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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO
Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião
ABIGAIL ALBUQUERQUE DE SOUZA DANELUZ
Pressupostos Pedagógicos e Teológicos da
EBD da Igreja Batista: Uma Leitura Crítica da Proposta de LÉCIO DORNAS a partir de PAULO FREIRE e JUAN LUIS SEGUNDO
São Bernardo do Campo
2010
2
ABIGAIL ALBUQUERQUE DE SOUZA DANELUZ
Pressupostos Pedagógicos e Teológicos da
EBD da Igreja Batista: Uma Leitura Crítica da Proposta de LÉCIO DORNAS
a partir de PAULO FREIRE e JUAN LUIS SEGUNDO
Dissertação apresentada em cumprimento
parcial às exigências do Programa de Pós-
Graduação em Ciências da Religião, para a
obtenção do grau de Mestre.
Orientador: Prof. Dr. Jung Mo Sung
São Bernardo do Campo
2010
3
FICHA CATALOGRÁFICA
D198p Daneluz, Abigail Albuquerque de Souza
Pressupostos pedagógicos e teológicos da EBD da Igreja Batista: uma leitura crítica da proposta de Lécio Dornas a partir de Paulo Freire e Juan Luis Segundo /-- São Bernardo do Campo, 2010. 160fl. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Faculdade de Humanidades e Direito, Programa de Pós Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo Bibliografia Orientação de: Jung Mo Sung 1. Educação religiosa 2. Escola Bíblica Dominical – Igreja Batista 3. Dornas, Lécio 4. Freire, Paulo 5. Segundo, Juan Luis I. Título CDD 286.181
4
A Jesus, Senhor da minha vida (que escolheu me chamar
de amiga e não de serva)...
5
EPÍGRAFE
A Palavra de Deus não é algo para ser (contido) vertido em nós como se fôssemos meros recipientes estáticos (...). E porque salva, esta Palavra também liberta, mas os homens têm que aceitar isto historicamente.
Paulo Freire (Carta para um Estudante de Teologia)
O Absoluto, a quem seguimos, não nos impõe cegueira obediente a mistérios ininteligíveis, mas nos guia, como seres livres e criadores, para uma verdade sempre mais profunda e enriquecedora.
Juan Luis Segundo (O Dogma que Liberta, p. 144)
Novo mandamento vos dou: Amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei a vós, assim também deveis amar uns aos outros. Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros. Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama. E quem me ama será amado por meu Pai, e eu também o amarei e me manifestarei a ele. Se permanecerdes no meu ensino, verdadeiramente sereis meus discípulos. Então conhecereis a verdade e a verdade vos libertará.
Jesus, o Cristo (João 13. 34-35,14.21 e 8. 31b-32)
6
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus por ter me alcançado em Jesus, por me proporcionar esta experiência
singular e por me amar tanto através das pessoas abaixo listadas.
Ao meu esposo, o maior bem que achei. Obrigada, querido, por me ajudar a ver
diariamente quem é Deus, quem eu sou, quem é o meu próximo.
Aos meus queridos pais, Joaquim (in memoriam) e Nadira,
e meus irmãos, Pedro, Mira e Mariana, com quem tive as primeiras noções
de quem Deus era, de quem eu era, de quem era o meu próximo.
A Rosimary (in memoriam) e a Eurika, mulheres que me inspiraram.
Ao meu querido orientador “Profi” Jung por incorporar a solidariedade, por me ensinar a
aprender e a desaprender... que paciência o senhor teve comigo!
Ao querido pastor Neto pelo encorajamento e por acreditar em minhas intuições.
Ao meu querido pastor Kenji por oportunizar o gosto do magistério acadêmico.
Ao querido “Profi” Geoval pelo carinho e pastoreio sempre presentes e aos meus
mestres da EBD, LBC e Metodista com quem tanto aprendi.
Ao querido Pr. Lécio Dornas pela receptividade, abertura e diálogo.
Aos irmãos da Metodista: Lisboa, Lucy, Pedro, Analzira e Jorge pela amizade.
Aos irmãos do ICEC: Ricardo, Gedeon e Madalena pela generosidade.
Ao IEPG pelo generoso apoio.
A CAPES pela bolsa de estudo que viabilizou este caminho acadêmico.
A todos os meus familiares, irmãos na fé e amigos, pelo apoio e motivação.
7
SUMÁRIO
LISTA DE SIGLAS.....................................................................................................09 INTRODUÇÃO...........................................................................................................13 CAPÍTULO I: A EBD Proposta por LÉCIO DORNAS para a Igreja Batista .......................................................................................20 1. Breve Histórico dos Batistas: Chegada no Brasil e utilização da EBD na
denominação...................................................................................................20
2. Quem é Lécio Dornas?....................................................................................37
3. Proposta Teológico-Pedagógica de Dornas para a EBD................................42
3.1 Bíblia ....................................................................................................43
3.2 Deus .....................................................................................................46
3.3 Ser Humano .........................................................................................46
3.4 Salvação ...............................................................................................47
3.5 Educação .............................................................................................49
3.6 Professor ..............................................................................................51
3.7 Aluno ....................................................................................................54
3.8 Informação e Conhecimento ................................................................55
CAPÍTULO II: Aprender a Bíblia: Educação Bancária ou Dialógica?..........57 1. Educação Bancária X Educação Dialógico-Libertadora .................................57
2. Aprender a Bíblia: Informação ou Conhecimento?..........................................73
CAPÍTULO III: EBD, Revelação e Salvação.....................................................81 1. Revelação: Doutrina ou Processo Pedagógico? ............................................81
2. Salvação: No que consiste e o que se salva?.................................................92
8
CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................101 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS…....................................................................106 ANEXOS..................................................................................................................114
9
LISTA DE SIGLAS
CBB Convenção Batista Brasileira
CBESP Convenção Batista do Estado de São Paulo
CCER-CBB Conselho Coordenador de Educação Religiosa da CBB
EBD Escola Bíblica Dominical
FTBSP Faculdade Teológica Batista de São Paulo
IBER Instituto Batista de Educação Religiosa
JUERP Junta de Educação Religiosa e Publicações da Convenção
Batista Brasileira
PIB Primeira Igreja Batista
STBMT Seminário Teológico Batista de Mato Grosso
STBSB Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil
10
DANELUZ, Abigail Albuquerque de Souza. Pressupostos Pedagógicos e Teológicos da EBD da Igreja Batista: Uma Leitura Crítica da Proposta de LÉCIO DORNAS a partir de PAULO FREIRE e JUAN LUIS SEGUNDO. Mestrado em
Ciências da Religião – Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião. São
Bernardo do Campo: Universidade Metodista de São Paulo, 2010.
RESUMO
Quando olhamos o histórico da Escola Bíblica Dominical (EBD) no Brasil, com
exceção do material produzido e trazido por missionários estadunidenses, até muito
recentemente, apenas um brasileiro batista, Lécio Dornas, produziu literatura que
auxiliasse pastores, líderes e professores nesta difícil tarefa da docência cristã.
Em sua trilogia: Socorro sou Professor da Escola Dominical de 1997,
Vencendo os Inimigos da Escola Dominical de 1998 e A Nova EBD, A EBD de
Sempre de 2001, Dornas introduz o docente a novas possibilidades na EBD.
Todavia, em seus pressupostos pedagógicos e teológicos, a proposta de Dornas
evidencia algumas limitações para a construção de uma práxis educacional
dialógico-libertadora que responda às necessidades e desafios contemporâneos.
O objetivo desta dissertação é oferecer uma leitura crítica dos pressupostos
pedagógicos e teológicos da proposta de Lécio Dornas para a EBD da Igreja Batista
a partir de Paulo Freire e Juan Luis Segundo. Ambos revelarão uma nova
abordagem para a EBD que pretende constituir-se como práxis.
Palavras Chaves: Educação, Teologia, Revelação, EBD, Igreja Batista.
11
DANELUZ, Abigail Albuquerque de Souza. Presupuestos Pedagógicos y Teológicos de la EBD de la Iglesia Bautista: Una Lectura Crítica de la Propuesta de LÉCIO DORNAS a partir de PAULO FREIRE y JUAN LUIS SEGUNDO. Maestría en Ciencias de la Religión – Programa de Post-Graduación
en Ciencias de la Religión. São Bernardo do Campo: Universidad Metodista de
São Paulo, 2010.
RESUMEN
Cuando revisamos la historia de la Escuela Bíblica Dominical (EBD) en Brasil,
con excepción del material producido y traído por los misioneros estadounidenses,
nos percatamos de que a penas un brasileño bautista produjo literatura para auxiliar
a pastores, líderes y profesores en la difícil tarea de la docencia cristiana.
En su trilogía: Socorro soy profesor de la Escuela Dominical de 1997;
Venciendo los Enemigos de la Escuela Dominical de 1998; y La Nueva EBD, la EBD
de Siempre de 2001, Dornas introduce al profesor a las nuevas posibilidades en la
EBD. Sin embargo, en sus presupuestos pedagógicos y teológicos, la propuesta de
Dornas evidencia algunas limitaciones en lo que se refiere a la construcción de una
praxis educacional dialógico-liberadora que responda a las necesidades y los
desafíos contemporáneos.
El objetivo de esa disertación es ofrecer una lectura crítica de los
presupuestos pedagógicos y teológicos de la propuesta de Lécio Dornas para la
EBD de la Iglesia Bautista, a partir de Paulo Freire y Juan Luis Segundo. Ambos
divulgarán un nuevo abordaje para la EBD que pretenda constituirse como praxis.
Palabras-Clave: Educación, Teología, Revelación, EBD, Iglesia Bautista.
12
DANELUZ, Abigail Albuquerque de Souza. Pedagogical and Theological Tenets of the Baptist Church Sunday School: A Critical Reading of LÉCIO DORNAS Proposal from the Perspective of PAULO FREIRE and JUAN LUIS SEGUNDO. Masters Degree in Religion Sciences, Post-Graduation Program in Religion
Sciences. São Bernardo do Campo: Methodist University of São Paulo, 2010.
ABSTRACT
When we look at the records of Sunday School in Brazil, with exception of the
material produced and brought by North American missionaries, until very recently,
only one Baptist Brazilian, Lécio Dornas, had produced literature which aided
pastors, leaders and teachers in the tough task of Christian teaching.
In his trilogy: Help I’m a Sunday School Teacher from 1997, Defeating the
Sunday School Enemies from 1998 and The New Sunday School, The Usual Sunday
School from 2001, Dornas introduces teachers to new possibilities on Sunday
School. Nonetheless, in its pedagogical and theological tenets, Dornas proposal
shows certain limitations in building a dialogical-liberating educational praxis which
responds to contemporary challenges and needs.
The proposal of this dissertation is to offer a critical reading of the pedagogical
and theological tenets of Lécio Dornas proposal to the Sunday School of the Baptist
Church, from the perspective of Paulo Freire and Juan Luis Segundo. Both will unveil
a new approach to the Sunday School which intends to establish itself as praxis.
Key Words: Education, Theology, Revelation, Sunday School, Baptist Church.
13
INTRODUÇÃO
“somos um só corpo em Cristo e membros uns dos outros, tendo, porém, diferentes dons segundo a graça que nos foi dada (...) o que ensina esmere-se no fazê-lo;”
(Paulo – Gálatas 12.5-7)
Atualmente verifica-se que a Educação Cristã nas igrejas e instituições
religiosas tem passado por várias mudanças, fruto de desafios que acompanham as
demais áreas da vida globalizada, tecnológica e impessoal em que vivemos.
Entretanto, ao longo de sua trajetória, a Educação Cristã parece ter se
distanciado de seus pressupostos fundantes, da reflexão e práxis pedagógico-cristã
em sua dimensão mais libertadora, caindo na lógica da reprodução do sistema
eclesial, negando seu propósito original.
Neste âmbito, desponta a Igreja Batista que até muito recentemente tinha
na tradicional Escola Bíblica Dominical (EBD) seu órgão máximo de articulação e
fomentação da educação cristã. Todavia, nem mesmo a EBD tem conseguido
sobreviver à grande crise do processo educacional, que é ainda mais forte na Igreja
Batista, pois vem aliada a outras dificuldades da denominação. Cada vez mais fica
notório o problema que as igrejas batistas locais têm enfrentado em tentar manter,
reavivar ou até extinguir a EBD.
Desta situação de inadequação, brotaram as primeiras sementes desta
pesquisa. Desde a infância, a pesquisadora participou ativamente da EBD da igreja
batista da qual fazia parte juntamente com sua família e a partir deste histórico de
vida, vocação e amor pela docência, sobretudo cristã, e vida atuante na EBD, que
surgiu o interesse e desafio em pesquisar esta, que, apesar de ser a instituição de
ensino cristão mais tradicional da denominação Batista, atualmente vem sendo
causa de grandes controvérsias para pastores, líderes, docentes e discentes.
Quando olhamos o histórico da EBD no Brasil, com exceção do material
produzido ou trazido por missionários estadunidenses sobre a educação cristã na
EBD, apenas um brasileiro batista produziu, até muito recentemente, literatura que
auxiliasse docentes na difícil tarefa do ensino cristão. Trata-se de Lécio Dornas,
pastor e educador mineiro que produziu, entre outras obras, uma trilogia da EBD
amplamente utilizada por evangélicos de várias denominações.
14
Em suas três obras: Socorro sou Professor da Escola Dominical, de 1997,
Vencendo os Inimigos da Escola Dominical, de 1998 e A Nova EBD, A EBD de
Sempre, de 2001, Dornas oferece ao docente novas possibilidades na EBD. Seus
textos são regados a muita inovação, dinamismo e desejo expressivo em melhorar a
educação cristã disponibilizada na EBD, na medida em que Dornas sugere maneiras
práticas para o desempenho da docência.
Vale salientar outra inigualável contribuição de Dornas, sobretudo se
considerado o ambiente não pouco resistente da denominação Batista a algumas
correntes e conceitos pedagógicos e teológicos contemporâneos. Em sua trilogia,
Dornas apresenta fragmentos do pensamento de Paulo Freire1, um dos maiores
educadores do século XX que, certamente, pode em muito contribuir para a
educação na EBD, mas que, até então, a despeito de sua notória influência na
educação secular nacional e internacional, esteve ausente do debate pedagógico na
EBD.
Isto nos remete ao conceito de "Sociologia das Ausências" desenvolvido por
Boaventura de Sousa Santos.2 Segundo Santos, esta é um sociologia que mostra
que o que foi feito ausente, experiência que foi desperdiçada, neste caso Paulo
Freire é fruto de uma razão indolente e orgulhosa, tema que retomaremos no
capítulo dois. As possíveis razões para este distanciamento entre a EBD e
pensadores brasileiros, como Paulo Freire, serão posteriormente discutidas, pois
1 Paulo Reglus Neves Freire, pernambucano nascido em 19 de setembro de 1921, em Recife, foi um dos maiores ícones da educação mundial moderna. Embora tenha nascido em família de classe média, de pai espírita e mãe católica, Freire logo experimentou dificuldades com a crise de 1929 o que mais tarde influenciaria seu trabalho devotado à educação popular e à pedagogia crítica que marcou profundamente a América Latina e a África, além de ser inspiração e causa de profundo estudo entre gerações de professores ao redor do mundo. Seus estudos e ação eficaz junto a camponeses e operários, alfabetizando adultos em apenas 45 dias em 1963, fez de Freire o inovador na pedagogia, estabelecendo novos paradigmas, novos questionamentos, democratizando o ensino e a linguagem, equipando pessoas para a libertação de sua condição de opressão, fizeram com que, durante o período do governo militar, Freire fosse perseguido e exilado, ficando fora do Brasil por mais de 15 anos. No exílio, mais precisamente no Chile, Freire escreveu sua obra prima, Pedagogia do Oprimido que foi traduzida para mais de 40 línguas. Em 1969 Freire lecionou em Harvard. Durante os 10 anos seguintes, foi Consultor Especial do Departamento de Educação do Conselho Mundial das Igrejas, em Genebra (Suíça). Nesse período, deu consultoria educacional junto a vários governos do Terceiro Mundo, principalmente na África. Em 1980, depois de 16 anos de exílio, retornou ao Brasil para "reaprender" seu país. Lecionou em várias universidades e, em 1989, tornou-se Secretário de Educação no Município de São Paulo. Freire foi e ainda é reconhecido mundialmente pela sua práxis educativa através de numerosas homenagens. Além de ter seu nome adotado por muitas instituições, é cidadão honorário de várias cidades no Brasil e no exterior. Paulo Freire faleceu no dia 2 de maio de 1997, em São Paulo, vítima de um infarto agudo do miocárdio. Seu pensamento educacional será amplamente apresentado no próximo capítulo. 2 SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez, 2001.
15
trazem implicações mais profundas para a práxis educacional da EBD Batista no
Brasil, que em Dornas começa a ter pela primeira vez uma certa “brasilidade”.
É bem verdade que a mera citação de Paulo Freire não implica em sua
interação ao meio da docência na EBD. Entretanto, o fato é que a proposta de Freire
é em parte citada por Dornas, como nota-se no extrato abaixo, embora não
efetivamente compreendida nem implementada:
Paulo Freire cunhou a expressão educação bancária (...). Esta visão do aluno, como mero depositário dos conhecimentos do professor, é por demais retrógrada e daninha, diante do nobre propósito da educação cristã.3
Dornas critica severamente a educação bancária, um dos conceitos que serão
explorados no segundo capítulo desta dissertação, citando claramente Paulo Freire.
Todavia, no mesmo livro, repetidas vezes ele propõe uma educação tipicamente
bancária. Por exemplo, ao explicar o que seria um planejamento de aula para a
Escola Dominical e os Dez Mandamentos do professor da escola dominical,
respectivamente, Dornas afirma:
O professor, ciente do conteúdo, já tem uma ideia da quantidade de informações e de ensinamentos que precisará transmitir.4 Dar instrução sem esquecer da educação, isto é, transmitir conhecimento e, ao mesmo tempo, formar o caráter.5
Ou ainda em outro momento, explanando sobre o preparo espiritual do
professor da EBD: Cada dia vivendo em comunhão com a Palavra de Deus, declarando com sua vida seu amor por ela (...), o professor vai enchendo suas entranhas (...) dos ensinamentos eternos (...). Assim, o professor torna-se firme e constante, verdadeiro depositário das verdades divinas, fiel guardião da sã doutrina.6
A análise de contradições e ambigüidades como estas é alvo desta pesquisa,
na medida em que se objetiva investigar os pressupostos que levam Dornas a,
3 DORNAS, Lécio. Socorro sou Professor da Escola Dominical. 9ª ed. São Paulo: Hagnos, 2002, p. 117. 4 Idem, p. 19. (Grifo meu) 5 Ibidem, p. 149. (Grifo meu) 6 Ibidem, p. 32. (Grifo meu)
16
apesar de avaliar, neste exemplo, a educação bancária como nociva e ultrapassada,
ser incapaz de romper com tal prática em sua proposta de EBD. Portanto, quais são
os pressupostos teológicos e pedagógicos que impedem Dornas de fazer a
passagem da teoria para uma práxis educativa libertadora?
A hipótese que se pretende constatar é que a despeito das contribuições
anteriormente citadas e das que ainda serão tratadas nos próximos capítulos, em
seus pressupostos pedagógicos e teológicos, a proposta de Dornas quando
analisada mais de perto evidencia algumas limitações para a construção de uma
práxis educacional dialógico-libertadora que responda às necessidades e desafios
contemporâneos.
Como será amplamente discutida mais adiante, a trilogia de Dornas mostra
inconsistências internas e conceitos fundamentados em pressupostos que não
favorecem uma educação cristã compatível com a proposta maior do evangelho de
Cristo, frente à integralidade do ser humano. Estes pressupostos inadequados
norteiam todo o pensamento de Dornas e, por serem inadequados, não são mais
tolerados pela sociedade contemporânea, haja vista o número crescente de igrejas
batistas, nas quais a EBD já foi extinta ou está prestes a ser.
Este fato demanda reformulações que começam por uma renovação na visão
pedagógica, na qual a EBD é concebida como sendo estratégica e parte integrante
do processo de conversão dos perdidos e perdidas, passando pelo resgate de
princípios teológicos norteadores da educação cristã, até chegar a um diálogo entre
a Teologia e a Educação em seus elementos teóricos e práticos mais profundos.
Como já foi citado, com sua pedagogia crítica, o educador e cristão Paulo
Freire possibilita novos caminhos para se estruturar os pressupostos de uma
educação que educa para a vida, para a liberdade. Paulo Freire oferece muito mais
do que pressupostos para uma prática educacional. Freire vai além e alcança a
essência do processo educativo através de uma ação que viabiliza de forma integral
a educação libertadora com amor, fé, diálogo e espírito crítico, como tem sido
evidenciado através dos anos, não somente no Brasil, mas em todos os lugares
onde sua proposta foi e ainda é colocada em prática.
Paralelamente, o trabalho do teólogo Juan Luis Segundo, evidencia
categorias teológicas que apontam para uma educação cristã que, entre outras
coisas, compreende a revelação da palavra de Deus, o livro texto da EBD, como
método pedagógico e não como fim em si mesmo, desta maneira retificando a
17
maneira processual e comunitária que a verdadeira educação, neste caso a cristã,
sempre acontece.7
De Freire e Segundo podemos obter uma leitura crítica repleta de novos
horizontes para a EBD proposta por Dornas para a Igreja Batista, na medida em que
Paulo Freire, embora pedagogo, não divorcia a pedagogia de sua fé cristã mas, ao
contrário, vale-se de suas intuições cristãs para elaborar sua pedagogia e assim,
conjuntamente contribui para a teologia. Semelhantemente, Juan Luis Segundo
contribui não só na área da teologia mas também, da pedagogia, pois entende que a
teologia é articulada num processo pedagógico.
Constata-se que a grande contribuição de Freire e Segundo reside justamente
na capacidade que ambos têm de tratar com tanta harmonia categorias normalmente
compreendidas de forma independentes. Esta linha de pensamento será
determinante para a análise do âmago da proposta educacional da EBD de Dornas.
Logo, o objetivo desta dissertação é oferecer uma leitura crítica dos
pressupostos pedagógicos e teológicos da proposta de Lécio Dornas para a EBD da
Igreja Batista, a partir de Paulo Freire e Juan Luis Segundo, na medida em que
ambos podem revelar uma nova abordagem para a EBD que pretende se
estabelecer como práxis. Para tanto, serão empregados a metodologia bibliográfica
e o método dialético, pois viabilizam uma análise que:
(...) penetra o mundo dos fenômenos através de sua ação recíproca, da contradição inerente ao fenômeno e da mudança dialética que ocorre na natureza e na sociedade. 8
7 O cristão e teólogo católico Juan Luis Segundo nasceu em Montevidéu/Uruguai em 31 de Março de 1925. Segundo escreveu numerosos livros e artigos sobre teologia, ideologia, fé, hermenêutica, justiça social, entre outros assuntos, sendo “Teologia Aberta para o Leigo Adulto”, em cinco volumes, sua obra mais importante. Os anos de estudos, preparação espiritual e intelectual começaram quando Segundo era ainda bem jovem. Médico por formação, em 1941 ingressou na companhia de Jesus, estudou no Seminário Jesuíta em Córdoba e no Seminário de San Miguel, na Argentina e, mais tarde, na Faculdade de Alberto em Louvain/Bélgica, onde conheceu Gustavo Gutiérrez. Entre 1958 e 1963, estudou na Universidade de Sorbonne/ França e lá realizou seu doutorado. Segundo regressou ao Uruguai e, em Montevidéu, paralelamente a sua militância pelas questões teológicas e sua atividade docente não só no plano Latino Americano, mas também no Canadá, em Harvard/Estados Unidos e França, foi entre o laicato que Segundo estabeleceu suas raízes. Ele acreditava que a formação de um laicato consciente e atuante era a maior contribuição para a Igreja e para o mundo. Em 1964, Segundo conheceu em Petrópolis/ Brasil outros teólogos latino-americanos e assim iniciaram a Teologia da Libertação. Juntamente com o teólogo peruano Gustavo Gutiérrez, Segundo foi um dos criadores do movimento. Segundo faleceu no Uruguai em 17 de Janeiro de 1996, deixando saudade. O pensamento de Juan Luis Segundo será apresentado e discutido nos próximos capítulos. 8 LAKATOS, Eva Maria e MARCONI. Marina de Andrade. Metodologia do trabalho científico. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 106.
18
Segundo Carlos Gil, o método dialético fornece as bases para uma
interpretação dinâmica da realidade, pois estabelece que os fatos sociais não devem
ser entendidos isoladamente, divorciados de suas influências políticas, econômicas,
culturais e religiosas.9
A pesquisa aponta algo relevante e inspirador para as comunidades
educacionais e eclesiástica, e para a sociedade como um todo, na medida em que
em analisando criticamente os pressupostos teológicos e pedagógicos da EBD de
Dornas à luz do pensamento de Paulo Freire e Juan Luis Segundo, sinalizam-se
critérios da construção de concepções pedagógicas e teológicas na prática das
igrejas cristãs, que intentam cumprir com zelo sua função transformadora.
Numa época em que mudanças culturais profundas ocasionam processos de
crise e transformação, tal estudo pode contribuir para pensar nossa realidade
histórica tanto na perspectiva pedagógica ou educativa, como na perspectiva
teológica e pastoral. Acrescente-se a isso o fato de ser este, mais um esforço no
resgate da memória e obra de Paulo Freire e Juan Luis Segundo, um passo no
diálogo entre eles que vem sendo fomentado na academia.
Verifica-se que o foco singular que este projeto possui não se limita somente
ao âmbito da educação e teologia, mas implicará também na análise de outras áreas
relacionadas.
A pesquisa foi desenvolvida em três capítulos, sendo que no primeiro deles é
oferecido um breve histórico dos Batistas e a vinda da denominação ao Brasil,
focalizando na EBD seu desenvolvimento e transição durante mais de um século de
história até chegar a Lécio Dornas, nos anos 90, que influenciou fortemente o
programa de educação cristã Batista Brasileiro, sobretudo através da EBD com a
produção de sua trilogia. Encerra-se o primeiro capítulo com o levantamento das
contribuições, contradições e limitações de alguns pressupostos pedagógicos e
teológicos da EBD proposta por Dornas.
O segundo capítulo ocupa-se em analisar os pressupostos pedagógicos que
norteiam a proposta de Dornas, em Diálogo com Paulo Freire e Juan Luis Segundo.
De Paulo Freire serão tratados os conceitos de educação bancária em contraste
com a educação dialógico-libertadora, a noção de que ninguém educa ninguém, mas
que entre si as pessoas se educam com amor, fé e diálogo, além de se construir
uma ponte entre a pedagogia e a teologia, alicerçando bem a noção de uma 9 GIL, Antonio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2007.
19
educação cristã, na qual aprender a Bíblia não é decorar conteúdo ou obter
informação, mas sim o que Juan Luis Segundo chamou de dar “luz” para discernir as
apostas e caminhos da vida. Neste direcionamento de Segundo, ainda são expostos
a compreensão de que aprendizagem não é feita através de somas de verdades e
subtração de erros, mas sim da multiplicação constante de fatores, além dos
conceitos de “igreja docente com sua pedagogia apressada” em conjunto com “igreja
discente com perguntas atrasadas” que muito podem auxiliar a construção de novos
paradigmas para a EBD Batista.10
O terceiro capítulo trata de alguns pressupostos teológicos da proposta de
Dornas, utilizando caminho similar ao empregado no capítulo anterior. Juan Luis
Segundo será introduzido como uma opção de paradigma teológico que muito se
harmoniza com a noção pedagógica de Freire, na medida em que Segundo entende
a revelação de Deus como processo pedagógico e não como uma doutrina.
Salvação é o outro tema abordado como humanização integral do ser e não
somente da alma, conforme comumente se ouve. Na perspectiva cristã, a salvação
não é remir o ser humano do mundo, mas com o mundo.11
Finalmente, com a análise desenvolvida na pesquisa, espera-se indicar
algumas limitações que permanecem, e áreas que demandam estudos mais amplos,
para que os pressupostos pedagógicos e teológicos da EBD, que pretende se definir
como práxis, sirvam de fato para a composição de novos horizontes numa
perspectiva educativa e pastoral.
10 FREIRE. Paulo. Pedagogia do Oprimido. 12a ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983 e SEGUNDO. Juan Luis. O dogma que liberta: Fé, revelação e magistério dogmático. Tradução de Magda Furtado de Queiroz. 2 ª ed. São Paulo: Paulinas, 2000. 11 SEGUNDO. Juan Luis. Que Mundo? Que Homem? Que Deus? São Paulo: Paulinas, 1995. COMBLIN, José. Antropologia Cristã. (Série III A Libertação na História). Petrópolis: Vozes, 1985. MOLTMANN, Jürgen. The Spirit of Life: A Universal Affirmation. Minneapolis: Fortress Press, 1992.
20
CAPÍTULO I: A EBD Proposta por LÉCIO DORNAS para a Igreja Batista
“Vocês estavam indo tão bem! Quem convenceu vocês a deixarem de seguir a verdade?”
(Paulo – Gálatas 5.7)
O objetivo deste capítulo é oferecer um breve histórico dos Batistas e a vinda
da denominação ao Brasil, focalizando na EBD, seu desenvolvimento e transição,
durante mais de um século de história até chegar aos anos 90, com o surgimento de
Lécio Dornas que influenciou fortemente a EBD Batista brasileira com sua trilogia:
• Socorro sou Professor da Escola Dominical (1997)
• Vencendo os Inimigos da Escola Dominical (1998)
• A Nova EBD, A EBD de Sempre (2001)
Encerra-se o primeiro capítulo com o levantamento da proposta teológico-
pedagógica de Dornas para a EBD através da análise de alguns de seus
pressupostos pedagógicos e teológicos.
1. BREVE HISTÓRICO DOS BATISTAS: CHEGADA AO BRASIL E UTILIZAÇÃO DA EBD NA DENOMINAÇÃO
Os Batistas são hoje no Brasil cerca de 3 milhões de fiéis, espalhados por
todas as regiões. Devido a diferenças teológicas, os Batistas estão divididos em
alguns grupos, a saber: Convenção Batista Nacional (CBN) também chamados
“batistas renovados” por aceitarem o batismo pentecostal, Igrejas Batistas
Independentes do Brasil, que têm origem no movimento Pentecostal-Batista da
Suécia, igrejas com uma tendência mais conservadora, como a Igreja Batista
Conservadora, fundada no Rio Grande do Sul, Igreja Batista Bíblica, que fundou a
Comunhão Batista Bíblica Nacional (CBBN), Igreja Batista Fundamentalista e Igreja
Batista Regular. Há ainda outros grupos independentes e menores, entre os quais
destacam-se o que por ser também calvinista filiou-se à Comunhão Reformada
21
Batista do Brasil, além da Igreja Batista do Sétimo Dia, que difere das anteriores pela
guarda do sábado.
Entretanto, o grupo Batista ao qual esta dissertação faz referência é o filiado à
Convenção Batista Brasileira (CBB), que atualmente soma 1,5 milhão de membros
em aproximadamente 7.600 templos espalhados por todo o território brasileiro.12
Muitas teorias foram desenvolvidas a respeito do surgimento dos Batistas,
grupo que rapidamente se espalhou por todo o mundo. Entre as teorias mais
aceitas, grosso modo, estão basicamente três.
A primeira é a JJJ (Jerusalém - Jordão - João) que aponta o surgimento dos
batistas a partir de João Batista, ideia amplamente difundida no Brasil, em 1931,
com a publicação do folheto O Rastro de Sangue (The Trail of Blood, título original)
do pastor batista J. M. Carrol. 13
A segunda teoria é a do parentesco espiritual com os Anabatistas ou
rebatizadores como foram chamados por rebatizarem pessoas previamente
batizadas pela igreja católica.
Os Anabatistas entendiam que o batismo só era válido quando realizado
voluntária e conscientemente. Por esta e outras razões, os Anabatistas discordavam
radicalmente da igreja Católica e tiveram grande ascensão após a Reforma
Protestante, no século XVI.
Eles ainda influenciaram grandes grupos entre os quais estão os batistas,
apesar de grandes discordâncias doutrinárias, como a não-aceitação por parte dos
batistas a juramentos, doutrina pacifista e hipnose da alma, ideias difundidas pelos
anabatistas. 14
A terceira teoria trata do surgimento dos batistas com os separatistas ingleses
do século XVII que, entre outras convicções teológicas, adotaram a validade do
batismo apenas após a regeneração. 15
Esta teoria compreende que a história dos batistas teve início com os ingleses
chamados separatistas que foram para a Holanda por volta de 1608, na época
centro de refugiados ingleses. Os separatistas buscavam liberdade religiosa, 12 Departamento de Pesquisas. Denominações. SEPAL, 2009. Disponível em: http://infobrasil.lideranca.org/index.php?option=com_content&view=article&id=27&Itemid=26>. Acesso em: 10 março de 2009. http://www.olhardireto.com.br/noticias/exibir.asp?noticia=90%BA_assembleia_da_Convencao_Batista_Brasileira_comeca_sexta-feira_em_Cuiaba&edt=25&id=77652? Acesso em 21 de janeiro de 2010. 13 PEREIRA, J. Reis. Breve história dos batistas. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1972. p.7. 14 TORBERT, R. G. Esboço da história dos baptistas. Portugal: Edições Vida Nova, 1959, p.35. 15 Idem.
22
separação entre a Igreja e o Estado e o rompimento com a Igreja Anglicana já que a
Inglaterra estava debaixo do reinado Elizabetano (Elizabeth I, a última monarca da
dinastia dos Tudors): 16
A intolerância religiosa nos dias de Elizabeth foi tão grande ou mesmo maior do que nos dias de Maria (cognominada a Sanguinária), só que contra o Catolicismo Romano e contra quaisquer grupos protestantes que não aderiram às leis impostas pela Igreja Anglicana. 17
Na Holanda os ingleses Thomas Helwys e o pastor John Smith, após estudo
incessante da bíblia, partilharam da experiência do rebatizamento e lideraram uma
nova comunidade com princípios batistas.
Todavia, em dado momento, Helwys e Smith tiveram discordâncias quanto a
questões teológicas e Smith, liderando 32 pessoas, batizou-se a si mesmo por
afusão e filiou-se juntamente com os demais a um grupo Menonita, enquanto
somente 10 ou 12 permaneceram com Helwys. Smith permaneceu na Holanda, onde
pouco tempo depois faleceu. 18
Não se sabe precisamente quando Helwys retornou à Inglaterra, mas a igreja
batista foi tomando forma até que em 1612, em Spitalfields, cidade nos arredores de
Londres, foi organizada a primeira congregação batista inglesa. Helwys passou seus
últimos dias preso, falecendo por volta dos 45 anos. 19
A perseguição religiosa, característica da monarquia Inglesa daquela época,
não parou de assolar o país, e os cristãos batistas foram forçados a migrar para
várias partes do país e até do mundo, inclusive para a América do Norte, onde em
1620 um grupo de batistas fretou um pequeno navio chamado May-Flower e
desembarcou no que é hoje o estado de Massachussets. 20
Pode-se afirmar que desta dispersão talvez tenha surgido no povo batista
uma tendência para união denominacional, já que era um povo ainda pequeno com
16 OLIVEIRA, Zaqueu P. Liberdade e Exclusivismo, Rio de Janeiro: Horizonal, 1997, p.27 e 28. 17 Idem. 18 Ibidem, p.39. O batismo por afusão ou aspersão consiste no derramamento de água sobre o batizando e não na imersão do batizando na água como criam os batistas. O testemunho pessoal e a perseguição religiosa levaram os anabatistas a várias partes da Europa, surgindo inúmeras igrejas na Suíça, Alemanha, Áustria e Países Baixos onde um dos líderes anabatistas foi Menno Simons (1496-1561) cuja influência sobre o grupo foi tão profunda que seus opositores passaram a chamá-los não mais de anabatistas mas de Menonitas. 19 Idem, p. 41, 42 e 43. 20 Ibidem, p. 83.
23
ideias diretamente opostas ao modelo religioso que imperava. Daí também explica-
se o zelo por uma doutrina tão rigorosa e clara, para estabelecer diferenciação e
identificação.
A posição dos batistas sobre liberdade religiosa, já no final da metade do século dezessete, havia avançado extraordinariamente, a ponto de se poder afirmar que foram eles que lançaram a semente do espírito democrático do mundo moderno. 21
Vale salientar que a despeito de terem sido reconhecidos entre as igrejas
históricas como pioneiros do espírito democrático, os batistas no Brasil
implementaram a democracia apenas dentro de seus templos, sem nenhuma
inferência na comunidade fora das portas de suas igrejas, sem gerar nenhuma
marca transformadora na sociedade brasileira, como aponta Alencar:
(...) num país em que as mulheres não votavam, pouquíssimas estudavam ou trabalhavam, as mulheres membros de Igrejas Batistas desde o século XIX já participavam de assembleias para decidir o destino da sua congregação. Por que, então, esse protagonismo democrático não os acompanhou na alteração da sociedade brasileira? O que então justificaria sua postura alheia ao mundo brasileiro? Seu modelo é o estilo de vida americano. Neste caso, na sua totalidade branco, classe média, escolarizado, com postura asséptica de militância política. 22
Retomando o histórico Batista, no tocante à educação, embora tenham sido
vagarosos em reconhecer seu valor, em 1785 inspirados no ensino que um jornalista
inglês, chamado Robert Raikes, estava proporcionando a crianças pobres e
problemáticas, em Gloucester desde 1780, os batistas ingleses decidiram criar a
Sociedade das Escolas Dominicais.23
A princípio a ideia desenvolvida por Raikes foi rejeitada por muitos ingleses,
pois temiam que uma vez que os mais pobres tivessem acesso à educação não
aceitariam se submeter às classes privilegiadas às quais muitos cristãos batistas
pertenciam. 24
21 Idem, p. 120. 22 ALENCAR, Gedeon. Protestantismo Tupiniquim: Hipóteses da (não) Contribuição Evangélica à Cultura Brasileira. São Paulo: Arte Editorial, 2007. p. 57 e 65. Para uma leitura crítica sobre o tema da democracia, vide capítulo 4: A democracia Brasileira tem uma marca batista?. 23 TORBERT, R. G.Esboço da história dos baptistas. p. 61. 24 Idem.
