125
UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de Humanidades e Direito – FAHUD Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião POR UMA ECLESIOLOGIA ABERTA Reflexões a partir da eclesiologia de Jürgen Moltmann como uma contribuição teológica à Igreja Batista brasileira Por Alonso de Souza Gonçalves São Bernardo do Campo/SP 2014

UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

  • Upload
    vuquynh

  • View
    214

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de Humanidades e Direito – FAHUD

Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião

POR UMA ECLESIOLOGIA ABERTA Reflexões a partir da eclesiologia de Jürgen Moltmann

como uma contribuição teológica à Igreja Batista brasileira

Por Alonso de Souza Gonçalves

São Bernardo do Campo/SP 2014

Page 2: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

2

Alonso de Souza Gonçalves

POR UMA ECLESIOLOGIA ABERTA Reflexões a partir da eclesiologia de Jürgen Moltmann

como uma contribuição teológica à Igreja Batista brasileira

Dissertação de Mestrado apresentada em cumprimento parcial às exigências do Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião, da Faculdade de Humanidades e Direito da Universidade Metodista de São Paulo, para obtenção do grau de Mestre. Orientador: Prof. Dr. Claudio de Oliveira Ribeiro

São Bernardo do Campo/SP 2014

Page 3: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

3

A dissertação de mestrado sob o título Por uma eclesiologia aberta: reflexões a partir

da eclesiologia de Jürgen Moltmann como uma contribuição teológica à Igreja Batista

brasileira elaborada por Alonso de Souza Gonçalves, foi apresentada e aprovada em 30

de Setembro de 2014, perante Banca Examinadora composta pelos professores doutores

Claudio de Oliveira Ribeiro (Presidente/UMESP), Rui de Souza Josgrilberg

(Titular/UMESP) e Jorge Pinheiro dos Santos (Titular/Faculdade Teológica Batista de

São Paulo).

Prof. Dr. Claudio de Oliveira Ribeiro

Orientador e Presidente da Banca Examinadora

Prof. Dr. Helmut Renders

Coordenador do Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião

Programa: Pós-graduação em Ciências da Religião

Área de Concentração: Linguagens da Religião

Linha de Pesquisa: Teologia das Religiões e Cultura

Page 4: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

4

A igreja na força do Espírito ainda não é o reino de Deus, mas já

é sua antecipação na história. O cristianismo ainda não é a nova

criação, mas já é o efeito do Espírito da nova criação. Os

cristãos ainda não são a nova humanidade, mas já são sua

dianteira na resistência contra o enclausuramento mortífero, em

entrega e representação em prol do futuro dos seres humanos.

Jürgen Moltmann

Page 5: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

5

Agradeço...

À Lívia de Oliveira Simões Gonçalves e ao André Simões Gonçalves,

sem eles não seria possível chegar até aqui;

À Igreja Batista Central em Pariquera-Açu pelo apoio, compreensão e

incentivo;

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoa de Nível Superior (CAPES) por

financiar parte dessa pesquisa, apoio imprescindível;

Ao professor Etienne Alfred Higuet,

que iniciou minha orientação;

Ao professor Claudio de Oliveira Ribeiro, por ser mais que um orientador,

um amigo;

Ao Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião da Universidade

Metodista de São Paulo, bem como seu Corpo Docente e Administrativo;

Aos colegas e amigos da Casa do

Estudante, por tornar o ambiente amigável e favorável ao diálogo;

Ao teólogo Jürgen Moltmann, que com

profundidade e singeleza me apresentou a esperança que impulsiona para a ação.

Page 6: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

6

Dedico...

Ao meu pai, José Alonso Gonçalves Filho.

Page 7: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

7

GONÇALVES, Alonso de Souza. Por uma eclesiologia aberta: reflexões a partir da eclesiologia de Jürgen Moltmann como uma contribuição teológica à Igreja Batista brasileira. Dissertação de Mestrado (Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião da Faculdade de Humanidades e Direito da Universidade Metodista de São Paulo). São Bernardo do Campo/SP: UMESP, 2014, 125p.

Resumo

A pesquisa pretende tratar de um tema na produção acadêmica do teólogo alemão

Jürgen Moltmann, sua eclesiologia. Ela procurará abordar as principais chaves

hermenêuticas da eclesiologia moltmanniana, por entender que o autor, em sua

eclesiologia, desenha uma concepção de igreja em dimensões abertas. Sendo, portanto,

uma igreja que procura estar ciente do que ocorre na sociedade e dela fazer parte com

um grau alto de comprometimento e inserção significativa nos grandes temas suscitados

pela cultura contemporânea. Moltmann, com suas categorias teológicas, favorece o

estabelecimento de bases para se pensar em uma eclesiologia com dimensões abertas,

contribuindo assim para o desenvolvimento de uma práxis que seja mais condizente

com o contexto em que a comunidade de fé está inserida. Para isso, considerando que as

reflexões de Moltmann podem contribuir para o contexto eclesiológico brasileiro, na

pesquisa optamos por fazer a comparação dos principais aspectos eclesiológicos do

autor com o modo de ser batista no Brasil, a partir de autores que produzem reflexão

teológica para a denominação, sendo, portanto, autores reconhecidos no universo

batista. Além destas fontes bibliográficas, a pesquisa trará o pensamento teológico da

Igreja Batista brasileira a partir da Declaração Doutrinária da Convenção Batista

Brasileira, procurando apontar caminhos que são passíveis de reflexão teológica e

contribuição pastoral críticas.

Palavras-chave: Eclesiologia – Jürgen Moltmann – Igreja Batista brasileira.

Page 8: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

8

GONÇALVES, Alonso de Souza. For an open ecclesiology: reflections on the ecclesiology of Jürgen Moltmann as a theological contribution to the brazilian Baptist Church. Master Thesis (Post-graduation in Religious Studies, Faculty of Humanities and Law of the Methodist University of São Paulo). São Bernardo do Campo/SP: UMESP, 2014, 125p.

Abstract

This research aims to work with the ecclesiology in the academic production of the

German theologian Jürgen Moltmann. It will seek to handle the principal hermeneutical

keys of Moltmann’s ecclesiology. For it understands that his ecclesiology designs a

concept of church in open dimensions, i.e., a church that demands to be aware of what

occurs in society and be part of it, having commitment and significant inclusion in the

major issues raised by contemporary culture. By his theological categories, Moltmann

contributes towards the achievement of thinking about an ecclesiology with open

dimensions, also to the development of the praxis, which is more consistent within the

context of the community of faith. For this, considering that Moltmann’s reflections can

contribute to Brazilian ecclesiological context, the research chooses to compare the

main ecclesiological aspects of the author with the Baptist way of life in Brazil, and uses

authors of consensus in the Baptist universe in which they produce theological

reflection for the church. In addition to the bibliographical sources, the research will

consider the Brazilian Baptist Church theological thinking on the Doctrinal Statement

of the Brazilian Baptist Convention, trying to point out ways that are liable to

theological reflection and pastoral contribution critiques.

Key-words: Ecclesiology – Jürgen Moltmann – Brazilian Baptist Church.

Page 9: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

9

Caminhante, não há caminho...

...faz-se caminho ao andar.

Antônio Machado

Page 10: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

10

Sumário

Considerações iniciais 12 Problemas, objetivos e metodologia 13

Justificativas 15

A teologia de Jürgen Moltmann na América Latina 19

Um – Jürgen Moltmann: notas bioteográficas 25 Considerações iniciais 25

1. Jürgen Moltmann: uma trajetória de esperança 26

2. Trilogia da esperança: uma leitura eclesiológica 31 2.1. A igreja na força do Espírito: uma proposta eclesiológica 32

2.2. A eclesiologia na Teologia da esperança 34

2.3. A eclesiologia no O Deus crucificado 37

3. Aspectos hermenêuticos da teologia moltmanniana 40 3.1. Promessa e esperança 42

3.2. Escatologia e história 44

3.3. Messianismo e missão 46

Considerações parciais 48

Dois – A eclesiologia aberta de Jürgen Moltmann 50 Considerações iniciais 50

1. A eclesiologia no contexto da teologia sistemática 51 1.1. Cristologia: o seguimento na eclesiologia messiânica 51

1.2. Pneumatologia: a igreja sob o impulso do Espírito Santo 53

1.3. Reino de Deus: a mediação do futuro a partir da igreja 57

1.4. Criação: a responsabilidade ecológica da igreja 59

1.5. Trindade: o modelo teológico de uma comunidade 61

Page 11: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

11

2. A eclesiologia no contexto da práxis 63 2.1. A dimensão comunitária de uma eclesiologia aberta 66

2.2. A eclesiologia pneumática e sua abertura ao mundo 69

2.3. A tarefa missionária da igreja: abertura ao reino de Deus 72

Considerações parciais 75

Três – A eclesiologia aberta de Jürgen Moltmann

como contribuição teológica à Igreja Batista brasileira 77 Considerações iniciais 77

1. Os batistas no contexto do protestantismo(s) brasileiro 78 1.1. A teologia dos missionários 82

1.2. Os batistas: aspectos histórico-teológicos 85

1.3. O modo de ser batista 89

2. Contribuições de Jürgen Moltmann à Igreja Batista 92 2.1. Igreja e reino de Deus 93

2.2. Vocações e ministérios 99

2.3. Missão e proclamação 103

Considerações parciais 107

Considerações finais 109

Referências bibliográficas 113 De Jürgen Moltmann 113

Sobre Jürgen Moltmann 115

Obras complementares 118

Page 12: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

12

Considerações iniciais

O início da minha caminhada com a teologia se deu quando tinha 18 anos de

idade, quando a Primeira Igreja Batista em Hortolândia/SP reconheceu minha vocação

para o ministério pastoral e assim ingressei na Faculdade Teológica Batista de

Campinas (FTBC), no início do ano de 2001.

O ingresso na FTBC foi uma abertura em termos de vida e crescimento. Lá

entrei em contato com alguns professores provenientes dos Estados Unidos e que, de

alguma forma, incutiram a maneira de pensar sobre Deus, igreja, Cristo e outros temas

teológicos em bases tradicionais. No entanto, com outros professores, pude aprender a

pensar de maneira diferente. Um deles foi o professor Natanael Gabriel da Silva, então

diretor da instituição. Com ele, pude beber de fontes teológicas como as de Karl Rahner,

Paul Tillich, Karl Barth, Leonardo Boff, Juan Luis Segundo dentre outros que jamais eu

tinha ouvido falar. Abria-se um novo horizonte de perspectivas e de pesquisa teológica.

Certa vez, ao ouvir a menção sobre o teólogo alemão Rudolf Bultmann, foi

despertado em mim o interesse pelo seu processo hermenêutico conhecido como

demitologização. Ter outra leitura do Novo Testamento foi uma descoberta frutífera,

embora eu não tivesse naquele momento a mínima ideia das consequências de tal

método. Daí para chegar até Jürgen Moltmann foi um passo. Ouvi falar da sua Teologia

da esperança e fiquei encantado com a perspectiva escatológica desse autor. Pensei: “há

outras possibilidades de pensar a escatologia fora dessas três correntes que ouço aqui –

pré-milenismo, pós-milenismo e amilenismo”. Confesso que foi um alívio e ao mesmo

tempo um desafio.

O teólogo alemão Jürgen Moltmann, conhecido como o teólogo da esperança,

tem dado uma importante contribuição ao pensamento teológico contemporâneo em

diversos temas, mas principalmente dentro do tema da escatologia. A reflexão teológica

do autor é amplamente pesquisada e suas intuições teológicas vêm favorecendo o

diálogo no campo ecumênico bem, como também, ampliando o diálogo inter-religioso,

em especial o judaico-cristão.

O meu interesse, a princípio, foi a Teologia da esperança de Moltmann. Percebi

logo a sua importância no cenário teológico latino-americano. Fui descobrindo que o

Page 13: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

13

autor escrevia sobre quase todos os temas da teologia e procurei investigar a sua

eclesiologia.

Problemas, objetivos e metodologia

Partindo de alguns aspectos do esboço teológico de Moltmann, esta pesquisa

procurará trabalhar com a sua eclesiologia. O objetivo com o tema, dentro do sistema

teológico do autor, é procurar mostrar a relevância da eclesiologia moltmanniana e seus

elementos que podem contribuir para uma eclesiologia que seja mais aberta ao contexto

vivencial da igreja e a cultura contemporânea. Não obstante a isso, o tema eclesiologia,

recorrente na produção bibliográfica do autor, ainda não foi objeto de pesquisa no

Brasil.

Sobre a sua eclesiologia, o autor considera que a doutrina teológica sobre a

igreja precisa observar pelo menos três dimensões: diante de Deus, diante dos seres

humanos e diante do futuro. No seu entender isso demonstra a vivacidade da igreja,

pois a igreja de Cristo é uma igreja aberta. Ela está aberta para Deus, aberta para o ser

humano e aberta para o futuro de Deus e dos seres humanos.

A fim de elaborar questões que possam dar direção à pesquisa, algumas

perguntas são necessárias. Quais os fundamentos da eclesiologia aberta de Jürgen

Moltmann? Dentro do seu esboço teológico é possível visualizar uma eclesiologia que

tenha dimensões de abertura? Cabendo a resposta ser positiva, qual a contribuição que

Moltmann poderia dar ao protestantismo(s) no Brasil, particularmente à Igreja Batista

brasileira1 e sua eclesiologia? A proposta de Moltmann é fomentar uma concepção de

igreja que procura concretizar a abertura dela ao mundo, mas para isso precisa deixar

de manter uma fé subjetivista, intimista e incapaz de comunicação.

A eclesiologia moltmanniana que se configura em sua abertura, procura

articular temas a partir de um diálogo com a cultura contemporânea, ou seja, uma igreja

que tenha interação ecumênica; uma práxis que insira a igreja dentro do mundo e não

fora dele; uma dinâmica voltada para as reais necessidades da história; uma eclesiologia

1 Quando, no decorrer da pesquisa, surgir Igreja Batista brasileira, estará se referindo à denominação Batista representada pela Convenção Batista Brasileira (CBB), uma vez que há outros grupos que também se qualificam como Batistas no Brasil.

Page 14: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

14

marcada pela ação do Espírito Santo; uma dinâmica comunitária baseada em

ministérios.

Dentro desse quadro, a realidade eclesial do protestantismo(s) de missão2 parece

não retratar a concepção teológica do autor pesquisado e não corresponderia a uma

eclesiologia que se elabora em dimensões abertas.

Há no protestantismo(s) de missão alguns elementos que segregam a

comunidade de fé de alguns temas e comportamentos sociais nos quais o discurso

teológico sobre a igreja é espiritualizado, carecendo de um engajamento político-social

mais consistente. Nesse sentido, a eclesiologia moltmanniana pode contribuir por trazer

propostas de integralidade entre igreja e sociedade.

A partir disso, a pesquisa persegue alguns objetivos. O primeiro é analisar como

o autor pesquisado vê a igreja em sua abertura ao futuro. Daí a concepção da pesquisa

em tratar de uma eclesiologia aberta, tendo como consequência a reflexão teológica de

temas como reino de Deus, missão, política e a relação igreja-política-e-sociedade. Essa

reflexão teológica é possível quando a igreja assimila, conscientemente, de que é a

antecipação do futuro, ou seja, um futuro com a marca do reino de Deus. Moltmann

pontua de que Jesus, com sua missão e os desdobramentos da ressurreição, trouxe o

reino de Deus para a história, sendo assim, a igreja é sua antecipação, ou seja, é a

experiência dinâmica do reino de Deus. A esperança do futuro reino de Deus é tarefa da

igreja quando assume concretamente a sociedade em que está inserida dando um

horizonte de esperança, justiça, vida e humanidade. A eclesiologia moltmanniana não

concebe um grupo de pessoas fechado em seus pressupostos teológicos que não

contemple sua abertura ao mundo. Aqui, então, o objetivo é articular a eclesiologia de

Moltmann dentro do seu esboço teológico a fim de elencar elementos que configuram

uma igreja aberta.

Outro objetivo é procurar fazer com que a eclesiologia aberta de Moltmann

proporcione chaves de leitura para a realidade eclesial e teológica do protestantismo(s)

de missão e, mais especificamente, para a Igreja Batista (Convenção Batista Brasileira –

CBB) e sua eclesiologia. Nossa hipótese é que as principais características da

eclesiologia moltmanniana podem contribuir para um caminhar da igreja no sentido de 2 Embora a designação protestantismo(s) de missão esteja sendo revisada para identificar as igrejas históricas, uma vez que pesquisadores prefiram denominar de “protestantismo no Brasil” ou ainda “protestantismo(s) brasileiro”, a pesquisa irá optar por essa referência tendo em vista o foco teológico e não, precisamente, o aspecto sociológico.

Page 15: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

15

fomentar uma discussão teológica a fim de auxiliar na formulação de um discurso mais

aberto aos desafios da contemporaneidade. Mesmo pertencendo ao protestantismo(s) de

missão, o que em tese deveria favorecer uma eclesiologia livre, a eclesiologia batista

parece aglutinar algumas características que acentuam uma postura eclesiológica

fechada. Esperamos analisar aspectos como: a concepção soteriológica exclusivista; a

incapacidade de trabalhar com a pluralidade eclesial; o fechamento quanto ao

ecumenismo; uma noção de que a única igreja verdadeira se dá na configuração da

denominação. Além disso, há a discussão quanto ao gênero, onde a mulher não tem o

seu espaço legítimo no âmbito ministerial e sua capacidade pastoral é condicionada pelo

crivo de ser mulher, na maioria das avaliações.

A pesquisa é bibliográfica e explanatória, ou seja, num primeiro momento a

pesquisa bibliográfica será desenvolvida a partir dos principais textos de Moltmann e

correlatos para fundamentar a abordagem eclesiológica na obra do autor. Além disso,

será dada uma atenção especial para autores interlocutores da teologia moltmanniana

tais como: Rosino Gibellini (1998), Battista Mondin (1980, 1983, 1984), Levy Bastos

(2009, 2011b), Richard Bauckham (1995) dentre outros.

Como um dos objetivos da pesquisa, além da análise da eclesiologia de

Moltmann, é dialogar e apontar caminhos de um discurso mais acentuadamente

comunitário e libertador para uma comunidade de fé, no caso a Igreja Batista brasileira

como instituição e ramo do protestantismo(s) de missão, pretende-se abordar os

principais teóricos do discurso eclesiológico da referida denominação, mas

principalmente a Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira (1986), com

o propósito de confrontar ideias, conceitos e comportamentos e, no sentido de

contribuir, sugerir, apontar e mediar possíveis contribuições, a partir da leitura

moltmanniana, para uma realidade eclesial que venha ter uma inserção ética, social e

prática com alguns valores de uma eclesiologia aberta que serão elencados na pesquisa.

Justificativas

No Brasil, a teologia de Jürgen Moltmann tem sido divulgada e pesquisada mais

em relação aos temas da escatologia, pneumatologia, trindade e ecologia. Este último

tema é atual e vem ganhando cada vez mais pesquisadores por ser um assunto que está

Page 16: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

16

na pauta das Nações Unidas e demais contextos no mundo. Quanto à eclesiologia do

autor, ainda é recente a pesquisa e escassa a produção acadêmica sobre este tema dentro

do esboço teológico moltmanniano.

A reflexão sobre a igreja sempre ocupou um espaço considerável na produção

teológica. Diversos teólogos de diferentes concepções, conservadores ou progressistas,

tem se dedicado ao tema em vários momentos da história da igreja. Aqui nos interessa

Moltmann, pela importância que ele tem no cenário teológico. Com sua reflexão

eclesiológica, Moltmann passa a fazer parte do grupo de teólogos sistemáticos que

refletiram sobre a igreja, tanto católicos quanto protestantes.3 O autor, quando se

propõe a fazer uma leitura da eclesiologia4 em perspectiva messiânica, se junta a Karl

Barth que elaborou a sua Dogmática eclesial, alguém que exercerá certa influência nele,

principalmente com o método dialético; a Hans Küng, com suas obras dedicadas à

eclesiologia da Igreja Católica e que, recentemente, publicou no Brasil um texto

provocativo: A igreja tem salvação? (2012). Outro teólogo de expressão, Roger Haight,

que ficou conhecido pelo seu livro Jesus, símbolo de Deus (2005), dedicou-se ao tema

da igreja em dois volumes com o título A comunidade cristã na história (2012). Por

esses e outros autores, o tema da eclesiologia se faz importante e necessário tanto a sua

reflexão no contexto protestante, quanto no contexto católico. No universo católico o

tema voltou com força principalmente depois da eleição do cardeal Jorge Mario

Bergoglio, o primeiro papa latino-americano, que vêm assumindo, como papa

Francisco, posições que causam, em alguns setores da igreja, entre os mais

conservadores, por exemplo, certo desconforto. Por outro lado, Francisco está

promovendo novos ares de libertação e projetando uma igreja que seja mais aberta aos

temas da sociedade como divórcio, casamento de pessoas do mesmo sexo e

contraceptivos. Esses e outros temas estão sendo trazidos à tona para que a igreja e seu

papa possam responder de maneira pastoral e, pelo menos é o que alguns estão

esperando, que não sejam posições enrijecidas pelo dogma, ou seja, que seja com o

3 Quando o termo protestante ou protestantismo(s) surgir no texto não tem um sentido teológico definido de uma igreja específica, apenas uma distinção em relação à Igreja Católica. Aqui o termo será para identificar as igrejas comumente conhecidas como igrejas históricas. 4 Tomo o conceito eclesiologia sempre como um discurso teológico que se faz a partir da igreja, não especificamente como doutrina da igreja. Aqui sigo a definição teológica de Roger Haight quando ele diz que “o objeto de estudo da eclesiologia é o povo que confessa ser Deus quem atua em sua vida e que, portanto, se articula como igreja, precípua e centralmente, por causa dessa fé em Deus” (HAIGHT, 2004, p. 271).

Page 17: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

17

objetivo de contribuir para o diálogo. O caminho, ao que tudo indica, será difícil, mas

necessário.

Voltando a Moltmann, a pretensão em refletir sobre sua eclesiologia se deve não

somente ao fato dele ser um teólogo contemporâneo que vêm exercendo uma influência

benéfica em diferentes lugares onde a teologia está sendo pensada de maneira

responsável, principalmente na América Latina. Ela se deve, principalmente, à

originalidade e criatividade do autor, que o torna um teólogo relevante para a discussão

acadêmica e pastoral. Embora a sua ênfase seja na escatologia, isso não o impediu de

contribuir para se pensar e projetar uma eclesiologia mais humana e caracterizada pela

dinâmica concreta da vida. Na sua extensa bibliografia, há implicações definitivas em

seu trabalho para o tipo de eclesiologia necessária para sustentar a visão escatológica

que ele descreve. A sua escatologia o leva a assumir algumas posições a respeito da

igreja e sua relação com o mundo (sociedade).

A teologia de Moltmann vem sendo objeto de intensa reflexão e produção

acadêmica. É um autor de linhas definidas em termos teológicos e uma história de vida

marcada pela experiência de prisioneiro de guerra em um campo de concentração na

Segunda Guerra Mundial, e de exercer o pastorado por um tempo em uma comunidade

pequena em uma região bucólica da Alemanha.

A pesquisa se dá por entender de que a eclesiologia do autor ainda não foi

devidamente pesquisada. Por um bom tempo a sua eclesiologia foi preterida por outros

temas, igualmente importantes, como a trindade, a criação, a cristologia e sua

escatologia. Até recentemente a sua principal obra sobre eclesiologia, A igreja na força

do Espírito (1975), ainda não havia sido traduzida para o português, sendo trazida ao

Brasil em 2013 com o título A igreja no poder do Espírito.

Além disso, como pastor de uma comunidade batista que tem sua matriz

teológica e histórica no protestantismo(s) de missão do século XIX, percebo que é

visível a ausência de uma eclesiologia que seja inclusiva, ou seja, a Igreja Batista no

Brasil ainda não contempla alguns elementos para maior abertura que vise uma reflexão

teológica holística e engajada socialmente. A recusa à ordenação feminina ao ministério

pastoral, o que constitui como um sinal claro de discriminação quanto ao gênero e uma

teologia meramente salvacionista, escapista (celestial), predominante em seminários e

faculdades teológicas (com exceção de algumas instituições teológicas), revelam, por

Page 18: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

18

exemplo, que há uma necessidade de formular bases para se pensar em uma eclesiologia

aberta ou que pelo menos contribua com uma abertura gradativa nesses temas.

Nesse sentido, como já referido, nos orientamos por algumas perguntas: a

eclesiologia de Moltmann pode contribuir para ampliar a concepção teológica da

eclesiologia da Igreja Batista ao pontuar críticas e promover a sinalização de alguns

caminhos pastorais alternativos? Caso sim, quais seriam eles? O teólogo de Tübingen

traz novidades eclesiológicas para propor a discussão em alguns temas da realidade

denominacional da eclesiologia batista? Quais seriam? Nesse sentido, essa pesquisa

nasce do anseio em contribuir com a igreja da qual o pesquisador faz parte. A

dissertação tem como propósito fazer apontamentos a fim de refletir sobre

possibilidades que sejam relevantes com o atual momento da cultura contemporânea e

os desafios pastorais que dela suscitam.

Quais seriam os aspectos norteadores para se falar em uma eclesiologia aberta a

partir de Moltmann?

A principal justificativa para se pensar em uma eclesiologia aberta se deve, num

sentido mais amplo, à própria configuração do protestantismo(s) de missão – sendo os

batistas participantes da mesma matriz teológica com algumas diferenças pontuais – no

país. Um desses aspectos é a dificuldade em refletir holisticamente a dimensão do reino

de Deus como construção histórica e não como mera consumação da história. Outro

aspecto que deixa a sua marca na eclesiologia pensada a partir do protestantismo(s) de

missão, em sua versão tradicional, é a escatologia milenarista. A partir da escatologia

milenarista é pensada a estadia da igreja na terra e a concepção de que um dia tudo

estará consumado e, enquanto isso não ocorre, é preciso se separar do “mundo” e

aguardar a “volta de Jesus”. A escatologia milenarista somada à concepção da

individualização soteriológica, ou seja, uma expectativa pelo “céu” onde tudo será como

antes da queda do ser humano, dá ao protestantismo(s) de missão um discurso teológico

que funciona como negação ou rejeição para não se ter uma vida cristã engajada e

corresponsável pela sociedade. Com uma concepção de que se precisa ganhar almas

para Cristo apenas, o protestantismo(s) de missão parece ter uma mensagem

reducionista. O mundo está se aproximando do fim, o acerto final de contas com Deus;

os eventos que ocorrem no mundo são sinais disso; não é o reino de Deus que precisa

ser expandido, mas é a aniquilação que está chegando (ALVES, 2005, p. 85). Os valores

Page 19: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

19

do reino de Deus e a continuação-construção desse projeto são engavetados na

eclesiologia protestante sendo que a Igreja Batista participa dessa mesma perspectiva.

A eclesiologia que Moltmann propõe é marcada por alguns elementos que

podem contribuir para uma reflexão eclesiológica que favoreça o engajamento da igreja

com uma práxis comprometida com o contexto em que a igreja está inserida.

Outro aspecto que justifica a nossa pesquisa são as relações que Moltmann

estabeleceu com a teologia latino-americana.

A teologia de Jürgen Moltmann na América Latina

A teologia moltmanniana, desde a sua gênese, foi bem recebida na América

Latina. Um teólogo que transita bem entre católicos e protestantes, Moltmann desde o

início abriu um profícuo debate, não isento de tensões, em torno de suas ideias com

teólogos latino-americanos. Há um intenso e proveitoso debate em torno dos temas

propostos por Moltmann feito por teólogos latino-americanos, tanto os ligados à

teologia latino-americana da libertação quanto aos ligados à teologia latino-americana

da missão integral.

Como o próprio autor relata, o início foi conturbado, principalmente com o

colega José Míguez Bonino, mas a colaboração mútua esteve presente nas reflexões de

teólogos latino-americanos como também a teologia latino-americana da libertação

esteve presente nas reflexões de Moltmann (MOLTMANN, 2004, p. 185). Na América

Latina o teólogo da esperança irá contribuir com a cristologia de Jon Sobrino; também

com a concepção trinitária de Leonardo Boff, onde a reflexão, de alguma forma, está

relacionada com a de Moltmann. Nesse sentido, Moltmann tem sido bem acolhido na

América Latina, tanto com a sua contribuição bibliográfica como pessoalmente, vindo

ao Brasil por algumas vezes e, na Universidade Metodista de São Paulo por duas, sendo

a última em 2008.

A relação de Jon Sobrino com Moltmann começou com o doutorado em teologia

na Alemanha onde o teólogo espanhol radicado na América Latina desde 1957, vivendo

até hoje em El Salvador, tratou da cristologia moltmanniana juntamente com a de

Pannenberg.

Page 20: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

20

O laço de Moltmann com Sobrino foi apertado mais ainda depois da tragédia que

culminou na morte de seis jesuítas dentre outros assassinados no campus da

Universidade Centro-americana (UCA) de El Salvador em 1989. Nesse episódio,

Moltmann toma conhecimento, pela fotografia da cena do martírio, de que o seu livro,

El Dios crucificado, estava caído em meio ao sangue de um dos jesuítas assassinados.

A cristologia de Sobrino é um resgate do seguimento de Jesus e suas

consequências na história tendo como interface a situação da América Latina. Como

teólogo da libertação, Sobrino parte do pressuposto de que há crucificados na América

Latina e que Jesus continua solicitando a retirada desses da cruz. Tomando isso como

condição, a cristologia moltmanniana faz todo o sentido para a reflexão teológica de

Sobrino, posto que para Moltmann o presente não se dê a partir de uma “tábula rasa

com possibilidades abertas ainda-não atualizadas, mas é diretamente miséria, opressão,

injustiça, numa palavra, pecado” (SOBRINO, 1996, p. 176-177). Ele concorda com

Moltmann de que o “presente não é só distanciamento com respeito ao futuro, mas

contradição com respeito ao futuro esperado” (SOBRINO, 1996, 177). A esperança se

dá contra a miséria presente e diante dela há uma convocação para favorecer uma práxis

da esperança (SOBRINO, 1996, p. 177). A práxis se dá no seguimento de Jesus e

Sobrino interpreta Moltmann dentro dessa categoria, uma vez que para ele

é possível viver já na história escatologicamente, realizando, ao mesmo tempo, a esperança presente na ressurreição de um crucificado e o amor da vida de Jesus. Dito em linguagem de ressurreição, já se pode viver como ressuscitado nas condições da história. Dito em linguagem histórica, já se pode viver com o amor do crucificado. E isto não é outra coisa senão o seguimento de Jesus (SOBRINO, 1996, p. 178).

Sobrino soube ler o sistema teológico moltmanniano, principalmente a sua

cristologia, favorecendo uma perspectiva positiva da sua teologia para a América

Latina, proporcionando uma linguagem de esperança a partir de um contexto de

desesperança e sofrimento do pobre. Nesse sentido, Sobrino não pontua críticas à

teologia de Moltmann, pois ele entende que a dialética do presente-futuro-presente

contribui para uma práxis que movimenta em direção ao futuro tendo como elemento

propulsor o seguimento de Jesus de Nazaré e sua dimensão histórica.

Page 21: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

21

Quando Gustavo Gutiérrez escreve sua clássica obra – Teologia da libertação –,

ele traz a discussão da escatologia em sua vertente política e chega à Moltmann

(GUTIÉRREZ, 1976, p. 181). A crítica de Gutiérrez é de que falta à Moltmann uma

“linguagem suficientemente enraizada na experiência histórica concreta do [ser

humano]” (GUTIÉRREZ, 1976, p. 182). Como teólogo da libertação, Gutiérrez está

interessado na práxis da teologia em sua concretização na história de espoliação e

dilemas sociais, daí a sua crítica à Moltmann de que sua teologia não procura vivenciar

o âmago da práxis histórica, sendo apenas uma espécie de evasão, futurismo

(GUTIÉRREZ, 1976, p. 182). Mesmo assim, Gutiérrez admite de que a teologia de

Moltmann é uma das mais importantes da contemporaneidade, pois ela ajudou “a

superar a associação fé e medo ante o futuro” (GUTIÉRREZ, 1976, p. 183). Para o

teólogo peruano, Moltmann ajuda a entender que a esperança e o futuro que se espera é

um dom que cumpre “uma função mobilizadora e libertadora da história”

(GUTIÉRREZ, 1976, p. 183). Mesmo tecendo algumas críticas quanto à ausência de

elementos que promovam uma práxis voltada para o “chão das pessoas”, Gutiérrez

esclarece quanto às possibilidades da teologia moltmanniana e, dentre algumas, se

destaca a necessidade de encarar o futuro como uma oportunidade de transformá-lo no

presente, uma vez que aquele (o futuro) depende deste. Nesse aspecto, tod@s5 estão

convocad@s a exercerem uma função libertadora no mundo a partir da esperança, o

futuro será mais humano quando no presente for possível suprimir as injustiças

promovendo libertação (GUTIÉRREZ, 1976, p. 183).

Rubem Alves, em sua tese de doutorado, Para uma teologia da libertação, obra

que foi publicada nos Estados Unidos como Teologia da esperança humana e

conhecida no Brasil com o título Da esperança (1987), faz uma análise da teologia da

esperança de Moltmann apontando algumas deficiências epistemológicas no seu

sistema.

Alves faz uma leitura da Teologia da esperança tendo como foco a história e o

humanismo político. Assim, ele formula algumas críticas ao sistema moltmanniano

principalmente em sua concepção de história e sua relação com o futuro. Alves

considera que Moltmann vê o movimento da história platonicamente. Ao se apropriar

do conceito aristotélico do primum movens (primeiro movimento), Alves entende que 5 A fim de contribuir com a equidade de gênero, a pesquisa fará uso, sempre que possível e quando a língua assim permitir, de uma linguagem inclusiva, que tem no “@” um símbolo para a referência do feminino e do masculino no decorrer da pesquisa.

Page 22: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

22

Moltmann concebe um Deus que arrasta a história para o futuro sem nela se envolver

(ALVES, 1987, p. 108). A crítica mais contundente de Alves (1987, p. 113) à

Moltmann é de que “a história não está aberta”. Ele vê a história cativa de poderes que

produzem morte, “assim, a história não está fechada devido a realidades orgânicas, e

sim devido a poderes ativos de natureza política” (ALVES, 1987, p. 113). Ainda em

reação à Moltmann quanto à história, Alves é contrário à concepção do primum movens,

uma vez que para ele o que coloca a história em movimento é a “dialética da liberdade

enquanto encarnada no sofrimento do mundo e que, em consequência, faz nascer a

negação, a esperança e a ação” (ALVES, 1987, p. 114). Apesar de suas críticas, Alves

assimila à linguagem moltmanniana da ressurreição e aceita a dialética do autor futuro-

presente (HIGUET, 1995, p. 37).

