúdos dos Projetos Pedagógicos da UFF e da sua
Faculdade de Direito, pertinente uma breve explanação sobre o histórico desta Faculdade.
46
A Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense foi fundada em 03 de
junho de 1912, na cidade do Rio de Janeiro, então capital da República, com o nome de
Faculdade de Direito Teixeira de Freitas. Em cumprimento às diretrizes dos referidos
diplomas legais, a faculdade obteve a inspeção preliminar por parte do Governo Federal,
sendo, então, equiparada aos institutos congêneres por deliberação unânime do Conselho
Superior de Ensino, tendo-se operado, nos termos dos arts. 11 e 25 do Decreto 11.530, de 18
de março de 1915, sua fusão com a Faculdade de Direito do Estado do Rio de Janeiro e, em
25 de março de 1915, nos termos do art. 26 do referido Decreto, passou a funcionar na cidade
de Niterói, como instituto oficial do então Estado do Rio de Janeiro, conforme classificação
prevista na Lei 1.299, de 3 de janeiro de 1915.
Após sua equiparação, passou a denominar-se Faculdade de Direito do Estado do Rio de
Janeiro, corroborando a decisão da Congregação em 18 de junho de 1920. Seguiram-se a
publicação e o registro no novo Estatuto. Desta forma, houve a necessidade de se adotar o
nome de Faculdade de Direito de Niterói, em razão de ter passado a denominar-se Faculdade
de Direito do Estado do Rio de Janeiro, aquela que seria mais tarde a Faculdade Nacional de
Direito, conforme resolução do Conselho Superior do Ensino, em sessão de 22 de fevereiro de
1921, aprovando o Parecer nº 18, denominação com a qual concordou plenamente a
Congregação da Faculdade, em sessão realizada a 4 de março do mesmo ano.
Em 19 de maio de 1921, por apostila lavrada no seu título de equiparação, o Ministro de
Estado da Justiça e Negócios Interiores, agindo em nome do Presidente da República,
resolveu declarar oficial a denominação de Faculdade de Direito de Niterói.
De conformidade com a Lei 3.345, sancionada pelo Governo do Estado em outubro de
1926, o edifício onde tinha sede, em próprio estadual, situado à Rua Visconde do Rio Branco,
15, passou a pertencer à Faculdade, sendo-lhe imposta a obrigação de manter em seus cursos,
gratuitamente, 10 estudantes de baixo poder aquisitivo. A Escola, entretanto, declinou do
favor do Governo, por ter optado pela aquisição de sede própria, em localização mais
consentânea com seus objetivos, tendo, malgrado, mantido o compromisso de conceder
gratuidade aos 10 alunos, que haviam sido indicados pelo Governo do Estado.
Pela Lei 2.721, de 30 de janeiro de 1936, houve a federalização da Faculdade, que foi
incorporada ao então Ministério da Educação e Cultura. A partir da Lei 3.848, de 18 de
dezembro de 1960, passou a integrar, juntamente com outras quatro faculdades federais já
existentes em Niterói, a criada Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UFERJ).
Finalmente, com a homologação do nome atual da UFF (Universidade Federal
Fluminense) pela Lei nº 4.831, de 5 de novembro de 1965, a Faculdade passou a ter, desde
47
então e até os presentes dias, a denominação de Faculdade de Direito da Universidade Federal
Fluminense.63
1.3. O direito à educação no ordenamento jurídico brasileiro
Vale esclarecer que não será objeto deste estudo a análise a respeito das diversas formas
de regulamentação do direito à educação em nosso ordenamento jurídico. Mas uma breve
reflexão acerca do regime jurídico conferido à educação como um direito fundamental de
natureza social parece pertinente, inclusive como forma de analisar de maneira crítica a
qualidade do ensino jurídico que tem sido ofertado.
O direito à educação é um dos direitos sociais previstos na Constituição Federal de 1988,
em seu art. 6º, ao lado de outros direitos como saúde, alimentação, trabalho entre outros. No
Capítulo III da Carta Federal, a previsão deste direito é retomada, quando em seu art. 20564 o
constituinte originário prevê a educação não só como um direito de todos, mas também como
um dever do Estado e da família, cabendo à sociedade a sua promoção e o seu incentivo.
Ao prosseguir no tratamento deste direito, a Constituição de 1988, em seu art. 20665,
especifica quais são os princípios nos quais se deve basear o ensino. Dentre estes princípios,
vale destacar a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o
saber; o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; a gestão democrática do ensino
público; e a garantia de padrão de qualidade. Frise-se, portanto, que o pluralismo, a
democratização da gestão e a qualidade do ensino constam como princípios constitucionais
que devem nortear os sistemas de ensino, sejam eles privado ou público, princípios esses
plenamente aplicáveis em todas as esferas e níveis de ensino, inclusive ao ensino superior.
A Constituição Federal prossegue, ao dispor sobre o direito a educação em seu artigo
63http://www.direito.uff.br/institucional/historia/. Acesso em janeiro de 2017. 64Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho. 65 Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso
e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de
ensino; IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V - valorização dos profissionais da
educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso
público de provas e títulos, aos das redes públicas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)
VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII - garantia de padrão de qualidade. VIII - piso
salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal.
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006) Parágrafo único. A lei disporá sobre as categorias de
trabalhadores considerados profissionais da educação básica e sobre a fixação de prazo para a elaboração ou
adequação de seus planos de carreira, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006).
48
20866, listando os deveres específicos do Estado quanto à a este direito, dentre eles o dever de
educação básica obrigatória e gratuita para os alunos de 4 a 17 anos de idade; o atendimento
educacional especializado aos portadores de deficiência, bem como a garantia de turno
noturno regular, como forma de atender às necessidades dos educandos. Nota-se, neste último
ponto em especial, a preocupação do constituinte com a realidade social em que se encontra
inserido o aluno, o que ressalta a importância do processo educativo na realidade dos alunos e,
por conseguinte, na função social das instituições de ensino.
Neste mesmo art. 208, em seu parágrafo primeiro, a Constituição Federal de 1988
estabelece de maneira expressa que o acesso ao ensino obrigatório e gratuito constitui um
direito público subjetivo, sendo dever do Poder Público não só o oferecimento do ensino
obrigatório, mas o seu oferecimento de forma regular, sob pena de responsabilidade da
autoridade competente (parágrafo segundo).
Ainda dentro do seu Título VIII (da ordem social), Capítulo III (da educação, da cultura
e do desporto), Seção I (da educação), em seu art. 21467 a Constituição Federal disciplina que
o instrumento por meio do qual se estabelecem as diretrizes e estratégias para assegurar o
desenvolvimento do ensino e sua manutenção, em concordância com o que está declarado na
Constituição, é o Plano Nacional de Educação.68
66Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I - educação básica
obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita
para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59,
de 2009) (Vide Emenda Constitucional nº 59, de 2009); II - progressiva universalização do ensino médio
gratuito; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996); III - atendimento educacional
especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; IV - educação infantil,
em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº
53, de 2006); V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a
capacidade de cada um; VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando; VII -
atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de
material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 59, de 2009); § 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo. § 2º O
não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da
autoridade competente. § 3º Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-
lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola. 67Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com o objetivo de articular o
sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de
implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e
modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas que conduzam
a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009). I - erradicação do analfabetismo; II -
universalização do atendimento escolar; III - melhoria da qualidade do ensino; IV - formação para o trabalho; V
- promoção humanística, científica e tecnológica do País. VI - estabelecimento de meta de aplicação de recursos
públicos em educação como proporção do produto interno bruto. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 59, de
2009). 68 O Plano Nacional de Educação (PNE) determina diretrizes, metas e estratégias para a política educacional dos
próximos dez anos. O primeiro grupo são metas estruturantes para a garantia do direito a educação básica com
qualidade, e que assim promovam a garantia do acesso, à universalização do ensino obrigatório, e à ampliação
das oportunidades educacionais. Um segundo grupo de metas diz respeito especificamente à redução das
desigualdades e à valorização da diversidade, caminhos imprescindíveis para a equidade. O terceiro bloco de
49
Vale destacar que a Emenda Constitucional nº 59/2009 mudou a condição do Plano
Nacional de Educação (PNE), que deixou de ser uma disposição transitória da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/199669) passando a ser uma exigência
constitucional com periodicidade decenal, o que significa que planos plurianuais devem tomá-
lo como referência ao serem elaborados. O plano também passou a ser considerado o
articulador do Sistema Nacional de Educação, com previsão do percentual do Produto Interno
Bruto (PIB) para o seu financiamento. Os planos estaduais, distrital e municipais devem ser
construídos e aprovados em consonância com o PNE.
Atualmente, vigora a Lei nº 13.005, de 25 de junho 2014 70 , que aprova o Plano
Nacional de Educação e dá outras providências, e que coloca dentre as suas diretrizes, a
ênfase na promoção e formação para cidadania; a melhoria da qualidade da educação; a
promoção do princípio da gestão democrática da educação pública e a promoção dos
princípios do respeito aos direitos humanos.71
Já o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em seu art. 5372 trata da declaração
ao direito à educação da criança e do adolescente, visando ao pleno desenvolvimento de sua
metas trata da valorização dos profissionais da educação, considerada estratégica para que as metas anteriores
sejam atingidas, e o quarto grupo de metas refere-se ao ensino superior. Pela primeira vez, o Plano Nacional de
Educação era instituído por lei – a Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001, que vigorou de 2001 a 2010. Com
isso, responsabilidade jurídica foi gerada e as ações para o alcance das metas passaram a ser exigíveis. O plano
aprovado por lei deixa de ser uma mera carta de intenções para ser um rol de obrigações, passando a ser
imperativo para o setor público. A proposição do segundo PNE passou a tramitar na Câmara dos Deputados
como Projeto de Lei nº 8.035/2010. A tramitação do PNE 2001-2010 foi de dois anos e meio: dois anos na
Câmara dos Deputados e seis meses no Senado Federal, sendo que, na fase da Câmara, a então Comissão de
Educação, Cultura e Desporto, por determinação de sua presidente, deputada Maria Elvira, deu prioridade total
ao PNE, cujas audiências ocuparam o horário nobre da quarta-feira. Além disso, a proposta não foi alterada no
Senado, o que tornaria seu tempo de tramitação mais alongado se retornasse à Câmara. Já a tramitação do PNE
2014-2024 consumiu três anos e meio, mas o projeto foi enviado no último mês da legislatura.
http://pne.mec.gov.br/. Acesso em julho de 2016. 69http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm. Acesso em julho de 2016. 70 http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L13005.htm. Acesso em julho de 2016. 71 Art. 2º. São diretrizes do PNE: I - erradicação do analfabetismo; II - universalização do atendimento escolar;
III - superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas
as formas de discriminação; IV - melhoria da qualidade da educação; V - formação para o trabalho e para a
cidadania, com ênfase nos valores morais e éticos em que se fundamenta a sociedade; VI - promoção do
princípio da gestão democrática da educação pública; VII - promoção humanística, científica, cultural e
tecnológica do País; VIII - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como
proporção do Produto Interno Bruto - PIB, que assegure atendimento às necessidades de expansão, com padrão
de qualidade e equidade; IX - valorização dos (as) profissionais da educação; X - promoção dos princípios do
respeito aos direitos humanos, à diversidade e à sustentabilidade socioambiental.
(http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L13005.htm, em julho de 2016. 72 Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa,
preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes: I - igualdade de
condições para o acesso e permanência na escola; II - direito de ser respeitado por seus educadores; III - direito
de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores; IV - direito de organização
e participação em entidades estudantis; V - acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.
Parágrafo único. É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da
definição das propostas educacionais. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069Compilado.htm,
visualizado em julho de 2016.
50
pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, e elenca direitos
relacionados à educação que lhes são assegurados pela lei, dentre eles o direito de organização
e participação em entidades estudantis.
Importante destacar o inciso segundo deste artigo, ao relacionar o direito do educando
criança ou adolescente, afirma ser direito do aluno ser respeitado por seus educadores. O
direito à educação abarca, portanto, um rol de direitos correlacionados, ou deveres do Estado
e dos agentes da educação, que vai muito além do que a garantia de um espaço físico – a
escola - para transmissão de conhecimento, mas visa as relações interpessoais que se
estabelecem dentro do ambiente de ensino, principalmente a relação educador-educando.
Criada em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), além de trazer o que já
trata a Constituição Federal de 1988, traz também o detalhamento e a especificação de
algumas diretrizes e princípios relacionados à educação. Um ponto que vale ser destacado na
LDB é o reconhecimento do espaço extraformal, ou informal, da educação, com a previsão
expressa de que a educação abrange o processo formativo que se desenvolve fora da escola,
como no trabalho, na convivência humana e nos movimentos sociais, por exemplo. Além
disso, explicita a importância da vinculação da educação à realidade e à prática social.73
Embora a LDB traga regras e disposições que tem vigência sobre a escola propriamente
dita, importante notar que foi aberto espaço para o reconhecimento da necessidade de diálogo
entre o espaço de ensino e a realidade e o mundo onde esse espaço e seus integrantes se
encontram inseridos.
O direito é educação não é apenas previsto em legislação interna, mas também em leis
internacionais com eficácia no Brasil. O direito à educação é um direito reconhecido
juridicamente tanto no cenário nacional como no cenário internacional. No plano
internacional, damos destaque ao Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ambos aplicáveis no
ordenamento jurídico brasileiro.
O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ratificado pelo
Brasil como um dos instrumentos mais importantes na proteção e efetivação desse direito.
73 Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência
humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade
civil e nas manifestações culturais. § 1º Esta Lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve,
predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias. §2º A educação escolar deverá vincular-se ao
mundo do trabalho e à prática social. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm, visualizado em
julho de 2016.
51
Este Pacto, em seu artigo 1374, afirma que os Estados partes reconhecem o direito subjetivo de
toda pessoa à educação e que estes Estados concordam que a educação deverá visar ao pleno
desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade e a fortalecer o
respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais. Vale lembrar que este Pacto
entrou em vigor, para o Brasil, em 24 de abril de 1992 e que o Decreto nº 591, de 6 de julho
de 1992, publicado em seis de junho de 1992 e com entrada em vigor a partir desta data,
estabeleceu que este Pacto será executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém.
Ainda no âmbito internacional, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos,
assinada na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, em San José,
Costa Rica, em 22 de novembro de 1969 e que entrou em vigor, para o Brasil, em 25 de
setembro de 1992, em seu capítulo III ao tratar de Direitos econômicos, sociais e culturais,
estabelece em seu art. 2675 que os Estados Partes se comprometem em adotar providências
com vistas a conseguir a efetividade dos direitos que decorrem de normas sobre educação.
Esta Convenção foi promulgada no Brasil pelo Decreto nº 678, de 6 de novembro 1992.76
74Artigo 13. 1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa à educação. Concordam
em que a educação deverá visar ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua
dignidade e fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais. Concordam ainda em que a
educação deverá capacitar todas as pessoas a participar efetivamente de uma sociedade livre, favorecer a
compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e entre todos os grupos raciais, étnicos ou religiosos
e promover as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.
2. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem que, com o objetivo de assegurar o pleno exercício desse
direito: a) A educação primaria deverá ser obrigatória e acessível gratuitamente a todos; b) A educação
secundária em suas diferentes formas, inclusive a educação secundária técnica e profissional, deverá ser
generalizada e torna-se acessível a todos, por todos os meios apropriados e, principalmente, pela implementação
progressiva do ensino gratuito; c) A educação de nível superior deverá igualmente torna-se acessível a todos,
com base na capacidade de cada um, por todos os meios apropriados e, principalmente, pela implementação
progressiva do ensino gratuito; d) Dever-se-á fomentar e intensificar, na medida do possível, a educação de base
para aquelas pessoas que não receberam educação primaria ou não concluíram o ciclo completo de educação
primária; e) Será preciso prosseguir ativamente o desenvolvimento de uma rede escolar em todos os níveis de
ensino, implementar-se um sistema adequado de bolsas de estudo e melhorar continuamente as condições
materiais do corpo docente. 1. Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a respeitar a liberdade dos
pais e, quando for o caso, dos tutores legais de escolher para seus filhos escolas distintas daquelas criadas pelas
autoridades públicas, sempre que atendam aos padrões mínimos de ensino prescritos ou aprovados pelo Estado, e
de fazer com que seus filhos venham a receber educação religiosa ou moral que esteja de acordo com suas
próprias convicções. 2.Nenhuma das disposições do presente artigo poderá ser interpretada no sentido de
restringir a liberdade de indivíduos e de entidades de criar e dirigir instituições de ensino, desde que respeitados
os princípios enunciados no parágrafo 1 do presente artigo e que essas instituições observem os padrões mínimos
prescritos pelo Estado. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0591.htm, visualizado em
julho de 2016. 75 Artigo 26. Desenvolvimento progressivo. Os Estados Partes comprometem-se a adotar providências, tanto no
âmbito interno como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir
progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre
educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo
Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios
apropriados. https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm, visualizado em julho de
2016. 76 Art. 1° A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), celebrada em
São José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, apensa por cópia ao presente decreto, deverá ser cumprida
52
Retomando a análise da legislação interna, o Governo Federal do Brasil através do seu
Ministério de Educação e da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, lançou o Plano
Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH), em 10 de dezembro de 2003. O
PNEDH é um passo importante no caminho atual de efetivação e implementação do direito à
educação, pois assume condição de política pública e, como tal, presta-se a ser um
instrumento orientador e fomentador de ações educativas, no campo da educação formal e não
formal, nas esferas pública e privada.
O PNEDH reflete as ações que estão sendo desenvolvidas no país, envolvendo
iniciativas de instituições públicas, organizações da sociedade civil e contribuições recebidas
por meio de consulta pública e das recomendações do documento da UNESCO sobre a
Década das Nações Unidas para a Educação em Direitos Humanos e para uma Cultura de Paz
(1995-2004).
Os Direitos Humanos são compreendidos pelo Programa Nacional de Educação em
Direitos Humanos em seu sentido amplo, decorrentes da dignidade do ser humano,
abrangendo, direitos como os direitos à vida com qualidade, à saúde, à moradia, ao lazer, ao
meio ambiente saudável, ao saneamento básico, à segurança, ao trabalho, à diversidade
cultural e à educação. Traz, portanto, a importância da educação em direitos humanos como
uma das formas de se fomentar processos de educação formal e não formal, de modo a
contribuir para a construção e exercício da cidadania, o conhecimento dos direitos
fundamentais, o respeito à pluralidade e à diversidade, sejam elas sexual, étnica, racial,
cultural, de gênero e de crenças religiosas.
Essa concepção incorpora a compreensão de uma cidadania democrática e ativa,
embasada nos princípios de liberdade, igualdade e diversidade e na universalidade,
indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos.
tão inteiramente como nela se contém. Art. 2° Ao depositar a carta de adesão a esse ato internacional, em 25 de
setembro de 1992, o Governo brasileiro fez a seguinte declaração interpretativa: "O Governo do Brasil entende
que os arts. 43 e 48, alínea d, não incluem o direito automático de visitas e inspeções in loco da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, as quais dependerão da anuência expressa do Estado". Art. 3° O presente
decreto entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 6 de novembro de 1992; 171° da Independência e
104° da República. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm, visualizado em julho de 2016.
53
Capítulo 2. A abordagem do pluralismo jurídico a partir da pedagogia freireana
2.1. Principais considerações sobre a doutrina do pluralismo jurídico
O pluralismo jurídico surge como a doutrina oposta à cultura jurídica hegemônica do
monismo jurídico, sendo o seu principal núcleo a negação de que o Estado seja o centro único
do poder político e a fonte exclusiva de toda a produção do Direito. O pluralismo jurídico,
portanto, tem uma perspectiva descentralizadora e antidogmática, defendendo a supremacia
dos fundamentos ético-político-sociológicos sobre critérios tecno-formais positivistas.77 Ele
deixa de associar o Direito com o Direito Positivo e, sobretudo, admite a existência do Direito
sem o Estado.
Ao preconizar uma visão formalista do Direito e a reproduzir um saber jurídico retórico,
formal e dogmático, o monismo jurídico reconhece no Direito um instrumento de poder,
pautado na falsa aparência de neutralidade e segurança. No entanto, suas regras vigentes nem
sempre parecem dar conta de resolver os problemas e muitas vezes não conseguem mais
fornecer diretrizes, orientações e normas capazes de nortear a convivência social.
Algumas verdades e discursos que se pretendem únicos e universais são impostos,
parecendo desconsiderar por completo as diferenças e as especificidades de cada grupo, de
cada comunidade, de cada realidade social. O Direito se pretende, dessa forma, único e
universal, e as identidades culturais e os saberes e práticas sociais desvinculadas da cultura
jurídica hegemônica vem passando por um processo de homogeneização e silenciamento na
sociedade moderna.
Em sociedades fortemente marcadas pela dependência e por gritante desigualdade social,
a legalidade monista, que reconhece apenas o Estado como centro produtor legítimo de toda e
qualquer ordem normativa, parece não conseguir dar conta e respostas às novas demandas e
necessidades sociais. Nesse contexto, urge a necessidade de ruptura com esse modelo de
legalidade imposto, a partir da construção gradual e alternativa de um novo paradigma de
produção normativa. O atual cenário de contradições e conflitos da sociedade evidencia a
existência de carências e necessidades fundamentais que demandam por um novo paradigma
de juridicidade. O pluralismo jurídico vem, portanto, representar um novo fundamento de
validade para o mundo jurídico, um novo paradigma de juridicidade que reconheça a
legitimidade específica de um pluralismo calcado nas privações cotidianas de novos sujeitos
77WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo Jurídico: fundamentos de uma nova cultura no Direito. 2ª
edição. São Paulo: Editora Alfa Ômega, 1997, p. XI.
54
coletivos.
A construção teórica e doutrinária do “pluralismo”, em oposição à concepção do
“monismo”, aponta a existência de mais de uma realidade, de múltiplas formas de ação
prática e da diversidade de campos sociais com particularidade própria, reconhecendo a
diversidade, fragmentação, temporalidade, conflituosidade e outras características na
constituição da vida humana que, em oposição ao monismo centralizador, fortalecem o
entendimento sobre a independência e inter-relação entre as realidades e os princípios
diversos. O principal núcleo do pluralismo jurídico, independente da sua modalidade, é a
negação de que o Estado seja a fonte única e exclusiva de produção de todo o Direito e, assim,
a legislação formal do Estado é minimizada ou excluída e a produção normativa multiforme
gerada por instâncias, corpos ou movimentos organizados semi-autônomos que compõem a
vida social ganham prioridade.78
A partir desse novo paradigma, o Direito passa então a ser encarado como um fenômeno
fruto das relações sociais, sendo admitida dessa forma uma outra legalidade, surgida a partir
da multiplicidade de fontes normativas, não necessariamente estatais. A sociedade passa a ser
encarada, portanto, como uma instituição descentralizada, pluralista e participativa.
2.1.2. O pluralismo jurídico em Antonio Carlos Wolkmer: pluralismo jurídico comunitário-
participativo
A partir de uma compreensão de que o modelo-jurídico liberal se encontraria em um
momento de crise e esgotamento e da incapacidade desse modelo em se adaptar às novas
demandas e relações que emergiram das mudanças sofridas pela sociedade, Antonio Carlos
Wolkmer vem propor o pluralismo jurídico como um novo fundamento de validade para o
Direito, a partir das diversas e crescentes manifestações normativas não-estatais e/ou
informais, que são, na verdade, reflexos desse fenômeno maior, que é o pluralismo jurídico. O
autor designa a expressão “pluralismo jurídico” como a multiplicidade de manifestações ou
práticas normativas num mesmo espaço sócio-político, interagidas por conflitos ou consensos,
podendo ser ou não oficiais, razão de ser nas necessidades existenciais, materiais e culturais.79
Ao analisar a generalidade do termo “pluralismo”, o autor identifica alguns princípios
ou critérios valorativos comuns que possibilitam a exata compreensão do que ele compreende
78 WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo Jurídico: fundamentos de uma nova cultura no Direito. 2ª
edição. São Paulo: Editora Alfa Ômega, 1997, p. 168. 79 WOLK.MER, Antônio Carlos. Pluralismo Jurídico: fundamentos de uma nova cultura no Direito. 2ª
edição. São Paulo: Editora Alfa Ômega, 1997, p. XII.
55
ser a natureza e a especificidade do pluralismo por ele trabalhado. São eles: autonomia,
descentralização, participação, localismo, diversidade e tolerância.80
A autonomia refere-se ao poder que os movimentos coletivos e diversos tipos e
associações, como, por exemplo, as religiosas e culturais possuem intrinsecamente,
independente do poder governamental. E essa autonomia se manifesta no próprio interior dos
interesses individuais e coletivos como em relação ao próprio Estado.
A descentralização significa o deslocamento do poder político-administrativo das
instituições formais unitárias para os universos locais e fragmentados, visando o
fortalecimento da participação das inúmeras identidades locais. Nesse ponto, portanto, tem-se
a relação clara entre o princípio da descentralização com o da participação, sendo aquele –
descentralização - condição necessária para a existência e exercício deste, a participação. A
participação como princípio para o pluralismo de Wolkmer, ao contrário da cultura monista, é
aquela que prioriza os procedimentos representativos e é estimulada pela cultura pluralista,
para que a prática da participação de base seja corriqueira e a prioridade.
O princípio do localismo é identificado pelo autor como uma das instituições-chave da
democracia pluralista, reconhecendo no poder local o nível mais descentralizado do poder
estatal e acentuando processos decisórios alicerçados em técnicas de ação comunitária e
participativa. Outro critério valorativo tratado pelo autor é o da diversidade, que, em oposição
a teoria do monismo unificador e homogêneo, reconhece a fragmentação, a diferença e a
diversidade. Admite-se que seres, realidades e fenômenos são diversos e admite-se o conflito
como uma forma de inserção social positiva dos diversos grupos ou semigrupos. E, por fim, o
último critério valorativo é a tolerância que está intimamente ligado ao direito de
autodeterminação do indivíduo, classe ou movimento coletivo e as regras de convivência
pautadas pelo espírito de indulgência e prática da moderação.
O autor deixa claro que o pluralismo, enquanto novo referencial para o Direito, tem
como ideal comum o enfraquecimento ou exclusão do Estado como fonte única da
normatividade e a valorização das instâncias sociais intermediárias, admitindo diversos
critérios ou princípios e, a depender desses critérios ou princípios, o pluralismo pode-se
enquadrar de diversas formas, como sendo um pluralismo tradicional, conservador,
progressista, radical, moderno, etc.
O autor faz a distinção entre o pluralismo clássico e o pluralismo jurídico por ele
defendido. O pluralismo clássico seria aquele que teve a sua gênese na contenda instaurada
80 WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico: fundamentos de uma nova cultura no Direito. 2ª
edição. São Paulo: Editora Alfa Ômega, 1997, p.160.
56
entre o poder absoluto soberano e o ideal liberal que nega radicalmente o arbítrio e o
monopólio estatal. Esse é o pluralismo liberal.81 Já o pluralismo por ele defendido é aquele
adaptado às contingências históricas periféricas como a latino-americana, dominada por uma
tradição centralizadora, autoritária e dependente. É o pluralismo político e jurídico.82 Assim,
não é qualquer pluralismo o defendido pelo autor, mas sim um pluralismo que se revele aberto,
descentralizado e democrático, bem como contemple a transformação de carências e
necessidades na positivação de novos direitos.
Enquanto o pluralismo liberal é o pluralismo de tom mais conservador e reacionário, o
pluralismo jurídico defendido pelo autor é aquele de caráter progressista e emancipatório.
Assim, ainda que existam diversos pluralismos, para Wolkmer nem toda regulação extra-
estatal ou informal pode ser considerada como comunitária, autônoma, ou que produza a
emancipação dos sujeitos coletivos. E é somente o pluralismo jurídico com essas
características que o autor defende: pluralismo esse por ele denominado de pluralismo
comunitário-participativo.83
O ideal do pluralismo jurídico comunitário-participativo proposto pelo autor adota duas
estratégias para superar o ideal do monismo jurídico: a consideração das práticas alternativas
surgidas no seio do próprio direito produzido pelo Estado, reconhecendo a importância da
legalidade instituída e das possibilidades emancipatórias oferecidas no âmbito oficial; e o
pluralismo propriamente dito, com origem nos novos sujeitos coletivos na esfera não estatal,
em busca de uma legalidade diversa.
Ao fundamentar essa sua proposta de novo referencial para o Direito no contexto dos
países periféricos, mais precisamente na realidade latino-americana, como é o caso do Brasil,
o autor afirma que:
A clara indicação de um novo paradigma de validade para o Direito
alicerçado num certo tipo particular de pluralismo, capaz de reconhecer e
legitimar normatividades extra e infra-estatais (institucionalizadas ou não),
engendradas por carências e necessidades próprias das contingências de
sujeitos coletivos recentes, e de aprender as especificidades das
representações formadas juridicamente no Brasil, Estado do capitalismo
periférico, marcado por estruturas de igualdades precárias e pulverizado por
espaços de conflitos intermitentes. Cabe advertir, entretanto, que essa opção
é por um pluralismo progressista, de base democrático-participativa.
(WOLKMER, 1997).
81WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo Jurídico: fundamentos de uma nova cultura no Direito. 2ª
edição. São Paulo: Editora Alfa Ômega, 1997, p. XIII. 82WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo Jurídico: fundamentos de uma nova cultura no Direito. 2ª
edição. São Paulo: Editora Alfa Ômega, 1997, p. XIV. 83WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo Jurídico: fundamentos de uma nova cultura no Direito. 2ª
edição. São Paulo: Editora Alfa Ômega, 1997, p.69.
57
O pluralismo comunitário-participativo proposto por Wolkmer é um pluralismo de
modelo aberto, democrático, privilegiando a participação direta dos sujeitos sociais na
regulação das instituições-chave da sociedade e que reconhece que o processo histórico deve
ser encaminhado pelas bases comunitárias, através da sua vontade e do seu controle, como na
regulação das instituições-chave da sociedade.
O autor indica dois fundamentos de efetividade sobre os quais o pluralismo
comunitário-participativo se baseia: efetividade material e efetividade formal. Os
fundamentos de efetividade material são representados pela satisfação das necessidades
humanas fundamentais, que impulsionam a luta de movimentos que insurgem em virtude de
uma série de privações e necessidades básicas consideradas insatisfeitas, e pela emergência de
novos sujeitos coletivos, que seriam os agentes coletivos organizados e os movimentos sociais.
Já os fundamentos de efetividade formal são aqueles que preconizam a reordenação do espaço
público mediante política democrático-comunitária, descentralizadora e participativa, ou seja,
com a ampliação da esfera política, capaz de promover o desenvolvimento da ética concreta
da alteridade e construção de processos para afirmação de uma racionalidade emancipatória.
Considerando esses dois fundamentos de efetividade do pluralismo jurídico proposto, o
autor destaca a importância de identificar de maneira clara quais os novos agentes que
participam desse processo histórico e como as suas aspirações, privações e reclamos vão se
mostrando fontes de produção jurídica em potencial. Nesse ponto, o autor estabelece o foco
de seu estudo no que ele considera como sendo o novo sujeito histórico, que são os
movimentos sociais, mais precisamente o que ele denomina novos movimentos sociais.
Os novos movimentos sociais são o personagem principal dessa ordem pluralista tratada
pelo autor, a partir de uma nova concepção do Direito e fundada em outro modelo de cultura
político-jurídica. O autor define os novos movimentos sociais como sujeitos coletivos
transformadores, advindos de diversos estratos sociais e integrantes de uma prática política
cotidiana com reduzido grau de institucionalização, imbuídos de princípios valorativos
comuns objetivando a realização de necessidades humanas fundamentais.84
A análise acerca desse novo personagem se dá a partir de quatro momentos distintos85: a)
a identificação desses novos atores coletivos recentes, que são os responsáveis por uma nova
84WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo Jurídico: fundamentos de uma nova cultura no Direito. 2ª
edição. São Paulo: Editora Alfa Ômega, 1997, p. 125. 85WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo Jurídico: fundamentos de uma nova cultura no Direito. 2ª
edição. São Paulo: Editora Alfa Ômega, 1997, p.108.
58
cultura jurídica, e a categorização desses atores, como ele denomina, como os “novos
movimentos sociais”; b) o estabelecimento da relação desses novos movimentos sociais com
os processos tradicionais de “institucionalização” e de “representação” em um espaço público
marcado pela pluralidade; c) o reconhecimento da incapacidade e insuficiência das fontes
clássicas da legalidade estatal ocidental em atender as novas demandas e de lidar com a nova
realidade social e, diante dessa insuficiência e incapacidade, o crescimento dos centros de
produção jurídica, através de meios não-convencionais, privilegiando a auto-regulamentação
emanada desses novos movimentos sociais e; d) análise sobre a legitimidade e eficácia dessas
produções jurídicas não oficiais, a partir de ponderações sobre a dinâmica do processo de
afirmação de novos direitos.
Os novos sujeitos coletivos, identificados pelo autor como os movimentos sociais
contemporâneos, mais precisamente denominados de “novos movimentos sociais” 86 , são
analisados dentro do contexto de crises no qual se encontram inseridos, tanto na esfera
econômica quanto política. Diante da existência de carências materiais e marginalização
social, tem havido a busca pela reorganização da vida social e pela redefinição da vida
política, uma vez que, para o autor, as instituições políticas clássicas têm se mostrado
impotentes. A solução seria, então, a prática participativa e transformadora dos movimentos
sociais. No caso do Brasil, esses movimentos sociais têm trazido como principal reivindicação
a melhoria das condições de vida, a partir da concretização das necessidades humanas
fundamentais.
Esses novos sujeitos coletivos tem como princípios 87 o da oposição, uma vez que
sempre se movem contra uma força externa, que representa uma resistência e um bloqueio a
esses movimentos; o da totalidade, uma vez que o seu discurso é sempre em nome de grandes
ideais e valores considerados superiores e que são aceitos pela coletividade; e, o princípio da
identidade, uma vez que esses movimentos tem que atuar como defensores e representantes de
certos interesses de parcelas significativas da sociedade global, ou seja, tem que os membros
da coletividade tem que se sentir representados pelo discurso desses movimentos.
