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FERNANDO CÉSAR NIMER MOREIRA DA SILVA VENTURE CAPITAL: VALOR DA INFORMAÇÃO, RISCOS E INSTRUMENTOS PARA SUA MITIGAÇÃO TESE DE DOUTORADO ORIENTADORA: PROFESSORA DOUTORA RACHEL SZTAJN FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO SÃO PAULO 2014

VENTURE CAPITAL: VALOR DA INFORMAÇÃO, RISCOS E ... · Do ponto de vista da Economia, utilizamos a Teoria dos Jogos e apresentamos os problemas informacionais, riscos e incertezas

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  • FERNANDO CSAR NIMER MOREIRA DA SILVA

    VENTURE CAPITAL: VALOR DA INFORMAO, RISCOS

    E INSTRUMENTOS PARA SUA MITIGAO

    TESE DE DOUTORADO

    ORIENTADORA: PROFESSORA DOUTORA RACHEL SZTAJN

    FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    SO PAULO

    2014

  • Banca Examinadora:

    _____________________________

    _____________________________

    _____________________________

    _____________________________

    _____________________________

  • What I showed in The Problem of Social Cost was that, in the absence of

    transaction costs, is does not matter what the law is, since people can always

    negotiate without cost (...). In such a world the institutions which make up the

    economic system have neither substance nor purpose. () What my argument

    does suggest is the need to introduce positive transaction costs explicitly into

    economic analysis so that we can study the world that exists.

    (COASE, Ronald H. The firm, the market and the law. In: The firm, the

    market, and the law. Chicago: University of Chicago Press, 1990, pp. 14-15).

    (..) I think we should try to develop generalizations which would give us

    guidelines as to how various activities should best be organized and financed.

    But such generalizations are not likely to be helpful unless they are derived

    from studies of how such activities are actually carried out within different

    institutional frameworks. Such studies would enable us to discover which

    factors are important and which are not in determining the outcome, and they

    would lead to generalizations which have a solid base. They are also likely to

    serve another purpose by showing us the richness of the social alternatives

    among which we can choose.

    (COASE, Ronald H. Lighthouse in economics. In: The firm, the market, and

    the law. Chicago: University of Chicago Press, 1990, pp. 211-212).

    Lanalisi economica del diritto pressupone che il contrato sia la veste

    giuridica di unoperazione economica, o economicamente valutabile. Da

    questa medesima premessa discende unaltra conseguenza: per giudicare di

    una lite su un singolo contratto, e necessario cogliere loperazione economica

    che questo sottende. Solo rappresentandosi con chiarezza e precisione i

    termini delloperazione economica che le parti volevano realizzare (quella che

    si usa chiamare economia del contratto), possono affrontarsi

    consapevolmente la gran parte delee questioni rilevanti per decidere fra i

    contraenti in lite chi ha ragione e chi torto.

    (ROPPO, Vincenzo. Il contratto. Milano: Ed. Giuffr, 2001, p. 73).

  • NDICE

    RESUMO 6

    ABSTRACT 8

    RSUM 10

    I. INTRODUO 12

    I.1. Apresentao e delimitao do tema 12

    I.2. Metodologia utilizada 16

    I.3. Justificativa para a escolha 18

    I.4. Plano da tese 19

    II. DEFINIES E CONCEITOS APLICVEIS 21

    II.1. Negcio de venture capital 21

    II.1.1. Definio 21

    II.1.2. Elemento diferenciador: incerteza e risco 22

    II.2. Caractersticas dos contratos 26

    II.2.1. Sujeitos e interesses 26

    II.2.1.1. Sujeitos 26

    II.2.1.2. Interesses 28

    II.2.2. Objeto e finalidade 30

    II.2.3. Forma e contedo 32

    II.2.4. Natureza 35

    II.2.5. Principais problemas 38

    II.2.5.1. Informao assimtrica 38

    II.2.5.2. Conflitos de agente-principal 41

    II.2.5.3. Seleo adversa 42

    II.2.5.4. Moral hazard 45

    II.2.5.5. Ameaas crveis 48

    II.2.5.6. Jogo finito 52

    III. TIPOS CONTRATUAIS 55

    III.1. Critrios para anlise 55

    III.2. Evidncias empricas 58

    III.3. Tipos descartados 64

    III.3.1. Mtuo 65

  • III.3.2. Consrcio 67

    III.3.3. Sociedades e associaes 71

    III.4. Tipos avaliados: sociedade annima fechada e limitada 80

    III.4.1. Principais categorias de riscos avaliados 80

    III.4.2. Riscos de contratao 82

    III.4.2.1. Contribuio dos scios 82

    III.4.2.2. Integralizao da contribuio 86

    III.4.2.3. Limitao da responsabilidade 88

    III.4.3. Riscos de alocao do poder de deciso 91

    III.4.3.1. Quoruns deliberativos 91

    III.4.3.2. Alinhamento prvio de interesses 95

    III.4.3.3. Limitao do direito de voto 98

    III.4.3.4. Invalidao de deliberaes sociais 102

    III.4.4. Riscos de interrupo 104

    III.4.4.1. Custos excessivos de operao 104

    III.4.4.2. Dissociao 107

    III.4.4.3. Dissoluo 118

    IV. CONCLUSO 122

    V. BIBLIOGRAFIA 125

    VI. ANEXOS 140

    VI.1. Etapas do Negcio de Venture Capital 140

    VI.2. Fundos de Investimento: Regime Jurdico Aplicvel 157

    VI.3. Mtodos para Avaliao de Investimentos: Principais Consideraes 166

    VI.4. Incentivos Inovao: Fontes de Informao Utilizadas 175

  • 6

    RESUMO

    Venture capital espcie de empreendimento que vincula dois agentes

    econmicos, empreendedor e investidor, visando ao desenvolvimento de uma ideia

    inovadora para posterior comercializao no mercado. O empreendedor detentor de

    conhecimento sobre a ideia e o investidor possui os recursos para desenvolver o projeto.

    O negcio se diferencia dos demais pelo alto grau de incerteza e risco do

    empreendimento e requer o uso de tipos contratuais adequados para sua limitao.

    O projeto se inicia com a etapa de contratao, na qual as partes negociam a

    diviso de riscos e retorno do negcio, seguindo-se a etapa de monitoramento do

    desenvolvimento das atividades. Ao final ocorre o desinvestimento, com a sada do

    investidor e venda do negcio.

    Do ponto de vista da Economia, utilizamos a Teoria dos Jogos e apresentamos

    os problemas informacionais, riscos e incertezas do negcio, e os incentivos para

    organizar a cooperao entre as partes.

    Do ponto de vista de Finanas, debatemos a deciso de financiamento do

    negcio e as alternativas para diversificao dos riscos do investimento, isto , a

    possibilidade de limitao dos riscos pela adoo de estratgias de conteno, que

    aumentam o interesse em contratar o negcio.

    Do ponto de vista do Direito, avaliamos qual a estrutura contratual ideal para

    organizar esse tipo de empreendimento. Analisamos as principais formas usadas para

    organizao do negcio, em especial as sociedades limitadas e as sociedades annimas

    fechadas.

    Avaliamos o suporte normativo aplicvel, com destaque para a possibilidade de

    limitao dos riscos do projeto pela aplicao das normas de Direito Societrio a esses

    empreendimentos.

  • 7

    Os principais riscos aplicveis so os riscos de contratao do negcio, os riscos

    de alocao do poder de deciso entre os scios e os riscos de interrupo prematura do

    projeto.

    Devido natureza e caractersticas do negcio de venture capital, conclumos

    que esse tipo de projeto mais bem organizado como um contrato plurilateral e que

    no h tipo contratual ideal para alinhar os interesses. Dos tipos existentes, a sociedade

    annima fechada o mais adequado, mas incapaz de limitar todos os riscos do negcio.

    A concluso confirmada, parcialmente, pelas evidncias empricas

    apresentadas.

    Palavras-chave: Venture Capital Direito e Economia Teoria dos Jogos

    Finanas Corporativas Incerteza Risco Contrato Sociedade Limitada

    Sociedade Annima Fechada Fundo de Investimento.

  • 8

    ABSTRACT

    Venture capital is a business that links two economic agents, entrepreneur and

    investor, aiming to develop an innovative idea for future sale on the market. The

    entrepreneur holds knowledge about the idea and the investor has the resources to

    develop the project.

    It is distinguished from others by the high degree of uncertainty and risk of the

    project and requires the use of appropriate contract types for its restriction.

    The project begins with the contracting stage, in which the parties negotiate the

    division of risks and return business, followed by the monitoring of the development of

    the business activities. At the end occurs the divestment, in which the finished business

    is sold by the investor.

    From the point of view of Economics, we use Game Theory to present the

    informational problems, business risks and uncertainties, and the incentives to

    organize the cooperation between the parties.

    From the standpoint of Finance, we discuss the decision to finance the business,

    and alternatives for risk diversification, that is, the possibility of limiting the risks by

    adopting containment strategies that may increase the interest in contracting.

    From the point of view of Law, we evaluate the ideal contractual structure for

    organizing this kind of project. We analyze the main existing contract types, in

    particular, the limited liability companies and the closed corporations.

    We present our concerns about the normative support applicable to that type of

    business, emphasizing the Corporate Law problems.

    We evaluate the normative support applicable, emphasizing the possibility of

    limiting the project risks by applying the Corporate Law rules to such ventures.

  • 9

    The main risks are the risks applicable to the contracting phase, the risk of

    incorrect allocation of decision rights between the partners and the risk of premature

    termination of the project.

    Due to the nature and characteristics of the venture capital business, we

    conclude that this type of design is best organized as a plurilateral agreement and that

    there is no contract type that can be considered ideal to align the interests. Considering

    all the existing types, the private corporation contract is the most appropriate form, but

    also unable to limit all the business risks.

    The conclusion is partially supported by the empirical evidence presented.

    Keywords: Venture Capital Law and Economics Game Theory Corporate

    Finance Uncertainty Risk Contract Limited Liability Company Closed

    Corporation Investment Fund.

  • 10

    RSUM

    Le capital-risque est une entreprise qui relie deux agents conomiques,

    entrepreneur et investisseur, qui visent dvelopper une ide innovatrice pour vente

    future sur le march. L'entrepreneur dtient les connaissances sur l'ide et l'investisseur

    dispos des ressources ncessaires pour dvelopper le projet.

    Il se distingue des autres par le degr lev d'incertitude et de risque du projet et

    demande l'utilisation de types de contrats appropris d'attnuation.

    Le projet commence par la phase de ngociation des contrats, dans lequel les

    parties ngocient le partage des risques et le retour, suivi de par la phase de surveillance

    de l'volution de l'entreprise. Enfin le dsinvestissement se produit et l'investisseur

    vend l'entreprise.