Outro personagem latino-americano que teceu reação ao pensamento de

Moltmann foi Míguez Bonino. Moltmann escreveu uma carta aberta ao colega em 1976

que, segundo ele, causou algum alvoroço (MOLTMANN, 2004, p. 186). Nessa carta

Moltmann formula algumas perguntas que destaco duas: (1) o que é latino-americano na

teologia latino-americana da libertação?; (2) o que é crítica, se no final o crítico afirma

mais ou menos a mesma coisa que o criticado? Essas questões resultaram em reações

que, infelizmente, foram negativas (MOLTMANN, 2004, p. 186). Diante do episódio,

Moltmann deixa bem claro de que não rejeita a teologia latino-americana da libertação,

antes ele assimila seus pressupostos e, de alguma maneira, faz com que eles sejam

refletidos na sua reflexão teológica mais recente.

A reação de Míguez Bonino é, num primeiro momento, de contentamento, pois a

obra de Moltmann é “notável e decisiva para a história do pensamento teológico”

(BONINO, 1987, p. 112-113). O entusiasmo de Míguez Bonino é de que a ideia

moltmanniana de esperança “está longe de levar a uma fácil acomodação ao status quo”

(BONINO, 1987, p. 113). É uma esperança que coloca em movimento, que não se

conforma com a realidade circundante e provoca a mover-se em direção ao futuro.

Tendo a ressurreição de Jesus como primeiro ponto para se pensar no cumprimento da

promessa, Míguez Bonino concorda que é possível um futuro onde o ser humano se

encontra aberto para a promoção do amor, justiça e vida, prometida na ressurreição de

Jesus (BONINO, 1987, p. 113). Por outro lado, a crítica que Míguez Bonino faz à

Moltmann é quanto à tentativa de se desconsiderar aspectos políticos e ideológicos na

tarefa de indicar caminhos concretos para a história e não apenas formular concepções

Page 23: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

23

idealistas (BONINO, 1987, p. 115). O que Míguez Bonino rejeita é a ideia de que o

Deus crucificado é, de fato, um Deus sem Estado nem classe. Mas nem por isso ele é

um Deus apolítico. Ele é o Deus dos pobres, oprimidos e humilhados. O teólogo

argentino questiona: “ora, os pobres, os oprimidos, os humilhados são classe e vivem

em Estados” (BONINO, 1987, p. 115). No seu entender não há como não se envolver a

favor dos desfavorecidos sem um comprometimento político. Do contrário não há como

ler de fato a situação histórica concreta. O que Míguez Bonino cobra, especialmente da

teologia política europeia, é uma decisão política e não uma abstenção dela. A pobreza,

os oprimidos são materializados na história e para contemplar essa realidade é preciso

uma inserção mais coerente com a história, ou seja, há que haver um “reconhecimento

claro e coerente das mediações históricas, analíticas e ideológicas” (BONINO, 1987, p.

116). Em outras palavras, a secularização política não poderá ser absorvida por uma

teologia que procura ser crítica, formulando um discurso libertário que contempla a

condição de inumanidade do ser humano.

Quanto a essas críticas, Moltmann faz uma distinção política e de locus

theologicus entre a teologia política europeia e a teologia latino-americana da

libertação. A primeira estava envolvida com as constantes ameaças das potências

mundiais e com a iminência de um apocalipse atômico; já a segunda estava (está?)

envolvida com o “sofrimento e a morte dos pobres” (MOLTMANN, 2004, 187).

A reação de Higuet à Teologia da esperança caminha na mesma direção de

Gutiérrez, Alves e Míguez Bonino. Higuet trata do método moltmanniano quando lida

com a história e a escatologia. Entre o horizonte histórico, que é o objeto da promessa,

juntamente com a esperança, e as possibilidades reais do mundo, a mediação é feita pela

obediência. No entender de Higuet, “o horizonte apocalíptico de uma nova criação

apenas anunciada pelo evento cristológico desvaloriza a práxis histórica dos cristãos”

(HIGUET, 1995, 41). Aqui Higuet reage à Moltmann no sentido de que a obediência

paralisa o cristão quando espera que Deus concretize o futuro. Ele não concebe uma

dicotomia entre história de Deus e história, ou seja, “parece que o processo instaurado

pela promessa inaugura outra história, ao lado da história da humanidade” (HIGUET,

1995, p. 45). A sua reação à Moltmann se deve por entender que o teólogo de Tübingen

parte de uma perspectiva apocalíptica da realidade “e não de um princípio encarnado no

real e operando a partir de dentro para a transformação desse real” (HIGUET, 1995, p.

45).

Page 24: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

24

As críticas pontuadas aqui são importantes, pois elas favorecem o debate e

demonstra o quanto a teologia moltmanniana é importante no cenário latino-americano.

As críticas levantadas aqui aguçam mais ainda o debate em torno dos problemas que

todo e qualquer método teológico tem. No caso de Moltmann é possível verificar os

principais pontos do seu sistema teológico que permite estabelecer um profícuo debate

com a reflexão teológica latino-americana. Por ser um teólogo lido e pesquisado na

América Latina e, no caso do Brasil, ser uma referência na discussão teológica,

Moltmann continua sendo interpretado a partir de diferentes aspectos e perspectivas. No

caso dessa pesquisa, a sua eclesiologia será o foco por entender que ela constitui fonte

de reflexão que pode favorecer uma leitura crítica diante das eclesiologias existentes no

cristianismo, mais detidamente a eclesiologia presente no protestantismo(s) de missão e,

mais especificamente, a eclesiologia que a Igreja Batista brasileira representa.

Quanto ao método moltmanniano, alvo de inúmeras reações, ele arremata:

“frequentemente sou questionado a respeito do meu método teológico e raramente tenho

dado alguma resposta. Num tempo em que tantos colegas praticamente só se ocupam

com questões de método, interessam-me os conteúdos teológicos, sua revisão e

inovação” (MOLTMANN, 2002b, p. 13-14).

É a sua capacidade de rever e inovar os conteúdos teológicos que motivaram

pesquisar a eclesiologia do autor.

Page 25: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

25

Um

Jürgen Moltmann: notas bioteográficas

Jürgen Moltmann, da Igreja Reformada

alemã, talvez seja atualmente o teólogo

mais representativo da cristandade.

(Leonardo Boff)

Considerações iniciais

A pretensão em refletir sobre a eclesiologia de Moltmann se deve não somente

porque ele é um teólogo contemporâneo que vêm exercendo uma influência benéfica em

diferentes lugares onde a teologia está sendo pensada de maneira responsável e

solidária, principalmente na América Latina. Não apenas por isso, mas principalmente

porque sua originalidade e criatividade, o torna um teólogo imprescindível para a

discussão acadêmica e pastoral. Embora a sua ênfase seja na escatologia, isso não o

impediu de contribuir para se pensar e projetar uma eclesiologia caracterizada pela

dinâmica da vida e que reforce processos humanizadores. Na extensa bibliografia dele,

há implicações decisivas em seu trabalho para o tipo de eclesiologia necessária para

sustentar a visão escatológica que ele descreve. A sua escatologia o leva a assumir

algumas posições a respeito da igreja e sua relação com o mundo (sociedade).

Com este capítulo serão analisadas as principais obras de Moltmann procurando

pontos de acesso à sua eclesiologia. Será uma tentativa de articular a visão eclesiológica

moltmanniana, descrevendo tanto a eclesiologia explícita e implícita encontrada nas

mais destacadas obras do autor.

As análises começam com o principal texto de Moltmann sobre a igreja – A

igreja na força do Espírito, escrita originalmente em 1975, – e logo em seguida as duas

obras que compõem, juntamente com essa, a chamada trilogia da esperança –

expressão cunhada por Rosino Gibellini (1998, p. 296) – a Teologia da esperança,

Page 26: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

26

publicada em 1964 e O Deus crucificado, publicada em 1972. O que se pretende é

observar as principais ideias e conceitos de Moltmann sobre a igreja em suas principais

obras (trilogia da esperança), a fim de demonstrar que o tema da eclesiologia está

presente no sistema teológico do autor ao longo de sua inicial produção acadêmica.

Trata-se de uma contribuição para uma teoria teológica da eclesiologia quanto para uma

pastoral que seja integradora no atual contexto contemporâneo.

Em seguida uma análise quanto alguns aspectos da hermenêutica de Jürgen

Moltmann. O eixo hermenêutico moltmanniano gira em torno dos temas: promessa e

esperança; escatologia e história; messianismo e missão.

Antes de tecer algumas observações quanto à eclesiologia de Moltmann em suas

obras se faz necessário expor, mesmo que sucintamente, algumas notas sobre a sua

trajetória de vida e o surgimento de algumas obras que ganharam um peso maior na sua

produção acadêmica.

1. Jürgen Moltmann: uma trajetória de esperança

Jürgen Moltmann nasceu no dia 8 de Abril de 1926 na cidade de Hamburgo,

região norte da Alemanha. Como ele mesmo descreve, a sua educação até à juventude

não foi cristã, mas sim secular. Influenciado pelo avô, que passou a pertencer à

Maçonaria, o jovem Moltmann assumiu uma postura indiferente e distanciada do

cristianismo (MOLTMANN, 2004, p. 9). Na adolescência pensou até estudar física e

matemática. Nessa fase a teologia não desempenhava qualquer papel importante na sua

vida. Mas os estudos foram interrompidos subitamente quando foi alistado aos 17 anos

em 1943 como auxiliar da Luftwaffe, a Força Área Alemã. A sua cidade natal,

Hamburgo, foi bombardeada em Julho de 1943, na conhecida Operação Sodoma e

Gomorra promovida pela Royal Air Force britânica. Moltmann e seus companheiros

foram destacados para uma bateria antiaérea no centro da cidade. Apenas ele sobreviveu

e o colega ao seu lado foi esfacelado por uma bomba. Nessa noite ele mesmo recorda

como chorou e acabou a gritar pela primeira vez por Deus: “meu Deus, onde estás?”

(MOLTMANN, 2008, p. 10).

Page 27: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

27

O jovem Moltmann foi capturado e levado prisioneiro para a Escócia e

Inglaterra e por três anos procurou respostas existenciais para as experiências vividas no

contexto de guerra. Levou consigo os poemas de Goethe, o Fausto e as obras de

Friedrich Nietzsche para suportar aquele difícil período de sua vida (MOLTMANN,

2002a, p. 11). Este tempo, como prisioneiro em diversos campos de concentração, o

fizeram refletir na vida e perceber a esperança por meio de uma cerejeira que florescia e

a Bíblia que ganhou de um capelão. Essa experiência irá dar outra direção à sua vida e

temas como o sofrimento e a injustiça serão contemplados em suas obras

posteriormente.

Nos campos da Bélgica e da Escócia, vivenciei tanto o colapso daquelas coisas que tinham sido certezas para mim quanto uma nova esperança de vida na fé cristã. Devo provavelmente a essa esperança não só minha sobrevivência mental e moral, mas também física, pois foi ela que me salvou do desespero e da resignação. Quando voltei, havia me tornado cristão, e tinha um novo “objeto pessoal” de estudar teologia para entender o poder da esperança à qual devia minha vida (apud MILLER & GRENZ, 2011, p. 123).

As decepções como a de Auschwitz, fizeram o jovem Moltmann perder qualquer

tipo de esperança no regime de Adolf Hitler e na Alemanha de então. Indo para Norton

Camp em 1946, um campo de reeducação que os ingleses mantinham com o objetivo de

preparar jovens para a Alemanha do futuro, Moltmann afirma ter descoberto a

esperança a partir das páginas da Bíblia (Novo Testamento e Salmos). A leitura dos

Salmos o fez progressivamente encontrar a fé cristã ao ponto de afirmar mais tarde de

que foi Deus quem o escolheu e não ele quem escolheu a Deus (MOLTMANN, 2008, p.

12). Além da Bíblia, havia uma capela no acampamento que, segundo ele, exerceu um

enorme fascínio sobre ele (MOLTMANN, 2002a, p. 14). Foi em Norton Camp que o

jovem Moltmann descobre a vida e a esperança nela e surge o desejo, mesmo sem saber

o que esperava, de ser pastor ao invés de professor como idealizava. Ele narra que

deixou Norton Camp assim como Jacó deixou o vale de Jaboque, manco, mas

“abençoado”. No caso dele, “foi Deus quem olhou para nós [ele] com os ‘olhos

radiantes’ de sua alegria eterna” (MOLTMANN, 2002a, p. 16). Ainda em Norton

Camp, faz parte de um grupo de estudantes de teologia e tem contato com a teologia

evangélica (MOLTMANN, 2004, p. 15).

Page 28: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

28

Moltmann regressou para casa, em 1948, com vinte e dois anos de idade, em um

contexto de ruínas no pós-guerra. É nesse contexto, que o autor irá esboçar suas

primeiras linhas teológicas. A sua primeira tentativa foi elaborar uma reflexão teológica

que viesse contribuir para que os anseios de um “novo tempo” pudessem ser possíveis e,

ao mesmo tempo, amenizar os sofrimentos dos sobreviventes daquela tragédia humana

chamada Segunda Guerra Mundial.

Com o objetivo de continuar a estudar teologia, Moltmann ingressa na

Universidade de Göttingen, uma instituição em que os professores seguiam o

pensamento teológico de Karl Barth. Daí a influência que o teólogo de Basiléia irá ter

no pensamento e produção do nosso autor. A teologia para ele se abria como uma

possibilidade nova, uma aventura das ideias, um caminho aberto e convidativo,

fascinando o autor e aguçando a sua curiosidade intelectual (MOLTMANN, 2004, p. 9).

Quanto a sua relação com a igreja, Moltmann se aproximou do grupo que passou

ser conhecido como igreja confessante, uma vez que as igrejas nacionais tinham se

calado diante do regime nazista. A igreja confessante mereceu o respeito de Moltmann,

por ser o grupo que se opôs ao regime de Hitler no Terceiro Reich. Foi também por

meio da igreja confessante que Moltmann teve a oportunidade de lecionar teologia na

Escola Teológica (Kirchliche Hochschule) de Wuppertal. Ali Moltmann – e seu colega

Wolfhart Pannenberg – experimentaram um tempo de profunda reflexão teológica sem a

tutela do Estado e a interferência das instâncias políticas da Igreja Evangélica da

Alemanha.

Além da atividade docente, Moltmann também exerceu o pastorado em uma

comunidade rural na cidade de Bremen-Wasserhorst, uma experiência da qual ele se

recorda com profunda gratidão. Foi com a comunidade que ele, mesmo pós-graduado

em teologia, sente-se “confrontado com a vida do povo simples”. Para ele foi uma

oportunidade de encontrar a teologia acadêmica e a teologia do povo – “isso foi duro,

mas benéfico, pois, após ter conhecido a teologia acadêmica, tomei conhecimento da

teologia do povo na luta por suas famílias e seu sustento diário, nas memórias por seus

mortos e nos cuidados pelas suas crianças” (MOLTMANN, 2004, p. 18). Foi no dia a

dia que Moltmann desenvolveu uma teologia pessoal a partir das visitas aos doentes e

relacionamento com os fiéis. Para o autor, a teologia é, prioritariamente, pastoral. Não

há dissociação entre uma e outra. Moltmann entende que,

Page 29: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

29

a teologia acadêmica, além de erudita, é também pastoral. Meus alunos universitários procedem de diversas escolas secundárias. Vivem igualmente separados do povo que não pode mais frequentar escolas e, certamente, a universidade. Nossa teologia acadêmica relaciona-se com a Bíblia, os Pais da Igreja, bem como com outras ciências e ideologias. Mas não fala a linguagem do povo nem expressa suas experiências e esperanças (MOLTMANN, 1978, p. 31-32).

Moltmann tem “alma” pastoral, por isso o seu compromisso com a teologia só

tem sentido porque ele sempre propõe, a partir do reino de Deus, uma “teologia

missionária, que liga a igreja à sociedade e o povo de Deus aos povos da terra”

(MOLTMANN, 2004, p. 13).

Quanto aos aspectos teológicos, Moltmann recebeu certas influências de Barth,

como colocado acima. Segundo Richard Bauckham (1995, p. 1-2), Moltmann, como um

estudante em Göttingen do pós-guerra, assimilou a teologia de Barth e durou algum

tempo antes de ver qualquer necessidade de ir além do teólogo suíço. Os rumos que

Moltmann tomou, foram inspirados por seus professores como: Otto Weber, Ernst Wolf

dentre outros. No campo exegético, coube a Gerhard von Rad e Ernst Käsemann, o

primeiro para o Antigo Testamento e o segundo para o Novo Testamento, influenciar o

autor na leitura exegética da Bíblia.

Em 1964, o autor se torna conhecido com sua obra Teologia da esperança. Em

1967 foi-lhe oferecido à oportunidade de lecionar na prestigiada Universidade de

Tübingen como professor de Teologia Sistemática, deixando de ser apenas com a sua

aposentadoria em 1994.

Ainda nos aspectos teológicos do autor, é possível visualizar dois grandes

momentos na sua produção acadêmica além de outros títulos de reflexões teológicas

pontuais. A sua trilogia começa com a chamada Teologia da esperança (1964),

passando pelo O Deus crucificado (1972) e por último A igreja na força do Espírito

(1975). Neste primeiro período (1964-1975), as décadas de sessenta e de setenta, viu

surgir a sua trilogia onde desenvolve três perspectivas complementares da teologia

cristã: revelação e história, a doutrina da cruz e a eclesiologia. Na Teologia da

esperança, Moltmann traz um diálogo com o filósofo de tendência marxista, Ernst

Bloch, e seu principal livro, O princípio esperança, distanciando dele criticamente.

Outro aspecto nessa obra é a concepção de fé que o autor traz, a fé é entendida como

expectativa do futuro prometido por Deus no projeto do reino de Deus em Jesus e a

Page 30: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

30

partir dele. A Teologia da esperança atribui um significado decisivo à história e à

própria revelação, mas a partir da promessa. Nesse sentido, a história torna-se o espaço

do compromisso político e social da práxis dos cristãos.

Em O Deus crucificado (1972), Deus é pensado a partir da cruz, do sofrimento e

de como Deus é solidário com o sofrimento. O sofrimento é visto como não sendo uma

contraposição a Deus, pois o ser de Deus está no sofrimento. A cruz é então a

identificação de Deus com o sofrimento do mundo no sofrimento de Cristo. Para

Moltmann, se Deus é amor, então Deus está no sofrimento e o sofrimento está em Deus.

Em 1975 com A igreja na força do Espírito, Moltmann une duas perspectivas:

eclesiologia e pneumatologia. É o Espírito Santo que recorda os não recordados do

mundo. Ele, que deriva do evento da cruz e da ressurreição, move a realidade à

resolução da dialética que invade o mundo do esquecimento e da paixão, enchendo-o

com a presença de Deus. É uma igreja que faz evidenciar nela e por meio dela, a partir

da comunhão eclesial e fraterna, uma igreja no horizonte do mundo, ou seja, não é uma

igreja mundanizada, mas uma igreja comprometida ética e politicamente com o mundo.

O segundo período (1980-1991) será o propriamente sistemático do autor,

conhecido como contribuições sistemáticas para a teologia. Em 1980 publica a sua

doutrina trinitária social em Trindade e reino de Deus tentando superar o conflito entre

a exegese antropológica e a exegese teológica do texto bíblico com o auxílio da

hermenêutica trinitária. Neste livro tenta libertar a doutrina cristã de Deus do

confinamento da antiga metafísica da substância. Desenvolve aqui a sua doutrina social

da trindade. Na obra, Moltmann faz uma opção pela relação pericorética capadócia

intra-trinitária e recusa qualquer concepção monoteística ou monarquista de Deus.

Em 1985 publica Deus na criação para enfatizar o significado ético da doutrina

de Deus nas suas posições trinitárias e escatológicas. Nesta obra aponta para o

panenteísmo em ordem a superar o panteísmo e o deísmo de um Deus radicalmente

separado do mundo, pois o conceito de natureza permite pensar as marcas do próprio

Deus triúno.

Já em 1989, o cenário teológico conhece O caminho de Jesus Cristo. Uma obra

em que Moltmann começa discutindo a questão do messianismo. Para o teólogo alemão,

o messiânico é uma chave hermenêutica. Ele trata dessa categoria, messiânico, em sua

eclesiologia e agora em sua cristologia. A diferença entre O Deus crucificado e O

Page 31: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

31

caminho de Jesus Cristo se dá que na primeira ele busca entender a dinâmica da paixão

de Deus e a cruz do seu Filho; aqui ele procura desenhar uma cristologia que não olhe

apenas para o céu, mas sim uma cristologia para homens e mulheres que caminham e

buscam orientações diante dos conflitos e da história, daí o seu sentido messiânico e

pneumatológico. Como Messias, Jesus enxuga lágrimas e encoraja os desesperados,

libertando os oprimidos. Nesta obra o autor procura abordar as diferentes perspectivas

cristológicas, inclusive a cósmica.

Em 1991 Moltmann publica O Espírito da vida. Das suas contribuições

sistemáticas para a teologia esta obra é indubitavelmente um marco no tema do Espírito

Santo. O autor procura conectar as experiências da vida com as experiências de Deus

por meio do seu Espírito e isso ele faz tratando das concepções contemporâneas da

pneumatologia, fazendo uso da Bíblia com suas manifestações do Espírito de Deus na

história. Com O Espírito da vida, Moltmann deflagra um intenso debate no campo da

pneumatologia.

Depois de elencados alguns aspectos da vida e principais produções acadêmicas

do autor, passo a analisar aspectos de algumas obras com o objetivo de ressaltar as

principais ideias explicitas ou implícitas do teólogo alemão quanto a sua eclesiologia.

2. Trilogia da esperança: uma leitura eclesiológica

Como teólogo sistemático, o tema da eclesiologia não poderia ficar de fora das

suas reflexões, é por isso que ele dedica uma obra, A igreja na força do Espírito, ao

tema e, segundo Battista Mondin (1980, p. 200), esta será a obra mais sistemática do

autor. Acolhendo a opinião de Mondin de que esta é a mais sistemática obra do autor é

que procuro dar uma síntese do trabalho A igreja na força do Espírito. Em seguida,

passo a observar em outros trabalhos do autor, como a Teologia da esperança e O Deus

crucificado, suas reflexões que estão de alguma maneira, conectadas ou que se

relacionam, com sua eclesiologia de maneira explícita ou implícita.

Neste capítulo, portanto, o objetivo é fazer uma leitura de algumas obras de

Moltmann delimitando o foco para a sua eclesiologia. É com esse intento que, num

primeiro momento, a sua principal obra, A igreja na força do Espírito, será analisada a

Page 32: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

32

fim de oferecer um esboço da sua eclesiologia e, num segundo momento, as duas

principais obras que compõem o eixo temático do autor conhecido como trilogia da

esperança: Teologia da esperança e O Deus crucificado.

2.1. A igreja na força do Espírito: uma proposta eclesiológica

A obra A igreja na força do Espírito surgiu em 1975 como a última parte que

compõe a conhecida trilogia da esperança. Um texto denso e que procura abordar quase

todas as áreas da eclesiologia como discurso teológico da igreja. No Brasil, ela só foi

publicada em 2013, demonstrando que o tema da eclesiologia foi por muito tempo

preterido por outros temas de igual importância na produção acadêmica do autor. No

Brasil a obra é traduzida como A igreja no poder do Espírito. Embora o título da obra

em alemão traga a palavra força (Kraft) e não poder (Macht), uma vez que Macht,

geralmente indique potência, ou seja, um poder soberano, e, por outro lado, Kraft

denota energia, esforço, força.6 A versão espanhola preserva a palavra traduzindo Kraft

por fuerza. Já a tradução em inglês preferiu power ao invés de force. A obra em

português chega com certo atraso, ou seja, depois de trinta e oito anos, mas continua

atual levantando assuntos e contribuindo com relevância para o cenário teológico e o

diálogo com a sociedade.

Com A igreja no poder do Espírito: uma contribuição à eclesiologia messiânica,

Moltmann quer elaborar uma eclesiologia que seja orientadora dentro de um contexto de

incertezas e ameaças, como era a década de 1970, principalmente com os

desdobramentos e consequências da Guerra Fria. Com o avanço técnico-científico, as

disputas armamentistas, as crises e a sensação de insegurança, a igreja, no entender de

Moltmann (2013, p. 13), “não teria esperança se ela apenas partilhasse a desorientação e

inseguranças generalizadas ou até mesmo as aprofundasse, criando um clima de fim do

mundo”. Uma vez chamada para alimentar a esperança no mundo, a igreja é a presença

do reino de Deus e o seu Espírito é o renovador desse processo.

6 Monika Ottermann, a tradutora da obra para o português, relatou-me de que foi uma opção da editora transliterar “força” (Kraft) por “poder” (Macht) visando um público mais amplo para a obra em português. Essa conversa se deu na Universidade Metodista de São Paulo por ocasião da XVII Semana de Estudos de Religião, realizada de 24 a 26 de Setembro de 2013.

Page 33: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

33

As reflexões em A igreja no poder do Espírito não surgiram das aulas do autor

em Tübingen, nem mesmo em seu escritório de estudos. Moltmann credita a obra ao

período que passou como pastor por cinco anos em uma pequena comunidade rural em

Bremen-Wasserhorst (MOLTMANN, 2013, p. 15).

Sua obra está dividida em sete capítulos, sendo o capítulo terceiro o mais

extenso deles, a igreja de Jesus Cristo. Como quer Moltmann, a sua eclesiologia

procura ser um tratado sobre o discurso e a teoria eclesiológica estabelecendo as

dimensões em que ela se dará: sua conexão imprescindível com Jesus Cristo, sua tarefa

missionária, sua condição ecumênica e sua práxis política (capítulo um). No capítulo

dois, o autor procura fazer uma leitura da igreja a partir da história, não a história

eclesiástica comumente, mas a história onde a própria igreja está inserida. No capítulo

terceiro, ele trata de Jesus ser o “fundador” da igreja, sua condição de “comunidade do

êxodo”, sua relação com a cruz, o reino de Deus e os membros desse reino. No capítulo

quatro ele se dedica apenas ao tema do reino de Deus. Um capítulo com diversas facetas

do reino de Deus, como a relação com Israel e as consequências em ser uma igreja para

o reino. Como é uma eclesiologia onde o Espírito Santo tem a sua primazia, o capítulo

cinco traz uma discussão sobre a sua presença na igreja ou a igreja na presença do

Espírito Santo. Um capítulo em que Moltmann trata do evangelho, a pregação da igreja,

o batismo, a maneira com que as pessoas entram na comunhão da comunidade, a ceia

como um convite aberto a tod@s, o culto como uma celebração ou festa messiânica, e,

por último, alguns apontamentos éticos da comunidade de fé. Já no capítulo seis,

Moltmann procura trabalhar a dinâmica da comunidade de fé com seus “ministérios” a

partir dos dons e vocações. Além disso, ele aponta para uma práxis da comunidade de fé

na sociedade com alguns critérios como, por exemplo, a amizade com os “de fora” da

comunidade. O último capítulo ele faz um resumo das principais marcas da igreja, sua

unidade, santidade, catolicidade e apostolicidade.

Como essa obra será analisada nos próximos capítulos, no segundo e terceiro,

aqui, por enquanto, interessa perceber os caminhos que o teólogo de Tübingen procura

traçar com a sua principal obra eclesiológica.

Sendo assim, passo a olhar as demais obras do autor, as que compõem o eixo da

trilogia da esperança (exceto A igreja no poder do Espírito): Teologia da esperança e

O Deus crucificado. Logo em seguida alguns apontamentos quanto à hermenêutica de

Moltmann como um aporte metodológico para se pensar em uma eclesiologia aberta.

Page 34: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

34

Passo agora a tecer algumas considerações quanto à eclesiologia que está na sua

obra mais expressiva, a Teologia da esperança de 1964.

2.2. A eclesiologia na Teologia da esperança

A intitulada trilogia da esperança7 tem início com a tão conhecida obra

Teologia da esperança publicada em 1964. Uma obra em que o autor tem como

interlocutor o filósofo Ernst Bloch a partir do seu livro O princípio esperança. A

proposta da obra moltmanniana é tratar a escatologia como um tema importante da

teologia, ou seja, um tema de primeira grandeza. Na Teologia da esperança, Moltmann

trata da eclesiologia em diversos momentos. Aqui interessa esse olhar para a

eclesiologia na Teologia da esperança.

Moltmann expõe as incumbências que são postas pela sociedade moderna à

igreja no transcorrer da história (MOLTMANN, 2003, p. 361-398). Ele sintetiza isso da

seguinte maneira. Com o surgimento da sociedade burguesa e as relações baseadas nas

necessidades, o conceito de religião foi emancipado. Em outra época, era dado à igreja

funções, ou tarefas, na sociedade e com o advento do modernismo isso foi suplantado.

Vista como coração da sociedade, sustentadora e unificadora de interesses político-

sociais no Império Romano, a igreja era tida como culto público, detentora da fé, da

moral e da adoração a Deus. Com a chegada da modernidade, ela perde seu ideal moral

e unificador e passa a ser um culto privado. A religião torna-se religiosidade individual.

Dando ao indivíduo esta liberdade, a religião torna-se intimista e particularizada. Tem, a

partir de agora, uma função consoladora diante da angústia existencial; é sua função dar

às pessoas o sentido de existir.

As novas funções eclesiológicas são consequências de mudanças econômicas e

político-filosóficas. Além desses fatores, Moltmann aponta o crescimento do consumo e

das relações pessoais baseadas nas necessidades. Com isso, o ser humano recorreu à

subjetividade como compensação para as tumultuadas relações sociais.

As necessidades subjetivas dão novas formas a igreja: (1) a igreja-subjetividade:

a cosmologia cedeu lugar à metafísica subjetiva. O salvamento depende da 7 Como mencionado acima, é Rosino Gibellini que assim define o conjunto dessas três obras – Teologia da esperança, O Deus crucificado e A igreja na força do Espírito – como trilogia da esperança.

Page 35: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

35

interiorização do transcendente. Há um isolamento social de quem encontra esta

religião subjetiva e a fé passa a não ter nenhuma consequência prática para o próximo.

O que conta é o sentimento de eternidade garantida e os desejos, existenciais e de

consumo, atendidos; (2) a igreja-solidariedade: ligada a pequenos grupos, a igreja

funciona como uma arca de Noé. Ela aliena e acrisola as pessoas das situações sociais.

A integração a uma igreja é compensatória porque concede privações sociais ao

indivíduo que vive em uma sociedade secular. O grupo é fechado em si mesmo e não

produz nenhum compromisso social, tornando ineficiente o amor cristão para com a

sociedade; (3) a igreja-instituição: é o retorno do velho jeito Constantino de ser igreja. A

este tipo de comunidade cabem às regras, os padrões de comportamentos. Afinal de

contas, a igreja instituição confere segurança em tempos inseguros porque diz em que se

crê e como crê. Permite ainda aquela sensação de certeza e de caminho certo, além, é

claro, de produzir um sentimento de agraciado por estar ali e sentir, ao mesmo tempo,

uma leve pena de quem não se encontra no lado de cá da fronteira.

São papéis que a sociedade, no entender de Moltmann, requisita para a igreja.

Papéis esses derivados de necessidades ou eventos sociais, mas que não coadunam nem

um pouco com o parecer teológico da igreja neotestamentária: “se o cristianismo quer e

deve ser outra coisa, segundo a vontade de Cristo, em quem crê e a quem espera, deve

tentar nada menos do que irromper para fora desses papéis sociais assim fixados”

(MOLTMANN, 2003, p. 382).

O discurso de Moltmann é uma provocação e, ao mesmo tempo, um desafio para

que a igreja sinta-se parte da sociedade e participe de sua vida. Os modelos que a

sociedade quer da igreja não são mais concebíveis, ela é maior que isso, ela tem uma

grandeza peculiar, porque a ela é dada tarefas superlativas. Em outro momento,

Moltmann passa a expor as funções e tarefas da igreja para um novo contexto.

A eclesiologia na Teologia da esperança é pensada da seguinte maneira: Deus

no Antigo Testamento é um Deus de promessa, portanto a revelação de Deus se dá na

história da promessa. No Novo Testamento a ressurreição de Jesus Cristo, que se inicia

a promessa e a abertura para o futuro é prolepse, ou seja, antecipação do que será o

futuro, mas o futuro não se esgota com a ressurreição, mas antes confirma,

antecipadamente, a promessa da glória e do senhorio do futuro reino de Deus. A missão

da igreja está totalmente atrelada ao conceito de reino de Deus porque apenas por meio

dela, a igreja, o futuro pode ser construído. A missão da igreja, portanto, está entre a

Page 36: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

36

promessa dada na ressurreição de Jesus e seu cumprimento no futuro escatológico. Por

meio da missão da igreja, o mundo já é afetado na antecipação da nova criação e

começa a ser transformado em direção da promessa de transformação escatológica.

Em outro momento Moltmann atrela a igreja ao reino de Deus e esta, a igreja, se

torna expressão do reino de Deus quando passa a ser anunciadora da esperança que foi

confirmada pela ressurreição de Jesus Cristo. A igreja, portanto, é chamada para mediar

à presença de Cristo que, por sua vez, faz a mediação do futuro de Deus (ERICKSON,

1982, p. 41). Cabe à igreja ser construtora da realidade futura, e não apenas intérprete da

história (como é visto nas concepções milenaristas, por exemplo, que analisaremos no

capítulo terceiro). À igreja, é-lhe dada a tarefa de esforça-se para trazer o futuro para o

presente. Sendo a igreja portadora do futuro, a promessa do reino de Deus torna-se

fundamento para a missão do amor pelo mundo (MOLTMANN, 2003, p. 265).

O reino de Deus é o real fundamento da teologia da igreja, pois à igreja é dada

uma obrigatoriedade missionária, pois ela está ligada à sociedade e compartilha com ela

os sofrimentos desta época, formulando esperança em Deus para as pessoas

(MOLTMANN, 2004, p. 13). A igreja, neste sentido, é “uma comunidade na qual o fiel

vive continuamente e não ocasionalmente; uma comunidade de fé, esperança e

fraternidade que se torna fermento de vida para todo o mundo” (MONDIN, 1980, p.

201). Para ela ser isso, fermento de vida, ela deve assimilar conscientemente de que é a

antecipação, o sinal do reino de Deus. Jesus, com sua missão e ressurreição, trouxe o

reino de Deus para a história, a igreja é a sua antecipação; portanto, é o povo do reino de

Deus (MOLTMANN, 2003, p. 386). O que isso significa? Ora, para Moltmann a

promessa gera missão; a promessa do reino de Deus é o fundamento da missão do amor

pelo mundo; a missão é a esperança da fé em ação (MOLTMANN, 2003, p. 202). O

seguimento de Cristo implica no serviço ao mundo.

