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Vera Lucia Marques da Silva

Denise Chrysóstomo de Moura Juncá

Organização

Território,

Vulnerabilidades

e Saúde

Campos dos Goytacazes, RJ

FBPN/FMC

2012

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FUNDAÇÃO BENEDITO PEREIRA NUNESPresidente - Almir Jesus do Nascimento

FACULDADE DE MEDICINA DE CAMPOSDiretor Geral - Dr. Nélio Artiles FreitasVice-Diretora - Drª Maria das Graças Sepulveda Campos e CamposDiretor Acadêmico - Dr. Paulo Gustavo AraújoDiretor Administrativo - Luiz Fernando da Silva PradoDiretor de Recursos Humanos - Wainer Teixeira de CastroCoordenador de Graduação em Medicina - Drª Maria das Graças Sepúlveda Campos e CamposCoordenador de Graduação em Farmácia - Prof. Carlos Eduardo Faria FerreiraCoordenador da Pós-Graduação e Extensão - Dr. Abdalla Dib ChacurCoordenador de Internato e de Estágios - Dr. Márcio Sidney Pessanha de SouzaCoordenadora de Pesquisa - Drª Regina Célia de Campos Souza FernandesCoordenadora de Extensão - Drª Vera Lúcia Marques da SilvaCoordenador de Egressos - Dr. Gilson Gomes da Silva Lino

Ficha catalográfica preparada na Biblioteca da Faculdade de Medicina de Campos

FACULDADE DE MEDICINA DE CAMPOSAv. Alberto Torres, 217 - Centro - Campos dos Goytacazes - RJ - CEP: 28035-580 - Tel/Fax: (22) 2101-2929

Coordenação Gráfica e Projeto Gráfico: Wellington CordeiroRevisão Gramatical: Selma SolangeBibliotecária: Maria Cristina M. LimaFotografias de Capa: Wellington CordeiroImpressão: Wall PrintTiragem: 1.000 exemplaresDistribuição: Gratuita e Dirigida

S677a T327 Território, vulnerabilidades e saúde / Vera Lucia Marques da Silva, Denise Chrysóstomo de

Moura Juncá, organização. — Campos dos Goytacazes, RJ: FBPN / FMC, 2012. 104 p. ; il. color ; 26 cm

Inclui Bibliografia.

1. Saúde pública – Custodópolis (Campos dos Goytacazes, RJ). 2. Inquéritos epidemiológicos -Custodópolis (Campos dos Goytacazes, RJ). 3. Saúde da população urbana - Custodópolis(Campos dos Goytacazes, RJ). 4. Indicadores ambientais – Custodópolis (Campos dosGoytacazes, RJ). I. Silva, Vera Lucia Marques. II. Juncá, Denise Chrysóstomo de Moura.

CDD 362.1098153

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2EQUIPE PARTICIPANTE DO PROJETO CIDADE DE PALHA: 2008/2011

COORDENAÇÃO GERAL DO PROJETODenise Chrysóstomo de Moura Juncá – Docente - GRIPES/UFF

RESPONSÁVEIS PELO LEVANTAMENTO DOCUMENTALCarla Iolanda Sant ´Ana Ferreira - Acadêmica de Serviço Social - GRIPES/UFFJaqueline Crespo Torres - Acadêmica de Serviço Social - GRIPES/UFFPaula Emely Cabral Torres – Acadêmica de Serviço Social - GRIPES/UFF

RESPONSÁVEIS PELO TREINAMENTO DA EQUIPECarlos Antônio de Souza Moraes - Docente - GRIPES/UFFEdilamar Viana da Silva - Assistente Social - GRIPES/UFFVerônica Gonçalves Azeredo - Docente - GRIPES/UFF

PESQUISADORES DE CAMPOAna Paula Pessanha Cordeiro – Assistente Social - GRIPES/UFFDanielle Felix Gomes da Silva - Assistente Social - GRIPES/UFFEllen Christel Gomes Moraes – Assistente Social - GRIPES/UFFJosemara Henrique da Silva Pessanha - Assistente Social – GRIPES/UFFKatarine Sá dos Santos – Docente - GRIPES/UFFRosana Sá Cruz Ribeiro – Acadêmica de Serviço Social/UFFSuélen Azevedo Ramos - Assistente Social

COLABORADORESCelma Cristina Morais de Oliveira Batista – Professora – GRIPES/UFFIlzimar Amorim Louzada Moraes – Enfermeira – GRIPES/UFFMaria Elisa Pereira Alves – Assistente SocialMariá de Oliveira Otal – Assistente SocialNatália Ribeiro dos Santos – Acadêmica de Enfermagem da Universidade Estácio de SáSylvio Rogério Ribeiro da Costa – Bacharel em Comunicação Social – GRIPES/UFFVanessa Pessanha Menezes Gomes – Assistente Social

FASE 1: DIAGNÓSTICO PRELIMINAR – 2008/2009

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EQUIPE PARTICIPANTE DO PROJETO CIDADE DE PALHA: 2008/2011

COORDENAÇÃO GERAL DO PROJETODenise Chrysóstomo de Moura Juncá – Docente - GRIPES/UFF

FASE 2: INQUÉRITO POPULACIONAL – 2009/2011

COORDENADORES DAS INSTITUIÇÕES PARCEIRASChristovam Cardoso – Docente – UNIVERSODenise Chrysóstomo de Moura Juncá – Docente - GRIPES/UFFÉrik Schunk Vasconcellos – Docente - FMCKatarine Sá dos Santos – Docente - GRIPES/UFFRegina Coeli Martins Paes de Aquino – Docente - IFFTeresa Claudina de O. Cunha – Assistente Social - IFFVera Lucia Marques da Silva – Docente - FMC

RESPONSÁVEIS PELO TREINAMENTO DA EQUIPEAna Paula Pessanha Cordeiro – Assistente Social - GRIPES/UFFCarlos Antônio de S. Moraes - Docente - GRIPES/UFFDenise Chrysóstomo de Moura Juncá – Docente - GRIPES/UFFEllen Christel Gomes Moraes – Assistente Social - GRIPES/UFFKatarine Sá dos Santos – Docente - GRIPES/UFFVerônica Gonçalves Azeredo - Docente - GRIPES/UFF

COORDENAÇÃO DO TRABALHO DE CAMPO – Setor 1Ana Paula Pessanha Cordeiro – Assistente Social - GRIPES/UFFEllen Christel Gomes Moraes – Assistente Social - GRIPES/UFFVerônica Gonçalves Azeredo - Docente - GRIPES/UFF

COORDENAÇÃO DO TRABALHO DE CAMPO – Setor 2Carlos Antonio de S. Moraes – Docente - GRIPES/UFFMarilene Parente Gonçalves – Assistente Social - GRIPES/UFFRoberta Coutinho – Assistente Social - GRIPES/UFF

EQUIPE DE APOIO OPERACIONAL 1Gerlaine J. de Souza – Acadêmica de Serviço Social - GRIPES/UFFIgor Leal Pena – Enfermeiro - FMCJosemara Henrique da S. Pessanha - Assistente Social – GRIPES/UFFLeyza Helena de Souza Barreto - Assistente Social - GRIPES/UFFPaula Emely C. Torres – Acadêmica de Serviço Social - GRIPES/UFF

EQUIPE DE APOIO OPERACIONAL 2Aline da Silva Viana Jorge – Acadêmica de Serviço Social - GRIPES/UFFLuana Pessanha Martins – Assistente Social – GRIPES/UFFMaria Inês Terra Petrucci – Assistente Social - FMCSilvânia Maria da Silva – Acadêmica - GRIPES/UFF

ACADÊMICOS DE SERVIÇO SOCIAL - UFFAline da Silva Viana JorgeCarla da Silva SantosDayana Sales RibeiroGerlaine Jesus de SouzaHarissa Morgan MarquesIvone dos Santos MagaldiJeovânia Bolelli Guimarães Tavares

Joelma Cândido BastosKésia da Silva TostaLeonela Lima SanchesLeyza Helena de Souza BarretoLuana Fernandes dos SantosMelina Martins VazquezNatalia Meritello da LuzPaloma BastosPaola Barros de Faria FonsecaPaula Emely Cabral TorresSilvânia Maria da SilvaSimone do S. F. Sales RibeiroVivian Abreu de Souza Rangel

ACADÊMICOS DE MEDICINA - FMCAdilea Lopes da SilveiraAline Alves BarbosaAna Elisa Batista AguiarBruna Barreto FalcãoJuliana Siqueira PessanhaLaura Ramos SilvaLucas Rangel de Souza AzevedoMaria de Fátima Miranda de AbreuMayra Rodrigues Chaves Sant’annaRaquel Siqueira de MenezesRayane Barreto PovoaRaphael Freitas Jaber de OliveiraSara Fonseca LucasSarah Santos Nascimento

ACADÊMICOS DE ENFERMAGEM - UNIVERSOClarissa de Santana SilvaJuliana Gomes BarretoKeila Cristina da SilvaLucélia Alves PaixãoLaura Paes Farias LamônicaLorenna AnequimMaithê dos Santos AraujoMárcio PereiraMicheli JoseaneRafaella Castellar dos Santos CorrêaThatiane Costa Ribeiro SilvaThiago de Paula G. Rebel

ACADÊMICOS DE ARQUITETURA E URBANISMO - IFFFabrício Pinto EscáfuraIsadora Marques de Souza OliveiraJúlia Lima AraújoJuliana Peixoto Rufino Gazem de CarvalhoRaphael Mesquita de Aguiar

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Sumário

Custodópolis e os primordios da medicina social e Preventiva na Faculdade de Medicina de Campos ------ 06

Editorial --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 08

Prefácio --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 10

Apresentação --------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 12

Programa Bairro Saudável: tecendo redes, construindo cidadania ------------------------------------------------- 14

Do diagnóstico preliminar ao inquérito populacional: movimentos de investigação-ação em um territóriovulnerável ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ 32

Território de Custodópolis: mapeando memórias e lugares ---------------------------------------------------------- 44

O lugar: entre lembranças do passado e vivências do presente ----------------------------------------------------- 49

Moradia: lugar de apropriações e práticas ------------------------------------------------------------------------------ 54

A questão habitacional e seu entorno em Custodópolis -------------------------------------------------------------- 65

Na saúde e na doença: um retrato do cotidiano das famílias em Custodópolis ----------------------------------- 74

Caminhos do empoderamento: redefinindo sons, coros e instrumentos do (com) viver em comunidade ----- 88

Uma cidadania esperada: e agora, o que fazer? ----------------------------------------------------------------------- 97

Este Livro é dedicado aos moradores do Bairro de Custodópolis.

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Em uma noite no início de outubro de 1967, quandoeu estudava no escritório do meu apartamento, situado na Praiade Botafogo 520/702, no Rio de Janeiro, por volta das 10 horasda noite, sôa a campainha da porta da sala de estar contíguaao escritório. Estranhei aquela visita a essa hora da noite, ena ponta dos pés fui ver quem tocava a campainha. Olheipelo visor e vi três cavalheiros de estatura média, bem vestidos,usando gravatas, um deles de face avermelhada e cabelostotalmente brancos, o outro um pouco mais alto e semi-calvo,aparentando uns 40-50 anos de idade e o terceiro moreno, decabelos escuros, aparentando uns 30 e poucos anos. Como euhavia escondido na minha casa alguns alunos fugidos darepressão do regime militar da época, por questão humanitária,embora não participasse de suas ideologias, pensei que oscavalheiros fossem agentes do SNI ou do DOI-CODI, queviessem me interpelar ou até me prender por ter dado abrigo acomunistas. Para me certificar perguntei sem abrir a porta: “oque desejam?”. Os visitantes me responderam em uníssono:“somos professores da Faculdade de Medicina de Campos egostaríamos de falar com o senhor”. Abri a porta e os convideipara sentar em um sofá perto da janela que dava vista para oCristo Redentor iluminado. Os visitantes me pediram desculpaspela hora da visita e me explicaram que estavam vindo de umaentrevista com o então Ministro da Educação Raymundo Monizde Aragão, e se apresentaram: Geraldo Venâncio (o de cabelosbrancos), Décio Azevedo(o semi-calvo) e Oswaldo Cardosode Melo (o mais jovem).

O Dr. Geraldo Venâncio, que me parecia o líder dogrupo, foi direto ao assunto: sabemos que o senhor é ProfessorTitular de Doenças Infecciosas e Chefe do Departamento deMedicina Preventiva da Universidade Federal Fluminense.Estamos fundando uma Faculdade de Medicina em Campos,tendo a Fundação Benedito Pereira Nunes como mantenedorae somente está nos faltando um Professor de MedicinaPreventiva para inaugurá-la nos próximos dias. Viemosconvidá-lo para esse cargo. Respondi: eu não sou Professorde Medicina Preventiva e sim de Doenças Infecciosas. Poracaso, como a minha disciplina está dentro do Departamentode Medicina Preventiva sou o seu Chefe por ser o único Titulardo Departamento. Diante dessa resposta, os professores DécioAzevedo e Oswaldo Cardoso de Melo argumentaram: o cursoserá iniciado em março do próximo ano (1968) e até lá o senhor

Custodópolis e os primordios da medicina social epreventiva na Faculdade de Medicina de Campos

Prof. José Rodrigues Coura1

pode organizar um programa de Medicina Preventiva e indicarass is ten tes especia l izados que nós nomearemos. Adeterminação e necessidade dos professores me convencereme três dias depois eu lhes enviei o meu curriculum-vitae e umacarta de aceitação do cargo, o que lhes permitiu completar oquadro de professores da nova faculdade, que foi inauguradaem 14 de outubro de 1967 com a minha presença, tendo comoo seu primeiro Diretor o honorável Dr. Oswaldo Luiz Cardosode Melo, pai do jovem Oswaldo da Costa Cardoso de Melo,Professor de Oftalmologia e hoje ex-Diretor daquela Faculdade,meu amigo e colega da Academia Nacional de Medicina desde2005, quando tomou posse como Membro Honorário. O Prof.Oswaldo Luiz Cardoso de Melo foi diretor da FMC de 1967 a1968, quando faleceu, sendo substituído na Direção daFaculdade pelo Prof. Ewert Paes da Cunha, Diretor de 1968 a1973, em cuja gestão a FMC formou a sua 1ª turma de medicinaem 1972 e foi reconhecida pelo Decreto nº 71814 de 07/02/1973.

A Organização do Programa da DisciplinaDe outubro de 1967 a fevereiro de 1968 trabalhamos

intensamente para formulação de um programa moderno deMedicina Social e Preventiva na nova Faculdade de Medicina emCampos. Conseguimos com a direção e congregação daquelafaculdade que a disciplina fosse desdobrada na 1ª, 2ª e 3ª sériesdo curso médico, fato inédito no Brasil, em uma mesma disciplinainserir o seu ensino em três anos seriados. No 1º ano os alunosdeveriam apresentar seminários sobre “Antropologia MédicoSocial” e acompanhar, do ponto de vista social, familiares de uma“favela plana” denominada “Cidade de Palha” na margem esquerdado outro lado do Rio Paraíba do Sul, em relação ao centro deCampos, ou seja, o atual bairro, onde hoje se localiza o Centro deSaúde Escola de Custodópolis. No 2º ano os estudantes tinhamaulas teóricas de Epidemiologia e faziam relatórios sobre asocorrências de doenças nas famílias por eles acompanhadas, e no3º anos tinham aula de Saúde Pública e Medicina Ocupacional efaziam relatórios dos cuidados desenvolvidos com a populaçãopelos serviços de saúde do município, que com frequência nãotinham as condições para atender os doentes adequadamente.Encaminhávamos os pacientes para a Santa Casa de Misericórdia,que na maioria das vezes não podia atender todos os pacientespor falta de vaga.

1 Doutor em Medicina (Doenças Infecciosas e Parasitárias) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil (1965), Pesquisador Titular. Chefe de Laboratório daFundação Oswaldo Cruz , Brasil

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O Corpo Docente e as Atividades Didáticas da DisciplinaO corpo docente da disciplina de Medicina Social e

Preventiva era composto por mim, como Professor Titular daDisciplina, pelo Dr. Ayrton da Rocha Claussen, Professor Adjunto,meu colaborador na Faculdade de Medicina da UFF e em Campos,o médico Maurício Pereira, meu ex-residente na UFF, nomeadoProfessor Auxiliar na Faculdade de Medicina de Campos e suaesposa enfermeira que monitoravam os alunos no trabalho decampo, ambos residentes naquela cidade.

As turmas eram compostas de 64 alunos. Nas 6as feirasdurante todo o dia o Prof. Ayrton Claussen preparava com gruposde 8 alunos os 8 seminários de Antropologia Médico-Social aserem apresentados pelos alunos e discutidos por mim e pelo Prof.Ayrton no sábado, de 08:00 às 12:00 na parte da manhã e 14:00às 18:00 na parte da tarde, todas as semanas durante o 1º ano docurso. Uma vez por semana, de manhã ou à tarde, de 2ª a 5ªfeira, uma turma de 8 alunos acompanhados pelo Dr. Mauricio esua esposa visitavam a população das 6 residências acompanhadaspelos respectivos grupos de alunos, que faziam um breve relatóriosobre as ocorrências sociais, epidemiológicas e de saúde/doença,calendário vacinal etc, ocorrido semana a semana. Com isso haviaum acompanhamento contínuo da comunidade durante todo o anodurante os três primeiros anos do curso.