    Du point de vue de l'conomie, nous utilisons la Thorie des Jeux prsenter

    les problmes d'information, des risques et des incertitudes de l'entreprise, et les

    incitations organiser la coopration entre les parties.

    Du point de vue des Finances, nous discutons de la dcision de financer

    l'entreprise, et des alternatives pour la diversification des risques d'investissement,

    savoir, la possibilit d'adoption des stratgies pour limiter les risques, qui augmentent

    l'intrt de signer l'accord.

    Du point de vue de l'Droit, nous valuons la structure contractuelle idale pour

    l'organisation de ce type de projet. Nous analysons les principaux types de contrats

    applicables, en particulier, les socits responsabilit limite et les socits fermes.

    Nous valuons la construction normative applicable, mis en vidence par la

    possibilit pour limiter les risques du projet par les rgles du Droit des Socits telles

    entreprises.

    Les principaux risques sont les applicables a l'embauche du contrat, la

  • 11

    rpartition des risques de pouvoir de dcision entre les partenaires et le risque de

    rupture prmatur du projet.

    En raison de la nature et les caractristiques de l'activit de capital-risque, nous

    concluons que ce type de projet est mieux organis comme un accord plurilatral et

    qu'il n'exister pas d'type contractuel idal aligner les intrts. De types existants, une

    socit prive est la plus approprie, mais incapable de limiter toutes les risques

    d'entreprise.

    La conclusion est confirme, en partie, par les donnes empiriques prsentes.

    Mots-cls: Capital-risque Venture Capital Droit et Economie Thorie des

    Jeux Finance d'Entreprise Incertitude Risque Contrat Socit Responsabilit

    Limite Socit Anonyme Ferme Fond dinvestissement.

  • 12

    I. INTRODUO

    I.1. Apresentao e delimitao do tema

    Os textos em epgrafe, de VINCENZO ROPPO e RONALD COASE, resumem

    o enfoque desta tese a respeito de negcios de venture capital, tambm denominados de

    capital empreendedor1,2,3,4.

    O primeiro texto, de COASE, faz referncia a escrito clssico de sua autoria,

    intitulado The Problem of Social Cost, de 1960. O autor chama a ateno para a

    necessidade de primeiro observar o mundo real para, em seguida, elaborar

    construes tericas. Explica que os custos de transao 5 influenciam a tomada de

    1

    Optamos pelo uso da expresso em lngua inglesa, por ser mais conhecida pelos pesquisadores e profissionais. 2 Private equity define-se como negcio voltado a investimentos em empreendimentos de maior risco e

    potencial de crescimento, visando obter a maior rentabilidade possvel. Dentre as subespcies existentes, destacam-se: a) venture capital: investimentos em empreendimentos pequenos e inovadores, com alto grau de incerteza, visando sua expanso com objetivo de valoriz-los para venda futura no mercado; b) private equity (stricto sensu): investimentos de menor risco em negcios de maior porte j estabelecidos; c) compra alavancada (leveraged buy-out): operao de compra de controle de uma sociedade, ou de parte significativa

    das aes com direito de voto; d) reorganizao de operaes: investimento em recuperao de empresas em crise, realizado com o objetivo de devolv-las a patamares razoveis de lucratividade, para venda futura do negcio. A distino apresentada pela literatura especializada imprecisa e os problemas analisados nesta tese aplicam-se, em maior ou menor proporo, s diversas categorias de negcios. A estrutura do mercado de venture capital mais complexa que a adotada nessa tese, conforme se depreende de: Fundao Getlio Vargas (GVCEPE). A indstria de private equity e venture capital segundo censo brasileiro. 1 Ed.,

    Maro/2011. Disponvel em: . Acesso em: 03.04.2012, pp. 67-119. 3 No fazemos distino entre os conceitos de capital semente (seed capital), startup e venture capital.

    Capital semente forma de investimento em empreendimento inovador em fase pr-operacional, isto , em estgio embrionrio, ainda incapaz de gerar fluxo de caixa para manter o negcio em funcionamento. Normalmente, origina-se de recursos de parentes, amigos, investidores-anjos e outras formas diretas de financiamento, como por exemplo, crowdfunding, este definido como a venda de pequena quantidade de

    cotas ou aes a uma grande variedade de investidores, normalmente por meios eletrnicos. Startup investimento em negcios j em fase mais avanada, porm com produtos e servios ainda no finalizados para comercializao no mercado. A distino pode se dar pelo porte do investimento, complexidade dos contratos, grau de risco, nvel de maturao dos produtos e servios, etc. Optamos por usar a expresso venture capital para fazer referncia s trs formas indicadas. Para detalhamento, ver: Fundao Getlio Vargas (GVCEPE). A indstria de private equity e venture capital segundo censo brasileiro. 1 Ed.,

    Maro/2011. Disponvel em: . Acesso em: 03.04.2012, pp. 70-71. 4 FORTUNA aponta classificao distinta, que associa fundos de investimento em participao a negcios de

    private equity, indicando serem estes tambm denominados fundos de seed capital, que toma por sinnimo de fundos de venture capital, para fazer referncia a investimentos embrionrios em sociedades fechadas de alto potencial e risco. O autor aponta ainda a existncia do fundo mezanino, com carteira de investimentos mais flexvel que a apresentada pelos fundos de private equity. (FORTUNA, Eduardo. Mercado financeiro

    produtos e servios. 18 ed., Rio de Janeiro: Qualitymark, 2010, pp. 605-608). 5 Custos de transao so os incorridos pelas partes para participarem do negcio. Em venture capital,

    correspondem aos custos de identificao das partes contratantes, pesquisa, contratao, monitoramento e administrao do negcio. COASE entende que os custos de transao dependem do tratamento jurdico

  • 13

    deciso pelos agentes econmicos e no podem ser desconsiderados. Para ele, a lei e a

    justia so instituies sociais6 que atribuem direitos e deveres com o objetivo de

    reduo dos custos de transao, aumentando o bem-estar social.

    O segundo texto de COASE explica sua viso a respeito de como abordar o

    problema. O autor parte de exemplo exaustivamente repetido em livros-texto de

    Economia sobre qual seria a melhor forma de organizar a operao de faris de

    sinalizao para navios que trafegam na costa. Os livros-texto apresentam argumentos

    para exemplificar um servio cuja prestao seria de exclusividade do Estado, porque

    seria impossvel aos particulares estabelecer maneira eficiente de cobrar por servios de

    iluminao e sinalizao prestados distncia, uma vez que os comandantes e

    proprietrios dos navios sempre poderiam ignorar a cobrana. COASE demonstra que o

    exemplo no se fundamenta em fatos, pois a administrao de faris, na Inglaterra,

    conduzida h sculos pela iniciativa privada, e de forma lucrativa. O exemplo permite

    criticar a postura de afastamento da realidade e a busca de solues tericas que no

    consideram os fatos.

    Em linha com o pensamento de COASE, nossa abordagem parte de elementos

    coletados na prtica negocial do mercado de venture capital, para buscar solues que

    viabilizem seu desenvolvimento.

    O outro texto em epgrafe, de autoria de ROPPO, inspira-nos a realizar esforo

    na tentativa de buscar a veste jurdica ideal para esse tipo de negcio. Como ensina

    ROPPO, essencial iniciar pela compreenso da operao econmica para, ento,

    selecionar a estrutura jurdica (veste) mais adequada para organiz-lo.

    aplicado, isto , da atribuio de direitos e deveres aos agentes econmicos. Os custos de transao so de difcil mensurao, mas possvel observar as escolhas finais dos agentes, que so medidas indiretas de

    avaliao. (COASE, Ronald. The nature of the firm. In The firm, the market, and the law. Chicago: University of Chicago Press, 1990, pp. 153-156). So exemplos de custos de transao: busca de parceiros de negcio, procura pelos insumos, comparao de preos, etc. (SZTAJN, Rachel. Direito e Economia dos contratos. Os conceitos fundamentais. In: VEROSA, Haroldo M. D. Curso de direito comercial. So Paulo: Malheiros, Vol. 4, 2011, p. 82). 6 No sentido adotado por essa tese, instituies so as regras do jogo na sociedade e correspondem a

    restries impostas aos agentes econmicos. Servem para reduzir a incerteza nas interaes entre os agentes na medida em que criam estruturas para coordenar as escolhas individuais. Instituies podem ser formais ou informais e conter permisses ou proibies de conduta. (NORTH, Douglass C. Institutions, institutional change and economic performance. New York: Cambridge University Press, 2002, pp. 3-4).

  • 14

    A base dos negcios de venture capital o desenvolvimento da inovao.

    Normalmente, so empreendimentos novos que apresentam alto grau de incerteza e

    dificuldade para obter financiamento pela via do mercado de crdito tradicional, devido

    ao fato de no possurem histrico de informaes de crdito ou bens para oferecer em

    garantia7.

    Projetos inovadores dificilmente sero concretizados sem que os recursos

    necessrios ao seu desenvolvimento sejam ofertados aos empreendedores. A soluo

    para viabiliz-los exige recursos obtidos de investidores com maior propenso

    tomada de risco, que em contrapartida esperam receber remunerao adequada pelo

    investimento realizado.

    A oferta de recursos depende da existncia de uma estrutura institucional que

    permita alcanar razovel segurana e previsibilidade jurdicas, visando a maximizar as

    possibilidades de obter retorno positivo sobre o investimento. Nesse sentido, de

    fundamental importncia a existncia de suporte normativo adequado que viabilize a

    estruturao e conduo de negcios sujeitos a alto risco de insucesso.

    A organizao desses empreendimentos passa, necessariamente, pela

    estruturao dos contratos que organizem o negcio jurdico8 a partir das caractersticas

    da operao econmica, definam a cooperao entre as partes e limitem os riscos

    existentes.

    Por isso, essa tese analisa, principalmente, se h suficiente flexibilidade nos

    tipos contratuais legais para viabilizar a organizao dos projetos. preciso

    7 GOMPERS e LERNER indicam que, em perodos com altas taxas de juros reais da economia, os

    investimentos em venture capital so mais atrativos para os empreendedores, pois a diferena entre as taxas de juros de mercado e a remunerao do investidor relativamente menor. Argumentam que, se a disponibilidade de financiamento bancrio fosse fator relevante na determinao de investimentos em venture capital, ento seria de se esperar que os investimentos aumentassem quando diminui a disponibilidade de financiamento bancrio. Entretanto, ao analisarem o perodo entre o final da dcada de 1980 e o incio da dcada de 1990, quando houve declnio do crdito bancrio, os autores tambm encontraram declnio dos

    investimentos em venture capital, o que contraria a previso terica. (GOMPERS, Paul A.; LERNER, Josh. The venture capital cycle. 2

    nd ed., Cambridge: MIT Press, 2006, pp. 60-61).