Os novos movimentos sociais são caracterizados por diversos elementos, sendo os seus
principais o da identidade e da autonomia.88 A identidade tem relação com o reconhecimento
de subjetividades libertadas e com um processo de ruptura promovido por esses movimentos,
86WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo Jurídico: fundamentos de uma nova cultura no Direito. 2ª
edição. São Paulo: Editora Alfa Ômega, 1997, p.109. 87 WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo Jurídico: fundamentos de uma nova cultura no Direito. 2ª
edição. São Paulo: Editora Alfa Ômega, 1997, p.116. 88 WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo Jurídico: fundamentos de uma nova cultura no Direito. 2ª
edição. São Paulo: Editora Alfa Ômega, 1997, p.117.
59
que permite que seus atores sejam sujeitos de sua própria história. Já a autonomia refere-se ao
processo de avanços e recuos experimentados por esses movimentos sociais, uma
responsabilidade e comprometimento com uma práxis cotidiana. Somente com essa práxis
cotidiana, com novas formas de ação, organização e consciência, é que se alcançam as
conquistas. As formas de ação desses movimentos sociais também são tratadas pelo autor, e se
dariam através da busca pela efetivação de pequenas transformações e de microrrevoluções
cotidianas, a começar pela ruptura com antigas formas de organização e representação da
sociedade, como os partidos políticos e os sindicatos89, a começar pela sua horizontalidade e
pela não admissão de capacidade hierarquizada de tomada de decisões.
Em relação às perspectivas político-estratégicas desses movimentos, três possíveis
posturas são identificadas: a) uma postura reivindicatória, com a pressão sobre o Estado para
obter melhores condições de vida e o atendimento de direitos considerados básicos e seria a
postura adotada por movimentos caracterizados por uma luta segmetarizada ou de
corporações específicas; b) uma segunda postura seria a contestatória, quando o movimento
realiza uma oposição sistemática ao poder instituído, a partir da mobilização das grandes
massas e quando se utiliza de um discurso focado na denúncia das carências e privações, se
limitando, na prática, a denunciar a ausência de respostas concretas governamentais para a
resolução dos problemas; e, c) por fim, a terceira postura identificada pelo autor é a
participativa, que representa uma luta pela melhoria das qualidades de vida, ou seja, não se
resume a um discurso de denúncia, mas também de exposição das crises, exigindo respostas
às suas demanda e, além disso, proporcionando a redefinição da própria cidadania e, assim,
contribuindo para a redefinição desses novos sujeitos coletivos.
Outro aspecto importante dessa ação coletiva dos movimentos sociais tratado por
Wolkmer é a base social dos seus atores centrais. O autor identifica que, embora em países em
desenvolvimento, ou do chamado Terceiro Mundo, o ambiente de contínuas e intensas lutas
de classes faça com que esses movimentos sociais sejam predominantemente formados por
classes populares, atualmente esses movimentos não se restringem a essa base social. Os
novos sujeitos sociais são representados por diferentes camadas sociais, com diferentes tipos
de lutas ou conflitos, como os de natureza social, cultural ou étnica. Os movimentos sociais
são, portanto, formados a partir de interesses que se mostrem comuns e sejam capazes de
reunir ou ligar sujeitos coletivos ou comunidades de indivíduos. Esses novos sujeitos
coletivos tratados são os relacionados a estruturas sociais mais permanentes e estáveis que
89 WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo Jurídico: fundamentos de uma nova cultura no Direito. 2ª
edição. São Paulo: Editora Alfa Ômega, 1997, p. 119.
60
corporificam uma nova forma de fazer política, e são novos porque se tratam de
manifestações com capacidade de surgir “fora” da cena política institucional, com interesses
que compõem um nova identidade coletiva que dá origem a uma nova vontade comunitária.90
A crise da representação política, com o envelhecimento das instituições representativas
e a caducidade dos padrões tradicionais de interpretação político-jurídica, é apontada por
Wolkmer como também um ponto de denúncia por parte dos movimentos sociais, e, a partir
disso, propõe o deslocamento da legitimidade da representação formal para modalidades de
representação alternativas, como a participação autônoma e a representação popular de
interesses.
Dessa forma, o autor afirma que, diante da crise dos modelos tradicionais de
representação política e da insuficiência das fontes clássicas do monismo estatal, o pluralismo
jurídico defendido propõe o reconhecimento do alargamento dos centros geradores de
produção jurídica a partir de meios normativos alternativos ou não convencionais,
privilegiando-se as práticas geradas pelos movimentos sociais, a partir do reconhecimento da
pluralidade de centros geradores de Direito, uma vez que este passa a ser encarado como fruto
das práticas sociais e inserido nelas, emergindo de diversos centros de produção normativa,
seja na esfera estatal, seja na esfera infra-estatal. E os novos agentes coletivos, que compõem
esses novos movimentos sociais, por vontade própria e pela consciência de seus reais
interesses, seriam capazes de criar e instituir novos direitos.
2.1.2. O pluralismo jurídico em Boaventura de Souza Santos
Para o autor português Boaventura de Souza Santos, sempre em que exista, no mesmo
espaço geopolítico, a existência de mais de uma ordem jurídica estaremos diante de uma
situação de pluralismo jurídico. Diversas podem ser a fundamentação dessa pluralidade
normativa, seja fundamentação de ordem econômica, profissional, rácica etc., bem como essa
pluralidade pode corresponder a períodos diversos em uma sociedade, como um momento de
ruptura social ou um período de transformação revolucionária
O pluralismo jurídico em Boaventura de Sousa Santos foi, em um primeiro momento,
exposto em sua tese de doutoramento, defendida na Universidade de Yale em 1973, onde o
autor tratou do discurso jurídico existente em um determinado grupo social, através de uma
90WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo Jurídico: fundamentos de uma nova cultura no Direito. 2ª
edição. São Paulo: Editora Alfa Ômega, 1997, p.125.
61
pesquisa empírica realizada em uma comunidade periférica situada na cidade do Rio de
Janeiro, a qual denominou de Pasárgada.
A construção teórica deste seu trabalho tinha como ponto de partida a comparação entre
o direito de Pasárgada e o direito estatal brasileiro como expressão representativa do direito
do Estado ditatorial91 e tinha como objetivo a comprovação de que esse direito de Pasárgada
representava um autêntico direito. E, para a comprovação dessa pressuposição, o autor partiu
de dois subproblemas: a conceituação de direito e a conceituação do pluralismo jurídico
propriamente dito. Para conceituação do direito, o autor socorreu-se, principalmente, das
disciplinas de sociologia e antropologia e afirmou que a definição de direito por ele admitida
é aquela que se utiliza de um conceito de caráter operativo, sem a pretensão de captar
qualquer essência do direito. Assim, o conceito de direito considerado em seu trabalho foi:
(...) concebe-se como direito o conjunto de processos regularizados e
de princípios normativos, considerados justiciáveis num dado grupo,
que contribuem para a criação e prevenção de litígios e para a
resolução destes através de um discurso argumentativo, de amplitude
variável, apoiado ou não pela força organizada. (SANTOS, 2014).
A partir desse conceito de direito admitido pelo autor, o mesmo afirma que, sem dúvida
alguma, os fenômenos observados em Pasárgada caem no domínio do jurídico, se
enquadrando perfeitamente no conceito por ele traçado e, por isso, constituem o direito de
Pasárgada.
O outro subproblema apontado pelo autor - a conceituação do pluralismo jurídico – é
analisado com o seguinte foco: como reconhecer no mesmo espaço geopolítico do Estado-
nação brasileiro a existência de mais de um direito, sabendo-se que um dos pressupostos
constitucionais do Estado moderno é justamente a atribuição a este do monopólio da produção
jurídica. O autor analisa o problema do pluralismo jurídico buscando analisar como este tem
sido tratado e estudado e inicia sua análise apontando que, no século XIX, o pluralismo
jurídico era tratado pela filosofia e pela teoria do direito, embora posteriormente tenha sido
progressivamente suprimido, em virtude das transformações na articulação dos modos de
produção e da consolidação da dominação política do Estado burguês.
Posteriormente, o problema do pluralismo jurídico viria a ser retomado, nesse
momento pela antropologia do direito – e continua até os dias de hoje sendo amplamente
tratado por esta disciplina – e que o contexto sociológico que gerou o interesse por esse
91SANTOS, Boaventura de Sousa. O direito dos oprimidos: sociologia crítica do direito, parte 1. São Paulo:
Cortez, 2014, p. 47.
62
problema foi o do colonialismo, ou seja, a coexistência em um mesmo espaço, arbitrariamente
unificado como colônia, do direito do Estado colonizador e dos direitos tradicionais e que
essa coexistência sempre foi uma fonte constante de conflitos e de acomodações precárias.92
A literatura identificaria três outros contextos não-coloniais no qual se observa o
pluralismo jurídico. São eles: os países com tradições culturais dominantes ou não europeias
que fazem uso do direito europeu como instrumento de “modernização” e de consolidação do
poder do Estado; os países nos quais o direito tradicional entrou em conflito com uma nova
legalidade, um direito revolucionário oriundo de uma revolução social; e, os casos em que há
populações nativas, autóctones ou indígenas que mantem em certos domínios o seu direito
tradicional. Todas essas situações em que se observa o pluralismo jurídico constituem
situações consolidadas e de longa duração, sejam elas reconhecidas e admitidas ou não pelo
direito dominante. O pluralismo jurídico nesses casos reflete conflitos sociais e condensam
separações socioeconômicas, políticas e culturais complexas e evidentes. O autor destaca,
ainda, que esse pluralismo jurídico resta evidente em sociedades consideradas heterogêneas.
A partir dessa noção de sociedade heterogênea, o autor propõe a expansão do conceito
de pluralismo jurídico para outros contextos sociais que não os indicados acima: que esse
conceito abarque as situações suscetíveis de ocorrer em sociedades cuja homogeneidade é
precária em virtude de divisões em classes, ou seja, nas sociedades capitalistas. O surgimento
do pluralismo jurídico nessas sociedades seria em virtude das contradições que solidificam a
criação de espaços sociais com diferentes graus de segregação, onde surgem conflitos ou
disputas processadas com base em recursos normativos e institucionais internos desses novos
espaços sociais.
Importante destacar que para Santos, a ampliação do conceito de pluralismo jurídico
deve ocorrer de maneira concomitante com a ampliação do conceito de direito, uma vez que o
direito ocupa o centro político das contradições que geram lutas de classes. O autor português
esclarece que no caso concreto da sua investigação (em sua tese) ele buscou converter os
fatores da comparação em variáveis que admitem graus diferentes e que a comparação por ele
realizada é feita em termos gerais.
A correlação proposta pelo autor entre o pluralismo jurídico e o direito estatal se dá
entre o espaço retórico, a institucionalização da função jurídica e o poder dos instrumentos de
92 Neste ponto, o autor pontua que em alguns casos esse pluralismo jurídico teve cobertura jurídico-
constitucional, como no colonialismo inglês, porém, em outros foi um fenômeno sociológico e político que
ocorria à revelia das concepções jurídico-políticas oficiais do Estado colonizador, o que em boa parte ocorreu
nas colonizações portuguesas, como o Brasil, por exemplo. In SANTOS, Boaventura de Sousa. O direito dos
oprimidos: sociologia crítica do direito, parte 1. São Paulo: Cortez, 2014, p. 55.
63
coerção.93 Em seu trabalho, identificou como os moradores dessa comunidade periférica
desenvolveram mecanismos alternativos de organização coletiva e de resolução de conflitos,
desenvolvimento esse que se deu às margens das instituições estatais e em conflito com o
direito oficial. Identificou também a proximidade desse direito não oficial com a linguagem
comum utilizada na comunidade, em contraste à formalidade, tecnicismo e burocracia do
direito oficial ou estatal.
A criação desse direito alternativo se funda em um procedimento aberto, permeado por
uma tonalidade ético-social e o seu discurso jurídico é mais acessível, informal e
participativo. O seu discurso jurídico é vertido em linguagem comum e se apropria melhor da
realidade, sem que para isso tenha de expropriar competências linguísticas.94 E, por não ser
oficial, o direito de Pasárgada tem o seu espaço de validade reduzido, limitando-se ao interior
da comunidade.
Como uma das principais diferenças destacadas pelo autor entre o direito estatal e o
direito de Pasárgada temos que neste o reconhecimento de um espaço retórico maior95, onde
as decisões não se limitam à aplicação direta das normas aos fatos, mas surgem a partir da
aplicação gradual, provisória e reversível de pontos comuns de argumentação, que vai se
especificando à medida que se envolve com a realidade concreta. Dessa forma, não há um
conjunto de regras ou normas prontas que sejam aplicáveis a toda e qualquer situação, mas
sim regras e normas de caráter vago e abstrato, que vão se moldando, a partir da
argumentação das partes envolvidas, à situação específica, sempre tendo como finalidade não
apenas a resolução de determinado conflito, mas a aceitação das partes e demais pessoas
envolvidas.
O pensamento jurídico projetado é dotado de autonomia relativa, de caráter
essencialmente quotidiano e comum.96 Outro ponto destacado é que as decisões proferidas
nesse direito de Pasárgada assumem, em regra, formas de mediação ou negociação 97 ,
diferentemente do que ocorre no domínio estatal, onde ao final de um conflito fica evidente o
estabelecimento da polarização vencedor e vencido.
93SANTOS, Boaventura de Sousa. O direito dos oprimidos: sociologia crítica do direito, parte 1. São Paulo:
Cortez, 2014, p.64. 94SANTOS, Boaventura de Sousa. O direito dos oprimidos: sociologia crítica do direito, parte 1. São Paulo:
Cortez, 2014, p. 33. 95SANTOS, Boaventura de Sousa. O direito dos oprimidos: sociologia crítica do direito, parte 1. São Paulo:
Cortez, 2014, p. 31. 96SANTOS, Boaventura de Sousa. O direito dos oprimidos: sociologia crítica do direito, parte 1. São Paulo:
Cortez, 2014, p. 32. 97SANTOS, Boaventura de Sousa. O direito dos oprimidos: sociologia crítica do direito, parte 1. São Paulo:
Cortez, 2014, p. 32.
64
Dois fatores são ressaltados pelo autor: o primeiro, que diz respeito ao processo de
produção do direito e às relações técnicas e sociais que surgem em seu seio, é o baixo grau de
institucionalização nesse direito dito informal, ao contrário do direito oficial do Estado que
tem um elevado grau de institucionalização da função jurídica; o segundo, que diz respeito ao
modo de distribuição e consumo da produção jurídicas, é o poder dos instrumentos de coerção
a serviço da produção jurídica, sendo compreendidos como instrumentos de coerção o
conjunto dos meios de violência que podem ser legitimamente acionados para impor e fazer
cumprir as determinações jurídicas obrigatórias. Enquanto a produção jurídica dos Estados
capitalistas contemporâneos gozam de poderoso e complexo aparelho coercitivo que detém o
monopólio da violência legítima, o direito de Pasárgada dispõe de instrumentos de coerção
incipientes e quase inexistentes, sendo os seus principais instrumentos de coerção a ameaça e
o discurso da violência.
A ordem jurídica interna e paralela à ordem jurídica oficial do Estado criada em
Pasárgada, muitas vezes se mostra até mesmo oposta a essa ordem jurídica oficial, em virtude
da inacessibilidade estrutural do sistema jurídico estatal.98 Em resumo, o direito de Pasárgada
pôde ser definido com as seguintes palavras:
O direito de Pasárgada é um exemplo de um sistema jurídico, informal e não
oficial, criado por comunidades urbanas oprimidas, que vivem em guetos e
bairros clandestinos, para preservar a sobrevivência econômica e a
especulação imobiliária determinam o âmbito efetivo do direito à habitação.
(SANTOS, 2014)
No entanto, apesar da existência desse direito paralelo ao direito oficial e das diferenças
entre ambos, o autor faz duas constatações importantes: o direito de Pasárgada não pretende
regular a vida social fora de Pasárgada, tampouco questiona os critérios de legalidade
prevalecentes na sociedade mais vasta; e, ainda, que o direito de Pasárgada recorre,
frequentemente, ao direito oficial, a título argumentativo, seja para se legitimar, seja para
construir um ambiente de maior oficialidade ou, ainda, para impor as suas decisões, através da
ameaça da aplicação do direito estatal, caso haja o descumprimento das regras de conduta
estabelecidas pela comunidade.
98SANTOS, Boaventura de Sousa. O direito dos oprimidos: sociologia crítica do direito, parte 1. São Paulo:
Cortez, 2014, p. 90.
65
Analisada a realidade de Pasárgada, Santos chega à conclusão de que não se trata de
uma comunidade terna ou bucólica, pois abundam sinais de perversão. No entanto, afirmou
ser possível reconhecer que o seu direito interno possuía algumas características de um
processo jurídico emancipatório, adequados a uma utilização democrática. Dessa forma, o
autor reconhece que, apesar das suas limitações, trata-se de um pluralismo jurídico no qual se
pode encontrar uma alternativa emancipatória ao direito burguês e ao projeto monista-
positivista, referindo-se a um direito vivo que emerge no seio das classes populares e
marginalizadas.
Nos anos seguintes à publicação dos trabalhos sobre o direito de Pasárgada, Boaventura
de Souza Santos publicou diversos artigos, nos quais foi modificando e incorporando outras
perspectivas à categoria do pluralismo jurídico, promovendo uma reflexão mais ampla,
principalmente na promoção da emancipação que deve estar presente no processo de
produção desse direito alternativo. Nesse momento posterior, o autor se aprofundou na análise
do pluralismo jurídico e ampliou a discussão sobre as múltiplas formas de pluralismo
existentes e o caráter emancipatória de que podem gozar esses movimentos e lutas produtoras
de direito.
Essa sua análise aprofundada, dentre outras, pode ser encontrada em sua obra “Para um
novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática”. Aqui, o
autor faz uma equiparação do direito a um espelho (social) e afirma que a sociedade moderna
passou de espelho a estátua, pois, ao invés de se ver refletida no espelho, é o espelho que
pretende que a sociedade o reflita. Essa situação teria gerado uma crise, chamada pelo autor
de crise da consciência especular, que ocorre quando a sociedade não vê refletida nenhuma
imagem que reconheça como sua e quando o espelho tornado estátua atrai o olhar da
sociedade, mas para ser vigiado. 99O direito seria um dos mais importantes desses muitos
espelhos das sociedades modernas e o momento vivenciado atualmente seria um momento em
que esses espelhos transformados em estátuas se encontram desequilibrados em seus
pedestais.
O direito possuía potencialidades emancipatórias originais que, na modernidade,
foram enfraquecidas, passando o direito moderno a ser reconhecido apenas como um
instrumento de uma regulação conservadora e hegemônica. O autor destaca que o projeto
sociocultural da modernidade possui duas forças motrizes, que são as forças da regulação e da
99SANTOS, Boaventura de Sousa. Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição
paradigmática. Conteúdo: V.1. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. 7ª edição.
São Paulo: Cortez, 2009, p. 48.
66
emancipação100 e que a tensão constante entre essas forças é que caracterizou esse projeto. No
entanto, em virtude de uma específica dimensão nessa tensão, em que os esforços regulatórios
superaram os esforços emancipatórios e o direito se transformou em mero instrumento de
regulação, esse projeto da modernidade encontra-se em crise. Seria, portanto, um momento de
necessidade de transição paradigmática.
O autor coloca o direito como elemento central na configuração e trajetória do
paradigma da modernidade ocidental e o seu objetivo é encontrar possibilidades do direito
para além do direito moderno, como forma de superação do paradigma predominante. Para
isso o autor propõe um processo de despensar o direito a partir de três desvios principais:
através de uma crítica não subparadigmática, ou seja, não enxergando possibilidades
emancipatórias dentro do paradigma vigente; objetivando a construção de um novo senso
comum emancipatório; e, propondo que a teoria crítica critique a si mesmo, como forma de
garantia do seu próprio caráter emancipador.
Quando a ciência moderna passou a ser considerada como única forma de conhecimento
válido o direito estatal moderno passou a ser considerado como a única forma de direito
válido. Dentro desse contexto, o autor defende uma reconstrução teórica que realce a
pluralidade de formas de conhecimento, de poder e também de direito. Cabe aqui destacar
essa proposta de reconstrução teórica trazida pelo autor, com o reconhecimento de pluralidade
de forma do direito. O autor afirma que trabalha com um conceito amplo de direito:
(...) o direito é um corpo de procedimentos regularizados e de padrões
normativos, considerados justificáveis num dado grupo social, que contribui
para a criação e prevenção de litígios, e para a sua resolução através de um
discurso argumentativo, articulado com a ameaça de força. (SANTOS,
2009).
Cada espaço estrutural gera uma forma específica de direito, sendo as diferentes formas
de direito combinadas de modo diferente, de acordo com o campo social específico a que
fornecem a ordenação normativa. Dentre essas diferentes formas de direito, Boaventura
100 Boaventura afirma que o pilar da regulação é constituído por três princípios: o do Estado, formulado
basicamente por Hobbes; pelo do mercado, desenvolvido por Locke e Adam Smith; e, pelo da comunidade, que
domina toda a teoria social e política de Rousseau. Já o pilar da emancipação é constituído pelas três lógicas de
racionalidade definidas por Weber, que são a racionalidade estético-expressiva das artes e da literatura, a
racionalidade cognitivo-instrumental da ciência e da tecnologia e a racionalidade moral-prática da ética e do
direito. SANTOS, Boaventura de Sousa. Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na
transição paradigmática. Conteúdo: V.1. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da
experiência. 7ª edição. São Paulo: Cortez, 2009, p. 50.
67
destaca o direito da comunidade, como sendo uma das formas de direito mais complexas, na
medida em que cobre situações extremamente diversas.101
A partir de uma visão anti-hegemônica do direito, o autor traz à tona o questionamento
sobre a possibilidade do direito ser emancipatório. E para analisar essa possibilidade, o autor
parte de uma sociologia chamada por ele de sociologia das emergências, que visa interpretar
de maneira expansiva as iniciativas, movimentos ou organizações que se mostram resistentes
à globalização neoliberal e à exclusão social as quais contrapõe alternativas.102 O autor frisa
que nem o direito se resume ao direito estatal, nem os direitos se resumem aos direitos
individuais, o que não significa que o direito estatal e os direitos individuais devam ser
excluídos das práticas jurídicas cosmopolitas. Pelo contrário, devem ser usados, ainda que
integrados em lutas mais vastas, que os retirem do molde hegemônico.103
Em sua obra “Poderá o direito ser emancipatório? ”, o autor foca no que ele chama de
cosmopolitismo subalterno ou cosmopolitismo dos oprimidos, que seria formado pelos
movimentos e organizações progressistas que promovem projetos e lutas com fundamento da
visão contra hegemônica da globalização.104 O cosmopolitismo subalterno de oposição é,
portanto, a forma político-cultural de globalização contra hegemônica e a legalidade
cosmopolita aprofunda essa globalização contra hegemônica, sendo essa umas das condições
necessárias para a emancipação social. A legalidade cosmopolita dos oprimidos não defende
que o direito estatal e os direitos individuais devam ser excluídos das práticas jurídicas
cosmopolitas, mas sim que essas ferramentas podem e devem ser utilizadas, mas para
objetivos não-hegemônicos e, ainda, que existem outras concepções não-hegemônicas e
alternativas destas ferramentas que devem ser utilizadas.
Apesar de destacar a importância do reconhecimento da multiplicidade das fontes de
direito, não sendo correto restringir a legalidade ao conceito hegemônico do direito, que
admite apenas a legalidade como direito estatal ou sancionado pelo Estado. Mas o autor
destaca que nem toda forma não-hegemônica de direito favorece ou promove o
cosmopolitismo subalterno. Nesse aspecto, o autor destaca que a legalidade gerada a partir de
baixo, como o direito tradicional, o direito indígena e o direito comunitário, podem tanto ser
101SANTOS, Boaventura de Sousa. Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição
paradigmática. Conteúdo: V.1. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. 7ª
edição. São Paulo: Cortez, 2009, p.298. 102SANTOS, Boaventura de Sousa. Poderá o direito ser emancipatório? Revista Crítica de Ciências Sociais,
65, maio 2003: 3-76, p. 33. 103 SANTOS, Boaventura de Sousa. Poderá o direito ser emancipatório? Revista Crítica de Ciências Sociais,
65, maio 2003: 3-76, p. 36. 104 SANTOS, Boaventura de Sousa. Poderá o direito ser emancipatório? Revista Crítica de Ciências Sociais,
65, maio 2003: 3-76, p. 28.
68
utilizada em conjugação com o direito estatal para fins exclusivistas, como pode ser utilizado
para efeitos de confrontação com a legalidade estatal demoliberal e como luta pela inclusão
social, revelando-se, assim, como uma legalidade contra hegemônica cosmopolita. Assim,
Boaventura destaca que nem toda forma de pluralismo jurídico se enquadrará no que ele
chama de legalidade cosmopolita: seja capaz de contribuir para a redução da desigualdade nas
relações de poder e seja capaz de reduzir a exclusão social ou elevando a qualidade da
inclusão.105
Concluindo os seus ensinamentos, Santos afirma que não cabe ao direito ser
emancipatório ou não-emancipatório, sendo essa uma característica observável nos
movimentos, nas organizações e nos grupos cosmopolitas ao recorrerem à lei para levar as
suas lutas adiante, e isso inclui a produção normativa que surge desses movimentos e
organizações e grupos. Portanto, a emancipação é uma característica que deve estar presente
nessas novas fontes de produção normativa.
2.4. A pedagogia de Paulo Freire como referencial teórico
Os ensinamentos de Paulo Freire foram utilizados como referencial teórico para a
elaboração do presente trabalho, por entendermos que há originalidade em sua teoria do
conhecimento crítico-dialético, e que essa originalidade se concentra na maneira particular de
apreender e explicar essas teorias filosóficas e de pensar o pensado por outrem, para a partir
daí formar esse autor a sua visão e o seu pensar inédito sobre o conhecimento. Entendemos
também que a sua teoria sobre educação e processo de conhecimento é plenamente aplicável
ao ensino superior, no caso do presente trabalho, ao ensino jurídico superior. Dessa forma,
importante que se registre que o termo escola utilizado em diversas passagens no presente
trabalho deve ser compreendido em seu sentido mais amplo, abarcando também as
universidades.
Paulo Freire é um filósofo e educador brasileiro cuja obra, diante da sua extensão e
relevância, é extremamente reconhecida não só em terras nacionais, mas também em
dimensão universal. Foi um incansável defensor da liberdade, da justiça, da ética, da
autonomia do ser humano, questões que são disseminadas na sociedade e também nas escolas.
Seus escritos apresentam uma análise crítica acerca do conhecimento, constituindo a sua
teoria sob o prisma epistemológico crítico-dialético. A construção da sua teoria parte da
105SANTOS, Boaventura de Sousa. Poderá o direito ser emancipatório? Revista Crítica de Ciências Sociais,
65, Maio 2003: 3-76, p. 38/39.
69
compreensão crítica e problematizante da realidade e da proposição de uma educação
verdadeiramente democrática, capaz de proporcionar ao educando a conscientização de sua
realidade e a possibilidade de sua emancipação, passando para a condição de homem-sujeito.
Assim, a epistemologia proposta por esse autor consiste no pensar não apenas no resultado
oriundo da educação, mas refletir sobre o próprio processo de conhecer, sobre a própria
produção de conhecimento. Para ele, O conhecimento é um processo subjetivo‐objetivo
realizado pelo próprio homem, por cada homem, de forma consciente e intencional. Um
processo de conscientização forjado na e pela práxis.
A elaboração do pensamento freiriano parte da constatação de que o homem brasileiro
se encontrava no estado de consciência ingênua, com isso, Freire apontou a necessidade de se
proporcionar maior consciência dos problemas inerentes a realidade concreta; e, por entender
que esse se tratava de um problema inerente à educação, propôs uma educação capaz de
ajudar a superar essa consciência ingênua pela criticidade.
A curiosidade, parte do fenômeno da vida, possibilita a busca constante e contínua pelo
saber pelo ser humano na sua condição de inacabamento, podendo ser ingênua, que é aquela
consciência caracterizada pelo senso comum, e epistemológica, que é a rigorosamente
metódica e crítica.
A superação106 da consciência ingênua por uma compreensão da realidade concreta sob
um ponto de vista crítico representa um importante passo dado rumo à transformação do
indivíduo. E esse pensar certo que supera o ingênuo tem que ser produzido pelo próprio
aprendiz em comunhão com o professor formador. Essa substituição se dá com a auto
percepção dessa consciência ingênua que, percebendo-se como tal e voltando-se sobre si
mesma, vá se tornando cada vez mais crítica através da reflexão sobre a crítica. Daí a
importância na formação do próprio educador que, sendo contínua, tem como seu momento
fundamental o da reflexão crítica sobre a prática.
A formação democrática dos educandos é uma prática de real importância e necessária
para mudarmos a realidade e alcançarmos uma sociedade pautada na solidariedade social e
política. Freire lamenta que ao se falar em educação, o foco principal seja o ensino dos
conteúdos e, com isso, resuma-se o ensino a transferência do saber e afirma que essa realidade
tem como fundamento uma visão demasiadamente estrita do que é educação e do que é
aprender. O ato de ensinar não pode ser confundido com transferência de conhecimento:
ensinar é criar as possibilidades para a sua própria construção ou produção.
106O autor afirma que a passagem da curiosidade ingênua para a criticidade se dá através de um movimento de
superação e não de ruptura, pois a curiosidade ingênua não deixa de ser curiosidade, mas se criticiza.
70
Na própria formação docente, alguns saberes se mostram como fundamentais, um deles
é a plena consciência de que o formando, desde o princípio da sua formação, assume o papel
de sujeito na produção do saber e reconheça que o ato de ensinar não se confunde com o ato
de transferência de conhecimento. Nas palavras do professor:
Pensar certo, e saber que ensinar não é transferir conhecimento é
fundamentalmente pensar certo, é ter uma postura exigente, difícil às vezes
penosa, que temos de assumir diante dos outros e com os outros, em face do
mundo e dos fatos, ante nós mesmos.107
A compreensão da noção de conhecimento em Freire revela-se como um dos pontos
centrais de sua filosofia. O autor destaca a necessidade de construção de um conhecimento
autêntico, que é aquele conhecimento produzido a partir da problematização. Por
desdobramento, o conhecimento recebido meramente por transferência é inautêntico. O
conhecimento autêntico é produzido pelo próprio homem, na e pela reflexão‐ação, em
situação gnosiologia. O diálogo é vital para selar o conhecimento, por propiciar a sua
problematização e reflexão geradora de sentidos que orientam a ação.
No pensamento freiriano, a educação é entendida como processo fomentador de
conhecimento da nossa posição histórico‐temporal e social no mundo e com o mundo, da
nossa condição real no mundo e como agentes transformadores dele, por um movimento
dialético que envolve pensamento e ação. Por isso o autor denuncia o que ele chama de
“Educação Bancária”, na qual se reduz o ato de ensinar a transferência do perfil do conceito
esgotado do conteúdo, e não há transmissão da compreensão precisa desse conteúdo.
Ao falar sobre a formação universitária108, o autor menciona algumas dicotomias que,
segundo ele, encontram-se existentes nos sistemas educacionais da América Latina e que
precisam ser superadas. A primeira dessa dicotomia é a visão mecanicista do que é ensinar e o
que é aprender, uma dicotomia entre a teoria e a prática, ao invés da compreensão de que o
que há, na verdade, é a produção do saber ou a produção do conhecimento. Uma segunda
dicotomia apontada pelo autor é a dicotomia de ensinar e aprender. Na verdade, quando
ensino eu aprendo, e quando eu aprendo eu ensino. O ensinar e o aprender não são momentos
distintos, mas ambos integrantes de um mesmo processo, o da produção do conhecimento.
Uma terceira dicotomia existente nos nossos sistemas educacionais e que merece ser superada
107FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra,
2011. 108FREIRE, Paulo. Pedagogia da tolerância. Organização, apresentação e notas Ana Maria Araújo Freire. 3ª ed.
São Paulo: Editora Paz e Terra, 2014.
71
é aquela que se dá entre o ensinar o conhecimento já existente e a produção de novos
conhecimentos, que no âmbito das universidades se configura claramente na separação entre a
investigação e a docência. Aos alunos devem ser ensinados os conhecimentos existentes, sem
que com isso se negue a possibilidade da existência e do surgimento de um conhecimento
novo.
Ao tratar dos pilares de uma educação que tenha como objetivo a promoção da
autonomia dos educandos, o professor Freire destaca: a necessidade de rigorosidade
metódica109 no ato de ensinar; a exigência de pesquisa; a exigência de respeito aos saberes dos
educandos; a necessária existência da criticidade no ato de ensinar; a exigência de estética e
ética, a corporificação das palavras pelo exemplo; dentre outros pontos.
Qualquer forma de discriminação deve ser rejeitada e é dever do ato de ensinar assumir
risco e a aceitar o que é novo. O autor questiona o porquê de não se estabelecer uma
“intimidade” entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência por eles
vivida enquanto indivíduos. Aqui ele propõe a discussão com os alunos sobre a realidade
concreta com a qual se associa a disciplina cujo conteúdo se ensina. É o reconhecimento da
necessidade de uma maior proximidade entre a escola, e os seus conteúdos “formais” e a
realidade concreta vivida pelos discentes. Dentro dessa ideia, está a exigência do
reconhecimento e da assunção da identidade cultural.
Sobre a importância da consideração, pela escola, da realidade na qual se encontram
inseridos os educandos, importante transcrever, por valiosas que são, as palavras do professor:
É o meu bom-senso, em primeiro lugar, o que me deixa suspeitoso, no
mínimo, de que não é possível à escola, se, na verdade, engajada na
formação de educandos e educadores, alhear-se das condições sociais,
culturais e econômicas de seus alunos, de suas famílias, de seus vizinhos.
Não é possível respeito aos educandos, à sua dignidade, a seu ser formando-
se, à sua identidade fazendo-se, se não se levam em consideração as
condições em que eles vêm existindo, se não se reconhece a importância dos
“conhecimentos de experiência feitos” com que chegam à escola.110
Para os que defendem uma educação progressista, como Paulo Freire, a academia não
109Ao falar da rigorosidade metódica, Paulo Freire ressalva que não se refere ao que chama de um “discurso
bancário meramente transferidor do perfil do objeto ou do conteúdo”, mas sim que o tratamento, a forma de
abordagem de um objeto ou de um determinado conteúdo deve se estender de tal modo a permitir a produção de
condições em que ao educando seja possível aprender de maneira crítica. FREIRE, Paulo. Pedagogia da
autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2011. 110FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra,
2011.
