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Rafael Simões Sampaio
Universidade Federal de Alagoas
UTILIZAÇÃO DE SISTEMA DE INFORMAÇÕES GEOGRÁFICAS COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO TERRITORIAL EM ÁREAS DE OCUPAÇÃO
IRREGULAR NO BAIRRO DO MUTANGE - MACEIÓ - ALAGOAS - BRASIL.
Dayane Jhoany Candido Gomes
Universidade Federal de Alagoas
Brian Falcão Farias
Universidade Federal de Alagoas
Juciela Cristina dos Santos
Universidade Federal de Alagoas
Regla Toujaguez
Universidade Federal de Alagoas
1534
8º CONGRESSO LUSO-BRASILEIRO PARA O PLANEAMENTO URBANO, REGIONAL, INTEGRADO E SUSTENTÁVEL (PLURIS 2018) Cidades e Territórios - Desenvolvimento, atratividade e novos desafios
Coimbra – Portugal, 24, 25 e 26 de outubro de 2018
UTILIZAÇÃO DE SISTEMA DE INFORMAÇÕES GEOGRÁFICAS COMO
INSTRUMENTO DE GESTÃO TERRITORIAL EM ÁREAS DE OCUPAÇÃO
IRREGULAR NO BAIRRO DO MUTANGE - MACEIÓ - ALAGOAS - BRASIL
R. S. Sampaio, D. J. C. Gomes, B. F. Farias, J. C. Santos, R. Toujaguez
RESUMO
A cidade de Maceió-Alagoas-Brasil, como a maioria das cidades brasileiras, apresenta
diversas áreas de ocupação irregular, neste contexto, estudou-se o bairro Mutange. A
ocupação nestas áreas ocorre em virtude de um modelo de exclusão socioespacial
característico de um processo de urbanização desordenado e desigual, que priva a
população do direito à cidade e com isto em vista, este artigo apresenta resultados de um
projeto de extensão realizado pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL) que visou a
utilização do Sistema de Informações Geográficas (SIG) através de dados advindo do
Cadastro Territorial da área estudada, com o objetivo de identificar moradias em situação
de risco, observando a infraestrutura existente e a forma de ocupação da área, a
compreender o vínculo entre as pessoas e o lugar. Os resultados apresentam-se com a
utilização de um SIG como ferramenta indispensáveis à tomada de decisões e auxiliando
na governança e nas políticas públicas nessas áreas.
1 INTRODUÇÃO
O processo de urbanização brasileiro é resultante, em boa parte, do êxodo rural. Segundo
dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o país possui mais de 80%
da população residente nas áreas consideradas urbanas (IBGE,2010). Estas ocupações
ocorreram rapidamente, sem que os municípios possuíssem infraestrutura e planejamento
adequado para tal, apresentando-se de forma desigual e excludente, privando as faixas de
menor renda da população de condições básicas de urbanidade e de direito à cidade, estas
por sua vez, ocupando áreas geralmente com restrições ao uso, como áreas de preservação
e instabilidade geoambiental, que associados à falta de planejamento geram impactos
adversos, sejam sociais - segregação urbana, péssima infraestrutura, favelização, falta de
segurança pública - ou ambientais - desastres naturais, poluição, inundação e
desmatamento. (Rolnik, 2006; Carvalho e Galvão, 2016).
A cidade de Maceió, não distante das demais cidades do Brasil, possui um modelo de
exclusão socioespacial característico deste processo de urbanização em que a ocupação de
áreas irregulares traz consigo a fragilidade em um contexto geoambiental, principalmente
pelo fato das ocupações irregulares na cidade ocorrerem em sua maioria nas denominadas
“grotas”, áreas localizadas nos vales que cruzam a cidade, sendo estas inaptas ao
parcelamento e edificação do solo em virtude de altas declividades, da preservação
ambiental e potencialmente inundáveis, resultando na baixa qualidade de vida dos
ocupantes e consequentemente privando-os do direito à cidade. Segundo Rolnik (2006),
esta exclusão territorial, mais do que a expressão das desigualdades sociais e de renda
torna-se agente de reprodução, onde a porção legal, rica e com infraestrutura, contrapõe-se
a ilegal, pobre e precária, resultando a população em situação desfavorável a diminuição
do acesso a oportunidades de trabalho, cultura e lazer.