24
Todavia, o apelo educacional tomou força entre os batistas, muitos seminários
foram gradativamente construídos, sobretudo com a inspiração advinda da grande
obra realizada pelo pastor William Carey na Índia apoiado por outros missionários,
tais como William Ward e Joshua Marshman, em meados de 1793, que entre outras
coisas consistiu em fundar 26 igrejas, 126 escolas com 10.000 alunos, traduzir as
Escrituras em 44 línguas, organizar a primeira missão médica na Índia, seminários,
escola para meninas e um jornal na língua Bengali. 25
A ideia inicial de ensino através da Escola Dominical já havia sido esboçada,
mesmo que de forma diferente, antes mesmo da iniciativa de Raikes em 1780. Há
indícios de que Zinzendorf na Alemanha e John Wesley na Inglaterra já
desenvolviam algum trabalho de ensino com crianças mesmo que de forma
esporádica. O fato é que estas iniciativas limitaram-se a grupos locais e assim não
ganharam maiores proporções. 26
25 William Carey nasceu em uma família pobre em Agosto de 1761 na Inglaterra. Aos 14 anos, aprendeu o ofício de sapateiro. Apesar de nascer em um lar anglicano, sua identificação com a fé se deu na igreja batista à qual se filiou com 18 anos, em 1779. Nesta época Carey começou a se preparar para pregar. Tornou-se poliglota, dominando o latim, grego, hebraico, italiano, francês e holandês, além de diversas ciências. Em Junho de 1781, casou-se com a jovem Dorothy Placket, com a qual teve cinco filhos. Em 1775 foi tocado pelo avivamento evidente das mensagens de John Wesley e George Whitefield e, em 1787, começou a pregar sobre a necessidade missionária no mundo. Em sua oficina de sapatos, pendurou um mapa mundial feito por ele mesmo e enquanto trabalhava, olhava o mapa e assim sentiu a chamada de Deus em sua vida. A igreja batista passava por grande decadência espiritual e foi resistente ao apelo de Carey, quando quis introduzir o assunto de missões numa sessão de ministros: "Jovem, assente-se. Quando Deus resolver converter os pagãos, fa-lo-á sem a sua e a minha ajuda." Carey continuou sua pregação pró-missões estrangeiras, e como resultado, com um grupo de doze pastores batistas formaram a Sociedade Missionária Batista, no dia 2 de Outubro de 1792. Através do testemunho do Dr. Thomas, um missionário e médico que trabalhou por vários anos em Bengali, na Índia, William Carey entendeu sua vocação em 10 de Janeiro de 1793. Sua esposa recusou deixar a Inglaterra e Carey partiu com o filho mais velho, Felix, para a Índia. Infelizmente Carey não obteve permissão para entrar naquele país e retornou a Londres. Com a intervenção do Dr. Thomas, Dorothy, esposa de Carey, decidiu acompanhá-lo na segunda viagem e finalmente no dia 13 de Junho de 1793 William Carey e sua família deixaram a Inglaterra e nunca mais voltaram. Na Índia, em meio a condições dificílimas e oposição, trabalharam por 41 anos. Carey foi um dos homens mais eruditos de seu tempo no que diz respeito às línguas, sobretudo orientais. Suas gramáticas e dicionários são usados ainda hoje. Além disso, William Carey foi responsável pela erradicação do costume "suttee" – queimava-se a viúva juntamente com o corpo do esposo morto numa fogueira, vários experimentos agriculturais, fundação da Sociedade de Agricultura e Horticultura na Índia em 1820, primeira imprensa, fábrica de papel e motor a vapor na Índia, tradução da Bíblia em Sânscrito, Bengali, Marati, Telegu e nos idiomas dos Siques. Na manhã de 9 de Junho de 1834, Carey morreu aos 73 anos, considerado o pai do grande movimento missionário moderno. 26 KASCHEL, Walter. Manual da Escola Dominical. 5ªed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1956, p. 8 e 9. Nicolas Ludwig Zinzendorf nasceu em 1700 na cidade de Dresden, Alemanha. Filho de nobres saxônios esteve desde cedo sob os cuidados de sua avó materna que sempre recebia em sua casa irmãos piedosos que influenciaram Zinzendorf sobretudo no tocante à consagração ao Senhor numa vida santa e também voltada ao espírito missionário. Estudou Direito na Universidade de Wittenberg. Em viagens pela Europa, Zinzendorf fez contato com a teologia da Reforma, com grupos não vinculados à igreja tradicional e com católicos romanos. Mais tarde usou seu patrimônio para comprar terras em Berthelsdorf, onde ofereceu refúgio para cristãos perseguidos provenientes da
25
No século XVIII a Europa e a América do Norte passavam por muitas
mudanças e dificuldades em várias áreas. Robert Raikes, um inglês redator e
produtor de 44 anos do Gloucester Journal, incomodado com a situação de
delinquência infantil que assolava a Inglaterra, sobretudo sua vizinhança, decidiu em
1780 sair às ruas e convidar crianças pobres para que aos domingos fossem à sua
casa aprender aritmética, princípios morais e cívicos, gramática e leitura utilizando a
bíblia. As aulas prosseguiram e com a adesão cada vez maior de crianças Raikes
contratou quatro professoras que recebiam um xelim por domingo. Todavia foi
apenas em 1783, três anos após o começo das aulas, que Raikes tornou público o
projeto de ensino dominical através do Gloucester Journal sem associar seu nome
ao movimento:
Tal foi o interesse pela nova instituição que em 1787, sete anos depois de funcionar a primeira Escola Dominical, já havia 250.000 alunos arrolados nas Escolas da Inglaterra. 27
Moravia (os irmãos moravianos) e assim acabou fundando e liderando uma comunidade cristã chamada Herrnhut (“O Abrigo do Senhor”). Outros grupos cristãos uniram-se a eles, entre os quais a ênfase era de uma busca do Senhor com todo o coração, com uma fé profundamente espiritual e de experiência e um evangelismo de âmbito não apenas local, mas mundial, com relacionamentos de unidade com outros grupos. Dali enviaram seus primeiros missionários para o Caribe, Groenlândia, América do Norte e outras regiões do planeta. Forçado a exilar-se por causa da perseguição religiosa, ele estabeleceu outras comunidades na Alemanha, na Inglaterra e nos Estados Unidos, onde procurou unir os grupos evangélicos, mas fracassou. Em seus últimos anos provou grande tragédia pessoal, com a morte do filho e esposa, além de dificuldades financeiras. O grande lema da vida de Zinzendorf era: “Tenho uma única paixão: Jesus, Ele e somente Ele”. Escreveu 2.000 hinos, alguns dos quais cantados pelos cristãos até hoje. Zinzendorf morreu aos 60 anos de idade. John Wesley, décimo terceiro filho do ministro anglicano Samuel e de Susana Wesley, nasceu a 17 de junho de 1703, em Epworth na Inglaterra. Ainda na infância, John Wesley foi o último a ser salvo, de forma miraculosa, em um incêndio que destruiu toda sua casa, onde estivera preso no segundo andar. A partir desse dia, Susana Wesley, sua mãe, dedicou-lhe atenção especial e aos cinco anos de idade, Susana começou a alfabetizar John, usando o livro dos Salmos como apostila. John estudou com sua mãe até os 11 anos. Entrou para uma escola pública onde ficou como aluno interno por seis anos. Aos 17 anos, foi para a Universidade de Oxford e começou a se reunir com um grupo de estudantes para meditação bíblica e oração, sendo conhecidos pelos colegas universitários de "Clube Santo". Os demais alunos, notando que os membros do grupo tinham horário e método para tudo que faziam, os taxaram como “metodistas”. Neste grupo Wesley começou a visitar e evangelizar os presídios passando a se interessar mais pela questão social de seu país e a miséria que a Inglaterra vivia na época. Graduou-se em Teologia e pôde ajudar a seu pai na direção da Igreja Anglicana até os 32 anos, quando atendeu a um apelo: precisava-se de missionários na Virgínia, Nova Inglaterra. Wesley retornou à Inglaterra em 1738 e no dia 24 de maio, em Londres, desfrutou de uma experiência espiritual singular. Nos anos seguintes, Wesley pregava ao ar livre e certa vez pregou a cerca de 14.000 pessoas. Calcula-se que, em 50 anos, Wesley tenha percorrido 175 mil quilômetros e pregado 40 mil sermões, com uma média de 800 sermões por ano. Wesley foi resopnsável por obras sociais dignas de destaque, como compêndio de medicina, apoio na reforma educacional, apoio na reforma das prisões e apoio na abolição da escravatura. 27 Idem, p. 10. O xelim é uma antiga unidade monetária que esteve em uso em muitos países, especialmente nas ex-colônias britânicas. No Reino Unido, 1 xelim equivalia a 12d (pence antigo) ou 1/20 de libra: eram 240 pences antigos para uma libra. O xelim foi substituído pela nova moeda de cinco pences, a qual inicialmente era de idêntico tamanho e peso.
26
Vale ressaltar, portanto, que a origem da EBD, como seria chamada
posteriormente, se dá em função dos menos favorecidos, sobretudo crianças pobres
e iletradas, e que a utilização da bíblia no ensino se deu não com o intuito de ensinar
a bíblia em seu caráter doutrinário ou como um fim em si mesmo. Ao contrário, a
EBD de Raikes fazia do ensino através da bíblia um meio de libertação da condição
indigna, de fortalecimento da cidadania e da humanização das crianças carentes de
Gloucester e consequentemente de toda aquela comunidade.
Isto nos lembra a proposta de educação de Paulo Freire, que, entre outras
coisas, objetiva ser, antes de mais nada, um ato de amor que é também político, de
humanização e libertação, uma vez que através da leitura da palavra (que é
precedida da leitura de seu próprio mundo) estes menos favorecidos podem ter uma
nova leitura de sua própria condição opressiva, desumanizadora e do mundo ao qual
são sujeitos.28
Voltando ao histórico da EBD, concomitantemente à iniciativa de Raikes
William Fox, rico diácono batista, negociante por ofício, mesmo desconhecendo o
projeto de Raikes, iniciou também em outra parte da Inglaterra o ensino
essencialmente bíblico a crianças durante a semana. Juntamente com o apoio de
leigos batistas, Fox fundou em 1785 a Sociedade de Escolas Dominicais com o
propósito de divulgar a idéia em todo o território inglês. 29
A ideia de Raikes foi duramente criticada a ponto de certa vez o Arcebispo de
Cantuária, reunido com demais bispos, tramarem um plano para impedir a
divulgação da Escola Dominical. O movimento repercutiu de tal forma que John
Wesley logo adotou a Escola Dominical na igreja que viria a ser a Igreja Metodista,
além de a própria rainha da Inglaterra ter convidado Raikes para conhecer e apoiar o
desenvolvimento da “nova cruzada”, como ela entendia. Mais tarde as desconfianças
foram dissipadas, os resultados positivos surgiram e o governo inglês assumiu a
responsabilidade de educar as crianças. A escola pública inglesa, portanto, surgiu
da Escola Dominical de Raikes. 30
28 Paulo Freire e sua proposta educacional serão apresentados no próximo capítulo. Todavia os conceitos de “leitura do mundo” e “leitura da palavra” são explorados em sua obra A Importância do Ato de Ler; em três artigos que se completam. 43ªed. São Paulo: Cortez, 2002. 29 KASCHEL, Walter. Manual da Escola Dominical, p. 10. 30 Idem, p. 10 e 11.
27
Nos Estados Unidos o começo da Escola Dominical é incerto, mas acredita-se
que a primeira aula tenha ocorrido em 1786. 31
Assim como na Inglaterra, nos Estados Unidos também ocorreram
resistências à nova ideia de ensino, principalmente por ser entendida como
profanação ao domingo. Entretanto, a Escola Dominical se instalou em território
norte americano e mais de um século depois, em 1891, foi organizada a Junta de
Escolas Dominicais dos Batistas do Sul dos Estados Unidos que por muitos anos foi
a maior agência de divulgação e publicação de literatura religiosa do mundo, mesmo
que a princípio sem um planejamento de ensino. Em 1820 surgiram as lições seletas
da Escola Dominical e em 1872 o plano de lições internacionais que mais tarde seria
trazido por missionários para o Brasil. 32
Há controvérsias sobre o surgimento da Escola Dominical no Brasil. Alguns
consideram que em 1836 o metodista Rev. Justin Spaulding organizou no Rio de
Janeiro, entre estrangeiros, uma congregação com cerca de 40 pessoas e em junho
abriu uma classe de estudo com 30 alunos, introduzindo assim a Escola Dominical
em solo brasileiro. 33
Outros entendem que a Escola Dominical brasileira começou em 19 de
agosto de 1855, em Petrópolis (RJ), sob a direção dos missionários escoceses,
pastor Robert Kalley e sua esposa Sara. Naquele domingo, 5 crianças foram à aula
e, com o crescimento das atividades, as classes passaram a ser em Português,
Alemão e Inglês. 34
Entre os batistas brasileiros também há discordância quanto à data e
introdução da Escola Dominical. Parece consenso afirmar que a introdução da
Escola Dominical se deu juntamente com a existência da primeira igreja batista em
solo brasileiro. Todavia, é com relação à data da fundação da primeira igreja batista
que reside a discordância.
Alguns pesquisadores apontam o primeiro marco batista no Brasil com o
missionário americano, Thomas Jefferson Bowen. Thomas havia passado muitos
anos na África e pediu para ser transferido ao Brasil em 1859 em função de
problemas de saúde. Como sua situação não melhorou e seus esforços no Brasil
31 Ibidem. 32 Ibidem, p. 11 e 12. 33 OLIVEIRA, Betty A. História dos batistas: Começos no Brasil, 2002. Disponível em: <http:www.pibrj.org.br/historia/arquivos/historia_batistas_I.pdf>.Acesso em:15 novembro de 2008,p. 1. 34 KASCHEL, Walter. Manual da Escola Dominical, p. 12.
28
não geraram muitos frutos, dois anos depois de sua chegada, Bowen retornou aos
Estados Unidos porém sem ter formado uma igreja.35
A data reconhecida na denominação como marco para a inserção do trabalho
Batista no Brasil foi por muitos anos a da fundação da primeira igreja entre
brasileiros em Salvador (BA), no ano de 1882, data defendida pelo pastor José
Pereira dos Reis. Porém, com o livro de Betty Antunes, de edição particular,
Centelha em Restolho Seco, de 1985, no qual a autora data o início do trabalho
Batista no Brasil em Santa Bárbara (SP), no ano de 1871, com a fundação da igreja
formada por colonos estadunidenses, o impasse a respeito da historiografia batista
brasileira que já havia se instaurado em 1966 tomou maior proporção.
Recentemente a CBB achou por bem instituir uma comissão de estudo para
definir o marco histórico inicial dos Batistas no Brasil. O parecer da comissão
segundo relatório de 16 de janeiro de 2009, reconheceu ambas as datas, 1871 e
1882, fazendo a distinção com base nas perspectivas de imigração e missão
respectivamente.36
Todavia, esta dissertação compreende a fundação do trabalho Batista no
Brasil em 1871, tal qual datada e defendida por Betty Antunes de Oliveira, tendo
como base a tese de doutorado do pastor batista Alberto Kenji Yamabuchi que
propõe uma análise das motivações que permearam a controvérsia nas datas da
origem do trabalho Batista no Brasil, e as implicações de até recentemente ter se
privilegiado a visão do pastor José Pereira dos Reis em detrimento da visão de Betty
Antunes de Oliveira, numa perspectiva de gênero.37
A igreja de Santa Bárbara foi formada por imigrantes norte-americanos vindos
do sul dos Estados Unidos, após a Guerra de Secessão, juntamente com outros
colonos que pertenciam a diferentes grupos evangélicos. Em 10 de setembro
daquele ano, a Igreja Batista de Santa Bárbara foi organizada com cultos em Inglês
e oito anos depois fundaram a segunda igreja batista. Ambas as igrejas não
permaneceram naquela localidade, mas foram responsáveis por uma solicitação
35 PEREIRA, J. Reis. Breve história dos batistas, p.93 36 Associação Batista do ABC. Relatório da Comissão Nomeada pela CBB para estudar e dar parecer sobre o marco histórico inicial dos Batistas no Brasil, 16 de janeiro de 2009. Disponível em: <http://www.batistasabc.org.br/ParecerDaCBB.htm>. Acesso em: 24 de fevereiro de 2009. 37 OLIVEIRA, Betty A. História dos batistas. p. 1 e YAMABUCHI, Alberto Kenji. O Debate sobre a história das origens do trabalho Batista no Brasil: uma análise das relações e dos conflitos de gênero e poder na convenção Batista Brasileira dos anos 1960-1980. São Bernardo do Campo: UMESP, 2009. (Tese de Doutorado).
29
junto à Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos para que enviassem
missionários ao Brasil. 38
Tal pedido foi endossado por um ex- general das forças sulistas dos Estados
Unidos, A. T. Hawthorne, que já havia estado no Brasil e em uma de suas pregações
sobre o campo missionário promissor, um jovem pastor texano chamado William
Buck Bagby ficou impressionado e profundamente empolgado com a ideia de viver e
trabalhar no Brasil. Nesse tempo William Bagby estava noivo de Anne, uma jovem
batista muito atuante na Escola Dominical. Após conversarem, decidiram se
apresentar como missionários para o Brasil à Junta de Missões Estrangeiras que na
época preferia enviar missionários à China. 39
Os Bagbys se casaram em outubro de 1880. Em janeiro de 1881 embarcaram
para o Brasil e, assim que chegaram ao Rio de Janeiro, foram diretamente para
Santa Bárbara. Lá conheceram um padre brasileiro, Antonio Teixeira de
Albuquerque que mais tarde seria o primeiro brasileiro batista, e logo após
receberam um jovem casal de missionários americanos, Zachary e Kate Taylor. 40
Juntos viajaram para Salvador, a primeira arquidiocese do Brasil, e em 15 de
outubro de 1882 organizaram a Primeira Igreja Batista da Bahia, a primeira igreja
batista para brasileiros. 41
Alguns pesquisadores acreditam que a primeira perseguição aos batistas em
solo brasileiro se deu em 1880 contra o primeiro pastor brasileiro, Antonio Teixeira
de Albuquerque. Por ser ex-padre, Antonio Teixeira abandonou o sacerdócio na
igreja católica e se casou com uma jovem. Foi preso por seis meses e excomungado
publicamente. Nessa época o regime Imperial vigorava e o Brasil vivia um momento
de tensão, sobretudo em função das leis escravagistas. Fortes restrições eram feitas
aos que professavam religião diferente da do Estado, ou seja, aos não-católicos.
Missionários podiam pregar em suas casas, mas não em locais públicos, como ruas
38 PEREIRA, J. Reis. Breve história dos batistas, p.93 e 94. 39 Idem, p. 95. 40 PEREIRA, J. Reis. História dos batistas no Brasil: 1882 -1982. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1982. p. 17 e 18. 41 PEREIRA, J. Reis. Breve história dos batistas, p.96. Nos primeiros vinte e cinco (25) anos de trabalho, os Bagbys e Taylors auxiliados por outros missionários e, por um número crescente de brasileiros, evangelistas e pastores, já tinham organizado 83 igrejas, com aproximadamente 4.200 membros.
30
e praças, e a nova igreja que surgia no Brasil chamava a atenção de tal forma que
certa feita o pastor William Bagby foi nocauteado por uma pedra. 42
Outros fatos de igual agressividade, opressão e perseguição eclodiram em
diversas partes do Brasil, mas o povo batista continuou crescendo.
Um típico exemplo foi o caso de um senhor negro que freqüentava os cultos
da igreja batista de Santa Bárbara e repentinamente desapareceu. A igreja procurou
por ele e mais tarde soube que se tratava de um escravo e que seu senhor o havia
ameaçado de morte caso retornasse às reuniões protestantes. Numa atitude sem
precedentes, a igreja comprou o escravo e concedeu- lhe a liberdade. 43
Em 1890 o Brasil decretou a separação entre Igreja e o Estado mas apenas
de maneira formal. A separação de fato começou a ocorrer um ano depois com a
Constituição Republicana Federal defendida pelo então Ministro da Justiça do
Governo Provisório, Rui Barbosa. Enfim, a liberdade de culto se tornava realidade e
com ela foi quebrado o monopólio da Igreja Católica em celebrar atos públicos como
casamento e funerais. 44
A Escola Dominical no Brasil foi se desenvolvendo juntamente com as igrejas
batistas:
Desde o princípio da história batista no Brasil, houve a preocupação em adestrar os membros das igrejas nos conhecimentos bíblicos e doutrinários. Uma das primeiras obras, editadas por Zacarias Taylor, foi um “Catecismo das Doutrinas Batistas. 45
Esta afirmação de José Pereira dos Reis, mais precisamente a expressão
“adestrar os membros da igreja nos conhecimentos bíblicos e doutrinários” é de
extrema significância, pois remonta não somente à mentalidade dos primeiros
missionários batistas estadunidenses que vieram ao Brasil, mas também toda a
visão que direcionou o desenvolvimento educacional da denominação ao longo dos
anos até os dias de hoje. Voltaremos a esse assunto posteriormente.
Notadamente o princípio inicial de auxílio social que tinha a Escola Dominical
realizada na vizinhança carente de Raikes, em Gloucester, Inglaterra, foi
descaracterizado quando a Escola Dominical chegou aos Estados Unidos, até
42 OLIVEIRA, Zaqueu Moreira. Perseguidos mas não Desamparados. Rio de Janeiro: JUERP, 1999, p.51 e 52. 43 Idem, p 53. 44 Ibidem, p. 69. 45 PEREIRA, J. Reis. História dos batistas no Brasil: 1882 -1982, p. 274.
31
porque lá a estrutura pública de ensino já era mais desenvolvida. Todavia a
preservação da Escola Dominical como organização integrante da identidade Batista
foi preservada, pois notou-se o potencial catequizador e doutrinário que esta podia
exercer nos países que seriam os novos campos missionários, segundo a afirmação
do educador e teólogo Nunes:
Quando veio para o Brasil, através dos missionários, a escola dominical era um instrumento de evangelização e doutrinamento. A estrutura da EBD era similar à das escolas seculares dos EUA. Burocrática, departamental, cognitiva e curricular com uma proposta da escola tradicional (ênfase no professor e no conteúdo). Sua estrutura era dividida em cargos e funções para melhor eficiência do trabalho escolar. 46
Nota-se, portanto, que a estrutura que vigora na maioria das EBDs batistas
até o dia de hoje: salas divididas em faixas etárias, repetição sistemática de temas e
livros bíblicos e a ênfase constante nas doutrinas da igreja, é fruto de um modelo
implementado ao longo de décadas e que foi reforçado por literaturas norteadoras
da EBD no Brasil.
Na verdade, a atividade editorial já existia em território brasileiro, mas de
forma muito rudimentar. Porém, após a aquisição de algumas máquinas para a
veiculação do O Jornal Batista, fundado em 1901, começou-se a publicar as lições
da Escola Dominical e houve o surgimento do O Infantil, com histórias bíblicas e
lições da Escola Dominical para crianças. As lições da Escola Dominical apareceram
em Revista de Adultos e O Amigo da Juventude, somente em 1907 e 1909
respectivamente. 47
Com o objetivo de atender à igreja batista que crescia em território brasileiro,
a demanda por materiais impressos, sobretudo no campo da educação cristã, era
notória não somente entre os batistas, mas também entre outros grupos
denominacionais. Daí originou-se a editora batista, criada em 1907, primeiramente
sendo chamada de Junta de Escolas Dominicais e Mocidade.
Em 1918 foi editado o Manual da Escola Dominical em Recife, que contribuiu
para o entendimento da EBD no Brasil. Todavia, com a mudança de nome da editora
46 NUNES,Elton de O. Desafios e Alternativas para a Práxis Educacional Religiosa na Atualidade: uma Análise a partir da Convenção Batista Brasileira. 1 de dezembro de 2005. Disponível em: <http:www.revistatheos.com.br/Artigos%20Anteriores/Artigo_01_01.pdf>. Acesso em: 15 março de 2009, p. 4. 47 KASCHEL, Walter e HALLOCK, Edgar. Manual da Escola Dominical, p. 13.
32
para Casa Publicadora Batista, depois em meados dos anos 60 outra mudança para
JERP e finalmente JUERP (Junta de Educação Religiosa e Publicações da
Convenção Batista Brasileira) foi que a edição de lições para EBD alcançou o seu
ápice.
No livro de A. R. Crabtree, Baptistas no Brasil: A História do Maior Campo
Missionário dos Batistas do Sul de 1953, a importância dada às publicações da Casa
Publicadora foi registrada da seguinte forma:
Enquanto mais da metade do povo no Brasil não consegue ler, alfabetização está crescendo rapidamente [...]. Pessoas da classe média são as que mais leem e preferem livros de autores estrangeiros. 48
A JUERP exerceu papel determinante em difundir ideias e o modelo estrutural
de EBD no Brasil o qual foi trazido, implementado e mantido pelos missionários
estadunidenses, de forma ainda mais contundente e padronizada alguns anos
depois, em 1966, com o livro de autoria da missionária Cathryn Smith: Programa de
Educação Religiosa. 49 Nota-se aqui, em sua origem, a estreita ligação entre a
editora da denominação batista e a EBD, notadamente o órgão máximo de fomento
da doutrina batista.
Muitos evangélicos se beneficiaram com as produções da JUERP ao longo de
seus quase 103 anos de existência, com materiais, tais como folhetos, revistas,
livros, hinários, bíblias e outros. Em seus anos de apogeu, a JUERP chegou a ter 20
lojas espalhadas em todo o Brasil e uma indústria gráfica num pavilhão de 7.000m²
com mais de 200 empregados. 50
Estes dados evidenciam a expansão e destaque que a EBD obteve ao longo
da história dos batistas no Brasil, o que perdurou até recentemente. Infelizmente, o
prenúncio da crise da EBD entre os batistas foi, de certa forma, evidenciado com o
colapso da estrutura da JUERP por volta de 1994.
Em 02 de novembro de 1998, o O Jornal Batista publicou um artigo de autoria
do pastor Sóstenes Borges, relator do Grupo de Trabalho Repensando a CBB, que
fazia referência direta à crise então vivida pela denominação batista, mais 48 CRABTREE, A. R. Baptists in Brazil: A History of Southern Baptists Greatest Mission Field. Rio de Janeiro; 1953, p. 146. (Tradução da autora). 49 Idem, p. 14 e SMITH, Cathryn. Programa de Educação Religiosa. Rio de Janeiro: JUERP 1966. 50 JUERP. Quem somos: Bem-vindo à home da JUERP, 2001. Disponível em: <http://www.juerp.org.br/index.php?oid=1&cid=44>. Acesso em: 24 de junho de 2009.
33
precisamente a crise na JUERP. O artigo, em sua introdução, comenta o momento
de descredibilidade denominacional vivido: 51
Há um sentimento de pesar e uma tristeza institucional que ainda não foi superada desde a grande crise na JUERP (que ainda não foi totalmente sanada). Há desdobramentos colaterais, que têm atingido outras instituições, ainda a serem até mesmo diagnosticados. 52
Não há consenso sobre a origem, a razão e os verdadeiros responsáveis pela
crise na JUERP. Entretanto, é sabido que em algum momento, no começo da
década de 90, já havia indicadores da crise financeira e organizacional e da
volumosa dívida contraída junto a bancos e fornecedores que, mesmo talvez
superavaliada, levou a CBB a cogitar a insolvência da editora. 53
Há a possibilidade de que o colapso da editora tenha sido influenciado pela
crise na Escola Dominical ou que o inverso também seja verdadeiro, a EBD tenha
entrado em colapso devido à crise na JUERP. Este questionamento demanda uma
pesquisa mais profunda, pois seria igualmente possível a editora ter entrado em
crise por conta apenas de má administração sem que isso implicasse em crise na
EBD, assim como a EBD poderia estar em crise e a editora estar bem
comercialmente. Todavia a despeito da questão não ser objeto de nossa análise, é
bastante curioso o fato de ambas as instituições, JUERP e EBD, terem entrado em
colapso quase que concomitantemente.
Numa tentativa de resgatar o antigo nível de credibilidade, a CBB criou em
2007 a Convicção Editora. O projeto, ainda que não divulgado, é de que
paulatinamente esta nova editora tome o lugar da JUERP, que vem encontrando
dificuldades em se reerguer devido à sua incapacidade de resolver a crise em todos
os seus aspectos e pelo desgaste da imagem desencadeado, dentre outros fatores.
O modelo de ensino, que por tanto tempo perdurou na Escola Dominical,
passou a apresentar sinais de inadequação nas igrejas locais. Tanto é verdade, que
a PIB de São Caetano do Sul,54 foi levada a repensar a EBD quando constatou que
51 BORGES, Sóstenes. Dá-nos um rei. O Jornal Batista, 1998. Disponível em: <http://www.stbne.org.br/organizacoes/gt/danosrei.html>. Acesso em: 24 de junho de 2009. 52 Idem. 53 Vários Autores. Propostas relativas ao GT repensando a Convenção Batista Brasileira aprovadas na 78.a Assembléia. Salvador, janeiro de 1997. Disponível em: <http://www.stbne.org.br/organizacoes/gt/78assemb.html>. Acesso em: 24 de junho de 2009. 54 Igreja de aproximadamente 300 membros do ABC Paulista, em pesquisa realizada em maio de 2007 com discentes adultos da EBD de ambos os sexos, acima de 15 anos de idade (ver anexo 1).
34
cerca de 30% dos entrevistados não viam coerência entre os conteúdos das lições
da EBD e a vida cotidiana, além de apenas 32% dizer serem assíduos à EBD. 55
Uma breve pesquisa na programação postada nos sites de grandes igrejas
evangélicas ao redor do Brasil indicará que a EBD tem sido extinguida ou substituída
por encontros em grupos que nem sempre preservam a ênfase no estudo bíblico.
Esta crise na EBD passou a tomar dimensões tais, que recentemente até o jornal de
maior veiculação entre os batistas, O Jornal Batista, tratou o assunto publicando um
texto de autoria não divulgada, intitulado: A EBD forma Cristãos Maduros? (ver
anexo 2).
É bem verdade que a interrogação do título foi propositadamente desenhada
de forma a não ser reconhecida quando da leitura do título. Mesmo assim, é de
extrema relevância que o órgão maior de comunicação da denominação tenha
publicado parte do conteúdo do trabalho de conclusão de curso de um seminarista
batista que ousou afirmar que apesar de importante – e portanto pode ser
aproveitada numa nova proposta de educação cristã - a EBD é ineficaz em produzir
discípulos maduros de Cristo. 56
Outros sintomas da crise na EBD batista foram evidenciados através dos
temas da revista Educador editada pela JUERP com títulos como “101 Anos de Foco
na Escola Bíblica Dominical” (1º Trim. de 2008) e novamente em 2009 com a
temática “Nova?...Velha?...ou de sempre...Escola Bíblica Dominical”.
A temporada de discussões sobre a EBD veio com força total, a saber, sua
razão de ser, validade, necessidades e possíveis rumos dentro do contexto da
denominação batista. Provavelmente, por esta razão, a CBB tem empenhado
esforços em promover nas igrejas e em suas lideranças locais o retorno ao espírito e
à tradição da EBD entre o povo batista.
Acredita-se que muitos aspectos ao longo dos anos contribuíram para que a
EBD alcançasse, não somente entre os batistas, mas entre evangélicos de forma
geral, este momento de profunda reestruturação.57
55 Para maiores informações leia o Anexo 1. Pesquisa de Campo Realizada com Discentes sobre a Escola Bíblica Dominical. PIB São Caetano do Sul (SP). 94 adultos, discentes, ambos os sexos, entre 13 e 90 anos. Maio de 2007. 56 Para maiores informações leia o Anexo 2. Autor Desconhecido. “A EBD forma cristãos maduros?” O Jornal Batista. 17 de fevereiro de 2008, p. 11. 57 Cada denominação tem tratado a questão de forma diferenciada havendo até quem esteja vivendo atualmente o período de maior militância na EBD, como os fiéis da igreja Assembléia de Deus. Neste caso, o sucesso da EBD vem (coincidentemente ou não) junto com o sucesso da editora, a CPAD (Casa Publicadora das Assembléias de Deus), a constante promoção de eventos específicos sobre a
35
É importante ressaltar que como já foi dito, por muitos anos, o material
didático e de apoio (lições traduzidas como as Lições Seletas de 1820, manuais
como o já citado Manual da Escola Dominical de 1918 e programas de educação
cristã destinados a docentes e lideranças das EBDs nas igrejas locais como o de
Cathryn Smith de 1966) oferecido aos batistas brasileiros era de produção
estadunidense ou traduzido do Inglês diretamente para o Português e incorporado
pelos fiéis brasileiros, a despeito de sua vasta diversidade, singularidade cultural e
extensão territorial do Brasil. 58
Acredita-se que o que está por trás desta proposta educacional, e o que será
novamente discutido mais adiante, é uma visão da mensagem do evangelho como
verdade atemporal, uniformizadora e universal, uma vez que basta traduzir o texto e
incorporá-lo a qualquer cultura, grupo social, em qualquer tempo; traz-se dos
Estados Unidos da América e transporta-se para o Brasil, para a China, África ou
qualquer outro lugar.59
Este fato revela que além desta concepção universalista (segundo a qual algo
local se torna global) e abstrata da doutrina, há também uma visão colonialista da
missão evangélica. Pela concepção colonialista estamos entendendo o que Walter
Mignollo e outros teóricos pós-coloniais desenvolveram ao estabelecer a diferença
entre dois termos: “colonialismo” (Inglês ou Português, por exemplo) que tem a ver
com momentos históricos específicos e “colonialidade”, a lógica de repressão,
opressão, despossessão, racismo. Segundo Mignollo é esta “colonialidade” que vem
imperando nos últimos duzentos anos.
Boaventura de Sousa Santos analisa com profundidade em sua teoria pós-
colonial a noção de um colonialismo epistemológico que evidencia o fato de que por
EBD além da produção de várias literaturas sobre este tema por escritores de dentro da igreja Assembléia de Deus, como os pastores Antônio Gilberto e Marcos Tuler. Antônio Gilberto, aos 70 anos, é considerado um patrimônio da igreja Assembléia de Deus no Brasil. Psicólogo, teólogo, pedagogo e formado em Letras, é autor de 7 livros, sendo 4 deles voltados ao ensino na EBD. Sua relevância é tamanha que o prêmio de reconhecimento ao professor da EBD do ano, criado recentemente pela Assembléia de Deus, oferece ao primeiro colocado o prêmio de R$10.000,00 (dez mil reais) e um troféu que leva seu nome, Troféu Antonio Gilberto. Marcos Tuler é também pedagogo, teólogo, pós-graduado em Docência Superior em Psicopedagogia, reitor da Faculdade Evangélica de Ciência e Tecnologia da CGADB (FAECAD) e escritor de 5 obras, todas sobre a EBD. 58 KASCHEL, Walter. Manual da Escola Dominical. p.12, 13 e 14. 59 Sobre esta visão colonialista da verdade, vide MIGNOLLO, Walter D. Histórias locais/Projetos globais: colonialidade, saberes subalternos e pensamento liminar. Tradução de Solange Ribeiro de Oliveira. Belo Horizonte: UFMG, 2003.
36
muito tempo a América Latina foi entendida como simples reprodução dos mundos
europeu e norte-americano. 60
No caso da EBD, tanto a colonialidade descrita por Mignollo quanto o
colonialismo epistemológico de Boaventura são constatados na medida em que não
se cogitava a possibilidade de haver qualquer inferência, interação, adaptação e
integração do grupo social e de suas peculiaridades frente à literatura oferecida.
Apenas se passava a informação necessária para o novo convertido e ele as digeria,
como pode-se constatar abaixo:
A literatura usada a princípio constava de catecismo para serem decorados. (...) Organizou-se o plano de “lições internacionais”, (...) usado em todo o mundo. 61
Foi apenas pouco antes de 1950 que as revistas de apoio para os alunos
começaram a ser escritas pelos novos pastores batistas brasileiros e até alguns
leigos, mas em sua maioria, sob a supervisão de missionários estadunidenses.
Porém, em 1996 surgiu a primeira literatura de autoria batista brasileira sobre a EBD
em sua estrutura teológica, pedagógica e administrativa.
Neste contexto dos anos 90, o pastor Lécio Dornas surgiu no cenário nacional
como o precursor de um novo momento para a EBD: pela primeira vez, desde a
chegada da EBD no Brasil, docentes tinham a possibilidade de ser auxiliados por
literatura produzida por um brasileiro, de ter ao menos uma linguagem mais
aproximada de sua realidade. Vale salientar que o conteúdo, porém, dos escritos de
Dornas será analisado na última parte deste capítulo e nos capítulos que seguem.
A primeira obra de Dornas sob o título: Socorro sou Professor da Escola
Dominical teve aceitação incontestável, desde seu lançamento em 1997 até os dias
de hoje, 13 anos depois, revelando que Dornas não só captou a realidade da crise
da EBD, mas propôs oferecer novos olhares.
Este primeiro livro, fruto da experiência de ensino na EBD das igrejas nas
quais Dornas foi pastor, propiciou uma linguagem mais familiar, de mais fácil alcance
sobre desafios e dificuldades vivenciadas por docentes da EBD. Não somente este,
mas os outros dois livros que formam a trilogia de Dornas sobre a EBD: Vencendo
os Inimigos da Escola Dominical de 1998 e A Nova EBD, A EBD de Sempre de 2001 60 Cf. SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2006. 61 KASCHEL, Walter. Manual da Escola Dominical, p.12.
37
foram e ainda são procurados por pessoas diretas e indiretamente ligadas à EBD e
educação cristã de forma geral, dentro e fora da igreja batista.
Justifica-se aqui a relevância de Lécio Dornas, primeiramente por quebrar
uma tradição de quase um século de domínio estadunidense sobre a EBD batista
brasileira, sendo ele, até 2008, o único batista brasileiro a escrever sobre a EBD,
mas também porque Dornas liderou um movimento de promoção e reestruturação
da educação na EBD batista, organizando vários congressos e simpósios
específicos para EBD, em diversas igrejas, não somente batistas como veremos no
próximo tópico. 62
2. QUEM É LÉCIO DORNAS?
“Só fui a Contagem nascer e voltei para o Rio!” Este foi o começo da conversa
realizada no dia 17 de dezembro de 2008 sobre a vida e obra do pastor, educador e
escritor Lécio Dornas. 63 62 Passados oito anos da publicação da última obra batista sobre a EBD, a última de Lécio Dornas, A Nova EBD a EBD de Sempre de 2001, a editora JUERP lançou em 2009 duas obras sobre a EBD. A primeira, Educação Cristã: Revendo a EBD, de autoria da professora Heloíza H. R. A. Pimentel. A obra trata de conceitos de educação, aprendizagem e métodos de ensino com base nas experiências de mais de 30 anos da autora como educadora religiosa, professora e esposa de pastor além de um quadro simplificado da trajetória da educação no contexto brasileiro. A intenção é proporcionar ao leitor, docente da EBD, uma nova conscientização de responsabilidade para o ensino bíblico. Curiosamente a obra de Heloíza Pimentel faz referência a obras do educador Paulo Freire mas não faz menção a nenhum dos três livros escritos por Dornas sobre a EBD. Em contrapartida, a segunda e mais recente obra da JUERP intitulada EBD Uma Nova Realidade da educadora Woghlaides Lobão Mendes, traz inúmeras menções a dois livros da trilogia de Dornas mas nenhuma menção de Paulo Freire. O propósito da autora é desafiar o leitor a uma reflexão quanto à importância de uma EBD funcional e eficiente. Para tanto o livro discorre sobre alguns conceitos educacionais, trajetória da Educação Cristã desde os tempos bíblicos, passando pela origem da EBD até a apresentação de uma EBD departamentalizada, culminando no resgate ipsis litteris da matriz curricular da JUERP para a EBD tal qual exposta no livro de Dornas, A Nova EBD a EBD de Sempre de 2004. 63 Conversa informal com o autor Lécio Dornas realizada no dia 17 de dezembro de 2008. Dornas é graduado em Liderança Avançada pelo Haggai Institute Maui, Hawai (USA) e pós-graduado em Ensino Religioso pela Universidade Federal do Mato Grosso o que tem possibilitado 20 anos de atuação no magistério teológico em instituições da denominação Batista, tais como Instituto Batista de Ensino Religioso (IBER /RJ), Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil STBSB (RJ) e Seminário Teológico Batista do Mato Grosso (STBMT / MT). O Instituto Haggai, originalmente Haggai Institute for Advanced Leadership, é uma missão internacional evangélica, fundada em 1969 pelo pastor Dr. John Edmund Haggai. Com ênfase evangelística, em sua vasta experiência como pregador ao redor mundo, no final dos anos 60, o pastor Haggai percebeu que a necessidade de treinar nacionais para alcançar seu próprio povo era notória. Desde então o Instituto Haggai vem treinando líderes nacionais, uma opção metodológica que em nada se opõe ao treinamento transcultural tão comum entre evangélicos, com cursos em mais de 178 países. O programa de Liderança Avançada, com duração máxima de 25 dias e mais de 50.000 alunos graduados, é oferecido somente nos centros internacionais de treinamento, em Maui no Hawai (EUA) e em Cingapura. O curso de caráter missionário é dirigido a líderes cristãos, preferencialmente profissionais liberais que têm 75% das
38
Em 1964, às vésperas do golpe militar, os pais de Lécio Dornas decidiram
deixar Volta Redonda (RJ), onde moravam, para receber o novo bebê com o apoio
da família, em Contagem (MG). Dornas nasceu em 28 de janeiro daquele ano,
penúltimo de cinco filhos de família de origem humilde. Seu pai foi técnico em
eletricidade e sua mãe funcionária pública. Ambos, já falecidos, vieram de tradição
religiosa católica. Seu pai tornou-se cristão evangélico, mas sua mãe jamais abdicou
de suas raízes.
A infância de Dornas foi feliz e tranquila em Volta Redonda, com forte
influência católica. Na adolescência, participou de uma banda de rock, um de seus
hobbies favoritos, juntamente com o jogo de xadrez onde, entre uma partida e outra,
um colega lhe falou sobre Jesus.
Dornas passou a frequentar a Igreja Batista e quando se “converteu”, como
ele mesmo define, na Igreja Batista do Conforto em Volta Redonda, com 15 anos de
idade, apesar de perder a namorada, identificou de imediato que sua área de
atuação seria a educação cristã.
Seus pais reagiram bem à nova escolha religiosa do filho. Todavia, quando
Dornas decidiu ir para o seminário teológico, a situação mudou. Sua experiência de
chamado vocacional foi impactante. Dornas estava num retiro espiritual de jovens na
Semana Santa de 1981 em Mendes (RJ). Na manhã do domingo, comprou o jornal
e viu a foto de um homem que ano após ano carregava uma cruz na época da
Páscoa. Naquele momento Dornas sentiu Deus lhe falar ao coração que muitos
estavam como aquele homem da foto, e que Ele, Deus, precisava de pessoas para ir
a todos os lugares anunciar que Cristo já havia carregado a cruz.
Nessa época o pai de Dornas já havia falecido. Dornas vivia com o irmão
mais novo e sua mãe, que muito resistiu a tal experiência espiritual. A despeito da
oposição materna, aos 20 anos de idade Dornas dirigiu-se ao Seminário Teológico vagas. Os outros 25% das vagas são destinados a pastores. Os interessados têm ainda que passar por uma seleção quanto a seu país de origem pois as vagas também variam de acordo com a região, sendo 70% das vagas para os líderes cristãos da Ásia e Oriente Médio, 15% para os líderes da África e 15% para os da América Latina (verifica-se que não são oferecidas vagas para líderes cristãos europeus e norte-americanos). No ano de 2009 o Brasil teve aproximadamente 40 vagas apenas em contraste com as 132 vagas oferecidas em 2007 e 108 em 2008. As instituições batistas citadas, a saber, IBER (RJ), STBSB (RJ) e STBMT (MT) estão entre as instituições mais renomadas e tradicionais da denominação batista Brasileira. Todas fundadas, mantidas e dirigidas por missionários americanos por muitos anos, foram até meados dos anos 80 fortes centros de formação teológica para homens e mulheres engajados na obra batista no Brasil. Desde então, em função das drásticas mudanças sofridas pelos batistas, estas instituições têm perdido sua força como centros preferencialmente escolhidos para treinamento pelos próprios batistas brasileiros.
39
Batista do Sul Brasileiro (STBSB), no Rio de Janeiro, em 1984, onde mantido por
sua igreja local, PIB em Barra Mansa, mais tarde concluiu o Bacharelado em
Teologia com Especialização em Educação Religiosa no ano de 1987.
Em 8 de novembro de 1986, um ano antes de concluir o curso teológico,
Lécio Dornas foi ordenado pastor Batista. Além de pastorear, Dornas investiu em
sua formação acadêmica o que possibilitou sua atuação no magistério teológico.
Dornas casou-se em 1993 com Polliana Boechat Dornas, médica pediatra.
