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LENILSON VIDAL DE SOUZA
OS CAMINHOS DA MEMÓRIA EM DOIS IRMÃOS
UNIVERSIDADE SEVERINO SOMBRAVassouras, RJ 2009
LENILSON VIDAL DE SOUZA
OS CAMINHOS DA MEMÓRIA EM DOIS IRMÃOS
Monografia apresentada ao Programa deEspecialização da Universidade SeverinoSombra como requisito parcial para aconclusão do Curso de Pós-Graduação LatoSensu em Língua Portuguesa e LiteraturaBrasileira, tendo como orientadora aProfessora Regina Pentagna Petrillo.
UNIVERSIDADE SEVERINO SOMBRAVassouras, RJ 2009
Monografia de conclusão de curso intitulada Os caminhos da memória emDois irmãos, de autoria do pós-graduando LENILSON VIDAL DE SOUZA,apresentada à banca de professores examinadores.
Aprovado setembro de 2009, com média ______________.
Banca examinadora:
______________________________________Prof.ª Regina Pentagna Petrillo
(orientadora)
_____________________________________Prof.º
____________________________________Prof. º
Vassouras, 18 de setembro de 2009.
Universidade Severino SombraPrograma de Especialização em Língua Portuguesa e Literatura
Praça Martinho Nóbrega, 40 – 27700-000 – Vassouras – RJTel.: (24) 2471-8200 – E- mail: [email protected]
Agradeço esta vitória a quatro
pessoas especiais em minha vida.
Aos meus pais, Luiz e Lúcia, pela
educação que, muitas vezes
abdicando de realizações pessoais,
me proporcionaram;
Ao professor Sérgio, pelos diálogos
proustianos;
À professora Regina Petrillo, pela
orientação exemplar e irretocável,
por acreditar, desde muito cedo, em
meu trabalho e pelo desprendimento
e disposição, tão incomuns nos dias
de hoje, para compartilhar de seu
vasto conhecimento.
iv
“Não importa que a tenhamdemolido: a gente continua morandona velha casa em que nasceu.”
Mário Quintana, no poema Quemdisse que eu me mudei?
“A vida começa verdadeiramentecom a memória.”
Milton Hatoum, no livro Relato de umcerto oriente.
v
RESUMO
SOUZA, Lenilson Vidal de. Os caminhos da memória em Dois irmãos.29f. Monografia (Pós-Graduação Lato Sensu em Língua Portuguesa eLiteratura Brasileira) - Universidade Severino Sombra, Vassouras, 2009.
Nael, o menino cuja infância foi marcada pelo signo da exclusão, é onarrador de Dois irmãos. Tentando, depois de adulto, encontrar umsentido para a própria vida, ele percorre, por meio das reminiscências, umpassado cheio de acontecimentos um tanto traumáticos, mas que contémem si as supostas respostas para suas várias dúvidas. Voltando aopassado, Nael pretende constituir não somente a identidade do pai, queele não sabia quem era, mas também a sua própria. Esta obra, portanto, éaqui analisada a partir da perspectiva de que toda a estruturação de seuenredo se dá por meio de lances da memória, num fluxo contínuo e veloz,onde os acontecimentos são apresentados à medida que vem à mente donarrador.
Palavras-chave: Memória; Identidade; Família.
vi
SUMÁRIO
DEDICATÓRIA................................................................................................................iii
AGRADECIMENTOS.....................................................................................................iv
EPÍGRAFE.........................................................................................................................v
RESUMO...........................................................................................................................vi
INTRODUÇÃO.................................................................................................................8
CAPÍTULO I – SOBRE MILTON HATOUM..........................................................11
1.1 – Vida e obra.......................................................................................................11
1.2 – Influências literárias e estilo..................................................................13
CAPÍTULO II - SOBRE DOIS IRMÃOS...............................................................15
2.1 – O hibridismo cultural...................................................................................15
2.2 – A família em ruínas......................................................................................17
2.3 – A memória e a busca pela identidade................................................19
CONCLUSÃO.................................................................................................................26
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................28
vii
INTRODUÇÃO
Dois irmãos, publicado no ano 2000, é o segundo[1] romance da
carreira literária de Milton Hatoum, escritor amazonense de ascendência
árabe-libanesa. Muito bem recebido pelo público e eleito o melhor
romance brasileiro dos últimos quinze anos pela crítica especializada, a
obra já foi traduzida para muitas línguas, tendo grande repercussão em
países como Estados Unidos, Inglaterra, França, Grécia e Líbano.
Seguindo uma linha diferente da maioria dos escritores
contemporâneos, que abusam das narrativas fragmentadas e da mistura
de gêneros, Hatoum construiu um romance com bases na tradição. A
linguagem cuidadosa e a descrição precisa dos espaços, percorridos pelos
personagens, mostram a total habilidade literária de um dos mais
expoentes escritores da contemporaneidade.
