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UNIV COSTURAS, B LAR E EDUCAN VERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ FÁBIO ADRIANO GASPAR BORDADOS, REZAS E UM PRÉDI NDÁRIO SÃO VICENTE DE PAULO (1950 – 1964) CURITIBA 2015 Á IO NOVO: O – LAPA-PR

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

COSTURAS, BORDADOS, REZAS E UM PRÉDIO NOVO:

LAR E EDUCANDÁRIO SÃO VICENTE DE PAULO

UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

FÁBIO ADRIANO GASPAR

COSTURAS, BORDADOS, REZAS E UM PRÉDIO NOVO:

LAR E EDUCANDÁRIO SÃO VICENTE DE PAULO

(1950 – 1964)

CURITIBA

2015

UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

COSTURAS, BORDADOS, REZAS E UM PRÉDIO NOVO:

LAR E EDUCANDÁRIO SÃO VICENTE DE PAULO – LAPA-PR

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FÁBIO ADRIANO GASPAR

COSTURAS, BORDADOS, REZAS E UM PRÉDIO NOVO:

LAR E EDUCANDÁRIO SÃO VICENTE DE PAULO – LAPA-PR

(1950 – 1964)

Monografia apresentada ao Curso de História -

Faculdade de Ciências Humanas, Letras e Artes da

Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito

parcial para a obtenção do grau de Licenciado em

História.

Orientador: Prof. Me. Osvaldo Luis Meza Siqueira.

CURITIBA

2015

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FONTE: Acervo do Lar e Educandário São Vicente de Paulo.

DEDICATÓRIA

FONTE: Acervo do Lar e Educandário São Vicente de Paulo.NOTA: Meninas em seu uniforme de gala.

A todas as meninas, que assim como minha mãe,

Maria Tereza, passaram pelo Lar e Educandário São

Vicente de Paulo da Lapa, esta instituição centenária,

que possibilitou a elas, encontrarem na assistência

caridosa o papel mínimo da família, que por diversos

motivos haviam perdido.

FONTE: Acervo do Lar e Educandário São Vicente de Paulo. (1955)

, que assim como minha mãe,

pelo Lar e Educandário São

Vicente de Paulo da Lapa, esta instituição centenária,

encontrarem na assistência

da família, que por diversos

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AGRADECIMENTOS

Sou muito grato:

Aos meus pais, Maria Tereza e Antônio Vilson, que sobrepondo os percalços

da vida, não mediram esforços para proporcionar tanto a mim, como para minhas

irmãs, afeto, educação e saúde.

Ao corpo docente do curso de História da Universidade Tuiuti do Paraná, que

sempre extrapolou as expectativas, possibilitando uma formação competente e muito

enriquecedora.

Ao meu orientador Professor Osvaldo Luis Meza Siqueira, que me ajudou na

composição deste trabalho, dando um melhor rumo na linha de raciocínio e pesquisa.

Sem esquecer que o mesmo, soube cobrar o “dever de casa na hora certa”, fato que

causou um deslanchar na escrita da pesquisa.

À Professora Liz Andréa Dalfré, que com muita competência auxiliou na

correção do texto, e também colaborou com valiosas dicas de livros e autores.

À Professora Etelvina Maria Trindade, que forneceu valiosa fonte para o

estudo da congregação das irmãs de São José de Chambéry.

À administração do Lar e Educandário São Vicente de Paulo na cidade da

Lapa-PR, em especial à Irmã Carmélia Schiochet, atual diretora da instituição.

Também à Maria Delourdes Barboza Hoffmann, atual presidente da “Associação das

Damas de Caridade São Vicente de Paulo da Lapa”. Elas que me receberam muito

bem nas minhas visitas ao Lar e Educandário, separando valioso tempo, em meio aos

muitos compromissos que a instituição atualmente demanda.

À Dolores Lins Goslar, por ter me recebido gentilmente e concedido valiosa

entrevista que auxiliou na composição deste trabalho monográfico.

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RESUMO

A presente pesquisa, trata da instituição Lar e Educandário São Vicente de Paulo na Lapa-PR, com um olhar no recorte de 1950-1964 no que se refere a educação. O estudo é justificado na importância de se pesquisar instituições escolares para os atuais envolvidos no espaço escolar, pois o conhecimento da história da escola pode elevar o nível de responsabilidade e comprometimento com a instituição, além de resgatar uma parte da história da educação no Brasil. O objetivo da pesquisa foi responder a problemática: Como se dava a educação em uma instituição religiosa que atendia meninas desfavorecidas no período de 1950-1964? Para chegar a resposta, foi necessário resgatar o histórico da fundação do Asilo São Vicente de Paulo em 1906, contextualizando o papel das Damas de Caridade da Lapa – Mantenedora e das Irmãs de São José de Chambéry – com seu trabalho assistencial no asilo; para então, analisar o recorte proposto e constatar que a educação professada na instituição no período, se dava, refletindo a herança do período do Estado Novo, expressado nos desfiles cívicos, na preocupação da educação primária e na formação da mulher para a administração do lar. Por outro lado, temos a religiosidade professada no interior da instituição, colaborando para a educação pertinente a moral católica, esta somando para a formação das meninas para o trato do lar. Este contexto educacional, era dado em um espaço escolar que refletia o desejo de modernização e progresso paranaense do período. A pesquisa foi feita com a análise de fontes diversas, sendo: Atas de reuniões na instituição; um caderno organizado em forma de crônicas das irmãs de São José de Chambéry; fotografias da instituição no período; recortes de periódicos do fim do século XIX; e também, entrevistas com ex-alunas internas no período. As principais reflexões teóricas foram feitas com base nos conceitos da cultura escolar em Viñao Frago e Dominique Julia; campo religioso e habitus em Bourdieu; e disciplina em Foucault.

Palavras-chave: Educação; Instituições Escolares; Cultura Escolar.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 09

1 O ESTUDO DE INSTITUIÇÕES ESCOLARES E O EDUCANDÁRIO SÃO

VICENTE DE PAULO DA LAPA-PR ................................................................ 15

1.1 BREVE HISTÓRICO SOBRE O ESTUDODE INSTITUIÇÕES ESCOLARES E

MOTIVOS PARA A PESQUISA ............................................................................ 15

1.2 MANTENEDORA ASSOCIAÇÃO DAS DAMAS DE CARIDADE SÃO

VICENTE DE PAULO ............................................................................................ 19

1.3 O TRABALHO DA CONGREGAÇÃO DAS IRMÃS DE SÃO JOSÉ DE

CHAMBÉRY/ MÔUTIERS .................................................................................... 22

1.4 O LAR E EDUCANDÁRIO SÃO VICENTE DE PAULO NA LAPA-PR ........... 33

2 LAR E EDUCANDÁRIO SÃO VICENTE DE PAULO NOS ANOS DE 1950-

1964: EDUCAÇÃO E RELIGIÃO OBSERVADOS PELA CULTURA

ESCOLAR .............................................................................................................. 41

2.1 BREVE HISTÓRICO POLÍTICO EDUCACIONAL NO BRASIL NA

CHAMADA QUARTA REPÚBLICA ................................................................... 41

2.1.1 O Estado Novo e as Leis Orgânicas ..................................................................... 41

2.1.2 A Quarta República e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional ........... 43

2.1.3 O Paraná e seu cenário político educacional ........................................................ 45

2.2 REFLEXÕES A CERCA DA COSNTRUÇÃO DO NOVO PRÉDIO DO LAR E

EDUCANDÁRIO SÃO VICENTE DE PAULO ................................................... 49

2.3 EDUCÇÃO, RELIGIOSIDADE E RITOS CÍVICOS ............................................ 60

2.3.1 Formação primária e trabalhos manuais ............................................................... 60

2.3.2 Religiosidade no Educandário .............................................................................. 64

2.3.3 Eventos e Ritos Cívicos ........................................................................................ 66

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 70

FONTES ...................................................................................................................... 73

REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 74

ANEXOS ...................................................................................................................... 76

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1: CAPA DOS ESTATUTOS ..................................................................... 21

FIGURA 2: AS PRIMEIRAS IRMÃS DE SÃO JOSÉ NO PARANÁ ..................... 28

FIGURA 3: ÍNDICE O CENACULO (1896) ............................................................ 31

FIGURA 4: PÁGINA 1 PERIÓDICO A REPÚBLICA (1895) ................................. 33

FIGURA 5: CRÔNICAS IRMÃS DE SÃO JOSÉ DE CHAMBÉRY ....................... 34

FIGURA 6: PRIMEIRA SEDE LAR E EDUCANDÁRIO S.V.P. ............................ 35

FIGURA 7: INTERIOR DA CAPELA SÃO VICENTE DE PAULO .................................... 39

FIGURA 8: FACHADA DO LAR E EDUCANDÁRIO S.V.P. ................................ 51

FIGURA 9: PÁTIO CENTRAL DO EDUCANDÁRIO ............................................ 55

FIGURA 10: REFEITÓRIO DO NOVO PRÉDIO ...................................................... 56

FIGURA 11: INSTALAÇÕES HIGIÊNICAS ............................................................. 57

FIGURA 12: UM DOS DORMITÓRIOS DA NOVAS INSTALAÇÕES .................. 58

FIGURA 13: TRABALHOS MANUAIS EM EXPOSIÇÃO ...................................... 63

FIGURA 14: ORGANIZAÇÃO A CAMINHO DA IGREJA ..................................... 65

FIGURA 15: DESFILE SEMANA DA PÁTRIA ........................................................ 68

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LISTA DE SIGLAS

CBPE Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais de São Paulo.

CENAC Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial.

CFE Conselho Federal de Educação.

CLT Consolidação das Leis do Trabalho.

CRPE Centro Regional de Pesquisas Educacionais de São Paulo.

FFCL/USP Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo.

INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.

IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

LDBN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

S.V.P. São Vicente de Paulo.

SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial.

USP Universidade de São Paulo.

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LISTA DE ANEXOS

Anexo 1: Depoimento de Dolores Lins Goslar ............................................................ 76

Anexo 2: Depoimento de Maria Tereza Gaspar ............................................................ 80

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INTRODUÇÃO

No ano de 1906, foi fundado o Asilo São Vicente de Paulo na cidade da Lapa-

PR, uma instituição destinada a amparar e acolher os desfavorecidos da cidade. No

início, o asilo abrigava somente mulheres, mas aos poucos, a instituição também

passou a abrigar meninas órfãs. O asilo foi edificado ao desejo de uma mulher:

[...] Dona Eugênia Marques Correia, mulher religiosa, recebeu de São Vicente o pedido para que construísse um lugar para acolher os velhos e aleijados desamparados da cidade. Mesmo não podendo contar com a ajuda financeira de seu esposo, porém tendo sua compreensão e apoio moral, saiu em busca de seu sonho junto as suas companheiras da associação.1

Junto ao desejo da fundação do asilo, no ano de 1903, é fundada a Associação

das Damas de Caridade São Vicente de Paulo, um grupo de mulheres que tinham por

objetivo principal: promover por todos os meios ao seu alcance, a completa prestação

de assistência aos infantes, velhos, cegos, e anormais desvalidos.2 Uma associação

laica, feminina, que por meio de seu trabalho assistencial fundou o Asilo São Vicente

de Paulo e o mantém até os dias atuais.

Para atender as necessidades de atendimento aos desfavorecidos no asilo, foi

solicitado o trabalho das irmãs de São José de Chambéry, uma congregação francesa

que no final do século XIX, chegou ao Brasil a fim de propagar sua obra religiosa de

caridade cristã. Desde a fundação do asilo, as irmãs de São José atuaram no cuidado e

na educação das internas, pautadas no fundamento da moral católica.

Pouco a pouco o pequeno asilo da Lapa foi ganhando importância na

comunidade lapeana, o que tinha começado em uma pequena casa, recebia em 1954

um novo prédio para melhor acomodar as internas. Edificação erguida com o auxílio

de subvenções federais. No ano de 1974, o nome da instituição é alterado para Lar e

Educandário São Vicente de Paulo, e o trabalho da instituição aos poucos é adaptado

em virtude do advento do estatuto da criança e do adolescente em 1990, fato que faz o

1 HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DA EDUCAÇÃO da Lapa. Lar e Educandário São Vicente de Paulo. p. 13. 2 LAPA-PR. Estatutos da Associação das Damas de Caridade São Vicente de Paulo da cidade da Lapa. 1939.

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regime de internato ser extinto. A instituição passa ao atendimento a Educação infantil

com creche e pré-escola, atividade desempenhada até os dias atuais.

Em linhas gerais, este é o breve histórico da instituição encontrado em vários

livros regionais da educação lapeana. Muitas obras apresentam relatos apaixonados a

cerca desta instituição centenária, outros apenas exaltam a antiguidade da instituição.

Porém, ao contemplar esta instituição assistencial, muitas questões se revelam em

meio a este histórico, que vão desde as motivações para a fundação de uma obra

assistencial na Lapa; o contexto histórico da vinda das irmãs de São José ao Brasil;

também a educação professada no educandário da Lapa. Assim, esta pesquisa busca

elucidar algumas destas indagações.

O objetivo principal desta pesquisa é analisar o Lar e Educandário São Vicente

de Paulo da Lapa-PR, partindo do contexto de sua fundação, e contemplando o recorte

de 1950 -1964, com o foco na educação professada na instituição neste período.

Considerando o recorte de estudo, podemos nos perguntar: Como acontecia a educação

em uma instituição religiosa que atendia meninas desfavorecidas no período de 1950 -

1964? Com base neste questionamento, pretende-se com este trabalho analisar a

instituição, enquadrando-a na perspectiva da Cultura Escolar, esta que nas palavras de

Viñao Frago é um:

Conjunto de aspectos institucionalizados – práticas e condutas, modos de vida, hábitos e ritos – a história cotidiana do fazer escolar – objetos, materiais – função, uso distribuição no espaço, materialidade física... toda a vida escolar: fatos e ideias, mentes e corpos, objetos e condutas, modos de pensar, dizer e fazer.3

Mas qual a justificativa para o estudo de uma instituição escolar? O grande

motivo não pode ser somente o de desenterrar histórias e sombras significativas do

passado de uma determinada instituição escolar; um ponto importante que deve ser

considerado é a importância da pesquisa para os atuais envolvidos no espaço escolar,

seja alunos, ex-alunos, professores, administradores, funcionários ou comunidade

escolar; o conhecimento da história da escola pode elevar o nível de responsabilidade e

comprometimento com a instituição; além também de resgatar uma parte da história da

educação no Brasil.

3 VIÑAO FRAGO, A. historia de la educación e historia cultural: posibilidades, problemas, cuestiones. Revista Brasileira de Educação, n. 0, ANPEd. 1995, p. 63-82.

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No processo de desenvolvimento da pesquisa, a fim de elucidar o

questionamento proposto, foi necessário realizar a análise em dois capítulos.

O primeiro, de início procura discutir uma abordagem breve sobre a pesquisa

de instituições escolares e sua importância, dialogando com as novas abordagens e

paradigmas da História da escola dos Annales. Além de abordar um resgate histórico,

a fim de explicar o movimento das associações laicas femininas que atuaram no Brasil

e no estrangeiro a partir de meados do século XIX, relacionando com a criação das

“Damas de Caridade São Vicente de Paulo da Lapa”. No capítulo, também procura

discutir as motivações para a vinda e consolidação da congregação das irmãs de São

José de Chambéry no Paraná, abordando seu trabalho assistencial no asilo da Lapa,

como também as discussões acerca dos positivistas e religiosos no período. Por fim, é

feito um resgate da fundação e dos primeiros anos do asilo, dialogando com as

motivações para a assistência caridosa das irmãs de São José aos desfavorecidos.

Neste primeiro capítulo, na busca de compreender a caridade apresentada

pelas irmãs de São José, refletida na condição da pobreza voluntária, justificada na

espiritualidade, contamos com o auxílio dos escritos de Robert Castel em diálogo com

a teoria sociológica de Pierre Bourdieu. Para Castel, a pobreza por opção é de certo

modo sublimada no plano espiritual, pois é um componente de santidade. No entanto,

a condição social do pobre suscita uma gama de atitudes que vão da comiseração ao

desprezo. Segundo Castel, esta contradição na gestão da pobreza, pode ser explicada

em dois aspectos: a assistência se inscreve em uma economia da salvação; e a atitude

cristã fundamenta uma classificação de pobreza.4 Já o conceito de Campo Religioso

em Bourdieu, afirma que em uma sociedade dividida em classes, a estrutura dos

sistemas de representações e práticas religiosas próprias aos diferentes grupos ou

classes, contribui para a perpetuação e para a reprodução da ordem social ao contribuir

para consagrá-la e santifica-la.5

Como fontes principais neste primeiro capítulo, foi utilizado um caderno da

congregação de São José, organizado em forma de Crônicas; os estatutos da

Associação das Damas de Caridade São Vicente de Paulo da Lapa-PR; recortes de

4 CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. 11. ed. Petrópolis: Vozes, 2013. p. 62. 5 BORDIEU, P. A economia das trocas simbólicas. São Paulo, Perspectiva, 2011. p. 53.

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periódicos: A República 1895 e o Cenáculo 1896; fotografia da capela do asilo São

Vicente de Paulo da Lapa; assim como Ata da festa de inauguração do novo prédio do

educandário.

O segundo capítulo procura analisar a educação na instituição no recorte de

1950 – 1964 na perspectiva da cultura escolar. Começando por um breve cenário

político educacional nacional, discutindo as Leis do período do Estado Novo, como

também o contexto do período da redemocratização da chamada Quarta República,

pontuando o embate entre defensores da escola pública e privatistas, chegando a

promulgação da LDB em 1961. Neste início, também é contemplando o cenário

político educacional paranaense do período. Na sequência é realizado uma discussão

acerca da construção do novo prédio do Lar e educandário São Vicente de Paulo,

procurando relacionar o período político educacional com a edificação do novo prédio.

Por fim, é feito uma análise da educação professada no interior da instituição no

período, contemplando a educação primária formal das meninas e a educação religiosa

pautada na moral católica, como também os ritos cívicos e festas na instituição.

Neste segundo capítulo, o conceito da cultura escolar serviu como norteador

da análise, a fim de responder ao questionamento educacional proposto. Porque assim

como afirma Dominique Julia:

A cultura escolar não pode ser estudada sem a análise precisa das relações conflituosas ou pacíficas que ela mantém, a cada período de sua história, com o conjunto das culturas que lhes são contemporâneas: cultura religiosa, cultura política ou cultura popular. Para ser breve, poder-se-ia descrever cultura escolar como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos.6

Para a reflexão acerca deste conjunto de normas que a cultura escolar define,

buscou-se o auxílio da teoria de Michel de Foucault, dialogando com o conceito de

disciplina; também procurou-se o diálogo com a sociologia de Bourdieu, com o

conceito de habitus. Ambos os conceitos, concatenados com outros autores.

No que diz respeito a análise do espaço escolar do novo prédio, buscou-se

fazer uma reflexão pautada no diálogo entre a assertiva de Augustin Escolano, que diz

6 JULIA, D. ap. NOSELLA, Paolo; BUFA, Ester. Instituições escolares. Por que e como pesquisar. Campinas, SP: Alínea, 2009. p. 18.