Está dada a dimensão futurológica da igreja na tarefa missionária quando cada

cristão compreende sua função na missão. A esperança do futuro reino de Deus é tarefa

da igreja quando assume concretamente a sociedade em que está inserida dando um

horizonte de esperança, justiça, vida, humanidade. Isso só é possível com a pregação do

evangelho (promessa de Deus sobre a nova criação que vem da ressurreição de Cristo).

A missão é a proclamação de uma esperança viva, ativa e apaixonada pelo reino de

Deus e seus valores vivenciados por Jesus conforme os evangelhos.

Page 37: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

37

Foi dado à igreja papéis que não correspondem com o Novo Testamento

(MOLTMANN, 2003, p. 361ss). À igreja cabem as funções outorgadas pelo Novo

Testamento, ou seja, a colaboração no projeto do reino de Deus.

Cabe à igreja ter uma consciência ética e responsável pelo seu contexto social;

contar com o comprometimento de tod@s na missão ao mundo, tornando patente seu

plano de amor pelo mundo; incentivar o uso das vocações para a transformação da

sociedade por meio dos valores do reino de Deus; procurar ser a sinalização da graça de

Deus, pois ela é a consciência mais profunda do manifestar de Deus; tornar realidade,

nela mesma, a presença amorosa de Deus por meio do cuidado fraterno; alimentar a fé

de um mundo melhor por meio da esperança; celebrar a chave do futuro, a ressurreição

de Cristo; ser uma igreja que consiga fazer uma leitura de seu contexto de maneira

aberta, ou seja, dialogal e fraterna.

2.3. A eclesiologia no O Deus crucificado

A discussão sobre a igreja na obra O Deus crucificado se dá no primeiro

capítulo. Nesta clássica obra, Moltmann procura trabalhar a teologia da cruz e sua

relação com o sofrimento. Essa obra ficou amplamente conhecida, principalmente na

América Latina, depois da tragédia com os seis jesuítas em San Salvador em 1989. No

triste fato, conforme Moltmann relata, “o corpo do padre Ramón Moreno foi arrastado

pelos soldados para dentro do quarto de Jon Sobrino que não estava presente no local.

No seu sangue, foi encontrado um livro caído. Tratava-se de El Dios crucificado”

(MOLTMANN, 2004, p. 187). Um livro que procura tratar a cristologia a partir da cruz

e sua relação com Deus. O texto é sua teologia da cruz.

Quanto à eclesiologia, Moltmann trata no prólogo e no capítulo primeiro. Como

o seu tema não é a igreja, mas sim Cristo, ele levanta algumas questões como a

necessidade da igreja ser mais relevante, com sua teologia, no contexto social, deixar de

pertencer ao gueto e ser uma comunidade para fora: “para mim, a igreja e a teologia

cristã adquire importância quando mostra os problemas do mundo moderno unicamente

revelando o ‘núcleo duro’ de sua identidade com Cristo crucificado e deixando-se

questionar por ele juntamente com a sociedade em que se vive” (MOLTMANN, 2010,

p. 25). Para o autor, Jesus precisa estar sendo evidenciado na vida da igreja, ou seja, se a

Page 38: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

38

igreja toma o nome de Jesus e professa fé nele, algumas atitudes, comportamentos,

precisam ser evidenciados para dar credibilidade a essa assertiva. Nesse sentido,

Moltmann está dizendo que a igreja precisa tomar consciência de que ela está ligada a

Jesus e, portanto, é preciso estar ciente das implicações que o crucificado traz.

No capítulo primeiro, Moltmann trata da “identidade e relevância da fé”. A

teologia, mas principalmente a igreja, se torna irrelevante no contexto atual quando, por

exemplo, tentam afirmar a identidade a partir dos dogmas, ritos e padronização moral.

No entender do autor é aí que cresce a sua irrelevância e falta de credibilidade

(MOLTMANN, 2010, p. 29). Quais as razões que levam a essa irrelevância e falta de

credibilidade? Como a obra está em um contexto pós-guerra, Moltmann quer colocar a

questão a partir do que seja importante ou não para a igreja. Para o autor, “quando esta

igreja, que somente se preocupava em conservar a mesma estrutura e ideologia até o

momento, chegou ao ponto de perder o contato com a realidade científica, social e

política do seu ambiente” (MOLTMANN, 2010, p. 30). A igreja, pelo seu

acrisolamento, se fechou em si mesma e, de algum modo, se manteve afastada das

questões que a sociedade estava discutindo e passando, principalmente com crises

políticas e sociais. É por isso, que para Moltmann (2010, p. 30),

muitos abandonam o estudo teológico, seus cargos de pastores, o sacerdócio e suas congregações, e se põem a estudar sociologia e psicologia, ou a promover a revolução e a trabalhar nos bairros miseráveis de nossas cidades, convencidos de que assim contribuem mais eficazmente para a solução dos conflitos desta sociedade desgarrada.

A questão levantada pelo autor é quanto à relevância da teologia e,

consequentemente da igreja, para o contexto atual quando algumas iniciativas estão

sendo tomadas, ou seja, quando a teologia e a igreja não estão tendo relevância

exatamente por não discutir temas relevantes. A consequência disso é o não

engajamento social que era esperado da igreja, uma vez que ela se identifica como

seguidora de Jesus. Moltmann (2010, p. 31) pontua que

muitos se fixaram nos sofrimentos dos oprimidos e abandonados do mundo, descobrindo a paixão do compromisso social e político. E os que optaram por este caminho se viram com frequência obrigados a

Page 39: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

39

abandonar as igrejas existentes por não encontrar em suas instituições nenhuma possibilidade de realizar seu compromisso.

A crise da igreja se dá pelas disputas internas, desfigurando o evangelho de

Cristo e sua práxis, esquecendo-se da dimensão política-profética da igreja. A

relevância da igreja no cenário social seria possível mediante o ajuntamento ecumênico,

e não propriamente o dogmático, para superar a falta de identidade com Cristo e a crise

interna das igrejas. Moltmann ressalta de que a morte de Jesus teve a sua dimensão

política, por isso a “fé no crucificado é, em sentido político, testemunho público em prol

da liberdade de Cristo e o direito da graça frente às religiões políticas dos povos, frente

a impérios, raças e classes” (MOLTMANN, 2010, p. 175). A igreja necessita recordar

de que a fé que ela professa é no seguimento de Jesus, portanto uma “fé sem seguimento

se reduziria a mera aceitação de doutrinas e participação em cerimonias”

(MOLTMANN, 2010, p. 85). Outra obra cristológica em que o autor amplia o tema do

seguimento como práxis é O caminho de Jesus Cristo (2000a). Aqui Moltmann começa

discutindo a questão do messianismo e seus desdobramentos, sendo para ele, o conceito

messiânico uma chave hermenêutica importante. Ele trata dessa categoria, messiânico,

em sua obra eclesiológica, mas em O caminho de Jesus Cristo ele amplia a partir da

práxis de Jesus emergindo uma cristologia que não olhe apenas para o céu, mas sim

“uma cristologia para homens e mulheres que caminham e buscam orientações diante

dos conflitos e da história” (MOLTMANN, 2000a, p. 11). Nesse sentido, a igreja é

continuadora dessa dimensão messiânica.

Uma leitura eclesiológica da obra O Deus crucificado se faz a partir da estreita

relação entre Jesus e a igreja, entre a sua práxis e a postura da igreja. Ocorre que, no

entender de Moltmann, a crise de irrelevância está em não levar em consideração as

dimensões da cruz, e uma delas é o seu aspecto político-social.

A fim de sustentar epistemologicamente a concepção de uma eclesiologia

aberta, é importante pontuar alguns aspectos da hermenêutica moltmanniana.

A proposta desse capítulo é procurar mostrar que a eclesiologia está presente na

obra de Moltmann e o autor tem, além da sua principal obra A igreja no poder do

Espírito, outras contribuições valiosas quando o tema é igreja. A delimitação foi a partir

do seu principal livro sobre igreja, já citado, e as duas obras que o projetaram

mundialmente no cenário teológico, Teologia da esperança e O Deus crucificado.

Page 40: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

40

Diante disso, importa finalizar este capítulo introdutório elencando alguns aspectos da

hermenêutica de Jürgen Moltmann que serviram para fundamentar sua eclesiologia,

tema que será trabalhado no próximo capítulo dessa dissertação.

3. Aspectos hermenêuticos da teologia moltmanniana

O filósofo, denominado de neomarxista, Ernst Bloch, exerceu uma importante

influência em Jürgen Moltmann com a sua filosofia da esperança. Bloch, como leitor e

pesquisador de Karl Marx, diferiu quanto à tese marxista segundo a qual o ser humano

se encontra em estado de alienação (MONDIN, 1983, 244). Para Marx o ser humano se

encontra alienado em sentido econômico e social, ou seja, o trabalhador (proletário) só

tem a sua força de trabalho caindo sob o domínio do outro. Isso só poderia ser superado

pela supressão da economia capitalista (DUROZOI & ROUSSEL, 2005, p. 23). Já

Bloch entende alienação do ser humano por razões ontológicas. A sua alienação se dá

pela sua incompletude, pela sua limitação, pelo “não-ainda-ser” (REALE & ANTISERI,

2006, p. 447). É aqui que o filósofo alemão coloca a esperança como mediadora das

relações humanas. Para Bloch, a esperança se dá em um movimento antecipador do

futuro. Nesse sentido, “aquele que espera (o ser), projeta o seu ainda-não-ser para esse

futuro ainda-não-realizado” (KUZMA, 2014, p. 97). É a partir disso que Bloch elabora

a sua filosofia da esperança postulando a ideia de que o ser humano “é, por essência, a

criatura que tende para o possível que lhe está adiante” (MONDIN, 1983, 244). O

esperar não é um fator de imobilidade, pelo contrário, segundo Bloch “somos ardentes e

indecisos” e é essa dimensão humana que impulsiona para a ação. É a partir dessa

dimensão humana do esperar que vive-se “estimulado em primeiro lugar por si

mesmo”. Assim Bloch sentencia: “se o almejar é sentido, então passa a ser um ansiar, a

única condição sincera de todos os seres humanos” (BLOCH, 2005, p. 29). O filósofo

não centrou suas reflexões no ser ou ainda no conhecimento, mas sim na esperança. Faz

sua leitura da realidade a partir da premissa de que o ser humano vive em tensão para o

futuro, tendo nele algo (daí a dimensão ontológica) que está presente e ativo, como um

impulso originário, que o direciona para a novidade do futuro (REALE & ANTISERI,

2006, p. 447). Uma vez dada essa concepção de futuro, Bloch, na sua filosofia da

esperança, compreende que o possível está à frente. Neste sentido é a possibilidade do

Page 41: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

41

acontecer que faz com que a realidade se desenvolva. Para isso, há duas dimensões

dialéticas em Bloch. A subjetiva e a objetiva. Para o filósofo alemão, “o fator subjetivo

é a potência inacabada de fazer as coisas evoluírem; o fator objetivo é a potencialidade

não terminada da mutabilidade do mundo” (apud MONDIN, 1983, 244). É dentro dessa

dialética que se dá a construção da possibilidade de transformação histórica. “Essa

abertura, esse estado incompleto, não é condição negativa. Pelo contrário, é muito mais

condição positiva, constituindo o caminho para o cumprimento” (REALE &

ANTISERI, 2006, p. 447). Não é um abandono da história, pelo contrário, é um assumir

a história com suas vicissitudes e contradições e, concomitantemente, com esperança

pelo futuro aberto de possibilidades.

A religião é parte substancial no sistema filosófico blochiano. Diferente de Marx

que a compreendia como ópio do povo,8 Bloch formula a ideia de que “onde há

esperança, há religião” (apud REALE & ANTISERI, 2006, p. 448). A religião, antes de

ser instrumento alienatório, “é a esfera na qual o ser humano ainda incompleto projeta a

sua ânsia perene por uma existência reconciliada” (MONDIN, 1983, p. 246). É dentro

dessa perspectiva que Moltmann encontra o aporte hermenêutico para construir a sua

teologia da esperança. Ainda que houvesse diferenças nos caminhos traçados por

ambos, há uma interação entre os dois, havendo uma profícua interlocução em temas

como utopia, messianismo e religião. Moltmann se apropria das “bases filosóficas de

Bloch para produzir uma teologia que fosse orientada para o futuro, de maneira

histórica, servindo-se da práxis” (KUZMA, 2014, p. 98). Uma vez que o ser humano

“vive voltado unicamente para o futuro; o passado chega somente mais tarde, e quanto

ao presente propriamente dito, pode-se dizer que ainda não chegou” (apud MONDIN,

1983, 244). O teólogo de Tübingen vê nisso uma chave para formular uma escatologia

que alimente a esperança em uma Europa dilacerada pela Segunda Guerra Mundial,

onde fracassa o sonho de uma sociedade madura proclamada pelo iluminismo. Surge

então, a teologia da esperança propondo uma nova perspectiva para o futuro do ser

humano. A iniciativa é olhar para frente e procurar idealizar um futuro mais humano,

colocando Deus e sua promessa no cenário do discurso moderno.

Moltmann se apropria da filosofia da esperança de Bloch abrindo um diálogo

com a teologia, mais especificamente, com a escatologia. Bloch irá suscitar em

8 “A religião é o suspiro da criatura oprimida, a alma de um mundo sem coração, tal como é o espírito de condições sociais de que o espírito está excluído. Ela é o opium do povo” (MARX, 1975, p. 48).

Page 42: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

42

Moltmann uma profícua reflexão em torno do tema da esperança a partir da teologia

cristã, com sua tradição, e da exegese bíblica.

Alguns conceitos são chaves na reflexão teológica moltmanniana. Sintetizá-los

possibilita elencar o caminho que Moltmann procura seguir para dar consistência

metodológica ao seu sistema teológico.

3.1. Promessa e esperança

Os temas esperança, promessa e escatologia estão presentes de maneira

preponderante no pensamento moltmanniano. A esperança ocupa um lugar primordial

na reflexão do teólogo de Tübingen.

Quanto à sua etimologia, esperança vem do latim, spes, significando uma espera

aberta, ou seja, uma espera que não depende de resultados externos, nesse sentido é

diferente de expectativa, mas sim sobre a realização do ser humano que se dá a partir da

própria condição humana (KUZMA, 2007, p. 21). A partir disso, a esperança se dá

como uma força que impulsiona a caminhar rumo a um horizonte e no caminhar já é

possível favorecer a transformação da realidade (KUZMA, 2007, p. 21).

A esperança para Moltmann é condição sine quo non para a vida cristã: “a fé é o

prius, mas a esperança detém o primado” (MOLTMANN, 2003, p. 27). Quando à

esperança é dada essa primazia, Moltmann entende que a esperança é a esperança da fé

e não ao contrário (GIBELLINI, 1998, p. 282). A esperança em Moltmann se propõe a

relacionar-se e alimentar-se das realidades concretas da vida vivida em opressão,

miséria, exploração e alienação. Ter esperança, por isso mesmo, implica aprender a

dizer sim para o futuro. A esperança no futuro não é um álibi contra o presente, mas

uma energia expectante, ativa e ativadora da história.

Aqui interessa pensar alguns pressupostos da hermenêutica da esperança de

Moltmann a fim de constatar eixos teóricos para dar suporte metodológico ao que se

pretende com essa pesquisa, a sua eclesiologia.

Consciente das críticas que Moltmann recebeu de autores latino-americanos

como, por exemplo, Rubem Alves e Gustavo Gutiérrez, dentre outros, onde apontaram,

de maneira aqui sintetizada, que os conceitos de Moltmann acerca da esperança e da

Page 43: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

43

promessa são, respectivamente, muito otimista e às vezes difuso demais. Isto implicaria

imediatamente em um distanciamento alienante da realidade, ao apresentar um futuro

como algo já determinado e acabado (ALVES, 1987, p. 103ss). Já Gustavo Gutiérrez

(1976, p. 178ss) conclui que a linguagem acerca da morte e ressurreição de Jesus Cristo

não deveria, necessariamente, projetar apenas uma esperança futura, mas uma esperança

que estivesse também enraizada no coração de uma práxis histórica. Gutiérrez alega que

falta à Moltmann uma metodologia que tenha uma perspectiva sócio-analítica coerente e

de precisão sócio-política, o que tornam as suas propostas, acerca dos oprimidos,

desprovidas de um conteúdo concreto. Apesar das reações, Moltmann sempre se

manteve aberto ao diálogo com teólogos latino-americanos e reconheceu a importância

da teologia da libertação no seu programa teológico. Quanto às críticas que foram

dirigidas a ele e ao seu sistema escatológico, Moltmann demonstrou, principalmente

com a sua obra A vinda de Deus (2002b), que elas não se confirmaram positivamente.

Como o próprio Moltmann escreve, a hermenêutica da esperança tem uma

lógica (MOLTMANN, 2004, p. 79ss). Ela passa pela promissão. Com isso, Moltmann

pretende dar à esperança possibilidades dentro da história.

O binômio, promessa-esperança, é uma importante chave hermenêutica na

teologia moltmanniana.

Na sua teologia da esperança, a promessa é vinculada à revelação de Deus. A

partir do Antigo Testamento, Moltmann concebe uma relação entre a revelação de Deus

e a promessa dele. Para ele, “Deus se revela sob a forma de promessa e pela história da

promessa”. Nesse caso, o cristianismo seria uma “religião da promessa”, pois o real

fundamento da fé é a promessa. Recorrendo aos reformadores, Moltmann assegura que

“a fé é suscitada pela promessa e por isso é essencialmente esperança, certeza,

confiança no Deus que não mente e que manterá fiel à palavra de sua promessa”

(MOLTMANN, 2003, p. 51). Mas o que seria a promessa para Moltmann?

A compreensão de Moltmann quanto à promessa está baseada no Antigo

Testamento, como mencionado a pouco, ou seja, para ele Israel compreendia as

“aparições” como algo diretamente ligado à promessa de Javé. Nesse sentido, a

promessa aponta “em direção ao futuro e ainda não real” (MOLTMANN, 2003, p. 121).

A novidade de Moltmann é que a sua ênfase na promessa o leva a concluir que a

revelação é a mensagem da promessa, ou seja, “a antecipação no presente de eventos

Page 44: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

44

totalmente novos e inesperados que se darão no futuro” (MILLER & GRENZ, 2011, p.

133). Com essa ideia, Moltmann dará uma ênfase no futuro como elemento

impulsionador de sua teologia escatológica. O futuro é quem determina o presente e não

o contrário. “Ele [o futuro] não brota do presente, [antes é] o futuro [que] vem até ele. O

futuro arrasta o presente e o impulsiona adiante ao encontro de novas formas da

realidade” (MILLER & GRENZ, 2011, p. 132). O que dá mobilidade ao futuro é a

promessa: “é na palavra promessa que se torna inteligível o que seja passado e o que

seja futuro” (MOLTMANN, 2003, p. 125).

Essa concepção moltmanniana quanto ao futuro da promessa provocou algumas

críticas de teólogos como Rubem Alves (1987) e Gustavo Gutiérrez (1976), como

mencionado acima. Como aqui o espaço é dedicado a fazer uma análise dos elementos

que compõem a hermenêutica da esperança, aqui interessa apenas questões que ajudem

a elucidar a compreensão do esboço teológico de Moltmann. Nesse sentido, Etienne

Alfred Higuet (1995, p. 36-37) traz o que seria o futuro para Moltmann: “o dom do

futuro deve ser recebido na recusa da injustiça, no protesto contra o desrespeito

sistemático dos direitos humanos e na luta pela paz e a fraternidade. Por isso, a

esperança cumpre uma missão mobilizadora e libertadora da história”. O futuro para

Moltmann é a abertura para a possibilidade da construção histórica (tema que trataremos

mais adiante), ou seja, “esperança é uma abertura radical à irrupção do futuro de Deus”

(HAUGHT, 1998, p. 123).

Na hermenêutica da esperança a promessa e o futuro estão interligados e, nesse

sentido, “a promessa atrai o ser humano dentro de sua própria história pela esperança

que nasce dela mesma, modelando sua existência (do ser humano) de acordo com a

direção apontada por ela própria” (PIRES, 2007, p. 101).

3.2. Escatologia e história

Moltmann será o responsável por colocar a escatologia em lugar de destaque.

Ele não concebe uma escatologia histórico-salvífica apenas, ou a uma escatologia

transcendental ou existencial. Para ele a escatologia está diretamente ligada à promessa

de Deus. Nesse sentido, é uma escatologia que se dedica a pensar a partir da Bíblia,

diferente da concepção grega (MOLTMANN, 2003, p. 49-50). Moltmann quer que a

Page 45: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

45

escatologia não seja apenas o último tratado da dogmática, mas antes seja a primeira

questão teológica, ou seja, o maior problema da teologia cristã, uma vez que o maior

problema do cristianismo, para ele, é o problema do futuro (HIGUET, 1995, p. 35).

A escatologia está atrelada a concepção de história em Moltmann. Nesse caso, a

história é um dos temas da reflexão teológica moltmanniana. A história é a história

experimentada no Antigo Testamento com o povo de Israel. Assim “Deus não é o

transcendente distante, mas o Deus do êxodo, o Deus que aponta para frente, que vai

adiante, guiando e acompanhando o povo” (COSTA JÚNIOR, 2011, p. 109). Isso só

tem sentido, porque para Moltmann o caminho histórico passa pela experiência da

promessa (GIBELLINI, 1998, p. 283). A teologia da história em Moltmann parte da

ideia de que a história só pode ser considerada significativa quando nela se encontra

algo que aponte para o futuro (PIRES, 2007, p. 76). Como Moltmann parte da história a

partir da experiência de Israel com o seu Deus, ela, a história, é possível mediante a

promessa e como tal é experimentada como história: “o campo de ação daquilo que

enquanto ‘história’ é inserido dentro da experiência, da lembrança e da promessa, é

produzido, torna-se manifesto e é modelado pela promessa” (MOLTMANN, 2003, p.

128). A chave aqui é a promessa, elemento indispensável ao sistema teológico

moltmanniano, porque somente as “promessas de Deus abrem os horizontes da história,

entendendo-se por ‘horizonte’, conforme feliz fórmula de Hans-Georg Gadamer,

‘ausência de limites fixos’, algo para o qual entramos e que caminha conosco”

(MOLTMANN, 2003, p. 128).

O teólogo alemão ao vincular história e promessa, dá uma nova perspectiva para

a história, ela ganha dimensão futurológica, ou seja, o presente é transposto para o

futuro quando a realidade da história é narrada dentro do horizonte das ações históricas

a partir da promessa de Deus ao seu povo, Israel (MOLTMANN, 2003, p. 131). A

consequência disso é uma abertura para as possibilidades na história, não significando

um engessamento das ações humanas, pelo contrário, a promessa dá condições para que

o presente seja vivenciado pela perspectiva do futuro: “a promessa consiste numa

contradição visível com a realidade histórica. Ela ainda não encontrou sua

correspondência e por isso impele o espírito para o futuro” (MOLTMANN, 2003, p.

144).

A teologia da história que Moltmann assimila foi trabalhada pelo amigo

Wolfhart Pannenberg. Colega de trabalho de Moltmann, Pannenberg trata a revelação

Page 46: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

46

em seu aspecto histórico, ou seja, eventos na história revelam quem Deus é

(GIBELLINI, 1998, p. 271). É dada uma importância ao “fato” de que “se Deus se

revela na história, isso não pode ocorrer apenas com referência a um segmento da

história, mas deve referir-se à totalidade da história, e, portanto, também ao fim da

história” (GIBELLINI, 1998, p. 272). Moltmann entende que apenas a concepção

judaico-cristã (e o messianismo naturalmente está aqui contemplado, tema que será

tratado mais adiante), diferente da concepção grega, abriu uma perspectiva da história

como algo finalista, irrepetível (MOLTMANN, 2003, p. 310).

Escatologia e história são elementos que não concorrem em si, antes são

concomitantes porque a história ainda é uma realidade inacabada (HIGUET, 1995, p.

39). As possibilidades existentes na construção da história são infindáveis, uma vez que

a história é entendida de maneira aberta podendo o futuro exercer a sua própria

dinâmica. Como esses conceitos estão concatenados, “a esperança cristã só pode ter

sentido se o mundo estiver recheado de possibilidades, podendo ser transformado por

quem espera na promessa de Deus” (HIGUET, 1995, p. 39).

3.3. Messianismo e missão

O messianismo é um tema pelo qual Moltmann tem paixão. Sua teologia,

principalmente nas contribuições sistemáticas para a teologia, a temática do messiânico

está presente. Com isso é possível falar de uma doutrina messiânica da criação (1992a),

uma cristologia messiânica (2000a) e, o nosso foco nessa pesquisa, uma eclesiologia

messiânica (2013).

O messianismo presente em Moltmann (2002b, p. 46-63) possibilitou o diálogo

com os principais filósofos judeus e com o judaísmo. A sua concepção messiânica está

por trás, principalmente, da sua cristologia e eclesiologia. Na sua cristologia, Moltmann

quer recuperar a dimensão messiânica por entender que “a esperança messiânica do

Antigo Testamento permaneceu excluída tanto da cristologia como da escatologia”

(MOLTMANN, 2000a, p. 23). O que seria o messiânico em Moltmann? Ele entende

que o messiânico envolve tanto a pessoa do messias quanto ao reino messiânico tendo

como consequência, o tempo, a terra, o povo e a história que carregam a dimensão do

messiânico (MOLTMANN, 2000a, p. 19-20).

Page 47: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

47

Como o objetivo aqui é apenas pontuar algumas chaves hermenêuticas do

pensamento teológico de Moltmann, uma análise mais detalhada não se faz necessária.

Interessa aqui marcar os pontos em que será possível, nos próximos capítulos dessa

pesquisa, desenvolver um caminho de reflexão que leve à eclesiologia aberta dentro do

sistema teológico moltmanniano. Aqui é preciso frisar que o processo metodológico de

Moltmann passa pelo caminho da dialética da contradição e antecipação, método esse

pesquisado por Gustavo Soldati Reis (2003). A partir disso, é possível mapear alguns

pressupostos da teologia moltmanniana que é perpassada pela noção de messianidade.

Moltmann (2000a, p. 21) concorda com Martin Buber de que “o messianismo é a ideia

original mais profunda do judaísmo”. Portanto, é preciso recorrer ao Antigo Testamento

se o cristianismo quiser fazer cumprir a sua missão em penetrar as nações com a

esperança messiânica da chegada de Deus, por isso, é preciso recorrer à raiz do conceito

de messianismo, tanto no judaísmo quanto no Antigo Testamento. O messianismo é

centralizado na figura de Jesus Cristo e, como consequência, “a particular esperança

judaica se constitui em pressuposto para a esperança messiânica universal de Jesus”

(COSTA JÚNIOR, 2011, p. 121).

A dimensão messiânica está atrelada à concepção de missão. São elementos

constituintes de uma mesma base. Por um lado Moltmann desenvolve uma reflexão

onde a messianidade perpassa a ideia da promessa e sua relação com a esperança, mas

também desenvolve a concepção de missão a partir do seguimento do messias. É nesse

sentido que a dimensão messiânica ganha escopo na figura de Jesus Cristo. A missão se

dá em dimensões messiânicas porque “são as pessoas que se lançam no seguimento

praxístico de Jesus” (REIS, 2003, p. 51). A missão, portanto, é caracterizada pelo

seguimento messiânico, por entender que o messias inaugurou um novo tempo como

cumprimento da promessa de Deus. Sendo assim, a concepção de missão com dimensão

messiânica em Moltmann é a possibilidade de orientar para o futuro, pela força da

esperança, o agir do cristão. “Se os cristãos acreditam realmente que Cristo ressuscitou

dos mortos, não podem contentar-se em conservar esse mundo como está, mas devem

desde já transformá-lo e renová-lo, não apenas nas pessoas, mas também nas condições

de existência” (HIGUET, 1995, p. 37). A tarefa da missão está ligada à dimensão do

seguimento de Jesus, portanto, “seguir Jesus significa traduzir, na própria

responsabilidade e nas circunstâncias atuais, a missão de Cristo”. Por missão de Cristo,

Moltmann entende como sinônimo reino de Deus. O seguimento, a missão do cristão, se

Page 48: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

48

dá em uma unidade existencial que engloba teoria e práxis, uma não pode se desprender

da outra (MOLTMANN, 2010, p. 87).

Considerações parciais

O objetivo deste capítulo foi tratar a trajetória de Jürgen Moltmann dando uma

ênfase ao aspecto pastoral e eclesial do teólogo, sem desconsiderar a sua produção

teológica.

Moltmann teve uma experiência significativa como pastor de uma comunidade

pequena, contribuindo assim para a sua produção acadêmica. A sua vida como pastor o

ajudou a fazer teologia porque a “sua primeira trincheira de luta em favor do reino de

Deus nasceu no meio do povo, em uma comunidade bem concreta” (SILVA & DIAS,

2008, p. 28). O destaque quanto a sua atuação pastoral é relevante nessa pesquisa, pois

será essa experiência que impulsionaria o teólogo da esperança a pensar a eclesiologia

a partir da comunidade de fé.

Autor de dezenas de obras que incluem livros, artigos e verbetes, Moltmann tem

o seu destaque na teologia contemporânea por trazer a escatologia para o debate

teológico com outras perspectivas, diferente das concepções que a tratam como um

apêndice na teologia sistemática ou elabora uma reflexão cataclísmica e destruidora do

ecossistema e do ser humano, presente nas concepções milenaristas. A escatologia tem

como sinônimo, em Moltmann, a esperança, ou seja, é uma leitura da vida que tem na

promessa a possibilidade de trazer o futuro para o presente. Quanto à sua eclesiologia,

embora seja um tema relevante no sistema teológico moltmanniano, ela foi preterida nas

pesquisas acadêmicas no contexto brasileiro, priorizando outros temas de igual

relevância.

Apenas para creditar o tema (eclesiologia) no início da sua produção teológica,

comumente conhecida como trilogia da esperança, foi possível, ainda que de maneira

breve, sintetizar algumas ideias quanto à concepção eclesiológica do autor. Esse

apanhando geral serviu para situar a eclesiologia como um tema igualmente relevante,

em comparação à cristologia, à criação, à trindade, à escatologia. Nesse sentido, a

eclesiologia tem o seu devido “peso” no sistema teológico moltmanniano como uma

Page 49: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

49

reflexão que procura responder aos anseios da própria comunidade de fé, bem como

também da sociedade que sofre, constantemente, com crises em diferentes setores, seja

ambiental, econômico ou político. Os três títulos que compõem a trilogia da esperança

tem um em especial, A igreja na força do Espírito de 1975, mostrando, desde o início

da reflexão teológica do autor, que a eclesiologia ocuparia um espaço de destaque,

assim como ocupou para outros teólogos contemporâneos de Moltmann. Como um

teólogo sistemático, Moltmann procura abarcar todos os temas da teologia cristã e a

eclesiologia ele a têm como uma contribuição pastoral à igreja.

O sistema teológico moltmanniano contempla algumas chaves hermenêuticas

que dão a base epistemológica ao seu pensamento. Aqui foram sublinhados alguns

conceitos como promessa e esperança, escatologia e história e messianismo e missão.

Esses seis elementos estão concatenados possibilitando a construção do método

moltmanniano para tratar da trindade, da cristologia, da pneumatologia, da

eclesiologia, da criação dentre outros temas que compõem o conjunto sistemático do

autor.

Como o objetivo é assinalar, sinteticamente, os conceitos que compõem o

subsídio metodológico de Moltmann, não foi à intenção fazer uma análise detalhada de

cada um dos conceitos elencados, apenas apontar os caminhos que o teólogo de

Tübingen procurou trilhar e esses caminhos passam pela Bíblia e a noção de promessa

presente no Antigo Testamento, gerando esperança; pela escatologia como um estudo

que provoca o futuro na história; pelo messianismo que tem na figura de Jesus Cristo o

seu cumprimento e na sua ressurreição a abertura para a possibilidade de transformação

da história e, portanto, a chave da messianidade alcança a igreja e dela esperar-se que

continue a missão de Jesus Cristo, portanto, ela é uma comunidade messiânica.

Page 50: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

50

Dois

A eclesiologia aberta de Jürgen Moltmann

A esperança é um elemento

intrínseco da estrutura da vida, da

dinâmica do espírito do ser humano.

(Erich Fromm)

Considerações iniciais

No capítulo anterior a proposta foi demonstrar que o tema da eclesiologia é

relevante na reflexão teológica de Jürgen Moltmann como um teólogo sistemático. Com

um recorte feito a partir do primeiro ciclo de textos do autor – as obras Teologia da

esperança, O Deus crucificado e A igreja na força do Espírito –, fecha-se um período

comumente conhecido como trilogia da esperança. Fica patente que a eclesiologia faz

parte do esboço teológico de Moltmann como um tema imprescindível para o seu

sistema teológico e, principalmente, escatológico.

Com este capítulo, a pesquisa pretende abordar as principais ideias de Moltmann

procurando demonstrar as bases para se pensar em uma eclesiologia aberta. A proposta

é fazer uma análise de alguns elementos, ou pelo menos dos principais, que compõe a

reflexão moltmanniana, procurando nesses elementos pontes, conexões, que permitam

pensar em uma eclesiologia com dimensões abertas. Num segundo momento, o capítulo

pretende fazer uma leitura praxiológica da eclesiologia do autor para, em sequência,

dialogar com a eclesiologia presente na Igreja Batista brasileira.

O objetivo é delimitar o pensamento eclesiológico de Moltmann tomando como

ponto de partida alguns conceitos que fazem parte da sua construção hermenêutica,

como visto acima. A proposta é apontar as mediações que Moltmann formula tendo em

vista uma eclesiologia aberta que seja possível visualizar uma práxis que favoreça o

Page 51: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

51

diálogo e possíveis contribuições para a eclesiologia batista, alvo do terceiro capítulo

desta pesquisa.

1. A eclesiologia no contexto da teologia sistemática

Os temas teológicos tratados por Moltmann estão, de alguma maneira,

concatenados. Quando ele dá à escatologia o status de ponto inicial e final da reflexão

teológica, os outros temas surgem como consequência dentro do seu sistema teológico.

Aqui interessa olhar a eclesiologia do autor dentro dos seus principais temas:

cristologia, pneumatologia, reino de Deus, criação e trindade. O trabalho será identificar

os pontos que ligam esses grandes temas dentro do esboço teológico moltmanniano com

o intuito de oferecer um esquema que possa possibilitar visualizar as bases da

eclesiologia do autor, ou seja, um olhar tendo como foco a sua eclesiologia e, como

consequência, desenhar os caminhos de uma eclesiologia aberta a partir da práxis.