A narrativa de Dois irmãos retrata um período que vai dos anos
vinte até a década de sessenta, numa cidade que pouco a pouco vai se
industrializando e se modernizando social e tecnologicamente, ao passo
que uma família vai se desagregando em um processo contínuo de
decadência paralelo e inverso ao da cidade de Manaus. Tal jogo de
contradições se mostra uma boa maneira de relatar os dramas que tomam
conta das vidas dos integrantes desse clã familiar no universo
amazonense.
De origem libanesa, o clã descrito por Hatoum tem como membros
o patriarca Halim, um homem simples e colecionador de prazeres simples;
a matriarca Zana, uma mulher forte e dominadora, que determina da
arrumação dos móveis ao futuro dos filhos; os gêmeos Omar e Yaqub e a
filha caçula Rânia, cuja relação amorosa com os irmãos se apresenta em
um crescendo de estranheza que sugere uma relação incestuosa. Além
deles, há os agregados: Domingas, a cunhatã dedicada; e seu filho, o
mestiço Nael. Aliás, é por meio do ponto de vista de Nael que todos os
fatos são apresentados ao leitor.
O menino Nael que teve a infância relegada à condição de filho de
uma empregada, “que morava no quartinho dos fundos”, relata, muitos
anos depois, os acontecimentos que testemunhou calado, no período em
que viveu junto à família. Tentando descobrir a identidade de seu pai, que
acreditava estar entre os gêmeos, este narrador, que também é
personagem, faz uma verdadeira odisséia da memória. É, portanto, por
meio de suas lembranças que o leitor entra em contato com a história de
ódio dos gêmeos Omar e Yaqub. Iguais na aparência, mas diferentes em
seus interiores, estes dois irmãos travam uma disputa férrea pela posição
de filho preferido da casa.
Ao eleger a memória, a identidade, a rivalidade entre irmãos e os
demais conflitos que ocorrem no dia-a-dia de uma família com seus
segredos e conflitos, Hatoum procurou fazer destes o centro do enredo de
seu livro.
Nesta breve introdução e, de maneira sucinta, nos capítulos que se
seguem, se buscou assinalar os mecanismos e processos de
construtividade textual de que o autor lançou mão para elaborar o seu
universo ficcional, buscando-se evidenciar o emprego, ao mesmo tempo
estrutural e temático, das instâncias da memória enquanto possibilidade
do narrador definir uma identidade até então múltipla e instável.
A questão do entrechoque de culturas (a brasileira, vide
amazonense, versus a libanesa), tão presente nas obras de Hatoum,
também foi aqui salientada, num intuito de clarificar a sedimentação das
personagens frente a esse hibridismo cultural.
Desenvolvido essencialmente por meio da pesquisa bibliográfica
este estudo centrou-se, portanto, na análise dos pontos mais relevantes
do livro Dois irmãos, tendo sempre como referência principal a memória
do narrador-testemunha Nael.
Para fundamentar a hipótese e os objetivos traçados, levou-se em
consideração, sobretudo, os estudos de Hardman (2000), Eliade (2000) e
Bachelard (1993).
Acredita-se que o escopo da pesquisa possibilitou mostrar que a
prosa hatouniana é uma das mais belas e originais da literatura brasileira
contemporânea.
O presente trabalho foi dividido em dois capítulos. No primeiro, foi
feita uma panorâmica acerca da vida e produção literária de Milton
Hatoum, a fim de situar a obra em estudo na produção do romancista; e
no segundo foi desenvolvida a análise propriamente dita do objeto de
estudo aqui proposto, o romance Dois irmãos.
CAPÍTULO I
SOBRE MILTOM HATOUM
1.1 Vida e obra
Nascido no dia 19 de agosto de 1952 na cidade de Manaus, Milton
Hatoum conviveu, desde muito cedo, com a mistura entre o nacional e o
estrangeiro. Descendente de uma família advinda do Líbano e habitante,
até os quinze anos de idade, em uma cidade portuária, Hatoum passou
toda a infância e adolescência rodeado por elementos que o senso comum
classifica como exóticos e que para ele eram absolutamente familiares. O
pai de Miltom Hatoum veio do Líbano para se casar com uma brasileira,
também de origem libanesa, e começar com ela uma nova vida no
Amazonas.
Vivendo em um lugar onde a noção de fronteira é muito tênue,
convivendo desde cedo com o português e o árabe falados no cotidiano,
teria sido fácil para Hatoum perder-se na aventura de uma identidade
plural e difusa. Mas a insistência da mãe para que ele aprendesse a falar
português e não árabe, foi de suma importância para que a língua
estivesse diretamente atrelada à noção de pátria. “(...) Pátria esta que é
associada, para o escritor, não só à língua, mas também à paisagem da
infância.” (CHAVES, on line).
Sobre a amazônia, Milton a descreve como sendo um grande
mosaico de nações e tribos dispersas. Entre essas muitas tribos, encontra-
se aquela que deu origem à sua família, uma pequena comunidade de
orientais que migrou, primeiro, para o Acre – quando este ainda não era
pertencente ao Brasil – e depois para o Amazonas.