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que o espaço escolar não é uma dimensão neutra do ensino, tampouco um simples

esquema formal ou estruturas vazias da educação. Para o autor, os espaços operam

como uma espécie de discurso que institui, em sua materialidade, um sistema de

valores, um conjunto de aprendizagens sensoriais e motoras e uma semiologia que

recobre símbolos estéticos, culturais e ideológicos.7 Já para Foucault, quando pensa a

disciplina, diz que ela procede em primeiro lugar a distribuição dos indivíduos no

espaço, utilizando de várias técnicas. As disciplinas, organizando as celas, os lugares,

as fileiras criam espaços complexos: ao mesmo tempo arquiteturais, funcionais e

hierárquicos.8

Em outro ponto, quando é analisado as práticas educacionais do educandário

da Lapa, em especial, quando são mencionados os trabalhos manuais e as práticas

religiosas do dia a dia, a teoria sociológica de Bourdieu auxilia com o conceito de

habitus. Conceito que nos leva a reflexão acerca da interiorização das práticas comuns

ao trabalho doméstico considerado função da mulher do período, como bordado e

costura; assim quanto também na prática da oração diária e no estudo do evangelho, a

fim de uma educação moral católica. Na teoria do autor: o habitus constitui nossa

maneira de perceber, julgar e valorizar o mundo e conforma nossa forma de agir, seja

corporal e material. Neste sentido, as disposições interiorizadas refletem em nosso

corpo através das posturas, expressões corporais, modos de falar e olhar; no

pensamento do que é certo ou errado; e na nossa subjetividade.

Para este segundo capítulo, como fontes principais foram utilizadas entrevistas

de duas ex-alunas internas da instituição; como também Atas de reuniões da

Associação das Damas de Caridade São Vicente de Paulo da Lapa; também fotografias

diversas da instituição no período.

Ao trabalhar com as fontes orais, procurou-se a metodologia proposta pela

História Oral.9 Foram realizadas somente duas entrevistas, mas com o foco principal

7 ESCOLANO. ap. CORREIA, Ana Paula P. História e Arquitetura Escolar: em busca da construção de escolas “modernas” no Paraná (1943-1953). Disponível em: <http://sbhe.org.br>. Acesso em: 14 maio de 2015. 8 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. 40. ed. Petrópolis: Vozes, 2012. p. 142-143. 9 Metodologia mencionada na obra: BOSCHILIA, Roseli T. Entre fitas, bolachas e caixas de fósforo: a mulher no espaço fabril curitibano (1940-1960). Curitiba: Artes e Textos, 2010. p. 25-26.

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no critério básico: Interessava coletar relatos de mulheres que cresceram e foram

educadas enquanto internas no Lar e Educandário São Vicente de Paulo da Lapa-PR,

no período entre 1950 -1964.

Foram realizadas entrevistas individuais, gravadas em arquivo eletrônico, na

residência dos entrevistados após uma explicação dos objetivos da pesquisa e do

interesse no depoimento. As perguntas foram realizadas de maneira aberta, com a

preocupação de privilegiar a trajetória da chegada ao educandário, das memórias de

infância, brincadeiras, estudo e práticas executadas no dia a dia na instituição. Após a

coleta dos depoimentos, o áudio foi transcrito e devolvido para os entrevistados a fim

de formalizar a autorização de uso e publicação.10

Ambos os depoimentos revelaram-se valiosos para a escrita e análise do

contexto educacional da instituição no recorte. Abrindo perspectivas de novas

abordagens para futuras pesquisas acerca da vivência das internas no Lar e

Educandário São Vicente de Paulo da Lapa -PR.

10 Vide Anexos 1e 2.

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1 O ESTUDO DAS INSTITUIÇÕES ESCOLARES E O LAR E

EDUCANDÁRIO SÃO VICENTE DE PAULO DA LAPA – PR.

1.1 BREVE HISTÓRICO SOBRE O ESTUDO DAS INSTITUIÇÕES ESCOLARES,

IMPORTÂNCIA E MOTIVOS PARA A PESQUISA.

O que se espera de um historiador é que seja capaz de pensar a História,

problematizando o presente através das ferramentas pertinentes ao seu ofício. Já o que

se supõe de um educador é que seja capaz de pensar sua ação nas mudanças e

continuidades do tempo, e que também participe de forma crítica na renovação da

escola e da pedagogia. Apenas existe história da educação a partir desta dicotomia. A

soma do rigor metodológico da investigação histórica com a observação específica

sobre a realidade educativa e pedagógica. Podemos dizer que o historiador da

educação é a “moeda destas duas faces”.11

Um dos campos que compete a História da educação é o estudo das

Instituições escolares, tema que vem crescendo no meio de debate acadêmico a passos

largos. Mas a que se deve tamanho interesse a este tema de pesquisa? Para resolver tal

indagação, é importante observarmos um breve histórico desta vertente de pesquisa.

Os estudos sobre instituições escolares no Brasil tiveram maior destaque a

partir dos anos 90, mas podemos dizer que surgiram antes disto de forma esporádica

em três momentos distintos.

Em primeiro momento nos anos de 1950 – 1960 na seção de pedagogia da

faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, FFCL/USP. Já

em 1955 este tema recebeu um impulso com a criação do Centro Brasileiro de

Pesquisas Educacionais, CBPE de São Paulo e o Centro Regional de Pesquisas

Educacionais, CRPE também de São Paulo – criado pelo INEP – ligado a USP, assim

facilitando a integração com o grupo da FFCL, criando um ambiente favorável para os

debates e efervescências nas pesquisas e publicações sobre a realidade da educação

brasileira. Tendo como principal tema de pesquisas a Educação e Sociedade. No

11 NÓVOA, A. Para que a História da Educação? In. STEPHANOU, Maria; BASTOS, Maria H. C. Histórias e memórias da educação no Brasil. vol. 2. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011. p. 9.

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16

entanto, alguns estudos sobre instituições escolares foram realizados mesmo neste

período.12

Um segundo momento é caracterizado pela expansão dos programas de Pós-

graduação em educação entre os anos de 1970 e 1980, período que gera pesquisas

qualificadas em dois pontos: A escolarização da Pós-graduação e o pensamento crítico

a educação em reação ao Regime Militar.

Nestes temas, dois aspectos polarizados se revelam. No que tange a

escolarização da Pós-graduação: o positivo é a produção de conhecimento e pesquisa,

associado a atividades de ensino; já o negativo é o burocratismo acadêmico que nivela

por títulos e diplomas a validade das pesquisas. Quanto ao Pensamento crítico da

educação: o positivo é a leitura dos clássicos como Marx, Gramsci, Foucault e

Bourdieu; como negativo, muitos estudos críticos reduzidos a visões genéricas e

pragmáticas, revelando um grande idealismo e voluntarismo político motivados pela

urgência da redemocratização. Observando estas polaridades, nota-se o um maior

privilégio dos estudos sobre a sociedade, e em menor número a escola.13

Já um terceiro momento se dá no ano de 1990, com a consolidação da

Pós-graduação e a chamada crise dos paradigmas, um pluralismo epistemológico e

temático que privilegiou o estudo de objetos temáticos singulares. De uma forma

positiva temos a ampliação das linhas de investigação, uma diversificação teórico-

metodológica e também a utilização de diversos tipos de fontes de pesquisa. É neste

terceiro momento que é privilegiado temas como a cultura escolar, formação de

professores, livros didáticos, entre outros.14

Este pluralismo epistemológico e temático que decai sobre a história da

educação é resultado das novas abordagens decorrentes da escola dos Annales, ou seja,

a chamada nova História francesa, que provocou uma grande transformação nos

objetos, na maneira de trabalhar do historiador e nas concepções de História. Antes

deste contexto, pelo menos até final dos anos 80, se fez uma História da educação

12 NOSELLA, Paolo; BUFA, Ester. Instituições escolares. Por que e como pesquisar. Campinas, SP: Alínea, 2009. p. 13-14. 13 Id. Ibid. p. 15-16. 14 Id. Ibid. p. 16.

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pautada no positivismo15. O historiador positivista tende a considerar a sociedade, a

qual pretende pesquisar, um todo harmonioso, passível de ser conhecido da mesma

forma que a natureza, sem a interferência ativa do pesquisador seja seus valores, visão

de mundo, ideologias ou condicionamentos sociais. Para um historiador positivista as

únicas fontes dignas de confiança são os documentos escritos. Fustel de Coulanges

(1830-1889) historiador positivista no século XIX afirma que “A única habilidade do

historiador consiste em tirar dos documentos tudo o que eles contêm e em não lhes

acrescentar nada do que eles não contêm. O melhor historiador é aquele que se

mantém o mais próximo possível dos textos.”16 A partir dos anos 80 e 90, as novas

abordagens inspiradas nas transformações propostas pela escola dos Annales também

encantaram os historiadores da educação brasileira, considerando as fontes tradicionais

de pesquisas insuficientes, englobaram o novo conceito de fonte ampliado, olhando

agora para as memórias, histórias de vidas (escritas ou orais), livros, cadernos de

alunos discursos de solenidades, ata, jornais de época, almanaques, livros de ouro,

correspondência epistolar, relatórios, fotografias, plantas de prédios e diversas outras

fontes que permeiam a cultura escolar.17

Atualmente o estudo das instituições escolares é um tema bastante

significativo nas pesquisas entre os educadores, com ênfase na História da educação. A

expressão cultura escolar vem sendo amplamente utilizada como grande categoria de

estudo porque:

A cultura escolar não pode ser estudada sem a análise precisa das relações conflituosas ou pacíficas que ela mantém, a cada período de sua história, com o conjunto das culturas que lhes são contemporâneas: cultura religiosa, cultura política ou cultura popular. Para ser breve, poder-se-ia descrever cultura escolar como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos.18

15 Sistema filosófico criado pelo filósofo francês Augusto Comte (1789-1857) segundo o qual só tinha valor o conhecimento baseado n observação e na ciência. 16 LE GOFF, J. História e Memória. 3. ed. Campinas, SP: UNICAMP, 1994. p. 536. 17 NOSELLA, Paolo; BUFA, Ester. Instituições escolares. Por que e como pesquisar. Campinas, SP: Alínea, 2009. p. 57-62. 18 JULIA, D. ap. NOSELLA, Paolo; BUFA, Ester. ibid. p. 18.

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No que se refere a cultura escolar, isto é, o conjunto de normas práticas que

variam no espaço e no tempo que apesar das diferenças, podem coexistir na instituição

escolar, podemos evidenciar alguns tópicos que funcionam como categoria de análise:

o contexto histórico e circunstâncias específicas em que a instituição foi criada;

processo evolutivo, origens, apogeu e situação atual da vida escolar; o edifício,

organização do espaço, estilo, acabamento, implantação, reformas e eventuais

descaracterizações ; alunos, origem social, destino profissional e suas organizações;

professores e administradores, origem, formação, atuação e organização; saberes,

currículo, disciplinas, livros didáticos, métodos e instrumentos de ensino; normas

disciplinares, regimentos, organização de poder, burocracia, prêmios e castigos;

eventos, festas, exposições, passeios e desfiles.

Com todo este leque de categorias de estudo, os grupos de pesquisa se

multiplicaram nos congressos de educadores, locais em que são apresentados inúmeros

trabalhos de Pós-graduação a respeito das mais variadas instituições escolares, seja

pública, privada, militar ou religiosa. Outros países como Portugal, França, Itália e

Espanha, as pesquisas também vem se destacando, levando a entender que esta é uma

linha de pesquisa em ascensão.19

No entanto, um grande desafio se mostra ao pesquisador de instituições

escolares: a situação do acervo das instituições, geralmente esquecidos e acumulados

em porões ou salinhas sem o mínimo de cuidado adequado. O pesquisador que se

aventura, muitas vezes tem que organizar e higienizar os acervos para conseguir dar

continuidade a uma determinada pesquisa. Todo este trabalho e resgate por parte dos

pesquisadores vem a colaborar e muito, para a consulta e futuras pesquisas até mesmo

para a instituição pesquisada.

Mas por que estudar instituições escolares? O grande motivo não pode ser

somente o de desenterrar histórias e sombras significativas do passado de uma

determinada instituição escolar; um ponto importante que deve ser considerado é a

importância da pesquisa para os atuais envolvidos no espaço escolar, seja alunos, ex-

alunos, professores, administradores, funcionários ou comunidade escolar; o

conhecimento da história da escola pode elevar o nível de responsabilidade e

19 NOSELLA, Paolo; BUFA, Ester. Op. cit. p. 18-23.

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comprometimento com a instituição; além também de resgatar uma parte da história da

educação no Brasil e mais ainda, dar a possibilidade de causar uma

[...] consciência tão nítida de que somos criadores, e não apenas criaturas, da história. A reflexão histórica, mormente no campo educativo, não serve para “descrever o passado”, mas sim para nos colocar perante um patrimônio de ideias, projetos e experiências. A inscrição do nosso curso pessoal e profissional neste retrato histórico permite uma compreensão crítica de “quem fomos” e de “como somos”.20

1.2 MANTENEDORA ASSOCIAÇÃO DAS DAMAS DE CARIDADE SÃO

VICENTE DE PAULO. LAPA-PR.

O fim do século XIX e o início do século XX, foi um período de

reestruturação e transformação. Um dos pontos principais observados é a separação da

Igreja do Estado no ano de 1890. A Igreja teve que se reconfigurar e a partir deste

contexto, um grande número de associações religiosas e leigas foram formadas com a

intenção de atender a demanda da caridade, da assistência social e da educação. De

forma geral, surgiram associações de mulheres que desejavam agir e atuar em favor

dos desprovidos de saúde, alimento, roupas e dos sacramentos católicos.

Estes movimentos surgiram na Alemanha e na França na metade do século

XIX, onde um grupo de pessoas começaram a organizar o trabalho assistencial de

forma mais estruturada, dividiam-se em grupos de vizinhança. O trabalho era

voluntário e realizado por aqueles que possuíssem bens e ajudavam os pobres. Foi a

partir daí que surgiram as chamadas “Damas de Caridade”, que observavam os

necessitados por meio de visitas para daí partir para a ajuda. Segundo Ana Maria R.

Estevão, foi a partir deste trabalho que instaurou um marco importante na organização

da Assistência Social, sobretudo a fundação em 1869 da sociedade de Organização da

Caridade na cidade de Londres. É este o momento que é disseminado pelo mundo

capitalista os princípios de Assistência Social.21

20 NÓVOA, A. Para que a História da Educação? In. STEPHANOU, Maria; BASTOS, Maria H. C. Histórias e memórias da educação no Brasil. vol. 2. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011. pg. 10-11. 21 ESTEVÃO, Ana Maria R. O que é serviço social. 6 ed. São Paulo Brasiliense, 2006.p. 11-13.

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No Brasil as Associações das Damas de Caridade e as congregações femininas

católicas atuaram no campo social e religioso em várias cidades. Fundaram asilos,

hospitais, atenderam a doentes, realizaram assistência e educação de crianças pobres,

atuaram na educação da família e na doutrinação cristã. O ‘servir ao outro’ foi

prioridade designada as mulheres que através destas práticas sociais e educativas

poderiam fortalecer a presença da Igreja Católica no interior das comunidades

pobres.22

Na cidade da Lapa-PR, na data de 9 de maio de 1903 é fundada a Associação

das Damas de Caridade São Vicente de Paulo, registrada como pessoa jurídica

somente em 5 de setembro de 1933. Uma confraria de senhoras católicas que tem por

objetivo:

I, promover, por todos os meios ao seu alcance, a completa prestação de assistência aos infantes, velhos, cegos e anormais desvalidos; a) Visitando assiduamente, ou, pelo menos uma vez por semana, os doentes pobres, em seus próprios domicílios, procurando com o zêlo e carinho aliviar seus sofrimentos corporais e espirituais.23

Observando o Estatutos da Associação das Damas de Caridade São Vicente de

Paulo da Cidade da Lapa-PR, notamos o ideal da caridade difundido pelo mundo

através dos movimentos de caráter assistencial, postos de maneira a ser mais

organizados através dos “grupos de vizinhança” já aqui mencionados. Da mesma

maneira que na segunda metade do século XIX, as Damas de Caridade procuravam:

[...] em primeiro lugar conhecer as verdadeiras necessidades de cada um. Usar economicamente as esmolas disponíveis, visitar a casa dos pobres e necessitados, estudar conscienciosamente os pedidos de ajuda e conseguir trabalho para os “desocupados”, para prevenir os problemas derivados da pobreza.24

22 BONIFÁCIO, Nadja Santos. Manchetes, notas e comentários: As recordações do oratório festivo são João Bosco nas páginas de jornais sergipanos. GEPHE/UFS. p. 3-4. Disponível em: <http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe5/pdf/511.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2015. 23LAPA-PR. Estatutos da Associação das Damas de Caridade São Vicente de Paulo da cidade da Lapa. 1939. 24 ESTEVÃO, Ana Maria R. O que é serviço social. 6 ed. São Paulo Brasiliense, 2006. p. 13.

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FIGURA 1 – CAPA DOS ESTATUTOS

FONTE: Acervo Casa da memória - Lapa-PR

A Associação das Damas de Caridade da Lapa, surgiu do propósito da criação

do Lar e Educandário São Vicente de Paulo, em 1906. Asilo edificado pelo desejo de

uma mulher, Eugênia Marques Corrêa, que segundo consta em sua caderneta de

sonhos25, sonhou que um santo lhe pedira para construir um Asilo, e ao amanhecer,

acreditou ser possível tal trabalho. Desde seu surgimento, o Asilo foi mantido pela

sociedade local, pois além de Dona Eugênia outras mulheres da cidade tomaram frente

neste trabalho humanitário. Dona Delfina, dona Maria Eufrasia, entre outras, se

mostraram fundamentais para a concretização do sonho de dona Eugênia. No entanto,

para trabalhar nas dependências do Asilo, foi solicitado a vinda das irmãs da ordem de

São José de Chambéry, estas que só poderiam vir para a cidade se também fosse

25 FREITAS, Fátima e Silva de. O sonho de Dona Eugênia. Curitiba-PR: IPHAN-10º SR, 1999. p. 15.

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construído um colégio, que também foi edificado para que as irmãs prestassem seus

serviços tanto na educação, quanto no atendimento aos necessitados.26

1.3 O TRABALHO DAS IRMÃS DA ORDEM DE SÃO JOSÉ DE CHAMBÉRY/ MÔUTIERS.27

As irmãs de São José tiveram sua origem na França, na cidade de Le Puy, no

século XVII, por meio do padre jesuíta Jean Pierre Médaille que fundou a congregação

das filhas de São José, um agrupamento de mulheres que não usavam hábito para

realizar o apostolado na comunidade e tinham uma maneira própria de compreender e

viver o evangelho. Na cidade de Le Puy foi o início da congregação, considerada

Casa-mãe e aos poucos foram surgindo novas casas no centro e no sul da França. Uma

das casas que teve grande realce foi formada na Saboia, pela Madre São João Marcoux

(1785-1855), que fundou sucessivamente as congregações de Chambéry e de Môutiers

em Tarentaise, para cuidarem dos serviços educacionais, e também atuarem na

assistência aos doentes hospitalizados. Estas religiosas abriram uma escola em 1827 e

iniciaram atividades de pensionato na cidade de Môutiers.28

A vinda das Irmãs de Môutiers para o Paraná, se deu principalmente, pela

situação em que se encontrava a Igreja na França no final do século XIX. O

catolicismo francês a partir de 1860, obteve um aumento das vocações religiosas.