72
pode ser compreendida como uma entidade abstrata, mas sim como uma entidade social e
histórica, sempre permeada por ideologia e política, situada em determinado lugar e em
determinado tempo. E a real compreensão do seu papel enquanto espaço de diálogo, de debate,
de produção de conhecimento, a partir da problematização e questionamento da realidade, e
abertura àquilo que é novo e diferente, superando o entendimento da educação com o ato puro
de transmissão de conhecimento.
É por isso que transformar a experiência educativa em puro treinamento
técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício
educativo: o seu caráter formador.111
Outro importante ponto que merece destaque na teoria de Paulo Freire, é quando o
mesmo trata do que ele chama de “conhecimento feito na base do senso comum”. O autor
afirma ser necessário o respeito a esse conhecimento, respeitar o estudante na sua própria
maneira de saber o mundo. Afirma que há uma distinção clara entre a superação desse
conhecimento e a sua negação: ainda que se entenda que esse conhecimento precisa ser
superado ao ponto se alcançar um saber mais exato, uma educação que se pretenda
democrática não deve negar esse conhecimento, pois essa negação representa um
desrespeito.112
A partir desses ensinamentos de Paulo Freire, não fica difícil conseguir relacionar a
pedagogia por ele proposta à abordagem do pluralismo jurídico no ensino jurídico no Brasil.
A pedagogia freireana propõe o respeito aos saberes dos alunos, saberes esses que advém das
suas experiências anteriores às salas de aula e também das suas realidades, necessidades e
contexto social nos quais se encontram inseridos. O pluralismo jurídico surge exatamente
nesse contexto em que os indivíduos, autores de suas próprias histórias, estabelecem relações
sociais que constantemente alteram a dinâmica da sociedade e, com isso, abrem espaço à
emergência de novas fontes de produção de normas fora do Estado.
O pluralismo jurídico reconhece, de certa forma, que não há uma vinculação obrigatória
entre elaboração de normas e Estado, existindo espaço na sociedade para uma produção
alternativa de juridicidade, produção essa que internaliza ideais democráticos, desenvolvendo
potencial de apontar para práticas sociais emancipatórias. O mesmo ocorre com a pedagogia
111FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra,
2011. 112FREIRE, Paulo. Pedagogia da tolerância. Organização, apresentação e notas Ana Maria Araújo Freire. 3ª ed.
São Paulo: Editora Paz e Terra, 2014, pp. 187/189.
73
proposta por Freire: ela parte do princípio de que o processo de aprendizagem é contínuo e
aberto, baseado no diálogo e no reconhecimento, por parte do educador, de que também existe
um conhecimento produzido fora do espaço da escola (no caso, da Universidade). O
conhecimento, portanto, não é exclusividade da Faculdade (e de seus professores), não tendo
a instituição hegemonia sobre a produção de todo e qualquer conhecimento. O saber que o
aluno traz consigo, obtido através das suas experiências práticas e anteriores à sala de aula,
também se traduz em conhecimento e deve ser levado em consideração no processo de
aprendizagem. No entanto, para que esse processo seja válido e para que alcance o seu
objetivo emancipatório e libertador, deve permitir uma educação que desperte no educando a
consciência crítica da realidade política, econômica e social na qual encontra-se inserido.
A pedagogia freireana propõe o respeito às realidades e necessidades dos alunos e a
abordagem do pluralismo jurídico no ensino do Direito pode muito bem representar o respeito
à essa realidade e às necessidades dos alunos, quando no ensino se reconheça espaço à
validade de uma normatividade produzida fora do Estado, ou ao menos se disponha a debater
sobre a sua existência e validade, produção essa decorrente justamente da realidade e da
necessidade do grupo social no qual o educando se encontra inserido.
A existência de indivíduos não inseridos nessa sociedade desigual e excludente,
indivíduos que se encontram marginalizados e excluídos, faz urgir a importância de um
ensino comprometido com não só com a sua qualidade mas com a promoção da igualdade,
pois somente através dela esses indivíduos poderão ter voz. E uma educação comprometida
com esse fim há que considerar a abertura de espaço para a diversidade, para os grupos
minoritários, para um pluralismo emergente na sociedade.
Um outro ponto de ligação entre os ensinamentos de Freire e a abordagem do
pluralismo no ensino jurídico diz respeito à proposta de uma reflexão constante da teoria
aliada à prática docente e da importância do aprendizado mútuo que se estabelece entre
educador e educando. Além disso, deve haver a aceitação da inexistência de verdade absoluta
e da possibilidade de diferentes formas de visão de mundo.
74
Capítulo 3. O ensino jurídico na Faculdade de Direito da Universidade Federal
Fluminense: Projetos Pedagógicos e a abordagem do pluralismo jurídico no ensino
oferecido
3.1. Projeto Político Pedagógico: conceito, principais características e a importância da sua
construção
Todo estabelecimento de ensino deve apresentar objetivos que deseja alcançar, metas a
cumprir e desejos a realizar. O conjunto dessas aspirações e os meios para concretizá-las é o
que corresponde ao conteúdo ao chamado projeto político-pedagógico (PPP).
O projeto político-pedagógico113 representa o conjunto de princípios orientadores desses
estabelecimentos, indicando o caminho a ser trilhado, o que será essa instituição e servindo
como fator de identificação do mesmo em relação aos demais estabelecimentos. Todo espaço
de ensino é composto por ideias e ideais centrais que a identificam e essa noção deve ser
incorporada pelo PPP, para que ele possa representar a identidade institucional do
estabelecimento, cujos pilares são a sua estrutura, a sua missão, a sua visão de mundo os seus
objetivos institucionais. Dessa forma, podemos resumir a definição do projeto político-
pedagógico como sendo o conjunto dos objetivos, metas e desejos do estabelecimento de
ensino, bem como os meios para a concretização dessas aspirações.
Ocorre que tão ou mais importante que o próprio conteúdo do PPP é a discussão sobre
constituição desse projeto e o papel que ele virá a exercer no ambiente de ensino. A formação
e o papel do projeto político-pedagógico têm se mostrado cada vez mais importantes na
medida em que o discurso sobre a autonomia, participação e cidadania nesses espaços ganham
força, discurso esse sobre o qual o pleito por um projeto político-pedagógico próprio de cada
universidade e faculdade se fundamenta.
O projeto político-pedagógico, se pretende ir além do que iria um mero plano diretor114,
não pode ser encarado como uma responsabilidade exclusiva ou privativa dos administradores
113 A Lei Federal 9.394 de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, determina a
competência dos estabelecimentos de ensino para elaboração dos seus projetos pedagógicos: Art. 12. Os
estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência
de: I - elaborar e executar sua proposta pedagógica. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm.
Acesso em julho de 2016. 114Nesse ponto, importante destacar o que ensina Moacir Gadotti, ao afirmar que plano direto e plano pedagógico
não se confundem. Para o autor, o plano diretor é o conjunto de objetivos, metas e procedimentos, mas para por
aí. O plano pedagógico, por sua vez, vai além disso. O plano, portanto, faz parte do seu projeto, mas não é todo o
seu projeto. GADOTTI, Moacir. Projeto Político-Pedagógico da Escola. Fundamentos para a sua realização.
Em GADOTTI, Moacir; ROMÃO, José Eustáquio (orgs.). Autonomia da Escola: princípios e propostas – 7ª. Ed.
– São Paulo: Cortez, 2012, p. 37.
75
ou diretores da faculdade. O projeto deve ser coletivo, baseado em uma gestão democrática e
considerando o cenário de diversidade e a multiculturalidade, marcas tão significativas em
nosso tempo.
Nesse sentido, os objetivos da escola, seus propósitos e prioridades não se reduzem aos
aspectos estritamente pedagógicos ou curriculares, mas abrangem também necessidades
percebidas na avaliação das condições de vida da comunidade.
Diante desse cenário e diante da importância de o projeto político-pedagógico
incorporar a consciência dessa diversidade e multiculturalidade e, com isso, assumir um
compromisso com a mudança e a transformação do mundo a partir dos sujeitos que compõem
e constroem a universidade, emerge a importância de uma gestão democrática da instituição
pública de ensino e de sua autonomia.
A gestão democrática nas universidades tem como fundamento duas das principais
funções que as mesmas devem assumir: a) a formação para a cidadania, uma vez que a gestão
democrática possibilita que os discentes vivenciem uma experiência real e concreta da
democracia e enxerguem a universidade não com um fim em si mesma, mas em serviço à
própria comunidade; e, b) a melhoria do ensino, a partir do conhecimento que vai além do
espaço das salas de aula, como o funcionamento da universidade como um todo e de todos os
seus atores, proporcionando um maior contato entre alunos e professores, o que gera um
maior conhecimento mútuo e, consequentemente, aproxima os professores das necessidades
dos alunos em relação aos conteúdos ensinados.115
É preciso ter em mente que a elaboração e a implantação de um projeto novo para
universidade, um projeto que assuma um compromisso com a transformação do mundo e o
exercício da cidadania por todos os atores envolvidos nesse espaço, sem os elementos
facilitadores para o seu êxito pode vir a encontrar obstáculos que, muitas das vezes, possam
parecer instransponíveis. E é nessa realidade que se ressalta a importância da conscientização
cívica e da formação emancipadora como dois processos indispensáveis para o sucesso de um
PPP. Há, na verdade, uma necessidade de educação para a cidadania e para a promoção da
emancipação dos educandos. É nesse sentido que se destaca o papel político do projeto
político-pedagógico.
Compreender a dialética entre o político e o pedagógico é fundamental para que o PPP
não se torne um mero documento repleto de intenções e vazio de ações se, nas suas práticas
115GADOTTI, Moacir. Projeto Político-Pedagógico da Escola. Fundamentos para a sua realização. Em
GADOTTI, Moacir; ROMÃO, José Eustáquio (orgs.). Autonomia da Escola: princípios e propostas – 7ª. Ed. –
São Paulo: Cortez, 2012, p.39.
76
pedagógicas cotidianas, perduram estruturas de poder autoritárias, currículos engessados,
experiências culturais empobrecidas. Ao contrário, é ultrapassando essas condições,
afirmando seu caráter político, que a universidade, por meio de seu Projeto, pode mobilizar
forças para mudanças qualitativas.
Desta forma, o projeto político-pedagógico se realiza à medida que as pessoas
vivenciam o dia a dia na universidade. Resultado de uma construção coletiva, o projeto
expressa o compromisso social da instituição de ensino na formação do educando e os
princípios orientadores para as ações educativas no contexto escolar. As constantes mudanças
sociais e culturais do nosso tempo exigem novas respostas à diversas questões, dentre as quais
podemos destacar: que tipo de aluno queremos ajudar a formar e para que tipo de sociedade?
A sociedade tem sido admitida e assimilada em sua pluralidade e diversidade dentro das salas
de aula? Os currículos têm sido elaborados considerando uma diversidade de matrizes
epistemológicas ou ainda se encontram vinculados a uma visão homogeneizada de mundo?
Na ação pedagógica da universidade se torna possível a efetivação de práticas sociais
emancipatórias, da formação de um sujeito social crítico, solidário, compromissado, criativo,
participativo. É nessa ação que se cumpre, se realiza, a intencionalidade orientadora do
projeto construído.
A Resolução CNE/CES nº 9/2004 trata especificamente do projeto pedagógico dos
cursos de graduação em Direito da seguinte forma:
Art. 2º A organização do Curso de Graduação em Direito, observadas as
Diretrizes Curriculares Nacionais se expressa através do seu projeto
pedagógico, abrangendo o perfil do formando, as competências e habilidades,
os conteúdos curriculares, o estágio curricular supervisionado, as atividades
complementares, o sistema de avaliação, o trabalho de curso como
componente curricular obrigatório do curso, o regime acadêmico de oferta, a
duração do curso, sem prejuízo de outros aspectos que tornem consistente o
referido projeto pedagógico.
§ 1° O Projeto Pedagógico do curso, além da clara concepção do curso de
Direito, com suas peculiaridades, seu currículo pleno e sua
operacionalização, abrangerá, sem prejuízo de outros, os seguintes
elementos estruturais:
I - concepção e objetivos gerais do curso, contextualizados em relação às
suas inserções institucional, política, geográfica e social;
II - condições objetivas de oferta e a vocação do curso;
III - cargas horárias das atividades didáticas e da integralização do curso;
IV - formas de realização da interdisciplinaridade;
V - modos de integração entre teoria e prática;
VI - formas de avaliação do ensino e da aprendizagem;
VII - modos da integração entre graduação e pós-graduação, quando houver;
VIII - incentivo à pesquisa e à extensão, como necessário prolongamento da
atividade de ensino e como instrumento para a iniciação científica;
77
IX - concepção e composição das atividades de estágio curricular
supervisionado, suas diferentes formas e condições de realização, bem como
a forma de implantação e a estrutura do Núcleo de Prática Jurídica;
X -concepção e composição das atividades complementares; e,
XI - inclusão obrigatória do Trabalho de Curso.
§ 2º Com base no princípio de educação continuada, as IES poderão incluir
no Projeto Pedagógico do curso, oferta de cursos de pós-graduação lato
sensu, nas respectivas modalidades, de acordo com as efetivas demandas do
desempenho profissional.
Dessa forma, o planejamento educacional tem como meta estabelecer objetivos e
estratégias e os Projetos Pedagógicos devem conter em seu conteúdo a concepção do curso, as
suas peculiaridades, o seu currículo pleno e as formas de sua operacionalização e de sua
avaliação, seja interna ou externa. Os projetos pedagógicos têm, portanto, papel fundamental
no planejamento que uma instituição de ensino superior faz para um determinado curso. Eles
não devem se limitar a mera elaboração de currículos plenos e se constituírem em projetos
meramente formais. É importante que consigam trazer em seu conteúdo não apenas as
disciplinas e demais módulos que irão compor o currículo pleno, mas também como eles
serão trabalhados.
Por fim, reforçando a importância da elaboração deste documento, mais precisamente a
relação de seu conteúdo com o contexto no qual se encontra inserida a Instituição de Ensino
Superior, destaca-se a sua utilização como um dos critérios de avaliação das IES realizada
pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). Dentro da
dimensão “organização didático-pedagógica”, os Projetos Pedagógicos, chamados de Projetos
Pedagógicos de Curso nessa avaliação, são utilizados como critérios de análise, sob o
indicador “contexto educacional”, na avaliação dos cursos de graduação, presencial e à
distância, das IES, avaliando-se se os seus PPC contemplam as demandas efetivas de natureza
econômica, social, cultural, política e ambiental e em que grau se dá essa contemplação. Esse
grau pode variar desde ausência de contemplação até o grau máximo, correspondente à
contemplação de maneira excelente.116
Vê-se, portanto, que embora não se esteja partindo da premissa de que a utilização desse
documento como um dos critérios de avaliação seja fundamental para a confirmação da sua
importância, até porque tanto a metodologia de avaliação como o resultado a que ela chega
possam ser questionadas, a sua utilização como um instrumento de avaliação reforça sim a
116 De acordo com os instrumentos de avaliação ainda vigentes (desde 2015) estabelecidos pelo Inep.
http://download.inep.gov.br/educacao_superior/avaliacao_cursos_graduacao/instrumentos/2015/instrumento_cur
sos_graduacao_publicacao_agosto_2015.pdf. Visualizado em fevereiro de 2017.
78
sua importância na identificação da IES, no com o tipo de ensino com o qual se compromete,
bem como no papel assumido pela Universidade diante da sociedade.
3.2. Projeto Pedagógico Institucional da Universidade Federal Fluminense (PPI/UFF)
O Projeto Pedagógico Institucional da Universidade Federal Fluminense, elaborado no
ano de 2002, inicia a sua apresentação afirmando o reconhecimento por essa universidade do
processo contínuo de mudanças nas sociedades contemporâneas e, em especial, na sociedade
brasileira, e consciência de que o papel da universidade em relação ao ensino superior precisa
ser repensado e redefinido. Destaca a necessidade da construção de uma universidade
socialmente comprometida e reconhecida nos cenários acadêmicos nacional e internacional e
destaca o papel de contribuição deste PPI/UFF para isso.
O PPI assume a sua natureza de Projeto e reconhece o seu caráter dinâmico e sua
natureza polêmica, pois vem servir como referência institucional para a execução de uma
política de ensino na UFF, uma instituição universitária pública que é centro aglutinador da
diversidade. Reitera a importância do esforço coletivo e do comprometimento, tanto da esfera
acadêmica quanto da administrativa, para que não se configure como mera letra morta e,
ainda, da sua não restrição ao o que é a Universidade e do que ela dispõe, mas sim de onde se
pretende chegar e o que se pretende construir, tendo como eixo direcionador as necessidades
sociais, compreendidas em seu sentido amplo. Por fim, destaca em sua apresentação que a
existência do PPI/UFF não se encerra em si mesma e que a construção do processo educativo
demanda um processo dinâmico e coletivo, realimentado pela experiência. Há aqui certo
reconhecimento da necessidade de uma construção democrática do teor do projeto e que essa
junção de forças e de intenções não deve se restringir a sua elaboração, mas deve alcançar os
momentos de seu cumprimento e aplicação na rotina educacional.
O Projeto Pedagógico Institucional da UFF afirma que a proposição desse projeto para a
universidade busca dotá-la com um plano de referência para a ação educativa e que os
compromissos sociais da Instituição não devem ser secundarizados. A autonomia no cotidiano
educacional se impõe como corolário desses compromissos e engendra o caráter plural da
Universidade, pluralidade essa que não é neutra e nem visa atender necessariamente a
interesses comuns. A afirmação da liberdade de ensino da Universidade pressupõe a
articulação da pluralidade de ideias e propostas que caracterizam a instituição para que possa
se materializar de maneira legítima.
Uma das indagações lançadas na introdução do PPI/UFF é como esse projeto poderá
79
gerar a integração dos demais projetos pedagógicos em curso à época e como seria possível a
ampliação da sua capacidade de intervenção na realidade do mundo atual. Além disso, em sua
introdução, destaca dentre as suas características básicas a consideração da realidade e do
contexto social, econômico e cultural no qual se realizará. As alternativas traçadas a partir do
diagnóstico da realidade atual do mundo e da UFF pressupõem uma fundamentação teórica
(filosófico-pedagógica) que justifique o motivo de sua formulação e os seus propósitos e
objetivos. A partir daí as estratégias de implementação devem ser concebidas.
O projeto admite que a opção por um referencial ou matriz pedagógica traz as suas
consequências quando afirma existirem desafios enfrentados pela Universidade para a
educação superior, quando se opta por uma concepção pedagógica referenciada ao futuro da
sociedade e com isso em mente, passa-se a pensar na natureza da formação universitária a ser
oferecida e a qualidade de criar que é inerente a essa formação. Para isso, afirma ser
necessário repensar o papel social que a Universidade desempenha no contexto em que se
insere, reafirmando o seu caráter crítico ao produzir e disseminar conhecimento e o seu papel
de espaço mantido pela sociedade de produção e crítica ao conhecimento instituído e/ou
produzido. Nesse ponto, mais uma vez o projeto vincula à Universidade a consciência sobre o
contexto no qual se encontra inserida e o seu compromisso com uma postura crítica enquanto
espaço de conhecimento, referindo-se, inclusive, a manutenção desse espaço pela própria
sociedade.
Ao tratar da concepção de ensino superior, assume a compreensão de que o
conhecimento, suas formas de produção e disseminação não são neutros e, por isso, destaca a
importância da concepção do ensino em um sentido mais amplo, que vá além da formação
técnica e profissional e contribua para a formação de um cidadão imbuído de valores éticos
capaz de atuar no seu contexto social de maneira comprometida com a construção de uma
sociedade mais justa, solidária e integrada ao meio ambiente.
Ao estabelecer os referenciais para o ensino na Universidade Federal Fluminense
reconhece que a ação pedagógica não se limita ao que ocorre dentro da sala de aula e não se
esgota na transferência do conhecimento, mas que ocorre também nas outras dimensões e
estruturas que caracterizam a universidade. Respeitando a coexistência de discursos e práticas
pedagógicas, a UFF assume a estratégia de adotar a interdisciplinaridade 117 e/ou
117Através do enfoque interdisciplinar, a visão restrita de mundo é superada e há a promoção da compreensão da
complexidade da realidade, admitindo-se que todo conhecimento é importante e o esvaziamento do
conhecimento individual frente ao conhecimento universal. Projeto Pedagógico Institucional da UFF, p. 17.
80
transdiciplinaridade118, em substituição ao paradigma de ensino até então vigente, que seria o
da disciplinaridade.
O foco do novo paradigma119 de educação superior proposto é o estudante, pois a
missão do ensino superior passa a ser a formação de cidadãos bem informados e motivados,
capazes de pensar e analisar de maneira crítica os problemas da sociedade e procurar soluções
para esses problemas, assumindo a sua responsabilidade social. A observação e a reflexão
mostram-se como princípios cognitivos básicos para a real compreensão da realidade, motivo
pelo qual a articulação entre a teoria e a prática se faz necessária na estrutura curricular. Nesse
ponto, destaca o imperativo dos Cursos de Graduação da UFF, ao reformularem as suas
estruturas curriculares, observarem parâmetros como a incorporação da pesquisa como
elemento fundamental das atividades de ensino e extensão, e o incentivo aos processos
interdisciplinares de desenvolvimento dos conteúdos integradores e essenciais. Nesse ponto,
merece destaque o discurso de incentivo a atividade de pesquisa, seja individual ou coletiva,
evidenciado nesse projeto.
O objetivo do projeto é traçar um caminho para uma dinâmica curricular integradora
através de em uma prática pedagógica pautada pela interdisciplinaridade. Para isso, aposta em
uma flexibilidade da grade curricular, que inclua não só as disciplinas, mas como todas as
atividades consideradas como complementares ao ensino. Nesse ponto, reafirma o papel da
pesquisa como princípio formador, contribuindo para o desenvolvimento de diferentes formas
de pensamento que assegurem a sua clareza e o seu poder crítico, construtivo e independente.
A formação profissional competente, de acordo com o projeto, deve ter como princípio
básico a consideração pelo contexto no qual o profissional deverá atuar e, neste ponto, o
estágio assume um papel de grande relevância, uma vez que permite aos alunos a aplicação de
seus conhecimentos em situações de práticas profissional específica. Destacou-se ainda o
papel da monitoria como forma de estimular a intervenção profissional do estudante, a partir
de atividades que articules o ensino, pesquisa e a extensão.
O projeto institucional finaliza afirmando que a Universidade Federal Fluminense
reconhece que o acesso à educação superior pública é um direito de todos os brasileiros e, por
118 Já a transdisciplinaridade tem como finalidade a compreensão do mundo atual e um de seus imperativos
teóricos é a unidade de conhecimento, ou seja, busca promover a vivencia de integração entre teoria e prática,
conteúdo e realidade, objetividade e subjetividade, ensino e avaliação, meios e fins, tempo e espaço, professor e
aluno, reflexão e ação, dentre outros diversos fatores integradores do processo pedagógico. Projeto Pedagógico
Institucional da UFF, pp. 17/18. 119 Este paradigma estaria assentado nos quatro pilares da educação contemporânea, quais sejam: o aprender a
ser, o aprender a fazer, a viver juntos e a conhecer, de acordo com a CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE O
ENSINO SUPERIOR (1998: Paris, França). Tendências da educação superior para o século XXI. Brasília:
UNESCO/CRUB, 1999. Projeto Pedagógico Institucional da UFF, p. 18.
81
isso, deveria haver esforço no sentido de ampliar o número de vagas oferecidas e preencher as
já existentes, ampliando as possibilidades de acesso aos mais amplos setores da população.
3.3. Projeto Pedagógico da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense
O projeto pedagógico da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense data
do ano de 2005, quando uma Comissão fora designada pelo Colegiado de Curso da Faculdade
de Direito e nomeada pelo Diretor da Faculdade à época, para elaborar a reforma do currículo
do curso de graduação, com o objetivo de adequá-lo à Resolução nº 09 de 2004, do Conselho
Nacional de Educação. O currículo até então vigente era o implantado no ano de 1997 e
elaborado em conformidade com as determinações da Portaria nº 1.886/1994 do MEC.
A Resolução nº 09/2004 revogou expressamente120 a Portaria nº 1.886/1994 e obrigou
as Instituições de Ensino Superior a implantarem as diretrizes nelas contidas, no prazo
máximo de dois anos a contar da sua publicação.121
A Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense já havia dado início a
reforma curricular antes mesmo da edição da Resolução nº 09/2004. Em 2001, foi realizada a
primeira avaliação interna na Faculdade, que analisou não apenas o aspecto curricular, mas
também os aspectos de ordem institucional e estrutural da faculdade. A partir do resultado
dessas avaliações, a Comissão de Reforma Curricular, no ano de 2002, propôs algumas
alterações curriculares, das quais destacamos: ampliação do Direito Processual na grade
curricular, com o aumento de sua carga horária; reprogramação das atividades
complementares; a ênfase à metodologia do ensino das disciplinas em relação à quantidade de
informações passadas aos alunos; e adequação do cumprimento das atividades
complementares ao perfil do aluno.
A Comissão que elaborou o projeto pedagógico atualmente vigente levou em
consideração essas diretrizes e contribuições de comissões anteriores na elaboração do texto
final do projeto pedagógico atualmente vigente. A Comissão indicou que a maior importância
da reforma proposta não é da alteração do rol das disciplinas, mas do novo enfoque que deve
ser dado aos temas jurídicos tradicionais. Levando em consideração esse ponto central na
120Art. 13. Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação, ficando revogada a Portaria Ministerial n°
1.886, de 30 de dezembro de 1994 e demais disposições em contrário. 121 Art. 12. As Diretrizes Curriculares Nacionais desta Resolução deverão ser implantadas pelas Instituições de
Educação Superior, obrigatoriamente, no prazo máximo de dois anos, aos alunos ingressantes, a partir da
publicação desta.
Parágrafo único. As IES poderão optar pela aplicação das DCN aos demais alunos no período ou ano
subseqüente à publicação desta.
82
elaboração do currículo, foram adotados princípios que embasariam a adoção de uma
abordagem sóciojurídica, de molde a incorporar no curso as seguintes características: a) visão
crítica em termos de vinculação das instituições jurídicas às raízes culturais; b) identificação
dos problemas e conflitos correntes na vida social, com o objetivo de repensar o modo de
qualificá-los juridicamente; e, c) atividades de pesquisa com o objetivo de levantar dados
empíricos e a utilização destes como referência para a orientação da crítica teórica.
Ao estabelecer os seus objetivos, o texto do novo projeto aponta para uma análise crítica
sobre o objetivo assumido pelas Faculdades de Direito, que tem se limitado à formação de
técnicos, sobretudo para o exercício da advocacia. A partir daí, destaca a necessidade da
Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense, por ser uma instituição pública, ter
que aprimorar a formação de seus alunos, oferecendo um curso que não se limite ao
conhecimento técnico, mas também cientifico e filosófico.
Destacou-se a importância das Faculdades de Direito reassumirem o seu papel de
formadoras de quadros atuantes na sociedade, sintonizados com a realidade social e, levando
em consideração o cenário do mercado de trabalho, além disso ressaltou a necessidade do
currículo proporcionar uma formação voltada para um sólido conhecimento dogmático e, ao
mesmo tempo, para a criação de condições de avaliação crítica desse conhecimento.
Ao mencionar o mercado de trabalho, considerou que este também engloba as carreiras
acadêmicas e de pesquisa, destacando a importância da atividade de pesquisa como incentivo
à reflexão, capacidade de observação e o confronto de ideias, preparando o profissional para
que seja bom em qualquer que seja a atividade que vier a exercer.
Desta forma, sintetiza os objetivos do novo currículo proposto com a possibilidade de
conhecimentos jurídicos básicos necessários a formação de um bacharel com a capacidade de
percepção do papel da cultura na construção do próprio fenômeno jurídico, e a ligação desse
com valores éticos universais; capacidade de não se deixar levar pela crença da neutralidade
das normas e das decisões judiciais e de percepção da complexidade do direito e a sua
interdependência com a realidade social, política e econômica. Também destaca a
oportunização de conhecimento jurídico específico adequado à formação de bacharel capaz de
compreensão do direito como algo em constante construção e da sua importância nesse
processo como intérprete das situações de conflito; compreensão crítica das limitações das
instituições jurídicas e o papel de seus operadores na realização de suas funções sociais.
Finaliza a exposição de seus objetivos afirmando que o que inspira o novo e atual currículo é
a inserção do Direito no contexto mais amplo do conhecimento da sociedade e do Estado.
A partir desses objetivos, o projeto pedagógico determina o papel da Faculdade em
83
assumir a responsabilidade de um profissional com perfil de análise crítica das instituições
jurídicas; cientes da complexidade e historicidade do direito e da sua interdependência com o
substrato social; operadores jurídicos com habilidade e competência; sensíveis à realidade
sócio-política e econômica do país; e, ainda, conscientes de seu papel na construção do Estado
Democrático de Direito no Brasil.
No que se refere a organização curricular, propriamente dita, o projeto pedagógico
atendeu às exigências da Resolução nº 9/2004, dividindo o curso em três eixos: de formação
fundamental, de formação profissional e de formação prática.
No eixo de formação fundamental, a Resolução destaca o estabelecimento de relações
do Direito com outras áreas do saber, apontando conteúdos essenciais que poderão ser
ministrados em disciplinas autônomas ou constituírem matérias dentro de disciplinas
correlatas. O projeto pedagógico da Faculdade de Direito da UFF, no entanto, afirma que se
optou pelo oferecimento dessas matérias em disciplinas autônomas, com o objetivo de tornar
claro aos alunos o universo em que esses conhecimentos se inserem, possibilitando com isso
análises próprias acerca da correlação das mesmas com a perspectiva jurídica.
No que se refere ao eixo de formação profissional, o projeto divide-o em o que podemos
denominar de dois sub-eixos: eixo profissionalizante e eixos temáticos. O primeiro agrega as
disciplinas ditas como tradicionais no ensino jurídico e prevê a introdução de outras
disciplinas, de acordo com a demanda presente e visando o atendimento as diretrizes
determinadas pela Resolução. No segundo sub-eixo, destacou-se o estabelecimento das
temáticas a serem privilegiadas nos ditos eixos, considerando-se a vocação institucional e
refletida na execução do currículo até então vigente.
A proposta centrou-se em duas linhas: Direito e Relações Econômicas e Direito, Estado
e Democracia, garantindo-se ao aluno o direito de escolher livremente a sua inclusão em um
dos dois eixos temáticos. Destacou-se ainda, neste ponto, que as disciplinas com inserção nos
eixos de formação estariam sujeitas a uma avaliação sobre a sua importância no quadro geral
do currículo e, consequentemente, da pertinência da sua manutenção ou substituição na grade
curricular, após o período mínimo de seu oferecimento por quatro semestres.
A Comissão responsável pela elaboração do projeto decidiu pelo estabelecimento de
atividades complementares para composição da carga horária do currículo proposto,
estabelecendo a carga horária dessas atividades em duzentas horas. Neste aspecto, destacou-se
a importância de se estabelecer uma regulamentação cuidadosa acerca dessas atividades e
quais atividades poderiam ser desenvolvidas a este título, com o objetivo de evitar abusos e
desvios de finalidade nas atividades complementares cujos certificados são apresentados pelos
84
alunos, muitos deles sem qualquer relação com o direito, com o único objetivo de comprovar
o cumprimento da carga horária correspondente e, com isso, obter a conclusão do curso.
Ao tratar do eixo de formação prática afirmou ser essencial o serviço de assistência
judiciária oferecido pelo Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade e que a inserção deste
Núcleo nas comunidades deveria ser incentivada, com o propósito de efetivar o acesso à
Justiça. A finalidade do estágio curricular e profissionalizante seria proporcionar aos alunos a
prática de atividades jurídicas, judiciárias e extrajudiciárias e essas atividades deveriam
sempre buscar a articulação entre o ensino, a pesquisa e a extensão.
Por fim, o projeto trata do trabalho de conclusão de curso, elegendo a forma
monográfica como sua forma obrigatória e determinando a implantação de uma Coordenação
de Monografia a atuar de maneira vinculada à Coordenação de Curso, com algumas
atribuições específicas, dentre elas a elaboração e divulgação das regras científicas mínimas a
serem seguidas pelos alunos na realização de suas monografias, bem como a elaboração e
divulgação de regras relativas à orientação e formação de bancas examinadoras.
Através de uma leitura pormenorizada do texto do projeto pedagógico da Faculdade de
Direito da Universidade Federal Fluminense, a impressão que se tem é a de que houve o
reconhecimento da necessidade de se estabelecer uma relação direta entre teoria e prática,
entre os ensinamentos dogmáticos e análise crítica da realidade social. Quando o Projeto
afirma que a Comissão indicou que a maior importância da reforma proposta não é da
alteração do rol das disciplinas, mas do novo enfoque que deve ser dado aos temas jurídicos
tradicionais, deixa claro que não havia a pretensão de se realizar uma revisão geral das
disciplinas constantes na grade curricular da Faculdade, mas sim a orientação de que as
matérias tratadas dentro dessas disciplinas deveriam ser revistas e repensadas, de maneira a se
encarar os temas jurídicos também sob outros pontos de vista além dos tradicionais.
No entanto, não se pode esquecer que é conferido certo grau de autonomia aos docentes
que ministrarão essas disciplinas tradicionais, seja para a escolha de seu conteúdo, para a
definição da bibliografia, os temas que serão tratados dentro de sala de aula e a forma de sua
abordagem. Se esses educadores não se encontrarem imbuídos de um compromisso com um
ato pedagógico que promova a emancipação e valorize e reconheça as diferenças, dificilmente
essa orientação proposta pelo projeto pedagógico conseguirá se concretizar.
Dessa forma, constatamos que o ato pedagógico tem um papel fundamental com o
presente e com o futuro da educação, pois a forma como esse processo educativo é conduzido
terá impacto não somente na realidade presente e atual, mas também como essa condução se
dará na educação e formação das gerações futuras, uma vez que os futuros educadores serão
85
fruto da educação que se oferece hoje em todas as esferas e níveis educacionais, inclusive nas
universidades.
