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VER E PRATICAR: O teatro em via de mão dupla IAÇÁ: Artes da Cena | Vol. III| n. 1 | ano 2020 ISSN 2595-2781 55 VER E PRATICAR: O teatro em via de mão dupla SEE AND PRACTICE: The double way theater Nelson Bruno Delfino da Conceição [email protected] UFSJ Resumo: Este trabalho investiga de maneira prática o uso dos recursos da mediação teatral com o intuito de pesquisar o processo de intermediação entre a cena e o espectador. Analisando a abordagem de Flávio Desgranges no seu livro “Pedagogia do Espectador”, que expõe estratégias para que o teatro e a escola possam aproximar-se de maneira efetiva. Nesse artigo defende-se a educação libertária (na cena e na sala) a partir do estudo de Silvio Gallo sobre teóricos anarquistas, que deu origem à sua “Pedagogia do Risco”. Sob essa perspectiva, afirma-se aqui a noção de que no encontro do estudante (de espaço formal/não formal de ensino) com a cena teatral, podemos usar uma metodologia de aparatos técnicos/sensíveis para ampliar a experiência artística e incentivar uma recepção crítica aos eventos espetaculares que fazem parte do cotidiano do estudante/cidadão. Palavras-Chaves: Teatro, Educação, Mediação Teatral, Pedagogia do Risco. Abstract: This work investigates the use of theatrical mediation resources in order to investigate the intermediation process between the scene and the viewer. Analyzing Flávio Desgranges's approach in his book “Pedagogia do Espectador”, this exposes strategies for the theater and the school to be effectively approached. This article defends libertarian education (on the scene and in the living room) from Silvio Gallo's study of anarchist theorists, which gave rise to his “Pedagogia do Risco”. From this perspective, it is stated here that in the student's encounter (of formal/non- formal teaching space) with the theatrical scene, we can use a methodology of technical/sensitive apparatus to broaden the artistic experience and encourage a critical reception to the spectacular events that are part of the student/citizen's daily life. Keywords: Theater, Education, Theatrical mediation, Risk Pedagogy. A Cena e a Sala A relação entre a escola e o teatro adquiriu nova configuração a partir da regulamentação do ensino de Arte, em suas quatro linguagens (música, dança, artes visuais e teatro), na estrutura básica de ensino pela Lei nº 13.278, de 2016. Apesar da lenta implementação dessa medida (cinco anos para adequação visando formação de professores suficientes para o seu cumprimento), a disciplina de Arte dentro do currículo é um avanço para uma sonhada perspectiva do ensino

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VEREPRATICAR:Oteatroemviademãodupla

SEEANDPRACTICE:Thedoublewaytheater

NelsonBrunoDelfinodaConceiçã[email protected]

UFSJResumo:Estetrabalhoinvestigademaneirapráticaousodosrecursosdamediaçãoteatralcomointuitodepesquisaroprocessodeintermediaçãoentreacenaeoespectador.AnalisandoaabordagemdeFlávio Desgranges no seu livro “Pedagogia do Espectador”, que expõe estratégias para que oteatroeaescolapossamaproximar-sedemaneiraefetiva.Nesseartigodefende-seaeducaçãolibertária(nacenaenasala)apartirdoestudodeSilvioGallosobreteóricosanarquistas,quedeuorigem à sua “Pedagogia do Risco”. Sob essa perspectiva, afirma-se aqui a noção de que noencontro do estudante (de espaço formal/não formal de ensino) com a cena teatral, podemosusar uma metodologia de aparatos técnicos/sensíveis para ampliar a experiência artística eincentivar uma recepção crítica aos eventos espetaculares que fazem parte do cotidiano doestudante/cidadão.Palavras-Chaves:Teatro,Educação,MediaçãoTeatral,PedagogiadoRisco.Abstract:This work investigates the use of theatrical mediation resources in order to investigate theintermediation process between the scene and the viewer. Analyzing Flávio Desgranges'sapproachinhisbook“PedagogiadoEspectador”,thisexposesstrategiesforthetheaterandtheschooltobeeffectivelyapproached.Thisarticledefendslibertarianeducation(onthesceneandinthelivingroom)fromSilvioGallo'sstudyofanarchisttheorists,whichgaverisetohis“PedagogiadoRisco”.Fromthisperspective,itisstatedherethatinthestudent'sencounter(offormal/non-formalteachingspace)withthetheatricalscene,wecanuseamethodologyoftechnical/sensitiveapparatustobroadentheartisticexperienceandencourageacriticalreceptiontothespectaculareventsthatarepartofthestudent/citizen'sdailylife.Keywords:Theater,Education,Theatricalmediation,RiskPedagogy.

