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O carisma da unidade e a questão social na América Latina e Caribe
Vera Araújo Ser o “continente azul” no mapa carismático da espiritualidade da unidade de Chiara
significa, para os discípulos deste carisma, assumir um compromisso decisivo.
Compromisso decisivo que se reveste de uma especificidade totalmente nossa, que se torna
um desafio do qual não podemos fugir porque representa a nossa específica contribuição para
a realização do mundo unido, através do ágape e da fraternidade.
Creio que o nosso modo de “olhar” para as nossas sociedades deve se “colorir” com algumas
indicações precisas que têm as suas origens no carisma, na percepção da sua plenitude e
universalidade.
Indicações precisas que são verdadeiros “instrumentos” teóricos e práticos para captar os
desafios do nosso continente.
Isso requer uma elaboração que nos convida a um trabalho constante, aprofundado, nunca
concluído mas sempre aberto às novas dimensões do próprio carisma e às novidades da
história.
Neste momento me limito a dar poucos exemplos, considerando as obras sociais, que são
obviamente uma parte, embora de grande valor, deste cenário.
1ª palavra
O ágape: é o nosso horizonte e o nosso ambiente comum, permeia o nosso intelecto, o nosso
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coração e todas as nossas energias.
O ágape é sempre a maior novidade de todos os tempos. É a chave de retorno, o caminho, a
etapa das nossas atividades e obras sociais. É a essência do profissionalismo e da criatividade.
É tudo.
Nunca deve ser “encerrado”, “fechado”, “manipulado”. Vem de Deus, do Espírito Santo,
portanto, é sempre “criativo”, “imprevisível” como o Espírito que não se sabe de onde vem
nem para onde vai (Jo 3,8).
Isso não significa que não se possa ou não se deva organizar e também regularizar, mas
significa que o ágape torna livres, e a liberdade é o maior dom de Deus à humanidade.
Liberdade que nos torna capazes daquela reciprocidade do dom de nós mesmos para construir
a unidade. Se não existir o ágape não somos nós mesmos.
2ª palavra
Fazer-se um: é um método. É o modo e a maneira de amar nas atividades, nos
relacionamentos sociais, políticos, institucionais, nas obras. Não é apenas um método
instrumental e também comportamental. É muito mais. É um componente antropológico que
nos permite construir qualquer relacionamento visto como “transmigração” no outro, em
quem é distinto, diferente de mim.
O “fazer-se um” é decisivo nas atividades sociais porque engloba todas as “técnicas” que o
bom profissionalismo exige: espaço profundo de escuta, paciência, cancelamento de todo tipo
de julgamento, etc, que permite a possibilidade concreta de uma avaliação correta, eficaz e
respeitosa das situações. Chiara une atitude e ação na arte de amar: “…ir ao encontro do
irmão, de suas carências, assumir as necessidades e as dores dele. Então, dar de comer, de
beber, oferecer um conselho, uma ajuda, adquirem sentido”1.
3ª palavra
Fraternidade: palavra difícil, delicada, que ao longo da história e nos mais variados
contextos sociais se presta a múltiplas interpretações e conteúdos. Um texto de Chiara
esclarece a qual fraternidade nos referimos e elimina qualquer margem de equívocos:
“Ele (Jesus) revelando que Deus é Pai, e que por isso todos os homens são irmãos, introduz a
ideia da humanidade como família, a ideia da “família humana”, na qual é possível atuar a
fraternidade universal. E com isso abate os muros que separam os “iguais” dos “diferentes”,
1 C. Lubich, A arte de amar, Cidade Nova, São Paulo, 2006, p.84
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os amigos dos inimigos. E desvincula os homens de todo tipo de relacionamento injusto,
realizando assim uma autêntica revolução existencial, cultural, política”2.
Na base da questão social do nosso continente, está a desigualdade, que se manifesta nas
várias dimensões da vida: econômica, política, institucional. Todas as ações, atividades e
obras sociais não podem deixar de ter como objetivo o caminho em direção a uma maior
igualdade.
A fraternidade, de modo especial para nós da América Latina, deve ter este horizonte.