3.4. Análise sobre a abordagem do pluralismo jurídico pelos projetos pedagógicos e sua
influência no ensino jurídico oferecido pela Faculdade de Direito da UFF
O pluralismo é tema recorrente na literatura jurídica e sociológica, sendo estudado e
defendido por diversos autores, como os autores indicados no capítulo anterior, cujos
ensinamentos foram utilizados como referenciais no presente trabalho no que se refere ao
tema pluralismo jurídico. O pluralismo que se está a buscar como embasamento teórico tem
por objetivo a denúncia, a contestação, a ruptura e a implementação de ‘novos’ Direitos,
dentro do contexto de um espaço social periférico marcado por conflitos, privações,
necessidades fundamentais e reivindicações. É esse o pluralismo, caracterizado por uma
multiplicidade das fontes e das soluções de direito bem dentro de uma ordem jurídica,
descrito, em termos de sistemas, como sendo a presença de subsistemas no interior de um
mesmo sistema jurídico.
O pluralismo é aquele realçado pelos juristas por sua internormatividade caracterizada
pela existência de várias normas jurídicas em vigor, no mesmo momento, na mesma
sociedade, regulando uma mesma situação de modo diferente, em oposição à estrutura
piramidal das normas jurídicas e ao princípio de exclusividade do direito estatal.
Dessa forma, partiu-se do conceito de pluralismo, estabelecido a partir dos referenciais
teóricos acima apontados, para análise dos projetos pedagógicos da Universidade Federal
Fluminense e, em especial, da sua Faculdade de Direito. E essa análise tem como objetivo a
verificação da ocorrência de permeação – e, em caso positivo, em que grau - do conceito de
pluralismo jurídico na elaboração desses projetos, e também em que medida houve a
penetração da categoria do pluralismo jurídico no ensino jurídico no âmbito desta instituição.
Importante ressaltar que o pluralismo jurídico que se busca encontrar no ensino jurídico
não é o pluralismo tratado apenas como um tema ou um tópico dentro de outras disciplinas,
como, por exemplo, nas disciplinas de Sociologia do Direito, Filosofia do Direito ou
Introdução ao Estudo do Direito. O que está sob análise é se o pluralismo jurídico é encarado
como uma realidade capaz de orientar a elaboração dos projetos pedagógicos, a ponto deste
pluralismo vir a ser considerado no próprio conteúdo destes projetos.
Pensar nessa mudança remete, necessariamente, a uma reconstrução de saberes,
conceitos e análise de possibilidades em uma caminhada para um novo paradigma social e
86
jurídico, permitindo não apenas uma inclusão de atores sociais no processo de produção
jurídica, mas garantindo que o conhecimento, as tradições e as regras de determinadas
estruturas sociais possam ter autonomia perante o ordenamento jurídico estatal, reconhecendo
o direito como sendo fruto de uma produção espontânea da sociedade a partir das relações
estabelecidas na vida concreta dos indivíduos, o direito produzido no seio de diversos grupos
sociais. O direito deixa então de ser enxergado como algo estático, distante e frio traduzido
pelas normas genéricas e abstratas, passando a ser encarado como fruto das múltiplas
realidades, admitindo-se um pluralismo no qual as classes oprimidas e suas relações com o
mundo também se tornam fontes de direito.
A partir do reconhecimento da necessidade de mudança desse paradigma que pressupõe
a mudança nos saberes, o papel da instituição de ensino se revela de suma importância. A
universidade tem uma função social que vai muito além de ser um espaço de transferência de
conhecimento, não podendo se limitar a ser apenas um espaço físico criado como forma de
garantia ao direito constitucionalmente previsto, que é o direito à educação, ou seja, não pode
ser unicamente fruto das políticas públicas de garantia à educação. A Universidade não é um
fim em si mesma, mas é o papel que vem a exercer que, de fato, irá corresponder ou não a
efetivação do direito constitucional à educação.
As instituições de ensino superior de Direito devem promover o reconhecimento,
proteção e aplicação de diversos outros direitos dentro do seu espaço. Para isso, devem
trabalhar conceitos e práticas centrais relacionados ao pluralismo, tais como dignidade
humana, identidade cultural, não discriminação, tolerância, democracia, dentre tantos outros
conceitos fundamentais para a construção e formação do indivíduo.
A ideia de uniformização, homogeneização, normalização e negação sistemática da
diversidade representa uma das barreiras epistemológicas que o ensino jurídico vem
enfrentando. Houve a universalização de uma subjetividade hegemônica, principalmente a
partir da Europa e de seus pensadores, que parece ter quase que pulverizado, ao menos no
mundo ocidental, a disseminação em grande escala de formas de conhecimentos e saberes que
não se enquadram nesses padrões impostos.
Povos foram privados de sua música, de sua arte, da sua forma de pensar e o
conhecimento produzido em seus meios foram ignorados, dispensados e muitas vezes geraram
perseguições àqueles que insistiam em manter e propagar a sua forma de pensar. Muitos
desses grupos, porém, ofereceram resistência a essa forma de opressão e buscaram manter as
suas tradições, as suas culturas e, também, passaram a criar espaços onde a normatividade
aplicável seja aquela gerada a partir das interrelações estabelecidas entre os que compartilham
87
daquele mesmo espaço e daquela mesma realidade, e não, simplesmente, importam normas e
regras estabelecidas por uma esfera externa e muitas vezes com atuação omissa nesse espaço.
A ideia da suposta linearidade histórica precisa ser substituída pela ideia da
complementaridade, uma vez que as culturas, ciências, técnicas, epistemologias, dentre outros
espaços de compreensão, na verdade, podem ser vistas como complementares e não
excludentes ou hierarquicamente organizadas.
É necessária a construção de um modelo de prática de ensino fundada na reformulação
de premissas antigas à luz de um direito crítico e reflexivo que não permita, à ausência de
raciocínio crítico e problematizador, a mumificação do conhecimento jurídico e que impeça a
sua adaptação completa a situações e conflitos sociais que se renovam e nunca cessam.
Desses conflitos, da omissão do Estado e das carências experimentadas por diversos
segmentos da sociedade, cria-se espaço para o estabelecimento de normas e regras que
acabam por encontrar muito mais receptividade nesses grupos e, com isso, gozam de muito
mais aceitação e efetividade do que as normas estatais.
O modelo de educação que no presente trabalho é utilizado como referencial teórico, é o
modelo estabelecido pelo autor e professor Paulo Freire. Embora as grandes lições e escritos
desse autor se refiram à “escola”, entendemos ser possível – e mais que isso, necessário – a
compreensão deste termo da maneira mais ampla possível, capaz de enquadrar em sua teoria e
ensinamentos as instituições de ensino superior.
Paulo Freire tinha como pilar da sua doutrina o papel da escola como espaço de
emancipação e de promoção e proteção da autonomia de todos os envolvidos no espaço da
escola, principalmente dos seus estudantes, devendo o ato pedagógico ser um ato de estímulo
à liberdade e a tolerância. Para nós, essa doutrina é plenamente aplicável às Universidades e,
em especial os cursos de graduação em Direito, tendo sido eleito como objeto de análise mais
precisamente a Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense.
Como a escola é vista como um lugar de construção da cidadania, nesta articulação, os
processos educativos apresentam valor fundamental. É papel da escola realizar a educação
considerando a formação para a cidadania ativa, seja esta formação dos alunos como também
dos demais envolvidos no processo educacional. Além disso, é seu dever promover a
educação para o desenvolvimento não só dos indivíduos, mas também do próprio país. O
investimento na educação deve alcançar a revisão do modelo de gestão da escola pública e no
reconhecimento e fomento da autonomia das escolas.
Paulo Freire refere-se ao conceito de cidadania contextualizando-a em uma sociedade
nova, “radicalmente democrática, associando democracia e autonomia”. Nesse sentido, cita
88
o autor:
Mudar a cara da escola implica também ouvir meninos e meninas,
sociedades de bairro, pais, mães, diretoras de escolas, delegados de ensino,
professoras, supervisoras, comunidade científica, zeladores, merendeiras etc.
Não se muda a cara da escola por um ato de vontade do secretário.122
A própria Constituição Federal, em seus arts. 6º123 e 206124, no que se refere à educação,
além de a reconhecer como um direito social, estabelece princípios básicos como o
“pluralismo de ideias e concepções pedagógicas” e a “gestão democrática do ensino”. Esses
podem ser considerados como os princípios fundamentais da autonomia da escola. Tão
importante quanto a autonomia da escola é a promoção pela escola ao indivíduo da sua
autonomia pessoal.
A partir da compreensão da importância dessa promoção da autonomia do educando que
Paulo Freire vem tratar do que ele chama de “Escola Cidadã”, que seria aquela escola que,
envolvida pelo processo de redemocratização da sociedade brasileira, surgiu no final da
década de 1980. Segundo este autor, a prática desta escola vem sendo construída com a
renovação educacional e com práticas concretas de educação para a cidadania. A Escola
Cidadã é aquela escola que se constitui como um centro de direitos e deveres e que busca uma
formação para a cidadania. Essa escola não é um fim para si mesma: ela é cidadã porque
abriga, pelo exercício e pela fabricação da cidadania, todos aqueles que usam o seu espaço.
A escola pública constitui o locus destinado à democratização do ensino, e se lhe
resguarda a oferta do direito à educação pública inscrito na Constituição Federal de 1988.
Mais que isto, ela pode ser um efetivo espaço de construção da cidadania, sendo que para este
fim surgem diversos desafios, como a criação de condições para o estabelecimento de uma
122FREIRE apud LIMA. LIMA, Licínio C. Organização Escolar e Democracia Radical – Paulo Freire e a
governação democrática da escola pública. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2002, p.55. 123Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma
desta Constituição. 124Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso
e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de
ensino; IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V - valorização dos profissionais da
educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso
público de provas e títulos, aos das redes públicas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006);
VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII - garantia de padrão de qualidade; VIII - piso
salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal.
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006). Parágrafo único. A lei disporá sobre as categorias de
trabalhadores considerados profissionais da educação básica e sobre a fixação de prazo para a elaboração ou
adequação de seus planos de carreira, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006).
89
nova cidadania por meio da gestão do espaço escolar público.125
Para que os envolvidos no processo de educação se apropriem do tema cidadania, não
basta apenas que exista determinações legais para a prática educativa, uma vez que essa
apropriação só é possível a partir da vivência democrática praticada no cotidiano escolar. A
cidadania é, portanto, uma prática construída no coletivo, vivenciada e experimentada em um
ambiente coletivo e plural, representando, assim, verdadeiro exercício de um ato político. A
escola não deve jamais renunciar ao seu fim maior: promover a uma experiência educativa
com o seu caráter formador. Nas palavras de Paulo Freire:
É por isso que transformar a experiência educativa em puro treinamento
técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício
educativo: o seu caráter formador. Se se respeita a natureza do ser humano, o
ensino dos conteúdos não pode dar-se alheio à formação moral do educando.
Educar é substantivamente formar.126
O ato de ensinar exige risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de
discriminação. É desse tipo de ensino que Paulo Freire trata e é esse o modelo de ensino
jurídico que temos quando a realidade do pluralismo é aceita e encarada de frente, ainda que
com as suas novas maneiras de se expressar pareça algo novo, ou que as suas velhas formas se
encontrem cronologicamente mais antigas que os paradigmas utilizados pelo modelo de
ensino jurídico atual. Paulo Freire diz:
É próprio do pensar certo a disponibilidade ao risco, a aceitação do novo que
não pode ser negado ou acolhido só porque é novo, assim como o critério de
recusa ao velho não é apenas cronológico. O velho que preserva sua validade
ou que encarna uma tradição ou marca uma presença no tempo continua
novo.127
Não deve existir um padrão único que oriente a escolha do projeto das universidades,
devendo a autonomia ser considerada como característica inerente à essas instituições de
ensino. Autonomia essa para estabelecer o seu próprio projeto pedagógico, como autonomia
para executá-lo e para avaliar a sua concretização. A autonomia da escola, ao lado da sua
125MENDES, Susel Cabrera Machado Alves. Gestão escolar e cidadania: o projeto político-pedagógico e os
desafios da escola pública para a formação cidadã. Americana: Centro Universitário Salesiano de São Paulo,
2012. Disponível em:
http://gestaoescolar.abril.com.br/aprendizagem/projetopoliticopedagogicoppppratica610995.Shtml. 126FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra,
2011. 127FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra,
2011.
90
gestão democrática, faz parte da própria natureza do ato pedagógico.
Não existe neutralidade na ciência, não existe neutralidade na tecnologia, e o mesmo
acontece com o ato de ensinar. Só que a educação é dotada de uma natureza política, a
educação é propriamente um ato político. Paulo Freire128 afirma que educador é um político, é
um artista, ele não é só um técnico, que se serve de técnicos, que se serve da ciência. Tendo
como referência esse pensamento, compreendemos que o educador deve sempre realizar uma
escolha, ter uma opção clara e bem definida de que modelo de ensino pretende implantar e
seguir. Essa opção é uma opção política e não puramente pedagógica, porque não existe uma
pedagogia pura. E essa opção, essa escolha, o seu compromisso assumido enquanto educador
se reflete na construção do projeto pedagógico da instituição de ensino.
Nesse ponto, inclusive, se revela mais uma vez fundamental a construção democrática
do projeto pedagógico, anteriormente mencionada, para que o seu conteúdo reflita claramente
as opções feitas por todos os envolvidos no processo educacional, e que não sejam apenas
consideradas as opções feitas pelos administradores ou chefes. O projeto pedagógico é uma
das formas de exteriorização da postura e da visão de mundo e sociedade dos
estabelecimentos de ensino, dentre eles da universidade e da faculdade. Como o projeto
pedagógico serve como referencial no caminho educacional a ser percorrido pelas instituições
de ensino, o seu teor diz muito a respeito da opção epistemológica adotada pela Universidade
e Faculdade.
É na construção do plano político-pedagógico, que ao exercer a sua competência de
traçar as metas e objetivos e determinar as práticas para alcançá-los, deve dar o primeiro
passo, partindo da compreensão de um pluralismo de ideias, de perspectivas, de filosofia, de
formas de ver e compreender o mundo e, consequentemente, estar atento e aberto às diversas
formas pelas quais o Direito é criado e experimentado. Somente assim, pode-se afirmar que o
ensino jurídico não se limita a admitir a existência do pluralismo, mas sim permite que
aqueles que compartilham do seu espaço possam ter a experiência viva e positiva da sua
existência. O ensino do Direito, se encarado como um sistema fechado em si mesmo, pode se
tornar um conhecimento ultrapassado, em desconexão com o dinâmico substrato econômico,
social e cultural com o qual convive, tornando-se assim “pobre de conteúdo e pouco
reflexivo.129
É fundamental que as instituições de ensino ao elaborarem o seu planejamento
128FREIRE, Paulo. Pedagogia da tolerância. 3ª ed. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2014, p. 40. 129AGUIAR, Roberto A. R. de. Habilidades: ensino jurídico e contemporaneidade. Rio de Janeiro: DP&A,
2004, p.183.
91
educacional prevejam atuações que contribuam para o acesso dos estudantes não só à própria
universidade e ao ensino por ela fornecido -como cuidar da permanência dos alunos e como
buscar garantir condições para que todos aprendam-, mas que também contribuam para a
vivência e reconhecimento da diversidade existente na sociedade, cuja uma das suas facetas
pode ser identificada como o pluralismo jurídico.
Importante que se esclareça que o presente trabalho buscou tratar especificamente do
pluralismo jurídico, a partir da compreensão da existência de uma homogeneização do
conhecimento e do saber e, por consequência, do próprio ensino jurídico, a despeito de toda a
diversidade e diferenças existentes na sociedade moderna. O que se defende é que o ensino
jurídico se mostre mais aberto à essas diferenças e realidades e seja capaz de propiciar a todos
os envolvidos no processo de ensino-aprendizagem uma imersão e reconhecimento da
existência desses outros direitos que não correspondem ao direito com origem no Estado.
Uma das principais indagações feitas por Freire em sua obra Pedagogia da autonomia:
saberes necessários à prática educativa130 foi justamente o porquê de não se estabelecer uma
intimidade entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que
eles têm como indivíduos e porquê de não discutir as implicações político e ideológicas de um
tal descaso dos dominantes por determinadas áreas da cidade. Esses questionamentos se
aplicam perfeitamente ao ensino jurídico, podendo ser resumida em uma questão: por que não
estabelecer uma intimidade e relação entre os saberes curriculares tradicionais à experiência
social de produção de normas e regras fora do Estado que eventualmente alguns educandos
possam vivenciar?
Ainda que seja possível a existência de discordância sobre o grau de juridicidade – e até
mesmo de validade – dessas regras e normas produzidas à margem do Estado, o importante é
que haja, ao menos, a promoção desse debate entre alunos e professores, seja através das
disciplinas ministradas, seja de tópicos discutidos dentro de determinadas disciplinas, seja
através de pesquisas realizadas. O fundamental é que a todos os envolvidos no processo de
produção do conhecimento seja garantido um espaço democrático de discussão. Porém,
qualquer discussão que se pretenda frutífera, honesta e emancipadora pressupõe um pré-
conhecimento daquilo que é objeto de discussão. Logo, imprescindível que seja ofertado a
todos os envolvidos no processo educacional esse ambiente aberto, disposto e comprometido
com a diversidade e a pluralidade.
A discussão restrita ao plano das ideias e da teoria sobre o pluralismo jurídico deve dar
130FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra,
2011.
92
espaço a discussão e descoberta, no mundo prático, dessas possíveis outras formas de criação
de direitos que promovam a inclusão das minorias ou de grupos marginalizados na sociedade.
À Universidade também cabe trazer aos alunos e aos docentes o conhecimento e a experiência
desse pluralismo, através de uma abertura real e concreta a essas outras formas de direito.
Ao tratar do currículo das escolas, Moacir Gadotti ressaltou a importância da superação
do modelo de currículos monoculturais oficiais. Para o autor, os currículos multiculturais, que
levam em consideração a cultura do aluno (cultura essa chamada por Paulo Freire de “ cultura
popular”) são mais eficazes para despertar o interesse do aluno e para o cumprimento do
caráter humanista da escola.131 Esse conceito de cultura mencionado pelos autores pode ser
estendido ao conceito de culturas jurídicas.
Não há dúvidas que o reconhecimento sobre a existência do pluralismo jurídico,
vivenciado em espaços onde o Estado se mostre omisso ou totalmente ausente, pode gerar
situações em que se figure flagrante a oposição entre o direito de origem estatal, produzido
através das suas instituições tradicionais e em observância aos procedimentos legais
previamente estabelecidos, e o direito produzido no seio de determinados grupos, que são
social, cultural e economicamente excluídos. E, diante desse conflito, inevitável que surjam
vozes defendendo a prevalência do direito estatal e outras que defendam o respeito à produção
com origem nessas relações interpessoais.
O presente trabalho não tem por finalidade defender a supremacia do direito extraoficial
sobre o oficial, ou vice-versa. O que se defende, com base na teoria de Paulo Freire e diante
do estudo sobre a categoria do pluralismo jurídico, é que o pluralismo jurídico é um fato e que
qualquer conflito entre estes direitos e as vozes divergentes sobre o presente tema devem ter
espaço para serem destrinchados, discutidos, construídos e desconstruídos. Mas para que esse
cenário seja possível, essencial haver espaço para o ponto inicial de toda e qualquer discussão
sobre o assunto: o reconhecimento da existência do pluralismo jurídico como uma categoria
autônoma, passível de figurar como temática própria no ensino jurídico.
Analisando detidamente o plano pedagógico institucional da Universidade Federal
Fluminense e, em especial, o plano pedagógico da Faculdade de Direito da UFF, constatamos
que a ideia de autonomia e pluralismo se encontram presentes. Este documento pretende
servir como previsão para que determinados fins na esfera educativa sejam alcançados, a
partir da avaliação de cenários possíveis para o desenvolvimento das sociedades, da produção
do conhecimento e do ensino. Busca reforçar a ideia de autonomia, que deve se expressar no
131GADOTTI, Moacir; ROMÃO, José E. (orgs.). Autonomia da escola: princípios e propostas. 7ª ed. São
Paulo: Cortez, 2012, p. 141; 143.
93
cotidiano educacional através do princípio da liberdade de ensino. A garantia dessa autonomia
engendra o caráter plural da universidade, pluralidade essa expressa na pluralidade de ideias e
de propostas no ambiente educativo.
A autonomia tratada por Freire não diz respeito à autonomia administrativa e gerencial
da instituição de ensino. A autonomia por ele tão fortemente defendida é aquela que possa ser
experimentada pelos alunos e que permita que os educandos exercitem o direito de ser
sujeitos.132 Isso é fundamental quando se pensa que o pluralismo jurídico pode ser algo
vivenciado e experimentado diária e diretamente por alguns – ou muitos – dos estudantes.
Fechar os olhos para essa realidade e não incluir o estudo desse pluralismo no processo de
aprendizagem e formação dos educandos, é uma maneira de negação ao exercício do seu
direito de serem sujeitos, pois os mesmos se reconhecem como sujeitos de uma realidade que,
muitas vezes, as universidades optam por negligenciar ou desconsiderar por completo.
O projeto educativo apresentado pelo PPI tem como uma das suas características
principais a consideração pela realidade do contexto social, econômico e cultural no qual se
realizará. Pressupõe, portanto, um diagnóstico da realidade e do contexto social no qual se
encontra inserida a universidade e a partir do resultado desse diagnóstico busca a
fundamentação teórica que justifique a sua formulação e os seus propósitos. O PPI afirma que
o seu teor é resultado dos estudos e discussões havidas com a participação de representantes
de diversos setores. No entanto, indica apenas a participação de órgãos institucionais, como,
por exemplo, a Pré-Reitoria de Assuntos Acadêmicos e a Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-
Graduação. Não há a indicação da participação direta dos outros envolvidos no processo
educativo, como o corpo discente e funcionários da instituição lotados nas suas diversas
unidades. Ao afirmar que incorporou diversas contribuições recebidas da comunidade
acadêmica, não explicita se houve, de fato, a participação dos estudantes e se houve, em que
medida e de que forma foram incorporadas essas contribuições.
O PPI dá enfoque ao papel da Universidade na construção do futuro da sociedade e
afirma ser necessário repensar o papel social que deve desempenhar, mas reconhece que a
mesma irá se deparar com diversas questões às quais ainda não estará apta a responder.
Reconhece assim a incapacidade da Universidade em atender às demandas sociais e de
responder aos anseios da sociedade e aponta como principal culpado por essa deficiência a
insuficiência de investimentos e as políticas restritivas ao seu financiamento, apesar de
admitir que o seu caráter crítico deve ser mantido de maneira a viabilizar a função
132FREIRE, Paulo. Pedagogia da tolerância. 3ª ed. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2014, p. 41.
94
transformadora da educação superior.
A concepção da educação superior sob o prisma do paradigma da modernidade, que
trabalha o conhecimento mais como produto e menos como processo e que valoriza a teoria
em detrimento da prática é criticada no plano pedagógico institucional. A partir da concepção
da graduação como ensino superior, não é o caráter tecnicista focado no mercado de trabalho
que deve prevalecer, mas sim a ideia de utilização dos meios capazes de assegurar a formação
e o desenvolvimento do ser humano. E, nesse aspecto, reforça a necessidade de estímulo à
autonomia e do privilégio a um modo de pensar aberto e livre, um pensar não preconceituoso
que considere importante toda forma de conhecimento.
Os conceitos como realidade, cidadania, valores, ética, autonomia, pluralidade, trans e
interdisciplinaridade são diversas vezes mencionados no projeto pedagógico como sendo os
pilares e focos centrais da ação pedagógica por ele proposto. A partir do reconhecimento da
necessidade de respeito as normas que regulamentam as relações entre os seres que compõem
uma coletividade, normas essas que devem ser de fato compreendidas e absorvidas, propõe
que os processos de mudança curricular incorporem em seus currículos, dentre outras
abordagens, a concepção da ciência como um conhecimento em construção e sujeita a
incerteza, ao erro e a ilusão.
Já o projeto pedagógico da Faculdade de Direito da UFF apresenta um conteúdo mais
conciso e objetivo. Em sua apresentação indica quais pontos foram levados em consideração
para a elaboração da proposta por ele apresentada: os objetivos, o conteúdo e a
operacionalização. Informa que para a reforma curricular foi designada uma Comissão para
apresentar sugestões, dentre as quais se destacam a redução da carga horária total do curso, o
oferecimento de disciplinas optativas divididas por eixos temáticos para atender ao interesse
dos alunos de aprofundamento e diversificação do conhecimento jurídico, a introdução de
especialização nos dois últimos períodos do curso, o convênio com entidades públicas para
facilitar a realização de estágio obrigatório, dentre outros pontos.
Pela leitura dessas sugestões, apesar dos avanços pretendidos, parece que as propostas
focavam muito mais numa visão formalista e profissionalizante do ensino jurídico na
Faculdade de Direito do que no estabelecimento de um espaço que privilegiasse a pluralidade
e as diversas formas de conhecimento, principalmente os conhecimentos não aplicáveis – ao
menos diretamente – nas atividades profissionais normalmente seguidas pelos alunos após a
sua graduação. Esse aspecto fica claro quando nessas propostas apresentadas há a sugestão de
adequação do cumprimento das atividades complementares ao perfil do aluno, e passa a
elencar os interesses particulares diferentes apresentados pelos alunos: “7 – Adequar o
95
cumprimento das atividades complementares ao perfil do aluno (formação em outra área do
conhecimento; interesses particulares diferentes, tais como, seguir carreira acadêmica;
submeter-se a concursos públicos; exercer a advocacia liberal ou empresarial, sem prejuízo
de outros).”
O foco, portanto, permanece sendo a formação exclusivamente profissional dos
estudantes, embora mencione como um dos seus objetivos a proporção de um conhecimento
não só técnico, mas científico e filosófico. Tanto é assim, que retoma diversas vezes o ponto
das condições do mercado de trabalho e o exercício profissional como sendo pontos cruciais
no projeto, devendo o currículo proporcionar uma formação voltada para um sólido
conhecimento dogmático, apesar de fazer referência à avaliação crítica desse
conhecimento.133
Ao informar os objetivos do novo currículo, o projeto pedagógico estabelece os
conhecimentos jurídicos básicos e o conhecimento jurídico específico, não trazendo à tona de
maneira direta e expressa a questão do pluralismo. Embora mencione a necessidade de
percepção da complexidade do direito e a interdependência que este mantém com a realidade,
não se aprofunda nesse tópico. Essa mesma ausência é percebida ao serem apresentados os
eixos de formação na organização curricular.
A matriz curricular134 definida para o curso de graduação em Direito na UFF é reflexo
133Vale destacar que o projeto pedagógico menciona as carreiras acadêmicas de magistério e pesquisa como
opções no mercado de trabalho para os estudantes de Direito, considerando que a formação do bacharel deve
considerar essas carreiras. No entanto, fica a percepção clara de que o projeto não dá o mesmo peso à essas
carreiras como dá as demais, mencionadas expressamente, como as profissões de magistrado e defensor público,
por exemplo. 134 A grade curricular do curso de graduação em Direito da Universidade Federal Fluminense atualmente conta
com as seguintes disciplinas obrigatórias: 1° período: Fundamentos de Direito Privado, Economia Política e
Direito, Teoria do Estado I, Introdução ao Estudo do Direito I, Sociologia e Direito I, Métodos e Técnicas de
Pesquisa Jurídica; 2° período: Direito Privado Geral, Teoria Geral do Direito Empresarial, Antropologia do
Direito, Teoria do Estado II, Introdução ao Estudo do Direito II, Sociologia e Direito II, Hermenêutica e
Argumentação Jurídica; 3° Período: Direito Societário, Direito Cambial, Teoria das Obrigações, Teoria da
Constituição, Teoria do Direito Penal I, Filosofia do Direito; 4° Período: Direito Internacional Privado I, Teoria
dos Contratos, Direito Constitucional Positivo I, Teoria do Direito Penal II, Direito Público das Relações
Internacionais I, Teoria Geral do Processo I; 5° Período: Obrigações Mercantis, Contratos em Espécie, Direito
Constitucional Positivo II, Fundamentos de Crimes em Espécie,Direito Público das Relações Internacionais II,
Teoria Geral do Processo II, 6° Período: Responsabilidade Civil, Direitos Reais I, Direito Administrativo I,
Direito do Trabalho I, Direitos Humanos, Processo do Conhecimento Civil; 7° Período: Propriedade Imaterial,
Direitos Reais II, Direito Administrativo II, Direito do Trabalho II, Introdução ao Processo Penal, Recursos
Cíveis e o Processo nos Tribunais Estágio Supervisionado I, Laboratório de Prática I; 8° Período: Direito do
Consumidor, Direito de Família, Direito Processual Constitucional, Direito do Trabalho III, Processo e Execução
Penal, Tutelas de Urgência e Procedimentos Cautelares Cíveis, Estágio Supervisionado II, Laboratório de Prática
II; 9° Período: Direito Internacional Privado II, Direito das Sucessões, Direito Financeiro e Tributário I,
Recursos no Processo Penal, Execução Civil, Estágio Supervisionado III, Laboratório de Prática III, TCC I; 10°
Período: Direito Falimentar, Criminologia, Direito Financeiro e Tributário II, Direito Processual Público, Meios
Alternativos de Resolução de Conflitos, Direito Processual Trabalhista, Estágio Supervisionado IV, Laboratório
de Prática IV, TCC II. Conteúdo disponível no site da Instituição, http://www.direito.uff.br/graduacao/grade-
curricular/obrigatorias/. Acesso em janeiro de 2017.
96
claro da opção pedagógica adotada pela instituição. Dentre as disciplinas obrigatórias, não
encontramos nenhuma disciplina aparentemente voltada exclusivamente para o pluralismo
jurídico ou que tenha este tema como referencial teórico para a elaboração da ementa da
respectiva disciplina. Esse, quando muito, pode constar como matéria ou tópico dentro de
alguma(s) dessa(s) disciplina(s). Como exemplo disso temos a disciplina chamada Meios
Alternativos de Resolução de Conflitos135, que, pelo seu nome, poderia sugerir o pluralismo
jurídico como temática ou referencial. No entanto, analisando a sua Ementa136, verificamos
que se propõe, ao menos formalmente, a discutir as diversas formas de resolução de conflito
existentes, todas, porém, com previsão e permissão do ordenamento jurídico estatal (oficial).
O mesmo ocorre nas disciplinas optativas 137 , sendo que nessas, por tratarem de
disciplinas extremamente específicas, há que se perquirir, caso a caso e a despeito do nome
que lhe foi conferido, se haverá espaço para o debate acerca do tema pluralismo.138 Uma das
135Disciplina ofertada como optativa na Faculdade de Direito da UFF em Macaé. 136 Acesso à justiça e meios alternativos de resolução de conflitos. Negociação. Mediação. Conciliação.
Arbitragem. Justiça restaurativa e mediação penal. Transação penal.
https://id.uff.br/graduacao/quadrodehorarios#. Acesso em fevereiro de 2017. 137As disciplinas optativas ofertadas são: Direito Aeronáutico, Direito da Criança e do Adolescente, Direito de
Família e Processo Civil, Direito do Comércio Internacional, Direito do Idoso, Direito e Informática, Direito e
Mercado de Capitais, Direito Marítimo, Direito Internacional Privado Especial, INCOTERMs e Câmara do
Comércio Internacional, Procedimento de Inventário e Partilha, Responsabilidade Civil dos transportes
aquaviários Temas Avançados de Direito .Empresarial I, Direito Constitucional e Acesso à Justiça, Consumo e
Desenvolvimento Sustentável, Direito do Consumidor frente ao Fenômeno do Superendividamento, Direito e
Sexualidade, Empresa Governança e Sustentabilidade, Direitos Fundamentais nas Relações Privadas, Prática
Societária, Temas Avançados de Direito Civil VI, Arbitragem nas Relações Privadas, Entidades Filantrópicas,
Relações de Consumo e Responsabilidade Civil. http://www.direito.uff.br/graduacao/grade-curricular/optativas/ ,
com acesso em 18/01/2017, 23h. 138Há ainda como disciplinas optativas as seguintes: Produção Legislativa Federal; Procedimentos De Inventário
E Partilha Processo De Conhecimento Civil; Processo E Mídia No Estado Democrático De Direito; Relações De
Gênero E Questão Social; Temas De Relações De Trabalho I; Sociologia Da Violência; Sociologia Jurídica;
Sociologia Rural; Temas De Filosofia Do Direito; Teoria E Instituições De Direito Penal; Temas Avançados De
Direito Empresarial; Sociologia Das Instituições Políticas E Judiciárias; Temas De Direitos Humanos;
Governança E Poder I, II E III; Temas De Segurança Pública E Administração Institucional De Conflitos I;
Temas De Sociologia E Direito I; Temas Avançados De Crimes Em Espécie; Temas De Conflitos
Socioambientais, Rurais E Urbanos I, II E III; Temas De Acesso À Justiça I E II; Teoria E Instituições Do
Direito Administrativo I E II; Teoria E Instituições De Direito Penal Internacional E Comparado; História Da
Jurisdição Administrativa No Brasil; Estado, Sociedade E Teoria Da Constituição; Finanças Públicas E
Desenvolvimento; História Das Relações Internacionais I; Instituições Da Defensoria E Advocacia Pública;
Legislação Penal Extravagante; Planejamento E Gestão Em Segurança Pública; Direito À Informação; Direito
Processual Interdisciplinar; Direito E Cinema; Direito Processual Comparado; Direito Processual
Administrativo; Direito Internacional Humanitário; Direito E Saúde; Direito Eleitoral; Analise De Filmes Ii;
Antropologia Da Música; Cultura, Desvio E Marginalidade; Democracia, Controle Pela Sociedade E Corrupção;
Direito Aeronáutico; Discursos Criminológicos; Discursos De Poder E Segurança Pública; Economia Política E
Direito; Entidades Filantrópicas; Estudos Dialetais II; Fundamentos Da Música; Gestão Da Mudança
Organizacional; História Dos Sujeitos, Movimentos Sociais no contexto da Segurança Pública; História,
Cidadania E Segurança Pública I; Libras I; Língua Alemã I; Matrizes Clássicas; Mediação E Administração De
Conflitos; Mediação I; Medicina Legal; Meios Alternativos de Resolução de Conflitos; Meios Alternativos E
Garantias Do Processo; Negociação; Neuropsiquiatria Infantil; Teoria E Prática Da Fotografia I; Acesso À
Justiça na América Latina; Análise Crítica da Jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos
(CIDH); Advocacia, Ética Profissional e Processo Disciplinar; Arbitragens Nas Relações Privadas; Atualidades
Jurisprudenciais No Processo Civil; Atualidades Jurisprudenciais No Processo Penal, Constituição E Os Direitos
97
disciplinas que chama a atenção é a História dos sujeitos e movimentos sociais no contexto da
segurança pública, ofertada pelo Departamento de Segurança Pública da Faculdade de
Segurança Pública e Social da Universidade Federal Fluminense. Entretanto, pela análise da
sua ementa139, esta disciplina, a princípio, não pode ser utilizada como exemplo de disciplina
que trabalhe com a temática do pluralismo jurídico, propriamente dito.