Segundo Aubert29, em 1851 a França contava com 34.208 religiosas, e em 1861 o

número passou a 89.243. Os religiosos masculinos não chegavam a 3.000 em 1851,

aumentando para 17.650 em 1861. Estes religiosos estavam incumbidos tanto no

ensino nas instituições do Estado como também no ensino livre. A assistência social

26 FREITAS, Fátima e Silva de. Op. cit. p. 15-17. 27A Ordem das irmãs de São José de Chambéry, que também é conhecida como “Congregação das Irmãs de São José de Tarentaise”, nome da Diocese onde se encontra a Casa Generalícia das Irmãs de São José, na Sávoia – França; ou nomeada também como “Irmãs de São José de Moûtiers”, cidade da Diocese de Tarentaise. 28 PIZANI, Maria Angelica Pinto Nunes. O cuidar na atuação das irmãs de São José de Moutiers na Santa Casa de Misericórdia de Curitiba (1896-1937). 296 p. Tese (Doutorado História) –Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2005. Disponível em <http://www.poshistoria.ufpr.br>. Acesso em: 31 mar. 2015. p. 27-36. 29 AUBERT, 1995. Apud. PIZANI, Maria Angelica Pinto Nunes. O cuidar na atuação das irmãs de São José de Moutiers na Santa Casa de Misericórdia de Curitiba (1896-1937). 296 p. Tese (Doutorado História) –Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2005.Disponível em <http://www.poshistoria.ufpr.br>. Acesso em: 31 mar. 2015. p. 27-36.

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também tinha grande presença na atuação da Igreja, seja em asilos, orfanatos ou

hospitais.

Contrapondo este crescimento, os positivistas estavam preocupados em

combater a Igreja católica, em particular seu domínio sobre a educação dos jovens

franceses. Jules Ferry, ministro da Instrução Pública (1879-1885), decreta o

fechamento temporário de 261 conventos masculinos e promulga a lei de 28 de março

de 1882, esta que cancelava a obrigatoriedade do ensino religioso. Uma outra medida

foi a instituição da lei de 30 de outubro de 1886 que determinava a neutralidade da

escola e a saída de religiosos e freiras das escolas públicas. Começava ai um processo

laicização da sociedade francesa.30

A partir daí, conventos foram fechados, toda a simbologia religiosa foi retirada

até de hospitais, passando assim a assistência pública para uma face civil. O confisco

de seminários seguia de forma abrangente na França pela vontade de cisão do Estado

com a Igreja, os estabelecimentos de noviciados acabaram forçados a emigrarem para

o estrangeiro.31 Contexto este, constatado nas memórias registradas nas crônicas das

Irmãs de São José de Chambéry da província do Paraná.

Negro era o céu da França. Terrível tormenta ameaçava a filha primogênita da Igreja. A Reverenda Madre previa horas de perseguição para sua família religiosa: escolas fechadas ou laicizadas, apostolado limitado, perigos de muita espécie. Esta perspectiva aumentava nela o desejo de fundar obras além mar. Seus ardentes anseios seriam satisfeitos. Recusadas nas escolas francesas, as Irmãs de São José iriam longe, muito longe levar o nome de Deus. No Brasil distante havia boa vontade. A terra de Santa Cruz receberia, grata, as Missionárias heroicas, zelosas, que a França lhe estava preparando.32

30 PIZANI, Maria Angelica Pinto Nunes. O cuidar na atuação das irmãs de São José de Moutiers na Santa Casa de Misericórdia de Curitiba (1896-1937). 296 p. Tese (Doutorado História) –Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2005. Disponível em <http://www.poshistoria.ufpr.br>. Acesso em: 31 mar. 2015. p. 27-36. 31 PIZANI, Maria Angelica Pinto Nunes. O cuidar na atuação das irmãs de São José de Moutiers na Santa Casa de Misericórdia de Curitiba (1896-1937). 296 p. Tese (Doutorado História) –Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2005. Disponível em <http://www.poshistoria.ufpr.br>. Acesso em: 31 mar. 2015. p. 27-36. 32 CRÔNICAS da Província do Paraná da Congregação das Irmãs de São José de Chambéry 1896-1933. p. 2.

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Considerando este ponto, é importante explicar brevemente o ideal positivista

que gerou tamanha adesão na França, como também influenciou o pensamento

intelectual e político da República brasileira no fim do século XIX e início do XX.

O século XIX é considerado um grande marco tanto do triunfo do liberalismo

europeu, o qual a única realidade é a liberdade do homem; e também o grande êxito do

cientificismo, este que engloba e explica o mundo dos valores e o mundo dos fatos.

Segundo o pensamento liberal, o desenvolvimento moral, cultural, econômico

e político da sociedade, somente seria alcançado através do livre desenvolvimento do

espírito e das faculdades mentais do indivíduo. Neste ponto, o valor da personalidade

era considerado anterior a todas as condições históricas, políticas, sociais e culturais,

desta forma, impondo categoricamente o respeito da liberdade e igualdade, que é inata

aos indivíduos, antes de qualquer experiência.33

Esta concepção de pensamento, aos poucos começou a se transformar, na

tentativa de unir sua estrutura apriorística com o empirismo, este último, que ensinava

que todo o conhecimento se reduz a dados de experiência sensível. Neste contexto, o

racionalismo abstrato dos liberalistas começa a ser contestado, e partir daí, surge os

defensores do cientificismo, com a mentalidade do progresso contínuo e a afirmação

de que os fatos apenas são conhecidos através da experiência. Assim, surge o

positivismo (ou cientificismo) e este passa a dominar o pensamento típico do século

XIX, seja como método ou como doutrina.34

O grande nome de referência sistematizador do positivismo é Augusto Comte

(1798-1857). Filósofo, nasceu em Montpellier na França e estudou na Escola

Politécnica de Paris, foi professor de matemática e escritor. Tendo como uma de suas

principais obras o “Curso de filosofia positiva”, publicado a partir de 1830 em seis

volumes.35

Segundo Comte, a ciência não é mais que a sistematização do bom senso, que

acaba por nos convencer de que somos simples espectadores dos fenômenos

exteriores, independentes de nós, e que não podemos modificar a ação destes sobre

33 RIBEIRO, João. O que é positivismo. São Paulo: Brasiliense, 2001. Coleção Primeiros passos, n. 72. p.11. 34 Id. Ibid. p. 12. 35 TAMBARA, Elomar. Educação e positivismo no Brasil. In: STEPHANOU, Maria e BASTOS, Maria Helena Camara (orgs.). Histórias e memórias da educação no Brasil. Rio de Janeiro: Vozes, 2005, v. 2, p. 166.

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nós, senão submetendo-nos às leis que os regem.36 É nas ciências naturais que se

encontra o caminho a seguir, pela observação e a experimentação, desta forma,

descobrirá as relações permanentes que ligam os fatos, cuja a importância é básica na

reforma econômica política e social da sociedade. O positivismo é, portanto

uma filosofia determinista que professa, de um lado, o experimentalismo sistemático e, de outro, considera anticientífico todo o estudo das causas finais. Assim, admite que o espírito humano é capaz de atingir verdades positivas ou da ordem experimental, mas não resolve as questões metafísicas, não verificadas pela observação e pela experiência.37

Na fundamentação da filosofia de Comte, se encontra a premissa de que é

somente no estado positivo que o espírito humano reconhece a impossibilidade de

obter noções absolutas. Desta forma, “renuncia indagar a origem e o destino do

universo e a conhecer a causas íntimas dos fenômenos, para se consagrar unicamente e

descobrir, pelo uso combinado do raciocínio e da observação, as suas leis efetivas

[...]”. 38

Comte admite para o desenvolvimento do espírito humano uma lei

fundamental, esta nomeada de lei dos três estados, que é uma base de sua explicação

da história sendo: o estado teológico-fictício – em que o espírito humano explica os

fenômenos por meio de vontades transcendentes ou agentes sobrenaturais; o estado

metafísico-abstrato – onde os fenômenos são explicados através de forças ou entidades

ocultas e abstratas (exemplo: o princípio da força vital); e o estado positivo-científico

– este que explica os fenômenos, através de leis experimentalmente demostradas.39

Nesta hierarquia pensada por Comte, o Estado Positivo é onde o espírito

humano descansa e encontra a ciência, é ponto máximo da evolução da sociedade. No

pensamento comtiniano, só é reconhecido as ciências experimentais, ou seja, positivas,

assim, acaba por distinguir as ciências abstratas das concretas. Segundo o filósofo, as

ciências abstratas são fundamentais e formam seis grupos que são dispostos de forma

hierárquica sendo: matemática, astronomia, física, química, biologia e a sociologia. Já

36 RIBEIRO, João. Op. cit. p. 14. 37 Id. Ibid. p. 15. 38 Id. Ibid. p. 18. 39 Id. Ibid. p. 19.

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as concretas como a mineralogia, botânica e a zoologia, segundo Comte, não estão

constituídas e não são classificadas.

Uma face deste pensamento comtiniano é a chamada religião da humanidade,

em que o filósofo se volta para o estudo da humanidade como grande ser. Daí a

inspiração máxima do positivismo na fórmula: “O Amor por princípios, e a ordem por

base; o Progresso por fim”. Nesta máxima da dialética positivista, podemos dizer que

o amor procura a ordem e a impede para o progresso; a ordem consolida o amor e

dirige o progresso; o progresso desenvolve a ordem e reconduz o amor. Assim, deste

contexto altruísta (termo criado pelo autor), Comte inventa sua religião, puramente

racional, natural, científica e particularmente humana, esta que não admite mistérios,

revelação, vontade sobrenatural e que não aceita nenhuma crença cuja a experiência e

sua razão não tenha podido demostrar.40

Na doutrina criada por Comte, é importante mencionar ainda, o papel da

mulher dentro do pensamento positivista. Para o positivismo, a humanidade é formada

só de homens. Já a mulher, segundo o filósofo, está condenada a inferioridade pelas

leis irrevogáveis da natureza. No entanto, apesar de serem excluídas da humanidade

divinizada, não são excluídas da sociedade positiva. À elas, cabe o papel de inspirar

seus membros. Porque segundo Comte, elas são o sustentáculo das Providência Sociais

e tem uma função moderadora e uma missão única de amar.41

Posto aqui o filósofo francês Augusto Comte como referência fundamental da

sistematização do positivismo, é necessário lembrar que outros pensadores também

contribuíram para esta concepção de mundo, claro que cada um com sua vertente

peculiar de ideias. Entre os autores se encontra Stuart Mill (1806-1873), filósofo e

economista inglês; Herbert Spencer (1820-1903), adepto da teoria da evolução das

espécies42 e também inglês; e Saint Simon (1760-1825), filósofo e economista francês.

Com todo este conjunto de autores voltados para a economia, ou para a

seleção natural, ou para o progresso, percebemos que o positivismo tornou-se a

vertente mais relevante de pensamento, sobretudo, pela caracterização da época em

40 Id. Ibid. p. 29. 41 Id. Ibid. p. 32. 42 Teoria defendida primeiramente pelo cientista inglês Charles Darwin (1809-1882) que diz que há um lento processo de desenvolvimento e de transformação dos seres vivos, através de uma seleção natural.

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que ocorria a emergência capitalista. Desta forma, pode-se dizer que esta ideologia

positivista é uma resposta às consequências do sistema capitalista, este que motivou a

sociedade europeia.43 Olhando para o contexto, observamos que o movimento

positivista, que se pretendia inovador, acabou por impregnar todo o ambiente cultural

do século XIX, universalizando a experiência e resolvendo nela toda a realidade e

também vinha expor, de uma maneira sistematizada, a confiança da burguesia em seu

próprio impulso transformador.44

Na França, o positivismo tinha uma estreita ligação com os políticos da

chamada terceira república francesa (1870), sobretudo, com alguns deles sendo

positivistas declarados, como: Gambetta e Jules Ferry. Estes faziam parte de um grupo

que tinham como ponto político central o pensamento expresso na frase “ordem e

progresso”, acreditavam tornar a República um sistema viável de governo. Durante a

terceira República, também iniciou o processo de laicização da educação na França. A

laicização da escola faz parte de um movimento mais amplo de secularização que foi

projetado a fim de proteger as instituições civis da influência das confissões religiosas,

principalmente da Igreja Católica.45

Traçado este breve perfil histórico, percebemos que a ação dos positivistas

sobre os seminários, escolas, orfanatos e hospitais que estavam a cargo da causa

religiosa na França, se deu pelo profundo desejo de separação entre Estado e Igreja,

motivado por um pensamento republicano progressista, que considerava o ensino

confessional uma ameaça ao estado laico.

Diante de todo este contexto, notamos que a vinda da Congregação de São

José para o Paraná não foi um fato isolado, mas sim parte de um contexto histórico que

levou a um planejamento da Igreja em busca de promover uma reforma da Igreja

Católica comandada pelo Vaticano e com a adesão do episcopado brasileiro. Com a

criação da diocese de Curitiba, era necessário o atendimento às obras sociais que a

43 TAMBARA, Elomar. Educação e positivismo no Brasil. In: STEPHANOU, Maria e BASTOS, Maria Helena Camara (orgs.). Histórias e memórias da educação no Brasil. Rio de Janeiro: Vozes, 2005, v. 2, p. 166. 44 RIBEIRO, João. Op. cit. p.55. 45 BAFFI, Sandro. Laïcité et enseignement em France au XX siècle: Une conquête, um affrontement, um questionnement. In: PINTASSILGO, Joaquim (coord.). Laicidade, Religiões e Educação na Europa do Sul no Século XX. Instituto de Educação da Universidade de Lisboa. Disponível em: <http://core.ac.uk/download/pdf/12428142.pdf>. Acesso em: 20 de abr. 2015.

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cidade estava demandando, desta forma, busca-se no estrangeiro uma congregação de

experiência neste atendimento. Atendendo à solicitação do Bispo Dom José de

Camargo Barros, foram enviados ao Paraná seis religiosas e dois sacerdotes capelães,

que partiram da França em 23 de junho de 1896 com destino a Bahia de Paranaguá.46

Sendo as religiosas: "Madre Marie Joseph (Marie Aline Jacquier); Irmã Cécile (Marie

Françoise Meimoz); Irmã Marie Lucie (Jeanne Marie Rolland); Irmã Marie Françoise

(Victoire Michel); Irmã Flavie (Anne Marie Verginne Borlet) e Irmã Marie Basile

(Thérese Bonnevie).”47

FIGURA 2 – AS PRIMEIRAS IRMÃS DE SÃO JOSÉ NO PARANÁ

FONTE: Acervo da Congregação de São José

NOTA: Figura extraída de: PIZANI, Maria Angélica Pinto Nunes. O cuidar na atuação das irmãs de São José de Moutiers na Santa Casa de Misericórdia de Curitiba (1896-1937). P. 108.

Após longa viagem chegam a sua nova pátria em 29 de julho de 1896. Como

primeiro campo de atuação a Santa Casa de Misericórdia de Curitiba passa ao controle

das Irmãs de São José de Môutiers. Após uma série de novos empreendimentos

46PIZANI, Maria Angelica Pinto Nunes. O cuidar na atuação das irmãs de São José de Moutiers na Santa Casa de Misericórdia de Curitiba (1896-1937). 296 p. Tese (Doutorado História) –Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2005. Disponível em <http://www.poshistoria.ufpr.br>. Acesso em: 31 mar. 2015. p. 27-36. 47 CRÔNICAS da Província do paraná da Congregação das Irmãs de São José de Chambéry 1896-1933. p. 02.

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ficaram a cargo das irmãs, tanto na capital, como no resto do Paraná. Entre eles a

Santa Casa de Paranaguá em 1897; o Hospital da Estrada de Ferro em Curitiba

(Cajuru); o Colégio São José em Curitiba em 1902; o Colégio São José de Paranaguá

também em 1902; o Hospital Psiquiátrico Nossa Senhora da Luz em Curitiba em 1903;

o Colégio São José de Morretes em 1903; o Colégio São José de Castro em 1905;

Colégio São José da Lapa, entre outros.48

A chegada da congregação das irmãs de São José no Paraná se deu em um

momento que o Brasil passava por tentativas de transformações devido à recente

República proclamada (1889). No fim do século XIX no Brasil, começava a aparecer

pessoas interessadas nas ideias positivistas. Este fato ocorreu principalmente pelo

motivo da predominância da cultura francesa que influenciava parte da

intelectualidade brasileira. No entanto, não podemos afirmar que este pensamento

influenciou a população em geral, mas aos poucos setores expressivos da sociedade

passaram a incorporar as ideias de Comte, como exemplo temos Benjamin Constant,

no exército e Júlio Castilhos na política. Assim, passo a passo o pensamento positivista

conseguiu se opor ao modelo ideológico dominante, ou seja, o liberalismo.49

É importante lembrar que o liberalismo representou um processo de renovação

à ordem monárquica existente, desta forma, o positivismo serviu para juntar setores

interessados em uma nova ordem social. Contexto explicado segundo José Murilo de

Carvalho:

Os republicanos brasileiros que se voltavam para a França como seu modelo tinham a disposição, portanto, um rico material em que se inspirar. O uso desta simbologia revolucionária era facilitado pela falta de competição por parte da corrente liberal, cujo o modelo eram os Estados Unidos.50

Porém, enquanto na Europa o positivismo servia para justificar as atitudes da

burguesia em sua crença no progresso constante da humanidade, nas Américas o

movimento aparecia carregado com seu caráter político. Tratando do Brasil, as

condições econômicas, sociais e políticas também não se igualavam as da Europa. Por

48 CRÔNICAS da Província do paraná da Congregação das Irmãs de São José de Chambéry 1896-1933. Passim. 49 TAMBARA, Elomar. Educação e positivismo no Brasil. In: STEPHANOU, Maria e BASTOS, Maria Helena Camara (orgs.). Histórias e memórias da educação no Brasil. Rio de Janeiro: Vozes, 2005, v. 2, p. 166. 50 CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. p. 12.

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aqui, a expansão da cafeicultura guiou as transformações na sociedade, na esperança

de que uma oligarquia cafeeira alcançasse a hegemonia sobre o Estado.

A condução do movimento republicano pelo exército, se dá inspirado em

Benjamin Constant, este que era muito prestigiado pelos jovens oficiais. Os militares

encontram no positivismo uma maneira de combater a cultura política imperial, assim

impondo uma política baseada em estudos nas novas ciências sociais e naturais. Para

além disto, descobriram nessa linha de pensamento de Comte instrumentos que se

encaixavam para a formulação de um novo tipo de autoritarismo, este em defesa de

seus interesses corporativos. Mesmo entre os republicanos históricos, ou seja, a elite

cafeeira e os abolicionistas, a doutrina positivista teve aceitação, contexto este

demostrado na bandeira do Brasil com o seu Ordem e Progresso. Para além, também

se deve ao positivismo a restruturação do ensino, a separação da Igreja do Estado, a

liberdade de cultos e a semente da legislação trabalhista.51

Como já exposto aqui, a ideologia positivista não era conhecida pela maioria

da população brasileira, menos ainda, era compartilhada pela maioria da

intelectualidade nacional. Mas, analisando o Paraná do fim do século XIX, com um

olhar mais específico na cidade de Curitiba e comparando a reação da imprensa à

chegada das comitivas religiosas, podemos por um lado notar a opinião da

intelectualidade curitibana, expressada através do Suplemento Literário da República

“O Cenaculo”, pelo qual manifestava-se Dario Vellozo preocupado com a influência

da Igreja em relação a ordem social.