ACenaeaSala

Arelaçãoentreaescolaeoteatroadquiriunovaconfiguraçãoapartirdaregulamentação

doensinodeArte,emsuasquatrolinguagens(música,dança,artesvisuaiseteatro),naestrutura

básicadeensinopelaLeinº13.278,de2016.Apesardalentaimplementaçãodessamedida(cinco

anos para adequação visando formação de professores suficientes para o seu cumprimento), a

disciplina de Arte dentro do currículo é um avanço para uma sonhada perspectiva do ensino

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básicoobterprofessoresqualificadosemcadaumadessasáreas.FlávioDesgranges1,professorde

teatro e pesquisador no campo da mediação teatral, no seu livro “Pedagogia do Espectador”

(2010) argumenta como esse profissional, licenciado em teatro, pode mediar o encontro dos

estudantes com os espetáculos oferecidos pela instituição escolar e a proposição de jogos e

exercícios teatrais potencializadores para uma descoberta prazerosa da apreciação artística,

salientatambémaimportânciadosdemaisprofessoresemembrosdocorpodocenteconhecerem

osmeandrosdessalinguagem,eassimesseúnicoprofessordeteatro,nãoseráumcontratodos

dentrodaescola,lutandoparaqueainstituiçãoseabraapropostasdequalidade.Comopodemos

então conjugar o ensino do teatro dentro das instituições de educação com a frequentação a

espetáculosartísticosquedespertemo interessedosalunos,alémdeconstruirestratégiaspara

que os demais professores iniciem também contato produtivo com essa arte? Essas questões

sugiramparamimduranteapresentaçãodoespetáculo“TikPuIki”deminhaautoriaparaalunos

daEscolaMunicipalLeoneldeMouraBrizolanoCentroCulturaldomunicípiodeNovaIguaçu-RJ

em2018.Essaexperiência, relatadaabaixo,me fezbuscaroutrasmaneiraspossíveisde relação

entreosespectadoreseacena,principalmentenoâmbitoescolar,empropostasquepensemo

eventoteatralcomoumatopedagógicoepolítico.

Aescolavaiaoteatro-Relatodeumaexperiência

No silêncio do camarim, eu pensava em como poderia fazer daquela apresentação algo

significativoparaascriançasqueiriamassisti-la.Exercíciosderespiração.Alongamentocorporal.

Maquiagem, figurino, objetos cênicos. Tudo checado. As luzes do palco diminuem e na coxia

chegamosprimeirosrisinhos.Elaschegaram.Minutosdepoisinvademaplateiaeoteatrotorna-

se vivo. As professoras distribuem como folhetos as regras: não falem durante a peça, não

levantem, não gritem, não riam alto, etc. Respiro fundo.O anúncio da produção.O espetáculo

começa.Depoisde15minutosdepeçaeufinalmentetenhoumamarcação(posiçãodeterminada

previamentenopalco)quemepossibilitaolharopúblicodefrente,eeuperceboqueatéaquele

momentosequersabiacomoeramosrostosdaquelascrianças.Eunãosabiadoqueelasgostavam

1ProfessorDoutorEfetivodagraduaçãoedapós-graduaçãodoDepartamentodeArtesCênicasdaUniversidadeEstadualdeSantaCatarina(UDESC)desde2015.Autordoslivros:"APedagogiadoEspectador"(2003),"PedagogiadoTeatro:provocaçãoedialogismo"(2006),"AInversãodaOlhadela:alteraçõesnoatodoespectadorteatral"(2012),"OAtodoEspectador:perspectivasartísticasepedagógicas(org.)"(2017).Lattes:<http://lattes.cnpq.br/3365305727140974>.

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esehaviamescolhidoassistiraquelapeça,oquelhesinteressava.Simplesmenteumdiaaescola

ascolocoudentrodeumônibuseelasforamconvidadasaparticipardaqueleeventocênico.Ao

longodapeçaeupercebiquealgunsestavamtotalmenteenvolvidoscomodesenrolardahistória,

enquantooutrosfugiam:paraocelular,paraocolegado lado,paraqualquer lugar.Eeleseram

culpados?Não.Nemsabiamporqueestavamali.Nofinal,algumasfotos.Abraçosefim.

OTeatroDentrodoAmbienteEscolar

Essa experiência, relatada acima, que ocorreu no teatro municipal Sylvio Monteiro na

baixadafluminensenoEstadodoRiodeJaneiroécomum,sejaquandoaescolavaiaoteatroou

quando as companhias vão à escola. O fato é que na maioria dos casos, tudo é determinado

previamentesemconhecimentodosestudantes,quenãosãopreparadosouquestionadossobre

as propostas assistidas, como consequência, essas experiências teatrais podem se tornar

entediantesesemmuitosignificadoparaosestudantes,queassociamoteatroamaisumatarefa

estudantil. Desgranges (2010) fala sobre como isso se torna nocivo para a formação do

estudante/espectadoreanecessidadedeumarelaçãodiferenteentreoteatroeaescola,pois,na

maioria dos casos, principalmente em locais periféricos, o primeiro contato da criança com o

teatroacontecepormeiodaescola,sejaemidasaoteatro,navisitadegruposteatraisnaescola,

ou na montagem de espetáculos em datas comemorativas. “É fundamental que a relação do

espectadoremformaçãocomoteatronãosejaadoalunoquecumpreumatarefaimposta,masa

do sujeito que dialoga livremente com a obra, elabora suas interrogações e formula suas

respostas.”(DESGRANGES,2010,p.67).Aoentendermosqueaapreciaçãodaobraartísticapode

serdespertadaparaalémdacriaçãodecondiçõesaoseuacesso,mastambémpelaexperiência

qualificada,ecomoprazerdoespectadoremserumparticipantenestejogo,assimcomodefende

Desgranges,oteatrodentrodoambienteformal/nãoformaldeensinonãodevesertratadocomo

umaobrigação. Esseencontropode seruma “Intersecçãode cenae sala” (DESGRANGES, 2010,

p.9),seguindoomovimentodeumaeducaçãolibertáriaquenãotemafunçãodeperpetuaruma

estruturasocial,masapartirdoestímuloaopensamentocríticodocidadão/estudante,provocar

neleapercepçãodequeécapazdetransformarasociedade.Nessaperspectiva,aliadoaoestudo

deDesgranges, durante o primeiro semestre de 2019 realizei com o ColetivoMeu Pai DizQue

