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- a. o () EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUÍZA FEDERAL DA i8 VARA CÍVEL DA l3 SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO Ação Civil Pública nº 0023969-33.2015.4.03.6100 O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da República signatário, no uso de suas atribuições constitucionais e legais, e o INTERVOZES - COLETIVO BRASIL DE COMUNICAÇÃO SOCIAL (doravante "lntervozes"). por seus advogados ao final assinados, devidamente qualificados nos autos da Ação Civil Pública nº 0023969-33.2015.4.03.6100, vêm respeitosamente à presença de Vossa Excelência, nos autos em epígrafe, manifestar-se sobre as contestações juntadas pela União Federal, Luiz Felipe Baleia Tenuto Rossi e Rádio AM Show Ltda. nos seguintes termos: 01. Em 19.11.2015, o Ministério Público Federal e o Intervozes protocolararn ação civil pública contra os corréus Rádio AM Show Ltda., Rádio Show de lgarapava Ltda., Luiz Felipe Baleia Tenuto Rossi e União Federal requerendo a invalidação e o cancelamento (ou não renovação, caso estivessem vencidas) da concessão/permissão/autorização dos serviços de radiodifusão outorgados às empresas corrés por violação, entre outros, do art. 54, 1, a' e II ' a' , da Constituição Federal, em razão de Luiz Felipe Baleia Tenuto Rossi, titular de mandato eletivo de Deputado Federal, figurar nos quadros societários das referidas empresas. Demandou-se, ainda, a condenação da União. por intermédio do Ministério das Comunicações, na obrigação de fazer consistente em relicitar o serviço de radiodifusão outorgado às empresas corrés, bem como a condenação da União para que se abstenha de conceder aos supracitados corréus futuras outorgas para serviços de radiodifusão, ainda que por intermédio de pess quais sejam sócios.

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~ -a. o ()

EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUÍZA FEDERAL DA i8 VARA CÍVEL

DA l3 SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO

Ação Civil Pública nº 0023969-33.2015.4.03.6100

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da República

signatário, no uso de suas atribuições constitucionais e legais, e o INTERVOZES -

COLETIVO BRASIL DE COMUNICAÇÃO SOCIAL (doravante "lntervozes"). por

seus advogados ao final assinados, devidamente qualificados nos autos da Ação Civil

Pública nº 0023969-33.2015.4.03.6100, vêm respeitosamente à presença de Vossa

Excelência, nos autos em epígrafe, manifestar-se sobre as contestações juntadas pela

União Federal, Luiz Felipe Baleia Tenuto Rossi e Rádio AM Show Ltda. nos seguintes

termos:

01. Em 19.11.2015, o Ministério Público Federal e o Intervozes protocolararn

ação civil pública contra os corréus Rádio AM Show Ltda., Rádio Show de lgarapava

Ltda. , Luiz Felipe Baleia Tenuto Rossi e União Federal requerendo a invalidação e o

cancelamento (ou não renovação, caso estivessem vencidas) da

concessão/permissão/autorização dos serviços de radiodifusão outorgados às empresas

corrés por violação, entre outros, do art. 54, 1, a' e II ' a' , da Constituição Federal , em

razão de Luiz Felipe Baleia Tenuto Rossi, titular de mandato eletivo de Deputado Federal,

figurar nos quadros societários das referidas empresas. Demandou-se, ainda, a condenação

da União. por intermédio do Ministério das Comunicações, na obrigação de fazer

consistente em relicitar o serviço de radiodifusão outorgado às empresas corrés, bem como

a condenação da União para que se abstenha de conceder aos supracitados corréus futuras

outorgas para serviços de radiodifusão, ainda que por intermédio de pess

quais sejam sócios.

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02 .. Após manifestação preliminar da União Federal, protocolada em 07.12.2015

(fls. 97-11 O), o douto Juízo proferiu decisão indeferindo a antecipação dos efeitos da tutela

(fls. 111-112).

03. Diante disso, o Ministério Público Federal pleiteou a reconsideração da

decisão que indeferiu a antecipação dos efeitos da tutela. Interpôs Agravo de Instrumento.

cuja comprovação, nos termos do art. 526, CPC. foi protocolada em 17.02.2016. A tutela

antecipada em segunda instância foi concedida em l 0.03.2016 e comunicada ao Juízo de

origem conforme fls. 149-150.

04. Em 17.05.2016, a União Federal apresentou sua contestação (fls. 156-202),

alegando: (i) a incompetência da Justiça Federal de São Paulo para julgar a ação, vez que

as rádios corrés têm operação nas cidades de lgarapava e Jardinópolis: (ii) a

impossibilidade jurídica dos pedidos de condenar a União a realizar nova licitação e a

abster-se de conceder aos corréus a renovação ou futuras outorgas de rádios, ainda que por

intermédio de pessoas jurídicas das quais sejam sócios (iii) a ausência de interesse de agir,

pois já existe, no Ministério das Comunicações, pedido de retirada de Luíz Felipe Baleia

Tenuto Rossi do quadro social da corré Rádio Show de lgarapava Ltda. ; (iv) quanto à

Rádio AM Show Ltda. alega que o corréu não exerce nenhuma atividade de direção ou

gerência, sendo o exercício destas funções, e não a mera participação em sociedade. a

limitação realmente prevista na legislação aplicável· (v) o contrato de prestação de

radiodifusão obedece a cláusulas uniformes, enquadrando-se na ressalva do art. 54, 1, ··a·',

da Constituição Federal ; (vi) a decisão da Ação Penal 530 não se aplica ao caso em tela:

(vii) mesmo que houvesse a violação sustentada pelos Autores, a penalidade aplicável seria

a multa e não o cancelamento ou não renovação das concessões; (viii) ausência de

periculum in mora e ocorrência deste perigo ao reverso. por violação ao princípio da

continuidade dos serviços públicos. Requer a inclusão da Anatei no polo passivo da ação. a

extinção do feito sem julgamento de mérito ou. ao final. a improcedência da ação.

Alternativamente na hipótese de procedência do pedido dos Autores, requer a abertura de

prazo para regularização da situação em vez do cancelamento ou não renovação das

outorgas.

05. Em 07.06.2016, Luiz Felipe Baleia Tenuto Rossi sua

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contestação (tls. 215-281), afirmando: (i) a incompetência absoluta deste foro para julgar

a presente ação e a consequente nulidade das decisões interlocutórias proferidas, em razão

do disposto no artigo 53, § 1 º da Constituição Federal, que prevê a competência do

Supremo Tribunal Federal para julgar ações contra deputados e senadores; (ii) a

ilegitimidade passiva ou, alternativamente, a inépcia da inicial em face de Luiz Felipe

Baleia Tenuto Rossi ; (iii) a ausência de periculum in mora para a concessão da liminar; (iv)

o cerceamento da defesa pelo não atendimento do contraditório e da ampla defesa durante

o inquérito civil instaurado pelo MPF e a natureza precária e relativa das provas juntadas

pelos Autores. que não devem ser tomadas em caráter absoluto: (v) a retirada do corréu do

quadro social da empresa Rádio AM Show Ltda. em dezembro 2015, sendo que nunca

atuou como gerente, administrador ou exerceu função remunerada enquanto foi sócio; (vi)

o artigo 38. parágrafo único do CBT explicita que a violação está apenas na atuação do

parlamentar como diretor ou gerente da concessionária de radiodifusão; (vii) que o contrato

de prestação de radiodifusão obedece a cláusulas uniformes, enquadrando-se na ressalva do

art. 54. L ··a·' , da Constituição Federal; (viii) a inaplicabilidade do precedente da Ação

Penal 530 pelo STF ao caso em tela: (ix) quanto à empresa Rádio Show de lgarapava

Ltda. , o corréu alega que não integra a sociedade desde 2008. quando a totalidade das

quotas da empresa corré foram transferidas a terceiros; (x) nesse caso, a alteração social

não foi registrada até o momento por estar pendente autorização do Ministério das

Comunicações, nos termos do art. 38 ... c•·. do CBT. Preliminarmente, requer a redução do

valor da causa para 1 O (dez) salários mínimos e a extinção do feito sem julgamento de

mérito. Em caso de conhecimento da ação. requer que seja julgada improcedente.

06. Em 01.07.2016, a Rádio AM Show Ltda apresentou sua contestação,

afirmando: (i) a carência da ação. pela ausência do interesse de agir, com base no binômio

necessidade-adequação; (ii) a inexistência de periculum in mora; (iii) o cerceamento de

defesa no procedimento administrativo instaurado pela PRDC e a consequente natureza

precária e relativa das provas dele resultantes; (iv) a retirada de Luiz Felipe Baleia Tenuto

Rossi do quadro social da empresa corré em dezembro 2015; (v) que o art. 38, parágrafo

único. do Código Brasileiro de Telecomunicações veda que parlamentares sejam diretores

ou gerentes de empresa de radiodifusão. e não sócios, sendo que o deputado corréu nunca

atuou como gerente, administrador ou exerceu função remunerada na Rádio AM Show;

(vi ) que o contrato de prestação de radiodifusão obedece a cláusulas uniformes.

enquadrando-se na ressalva do art. 54. 1, "a", da Constituição

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inaplicabilidade ao presente caso do precedente da Ação Penal 530. julgada pelo TF:

(viii) a perda do objeto desta Ação Civil Pública; (ix) violação da tripartição de Poderes.

visto que o Poder Judiciário não pode sub-rogar-se no papel de Poder Concedente do

serviço de radiodifusão, como pretendem os Autores; (x) a prescrição da pretensão que

motiva a ação, visto que já se passaram mais de 05 anos da outorga do serviço.

Preliminarmente, requer a redução do valor da causa para R$ 30.000,00 (trinta mil reais) e

a extinção do feito sem julgamento de mérito. Em caso de conhecimento da ação, requer

que sejajulgada improcedente.

07. As alegações apresentadas pelos Réus em suas contestações não são

procedentes, como se passa a demonstrar.

1. Da nulidade da transferência das quotas da Rádio Show de lgarapava

08. Os Réus afirmam que não haveria interesse de agir em relação ao réu Luiz

Felipe Baleia Tenuto Rossi e à ré Rádio Show de Igarapava Ltda. poi . em 2008. a

integralidade das cotas da empresa, incluindo aquelas detidas pelo Deputado, teriam sido

vendidas em uma operação qualificada pela legislação de radiodifusão como transferência

indireta de outorga 1•

Os Réus informam ainda que quatro anos após essa operação, em 2012. foi

enviado ao Ministério das Comunicações os pedidos de anuência prévia da transferência

indireta de outorga e de retirada do Deputado Luiz Felipe Baleia Tenuto Rossi do quadro

societário da Rádio Show de Igarapava Ltda.

A retirada, segundo os próprios Réus. ainda não ocorreu e não foi registrada na

Junta Comercial do Estado de São Paulo, pois a operação de transferência indireta ainda

não foi aprovada pelo Poder Executivo.

09. As alegações dos Réus não procedem. Como se passa a de

1 Diz o artigo 89, § 2° do Decreto 52.795/1963. que estipula o Re!!ulamento dos Ser · os "Art. 89. ( .. . ) § 2°: Dá-se a transferência indireta quando a maioria das cotas ou capital é transferida de um para outro grupo de cotistas ou acionistas que p deter \o~do d~

sociedade '. ~ J '1'

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operação de transferência indireta da outorga da Rádio Show de lgarapava Ltda.:

(i) é nula de pleno direito, por falta da autorização prévia do Poder Executivo.

nos termos do artigo 38, "c .. , da Lei 4.11711962, 166, V, do Código Civil, e 90

do Decreto 52.79511963;

(ii) é ineficaz em relação à própria sociedade e a terceiros nos termos dos

a11igos 1.003 e l .057, parágrafo único. do Código Civil, pois não houve a

averbação da transferência das quotas da Rádio Show de Igarapava Ltda. na

Junta Comercial do Estado de São Paulo; e

(iii) é nula de pleno direito pois, apesar de permitida por lei. a transferência

direta ou indireta de outorga de radiodifusão é inconstitucional, por violar a

exigência constitucional de prévia licitação para a outorga do serviço, o caráter

extra commercium do serviço público e por ensejar enriquecimento ilícito aos

particulares que lucram com a negociação de outorgas públicas;

Restará comprovado, assim, que não houve alienação das quotas detidas pelo

Deputado Federal Luiz Felipe Baleia Tenuto Rossi, que continua a ser sócio e gerente da

Rádio Show de lgarapava Ltda, - como devidan1ente demonstrado e documentado na

petição inicial desta ação civil pública - ambas situações proibidas pela Constituição e

pelo Código Brasileiro de Telecomunicações.

Daí a conclusão de que os Réus Luiz Felipe Baleia Tenuto Rossi e a Rádio

Show de Igarapava Ltda. são, sim, partes legítimas para figurar no polo passivo dessa

Ação Civil Pública, não havendo inépcia da inicial, nem falta de causa de pedir.

10. Como se apontou acima, "dá-se a transferência indireta quando a maioria das

cotas ou ações representativas do capital é transferida de um para outro grupo de cotistas

ou acionistas que passa a deter o mando da sociedade"2•

Ocorre que a validade da transferência depende da prévia autorização do Poder

Executivo. sem qual a operação é nula de pleno direito. Isso é o que afirmam

expressamente os artigos 38. "c'' da iro de

' Redação do artigo 89. § 2º do Decreto 52 . 79-11963 .

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Telecomunicações) e o artigo 90 do Decreto 52.79511963 (Regulamento dos Serviços de

Radiodifusão):

Lei 4. 117/ 1962 Art. 38. Nas concessões, permissões ou autorizações para explorar serviços de radiodifu ão. serão observados. além de outros requisitos. os seguintes preceitos e cláusulas: c) a alteração de objetivos sociais, a alteração de controle societário das empresas e a transferência da concessão, permissão ou autorização dependem, para sua validade, de prévia anuência do órgão competente do Poder Executivo:

Decreto 52.795/ 1963 Art 90. Nenhuma transferência, direta ou indireta de concessão ou perm1ssao. poderá se efetivar sem prévia autorização do Govêrno Federal, sendo nula, de pleno direito, qualquer transferência efetivada sem observância dêsse requisito .

11. Ao detenninar que a autorização do Poder Executivo deve ser prévia, é mais

do que claro que essa autorização deve ocorrer antes de realizada a operação de

transferência de quotas.

A consequência da ausência da anuência governamental é a nulidade. de pleno

direito da transferência.

Daí a conclusão de que a autorização do Poder Executivo não é mera formalidade.

mero procedimento burocrático, como afirmam os Réus (fls. 102 e 240). mas sim condição

de validade da transferência; solenidade essencial que, caso descumprida. toma nulo o

negócio jurídico. nos termos dos artigos supramencionados e do artigo 166. incisos V do

Código Civil :

Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: (. .. ) V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade:

12. No caso da alegada transferência indireta da outorga da Rádio how de

lgarapava Ltda .. mediante a transferência da integralidade de suas cotas sociais a outro

grupo de acionistas, nada ocorreu como determina a lei.

13. Como reconhecem e declaram a própria União e o Réu Luiz Felipe Baleia

Tenuto Rossi. não houve autorização prévia do Poder Executivo.

Mais do que isso: a autorização prévia sequer foi requerida previamente à

operação. Ao contrário, o pedido levou quatro anos só para ser feito , já qu ato

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Particular de Compromisso de Venda e Compra" (fls. 258-261), pelo qual se deu a

transferência das cotas da Rádio Show de Igarapava Ltda., foi firmado em 2008

( 19.05.2008), e a autorização, que deveria ser prévia, só foi requerida em 2012

( 11 .04.2012), quando a transferência das cotas já estava plenamente quitada, e o

comprador já detinha a posse do imóvel para administrar o estabelecimento nele instalado.

qual seja. a Rádio how de lgarapava.

Até a data das contestações, isto é, até junho de 2016, a autorização do Poder

Executivo ainda não havia sido concedida. Segundo a União, isso se deu, inclusive, por

falha da emissora conforme informação do Ministério das Comunicações às fls. 108-109.

14. Não bastasse isso. a transferência das quotas da Rádio Show de lgarapava

Ltda. não foi averbada na Junta Comercial do Estado de São Paulo. Como reconhecido nas

contestações e confirmado pela Ficha Cadastral Completa da empresa Rádio Show de

lgarapava Ltda. (anexo l ), obtida na Junta Comercial do Estado de São Paulo em

24.06.2016. o último arquivamento da sociedade data de novembro de 1998, quando o Réu

Luiz Felipe Baleia Tenuto Rossi foi admitido na sociedade, não havendo qualquer registro

de transferência de suas quotas.

os termos dos artigos 1.003 e 1.057. parágrafo único , do Código Civil, a cessão

da quotas de uma sociedade não tem eficácia perante a própria sociedade e perante

terceiros se a modificação do contrato social, com o consentimento dos demais sócios, não

for averbada perante a Junta Comercial. Dizem os artigos:

Art. l .057. a omissão do contrato, o sócio pode ceder sua quota. total ou parcialmente, a quem seja sócio, independentemente de audiência dos outros, ou a estranho, se não houver oposição de titulares de mais de um quarto do capital social.

Parágrafo único . A cessão terá eficácia quanto à sociedade e terceiros, inclusive para os fins do parágrafo único do art. l .003, a partir da averbação do respectivo instrumento, ubscrito pelos ócios anuente .

Art. 1.003 . A cessão total ou parcial de quota, sem a correspondente modificação do contrato social com o consentimento dos demais sócios, não terá eficácia quanto a estes e à sociedade.

Sem a averbação da transferência das quota da empresa Corré, não se produz

eficácia do negócio em relação à própria sociedade e a terceiros. Diferentes julgados

confirmam este entendimento:

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RECURSO ESPECIAL. DIREITO EMPRESARIAL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO SOCIETÁRIO. CESSÃO DE COTAS. EFICÁCIA PERANTE A OCIEDADE. NECESSIDADE DE AVERBAÇÃO NA JUNTA COMERCIAL. ARTS. 1.003 E 1.057 DO CCB/2002. ASSINATURA DE TODOS OS ÓCIOS. IRRELEVÂNCIA. ( ... ) 2. "A cessão total ou parcial de quota, sem a correspondente modificação do contrato social com o consentimento dos demais sócios. não terá eficácia quanto a estes e à sociedade" (an. 1.003, caput, do CCB/2002). 3. Hipótese em que a cessão contou com a concordância de todos os sócios. 4. Distinção entre os efeitos da cessão nas relações jurídicas internas e externas. 5. Necessidade e averbação na Junta Comercial para que a cessão produza efeitos quanto à sociedade, ainda que todo os sócios, inclusive o sócio administrador, tenha anuído com a cessão. ( ... ). (STJ, Terceira Turma. unanimidade, REsp 1415543/RJ 2013/0364297-7, Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Data da Decisão: 07/06/2016. Data da Publicação: 13 06 '2016 -sem destaque no original).

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO: EXECUÇÃO FISCAL. INCLUSÃO DE ÓCIO PÓLO PASSIVO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. TRANSFERÊNCIA DE QUOTA SOCIAIS. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. CONDENAÇÃO EM HONORÁRIO . CABIMENTO. AGRAVO PARCIALME TE PROVIDO. 1 - A cessão de quotas celebrada por instrumento particular não tem eficácia quanto à sociedade e terceiros (incluindo-se aí a Fazenda Pública) enquanto não realizada a averbação do mesmo. conforme disposto no art. 1.057. parágrafo único. do CC. 11 - Não sendo comprovado nos autos a averbação de alteração contratual referente à mudança do quadro social da executada. presume-se que os agravados são potenciais co-responsá ei pelos débitos tributários da empresa executada. ( .. . ). (TRF3 , Segunda Turma. unanimidade. AI 175933/SP 0015377-84.2003.4.03.0000. Relatora Desembargadora Federal CECÍLIA MELLO. Data da Decisão: 2 1/ 1112006. Data da Publicação: 07 .12.2006).

AGRAVO DE INSTRUMENTO DE CONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA EX-SÓCIO RETIRADA AVERBAÇÃO RESPONSABILIDADE. - Desconsideração da personalidade jurídica cognoscível a inclusão de ex-sócio. que integrava o quadro societário à época do surgimento da obrigação (art. 1.032, do Código Civil); -A alteração do contrato social sem averbação junto da Junta Comercial não tem eficácia perante terceiros agravante que não deixou de ser sócio enquanto não averbada sua retirada da sociedade questão de ordem pública, publicidade dos atos; AGRAVO NÃO PROVIDO. (TJ-SP, 20ª Câmara de Direito Privado, AI 20517713220138260000 SP 2051771-32.2013.8.26.0000. Relator: Maria Lúcia Pizzotti . Data da Decisão: 31 /03 12014. Data da Publicação: 16/04/2014 - sem destaque no original).

No voto da Relatora da decisão acima, a Eminente Desembargadora afirma o que

segue sobre a matéria em debate:

As regras de direito societário. no entanto, excedem a autonomia das partes. imperativa a análise segundo as regras de ordem pública considerando o interesse de terceiros nas relações com pessoas jurídicas. Isto é, não basta a alegação de que o excipiente por instrumento particular de alteração do contrato social não era mais sócio da executada desde 2002. As relações societárias exigem averbação na Junta Comercial. a fim de garantir eficácia erga omnes. (com destaque no original)

15. Ressalte-se ainda que. apesar de permitida pela Lei 4.11711962 e pelo Decre o

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52.79511963, a transferência indireta de outorga de radiodifusão é inconstitucional3.

As atividades econômicas reconhecidas como serviços públicos não fazem parte

da esfera do comércio privado. Constituem re extra commercium - serviços inegociáveis.

integrantes do domínio econômico público e titularizados pelo Estado. Por isso, quando os

erviços públicos são concedidos ou pem1itidos à iniciativa privada, o que se transfere é a

execução do serviço e não a sua titularidade, que permanece com o Estado. Em razão desse

regime jurídico. os concessionários e permissionários não exercem qualquer

disponibilidade sobre os serviços públicos, que é a todo tempo mantida pelo Estado.

Não podem negociá-los, isto é, não podem comercializar a posição de delegatários de

serviços públicos. Como aponta Fábio Konder Comparato~:

( ... )não há nem pode haver alienação de funções públicas a particulares. Os concessionários de serviço público ( .. . ) atuam em nome próprio, mas em razão de competência alheia. ( ... )o direito de prestar serviço público em virtude de concessão administrativa não é um bem patrimonial suscetível de negociação pelo concessionário no mercado. Não se trata de um bem in commercio. O concessionário de serviço público não pode, de forma alguma, arrendar ou alienar a terceiro sua posição de delegatário do Poder Público.

o mesmo sentido. após observar que os serviços públicos são res extra commer­

ci11m - inegociáveis e inarnovivelmente sediados na esfera pública - Celso Antônio Ban­

deira de Mello sustenta que5:

Só as pessoas de natureza pública podem ser titulares, ter como próprias as Um particular jamais poderá reter (seja pelo tempo que for) em suas mo senhor, um serviço público . Por isso, o que se transfere para o concessionário - diversamente do que ocorre no caso das autarquias - é tão-só e simplesmente o exercício da atividade pública. ( ... ) ( ... )o Poder Público. em razão de suas funções, tem sempre disponibilidade sobre o serviço pú-blico e sobre a utilização de um bem público; inversamente, o particular jamais pode tê-la, pois está envolvido na questão um bem extra comercium. O contrato jamais seria via idônea para propiciar a um administrado enhoria, conquanto parcial, sobre um interesse público. seja no que respeita à forma de satisfazê- lo. seja no que atina ao prazo de duração de vínculo ver­sando sobre ele. ( ... ) Não seria possível que o interesse público ficasse vergado ao interesse particular. Daí o sem­sentido de recorrer-se à teoria do contrato em certos casosb.