    8 Negcio jurdico (artigo 104 do Cdigo Civil) a relao jurdica estipulada entre sujeitos de direito que

    visa estabelecer direitos e obrigaes, adotando forma prevista ou no proibida pela legislao.

  • 15

    compreender os incentivos positivos e negativos para a adoo dos tipos legais

    estudados e a possibilidade de criar tipos novos ou mistos.

    Alm disso, o desenvolvimento da venture capital requer a implantao de

    polticas pblicas e legislao de proteo e incentivo inovao. Apesar do alto

    impacto gerado pela legislao de incentivos9, o tema apenas brevemente mencionado,

    por no ser escopo desta tese, que prioriza os aspectos relativos ao direito societrio.

    Os negcios de venture capital tm sido entendidos como experimentos ideais

    para testar as teorias existentes 10 . As principais caractersticas que tornam esses

    projetos interessante objeto de estudo so: 1) estruturao sob a forma jurdica de

    sociedades fechadas simplificadas, no sujeitas complexidade do mercado de valores

    mobilirios; 2) as partes do negcio, investidor e empreendedor, comportam-se como

    agentes individuais, permitindo desconsiderar o estudo dos problemas de ao

    coletiva11; 3) os projetos so normalmente voltados para o desenvolvimento de uma

    nica atividade principal, limitando a complexidade de anlise; 4) no h informao

    histrica sobre os negcios, eliminando a necessidade de explicar perodos anteriores

    anlise.

    Esta tese pretende responder s seguintes perguntas:

    O que o negcio de venture capital?

    Como a operao econmica estruturada?

    Quais os principais riscos existentes para organizar a cooperao entre as

    partes e desenvolver as atividades?

    9 Breves consideraes apresentadas nos Anexos VI.2 e VI.4.

    10 HART, Oliver. Financial contracting. Journal of Economic Literature, vol. 39, N. 4, Dez. 2001, Disponvel

    em: . Acesso em: 07.09.2010, pp. 1084-1085. 11

    Nesse caso, um conjunto de indivduos beneficia-se coletivamente de determinada ao, mas os custos da

    ao no so proporcionalmente distribudos entre eles. Racionalmente, escolhe-se realizar a ao coletivamente e compartilhar custos, porm, nem sempre a melhor soluo alcanada porque h possibilidade de adoo de comportamento oportunista visando a obter parcela maior dos benefcios, sem incorrer proporcionalmente nos custos.

  • 16

    Qual o grau de adequao da legislao existente para limitar os riscos

    desses projetos?

    Quais so os tipos legais ideais para organizar o empreendimento,

    alcanar maior segurana jurdica e viabilizar o desenvolvimento das

    atividades?

    I.2. Metodologia utilizada

    Do ponto de vista metodolgico, utilizamos conhecimentos multidisciplinares

    de Direito, Teoria dos Jogos, Anlise Econmica do Direito e Finanas.

    Em relao ao Direito, avaliamos os tipos contratuais mais adequados,

    realizando anlise crtica a respeito de sua aplicabilidade, com o objetivo de buscar a

    soluo ideal para organizar negcios de venture capital. Enfocamos, principalmente,

    as incertezas e riscos do negcio e a possibilidade de sua limitao pelo contrato que

    organiza a cooperao entre as partes.

    Enfocamos os empreendimentos de venture capital do ponto de vista do Direito

    Societrio e no detalhamos os aspectos relativos a direito de propriedade imaterial,

    tributrio, trabalhista ou previdencirio. Tambm no empreendemos anlise do ponto

    de vista de direito comparado e recorremos a exemplos estrangeiros somente quando

    relevantes para a compreenso dos temas tratados.

    Quanto Anlise Econmica do Direito, partimos da Teoria da Escolha

    Racional, na qual agentes racionais e autointeressados fazem escolhas a partir de suas

    preferncias, porm limitados por restries. Com base nos modelos tericos existentes,

    descrevemos os principais problemas informacionais, buscando compreender a melhor

  • 17

    maneira de organizar, de forma racional12,13, a cooperao entre as partes, a alocao de

    riscos e distribuio de retornos.

    Utilizamos a Teoria dos Jogos para analisar comportamentos estratgicos e o

    impacto dos incentivos positivos e negativos14 nas decises das partes envolvidas em

    negcios de venture capital. A Teoria dos Jogos estabelece um conjunto de modelos

    para analisar situaes de cooperao e conflito 15 e o impacto dos incentivos nas

    decises estratgicas de agentes que interagem.

    Empregamos conceitos de Finanas para estudar a aplicao de mtodos para

    avaliao e deciso de investimento em negcios de venture capital. Tambm

    emprestamos da disciplina de Finanas os elementos para avaliar as formas de

    limitao dos riscos do projeto.

    Estudamos as Instrues e Deliberaes da CVM aplicveis a negcios de

    venture capital e aos fundos de investimento que os organizam, com destaque para os

    Fundos de Investimento em Empresas Emergentes (FIEE) e os Fundos de Investimento

    em Participaes (FIP).

    12

    FIANI entende que racionalidade coerncia entre os fins colimados e os meios empregados para atingi-los. O indivduo altrusta racional, assim como o egosta, dependendo dos objetivos definidos. Racionalidade refere-se aos meios empregados para alcan-los. Agente racional aquele que: aplica a lgica

    das premissas para obter concluses; utiliza premissas justificadas, isto , adequadas aos meios empregados; usa evidncias empricas imparciais para julgar afirmaes sobre fatos. (FIANI, Ronaldo. Teoria dos jogos. 2 ed., So Paulo: Campus, 2006, pp. 21-22). 13

    O comportamento dos agentes orientado pelas noes de racionalidade limitada e oportunismo. A racionalidade limitada aquela reduzida por fatores externos, diminuindo a cognio do agente nas interaes com os outros. Oportunismo o comportamento que orienta a busca do interesse prprio, que pode

    ser socialmente indesejado quando h uso de distoro ou sonegao de informaes e esforos para enganar, dissimular ou confundir o outro. (WILLIAMSON, Oliver. The economic institutions of capitalism. New York: Free Press, 1987, pp. 44-49). Indivduos escolhem alternativas que maximizam a utilidade pessoal e sociedades optam pelas que maximizam lucros. Racionalidade, ou busca pelo interesse prprio, contrasta com a noo de razoabilidade do direito, isto , o comportamento pode ser racional, ainda que esteja em conflito com normas sociais vigentes. (MERCURO, Nicholas; MEDEMA, Steven G. Economics and the law.

    Princeton: Princeton University Press, 1997, p. 57). 14

    Incentivo positivo (encorajamento) e negativo (desencorajamento) conforme propostos por BOBBIO para organizar a funo promocional do direito. (BOBBIO, Norberto. Da estrutura funo: novos estudos de teoria do direito. So Paulo: Manole, 2007, pp. 13-17; 23-24). 15

    Na cooperao, as partes com interesses em comum conseguem coordenar esforos para agir em conjunto, visando a obter benefcios que sero compartilhados. No conflito, os incentivos ou interesses deixam de estar

    alinhados, produzindo comportamentos oportunistas ou mudanas nas regras de repartio dos custos e benefcios da atividade em comum. A teoria dos jogos define formas de lidar com cooperao e conflito e analisa decises tomadas em situaes nas quais os agentes interagem, orientando a escolha de estratgias. Pressupe a aplicao de regras lgicas ao processo de deciso quando h interao das partes.

  • 18

    Como referncias empricas, utilizamos o Segundo Censo Brasileiro da

    Indstria de Private Equity e Venture Capital, de 2011, realizado pela Fundao

    Getlio Vargas (GVCEPE) 16, que apresenta viso abrangente e atual sobre o tema

    proposto. Tambm analisamos os documentos produzidos pela Latin America Venture

    Capital Association (LAVCA), em especial, o Venture Capital Scorecard17, o Guia

    para Term Sheet e os modelos de contratos recomendados por essa associao18, e

    outros estudos especficos19.

    Complementamos estas fontes com informao obtida a partir de entrevistas

    realizadas com participantes do mercado de venture capital, com o objetivo de buscar

    dados empricos sobre os contratos efetivamente concludos no pas.

    I.3. Justificativa para a escolha

    Negcios de venture capital tm sido pouco estudados no Brasil, apesar de

    serem de interesse de operadores do direito, economistas e administradores de

    empresas. H teorias que tentam explicar sua estrutura e funcionamento 20 , mas

    16

    Fundao Getlio Vargas (GVCEPE). A indstria de private equity e venture capital segundo censo brasileiro. 1 Ed., Maro/2011. Disponvel em: . Acesso em: 03.04.2012. 17

    LAVCA (Latin America Venture Capital Association). The private equity and venture capital environment

    in Latin America Scorecard, 2012. Disponvel em: . Acesso em 19.02.2013. 18

    LAVCA (Latin America Venture Capital Association). Guia para term sheets de venture capital e private equity, 2012. Disponvel em: . Acesso em 19.02.2013; Guia para contratos de venture capital e private equity, 2012. Disponvel em: . Acesso em 19.02.2013. 19

    Indicados no Anexo VI.4. 20

    A Teoria de Estrutura de Capital preocupa-se com a combinao entre o uso de emprstimos e valores

    mobilirios para financiar o negcio. (MODIGLIANI, Franco; MILLER; Merton H. The costs of capital, corporate finance, and the theory of investment. American Economic Review, n. 48, June/1958, pp. 261-297; MODIGLIANI, Franco; MILLER; Merton H. Corporate income taxes and the cost of capital: a correction. American Economic Review, n. 53, June/1963, pp. 433-443; MILLER, Merton H. Leverage. In ADLER, Barry E. Foundations of bankruptcy law. New York: Foundation Press, 2005). Os problemas de agente-principal enfatizam o alinhamento de incentivos entre os agentes econmicos. (JENSEN, Michael C. Agency

    costs of free cash flow, corporate finance, and takeovers. American Economic Review, May 1986, Vol. 76, No. 2, pp. 323-329. Disponvel em: . Acesso em: 11.03.2011; JENSEN, Michael C.; MECKLING, William H. Theory of the firm: managerial behaviour, agency cost and ownership structure. Journal of Financial Economics, v. 3, n. 4, 1976, pp. 305-360. Disponvel em: . Acesso em: 15.05.2006; FAMA, Eugene F.; JENSEN, Michael C. Agency problems and residual claims. Journal of Law & Economics, Vol.