Vem,formadoporestudantesdocursodeteatrodaUniversidadeFederalDeSãoJoãoDelRei,a

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montagem de um espetáculo pautado em princípios defendidos pelo pesquisador e professor

Sílvio Gallo 2 no seu livro “Pedagogia do Risco” que tece uma pesquisa sobre a educação

anarquista.Umateoriaquepensaaeducaçãocomoumespaçodetransformaçãodasociedade:

Estateoriaconcebeaeducaçãocomofenômenopolítico-socialquesepodeabriremduasfrentes:seroveículodareproduçãodasociedadee,portanto,desuamanutenção;ouserum espaço privilegiado para a realização de algumas tarefas que culminem com umprocessoradicaldetransformaçãodarealidadesocial(GALLO,1995,p.163).

O trabalho que se originou dessa pesquisa foi apresentado para três grupos diferentes:

participantes de uma oficina de jogos teatrais realizada durante o 3º Festival de Teatro de

Cipotânea/MGentreosdias17e21deabrilde2019;grupodeteatroda3ªidadedoprojetode

extensãodaUFSJ“UniversidadeAbertaparaaTerceiraIdade”emmaiode2019;eemumaoficina

abertaàpopulaçãodacidadedeSãoJoãoDelReinomesmoperíodo,comointuitodeidentificar

novaspossibilidadesderelaçãoentreoespectadoreacenateatral.Otrabalhofoidivididoemtrês

etapas: inicialmente foi feito um primeiro encontro com os participantes para que fossem

realizadosjogoscomotextodapeça,depoisnosegundoencontroapresentamosoespetáculo,e

noterceiromomentoosparticipantesrecriaramotextoeacenaeapresentaramparaosatores.

Paracoletardadoscomoidadeeescolaridadeeobterporescritoapercepçãodoespetáculoeda

oficina pelos participantes, foram criados três questionários específicos para cada etapa do

processo. Estes questionários têmo intuito de identificar se os participantes perceberamem si

transformaçõesaorealizaremasatividadespropostasequalarelaçãoquefazemdessetrabalho

comasuavida.Aintençãodaoficinaaliadaaoespetáculofoiutilizarosprincípiosdefendidospor

Gallo de uma educação que rompa com um modelo tradicional de ensino. Nesse sentido, ao

pensarumapedagogiateatral,voltomeusolhosparaumaeducaçãoquesepropõelibertária,em

que o indivíduo possa, no caso do teatro, ser capaz de compreender sua própria história,

reinventar narrativas, e ser provocador de transformações sociais, o que Gallo identifica na

educaçãoanarquista:

2ProfessorTitulardaUniversidadeEstadualdeCampinasnaFaculdadedeEducação,DepartamentodeFilosofiaeHistóriadaEducaçãodesde1996.MembroTitulardoConselhoCientíficoeArtísticodoLUMEdesde2013.MembrodediversasassociaçõescientíficasdocampodaFilosofiadaEducaçãonoBrasilenoexteriorfoiPresidentedaSOFIE-SociedadeBrasileiradeFilosofiadaEducaçãoentre2014e2018.Éco-editordaRevistaFermentario,publicadapelaFFyHdaUniversidaddelaRepública(Uruguai)epelaFE-Unicamp.<http://lattes.cnpq.br/3808560029763904>.

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Aeducaçãoanarquista,porsuavez,teriaporobjetivodesestruturaressaideologiasocialeensinaraconstruçãodaliberdade,paraquecadaumpenseeajaàsuamaneira,criandoasua própria ideologia, assumindo a sua singularidade, sem no entanto fechar-se para aamplitudedomeiosocial(GALLO,1995,p.37).

Penso então numapedagogia do espectador que possibilite ser braço de uma educação

libertária, que não seja mola de reprodução da sociedade capitalista calcada em princípios

opressores. Augusto Boal, referência mundial sobre a discussão do teatro como meio de

democratizaçãoetransformaçãosocial,emseulivro“TeatrodoOprimidoeoutraspoéticas”fala

sobreanecessidadedetiraroespectadordesuapassividade.OTeatrodoOprimidoquesurgiu

em1971,comproposiçõesdeexercíciose jogos,temcomoprincipalobjetivopropiciaroacesso

aofazerteatral:“transformaropovo,“espectador”,serpassivonofenômenoteatral,emsujeito,

emator,emtransformadordaaçãodramática.” (BOAL,1991,p.138)Essemétododesenvolvido

porBoalquefazreferênciaa“PedagogiadoOprimido”(1970)dePauloFreire,ecolocaaeducação

como transformação, pode ser percebido nas práticas desenvolvidas dentro do projeto de

pesquisadescritoaseguir,emqueoteatroévistocomoummodode“estar”eperceberavidade

formapotente.