1 A exposição a seguir relativa à inconstitucionalidade da transferência direta e indireta de outoraas de . o radiodifusão toma como base o artigo: ARAUJO, Bráulio Santos Rabelo de. A transferência de outorgas de radiodifusão e a comercialização de tempo de programação. RDA - Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro. v. 268. p. 249-29'.2, jan. abr. 2015 . 4 COMPARATO. Fábio Konder. Parecer sohre aro. formal ou informal. de cessão ou arrendamento a terceiros de se111iços de radiodifusão sonora e de sons e imagens. efetuado por um concessionário. Outubro de 2009. p. 3-4, itálicos e grifos do autor. Disponível em: <http: observatoriodaimprensa.com.br' imprensa­em-quesrao 'ed673-omissao-do-congresso-desprezo-dos-concessionarios/>. Acesso em: 07 .07 .2016. ' l\tlELLO. Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Ed. Malheiros, 26ª edição. 2008, p. 718; 625, grifo nosso, itálicos do autor. • o mesmo sentido. vej.-.e •inda M ELLO. O'waldo Manha Bandeirn de. Natuceza j "'id i<a da 'X d~

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Ora. se os serviços públicos são res exrra commercium e os particulares que o

prestam não podem comercializar sua posição de delegatários. pois sobre ela não exercem

qualquer disponibilidade. então as concessões e permissões de radiodifusão não podem

ser comercializadas mediante a transferência direta ou indireta de outorgas.

Além disso. note-se que o setor privado pode assumir a prestação de serviços pú­

blicos mediante concessão e permissão, desde que sempre precedidas de licitação. como

determina o artigo 175 e o inciso XXI do anigo 37 da Constituição.

Os objetivos da licitação são garantir a todos os administrados a possibilidade de

disputar. em igualdade de condições. as contratações do Poder Público. bem como permitir

aos entes públicos a seleção da proposta mais vantajosa -. De um lado. a concorrência para

a seleção da proposta mais vantajosa protege o interesse e os recursos públicos e promove

a eficiência da atividade administrativa8. De outro. a abertura dos contratos do Estado à

concorrência pública atende às normas da isonomia9 - por proporcionar a todo a po ibili­

dade de disputar os contratos públicos em igualdade de condições e por tratar isonomica­

mente os participantes da licitação-, e da impessoalidade 10 - por evitar qualquer favoreci­

mento, parcialidade. discriminação. arbítrio ou favoritismo impertinente em beneficio de

determinado indivíduo. garantindo assim tratamento neutro a todos os administrados 11•

Da exigência constitucional de prévia licitação decorre o caráter pessoal das

concessões e permissões de serviços públicos 11 e a conclusão de que as outorgas não

podem ser transferidas direta ou indiretamente. Isso não apenas porque as concessões e

permissões são celebradas em função das características pessoais dos candidatos que ven-

serviço público. Revista da F acuidade de Direito de Porto Alegre. Porto Alegre. ano 111 . nº 1. vol. 11. P'""'-'-":::.-~ 899. 1951.. p. 867: ATALIBA. Gera ldo. Hipótese de Incidência Tributária . 6ª ed. São Paulo: Malheiros. 2004. p. 161-162. 7 Cf. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. cit.. p. 530: artigo 3º da Lei nº 8.666/1993: artigo 14 da Lei nº 8.98711 995 . 8 Cf. artigo 37. caput, da Constituição. Q Cf. artigo 5°, caput, da Constitu ição e artigo 3° da Lei nº 8.66611993 . 1° Cf. artigo 37, caput, da Constituição e artigo 3º da Lei nº 8.666/ 1993 . 11 Cf. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Cur o de Direito Administrativo. cit.. p. 530-531: 536. 12Como observa Fábio Konder Comparato. "( ... ) a relação de concessão de serviço público é personalí sima. O Estado confia a prestação do serviço a certa e determinada pessoa ou entidade. considerada a mais apra. em confronto com todas as concorrentes. a prestar um serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários'· . Cf. COMPARATO, Fábio Konder. Parecer sobre ato, formal ou informal. de cessão ou arrendamento a terceiros de serviços de radiod!(usão . onora e de sons e imagens. efetuado por 11111

concessionário, cit. , p. 4. grifo nosso. No mesmo sentido, veja-se também MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Nature:a jurídica da concessão de serviço público. cit.. p. 872; Dl PlETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 26ª ed. São Paulo: Atlas. 2013, p. 277.

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ceram o certame, mas, principalmente, porque o que permite a outorga da execução de

um serviço público a uma determinada pessoa e não a outra é a realização da licita­

ção. Não se pode atribuir a qualquer particular o beneficio de prestar um serviço público

sem a realização prévia de procedimento que enseje a todos a possibilidade de disputar iso­

nomicamente a contratação pública. A realização de licitação para uma determinada contra­

tação específica não autoriza o repasse direto ou indireto dessa contratação a terceiros sem

a realização de um novo certame.

Para logo se vê, portanto, que a transferência direta e indireta de outorgas de

radiodifusão é inconstitucional e ilegal. Descumpre a exigência constitucional de prévia

Jicitação 11 e a norma da isonomia 1 ~. pois permite o controle de outorgas por terceiros que

não participaram de licitação e impede que os administrados tenham igual chance de con­

tratar com o Poder Público. Afronta a norma da impessoalidade 15, por permitir que os parti­

culares titulare de concessões e permissões escolham. segundo sua própria conveniência e

arbítrio, quem terá o beneficio de controlar outorgas de um serviço público tão relevante e

rentável como a radiodifusão. Viola o caráter extra commercium do serviço público de ra­

diodifusão e do bem público constituído pelo espectro de radiofrequências 16 e enseja, nessa

medida. o enriquecimento ilícito dos que transferem as outorgas 17• Causa, ainda, prejuízo

aos cofres públicos, pois priva o poder concedente de receber os pagamentos que lhe seri­

am devidos por conta de uma nova outorga das concessões e permissões transferidas pelos

particulares. E prejudica, por fim. a pluralidade e diversidade do setor, na medida em que

impede a distribuição de outorgas a outras instituições tanto da radiodifusão privada, quan­

to da radiodifusão pública e comunitária. Tudo isso em afronta à norma da eficiência da

Administração 1 na gestão do serviço público de rádio e TV.

Em suma, as transferências diretas e indiretas de outorgas de radiodifusão violam

a Constituição e as leis aplicáveis ao serviço. O artigo 38, ·'c" da Lei nº 4.117/1962 e os ar­

tigos 89 e 90 do Decreto nº 52.79511963. que permitem as transferências, são inconstituci-

anais e ilegais.

1' Cf. artigos 37. XXI. e 175 da Constituição e artigo 2° da Lei nº 8.66611 993 . ~

1 ~ Cf. artigo 5°. capw. da Constituição e artigo 3º da Lei nº 8.666/ 1993 . · " Cf. artigo 37. caput. da Constituição, e artigo 3° da Lei nº 8.666/ 1993 . 1" Nos tennos do artigo 157 da Lei nº 9.4 72/1 997, ··[o] espectro de radiofreqüências é um recurso limitado.

consriruindo-se em bem público. adminisrrado pela Agência". (\ 17 A transferência pode gerar lucros consideráveis para os concessionários e permissionários mediante a r ) comercialização de outorgas por valores superiores aos que foram pagos no momento da licitação. 18 Cf. artigo 37, caput. da Constituição. e artigo 3° da Lei nº 8.66611993 .

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16. Na jurisprudência. há uma série de precedentes que afirmam a inconstitucio­

nalidade da transferência direta e indireta de concessões e permissões de serviços público

ainda que mediante a prévia anuência do poder concedente.

Em caso relativo a serviço de transporte público alternativo no Distrito Federal. o

Superior Tribunal de Justiça - STJ afirmou a inconstitucionalidade da transferência da per­

missão do serviço a herdeiros. prevista expressamente pelo Decreto Distrital nº

17.04511995. em razão do caráter intui tu personae da outorga e da violação à exigência

constitucional de prévia licitação 19•

Em decisão que impediu a Caixa Econômica Federal de autorizar transferência de

permissão de agência lotérica. o Tribunal Regional Federal da 4ª Região sustentou que

'·[n]inguém está apto a "vender· uma casa lotérica ... pois "[a] permissão de serviço público

é intuitu personae e dependente de licitação ... e não outorga nada além do que o direito de

explorar o serviço. Concluiu. então. que o ingresso de terceiro que não se sujeitou à licita­

ção importa em burla ao procedimento licitatório20.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro - TJRJ declarou a inconstitucionalidade

de duas leis municipais que permitiam a transferência direta e indireta de concessões e per­

missões de serviços públicos mediante prévia anuência do poder concedente. por violação

das regras constitucional e legal que exigem licitação e dos princípios da transparência e da

moralidade21• Na decisão da Representação por Inconstitucionalidade 11/200 l. o TJRJ res­

saltou que "[a] prévia anuência do Poder concedente( ... ). por si só. não afasta a regra im­

positiva da exigibilidade de licitação''. Segundo o Tribunal. ainda que a anuência "informe

a presunção de regularidade dos atos administrati\'os··. a necessidade de licitação se impõe.

pois se destina '"não só às partes envolvidas. ou seja. ao Poder concedente e ao concessioná­

rio. mas a toda a coletividade e aos que tenham a condição de prestar os mesmos serviço

IQ STJ, RMS 22.382/DF, Rei. Min . Francisco Falcão. Primeira Turma. julgado em 17.05.2007. 20 TRF4. AG 2003.04.01 .0411O1-0, Terceira Turma. Rei. Des. Luiz Carlos de Castro Lugon. data do julgamento 16.12.2003, DJ 21.01.2004. 21 Na Representação por Inconstitucionalidade 15/2001 . o T JRJ declarou a inconstitucionalidade de artigos da Lei nº 1.462/ 1999, do Município de Cabo Frio. que permitiam ··a transferência de concessão ou do controle societário da concessionária ou permissionária" de serviços e de obras públicas mediante anuência do poder concedente (TJ RJ, Representação por Inconstitucionalidade 15/2001. Rei. Des. Marcus Faver. data de julgamento 19.12.2001). Na Representação por Inconstitucionalidade 11 /2001 , o TJRJ declarou a inconstitucionalidade de artigos da Lei nº 1.859/2000, do Municfpio de Maricá. que permitiam a transferência de concessão de serviços de transportes públicos mediante anuência do poder concedente (TJ RJ. Representação por Inconstitucionalidade 11 /200 l, Processo 0032763-21.2001.8.19.0000, Rei. Des. Roberto Wider, data de julgamento 16.09.2002, DJ 13 .0'.2.2003).

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de fonna mais adequada, visando o interesse público". O interesse público, observou a

Corte ... não se subswne apenas à vontade do ente estatal, mas decorre do atendimento a

princípios gerais superiores, previstos nas normas constitucionais"n .

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios - TJDFT declarou a incons­

titucionalidade de duas leis distritais que autorizavam a transferência de permissões para a

execução do serviço de táxi por iolação à impessoalidade. à igualdade. à legalidade, à mo­

ralidade, ao interesse público, à eficiência da Administração Pública e à regra da obrigato­

riedade de licitação~3 .

Mencione-se. ainda. outras decisões similares afim1ando a inconstitucionalidade

da transferência de concessões e permissões: (i) TJPR. IDI 336996-0/03. Rei. Des. Paulo

Habith. Órgão Especial, data do julgamento 03.09.2012; (ii) TJMG, Agravo de lnstru­

mento-Cv 1.0301.12.001956-9/001. Rei. Des. Peixoto Henriques. 7ª Câmara Cível, julga­

mento em 05.11.2013, publicação da súmula em 08.11.2013; (iii) TJMG, Apelação Cível

1.0024.12.301169-4/002. Rei. Oes. Corrêa Junior. 6ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em

08.10.2013. publicação da súmula em 18.10.2013; e (iv) TJ C, Apelação Cível n.

1997.001062-l. de Criciúma. Rei. Des. Trindade dos Santos. j. 04.05.1999.

o Supremo Tribunal Federal. tramita a ADI 2946. proposta pela Procuradoria

Geral da República - PGR. requerendo a declaração da inconstitucionalidade do artigo 27

da Lei nº 8.98711995 que, assim como a lei 4.117/\ 962, autoriza a transferência de conces­

sõe de serviços públicos mediante a prévia anuência do poder concedente. Em sua etição

" Veja-se, por todos. TJRJ, Represemação por Inconstitucionalidade 11/20 , rocesso 00327:-k 21.2001.8.19.0000, Rei. Des. Roberto Wider. data de julgamento 16.09.2002. DJ 13.02.2003. ( i ~ "' Segundo o TJDFT: ··A possibilidade de transferência direta da pennissão. sem licitação. frustra os demais interessados em contratar, impedindo-os de concorrer à prestação de serviço público, implicando em verdadeira barreira à livre concorrência. violando diretamente a isonomia. o princípio da competitividade, a impessoalidade e, por conseguinte, o interesse público. uma vez que a finalidade da licitação consiste justamente em selecionar a proposta mais vantajosa para o bem-estar coletivo. e a eficiência, já que atende o interesse de poucos. não obtendo a presteza. a segurança e a eficiência necessária ao atendimento comum'· (TJDFT. Acórdão n. 369470, ADI 20090020005137. Rei. Des. Flávio Bostirola, Conselho Especial, data de julgamento 16.06.2009, publicado no DJE 04.10.2011 ). As leis que tiveram artigos declarados inconstitucionais foram a Lei Distrital nº 4.056/2007 e Lei Distrital nº 2 . ..i96 1999. As decisões em questão são as seguintes: (i) TJDFT. Acórdão n. 369470. ADI 20090020005137. Rei. De . Flávio Bostirola. Conselho Especial, data de julgamento 16.06.2009. publicado no DJE 04.10.2011: e (ii) TJDFT. Acórdão n. 300673, ADI 20050020103191. Rei. Des. Vaz de Mello. Conselho Especial , data de julgamento 29.01.2008. publicado no DJE 11 .07.2008 . No mesmo sentido. veja-se (i) TJDFT, Acórdão n. 688692. AGI 20130020096723, Rei. Des. João Egmont. 5" Turma Cível. data de julgamento 20.06.2013 , publicado no DJE: 03 .07.2013: e (ii) TJDFT. Acórdão n.195786, 20030020112779MSG, Des. Rei. Lécio Resende. Conselho Especial. data de julgamento 11.0" .2004, publicado no DJU 10/08/2004.

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inicial. a PGR24 observa que a autorização legal à transferência direta e indireta de outorgas

faz com que "a fraude ao sistema da licitação pública atinja raias de literal imoralidade ...

vez que permite ·'a uma determinada empresa especializar-se em 'vencer concorrências pú­

blicas·. repassando-as. em seguida. para empresas realmente interessadas no serviço··~ 5 . Em

seu parecer. favorável à procedência da ação. a PGR16 sustenta que tanto a ·'transferência

da concessão·· quanto a "transferência do controle societário da concessionária··. v iabili za ­

das pela "simples anuência do poder público". permitem a contemplação de ·'quem se fur­

tou ao certame", violando a regra constitucional segundo a qual ' ·toda prestação de serviço

público" não promovida diretamente pelo poder público deve ocorrer "sempre através de

licitação··.

Em suma, as transferências diretas e indiretas de concessões e permissões de radi­

odifusão são inconstitucionais. levando à nulidade da transferência da Rádio Show de Iga­

rapava Ltda. Entretanto, caso este Douto Juízo entenda de maneira diversa. considerando

que os dispositivos legais que autorizam a transferência são constitucionais, reiteramos

que, mesmo assim, a transferência da Rádio Show de lgarapava Ltda. é nula por ausência

de anuência prévia do Poder Executivo e ineficaz pela falta de averbação da alteração con­

tratual.

17. Por fim, note-se que a transferência indireta da outorga de radiodifusão

da Rádio Show de lgarapava Ltda. en eja enriquecimento ilícito aos quotistas

alienantes. Isso porque. em Despacho no Processo n. 00414.004744/2015-26 (fls. 194). o

Ministério das Comunicações apontou que os titulares da outorga da Rádio Sho'W de

Igarapava Ltda. não pagaram nada pela concessão de radiodifusão. pois. quando a

obtiveram. a legislação não previa a necessidade de licitação para a outorga do serviço (fls.

194). Disse o Ministério (fls. 194):

Cumpre salientar que ambas entidades obtiveram as outorgas antes de 1997. ou seja, antes da implementação dos procedimentos licitatórios para a outorga de serviços de radiodifusão. A Radio AM Show Ltda. obteve a outorga em O 1.05 .1994. e na mesma data, também a obteve a

24 PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA - PGR: FO TELES. Cláudio. Petição Inicial da .4 -Direta de Inconslitucionalidade nº 29-16. Brasília. 23 jul. 2003. p. 5. Disponível <h ttp://red ir. stf.j us. br/pagi n adorpu b/pagi n ador.j sp? doe T P=TP &doe 1 D=3 6 8 9 5 7 #2%20-%2 O Peti e ao %20inicial>. Acesso em: 12.08 .2014. 2 ~ Há indícios de que esse comércio de contratos públicos já ocorre no setor de radiodifusão. Veja- e Q--LOBATO, Elvira. Comércio ilegal de rádio e TV funciona sem repressão. cit. 'Y J 26 PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA - PGR: FONTELES. Cláudio. Parecer nº 13-13, relat ivo à Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 29-16 . Brasília, 11 fev. 2004, p. 3. Disponível em: <http ://red i r.stf.j us. br/estfv is uai izadorp u b/j sp/ cons u ltarprocessoe 1 etron i co/C ons u 1tarProcessoE1 etron i co.js f.' seqobjetoincidente=2147534>. Acesso em: 31 .08.2014.

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rádio Show de Igarapava Ltda. Em razão disso. não logrou-se êxito em apurar os valores pagos pelas outorgas, nem no SISLIR, nem mesmo nas pastas cadastrais. Assim, observa­se que a análise acerca do impacto financeiro-econômico da decisão que conferiu a liminar fica comprometida.

Trata-se de situação regulatória inconstitucional que vigeu na década de 1990 no

setor de radiodifusão. A despeito da exigência de licitação para outorga de erviços

públicos feita pela Constituição de 1988. o procedimento de licitação e a necessidade de

pagamento pela outorga só foram introduzidos no setor de radiodifusão pelo Decreto nº

1. 720. de 28.11.1995. Logo. inúmeras outorgas do serviço feitas na década de 1990 não

observaram a exigência constitucional de licitação.

, lém da inconstitucionalidade da própria outorga. por falta de licitação. a

ausência de pagamento por parte da Rádio Show de Igarapava Ltda. impede a transferência

indireta onerosa da outorga. sob pena de enriquecimento ilícito. Afinal, os particulares

não podem obter lucro com a comercialização de outorga pública pela qual nada

pagaram para obter.

18. Diante de todo o exposto. resta evidente que a transferência das quotas detidas

pelo Deputado Luiz Felipe Baleia Tenuto Rossi e demais sócios da Rádio Show de

Igarapava Ltda. constitui um negócio jurídico nulo de pleno direito em razão da falta de

anuência prévia do Poder Executivo. da falta de averbação da cessão das quotas na Junta

Comercial do Estado de São Paulo. da inconstitucionalidade da transferência indireta da

outorga de radiodifusão, da ausência de licitação para obtenção do serviço, e do

enriquecimento ilícito obtido com a operação.

As exigências descumpridas não são meras formalidades dispensáveis ou mero

procedimento burocrático. como afirmam os Réus (fls. 102 e 240). São regras cogentes. de

ordem pública. requisitos legais que a Administração Pública não pode escolher observar

ou não. É fundamental se atentar ao princípio da indisponibilidade do interesse

público. aqui intimamente relacionado à legalidade estrita da Administração Pública e à

adequada prestação do erviço público de radiodifusão. tão central à sati fação do direito à

informação. à cultura. e à educação dos cidadãos. Quanto a este princípio. assenta Celso /

Antônio Bandeira de Mello:

~ A indisponibilidade dos interesses públicos significa que. sendo in re qualificados como {? próprios da coletividade - internos ao setor público - , não se encontram à livre disposição de

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quem quer que seja. por inapropriáveis. O próprio órgão administrativo que os representa não tem disponibilidade sobre eles, no sentido de que lhe incumbe apenas curá-los - o que é também um dever - na estrita conformidade do que dispuser a intentio legis27

.

19. Resta comprovado. portanto. que Luiz Felipe Baleia Tenuto Ros i

permanece como sócio da empresa corré Rádio Show de lgarapava Ltda. E. fri e- e.

permanece como sócio-gerente. de acordo com o quadro diretivo registrado junto ao

Ministério das Comunicações (fls. 100) e com a Ficha Cadastral Completa da empre a

(anexo 1).

Daí a conclusão de que o Deputado Federal Luiz Felipe Baleia Ro i e a

Rádio Show de lgarapava Ltda. são, sim, partes legítimas para figurar no polo

passivo dessa Ação Civil Pública, não havendo inépcia da inicial, nem falta de causa

de pedir.

A pre ença do corréu nos quadros societário e diretivo da empresa viola o

artigos 54. 1. "a" e IL ··a··. da Constihüção Federal. bem como o art. 38. parágrafo único do

Código Brasileiro de Telecomunicações~8 .

li. O pedido de cancelamento das concessões, permissões e autorização de

radiodifusão Rádio Show de Igarapava Ltda. e da Rádio AM Show Ltda. é

juridicamente possível

20. A União afirma que o cancelamento ou não renovação das concessões não é

penalidade aplicável ao caso descrito na ação civil pública. essa medida. ca o ejam

consideradas procedentes as alegações dos Autores. requer que se aplique a pena de multa

ou que se determine a abertura de prazo para que os Réus regularizem a situação.

promovendo a saída do Deputado Luiz Felipe Baleia Rossi das empresas radiodifusora .

Essas alegações não são procedentes.

21. Ao reconhecer determinadas atividades econômicas como serviços públicos. o

Estado as retira do domínio econômico privado. assumindo-as sob sua titularidade. e lhe

,. Celso Antônio Bandeira de Mel lo. Curso de Direito Administrmivo. cit.. pp. 73-74. 28 Art. 38. Nas concessões. permissões ou autorizações para explorar serviços de radiodifu - . serão observados, além de outros requisitos, os seguintes preceitos e cláusulas: ( ... ) Parágrafo único. Não poderá exercer a função de diretor ou gerente de concessionária, permissionária ou autorizada de erviço de radiodifusão quem esteja no gozo de imunidade parlamentar ou de foro especial.

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atribui uma disciplina jurídica peculiar - o regime jurídico de direito público - . nos termos

do que prevê o artigo 175 da Constituição2Q.

O setor privado pode assumir a prestação desses serviços. não obstante, nesse

ca o. a autonomia privada é limitada pelas exigências constitucionais e

infraconstitucionais voltadas a garantir o atendimento do interesse público e o regime

jurídico de direito publico aplicável ao serviço em questão.

O regime jurídico da conces ão. permissão ou autorização de radiodifusão

submete-se à observância da legalidade administrativa. Logo, a Administração e o

concessionário ou permissionário privado devem. por obrigação, fazer tudo o quanto a

Constituição e as nomias infraconstitucionais lhes dete1minem fazer. Daí a obrigação da

empresa concessionária, permissionária ou autorizatária de radiodifusão de observar as

normas constitucionais estabelecidas pelos artigos 54. L ··a·· e 54, rr. ··a" da Constituição .

22. A Administração Pública submete-se à legalidade estrita. Ao contrário do

particulares, que podem fazer tudo quanto a lei não lhes proíba, a Administração só pode

fazer o que a lei lhe autorize. Por isso. os atos e contratos administrativos estão sujeitos a

rfoido controle de legalidade. realizado pela Administração e pelo Poder Judiciário.

Os atos administrativos que importam em violação da Constituição ou da lei são

nulos por ilicitude de seu objeto. Como aponta Oswaldo Aranha Bandeira de Mello o ato

administrativo é nulo"'( ... ) quanto ao objeto. se ilícito ou impossível por ofensa frontal à

lei. ou nele se verifique o exercício de direito de modo abusivo"'º. Outrossim, o artigo 2º

da lei 5. 71711965 determina que:

Art. 1º São nulos os atos le ivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior. nos caso de: ( ... ) e) ilegalidade do objeto: ( .. . ) Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes normas: ( ... ) e) a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei regulamento ou outro ato normativo. (grifo nosso)

29 Cf. MEL LO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, cit.. p. 6 "' MELLO. Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios gerais de direito administrativo. 3 Malheiros. 2007. p .. 655 . grifo nosso.