    XXVI (June 1983). Disponvel em: . Acesso em: 11.03.2011). A Teoria dos Custos de Verificao avalia os riscos do investimento e elabora elementos para controle do negcio. Esta evoluiu para a Teoria do Direito de Controle e Deciso, ou Teoria do Custo de Monitoramento, na qual o direito das partes pode ser contingente em relao a medidas observveis de

    http://papers.ssrn..com/sol3/paper.taf?ABSTRACT_ID=94043

  • 19

    nenhuma, isoladamente, tem sido capaz de apresentar solues suficientes. Tambm

    no identificamos estudos jurdicos que analisem os impactos da utilizao de tipos

    contratuais para organizar negcios de venture capital.

    Pretendemos contribuir para a literatura existente com a construo de viso

    sistematizada sobre o tema do ponto de vista das instituies brasileiras, buscando

    aproximaes e distanciamentos entre as teorias existentes, os tipos contratuais

    utilizados e os negcios efetivamente realizados.

    Tambm entendemos haver contribuio para caracterizao, avaliao e

    anlise crtica dos tipos contratuais aptos para organizar negcios de venture capital,

    bem como recomendao do tipo ideal para limitao dos principais riscos relativos a

    esse tipo de empreendimento.

    I.4. Plano da tese

    A tese desenvolvida em quatro captulos.

    O captulo I dedicado a essa introduo.

    O captulo II conceitua o negcio de venture capital e apresenta suas principais

    caractersticas, incentivos e riscos. Tambm so discutidos os elementos que

    caracterizam o negcio jurdico e as principais caractersticas dos contratos que

    organizam a cooperao entre as partes.

    O captulo III apresenta anlise crtica a respeito dos principais tipos contratuais

    predispostos na legislao, potencialmente aptos a organizar os empreendimentos. Para

    os tipos selecionados, que so a sociedade limitada e a annima fechada, avaliamos sua

    adequao s caractersticas do negcio, do ponto de vista dos principais riscos

    desempenho do negcio. (HART, Oliver. Financial contracting. Journal of Economic Literature, vol. 39, N.

    4, Dec., 2001, Disponvel em: . Acesso em: 07.09.2010, pp. 1079-1100; TOWSEND, Robert M. Optimal contracts and competitive markets with costly state verification. Journal of Economic Theory, Vol. 21, N. 2 (Oct., 1979), pp. 265-293. Disponvel em: . Acesso em: 01.02.2012).

  • 20

    existentes e das condies para sua limitao. Os riscos so organizados e classificados

    em grupos que guardam afinidade com os principais problemas encontrados, que so de

    trs categorias: contratao do negcio; alocao do poder de deciso entre os scios;

    interrupo do projeto. Descartamos, justificando a deciso, os outros tipos contratuais

    predispostos na legislao, em especial o mtuo, consrcio de sociedades, associaes

    e demais tipos societrios.

    O captulo IV apresenta um quadro-resumo contendo a comparao entre os

    dois tipos contratuais analisados e nossas concluses a respeito da possibilidade de

    limitao dos riscos do negcio de venture capital pelos tipos estudados.

  • 21

    II. DEFINIES E CONCEITOS APLICVEIS

    II.1.Negcio de venture capital

    II.1.1. Definio

    Negcios de venture capital so empreendimentos que tm por objetivo

    desenvolver ideia inovadora de conhecimento do empreendedor, que o criador da

    ideia, com aporte de recursos do investidor. Refere-se associao de agentes

    econmicos que se propem a organizar atividades de alto grau de incerteza visando ao

    desenvolvimento de ideia ou inveno com valor econmico, para posterior

    comercializao no mercado.

    A locuo venture capital incorpora os dois aspectos mencionados: o alto

    grau de incerteza da atividade (venture, ou adventure), que se desenvolve com o uso de

    recursos (capital).

    O negcio se desenvolve em trs etapas: contratao, monitoramento e

    desinvestimento. Na primeira ocorre a negociao entre as partes e a contratao do

    negcio. Na segunda, as atividades so desenvolvidas e o desempenho do projeto

    acompanhado pelos participantes. Na ltima etapa, de desinvestimento, o investidor

    retira-se do negcio vendendo sua participao21.

    Considere-se, por exemplo, um empreendimento para desenvolvimento de

    novos medicamentos pela indstria farmacutica. Na primeira etapa do projeto so

    testados diversos princpios ativos potencialmente aptos formulao do medicamento.

    Na segunda etapa alguns so selecionados para aprofundamento da pesquisa e

    desenvolvimento dos compostos qumicos e outros so descartados. Na terceira etapa,

    um selecionado para desenvolvimento e produo experimental, seguido da

    realizao de testes em laboratrio. Na quarta etapa, a droga experimental testada em

    animais. Na quinta etapa so realizados testes controlados em humanos. Na sexta etapa,

    21

    As principais etapas do desenvolvimento do negcio so detalhadas no Anexo VI.1.

  • 22

    o medicamento submetido ao registro e aprovao pelos rgos reguladores. Na

    stima e ltima etapa h produo em larga escala e comercializao no mercado. O

    projeto hipottico de alta complexidade, pode perdurar por vrios anos e consumir

    recursos significativos, havendo inmeras possibilidades de insucesso, decorrentes de

    inviabilidade tcnica da formulao do medicamento, fracasso dos testes com animais

    ou humanos, altos custos de desenvolvimento e produo, reprovao pelos rgos

    reguladores, etc.

    O exemplo explicita a principal diferena entre negcios de venture capital e

    outras formas de organizao de projetos: o maior grau de incerteza e riscos associados

    ao empreendimento.

    A incerteza decorre da ausncia de referncias ou informao suficientes sobre

    o desenvolvimento da ideia inovadora, que leva a falta de conhecimento sobre a

    expectativa de resultados futuros da atividade. H somente avaliao subjetiva

    (percepo) dos riscos potenciais, podendo ocorrer, a qualquer momento e

    independente da vontade das partes, eventos imprevisveis que inviabilizem o negcio.

    Em consequncia, h tambm maior expectativa de compensao das partes

    pelos altos riscos envolvidos, isto , de obteno de retorno mais elevado sobre o

    investimento em projeto bem sucedido.

    II.1.2. Elemento diferenciador: incerteza e risco

    Incerteza dvida, imprevisibilidade, desconhecimento a respeito dos

    resultados possveis de determinada atividade. Significa inadequao da ideia

    imaginada a priori aos fatos objetivos posteriores. Em contraste, certeza confirmao

    de que a ideia preconcebida pode ser comprovada posteriormente por fatos objetivos.

    A incerteza sempre est presente em negcios de venture capital. H dvidas a

    respeito do desenvolvimento da ideia, capacidade de execuo do projeto, viabilidade

    de produo e comercializao dos produtos e servios, interesse do mercado,

    mudanas na concorrncia e na preferncia dos consumidores. O desenvolvimento da

  • 23

    inovao sempre estar sujeito incerteza.

    A incerteza difere do risco por sua imprevisibilidade. Em situao de incerteza

    no podemos antever os problemas a serem solucionados e os resultados a serem

    alcanados, mas em situao de risco podemos avali-los, ainda que se faa uso de

    suposies e estimativas. Por isso, KNIGHT explica que o risco quantificvel, mas a

    incerteza no . Quando h risco, h informao mensurvel, fundamentada em

    critrios objetivos de avaliao22. Ao contrrio da incerteza, em situao de risco

    possvel escolher uma configurao (estado) mais provvel do projeto que seja apta a

    alcanar o resultado esperado, isto , pode haver uma forma de organizao das

    atividades que tende a apresentar maiores possibilidades de sucesso que as demais.

    Incerteza a impossibilidade de avaliar, em bases objetivas, a probabilidade de

    sucesso ou fracasso do empreendimento, antecipar os entraves ao desenvolvimento das

    atividades e o retorno esperado. As diversas configuraes possveis para organizar o

    projeto podem levar a inmeros resultados potenciais, tornando mais difcil a escolha

    da melhor alternativa23.

    A incerteza pressupe haver informao subjetiva, isto , que depende

    exclusivamente da experincia dos agentes envolvidos. Decorre da ausncia de

    conhecimento objetivo sobre as condies do negcio e da dificuldade em qualificar,

    medir e revelar a informao incompleta e imperfeita 24. Significa que h mltiplas

    22

    But Uncertainty must be taken in a sense radically distinct from the familiar notion of Risk, from which it has never been properly separated. (...). The essential fact is that "risk" means in some cases a quantity

    susceptible of measurement, while at other times it is something distinctly not of this character; and there are far-reaching and crucial differences in the bearings of the phenomenon depending on which of the two is really present and operating. () It will appear that a measurable uncertainty, or "risk" proper, as we shall use the term, is so far different from an unmeasurable one that it is not in effect an uncertainty at all. We shall accordingly restrict the term "uncertainty" to cases of the non-quantitative type. It is this "true" uncertainty, and not risk, as has been argued, which forms the basis of a valid theory of profit and accounts for the

    divergence between actual and theoretical competition. (KNIGHT, Frank H. Risk, uncertainty and profit. 1921. Disponvel em: . Acesso em: 04.06.2012, p. I.I.26). 23

    SANDRONI indica que h incerteza quando, a partir de determinado conjunto de aes, pode-se chegar a vrios resultados possveis, pois as probabilidades esperadas para os resultados no so conhecidas. Caso as probabilidades passem a ser conhecidas, a incerteza transforma-se em risco, que mensurvel e controlvel. (SANDRONI, Paulo. Dicionrio de Economia. 3 ed., So Paulo: Best Seller, 1994, p. 168). 24

    GINTIS indica que o equilbrio difcil de ser obtido na presena de informao imperfeita e incompleta, pois h informao detida com exclusividade por uma das partes e no revelada outra. Nesse tipo de jogo h muitos equilbrios no plausveis e poucas formas de rejeit-los, pois os conjuntos de informao so difusos e de difcil avaliao. Tal situao pode induzir o agente a erro na escolha da soluo, ou a escolher

  • 24

    possibilidades de abordar o projeto e no h maneira nica de medir seu desempenho,

    dificultando a eliminao de alternativas indesejadas pelas partes.

    A incerteza impacta a coordenao entre os agentes, altera a motivao para

    contratar e afeta a capacidade de tomar decises bem informadas25. Mesmo que haja

    expectativa de retorno significativo sobre o investimento, os interessados podem

    recusar a participao no projeto, porque no conseguem identificar, avaliar e limitar os

    riscos de tomar parte no negcio. A incerteza dificulta a correta avaliao do

    empreendimento, podendo levar os agentes a incorrer em erros de deciso.