Oteatrocomopotênciadevida

Noanode2017comeceiafazerpartedoprojetodepesquisa“ProduçãodeSubjetividade

emDimensões Teatrais”, financiada pelo CNPq, como bolsista de iniciação científica. O projeto

acontecenocursodeteatrodaUFSJemduasvertentes:encontrospráticos/teóricosparaestudo

deumasériedeexercícios, chamadosdeprototípicos3,eaulasde teatroemespaçosdeensino

formal na cidadede São JoãoDel Rei. Esseprojetodepesquisa é coordenadopeloprofessor e

pesquisador AndréMagela4. Para ele, o teatro está em constante uso na nossa rotina: quando

planejamoso futuro,quandorecorremosaopassadoouestabelecemosumaaçãoconjunta,por

3Exercícioscorporais,cujapráticaéinspiradaporconceitoseperspectivasoriundasdeescritosdeGillesDeleuze(2002,1988,1991,1992,2005,2003),FélixGuattari(DELEUZE;GUATTARI,1996),MichelFoucault(2004)eJerzyGrotowski(1987,2001,2012).4ProfessordagraduaçãoemTeatroedapós-graduaçãoemArtesCênicasdaUniversidadeFederaldeSãoJoãoDelRei,UFSJ,emMinasGerais,ondededica-seprioritariamenteaocampodalicenciaturaemteatroedaatuaçãoligadaaprocessosdetransformaçãopessoal.CoordenadordaPesquisa"GrotowskiDeleuzeEducação-Produçãodesubjetividadeemdimensõesteatrais",financiadapeloCNPq.<http://lattes.cnpq.br/0772623950282663>.

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exemplo,estamosfazendousodeprincípiosteatrais.Um“teatral”queestánavida.Fazparteda

vida.Acriançanãoprecisairàescolaaprendersualínguamaterna,poisissojáocorrenoseudiaa

dia, e sim para conhecer as engrenagens desse sistema e potencializar o seu uso. Da mesma

forma,nasuaconcepção,oteatroéumsaberque integraavida,eseuestudoeconhecimento

são importantes para que a relaçãodo indivíduo comesse teatrona vida, chamadopor ele de

“DimensõesTeatrais”,possasercadavezmaispotente:

São processos teatrais porque podem ser descritos resumidamente como modulaçõesimbricadas do tempo, do espaço e do comportamento, o que podemos chamar dedimensões teatrais da vida. A perspectiva aqui desenvolvida se foca sobre estateatralidade inerenteà vida social: formas, forçasepercepções teatraisentranhadasnocotidiano, e que devem ser abordadas por aulas dedicadas para isto, se pensamos aeducaçãocomopolíticadeintervençãonasociedadepeloenriquecimentodacognição,nosentidomaisabrangente,detodasaspessoas(MAGELA,2018,p.305).

Assim,asaulasdeteatropodemserpensadascomonecessáriasatodasaspessoas,poisa

práticadessaeducaçãoteatralpodepotencializarousodeinteligênciasquesãoteatrais.Nonosso

cotidianofazemosusoderecursosqueforamincorporadosaoteatro,masessesrecursosnãosão

exclusivos das artes da cena e sim do humano, portanto quando aprimoramos, com jogos e

exercícios,ousodessesrecursoschamadosaquide“inteligênciasteatrais”,potencializamosnosso

mododeestarnavida.

Opraticantedaauladeteatroconstróiemseucorpoconhecimentosquelhepossibilitamo uso de inteligências que estão dentro da cena, mas que são usadas na sua vidacotidiana.(...)percepçãomaiscomplexadoespaço,dotempoederelaçõeshumanasouacapacidadedeinvençãocolaborativadeoutrosmundosdeexperiênciaenovasformasdeviver.(...)umestratoteatralqueformaavidacotidianaequeapráticaqualificadadacenaexercitaeamplia(MAGELA,2017,p.28).

Então, a partir do meu contato com essa teoria, penso uma prática de formação de

espectadoresnestaperspectiva,seoteatrojáéutilizadopelaspessoasnoseucotidiano,assistir

espetáculosdemaneiraativa,refletircriticamentesobreesseteatro,podeserumpotencializador

dessainteligênciateatral.Magelasinalizaemsuapesquisa,aeducaçãoteatralcomoumprocesso

de subjetivação, deste modo as atividades propostas durante as oficinas de mediação teatral

foramcentradasemexperiênciaspessoaisdosparticipantes.Ointuitodaoficinafoipropiciarum

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conhecimentodepartedotextodaencenação,“Lembre-sedemim”5,queseriaassistida,eapós,

possibilitarqueoespectadorassumisseopapeldeatoreoatordeespectador,compartilhandoas

posiçõessociais.