O município de Maceió realizou no ano de 2007, o Plano Municipal de Redução de Riscos
(PMRR) com o intuito de identificar áreas suscetíveis à erosão e deslizamento, com
incentivos do Governo Federal, através do Ministério das Cidades, que vem implantando
desde 2003 uma política nacional de redução de risco em assentamentos precários. Para a
construção do PMRR foram mapeados 570 setores de risco distribuídos em 72
assentamentos precários divididos em 7 complexos de risco (Maceió, 2007). Dentre os
complexos de mais alto risco destaca-se o da Lagoa Mundaú onde se localiza o Bairro
Mutange, englobado pela Grota da Borracheira. O Mutange, objeto do presente estudo,
encontra-se em área periférica de ocupação irregular, possuindo uma dinâmica de
ocupação acentuada a qual é caracterizada por elevada concentração de moradias em
encostas de alta declividade, que associada à instabilidade característica da geomorfologia
do local e aos altos índices pluviométricos da região, predispõem-se a ocorrência de
movimento de massa como os deslizamentos, que nos últimos anos tem trazido
significativas perdas materiais e de vida, causando grandes transtornos aos moradores
dessas regiões.
A má gestão territorial é conduzida em vários aspectos pelo governo, dentre eles a ausência
de informações que subsidiem a tomada de decisões para a promoção do ordenamento
territorial nestas áreas, uma vez que a construção de um cadastro detalhado de todos os
imóveis do município é inexistente ou insuficiente, pois incentivos para este tipo de
levantamento de dados foi dado voltado apenas para implicações tributárias, excluindo
socioespacialmente áreas vistas como problemáticas. Esta condicionante histórica no Brasil
é um dos fatores que prejudicam um planejamento urbano com primazia. Apenas em 2009,
o Ministério das Cidades através da publicação da Portaria 511, a qual traz diretrizes para a
criação, instituição e atualização dos Cadastros Territoriais Multifinalitário (CTM),
intensifica a necessidade de cadastro e mapeamento de todas as parcelas territoriais dos
municípios brasileiros, desvinculando apenas da questão tributária, citada como um
cadastro temático, útil ao planejamento e ordenamento territorial urbano. A Portaria 511/09
contempla aspectos econômicos, físicos, jurídicos, ambientais e sociais por parcela de solo,
demonstrando assim, grande importância na gestão territorial de áreas de ocupação
irregular e caracterizadas pelo risco geológico (Santos, 2013; Águila e Erba, 2007; Cunha e
Erba, 2010; Brasil, 2009).
As favelas apresentam contextos diferentes, com diferentes morfologias, materiais da
construção e densidades (Sliuzas 2016). Pode-se exemplificar esse contexto com uma
aplicação na cidade de Pune na Índia, em que ao analisar uma imagem de satélite para
identificação de favelas, as características visuais confundiram-se, havendo dificuldade de
diferenciar as favelas do Centro Histórico da cidade por se tratar de um bairro antigo.
Porém, o professor enfatiza que “Isso não significa que os resultados sejam inúteis, mas a
importância de se ter conhecimento local para fazer julgamentos reais sobre o que é correto
e incorreto ao realizar esse tipo de análise. Assim entende-se a importância da construção
de um banco de dados que possibilite a espacialização das informações, como exemplo dos
sistemas de informações geográficas (SIG), que no caso em estudo, possibilitou auxiliar na
compreensão das formas de ocupação em áreas irregulares para melhor gerenciar políticas
públicas voltadas para estas áreas. Faz-se necessária ainda a atuação mais forte no
planejamento do espaço urbano a fim de garantir os direitos igualitários à cidade, e
considerando este propósito, a utilização de geotecnologias - conjunto de tecnologias para
coleta, processamento, análise e oferta de informação com referência geográfica, apresenta-se como alternativa eficiente e economicamente viável. Dentre as
geotecnologias, os Sistemas de Informações Geográficas (SIG) apresentam-se como
importantes instrumentos para a gestão territorial devido sua grande capacidade de
trabalhar com informações espaciais e sua característica acessível aos municípios através
da utilização de softwares livres.