Há uma sobrecarga de disciplinas oferecidas como optativas, tratando das mais variadas
matérias, como se o Direito pudesse ser de tal forma fragmentado a ponto de atender aos
anseios dos seus alunos em se especializarem em um ou outro tema e, assim, ingressarem em
um nicho profissional específico. Nesse aspecto, parece sim que a Faculdade de Direito ainda
mantém um certo arcaísmo ao encarar como sendo a sua função precípua o preparo dos seus
alunos para a carreira profissional, dando pouca ênfase, ao menos formalmente, às disciplinas
de ordem humanista e social. Embora se reconheça os avanços em termos de educação
voltada para a formação social e humanística de seus alunos.
Importante que se esclareça que a percepção acerca da opção pedagógica adotada por
uma instituição de ensino, no caso concreto a Faculdade de Direito da Universidade Federal
Fluminense, não pode se limitar à leitura da letra do seu projeto pedagógico e da matriz
curricular adotada. Se acaso assim considerássemos, correríamos o risco de cair na cilada da
análise do caráter desse projeto a partir de uma visão extremamente “legalista” ou positivista,
pois estaríamos reduzindo o projeto, as ideias e os objetivos somente àquilo se encontra
escrito neste documento.
Diante do caráter que entendemos ser inerente ao projeto pedagógico, pautando-se no
referencial teórico anteriormente exposto neste trabalho, parece claro que o pluralismo
jurídico, enquanto categoria autônoma, restou aparentemente negligenciado ou
desconsiderado, limitando-se, quando muito, a ser objeto de debate dentro de outras
disciplinas.
No meio de todas essas disciplinas ofertadas, uma em especial se destaca, ao menos
pelo seu nome: Sociedade Brasileira e África: subjetivações afrodescendentes.140 No entanto,
Humanos; Consumo e Desenvolvimento Sustentável; Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro;
Direito Constitucional Internacional e Comparado; Empresa E Jurisdição I. 139Ementa desta disciplina: Democracia e esfera pública moderna. Consenso e dissenso na prática democrática.
História dos movimentos sociais no Brasil contemporâneo e do protagonismo da sociedade civil. A segurança
pública e os movimentos sociais. A Lei e a gestão de conflitos. Práticas e abordagens policiais no regime da
democracia: racismo, homofobia, pobreza, prostituição e liberdade religiosa.
https://id.uff.br/graduacao/quadrodehorarios#. Acesso em fevereiro de 2017. 140Interessante trazer a informação, a título comparativo, de que há Faculdades de Direito que contam com
disciplinas intimamente ligadas à questão do pluralismo em sua grade curricular. Na Faculdade de Direito da
Universidade Federal do Amapá, por exemplo, há o oferecimento da disciplina “Direito Indígena” como
disciplina obrigatória, enquadrada no eixo de formação profissional. No curso de graduação em Direito da
98
há que se perquirir como essa disciplina trata – e se trata - do direito originado e ainda vivo
nas comunidades remanescentes de origem africana, ou se apenas se limita a tratar de
questões como subjetivações praticadas no Brasil a partir das tradições africanas ou afro-
brasileiras, ou seja, se essa disciplina se limita a analisar as implicações culturais e políticas
da África na sociedade brasileira. A partir de uma análise preliminar da ementa da disciplina e
do seu conteúdo programático141, considerando ainda que se trata de uma disciplina ofertada
por um departamento estranho à Faculdade de Direito, não parece que nesta disciplina o
pluralismo seja analisado sob a sua perspectiva jurídica. No entanto, não se pode afirmar
categoricamente isso, uma vez que não foi possível acompanhar a experiência vivida em sala
de aula durante a ministração dessas aulas.142
No entanto, é justo que se elogie o importante espaço dado às atividades
complementares e, pela experiência concreta na Faculdade de Direito, há um incentivo e uma
adesão significativa tanto dos docentes quanto dos discentes na realização de atividades
complementares. E a Faculdade tem conferido certo grau de discricionariedade e autonomia
aos organizadores dessas atividades, o que já demonstra um certo grau de respeitoe até
mesmo de incentivo a um pluralismo de ideias e valores.
Universidade Federal de Rondônia também há a oferta de disciplina com esse mesmo nome e também
obrigatória. O mesmo ocorre na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Roraima. Talvez a
proximidade física dessas instituições de ensino com povos e comunidades tradicionais, como os índios neste
caso, e também a identificação do povo com suas origens indígenas, sejam o fator preponderante para o
oferecimento dessas disciplinas como obrigatórias e enquadradas no eixo de formação profissional. Fontes de
pesquisa: http://www2.unifap.br/direito/sobre-o-curso/planos-de-ensino/;
http://www.dcj.unir.br/site_novo/index.php?option=com_wrapper&view=wrapper&Itemid=118;
http://ufrr.br/direito/index.php?option=com_content&view=article&id=75&Itemid=308. Acesso em julho de
2016. 141De acordo com as informações lançadas no site https://id.uff.br/graduacao/quadrodehorarios#, esta disciplina é
ofertada pelo Departamento de Psicologia da Faculdade de Psicologia da UFF e conta com a seguinte ementa e
com o seguinte conteúdo programático: a) ementa: Diáspora africana e capitalismo. Implicações culturais e
políticas da diáspora africana para o Brasil. Psicologia e etnocentrismo (eurocentrismo). Subjetivações praticadas
no Brasil a partir das tradições africanas ou afro-brasileiras. Os terreiros e a sua coletividade; b) conteúdo
programático: Estado, violência e alteridade: relações históricas entre a consolidação do Estado. A formação das
minorias sociais e a alteridade no Brasil. Discriminação racial do negro. Diáspora africana. Ações afirmativas no
Brasil e alteridades das culturas afrodescendentes. Minorias e alteridades negras na formação universitária e na
prática profissional. https://id.uff.br/graduacao/quadrodehorarios#. Acesso em fevereiro de 2017. 142Com o fim de aprofundar a pesquisa, buscou-se junto a Biblioteca da Faculdade de Direito da UFF acesso aos
trabalhos de conclusão de curso da graduação apresentados desde 2005, quando o atual Projeto Pedagógico da
Faculdade foi implantado, até o ano de 2016. No entanto, a informação obtida é a de que a Biblioteca só passou a
receber os referidos trabalhos a partir do ano de 2007 e que apenas alguns deles se encontram na base de dados
referencial, ou seja, apenas com os seus títulos lançados, porém sem a disponibilização de seu conteúdo. Após a
análise desta lista com os nomes/títulos dos trabalhos, através do link
http://www.repositorio.uff.br/jspui/handle/1/1487, a conclusão a que se chega é que em nenhum deles, ao menos
a priori, trabalha com a temática do pluralismo (ao menos os seus títulos não indicam a presença dessa
temática). A partir do ano de 2009, as monografias passaram a ser recebidas através de dispositivo de CDs. No
entanto, esses trabalhos não estão indexados no repositório institucional. Para realizar a pesquisa, seria
necessário abrir manualmente um por um, cada CD, para ter acesso ao seu conteúdo. Infelizmente, não houve
tempo hábil para a realização dessa pesquisa manual, que, por certo, enriqueceria o presente trabalho.
99
No âmbito do curso de pós-graduação stricto sensu de Direito Constitucional da
Faculdade de Direito da UFF também foi realizada busca sobre as disciplinas oferecidas e
sobre os temas abordados nas dissertações apresentadas. Em relação as disciplinas 143 ,
constatamos a forte influência da temática do constitucionalismo latino-americano, o que
pode representar, de certa forma, a abordagem em algumas dessas disciplinas sobre o
pluralismo, como mencionado acima, encontrado em países como a Bolívia e o Equador.
O pluralismo nestes países, pode-se dizer, é um pluralismo de intensidade muito maior
do que a tratada no presente trabalho, pois parte do pressuposto da plurinacionalidade, ou seja,
em um mesmo Estado há a coexistência de diferentes nações. Por certo que, pela existência de
diferentes nações, existirá o pluralismo jurídico dentro do mesmo Estado, pois não haverá a
hegemonia por parte deste enquanto fonte normativa, sendo reconhecida a produção de
normas e regras originadas nos diferentes grupos que, enquanto nações, integram o Estado.
Não há hierarquia entre os diferentes ordenamentos jurídicos, prevalecendo o respeito à
emancipação e autonomia desses grupos.
No que se refere às dissertações, pelo material disponibilizado no site oficial do
programa144 (total de 64 trabalhos), constata-se que o pluralismo jurídico não aparece de
maneira explícita nos títulos dados a esses trabalhos. No entanto, há os que se debruçaram
sobre a temática ao dissertarem sobre o novo constitucionalismo latino-americano. Assim,
ainda que não seja o pluralismo jurídico o objeto principal do estudo, essas pesquisam
trabalham com este tema. O trabalho intitulado O novo constitucionalismo latino-americano.
Democracia: da promessa teórica e dogmática à experiência do poder no Equador, de
autoria de Ilana Aló Cardoso Ribeiro, ao tratar do novo constitucionalismo latino-americano,
143A cidadania no novo constitucionalismo latino-americano; A questão socioambiental no constitucionalismo
latino-americano; Administração de conflitos e Poder Judiciário; Antropologia do direito; Antropologia do
direito / antropologia jurídica; Controle judicial da Administração Pública; Cultura, direito e política; Direito
constitucional comparado na América Latina; Direito constitucional comparado na américa latina: relações
públicas e privadas; Direito constitucional comparado: a suprema corte dos EUA; Direito constitucional
internacional; Direito internacional dos direitos humanos; Direito internacional econômico e seus reflexos
constitucionais; Direito penal e estado; Direitos humanos e a doutrina da responsabilidade de proteger; Estudos
comparados da evolução da constitucionalização do direito privado na América Latina; Filosofia do direito;
Hermenêutica constitucional; Instituições políticas, constituição e práticas punitivas; Jurisdição constitucional;
Jurisdição constitucional na América Latina; Justiça de transição e a constituição de um Estado Democrático de
Direito; Limitações constitucionais às escolhas públicas; Metodologia do ensino e da pesquisa; Princípios
constitucionais do direito penal no Estado Democrático de Direito; Responsabilidade extracontratual do Estado;
Teoria constitucional brasileira; Teoria da Constituição; Teoria do Direito; Teorias alternativas de direito
internacional público; Tutela constitucional das liberdades; Tópicos de responsabilidade extracontratual do
Estado. A lista com o nome dessas disciplinas oferecidas pelo programa PPGDC foi obtido através dos
funcionários da secretaria. Nem todas essas disciplinas tem o seu ementário disponível na página eletrônica
oficial do Programa. 144http://www.ppgdc.uff.br/index.php?option=com_content&view=article&id=7&Itemid=15. Acesso em
fevereiro de 2017.
100
em especial a Constituição do Equador de 2008, defende a necessidade de resgate da relação
entre a Constituição e o pluralismo a partir da reinterpretação do direito e da justiça através de
inovações políticas e jurídicas. Afirma que as Constituições latino-americanas representativas
deste novo constitucionalismo latino-americano expressam um novo paradigma de Estado de
Direito que coexiste com práticas do pluralismo igualitário jurisdicional, o qual admite a
convivência de instâncias legais diversas em igual hierarquia. Dessa forma, o pluralismo
jurídico é considerado parte integrante desse novo constitucionalismo, que reconhece que
também é constitucional o direito composto não apenas por um único sistema jurídico e que,
portanto, existe mais de um sistema jurídico dentro do mesmo Estado.145
Outra dissertação que traz o pluralismo jurídico dentro do seu estudo é o intitulado O
novo constitucionalismo latino-americano: um estudo comparado entre o Bem Viver e a
dignidade da pessoa humana nas culturas jurídico-constitucionais da Bolívia e do Brasil, de
Adriano Côrrea de Sousa. Neste trabalho, uma das grandes transformações promovidas com
este novo constitucionalismo foi justamente o de reconhecer o pluralismo jurídico como
instrumento de efetivação da diversidade. E essa transformação é tão significativa que a Carta
Política não só admite o pluralismo jurídico, mas promove o mesmo.146
Dessa forma, essas duas dissertações evidenciam que o tema pluralismo jurídico tem
tido espaço no ambiente acadêmico na esfera de pós-graduação stricto sensu da UFF. Tal fato
pode ser constatado também a partir da leitura dos textos e autores constantes na
bibliografia 147 indicada em recente processo de seleção de candidatos para o curso de
mestrado do programa de pós-graduação stricto sensu em direito constitucional.
Planejou-se realizar essa mesma pesquisa feita sobre o programa de Pós-Graduação
stritcto sensu em Direito Constitucional sobre o programa de Pós-Graduação stritcto sensu em
Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense, que é um programa com
característica interdisciplinar, fruto do trabalho conjunto da Faculdade de Direito e do
145RIBEIRO, Ilana Aló Cardoso. O novo constitucionalismo latino-americano. Democracia: da promessa teórica
e dogmática à experiência do poder no Equador/ Ilana Aló Cardoso Ribeiro, UFF/ Faculdade de Direito –
Niterói, 2013, p. 29. 146 http://www.ppgdc.uff.br/images/disserta%C3%A7%C3%B5es/Adriano_de_Sousa._Disserta%C3%A7%C3%
A3o_vers%C3%A3o_final1.pdf. Acesso em março de 2017. 147Bibliografia da Linha de Pesquisa “Teoria e História do Direito Constitucional e Direito Constitucional
Internacional e Comparado” do Edital nº 03/2014: DOUZINAS, Costas. O fim dos direitos humanos. São
Leopoldo: Ed. UNISINOS, 2009, p. 159-192, 237-268 e 349-384; DUSSEL, Enrique. Filosofía de la liberación.
p. 54-91. Disponível na Internet em: http://www.olimon.org/uan/liberacion.pdf; VICIANO PASTOR, Roberto;
MARTÍNEZ DALMAU, Rubén. Fundamento teórico del nuevo constitucionalismo latinoamericano. In:
VICIANO PASTOR, Roberto (Ed.). Estudios sobre el nuevo Constitucionalismo Latinoamericano. Valencia:
Tirant lo Blanch, 2012, p. 11-49; ZEA, Leopoldo. La historia en la consciencia americana. In: Anuario de
Filosofía, Dianoia, n. 3, 1957, p. 57-77. Disponível na internet em: www.olimon.org/uan/latinoamericanos-
zea.pdf.
101
Departamento de Sociologia da Universidade Federal Fluminense, que conta com Mestrado e
Doutorado. No entanto, não foi possível realizar uma pesquisa mais aprofundada sobre as
disciplinas, trabalhos e projetos desenvolvidos no âmbito deste programa.148
Em relação aos projetos de extensão, foi realizada busca no site do MEC, no espaço do
Sistema de Informação e Gestão de Projetos, e como resultado à essa busca pelos projetos de
extensão vinculados à Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense, chega-se a
um determinado resultado dos projetos cadastrados.149 Nenhum deles indica em seu título
tratar do tema pluralismo jurídico, tampouco sugerem trabalhar com esse tema em seus
148Somente foi conseguido acesso a parte da grade curricular desse programa, na qual constam como disciplinas
as seguintes: GESTÃO AMBIENTAL I; CRÍTICA SÓCIO-JURÍDICA III; TEORIA SÓCIO-JURÍDICA II;
TRABALHO E EXCLUSÃO SOCIAL II, III, IV, V, VI; PRÁTICA DE PESQUISA I; ACESSO À JUSTIÇA
III; CRÍTICA DAS INSTITUIÇÕES JURÍDICO-POLÍTICAS III; JUSTIÇA SOCIAL III; JUSTIÇA
AMBIENTAL III; GESTÃO AMBIENTAL II E III; PRÁTICA DE PESQUISA II, III E IV; ESTÁGIO
DOCÊNCIA; EPISTEMOLOGIA E PESQUISA DOS FENÔMENOS SÓCIO-JURÍDICOS I E II;
SEMINÁRIO DE TESE I E II; ORIENTAÇÃO I, II, III, IV, V e VI; DIREITOS HUMANOS E SOCIEDADE I
e II; CRIMINALIDADE E VIOLÊNCIA; MOVIMENTOS SOCIAIS, AÇÕES COLETIVAS E NOVOS
DIREITOS; METODOLOGIA CIENTÍFICA; TEORIA DO DIREITO; TEORIA SOCIOLÓGICA; DIREITO E
SOCIEDADE I E II; DIREITOS HUMANOS E SOCIEDADE III; HISTÓRIA, PODER E IDEOLOGIA;
ASPECTOS SÓCIO-JURÍDICOS DA CIDADANIA I; TRABALHO E EXCLUSÃO SOCIAL I; TEORIA
SÓCIO-JURÍDICA I; CONFLITOS SÓCIOAMBIENTAIS E URBANOS I E II; CONFLITOS
SÓCIOAMBIENTAIS E URBANOS II; JUSTIÇA AMBIENTAL I; ASPECTOS SÓCIO-JURÍDICOS DA
CIDADANIA I, II E III; JUSTIÇA SOCIAL I; CRÍTICA DAS INSTITUIÇÕES JURÍDICO-POLÍTICAS I;
CRÍTICA SÓCIO-JURÍDICA I E II; ACESSO À JUSTIÇA I; CRÍTICA DAS INSTITUIÇÕES JURÍDICO-
POLÍTICAS II; JUSTIÇA SOCIAL II; TEORIA SÓCIO-JURÍDICA III; ACESSO À JUSTIÇA II; JUSTIÇA
AMBIENTAL II. No entanto, não houve êxito na busca sobre as ementas e bibliografias dessas disciplinas,
tampouco sobre as dissertações e teses apresentadas. Dessa forma, se justifica a omissão de comentários
aprofundados sobre o pluralismo jurídico no ensino relacionado ao Direito oferecido no âmbito deste programa. 149 Observatório de Estudos de Política Criminal e Direito Internacional; Consolidação dos Direitos Humanos
através da Educação – Mídia, Processo e Cidadania; Programa de Assistência Jurídica Gratuita; Seminário
Internacional de História e Direito: colóquio internacional administração da justiça canônica; Mediação e
Conciliação no Cajuff; Mediação extrajudicial; Núcleos Itinerantes para a Cidadania; Observatório de Estudos
de Política Criminal e Direito Internacional, Odin; II Seminário Interdisciplinar em Sociologia e Direito; I
Congresso Internacional Interdisciplinar em Sociais e Humanidades; Mediação e Conciliação no Cajuff;
Mediação extrajudicial; Núcleos Itinerantes para a Cidadania; Programa de Proteção e Facilitação da
Convivência Harmônica; Cajuff – Oriximiná; II Fórum sobre o Estado-Empresário e Regulação:
responsabilidades e custos das atuações estatais; III Seminário Internacional de História e Direito; I Seminário
UFF-UERJ-UNESA-UNISC - “A mediação e seus desdobramentos na contemporaneidade”; Programa de
Assistência Jurídica Gratuita; III Seminário Interdisciplinar em Sociologia e Direito Programa de Pós-Graduação
em Sociologia e Direito (PPGSD); Seminário “Relações de Gênero e Violência Doméstica na prática
institucional: Interfaces do Judiciário e a Rede de Atendimento”; Temas de Processo de Família; Identificação
do Perfil Sócio Econômico da Comunidade Assistida pelo DDA; Simpósio Mediação em debate e II Seminário
UFFxUERJxUNESAxUNISC - Mediação: um panorama atual do acesso à Justiça; II Fórum sobre o Estado-
Empresário e Regulação: sustentabilidade, ética e responsabilidade das atuações estatais; Curso de Extensão em
Comércio Internacional e Arbitragem/ Preparação da EQUIPE/UFF para Competição Nacional e Internacional
de Arbitragem; Vivências no Cárcere; Observatório de Estudos de Política Criminal e Direito Internacional –
ODIN; Seminário Nacional Interdisciplinar de Pesquisa do Consumidor; Seminário Nacional Interdisciplinar de
Pesquisa do Consumidor; III Fórum sobre o Estado-Empresário e Regulação: Desafios Contemporâneos;
Website do Núcleo de Direito do Consumidor; DDA; Revista de Direito dos Monitores da UFF – RDM; IV
Fórum sobre o Estado-Empresário e Regulação: o Estado e o Mercado em tempos de crise; I Jornada SDD: '
Qual o futuro da sexualidade no Direito?
'http://sigproj1.mec.gov.br/resultado.consulta.php?titulo=&bedital=0&protocolo=&processo=&tipo=0&palavras
=&resp=&area=0&inst=123&apro=1084&exec=0&sit=0&ordenar=1&direcao=1&inicio=0-00&termino=0-
00®iao=Sudeste&estado=2&bplataforma=1. Acesso em fevereiro de 2017.
102
“resumos da ação de extensão”. O mesmo ocorre em relação aos grupos de pesquisa
realizados na Faculdade de Direito da UFF.150
Uma das atividades desenvolvidas na UFF vinculadas à Faculdade de Direito que
chama a atenção pelas atividades e projetos que desenvolve é o vinculado ao grupo TaCAP –
UFF (Tamoios Coletivo de Assessoria Popular da Universidade Federal Fluminense), que é
um grupo transdisciplinar, criado em 2014, formado por discentes e docentes, com o objetivo
central de realizar atividades articuladas de extensão e pesquisa, as quais buscam promover
diálogos entre sociedade e universidade a partir das questões que perpassam as dimensões da
Arte, da Educação Popular, do Direito, da Segurança Pública e da Cidadania.151
Dentre o campo amplo de atividades e projetos de extensão e pesquisa realizados pelo
TaCAP, destacam-se: metodologias sociais de administração de conflitos, mediação, ações
culturais, atividades de pesquisa-ação, cursos, ciclo de debates e palestras, eventos
comunitários, e promoções e de ações de “advocacy“. Atua-se, também, com ações e projetos
baseados em aportes críticos, com temas ligados ao Abolicionismo Penal, Crítica do Direito,
Etnografias, Comunicação Social, Educação Popular, e Cidadania.
Os nomes dos seus projetos são “Curso de capacitação em Direito Ambiental e questões
150Lista de grupos de pesquisa obtida diretamente junto à secretaria da Pró-reitoria de Pesquisa, Pós-graduação e
Inovação da UFF: Laboratório de Estudos de Direito Administrativo Comparado (LEDAC); Grupo de Pesquisa
de Tributação, Direitos Fundamentais e Contribuinte (GPTDFC); Grupo de Estudos em Meio Ambiente e
Direito GEMADI; Sexualidade, Direito e Democracia; Laboratório de estudos penais e criminológicos –
LEPEC; Observatório Jurisprudencial: aplicação das Convenções de Haia em matéria civil na experiência
brasileira e estrangeira; Direitos Humanos, Comunicação e Mídia; GRUPO DE ESTUDOS DE DIREITO
ADMINISTRATIVO (GDA); Núcleo de Teoria Social e História Constitucional; Controle social da cota para
exercício da atividade parlamentar; Grupo de Estudos Sociojurídicos; Direito, Sociedade e Cidadania;
Observatório de Políticas Públicas Urbanas do Rio de Janeiro (OPPURJ); Economia Solidária e Cooperativismo;
Poder, Democracia e Mobilizações Sociais; Jurisdição, Constituição e Processo; Estado, Instituições e Análise
Econômica do Direito; Grupo de Estudos em Ciências Criminais e Estado Democrático de Direito; Laboratório
de Estudos Interdisciplinares em Direito Constitucional Latino-Americano (LEICLA); Acesso à Justiça Efetivo
nos Casos de Violência Doméstica Contra a Mulher; Mediação e Arbitragem: Novos Rumos para o Efetivo
Acesso à Justiça; Instrumentos de regularização fundiária; Constituição e Política; Direito Comparado Aplicado;
Observatório de Estudos do Interior; Regulação em setores estratégicos; Território, Propriedade e Movimentos
Sociais; GT ECOSOCIAL - LABORATÓRIO DE JUSTIÇA AMBIENTAL; Processo Penal e
Interdisciplinariedade: História, literatura e filosofia; Celeridade Processual; Direito Penal e Constituição;
DIREITO INTERNACIONAL PENAL: seus crimes e sua incidência na sociedade brasileira e os Direitos
Humanos; Núcleo de Pesquisas sobre Práticas e Instituições Jurídicas – NUPIJ; GEPPIC - GRUPO DE
ESTUDOS EM POLÍTICAS PÚBLICAS, INSTITUIÇÕES E CONTROLES; grupo de pesquisa sobre política
criminal; Empresa, Direito e Sociedade Contemporanea; Grupo de Pesquisa Teorias Constitucionais
Contemporâneas (GPTCC); Estado de Direito: fundamentos, transformações e perspectivas; Laboratório
Fluminense de Estudos Processuais; Direitos Humanos sob a Perspectiva Discursiva; GEDAPI - Grupo de
Estudo em Direito Ambiental e Propriedade Intelectual; Saúde Mental, Direitos Humanos e Desenvolvimento;
Direitos Fundamentais; Direito, Saúde e Bioética Clínica; ObservaProcessos: Observatório Fluminense de
Estudos Interdisciplinares e Pesquisas Empíricas em Processo e Sistemas de Justiça; Acesso a Justiça e
Defensoria Pública; Grupo de Pesquisa Efetividade da Jurisdição (GPEJ); GEMUT - Grupo de Estudos sobre o
Mundo do Trabalho; Grupo de Estudos Interdisciplinares sobre Estado, Finanças e Tributação (Geieft); Civitas -
Relações Jurídicas Privadas na Contemporaneidade. 151http://www.tacap.uff.br/. Acesso em março de 2017.
103
sociais”; “Curso de capacitação em Direito Previdenciário”; “Conversas sobre Direito”;
“Estranho no Ninho”; “Vivências no Cárcere” e “Quintas inquietantes”.
O “Curso de capacitação em Direito Ambiental e questões sociais” visa o acesso a
políticas públicas e reconhece que para a efetiva implantação dessas políticas é necessária a
capacitação dos atores sociais que residem no Programa de Desenvolvimento Sustentável
(PDS) Osvaldo de Oliveira, de maneira a transformar a irresignação e descontentamentos
desses atores em mobilização e reivindicação de direitos. Visa, portanto, promover uma
reflexão sobre a importância dos diferentes modos de participação e organização dos
indivíduos para a viabilização e reivindicação de seus direitos.152
O “Curso de capacitação em Direito Previdenciário”153 tem como proposta a garantia do
acesso da população residente no Programa de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Osvaldo
de Oliveira às informações sobre os direitos assegurados na legislação previdenciária e
também busca promover um debate crítico do modelo social institucionalizado, de forma a se
questionar se aquilo que é oferecido pelo Estado por meio da Legislação corresponde aquilo
que é efetivamente garantido.
O “Conversas sobre Direito”154 é uma prestação de serviço de apoio jurídico popular à
comunidade do Morro do Palácio (Niterói, RJ) concretizado através da formação de grupos de
conversa que atendem os membros da comunidade de forma dialógica, participativa e não
formal. Esse projeto parece abrir espaço a abordagem do pluralismo jurídico, uma vez que
uma das suas formas de atuação se constitui na construção de processos de escuta e diálogo
dos conflitos apresentados pelos moradores dessa comunidade de maneira a possibilitar a
mediação entre os sujeitos conflitantes. Nesse diálogo estabelecido entre as partes conflitantes,
é possível que se descubra e se admita a existência de normatividade produzida no seio
daquele grupo social e que, de maneira a se obter a conciliação entre as partes, seja dada
primazia a essa normatividade em detrimento de alguma outra norma de origem estatal.
O projeto “Estranho no Ninho” é destinado a promoção de intervenções políticas,
sociais e artísticas no campo da saúde mental. O projeto “Vivências no Cárcere” 155 é
destinado a promover intervenções políticas, sociais e artísticas a partir do abolicionismo
penal, assim como promove uma experiência crítica dentro do cárcere como forma de
152 Diante disso, a Universidade Federal Fluminense, através do Tamoios Coletivo de Assessoria Popular
(TaCAP) de Macaé e do Curso de Direito do Instituto de Ciências da Sociedade, propõe o presente curso de
capacitação a partir de metodologias participativas e que correspondam os anseios do grupo situado no PDS
Osvaldo de Oliveira.http://www.tacap.uff.br/curso-de-capacitacao-em-direito-ambiental-e-questoes-sociais/.
Acesso em março de 2017. 153http://www.tacap.uff.br/curso-de-capacitacao-em-direito-previdenciario/. Acesso em março de 2017. 154http://www.tacap.uff.br/conversas-sobre-direito/. Acesso em março de 2017. 155http://www.tacap.uff.br/vivencias-no-carcere/. Acesso em março de 2017.
104
reflexão e sensibilização de seus participantes. Já o “Quintas Inquietantes” é o projeto que
busca, através de diversas atividades promovidas, dar espaço a elementos considerados
faltantes no ensino tradicional, tais como a inquietação, curiosidade e crítica. O objetivo
central desse projeto é o estabelecimento de um espaço aberto ao debate a ao diálogo a partir
de temas não usuais no ensino tradicional.156 Nesse projeto, parece claro haver espaço aberto
para a abordagem e mergulho no tema do pluralismo jurídico, diante da existência de espaço
para a crítica ao ensino jurídico tradicional e abertura para o novo, o diferente.
Seria importante um estudo aprofundado nos ementários e bibliografias indicadas em
cada uma das disciplinas ofertadas nos cursos de graduação e de pós-graduação stricto sensu,
sejam elas obrigatórias ou optativas, além da vivência nos ambientes de ministração das aulas
correspondentes, como um passo a mais a ser dado em continuação ao presente trabalho, a
fim de se constatar efetivamente o grau e a maneira de abordagem da temática do pluralismo
jurídico no ensino jurídico oferecido pela Faculdade de Direito da UFF.
O mesmo deveria ser feito com os projetos de pesquisa e os projetos de extensão: uma
análise mais próxima e aprofundada sobre como essa abordagem tem se desenvolvido seria
um passo a mais a ser dado como continuação ao presente trabalho, a fim de se constatar se
tem sido aberto espaço ao menos para o debate sobre o tema. E, em caso positivo, de que
maneira tem influenciado na formação dos alunos e no aprimoramento dos docentes.
Entretanto, como já indicado, o presente estudo não pretendeu realizar essa análise mais
profunda, ciente de que para esse aprofundamento é imprescindível a realização de um estudo
muito mais complexo e com maior rigor metodológico, complexidade e metodologias essas
não comportáveis no presente trabalho, considerando-se o pouco tempo disponível para a
elaboração de um trabalho de dissertação de Mestrado.
Para um diagnóstico mais preciso sobre a abertura do ensino jurídico da Faculdade de
Direito da UFF para a temática do pluralismo jurídico, e se essa abertura tem sido utilizada
pelos docentes e seus alunos, seria necessário um exame muito mais minucioso, inclusive
com a presença física da pesquisadora em salas de aula, participação em grupos de pesquisa e
de extensão, participação em atividades complementares, realização de pesquisa documental
manual etc.
De qualquer forma, com o material e informações que foram possíveis ser colhidos e
156Do ponto de vista de sua caracterização como extensão, as “Quintas inquietantes” são atividades de extensão
do tipo “Evento”, na qualidade de “ciclo de debates” ou “ações culturais”, dependendo a sua forma de sua
realização, do tema e da proposta de diálogo apresentada. Nesse sentido, à guisa de exemplo, as “quintas
inquietantes” podem ser realizadas sob diversas formas, tais como: Café filosófico; Oficinas; Work shops;
Instalação artística; Evento cultural; e Debate. http://www.tacap.uff.br/quintas-inquietantes/. Acesso em março
de 2017.
105
analisados, não parece difícil concluir que, mesmo com as limitações impostas à Faculdade,
sejam limitações de caráter estrutural como o seu sucateamento, falta de investimentos, falta
de tecnologia, sejam limitações de caráter didático-pedagógico, como ausência de
profissionais capacitados – ou interessados- em trabalhar com determinados temas específicos,
ou falta de incentivo aos professores para a exploração desses temas não tradicionais em salas
de aula e em atividades complementares, a Universidade Federal Fluminense é uma
Universidade que se mostra aberta a proporcionar em suas unidades um ensino crítico,
questionador capaz de contribuir para a formação de seus alunos sob o aspecto social e
humanístico. A Faculdade de Direito tem um compromisso formalmente assumido, ao menos
é o que consta em seu projeto pedagógico, de proporcionar aos seus alunos um processo de
ensino baseado tanto em uma visão crítica em termos de vinculação das instituições jurídicas
às suas raízes culturais, como na identificação dos problemas e conflitos correntes na vida
social, com o objetivo de repensar o modo de qualificá-los juridicamente. O espaço previsto
para as atividades de pesquisa e de atividades complementares também complementam o
anseio de tornar a ligação entre teoria e prática cada vez mais forte no processo de
aprendizagem.
106
Considerações finais
A presente pesquisa foi iniciada com o objetivo de verificar de que maneira o
pluralismo jurídico se mostra presente no ensino jurídico oferecido pela Faculdade de Direito
da Universidade Federal Fluminense. Essa análise foi realizada sob a perspectiva dos
ensinamentos de Paulo Freire sobre a educação, pois a partir da leitura das obras do autor
acerca do tema educação, identificou-se claramente a aplicabilidade da sua teoria ao ensino
superior.
Freire foi utilizado como referencial teórico pela sua compreensão do papel da educação
na formação do aluno, não apenas sob o aspecto profissional, mas na formação do aluno
enquanto indivíduo. O educador e filósofo brasileiro ressalta a importância da dimensão
cultural no processo de transformação, enxergando na educação um papel muito maior que a
mera instrução, pois para que seja de fato transformadora, deve enraizar-se na cultura dos
povos. Ao se refletir sobre o ensino jurídico ofertado, a educação oferecida no processo de
ensino e de aprendizagem deve oferecer espaço para uma releitura sobre o papel social da
universidade, o currículo, a formação docente, a proposta pedagógica.