Oficinaeapresentaçãodoespetáculo

Umreencontrocomooutro.Umencontroconsigo.Nossocoletivopossuiumpontoque

uneeentrelaçanossoscaminhos:ofazer.Depoisdeumtrabalhoquenosensinounapráticaas

“agrurasedelícias”dacenaestávamosnovamentecomsededenosaventurarmosnalabuta.Na

mãoquedeslizapelaargilaeconstrói.Masnãoqueríamossomentenossosbraços,nossavontade

erasentirocorpodoespectadoredoatornumatoúnicodecriação.“Arepresentaçãodoator-

afastandoasmeiasmedidas,revelando-se,abrindo-se,emergindodesimesmo,emoposiçãoao

fechamento - é um convite ao espectador.” (GROTOWSKI, 1976, p.198) E assim, tendo essa

premissa, nós nos confrontamos com as paredes da sala de ensaio durante quatromeses para

entender,primeiroemnósedepoisnooutro,olugarquepoderíamosabrircomoumconviteao

público. As cenas foram construídas a partir da construção de partituras físicas e sonoras de

memóriasescavadas.Essasmemóriastornaram-sesímbolosparaconstruçãodospapéis.“Artifício

-articulaçãodeumpapelpormeiodesímbolos.”(GROTOWSKI,1976,p.3).Umtrabalhodemãos

dadas. De extrema confiança e respeito. Depois, entrelaçamos como serpentes no bote as

palavrasparaaconstruçãodeumadramaturgiapensadanosprincípiosda“PedagogiadoRisco”,

umaeducaçãopautadanapergunta,noquestionamento,pedagogia libertáriaqueGallo,noseu

livro de mesmo nome, identifica como modo de transformar a sociedade dentro de uma

perspectivaanarquista,buscandoumahorizontalidadenãododiscurso,masdaação.Por fim,o

processoprecisouser“alimentadodefome”,paraquecontinuassevivo.Aprincipaldificuldadefoi

comotornaresseprocesso,queacontecedentrodasaladeensaio,provocadorparaumoutroque

chegaalheioatodososacontecimentospesquisadosedescobertosduranteamontagem.Nesse

sentido, a catapulta do texto, em nossa opinião, tornou-se uma mola de proliferação de

significações.Oespetáculofoiestruturadocompropostasdeparticipaçãoativadoespectador.A

cena é iniciada no momento em que o público chega à porta da sala/teatro. Os atores

estabelecemum jogo emque o público escolhe o nome da cafeteria, lugar central do texto, e5Oespetáculoretrataavidadedoisrefugiadoslutandoparasobrevivereamar.Apeçapropõereflexãosobreasituaçãodemilharesdejovensgaysvivendoempaísesondesuaorientaçãosexualéconsideradacrime.

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tambémescrevemsuassaudadeseesquecimentosqueserãoutilizadosduranteoespetáculo.Os

atoresperguntamosnomesdealgunsdosespectadores,eessesnomessãoescritosnocavalete

em que se encontra a programação da cafeteria. Nossa intenção é que o público participe de

múltiplas formas da cena: atuando, fazendo a dramaturgia e sendo também cenário. Então, na

entradaalgumaspessoasdopúblicosãoconvidadasaseguraremseusombros,como“homem-

cartaz”, o cavalete de divulgação da cafeteria. Os espectadores dentro da sala/teatro seguram

umacaixaetornam-seasmesasutilizadaspelosatores.Emalgunsmomentosacenaassumeum

lugardequartaparedeeoespectadorapenasassiste,emoutrosmomentosopúblicoéconvidado

a cena, como no trecho da boate, em que todos são convidados a levantar e vestir roupas

vermelhascomoofigurinodosatoresesãooferecidasmúsicasapartirdassaudadesescritasna

portaria.

Foto1–Homem-Cartaz.ApresentaçãoLembre-sedemim,25demaiode2019,SalaPreta,CTAN–UFSJ,SãoJoãoDel

Rei–MG.Fonte:NelsonBrunoDelfinodaConceição.

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Foto2-Espectadorestornam-secenário.ApresentaçãoLembre-sedemim,25demaiode2019,SalaPreta,CTAN–

UFSJ,SãoJoãoDelRei–MG.Fonte:NelsonBrunoDelfino.

Foto3-Acenatorna-seumaboatecomatoreseespectadores.ApresentaçãoLembre-sedemim,25demaiode2019,

SalaPreta,CTAN–UFSJ,SãoJoãoDelRei–MG.Fonte:NelsonBrunoDelfinodaConceição.

Emnossaprimeiraviagemcomessetrabalhonosdeparamoscomascostasdeumacidade.

NossoespetáculoeoficinafoiconvidadoaparticipardoterceiroFestivaldeTeatrodacidadede

Cipotânea em Minas Gerais, uma cidade com aproximadamente 7 mil habitantes e a religião

católicaextremamentearraigadaemsuacultura.OFestivalaconteceuparaleloàSemanaSanta,

um dos principais eventos do catolicismo e de forte potencial econômico para a região. O

resultadodessa“disputa”depúblicocomumevento tradicional foiumcompletoesvaziamento