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Da mesma forma. os contratos administrativos não podem violar as nomrns

constitucionais ou infraconstitucionais. sob pena de nulidade. quando a ilicitude ocorre em

sua origem, ou de desfazimento, quando a ilicitude ocorre ao longo de sua vigência. Maria

Sylvia Zanella di Pietro afirma que "[e]m se tratando de ilegalidade verificada nos

contratos de que é parte, a Administração tem também o poder de declarar a sua nulidade.

com efeito retroativo. impedindo os efeitos jurídicos que elas ordinariamente deveriam

produzir. além de desconstituir os já produzidos"11. esse sentido. o artigo 59 da Lei 8.666

determina que:

Art. 59. A declaração de nulidade do contrato administrativo opera retroativamente impedindo os efeitos jurídicos que ele. ordinariamente. deveria produzir. além de desconstituir os já produzidos.

Celso Antônio Bandeira de Mello ressalta que os atos e contratos \'iciados por

ilegalidade de objeto decorrente da violação de normas constitucionais e

infraconstitucionais não podem ser objeto de convalidação. Diz o autor:

São nulos: a) os atos que a lei assim os declare; b) os atos em que é racionalmente impo ível a convalidação, pois. se o mesmo conteúdo (vale dizer. o mesmo ato) fosse novamente produzido. seria reproduzida a in alidade anterior. Sirvam de exemplo: os atos de conteúdo (objeto) ilícito ; os praticados com desvio de poder: os praticados com falta de motivo vinculado: os praticados com falta de causa.1=

No mesmo sentido, Maria Sylvia Zanella di Pietro afirma que '"lo] objeto ou

conteúdo ilegal não pode ser objeto de convalidação"" .

23. Dada a impossibilidade de convalidação, a consequência dos ato e

contratos administrativos viciados por ilegalidade é a sua extinção. Como aponta Cel o

Antônio Bandeira de Mello. a extinção pode ocorrer (i) mediante a invalidação. que é a

retirada de um ato que em sua origem --fora praticado em desconformidade com a ordem

jurídica··34_ ou (ii ) mediante cassação (ou cancelamento), quando "o destinatário

descumpriu condições que deveriam pemianecer atendidas a fim de poder continuar

desfrutando da situação jurídica .. ' 5•

Daí a conclusão de que (i) a outorga e a renovação de concessões. permissões e

31 OI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. cit.. p. 284. 32 MELLO. Celso Antônio Bandeira de . Curso de Direito Administratil'o. cit.. p. 482 . 33 D! P!ETRO. Maria Sylvia Zanella. Direito Adminisrrarivo. cit.. p. '257. 34 MELLO. Celso Antônio Bandeira de . Curso de Direito Administrativo. cit. . p. 451 . 1' MELLO. Celso Antônio Bandeira de . Curso de Direito Administrativo. cit.. p. 451 .

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autorizações de radiodifusão pelo Poder Executivo. e (ii) a aprovação dessas outorgas ou

renovações pelo Poder Legislativo 16 para pessoas jurídicas que possuem deputados ou

senadores entre seus ócios. diretos ou indiretos. constituem atos administrativos nulos

de de a sua origem. pois \'iolarn os artigo 5-1-. L ··a·· e 5-1-. IL "'a" da Constituição.

Da mesma forma. empresa conce sionária. perm1ss1onária ou autorizatária de

radiodifusão que. ao longo da outorga. admite como sócio deputado ou senador, comete a

mesma inconstitucionalidade. passando a descumprir norma que deveria permanecer

atendida para que pudesse continuar desfrutando de sua outorga de radiodifusão.

dando. a sim. fundamento ao cancelamento (cassação) da concessão, permissão ou

autorização.

O ilícito em questão é de ··alta reprovabilidade''. como reconheceu o Min.

Roberto Barroso na Ação Penal 530. julgada pelo STF. pois constitui contratação da

dministraçào proibida pela Constituição que. ademais, afeta ··o regular funcionamento da

e fera de debate público essencial à democracia··:;· .

A alta reprovabilidade é a mesma no doi casos: (i) quando a empresa possui

parlamentar em seu quadro de sócios no ato da outorga ou renovação de sua concessão ou

permis ão. ou (ii) quando a empresa admite parlan1entar como sócio ao longo do período

da outorga. o primeiro caso. trata-se de pessoa jurídica que celebra com a Administração

contrato proibido pela Constituição. Daí a nulidade desde o início. o segw1do caso, trata­

se de empresa que. ao admitir parlamentar como ócio, descumpre norma que deveria

permanecer atendida para que pudesse continuar desfrutando de seu contrato. Daí a

necessidade de cancelar o contrato dessa empresa. que. ao deixar de cumprir os requisitos

exigidos pelo ordenamento, tornou-se proibida de manter contrato com a Administração.

24. E ses são os caso das outorgas de radiodifusão impugnadas por esta ação

civil pública.

A concessão da Rádio how de lgarapava Ltda. para explorar

1' A outorga de concessões. pennissões e autorizações de radiodifusão e um processo complexo. composto o_

pelo ato de outorga, pelo Poder Executivo, e pelo ato de aprovação da outorga, pelo Poder Legislativo. Essa \Y di ciplina é conferida pelo artigo 223 da Con rituiçào. " Palavras do Min. Roberto Barroso em seu voto na Ação Penal 530. julgada pelo TF (STF, AP 530, Rei. Min. Rosa Weber, Rei. p Acórdão Min. Roberto Barroso. Primeira Turma, julgado em 09.09.2014. DJe Public 17.11.2014, Republicação DJe Public 19. 12.2014).

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radiodifusão sonora em onda média na cidade de lgarapava-SP foi renovada. pela última

vez, em 13.07.200L para o período de O l.05 .1994aO1.05.200438• A aprovação. pelo Poder

Legislativo. da renovação da outorga ocorreu em 19.11.200439.

Segundo a Ficha Completa da Rádio Show de lgarapava Ltda .. emitida pela Junta

Comercial do Estado de São Paulo em 24.06.2016 (anexo 1 ). o réu Luiz Felipe Baleia

Tenuto Rossi ingressou na sociedade em 04.11.1998 e lá está até hoje.

A concessão da Rádio AM Show Ltda. para explorar o serviço de radiodifusão

sonora em onda média na cidade de Jardinópoli -SP foi renovada. pela última vez. em

23.03.1999. para o período de 01.05 .1994 a 01.05 .200440. A aprovação. pelo Poder

Legislativo. da renovação da outorga ocorreu em 14.05.2001 41•

Segundo a Ficha Completa da Rádio AM Show Ltda.. emitida pela Junta

Comercial do Estado de São Paulo em 24.06.2016 (anexo 6). o réu Luiz Felipe Baleia

Tenuto Rossi ingressou na sociedade em 20.1O.J995 e se retirou da sociedade em

23.12.2015 (retirada que será contestada abaixo).

De acordo com o site da Câmara dos Deputados (anexo 7}n. o réu Luiz Felipe

Baleia Tenuto Rossi exerceu o mandato de vereador na cidade de Ribeirão Preto de 1993 a

2003. o mandato de deputado estadual de 2003 a 2015. e exerce o mandato de deputado

federal desde 01.02.2015.

Os mesmos impedimentos e incompatibilidades previstos no art. 54. 1. ''a .. e II.

''a''. da Constituição Federal para deputados e senadores aplicam-se para deputados

estaduais e para vereadores do município de Ribeirão Preto. Isso é o que determinam (i) o ·

artigos 27. §1° da Constituição Federal e os artigos 15. L "a" e II ... a··. da Constituição do

Estado de São Paulo para os deputados estaduais (anexo 8): e (ii) os artigos 29. IX da

Constituição Federal e o artigo 11. L '"a" e II. ··a··. da Lei Orgânica do Município de

Ribeirão Preto. no Estado de São Paulo. para os vereadores do município de Ribeirão Preto

38 Cf. Decreto Presidencial s/nº de 13 .06.200 1 (anexo 2). JQ Cf. Decreto Legislativo nº 1076, de 19.11 .2004 (anexo 3). 4° Cf. Decreto Presidencial s/nº de 23.03.1999 (anexo 4). 41 Cf. Decreto Legislativo nº 124. de 14 .05 .2001(anexo5). •

2 Cf. anexo 7 - Câmara dos Deputados. Conheça os Deputados - Baleia Rossi. Disponível em : <http://www2.camara.leg.br/deputados/pesquisa/layouts_ deputados_ biografia?pk= 178975>. Acesso em: 07.07.2016.

::w

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(anexo 9). Dizem os artigos:

Impedimentos para deputados estaduais Constituição do Brasil Art . 27. ( ... ) § Iº Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais. aplicando- sê-lhes as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral. inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato. licença. impedimento e incorporação às Forças Armadas. ( ... ) Art. 54. Os Deputados e enadores não poderão: I - desde a expedição do diploma: a) firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública. sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes; ( ... ) 11 - desde a posse: a) ser proprietários. controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público. ou nela exercer função remunerada;

Constituição do E tado de São Paulo Artigo 15 - Os Deputados não poderão: 1 - desde a expedição do diploma: a) firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública. sociedade de economia mista ou empresa concessionária de erviço público. salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes ; ( .. . ) 11 - desde a posse: a) ser proprietarios. controladores ou diretore de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público. ou nela exercer função remunerada;

Impedimentos para vereadores Constituição do Brasil Art. 29. ( ... ) IX - proibições e incompatibilidades. no exercício da vereança, similares, no que couber, ao disposto nesta Constituição para os membros do Congresso Nacional e na Constituição do respectivo Estado para os membros da Assembléia Legislativa;

Lei Orgânica do Município de Ribeirão Preto Art. 11 - Os Vereadores não poderão: I - desde a expedição do diploma: a) - firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito publico, autarquia, fundação pública. empresa pública. sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço publico, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes; 11 - desde a posse: a) - ser proprietários. controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito publico. ou nela exercer função remunerada;

25. As informações acima elencadas demonstram que as concessões da Rádio

Show de lgarapava Ltda. e da Rádio AM show Ltda. ão nulas desde as uas últimas

respectivas renovações, pois, quando essa renovações ocorreram, em 13.07.2001 e

23.03.1999, Luiz Felipe Baleia Tenuto Rossi era titular de mandato eletivo de

vereador, situação que proibia a renovação das outorgas, nos termos dos artigos 29, IX, 54.

I. "a" e 54. II. '·a" da Constituição Federal. em conjunto com os artigos 15, I, "a" e 15, II.

··a" da Constituição do Estado de ão Paulo e artigos 1 L L '"a" e 11 , IL

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Orgânica do Município de Ribeirão Preto.

As concessões também são nulas, pois quando foram aprovadas pelo Poder

Legislativo, em 14.05.2001 e 19.11.2004, Luiz Felipe Baleia Tenuto Rossi era titular de

mandato eletivo de vereador, no primeiro caso, e de deputado estadual, no segundo

caso. situações que proibiam a aprovação das outorgas. nos termos dos artigos 27, § 1 º. 29.

IX, 54. 1, "a" e 54. IL "a" da Constituição Federal. em conj unto com o os artigo 15. I. .. a··

e 15. IL .. a .. da Constituição do Estado de São Paulo e artigos 11. I. "a" e 11 . II. .. a·· da Lei

Orgânica do Municípi o de Ribeirão Preto.

Outrossim, as concessões devem ser canceladas, pois desde o ingresso do

Deputado nas emissoras, em 20.10.1995 e 04.11.1998, até o protocolo desta ação civil

pública, Luiz Felipe Baleia Tenuto Rossi, a Rádio Show de Igarapava Ltda. e a Rádio

AM Show Ltda. e tavam impedidos de receber e manter a outorga de radiodifu ão.

Isso porque durante todo esse período Luiz Fe lipe Baleia Tenuto Rossi exerceu mandato

eletivo que o impedia de ser sócio de empresa de radiodifusão - entre 1995 (quando

ingressou na Rádio AM Show Ltda.) e 2003 fo i vereador do Município de Ribeirão Preto.

entre 2003 e 20 15 fo i deputado estadual em São Paulo. e de 20 15 até hoje exerce o

mandato de deputado federal4.i. Em conjunto, são 21 anos, no caso da Rádio AM Sho\\

Ltda., e 18 anos, no caso da Rádio Show de lgarapava Ltda., de violação ao

ordenamento jurídico bra ·ileiro mediante manutenção de contrato com o Poder

Público proibido pela Constituição Federal, pela Constituição do Estado de São Paulo

e pela Lei Orgânica do Município de Ribeirão Preto. Logo, nesse último caso (ilícito

praticado durante anos), as concessões devem ser canceladas por descumprirem normas

que deveriam permanecer atendidas para que as concessionárias pudessem continuar

desfrutando de sua outorga de radiodifusão.

A pena de cancelamento das concessões da Rádio Show de Igarapava Ltda. e

da Rádio AM Show Ltda. devem, portanto, er aplicadas, pois as outorgas são nulas

desde o início da última outorga válida (2001 e 1999) e permaneceram violando a

Constituição durante toda a sua vigência até a proposição desta Ação Civil Pública.

Além da violação à Constituição. de e-se considerar o enriquecimento ilíci to obtido pelas

4·' Cf. anexo 7 - Câmara dos Deputados. Conheça os Deputados - Baleia Rossi. Disponív

<http://www2.camara.leg. br/deputados/pesqu isa/layouts _deputados_ biografi a?pk= 178975>. Acesso em: ~ 07 .07.20 16. 'f)

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empresas e pelo Deputado. equivalente a todo o lucro obtido com a exploração da

atividade desde o ingresso de Luiz Felipe Baleia Tenuto Rossi nas sociedades, por violação

ao artigo 54 da Constituição.

26. Além disso, vale dizer. que no caso desta Ação Civil Pública. a decisão nem

teria que desconstituir concessões e perrnissõe em vigor. mas sim determinar a sua não

renovação e relicitação pelo Poder Público. como foi pedido na petição inicial.

Isso porque as duas outorgas estão vencidas e há muito tempo, não havendo

indícios de gue foram renovadas .

Tanto a concessão da Rádio AM how Ltda. para explorar o serviço de

radiodifusão sonora em onda média na cidade de Jardinópolis- P, quanto a concessão da

Rádio Show de Igarapava Ltda. para explorar o serviço de radiodifusão sonora em onda

média na cidade de Igarapava-SP venceram em 01.05.2004, há mais de 12 anos, período

maior do gue o de uma outorga completa de rádio, que é de 10 anos!

O parágrafo único do artigo 67 da lei -l.117/1962 determina que ··o direito de

renovação decorre do cumprimento pela empresa, de seu contrato de concessão ou

permissão, das exigências legais e regulamentares ( ... ) a que se obrigou, e de

persistirem a po sibilidade técnica e o interesse público em sua existência "44.

Logo - diante da violação ao artigos 54, I, "a" e 54, li, "a" da Constituição

(bem como dos artigos 27, § 1°, 29. IX, da Constituição Federal. em conjunto com os

artigos 15. l. .. a" e 15. II ... a·· da Constituição do Estado de São Paulo e artigos 11, L ""a" e

11. II. "'a" da Lei Orgânica do Município de Ribeirão Preto, conforme demonstrado acima)

por mais de 21 anos, no caso da Rádio AM Show Ltda., e 18 anos, no caso da Rádio

Show de lgarapava Ltda. - essas empresas não só não possuem mais o direito de

renovação de suas outorgas, como uma eventual renovação seria um ato ilegal, nulo,

d

or detsconsiderar os atos ilícito cometidos elas concessionárias ao lon º_ da ~·~

a ou orga. ~"

'" Diz o artigo: ·· An. 67. A perempçào da concessão ou autorização será dec p~l..o Presidente da YJ República. precedendo parecer do Conselho Nacional de Telecomunicaç êoncessionária ou permissionária decair do direito à renovação. Parágrafo único. O direito a renovação decorre do cumprimento pela empresa, de seu contrato de concessão ou permissão, das exigências legais e regulamentare , bem como das finalidade educacionais, culturais e morais a que se obrigou, e de per istirem a po ibilidade técnica e o interesse público em sua existência."

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Daí a conclusão de que o pedido de não renovação da outorga de

radiodifu ão controladas pelas empresas rés desta Ação Civil Pública não só é

possível juridicamente, como deve ser julgado procedente por Vossa Excelência.

A violação aos artigos 54, L "a'' e 54. II. "'a" da Constituição somada ao fato de as

outorgas encontrarem-se vencidas há muitos anos demonstram de forma clara a

responsabilidade da União pela falta de fiscalização do serviço de radiodifusão prestado

pela Rádio Show de Igarapava Ltda. e pela Rádio AM Show Ltda.

27. Note-se. ainda. que a concessão da Rádio Show de Igarapava Ltda. deve ser

cancelada, pois o prazo da outorga já expirou e, segundo o Ministério das Comunicações

(fls. 192). a Rádio Show de Igarapaya Ltda. não pediu sua renovação . Em documento

incluído pela União às fls . 192 (Despacho no processo nº 00414.004744/2015-26). o

Ministério das Comunicações afim1a que:

( ... )em consulta aos sistemas internos de conrole de processos foram localizados os proce so administrativos abaixo indicados:

1.1 - nº 53000.055625/2004-15: tal processo se refere a pedido de renovação da outorga conferida à Rádio Show de Jgarapava lttla .. para a exploração do serviço de radiodifusão sonora em onda média. na localidade de lgarapava. estado de São Paulo, concernente ao período de 01.05 .2004 a 01.05 .2014 . No entanto. em razão da constatação da inexi tência de pedido de renovação para o período de 01.05.2014 a 01.05.2024, foi instaurado o proce o n. 53000.055625/2004-15 relativo à revisão de outorga . ( ... ) 2. Quanto ao primeiro processo administrativo. esta Secretaria de Comunicação Eletrônica -SCE havia opinado pela expedição do Ofício nº 28951 12015/SEl-MC à Rádio how de lgarapava Ltda .. com vistas à ua manifestação no prazo de 30 (trinta) dias. apresentando defesa, no sentido de justificar a não apresentação de pedido de renovação de outor2a para o último período, caso entendesse necessário. Até a presente data, não consta manifestação da lntere ada nesse sentido.

Como aponta Celso Antônio Bandeira de Mello. "'a maneira normal. mais comum.

de extinção '"45 da concessão é a "expiração do prazo fixado no ato da concessão "46.

O artigo 67. caput e parágrafo único. da Lei nº 4.117/1962. já citados acima.

afirmam que ·'o direito a renovação decorre do cumprimento. pela empresa, de seu contrato

de concessão ou permissão, das exigências legais e regulamentares. bem como das

finalidades educacionais. culturais e morais a que se obrigou''. Uma das exigência

"' MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. cit.. p. 756. 40 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Adminislrulivu. cit., p. 756.

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essenciais para a renovação é entrega de requerimento ao Ministério das Comunicações no

período compreendido entre os 180 (cento e oitenta) e os 120 (cento e vinte) dias

anteriores ao término dos respectivos prazos . É o que determinam os artigos 111 e 112

do Decreto 52.795/1963:

Art 111. Os prazos de concessão ou permissão. previstos no art. 27. poderão ser renovados por períodos sucessivos iguais. Art 112. As emprê as que desejarem a renovação dos prazos de concessão ou pennissão deverão dirigir requerimento ao CONTEL. (Modêlo nº 8). no período compreendido entre os 180 (cento e oitenta) e o 120 (cento e vinte) dia anteriore ao término dos respectivos prazo .

Ora. se a concessão atingiu seu prazo e a concessionária não solicitou a sua

renovação, então a concessão já se extinguiu, por decurso do prazo. Em vez conduzir

um novo processo administrativo que já leva anos para tratar da falta de pedido de

renovação. o que o Poder Concedente deve fazer é reconhecer a extinção da conce são e

relicitar o serviço. observando. dessa vez. a proibição de outorga a empresas que possuam

como sócios políticos titulares de mandato eletivo. Eis aí, portanto, outro motivo gue

sustenta o cancelamento da concessão da Rádio Show de lgarapava Ltda.

28. Em suma. os pedidos formulados por esta Ação Civil Públ ica são

juridicamente possíveis. Não procede a alegação dos Réus de gue a única sanção

possível em caso de descumprimento do artigo 54 da Constituição seria a multa ou a

determinação da saída do parlamentar das sociedades radiodifusoras.

Em vez de defendê-la. o que esse argumento supõe é a inversão da legalidade.

Enquanto a doutrina e a jurisprudência de direito administrativo afirmam que o

Poder Judiciário e a Administração Pública devem exercer constante controle sobre os atos

da Administração, cabendo-lhes o de er-poder de anular aqueles que contrariem a lei 41• os

Réus sustentam que o Poder Judiciário não pode cancelar ou anular contratos

administrativos proibidos pela Constituição. nem pode determinar a não renovação de

conce sões e pennissões que violam o ordenamento.

Um ilícito de .. alta repro\abilidade ... como reconheceu o STF.

probidade administrativa - por se tratar de contratação proibida pela Consti

1' Nesse sentido. OI P!ETRO. Maria Sylvia Zanella. Direilu Administralivo. cit., p. 28

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·'o regular funcionamento da esfera de debate público essencial à democracia .. 48 e vicia a

contratação ou a renovação da concessão ou permissão. já que os ·'riscos de utilização pelo

parlamentar de influência indevida no certame são mais do que óbvios··49 não teria. na

visão dos Réus. maiores consequências.

Um parlamentar poderia, então, obter livremente a sua emissora de rádio ou

TV, cometendo todos esses ilícitos, utilizar por décadas essas emissoras, com o

benefícios econômicos dos lucros auferidos com o negócio e pessoais, em razão da

exposição da imagem e projetos ao longo do mandato ou na época de eleições, já gue a

única medida gue o Judiciário poderia tomar contra esses ilícitos, na visão do Réus,

seria a determinação de sua saída, mantendo na sociedade seus familiares, em nada

alterando a situacão fática proibida pela Constituição.

Ora, essa interpretação, com a devida vênia, é tão improcedente quanto

afirmar que outro tipo de contratação proibida pela legislação - a contratação com

empresa gue possui entre seus sócios pessoa declarada inidônea - não teria qualquer

consequência jurídica senão a determinação da saída do sócio impedido de contratar

com a Administração. O contrato poderia continuar em vigor. a empresa continuando a

receber os benefícios econômicos e pessoais decorrentes do negócio proibido pela

legislação. Obviamente, essa interpretação não é adequada. O Judiciário não está de

mãos atadas para coibir ilícitos cometido no âmbito de contratos celebrados pela

Administração Pública e, assim, preservar a legalidade estrita no âmbito da

Administração.