Ha cerca de dous anos, começou neste Estado, com a instalação da Diocese, intenso movimento religioso, - caracterisado principalmente pela idea de difundir a instrução religiosa.[...] A instrução religiosa é, incontestavelmente, poderoso elemento de propaganda em prol do Catholicismo; porem, assaz funesta á Sociedade, á Nação, á Humanidade. A instrução religiosa não pode explicar com lealdade a Sciencia moderna: falsea a verdadeira interpretação da Philosophia, condemna a Selecção natural, é contra o Polygenismo; a instrução religiosa está mettida em circulo de ferro: - o dogma. Para que o ensino cívico, - em collegios dirigidos, embora por conspicus sacerdote, - podesse merecer o apoio daqueles para quem a Instrucção é o mais sagrados dos deveres cívicos e o mas alevantado princípio de humanização, - seria indispensável que a Egreja adaptasse a Religião á Sciencia, disvirtuasse o dogma, visse na Biblia tão somente a mais extraordinária das epopeas theogonicas.[...] [sic]52

51 RIBEIRO, João. O que é positivismo. São Paulo: Brasiliense, 2001. Coleção Primeiros passos, n. 72. p.67. 52 VELLOZO, D. A Imprensa e o Clero. O Cenáculo, Curitiba, fev. 1896, p. 33-34.(Texto em sua grafia original)

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Analisando este trecho da publicação, fica evidente a orientação do autor nas

diretivas positivistas, a preocupação com o movimento religioso causado pela

instalação da diocese de Curitiba, disseminação do catolicismo, e que segundo

Vellozo, era uma tragédia a sociedade a nação e a humanidade. Outro ponto a destacar

é a sugestão que o mesmo coloca para os colégios religiosos, para que o ensino cívico

receba apoio de pessoas com o sagrado dever da instrução, para o princípio da

humanização. Fica claro neste conteúdo o desejo, por parte do autor, em uma educação

mais laica e voltada para a ciência e para a humanização.

FIGURA 3 – ÍNDICE O CENACULO (1896)

FONTE: O Cenáculo, Curitiba, fev. 1896

NOTA: Exemplar microfilmado, sessão paranaense, Biblioteca Pública do Paraná.

Em contrapartida, uma outra publicação periódica intitulada “A REPUBLICA

Órgão do partido republicano”, comunicava no ano anterior (1895), em tons de boas-

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vindas, a chegada ao Paraná da primeira comitiva religiosa feminina denominada

Nossa Senhora dos Santos Anjos para a fundação de um colégio de meninas.

Estas irmans, educam as meninas para a sua nobre missão na sociedade, missão de boas e exemplares mães de família, das quaes dependerá mais tarde, n'um futuro não mui remoto, as abençoadas escolas onde hão de formar-se – "cidadãos sérios e uteis, mulheres fortes e honestas, conscias dos proprios deveres". Grave responsabilidade pesa sobre os paes pela educaçào dos filhos, que, para ser bôa, não se deve permittir sem os confortos da religião; afim de que – "floresça a saude do corpo, ao mesmo tempo que na alma augmente o esplendor da virtude". Oh! Exclama ainda aquelle mesmo escritor emerito, eu comprehendo muito bem que os inimigos da religião empreguem todos os esforços para arrancar a fé do coração da mulher! Elles sabem que enquanto ao lado da joventude estiver a mãe christã, deverão luctar com um obstáculo insuperavel; sabem, que enquanto os filhos beberem dos labios maternos o sentimento religioso, cairão frustrados os planos de impiedade; o signal da cruz, que a mãe imprimiu na fronte do filho poderá velar-se, mas não se extinguirá, e mais tarde ou mais cêdo, resplandecerá de novo. Já as famílias christãs, conscias dos seus deveres e da sua responsabilidade perante a sociedade e diante de Deus, têm agora aonde confiar a educação moral e religiosa das suas jovens herdeiras.[sic]53

Neste recorte é evidente a preocupação com a educação das meninas para a

formação da mulher com base no pudor e na religião. Desta forma, o novo colégio

vinha para educar as meninas para seu dever na sociedade, o de mulher e mãe.54 Nota-

se aqui, uma ligação com o pensamento positivista, mais também, a permanência de

um costume baseado na moral cristã que já vinha da época do Império. Porém, ao

mencionar os esforços dos inimigos da religião em arrancar a fé dos corações das

jovens, percebemos a não concordância com uma sociedade laica, também um sinal de

transformação no pensamento da época em que, por um lado, tínhamos uma

intelectualidade a favor da laicização e de outro, um apego a religião.

53 BLONDET, L. Collegio de Meninas. Jornal A República. Curitiba, 13 nov. 1885, ano X, n. 264. (Texto em sua grafia original). 54PIZANI, Maria Angelica Pinto Nunes. O cuidar na atuação das irmãs de São José de Moutiers na Santa Casa de Misericórdia de Curitiba (1896-1937). 296 p. Tese (Doutorado História) –Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2005. Disponível em <http://www.poshistoria.ufpr.br>. Acesso em: 03 abr. 2015. p. 107.

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FIGURA 4 – PÁGINA 1 PERIÓDICO A REPÚBLICA (1895)

FONTE: Jornal A Republica, 13 nov. 1885

NOTA: Exemplar microfilmado, sessão paranaense, Biblioteca Pública do Paraná.

A chegada das irmãs de São José e o início de suas atividades no Paraná, se

faz neste contexto Curitibano. Após alguns anos de atuação em várias localidades do

Estado, sua assistência é solicitada na cidade da Lapa-PR. Assim, atendendo ao pedido

do vigário da Paróquia, Padre Lamartine Miranda e da Associação das Damas de

Caridade da Lapa, as Irmãs de São José aceitam missão de assistência no pequeno

asilo da cidade nomeado Asilo São Vicente de Paulo. A chegada das irmãs a Lapa

somente se concretizou com a fundação do Colégio São José da Lapa, que junto do

asilo, poderiam atuar na educação na região e na assistência aos desfavorecidos.55

1.4 O LAR E EDUCANDÁRIO SÃO VICENTE DE PAULO NA LAPA-PR. 56

Para abordar a fundação e consolidação do Lar e Educandário São Vicente de

Paulo em seus primeiros anos, aqui é utilizado um caderno organizado em forma de

crônica (já referenciado neste trabalho), este que relata os empreendimentos que

55FREITAS, Fátima e Silva de. O sonho de Dona Eugênia. Curitiba-PR: IPHAN-10º SR, 1999. p. 17. 56 A documentação revela vários nomes para a instituição: Asilo São Vicente de Paula, Asylo São Vicente de Paulo (nos primeiros anos da instituição) e Lar e Educandário São Vicente de Paulo – alteração feita em 1974.

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ficaram a cargo das irmãs de são José de Chambéry no Paraná, desde a chegada da

congregação 1896 à 1933. Por serem escritos pela congregação, os manuscritos

carregam em si um forte sentimento de realização de uma missão divina, no entanto, se

revelam ricos para a análise das atividades iniciais do asilo e educandário da Lapa-PR.

Assim, vamos a ele.

FIGURA 5 – CRÔNICAS IRMÃS DE SÃO JOSÉ DE CHAMBÉRY

FONTE: Acervo da Congregação de São Jose.

Como conta as crônicas das irmãs de São José, este asilo foi fundado com o

apoio do Padre Lamartini Miranda, então Vigário da Paróquia e da Associação das

Damas de Caridade da Lapa, que com pouco dinheiro, compraram uma velha casa na

Rua Boa Vista, um local favorável ao desenvolvimento da obra assistencial. A pedido

da associação e do Vigário da paróquia foram nomeadas duas religiosas para dirigir a

obra de cuidado aos desfavorecidos.

A casa estava em ruínas, um dia chegou a ter assoalho, restando apenas

desoladores vestígios. O forro já não existia, dando passagem ao ar, luz e a chuva. “O

mobiliário para o uso das irmãs reduzia-se a duas camas, duas mezinhas de cabeceira,

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uma mesa bamba, (uma das pernas era mais curta) para as refeições e duas cadeiras

com capa.”57

FIGURA 6 – PRIMEIRA SEDE LAR E EDUCANDÁRIO S.V.P

FONTE: Acervo do Lar e Educandário São Vicente de Paulo. (sem data)

As duas Irmãs, Madre Calixta Duc e Irmã Inês Stella, esta, noviça que há

pouco havia tomado o hábito (1904), aceitaram os votos de pobreza para que por meio

dela, pudessem enriquecer os pobres asilados.58

Em uma determinada ocasião, Irmã Ignez a cozinheira ficou doente e teve que

permanecer de cama. Para substituí-la, Madre Leónice envia Irmã Francoise Caroline,

que ao chegar, depara-se com a situação do local, e somente com as duas camas.

Madre Calixta e a Irmã recém-chegada acabam por acomodar-se em uma cama,

deixando a outra para a enferma Irmã Ignez.

Não havia outra solução senão dormirem na mesma cama. Calculem! Irmã Francisca Caroline de alta estatura, não sabendo o que fazer com suas

57 CRÔNICAS da província do Paraná da Congregação das Irmãs de São José de Chambéry – 1896-1933. p. 59. 58 Ibid. p. 59.

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pernas, dormindo junto com Madre Calixta! Que tristes noites para as Irmãs cansadas do trabalho do dia!59

Como conta as crônicas, grande era a obstinação destas religiosas que de nada

fugiam, não se afastaram dos necessitados asilados, velhinhos que andavam sujos, dos

que caducavam, dos surdos, mudos ou aleijados que muitas vezes discutiam e

brigavam entre si, com palavras e atos.

Para as refeições, colocava-se a escassa comida em uma única panela comum,

em cima de dois tijolos que serviam como fogão. Como refeitório, servia apenas uma

pequena sala destinada às irmãs, ali guardavam os utensílios para a refeição em uma

mesinha de cabeceira, pois não havia armários. Grande era o estado de pobreza.60

Observando o contexto relatado nas crônicas, é importante fazer uma reflexão

acerca da caridade presente nas atitudes relatadas das irmãs. De início, podemos dizer

que a caridade é de fato a virtude cristã por excelência, já a pobreza é valorizada em

referência a Cristo e também aos modelos de vida apostólica, santos, eremitas, aqueles

que despojaram de seus fardos terrestres com a intenção de se aproximar de Deus.

Utilizando da “fórmula de são Bento, é uma pobreza voluntária, uma ascese para Deus

com motivação espiritual.”61 Uma espiritualidade vivenciada por elas que segundo

Azevedo62, consiste na “[...] aglutinação organizada de ideias religiosas e de práticas

piedosas que motivam uma determinada maneira de viver”. Aspecto que demostra o

modo a ser esperado das religiosas, ou seja, a imagem do ideal de mulher em seu papel

religioso.63

Por um outro lado, podemos pensar que a caridade cristã não se mobiliza

automaticamente ao socorro de todas as formas de pobreza. Pois

59 CRÔNICAS da província do Paraná da Congregação das Irmãs de São José de Chambéry – 1896 – 1933. p. 59. 60 Ibid. p. 60. 61 CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. 11. ed. Petrópolis: Vozes, 2013. p. 62. 62AZEVEDO, 1983, apud, PIZANI, Maria Angelica Pinto Nunes. O cuidar na atuação das irmãs de São José de Moutiers na Santa Casa de Misericórdia de Curitiba (1896-1937). 296 p. Tese (Doutorado História) –Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2005. Disponível em <http://www.poshistoria.ufpr.br>. Acesso em: 31 mar. 2015. p.37. 63 PIZANI, Maria Angelica Pinto Nunes. O cuidar na atuação das irmãs de São José de Moutiers na Santa Casa de Misericórdia de Curitiba (1896-1937). 296 p. Tese (Doutorado História) –Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2005. Disponível em <http://www.poshistoria.ufpr.br>. Acesso em: 31 mar. 2015. p.37.

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a pobreza por opção de certo modo sublimada no plano espiritual, é valorizada. É um componente de santidade. Mas a condição social do pobre suscita uma gama de atitudes que vão da comiseração ao desprezo. Dado que evoca fome, o frio, a doença, o abandono – a privação em todos os seus estados -, a pobreza prosaica das pessoas “de condição vil” é, com frequência, conotada pejorativamente.64

Esta contradição na gestão da pobreza, segundo Robert Castel, pode ser

explicada em dois aspectos: a assistência inscreve-se numa economia da salvação; e a

atitude cristã fundamenta uma classificação de pobreza.

Ainda segundo Castel, no aspecto da economia da salvação, o pobre seja ele

desgraçado, lastimado ou desprezado, pode ser instrumentalizado como um meio

privilegiado para que o rico pratique a suprema virtude cristã, ou seja, a caridade,

permitindo que o mesmo tenha sua salvação. Em um outro ponto, esta economia da

salvação, funda uma percepção discriminatória dos pobres, que merecem serem

assistidos. Primeiro pelo motivo de que estes pobres são excluídos dentre os

infortunados, ou seja, os que se revoltam contra a ordem do mundo desejada por Deus.

Trazendo este contexto para uma perspectiva sociológica, mais precisamente

ao arca bolso teórico do conceito de campo religioso em Bourdieu, segundo o qual

pontua que “Em uma sociedade dividida em classes, a estrutura dos sistemas de

representações e práticas religiosas próprias aos diferentes grupos ou classes, contribui

para a perpetuação e para a reprodução da ordem social [...] ao contribuir para

consagra-la e santifica-la.”65

Concatenando os apontamentos de Castel com o fragmento da teoria de

Bourdieu, podemos em ponto de reflexão, reparar que o monopólio dos bens da

salvação, este pertencente a Igreja, visa manter a ordem social, compactuando com os

dominantes no poder e a resignação dos dominados. Assim, também a religião utiliza

da lógica da inclusão e da exclusão, da associação e da dissociação, de integração e

distinção, fazendo assim, surgir sistemas simbólicos na direção de uma função social,

isto que leva a uma legitimação das diferenças sociais.

64 CASTEL, Robert. Op. cit. p. 64. 65 BORDIEU, P. A economia das trocas simbólicas. São Paulo, Perspectiva, 2011. p. 53.

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Voltando as crônicas, as irmãs perceberam que ficar naquelas condições com

os velhos acocorados nos cantos ou deitados em esteiras, nas quais apenas saiam para

comer, se tornara cada vez mais impossível. Com muito empenho e prudência, as

Irmãs obtiveram das Damas de Caridade o auxílio do que era mais urgente. Aos

poucos as Irmãs de São José foram conquistando a população lapeana, “quem não se

lembra do simpático sorriso de Madre Calixta!”66 Assim, não tardou e o governo

tomando conhecimento do Asilo, concedeu-lhes uma subvenção. Também a prefeitura

deu um auxílio; somando com a arrecadação de “esmolas” pelas Damas de Caridade

que consistia em carne, feijão e pão, este último, o suficiente para as Irmãs.

No Asilo São Vicente de Paulo, no início abrigavam somente mulheres, mais

tarde a instituição passou a abrigar também meninas órfãs, muitas vezes filhas das

mães que vinham se tratar no sanatório da Lapa e não tinha onde deixar suas filhas.67

Com o tempo, grandes modificações indispensáveis foram feitas no Asilo: separaram

os asilados por gênero, dando lhes roupas e comida suficientes. Um terreno que estava

inculto pertencente ao asilo foi transformado em horta, no qual com a orientação das

Irmãs, os idosos internos trabalhavam, sentindo-se úteis cuidando das galinhas e dos

ovos. Pouco a pouco, as refeições foram melhorando e ficando mais variadas.

Madre Calixta, em 1913 foi mandada para uma fundação em Ponta Grossa, a

partir daí, várias superioras passaram pelo asilo entre elas: “[...]Madre Maria dos

Anjos Rullier, Madre Ildefonsa Macmahon, Madre Ângela Micheletto, Madre Luísa

Angela Busato.”68

Madre Ângela permaneceu um longo período por frente do Asilo da Lapa,

trabalhando até seu esgotamento. Mas com muito esforço, conseguiu construir seu

sonho: uma capela independente da casa e uma gruta em homenagem a nossa senhora

de Lourdes.

FIGURA 7 - INTERIOR DA CAPELA SÃO VICENTE DE PAULO

66 CRÔNICAS da província do Paraná da Congregação das Irmãs de São José de Chambéry – 1896 – 1933. p. 60. 67FREITAS, Fátima e Silva de. O sonho de Dona Eugênia. Curitiba-PR: IPHAN-10º SR, 1999. p. 19. 68 CRÔNICAS da província do Paraná da Congregação das Irmãs de São José de Chambéry – 1896 – 1933. p. 60.

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FONTE: Acervo do Lar e Educandário São Vicente de Paulo.

Considerando o desejo de Madre Ângela e analisando a imagem do interior da

capela, prestando atenção nos detalhes que demostram a religiosidade e espiritualidade

professada pelas irmãs. Aqui também cabe uma reflexão apoiada em Bourdieu na

função própria e funcionamento do campo religioso, que diz

em função de sua posição na estrutura da distribuição do capital de autoridade propriamente religiosa, as diferentes instâncias religiosas, indivíduos ou instituições, põem lançar mão do capital religioso na concorrência pelo monopólio da gestão dos bens de salvação e do exercício legítimo do poder religioso enquanto poder de modificar em bases duradouras as representações e as práticas dos leigos, inculcando-lhes um habitus religioso, principio gerador de todos os pensamentos, percepções e ações, segundo as normas de uma representação religiosa do mundo natural e sobrenatural, ou seja, objetivamente ajustados aos princípios de uma visão política do mundo social.69

A própria capela com seu objetivo composto por um espaço de oração,

somado ao altar decorado com motivos católicos, demostra o emprego do capital

religioso para legitimar o poder religioso presente na instituição. A prática da oração

contempla a prática a fim de inculcar um habitus religioso, este propenso a gerar

69 BORDIEU, P. A economia das trocas simbólicas. São Paulo, Perspectiva, 2011. p. 57.

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pensamentos, ações, percepções, segundo as normas da representação religiosa

predominante.

O asilo da Lapa, aos poucos foi criando importância. Por volta de 1950, com o

auxílio do governo federal através de subvenções somado ao intermédio de pessoas

como o desembargador Lauro Lopez e do Governador Bento Munhoz da Rocha,

conseguiu a construção de um novo pavilhão a fim de melhor acomodar as internas.

Assim, como afirma a Ata de lançamento da primeira pedra da construção do novo

prédio.

[...] (vinte um de abril de mil novecentos e cincoenta e um) no lugar há ser construído o novo prédio do Asilo São Vicente de Paulo desta cidade da Lapa, ás dez horas da manhã, teve início a cerimônia do lançamento da primeira pedra, da construção do novo prédio. A cerimônia foi celebrada pelo Reverendo Monsenhor Henrique Falarz, mui digno diretor desta instituição de caridade. A construção do dito prédio será custeada por verbas concedidas pelo governo federal, para este fim. Foi uma grande mercê do governo federal, pois o antigo prédio não comportava mais o número de crianças aqui asiladas, sendo de grande benefícios esta nova construção pois acham-se as crianças mal acomodadas, sendo necessário apressar o mais possível o término da referida construção, o que esperamos contar com boa vontade dos construtores e trabalhadores encarregados dos serviços de construção e da ajuda e Deus.[...]70

Após muito trabalho, foi inaugurado o novo prédio. Construído no mesmo

lugar que o antigo que estava condenado. “No dia 26 de junho de 1955, data da festa,

foi no Asilo São Vicente de Paulo oferecido um almoço aos homenageados [...]

membros da diretoria, membros da família da falecida Maria Eufrazia de Faria Barros,

todas as autoridades locais, e demais benfeitores do Asilo.”71

70 ASSOCIAÇÃO DAS DAMAS DE CARIDADE SÃO VICENTE DE PAULO. Ata de lançamento da primeira pedra do novo edifício do Asilo São Vicente de Paulo, realizada no dia 21 de abril de 1951. Livro 1. p. 37. 71 ASSOCIAÇÃO DAS DAMAS DE CARIDADE SÃO VICENTE DE PAULO. Ata da festa de inauguração do novo edifício do Asilo São Vicente de Paulo, realizada em 26 de julho de 1955. Livro 1. p. 43.