    Risco, da mesma forma que incerteza, a possibilidade de dano ou sucesso, um

    acontecimento eventual cuja ocorrncia pode no depender da vontade dos envolvidos,

    mas que afeta o resultado esperado26.

    Risco conhecimento sobre as probabilidades objetivas de determinado evento,

    as quais podem ser mensuradas e limitadas. Ao contrrio da incerteza, o risco elimina a

    subjetividade da avaliao, indicando objetivamente a probabilidade de ocorrncia do

    evento27. SANVICENTE esclarece que a incerteza transforma-se em risco quando se

    solues no ideais. (GINTIS, Herbert. Game theory evolving A problem-centered introduction to modeling strategic interaction. Princeton: Princeton University Press, 2000, p. 286). 25

    Os agentes comportam-se de acordo com a motivao e a habilidade em decifrar o ambiente em que atuam,

    caractersticas que, segundo NORTH, tornam a escolha humana mais complexa do que as previses feitas pela Teoria da Escolha Racional. A motivao determina o conjunto de condies que compele o indivduo a agir, influenciado por fatores econmicos e altrusticos. A habilidade em decifrar o ambiente indica a capacidade em entender o contexto situacional em que se encontra, a partir das informaes disponveis (NORTH, Douglass C. Institutions, institutional change and economic performance. New York: Cambridge University Press, 2002, p. 17). A motivao influenciada pela reputao, confiana e altrusmo. A

    habilidade em decifrar o ambiente tanto maior quanto melhores forem as instituies que organizam as trocas econmicas e reduzem as incertezas. O processamento incompleto e subjetivo da informao afeta o processo decisrio, criando lacunas entre a capacidade do agente de decifrar o ambiente e a dificuldade em definir preferncias. Quanto maior a lacuna, maior a necessidade de padronizao para reduo de incertezas que se originam da informao incompleta, da complexidade do ambiente e da capacidade cognitiva limitada dos agentes. Regras e procedimentos servem para simplificar o processo, limitando as escolhas disponveis.

    (NORTH, Douglass C. Institutions, institutional change and economic performance. New York: Cambridge University Press, 2002, pp. 20-25). 26

    O senso comum indica que o risco a probabilidade de ocorrncia de um evento negativo, isto , danoso ao agente. Em Finanas, a definio de risco refere-se probabilidade de obter um resultado inesperado, diferente das expectativas iniciais do agente econmico. Neste caso, o risco pode ser positivo, isto , de retorno superior expectativa de sucesso, ou pode ser negativo, ou seja, inferior ao esperado.

    (DAMODARAN, Aswath. Finanas corporativas teoria e prtica. Porto Alegre: Bookman, 2 Ed., 2004, p. 140). 27

    CAOUETTE, John B.; ALTMAN, Edward I.; NARAYANAN, Paul. Gesto do risco de crdito. Rio de Janeiro: Qualitimark, 2000, p. 3.

  • 25

    pode fazer a estimativa dessa probabilidade28.

    O risco pode ser especfico do negcio, isto , no sistemtico, ou pode afetar

    diversos agentes do mercado e, nesse caso, denominado risco no especfico, ou

    sistemtico. O risco especfico inerente ao negcio, enquanto o risco sistemtico

    aquele que afeta diversos agentes do mercado indistintamente. O risco tambm pode

    ser diversificvel ou no. Risco diversificvel a parcela de valor da variao do

    retorno sobre o investimento derivada de fatores especficos, atribudos ao negcio,

    cujos efeitos podem ser atenuados pela diversificao do investimento 29 . A

    diversificao estratgia comumente adotada pelos agentes econmicos para reduzir

    os riscos; por exemplo, investidores do mercado de capitais evitam adquirir aes de

    companhias participantes de um nico setor econmico, evitando a perda significativa

    de recursos caso o setor apresente desempenho insatisfatrio.

    A mensurao do risco permite definir a proporo de sua alocao entre os

    contratantes e avaliar se as alternativas para sua limitao apresentam custos que sejam

    compatveis com o retorno esperado.

    Em negcios de venture capital mede-se o prmio de risco associado ao

    investimento. O prmio de risco o retorno obtido pelo investidor, dado o nvel de

    risco aceito por ele. o resultado da comparao entre o risco-retorno esperado para o

    projeto e para as alternativas disponveis. O negcio de venture capital, apesar de mais

    arriscado, deve apresentar melhor retorno que as outras opes disposio dos

    interessados30,31.

    28

    SANVICENTE, Antonio Z. Administrao financeira, So Paulo: Atlas, 3 Ed., 2008, p. 60. 29

    DAMODARAN, Aswath. Finanas corporativas teoria e prtica. Porto Alegre: Bookman, 2 Ed., 2004, pp. 144-145. 30

    A discusso, aqui simplificada, ignorou o fato de o risco ser, ou no, diversificvel, isto , se o investidor

    pode limitar o risco atravs de uma carteira balanceada de investimentos em diversos projetos. Ver: PINDYCK, Robert S.; RUBINFELD, Daniel L. Microeconomia. So Paulo: Pearson Prentice Hall, 6. Ed., 2006, p. 480. 31

    H diversos modelos usados para avaliar a formao dos preos dos ativos de capital. Entre eles, o modelo CAPM (Capital Asset Pricing Model), que mede o prmio de risco do projeto, comparando-o com o retorno esperado para o mercado como um todo. O problema que o modelo CAPM serve para o mercado de aes

    e, muitas vezes, o negcio de venture capital organizado como sociedade fechada, sofrendo menor influncia do mercado. Ver: PINDYCK, Robert S.; RUBINFELD, Daniel L. Op.cit., pp. 480-482. Como o negcio de venture capital inovador e incerto, sua comparao com o valor de outros investimentos no mercado no significativa. O problema permanece mesmo quando so aplicados outros modelos, como o

  • 26

    Em venture capital, a relao risco-retorno, e no somente a existncia de riscos

    ou incerteza, define o interesse das partes em negociar. Nesses empreendimentos,

    espera-se que o retorno sobre o investimento compense a assuno de maiores riscos.

    II.2.Caractersticas dos contratos

    II.2.1. Sujeitos e interesses

    II.2.1.1. Sujeitos

    H duas partes no negcio de venture capital, empreendedor e investidor.

    O empreendedor normalmente um cientista ou especialista tcnico detentor de

    conhecimento exclusivo sobre a ideia inovadora.

    O termo empreendedor utilizado em sentido restrito, para designar o criador

    da ideia inovadora. No o empregamos para identificar o empresrio, pois, neste caso,

    incluiria o empreendedor e tambm o investidor.

    O investidor pode ser pessoa natural ou jurdica que tenha recursos financeiros

    disponveis. Adicionalmente, ele pode aportar capacidade gerencial ao projeto, pois

    possui experincia administrativa32. O investidor conhece as condies do mercado, os

    potenciais compradores do negcio e as caractersticas dos consumidores, fornecedores

    e concorrentes.

    WACC (Weighted Average Cost of Capital, ou Custo Mdio Ponderado de Capital), que define a taxa de retorno esperada pelos investidores. (DAMODARAN, Aswath. Finanas corporativas teoria e prtica. Porto Alegre: Bookman, 2 Ed., 2004, pp. 472-475). 32

    A literatura especializada em venture capital diverge sobre a validade dessa afirmao, especialmente sobre a qualidade e efetividade da capacidade gerencial e acesso a mercados aportados pelo investidor, assim como sobre a efetividade da dedicao de tempo, pelo investidor, para administrao do negcio. Ver, por

    exemplo: GOMPERS, Paul A.; LERNER, Josh. The venture capital cycle. 2nd ed., Cambridge: MIT Press, 2006, pp. 156-169; GOMPERS, Paul A.; KOVNER, Anna; LERNER, Josh; SCHARFSTEIN, David. Skill vs. luck in entrepreneurship and venture capital: evidence from serial entrepreneurs. July, 2006. Disponvel em: . Acesso em: 20.09.2010.

  • 27

    A terminologia empregada pelo mercado de venture capital varia

    significativamente, conforme a fonte consultada. De acordo com o Segundo Censo de

    Venture Capital, realizado pela Fundao Getlio Vargas (GVCEPE), desse mercado

    participam organizaes gestoras, veculos de investimentos, investidores e empresas

    investidas. Investidores fornecem recursos financeiros para compor os veculos de

    investimento. Organizaes gestoras so encarregadas da administrao dos veculos de

    investimento, cujos recursos so aplicados em empresas investidas, que so os

    projetos que fazem parte da carteira do veculo de investimento33.

    Nesta tese, consideramos equivalentes as expresses investidor e veculo de

    investimento, que definimos como pessoa natural ou coletiva que investe recursos no

    projeto de venture capital.

    O investidor pode adotar trs formas bsicas de organizao: 1) fundo de

    investimentos, a forma mais comum; 2) sociedade voltada para participao em outros

    negcios; 3) investidor-anjo.

    A primeira forma fundo de investimento condomnio especial, sem

    personalidade jurdica, que funciona como um centro de imputao, com direitos e

    deveres especficos, organizado para captao de recursos de terceiros e aplicao em

    projetos, visando a obter rentabilidade suficiente para cobrir as obrigaes do fundo,

    remunerar os administradores e devolver, com acrscimos, o capital investido pelos

    cotistas. Por sua importncia em negcios de venture capital, detalhamos em anexo sua

    forma de organizao e regime jurdico aplicvel34.

    A segunda forma de organizao so as sociedades para participao em outros

    negcios, que participam diretamente no capital de outras sociedades, as empresas

    investidas. Desempenham o mesmo papel dos fundos de investimento, porm esto

    sujeitas ao regime jurdico das sociedades empresrias.

    33

    Fundao Getlio Vargas (GVCEPE). A indstria de private equity e venture capital segundo censo brasileiro. 1 Ed., Maro/2011. Disponvel em: . Acesso em: 03.04.2012, pp. 72-74. 34

    Anexo VI.2.

  • 28

    A terceira forma de organizao o investidor-anjo. Muitas vezes os grandes

    investidores no se interessam por projetos embrionrios, como os de venture capital,

    por no apresentarem as caractersticas e rentabilidade desejadas. Por isso, pode ser

    necessria a obteno de recursos junto ao investidor-anjo, pessoa natural ou jurdica

    de menor porte, mais prxima do crculo de relacionamentos do empreendedor, que

    utiliza regras menos rgidas para seleo de investimentos.

    II.2.1.2. Interesses

    Os agentes econmicos que tomam parte no projeto so motivados por

    interesses que, se corretamente alinhados, levam contratao e adequada execuo do

    negcio. Interesses so as razes que motivam as partes a desenvolver as atividades,

    influenciam a maneira de conduzir o empreendimento e os incentivos 35 para

    cooperao e conflito36.