O SIG é um sistema de informação que trabalha fundamentalmente com dados espaciais de
forma dual, ao interpretar separadamente a parte espacial (gráfica) e não espacial
(alfanumérica), que permite as relações topológicas - relações espaciais entre os elementos
geográficos a partir da união entre as feições geométricas e suas estruturas de
armazenamento. Também nos permite integrar informações distintas, ao propiciar a
“conversa” entre bases de dados de diversas fontes, fazendo com que não apenas se
armazene e represente dados, mas se faça operações entre estes dados, gerando novas
informações (Câmara e Monteiro, 2004; Olaya, 2014).
Segundo o professor (Sliuzas 2016) o mapeamento de áreas de risco não é exercício
estático (one/off) pois as favelas mudam rapidamente e por isso é necessário manter os
dados e pensar não somente em termos de mapas mas pensar em base de dados e bancos de
dados que podem ser utilizados para monitorar o processo de desenvolvimento e como isso
acontece nas cidades.
Há possibilidade de se manter um inventario atualizado da classificação do uso e ocupação
do solo e sua vulnerabilidade, além de um banco de dados espacial de construções urbanas
para monitorar o desenvolvimento de áreas suscetíveis a ameaças no município utilizando
ferramentas livres de fácil acesso que permitem análises que possibilitem a tomada de
decisão dos planejadores urbanos para a priorização de ações voltadas ao planejamento do
uso e ocupação do solo e de seu adequado zoneamento, como também medidas ambientais,
sociais e econômicas, disseminando informações sobre o risco e considerando-as nas
decisões sobre o desenvolvimento das cidades.
Em detrimento a relevância dada ao contexto ora abordado, este trabalho apresenta os
resultados de um projeto de extensão realizado pela Universidade Federal de Alagoas
(UFAL) e que visou a utilização de geotecnologias, através de técnicas de
geoprocessamento vinculadas a um ambiente computacional SIG de código aberto, que
cruzou dados referentes às edificações obtidos a partir de cadastro e mapeamento
realizados in locu. A partir dos insumos coletados, pôde-se exprimir informações
pertinentes à área de estudo que possibilitaram identificar as principais moradias situadas
em área de alto risco, analisar a infraestrutura existente, as características de ocupação
predominantes, bem como, de certo modo, compreender as situações de vínculo entre as
pessoas e o lugar em que habitam. O SIG mostrou-se de suma importância para esta
atividade, que possibilitou através do processamento e análise dos dados cadastrais gerar
uma ferramenta que exprima informações territoriais suficientes ao planejamento urbano,
apresentando-se como instrumento indispensável à tomada de decisão referentes a áreas de
risco geológico por parte dos Governos.
2 METODOLOGIA
A área de estudo foi definida em conjunto com a Defesa Civil do Município de Maceió, em
virtude do grau de risco elevado na região. Posteriormente, iniciou-se a criação de um
boletim cadastral para auxiliar na coleta dos dados, onde foram definidos os parâmetros a
serem analisados para que as equipes fossem em campo coletar os dados, realizando visitas
com periodicidades semanais, para que o maior número possível de residências pudesse ser
cadastrado.
Para melhor compreensão e explanação, as etapas gerais do trabalho são explicitadas no
fluxograma conforme mostra a Figura 1 e posteriormente detalhes da área de estudo e dos
materiais e métodos utilizados são apresentados.
2.1 Aspectos gerais da área de estudo
A cidade de Maceió, capital do Estado de Alagoas, Brasil, estende-se entre os paralelos
09º21’31” e 09º42’49” de latitude sul e meridianos 35º33’56” e 35º38’36” de longitude
oeste. Apresenta clima tropical-úmido com precipitação anual média de 2.164,7mm e
aproximadamente 60% da precipitação de todo o ano se concentra entre os meses de abril a
julho. A geologia é marcada pela influência da Formação Barreiras (Terciário), composta
pela alternância de argilitos, siltitos, arenitos e de solos areno-argilosos a arenosos (Araújo
et al, 2010; Soares e Toujaguez, 2015).