A confirmar essa conclusão. veja-se a deci ão do Tribunal de Justiça de Minas

Gerais na Apelação Cível nº 1.0498.10.002203-3/013'0• caso que tratou da contratação de

empresas das quais participavam. na condição de sócios e controladores. servidore

públicos municipais. e parentes (irmão e cunhada) do Prefeito Municipal - contratação

julgada ilegal. em razão da expressa vedação contida no art. 9°. III. da Lei nº 8.666/93. a /

ocasião. o TJMG afirmou que: ~ 48 Palavras do Min. Roberto Barroso em seu voto na Ação Penal 530. julgada pelo STF. ( F. AP . Rei. Min. Rosa Weber, Rei. p/ Acórdão Min. Roberto Barroso. Primeira Turma. julgado t!m . 9.2014. DJe ,\..-. Public 17.11.2014, Republicação DJe Public 19.12.2014) \j 4

q Palavras da Min . Rosa Weber em seu voto na Ação Penal 530. julgada pelo STF. (STF. AP 530. Rei. M in. Rosa Weber, Rei. p/ Acórdão Min. Roberto Barroso. Primeira Turma. ju lgado em 09.09.2014. DJe Public 17.11.2014, Republicação DJe Public 19.12.2014) '0 TJ MG. Apelação Cível nº 1.0498.10.002203-3/013. Rei. Des. Sandra Fonseca, 6" Câmara Cível.

julgamento em 16.09.2014, DJ de 26.09.2014. 26

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"[a] contratação de empresas impedidas de part icipar de procedimentos licitatórios no âmbito do Município. tanto em razão de previsão legal como editalic ia, bem como a recondução ilegal dos membros da comissão de licitação configuram atos de improbidade administrativa que causam enriquecimento ilícito (art. 9°. inciso 1. da Lei nº 8.429/92) e atentam contra os princípios constitucionais da Admini tração, especialmente os da legalidade. moralidade e impessoalidade (art . 11. caput. da Lei nº 8.429 192)'' ' 1

E mais. O TJMG declaro u a .. nulidade dos contratos administrati vos celebrados

em decorrência das licitações fraudadas. devendo a declaração de nulidade produzir efeitos

retroativo (ex tunc). retomando as partes ao status quo ante ... Nota-se, assim, que

contratação impedida pelo ordenamento por impedimento dos sócios não foi resolvida

com a mera saída dos sócios impedidos, mas sim, com a condenação por improbidade

administrativa, violação de princípio constitucionais da Administração e nulidade

do contratos administrativos proibidos pelo ordenamento. Lê-se na ementa desta

decisão:

EME TA : DIREITO ADMINISTRATIVO AÇÃO DE IMPROBI DA DE ADM INISTRATIVA - REPARAÇÃO DE DANO AO ERÁ RI O - AGENTE PÚBLICO -SUJEIÇÃO - -{ ... ) LI CITAÇÕES PÚBLI CAS - FRAU DE - HABILITAÇÃO E ADJ UDI CAÇÃO DOS OBJETO DO PROCEDI ME TOS À PESSOAS JURÍDICAS DAS QUAIS SÃO SÓCIOS O U CONTROLADORES SERVIDORES PÚBLICOS MUNICIPAIS, PARENTES DO PREFEITO MUNICIPAL - ( ... ) CONTRATAÇÃO REITERADA DE EMPRESA IMPEDIDA, POR LEI, E PELOS EDITAIS DOS CERTAMES, DE CONTRATAR COM O MUNICÍPIO - VULNERAÇÃO DA LEGALIDADE DAS LI C ITAÇÕES, COM O OBJETIVO DE FAVORECIMENTO DE PARTIC ULARE - -( .. . ) ATOS DE IMPROBIDADE ADMI NISTRATIVA -ENRIQUECIMENTO INDE VIDO - OFENSA AOS PRI NCÍ PI OS DA LEGALIDA DE. MORA LI DADE E IMPESSOALIDADE NU LIDADE DOS CONTRATOS CELEBRADOS - RESSA RCIMENTO DOS VALO RES - ( ... ).2 . A contratação, pelo Município de Perdizes. de empresas das quais participam, na condição de sócios e controladores, servidores públicos municipais, e parentes (irmão e cunhada) do Prefeito Municipal, é ilegal, em razão da expressa vedação contida no art. 9°, Ili , da Lei nº 8.666/93, art. 27. caput, da Lei Orgânica do Mun icípio de Perd izes, bem como de cláusulas proibitivas presentes no edital. ( ... ) 5. A contratação reiterada de empresas impedidas de participar de procedimento licitatório no âmbito do Município, tanto em razão de prev isão lega l como editalícia. bem como a recondução ilegal dos membros da comissão de licitação configuram atos de improbidade administrativa que causam enriquecimento ilícito (art . 9º. inciso 1. da Lei nº 8...129 92 ) e atentam contra o princípio constitucionai da Administração, especialmente os da legalidade, moralidade e impe oalidade (art. 11 , caput, da Lei nº 8...129/92). ( ... ) 7. Nulidade dos contratos administrativos celebrados em decorrência das licitações fraudadas, devendo a declaração de nulidade produzir efeito retroativos (ex tunc), retornando as partes ao status quo ante.

_ 9_ Observe-se que não há nenhum obstáculo à análi se dos aspectos legais das

concessões da Rádio Show de Igarapava Ltda. e da Rádio AM how Ltda. pelo Poder

Judiciário. Como se observou aci ma. o contro le de legalidade dos atos admi ·°'"'·>Tu'""'

TJMG. Apelação Cível nº 1.0498.10.002203-3O1 3. j ul gamento em 16.09.2014, DJ de 26.09.20 1-l.

Cível,

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deve ser realizado pela Administração e também pelo Poder Judiciário 5~. Os pedidos desta

ação não supõem interferência sobre os critérios de conveniência e oportunidade relativos à

delegação de serviço público. mas sim a análise dos requisitos constitucionais e legai que

devem ser observados pelo poder concedente e pelos concessionários no ato de outorga.

renovação e aprovação das outorgas de radiodifusão. e ao longo da vigência das

concessões. Quando o Poder Público e o concessionário violam impedimento

constitucional e legal, a Administração deixa o terreno do mérito administrativo e entra no

plano da legalidade estrita53. Daí a possibilidade de análise. pelo Judiciário. da observância

ou não, no caso. da legalidade nos atos do poder concedente e das concessionárias do

serviço de radiodifusão. Para logo se vê. portanto. que a procedência dos pedidos da ação

civil pública não viola a separação dos Poderes. como afirmou a Rádio AM Show Ltda. em

sua contestação.

III. A Saída de Luiz Felipe Baleia Tenuto Rossi da Rádio AM Show Ltda.

ocorreu após a proposição desta Ação Civil Pública

30. O Deputado Luiz Felipe Baleia Tenuto Rossi deixou o quadro societário da

Rádio AM Show Ltda. após a proposição desta Ação Civil Pública nº 0023969-

33 .2015.4.03.6100.

31. A ação civil pública foi protocolada em 19.11.2015.

Nesta data. conforme demonstrado na petição inicial desta ação. Luiz Felipe

Baleia Tenuto Rossi integrava o quadro societário da Rádio AM Show Ltda. e da Rádio

Show de Igarapava Ltda.. concessionárias do erviço de radiodifusão onora em

Jardinópolis e Igarapava.

'" Cf. MELLO. Celso Antônio Bandeira de. Cur ·o de Direito Administrativo, cit.. p. •.i Ao diferenciar legalidade e mérito do ato administrativo. Maria S) !via Zanella Di Pietro ob erva que também os atos discricionários estão sujeitos à apreciação do Poder Judiciário quanto ao aspecto lega is exigidos do ato discricionário. Diz a autora: ··As decisões judiciais que invalidam atos discricionário por vício de desvio de poder. por irrazoabilidade ou desproporcionalidade da decisão administrativa. por inexistência de motivos ou de motivação, por infringência a principias corno os da moralidade. segurança jurídica, boa-fé. não estão controlando o mérito, mas a legalidade do ato.(. .. ). Somente e pode falar em mérito, no sentido próprio da expressão, quando e trate de hipóteses em que a lei deixa à Administração Pública a possibilidade de e colher entre duas ou mais opções igualmente válida perante o Direito; nesse caso. a escolha feita validamente pela Administração tem que ser respeitada pelo Judiciário". Cf. Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Direito Administrativo. 29ª ed . Rio de Janeiro: Forense. 2016. p. 262. grifo nosso.

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32. Em 23.12.2015. isto é. após a data em gue foi proposta esta Ação Civil

Pública. Luiz Felipe Baleia Tenuto Rossi e retirou da Rádio AM how Ltda .. como o

comprova a Ficha Completa da empresa. emitida pela Junta Comercial do Estado de São

Paulo em 24.06.20 16. A saída se deu mediante a transferência de suas 6.000 quotas para

eu irmão, Paulo Luciano Tenuto Rossi. pelo valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais) ,

operação registrada na 9ª Alteração de Contrato Social da Rádio AM Show Ltda. (fls. 246-

252).

IV. A operação societária gue provocou a saída formal de Luiz Felipe Baleia

Tenuto Rossi do quadro societário da Rádio AM Show Ltda. constitui negócio

jurídico simulado, gue deve ser declarado nulo e desconsiderado para os fins desta

Ação, pois foi realizado para evitar as penalidades decorrentes da violação ao artieo

s..i da Con tituição

33. Ocorre simulação quando .. há um desacordo entre a vontade declarada ou

manifestada e a vontade interna". ··uma discrepância entre a vontade e a declaração; entre a

essência e a aparência"5~. A simulação pode ser (i) absoluta quando. as partes

aparentemente celebram um negócio jurídico. mas. na essência. não desejam negócio

algum, ou (ii) relativa. quando as partes almejam celebrar um negócio jurídico distinto

daquele celebrado na aparência55. Em ambos os casos. trata-se de um vício de repercussão

social - equiparável à fraude contra credores - no qual as partes contraentes combinam-se

para iludir terceiros. trazendo prejuízo à ordem pública-6 .

Em razão de sua gra idade e da ofensa à ordem pública. o Código Civil determina

que os negócios jurídicos simulados são nulos. Diz o artigo 16 7 do Código:

Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado. mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forn1a . § 1° Haverá simu lação nos negócios jurídicos quando: 1 - aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realme conferem, ou transmitem : II - contiverem declaração. confissão, condição ou cláusula não verdadeira: 1 II - os instrumentos parti cu lares forem antedatados. ou pós-datados.

~~~~~~~~~

q TARTUCE. Fávio: SIMÃO, José Fernando. Direita Civil vol. .J: direiro das coisas. 5 ed. ae Janeiro: (l Forense: São Paulo: Método, 2013, p. 398 . ..\) " Cf. TARTUCE. Fávio: SIMÃO, José Fernando. Direito Civil vol. .J: direita das coisas, cit.. p. 401. 'º Cf. TARTUCE. Fávio: IMÀO. José Fernando. Direito Cil•il 1•01 . ./: direito das coisas. cit.. p. 398.

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§ 2° Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simu lado.

34. A operação societária que desembocou na saída do Deputado Luiz Felipe

Baleia Tenuto Rossi do quadro societário da Rádio AM Show Ltda. é nula, pois configura

um ne1:ócio jurídico simulado.

O objetivo verdadeiro dessa operação não foi retirar de fato o Deputado Luiz

Felipe Baleia Tenuto Rossi da empresa de radiodifusão. mas sim omitir a sua participação

societária mediante a transferência por valor abaixo do mercado das quota para eu

irmão, com o intuito de eximir o Deputado e a Rádio AM Show Ltda. da responsabilidade

pela violação ao artigo 54 da Constituição e as correlatas consequências juridicas em

relação à outorga de radiodifusão .

Tem-se aí uma simulação absoluta: a operação societária que desembocou na

retirada do Deputado da condição de sócio da empresa de radiodifusão constitui negócio

jurídico simulado. ao passo que a vontade das partes contraentes foi a de não celebrar

negócio jurídico algum, mantendo a participação societária nas mãos de quem estava antes

- o Deputado Luiz Felipe Baleia Tenuto Rossi.

A simulação é comprovada (i) pela ciência das partes acerca da propo ição da

presente ação civil pública. (ii) pelo valor abaixo do preço de mercado cobrado pelas

quotas e (iii) pela manutenção da participação societária de Luiz Felipe Baleia Tenuto

Rossi sob o controle de seu im1ão.

Em primeiro lugar. a ciência de Luiz Felipe Baleia Tenuto Rossi sobre esta ção

Civil Pública é comprovada pela imprensa. Em 22.11.2015. três dias após o protocolo desta

ação. a Folha de São Paulo publicou reportagem'' (anexo 10) informando obre a

existência desta ação e consultando o Deputado a respeito de suas emissoras . O Deputado

informou ao jornal que. em sua opinião. a legislação permite que congressista seja sócio de

empresa de radiodifusão. desde que não exerça funções administrativa

se reportagem:

'7 MENDONÇA. Ricardo: REVERBEL, Paula. Ações visam cassar licenças de rádio e TV de 40

congressistas. Folha de S. Paulo. :n nov. 2015. Disponível em: <http://tools.folha.com.br/print? site=emcimadahora&url=http://www 1. folha .uol.com.bripoder/2015111 /1709360-acoes-visam-cassar-I icencas-de-rad io-e-tv-de-40-congressistas.shtm I>. Acesso em : O 1 .07.2016.

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O Ministério Público Federal. por meio de suas sedes e::staduais. promete desencadear ações contra 32 deputados federais e oito senadores que aparecem nos registros oficiais como sócios de emissoras de rádio ou TV pelo país. ( ... ) A primeira leva de ações foi protocolada em São Paulo na quinta-feira ( 19) contra veículos associados aos deputados ( ... ) Baleia Ro si (PMDB). vinculado a duas rádios no interior paulista. ( ... ) OUTRO LADO Dos 40 congressistas que constam como sócios de rádios ou TVs, sete creem que a legislação permite esse tipo de participação, desde que eles não exerçam funçõe administrativas nas emissoras . Essa opinião foi manifestada por Baleia Rossi (PMDB-SP). Fernando Collor (PTB-AL). Gonzaga Patriota ( PSB-PE). João Henrique Caldas (SD-AL). João Rodrigues (PSD-SC). Ricardo Barros (PR-PR) e Victor Mendes (PV-MA) .. (grifo nosso) ' 8

Em segundo lugar, a simulação é comprovada pelo valor abaixo do preço de

mercado cobrado pelas quotas. Como descrito acima. as quotas do Deputado, que

representam 20% da emissora. foram vendidas por seu valor nominal de R$ 6.000,00 (seis

mil reais). Este valor não representa nem de peno o valor de mercado desta participação.

Isso é comprovado pela comparação desta transferência com a operação de venda (nula e

ineficaz) das ações da Rádio how de lgarapava Ltda. realizada em 2008, isto é, há oito

anos . aquela ocasião, 100% das quotas foram negociados pelo valor de R$ 150.000,00

(cento e cinquenta mil reais) (cf. fl . 259). Logo. 20% das quotas da Rádio Show de

lgarapava Ltda. teria um preço correspondente a R$ 30.000 (trinta mil reais), valor

CINCO VEZES MAIOR do que o cobrado por Luiz Felipe Tenuto Rossi para a venda

de sua participação societária na Rádio AM Show Ltda., sem incluir nessa conta a

atualização monetária de uma operação realizada oito anos atrás. Mencione-se ainda

reportagem da Folha de São Paulo (anexo 11 )5'> que informa a existência de uma emissora

de rádio no município do interior de São Paulo (Leme) que foi licitada por R$ 520 mil há 9

anos atrás (em 2007), ao passo que outra emissora de rádio do mesmo município estava à

venda por cerca de R$ 2 milhões - valores consideravelmente mais altos do que o cobrado

pelas quotas do Deputado Luiz Felipe Baleia Tenuto Rossi.

Certamente. a transferência por valor abaixo do mercado evidencia que o que

se buscou foi uma mera alteração formal e simulada da titularidade da participa -

societária e não uma real transferência de ativos entre Luiz Felipe Baleia Ten

'R ME DO ÇA. Ricardo: REVERBEL. Paula. Ações visam cassar licenças de congressistas . Folha de S. Paulo, 12 nov. 2015 . Disponível em: <http: //·.w~~rM

site=emcimadahora&url=http:''www l .folha .uol.com.br/poder12015/1 1 1709360-acoe licencas-de-radio-e-tv-de-40-congressistas.shtm 1>. Acesso em: O 1.07 .2016. "' CREDENDIO. José Ernesto. Russomanno opera rádio sem autorização. Folha de S. Paulo. 1Oago. 2012 . Disponível em: <http:' www l .folha .uol.com .br/fsp/poder/59908-russomanno-opera-radio-sem­au1orizacao.shtml>. Acesso em: 26.06.201-1.

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Paulo Luciano Tenuto Rossi.

Ressalte-se, ainda. que o adquirente das quotas é irmão do Deputado Luiz Felipe

Baleia Tenuto Rossi. assim como o demais sócios da empresa60. A manutenção da

participação societária sob o controle de seus irmãos demonstra a intenção de e\'itar

qualquer alteração efetiva do status quo ante. Sob esta configuração, a transferência da

quotas sequer afasta, de fato. o Deputado Federal da emissora, vez que a titularidade da

quotas continua sob o controle da família.

Comprova- e, assim. que a operação societária que afastou o Deputado Luiz

Felipe Baleia Tenuto Rossi da condição de sócio da Rádio AM Show Ltda. não pas a de

simulacro para afastar a responsabilidade pela violação do artigo 54 da Constituição. Trata­

se de negócio jurídico nulo. que em nada obstaculiza o julgamento pela procedência de ta

Ação Civil Pública.

35. Essa operação societária aproxima ainda mais a situação tratada nesta

Ação Civil Pública do caso julgado pelo STF na Ação Penal 530 . a ação analisada pela

Corte Suprema. o que ocorreu foi justamente uma simulação, operada mediante a

falsificação de documento societário. para ocultar a participação societária de Deputado

Federal em empresa de radiodifusão em virtude da proibição prevista pelo artigo 54 da

Constituição. Diz a ementa:

Restou provada a falsidade do contrato social da Radiodifusão Dinâmica, sendo o primeiro acusado o verdadeiro controlador. Com efeito, o denunciado omitiu e ta condição por ser parlamentar federal, diante da vedação prevista no art. 5-t da Constituição Federal e no art. 38, 1°, da Lei nº 4.117/62.61

O mesmo que ocorreu lá está acontecendo aqui - simulação de alteração societária

para ocultar a participação de Deputado Federal em empre a de radiodifusão com o intuito

de contornar a vedação prevista pelo artigo 54 da Constituição.

36. Sem prejuízo do quanto acima afirmado. a alienação da participação sa · ' ·

ºº O Repertório Biográfico dos Deputados Brasileiros da 503 Legislatura (anexo 12) c ue Luiz Felipe Baleia Tenuto Rossi é irmão de Paulo Luciano Tenuto Rossi e do demais sócios da Rádio AM Shov. Ltda. - Cláudio Henrique Tenuto Rossi. João Rolando Tenuto Rossi e Marco Flávio Tenuto Rossi . Cf. Bra il : ("h Congresso Nacional: Câmara dos Deputados. Deputados hrasi/eiro : repertório biográfico da 50" Legislatura " J 1995-1999. Brasília: Câmara dos Deputados. Coordenação de Publicações. 1995, p. 898. 01 STF. AP 530. Rei. Min. Rosa Weber. Rei. pi Acórdão Min . Roberto Barroso. Primeira Turma. julgado em 09.09.2014. DJe Public 17.11.2014. Republicação DJe Public 19.12.1014.

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do Deputado Federal Luiz Felipe Baleia Tenuto Rossi em nada prejudica o prosseguimento

da presente Ação Civil Pública em relação à Rádio AM how Ltda., pois, nos termos do

artigo 109 do Código de Proce so Civil. ··a alienação da coisa ou do direito litigioso por

ato entre vivos. a título particular. não altera a legitimidade das partes"62• Como aponta

Fredie Didier Jr. "com a alienação da coisa ou do direito litigioso, a título particular. o

alienan1e, cedente permanece com legi1imidade ad ccw. am: não erá, em razão da sucessão

no direito litigioso. parte ilegítima"".i.

J 7. Por fim, mesmo que Vossa Excelência considere não ter havido simulação,

ainda assim o afastamento do Deputado Luiz Felipe Baleia Tenuto Rossi da condição

de ócio indireto da Rádio AM Show Ltda. em nada impede o julgamento pela

procedência dos pedidos formulados por esta Ação Civil Pública.

Isso porque as graves vio lações à Constituição que exigem o cancelamento e a

não renovação da outorga de radiodifusão desta empresa já ocorreram e foram

devidamente comprovados nos autos.

O afastamento fomrnl do Deputado Luiz Felipe Baleia Tenuto Rossi da Rádio AM

how Ltda. não tem o condão de desfazer esses ilícitos, nem de impedir a aplicação das

sanções cabíveis ao Deputado e à empresa de radiodifusão.

Como e demonstrou acima. a concessão da Rádio AM show Ltda.:

(i) é nula. pois. na data em que o ato de renovação da concessão foi outorgado

pelo Pelo Poder Executivo - 23.03.1999 -, Luiz Felipe Baleia Tenuto Rossi era

titular de mandato eletivo de vereador. situação que proibia a renovação das

outorgas, nos termos dos artigos 29. IX. 54. L ··a" e 54, II. .. a'' da Constituição

Federal, em conjunto com os artigos 15. L ··a" e 15, IL "a" da Constituição do

Estado de São Paulo e artigo

Município de Ribeirão Preto:

": Codigo de Processo Civil. Art. 109. A alienação da coisa ou do direito litígio particular, não altera a legitimidade das partes. § I" O adquirente ou cessionário não podera ingressar em juízo. sucedend consinta a parte contrária.

~ 2º O adquirente ou cessionário poderá intervir no processo como assistente litisconsorcial do alienante ou cedente. ~ 3º Estendem-se os efeitos da sentença proferida entre as partes originárias ao adquirente ou cessionário. ' OI DIER JR., Fredie. Curso de Direiro Processual Cil•i/. Vol. 1. 18" ed. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 551.

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(ii) é nula. pois. na data em que o ato de renovação da concessão foi aprovado

pelo Poder Legislativo - em 14.05.2001 - Luiz Felipe Baleia Tenuto Ro si era

titular de mandato eletivo de vereador. situação que proibia a renovação da

outorgas. nos termos dos artigos citados no item anterior:

(iii) deve ser cancelada por descumprimento de normas que deveriam

permanecer atendidas para que a concessionária pudesse continuar desfrutando

de sua outorga de radiodifusão. pois desde o ingresso do Deputado na emissora

até o protocolo desta ação civil pública. Luiz Felipe Baleia Tenuto Rossi

exerceu mandatos eletivos de vereador. deputado estadual e deputado federal

que o impediam de ser sócio de empresa de radiodifusão e impediam a Rádio

AM Show Ltda. de celebrar e manter o contrato de concessão com o poder

público; em conjunto. são 21 anos de violação ao ordenamento jurídico

brasileiro mediante manutenção de contrato com o Poder Público proibido pela

Constituição FederaL pela Constituição do Estado de São Paulo e pela Lei

Orgânica do Município de Ribeirão Preto.

V. As três formas de incidência do artigo 54 da Constituição proibindo a

participação de coneressistas como sócios de empre as de radiodifusão

38. O artigo 54 da Constituição incide de três formas proibindo a participação de

parlamentares como sócios de empresas de radiodifusão.

O artigo 54. inciso L "'a·· incide de duas formas: (i) quando proíbe a celebração ou

manutenção de "contrato com empresa concessionária de serviço público" e (ii) quando

veda a celebração ou manutenção de "'contrato com pessoa jurídica de direito público ...

A terceira forma de incidência decorre do artigo 54. li. ··a .. da Constituição. que também

proíbe a participação de congressista como sócios de empresas de radiodifu ão ao

estabelecer que ··Deputados e Senadores não poderão ( ... ) desde a posse ser proprietários.

controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente

pessoa jurídica de direito público. ou nela exercer função remunerada".

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Essa proibição. como o próprio TF admitiu ... é clara" e não deixa margem para

dúvidas64•

Para demonstrar que não procedem as alegações dos Réus quanto ao artigo 54 da

Constituição. apresenta-se abaixo uma breve sínte e das três forma de incidência desse

artigo, refutando, em cada uma delas. as oposições apresentadas pelas contestações.

V.1. Primeira forma de incidência - proibição à celebração ou manutenção de

contrato com empresa concessionária de serviço público

39. O artigo 54, L .. a•· da Constituição dispõe que:

Art. 54. Deputados e Senadore~ não poderão: 1 - desde a expedição do diploma: a) finnar ou manter contrato com ( ... ) empre a conce sionária de serviço público. salvo quando o contrato obedecer a cláu ula uniforme .

40. Ao proibir que deputados e senadores mantenham contrato com empresas

concessionárias de serviço público. o artigo 54. L ··a·· proíbe que deputados e senadores,

diretamente como pessoas físicas ou por intermédio de pessoas jurídicas, sejam sócios

de empresas concessionárias do serviço público de radiodifusão.

Isso porque (i) radiodifusão é serviço público 65: (ii) a relação entre sócio e

sociedade é contratual. isto é. sócios - direto ou indiretos - mantêm contratos com suas

"4 STF. AP 530. Rei. Min . Rosa Weber. Rei. p! Acórdão Min . Roberto Barroso. Primeira . r

09.09 .2014, DJe Public 17.11.201-1. Republicação DJe Public 19. 12.2014 . "' Conforme amplamente reconhecido pela doutrina e jurisprudência. Nesse sentido. veja-se . Eros Roberto. A Ordem Económica na Constituição de 1988. 12 ed . ão Paulo: Malheiros. 2007. p. 136: 139: MELLO. Celso Antônio Bandeira de, Curso de Direi/o :ldministrufil ·o. cir. , p. 680: 683 . a jurisprudência, veja-se os eguinte precedentes: (i) TF ADI 3.944 DF. Relator Ministro Carlos Ayres Britto. DJ O 1.10.201 O: (ii) STF

HC 10-1.530/RS. Relaror Ministro Ricardo Lewandowski. DJ 07.12.2010: (ííi) STF, ADPF 130, Rei. Min. Carlos Ayres Britto. DJe 06. 11 .2009. p.26: T E. Acórdão n. 556. Recurso Ordinário n. 556/AC. Relator Ministro epúlveda Pertence. publicado em :W.09.2002. "º esse sentido, o artigo 981 do Código Civil Bra ileiro e tabelece que : .. Art. 981 . Celebram contrato de sociedade as pessoas gue reciprocamente se obrigam a contribuir. com bens ou serviços. para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados··. Em conformidade com o disposto no Código Civil. doutrina e a jurisprudência reconhecem amplamente o caráter jurídico contratual da relação entre socio e sociedade. Veja-se. a propósito, os seguintes precedentes: (i) STF. AI 745 .221. Rei. Min . Cármen Lúcia. julgado em 11.02.2010. publicado em DJe-036 DIV ULG 26.02 .2010 PUBLIC 01.03 .2010: e (ii) STJ . EREsp 1104363 PE. Rei. Min. Teori Albino Zavascki. Corte Especial, julgado em 29.06.201 O. DJe 02 .09.201 O.

a doutrina, veja-se Vide, por todos, GOMES. Orlando. Contratos. 25 ed. Rio de Janeiro : Forense, 2002, p. 391-392: ASCARELLI, Tulio. Problemas das Sociedades Anônimas e Direi/o Comparado. 1 ed . Campinas:

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uniformes67. Veja-se. a propósito. o item 11 1.4.1 da petição inicial.

4 1. A relação contratual. nessa primeira forma de incidência. não é

intermediada pelos contratos de concessão ou de permissão. mas sim pelos contra tos

de sociedade.

Logo. o que importa nessa fom1a de incidência não é o caráter uniforme ou não

das cláusulas do contrato de radiodifusão, mas sim o caráter não uniforme da cláu ula

do contrato de sociedade. Este ponto - caráter inquestionavelmente não uniforme da

cláusulas do contrato de sociedade - não foi contestado pelos réus . Logo. foi admitido

como verdadeiro, integrando norma do artigo 54. I. "a'" que proíbe a participação do

Deputado Luiz Felipe Baleia Tenuto Rossi como sóc io das empresas de radiodifusão

apontadas na petição inicial.

V.2. Segunda forma de incidência - proibição à celebração ou manutenção de

contrato com pessoa jurídica de direito público

42. A segunda fo rma de incidência do art igo 54. I. "a"" refere-se à proibição à

celebração ou manutenção de contrato com pessoa jurídica de direito público. O artigo

54. L ··a .. estabelece que:

"Deputados e Senadores não poderão. desde a expedição do diploma. firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público ( ... ). salvo quando o contrato obedecer a cláusu las uniformes·· .

Essa forma de incidência proíbe a participação de políticos titulares de manda ,-:

Bookseller. 2001. p. 285 : 372-452: WALD. Arnoldo. Comentários ao Código Cii'il: Livro li - Do e1t Empresa. Arts. 966 a 1195. vol. XIV. Sálvio de Figuei redo Teixeira (coord.) . Rio de Janeiro: Forense. 2005 . p. 86-90: SZTAJN, Rachel. Contrato de Sociedade eformas societárias. São Paulo: Saraiva. 1989. p. 30: 32-33: SZTAJN. Rachel. Associações e sociedades. ln: Rerista de DireiFo Mercantil. Industrial, Econômico e ().... Financeiro. São Paulo. vol. 41. n. 128. p. I S-26. out. dez. 2002. p. 26: MIRANDA. Pontes de. Tratado Je ~"j Direito Privado. Parte Especial. Tomo XLIX. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Borsoi. 1965. p. 11: 1 S; 16: 23 : 24: 18. 67 O contrato de sociedade. no contexto do artigo 54. 1. ··a"" . não é contrato que obedecem a clausula uniformes. pois: (i) não há predeterminação unilateral das cláusulas: ao contrário, todas as partes podem participar da elaboração e negociação do contrato : o consentimento não se manifesta por mera adesão a cláusulas contratuais predefinidas: (ii) sem predeterminação. não há uniformidade: as cláusulas são construídas em conj un to pelas partes contratantes: (iii) não há rigidez: as cláusulas podem ser alteradas pelas partes no momento da negociação: após a celebração do contrato, as cláusulas permanecem passíveis de alteração de acordo com o procedimento previsto pelo próprio contrato de sociedade: (iv) o contrato de sociedade não é geral e abstrato: é contrato singular. adaptado a cada sociedade particular: (v) sua função não é reduzir os custos de transação e incrementar o fl uxo de bens e serviços: o contrato de sociedade volta-se a organizar o interesse das partes para a realização de um fim comum.

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eletivo como sócios de pessoas jurídicas prestadoras de radiodifusão. pois (i) a norma do

artigo 54. L "a" alcança não só a pessoa física. mas também as pessoas jurídicas que

pos uem deputados ou senadores como sócios ou associados. (ii) as pessoas jurídicas

pre tadoras de radiodifusão firmam e mantêm contratos de concessão ou de permissão de

radiodifusão com o Poder Executivo. e ( i i i) os contratos de prestação de erviços de

radiodifusão não obedecem a cláusulas unifom1es. Veja-se. a propósito. o item llf.4.2 da

petição inicial.

43. Os Réus afirmam que a Con tituição não proibe que deputados e senadores

sejam sócios de empresas de radiodifu ão. pois o contrato de concessão ou de permissão de

rádio ou t\ . por er precedido de licitação. obedece a cláusulas uniformes e por isso

enquadra-se na exceção prevista pelo artigo 54. L ··a".

Essas alegação não procede. como e passa a demonstrar.

V.2.1. O contrato de pre tação de radiodifu ão não obedece a cláusulas

uniformes.

-1-4. Contratos precedido de licitação não obedecem a cláusulas unifom1es. O fato

de serem precedidos por licitação - que estipula. em seu edital. a minuta do contrato a ser

celebrado pelo concorrente vencedor - não faz com que esses contratos obedeçam a

cláusulas uniformas. pois:

(i) A minuta oferecida no edital de licitação é sempre incompleta. O particular

que contrata com a Administração formula. em suas propostas técnica e de

preço, cláusulas contratuais es enciai à execução do serviço. O contrato final

incorpora as cláusula formuladas pelo particular vencedor da licitação. Trata­

se. portanto. de contrato individual. singular. não uniforme, determinado em

conjunto pela Administração e pelo particular vencedor da licitação.

(ii) Consequentemente. o proce so de licitacào não elimina o diálogo neg_ocial.

apenas o parametriza . A parametrização da negociação reduz, mas não elimina ,

o risco de abuso de poder ou de função . e não houvesse proc / Jl/ial e a

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Administração impusesse todos os termos do contrato. preço e técnica

inclusive. a licitação desfigurar-se-ia. Não haveria como escolher o vencedor

nem selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração. poi não

haveria distinção entre as propostas . Nesse sentido. a afirmação do Mini tro

Sepúlveda Pertence no julgamento do Recurso n. 10.130 pelo TSE: ''Ocorre

que jamais poderão as cláusulas do edital esgotar o conteúdo total do contrato a

celebrar. pois. do contrato. não teria objeto a licitacão .. 68.

(iii) o processo de licitação não elimina o risco de abuso de poder ou de função

pelo parlamentar ao longo do exercício do mandato eletivo e ao longo do

processo eleitoral, uma vez que o parlamentar pode usar a emissora para se

favorecer ou para prejudicar seus adversários.

45. O contrato que importa para a presente Ação Civil Pública - contrato de

concessão ou de permissão de serviços de radiodifusão - é um exemplo específico que

demonstra que contratos precedidos de licitação não obedecem a cláusulas uniformes.

;:... licitação e o contrato de radiodifusão são regulamentados pelo Regulamento

dos Serviços de Radiodifusão (Decreto nº 52.795/ 1963). A licitação para a radiodifusão dá­

se na modalidade concorrência. do tipo técnica e preço. Na proposta técnica. os

concorrentes devem indicar (i) o tempo destinado à transmissão de programas educativos.

(ii) o tempo destinado a serviço jornalístico e noticioso. observando o mínimo de 5%

fixado pelo artigo 38, alínea "h'" do Código Brasileiro de Telecomunicações e pelo artigo

28, § 12. alínea e'" do Regulamento do Serviços de Radiodifusão. (iii) o tempo destinado à

transmissão de programas culturais. artísticos. educativos e jornalístico a serem

produzidos no município de outorga. e (iv) o tempo destinado a programas culturai .

artísticos, educativos e jornalísticos a serem produzidos por entidade que não tenha

qualquer associação ou vínculo. direto ou indireto. com empresas ou entidades executaras

de serviços de radiodifusão69• Na proposta de preço. os concorrentes devem indicar o va!or ,,....--

• TSE, Acó,dão 12679, """"º "· 10. IJO 'RO. Rcl.ro' M;,;mo cp,l'<d• Pcrt'"cc- " . •d~ 21.09 .1992, p. 1 O. grifo nosso. ,., bQ Cf. Decreto 52.7951 1963. Art 16. As propostas serão e:-.aminadas e julgadas em conformidade com os quesitos e critérios estabelecidos neste artigo. § 1 º Para a classificação das propostas. serão considerados o ·~) seguintes critérios. conforme ato do Ministério das Comunicações: a) tempo destinado a programas educativos - máximo de vinte pontos: b) tempo destinado a serviço jornalístico e noticioso - máximo de vinte pontos: c) tempo destinado a programas culturais. artísticos, educativos e jornalísticos a serem produzidos no município de outorga - máximo de trinta pontos: e d) tempo destinado a programas culturais, artísticos. educativos e jornalísticos a serem produzidos por entidade que não tenha qualquer associação ou vínculo.

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que se propõe a pagar pela outorga. ob ervando o preço mínimo indicado pelo edital 70. O

edital pode ainda prever outros requisitos para o exame das propostas. considerando

características específicas do serviço ' 1•

O vencedor da licitação é determinado mediante a atribuição de pontuação e peso

a cada um dos iten da propo ta técnicas e de preço '2. s diferentes propostas são

consideradas para a determinação do vencedor e as condições por este formuladas em suas

propostas técnicas e de preço, ressalte-se. são incorporadas como cláusulas do contrato

celebrado ao fim da licitação. consubstanciando obrigaçõe contratuais a serem cumpridas

pelo concessionários e perrn1s ionários de radiodifusão - :i . As distintas licitações

produzem. portanto. contratos individualizados. constituídos (i) pelas cláusulas

predefinidas pela Administração e ( ii) pelas cláusulas formuladas pelo vencedor da

licitação em suas propostas técnica e de preço incorporadas aos contratos.

em prejuízo de outras particularidades. os contratos de radiodifusão são.

portanto. distintos entre si. no mínimo no gue se refere (i) ao tempo de programação

destinado à transmissão de (a) programas educati os. (b) serviço jornalístico e noticioso.

(c) programas culturais. artísticos. educativos e jornalísticos a serem produzidos no

município de outorga. (d) programas culturais. artístico . educativos e jornalísticos a serem

produzidos por entidade que não tenha qualquer associação ou vínculo. direto ou indireto.

com empresas ou entidades executaras de serviços de radiodifusão. e (ii) ao preço pago

pela outorga: todas essas cláusula essenciais do contrato de prestação do serviço de

radiodifusão. /

dimo ou iodiceto, com empces.s ou emid•de; emutocas de se"iços de cadiodifusão - m.,:2* pontos. ~

-" Cf. Decreto 52.795 1963. Art 16 . ~ 6° erá de classificada a proposta que contiver oferta de pagamento de y valor inferior ao mínimo fixado em edital. ·i Cf. Decreto 52. 795/1963. Art 16. § 2° Con iderando caracteristicas específicas do serviço. poderão ser previsto no edital outros quesitos para fins de e ame das propostas. cuja pontuação não devera ser superior à vinte pontos, situação em que as pontuações e tabelecidas no § 1° serão proporcionalmente reduzidas de modo que seja mantido o total de cem pontos. ·: Cf. Decreto 52.795/1963: Art 16. § 5° A classificação das proponentes far- e-á de acordo com a média ponderada da valoração obtida pela aplicação do disposto nos §§ 1 º a 4° deste artigo [referentes à proposta técnica) e da valoração da proposta de preço pela outorga. de acordo com os pesos preestabelecidos no edital. observado o que segue:( ... ) (comentário nos o) . • , Cf. Decreto 52.795 1963: Art 16. § 9º Os termos da proposta da entidade licitante e os preceitos e obrigações dispostos no art. 28 constarão do contrato de concessão ou permissão. Vide a esse respeito também a Cláusula Décima Sexta da minuta de contrato de conce são retirada do Edital de Concorrência 002 '2009: .. Cláusula Décima exta - Fazem parte integrante do presente Contrato. como se nele estivessem transcritos, os seguintes anexos : Anexo 1: Edital de Concorrência no __ '_ - CELIMC; Anexo 2: Proposta Técnica: Anexo 3: Proposta de Preço pela Outorga.'· (grifo nosso).

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46. A confim1ar o caráter jurídico não uniforme do contrato de prestação de

serviços de radiodifusão. veja-se o relevante testemunho do Ministro Nelson Jobim em

julgamento do TSE que concluiu pelo caráter não uniforme dos contratos de concessão de

radiodifusão:

Examinei atentamente a matéria. principalmente o memorial trazido pelo eminente advogado. que, na tentativa de demonstrar a uniformidade, nos dá notícia do contrato celebrado com a Sociedade Acreana de Comunicação Fronteira Lrda., que é a hipótese. e traz ainda um contrato entre a União Federal e Tropical Comunicações Ltda. Encontrei a seguinte distinção fundamental na Cláusula 111 do contrato da sociedade Acreana (fl . 72):

"CLÁUSULA TERCEIRA - 'A concessionária é obrigada a ( ... ) b) submeter à aprovação do Ministério das Comunicações o projeto de instalação da emissora no prazo de 06 (seis) meses( ... )'".

No Contrato da União Federal com Tropical Comunicações Ltda.: ''( ... )submeter à aprovação do Ministério da Comunicações o projeto de in ta lação da emissora no prazo de 2 meses. contados da data de publicação desse extraro·· .

Na letra c do contrato Acreano: "c) iniciar a execução do serviço. em caráter definitivo. no prazo de 24 meses( ... )"

Já no contrato celebrado entre a União e Tropical Comunicações Lida. : "( ... ) iniciar a execução do serviço em caráter definitivo no prazo de 6 (seis) meses ( ... )"

Além do mais, a sociedade Acreana. na letra/ da Cláusula Quarta. diz (tl. 74): "CLÁUSULA QUARTA - ( ... ) f) destinar o percentual de 70% do horário de ua programação diária a temas. autore e intérpretes nacionais( .. .)".

Já o outro contrato anexado diz: "destinar o percentual de 80% do horário de sua programação diária a temas, autores e intérprete nacionais". Verifico, nessas condições, que uma coisa é o contrato conter cláusulas com redações semelhantes e espaços. mas na hora da contratação há peculiaridades específica de cada organismo. e a prova foi rrazida e>.atamente na comparação desses dois . Isso conheço muito bem. porque na questão relativa à contratação. o que nós tínhamos no Congresso Nacional? Encontrava-me lá e sabia o que se pa sava: havia uma espécie de discricionariedade genérica do Ministério das Comunicações e certas disputas mínimas que se estabeleciam eram arbitradas pela entidade representativa dos órgãos de comunicação. E tanto isso é verdade que foi juntado no próprio memorial em contrato de data um pouco anterior. mas que mostra que as obrigações ão distintas. Ou seja, é a mesma obrigação, mas com prazos distintos. Não são cláusulas uniformes. mas distintas. Quando se tem uma obrigação de colocar 80% de programação nacional num contrato e na outra 70%, e sa cláusula é uniforme? Existe uma mesma obrigação no entido de que e tem que colocar, mas o conteúdo da obrigação é completamente di tinto. Logo, não temo a me ma situação posta no dois contratos. Acompanho o relator.-•

47 . Por fim. o serviço de radiodifusão confere a seu concessionário um forte.

nítido e indiscutível poder de influência gue permite o favorecimento, pela pessoa jurídica

prestadora de radiodifusão. de seus sócios. Destarte. o processo de licitação pode até

reduzir o risco de abuso de poder ou de função ao longo da licitação e no momento da

assinatura do contrato, mas não evita que ele ocorra ao longo do processo eleitoral e ao

longo do exercício do mandato eletivo. Não se preserva a isenção e a independê~

parlamentares nem se evita o favorecimento pessoal. ~ ~

74 TSE. Acórdão n. 556, Recurso Ordinário n. 556 AC. Relator Ministro . 1cado em 20.09.2002. p. 23-24, grifo nosso.

.+O

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48. Conclui-se. assim. que o contrato de prestação de serviços de radiodifusão,

ainda que precedido de licitação, não obedece a cláusulas uniformes, pois:

(i) suas cláusulas não são predeterminadas unilateralmente pela Administração

(razão pela qual o contrato de concessão também não se equipara ao contrato

de adesão); a minuta oferecida no edital de licitação é incompleta; o

concessionário não manifesta seu consentimento por mera adesão; ao contrário,

formula, em suas propostas técnica e de preço, cláusulas contratuais essenciais

à execução do serviço; o contrato final é individual, singular, particularizado

conforme o resultado de cada licitação;

(ii) o diálogo negocial é reduzido, parametrizado, mas não eliminado;

(iii) o risco de abuso de poder ou de função no momento da licitação e da

celebração do contrato é reduzido, porém não eliminado; ademais, esse risco

permanece ao longo do período de execução do contrato - em especial, ao

longo do processo eleitoral e do exercício do mandato eletivo-, pois o contrato

de concessão e o contrato de permissão de radiodifusão conferem forte poder

de influência ao concessionário ou ao permissionário; e

(iv) não se preserva a isenção e a independência dos parlamentares nem se

evita o favorecimento pessoal.

49. Este entendimento vai ao encontro da jurisprudência do STF, que na Ação

Penal 530 afirmou que contratos de concessão e de permissão de radiodifusão, embora

precedidos de licitação, não obedecem a cláusulas uniformes. Segundo a Corte:

A proibição de contratar não inclui os denominados contratos por adesão ou de cláusulas uniformes, por exemplo, a contratação pelo parlamentar de serviços públicos de água e luz, pois, na hipótese, ausente o risco de favorecimento indevido. ( .. . ) Por outro lado, evidente é que este contrato não se enquadra na exceção permitida na parte final do art. 54, I, "a", da Constituição Federal. A exceção em questão visa a contemplar contratos por adesão ou de cláusulas uniformes, cuja celebração jamais teria o condão de implicar qualquer espécie de cooptação. Assim, por exemplo, contratos de fornecimento de água e luz entre consumidor e empresa concessionária de serviços da espécie. No presente feito, a obtenção da outorga por meio de prévia lici'/7ade de

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técnica e preço, é suficiente para afastar qualquer hipótese de enquadramento do contrato na exceção prevista. Com efeito, no certame, os concorrentes apresentaram propostas diferenciadas de técnica e de preço, sendo vitoriosa a empresa controlada pelos acusados e desbancados quatro concorrentes. Os riscos de manipulação do resultado para favorecimento de empresa controlada por parlamentar ou os riscos de utilização pelo parlamentar de influência indevida no certame são mais do que óbvios. O objetivo das incompatibilidades do art. 54 consiste exatamente em prevenir riscos e males da espécie. Não há como qualificar um contrato como por adesão ou de cláusulas uniformes quando precedido por licitação, influindo essa na variação de aspectos relevantes do pacto. como o preço e o objeto da prestacão.7s

50. No mesmo sentido está a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral que

afirma amplamente que contratos precedidos de licitação não obedecem a cláusulas

uniformes76• Trata-se do .que o Ministro Joaquim Barbosa chama de "moderno

entendimento ' do TSE acerca da noção de contrato de cláusulas uniformes 77•

A principal e mais citada decisão ("leading case") acerca da matéria foi tomada

pelo Ministro Sepúlveda Pertence no Acórdão nº 12.679 de 1.99278• Ao analisar se um

candidato que mantinha contrato de execução de obras de prestação de serviços com o

Departamento de Estradas e Rodagem do Estado de Rondônia era inelegível ou estava

coberto pela exceção relativa a cláusulas uniformes, o Ministro concluiu (i) que contrato

proveniente de licitação e contrato de cláusulas uniformes são conceitos incompatíveis e.

(ii) que a expressão contrato que obedece a cláusulas uniformes refere-se ao contrato de

adesão. Disse o Ministro:

O que resta, pois, a examinar é se o contrato original se enquadra ou não na ressalva legal à inelegibilidade do empresário. ( ... ) Sustenta ( ... ) com razão, o memorial, que a propna Lei de Inelegibilidades, na Alínea questionada, admite a existência de contrato de obra pública, de prestação de serviços ou de fornecimento de bens, "que obedeçam a cláusulas uniformes", pois, do contrário, seria inócua a ressalva legal discutida. Não obstante, a mim me parece que contrato por licitação e contrato de cláusulas uniformes - ao menos, no sentido em que utilizado na Constituição (art. 54, l, a) ou

75 STF, AP 530, Rei. Min. Rosa Weber, Rei. p/ Acórdão Min. Roberto Barroso, Primeira Turm 09.09.2014, DJe Public 17.11.2014, Republicação DJe Public 19.12.2014. 76 Cf. os seguintes acórdãos do TSE: (i) Acórdão n. 12.679, Recurso n. 10.130/RO, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, publicado em 21.09.1992; (ii) Acórdão n. 556, Recurso Ordinário n. 556/ AC, Relator (\.,_ Ministro Sepúlveda Pertence, publicado em 20.09.2002; (iii) Acórdão n. 22.229, REspe n. 22.229/PR. ~J Relator Ministro Francisco Peçanha Martins, publicado em 03 .09.2004 ; (iv) Acórdão n. 22.239, REspe n. 22.239/PR, Relator Ministro Francisco Peçanha Martins, publicado em 03.09.2004; (v) Acórdão n. 22.240, REspe n. 22.240/PR, Relator Ministro Francisco Peçanha Martins, publicado em 03 .09.2004; (vi) Acórdão n. 21.966, AgR no REspe n. 21.966/CE, Relator Ministro Luiz Carlos Madeira, publicado em 08.09.2004; (vii) Acórdão n. 24.651, REspe n. 24.651 /ES, Relator Ministro Luiz Carlos Madeira, publicado em 06.10.2004; e (viii) AgR no REspe n. 34.097/PA, Relator Ministro Joaquim Barbosa, publicado em 17.12.2008. 77 Entendimento manifesto em seu voto no TSE, AgR no REspe n. 34.097/PA, Relator Ministro Joaquim Barbosa, publicado em 17.12.2008, p. 9. 78 TSE, Acórdão 12.679, Recurso n. 10.130/RO, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, publicado em 21.09.1992.

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regra de inelegibilidade-, são conceitos que lurlent de se trouver ensemble. Contrato de cláusulas uniforme é o chamado contrato de adesão, que, na lição de Orlando Gomes (Contratos. 11 ª ed .. p. 118). é aquele no qual "uma das partes tem de aceitar, em bloco, as cláusulas estabelecidas pela outra, aderindo a uma situação contratual que encontra definida em todos os seus termos. O consentimento manifesta-se com a simples adesão no conteúdo preestabelecido da relação jurídica". Derivam eles. nota Darcy Bessone (Do Contrato, 1960. p. 82), "da adesão, sem prévia discussão, a um bloco de cláusulas elaborado pela outra parte''. Na licitação. é certo, a administração pública pré-ordena no edital uma série de cláusulas, às quais, atendendo ao convite, o concorrente presta adesão prévia. Ocorre que jamais poderão as cláusulas do edital esgotar o conteúdo total do contrato a celebrar, pois, do contrato, não teria objeto a licitação. Veja-se. no ponto, o precioso testemunho doutrinário de Caio Mário (Instituições de Direito civil, 6ª, Ili). igual ao do invocado pelo recorrido, quando observa que. "no contrato de licitação, a oferta traz a convocação dos interessados para apresentar suas propostas, nas quais, obrigados embora a submeter- e a certas condições fixas. pormenorizam as suas proposições quanto ao preço, prazo, etc, ficando o anunciante com a liberdade de escolher aquela que seja a de sua conveniência e até de não aceitar nenhuma'' (tl . 216). O que se tem, portanto, é que, na formação do contrato administrativo, por licitações, uas cláusulas advém, parcialmente, da oferta ao público substantivada no edital. que já

contém estipulações prévias e unilateralmente fixadas , aos quais há de aderir o licitante para concorrer, mas, de outro lado, também aquelas resultantes da proposta do concorrente vitorioso, relativa aos pontos objeto do contrato, que, de sua vez, o Poder Público aceita adjudicar-lhe o contrato . No contrato por licitação, por conseguinte, não há jamai o que é o caráter específico do contrato de adesão: provir a totalidade do seu conteúdo normativo da oferta unilateral de uma das partes a que simplesmente adere globalmente o aceitante: ao contrário, o momento culminante do aperfeiçoamento do contrato administrativo formado mediante licitação não é o de adesão do licitante às cláusulas pré-fixadas no edital, mas, sim o da aceitação pela Administração Pública de propo ta selecionada como a melhor sobre as cláusulas abertas ao concurso de ofertas. 70

Em outra oportunidade (Recurso Ordinário 556/AC, de 2.002, também relatado

pelo Ministro Sepúlveda Pertence), o TSE pronunciou-se especificamente sobre o contrato

de radiodifusão. Trata-se de julgamento sobre a inelegibilidade de sócio-gerente de

empresa concessionária de televisão. Após reconhecer que (i) no ordenamento brasileiro.

os serviços de radiodifusão onora e de son e imagens ão serviços públicos. (ii) que a

empresa em questão era concessionária do serviço de radiodifusão e (iii) que a concessão

foi precedida de licitação. o Ministro Relator decidiu pela inelegibilidade do candidato pois

considerou que o contrato de prestação de sen'icos de radiodifusão não obedece a

cláusulas uniformes. Disse o Ministro:

No sistema brasileiro. ·os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens' são serviços públicos, que incumbe à União ·explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão' (CF. art. 21. XII , a) . A Sociedade Acreana de Comunicação Fronteira Llda. é concessionária do serviço de ·radiodifusão de on e imagens (televisão)' . na capital do Acre. que explora pela TV Rio Branco. de sua propriedade ( cf. Decreto de 15 . 12 .87. f. 69 ). A concessão - como é imperati o con titucional (CF, att. 175) - foi obtida median~ ,

_____ <_c_f._E_d-ita_I_. r_. 68). ~"v -,, T E. Acórdão 12.679. Recurso n. 10.130 RO. Relator Ministro Sepúlveda Perte , 1cad~ em1'"' 21 .09 .1992. p. 9-11. grifo nosso. ~

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Estou. assim. em que incide sobre os que exerçam cargo de direção. administração ou representação de empresa concessionária de serviço público a inelegibilidade do art. Iº. li. i. e VI. da LC 64/90, salvo desincompatibilização. até seis meses antes do pleito. ( ... ) Não aproveita às concessionárias de serviço público. precisamente porgue sujeita a concessão à licitação, a ressalva final da alínea i referida. que exclui da inelegibilidade as hipóteses de que o contrato administrativo 'obedeça a cláusulas uniformes·. O Tribunal o assentou na decisão invocada pelo recorrente AC 12.679 (REspe 10.130). 21.09.91, de que fui relator( ... ). Essa continua a ser minha convicção. de resto, não contrariada pelos acórdãos do TSE que. no voto de Minerva, arrolou o li. Presidente do Tribunal a quo. Desemb. Miracele Borges (f. 307). que cuidam. todos eles. de hipóteses diversas: o REspe 17.340. Maurício Corrêa, de empresa jornalística que. obviamente. não é concessionária. e. no REspe 18.572, Zveiter. de contrato administrativo que se reputou obediente a cláusulas uniformes. 80

Disse ainda o Ministro Sepúl eda Pertence :

Quero apenas chamar a atenção do Tribunal, ressalvando ser a mesma questão da incompatibilidade do membros do Congresso Nacional, tradicional, histórica, para evitar que eles - anta ingenuidade - não se comprometam com favore do Poder Executivo. E por isso só se lhe pem1ite o art. 54. 1 a. da Constituição Federal:

"Art. 54 ( ... ) a) firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público. autarquia. empresa pública. sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público. salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes".

E tudo o que se disse aqui foi que. àquela época. além de existirem cláusulas não uniformes. existia ainda a distinção do presidente da República. O oposto. data 1•ênia. a todo conceito razoável deste contrato de cláusulas unifom1es que se subtrai do regime de incompatibilidade parlamentar em no caso, subtrai-se da inelegibilidade. E mais, vê-se que a incompatibilidade parlamentar incide inclusive em contrato com concessionárias de serviço público. Seria paradoxal que a concessionária, que no caso se equipara à administração pública, para gerar a incompatibilidade constitucional, ela própria, porque inocente signatária de um contrato de cláusulas uniformes que os melhores autores equiparam. sim, ao contrato de adesão, e que aberto a qualquer um. O financiamento hipotecário da Caixa Econômica submete a apresentação de determinados documentos e garantias. mas em te e está aberto a qualquer cidadão. e coisas desse jaez. Mas vir trazer a margem de discricionariedade dada ao chefe do governo para conceder erviço de radiodifusão, data vênia, agrava apenas o problema. Nisso está a origem de um

tema que é o da Ciência Política Brasileira: o coronelismo eletrônico. Fico afora dessas considerações de maior espectro constitucional e vou à documentação: A 19.1.88, a Dra. Esmeralda Eudóxia Fonçalves Teixeira. chefe da Seção de Assuntos Jundicos do Ministério das Comunicações - Dentei. assina o seguinte documento (íl . 70): "Tendo em vista a publicação do extrato do Contrato celebrado entre a União Federal e a Sociedade Acreana de Comunicação Fronteira Ltda. ( ... ) para estabelecer uma e tação de radiodifusão Sons e Imagens, na cidade de Rio Branco. Estado do Acre. encaminhe-se

80 TSE. Acórdão n. 556, Recurso Ordinário n. 556/AC, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, p, 20.09.2002. p. 3-6, grifo nosso. Vale também citar o \Oto do Ministro do TSE Antônio de Pádu iro no Recurso 11.408: "Confesso que não consigo divisar a pos ibilidade de contrato decorrente de licitação pública ser considerado como contendo cláusula uniformes. Esses contratos relativos à cláusulas uniformes - segundo até hoje tenho entendido por tal conceito - são aqueles contratos a que e sujeitam a pessoas de um modo geral; é o que acontece com um deputado que vai obter um financiamento na Caixa Econômica Federal. de um banco qualquer, e aquele financiamento é aberto a todos os funcionários públicos. dentro de certos limites, seguindo certas cláusulas; contrato de venda de imóveis do Poder Público, que obedece cláusulas de praxe. Mas, contrato decorrente de licitação pública - a meu ver - é, pela própria natureza, um contrato individuado, um contrato personalizado, um contrato em que há a subsunção dos fatos decorrentes da concorrência àquelas cláusulas que corporificam a parte jurídica decorrente da adjudicação de obras e erviços públicos··. ln : T E. Acórdão n. 11.408. Recurso n. 11.408. Relator Ministro Marco Aurélio. DJ 18.08. 1995, p.5, grifo nosso.

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processo à Diretoria Regional do DENTEL em Rio Branco. para cumprir o disposto no número 3 Roteiro do Capítulo III do Manual de Orientação Jurídica. Em decorrência do que consta da propo ta da entidade, deverá ser observado o seguinte: a) prazo para apresentação do projeto de aprovação de locais 06 (seis) meses. (fls 95). [Certamente do processo de 1icitação1 b) percentual de equipamentos utilizado Trasmissor 100% Sistema Irradiante IOOºo Estúdio 100%. c) prazo para entrada em funcionamento definitivo 2-l meses d) percentual de tempo de programação diária referente a temas nacional 70%. e) tempo (Diário) destinado ao serviço noticioso 05%." 1 lá cláusulas uniformes? Data vénia. Ministro Luiz Carlos Madeira. contrato de concessão que mereça o nome terá, certamente, muito mais que eu núcleo, um imenso rol de cláusulas uniforme . Trata-se das célebres cláusulas regulamentares do serviço público. Conta-se que o jurista Francisco Campos. certa vez, preci ando alugar um apartamento para morar. pediu à imobiliária que lhe mandas e um contrato de locação. E a imobiliária como sói. encaminhou-lhe uma chorumela de algumas dezenas de páginas. O célebre jurista respondeu assino o seguinte : imó\el. rua tal . n" tal. apartamento tal. Locador r. Fulano de Tal, locatário

r. Francisco Alves da Silva Campos. Aluguel tanto. prazo tanto. O resto é lei. Concessão de erviço público é quase isso. Ma e há alguma eleção, seja ela habilitante, seja selecionadora, data 1•ê11ia, não há cláusula uniforme . Tanto mais quando, depois de tudo isso, sustenta o eminente Ministro Madeira que ainda paira a discrição presidencial para, entre as habilitadas, conceder o serviço hoje mais disputado politicamente e economicamente no país, que é exatamente a concessão do serviço de radiodifusão e de televisão . Mantenho o meu voto. 81

51. Para logo se vê. portanto. que a objeção apontada pelos Réus quanto a esta

segunda forma de incidência do artigo 5-L L .. a·· não procede. Os contratos de prestação

de serviços de radiodifusão não obedecem a cláusulas uniformes.

Reafirma-se, assim. a conclusão da petição inicial desta Ação Civil Pública. Ao

proibir que deputado ou senador mantenha contrato com pessoa jurídica de direito público.

o artigo 54. L ··a·· proíbe a participação de políticos como sócios de empresas de

radiodifusão.

V.3. Terceira forma de incidência - vedação do artigo 54, inciso li, alínea "a",

da Constituição

52. o que respeita ao artigo 5-t. II. "'a" da Constituição, os réus afirmam que o

sentido do preceito é evitar a obtenção de ··benefícios efetivamente" (fls. 103). Nessa

medida, a vedação não o alcançaria. poi as empresas de radiodifusão apontadas na

petição inicial. segundo os Réus. não ozam de favor decorrente de contrato com

público.

~ TSE. Acórdão n. 556, Recurso Ordinário n. ·56 AC. Relator Ministro epúlveda P. 20.09 .2002. p. 25-'27, grifo nosso.

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53. O artigo 54. II. "a" estabelece que :

Art. 54. Os Deputados e enadores não poderão: 11 - desde a posse: a) ser proprietário . controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pes oa jurídica de direito público. ou nela exercer função remunerada.

54. Como apontamos com maiores detalhes no item III.5 da petição inicial. há

duas interpretações para a expressão '·favor decorrente de contrato ...

A primeira entende que a expressão denota o beneficio auferido pelo particular em

razão da celebração de todo e qualquer contrato com a Administração.

A segunda entende que o a expressão denota determinados benefícios e

favorecimentos concedidos ou permitidos pela Constituição com o objetivo contribuir para

a concretização de direito fundamentais ou para a realização dos objetivos constitucionais

como os estabelecidos pelo artigo 3°. Exemplos de favorecimentos autorizado ou

concedidos pe la Constituição são as imunidades fiscais. os incentivos previstos pelo ai1igo

43. '2°. voltados à redução das desigualdades regionais. e o tratamento diferenciado e

favorecido para as microempresa e para as empresas de pequeno porte. previsto pelos

artigos 146. "d" e 170. IX.

55. As pessoa jurídicas prestadoras de radiodifusão indicada na petição

inicial se enquadram nas duas hipóteses . a primeira. por auferirem o beneficio de

celebrar e manter contrato de concessão ou contrato de permissão de radiodifusão com a

Administração. a segunda. por e beneficiarem da imunidade fiscal sobre o !CM

concedida pelo artigo 155. § 2º. X ... d·· da Constituição e da isenção fiscal obre a

Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica - Condecine

concedida pelo artigo 39 da medida provisória n. 2.n8- I. de 06 de setembro de 2001.

Não procede, portanto, a alegação dos réus de que a Rádio AM how Ltda. e a

Rádio Show de Igarapava Ltda. não gozam de favor decorrente de contrato com o poder

público.

O artigo 54. II. "a" incide. sim. obre a ituação descrita na inicial

interpretações po síveis do preceito conduzem à mesma ue a

~6

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participação do Deputado Luiz Felipe Baleia Tenuto Ros i como sócio das empresas

de radiodifusão indicadas na petição inicial viola o artigo 54, II, "a" da Constituição.

56. A reforçar essa conclusão. veja-se o eguinte trecho do parecer dos Professores

Gilberto Bercovici e Airton Seelaender. que acompanha a petição inicial:

V 1. Síntese Conclu iva Por fim. sintetizando todo o e\posto. pode-se indagar se é constitucional o controle de concessões. permissões e autorizações de radiodifusão por pessoas jurídicas que possuem políticos ti tulares de mandato eletivo como sócios ou associados. E a resposta. de acordo com o disposto no texto da Constituição de 1988, só pode ser negativa. As alíneas 1, ·a'. e li. 'a' do artigo 54 trazem soluções da Constitu ição para um problema grave. na década de 1980. já bastante concreto: o uso abusivo e imora l. por parte do Poder Executivo, da concessão de serviço de radiodifusão como meio de sedução e cooptação de parlamemares. Uma rápida análise da documentação da Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988 já bastaria para comprovar tal fato. A Assembleia Nacional Constituinte também buscou, com tais dispositivos, imprimir coerência à própria Constituição, que então redigia. Com efeito. ao atribuírem a si mesmos um direito de interferir nas concessões. permissões e autorizações de serviços de radiodifusão (conforme o disposto no artigo 2n. ~~ 1°. 2° e 3° da Constituição), os parlamentares naturalmente perceberam que disso poderia resultar um grave conflito de interesses. lmpunha­se, poi , impedir que o árbitro atuasse como parte interessada, ou seja, que pudesse ser heneficiário de tais atos quem os deveria. em última análise. fisca lizar como agente po/Ílico do Estado. Na feliz síntese de um destacado integrante da Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988, o então enador Artur da Távola, "não haverá fator maior de corrupção do Congresso NacionaI" do que ele, " ao mesmo tempo em que se constituir em poder concede111e, transformar seus membros em eventuais beneficiários da concessão". Reconhecendo tal fato, a Constituição de 1988 deliberadamente criou um regime mais rígido para os parlamentare do que para os demais cidadãos, no que tange ao setor da radiodifusão. A finalidade des e regime seria de con iderada, sem dúvida , se as normas que o embasam não fossem interpretadas de forma a impedir que pessoa jurídica em que parlamentares tenham intere se (como sócios, diretores, controladores, etc) viessem a er beneficiários de concessões, permissões e autorizações de erviços públicos de radiodifusão. Examinados. isolada ou sistematicamente, os dispositivos constitucionais aqui abordados revelam. no que tange aos serviços públicos de radiodifu ão, a inconstitucionalidade da manutenção. renovação ou outorga de concessões. autorizações ou permissões a pessoas jurídicas. quando estas tiverem parlamentares por proprietários. coproprietârios. sócios, acionistas. controladores formais ou informais. diretores ou simples empregados. ( ... ) De todo o exposto. podemos concluir o seguinte: Feitos. como acima demonstramos. em clara burla à Constituição, por comprometerem o pluralismo constitucionalmente exigido. o direito à informação. a liberdade de expressão e as próprias finalidades do .. triplice sistema" do artigo 223. são nulo os atos de outorga ou renovação de concessões, permissões ou autorizações feitos em benefício direto ou indireto de parlamentares e até mesmo de ex-parlamentares governistas, após a data de promulgação da Constituição da República, em 5 de outubro de 1988.

57. Em suma. não procedem a alegações dos Réus. O artigo 54, II, "a" proíbe,

sim , a participação do Deputado Luiz Felipe Baleia Tenuto Rossi como sócio das

empresas de radiodifusão indicadas na petição inicial .

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Vl. Da adequação do precedente da Ação Penal 530, julgado pelo STF

58. Os Réus alegam que a AP 530 não se aplica ao presente caso. pois versaria

"sobre objeto completamente diferente desta ação. não podendo portanto ser\'ir de

parâmetro base para analogia de julgamento·· (fls. 235).

59. Essa alegação não procede.

A AP 530 julga caso em que um Deputado Federal falsificou um contrato social de

urna rádio justamente para contornar a proibição imposta pelo artigo 54 à

participação de congressistas como sócios de empre as de radiodifusão.

Como o julgamento desse cnme estava diretamente relacionado à proibição

imposta pelo artigo 54. o STF realizou - sem sombra de dúvida - a interpretação do artigo

54 para a mesma hipótese di cutida nesses auto

Weber:

esse sentido. disse a Ministra Rosa

"O objetivo da falsidade seria contornar as proibições contidas no art. 54. 1. "a··. e 11. ··a··. da Constituição Federal e no parágrafo único do art. 38 da Lei no 4. 11 7 1962. Como a imputação está relacionada com essas proibições. passo à sua análise anres de retomar aos fatos e provas:·

Feita essa análise, a Suprema Corte concluiu, de forma clara - e em

conformidade com a hipótese, a fundamentação legal e o pedido desta ação - que o

artigos 54, 1, ''a" e II, ••a" Constituição proíbem que deputados e senadore ejam

sócios de empresas de radiodifusão.

Essa foi também a conclusão do Desembargador Federal Relator Johonsom Oi

Salvo. no julgamento do AI nº 0002889-43.2016...l.03.0000/SP. referente ao pedido liminar

desta ACP. que afirmou:

O próprio STF já conheceu do rema. ainda que ob outro prisma (o da falsidade ideológica cometida por parlamentar que - para ocultar a propriedade de emissora de rádio - omitiu sua condição diante da vedação prevista no art. 54 da Constituição Federal e no art. 38. § 1 ". da Lei nº 4.117162) quando do julgamento da AP 530. Relatora: Min. ROSA WEBER. Relator p Acórdão Min . ROBERTO BARRO O. Primeira Turma.julgado em 09/091201-1. ( ... ) Nesse precioso julgamento a então Relatora analisou as incompatibilidades previstas no art. 5-1 do Texto Magno e averbou: "' ncio importa o 110111e11 iuris pela qual u serriço foi repussado lW

parlamemar uu à empresa por ele cunlrolada. se t'Ol1cessão. permissão ou aulori:ação. 1 'iolu a proibição c:onstituc:ional qualquer 011/0rga ao purlamen/ar de beneficio extr ' ~ por parle da Administração Pública direi a 011 indirela ... E analisando a proibiçã _que/ St'

, -l8

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encontra na Lei de Telecomunicações - concluiu a Ministra que : "a proibição legal visa a impedir é a uti/i::.açãn de poder político para ohtenção da outorga do serviço de radiod{fusão, com o abuso de se ser.·iç·o para atemlimento uos interesses políticos, em prejuí::.o da liberdade de esfera de dehate pzíhlico .. . A respeito das assertivas da Relatora não houve qualquer divergência entre os Ministros do STF na ocasião (grifo nosso).

60. A notícia de 31 de janeiro de 2014 extraída do site do STF81 e citada na

Contestação dos Réus Luiz Felipe Baleia Tenuto Rossi e Rád io AM Show Ltda. sobre a

atribuição de efeito suspensivo a um recurso extraordinário que envolvia o alcance do

artigo 54. 1 e II da Constituição, é anterior ao julgamento da AP 530, ocorrido em 09 de

setembro de 2014. Logo, se naquela época não havia entendimento da corte sobre a

interpretação do artigo 54, a partir da decisão da AP 530, firmou-se entendimento

claro de que o artigo s.i proíbe a participação de congres ista no quadro societário

de empresas que firmem ou mantenham contratos com pessoas jurídicas de Direito

Público ou com concessionárias de erviço público.

61. No mais. vale dizer que a AP 530 e o AI nº 0002889-43.2016.4.03.0000/SP.

referente ao pedido liminar desta ACP. não são os único precedentes que sustentam a

fundamentação legal e os pedidos formulados nesta Ação Civil Pública.

No julgamento do Agravo de Instrumento nº 0002888-58.2016.4.03.0000/SP.

proferido nos autos de ação civi l públi ca contra a participação de Deputado Federal como

sócio de empresas de radiodifusão (caso análogo ao desta ação). a Desembargadora do

TRF-3 Marli Ferreira afinnou a inconstitucionalidade da participação de congressistas

como sócios de empresas de radiodifu ão . Lê-se na decisão:

··o arr. 54 da Carta Pol itica assim dispõe: ( ... ) A vedação constitucional é expressa e inafasrável. emprestando em decorrência verossimilhança nas alegações deduzidas em ede do presente agravo de instrumento. Está-se diante de incompatibilidade previ ta no texto constitucional. gerando verdadeiro envolvimento de in teresses subalternos, entre o sócio proprietário de empresa concessionária de rádio e televisão - no caso sócio majoritário - com membro integrante de função do Estado encarregada de exercer o controle legislativo dessas concessões, autorizações e permissões. Com efeito, a Constituição Federal determina que até mesmo a alteração de controle societários de tais empresas seja comunicada ao Congresso Nacional (art. 222 , § 5º) e mais ainda. o que aresta a gravidade da situação descrita nos autos. a Lei Maior afirma compelir ao Poder E>..ecutivo a outorga e renovação da concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens (art. 223 , ··caput"), e que o Congresso Nacional apreciará o ato no prazo do art. 64. *~ 2º e -1 ~ . a contar do recebimento da mensagem (§ 1 º),

asseverando ainda no §2º do mesmo dispositivo legal que "a não renovação da conces ie-'u)Y permissão dependerá de aprovação de. no mínimo. dois quintos do Congresso N o ~- '