As aulas teóricas de Epidemiologia, Saúde Pública eMedicina Ocupacional eram dadas as 6ªs feiras pelo Dr. AyrtonClaussen e aos sábados por mim, respectivamente para os alunosdo 2º ano (Epidemiologia) e do 3º ano (Saúde Pública e MedicinaOcupacional).

Organização da Infraestrutura para atenção primária na“Cidade de Palha”

Inicialmente conseguimos com a Prefeitura de Camposou com o Departamento de Endemias Rurais (DENERu) não melembro bem, por meio do Dr. Olimpio da Silva Pinto ex-Diretordo DENERu e meu amigo pessoal, um local para instalar um postode saúde para atenção primária à população de Custodópolis,acompanhada pelos nossos alunos. Inicialmente o posto de saúdeera atendido pelo Dr. Mauricio e a enfermeira, sua esposa.Posteriormente conseguimos que a Escola de Serviço Socialcolocasse alunos estagiários no posto e depois conseguimos ainstalação de consultório odontológico da Escola de Odontologiacom alunos e supervisores para atenção dentária e logo depois daFaculdade de Direito para orientação da população em suasquestões trabalhistas. Consideramos uma excelente integraçãosocial para o tipo de trabalho que desenvolvíamos. Ao mesmotempo esse local servia de treinamento para além dos estudantesde Medicina, outros de Serviço Social, Odontologia e Direito,condição pouco comum de ser encontrada no Brasil.

Por meio do Dr. Olimpio da Silva Pinto ex-Diretor doDENERu, conseguimos um guarda sanitário, que numerou ascasas da “Cidade de Palha”, cujas famílias eram atendidas pelosestudantes. Esse guarda era um senhor muito atencioso, conheciatodas as famílias de Custodópolis e embora um pouco surdo era

muito afável e ajudava muito os estudantes em seu trabalho naabordagem das família, os quais (estudantes) o apelidaram de “JIMDA SELVA” pelo uniforme e tipo de chapéu “inglês” que ele usava.Durante anos, depois que deixei à Faculdade de Medicina de Camposem 1971, o JIM DA SELVA me escrevia lamentando a minhaausência, a quem eu respondia com cordialidade.

Observações e conclusões do trabalho realizadoEsse trabalho foi um desafio e um aprendizado na minha

vida de médico e Professor de Medicina e até mesmo uma aula decidadania. Colocar estudantes de Medicina, Serviço Social,Odontologia e Direito em contato com uma comunidade carente edespertar neles o sentido de solidariedade humana foi para mim amais gratificante de todas as atividades e títulos recebidos até agora.Formar profissionais de alto nível, muitos dos quais são ou foramimportantes médicos e professores de medicina, prefeitos, vereadorese deputados foi um dos maiores privilégios da minha vida comoProfessor. Por outro lado ter a honra de ser homenageado por pessoasdo nível dos Professores Oswaldo Cardoso de Melo, Nelio ArtilesFreitas e Vera Lucia Marques da Silva, muito me engrandece com omeu nome no atual Centro de Saúde Escola de Custodópolis.

Prof. José Rodrigues Coura

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Editorial

Dr. Nelio Artiles Freitas1

Em 2005 quando iniciamos a gestão da Faculdadede Medicina de Campos tínhamos um grande desafio pelafrente que era além de manter a tradição de nossa escolaem ser uma Instituição de Ensino Superior - IES que buscaum ensino de qualidade, também inserirmos o perfil dehumanismo em todas as ações seja na área pedagógica sejade inclusão e de ações sociais, focados na formação deum profissional de saúde diferenciado . E foi assim que aFMC passou a imprimir um perfil diferente do padrão dasescolas da área de saúde deste país, instituindo a arte emnosso calendário oficial anual com mostras de cinema,exposições, festivais de músicas, saraus entre outrasações, sem deixar de manter as atividades de cunhocientífico e pedagógico de qualidade. Transformamos otrote vexatório em uma recepção agradável objetivandosempre a ética nas relações entre os alunos, docentes ecolaboradores. Nesta perspectiva miramos o nosso Centrode Saúde Escola em Custodópolis de uma forma tambémdiferente, onde além da assistência na atenção básica,buscássemos uma melhoria da qualidade de vida daquelapopulação t ão ca ren te e que manteve sempre umaexpectativa positiva de uma escola de ensino superiorpresente por lá, há tantos anos. Imbuídos nesta filosofiahumanista, convidei a Prof Vera Marques para ser a nossacoordenadora técnica , passando a desenvolver umexcelente t rabalho na organização daquele Cent ro ,tornando um notável cenário para o processo ensino eaprend izagem e p rodução c ien t í f i ca . Mas a lém dareestruturação organizacional investimos em melhorias daárea física, ampliando e humanizando o espaço compinturas, forrações, climatização entre outras ações.

A presença de outras IES de forma pontual emalgumas pesquisas, nos fez sonhar em compartilhar coma maioria das IES de nossa cidade, àquele cenário semnos atentar para que em um início não muito distante, oProf. José Rodrigues Coura na década de 70 , iniciavaações semelhante na implantação do então Centro deSaúde Universitário com a presença de outras IES.

P o r é m o q u e f o i i m p l a n t a d o a d o r m e c e u epassamos a participar naquela localidade como um Centrode Saúde Escola, apenas com atendimento de seqüelas dasociedade, recebendo uma diversidade de patologias

oriundas algumas vezes da miséria e da pobreza. Um cenáriode demonstração para alunos aprenderem e exercitarem,oferecendo à comunidade um pouco de alívio e soluçõespaliativas para sofrimentos crônicos. Sem dúvida umabênção para àquela comunidade, mas muito longe do querealmente deveríamos ou poderíamos fazer.

Várias reuniões foram realizadas para construçãode programações conjuntas com a aproximação de diversasescolas de ensino superior de Campos. Além de compor umcenário ideal para o processo de ensino e aprendizagem, aidéia era promover uma melhoria na qualidade de vida paracerca de 10 mil pessoas daquele bairro. Unir o ensinom é d i c o e f a r m a c ê u t i c o d a F m c c o m a f i s i o t e r a p i a ,enfermagem, psicologia, educação f ís ica, arquitetura,direito, pedagogia, artes visuais, serviço social entre outrosdas demais escolas seria um grande desafio. Na visãoholística do conceito de saúde, a idéia seria transformaràquele bairro em um local diferente para viver, apesar dascarências sociais e econômicas daquelas famílias. Inspiradoentão no livro “Aprendiz de mim – um Bairro que virouEsco la” do esc r i to r Rubem Alves es t e novo p ro je tointerinstitucional foi denominado Programa Bairro Saudávelem uma reunião histórica no anfiteatro da Fmc com direitoa emocionantes posicionamentos e lágrimas na maioria dospresentes. Olhos marejados e corações em um mesmoacelerado compasso, para começar uma longa viagem, ondeo c a m i n h o s e r i a a a t r a ç ã o e o d e s t i n o , e s t e a i n d adesconhecido, porém belo e aparentemente não tão distante.Um sonho compartilhado não teria chance de dar errado.

A profª Vera Marques passou então a reger comouma exímia maestr ina uma l inda peça onde os atoresbuscavam uma harmonia de ações em prol de todos. Uniflu,Fafic, FOC, IFF, Uenf, UFF, FMC, Estácio, Universo eUcam com: oficinas de artes plásticas, dinâmica artísticapara idosos, dança, teatro, circo, pesquisas e trabalhos deprevenção em paras i toses e Aids , o r i en tações sobref i t o t e r a p i a e u s o d e m e d i c a m e n t o s , c u r s o sprofissionalizantes, atendimento médico e odontológico,p ro j e to s de c r i ação de novos e spaços , c aminhadas ,campanha anti-tabagista, entre outras atividades, é umpequeno exemplo da beleza de nosso caminho. Interessescomuns, acima de competição, de mercado, buscando

1 Mestre em Medicina (Doenças Infecciosas e Parasitárias) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e Prof Titular de Doenças Infecciosas e Parasitárias e Diretor daFaculdade de Medicina de Campos

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unicamente criação de um novo tempo e espaço, de viadupla, onde quem ensina aprende e quem aprende estáensinando também, tomou corpo e força.

Tal foi o destaque que houve um reflexo nacionalquando a Fmc foi agraciada com o prêmio nacional deg e s t ã o e d u c a c i o n a l d e 2 0 1 0 n a c a t e g o r i a d eresponsabilidade social. Construir um novo planeta, umnovo continente, um novo país, uma nova cidade, um novobairro e fazer de um destes cenários algo belo, onde aeducação faça parte de cada ação poderia ser um sonho.Como diz o Pequeno Príncipe: “O deserto é belo, porqueem algum lugar ele esconde uma fonte”, Um local belo, ondetodos trabalhem por, para e na educação. Onde se busca asaúde em seu significado mais amplo. Saúde física comoconseqüência de uma saúde social, ambiental, emocional,espiritual e da alma. Neste contexto é que está implantadoo Programa Bairro Saudável.

Este livro é um produto da materialização de umsonho coletivo de tornar um espaço de ensino que tem naatenção primária seu principal foco, em uma área de ação

mult iprof iss ional e in ter ins t i tucional com o objet ivo depromover saúde global para todos que ali participam, sejammoradores sejam funcionários, alunos e docentes. E neste ápiceda produção deste l ivro, a lém da presença importante einconteste do Prof José Rodrigues Coura neste processo, quejá havia plantado uma semente especial, fertilizada com amore sonhos, fazendo após tantos anos, germinar um lindo projetode ex tensão da Fmc, t r aduz indo a f i losof ia de toda acomunidade acadêmica de t razer é t ica e humanismo nasrelações pessoais e principalmente de formar e transformarpessoas que farão um futuro melhor.

Bairro Saudável é um projeto sem um único dono, queé movido pelo idealismo e pela visão de um novo tempo.

“Deus quer, o homem sonha, a obra nasce” Fernando Pessoa

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Prefácio

Carlos Antonio de Souza Moraes1

“O que não está em nenhum lugar, não existe”. Esta celebrefrase de Aristóteles denota a extrema relevância do espaço para aanálise da realidade social e, portanto, ele não pode ser consideradoum mero reflexo ou palco das ações humanas. O espaço se reproduzna totalidade social, na medida em que essas transformações sãodeterminadas por necessidades sociais, econômicas e políticas.

É possível ressaltar que estas transformações históricasocorridas nas últimas três décadas alteraram a face do capitalismoe de nossas sociedades na América Latina. Neste período, houveavanço na tentativa de internacionalizar produção e mercados, oque contribuiu para aprofundar o desenvolvimento desigual entreas nações e, em seus interiores, entre classes e grupos.

A “mundialização do capital” repercute incisivamente naspolíticas públicas (em seus processos de focalização,desfinanciamento, descentralização...), nos processos de inserçãodos trabalhadores nos mercados de trabalho, nas relações e condiçõesde trabalho, bem como, nas condições de vida e nas expressõespolíticas e culturais dos distintos segmentos de trabalhadores.

Este cenário, avesso aos direitos, radicaliza asdesigualdades e associa cidadania a consumo, mundo do dinheiro eposse de mercadorias. Além disso, há investida ideológica do capitale do Estado para “cooptação dos trabalhadores”, buscando torná-los parceiros.

Mas, ao mesmo tempo, um conjunto de resistências e lutasdiárias é construído pela sociedade, através de reivindicações queenvolvem o cenário rural, urbano, as relações de gênero, questõesétnico-raciais, relações com o meio ambiente, dentre outros... Estasmanifestações têm por base a precarização das condições de vida,o aumento das vulnerabilidades e a busca da dignidade e respeitohumanos.

Sobreviver em espaços marcados por desigualdades,rebeldia e conformismo se torna desafio para múltiplos sujeitossociais no contexto brasileiro. Sujeitos que são responsabilizadosexclusivamente por suas precárias condições de vida, além deviverem os dilemas do desemprego, através da redução dos postosde trabalho ou, terem seus trabalhos intensificados ou ainda,vivenciarem a clandestinidade e invisibilidade do trabalho informale precário. Além disso, estes sujeitos observam a crescentecriminalização de suas lutas sociais, bem como, da “questão social”.

Percebe-se desta forma, a banalização do ser, a partir daindiferença diante de suas necessidades e de seus direitos.

1 Doutorando em Serviço Social pela PUC/SP; Mestre em Políticas Sociais pela UENF; Bacharel em Serviço Social pela UFF; Professor do Departamento de Serviço Social deCampos/ Universidade Federal Fluminense; Membro do Grupo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisa em Cotidiano e Saúde (GRIPES).2 A abordagem referente as transformações atuais da sociedade capitalista tem por base A discussão de Marilda Villela Iamamoto no Livro “Serviço Social em tempos deCapital Fetiche...”, 2010.

Indiferença perante o destino de trabalhadores submetidos a umapobreza histórica e, portanto, tornam-se subjugados e desprezadosdiante de sua disfuncionalidade para o capital2.

No contexto destas transformações sociais, sujeitossingulares e coletivos, influenciam e são influenciados pelo espaçovivido. Nele criam estratégias particulares de condução de sua própriavida, no seu lar, local de trabalho, na rua, comunidade, pontos deencontro... Estas transformações que geram desigualdades, tambémdeterminam socialmente o processo de adoecimento da população.

A esse respeito, estudos desenvolvidos, sobretudo a partirde 1970, começam a indicar que o caráter histórico da doença éconferido no processo que ocorre na coletividade humana, ou seja,a natureza social da doença deve ser verificada na forma deadoecimento e morte dos grupos humanos (NUNES, 2000). Paraesta compreensão, o conceito de formação social apresenta granderelevância.

É possível perceber que estas transformações nasconcepções em torno de saúde - doença são fundamentais paraampliação de espaço de análise e intervenção nesta realidade. Ouseja, é preciso compreender que o processo de adoecimento é frutode múltiplos fatores históricos e estruturais e devem ser pensados nainterseção de aspectos não apenas sociais, mas também biológicos,econômicos, culturais, políticos.

Para compreensão destes fatores e seus vínculos com ascondições de saúde da população, o conceito de desigualdade socialé fundamental. Para maioria dos autores, ele incorpora uma repartiçãodesigual que se produz no processo social, ou seja, o acesso a bense serviços e a um nível de saúde mais elevado da população édeterminado veementemente pela posição que os sujeitos ocupamna organização social (BARATA, 2006).

Assim, as desigualdades sociais em saúde são as diferençasproduzidas pela inserção social dos indivíduos e que estãorelacionadas com a repartição do poder e da propriedade (IDEM,2006).

Ao adotar a corrente politizada e/ou sócio - histórica dasdesigualdades em saúde, entendemos que saúde é um produto sociale determinadas organizações podem ser mais sadias que outras.Trabalhar com esta vertente, que tem como base o conceito dereprodução social, significa romper com a concepção linear decausalidade e negar possibilidades de identificar "cadeias de causa-efeito entre características ou indicadores sociais e problemas de

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saúde, bem como entre indicadores de desigualdades sociais esaúde" (BARATA, 2006, P. 471).

Com base neste referencial, um trabalho de pesquisaempírico pode ser dividido em dois grupos: os que privilegiam aestrutura de classes, trabalhando com o conceito de classe sociale os que privilegiam condições de vida e trabalham com o conceitode espaço social. De qualquer modo, a unidade espaço - populaçãotem a possibilidade de ser uma unidade onde operam os processosdeterminantes, onde se expressam os problemas de saúde e sedesenvolvem as ações ou respostas sociais a estes problemas.

Diante do apresentado, é preciso sinalizar que a categoriacondições de vida não deve ser entendida em sua relação com asaúde numa perspectiva linear de causa e efeito. Defendemos quea saúde deva ser concebida numa perspectiva sócio-histórica e,portanto, coletiva. Mediada por aspectos materiais, sociais,culturais, políticos, econômicos e pela realidade vivida pelossujeitos através de suas relações cotidianas, ou seja, pelastrajetórias históricas individuais dos sujeitos que se relacionamcoletivamente e, portanto, influenciam e são influenciados no/pelo grupo e espaço em que vivem.

Além disso, o texto que o leitor tem em mãos, é resultadode estudos que insistem na compreensão da saúde em umaperspectiva ampliada. A tentativa de conhecer um espaço/territórioespecífico foi um grande desafio deste grupo de pesquisadores,que se comprometeu a identificar mediações do processo saúde -doença. Para tanto, o grupo assumiu outro e, talvez, o maiordesafio, que foi o de construir este estudo de forma interdisciplinare interinstitucional, articulando as dimensões quantitativas equalitativas de pesquisa ao longo de seu processo. E se o trabalhode pesquisa se constrói "artesanalmente", há aqui uma experiênciade aproximação sucessiva deste espaço/território específico e deseus sujeitos, o que contribuiu para conhecer algumas de suashistórias, as experiências compartilhadas pelos moradores atravésdo estímulo a tantas memórias. Essa aproximação inicial foifundamental na resposta a um montante de questões de quem tem"curiosidade" e quer saber. Portanto, através desta aproximaçãoinicial construiu-se um resultado provisório que sinalizou maisindagações que respostas, o que foi expressivo para construção edesenvolvimento do inquérito populacional - fase posterior dapesquisa.