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das apresentações, que, por falta de espaço adequado, ocorriam dentro do salão paroquial da

principaligrejadacidade,localizadanapraçacentral.Emnossaoficinativemosapresençadeseis

participantesdeidadesbemvariadas,entre9e40anos,sendoduascrianças,duasadolescentes,

um jovemeumaadulta.Trêsdesses integranteseramdeoutrosgruposqueestavamnacidade

paraparticipardofestival.Nossaprimeiraatitudediantedafaltadeintegraçãodacidadecomo

eventoteatralqueocorriaparaelesfoirealizaraoficinanapraçaemfrenteàigreja,paraqueos

moradorespudessemperceberquealgoestavaacontecendoalémdaSemanaSanta,porémainda

assim os moradores se mantinham distantes da programação do festival. Outra tentativa foi

conversar com as pessoas que passavam pela praça para falar da oficina e do espetáculo que

apresentaríamos. O retorno da grande maioria era de que não sabiam do festival e que a

divulgação não tinha acontecido. Realizamos a oficina com esse número de participantes e

apresentamos o espetáculo para cerca de 20 espectadores, sendo que alguns deixaram a

apresentação no meio para participar da missa que começou antes do fim da encenação. No

último dia do evento sentamos junto com o organizador e os demais grupos para dialogamos

sobreofestival.Oquepercebemosfoiànecessidadedeouviravozdosmoradoresdaquelelugar,

saber o que eles querem assistir enquanto proposições artísticas e que tipo de práticas eles

gostariamdeexercitarnasoficinas,poisemnossapercepçãosomentecomessaaberturaacidade

fariaomovimentoinversoparareceberartistasdeoutrasregiões,eassimdefatoseriapossível

umatrocaentreosquechegamcompropostasconcebidasemoutroslugareseoutrasquestões

com os moradores daquele lugar. Respeitar a identidade e aspirações talvez seja um passo

importanteparacriardiálogo.Osseisparticipantesdaoficinadejogosteatrais,quepropusemos

comomediaçãodoespetáculoreconstruíram,aolongodetrêsdias,algumascenas.

Nossa principal tarefa foi reelaborar os exercícios para um público com faixa etária tão

diversa (nosso espetáculo possui classificação indicativa de 14 anos). Era importante tornar o

trabalho lúdico para que as crianças pudessem ter interesse em participar, principalmente ao

discutirmos os temas do texto que toca em questões como: refugiados, homofobia e uso de

entorpecentes.ConformeDesgranges,nossafunçãoeragerarprovocaçõesparaoqueelestinham

vivenciado enquanto espectadores. “Portanto, a função do mediador teatral, em oficina, é

estimularoparticipanteamanifestar-seartisticamentesobreacena,efetivandoa(co)autoriaque

lhecabe,elaborandocompreensõesquevãosendoconstruídasparaalémdameraanálisefriae

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racionaldoqueviu.” (DESGRANGES,2011,p.168).Essadiversidadedemomentoshistóricosdos

participantes tornou o processo de mediação das rodas de conversa extremamente rico, pois

tivemosaoportunidadedereceberfeedbackscomolharesparticularesparaacena,assimcomo

foi possível identificar a diferença de compreensão e ângulo de atenção para as camadas do

espetáculo. Nossa principal lição foi entender a importância de não ter medo de falar sobre

questõesquesãotratadascomoimprópriasparacrianças,poisasprópriascriançasqueestavam

participandodasatividadesnosdisseramqueessestemasefatosaconteciamaoseuredor,seja

naescolaounarua,equeparaelasnãoeranovidadefalarsobreessesassuntoseanecessidade

de tocar nesses temas para entendê-los e desmistificá-los. Retornamos a sala de ensaio após

nossaprimeiraoficina/apresentaçãoparanosconfrontarmoscomasquestõesqueemergiramdo

processo. A segunda oficina foi realizada na sala preta do curso de teatro da UFSJ e aberta à

populaçãodacidadedeSãoJoãoDelReiemmaiode2019.Cincoparticipantesresponderamao

nosso chamadoonline e realizaramos exercícios que utilizamos como construção de partituras

corporaisnoespetáculoassistidoporeles.Asmemóriasevocadaspelosparticipantesconversaram

entre si, pois retratavammomentos da infância e da relação comos seus pais, o que também

aconteceu durante o processo de montagem do espetáculo pelos atores. Devido ao número

reduzidodeparticipantes,osatoresdoespetáculorealizaramosexercíciosdereescreverpartedo

textoeconstruçãodecenajuntocomosestudantes.Essecontatodoscriadoresdapeçacomos

participantes da oficina proporcionou conversas extremamente produtivas para a compreensão

dotodocênico,dasescolhasfeitaspelosartistaseprincipalmentedapossibilidadedeescutado

atorpeloespectadoredocompartilhamentodessespapéis.

Paralelaaoficinarealizadanasalapreta,oferecemosomesmoprocessoparaumgrupode

nove senhoras que compõem a oficina de teatro no projeto de extensão “Universidade Aberta

paraaTerceiraIdade”promovidopelaUFSJ.

No primeiro momento da oficina realizamos a leitura de trechos do texto da peça,

separados previamente, após em duplas criaram cenas com esses fragmentos e apresentaram

paraos atores.No segundomomentoosparticipantesdaoficina assistiramaoespetáculoeno

terceiro momento realizaram perguntas para os atores e criaram uma cena em grupo. Esse

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trabalho de jogar com o texto é extremamente rico para a mobilização do participante como

salientaaprofessoraepesquisadoraMariaLúciadeSouzaBarrosPupo6:

Imaginarencenaçõesparaumtexto,jogarcomsituaçõesqueserãoredescobertasduranteo espetáculo e escrever a partir de desafios similares aos dos autores são propostasespecialmenteférteis,namedidaemquemobilizamosalunosaagir, formulardiscursospróprios,mergulharnoprazerdainvençãoedametáfora(PUPO,2015,p.338).