A educação é encarada por Freire como um ato de pedagogia libertadora, capaz de
tornar o processo educacional mais humano e transformador para que homens e mulheres
compreendam que são sujeitos da própria história. Assim, a liberdade torna o centro de sua
concepção educativa. No pensamento de Freire o aluno não é um depósito que deve ser
preenchido pelo professor, ou seja, o processo pedagógico não corresponde a um processo
simples de transmissão de conhecimento. Pelo contrário, trata-se de um processo no qual cada
um dos envolvidos, quando imersos juntamente nesse processo, pode aprender e descobrir
novas dimensões e possibilidades na realidade da vida, pois o educador é um instrumento, um
mediador no processo de ensino-aprendizagem e aprende junto com seu aluno.
A partir dessa compreensão, os pressupostos teóricos de Freire foram utilizados como
referencial ao analisar o pluralismo jurídico no cenário do ensino jurídico da Faculdade de
Direito da UFF, sendo este o objeto do presente estudo. O pluralismo foi utilizado como um
fio condutor para a análise do caráter desse ensino, de maneira a conseguir identificar em que
grau e com qual intensidade o pluralismo, a diversidade e uma releitura do mundo, aspectos
defendidos por Freire, se encontram presentes no ensino jurídico. Por se tratar de um ensino
jurídico, reuniu-se esses pressupostos e focou-se, portanto, no elemento pluralismo jurídico.
O ponto de partida para a análise do objeto de estudo foram os projetos pedagógicos,
tanto da Universidade Federal Fluminense quanto da própria Faculdade de Direito da UFF,
107
por considerarmos que esses documentos institucionais representam, de maneira expressa, as
ideologias, valores e metodologia de ensino inerentes à Instituição de Ensino e, portanto,
representam a sua identidade institucional. O próprio autor Paulo Freire destacou a
importância destes documentos enquanto elemento de identidade das escolas, por
compreender que representam um registro formal da maneira a Instituição pretende articular a
teoria com a prática e de que modo as atividades a serem desenvolvidas, sejam elas de
docência, pesquisa ou extensão, ou até mesmo estágio serão vistas e trabalhadas.
Dessa forma, partindo da premissa de que o processo de conhecimento é um processo
que deve ser aberto, pautado pelo diálogo e pela relação de professor e aluno permeada pela
afetividade, sem que com isso o professor se desincumba de seu dever de ensinar, de maneira
ética, tampouco perca a sua autoridade perante os alunos, essa autoridade docente não pode
ser confundida com a sua suposta inquestionável superioridade em termos de conhecimento, a
ponto de negligenciar e rechaçar os saberes e experiências trazidas pelos seus educandos. É
necessário que se reconheça, a todo momento, o inacabamento tanto do conhecimento dos
alunos quanto do conhecimento trazido pelo próprio educador.
É necessário o estabelecimento de uma relação pedagógica que não se trata apenas de
conceber a educação como transmissão de conteúdos curriculares por parte do educador,
tendo como necessidade a participação do educando, levando em conta a sua autonomia e
estabelecendo uma prática dialógica na universidade.
O pluralismo jurídico enquanto categoria e temática a ser tratada no processo
educacional, de acordo com os autores trabalhados cujas obras serviram como referência
sobre o tema, ao questionar a exclusividade do Estado enquanto fonte do direito, tem um quê
dessa característica do ato pedagógico defendido por Freire: o questionamento do saber e do
conhecimento imposto, transferido do educador aos seus educandos de maneira vertical, e o
reconhecimento de outros atores como possíveis produtores de fenômenos jurídicos. O Direito
passa a ser encarado como um fenômeno resultante de relações sociais e valorações desejadas
e admite-se a instauração de outra legalidade a partir da multiplicidade de fontes normativas
não obrigatoriamente estatais.
A partir da compreensão e do reconhecimento da existência de um pluralismo jurídico, a
sociedade passa a ser encarada como uma instituição descentralizada, pluralista e participativa.
E uma instituição de ensino que, a partir de seu projeto pedagógico, parta dessa premissa ou
ao menos considere a possibilidade de tratar deste tema parece encaminhar-se para o projeto
de educação proposto por Freire.
Analisando-se, portanto, os projetos pedagógicos mencionados e as ramificações do
108
ensino jurídico oferecido pela Faculdade de Direito da UFF, como as disciplinas ofertadas,
grupos de pesquisa e extensão existentes, trabalhos de conclusão de curso apresentados,
chega-se à conclusão de que não restou evidenciado o tratamento a temática do pluralismo
jurídico como uma categoria autônoma, capaz de gerar, por exemplo, a criação de uma
disciplina específica sobre o tema ou sobre um dos seus desdobramentos.
A temática do pluralismo, apesar de aparentemente permear o conteúdo dos documentos
institucionais dos PP, não parece ter sido suficientemente considerado a ponto de afirmarmos
que o ensino jurídico oferecido pela Faculdade de Direito da Universidade Federal
Fluminense é um ensino que se enquadre nos pressupostos teóricos de Paulo Freire de uma
educação que promova a autonomia e libertação dos educandos.
Não há dúvidas de que a Faculdade de Direito da UFF, por ser uma instituição de ensino
superior de natureza pública, tem intrínseca à sua identidade uma diversidade de valores e
pluralidade de ideias que, em certa medida, vai ao encontro ao que se entende por um ensino
mais aberto a esses valores e apto a abordagem da temática do pluralismo jurídico. Talvez as
atividades complementares e os grupos de pesquisa e atividades de extensão sejam os espaços
mais aptos para abordagem desse tema dentro da Faculdade, por serem opcionais e por ser
inerentes a esses espaços uma maior autonomia àqueles que irão conduzir essas atividades.
É necessário reconhecer que houve uma evolução nos últimos anos na visão da
educação superior, o que pode ser constatado com o teor dos principais atos normativos
destacados neste trabalho. Essa evolução, sem dúvida, caminhou para o estabelecimento de
processos de ensino e de aprendizagem mais próximos aos pressupostos da teoria de freire
sobre educação e a pedagogia. No entanto, como o processo de aprendizagem é uma via de
mão dupla e aberto às influências externas, como tão bem ressaltado por Freire, é nítida a
influência da economia e da política no ensino oferecido pelas Faculdades de Direito. E não
seria diferente na Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense. Pela análise da
grade curricular do curso de Graduação, por exemplo, percebe-se que as matérias ditas
propedêuticas se concentram muito mais no início da graduação, enquanto as matérias ditas
profissionalizantes se concentram no final do curso, de maneira a disponibilizar ao aluno um
ensino que lhe prepare melhor para o ingresso no mercado de trabalho.
Vale lembrar que os docentes de hoje são os alunos de ontem. Como exigir um ensino
pautado em uma visão humanizante, social, política, ética, histórica e cultural se aqueles que
hoje ostentam a condição de educadores não foram educados com essa visão? É claro que, em
se considerando a própria formação dos professores como um processo contínuo e dinâmico,
pode-se esperar que em algum momento dessa formação e da prática docente, os professores
109
sem essa visão inicialmente, passem a encarar o processo de ensino sob essa nova ótica. No
entanto, isso seria exigir da pré-disposição e boa vontade de cada professor para a realização
dessa autocrítica, o que é muito difícil, pois a formação de muitos deles sequer reconhece que
os mesmos se encontram em constante processo de formação. Para muitos, a obtenção do
título necessário, ou apenas o efetivo exercício da docência, já lhes confere o “poder” de ser
professor e, por consequência, na relação professor-aluno ocupar o posto superior, o detentor
de todo conhecimento.
Já por parte dos próprios alunos, há um certo anseio em terem acesso a um ensino que
lhes ofereça as ferramentas necessárias para o seu êxito profissional. Há ainda uma cultura
muito forte no meio jurídico que impulsiona os alunos às carreiras públicas e, por isso, exige-
se a oferta de um ensino com o máximo caráter profissionalizante possível. Tanto é assim que
muitas universidades se vangloriam e fazem autopropaganda pelo elevado número de alunos
egressos que são aprovados, seja na prova da Ordem dos Advogados do Brasil, seja em
concursos públicos realizados em todo o país. Desconheço alguma faculdade que, após a
graduação (ou pós-graduação) de seus alunos, se dê ao trabalho de ao menos tentar
acompanhar de alguma forma a atuação profissional desses alunos, de maneira a constatar que
a boa formação a eles oferecida não se restringiu ao aspecto profissional e econômico, mas
que foi oferecido também um ensino que contribuísse para a boa formação desses alunos
enquanto indivíduos.
110
Referências:
AGUIAR, Roberto A. R. de. Habilidades: ensino jurídico e contemporaneidade. Rio de
Janeiro: DP&A, 2004, p.183.
ARAÚJO, Ana Valéria. Povos Indígenas e a Lei dos “Brancos”: o direito à diferença.
Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade; LACED/Museu Nacional, 2006.
BARBOSA, Marco Antonio. Autodeterminação – direito à diferença. Série: Pluralismo
Jurídico. São Paulo: Plêiade, 2001.
BARRETO, Vicente. Sete notas sobre o ensino jurídico. In: UNIVERSIDADE DE
BRASÍLIA. Encontros da UnB. Ensino Jurídico. Brasília: UnB, 1978 - 1979. p.73-86.
BASTOS, Aurélio Wander. O ensino jurídico no Brasil. 2. ed. RJ: Lumen Juris, 2000.
BELLO - O pensamento descolonial e o modelo de cidadania do novo constitucionalismo
latino-americano. Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito
(RECHTD). Unisinos, janeiro-abril 2015.
BITTAR, Eduardo C.B. Direito e ensino jurídico. Legislação educacional. São Paulo: Atlas,
2001.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasil:
Senado, 1988.
BRINGEL, Breno; VARELLA, Renata Versiani Scott Varella. Pesquisa Militante e
Produção de Conhecimentos: o enquadramento de uma perspectiva. Disponível
em:http://universidademovimentosociais.wordpress.com/artigos/, 2014.
CERQUEIRA, Daniel Torres de; FILHO, Roberto Fragale (organizadores). O ensino jurídico
em debate: o papel das disciplinas propedêuticas na formação jurídica. Campinas, SP:
Millennium Editora, 2006.
COLAÇO, Thais Luzia (organizadora). Aprendendo a ensinar direito o Direito.
Florianópolis: OAB/SC Editora, 2006.
CUNHA, Luiz Antônio. O ensino superior no octênio FHC. Educ. Soc., Campinas, vol. 24,
n. 82, p. 37-61, abril 2003.
DANTAS, San Tiago. A educação jurídica e a crise brasileira. Revista Forense, Rio de
Janeiro, v.159, ano 52, p.449-459, maio/jun. 1955. _____. Renovação do Direito. In:
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA. Encontros da UnB. Ensino Jurídico. Brasília: UnB, 1978 -
1979. p.37-54.
DEVECHI, Antonio (org.). Constituições do Brasil, 1824-1988: documento histórico.
Curitiba: Juruá, 2012.
DUSSEL, Enrique. Europa, modernidade e eurocentrismo. In: LANDER, Edgardo (Org.).
111
A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas.
Buenos Aires: Colección Sur Sur, CLACSO, setembro 2005. p. 55-70.
EHRLICH, Eugen. Fundamentos da sociologia do direito. Brasília: UnB, 1986.
FAGÚNDEZ, Paulo Ronay Ávila (organizador) Retratos dos cursos jurídicos em Santa
Catarina: elementos para uma educação jurídica. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2002.
FARIA, José de. O papel da universidade na formação dos juristas (advogados). Boletim
da Faculdade de Direito, Coimbra, v. LXXII, p.411-420, 1996.
FLÓREZ, Juliana Flórez. Lecturas Emergentes: Decolonialidad y subjetividad en las teorias
de movimientos sociales. Bogotá: Pontifícia Universidad Catolica Javeriana, 2010.
FREIRE, Paulo. A Educação na Cidade. São Paulo: Paz e Terra, 1979.
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 4ª edição. Rio de Janeiro: Editora
Paz e Terra, 1974.
FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? 7ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. p. 10-
37.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São
Paulo: Paz e Terra, 2011.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um Reencontro com a Pedagogia do oprimido.
São Paulo: Paz e Terra, 1997.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da tolerância. Organização, apresentação e notas Ana Maria
Araújo Freire. 3ª ed. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2014.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003.
GADOTTI, Moacir; ROMÃO, José E. (orgs.). Autonomia da Escola: princípios e
propostas. 7ª edição. São Paulo: Cortez, 2012.
GADOTTI, Moacir. Concepção dialética da educação: um estudo introdutório. 11. ed. São
Paulo: Cortez, 2000.
GADOTTI, Moacir. Escola cidadã. 13ª edição. São Paulo: Cortez, 2010.
GADOTTI, Moacir. Escola vivida, escola projetada. 2ª edição. São Paulo: Papirus, 1995.
GADOTTI, Moacir; FREIRE, Paulo; GUIMARÃES, Sérgio. Pedagogia: diálogo e conflito.
9ª edição. São Paulo: Cortez, 2015.
GADOTTI, Moacir. Projeto Político-Pedagógico da Escola. Fundamentos para a sua
realização. Em GADOTTI, Moacir; ROMÃO, José Eustáquio (orgs.). Autonomia da Escola –
princípios e propostas – 7. Ed. – São Paulo: Cortez, 2012.
112
GALLARDO, Helio. Derechos humanos como movimiento social. Bogotá: Ediciones desde
abajo, 2006.
HERKNHOFF, João Batista. O papel progressista do direito, dos juristas e dos juízes.
In:_____ (Org.). Direito e utopia. São Paulo: Acadêmica, 1993. p. 31-38.
HERRERA FLORES, Joaquín. Teoria Crítica dos Direitos Humanos. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2009.
HERRERA FLORES, Joaquín. A (Re)invenção dos Direitos Humanos. Florianópolis:
Fundação Boiteux, 2009.
JUBILUT, Liliana Lyra; BAHIA, Alexandre Gutavo Melo Franco; MAGALHÃES, José Luiz
Quadros de. (coordenadores). Direito à diferença: aspectos institucionais e instrumentais
de proteção às minorias e aos grupos vulneráveis, volume 3. São Paulo: Saraiva, 2013.
LIMA, Licínio C. Organização Escolar e Democracia Radical – Paulo Freire e a
governação democrática da escola pública. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2002.
LUCHMANN, Julio César. Políticas Públicas Para o Ensino Superior no Brasil (1994-
2006): Ruptura e Continuidade entre es Governos de Fernando Henrique Cardoso e
Luis Inácio Lula Da Silva. PUC – Paraná.
http://www.pucpr.br/eventos/educere/educere2007/anaisEvento/arquivos/CI-147-01.pdf.
Acesso em fevereiro de 2017.
MALISKA, Carlos Augusto. Pluralismo Jurídico e Direito Moderno: notas para pensar a
racionalidade jurídica da modernidade. Curitiba: Juruá, 2000. MELO, Raissa de Lima e.
Pluralismo jurídico: para alem da visão monista. Campina Grande: EDUEP, 2002.
LINHARES, Mônica Tereza Mansur. Ensino Jurídico: educação, currículo e diretrizes
curriculares no curso de direito. São Paulo: Iglu, 2010, 508 p.
LOPES, José Reinaldo de Lima. Função social do ensino da ciência do direito. Revista de
Informação Legislativa, Brasília, v.72, ano 18, p.365-380, out./dez. 1981.
MACHADO, Antônio Alberto. Ensino jurídico e mudança social. 2. ed. São Paulo: Atlas,
2009, 187 p.
MELO FILHO, Álvaro. Metodologia do ensino jurídico. 3. Ed. Rio de Janeiro: Forense,
1984.
MELLO, Reynaldo Irapuã Camargo. Ensino jurídico – formação e trabalho docente.
Curitiba: Juruá, 2007, 136 p
MENDES, Susel Cabrera Machado Alves. Gestão escolar e cidadania: o projeto político-
pedagógico e os desafios da escola pública para a formação cidadã. Americana: Centro
Universitário Salesiano de São Paulo, 2012.
MIGNOLO, Walter. The idea of Latin America. Oxford: Blackwell Publishing, 2008.
MIGNOLO, Walter. Desobediência Epistémica: Retórica de la Modernidad, Lógica de la
113
Colonialidad y Gramática de la Descolonialidad. Ediciones del Signo, Buenos Aires ‐ Argentina, 2010.
MONDARDO, Dilsa; ALVES, Elizete Lanzoni; SANTOS, Sidney Francisco Reis dos.
(organizadores). O Ensino Jurídico interdisciplinar: um novo horizonte para o Direito.
Florianópolis: OAB/SC Editora, 2005.
OAB Ensino jurídico: balanço de uma experiência. Brasília, DF: OAB, Conselho Federal,
2000.
OAB. Ensino jurídico OAB: 170 anos de cursos jurídicos no Brasil. Brasília, DF: OAB,
Conselho Federal, 1997.
QUIJANO, Anibal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER,
Edgardo (Org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas
latino-americanas. Buenos Aires: Colección Sur Sur, CLACSO, setembro 2005. p. 227-278.
RODRIGUES, Horácio Wanderlei. A reforma curricular nos cursos jurídicos e a portaria
n.º 1.886/94MEC. In: I SEMINÁRIO NACIONAL DE ENSINO JURÍDICO,
RODRIGUES, Horário Wanderlei. Pensando o ensino do direito no século XXI: diretrizes
curriculares, projetos pedagógicos e outras questões pertinentes. Florianópolis: Fundação
Boiteux, 2005.
SÁNCHEZ RUBIO, David. Repensar Derechos Humanos: de la anestesia a la sinestesia.
Sevilha: Mad, 2007.
SANTOS, Boaventura de Sousa. La universidad en el siglo XXI. Para una reforma
democrática y emancipadora de la universidad. inRamírez, René (org.) Transformar la
universidad para transformar la sociedad. Quito: SENESCYT, 2012, 139-194.
SANTOS, Boaventura Sousa. Notas sobre a história jurídico-social de Pasárgada. In:
DOUSA JR., José Geraldo (organizador). O direito achado na rua. Brasília: Universidade de
Brasília, 1988b, p. 46-51.
SANTOS, Boaventura de Sousa. O direito dos oprimidos: sociologia crítica do direito,
parte 1. São Paulo: Cortez, 2014.
SANTOS, Boaventura Sousa. O Direito e a comunidade: as trasformações recentes da
natureza do poder do Estado nos países capitalistas avançados. Revista Crítica de
Ciências Sociais nº 10. Dezembro de 1982.
SANTOS, Boaventura de Sousa. O discurso e o poder. Ensaios sobre a sociologia retórica
jurídica. Porto Alegre: SAFE, 1988.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma pedagogia do conflito. In Freitas, Ana Lúcia e
Moraes, Salete Campos (Orgs.), Contra o desperdício da experiência. A pedagogia do conflito
revisitada. Porto Alegre: Redes Editora Ltda., 2009, 15-40.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a
114
política na transição paradigmática. Conteúdo: V.1. A crítica da razão indolente: contra
o desperdício da experiência. 7ª edição. São Paulo: Cortez, 2009.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-
modernidade. 7ª edição. São Paulo: Cortez, 2000.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Poderá o direito ser emancipatório? Revista Crítica de
Ciências Sociais, 65, Maio 2003: 3-76.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo
multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
SHIRAISHI NETO, Joaquim. Direito dos povos e das comunidades tradicionais no Brasil:
declarações, convenções internacionais e dispositivos jurídicos definidores de uma
política nacional. Joaquim Shiraishi Neto, organizador. Manaus: uea, 2007.
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés. O renascer dos povos indígenas para o direito.
Curitiba: Juruá, 1998.
VEIGA, I.P.A. Inovações e projeto-pedagógico: uma relação regulatória ou
emancipatória? Caderno Cedes, v. 23, nº 61, Campinas, Dez, 2003.
VENERIO, C. M. S.. A Introdução ao Estudo do Direito. In: Daniel Torres de Cerqueira;
Roberto Fragale Filho. (Org.). O Ensino Jurídico em Debate: o Papel das Disciplinas
Propedêuticas na Formação Jurídica.. 1aed.Campinas: Millennium, 2007, v. I, p. 1-12.
VENERIO, Carlos Magno Spricigo; WOLKMER, Antônio Carlos. Em busca do ethos
comunitário - Universidades catarinenses mantidas por Fundações públicas de direito
privado, um olhar a partir do pluralismo jurídico. Rev. GUAL., Florianópolis, v. 4, n. 3,
p.63-84, set/dez. 2011.
VENERIO, C. M. S.; RICHTER, D.. Universidade Comunitária e Pluralismo Jurídico:
Experiências de Juridicidade Emancipatória no Ensino Superior Catarinense. In: Ismael
Francisco de Souza; Reginaldo de Souza Vieira. (Org.). Direitos fundamentais e Estado
[recurso eletrônico] : políticas públicas & práticas democráticas. 1ed.Criciúma: Editora da
UNESC, 2011, v. 1, p. 305-326.
WALSH, Catherine; GARCÍA LINERA, Álvaro. Interculturalidad, Descolonización del
Estado y del Conocimiento. Buenos Aires: Signo, 2006.
WOLKMER, Antônio Carlos. Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico. 8ª Ed. São
Paulo, 2012.
WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo Jurídico: fundamentos de uma nova cultura no
Direito. 2ª edição. São Paulo: Editora Alfa Ômega, 1997.
WOLKMER, Antônio Carlos; NETO, Francisco Q. Veras; LIXA, Ivone M. (orgs.).
Pluralismo Jurídico: os novos caminhos da contemporaneidade. 2ª edição. São Paulo:
Saraiva, 2013.
115
Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=2191-
plano-nacional-pdf&category_slug=dezembro-2009-pdf&Itemid=30192.
Acesso em maio de 2016.
http://educador.brasilescola.uol.com.br/politica-educacional/ppp-escola-cidadania.htm.
Acesso em maio de 2016.
http://www.portaleducacao.com.br/pedagogia/artigos/3550/projetopoliticopedagogicoaidentid
adedaescola. Acesso em 08/05/2016.
http://gestaoescolar.abril.com.br/aprendizagem/projetopoliticopedagogicoppppratica610995.S
html. Acesso em 08/05/2016.
http://www.comfor.unifesp.br/wp-
content/docs/COMFOR/biblioteca_virtual/EDH/mod3/Mod3_Un4_EDH.pdf. Acesso em
maio de 2016.
http://www.planalto.gov.br/
http://pne.mec.gov.br/. Acesso em julho de 2016.
http://portal.mec.gov.br Acesso em julho de 2016.
http://unesdoc.unesco.org/. Acesso em julho de 2016.
http://unb2.unb.br. Acesso em julho de 2016.
http://www.direito.uff.br. Acesso em janeiro de 2017.
http://portal.iphan.gov.br. Acesso em fevereiro de 2017.
https://www.fnde.gov.br. Acesso em fevereiro de 2017.
http://siteprouni.mec.gov.br. Acesso em fevereiro de 2017.
1http://prouniportal.mec.gov.br. Acesso em fevereiro de 2017.
http://reuni.mec.gov.br/o-que-e-o-reuni. Acesso em fevereiro de 2017.
http://www.redebrasilatual.com.br. Acesso em fevereiro de 2017.
https://www12.senado.leg.br/. Acesso em fevereiro de 2017.
http://www.cienciasemfronteiras.gov.br. Acesso em fevereiro de 2017.
http://www.tacap.uff.br/. Acesso em março de 2017.
116
ANEXO A
PROJETO PEDAGÓGICO INSTITUCIONAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL
FLUMINENSE
117
APRESENTAÇÃO
Niterói, junho de 2002.
Consolidar a identidade institucional da UFF
A Universidade Federal Fluminense (UFF), atenta ao processo contínuo de mudanças que ocorre nas
sociedades contemporâneas, e na brasileira, em particular, está consciente de que o papel da universidade,
relacionado à educação superior, necessita de uma redefinição. Particularmente, requerem especial atenção os
contornos que a orientam para a formação da cidadania e do exercício profissional contemporâneo. Em
sintonia com este pensamento, e também por considerar imprescindível que, após 40 anos de existência, a
UFF possua uma referência capaz de consolidar sua identidade institucional, apresentamos a comunidade
universitária o Projeto Pedagógico Institucional da UFF(PPI/UFF). Trata-se, assim, de contribuir para
projetá-la no futuro, no rumo da construção de uma universidade compro- metida socialmente e reconhecida
no cenário acadêmico nacional e internacional.
Reconhecemos o caráter dinâmico e a natureza polêmica de um projeto desta natureza, o que é
salutar numa instituição universitária pública, centro aglutinador da diversidade. Também reconhecemos
que sua implementação exige esforço coletivo e comprometimento, tanto da esfera acadêmica, quanto da
administrativa. Caso contrário, será letra morta.
Olhar para o futuro: o lugar para onde se quer ir, onde se almeja chegar.
Assumindo sua natureza de Projeto, o presente documento olha para o futuro, para o que é
necessário a UFF realizar, de modo a se oferecer sempre um ensino de melhor qualidade, tendo como eixo
direcionador as necessidades sociais, compreendidas em seu sentido amplo. Não se restringe, portanto, àquilo
que somos e de que dispomos. Referência o lugar para onde queremos ir, onde almejamos chegar, enfim, a
utopia que queremos construir. A partir desse pressuposto, propõe modos de dar consecução às metas a serem
atingidas. Assim, na qualidade de Projeto Pedagógico Institucional, configura-se como uma previsão para que
se obtenham determinados fins na esfera educativa. Tais fins serão estabelecidos a partir da avaliação dos
cenários possíveis para o desenvolvimento das sociedades, da produção do conhecimento, do ensino e das
profissões.
Não desconhecemos, no entanto, que sua efetividade está direta- mente ligada ao grau e ao tipo de
participação de todos os envolvidos com o processo educativo, demandando que sua construção se
constitua em um processo dinâmico e coletivo.
Com essa perspectiva, a Comissão constituída para elaborar a proposta preliminar do PPI/UFF, ao
apresentar o primeiro resultado dos seus trabalhos, incorporado no documento “Projeto Pedagógico
Institucional: proposta para discussão”, solicitou que o mesmo fosse amplamente discutido. Desse modo,
apresentamos o referido documento aos Pró-Reitores, Diretores de Centro e demais Conselheiros do
Conselho de Ensino e Pesquisa, em Reunião Ordinária de 19/12/2001, solicitando ampla divulgação e
discussão junto à comunidade acadêmica. Ainda, no intuito de possibilitar maior divulgação do documento,
118
providenciamos sua disponibilização nas páginas web da UFF e da PROAC, recomendando que a comunidade
acadêmica contatasse a Direção de seu respectivo Centro para viabilizar formas de debate e reflexão coletiva,
visando o aprimoramento da proposta apresentada.
Durante esse período, a Comissão atendeu a diversos convites para discussão da proposta, oriundos
de diferentes unidades, tais como: CES, Faculdade de Educação, Colegiado do Curso de Veterinária e
Fórum de Coordenadores dos Cursos de Graduação da UFF. Além dessas manifestações, a Comissão recebeu
várias considerações e/ou sugestões de distintos Departamentos de Ensino, bem como de docentes,
individualmente. Após, a Comissão procurou reunir e compatibilizar as diversas contribuições recebidas,
incorporando-as à versão final do documento. Esta versão foi submetida ao Conselho de Ensino e Pesquisa
que, em Reunião Ordinária de 31 de julho de 2002, obteve a aprovação unânime de seus membros. Esta
delibe- ração foi ratificada pela Decisão CEP Nº 495/2002.
Assim, após os debates e aperfeiçoamentos correspondentes e de sua respectiva aprovação no
Conselho de Ensino e Pesquisa, o PPI/UFF passa a configurar-se como o documento de referência
institucional para a execução de uma política de ensino na UFF. Sua existência, no entanto, não representa a
intenção de encerrar-se em si mesmo. Visa uma construção duradoura, mas sempre realimentada pela
experiência.
Caberá, então, à comunidade acadêmica e aos próprios gestores, a- través do planejamento
institucional, não só utilizar os meios de que dis- põem, mas, também buscar outros que se façam necessários
para progressivamente concretizar os ideais aqui explicitados.
Cícero Mauro Fialho Rodrigues
Reitor
119
1. INTRODUÇÃO
A proposição de um Projeto Pedagógico Institucional para a UFF (PPI/UFF) tem por finalidade dotá-
la de um plano de referência para sua ação educativa. Se considerarmos a importância que o ensino de
graduação e de pós-graduação assumem na Universidade, não é difícil projetar suas implicações para o todo
institucional. Este, quando implementado, altera qualitativamente todas as instâncias que compõem a
instituição.
A pluralidade da Universidade não é neutra, portanto ela deve explicitar sua proposta pedagógica
para a sociedade
Os fundamentos do PPI/UFF, orientando o processo educativo de forma articulada, no entanto, não
pode secundarizar os compromissos sociais da Instituição. A ideia de autonomia, que se expressa no cotidiano
educacional através do princípio da liberdade de ensino, se impõe como corolário dos compromissos sociais e
engendra o caráter plural da Universidade. Mas esta pluralidade não é neutra e nem necessariamente atende
a interesses comuns. Tal fato exige que a Universidade explicite os fundamentos de sua proposta para a
sociedade, como forma de submeter-se à crítica social. Assim, a afirmação da liberdade de ensino cria as
condições para que ele possa legitimamente materializar-se, articulando a pluralidade de ideias e propostas que
caracterizam a instituição.
Desta perspectiva, em uma instituição estruturada, como a nossa, impõem-se, naturalmente, algumas
indagações, dado que, de forma explícita ou não, há projetos pedagógicos de curso em andamento. Muitos
deles atualizados recentemente, de acordo com os recursos disponíveis e com as di- retrizes existentes. Assim,
cabe perguntar: como produziremos a integração entre os diferentes projetos? O que eles têm em comum? De
que modo suas especificidades poderiam contribuir para potencializar uma proposta integradora? Como
ampliar sua capacidade de intervenção na realidade do mundo atual?
Para efeitos de construção do presente documento, toma-se como referência o pressuposto de que
um projeto educativo é parte indissociável dos projetos sociais e culturais q u e o enformam. Entre suas
características básicas estão:
Expressar uma proposta pedagógica;
Implicar em uma concepção de “ser humano”;
Orientar-se por u m estilo educativo e em um estilo de aprendizagem ensino;
Considerar a realidade d o contexto social, econômico e cultural n o qual se realizará;
Concretizar-se pela ação integrada de gestores, docentes, alunos e técnico-administrativos.
Desta ótica, a construção do PPI implica preliminarmente um diagnóstico, isto é, o que está se
passando no mundo atual e na UFF. Uma vez obtido o consenso necessário a respeito das questões
fundamentais, trata-se de traçar as alternativas de ação. Para traçá-las, é necessário uma fundamentação
teórica (filosófico-pedagógica) que justifique o porquê de sua formulação e os seus propósitos e objetivos
– para que vamos fazê-lo.
Estabelecidos os nossos propósitos, há que se conceber as estratégias de implementação, ou seja:
Como vamos fazê-lo? Pessoas para implementar a proposta: quem a dirigirá e a quem se destinará – Com
120
quem vamos fazê-lo e a quem vamos dirigi-lo? Recursos materiais e outros - Com o que vamos fazê-lo?
Cronograma – Quando vamos fazê-lo? Circunscrição da área de ação – ambiente físico e lugar geográfico –
Aonde iremos realizá-lo?
É preciso começar hoje a construir o amanhã
Obviamente reconhecemos que para muitas destas questões não temos respostas imediatas, nem
mesmo os recursos materiais e financeiros necessários, assim como a correspondente atualização e/ou
qualificação das pessoas envolvidas. Mas, se queremos avançar na consolidação da UFF, não podemos adotar
posturas imobilizadoras diante das adversidades. Trata-se, inicialmente, de redefinir nossos projetos
pedagógicos de curso, com os re- cursos disponíveis, e progressivamente incorporar os princípios, diretrizes e
valores aqui propostos. No âmbito da gestão acadêmica, faz-se necessário repensar nossas metas institucionais
e os modos de dar-lhes consecução na direção do que se pretende. E, neste processo, à luz das experiências e
re- flexões operadas sobre a realidade rever, quando de fato se fizer imprescindível, os objetivos definidos. É
preciso começar hoje a construir o amanhã.
Este documento é resultado dos estudos e discussões havidas com a participação de representantes da
Pró-Reitoria de Assuntos Acadêmicos – PROAC, Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação – PROPP,
pela Pró-Reitoria de Extensão – PROEX e da Comissão Permanente de Avaliação Institucional da UFF –
CPAIUFF. Para sua elaboração tomou-se como referência fundamental os documentos: Diretrizes para uma
Política de Graduação na UFF, elaborado pelo Fórum de Coordenadores dos Cursos de Graduação, em
1999; Plano Nacional de Graduação, proposto pelo Fórum de Pró-Reitores de Graduação das Universidades
Brasileiras – FORGRAD, em 1999, Plano Nacional de Extensão, formulado pelo Fórum Nacional de Pró-
Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras, em 2000, IV Plano Nacional de Pós-Graduação,
apresentado pela CAPES como versão preliminar em 2000, além das propostas de reformulação para a
educação superior em nível mundial anunciadas pela Unesco através do documento “Tendências da Educação
Superior para o Século XXI”.
Além desses referenciais, o PPI/UFF incorpora também as diversas contribuições recebidas da
comunidade acadêmica. Com base nesse conjunto de referências, procura apontar alguns pressupostos básicos
para a reestruturação das propostas pedagógicas dos cursos de graduação, o aperfeiçoa- mento dos programas
de pós-graduação e sua efetiva articulação com a extensão.
2.DESAFIOS PARA A UNIVERSIDADE E PARA A EDUCAÇÃO SUPERIOR
Pensar a natureza da formação universitária a ser oferecida, e a qualidade intrínseca que ela
engendra, implica, antes de tudo, optar por uma concepção pedagógica referenciada ao futuro da sociedade.
Para isso é necessário repensar o papel social que a Universidade desempenha no contexto em que se insere. É
concebê-la em suas possibilidades e limitações diante dos desafios que a ela se impõe e lhe são impostos.
A complexidade das sociedades atuais leva a Universidade Pública, como instituição, a ter que se
defrontar com uma série de exigências às quais ela, ainda, não tem condições de responder. Sua capacidade
de resposta é prejudicada pelas políticas restritivas ao seu financiamento, por parte do Estado, e pela
121
ociosidade com que reage às mudanças e inovações no ambiente externo. É assim que, premida pelas críticas,
desaparelhada pelo financiamento restritivo, massificada para atender a interesses utilitaristas, e ca- rente de
estímulo aos seus quadros, ela se acomoda a interesses políticos e de mercado, na busca de sua re-legitimação.