Se Manaus está enraizada no autor, também o está a
movimentação imigrante de sua família. Itinerante, no ano de 1967, o
ainda jovem Hatoum, partiu de Manaus para viver em Brasília, onde
concluiu os estudos. Já na década de 1970 mudou-se para a capital
paulista, para cursar arquitetura na USP (Universidade de São Paulo). No
entanto, os anos que passou como estudante não lhe renderam a
profissão de arquiteto, mas sim um pequeno livro de poesias, sendo este
sua primeira publicação, feito em conjunto com amigos paulistas e
cariocas. “Amazonas: um rio entre ruínas” também foi responsável pelos
primeiros dilemas de Milton quanto à vida de escritor.
Quando decidiu largar o curso de arquitetura para ser escritor, a
oposição da família não teve ecos na mãe de Hatoum. Foi ela, mais uma
vez, a responsável por guiá-lo. O seu primeiro livro foi lançado em Manaus
e, para sua surpresa, começou a ser vendido de dois a quatro exemplares
por dia. Vendas a uma cliente única: era a mãe do autor que os comprava
e os distribuía a amigas, como forma de incentivá-lo, fazendo-o acreditar
que tinha leitores. De qualquer forma, esse pequeno “mimo” surtiu efeito,
e Milton partiu para a Espanha com uma bolsa de estudos ganha. Em
1980, viveu em Madri e em Barcelona, sendo que já no ano seguinte
passara a viver na França, onde estudou literatura na Universidade de
Paris.
Foi justamente a distância, esse passo maior para fora de casa e
para longe da família que definiu a carreira de Hatoum como escritor. Ele,
que até então, só havia feito pequenos poemas e contos baseados em
obras de autores que admirava, se descobriu com material suficiente para
escrever um romance, que seria na verdade um olhar de longe para a sua
casa, para onde pretendia regressar. Com saudade dos cheiros, paisagens
e da multiplicidade de línguas faladas em Manaus, em 1982 começou a
escrever, ainda em Paris, aquele que seria seu primeiro grande livro:
Relato de um certo oriente. O romance foi terminado em terras brasileiras
no ano de 87.
Foram muitas madrugadas passadas em um quartinho abafado e
sórdido, alugado às pressas depois do regresso da cidade francesa para
poder concluir o livro. Relato, como afirma o próprio autor, foi feito de
forma lenta, sendo o livro todo escrito, primeiramente, a mão para depois
ter sido datilografado por ele mesmo. Aliás, pressa foi um coisa que Milton
não teve, já que prefere trabalhar devagar.
Talvez por ignorar a urgência do tempo, é que Hatoum tenha
lançado seu primeiro romance tardiamente, com quase quarenta anos de
idade. Mas Hatoum é assim mesmo, avesso à velocidade, à pressa, sendo
o seu segundo livro lançado quase onze anos depois da primeira
publicação.
Na verdade, não se deve apressar nada. A lentidão é umade minhas heranças amazônicas, e uma das maisimportantes. É ela que permite distanciar-me dos eventosnarrados, que possibilita a maturação da memória. Ela é,afinal, a principal fonte de inspiração. Imaginação é otempo de reapropriação da memória, preenchida peloesquecimento e recuperada pela linguagem. Todos os meuslivros têm base na minha vida, sem tratar dessa vida em si.Para escrever é preciso estar distante, de corpo e coração.(HATOUM, apud HANANIA, 1993, on line).
A possibilidade de fazer da própria vida um início para a ficção
rendeu ao escritor os prêmios que o tornaram mundialmente reconhecido.
Relato de um certo oriente (1989) e Dois irmãos (2000) ganharam o
Prêmio Jabuti de melhor romance nos anos em que concorreram. Cinzas
do norte, publicado no ano de 2005, foi vencedor, além do Jabuti, do
Prêmio Portugal Telecom de Literatura; e Órfãos do Eldorado (2008), sua
mais recente obra, já teve os direitos de publicação vendidos para mais de
dezesseis países.
1.2 Influências literárias e estilo
Milton Hatoum é um dos autores contemporâneos mais conhecidos
por misturar experiência e lembranças pessoais com o contexto sócio-
cultural-econômico da Amazônia e do Oriente. Sobre o primeiro livro,
assim ele explica:
No Relato de um certo Oriente há um tom de confissão, éum texto de memória sem ser memorialístico, sem serauto-biográfico; há, como é natural, elementos de minhavida e da vida familiar. Porque minha intenção, do ponto devista da escritura, é ligar a história pessoal à históriafamiliar: este é o meu projeto. Num certo momento denossa vida, nossa história é também a história de nossafamília e da de nosso país, com todas as limitações edelimitações que essa história suscite. (HATOUM, apudHANANIA, 1993, on line)
Os personagens criados por Hatoum, na verdade, são
representações daqueles que fizeram ou fazem parte de sua vida.
Juntamente a isso está uma preocupação com a construção do enredo das
narrativas, lembrando, assim, grandes escritores não só da literatura
brasileira como também da universal.