Aproximações, encontros, caminhadas pela Comunidade,identificação de informantes-chave, observações e aplicação deformulários foram fundamentais para ir além do "absolutamenteóbvio" no intuito de compreender o "surpreendentemente oculto"nas condições de vida da população. Para tal foi e sempre seránecessário, nos tempos atuais, repensar estratégias que valorizeme fortaleçam seus princípios. E se "(...) Não basta que opensamento procure realizar-se; a realidade deve igualmentecompelir ao pensamento" (MARX, 2005, p. 152), há aqui dadoscapazes de se fazer pensar, construídos com a paixão que sealimenta da crítica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARATA, R. B. Desigualdades sociais e saúde. IN: CAMPOS, G. W.de S.; MINAYO, M. C. S. ET ALL. Tratado de saúde coletiva. SãoPaulo: Hucitec. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2009. Cap 14, p. 457 - 468.IAMAMOTO, M. V. Serviço Social em tempo de capital fetiche:Capital financeiro, trabalho e questão social. 2 ed. - São Paulo:Cortez, 2008.MARX, K. Crítica da filosofia do direito de Hegel. SãoPaulo:Boitempo, 2005.NUNES, E. D. A doença como processo social. In: CANESQUI, A.M. (ORG), Ciências Sociais e Saúde para Ensino Médico. SP:Hucitec/Fapesp, 2000. Cap11 (p.217-2290).

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Apresentação

Vera Lucia Marques da Silva1

Apresentar um trabalho coletivo, resultado de um grupode pesquisa de Instituições de Ensino Superior integradas ao‘Programa Bairro Saudável: tecendo redes, construindo cidadania’foi uma tarefa prazerosa, mas, ao mesmo tempo, de muitaresponsabilidade. Embora fizesse parte do grupo de pesquisa e tenhaescrito um artigo, impus-me a leitura de todos os outros artigoscomo se fosse de fora. Isso reafirmou-me a dimensão da importânciadeste trabalho.

À apresentação deste trabalho coletivo, coube-me a dotexto escrito pelo Dr. José Rodrigues Coura, somando-se, portanto,maior prazer e responsabilidade. Primeiramente, um breve currículodeste grande pesquisador brasileiro, nascido no sertão da Paraíba,que será mais bem conferido pelo seu brilhante Currículo Lattes ede fácil acesso por todos. Cabe ressaltar os mais de 200 trabalhos eos 4 livros publicados. Além de grande pesquisador da doença deChagas, da esquistossomose e de doenças parasitárias na AmazôniaBrasileira, sempre se dedicou ao ensino médico e à carreirauniversitária. É neste contexto que se dá a sua relação com aFaculdade de Medicina de Campos, como ele mesmo relata. Assim,não poderíamos deixar de relatar o seu ineditismo caracterizadopela inserção dos alunos da medicina, já no primeiro ano, numacomunidade, - Custodópolis, também chamada de “Cidade de Palha”- e pelo projeto de interdisciplinaridade e interinstitucionalidade aoenvolver a Escola de Serviço Social, a Escola de Odontologia e aFaculdade de Direito. Sem sabermos deste primórdio, o ProgramaBairro Saudável tem sido uma tentativa do resgate dainterdisciplinaridade e interinstitucionalidade.

Para mim, particularmente, por me dedicar ao campo daSaúde Coletiva, cabe destacar o nome da disciplina sob aresponsabilidade do Dr. José Rodrigues Coura como professor daFaculdade de Medicina de Campos (FMC), nos idos dos anos 60:“Medicina Social e Preventiva”. A partir do entendimento de que aSaúde Coletiva tem suas raízes nos projetos preventivistas e damedicina social, ela é um campo de tríplice dimensão: como correntede pensamento, como movimento social e como prática teórica.Como corrente de pensamento, em termos cronológicos, nos anos50 se instaura a medicina preventivista, que se reforça a partir dosanos 70 pela medicina social e que vai se estruturando, a partir dosanos 80 até a atualidade, como campo da saúde coletiva. Se nocampo do conhecimento, a saúde coletiva passa a incorporar algunsconceitos sociológicos, antropológicos, demográficos,epidemiológicos e ecológicos, no plano político-ideológico ela passaa consolidar a chamada ‘medicina comunitária’ e seusdesdobramentos nos programas extra-muros. Às expensas destacronologia mais atual, sabe-se que a medicina nasce como ‘medicina

social’ na segunda metade do século XIX, sendo a expressão cunhadana França em 1848. Ou seja, a medicina como campo deconhecimento sempre relacionou a saúde com as condições de vidadas populações. Condições de vida nos seus diversos aspectos, comoos anteriormente citados (sociológicos, antropológicos,demográficos, epidemiológicos, ecológicos, políticos e ideológico).Mas, se houve um tempo de aprofundamento da medicinabiologicista, a retomada de idéias sobre a Medicina Social foi objetode documento da OPS, de 1974, quando esse organismo assumeque o objeto da medicina social deve ser entendido como “o campode práticas e conhecimentos relacionados com a saúde como suapreocupação principal e estudar a sociedade, analisar as formascorrentes de interpretação dos problemas de saúde e da práticamédica” (OPS, 1976). Nesta questão, temos a certeza de estarmosconcretizando este ideário nas ações realizadas no CSEC, além deestarmos realizando ações de assistência curativa.

Recuperando a história, encontramos que em trabalhoescrito em 1973, o Prof. Guilherme Rodrigues da Silva afirmouque “... alguns departamentos de Medicina Preventiva passaram aadotar, tendencialmente, uma posição potencialmente maisinovadora, uma posição de crítica construtiva da realidade médico-social e da prática da medicina, fundamentada bem mais no modelode medicina social do que no modelo original de MedicinaPreventiva” (SILVA, 1973). Ao lermos o relato do Prof. Coura,temos a certeza de que a disciplina por ele implantada na FMCtinha uma posição como a afirmada acima pelo Prof. GuilhermeRodrigues da Silva. E, temos, mais uma vez, a certeza de que ahomenagem a ser prestada ao Dr. José Rodrigues Coura, dando oseu nome ao CSEC, é por reconhecer que, além de inovar enquantoprofessor da medicina preventiva da FMC, ele inovou ao inserir osalunos na realidade da ‘Cidade de Palha’. O nosso papel, atual, temsido, junto à Direção da FMC, manter esse ideário no CSEC e noPrograma Bairro Saudável. E, neste sentido, gostaríamos de destacaro conceito de Medicina Social adotado por Arouca: “como o estudoda dinámica do processo saúde-doença nas populações, suasrelações com a estrutura de atenção médica, bem como das relaçõesde ambas com o sistema social global, visando à transformaçãodestas relações para a obtenção dentro dos conhecimentos atuais,de níveis máximos possíveis de saúde e bem-estar das populações”(AROUCA, 1975).

Em relação à identidade do grupo de pesquisadores queredundou nesta publicação, esta foi dada pela proposta de darcontinuidade a uma pesquisa anterior, desenvolvida pela UFF,que teve como objeto o bairro de Custodópolis. A pesquisaanterior precisava ser aprofundada em algumas dimensões. O

1 Médica, Professora da Faculdade de Medicina de Campos, Pós Doutora em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio deJaneiro e Coordenadora do Programa Bairro Saudável: tecendo redes, construindo cidadania (gestão 2009-2013)

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convite para a execução deste projeto foi feito para todas asoito Instituições parceiras do ‘Programa Bairro Saudável’, comparticipação de quatro: Universidade Federal Fluminense (UFF),Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense(IFF), Universidade Salgado Filho (UNIVERSO) e Faculdadede Medicina de Campos (FMC). A coordenação do projeto ficousob a responsabilidade Departamento de Serviço Social deCampos/Universidade Federal Fluminense, através do GRIPES(Grupo Interdisciplinar de Estudo e Pesquisa em Cotidiano eSaúde).

As diretrizes norteadoras do Programa Bairro Saudávelforam consideradas no desenvolvimento do projeto de pesquisa,principalmente as que se referem à metodologia, pesquisa-ação, eà interdisciplinaridade, com o esforço de congruência dos diversosolhares sobre o objeto. Portanto, não é um trabalho do serviço socialcom a arquitetura, com a enfermagem e com a medicina. É umtrabalho que se refere a um conjunto de profissionais dessas áreasque fizeram um esforço ao olhar o objeto considerado e ao analisaros resultados encontrados.

Outro ponto relevante que demarca a identidade dosautores é o fato de todos terem uma atuação, em algum momento,no Programa Bairro Saudável. Se, por um lado, essa condição osaproxima do objeto pesquisado, por outro, exigiu de cada um dosintegrantes um esforço nas análises dos resultados encontrados.

No primeiro artigo, ‘Programa Bairro Saudável: tecendoredes, construindo cidadania’, Vera Marques desenvolve umaapresentação do Programa Bairro Saudável, suas dimensões(antecedentes, inserções, objetivos, conceitos norteadores, métodode pesquisa, resultados alcançados após 03 anos de implantação) eos projetos que foram executados desde o início de sua implantação,em 2008, até dezembro de 2011. Ainda, neste artigo, sãoapresentadas as lições aprendidas no decorrer da execução doprojeto, que servirão de reflexões para outros que tenham propostasemelhante.

No segundo artigo, ‘Do diagnóstico preliminar ao inquéritopopulacional: movimentos de investigação em um territóriovulnerável’, Denise Juncá nos apresenta a estruturação dos passosque foram dados para que fosse construído um diagnósticosocioambiental de Custodópolis. Faz uma análise do grande desafioposto, pois, como a própria autora cita, uma comunidade configura-se como um “objeto de estudo indisciplinado”. A metodologia éminuciosamente detalhada, configurando-se, portanto, um artigonorteador para outras pesquisas a serem desenvolvidas com adimensão desta. O desafio da interdisciplinaridade e dainterinstitucionalidade é claramente descrito e analisado, comexposição das dificuldades ocorridas no decorrer do processo.

No artigo ‘O Território de Custodópolis: mapeandomemórias e lugares’, de Verônica Gonçalves, os significados eexperiências ganham destaque. São conceitos implicados noprocesso saúde-doença, ou seja, na construção de um bairro tantono aspecto de sua vulnerabilidade como no aspecto de torná-lo maissaudável. A memória do território Custodópolis é resgatada numaescrita feita por todos que participaram da pesquisa. Uma lição quefica para todos nós: o resgate da memória de um território nos coloca

a dimensão, para o bem e para o mal, do sujeito que somos da história ese nós assim a fizemos, nós assim poderemos mudá-la.

No quarto artigo,’O lugar: entre lembranças do passado evivências do pesente’,Verônica Gonçalves Azeredo aborda o conceitode território em suas diversas dimensões. Uma delas diz respeito àimportância da reconstrução do passado, no qual os sentidos coletivosdo passado se contrapõem às vivências da individualidade. A degradaçãode valores e a decadência das experiências públicas são outros aspectosanalisados., além das experiências com a violência e com as diversasformas de sociação.

Em ‘Moradia: lugar de apropriações e práticas’ de IsadoraMarques de Souza Oliveira, Júlia Lima Araújo, Juliana Peixoto RufinoGazem de Carvalho, Raphael Mesquita de Aguiar, Regina Coeli MartinsPaes de Aquino e Verônica Gonçalves Azeredo, é nos apresentada adimensão do que seja uma moradia como objeto sinalizador e mediadorde relações culturais, sociais e econômicas. O artigo vai mais além,pois descreve suscintamente as condições de habitação dos moradoresde Custodópolis, estuda o caso de uma moradia e propõe soluçõespossíveis de serem realizadas para torná-la saudável.

O artigo ‘A questão habitacional e seu entorno emCustodópolis’, de Katarine de Sá Santos, Késia Silva Tosta e Paula EmelyTorres, aborda a questão de que ‘o que reflete os resultados das açõeshumanas é o produto das relações sociais concretas que se dão no espaço-tempo de determinado território’. Assim, o território como correlaçãode forças políticas e relações de poder presente na sociedade civil é nosapresentado, colocando-nos, mais uma vez, como responsáveis pelo quenós construimos e pela forma que nós vivemos, como a segregaçãoespacial que tanto caracteriza o nosso país. Os desafios de moradia nessesnichos de segregação espacial são descritos e analisados, merecendoreflexões de todos nós.

‘Na saúde e na doença: um retrato do cotidiano das famíliasem Custodópolis’, Adilea Lopes da Silveria, Christovam Luiz MachadoCardoso, Denise Chrysóstomo de Moura Juncá, Ivone dos SantosMagaldi e Késia da Silva Tosta apresentam um retrato das condições desaúde e de doença das famílias de Custodópolis numa abordagem querelaciona as condições de moradia, de empregabilidade, de grau deestudo com a ocorrência das doenças mais comuns na comunidade.

O artigo ‘Caminhos do empoderamento: redefinindo sons, corose instrumentos do (com)viver em comunidade’, de Carlos Antonio deSouza Moraes aborda o conceito empoderamento e ao mesmo tempo ocoloca frente a frente à realidade apreendida no trabalho de campo. Apobreza, por si só, é um estado de desempoderamento, como o artigonos aponta. Mas, se por um lado nos coloca frente a quase um obstáculo(a pobreza é), por outro lado nos coloca frente a uma possibilidade (éum estado), como faz o artigo ao apresentar estratégias práticas para odesenvolvimento de empoderamento numa comunidade.

O artigo final ‘Uma cidadania esperada: e agora, o que fazer?’,de Christovam Cardoso, Denise Chrysóstomo de Moura Juncá e VerônicaGonçalves Azeredo apresenta as possibilidades, diante dasvulnerabilidades detectadas, de avançar para a construção de um bairrosaudável em Custodópolis. Muito há de ser feito. A afirmação docompromisso entre instituições e atores envolvidos tem sido mantidapor uns. Para outros, segundo os próprios autores, esse compromissoprecisa ser reafirmado.

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5 Programa Bairro Saudável: tecendo redes, construindo cidadania

Vera Lucia Marques da Silva 1

1 Médica, Professora da Faculdade de Medicina de Campos, Pós Doutora em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiroe Coordenadora do Programa Bairro Saudável: tecendo redes, construindo cidadania (gestão 2009-2013).2 As áreas escolhidas para serem cobertas pelo Programa Saúde da Família são as consideradas mais vulneráveis.3 Centro de Informações e Dados do Rio de Janeiro.4 Estimativa obtida junto à Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Promoção Social em 2006.5 Diagnóstico elaborado pelo NETRAD/UFF – Núcleo de Estudos em Trabalho, Cidadania e Desenvolvimento, sob a coordenação do Prof. Dr. José Luis Vianna da Cruz.6 Projeto concluído, fruto de uma parceria da Universidade Federal Fluminense com a Prefeitura Municipal de Campos dos Goytacazes, tendo na coordenação da produçãode dados os seguintes professores vinculados ao GRIPES (Grupo Interdisciplinar de Estudo e Pesquisa em Cotidiano e Saúde): Profª Drª Denise Chrysóstomo de MouraJuncá e Profº Dr. Ronney Muniz Rosa.

1-IntroduçãoEste artigo tem como proposta a apresentação do

‘Programa Bairro Saudável: tecendo redes, construindo cidadania’(PBS), entendo-o como norteador, a partir das suas diretrizesbásicas, para os projetos de ensino-pesquisa-extensão das oitoInstituições de Ensino Superior que o compõem. Serãoapresentadas as diversas dimensões do PBS (antecedentes,inserções, objetivos, conceitos norteadores, método de pesquisa,resultados alcançados e lições aprendidas após 03 anos deimplantação) e os projetos que foram desenvolvidos desde o iníciode sua implantação, em 2008, até dezembro de 2011. Um dosprojetos é o que gerou a presente publicação, tendo sido elaboradoe executado por quatro instituições: Universidade FederalFluminense (UFF), Instituto Federal Fluminense de Educação(IFF), Universidade Salgado Filho (UNIVERSO) e Faculdade deMedicina de Campos (FMC). A partir do entendimento de quealguns projetos envolvem intervenções, com consequências, emgraus diferentes na comunidade, o tema ‘vigilância’ é abordadonuma breve análise. Considerando que grande parte dos projetosde ensino-pesquisa-extensão se realizou na estrutura física doCentro de Saúde Escola de Custodópolis, justifica-se aapresentação desta unidade nas suas dimensões históricas e deatenção à saúde.

2- Programa Bairro Saudável: tecendo redes, construindocidadania

2.1-Antecedentes e inserções: município de Campos dosGoytacazes, bairro de Custodópolis e Centro de Saúde Escolade Custodópolis.