A área de estudo se concentra no Bairro Mutange localizado no perímetro urbano de
Maceió, definido a partir da lei municipal Nº 4.953/00, alterando a lei Nº4.687/98. Apesar
de recente em sua definição, se tratando de ocupação, o bairro é um dos mais antigos da
cidade, sua ocupação deu-se principalmente em virtude da pesca na lagoa Mundaú,
ribeirinha ao bairro. A área de estudo apresenta ocupações em encostas com altas
declividades, caracterizadas pelo risco geológico, principalmente em períodos de maior
precipitação. A Figura 2 apresenta um mapa de localização do estado de Alagoas no Brasil,
a ampliação do estado, o bairro Mutange e em particular a área de estudo delimitada para o
experimento.
Indexxação dos atributos ás geometrias
Analise Espacial
Geração dos Mapas
Temáticos
Apresentação dos
Resultados
Definição da área de Estudo
Desenvolvimento do Boletim
Cadastral
Coleta de dados em
campo
Sistematização dos Dados
Fig. 1 Fluxograma das etapas gerais do trabalho
Fig. 2 Mapa de localização da área 1 do Bairro Mutange, pertencente ao município de
Maceió – Alagoas. Fonte: Santos et. al., 2017.
2.2 Levantamento cadastral
A etapa de cadastro deu-se inicialmente com o desenvolvimento do Boletim Cadastral, que
se baseou no modelo para Mapeamento de Risco de Escorregamento utilizado pelo
Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT, 2007), que continha dados específicos e
detalhados para cadastro de habitações próximas a taludes de encosta, e nas premissas do
Cadastro Territorial Multifinalitário do Município de Arapiraca-AL (Santos, 2013). O
mesmo não se destinou a ser completo para a utilização multifinalitária como um todo, mas
que atendesse às necessidades da pesquisa em questão e visou a obtenção das seguintes
informações (Monteiro et al, 2015):
● Sociais: Número de pessoas residentes na área, renda, faixa etária;
● Habitações: Tipo de ocupação, estrutura, risco na moradia, necessidade de remoção
etc;
● Infraestrutura: Saneamento básico (água encanada, coleta e tratamento de esgoto),
principalmente em relação a águas servidas;
● Aspecto dos taludes: quanto à altura, inclinação, presença de vegetação ou água
servida.
Realizou-se o cadastro casa a casa, colocando nas habitações um código de identificação
seguindo os preceitos da portaria 511/09, na ficha e no mapa, para que posteriormente
fosse possível identificá-las e associar as informações coletadas a sua geometria através de
um Sistema de Informações Geográficas (SIG).
2.3 Processamento dos dados
Ao fim do cadastro, os dados foram transcritos e convertidos em formato de planilhas que,
mediante filtragens e padronizações, possibilitaram a indexação dos dados cadastrados à
geometria. Quando atrelados os dados à região geográfica em meio computacional,
iniciou-se a análise dos dados para o desenvolvimento de mapas que auxiliaram, após
estudos e discussões, na apresentação de informações que subsidiem a tomada de decisões
para a promoção do ordenamento territorial nestas áreas. O processamento dos dados deu-
se através do software Open Source QuantumGIS 2.14.4 Essen. (QGIS Development
Team, 2016).
3 RESULTADOS
A dinâmica de ocupação em áreas irregulares ocorre de maneira acentuada e sem efetiva
fiscalização dos órgãos competentes. Na área de estudo, tomou-se como base os dados
existentes no PMRR do ano de 2007, sendo levantadas todas as moradias existentes na
área. Foram observadas ao comparar a quantidade de edificações mapeadas pelo PMRR e
as informações cadastrais do levantamento a existência total de 446 habitações, sendo
destas 71 que não constavam na identificação do PMRR, como se apresenta na Figura 3.
Fig. 3 Mapa das novas edificações no Bairro Mutange. Fonte: Santos, 2017.
Desta forma, o estudo apresentou a ocupação desordenada, entre 2007 e 2016. Neste
sentido, o monitoramento e a atualização do banco de dados, como por exemplo da
inserção das moradias que surgiram durante o período, podem subsidiar o planejamento
urbano e consequentemente mitigar ações que permitam minimizar os riscos geológicos
existentes na área, tornando-a resiliente. O SIG como ferramenta possibilitou a avaliação
da distribuição espacial dessas ocupações na área e a identificação das características
construtivas, bem como da identificação das famílias que habitam nessa moradia.