1.1. Cristologia: o seguimento na eclesiologia messiânica

Depois da Teologia da esperança (2003), a obra O Deus crucificado (2010) é o

texto mais significativo de Moltmann sobre cristologia seguida de O caminho de Jesus

Cristo (2000a). A passagem da teologia da esperança para uma teologia da cruz,

segundo Mondin (1980, p. 197-198) se deu quando Moltmann percebeu que a sua

teologia da esperança estava alimentando o otimismo norte-americano e isso chamou a

sua atenção para o fato de que a cruz precisava ser pensada juntamente com a

esperança. Assim, para Moltmann, a teologia da cruz surge no seu pensamento porque

prometeu que se um dia voltasse aos Estados Unidos falaria somente da cruz e não

apenas da esperança.

Foi disso que nasceu a teologia da cruz. Não é uma mudança. Eu entendo as relações deste modo: a teologia da esperança baseia-se na ressurreição de Cristo crucificado, vale dizer, na esperança cristã; a cruz, que é parte de todo o nosso sofrimento, dos nossos desprazeres e das nossas frustrações, mostra como é profunda essa esperança. Assim,

Page 52: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

52

em O Deus crucificado, limitei-me a esclarecer um outro aspecto: não a ressurreição do Cristo crucificado, mas a crucificação do Ressuscitado. E foi o que me levou à teologia da cruz ou do sofrimento, a qual, por sua vez, levou-me a uma teologia da trindade (apud MONDIN, 1980, p. 198).

A cristologia de Moltmann é marcada pela cruz e pela ressurreição

(SCHILSON & KASPER, 1990, p. 91). Esses dois elementos estão presentes na sua

dialética cristológica dando fundamento ao horizonte de esperança. Uma vez que esse

horizonte de esperança só é possível na morte-ressurreição, a cristologia moltmanniana

ganha contornos políticos, ou seja, é uma cristologia que procura “formular em

concreto a transformação exigida do mundo em função da vinda de Deus” (SCHILSON

& KASPER, 1990, p. 99). Aqui começa os primeiros contornos que ligam a cristologia

à eclesiologia do autor. Isso porque para Moltmann, “a igreja e a teologia cristã adquire

importância quando encara os problemas do mundo moderno unicamente revelando o

‘núcleo duro’ de sua identidade com o Cristo crucificado e deixando-se questionar por

ele juntamente com a sociedade em que se vive” (MOLTMANN, 2010, p. 25). No O

Deus crucificado, nosso autor levanta questionamentos quanto à identidade e relevância

da fé (MOLTMANN, 2010, p. 29ss). Nesse capítulo, ele conclui que quanto mais a

igreja tenta reafirmar a sua identidade em dogmas, ritos e abordagens morais

tradicionais, a sua irrelevância cresce e a sua falta de credibilidade aumenta. Tendo o

mundo as suas demandas de ordem econômica, social, política e científica, a igreja, com

o seu discurso intransigente e anacrônico, perdeu, ou tem perdido, a oportunidade de

dialogar, confrontar e, por que não, transformar a sociedade. A identidade que a igreja

precisa assumir é com Cristo e isso só é possível na prática do seguimento, ou seja,

“seguir a Jesus significa traduzir, as próprias responsabilidades nas circunstâncias

atuais, [como sendo] a missão de Cristo” (MOLTMANN, 2010, p. 86-87). A cristologia

de Moltmann está ligada, além do seu caráter escatológico que se faz presente na

dialética ressurreição-promessa, ao seguimento da comunidade que assume Cristo

como o referencial de vida, paz, justiça e amor. É nesse sentido que Moltmann fala de

Cristo-práxis, ou seja, é o “sentido estrito da vida da comunidade no seguimento de

Jesus” (MOLTMANN, 2000a, p. 72). Entende-se por comunidade de Cristo, aquela que

socializa o seguimento de Jesus, a Cristo-práxis, para com “os pobres, os enfermos, os

socialmente supérfluos e oprimidos” (MOLTMANN, 2000a, p. 73). Nesse sentido, o

Page 53: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

53

caminho de Jesus Cristo é o caminho da comunidade que aceita ser Cristo o Senhor e,

que por isso, interioriza e externa a prática do messias no contexto atual da sociedade.

O seguimento em Moltmann tem uma dimensão política, como mencionado há

pouco. Seguir Jesus como práxis histórica significa também, e sempre é preciso

lembrar, entrar em conflito com a sociedade vigente que tem nas suas instâncias

(economia, política, ciência) comportamentos e posturas que desqualificam o ser

humano, principalmente os menos favorecidos, e, em alguns casos, banaliza a dignidade

humana quando o tema é o capitalismo. O seguimento, diz Moltmann, também inclui

lutar, questionar, fazer valer o reino de Deus nessas instâncias da sociedade que

trabalham com uma lógica diabólica de opressão e miséria (MOLTMANN, 2000a, p.

180). A comunidade messiânica é chamada para favorecer os desvalidos e

marginalizados, assim como Jesus procurou imprimir na sua caminhada messiânica

registrada nos evangelhos (MOLTMANN, 2013, p. 111).

O chamamento para seguir a proposta de Jesus, o enviado de Deus com uma

missão messiânica, se transfere para os seus discípulos e, por consequência, para a

comunidade de fé (a igreja). Moltmann parte do pressuposto de que Jesus e sua

mensagem são indivisíveis, ou seja, há uma identificação plena entre Jesus e o reino de

Deus. Sendo assim, a “proclamação do reino de Deus por Jesus pode ser continuada

após a sua morte e à luz de sua ressurreição” (MOLTMANN, 2013, p. 119). Isso é tão

evidente em Moltmann que, para o autor, “não existe diferença fundamental entre a

proclamação de Jesus e a proclamação da comunidade” (MOLTMANN, 2013, p. 119).

A igreja, portanto, assume ser Jesus o Cristo (messias) e Senhor e proclama a sua

mensagem (reino de Deus) que agora tornou o evangelho da própria comunidade

(MOLTMANN, 2013, p. 119). Como anunciadora do evangelho, a comunidade, por

meio do seguimento, é a “comunidade do êxodo”, ou seja, ela participa da promessa em

Cristo, por meio da sua morte-ressurreição, tornar-se comunidade messiânica, pelo seu

anúncio do reino de Deus que está vindo, proporcionando libertação ao ser humano

(MOLTMANN, 2013, p. 120).

1.2. Pneumatologia: a igreja sob o impulso do Espírito Santo

Page 54: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

54

Como um teólogo sistemático, a pneumatologia não poderia estar ausente da

reflexão teológica de Moltmann. Ele se dedica ao tema na obra O Espírito da vida

(1999b), escrito originalmente em 1991. Um texto que marcou o estudo da

pneumatologia e influenciou teológ@s a refletir com criatividade a doutrina do Espírito

Santo. A fim de ampliar o seu público-leitor, Moltmann publica A fonte da vida

(2002a), escrito em 1997. Uma obra com linguagem acessível e pastoral procurando

colocar a temática pneumatológica em conexão com a vida e sua dinâmica. Além dessas

duas obras, Moltmann trata do Espírito Santo a partir da eclesiologia no livro A igreja

no poder do Espírito (2013). Uma eclesiologia impulsionada pelo Espírito Santo na

história com a marca do reino de Deus e a messianidade de Jesus. Aqui iremos olhar a

pneumatologia moltmanniana com lentes eclesiológicas. O intento é apontar os

elementos que ligam o Espírito Santo à igreja e como isso é mediado na teologia de

Moltmann.

Seguindo Richard Bauckham (1995, p. 22), a pneumatologia de Moltmann é

entendida principalmente como a fonte da vida, ou seja, o Espírito da vida é a

experiência no Deus da vida com sua vitalidade e dinamicidade. Além disso, Moltmann

procura abrir um diálogo com a tradição ortodoxa, por entender que essa ramificação do

cristianismo contribuiu de maneira relevante para o debate pneumatológico. Uma vez

que a teologia ocidental “reservou à pneumatologia um lugar periférico no seu fazer

teológico, pois se esqueceu da teologia do Espírito Santo” (COSTA JÚNIOR, 2011, p.

89). Como pesquisador da pneumatologia moltmanniana, Costa Júnior (2011, p. 94) faz

a seguinte observação: “a pneumatologia moltmanniana se mostra atual e se apresenta

como superação aos métodos que circunscrevem a ação do Espírito aos limitantes

espaços eclesiásticos”. Com uma abertura ecumênica, a pneumatologia de Moltmann

procura estabelecer um profícuo diálogo com diferentes tradições como a da igreja

oriental e o pentecostalismo, com isso a sua pneumatologia ganha contornos que

superam o exclusivismo do Espírito Santo ao âmbito eclesiástico, como um adendo

apenas para a salvação. O Espírito Santo é elemento imprescindível no sistema

teológico moltmanniano por favorecer a dimensão do movimento, da abertura, da

presença de Deus. A partir dessa perspectiva, a cristologia é pensada a partir do

Espírito Santo, a criação tem a atuação do Espírito Santo de maneira intensa, e a

eclesiologia é impulsionada pelo Espírito Santo, ou seja, “a igreja de Cristo vive na

presença do Espírito Santo e na sua força” (COSTA JÚNIOR, 2011, p. 100).

Page 55: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

55

A eclesiologia pensada por Moltmann não poderia deixar de ter o Espírito Santo

como elemento fundamental. Battista Mondin, quando trata das diferentes eclesiologias,

classifica a eclesiologia moltmanniana como sendo pneumática, ou seja, “somente a

perspectiva pneumatológica é capaz de tornar inteligível o mistério mais profundo da

igreja: o paradoxo pelo qual a igreja, por um lado, participa das ambiguidades com a

vida em geral e a vida religiosa em particular” (MONDIN, 1984, p. 237). Essa relação

fronteiriça que Mondin apresenta no pensamento eclesiológico de Moltmann – igreja

como comunidade de pessoas que se comprometeram com Cristo e tem diante de si o

mundo (sociedade) – é compreensível quando a igreja é concebida “como uma

comunidade de libertos pelo Espírito, que participa do reino libertador de Cristo e

celebra a vida no interior de um contexto de morte” (COSTA JÚNIOR, 2011, p. 100).

Assim como a eclesiologia de Moltmann tem dimensões abertas – essa é a

perspectiva que a pesquisa está perseguindo –, essa abertura tem como fator

preponderante a ação do Espírito Santo. Ele é o elemento constituinte da ação da igreja,

uma vez que “a missão do Espírito é trazer vida ao mundo, a da igreja, portanto, é

assumir este mesmo desafio e trabalhar para tornar manifesto o reino de Deus”

(RIBEIRO, 2010, p. 140). Como salienta Claudio de Oliveira Ribeiro, “o propósito

eclesial, para Moltmann, não é expandir uma ‘civilização cristã’ sobre a face da terra,

mas promover, na realidade desordenada e caótica do mundo, um espaço onde a graça

de Deus se manifeste trazendo vida e restauração” (RIBEIRO, 2010, p. 140). Assim, a

eclesiologia impulsionada pelo Espírito Santo tem uma abertura que supera as

fronteiras denominacionais e, até mesmo, as fronteiras confessionais, porque para

Moltmann “a experiência de comunhão com o Espírito é ampliada para uma comunhão

com toda a criação” (COSTA JÚNIOR, 2011, p. 117). Nesse sentido, o Espírito Santo

não fica limitado na esfera eclesiástica apenas, ele age no mundo, na história, na

criação. A pneumatologia de Moltmann procurou superar a ideia de que via o Espírito

Santo com uma função instrumental no indivíduo ou na igreja, onde o interesse estava

atrelado apenas ao como, onde e quando ele age (COSTA JÚNIOR, 2011, p. 123).

A pneumatologia de Moltmann, quando lida pela perspectiva eclesiológica,

procura superar a lógica de que o Espírito está a serviço da igreja apenas como um

elemento exclusivo dela. A atuação do Espírito Santo está para algo mais, porque “a

missão do Espírito Santo é a missão da nova vida, e isso significa mais”

(MOLTMANN, 2002a, p. 28). O Espírito Santo não pode ser classificado “unicamente

Page 56: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

56

como Espírito da salvação, cujo lugar é representado pela igreja e que dá aos homens [e

mulheres] a certeza da bem-aventurança eterna de suas almas” (MOLTMANN, 1999b,

p. 19). Essa tendência, segundo Moltmann, faz com que o ser humano se afaste do

mundo alimentando a expectativa por um mundo melhor no além, ou seja, é uma

tendência limitadora tanto da ação do Espírito quanto da igreja, porque alimenta uma

concepção individualista do Espírito Santo. Por outro lado, “a experiência da comunhão

do Espírito necessariamente leva a cristandade a ultrapassar-se para a comunhão maior

com todas as criaturas de Deus” (MOLTMANN, 1999b, p. 21). Isso vai além de leituras

que pretendem colocar o Espírito Santo como dependente do sistema eclesiástico, antes,

para Moltmann, o Espírito Santo está para a vida, como promotor da nova criação; ele

está para a história e a move para a transformação escatológica do mundo; ele está na

igreja, cuja força impulsiona a comunidade de libertos a agir no mundo (COSTA

JÚNIOR, 2011, p. 123).

Na obra A igreja no poder do Espírito (2013) a eclesiologia de Moltmann ganha

contorno pneumatológico. É aqui que o autor trabalha a relação do Espírito Santo com a

igreja de maneira peculiar.

A igreja para Moltmann é a igreja dos ressuscitados em Jesus, vivendo sob o

Espírito do ressuscitado e tendo como uma das marcas da sua vida, a celebração (NAM

KIM, 2005, p. 243). É o Espírito que guia a igreja; é o Espírito que proporciona a

unidade da igreja; é o Espírito que alimenta a dinâmica dos dons espirituais na

comunidade; é o Espírito que, juntamente com a igreja, favorece a construção da

história, pois é na história do Espírito, que relaciona com a história de Cristo e que é a

história da nova criação, que ganha o seu sentido (MOLTMANN, 2013, p. 52). Nas

palavras de Moltmann,

a igreja como comunidade dos pecadores justificados, das pessoas libertadas por Cristo que experimentam salvação e vivem em gratidão, está no caminho do cumprimento do sentido da história de Cristo. Inteiramente voltada para Cristo, ela vive no Espírito Santo e é nisto, ela mesma, início e sinal do futuro da nova criação. Ela anuncia somente em Cristo, mas o fato de anuncia-lo já é a vinda do futuro de Deus na palavra. Ela crê somente em Cristo, mas o fato de crer já é sinal de esperança (MOLTMANN, 2013, p. 59).

Page 57: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

57

Somente uma igreja, impulsionada pelo Espírito, tem condições de encanar na

história a práxis do reino de Deus. Assim, “a igreja terá que se compreender em sua

tensão presente entre fé e experiência, esperança e realidade, nessa história do Espírito

que cria coisas novas” (MOLTMANN, 2013, p. 61-62). Essa tensão dialética levantada

por Moltmann que contempla duas polaridades, antecipação e contradição, que a igreja,

a partir da experiência e prática do Espírito, já vive a antecipação escatológica, ou seja,

“as experiências e o poder do Espírito transmitem ao tempo presente a história de Cristo

e o futuro da nova criação. O que se chama de igreja é essa transmissão. Como igreja de

Cristo, ela é a igreja do Espírito Santo. Como comunhão dos crentes, ela é a esperança

criativa do mundo” (MOLTMANN, 2013, p. 62). O elemento que proporciona essa

dinâmica é o Espírito da vida. A igreja é messiânica, mas o seu messianismo está

atrelado ao Espírito que atualiza a atuação da igreja na história. Para essa atuação, ela (a

igreja) precisa ler os “sinais dos tempos” (MOLTMANN, 2013, p. 64). Sendo ela a

igreja de Cristo ela vive no agora a missão e a presença messiânica dele, o Cristo

(MOLTMANN, 2013, p. 77).

A pneumatologia de Moltmann, como mencionado acima, não está reduzida

apenas ao aspecto subjetivo do ser humano em relação a sua salvação, antes, o Espírito

está dado à igreja agindo nela e por meio dela no mundo e quando a igreja “entende, na

fé em Cristo e na esperança pelo reino, como comunidade messiânica, ela entenderá

corretamente seu presente e seu caminho no presente e no processo do Espírito Santo”

(MOLTMANN, 2013, p. 259).

1.3. Reino de Deus: a mediação do futuro a partir da igreja

A igreja é a expressão do reino de Deus quando se torna anunciadora da

esperança que foi confirmada pela ressurreição de Jesus Cristo. A ressurreição é um

tema chave na reflexão teológica de Moltmann, desde a Teologia da esperança (REIS,

2003, p. 78). A ressurreição é a consumação da promessa e da esperança, em outras

palavras, Moltmann entende que na ressurreição as bases do futuro da humanidade

estão lançadas (GIBELLINI, 1998, p. 284). Moltmann discute esse tema, ressurreição,

na obra O caminho de Jesus Cristo (2000a), e ali ele procura trabalhar com a história.

Como o interesse aqui é demonstrar a relação entre reino de Deus e igreja, sendo esta

Page 58: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

58

mediadora do futuro, importa saber que, para Moltmann, a fé na ressurreição “é uma

força viva que reabilita o ser humano a encarar o futuro da vida, livrando-os de ilusões

letais do poder” (MOLTMANN, 2000a, p. 329). Portanto, a proclamação da

ressurreição de Jesus só tem sentido “no horizonte da história da libertação do ser

humano e dos seres que gemem oprimidos pelas forças de aniquilação e morte”

(MOLTMANN, 2000a, p. 329). Com a ressurreição está aberta a história e seu futuro.

Isso se dá, porque ao falar da ressurreição de Cristo não está se falando de um fato, mas

sim de um processo, ou seja, “ver a história na perspectiva da ressurreição significa

participar espiritualmente no processo da ressurreição” (MOLTMANN, 1997, p. 81).

Moltmann está preocupado, mesmo considerando as discussões que envolvem a

historicidade da ressurreição, em colocar a história sob a perspectiva do ressuscitado,

ou seja, a ressurreição de Cristo, enquanto acontecimento “abre [o] futuro e inaugura

[a] história constituindo em fundamento e promessa” (MOLTMANN, 1997, p. 82).

É dentro desse contexto que a igreja, portanto, é chamada para mediar à presença

de Cristo (ressuscitado) que, por sua vez, media o futuro de Deus (ERICKSON, 1982,

p. 41). Para o nosso autor “o futuro da igreja é mais do que igreja” (MOLTMANN,

2008, p. 35). Cabe à igreja ser construtora da realidade futura, “contagiar com esperança

no futuro de Deus” (MOLTMANN, 2008, p. 35). Essa concepção que se dá entre o

futuro e o reino de Deus são possíveis porque para Moltmann o “reino de Deus significa

originariamente reino em promessa, fidelidade e cumprimentos” (MOLTMANN, 2003,

p. 257). À igreja, é-lhe dada a tarefa de esforça-se para trazer o futuro para o presente.

Sendo a igreja promotora do futuro, a promessa do reino de Deus torna-se fundamento

para a missão do amor pelo mundo (MOLTMANN, 2003, p. 265).

O reino de Deus é o real fundamento da teologia da igreja, pois à igreja é dada

uma obrigatoriedade missionária, pois ela está ligada à sociedade e compartilha com ela

os sofrimentos desta época, formulando esperança em Deus para as pessoas

(MOLTMANN, 2004, p. 13). A igreja, neste sentido, é “uma comunidade na qual o fiel

vive continuamente e não ocasionalmente; uma comunidade de fé, esperança e

fraternidade que se torna fermento de vida para todo o mundo” (MONDIN, 1980, p.

201). Para ela ser isso, fermento de vida, ela deve assimilar conscientemente de que é a

antecipação, o sinal do reino de Deus. Isso não significa que a igreja é o reino de Deus,

mas a igreja é a sua antecipação, como penhor do reino de Deus (MONDIN, 1984, p.

240). Jesus, com sua missão e ressurreição, trouxe o reino de Deus para a história, a

Page 59: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

59

igreja é a sua antecipação; portanto, é o povo do Reino de Deus (MOLTMANN, 2003,

p. 386). O que isso significa? Ora, para Moltmann a promessa gera missão, porque “o

cristianismo não existe para si mesmo, mas sim para o reino que está vindo”

(MOLTMANN, 2013, p. 218). A promessa do reino de Deus é o fundamento da missão

do amor pelo mundo, pois o reino de Deus está presente em fé, a partir da comunidade e

pela força do Espírito (MOLTMANN, 2013, p. 252). A missão é a esperança da fé em

ação (MOLTMANN, 2003, p. 202). Por isso o seguimento de Cristo implica no serviço

ao mundo (GIBELLINI, 1998, p. 284).

Está dada a dimensão futurológica da igreja na tarefa missionária quando cada

cristão compreende sua função na missão (MOLTMANN, 2013, p. 255). A esperança

do futuro reino de Deus é tarefa da igreja quando assume concretamente a sociedade em

que está inserida dando um horizonte de esperança, justiça, vida, humanidade. A missão

é a proclamação de uma esperança viva, ativa e apaixonada pelo reino de Deus e seus

valores vivenciados por Jesus conforme os evangelhos.

Quanto à relação entre a igreja e reino de Deus, Moltmann conclui:

a igreja no poder do Espírito Santo ainda não é o reino de Deus, mas já é sua antecipação na história. O cristianismo ainda não é a nova criação, mas já é o efeito do Espírito da nova criação. Os cristãos ainda não são a nova humanidade, mas já são sua dianteira na resistência contra o enclausuramento mortífero, em entrega e representação em prol do futuro dos seres humanos. (...) a igreja, o cristianismo e os cristãos testemunham o reino de Deus em meio à história como meta da história. Nesse sentido, a igreja de Jesus Cristo é o povo do reino de Deus (MOLTMANN, 2013, p. 258).

O futuro da promessa é um horizonte que tem como mediação a igreja, quando

ela propaga e procura concretizar em sua natureza o reino de Deus, ela é antecipação –

prolepse – do que se espera na história.

1.4. Criação: a responsabilidade ecológica da igreja

O tema da ecologia está presente no pensamento de Moltmann a partir da década

de 1970. Em 1977 ele publica O futuro da criação, publicada recentemente no Brasil

Page 60: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

60

em coautoria com Levy Bastos (MOLTMANN & BASTOS, 2011b). A obra mais

sistemática do autor é, indubitavelmente, Deus na criação (1992a), sendo publicada na

Alemanha em 1985. Lendo o atual cenário mundial e a crescente ameaça ao meio

ambiente, Moltmann propõe uma reflexão que atenda aos desafios da sociedade que

envolve, naturalmente, crescimento econômico e consequências que provocam efeitos

catastróficos na natureza. Para ele a origem da crise ecológica é provocada pelo avanço

tecnológico, fazendo uso da natureza e seus recursos de maneira indiscriminada

(COSTA JÚNIOR, 2011, p. 138).

Para pensar a ecologia, Moltmann trabalha com a concepção de trindade e

criação. A partir disso Moltmann elabora uma doutrina trinitária da criação. Partindo

da ideia de que Deus está no mundo, Moltmann busca um pensamento teológico da

criação como sistema aberto, na tentativa de coadunar ciências naturais com a doutrina

da criação (COSTA JÚNIOR, 2011, p. 146). Depois de Deus na criação (1992a),

Moltmann procurou estreitar ainda mais o diálogo entre as ciências naturais e a teologia

no texto Ciência e sabedoria (2007a) onde ele trata da escatologia em diálogo com a

cosmologia.

É fato que a reflexão ecológica nem sempre esteve na agenda da igreja. Por

conta de uma escatologia fatalista, a igreja não demonstrou preocupação com a criação

como deveria. A teologia da destruição do mundo dominou o cenário teológico e isso

levou, naturalmente, a uma inércia em relação à corresponsabilidade para com a criação

(MOLTMANN, 2002b, p. 288).

Por entender que o planeta é criação de Deus, faz-se necessário refletir

teologicamente sobre o seu futuro, não mais pela concepção da destruição, mas sim da

recriação. Com a preocupação ambiental, não é mais concebível falar em uma

escatologia que aguarda o fim iminente de todas as coisas como se o planeta fosse um

acidente da criação de Deus. Com o tema da ecologia, surge uma nova concepção

escatológica que vem corrigir a maneira pré-milenista de interpretar o fim de todas as

coisas. “Surge uma escatologia da corresponsabilidade para com o planeta. É uma

escatologia que desconstrói uma escatologia inadequada” (MOLTMANN & BASTOS,

2011b, p. 158). A igreja é chamada a rever a sua postura diante da sociedade e do

planeta quando tratou o futuro com conformismo diante dos poderes vigentes, agindo

com covardia diante das necessidades do ser humano e sua sobrevivência

(MOLTMANN & BASTOS, 2011b, p. 160-161).

Page 61: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

61

A escatologia que a igreja precisa disseminar “não pode ser reduzida a mera

resposta à curiosidade de cristãos pouco ou nada preocupados em serem agentes de

transformação histórica” (MOLTMANN & BASTOS, 2011b, p. 161). Como cristãos

que assumem o seguimento messiânico de Jesus, são chamados a encarnar na história a

fim de serem promotores do futuro que Deus espera, uma vez que ele, o futuro, está

aberto e a história é uma sala ampla, que favorece, com liberdade, o agir do ser humano

(MOLTMANN, 2011a, p. 273).

1.5. Trindade: o modelo teológico de uma comunidade

Um tema que sempre intrigou os teológ@s e que, por razões outras, dividiram os

cristãos, foi à temática da trindade. Do século II em diante a discussão teológica em

torno do tema suscitou diversos posicionamentos e pensadores elaboraram seus sistemas

para dar conta do mistério trinitário.

Moltmann tem na doutrina da trindade um importante elemento de coesão ao

seu edifício teológico. A sua compreensão de trindade está em oposição à de teólogos

que postularam uma ideia monoteística de Deus e seu distanciamento do mundo

(COSTA JÚNIOR, 2011, p. 139).

As críticas de Moltmann aos modelos trinitários se deve por conta de que certos

modelos favoreceram, por exemplo, a estrutura hierarquizada da igreja. Sendo assim, a

comunidade sofre com as disputas de poder e a carência de unidade.

Na obra Trindade e reino de Deus (2000c), Moltmann faz um tratado sobre a

trindade demonstrando as deficiências de modelos trinitários que se constituíram a

partir de concepções filosóficas e políticas. No seu entender, “uma reformulação da

doutrina trinitária, hoje, somente poderá ocorrer a partir de uma confrontação crítica”

(MOLTMANN, 2000c, p. 32). Ele propõe uma doutrina da trindade que supere

concepções como, por exemplo, a trindade da substância (MOLTMANN, 2000c, p. 32).

Moltmann apresenta uma “doutrina trinitária social”, ou seja, uma doutrina da trindade

que parta das relações comunitárias da trindade (MOLTMANN, 2000c, p. 33). Um

pensamento onde as relações entre as “pessoas” da trindade seja, de fato, a tônica; onde

o comunitário seja a prioridade da reflexão e não a concepção do monoteísmo

Page 62: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

62

monárquico que dominou por muitos anos a discussão trinitária. Essa é a proposta de

Moltmann, “desenvolver um pensamento relacional e comunitário, a partir da doutrina

trinitária” (MOLTMANN, 2000c, p. 33).

A palavra abertura ou aberta tem um peso na sistematização moltmanniana, em

relação à trindade não poderia ser diferente. Assim como a criação tem a sua dimensão

aberta, a trindade também. Para Moltmann, a trindade se dá na sua abertura. A

trindade não se dá a partir de uma unidade numérica, ela reside na comunidade, ou seja,

a unidade conserva a individualidade de cada um e essa unidade não se dá de maneira

ad intra apenas, mas também ad extra, dito de outra maneira, aberta (MOLTMANN,

2000c, p. 107). Em outro momento Moltmann aborda a condição de abertura da

trindade esclarecendo de que as pessoas da trindade não podem ser definidas

unicamente pelo seu relacionamento interno, antes a natureza comum significa

relacionamento com as outras pessoas. Assim, para Moltmann, é através das relações

que podem ser denominado de pessoas e ser pessoa significa “existir-em-relação”

(MOLTMANN, 2000c, p. 179). Se apropriando do termo pericorese, desenvolvido por

João Damasceno, Moltmann concebe a trindade como um relacionamento em que

“vivem plenamente umas em outras e umas pelas outras” (MOLTMANN, 2000c, p.

182).

A trindade em Moltmann, segundo Lynne Faber Lorenzen (2002, p. 85) se dá

em uma abertura ao mundo que inclui, naturalmente, a criação e as pessoas. Nessa

abertura, a relação trinitária dá o exemplo de como deveria ser as relações humanas.

Deste modo, “a trindade serve como modelo para a sociedade integrada, capaz de

mostrar a coexistência entre o pessoal e o social, numa interligação que brota do

mistério trinitário da comunhão das três pessoas” (SILVA, 2009, p. 165).

Uma vez que as relações entre as pessoas da trindade são comunitárias e não

hierárquica, o modelo está dado para a comunidade de fé de como deveria ser as

relações (COSTA JÚNIOR, 2011, p. 143). Uma vez que “a visão comunitária da

trindade é vista como uma possibilidade de evitar totalitarismos” (SILVA, 2009, p.

166). Sendo a relação trinitária uma relação de iguais, onde não há uma hierarquia, é

possível o intercâmbio entre as pessoas, possibilitando a anulação de uma relação de

subalternidade. Portanto, há Pai – Espírito – Filho ou Pai – Filho – Espírito ou ainda

Espírito – Filho – Pai (MOLTMANN, 2000c, p. 106). Essa relação aberta que se

estabelece entre as pessoas da trindade, demonstra um modelo de comunidade para os

Page 63: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

63

fiéis, modelo de aceitação, de relacionamento, de comunidade entre iguais

(MOLTMANN, 2000c, p. 102).

2. A eclesiologia no contexto da práxis

A eclesiologia de Jürgen Moltmann está dentro de um contexto onde a igreja se

encontrava em situação delicada depois de um pós-guerra. Nesse contexto há duas

teologias em debate. Por um lado há os teólogos que defendem uma total radicalização

da teologia no universo secular, trata-se da teologia da morte-de-Deus. Os mais

conhecidos expoentes dessa teologia são os estadunidenses Thomás Altizer e William

Hamilton (HORDERN, 1979, p. 244). Na tentativa de responder aos anseios do mundo,

a teologia da morte-de-Deus preconizou de que algumas ideias a respeito de Deus não

eram mais possíveis com o avanço tecnológico e as crescentes mudanças na cultura e

sociedade. Na tentativa de coadunar a técnica com a teologia, os teólogos da morte-de-

Deus procuraram adaptar conceitos religiosos no atual cenário (HORDERN, 1979, p.

246). Concomitantemente à teologia da morte-de-Deus surge os teólogos da esperança,

dentre eles Moltmann. David P. Scaer (1983, p. 153), comentando essas duas propostas

teológicas, afirma que a teologia da esperança substituiu a contento “os arautos do

falecimento de Deus”. A teologia da esperança surge no cenário teológico com a

proposta “de encarar a teologia e as preocupações teológicas da perspectiva do futuro e

não do passado ou do presente”.

É dentro desse contexto de esperança que a reflexão eclesiológica aparece

trazendo novas perspectivas para o atual cenário. Em um contexto totalmente

antagônico a realidade espiritual das igrejas, prevalecendo o anonimato dessas em

relação às demandas sociais e políticas, é que a eclesiologia patrocinada por Moltmann

procura se inserir, ou seja, a sua teologia da esperança toma pleno conhecimento dos

sintomas críticos da atual doença eclesiástica, e das tentativas para inverter essa

tendência que Moltmann desenha uma teologia que acolhe o futuro, procurando

contribuir com a sociedade no sentido de que a igreja, agora, tem como principal tarefa

o envolvimento com a formação da sociedade (SCAER, 1983, p. 159). Sendo assim,

“este envolvimento importa em mudar estruturas governamentais, divisões econômicas,

organizações, e tudo mais que é reconhecido como parte da sociedade. A mudança das

Page 64: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

64

estruturas, especialmente as políticas, é vista como a nova missão da igreja ao mundo”

(SCAER, 1983, p. 160).

Neste sentido, a teologia moltmanniana ganha dimensões da práxis, pois no seu

entender “teologia ocorre onde pessoas chegam ao conhecimento de Deus e ‘percebem’

a presença de Deus com todos os seus sentidos na práxis de sua vida, de sua felicidade e

de seus sofrimentos” (MOLTMANN, 2004, p. 11). Uma vez entendido que o

compromisso da igreja necessita ser social e político, Moltmann assegura que essas

questões precisam deixar os cristãos intranquilos, favorecendo, portanto, a imersão nas

questões políticas e sociais (MOLTMANN, 1971, p. 242-243).

Já na Teologia da esperança, Moltmann expõe as incumbências que foram

postas à igreja pela sociedade moderna com o surgimento da burguesia e as relações

baseadas nas necessidades. Com esse deslocamento, o conceito de religião ficou

emancipado. Se antes a igreja tinha certas tarefas ou funções na sociedade, com o

surgimento do modernismo isso foi suplantado. Outrora era vista como coração da

sociedade, sustentadora e unificadora de interesses político-sociais no Império Romano,

a igreja era tida como culto público, detentora da fé, da moral e da adoração a Deus.

Com a chegada da modernidade, ela perde seu ideal moral e unificador e passa a ser um

culto privado. A religião torna-se religiosidade individual (MOLTMANN, 2003, p.

361-398). Dando ao indivíduo esta liberdade, a religião torna-se intimista e

particularizada. Tem, a partir de agora, uma função consoladora diante da angústia

existencial; é sua função dar às pessoas o sentido de existir (GIBELLINI, 1998, p. 285).

As novas funções eclesiológicas são consequências das mudanças econômicas e

político-filosóficas, ocorridas nos últimos anos. Os séculos XIX e XX viram o

crescimento do consumo e das relações pessoais baseadas nas necessidades. Com isso, o

ser humano recorreu à subjetividade como compensação para as tumultuadas relações

sociais.

As necessidades subjetivas dão novas formas a igreja. Isso ocasionou o

aparecimento, no cenário eclesial, de modelos eclesiológicos como: (1) igreja-

subjetividade – a cosmologia cedeu lugar à metafísica subjetiva. O salvamento depende

da interiorização do transcendente. Há um isolamento social de quem encontra esta

religião subjetiva e a fé passa a não ter nenhuma consequência prática para o próximo.

O que conta é o sentimento de eternidade garantida e os desejos, existenciais e de

Page 65: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

65

consumo, atendidos; (2) igreja-solidariedade – ligada a pequenos grupos, a igreja

funciona como uma arca de Noé. Ela aliena e acrisola as pessoas das situações sociais.

