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Resumo ATUALMENTE, A BIOMASSA É RESPONSÁVEL por um terço da energia con- sumida nos países em desenvolvimento — variando de cerca de 90% em países como Uganda, Ruanda e Tanzânia a 45% na Índia, 30% na China e no Brasil e de 10% a 15% no México e África do Sul. Esses percentuais variam muito pouco, ainda que esses países consumam mais combustí- veis fósseis/comerciais. As questões cruciais que se colocam são se haverá uma redução, no século XXI, do número de pessoas dependentes de bio- massa para geração de energia, cerca de 2 bilhões, e quais serão as conse- qüências duradouras dessa “eterna” dependência para o desenvolvimento econômico e meio ambiente locais e globais. Em 1996, o Banco Mundial reconheceu que “as políticas energéticas terão que contemplar o forneci- mento e uso de biocombustíveis da mesma forma como tratam dos com- bustíveis modernos”. Muitos países desenvolvidos obtêm da biomassa uma quantidade significativa de sua energia primária: 4% nos EUA, 14% na Áustria, 18% na Suécia e 20% na Finlândia. Hoje, a energia da biomassa é res- ponsável pelo fornecimento de pelo menos 2 EJ por ano na Europa Ocidental, o que representa cerca de 4% da energia primária utilizada (54 EJ). As estimativas apontam para um potencial de 9 a 13,5 EJ na Europa em 2050, dependendo da área disponível para cultivo, do rendi- mento e da possibilidade de recuperação dos resíduos. A contribuição 1 V ISÃO G ERAL DE E NERGIA E B IOMASSA David O. Hall Jo I. House Ivan Scrase 01 visaoGeral.pmd 18/3/2005, 09:38 25

Uso da biomassa para produção de energia na indústria brasileira

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Uso da biomassa para produção de energia na indústria brasileira

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R e s u m o

ATUALMENTE, A BIOMASSA É RESPONSÁVEL por um terço da energia con-sumida nos países em desenvolvimento — variando de cerca de 90% empaíses como Uganda, Ruanda e Tanzânia a 45% na Índia, 30% na Chinae no Brasil e de 10% a 15% no México e África do Sul. Esses percentuaisvariam muito pouco, ainda que esses países consumam mais combustí-veis fósseis/comerciais. As questões cruciais que se colocam são se haveráuma redução, no século XXI, do número de pessoas dependentes de bio-massa para geração de energia, cerca de 2 bilhões, e quais serão as conse-qüências duradouras dessa “eterna” dependência para o desenvolvimentoeconômico e meio ambiente locais e globais. Em 1996, o Banco Mundialreconheceu que “as políticas energéticas terão que contemplar o forneci-mento e uso de biocombustíveis da mesma forma como tratam dos com-bustíveis modernos”.

Muitos países desenvolvidos obtêm da biomassa uma quantidadesignificativa de sua energia primária: 4% nos EUA, 14% na Áustria,18% na Suécia e 20% na Finlândia. Hoje, a energia da biomassa é res-ponsável pelo fornecimento de pelo menos 2 EJ por ano na EuropaOcidental, o que representa cerca de 4% da energia primária utilizada(54 EJ). As estimativas apontam para um potencial de 9 a 13,5 EJ naEuropa em 2050, dependendo da área disponível para cultivo, do rendi-mento e da possibilidade de recuperação dos resíduos. A contribuição

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V I S Ã O G E R A L D E

E N E R G I A E B I O M A S S A

David O. Hall

Jo I. House

Ivan Scrase

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da biomassa representa de 17% a 30% da demanda total de energiaprojetada para 2050.

Existe um potencial considerável para a modernização do uso dos com-bustíveis de biomassa na produção de vetores energéticos convenientes,como eletricidade, gases e combustíveis automotivos, ao mesmo tempoem que se preservam usos tradicionais da biomassa. Essa modernizaçãodo uso industrial da biomassa já acontece em muitos países. Quandoproduzida de forma eficiente e sustentável, a energia da biomassa trazinúmeros benefícios ambientais e sociais em comparação com os com-bustíveis fósseis. Esses benefícios incluem o melhor manejo da terra, acriação de empregos, o uso de áreas agrícolas excedentes nos países indus-trializados, o fornecimento de vetores energéticos modernos a comuni-dades rurais nos países em desenvolvimento, a redução dos níveis de emis-são de CO

2, o controle de resíduos e a reciclagem de nutrientes. Maiores

benefícios ambientais e energéticos podem derivar do cultivo de plantasperenes e florestas antes que de plantações com safras anuais, que sãomatéria-prima alternativa de curto prazo para a produção de combustíveis.Os sistemas agroflorestais podem desempenhar um papel importante naobtenção de energia e de vários outros benefícios para os agricultores e ascomunidades. Para diminuir os níveis de emissão de CO

2, o uso da bio-

massa como um substituto dos combustíveis fósseis (substituição total,co-firing etc.) é mais vantajoso, do ponto de vista socioeconômico, do queo uso de florestas para seqüestrar o carbono.

Figura 1.1 — Consumo mundial de energiaFigura 1.1 — Consumo mundial de energiaFigura 1.1 — Consumo mundial de energiaFigura 1.1 — Consumo mundial de energiaFigura 1.1 — Consumo mundial de energia

MundoMundoMundoMundoMundo

Total: 386 EJ, 9.205 MtpePopulação: 5,3 bilhões73 GJ per capita

Biomassa13%

Hidro6%Nuclear

5%

Gás19%

Carvão mineral24%

Petróleo33%

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Fonte: Hall e House (1995).Países industrializados: BP Statistical Review of World Energy 1990, British Petroleum PLC, Reino Unido (paísesindustrializados = todos os países da OECD mais o Leste Europeu e a ex-URSS).Países em desenvolvimento: 1990 UN Energy Statistics Yearbook, Nações Unidas, Nova Iorque, 1992.Biomassa: dados de 1987 obtidos em Biomass Users Network (BUN) (Rosillo-Calle e Hall, 1991).Nuclear e hidro convertidos em bases de petróleo equivalente para produzir a mesma quantidade de eletricidade.Mtpe = milhões de toneladas de petróleo equivalente.