O município de Campos dos Goytacazes, localizado nonorte do Estado do Rio de Janeiro, tem uma história marcada pelaprodução sucro-alcooleira e, mais recentemente, pela exploraçãodo petróleo, o que pode ser evidenciado pela vultosa injeção derecursos financeiros na região, provenientes dos royalties(Pessanha; Silva Neto, 2004). Atualmente, a história seráprovavelmente remarcada com a implantação do distrito industrialdo Porto do Açu, no município vizinho de São João da Barra,devido à projeção de um crescimento explosivo, com esperadas

repercussões no entorno.Diferentes expressões de pobreza caracterizam a história

desse município, embora com melhorias em todos os índices dedesenvolvimento humano na última década (Campos dos Goytacazes,Perfil 2005: 77). Mesmo com essas melhorias, pesquisas realizadas,também, na última década, demonstraram nichos de desigualdades(Marques da Silva, 2003), que são diluídos quando se analisamsomente dados referentes à área total geográfica do município. Napesquisa realizada por Marques da Silva (2003), analisando aefetividade do Programa Saúde da Família (PSF) no decorrer de 03anos de sua implantação (1999-2000) foram evidenciadasdesigualdades sociais e desigualdades em saúde, em grausconsideráveis, ao comparar as áreas cobertas com as áreas nãocobertas pelo PSF. Uma das taxas analisadas na pesquisa foi a Taxade Mortalidade Infantil (TMI). A TMI na área coberta pelo PSF eraigual ou muito próxima àquela observada em alguns países pobresda África, apresentando valores de 59,33 para 1000 nascidos vivos.2

De acordo com o CIDE dos Municípios (CIDE 3 , 2005),Campos dos Goytacazes é a sétima cidade melhor colocada como amenos carente do estado, verificando-se, portanto, que mudançastêm ocorrido, destacando-se, entre outras, a construção de unidadeshabitacionais, a ampliação da rede de atendimento à saúde e àeducação, além da implantação de novos programas sociais.Entretanto, mesmo diante de tais iniciativas e com uma populaçãoestimada em 442.363 habitantes (IBGE, 2010), o município atendea mais de 20 mil famílias através de programas de transferência derenda 3 . Partindo-se do pressuposto que tais famílias são compostaspor, em média, 03 a 04 pessoas, tais dados levam a admitir que cercade um terço da população do município enquadra-se na categoria depobre ou extremamente pobre. Isto pode significar também quemuitos programas e ações não têm produzido mudanças favoráveisno perfil desta população. Sua porta de entrada e de saída apresenta,provavelmente, a mesma cara e, “portanto, mantém a pobreza nomesmo lugar: os sujeitos continuam pobres de direitos” (Juncá, 2007:72). Alguns exemplos deste quadro são encontrados em recentespublicações como o “Diagnóstico das condições sócio-econômicasda infância e juventude de Campos dos Goytacazes” 5 (2006), oumesmo, na pesquisa “Perfil sócio-econômico das famílias de baixarenda de Campos dos Goytacazes” 6 (2007-2008).

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Nas áreas rurais e nos bairros periféricos este retratomostrou-se mais agravado. Adicionado à condição de desigualdadesocial e de saúde, constatou-se uma inércia social de longo tempo,demonstrada por ausência de investimentos em infra-estrutura básica(Marques da Silva, 2003). Estas condições geraram reações emalgumas comunidades, como em Custodópolis. É o bairro mais antigode Guarus. Localiza-se a uma distância de sete kilômetros do centrode Campos e é delimitado pelos parques ‘Nova Campos’, ‘SãoDomingos’, ‘Bonsucesso’, ‘Novo Mundo’ e ‘Presidente Vargas’ (videmapa abaixo).

Mapa 1: Campos dos Goytacazes/RJ, 2005Fonte: Cidade de palha: diagnóstico preliminar. Campos dos Goytacazes, 2008.

No final da década de 1960, as lideranças de Custodópolisse mobilizaram após vivenciarem por longo tempo problemasreferentes à ausência de abastecimento de água e à inadequadalocalização de fossas rudimentares ao lado de poços caseiros.Algumas faculdades da região se articularam ao movimentocomunitário e implantaram o Centro Social Comunitário,posteriormente denominado Centro Social Universitário, emparceria com o MUDES – Movimento Universitário deDesenvolvimento Econômico e Social. Nesta mesma época (1970),foi implantado o “projeto-piloto assistencial integrado, com aparticipação de universitários de diversas especialidades” 7 , queprocurava responder às demandas referentes aos serviços médicos,odontológicos e sociais.

Mais recentemente, em 1999, outras mudanças ocorreram. OCentro Social Universitário se reestruturou como Centro de Saúde Escolade Custodópolis (CSEC), uma unidade de atenção à saúde da Faculdadede Medicina de Campos 8 .

Desde então, o Centro de Saúde Escola de Custodópolis tempassado por diversas transformações. Após sua reestruturação, em 1999,a Faculdade de Medicina de Campos implantou a disciplina “CuidadosBásicos de Saúde” (CBS), cujo objetivo principal era a inserção precocedos alunos na comunidade. A partir de 2002, a disciplina CBS foiincorporada ao eixo “Fundamentos Humanísticos Biopsicossociais

Aplicados à Saúde” (FHBS). Esse eixo teve como umadas estratégias de ensino-aprendizagem a prática “AçãoCuidadora da Família”, que mantinha, como um dosprincipais objetivos, a inserção precoce dos alunos nacomunidade, mas com a incorporação dos fundamentoshumanísticos a essa prática. A estratégia “AçãoCuidadora da Família” envolveu uma instituiçãoprivada de domínio público (Faculdade de Medicinade Campos com seus docentes), uma instituição públicade serviço de saúde (Secretaria Municipal de Saúdecom profissionais das 03 Equipes Saúde da Família) ea comunidade de Custodópolis. Esta estratégiapossibilitou uma experiência na relação ensino-serviço-comunidade que foi fundamental como proto-idéiapara a construção do Programa Bairro Saudável, jáque alguns profissionais de saúde que fizeram partedesta estratégia continuaram a atuar na unidade CSEC.

A partir de 2006, o CSEC ampliou suareestruturação física e número de profissionais ecolaboradores administrativos 9 . A indicação de umaDireção Clínica redundou na reestruturação do projetopedagógico anterior, ampliando-o, principalmente apartir do reconhecimento de que a população deCustodópolis demandava outras necessidades além das

de assistência médica, em que pese a excelência de atendimento que erarealizado por médicos docente-assistenciais da Faculdade de Medicinade Campos e por profissionais de saúde da Secretaria Municipal deSaúde de Campos.

Inicialmente, o projeto pedagógico foi composto por duasdiretrizes e quatro conceitos. Essas diretrizes e conceitos são atualmentemantidos, sendo a eles adicionados outros a serem apresentados adiantenesse artigo. A primeira diretriz centrava-se na melhoria da qualidadeda assistência à saúde a ser prestada aos moradores do bairro e a segundaenfatizava a vocação desta unidade como um ambiente privilegiado doprocesso de ensino-aprendizagem para os diferentes profissionais dasaúde e áreas correlatas.

Em relação às diretrizes, o CSEC passou a se constituir comoum espaço de prática para os alunos de graduação dos cursos de Farmáciae de Medicina da Faculdade de Medicina de Campos estendendo-se,também, para os cursos de pós-graduação em Saúde da Família e

7 Fundação MUDES (http://www.mudes.org.br/home/institucional/default.asp?ID=93&P=27)8 Faculdade de Medicina de Campos na gestão do Drº Jair Araújo.9 Faculdade de Medicina de Campos na gestão do Drº Nélio Artiles.

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Gerontologia e Geriatria desta mesma faculdade. À melhoria daqualidade de assistência associaram-se diversas ações deintervenção em uma abordagem de saúde coletiva, destacandoàs das áreas de Saúde Integral da Criança, da Mulher, do Adulto,do Idoso e Saúde Mental.

Um dos conceitos norteadores tem sido o ‘CAPITALSOCIAL’, entendendo que a parceria ensino-serviço-comunidadeé uma das estratégias que possibilitam o desenvolvimento domesmo. De acordo com Putnam (1996), o Capital Social édefinido como bem público, envolvendo a confiança e adisponibilidade de normas e sistemas que facilitam as açõescooperativas entre os atores sociais. Como capital, tende aaumentar com o uso e a se esgotar com a não utilização. Osestoques de capital social, como confiança, normas e sistemasde participação, tendem a ser cumulativos e a reforçar-semutuamente. Segundo o autor, as instituições formais podempossibilitar a mudança da prática política e o desenvolvimentodo capital social. Este é entendido como um bem público cadavez mais necessário nas sociedades complexas, onde as vantagensdo oportunismo, da trapaça e da transgressão tendem cada vezmais a aumentarem, à medida que prossegue o desenvolvimentoeconômico. A criação de capital social não é fácil, mas será cadavez mais fundamental para fazer a democracia funcionar. Aproposta do CSEC tem sido, desde então, criar uma relação derespeito e confiança, envolvendo os profissionais e colaboradoresentre si e entre eles e a comunidade. É uma tarefa difícil queenvolve desde ações menores, como o uso racional de papéis e anão utilização de copos descartáveis, até a discussão de conflitosde relacionamentos humanos e o limite da solicitaçãoindiscriminada de medicamentos e exames pelos pacientes.

Outro conceito norteador, associado ao anterior, é o de‘RESPONSABILIDADE SOCIAL’. Temos, cada vez mais, aconvicção de que a participação dos estudantes e professores dauniversidade no trabalho coletivo a saúde propicia uma formaçãode profissional mais envolvido com a política de saúde do país econsequentemente uma maior responsabilidade social. Estetambém é o entendimento de O’Dwyer e Pastrana (2000), segundoos quais o ensino médico não pode estar dissociado do contextosocial, pois do contrário estará formando profissional descoladoda realidade e distante das necessidades e dos anseios dapopulação. Ou seja, a escola médica deve favorecer odesenvolvimento do compromisso social, procurando atender àsnecessidades da sociedade em termos de saúde e de tratamentodos problemas. Neste contexto, cabe destacar que uma dasdiretrizes do Programa de Incentivo a Mudanças Curricularesnos Cursos de Medicina – PROMED foi incentivar a utilizaçãode cenários reais para o processo ensino-aprendizagem e aabertura dos serviços universitários às necessidades do SUS,implicando, portanto, possibilitar maior compromisso social dasescolas médicas. Esta tem sido uma tarefa difícil, pois o pesohegemônico do ensino hospitalar, a dimensão do capital simbólicoe financeiro do valor das especialidades, a valorização datransmissão do conhecimento teórico desarticulado da realidade

da práxis, entre outros, ainda contribuem para a desvalorização do ensinona realidade da prática ambulatorial e comunitária, principalmentequando essa realidade implica uma distância social, cultural e econômicaentre profissionais e pacientes.

Todas as ações de assistência à saúde e do processo ensino-aprendizagem foram norteados, e continuam sendo, por dois outrosconceitos incorporados na estruturação pedagógica do CSEC, quaissejam o da INTERDISCIPLINARIDADE e o de EDUCAÇÃOPERMANENTE. O conceito de Educação Permanente será apresentadoa seguir. A Interdisciplinaridade é norteadora do PBS a partir de que‘colabora para promover saltos qualitativos que reconfiguram as áreasde conhecimento e propõe muitas outras possibilidades que podemdefinir novos campos científicos’ (Janine, 2008). Esta afirmação, entreoutras, foi um estímulo para a formação das equipes interdisciplinaresque atuam nas ações de intervenção na unidade e para a busca de outroscampos de conhecimentos e saberes, busca esta que redundou na idéiade construção do PBS. A interdisciplinaridade é um desafio que, quando,pelo menos, um pouco vencida, redunda em publicações como esta:uma visão de um pequeno microcosmo social, mas, visto numacomplexidade do mundo real, visto por pesquisadores de múltiplossaberes e conhecimentos e com a participação dos sujeitos pesquisados,levando em consideração a utilização da metodologia pesquisa-ação.

Atualmente, principalmente após a construção do projeto‘Programa Bairro Saudável: tecendo redes, construindo cidadania’(PBS), a incorporação de suas diretrizes norteadoras e o compromissode alcançar as metas programadas, o CSEC, como a materialidadeestruturante do PBS, consolida-se, cada vez mais, como um espaço deexcelência na assistência à saúde e nas atividades de ensino-pesquisa-extensão, o que envolve produção de conhecimentos e reflexão constantede sua práxis. Esse artigo é uma possibilidade de reflexão dessa práxise, ao mesmo tempo, do compromisso com a sua publicização.

2.2- A história mais recenteComo a própria denominação sugere, o 'Programa Bairro

Saudável: tecendo redes, construindo cidadania' tem como objetivoprincipal transformar um bairro vulnerável - o bairro de Custodópolis -em um bairro saudável, através de redes inter-institucionais, inter-disciplinares e de sujeitos cidadãos. A constituição do conceito e doPrograma tem uma história a ser descrita. História decorrente do encontrode atores com convergência de idéias num determinado momento. Atoresprovenientes do CSEC e das Instituições Parceiras. E, principalmente,dos atores que constituíram o PBS em sua fase inicial e da Direção daFaculdade de Medicina pelo apoio constitucional.

Considerando essa história, os profissionais de saúde do CSEC,após anos de atuação e de experiência, constataram que somente asações desenvolvidas de assistência médica nesta unidade não estavamcobrindo satisfatoriamente as necessidades da comunidade deCustodópolis, bairro localizado no distrito de Guarus, no qual a unidadeestá instalada. Neste sentido, a idéia de Saúde, numa visão ampliada, ea de Saúde Coletiva foram os primeiros conceitos que marcaram atrajetória do processo de construção do PBS. Essas idéias continuamatuais, sendo incentivadoras de projetos, como o de alfabetização deadultos (Mova Brasil, em parceria com a Petrobrás e o Instituto Paulo

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Freire e iniciado em março de 2012) e o de Juventude Saudável(iniciado em março de 2012), a ser desenvolvido por três alunos doProjeto Bolsa Trabalho-CSEC. Essas ações sofrem algumas críticas,devido a uma concepção ortodoxa e, ainda arraigada de que umaunidade de saúde deveria apenas se ater ao atendimento de doença,sendo esta apenas de cunho biológico, e não desenvolver ações eatividades de promoção da saúde em âmbitos mais alargados econsoantes com o conceito de determinação social do processosaúde-doença, como se verá mais adiante.

Diversos fatores convergiram para a construção do PBS,destacando-se, entre outros: constatação de uma realidade socialque demandava outras ações, além das de cunho somente médico-assistencial, como já exposto anteriormente; legitimização dopotencial do CSEC que cada vez mais se fortalecia como espaço deensino-pesquisa-extensão; apoio institucional e efetivo da Direçãoda FMC; convergência de idéias e contribuições efetivas dos atoresrepresentativos das diversas instituições. Justificou-se, assim, o PBS,que objetivou consolidar a ampliação e atuação do CSEC, elaborarum modelo de prática que congregasse os esforços de diferentesinstituições de ensino e aperfeiçoar e aprofundar conhecimentos eações para a melhoria da qualidade de vida da população residenteno bairro de Custodópolis e seu entorno. Teve-se como pressupostoo de que tal articulação entre as instituições do ensino superiorreforçaria a relevância social e científica da proposta, considerandoos impactos que poderia produzir não só no espaço acadêmico,investindo na sintonia entre ensino, pesquisa e extensão, comotambém na própria experiência a ser vivenciada com a comunidade,através da implementação de esforços para sua passagem de bairrovulnerável para bairro saudável.

O PBS constituiu-se, portanto, como um programainterinstitucional e interdisciplinar, integrando diversos projetos deensino-pesquisa-extensão das 08 Instituições de Ensino Superior:Faculdade de Medicina de Campos (FMC), Universidade FederalFluminense (UFF), Instituto Federal Fluminense (IFF), UniversidadeCândido Mendes (UCAM), Universidade Salgado de Oliveira(UNIVERSO), Universidade Estácio de Sá (UNESA), Faculdadede Filosofia de Campos (FAFIC) e Universidade Estadual do NorteFluminense Darcy Ribeiro (UENF). O organograma compôs-se deum Coordenador Geral (no momento com um representante daFaculdade de Medicina de Campos), e do Grupo Gestor (formadopor um Titular e por um Suplente representando cada instituiçãoparceira).

No decorrer de 2007, foram realizadas diversas reuniõescom as representações do Grupo Gestor, nas quais se construiu oprojeto do PBS e o documento - Termo de Cooperação Técnico-Científico - que instituiu as parcerias institucionais. No documento,assinado em 08 de junho de 2009, com a presença dos Dirigentesdas Instituições Parceiras e representantes que formam o GrupoGestor, destaca-se no parágrafo único:

O Programa Bairro Saudável será desenvolvido medianteprojetos de ensino, pesquisa e extensão, que deverão ser norteadospela busca e exercício da cidadania, visando à melhoria da qualidadede vida da população local.

Uma das cláusulas é a respeito de que os projetos deverão sersomente executados após passarem por uma apresentação para todos oscomponentes do grupo gestor, no sentido de serem analisados quanto àpertinência em relação aos preceitos e conceitos norteadores doPrograma, como também de serem publicizados e avaliados em relaçãoàs questões éticas das pesquisas. Desde então, alguns projetosapresentados e executados integraram-se no tripé ensino-pesquisa-extensão e outros se situaram em um ou dois dos três componentes,respeitando a vocação de cada Instituição. A exigência que tem sidofeita é a de que os projetos sejam balizados pelo compromisso assumidono Termo de Cooperação Técnico-Científico e pelos objetivos, metas,resultados esperados e conceitos norteadores, como descritos a seguir.Estas dimensões serão apresentadas de forma sistematizada, como assão no Projeto. Em relação ao método, sugere-se o de 'pesquisa-ação'sempre que a abordagem do objeto assim o permitir.