A integração a uma igreja é compensatória porque concede privações sociais ao

indivíduo que vive em uma sociedade secular. O grupo é fechado em si mesmo e não

produz nenhum compromisso social, tornando ineficiente o amor cristão para com a

sociedade; (3) igreja-instituição – é o retorno do velho jeito Constantino de ser igreja. A

este tipo de comunidade cabem às regras, os padrões de comportamentos. Afinal de

contas, a igreja instituição confere segurança em tempos inseguros porque diz em que se

crê e como crê. Permite ainda aquela sensação de certeza e de caminho certo, além, é

claro, de produzir um sentimento de agraciado por parte de quem está ali e sentir, ao

mesmo tempo, uma leve pena de quem não se encontra no lado de cá da fronteira

eclesiástica.

Essas acusações de Moltmann são papéis que a sociedade, no seu entender,

requisita para a igreja. Papéis esses derivados de necessidades ou eventos sociais, mas

que não conferem nem um pouco com o parecer teológico da igreja neotestamentária.

Se o cristianismo quer e deve ser outra coisa, segundo a vontade de Cristo, em

quem crê e espera, deve tentar nada menos do que irromper para fora desses papéis

sociais assim fixados (MOLTMANN, 2003, p. 382).

Com esse discurso, Moltmann provoca e, ao mesmo tempo, lança o desafio para

que a igreja sinta-se parte da sociedade e participe de sua vida. Os modelos que a

sociedade quer que a igreja desempenhe não são mais concebíveis, ela é maior que isso,

ela tem uma grandeza peculiar, porque a ela é dada tarefas superlativas. Nesse sentido, a

igreja está envolvida com o futuro diretamente. Como já vimos acima, na concepção de

Moltmann, Deus no Antigo Testamento é um Deus de promessa, portanto a revelação

de Deus se dá na história da promessa. Já no Novo Testamento, com a ressurreição de

Jesus Cristo se inicia a promessa e a abertura para o futuro, esse processo se dá como

prolepse, ou seja, antecipação do que será o futuro, mas o futuro não se esgota com a

ressurreição, mas antes confirma, antecipadamente, a promessa da glória e do senhorio

do futuro reino de Deus. Com esse quadro, a missão da igreja está totalmente atrelada

ao conceito de reino de Deus porque apenas por meio dela, a igreja, o futuro pode ser

construído. A missão da igreja, portanto, está entre a promessa dada na ressurreição de

Jesus e seu cumprimento no futuro escatológico. Por meio, então, da missão da igreja, o

mundo já é afetado na antecipação da nova criação e começa a ser transformado em

Page 66: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

66

direção da promessa de transformação escatológica. Com esse esboço é possível

desenvolver uma eclesiologia que tenha dimensões abertas onde à práxis desempenhe

um papel preponderante.

2.1. A dimensão comunitária de uma eclesiologia aberta

A eclesiologia de Moltmann está para além das paredes de um templo. Ela não

está pressa a qualquer barreira quer seja espacial quer seja doutrinária. É uma igreja

para o mundo, para os povos. Uma eclesiologia aberta não poderia apresentar um

conceito espacial de igreja, como um lugar determinado, uma morada definida, mas a

eclesiologia se dá a partir do conceito histórico-temporal, ou seja, embora ela, a igreja,

tenha a sua dimensão geográfica, não significa que não tenha uma dimensão histórica

que leve em consideração o tempo em que ela está inserida (MOLTMANN, 1971, p.

374). A eclesiologia desenhada por Moltmann pode ser definida como uma igreja que

procura agir, ou seja, ela se define como uma igreja em ação. Assim, para Moltmann

age “de maneira unificadora, santificante, evangelizadora, pela libertação do mundo”

(MONDIN, 1980, p. 205).

A fim de ter essa dimensão ad extra, a eclesiologia moltmanniana dispõe de um

aparato organizacional que favorece a dinâmica ad intra dos participantes da

comunidade de fé. Os elementos, que assim compõe sua eclesiologia funcional, se dão a

partir dos ministérios – onde pessoas desempenham suas funções como serviço ao outro

e ao reino de Deus, sendo a diaconia um tema chave na eclesiologia de Moltmann

(MOLTMANN, 1987, p. 14). Além dos ministérios, a proclamação do evangelho, o

batismo, a ceia e o culto, são trabalhados por Moltmann com dimensões de abertura ao

mundo sendo, concomitantemente, elementos característicos da vida da igreja em sua

dimensão interna.

Uma vez que a igreja “vive na história que é fundamentada pela ressurreição do

Cristo crucificado e cujo futuro é o reino abrangente da liberdade”, ela é energizada

pelo Espírito Santo, pois é o “poder presente dessa memória e dessa esperança [que] é

chamado poder do Espírito Santo” (MOLTMANN, 2013, p. 259). Pelo poder do

Espírito Santo, a igreja é capaz de “entender, na fé em Cristo e na esperança pelo reino,

Page 67: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

67

como comunidade messiânica, [que] ela entenderá corretamente seu presente e seu

caminho no presente e no processo do Espírito Santo” (MOLTMANN, 2013, p. 259).

À igreja é dada a oportunidade de proclamação do evangelho, sendo ela mesma

originaria da proclamação apostólica do evangelho (MOLTMANN, 2013, p. 270). A

proclamação se dá pela verbalização da mensagem do evangelho que tem como

conteúdo “a história de Cristo e a liberdade do ser humano para o reino que nela se

abre” (MOLTMANN, 2013, p. 270). Essa proclamação não pode ser caracterizada por

uma linguagem hermética onde a comunidade consome seu próprio discurso, não

havendo nenhum impacto em seu contexto vital. A revelação é algo de Deus, que a

igreja atualiza – aqui Moltmann segue a teologia da palavra de Deus de Karl Barth – na

proclamação do evangelho ao mundo (MOLTMANN, 2013, p. 272).

A proclamação do evangelho não pode ser um monopólio da comunidade de fé,

pelo contrário, a proclamação do evangelho é a revelação do futuro de Deus que a

igreja é chamada a proclamar como promotora do futuro (MOLTMANN, 2013, p. 287).

Compreendendo-se assim, a proclamação de uma igreja aberta tende-se a ser uma

proclamação pública, porque “o evangelho se encontra no ambiente público de uma

sociedade e muda sua forma junto com a mudança do espaço público social”

(MOLTMANN, 2013, p. 291).

Ainda na dimensão comunitária de uma eclesiologia aberta, Moltmann trata do

batismo. O ato do batismo “é a chamada para a liberdade do tempo messiânico”. Para

Moltmann o batismo não pode ser algo restrito apenas aos participantes da comunidade

como uma maneira de dizer que a partir desse momento há uma fronteira entre os salvo

(dentro da igreja) e os perdidos (aqueles que estão fora da igreja). Como o reino de

Deus é a matriz pela qual a igreja atual, com o batismo a igreja “demonstra o início do

reino de Deus na vida de uma pessoa e a conversão comunitária para seu futuro”

(MOLTMANN, 2013, p. 294). Quando discute quanto à forma do batismo, Moltmann

privilegia o batismo de adultos, defendendo de que o “batismo infantil deveria ser

ocupado pela bênção sobre as crianças no culto da comunidade”. O batismo é

vocacional, pois com ele “o crente é chamado para a comunidade messiânica e

vocacionado para o serviço libertador e criativo do reino”, portanto ele é um evento

vocacional de inserção na comunidade e, ao mesmo tempo, de envio ao mundo

(MOLTMANN, 2013, p. 307).

Page 68: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

68

Quanto à ceia do Senhor, Moltmann dá a sua contribuição teológica. Enquanto

“o batismo é o sinal escatológico da partida realizado uma vez por todas, assim a

comunhão periódica e perseverante na mesa do Senhor é o sinal escatológico do

caminho” (MOLTMANN, 2013, p. 313). A ceia do Senhor tem a sua conotação

escatológica, mas também comunitária. Sendo o batismo um evento vocacional para o

serviço ao reino de Deus, a ceia do Senhor é um convite aberto, pois a mesa é de Cristo

e é ele quem convida a tod@s, pelo fato de que a igreja “deve sua vida ao Senhor e sua

comunhão, à ceia dele” (MOLTMANN, 2013, p. 316).

Tratando da ceia do Senhor como um convite de Cristo aberto a tod@s,

Moltmann critica o uso da ceia do Senhor para se praticar a disciplina eclesiástica por

entender que antes de qualquer outra coisa, a ceia do Senhor “celebra a presença

libertadora do Senhor” (MOLTMANN, 2013, p. 316). Sendo assim, ela não pode ser

elemento de controle de quem pode ou não participar da comunhão. Em uma

eclesiologia aberta à celebração da ceia do Senhor “é um convite tão aberto como as

mãos estendidas de Cristo na cruz” (MOLTMANN, 2013, p. 317). A ceia do Senhor em

Moltmann se dá na sua abertura irrestrita a tod@s, não importando as “fronteiras

confessionais” (MOLTMANN, 2013, p. 318). Assumindo a condição escatológica da

igreja, ou seja, ela participa do futuro de Deus, Moltmann não concebe uma celebração

da ceia do Senhor limitada apenas aos fiéis da comunidade. A ceia do Senhor, no seu

entender, “não se trata da refeição das pessoas especialmente justas ou das que se

julgam especialmente fiéis, mas das pessoas cansadas e sobrecarregadas que ouviram o

chamado para procurar alívio” (MOLTMANN, 2013, p. 332).

O culto “é a festa da comunidade reunida que proclama o evangelho, responde à

libertação que é oferecida, batiza pessoas com o sinal do êxodo e antecipa na mesa do

Senhor a comunhão no reino de Deus”. Não se trata de uma celebração reservada

apenas aos preparados para tal rito, antes é uma festa que celebra a presença de Deus

como sinal da esperança messiânica (MOLTMANN, 2013, p. 334).

A configuração do culto, em uma eclesiologia aberta, não se dá como um ritual

fechado em suas tradições e símbolos. O culto é visto como festa, “tem afinidade com o

lúdico, que é despretensioso e aberto”. Como festa, o culto está aberto às pessoas que

dele queiram participar, principalmente as de fora (MOLTMANN, 2013, p. 348).

Page 69: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

69

A dimensão comunitária de uma igreja que tem como característica a abertura,

concilia o seu cotidiano como comunidade de fé através dos elementos que a

caracteriza, como a proclamação do evangelho, o batismo, a ceia do Senhor e o culto

como meio de favorecer a graça de Deus ao mundo. É uma eclesiologia que na sua

organização desenvolve a abertura de Cristo ao mundo quando proclama o evangelho

da esperança messiânica; quando promove o batismo a partir da vocação para o reino de

Deus; quando celebra a ceia do Senhor como um convite para se assentar-se na mesa do

Senhor como filh@s de Deus; quando o culto não é uma reunião reservada aos

membros da comunidade, mas também é uma oportunidade de celebrar uma festa com

os que pertencem à comunidade de fé e com aqueles que se achegam para participar da

festa.

2.2. A eclesiologia pneumática e sua abertura ao mundo

Na sua obra eclesiológica, Moltmann trata da igreja e sua relação com Cristo, o

reino de Deus e o Espírito Santo. A sua eclesiologia pneumatológica está atrelada a

Cristo e sua história e ao Espírito Santo e sua ação (MONDIN, 1984, p. 238).

Com A igreja no poder do Espírito, Moltmann quer elaborar uma eclesiologia

que seja orientadora dentro de um contexto de incertezas e ameaças, como era a década

de 1970, principalmente com os desdobramentos e consequências da chamada Guerra

Fria. Com o avanço técnico-científico, as disputas armamentistas, as crises e a sensação

de insegurança, a igreja, no entender de Moltmann, “não teria esperança se ela apenas

partilhasse a desorientação e inseguranças generalizadas ou até mesmo as aprofundasse,

criando um clima de fim do mundo” (MOLTMANN, 2013, p. 13). Uma vez chamada

para alimentar a esperança no mundo, a igreja é a presença do reino de Deus e o seu

Espírito é o renovador desse processo.

As reflexões em A igreja no poder do Espírito não surgiram das aulas do autor

em Tübingen, nem mesmo em seu escritório de estudos. Moltmann credita a obra ao

período que passou como pastor por cinco anos em uma pequena comunidade rural em

Bremen-Wasserhorst (MOLTMANN, 2013, p. 15).

Page 70: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

70

Em uma abordagem panorâmica da obra, a eclesiologia que Moltmann propõe

procura ser um tratado sobre o discurso e a teoria eclesiológica estabelecendo as

dimensões em que ela se dará: sua conexão imprescindível com Jesus Cristo, sua tarefa

missionária, sua condição ecumênica e sua práxis política. O autor procura fazer uma

leitura da igreja a partir da história, não a história eclesiástica comumente, mas a

história onde a própria igreja está inserida. Ele trata de Jesus ser o fundador da igreja,

sua condição de comunidade do êxodo, sua relação com a cruz, o reino de Deus e os

membros desse reino. Quando se dedica apenas ao tema do reino de Deus, Moltmann

aborda as diversas facetas do reino de Deus, como a relação com Israel e as

consequências em ser uma igreja para o reino. Como é uma eclesiologia onde o Espírito

Santo tem a sua primazia, a discussão sobre a sua presença na igreja ou a igreja na

presença do Espírito Santo perpassa a obra. Quanto ao trato do Evangelho, a pregação

da igreja, o batismo, a maneira com que as pessoas entram na comunhão da

comunidade, a ceia como um convite aberto a tod@s, o culto como uma celebração ou

festa messiânica, e, por último, alguns apontamentos éticos da comunidade de fé,

marcam a práxis da sua eclesiologia. Em outro momento da obra, Moltmann procura

trabalhar a dinâmica da comunidade de fé com seus ministérios a partir dos dons e

vocações. Além disso, ele aponta para uma práxis da comunidade de fé na sociedade

com alguns critérios como, por exemplo, a amizade com os “de fora” da comunidade,

sendo esta caracterizada como amizade aberta (MOLTMANN, 2013, p. 162). Além

disso, Moltmann faz questão de acentuar as principais marcas da igreja como sua

unidade, santidade, catolicidade e apostolicidade.

Uma eclesiologia aberta tem suas dimensões de abertura. Quando Moltmann

concebe a doutrina teológica da igreja, ele pensa em pelo menos três dimensões de

abertura: “diante de Deus, diante dos seres humanos, diante do futuro”. Tendo como

perspectiva uma igreja aberta, “ela está aberta para Deus, aberta para o ser humano e

aberta para o futuro de Deus e dos seres humanos. A igreja atrofiará se ela abandonar

uma dessas aberturas e se fechar contra Deus, o ser humano e o futuro” (MOLTMANN,

2013, p. 20). Sendo a principal característica da igreja a sua abertura para Deus, para o

ser humano e para o futuro, a sua práxis é repensada e o seu discurso teológico sofre

mudanças. A dinâmica da igreja quanto à sua interação na sociedade também é

modificada, ou seja, o discurso eclesial não pode mais se dar na “redenção e a felicidade

das almas para um céu no além” (MOLTMANN, 1971, p. 240). Em uma eclesiologia

Page 71: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

71

aberta há pelo menos três direções: (1) missão não é entendida como conquista,

expansão, mas como a participação de toda a igreja na proclamação do reino de Deus;

(2) é uma igreja ecumênica, pois entende que as demais igrejas estão “comprometidas

em comum com a missão messiânica de Cristo e que são a igreja do reino vindouro”,

sendo assim, a igreja se abre em diálogo e fraternidade para alcançar o bem comum; (3)

é uma igreja política, pois assume a sociedade e procede com credibilidade porque não

está atada a nenhuma ideologia, grupo, classe ou interesses particulares, agindo assim

ela tem condições de sofrer, lutar com e pelo povo por paz e justiça (MOLTMANN,

2013, p. 26-39). Em uma eclesiologia aberta o batismo é um sinal de comprometimento

dos membros com a tarefa do reino de Deus e a ceia do Senhor nunca seria restrita, mas

um convite a tod@s, porque é o chamamento do próprio Cristo para participar da mesa

e do reino que vem (MOLTMANN, 2013, p. 331). A igreja, para concretizar essa

abertura, precisa entender que isso não será possível se ela: (1) continuar a nutrir uma

fé subjetiva e incapaz de comunicação; (2) desenvolver uma comunidade de cristãos

incapazes de viver em sociedade (MOLTMANN, 1971, p. 369).

Para se pensar em uma eclesiologia aberta, só é possível quando a igreja

compreende de que ela é a “comunidade messiânica no mundo e para o próprio mundo”

(MOLTMANN, 2013, p. 260). Na condução do Espírito Santo, a igreja é levada para

além dela mesma a fim de entrar nos dilemas do mundo e propiciar o futuro de Deus. A

sua abertura é pneumática “pois as mediações e os poderes do Espírito Santo estão

abertos para aquilo que procuram mediar e operar, e por meio da fé e da esperança que

despertam nos seres humanos, faz com que estes se abram ao futuro da nova criação”

(MOLTMANN, 2013, p. 260). Uma eclesiologia aberta experimenta a força do Espírito

Santo e isso a impele a servir o mundo com os valores do reino de Deus

(MOLTMANN, 2013, p. 367). Isso é possível porque o Espírito Santo capacita

concedendo dons espirituais à comunidade de fé favorecendo os ministérios a tod@s

por meio de suas vocações. Aqui há uma dimensão pública na eclesiologia

moltmanniana (MOLTMANN, 2013, p. 373). O tema dos dons espirituais no Novo

Testamento é recorrente e Moltmann faz questão de resgatar esse tema como chave para

a sua eclesiologia pneumatológica seguindo a tradição protestante. Quando os

participantes da comunidade faz uso de seus dons e vocações pelo poder do Espírito

Santo, a meta é a formação dos agenciadores do reino de Deus, ou seja, quando no

batismo a comunidade identifica os vocacionad@s “que são chamados para a vida

Page 72: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

72

eterna, para a glória do reino e para a comunhão messiânica, e encarregados a viver na

presença messiânica desse futuro escatológico e a testemunhá-la” (MOLTMANN, 2013,

p. 380-381). Está dada a dimensão pneumática da eclesiologia aberta de Moltmann,

uma eclesiologia marcada pela presença e atuação do Espírito Santo, onde há, dentro da

comunidade, a distribuição dos dons e vocações para que a comunidade messiânica

vivencie o agenciamento do reino de Deus no mundo (MOLTMANN, 2013, p. 287).

2.3. A tarefa missionária da igreja: abertura ao reino de Deus

“Já que a esperança significa ter força de vida, e já que a vida é vivida em

relações abertas, o reino de Deus será apresentado não de modo abstrato, mas

concretamente nas relações vivas do cristianismo” (MOLTMANN, 2013, p. 14). Ser

apresentado nas relações vivas do cristianismo significa dizer na práxis da ação

missionária da igreja. A ação missionária da igreja se dá em relações abertas, pois a

missão para Moltmann não é expandir o “império cristão, a civilização cristã ou os

valores religiosos ocidentais” (MOLTMANN, 2002a, p. 28). Quando a tarefa

missionária da igreja esteve atrelada ao expansionismo, o cristianismo ficou marcado

por cisões e conflitos. A lógica que Moltmann propõe é outra, porque para ele missão é

“o convite ao futuro de Deus e à esperança pela nova criação de todas as coisas”

(MOLTMANN, 2002a, p. 29). Ele aposta de que uma vez seguindo essa concepção de

missão, ou seja, “quando a paixão pelo futuro de Deus tomar o lugar da expansão da

igreja”, não haverá mais razões para cismas e expansionismo denominacional, uma vez

que a premissa será “a esperança do reino de Deus” (MOLTMANN, 2002a, p. 29).

A eclesiologia aberta de Jürgen Moltmann é uma eclesiologia comprometida

com o reino de Deus. O que significa afirmar isso? Significa que o elemento essencial

do discurso e da práxis da igreja é o reino de Deus. Daí que a tarefa do teólogo, não é

produzir “uma dogmática eclesial nem uma doutrina de fé, mas fantasia em prol do

reino de Deus no mundo e em prol do mundo no reino de Deus” (MOLTMANN,

2002b, p. 14). O reino de Deus deve ser a paixão da teologia como um todo. Deve haver

teologia do reino de Deus na vida da igreja, uma vez que ela “se experimenta na força

do Espírito Santo como comunidade messiânica a serviço do reino de Deus”

(GIBELLINI, 1998, p. 297).

Page 73: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

73

A teologia missionária desenvolvida por Moltmann vai além da concepção

reinante sobre missões. Ideia de que a igreja envia alguns, como se somente esses

fossem vocacionados para a tarefa missionária e o restante da igreja não. É nesse

sentido que Moltmann entende de que “toda a comunidade tem um dom ‘espiritual’ e

carismático, não só o ‘profissional espiritual’ [...] toda a comunidade e cada pessoa

individual nela estão com todas as forças e possibilidades na missão do reino de Deus”

(MOLTMANN, 2013, p. 29). Daí que a teologia missionária moltmanniana procura

inserir a igreja à sociedade, tornando-a, desta forma, em uma igreja aberta que participa

dos sofrimentos do povo e propõe esperança. A característica missionária da igreja é

essa abertura ao mundo. Quando a igreja compreende que é continuadora do projeto do

reino de Deus, ela se desdobra na esfera pública com comprometimento e solidariedade,

porque não há uma promoção de si mesma, antes é a promoção do reino de Deus. Sua

missão, por estar aberta ao mundo, é levar avante a história de Deus com o mundo

(MOLTMANN, 2013, p. 30). Esse pensamento de Moltmann, Richard Bauckham

(1995, p. 145) definiu bem ao afirmar que “sempre foi um princípio básico da teologia

de Moltmann que a igreja existe como uma realidade provisória para servir como meio

para a vinda do reino universal de Deus no mundo, ou, dito de outra forma, que a igreja

existe em missão”.

Em Diaconia no horizonte do reino de Deus (1987, p. 27), a missão da igreja

toma consciência teológica de que é a continuadora do projeto (reino de Deus) de Jesus

por meio do seguimento. O seguimento implica em agir no mundo, principalmente entre

os pobres e marginalizados. Moltmann concebe uma igreja em que há uma dimensão

inclusiva, porque, para ele, a “promissio do reino fundamenta a missio do amor no

mundo” (MOLTMANN, 2003, p. 265). A missão da igreja está totalmente atrelada ao

conceito de reino de Deus porque apenas por meio dela, a igreja, o futuro pode ser

construído. A missão da igreja, portanto, está entre a promessa dada na ressurreição de

Jesus e seu cumprimento no futuro escatológico. Por meio da missão da igreja, o mundo

já é afetado na antecipação da nova criação em direção da promessa de transformação

escatológica, assim, a igreja participa da missão de Deus no mundo (MOLTMANN &

BASTOS, 2011b, p. 131).

Uma eclesiologia aberta à relação igreja e reino de Deus não sofre uma fusão e

nem mesmo é confundido um com o outro. Moltmann atrela a igreja ao reino de Deus e

esta, a igreja, se torna expressão do reino de Deus quando passa a ser anunciadora da

Page 74: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

74

esperança que foi confirmada pela ressurreição de Jesus Cristo. O reino de Deus é o

real fundamento da teologia da igreja, pois à igreja é dada uma obrigatoriedade

missionária, pois ela está ligada à sociedade e compartilha com ela os sofrimentos desta

época, formulando esperança em Deus para as pessoas (MOLTMANN, 2004, p. 13). A

igreja, neste sentido, é “uma comunidade na qual o fiel vive continuamente e não

ocasionalmente; uma comunidade de fé, esperança e fraternidade que se torna fermento

de vida para todo o mundo” (MONDIN, 1980, p. 201). Isso ocorre quando ela assimila

conscientemente de que é a antecipação, o sinal do reino de Deus. Jesus, com sua

missão e ressurreição, trouxe o reino de Deus para a história, a igreja é a sua

antecipação; portanto, é o povo do reino de Deus (MOLTMANN, 2003, p. 386).

Está dada a dimensão futurológica da igreja na tarefa missionária quando cada

cristão compreende sua função na missão (MOLTMANN, 2013, p. 30). A esperança do

futuro reino de Deus é tarefa da igreja quando assume concretamente a sociedade em

que está inserida dando um horizonte de esperança, justiça, vida, humanidade

(MOLTMANN, 1987, p. 25). Isso só é possível com a proclamação do evangelho

(promessas de Deus sobre a nova criação que vem da ressurreição de Cristo). A missão

é a proclamação de uma esperança viva, ativa e apaixonada pelo reino de Deus e seus

valores vivenciados por Jesus conforme os evangelhos (MOLTMANN, 2000a, p. 144).

Cabe à igreja ter uma consciência ética e responsável pelo seu contexto social

(MOLTMANN, 2012, p. 76-77). Contar com o comprometimento de tod@s na missão

ao mundo, tornando patente seu plano de amor pelo mundo; incentivar o uso das

vocações para a transformação da sociedade por meio dos valores do reino de Deus;

procurar ser a sinalização da graça de Deus, pois ela é a consciência mais profunda do

manifestar de Deus; tornar realidade, nela mesma, a presença amorosa de Deus por

meio do cuidado fraterno; alimentar a fé de um mundo melhor por meio da esperança;

celebrar a chave do futuro, a ressurreição de Cristo; ser uma igreja que consiga fazer

uma leitura de seu contexto de maneira aberta com uma pastoral acolhedora,

favorecendo com que a comunidade seja instrumento de Deus pela paz, pelas mudanças

sociais onde ela está inserida; buscando viabilizar a vida e sua dignidade; contribuindo

na luta pela preservação do meio ambiente e sua biodiversidade com uma teologia

comprometida com a criação (BASTOS, 2009, p. 251).

Page 75: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

75

Considerações parciais

Com este capítulo, a pesquisa intenta pontuar os principais elementos que

promovem uma eclesiologia aberta. O sistema teológico moltmanniano contempla uma

série de áreas, sendo a eclesiologia uma delas que está ligada aos outros temas do autor.

A fim de construir uma base teológica para uma eclesiologia aberta, que

abordamos os principais temas que perpassa a teologia sistemática do autor. Com uma

visão da sua sistemática, foi possível desenvolver conexões com a sua eclesiologia.

Deste modo, foi ressaltado o aspecto do seguimento na cristologia moltmanniana como

condição para seguir o crucificado que é o ressuscitado. Quanto à pneumatologia do

autor, é perceptível de que sem o Espírito Santo não há o impulso necessário da igreja

para o mundo e a nova criação na esperança da promessa. Como a igreja vive em

função do Cristo, a principal mensagem deste precisa ser também a principal

proclamação da igreja, o reino de Deus. Uma igreja aberta está envolvida com aquilo

que Deus está fazendo e ainda fará, portanto, a criação é um tema em que a igreja deve

se preocupar, uma vez que ela, a igreja, é agenciadora do futuro de Deus. Como modelo

comunitário, Moltmann apresenta a trindade em que a relação entre as pessoas não há

hierarquia ou grau de importância, mas há companheirismo e mutualidade nas relações.

Esses elementos que favorecem a abertura da igreja dão condições para que a

igreja desenvolva a sua práxis no mundo. A sua abertura é concretizada quando há

proclamação do evangelho; quando os participantes da comunidade sentem-se

vocacionad@s para o reino de Deus desde o batismo; e o culto não é um mero encontro,

mas sim uma festa, antecipando o banquete do reino de Deus. Isso é possível porque a

igreja é energizada pelo Espírito Santo e sua tarefa missionária tem como foco a

inserção na vida das pessoas com suas necessidades e carências sociais, políticas e

espirituais.

A eclesiologia de Moltmann, com suas dimensões de abertura para Deus, para o

ser humano e para o reino de Deus, contribui com o atual cenário que vive a sociedade

com o avanço tecnológico, com as mudanças culturais, com os problemas ecológicos e

o capitalismo e sua campanha ininterrupta para o consumo, a teoria teológica de

Moltmann suscita reflexões. As categorias que Moltmann trabalha e sua leitura

Page 76: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

76

inovadora quanto aos principais temas eclesiológicos, o coloca como um teólogo

extemporâneo no assunto.

A igreja, de fato, precisa se encarnar a fim de se fazer percebida no atual

contexto social.

A eclesiologia aberta de Moltmann foca duas direções, a comunidade de fé e

sua organização que visa, por meio de seus elementos operacionais, focar no mundo, na

sociedade, dentro da perspectiva da nova criação. Com essas categorias, a sua

eclesiologia é bem-vinda ao debate teológico.

Page 77: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

77

Três

A eclesiologia aberta de Jürgen Moltmann como

contribuição teológica à Igreja Batista brasileira

As igrejas protestantes tradicionais

esgotaram-se em si mesmas.

(Antônio Gouvêa Mendonça)

Considerações iniciais

Consciente de que o campo religioso do país é extremamente dinâmico, não é

possível considerar todos os aspectos que constituí o protestantismo brasileiro. Por essa

razão que, quando se tratando de um ramo do cristianismo que difere do catolicismo, há

que classificar essa faceta do cristianismo como protestantismo(s), ou seja, a

configuração do protestantismo no Brasil é diversa e plural, ainda que tenha uma matriz

comum com a tradição protestante presente na Europa e nos Estados Unidos. Sendo

assim, a tentativa em descrever aspectos, comportamentos e teologias no

protestantismo(s), torna a tarefa arriscada, podendo incorrer em equívocos quando se

pretende classificar e rotular os diversos grupos que compõem o protestantismo(s)

brasileiro. A fim de não cometer julgamentos indevidos e imprecisos, a pesquisa irá

seguir as reflexões e análises de pesquisadores do protestantismo(s) brasileiro que

contribuíram para um mapeamento coerente desse ramo do cristianismo no Brasil, em

especial as observações de Antônio Gouvêa Mendonça e Rubem Alves e outros que

podem corroborar com o objetivo deste capítulo.

O intento com este capítulo é observar os aspectos que compõem a eclesiologia

presente na Igreja Batista brasileira9 (CBB), ou seja, se há, ou não, aspectos que

permitam classificar essa eclesiologia, tanto no campo teológico quanto no da práxis, 9 Igreja Batista brasileira, assim como em toda a pesquisa, está se referindo à denominação Batista representada pela Convenção Batista Brasileira (CBB). Reconhecendo a pluralidade de denominações que, comumente, se identificam como Batistas.

Page 78: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

78

como sendo aberta ou fechada, tendo como base a eclesiologia de Jürgen Moltmann

como elemento de análise, diálogo, reflexão e contribuição.

1. Os batistas no contexto do protestantismo(s) brasileiro

A presença de protestantes no Brasil – segundo Mendonça (1995, p. 23-24) –, se

dá a partir de 1555, com a expedição francesa de Nicolau Durand de Villegaigon no Rio

de Janeiro. Mendonça (2004, p. 50) assegura que, diante da possibilidade de se

constituir uma França Antártica, a expedição francesa não tinha “projeto real de

implantação da reforma no Brasil”. Embora, ao que tudo indica, João Calvino tenha

incentivado tal empreitada, inclusive “enviando pastores e dando orientação em

assuntos controvertidos, o que não evitou que o projeto fracassasse” (MENDONÇA,

1995, p. 24). Se o propósito era criar uma colônia calvinista em solo brasileiro, ela não

logrou êxito, talvez por diversas razões, mas também pelo conflito entre Villegaigon e

os pastores.10 Depois disso, não houve protestantes no país por mais de um século,

exceto esporádicos negociantes. A situação se modificou a partir de 1810, com a

chegada da Família Real ao Brasil e a consequente abertura dos portos para os ingleses.

O tratado assinado pelos dois governos concedia liberdade religiosa aos britânicos

protestantes instalados no Brasil (MENDONÇA, 2004, p. 52). Antes disso, os

holandeses invadem o nordeste brasileiro em 1630 e, mesmo não tendo a intenção

religiosa, teve maior êxito na propagação da fé reformada principalmente entre os índios

(MENDONÇA, 2004, p. 50).

Entre os pesquisadores do protestantismo(s) brasileiro, há a tentativa em

classificar pelo menos duas vertentes sólidas do protestantismo no país: o

protestantismo de imigração e o protestantismo de conversão ou de missão

(MENDONÇA, 1990, p. 27ss). Não estamos considerando nessa análise a vertente

pentecostal. Quanto ao primeiro, protestantismo de imigração, a inserção no país não

teve a intenção de integração com a cultura brasileira, mas apenas preservar a cultura

herdada dos países de origem (WIRTH, 2009, p. 15-46). Quanto ao segundo,

protestantismo de missão, os missionários vieram com o propósito de evangelizar.

10 Há uma importante pesquisa sobre os huguenotes (como eram conhecidos os calvinistas franceses) no Rio de Janeiro e suas relações com a cultura brasileira feita por Jorge Pinheiro dos Santos (2013).

Page 79: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

79

Aqui, essa segunda vertente do protestantismo, se caracterizou não pela inclusão

cultural, mas sim pela rivalidade com o catolicismo (MENDONÇA, 1990, p. 61-62). O

protestantismo(s) de missão criou a sua identidade a partir do confronto com o

catolicismo. O protestantismo(s) viu no catolicismo o símbolo da idolatria, da

superstição, da ignorância, do atraso, do resíduo da Idade Média (ALVES, 1982, p. 61).

Essas características fizeram com que o protestantismo(s) repudiasse o catolicismo e,

por consequência, houvesse um distanciamento da cultura brasileira.

Embora haja discussão quanto às marcas que o protestantismo(s) deixou (ou

não) no país, é consenso afirmar que a “nova religião” chegou ao Brasil com ideais de

liberdade, democracia, modernidade e progresso (ALVES, 2005, p. 48). Já Valdinei

Ferreira (2010, p. 171), entende que o protestantismo(s) no Brasil não é nem protestante

e muito menos moderno, ou seja, há discrepâncias consideráveis entre o

protestantismo(s) brasileiro com o protestantismo europeu, por exemplo. Se lá as

principais características do protestantismo se dão a partir de um sistema republicano de

governo; um Estado laico; uma economia liberal; uma filosofia positivista e liberal

(ALVES, 2005, p. 48). No Brasil o protestantismo trazido não foi o europeu, mas sim o

norte-americano. Por este fato, segundo Mendonça (1990, p. 73), o protestantismo

norte-americano trouxe o ideário do destino manifesto, ou seja, uma nação que tem

como alvo salvar as outras nações.

O protestantismo(s) de missão chegou ao Brasil com um discurso pronto: a

suficiência da Bíblia; o arrependimento como imperativo; a entrega a Cristo; o

afastamento do mundo cheio de pecados; o abandono da idolatria e dos santos

(MENDONÇA, 1990, p. 133). A visão de mundo sempre esteve atrelada ao

maniqueísmo, onde se coloca a dicotomia mundo e reino de Deus, ou mundo

(sociedade) e a igreja (MENDONÇA, 2004, p. 61). Na eclesiologia a postura foi de não

envolvimento com as questões políticas do país, tendo como discurso predominante

uma teologia da peregrinação, ideia de que se está no mundo, mas não pertence a ele, e

que, portanto, não deve se envolver com as coisas desse mundo (AZEVEDO, 2005, p.