Países industrializadosPaíses industrializadosPaíses industrializadosPaíses industrializadosPaíses industrializados

Total: 257 EJ, 6.131 Mtpe (67%)População: 1,3 bilhão (25%)204 GJ per capita

Petróleo36%

Carvão mineral23%

Gás24%

Nuclear8%

Hidro6%

Biomassa3%

Países em desenvolvimentoPaíses em desenvolvimentoPaíses em desenvolvimentoPaíses em desenvolvimentoPaíses em desenvolvimento

Total: 129 EJ, 3.074 Mtpe (33%)População: 4,0 bilhões (75%)32 GJ per capita

Petróleo25%

Carvão mineral27%

Gás8%

Nuclear 1%

Hidro6%

Biomassa33%

Estudos de caso são apresentados neste capítulo para vários países,discutindo as dificuldades envolvidas na modernização da energia oriundada biomassa e o potencial para transformá-las em oportunidades de em-preendimentos. Conclui-se que os impactos de longo prazo dos progra-mas e projetos relativos à biomassa dependem, principalmente, da garan-tia de geração de renda, sustentabilidade ambiental, flexibilidade e repli-cabilidade, ao mesmo tempo em que se consideram as condições locais ese oferecem vários benefícios, uma característica importante dos sistemasagroflorestais. A energia da biomassa deve ser ambientalmente aceitável

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para que seja assegurada a difusão de seu uso como uma fonte de energiamoderna. A implementação de projetos de uso de biomassa exige ini-ciativas políticas governamentais que internalizem os custos econômicos,sociais e ambientais externos das fontes convencionais de combustível, demodo que os combustíveis produzidos a partir da biomassa possam com-petir “em pé de igualdade”.

1 .1 I n t r o d u ç ã o

UM QUINTO DE TODA A ENERGIA mundial é gerado a partir de recursos re-nováveis: de 13% a 14% a partir da biomassa e 6% a partir da água (Fi-gura 1.1). No caso da biomassa, isso representa cerca de 25 milhões debarris de petróleo por dia (55 EJ/ano). Nos países em desenvolvimento,a biomassa é a fonte de energia mais importante (33% do total) para seushabitantes, que representam três quartos da população mundial. Devidoao fato de os dados sobre o uso da biomassa, para muitos desses países,não estarem disponíveis e, para outros, não serem regularmente atuali-zados, os valores globais exatos do uso da biomassa não estão disponíveis.Em alguns países em desenvolvimento, a biomassa é responsável pelo for-necimento de 90% ou mais da energia total. A biomassa também é usadacomo fonte de energia em alguns países industrializados, como os EstadosUnidos (4%, equivalente em conteúdo energético a 1,9 milhão de barrisde petróleo por dia), Áustria (14%) e Suécia (18%).

A biomassa, geralmente e de forma errônea, é tida como um com-bustível inferior e raramente é incluída nas estatísticas energéticas, quan-do, na verdade, deveria ser considerada uma fonte renovável e equivalenteaos combustíveis fósseis. Ela oferece flexibilidade, pois tem várias apli-cações e pode ser usada na produção de diversos combustíveis. A biomassapode ser queimada diretamente para produzir eletricidade ou calor, ou podeser convertida em combustíveis sólidos, gasosos e líquidos por meio detecnologias de conversão como a fermentação, empregada para produziralcoóis, a digestão bacteriana, para produzir biogás, e a gaseificação, paraproduzir um substituto do gás natural. Os resíduos industriais, agrícolas eflorestais podem ser usados como fontes de biomassa ou podem os plantiosenergéticos, como os de árvores e cana-de-açúcar, ser cultivados especifica-mente para serem convertidos em energia.

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No decorrer da história, o uso da biomassa tem variado considera-velmente, sob a influência de dois fatores principais: a densidade demo-gráfica e a disponibilidade de recursos. Uma vez que a produção fotos-sintética anual da biomassa é cerca de oito vezes maior que a energia totalusada no mundo e que essa energia pode ser produzida e usada de formaambientalmente sustentável, visto que não libera CO

2, não resta dúvida

de que essa fonte potencial de energia armazenada deve ser cuidadosa-mente levada em consideração em qualquer discussão sobre o forneci-mento de energia nos dias atuais e no futuro. O fato de que, no ano 2050,aproximadamente 90% da população mundial estará vivendo em paísesem desenvolvimento sugere que o cultivo da biomassa para fornecer ener-gia estará muito presente entre nós no futuro, a menos que haja mudançasdrásticas nos padrões mundiais de comercialização de energia.

As informações sobre os padrões de produção e uso da biomassa sãoinadequadas até mesmo para serem tomadas como base para suposições, emais inadequadas ainda para serem consideradas na criação de políticase implementação de planos. Nos anos 80, discutiu-se muito uma supostadefasagem, em alguns países, na produção de lenha retirada das florestasplantadas e das matas nativas e o uso dessa lenha. Teriam as árvores sidoextintas em Ruanda ou na Tanzânia, para citar dois exemplos, em 1987ou 1990, como calculado por vários protagonistas? É claro que ainda hámuitas árvores nesses países! Entretanto, não sabemos muito bem por queas estimativas de fornecimento de biomassa estavam erradas. Tampoucosabemos como coletar os dados de forma mais eficiente, quando a cres-cente preocupação com o cultivo da biomassa para energia não dispõe dofinanciamento necessário, em comparação com os recursos disponíveispara se analisar a produção e o uso dos combustíveis convencionais.

Considerar somente a lenha como fonte de biomassa é um erro, pois fazcom que o uso de outras fontes, como carvão vegetal, resíduos agrícolassazonais, resíduos florestais e esterco de aves, seja ignorado em muitos paí-ses. Esses resíduos podem representar 30% a 40% do fornecimento totalde biomassa. Além disso, a produção de lenha não se faz necessariamentecom o corte de árvores e galhos, mas, em geral e principalmente, consisteem coletar gravetos e pequenos galhos, sem causar sérios danos às árvores.Dessa forma, as estatísticas de fornecimento e uso de biomassa devemconsiderar todas as formas de biomassa, monitoradas durante todas as es-tações do ano. Esses dados deveriam ser disponibilizados em intervalos

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regulares de tempo e usados no reconhecimento de tendências e no pla-nejamento de ações futuras. É evidente que os dados sobre o uso de bio-massa devem ser associados a informações precisas sobre o fornecimentode biomassa para que os balanços nacionais e regionais possam ser mo-nitorados e para que se possa averiguar se ocorrem esgotamentos de recursosou se um fornecimento sustentável de biomassa é possível. Outra questãoimportante é fazer com que as pessoas se adaptem ao fornecimento limitadode biomassa para que a sustentabilidade possa ser assegurada.