Alguns anos mais tarde, o casal foi agraciado com duas filhas, Sarah (14 anos) e
Hannah (11 anos), e em meio a tantas atividades familiares, Dornas continua
administrando uma vida eclesiástica e ministerial bastante dinâmica que completa 24
anos em 2010. Dornas pastoreou a PIB Maricá (RJ), PIB Nilópolis (RJ), PIB de Lins,
Rio de Janeiro (RJ) e PIB de Cuiabá (MT). Em 2005 começou a pastorear a Igreja
Batista Dois de Julho, em Salvador (BA), mas atualmente, desde 1 de agosto de
2009 assumiu seu novo ministério como pastor titular da Igreja Batista do Fonseca,
Niterói (RJ).
De forma específica no meio batista, começando em agosto de 1987, Lécio
Dornas atuou por cinco anos como Coordenador de Publicações Periódicas da
JUERP, setor que cuidava da EBD, três anos como Secretário Geral da Associação
dos Educadores Religiosos Batistas do Brasil e quatro anos como Relator da
Comissão de Currículo da Coordenadoria de Educação Religiosa do Conselho da
CBB.64
Para o desempenho destas funções, Dornas propôs, entre outras coisas, um
amplo projeto de incentivo à educação cristã entre os batistas, que aprovado pelo
Conselho de Planejamento e Coordenação da CBB tinha base num convênio com a
Comissão Batista de Escola Dominical da Convenção Batista do Sul/EUA (Baptist
Sunday School Board of the Southern Baptist Convention/ USA). Este convênio
viabilizou a realização de quase 20 seminários em todo o Brasil além de
conferências teológicas versando sobre a importância da EBD. Em 1993, o
presidente da Comissão Batista de Escola Dominical da Convenção Batista do
Sul/EUA, Dr. Jymmy T. Drapper Jr., veio ao Brasil e falou no Primeiro Congresso
Batista Brasileiro de EBD, idealizado e coordenado por Dornas.
A despeito de treinamentos e seminários promovidos em nível local e regional
para docentes da EBD, este Primeiro Congresso, realizado no Maracanãzinho com 64 DORNAS, Lécio. Socorro sou professor da EBD, p. 14.
40
a presença de quase 3000 inscritos de todas as convenções batistas estaduais
presentes nos sete dias de eventos, foi o único evento nacional voltado à EBD de
iniciativa da CBB até hoje. Naquela época Dornas já não estava mais na JUERP.
Mesmo assim foi convidado para dirigir o evento que tinha idealizado anos antes.
Dornas passou a ser a principal voz batista no Brasil sobre EBD e desde
então tem sido frequentemente convidado para falar sobre a EBD não somente em
igrejas da denominação batista da CBB mas também em igrejas de outros grupos
evangélicos, tais como Batista Regular, Assembléia de Deus, Metodista,
Presbiteriana, Quadrangular, Nazareno, entre outras.
Internacionalmente, Dornas tem tido a oportunidade de contribuir e de reciclar
seus conhecimentos em conferências, fóruns e congressos em países, como
República Dominicana, Venezuela, Argentina, Colômbia, Haiti, Estados Unidos da
América, França, Alemanha, Suíça, Itália, Grécia, Líbano e Iraque.65
Todavia, é possível que seja como autor que Lécio Dornas tenha contribuído
de forma mais contundente para o desenvolvimento do ensino na EBD no meio
evangélico. São 19 livros publicados em várias editoras, sobre diversos assuntos,
sendo a maioria deles em mais de uma edição, como se observa a seguir:
• O Jornal e a Bíblia. Edição do Autor, 1996.
• Socorro sou Professor da Escola Bíblica Dominical. 12ª ed. São Paulo:
Hagnos, 1997.
• Vencendo os Inimigos da Escola Bíblica Dominical. 8ª ed. São Paulo: Hagnos,
1998.
• Curando as Enfermidades da Igreja. 3ª ed. Rio de Janeiro: MK Editora, 1998.
• O grito de Deus. Rio de Janeiro: Horizonal, 1998.
• A nova EBD… a EBD de sempre. 4ª ed. Rio de Janeiro: JUERP, 2001.
• Epístola aos Romanos. 2ª ed. Rio de Janeiro: JUERP, 2001.
• Jonas Pare! Não Fuja de Deus! 2ª ed. São Paulo: Hagnos, 2001.
• Como está sua vida. Edição do Autor, 2002. 65 Dornas é também docente do Instituto Haggai do Brasil, membro do Conselho Geral da Convenção Batista Brasileira e da Diretoria Nacional da Sociedade Bíblica do Brasil, presidente da Ordem dos Pastores Batistas do Brasil, responsável pela área de recursos pedagógicos da JUERP, além de dividir seu tempo com palestras e conferências. O Conselho Geral da Convenção Batista Brasileira é o “cérebro” da denominação batista no Brasil. Como órgão de articulação, lida com assuntos ligados a missões nacionais, mundiais, seminários teológicos, entre outros. A Sociedade Bíblica do Brasil (SBB), fundada em 10 de junho de 1948 no Rio de Janeiro com o propósito de produzir, traduzir e distribuir bíblias em todo território nacional, faz parte das Sociedades Bíblicas Unidas (SBU), uma fraternidade mundial que congrega 141 Sociedades Bíblicas, atuantes em mais de 200 países.
41
• Ganhe com as Perdas. 3ª ed. Rio de Janeiro: MK Editora, 2003.
• Saia da Crise Financeira com Deus. 2ª ed. Rio de Janeiro: MK Editora, 2004.
• Elimine as Toxinas da Vida. 2ª ed. Rio de Janeiro: MK Editora, 2005.
• Conquiste a Felicidade. Rio de Janeiro: 2ª ed. MK Editora, 2006.
• O Passarinho Piu Piu. Santa Bárbara do Oeste: SOCEP, 2007.
• O Gatinho Mumu. Santa Bárbara do Oeste: SOCEP, 2007.
• Não fuja de Deus! Uma chamada à obediência através do livro de Jonas para
a Igreja de Hoje. 2ª ed. Rio de Janeiro: Cháris Editora, 2008.
• Manual do Seminário de Ciências Bíblicas. Vários Autores (Lécio Dornas é o
autor do capítulo: “A interpretação da Bíblia para o homem de hoje”). São
Paulo: SBB, 2008.
• O que a Bíblia diz sobre o que todo mundo diz. Rio de Janeiro: Cháris Editora,
2009.
• O que fazer? Situações que todo crente enfrenta, mas nem todo crente
admite. Rio de Janeiro: Convicção Editora, 2009.
De forma particular, esta dissertação tratará do conteúdo da trilogia de Dornas
para a EBD, a saber:
1. Socorro sou Professor da Escola Dominical. 12ª ed. São Paulo: Hagnos,
1997.
2. Vencendo os Inimigos da Escola Dominical. 8ª ed. São Paulo: Hagnos, 1998.
3. A nova EBD… a EBD de sempre. 4ª ed. Rio de Janeiro: JUERP, 2001.
Vale salientar que estas são as obras de maior vendagem do autor: 45.000,
25.000 e 10.000 cópias respectivamente, o que corrobora para justificar sua
importância para a área da educação cristã, sobretudo no aspecto do ensino da EBD
no Brasil.66
Mediante tão significativa contribuição e por sua característica singular e
pioneira, a trilogia de Dornas merece um estudo mais aprofundado, capaz de
explicitar sua proposta em seus aspectos pedagógicos e teológicos.
66 Dados oferecidos pelo autor com base em relatório mensal recebido das editoras.
42
3. PROPOSTA TEOLÓGICO - PEDAGÓGICA DE DORNAS PARA A EBD
Lécio Dornas tem uma proposta de EBD que foi pautada não somente em sua
formação pessoal e acadêmica, mas sobretudo em sua trajetória eclesiástica.
Justamente por isso, a proposta de Dornas carrega aspectos da herança, princípios
e doutrinas batistas que se revelam tanto em sua estrutura teológica quanto
pedagógica. Portanto, antes de analisarmos sua proposta, cabe ressaltar que como
ponto de partida está se considerando que a teologia de Dornas informa sua
pedagogia e vice-versa.
Para melhor compreensão de como esta relação acontece, o texto abaixo que
trata do potencial evangelístico de uma classe de escola dominical, serve como bom
exemplo: Durante a visita, os crentes deverão aproveitar a oportunidade para apresentar aos visitados o plano de salvação. Ao fazê-lo deverão ser pacientes, lendo os versículos com as pessoas e explicando a elas o significado de cada texto lido. Ao final deste livro estamos incluindo, em apêndice, um modelo do plano de salvação que deve ser estudado e pode ser usado pelos visitadores. 67
A teologia que permeia esta abordagem baseia-se na salvação por adesão
doutrinária, uma vez que Dornas acredita que ao ler o plano de salvação e os
versículos que o compõem, o visitado terá a oportunidade de ser salvo. A priori, a
salvação neste caso é concebida não em que o ser humano seja um novo ser, mas
em que o ser humano saiba uma nova informação que até então está em poder dos
crentes da igreja visitadora. Tal teologia legitima a pedagogia empregada que tem
por princípio a transmissão de informações (bíblicas) e a explicação de conceitos
para que se saiba algo.
A esta prática que negligencia uma relação dialógica entre os participantes do
processo de ensino-aprendizagem e que não viabiliza a problematização do mundo
por parte do educando, Paulo Freire deu o nome de “Educação Bancária”, tema que
será discutido no próximo capítulo.68
67 DORNAS, Lécio. Socorro sou professor da Escola Dominical, p. 96. 68 FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, p. 67.
43
O entendimento desta retroalimentação entre a teologia e a pedagogia de
Dornas é fundamental para a análise que segue. Comecemos com a análise
teológica de sua proposta.
Entre os vários temas teológicos que permeiam e articulam a obra de Dornas,
destacam-se: Bíblia, Deus, Ser Humano, Salvação, Evangelização, Serviço, Igreja,
Missões, Ação Social, Comunhão, Adoração, Mordomia, Oração, Fraternidade,
Administração Eclesiástica, Pastorado, Hermenêutica, Dom, Discipulado, Culto,
Testemunho, Doutrina, Crescimento de Igreja, Fé, Ética, entre outros.
Todavia, os principais temas teológicos para a proposta de análise desta
dissertação são:
3.1 BÍBLIA
Dornas, como todo bom batista, zela pela centralidade do ensino da bíblia que
é entendida como palavra de Deus, a escritura sagrada. Ele parte do pressuposto
que por ser a bíblia o livro texto da EBD, o objetivo final da EBD é ensinar a Bíblia.
As verdades que nela se encontram têm papel transformador na vida do ser humano
e por isso requer estudo e dedicação. Para elucidar esta demanda pelo estudo
zeloso e disciplinado, Dornas cita Paulo Freire:
Como disse Paulo Freire: “estudar é, realmente, um trabalho difícil. Exige de quem o faz uma postura crítica, sistemática. Exige uma disciplina intelectual que não se ganha a não ser praticando-a. 69
Com esta citação, Dornas quebra um tabu se não no meio evangélico, pelo
menos no meio batista uma vez que faz menção, logo em sua primeira obra, ao
pedagogo Paulo Freire, que apesar de ser um ícone da educação mundial, nunca
havia sido mencionado em literatura sobre a EBD batista no Brasil, além de ter sido
e ainda ser seriamente criticado, sobretudo por protestantes, como veremos no
próximo capítulo.
69 DORNAS, Lécio. Socorro sou professor da Escola Dominical, p. 57 e 58. (Grifo meu)
44
Em sua primeira obra, Socorro sou Professor da Escola Dominical, Dornas
dedica um capítulo à Bíblia, a saber sua interpretação e estudo. Para tanto, alguns
termos chaves como revelação, inspiração e iluminação são desenvolvidos:
Teologicamente, revelação é o ato de Deus em que ele se dá a conhecer ao homem. É o próprio Deus quem se revela ao ser humano e o faz de forma geral, por meio da natureza que ele criou (...) e, de forma especial, através do seu filho Jesus (...). Ao revelar-se, Deus desejou que as gerações futuras tivessem acesso à sua revelação. Por esta razão ele capacitou homens a registrarem a sua revelação. A essa capacitação chamamos inspiração. (...). O resultado da inspiração é a Bíblia Sagrada (...). Deus se revelou e inspirou homens para registrarem sua revelação. Porém com o passar dos anos, o sentido do que foi registrado corria risco de se perder e as gerações futuras ficarem privadas do registro da revelação de Deus. (...) Deus tem capacitado pessoas a interpretarem o registro de sua revelação (...), A isso chamamos de iluminação; Deus usando homens para interpretarem sua Palavra. Observe que não há mais revelação no sentido teológico da palavra, o que Deus desejou revelar ao homem sobre si já o fez. Também não há mais inspiração, o que deveria ser registrado da revelação de Deus, já o foi. O que existe hoje é iluminação. Deus continua e continuará capacitando e usando pessoas para interpretarem sua Palavra. 70
Dornas salienta que no estudo bíblico há que se fugir da superficialidade
hermenêutica, pois do contrário ocorrerá o desvirtuamento doutrinário o que tornaria
vulnerável a aplicação do Evangelho na vida de cada aluno.71
Em sua segunda obra, Vencendo os Inimigos da Escola Dominical, Dornas
conceitua em termos mais práticos sua visão do que é a Bíblia e sua aplicação à
vida do ser humano:
A Bíblia é o manual de Deus na linguagem do homem.72 A Bíblia precisa ser vista, neste caso, como um livro de respostas às questões que interessam ao homem de hoje, seja ele evangélico ou não.73
Ora, a citação acima contradiz a citação de Paulo Freire empregada por
Dornas em sua primeira obra, pois ao considerarmos que a bíblia é “o manual de
70 Idem, p. 58- 60. 71 DORNAS, Lécio. Vencendo os Inimigos da Escola Dominical. 8ª ed. São Paulo: Hagnos, 1998, p 30. 72 Idem, p. 31. AZEVEDO, Israel Belo de. Prefácio a DORNAS, Lécio. O Jornal e a Bíblia. Cuiabá: Edição do autor, 1996, p. 102. (Grifo meu) 73 DORNAS, Lécio. Vencendo os Inimigos da Escola Dominical, p. 69. (Grifo meu)
45
Deus” não há razão de requerer uma postura crítica por parte de quem a estuda,
afinal, manuais são passíveis de cumprimento e não de crítica.
A mesma noção de bíblia como sendo o “manual de Deus” entra em
contradição com outra ideia exposta mais adiante no mesmo livro, quando no sexto
capítulo Dornas critica o ensino bíblico que muitas vezes se passa por um biblicismo
sem quê e nem para quê:
O professor, ao elaborar sua aula, deverá (...) olhar a Bíblia, não como um livro de regras, mas sim de princípios passíveis de serem observados por aqueles que a estudam.74
Nesta visão, Dornas avança em sua terceira obra, A nova EBD… a EBD de
sempre, afirmando que a aplicação das verdades bíblicas abrange questões éticas,
profissionais, familiares da comunidade e do mundo. Por esta razão, Dornas pontua
a importância de não somente entender mas também de decorar passagens
bíblicas. 75
Ainda em sua última obra da trilogia da EBD, Dornas expande não só o
conceito de revelação, afirmando que Jesus é o clímax da revelação bíblica, mas
também o conceito de iluminação indicando que:
Deus iluminou os homens a fim de que fizessem os inspirados registros e interferiu na preservação das Escrituras e na seleção dos livros que deveriam ser incluídos no cânon.76
Finalmente, Dornas conclui sua visão sobre a bíblia, definindo que o propósito
da revelação e ensino bíblico é:
(...) levar o ser humano a uma comunhão vital com Deus por meio da fé em Jesus Cristo. (...) A revelação bíblica, portanto, identifica para o homem os princípios que devem nortear sua vida como redimido. (...) o ensino da bíblia não é um fim em si mesmo, antes faz uma ponte entre o mundo da bíblia e o nosso mundo de hoje.77
74 Idem, p. 74. (Grifo meu) 75 DORNAS, Lécio. A nova EBD… a EBD de sempre. 4ª ed. Rio de Janeiro: JUERP, 2001, p 89. 76 Idem, p. 118. 77 Ibidem, p. 34 e 119.
46
3.2 DEUS
Apesar de toda proposta de Dornas para a EBD ter como eixo o Deus trino,
ao longo de sua trilogia pouco é escrito de forma direta sobre Ele. Entretanto, entre
um conceito e outro podemos inferir a idéia subjacente de Deus formulado por
Dornas.
Primeiramente, Dornas compreende que Deus é alguém que deseja se
revelar a nós através de sua criação, em Jesus e nos inspirados relatos bíblicos,
como acabamos de ver no tema anterior.
Mas do que se revelar, Dornas afirma que Deus confiou o ministério do ensino
bíblico a homens e mulheres para que Ele mesmo seja glorificado. Em sua primeira
obra, Socorro sou professor da Escola Dominical, ao expor o plano de salvação,
Dornas seleciona versículos bíblicos que apresentam Deus como alguém do qual
estamos todos longe, não fora o dom gratuito dEle mesmo demonstrado na morte e
ressurreição de Jesus, nos outorgando a vida eterna.78
Em sua segunda obra, Dornas introduz outro aspecto sobre Deus: um Deus
que quer ser adorado e que se preocupa com a qualidade de seus adoradores.
Entretanto, ao tratar da integração que deve haver entre a EBD e a comunidade,
Dornas amplia a visão convencional de Deus, pois cita o texto de Atos 18.10
inferindo que assim como na idólatra cidade de Corinto, igualmente em nossas
cidades Deus chama um povo de Seu, embora este povo ainda não o conheça, ou
seja, seu domínio não se limita à sua igreja mas através dela é que Seu reino se dá
a conhecer. 79
Finalmente, em A nova EBD… a EBD de sempre, Dornas declara que Deus é
o cabeça da igreja e que seus membros são unidos pelo Espírito de Cristo.80
3.3 SER HUMANO A maneira como o ser humano ou o homem (linguagem mais utilizada na
trilogia) é compreendido por Dornas, aparece de forma sistematizada apenas em
sua terceira obra, A nova EBD... a EBD de sempre: 78 DORNAS, Lécio. Socorro sou professor da Escola Dominical, p. 141, 145, 151 e 152. 79 DORNAS, Lécio. Vencendo os Inimigos da Escola Dominical, p. 18 e 59. 80 DORNAS, Lécio. A nova EBD… a EBD de sempre, p. 74.
47
O homem é um ser essencialmente espiritual, criado à imagem e semelhança de Deus, portador de liberdade, competência e responsabilidade moral. Tendo sido separado de Deus devido à sua condição espiritual, o ser humano precisa de redenção do pecado. Sozinho, ele não pode salvar-se e, por isso, é objeto da graça remidora de Deus. O destino do ser humano é a comunhão com Deus, e ele busca eternamente a paz interior, a segurança e a sua própria realização. Uma vez redimido pela fé em Jesus Cristo, o homem tem um ilimitado potencial para o desenvolvimento da vida cristã até chegar à maturidade em Cristo. A Educação Religiosa parte de um conceito antropológico, fundamentado na Bíblia, de que o ser humano é mordomo de Deus, o que implica sua liberdade e responsabilidade, além da sua transcendência como criatura de Deus. A Educação Religiosa parte de uma visão integral do ser humano, em que se torna imperativo não se separar a educação da vida, a emoção do intelecto, o sagrado do secular (...).81
Cabe ressaltar que em sua trilogia, Dornas propõe uma análise que vislumbra
o ser humano enquanto aluno, portanto nas definições sobre o aluno é que
encontramos indiretamente a compreensão de Dornas sobre o ser humano, como
veremos ainda neste final de capítulo.
3.4 SALVAÇÃO
Pode-se afirmar que na proposta de Dornas, um dos objetivos centrais da
EBD é a salvação do ser humano, também denominada como aceitação do
evangelho. 82
A salvação é concebida como necessidade inerente à condição humana e
através do ensino bíblico as implicações da salvação são encontradas:
Naturalmente, a salvação é a primeira necessidade de qualquer pessoa. (...) Antes de se converter, porém, a pessoa necessita de instrução para o conhecimento bíblico com todas as implicações, a fim de adquirir convicção do pecado, de ser esclarecida quanto ao meio de salvação, para poder tomar a decisão de aceitar a Jesus Cristo pela fé. 83
81 Idem, p. 72 e 85. 82 DORNAS, Lécio. Vencendo os Inimigos da Escola Dominical, p. 51. 83 DORNAS, Lécio. A nova EBD… a EBD de sempre, p. 86.
48
A aplicação evangelística das lições tem como propósito levar o aluno à
salvação, se decidir ao lado de Cristo. Entretanto, segundo Dornas, esta decisão
precisa ser realizada de forma pública:
Se houver decisões ao lado de Cristo na sala, o professor deverá anotar em uma ficha o nome e endereço do decidido e orientá-lo a confirmar sua decisão no culto público. 84
Em sua primeira obra, Dornas disponibiliza o “Plano de Salvação” com seis
versículos extraídos da carta de Paulo aos Romanos, objetivando orientar o
professor ao aspecto evangelizador de seu trabalho:
Como está escrito; Não há um justo, nem um sequer (Romanos 3.10). Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus (Romanos 3.23). Pelo que, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passa a todos os homens por isso que todos pecaram (Romanos 5.12). Porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna, por Cristo Jesus, nosso Senhor (Romanos 6.23). Mas Deus prova o seu amor para conosco, em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores. Logo muito mais agora, sendo justificados pelo seu sangue seremos por ele salvos da ira (Romanos 5.8,9). A saber: Se com tua boca confessares ao Senhor Jesus, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentro os mortos, será salvo. Visto que com o coração se crê para a justiça, e com a boca se faz confissão para a salvação (Romanos 10.9,10).85
Todavia, é interessante notar que em nenhum outro momento da trilogia de
Dornas pode-se encontrar explicação sobre os aspectos envolvidos na salvação.
Façamos agora a análise pedagógica da proposta de Dornas.
Semelhantemente aos temas teológicos, há uma série de temas pedagógicos
norteadores da proposta de Dornas para a EBD batista. Entre eles destacam-se:
Magistério como Vocação, Professor, Aluno, Aprendizagem, Informação,
Conhecimento, Métodos de Ensino, Planejamento, Recursos, Didática de Ensino,
Classe, Aula, Comportamento, Linguagem, Conteúdo, Gerenciamento, Avaliação,
Currículo, Treinamento, entre outros.
84 DORNAS, Lécio. Socorro sou professor da Escola Dominical, p. 57 e 58. 85 Idem, p. 151-152.
49
A título de nossa análise nos limitaremos ao entendimento dos seguintes
pontos:
3.5 EDUCAÇÃO
Em linhas gerais, em sua trilogia, Dornas considera a educação e todas as
suas implicações como um processo que extrapola a preparação de uma aula e que
engloba personagens além do professor e do aluno.
Comumente, o conceito de educação na proposta de Dornas é mesclado com
outros dois conceitos: Educação Religiosa e Educação Cristã.
Educar é ensinar; é treinar; é orientar. Do ponto de vista cristão, educar significa levar as pessoas ao conhecimento e aceitação de Jesus Cristo como Salvador e conduzi-las à prática dos conceitos cristãos como padrão de vida (...). A educação é um processo através do qual cada pessoa se desenvolve no conhecimento e na compreensão, adquire atitudes e conceitos novos e aprende a praticar ações coerentes com o exemplo de Cristo. 86
Dornas afirma que a educação religiosa deve levar em consideração os
estágios de desenvolvimento da personalidade, da cognição e a experiência
religiosa de acordo com o estágio evolutivo de cada indivíduo, o que se configura
numa nova abordagem e portanto grande contribuição para o magistério na EBD.87
Outra grande contribuição da visão educacional de Dornas é a interação por
ele proposta entre os envolvidos no processo de ensino e as tendências
contemporâneas de educação. Mais do que isso, Dornas propõe que a EBD seja um
novo paradigma educacional:
Precisamos (...) lutar para que a práxis educacional da Escola Dominical de nossas igrejas represente sempre o que há de melhor e mais moderno no campo da educação. É preciso sair da retaguarda e assumir uma atitude de vanguarda como agentes da educação cristã na história.88
Dornas também inova ao criticar em sua segunda obra Vencendo os Inimigos
da Escola Dominical os ministros que não têm visão educacional, a mesmice 86 DORNAS, Lécio. A nova EBD… a EBD de sempre, p. 78-79. 87 Idem 73. 88 DORNAS, Lécio. Socorro sou professor da Escola Dominical, p. 120.
50
pedagógica, o templocentrismo radical que deve ser trocado por uma educação que
vai onde o povo está, o dominicalismo ilógico que deve ser substituído por uma
educação viabilizada em qualquer dia da semana, entre outros temas de grande
relevância.89
A visão de educação de Dornas pressupõe alguns aspectos até então
desconhecidos para a EBD batista, tais como a avaliação, entendida como parte
essencial do processo educativo e a presença de um diretor pedagógico na estrutura
organizacional da EBD, que passa a ser mais departamentalizada como pode-se
notar em sua terceira obra.90 A despeito disso, surpreendentemente, ao criticar o
eclesiocentrismo egoísta característico de muitas igrejas, Dornas faz a seguinte
declaração:
As propostas existentes de currículos e programas de ensino para a Escola Dominical são, em sua maioria, voltadas para a realidade intestina da igreja. As grades curriculares são excessivamente extensas e complexas em sua organização.91
Dornas parece entender que este não é um problema da EBD batista, pois em
A Nova EBD... a EBD de sempre no qual objetiva-se mostrar uma nova proposta
educacional para a EBD, Dornas afirma:
Optar pela nova EBD não é mudar por mudar. É melhorar o que já existe, é atualizar o que já é aceito em nossas igrejas, é contextualizar o que já funciona na maioria de nossas igrejas.92
A contradição da afirmação acima vem à luz quando neste mesmo livro
Dornas compara a “Velha” EBD que vigorou até 2000 com a nova proposta,
sobretudo em seu aspecto educacional, pedagógico:
A JUERP não poderia fechar os olhos a esta realidade de mudança e perplexidade, ficando a observar passivamente, pelo desinteresse ou confusão reinante, o desintegrar-se da instituição que é fundamental para a sustentação de nossas igrejas e o fortalecimento doutrinário e espiritual dos crentes que as compõem. Temos que investir na EBD de sempre, buscando descobrir os novos caminhos que, trilhados por ela, venham a contribuir para a sua renovação e
89 DORNAS, Lécio. Vencendo os Inimigos da Escola Dominical. 90 DORNAS, Lécio. A nova EBD… a EBD de sempre, p. 133-137. 91 DORNAS, Lécio. Vencendo os Inimigos da Escola Dominical.68. 92 DORNAS, Lécio. A nova EBD… a EBD de sempre, p. 61.
51
continuidade, já que o seu conteúdo e finalidade não são passíveis de discussão. O que se discute é a forma, não o fundo, o adjetivo não o substantivo, o acessório e não o fundamental.93
Em suma, Dornas deixa claro que há um processo de decadência da EBD
batista. Tanto é verdade que a JUERP decide se posicionar com uma nova proposta
educacional que embora com ar de renovação nada mais é do que a proposta
anterior com algumas poucas mudanças que não são estruturais, apenas
superficiais.
Há ainda outros pontos de difícil compreensão e até contradição na visão
educacional de Dornas que serão tratados nos três temas pedagógicos que seguem.
3.6 PROFESSOR
Para Dornas, somente pode ser professor da EBD a pessoa que tenha tido
um encontro pessoal com Jesus, que encare o magistério como vocação. Tal
definição é inovadora visto que em muitas igrejas a questão da vocação ao
magistério na EBD não é sequer discutida, pois muitas vezes os professores são
neófitos e estão dando os primeiros passos na fé quando são convidados para
lecionar, como aconteceu com o próprio Lécio Dornas. Outros têm o “cargo” de
professor da EBD há anos, como status, sem que haja qualquer questionamento ou
avaliação quanto à sua vocação ao ensino ou conduta.
Dornas é enfático em dizer repetidamente em sua obra que o professor deve
ser: exemplo, viver o que prega, eticamente irrepreensível, disposto a ouvir seus
alunos, estudioso da bíblia. Ele acrescenta a importância de o professor ou
professora da EBD ser fiel dizimista, assíduo nas programações da igreja e distante
de todo vento de doutrina.94 Estes últimos conceitos são provavelmente fruto da
herança estadunidense conversionista, catequizadora e denominacional que se
enraizou na EBD brasileira desde sua fundação como já vimos anteriormente.
Ao falar dos professores, Dornas inova ao usar por vezes a linguagem
“homens e mulheres” que é mais inclusivista, algo pouco comum no meio batista
93 Idem, p. 12-13. 94 DORNAS, Lécio. Socorro sou professor da Escola Dominical.
52
onde o discurso é predominantemente machista. Acredita-se que esta é uma
tentativa de aproximação com a leitora e o leitor alvo de sua obra.
Dornas segue dizendo que o professor é o que orienta a participação dos
alunos, inclusive dos mais tímidos. A propósito, Dornas admite a possibilidade de
haver falta de interesse por parte dos alunos na EBD por negligência de alguns
professores e da qualidade da aula que eles apresentam, o que alerta e relembra o
professor da EBD da responsabilidade inerente à sua atividade.95
Curiosamente ao final deste primeiro livro, Dornas96oferece Dez
Mandamentos ao Professor, dos quais o sexto recomenda ao professor que ame o
aluno como seu próprio filho. É interessante notar que esta posição paternalista
pode ser muito prejudicial ao processo educativo como pontuou Paulo Freire em sua
obra Professora Sim, Tia Não de 1993.97
No processo educativo, sobretudo com relação às escrituras, Dornas
compreende que o papel do docente da EBD é o de aplicar as verdades bíblicas à
vida dos alunos, pois ele em seu relacionamento com o texto bíblico, torna-se
depositário, detentor delas, definição nos remete mais uma vez ao conceito de
Educação Bancária desenvolvido por Paulo Freire, que será discutido no próximo
capítulo:
Aplicando as verdades bíblicas à vida dos seus alunos, o professor estará construindo uma ponte entre o mundo da Bíblia e o mundo de hoje. Cada dia vivendo em comunhão com a Palavra de Deus, declarando com a vida seu amor por ela (...), o professor vai enchendo suas entranhas (...) dos ensinamentos eternos e vivos, que ficarão para sempre marcados em seu coração. Assim, o professor torna-se firme e constante, verdadeiro depositário das verdades divinas, fiel guardião da sã doutrina.98
Contraditoriamente, Dornas citando Paul-Eugene Charbonneau declara que o
professor, enquanto educador, reconhece que só há educação verdadeira quando
existe autoeducação, ou seja, o educando é responsabilizado e respeitado por seu
próprio autodesenvolvimento. Nesta mesma linha, Dornas continua com um discurso
95 Idem, p. 47. 96 Ibidem, p. 149. 97 FREIRE, Paulo. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Olho D’Água, 4ª ed. 1994. 98 Ibidem, p. 23 e 32. (Grifo meu)
53
emprestado, ou ao menos pautado no conceito de Educação Dialógica de Paulo
Freire, afirmando que o educador deve ser educador-educando e que deve se
relacionar com o educando-educador.99
Em Vencendo os Inimigos da Escola Dominical Dornas reforça esta ideia com
a seguinte proposição:
O professor deve atuar mais como um facilitador, alguém que vai tornar mais fácil a tarefa dos alunos de aprender e descobrir, alguém que vai trabalhar orientando e ajudando os alunos a tirarem suas próprias conclusões acerca do conteúdo em estudo.100
Entretanto esta afirmação entra em contradição com um trecho anterior do
mesmo livro, quando Dornas recomenda que a interpretação do texto bíblico na aula
tome no máximo 30% do tempo :
A preocupação do professor é com a transmissão de informações e dados que auxiliarão o aluno na interpretação do texto bíblico em estudo. Neste momento, a palavra é quase totalmente de uso do professor; eventualmente, um aluno pode oferecer contribuição, porém, o pressuposto é de que o professor está preparado a oferecer aos seus alunos as informações de que se valerão para a clara compreensão do texto bíblico.101
Em sua terceira obra,Dornas mostra ter consciência da realidade bancária da
educação oferecida há décadas na EBD:
O professor ensina (sabendo-se que a grande maioria dos professores de EBD praticam um ensino bancário, monólogo e sem qualquer participação dos alunos na construção do conhecimento) (...).102
Finalmente outro aspecto visto por Dornas como essencial para o professor é
apropriar-se das facilidades viabilizadas pelo mundo virtual e tecnológico a fim de
melhorar a qualidade do ensino oferecido na EBD, tornando-o relevante e
contextualizado.103
99 DORNAS, Lécio. Socorro sou professor Escola Dominical, p. 118 e 125. 100 DORNAS, Lécio. Vencendo os Inimigos da Escola Dominical, p. 34.(Grifo meu) 101 Idem, p. 21. 102 DORNAS, Lécio. A nova EBD… a EBD de sempre, p. 44. 103 DORNAS, Lécio. Socorro sou professor da Escola Dominical, p. 139 e 149.
54
3.7 ALUNO
Pode-se afirmar que a obra de Dornas não se ocupa em definir de forma
direta quem é o aluno. A função do aluno na educação oferecida na EBD parece ter
primazia frente à sua essência enquanto personagem deste processo.
Em sua primeira obra, Socorro sou Professor da Escola Dominical, Dornas
dedica um capítulo inteiro para tratar sobre o aluno, advertindo o professor de que o
aluno deve ser conhecido pelo nome, deve ser visitado e que não somente o aluno
mas também sua família devem ser alvo de seu interesse. Paulo Freire é citado
como referencial de um processo educacional no qual o aluno não é mero objeto
mas sim o construtor do próprio conhecimento.104
Dornas adverte que a participação do aluno na aula depende diretamente da
pedagogia que é empregada e afirma que quando a educação é restrita e controlada
a alma humana é abafada. Nesta mesma linha, em sua segunda obra encontra-se
uma afirmação belíssima sobre o papel do aluno no processo de ensino:
O pressuposto básico da reflexão é o aluno, não como um ser passivo no processo de ensino, mas ativo. O aprendizado não é algo que surge para ele mas sim com ele. Quando , porém, o professor cai de paraquedas em sala de aula, alheio ao contexto de vida dos alunos, não dando a mínima para as questões que os afligem e angustiam, a aula é teórica e fria, magra de relevância e pobre em utilidade.105
Todavia, esta concepção de aula pobre em utilidade é exatamente a que se
mostra presente na educação proposta por Dornas, pois ao explanar os passos do
planejamento de uma aula ao aluno é relegado o papel de participar mais
ativamente apenas da aplicação do conteúdo ministrado (embora em outros dois
momentos, interpretação e conclusão, ele também possa participar,
esporadicamente ou apenas orando, como já vimos anteriormente):
No momento da aplicação é muito importante a participação dos alunos, dando opiniões, compartilhando experiências e oferecendo subsídios para a correta aplicação das verdades aprendidas à vida dos colegas de classe.106
104 Idem, p. 118. 105 DORNAS, Lécio. Vencendo os Inimigos da Escola Dominical, p. 29, 67 e 76 e 77. 106 DORNAS, Lécio. Socorro sou professor da Escola Dominical, p. 23.
55
Em sua terceira obra, Dornas acrescenta novas facetas à atividade do aluno
na nova EBD proposta. Estes passam a ser compreendidos não somente enquanto
indivíduos, mas enquanto membros de um processo que é desenvolvido numa troca
coletiva. O contexto de vida de cada aluno passa a ser, pelo menos em tese,
fundamental na construção do aprendizado e não somente o aluno crente, mas
também o não-crente passa a ser alvo de integração na EBD.107
Por fim, há menção do serviço social que deve ser prestado pelos alunos,
tema desenvolvido no decorrer da obra de Dornas mas de forma particular em seu
último livro:
(...) a grande guinada que a nova EBD representa é exatamente a mobilização dos alunos para a prática cristã no quotidiano.108
3.8 INFORMAÇÃO E CONHECIMENTO
Ao longo de sua obra, Dornas emprega os vocábulos informação e
conhecimento praticamente como sinônimos, parecendo não estabelecer nenhuma
distinção inicial entre eles.
Segundo Dornas, o primeiro fator levado em conta num planejamento são as
informações a serem transmitidas:
Qual o principal ensinamento da lição a ser estudada? Quais são as informações a serem transmitidas e que relação têm como o ensinamento principal? (...) A transmissão e a assimilação desses ensinamentos são imprescindíveis numa sala de aula. Encontrado o conteúdo, terá achado o caminho por onde deverá se conduzir durante a aula. Ao se conduzir por ele assegurará o êxito de sua docência. (...) O professor, ciente do conteúdo, já tem uma ideia da quantidade de informações e de ensinamentos que precisará transmitir. (...) O professor estabelecerá uma relação entre a quantidade de informações e de ensinamentos práticos com o tempo disponível para que os mesmos sejam transmitidos. A preocupação do professor é com a transmissão de informações e dados que auxiliarão o aluno na interpretação do texto bíblico em estudo. (...) o pressuposto é de que o professor está preparado para oferecer aos seus alunos as informações de que se valerão para a clara compreensão do texto bíblico.109
107 DORNAS, Lécio. A nova EBD… a EBD de sempre, p. 33 e 34. 108 Idem, p. 36. 109 DORNAS, Lécio. Socorro sou professor da Escola Dominical, p. 18, 19 e 21.
56
Entretanto, em seu segundo livro, Vencendo os Inimigos da Escola Dominical,
Dornas argumenta que a tendência construtivista da educação foge totalmente a
este padrão informativo da educação, estabelecendo assim mais uma contradição
em sua proposta:
É incrível mas, apesar de vivermos num tempo de altíssimo desenvolvimento em todas as áreas do conhecimento, muitos professores de Escola Dominical de nossas igrejas ainda pensam que ensinar é depositar conhecimentos nos alunos. Sem relevância prática, as informações em si mesmas em nada podem ajudar os alunos. O estudo fica sem sentido. Este tipo de aula informativa é o que estamos combatendo.110
Com esta afirmação e considerando as declarações anteriores, fica claro um
ponto chave comum à noção de conhecimento e informação: segundo Dornas
ambos são passíveis de transmissão e não de construção.
Conclui-se portanto que a despeito de Dornas citar o fato de que deve haver
grande empenho do professor em preparar uma aula criativa, com recursos
variados, envolvente, fugindo do modelo tradicional que vigorou por muito tempo (e
vigora até hoje) na maioria das igrejas, onde o aluno senta e recebe informações
sem ser em nada questionado, considerado, como acabamos de ver, sua proposta
baseia-se exatamente na transmissão de informações por parte do professor ao
aluno.111
Dornas insiste na temática da informação, pois acredita que uma vez
informado sobre a Palavra de Deus, o indivíduo conhece a Deus. Pode-se dizer que
esta é mais uma das muitas marcas do imperialismo estadunidense fundamentalista
herdada pelos Batistas Brasileiros e que serão abordadas no capítulo que segue.
110 DORNAS, Lécio. Vencendo os Inimigos da Escola Dominical, p. 33 e 75. 111 Idem, p. 50 e 51.
57
CAPÍTULO II: Aprender a Bíblia: Educação Bancária ou Dialógica?
“(...) Faz tanto tempo que estou com vocês (...) e você ainda não me conhece?” (Jesus em conversa com Filipe – João 14.9a)
O objetivo deste capítulo é analisar alguns pressupostos pedagógicos que
norteiam a proposta de Dornas, dialogando com Paulo Freire e Juan Luis Segundo.
De Paulo Freire serão tratados os conceitos de educação bancária em contraste
com a educação dialógico-libertadora, a noção de que ninguém educa ninguém, mas
que entre si as pessoas se educam com amor, fé e diálogo, além de se construir
uma ponte entre a pedagogia e a teologia, alicerçando bem a noção de uma
educação cristã, na qual aprender a bíblia não é decorar conteúdo ou obter
informação, mas sim o que Juan Luis Segundo chamou de dar “luz” para discernir as
apostas e caminhos da vida. Neste direcionamento de Segundo, ainda serão
expostos a compreensão de que aprendizagem não é feita através de somas de
verdades da subtração de erros, mas sim da multiplicação constante de fatores,
além dos conceitos de “igreja docente com sua pedagogia apressada” em conjunto
com “igreja discente com perguntas atrasadas” que muito podem auxiliar a
construção de novos paradigmas para a EBD Batista.
1. EDUCAÇÃO BANCÁRIA X EDUCAÇÃO DIALÓGICO-LIBERTADORA
Paulo Freire, em seus textos dialéticos, sempre proporciona novos olhares
sobre a educação. De sua devoção e paixão pela arte de aprender-ensinar talvez
tenha naturalmente fluído a concepção tão marcante de liberdade e de se educar
para o diálogo e, portanto, para a liberdade. Entretanto, como já foi mencionado
anteriormente, Freire não divorcia a pedagogia de sua fé cristã mas, ao contrário,
vale-se de suas intuições cristãs para elaborar sua pedagogia e, assim,
58
conjuntamente, contribui para a teologia, fato que é sinalizado por Daniel S.
Schipani, em sua obra Paulo Freire Educador Cristiano:
Devemos começar na intersecção de onde se fundem e convergem a experiência vocacional e a experiência religiosa de Freire. Somente desta perspectiva poderemos apreciar a dimensão teológica de sua contribuição. Freire cresceu em um lugar católico, numa região do Brasil abatida pela pobreza. Freire fala com simpatia daquelas primeiras experiências religiosas, e adiciona que em certo momento abandonou a igreja por claras razões de consciência. (...) o incomodava particularmente a contradição que via entre a linguagem piedosa do domingo e a ausência de um compromisso cristão na vida cotidiana.112
Tendo esta citação em mente, sobretudo em sua última parte “ausência de
um compromisso cristão na vida cotidiana”, este capítulo se inicia com a exposição
de um conceito desenvolvido por Freire (com a excelência intelectual e crítica que
lhe é peculiar) que é citado, como vimos no capítulo anterior, na trilogia de Lécio
Dornas; estamos falando do conceito de educação bancária.