Emcadadiadoprocessoosparticipantes responderamaumquestionárioque serviude

norte para o andamento da pesquisa. Nos questionários preenchidos durante as oficinas foi

possível perceber que a primeira experiência com teatro para a maioria dos participantes

aconteceu por intermédio da escola. Outro dado importante foi que amaior parte não tem o

hábitodefrequentarespetáculosteatrais,masquasetodosresponderamqueassistire/oufazer

teatroprovocatransformaçãoemsuavida,conformetrechosdosquestionárioscitadosabaixo:

Emsuaopiniãoosexercíciosnasaulasdeteatroprovocamalgumatransformaçãonasuavida?A-“Sim.Vocêpercebequeháoutraspossibilidadesdeseportar,desecolocarnomundoalémdasregrasestabelecidaspelasociedadevigente.Podemosfazerdiferente,nosvestirdiferente,sentar,andar,falardeformadiferente.”Vocêconsideraqueessaapresentaçãopodeprovocaralgumamudançanasuavida?A-“Sim.Umbomespetáculosempreacrescentaumpoucomaisnanossavida.Precisamosdebeleza, poesiapara vivermosmais felizes e termosumamaior compreensãoda vidasemnosdeixarmosmanipular.”Paravocêreescreverotextopossibilitarepensarasrelaçõesescritasnavidareal?R- “Reescrever é um processo de repensar e colocar em ordem coisas difusas da vida.Tudoissocontribuinareflexão”.R- “Sim, ao reescreverpodemosmudar a ênfaseeo caráterdoque foi contado. Sendoassimpodemos aplicar esta “reescrita” na vida real,mudando a ênfase para fatosmaispositivos.(ounão)”

Segueabaixomaterialretiradodosquestionários:

6ProfessoraDoutoratitulardaUniversidadedeSãoPaulodesde1992naLicenciaturaenoProgramadePós-GraduaçãoemArtesCênicas,principalmentenosseguintestemas:pedagogia,formação,teatrocontemporâneo,açãocultural,mediaçãoteatraledramaturgia.Suaspesquisaseatividadesdocentesvêmseestendendoadiferentescidadesbrasileiras,alémdesedesenvolveremtambémnaFrança,BélgicaeMéxico.<http://lattes.cnpq.br/9292277008640466>

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Tabela1-Dadosdosparticipantes–Primeiraoficinarealizadano3ºFestivaldeTeatrodeCipotânea-MGentre19e21deabrilde2019.

Idade Escolaridade

49 Superiorcompleto

12 7°ano

12 8°ano

13 8ºano

17 3ºanodoensinomédio

9 5°ano

Tabela2-DadosdosParticipantes-SegundaOficinarealizadanaSalaPretadoCursodeTeatrodaUFSJentre25e26demaiode2019.

Idade Escolaridade

18 Superiorcompletoincompleto

31 EnsinoSuperior

61 Ensinosuperior

28 Ensinosuperior

37 EnsinoSuperiorIncompleto

Tabela3-DadosdosParticipantes-TerceiraoficinarealizadanoProgramadeExtensãoUniversidadeAbertaparaaTerceiraIdade-UFSJentre21e28demaiode2019.

Idade Escolaridade

69 Ensinomédio

68 Ensinomédio

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68

77 Primário

62 Ensinomédio

75 5°ano

79 Ensinomédio

Tabela4-Frequênciadosparticipantesdaoficinaemespetáculosteatrais

Nunca Pouco Frequetemente Muito

1ºoficina 3 2 1

2ºoficina 1 3 1

3ºoficina 1 2 1 1

Tabela5-Primeiraexperiênciacomoespectadordeteatro

Escola Pais IniciativaPrópria Outros

1ºoficina 3 1 1 1

2ºoficina 1 1 1

3ºoficina 3 1 1

Quandoquestionadossobreainfluênciadaleituradotextonacompreensãodoassuntodo

espetáculoagrandemaioriaatribuiimportânciaaessefato:

Tabela6-Compreensãodapeçaatravésdaleituradotextopelosparticipantes

Lerotextoantescontribuiparacompreendermelhoroassuntodapeça?

Sim

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Achoquesim

Maisoumenos

Não

Àsvezes,dependemuitodaatuação

Sim,porquedapraentenderoenredodesdeoinicio

Sim,maspodeinterferi,poiscriaexpectativa

Acreditoquesim,emboraalémdotextoescritoexistatambémotextocênico

Não

Sobre reescrever as cenas e apresentá-las aos atores, os participantes atribuem uma

transformação maior por conta do desafio da tarefa do que pela relação direta com o seu

cotidiano, o que sugere ser necessário uma pesquisa que acompanhe o espectador por um

períodomaiorparaidentificarmelhoressaquestão:

Tabela7-Percepçãodosparticipantesdaoficinasobrereescreverascenasdapeça

Paravocêreescreverascenaseapresentá-lasprovocatransformaçãoemsuavida?