3- Objetivos, metas, resultados esperados e conceitos norteadores

3.1- Objetivos

Geral:Desencadear um processo de transformação de um bairro vulnerávelem um bairro saudável na comunidade de Custodópolis, através dacriação de um modelo de prática, pautado na interação serviço-comunidade-instituições de ensino superior.

Específicos:· Fortalecer e expandir as condições de atuação do CSEC.· Implementar um cenário multidisciplinar de ensino, pesquisa e extensão.· Realizar um estudo sócio-ambiental da comunidade de Custodópolis.· Fortalecer a responsabilidade social no processo de formação profissional.· Estimular o processo de empoderamento e controle social na comunidade de Custodópolis.

3.2- Metas· Estruturação do pólo interinstitucional e interdisciplinar no CSEC· Construção de um diagnóstico sócio-ambiental participativo.· Elaboração e implantação de planos de ações interdisciplinares.· Consolidação do Pólo na lógica de “Educação Permanente”.· Instrumentalização das lideranças comunitárias.

3.3- Resultados esperados· Constituição progressiva de um bairro saudável.· Consolidação do CSEC como Pólo Interinstitucional, Interdisciplinar e de Educação Permanente.· Criação de um banco de dados.· Apropriação pela comunidade do conhecimento produzido e sua habilitação para processar uma atualização permanente do Banco de Dados.· Produção e publicização de textos científicos.

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· Viabilização da Residência Interdisciplinar em Atenção Básica à Saúde, no CSEC.· Consolidação das linhas de pesquisa existentes e criação de outras.· Colaboração técnico-científica com redes brasileiras que atuam na Atenção Básica.

3.4- Conceitos norteadores Os conceitos são considerados balizadores dos projetos a

serem desenvolvidos. O que diz respeito ao reconhecimento daimportância da educação para a autoformação e para a constituiçãoda cidadania (Morin, 2001) é o de EDUCAÇÃO PERMANENTE.Este é um conceito que tem, cada vez mais, se solidificado,principalmente após os anos 80, quando a OPAS (Organização PanAmericana de Saúde) estabeleceu uma distinção conceitual entreEducação Continuada e Educação Permanente. O Ministério daSaúde incorporou este desafio, instituindo a Política Nacional deEducação Permanente em Saúde, como estratégia do Sistema Únicode Saúde para a formação e o desenvolvimento dos trabalhadorespara o setor, através da Portaria nº198/GM/MS de 13 de fevereirode 2004. Este conceito enfoca a importância da reflexão coletiva daequipe de trabalho a partir dos problemas reais encontrados na práticacotidiana. Isso significa assumir a educação na práxis, pela práxis epara a práxis, admitindo-se que os problemas se situam além daracionalidade técnica e estão imersos em redes complexasinterpessoais, interinstitucionais e políticas. Como Ceccin (2005:976) afirma: “a Educação Permanente em Saúde constitui estratégiafundamental às transformações do trabalho no setor para que venhaa ser lugar de atuação crítica, reflexiva, propositiva, compromissadae tecnicamente competente”. A Educação Permanente remete, assim,à discussão da aprendizagem significativa, à organização e gestãodo trabalho em saúde, propiciando a construção de novas práticas enovos saberes profissionais, elaborando-se estratégias mais efetivasde ação. Está em oposição da prática educacional que Paulo Freire(1987) denominou de ‘Educação Bancária’ em que os alunos sãodepósitos nos quais os professores jogam informações que devemser memorizadas e arquivadas. Ou seja, a Educação Permanenteconstitui-se como uma educação articulada à realidade e asnecessidades do grupo social.

Outro conceito é o de ATENÇÃO BÁSICA, compreendo-ocom “um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo,que abrangem a promoção e a proteção da saúde, a prevenção deagravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a manutençãoda saúde” (Política Nacional de Atenção Básica, 2006: 10). Seudesenvolvimento deve se processar através de práticas gerenciais esanitárias democráticas e participativas, valorizando o trabalho emequipe, a delimitação de territórios de ação, a singularidade dossujeitos, e, orientando-se pelos princípios “da universalidade, daacessibilidade e da coordenação do cuidado, do vínculo econtinuidade, da integralidade, da responsabilização, dahumanização, da equidade e da participação social” (ibid.).

Dentro de tal concepção, a SAÚDE, como expressão de

um direito de cidadania, é entendida como “produção social, processodinâmico e em permanente transformação” (Meirelles; Erdmann, 2006:70). Isto significa romper com a setorialização da realidade, tanto noâmbito do conhecimento, quanto da ação, privilegiando olhares e açõesinterdisciplinares direcionados à qualidade de vida de sujeitos que sãoprotagonistas de seu cotidiano. Portanto, os conceitos deINTERSETORIALIDADE e de VIGILÂNCIA À SAÚDE se impõemnesta visão de saúde e, consequentemente, também, como norteadorespara a transformação de um ‘bairro vulnerável’ em um ‘bairro saudável’.De acordo com Mendes, (1999), a Vigilância à Saúde é uma forma deresposta social organizada aos problemas de saúde, referenciados peloconceito positivo de saúde e pelo paradigma da produção social da saúde.O conceito positivo da saúde envolve, por sua vez, uma concepção doprocesso saúde-doença mais vinculado à qualidade de vida de umapopulação, sendo, portanto, um produto social, ou seja, uma aproximaçãopositiva. Por sua vez, o paradigma da produção social da saúde é umaproposta de rompimento com o paradigma flexneriano, este apoiadopredominantemente no setor biologicista. Desta forma, o paradigmaproposto, além de dar conta de um estado de saúde em permanentetransformação (e não uma visão estanque de saúde ou doença), permitea ruptura com a ideia de um setor exclusivamente biologicista, erigindo-o como produto social resultante de fatos econômicos, políticos,ideológicos e cognitivos. A prática da Vigilância à Saúde parte doreconhecimento de um território, identificando os problemas existentespara, a partir daí, atuar sobre eles com ações organizadasintersetorialmente. Desta forma, a intersetorialidade exige a ação dedistintos setores, implicando tomar problemas concretos, de gentesconcretas, em territórios concretos. Reconhece-se esta proposta,avançando-a no sentido de que a ela seja incorporada excelência noatendimento à saúde biológica. Ambos os conceitos possuem umadimensão além da atuação de um programa como o PBS ou de umaunidade de saúde como o CSEC. Sabê-los, no entanto, tem representadoum passo importante para cobrar suas execuções em outras instâncias,principalmente às relacionadas ao poder público.

A PROMOÇÃO DA SAÚDE, uma das dimensões da Vigilânciaà Saúde, tem sido valorizada neste contexto. É uma dimensão quecomporta uma atuação sobre os determinantes da saúde, considerando,paralelamente, um conjunto de valores que abrangem uma revalorizaçãoda vida e uma qualificação dos modos de vida em um determinadocontexto, assumindo-se suas dimensões sociais, culturais, econômicase políticas. Para sua operacionalização, os conceitos discutidosanteriormente de intersetorialidade e interdisciplinaridade deverão serincorporados para a melhoria da vulnerabilidade de um bairro.

Após um ano de implantação do Programa Bairro Saudável,consideramos que as intervenções a serem realizadas no Bairro deCustodópolis deverão ser norteadas pelo modelo explicativo maisadequado em relação às determinações do processo saúde-doença, e daPROMOÇÃO DA SAÚDE, que é o da proposta de Dahlgren &Whitehead (1991). Este modelo, que incorpora de uma formasistematizada alguns dos conceitos anteriores e o de PARTICIPAÇÃO,está sendo o norteador do Projeto Família Saudável.

O conceito EMPODERAMENTO, a ser discutido mais

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profundamente em outro artigo, está implicado, de uma maneiraresumida, no mecanismo através do qual as pessoas, organizaçõese comunidades tomam controle de seus próprios assuntos e de suaprópria vida, desenvolvendo uma consciência da sua habilidade ecompetência para produzir, criar e gerir.

A partir de tais considerações é possível, então, apontarmospara a discussão em torno da expressão CIDADE SAUDÁVEL,aproximando-a da proposta de BAIRRO SAUDÁVEL assumidaneste projeto. Mendes (1996) considera que o tema sinaliza “umprojeto estruturante do campo da saúde”, onde diferentes atores,ou seja, o governo, as organizações da sociedade civil e organizaçõesnão governamentais articulam uma “gestão social” direcionada paratransformar a cidade em um espaço de “produção social da saúde”.Em termos operacionais, tal perspectiva implica o compromissodos cidadãos e organizações locais na direção de um processocontínuo de melhoria das condições de saúde e bem estar doshabitantes – melhoria contínua e não ponto de chegada. O que seassume aqui é a saúde em sua positividade, articulada à geração deprocessos participativos, sociais e institucionais, na direção depolíticas públicas saudáveis, removendo determinações ambientais,socioeconômicas e culturais associadas às enfermidades. Trata-sede uma opção que implica a postura permanente de trabalhar aspolíticas de forma integrada, admitindo-se as inter-relaçõesexistentes entre saúde, educação, habitação, saneamento, transporte,lazer e tantos outros aspectos, que compõem a vida dos sujeitosinseridos em determinados territórios.

Mais uma vez, assumimos o desafio de estarmos sendonorteados por esses conceitos, sabendo-os como imagem objetivopara a busca da transformação de um bairro vulnerável em um bairrosaudável, numa condição não puramente econômica que, emboraimportante, não representa a única variável de qualificação de umterritório na condição desejada.

4- Projetos implantadosConsiderando os três anos do PBS, vários projetos das

Instituições parceiras foram implantados. Nem todos os projetosobjetivaram o desenvolvimento de ensino-pesquisa-extensão.Alguns são essencialmente de pesquisa, outros de extensão e outrosde ensino. .

Os projetos de ensino-extensão foram incorporados, nasua maior parte, como estágios de prática para os alunos das diversasinstituições parceiras. Estes projetos contribuíram e têm contribuídopara fortalecer e expandir as condições de atuação do CSEC e paraque esta unidade se consolide como um cenário multidisciplinar deextensão. Os projetos e os respectivos estágios realizados até omomento foram os decorrentes das seguintes instituiçõesenvolvendo as categorias profissionais abaixo descritas:

1- Diversos estágios foram realizados até o momento:enfermagem (UNIVERSO), fisioterapia (UNESA), serviço social(UFF), farmácia (FMC), movimento corporal e artístico (FAFIC),saúde coletiva (FMC), saúde da mulher, da criança, do homem, do

idoso (FMC, saúde da família e saúde mental (FMC).

Os projetos de pesquisa já executados pelas Instituiçõesparceiras foram:1- Significarte: tecendo significados por meio da arte, ciência etecnologia.Integrantes: Vânia Machado Seabra Puglia, Tássia Silva NunesPereira, Jéssica Luiza da Silva Oliveira, Raquel de Lima e CirneVieira, Antônio Carlos da Silva Souza.Objetivo: O Projeto SignificARTE, dentro de uma perspectiva inter etransdisciplinar e no âmbito de um programa extensionista, junto acrianças e adolescentes em situação de risco social, busca por meio daspotencialidades da sustentabilidade incorporar às situações reais deensino e aprendizagem de forma interativa e lúdica. Ancorada numambiente artístico-cultural de aprendizagem, conceitos dasustentabilidade são aplicados, experimentados estabelecendo-se arelação do sujeito com o objeto de aprendizagem. Metodologia: Utiliza-se como proposta metodológica a pedagogia de projetos, que busca pormeio da interação e da construção coletiva e cooperativa, numaperspectiva inter e transdisciplinar, uma estratégia de inter-relação,integração dos atores envolvidos a construção e reconstrução de saberese conhecimentos. Todo esse processo exige uma nova abordagem teórica,centrada na valorização do conhecimento que signifique “aprender abuscar o saber” - novas formas de aprender fundamentadas muito maisnos sentidos, sentimentos, valores e emoções.Resultados e Discussão: A proposta de utilização da arte-educação comoinstrumento de ação/intervenção tem contribuído para a quebra deparadigmas, rompendo com a padronização. Tem possibilitado a criaçãode espaços de comunicação, de expressão das pessoas. Instrumento derepresentação da realidade, e, principalmente de transformação de “seusmundos”. O projeto teve como resultados positivos o envolvimento de25 (vinte e cinco) crianças e adolescentes, podendo-se observar aparticipação dos mesmos nas oficinas temáticas sobre sustentabilidade.Conclusões: Os resultados indicam que é possível implementar umprojeto social, embora possam ocorrer uma série de dificuldades, taiscomo infraestrutura física e tecnológica disponibilizada pela instituição,instabilidade na frequência das crianças e adolescentes nas oficinas (emfunção do momento político por exemplo algumas crianças e ouadolescentes estão faltando para “trabalhar” na campanha política).Foram encontradas as seguintes possibilidades pedagógicas: rodas deconversas no início e final das oficinas; aproveitamento de situaçõesconcretas surgidas nas oficinas para discutir valores; procedimentos quevalorizam a participação ativa na resolução de conflitos. Os resultadosdeste estudo permitem apontar para a expectativa de que hajapossibilidades de um programa mais efetivo e eficaz no âmbito de umprojeto social.

2- Conceitos e percepções da terceira idade sobre DST e AIDSIntegrantes: João Carlos de Aquino Almeida e colaboradores.Objetivo: Estabelecer uma relação dialógica com os gruposinvestigados, captar seus conceitos e percepções sobre sexualidade,reprodução e desenvolvimento embrionário e, a partir daí, desenvolver

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materiais e metodologias relacionados ao desenvolvimento dessetema em cenários formais e não-formais de ensino-aprendizagem,de modo a: a) Registrar os conceitos e percepções de indivíduosda terceira idade sobre os temas investigados, com o auxílio deuma equipe multidisciplinar; b) Discutir propostas de ensino a fimde se detectar a significância dos temas para os sujeitos da pesquisa;c) Produzir material didático significativo e preciso; d) Desenvolvermetodologias apropriadas de ensino-aprendizagem; e) Obter umganho real no processo de ensino-aprendizagem, avaliado pelosindicadores criados no desenvolvimento do Projeto. Método:trabalho investigativo, mediante a aplicação de questionários,realização de entrevistas, palestra e debates com o grupo de terceiraidade. Fases do projeto: a) Realização de reuniões com os própriossujeitos da pesquisa, a fim de se explicar os objetivos do projeto ede se obter autorização para participação, mediante preenchimentode termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), e termo deautorização para uso da imagem, quando for o caso; b) Aplicaçãode questionários; c) Realização de entrevistas, debates e mesas-redondas, em diferentes momentos e com diferentes atoresenvolvidos (membros da terceira idade, líderes comunitários,equipe); d) Criação de material didático; e) Avaliação do materialdidático pelos participantes; f) Criação de kits didáticos; g) Criaçãoe aplicação de aulas e outras estratégias visando o processo deensino-aprendizado; h) Avaliação da fixação de conceitos; i)Avaliação dos participantes sobre o projeto

3-Prevalência da Doença Renal Crônica e fatores de riscoassociados nos idosos do Programa Idoso Saudável, Camposdos Goytacazes-RJ.Integrantes: João Carlos Borromeu Piraciaba, Vera Lucia Marquesda Silva, Tamires Teixeira Piraciaba, Amanda Freire de Almeida,Laila Crespo Lamônica, Monique do Vale da Silveira, Renata deAlmeida França, Maria Clara Teixeira Piraciaba, Laisse MarinsDefanti, Rachel Siqueira de Menezes.Objetivo: Avaliar prevalência e grau de lesão renal em idososparticipantes do Grupo Idoso Saudável, RJ, associando-os aosfatores de risco. Método: estudo observacional transversal, comamostra não-probabilística de conveniência composta por 57 idosos,de ambos os sexos. O grau de função renal foi quantificado pelafórmula de Cockcroft-Gault e estadiado segundo os critérios doNational Kidney Foudation. Resultados: Dos 58 idososinvestigados, 31% encontraram-se no estágio I da DRC; 25,8% emestágio II; 34,5% em estágio III; 5,1% em estágio IV; 1,7% emestágio V. No estágio I encontrou-se 66,7% obesos, 72,2% HAS e38,9% DM. No estágio II: 33,3% são obesos, 73,3% possuem HASe 26,7% possuem DM. No estágio III: 15% são obesos, 90%possuem HAS e 40% possuem DM. No estágio IV: 66,7% possuemHAS, neste estágio não foram observados idosos com DM e/ouobesidade. No estágio V: 100% possuem DM e HAS, porém nãoforam observados obesos. CONCLUSÃO Detectou-se 25,8% dosidosos em estágio II e 34,5% em estágio III da DRC, sendo a HASo fator de risco associado mais encontrado. Torna-se fundamental,portanto, a detecção precoce e o controle dos fatores de risco

associados à DRC, além da identificação precoce nas alterações na Taxade Filtração Glomerular em idosos, a fim de instituírem-se medidaspreventivas capazes de impedir e/ou reduzir o avanço da DRC, comoprogramas de controle de fatores de risco modificáveis.4-Impacto de um grupo interdisciplinar de atenção à saúde do idososobre os fatores determinantes da capacidade funcionalIntegrante: Raphael Freitas Jaber de Oliveira, Vera Lucia Marques daSilvaObjetivo: Avaliar a efetividade das ações do grupo interdisciplinar queatua sobre os idosos. Método: Entrevistas livres com 60 idosospertencentes ao GIS e 60 idosos não pertencentes ao GIS do bairro deCustodópolis utilizando as escalas de Katz, Lawton e Tinetti e aCaderneta de Saúde da Pessoa Idosa. Para análise comparativa utilizamoso software EpiInfo. Resultado: Em relação ao perfil dos idosos dacomunidade: os idosos do GIS apresentaram idade média mais elevada;o sexo feminino representou a maioria nas amostras; a análise do perfilsocioeconômico demonstrou, predominantemente, baixa escolaridade,atividade laboral de intensa exigência física e, economicamente,beneficiários de um salário mínimo proveniente da aposentadoria. Emrelação à avaliação funcional: a análise comparativa dos fatores de riscode há um ano e sete meses atrás e da atualidade dos idosos do GISdemonstrou diminuição nos percentuais de obesidade, etilismo etabagismo, representados por queda de, respectivamente, 25%, 16,7 e8,4%. O perfil patológico dos idosos do GIS ilustrou uma transiçãocom queda de pelo menos 3,4% em todas as patologias, destacando-sehipertensão arterial, diabetes melito tipo 2 e depressão, com valores de21,6%, 15% e 11,7%, respectivamente. Nos idosos pertencentes ao GIS,a avaliação das atividades de vida diária, atividades instrumentais devida diária e habilidades de equilíbrio e caminhada demonstrou melhora,respectivamente, de 20,0%, 18,4% e 8,3% em comparação ao outrogrupo. Diante destas alterações, 71,6% dos idosos participantes do GISreferem ótimo estado de saúde. Conclusão: Conclui-se que, apesar dasvulnerabilidades sociais, ambientais e econômicas, características dobairro de Custodópolis, o GIS pôde intervir nesta realidade, oferecendoà população idosa a prática regular de atividade física, educação emsaúde, aferição da pressão arterial, medição da glicemia eaconselhamento nutricional, que proporcionaram prognóstico positivopara a saúde dos idosos, que se concretizaram na melhora da capacidadefuncional.