O educador Paulo Freire compreende que a educação bancária caracteriza-
se pela relação restritiva e castradora entre educador e educando, na medida em
que, por privilegiar a sonoridade e não a força transformadora da palavra, a ação
“educativa” adquire caráter narrador, memorizador, mecânico e depositário: 113
Em lugar de comunicar-se, o educador faz “comunicações” e depósitos que os educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem. Eis aí a concepção “bancária” da educação, em que a única margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los. Margem para serem colecionadores ou fichadores das coisas que arquivam. No fundo, porém, os grandes arquivados são os homens, nesta (na melhor das hipóteses) equivocada concepção “bancária” da educação. Arquivados, porque, fora da busca, fora da práxis, os homens não podem ser. Educador e educandos se arquivam na medida em que, nesta distorcida visão da educação, não há criatividade, não há transformação, não há saber. Só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros. 114
112 SCHIPANI, Daniel S. Paulo Freire educador Cristiano. Michigan: Libros Desafío, 2002, p. 50 e 51. (Tradução da autora) 113 FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, p. 65-66. 114 Idem 66.
59
Na educação bancária, as aulas são verbalistas com conotação “digestiva”
afinal o verdadeiro pensar, relacional e crítico dá lugar à ingestão de informações,
como veremos no próximo tópico deste capítulo. A equivocada noção de ser humano
que permeia esta prática vislumbra o aluno como algo (estático) e não alguém. O
professor é o agente da relação que detém todo o poder e responsabilidade de
encher a mente do educando com os saberes que estão em sua posse e que, uma
vez transmitidos, transformarão o aluno em pessoa útil à sociedade.115 Em
contrapartida, o educador luterano, Danilo Streck, em sua obra Um diálogo entre a
Teologia e a Pedagogia numa Perspectiva Latino-Americana, aponta que a
verdadeira educação cristã é orientada por um diálogo horizontal entre educadores e
educandos, visto que ambos são sujeitos do processo educacional.116
Justifica-se aqui a razão pela qual, nesta relação bancária, o educando, ser
relegado ao papel de receptor subalterno, vazio, passivo e incapaz de trazer
qualquer interferência ao que está sendo ministrado, uma vez que ele é considerado
inferior ao educador, que assume papel principal no processo. Pode-se afirmar que o
professor é o centro da relação pois é ele quem controla, determina, mede, detém
todo o saber e faz deste modelo de “educação” uma prática de dominação e
opressão ao indivíduo.117
Se o educador é o que sabe, se os educandos são os que nada sabem, cabe àquele dar, entregar, levar, transmitir o seu saber aos segundos. Saber que deixa de ser de “experiência feita” para ser de experiência narrada ou transmitida. Não é de estranhar, pois, que nesta visão “bancária” da educação, os homens sejam vistos como seres da adaptação, do ajustamento. Quanto mais se exercitem os educandos no arquivamento dos depósitos que lhes são feitos, tanto menos desenvolverão em si a consciência crítica de que resultaria a sua inserção no mundo, como transformadores dele. (...) Quanto mais se lhes imponha passividade, tanto mais ingenuamente, em lugar de transformar, tendem a adaptar-se ao mundo, à realidade parcializada nos depósitos recebidos. Na medida em que esta visão “bancária” anula o poder criador dos educandos ou o minimiza, estimulando sua ingenuidade e não sua criticidade, satisfaz aos interesses dos opressores: para estes, o fundamental não é o desnudamento do mundo, a sua transformação. O seu “humanitarismo”, e não humanismo, está em preservar a situação de que são beneficiários e que lhes possibilita a manutenção de sua falsa generosidade (...). Por isto mesmo é que reagem, até
115 Ibidem 73. 116 STRECK, Danilo. Um diálogo entre a Teologia e a Pedagogia numa Perspectiva Latino-Americana. Curitiba: Celadec, 1996. 117 FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, p. 73 e 76.
60
instintivamente, contra qualquer tentativa de uma educação estimulante do pensar autêntico (...). Na verdade, o que pretendem os opressores “é transformar a mentalidade dos oprimidos e não a situação que os oprime”, e isto para que, melhor adaptando-os a esta situação, melhor os domine.118
O teólogo Leontino Santos, acrescenta adiciona à esta visão: 119
(...) o processo educativo, na qualidade de provedor da cultura as sociedade, em nome da necessidade de educar, de transmitir conhecimento e de garantia do patrimônio cultural, pode transformar-se em meio que contribua para a reprodução das relações de classe, de poder, de distribuição do capital cultual e econômico.
Vale salientar que a visão Freireana aponta algo ainda mais supreendente no
tocante a esta dinâmica de dominação inerente à educação bancária: a relação
entre o opressor (neste caso o docente) e o oprimido (o discente) gera a
desumanização de ambos, uma vez que tanto a libertação quanto a opressão não se
dão em via única mas na comunhão dos indivíduos, ou seja, ao desumanizar o
aluno, o professor se autodesumaniza. Isto significa dizer que na educação bancária
não só alunos, mas também professores igualmente carecem de um novo
paradigma pedagógico que seja verdadeiramente educativo, como Freire mais tarde
apontou em sua obra Pedagogia da Esperança:
(...) ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém educa a si mesmo; os homens se educam em comunhão mediatizados pelo mundo.120
Em suma, pode-se afirmar, portanto, que a educação bancária gera apatia,
alienação, desumanização que é a negação do ser humano como ente crítico,
criativo, dialogal e livre, tal qual a imagem e semelhança de seu Criador. Em outras
palavras, pode-se inferir que a educação bancária constitui-se em uma grave
ameaça à EBD e sua proposta de educação cristã, na medida em que a verdadeira
educação, que se baseia na pessoa de Cristo, objetiva gerar seres mais humanos
118 Idem 78. 119 SANTOS, Leontino F. Educação: Libertação ou Submissão? A ideologia da educação protestante na perspectiva da APEC. Barueri: Simpósio, 1999.p. 52. 120 FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: Um Reencontro com a Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro; Paz e Terra, 1994. p. 78.
61
que são consequentemente seres mais comprometidos com seu próximo e o mundo
que os cerca dentro da história.
Faz-se necessário revisitar o pensamento de Dornas sobre a educação
bancária. Já vimos que para Dornas a expressão Freireana de educação bancária
implica numa visão retrógrada do processo ensino-aprendizagem totalmente
incompatível com a excelência do objetivo da educação cristã.121 Entretanto, Dornas
também afirma que:
O professor ensina (sabendo-se que a grande maioria dos professores de EBD praticam um ensino bancário, monólogo e sem qualquer participação dos alunos na construção do conhecimento) (...).122
Se Dornas consegue constatar que a educação oferecida na EBD é na prática
a educação bancária conceituada por Paulo Freire, cabe perguntar por qual razão
teria ele afirmado em outro momento em sua trilogia que:
Optar pela nova EBD não é mudar por mudar. É melhorar o que já existe, é atualizar o que já é aceito em nossas igrejas, é contextualizar o que já funciona na maioria das igrejas.123 (...), o professor vai enchendo suas entranhas (...) dos ensinamentos eternos (...). Assim, o professor torna-se firme e constante, verdadeiro depositário das verdades divinas, fiel guardião da sã doutrina.124 A preocupação do professor é com a transmissão de informações e dados que auxiliarão o aluno na interpretação do texto bíblico em estudo. (...) o pressuposto é de que o professor está preparado para oferecer aos seus alunos as informações de que se valerão para a clara compreensão do texto bíblico.125
Acredita-se que uma possível razão para esta tão grande contradição na
pedagogia proposta por Dornas para a EBD esteja no pressuposto teológico
equivocado que norteia a noção de ensino. Para Dornas, é na vivência como o texto,
com a bíblia, que o cristão vai sendo aperfeiçoado.126 A relação almejada é com
Deus (não tanto com o próximo), mas a mediação é feita pelo livro, pela sagrada 121 DORNAS, Lécio. Socorro sou Professor da Escola Dominical, p. 117. 122 DORNAS, Lécio. A nova EBD… a EBD de sempre, p. 44. (Grifo meu) 123 Idem, p. 12 e 13. (Grifo meu) 124 Ibidem, p. 32. (Grifo meu) 125 DORNAS, Lécio. Socorro sou professor da Escola Dominical, p. 18, 19 e 21. (Grifo meu) 126 Idem.
62
escritura, ou seja, uma vez que o conteúdo é depositado no aluno este passa a ter o
potencial de se tornar apto ao pleno desempenho de uma vida cristã eficaz.
Esta noção de Dornas foi extraída ou é fruto de possivelmente duas fontes: a
primeira, da mentalidade colonialista de missionários estadunidenses e a segunda,
da Declaração Doutrinária, documento oficial que rege todas as igrejas conveniadas
à Convenção Batista Brasileira.
Embora já tenha sido introduzido no capítulo anterior, o conceito de
colonialidade frente ao saber subalterno que permeou toda a implementação da
EBD no Brasil, pode ser melhor compreendido quando se observa a já citada noção
do pastor José Pereira dos Reis de “adestramento dos membros das igrejas nos
conhecimentos bíblicos” como tônica, desde os primórdios da implantação da EBD
no Brasil.127
A verdade é que ao longo dos anos, tornou-se evidente que a abordagem
educacional proposta na EBD não foi descolonizada. A influência cultural
estadunidense foi tão intensa que a versão evangélica do “American Way of Life” se
enraizou pela EBD e provavelmente por toda educação cristã batista.
Resultado do cristianismo de imigração e missão, a educação cristã
implementada na EBD, semelhantemente ao que se evidenciou em outras áreas
como na missão,128 foi até certo ponto etnocêntrica e exatamente por esta razão
pensadores brasileiros, educadores autóctones, estiveram distantes da dinâmica
pedagógica da EBD. A este fato, o pastor batista, René Padilha, oferece a seguinte
consideração:
Já equacionamos “americanismo” como cristianismo numa extensão tal, que somos tentados a acreditar que os membros de outras culturas precisam adotar os padrões institucionais americanos quando se tornam convertidos.129
O clima de hostilidade a educadores brasileiros no contexto da EBD batista,
de forma particular de Paulo Freire, pode ser evidenciado com a pregação do pastor
Anselmo Nicolau dos Santos, por ocasião da comemoração na EBD do Dia dos
127 PEREIRA, J. Reis. História dos batistas no Brasil: 1882 -1982, p. 274. 128 Para uma leitura crítica sobre o tema da influência americana na missão, vide RODRIGUES, Ricardo G. A teologia da Missão Integral: Aproximação e Impedimentos entre Evangélicos e Evangelicais. UMESP, 2009. (Dissertação de Mestrado). p. 13. 129 PADILLA, C. René. “Cristologia Y Misión en Los dos Terceros Mundos”. Boletim Teológico. FTL, nº 8, 1982, p. 39-60. (Grifo meu)
63
Professores (ver anexo 3). O pastor Anselmo Nicolau é mestre em Educação e
liderou o Departamento de Educação Religiosa da Convenção Batista do Estado de
São Paulo (CBESP) entre 1990-1996. Em certa altura de sua mensagem, o pastor
Anselmo declara:
É interessante que fruto de uma filosofia que vem permeando o mundo e atingiu também o Brasil, lá pelos anos 60 e na época da ditadura militar, principalmente, Paulo Freire e outros, (...) começaram a mirar uma bateria contra a educação, contra o ensino que eles consideravam ultrapassados (...) eles estavam ali falando de uma nova metodologia, de uma nova filosofia, de uma nova postura de ensino que não era ensino, mas era o que eles chamavam de diálogo amoroso entre as pessoas. E hoje nós temos o resultado disso. (...) O que nós estamos vendo de resultado deste ataque ao ensino, deste ataque à educação, deste ataque aos professores, a aqueles que buscavam ensinar alguma coisa, a pobreza intelectual, a ignorância que toma conta, a mídia usando e abusando da sua capacidade de manipular as pessoas e praticamente em todos os países, a vitória da demagogia. Populismo de qualquer tipo, de direita, de esquerda, pessoas que vão lá para o cargo e querem se perpetuar, como Fidel Castro, e assim por diante.(...). Tudo isso porque as pessoas pararam de acreditar no ensino. 130
As afirmações do pastor Anselmo Nicolau, além de demonstrarem
desconhecimento da real proposta de Paulo Freire para a educação brasileira e de
seus efeitos benéficos e libertadores aqui e ao redor do mundo, apontam aspectos
interpretados como resultantes da ação educativa de Freire (demagogia, populismo,
manipulação e pobreza intelectual) que nada têm a ver com a proposta educacional
Freireana de libertação, problematização e dialogicidade, como veremos mais à
frente. No entanto, apesar deste discurso ter sido proferido numa celebração aos
professores da EBD, muitos dos quais são pedagogos, não houve nenhum
questionamento por parte deles, nenhuma reação ao discurso do pastor Anselmo, o
130 Anexo 3. Santos, Anselmo N. Jesus o Mestre por Excelência. Mensagem pregada no Culto da EBD em comemoração ao Dia dos Professores. PIB São Caetano do Sul (SP), 12 de Outubro de 2008. Disponível em http://www.primeirabatista.com.br/Default.aspx?tabid=51. Acesso em 15 de outubro de 2008. O pastor Anselmo Nicolau dos Santos é formado em Teologia pela FTBSP e é mestre em Educação. Liderou o Departamento de Educação Religiosa da CBESP entre 1990-1996. Ministro de Educação Cristã, professor universitário, atualmente é pastor da Igreja Batista em Vila Zatty (SP). Acesso em 15 de outubro de 2008. (Grifo meu)
64
que pode indicar que a ignorância e apatia geradas pela educação bancária da EBD
batista é de fato uma realidade entre alunos e também professores.131
É preciso retomar o ímpeto de liberdade e criticidade presentes na origem da
igreja batista, como foi com Helwys e Smith. Somente a educação dialógico-
libertadora é capaz de suscitar em mulheres e homens, docentes e discentes, uma
resposta de insubmissão à alienação imposta por “regimes” que na tirania da história
se revezam nas relações de poder em todos os níveis sociais, e também no
eclesiástico.
No tocante à Declaração Doutrinária (ver anexo 4), Dornas é impedido de
romper com a educação bancária possivelmente por conta de definições como a que
segue: XIV – Educação Religiosa O ministério docente da igreja, sob a égide do Espírito Santo, compreende o relacionamento de Mestre e discípulo, entre Jesus Cristo e o crente. A palavra de Deus é o conteúdo essencial e fundamental nesse processo e no programa de aprendizagem cristã. O programa de educação religiosa nas igrejas é necessário para a instrução e desenvolvimento de seus membros, a fim de "crescerem em tudo naquele que é a cabeça, Cristo". Às igrejas cabe cuidar do doutrinamento adequado dos crentes, visando sua formação e desenvolvimento espiritual, moral e eclesiástico, bem como motivação e capacitação sua para o serviço cristão e o desempenho de suas tarefas no cumprimento da missão da igreja no mundo. 132
Neste ponto da argumentação, alguns questionamentos, mesmo não sendo
alvo desta dissertação, parecem irrevogáveis: A quem interessaria a educação
bancária na EBD? Por que razão teria ela se perpetuado por tanto tempo na EBD
batista? Que efeitos a educação bancária na EBD causou na vida dos fiéis batistas
ao longo das últimas décadas e qual o impacto na comunidade de fé atualmente?
Como explanado acima, a educação bancária gera desumanização, que por
ser opressão serve aos interesses de alguém ou de uma classe. Por isso, verifica-se
que não há nada melhor para educar o opressor do que educar o oprimido, afinal,
131 Para um aprofundamento nesta temática, consultar Boaventura de Sousa Santos em: "Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências", in Barreira, César (Ed.), Sociologia e Conhecimento além das Fronteiras. Porto Alegre: Tomo Editorial. 2006. 132 Anexo 4. Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira. (Extraído do Portal da Convenção Batista Brasileira): http://www.batistas.org.br/index.php?option=com_content&view= article&id=15&Itemid=15. Acesso em 27 de março de 2009.
65
Uma educação que serve à burguesia não pode ser (...) profética e esperançosa.133
Em contraponto ao conceito de educação bancária, Paulo Freire apresenta o
conceito de educação dialógico-libertadora. Em 1965, Freire produziu um livro
altamente crítico, se considerado o contexto político brasileiro de 1960 a 1964, tendo
por título Educação como prática da Liberdade.
Nesta obra, embora sejam desenvolvidas as ideias e práticas executadas por
Freire no Brasil na área de alfabetização de adultos a partir de 1961, o tema
constante em toda a narrativa é “educar para a liberdade”:
Nunca pensou, (...), o autor, ingenuamente, que a defesa e a prática de uma educação (...) que respeitasse no homem a sua ontológica vocação de ser sujeito, pudesse ser aceita por aquelas forças, cujo interesse básico estava na alienação do homem e da sociedade brasileira. (...) estas forças destorcem sempre a realidade e insistem em aparecer como defensoras do Homem, de sua dignidade, de sua liberdade, apontando os esforços da verdadeira libertação como (...) “lavagem cerebral” – tudo isso produto de demônios, inimigos do homem e da civilização ocidental cristã.134
Para Freire, liberdade não é ilusão mas nossa real vocação. Liberdade é um
processo de reflexão e ação (práxis) que se cria na medida em que, por exemplo,
analfabetos de classes populares da América Latina passam a ter acesso ao
importante ato de ler, viabilizador do diálogo com o mundo. Vemos aqui que o
educando é o centro do processo de ensino-aprendizagem sendo o conteúdo e
temas geradores desta aprendizagem suas próprias necessidades, de forma
integrada, e sua consciência de si mesmo.
Freire acrescenta que a liberdade que gera em nós capacidade criadora é
sobretudo forma de luta contra a alienação e mera acomodação do ser à História:
(...) toda vez que se suprime a liberdade, fica ele um ser meramente ajustado ou acomodado. E é por isso que minimizado e cerceado, acomodado a ajustamentos que lhe sejam impostos, sem o direito de discuti-los, o homem sacrifica imediatamente a sua capacidade criadora.135
133 FREIRE, Paulo. Carta para um Estudante de Teologia. 134 FREIRE, Paulo. Educação como Prática da Liberdade. 25ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001, p. 44 e 45. 135 Idem, p. 50.
66
Em 1969, Freire escreve Pedagogia do Oprimido, obra mais conhecida do
autor que, ao produzi-la, possuía maior compreensão do problema das classes
sociais, do processo de ideologização, sobretudo após sua experiência de exílio no
Chile, onde se envolveu com a vida cotidiana de camponeses. Obviamente, como é
comum a qualquer indivíduo adiante de seu tempo, Freire foi e ainda é por vezes
qualificado como ingênuo ou idealista, mas ao reforçar em Pedagogia do Oprimido o
tema da “educação para liberdade” (recorrente do livro anterior), o conceito é
ampliado como nota-se a seguir:
Humanização e desumanização, dentro da história(...) são possibilidades dos homens como seres inconclusos e conscientes de sua inconclusão. Mas se ambas são possibilidades, só a primeira nos parece ser o que chamamos de vocação dos homens. Vocação negada também afirmada na própria negação. (...) Mas afirmada no anseio de liberdade (...).136
Portanto, na medida em que confirmamos e assumimos nossa vocação para
sermos livres, exercemos plenamente nossa humanidade.
Certamente, a educação para liberdade é uma categoria que se define
teologicamente, afinal segundo Freire a humanização que é libertadora, é nossa
vocação ontológica137 o que também é reforçado por outro Paulo, o de Tarso, em
sua carta aos Gálatas, “foi para a liberdade que Cristo nos libertou (5.1)”. Entretanto
a humanização, a libertação do indivíduo se dá no dinamismo, reflexão, compaixão e
amor ao próximo e em comunhão com o próximo, jamais sozinho, onde o diálogo
tem papel preponderante e na visão Freireana adquire uma dimensão ainda maior:
Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão.(...) Não há diálogo, porém, se não há um profundo amor ao mundo e aos homens. Não é possível a pronúncia do mundo, que é um ato de criação e recriação, se não há amor que a infunda. Sendo fundamento do diálogo, o amor é, também, diálogo. Daí que seja essencialmente tarefa de sujeitos e que não possa verificar-se na relação de dominação. Nesta, o que há é patologia de amor: sadismo em quem domina; masoquismo nos dominados. Amor, não, porque é um ato de coragem, nunca de medo, o amor é compromisso com os homens. Onde quer que estejam estes, oprimidos, o ato de amor está em comprometer-se
136 FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, p. 32. 137 FREIRE, Paulo. Educação como Prática da Liberdade, p. 44 e 45.
67
com sua causa. A causa de sua libertação. Mas, este compromisso, porque é amoroso, é dialógico.138
O teólogo cristão Juan Luis Segundo corrobora com esta conotação teológica
da educação dialógico-libertadora, afirmando em sua obra Que Mundo? Que
Homem? Que Deus? Aproximações entre Ciência, Filosofia e Teologia:
O Deus da Bíblia, o Deus cristão jamais se revelou aos homens, a não ser na única linguagem que eles podiam entender (...). O Deus “eterno” chama os homens para dialogar com ele dentro dessa história. Sabemos que todo o universo foi criado para que este diálogo possa existir. 139
Outra colaboração para a noção de Paulo Freire de educação dialogal, vem
do também educador cristão Thomas Groome, um dos principais nomes da
educação cristã mundial da segunda metade da década de 1980, que aborda em
seu livro Educação Religiosa Cristã: Compartilhando Nosso Caso e Visão cinco
aspectos fundamentais para o ensino-aprendizado cristão que pretende ser dialógico
e libertador:
• ação presente: compartilha sentimentos, pensamentos e problemas concretos
em nível individual e social;
• reflexão crítica: criticismo para avaliar presente, passado e futuro não
somente baseado na razão, mas na memória, na imaginação e na ação do
Espírito em e através de nós;
• diálogo: é no diálogo que a reflexão crítica sobre a ação presente se dá,
portanto, o diálogo é essencial ao processo educacional cristão;
• caso: relaciona o tema estudado a realidade de vida pessoal e comunitária;
• visão: é a aplicação do ensino de forma concreta.140
De forma resumida, Groome também destaca três premissas filosóficas da
abordagem educacional Freireana: Humanização como vocação humana, as
138 Idem, p. 90 e 92. 139 SEGUNDO, Juan Luis. Que Mundo? Que Homem? Que Deus? Aproximações entre Ciência, Filosofia e Teologia. São Paulo: Paulinas, 1995, p. 543. (Grifo meu) 140 GROOME, Thomas H. Educação Cristã: Compartilhando nosso caso e visão. Trad. Alcione Soares Ferreira. São Paulo: Paulinas, 1985, p. 274-292.
68
pessoas são capazes de mudar sua realidade e a educação nunca é neutra, ou seja,
haverá sempre uma implicação política para bem ou para o mal.141
Lécio Dornas esboça certo conhecimento da educação dialógico-libertadora
de Freire na qual o amor e o diálogo são na verdade o teor, não ponto de partida
nem de chegada, mas o eixo no qual todo o processo educativo se desenvolve, pois
em sua segunda obra, Vencendo os Inimigos da Escola Dominica, afirma:
O pressuposto básico da reflexão é o aluno, não como um ser passivo no processo de ensino, mas ativo. O aprendizado não é algo que surge para ele, mas sim com ele.142
Esta citação de Dornas ecoa o pensamento de Paulo Freire novamente em
sua Pedagogia do Oprimido:
(..) o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa. A libertação autêntica, que é a humanização em processo, não é uma coisa que se deposita nos homens. (...) É práxis, que implica na ação e na reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo.143
Mencionamos no capítulo anterior que o tradicional ensino cristão da EBD
Batista tem sido paulatinamente substituído pelo surgimento de grupos, conhecidos
como “grupos células” ou “pequenos grupos” de normalmente até 15 pessoas, que
se reúnem com o objetivo nobre e relevante de fomentar comunhão entre os irmãos,
mas que pouco têm a ver com o ensino bíblico de forma sistematizada.
Este fato, aliado a outros fenômenos e tendências atuais, qualificam um
período de mudança visível para a articulação na Educação Cristã na Igreja Batista,
na medida em que o ensino bíblico se dá apenas nas pregações e exposições
dominicais de seus pastores, embora existam ainda muitas igrejas batistas nas quais
a EBD é parte integrante da agenda dominical de atividades, mas com qualidade
questionável.
É neste cenário que Lécio Dornas produziu seu último livro da trilogia para a
EBD, que objetivava trazer novo impulso ao trabalho educacional na EBD; o livro A
Nova EBD... a EBD de Sempre, logo em suas considerações preliminares, aponta: 141 Idem, p. 270. 142 DORNAS, Lécio. Vencendo os Inimigos da Escola Dominical, p. 29 e 67. 143 FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, p. 66 e 77.
69
Sua essência educacional e pedagógica (...) é a mesma. Temos que investir na EBD de sempre, buscando descobrir os novos caminhos que, trilhados por ela, venham a contribuir para a sua renovação e continuidade, já que seu conteúdo e finalidade não são passíveis de discussão. O que se discute é a forma, não o fundo, o adjetivo não o substantivo, o acessório, não o fundamental. Optar pela nova EBD não é mudar por mudar. É melhorar o que já existe, é atualizar o que já é aceito em nossas igrejas, é contextualizar o que já funciona na maioria das igrejas.144
Nota-se claramente o ambiente em que a exposição é articulada: o ponto de
partida é a manutenção do que dá certo sem a inclusão de avaliação daquilo que
não funciona na EBD, e o que é pior, Dornas afirma que a proposta não é repensar o
conteúdo e finalidade da EBD, eliminando assim toda e qualquer possibilidade de
uma leitura reflexiva, crítica, e problematizadora da situação da EBD. Na linguagem
Freireana, pode-se dizer que a exposição de Dornas se dá numa plataforma
antidialógica.145
A teoria denuncia que a prática continua a mesma na “nova” EBD, que aliás,
como o título do livro bem diz, nada mais é do que a EBD de sempre. Entretanto,
esta “nova” EBD de Dornas, nem poderá ser a EBD de sempre, mas sim uma EBD
inferior em eficácia à antiga por não discutir além da forma, do adjetivo, do
acessório.
A EBD eficaz deve usar a Palavra de Deus aliada à experiência humana
como ponto de partida e conteúdo obrigatório ao ensino relevante e contextualizado
que se propõe ser o ensino cristão. A dialogicidade deve ocorrer não somente entre
as pessoas que compõem o processo de ensino-aprendizagem, mas também entre
quem aprende frente ao que se aprende.
As condições iniciais delimitadas na obra A Nova EBD... a EBD de Sempre
não visam verdadeiramente à liberdade do cristão, mas a obediência ao modelo
tradicional Batista. Isto se evidencia com as citações feitas anteriormente e também
logo no primeiro capítulo quando, por exemplo, ao ressaltar os ganhos com a nova
metodologia da EBD, Dornas afirma:
Na nova EBD o pastor sai de uma posição de retaguarda omissa, para ocupar posição de centro do processo ensino-aprendizagem.146
144 DORNAS, Lécio. A nova EBD… a EBD de sempre, p. 12 e 13.(Grifo meu) 145 FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, p. 118. 146 DORNAS, Lécio. A nova EBD… a EBD de sempre, p. 32
70
Uma proposta de ensino cristão, que é libertadora, dialógica e
problematizadora, tem no centro do processo ensino- aprendizagem o ensino bíblico,
mas também conforme proposto em Freire, o relacionamento do educando frente a
este ensino, e não o pastor como proposto na nova matriz educacional da EBD
Batista.
No decorrer da obra, o esforço de Dornas em viabilizar uma nova metodologia
de EBD, aumentando o período da aula ou, ainda, reorganizando temas para melhor
definir o novo currículo, não respondem às necessidades de vida dos cristãos de
hoje se não forem observadas juntamente a questões de base e essência que
permeiam e motivam todo o ensino cristão na denominação.
Como se pode ver, o cenário teórico reflete a práxis, que é de fato anti-práxis,
da EBD Batista no Brasil que clama por algo novo, por reformulação, por liberdade.
A pedagogia Freireana é por definição fundamentada em liberdade, que é
criadora e emancipadora, e se este tipo de olhar passar a ser inserido no modus
operandis da EBD Batista Brasileira, o próprio Evangelho passa a ter em si um novo
significado. Se se quer produzir discípulos espiritualmente saudáveis nas igrejas, é
necessário viabilizar a cada um deles a autodescoberta de quem são, com e sem
Jesus. Este é o verdadeiro processo de evangelização.
A EBD deve ser este espaço de liberdade e aprendizado, de amor a Deus,
onde educandos interagem dialogando entre si e com educadores, que, aliás,
precisam ter esta motivação evangelística no exercício do magistério, conforme
sugere Sung, em seu livro Educar pra Reencantar a Vida:
De onde viria o entusiasmo dos educadores (...) O entusiasmo seria fruto do reconhecimento (...) de que a educação é um dos principais meios hoje de salvar vidas humanas. 147
A tarefa evangelística como aqui está sendo compreendida, celebra e
fomenta a noção já existente da realidade divina revelada em Cristo a todo o ser
humano e ao ser humano todo, conceito que será revisitado no capítulo seguinte
quando tratarmos a temática da salvação.
Já é tempo de banir-se o ensino dogmático e estático (afinal uma educação
essencialmente problematizadora ousa questionar dogmas) que valoriza as 147 SUNG, Jung Mo. Educar para Reencantar a Vida. Petrópolis: Vozes, 2006, p. 124.
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verdades absolutas do sistema denominacional ou, ainda, que ignora a
complexidade do “ensino cristão de forma integral”, tema muito falado mas pouco
vivido nas igrejas. Nesse sentido, a revisão dos currículos, dos processos didáticos,
e a valorização da comunidade no processo educativo são fundamentais na
passagem para um novo paradigma educacional.
A educação para a liberdade se configura como uma alternativa para a igreja
Batista responder à mesmice e, em algumas áreas, até mesmo à esterilidade de seu
processo educativo na EBD. A anti-práxis educativa Batista, que embora tenha
aparência de mudança, está objetivamente, em grande parte, fadada à repetição do
mesmo, daquilo que não está educando.
Propõe-se com esta dissertação a possibilidade de se repensar a
metodologia, conteúdo e articulação do processo educativo da EBD na Igreja Batista
Brasileira, partindo do diálogo de temas de fundo, dos substantivos e dos elementos
fundamentais, em oposição à proposta de Dornas:
A JUERP não poderia fechar os olhos a esta realidade de mudança e perplexidade, ficando a observar passivamente, pelo desinteresse ou confusão reinante, o desintegrar-se da instituição que é fundamental para a sustentação de nossas igrejas e o fortalecimento doutrinário e espiritual dos crentes que as compõem. Temos que investir na EBD de sempre, buscando descobrir os novos caminhos que, trilhados por ela, venham a contribuir para a sua renovação e continuidade, já que o seu conteúdo e finalidade não são passíveis de discussão. O que se discute é a forma, não o fundo, o adjetivo, não o substantivo, o acessório e não o fundamental.148
Somente pessoas maduras podem dar tempo para este tipo de educação
dialógico-libertadora. Deus, como pedagogo supremo nos dá este tempo até porque
é com o tempo e através do tempo que o amor, a humildade, a fé nos homens e o
pensar crítico (condições básicas para que haja diálogo, segundo Paulo Freire) são
descobertos e transformados em verdadeiros sinais de esperança. Samuel Escobar,
em sua obra Paulo Freire: Una Pedagogia Latinoamericana faz menção a esta
esperança e ao aspecto profético da educação libertadora proposta por Freire:
148 DORNAS, Lécio. A nova EBD… a EBD de sempre, p. 12-13. (Grifo meu)
72
Para Freire, a educação libertadora é também problematizadora, e tem as notas de “denúncia e anúncio”, que ele vincula com os temas de profecia e esperança.149
Esta citação nos remonta aos primórdios da educação fomentada na EBD de
Robert Raikes, como vimos no primeiro capítulo desta obra. A educação cristã na
EBD de Raikes, longe de ser uma educação bancária, sagrou-se como uma
educação tipicamente dialógico-libertadora, problematizadora e humanizadora na
medida em que se propôs a interferir na história, de utilizar a educação como
articulação da mudança social, de libertação, de humanização de toda uma
comunidade e posteriormente de um país.
Seria possível retomar na EBD contemporânea este caráter dialógico-
libertador, problematizador e humanizador que permeava a EBD em sua gênese?
Há ainda lugar para esta proposta com fundo mais social, na EBD da iqreja batista
de nossos dias? Há esta necessidade em nossas comunidades?
Em resposta a estas perguntas, a educadora presbiteriana, Inez Augusto
Borges, estabelecendo uma relação entre a teoria da complexidade proposta por
Edgar Morin e a educação cristã, salienta quatro finalidades básicas da educação:
estimular capacidade de interrogar (de ligar saber à dúvida; integrar saberes
particulares e globais), ensinar condição humana (ser humano não é fragmentado),
ensinar a viver (preparar educando para afrontar problemas) e ensinar a cidadania.
A esta última condição, ensinar a cidadania, Inez Borges afirma que “o cidadão do
reino” identifica-se também como cidadão do seu bairro, de sua cidade, ou como
conceituado por Morin, “cidadão planetário”. A cidadania celestial não pode
prescindir da cidadania terrena.150
Nota-se que a questão não é quanto à existência de espaço para uma
proposta de EBD com fundo mais social, mas como pode-se identificar e atuar nas
necessidade existentes através do ensino da EBD.
A concepção de cidadania abordada por Morin, inerente à educação
dialógico-libertadora, permeia o conceito de Ensino e Treinamento num outro
documento oficial da Igreja Batista, Princípios Batistas (ver anexo 5) :
149 ESCOBAR, Samuel. Paulo Freire: Una Pedagogia Latinoamericana. México: Kyrios, 1993, p. 226. (Tradução minha) 150 SILVA, Geoval J. (org.). Itinerário para uma Pastoral Urbana. Ação do Povo de Deus na Cidade. São Paulo: Metodista, 2008. Inez Augusto Borges escreveu o capítulo VI: “Educação Religiosa: Um Desafio para a Igreja Urbana”. p. 81-88.
73
O ensino e treinamento são básicos na comissão de Cristo para os seus seguidores, constituindo um imperativo divino pela natureza da fé e experiência cristãs. Eles são necessários ao desenvolvimento de atitudes cristãs, à demonstração de virtudes cristãs, ao gozo de privilégios cristãos, ao cumprimento de responsabilidades cristãs, à realização da certeza cristã. (...)a tarefa educacional da igreja deve ser o centro do programa. A prova do ministério do ensino e treinamento está no caráter semelhante ao de Cristo e na capacidade de enfrentar e resolver eficientemente os problemas sociais, morais e espirituais do mundo hodierno. Devemos treinar os indivíduos a fim de que possam conhecer a verdade que os liberta, experimentar o amor que os transforma em servos da humanidade, e alcançar a fé que lhes concede a esperança no reino de Deus. A natureza da fé e experiência cristãs e a natureza e necessidades das pessoas fazem do ensino e treinamento um imperativo.151
A educação cristã para liberdade encontra seu ethos nas próprias palavras de
Cristo, citando o profeta Isaías, no evangelho de Lucas 4.18: “O Espírito do Senhor
está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar aos pobres. Enviou-me para
apregoar liberdade aos cativos (...).
Como, pois, apregoaremos a liberdade? Com que conhecimento
identificaremos os cativos? Vejamos agora a noção de aprendizado da Bíblia
desenvolvido na proposta de EBD de Lécio Dornas.
2. APRENDER A BÍBLIA: INFORMAÇÃO OU CONHECIMENTO?
Qualquer pessoa familiarizada como o estilo evangélico brasileiro de ser,
sobretudo o estilo batista, saberá que a aprendizagem da bíblia é tema central da
dinâmica deste grupo denominacional.
Entretanto, ao ler a trilogia de Dornas, parece seguro afirmar que há certa
indiferença, certamente confusão quanto ao fato de como o conhecimento, a
apreensão propriamente dita do conteúdo bíblico se dá por parte dos fiéis.
151 Anexo 5. Princípios Batistas. (Extraído do Portal da Convenção Batista Brasileira): http://www.batistas.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=16&Itemid=16). Acesso em 05 de junho de 2009.
74
Para o desenvolvimento de nossa abordagem é crucial analisarmos e
diferenciarmos alguns aspectos envolvidos na aprendizagem bíblica, sobretudo no
tocante às terminologias, informação e conhecimento, comumente empregadas
como sinônimas não só na trilogia de Dornas, mas de forma geral na esfera
educacional batista.
Comecemos com uma definição de conhecimento cunhada por Thomas
Groome, que serve como marco categorial para a discussão a qual se propõe esta
parte final do capítulo:
O verbo hebraico correspondente a “conhecer/saber” é yada. (...) Para os hebreus, yada faz-se mais pelo coração do que pela mente, e o conhecimento nasce, não do recuo para observar, mas da participação ativa e intencional na experiência vivida. (...) o tolo ou ignorante da Bíblia não é a pessoa que não “sabe” intelectualmente, mas sim o que deixa de fazer a vontade de Deus.152
A visão de Groome, na qual tolo não é o que não sabe mas o que não pratica
a vontade de Deus, se harmoniza com as seguintes noções que formam a visão
educacional da revelação bíblica de Juan Luis Segundo, e que serão mais
desenvolvidas no próximo capítulo:
(...) o processo de uma pedagogia que não acumula informações, mas que ajuda o homem a aprofundar-se em seus problemas e a resolvê-los através de uma experiência (...) é muito mais humano e, consequentemente, mais digno de Deus do que a tarefa de ditar. De fato, educação (...) não se dá pela soma de “verdades” e subtração de “ erros”, mas por multiplicação de fatores (...). (...) a “revelação” de Deus não está destinada a que o homem saiba algo (daquilo que, de outra maneira ser-lhe-ia impossível ou difícil saber), mas a que o homem seja de outra maneira e viva num nível mais humano.153
Retomando a análise de Groome, conhecimento, portanto, não é a mera
aquisição de informação pela via intelectual, mas por definição tem de ser
experimental, como nos apresenta Paulo Freire, em sua obra Pedagogia da
Esperança: um Reencontro com a Pedagogia do Oprimido:
152 GROOME, Thomas H. Educação Cristã: Compartilhando nosso caso e visão. Trad. Alcione Soares Ferreira. São Paulo: Paulinas, 1985, p. 213, 214 e 216. 153 SEGUNDO. Juan Luis. O dogma que liberta, p. 85, 188 e 399.
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(...) o educando se torna realmente educando quando e na medida em que conhece, ou vai conhecendo os conteúdos, os objetos cognoscíveis, e não na medida em que o educador vai depositando nele a descrição dos objetos, ou dos conteúdos (...). Mais do que ser educando por causa de uma razão qualquer, o educando precisa tornar-se educando assumindo-se como sujeito cognoscente (que conhece) e não como incidência (objeto) do discurso do educador.154
A igreja batista em seus documentos oficiais, como encontrado em Princípios
Batistas (ver anexo 5), também aborda a terminologia conhecimento: “Devemos
treinar os indivíduos a fim de que possam conhecer a verdade que os liberta”.155
Todavia, vejamos se em Dornas podemos obter alguns indícios do entendimento
batista sobre conhecimento da bíblia. Observemos um trecho de sua trilogia: Qual o principal ensinamento da lição a ser estudada? Quais são as informações a serem transmitidas e que relação têm como o ensinamento principal? (...) A transmissão e a assimilação desses ensinamentos são imprescindíveis numa sala de aula. Encontrado o conteúdo, terá achado o caminho por onde deverá se conduzir durante a aula. Ao se conduzir por ele assegurará o êxito de sua docência. (...) O professor, ciente do conteúdo, já tem uma ideia da quantidade de informações e de ensinamentos que precisará transmitir. (...) O professor estabelecerá uma relação entre a quantidade de informações e de ensinamentos práticos com o tempo disponível para que os mesmos sejam transmitidos. A preocupação do professor é com a transmissão de informações e dados que auxiliarão o aluno na interpretação do texto bíblico em estudo. (...) o pressuposto é de que o professor está preparado para oferecer aos seus alunos as informações de que se valerão para a clara compreensão do texto bíblico.156
Ao afirmar que “o professor, ciente do conteúdo, já tem uma ideia da
quantidade de informações e de ensinamentos que precisará transmitir”, Dornas está
inferindo que o conhecimento do discente é fruto de uma aula informativa e é
construído por uma ação do docente para ele, e não com ele, como é
contraditoriamente contestado em outro momento em sua trilogia ao definir o que
seria o biblicismo sem quê nem pra quê:
Sem relevância prática, as informações em si mesmas em nada podem ajudar os alunos. O estudo fica sem sentido. Este tipo de aula informativa é o que estamos combatendo.
154 FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: um Reencontro com a Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro; Paz e Terra, 1994, p.47. 155 Para maiores informações leia o Anexo 5. Princípios Batistas. 156 DORNAS, Lécio. Socorro sou professor da Escola Dominical, p. 18, 19 e 21. (Grifo meu)
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O aprendizado não é algo que surge para ele (o aluno) mas sim com ele.157
Novamente a contradição pedagógica de Dornas parece ser inspirada num
pressuposto equivocado, o mesmo que fomenta a educação bancária, isto é, a
noção de que por ser a bíblia o livro texto da EBD, uma vez que o discente adquira
informações suficientes sobre esta literatura, quando o conteúdo bíblico é
depositado no aluno, este passa a ter o potencial de se tornar apto ao pleno
desempenho de uma vida cristã frutífera.
As muitas citações, embora repetitivas, pois são as mesmas usadas para
analisar a educação bancária tratada no tópico anterior, indicam que há um relação
subjacente de retroalimentação entre: informação e a educação bancária e
conhecimento, na definição de Groome, e educação dialógico-libertadora.