Paulo VI, em um discurso histórico proferido à ONU, em 1965, dizia aos representantes dos
povos que a igualdade se constrói e que para fazer isso é necessário a humildade. A
humildade nos ajuda a sermos irmãos.
Este me parece um desafio que a fraternidade consegue enfrentar com boas possibilidades de
êxito. A fraternidade de Jesus, vivida por Chiara, libera conteúdos de grande importância e
dinamismo, coloca em ação muitas energias adormecidas, impulsiona em direção a metas
concretas de crescimento para:
a) exigência de reciprocidade e interação
b) exigência de capacidade de dom de si e de doação concreta
c) exigência de justiça, como fundamento da participação
d) exigência de comunhão.
4ª palavra
Sofrimento e conflitos: Quem deseja enfrentar a questão social depara-se quotidianamente
com o sofrimento e os conflitos que, presentes em todas as vicissitudes humanas, estão em
vigor de modo especial no mundo dos fracos e dos oprimidos.
Também para esta particular dimensão com que se depara o operador social, o carisma da
unidade não oferece uma solução fácil ou um instrumento, mas um sentido, um significado,
uma Pessoa: Cristo abandonado na cruz. Ele nos revela plenamente o amor de Deus pela
humanidade e a chave de compreensão da falta de unidade, do conflito, do mal, do sofrimento
entre os indivíduos e na sociedade.
Chiara nos ensinou – também com a sua vida – a levar até as últimas consequências a
“leitura”, a “interpretação” e a “resolução” de todos os males do mundo, à luz do abandono de
Jesus.
2 C. Lubich, L’Europa unita per un mondo unito, in “Nuova Umanità”, XXV (2003/2) 146, p. 140.
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“Para amar bem, não se deve ver nas dificuldades e injustiças do mundo apenas males sociais
a serem remediados, mas descobrir nelas o semblante de Cristo, que não se desdenha rebaixar
perante a miséria humana”3.
O abandonado se identifica com todos os crucificados da terra. Ele pode ser reconhecido e
encontrado em todas as situações de sofrimento e de falta de sentido4.
Jesus crucificado e abandonado nos espera nos lugares onde o sofrimento das pessoas se
manifesta. Espera ser reconhecido, abraçado, amado, assumido. Neste abraço se abre um novo
espaço e todas as feridas e divisões podem ser sanadas.
Quem o ama deste modo está cultural e espiritualmente preparado para procurar e encontrar
saídas e caminhos de partilha, junto às muitas situações de desequilíbrio social.
5ª palavra
Dignidade e cidadania: No atual cenário mundial, a valorização da dignidade de cada
pessoa, grupo ou comunidade, passa necessariamente pelo estatuto da cidadania.
Cada atividade ou obra social deve mirar a edificação de cidadãos capazes de participação e,
conseguentemente, capazes de reinvindicar os próprios direitos e deveres.
O carisma da unidade indica o surgimento de uma cidadania local (nacional) e global
(universal).
Chiara nos ensina e encoraja a nos tornarmos homens-mundo, isto é, pessoas capazes de
avaliar, de sentir e trabalhar, acolhendo quem lhes passa ao lado, os desconhecidos, mas que
não são anônimos.
Por isso, cidadãos da minha cidade e da minha nação, cidadãos latino americanos, cidadãos
do mundo:
“Amar a pátria alheia como a própria” é profecia aplicada e concreta, é compreender e viver o
ágape de onde iniciamos, como amor social, categoria política capaz de transformar as
situações difíceis.
3 C. Lubich, Para uma civilização da unidade, Discurso proferido no Congresso “Uma cultura de paz para a unidade dos povos”, Castelgandolfo, (Roma) 11-12 de junho de 1988. 4 “…todo sofrimento físico, moral ou espiritual são apenas uma sombra do seu infinito sofrimento”, C.Lubich, A unidade e Jesus crucificado e abandonado, fundamento para uma espiritualdiade de comunhão, Discurso proferido ao Conselho Ecumênico de Igrejas, Genebra 28.10.2002