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2 LAR EEDUCANDÁRIO SÃO VICENTE DE PAULO NOS ANOS DE 1 950 -

1964: EDUCAÇÃO E RELIGIÃO, OBSERVADOS PELA CULTURA

ESCOLAR

2.1 BREVE HISTÓRICO POLÍTICO EDUCACIONAL NO BRASIL NA

CHAMADA QUARTA REPÚBLICA

O período da chamada redemocratização do Brasil, em 1945, pós-Segunda

Guerra Mundial, com a promulgação da Constituição de 1946 e também com o

surgimento do Estado populista desenvolvimentista, trouxeram um ambiente de

reformas, e um grande período de reinvindicações. Neste contexto, surge um

movimento em prol da escola pública, universal e gratuita, que gerou grande

repercussão no congresso nacional e culminou na promulgação da Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional (LDBN), em 1961.

2.1.1 O Estado Novo e as Leis Orgânicas

A chamada redemocratização se dá, após o período do Estado Novo (1937-

1945), época em que Getúlio Vargas tornou-se ditador através de um golpe militar.

Durante seu governo ditatorial, no que tange a política educacional, criou-se uma

legislação dada por uma nova Constituição e também uma série de leis – chamadas

Leis Orgânicas de Ensino - defendida pelo então ministro da Educação, Gustavo

Capanema.

Com a promulgação das chamadas Leis Orgânicas, o Estado Novo

notavelmente abriu mão de sua responsabilidade com a educação pública, assumindo

apenas um papel subsidiário no que tange ao ensino. Esta Carta Magna substituiu a da

lei anterior de 1934 que determinou a educação como direito de todos, gratuita e de

obrigação dos poderes públicos. Segundo Paulo Ghiraldelli Jr:

A Carta de 1937 não estava interessada em determinar ao Estado tarefas para fornecer à população uma educação geral por meio de uma rede de ensino público e gratuito a intenção da Carta de 1937 era manter um explícito dualismo educacional: os ricos proveriam seus estudos por meio do

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sistema público ou particular e os pobres, sem usufruir deste sistema, deveriam ter como destino as escolas profissionais ou, se quisessem insistir em se manter em escolas propedêuticas a um grau mais elevado, teriam de contar com a boa vontade dos ricos para com os caixas escolares.72

Mas enquanto a nova constituição impunha barreiras para o processo

democratizante, o Estado Novo desenvolvia o fortalecimento do Estado para servir aos

interesses econômicos, incentivando a participação do Estado em assuntos econômicos

para proteger atividades econômicas já existentes e também favorecer o surgimento de

novas. O país continuava seu processo de industrialização a fim de substituir as

importações, com esta industrialização, setores empresariais da indústria, do campo e

dos bancos, aliados de um grupo de tecnocratas criados pelo Estado Novo, acabaram

cedendo a política de Vargas que aumentava o poder do Estado para regulamentar as

relações de trabalho no país. Neste contexto consolida-se as Leis do Trabalho (CLT) e

também um sindicalismo atrelado ao Estado.

A crescente urbanização e também o aumento do parque industrial

necessitavam de mão-de-obra técnica, motivo que levou o governo a cumprir a

constituição de 1937, esta que como já aqui posto, desejava colocar o ensino

profissionalizante como campo próprio da educação de setores menos favorecidos da

sociedade. Ou seja, a prática das Leis orgânicas oficializara um dualismo educacional

que nas letras da Reforma Capanema é explicada como: “[...] a organização de um

sistema de ensino bifurcado, com o ensino secundário público destinado, nas palavras

do texto da lei, às elites condutoras, e um ensino profissionalizante para outros setores

da população.”73

Porém, o período de democracia que seguiu após a queda do Estado Novo,

conviveu tanto com as regras da CLT, como também com a organização de ensino

dualista; ou seja, nos anos que se seguiram, ocorreu a convivência com a herança

autoritária do regime Varguista, seja nas relações de trabalho ou na organização do

ensino.

72 GHIRALDELLI Júnior, Paulo. Filosofia e história da educação brasileira: da colônia ao governo Lula. 2 ed. Barueri: Manole, 2009. p. 65. 73 Id. Ibid. p. 67-68.

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2.1.2 A Quarta República e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

O Estado Novo termina em 29 de outubro de 1945, com a queda de Getúlio

Vargas. Após, nova Constituição é promulgada em 1946 através de uma assembleia

constituinte. Por mais que o texto tivesse aspectos liberais, as novas leis mantiveram

característica do regime ditatorial.

A Quarta República, período que vai de 1945 – 1964, no que diz respeito a

educação é um período marcado pela discussão da promulgação da Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional, marcada pelo debate entre defensores do ensino público

e protetores do ensino privado. Uma tensão entre duas visões de plano de educação

que nas palavras de Dermeval Saviani:

Expressa a contradição entre as forças que se aglutinam sob a bandeira do nacionalismo desenvolvimentista que atribuíam ao Estado a tarefa de planejar o desenvolvimento do país, libertando-o da dependência externa, a aquelas que defendiam a iniciativa privada, contrapondo-se à ingerência do Estado na economia e aquilo que tachavam de monopólio estatal de ensino. Essas duas tendências repercutiram no debate que se travou por ocasião da discussão no Congresso do projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.74

Por um lado, o fato que a rede pública de ensino havia crescido de maneira

substancial desde 1930, despertando um sentimento de patrimônio nacional que era

defendido com entusiasmo pelos setores mais democráticos da sociedade. Por outro

lado, empresários do ensino em aliança informal com a Igreja católica, lutando em

defesa de seus estabelecimentos, contra uma legislação educacional prestes a ser

votada no parlamento.

Segundo Ghiraldelli Jr., foram três grupos que dirigiram a Campanha de

Defesa da Escola Pública, o primeiro girou em torno de Anísio Teixeira e inspirava-se

em um ideário liberal e na filosofia pragmatista americana de John Dewey. Para este

grupo, o importante era a prática pedagógica e as possibilidades de promover uma

educação pública de acordo com as aspirações históricas de modernização do país e de

avanço e consolidação da democracia. O segundo grupo, o de Roque Spencer Maciel

74 SAVIANI, Dermeval. Da Nova LDB ao Plano Nacional de educação: por uma outra política educacional. Campinas: Autores Associados, 2002. p. 75.

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de Barros, Laerte Ramos de Carvalho, João Villa Lobos e outros, guiavam-se por um

ideário liberal mais conservador, com uma filosofia de tendências idealistas sendo

Roque Spencer Maciel de Barros era leitor do filósofo Immanuel Kant. Este segundo

grupo tinha a educação como um direito do homem, independente das possibilidades

históricas da sociedade. Já um terceiro grupo, os socialistas, desejavam apenas instruir

uma escola capaz de “socializar a cultura para as classes trabalhadoras”.75

Em outra ponta do debate, os interesses privatistas eram defendidos pela Igreja

Católica, sobretudo através da revista Vozes – veículo e porta voz da Igreja Católica.

Em vários artigos, Frei Evaristo Arns defendia a ideia do “ensino livre” e de que a

educação não era função do Estado e sim da família, esta que era um “grupo natural”

anterior ao Estado. Arns serviu de escudo para os empresários do ensino, que tinha no

discurso da Igreja, a bandeira para seu interesse.76

Contudo, em 1961 o projeto da LDBN foi aprovado pela Câmara, faltando

apenas sua aprovação no Senado. Neste momento a Campanha em Defesa da Escola

Pública chegou ao apogeu, intelectuais e dirigentes sindicais voltaram a condenar o

projeto que julgavam fazer concessões à ânsia de poder dos círculos privatistas. No

entanto, ainda em 1961 o projeto foi aprovado e sancionado pelo presidente da

República João Goulart.

Segundo Ghiraldelli Jr., o projeto conhecido como Lei n. 4.024/61, foi a

primeira LDBN do Brasil e garantiu uma igualdade de tratamento por parte do Poder

Público tanto para estabelecimentos oficiais como particulares, o que assegurava o

carregamento de verbas públicas para a rede particular de ensino em todos os graus.

Esta lei que tramitou por 13 anos no Congresso, inicialmente destinava-se a um país

pouco urbanizado, mas acabou sendo aprovada para um Brasil industrializado e com

necessidades educacionais que o Parlamento não soube perceber.77

Na vigência desta Lei, que entrou em vigor em 1962, a primeira providência

tomada foi a instalação do Conselho Federal de Educação (CFE), que contou com

Anísio Teixeira para a elaboração do Plano Nacional de Educação, que fora previsto

75 GHIRALDELLI Júnior, Paulo. Filosofia e história da educação brasileira: da colônia ao governo Lula. 2 ed. Barueri: Manole, 2009. p. 79-81. 76 Id. Ibid. p. 79-81. 77 Id. Ibid. p. 84.

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no 2º parágrafo do artigo 92 da LDB. Ainda neste artigo, a LDB elevou para 12% a

obrigação mínima dos recursos federais para o ensino, mantendo em 20% a obrigação

de estados, Distrito Federal e municípios. Ainda no parágrafo 1º do artigo 92, nove

décimos de recursos federais, deveriam ser constituídos com parcelas iguais em três

fundos, um para o ensino primário, outro para o ensino médio, e o terceiro para o

ensino superior.78

Todo este contexto de relevância educacional, se dava em um período político

pós-Estado Novo, período que a população brasileira apresentava maior diversificação.

Notadamente, nas zonas urbanas crescia a burguesia industrial, a classe média e o

proletariado, as cidades inchavam com o contingente que vinha da zona rural. Nas

maiores cidades, esse contingente se agrupava cada vez mais nos morros e na periferia,

desenvolvendo sua própria cultura, gerando assim, um problema social para o Estado.

Na determinação de resolver os problemas gerados por esta situação, o governo tentou

desenvolver legislação e programas que dessem conta desta nova realidade.

2.1.3 O Paraná e seu cenário político educacional

No Paraná, este período de redemocratização não contrastava com o restante

do país, a economia paranaense ainda se mantinha entre dois setores: o ervateiro, este

que teve uma grande trajetória de expansão e uma queda posterior; e o madeireiro, em

crescimento constante no comércio interno e também externo.79

Ainda em 1930, o território paranaense contava com partes passíveis de

povoamento, período que desencadeou um desbravamento impulsionado pela

agricultura cafeeira. Em função desta ocupação, entre 1940 e 1960, a participação do

Paraná na produção desta atividade cafeeira aumentou de 7% para 52%, trazendo para

o estado uma grande quantidade de capital, possibilitando uma certa prosperidade. Foi

78 SAVIANI, Dermeval. História das ideias pedagógicas no Brasil. 4. Ed. Campinas: Autores Associados, 2013. p. 305-306. 79 TRINDADE, Etelvina, Maria; ANDREAZZA, Maria, Luiza. Cultura e educação no Paraná. Curitiba: SEED, 2001. p. 95.

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neste período que surgiram na região norte do Paraná cidades como Londrina,

Rolândia, Arapongas, Apucarana, Maringá, Cianorte e Umuarama.80

Neste contexto, o Paraná enfrentou uma explosão demográfica, impulsionada

pela corrida do “ouro Verde” que seduzia os migrantes por meio da propaganda da

prosperidade. Este crescimento populacional acelerado na região fez com que a

população, que era de 685.000 em 1920, atingisse a marca de 1.236.000 em 1940 e de

2.115.000 em 1950.81

Por volta de 1950 não só em Curitiba, mas em várias cidades paranaenses, as

ruas mostravam uma movimentação pública bastante intensa, pelo motivo dos desfiles

cívicos e esportivos, estes que eram muito do gosto do governo autoritário de Getúlio

Vargas. Além destes atos, podemos acrescentar os corsos carnavalescos e também, as

procissões religiosas. Todos estes eventos conduzidos como espetáculos em que a

população paranaense corria para assistir, aplaudir ou participar da folia, ou dos

cânticos e rezas. A hegemonia da Igreja Católica não se fazia sentir somente no

espetáculo público, mas também na moral conservadora que permeava toda a

sociedade paranaense na multiplicação de paróquias e círculos de influência.

No que diz respeito ao planejamento urbano, o governo do Paraná ainda com

Moysés Lupion em 1948, sanciona uma Lei Orgânica para os municípios que definia

como uma das atribuições da Câmara a legislação sobre as posturas municipais.

Pavimentação, saneamento e várias medias com o objetivo de melhorar o tráfego

urbano que passaram a ser executadas de forma inter-relacionadas, buscando assim,

uma racionalização no atendimento às obras que cada cidade necessitava. As práticas

administrativas do período, de todo o Estado e também na capital, mantiveram um

cunho modernizante. Lupion e seu sucessor Bento Munhoz da Rocha Neto, se

dedicaram na promoção da prosperidade material trazida pelo suto cafeeiro, expressa

nos saldos positivos da balança comercial, e também no objetivo de induzir o

crescimento populacional. Com o incentivo da migração, aumentaria os contingentes

de mão-de-obra nos territórios recém ocupados. Segundo Trindade e Andreazza:

80 TRINDADE; ANDREAZZA. Op. cit. p. 95. 81 Id. Ibid. p. 98-99.

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Paralelamente, era também meta do governo a elevação real dos níveis de vida que, aliada à melhoria das condições materiais, deveria induzir o fortalecimento da democracia, o desenvolvimento da cultura, e as oportunidades de segurança e bem-estar gerais. Estaria assim garantindo o padrão moral de vida dos paranaenses.82

Além do exposto, ainda segundo as autoras, era também indispensável a

criação de uma boa rede de transportes para ligar: litoral a planalto, Sul a Norte, o

Paraná ao Mato Grosso do Sul e São Paulo.

A malha viária faria também a integração das diversas regiões em torno de uma identidade territorial que convergia para o centro administrativo da capital. Da mesma forma, construir-se-ia uma identidade populacional, quanto aos indivíduos de diferentes procedências se aproximam do centro administrativo em busca de soluções para seus problemas.83

Quanto a educação, no governo de Moysés Lupion (mandato 1947-1951),

convênios foram feitos com prefeituras do interior do Estado para a construção de

aproximadamente 500 escolas primárias. Também houve a preocupação com a

formação de professores no interior, e também em prevenir a evasão escolar e em criar

os Cursos Normais Regionais. Importante ressaltar que ainda em 1940, a diretoria

Geral da educação organizou um Regimento Interno e Programa que tentava refletir

legalmente na vida real nas escolas primárias. Um instrumento disciplinador e

normativo, de caráter conservador. Já nas escolas Normais, se tentava divulgar tudo o

que havia de renovador na área da educação, em todo mundo. Em 1948, com Erasmo

Piloto a frente da Secretaria de Educação e Cultura, as escolas passaram a ter

orientações mais modernas e programas inovadores. Neste contexto, também foi

criado o Centro de estudos e Pesquisas Educacionais e muitos professores normalistas

fizeram cursos de especialização no Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos do

Ministério da Educação.84

Já com Bento Munhoz da Rocha Neto (mandato 1951-1955), apareceram

Escolas de Pesca, de Trabalhadores Rurais e de Serviços de publicidade Agrícola.

Tudo com a intenção de fornecer orientação técnica ao trabalhador rural e dar novo

82 TRINDADE; ANDREAZZA. Op. cit. p. 104. 83 Id. Ibid.. p. 104. 84 Id. Ibid.. p. 105.

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impulso àqueles que até hoje se guiavam por métodos empíricos e rotineiros. Desta

forma, segundo Trindade e Andreazza, “a transmissão de práticas de higienização e

disciplinarização das novas populações completava a obra de ocupação e

povoamento.”85

A prosperidade econômica entre 1950 e 1960, fez a população paranaense

dobrar novamente de 2.100.00 habitantes para 4.200.000, tendo a região cafeeira

contribuindo com 57% deste total e fazendo do Paraná o quarto Estado mais populoso

no cenário nacional. Em 1953 era comemorado o primeiro centenário da Emancipação

Política do Paraná e o governo dedicou-se na realização de várias obras. Bento

Munhoz da Rocha Neto, definiu Curitiba como palco privilegiado para a edificação de

símbolos do progresso, da modernidade e da identidade da sociedade paranaense. A

ideia era tornar a capital o polo cultural do Estado.

Entre as obras temos a reforma da praça Dezenove de Dezembro, abertura de

novas e largas avenidas, pavimentação e iluminação de diversas ruas, construção de

prédios particulares no centro da cidade e também novos edifício públicos: como em

1952 a edificação do teatro Guaíra (que ficou pronto 20 anos depois); em 1954 é

inaugurado o novo prédio a Biblioteca Pública do Paraná, ponto de referência

intelectual para todo o Estado; a construção do novo prédio do Colégio Estadual do

Paraná em Curitiba.

Além das edificações na capital, dava-se início à verticalização das cidades em

todo o Paraná, todos os esforços públicos ou particulares eram comemorados como

sinal incontestável de progresso pelas lideranças públicas.

No entanto, como lembra Trindade e Andreazza, apesar de todo o empenho do

governo do Paraná em modernizar os espaços urbanos, as cidades ainda viviam às

voltas com comportamentos que recebiam a ação coercitiva da força policial. “Em

certo sentido, o propósito de construir um espírito de urbanidade na população ainda

não fora completamente atingido embora fosse um empreendimento de longa data.”86

Para combater as mazelas dos meios urbanos, que agora se intensificavam e ficavam

mais aparentes com a modernização, o governo lançou uma série de regras para

85 TRINDADE; ANDREAZZA. Op. cit. p. 105. 86 Id. ibid. p. 111.

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assegurar a prosperidade moral, cultural e política. A exemplo da capital, e expresso

no Código de Posturas e Obras do município de 1953, normas morais e éticas eram

voltadas para a modernização da cidade e a construção da urbanidade. No artigo

intitulado “Da Moralidade e Sossego Públicos” – proibia-se a emissão de ruídos de

motores, buzinas e fogos de artifício; assim como também ficava proibido a exposição

de gravuras, livros, ou escritos obscenos e também de anúncios que contivessem

expressões ou ditos injuriosos a autoridades, ou a moralidade pública.

Para além, também a proibição de jogar lixo nas vias públicas, sacudir tapetes

ou capachos de prédios, deixar vasos ou floreiras nas janelas onde poderiam cair sobre

o público, dar tiros ou fazer algazarra, lavar ou estender roupa na rua etc. Todo este

conteúdo inserido no projeto com a intenção de conduzir a população a padrões de

comportamentos baseados na civilidade.

Em todos os municípios do Paraná, procurou-se restringir o lançamento de

esgoto indiscriminado de esgotos em rios ou sarjetas, o depósito de lixo em local não

apropriado, a derrubada de árvores e o despejo de resíduos industriais. Tudo remetia a

uma lógica pautada em preocupações com a saúde e o saneamento público e a estética

urbana. Ainda com base em Trindade e Adreazza:

Multiplicaram-se igualmente hospitais, o corpo técnico aprimorou-se, ampliou-se o serviço de água e esgotos e organizaram-se campanhas de vacinação e dedetização. Os grandes investimentos em saúde pública no período refletiam a preocupação com a elevação do padrão nesta área, bem como nas técnicas de saneamento.87

2.2 REFLEXÕES A CERCA DA CONSTRUÇÃO DO NOVO PRÉDIO DO LAR E

EDUCANÁDIO SÃO VICENTE DE PAULO

Em meio a todo o contexto de transformações urbanas, políticas e

educacionais ocorridas principalmente durante a chamada Quarta República, o Lar e

Educandário São Vicente de Paulo na cidade da Lapa, que no momento contava com

uma maior visibilidade pelo poder público devido ao momento histórico, comemorava

em 1951, o lançamento da primeira pedra da construção do novo prédio.