    H trs tipos de interesses envolvidos no negcio de venture capital: interesse

    individual, coletivo e pblico.

    Os interesses individual e pblico so preexistentes ao interesse coletivo, sendo

    que este se manifesta somente com a contratao do negcio.

    O interesse pblico refere-se sociedade civil, coletividade de pessoas que pode

    ser beneficiada com o desenvolvimento e comercializao da inveno, porque esta

    melhora o bem-estar geral. O interesse pblico generalizao do interesse coletivo,

    35

    Incentivo prmio ou punio que faz com que as partes se comportem de acordo com as expectativas definidas em contrato. forma de induzir o comportamento da outra parte, mediante oferecimento de ganhos ou imposio de perdas decorrentes da prtica de atos indesejados. Como o agente responde a incentivos, as regras funcionam como preos a pagar pela adoo de determinado comportamento. Indivduos racionais

    comparam preos da realizao da atividade desejada, assumindo as consequncias da deciso. (MERCURO, Nicholas; MEDEMA, Steven G. Economics and the law. Princeton: Princeton University Press, 1997, p. 25). 36

    O conflito explicitado por BAIRD e HENDERSON com um exemplo: I was in one board meeting, and I said, I started this [company] to do positive things with the world and do good in the Amazon, not necessarily to get a big payout. () And one of [the Angel investors] looks me in the eye and said, Well,

    the problem is, that you went out and took $9 million of other peoples money. (BAIRD, Douglas G.; HENDERSON, M. Todd. Other peoples money. John M. Olin Law & Economics, Working Paper n. 359 (2D series). September, 2007. Disponvel em: . Acesso em: 11.03.2011, p. 1).

  • 29

    abrangendo interesses de terceiros no diretamente envolvidos com o negcio de

    venture capital. Orienta-se pela supremacia do bem-estar geral em detrimento do

    individual ou coletivo. de interesse pblico que invenes sejam desenvolvidas,

    porque melhoram as condies e a qualidade de vida da coletividade.

    O interesse coletivo, ou comum, surge com a contratao do negcio e limita a

    autonomia privada, suplantando os interesses individuais. Fundamenta-se na existncia

    de alto risco do projeto, que exige cooperao entre as partes para consecuo do fim

    comum e obteno de vantagens mtuas, mesmo que seja necessrio sacrificar parte do

    interesse individual de cada um dos participantes. Em negcios de venture capital so

    exemplos de interesse comum: 1) a maximizao do valor do negcio como um todo e

    de seu retorno para as partes; 2) a minimizao dos riscos do projeto; 3) o respeito s

    regras do jogo na conduo do empreendimento37. O interesse comum alcanado

    atravs de regras, definidas de comum acordo, para administrao do negcio e

    distribuio do poder de deciso entre os scios.

    O interesse individual refere-se s preferncias das partes isoladamente

    consideradas. Fundamenta-se na autonomia privada e refere-se ao agente econmico

    racional e autointeressado que escolhe estratgia que lhe traz maior benefcio pessoal,

    isto , maximiza ganhos e minimiza perdas individuais.

    O interesse individual do empreendedor decorre de sua afinidade pessoal com o

    projeto, por que este viabiliza a ideia inovadora e materializa seu esforo pessoal, razo

    pela qual gostaria de devotar a maior quantidade possvel de recursos ao projeto. Sua

    avaliao sobre a probabilidade de sucesso do empreendimento pode ser viesada,

    porque tende a preferir a continuidade do negcio, mesmo que este se torne invivel.

    Seu principal incentivo para solicitar a colaborao do investidor decorre do fato de

    no dispor de recursos suficientes para financiar o projeto. Seu interesse obter a maior

    quantidade possvel de recursos do investidor, fazendo o mnimo possvel de

    concesses em retribuio. Ele tambm espera obter participao nos resultados do

    negcio, normalmente viabilizada pela obteno de aes ou cotas da sociedade, uma

    37

    NORTH, Douglass C. Institutions, institutional change and economic performance. New York: Cambridge University Press, 2002, pp. 20-25.

  • 30

    contraprestao por seu esforo no desenvolvimento das atividades.

    O interesse individual do investidor a maximizao do retorno sobre os

    recursos investidos, isto , a obteno da maior rentabilidade sobre o investimento

    realizado. Ele sempre prefere investir a menor quantidade de recursos que lhe traga o

    maior retorno possvel. Compara, racionalmente, a relao risco-retorno de alternativas

    de alocao de recursos sua disposio, decidindo, ou no, pelo aporte de recursos ao

    negcio de venture capital. O investidor no tem afinidade pessoal com o projeto,

    preferindo interromp-lo para minimizar perdas, se os riscos superarem o retorno

    esperado. O investidor tambm se preocupa com o sucesso do projeto, porque sinaliza

    sua reputao no mercado e afeta a possibilidade de captar novos recursos de terceiros

    para aplicar em outros empreendimentos.

    Como investimentos dessa natureza costumam ter pouca liquidez e no so

    negociados em mercado secundrio, pode haver dificuldade para vender o negcio

    durante o desenvolvimento das atividades. Por isso o investidor costuma preferir dividir

    o projeto em etapas controladas, financiar uma por vez e estabelecer amplas opes de

    sada (desinvestimento), para reduzir sua exposio a perdas (estratgia de stop loss).

    Os interesses individuais das partes envolvidas no projeto de venture capital

    divergem, mas, ainda assim, organiza-se a cooperao porque os participantes

    entendem que os benefcios do projeto em comum superam os riscos. As principais

    diferenas de percepo individual referem-se deciso de continuidade ou interrupo

    do projeto e limitao da disponibilizao de recursos para seu desenvolvimento, que

    so as principais fontes de conflito entre as partes.

    Os trs tipos de interesses, individual, coletivo e pblico, nem sempre esto

    alinhados, devendo a lei e o contrato estabelecer mecanismos para viabilizar a

    coordenao entre os agentes econmicos.

    II.2.2. Objeto e finalidade

    O objeto do contrato o desenvolvimento da inovao, que se refere

  • 31

    introduo de inveno, isto , novas ideias que implantam soluo desconhecida para

    problemas tcnicos. Ao final do desenvolvimento, a ideia inovadora ser objeto de

    comercializao. O desenvolvimento da inveno deve resultar em novidade38, isto ,

    novos produtos, processos ou servios. A novidade refere-se a conhecimento

    inexistente no estado atual da tcnica, isto , desconhecido da comunidade cientfica e

    dos rgos pblicos encarregados da concesso do privilgio de exclusividade sobre a

    inveno 39 . Consequentemente, no h novidade na mera introduo de

    aperfeioamento em invento preexistente40,41, assim como nas patentes de segundo uso,

    concedidas queles que descobrem nova forma de utilizao de invenes alheias.

    A inveno tambm deve ser dotada dos requisitos de aplicao industrial e

    atividade inventiva. A aplicao industrial refere-se possibilidade de industrializao,

    isto , produo para o mercado. A inventividade refere-se atividade criativa que

    justifique proteo legal que garanta exclusividade temporria sobre a criao tcnica

    ou a realizao de esforos privados para proteo por meio de acordos de sigilo ou

    segredo industrial42.

    38

    Cdigo de Propriedade Industrial (Lei n. 9.279/96), artigo 8. patentevel a inveno que atenda aos

    requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicao industrial. Artigo 11. A inveno e o modelo de utilidade so considerados novos quando no compreendidos no estado da tcnica. 1 O estado da tcnica constitudo por tudo aquilo tornado acessvel ao pblico antes da data de depsito do pedido de patente, por descrio escrita ou oral, por uso ou qualquer outro meio, no Brasil ou no exterior, ressalvado o disposto nos arts. 12, 16 e 17. (...) Artigo 13. A inveno dotada de atividade inventiva sempre que, para um tcnico no assunto, no decorra de maneira evidente ou bvia do estado da tcnica. Artigo 15. A inveno e o

    modelo de utilidade so considerados suscetveis de aplicao industrial quando possam ser utilizados ou produzidos em qualquer tipo de indstria. 39

    Em sentido objetivo, a novidade representa conhecimento novo para a coletividade, no compreendido no estado atual da tcnica, isto , desconhecido dos demais membros da sociedade. Obras protegidas por direito de autor devem apresentar somente o requisito de originalidade. Obras protegidas pelo direito de propriedade industrial, como invenes, modelos de utilidade e desenhos industriais, devem, adicionalmente, apresentar o

    requisito da novidade. (SILVEIRA, Newton. Propriedade intelectual: propriedade industrial, direito de autor, software, cultivares. 3 ed., So Paulo: Manole, 2005, pp. 9; 36). 40

    O Cdigo de Propriedade Industrial (Lei n. 9.279/96) no define aperfeioamento. O aperfeioamento pode ser entendido como melhoria funcional ou tcnica realizada em invento prprio ou de terceiro, que possibilita a obteno de certificado de adio de inveno (artigo 76) ou pode autorizar a obteno de licena compulsria em patente alheia, decorrente de aperfeioamento realizado em invento de terceiro (artigo 63). 41

    Da mesma forma, descartamos os direitos sobre sinais distintivos (nome empresarial, marca, nome de domnio, etc.), direitos de autor e, para a maioria das situaes, os desenhos industriais e os modelos de utilidade, previstos no Cdigo de Propriedade Industrial (Lei n. 9.279/96). A distino legal, entretanto, no ntida, por exemplo, no caso de software (Lei n. 9.609/98), que, pode ser entendido como direito de propriedade industrial ou direito de autor sui generis. 42

    Segredo industrial, ou know-how, entendido como o conhecimento privado, que no de domnio

    pblico nem de conhecimento dos concorrentes, capaz de produzir diferenciao de uma ideia, produto ou servio. Sua proteo contratual, fundamentada no artigo 39 do Acordo TRIPS (Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights), que trata dos atos de concorrncia desleal (artigo 195 da Lei n. 9.279/96).

  • 32

    O escopo-meio do empreendimento de venture capital inclui a organizao da

    cooperao entre os participantes, com foco nas atividades de desenvolvimento e

    materializao da ideia inovadora, e tambm a definio da estrutura de financiamento

    do negcio. A organizao da cooperao entre os participantes tem como res ultado a

    materializao da ideia inovadora. A especificao da estrutura de financiamento serve

    para definir a forma de alocao de recursos ao projeto43.