Também foi possível constatar que algumas das habitações que se encontravam na área em
2007 não foram localizadas em campo, em seus lugares, indícios de desabamento ou
desmoronamento, com restos de materiais da construção ou casas abandonadas em ruinas,
como pode ser apresentado através da Figura 4.
Fig. 4 Mapa das edificações demolidas no Bairro Mutange. Fonte: Santos, 2017.
Os restos de construções podem indicar pontos vulneráveis que facilitam a ação erosiva
das chuvas pela concentração de água, acarretando então um maior risco de deslizamentos,
que nessas áreas, desabrigam pessoas e trazem danos à saúde e até de vidas. Identificou-se
ainda a autoconstrução, sem técnica adequada e alterações do meio devido a atividades
antrópicas, em um processo de acentuada dinâmica de ocupação contínua que provoca,
comumente a remoção da cobertura vegetal e a cortes excessivos em taludos com alta
inclinação, ampliando a suscetibilidade da área. Porém, ainda assim, a população
permanece na região devido aos vínculos já estabelecidos com a comunidade, com a terra e
por fatores de ordem econômica, cultural e histórica.
Foi realizado uma análise das ações antrópicas específicas, como por exemplo, o
lançamento de água servida, ou seja, o lançamento das águas provenientes da totalidade do
esgoto doméstico ou comercial, derivadas dos vasos sanitários, chuveiros, lavatórios de
banheiro e pias de cozinha, conforme mostra a Figura 5. Entende-se que por se tratar de
uma região imprópria para o parcelamento e edificação, onde as ocupações são irregulares,
a população da área de estudo não está dentre as aproximadamente, 35% contempladas
pelo sistema coletor de esgoto sanitário do município. De acordo com a CASAL –
Companhia de Saneamento de Alagoas, cerca de 300.000 habitantes de Maceió possuem
acesso ao sistema de coleta. Desta forma, os moradores recorrem a alternativas que
interferem diretamente na qualidade de suas vidas. A criação de fossas ou a canalização
deste esgoto à lagoa, a qual o bairro margeia, são algumas formas paliativas de solucionar
essa defasagem decorrente de um mau planejamento e gestão pública.
Fig. 5 Mapa de Água Servida pelas residências no Bairro Mutange
Além da destinação inadequada de esgoto, outra ação que compromete a qualidade de vida
e a segurança da população local é o lançamento de água de reuso no entorno da moradia.
Este ato implica tanto no acúmulo de água parada, servindo como aparato para propagação
de insetos e doenças, quanto na infiltração e comprometimento do solo, visto que muitas
moradias se encontram na parte mais íngreme da encosta, estando susceptíveis aos
deslizamentos e desmoronamentos de terra.
Das 446 edificações analisadas neste projeto, 107 (cerca de 24% das edificações) lançam a
água de reuso em seu entorno. Este é um agravante com um alto percentual de influência e
que evidencia a necessidade de conscientização ambiental por parte da população local.
As diversas formas de ocupação também forma identificadas e especializadas através do
SIG de forma a possibilitar um panorama da situação atual das moradias existentes na área,
demonstrada na Figura 6.
Fig. 6 Mapa das diferentes formas de ocupação do Bairro Mutange
Pode-se identificar que, segundo os moradores, a maior parte das residências são próprias,
totalizando 170 das edificações cadastradas, demonstrando o desconhecimento da
população sobre a irregularidade fundiária do bairro. Um pequeno contingente de moradias
foi dito como cedidas, onde se observa fortemente a construção das redes sociais dentro da
comunidade, pois em sua maioria, estas foram cedidas como auxílio a familiares ou amigos
que perderam suas moradias devido aos desmoronamentos ocorridos após fortes chuvas.