87 TRINDADE; ANDREAZZA. Op. cit. p. 112.

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Ao se debruçar nas Atas de reuniões da Associação das Damas de Caridade do

Lar e Educandário São Vicente de Paulo, no período de 1951 a 1955, que tratam da

construção do novo prédio da instituição, podemos traçar vários paralelos

considerando o momento político e educacional paranaense e brasileiro da época. Na

Ata de 06 de maio de 1951, lemos:

Aos dias 06 de maio de 1951 (seis de maio de mil novecentos e cincoenta e um) no Asilo São Vicente de Paulo da cidade da Lapa, foi celebrada a cerimônia do lançamento da primeira pedra da construção do novo prédio há ser construído, no lugar onde existia o antigo pavilhão. Foi solenemente celebrada a cerimônia, paraninfada pelo Exmo. Sr. Dr. Bento Munhoz da Rocha Neto, digníssimo governador do Estado do Paraná; sendo celebrante o Reverendo monsenhor Henrique Falarz, zelosíssimo vigário desta parochia e diretor espiritual do Asilo. Deve-se a construção deste novo prédio, ao auxílio do governo federal, que nestes últimos dois anos vem destinando uma verba especial para esse fim. [...]88

Três pontos de reflexão importantes devem ser considerados ao observar os

dizeres desta Ata. Primeiramente, a presença do então governador do Paraná, Bento

Munhoz da Rocha Neto na cerimônia de lançamento da construção. O fato coincide

com o bom momento que passava a economia paranaense, no começo da segunda

metade do século XX. Como já visto aqui em ponto anterior, ainda com o governo de

Moysés Lupion (1948), um impulso de modernização tomou conta do Estado,

alavancado pelo bom momento econômico resultado da agricultura cafeeira. Várias

obras foram iniciadas como pavimentação, saneamento e várias medidas com o

objetivo de melhorar o tráfego urbano e atender as necessidades que cada cidade

apresentava. Tanto Lupion quanto com seu sucessor, Bento Munhoz da Rocha Neto, se

dedicaram à promoção da prosperidade material trazida pelo surto cafeeiro. Na

aproximação da comemoração do centenário da emancipação do Paraná, Bento

Munhoz da Rocha Neto empreendeu várias obras na capital visando a criação de

símbolos do progresso, da modernidade e da identidade da sociedade paranaense. No

88 ASSOCIAÇÃO DAS DAMAS DE CARIDADE SÃO VICENTE DE PAULO. Ata de lançamento da primeira pedra do novo edifício do Asilo São Vicente de Paulo, realizada no dia 21 de abril de 1951. Livro 1. p. 37.

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entanto, não só em Curitiba se via este movimento de progresso, como lembram

Trindade e Andreazza:

Dava-se início, por outro lado, à verticalização das cidades em todo o Paraná, saudada como sinal inconteste de progresso. A administração pública de Curitiba comemorava os esforços modernizantes empreendidos por particulares, representados por majestosos edifícios que são construídos, entre os quais podemos destacar o clube Curitibano, Kwasinski, Marumbi, LAPC, e outros, além de diversos em fase de construção e projeto. (PREFEITURA MUNICIPAL DE CURITIBA. Relatório dos trabalhos executados no exercício de 1949 na administração do Eng. Civil Linneu Ferreira do Amaral).89

Em toda esta fase de verticalização em função do progresso desejado pela

administração pública, o novo edifício do Lar e Educandário São Vicente de Paulo,

vem a compor mais um empreendimento, edificado com subsídios do governo federal

e inaugurado em nome da modernização e do progresso.

FIGURA 8 – FACHADA DO LAR E EDUCANDÁRIO S.V.P.

FONTE: Acervo do Lar e Educandário São Vicente de Paulo (sem data)

NOTA: Figura extraída de: FREITAS, Fátima e Silva de. O sonho de Dona Eugênia. Curitiba-PR: IPHAN-10º SR, 1999. p. 40.

89 TRINDADE, Etelvina, Maria; ANDREAZZA, Maria, Luiza. Cultura e educação no Paraná. Curitiba: SEED, 2001. p. 111.

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O segundo ponto a considerar no perímetro da Ata de lançamento da primeira

pedra, é a verba de subvenção do governo federal, esta que possibilitou a construção

do novo prédio da instituição da Lapa. Dado o contexto político educacional brasileiro

do período, sabemos que em 1951 ainda prevalecia as diretivas educacionais do

período do chamado Estado Novo. O Ministério da Educação e da Saúde Pública,

criado em 1930 na época ditatorial, em 1942 passa a administração de Gustavo

Capanema, este que cria as chamadas “Leis Orgânicas”, também conhecidas como

“Reformas Capanema”. Intervenções estas que segundo Dermeval Saviani se

estenderam

ao ensino industrial e secundário (1942), comercial (1943), normal, primário e agrícola (1946), complementados pela criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI, 1942) do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (CENAC, 1946). Por essas reformas o Ensino Primário foi desdobrado em Ensino Primário Fundamental, de quatro anos, destinado a crianças de 7 a 12 anos, e ensino Primário Supletivo, de dois anos, que se destinava a adolescentes e adultos que não haviam tido a oportunidade de frequentar a escola na idade adequada. O Ensino Médio ficou organizado verticalmente em dois ciclos, o ginasial, com a duração de quatro anos, e o colegial, com a duração de três anos e, horizontalmente, nos ramos secundário e técnico-profissional. O ramo profissional se subdividiu em industrial, comercial e agrícola além do curso normal que mantinha interface com o secundário.90

Nota-se que a Lei Orgânica do Ensino Primário foi aprovada somente após a

queda do Estado Novo, mas cabe aqui ressaltar, que em 1942, na iniciativa do então

ministro Gustavo Capanema, foi instituído o Fundo Nacional do Ensino Primário, este

destinado à ampliação e melhoria do ensino elementar em todo o país. Mas de fato,

afirma Saviani, “só em agosto de 1945 foi regulamentada a concessão do auxílio

Federal aos Estados, atendendo tanto a educação comum das crianças como o ensino

destinado aos adultos.”91

90 SAVIANI, Dermeval. A política educacional no Brasil. In: STEPHANOU, Maria e BASTOS, Maria Helena Camara (orgs.). Histórias e memórias da educação no Brasil. Rio de Janeiro: Vozes, 2005, v. 3, p. 32-33. 91 SAVIANI, Dermeval. A política educacional no Brasil. In: id. Ibid. p. 33.

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Considerando este auxilio Federal, percebemos que as subvenções que são

citadas na Ata de seis de maio de 1951, vieram consoantes a uma política educacional

implementada a fim de ampliar e melhorar o ensino primário, a nível nacional.

Ainda neste sentido, e observando a Ata de 26 de junho de 1955, data da festa

de inauguração do novo prédio, nesta, notamos mais uma vez a referência quanto as

verbas federais. No texto, é homenageado uma autoridade que facilitou o recebimento

das subvenções. Ata da festa de inauguração do novo edificio do Asilo São Vicente de Paulo na cidade da Lapa estado do Paraná. Esse novo edifício, construído no mesmo lugar do antigo, o qual estava condenado, e muitas salas não se podiam usar mais, veio a melhorar muito a situação de acomodações para as asiladas, foi ele construído com verbas Federais, conseguidas pela Associação das Damas de Caridade São Vicente de Paulo, mantenedoras do Asilo, por intermédio do então Deputado Federal, Dr. Lauro Sodré Lopez, que muito se interessou não só em conseguir as verbas, como também encaminha-las para que fossem recebidas sem embaraços, para a Associação. [...]92

Estas verbas foram recebidas em cinco parcelas creditadas entre os anos de

1949 a 1953, através do Ministério da Educação e da Saúde Pública. Auxílios estes,

colocados em pauta de reunião da Associação das Damas de Caridade do Asilo São

Vicente de Paulo em 28 de julho de 1955.

Aos 28 de julho de 1955 reuniu-se na sala de reunião, a Diretoria da Associação das Damas de Caridade São Vicente de Paulo, para a prestação de contas das verbas Federais recebidas como auxilio, para a construção do belo edifício já terminado, no Asilo São Vicente de Paulo, e da festa de inauguração já realizada. Aberta a sessão pelo Reverendo Monsenhor Henrique Falarz, a tesouraria prestou as seguintes declarações: Foram recebidos auxílios Federais pelo Ministério de Educação e Saude; constando dos seguintes: 1949 – 1ª Quota Cr. $ 100.000,00 1949 – 2ª Quota Cr. $ 100.000,00 1950 – 1 Quota Cr. $ 200.000,00 1952 – 1 Quota Cr. $ 200.000,00 1953 – 1 Quota Cr. $ 400.000,00 Total Cr. $ 1.000.000,00 Sendo essa importância empregada no novo edifício do Asilo já construído. [...]93

92ASSOCIAÇÃO DAS DAMAS DE CARIDADE SÃO VICENTE DE PAULO. Ata da festa de inauguração do novo edifício do Asilo São Vicente de Paulo, realizada em 26 de julho de 1955. Livro 1. p. 43. 93ASSOCIAÇÃO DAS DAMAS DE CARIDADE SÃO VICENTE DE PAULO. Ata da reunião da Diretoria, realizada em 28 de julho de 1955. Livro 1. p. 45.

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O terceiro ponto a considerar é o próprio prédio, edificado para dar melhores

condições as asiladas. Esta construção vem a demonstrar a preocupação da época em

impor um espírito de modernidade.

Segundo Veiga-Neto, “A escola ao mesmo tempo produz e reproduz a cultura

na sociedade em que ela, escola, se situa”.94 Neste sentido, observando o contexto dos

anos 1950 no Paraná em que se dava a verticalização das cidades, as construções se

apresentavam como símbolos do progresso, da modernidade e da identidade da

sociedade paranaense. A urbanidade desejada pelo poder público, também era pautada

nas práticas de disciplinarização e higienização da população, e os projetos das escolas

do período, transpareciam estes ideais.

Segundo Clarice Nunes, as escolas sofreram mudanças nos aspectos de

produção de um novo espaço escolar e material didático pertinente aos novos objetivos

educacionais mas também em seus aspectos simbólicos, pois desejava-se para a escola

mais do que novas carteiras, quadros ou salas, “pretendia-se construir nela um estado

de espírito moderno”. Desta forma, os espaços de aprendizagem multiplicaram: não

apenas na sala de aula, mas também, salas especiais como: as bibliotecas, os

laboratórios, a rádio educativa, os teatros, os cinemas, os salões de festas, os pátios, as

quadras de esporte, os refeitórios.95

As edificações erguidas no início da segunda metade do século XX, no Paraná,

seguiam o modelo implementado nos anos de 1920 e 1930, período em que as escolas

sofreram alterações na forma e na cultura escolar. As novas reformas de ensino,

inspiradas nas ideias da Escola Nova, propuseram outras organizações nos espaços

escolares. Os princípios que regiam as novas edificações pautavam-se nas

94 VEIGA-NETO. ap. CAVALIERE, Glaucia. Inter-relação entre espaço escolar e currículo. Disponível em: <http://www.ufjf.br/espacoeducacao/files/2009/11/cc07_3.pdf>. Acesso em: 13 maio de 2015. 95 NUNES, Clarice. ap. CORREIA, Ana Paula P. História e Arquitetura Escolar: em busca da construção de escolas “modernas” no Paraná (1943-1953). Disponível em: <http://sbhe.org.br>. Acesso em: 13 maio de 2015.

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necessidades pedagógicas (iluminação e ventilação adequadas, salas de jogos, pátios

de recreação, instalações sanitárias, etc.), estéticas (promoção do gosto pelo belo e

pelo artístico) e nacionalistas (constituição do sentido de brasilidade pela retomada de

valores arquitetônicos coloniais e pelo culto as tradições brasileiras).96

Observando imagens das novas instalações do Lar e Educandário São Vicente

de Paulo, inaugurado em 1955, podemos reconhecer aspectos do espírito modernizador

que permeava as escolas construídas no período.

FIGURA 9 – PÁTIO CENTRAL DO EDUCANDÁRIO

FONTE: Acervo do Lar e Educandário São Vicente de Paulo. (Aproximadamente 1955)

Analisando a imagem do pátio central do educandário, percebemos além

imponência do novo prédio ao fundo, um carrossel, provavelmente destinado aos

momentos de recreação. Tanto o pátio como o brinquedo, trazem ao paralelo das novas

propostas para a escola moderna, em que o pátio para a recreação é importante para as

96 CORREIA, Ana Paula P. História e Arquitetura Escolar: em busca da construção de escolas “modernas” no Paraná (1943-1953). Disponível em: <http://sbhe.org.br>. Acesso em: 13 maio de 2015.

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práticas pedagógicas. Neste sentido, Faria Filho diz que “o ambiente escolar, segundo

as novas propostas, deveria ser educativo, ou seja, alegre, aprazível, pitoresco e com

paisagem envolvente.”97

Para além das necessidades recreativas, a ordem e o asseio, deveriam estar

presentes no interior do educandário, pressupostos do espírito moderno que permeava

as novas escolas construídas no Paraná, quanto as práticas de disciplinarização e

higienização da população, tão ao gosto da administração pública do período.

FIGURA 10 – REFEITÓRIO DO NOVO PRÉDIO

FONTE: Acervo do Lar e Educandário São Vicente de Paulo. (1955 – 1960)

97 FARIA FILHO. ap. CORREIA, Ana Paula P. História e Arquitetura Escolar: em busca da construção de escolas “modernas” no Paraná (1943-1953). Disponível em: <http://sbhe.org.br>. Acesso em: 13 maio de 2015.

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Na imagem do refeitório o educandário

porcelanas guardadas nos armários e na organização das mesas e cadeiras.

pode ser observada na adoção do piso em cerâmica e nas toalhas sobre as mesas em

tom claro.

Já as instalações

no piso e azulejos a meia altura, contando também com

espelhos.

FIGURA

FONTE: Acervo do Lar e Educandário S

Os dormitórios das novas instalaç

e ventilação adequados para as acomodações das internas

disciplina eram representadas na disposição das camas e

cabeceiras das camas.

98 Mencionamos tecidos, pois na imagem fica difícil identificar o cama. Em suposição poderíamos arriscar que seja uma toalha.

refeitório o educandário, percebemos a ordem expressada nas

porcelanas guardadas nos armários e na organização das mesas e cadeiras.

pode ser observada na adoção do piso em cerâmica e nas toalhas sobre as mesas em

Já as instalações higiênicas também não deixavam a desejar, com cerâmicas

azulejos a meia altura, contando também com lavatórios

FIGURA 11 – INSTALAÇÕES HIGIÊNICAS

Lar e Educandário São Vicente de Paulo. (Aproximadamente

Os dormitórios das novas instalações atendiam aos quesitos de luminosidade,

e ventilação adequados para as acomodações das internas. Da mesma forma, ordem e a

disciplina eram representadas na disposição das camas e nos tecidos

Mencionamos tecidos, pois na imagem fica difícil identificar o item que está sobre a cabeceira da

cama. Em suposição poderíamos arriscar que seja uma toalha.

57

percebemos a ordem expressada nas

porcelanas guardadas nos armários e na organização das mesas e cadeiras. Já a higiene

pode ser observada na adoção do piso em cerâmica e nas toalhas sobre as mesas em

higiênicas também não deixavam a desejar, com cerâmicas

lavatórios individuais e

INSTALAÇÕES HIGIÊNICAS

Aproximadamente 1955)

ões atendiam aos quesitos de luminosidade,

. Da mesma forma, ordem e a

nos tecidos98 individuais nas

item que está sobre a cabeceira da

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FIGURA 12 – UM DOS DORMITÓRIOS DA NOVAS INSTALAÇÕES

FONTE: Acervo do Lar e Educandário São Vicente de Paulo. (Aproximadamente 1955)

Observando estes fragmentos do espaço escolar, percebemos que a construção

do novo prédio do educandário vem a colaborar com a educação disciplinarizante e

higiênica desejada. Assim, podemos dizer que o próprio espaço escolar vem a fazer

parte do currículo escolar.

Neste sentido, Augustin Escolano, afirma que o espaço escolar não é uma

dimensão neutra do ensino, tampouco um simples esquema formal ou estruturas vazias

da educação. Ao contrário, os espaços operam como uma espécie de discurso que

institui, em sua materialidade, um sistema de valores, um conjunto de aprendizagens

sensoriais e motoras e uma semiologia que recobre símbolos estéticos, culturais e

ideológicos. Estes sistemas de valores, ainda segundo Escolano, podem ser traduzidos

como ordem (por exemplo, a distribuição das series nas salas de aula), disciplina

(rotinas e formaturas dos alunos e alunas) e vigilância (instalações desenhadas para

permitir o controle tanto de alunos como alunas como dos professores e professoras),

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valores estes que são incutidos subliminarmente (currículo oculto) em seus estudantes,

a fim de perpetuar a política social controladora dos movimentos e dos costumes.99

Considerando as assertivas de Escolano, é oportuno um diálogo com a teoria

de Michel Foucault, que quando pensa a disciplina diz que ela procede em primeiro

lugar à distribuição dos indivíduos no espaço, utilizando de várias técnicas. Nas

palavras do autor:

As disciplinas, organizando as “celas”, os “lugares” as “fileiras” criam espaços complexos: ao mesmo tempo arquiteturais, funcionais e hierárquicos. São espaços que realizam a fixação e permitem a circulação; recortam seguimentos individuais e estabelecem ligações operatórias; marcam lugares e indicam valores; garantem a obediência dos indivíduos, mas também uma melhor economia do tempo e dos gestos. São espaços mistos: reais, pois que reagem a disposição de edifícios, de salas, de móveis, mas ideais, pois se projetam sobre essa organização caracterizações, estimativas, hierarquias. A primeira das grandes operações da disciplina é então a constituição de “quadros vivos” que transformam as multidões confusas, inúteis ou perigosas em multiplicidades organizadas.100

Foucault quando trata da vigilância hierárquica no capítulo “Os recursos para

o bom adestramento” em sua obra Vigiar e Punir, afirma que “o exercício da disciplina

supõe um dispositivo que obrigue pelo jogo do olhar [...]”, o autor cita o acampamento

militar como modelo ideal onde o poder seria exercido através do jogo de uma

vigilância exata. “Cada olhar seria uma peça no funcionalismo global de poder”. Um

tradicional plano quadrado, em que definisse exatamente “[...] o número e a

distribuição das tendas, a orientação de suas entradas, a disposição das filas e das

colunas; desenha-se a rede de olhares que se controlam uns aos outros [...]”.101

Segundo Foucault, o acampamento é o diagrama de um poder que age pelo

efeito e uma visibilidade geral, e por muito tempo encontramos este modelo de

acampamento no urbanismo, na construção de cidades operárias, nos hospitais, nos

asilos, nas prisões, nas casas de educação. O autor se refere ao encaixamento espacial

99 ESCOLANO. ap. CORREIA, Ana Paula P. História e Arquitetura Escolar: em busca da construção de escolas “modernas” no Paraná (1943-1953). Disponível em: <http://sbhe.org.br>. Acesso em: 14 maio de 2015. 100 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. 40. ed. Petrópolis: Vozes, 2012. p. 142-143. 101 Id. Ibid. p. 165.