32). Embora esse absenteísmo político não possa ser generalizado, uma vez que

segmentos do protestantismo tenha tido participação direta no regime totalitário que

teve início no país a partir de 1964, o imobilismo político-social ainda é uma forte

característica do protestantismo que se configurou no Brasil.

Page 80: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

80

O protestantismo(s) que se configurou em terras tupiniquins abarca algumas

características notórias: (1) ele é anticatólico, ou seja, teve a sua identidade formada a

partir do catolicismo, este tratado como retrógado e antiquado para o atual momento

histórico do país; (2) os missionários norte-americanos não souberam trabalhar com a

cultura local, mas pelo contrário, repudiaram-na como se fosse totalmente avessa ao

cristianismo; (3) ensinaram que era preciso fazer uma completa ruptura com o meio em

que se vivia, adotando o jeito anglo-saxônico de ser; (4) com isso, o protestantismo(s)

foi construído em cima da negação da sexualidade, da atuação política, da participação

artística, do incentivo ao lazer e da vida em sociedade (ALENCAR, 2007, p. 71).

Quanto ao campo teológico, o fundamentalismo continua sendo a principal

característica do protestantismo(s) brasileiro. Os fundamentalistas surgem como

apologistas da verdadeira fé em contraste com a teologia liberal europeia. Não entrando

em detalhes históricos quanto ao surgimento do termo ou movimento – ligado aos

presbiterianos e sua assembleia que definiu os cinco fundamentos da fé, ou aos

professores de Princeton e sua pureza doutrinária ou ainda ao batista Curtis Lee Laws e

o periódico batista que vinculava o fundamentalismo da Convenção Batista do Sul dos

Estados Unidos –, o fundamentalismo preconiza a inerrância da Bíblia e têm uma

postura hermenêutica literalista do texto (VELASQUES FILHO, 1990, p 123). Com

essa postura, o protestantismo(s) se coloca como detentor de uma verdade exclusiva a

partir da interpretação correta do texto bíblico (ZABATIERO, 2008, p. 14-27). No

início da evangelização protestante por aqui, era comum o confronto dos missionários

com os católicos por conta da interpretação da Bíblia e, até mesmo, entre as

denominações protestantes o mesmo fato se dava, porque cada segmento alegava portar

a interpretação correta do texto bíblico (ZABATIERO, 2009, p. 132).

Em razão disso, que Mendonça (1990, p. 143) irá dizer que o protestantismo(s)

tem uma vocação para o fundamentalismo, pois este impede o diálogo quando se coloca

como detentor da verdade e possuidor de algo exclusivo. As marcas do

fundamentalismo protestante brasileiro, segundo ele, são: (1) ele quer certezas, daí seu

dogmatismo; (2) ele se esforça por se autoidentificar, daí sua ética isolacionista; (3)

contando ainda com uma mentalidade isolacionista e anticultural, daí sua ausência na

cultura brasileira de um modo geral.

Outro aspecto teológico que merece destaque no protestantismo(s) é a

concepção escatológica conhecida como pré-milenismo. A disputa entre pré-milenismo

Page 81: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

81

e pós-milenismo começou nos Estados Unidos por volta do século XIX. O pós-

milenismo tinha como pano de fundo o mito do progresso social, em que entendia que

havia a possibilidade de uma vida de perfeita santidade, o que significava uma melhoria

progressiva e constante da sociedade através dos indivíduos aperfeiçoados. Esse

progresso, portanto, viria pela ação normal da igreja que prepararia a segunda vinda de

Cristo. Esta tendência teve como expoente o conhecido pregador Jonathan Edwards no

século XVIII que, assim, incentivou as campanhas missionárias nos Estados Unidos e

em outros países. Na concepção do pós-milenismo, o reino de Deus, já a caminho, devia

ser compartilhado com outros povos (VELASQUES FILHO, 1990, p. 125-126).

Já o pré-milenismo difere do pós-milenismo, ao entender que o ser humano é

incapaz de se aperfeiçoar. Assim, o milênio (reino de Deus) só seria possível com a

volta de Cristo para implantá-lo. A igreja volta-se para si mesma, concentrando-se na

evangelização e nas missões estrangeiras. O pré-milenismo chocou-se com o evangelho

social, por ser contrário a qualquer forma de compromisso eclesial com as mudanças

estruturais da sociedade. Isto resultou, segundo Israel Belo de Azevedo (2004, p. 174ss),

em um protestantismo totalmente descompromissado com a sociedade, deslocando os

acontecimentos históricos e sociais do cotidiano para a vontade soberana de Deus.

Além disso, privou “a comunidade de fé de todo o seu significado, transformando a

igreja numa espécie de ‘sala de espera’ do milênio” (BONINO, 2003, p. 47).

A assimilação da cultura anglo-saxônica no protestantismo(s) brasileiro é uma

marca indelével. A dificuldade com a cultura brasileira não se deu apenas por razões

teológicas e ideológicas, mas também por razões raciais: “samba, originalmente, era

música do morro, de negro e pobre, e foi rejeitado pelas igrejas protestantes, muito mais

por racismo que por razões teológicas” (ALENCAR, 2007, p. 79). Isso só foi possível,

porque uma das marcas do protestantismo(s) de missão, na América Latina e no Brasil

de maneira particular, foi aliar evangelização com civilização (PIEDRA, 2006, p. 49).

A princípio, o protestantismo(s) de missão não soube lidar e se integrar com a

cultura brasileira, procurando favorecer uma cultura wasp no país, desconsiderando o

modo tupiniquim do brasileiro (ALENCAR, 2007, p. 69). Talvez seja essa a razão que o

protestantismo(s) tenha dificuldades em lidar com as diferentes brasilidades. Não por

acaso que Mendonça sentencia: “é possível que, no futuro, esquecidos os preconceitos

históricos e cessada a propaganda ideológica fundamentalista, surja neste campo

Page 82: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

82

religioso uma prática religiosa popular comum, enraizada na tradição cristã e

estruturada na cultura brasileira” (apud PINHEIRO, 2008, p. 2).

Se as análises que foram feitas até aqui estiverem ainda dentro do seu rigor, o

que parece ser o caso, o protestantismo(s) de missão – que tem como características o

fundamentalismo bíblico, uma escatologia milenarista, um ascetismo puritano e uma

individualização soteriológica – não favoreceu uma abertura eclesial e um

comprometimento responsável pela sociedade. O discurso escatológico de que precisa

ganhar almas para Cristo, torna o protestantismo(s) um segmento do cristianismo que

tem na sua proclamação uma mensagem reacionária e reducionista diante dos desafios

contemporâneos. Com a concepção de que o mundo está se aproximando do fim, o

acerto final de contas com Deus e que, portanto, os eventos que ocorrem no mundo são

sinais disso, não é o reino de Deus que precisa ser expandido, mas é a aniquilação que

está chegando (ALVES, 2005, p. 85). Com tal postura e discurso, os valores do reino de

Deus e a continuação-construção desse projeto são engavetados na eclesiologia presente

no protestantismo(s) de missão.

Tendo esse protestantismo uma visão secular exacerbada, e como principal

característica o afastamento de qualquer ação política consciente, a sociedade é

destituída de valor (AZEVEDO, 2005, p. 32). Quanto menos contato com o mundo,

melhor. Com isso, a ação política da igreja na sociedade tem sentido restrito no

protestantismo(s) de missão, o que inclui o contexto batista brasileiro.

1.1. A teologia dos missionários

Embora o protestantismo(s) tenha como característica certa pluralidade – mais

ainda se alocarmos o pentecostalismo e suas facetas – há uma matriz comum quando se

trata de teologia e eclesiologia.

As pesquisas de Mendonça (1995, p. 176ss) demonstram que o principal

elemento de difusão e consolidação da teologia protestante no Brasil se deu por meio

dos hinos trazidos pelos missionários estadunidenses, na sua grande maioria. Os batistas

(CBB), ramo do protestantismo(s) brasileiro, partilham dessa mesma perspectiva.

Page 83: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

83

Aqui interessa, de maneira sucinta e panorâmica, elencar algumas características

da teologia e, como consequência, da eclesiologia presente no protestantismo(s)

brasileiro. Elas são herança dos missionários que chegaram ao país com sua cultura e

ideologia e, como evangelizadores, passaram não somente o evangelho de Cristo, mas

também suas ideias, posturas e comportamentos com linguagem teológica.

Como mencionado, a maioria dos missionários que chegou ao Brasil nos séculos

XIX e XX eram de origem norte-americana (CALDAS, 2001, p. 35). O protestantismo

norte-americano é uma extensão do protestantismo europeu. Sendo assim, o

protestantismo que se configura nos Estados Unidos tem como fontes o protestantismo

inglês e alemão. Do primeiro, a herança calvinista-puritana e do segundo o pietismo.

Ambas correntes estão presentes na gênese do protestantismo norte-americano que,

como consequência, virá para o Brasil ainda que com algumas modificações, mas na sua

essência possui a mesma disposição e teologia. O aspecto calvinista-puritano irá

influenciar a teologia dos missionários; já o aspecto pietista irá exercer forte influência

na espiritualidade intimista da empreitada missionária no país.

Não obstante a essas duas importantes características da teologia do

protestantismo norte-americano que terá a sua inserção no Brasil, há também dois

elementos que compõem esse quadro: o fundamentalismo teológico e a interpretação

escatológica pré-milenista.

Houve pelo menos duas vertentes de missionários A primeira, no século XIX,

tinha como objetivo trazer o “progresso social, político, econômico e educacional ao

país” (CALDAS, 2001, p. 42). Esses representavam um protestantismo de vanguarda,

uma espécie de iluminismo para a América Latina. A segunda vertente de missionários

que chegou a partir do século XX – já influenciados pelo fundamentalismo –, trouxe na

bagagem a ideia de que tudo que fosse de conotação sócio-política mereceria

afastamento. Assim, “observa-se, portanto, uma trágica mudança: de uma proposta

cristã de vanguarda para uma proposta de alienação, escapismo e não envolvimento [...].

A teologia fundamentalista que aprenderam os impediu de agir” (CALDAS, 2001, p.

42). A relação do protestantismo(s) com a política brasileira tem outros fatores, mas

esses são os mais perceptíveis. As condições sociais e ideológicas de grupo minoritário

que marcaram o protestantismo(s) brasileiro, somada à teologia trazida pelos

missionários estadunidenses, geraram “sinais de inibição política” (MENDONÇA,

2004, p. 67).

Page 84: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

84

Aliado ao fundamentalismo teológico, a concepção escatológica trazida pelos

missionários foi a pré-milenista. A interpretação pré-milenista advoga que “o próprio

Cristo governará nosso sofrido planeta, eliminando todas as mazelas e injustiças

sociais” (CALDAS, 2001, p. 43). Esse entendimento escatológico transfere a

responsabilidade do cristão para o Cristo, eliminando assim “a necessidade de

preocupar-se com os problemas sociais de hoje, pois, afinal, quando Jesus voltar, tudo

estará resolvido” (CALDAS, 2001, p. 43). Endossando esse quadro, Mendonça (2004,

p. 69), assegura que a interpretação pré-milenista “contribuiu também em boa escala

para a indiferença política do protestantismo tradicional”. O pré-milenismo divulgado

pelos missionários terá acolhida no processo de evangelização que ainda é possível

verificar a ideia de que evangelizar é ganhar almas para Cristo apenas. Esse conceito de

missão se tornou reducionista, eliminando qualquer participação holística da igreja na

sociedade (CALDAS, 2001, p. 48-49).

Mesmo concordando que a empreitada missionária contribuiu com o país e,

ainda hoje, é possível ver o legado deixado, principalmente no campo educacional, o

fato é que “no Brasil, a herança teológica de influência fundamentalista e pré-milenista,

ensinada por tantos missionários estrangeiros, produziu não poucas vezes alienação

social” (CALDAS, 2001, p. 51-52).

Como um ramo do protestantismo(s) brasileiro, os batistas participam das

análises aferidas por terem a mesma matriz teológica e cultural advindas dos

missionários norte-americanos. Com os devidos reconhecimentos da atuação dos

missionários em diferentes áreas da denominação, os batistas compartilham dos

mesmos problemas e desafios que o protestantismo(s) histórico brasileiro aglutina.

Concebem uma teologia conservadora e fundamentalista, tendo ainda uma considerável

influência norte-americana na sua produção e reflexão teológica. Mesmo com alguns

avanços que merecem destaques, a missão ainda sofre com aspectos reducionistas,

tendo a proclamação um caráter ainda proselitista e meramente salvacionista. No campo

político, a participação dos batistas ainda é mínima, e carece de um projeto que

favoreça a conscientização de uma teologia cidadã. Quando se trata do aspecto social,

alguns projetos da denominação têm visibilidade e credibilidade na sociedade brasileira,

mas ainda as comunidades locais, com algumas exceções, tem extrema dificuldade em

articular a sua teologia com as demandas sociais onde estão inseridas. Por essas e outras

razões, que se faz necessária uma reflexão teológica que contribua para uma práxis

Page 85: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

85

integradora em relação ao ser humano e seu ambiente social a partir de uma eclesiologia

aberta.

1.2. Os batistas: aspectos histórico-teológicos

Os batistas são protestantes (AZEVEDO, 2004, p. 23). Essa afirmativa é um

tanto conturbada no ambiente batista. Como observa Elizete da Silva (2011, p. 283), as

origens dos batistas se constituem como “um dos temas mais controvertidos na

literatura dos reformadores”. Mas quem são os batistas? Os pesquisadores não são

unânimes quanto às origens do movimento batista. Existem três teorias quanto ao

surgimento dos batistas. A teoria JJJ em referência a Jerusalém-Jordão-João,

compreendendo de que os batistas possuem uma linhagem ininterrupta com o

movimento bíblico de João Batista, portanto, é um movimento anterior ao apostólico.

Uma segunda teoria associa a origem com os anabatistas do século XVI e uma terceira

teoria relaciona os primeiros batistas com o movimento separatista inglês do século

XVII (PEREIRA, 2001, p. 13). Quanto à primeira teoria (JJJ), é uma teoria antiga e

hoje quase não se encontra quem a defenda, mas ela se tornou popular nos Estados

Unidos no século XIX com o movimento conhecido como landmarkismo (OLIVEIRA,

2010, p. 48). Já a teoria do parentesco com os anabatistas do século XVI encontrou

defensores a partir do século XIX. Embora se verifique muitos pontos de contato entre

doutrinas batistas e anabatistas, essa teoria oferece dificuldades, segundo alguns

estudiosos, porque não há como comprovar essa relação histórica com os anabatistas

(HEWITT, 1993, p. 10). Quanto à teoria que relaciona a origem dos batistas com o

movimento separatista inglês do século XVII conta com o apoio de documentos

históricos e é a posição oficial da Convenção Batista Brasileira. Os separatistas eram

aqueles que, inconformados com a decadência espiritual e moral da igreja de confissão

anglicana, tentaram promover uma reforma religiosa na Inglaterra. Foram duramente

perseguidos e um grupo se refugiou na Holanda, onde obteve apoio do anabatista

Menno Simons, fundador da Igreja Menonita. Em Amsterdã, uma Igreja Batista de

língua inglesa foi organizada no ano de 1609 e ela pode ser considerada “a primeira

Igreja Batista dos tempos modernos” (YAMABUCHI, 2009, p. 100). Um pequeno

grupo de batistas ingleses resolveu voltar para sua pátria e organizou, em 1612, a

Page 86: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

86

primeira Igreja Batista da Inglaterra, em Spitalfields, lugar próximo à Londres. O

movimento cresceu, mas a perseguição religiosa, no entanto, não cessava e, por isso,

muitos buscaram sua liberdade em outras terras. Os Estados Unidos foi o destino de

muitos dissidentes que partiram para o novo mundo com o desejo de construir uma vida

melhor. Muitos batistas estavam entre os colonos ingleses. A primeira Igreja Batista em

solo americano surgiu, provavelmente, no ano de 1639, cujo primeiro pastor foi Roger

Williams (YAMABUCHI, 2009, p. 101). Embora ele não tenha continuado como pastor

da igreja, deixando o pastorado para Tomás Olney, ele exerceu uma forte influência na

luta pela liberdade religiosa nos Estados Unidos (OLIVEIRA, 2010, p. 78).

O surgimento do nome batista se deu pela primeira vez em 1644 na Inglaterra e

foi dado aos batistas pelos seus adversários (PEREIRA, 2001, p. 14). Ao que tudo

indica, o motivo foi à prática de imersão nos batismos defendida pelos batistas como a

única forma verdadeira e bíblica de batizar, embora haja indícios de que a primeira

Igreja Batista da Inglaterra, organizada em 1612, praticava o batismo por aspersão

(YAMABUCHI, 2009, p. 102).

O surgimento dos batistas no cenário do cristianismo se dá ainda no século

XVII, com o movimento dos separatistas ingleses. A tentativa de recontar o surgimento

dos batistas fora desse contexto é especulação sem bases históricas.

Essa denominação tem as bases de sua reflexão teológica inscritas no pensamento liberal do século XVII, cujos diferentes elementos formativos priorizavam a livre expressão do indivíduo como condição para uma consciência histórica. Plataforma teórica cunhada a partir de teses do naturalismo, do racionalismo, do individualismo, do progressismo e do relativismo (RODRIGUES, 2013, p. 158).

A síntese de Elisa Rodrigues define a contento a formação, ideologia e

concepções desse grupo que tem, naturalmente, suas distinções, principalmente em

ambiente inglês e, depois, em ambiente norte-americano.

No Brasil, os batistas chegaram como colonos vindos dos Estados Unidos como

refugiados da guerra civil conhecida como Guerra da Secessão. Uma vez no país,

organizou-se no dia 10 de Setembro de 1871, a primeira Igreja Batista em solo

brasileiro em Santa Bárbara d´Oeste, região de Campinas/SP (SANTOS, 2012, p. 32-

33). Além dessa igreja, surgiram outras duas, a igreja da Estação (hoje na cidade de

Page 87: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

87

Americana/SP), no dia 2 de Novembro de 1879, e a Primeira Igreja Batista da Bahia, no

dia 15 de Outubro de 1882 (OLIVEIRA, 2010, p. 98).

Quanto à teologia da Igreja Batista, há dificuldades em qualificar e definir de

maneira categórica, pelo fato de que os batistas “não tem na sua história nenhum credo

ou confissão que possa ser considerado como definitivo para a maioria dos batistas”

(HEWITT, 1993, p. 11). Mesmo assim, é possível estabelecer as principais

características da teologia e eclesiologia batista, podendo incorrer em generalizações.

O que é uma Igreja Batista?

De acordo com a Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira, uma

Igreja Batista “é uma congregação local de pessoas regeneradas e batizadas após

profissão de fé. É nesse sentido que a palavra ‘igreja’ é empregada no maior número de

vezes nos livros do Novo Testamento” (CBB, 1986, p. 13). Com essa assertiva, os

batistas se entendem como uma igreja neotestamentária e procuram ser fiéis ao que o

Novo Testamento ensina sobre igreja. Deste modo, afirmam a autonomia das igrejas,

daí não é possível nomear como Igreja Batista, mas sim Igrejas Batistas, por conta da

sua pluralidade e sistema congregacional. Como igrejas autônomas e democráticas, elas

não possuem um sistema centralizador, ou seja, cada igreja é soberana em suas decisões

administrativas, que são tomadas democraticamente e isso é o que caracteriza a forma

de governo de uma Igreja Batista. A democracia é sua forte característica e implica em

uma participação igualitária dos membros de uma comunidade local, homens e

mulheres, nas decisões a serem tomadas quanto aos rumos da comunidade

(YAMABUCHI, 2009, p. 102-103).

Merece destaque algumas características que compõem o imaginário batista,

sendo um deles o já referido landmarkismo. Esse movimento surge na segunda metade

do século XIX exercendo uma forte influência em toda a Convenção Batista do Sul dos

Estados Unidos, hoje uma das maiores daquele país e do mundo (HEWITT, 1993, p.

17). Um dos fatores que contribuíram para que esse movimento ganhasse força, foi a

publicação do livro O rastro de sangue de J. M. Carroll (1858-1931). O autor defende

que os batistas são o único grupo institucional que, numa linha ininterrupta, sucede

historicamente as igrejas do Novo Testamento (NOVAES, 2012, p. 10). Essa postura

culminou em um exagerado fundamentalismo dos batistas com relação a grupos

cristãos. O movimento landmarkista influenciou os missionários que chegaram ao

Page 88: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

88

Brasil e espalharam essa teoria entre os novos adeptos (OLIVEIRA, 2010, p. 49). Os

missionários norte-americanos que chegaram ao Brasil com a interpretação batista do

cristianismo, não se entendiam como sendo protestantes. Um dos mais destacados

missionários no país, William Bagby, em carta dirigida à Junta de Richmond, declarou:

“nós nos negamos claramente a aceitar origem comum com Lutero, Calvino e outros”.

Outro missionário de igual importância no universo batista, Zacharias Taylor, quando

prefaciou o livro de S. H. Ford, sobre a origem e a história dos batistas, argumenta de

que “os batistas não fizeram parte, nem saíram da Igreja Romana [...] os batistas não

são Protestantes: eles têm sua origem de Cristo, e sua sucessão separada e independente

de toda outra igreja” (YAMABUCHI, 2009, p. 104). Essa reivindicação contribuiu para

que os batistas no Brasil reproduzissem as mesmas idiossincrasias visíveis no universo

batista norte-americano.

Outro elemento de destaque presente na eclesiologia batista é o pietismo.

Segundo Alberto Kenji Yamabuchi (2009, p. 105), do pietismo veio o desejo de

proclamar o evangelho ao mundo, o que acabou desenvolvendo nos batistas norte-

americanos um messianismo com forte teor salvacionista. Uma vez no Brasil, os

missionários trouxeram essa teologia salvacionista influenciando profundamente o

pensamento batista brasileiro. Eles criam que só os batistas tinham a mensagem

salvadora, porque compreendiam ser o povo “chamado” para a tarefa salvífica.

No campo teológico das confissões de fé, os batistas, na gênese do movimento,

tiveram dificuldades em produzir tratados de fé. Yamabuchi (2009, p. 106) lembra que

“embora sejam muitas as influências ideológicas herdadas, os batistas não são afeitos a

desenvolver uma teologia própria, com rigor científico”. Nesse sentindo, completa ele,

“os batistas tendem a desprezar até mesmo a formulação oficial de credos, confissões

ou declarações de fé” (YAMABUCHI, 2009, p. 106). Mesmo com essa característica,

os batistas produziram declarações doutrinárias a fim de estabelecer certa coesão na

tentativa de preservar a identidade denominacional (SILVA, 2007, p. 26).

Em resumo, os batistas compartilham da mesma tradição reformada, mesmo

com vozes que afirmem o contrário, esse é um fato na origem do movimento que foi

fruto do seu tempo e que, portanto, absorveu teologias e ideologias em diferentes

contextos por onde passou, seja no seu início no ambiente europeu até a sua

configuração mais enrijecida nos Estados Unidos. Sendo assim, a história da Igreja

Batista e a sua concepção teológica visível na sua eclesiologia, aglutina pluralidade

Page 89: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

89

teológica, ideológica e política. Para alguns essa diversidade constitui elemento de

unidade e identidade dos batistas, já para outros é um elemento que prejudica a doutrina

da igreja fazendo com que ela tenha indesejáveis aberturas teológicas, políticas e

sociais. Uma das marcas então da denominação que consegue agrupar em seu corpus a

pluralidade e a diversidade em diferentes áreas, se deve “a ênfase na competência do

indivíduo para tomar suas próprias decisões morais e religiosas, e a defesa da

eclesiologia congregacionalista, que outorga soberania e autonomia aos membros de

uma igreja local” (NOVAES, 2012, p. 11). Mesmo com essas marcas, os batistas são

envolvidos em disputas internas quanto as suas prioridades e concepções teológicas,

porque há quem vê nelas (competência do indivíduo e autonomia congregacional) um

entrave para o desenvolvimento da teologia salvacionista, herança dos missionários

norte-americanos, ocorrendo assim certa imposição de um pensamento único e, quando

possível, demonstrações de intolerância para com aqueles que pensam e procuram

desenvolver a missão da igreja a partir de outro foco (NOVAES, 2012, p. 12).

1.3. O modo de ser batista

Tendo os batistas a sua gênese no movimento liberal inglês, eles participam dos

anseios e perspectivas de sua época, ou seja, liberdade religiosa e separação entre Igreja

e Estado. Esse ímpeto por liberdade levou o filósofo inglês John Locke a dizer que “os

batistas foram os primeiros proponentes de uma liberdade absoluta, justa e verdadeira

liberdade, liberdade igual e imparcial” (apud YAMABUCHI, 2009, p. 98). Esse intenso

debate em torno da liberdade notabilizou os batistas como um grupo que lutou – a

priori para a sua própria sobrevivência – contra absolutismos e posturas dogmáticas. E

isso teve consequências para a sua eclesiologia, entendendo que esta deveria ser

congregacional, ou seja, igrejas livres e autônomas sem vínculo com a igreja oficial. Os

batistas ingleses são partidários desses ideais (SILVA, 2013, p. 69).

Levando em consideração a trajetória do movimento batista – Inglaterra,

Estados Unidos e Brasil –, ele, naturalmente, sofreu modificações e deu ênfase em

determinados temas. Se na Inglaterra o movimento batista propagou a liberdade, nos

Estados Unidos o ideal libertário não logrou êxito, tendo dificuldades entre lideranças

do nascente protestantismo(s). Os batistas enfrentaram o acirramento dos puritanos que

Page 90: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

90

não aceitavam a liberdade religiosa para outros segmentos do protestantismo(s) da

colônia (SILVA, 2013, p. 73).

No Brasil, como mencionado acima, os batistas que chegam ao país são

oriundos do sul dos Estados Unidos e, sem perspectivas para o seu modo de vida

naquele país que travara uma guerra – dentre outros temas conflituosos – em torno da

questão escravagista, aqui encontram um ambiente de trabalho onde os escravos era a

principal mão de obra (SANTOS, 2012, p. 30).

Na questão teológica, os batistas norte-americanos estão dentro da matriz dos

diversos grupos protestantes presentes nos Estados Unidos, ou seja, as raízes teológicas

dos batistas

vem do puritanismo, que tem sua ênfase no biblicismo e na inclinação para uma ética perfeccionista, do fundamentalismo que advoga a interpretação literal da Bíblia e a dogmatização legalista das doutrinas e do landmarkismo, que afirma que os batistas são os únicos herdeiros das doutrinas apostólicas (SANTOS, 2012, p. 35).

Com essas características, os batistas integram-se aos movimentos ideológicos e

teológicos que estão ocorrendo nos Estados Unidos e os seus pressupostos que deram

origem a sua configuração, ainda na Inglaterra, são descaracterizados nos Estados

Unidos, chegando ao Brasil com outro rosto. O que é possível verificar no modo de ser

batista brasileiro – entre correntes majoritariamente conservadoras e vozes dissonantes

– é uma configuração que tem como marcas o conservadorismo teológico, que aglutina

uma teologia salvacionista e uma posição contrária ao ecumenismo; um visível conflito

de gênero, tendo ainda como protagonistas no ministério ordenado apenas homens, onde

uma teologia sexista continua favorecendo um discurso discriminatório e reacionário.

Os temas elencados estão na pauta dos batistas brasileiros favorecendo um

intenso e, em alguns casos, profícuos debates que procuram demarcar aberturas e, por

outro lado, posturas e discursos que tendem a fechar questões e temas para a maioria

dos batistas.

O debate teológico presente na eclesiologia batista se dá em torno de temas

como: (1) a ação missionária da igreja e seu envolvimento social; (2) a teologia

salvacionista; (3) a ordenação de mulheres ao ministério pastoral; (4) o ecumenismo,

Page 91: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

91

tema que aquece as discussões entre conservadores e progressistas, tendo entre os

batistas brasileiros um campo ecumênico representado pela Aliança de Batistas do

Brasil, mas sem vínculo com a CBB.

Um documento que exerce influência no modo de ser batista brasileiro é a

Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira elaborada em 1986. Ela

pretende ser “o documento que expõe o que os batistas brasileiros creem” (FERREIRA,

2009, p. 9). Assim como qualquer outro grupo que compõem o segmento protestante

dentro do cristianismo, os batistas procuraram se encaixar em confissões e declarações

doutrinárias, crendo que assim podem exercer um papel apologético, já que uma das

razões para se assumir uma confissão é “para estar pronto a dar resposta de sua fé a

todos que pedirem” (FERREIRA, 2009, p. 7). Com isso, há uma preocupação com a

Declaração Doutrinária da CBB, pois essa, de alguma maneira, funciona como

mecanismo de unidade doutrinária. Os batistas fazem uma distinção entre princípios e

doutrinas, uma vez que princípios é fator necessário para uma “identidade” batista, mas

ainda as doutrinas tem papel preponderante (SILVA, 2007, p. 22). Mesmo com essa

distinção tão tênue, as doutrinas favoreceram o enrijecimento do discurso a partir da

Declaração Doutrinária da CBB.

Um exemplo de enrijecimento doutrinário se dá na temática do ecumenismo.

Dentro do protestantismo(s), os batistas se notabilizam pela resistência ao diálogo

ecumênico. Parece que a resistência quanto ao diálogo ecumênico, tem suas raízes na

configuração do modo de ser batista no Brasil, como já mencionado, ou seja, o

fundamentalismo bíblico que favoreceu o sectarismo (a posse e a pretensão de

interpretar corretamente as Escrituras), o anti-catolicismo como forma de acentuar a

diferença ética e teológica (literaturas produzidas por escritores batistas tomam o

catolicismo como base dialética para a construção do discurso doutrinador), o

landmarkismo, que acredita que os batistas são os únicos cristãos apostólicos. Esses e

outros fatores colaboraram para uma resistência ao ecumenismo e os conservadores se

orgulham disso quando dizem que “os batistas constituem um dos poucos grupos que

lutam tenazmente contra a avalancha terrível do ecumenismo” (FERREIRA, 1987, p.

50). Essa postura de Ebenézer Soares Ferreira quanto ao ecumenismo, não representa

todos os batistas brasileiros, antes é um posicionamento de alguém que tem prestígio na

denominação devido aos cargos de liderança que ocupa na CBB assumindo a condição

de alguém que orienta e traça os rumos da reflexão teológica no âmbito

Page 92: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

92

denominacional. Os batistas ingleses, por exemplo, são notadamente ecumênicos e

integram o Conselho Mundial de Igrejas (CMI), enquanto a Convenção Batista do Sul

dos Estados Unidos, no seu enrijecido fundamentalismo, não participa da Aliança

Batista Mundial (ABM) e também não integra o CMI (OLIVEIRA, 1997, p. 126).

Como o movimento batista brasileiro foi iniciado por missionários norte-americanos,

oriundos da Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos, a cúpula conservadora da

CBB segue na mesma direção dos sulistas norte-americanos, com uma exceção

surpreendente, a CBB integra a Aliança Batista Mundial que teve inclusive um

brasileiro na direção da entidade máxima dos batistas, Nilson do Amaral Fanini, que se

constituí como uma instituição ecumênica. O questionamento quanto a não participação

em órgãos ecumênicos se dá porque o “ecumenismo fere alguns princípios batistas

como o da autonomia da igreja” (LANDERS, 1986, p. 138). Interessante notar que o

princípio batista da liberdade religiosa não cabe aqui para uma abertura ao diálogo

ecumênico no fórum máximo da representação dos batistas brasileiros, a Convenção

Batista Brasileira.

2. Contribuições de Jürgen Moltmann à Igreja Batista

A pesquisa busca um diálogo entre Jürgen Moltmann e a eclesiologia batista.

Para esse diálogo ser possível, um dos principais interlocutores será a Declaração

Doutrinária da Convenção Batista Brasileira, por entender que esta procura dar

diretrizes doutrinárias e práticas para as igrejas que fazem parte da Convenção Batista

Brasileira (CBB).

Usaremos como recurso, não apenas a Declaração Doutrinária da CBB, mas

também autores que possam contribuir para a reflexão no contexto da Igreja Batista por

serem referências na educação teológica confessional como também, em seus escritos,

comentarem ou fazerem alusão a Declaração Doutrinária da CBB. São autores

reconhecidos no âmbito denominacional e representam, em síntese, o pensamento

hegemônico quando o assunto é eclesiologia batista. Não obstante a isso, há de igual

modo, autores que pensam e refletem a teologia em ambiente batista a partir de

questões abertas e esses são vozes dissonantes dentro do âmbito denominacional.

Page 93: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

93

Aqui o interesse em refletir a partir da eclesiologia moltmanniana em contraste

com a eclesiologia da Igreja Batista, tem como objetivo dialogar duas realidades de

discurso teológico em torno de temas comuns. A polaridade se dá uma vez que é

possível destacar elementos de abertura (Moltmann) em contraste com elementos

fechados (eclesiologia batista) presentes na realidade eclesial da Igreja Batista como o

exclusivismo teológico, a resistência ecumênica, a segregação por gênero, o imaginário

celestial como único horizonte utópico-teológico imobilizando a práxis da igreja.

Com o propósito de estabelecer um diálogo a partir dessas duas concepções, que

a pesquisa irá abordar alguns temas, devidamente delimitados, presentes em ambas as

eclesiologias (batista-Moltmann), a fim de estabelecer contribuições para a reflexão

eclesiológica.

2.1. Igreja e reino de Deus

Para Mendonça (1990, p. 44), a Igreja Batista “tem um objetivo único:

evangelizar e converter pessoas às suas igrejas. Os convertidos serão, antes de tudo,

batistas”. Com essa síntese, Mendonça pontua dois conceitos importantes na

eclesiologia batista, “evangelização” e “conversão”. Essa concepção de que os

“convertidos” serão batistas se deve a forte influência do landmarkismo presente na

Igreja Batista brasileira. Na Declaração Doutrinária da CBB, a

igreja é uma congregação local de pessoas regeneradas e batizadas após profissão de fé [...]. Tais congregações são constituídas por livre vontade dessas pessoas com a finalidade de prestarem culto a Deus, observarem as ordenanças de Jesus, meditarem nos ensinamentos da Bíblia para edificação mútua e para a propagação do evangelho (CBB, 1986, p. 13).

Essa definição de igreja está presente em outras confissões de fé dos batistas. No

caso da confissão de fé brasileira, a ênfase que os batistas dão à igreja local é uma

herança landmarkista que se tornou “uma convicção [para a igreja] batista brasileira”

(AZEVEDO, 2004, p. 247).