Outro fato que quase nunca se reconhece ou documenta é que a bio-massa, além de ser usada para cocção de alimentos nos setores domésticoe comercial, também serve como fonte de energia em processamentosagroindustriais e na fabricação de tijolos, telhas, cimento, fertilizantes eoutros. Podem ser numerosos os exemplos desses usos, que não na cocçãode alimentos, especialmente ao redor de vilas e cidades. Além disso, osvilarejos rurais e as indústrias de pequeno porte geralmente têm a bio-massa como uma importante fonte de energia e desempenham um papelimportante nas economias rural e nacional, que, cada vez mais, são o focode políticas de desenvolvimento industrial. A biomassa energética pro-vavelmente permanecerá como principal fonte de aquecimento nessasindústrias por muitos anos, uma vez que atualmente é a única economi-camente viável e potencialmente sustentável que tem sido usada em médiae larga escala. Na Índia, por exemplo, essas indústrias representam cercade 50% do setor da manufatura e são responsáveis por grande parte dosempregos no país, sendo superadas somente pelo setor agrícola.

O uso da biomassa energética, especialmente nas suas formas tradicio-nais, é difícil de ser quantificado, acarretando, assim, problemas adi-cionais. As duas principais razões para isso são as seguintes:

a) a biomassa geralmente é considerada um combustível inferior e poucasvezes é incluída nas estatísticas oficiais e, quando o é, tende a ser desvalo-rizada. Usos tradicionais de bioenergia — como, por exemplo, na formade lenha, carvão, esterco de animais e resíduos agrícolas — são erronea-mente associados com os problemas do desmatamento e da desertificação.Por exemplo, na região central da Zâmbia, a principal área de produção decarvão vegetal do país, não há evidências de degradação da terra devido aodesmatamento causado pela produção de lenha para ser queimada ou paraa produção de carvão;

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b) dificuldades em medir, quantificar e manusear a biomassa, visto quese trata de uma fonte de energia dispersa, e seu uso ineficiente resultamna obtenção de pouca energia útil.

O carvão vegetal, por exemplo, é um combustível muito importanteem muitos países em desenvolvimento, porém o rendimento na produçãotem sido notoriamente baixo; por exemplo, cerca de 12% na Zâmbia ede 8% a 10% em Ruanda, em uma base seca. Existe um grande potencialpara aumento de eficiência na produção de carvão vegetal. No Brasil, porexemplo, os melhores fornos têm uma eficiência em torno de 35%.

A imagem relativamente pobre da biomassa está mudando devido a trêsrazões principais, a saber:

a) os consideráveis esforços feitos nos últimos anos, por meio de estu-dos, demonstrações e plantas-piloto, para se apresentar um quadro maisrealista e equilibrado do uso e do potencial da biomassa;

b) a crescente utilização da biomassa como um vetor energético mo-derno, principalmente em países industrializados;

c) o crescente reconhecimento dos benefícios ambientais, locais e glo-bais, do uso da biomassa e as medidas necessárias para o controle das emis-sões de CO

2 e enxofre.

Contrariando a expectativa geral, a utilização da biomassa em todo omundo permanece estável ou está em crescimento por dois motivos: a)o crescimento demográfico; e b) a urbanização e melhoria dos padrões devida. Conforme os padrões de vida sobem, muitas pessoas nas áreas ruraise urbanas nos países em desenvolvimento passam a usar a biomassa deformas diferentes, como, por exemplo, o uso de carvão vegetal e madeiraem vez de resíduos e gravetos, o emprego da biomassa na produção demateriais de construção e em casas pré-fabricadas, além de outros usos.Por conseguinte, a urbanização não leva necessariamente a uma subs-tituição da biomassa por combustíveis fósseis.

Embora atualmente o uso da energia da biomassa seja predominan-temente doméstico nas áreas rurais dos países em desenvolvimento, cadavez mais se percebe que também é uma fonte importante de combustívelpara os pobres que vivem nas cidades e para muitas indústrias de pequenoe médio porte. Deve-se então tratar, primeiramente, da questão da justiça

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social para os pobres, em particular para as mulheres, que são um ele-mento importante na provisão da energia da biomassa e no seu uso ematividades de cocção de alimentos. Em segundo lugar, aparece a questãodo uso ambientalmente sustentável da terra, que requer que a biomassa,usada na cocção de alimento, produção de combustível etc., seja pro-duzida de forma sustentável. Em terceiro lugar, o desenvolvimento e ocrescimento do padrão de vida exigem um aumento do fornecimento deenergia. Portanto, é imperativo que se concentre na produção e uso efi-cientes da biomassa energética, de modo que ela possa oferecer com-bustíveis modernos, como a eletricidade e combustíveis líquidos (a exem-plo do que ocorre em muitos países industrializados), e também possa serusada da forma tradicional, como fonte de calor.

Espera-se que a demanda por biomassa cresça consideravelmente nofuturo por várias razões. Primeiramente, como já se enfatizou, devido aogrande crescimento demográfico nos países em desenvolvimento; emsegundo lugar, em decorrência do maior uso nos países industrializados,em parte por causa de questões ambientais; e, em terceiro lugar, por contadas tecnologias desenvolvidas atualmente, que permitirão a produção denovos combustíveis e o aperfeiçoamento dos já existentes ou da conversãode biocombustíveis em vetores energéticos mais eficientes, estimulando,dessa forma, a demanda por matéria-prima.

Quando se consideram programas de bioenergia em larga escala, sejameles globais ou locais, é necessário que se considerem os seguintes fatores:disponibilidade de terra (a curto e longo prazo), produtividades, espéciese variedades, sustentabilidade ambiental, fatores sociais, viabilidade eco-nômica, benefícios indiretos, desvantagens e problemas decorrentes.