~~~~~~~- ~

s~ Disponível em: <http: \vww.stf.jus.br portal cm ver oticiaDetalhe.asp?idConteudo=? -J7~·._.,.A sso em: 09 .07 .2016. .?--

49 ~

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votação nominal. Ora. é fato público e notório que vários parlamentares detêm por interpostas pessoas jurídicas a concessão. permissão ou autorização para o funcionamento dessas empresa . o que além de imoral é vedado pelo ordenamento jurídico. É de se perguntar se na declaração de bens apre entada quando da posse. constou essa ilegalidade às escancaras. pois seria o caso. pois de além de responder por ação penal. ser responsabilizado por improbidade administrativa. Não pode haver decisão judicial contrária ao texto constitucional. que é a carta política da sociedade democrática brasi leira. Aliás. as empresas em mãos dos congressistas alinhados no proibitivo constitucional constituem um risco para a própria transparência e li sura do pleito eleitoral, na medida em que pode o eventual candidato ser favorecido por ter em mãos a indigitada concessão. Favorecer raciocínio inverso seria conceder ao parlamentar ser o "controler"· de seus próprios interesses, de seu próprio negócio jurídico. É também público e notório que 1 (um) em cada 5 (cinco) parlamentares seriam membros da própria CCTCI e sócios de concessão pública no setor. Não é possível que o órgão incumbido da defesa dos interesses da sociedade seja coartado nessa busca pela legalidade. moralidade e transparência. mesmo que a ilegal atuação se abrigue sob o manto de pessoa jurídica criada em evidente fraude à lei. Ante o exposto. concedo a antecipação da tutela recursai requerida. para os fins previstos nos itens ··a" e "b" da inicial."

o julgamento da Apelação n. 102.77 1.5/0-008' . o Tribunal de Justica de ão

Paulo decidiu que. em virtude das incompatibilidades negociais previstas pelos artigos 54.