Na lista de autores que influenciam a escrita hatouniana estão
nomes como Carpentier, Juan Carlos Onetti, Mário Vargas Llosa, Lezama
Lima, Juan Rulfo, Júlio Cortázar, Gabriel Garcia Marques e Machado de
Assis. Sua obra não apresenta o barroquismo da maior parte desses
escritores, porém tem alguns pontos de contato, como a descrição de uma
vida em clã e seus efeitos no decorrer do tempo.
O autor brasileiro que mais exerceu influência sobre Milton foi
Machado de Assis, sendo o livro Esaú e Jacó o inspirador de uma das mais
importantes e bem-sucedidas obras de Hatoum: Dois irmãos.
Tal como Machado, Hatoum não se preocupa, em suas narrativas,
em apenas descrever o que há no exterior aos personagens, ele também
procura lançar um olhar sobre a realidade interior destes, de forma a
exteriorizar os seus sentimentos, frustrações e desejos
CAPÍTULO II
SOBRE DOIS IRMÃOS 2.1 O HIBRIDISMO CULTURAL
O hibridismo que vem se afirmando como uma das características
mais presentes na literatura brasileira contemporânea se dá não só entre
meios sociais, mas no próprio texto. A hibridização é entendida por Néstor
Canclini, em Culturas híbridas, como processos socioculturais nos quais
estruturas ou práticas discretas, que existiam de forma separada, se
combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas (CANCLINI,
2006. p. 19). Segundo Canclini, a hibridização adquiriu força especial na
América Latina, devido o fenômeno apresentar características muito
próximas ao processo de formação cultural dos povos da região cujas
sociedades encontram-se inseridas em contextos políticos, econômicos e
culturais diversos dentro de um mesmo território.
De acordo com Canclini não se pode deixar de conceber, hoje, a
América Latina
como uma articulação mais complexa de tradições emodernidades (diversas, desiguais), um continenteheterogêneo formado por países onde, em cada um,coexistem múltiplas lógicas de desenvolvimento. (CANCLINI,1997, 28).
Na América latina tradição, modernidade, avanço tecnológico,
atraso e subdesenvolvimento convivem lado a lado. Daí, as apropriações,
adaptações e contaminações, próprias do hibridismo tornarem-se práticas
constante nas relações sociais latino-americanas.
Para Irlimar Chiampi (1996, 83) a contaminação do erudito com o
popular (via cultura de massa) é, no universo citado, uma das principais
características culturais. Chiampi salienta o modo como neste território a
inserção de características da cultura popular de massa na produção
erudita ou canônica (“a despragmantização”) e o inverso a
“repragmantização”, que transfere elementos do erudito que são
reaproveitados em um novo contexto. Desta forma, deixam de haver
fronteiras entre o erudito e o popular e a identidade e a legitimidade ficam
comprometidas pelo contágio.
Em Dois Irmãos, por exemplo, o hibridismo aparece através da
mescla cultural.
Distantes de sua terra natal, a primeira leva de imigrantes
libaneses estabelecidos na cidade de Manaus, manifesta sentimentos
contraditórios quanto ao seu momento de estar em um lugar estranho ao
de suas origens. Esses indivíduos ainda retêm fortes vínculos com seus
lugares de origem e suas respectivas tradições, no entanto, sem a ilusão
de um retorno à verdadeira pátria. Desta forma, são obrigados a negociar
com as novas culturas em que vivem, sem simplesmente serem
assimilados por elas e sem perder completamente suas identidades, uma
vez que, carregam traços das culturas, das tradições e das histórias
particulares pelas quais foram marcados.
Divididos entre dois universos geográficos, Brasil e Líbano, estão
os narradores/personagens de Hatoum, que sedimentam seus dramas e os
dos outros frente a esse hibridismo cultural.
O desenraizamento a que estão submetidas essaspersonagens, geográfica e culturalmente, configura odrama próprio do imigrante: a melancolia de não pertencera lugar algum, de saber que a sua unidade, porqueimpossível, é um horizonte suspenso, a um só tempopresente e ausente. (LEÃO, 2005, p. 55)
O universo ficcional de Milton Hatoum está todo estruturado “na
experiência errante do deslocamento geográfico” (LEÃO, 2005, p. 85), já
que, seus personagens estão inscritos num espaço híbrido de confluências
e choques culturais.
O hibridismo manifesta-se nas produções hatounianas como índice
da multiplicidade cultural própria de uma cidade de fronteiras tênues
como Manaus.
Percebe-se que o romancista explora a experiência da migração na
vivência de personagens deslocados de seus referenciais.
2.2 A FAMÍLIA EM RUÍNAS
O núcleo familiar e suas respectivas tradições são o elemento
estruturador das narrativas hatounianas, “uma vez que constitui o motivo
principal do texto, ou seja, é na família e por causa dela que sua obra
ganha corpo.” (LEÃO, 2005, p. 57.)
De acordo com o próprio Hatoum, a família é uma representação,
mesmo que micro, da sociedade. Por isso, nada melhor do que um clã
familiar como centro de uma narrativa. Nas obras hatounianas, em
especial Dois irmãos, percebe-se uma clara intenção do autor em retratar
os dramas, conflitos e crises que assolam todas as famílias. Por meio de
seus personagens e das atitudes destes, Milton Hatoum busca fazer um
verdadeiro tratado sobre o desmoronamento das relações familiares.