    As partes visam a obter direitos de exclusividade para explorao da ideia

    inovadora. Do ponto de vista dos interesses individual e coletivo, a concesso de

    privilgio de exclusividade sobre a inveno permite aos participantes recuperar os

    investimentos realizados e obter lucros com a comercializao da ideia inovadora e de

    produtos e servios derivados de sua implantao. Do ponto de vista do interesse

    pblico, ao final do perodo de exclusividade a inveno pode ser produzida e

    comercializada por outros agentes econmicos sem necessidade de incorrer, novamente,

    em todos os custos de pesquisa e desenvolvimento, ampliando os benefcios para a

    coletividade.

    O escopo-fim, ou fim comum, elemento essencial do negcio, devendo,

    obrigatoriamente, constar do contrato. Ainda que possa haver distintas percepes das

    partes quanto forma de conduo e financiamento do projeto, o negcio em comum

    visa a obter maior retorno que as alternativas de alocao de recursos. Por isso, os fins

    individuais especficos podem divergir, mas o fim comum nico, que a obteno de

    lucro com a comercializao da inveno.

    II.2.3. Forma e contedo

    A forma contratual livre, porm o contrato escrito devido a seu alto grau de

    43

    Para FORTUNA, o financiamento do projeto operao financeira que permite dividir riscos entre o empreendedor e o financiador, os quais so remunerados pelo fluxo de caixa do empreendimento, motivo da operao, aps sua implantao. A abordagem permite a adoo de tcnicas de financiamento e distribuio

    de riscos e retorno entre os participantes por meio do isolamento de ativos e passivos no projeto, que so separados dos demais bens e direitos de propriedade dos scios, para limitar o risco, facilitar o controle do desenvolvimento e a avaliao dos resultados. (FORTUNA, Eduardo. Mercado financeiro produtos e servios. 18 ed., Rio de Janeiro: Qualitymark, 2010, pp. 332-334).

  • 33

    incerteza e complexidade. Normalmente significativa a quantidade de clusulas

    estipuladas visando a organizar, de forma minuciosa, a cooperao entre as partes 44, 45,46.

    Normalmente o contrato no levado a registro pelas partes em funo da

    natureza de confidencialidade de seu objeto. Muitas vezes so estipulados acordos

    visando a evitar a divulgao de informao relevante a terceiros.

    No h tipo contratual predisposto na legislao para reger o negcio de venture

    capital; a operao deve se adaptar a algum dos tipos existentes. O negcio deve se

    conformar estrutura de um contrato tpico, entendido como um modelo de acordo

    previsto e consolidado pela legislao ao qual se aplicam as regras gerais dos contratos,

    cabendo s partes definir, caso a caso, as condies especficas do negcio 47.

    As principais clusulas existentes organizam-se em trs grupos: as condies

    gerais do negcio; as regras para captao e utilizao dos recursos; e as estipulaes

    para venda futura do negcio.

    44

    GOMPERS e LERNER analisaram amostra aleatria de 140 contratos de trs investidores e encontraram, na maioria dos casos, contratos complexos com mais de cem pginas de texto. (GOMPERS, Paul A.; LERNER, Josh. The venture capital cycle. 2

    nd ed., Cambridge: MIT Press, 2006, pp. 72-73).

    45 Na amostra de casos que analisamos no Brasil h contratos cuja redao ultrapassa 300 pginas, incluindo

    a carta de intenes (term sheets), o contrato social/estatuto social e o acordo de acionistas. 46

    A literatura de venture capital no unnime ao considerar a obrigatoriedade de haver contratos complexos para organizar o empreendimento, havendo aqueles que entendem que o prvio relacionamento entre as partes seria suficiente para eliminar sua necessidade. O relacionamento prvio e o grau de confiana entre os envolvidos, definidas como crenas na honestidade esperada da outra parte, indicam a probabilidade de cumprir determinada ao pactuada e influenciam a escolha do arranjo contratual. Contratos podem ser

    usados para alinhar os incentivos, havendo duas hipteses: substituio ou complementaridade. A hiptese de substituio sugere que somente h contratos complexos quando no h relacionamento prvio ou h baixo grau de confiana entre as partes. A hiptese de complementaridade sugere que contratos complexos so usados somente quando h relacionamento prvio ou algum grau de confiana estabelecido entre as partes. A distino entre as duas hipteses depende da expectativa sobre a execuo do contrato. Na primeira, os contratantes acreditam na possibilidade de cumprimento do contrato e evitam negociar contratos complexos,

    devido ao elevado custo. Na segunda hiptese, as partes acreditam que o contrato no garante o cumprimento voluntrio ou forado das obrigaes e, por isso, optam por estruturas contratuais mais simples para reduzir custos, deixando as estruturas mais complexas para situaes nas quais j h confiana recproca, isto , quando o custo de elaborao do instrumento contratual justificado pela maior complexidade do negcio e no pela desconfiana mtua. BOTAZZI, DA RIN e HELLMAN sustentam empiricamente a prevalncia da hiptese de complementaridade em negcios de venture capital. (BOTAZZI, Laura; DA RIN, Marco;

    HELLMANN, Thomas. The importance of trust for investment: evidence from venture capital. September, 2010. Disponvel em: . Acesso em: 27.01.2012). 47

    Conceito de contrato tpico apresentado por: SZTAJN, Rachel. Futuros e swaps uma viso jurdica. So Paulo: Cultural Paulista, 1999, pp. 51-52; 210.

  • 34

    As condies gerais do negcio definem a organizao e a estrutura do projeto,

    direitos e deveres das partes, responsabilidade dos administradores, forma de

    administrao, deliberao e deciso a respeito de matrias crticas para o

    desenvolvimento do projeto, restries ou proibies aplicveis durante a vigncia do

    pacto, forma de distribuio dos lucros ou prejuzos entre os participantes, entre outras.

    As regras para captao de recursos de terceiros estabelecem a forma de

    realizao do investimento, isto , a quantidade e valor da participao de cada scio, a

    forma de pagamento da contribuio, a eventual prestao de garantias e a distribuio

    dos resultados aos scios e s demais pessoas essenciais ao desenvolvimento das

    atividades.

    As clusulas contratuais tambm estabelecem a forma e as condies para

    avaliao e venda do negcio e impedem a adoo de comportamentos oportunistas 48

    das partes no sentido de dificultar a venda.

    Normalmente, os contatos de venture capital estabelecem as seguintes

    condies contratuais especficas:

    Criao de entidade jurdica autnoma, com separao patrimonial;

    Estrutura organizacional flexvel, proporcional ao porte e

    complexidade do empreendimento, com limitao da

    responsabilidade dos scios;

    Contribuio dos scios, em bens e servios, para constituio do

    capital necessrio;

    Critrios para partilha dos riscos e retorno do negcio;

    48

    Oportunismo o comportamento do agente que orienta a busca do interesse prprio, usando subterfgios como no revelao, distoro e sonegao de informaes, ou atitudes deliberadamente organizadas para enganar, dissimular ou confundir o outro. (WILLIAMSON, Oliver. The economic institutions of capitalism. New York: Free Press, 1987, pp. 44-49).

  • 35

    Configurao de ttulos de participao com finalidade de estabelecer

    o controle do negcio ou a fruio de benefcios, para distribuio

    aos scios e empregados;

    Alocao do poder de deciso entre os scios visando a minimizar a

    incerteza do negcio e viabilizar o desenvolvimento das atividades;

    Estabelecimento de limitaes do direito de voto e poder de veto a

    determinadas matrias visando a atribuir maior poder de deciso

    parte com melhores condies de decidir a matria;

    Possibilidade de acordo entre os scios visando ao alinhamento

    prvio do procedimento decisrio interno, controle da administrao

    e venda futura do negcio, limitando os riscos de haver frequentes

    alteraes contratuais para fazer frente s contingncias do projeto;

    Balanceamento entre o exerccio do direito de sada dos scios e a

    necessidade de execuo das obrigaes personalssimas devidas;

    Estabelecimento de regras para completar o contrato, em caso de

    surgimento de contingncias.

    II.2.4. Natureza

    O contrato de venture capital enfatiza a organizao da atividade a ser

    exercida49 e tem natureza de um contrato plurilateral com comunho de escopo.

    49

    Para usar a terminologia de ASQUINI, enfatiza-se o perfil funcional da empresa. Sua proposta baseia-se em perfis que decompem o conceito de empresa. Os perfis referem-se ao empresrio (perfil subjetivo), atividade (perfil funcional), bens e estabelecimento empresarial (perfil objetivo) e organizao de pessoas (perfil corporativo). (ASQUINI, Alberto. Os perfis da empresa. Traduo: COMPARATO, Fabio K. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econmico e Financeiro, Ano XXXV, n. 104, pp. 109-126, Out./Dez. 1996).

    Concordamos com LEES, que ensina que o tratamento legislativo aos distintos perfis da empresa no necessita ater-se a um esquema jurdico unitrio, podendo enfatizar diferentes perfis, conforme o caso. (LEES, Luiz Gasto P. B. A disciplina do direito de empresa no novo cdigo civil. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econmico e Financeiro, Ano XLI, n. 128, Out.Dez. 2002, p. 13).

  • 36

    ASCARELLI define atividade como um conjunto de atos coordenados para

    alcanar a finalidade almejada. A atividade, independente dos atos singulares que a

    compem, utiliza bens e requer capacidade dos agentes econmicos para desenvolv-la,

    sendo o lucro a compensao pelos riscos da atividade50. Segundo COASE, a melhor

    forma de organizao das atividades a definio de um feixe de contratos que

    organize as trocas no mercado e reduza custos de transao51,52.

    Para ASCARELLI, contrato plurilateral aquele que se volta constituio da

    organizao, no qual todos os participantes tm direitos e obrigaes especficos, mas

    no sinalagmticos. O negcio no bilateral, pois cada contratante assume obrigaes

    para com todos os demais, havendo comunho de finalidade. Nos contratos plurilaterais

    pode haver participao de duas ou mais partes. H menor importncia ao nmero de

    partes envolvidas e maior relevncia estrutura aberta do contrato, noo de

    comunho de escopo e possibilidade de substituio de prestaes ou partes sem que

    haja descontinuidade do negcio53.

    O projeto de venture capital apresenta as caractersticas de um contrato

    plurilateral, no qual necessria a organizao do empreendimento, definio de

    direitos e obrigaes dos scios, distribuio dos riscos, forma de partilha dos

    resultados e controle das decises crticas para o sucesso do projeto.