A informação serve o propósito da educação bancária alienante, antidialogal,
desumanizante, pois a informação envelhece e por isso segrega as pessoas.
O conhecimento, em contrapartida, é fruto de processo coletivo humanizador,
da comunhão entre pessoas que compõem um processo dialogal-libertador. O
conhecimento, no sentido bíblico, aproxima, renova-se e é sempre o resultado de
uma construção comunitária, como apontou Paulo Freire, “ninguém educa ninguém”. 158Justamente por esta razão certamente o conhecimento estará ausente numa
educação que é essencialmente bancária, afinal somente a informação pode manter
a educação bancária.
Por ser experimental, o conhecimento é intransferível, porém é passível de
compartilhamento e de inspiração.
Paulo Freire, em sua obra Pedagogia da Autonomia adverte que uma
educação que se nega a limitar o ensino à mera transmissão de conhecimento,
como se este fosse passível de transmissão, gera em seus docentes uma ação que
não é ensino:
(...) ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção. Quando entro em uma sala de aula, devo estar sendo um ser aberto a indagações, à curiosidade, às perguntas dos alunos, a suas inibições; um ser crítico e inquiridor, inquieto em face da tarefa que tenho – a de ensinar e não a de transferir conhecimento. (...) é uma
157 DORNAS, Lécio. Vencendo os Inimigos da Escola Dominical, p. 33, 67 e 75. 158 FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança, p. 78.
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postura exigente, difícil, às vezes penosa, que temos de assumir diante dos outros e com os outros, em face do mundo e dos fatos, ante nós mesmos. 159
Em última análise, o que uma visão crítica da EBD sinaliza é que quando
analisada profundamente, a proposta de educação cristã, veiculada na trilogia de
Dornas e a que vigora desde os tempos da implantação da EBD no Brasil, tem por
objetivo a relação do fiel com o livro, com a bíblia, que não necessariamente garante
a relação com a pessoa de Cristo esperada dentro de uma proposta cristã de
educação. Dornas afirma que quando se “conhece” verdadeiramente a bíblia, se
vive. Ora, há pessoas que dizem “conhecer” a bíblia mas que não a vivem, ou seja,
não a conhecem. Isso significa que a EBD não garante o conhecimento da Bíblia
embora possa viabilizar a aquisição das afirmações da Bíblia, como indica o já citado
teólogo e educador Elton Nunes:
A busca é a aprendizagem por repetição para que, através da saturação de temas, o crente possa assimilar e reproduzir a fé. 160
Juan Luis Segundo estabelece a importância da compreensão no ato de
conhecer em distinção à informação, falando sobre a aparição de Jesus aos
discípulos na estrada de Emaús:
Somente no final , quando o companheiro de viagem “partir o pão”, como Jesus o fez tantas vez diante deles, é que vão reconhecê-lo. (...) ”Então, abriu-lhes a mente para que entendessem as Escrituras (Moisés, Profetas e Salmos – sobre ele)” (Lc 24,25). O que foi narrado primeiro como uma lição informativa é repetido ou resumido depois, com um “abrir a mente” para compreender. A informação se converte em compreensão. Jesus ressuscitado não informa a respeito de nada. O empírico não é interrompido nem substituído. A experiência de sua nova vida constitui algo assim como uma explosão de sentido, a compreensão de um dado transcendente sob cuja luz tudo, mesmo permanecendo igual ao que se vê e se palpa, adquire uma nova e última significação.161
159 FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia, p. 47 e 49. 160 NUNES, Elton de O. Desafios e Alternativas para a Práxis Educacional Religiosa na Atualidade: uma Análise a partir da Convenção Batista Brasileira, p. 6. 161 SEGUNDO, Juan Luis. A História Perdida e Recuperada de Jesus de Nazaré. Dos Sinóticos a Paulo. Tradução de Magda Furtado de Queiroz. São Paulo: Paulus, 1997, p. 314, 315 e 319.
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Nota-se que, sobretudo nos últimos anos, tem havido no meio das igrejas
evangélicas certa “bibliolatria”, como se a fé cristã se baseasse num livro e não
numa pessoa que é Jesus Cristo. Certamente, é preciso entendermos e aceitarmos
que, conforme apontou Jung Mo Sung em debate sobre o livro de Ricardo Brabo,
Bacia das Almas, Cristianismo não é uma religião do livro, mas uma proposta de
vida que segue uma pessoa o que significa que de seus seguidores é esperado mais
mais do que seguir as palavras ditas por Jesus, é esperado seguir o próprio Jesus,
cujo o seu espírito continua vivo e atuante: “(...) eis que estou convosco todos os
dias” (Mt 28.20). 162
É fato que o aprendizado bíblico, numa visão de conhecimento e não de
informação, não divorcia a bíblia da pessoa de Jesus, mas de forma saudável
estabelece e mantém uma clara distinção entre ambos, sendo que na bíblia
encontramos a memória de Jesus, suas palavras e desta forma utilizamo-la como
referencial, pois, do contrário, a fé cristã seria balizada única e exclusivamente pela
experiência.163
Entretanto, é indispensável a compreensão de que o labor teológico
inacabado e por isso mesmo constante, permite através do questionamento de
dogmas e do mundo a própria manutenção da memória de Jesus na e pela sua
Igreja de forma engajada com a histórica, como apontou Paulo Freire:
(...) a Palavra de Deus está me convidando a recriar o mundo, não para a dominação dos meus irmãos, mas para a libertação deles/delas, (...) Escutando esta palavra não significa agindo como recipientes vazios que esperam ser enchidos daquela Palavra. A Palavra de Deus não é algo para ser (contido) vertido em nós como se fôssemos meros recipientes estáticos (...). E porque salva, esta Palavra também liberta, mas os homens têm que aceitar isto historicamente. 164
Jung Mo Sung acrescenta, afirmando que: Quando um processo educacional não ajuda o educando a conhecer ou construir um sentido que faça valer a pena lutar pela vida e pelo
162 SUNG, Jung Mo. Debate de lançamento do Livro Bacia das Almas de Ricardo Brabo em 14 de dezembro de 2009. http://www.youtube.com/watch?v=BzOBns8d6mU. Acessado em 10 de janeiro de 2010. 163 Idem. 164 FREIRE, Paulo. Carta para Um Estudante de Teologia. (Grifo meu)
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processo de humanização, esse mesmo processo educacional acaba por não oferecer o sentido da sua própria ação educativa.165
A educação para liberdade vislumbrada por Freire, onde ensinar está muito
além da mera transmissão de conhecimento, vai de encontro e interpela as áreas
mais carentes da proposta de EBD de Dornas para a Igreja Batista Brasileira. Para
Juan Luis Segundo, aprender a bíblia não é decorar conteúdo ou obter informação,
mas sim dar luz para discernir as apostas e caminhos da vida.
Para encerrarmos este capítulo, da visão de Segundo, podemos ainda extrair
outros dois conceitos centrais que norteiam sua visão do magistério cristão e que
amarram a relação entre informação e educação bancária: igreja docente e igreja
discente. Vejamos algumas definições:
(...) a igreja “docente” tinha informações que, (...) deviam resolver os problemas da Igreja “discente”, ou seja, a que aprende. O povo, assim vítima de uma pedagogia apressada, obriga, por sua vez, por mais paradoxal que possa parecer, o cristianismo a “atrasar-se”. Pedagogia apressada é igual a resultados teológicos atrasados.(...) que ensinaria a repetir, mas não ensinaria a aprender. O “pedagogo apressado” seria aquele que desse respostas antes que o problema fosse, clara e profundamente, formulado e sentido.166
Com base nestas definições, concluímos que, numa visão Segundiana, a
EBD proposta por Lécio Dornas baseia-se numa pedagogia apressada, que atrasa o
cristianismo, afinal
A Bíblia precisa ser vista, (...) como um livro de respostas às questões que interessam ao homem de hoje, seja ele evangélico ou não.167
Se a EBD da igreja batista não estabelecer uma distinção entre a informação
e conhecimento bíblico e não optar em conhecer ao invés de dar informações
bíblicas, a dinâmica dominadora, bancária, desumanizadora e antidialogal exposta
por Freire e Segundo continuará persistindo. A igreja docente com sua pedagogia
apressada – que quer dar respostas antes que o problema seja clara e
165 SUNG, Jung Mo. Educar para Reencantar a Vida. Petrópolis: Vozes, 2006, p. 43. 166 SEGUNDO. Juan Luis. O dogma que liberta, p. 17, 282, 286, 289, 382. 167 DORNAS, Lécio. Vencendo os Inimigos da Escola Dominical, p. 69. (Grifo meu)
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profundamente formulado e sentido pelos discentes, continuará fazendo do povo
uma vítima, pois a sua pedagogia apressada não dá oportunidade nem tempo para
que a igreja discente elabore reflexões bíblico-teológicas sobre a sua vida e sobre o
mundo. Desse modo, a igreja não só se atrasa na sua educação, mas nega a sua
própria tarefa educativa pois é incapaz de cumprir a sua função profética no mundo.
Quando se conhece verdadeiramente a Bíblia, se vive. Ora, há pessoas que
dizem conhecer a Bíblia, mas que não vivem.
Foi somente a partir da Idade Média que, na Europa, a EDUCAÇÃO se tornou PRODUTO DA ESCOLA e um conjunto de pessoas (em sua maioria religiosos) especializou-se na transmissão do saber. A atividade de ensinar passou então a desenvolver-se em espaços específicos, cuidadosamente isolados do mundo dos adultos e sem qualquer relação com a vida de todo dia.168 (...) a grande maioria das reformas e inovações pelas quais passa a escola são simplesmente retoques de fachada: prédios mais modernos, programas mais atualizados (...). Estas novidades não tocam o essencial: o conhecimento continua a ser transmitido do professor que sabe aos alunos que são ignorantes. Este conhecimento que vem dos livros ou da palavra do professor, e nunca da experiência e da pesquisa dos próprios alunos, é recebido, memorizado, repetido e arquivado. Não é jamais descoberto, testado e recriado pelos que estão ali para aprender. Em consequência aquilo que a escola ensina pouco ou nada tem a ver com a vida, com a experiência, com as necessidades e com os interesse dos educandos.169
Concluímos que conhecer a bíblia não se destina a termos uma relação
informativa sobre ela, mas a abordá-la como instrumento de um processo educativo
que gera a vivência da fé. Tal prática caracteriza-se como educação humanizadora
onde conhecer é viver e viver é conhecer. Saber a bíblia não é decorar informações,
textos, conceitos, mas simplesmente viver a fé. Como diz Segundo,
O Absoluto, a quem seguimos, não nos impõe cegueira obediente a mistérios ininteligíveis, mas nos guia, como seres livres e criadores, para uma verdade sempre mais profunda e enriquecedora.170
168 HARPER, Babette. Cuidado Escola! Desigualdade, Domesticação e Algumas Saídas. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 26. 169 Idem, p. 108. 170 SEGUNDO. Juan Luis. O dogma que liberta, p. 144.
81
CAPÍTULO III: EBD, Revelação e Salvação
“A lei escrita mata, mas o Espírito de Deus dá a vida.” (Paulo – II Coríntios 3.6)
O objetivo deste capítulo é tratar dos pressupostos teológicos da proposta de
EBD de Dornas para a igreja batista, utilizando caminho similar ao empregado no
capítulo anterior. Juan Luis Segundo será introduzido como uma opção de
paradigma teológico, que muito se harmoniza com a noção pedagógica de Freire, na
medida em que Segundo entende a revelação de Deus como processo pedagógico
e não como uma doutrina, ou ditado, realizado por Deus. Salvação é o outro tema
abordado numa perspectiva de humanização integral do ser e não somente da alma,
como comumente se ouve. A análise se dará numa perspectiva cristã mais ampla,
na qual salvação não se limita a remir o ser humano do mundo, mas com o mundo.
1. REVELAÇÃO: DOUTRINA OU PROCESSO PEDAGÓGICO?
Um dos cinco pilares da reforma protestante, liderada por Matinho Lutero no
século XVI, alicerçou-se sobre o fundamento de que “Somente a Escritura” (sola
scriptura) seria a autoridade primeira no direcionamento da conduta e da fé cristã.
Fruto desta herança protestante, a exemplo de outras igrejas históricas, a
igreja batista desenvolveu suas concepções sobre o papel exercido pelas escrituras,
na dinâmica de sua articulação, enquanto povo de Deus, que possui certa
identidade.
Abaixo seguem duas concepções batistas que serão pano de fundo para o
entendimento do conceito de Lécio Dornas sobre a revelação bíblica. Ambas são
extraídas, respectivamente, de documentos oficiais da igreja batista, a saber,
82
Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira (ver anexo 4) e Princípios
Batistas (ver anexo 5):
Escrituras Sagradas (Declaração Doutrinária) A Bíblia é a palavra de Deus em linguagem humana. É o registro da revelação que Deus fez de si mesmo aos homens. Sendo Deus seu verdadeiro autor, foi escrita por homens inspirados e dirigidos pelo Espírito Santo. Tem por finalidade revelar os propósitos de Deus, levar os pecadores à salvação, edificar os crentes e promover a glória de Deus. Seu conteúdo é a verdade, sem mescla de erro, e por isso é um perfeito tesouro de instrução divina. Revela o destino final do mundo e os critérios pelos quais Deus julgará todos os homens. A Bíblia é a autoridade única em matéria de religião, fiel padrão pelo qual devem ser aferidas as doutrinas e a conduta dos homens. Ela deve ser interpretada sempre à luz da pessoa e dos ensinos de Jesus Cristo.171
As Escrituras (Princípios Batistas) A Bíblia fala com autoridade porque é a palavra de Deus. É a suprema regra de fé e prática porque é testemunha fidedigna e inspirada dos atos maravilhosos de Deus através da revelação de si mesmo e da redenção, sendo tudo patenteado na vida, nos ensinamentos e na obra salvadora de Jesus Cristo. As Escrituras revelam a mente de Cristo e ensinam o significado de seu domínio. Na sua singular e una revelação da vontade divina para a humanidade, a Bíblia é a autoridade final que atrai as pessoas a Cristo e as guia em todas as questões de fé cristã e dever moral. O indivíduo tem que aceitar a responsabilidade de estudar a Bíblia, com a mente aberta e com atitude reverente, procurando o significado de sua mensagem através de pesquisa e oração, orientando a vida debaixo de sua disciplina e instrução. A Bíblia, como revelação inspirada da vontade divina, cumprida e completada na vida e nos ensinamentos de Jesus Cristo, é a nossa regra autorizada de fé e prática.172
Com base nestas definições, pode-se concluir que, na mentalidade batista, a
bíblia é concebida não como contendo a Palavra de Deus, mas como sendo a
Palavra de Deus, afinal:
• Ele, o próprio Deus, seu autor;
171 Para maiores informações leia o Anexo 4. Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira. http://www.batistas.org.br/index.php?option=com_content&view= article&id=15&Itemid=15. Acesso em: 05 de junho de 2009. (Grifo meu) 172 Para maiores informações leia o Anexo 5. Princípios Batistas. http://www.batistas.org.br/index.php?option=com_content&view= article&id=16&Itemid=16). Acesso em: 05 de junho de 2009. (Grifo meu)
83
• seu conteúdo é verdadeiro e livre de erros (pois Deus é o seu autor), o que a
qualifica como tesouro divino de instrução, nossa regra autorizada de fé e
prática;
• seu objetivo é revelar os propósitos de Deus;
• sua maior fonte de interpretação é a vida e os ensinamentos de Jesus.
O teólogo Leontino Santos, confirma em sua análise crítica que, de fato, esta
noção (batista) da bíblia é comumente partilhada também por outros grupos, como
no caso da Aliança Pró- Evangelização de Crianças, missão internacional de
orientação interdenominacional:
Trata-se de um livro de autoria do Espírito Santo do qual não se pode discordar. Não há como provar a veracidade ou falsidade de seu conteúdo, nem há necessidade de se proceder dessa forma por se tratar de um livro escrito por Deus.173
A reputação batista tem sido, ao longo dos anos, associada a um povo que
presa pela centralidade do estudo bíblico, e Dornas, como bom batista, não seria a
exceção à regra. Vejamos mais uma vez a noção de revelação bíblica exposta por
ele em sua trilogia:
A Bíblia é o manual de Deus na linguagem do homem.174 A Bíblia precisa ser vista, (...) como um livro de respostas às questões que interessam ao homem de hoje, seja ele evangélico ou não.175 Deus iluminou os homens a fim de que fizessem os inspirados registros e interferiu na preservação das Escrituras e na seleção dos livros que deveriam ser incluídos no cânon.176
Este primeiro bloco de citações do pensamento de Dornas, a respeito da
revelação bíblica, está em perfeita sintonia com o conceito batista inicialmente
analisado. Todavia, como foi evidenciado várias vezes durante esta dissertação,
aqui também, na definição de revelação bíblica, Dornas apresenta algumas
inconsistências:
173 SANTOS, Leontino F. Educação: Libertação ou Submissão?.p. 104. 174 Idem, p. 31. AZEVEDO, Israel Belo de. Prefácio a DORNAS, Lécio. O Jornal e a Bíblia. Cuiabá: Edição do autor, 1996, p. 102. (Grifo meu) 175 DORNAS, Lécio. Vencendo os Inimigos da Escola Dominical, p. 69. (Grifo meu) 176 DORNAS, Lécio. A nova EBD… a EBD de sempre, p. 118.
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O professor, ao elaborar sua aula, deverá (...) olhar a Bíblia, não como um livro de regras, mas sim de princípios passíveis de serem observados por aqueles que a estudam.177 (...) o ensino da bíblia não é um fim em si mesmo, antes faz uma ponte entre o mundo da bíblia e o nosso mundo de hoje.178
Novamente, cabe questionar a razão que leva Dornas a transitar com
tamanha incoerência por esta temática. A bíblia é manual, livro de respostas, ou não
deve ser observada como um livro de regras? O estudo bíblico é fim em si mesmo
ou destina-se a estabelecer uma relação entre o mundo bíblico e o nosso mundo, de
forma que desta relação emane a revelação divina?
Na verdade, é possível que a crise de Dornas seja a de muitos outros
cristãos.
Uma possibilidade de resposta à tensão e dilema, evidenciados no texto,
estaria no fato de Dornas, em sua longa experiência no magistério e pastorado
cristãos, saber que na prática, a relação do cristão genuíno com o texto sagrado é
distinta daquela expressa nos documentos oficiais da igreja. Ou seja, a relação de
aceitação passiva por parte do fiel, frente à rigidez do texto, não dá conta das
questões vivenciadas diariamente por homens e mulheres que precisam de
esperança, de respostas, de diálogo verdadeiro com o Deus da escritura.
A relação com a revelação bíblica não se desenvolve de forma bancária e
informativa, do contrário teríamos na bíblia um verdadeiro oráculo, que nos isentaria
de responsabilidade frente a cada passo de nossas vidas.
De Dornas temos ainda uma última citação que será crucial para nossa
análise do pressuposto teológico, que ele elabora sobre a revelação bíblica. Trata-se
da noção de revelação, inspiração e iluminação:
Teologicamente, revelação é o ato de Deus em que ele se dá a conhecer ao homem. É o próprio Deus quem se revela ao ser humano e o faz de forma geral, por meio da natureza que ele criou (...) e, de forma especial, através do seu filho Jesus (...). Ao revelar-se, Deus desejou que as gerações futuras tivessem acesso à sua revelação. Por esta razão, ele capacitou homens a registrarem a sua revelação. A essa capacitação chamamos inspiração. (...). O resultado da inspiração é a Bíblia Sagrada (...). Deus se revelou e inspirou homens para registrarem sua revelação. Porém, com o passar dos anos, o sentido do que foi registrado
177 DORNAS, Lécio. Vencendo os Inimigos da Escola Dominical, p. 74. (Grifo meu) 178 DORNAS, Lécio. A nova EBD… a EBD de sempre, p. 119.
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corria risco de se perder e as gerações futuras ficarem privadas do registro da revelação de Deus. (...) Deus tem capacitado pessoas a interpretarem o registro de sua revelação (...), a isso chamamos de iluminação; Deus usando homens para interpretarem sua Palavra. Observe que não há mais revelação no sentido teológico da palavra, o que Deus, desejou revelar ao homem sobre si já o fez. Também não há mais inspiração, o que deveria ser registrado da revelação de Deus, já o foi. O que existe hoje é iluminação. Deus continua e continuará capacitando e usando pessoas para interpretarem sua Palavra. 179
Acredita-se que a visão de revelação de Dornas tem por base conceitos não
somente extraídos da doutrina batista, mas de outras fontes, como do educador
cristão, Lawrence O. Richards. Richards que oferece algumas noções sobre a
revelação bíblica que complementam a compreensão dos pressupostos de Dornas:
Jesus Cristo (...) revelou a Si e a Verdade na Palavra escrita. (...) estou convicto de que o Cristianismo é uma religião revelada (...) o que a escritura revela está em total harmonia com a realidade. A Escritura é verdadeira não somente porque Deus a deu, e nele podemos confiar. Ela é verdadeira porque representa com exatidão como as coisas são.180
Os textos de Dornas estão informando (e formando) alguns conceitos
fundamentais sobre a revelação bíblica, na perspectiva batista para a EBD, e que
legitimam, como dissemos no capítulo anterior, uma educação cristã informativa e
bancária, que na verdade não educa, pois não promove o conhecimento
experimental.
Na trilogia de Dornas, a revelação é compreendida como um ato no qual Deus
se dá a conhecer ao ser humano, isto é, o indivíduo participa da revelação apenas
como seu receptor. Através da inspiração, Deus possibilita ao homem registrar esta
revelação para que ela não se perca. A interpretação do registro da revelação
também recebe a interferência divina por meio da iluminação e esta tem direcionado
o entendimento de cristãos e cristãs no mundo, desde que o cânon foi estabelecido.
Dornas é enfático em afirmar que tanto a revelação como a inspiração
cessaram. O que Deus havia de revelar já revelou e o que deveria ser registrado já
179 DORNAS, Lécio. Socorro sou professor da Escola Dominical, p. 58- 60. 180 RICHARDS, Lawrence O. Teologia da Educação Cristã. Trad. Hans Udo Freitas. São Paulo: Vida Nova, 1983, p. 245. (Grifo meu)
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se registrou, restando-nos apenas a possibilidade de desfrutar da iluminação divina,
(antes que esta, nesta mesma linha de raciocínio, também venha a cessar).
Antes, porém, de passarmos para uma apreciação do pensamento de Juan
Luis Segundo sobre esta temática, vale ressaltar que se a visão de Lécio Dornas
tiver de fato captado a essência da relação de cada cristão e cristã com o Deus da
revelação bíblica, como se daria o diálogo, o conhecimento, a problematização da fé
e do mundo? Valeríamo-nos somente da iluminação para nossa peregrinação na
terra? Que dizer da incorporação desta mesma iluminação divina na vida de
milhares de cristãos pelo mundo afora, que nunca tiveram acesso à revelação, e
consequentemente, à inspiração do texto bíblico? Não seria o fato de eles terem
relacionamento com o Logos, a verdadeira palavra revelada, inspirada e encarnada
de Deus, a prova viva de que revelação, inspiração e iluminação são possibilidades
inerentes à caminhada cristã, e não aspectos de um relacionamento de determinado
período histórico?
Quais implicações sofreria a EBD, seus alunos e professores se fosse
oferecida uma educação que se baseia numa relação com a bíblia, única e
exclusivamente nas bases da iluminação, afinal, outros, e não nós, tiveram a bênção
de partilhar da revelação e inspiração bíblica? Haveria outras possibilidades
teologicamente viáveis de entendimento do que é revelação, inspiração e
iluminação?
Para docentes e discentes é válido pensar que, a cada aula na EBD, há a
possibilidade de, no encontro com os demais agentes do processo de
aprendizagem, compartilhar da revelação de Deus, concedida a cada um e ao
grupo, e da inspiração necessária, não para o registro de instruções, mas para a
elaboração de uma práxis contextualizada no mundo, que embora não seja o mundo
bíblico, continua sob o domínio divino, que é sempre dinâmico.
Vejamos como Juan Luis Segundo compreende a revelação bíblica e de que
forma este entendimento pode contribuir para a formação de um paradigma que
favoreça a educação dialógico-libertadora, alicerçada no conhecimento do Deus
revelado e não em informações sobre Ele.
Formar um pensamento cristão significa esbarrar nos limites “dogmáticos” desse pensamento. Com efeito, se aceitarmos que o cristianismo procede de uma revelação de Deus, o chamado “dogma” estabelece – de uma maneira e por um processo que
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se tem de estudar – as fronteiras fora das quais não se percebe coerência com o “revelado”. (...) quando se fala da “Palavra de Deus” (...) quase nunca surge, numa primeira instância, a pergunta (...) sobre por que se pode chamar assim a determinada palavra humana. (...) não existe auto-revelação divina, embora exista a chamada “palavra” de Deus encapsulada na Bíblia, se previamente não existe uma busca humana convergente com a linha dessa “palavra”. E acrescento que essa linha somente pode ser a que significa uma libertação de potencialidades e valores humanos. Esse é o jogo de que Deus aceita participar ao se comunicar ao ser humano O exercício correto da liberdade é mais ativo ou decisivo do que parecia. Não se limita a dizer “sim” ou “não” ao que Deus revela.181 Revelação de Deus não está destinada a que o homem saiba algo (...) mas que o homem seja de outra maneira e viva num nível mais humano182
Nesta mesma linha de pensamento, em Carta para um Estudante de
Teologia, Paulo Freire oferece um pensamento que complementa a visão de
Segundo:
(...) a Palavra de Deus está me convidando a recriar o mundo, não para dominação dos meus irmãos mas para a liberação deles/delas. Eu não posso realmente ouvir esta Palavra, então, a menos que eu seja "fired up" até que viva completamente. Escutando a Palavra de Deus não significa agindo como recipientes vazios que esperam ser enchido daquela Palavra. A Palavra de Deus não é algo para ser (contido) vertido em nós como se nós fôssemos meros recipientes estáticos para isto. E porque salva, aquela Palavra também liberta, mas os homens têm que aceitar isto historicamente. Eles têm que fazer eles mesmos sujeitos, agentes da salvação e liberação deles/delas. 183
Para Segundo, a revelação divina não é um depósito de informações corretas,
não é doutrina, mas sim um verdadeiro processo pedagógico de humanização, na
medida em que Deus nos convida a interagir, a dialogar com sua revelação,
ofertando-nos a possibilidade de aprender a aprender em nosso momento
histórico,184
A revelação esperou que a experiência humana crescesse e amadurecesse até o ponto de poder ser o “alfabeto” de Deus. Este
181 SEGUNDO, Juan Luis. O Dogma que Liberta, p.27-28, 30, 402 e 401. (Grifo meu) 182 Idem, p. 399. (Grifo meu) 183 FREIRE, Paulo. Carta para um Estudante de Teologia. 184 SEGUNDO, Juan Luis. O Dogma que Liberta, p. 404.
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alfabeto é o próprio homem, tal qual se desenvolve no curso da história.185 (...) há a necessidade de conceber a “revelação“ não como uma mera provisão de informações corretas sobre Deus e o homem, mas como uma pedagogia que, infalivelmente, leva para a verdade(...).186
O prólogo da obra de Juan Luis Segundo, O Dogma que Liberta, escrito por
José Ignacio González Faus, apresenta logo em suas primeiras páginas algumas
definições que sintetizam não somente a essência do pensamento Segundiano mas
também a observação de outros autores sobre seu pensamento. Destas definições,
a citação abaixo exprime uma dimensão do pensamento Segundiano sobre
revelação, que passa por Jesus e é fundamental para o aprofundamento desta
análise:
Revelar (quando se diz de Deus) não é meramente comunicar algo somente a partir de fora, mas também tirar de dentro o que vem de fora, do mesmo modo a realização do ser humano, na qual se dá a revelação, passa sempre, de alguma maneira, por aquelas palavras de Jesus; “para ganhar a vida é necessário perdê-la”. 187
O conceito da inerrância na revelação bíblica, temática também elaborada por
Segundo, é tratado em sua obra, aliado a outros dois conceitos, o de inspiração e
autoria, segundo o documento Dei Verbum, produzido no Concílio Vaticano II,
convocado em 1961 e finalizado em 1965:
(...) como faz Deus para “inspirar” um homem que permanece livre, criador, limitado pelos conhecimentos e instrumentos de sua época, de tal maneira que o resultado dessa dupla e desigual autoria permaneça imune a (...) erro? “Os livros do Antigo Testamento, segundo a condição do gênero humano, antes dos tempos da salvação instaurada por Cristo (...) embora contenham algumas coisas imperfeitas e transitórias, demonstram, no entanto, a verdadeira pedagogia divina. (...) mais do que ser o autor de um ou de vários livros Deus é o autor de um processo educativo, cujas etapas formam o conteúdo desses livros. Assim, compreende-se que, ao consignar como o homem vai passando pelos meandros dessa educação, esta possa ser falível e, no entanto, os livros que narram esse processo, ou qualquer fórmula correspondente a
185 MURAD, Afonso. Este Cristianismo Inquieto. A Fé Encarnada, em J. L. Segundo. São Paulo: Loyola, 1994.p. 33. 186 SEGUNDO, Juan Luis. O Dogma que Liberta, p. 405. 187 Idem, p. 20.
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um momento dele, possam conter coisas que em si mesmas são “imperfeitas e transitórias” (...) É claro que os erros “científicos” da Bíblia – o célebre caso de Josué, que teria detido o sol, no seu percurso, para facilitar ou ampliar a vitória de Israel – começaram a chamar a atenção sobre o insustentável dessa concepção da Bíblia e de sua inspiração.188
O que Segundo objetiva dizer com estas citações é que, a despeito da
inspiração divina concedida aos seres humanos, se somente Deus fosse de fato o
autor isolado de cada palavra escrita na bíblia, não se justificaria como o resultado
final pôde conter declarações, por exemplo, cientificamente insustentáveis, do
gênero “o sol parou”. A inspiração divina não exime o erro humano, mas faz dele
parte integral da revelação, e é justamente nisto que residem a graça e a bênção da
inspiração e da revelação. 189
De fato, a ignorância e o “transitório” de um conhecimento “imperfeito” podem não constituir erro (...) é precisamente a experiência desses “erros” o que pode fazer entrar em crise o conhecimento “imperfeito e transitório” anterior e, em vez de substituí-lo de uma maneira passiva, levar o ser humano a criar hipóteses a partir das quais encontre respostas mais cabais, embora não mais estáveis. Eis por que o plano divino não consiste em distribuir informação correta de uma vez para sempre, mas em levar adiante um processo educativo em que se aprende a aprender. (...).190
A noção de erro, falibilidade e transitoriedade permitida na pedagogia divina e
que é inerente à revelação divina, nesta abordagem de Juan Luis Segundo, nos
remete ao conceito de Paulo Freire no qual ensinar exige risco, aceitação do novo e
consciência do inacabado:
Na verdade o inacabamento do ser ou sua inconclusão é próprio da experiência vital. Onde há vida, há inacabamento. Gosto de ser homem, de ser gente, porque não está dado como certo, inequívoco, irrevogável que sou ou serei (...). Gosto de ser homem, de ser gente porque a História em que me faço com os outros e de cuja feitura tomo parte é um tempo de possibilidades e não de determinismo.191
188 Ibidem , p. 135, 136, 138, 139, 141 e 173.(Grifo meu) 189 Ibidem, p . 139. 190 Ibidem, p. 141.(Grifo meu) 191 FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia, p. 50 e 53.
90
Segundo Danilo Streck, a educação dogmática, que traz a sensação de
certeza, não serve como critério de uma práxis cristã, mas ao contrário, a educação
cristã deve fomentar uma presença curiosa diante da realidade que se deseja
transformar.192 Assim sendo, a utopia tão importante à educação é a capacidade do
ser humano de viver em situações provisórias como esta.
O dogma da revelação deve compreender um Deus pedagogo que dá tempo
ao processo de aprender a aprender na transitoriedade, e que respeita as
potencialidades do ser humano:
“Deus tem testemunhas, mas estas testemunhas divinas não são indivíduos isolados: constituem uma comunidade, um povo ao qual Deus com sua “verdadeira pedagogia”, vai encaminhando para a verdade libertadora de todas as potencialidades criadoras do homem” 193
Se a existência da fé para se aceitar a verdade do conhecimento sobre Deus
é necessária, pressupõe-se que há uma verdade a ser revelada e, portanto, é
possível se conhecer Deus, mesmo que parcialmente (pois Ele está além do nosso
conhecimento). A questão é o que fazer para conhecer a revelação de Deus?
Como foi visto no capítulo anterior, conhecimento só se dá com interação e
ação sobre e com aquilo que se dá a conhecer. Assim sendo, se a revelação de
Deus não alcança o indivíduo do mundo contemporâneo, pois ficou fadada a um
período da história, o conhecimento que se produzirá da relação com Deus será
sempre limitado se comparado com aquilo que se podia ser, o que significa dizer
que, talvez, o conhecimento de Deus não se limite somente a conhecer o que é
“revelado” na bíblia.
A revelação de Deus certamente está para além da Bíblia, pois encontra em
Cristo sua máxima expressão. Por isso, foi dito no capítulo anterior que cristianismo
é uma proposta de vida, que se baseia em seguir não um livro, ou as palavras ditas
por Jesus, mas sim o próprio Jesus e seu amor:
A prática do amor na história humana é meio de acesso ao conhecimento do Deus que se revela. Deus só pode ser conhecido dentro do movimento de desalienação, de criação e de amor que ele mesmo suscita em nós. Nenhum sinal celeste o designa a quem não
192 STRECK, Danilo. Um diálogo entre a Teologia e a Pedagogia numa Perspectiva Latino-Americana. Curitiba: Celadec, 1996. 193 SEGUNDO, Juan Luis. O Dogma que Liberta, p. 407.
91
esquadrinha a ambiguidade da história em busca da libertação comum.194
Tendo em mente a visão de Lécio Dornas sobre a revelação bíblica e
entendendo a análise elaborada sobre a visão Segundiana, concluí-se que a visão
difundida por Dornas, embora ecoe a concepção batista sobre as escrituras, na
verdade não se constitui como um pressuposto favorável à educação cristã oferecida
pela EBD, pois não promove o diálogo, não problematiza, apenas condiciona.
Portanto é oferecido um novo paradigma de revelação bíblica, que pode se
constituir como uma nova possibilidade para a EBD, pois parte da noção de
revelação como processo pedagógico, o que se harmoniza com a educação
baseada no conhecimento, no diálogo e na libertação, conforme estudado
anteriormente.
Neste novo paradigma, a revelação bíblica passa a ser compreendida como:
• tendo conteúdo que não está livre de transitoriedades e erros, pois é também
de autoria humana, e erro lhe é condição ontológica. Todavia, a pedagogia
divina que emana da revelação bíblica é certamente inequívoca, infalível,
porque Deus e somente Ele é o autor;
• sendo seu objetivo mais do que revelar os propósitos de Deus, estabelecer
uma relação dialogal com o ser humano, na medida em que, na revelação, o
indivíduo é levado a se relacionar com o outro (noção partilhada por Paulo
Freire: “em comunhão os homens se educam”);195
• sendo sua maior fonte de interpretação Jesus, sua vida e ensinamentos, mas
também os ensinamentos dEle através do seu Espírito em nós, imersos em
nosso contexto histórico de vida.
Sabe-se que outra grande tônica batista no tocante ao propósito da revelação
bíblica é a salvação. Passemos então para uma análise a respeito do que consiste e
o que se salva na salvação bíblica.
194 MURAD, Afonso. Este Cristianismo Inquieto. p. 20. 195 FREIRE, Paulo . Pedagogia do Oprimido,pg. 62.
92
2. SALVAÇÃO: NO QUE CONSISTE E O QUE SE SALVA
Assim como fizemos com o tópico anterior, vejamos a noção batista que
alicerça o entendimento de Dornas sobre a salvação, observando as citações que
seguem, extraídas respectivamente da Declaração Doutrinária da Convenção Batista
Brasileira (ver anexo 4) e dos Princípios Batistas (ver anexo 5):
V - Salvação (Declaração Doutrinária) A salvação é outorgada por Deus pela sua graça, mediante arrependimento do pecador e da sua fé em Jesus Cristo como único Salvador e Senhor. O preço da redenção eterna do crente foi pago de uma vez por Jesus Cristo, pelo derramamento do seu sangue na cruz. A salvação é individual e significa a redenção do homem na inteireza do seu ser. É um dom gratuito que Deus oferece a todos os homens e que compreende a regeneração, justificação, a santificação e a glorificação.196
A Salvação pela Graça (Princípios Batistas) A graça é a provisão misericordiosa de Deus para a condição do homem perdido. O homem no seu estado natural é egoísta e orgulhoso; ele está na escravidão de Satanás e espiritualmente morto em transgressões e pecados. Devido à sua natureza pecaminosa, o homem não pode salvar-se a si mesmo. Mas Deus tem uma atitude benevolente em relação a todos, apesar da corrupção moral e da rebelião. A salvação não é o resultado dos méritos humanos, antes emana de propósito e iniciativa divinos. Não vem através de mediação sacramental, nem de treinamento moral, mas como resultado da misericórdia e poder divinos. A salvação do pecado é a dádiva de Deus através de Jesus Cristo, condicionada, apenas, pelo arrependimento em relação a Deus, pela fé em Jesus Cristo, e pela entrega incondicional a Ele como Senhor. A Salvação, que vem através da graça, pela fé, coloca o indivíduo em união vital e transformadora com Cristo, e se caracteriza por uma vida de santidade e boas obras. A mesma graça, por meio da qual a pessoa alcança a salvação, dá certeza e a segurança do perdão contínuo de Deus e de seu auxílio na vida cristã. A salvação é dádiva de Deus através de Jesus Cristo, condicionada, apenas, pela fé em Cristo e rendição à soberania divina.197
Em sua trilogia, Lécio Dornas não demonstra a necessidade de explanar este
conceito de salvação que por vezes é descrito como “aceitação do evangelho” ou 196 Para maiores informações leia o Anexo 4. Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira. http://www.batistas.org.br/index.php?option=com_content&view= article&id=15&Itemid=15. Acesso em 05 de junho de 2009. (Grifo da autora) 197 Para maiores informações leia o Anexo 5. Princípios Batistas. http://www.batistas.org.br/index.php?option=com_content&view= article&id=16&Itemid=16). Acesso em 05 de junho de 2009. (Grifo da autora)
93
“conversão”. Dornas parece partir da premissa que O Plano de Salvação, (extraído
da carta Paulina aos Romanos) que é disponibilizado no final de sua primeira obra,
Socorro sou Professor da EBD, constitui-se em respaldo suficiente ao docente,
quanto à concepção de salvação. Isto se comprova pelo fato de apenas em um outro
momento, em toda sua trilogia, Dornas fazer menção direta ao tema da salvação,
onde se evidencia que a condição necessária para que a salvação ocorra é o
conhecimento bíblico:
Naturalmente, a salvação é a primeira necessidade de qualquer pessoa. (...) Antes de se converter, porém, a pessoa necessita de instrução para o conhecimento bíblico com todas as implicações, a fim de adquirir convicção do pecado, de ser esclarecida quanto ao meio de salvação, para poder tomar a decisão de aceitar a Jesus Cristo pela fé. 198
Por não objetivar o tratamento do conceito a salvação em sua trilogia, Dornas
não aborda o que se salva e no que consiste a salvação. Entretanto, várias vezes
Dornas traz à sua argumentação a noção de amor às almas perdidas, ou conversão
dos perdidos.
É provável que esta visão de salvação de Dornas baseie-se não somente na
doutrina batista da salvação, mas também na visão antropológica de Cathryn Smith,
missionária estadunidense, que é tida como um referencial na educação cristã da
denominação batista:
A Bíblia revela o homem como um ser essencialmente espiritual, uma pessoa com alma eterna, criada para a comunhão com Deus. O fim da revelação bíblica é ajudar o homem a experimentar essa comunhão.199
De forma particular, este conceito de alma é fundamental para a análise do
pressuposto da salvação.
Porém, antes de tratarmos a questão da “salvação da alma”, Juan Luis
Segundo pode dar luz à discussão sobre salvação pois afirma que foi no discurso de
Pedro, relatado em Atos 4.12, que o termo salvação foi pela primeira vez associado
a Jesus:
198 DORNAS, Lécio. A nova EBD… a EBD de sempre, p. 86. 199 SMITH, Cathryn. Programa de Educação Religiosa. Rio de Janeiro: JUERP 1966, p. 45.
94
No discurso de Pedro diante do Sinédrio lemos: não há, debaixo do céu, outro nome dado aos homens pelo qual devamos ser salvos (At 4.12). Se “nome” significa “poder”, admite-se assim que em Jesus se concentra todo o poder salvador à disposição da humanidade. (...) Quando termina, os ouvintes fazem-lhe a pergunta lógica; “Que devemos fazer?“ E Pedro lhes responde: “Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para a remissão dos vosso pecados”. (...) Pedro continua exortando-os: “Salvai-vos (=saí) desta geração perversa” (At 2,37-40). Pelo contrário, “o Senhor acrescentava (= fazia entrar) cada dia ao seu número os que seriam salvos” (At 2,47).200
Segundo complementa sua ideia, agora na obra O Dogma que Liberta,
adicionando outro elemento crucial para a noção de salvação, contrariando a
teologia de sua própria raiz católica, segundo a qual “não há salvação fora da
igreja”:
(...) a salvação, o poder de salvar, não é, em primeiro lugar, um atributo da Igreja, mas de Jesus Cristo (...). O “dentro” ou “fora” da Igreja não tem ainda um conteúdo soteriológico claro. Somente quando o mundo se divide entre cristandade (oficial) e seus adversários, a alternativa adquire relevância e se converte em alternativa “pensada” perante a salvação. O fato que Jesus Cristo seja o único nome dado entre os homens para que possam ser salvos (...) não indica ainda concretamente como os homens se situam (...) diante desse poder. A impressão que se tem é a de que Jesus Cristo se torna alternativa de salvação para aqueles que, por assim dizer, “esbarram” nele. (...) dizer que Deus acrescentava cada dia ao seu número os que seriam salvos (...) poderia ser formulado, de modo mais claro e exato, assim: “dentro da Igreja há (ou está) a salvação. 201
A compreensão tradicional da doutrina cristã da salvação afirma que o ser
humano é salvo da ira, do julgamento de Deus sobre o pecado, uma vez que este
nos separou de Deus. Nesta visão, a salvação bíblica refere-se à libertação da
consequência do pecado, da morte eterna.