5- Perfil e avaliação soroepidemiológica da toxoplasmose em idososno programa da terceira idade do Centro de Saúde Escola deCustodópolis, em Campos dos Goytacazes, RJ.Integrantes: Meire Cardoso da Mota Bastos, Monique do Vale daSilveira, Nathália Mota de Faria Gomes, Dr. Ricardo Guerra Peixe, Dra.Annelise Wilken de Abreu,Doença infectocontagiosa causada pelo Toxoplasma gondii, em geral,assintomática em 10 a 20% dos imunocompetentes. As manifestaçõesclínicas decorrem de sua reativação em imunocomprometidos. O idosoem decorrência de mudança no sistema imunológico pode desenvolverdoenças infectocontagiosas (Netto, 1996). Dados recentes revelam aalta prevalência da toxoplasmose na cidade de Campos dos Goytacazescomprovando que a idade é um importante fator de risco para esta doença,

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e ainda o uso de água não filtrada e/ou de poços, e a presença degatos no domicílio. Objetivo: Estudar, mediante análisesoroepidemiológica, a toxoplasmose nos idosos atendidos peloPrograma da Terceira Idade do Centro de Saúde Escola deCustodópolis (CSEC), no Município de Campos dos Goytacazes-RJ, visando contribuir para um melhor entendimento da doença nestapopulação. Método: Estudo observacional transversal, realizado em2009 com amostra não probabilística. Foram avaliados 52 idosos,ambos os sexos, atendidos no CSEC. A variável principal, tertoxoplasmose, foi avaliada através da presença da imunoglobulinaG (IgG) específica no sangue periférico. Os fatores de risco foramavaliados por entrevista com uso do protocolo de pesquisa contendoas seguintes variáveis: sexo, idade, tipo de residência, prática dejardinagem e exposição a animais, à água e aos alimentos. A análisedos dados foi estatística. Resultados: A amostra era formada por9,62% de homens e 90,38% de mulheres, idade média de 67,63.Dos 52 idosos analisados, 92,31% eram IgG positivo paraToxoplasmose. Dos fatores de risco associados, 100% dos idososmoravam em casa; 78,85% mexiam em jardins; 78,85% possuíamanimais; 44,23% bebiam água não filtrada; 19,23% consumiam carnede boi e/ou de galinha mal passadas; 59,62% consumiam legumes e/ou verduras cruas. Conclusão: A prevalência de toxoplasmose foibem alta nesta população, em acordo com Bahia de Oliveira et al.(2002) que mostrou que aos 40 anos 80% da população localapresentou toxoplasmose. A mudança no sistema imunológicoobservada no geronte levanta a possibilidade de reativação datoxoplasmose nesta faixa etária. Os dados observados permitirãoainda um melhor acompanhamento prospectivo dos idosos e odelineamento de estratégias de saúde pública.

6-Cidade de Palha: re-conhecendo o território de Custodópolis/Campos dos Goytacazes/RJ.Integrantes: Denise Chrysóstomo de Moura Juncá, Katarine SáSantos, Verônica Gonçalves Azeredo, Carlos Antônio de SouzaMoraes, Marilene Parente Gonçalves, Ana Paula Pessanha Cordeiro,Ellen Christel Gomes Moraes, Josemara Henrique da Silva Pessanha,Celma Cristina Morais de Oliveira Batista, Paula Emely CabralTorres, Aline da Silva Viana Jorge, Késia da Silva Tosta, Vera LuciaMarques da Silva, Igor Leal Pena, Christovam Cardoso, Regina CoeliMartins Paes de Aquino, além de aproximadamente 50 acadêmicosda UFF, IFF, FMC e UNIVERSO.

O projeto Cidade de Palha, inserido no PBS, consiste em umaexperiência interdisciplinar e interinstitucional, envolvendo docentese discentes do ensino superior das áreas de serviço social, medicina,enfermagem e arquitetura e urbanismo. Trata-se de uma proposta depesquisa e extensão que busca responder às seguintes questões: Comose desenham as vulnerabilidades socioeconômicas, ambientais e civisexistentes em Custodópolis e que influências elas exercem no sentidode dificultar sua constituição como um bairro saudável? Objetivo:Construir um diagnóstico sócio-ambiental do bairro, disponibilizandosubsídios para a implementação de estratégias direcionadas à

promoção de melhorias na saúde (Meirelles; Erdmann, 2006) de seusmoradores, investindo-se no exercício da cidadania deliberativa (Tenório,2006). Método: A primeira fase do projeto (2008) fundamentou-se nodesenvolvimento de uma pesquisa-ação, articulada à história oral eanálise documental, culminando com a elaboração de um diagnósticopreliminar da comunidade, disponibilizado tanto a própria comunidade,quanto as instituições parceiras do PBS. Em seguida (2009 e 2010), foirealizado um inquérito populacional, cuja importância como canal deinformações é reconhecida, principalmente, no campo da saúde (Viacava,Dachs; Travassos, 2006), uma vez que se constitui como fonte primáriade dados e propicia a construção de indicadores capazes deinstrumentalizarem estudos epidemiológicos, sinalizando parâmetrospara o planejamento de ações. Buscava-se, portanto, um aprofundamentodas discussões sobre o território (Santos, 2007) investigado, focalizandoo cotidiano das famílias e observando-se as indicações de Busso (2002,p.12), sobre as principais dimensões da vulnerabilidade, ou seja, dehabitat, de capital humano, econômica, de proteção social e de capitalsocial. Atingiram-se mais de 50% das famílias residentes no territóriopesquisado e, ainda em 2010, foi iniciada a tabulação, análise einterpretação dos dados, bem como a elaboração do relatório, concluídoem 2011. Resultado: O diagnóstico apontou uma paisagem caracterizadapor um “processo de descidadanização” (Kovarik, 2003), pondo emdestaque situações e contextos onde três elementos se combinam: aexistência de riscos, a incapacidade de reação, além de dificuldades deadaptação face à materialidade do risco (Moser, 1998). Conclusãoparcial: Com um olhar voltado para o passado e com um presentepermeado por contradições, Custodópolis vivencia um confronto entreo cenário real e o desejado, com vulnerabilidades em várias dimensões,desenhando modos de vida que precisam ser redimensionados pela viade empoderamento (Stromquist, 1997).

7-Prevalência de Anemia e estadiamentos da Doença Renal Crônicaem idosos portadores de Diabetes Mellitus e pertencentes aoPrograma Idoso Saudável, Campos-RJ.Integrantes: Meire Cardoso da Mota Bastos, Monique do Vale daSilveira, Nathália Mota de Faria Gomes, Annelise Maria de OliveiraWilken de Abreu.Objetivo: estimar a prevalência de anemia em idosos portadores deDM do Programa Idoso Saudável, correlacionando o comprometimentodo DM com o estágio da DRC, estabelecido pelo National KidneyFondation (NKF). Método: O delineamento foi transversal, com amostranão-probabilística de conveniência, observando 57 idosos = 60 anos,de ambos os sexos, em estudo realizado em 2009. A anemia foi avaliadaatravés da hemoglobina (Hb), parâmetro mais utilizado como indicativodas consequências fisiopatológicas da anemia (WHO, 2001). Foramconsiderados portadores de anemia aqueles com índices de Hb = 14,5g/dL. Resultados: a prevalência de anemia em pacientes com DM situou-se em 36,8%, com variação dos níveis de Hb entre 11,6 e 14,3g/dL. Dosidosos com anemia e DM, 30% foram classificados em estágio I daDRC, 40% em estágio II, 25% em estágio III, 5% em estágio IV e nenhumem estágio V. Dos idosos apenas com anemia, 36,8% foram classificadosem estágio I da DRC, 38,6% em estágio II, 21,1% em estágio III, 3,6%

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em estágio IV e nenhum em estágio V. Dos idosos com DRC eanemia, 43,6% possuem história familiar de DM (HFamDM), sendoque destes 45,8% possuem DM enquanto 54,2% não a apresentam.Dos idosos com HFamDM e DM, 18,2% encontram-se em estágioI, 45,5% em estágio II, 36,6% em estágio III e nenhum em estágioIV e V. Já os idosos com HFaDM mas sem DM foram classificados:46,2% em estágio I, 30,8% em estágio II, 15,4% em estágio III,7,7% em estágio IV e nenhum em estágio V. Portanto, 96,6% dosidosos apresentavam anemia; 36,5% além da anemia apresentavamDM, dos quais 30% foram classificados em estágio I da DRC, 40%em estágio II, 25% em estágio III e 5% em estágio IV; daquelescom anemia e HFamDM 54,2% não apresentavam DM por isso,devem ser acompanhados preventivamente.

8-Avaliar para educar e prevenir: a participação dos alunosnuma pesquisa comunitária e focada na saúde do idosoIntegrantes: Nathália Mota de Faria Gomes, Meire Cardoso daMota Bastos, Leonardo Alvim Silva Machado, Isabela OliveiraAlves de Souza, Amanda Ferreira Barcelos, Milena de OliveiraJunqueira, Renata Magliano Marins, Igor Leal Pena, Nélio ArtilesFreitas, Vera Lucia Marques da Silva.Desde a segunda metade do século XX, vem ocorrendo um aumentoda expectativa de vida na população mundial. Estima-se que até2050 os idosos corresponderão a 19% dos brasileiros. Torna-sefundamental, portanto, detecção precoce das doenças nessa faixaetária e conhecimento dos profissionais de saúde a respeito dasmesmas. Objeto da intervenção: Inserção dos alunos da Faculdadede Medicina de Campos, sob orientação do professor, na pesquisaRastreamento da prevalência da doença renal crônica num grupode idosos do Centro de Saúde Escola de Custodópolis (CSEC),Campos dos Goytacazes-RJ. Pesquisa inserida no Programa BairroSaudável, desenvolvido por 08 instituições de ensino superior,inclusive por esta faculdade. Objetivos: Oportunizar contato dosalunos com a comunidade, especificamente com os idosos;realização de ações educativas em relação à DRC; avaliar dano egrau da função renal; estabelecer o perfil e os fatores de risco destegrupo; favorecer a melhoria da situação de saúde deste grupo.Descrição da metodologia: Inicialmente, realizada exposição dosobjetivos da pesquisa pelos alunos ao grupo de idosos, solicitandoconsentimento e esclarecendo os benefícios da mesma. A segundaetapa constou de aplicação do questionário já validado e realizaçãodo exame físico. A terceira etapa é a de realização de exameslaboratoriais. Conclusão e recomendações: A estratégia de umapesquisa inserida numa comunidade e, especificamente, num grupode idosos, traz benefícios tanto para o grupo em questão quantopara os alunos, seja no sentido de maior humanização da profissão,seja na ampliação do conhecimento e na sua disseminação paratodos os envolvidos. Considerando o objetivo de proporcionar amelhoria da qualidade de vida dessa população, conforme rezamas diretrizes do Plano Internacional de Madrid, atualmenteincorporado pelo governo brasileiro, urge, pelo menos, aimplantação de duas estratégias fundamentais, como a experiência

relatada: o contato dos futuros profissionais de saúde com essa faixaetária e a detecção precoce das doenças na mesma.

9-Grupo de recepção: uma estratégia de cuidado em saúde mentalna atenção básica e de ensino para alunos de medicinaIntegrantes: Roberto Carvalho Alves Filho, Bianca Bruno Bárbara, Dirleida Silva Rosa, Regina Ribeiro Rangel, Tânia Lúcia Viana da Cruz Terra,Nélio Artiles Freitas, André Borges Gomes, Cláudio Rodrigues Teixeira,Vera Lucia Marques da Silva.Esta experiência, Grupo de Recepção, fruto de um trabalho em andamentono Centro de Saúde Escola de Custodópolis - Unidade Básica de Saúdeligada à Faculdade de Medicina de Campos – tem como focos principaise concomitantes a assistência à comunidade daquele entorno e formaçãoacadêmica. Iniciou-se em 2006, dirigida aos portadores de transtornospsíquicos e conduzida por equipe interdisciplinar composta por doismédicos psiquiatras, assistente social, dois psicólogos, musicoterapeutae terapeuta ocupacional. É um espaço de ensino-aprendizagem para alunosdo 5° ano da referida faculdade, como parte das atividades do internatoem Saúde Coletiva. Este projeto faz parte do Programa Bairro Saudável.Objeto de intervenção: Questões de saúde mental na atenção básica ena formação dos alunos do curso de medicina. Objetivos: Cuidadosiniciais e encaminhamentos dos portadores de transtornos psíquicos edependentes químicos, possibilitando subjetivação das questões de saúde;ênfase de tais questões como parte essencial na formação geral dos futurosmédicos; interlocução entre equipe de saúde mental e demais profissionaisda atenção básica, e os dispositivos comunitários. Metodologia:Atendimentos semanais em grupo, com média de seis pacientes, duraçãode 1h e 30min, coordenados por profissionais de saúde mental, seguidospor discussões teórico-práticas com os alunos. Análise crítica:Comprovaram-se benefícios para os pacientes, principalmenteconsiderando as dificuldades encontradas na rede municipal. Em relaçãoaos alunos, a experiência mostra que suas resistências traduzem aestranheza de tais questões, sugerindo uma formação inicial de cunhoorganicista. Porém, esta experiência tenta desestabilizar e ampliar suavisão sobre o paciente e sobre a clínica a ser feita com este. Conclusão:Constitui-se em espaço de atendimento valioso para a atenção comunitária,uma vez que é consonante com as atuais diretrizes de atenção em saúdemental, numa visão de saúde coletiva. Recomendações: Esta estratégia éviável para a ampliação do cuidado em saúde mental e para a inclusão dereflexões que ultrapassem a dualidade corpo-mente, tanto na formaçãodos futuros médicos, como para a clientela atendida.

10-Papel da Liga Acadêmica de nefrologia na prevenção da doençarenal crônicaIntegrantes: Tamires Teixeira Piraciaba, Amanda Freire de Almeida,Laila Crespo Lamônica, Monique do Vale da Silveira, Renata de AlmeidaFrança, Maria Clara Teixeira Piraciaba, Laisse Marins Defanti, RachelSiqueira de Menezes, João Carlos Borromeu Piraciaba, Vera LuciaMarques da Silva.A doença renal crônica (DRC) é um grande problema de saúde pública.O gasto com diálise e transplante no Brasil é de cerca R$1,4 bilhões/ano. Detecção precoce reduz o sofrimento dos pacientes e os custos

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financeiros. Portadores de hipertensão arterial (HA) e de diabetesmellitus têm maior probabilidade de desenvolverem a doença.Objeto de intervenção: Participação de jovens universitários empesquisa e extensão na área de nefrologia e saúde pública.Objetivos: Relatar a experiência da Liga Acadêmica de Nefrologia(LANefro) da Faculdade de Medicina de Campos (FMC) emCampos dos Goytacazes/RJ, na prevenção da DRC. As Ligasobjetivam prevenção de doenças e promoção da saúde através decampanhas preventivas e mutirões; desenvolvimento de atividadeseducativas na comunidade e ampliar o aprendizado e oportunizar apráticas destes ensinamentos em prol da comunidade, com projetosde ensino, pesquisa e extensão. Metodologia: A LANefro é umaentidade acadêmica,civil e sem fins lucrativos,formada porestudantes da FMC.Objetiva criar oportunidades de trabalhoscientíficos e sociais sob a tutoria de um docente.Há reuniõessemanais teóricas e participação em campanhas preventivas, poisLigas não devem ser apenas um grupo de estudo sobre determinadotema. Resultados: A Liga participou da campanha “PREVINA-SE”no Dia Mundial do Rim de 2009. Aferiu-se a pressão arterial e aglicemia capilar de cerca de 500 pessoas. Esta Campanha é feitapela Sociedade Brasileira de Nefrologia, que disponibiliza panfletosdidáticos. Participou do Dia Mundial da Hipertensão Arterial coma Liga de Cardiologia. Foram atendidas cerca de 100 pessoas numparque da cidade. As pessoas receberam orientação sobre a HA. ALiga também age na comunidade de Custodópolis realizandocampanhas de prevenção e medindo a função renal de idosos.Análise crítica e conclusão: O desenvolvimento de qualquer açãode intervenção social no controle da DRC é de importante impactona saúde pública, devido às consequências epidemiológicas negativasda doença e seu alto custo. A participação das Ligas nas açõespreventivas, norteadas pelo senso de transformação social, permiteque jovens desenvolvam o exercício da cidadania. Recomendações:A ação das Ligas é uma estratégia com enorme potencial para amelhoria continuada da nefrologia e da saúde da população.