    Venture capital tambm negcio associativo, pois decorre da necessidade de

    colaborao, isto , da reunio de pessoas em um centro de imputao autnomo, com

    objetivo de alcanar a finalidade comum54. negcio organizado em torno da atividade

    50

    ASCARELLI, Tullio, Corso di diritto commerciale introduzione e teoria dell impresa. 3 ed., Milano: Giuffr, 1962, pp. 145-164; VEROSA, Haroldo M. D. Curso de direito comercial. So Paulo: Malheiros, 2004, vol. 1, pp. 52-55. 51

    COASE, Ronald H. The nature of the firm. In The firm, the market, and the law. Chicago: University of

    Chicago Press, 1990, pp. 36-39; 41-42. 52

    LEES demonstra que o conceito apresentado por COASE no se ope noo jurdica de atividade. Indica que o legislador no est obrigado a tratar a empresa a partir de um esquema jurdico unitrio, mas, ao contrrio, deve dar tratamento distinto a cada um dos diversos perfis existentes. (LEES, Luiz Gasto P. B. A disciplina do direito de empresa no novo cdigo civil. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econmico e Financeiro, Ano XLI, n. 128, Out.Dez. 2002, p. 13). 53

    ASCARELLI, Tullio, Problemas das sociedades annimas e direito comparado. 1 ed., So Paulo: Saraiva, 1945, pp. 273-332. 54

    SZTAJN, Rachel. Associaes e sociedades. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econmico e Financeiro, Ano XLI, n. 128, Out./Dez. 2002, pp. 15-17.

    javascript:open_window(%22http://200.144.190.234:80/F/E2MLXQPVGG78SC3XL5UU1CBTTJRLYSFE5FK14XU64Q1RM1C52S-84586?func=service&doc_number=000008779&line_number=0010&service_type=TAG%22);

  • 37

    desempenhada, comum s partes e voltado a um resultado predeterminado.

    Nestes negcios, os direitos das partes referem-se realizao da finalidade

    comum, isto , so de mesmo tipo e natureza para todos os contratantes, variando

    apenas na proporo. Todos tm direitos de partilha dos resultados obtidos com o

    desenvolvimento do projeto.

    As obrigaes contratuais podem ser distintas para cada contratante. Nas

    relaes com terceiros, empreendedor e investidor atuam em conjunto. A substituio

    da parte no desnatura ou invalida a natureza do negcio, e as obrigaes individuais

    contratadas podem ser substitudas por outras sem afetar a validade do contrato, exceto

    se a prestao devida for personalssima, isto , essencial continuidade do negcio,

    devendo ser prestada diretamente pelo scio que a ela se obrigou. Em negcios de

    venture capital pode haver prestaes essenciais de difcil substituio, por exemplo,

    atividades tcnicas para desenvolvimento da ideia inovadora, a cargo do empreendedor.

    Contratos plurilaterais so abertos, isto , possibilitam a adeso de terceiros a

    qualquer tempo. A impossibilidade de execuo da obrigao por uma das partes ou a

    resoluo parcial do negcio referem-se apenas parte em questo, no alcanando os

    demais participantes exceto se o objetivo do negcio no puder mais ser alcanado.

    A impossibilidade relativa ou parcial do objeto no invalida, a priori, a

    concluso do contrato. Ao contrrio, o projeto de venture capital tem por objeto o

    desenvolvimento de ideia inovadora que pode vir a no se concretizar, levando ao

    abandono do empreendimento.

    Contrato plurilateral gnero que engloba duas espcies, associaes e

    sociedades55, dos quais so exemplos os contratos de sociedade, os de associao e os

    55

    MAURO PENTEADO ensina que a doutrina italiana diverge sobre esse ponto. De um lado h a posio de ASCARELLI, que emprega o contrato associativo ora como sinnimo de contrato plurilateral, ora para designar contratos plurilaterais externos, nos quais as partes se relacionam com terceiros. De outro lado a

    concepo de MESSINEO, literal em relao ao artigo 1.420 do Cdigo Civil italiano, que entende ser o contrato associativo gnero do qual o plurilateral seria espcie, este requerendo trs ou mais partes. ASCARELLI expe os argumentos a respeito de ser possvel participao de duas ou mais partes, possibilidade essa traduzida na integral subsistncia do contrato plurilateral, como tal, ainda que, in concreto,

  • 38

    de joint venture56.

    Em todo contrato plurilateral, a prestao da parte reverte para todos os

    contratantes 57. A resoluo por inadimplemento depende da anlise da essencialidade

    da prestao devida, pois a no realizao da prestao inviabiliza a execuo do

    contrato. ROPPO ensina que, quando no h essencialidade, os efeitos limitam-se

    parte inadimplente. Ao contrrio, se o inadimplemento referir-se a prestao essencial,

    isto , personalssima, considerada em relao s circunstncias especficas do negcio,

    pode levar sua dissoluo58.

    II.2.5. Principais problemas

    II.2.5.1. Informao assimtrica

    A informao assimtrica quando um agente econmico detm informao

    relevante para o negcio, desconhecida dos demais, e o primeiro tira proveito da

    vantagem, obtendo benefcios sem incorrer nos custos, que so suportados pelos

    outros 59. A assimetria implica em desbalanceamento entre as posies das partes

    relativamente aos fatores de risco do negcio.

    Em negcios de venture capital, a informao assimtrica fundamentada no

    as partes sejam apenas duas. Essa caracterstica que diferencia claramente a espcie examinada dos contratos em geral encontra sua razo de ser no escopo comum perseguido pelos contratantes, que acaba por se impor mesmo que duas sejam as partes. (itlicos do autor). (PENTEADO, Mauro R. Extino de

    sociedades no Cdigo Civil de 2002. In: Princpios do novo Cdigo Civil Brasileiro e outros temas homenagem a Tullio Ascarelli. JUNQUEIRA DE AZEVEDO, Antonio; TORRES. Heleno T.; CARBONE, Paolo (org.). 2 Ed., So Paulo: Quartier Latin, 2010, pp. 457-458). 56

    ROPPO, Vincenzo. Il contrato. Milano: Ed. Giuffr, 2001, p. 129. 57

    ROPPO, Vincenzo, Op.cit., pp. 439-442. 58

    ROPPO, Vincenzo, Op.cit., pp. 870-871; 979-980. 59

    AKERLOF demonstrou que, em mercados nos quais o comprador se utiliza de estatsticas para avaliar a qualidade dos produtos, h incentivos para vendedores comercializarem mercadorias de baixa qualidade, pois o retorno obtido o mesmo para todos. Em consequncia, haveria reduo da qualidade das mercadorias e do tamanho do mercado. Como os retornos sociais e privados so diferentes, seria necessrio haver interveno governamental para aumentar o bem-estar geral. O exemplo clssico apresentado do mercado de carros usados de m qualidade (lemons), no qual o vendedor detm melhores informaes sobre a qualidade do

    bem negociado e faz uso dessas informaes para tirar vantagem na venda do veculo. Tal aspecto da incerteza explorado pela teoria dos jogos no dilema do prisioneiro. (AKERLOF, George. The market for lemons: quality uncertainty and the market mechanism. Quarterly Journal of Economics. V. 84, n. 3, August, 1970, p. 488).

  • 39

    conhecimento sobre a ideia inovadora, detido pelo empreendedor, que revelado

    gradualmente ao investidor, mediante retribuio60.

    Devido ao alto grau de incerteza que apresentam, contratos de venture capital

    so incompletos61, isto , no preveem todas as contingncias possveis, devendo haver

    regras especficas para soluo de conflitos. So contratos de execuo continuada e

    longa durao 62, nos quais importante conhecer qual parte tem a preferncia na

    tomada de decises em caso de lacuna contratual. A viabilizao do negcio difcil se

    houver controle unicamente pelo empreendedor, porque o investidor no ter meios

    para monitorar o desempenho do projeto. Por isso, idealmente, o controle deve ser

    compartilhado, condio fundamental para viabilizar o aporte de recursos63.

    A informao assimtrica favorece o empreendedor nas etapas em que o

    conhecimento sobre a ideia inovadora relevante. Nestas etapas a informao detida

    pelo empreendedor infungvel e sua prestao essencial para o sucesso do negcio,

    ao passo que as informaes detidas pelo investidor so mais facilmente substituveis.

    O empreendedor possui, com exclusividade, conhecimento tcnico para levar a

    cabo o desenvolvimento da ideia inovadora. Ele capaz de especificar as atividades,

    identificar as dificuldades de execuo e encontrar as possveis solues. Sua

    percepo sobre a possibilidade de sucesso do negcio pode ser viesada, uma vez que

    tem interesse pessoal no projeto e no contribui com recursos financeiros para sua

    execuo, incorrendo em menores prejuzos em caso de fracasso do empreendimento.

    60

    O princpio da revelao determina qual a melhor soluo que incentiva os agentes a indicarem suas preferncias ao outro, simplificando escolhas. O princpio da revelao vlido em situaes em que h moral hazard ou mltiplas etapas contendo decises. O princpio permite tornar as estratgias legais mais atrativas do que as ilegais e maximiza a possibilidade de cumprimento voluntrio de regras por parte dos

    agentes. (HURWICZ, Leonid. But who will guard the guardians? May 1998. Disponvel em . Acesso em: 15.01.2008, pp. 3-4; 10-12). 61

    AZEVEDO, Paulo F. Economia dos contratos. In ZYLBERSTAJN, Decio; SZTAJN, Rachel (coord.). Direito e Economia Anlise Econmica do Direito e das Organizaes. So Paulo: Campus, 2005, pp. 102-136; SZTAJN, Rachel; VEROSA, Haroldo M. D. A incompletude do contrato de sociedade. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econmico e Financeiro, Ano XLII, n. 131, Jul./Set. 2003, pp. 7-13. 62

    Ver, a respeito de contratos de longa durao e execuo continuada: SZTAJN, Rachel. Direito e Economia dos contratos. Os conceitos fundamentais. In: VEROSA, Haroldo M. D. Curso de direito comercial. So Paulo: Malheiros, Vol. 4, Tomo I, 2011, p. 83. 63

    BOLTON, Patrick; DEWATRIPONT, Mathias. Contract theory. MIT Press, 2005, pp. 36-37; 526-534.

  • 40

    O investidor no conhece as atividades tcnicas para desenvolvimento da ideia

    inovadora e, normalmente, no se envolve na conduo das atividades, porque no

    detm o conhecimento necessrio. Por isso, acaba por atribuir maior incerteza ao

    negcio e taxa de desconto64 mais elevada sobre o retorno esperado.

    Inicialmente, o poder de deciso sobre a administrao de atividades

    operacionais do negcio atribudo ao empreendedor, e transferido ao investidor

    somente se o negcio apresentar desempenho insatisfatrio. O objetivo da alocao

    inicial de direitos permitir ao empreendedor executar o contrato, revelando ao

    investidor a informao necessria. Se o negcio apresentar desempenho insatisfatrio,

    o investidor passa a interferir diretamente na administrao, mas, se o d