I. "a" e 54. IL "a·· da Constituição. empresa que possui políticos titulares de mandato

eletivo como sócios não pode participar de licitação pública. nem pode finnar ou manter

contratos com a Administração. A decisão sustentou ainda que (i) o artigo 54 alcança a

Administração. proibindo-a de celebrar o contratos vedados por esse preceito

constitucional. e (ii) contrato precedido de licitação não obedece a cláusulas uniforme . Ei

os trechos relevantes da decisão:

Ementa: MANDADO DE EGURA ÇA- Licitação - Admissibilidade - Deputado e vereador sócios da concorrente - Restrição con titucional (CF, art. 54, 1, "a" e li, "a" e LOM. art. 18. 1, e li , ·'a'") - Incompatibilidade negociais - Subsistência da sentença concessiva da ordem Recursos. voluntários e oficial. não providos. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - Esgotamento das vias administrativas -Matéria sujeita ao crivo do Judiciário (CF. art. 5º. XXXV) - Preliminar. rejeitada. ( ... ) 3) No mérito. a sentença deu alução adequada. Há re trições às ociedades comerciais de negociar com o Poder Público, quando eu sócios são membros do Poder Legislativo. Ass im preceitua a Constituição:

Art. 54 - Os Deputados e enadores não poderão: 1 - desde a expedição do diploma: a) firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público ... . sa lvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes: (omissis) II - desde a posse: a) ser proprietários ... de empre a que goze de favor decorrente de contrato com pessoa ,, jurídica de direito público. ou nela exercer função remunerada: ~

________ <º_º_1i-ssis). ~,,.. 7 ~ 8

·1 TJ P. Apelação n. 102.77 1.510-00/Guarulhos. Relator Desembargador William gamento em

:.n.o 1.2000. data de registro 28.02.2000.

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( .. . ) Ora, a sociedade PAUPEDRA - Pedreiras, Pavimentações e Construções Ltda. possui entre seus sócios, FAUSTO MARTELLO, vereador e Presidente da Câmara de Guarulho e, FAUSTO MIGUEL MARTELLO, Deputado Federal. Logo, não poderia concorrer à licitação promovida pela Prefeitura Municipal de Guarulho , para fornecimento de areia, em face das restriçõe constitucionais apontadas. A lei da licitação também contém princípios ético que tornam incompatível a habi litação da referida sociedade. 4) Afigura-se inoperante o argumento da apelante de que, na espécie havendo o contrato de conter "cláusula uniformes", e não gozando ela de qualquer tipo de favorecimento, nada ob ta seja credenciada à participação do exame licitatório, em questão. É que, no caso. o edital estabelece condições igualitárias de concorrência. não estando expressamente estatuído que as cláusulas do contrato de adjudicação obedecerá cláusulas uniformes a toda e qualquer contratação desta natureza. Na verdade, as cláusulas serão estabelecidas de conformidade com a gama de diretrizes fixada no edital de convocação. 5) lnsub istente, também, e apre enta o argumento de que a restrição só vinga na hipótese da empresa gozar de favor decorrente de contrato administrativo. Olvida, no entanto, que, para o enquadramento à restrição basta seja remunerado o parlamentar, como sócio-coti ta da sociedade intere ada. 6) A sanções previstas no art. 55 da Constituição Federal não têm o condão de impedir a contratação, uma vez gue não diz expressamente gue as mesma excluem guaisguer outras penalidades.

endo a sim, o legislador constituinte deixa claro gue o descumprimento do art. 54 acarreta também a perda de mandato eletivo, configurando- e falta de decoro parlamentar. Por todas essas razões. impugna-se a conce ão da ordem rogada, para excluir do certame licitatório, a apelante, por estar sujeita às restrições constitucionais, em comento, impondo-se a subsistência da sentença concess iva da segurança rogada.~~

Essa decisão foi examinada pelo TF no Recurso Extraordinário 370.018/ P, de

relataria da Ministra Cannen Lúcia. julgado em 20.11.200885. Apesar de negar seguimento

ao recurso. a Ministra afirmou. quanto ao mérito. que nada havia a '·reformar ou a se

corrigir nas decisões anteriom1ente exaradas pelos órgãos do Poder Judiciário" e que .. a

prestação dajurisdição foi cumprida nos termos da legislação vigente":

3. O Recorrente assevera que o Tribunal a quo teria desobedecido o art. 37. inc. XXI e dado interpretação incorreta ao an. 54. da Constituição da República. Argumenta que a ·· ... o art. 54 da Constituição Federal contém vedação dirigida única e exclusivamente a senadores e deputado . Ou seja. exi te uma restrição de direito aos titulares de mandato legislativo. Trata- e de comando interditório dirigido às pessoas física que se ocupam das tarefas legis lativas. Por tal razão, é juridicamente impossível o pedido de afastamento de uma pessoa jurídica de certame licitatório, fulcrada na referida norma constitucional" (fl . 41 O) . Pede o provimento do recurso .. reformando-se o entendimento do E. Tribunal a quo e garantindo-se à recorrente o direito de contratar com o Poder Público, uma vez que nenhuma pessoa jurídica pode ser afastada de uma licitação pelo simples fato de ter em seu quadro societário. sem sequer funçõe gerenciai , membros do poder legislativo, sob pena de violação dos an . 54 e 37. XXXI da Constituição Federai·· (fl. 416). Apreciada a matéria trazida na e pécie. DECIDO. ..-- )

~ ... ~e se elucidar. inicialmente. oca o que e tem em juízo. ~--- -~- / O Município de Guarulhos iniciou procedimento licitatório. em 1998, na ~idaáe

~~~~~~~~~~

R; TJ P. Apelação n. 102 .771.5 /0-00/Guarulhos. Relator Desembargador William Marinho, julgamento em Ih 27.01 .2000, data de registro 28.02.2000. grifo nosso. V '' STF. RE 370.018/SP. Relatora Mini tra Carn1en Lúcia, DJe 02.12 .2008 .

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concorrência pública do tipo menor preço. para o fornecimento de areia (Concorrência n. 03/98-SF6 - fl. 35). Recorrente e recorrida habilitaram-se para o certame. Entretanto. conquanto a ora Recorrente tenha sido habilitada. a ora Recorrida questionou administrativamente tal admissão. acabando por impetrar o mandado de segurança - origem do presente recurso - com o fim de afastar a empresa. ao argumento de que dela faziam parte. como seus proprietários. o Presidente da Câmara Municipal de Guarulhos e seu filho. Deputado Federal. Finnou-se a ora Recorrida em que tal afastamento era mister em face do art. 18. incs. 1 e 11. ai. a. da Lei Orgânica do Município de Guarulhos. do art. 9º da Lei n. 8.666/93 e. ainda. do art. 54. inc. 1. ai. a. da Constituição da República. Concedida a ordem de segurança pedida. interpôs-se apelação. na qual se proferiu a deci ão contra a qual se insurge. pelo extraordinário. a ora Recorrente. que compareceu inicialmente na ação como litisconsorte. 7. A análise dos autos patenteia não e dotar de razão jurídica a ora Recorrente, nada havendo a reformar ou a e corrigir nas decisõe anteriormente exaradas pelos órgãos do Poder Judiciário. 8. Quanto ao art. 37. inc. XXI. da Constituição brasileira. não conheço do recurso. por carência do necessário prequestionamento. ( ... ) 11. De se concluir, pois, não haver o que pro er judicialmente, uma vez que a pre tação da jurisdição foi cumprida nos termo da legislação vigente. 12 . Pelo exposto. nego seguimento a este recurso (art. 557. caput. do Código de Processo Civil e art . 21. § 1°. do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal).8

"

No julgamento da Apelação Cível 2006.011311-6, o Tribunal de Justiça de Santa

Catarina anulou, com efeitos ex tunc, contrato administrativo celebrado com empresa

que possui deputado federal como sócio-cotista em razão da vedação prevista pelo

artigo 54, 1, "a", condenou os responsáveis por improbidade administrativa e ordenou

a devolução dos valores recebidos em virtude do contrato. Lê-se na ementa:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA - ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - LICITAÇÃO - DESVIO DE FINALIDADE - ANULAÇÃO DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVO - EFEITOS EX TUNC - DEVOLUÇÃO INTEGRAL DOS VALORES PERCEBIDO -POSSIBILIDADE - MÁ-FÉ COMPROVADA - OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E MORALIDADE - ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA DO MlJl'.JICÍPIO -INOCORRÊNCIA. O princípio da vedação do locupletamento ilícito. cujo teor tem suas raízes na eqüidade e na ética. não pode ser invocado por quem celebrou avença com a Município violando os preceito mais comezinhos da Administração Pública. agindo. por conseguinte. imbuído de comprovada má-fé. Nessa última hipótese. a devolução integral dos valores percebidos em virtude do contrato é medida que se impõe. já que a anulação do acordo opera efeitos ex tunc. Vislumbrar outro norte seria tornar legítimo o constante descumprimento dos princípios da juridicidade e da moral idade. fazendo com que sejam sistematicamente suscitados os possíveis benefícios auferidos pelo ente público. o que relegaria a infringência dos vetores básicos da probidade a plano secundário. AÇÃO CIVIL PÚBLICA - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - DEPUTADO FEDERAL - SÓCIOCOTISTA - EMPRE A QUE FIRMA CONTRATO COM PODER PÚBLICO AVENÇA DESTITUÍDA DE CARÁTER UNIFORME INCOMPATIBILIDADE NEGOCIAL - INCIDÊNCIA - DICÇÃO DO ART. 54. I, "a", DA CARTA MAGNA. Consoante pontifica o art. 54. 1. ""a ... da Lei Maior. a incompatibilidade negocial se re\e te de utilidade para permitir que a legislatura seja levada a efei to sem percalços. embar -e tropeços. Evita. portanto. que a condição do parlamentar e. mormente. a sua fi influencie na celebração de contratos com o Poder Público.

~~~~~~~~~

Sb STF, RE 370.018/SP, Relatora Ministra Carmen Lúcia. DJe 02.12.2008. grifo noss /"'°-==---

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De tarte. não haveria lógica cingir o comando proibitivo exclusivamente aos sócios com podere de gerência. uma vez que. as im como os administradores. os cotistas auferem lucros com a prosperidade da pe soa juridica da qual fazem parte. 8

.,

o mesmo sentido. a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul na

Apelação n. 70018961870 condenou parlamentares e agentes públicos por improbidade

administrativa, por violação ao disposto no artigo 54 da Constituição, em razão da

contratação, pelo Poder Público, de empresas que possuíam políticos titulares de

mandato eletivo como sócios. Lê-se na ementa da deci ão:

Apelação n. 70018961870 eberi. Relator Desembargador Luiz Felipe Silveira Difini , DJ 19. 12 .2007. Ementa : APELAÇÃO CÍVEL. LICITAÇÃO E CONTRATO ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA . VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 11 . CAPUT, DA LEI 0 8.249/92. INCONTROVERSOS OS FATOS IMPUTADOS AOS DEMA DADO . INEXI TÊ CIA DE PREJUÍZO AO ERÁRIO. INOB ERVÂNCIA DE PRINCÍPIO REGENTE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. AÇÃO DOLOSA. CONTRATAÇÃO COM O PODER PÚBLICO VEDADA A DETENTOR DE MANDATO DE VEREADOR. ART. 43 DA LEI ORGÂNICA E ART. 54 DA CONSTITUICÃO FEDERAL. MÁ-FÉ CARACTERIZADA. EVIDENTE OBTENÇÃO DE BENEFÍCIO PRÓPRIO DOS DEMANDADOS. PENALIDADE DE MULTA ARBITRADA EM CO SONÂNCIA COM OS CRITÉRIOS LEGAIS E DE PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE DIANTE DA GRAVIDADE DAS CONDUTAS. APELO IMPROVID0.88

VII. Sobre o artigo 38, parágrafo único da Lei nº 4.117/1962

62. Ao negarem a incidência dos artigos 54, 1, .. a" e 54, ll. '"a'' da Constituição ao

caso tratado por esta Ação Civil Pública, os Réus afirmam que a única proibição aplicável

seria aquela prevista pelo artigo 38. parágrafo único, da Lei nº 4.117/1962. que impede

quem e teja no gozo de imunidade parlamentar ou de foro especial de ··exercer a função de

diretor. ou gerente de conce ionária, permissionária ou autorizada de serviço de

radiodifusão". Nessa medida. não haveria vedação à participação de congressistas como

sócios de empresas de radiodifusão. apenas como diretor ou gerente de emissoras de rádio

ou TV.

O Ministério das Comunicaçõe afirma que ··adota oficialmente" o entendimento

:: :::e aarti:: :.:i::i~:s::1tuição não proíbe a participação de congressis/ sóc~ 8

., TJSC, Apelação Cível n. 2006.011311-6. de Pornerode. rei. Des. Volnei Carlin, Primeir~:r:~e: D:eitJó_ Público. julgamento em 11.06.2007. DJe 25 I de 20 .07.2007 . y ~~ TJRS. Apelação n. 70018961870 Seberi. Relator Desembargador Luiz Felipe Silveira Difini. DJ 21.02.2008, grifo nosso.

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"O invocado art. 54. 1. "a". CF. não proíbe de forma expressa e categórica que um deputado seja acionista de uma rádio! E tanto isso verdade que o Ministério das Comunicações. gestor desse tipo de assunto. adota oficialmente o entendimento de que art . 54. 1. ··a··. CF não proíbe que um deputado seja acionista de uma rádio .. (tls . 159)

63. Esse entendimento está equivocado. p01s. como se demonstrou na petição

inicial e nesta réplica. os artigos 54. 1. "a .. e 54. II. "a·· proíbem a participação de

congressistas como sócios de empresas de radiodifusão. O disposto em lei federal - seja a

lei 4.117/1962 ou qualquer outra lei infraconstitucional - não infirma nem tem o

condão de afastar a proibição clara prevista pela Constituição.

A interpretação adotada "oficialmente .. pelo Ministério das Comunicações. com a

devida vênia. está equivocada e vai contra o quanto determinado pelo STF. Na Ação Penal

530, a Corte afirma expressamente que "'não merece endosso a posição trazida aos autos

em oficio do Ministério das Comw1icacões ... mesma posição reiterada nos autos desta

Ação Civil Pública. Lê-se na decisão do STF:

Em primeiro lugar. os incisos 1. "a". e li. "a". do art. 54 da Constituição. Não importa o nomen iuris pelo qual o serviço foi repassado ao parlamentar ou à empresa por ele controlada. se concessão, permissão ou autorização. Viola a proibição constitucional qualquer outorga ao parlamentar de beneficio extravagante por parte da Administração Pública direta ou indireta. ( ... ) O que a lei pretendeu prevenir, como visto. foi a perigosa reunião de poder político e controle sobre veículos de comunicação de massa. com os riscos inerentes de abuso e desvio. Não há como interpretar a lei no sentido de que voltada a quem realiza as pequenas tarefas de gestão do cotidiano da empresa de radiodifusão. olvidando-se do controlador do empreendimento. O que a proibição legal visa a impedir é a utilização do poder político para obtenção da outorga do serviço de radiodifusão. com o abuso desse serviço para atendimento aos interesses políticos. em prejuízo da liberdade de esfera de debate público. Não merece endosso, nessa perspectiva, a posição trazida aos autos em ofício do Ministério das Comunicações e em parecer da Câmara dos Deputados de que não haveria proibição para que parlamentar fosse proprietário de empre a titular de en iço radiodifusão (íls. 426-7, 1.008-9 e ns. 1. 942-3). Ao contrário do ali preconizado, a proibição é clara. Não fosse a proibição clara e não fosse a interpretação distorcida proveniente dos próprios beneficiários da distorção, seria até o caso de reconhecer eventual erro de proibição por parte dos acusados . Entretanto. reconhecer erro de proibição. nas circunstâncias. equivaleria a premiar a interpretação distorcida e os próprio respon áveis por ela. Assim. incidindo no caso as proibições do art. 54. 1. "a". e li. "a". da Constituição Federal e do parágrafo único do art. 38 da Lei nº 4.117 1962, era e é vedado ao parlamentar ou empresa por este controlada receber do Governo Federal a outorga de serviço de radiodifusão sonora.

64. Em suma. o artigo 54 da Constituição proíbe a participação de congressistas ...

como sócios de empresas de radiodifusão. O preceito do artigo 38. paráo . a Lei

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-

4.117/1962, em nada altera essa conclusão.

VIII. Da tempestividade desta Réplica

65. No presente processo, os Autores possuem diferentes procuradores, de

distintas instituições de trabalho . Assim, nos termos do artigo 229 do CPC/1588, os prazos

de manifestação nestes autos deverão ser sempre computados em dobro.

O prazo para a presente manifestação é de 15 (quinze) dias úteis contados do

primeiro dia útil seguinte ao da publicação da intimação, conforme preceituam os artigos

219, 224, 350, 35189 do CPC/15.

A intimação para a manifestação do Intervozes sobre as contestações dos Réus foi

publicada no dia 17.06.2016. Assim, a contagem do prazo para manifestação teve início no

dia 20.06.2016, primeiro dia útil subsequente, terminando no dia 29.07.2016.

O Ministério Público Federal, por sua vez, tem prazo em dobro para se manifestar

nos autos, contado a partir de sua intimação pessoal, nos termos dos artigos 180, 183, § 1 º

e 230 do Código de Processo Civil9º. Sua intimação pessoal para esta manifestazão aind · / ~ .

88 An. 229. Os litisconsones que tiverem diferentes procuradores, de escritórios de advocacia dis , a(;. \V prazos contados em dobro para todas as suas manifestações, em qualquer juízo ou tribunal,"\}\ independentemente de requerimento . Jl "" Art. 219. Na concagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os JJ

dias úteis. An. 224. Salvo disposição em contrário, os prazos serão contados excluindo o dia do começo e incluindo o

dia do vencimento. § 1 Os dias do começo e do vencimento do prazo serão protraídos para o primeiro dia útil seguinte, se

coincidirem com dia em que o expediente forense for encerrado antes ou iniciado depois da hora normal ou houver indisponibilidade da comunicação eletrônica.

§ 2" Considera-se como data de publicação o primeiro dia útil seguinte ao da disponibilização da informação no Diário da Justiça eletrônico.

§ 3" A contagem do prazo terá início no primeiro dia útil que seguir ao da publicação An. 350. Se o réu alegar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, este será ouvido no

prazo de 15 (quinze) dias, permitindo-lhe o juiz a produção de prova. Art. 351. Se o réu alegar qualquer das matérias enumeradas no art. 337, o juü determinará a oitiva do autor

no prazo de 15 (quinze) dias, permitindo-lhe a produção de prova. ~11 Art. 180. O Ministério Público gozará de praz.o em dobro para manifestar-se nos autos, que terá início a

partir de sua intimação pessoal, nos termos do an. 183, § l º. Art. 183. A União, os Estados. o Distrito Federal. os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de

direito público gozarão de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais, cuja contagem terá início a partir da intimação pessoal.

§ lo A intimação pessoal far-se-á por carga, remessa ou meio eletrônico. Art. 230. O prazo para a parte, o procurador, a Advocacia Pública, a Defensoria Pública e o Ministério

Público será contado da citação, da intimação ou da notificação .

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não ocorreu. Assim, em realidade, a contagem do prazo para apresentação da manifestação,

em conjunto, dos litisconsortes sequer teve início.

Dessa maneira, é tempestiva a presente manifestação dos Autores.

IX. Da Competência da Justiça Federal de São Paulo

66. Diferentemente do que alegam os Réus, a Justiça Federal de São Paulo é sim

competente para processar e julgar a presente ação.

67. O Réu Luiz Felipe Baleia Tenuto Rossi afirma que, em razão do disposto no

artigo 53, § 1 º da Constituição Federal, o foro competente para julgá-lo é o Supremo

Tribunal Federal. Haveria, portanto, incompetência absoluta da 2ª Vara da Justiça Federal,

com a consequente nulidade das decisões interlocutórias já proferidas.

Essa alegação não se sustenta. Em vista do princípio da unidade da Constituição.

as normas constitucionais não devem ser interpretadas isoladamente, mas sim em conjunto

com o todo que compõem o texto constitucional. O artigo 53, § 1 º deve ser interpretado em

conjunto com o artigo 102, 1, "b" da Constituição de forma a se concluir que a

competência originária do STF para o processo e julgamento dos membros do Congresso

Nacional restringe-se às ações que versem sobre infrações penais comuns. Logo, o foro

por prerrogativa de função dos congressistas no STF refere-se apenas à matéria penal. Esse

é o entendimento da Suprema Corte que, em inúmeras decisões, já afirmou sua

incompetência para julgar ações civis públicas contra pessoas que possuam foro por

prerrogativa de função em matéria penal naquele tribunal. Veja-se, a propósito. as

seguintes decisões do STF com este posicionamento:

EMENTA: SENADOR DA REPÚBLICA. INQUÉRITO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MEDIDA PROCESSUAL A SER EVENTUALMENTE ADOTADA CONTRA EMPRESAS QUE ESTIVERAM SUJEITAS AO PODER DE CONTROLE E GESTÃO DO PARLAMENTAR, ATÉ A SUA INVESTIDURA NO MANDADO LEGISLATl O. ALEGADA USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AUSÊNCIA DE PLAUS!BILLDADE JURÍDICA. MEDIDA LIMINAR CASSADA. - O Supremo Tribunal Federal - mesmo tratando-se de pessoas ou autoridades que dispõem, em razão do ofício, de prerrogativa de foro, nos casos estritos de crimes comuns -não tem competência originária para proce sar e julgar ações civis públicas que contra elas possam ser ajuizadas. Precedentes. A competência originária do Supre~ibunal Federal, por qualificar-se como um complexo de atribuições jurisdic· ·5 ' tração

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essencialmente constitucional - e ante o regime de direito estrito a que se acha submetida - não comporta a possibilidade de ser estendida a situações que extravasem os rígidos limites fixados, em numerus clausus, pelo rol exaustivo inscrito no art. 102, 1, da Constituição da República. Precedente . Trecho do Voto do Min . Celso de Mello: O regime de direito estrito. a que se submete a definição dessa competência institucional. tem levado o Supremo Tribunal Federal. por efeito da taxatividade do rol constante da Carta Política. a afastar, do âmbito de suas atribuições juri dicionais originárias, o processo e o julgamento de causas de natureza civil que não se acham in critas no texto constitucional (ações populares, ações civis públicas. ações cautelares, ações ordinárias, ações declaratórias e medidas cautelares). mesmo que instauradas contra o Presidente da República ou contra qualquer das autoridades, que, em matéria penal (CF, art. 102, 1, b e c), dispõem de prerrogativa de foro perante a Corte Suprema ou que, em sede de mandado de segurança, estão sujeitas à jurisdição imediata do Tribunal (CF, art . 102, 1, d). Precedentes." (Pet 1.738-MG (AgRg). Rei. Min . CEL O DE MELLO, Pleno) É por essa razão que o upremo Tribunal Federal, em sucessivas decisões, firmou entendimento jurisprudencial no sentido de que não possui competência originária para processar e julgar determinadas cau as - tais como ações populares (RTJ 121117, Rei. Min. MOREIRA ALVES - RTJ 141 34-L Rei. Min . CELSO DE MELLO - Pet 352-DF, Rei. Min. SYDNEY SANCHE - Pet 431-SP. Rei. Min. ÉRI DA SILVEIRA - Pet 487-DF. Rei. Min . MARCO AURÉLIO - Per 1.641-DF. Rei. Min. CEL O DE MELLO), ações civi públicas (RTJ 159/28. Rei. Min. ILMAR GALVÃO - Pet 240-DF. Rei. Min . NÉRI DA SILVEIRA) ou ações cautelares, ações ordinárias. açõe declaratórias e medidas cautelares (RT J 94/4 71 , Rei. Min . DJACI FALCÃO - Pet 240-DF. Rei. Min . ÉRI DA SILVEIRA) - não obstante promovidas contra o Pre idente da República, ou contra o Presidente da Câmara do Deputados, ou, ainda, contra qualquer dos agente políticos ou autoridades, que, em matéria penal (CF, art. 102, I, b e c), di põem de prerrogativa de foro perante e ta Corte ou que, em sede de mandado de segurança, estão sujeito à jurisdição imediata deste Tribunal. Essa orientação jurisprudencial reílete-se na opinião de autorizados doutrinadores (ALEXA ORE DE MORAE . "Direito Constitucional" , p. 180, item n. 7.8, 6ª ed., 1999, Atlas; RODOLFO DE CAMARGO MA CUSO. "Ação Popular", p. 12911 30, 1994, RT; HELY LOPES MEIRELLES. "Mandado de Segurança. Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, 'Habeas Data"' , p. 122. 19'' ed .. atualizada por Amoldo Wald, 1998. Malheiros; HUGO NIGRO MAZZILLI . "O Inquérito Civil". p. 83 /84. 1999. Saraiva; MARCELO FIGUEIREDO, "Probidade Administrativa". p. 91 , 3ª ed., 1998. Malheiros, v.g.). cujo magistério também assinala não se incluir, na esfera de competência originária do Supremo Tribunal Federal, o poder de processar e julgar causas de natureza civil não referidas no texto da Constituição, ainda que promovidas contra agentes estatais a quem se outorgou, ratione muneris, prerrogativa de foro em sede de persecução penal . ou ajuizadas contra autoridades públicas. que. em sede de mandado de segurança. estão sujeitas à jurisdição imediata do Supremo Tribunal Federal. (STF, AGRAVO REG . EM RECLAMAÇÃO . 1.110-1 DF. lnfo 172. Relator: Min. Cel o de Mello)