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das vigilâncias hierarquizadas, o princípio de “encastramento” que permeia o modelo

do acampamento. Este modelo fez surgir:

[...] uma arquitetura que não é mais feita para ser vista (fausto dos palácios), ou para vigiar o espaço exterior (geometria das fortalezas), mas para permitir um controle interior, articulado e detalhado – para se tornar visíveis os que nela se encontram; mais geralmente, a de uma arquitetura que seria um operador para a transformação dos indivíduos: agir sobre aquele que abriga, dar domínio sobre seu comportamento, reconduzir até eles os efeitos do poder, oferecê-los a um conhecimento, modificá-los. As pedras podem tornar dócil e conhecível. [...]102

2.3 EDUCAÇÃO, RELIGIOSIDADE E RITOS CÍVICOS

2.3.1 Formação primária e trabalhos manuais

Com o olhar no período de 1950 -1964, percebemos que além do abrigo de

meninas, dentro do educandário funcionava uma escola que se destinava a

proporcionar educação primária até o quarto ano para as asiladas. Este ponto é

percebido no relato de Dolores Lins, ex-aluna do período:

Lá no educandário somente tinha de primeira à quarta série. Daí no caso de quem queria continuar, ganhava uma bolsa de estudos no Colégio São José. Não era exigido, mas quem quisesse podia continuar, mas tinha que ser comportada, ao contrário não estudava. No educandário, tinha professoras que davam aulas de corte e costura e outras davam aulas de bordado. [...]103

Neste fragmento do relato da ex-aluna, notamos a referência a educação

primária de acordo coma estrutura proposta pela legislação educacional do período.

Neste período, como já mencionado aqui, estava em vigor a chamada “Reforma

Capanema”, ou Leis Orgânicas em que o ensino “Primário foi desdobrado em Ensino

Primário Fundamental, de quatro anos, destinado a crianças de 7 a 12 anos, [...] O

102 FOUCAULT, Michel. Op. cit. p. 166. 103 GOSLAR, Dolores Lins. Entrevista concedida à Fábio A. Gaspar. Lapa, 28 de Agosto de 2014.

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Ensino Médio ficou organizado verticalmente em dois ciclos, o ginasial, com a

duração de quatro anos, e o colegial, com a duração de três [...].”104

Em outro fragmento, Maria Tereza também ex-aluna, ao relembrar os

primeiros anos na instituição, nos dá a noção da organização primária no Educandário

e menciona matérias estudadas.

Depois na época de escola era diferente, quem ia para o primeiro ano e o segundo ano era pela manhã. A tarde era o terceiro e o quarto ano, era só até o quarto ano. Eu estava no primeiro ano, pois não tinha pré, depois passei para o segundo... foi um pouco difícil aprender a matemática, mas aprendi bem. [...]As matérias eram: português, matemática, questionário sobre ciências... não, ciências não era... ciências era mais para frente... geografia, ilhas, o que é uma ilha... tinha que responder questionário de geografia. Isto no educandário. Quando eu tinha dez anos, fui estudar no colégio São José, eu tinha ganhado tipo uma bolsa, [...] fui estudar lá de graça, achavam que eu tinha capacidade já no quarto ano primário. Depois do quarto ano, naquele tempo era curso ginasial [...]105

Em ambos os relatos se encontra menção ao Colégio São José da Lapa, este

que também era administrado pela mesma congregação de irmãs, porém, se tratava de

uma instituição particular. Segundo os relatos, somente algumas meninas seguiam para

o ginasial, aquelas que demostrassem capacidades e comportamento.

Outro ponto que chama a atenção, é a menção aos trabalhos manuais como

corte e costura e bordados lecionados por professoras, no relato de Dolores Lins. O

que nos faz perceber que no educandário se desenvolvia habilidades e práticas voltadas

para a formação doméstica. As tarefas eram distribuídas entre as meninas e segundo

conta Maria Tereza, “[...] tinha a semana de aprender a cozinhar, na outra semana ia

aprender na horta, mudar plantas [...] aprendia a costurar. Tricô não, era bordado,

costura, cerzido, fazer bainha de roupa, de vestido, tipo de uma reforma, nós íamos na

máquina para ver se aprendia”.106

104 SAVIANI, Dermeval. A política educacional no Brasil. In: STEPHANOU, Maria e BASTOS, Maria Helena Camara (orgs.). Histórias e memórias da educação no Brasil. Rio de Janeiro: Vozes, 2005, v. 3, p. 32-33. 105 GASPAR, Maria Tereza. Entrevista concedida à Fábio A. Gaspar. Curitiba, 10 de setembro de 2013. 106 GASPAR, Maria Tereza. Entrevista concedida à Fábio A. Gaspar. Curitiba, 10 de setembro de 2013.

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No interior da instituição, estas práticas eram organizadas e cobradas de forma

rígida pelas irmãs no dia a dia, assim como conta Dolores Lins:

Lá também tínhamos uma escala para a cozinha, cada semana eram duas meninas que seriam auxiliares da freira que cuidava da cozinha.[...] Também tínhamos escala para a lavanderia, para a horta. A organização e a limpeza eram as meninas que faziam. Tinha horário de bordar, depois do almoço e das brincadeiras, dá uma hora até as cinco era o horário de bordar, era dividido umas iam para o bordado outras para costura, aprendiam a costura a máquina, e não tinha dessa, não sei, não quero, vai aprender do mesmo jeito.107

Observando a Ata da reunião da Associação das Damas de Caridade São

Vicente de Paulo do dia 11 de maio de 1962, nota-se o registro das atividades de

instrução, educação, e trabalhos manuais desempenhados na instituição ao longo dos

anos. [...] irmã Luiza Angela que já a muitos anos esteve sob na administração, e que funcionou sempre com absoluta regularidade, merecendo elogios de todos que aqui visitam, de um modo geral, quer no que diz respeito a instrução, educação, aula de corte e costura e habilidades em trabalhos manuais. Não podemos deixar de dar elogios a irmã Francisca que aqui está a 6 anos sob a direção interna deste asilo [...] Continua trabalhando para estas pequenas dando aulas de datilografia, dedica-se também a aulas de piano, pintura, etc. [...]108

Analisando o fragmento da Ata, nota-se que os trabalhos manuais eram

bastante estimados tanto pela administração, como pelos visitantes da comunidade do

educandário. Observando a imagem de uma exposição dos trabalhos, nota-se os

detalhes dos bordados e o cuidado na apresentação.

107 GOSLAR, Dolores Lins. Entrevista concedida à Fábio A. Gaspar. Lapa, 28 de Agosto de 2014. 108 ASSOCIAÇÃO DAS DAMAS DE CARIDADE SÃO VICENTE DE PAULO. Ata de reunião, realizada em 6 de maio 1962. Livro 1. p. 79-80.

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FIGURA 13 – TRABALHOS MANUAIS EM EXPOSIÇÃO

FONTE: Acervo do Lar e Educandário São Vicente de Paulo. (Década de 1950)

Analisando todo este contexto demostrado pelos fragmentos pertinentes a

educação na instituição no período, notamos que no Lar e Educandário São Vicente de

Paulo a preocupação com a alfabetização era comum, representada nas aulas do curso

primário, no entanto, as práticas educativas eram voltadas para a formação da mulher

para o trato do ambiente doméstico. Isto pode ser explicado através da difundida ideia

dos positivistas, (esta que permeou a sociedade desde o início da República) de que o

papel da mulher na sociedade era servir de elemento mediador entre o homem e a

humanidade, a família e a República. Este pensamento segundo Roseli Boschilia,

“serviu de base para o discurso do governo, durante o período do Estado Novo. Desse

modo, a mulher era vista pelo Governo de Getúlio como responsável pela missão

divina de educar seus filhos e ser responsável pelo equilíbrio da família”109. Neste

sentido, a postura da educação percebida no educandário no período pós-Estado Novo,

ainda seguia carregada com este modelo de pensamento.

109 BOSCHILIA, Roseli T. Entre fitas, bolachas e caixas de fósforo: a mulher no espaço fabril curitibano (1940-1960). Curitiba: Artes e Textos, 2010. p. 44.

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Trazendo o raciocínio para a perspectiva da sociologia de Bourdieu, podemos

dizer que as práticas educacionais presentes nesta instituição, sobre tudo, as atividades

de trabalhos manuais, serviam para interiorização de um habitus necessário para a

formação de boas donas de casa.

Na teoria de Bourdieu, o habitus constitui nossa maneira de perceber, julgar e

valorizar o mundo e conforma nossa forma de agir, seja corporal e material. Desta

forma, as disposições interiorizadas refletem em nosso corpo através das posturas,

expressões corporais, modos de falar e olhar; no pensamento do que é certo ou errado;

e na nossa subjetividade. Nas palavras do autor: [...] o seu habitus, isto é, estruturas mentais através das quais eles apreendem o mundo social, são em essência produto da interiorização das estruturas do mundo social. Como as disposições perceptivas tendem a ajustar-se à posição, os agentes, mesmo os mais desprivilegiados, tendem a perceber o mundo como evidente e aceitá-lo de modo muito mais amplo[...].110

Perspectiva que nos traz novamente a assertiva de Veiga-Neto, que diz que:

“A escola ao mesmo tempo produz e reproduz a cultura na sociedade em que ela,

escola, se situa”111, pois a instituição analisada está a colaborar na aquisição ou

formação de um habitus, construído a partir de relações entre todos os seus agentes e

por intermédio de ações pedagógicas que procuram conformar nas educandas uma

forma específica para “percepção e apreciação” do mundo social.112

2.3.2 Religiosidade no Educandário

No Lar e educandário São Vicente de Paulo, a religiosidade era presente no

dia a dia da instituição, sobretudo, pelo trabalho das irmãs da congregação de São José

de Chambéry. Segundo o que conta Maria Tereza:

No educandário, nós levantávamos, íamos rezar, depois tomávamos café. [...] elas davam uns livrinhos para nós vermos as figurinhas, quando a gente sabia ler, nós líamos. Depois no segundo ano começamos a aprender o

110 BOURDIEU, Pierre. Coisas Ditas. São Paulo: Brasiliense, 2004. p. 158 111 VEIGA-NETO. ap. CAVALIERE, Glaucia. Inter-relação entre espaço escolar e currículo. Disponível em: <http://www.ufjf.br/espacoeducacao/files/2009/11/cc07_3.pdf>. Acesso em: 13 maio de 2015. 112 BOURDIEU, Pierre. Coisas Ditas. São Paulo: Brasiliense, 2004. p. 158.

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catecismo. Tínhamos que decorar e dizer o catecismo para elas. Elas faziam uma pergunta e nós respondíamos sobre o primeiro catecismo, segundo e terceiro... tudo sobre a bíblia.113

Aos domingos, o evangelho era cobrado de forma rigorosa pelas irmãs,

mediante a castigos para aquelas que não atendessem ao esperado. Dolores Lins conta

que: [...] tínhamos que aprender era o evangelho, tínhamos que decorar o evangelho do domingo. Enquanto você não decorasse, não ia almoçar. Aí nós pegávamos no meio da semana, sabia qual era o evangelho e já ia decorando para que quando chegasse o domingo, já estar na ponta da língua.114

A ordem e disciplina também era expressada nos momentos que as meninas

iam a Igreja para a missa, segundo Dolores Lins: “Quando íamos sair para a missa, era

duas a duas, começava das menores, arrumadas bem certinho até as maiores, depois

íamos subindo. Não podia conversar na Igreja, diferente de hoje em dia que todos

conversam e riem.”115

FIGURA 14 – ORGANIZAÇÃO A CAMINHO DA IGREJA

FONTE: Acervo do Lar e Educandário São Vicente de Paulo. (Década de 1950)

113 GASPAR, Maria Tereza. Entrevista concedida à Fábio A. Gaspar. Curitiba, 10 de setembro de 2013. 114 GOSLAR, Dolores Lins. Entrevista concedida à Fábio A. Gaspar. Lapa, 28 de Agosto de 2014. 115 GOSLAR, Dolores Lins. Entrevista concedida à Fábio A. Gaspar. Lapa, 28 de Agosto de 2014.

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Analisando os depoimentos e a imagem, percebemos um contexto em que a

religiosidade era imposta nos atos do dia a dia. Através da prática em decorar o

catecismo, o evangelho aos domingos, da oração nas manhãs e a ordem no caminho

para a Igreja, notamos a repetição de ações que visam inculcar um habitus religioso

que vem a colaborar no compromisso da educação das meninas dentro da moral

Católica. Neste sentido, a religiosidade presente nas práticas cotidianas vinha a somar

na educação para a formação a mulher para a boa administração do lar.

2.3.3 Eventos e Ritos Cívicos

Os escritos de Viñao Frago, ajudam na compreensão do tempo escolar como

um tempo institucional, pessoal, cultural e individual que agrega os indivíduos que

compõe a instituição, como professores alunos e corpo administrativo. Neste sentido,

os eventos escolares, para serem realizados, dependem de certa estrutura

administrativa do tempo escolar, que nesta dinâmica podem serem entendidos como

um tempo cultural vivido não somente por alunos e professores, pois estas iniciativas

ultrapassam os muros da escola e conclamam a vivência destes momentos pela família

e pela comunidade.116

Trazendo para a perspectiva do Lar e Educandário São Vicente de Paulo,

podemos dizer que nos momentos de festas e celebrações, o educandário saía da

clausura e abria suas portas para a comunidade.

A principal celebração revelada pelas fontes, é a festa do padroeiro São

Vicente de Paulo, como conta Dolores Lins:

No educandário tinha a festa de São Vicente, nela nós tínhamos que cantar a missa inteira em latim! As vezes nem sabíamos o que estávamos falando, não entendia, íamos decorando, as freiras sabiam na ponta da língua e nós acabamos decorando. [...]São Vicente de Paulo é o padroeiro do educandário, para as festas, nós íamos arrecadar prendas, saíamos de madrugada, e vinha com galinha, as vezes um terneirinho, abóbora vínhamos

116 VIÑAO FRAGO, Antonio. História de la educación e história cultural: possibilidades, problemas, cuestiones. Revista Brasileira de Educação, n. 0, pp. 63-82, set./out./nov./dez.1995 Disponível em: <http://educa.fcc.org.br/pdf/rbedu/n00/n00a05.pdf.>Acesso em: 19 abr. 2015.

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com cada enorme, aí as freiras aproveitava e faziam doce de abóbora para vender na festa.117

A comemoração era destinada para arrecadar fundos para a manutenção da

instituição, e contava com a mobilização da comunidade do entorno do educandário.

Em Ata da de reunião da Damas de Caridade São Vicente de Paulo de 27 de julho de

1961, podemos notar este aspecto.

[...] a tesouraria passou ao relato do movimento da festa do padroeiro, deste referido asilo, a qual transcorreu normalmente. Muitos foram os que trabalharam para o bom êxito da festa, e também à todas as associadas, que com boa vontade e dedicação não mediram esforços, para o bem das pequeninas asiladas. A festa religiosa, constou com [...] missa e procissão. Agradecemos a Banda de Música São Benedito que veio abrilhantar a festa, para maior entusiasmo de todos. Também devemos agradecer as Filhas de Maria que trabalharam na roda da fortuna, as Irmãs do colégio São José, barraquinhas, jogos, leilão, churrasco, agradecemos enfim a todos que colaboraram para a grandiosa festa. [...] resultado da festa já está sendo empregado para a manutenção do asilo [...].118

A comemoração do padroeiro, além do momento de mobilização da

comunidade, também se convertia em período de descontração para as meninas que

também se empenhavam para a festa. Maria Tereza conta que:

[...]em julho para as festas do colégio, pedia prenda nas colônias, ia eu e mais umas meninas. Eu sempre era escolhida porque, eu era assim... não tinha vergonha de pedir, de falar com as donas das casas da colônia. Ia de caminhão... ia pedir e voltava cheinho de abóbora, galinha, tudo isso, para fazer as festas no colégio. Para mim isto era... a mais, nossa senhora! A maior diversão para mim. Corria pelos campos, corria das vacas, ia com as mãos cheias de ovos, galinhas penduradas nos braços, amarradas pelas pernas, para mim isso era... eu me divertia.119

Observando os depoimentos, notamos que além da diversão proporcionada

para as meninas, o evento era um momento de demonstração das qualidades

educacionais proporcionadas pela instituição, o fato do canto em latim da missa

comemorativa, mencionado por Dolores Lins, mostra este aspecto.

117 GOSLAR, Dolores Lins. Entrevista concedida à Fábio A. Gaspar. Lapa, 28 de Agosto de 2014. 118 ASSOCIAÇÃO DAS DAMAS DE CARIDADE SÃO VICENTE DE PAULO. Ata da reunião da diretoria, realizada em 27 de julho de 1961. Livro 1. p. 72-73. 119 GASPAR, Maria Tereza. Entrevista concedida à Fábio A. Gaspar. Curitiba, 10 de setembro de 2013.

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Outro momento em que os muros da instituição eram superados, se dava nos

desfiles cívicos que ficaram tradicionais na instituição. Podemos dizer que os ritos

cívicos eram realizados em favor da formação intelectual, moral cívica e patriótica, ou

seja, elementos instituidores da identidade nacional brasileira no período. Este

movimento, pode ser visto como herança do governo autoritário de Getúlio, como

lembra Trindade e Andreazza;

Nesse momento, não só em Curitiba, mas na maioria das cidades paranaenses, as ruas mostravam uma movimentação pública bastante intensa caracterizada pelos desfiles cívicos e esportivos, tão ao gosto do governo autoritário de Getúlio. A esses acrescentavam-se os corsos carnavalescos e, no outro extremo, as procissões religiosas. Todos conduzidos como espetáculo a que a população acorria pressurosa para assistir, aplaudir ou participar da folia ou dos cânticos e rezas.120

FIGURA 15 – DESFILE SEMANA DA PÁTRIA

FONTE: Acervo do Lar e Educandário São Vicente de Paulo. (Década de 1950)

120 TRINDADE, Etelvina, Maria; ANDREAZZA, Maria, Luiza. Cultura e educação no Paraná. Curitiba: SEED, 2001. p. 101.

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Na imagem, podemos perceber que o Lar e Educandário São Vicente de Paulo,

estava consonante com o patriotismo presente no período. O desfile cívico era o

momento de demonstração de ordem, hierarquia e disciplina, também uma amostra de

amor à Pátria e consciência patriótica.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo desta pesquisa foi analisar como se dava a educação no Lar e

Educandário São Vicente de Paulo da Lapa-PR, instituição que abrigava meninas órfãs

e idosas, com o olhar no recorte que contempla os anos de 1950 a 1964. No entanto,

foi necessário estudar o contexto da fundação e consolidação da instituição para

compreender os rumos da educação professada dentro do período analisado, a fim de

responder a problemática inicial: Como acontecia a educação em uma instituição

religiosa que atendia meninas desfavorecidas no período de 1950 – 1964?

Em um primeiro momento, ao analisar a fundação do Lar e Educandário São

Vicente de Paulo da Lapa em 1906, pode-se constatar o papel assistencial na

idealização e mantimento da instituição, pela “Associação das Damas de Caridade São

Vicente de Paulo da Lapa”, um grupo de mulheres laicas, organizadas ao modelo dos

movimentos femininos que surgiu na Alemanha e na França em meados do século

XIX, e tinha por objetivo a assistência dos desprovidos. Estes movimentos, tanto no

estrangeiro quanto no Brasil, organizavam um trabalho voluntário que era realizado

por aqueles que possuíssem bens e ajudavam os pobres.

Para além, este estudo também constatou que a fundação do chamado “asilo

da Lapa”, não estava fora do contexto do fim do século XIX e início do XX, em que

várias congregações religiosas vieram ao Brasil a fim de propagar a fé católica por

meio do trabalho assistencial. Um período marcado pela separação da Igreja do Estado

e também, do embate entre positivistas republicanos e religiosos católicos. Neste

contexto, funciona o projeto de reestruturação da Igreja católica que, no Brasil, a partir

das arquidioceses nas cidades, fomentam a instalação de obras assistenciais com a

supervisão das congregações religiosas, para atender as necessidades que a população

carente demandava. Não foi diferente no Paraná, em que a congregação das irmãs de

São José de Chambéry vieram a atender várias obras, entre elas, a Santa Casa de

Misericórdia em Curitiba e o Asilo São Vicente de Paulo na Lapa-PR.