Os ensinamentos de Jesus, registrados nos evangelhos sinóticos, e toda a
teologia Paulina, demonstram que a salvação não se adquire através do
cumprimento da lei ou desempenho de rituais, mas pela graça divina, (que alcança a
todos que têm fé, um coração disposto a reconhecer sua condição de pecador e a
200 SEGUNDO, Juan Luis. A História Perdida e Recuperada de Jesus de Nazaré. Dos Sinóticos a Paulo. Tradução de Magda Furtado de Queiroz. São Paulo: Paulus, 1997, p. 337. 201 SEGUNDO, Juan Luis. O Dogma que Liberta, p . 37 e 38. (Grifo meu)
95
decisão de exercitar seu livre arbítrio em ter Jesus não somente como salvador, mas
também como senhor e exemplo) ela nos é outorgada por meio de Jesus, fato
mencionado na doutrina batista inicialmente contemplada.
Entretanto, o que esta compreensão negligencia é o fato de que o Deus
cristão é aquele que se encarna como ser humano, que se humaniza para salvar
sua criação. Seguir o caminho de Jesus, que é o da salvação, é fazer o caminho da
humanização em nosso momento histórico de vida, como indicam David Bosch, José
Comblin e, novamente, Juan Luis Segundo.
Assim como houve mudanças de paradigmas quanto à compreensão da relação entre a igreja e a missão, ocorreram também câmbios na compreensão da natureza da salvação que a igreja tinha que mediar em sua missão. Nossas reflexões sobre a missão na igreja primitiva revelaram que a salvação foi interpretada em termos mais abrangentes (...). Para Lucas, a salvação é, sobretudo, algo que se realiza nesta vida, hoje (...). Para Lucas, a salvação é salvação presente.202 A cruz de Jesus ensina a prioridade da salvação da humanidade sobre a salvação própria. A vida é feita para ser doada pelos outros. Aparentemente ela se perde, mas realmente ela se ganha.203 Do que, então, nos salva ou liberta Jesus, com sua vida, sua mensagem, sua morte, dentro de nossa existência humana? Jesus nos salvou, quando nos mostrou como era e onde nos esperava Deus, ao mesmo tempo que mostrava nossa transcendência como criadores: na história.204
Portanto, a educação para a salvação é a educação que favorece a
humanização, conforme sugeriu Paulo Freire,
A Palavra de Deus não é algo para ser (contido) vertido em nós como se nós fôssemos meros recipientes estáticos para isto. E porque salva, aquela Palavra também liberta, mas os homens têm que aceitar isto historicamente. Eles têm que fazer deles mesmos sujeitos, agentes da salvação e liberação deles/delas. 205
202 BOSCH, David J. Missão Transformadora: Mudanças de Paradigma na Teologia da Missão. São Leopoldo, Sinodal, 2002, p.144. (Grifo meu) 203 COMBLIN, José. Antropologia Cristã. (Série III A Libertação na História). Petrópolis: Vozes, 1985, p. 259.(Grifo meu) 204 SEGUNDO, Juan Luis. Que Mundo? Que Homem? Que Deus?. São Paulo: Paulinas, 1995, p. 527e 528. (Grifo meu) 205 FREIRE, Paulo. Carta para um Estudante de Teologia.
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Isto nos remete ao outro conceito de salvação, ou remissão, desenvolvido por
Jürgen Moltmann em sua obra The Spirit of Life :
(...) devemos ser redimidos com o mundo, e não do mundo. A experiência cristã do Espírito não nos desvincula do mundo. Quanto maior for nossa esperança pelo mundo, maior a nossa solidariedade com seus clamores e sofrimentos.206
O vocábulo alma aparece na bíblia logo em seu primeiro livro, o Gênesis. Ao
longo dos anos, a concepção de alma foi sendo distorcida na história do
Cristianismo, principalmente por conta da influência grega, o que muito impactou a
visão da igreja sobre a salvação.
Em sua obra, Se Deus Existe, por que há Pobreza?, Sung, apresenta uma
compreensão sobre a alma, que contribui para uma práxis educativa da salvação:
O livro do Gênesis não diz que Deus ficou contente com o corpo do homem e que depois juntou uma alma a esse corpo. E mesmo que assim fosse, o fato de Deus ter gostado do corpo já seria algo iluminador para a nossa argumentação, pois mostraria que Deus não considera o corpo como algo secundário, como algo indigno de atenção ou que deva ser desprezado. O que a Bíblia diz é (...) que “Deus modelou o homem”. Não o corpo. Segundo o relato bíblico, o ser humano não é composto de duas partes, como pensam os que adotam uma teoria dualista. Depois de modelado, Deus não dá ao ser humano uma alma, mas sim o hálito de vida. Quando o autor diz que Deus insuflou o hálito de vida quer dizer também que a vida é um dom que vem do próprio Deus, porque Deus é a fonte da vida. Com a vida recebida de Deus “o homem se tornou um ser vivente”.207
A análise de Sung toca em um ponto crucial, o da interpretação do texto, pois
conforme muitas traduções, no Gênesis “o homem passou a ser alma vivente”.
Mesmo nestas versões, a premissa é de “ser” alma, ou como está na tradução
utilizada por Sung, se tornou um ser vivente, e não “ter” a alma.
Como vimos, a noção dualista de alma não procede da visão bíblica. Nesta
mesma linha, Comblin, expandindo a noção integral que a bíblia apresenta do ser
humano diz:
206 MOLTMANN, Jürgen. The Spirit of Life: A Universal Affirmation. Minneapolis: Fortress Press, 1992, p. 89. 207 SUNG, Jung Mo. Se Deus Existe, por que há Pobreza? São Paulo: Reflexão, 2008.p. 29 e 30.
97
O uso comum da palavra “alma” não corresponde nem ao sentido da Bíblia, nem ao conteúdo da verdadeira tradição cristã. Por isso a palavra “alma” é fonte de confusões permanentes. O sentido comum reflete a herança da filosofia vulgar do Ocidente desde os gregos. Essa filosofia vulgar entende que o homem se compõe de dois elementos, o corpo material e a alma espiritual. Dos dois o mais digno é a alma. O que faz o ser humano é o elemento espiritual. O corpo material seria como um instrumento da alma. Nada disso procede do cristianismo, embora a consciência comum ache que é exatamente a concepção cristã do homem. Na realidade a mensagem cristã sempre resistiu à inclinação para o dualismo corpo-alma, insistindo na unidade do ser humano. Todos os textos do magistério têm por finalidade ensinar a unidade contra o dualismo. Devemos voltar ao uso da Bíblia que não divide o homem em partes. Os nomes dados ao ser humano exprimem aspectos do ser e não partes. Não se deve dizer que o homem tem corpo, alma, espírito, coração, mas que o homem é corpo, alma, espírito, coração. A Alma é forma do corpo e não é de modo algum substância. Ela não tem nenhuma forma de existência fora do corpo. Há matéria e forma, mas não há alma e corpo. Forma e matéria são dois princípios invisíveis, o corpo é matéria e forma, o corpo é a alma, e a alma é o corpo. Para o evangelho cristão, tudo no homem é corporal, tudo é espiritual, tudo é alma. Na há nada fora do corpo. Pois o espírito está também no corpo, ele é o corpo humano como orientado sob a moção de Deus. Todas as doutrinas de salvação colocam o essencial da sua mensagem no termo final da libertação. Basta examinar o que elas propõem no fim do processo de libertação. Para os cristãos, o fim do processo de libertação é a ressurreição da carne. (...) Longe de pensar numa libertação final da alma por fim livre das cadeias do corpo, Paulo anuncia uma vida eterna no corpo. O corpo é suscetível de uma vida eterna. O corpo pode ser espiritualizado. O corpo não é incompatível com o Espírito, pelo contrário o espírito anima o corpo e torna-se um com ele, formando uma só vivência. (...) Os homens chegam ao seu fim mediante uma ação transformadora do corpo, assim como Jesus agiu para transformar e salvar os corpos208
Entre os batistas, a noção de salvação de almas foi fortemente influenciada
por um protestantismo de missão de caráter conversionista, proselitista, competitivo
e alienante. 209
Alguns aspectos do modo como os batistas estadunidenses agiram no Brasil
lembram as Cruzadas realizadas por “cristãos” europeus em terras por eles
208 COMBLIN, José. Antropologia Cristã. (Série III A Libertação na História). Petrópolis: Vozes, 1985, p. 249, 250, 81, 77 e 79. (Grifo meu) 209 SANTOS, Leontino F. Educação: Libertação ou Submissão? A ideologia da educação protestante na perspectiva da APEC. Barueri: Simpósio, 1999, p. 20 e 31.
98
consideradas de “pagãos muçulmanos”, entre os séculos XI e XIII e a história de
colonização do Brasil que massacrou a religiosidade indígena. Este sabor
imperialista perdura até hoje em nossa educação e missão, como aponta Leontino
Santos:
Esse “ganhar almas“ (...) ao mesmo tempo em que atende aos interesses consumistas e utilitários de sobrevivência das denominações (...), esconde uma importante função (...) que é de amortecer, (...) ou neutralizar o ímpeto de revoltas populares, diante das injustiças sociais que ocorrem na sociedade brasileira. Partindo do pressuposto que a sociedade está enferma, (...) ela só será curada e transformada através das “almas ganhas” ou convertidas a Cristo. Convertidos os indivíduos se tornam tementes a Deus, bons cidadãos e bons patriotas. Levando-se em conta que a maioria (dos grupos que difundem estas ideias) é de origem norte-americana, percebe-se que o modelo de ser cidadão, patriota e cristão, bem como o modelo de sociedade implícitos em seu discurso, corresponde, em suas perspectivas e projetos,aos interesses e ao padrão norte-americano de ser, agir e pensar, em detrimento da cultura, dos interesses e dos compromissos históricos de cada indivíduo em seu país.210
O paradigma tradicional de salvação levou a missão da Igreja a objetivar a
salvação de almas. Entretanto, quais são as implicações de uma educação que
educa com esta perspectiva missiológica?
Mais uma vez, Jung Mo Sung apresenta algumas implicações para a missão
da igreja diante da manutenção de uma visão dualista de salvação:
Quando dizemos que Deus se revelou e se encarnou como um ser humano para salvar somente nossas almas e que a ação de Deus e, portanto, também das igrejas, não tem nada a ver com os sofrimentos provocados pelos problemas materiais, estamos dizendo que Deus não se importa com o sofrimento (...) Se Deus se sensibiliza com o sofrimento de seus filhos e filhas, a salvação que Deus propõe deve também ter relações com esses problemas sociais.211
A teologia à qual Sung se opõe é uma teologia salvacionista totalmente
desvinculada da realidade, pois a preocupação não é com o ser, mas com a
conversão do ser ou de sua alma.
210 Idem, p. 26. 211 SUNG, Jung Mo. Se Deus Existe, por que há Pobreza?,p. 26 e 27.
99
A implicação desta visão para a EBD é a de uma educação alienante, de
distanciamento da realidade histórica entre a pessoas e que favorece os interesses
de classes opressoras e não o nobre propósito da educação cristã que é humanizar
o indivíduo. Portanto, é preciso haver a reformulação do conceito de salvação.
Uma possibilidade de ressignificação da concepção de salvação para a EBD
poderia alicerçar-se no amor em forma de ação, não no assistencialismo paternalista
errônea ou ingenuamente empregado por muitos grupos eclesiásticos.
Este amor em ação é o amor compartilhado ao ser, e não somente às suas
necessidades “materiais” ou somente às necessidades “espirituais” (categorias
comumente compreendidas separadamente) assim como fez Jesus em sua
experiência da multiplicação dos pães, após um longo período de ensino, segundo
registro do evangelho de Mateus (4. 13-21).
Naquela ocasião, o imperativo “dai-lhes vós de comer” destinou-se a que os
discípulos de Jesus agissem em resposta a uma necessidade real da multidão,
fome. O trabalho que os discípulos foram impelidos a fazer complementava aquilo
que Jesus já estava fazendo, isto é, saciando o vazio das pessoas que ali estavam.
Todavia, uma leitura superficial do texto perderá de vista a noção de que, naquele
dia, a fome integral daquelas pessoas foi saciada, com pão e com o pão da vida,
Jesus Cristo.
Precisamos de um paradigma de salvação que favoreça uma educação que
educa para esta forma integral de intervenção no mundo, no qual Cristo continua
trabalhando. A preocupação não é em encher os bancos e a membresia das igrejas,
mas o objetivo é contribuir para que o ser humano, criatura de Deus, possa refletir a
imagem e semelhança daquele que o criou, de uma maneira mais digna, mais
humana.
O missionário estadunidense, Bill Bright, que em 1951 fundou a missão
internacional Cruzada Estudantil pra Cristo, presente em mais de 190 países,
resume este novo paradigma em sua noção de compartilhamento do amor de Cristo
da seguinte forma “Evangelizar é compartilhar o amor de Deus, deixando os resultados
com o Espírito Santo”.
Certa feita, em entrevista concedida à revista Teoria & Debate, quando
questionado se era religioso, Freire respondeu falando sobre transcendentalidade e
mundanidade:
100
Sou muito mais um homem de fé do que um religioso A minha fé se funda sobretudo na crença da existência de um Deus, que não é o “fazedor” da minha história, mas é uma presença na História dos homens e mulheres (...). Eu estou no mundo acreditando numa transcendentalidade que eu não dicotomizo, não separo da mundanidade.212
Concluímos que a noção de salvação encontra na pessoa de Jesus sua
melhor definição, salvação como humanização. A salvação não é somente para o
indivíduo, mas Deus se propõe a redimir o ser humano com o mundo, com o
cosmos, segundo nos ensina Paulo em sua carta aos Romanos (8. 19-23).
A salvação pela graça, outorgada por Jesus à humanidade, redime o ser
integral, e não somente a alma como é difundido num cristianismo que tem mais
identificação com a filosofia grega do que com Cristo.
É necessário que a EBD repense sua noção de salvação para que a
educação por ela viabilizada eduque para a humanização do ser em sua
integralidade.
212 Revista Teoria & Debate 17, 1º Trimestre de 1992. Memória: Entrevista com Paulo Freire, p. 37 e 38. (Grifo meu)
101
CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Pois encontrei aqui ótimas oportunidades para um grande e proveitoso trabalho (...).”
(Paulo – I Coríntios 16.9)
Como foi analisado ao longo desta pesquisa, apesar da proposta de Lécio
Dornas para a EBD da Igreja Batista, desenvolvida em sua trilogia Socorro sou
Professor da Escola Dominical, de 1997, Vencendo os Inimigos da Escola Dominical,
de 1998 e A Nova EBD, A EBD de Sempre, de 2001, oferecer ao docente muitas
possibilidades regadas a dinamismo e desejo expressivo em melhorar a qualidade
da educação cristã disponibilizada na EBD, quando estudada criticamente em seus
pressupostos pedagógicos e teológicos, constatam-se algumas limitações frente aos
desafios e necessidades que se percebem no âmbito pastoral e educacional neste
século XXI.
Zabatiero, ao analisar s Educação Cristã, expressou esta dura realidade
assim:
A análise das atividades educacionais na igreja, em geral, demonstra que utilizamos uma pedagogia antiquada, incapaz de atingir os objetivos da educação cristã, basicamente uma cópia do tradicional modelo pedagógico escolar brasileiro que privilegia o intelecto e o teórico em detrimento do existencial e do concreto. É ainda uma pedagogia individualista e alienante (...). Nessa pedagogia, ensino e aprendizado são instâncias em separado – como se só o professor ensinasse e só o aluno aprendesse.213
Com a análise de alguns pressupostos que norteiam a visão pedagógica e
teológica de Paulo Freire, e de Juan Luis Segundo, encontram-se aspectos que
contribuem para a constituição de novos paradigmas para a práxis da EBD batista.
Ao estudar a trilogia de Dornas, notam-se constantes inconsistências que
sinalizam um descompasso entre a teologia e a pedagogia utilizadas para balizar a
EBD por ele proposta para a igreja batista.
Para melhor exemplificar o que estamos tratando, podemos utilizar a
repetição ou até a explanação dos conteúdos e informações previamente
213 ZABATIERO, Júlio. Novos Caminhos para a Educação Cristã. São Paulo; Hagnos, 2009, p. 25.
102
estipulados de forma digestiva (há uma grade curricular que toma em média cinco
anos para ser cumprida, com temas para diversas faixas etárias no final do livro A
Nova EBD, A EBD de Sempre, de 2001). Nota-se que fatos como este não
favorecem uma educação libertadora, que em sua ação pedagógica fomenta a
produção crítica, problematizadora e criativa do conhecimento sobre a realidade.
É preciso haver uma renovação nos pressupostos pedagógicos e teológicos
da educação cristã, proposta por Lécio Dornas para a igreja batista. É preciso haver
pressupostos que beneficiem a passagem da educação bancária colonialista que
não educa, mas aliena, para uma EBD que viabilize uma educação dialógico-
libertadora que legitima seu adjetivo cristão por ser contextualizada e engajada com
a vida local.
Igualmente é de extrema importância que se resgate o diálogo e a troca entre
todos os agentes do processo de ensino, quer sejam discentes ou docentes. Desta
forma, espera-se quebrar as hierarquias de poder que se perpetuam, baseadas na
diferença de níveis de aquisição de informação, onde quem “sabe” mais, pode mais.
No centro do processo ensino-aprendizagem cristão deve estar a abertura
para dialogar, como afirma Groome:
O diálogo é especialmente necessário num contexto de educação religiosa que use uma abordagem de práxis compartilhada, (...) o diálogo dos participantes é uma parte essencial (...).214
Paulo Freire, falando sobre o fato de que ensinar exige disponibilidade para o
diálogo, acrescenta que este diálogo só é válido quando é verdadeiro e ambos,
educando e educador, reconhecem suas limitações:
Minha segurança se funda na convicção de que sei algo e de que ignoro algo a que se junta a certeza de que posso saber melhor o que já sei e conhecer o que ainda não sei. Minha segurança se alicerça no saber confirmado pela própria experiência de que, se minha inconclusão, de que sou consciente, atesta, de um lado, minha ignorância, me abre, de outro, o caminho para conhecer.215
A propósito, faz-se necessário a substituição da educação informativa para
uma educação que valorize a produção de um conhecimento que não se baseia em
dados memorizados, mas em experiências vivenciadas pelo indivíduo, no encontro
214 GROOME, Thomas H. Educação Cristã: Compartilhando nosso caso e visão. Trad. Alcione Soares Ferreira. São Paulo: Paulinas, 1985.p. 280. 215 FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia, p. 135.
103
com a comunidade de fé, mediatizados pelo amor de Deus. O que se preza neste
estilo de educação cristã, certamente, não são informações bíblicas, mas a
desafiadora prática da fé que, por ser sempre norteada pelo espírito de Deus e pelos
sinais dos tempos, pode independer da posse do texto bíblico.
Não somente em seus pressupostos pedagógicos, mas concomitantemente é
indispensável que se instaure na EBD uma avaliação profunda de seus aspectos
teológicos. É sabido que este fato pode gerar desconforto e desequilíbrio. Todavia,
um povo que deseja honrar sua missão profética tem por vocação primeira a
constante reavaliação de seu papel no mundo e dos pressupostos que norteiam sua
práxis, até mesmo de seus pressupostos teológicos.
Entre os pressupostos teológicos que carecem de uma análise mais
minuciosa estão os dois temas desenvolvidos nesta dissertação, o conceito de
revelação bíblica como processo pedagógico divino e não doutrina ditada, fechada e
inquestionável. É libertador poder difundir na EBD que a bíblia não se destina a
transmitir um plano divino que consiste em informações e normas, como se fosse um
manual, mas em ser instrumento de um processo pedagógico desenvolvido pelo
próprio Deus no qual, mulheres e homens são convidados a aprender a aprender
com afirmações provisórias e imperfeitas, mas nem por isso, menos verdadeiras.
A soteriologia equivocada, que limita a salvação para algo a ser manifestado
na vida que há de vir e que por esta razão destina-se somente para parte do ser e
não do ser integral, também precisa ser convertida a uma noção de salvação que
comporta a integralidade do ser e que se expande ao cosmos e não somente ao
“eu”, no momento histórico que se chama agora. Infelizmente a EBD ainda tem
ensinado a teologia de um Cristo que salva a alma, diferenciando-a do corpo, do
mundo em que vivemos. Tal Cristo não é o Cristo bíblico, tal práxis não é práxis.
Em suma, é preciso que novos pressupostos sejam instaurados para que a
EBD cumpra sua missão educativa e cristã, afinal, segundo Júlio Zabatiero,
infelizmente a EBD vem se transformando em uma escola de má qualidade, onde
não há previsão de conclusão dos cursos oferecidos, as aulas são em si o propósito
último, pois a estrutura visa ao entretenimento dos cristãos no domingo. 216
O apóstolo Paulo orientou os Colossenses para que em toda sabedoria
houvesse entre eles instrução e aconselhamento mútuos (Cl 3.16). Isso nos remete
ao conceito de Paulo Freire de que os homens se educam em sociedade, nunca 216 ZABATIERO, Júlio. Novos Caminhos para a Educação Cristã, p. 64 - 65.
104
isoladamente, afinal, segundo Freire, a educação não é um processo para que o
indivíduo se adapte ao mundo, mas para que o mundo seja transformado por ele.217
Com base na análise desenvolvida nesta dissertação, algumas limitações do
tema permanecem e, portanto, demandam estudos subsequentes. Entre estas áreas
que carecem de pesquisa, investigação e análise destacam-se:
• a crise da JUERP: seus efeitos para a educação cristã na denominação;
• consequências da influência cultural dos missionários estadunidenses no
jeito de se conceber a educação cristã na EBD da igreja batista;
• contribuições e limitações da proposta de Lécio Dornas para a educação
cristã de outros grupos denominacionais;
• diálogo entre a teologia e pedagogia batista que permeiam a educação cristã
na EBD, e outras teologias e pedagogias latino-americanas;
• a quem interessaria a educação bancária na EBD? Por que razão teria ela se
perpetuado por tanto tempo na EBD batista? Que efeitos causou na vida dos
fiéis batistas ao longo dos anos e atualmente?
• há ainda lugar para uma proposta de fundo mais social na EBD da iqreja
batista de nossos dias?
Acredita-se que a análise disciplinada e crítica dos temas acima listados
podem contribuir para a construção de uma proposta de ação educacional cristã no
contexto contemporâneo que seja verdadeira práxis, isto é, que seja uma educação
criadora, reflexiva, libertadora e transformadora, conforme conceituada em
Cassiano Floristan.218
A noção de práxis de Floristan tem mais a ver com a pedagogia proposta por
Paulo Freire do que com a proposta de Dornas. A visão de educação Freireana é por
definição humanizadora, libertadora, criadora e emancipadora, mas talvez não tenha
sido até hoje inserida no modus operandis da EBD batista, por vir de fonte não
evangélica.
O modelo de EBD pré-fabricado encontra em Paulo Freire e Juan Luis
Segundo o desafio de promover uma educação mais humana, mais parecida com a
proposta do reino de Deus, conforme um pensamento de Schipani, citado por Danilo
Streck:
217 FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. 25ª ed. Rios de Janeiro: Paz e Terra, 2001. 218 FLORISTAN, Casiano. Teologia Practica. Teoria y Praxis de la Acción Pastoral. 2ª ed. Salamanca, Sigueme. 1993.
105
(...) não se trata de buscar através da educação o assentimento do intelecto a determinados conceitos, mas de “capacitar as pessoas para apropriar-se (isto é, tornar delas) do evangelho do Reino de Deus”. 219
Finalmente, para que a EBD possa se constituir como práxis, a área que mais
demanda empenho e contínua militância destina-se aos membros da própria igreja
batista; estamos falando de uma verdadeira demonstração de lealdade à educação
cristã e à denominação através da autocrítica responsável, que é desenvolvida em
amor. Este é um princípio indispensável para toda e qualquer proposta de mudança,
sobretudo educacional.
É imperativo que haja esforços de todos os envolvidos no processo do ensino
cristão na EBD para se recuperar o espírito original da Escola Bíblica Dominical de
Robert Raikes que era o de uma escola que ensina a humanização, tal qual ensina a
bíblia.
219 STRECK, Danilo R. Correntes Pedagógicas: Aproximações com a Teologia. Petrópolis: Vozes CELADEC, 1994.p. 127.
106
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114
ANEXOS
115
ANEXO 1: Pesquisa sobre a EBD (Amostragem: 300 discentes, ambos os sexos,
maiores de 15 anos. PIB São Caetano do Sul, maio de 2007)
OBJETIVOS - Discente/Adulto
9%
3%
44%
96%
71%
12%
9%
0%
54%9%
0%
38%
14%
4%
6%31%
0% 20% 40% 60% 80% 100%
4-Alcançados
3-Importantes
2-Participação
1-Apresentados
SIMMaioria das VezesPoucas VezesNÃO
CONTEÚDO - Discente/Adulto
4%
4%
72%
68%
2%
5%
0%
1%
23%
22%
16%80%
0% 20% 40% 60% 80% 100%
3-Coerentes c/Vida
2-Facilita Ensino
1-Coerentes c/Objetivo
SIMMaioria das VezesPoucas VezesNÃO
116
METODOLOGIA/RECURSO/INFRA-ESTRUTURA Discente/Adulto
12%
22%18%
5%
47%
74%
77%
22%
49%3%
7%
39%
57%
5%
3%
15%
4%
18%
7%
6%
2%
22%
8%
41%
15%
30%
26%
14%
21%48%
17%
66%
0% 20% 40% 60% 80% 100%
8-Juízo Crítico
7-Aulas Dinâmicas
6-Gosta da Revista
5-Condições Adequadas
4-Material Suficiente
3-Avalia
2-É Avaliado
1-Metodologia Favorece
SIMMaioria das VezesPoucas VezesNÃO
PROFESSORES - Discente/Adulto
9%
3%
1%
3%
5%
8%
5%
63%
60%
66%
61%
67%
62%
0%
0%
0%
8%
2%
1%
2%
2%
12%
14%
26%
23%
32%
33%
34%
27%
17%
84%
71%
0% 20% 40% 60% 80% 100%
8-Incentiva Juízo Crítico
7-É bom exemplo
6-Está aprendendo
5-Sana Dúvidas
4-Transmite c/ Segurança
3-Incentiva Participação
2-Interação c/ Aluno
1-Assíduo/Pontual
SIMMaioria das VezesPoucas VezesNÃO
117
ALUNO AUTO-AVALIAÇÃO - Discente/Adulto
1%
11%
67%
90%10%
14%
3%
0%
0%
7%
3%
5%
14%
26%
9%
53%
38%
32%
34%
83%
0% 20% 40% 60% 80% 100%
5-É ajudado na vida cotidiana
4-Ora diariamente
3-Lê a Bíblia diariamente
2-Gosta da EBD
1-Assíduo/Pontual
SIMMaioria das VezesPoucas VezesNÃO
118
ANEXO 2: A EBD Forma Cristãos Maduros? (O Jornal Batista de 17 de fevereiro
de 2008)
119
ANEXO 3: Jesus o Mestre por Excelência (Transcrição na íntegra da Mensagem
pregada pelo Pastor Anselmo Nicolau na PIB de São Caetano do Sul
em 12 de outubro de 2008)
Bom dia irmãos!
Vou ficar um pouquinho mais do lado dos professores porque hoje é uma
homenagem, não é, aos professores, a nós professores... e mesmo que você lecione
em faculdade ou escola, parabenizamos também.
Mas, a nossa palavra primordial é para aqueles que estão ensinando na
igreja, buscando levar as pessoas a se parecerem um pouco mais com Jesus Cristo.
Nós queremos destacar a nossa alegria em estarmos aqui revendo estas
pessoas que foram mencionadas, mas particularmente, o pastor Pedro.
Trabalhamos com ele ali na Convenção. Ele era o diretor de Evangelização da
Convenção e estávamos juntos naquele acampamento em que infelizmente ele
sofreu o derrame e estávamos lá como amigos e hoje fico muito feliz de revê-lo...
tenho um carinho muito grande por ele e pela sua família.
Pelo Orkut eu mantenho um relacionamento de mensagens com o Ariel... e é
uma alegria estar aqui e vê-lo, viu, Deus o abençoe.
Pastor Neto muito obrigado também por nos convidar para estarmos juntos
nesta homenagem aqui aos professores.
Eu considero isso de muita importância porque há igrejas, como ouvimos
aqui, não pagam salário, não dão férias e no dia dos professores não dão nem um
Smilinguido... sabe aquele cartãozinho, Smilinguido, não dão nem isso.
Que dizer então, pelo menos, parabéns... a igreja, parabéns a vocês aí que
receberam uma lembrança, muito obrigado, que Deus continue abençoando os
irmãos.
Eu quero chamar a atenção dos irmãos numa mensagem que para mim a
maior importância que a palavra de Deus coloca para nós os professores que
dedicamo-nos a palavra de Deus é exatamente relembrar que nós estamos seguindo
os passos de Jesus, o mestre por excelência.
Em João capítulo 3, versículo 1 e 2 nós lemos assim:
“Havia entre os fariseus um homem chamado Nicodemos, um dos principais
dos judeus.
120
Este de noite foi ter com Jesus e lhe disse: Rabi, sabemos que és mestre
vindo da parte de Deus porque ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes se
Deus não estiver com ele.
Então nesta manhã em primeiro lugar, eu quero chamar a atenção dos
professores exatamente para a importância de vocês, a importância do trabalho de
vocês não apenas no âmbito da igreja local mas no âmbito do reino de Deus.
Jesus Cristo é o nosso exemplo, ele é o nosso modelo, ele é o nosso
paradigma.
Jesus Cristo deve ser sempre o alvo a ser buscado tanto na vida pessoal
como na vida de professores da escola bíblica dominical.
A palavra de Deus destaca que ele é o mestre, ele é o mestre por excelência.
Então nesta manhã eu quero voltar a pensar e verificar a importância do
nosso trabalho porque Jesus considerou importante este trabalho.
Ele veio a este mundo para servir e ele serviu como mestre.
Ele poderia ter servido como profeta, como sacerdote, como apóstolo, como
líder político, revolucionário, filósofo. Ele poderia ter vindo como uma porção de
coisas. Mas ele veio ao mundo servir como mestre, como um professor, para trazer
as verdades do reino de Deus. As verdades eternas, as verdades que mudam a vida
da pessoa, a vida da sua família, a vida de uma sociedade.
Então em primeiro lugar, tendo este lema, como Jesus o mestre por
excelência, por favor, em primeiro lugar, Jesus acreditou no ensino.
É interessante que fruto de uma filosofia que vem permeando o mundo e atingiu também o Brasil lá pelos anos 60 e na época da ditadura militar, principalmente, Paulo Freire e outros, eles começaram a mirar uma bateria contra a educação, contra o ensino que eles consideravam ultrapassados e eles estavam ali falando de uma nova metodologia, de uma nova filosofia, de uma nova postura de ensino que não era ensino mas era o que eles chamavam de diálogo amoroso entre as pessoas. E hoje nós temos o resultado disso. O resultado disso nós temos no Brasil e na América Latina. Eu estive no ano passado na Venezuela por três vezes, reunidos com líderes e educadores de muitos países, praticamente todos da América Latina. O que nós estamos vendo de resultado deste ataque ao ensino, deste ataque a educação, deste ataque aos professores, a aqueles que buscavam ensinar alguma coisa, a pobreza intelectual, a ignorância que
121
toma conta, a mídia usando e abusando da sua capacidade de manipular as pessoas e praticamente em todos os países, a vitória da demagogia. Populismo de qualquer tipo, de direita, de esquerda, pessoas que vão lá para o cargo e querem se perpetuar como Fidel Castro, e assim por diante. E aqui no Brasil, inclusive nós temos alguém que desejaria ser igual o Fidel Castro no Brasil para sempre. Tudo isso porque as pessoas pararam de acreditar no ensino. Inclusive aqueles que se dedicam ao ensino. Eu trabalho com pessoas que
não são evangélicas, eu dou aula também na faculdade e nós sempre debatemos
com as pessoas porque elas estão em crise.
O país não valoriza a educação. Há um ditado que diz: o país finge que paga,
o professor finge que ensina, o aluno finge que aprende.
Nós temos na faculdade, quando eu vou analisar as provas, pessoas
escrevendo parecendo gente lá do primeiro grau, não sabem escrever nada;
palavras erradas, não tem sequência, não tem lógica, não tem começo, meio e fim...
isso no curso de direito. E eu falo pra eles: olha, se você for escrever um negócio
deste pra um juiz, o juiz primeiro vai olhar e dizer: este cara é ignorante, como é que
é advogado?
Então, é fruto de não acreditar no ensino.
Nós estamos sofrendo esta conseqüência deste ataque a educação, deste
ataque... há algum tempo atrás as pessoas que estudavam na escola pública elas
iam direto fazer o vestibular e passavam nas melhores faculdades. Hoje eles vão lá
pra comer, quando tem a merenda escolar.
Então este reflexo veio para igreja e muitas igrejas. Eu fico feliz porque aqui
não é assim.
Então muitas igrejas, inclusive, há cinco anos atrás havia um movimento na
denominação batista dizendo vamos acabar com a Escola Bíblica Dominical porque
ela não é importante. Eu fui em muitas igrejas, em muitas associações realizando
simpósios, congressos batendo numa tecla só: a Escola Bíblica Dominical é
prioridade. Se a igreja quer crescer, crescer em conhecimento da palavra de Deus,
crescer em número, tem que enfatizar a Escola Bíblica, o ensino da palavra de Deus
mas não só no templo mas nas casas também.
122
Então nós precisamos resgatar essa crença no ensino, a importância de
pessoas dedicadas a Deus como Jesus era. Ele era dedicado ao ensino da palavra
de Deus.
Isto nós vemos na bíblia porque ele foi chamado de Raboni ou Rabi.
Nós vemos aqui em João 3 um dos mestres chama Jesus de Rabi, mas se
você for lá no final de João, quando Jesus ressuscitado aparece a Maria, e lhe
chama pelo nome, ela olha para Jesus, agora reconhecendo Jesus, chamou de
Raboni.
Alguns intérpretes falam que Rabi, Raboni são sinônimos pra falar de uma
mestre. Mas outros intérpretes dizem que Rabi era como nos Estados Unidos o
teacher, aquele que leciona pra todo mundo e o Raboni é o professor, isto é, aquele
que é o professor de universidade, é o doutor.
Então, alguns dizem que Jesus foi considerado Raboni, professor dos
professores, aquele que ensinava os mestres como Nicodemos, inclusive. Era
reconhecido assim. E ele foi reconhecido porque valorizava o ensino.
Ninguém é reconhecido como pastor, ninguém é reconhecido como professor
se não exercer isso.
Alguém só vai chamar o outro de professor se ele acredita no ensino e pratica
isso; o outro reconhece e diz: este é professor, este é advogado, este é jogador de
futebol.
Agora, vai alguém me chamar de jogador de futebol? O máximo que pode
chamar é de bola, não de jogador... olha, tá parecendo mais com a bola.
Jesus acreditou no ensino e esta é a primeira palavra que eu quero trazer
nesta manhã, nesta homenagem da igreja aos professores.
E também retomar isto com a igreja, a igreja precisa continuar crendo,
valorizando a sua área de ensino, tanto no templo quanto nas casas.
Valorizar as pessoas, capacitá-las, dar condições de trabalho, dar uma
biblioteca, porque pra mim professor que não lê na pode ser professor. Então a
igreja tem que ter uma biblioteca e ajudar o professor a formar a sua lá na casa; os
livros básicos que uma igreja entende que o professor deve ter; dar de presente no
dia do professor, no dia do aniversário, pra que ele vá formando ali a sua condição
de estudo porque quem acredita no que faz vai ser o melhor possível, vai buscar a
excelência.
123
Jesus é o mestre por excelência porque ele acreditou no ensino. Pode ir pra
frente.
O ensino de Jesus foi revolucionário. Ele mudou o tempo.
Hoje quando nós, é, preenchemos um cheque, nós colocamos a data...
alguns até dão a data já de 2010 né, no cheque... tão pagando coisa já né porque
este ano aqui, ó pastor, o meu ano já acabou. Quer dizer, nós estamos, né, em
Outubro mas o ano dele já acabou. Eu já tô fazendo cheque pra 2010 pastor, porque
eu gosto de me antecipar ao tempo, principalmente se eu morrer, eu deixo a dívida
aí. Mas, Jesus mudou o tempo.
Nós conhecemos o tempo como antes de Cristo e depois de Cristo.
Então quando você coloca lá 2008, 2009 ou 2010, você está dizendo depois
de Cristo. Então, ele foi a maior personalidade que veio a este planeta Terra. Foi
antes dele e depois dele.
O seu ensino foi revolucionário porque mudava as vidas das pessoas.
Pegava pessoas como pescadores, pessoas como coletores de impostos, é,
pessoas que não tinham nenhuma perspectiva de vida e colocava neles uma
transformação radical de acreditarem no impossível.
De trazerem o reino de Deus aqui pra Terra de forma material e não somente
como os gregos, as filosofias idealistas que prometiam um mundo diferente só
depois da morte.
Jesus disse: Eu vim para que vocês tenham vida e vida com qualidade, com
excelência, com integridade, vida em abundância.
Jesus transformou e revolucionou este mundo porque ele colocava no
coração dos seus alunos o eterno e não apenas o capital, principalmente o
especulativo que quando a bolsa cai o cara se mata.
Nós percebemos esta revolução em primeiro lugar no discipulado e não salas
de aula. Então quando eu digo que a igreja deve enfatizar, não apenas no templo
mas acima de tudo as casas, as ruas, a televisão, internet.
Hoje nós temos muita forma de atingir o povo com o ensino através de cartas,
telefonemas.
A igreja deve olhar e ter uma visão: eu preciso impactar e não apenas fazer
com que as pessoas gostem de alguma coisa da bíblia.
Eu preciso trazer algo de relevante, que a pessoa mude de vida.
124
Vocês vão estudar aí o trimestre em que o livro do Rick Warren vai ser
estudado, e é importante esta visão: poder para transformar sua vida.
A igreja precisa levar isso ao máximo possível e hoje nós temos os meios de
comunicação e acima de tudo nós estamos perdendo como batistas porque todo
mundo aí fora vai pra televisão e nós não... e o máximo que alguém vem é quando
quer dizer que o pastor é bom é dizer: pastor eu tava assistindo lá na televisão o
apóstolo lá, ele tirou o sapato, ele ficou com o pé descalço, pulando lá e disse: agora
sabe por que é que eu to descalço? Porque Deus mandou o Moisés tirar a sandália
do pé. E sabe por que Deus mandou o Moisés tirar a sandália do pé? Porque
Jesus...
Aí eu falei, Deus mandou Moisés tirar a sandália do pé porque Jesus... os
cara voa... e diz: Porque Jesus foi lavar os pés dos apóstolos e eu tenho este pé
lavado porque eu sou apóstolo.
Todo mundo lá, o estádio lotado e: Aleluia, blablablum...
E a pessoa assistiu um programa e veio me elogiar: pastor eu lembrei do
irmão.
Eu fiquei: Eu? Você viu aquilo lá e lembrou de mim?
Mas é porque ela tinha uma referência. Qual era a referência?
O cara é apóstolo, o cara é bom, pé lavado... meu pastor é do poder.
Qual é a referência? Quer queira quer não, vamo falar a verdade, ah, eu não
sei você porque também depois eu não quero nem saber, eu vou embora e o Neto
(pastor) que se vira depois pra acalmar alguns aí. Porque tem gente que não está
sendo doutrinado pelo Pastor Neto, tá sendo doutrinado pelo RR Soares, pelo
apóstolo Estevan Hernandes, e mesmo preso... para com isso.
Depois ainda vem elogiar: olha eu lembrei de você!
Espero que ninguém tenha falado isso pra você ainda mas o dia que me
falaram eu fiquei bravo. Eu falei: você lembrou de mim cara? Eu tô mal mesmo, eu tô
ruim.
Mas se a igreja quiser causar impacto mesmo na comunidade, não só em São
Caetano mas no mundo, tem que sair da sala, principalmente porque aí entrou uma
mentalidade de que a igreja ficou pior do que o mundo: é só num dia, e é só num
horário, e o professor não tem conhecimento nenhum do aluno, o aluno não conhece
o professor.
125
É... falou que um dos problemas; ah, é que o pessoal não estuda. E a
pergunta já foi feita por que o pessoal não estuda nada e durante a semana some.
Aí as pessoas só vão reencontrar no domingo. Aí no domingo, aí tem que
fazer aquela coisa para dar uma idéia de que a igreja realmente se ama.
E alguns fazem como aquele do nordeste, o pastor lá que via que a igreja
tava mesmo dividida e o pessoal hipócrita, uma brigaiada um com outro, aquele
conflito, mas exigia do pastor, porque quando o pastor queria tirar aquele momento
de levantar e cumprimentar um ao outro, o pessoal brigava: não, não pode tirar este
momento não... este é o momento da comunhão!