Entre estes últimos, destacam-se o ciclo de nutrientes, a necessidadede fertilizantes e pesticidas, a relação consumo–produção de energia, osimpactos causados na biodiversidade e na paisagem, a possibilidade deocorrer erosões, eventuais concorrências com a produção de alimentos emterras férteis e o nível de subsídios necessários.

Muitos desses problemas se minimizam quando a energia da biomas-sa é vista como uma forma de obtenção de vários benefícios locais e glo-bais e como uma oportunidade de empreendimentos a longo prazo, parao melhor manejo da terra, com base em produtividades otimizadas e uminvestimento mínimo de recursos, enquanto se obtêm benefícios am-bientais e sociais.

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O resto deste capítulo está dividido em sete seções. Na seção 1.2, opossível papel da biomassa como fonte de energia mundial no século XXIé examinado, destacando-se sete estudos recentes de cenários de desen-volvimento. A questão da disponibilidade de terra é abordada nesta seção.Enfatiza-se a necessidade de modernização da biomassa para que possaser usada em serviços modernos de fornecimento de energia.

Na seção 1.3, são examinados os custos das formas modernas de bio-massa energética e os mercados em potencial para esses tipos de bioe-nergia. São discutidas também as barreiras à comercialização de sistemasde bioenergia e os possíveis efeitos de taxas cobradas sobre a emissão decarbono.

Na seção 1.4, são fornecidos exemplos de uso da energia provenienteda biomassa, incluindo a eletricidade, a co-geração de calor e potência,as centrais de aquecimento, o biogás e os biocombustíveis líquidos pro-duzidos a partir de vários tipos de matéria-prima.

As questões relativas ao uso de florestas para fixar o CO2 ou ao uso da

biomassa como um substituto de combustíveis fósseis para reduzir o nívelde emissão de CO

2 na atmosfera são discutidas na seção 1.5. As opções

são complexas, uma vez que dependem dos padrões vigentes de uso daterra e das florestas. Porém, em última análise, a substituição de combus-tíveis que emitem CO

2 é necessária para a preservação do meio ambiente

global.Na seção 1.6, são discutidas várias questões ambientais que devem ser

abordadas quando se implementam projetos de biomassa energética. Essasquestões envolvem os balanços de energia e carbono, a reciclagem de nu-trientes, a seleção de espécies, a biodiversidade, a conservação do solo eos projetos paisagísticos. Também é discutido o estabelecimento de umplano de diretrizes satisfatórias para agricultores, planejadores e o públicoem geral.

Na última seção deste capítulo, enfatiza-se a atual competitividade dedeterminados tipos de energéticos oriundos da biomassa em alguns mer-cados. Numa conjuntura futura, em que outros tipos de combustíveispossam competir em “pé de igualdade”, a biomassa será favorecida devidoaos problemas ambientais e socioeconômicos resultantes do uso de com-bustíveis fósseis e ao crescente interesse das grandes empresas produtorasde energia e dos governos preocupados com as questões das mudançasclimáticas e da sustentabilidade.

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Este capítulo é baseado em seis artigos escritos por nosso grupo depesquisadores de biomassa energética e publicados nos últimos anos.Consulte a bibliografia. Todas as referências bibliográficas são fornecidasnesses seis artigos.

1 .2 Fu t u r o s c e n á r i o s g l o b a i sp a r a a b i o m a s s a e n e r g é t i c a

NOS ANOS 90, FORAM PUBLICADOS vários estudos envolvendo cenários glo-bais de energia que incluem questões como a eficiência na produção econsumo de energia e as energias renováveis. Alguns desses estudos abor-daram a biomassa e previram importantes papéis para a bioenergia. Con-sideramos, a seguir, sete desses estudos.

O primeiro deles, “As fontes renováveis — Cenário energético globalintensivo” (“The renewables — Intensive global energy scenario —RIGES”), preparado como parte da Conferência UNCED, realizada no Riode Janeiro, em 1992, propõe uma participação importante da biomassano século XXI. Sugere-se que até o ano 2050 as fontes renováveis deenergia podem representar três quintos do mercado mundial de eletri-cidade e dois quintos do mercado de combustíveis diretos e que as emis-sões de CO

2 em todo o mundo possam ser reduzidas em 75% dos níveis

observados em 1985, benefícios que podem ser obtidos sem custos adi-cionais. Nesse cenário, a biomassa forneceria aproximadamente 38% doscombustíveis e 17% da eletricidade usados no mundo. Uma análise re-gional detalhada indica como a América Latina e a África poderiam tor-nar-se grandes exportadoras de biocombustíveis.

O “Cenário energético ambientalmente compatível” (“The environ-mentally compatible energy scenario — ECES”), para o ano 2020, pre-sume que as últimas tendências de mudança da estrutura tecnológica eeconômica continuarão a predominar no futuro e assim, até certo ponto,atenderão simultaneamente aos propósitos econômicos e ambientais. Ofornecimento de energia primária está estimado em 12,7 Gtep (533 EJ),dos quais 11,6% (62 EJ) seriam gerados a partir da biomassa obtida deresíduos, plantios energéticos e florestas. Esta estimativa não inclui os usostradicionais e não-comerciais de biomassa energética nos países em desen-volvimento.

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O “Cenário energético sem combustíveis fósseis” (“A fossil-free energyscenario — FFES”) foi desenvolvido como parte de um estudo sobre oaquecimento global causado pela produção e consumo de energia, rea-lizado pelo Greenpeace International. Estima-se que em 2030 a biomassapoderá fornecer 24% (91 EJ) da energia primária (384 EJ), em compa-ração com a estimativa dos apenas 7% (22 EJ) fornecidos hoje. A bio-massa poderia ser fornecida tanto por países em desenvolvimento quantopelos países industrializados.

O “Conselho Mundial de Energia” (“The World Energy Council —WEC”) examinou quatro “casos” para o suprimento global de energia até2020, em que a demanda de energia varia de uma demanda “baixa” (eco-logicamente direcionada) de 475 EJ até uma “muito alta” de 722 EJ, comuma demanda “de referência” de 563 EJ. No caso ecologicamente dire-cionado, a biomassa tradicional poderia contribuir com cerca de 9% dosuprimento total, enquanto a biomassa moderna forneceria 5% de umtotal de 24 EJ ou 561 Mtep. As novas energias renováveis (biomassa mo-derna, energias solar e eólica) poderiam, juntas, fornecer 12% do total.No caso de um alto crescimento da demanda, essas contribuições po-deriam ser, respectivamente, 8% e 5% de um suprimento total mais alto.