Valendo-se de uma das paisagens mais exóticas do país: a
Amazônia, o escritor construiu um romance sobre a ruína familiar e
patriarcal. Os versos de Carlos Drummond de Andrade[2] utilizados pelo
autor como epígrafe na abertura de Dois irmãos atestam a dissolução do
núcleo familiar representada no livro e configurada metaforicamente por
meio da ruína da casa do clã:
A casa foi vendida com todas as lembranças/ todos osmóveis todos os pesadelos/ todos os pecados cometidos ouem vias de cometer/ a casa foi vendida com seu bater deportas/ com seu vento encanado sua vista do mundo/ seusimponderáveis. (DRUMONND, 1979, p. 157).
Bachelard (1996, p. 24) salienta que o interior de uma casa
pressupõe um sentido de intimidade, de segurança, que se reveste de
uma significação poética, já que representa “[...] o nosso canto no mundo,
o nosso primeiro universo.”
Para o filósofo os recantos da casa encontram-se recobertos de
valores simbólicos capazes de mimetizar os estados d'alma do homem.
Portanto, a casa está inscrita fisicamente no sujeito e representa o objeto
de suas lembranças:
Na vida do homem, a casa afasta contingências, multiplicaseus conselhos de continuidade. Sem ela, o homem seriaum ser disperso. Ela mantém o homem através das
tempestades do céu e das tempestades da vida. É corpo e éalma. É o primeiro mundo do ser humano. Antes de seratirado no mundo [...] o homem é colocado no berço dacasa. E sempre, em nossos devaneios, a casa é uma grandeberço [...] A vida começa bem, começa fechada, protegida,agasalhada no regaço da casa [...] Logicamente, é graças aela que um grande número de nossas lembraças estãoguardadas; e quando a casa se complica um pouco, quandotem porão, cantos e corredores, nossas lembranças têmrefúgios cada vez mais bem caracterizados. A elesregressamos durante toda a vida. (BACHELARD, 1996, p.26-28).
É justamente a partir das ruínas desse 'berço' que surge a
narrativa de Dois irmãos.
Por meio de um narrador-testemunha são relatados ao leitor os
conflitos do clã. E é através desse clã e por causa dele que a obra
hatouniana ganha volume, como salienta o próprio autor quando diz: “Eu
parto da família...” (HATOUM, apud GONÇALVES FILHO, 2000, p. 23).
Dois irmãos retrata os conflitos de uma família em crise e no cerne
desta crise estão os irmãos Omar e Yaqub. Apesar de serem gêmeos[3],
eles tiveram tratamentos diferenciados. Enquanto o 'caçula' Omar era
envolvido numa teia de mimos tecida pela mãe, Yaqub era excluído da
família.
Omar, o gêmeo mimado, levava uma vida desmesurada, cheia de
prazeres e irresponsabilidades, e se mostrava capaz de cometer as
maiores atrocidades, devido ao egoísmo e ao ciúme que nutria por Yaqub.
Este, por sua vez, apresentava características totalmente contrárias às do
irmão. Introvertido e passivo, relegado pela mãe por não ter nascido “tão
necessitado de cuidados”[4] quanto seu irmão, o 'primogênito' foi enviado
para uma cidade nos confins do Líbano, para que as desavenças entre ele
e Omar acabassem [5].
Temiam a reação de Yaqub, temiam o pior: a violênciadentro de casa. Então Hahim decidiu: a viagem, aseparação. A distância que promete apagar o ódio, o ciúmee o ato que o engedrou. Yaqub partiu para o Líbano com osamigos do pai e regressou a Manaus cinco anos depois. (...)Halim queria mandar os dois para o sul do Líbano. Zanarelutou, e conseguiu persuadir o marido a mandar apenasYaqub. Durante anos Omar foi tratado como filho único, oúnico menino.(HATOUM, 2008, p. 28-29, grifo pessoal).
Mas após anos vivendo em uma terra que não era a sua, Yaqub
retorna e se mostra o único a alçar vôos tão altos quanto o progresso que
se instala em Manaus.
Depois da (re) adaptação à terra natal, é dada a Yaqub a
possibilidade de se ver livre da família e rumar para São Paulo. É desse
modo que o personagem busca desvencilhar-se dos laços de ódio que o
prendiam ao irmão.
Em outro pólo está Rânia, solteira por convicção, dá sinais de que o
homem ideal para a sua vida seria aquele que fosse um híbrido dos
irmãos, apresentando uma relação com os gêmeos que se apresenta em
um crescendo de estranheza que aponta o incesto. Rânia pode ser
comparada a uma das personagens de Machado de Assis, a Flora Batista
de Esaú e Jacó[6]. Porém, na obra hatouniana, Rânia não é o objeto de
disputa entre os dois irmãos, como Flora é no livro machadiano. É só que,
da mesma forma que Flora, Rânia por vezes parece delirar que os gêmeos
se fundam em uma único ser, como se um sem o outro não fizesse
sentido.