11-Uma experiência multidisciplinar no grupo de idosos.Integrantes: Igor Leal Pena, Luis Fabiano Cabral Rios, DioneBaptista do Amaral Sardinha, Giselle Cereja de Alencar, Ruth Paes,Gabriella Sarruf Abreu, Vera Lucia Marques da SilvaEm 2006, foi implantado no Centro de Saúde Escola de Custodópolis(CSEC) no grupo Idoso Saudável, coordenado por uma equipemultidisciplinar composta de enfermeiro, geriatra, gerontologo,assistente social, fisioterapeuta e arteterapeuta. Este projeto, inseridono Programa Bairro Saudável, de cunho interinstitucional einterdisciplinar, é desenvolvido pela Faculdade de Medicina deCampos em parceria com 08 instituições de ensino superior domunicípio, no qual se desenvolvem ações de ensino, pesquisa eextensão, além das ações de intervenções próprias de uma unidadede saúde. Esta experiência de 2 anos tem sido fruto de análises pelaequipe no sentido de avaliar os alcances e limites desta estratégiainserida no campo da saúde coletiva. Objeto de intervenção:Melhoria da saúde integral dos idosos da comunidade de

Custodópolis e enfrentamento da práxis da interdisciplinaridade.Objetivo: Promover saúde física, mental e social das pessoas idosaslançando mão das possibilidades existentes no CSEC; refletir sobre osdesafios da interdisciplinaridade. Metodologia: Desenvolvimento deações de promoção, prevenção, curativas e de reabilitação semanalmentejunto ao grupo de idosos; reuniões mensais da equipe para reflexão,avaliação e planejamento das ações. Análise crítica e conclusões: Aavaliação desta estratégia de 2 anos aponta aquisição da compreensão doprocesso saúde doença numa visão de saúde coletiva, tanto pelosprofissionais envolvidos como pelos idosos e, consequentemente paraestes, maior adesão aos procedimentos terapêuticos, aquisição de hábitosalimentares mais saudáveis, entre outros. Tem sido um espaço de reflexãodo processo de envelhecimento tanto para os profissionais como paraidosos. Recomendações: A práxis da interdisciplinaridade é uma estratégiapossível, necessária e fundamental para a reflexão sobre a possívelmelhoria da qualidade de vida dos envolvidos. No caso especifico, paraos idosos e os diversos profissionais.

12-Fitoterapia popular e patrimônio cultural imaterial sobre plantasmedicinais.Integrantes: Zerrenner, D. R.; Lemos, G.C.S.; Sandra Machado RibeiroVohryzek; Vera Lucia Marques da Silva. Graduanda/IC; Curso deFarmácia - FMC - Campos dos Goytacazes, RJ, Brasil([email protected])O reconhecimento das terapias tradicionais pela OMS na década de 80contribuiu para o estabelecimento da Política Nacional de PlantasMedicinais e Fitoterápicos – PNPMF, incentivando a inserção do setorde plantas medicinais e fitoterápicos no Sistema Único de Saúde - SUS.No Brasil, é comum a falta de consenso entre nomes populares e certasespécies medicinais, atribuindo-se à possíveis falhas na transmissão oraldo conhecimento para novas gerações ou às novas influências culturaisna sociedade moderna. Objetivo: Este trabalho visa avaliar oreconhecimento de diferentes espécies de plantas medicinais por usuáriosdo Centro de Saúde Escola de Custodópolis da Faculdade de Medicinade Campos, em Campos dos Goytacazes, RJ, por meio da apresentaçãode fotografias de espécies conhecidas polularmente como quebra-pedra,pata-de-vaca e arnica. Resultados: Entre os oitenta e sete participantessolicitados que indicassem as referidas espécies em fotografias,prevaleceram Euphorbia prostrata, Bauhinia variegata e Eupatoriummaximillane que não constam da literatura como plantas medicinaisem relação àquelas que constam majoritariamente (P. niruri, B.forficata e S. microglossa). Este conhecimento é de tradição familiarde origem local (82%) e agrícola (30%), predominando entre usuáriosfemininos (93%), viúvas (44%), com mais de 70 anos (44%), eescolaridade primária (47%) e que apesar da maioria ter acesso aomedicamento convencional ou “de farmácia” (76%) mantêm o uso doremédio caseiro por diversas motivações subjetivas, destacando-se atradição familiar (63%), sendo o chá a única forma de uso citada.Conclusão: Os resultados indicam a importância do registro etnobotânicofidedignino sobre plantas medicinais para o resgate e a preservação dopatrimônio cultural imaterial relativo às plantas medicinais.13- Plano Diretor Urbano Sustentável

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Integrantes: Claudio Francisco Correa Valadares (Coordenadordo Curso de Arquitetura e Urbanismo – UNIFLU –CAMPUS II);Yves Henrique (Supervisor do Escritório Modelo – EMAU-UNIFLU-CAMPUS II); Lidia Maria Tavares Martins (Professorada Disciplina de Projeto urbano II).

A concepção urbanística contemporânea deve contemplaruma visão holística sobre as cidades, colocando-se como parâmetroalternativo e inovador para novas ideias e concepções atendendoaos princípios constitucionais. Agregar valor e iniciativas dinâmicasdeve ser o objetivo destas ideias, no que concerne à revitalizaçãourbana, visando atender aos direitos sociais constitucionais que são:“A educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o

lazer, a segurança, a previdência social, a proteção a maternidade

e a criança e a assistência aos desamparados.” Capítulo 2, dosdireitos sociais e Art. 6º, da Constituição Brasileira. A cidademoderna em sua urbanidade deve objetivar alcançar os parâmetrosda “Sustentabilidade” que visam: “suprir as necessidades de

geração presentes sem afetar a habilidade das gerações futuras

de suprir as suas” estruturando-se em três pilares: racionalização

de recursos (econômico), coleta de resíduos (ambiental) e

qualidade de vida (social). Relatório de Brundtland (1987).

Entendemos que deve-se visar a realização de propostas para umapolítica voltada a um processo dinâmico de revitalização dosespaços urbanos da cidade, particularmente os “bairros”, planejandoações eficazes direcionadas ao bem estar, a saúde o lazer, aacessibilidade e mobilidade da população residente, bem como, odesenvolvimento humano de forma inteligente e sustentável, nãoadmitindo mais soluções descompromissadas propostas pelo órgãopublico que não contemplam a boa espacialidade, mobilidade oucom a qualidade de vida, mas, sim, se ter um olhar mais amplo quevenha a abrigar um planejamento estratégico, para atender asdemandas e necessidades dos moradores dos bairros. É neste cenárioque se instalam as ações do programa “Bairro Saudável”, promovidopela Faculdade de Medicina de Campos, que através do CentroEscola de Custodópolis, CSEC, visa no fortalecimento e à expansãodas condições de sua atuação e se estende através de parcerias comorganizações e várias instituições de ensino superior, todoscompromissados com o processo da “Cidadania”. O CentroUniversitário, UNIFLU se incorpora a este “Modelo, através doCurso de Arquitetura e Urbanismo, demandando ações no campodo ensino, pesquisa e extensão, sediados pelo Escritório Modelode Arquitetura e Urbanismo EMAU/UNIFLU, ambiente este queabriga discentes, na condição de Estagio Supervisionado, aderindoa esta importante proposta, no campo da saúde e inclusão Social.Esta abordagem se direciona ao “Bairro” como foco principal, hajavista alguns experimentos já realizados em cidades metropolitanase de porte médio com sucesso, a exemplo dos programas “FavelaBairro, Rio Cidade, e no nosso município, a implementação doBairro Legal”, todos apoiados em conceitos do moderno urbanismoapropriando as potencialidades, os conflitos da população residentee atendendo às prioridades detectadas, visando viabilizar os anseiose necessidades. O que se pretende neste contexto é promover

previamente uma análise ampla do “Bairro”, diagnosticando suaspotencialidades, conflitos e prioridades, fornecendo sugestões técnicase elementos que resultem em uma ação estratégica pontual, através deuma experiência “piloto” para um novo “Modelo de Concepção UrbanaSustentável, revitalizando o ambiente, atendendo às necessidadesapontadas e somadas a outras diversas ações e obter-se então de fatoum “Bairro Saudável”, podendo ser esta experiência, um marco paraoutras demandas da cidade. Plano de Ação para o desenvolvimento doPlano Diretor Sustentável: 1)Reconhecimento da área em estudo visandoo Diagnóstico Urbano: Potencialidades, Conflitos e Prioridades;2)Apropriação do limite, para as propostas de intervenções gerais epontuais; 3)Apresentação da Proposta preliminar de Intervenção Urbana,ambientalmente, saudável, acessível e sustentável; 4)Análise dasdemandas apontadas visando à elaboração do Plano Diretor Sustentável;(Edificações, Contexto urbano, Paisagismo, Acessibilidade, MobilidadeUrbana e outros); 5)Cronograma 2011 para elaboração das diversasatividades; 6) Concepção e Desenvolvimento das atividades correlatas;7) Avaliação e Apresentação Final. 

5- Resultados alcançadosApós dois anos de implantação do PBS, alguns resultados já

foram alcançados, tanto em relação ao projeto global do PBS como aosdos diversos projetos das Instituições parceiras. Enfoque maior serádado, a partir deste parágrafo, em relação aos resultados do projetoglobal do PBS. Os resultados dos outros projetos que foram propostospelas Instituições parceiras foram descritos anteriormente. Em relaçãoaos resultados do projeto que originou esta publicação, eles serãoapresentados nos artigos seguintes.

Os resultados apresentados neste artigo serão enfocados numadimensão de avaliação construtiva, a partir do entendimento de que estapossibilita um olhar mais apurado dos alcances e limites atingidos até omomento presente, o que, possibilitará, por sua vez, novo planejamentoa partir de julho de 2013, com a posse de uma nova coordenação gerale grupo gestor. A análise dos resultados alcançados levou emconsideração os objetivos, metas e resultados esperados do projeto globaldo PBS, como descrito no item 03 do presente artigo.

Em relação ao objetivo geral - transformação de um bairrovulnerável em um bairro saudável na comunidade de Custodópolis,através da criação de um modelo de prática, pautado na interação serviço-comunidade-instituições de ensino superior - reconhece-se que esteenvolve um processo lento, contínuo, tecido no dia a dia e, portanto,desafiante. Isto significa que, sem perder a possibilidade de seu alcance,dever-se-á avaliar os objetivos específicos, um a cada um, para que osganhos obtidos destes últimos direcionem e impulsionem para o alcancedo objetivo geral. Considera-se que este – o objetivo geral - é uma utopia,no sentido de Santos (2001), ou seja, aquela que é entendida como a‘exploração, através da imaginação, de novas possibilidades humanas enovas formas de vontade, e a oposição da imaginação à necessidade doque existe, só porque existe, em nome de algo radicalmente melhor porque vale a pena lutar e a que a humanidade tem direito... a utopia requer,portanto, um conhecimento da realidade profundo e abrangente comomeio de evitar que o radicalismo da imaginação colida com o seu

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realismo’ (Santos, 2001: 332).Os objetivos específicos de fortalecer e expandir as

condições de atuação do CSEC, implementar um cenáriomultidisciplinar de ensino, pesquisa e extensão, realizar um estudosócio-ambiental da comunidade de Custodópolis e fortalecer aresponsabilidade social no processo de formação profissional foramalcançados num grau considerável no decorrer dos três anos deimplantação do PBS. Destaca-se, entre outros, o investimento feitopela Faculdade de Medicina de Campos na reforma da estruturafísica, aquisição de insumos básicos e aumento do número dedocente-assistenciais e profissionais colaboradores no CSEC.

Alguns dados comprovam o alcance dos objetivosespecíficos. Na tabela 1, verifica-se o aumento do número de consultasde 1.844 em 2006 para 8.402 em 2011. Cabe considerar que asconsultas envolvem uma assistência docente-assistencial, implicando,portanto, menor número para cada profissional e uma lógica deatendimento de excelência por ser feita com o objetivo de ensino-aprendizagem. Embora não haja a preocupação com o número deconsultas e sim, com a resolutividade das mesmas, este aumento refleteum aumento de acessibilidade para a demanda que era reprimida epara diferentes referências de especialidades. A tabela 2 apresentaalgumas consultas que devem ser destacadas, pois eram necessidadesmais demandadas da população do bairro de Custodópolis, comopsiquiatria, pré-natal, preventivo, teste rápido de HIV e o programade saúde mental. Este último programa prioriza transtornos mentais edependência química, tendo havido um aumento crescente da demanda.

TABELA 1: Consultas totais realizadas2006 ....................................... 1.8442007 ....................................... 3.2452008 ....................................... 4.7402009 ....................................... 6.3372010 ....................................... 6.5372011 ....................................... 8.402

TABELA 2: Consultas parciais destacadas em 2009Programa da MulherConsultas ginecológicas: 1658Consultas de pré-natal: 576Preventivo: 399 coletasTeste rápido de HIV: 14 testes (de 21 a 30 de dezembro)Programa de Saúde Mental:Grupo de recepção: 558 atendimentos + Psiquiatria (atendimentosindividuais) =

TABELA 3: Consultas parciais destacadas em 2010Programa da MulherConsultas ginecológicas: 975Consultas de pré-natal: 169Preventivo: 320 coletasTeste rápido de HIV: 191 testesPrograma de Saúde Mental:Grupo de recepção + Psiquiatria (atendimentos individuais) = 732

TABELA 4: Consultas parciais destacadas em 2011Programa da MulherConsultas ginecológicas: 1149Consultas de pré-natal: 563Preventivo: 366 coletasTeste rápido de HIV: 62 testesColocação de DIU: 10 no CSEC e 12 encaminhadasPrograma de Saúde Mental:Grupo de recepção + Psiquiatria (atendimentos individuais) = 671

Em relação ao cenário multidisciplinar, priorizou-sediversificar as categorias profissionais na atuação diária no CSEC, comdestaque para Enfermeiros, Assistentes Sociais, Psicólogos, TerapeutaOcupacional, Farmacêuticos, Professor de ensino fundamental,Arquitetos. Associados a estes, os técnicos administrativos têm atuadooferecendo soluções para muitos dos problemas encontrados, além dassuas atuações específicas, por se sentirem, cada vez mais, fazendo parteda equipe de atenção à saúde. Esta convivência diária, com troca desaberes, tem sido estimulada e reconhecida como um processo deeducação permanente pelos que integram a equipe de profissionais desaúde e colaboradores do CSEC.

O aumento do número de docente-assistenciais, no decorrerde 2010/11, possibilitou expandir os programas assistenciais.Atualmente, a assistência concentra-se nos Programas de AtençãoIntegral à Mulher, Atenção Integral à Criança, Atenção integral ao Idoso,Atenção Integral ao Adulto, Atenção à Saúde do Homem e AtençãoIntegral aos portadores de Transtornos Mentais. Todos os programassão realizados por uma equipe com pelo menos um médico e umenfermeiro responsável e com ações dinâmicas de educação em saúdevoltadas para grupos específicos. Os médicos do 2º ano de residênciamédica têm fortalecido a integralidade na assistência, atuando noprimeiro atendimento de todos os pacientes com demanda de atençãoem medicina geral. Essa mesma dinâmica tem sido a realizada pelosmédicos que atuam no Projeto Família Saudável, a partir do entendimentodeste como uma porta de entrada de excelência, embora com manutençãode um atendimento longitudinal, para as 300 famílias cadastradas até omomento.

Há limites em relação ao objetivo de ‘estimular o processode empoderamento e controle social na comunidade de Custodópolis’com as ações realizadas até o momento. Acredita-se, pela experiênciarealizada no decorrer de pouco tempo, que este objetivo poderia seralcançado através de um projeto já construído e não implantado até omomento, o do Conselho Local de Saúde. Algumas ações educativasestão sendo realizadas neste sentido na sala de espera, todas as segundasfeiras, com Educação em Saúde enfatizando temas como Direitos daGestante, da Mulher Trabalhadora, do Idoso, entre outros. Emborainsuficientes para enfrentar problemas mais complexos, estas açõeseducativas têm contribuído para conscientização sobre diversas questõesque, até então, eram desconhecidas para os usuários do Centro de SaúdeEscola de Custodópolis.