Quatro edificações foram encontradas abandonadas, em muitos casos, pela impossibilidade
de se habitar devido ao alto risco geológico. Uma forma de ocupação bastante peculiar foi
a de casas alugadas encontradas na Grota da Borracheira, bastante elevadas nesta área 1,
perfazendo 67 das habitações. Este demonstra a rotatividade de algumas famílias de forma
bastante acentuada da região. Alguns relatos trazem casos de pessoas beneficiadas por
programas habitacionais do governo por estarem em situação vulnerável, porém, como as
antigas habitações não foram demolidas, as mesmas continuam sendo ocupadas. Além
disso, é comum encontrar pequenas “vilas” no bairro, onde um morador constrói diversas
habitações dentro da área que ocupa e as aluga, buscando deste meio a melhoria em sua
renda.
Ainda na Figura 6, pode-se observar a categoria “Não Informada” que reuniu as habitações
em que os moradores se negaram a ceder as informações à pesquisa ou que os mesmos não
se encontravam durante os levantamentos cadastrais realizados. Isto demonstra a
necessidade de um trabalho mais forte junto aos órgãos responsáveis para conscientização
da população quanto a importância do cadastro e mapeamento destas áreas, como fonte de
informações ao planejamento e tomada de decisões frente à resolução de problemas sociais
e a mitigação dos fenômenos ambientais adversos recorrentes nesta região através dos
movimentos de massa.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O crescimento e a expansão urbana acarretam riscos, em seu próprio processo construtivo,
quando não há um planejamento e gerenciamento correto do espaço urbano, o que é
notório nas regiões de risco que são habitadas por uma população que sofre a exclusão
socioespacial.
Salienta a metodologia de Cadastro Territorial Multifinalitário, CTM, utilizada no
mapeamento da área que se mostrou eficiente no que diz respeito à incorporação e
integração dos dados descritivos coletados à geometria da área de estudo. Visando-se,
então, a utilização de geotecnologias por meio de técnicas de geoprocessamento vinculadas
a um ambiente computacional SIG, de código aberto, que cruzou os dados obtidos
exprimindo em informações pertinentes à área de estudo. Os resultados ora apresentados
enfocam questões como condições ambientais e suas implicações na qualidade de vida dos
moradores, pontos de lançamento de água como fatores agravantes de erosão e
deslizamento de terra, além de forma precisa, expressar o quantitativo de edificações
existentes, novas habitações, assim como aquelas que sofreram processo de demolição,
percebendo a acentuada dinâmica de ocupação contínua na área, ainda que esta seja uma
região de risco.
A identificação da necessidade de remoção de algumas residências levantou algumas
questões, tais como o vínculo que determinados moradores possuem com o local. Embora
em alguns casos seja perceptível a necessidade de medidas mais extremas como a retirada
de alguns moradores, muitos se recusaram a sair. Isto porque, para além de um bem
material, os moradores, em sua maioria, possuem um laço afetivo com o ambiente.
A memória e a identidade criada com o local são fatores que devem ser considerados nas
tomadas de decisões pelas partes responsáveis. Outro fator é o sustento das famílias, sendo
muito comum ser provido por atividades de pesca, visto que o bairro se encontra às
margens da Lagoa Mundaú. Logo, elas sentem-se representadas por aquele espaço em
diversos âmbitos, e as dimensões afetivas se tornam suficientes para serem colocadas em
primeiro lugar por parte da população local.
Nota-se que o SIG mostrou-se como ferramenta de suma importância que possibilita,
através do processamento e análise dos dados cadastrais, exprimir informações territoriais
suficientes ao planejamento e gerenciamento urbano, apresentando-se como instrumento
indispensável à tomada de decisão referente a áreas de risco geológico por parte dos
governos.
Os mapas gerados neste trabalho, por exemplo, podem ser utilizados para atualização do
mapeamento de risco geológico junto ao PMRR, pois como pode ser observado, novas
edificações já foram identificadas. Tratando-se, então, de uma ferramenta que possibilita
um melhor monitoramento da área, assim como de outras áreas que apresentam riscos.
Em suma, a partir dos resultados gerados é possível atualizar os dados de edificações,
números de pessoas, formas de ocupação, infraestrutura, entre outros. Adicionalmente
pode-se avaliar a suscetibilidade da área com os dados de campo do cadastro levantado e
com os mapas gerados.
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