Outra personagem é representada pela empregada Domingas,
mulher cabocla, que não podendo fazer escolhas na vida, vive sempre
como uma agregada da família.
O clã de Dois irmãos vai se desintegrando e, como é próprio dos
desmoronamentos, nada mais é possível fazer. A grande derrocada se dá
com a venda da casa em que vivia a família.
2.3 A MEMÓRIA E A BUSCA PELA IDENTIDADE
A memória, segundo Liando (2009, p.45), é objeto de estudo desde
a antiguidade clássica. Este ato revela a preocupação do ser humano de
reter conhecimentos passados e recuperá-los sempre que julgar oportuno.
A definição que se encontra em dicionário de Filosofia, expõe-na como a
possibilidade de dispor dos conhecimentos passados, sendo estes
entendidos como aqueles que já foram e que podem ser resgatados a
qualquer momento.
Ainda, sob a orientação do dicionário, entende-se que a memória
pode ser dividida em dois momentos distintos: a retentiva, encarregada
de conservar aquilo que se vê ou vive; e a lembrança, que é capacidade
do ser de evocar conhecimentos passados e torná-los atuais.
A tensão entre essas duas formas de memória monta o pathos em
Dois irmãos. O narrador, retornando, por meio das reminiscências, ao
lugar onde passara a sua infância, tenta reconstruir todo um conflito
familiar, para se tentar chegar à verdade sobre suas origens.
Em Sobre alguns temas em Baudelaire, Walter Benjamim (1989. p.
106) salienta que a memória pode ser voluntária e involuntária. A primeira
seria aquela que estaria à disposição do intelecto e, por isso mesmo “[...]
as informações sobre o passado, por ela transmitidas, não guardam
nenhum traço dele.” Já a segunda seria aquela que surge de forma súbita,
“[...] aquilo que não foi expressa e conscientemente vivenciado, aquilo
que não sucedeu ao sujeito como vivência.” (1989, p. 108).
Em Dois irmãos a memória involuntária está presente na narrativa,
já que imagens do passado ressurgem para iluminar o presente por meio
de uma consciência súbita que, por vezes, não depende da vontade
voluntária do indivíduo.
Omissões, lacunas, esquecimento. O desejo de esquecer.Mas eu me lembro, sempre tive sede de lembranças, de umpassado desconhecido, jogado sei lá em que praia de rio.(HATOUM, 2008, p. 67)[7].
No entanto, a busca feita pelo narrador de Dois irmãos é
voluntária, revelando uma consciência sobre os caminhos que procura
percorrer.
Mesmo sendo um desejo de retorno a um tempo perdido, o projeto
narrativo dessa obra hatouniana não se confunde, porém, com a busca
proustiana[8], uma vez que esta se realiza principalmente por meio da
memória involuntária, lançando mão das coincidências possibilitadas pelo
acaso, como aponta Benjamin (1985) no episódio da madeleine – como em
vários outros no decorrer do romance –, não é o narrador proustiano quem
vai ao passado, mas o passado que vem até ele, ao passo que a busca do
passado que empreende o narrador de Dois irmãos é planejada e
desejada, ainda que certamente atravessada pelos ardis da memória
involuntária, dos quais ninguém está livre. Seu mundo não salta inteiro de
uma xícara de chá como ocorre com o narrador de Proust, não nasce da
memória involuntária - essa memória explosiva que é uma “[...]
deflagração total, imediata e deliciosa [...] um mágico rebelde e não se
deixa importunar.” (BECKETT, apud FRANCISCO, 2007, p. 61) –, antes,
apresenta-se como um esforço deliberado de alguém em busca de
respostas acerca de si mesmo, de seu próprio eu.
Segundo Goldfarb (apud 1999), se o ser tem uma história é porque
consegue registrar na memória os acontecimentos significativos do
passado, descobrindo aquilo que permanece e o que muda, podendo,
desta forma, confirmar sua identidade. Sobre a importância da memória
na formação da identidade ou personalidade de um indivíduo, salienta a
psicanalista:
História, memória e identidade são conceitos diferentes,mas intimamente ligados entre si. Quando contamos nossahistória, estamos falando de um saber sobre nós mesmos,estamos transmitindo aquilo que sabemos sobre osacontecimentos, afetos, sensações e sofrimentos quemarcaram nossas vidas. Um saber que eu tenho sobre oque é meu 'Eu'. Para que exista minha história devo mereconhecer nela como um indivíduo, como um protagonistapermanente. Por isso dizemos que há coisas que nãopodem mudar e outras que devem mudar para construiruma identidade. (GOLDFARB, apud FRANCISCO, 1999, p.27-28).
Lembrar dos lugares, das pessoas e dos fatos é um exercício
incansavelmente perseguido na narrativa, onde o narrador precisa
reconhecer aquele passado. Essa busca pode ser entendida como forma
de conhecimento de si, pois “[...] o esquecimento equivale ao sono, mas
também à perda de si mesmo, ou seja, à desorientação, à cegueira.”