Page 94: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

94

Com essa definição de igreja, a Declaração Doutrinária traz uma concepção de

que igreja só pode ser mesmo local, ou seja, não há a possibilidade de conceber um

sistema eclesiástico onde a igreja local não tenha a primazia. Por outro lado, ela

delimita a entrada na comunidade de fé quando diz que apenas “pessoas regeneradas e

batizadas após pública profissão de fé” (CBB, 1986, p. 13). A dificuldade dessa

definição, segundo John Landers (1986, p. 82) consiste no fato da Declaração

Doutrinária advogar que o único modo de se fazer parte da igreja é por meio do

batismo, sendo esse batismo por imersão, uma vez que ele se dá por pública profissão

de fé. Assim as demais igrejas que não praticam o batismo por imersão não são

consideras igrejas. Tendo, como já mencionado, a eclesiologia batista uma forte

influência do landmarkismo, aqui é possível ver essa concepção uma vez que “o

movimento landmarkista afirmou categoricamente que essas greis são sociedades, e não

propriamente igrejas” (LANDERS, 1986, p. 82).

Quanto a esse aspecto, Moltmann entende que essa maneira de reduzir a igreja a

partir de um modo de acesso, é um absolutismo (MOLTMANN, 2013, p. 205). No caso

da definição da Declaração Doutrinária, na eclesiologia batista o batismo é um modo

de ingresso e não uma maneira de “demonstrar o início do reino de Deus na vida de

uma pessoa e a conversão comunitária para o seu futuro” (MOLTMANN, 2013, p. 294).

Na forma de aplicar o batismo, Moltmann qualifica o batismo infantil como obsoleto,

sendo que, para ele, o batismo de adultos é o ideal, uma vez que “pelo batismo, o crente

é chamado para a comunidade messiânica e vocacionado para o serviço libertador e

criativo no reino. Nesse aspecto, o batismo é um evento de vocação” (MOLTMANN,

2013, p. 307). Na eclesiologia batista, o batismo é uma “condição para ser membro de

uma igreja” (CBB, 1986, p. 15). Nesse sentido, ele não tem o aspecto de vocacionar

pessoas para o reino de Deus, mas sim para diferenciar os que são membros e os que

não são de uma comunidade de fé. O batismo tem um caráter puramente eclesiástico no

sentido de admitir ou não uma pessoa no rol de membros de uma igreja local. É nesse

sentido que Ferreira (2009, p. 125) entende quando comenta este item (batismo) da

Declaração Doutrinária da CBB: “o batismo é a porta de entrada do convertido na

igreja e é o testemunho público do que se realizou em sua vida: da morte passou para a

vida”. Aqui não se concebe uma ideia de vocação presente na eclesiologia

moltmanniana, antes o batismo tem um sentido apenas para quem dele participa,

significando “a morte e o sepultamento do velho homem (dramatizado simbolicamente

Page 95: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

95

pela imersão) e a ressurreição para uma nova vida (dramatizado pela emersão)”

(SILVA, 2007, p. 142-143). A contribuição de Moltmann nesse sentido se dá quando é

possível vincular o batismo não apenas à morte e ressurreição de Jesus, mas também à

missão dele por meio da vocação, ou seja, o batismo se traduz como vocação para uma

“nova vida no serviço da justiça, portanto, no seguimento do crucificado [...]. Contudo,

é também a nova vida na comunidade de Cristo” (MOLTMANN, 2013, p. 307).

Outra temática que está atrelada à compreensão de igreja na eclesiologia batista,

é a do reino de Deus. A Declaração Doutrinária da CBB no item “Reino de Deus”, traz

a seguinte definição: “o reino de Deus é o domínio soberano e universal de Deus e é

eterno. É também o domínio de Deus no coração dos homens que, voluntariamente, eles

se submetem pela fé, aceitando-o como Senhor e Rei” (CBB, 1986, p. 16).

Assim como os demais grupos que compõem o protestantismo(s) de missão no

Brasil, os batistas também entendem que há uma distinção entre o reino de Deus e a

igreja (SILVA, 2007, p. 135). Por outro lado, a concepção dos batistas brasileiros de

reino de Deus sofreu influência do pietismo na sua versão norte-americana, ou seja, o

reino de Deus é o domínio de Deus nos corações de quem se converte (SILVA, 2013, p.

96). Nesse sentido, o reino de Deus só é estabelecido à medida que as pessoas vão se

convertendo. Por isso que a noção de reino de Deus é compreendida como sendo algo

“subjetivo” (FERREIRA, 2001, p. 19). Ele se dá apenas no seu aspecto interior, quando

o ser humano assume a condição de “súdito do Rei”. Azevedo (2005, p. 27), quando

observa o modo subjetivo de conversão no âmbito batista, conclui que a “conversão

passou, então, a significar, além da negação do passado da pessoa, negação do presente

social”. Por isso que o reino de Deus não tem conotações externas na eclesiologia

batista, antes ele se dá no imaginário celestial, ou seja, ele só será possível, na

dependência de Deus, na parousia do Cristo. Essa noção é fruto de interpretações

milenaristas.

Dentro desse aspecto, quando Azevedo (2004, p. 172) faz uma análise do

pensamento batista brasileiro, ele pontua as consequências do imaginário celestial, ou

seja, a ideia de que os cristãos estão apenas aguardando os “céus”. Essa doutrina

contribuiu para que a igreja, de alguma forma, se sentisse descompromissada com a

sociedade e, como consequência, com os seus principais temas. Essa noção de

transitoriedade da igreja decorre da ideia de que tudo que acontece ou irá acontecer está

sendo direcionado pela bendita e soberana vontade de Deus e diante dessa verdade não

Page 96: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

96

há nada que se possa fazer para mudar a realidade. Sendo assim, uma nova realidade do

reino de Deus se torna inviável, pois o reino de Deus é algo para o futuro além-morte.

Aqui se insere o debate em torno do milênio. Porque uma correta interpretação sobre o

milênio significa uma correta interpretação do reino de Deus e sua relação com o

mundo e seus problemas.

A vertente do milênio que mais atraiu (e continua atraindo), adeptos em alguns

ambientes teológicos, é o pré-milenismo. O teólogo batista mais influente na

disseminação e ensino do pré-milenismo em Seminários e Faculdades de Teologia foi

Russell Shedd. O pré-milenismo, como já visto, entende que o ser humano é incapaz de

se aperfeiçoar e quanto mais houver o caos, maior será a “glória de Deus”. Quando o

Senhor Jesus Cristo voltar e instaurar o milênio (reino de Deus), as coisas entram nos

eixos definitivamente. Essa concepção ganhou força e o resultado foi o progressivo

distanciamento entre a igreja e a sociedade. A igreja, voltada para si mesma,

concentrou-se na evangelização e nas missões estrangeiras e outros temas foram

solapados por essa concepção teológica, inclusive o tema da ecologia por entender que

tudo que ocorre ou que irá ocorrer é sinal da “glória de Deus”.

Um exemplo desse entendimento vem do pastor e teólogo batista estadunidense

John MacArthur Júnior que tem boa acessibilidade entre os pastores batistas e os demais

grupos que compõem o protestantismo(s) brasileiro. MacArthur Júnior é alguém que é

lido e citado em sermões. No seu livro, A sós com Deus ele diz:

a igreja tem uma única missão neste mundo: levar pessoas destinadas a passar a eternidade no inferno ao conhecimento salvador de Jesus Cristo e à eternidade no céu. Se as pessoas morrerem em um governo comunista ou em uma democracia, sob um ditador tirano ou benevolente, acreditando que a homossexualidade é certa ou errada, ou acreditando que o aborto é direito fundamental de escolha da mulher ou simplesmente um homicídio em massa, nada disso tem relação com onde elas passarão a eternidade. Se elas nunca conheceram Cristo e nunca o receberam como Senhor e Salvador passarão a eternidade no inferno. [...] Um dia o Senhor voltará para estabelecer o seu próprio reino perfeito. Então finalmente perceberemos o que temos esperado com tanta ansiedade – e o que os discípulos de Cristo do primeiro século desejavam ver – Cristo governar na terra e os povos do mundo prostrados de joelhos perante Ele. (MacARTHUR, 2009, p. 193).

Page 97: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

97

Como se observa, a preocupação última se dá em “tirar pessoas do inferno”.

Temas atuais como participação política, casamento de pessoas do mesmo sexo,

pobreza e marginalização social são vistos como consequências do pecado e, quando da

segunda vinda de Jesus, tudo irá se resolver e um tempo de paz e prosperidade se

estabelecerá por meio do milênio. Sobre isso, Mary Rute Gomes Esperandio explica que

no universo batista

as estruturas injustas, as condições socioeconômicas não são problematizadas. Elas são entendidas como resultado do pecado – responsável por toda ordem de mal, pelas injustiças, misérias, imperfeições e doenças. Não importa, na missão da igreja, a criação de outras formas de organização social que possam ser mais justas. Importa, sim, a restauração (ou cura) da alma, a salvação do que estava perdido (ESPERANDIO, 2002, p. 26-27).

As análises de Esperandio indicam que o imaginário celestial contribuiu para

uma apatia da igreja concernente a sua participação política e seu engajamento em

assuntos de interesses da sociedade. O isolamento social, sustentado pela concepção

pré-milenista da história, ocasionou no ostracismo da igreja. A partir do momento em

que a história é concebida como algo pré-existente, já dada, consumada, o que se pode

esperar da igreja é a ideia de que as pessoas precisam se separar do mundo (temas e

problemas dele) e aguardarem o retorno iminente de Jesus enquanto se purificam dos

pecados desta terra, causando imobilismo e um reducionismo em relação às dimensões

do reino de Deus (AZEVEDO, 2004, p. 296). Daí a ênfase na conversão, por entender

que “as reformas políticas e sociais [se dá] através da regeneração dos indivíduos”

(SILVA, 2011, p. 309).

Como o universo batista é plural e as opiniões são diversificadas, é importante

mencionar, apesar de claras indicações para se configurar uma eclesiologia batista

como fechada, que houve (e ainda há) preocupações com temas sociais do país. Um

desses momentos e que remonta a década de 1960, foi à participação dos pastores

batistas como David Gomes, Hélcio da Silva Lessa, Merval Rosa e Isaías da Silva Rego

dentre outros, na Conferência do Nordeste que ocorreu em 1962 na cidade de

Recife/PE, mobilizando cristãos militantes das causas sociais no país (SILVA, 2013, p.

127). O impacto da Conferência foi grande no universo protestante evangélico, mas,

infelizmente, as condições do país a partir de 1964 não favoreceram os desdobramentos

Page 98: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

98

da Conferência entre as principais denominações (CUNHA, 2014, p. 129). O contexto

político do país, marcado pela ditadura militar, desfavoreceu o engajamento de muitos

teólogos e pastores no país e, até mesmo, no interior das igrejas por serem taxados,

inconsequentemente, de comunistas.

Outro sinal de abertura para se refletir as condições do país, se deu na

Assembleia da Convenção Batista Brasileira em 1963 na cidade de Vitória/ES, ou seja,

um ano depois da Conferência do Nordeste, onde se produziu um texto conhecido como

Manifesto dos Ministros Batistas do Brasil (PINHEIRO, 2012, p. 251). Nesse

documento, os batistas assumem os desafios sociais do país e os compromissos para

com o tema, denunciando e alertando a denominação e o país

para a inadequação da estrutura social, política e econômica do país e sugeriram a necessidade de um exame objetivo da realidade brasileira, com a finalidade de reestruturação da sociedade em moldes que possibilitem o atendimento das aspirações e necessidades do povo (PINHEIRO, 2012, p. 244-245).

O texto só foi divulgado em 1964, pelo pastor Hélcio da Silva Lessa (1926-

2009). Os pontos que o Manifesto dos Ministros Batistas do Brasil levantou não logrou

êxito entre os batistas brasileiros porque não houve reflexão posterior, principalmente

depois do Golpe Militar de 1964 que alinhou grande parte da liderança batista ao

regime totalitário, e, por consequência, não houve mudanças substanciais na área

teológica e na práxis da denominação.

Como refletir tal quadro eclesiológico a partir da eclesiologia de Moltmann?

Para ele, o reino de Deus é “o horizonte cristão abrangente para a vida”, ou seja, o reino

de Deus está vindo e tem como foco “a conversão do ser humano e sua libertação das

condições antidivinas e desumanas deste mundo” (MOLTMANN, 2013 p. 181). Para o

nosso autor, o reino de Deus não se configura em seu aspecto subjetivo, é uma realidade

que precisa ser perseguida pela igreja, porque para ele o reino não se resume aos

corações dos súditos do Rei, mas antes ao “futuro de toda a criação” (MOLTMANN,

2013, p. 219). Se na eclesiologia batista o reino de Deus está atrelado à conversão de

indivíduos tendo, portanto, um caráter interior, em Moltmann ele está atrelado às

situações concretas da vida e suas demandas globais como economia, política e cultura.

O reino de Deus se dá nas relações com a sociedade, pois “o cristianismo não existe

Page 99: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

99

para si mesmo, mas sim para o reino que está vindo” (MOLTMANN, 2013, p. 218).

Nesse sentido, reino de Deus é o reinar de Deus hoje, ou seja, é um reino que está

vindo.

A concepção escatológica pré-milenista, presente no imaginário celestial do

universo batista, favorece uma noção fatalista e escapista do mundo e suas questões.

Por outro lado, Moltmann entende que os cristãos, com uma concepção escatológica

correta da história, devem ficar “inquietos enquanto não virem a realidade na qual estão

inseridos ser transformada em correspondência àquela desejada por Deus” (BASTOS,

2009, p. 255). O reino de Deus não é de outro mundo (MOLTMANN, 2013, p. 219).

Antes, o reino de Deus é a antecipação na história tendo a igreja como “o povo do

reino de Deus” (MOLTMANN, 2013, p. 258). Quando uma concepção escatológica

“aliena o ser humano de sua própria história, referindo-se [há] um tempo futuro trans-

histórico, não merece o título de escatologia, mas sim de ideologia” (BASTOS, 2011b,

p. 157).

2.2. Vocações e ministérios

Os batistas brasileiros partem do princípio protestante de que tod@s “foram

chamados por Deus para a salvação, para o serviço cristão, para testemunhar de Jesus

Cristo e promover o seu reino, na medida dos talentos e dos dons concedidos pelo

Espírito Santo” (CBB, 1986, p. 15). A princípio, os batistas, por meio de sua

Declaração Doutrinária, admitem a existência do Espírito Santo dirigindo e

concedendo dons aos membros da comunidade de fé para o desempenho do serviço

cristão. Entretanto, a eclesiologia batista reconhece que há apenas dois oficiais na

igreja, pastores e diáconos (FERREIRA, 2001, p. 59). Na eclesiologia batista, outros

termos como bispo e presbítero, são considerados intercambiáveis, ou seja, eles são

aplicados à mesma pessoa para funções diferentes (FERREIRA, 2001, p. 59). Apesar de

reconhecer a diversidade de dons no serviço eclesial, a Declaração Doutrinária da CBB

faz uma distinção em relação ao ministério da palavra quando diz que: “Deus escolhe,

chama e separa certos homens, de maneira especial, para o serviço distinto, definido e

singular do ministério da palavra” (CBB, 1986, p. 15). Aqui, a Declaração Doutrinária

da CBB oferece significativos aspectos à eclesiologia batista quando diz que “Deus

Page 100: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

100

escolhe, chama e separa certos homens”, ou seja, é dada a diferença entre membros da

comunidade e, a certos homens, que se tornam especiais, quando desempenham o

ministério da palavra (ministério pastoral), sendo estes, portanto, distintos, definidos e

singulares. Com esses adjetivos, a Declaração Doutrinária vincula o ministério da

palavra apenas aos homens fazendo importantes distinções em relação aos demais

participantes da comunidade e, principalmente, às mulheres.

A Declaração Doutrinária da CBB, aceita a mediação dos dons ou carismas no

desempenho das funções e serviços na comunidade, mas, por outro lado, faz a

diferenciação com o cargo, para usar a linguagem moltmanniana, de pastor. Nesse

sentido, a eclesiologia batista faz o processo da dimensão carismática nos ministérios

para a dimensão institucional.

Nesse aspecto, Moltmann diz que a igreja sofre com a “usurpação de todos os

ministérios e tarefas por uma hierarquia de dignitários clericais ou por uma aristocracia

de pastores” (MOLTMANN, 2013, p. 379). Muito embora a eclesiologia batista não

aceite que haja uma hierarquia funcional e muito menos leigos, advogando de que todos

são ministros, todos são servos, ainda há uma distinção significativa entre pastor e

demais participantes da comunidade (SOBRINHO, 1998, p. 45). Essa compreensão é

possível, porque a Igreja Batista brasileira comunga da mesma concepção de que

apenas o ministro que recebe a imposição de mãos pode ser pastor. De um modo geral,

o protestantismo(s) de missão viu a figura do pastor a partir de um evangelismo

conversionista. O pastor é o evangelista que “ganha almas” para Jesus. Além disso, o

pastor, no protestantismo(s) de missão, em particular no universo batista, é o guardião

do sistema denominacional, onde sua figura é central para o bom desempenho das

funções eclesiásticas. Nesse sentido, então, é uma pastoral voltada para a o templo, para

os membros.

Assim como no protestantismo(s) de missão, a eclesiologia batista tem sérias

dificuldades quanto à compreensão do pastoreio quando entendido fora do indivíduo,

ou seja, do pastor. De alguma maneira há uma excessiva preocupação com o ser do

pastor, como suas qualificações morais, oratória e credenciais teológicas, gerando um

pastoreio preocupado “unicamente com a manutenção de seus membros e programas”

(KOHL & BARRO, 2006, p. 105). Por essa razão que o pastor batista, precisa “manter

em equilíbrio a carga acadêmica, a maturidade do caráter cristão e o treinamento prático

para o ministério cristão” (AZEVEDO, 1998, p. 30). O vocacionado para o ministério

Page 101: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

101

da palavra tendem a serem homens, por isso há uma preocupação com o preparo e a

vocação do candidato a pastor (FERREIRA, 1998, p. 141).

A eclesiologia batista, quando trata de vocações e ministérios, traz concepções

que denotam a uma eclesiologia fechada. Mesmo admitindo a contemporaneidade dos

dons e talentos como meios que configuram a vivência eclesial, faz uma clara distinção

com o ofício de pastor no sentido deste ter a primazia quanto aos demais participantes

da comunidade de fé. Não obstante a isso, a clara discriminação quanto às mulheres no

exercício pastoral, como se elas não pudessem receber, de igual modo que os homens, o

carisma do pastoreio. Indubitavelmente essa posição da Declaração Doutrinária da

CBB, embora represente o modo de pensar da denominação, não é também

unanimidade por conta da pluralidade e diversidade denominacional. Em relação às

mulheres no ministério da palavra, Zaqueu Moreira de Oliveira, por exemplo, é

plenamente favorável. Quando a Associação Brasileira de Instituições Batistas de

Ensino Teológico (ABIBET) se reuniu em Guarapari/ES em 1996 para repensar a

denominação batista, Oliveira já apresentava argumentos quanto às mulheres

assumirem o pastorado de comunidades batistas. Pontua ele: “imposição de mãos não

era exclusiva [no Novo Testamento] para homens nem para o ministério pastoral, e,

segundo, porque elas eram ativas e nada existe que leve alguém a acreditar na rejeição

de seu ministério em áreas diversas, inclusive pastoral” (OLIVEIRA, 1998, p. 70).

A pesquisa de Yamabuchi (2009) traz importante contribuição para se entender o

universo machista e preconceituoso na Convenção Batista Brasileira quando do embate

entre José Reis Pereira, então historiador oficial da CBB, e Betty Antunes de Oliveira,

uma mulher que decidiu pesquisar o início do trabalho batista no Brasil sem o apoio da

CBB e, portanto, não estando dentro do sistema denominacional como Reis Pereira

estava. Reis Pereira advogava o surgimento do trabalho batista no Brasil a partir da

Primeira Igreja Batista do Brasil, em Salvador/BA, em 1882. Já Betty Oliveira, defendia

o marco inicial dos batistas no Brasil a partir da cidade de Santa Bárbara d´Oeste/SP em

1871.11 Esse embate, que ocorreu de maneira desproporcional e teve como palco as

assembleias da CBB, serviu, de acordo com Yamabuchi, para demostrar “o poder de

influência da elite masculina nas decisões oficiais das assembleias convencionais”

(YAMABUCHI, 2012, p. 61). Betty Oliveira torna-se símbolo de uma luta que, até o

11 A pesquisa de Marcelo Santos (2011) traz uma importante contribuição histórica para a definição do marco inicial dos Batistas no Brasil.

Page 102: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

102

momento, as mulheres vêm travando, ou seja, o de “questionar o poder masculino de

estabelecer o saber religioso” (YAMABUCHI, 2012, p. 72).

Para refletir sobre esse quadro, enfatizamos que a eclesiologia aberta que

Moltmann propõe, traz o Espírito Santo para a comunidade, pois ela é uma

“comunidade carismática” (MOLTMANN, 2013, p. 373). Daí sua valorização quanto

aos dons que opera e vocaciona a tod@s para o serviço na comunidade. Uma vez que o

“Espírito faz criar o povo; o Espírito empodera-o para a missão; o Espírito opera suas

forças de vida e seus respectivos serviços; o Espírito une, ordena e preserva o povo”

(MOLTMANN, 2013, p. 374). A comunidade sob a força do Espírito, não convive com

um “domínio sagrado (hierarquia), mas opta pela expressão diaconia” (MOLTMANN,

2013, p. 374). Nesse sentido, tod@s são vocacionad@s na comunidade, pois tod@s

vivem a diaconia, assim, “todos os membros da comunidade messiânica são todos

[pelo] Espírito, portanto, ministros. Não existe separação entre os que possuem

ministérios e o povo” (MOLTMANN, 2013, p. 377). Mesmo com esse modo igualitário

entre os participantes da comunidade, Moltmann não deixa de fazer uma diferença

funcional na comunidade.

Ainda que haja a necessidade de pessoas designadas para serviços específicos na

comunidade, Moltmann faz questão de ressaltar que

os distintos ministérios da igreja tem como pressuposto e base o ministério comum e único da igreja. Os serviços diversificados pressupõem o serviço comum do reino de Deus em que cada crente está inserido. Os cargos distinguíveis na comunidade estão relacionados com o encargo comum por Cristo que atinge todas as pessoas (MOLTMANN, 2013, p. 380).

Em uma eclesiologia aberta, os dons continuam tendo a primazia. Sendo essa

comunidade de iguais, o principal “cargo da comunidade reside na vocação dos crentes

por Cristo no poder do Espírito Santo para o reino de Deus. Ele [o cargo] se torna

visível por meio do sinal do batismo. A comunidade dos batizados é a comunidade dos

vocacionados” (MOLTMANN, 2013, p. 380-381). Para Moltmann, portanto, não há

alguns que são vocacionados e outros não, tod@s são vocacionad@s para o reino de

Deus e tod@s tem um serviço a desempenhar nessa “causa comum” (MOLTMANN,

2013, p. 382).

Page 103: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

103

2.3. Missão e proclamação

A concepção de vocação influi diretamente na concepção de missão e

proclamação. Como Analzira Pereira do Nascimento (2014) observa, há um

“paradigma dominante na nossa prática missionária [que] considera como vocacionado

somente o membro de igreja que sente a inclinação para ser missionário ou aquele que

deseja exercer um ministério eclesiástico, especialmente o pastorado”. Entendendo que

tod@s são vocacionad@s, há que refletir quanto ao conceito de missão e proclamação,

ou seja, a práxis de uma proclamação. As possíveis causas, ou as mais prováveis, já

foram pontuadas acima quanto a esse entendimento de “separar certos homens de

maneira especial, para o serviço distinto, definido e singular do ministério da palavra”

(CBB, 1986, p. 15). Nesse sentido, portanto, a tarefa pastoral se resume na teologia

salvacionista e a igreja passa a ser “composta [por] membros que se separaram do

mundo para viverem uma vida de pureza” (FERREIRA, 2001, p. 25). Influenciada pelo

pietismo, a eclesiologia batista desenvolve uma espécie de segregacionismo com a

sociedade quando assume um discurso de que “sem santificação crescente, a igreja não

se diferencia do mundo, nem se mostra diferente nele” (TORRES, 2009, p. 209). Essa

clara dicotomia é explicada por Magali do Nascimento Cunha (2014, p. 113) de que “o

fundamentalismo bíblico, o individualismo e o puritanismo levaram à construção de

uma presença da igreja negadora da sociedade (o mundo) e afirmativa da igreja como

reduto de proteção e preparação para a passagem para o lar celestial”.

A Declaração Doutrinária da CBB quando trata de evangelização e missões,

segue a mesma perspectiva dos demais grupos que compõem o protestantismo(s) de

missão, embora haja diversidade na concepção de missão e atuação em alguns

segmentos do protestantismo(s), a ênfase se dá na evangelização conversionista. A

Declaração Doutrinária reduz o conceito de missão quando diz que “a missão

primordial do povo de Deus é a evangelização do mundo, visando à reconciliação do

homem com Deus” (CBB, 1986, p. 14). O ímpeto missionário se dá na pregação da

mensagem do evangelho. A tarefa missionária não é seguida pela questão social e a

Declaração Doutrinária entende que “o maior benefício que pode prestar é anunciar a

mensagem do evangelho; o bem-estar social e o estabelecimento da justiça entre os

homens dependem basicamente da regeneração de cada pessoa e da prática dos

princípios do evangelho” (CBB, 1986, p. 14). Essa postura reducionista da práxis da

Page 104: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

104

igreja que a Declaração Doutrinária traz, está sendo criticada por autores

conservadores e progressistas. Roberto do Amaral Silva (2007, p. 189), por exemplo,

um autor considerado conservador, questiona: “mas a pregação do evangelho consiste

apenas de palavras?”. Ainda que tenha indicações de que a igreja precisa ter uma

inserção significativa na sociedade, a Igreja Batista brasileira continua produzindo um

eclesiocentrismo e demonstrando aspectos de uma eclesiologia fechada quando o tema

é igreja e sua inserção na sociedade.

Diante das demandas sociais e o cenário teológico da América Latina, autores

batistas vêm procurado desenvolver uma teologia de caráter mais aberto em que “a

fidelidade aos ensinos do Senhor Jesus chama-nos a viver a missão de forma integral”

(TORRES, 2009, p. 203). Na América Latina, a maneira de fazer teologia visando à

integralidade do ser humano conta com importantes nomes e, aparentemente, os

batistas estão, de maneira paulatina, se aproximando da teologia da missão integral.

A teologia protestante latino-americana vem produzindo uma teologia holística,

denominada de missão integral (SANCHES, 2009, p. 55). Um nome que merece

destaque é o teólogo batista equatoriano Carlos René Padilla. Ele vem contribuindo para

uma reflexão que ousa ultrapassar o eclesiocentrismo que impera na concepção

missiológica da igreja e, de maneira particular, presente na eclesiologia batista. Padilla,

por exemplo, vem refletindo uma teologia que enxerga o outro, uma vez que a teologia

salvacionista é dirigida para a alma. Nesse sentido ele conclui:

a missão da igreja, portanto, não pode se limitar a proclamar uma mensagem de salvação da alma: sua missão é fazer discípulos que aprendam a obedecer ao Senhor em todas as circunstâncias da vida diária, tanto no privado como no público [...]. A missão integral só é possível quando há discípulos que têm visão de conseguir a influência dos valores do reino de Deus a todas as esferas da sociedade (apud REIS, 2011, p. 144).

No entanto, a eclesiologia batista é dependente da teologia salvacionista,

herança da teologia dos missionários norte-americanos. Como já mencionado nessa

pesquisa, os missionários operaram a partir de um distanciamento entre igreja e

sociedade, compreendendo a missão e a proclamação da igreja em termos

salvacionistas. Essa teologia tem como pressuposto a ideia de que o pecado se dá

apenas de maneira individual e a graça de Deus, da mesma maneira. Desta forma, essa

Page 105: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

105

teologia salvacionista é “fruto de uma antropologia mutilada, uma vez que esquece o

ser social do [ser humano] e conduz às ingênuas tentativas voluntaristas de pretender

mudar as estruturas injustas unicamente mediante a conversão do indivíduo”

(AZEVEDO, 2005, p. 51). Na mesma perspectiva, Lourenço Stelio Rega (2011, p. 370),

argumenta que, na eclesiologia batista, “tudo gira em torno do salvacionismo, isto é,

tudo é impulsionado, tem significação e é legitimado se é compatível com a salvação da

alma da pessoa”.

Apesar dessa teologia salvacionista que ainda domina a agenda missionária da

igreja, tem havido sinais claros de uma reflexão teológica que procura uma integração

entre igreja e sociedade com uma práxis que tenha relevância no contexto onde a igreja

está inserida. Assim, de acordo com Rega (2011, p. 371-372), a práxis da Igreja Batista

brasileira – quando se pretende fomentar uma eclesiologia aberta –, precisa

desenvolver mais “do que atividade eclesiástica”, uma vez que os missionários norte-

americanos reduziram “a ação e missão da igreja, pois a vida cristã foi simplificada em

trabalho eclesiástico de modo que a práxis protestante-batista (e evangélica) no Brasil

se converteu em apenas ao trabalho na igreja”. O ativismo religioso, na interpretação de

Rega (2011, p. 372), impede que o participante da comunidade de fé seja despertado

“para viver-Cristo-no-mundo encarnando o seu amor”. Se a eclesiologia batista quer ser

relevante em seu ambiente vivencial, é preciso desenvolver uma teologia em que

valorize o seguimento de Jesus como mediação para a sua práxis. Para isso, é preciso

descontruir aquela teologia que não considera a vida e suas mazelas; uma teologia que

se mantém como discurso apenas para os iniciados (REGA, 2011, p. 373). Deste modo,

será possível “ser cristão-no-mundo”, apenas quando for possível “uma prática

evangélica que traspõe as portas de uma igreja” (REGA, 2011, p. 372).

Mesmo com uma Declaração Doutrinária oferecendo elementos reducionistas

quanto ao conceito de missão e proclamação da igreja, há autores – e alguns ligados

administrativamente à Convenção Batista Brasileira –, que vem procurando modificar a

conhecida máxima no universo batista de que convertendo o indivíduo melhora-se a

sociedade (CIRINO & GREENWOOD, 2012, p. 47). Uma nova concepção teológica,

auxiliada pela teologia latino-americana da missão integral, tem surgido em alguns

setores da denominação, havendo uma profícua preocupação em descontruir a ideia de

que a missão da igreja se resuma apenas na evangelização (PINHEIRO &

GIANASTACIO, 2012, p. 116).

Page 106: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

106

É perceptível o surgimento de uma teologia que vem procurando favorecer o

diálogo e a ação da igreja na sociedade, ou seja, uma teologia que impulsiona a igreja a

dar “prosseguimento à missão do messias no mundo” (CIRINO & GREENWOOD,

2012, p. 48). Um novo conceito de missão em que a imitação do Cristo é encarnada a

partir da concretude da vida (CIRINO & GREENWOOD, 2012, p. 49). Assim, é

possível, em raras vezes pensar, segundo alguns autores batistas, que o primeiro

interesse não se dê na conversão das pessoas, mas sim na proclamação do evangelho de

Cristo por meio do seguimento da sua práxis (CIRINO & GREENWOOD, 2012, p. 49-

50).

Diante desse quadro e diante de nossos objetivos de estabelecer o diálogo,

acentuando a contribuição de Jürgen Moltmann à eclesiologia da Igreja Batista

brasileira, podemos articular com essa teologia que surge, que tem como propósito se

desvencilhar de uma concepção salvacionista e eclesiocêntrica, a visão de Moltmann

que pode dar a sua contribuição a fim de favorecer percepções para uma eclesiologia

aberta.

Para Moltmann, a missão de Jesus é a missão da comunidade, ou seja,

assumindo a missão do Cristo, por meio do seguimento, a igreja “provoca seu conflito

com a sociedade na qual vive e provoca conflitos entre os poderes do passado e as

forças do futuro, entre opressão e a libertação” (MOLTMANN, 2013, p. 120). Para

assumir tal postura, a igreja necessita encarnar a dimensão do seguimento. Isso é

possível a partir de uma compreensão do Cristo-práxis, ou seja, conhecer Jesus não

significa aprender um dogma cristológico, mas sim o conhecer a partir da práxis do seu

seguimento (MOLTMANN, 2000a, p. 72-73).

A missão da igreja se estende ao mundo, portanto, é missão da igreja se

envolver com a cultura, com a economia, com os direitos humanos, com a ecologia

(MOLTMANN, 2013, p. 235). A missão não se dá apenas com a conquista de pessoas

para aumentar o número de membros de uma igreja, mas sim desenvolver a abertura

missionária e diaconal no mundo (MOLTMANN, 2013, p. 293).

A igreja, se favorecer uma dimensão aberta da sua eclesiologia proporcionando

diálogo e se comprometendo com o seu contexto, está diante de temas relevantes que

demandam atenção de imediato, suscitando reflexões que gerem práxis num futuro bem

Page 107: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

107

próximo. As principais questões que envolvem a igreja e a sociedade podem ser

elencadas da seguinte forma:

teologia e direitos humanos, ecologia e missão, ética e cidadania, questões étnicas e raciais, a fé cristã diante da pobreza e da exclusão social, a religião frente ao desafio de um Estado laico e do fortalecimento da democracia, o diálogo ecumênico, a organização eclesial em células, missão no mundo urbano e outras dimensões de uma teologia pública e cidadã (RIBEIRO, 2012, p. 124-125).

Os desafios para a missão e proclamação estão dados, antes é preciso fomentar

uma eclesiologia que possa refletir sobre seu meio a fim de gerar uma práxis onde “a

missão da igreja também [seja] ação na sociedade” (PINHEIRO & GIANASTACIO,

2012, p. 116).

Considerações parciais

Com este capítulo, a pesquisa procurou fazer um levantamento das principais

características do protestantismo(s) de missão e, em particular, da Igreja Batista

brasileira, em seu aspecto eclesiológico, para em seguida olhá-los à luz da eclesiologia

de Moltmann.

O que norteou este capítulo foi à tentativa de se fazer uma leitura da eclesiologia

batista a partir de fontes bibliográficas, mas, principalmente, trazendo ao debate a

Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira. O intento foi visualizar

elementos que pudessem caracterizar a eclesiologia batista e refletir sobre ela tendo

como principal interlocutor a eclesiologia aberta de Jürgen Moltmann, descrita no

segundo capítulo desta pesquisa.

Em diálogo com a eclesiologia moltmanniana, alguns aspectos da eclesiologia

batista são passíveis de coadunação, já em outros temas Moltmann pode contribuir com

sua reflexão eclesiológica a fim de favorecer uma eclesiologia que leve em

consideração os temas da contemporaneidade. Isso é possível quando se fomenta uma

eclesiologia aberta.

Page 108: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

108

Como Moltmann vivenciou o que é ser participante de uma igreja estatal, ele

valoriza eclesiologias que sejam livres. Para ele igrejas livres, como é a Igreja Batista

brasileira, deve desenvolver a sua “abertura missionária” (MOLTMANN, 2013, p.