Sim–desafio

Sim-Lembranças,saudades,segurança

Sim

Sim

Sim,demaneiraquereescrevertefazbuscarmaisclarezanassuasaçõesdopassadoecomoelas

podemteinfluenciar

Sim

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Sim

Nãorespondeu

Descortinar os caminhos do texto para trazer experiências como um ato de criação

proporcionou aos estudantes e ao coletivo proponente do exercício cumplicidade para travar

diálogospessoaisemprocessohorizontaldetrocaerespeitoàssubjetividades.

Inspirador antes de mais nada é o estabelecimento de diálogos – por vezesdesestabilizadores–comacena,emqueassociaçõeslivreseaaberturaparaexperiênciasdecarátersensorialsejamofiocondutorparaqueasubjetividadeganheoprimeiroplano(PUPO,2015,p.351).

O caminho demão dupla do teatro conduz para uma potencialização da capacidade do

participantedeinvestigarosacontecimentosqueacenalheapresentaeconcedevozaoseuato

criativo.Suaparticipaçãoéconcretanaobraartísticacomointuitodeencorajá-loaempreender

esse processo no seu dia a dia. Nessa perspectiva, um projeto de mediação teatral que se

preocupe com a autonomia do espectador em seu processo criativo, pode ser abastecido com

estudiososdaáreadaeducação,comooprofessorSilvioGallo,quedescortinapropostadeuma

educação libertária sob uma égide anarquista. Uma educação que pensa o aluno de maneira

completa, capacitado de forma teórica e prática. Um ensino que vise à integração do

participante/cidadãoeproporcionaasualiberdadedentrodesseprocesso.Ninguémpodegostar

de algo que não tenha conhecimento, então para que as pessoas despertem o prazer para a

apreciaçãoartística,primeiroéprecisoconcedercondiçõesefetivasparaoacessoaospormenores

dessa linguagem,suaengrenagemeseufuncionamento.Éconhecendoteatroqueoespectador

entenderá porque vai ao teatro e analisar criticamente os espetáculos assistidos, retornando

depoisasimesmopararefletirsobrearelaçãodessaobracomsuavidae,comessashabilidades

desenvolvidas, poderáescolhernão só ir ao teatro,mas aque tipode teatro ir. (DESGRANGES,

2010, p.33). É importante que a criança saiba que está indo ao teatro e que conheça as

informaçõesmínimasdoprogramadoespetáculo, comoonomedapeça, do autor, diretor, do

que trata, qual a história, para que tenha consciência da atividade que está realizando.

(DESGRANGES, 2010, p.76-77). Assim, esse estudante, espectador da vida, ao perceber que

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tambéméautorda “cena”,pode tornar-seautorna “vida”.Aexperiência comaconstruçãodo

espetáculo e a proposição da oficina mostrou que quando o participante tem conhecimentos

aprofundadosdaobra,suarelaçãoeparticipaçãoefetivam-sedemaneiramaisdireta.Podemos

então pensar, a partir desses relatos, a importância damediação teatral e na sua contribuição

paraaformaçãodefuturosespectadores.

ReferênciasBOAL,Augusto.OTeatrodoOprimidoeoutraspoéticaspolíticas.RiodeJaneiro:CivilizaçãoEditora,2010.DESGRANGES,Flávio.APedagogiadoEspectador.SãoPaulo:EditoraHucitec,2010.DESGRANGES,Flávio.APedagogiadoTeatro:provocaçãoedialogismo.3.ed.SãoPaulo:Hucitec,2011.183p.FREIRE,Paulo.Pedagogiadooprimido.RiodeJaneiro:PazeTerra,1970.GALLO,Sílvio.PedagogiadoRisco:ExperiênciasAnarquistasemEducação.Campinas,SP:Papiris,1995.GROTOWSKI,Jerzy.Embuscadeumteatropobre.RiodeJaneiro:CivilizaçãoBrasileira,1976.MAGELA,AndréL.L.Abordagemsomáticanaeducaçãoteatral.In:MORINGA–Artesdoespetáculo.RevistadodepartamentodeartescênicasdaUniversidadeFederaldaParaíba.JoãoPessoa:UFPB,2017.Disponívelem:http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/moringa/article/view/34856acessoem02dejunhode2019.MAGELA,A.L.L.CogniçãoTeatraleEducação.Rascunhos-CaminhosdaPesquisaemArtesCênicas,v.5,n.3,20dez.2018.Disponívelem:http://www.seer.ufu.br/index.php/rascunhos/article/view/43132acessoem25dejunhode2019.MAGELA,AndréL.L.ProduçãodeSubjetividadeemDimensõesTeatrais:Deleuze,GrotowskieEducaçãoTeatral.SãoJoãoDelRei:UniversidadeFederaldeSãoJoãoDelRei(UFSJ);ProjetodePesquisaCientíficaCNPQ;2017.PUPO,MariaLúciadeSouzaBarros.LuzessobreoEspectador:artistasedocentesemação.Rev.Bras.Estud.Presença,PortoAlegre,v.5,n.2,p.330-355,maio/ago.2015.Disponívelem:http://www.seer.ufrgs.br/presencaacessoem22dejunhode2019.

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Artigosubmetidoem15/08/2019,eaceitoem26/11/2019.