(ELIADE, 2000, p. 105).
Na medida em que reconstrói lembranças da casa em que viveu,
das pessoas que marcaram sua infância e da família que o acolhera,
juntamente com a sua mãe Domingas, a vida de fato começa a existir e
essa vida estende-se à narrativa. A restauração do passado representa um
elemento fundamental nessa obra hatouniana.
A memória é o único desafio ao passado, de prestar contascom ele, seja através de uma imagem, de uma história oralou escrita. É como se diante de uma ruína, a gente tentasseimaginar a casa antes de sua demolição ou destruição:quem morava ali, como e em que tempo viveram aquelaspessoas, como elas se relacionavam entre si, etc. (HATOUM,apud LEÃO, 2005, p. 56).
Os fatos narrados pelo narrador-personagem Nael são uma
tentativa desenfreada de descobrir a sua verdadeira origem, fato este que
o atormentou a vida inteira. Nael quer descobrir a identidade de seu pai,
que está entre os gêmeos. Durante toda a narrativa somos expostos,
mesmo que indiretamente, a fatos que nos induzem a ter certas
suposições, mas nenhuma conclusão. A cabocla Dominga nutria uma
paixão por Yaqub, mas num certo dia, fora abusada pelo inconsequente
Omar, que chegara bêbado em casa e se dirigira até o quarto onde dormia
a empregada. Esta, por sua vez, não se sabe se por medo ou covardia,
privou seu filho da certeza de suas origens, ficando Nael sempre à procura
de respostas para suas várias dúvidas.
Eu não sabia nada de mim, como vim ao mundo, de ondetinha vindo. A origem: as origens. Meu passado, de algumaforma palpitando na vida dos meus antepassados, nadadisso eu sabia. Minha infância, sem nenhum sinal daorigem. É como esquecer uma criança dentro de um barconum rio deserto, até que uma das margens a acolhe. Anosdepois desconfiei: um dos gêmeos era meu pai. Domingasdisfarçava quando eu tocava no assunto; deixava-me cheiode dúvidas, talvez pensando que um dia eu pudessedescobrir a verdade. Eu sofria com o silêncio dela.(HATOUM, 2008, p. 54, grifo pessoal).
A questão da busca por uma identidade é tema central neste
romance de Milton Hatoum. Mais do que tentar descobrir quem é seu pai,
Nael busca descobrir-se, encontrar seu lugar no mundo; e a estratégia
para (re) construir essa identidade é a memória.
Pela memória o ser humano se configura como um serpassível de constituir o mundo, ou melhor, mundos, namedida em que é pela memória que se estabelece apossibilidade da vigência da unidade. A memória é ummodo privilegiado de consolidação de toda a possibilidade
de relacionamento entre o que foi e o que é. (CASTRO,1997, p. 149).
É por meio das lembranças que o ser se encarrega de trazer tudo
aquilo que já se foi e se perdeu na longa jornada da vida. Evocar o tempo
passado, então, é imprescindível na construção de um possível presente.
O passado assim revelado é mais que o antecedente dopresente: é a sua fonte. Ao remontar a ele, a rememoraçãoprocura, não situar os eventos num quadro temporal, masatingir as profundezas do ser, descobrir o original, arealidade primordial da qual proveio o cosmo, e quepermite compreender o devir em sua totalidade. (ELIADE,2000, p. 108).
Toda a narrativa estrutura-se por meio de manchas de recordação,
isto é, de uma sucessão de acontecimentos cujo fio condutor é a memória
do narrador-personagem Nael.
Num jogo de interditos e incertezas, tentando juntar os cacos
dispersos de um passado já distante, Nael se empenha em descobrir a
verdade sobre suas origens, mas só decide fazer isso quando
praticamente todos já estão mortos.
A necessidade em desenterrar o passado para se tentar
compreender os porquês de uma existência, possibilita ao narrador a
transformar os estilhaços da memória em palavras
Naquela época, tentei, em vão, escrever outras linhas. Masas palavras parecem esperar a morte e o esquecimento;permanecem soterradas, petrificadas, em estado latente,para depois, em lenta combustão, acenderem em nós odesejo de contar passagens que o tempo dissipou. E o tempoque nos faz esquecer, também é cúmplice delas. Só o tempotransforma nossos sentimentos em palavras maisverdadeiras. (HATOUM, 2008, p. 183).
O livro Dois irmãos é um relato, onde por meio da massa de
recordações de um observador, que se fez presente em tudo o que se
passou ali, há a reconstrução da casa já desfeita e da família destruída.
[...] o fluxo dessa prosa da memória prenhe de lirismomelancólico, capaz de restituir a poética do espaço de cada
canto da casa, de cada pedaço arruinado da bela Manausamada, a singularidade de cada paisagem humana.(HARDMAN, 2000, p. 8-9).