PROTESTO JUDICIAL FORMULADO CONTRA DEPUTADO FEDERAL - MEDIDA DESTITUÍDA DE CARÁTER PENAL (CPC, ART. 867) - AUSÊNCIA DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO UPREMO TRIBUNAL FEDERAL - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. A PRERROGATIVA DE FORO - UNICAMENTE INVOCÁVEL NOS PROCEDIMENTOS DE CARÁTER PENAL - NÃO SE ESTENDE ÀS CAUSAS DE NATUREZA CIVIL. - As medidas cautelares a que se refere o art. 867 do Código de Processo Civil (protesto. notiticação ou interpelação). quando promovidas contra membros do Congresso acional. não se incluem na esfera de competência originária do

upremo Tribunal Federal. precisamente porque destituídas de caráter penal. Precedentes. A COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - CUJOS FUNDAMENTOS REPOUSAM NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - SUBMETE-SE A REGIME DE DIREITO E TRITO. - A competência originária do Supremo Tribunal Federal, por qualificar-se como um complexo de atribuições jurisdicionais de extração essencialmente constitucional - e ante o regime de direito estrito a que e acha submetida - não comporta a possibilidade de ser estendida a situações que extravasem os limites fixados, em numerus clausus, pelo rol exaustivo inscrito no art. 102, 1, da Con tituição da República. Precedentes. O regime de direito estrito, a que se submete a definição dessa competência

insfü"'ional, tem levado o Snp"mo Tdbnnal Fedml, Pº' efK~~o :•;

-4(0

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constante da Carta Política, a afa tar, do âmbito de suas atribuições juri dicionai originárias, o processo e o julgamento de causas de natureza civil que não e acham inscritas no texto constitucional (ações populares, ações civis públicas, ações cautelares, ações ordinárias, ações declaratórias e medidas cautelares), mesmo que in tauradas contra o Pre idente da República ou contra qualquer das autoridades, que, em matéria penal (CF, art. 102, 1, b e c), dispõem de prerrogativa de foro perante a Corte Suprema ou que, em sede de mandado de segurança. estão sujeitas à jurisdição imediata do Tribunal (CF. art. 102, 1, d). Precedentes. (Pet 1738 AgR. Rei. Min. Celso de Mello. Tribunal Pleno.julgado em O l/0911 999, DJ O 1-10-1999 PP-00042 EMENT VOL-01965-01 PP-00042)

"Competência do Supremo Tribunal Federal. Ação Ci il Pública contra Presidente da República. Lei nº 7.3-l7/85 . A competência do Supremo Tribunal Federal é de direito estrito e decorre da Constituição, que a restringe ao casos enumerados no art. 102 e incisos. A circun tância de o Presidente da República estar sujeito à jurisdição da Corte, para os feitos criminai e mandado de segurança, não desloca para esta o exercício da competência originária em relação às demais ações propostas contra ato da referida autoridade. Agravo improvido." (RTJ 159 128. Rei. Min. ILMAR GALVÃO)

Assim, é competente o foro da Justiça Federal de Primeiro Grau e não o TF para

processar e julgar a presente causa. que não se refere a matéria penal.

68. Com relação à competência territorial. ao contrário do que alega a nião

Federal, o fato de as rádios objeto da presente ação estarem sediadas nas cidades de

Igarapava e Jardinópolis não modifica a competência territorial da Justiça Federal de São

Paulo.

Nos termos art. 109. § 2º. da Constituição .. as causas intentadas contra a União

poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor. naquela onde

houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coi a. ou.

ainda. no Distrito Federal ...

o caso dos autos. um dos Autore . o lntervoze , tem sede na Cidade de ão

Paulo. o que toma a Subseção Judiciária de São Paulo competente para este feito. E no

caso de litisconsórcio ativo. como o dos autos. é facultada a propositura da ação em

qualquer das possibilidades previstas no artigo 109. § 2"' . esse sentido, o seguinte julgado

do STF:

O art. 109. § 2°. da CF. não impede a formação de litisconsórcio ativo de autores domiciliados em Estados-membros diversos daquele em que ajuizada a causa. Aos litisconsones é facultada a opção pela propositura da ação em qualquer das possibilidades previstas no dispositivo constitucional. (RE 234.059, rei. min . Menezes Direito. julgamento em 2-9-2008. Plenário. DJE de 21-11-2008.) o mesmo sentido: RE 403.622-AgR. rei. min . Teori Za\ascki . julgamento em 11-6-2013. egunda Turma. DJ E de 26-6-2013 .

Ademais, nos termos do artigo 93. II. do Código de Defesa do Co

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artigo 2° da Lei nº 7.347/85. para os casos de dano de âmbito nacional ou regional. é

competente o foro da Capital do Estado - no caso a Cidade de São Paulo. Neste caso, o

dano tem âmbito regional por conta do espectro das rádios em questão, cujo sinal não

atinge apenas os municípios sedes das outorga (Jardinópolis e lgarapava), mas também

inúmeros outros municípios vizinhos e inúmeras pessoas, inclusive por meio de

transmis ão via internet, o que pem1ite a fixação da competência na capital do Estado.

Além disso, o interesse aqui discutido é difuso, atingindo um número indeterminado de

pessoas, o que justifica a proposição desta Ação na capital do Estado. A propósito, ressai te­

se que os Réus admitiran1 o interes e difuso envolvido nesta ação.

A confirmar as conclusões acima acerca da competência do foro da Capital do

Estado para o julgan1ento desta ação. veja-se os precedentes citados na petição inicial: CC

00088734720124030000, Des. Fed. Antonio Cedenho, TRF3, Primeira Seção. e-DJF3

Judicial 1. julgado em 25.07.2012: REsp 11O1057/MT, Rei. Min. ancy Andrighi, Terceira

Turma. julgado em 07.04.2011, DJe 15.04.2011: STJ, REsp nº 10128214/PR. Rei. Min.

Mauro Campbell Marque , DJe de 15 .06.2009. Eis a ementa da decisão relatada pela Min.

Nancy Andrighi:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA . DANO DE ÂMBITO REGIONAL. COMPETÊNCIA DA VARA DA CAPITAL PARA O JULGAMENTO DA DEMANDA. ART. 93 DO CDC. 1. O art. 93 do CDC estabeleceu que. para as hipótese em que as lesões ocorram apenas em âmbito local. será competente o foro do lugar onde se produziu o dano ou se devesse produzir (inciso 1), mesmo critério já fi xado pelo art. 2° da LACP. Por outro lado. tomando a lesão dimensões geograficamente maiores. produzindo efeitos em âmbito regional ou nacional. serão competentes os foros da capital do Estado ou do Distrito Federal (inciso li) . 2. Na espécie, o dano que atinge um vasto grupo de consumidores. espalhados na grande maioria dos municípios do estado do Mato Grosso, atrai ao foro da capital do Estado a competência para julgar a presente demanda. 3. Recurso especial não provido. (STJ. REsp 1101057 MT. Rei. Min . ancy Andrighi. Terceira Turma. julgado em 07.04 .2011. DJe 15.04.2011 )

Em suma. é competente o foro da Ju tiça Federal de Primeiro Grau de São Paulo

para processar e julgar a presente demanda.

público

X. Sobre o periculum in mora e o princípio da continuidade do serviço

69. A alegação dos Réus de que não há peric11/11m in mora nesta demand,a e que. ,....-,.-// -- ~ 59 -----~-/ / ' /, ·' {J

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na verdade. existe um pengo ao reverso. por violação ao princípio da continuidade do

serviços públicos. não procede.

A existência do pericu/um in mora neste processo já foi comprovada na petição

inicial e reconhecido pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região. no julgamento do AI n"

0002889-43.2016.4.03 .0000/SP. que deferiu a antecipação da tutela recursai. De acordo

com o Desembargador Relator Johonsom Di alvo. '' [elxistem evidentes/umus boni iuris

e perigo na demora quando a Constituição Federal é aviltada, pois é urgente que se

reponha a majestade da Carta Magna ultrajada"' . Dessa maneira. resta prejudicada esta

alegação dos Réus.

70. Também não procede o argumento dos Réus de que a suspensão da atividade

das rádios violaria o princípio da continuidade do serviço público e deixaria os cidadãos

das suas cidades sede sem o serviço de radiodifusão.

O site da Anatei (fls. 198 e 199) informa que existem vários outros veículos de

radiodifusão outorgados para os Municípios de Igarapava e Jardinópolis. Além disso. há

outras rádios e TVs outorgadas para Municípios vizinhos que transmitem seus sinais para

Igarapava e Jardi nópo lis. Dessa maneira. os cidadãos destes municípios não erão

prejudicados nos seus direitos de informação e de comunicação com a suspensão destas

rádios. Além disso. há outros meios de comunicação disponíveis à população. como

destacou o Desembargador Federal Johonsom Di Salvo, no julgamento do AI nº 0002889-

43.2016.4.03.0000/ P:

Não tem o menor propósito a afirmação( ... ) de que a concessão da tutela liminar acabaria por cercear umofo n1e de infurmuçiiu e prutlutos rn/111rnis de conteúdo diverstficado à populaçúu Isso não tem sentido no mundo moderno. em que há um grande número de fonte s de informação, inclusive por meio de telefone celulares e da internet. cujo acesso é amplo até para as pessoas carentes.

O princípio da continuidade do erviço público não deve servir como subterfúgio

para a manutenção de uma situação inconstitucional e que gera danos diários à população.

Nessa linha, mencione-se. novamente a deci ão do De embargador Federal Johonsom Di

Salvo, no julgamento do AI nº 0002889-43.2016.4.03.0000/SP:

O que não pode haver é o beneplácito judicial à continuidade de uma ofensa contra a ordem constitucional. base da existência do Estado Brasileiro. Existe ao menos uma norma constitucional (art. 54. 1. "a'" ) aplicável na espécie e

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desde a posse os membros do Congresso acional não podem ser proprietários. controladores ou diretores de empresas beneficiária de contrato firmado com pessoa jurídica de direito público, tampouco podem nelas exercer funções remuneradas. ( ... ) Não há o que discutir: contra a Constituição Federal não há ·'direitos adquiridos··. nem flexibili~ações, nem o decantado .. jeitinho brasilei ro". Aliás. na espécie, o "jeitinho·· (como se valer de laranjas. por e ·emplo) conduz aos rigores do Direito Penal , como já averbou a

uprema Corte. A regra constitucional vale e deve ser cumprida à risca. Sem tergiversações. Existem evidentes f11 11111s hvni iuris e perigo na demora quando a Constituição Federal é aviltada, pois é urgente que e reponha a majestade da Carta Magna ultrajada.

Destarte, ao contrário do que afim1am os Réus. o princípio da continuidade dos

serviços públicos não sustenta a manutenção de outorga de radiodifusão que violam a

Constituição. Não serve de fundamento à continuidade das atividades da Rádio Show de

Igarapava Ltda. e da Rádio AM how Ltda.

Xl. Da inexistência de cerceamento do direito de defesa

71 . Os Réus Luiz Felipe Baleia Tenuto Rossi e Rádio AM Show Ltda. sustentam

que houve cerceamento do direito de defesa pelo não atendimento do contraditório e da

ampla defesa durante o inquérito civil instaurado pelo MPF e que as provas juntadas pelos

utores teriam natureza precária e relati va. não devendo. por isso, ser tomadas em caráter

absoluto.

72. Como ensina Hugo igro Mazzilli. o inquérito civil, criado na Lei 7.347/85 e

depois consagrado na Constituição de 1988, é urna investigação administrativa a cargo do

Ministério Público, com o objetivo de colher elementos de convicção para eventual

propositura de ação civil pública91. Segundo Mazzilli. o inquérito civil é um ··procedimento

investigatório não contraditório; nele não e decidem interesses nem se aplicam sanções;

ante . ressalte-se sua informalidade9-' "". Assim, as investigações aí produzidas têm caráter

inquisitivo, da mesma forma que no inquérito policial. O contraditório e a ampla defesa

não têm lugar no inquérito civil. mas sim na fase processual. Nesse sentido, pronunciou-se

o STJ:

HABEA CO RP US UBSTITUT IVO DE RECU R O ORO! ÁRIO. DE CA BIME TO. COM PETÊNC IA DO SU PREMO TRIB U AL FEDERAL E DESTE UPERIOR TRIBU AL

------- ./ DE JUSTIÇA. MATÉRIA DE DIREITO ESTRI TO. MODIFICAÇÃO DE E ~E DIMEN ,,

"" MAZZ ILI , Hugo Nigro. Â defesa dos intere -ses di/Ílsos e111j11í=v. São Paulo: Saraiva, 2012, R~ _,_. - _/\ÍV º' MAZZ ILI . Hugo Nigro . .4 defesa dos imeresses di/iisos em juí=o. cit., p. 480. - ,...- ?V\

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DO STJ, EM CONSONÂNCIA COM O DO TF. PRESIDÊNCIA DE INQ UÉ RITO C IVIL PÚBLICO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. PREVISÃO CONSTITUCIONAL. PROCEDIMENTO ADMINI TRATIVO MERAMENTE INFORMATIVO, EM QUE NÃO CABE O CONTRADITÓRIO E A AMPLA DEFESA. INSTITUTOS QUE TERÃO LUGAR NO DECORRER DA INSTR UÇÃO CRIMINAL. PODER INVESTIGATÓRI O DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ORDEM DE HABEAS CORPUS NÃO CO HEC IDA. IMPOSSIBILIDADE DE CO CESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO. HABEA CORPU NÃO CONHECIDO. 1. ( ... ) 3. Não é o que ocorre no caso. pois o inquérito civil público. pre\ isto como função institucional do Ministério Público. nos termos do art. 129. inci o Ili, da Constituição de República. pode ser utilizado como elemenro probatório hábil para embasa r a propositura de ação penal. 4. O inquérito civil público tem natureza inquisitorial, por er peça informativa. O contraditório e a ampla defe a devem espaço no decorrer da instrução criminal e não no âmbito do referido procedimento administrativo. ( TJ. HC 175.596/MG, Rei. Ministra LAURITA VAZ. QUINTA TURMA. julgado em 17 '11 '2012. DJ e 05112/2012)

Além disso. o inquérito civi l não é pressuposto processual para o Ministério

Público ingressar com ação civi l pública. Pode ser dispensado se existirem outros

elementos de convicção suficientes para a propositura da ação. Como o próprio STJ

decidiu, a ocorrência de possíveis vícios durante a tramitação de inquérito civil não

contaminam a ação civil pública:

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMIN ISTRATIVA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIVERGÊNCIA JURISPRUDE CIAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO. REQUISITOS DOS ARTS. 541 , PARÁGRAFO ÚNICO. DO CPC E 225. §§ Iº E 2°. DO RISTJ. OMI ÃO. 1 EXISTÊ CIA. DEVIDA PRE TAÇÃO JURISDICIONAL. MATÉR IAS QUE DEMA DAMA ÁLISE DO CONJUNTO FÁTICO­PROBATÓRIO. PROCEDIME TO PRÓPRIO DA AÇÃO DE CONHECIMENTO. SÚMULA 7/STJ . IRREG ULARIDADES NO INQUÉRITO CIVIL. AUSÊNCIA DE VÍCIO NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NES A EXTE SÃO. ÃO PROVIDO. 1. ( .. . ) 5. O inquérito civil. como peça informativa. tem por fim embasar a propositura da ação. que independe da prévia instauração do procedimento administrativo. Eventual irregularidade praticada na fase pré-processual não é capaz de inquinar de nulidade a ação civil pública, assim como ocorre na esfera penal, e observadas as garantia do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório. 6. Recurso especial parcialmente conhecido e. nessa extensão. não provido. (REsp 1I19568 'PR. Rei. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA. PRIMEIRA TURMA, julgado em 02109 201 0. DJe 23 /09/2010)

No caso dos autos foi instaurado um inquérito civi l para colher elementos de

convicção sobre a situação ilícita aqui reportada. Colhidos os elementos e os meio de

prova, foi proposta a presente ação civil pública, na qual foram e continuarão a ser

assegurados o contraditório e a ampla defesa para todas as partes envolvidas. Não existem

quaisquer ilegalidades na condução do referido inquérito e mesmo se houves e, ela

não teriam o condão de prejudicar esta demanda .

XII. Da inexistência de prescrição

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73 . ão há que se falar também em perda do direito de ação pelo decurso de mais

de cinco anos dos atos de outorga do serviço de radiodifusão, como alegado pela Ré Rádio

AM Show Ltda. em sua contestação. Tais ato administrativos (decretos do Poder

Executivo. referendados por decretos legislativos) não se exaurem em si mesmos. mas dão

origem a contratos de concessão de serviço público. cujos efeitos se protraem no tempo e

vigoram até hoje. Enquanto perdurarem os efeitos do contrato de concessão. perduram as

violaçõe à Constituição e à legi lação cometidas no momento da edição dos atos

administrativos de outorga. renovação e aprovação das concessões.

74. Neste sentido e manifestou unanimemente a Primeira Câmara Cível do

Tribunal de Justiça do Rio Grande do ui na decisão da Apelação Cível nº

70019198076/2007, sob a relatoria do De embargador Henrique Osvaldo Poeta Roenick.

este caso. o Ministério Público havia obtido em primeira instância provimento favorável

à declaração de nulidade do ato de prorrogação do contrato de concessão da Estação

Rodoviária de Cruz Alta por de cumprimento de exigência legal de nova licitação. Ao

rejeitar a preliminar de prescrição apresentada pelo pelante. afirmou o Relator:

Da mesma fonna, vai rejeitada a preliminar de prescrição da pretensão deduzida na inicial. tampouco decadência do direito do Mini tério Público em buscar a anulação de contratos administrativos firmado em de acordo com as di posições contidas em nosso ordenamento jurídico positi o. Tratando-se de contrato administrativo de conces ão de serviço público, as eventuais invalidades vão se perpetuando no tempo, visto tratar-se de relação de trato ucessivo. Daí porque, não há falar à e pécie, em pre crição para a propositura da presente ação civil pública, tampouco em decadência do direito de questionar-se, em juízo, a validade da concessão de serviço público, enquanto perdurarem os efeitos da pactuação. (TJRS. Primeira Câmara Cível , Apelação Cível nº 7001919807612007. Rei Des. Henrique Osvaldo Poeta Roenick, julgamento em 13.06.2007, DJ 16.07 .2007, sem destaque no original)

Tal provimento foi objeto de Recurso Especial ao Superior Tribunal de Justiça.

tendo sido mantido por decisão monocrática do Ministro Sr. Humberto Martins.

No amente questionado em sede de Agravo Regimental. resultou na seguinte ementa da

Segunda Turma do STJ:

ADMINISTRATIVO E PROCE SUAL CIVIL - AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL - LICITAÇÃO - NÃO EXI TE MULTIPLICIDADE DE RECURSO COM O MESMO FUNDAMENTO - VIOLAÇÃO DO ART. 535. li. DO CPC INEXISTÊNCIA -DOS ARTS. 54 DA LEI N. 9.787/99, Iº, DO DECRETO N. 20.910/32, E 21 DA LEI N . .t.717/65 - NÃO-CO HECIME TO - RETROATIVIDADE DA LEI ESTADUAL . 10.86/94 - NÃO-CONHECIME TO - VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIO - NECESSIDADE DE INDICAÇÃO DE DISPOSITIVO LEGAL VIOLADO - VIOLAÇÃO DO ART. 42 E§§ DA LEI . 8.987195 - NÃO-CO HECIMENTO -- DIVERGÊNCIA - AUSÊ~ DE

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SIMILITUDE FÁTICA. ( ... ) 4. Estando em cur o a execução do contrato. não se há falar em transcurso do prazo decadencial ou prescricional. (. .. ) Agravo regimental improvido. (STJ. Segunda Turma, unanimidade. AgRg no REsp 1079126 RS 2008/0172099-0, Rei. Min. Humberto Martins. julgamento em O 1.09.2009. DJ 22 .09.2009 - sem destaque no original).

Finalmente. em novo recurso. o entendimento acima foi uma vez mais confirmado

pelo STJ em sede de Embargos de Divergência em Recur o Especial. conforme abai ' O:

EMBARGO DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO ADMINISTRATIVO. CONTRATO ADMINISTRATIVO DE CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. PRORROGAÇÃO SEM LICITAÇÃO. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. 1. O termo inicial da prescrição da nulidade do ato administrativo de prorrogação ilegal do contrato de concessão se constitui no encerramento do tempo contratual. 2. Embargos de divergência rejeitados. (STJ, S 1- Primeira Seção. maioria. EREsp 1079126 (20 10/0079296-0). Relator Ministro Hamilton Carvalhido, julgamento em 13 .12 .20 1 O. DJ 06.05.20 11 - sem destaque no original).

75. Assim. conforme assentado pelo T.J. o termo inicial da prescrição da nulidade

de ato administrativo que contraria dispo icõe constitucionais e legais. quando tal ato

resulta em contrato de concessão de serviço público. é o momento em que se encerra o

referido contrato. No caso. ainda perduram as outorgas da Rádio AM Show Ltda. e da

Rádio Show de lgarapva Ltda .. razão pela qual não se iniciou o prazo de contagem da

prescrição quinquenal aludida pela Ré e. portanto. não se pode alegar perda do direito de

ação por parte dos Autores.

XIII. Da impugnação do valor da causa

76. ão comportam provimento (i) o pedido do Réu Luiz Felipe Baleia Tenuto

Rossi de redução do valor da causa para dez alário mínimo . e (ii) o pedido da Ré Rádio

AM Show Ltda. para redução desse valor ao montante de R$ 30.000.00 (trinta mil reai s) .

O controle de outorga de radiodifusão promove ao concessionário relevante

beneficio econômico decorrente da comercialização de até 25% do tempo de programação

para veiculação de anúncios publicitários. Por isso. a outorga en olve um conteúdo

econômico considerável, incompatível com os valores requeridos pelos Réus

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-

A evidenciar essas afirmações, veja-se que a Folha de São Paulo (anexo 11)9ª

informa a existência de uma emissora de FM no município de Leme/SP que foi licitada por

R$ 520.000,00 (quinhentos e vinte mil reais) há 9 anos atrás (em 2007), ao passo que outra

emissora de FM do mesmo município estava à venda por cerca de R$ 2.000.000,00 (dois

milhões de reais).

A presente ação civil púbica envolve duas outorgas de radiodifusão. Logo, o

valor de R$ 1 milhão é condizente com o conteúdo econômico em questão.

XIV. Conclusão

77. Com tais considerações pugna-se sejam afastadas todas as preliminares e

alegações de mérito arguidas pelos Réus, julgando-se totalmente procedentes os pedidos

veiculados na peça exordial.

Nestes termos, pede deferimento.

6.

/ rocurador da República

0~ ~~ 1LJt~ e~ a~ BRÁULIO SANTOS RABELO DE AAADJ_Õ_ \\7

OAB/SP 259.665 /

íl,AicJ&-Jl VERID IAN A AUMONTl

OAB/SP 292.672

CREDENOIO, José Ernesto. Russomanno opera rádio sem autorização. Folha de S. Paulo , 10 age. 2012. Disponível em: <http ://wwwl.fo lha .uol.com.br/fsp/poder/59908-russomanno-opera-radio-sem­autorizacao .shtml >. Acesso em: 26.06.2014.

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