Concepção pedagógica referenciada ao futuro da sociedade.
Como instituição social, a Universidade vem sendo questionada por muitos setores. Esses
questionamentos seriam decorrência de vários fatores, dentre os quais se destacam os questionamentos ao
paradigma da modernidade, ao princípio da razão e o desgaste das utopias. De outra parte, não se pode
esquecer também do progressivo desenvolvimento e disseminação das novas tecnologias de comunicação e
informação que contribuem para um descentramento na produção do conhecimento e na formação de
profissionais de que os países necessitam para o seu desenvolvimento.
Entretanto, mesmo diante desses questionamentos, não se pode deixar de lado o caráter crítico da
Universidade, ao produzir e disseminar conhecimento. Afinal, de que lugar pode-se questionar a verdade,
volátil ou não, se não há um lugar mantido pela sociedade como instância de produção e de crítica ao
conhecimento instituído e/ou produzido157. E, é este questionamento constante ao conhecimento instituído
que viabiliza a função trans- formadora da educação superior.
O questionamento constante ao conhecimento instituído viabiliza a função transformadora da
educação superior.
No plano da produção do conhecimento constata-se um crescimento vertiginoso da atividade de
pesquisa, o que também contribuiu para a ruptura de fronteiras entre as disciplinas cientificas. Como
consequência, incrementa-se a produção do conhecimento através de redes de pesquisadores e instituições,
cada vez mais diversificadas. Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que se assiste a um formidável
desenvolvimento científico, constata-se que nunca a continuidade da vida no planeta e da raça humana esteve
tão ameaçada. As alterações no equilíbrio ecológico, na forma de vida, os dejetos industriais, o lixo não
degradável, a escassez de energia e de água, entre outros, não são só produto da complexificação das
sociedades, uma vez que são causadas pelas soluções que os especialistas engendram seja para o
desenvolvimento econômico, seja para o tecnológico e social.
A formação profissional orientada para diferentes inserções no mundo do trabalho.
Do ponto de vista do mundo do trabalho, verifica-se, cada vez mais, que a atuação profissional deixa
de ser referenciada nos postos de trabalho, nos cargos, para orientar-se pelos pressupostos das formas mais
flexíveis de produção. Esta configuração indica, para a Universidade, que a formação profissional a ser
oferecida deverá incluir a orientação para diferentes inserções no mundo do trabalho.
No plano das relações internacionais, por força da globalização econômica, assiste-se a progressiva
competitividade econômica e tecnológica entre países e regiões do planeta. Aqueles países que detêm capital e
157 RICOUER, PAUL Prefácio. In: DRÈZE, J; DEBELLE, J. Concepções da Universidade. Fortaleza: UFC, 1983.
122
tecnologia impõem aos demais um papel subordinado e dependente, tanto do ponto de vista econômico,
quanto tecnológico, cultural e ideológico. Este cenário indica, para a Universidade brasileira, a
necessidade de que ela contribua decisivamente para que se possa afirmar o país de modo soberano neste
novo contexto. Ela deverá gerar o conhecimento capaz de levar a soluções próprias a fim de que se supere
o atraso social, tecnológico e econômico com que o Brasil hoje se defronta.
A educação tem um compromisso com a paz, o bem estar de todos, a solidariedade entre os seres
humanos e a natureza.
Ao mesmo tempo em que se redesenham e se rompem fronteiras entre nações, vê-se crescer a
intolerância e o desprezo entre povos, a xenofobia e o racismo, a violência e a exclusão social. Assiste-se ao
massacre de etnias, à exclusão dos mais elementares direitos à vida, em continentes inteiros. Acrescente-se a
isso o fato de os conhecimentos necessários para a eliminação da vida serem, cada vez mais disponíveis para
quem deles queira fazer uso. As instituições educativas não podem, portanto, deixar de dar sua contribuição
para a superação deste quadro. A educação tem um compro- misso com a paz, o bem-estar de todos, a
solidariedade entre os seres humanos e a natureza.
No Brasil, além destes, muitos outros aspectos precisam ser mais bem equacionados. Como a
ausência de políticas consistentes que definam o lugar desta instituição no desenvolvimento do próprio país e
a ausência de uma política estável para o financiamento e desenvolvimento da pesquisa e do ensino, além de
outras relacionadas a democratização do acesso a Edu- cação superior. Estas ausências reduzem a capacidade
do Brasil de enfrentar a dependência tecnológica e econômica.
No que tange à pesquisa verifica-se que ela está majoritariamente concentrada nas Instituições
Públicas, mas, nelas ainda se reduz a um grupo. Com esta referência, as políticas públicas à ela relacionada,
consideram estratégico investir apenas nas áreas de pesquisa onde somos mais competitivos. Entretanto as
políticas de pós-graduação, adotadas nas últimas décadas, têm dado consideráveis resultados para a
formação de uma sólida massa crítica de pesquisadores, que começam a se disseminar pelo país e criando
expectativas bastante positivas para o desenvolvimento científico sustentado.
No plano nacional, quando consideramos parâmetros oficiais, a UFF firma-se, progressivamente, como uma
instituição de referência no campo científico, no do ensino e no do compromisso social. Seus indicadores de
desempenho vêm apresentando significativo crescimento, a despeito da contração de recursos a que se vê
submetida. Os critérios de mérito, convencionalmente estabelecidos, vêm sendo perseguidos cada vez mais
por diferentes áreas acadêmicas. O reconhecimento, por parte da comunidade regional, do ensino que
ministra é hoje incontestável, quando consideramos sua relação candidato/vaga. Constata-se o crescimento
acelerado das atividades de pós-graduação e progressivamente delineiam-se políticas consistentes de ensino,
pesquisa, extensão e gestão.
A UFF firma-se, progressivamente, como uma instituição de referência no campo científico, no do
ensino e no do compromisso social.
Se este quadro ainda não pode ser generalizado para todos os setores da UFF, não podemos deixar de
admitir que eles se vêm impondo de forma sensível. Evidencia-se, através de inúmeros indicadores, a
emergência de uma nova configuração interna, no que se refere ao quadro docente, à pesquisa, ao ensino e a
extensão. Entretanto, há de se reconhecer também que este desenvolvimento institucional vem sendo
123
prejudicado pela relativa falta de intencionalidade na sua gestão global e setorial. Ressalta-se a necessidade de
instrumentos balizadores deste desenvolvimento, tanto no campo dos princípios que a orientam, dando
forma a sua ação pedagógica e sua gestão acadêmica.
A tarefa de delinear os referenciais que deverão orientar este desenvolvimento e sua respectiva
ação pedagógica, portanto, deve ser compreendida como manifestação de intencionalidade deste
desenvolvimento. Ela é uma antecipação da formulação de políticas que delineiem, balizem e alavanquem a
qualidade que ganha corpo no seio da instituição e não uma negação daquilo que hoje se está a processar por
todos os setores que com- põem a UFF.
3. POR UMA CONCEPÇÃO DE ENSINO SUPERIOR
No plano do ensino, a Universidade tem estruturado suas metodologias pelo paradigma da
modernidade, trabalhando o conhecimento muito mais como produto do que como processo. Há, nessa
estruturação, a percepção de que a teoria vem sempre antes da prática e que esta deva ser compreendida como
aplicação exclusiva daquela. É valorizado um currículo altamente específico e especializado. No entanto, as
sociedades atuais estão a exigir, cada vez mais, a participação de cidadãos não somente qualificados para o
trabalho, mas principalmente aptos a refletir e produzir novos conhecimentos acerca de sua prática
profissional.
Contribuir para a for- mação de um cidadão imbuído de valores éticos que com competência técnica
atue no seu contexto social, comprometido com a construção de uma sociedade mais justa,
solidária e integrada ao meio ambiente.
Quando tomamos como referência a concepção de que a graduação consiste fundamentalmente em
um nível mais elevado de ensino, estamos, de algum modo, enfatizando as competências e habilidades
transferidas para o estudante. Nesta perspectiva, o caráter tecnicista e orientado para as necessidades do
mundo do trabalho se ressalta. Por outro lado, quando tomamos a graduação como educação superior, estamos
nos referindo à utilização dos meios que permitem assegurar a formação e o desenvolvimento do ser humano.
Através desta concepção busca-se encorajar o autodidatismo e estimular e facilitar a autonomia do espírito.
Não se trata de privilegiar o mero saber, mas antes de tudo um modo de pensar aberto e livre.158
Por compreender que o conhecimento não é neutro, bem como suas formas de produção e
disseminação, a UFF concebe a atividade de ensino num sentido amplo, que transcende a necessária
formação técnica e de competências. Seu objetivo é contribuir para a formação de um cidadão imbuído de
valores éticos que, com competência técnica, possa atuar no seu contexto social de forma comprometida com a
construção de uma sociedade mais justa, solidária e integrada ao meio ambiente.
Por ser uma Universidade Pública e Gratuita, a UFF estará sempre aberta aos mais amplos setores sociais e
suas ações, sempre pautadas pelos valores democráticos e acadêmicos, alicerçadas na produção crítica do
conhecimento. Enquanto local dinâmico da universalidade de saberes, espaço de diálogo e reflexão, a
Universidade deve buscar permanentemente o estabelecimento de inter-relações entre o todo e suas partes,
resguardadas as especificidades dos diferentes campos do conhecimento. Com isso reafirma a compreensão de
158 MORIN, E. Os sete saberes necessários a educação do futuro. Rio de Janeiro: Cortez, 2000.
124
que o produto final, sempre provisório, da construção da ciência e da tecnologia, deve ser identificado,
reconhecido, vivenciado e apropriado pela humanidade, como produto inacabado, colocando-o a serviço
da vida.
Como participante autônoma do desenvolvimento social, a formação na universidade será parceira de
um processo produtivo diversificado e múltiplo para uma sociedade que radicalize a concepção de cidadania.
Isto significa formar profissionais que estejam aptos a exercer suas funções de modo ético, sempre conscientes
das implicações sociais de suas ações. Uma formação que forneça um conjunto de referências éticas necessárias
tanto por razões profissionais, quanto por razões sociais, pessoais e ecológicas.
4. REFERENCIAIS PARA O ENSINO NA UFF
Para avançar na direção de uma concepção de Universidade com- prometida com o social teremos de
reconhecer que a ação pedagógica está presente em todas as dimensões e estruturas que caracterizam a
Universidade, não se reduzindo, portanto, àquilo que ocorre na sala de aula e nos conhecimentos transferidos.
Teremos de reconhecer, também, que o projeto pedagógico de cada curso se materializa no cotidiano,
através das práticas que o caracterizam, dos modelos que estimula, das atitudes e valores que promove e
incentiva, assim como dos recursos materiais disponíveis. E tal materialização é tão importante para a
formação do profissional quanto o conhecimento técnico.
A ação pedagógica está presente em todas as dimensões e estruturas que caracterizam a
Universidade
Respeitando a pluralidade de discursos e práticas pedagógicas existentes, os referenciais propostos a
seguir têm por objetivo fazer a UFF avançar, de modo articulado, na realização das atividades relacionadas
à educação superior. Para esta tarefa, a UFF assume como sendo estratégico substituir o paradigma da
disciplinaridade, que até agora conduziu o padrão ensino e aprendizagem na educação superior, pelo de
interdisciplinaridade e/ou transdisciplinaridade.
Através do enfoque interdisciplinar, promove-se a superação da vi- são restrita de mundo e a
compreensão da complexidade da realidade, pois ele pressupõe uma atitude de abertura não preconceituosa
onde todo o conhecimento é igualmente importante, onde o conhecimento individual es- vazia-se frente ao
conhecimento universal. A transdisciplinaridade, como o prefixo “trans” indica, diz respeito ao que está ao
mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de toda disciplina. Sua finalidade é
a compreensão do mundo atual, e um de seus imperativos teóricos é a unidade do conhecimento. A prática
da transdisciplinaridade, no contexto da sala de aula, implica na vivência do espírito de parceria e de
integração entre teoria e prática, conteúdo e realidade, o bjetividade e subjetividade, ensino e avaliação,
meios e fins, tempo e espaço, professor e aluno, reflexão e ação, dentre muitos dos múltiplos fatores
integradores do processo pedagógico. Para que se atinjam estes objetivos gerais, torna-se necessária a
configuração de estruturas curriculares mais flexíveis para os diferentes programas de ensino. Elas despontam
como elementos indispensáveis para atender tanto às demandas da sociedade tecnológica moderna, quanto
àquelas que se direcionam a uma dimensão criativa para a existência humana. Como atitude propositiva,
125
permite ao educando exercer a autonomia na escolha de seus objetivos, ou seja, buscar sentido para a sua
vida acadêmica.
Os esforços para a construção de uma proposta educacional desta natureza ressaltam a necessidade da
adoção de um paradigma de educação superior centrado no estudante. Este paradigma está assentado nos
quatro pilares da educação contemporânea: aprender a ser, a fazer, a viver juntos e a conhecer.159
Trata-se de, pedagogicamente, dar a sustentação necessária para a missão da educação superior. Educar
estudantes para que sejam cidadãos e cidadãs bem informado(a)s e profundamente motivado(a)s, capazes
de pensar criticamente e de analisar os problemas com a sociedade, procurando suas soluções e aceitando as
responsabilidades sociais daí decorrentes; as- pira-se, ainda, que sejam capazes de pensar criticamente as
mudanças que se operam na sociedade e que tenham habilidade de transitar nas diferentes regiões do saber.
Pilares da educação contemporânea
Aprender a ser, implica em aprender que a palavra "existir" significa descobrir os próprios
condicionamentos, descobrir a harmonia ou a desarmonia entre a vida individual e social. Para fundamentar
o ser, é preciso antes escavar as nossas incertezas, as nossas crenças, os nossos condicionamentos; questionar
sempre. Para isto o espírito científico é um precioso guia.
Aprender a fazer é um aprendizado da criatividade. "Fazer" também significa criar algo novo, trazer
à luz as próprias potencialidades criativas. Edificar uma verdadeira pessoa também quer dizer assegurar-
lhe condições máximas de realização de suas potencialidades criadoras, para que venha a exercer uma profissão
em conformidade com suas predisposições interiores. Aprender a fazer significa, certamente, a aquisição de
uma profissão, bem como dos conhecimentos e das práticas associadas a ela. Mas, especialmente de edificar
um núcleo de conhecimentos, suficientemente flexível para permitir, caso necessário, um rápido acesso à outra
área profissional.
Aprender a conhecer significa, antes de tudo, o aprendizado dos métodos que nos ajudam a
distinguir o que é real do que é ilusório e ter, as- sim, acesso aos saberes de nossa época. A iniciação precoce
na ciência é salutar, pois ela dá acesso, desde o início da vida humana à não-aceitação de qualquer resposta
pré-fabricada e/ou de qualquer certeza que esteja em contradição com os fatos. Aprender a conhecer também
quer dizer ser capaz de estabelecer pontes entre os diferentes saberes; entre estes saberes e suas
significações na vida cotidiana e, por fim, entre estes saberes e significados e as nossas capacidades interiores.
Aprender a viver juntos significa, em primeiro lugar, respeitar as normas que regulamentam as
relações entre os seres que compõem uma coletividade. Porém, essas normas devem ser verdadeiramente
compreendidas, admitidas interiormente por cada ser, e não sofridas como imposições exteriores. "Viver
junto" não quer dizer simplesmente tolerar o outro com suas diferenças de opinião, de cor de pele e de
crenças; fingir escutar o outro, embora permanecendo convencido da justeza absoluta das próprias posições.
Assim, mais do que tolerar o outro, é preciso aprender a articular a multiplicidade de diferenças, muitas vezes
conflituosas, entre os seres humanos.
159 CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE O ENSINO SUPERIOR (1998: Paris, França). Tendências da educação superior
para o século XXI. Brasília : UNESCO/CRUB, 1999.
126
Com este referencial, os processos de mudança curricular, na medida das possibilidades de cada
curso, devem progressivamente incorporar aos currículos abordagens que impliquem em:
-Conceber a ciência como um conhecimento em construção e sujeita a incerteza ao
erro e a ilusão.
-Promover o conhecimento capaz de apreender problemas globais e fundamentais,
para neles inserir os conhecimentos parciais e locais. Estimular o conhecimento da
identidade complexa do ser humano e a consciência de sua identidade comum a todos
os outros humanos. Para isso é preciso começar a compreender o ser humano como a um
só tempo físico, biológico, psíquico, cultural, social e histórico.
-Ensinar princípios para formulação de estratégias que permitam enfrentar os imprevistos,
o inesperado e a incerteza, e modificar seu desenvolvimento, em consonância com as
informações adquiridas ao longo do tempo.
-Educar para a paz e para a compreensão entre todos os seres humanos, através do estudo
da incompreensão a partir de suas raízes, suas modalidades e seus efeitos, enfocando não
os sintomas, mas suas causas.
-Desenvolver a ética do gênero humano, através da consciência de que o humano é, ao
mesmo tempo, indivíduo, parte da sociedade e parte da espécie.
O professor tem, como papel primeiro, recriar ou, preferentemente, produzir conhecimento e em
segundo lugar, orientar os alunos para que persigam e realizem o mesmo objetivo. Orientar significa
agir como instância critica e instigadora.
Para concretizar, no processo educativo, os referenciais propostos teremos de ir ao cerne da
Ciência e da Educação, que é a capacidade de questionar e de, através do questionamento competente,
intervir na realidade. O professor tem, como papel primeiro, recriar ou, preferentemente, produzir
conhecimento e, em segundo lugar, orientar os alunos para que persigam e realizem o mesmo objetivo.
Orientar significa agir como instância crítica e instigadora.
Para atingir esse objetivo, torna-se necessário conceber a atividade de ensino e suas articulações com
a pesquisa e extensão como procedimentos que mais fazem perguntas do que dão respostas. Entender que
aprender não é estar em atitude contemplativa ou absorvente frente aos dados culturais da sociedade, mas sim
estar envolvido na sua interpretação e produção. Partir da realidade para problematizar o conhecimento,
envolvendo o professor e o aluno na tarefa de investigação que tem origem e/ou se destina à prática
social e profissional. Isso significa dizer que a metodologia do “aprender a aprender” é um caminho
capaz de desenvolver as habilidades e competências necessárias à solução dos problemas advindos da
constante mudança da sociedade. Tal metodologia deve levar a uma formação em que o aluno é sujeito ativo do
processo de aprendizagem/ ensino.
Ensinar valendo-se do espírito da pesquisa significa trabalhar com a indagação e com a dúvida
científica, instrumentalizando o aluno a pensar e a ter independência intelectual, que lhe possibilite
a construção e a busca contínua do próprio conhecimento.
Ensinar valendo-se do espírito da pesquisa significa trabalhar com a indagação e com a dúvida
científica, instrumentalizando o aluno a pensar e a ter independência intelectual, que lhe possibilite a
construção e a busca contínua do próprio conhecimento.
127
A dúvida e a problematização, que são motivadores essenciais da pesquisa, nascem da prática social.
O que faz o homem produzir ciência e tecnologia são os desafios históricos que ocorrem nos diferentes
espaços. Sem o contato e a aptidão de leitura da realidade social, não é possível dar direção à pesquisa,
além do que a pesquisa só chega à sociedade como elemento de solução de seus problemas. O ciclo se
completa com o direcionamento para a sociedade de profissionais instrumentalizados para solucionar os
problemas por ela apontados. Assim se configura a desejada articulação entre o ensino, a pesquisa e a
extensão.
Extensão deve ser encarada na perspectiva da produção de conhecimento.
Neste sentido, a extensão deve ser encarada na perspectiva da produção do conhecimento,
contribuindo para viabilizar a relação transformadora entre a UFF e a sociedade. Mas, para isso, torna-se
necessário ampliar, cada vez mais, os canais de interlocução com a sociedade, a fim de que a realidade social
seja representada na sua totalidade. Cabe destacar, no entanto, que nem a Universidade deve se constituir em
agência de prestação de serviços, pois isto não a orienta para a produção de conhecimento, nem é sua função
substituir o Estado no atendimento às diferentes necessidades sociais.
Utilizar, no cotidiano da relação professor-aluno, a atitude de ensinar valendo-se do espírito científico,
requer a incorporação de metodologias e práticas que valorizem as experiências de autoaprendizagem e
trabalho cooperativo. Chama-se formação básica ao processo continuado e sempre atualizado de cultivo
deste tipo de competência. Ele é essencialmente fundamentado no saber pensar, interpretar a realidade crítica e
criativamente, para nela intervir como fator de mudança histórica. Desse modo, a pesquisa não se deve
restringir à fabricação da ciência, mas ser parte integrante do processo educacional.
As habilidades intelectuais são denominadas como pensamento crítico, pensamento reflexivo, capacidade
para resolução de
De forma geral, pode-se afirmar que o indivíduo possui habilidades intelectuais quando se mostra
capaz de encontrar, em sua experiência prévia, informações e técnicas apropriadas à análise e solução de
problemas novos. Isto exige do indivíduo uma análise e compreensão da situação problema, uma bagagem
de conhecimento ou métodos que possam ser utilizados e as condições para discernir as relações adequadas
entre experiências prévias e a nova situação. As habilidades intelectuais são denominadas como
pensamento crítico, pensamento reflexivo, capacidade para resolução de problemas. A obtenção destas
habilidades leva à competência. Para atingi-la, faz-se necessário superar o mero treinamento através do
estabelecimento da atualização permanente, teórica e prática.
Considerando a observação e a reflexão como princípios cognitivos de compreensão da realidade,
torna-se necessário aprofundar
e ampliar a articulação teoria e prática na estrutura curricular.
Considerando a observação e a reflexão como princípios cognitivos de compreensão da realidade,
torna-se necessário aprofundar e ampliar a articulação teoria e prática na estrutura curricular, integralizando
128
todas as atividades acadêmicas fundamentais para a produção do conhecimento na área do curso. Os
diversos elementos construídos pelas múltiplas disciplinas, e campos do saber, articulam-se em uma
concorrência solidária, para a criação do sentido e do conhecimento.
Faz-se necessário facilitar a aquisição de conhecimentos práticos, competências e habilidades para a
comunicação, análise crítica e criativa, a reflexão independente e o trabalho em equipe em
contextos multiculturais.
O trabalho interdisciplinar e coletivo permitirá o desenvolvimento de uma capacidade de análise e
produção de conhecimentos com base numa visão multidimensional e, portanto, mais abrangente sobre o
objeto de estudo. Ele corresponde a uma nova consciência da realidade, a um novo modo de pensar, que
resulta num ato de troca, de reciprocidade e integração entre áreas diferentes de conhecimento, visando tanto a
produção de novos conhecimentos, como a resolução de problemas, de modo global e abrangente.
Para atingir estes objetivos, recomenda-se facilitar a aquisição de conhecimentos teórico-práticos,
competências e habilidades para a comunicação, análise crítica e criativa, reflexão independente e trabalho
em equipe em contextos multiculturais. Estimular a criatividade, envolvendo a combinação entre o saber
tradicional, ou local e o conhecimento aplicado da ciência avançada e da tecnologia.
Recomenda-se, ainda, o desenvolvimento de novas aproximações para a avaliação educacional.
Estas colocarão à prova não somente a memória, mas também as faculdades de compreensão, a crítica e a
criatividade, incluindo-se a habilidade para o trabalho teórico-prático.
A partir dessas considerações, os Cursos de Graduação da UFF, ao partirem para a reformulação de
suas estruturas curriculares deverão observar os seguintes parâmetros:
-Concepção da estrutura curricular, fundamentada em metodologia de ensino que
articule o ensino, a pesquisa e a extensão.
-Estimulo ao desenvolvimento de conteúdos integradores e essenciais através de
processos interdisciplinares;
-Desenvolvimento d o espírito crítico e analítico, preparando-se os estudantes para
a resolução dos problemas enfrentados na atuação profissional, sempre resultantes da
evolução científica e tecnológica; Incorporação da pesquisa como elemento fundamental
das atividades de ensino e extensão.
-Orientação das atividades curriculares para a solução de problemas científicos e do
contexto local.
-Considerar a graduação como etapa de construção das bases para o desenvolvimento
do processo de educação continuada;
Ainda ne s t a perspectiva, impõe-se no plano operacional que a estrutura curricular a ser
desenhada implique em:
-Incentivar o trabalho em grupo e a formação de equipes interdisciplinares. Incentivar
a aquisição e assimilação de conhecimentos de forma interdisciplinar;
-Fortalecer a articulação da teoria com a prática, valorizando a pesquisa individual e
coletiva, assim como a monitoria, os estágios e a participação em atividades de extensão;
-Estimular práticas de estudo que promovam a autonomia intelectual;
-Promover a discussão de questões relacionadas à ética profissional, social e política
em todos os conteúdos programados;
Conduzir avaliações periódicas que utilizem instrumentos variados e sirvam para informar docentes e
discentes acerca do desenvolvimento das atividades didáticas.
129
5. EM DIREÇÃO A UMA DINÂMICA CURRICULAR INTEGRADORA
Para caminhar em direção a uma dinâmica curricular integradora, recomenda-se que a arquitetura
curricular deva ser flexível o suficiente para orientar a prática pedagógica pelo princípio da
interdisciplinaridade. Esta deverá ocorrer tanto entre as disciplinas quanto com as outras atividades que
configurarão a formação e que até agora foram consideradas complementa- res ao ensino, tais como: estágio,
monitoria, iniciação científica e extensão. Tais atividades deverão ser repensadas de modo que sejam
reconstruídos seus limites, a fim de se integrarem plenamente ao processo formativo.
Reafirma-se a pesquisa como princípio formador, resgatando a noção de cientificidade de uma
forma global e integradora da formação profissional, pela via da práxis, articuladamente à formação
humana geral. Para potencializar a prática da pesquisa a estrutura curricular deverá ser re- concebida, de modo
a antecipar a formação especifica correspondente.
A Iniciação Científica deve contribuir para levar o aluno a observar a realidade, dialogar e agir sobre
ela.
Assim, a Iniciação Científica deve contribuir para o desenvolvi- mento de formas de pensamento
que assegurem a sua clareza e o seu poder crítico, construtivo e independente. Ela deve levar o aluno não só a
observar a realidade, mas também a dialogar com ela e a agir sobre ela, através dos procedimentos que
caracterizam o trabalho científico: o teste, a dúvida, o desafio que, por sua vez, desfazem a tendência
meramente reprodutiva da aprendizagem.
De modo articulado, as novas estruturas curriculares devem possi- bilitar o engajamento dos alunos na
busca de soluções para problemas sociais correspondentes a sua área de formação. Trata-se de dar
concretude à in- dissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão.
As novas estruturas curriculares deverão propiciar, desde o início do curso, o comprometimento ético com a
solução de problemas sociais. Para tanto, deve-se dar suporte continuo as práticas sociais como elemento inte-
grante do processo formativo. Este compromisso social do estudante deve ser o ponto de partida e chegada
para a formação. Nesta perspectiva, todos os esforços serão envidados a fim de que a recepção do aluno
seja marcada pelo compromisso social.
A atividade de estágio deve perpassar todo o curso.
O princípio básico da formação profissional competente deve levar em consideração o contexto no
qual o profissional deverá atuar, reconhecendo-se, deste modo, que ela não é universal, embora não possa
prescindir do ensino e da experiência daqueles conhecimentos reconhecidos como integrantes do avanço
científico da área em questão. Nesse processo, o Estágio deve assumir um lugar de destaque, através da
interação com o campo de trabalho. As atividades de estágio devem ser capazes de propiciar ao aluno a
oportunidade de aplicar seus conhecimentos, de forma supervisionada, em situações de prática profissional
específica, o que significa dizer que o Estágio deverá proporcionar ao estudante a realimentação do processo
aprendizagem-ensino e sua vinculação ao mundo do trabalho. Para assegurar a eficácia do processo a
130
Universidade deverá acompanhá-lo sistematicamente, em todos os níveis, assegurando-lhe realmente sua
função pedagógica, ao invés de considerá-lo simplesmente como uma exigência legal para a for- mação,
dentro de certas áreas.
A monitoria deverá compreender atividades que articulem ensino, pesquisa e extensão de modo
indissociável.
A Monitoria deverá compreender atividades que articulem o ensino, pesquisa e a extensão de forma
indissociável. Isto quer dizer que ela inicia o aluno nas atividades de planejamento, organização e realização
das situações didáticas, como forma inclusive de estimular a intervenção profissional. A concepção de seu
planejamento deve ser repensada, de modo que se venha a superar a fragmentação hoje existente entre
ensino, pesquisa e extensão. Seja articulando o ensino e a pesquisa ou ensino e a extensão, a monitoria
deverá estar sempre orientada para a produção de conhecimento.
O apoio social ao estudante deve dar de modo academicamente orientado para a for- mação
correspondente
e de modo a ampliar no estudante o respeito por si mesmo.
Ao assumir seu comprometimento social, a UFF também assume a responsabilidade de contribuir
para a permanência dos que nela ingressam. Assim, os projetos de Apoio Social ao Estudante devem ser
orientados academicamente para a formação correspondente, de modo a que se consolide no estudante o
respeito por si mesmo.
A política de Recursos Humanos da Universidade deverá considerar o aluno como um dos seus
elementos constitutivos. Trata-se de reconhecer que as normas aplicadas ao seu pessoal docente e técnico
administrativo repercutem sobre o processo formativo através dos valores que estimula e dissemina, bem
como implicam na produção de novas formas de relações entre os segmentos que compõem a instituição.
Neste sentido, estas normas necessitam ser concebidas de modo sintonizado com o projeto pedagógico
institucional.
A organização e a gestão da Universidade integram o processo formativo na sua plenitude. Neste
sentido, reconhecem o aluno, o docente e o técnico-administrativo como agentes ativos e corresponsáveis
pelas ações desenvolvidas. Para conseguir tal interação básica, a UFF deverá assegurar que as formas
organizativas e de gestão sejam estruturadas democraticamente.
A UFF reconhece que o acesso à educação superior pública é um direito de todos os brasileiros e,
portanto, envidará esforços a fim de ampliar o número de vagas oferecidas, bem como preencher eventuais
vagas geradas durante o processo educacional, ampliando as possibilidades de acesso aos mais amplos setores
da população. Os procedimentos a serem adotados para democratizar o acesso, inclusive em diferentes
regiões do estado do Rio de Janeiro, deverão visar a indissociabilidade do ensino da pesquisa e da ex-
tensão, coerentemente com os princípios expressos neste documento. Para tanto, a UFF deverá aprofundar a
interação com outros níveis de ensino, a- través das secretarias municipais e estaduais de educação, conselhos
esta- duais e municipais e representantes das escolas, visando promover a participação da sociedade no
estabelecimento de diretrizes para o seu aperfeiçoamento.
131
A formação na Licenciatura será concebida na perspectiva de educador-pesquisador, para atuar
na escola e nos espaços alternativos educacionais. Sua formação terá a pesquisa educacional como
princípio embasador e implicará em uma sólida formação nas atividades curriculares, nos conhecimentos
específicos a serem ensinados no ensino médio e funda- mental. Estes conhecimentos deverão estar
contemplados organicamente no bacharelado e na licenciatura, articulados à fundamentação histórico-
filosófica e sócio-cultural que contribua para a humanização/cientificização de um profissional
comprometido com a qualidade de vida da sociedade brasileira. A prática pedagógica deve ser
desenvolvida com a conotação de uma prática articulada à pesquisa, a fim de que o aluno vivencie as
realidades educacionais. Esta prática deverá pautar-se em vivências reflexivas críticas da gestão e da
organização escolar, da dinâmica de sala de aula, da análise curricular e dos processos avaliativos.
Os Cursos Sequenciais, se implementados, terão, explicitamente, um caráter de formação
complementar ou de educação continuada. Reitera-se, assim, a concepção da graduação como etapa de
formação inicial do profissional de nível superior. Na medida, portanto, em que eles não assumem um caráter
terminal não será atribuído diploma para esta formação.
A Educação à Distância (EAD) deverá ser compreendida como uma estratégia do processo
educativo a ser oferecido pela UFF, através da qual se converte o saber-fazer e a experiência educacional da
Instituição, em conteúdos disponibilizáveis por meios eletrônicos e interativos para o ensino presencial. O
desenvolvimento progressivo desta estratégia poderá permitir ações de ensino no campo semi-presencial e à
distância. As diretrizes político-pedagógicas que a orientam são as mesmas que direcionam todo o
processo educativo na Universidade.
O aluno – presencial ou à distância – é sempre compreendido como um agente da construção do
próprio conhecimento, participante ativo de um processo organizado, sistêmico, onde uma instituição oferece
a ele os instrumentos de mediação, os recursos de uma tutoria de processo, acesso, apropriação de conteúdos e
o gerenciamento do percurso para que se desenvolva conhecimentos determinados. Para sua
implementação, deverão ser planejadas, em equipes interdisciplinares, ações pedagógicas que considerem
especialmente as necessidades de aprendizagem decorrentes de demandas e características regionais.
A avaliação da educação construída pela UFF tem como característica fundamental ser uma ponte
efetiva entre a universidade e a realidade social. Assim, os processos avaliativos da educação oferecida
pela UFF devem gerar estímulo, para a mudança e para transformações na direção de uma educação
comprometida com as necessidades sociais e com o desenvolvimento pleno do ser humano. Sua
implementação tomará como referência o PPI e os Projetos Pedagógicos dos cursos correspondentes.
Considerará como indissociáveis os aspectos qualitativos e quantitativos, promovendo-se a autoconsciência
institucional, esclarecendo-se os limites e alcances dos ideais buscados na construção da formação
científica e técnica comprometidos e sempre comprometidos com o social. Contemplará os princípios
básicos da globalidade, de comparabilidade, de legitimidade dos procedimentos, de publicização dos dados e
conclusões, sem recorrer a mecanismos de punição, além de se basear em critérios essenciais à avaliação, tais
como utilidade, viabilidade, exatidão e ética.
Compreende-se que a realização de um projeto desta natureza exige, em muitos dos seus aspectos,
além do comprometimento coletivo, a viabilização de condições materiais, bem como o desenvolvimento dos
recursos humanos necessários. Ao construí-lo, no entanto, considerou-se que um Projeto Pedagógico
132
consistente não pode ficar à mercê dos recursos hoje disponíveis. À comunidade universitária caberá dar-
lhe consecução com os recursos disponíveis no momento, ao mesmo tempo em que deverá buscar soluções
para otimizar sua implementação.