A Companhia Internacional de Petróleo Shell (Shell InternationalPetroleum Company) realizou uma análise de quais seriam as principaisfontes de energia depois do ano 2020, quando as energias renováveis játiverem percorrido sua longa trajetória de amadurecimento e puderemcompetir com os combustíveis fósseis. Após 2020, em um cenário ten-dencial, as fontes renováveis, como a biomassa, as fontes eólica, solar egeotérmica, tornam-se as principais fontes de energia. No cenário deconservação, em que as novas formas de energia são menos necessárias,a biomassa torna-se a principal fonte, com uma participação pequena dasoutras fontes renováveis.

Em ambos os cenários da Shell, os combustíveis fósseis inicialmenteexpandem sua participação no mercado, mas, após 2020, somente asfontes renováveis se expandirão. No cenário tendencial (crescimento sus-tentado), o uso total de energia em 2060 chega a 1.500 EJ (comparadosaos 400 EJ hoje). Somente um terço desse total vem de combustíveisfósseis ou energia nuclear. A biomassa é responsável pelo fornecimentode 221 EJ (14% do total), dos quais 179 EJ vêm de plantios em vez defontes tradicionais não-comerciais. As energias solar e eólica seriam res-

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ponsáveis pelo fornecimento de 260 e 173 EJ, respectivamente. No cená-rio de conservação (desmaterialização), o uso total de energia em 2060 éinferior a 940 EJ, dos quais 41% seriam fornecidos por combustíveisfósseis e energia nuclear. A biomassa provê 207 EJ (22% do total), com157 EJ obtidos a partir de fontes exclusivas de bioenergia. As energiassolar e eólica suprem 36 e 144 EJ, respectivamente. A Shell fundou, recen-temente, a Shell International Renewables, que será um de seus principaisempreendimentos e investirá, nos próximos cinco anos, meio bilhão dedólares em energia da biomassa e energia solar.

O “Painel intergovernamental de mudanças climáticas” (“The intergo-vernmental panel on climate change — IPCC”) considerou várias opçõesde mitigação das mudanças climáticas, prevendo um aumento do uso deenergia oriunda da biomassa em todos os seus cinco cenários. Neles, abiomassa tem uma participação crescente no total da energia produzidae consumida no século XXI, com um crescimento de 25% a 46% em2100. No cenário de uso intensivo da energia da biomassa, no qual elaseria responsável por 46% da produção total de energia em 2100, o obje-tivo de estabilizar os níveis atuais de emissão de CO

2 na atmosfera é atin-

gido. Os níveis anuais de emissão de CO2 caem de 6,2 GtC, em 1990,

para 5,9 GtC, em 2025, e para 1,8 GtC, em 2100. Isso resulta em umacúmulo de emissões de 448 GtC, entre 1990 e 2100, comparado a 1.300GtC em seu cenário tendencial.

O estudo do IIASA–WEC de 1998, “As perspectivas energéticas globais”(“Global energy perspectives”), examinou três cenários principais — casoA: crescimento elevado; caso B: meio-termo e caso C: ecologicamente dire-cionado. No caso A, três subcenários foram analisados: caso A1 com pe-tróleo e gás, caso A2 com carvão mineral e caso A3 com biomassa e energianuclear. No cenário A3, a biomassa poderia contribuir com aproxima-damente 17% (316 EJ) da energia total até 2100 e, no cenário C1 (fontesrenováveis e energia não-nuclear), a biomassa forneceria cerca de 30% (245EJ) de um total menor de energia (878 EJ para C1 e 1.855 EJ para A3).

O “Panorama energético mundial”, estudo realizado pela Agência Inter-nacional de Energia, em 1998, abordou pela primeira vez o papel atual dabiomassa energética e seu potencial futuro. Estima-se que até 2020 a bio-massa estará contribuindo com 60 EJ (em comparação com as estimativasatuais de 44 EJ, 11% da energia total), o que corresponderá a 9,5% dosuprimento total de energia. No período de 1995 a 2020 se verificará uma

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taxa de crescimento anual de 1,2% no suprimento de biomassa, em com-paração com uma taxa de 2% para as formas convencionais de energia.

A Tabela 1.1 apresenta as estimativas para o uso de biomassa no futuroa partir desses sete estudos. Os dados devem ser comparados com os douso atual total de energia de aproximadamente 400 EJ, dos quais cercade 55 EJ são obtidos a partir da biomassa, na maioria das vezes usada naforma de fontes tradicionais de energia.

TTTTTabela 1.1 —abela 1.1 —abela 1.1 —abela 1.1 —abela 1.1 — Papel de fontes moderPapel de fontes moderPapel de fontes moderPapel de fontes moderPapel de fontes modernas de enernas de enernas de enernas de enernas de energia dagia dagia dagia dagia da biomassa nobiomassa nobiomassa nobiomassa nobiomassa no

suprimento global de energia no futuro (EJ), segundo Hall e Scrase (1998)suprimento global de energia no futuro (EJ), segundo Hall e Scrase (1998)suprimento global de energia no futuro (EJ), segundo Hall e Scrase (1998)suprimento global de energia no futuro (EJ), segundo Hall e Scrase (1998)suprimento global de energia no futuro (EJ), segundo Hall e Scrase (1998)

IEA (1998)

IIASA–WEC (1998)

Shell (1996)

IPCC (1996)

Greenpeace (1993)

Johansson et al. (1993)

WEC (1993)

Dessus et al. (1992)

Lashof e Tirpak (1991)

20252025202520252025

60a

82b

59c

85

72

114

145

59

135

130

20502050205020502050

153b

97c

200-220

280

181

206

94-157

215

21002100210021002100

316b

245c

320

132-215

Ano do cenárioAno do cenárioAno do cenárioAno do cenárioAno do cenárioCenárioCenárioCenárioCenárioCenário

Fontes: IEA (1988), I IASA–WEC (1998), Hall e Scrase (1998).a 2020 (suprimento total de energia primária).b Cenário A3 (nível de crescimento elevado — biomassa e nuclear).c Cenário C1 (ecologicamente direcionado — grandes projetos de energia renovável, sem energia nuclear).