Aí o pastor tava bravo: que momento de comunhão, isto é momento de
hipocrisia... eu vou trazer uma música que vai representar o que você está fazendo
aqui.
Aí ensinou lá e falou: agora nós vamos ficar em pé e cumprimentar.
“Jesus foi traído por Judas Iscariotes,
Este cabra safado, Este cabra safado, Este cabra safado.”
Então no cabra safado todo mundo se cumprimentava.
O que nós aprendemos com Jesus é: você quer realmente fazer diferença na
vida dos seus alunos? Não pode ser só no domingo, naquele momento de aula... é
muito importante este momento mas não é só isso.
Aprenda com Jesus. Jesus gastou três anos da sua vida.
Quanto tempo Jesus precisaria pra fazer todos os milagres que ele fez?
João diz inclusive que ele fez muitos que não estão aqui, que nem caberiam
nos livros, mas eu pergunto, quanto tempo Jesus gastaria pra fazer todos os
milagres? Ele gastaria um segundo se ele quisesse: eu curo todos os que eu quiser
curar e todos seriam curados. Eu levanto todos os mortos que eu quiser levantar. Eu
dou vista a todos os cegos que eu quiser dar. Não mais que um minuto e ele curaria
todos irmãos, todos. Não precisaria de três anos.
De cidade em cidade. Ele fazia isso por quê? Porque ele tinha uma missão.
As pessoas pensam que a missão de Jesus era só a cruz. Não era.
A missão de Jesus era treinar aqueles que continuariam a sua obra e isso não
pode ser feito em um minuto, concorda?
Jesus gastou três anos irmãos, três anos da sua vida porque ele acreditava
no ensino... e ele gastou com aqueles que seriam os líderes da igreja.
E quanto mais perto da cruz, mais o grupo era reduzido.
126
Nós temos a idéia de multiplicação, não é? Nós queremos muita gente,
multidão. Jesus nos ensina o contrário, se você quer ter multidão tem que ter um
grupo de liderança bem preparado, bem estruturado, firme na doutrina, porque se
não o grupo divide.
No primeiro batismo Pedro se levanta, aquela multidão aceita Cristo, quase
três mil são batizados, não é verdade? Por que é que a igreja não rachou? Por que é
que a igreja não ficou um grupo pra cá outro grupo pra cá?
Porque diz que eles perseveravam na doutrina dos apóstolos.
E por que é que eles estavam com uma doutrina, não fala doutrinas dos
apóstolos?
Eles tinham uma doutrina porque eles receberam do próprio Jesus.
Além disso irmãos o ensino de Jesus foi revolucionário porque quando nós
lemos os evangelhos nós vemos a sua metodologia, métodos de ensino e recursos
áudio visuais.
É interessante ver hoje, o professor acha que o máximo que ele pode fazer é
pregar, não é pra pregar, escola bíblica dominical é para ensinar.
Pregar é o pastor, do púlpito. É um métodos de ensino. A palestra é um
método de ensino.
Em algumas igrejas eu vou a única diferença que tem entre o professor e o
pastor é que o pastor fala a favor do dízimo e o professor fala contra. É a única
diferença, porque os dois pregam; o professor prega e o pastor prega. Um a favor, o
outro contra.
Professor tem que ter metodologia. Não pode ter um, um método só.
Professor envolve a classe. Eu não posso, estou aqui num método que é
diretivo mas numa classe eu posso usar o recurso áudio visual, mas eu também
posso fazer em dinâmica de grupo, posso ter aqui uma dramatização como nós
tivemos aqui uma dramatização. Lá na classe, todo mundo participando.
Por que só um falando?
Jesus Cristo usou toda a metodologia que hoje é considerada moderna.
Jesus participou de debates, Jesus fez dinâmica de grupo, Jesus deu tarefa para
serem cumpridas, Jesus é... usou a palestra, Jesus usou todos os métodos que são
hoje conhecidos irmãos.
Por isso ele foi revolucionário pra a sua época.
127
Mas Jesus usou todos os recursos também disponíveis; ele usava a semente,
ele usava o pássaro, aquilo que estava a mão, que as pessoa podia ver,
compreender. Se Jesus estivesse vivendo hoje ele estaria por aí andando com um
notebook sim senhor porque ele usava tudo que estava a sua disposição, aquilo que
estava a mão.
Eu sei que alguns têm dificuldade como eu tenho.
A Eliane (esposa do pregador) na quinta-feira, eu estava lá preparando um
material é... na faculdade e ela que vai pra montar a parafernália porque eu só sei
mexer o botão.
Aí ela chegou e disse: É, eu sei que é muito complicado, eu sei. Você quer
que eu chame o Kevin (filho do pregador) pra te ensinar?
Eu sei, eu sei que você talvez tenha a mesma dificuldade, né, porque a
molecada de hoje já vai lá e uhuhuhuhuh... e começa a mexer. E a gente tem
aquela dificuldade, não sabe, e tem medo inclusive de mexer né e dá pau... dá o
tchiutchiu lá e a gente não sabe como sair daquilo.
Mas meus irmãos, isso não impede de você pedir pra alguém montar o
aparelho pra você. Você pedir pra alguém que tenha criatividade. Dá um esboço e
fala: prepara este esboço na forma de datashow. Coloque um visual legal.
Quando teve a homenagem aqui, eu tenho que... muita gente deu aquela
risada mas achou bem legal aquela formiguinha com aquele monte de bolacha nas
costas.
O visual chama a atenção, o visual prende a atenção.
O Walt Disney diz que uma imagem vale mais do que mil palavras e nós,
brasileiros principalmente, acreditamos que mil palavras valem mais do que uma
imagem, principalmente na política, nós gostamos de gente que fala bastante.
(Pode ir pra frente) E por último meus irmãos, Jesus é o mestre por
excelência e deve nos influenciar de tal maneira, porque ele deu uma ordem.
Eu tenho aprendido como pastor de que as últimas palavras de uma pessoa
são muito importantes.
Eu estava como pastor interino lá em Paranaíba, no Mato Grosso do Sul e
numa das visitas que eu ia uma vez por mês, um irmão chegou e falou: Pastor,
vamos visitar o irmãozinho tal, que ele tá muito doente, bem velhinho, e ele pediu
pra o pastor ir lá fazer uma vista pra ele.
128
Quando eu cheguei, tava o esqueleto, o osso e eu percebia, eu creio que ele
ta entendendo que o pastor quando vier não vai encontrá-lo com vida.
E eu achei aquilo muito importante, ele queria estar conversando com o seu
pastor antes de morrer. Achei isso muito bonito.
Então eu...cheguei com... cê já vai com o coração meio batendo assim né,
sentei, oi irmão, como é que vai?
Começamos a conversar... e ele chamou a filha e falou: pega lá aquela
pastinha, eu quero pegar aquele papel que eu disse que eu ia mostrar para o pastor.
Ai ele pegou o papel assim, papel amarelado eu olhei, de um lado, olhei do
outro e fiquei: que é que será isto aqui, porque não dava pra ver nada, não tinha
nada escrito lá. Algum dia aquilo tinha uma coisa escrita. Eu não sabia o que era, um
papel amarelo, velho.
Aí, ele deu um sorriso e falou: Pastor, este é meu certificado de batismo.
Aí eu olhei né, eu tava olhando assim, eu até coloquei assim porque eu
aprendi né que certificado de batismo é deste jeito. Eu olhei, aí começou a ter algum
significado pra mim. Não tinha nada escrito, papel amarelado mas ele estava
sorrindo dizendo: este é meu certificado de batismo.
Pastor eu quero dizer que desde o ano de mil novecentos e bolinha eu fui
batizado, fui membro desta igreja, nunca abandonei a Jesus, nunca abandonei a
igreja. A igreja passou por problema, teve divisão, teve isso, mas pastor eu quero
dizer que eu continuei e continuo até a minha morte.
Aquilo pra mim... foi sumamente importante.
Nas últimas palavras que ele queria falar pro pastor, ele queria falar isso:
Olha, este papel amarelado, representa a minha fidelidade a Deus e a igreja.
Quando nós olhamos na bíblia as últimas palavras de Jesus antes de subir
pro céu, ele diz assim: Vocês vão fazer discípulos.
É interessante que, eu não sou contra escola, eu não sou contra hospital, não
sou contra creche, eu não sou contra nada, aliás destas coisas, mas eu sou contra
uma igreja que faz tudo que Jesus não mandou: escola, creche, hospital batista,
memorial não sei das quantas... faz tudo que Jesus não mandou, menos fazer
discípulos.
Vira uma igreja rotineira, de domingo, de templo. Volta inclusive pro Velho
Testamento, porque hoje nós temos uma mania do povo, infelizmente, de voltar para
o Velho Testamento e querer que todo mundo vire judeu.
129
Eu acho que é muito legal o trabalho que o Neto falou, eu sou descendente
de judeu inclusive, é, uso de vez em quando o kipá, tem uma festa que eu chamo de
Hanuka cristão, tudo bem. Mas eu sou cristão, e brasileiro... em 2008, depois de
Cristo, e não antes, porque alguns estão caídos lá no colo do Moisés de novo. Ao
invés de pegar Jesus e andar pra frente, pegam Jesus e vão pra trás e caem lá no
Moisés, na lei e começa aquele monte de coisa lá.
O que eu quero desafiar você, Jesus vocacionou a sua igreja, deu uma
ordem: fazei, a ordem é essa. Nós invertemos inclusive porque muitos dizem: Ide, a
ordem de Jesus ide, a ordem de Jesus é vá, a ordem de Jesus é faça, aí saia. Não,
a ordem de Jesus é fazei discípulos, indo. Indo no supermercado, indo pra casa,
indo lá pra onde foi o litoral aí os jovens, indo.
Porque eu tenho conversado com alguns jovens e eu recebi alguns emails de
uma moça lá e tava falando da Índia que muitos lá estão sendo perseguidos, muitos
estão morrendo e é verdade... e pedindo oração, aquele apego, aquele desejo de
ser missionária na Índia e eu mandei de volta o email dizendo: você quer morrer lá
na Índia/ Muito bem. Mas será que não dá pra começar a pensar em morrer lá na
Vila Zatty? É pelo menos mais perto pra eu poder ir no enterro.
Porque aqui você não quer fazer nada, só lá na Índia você vai ser
missionária? Só lá na Índia você dorme em colchonete? Só lá na Índia você vai
buscar as crianças? Só lá na Índia você vai falar do amor de Jesus? Pelo amor de
Deus faça isso aqui na Vila Zatty, quem sabe eu acredite que você vai pra Índia?
E não é a primeira vez que eu faço isso não irmãos... porque eu tenho
observado que muitas pessoas, quando é pra viajar, pra fazer viagem missionária,
pra Argentina, pro Chile, pra o Japão, pra Conchichina, pra Peruíbe, pra não sei
aonde, ih, lota o ônibus... mas quando fala vamos fazer aqui em São Caetano,
cadê?
Fazei discípulos! E não tá falando só pra ficar chamando gente pra igreja, pra
ficar ouvindo o pastor Neto... tá dizendo você vai fazer discípulos: sua amiga, sua
mãe, sua tia, seu filho. Esta é a ordem irmãos.
E você professor não foi chamado pra ensinar que eu acho que esse é o
grande pulo do gato.
Se você fica só no blábláblá, você perdeu a ordem de Jesus.
Jesus disse: você deve fazer discípulos. A sua classe é o seu discipulado.
Em três anos Jesus revolucionou o mundo com os seus líderes.
130
O pescador que era praticamente analfabeto, briguento, ele se levanta e
quase três mil pessoas são batizadas.
Discipulado é você compartilhar a sua vida. Não só o que você sabe na
cabeça, no domingo pela manhã.
Uma das crises que todos apresentaram, o aluno que não vem, não é
verdade? Por que não falaram do professor que não vai? Que não telefona pro
aluno, que não vai na casa dele, que não vai tomar uma coca-cola com ele, que não
vai no futebol com ele, inclusive pra ver que aqui na igreja ele é santo e lá no futebol
é um capeta... que aqui ele é todo bonitão, só falta asa pra voar e lá no campo
(en)xinga a mãe do juiz, bate no cara, leva botinada, gospe na cara do outro e
principalmente no dia que tiver São Caetano contra Santo André pela Jubabecê...
bom eu tô falando em hipótese... uuu gente... é que eu já fui lá também pregar e eu
falei de vocês então tenho que descontar.
Então, você já viu como é o começo do jogo? Todo mundo dá a mãe, aí
chama o pastor, normalmente o pastor mais assim, o pastor chega, ora... ainda pede
pra que ninguém se machuque, não é verdade? O cara já pede com antecedência
pra ver se... né... Aí durante o jogo, os crentes, os que tocam no louvor, se tivesse
uma guitarra quebrava na cabeça do outro.
Discipulado é você chegar ali do lado do campo e ficar olhando aquilo e falar
esse aqui eu tenho que chamar do lado e dizer: gente, carinha, vem cá, crente não
joga assim não meu filho, isso é incrédulo! Crente, olha, é assim, assim... isso é
discipulado.
Concluindo a minha palavra nesta manhã: agradeço de coração ao pastor
Neto pela oportunidade de vir aqui conversar um pouco com vocês, e eu quero
deixar então o desafio de Jesus Cristo para o os professores, para os alunos, para a
igreja.
Jesus é o nosso exemplo! Jesus revolucionou as vidas!
E Jesus nos mandou, é uma ordem, fazer discípulos.
Se você puder ir lá na Índia, amém... mas começa aqui em São Caetano.
Começa na sua casa... com seus filhos, com seus pais que não são crentes.
Comece ali o discipulado. E eu acredito, sinceramente, que esta igreja vai fazer
diferença em São Caetano.
Que Deus abençoe os irmãos! Parabéns aos professores que Deus continue
abençoando e usando vocês para a glória de Deus. Amém.
131
ANEXO 4: Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira
(Extraído do Portal da Convenção Batista Brasileira): http://www.batistas.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=15&Itemid=15
INTRODUÇÃO
Os discípulos de Jesus Cristo que vieram a ser designados pelo nome batista se
caracterizavam pela sua fidelidade às Escrituras e por isso só recebiam em suas
comunidades, como membros atuantes, pessoas convertidas pelo Espírito Santo de
Deus. Somente essas pessoas eram por eles batizadas e não reconheciam como
válido o batismo administrado na infância por qualquer grupo cristão, pois, para eles,
crianças recém-nascidas não podiam ter consciência de pecado, regeneração, fé e
salvação. Para adotarem essas posições eles estavam bem fundamentados nos
Evangelhos e nos demais livros do Novo Testamento. A mesma fundamentação
tinham todas as outras doutrinas que professavam. Mas sua exigência de batismo só
de convertidos é que mais chamou a atenção do povo e das autoridades, daí
derivando a designação "batista" que muitos supõem ser uma forma simplificada de
"anabatista", "aquele que batiza de novo". A designação surgiu no século XVII, mas
aqueles discípulos de Jesus Cristo estavam espiritualmente ligados a todos os que,
através dos séculos, procuraram permanecer fiéis aos ensinamentos das Escrituras,
repudiando, mesmo com risco da própria vida, os acréscimos e corrupções de
origem humana. Através dos tempos, os batistas se têm notabilizado pela defesa
destes princípios:
1º - A aceitação das Escrituras Sagradas como única regra de fé e conduta.
2º - O conceito de igreja como sendo uma comunidade local democrática e
autônoma, formada de pessoas regeneradas e, biblicamente, batizadas.
3º - A separação entre igreja e Estado.
4º - A absoluta liberdade de consciência.
5º - A responsabilidade individual diante de Deus.
6º - A autenticidade e apostolicidade das igrejas.
Caracterizam-se também os batistas pela intensa e ativa cooperação entre suas
igrejas. Não havendo nenhum poder que possa constranger a igreja local, a não ser
a vontade de Deus, manifestada através de seu Santo Espírito, os batistas,
baseados nesse princípio da cooperação voluntária das igrejas, realizam uma obra
geral de missões, em que foram pioneiros entre os evangélicos nos tempos
132
modernos; de evangelização, de educação teológica, religiosa e secular; de ação
social e de beneficência. Para a execução desses fins, organizam associações
regionais e convenções estaduais e nacionais, não tendo estas, no entanto,
autoridade sobre as igrejas; devendo suas resoluções ser entendidas como
sugestões ou apelos. Para os batistas, as Escrituras Sagradas, em particular o Novo
Testamento, constituem a única regra de fé e conduta, mas, de quando e quando, as
circunstâncias exigem que sejam feitas declarações doutrinárias que esclareçam os
espíritos, dissipem dúvidas e reafirmem posições. Cremos estar vivendo um
momento assim no Brasil, quando uma declaração desse tipo deve ser formulada,
com a exigência insubstituível de ser rigorosamente fundamentada na palavra de
Deus. É o que faz agora a Convenção Batista Brasileira, nos 19 artigos que seguem:
I – Escrituras Sagradas A Bíblia é a palavra de Deus em linguagem humana.1 É o registro da revelação que Deus fez de si mesmo aos homens.2 Sendo Deus seu verdadeiro autor, foi escrita por homens inspirados e dirigidos pelo Espírito Santo. 3 Tem por finalidade revelar os propósitos de Deus, levar os pecadores à salvação, edificar os crentes, e promover a glória de Deus. 4 Seu conteúdo é a verdade, sem mescla de erro, e por isso é um perfeito tesouro de instrução divina.5 Revela o destino final do mundo e os critérios pelo qual Deus julgará todos os homens.6 A Bíblia é a autoridade única em matéria de religião, fiel padrão pelo qual devem ser aferidas as doutrinas e a conduta dos homens.7 Ela deve ser interpretada sempre à luz da pessoa e dos ensinos de Jesus Cristo.8 1- Sl 119.89; Hb 1.1; Is 40.8; Mt 24.35; Lc 24.44,45; Jo 10.35; Rm 3.2; 1Pe 1.25; 2Pe
1.21
2- Is 40.8; Mt 22.29; Hb 1.1,2; Mt 24.35; Lc 24.44,45; 16.29; Rm 16.25,26; 1Pe 1.25
3- Ex 24.4; 2Sm 23.2; At 3.21; 2Pe 1.21
4- Lc 16.29; Rm 1.16; 2Tm 3.16,17; 1Pe 2.2; Hb 4.12; Ef 6.17; Rm 15.4
5- Sl 19.7-9; 119.105; Pv 30.5; Jo 10.35; 17.17; Rm 3.4; 15.4; 2Tm 3.15-17
6- Jo 12.47,48; Rm 2.12,13
7- 2Cr 24.19; Sl 19.7-9; Is 34.16; Mt 5.17,18; Is 8.20; At 17.11; Gl 6.16; Fp 3.16; 2Tm
1.13
8- Lc 24.44,45; Mt 5.22,28,32,34,39; 17.5; 11.29,30; Jo 5.39,40; Hb 1.1,2; Jo
133
1.1,2,14
II – Deus O único Deus vivo e verdadeiro é Espírito pessoal, eterno, infinito e imutável; é
onipotente, onisciente, e onipresente; é perfeito em santidade, justiça, verdade e
amor.1 Ele é o criador, sustentador, redentor, juiz e Senhor da história e do universo,
que governa pelo seu poder, dispondo de todas as coisas, de acordo com o seu
eterno propósito e graça.2 Deus é infinito em santidade e em todas as demais
perfeições.3 Por isso, a ele devemos todo o amor, culto e obediência.4 Em sua
triunidade, o eterno Deus se revela como Pai, Filho e Espírito Santo, pessoas
distintas mas sem divisão em sua essência.5
1- Dt 6.4; Jr 10.1; Sl 139; 1Co 8.6; 1Tm 2.5,6; Ex 3.14; 6.2,3; Is 43.15; Mt 6.9; Jo
4.24; 1Tm 1.17; Ml 3.6; Tg 1.17; 1Pe 1.16,17
2- Gn 1.1; 17.1; Ex 15.11-18; Is 43.3; At 17.24-26; Ef 3.11; 1Pe 1.17
3- Ex 15.11; Is 6.2; 57.15; Jó 34.10
4- Mt 22.37; Jo 4.23,24; 1Pe 1.15,16
5- Mt 28.19; Mc 1.9-11; 1Jo 5.7; Rm 15.30; 2Co 13.13; Fp 3.3
Deus Pai Deus, como Criador, manifesta disposição paternal para com todos os homens.1
Historicamente ele se revelou primeiro como pai ao povo de Israel, que escolheu
consoante os propósitos de sua graça.2 Ele é Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, a
quem enviou a este mundo para salvar os pecadores e deles fazer filhos por
adoção.3 Aqueles que aceitam a Jesus Cristo e nele crêem são feitos filhos de
Deus, nascidos pelo seu espírito, e, assim, passam a tê-lo como Pai celestial, dele
recebendo proteção e disciplina.4
1- Is 64.8; Mt 6.9; 7.11; At 17.26-29; 1Co 8.6; Hb 12.9
2- Ex 4.22,23; Dt 32.6-18; Is 1.2,3; 63.16; Jr 31.9
3- Sl 2.7; Mt 3.17; 17.5; Lc 1.35; Jo 1.12
4- Mt 23.9; Jo 1.12,13; Rm 8.14-17; Gl 3.26; 4.4-7; Hb 12.6-11
Deus Filho Jesus Cristo, um em essência com o Pai, é o eterno Filho de Deus.1 Nele, por ele e
para ele, foram criadas todas as coisas.2 Na plenitude dos tempos ele se fez carne,
na pessoa real e histórica de Jesus Cristo, gerada pelo Espírito Santo e nascido da
virgem Maria, sendo, em sua pessoa, verdadeiro Deus e verdadeiro homem.3 Jesus
134
é a imagem expressa do seu Pai, a revelação suprema de Deus ao homem.4 Ele
honrou e cumpriu plenamente a lei divina e revelou e obedeceu toda a vontade de
Deus.5 Identificou-se perfeitamente com os homens, sofrendo o castigo e expiando
a culpa de nossos pecados, conquanto ele mesmo não tivesse pecado.6 Para
salvar-nos do pecado, morreu na cruz, foi sepultado e ao terceiro dia ressurgiu
dentre os mortos e, depois de aparecer muitas vezes a seus discípulos, ascendeu
aos céus, onde à destra do Pai, exerce o seu eterno sumo sacerdócio.7 Jesus Cristo
é o único Mediador entre Deus e os homens e o único e suficiente Salvador e
Senhor.8 Pelo seu Espírito ele está presente e habita no coração de cada crente e
na igreja.9 Ele voltará visivelmente a este mundo em grande poder e glória, para
julgar os homens e consumar sua obra redentora.10
1- Sl 2.7; 110.1; Mt 1.18-23; 3.17; 8.29; 14.33; 16.16,27; 17.5; Mc 1.1; Lc 4.41;
22.70; Jo 1.1,2; 11.27; 14.7-11; 16.28
2- Jo 1.3; 1Co 8.6; Cl 1.16,17
3- Is 7.14; Lc 1.35; Jo 1.14; Gl 4.4,5
4- Jo 14.7-9; Mt 11.27; Jo 10.30,38; 12.44-50; Cl 1.15,19; 2.9; Hb 1.3
5- Is 53; Mt 5.17; Hb 5.7-10
6- Rm 8.1-3; Fp 2.1-11; Hb 4.14,15; 1Pe 2.21-25
7- At 1.6-14; Jo 19.30,35; Mt 28.1-6; Lc 24.46; Jo 20.1-20; At 2.22-24; 1Co 15.4-8
8- Jo 14.6; At 4.12; 1Tm 2.4,5; At 7.55,56; Hb 4.14-16; 10.19-23
9- Mt 28.20; Jo 14.16,17; 15.26; 16.7; 1Co 6.19
10- At 1.11; 1Co 15.24-28; 1Ts 4.14-18; Tt 2.13
Deus Espírito Santo O Espírito Santo, um em essência com o Pai e com o Filho, é pessoa divina.1 É o
Espírito da verdade.2 Atuou na criação do mundo e inspirou os homens a
escreverem as Sagradas Escrituras.3 Ele ilumina os homens e os capacita a
compreenderem a verdade divina.4 No dia de Pentecostes, em cumprimento final da
profecia e das promessas quanto à descida do Espírito Santo, ele se manifestou de
maneira singular, quanto os primeiros discípulos foram batizados no Espírito,
passando a fazer parte do Corpo de Cristo que é a Igreja. Suas outras
manifestações, constantes no livro Atos dos Apóstolos, confirmam a evidência de
universalidade do dom do Espírito Santo a todos os que crêem em Cristo.5 O
recebimento do Espírito Santo, sempre ocorre quando os pecadores se convertem a
Jesus Cristo, que os integra, regenerados pelo Espírito, à igreja.6 Ele dá testemunho
135
de Jesus Cristo e o glorifica.7 Convence o mundo do pecado, da justiça e do juízo.8
Opera a regeneração do pecador perdido.9 Sela o crente para o dia da redenção
final.10 Habita no crente.11 Guia-o em toda a verdade.12 Capacita-o para obedecer
à vontade de Deus.13 Distribui dons aos filhos de Deus para a edificação do Corpo
de Cristo e para o ministério da Igreja no mundo.14 Sua plenitude e seu fruto na vida
do crente constituem condições para uma vida cristã vitoriosa e testemunhante.15
1- Gn 1.2; Jó 23.13; Sl 51.11; 139.7-12; Is 61.1-3; Lc 4.19,18; Jo 4.24; 14.16,17;
15.26; Hb 9.14; 1Jo 5.6,7; Mt 28.19
2- Jo 16.13; 14.17; 15.26
3- Gn 1.2; 2Tm 3.16; 2Pe 1.21
4- Lc 12.12; Jo 14.16,17,26; 1Co 2.10-14; Hb 9.8
5- Jl 2.28-32; At 1.5; 2.1-4; Lc 24.29; At 2.41; 8.14-17; 10.44-47; 19.5-7; 1Co 12.12-
15
6- At 2.38,39; 1Co 12.12-15
7- Jo 14.16,17; 16.13,14
8- Jo 16.8-11
9- Jo 3.5; Rm 8.9-11
10- Ef 4.30
11- Rm 8.9-11
12- Jo 16.13
13- Ef 5.16-25
14- 1Co 12.7,11; Ef 4.11-13
15- Ef 15.18-21; Gl 5.22,23; At 1.8
III – O Homem Por um ato especial, o homem foi criado por Deus à sua imagem e conforme à sua
semelhança e disso decorrem o seu valor e dignidade.1 Seu corpo foi feito do pó da
terra e para o mesmo pó há de voltar.2 Seu espírito procede de Deus e para ele
retornará.3 O Criador ordenou que o homem domine, desenvolva e guarde a obra
criada.4 Criado para a glorificação de Deus.5 Seu propósito é amar, conhecer e
estar em comunhão com seu Criador, bem como cumprir sua divina vontade.6 Ser
pessoal e espiritual, o homem tem capacidade de perceber, conhecer e
compreender, ainda que em parte, intelectual e experimentalmente, a verdade
136
revelada, e tomar suas decisões em matéria religiosa, sem mediação, interferência
ou imposição de qualquer poder humano, seja civil ou religioso.7
1- Gn 1.26-31; 18.22; 9.6; Sl 8.1-9; Mt 16.26
2- Gn 2.7; 3.19; Ec 3.20; 12.7
3- Ec 12.7; Dn 12.2,3
4- Gn 1.21; 2.1; Sl 8.3-8
5- At 17.26-29; 1Jo 1.3,6,9
6- Jr 9.23,24; Mq 6.8; Mt 6.33; Jo 14.23; Rm 8.38,39
7- Jo 1.4-13; 17.3; Ec 5.14,17; 1Tm 2.5; Jó 19.25,26; Jr 31.3; At 5.29; Ez 18.20; Dn
12.2; Mt 25.32,46; Jo 5.29; 1Co 15; 1Ts 4.16,17; Ap 20.11-30
IV – O Pecado No princípio o homem vivia em estado de inocência e mantinha perfeita comunhão
com Deus.1 Mas, cedendo à tentação de Satanás, num ato livre de desobediência
contra seu Criador, o homem caiu no pecado e assim perdeu a comunhão com Deus
e dele ficou separado.2 Em conseqüência da queda de nossos primeiros pais, todos
somos, por natureza, pecadores e inclinados à prática do mal.3 Todo pecado é
cometido contra Deus, sua pessoa, sua vontade e sua lei.4 Mas o mal praticado pelo
homem atinge também o seu próximo.5 O pecado maior consiste em não crer na
pessoa de Jesus Cristo, o Filho de Deus, como salvador pessoal.6 Como resultado
do pecado, da incredulidade e da desobediência do homem contra Deus, ele está
sujeito à morte e à condenação eterna, além de se tornar inimigo do próximo e da
própria criação de Deus.7 Separado de Deus, o homem é absolutamente incapaz de
salvar-se a si mesmo e assim depende da graça de Deus para ser salvo.8
1- Gn 2.15-17; 3.8-10; Ec 7.29
2- Gn 3; Rm 5.12-19; Ef 2.12; Rm 3.23
3- Gn 3.12; Rm 5.12; Sl 51.15; Is 53.6; Jr 17.5; Rm 1.18-27; 3.10-19; 7.14-25; Gl
3.22; Ef 2.1-3
4- Sl 51.4; Mt 6.14; Rm 8.7-22
5- Mt 6.14,15; 18.21-35; 1Co 8.12; Tg 5.16
6- Jo 3.36; 16.9; 1Jo 5.10-12
7- Rm 5.12-19; 6.23; Ef 2.5; Gn 3.18; Rm 8.22
8- Rm 3.20; Gl 3.10,11; Ef 2.8,9
137
V – Salvação A salvação é outorgada por Deus pela sua graça, mediante arrependimento do pecador e da sua fé em Jesus Cristo como único Salvador e Senhor.1 O preço da redenção eterna do crente foi pago de uma vez por Jesus Cristo, pelo derramamento do seu sangue na cruz.2 A salvação é individual e significa a redenção do homem na inteireza do seu ser.3 É um dom gratuito que Deus oferece a todos os homens e que compreende a regeneração, justificação, a santificação e a glorificação.4 1- Sl 37.39; Is 55.5; Sf 3.17; Tt 2.9-11; Ef 2.8,9; At 15.11; 4.12
2- Is 53.4-6; 1Pe 1.18-25; 1Co 6.20; Ef 1.7; Ap 5.7-10
3- Mt 116.24; Rm 10.13; 1Ts 5.23,24; Rm 5.10
4- Rm 6.23; Hb 2.1-4; Jo 3.14; 1Co 1.30; At 11.18
A regeneração é o ato inicial da salvação em que Deus faz nascer de novo o
pecador perdido, dele fazendo uma nova criatura em Cristo. É obra do Espírito Santo
em que o pecador recebe o perdão, a justificação, a adoção como filho de Deus, a
vida eterna e o dom do Espírito Santo. Nesse ato o novo crente é batizado no
Espírito Santo, é por ele selado para o dia da redenção final, e é liberto do castigo
eterno dos seus pecados.1 Há duas condições para o pecador ser regenerado:
arrependimento e fé. O arrependimento implica em mudança radical do homem
interior, por força do que ele se afasta do pecado e se volta para Deus. A fé é a
confiança e aceitação de Jesus Cristo como Salvador e a total entrega da
personalidade a ele por parte do pecador.2 Nessa experiência de conversão o
homem perdido é reconciliado com Deus, que lhe concede perdão, justiça e paz.3
1- Dt 30.6; Ez 36.26; Jo 3.3-5; 1Pe 1.3; 2Co 5.17; Ef 4.20-24
2- Tt 3.5; Rm 8.2; Jo 1.11-13; Ef 4.32; At 11.17
3- 2Co 1.21,22; Ef 4.30; Rm 8.1; 6.22
A justificação, que ocorre simultaneamente com a regeneração, é o ato pelo qual
Deus, considerando os méritos do sacrifício de Cristo, absorve, no perdão, o homem
de seus pecados e o declara justo, capacitando-o para uma vida de retidão diante de
Deus e de correção diante dos homens.1 Essa graça é concedida não por causa de
quaisquer obras meritórias praticadas pelo homem mas por meio de sua fé em
Cristo.2
138
1- Is 53.11; Rm 8.33; 3.24
2- Rm 5.1; At 13.19; Mt 9.6; 2Co 5.31; 1Co 1.30
3- Gl 5.22; Fp 1.9-11
A santificação é o processo que, principiando na regeneração, leva o homem à
realização dos propósitos de Deus para sua vida e o habilita a progredir em busca
da perfeição moral e espiritual de Jesus Cristo, mediante a presença e o poder do
Espírito Santo que nele habita.1 Ela ocorre na medida da dedicação do crente e se
manifesta através de um caráter marcado pela presença e pelo fruto do Espírito,
bem como por uma vida de testemunho fiel e serviço consagrado a Deus e ao
próximo.2
1- Jo 17.17; 1Ts 4.3; 5.23; 4.7
2- Pv 4.18; Rm 12.1,2; Fp 2.12,13; 2Co 7.1; 3.18; Hb 12.14; Rm 6.19
A glorificação é o ponto culminante da obra da salvação.1 É o estado final,
permanente, da felicidade dos que são redimidos pelo sangue de Cristo.2
1- Rm 8.30; 2Pe 1.10,11; 1Jo 3.2; Fp 3.12; Hb 6.11
2- 1Co 13.12; 1Ts 2.12; Ap 21.3,4
VI – Eleição Eleição é a escolha feita por Deus, em Cristo, desde a eternidade, de pessoas para
a vida eterna, não por qualquer mérito, mas segundo a riqueza da sua graça.1 Antes
da criação do mundo, Deus, no exercício da sua soberania divina e à luz de sua
presciência de todas as coisas, elegeu, chamou, predestinou, justificou e glorificou
aqueles que, no correr dos tempos, aceitariam livremente o dom da salvação.2
Ainda que baseada na soberania de Deus, essa eleição está em perfeita
consonância com o livre-arbítrio de cada um e de todos os homens.3 A salvação do
crente é eterna. Os salvos perseveram em Cristo e estão guardados pelo poder de
Deus.4 Nenhuma força ou circunstância tem poder para separar o crente do amor de
Deus em Cristo Jesus.5 O novo nascimento, o perdão, a justificação, a adoção como
filhos de Deus, a eleição e o dom do Espírito Santo asseguram aos salvos a
permanência na graça da salvação.6
1- Gn 12.1-3; Ex 19.5,6; Ez 36.22,23,32; 1Pe 1.2; Rm 9.22-24; 1Ts 1.4
2- Rm 8.28-30; Ef 1.3-14; 2Ts 2.13,14
3- Dt 30.15-20; Jo 15.16; Rm 8.35-39; 1Pe 5.10
4- Jo 3.16,36; Jo 10.28,29; 1Jo 2.19
139
5- Mt 24.13; Rm 8.35-39
6- Jo 10.28; Rm 8.35-39; Jd 24
VII – Reino de Deus O reino de Deus é o domínio soberano e universal de Deus e é eterno.1 É também o
domínio de Deus no coração dos homens que, voluntariamente, a ele se submetem
pela fé, aceitando-o como Senhor e Rei. É, assim, o reino invisível nos corações
regenerados que opera no mundo e se manifesta pelo testemunho dos seus
súditos.2 A consumação do reino ocorrerá com a volta de Jesus Cristo, em data que
só Deus conhece, quando o mal será completamente vencido e surgirão o novo céu
e a nova terra para a eterna habitação dos remidos com Deus.3
1- Dn 2.37-44; Is 9.6,7
2- Mt 4.17; Lc 17.20; 4.43; Jo 18.36; 3.3-5
3- Mt 25.31-46; 1Co 15.24; Ap 11.15
VIII – Igreja Igreja é uma congregação local de pessoas regeneradas e batizadas após profissão
de fé. É nesse sentido que a palavra "igreja" é empregada no maior número de
vezes nos livros do Novo Testamento.1 Tais congregações são constituídas por livre
vontade dessas pessoas com finalidade de prestarem culto a Deus, observarem as
ordenanças de Jesus, meditarem nos ensinamentos da Bíblia para a edificação
mútua e para a propagação do evangelho.2 As igrejas neotestamentárias são
autônomas, têm governo democrático, praticam a disciplina e se regem em todas as
questões espirituais e doutrinárias exclusivamente pelas palavras de Deus, sob a
orientação do Espírito Santo.3 Há nas igrejas, segundo as escrituras, duas espécies
de oficiais: pastores e diáconos. As igrejas devem relacionar-se com as demais
igrejas da mesma fé e ordem e cooperar, voluntariamente, nas atividades do reino
de Deus. O relacionamento com outras organizações, quer seja de natureza
eclesiástica ou outra, não deve envolver a violação da consciência ou o
comprometimento da lealdade a Cristo e sua palavra. Cada igreja é um templo do
Espírito Santo.4 Há também no Novo Testamento um outro sentido da palavra
"igreja" em que ela aparece como a reunião universal dos remidos de todos os
tempos, estabelecida por Jesus Cristo e sobre ele edificada, constituindo-se no
corpo espiritual do Senhor, do qual ele mesmo é a cabeça. Sua unidade é de
140
natureza espiritual e se expressa pelo amor fraternal, pela harmonia e cooperação
voluntária na realização dos propósitos comuns do reino de Deus.5
1- Mt 18.17; At 5.11; 20.17-28; 1Co 4.17
2- At 2.41,42
3- Mt 18.15-17
4- At 20.17,28; Tt 1.5-9; 1Tm 3.1-13
5- Mt 16.18; Cl 1.18; Hb 12.22-24; Ef 1.22,23
IX- O Batismo e a Ceia do Senhor O batismo e a ceia do Senhor são as duas ordenanças da igreja estabelecidas pelo
próprio Jesus Cristo, sendo ambas de natureza simbólica.1 O batismo consiste na
imersão do crente em água, após sua pública profissão de fé em Jesus Cristo como
Salvador único, suficiente e pessoal.2 Simboliza a morte e sepultamento do velho
homem e a ressurreição para uma nova vida em identificação com a morte,
sepultamento e a ressurreição do Senhor Jesus Cristo, que é também prenúncio da
ressurreição dos remidos.3 O batismo, que é condição para ser membro de uma
igreja, deve ser ministrado sob a invocação do nome do Pai, do Filho e do Espírito
Santo.4 A ceia do Senhor é uma cerimônia da igreja reunida, comemorativa e
proclamadora da morte do Senhor Jesus Cristo, simbolizada por meio dos elementos
utilizados: O pão e o vinho.5 Neste memorial o pão representa seu corpo dado por
nós no Calvário e o vinho simboliza seu sangue derramado.6 A ceia do Senhor deve
ser celebrada pelas igrejas até a volta de Cristo e sua celebração pressupõe o
batismo bíblico e o cuidadoso exame íntimo dos participantes.7
1- Mt 3.5,6,13-17; Jo 3.22,23; 4.1,2; 1Co 11.20,23-30
2- At 2.41,42; 8.12,36-39; 10.47,48
3- Rm 6.3-5; Gl 3.27; Cl 2.12
4- Mt 28.19; At 2.38,41,42; 10.48
5, 6- Mt 26.26-29; 1Co 10.16,17-21; 11.23-29
7- Mt 26.29; 1Co 11.26-28; At 2.42; 20.4-8
X – O Dia do Senhor O domingo, dia do Senhor, é o dia do descanso cristão satisfazendo plenamente a
exigência divina e a necessidade humana de um dia em sete para o repouso do
corpo e do espírito.1 Com o advento do cristianismo, o primeiro dia da semana
141
passou a ser o dia do Senhor, em virtude de haver Jesus ressuscitado neste dia.2
Deve ser para os cristãos um dia de real repouso em que pela, freqüência aos cultos
nas igrejas e pelo maior tempo dedicado à oração, à leitura bíblica e outras
atividades religiosas, eles estarão se preparando para "aquele descanso que resta
para o povo de Deus". 3 Nesses dias os cristãos devem abster-se de todo trabalho
secular, excetuando aquele que seja imprescindível e indispensável à vida da
comunidade. Devem também abster-se de recreações que desviem a atenção das
atividades espirituais.4
1- Gn 2.3; Ex 20.8-11; Is 58.13-14
2- Jo 20.1,19,26; At 20.7; Ap 1.10
3- Hb 4.9-11; Ap 14.12,13
4- Ex 20.8-11; Jr 17.21,22,27; Ez 22.8
XI – Ministério da Palavra Todos os crentes foram chamados por Deus para a salvação, para o serviço cristão,
para testemunhar de Jesus Cristo e promover o seu reino, na medida dos talentos e
dos dons concedidos pelo Espírito Santo.1 Entretanto, Deus escolhe, chama e
separa certos homens, de maneira especial, para o serviço distinto, definido e
singular do ministério da sua palavra.2 O pregador da palavra é um porta-voz de
Deus entre os homens.3 Cabe-lhe missão semelhante àquela realizada pelos
profetas do Velho Testamento e pelos apóstolos do Novo Testamento, tendo o
próprio Jesus como exemplo e padrão supremo.4 A obra do porta-voz de Deus tem
finalidade dupla: a de proclamar as boas novas aos perdidos e a de apascentar os
salvos.5 Quando um homem convertido dá evidências de ter sido chamado e
separado por Deus para esse ministério, e de possuir as qualificações estipuladas
nas Escrituras para o seu exercício, cabe à igreja local a responsabilidade de
separá-lo, formal e publicamente, em reconhecimento da vocação divina já existente
e verificada em sua experiência cristã.6 Esse ato solene de consagração é
consumado quando os membros de um presbitério ou concílio de pastores,
convocados pela igreja, impõe as mãos sobre o vocacionado.7 O ministro da Palavra
deve dedicar-se totalmente à obra para a qual foi chamado, dependendo em tudo do
próprio Deus.8 O pregador do evangelho deve viver do evangelho.9 Às igrejas cabe
a responsabilidade de cuidar e sustentar adequadamente e dignamente seus
pastores.10
142
1- Mt 28.19,20; At 1.8; Rm 1.6,7; 8.28-30; Ef 4.1,4; 2Tm 1.9; Hb 9.15; 1Pe 1.15; Ap
17.14
2- Mc 3.13,14; Lc 1.2; At 6.1-4; 13.2,3; 26.16-18; Rm 1.1; 1Co 12.28; 2Co 2.17; Gl
1.15-17
3- Ex 4.11,12; Is 6.5-9; Jr 1.5-10; At 20.24-28
4- At 26.19,20; Jo 13.12-15; Ef 4.11-17
5- Mt 28.19,20; Jo 21.15-17; At 20.24-28; 1Co 1.21; Ef 4.12-16
6- At 13.1-3; 1Tm 3.1-7
7- At 13.3; 1Tm 4.14
8- At 6.1-4; 1Tm 4.11-16; 2Tm 2.3,4; 4.2,5; 1Pe 5.1-3
9- Mt 10.9,10; Lc 10.7; 1Co 9.13,14; 1Tm 5.17,18
10- 2Co 8.1-7; Gl 6.6; Fp 4.14-18
XII – Mordomia Mordomia é a doutrina bíblica que reconhece Deus como Criador, Senhor e Dono de
todas as coisas.1 Todas as bênçãos temporais e espirituais procedem de Deus e por
isso devem os homens a ele o que são e possuem e, também, o sustento.2 O crente
pertence a Deus porque Deus o criou e o remiu em Jesus Cristo.3 Pertencendo a
Deus, o crente é mordomo ou administrador da vida, das aptidões, do tempo, dos
bens, da influência, das oportunidades, dos recursos naturais e de tudo o que Deus
lhe confia em seu infinito amor, providência e sabedoria.4 Cabe ao crente o dever de
viver e comunicar ao mundo o evangelho que recebeu de Deus.5 As Escrituras
Sagradas ensinam que o plano específico de Deus para o sustento financeiro de sua
causa consiste na entrega pelos crentes de dízimos e ofertas alçadas.6 Devem eles
trazer à igreja sua contribuição sistemática e proporcional com alegria e liberdade,
para o sustento do ministério, das obras de evangelização, beneficência e outras.7
1- 1 Gn 1.1; 14.17-20; Sl 24.1; Ec 11.9; 1Co 10.26
2- Gn 14.20; Dt 8.18; 1Cr 29.14-16; Tg 1.17; 2Co 8.5
3- Gn 1.27; At 17.28; 1Co 6.19,20; Tg 1.21; 1Pe 1.18-21
4- Mt 25.14-30; 31.46
5- Rm 1.14; 1Co 9.16; Fp 2.16
6- Gn 14.20; Lv 27.30; Pv 3.9,10; Ml 3.8-12; Mt 23.26
7- At 11.27-30; 1Co 8.1-3; 2Co 8.1-15; Fp 4.10-18
143
XIII – Evangelização e Missões A missão primordial do povo de Deus é a evangelização do mundo, visando a
reconciliação do homem com Deus.1 É dever de todo discípulo de Jesus Cristo e de
todas as igrejas proclamar, pelo exemplo e pelas palavras, a realidade do
evangelho, procurando fazer novos discípulos de Jesus Cristo em todas as nações,
cabendo às igrejas batizá-los e ensiná-los a observar todas as coisas que Jesus
ordenou.2 A responsabilidade da evangelização estende-se até aos confins da terra
e por isso as igrejas devem promover a obra de missões, rogando sempre ao
Senhor que envie obreiros para a sua seara.3
1- Mt 28.19,20; Jo 17.30; At 1.8; 13.2,3
2- Mt 28.18-20; Lc 24.46-49; Jo 17.20
3- Mt 28.19; At 1.8; Rm 10.13-15
XIV – Educação Religiosa O ministério docente da igreja, sob a égide do Espírito Santo, compreende o relacionamento de Mestre e discípulo, entre Jesus Cristo e o crente.1 A palavra de Deus é o conteúdo essencial e fundamental nesse processo e no programa de aprendizagem cristã.2 O programa de educação religiosa nas igrejas é necessário para a instrução e desenvolvimento de seus membros, a fim de "crescerem em tudo naquele que é a cabeça, Cristo". Às igrejas cabe cuidar do doutrinamento adequado dos crentes, visando sua formação e desenvolvimento espiritual, moral e eclesiástico, bem como motivação e capacitação sua para o serviço cristão e o desempenho de suas tarefas no cumprimento da missão da igreja no mundo.3 1- Mt 11.29,30; Jo 13.14-17
2- Jo 14.26; 1Co 3.1,2; 2Tm 2.15
3- Sl 119; 2Tm 3.16,17; Cl 1.28; Mt 28.19,20
XV – Liberdade Religiosa Deus e somente Deus é o Senhor da consciência.1 A liberdade religiosa é um dos
direitos fundamentais do homem, inerente à sua natureza moral e espiritual.2 Por
força dessa natureza, a liberdade religiosa não deve sofrer ingerência de qualquer
poder humano.3 Cada pessoa tem o direito de cultuar a Deus, segundo os ditames
de sua consciência, livre de coações de qualquer espécie.4 A igreja e o Estado
144
devem estar separados por serem diferentes a sua natureza, objetivos e funções.5 É
dever do Estado garantir o pleno gozo e exercício de liberdade religiosa, sem
favorecimento a qualquer grupo ou credo.6 O Estado deve ser leigo e a igreja livre.