293). A igreja estatal, por outro lado, quando “assumiu o atendimento religioso das

pessoas individuais e das famílias”, ela “perdeu sua força crítica e libertadora”

(MOLTMANN, 2013, p. 292). Considerando que Moltmann escreve A igreja na força

do Espírito em 1975, ele está vivenciando uma igreja que precisa ser a voz e a força,

por meio do Espírito Santo, para um mundo agonizante, como também para cristãos que

sofrem e são atribulados no mundo por causa do evangelho. Não por acaso que

Moltmann ao escrever a sua obra eclesiológica além de dedicar ao Conselho Mundial de

Igrejas (CMI), dedica aos cristãos perseguidos do mundo.

Uma comunidade que se propõe a ser aberta em sua maneira de ver o mundo,

inseparavelmente terá uma ação libertadora em seu contexto. Assim, em uma

eclesiologia aberta “a comunidade se reúne em torno do evangelho e da mesa do

Senhor, ela se torna reconhecível no mundo e inconfundivelmente o povo de Cristo, a

comunidade messiânica do reino que está vindo” (MOLTMANN, 2013, p. 420).

Page 109: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

109

Considerações finais

A igreja entende-se na presença do Espírito Santo como povo messiânico para o reino que está vindo, quando ela ouve a fala do tempo messiânico e celebra em batismo e ceia do Senhor os sinais do êxodo e da esperança. Na festa messiânica, ela se torna consciente de sua liberdade e de sua missão. Na força do Espírito Santo, a igreja se experimenta como comunidade de serviço ao reino de Deus no mundo (MOLTMANN, 2013, p. 367).

A citação acima, ainda que sucinta, resume bem a eclesiologia moltmanniana.

Uma eclesiologia que tem como marca o impulso do Espírito Santo para continuação-

construção do reino de Deus na história. Com essa iniciativa, a igreja se torna em

comunidade messiânica e antecipa, por meio do batismo e da ceia, a realidade futura do

mundo quando desenvolve a sua missão no mundo como um serviço ao mundo.

Assim, partindo de alguns aspectos do esboço teológico de Moltmann, a

pesquisa procurou trabalhar a eclesiologia do autor a partir de dimensões abertas. Isso

foi possível, porque a eclesiologia que Moltmann desenha em seus textos e no seu

principal trabalho eclesiológico, A igreja no poder do Espírito (2013), é uma

eclesiologia que procura cumprir, verbalizar e transformar a realidade (em âmbito

teológico, social e político) por meio de uma igreja que compreenda o seu lugar na

história escatológica sendo fomentadora do reino de Deus.

O pensamento teológico de Moltmann é caracterizado pela sua abertura, ou seja,

os seus sistemas teológicos são concebidos a partir da esperança, portanto, o futuro é

condição sine qua non para a sua reflexão teológica. Uma vez tendo o futuro como

chave hermenêutica, ou seja, o futuro é o espaço em que se dá a promessa e, ao mesmo

tempo, proporciona a dinâmica divino-humana no transcorrer da história, Moltmann

elabora uma teologia que nunca está fechada em si mesma, mas sempre aberta para o

além mais. Para o teólogo alemão a teologia não é uma dogmática apenas para a igreja

em seu aspecto eclesiástico, antes a teologia precisa ter como alvo o mundo. A partir

disso, as principais contribuições teológicas de Moltmann tem como pressuposto uma

teologia aberta como na teologia da criação, na teologia da trindade e, no caso dessa

pesquisa, na eclesiologia.

Page 110: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

110

Quanto à sua eclesiologia, Moltmann considera que a doutrina teológica sobre a

igreja precisa observar pelo menos três dimensões: diante de Deus, diante dos seres

humanos e diante do futuro. No seu entender isso demonstra a vivacidade da igreja, pois

a igreja de Cristo é uma igreja aberta. Ela está aberta para Deus, aberta para o ser

humano e aberta para o futuro de Deus e dos seres humanos. A igreja atrofia se

abandonar uma dessas aberturas e se fechar contra Deus, o ser humano e o futuro.

A abertura da igreja se dá com alguns elementos que se tornam imprescindíveis

para uma reflexão teológica que queira de fato ser relevante no seu contexto: (1) uma

eclesiologia comprometida com o reino de Deus – o elemento essencial do discurso da

igreja é o reino de Deus. Para Moltmann o reino de Deus deve ser a paixão da teologia

como um todo. Deve haver teologia do reino de Deus. Uma teologia missionária que

amarra a igreja à sociedade, tornando-a, desta forma, em uma igreja aberta que

participa dos sofrimentos do povo e propõe esperança. A característica missionária da

igreja é essa abertura ao mundo. Quando a igreja compreende que é continuadora do

projeto do reino de Deus, ela se desdobra na esfera pública com comprometimento e

solidariedade. Para Moltmann, a igreja que assim se comporta tem uma dimensão

inclusiva, porque entende que a “promissio do reino fundamenta a missio do amor no

mundo” (MOLTMANN, 2003, p. 265). Uma igreja aberta, portanto, não tem como

preocupação o milênio e suas interpretações milenaristas, pois encarna nela mesma a

dinâmica integradora da mensagem do reino de Deus; (2) uma eclesiologia aberta –

para Moltmann a principal característica da igreja é a sua abertura para Deus, para o ser

humano e para o futuro. Agindo assim ela modifica o seu discurso, a sua dinâmica e sua

interação na sociedade quando, por exemplo, não limita a redenção e a felicidade das

almas para um céu no além. Essa abertura se dá quando missão não é entendida como

conquista, expansão, mas como a participação de toda a igreja na proclamação do reino

de Deus; quando a igreja acolhe a dinâmica ecumênica, pois entende que as demais

igrejas estão comprometidas em comum com a missão messiânica de Cristo e que são a

igreja do reino vindouro, sendo assim, a igreja se abre em diálogo e fraternidade para

alcançar o bem comum; quando a igreja concebe uma práxis politicamente engajada,

pois assume a sociedade e procede com credibilidade, favorecendo a lutar com e pelo

povo por paz e justiça.

Em uma eclesiologia aberta o batismo é um sinal de comprometimento dos

membros com a tarefa do reino de Deus, daí ser tod@s vocacionad@s; a ceia do Senhor

Page 111: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

111

nunca seria restrita, mas um convite a tod@s, porque é o chamamento do próprio Cristo

para participar da mesa e do reino que vem.

Os elementos que compõem a eclesiologia moltmanniana, estão presentes em

outras obras do autor. Uma vez que sua eclesiologia está atrelada à dimensão

messiânica de Cristo e ao Espírito Santo, Moltmann entende que a igreja precisa ser

mais relevante, com sua teologia, no contexto social, ou seja, deixar de pertencer ao

gueto e ser uma comunidade para fora agindo assim, a igreja “adquire importância

quando mostra os problemas do mundo moderno unicamente revelando o ‘núcleo duro’

de sua identidade com Cristo crucificado e deixando-se questionar por ele juntamente

com a sociedade em que se vive” (MOLTMANN, 2010, p. 25). Se a igreja toma o nome

de Jesus e professa fé nele, algumas atitudes precisam ser evidenciadas na vivência da

comunidade de fé. Em outras palavras, Moltmann está dizendo que a igreja precisa

tomar consciência de que ela está ligada a Jesus e, portanto, é preciso estar ciente das

implicações que o crucificado traz, sendo uma dessas implicações, no pensamento

moltmanniano, a dimensão messiânica da igreja. Para o autor, olhar para Jesus como

messias, significa conceber a práxis de Jesus e, sendo a igreja messiânica, cabe a ela ser

continuadora dessa dimensão messiânica.

Moltmann soube ler o seu contexto eclesial e propor uma eclesiologia que pode

contribuir com o atual momento da cultura contemporânea. Se a igreja não

compreender que é preciso estabelecer uma relação igreja-mundo que vá além das

fronteiras, e que, portanto, seu discurso precisa integrar-se à cultura e seu contexto

histórico, assimilando as mudanças da sociedade, entendendo que as mesmas favorecem

outros comportamentos e que, assim, a novidade de uma práxis contextualizada se faz

necessárias, ela se encontrará em ostracismo.

Dentre várias contribuições de Moltmann à eclesiologia batista, há o desafio de

que a igreja se torne mais significativa no seu contexto político-social. Para isso, é

preciso favorecer uma eclesiologia aberta que tenha dimensões messiânicas e isso

significa rever e repensar certos preconceitos e exclusivismos como condição

imprescindível para que a igreja tenha uma dimensão aberta.

A fim de contribuir para uma eclesiologia batista que tenha dimensões de

abertura, será preciso refletir sobre a tarefa missionária da igreja a partir do outro e sua

realidade e não apenas em seu aspecto salvacionista. Outro tema que merece destaque é

Page 112: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

112

a questão ministerial e as vocações, onde a questão de gênero ainda é um fator

preponderantemente discriminatório. Quanto ao aspecto social, a eclesiologia batista

carece ainda de uma escatologia que não veja a igreja como tendo um fim em si

mesma, mas como um meio de favorecer o mundo com uma práxis que não tenha como

foco o proselitismo, mas antes uma concepção de alteridade e de mudança com os

referenciais de justiça social.

Os estudos revelam que a eclesiologia expressa na Igreja Batista ainda tem

dificuldades em equacionar problemas e desafios da contemporaneidade. Ainda mais

com alguns modelos eclesiológicos que permeiam a realidade eclesial brasileira

propondo outra perspectiva do evangelho sendo, nitidamente, uma proposta que não

contempla um agir significativo como comunidade do reino de Deus na sociedade. Não

obstante a isso, ainda é permanente o debate dentro das fronteiras eclesiásticas, no

âmbito protestante-evangélico, e em particular na eclesiologia batista, do real sentido da

igreja na sociedade, se ela é uma sala de espera, onde as pessoas esperam apenas a

concretização escatológica do fim dos tempos, ou se ela é uma esperança de justiça e

fraternidade para com (e pelo) o mundo.

Quando a pesquisa traz o foco da eclesiologia presente na Igreja Batista

brasileira, é por entender que a eclesiologia moltmanniana pode contribuir com

elementos que favoreçam dimensões abertas na eclesiologia batista tais como: (1) uma

abertura ao ecumenismo, começando por abrir diálogo com a Aliança de Batistas do

Brasil, que é o resultado da participação de batistas nos principais fóruns de reflexão

teológica no Brasil e na América Latina como, por exemplo, na Fraternidade Teológica

Latino-americana (FTL), bem como outros grupos que procuram viabilizar um

engajamento político-social mais efetivo na sociedade brasileira (SILVA, 2013, p. 141);

(2) uma concepção de missão onde o maior interesse seja na proclamação do evangelho,

valorizando as dimensões existenciais do ser humano e não apenas a sua “alma”; (3)

uma noção de vocação onde não haja uma supervalorização da figura do pastor e tod@s

possam desempenhar suas funções eclesiais a partir de seus dons; (4) uma abertura ao

ministério ordenado feminino por entender que o pastoreio é um dom e não,

propriamente, um ofício; (5) uma igreja aberta que promova a esperança a partir de

uma clara concepção de sua atuação no futuro do reino de Deus.

Ao realizar a pesquisa acentuou-se em mim a visão de que há esperança para

uma eclesiologia que favoreça uma pastoral fraterna e acolhedora.

Page 113: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

113

Referências bibliográficas

De Jürgen Moltmann

A fonte da vida: o Espírito Santo e a teologia da vida. São Paulo: Loyola, 2002a.

A igreja no poder do Espírito: uma contribuição à eclesiologia messiânica. Santo

André: Academia Cristã, 2013.

A passagem do ano 2000: progresso e abismo. In: GIBELLINI, Rosino (Org.).

Perspectivas teológicas para o século XXI. Aparecida: Santuário, 2005, p. 25-43.

A vinda de Deus: escatologia cristã. São Leopoldo: UNISINOS, 2002b.

Ciência e sabedoria: um diálogo entre ciência natural e teologia. São Paulo: Loyola,

2007a.

Deus na criação: doutrina ecológica da criação. Petrópolis: Vozes, 1992a.

Diaconia en el horizonte del reino de Dios: hacia el diaconado de todos los creyentes.

Santander: Sal Tarrae, 1987.

Dio nel progetto del mondo moderno: contributi per una rilevanza pubblica della

teologia. Brescia: Queriniana, 1999a.

El camino de Jesuscristo: cristología en dimensiones mesiánicas. 2ª ed. Salamanca:

Sígueme, 2000a.

El Dios crucificado: la cruz de Cristo como base y crítica de la teología cristiana. 3ª ed.

Salamanca: Sígueme, 2010.

Esperanza y planificación del futuro: perspectivas teológicas. Salamanca: Sígueme,

1971.

Page 114: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

114

Ética da esperança. Petrópolis: Vozes, 2012.

Existe futuro para a sociedade moderna? Concilium, n.º 227, 1990, p. 53-65.

Experiências de reflexão teológica: caminhos e formas da teologia cristã. São

Leopoldo: UNISINOS, 2004.

La justicia crea futuro: política de paz y ética de la creación en un mundo amenazado.

Santander: Sal Terrae, 1992b.

Liberdade e comunidade na era do individualismo e globalização. In: KOHL, Manfred

Waldemar & BARRO, Antônio Carlos (Orgs.). A igreja do futuro. Londrina:

Descoberta, 2011a, p. 17-28.

No fim está o meu começo: uma esperança para a vida – uma vida de esperança. In:

KOHL, Manfred Waldemar & BARRO, Antônio Carlos (Orgs.). A igreja do futuro.

Londrina: Descoberta, 2011a, p. 271-288.

No fim, o início: breve tratado sobre a esperança. São Paulo: Loyola, 2007b.

O Espírito da vida: uma pneumatologia integral. Petrópolis: Vozes, 1999b.

O futuro da criação. Rio de Janeiro: Mauad X/Instituto Mysterium, 2011b.

Paixão pela vida. São Paulo: ASTE, 1978.

Quem é Jesus Cristo para nós hoje? Petrópolis: Vozes, 1996.

¿Que es teología hoy?: dos contribuciones para su actualización. Salamanca: Sígueme,

1992c.

Sobre la libertad, la alegria y el juego: los primeiros libertos de la creación. Salamanca:

Sígueme, 1972.

Page 115: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

115

Teologia da esperança: estudos sobre os fundamentos e as consequências de uma

escatologia cristã. São Paulo: Teológica, 2003.

Teologia latino-americana. In: SUSIN, Luiz Carlos (Org.). O mar se abriu: trinta anos

de teologia latino-americana. São Paulo: Loyola, 2000b, p. 225-231.

Trindade e reino de Deus: uma contribuição para a teologia. Petrópolis: Vozes, 2000c.

Vida, esperança e justiça: um testamento teológico para a América Latina. São

Bernardo do Campo: EDITEO, 2008.

Sobre Jürgen Moltmann

BASTOS, Levy. Esperança. In: BORTOLLETO FILHO, Fernando (Org.). Dicionário

brasileiro de teologia. São Paulo: ASTE, 2008, p. 377-379.

_____. Eis que faço novas todas as coisas. In: MOLTMANN, Jürgen & BASTOS,

Levy. O futuro da criação. Rio de Janeiro: Mauad X/Instituto Mysterium, 2011b, p. 75-

203.

_____. “O futuro na promessa”: perspectivas da escatologia de Jürgen Moltmann.

Estudos de religião, São Bernardo do Campo: UMESP, vol. 23, n.º 36, jun., 2009, p.

249-257.

BAUCKHAM, Richard. The theology of Jürgen Moltmann. Edinburgh: T&T Clark,

1995.

BELTRÁN ACERO, Carlos José. Esperança no cotidiano: para uma escatologia de

libertação. Dissertação de Mestrado (Programa de Pós-graduação em Ciências da

Religião da Universidade Metodista de São Paulo). São Bernardo do Campo: UMESP,

2011.

Page 116: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

116

BRUSTOLIN, Leomar A. Quando Cristo vem...: a parúsia na escatologia cristã. 2ª ed.

São Paulo: Paulus, 2001.

COSTA JÚNIOR, Josias da. Celebração da vida: vitalidade e mística na pneumatologia

trinitária de Jürgen Moltmann. Dissertação de Mestrado (Programa de Pós-graduação

em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo). São Bernardo do

Campo: UMESP, 2004.

_____. O Espírito criador: teologia e ecologia. São Paulo: Fonte Editorial, 2011.

HIGUET, Etienne Alfred. Teologia da esperança: primeiro balanço crítico. Estudos de

religião, São Bernardo do Campo: UMESP, ano X, n.º 11, dez., 1995, p. 27-52.

KIM, Van Nam. A church of hope: a study of the eschatological ecclesiology of Jürgen

Moltmann. Lanham: UPA, 2005.

KUZMA, Cesar Augusto. A esperança cristã: fundamentos e reflexões na teologia de

Jürgen Moltmann. Dissertação de Mestrado (Programa de Pós-graduação em Teologia

da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro). Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2007.

_____. O futuro de Deus na missão da esperança cristã: um estudo da escatologia na

Teologia da Esperança de Jürgen Moltmann em aproximação com a Teologia Latino-

americana da Libertação no contexto atual. Tese de Doutorado. (Programa de Pós-

graduação em Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro). Rio de

Janeiro: PUC-Rio, 2012.

_____. O futuro de Deus na missão da esperança: uma aproximação escatológica. São

Paulo: Paulinas, 2014.

MACHADO, Renato Ferreira. Um pacto pela Terra: crise ecológica e novos

paradigmas necessários à humanidade, a partir da teologia de Jürgen Moltmann.

Dissertação de Mestrado. (Programa de Pós-graduação em Teologia da Pontifícia

Universidade Católica do Rio Grande do Sul). Porto Alegre: PUCRS, 2008.

Page 117: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

117

OLIVEIRA, Albino Nonato de. Deus na criação: abordagem ecológica e trinitária na

teologia de Jürgen Moltmann. Dissertação de Mestrado. (Programa de Pós-graduação

em Teologia da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia). Belo Horizonte: FAJE,

2007.

PIRES, Anderson Clayton. A hermenêutica política da esperança de Jürgen Moltmann

em diálogo com a espiritualidade neoprotestante brasileira: o binômio saúde e doença

como um novo paradigma hermenêutico de teologicidade. Tese de Doutorado.

(Programa de Pós-graduação em Teologia da Escola Superior de Teologia/Instituto

Ecumênico de Pós-graduação). São Leopoldo: EST, 2007.

RAMOS, Odilon Ferreira. Pai, Filho e Espírito Santo: uma abordagem trinitária nas

“contribuições sistemáticas para a teologia” de Jürgen Moltmann. Dissertação de

Mestrado. (Programa de Pós-graduação em Teologia da Faculdade Jesuíta de Filosofia e

Teologia). Belo Horizonte: FAJE, 2011.

REIS, Gustavo Soldati. Contradição e antecipação: análise e perspectiva sobre o caráter

messiânico do reino de Deus na hermenêutica cristológica de Jürgen Moltmann.

Dissertação de Mestrado. (Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião da

Universidade Metodista de São Paulo). São Bernardo do Campo: UMESP, 2003.

RIBEIRO, Antônio Carlos. Moltmann: da ‘aventura das ideias’ à Theologia Publica.

Estudos de religião, São Bernardo do Campo: UMESP, vol. 23, n.º 36, jun., 2009, p.

258-274.

SCAER, David. P. A teologia da esperança. In: GUNDRY, Stanley (Org.). Teologia

contemporânea: uma análise dos pensamentos de alguns dos principais teólogos do

mundo hodierno. São Paulo: Mundo Cristão, 1983, p. 151-191.

SILVA, Maria Freire da. Trindade, criação e ecologia. São Paulo: Paulus, 2009.

VV.AA. Vida e obra de Jürgen Moltmann. In: Caminhando: revista da Faculdade de

Teologia da Igreja Metodista. São Bernardo do Campo: UMESP/EDITEO, vol. 13, n.º

176, jul./dez., 2008.

Page 118: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

118

ZILLI, Bento Ailton. O tempo e o espaço sagrado à luz da teologia de Jürgen

Moltmann. Dissertação de Mestrado. (Programa de Pós-graduação em Teologia da

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul). Porto Alegre: PUCRS, 2012.

Obras complementares

ALENCAR, Gedeon. Protestantismo tupiniquim: hipóteses sobre a (não) contribuição

evangélica à cultura brasileira. São Paulo: Arte Editorial, 2005.

ALVES, Rubem. Da esperança. Campinas: Papirus, 1987.

_____. Dogmatismo e tolerância. São Paulo: Paulinas, 1982.

_____. Religião e repressão. São Paulo: Teológica/Loyola, 2005.

AZEVEDO, Irland Pereira de. Repensando a educação teológica e ministerial da CBB

neste fim de século. In: FERREIRA, Ebenézer Soares (Org.). Repensando a

denominação batista brasileira. Rio de Janeiro: ABIBET, 1998, p. 19-60.

AZEVEDO, Israel Belo de. A celebração do indivíduo: a formação do pensamento

batista brasileiro. São Paulo: Vida Nova, 2004.

_____. O que é missão integral? Rio de Janeiro: MK, 2005.

BARRO, Antônio Carlos & KOHL, Manfred Waldemar. O papel do pastor na

transformação da sociedade. In: BARRO, Antônio Carlos & KOHL, Manfred

Waldemar (Orgs.). Ministério pastoral transformador. Londrina: Descoberta, 2006, p.

103-121.

BLOCH, Ernst. O princípio esperança. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005, vol. 1.

BONINO, José Míguez. A fé em busca de eficácia: uma interpretação da reflexão

teológica latino-americana sobre libertação. São Leopoldo: Sinodal, 1987.

Page 119: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

119

_____. Rostos do protestantismo latino-americano. São Leopoldo: Sinodal, 2003.

CALDAS, Carlos. O último missionário. São Paulo: Mundo Cristão, 2001.

CIRINO, Alice & GREENWOOD, Mark. Ministério social cristão: base bíblica,

mobilização da igreja e ações práticas. Rio de Janeiro: Convicção, 2012.

CONVENÇÃO BATISTA BRASILEIRA. Declaração Doutrinária da Convenção

Batista Brasileira. Rio de Janeiro: JUERP, 1986.

CUNHA, Magali do Nascimento. Protestantismo e sociedade brasileira: caminhos,

descaminhos e perspectivas da trajetória evangélica no espaço público. In: ROSA,

Wanderley Pereira & RIBEIRO, Osvaldo Luiz (Orgs.). Religião e sociedade (pós)

secular. Santo André: Academia Cristã, 2014, p. 110-133.

DUROZOI, Gérard & ROUSSEL, André. Dicionário de filosofia. 5ª ed. Campinas:

Papirus, 1993.

ELWELL, Walter A. (Ed.). Enciclopédia histórico-teológica da igreja cristã. São

Paulo: Vida Nova, 2009, vol. 3.

ERICKSON, Millard J. Opções contemporâneas na escatologia: um estudo do milênio.

São Paulo: Vida Nova, 1982.

ESPERANDIO, Mary Rute Gomes. A produção de sentido no âmbito religioso: o modo

de subjetivação batista. Protestantismo em revista, São Leopoldo: EST, vol. 1, jan./dez.,

2002, p. 6-30. Disponível em: http://www3.est.edu.br/nepp/revista/001/ano01n1_01.pdf.

Acesso em: 01.07.2014.

FERREIRA, Ebenézer Soares. A teologia da igreja: sua contextualização 2000 anos

depois. Rio de Janeiro: JUERP, 2001.

Page 120: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

120

_____. Explicações sobre a declaração doutrinária da CBB. In: FERREIRA, Ebenézer

Soares (Org.). Comentários à declaração doutrinária da Convenção Batista Brasileira.

Rio de Janeiro: Tempo de Colheita, 2009, p. 9-10.

_____. Manual da igreja e do obreiro. 5ª ed. Rio de Janeiro: 1987.

_____. Repensando a vocação e o preparo teológico do ministério batista e sua missão

para esta época. In: FERREIRA, Ebenézer Soares (Org.). Repensando a denominação

batista brasileira. Rio de Janeiro: ABIBET, 1998, p. 141-168.

FERREIRA, Valdinei. Protestantismo e modernidade no Brasil: da utopia à nostalgia.

São Paulo: Reflexão, 2010.

GIBELLINI, Rosino. A teologia do século XX. São Paulo: Loyola, 1998.

GUTIÉRREZ, Gustavo. Teologia da libertação: perspectivas. 2ª ed. Petrópolis: Vozes,

1976.

HAIGHT, Roger. A comunidade cristã na história: eclesiologia histórica. São Paulo:

Paulinas, 2012, vol. 1.

_____. Dinâmica da teologia. São Paulo: Paulinas, 2004.

_____. Jesus, símbolo de Deus. 2ª ed. São Paulo: Paulinas, 2005.

HAUGHT, John F. Ministério e promessa: teologia da revelação. São Paulo: Paulus,

1998.

HEWITT, Martin D. Raízes da tradição batista. São Leopoldo: IEPG, 1993.

HORDERN, William E. Teologia protestante ao alcance de todos. 2ª ed. Rio de

Janeiro: JUERP, 1979.

KÜNG, Hans. A igreja tem salvação? São Paulo: Paulus, 2012.

Page 121: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

121

LANDERS, John. Teologia dos princípios batistas. 2ª ed. Rio de Janeiro: JUERP, 1986.

LORENZEN, Lynne Faber. Introdução à Trindade. São Paulo: Paulus, 2002.

MacARTHUR JÚNIOR, John. A sós com Deus: o poder e a paixão pela oração.

Brasília: Palavra, 2009.

MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. Sobre a religião. Lisboa: Edições 70, 1975.

MENDONÇA, Antônio Gouvêa & VELASQUES FILHO, Prócoro. Introdução ao

protestantismo no Brasil. São Paulo: Loyola, 1990.

_____. O celeste porvir: a inserção do protestantismo no Brasil. São Paulo: ASTE,

1995.

_____. Protestantismo brasileiro: uma breve interpretação histórica. In: SOUZA,

Beatriz Muniz de & MARTINO, Luís Mauro Sá (Orgs.). Sociologia da religião e

mudança social: católicos, protestantes e novos movimentos religiosos no Brasil. São

Paulo: Paulus, 2004, p. 49-79.

MILLER, Ed. L. & GRENZ, Stanley J. Teologias contemporâneas. São Paulo: Vida

Nova, 2011.

MONDIN, Battista. As novas eclesiologias: uma imagem mais atual da igreja. São

Paulo: Paulinas, 1984.

_____. Curso de filosofia: os filósofos do Ocidente. São Paulo: Paulus, 1983, vol. 3.

_____. Os grandes teólogos do século vinte: os teólogos protestantes e ortodoxos. 2ª ed.

São Paulo: Paulinas, 1980, vol. 2.

NASCIMENTO, Analzira Pereira do. Convocação: servir na “obra de Deus” ou “servir

a Deus” como estilo de vida? Jornal Betesda. Disponível em:

Page 122: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

122

http://betesdanoticias.blogspot.com.br/2013/02/convocacao-servir-na-obra-de-deus-

ou.html. Acesso em: 05.07.2014.

NOVAES, Carlos Cesar Peff. Vocação para a intolerância: controvérsias e cisões na

história dos batistas. In: PINHEIRO, Jorge & SANTOS, Marcelo (Orgs.). Os batistas:

controvérsias e vocação para a intolerância. São Paulo: Fonte Editorial, 2012, p. 9-12.

OLIVEIRA, Betty Antunes de. Centelha em restolho seco: uma contribuição para a

história dos primórdios do trabalho batista no Brasil. São Paulo: Vida Nova, 2005.

OLIVEIRA, Zaqueu Moreira de. Fagulhas e tochas na história batista: assuntos

controversos. Recife: Kairós Editora, 2012.

_____. Perseguidos, mas não desamparados: 90 anos de perseguição religiosa contra os

batistas brasileiros. Rio de Janeiro: JUERP, 1999.

_____. Princípios e práticas batistas: uma abordagem histórica. 2ª ed. Recife: Kairós

Editora, 2006.

_____. Repensando a imposição de mãos sobre candidatos para o ministério pastoral.

In: FERREIRA, Ebenézer Soares (Org.). Repensando a denominação batista brasileira.

Rio de Janeiro: ABIBET, 1998, p. 61-81.

_____. Um povo chamado batista: história e princípios. Recife: Kairós Editora, 2010.

PEREIRA, José Reis. A história dos batistas no Brasil: 1882-2001. 3ª ed. Rio de

Janeiro: JUERP, 2001.

PIEDRA, Arturo. Evangelização protestante na América Latina: análise das razões que

justificaram e promoveram a expansão protestante (1830-1960). São Leopoldo: Sinodal,

2006, vol. 1.

PINHEIRO, Jorge. Deus é brasileiro: as brasilidades e o reino de Deus. São Paulo:

Fonte Editorial, 2008.

Page 123: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

123

PINHEIRO, Jorge & GIANASTACIO, Vanderlei. Elementos para uma teologia da

missão integral. In: REGA, Lourenço Stelio (Org.). Quando a teologia faz a diferença:

ferramentas para o ministério nos dias de hoje. São Paulo: Hagnos, 2012, p. 115-126.

_____. O paraíso protestante – Jean de Léry: notas antropofágicas sobre a questão

huguenote-tupinambá. São Paulo: Fonte Editorial, 2013.

_____. Salvacionismo ou evangelho social? In: PINHEIRO, Jorge & SANTOS,

Marcelo (Orgs.). Os batistas: controvérsias e vocação para a intolerância. São Paulo:

Fonte Editorial, 2012, p. 235-256.

REALE, Giovanni & ANTISERI, Dario. História da filosofia: de Nietzsche à Escola de

Frankfurt. São Paulo: Paulus, 2006, vol. 6.

REGA, Lourenço Stelio. Por outra história da igreja na América Latina: a alter-história

construída por Enrique Dussel. São Paulo: Fonte Editorial, 2011.

REILY, Duncan Alexander. História documental do protestantismo no Brasil. 3ª ed.

São Paulo: ASTE, 2003.

REIS, Gildásio. C. René Padilla: introdução à sua vida, obra e teologia. São Paulo: Arte

Editorial, 2011.

RIBEIRO, Claudio de Oliveira. “Não nos tire do mundo”: igreja, sociedade e missão em

perspectiva. In: RENDERS, Helmut, SOUZA, José Carlos & CUNHA, Magali do

Nascimento (Orgs.). As igrejas e as mudanças sociais: 50 anos da Conferência do

Nordeste. São Paulo/São Bernardo do Campo: ASTE/EDITEO, 2012, p. 117-126.

_____. Teologia em curso: temas da fé cristã em foco. São Paulo: Paulinas, 2010.

RODRIGUES, Elisa. Os batistas no Brasil: mitos de origem, ênfases teológicas e novas

tendências. In: DIAS, Zwinglio Mota, RODRIGUES, Elisa & PORTELLA, Rodrigo

(Orgs.). Protestantes, evangélicos e (neo) pentecostais: história, teologias, igrejas e

perspectivas. São Paulo: Fonte Editorial, 2013, p. 149-166.

Page 124: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

124

SANCHES, Regina Fernandes. Teologia da missão integral: história e método da

teologia evangélica latino-americana. São Paulo: Reflexão, 2009.

SANTOS, Marcelo. Raízes históricas e teológicas dos batistas: de onde viemos? In:

PINHEIRO, Jorge & SANTOS, Marcelo (Orgs.). Os batistas: controvérsias e vocação

para a intolerância. São Paulo: Fonte Editorial, 2012, p. 13-50.

_____. O marco inicial batista: uma discussão historiográfica sobre os primórdios do

trabalho batista no Brasil. Rio de Janeiro: Convicção, 2011.

SCHILSON, Arno & KASPER, Walter. Cristologia: abordagens contemporâneas. São

Paulo: Loyola, 1990.

SHEDD, Russell. Escatologia do Novo Testamento. 2ª ed. São Paulo: Vida Nova, 1985.

SILVA, Elizete da. Os batistas no Brasil. In: SILVA, Elizete da, SANTOS, Lyndon de

Araújo & ALMEIDA, Vasni de (Orgs.). “Fiel é a palavra”: leituras históricas dos

evangélicos protestantes no Brasil. Feira de Santana: UEFS, 2011, p. 283-332.

SILVA, Nilo Tavares. Do confronto ao diálogo: o estilo batista de ser e a questão

ecumênica no Brasil. São Paulo: Fonte Editorial, 2013.

SILVA, Roberto do Amaral. Princípios e doutrinas batistas: os marcos de nossa fé. 2ª

ed. Rio de Janeiro: JUERP, 2007.

SOBRINHO, João Falcão. A túnica inconsútil: doutrina da igreja. Rio de Janeiro:

JUERP, 1998.

SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador: I – a história de Jesus de Nazaré. 2ª ed. Petrópolis:

Vozes, 1996.

TESSMANN, Mário Francisco. Pietismo. In: BORTOLLETO FILHO, Fernando (Org.).

Dicionário brasileiro de teologia. São Paulo: ASTE, 2008, p. 785-790.

Page 125: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/314/1/AlonsoGon.pdf · 2016-08-09 · Igreja Batista brasileira a Declaração Doutrinária

125

TORRES, José Carlos. Ordem social (igreja e sociedade). In: FERREIRA, Ebenézer

Soares (Org.). Comentários à declaração doutrinária da Convenção Batista Brasileira.

Rio de Janeiro: Tempo de Colheita, 2009, p. 199-209.

WIRTH, Lauri Emílio. Protestantismos latino-americanos: entre o imaginário

eurocêntrico e as culturas locais. In: FERREIRA, João Cesário Leonel (Org.). Novas

perspectivas sobre o protestantismo brasileiro. São Paulo: Fonte Editorial/Paulinas,

2009, p. 15-46.

YAMABUCHI, Alberto Kenji. A voz paradoxal de uma mulher no debate sobre a

história das origens do trabalho batista no Brasil. In: PINHEIRO, Jorge & SANTOS,

Marcelo (Orgs.). Os batistas: controvérsias e vocação para a intolerância. São Paulo:

Fonte Editorial, 2012, p. 51-79.

_____. O debate sobre a história das origens do trabalho batista no Brasil: uma análise

das relações e dos conflitos de gênero e poder na Convenção Batista Brasileira dos anos

1960-1980. Tese de Doutorado. (Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião

da Universidade Metodista de São Paulo). São Bernardo do Campo: UMESP, 2009.

ZABATIERO, Júlio Paulo Tavares. Hermenêutica fundamentalista: uma estética do

interpretar. Estudos de religião, São Bernardo do Campo: UMESP, ano XXII, n.º 35,

dez., 2008, p. 14-27.

_____. Hermenêutica protestante no Brasil. In: FERREIRA, João Cesário Leonel

(Org.). Novas perspectivas sobre o protestantismo brasileiro. São Paulo: Fonte

Editorial/Paulinas, 2009, p. 131-160.