A expectativa de maior participação da biomassa no suprimento deenergia no futuro pode ser explicada por vários motivos. Primeiramente,os combustíveis obtidos a partir da biomassa podem substituir mais oumenos diretamente os combustíveis fósseis na atual infra-estrutura desuprimento de energia. As energias renováveis intermitentes, como eólicae solar, representam um desafio à maneira como distribuímos e consu-mimos energia. Em segundo lugar, os recursos em potencial (consulte aseção 1.2.2) são abundantes, uma vez que há disponibilidade de terras.As terras não destinadas à plantação de alimentos e os produtos agrícolascontinuam a crescer mais do que a taxa de crescimento demográfico. Emterceiro lugar, nos países em desenvolvimento, a demanda por energia estácrescendo rapidamente devido ao crescimento da população, à urbani-

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3 8 Hall – House – Scrase

zação e à melhoria dos padrões de vida. Enquanto ocorrem algumas subs-tituições de combustíveis nesse processo, a demanda total por biomassatambém tende a crescer. As evidências em Mianmá, Madagascar, Zâmbiae Ruanda, por exemplo, indicam que a urbanização provoca um aumentoda demanda por biomassa, principalmente por carvão vegetal para usodoméstico e industrial. Mesmo na Ásia Oriental e no Pacífico, onde há umconsiderável crescimento econômico e aumento no uso de combustíveisfósseis, a biomassa representa 33% do suprimento de energia. Como obser-vado anteriormente, o Banco Mundial recentemente concluiu que “as po-líticas energéticas terão que contemplar o suprimento e uso de biocombus-tíveis assim como se incumbem dos combustíveis modernos [...] além deapoiar as formas mais eficientes e sustentáveis de uso dos biocombustíveis”.Essa mudança de perspectiva do Banco Mundial é muito significativa,embora a citação acima reproduza a concepção equivocada de que os bio-combustíveis não podem, necessariamente, ser “modernos”.

1 . 2 . 1 A b i o m a s s a p r o v e n d o c o m b u s t í v e i s m o d e r n o s

A biomassa tem um enorme potencial a ser explorado, principalmenteno que diz respeito ao melhor aproveitamento das florestas existentes ede outros recursos da terra, à maior produtividade das plantas e a proces-sos de conversão eficientes que empregam tecnologias avançadas. A bio-massa tem um potencial de produção de energia muito maior do que oexplorado hoje. Ela pode integrar-se a uma matriz de fontes de combus-tíveis, oferecendo maior flexibilidade de suprimento e segurança na pro-dução, distribuição e consumo de energia. A bioenergia pode ser usada empequena e larga escala de forma descentralizada, trazendo importantes bene-fícios tanto para a economia rural quanto urbana. A criação de empregostambém é um fator importante nos países industrializados e o cultivo dabiomassa propiciará o uso economicamente viável da terra improdutiva,posta de lado com o objetivo de evitar a superprodução de produtos agrí-colas na Europa, América do Norte e em outros países.

O desenvolvimento da produção de energia da biomassa em larga es-cala provavelmente dependerá, no futuro, de plantios energéticos espe-cíficos como, por exemplo, árvores, cana-de-açúcar, herbáceas perenes,capins perenes e colza. Para que esse processo seja bem-sucedido, a produ-

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tividade da biomassa, que é geralmente baixa, deve ser melhorada. As es-pécies florestais, por exemplo, têm uma produtividade menor que 5 t/ha/ano (base seca) quando mal manejadas. Com um bom manejo, pesquisa etreinamento contínuos e o plantio de espécies e clones selecionados em soloapropriado, é possível obter uma produtividade de 10 a 15 t/ha/ano emregiões de clima temperado e de 15 a 25 t/ha/ano em países tropicais. Re-cordes de produtividade de 40 t/ha/ano foram obtidos com o eucalipto noBrasil e na Etiópia. Produtividades mais elevadas são possíveis também complantio de herbáceas. No Brasil, por exemplo, a produtividade anual médiada cana-de-açúcar cresceu de 47 para 65 t/ha/ano (massa colhida) nos úl-timos 15 anos. Em lugares como Havaí, África do Sul, Zâmbia e Austrália,é muito comum uma produtividade acima de 100 t/ha/ano. A produti-vidade atual e projetada e o custo de produção de plantações de biomassanos Estados Unidos também foram calculados, junto com seus balançosenergéticos. As produtividades líquidas atual e projetada variam, no casodo capim, de 9 t/ha/ano (seco em forno) em 1990 para 14,4 t/ha/ano em2010 e, no caso da cana, de 18,5 t/ha/ano em 1990 para 29,3 t/ha/anoem 2010. Os balanços energéticos (relação produção–consumo de energia)crescem de 10,3 e 15,3 em 1990 para o capim e o choupo híbrido, res-pectivamente, para 11,7 e 18,5 em 2010, enquanto os custos caem deUS$ 2,7-3,9/GJ em 1990 para US$ 1,9-2,7/GJ em 2010.

1 . 2 . 2 A d i s p o n i b i l i d a d e d e t e r r a

A disponibilidade de terras é vista como uma limitação para a produçãode biomassa em larga escala, mas há muitas áreas potencialmente dis-poníveis. Nos países tropicais, há grandes áreas de terras desmatadas edegradadas que se beneficiariam com a plantação de biomassa para finsenergéticos. Por exemplo, em uma análise bem detalhada das áreas flo-restais de 117 países tropicais, constatou-se que em 11 deles poderia haveruma expansão dessas áreas em até 553 Mha. O Instituto de Pesquisa deRecursos Mundiais (The World Resources Institute) concluiu que, em 50países tropicais, uma área de 67 Mha poderia ser realisticamente trans-formada em plantações nos próximos 60 anos, uma área de mais de 200Mha poderia ser recuperada e, ainda, outros 63 Mha estariam disponíveispara o agroreflorestamento. Além disso, um outro estudo verificou que

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4 0 Hall – House – Scrase

uma área de 265 Mha estaria disponível para reflorestamento e 85 Mhapoderiam ser usados para o agroreflorestamento.