Com esta perspectiva, recomenda-se que os órgãos de administração acadêmica e as instâncias
deliberativas da instituição promovam ações vi- sando a:
-Compatibilizar o estatuto e demais documentos institucionais com os princípios e
diretrizes do PPI.
-Incentivar o conhecimento e a discussão, por parte da comunidade universitária e da
sociedade local, do PPI proposto.
-Incentivar a revisão periódica de todos os Projetos Pedagógicos de Curso, a fim de se
adequarem progressivamente, ao Projeto Institucional.
-Incentivar a discussão coletiva (âmbito departamental e coordenações de curso) de
todos os programas e conteúdos curriculares.
-Promover a unificação de normas e critérios para concessão de bolsas acadêmicas.
-Acompanhar de forma rigorosa e sistemática os estágios, de modo a garantir sua efetiva
contribuição para a formação profissional.
-Estimular a qualificação permanente de todos os docentes.
-Modernizar a estrutura do sistema de Bibliotecas e manter sempre atualizado o acervo.
.
133
133
6 BIBLIOGRAFIA
AGUERRONDO, I. El Planeamiento Educativo: como instrumento de cambio. Buenos Aires : Tro- quel,
1996. BARBIER, J.M. Elaboração de Projetos de Acção e Planificação. Portugal : Porto Editora, 1993. CAPES.
IV Plano nacional de pós-graduação: versão preliminar (31/03/2000). [Brasília], 2000.
CARDOSO, M. L. Avaliação da Universidade: concepções e perspectivas. Universidade e Socie- dade.
Brasília : ANDES, 1991. CHARLE, C.; VERGER, J. História das Universidades. São Paulo : Ed. Universidade Estadual
Paulista, 1996. CHAUÍ, M. Ética e Universidade. Ciência Hoje. Rio Janeiro : SBPC, ago/1994. CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE O ENSINO SUPERIOR (1998: Paris, França). Tendências da
educação superior para o século XXI. Brasília : UNESCO/CRUB, 1999. CUNHA, L. A. Educação Brasileira: projetos em disputa. São Paulo : Cortez, 1995. RICOUER, Paul. Prefácio. In: DRÈZE, J; DEBELLE, J. Concepções da Universidade. Fortaleza : UFC,
1983. FÁVERO, M. L. Universidade & Poder: análise crítica/fundamentos históricos - 1930-1945. Rio de
Janeiro : Achiamé, 1980. FRIGOTO, G. Educação e a Crise do Capitalismo Real. São Paulo : Cortez, 1995. FÓRUM DE PRÓ-REITORES DE GRADUAÇÃO DAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS. Plano
Nacional de Graduação. [Rio de Janeiro], 1999. FÓRUM NACIONAL DE PRÓ-REITORES DE EXTENSÃO DAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS BRASILEIRAS. Plano nacional de extensão. Ilhéus : Editus, 2001. LEITE, D. (org.) Pedagogia Universitária: conhecimento, ética e política no ensino superior. Porto
Alegre : Editora da Universidade, 1999. LINHARES, C. F. (org.) Os Professores e a Reinvenção da escola: Brasil e Espanha. São Paulo : Cortez,
2001. MORIN, E. A Cabeça Bem Feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro : Bertrand
Russel, 2000. . Os sete saberes necessários a educação do futuro. Rio de Janeiro : Cortez, 2000 PALHARINI, F.A. Anotações sobre o conceito de “crise” aplicado às Universidades Federais. IN: ---O Estado
do PAIUB em Universidades Federais da Região Sul e Sudeste: tormento ou paixão.. Niterói, UFF, 1999. Tese
de Doutorado. mimeo.
. Com licença, a UFF quer passar: anotações para uma avaliação institucional. Cadernos do CES.
Niterói, setembro de 2001. no prelo SANTOS, B. S. Pelas Mãos de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo : Cortez, 1995. UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE. Comissão Permanente de Avaliação Institucional da
UFF. PAIUFF 2000 – Trajetória da Qualidade. Niterói, 2000. mimeo. UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE. Pró-Reitoria de Assuntos Acadêmicos. Fórum de Co-
ordenadores dos Cursos de Graduação. Diretrizes para a política de graduação na UFF. Niterói, 1999.
134
134
ANEXO B
PROJETO PEDAGÓGIGO DA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE
FEDERAL FLUMINENSE
135
135
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
Pró-reitoria de Assuntos Acadêmicos
Coordenadoria de Apoio ao Ensino de Graduação
Curso: DIREITO
Titulação: BACHAREL EM DIREITO
Habilitação: BACHARELADO
PROJETO PEDAGÓGICO DE CURSO (PPC)
Formulário nº 01 – APRESENTAÇÃO/JUSTIFICATIVA
APRESENTAÇÃO
A Comissão designada pelo Colegiado de Curso da Faculdade de Direito e nomeada pelo Sr. Diretor da
Faculdade, Prof. Márcio Brandão Ribeiro, por força da DTS/ESD nº 27, de 09 de março de 2005, foi instituída a
fim de executar a reforma do currículo do curso de graduação para adequá-la à Resolução nº 09 do CNE, de 29
de setembro de 2004, DOU de 1º de outubro de 2004, que instituiu novas diretrizes curriculares nacionais para o
curso de graduação em Direito. Ademais, a comissão promoveu as alterações que se mostraram necessárias após
processo de avaliação do currículo em vigor.
A proposta ora apresentada levou em consideração o seguinte:
1 – do ponto de vista dos objetivos, tomou como critério o perfil do bacharel que se deseja formar;
2 – do ponto de vista do conteúdo o conhecimento jurídico contextualizado, histórica, econômica e politicamente;
3 – do ponto de vista da operacionalização, a análise interdisciplinar dos temas, a conjugação do estudo teórico
com as abordagens empíricas e o estímulo à reflexão crítica acerca da dogmática jurídica.
JUSTIFICATIVA
O currículo atual, vigente a partir de 1997, foi elaborado seguindo as determinações da Portaria MEC 1886, de
30 de dezembro de 1994. O Conselho Nacional de Educação, por sua Câmara de Ensino Superior, editou a
Resolução nº 9 anteriormente mencionada, que expressamente revoga a Portaria nº 1886. Tal Resolução obriga,
em seu art. 12, AS Instituições de Educação Superior a implantarem, em um prazo de dois anos de sua
publicação, em seus cursos de Direito, as diretrizes nela contidas.
A reforma curricular, mesmo sem as exigências da legislação federal, já estava em curso na Faculdade de Direito.
Em janeiro de 2002, o Colegiado do Curso nomeou Comissão para apresentar sugestões de mudanças no
currículo das disciplinas e demais atividades acadêmicas. Antes, em 2001, havia sido iniciada a 1ª Avaliação
Interna da Faculdade de Direito, que, além do aspecto curricular, avaliou também outros aspectos de ordem
institucional e estrutural. A Comissão apontou dificuldades na realização dos objetivos do projeto acadêmico em
face, principalmente, do esvaziamento do corpo docente e da carga horaria de 20 (vinte) horas da maioria do
professores.
A partir dos diagnósticos realizados, a Comissão de Reforma Curricular de 2002 propôs a adoção, dentre outras,
das seguintes alterações curriculares:
1 – Reduzir a duração mínima do curso, de modo a possibilitar sua conclusão em 5 anos, em conformidade com
o padrão nacional;
2 – Antecipar e ampliar o estudo do Direito Processual, aumentando a sua carga horária
3- Oferecer uma maior variedade de disciplinas optativas para atender ao interesse dos alunos que desejarem
maior aprofundamento e diversificação do conhecimento jurídico através dos eixos temáticos;
4 – Introduzir a especialização nos dois últimos períodos do curso;
5 – Reprogramar as atividades complementares e pontuá-las;
6 – Dar maior ênfase à metodologia do ensino das disciplinas do que à quantidade de informações;
7 – Adequar o cumprimento das atividades complementares ao perfil do aluno (formação em outra área do
conhecimento; interesses particulares diferentes, tais como, seguir carreira acadêmica; submeter-se a concursos
públicos; exercer a advocacia liberal ou empresarial, sem prejuízo de outros);
8 – Firmar convênios com entidades públicas para facilitar a realização do estágio obrigatório, e;
9 – Programar grupos de estudo à tarde, com carga horaria registrada, para os alunos que pretendem disputar
vagas em cursos de Mestrado e Doutorado ou que desejem aprofundar conhecimentos jurídicos, tendo a carga
horária correspondente validade para efeito de atividade complementar.
Na presente reforma curricular, realizada a partir dos trabalhos da atual Comissão designada pela DTS/ESD nº
136
136
27, de 09 de março de 2005, o diagnóstico e as diretrizes estabelecidas pelas comissões anteriores, em conjunto
com outras contribuições surgidas ao longo dos trabalhos, foram consideradas.
FORMULÁRIO Nº 02 – HISTÓRICO/PRINCÍPIOS NORTEADORES
HISTÓRICO
A FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE foi fundada em 3 de junho de
1912 na cidade do Rio de Janeiro, então capital da república, sob o nome de FACULDADE DE DIREITO
TEIXEIRA DE FREITAS, por obra do prof. Dr. Joaquim Abílio Borges, que, pelos inestimáveis sérvios já então
prestados à educação ao ensino, foi escolhido para ser seu primeiro diretor, cargo que desempenhou durante dois
anos, sendo, posteriormente, eleito pela Congregação seu diretor honorário.
A Escola, inicialmente, se constituiu legalmente como Associação Civil, tendo seus estatutos inscritos no
Registro Público pelos seus respectivos professores catedráticos e por seu secretário, Dr. Camilo Guerreiro. Em 5
de abril de 1911, foram editados o Dec. 8.659, versando sobre a Lei Orgânica de Ensino e o Dec. 8.662, que
acabou aprovando o Regulamento de todas as Faculdades de Direito do País.
Em cumprimento às diretrizes dos referidos diplomas legais, a FACULDADE DE DIREITO TEIXEIRA DE
FREITAS obteve a inspeção preliminar por parte do Governo Federal, sendo, então, equiparada aos institutos
congêneres por deliberação unanime do Conselho Superior de Ensino, tendo se operado, nos termos dos arts. 11
e 25 do decreto 11.530, de 18 de março de 1915, nos termos do art. 26 do referido Decreto, passou a funcionar
na cidade de Niterói, como instituto oficial do então Estado do Rio de Janeiro, conforme classificação prevista na
Lei 1.299, de 3 de janeiro de 1915.
Após sua equiparação, passou a denominar-se FACULDADE DE DIREITO DO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO, corroborando a decisão da Congregação em 18 de junho de 1920. Seguiram-se a publicação e o
registro no novo Estatuto. Desta forma, houve a necessidade de se adotar o nome de FACULDADE DE
DIREITO DE NITERÓI, em razão de ter passado a denominar-se Faculdade de Direito do Estado do Rio de
Janeiro, aquela que seria mais tarde a Faculdade Naional de Direito, conforme resolução do Conselho Superior
do Ensino, em sessão de 2 de fevereiro de 1921, aprovado o Parecer nº 18, denominação com a qual concordou
plenamente a Congregação da Faculdade, em sessão realizada a 4 de março do mesmo ano.
Em 19 de maio de 1921, por apostila lavrada no seu título de equiparação, o Ministro de Estado da Justiça e
Negócios Interiores, agindo em nome do Presidente da República, resolveu declarar oficial a denominação de
FACULDADE DE DIREITO DE NITERÓI.
De conformidade com a Lei 3.345, sancionada pelo Governo do Estado em outubro de 1926, o edifício onde
tinha sede, em próprio estadual, situado à Rua Visconde do Rio Branco, 15, passou a pertencer à Faculdade,
sendo-lhe imposta a obrigação de manter em seus cursos, gratuitamente, 10 (dez) estudantes de baixo poder
aquisitivo. A Escola, entretanto, declinou do favor do Governo, por ter optado pela aquisição de sede própria, em
localização mais consentânea com seus objetivos, tendo, malgrado, mantido o compromisso de conceder
gratuidade aos 10 alunos, que haviam sido indicados pelo Governo do Estado.
Pela Lei 2.721, de 30 de janeiro de 1936, houve a federalização da Faculdade, que foi incorporada ao então
Ministério da Educação e Cultura. A partir da Lei 3.848, de 18 de dezembro de 1960, passou a integrar,
juntamente com outras quatro faculdades federais já existentes em Niterói, a criada UNIVERSIDADE
FEDERAL DO ESTADO RIO DE JANEIRO (UFERJ).
Finalmente, com a homologação do nome atual da UFF (Universidade Federal Fluminense) pela Lei nº 4.831, de
05/11/65, a Faculdade passou a ter, desde entãoe até os presentes dias, a denominação de FACULDADE DE
DIREITO DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE.
A Escola encontra-se sediada na Rua presidente Pedreira 62, Ingá, em prédio que era de sua propriedade
particular, adquirido por compra pela Congregação e que, atualmente, integra patrimônio da UFF. Fizeram-se,
em oportunidades diversas, no referido imóvel, obras vultuosas de adaptação a fim de instalar-se condignamente
e assegurar as condições necessárias à eficiência do ensino, ao satisfatório desenvolvimento das atividades
administrativas e ao conforto e desenvolvimento cultural dos alunos, inclusive expandindo-se pelo prédio anexo
construído nos fundos.
Presentemente, a atual direção vem encaminhando entendimentos com a Reitoria no sentido da execução de
obras destinadas às melhorias do espaço físico existente, levando em conta as dimensões do terreno, a
importância histórica do pedio principa e o gabarito da área, já prevendo as necessidades futuras decorrentes da
expansão de uas atividades objetivando manter uma excelência no ensino, pesquisa e extensão.
PRINCÍPIOS NORTEADORES
Na presente reforma curricular, mais importante do que a alteração do rol das disciplinas, é um novo enfoque nos
próprios temas jurídicos tradicionais. Estamos partindo dos princípios que foram adotados na elaboração do
137
137
currículo vigente que, a par das análises dogmáticas e estudo da técnica jurídica, elegeu, como necessária e
urgente, a adoção de uma abordagem sócio-juridica, de molde a incorporar no curso as características seguintes:
a) Uma visão crítica em termos de vinculação das instituições jurídicas às suas raízes culturais;
b) a identificação dos problemas e conflitos correntes na vida social, com o objetivo de repensar o modo
de qualifica-los juridicamente e
c) as atividades de pesquisa, com o objetivo de levantar dados empíricos, trabalhando-os como referência
para a orientação da crítica teórica;
FORMULÁRIO Nº 3 – OBJETIVOS
OBJETIVOS
As Faculdades de Direito eram vistas como “celeiros intelectuais”. Mais tarde, a formação juridica contentou-se
com um objetivo mais modesto: formar tecnico, sobretudo para o exercício da advocacia. Hodiernamente, o
termo “intelectual” aplicado ao bacharel é vago, significando muio piuco; quanto ao termo “técnico”, parece
estreito para abarcar as caracteristicas do profissional do Direito necessário para enfrentar um mundo em
constante tranformação. No caso especifico da Faculdade de Direito da UFF, por ser uma instituição publica, tem
que aprimorar a formação de seus alunos, oferecendo-lhes um curso que lhes proporcione um conhecimento não
só tecnico, mas cientifico e filosofico.
Espera-se que as Faculdades de Direito reassumam o seu papel de formadoreas de quadros atuantes na
sociedade, sintonizados com a realiade social. Foi a partitr dessas referencias que o projeto vigente tomou forma
– referencias que continuam atuais. Daí a necessidade de se aperfeiçoar o curriculo sem perder a referencia os
elemtnos renovadores do atual projeto pedagógico.
Além disso, atentou-se para as condições do mercado de trabalaho que se oferece ao bacharel em Direito. A
formação juridica é rica em oportunidades de exercicio profissional. A prática da advocacia se alrga, na
atualidade, para abranger as assessorias junto as empresas, associacoes, sindicatos, organismos governamentais e
não governamentais. Vale destacar a função do advogado no encaminhamento de decioes conciliatorias, quer nos
Juizados Especiais, quer no ambito dos juizos arbitrais. No que diz respeito às profissoes de magistrado, defensor
publico, de membro do Ministerio Publico, os concursos são frequentes, embora fortemente competitivos.
À luz dessas informações sobr eo mercado de trabalho, o curriculo deve proporcionar uma formação voltada para
um sólido conhecimento dogmático e, ao mesmo tempo, para a criação de condições de avaliação critica desse
conhecimento.
Considerou-se, ainda, que a formaão do bacharel não pode negligenciar as carreiras academicas de magisterio e
pesquisa, muito embora estas exijam estudos complementares de pós-graduação. A pesquisa ensina a refletir,
aguça a capacidade de observação, prepara para o confronto das ideias, qualidades do bom profissional, seja em
qua atividade for. Acrescenta-se que, a partir da Portaria 1886/94 do MEC, foi prevista a obrigatoriedade do
Trabalho de Conclusão de Curso como requisito para a obtenção do titulo de bacharel, razão para que se
estimulem atividades de pesquisa e de extensão, a par da participação em seminários e outros eventos.
O currículo vigente, para o alcance dessas metas, tornou imperativo o alongamento do Curso de Graduação para
seis anos, ou doze períodos letivos semestrais, o que se coadunava com o disposto no art. 1º da já mencionada
portaria nº 1886/94, do MEC. A experiencia não foi exitosa de acordo com a 1ª Avaliação Interna da Faculdade
(2001). Nesta proposta, volta-se ao Curso de cinco anos, em dez períodos letivos semestrais.
Em síntese, os objetivos do novo currículo são os seguintes:
1 – Proporcionar conhecimentos juridicos basicos suficientes para formar um bacharel capaz de:
A) percebener o fenomeno juridico como um produto da cultura, mas, ao mesmo tempo, vinculado a
valores éticos universais;
B) b) perceber a racionalidade própria do campo, sem cair na crença ingenua da neutralidade das normas e
das decisoes juridicas;
C) c) oerceber complexidade do direito e a interdependencia que mantem com a realidade social, politicia
e conomica.
2- Proporcionar conhecimento jurídico especifico adequado a formar um bacharel capaz de:
a) compreender que o Direito não é obra pronta, mas em construção e que, em meio a essa dinâmica, o
profissional do Direito, com interprete das situações de conflito, é a peça essencial;
b) compreender criticamente as limitações das instituições jurídicas e o papel que cabe as seus operadores
para a realização de suas funções sociais.
138
138
Enfim, a formação jurídica que inspira o atual e o novo currículo se caracteriza pela inserção do Direito no
contexto mais amplo do conhecimento da sociedade e do Estado.
FORMULAÇÃO Nº 04 – PERFIL DO PROFISISONAL
PERFIL DO PROFISISONAL
A Faculdade de Direito da UFF se propõe, a partir do presente Currículo, a formar profissionais com o seguinte
perfil:
1- Capazes de analisar criticamente o funcionamento das instituições jurídicas
2- Cientes da complexidade e historicidade do direito e da interdependência que matem com o substrato
social;
3- Operadores do ordenamento jurídico hábeis e competentes;
4- Sensíveis à realidade sócio-política e econômica do Brasil; e
5- Conscientes de seu papel na construção do Estado Democrático de Direito no Brasil.
FORMULÁRIO Nº 05 –ORGANIZAÇÃO CURRICULAR
A Organização Curricular que se propõe atende às exigências da Resolução nº 9/2004. Foi organizado o curso
em três eixos, a saber: eixo de formação fundamental, eixo de formação profissional e eixo de formação prática.
A execução do curso segue estas diretrizes na forma abaixo:
1-EIXO DE FORMAÇÃO FUNDAMENTAL
O Eixo de Formação Fundamental, conforme a dita resolução, visa ao estabelecimento de relações da área do
Direito com outras áreas do saber (art. 5º, I), apontando conteúdos essenciais que poderão ser ministrados em
disciplinas autônomas ou constituírem matérias dentro de disciplinas afins. Entendeu-se, como de melhor
proveito para os objetivos do curso, o ensino de tais matérias em disciplinas autônomas, no intuito de clarificar
aos discentes o universo e que se inserem tais conhecimentos, fomentando analises próprias acerca da correlação
das mesmas com a perspectiva jurídica.
2-EIXO DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL
A) Eixo Profissionalizante
Este eixo agrega as disciplinas tradicionais no curso jurídico, além de outras introduzidas para o atendimento da
demanda presente e com a preocupação de superior com eficácia as diretrizes determinadas pela Resolução em
epígrafe.
B) Eixos Temáticos
No estabelecimento das temáticas a serem privilegiadas nos ditos eixos, considerou-se a vocação institucional, já
apresentadas pela ESD, refletida na execução do currículo vigente. A proposta centrou-se em apenas duas linhas,
sendo a primeira Direito e Relações Econômicas e a segunda Direito, Estado e Democracia.
Teve-se em conta, ainda, a desejável articulação entre a formação proporcionada pela graduação e as pós-
graduações atualmente em curso na Faculdade de Direito. Todas as pós-graduações mantem coerência com os
critérios já mencionados, por serem consequência natural dos projetos de pesquisas em andamento e reflexo das
vocações apresentadas pelos professores. Isto pode ser observado no programa de Mestrado em Sociologia e
Direito e no programa de Mestrado em Relações Internacionais, institucionalmente vinculado à Faculdade de
Direito, bem como nos cursos de pós-graduação lato sensu mantidos pela faculdade: Direito Tributário e
Processo, Direito da Administração Pública, Direito Privado e Direito Processual Civil.
A inclusão em um dos eixos temáticos é opção do aluno, que devera cursar um mínimo de quatro disciplinas,
dentre as oferecidas no âmbito do eixo escolhido, além duas disciplinas de caráter optativo, podendo ser eleitas
livremente em quaisquer eixos.
Os Departamentos da Faculdade de Direito deverão oferecer as disciplinas com inserção nos eixos de formação
pratica, devendo cada disciplina ser oferecida por um prazo mínimo de quatro semestres. Ao final de tal período,
deve ser feita uma avaliação da importância de tal disciplina no quadro geral do currículo e da pertinência de sua
manutenção ou substituição. É desejável que ocorra um processo constante de aprimoramento e propositura de
novas disciplinas.
139
139
Na fase de implantação do novo currículo, o oferecimento das disciplinas relacionadas nos eixos de formação
prática coincidem, em sua maioria, com as disciplinas optativas atualmente oferecidas. Além disso, as disciplinas
dos eixos substituem também as atuais disciplinas dos Tópicos Especiais, cujo consenso é pelo seu banimento,
em razão de as mesmas não terem atingido o objetivo motivador da sua implantação.
3- AITIVIDADES COMPLEMENTARES – PROPOSTA PARA REFORMA CURRICULAR
1. Base legal:
As Atividades Complementares (ACs) surgiram na Portaria MEC 1886 que foi revogada pela Resolução nº 9, de
29 de setembro de 2004, resolução que deu causa a atual reforma curricular.
O Art. 2º, §1º da citada res. Nº 9, ao tratar do Projeto Pedagógico do curso prevê no inciso X a “concepção de
composição das atividades complementares”.
NO seu art. 5º, inclui as Atividades Complementares como integrantes do Eixo de Formação Prática – nº III.
A Resolução não se refere ao conteúdo das ACs e nem especifica a sua carga horária dentro do currículo.
Há um projeto de Resolução que traz parte de conteúdo. Elaborado pela Câmara de Educação Superior do
Conselho Nacional de Educação, no seu art. 8º, diz que: “As atividades complementares são componentes
curriculares que possibilitam o reconhecimento, por avaliação, de habilidades, conhecimentos e competências do
aluno, inclusive adquiridas fora do ambiente escolar, incluindo a pratica de estudos e atividades independentes,
transversais, opcionais, de interdisciplinaridade, especialmente nas relações com o mundo do trabalho e com as
ações de extensão junto à comunidade.” Como vemos, dar uma abertura muito ampla para a imaginação e
criatividade nos campos das ACs. E o Parágrafo único complementa: “As atividades complementares se
constituem componentes curriculares enriquecedores e implementadores do próprio perfil do formando, sem que
se confundam com estagio curricular supervisionado”.
Em um parecer do Conselho Nacional de Educação, de 11/11/2004, cujo assunto é carga horária mínima dos
cursos de graduação, bacharelados, na modalidade presencial, na sua parte 6 – Comentários finais, prevê para o
curso de Direito uma carga horaria total mínima de 3700. Este total é incorporado ao texto de Projeto de
Resolução.
No art. 1º, §2º, encontramos: “O estágio e as atividades complementares dos cursos de graduação, bacharelados,
na modalidade presencial, já incluídos na carga horária total do curso, não deverão exceder a 20% (vinte por
cento), exceto para aqueles com determinações legais específicas”.
Diante disso, a Comissão decidiu por 200 horas Atividades Complementares para comporem a carga horária do
currículo ora proposto.
As atividades complementares são vistas, por um grande número de alunos, como de menor importância, ou seja,
uma carga horaria a ser cumprida simplesmente a fim de obter a conclusão do curso. Isto é percebido à vista de
documentos que são entregues na Coordenação do Curso para atribuição da carga horaria, tais como: certificados
de participação em cursos de digitação (e até os antigos de datilografia), cursos de controle de mente, disciplinas
cursadas em faculdades de odontologia (ex.: dentistica), engenharia (cálculo, física, etc.), dentre outros.
Desta forma, faz-se necessária uma regulamentação cuidadosa das atividades, que poderão ser desenvolvidas a
este título com a finalidade de se evitar abusos e desvio de finalidade. Há uma regulamentação que pode ser
aproveitada, fazendo-se os ajustes necessários.
4 – EIXO DE FORMAÇÃO PRÁTICA
O serviço de assistência judiciaria oferecido pelo Núcleo de Prática Jurídica desta Faculdade – CAJUFF – é
essencial para a formação dos alunos. Em que pese a carência de infraestrutura física e material, deve ser
ampliada a sua inserção nas comunidades com o propósito de efetivar, amplamente, o acesso à Justiça, um dos
seus fins precípuos.
O Escritório Modelo tem progredido relativamente, haja vista a concretização do processo de modernização e
informatização pelo qual passou a partir do 1º semestre de 2005, que só se viabilizou por causa da integração
entre corpo de servidores e os advogados orientadores, com o apoio imprescindível do Coordenador do Núcleo
de Pratica Jurídica, que não tem medido esforços para otimizar, dentro das possibilidades de ordem financeira, o
estágio curricular realizado no Centro de Assistência Judiciaria da UFF.
O estágio curricular e profissionalizante tem por finalidade proporcionar aos alunos a pratica de atividades
jurídicas, judiciarias e extrajudiciais e será cumprido em um total de 360 (trezentas e sessenta) horas. As
atividades práticas serão reais ou simuladas e restadas pelos alunos junto ao Núcleo de Pratica Jurídica da
Faculdade de Direito, através do Centro de Assistência Judiciaria da Universidade Federal Fluminense –
CAJUFF.
140
140
As atividades desenvolvidas no NPJUR devem buscar a articulação entre o ensino, a pesquisa e a extensão. O
estágio curricular funcionara junto ao CAJFF, a partir do ingresso do aluno, que ocorrera quando o aluno estiver
cursando o 7º período do curso de Direito. A inscrição obedecerá ao calendário estabelecido pelas
Coordenadores do CAJUFF e do Curso, a cada ano.
O estágio curricular é uma atividade que independe de nota, sendo o aluno aferido em frequência e desempenho
pela Coordenação do Curso, para fim de registro definitivo, ao final de cada período letivo. As 360 (trezentas e
sessenta) horas de estagio deverão ser cumpridas em 4 (quatro) períodos letivos, com carga horaria nunca
inferior a 90 (noventa) horas, sob pena de reprovação. Os quatro períodos do estágio curricular serão realizados
por meio das disciplinas Estagio Curricular I, II, III e IV, a partir das quais será observado o respectivo pré-
requisito estabelecido pela Coordenação de Curso.
O primeiro período do estágio curricular, por meio da disciplina Estágio Curricular I, possuirá uma carga horaria
mínima de 90 horas, sendo composta por 40 horas referentes à disciplina Prática Jurídica I e pelas atividades
junto ao estágio curricular, tais quais: audiências de instrução ou de conciliação; elaboração de peças processuais
decorrentes dos casos simulados de responsabilidade da Coordenação do Núcleo de Prática Jurídica; bem como a
visita junto às delegacias, penitenciarias ou ao Instituo Médico Legal, totalizando, dessa forma, a carga horaria
mínima de 50 horas.
O segundo período do estágio curricular, por meio da disciplina estagio Curricular II, possuirá uma carga horaria
mínima de 90 horas, sendo composta por 40 horas referentes à disciplina Prática Jurídica II e pelas atividades
junto ao estágio curricular, tais quais: plantões semanais; acompanhamento dos processos em que o CAJUFF
atua; audiências de instrução ou de conciliação; elaboração de peças processuais decorrentes dos casos
simulados de responsabilidade da Coordenação do Núcleo de Pratica Jurídica; bem como a visita junto às
delegacias, penitenciárias ou ao Instituo Médico Legal, totalizando, dessa forma, a carga horaria mínima de 50
horas.
Os terceiro e quarto períodos, através das disciplinas Estagio Curricular III e IV, possuirão, cada qual, uma carga
horaria mínima de 90 horas, sendo composta seguintes atividades: plantões semanais; acompanhamento dos
processos em o CAJUFF atua; audiências de instrução ou de conciliação; elaboração de peças processuais
decorrentes dos casos reais ou dos simulados de responsabilidade da Coordenação do Núcleo de Pratica Jurídica;
bem como a visita junto às delegacias, penitenciárias ou ao Instituo Médico Legal e trabalho de pesquisa e
jurisprudência.
No que tange ao estágio propriamente dito, ressalta-se que o aluno deverá cumprir 2 (dois) anos do estágio
divididos em quatro semestres. No fim de ada semestre, apresentara uma pasta contendo todas as atividades
exigidas, que serão posteriormente analisadas, observada a carga horaria mínima estipulada.
Após a aferição no termino do estágio, o estagiário receberá um certificado de conclusão para que, uma vez que
aprovado no exame da OAB, o mesmo venha a adquirir sua carteira de advogado.
Somente o estágio oficial na Defensoria Pública Geral do Estado do Rio de Janeiro (DPGE) substitui o estágio
no CAJUFF. Entretanto, o estagiário devera se inscrever no CAJUFF e informar o tempo de duração de estágio
na DPGE. Se o estágio na Defensoria Pública tiver uma duração inferior a 2 anos, o estagiário devera suprir o
tempo restante, estagiando no CAJUFF, sob pena de não preencher os requisitos necessários para que seja
expedido o certificado de concluso do estágio para efeito de comprovação de pratica forense.
A orientação do estágio ficara a cargo dos professores da unidade, independente do regime de trabalho, além de
outros para atuarem como advogados junto aos processos em que o CAJUFF atua no polo passivo ou ativo.
5 – O TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
Ficou estabelecido que os trabalhos de conclusão de curso devem ser elaborados na modalidade monográfica.
Potencialmente, todos os professores devem ser orientadores. Para uniformizar os procedimentos e otimizar a
atividade, de modo a permitir maior integração com as atividades investigativas desenvolvidas no âmbito da
faculdade, deverá ser implantada uma visibilidade maior dos resultados nestas áreas, deverá ser implantada uma
Coordenação de Monografia, atuando vinculada à Coordenação de |Curso com as seguintes atribuições:
a) Obter, junto aos chefes de departamentos, a relação dos professores com disponibilidade para orientação
de TCC, tomando por limite 5 (cinco) monografias por professor;
b) Receber dos alunos suas preferências de orientação, atendendo-os, conforme a disponibilidade dos
professores;
c) Elaborar e divulgar as regras cientificas mínimas a serem seguidas pelos alunos na realização de suas
monografias;
d) Elaborar e divulgar as regras relativas à orientação, formação de bancas examinadores e calendário
semestral para o desenvolvimento das tais atividades;
e) Divulgar, com base nos dados recebidos dos Departamentos, as pesquisas que estão sendo realizadas
pelos professore da Faculdade a fim de subsidiar as preferências dos alunos referidas no item b.
141
141
FORMULÁRIO Nº 06 – ACOMPANHAMENTO E AVALIAÇÃO
A Lei nº 10.861 de 14 de abril de 2004 instituiu o Sistema Nacional de Avaliação da educação Superior –
SINAES, com o objetivo de assegurar o processo nacional de avaliação das instituições de ensino superior, dos
cursos de graduação e do desempenho acadêmico de seus estudantes. O Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP é o órgão especial pela sua implementação.
O SINAS assegura a avaliação institucional, interna e externa, contemplando a análise global e integrada das
dimensões, estruturas, relações, compromisso social, atividades, finalidades e responsabilidades sociais das
instituições de ensino superior e de seus cursos.
A Universidade Federal Fluminense – UFF com objetivo de atender a legislação em vigor, estabeleceu em sua
sistemática de Avaliação Institucional um elo entre a avaliação externa e a avaliação interna. A avaliação interna
é coordenada pela Comissão Própria de Avaliação – CPS/UFF que atua como elemento integralizador,
considerando como base a auto-avaliação. A UFF desenvolve ações próprias de avaliação dos cursos de
graduação, como a avaliação das disciplinas cursadas a cada período letivo, a avaliação institucional pelos
discentes, realizada periodicamente e o estudo do perfil dos alunos vestibulandos e ingressados. Essas três
sistemáticas de avaliação têm gerado dados que permitem ampliar o conhecimento acerca do ensino de
graduação na instituição.
A avaliação externa e executada pela MEC/Inep conforme o que estabelece o SINAES, indicando Comissão
Multidisciplinar para proceder a avaliação das condições de ensino necessária aos processos de regulação das
IES.
O processo de acompanhamento e avaliação dos cursos de graduação tmbém é parte da sistemática de avaliação
externa. Considera o desempenho acadêmico dos estudantes em relação aos conteúdos programáticos previstos
nas diretrizes curriculares de cada curso de graduação, com a realização anual do ENADE – Exame Nacional de
Desempenho dos Estudantes, que utiliza procedimentos amostrais ara a identificação de alunos no final do
primeiro e último ano dos cursos.
Os resultados da Avaliação Institucional constituem referencial básico para todos os processos de regulação,
supervisão da educação superior e ainda fundamentam decisões no âmbito da UFF.
No que se refere a avaliação da aprendizagem o sistema estabelecido na UFF considera que a aprovação do
aluno terá por base notas e frequências. Encontra-se fixado no Regulamento dos Cursos de Graduação nas seções
que tratam do Aproveitamento Escolar, da Reposição de Avaliação de Aprendizagem e do regime Excepcional de
Aprendizagem.