Reconhecendo que o governo do Estado é de ordenação divina para o bem-estar
dos cidadãos e a ordem justa da sociedade, é dever dos crentes orar pelas
autoridades, bem como respeitar e obedecer às leis e honrar os poderes
constituídos, exceto naquilo que se oponha à vontade de Deus.7
1- Gn 1.27; 2.7; Sl 9.7-8; Mt 10.28; 23.10; Rm 14.4; 9,13; Tg 4.12
2- Js 24.15; 1Pe 2.15,16; Lc 20.25
3- Dn 3.15-18; Lc 20.25; At 4.9-20; 5.29
4- Dn 3.16-18; 6; At 19.35-41
5- Mt 22.21; Rm 13.1-7
6- At 19.34-41
7- Dn 3.16-18; 6.7-10; Mt 17.27; At 4.18-20; 5.29; Rm 13.1-7; 1Tm 2.1-3
XVI – Ordem Social Como o sal da terra e a luz do mundo, o cristão tem o dever de participar em todo
esforço que tende ao bem comum da sociedade em que vive.1 Entretanto, o maior
benefício que pode prestar é anunciar a mensagem do evangelho; o bem-estar
social e o estabelecimento da justiça entre os homens dependem basicamente da
regeneração de cada pessoa e da prática dos princípios do evangelho na vida
individual e coletiva.2 Todavia, como cristãos, devemos estender a mão de ajuda
aos órfãos, às viúvas, aos anciãos, aos enfermos e a outros necessitados, bem
como a todos aqueles que forem vítimas de quaisquer injustiça e opressões.3 Isso
faremos no espírito de amor, jamais apelando para quaisquer meios de violência ou
discordantes das normas de vida expostas no Novo Testamento.4
1- Mt 5.13-16; Jo 12.35-36; Fp 2.15
2- Mt 6.33; Mc 6.37; Lc 10.29-37
3- Ex 22.21,22; Sl 82.3,4; Ec 11.1,2
4- Is 1.16-20; Mq 6.8; Mt 5.9
XVII – Família A família, criada por Deus para o bem do homem, é a primeira instituição da
sociedade. Sua base é o casamento monogâmico e duradouro, por toda a vida, só
145
podendo ser desfeito pela morte ou pela infidelidade conjugal. 1 O propósito
imediato da família é glorificar a Deus e prover a satisfação das necessidades
humanas de comunhão, educação, companheirismo, segurança, preservação da
espécie e bem assim o perfeito ajustamento da pessoa humana em todas as suas
dimensões.2 Caída em virtude do pecado, Deus provê para ela, mediante a fé em
Cristo, a bênção da salvação temporal e eterna, e quando salva poderá cumprir seus
fins temporais e promover a glória de Deus.3
1- Gn 1.7; Js 24.15; 1Rs 2.1-3; Ml 2.1
2- Gn 1.28; Sl 127.1-5; Ec 4.9-13
3- At 16.31,34
XVIII – Morte Todos os homens são marcados pela finitude, de vez que, em consequência do
pecado, a morte se estende a todos.1 A palavra de Deus assegura a continuidade
da consciência e da identidade pessoais após a morte, bem como a necessidade de
todos os homens aceitarem a graça de Deus em Cristo enquanto estão neste
mundo.2 Com a morte está definido o destino eterno de cada homem.3 Pela fé nos
méritos do sacrifício substitutivo de Cristo na cruz, a morte do crente deixa de ser
tragédia, pois ela o transporta para um estado de completa e constante felicidade na
presença de Deus. A esse estado de felicidade as Escrituras chamam "dormir no
Senhor".4 Os incrédulos e impenitentes entram, a partir da morte, num estado de
separação definitiva de Deus.5 Na Palavra de Deus encontramos claramente
expressa a proibição divina da busca de contato com os mortos, bem como a
negação da eficácia de atos religiosos com relação aos que já morreram.6
1- Rm 5.12; 1Co 15.21-26; Hb 9.27; Tg 4.14
2- Lc 16.19-31; Hb 9.27
3- Lc 16.19-31; 23.39-46; Hb 9.27
4- Rm 5.6-11; 14.7-9; 1Co 15.18-20; 2Co 5.14,15; Fp 1.21-23; 1Ts 4.13-17; 2Tm
2.11
5- Lc 16.19-31; Jo 5.28,29
6- Ex 22.18; Lv 19.31; 20.6,27; Dt 18.10; 1Cr 10.13; Is 8.19; Jo 3.18
146
XIX – Justos e Ímpios Deus, no exercício de sua sabedoria, está conduzindo o mundo e a história a seu
termo final.1 Em cumprimento à sua promessa, Jesus Cristo voltará a este mundo,
pessoal e visivelmente, em grande poder e glória.2 Os mortos em Cristo serão
ressuscitados, arrebatados e se unirão ao Senhor.3 Os mortos sem Cristo também
serão ressuscitados.4 Conquanto os crentes já estejam justificados pela fé, todos os
homens comparecerão perante o tribunal de Jesus Cristo para serem julgados, cada
um segundo suas obras, pois através destas é que se manifestam os frutos da fé ou
os da incredulidade.5 Os ímpios condenados e destinados ao inferno lá sofrerão o
castigo eterno, separados de Deus.6 Os justos, com os corpos glorificados,
receberão seus galardões e habitarão para sempre no céu como o Senhor.7
1- Mt 13.39,40; 28.20; At 3.21; 1Co 15.24-28; Ef 1.10
2- Mt 16.27; Mc 8.38; Lc 17.24; 21.27; At 1.11; 1Ts 4.16; 1Tm 6.14,15; 2Tm 4.1,8
3- Dn 12.2,3; Jo 5.28,29; Rm 8.23; 1Co 15.12-58; Fp 3.20; Cl 3.4
4- Dn 12.2; Jo 5.28,29; At 24.15; 1Co 15.12-24
5- Mt 13.49,50; At 10.42; 1Co 4.5; 2Co 5.10; 2Tm 4.1; Hb 9.27; 2Pe 2.9
6- Dn 12.2,3; Mt 16.27; Mc 9.43-48; Lc 16.26-31; Jo 5.28,29; Rm 6.22,23
7- Dn 12.2,3; Mt 16.27; 25.31-40; Lc 14.14; 16.22,23; Jo 5.28,29; 14.1-3; Rm
6.22,23; 1Co 15.42-44; Ap 22.11,12
147
ANEXO 5: Princípios Batistas (Extraído do Portal da Convenção Batista Brasileira): http://www.batistas.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=16&Itemid=16)
A AUTORIDADE
1- Cristo como Senhor A fonte suprema da autoridade cristã é o Senhor Jesus Cristo. Sua soberania emana
da eterna divindade e poder – como o unigênito filho do Deus Supremo – de sua
redenção vicária e ressurreição vitoriosa. Sua autoridade é a expressão de amor
justo, sabedoria infinita e santidade divina, e se aplica à totalidade da vida. Dela
procede a integridade do propósito cristão, o poder da dedicação cristã, a motivação
da lealdade cristã. Ela exige a obediência aos mandamentos de Cristo, dedicação ao
seu serviço, fidelidade ao seu reino e a máxima devoção à sua pessoa, como o
Senhor vivo. A suprema fonte de autoridade é o Senhor Jesus Cristo, e toda a esfera
da vida está sujeita à sua soberania.
2- As Escrituras A Bíblia fala com autoridade porque é a palavra de Deus. É a suprema regra de fé e prática porque é testemunha fidedigna e inspirada dos atos maravilhosos de Deus através da revelação de si mesmo e da redenção, sendo tudo patenteado na vida, nos ensinamentos e na obra salvadora de Jesus Cristo. As Escrituras revelam a mente de Cristo e ensinam o significado de seu domínio. Na sua singular e una revelação da vontade divina para a humanidade, a Bíblia é a autoridade final que atrai as pessoas a Cristo e as guia em todas as questões de fé cristã e dever moral. O indivíduo tem que aceitar a responsabilidade de estudar a Bíblia, com a mente aberta e com atitude reverente, procurando o significado de sua mensagem através de pesquisa e oração, orientando a vida debaixo de sua disciplina e instrução. A Bíblia como revelação inspirada da vontade divina, cumprida e completada na vida e nos ensinamentos de Jesus Cristo é a nossa regra autorizada de fé e prática.
148
3- O Espírito Santo O Espírito Santo é a presença ativa de Deus no mundo e, particularmente, na
experiência humana. É Deus revelando sua pessoa e vontade ao homem. O
Espírito, portanto, é a voz da autoridade divina. É o Espírito de Cristo, e sua
autoridade é a vontade de Cristo. Visto que as Escrituras são produto de homens
que, inspirados pelo Espírito, falaram por Deus, a verdade da Bíblia expressa a
vontade do Espírito, compreendida pela iluminação do mesmo. Ele convence os
homens do pecado, da justiça e do juízo, tornando, assim, efetiva a salvação
individual, através da obra salvadora de Cristo. Ele habita no coração do crente,
como advogado perante Deus e intérprete para o homem. Ele atrai o fiel para a fé e
a obediência e, assim, produz na sua vida os frutos da santidade e do amor.
O Espírito procura alcançar vontade e propósito divinos entre os homens. Ele dá aos
cristãos poder e autoridade para o trabalho do reino e santifica e preserva os
redimidos, para o louvor de Cristo; exige uma submissão livre e dinâmica à
autoridade de Cristo, e uma obediência criativa e fiel à palavra de Deus.
O Espírito Santo é o próprio Deus revelando sua pessoa e vontade aos homens. Ele,
portanto, interpreta e confirma a voz da autoridade divina.
O INDIVÍDUO
1- Seu valor A Bíblia revela que cada ser humano é criado à imagem de Deus; é único, precioso
e insubstituível. Criado ser racional, cada pessoa é moralmente responsável perante
Deus e o próximo. O homem, como indivíduo, é distinto de todas as outras pessoas.
Como pessoa, ele é unido aos outros no fluxo da vida, pois ninguém vive nem morre
por si mesmo. A Bíblia revela que Cristo morreu por todos os homens. O fato de ser
o homem criado à imagem de Deus, e de Jesus Cristo morrer para salvá-lo, é a fonte
da dignidade e do valor humano. Ele tem direitos, outorgados por Deus, de ser
reconhecido e aceito como indivíduo sem distinção de raça, cor, credo, ou cultura;
de ser parte digna e respeitada da comunidade; de ter a plena oportunidade de
alcançar o seu potencial. Cada indivíduo foi criado à imagem de Deus e, portanto,
merece respeito e consideração como uma pessoa de valor e dignidade infinita.
149
2- Sua competência O indivíduo, porque criado à imagem de Deus, torna-se responsável por suas
decisões morais e religiosas. Ele é competente, sob a orientação do Espírito Santo,
para formular a própria resposta à chamada divina ao evangelho de Cristo, para a
comunhão com Deus, para crescer na graça e no conhecimento de nosso Senhor.
Estreitamente ligada a essa competência está a responsabilidade de procurar a
verdade e, encontrando-a, agir conforme essa descoberta, e partilhar a verdade com
outros. Embora não se admita coação no terreno religioso, o cristão não tem a
liberdade de ser neutro em questões de consciência e convicção.
Cada pessoa é competente e responsável perante Deus, nas próprias decisões e
questões morais e religiosas.
3- Sua liberdade Os batistas consideram como inalienável a liberdade de consciência, a plena
liberdade de religião de todas as pessoas. O homem é livre para aceitar ou rejeitar a
religião; escolher ou mudar sua crença; propagar e ensinar a verdade como a
entenda, sempre respeitando direitos e convicções alheios; cultuar a Deus tanto a
sós quanto publicamente; convidar outras pessoas a participarem nos cultos e outras
atividades de sua religião; possuir propriedade e quaisquer outros bens necessários
à propagação de sua fé. Tal liberdade não é privilégio para ser concedido, rejeitado
ou meramente tolerado – nem pelo Estado, nem por qualquer outro grupo religioso –
é um direito outorgado por Deus. Cada pessoa é livre perante Deus em todas as
questões de consciência e tem o direito de abraçar ou rejeitar a religião, bem como
de testemunhar sua fé religiosa, respeitando os direitos dos outros.
A VIDA CRISTÃ
1- A salvação pela graça A graça é a provisão misericordiosa de Deus para a condição do homem perdido. O homem no seu estado natural é egoísta e orgulhoso; ele está na escravidão de Satanás e espiritualmente morto em transgressões e pecados. Devido à sua natureza pecaminosa, o homem não pode salvar-se a si mesmo. Mas Deus tem uma atitude benevolente em relação a todos, apesar da
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corrupção moral e da rebelião. A salvação não é o resultado dos méritos humanos, antes emana de propósito e iniciativa divinos. Não vem através de mediação sacramental, nem de treinamento moral, mas como resultado da misericórdia e poder divinos. A salvação do pecado é a dádiva de Deus através de Jesus Cristo, condicionada, apenas, pelo arrependimento em relação a Deus, pela fé em Jesus Cristo, e pela entrega incondicional a Ele como Senhor. A Salvação, que vem através da graça, pela fé, coloca o indivíduo em união vital e transformadora com Cristo, e se caracteriza por uma vida de santidade e boas obras. A mesma graça, por meio da qual a pessoa alcança a salvação, dá certeza e a segurança do perdão contínuo de Deus e de seu auxílio na vida cristã. A salvação é dádiva de Deus através de Jesus Cristo, condicionada, apenas, pela fé em Cristo e rendição à soberania divina.
2- As exigências do discipulado O aprendizado cristão inicia-se com a entrega a Cristo, como Senhor. Desenvolve-se
à proporção que a pessoa tem comunhão com Cristo e obedece aos seus
mandamentos. O discípulo aprende a verdade em Cristo, somente por obedecê-la.
Essa obediência exige a entrega das ambições e dos propósitos pessoais e a
obediência à vontade do Pai. A obediência levou Cristo à cruz e exige de cada
discípulo que tome a própria cruz e siga a Cristo. O levar a cruz, ou negar-se a si
mesmo, expressa-se de muitas maneiras na vida do discípulo. Este procurará,
primeiro, o reino de Deus. Sua lealdade suprema será a Cristo. Ele será fiel em
cumprir o mandamento cristão. Sua vida pessoal manifestará autodisciplina, pureza,
integridade e amor cristão, em todas as relações que tem com os outros. O
discipulado é completo. As exigências do discipulado cristão estão baseadas no
reconhecimento da soberania de Cristo, relacionam-se com a vida em um todo e
exigem obediência e devoção completas.
3- O sacerdócio do crente Cada homem pode ir diretamente a Deus em busca de perdão, através do
arrependimento e da fé. Ele não necessita para isso de nenhum outro indivíduo, nem
mesmo da igreja. Há um só mediador entre Deus e os homens, Jesus. Depois de
tornar-se crente, a pessoa tem acesso direto a Deus, através de Jesus Cristo. Ela
entra no sacerdócio real que lhe outorga o privilégio de servir a humanidade em
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nome de Cristo. Deverá partilhar com os homens a fé que acalenta e servi-los em
nome e no espírito de Cristo. O sacerdócio do crente, portanto, significa que todos
os cristãos são iguais perante Deus e na fraternidade da igreja local.
Cada cristão, tendo acesso direto a Deus através de Jesus Cristo, é seu próprio
sacerdote e tem a obrigação de servir de sacerdote de Jesus Cristo em benefício de
outras pessoas.
4- O cristão e seu lar O lar foi constituído por Deus como unidade básica da sociedade. A formação de
lares verdadeiramente cristãos deve merecer o interesse particular de todos. Devem
ser constituídos da união de dois seres cristãos, dotados de maturidade emocional,
espiritual e física e unidos por um amor profundo e puro. O casal deve partilhar
ideais e ambições semelhantes e ser dedicado à criação dos filhos na instrução e
disciplina divinas. Isso exige o estudo regular da Bíblia e a prática do culto
doméstico. Nesses lares o espírito de Cristo está presente em todas as relações da
família. As igrejas têm a obrigação de preparar jovens para o casamento, treinar e
auxiliar os pais nas suas responsabilidades, orientar pais e filhos nas provações e
crises da vida, assistir àqueles que sofrem em lares desajustados, e ajudar os
enlutados e encanecidos a encontrarem sempre um significado na vida.
O lar é básico, no propósito de Deus, para o bem-estar da humanidade, e o
desenvolvimento da família deve ser de supremo interesse para todos os cristãos.
5- O cristão como cidadão O cristão é cidadão de dois mundos – o reino de Deus e o estado político – e deve
obedecer à lei de sua pátria terrena, tanto quanto à lei suprema. No caso de ser
necessária uma escolha, o cristão deve obedecer a Deus antes que ao homem.
Deve mostrar respeito para com aqueles que interpretam a lei e a põem em vigor, e
participar ativamente na vida social, econômica e política com o espírito e princípios
cristãos. A mordomia cristã da vida inclui tais responsabilidades como o voto, o
pagamento de impostos e o apoio à legislação digna. O cristão deve orar pelas
autoridades e incentivar outros cristãos a aceitarem a responsabilidade cívica, como
um serviço a Deus e à humanidade. O cristão é cidadão de dois mundos – o reino de
Deus e o estado – e deve ser obediente à lei do seu país tanto quanto à lei suprema
de Deus.
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A IGREJA
1- Sua natureza No Novo Testamento o termo igreja é usado para designar o povo de Deus na sua
totalidade, ou só uma assembléia local. A igreja é uma comunidade fraterna das
pessoas redimidas por Cristo Jesus, divinamente chamadas, divinamente criadas, e
feitas uma só debaixo do governo soberano de Deus. A igreja como uma entidade
local – um organismo presidido pelo Espírito Santo – é uma fraternidade de crentes
em Jesus Cristo, que se batizaram e voluntariamente se uniram para o culto, estudo,
a disciplina mútua, o serviço e a propagação do evangelho, no local da igreja e até
os confins da terra. A igreja, no sentido lato, é a comunidade fraterna de pessoas
redimidas por Cristo e tornadas uma só na família de Deus. A igreja, no sentido
local, é a companhia fraterna de crentes batizados, voluntariamente unidos para o
culto, desenvolvimento espiritual e serviço.
2- Seus membros A igreja, como uma entidade, é uma companhia de crentes regenerados e batizados
que se associam num conceito de fé e fraternidade do evangelho. Propriamente, a
pessoa qualifica-se para ser membro de igreja por ser nascida de Deus e aceitar
voluntariamente o batismo. Ser membro de uma igreja local, para tais pessoas, é um
privilégio santo e um dever sagrado. O simples fato de arrolar-se na lista de
membros de uma igreja não torna a pessoa membro do corpo de Cristo. Cuidado
extremo deve ser exercido a fim de que sejam aceitas como membros da igreja
somente as pessoas que dêem evidências positivas de regeneração e verdadeira
submissão a Cristo. Ser membro de igreja é um privilégio, dado exclusivamente a
pessoas regeneradas que voluntariamente aceitam o batismo e se entregam ao
discipulado fiel, segundo o preceito cristão.
3- Suas ordenanças O batismo e a ceia do Senhor são as duas ordenanças da igreja. São símbolos, mas
sua observância envolve fé, exame de consciência, discernimento, confissão,
gratidão, comunhão e culto. O batismo é administrado pela igreja, sob a autoridade
do Deus triúno, e sua forma é a imersão daquele que, pela fé, já recebeu a Jesus
Cristo como Salvador e Senhor. Por esse ato o crente retrata a sua morte para o
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pecado e a sua ressurreição para uma vida nova. A ceia do Senhor, observada
através dos símbolos do pão e do vinho, é um profundo esquadrinhamento do
coração, uma grata lembrança de Jesus Cristo e sua morte vicária na cruz, uma
abençoada segurança de sua volta e uma jubilosa comunhão com o Cristo vivo e
seu povo. O batismo e a ceia do Senhor, as duas ordenanças da igreja, são
símbolos da redenção, mas sua observância envolve realidades espirituais na
experiência cristã.
4- Seu governo O princípio governante para uma igreja local é a soberania de Jesus Cristo. A
autonomia da igreja tem como fundamento o fato de que Cristo está sempre
presente e é a cabeça da congregação do seu povo. A igreja, portanto, não pode
sujeitar-se à autoridade de qualquer outra entidade religiosa. Sua autonomia, então,
é válida somente quando exercida sob o domínio de Cristo. A democracia, o governo
pela congregação, é forma certa somente à medida que, orientada pelo Espírito
Santo, providencia e exige a participação consciente de cada um dos membros nas
deliberações do trabalho da igreja. Nem a maioria, nem a minoria, tampouco a
unanimidade, reflete necessariamente a vontade divina. Uma igreja é um corpo
autônomo, sujeito unicamente a Cristo, sua cabeça. Seu governo democrático, no
sentido próprio, reflete a igualdade e responsabilidade de todos os crentes, sob a
autoridade de Cristo.
5- Sua relação para com o estado Tanto a igreja como o estado são ordenados por Deus e responsáveis perante ele.
Cada um é distinto; cada um tem um propósito divino; nenhum deve transgredir os
direitos do outro. Devem permanecer separados, mas igualmente manter a devida
relação entre si e para com Deus. Cabe ao estado o exercício da autoridade civil, a
manutenção da ordem e a promoção do bem-estar público. A igreja é uma
comunhão voluntária de cristãos, unidos sob o domínio de Cristo para o culto e
serviço em seu nome. O estado não pode ignorar a soberania de Deus nem rejeitar
suas leis como a base da ordem moral e da justiça social. Os cristãos devem aceitar
suas responsabilidades de sustentar o estado e obedecer ao poder civil, de acordo
com os princípios cristãos. O estado deve à igreja a proteção da lei e a liberdade
plena, no exercício do seu ministério espiritual. A igreja deve ao estado o reforço
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moral e espiritual para a lei e a ordem, bem como a proclamação clara das verdades
que fundamentam a justiça e a paz. A igreja tem a responsabilidade tanto de orar
pelo estado quanto de declarar o juízo divino em relação ao governo, às
responsabilidades de uma soberania autêntica e consciente, e aos direitos de todas
as pessoas. A igreja deve praticar coerentemente os princípios que sustenta e que
devem governar a relação entre ela e o estado. A igreja e o estado são constituídos
por Deus e perante Ele responsáveis. Devem permanecer distintos, mas têm a
obrigação do reconhecimento e reforço mútuos, no propósito de cumprir-se a função
divina.
6- Sua relação para com o mundo Jesus Cristo veio ao mundo, mas não era do mundo. Ele orou não para que seu
povo fosse tirado do mundo, mas que fosse liberto do mal. Sua igreja, portanto, tem
a responsabilidade de permanecer no mundo, sem ser do mundo. A igreja e o
cristão, individualmente, têm a obrigação de opor-se ao mal e trabalhar para a
eliminação de tudo que corrompa e degrade a vida humana. A igreja deve tomar
posição definida em relação à justiça e trabalhar fervorosamente pelo respeito
mútuo, a fraternidade, a retidão, a paz, em todas as relações entre os homens, raças
e nações. Ela trabalha confiante no cumprimento final do propósito divino no mundo.
Esses ideais, que têm focalizado o testemunho distintivo dos batistas, choca-se com
o momento atual do mundo e em crucial significação. As forças do mundo os
desafiam. Certas tendências em nossas igrejas e denominação põem-nos em
perigo. Se esses ideais servirem para inspirar os batistas, com o senso da missão
digna da hora presente, deverão ser relacionados com a realidade dinâmica de todo
o aspecto de nossa tarefa contínua. A igreja tem uma posição de responsabilidade no mundo; sua missão é para com o mundo; mas seu caráter e ministério são espirituais.
NOSSA TAREFA CONTÍNUA
1- A centralidade do indivíduo Os batistas, historicamente, têm exaltado o valor do indivíduo, dando-lhe um lugar
central no trabalho das igrejas e da denominação. Essa distinção, entretanto, está
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em perigo nestes dias de automatismo e pressões para o conformismo. Alertados
para esses perigos, dentro das próprias fileiras, tanto quanto no mundo, os batistas
devem preservar a integridade do indivíduo. O alto valor do indivíduo deve refletir-se
nos serviços de culto, no trabalho evangelístico, nas obras missionárias, no ensino e
treinamento da mordomia, em todo o programa de educação cristã. Os programas
são justificados pelo que fazem pelos indivíduos por eles influenciados. Isso
significa, entre outras coisas, que o indivíduo nunca deve ser usado como um meio,
nunca deve ser manobrado, nem tratado como mera estatística. Esse ideal exige,
antes, que seja dada primordial consideração ao indivíduo, na sua liberdade moral,
nas suas necessidades urgentes e no seu valor perante Cristo.
De consideração primordial na vida e no trabalho de nossas igrejas é o indivíduo,
com seu valor, suas necessidades, sua liberdade moral, seu potencial perante
Cristo.
2- Culto O culto a Deus, pessoal ou coletivo, é a expressão mais elevada da fé e devoção
cristã. É supremo tanto em privilégio quanto em dever. Os batistas enfrentam uma
necessidade urgente de melhorar a qualidade do seu culto, a fim de experimentarem
coletivamente uma renovação de fé, esperança e amor, como resultado da
comunhão com o Deus supremo. O culto deve ser coerente com a natureza de
Deus, na sua santidade: uma experiência, portanto, de adoração e confissão que se
expressa com temor e humildade. O culto não é mera forma e ritual, mas uma
experiência com o Deus vivo, através da meditação e da entrega pessoal. Não é
simplesmente um serviço religioso, mas comunhão com Deus na realidade do
louvor, na sinceridade do amor e na beleza da santidade. O culto torna-se
significativo quando se combinam, com reverência e ordem, a inspiração da
presença de Deus, a proclamação do evangelho, a liberdade e a atuação do
Espírito. O resultado de tal culto será uma consciência mais profunda da santidade,
majestade e graça de Deus, maior devoção e mais completa dedicação à vontade
de Deus. O culto – que envolve uma experiência de comunhão com o Deus vivo e
santo – exige uma apreciação maior sobre a reverência e a ordem, a confissão e a
humildade, a consciência da santidade, majestade, graça e propósito de Deus.
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3- O ministério cristão A igreja e todos os seus membros estão no mundo a fim de servir. Em certo sentido,
cada filho de Deus é chamado como cristão. Há, entretanto, uma falta generalizada
no sentido de negar o valor devido à natureza singular da chamada como vocação
ao serviço de Cristo. Maior atenção neste ponto é especialmente necessária, em
face da pressão que recebem os jovens competentes para a escolha de algum ramo
das ciências e, ainda mais devido ao número decrescente daqueles que estão
atendendo à chamada divina, para o serviço de Cristo. Os que são chamados pelo
Senhor para o ministério cristão devem reconhecer que o fim da chamada é servir.
São, no sentido especial, escravos de Cristo e seus ministros nas igrejas e junto ao
povo. Devem exaltar suas responsabilidades, em vez de privilégios especiais. Suas
funções distintas não visam à vanglória; antes, são meios de servir a Deus, à igreja e
ao próximo. As igrejas são responsáveis perante Deus por aqueles que elas
consagram ao seu ministério. Devem manter padrões elevados para aqueles que
aspiram à consagração, quanto à experiência e ao caráter cristãos. Devem
incentivar os chamados a procurarem o preparo adequado ao seu ministério.
Cada cristão tem o dever de ministrar ou servir com abnegação completa; Deus,
porém, na sua sabedoria, chama várias pessoas de um modo singular para
dedicarem sua vida de tempo integral ao ministério relacionado com a obra da igreja.
4- Evangelismo O evangelismo é a proclamação do juízo divino sobre o pecado, e das boas novas
da graça divina em Jesus Cristo. É a resposta dos cristãos às pessoas na incidência
do pecado, é a ordem de Cristo aos seus seguidores, a fim de que sejam suas
testemunhas frente a todos os homens. O evangelismo declara que o evangelho, e
unicamente o evangelho, é o poder de Deus para a salvação. A obra de
evangelismo é básica na missão da igreja e no mister de cada cristão.
O evangelismo, assim concebido, exige um fundamento teológico firme e uma
ênfase perene nas doutrinas básicas da salvação. O evangelismo neotestamentário
é a salvação por meio do evangelho e pelo poder do Espírito. Visa à salvação do
homem todo; confronta os perdidos com o preço do discipulado e as exigências da
soberania de Cristo; exalta a graça divina, a fé voluntária e a realidade da
experiência de conversão. Convites feitos a pessoas não salvas nunca devem
desvalorizar essa realidade imperativa. O uso de truques de psicologia das massas,
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os substitutivos da convicção e todos os esquemas vaidosos são pecados contra
Deus e contra o indivíduo. O amor cristão, o destino dos pecadores e a força do
pecado constituem uma urgência obrigatória. A norma de evangelismo exigida pelos
tempos críticos dos nossos dias é o evangelismo pessoal e coletivo, o uso de
métodos sãos e dignos, o testemunho de piedade pessoal e dum espírito
semelhante ao de Cristo, a intercessão pela misericórdia e pelo poder de Deus, e a
dependência completa do Espírito Santo. O evangelismo, que é básico no ministério
da igreja e na vocação do crente, é a proclamação do juízo e da graça de Deus em
Jesus Cristo e a chamada para aceitá-lo como Salvador e segui-lo como Senhor.
5- Missões Missões, como usamos o termo, é a extensão do propósito redentor de Deus através
do evangelismo, da educação e do serviço cristão além das fronteiras da igreja local.
As massas perdidas do mundo constituem um desafio comovedor para as igrejas
cristãs. Uma vez que os batistas acreditam na liberdade e competência de cada um
para as próprias decisões, nas questões religiosas, temos a responsabilidade
perante Deus de assegurar a cada indivíduo o conhecimento e a oportunidade de
fazer a decisão certa. Estamos sob a determinação divina, no sentido de proclamar o
evangelho a toda a criatura. A urgência da situação atual do mundo, o apelo
agressivo de crenças e ideologias exóticas, e nosso interesse pelos transviados
exigem de nós dedicação máxima em pessoal e dinheiro, a fim de proclamar-se a
redenção em Cristo, para o mundo todo. A cooperação nas missões mundiais é
imperativa. Devemos utilizar os meios à nossa disposição, inclusive os de
comunicação em massa, para dar o Evangelho de Cristo ao mundo. Não devemos
depender exclusivamente de um grupo pequeno de missionários especialmente
treinados e dedicados. Cada batista é um missionário, não importa o local onde
mora ou posição que ocupa. Os atos pessoais ou de grupos, as atitudes em relação
a outras nações, raças e religiões fazem parte do nosso testemunho favorável ou
contrário a Cristo, o qual, em cada esfera e relação da vida, deve fortalecer nossa
proclamação de que Jesus é o Senhor de todos. As missões procuram a extensão
do propósito redentor de Deus em toda parte, através do evangelismo, da educação,
e do serviço cristão e exige de nós dedicação máxima.
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6- Mordomia A mordomia cristã é o uso, sob a orientação divina, da vida, dos talentos, do tempo e
dos bens materiais, na proclamação do Evangelho e na prática respectiva. No
partilhar o Evangelho, a mordomia encontra seu significado mais elevado: ela é
baseada no reconhecimento de que tudo o que temos e somos vem de Deus, como
uma responsabilidade sagrada. Os bens materiais em si não são maus, nem bons. O
amor ao dinheiro, e não o dinheiro em si, é a raiz de todas as espécies de males. Na
mordomia cristã o dinheiro torna-se o meio para alcançar bens espirituais, tanto para
a pessoa que dá, quanto para quem recebe. Aceito como encargo sagrado, o
dinheiro torna-se não uma ameaça e sim uma oportunidade. Jesus preocupou-se em
que o homem fosse liberto da tirania dos bens materiais e os empregasse para
suprir tanto às necessidades próprias como as alheias. A responsabilidade da
mordomia aplica-se não somente ao cristão como indivíduo, mas, também, a cada
igreja local, cada convenção, cada agência da denominação. Aquilo que é confiado
ao indivíduo ou à instituição não deve ser guardado nem gasto egoisticamente, mas
empregado no serviço da humanidade e para a glória de Deus. A mordomia cristã
concebe toda a vida como um encargo sagrado, confiado por Deus, e exige o
emprego responsável de vida, tempo, talentos e bens – pessoal ou coletivamente –
no serviço de Cristo.
7- O ensino e treinamento O ensino e treinamento são básicos na comissão de Cristo para os seus seguidores,
constituindo um imperativo divino pela natureza da fé e experiência cristãs. Eles são
necessários ao desenvolvimento de atitudes cristãs, à demonstração de virtudes
cristãs, ao gozo de privilégios cristãos, ao cumprimento de responsabilidades cristãs,
à realização da certeza cristã. Devem começar com o nascimento do homem e
continuar através de sua vida toda. São funções do lar e da igreja, divinamente
ordenadas. E constituem o caminho da maturidade cristã. Desde que a fé há de ser
pessoal, e voluntária cada resposta à soberania de Cristo, o ensino e treinamento
são necessários antecipadamente ao Discipulado Cristão, e a um testemunho vital.
Este fato significa que a tarefa educacional da igreja deve ser o centro do programa.
A prova do ministério do ensino e treinamento está no caráter semelhante ao de
Cristo e na capacidade de enfrentar e resolver eficientemente os problemas sociais,
morais e espirituais do mundo hodierno. Devemos treinar os indivíduos a fim de que
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possam conhecer a verdade que os liberta, experimentar o amor que os transforma
em servos da humanidade, e alcançar a fé que lhes concede a esperança no reino
de Deus. A natureza da fé e experiência cristãs e a natureza e necessidades das
pessoas fazem do ensino e treinamento um imperativo.
8- Educação cristã A fé e a razão aliam-se no conhecimento verdadeiro. A fé genuína procura
compreensão e expressão inteligente. As escolas cristãs devem conservar a fé e a
razão no equilíbrio próprio. Isto significa que não ficarão satisfeitas senão com os
padrões acadêmicos elevados. Ao mesmo tempo, devem proporcionar um tipo
distinto de educação – a educação infundida pelo espírito cristão, com a perspectiva
cristã e dedicada aos valores cristãos. Nossas escolas cristãs têm a
responsabilidade de treinar e inspirar homens e mulheres para a liderança eficiente,
leiga e vocacional, em nossas igrejas e no mundo. As igrejas, por sua vez, têm a
responsabilidade de sustentar condignamente todas as suas instituições
educacionais. Os membros de igrejas devem ter interesse naqueles que ensinam em
suas instituições, bem como naquilo que estes transmitem. Há limites para a
liberdade acadêmica; deve ser admitido, entretanto, que os professores das nossas
instituições tenham liberdade para erudição criadora, com o equilíbrio de um senso
profundo de responsabilidade pessoal para com Deus, a verdade, a denominação, e
as pessoas a quem servem. A educação cristã emerge da relação da fé e da razão e
exige excelência e liberdade acadêmicas que são tanto reais quanto responsáveis.
9- A autocrítica Tanto a igreja local quanto a denominação, a fim de permanecerem sadias e florescentes, têm que aceitar a responsabilidade da autocrítica. Seria prejudicial às igrejas e à denominação se fosse negado ao indivíduo o direito de discordar, ou se fossem considerados nossos métodos ou técnicas como finais ou perfeitos. O trabalho de nossas igrejas e de nossa denominação precisa de freqüente avaliação, a fim de evitar a esterilidade do tradicionalismo. Isso especialmente se torna necessário na área dos métodos, mas também se aplica aos princípios e práticas históricas em sua relação à vida contemporânea. Isso significa que nossas igrejas, instituições e agências devem defender e proteger o direito de o povo perguntar e criticar
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construtivamente. A autocrítica construtiva deve ser centralizada em problemas básicos e assim evitar os efeitos desintegrantes de acusações e recriminações. Criticar não significa deslealdade; a crítica pode resultar de um interesse profundo do bem-estar da denominação. Tal crítica visará ao desenvolvimento à maturidade cristã, tanto para o indivíduo quanto para a denominação. Todo grupo de cristãos, para conservar sua produtividade, terá que aceitar a responsabilidade da autocrítica construtiva. Como batistas,
revendo o progresso realizado no decorrer dos anos, temos todos inteira razão de
desvanecimento ante as evidências do favor de Deus sobre nós. Os batistas podem
bem cantar com alegria, “Glória a Deus, grandes coisas Ele fez!” Podem eles
também lembrar que aqueles aos quais foi dado o privilégio de gozar de tão alta
herança, reconhecidos ao toque da graça, devem engrandecê-la com os seus
próprios sacrifícios.