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Em um segundo momento, a pesquisa procurou analisar a educação no recorte

entre 1950 a 1964. Período em que a instituição demandava de uma maior visibilidade,

segundo constatado nas fontes, em especial pela construção do novo prédio inaugurado

em 1954.

No percurso da pesquisa, foi analisado o momento da edificação e inauguração

do novo prédio, discutindo com o contexto político educacional do período. A

pesquisa revelou que o Lar e educandário São Vicente de Paulo da Lapa, não estava

alheio ao cenário político paranaense que, impulsionado pelo bom momento

econômico, procurava a modernização das cidades, promovendo a verticalização como

símbolo do progresso.

No entanto, a educação professada no interior da instituição, refletia em

grande parte, a herança do período do Estado Novo, este que fica expressado nos

desfiles cívicos e também com a preocupação com a alfabetização e a formação da

mulher para a administração do lar. Contexto evidente nos depoimentos coletados, que

mencionam a prioridade dos trabalhos manuais no dia a dia do educandário.

Outro ponto que demanda atenção, é a religiosidade professada no interior da

instituição. Diluída nas práticas de orações diárias, no decorar do evangelho, na rigidez

do caminho para a igreja. Temos a religiosidade presente colaborando para a educação

pertinente a moral católica, somando na formação das meninas para a admiração da

casa e da família.

Considerando estes pontos, podemos dizer que a instituição denominada Lar e

Educandário São Vicente de Paulo, no que se refere a educação, com o olhar no

período de 1950 a 1964, refletia o contexto que a cercava. O de um estado paranaense

preocupado com a modernização e o progresso, da religiosidade preocupada com a

formação moral católica e a estrutura social da época que tinha a mulher como

administradora do lar. Assim, mais uma vez podemos nos valer da assertiva de Veiga-

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Neto, que diz que “A escola ao mesmo tempo produz e reproduz a cultura na

sociedade em que ela, escola, se situa”.121

Por fim, é importante mencionar que esta pesquisa não se esgota aqui. Durante

todo o percurso deste estudo, apareceram novas perspectivas de análise a cerca desta

instituição centenária. Entre os pontos possíveis, está o aprofundamento na

metodologia da história oral, a fim de trabalhar melhor com a memória, para analisar

as relações conflitivas entre as asiladas na instituição. Tendo este aspecto a considerar,

podemos dizer que a presente pesquisa pode ser considerada um passo inicial, no que

se refere a História do Lar e Educandário São Vicente de Paulo da Lapa – PR.

Instituição esta, que ainda será tema de futuras pesquisas.

121 VEIGA-NETO. ap. CAVALIERE, Glaucia. Inter-relação entre espaço escolar e currículo. Disponível em: <http://www.ufjf.br/espacoeducacao/files/2009/11/cc07_3.pdf>. Acesso em: 13 maio de 2015.

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FONTES

ÁLBUM DE fotografias. Lar e Educandário São Vicente de Paulo. Lapa:[1940-1950-].

ASSOCIAÇÃO DAS DAMAS DE CARIDADE SÃO VICENTE DE PAULO. Ata da festa de inauguração do novo edifício do Asilo São Vicente de Paulo, realizada em 26 de julho de 1955. Livro 1.

ASSOCIAÇÃO DAS DAMAS DE CARIDADE SÃO VICENTE DE PAULO. Ata da reunião da Diretoria, realizada em 28 de julho de 1955. Livro 1.

ASSOCIAÇÃO DAS DAMAS DE CARIDADE SÃO VICENTE DE PAULO. Ata de lançamento da primeira pedra do novo edifício do Asilo São Vicente de Paulo, realizada no dia 21 de abril de 1951. Livro 1.

ASSOCIAÇÃO DAS DAMAS DE CARIDADE SÃO VICENTE DE PAULO. Ata de reunião, realizada em 6 de maio 1962. Livro 1.

ASSOCIAÇÃO DAS DAMAS DE CARIDADE SÃO VICENTE DE PAULO. Ata da reunião da diretoria, realizada em 27 de julho de 1961. Livro 1.

BLONDET, L. Collegio de Meninas. Jornal A República. Curitiba, 13 nov. 1885.

CRÔNICAS da Província do Paraná da Congregação das Irmãs de São José de Chambéry 1896-1933. GASPAR, Maria Tereza. Entrevista concedida à Fábio A. Gaspar. Curitiba, 10 de setembro de 2013.

GOSLAR, Dolores Lins. Entrevista concedida à Fábio A. Gaspar. Lapa, 28 de Agosto de 2014.

LAPA-PR. Estatutos da Associação das Damas de Caridade São Vicente de Paulo da cidade da Lapa. 1939. VELLOZO, D. A Imprensa e o Clero. O Cenáculo, Curitiba, fev. 1896, p. 33-34.

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REFERÊNCIAS

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HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DA EDUCAÇÃO da Lapa. Lar e Educandário São Vicente de Paulo. LE GOFF, J. História e Memória. 3. ed. Campinas, SP: UNICAMP, 1994. p. 536. NOSELLA, Paolo; BUFA, Ester. Instituições escolares. Por que e como pesquisar. Campinas, SP: Alínea, 2009. NÓVOA, A. Para que a História da Educação? In. STEPHANOU, Maria; BASTOS, Maria H. C. Histórias e memórias da educação no Brasil. vol. 2. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011. PIZANI, Maria Angelica Pinto Nunes. O cuidar na atuação das irmãs de São José de Moutiers na Santa Casa de Misericórdia de Curitiba (1896-1937). 296 p. Tese (Doutorado História) –Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2005. Disponível em <http://www.poshistoria.ufpr.br/documentos/2005/Mariaamgelicapintonunespizani.pdf>. Acesso em: 31 mar. 2015. RIBEIRO, João. O que é positivismo. São Paulo: Brasiliense, 2001. Coleção Primeiros passos, n. 72. SAVIANI, Dermeval. Da Nova LDB ao Plano Nacional de educação: por uma outra política educacional. Campinas: Autores Associados, 2002. p. 75. ________. A política educacional no Brasil. In: STEPHANOU, Maria e BASTOS, Maria Helena Camara (orgs.). Histórias e memórias da educação no Brasil. Rio de Janeiro: Vozes, 2005, v. 3. ________. História das ideias pedagógicas no Brasil. 4. Ed. Campinas: Autores Associados, 2013. TAMBARA, Elomar. Educação e positivismo no Brasil. In: STEPHANOU, Maria e BASTOS, Maria Helena Camara (orgs.). Histórias e memórias da educação no Brasil. Rio de Janeiro: Vozes, 2005, v. 2. TRINDADE, Etelvina, Maria; ANDREAZZA, Maria, Luiza. Cultura e educação no Paraná. Curitiba: SEED, 2001. p. 95. VIÑAO FRAGO, Antonio. História de la educación e história cultural: possibilidades, problemas, cuestiones. Revista Brasileira de Educação, n. 0, p. 63-82, set./out./nov./dez.1995 Disponível em: <http://educa.fcc.org.br/pdf/rbedu/n00/n00a05.pdf.>Acesso em: 19 abr. 2015.

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ANEXOS

Anexo 1: Depoimento de Dolores Lins Goslar.

Foi por volta de seis anos que eu fui para o educandário, minha família se

separou, daí cada filho foi para um lado, um foi para o padrinho, outro para alguém

conhecido e eu fui para o educandário.

Eu não queria fica lá de jeito nenhum! Mas a primeira coisa que fizeram, eu

tinha o cabelo pela cintura, com laço no cabelo, feito trança... a primeira coisa que

fizeram foi desmanchar as tranças e cortar o cabelo. Mas eu gritei, gritei, chorei,

esperneei... mas era a lei de lá, não podia e com razão, por motivo da época de piolho.

E também, eles não podiam estar atendendo individualmente, cada um, pentear o

cabelo, fazer trança e tudo.

O começo não foi tranquilo, fiquei uma semana chorando, não parava de

chorar, não queria comer, não queria nada... foi muito revoltante. Depois com o tempo,

eu fui fazendo amizades, as outras meninas tudo cercando, falando não chore, não

chore, vamos brincar, daí fui fazendo amizades.

Na infância para as brincadeiras a gente, reunia todo o tipo de latinha,

tampinha, pegava um paninho e esticava, arrumava como se fosse uma mesinha de

comida, colocava tudo certinho, pegava as pedrinhas e dizia que era comidinha... A

gente também fazia bonequinhas de pano, fazia a carinha, o corpinho, colocava

vestidinho, para ficar ao lado da mezinha. Não tinha brinquedo nada, sei que eu

organizava, cortava papeizinhos para fazer os guardanapos... jornal, qualquer papel

que a gente encontrasse, até de balinha mesmo, a gente esticava e colocava ali.

No pátio, a gente inventava arte, as vezes brincava de roda ciranda cirandinha

era o que mais a gente brincava, bom barqueiro. Aquele carrossel não tinha ainda, era

tudo chão de terra ainda, quando chovia não tinha condições de sair para brincar, era

uma lama só, como o tempo é que foram calçando. Brincadeira de bola não tinha, as

vezes a gente enrolava papel dentro de uma meia, amarrava e ficava jogando, como se

fosse bola.

A convivência com as meninas era boa, mas as mais velhas eram tiranas... o

que elas judiavam das menores, a gente não podia chegar perto das freiras, não podia

contar... tinha sempre uma espiã por perto, vendo o que a gente ia falar... não era fácil.

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Nós sofríamos nas mãos delas, de baterem mesmo. Elas se reuniam na turminha delas

e faziam uma lista, daí indicavam, hoje é fulana e fulana... então o coração da gente

parece que já sentia: hoje não está bom, alguma coisa vai acontecer... e de fato! Você

estava na lista, e ia apanhar... tinha um lado triste também. Daí em uma época, as

freiras descobriram que elas andavam batendo nas menores. Uma das alunas desmaiou

uma vez que a gente participava da oração do mês do rosário na Igreja Matriz, naquele

tempo o Doutor Carrana foi fazer a consulta na menina para ver o que tinha acontecido

e encontrou os hematomas, na cabeça, no corpo... estava toda machucada, aí ele

chamou uma das freiras e falou: olha isso aí é alguma coisa que está acontecendo por

aí e vocês tem que descobrir. E daquela época em diante, as freiras começaram a pegar

as maiores de dezoito anos e entregar, colocar nas casas para trabalhar e acabar com

tudo o que estava acontecendo. A partir daí, as freiras diziam para nós que qualquer

coisa que tivesse acontecendo, vocês venham e contem para a gente, isso não pode

ficar escondido... tem que ter um castigo para isso. Isso foi por volta de 57 - 58 eu

tinha uns doze anos.

As histórias que tínhamos que aprender era o evangelho, tínhamos que decorar

o evangelho do domingo. Enquanto você não decorasse, não ia almoçar. Aí nós

pegávamos no meio da semana, sabia qual era o evangelho e já ia decorando para que

quando chegasse o domingo, já estar na ponta da língua. Nós também nos reuníamos

para a hora do catecismo também, tinha lições certas, do tipo: você vai decorar dez

respostas, aí tal dia elas tomavam e aí nós tínhamos que saber de cor, o catecismo

inteiro.

Lá no educandário somente tinha de primeira à quarta série. Daí no caso de

quem queria continuar, ganhava uma bolsa de estudos no Colégio São José. Não era

exigido, mas quem quisesse podia continuar, mas tinha que ser comportada, ao

contrário não estudava. No educandário, tinha professoras que davam aulas de corte e

costura e outras davam aulas de bordado. Lá também tínhamos uma escala para a

cozinha, cada semana eram duas meninas que seriam auxiliares da freira que cuidava

da cozinha. O engraçado é que nós aprendemos a cozinhar somente nos “panelões”, aí

depois de casada... o que ia fazer? O que eu queimei de comida nos primeiros dias, não

acertava o tempero, nem a quantidade, acostumada a fazer sempre bastante. Também

tínhamos escala para a lavanderia, para a horta. A organização e a limpeza eram as

meninas que faziam. Tinha horário de bordar, depois do almoço e das brincadeiras, dá

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uma hora até as cinco era o horário de bordar, era dividido umas iam para o bordado

outras para costura, aprendiam a costura a máquina, e não tinha dessa, não sei, não

quero, vai aprender do mesmo jeito.

Nós passeávamos bastante, quase todos os domingos. As vezes o quartel

levava, outras vezes íamos a pé mesmo que fosse longe, tinha uma fazenda que quando

era época de pinhão, nossa! nós enchíamos os aventais de pinhão, laranja, mimosa; nós

íamos passear mais nas chácaras do que em outros lugares.

No educandário tinha a festa de São Vicente, nela nós tínhamos que cantar a

missa inteira em latim! As vezes nem sabíamos o que estávamos falando, não

entendia, íamos decorando, as freiras sabiam na ponta da língua e nós acabamos

decorando. Missa de defunto também, que chamavam de “missa de Réquiem”, tudo

em latim. São Vicente de Paulo é o padroeiro do educandário, para as festas, nós íamos

arrecadar prendas, saíamos de madrugada, e vinha com galinha, as vezes um

terneirinho, abóbora vínhamos com cada enorme, aí as freiras aproveitava e faziam

doce de abóbora para vender na festa. Arrecadávamos mais coisas porque era no

interior que íamos, ovos também, e o medo de quebrar os ovos! Vinham todos no

avental, mesmo quando nós íamos correndo. Todo mundo queria ir arrecadar prendas,

mesmo que fosse cedo, com inverno rigoroso no mês de junho que era a festa de São

Vicente. Ah mas a gente gostava! Chegávamos lá no interior e era aqueles campos

brancos de geada, e nós correndo lá. Era divertido.

As irmãs eram rígidas, de vez em quando tinha que ficar de castigo. Mas elas,

se a gente estava doente, já percebiam pelo olhar e naquela época quando ficava com

dor de garganta, não era qualquer remedinho, elas faziam um chumaço de algodão e o

que é que elas passavam... acho que era mercúrio na garganta para poder sarar. Não

tinha farmácia, então era o que tinha. Quando íamos sair para a missa, era duas a duas,

começava das menores, arrumadas bem certinho até as maiores, depois íamos subindo.

Não podia conversar na Igreja, deferente de hoje em dia que todos conversam e riem.

Teve uma época nos finas de ano, que nós quase sempre recebíamos brinquedos,

doces, eles vinham em uma turma... não lembro de onde eles eram de Curitiba... um

clube... eles vinham e faziam aquela festa para todo mundo, uma vez por ano.

Ficávamos na expectativa de que ganharíamos. As vezes nem era presente, era doce,

mas nós ficávamos contentes. Não tinha doce lá no educandário, nem bala e nem nada.

As vezes as maiores tomavam, e não tinha, não do! Elas pegavam mesmo.

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Anexo 2: Depoimento de Maria Tereza Gaspar.

Antes de chagar no educandário, eu me lembro que vivíamos em um campo de

futebol, eu minha mãe e minha irmã. Fui acolhida porque o juiz me colocou lá. Me

colocou juntamente com a minha irmã. Porque nós morávamos em um... Não era vida

aquela que estávamos levando. Pelo o que me lembro foi assim... o dia que chegamos

no educandário uma família que morava lá nos acolheu, me cuidou... e também da

minha irmã. Nós estávamos tudo cheia de piolhos, tudo suja... me cuidou... até eu

pegar uma idade para poder conviver junto com as meninas. Acho que eu estava com

mais ou menos três anos de idade. Lembro o nome dela era Dona Catarina, ela não

tinha marido, morava só com a filha, não lembro de nenhuma pessoa do sexo

masculino. Ela me cuidou até eu me acostumar lá. Longe da mãe. Foi um juiz que

tirou da mãe, junto com minha irmã que era um pouco mais velha que eu, não lembro

a idade que ela tinha.

Na infância no educandário, nós levantávamos, íamos rezar, depois

tomávamos café. As menores iam brincar, as maiores já podiam ir para a escola, ali

mesmo no educandário tinha as salas de aula, eu ainda era muito pequena, então ia

brincar com as outras meninas lá no pátio. Nó brincávamos de boneca... de fazer

roupinha de boneca... brincava de pular corda, essas brincadeiras que que toda criança

gosta... brincava de correr, jogar bola, correr atrás de bola, brincar de peteca... até

chegar a idade de estudar. Até os sete anos só brincava, depois quando chegava a hora

do almoço, almoçava e ia dormir um pouquinho, lembro que quando eu ia dormir,

onde desse para deitar nós deitávamos, no chão... isso as menores. Era no chão mesmo,

quando estava muito frio eles jogavam uns cobertores em cima de nós, deitávamos lá e

dormíamos um soninho, depois ia brincar de novo e depois tomávamos lanche, chá da

tarde, nossa vida era brincadeiras só.

Depois na época de escola era diferente, quem ia para o primeiro ano e o

segundo ano era pela manhã. A tarde era o terceiro e o quarto ano, era só até o quarto

ano. Eu estava no primeiro ano, pois não tinha “pré”, depois passei para o segundo...

foi um pouco difícil aprender a matemática, mas aprendi bem.

Histórias as irmãs não contavam. Elas davam uns livrinhos para nós vermos as

figurinhas, quando a gente sabia ler, nós líamos. Depois no segundo ano começamos a

aprender o catecismo. Tínhamos que decorar e dizer o catecismo para elas. Elas faziam

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uma pergunta e nós respondíamos sobre o primeiro catecismo, segundo e terceiro...

tudo sobre a bíblia.

Gostava bastante de ler, eu era boa em português, sempre fui, era minha

matéria preferida português, redação, quando estava na idade de fazer redação, no

terceiro e quarto ano. Tinha também questionário.

As matérias eram: português, matemática, questionário sobre ciências... não,

ciências não era... ciências era mais para frente... geografia, ilhas, o que é uma ilha...

tinha que responder questionário de geografia. Isto no educandário. Quando eu tinha

dez anos, fui estudar no colégio São José, eu tinha ganhado tipo uma bolsa, não era

uma bolsa... fui estudar lá de graça, achavam que eu tinha capacidade já no quarto ano

primário. Depois do quarto ano, naquele tempo era curso ginasial, como se fosse de

quinta a oitava. Lá aprendia latim, francês e as outras matérias que tinha. Não era

inglês, era latim e francês que tinha.

No educandário as tarefas eram na cozinha, que tinha a semana de aprender a

cozinhar, na outra semana ia aprender na horta, mudar plantas... carpir não, a freira não

dava a enxada, tirava os matos... as pragas do canteiro, deixava tudo limpo... e

bordava, aprendia a costurar. Tricô não, era bordado, costura, cerzido, fazer bainha de

roupa, de vestido, tipo de uma reforma, nós íamos na máquina para ver se aprendia.

Datilografia também aprendia um pouco lá, fiz um curso rápido que não terminei. As

brincadeiras, conforme ia ficando mais com idade, dez, onze, doze anos de idade as

brincadeiras eram outras, não era de criança. Tinha o tempo de estudar para as provas,

brincadeiras de bola, tudo com as meninas da mesma idade.

Domingo e feriados nós passeávamos, íamos para as chácaras buscar laranja,

mimosa, pinhão, no tempo de pinhão, eu ia pedir prenda em julho para nas festas do

colégio, pedia prenda nas colônias, ia eu e mais umas meninas. Eu sempre era

escolhida porque, eu era assim... não tinha vergonha de pedir, de falar com as donas

das casas da colônia. Ia de caminhão... ia pedir e voltava cheinho de abóbora, galinha,

tudo isso, para fazer as festas no colégio. Para mim isto era... a mais, nossa senhora! A

maior diversão para mim. Corria pelos campos, corria das vacas, ia com as mãos

cheias de ovos, galinhas penduradas nos braços, amarradas pelas pernas, para mim isso

era... eu me divertia.

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