Essa busca rememorativa faz-se sempre sobre uma dupla
articulação de movimentos. Benjamin aponta dois componentes que,
segundo ele, participam de toda memória: a dinâmica infinita de
Erinnerung (lembrança) – componente extremamente dinâmico e no qual
submerge a memória individual e restrita – e a concentração do
Eingedenken (rememoração)– que efetua uma pausa nessa dinâmica
acelerada pára e recolhe as migalhas e os cacos dispersos do passado
para oferecê-los à atenção iluminadora do presente. Para o filósofo, é
preciso cumprir essa necessária recapitulação atenta que constitui a
Eingedenken, sem a qual a Erinnerung seguiria seu fluxo incansável e
continuaria a desenrolar-se, indefinidamente, sobre si mesma. É preciso
que o sujeito, portanto, conscientize-se de que o lembrar que modifica o
presente atual não é um lembrar que visa a descrição do passado “como
de fato foi”, mas um lembrar que seja uma retomada salvadora na história
presente, pois que a exigência de rememoração do passado não implica
simplesmente a
restauração do passado, mas também uma transformaçãodo presente tal que, se o passado perdido aí forreencontrado, ele não fique o mesmo, mas seja, eletambém, retomado e transformado. (GAGNEBIN, p. 19)
CONCLUSÃO
Milton Hatoum é um dos escritores brasileiros mais conhecidos da
atualidade, tornando-se sucesso de crítica e público já com a publicação
de seu primeiro romance, Relato de um certo oriente. Com riqueza de
imaginação e destreza narrativa, Hatoum mistura memória e ficção,
criando, desta forma, uma história rica em aromas, texturas e ruídos.
Situando as tramas de seus romances na cidade em que nascera,
uma Manaus rodeada pela imensidão da floresta amazônica, e também se
aproveitando da origem libanesa de sua família, ele reconstrói o mundo
dos imigrantes chegados àquela cidade nos primeiros anos do século XX.
Entretanto, o que lhe interessa na saga familiar, é a derrocada de seu
próprio universo, que acaba por representar a falência dos valores
tradicionais frente ao mundo globalizado.
De acordo com o crítico Alfredo Bosi (1994) a narrativa de Hatoum
é um tecido de memórias que lembra a melhor tradição do romance
introspectivo brasileiro, sendo que é por meio do regresso a um passado
marcado por traumas e exclusão, que o narrador do romance Dois irmãos,
o mestiço Nael, procura compreender a angústia de não pertencer a lugar
algum. Essa volta a tempos pretéritos só é possível pelo poder de contar
dado a ele, o único resquício de um passado auspicioso que o tempo
encarregou-se de dissipar. Do seu “quartinho dos fundos”, que lhe deram
como parte da herança, cabe-lhe relatar a sua história, que também é a
de uma família e de toda uma cidade que porventura do destino entrara
em derrocada.
Através da reconstrução da casa já desfeita, Nael procura não
somente juntar os cacos de um passado já disperso, mas também
encontrar um sentido para a sua própria vida, buscando, dessa forma,
definir uma identidade até então múltipla e instável.
[1] Antecedido por Relatos de um certo oriente (1989).
[2] Os versos epigráficos, utilizados por Milton Hatoum na abertura doromance, foram retirados, não por acaso, de Boitempo, obra de CarlosDrummond de Andrade que, conforme Antonio Candido (1997), apresenta umpropósito autobiográfico explícito, constituindo-se exclusivamente de poemasmemorialísticos organizados em torno da infância do poeta.
[3] Ao resgatar a temática do duplo em sua obra, Milton Hatoum dialogaintertextualmente com o relato bíblico de Caim e Abel e com a narrativa deEsaú e Jacó, de Machado de Assis.
[4] Expressão constantemente usada no livro pela personagem Zana, mãedos gêmeos.
[5] Aparentemente idênticos, os gêmeos manifestam personalidades diversas.Entretanto, há um ponto de coesão entre eles que é a afeição pela mesmamulher: a vizinha Lívia. Esta é a personagem que desperta a atração de Omare Yaqub e é ela também o motivo principal para a separação de ambos.Movido pelo ciúme e pelo ódio por ver o irmão cada vez mais próximo deLívia, Omar investe sobre ele com os estilhaços de uma garrafa de vidro,atitude que levou seus pais a mandarem Yaqub para o Líbano, afim de evitaruma tragédia maior. A cicatriz resultante dessa agressão representa ao longoda narrativa uma espécie de símbolo da discórdia, do ódio e do conflitoestabelecido no clã familiar. Outro dado que deve ser registrado sobre acicatriz de Yaqub consiste na sua evidente remissão ao conflito bíblico entreos irmãos Caim e Abel: logo após de assassinar o irmão, Caim é castigadopelo Senhor que o condena a ser “um fugitivo errante sobre a terra”. Deusentão pôs um sinal sobre a face de Caim para que ninguém o reconhecesse eo matasse.
[6] Essa obra de Machado de Assis foi, sem dúvidas, referência principal paraa Hatoum quando da realização de Dois irmãos.
[7] Todos os fragmentos aqui transcritos do livro Dois irmãos foram retiradosda 1ª edição da obra (2008), em versão “pocket”.
[8] Relativo a Proust.
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