O estudo “Agricultura rumo a 2010” (“Agriculture towards 2010”),realizado pela FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura eAlimentação), calculou o potencial de terras adequadas para plantio emmais de 90 países em desenvolvimento. É possível calcular a prováveldemanda de terras para plantio no futuro e subtrair esse valor do total es-timado de terras agrícolas para obter uma estimativa das terras produtivasteoricamente remanescentes em 2025. A produção potencial de energianessa área “remanescente” foi calculada levando em conta uma produ-tividade de biomassa de 10 t/ha/ano (150 GJ/ha/ano). De maneira geral,os países em desenvolvimento estarão usando somente 40% do seu po-tencial de terras para plantio em 2025, mas esse valor varia muito con-forme as regiões. A Ásia, com exceção da China, cujos valores não estavamdisponíveis, terá um deficit de 47 Mha, porém as produtividades da maio-ria dos plantios de produtos agrícolas usados na alimentação são baixase existe uma grande possibilidade de melhora com o uso de variedades ge-néticas superiores e melhor manejo. As tecnologias agrícolas que pro-piciam ganhos de produtividade, como as variedades geneticamente de-senvolvidas e as técnicas de manejo, ainda não são acessíveis a muitosfazendeiros e poderiam aumentar as produtividades em até 50%. A África,atualmente, usa apenas um quinto de seu potencial de terras para plantioe, em 2025, teria ainda 75% remanescentes, nas quais, teoricamente,poderia ser produzido um total de cerca de 10 vezes o seu consumo atualde energia. A América Latina usa somente 15% de seu potencial de ter-ras para plantio e ainda teria 77% remanescentes em 2025, que poderiamproduzir aproximadamente oito vezes o seu consumo atual de energia.

As grandes extensões de áreas agrícolas excedentes na América do Nortee Europa poderiam tornar-se importantes áreas produtoras de biomassa.Nos Estados Unidos, os fazendeiros são pagos para não cultivarem cercade 10% de suas terras e, na Europa, até 15% das terras produtivas podemconstituir uma reserva não cultivada, embora esse percentual tenha va-riado nos últimos cinco anos. Além dos 30 Mha de terras mantidos im-produtivos nos Estados Unidos, com o objetivo de evitar a superproduçãoou conservar a terra, outros 43 têm um alto índice de erosão e mais 43apresentam problemas de “aridez”, que poderiam ser atenuados com ocultivo de plantas perenes para a produção de energia. O Departamento

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V i s ã o g e r a l d e e n e r g i a e b i o m a s s a 4 1

de Agricultura dos Estados Unidos estima que mais 60 Mha poderão sermantidos improdutivos nos próximos 25 anos.

Na União Européia, formada por 12 países, pelo menos entre 15 e 20Mha de terras agrícolas produtivas, área do tamanho da Inglaterra e doPaís de Gales juntos, podem ser mantidos improdutivos até os anos 2000-2010 e esse valor poderia aumentar para mais de 50 Mha ao longo doséculo XXI. Se toda essa terra fosse utilizada para plantar árvores, issorepresentaria um sumidouro anual de 90 a 120 MtC em um futuro pró-ximo, levando em conta que a biomassa seca em forno é constituída por50% de carbono e que a meta de produtividade de 12 t/ha/ano do Pro-grama de Energia da Biomassa da União Européia seja alcançada. Alter-nativamente, essa área poderia fornecer entre 3,6 e 4,8 EJ/ano de energiada biomassa, substituindo de 90 a 120 Mt das emissões de carbono a partirdo carvão, de 72 a 96 Mt das emissões a partir de petróleo, ou de 50 a 67Mt a partir do gás natural (de 7% a 17% do total de emissões de carbonona União Européia em 1991).

É possível fazer uma estimativa da extensão de terra global necessáriapara o cultivo de biomassa para atender ao consumo atual de energia (umresultado muito pouco provável). Supondo que uma produtividade médiade 12 t/ha/ano seja alcançada no século XXI, que se tenha um conteúdoenergético médio de 20 GJ/t de biomassa seca em forno e que os resíduosrecuperáveis também sejam usados, isso indicaria que 950 Mha de terraseriam necessários para o cultivo de biomassa energética para substituiros combustíveis fósseis nas áreas industrializadas, embora nos países emdesenvolvimento fossem necessários “somente” 305 Mha. Portanto, em escalaglobal, há terra suficiente disponível para permitir que a biomassa cause umsignificativo impacto nos níveis de emissão de carbono na atmosfera e naprodução de energia. Os países em desenvolvimento também poderiambeneficiar-se economicamente de suas terras, produzindo combustíveis apartir de biomassa que pudessem ser exportados para as regiões in-dustrializadas ou permitindo que os países mais ricos pagassem pelaimplementação de tais plantações para contrabalançar seus altos níveis deemissão de carbono, como já vem ocorrendo em esquemas experimentais.Entretanto, esse procedimento pode mostrar-se pouco prático com o de-correr do tempo e provavelmente não-eqüitativo, a menos que haja bene-fícios locais durante o cultivo da biomassa e que ela seja usada para subs-tituir combustíveis fósseis.

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4 2 Hall – House – Scrase

1 .3 O s c u s t o s e m e r c a d o s d a b i o e n e r g i a m o d e r n a

CONFORME SALIENTADO PELA REVISTA The Economist, “a biomassa tem queser lucrativa, além de virtuosa”. Os custos da bioenergia já são compe-titivos em determinadas circunstâncias e, à medida que as tecnologias setornam mais desenvolvidas, continuarão a diminuir.

Entretanto, a maioria das tecnologias de obtenção de energia a partirda biomassa ainda não chegou ao estágio em que as forças de mercadopossam, sozinhas, possibilitar sua adoção. Uma das principais barreirasà comercialização de todas as tecnologias de energia renovável é o fato deos mercados de energia atuais, de forma geral, ignorarem os custos sociaise ambientais do uso de combustíveis fósseis e os riscos associados a ele.As tecnologias de energia convencionais podem impor à sociedade várioscustos externos, como, por exemplo, a degradação ambiental e os gastoscom tratamentos de saúde, difíceis de serem calculados. Entretanto, asfontes de energia renováveis com baixo ou nenhum custo externo e comimpactos externos positivos, como a diminuição dos níveis de emissão deSO

2 e CO

2, a criação de empregos, a regeneração de áreas rurais e a eco-

nomia de divisas, são sistematicamente apresentadas como desvantajosas.Além disso, as fontes de energia convencionais tendem a receber grandessubsídios. A internalização dos custos e benefícios externos e a relocaçãomais eqüitativa de subsídios devem tornar-se uma prioridade para quetodas as energias renováveis possam competir com os combustíveis fósseisem “pé de igualdade”.

A busca de novas opções políticas precisa do estímulo de instrumentospolíticos apropriados, como os créditos e as taxas sobre a emissão deenxofre e carbono. Na Suécia, taxas sobre a emissão de carbono foramintroduzidas em 1991, equivalentes a aproximadamente US$ 150/tC, esão menores hoje. Na Noruega, a taxa é de US$ 120/tC. As estimativasde custo de redução das emissões de CO

2 podem variar consideravel-

mente, muitas vezes por um fator de 2 ou 3. Um artigo da OECD (Or-ganização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) apresentaa estimativa de que, para reduzir a emissão de carbono em 20% entre1990 e 2010 e mantê-la estabilizada, seria necessária uma taxa média deUS$ 210/tC em todo o mundo, o que equivale a US$ 36 por barril de pe-tróleo (os impostos incidentes sobre o petróleo, em alguns países daEuropa, são equivalentes hoje a uma taxa sobre a emissão de carbono

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V i s ã o g e r a l d e e n e r g i a e b i o m a s s a 4 3

de US$ 200/tC). A União Européia propôs uma taxa sobre a emissão decarbono de US$ 3 por barril de petróleo em 1993, que aumentaria pro-gressivamente para US$ 10 por barril em 2000, o equivalente a US$ 0,5por litro de gasolina ou US$ 0,15 por kWh de eletricidade gerada.

Como as produtividades e tecnologias de conversão estão se aperfei-çoando, os custos estão baixando e continuarão a cair à medida que essaindústria se torne mais desenvolvida. Por exemplo, os custos unitários deconstrução de uma planta diminuem drasticamente à medida que maisplantas são construídas. O custo unitário de construção de um protótipode gaseificador BIG–GT (veja abaixo) é de aproximadamente US$ 3 mil/kW; já o custo unitário de construção de dez plantas idênticas cai paraUS$ 1.300/kW. O EPRI, Instituto de Pesquisa de Energia Elétrica dosEstados Unidos, calculou que o custo de produção de biomassa florestalem 1990 era de US$ 25/t e poderia ser reduzido para US$ 15/t em 2010.O custo de geração de energia com o uso de tecnologias de conversão maiseficientes e o cultivo dedicado de biomassa deverá situar-se em torno deUS$ 0,6/kWh.

1 .4 E xe m p l o s d e p r o j e t o s e u s o d e b i o e n e r g i a

F i n l â n d i a

A FINLÂNDIA PRODUZ MAIS DE 20% de sua energia primária a partir de bio-massa, com um consumo total equivalente a 6,1 milhões de tep (toneladasequivalentes de petróleo) em 1995. Cerca de 70% dessa energia é produzidaa partir de combustíveis derivados, principalmente o licor negro resultanteda produção de celulose, mas também cavacos e resíduos florestais; os outros30% são obtidos a partir de turfa. A indústria de papel e celulose usa resí-duos florestais e licor negro para suprir 60% de seu consumo de com-bustível, com plantas modernas de celulose capazes de atender todo o con-sumo próprio e também gerar uma quantidade excedente de eletricidadee combustíveis líquidos. Centrais distritais de aquecimento são usadas desde1952 e suprem mais de 40% da demanda de aquecimento ambiental dopaís. Mais da metade das grandes centrais distritais de aquecimento usabiocombustíveis, da mesma forma que as centrais menores, e plantas de co-geração de calor e potência, queimando turfa, estão sendo introduzidas emalgumas cidades maiores.

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4 4 Hall – House – Scrase

Uma das razões para o sucesso da indústria de bioenergia na Finlândiaé o apoio significativo do governo. Existem recursos de biomassa suficien-tes para se gerar o dobro da energia atualmente produzida, graças aos re-cursos florestais disponíveis e às reservas de terra não cultivadas. O go-verno fixou uma meta de aumento do uso de bioenergia de 1,5 milhãode tep até 2005, reduzindo com essa medida o nível de emissão de CO

2

em 4,2 milhões de toneladas, o que corresponde a 6,7% da emissão totaldesse gás em 1996.

S u é c i a

A Suécia obtém 18% de seu consumo total de energia (87 TWh ou 315PJ por ano) a partir de biocombustíveis. O uso desses combustíveis podeser dividido em três setores diferentes:

1) A indústria de produtos florestais tradicionalmente converte seus sub-produtos em calor e eletricidade para consumo próprio. Em 1996, foramobtidos 36 TWh de licor negro, 7 TWh de resíduos de celulose e 9 TWhde resíduos de serraria.

2) O consumo doméstico anual por residência em 1996 foi de 12 TWhde lenha, geralmente na forma de toras usadas para aquecimento ambiental.

3) O uso de biocombustíveis para aquecimento distrital está crescendorapidamente e representou 23 TWh em 1996. Desse montante, 12,4 TWhforam obtidos de combustíveis florestais (geralmente não processados), 4,5TWh vindos de resíduos e 3,5 TWh a partir de turfa. Os plantios energé-ticos, de árvores e capim, foram usados também, mas, como acontece aindahoje, contribuíram com uma quantidade pequena de energia.

Existe um grande potencial para a produção de energia a partir de com-bustíveis oriundos da biomassa nativa, principalmente resíduos agroin-dustriais e plantios energéticos cultivados em terras marginais e em outrostipos. Atualmente, mais de 18 mil ha de salgueiro de curta rotação estãosendo cultivados em esquemas de bioenergia. A Suécia também importouuma pequena quantidade de combustíveis oriundos da biomassa, o queindica o potencial para o desenvolvimento de um comércio internacionalde biocombustíveis no futuro.

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