Em relação à produção e publicização de textos científicos,destacam-se alguns trabalhos de pesquisa realizados, no decorrer de

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2009, por professores, alunos e pesquisadores das instituiçõesparceiras que compõem o PBS, sendo que todos foram publicadosnos anais do Congresso de Saúde Coletiva realizado em Recife noano de 2009 e apresentados em posters no 1º Fórum Interdisciplinarem Saúde Coletiva realizado em 2009.

Anais- Impacto de um grupo interdisciplinar de atenção à saúde do idososobre os fatores determinantes da capacidade funcional. In: VIICongresso de Clínica Médica do Estado do Rio de Janeiro e do IVCongresso de Medicina de Urgência – 2010, Rio de Janeiro. Revistado Congresso 2010.

- Avaliar para educar e prevenir: a participação dos alunos numapesquisa comunitária e focada na saúde do idoso In: IX CongressoBrasileiro de Saúde Coletiva – 2009, Recife. CD de anais do SaúdeColetiva 2009.

- Cidade de Palha: vulnerabilidade e saúde no território deCustodópolis/Campos dos Goytacazes/RJ In: IX CongressoBrasileiro de Saúde Coletiva, 2009, Recife. CD de anais do SaúdeColetiva 2009.

- Grupo de recepção: uma estratégia de cuidado em saúde mental naatenção básica e de ensino para alunos de medicina In: IX Congressoem Saúde Coletiva, 2009, Recife. Cd de anais do Saúde Coletiva2009.

- Papel da Liga Acadêmica de nefrologia na prevenção da doençarenal crônica. In: IX Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva – 2009,2009, Recife. CD de anais do Saúde Coletiva 2009.

- Uma experiência multidisciplinar no grupo de idosos In: IXCongresso de Saúde Coletiva, 2009, Recife. Cd de anais do SaúdeColetiva 2009.

Posters- Impacto de um grupo interdisciplinar de atenção à saúde do idososobre os fatores determinantes da capacidade funcional. In: VIICongresso de Clínica Médica do Estado do Rio de Janeiro e IVCongresso de Medicina de Urgência

- A visão dos conselheiros municipais de saúde sobre sua funçãodentro do conselho. IX Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva.

- Centro de Saúde Escola de Custodópolis: organograma. Iº FórumInterinstitucional em Saúde Coletiva e IIº Encontro Interinstitucionalde Educadores do Ensino Superior.

- Cidade de Palha: estudo sobre vulnerabilidade e saúde no territóriode Custodópolis/Campos dos Goytacazes. IX Congresso Brasileirode Saúde Coletiva.

- Conselho Local de Saúde de Custodópolis: limites e possibilidades naefetivação da participação social. Iº Fórum Interinstitucional em SaúdeColetiva e IIº Encontro Interinstitucional de Educadores do EnsinoSuperior.

- Grupo de recepção: uma estratégia de cuidado em saúde mental naatenção básica e de ensino para alunos de medicina. Iº FórumInterinstitucional em Saúde Coletiva e IIº Encontro Interinstitucionalde Educadores do Ensino.

- Papel da Liga de Nefrologia na prevenção da Doença Renal Crônica.Iº Fórum Interinstitucional em Saúde Coletiva e IIº EncontroInterinstitucional de Educadores do Ensino Superior.

- Programa Bairro Saudável: tecendo redes, construindo cidadania. IºFórum Interinstitucional em Saúde Coletiva e IIº EncontroInterinstitucional de Educadores do Ensino Superior.

Mais recentemente, foi publicado um artigo referente ao ProjetoFamília Saudável: ‘Os determinantes sociais da saúde e o projeto FamíliaSaudável: possibilidades e limites’ (Marques da Silva, V. L.), pela revistaVértice, volume 13, série 2 (p.61-72).

Esta valorização da produção acadêmica, pelos alunos,professores e pesquisadores envolvidos no PBS, demonstra que estepode ser um caminho para que um projeto pautado na interação serviço-comunidade-instituições seja reconhecido como espaço possível deprodução científica, além de suas funções mais reconhecidas comoatendimento à comunidade.

Uma das ações efetivas do PBS, realizada em conjunto com asinstituições parceiras, foi o 1º Fórum Interinstitucional em Saúde Coletiva– 1º FISC em novembro de 2009. Este evento contou com a participaçãode alunos, professores, funcionários e membros da comunidade deCustodópolis atendidos pelos diversos serviços prestados pelo CSEC.Foram 68 participantes no primeiro dia, 80 no segundo dia e 107 noterceiro dia.

Alguns resultados esperados estão ainda a serem alcançadospor dependerem de diversos fatores e decisões institucionais. Deverãoestar aqui registrados como propostas para um futuro próximo. São eles:criação de um banco de dados; apropriação pela comunidade doconhecimento produzido e sua habilitação para processar umaatualização permanente do Banco de Dados; viabilização da ResidênciaInterdisciplinar em Atenção Básica à Saúde, no CSEC; consolidaçãodas linhas de pesquisa existentes e criação de outras; colaboração técnico-científica com redes brasileiras que atuam na Atenção Básica.

6- Projetos a serem implantados6.1- Conselho Local de Saúde de Custodópolis - CLSC

O projeto “CONSELHO LOCAL DE SAÚDE DECUSTODÓPOLIS: análise das possibilidades da participação emelhoria de qualidade de vida da população” é uma proposta deimplantação, acompanhamento e avaliação do CLSC, enquantomecanismo de “participação” social, que se propõe a contribuir para a

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descentralização da política local de saúde e a ampliação do conceitode saúde através da organização comunitária. O interesse em realizaresse projeto nasceu da vivência proporcionada pelas reuniõescomunitárias coordenadas pelo grupo de pesquisadores da UFF, nodecorrer do ano de 2008, como parte de sua proposta de ação juntoao “Programa Bairro Saudável: tecendo redes, construindocidadania”. Através deste trabalho embrionário da UFF, foi possívelconstatar nas falas dos atores comunitários a necessidade e o desejode criação de um instrumento de participação organizada, capaz defortalecer os interesses comuns no processo de enfrentamento dasvulnerabilidades vivenciadas em busca de uma vida saudável. Afinalidade do projeto é avaliar a contribuição do Conselho Local deSaúde de Custodópolis para ampliação do conceito de “saúde”, comvistas à melhoria de qualidade de vida da comunidade; efetivaçãodo controle social da política de saúde; construção do processo de“empoderamento” e avanço e garantia do processo de“democratização” em curso.

Esta proposta, ainda a ser implantada, é norteada por PauloFreire (1987) quando argumenta que nenhuma educação é neutra eque, conscientes ou não disso, os pesquisadores e educadores, aodesenvolverem suas atividades, contribuem, em maior ou menorgrau, para a libertação dos indivíduos ou para sua domesticação.Daí a necessidade de uma pesquisa-ação, onde a definição eexecução participativa de projetos envolvam a comunidade e estapossa beneficiar-se dos resultados dos estudos. Neste sentido, oProjeto “Conselho Local de Saúde” (CLS) visa contribuir para apromoção da PARTICIPAÇÃO SOCIAL, outro conceito norteador

do PBS, a partir do entendimento da necessária base de apoio políticoàs ações sobre os determinantes sociais de saúde e para oEMPODERAMENTO da população do bairro de Custodópolis. Espera-se que, através do CLS, a população poderá participar das decisõesrelativas à sua saúde e bem estar e, por meio dos seus representantes,poderá fortalecer os mecanismos de gestão participativa, principalmenteo Conselho Municipal de Saúde.

7- Projeto Família Saudável - PFSEsse projeto foi elaborado objetivando consolidar o PBS em

um território mais definido. Para isso, buscou-se o redimensionamentodo PBS num projeto piloto, o que proporciona uma avaliação maisrigorosa. O PFS já está na fase de execução, tendo finalizado a primeirafase, à de implantação, iniciada em junho de 2010, no qual foramcadastradas 350 famílias. Dessa forma, é uma estratégia interdisciplinarque visa trabalhar com o princípio de Vigilância à Saúde (Mendes, 1996)em território definido no bairro de Custodópolis e com prioridade àsfamílias adscritas, objetivando enfrentar e resolver os problemasidentificados. O planejamento do território abrange as ruas Júlio Armond,Patrício Menezes, Poeta Marinho, Júlio Armond e Travessa NossaSenhora da Conceição, cobrindo, neste quadrilátero, em torno de 600famílias. Este território é divido em 02 micro-áreas, cada uma com emtorno de 300 famílias e na responsabilidade de um enfermeiro, um AgenteCuidador da Saúde (ACS), um médico e outros profissionais, conformeo surgimento da necessidade e da parceria das diversas instituiçõesparceiras. A micro-área 01 é composta pelas ruas Carlos Bruno e PoetaMarinho e a micro-área 02 pelas ruas Júlio Armond e Patrício Menezes.

Foto 1: Bairro deCustodópolis, Campos dos

Goytacazes/RJ

Fonte: Google Maps/2010

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A primeira fase de implantação do PFS cadastrou as famíliase identificou os riscos biológicos, sociais e culturais. Nesse primeiromomento, fez-se necessário conhecer a comunidade e buscar estreitarrelações de confiança e de solidariedade. Somente após este primeiromomento, têm-se buscado estratégias que visem envolver acomunidade em ações coletivas para a melhoria de suas condiçõesde saúde e bem-estar. É um desafio, pois os profissionais envolvidosatuam predominantemente nos riscos biológicos pela própriaformação profissional.

Na primeira fase, os riscos biológicos representaram umamaior demanda e uma urgência nas intervenções. Neste sentido, osriscos biológicos foram priorizados, sem desconsiderar os outrosriscos citados. Assim, estar-se-ão realizando ações que estariam noprimeiro nível de intervenção sobre os determinantes do processosaúde-doença. Além do cadastramento das famílias, as visitasdomiciliares realizadas semanalmente, e norteadas pelas noções decuidado, vínculo, responsabilidade e seguimento a longo tempo, têmsido uma estratégia importante para a consolidação do PFS, alémdos seus objetivos principais. Estas visitas domiciliares têm sidofeitas pelos Agentes Cuidadores da Saúde, com supervisão dosEnfermeiros de cada micro-área, acompanhando os casos maisgraves, detectando os casos de não adesão ao tratamento, entre outrasquestões que têm surgido. Considerando de maio de 2010 a dezembrode 2011:

Em relação à micro-área 01:- Total de famílias cadastradas: 131 famílias (475 pessoas), sendo47% do sexo masculino e 53% do sexo feminino. Do total, 51%estão na faixa de 19 a 60 anos e 12% acima de 61 anos.- Patologias, considerando o total de número de pessoas: 6%portadores de diabetes, 18% portadores de hipertensão, 2% casosde alcoolismo, 2% de gestantes menores de 18 anos e 1% maioresde 18 anos, 01 acamado.

Em relação à micro-área 02:- Total de famílias cadastradas: 162 famílias (561 pessoas), sendo46% do sexo masculino e 54% do sexo feminino. Do total, 55%estão na faixa de 19 a 60 anos e 10% acima de 61 anos.- Patologias de adultos, considerando o total de número de pessoas:6% portadores de diabetes, 18% portadores de hipertensão, 0% degestantes menores de 18 anos e 0,5% maiores de 18 anos, 04portadores de hanseníase, 01 portador de tuberculose e 07 portadoresde doenças mentais.

O Projeto Família Saudável (PFS) foi construído com osmesmos pilares do Programa Saúde da Família, um programa federal,que atualmente é denominado Estratégia Saúde da Família. No PFS,entretanto, o marcador teórico é o baseado na proposta de Dahlgren& Whitehead (1991), considerando-a a mais adequada para aexplicação das determinações do processo saúde-doença e com aspropostas mais sistematizadas em relação às intervenções a seremrealizadas.

Esta proposta tem sido a norteadora da Comissão Nacionalsobre Determinantes Sociais da Saúde do Brasil, criada em março de2006, entendendo-a que as intervenções sobre os Determinantes Sociaisda Saúde deveriam objetivar a promoção da equidade em saúde econtemplarem os diversos níveis assinalados no modelo. Neste sentido,as intervenções devem incidir sobre os determinantes ‘proximais’vinculados aos comportamentos individuais, não prescindindo dos‘intermediários’, relacionados às condições de vida e trabalho e dosdeterminantes ‘distais’, referentes à macroestrutura econômica e cultural(Carvalho, A. I., Buss, P. M., 2008).

Em relação aos determinantes distais, estes são dependentesde políticas diversas, como as descritas abaixo:

- Políticas macroeconômicas e de mercado de trabalho, deproteção ambiental e de promoção de uma cultura de paz e solidariedadeque visem promover um desenvolvimento sustentável, reduzindodesigualdades sociais e econômicas, violências, degradação ambientale seus efeitos sobre a sociedade;

- Políticas que assegurem a melhoria das condições de vida dapopulação, garantindo a todos o acesso à água limpa, ao esgoto, habitaçãoadequada, aos ambientes de trabalho saudáveis, serviço de saúde e à deeducação de qualidade, superando abordagens setoriais fragmentadas epromovendo uma ação planejada e integrada dos diversos níveis daadministração pública;

- Políticas que favoreçam ações de promoção da saúde,buscando estreitar relações de solidariedade e confiança, construir redesde apoio e fortalecer a organização e a participação das pessoas e dascomunidades em ações coletivas para melhoria de suas condições desaúde e bem-estar, especialmente dos grupos mais vulneráveis;

- Políticas que favoreçam mudanças de comportamento para aredução de riscos e para o aumento da qualidade de vida medianteprogramas educativos, comunicação social, acesso facilitado a alimentossaudáveis, criação de espaços públicos para a prática de esportes eexercícios físicos, bem como proibição à propaganda do tabaco e do

Figura 1: Quadro de Dahlgren & Whitehead (1991)Fonte: Carvalho; BUss, 2008

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álcool em todas as suas formas.Considerando as políticas propostas, sabemos que elas

funcionarão como uma imagem-objetivo e mesmo como uma utopia,no sentido descrito acima (Santos, 2001), mas, principalmente comouma imagem que nos tira da zona de conforto e de certa ingenuidadepara as ações presentes e futuras. É preciso, portanto, registrá-las,embora, saber-se-á que o Projeto Família Saudável, em análise,poderá contribuir apenas nos processos mais locais.

Assim, embora não seja o objetivo do PFS elaborar eexecutar as políticas descritas acima, e por sabê-las como decorrentesde decisões governamentais federais, a apresentação destas políticasneste trabalho objetiva, também, publicizá-las, entendendo que elassão às que intervêm sobre os determinantes distais e que algumassomente são possíveis de serem incorporadas pelo processo deempoderamento da comunidade a ser trabalhado no programa.

A sistematização do modelo proposto (Dahlgren &Whitehead, 1991) considera que o enfrentamento das causas, dasdeterminações econômicas e das sociais mais gerais dos processossaúde-enfermidade, envolveria ações não apenas no sistema deatenção à saúde, com mudanças nos modelos assistenciais eampliação da autonomia dos sujeitos, mas também intervenções nascondições socioeconômicas, ambientais e culturais por meio depolíticas públicas intersetoriais. E, sobretudo, em políticas dedesenvolvimento, voltadas para a distribuição mais equânime dosrecursos socialmente produzidos, subordinando a economia ao bem-estar-social (Carvalho, A. I., Buss, P. M., 2008).

Além disso, para que as intervenções nos diversos níveissejam viáveis, efetivas e sustentáveis, elas deveriam estarfundamentadas em três pilares básicos: a intersetorialidade, aparticipação social e as evidências científicas. O PFS tem buscadoestes três pilares a partir do envolvimento da comunidade, comreuniões para construir projetos em comum. Já está em execução o‘Projeto Juventude Saudável’, desenvolvido por 03 alunos do ProjetoBolsa Trabalho-CSEC com 15 adolescentes do bairro, na faixa etáriade 15 a 18 anos. É um projeto que busca capacitar os adolescentesem ações relacionadas ao meio ambiente, ética, cidadania, comoarborização, coleta do lixo seletivo, acessibilidade, identificação dasruas, incentivo às hortas domésticas. Outro projeto em curso é o‘Mova Brasil’, um projeto de alfabetização de adultos. Ambos osprojetos são executados na estrutura física do CSES, o que, espera-se, poderá consolidar a unidade como um lócus de saúde e não apenasde doença. Acredita-se, também, que estes dois últimos projetospossam desenvolver o empoderamento na população do bairro,tornando-o menos vulnerável.

8- Lições aprendidasUm Projeto – Programa Bairro Saudável: tecendo redes,

construindo cidadania – com um objetivo da dimensão do mesmo -transformar um bairro vulnerável em um bairro saudável – exige, aomesmo tempo, certa dose de paixão misturada com certa dose depragmatismo. Uma paixão que, no caso, tem sido impulsionada pelaimagem-objetivo de uma utopia (Santos, 2001). Um pragmatismo

marcado pela necessidade de revisão constante das etapas planejadas,principalmente considerando que o aparecimento de alguns resultadosmais concretos exigiria um tempo de longa duração, o que pode levar àdesmotivação do grupo envolvido que, no caso, são o grupo gestor doPBS e a Direção Clínica do CSEC. Neste sentido, uma lição aprendidaé à que a contribuição voluntária e pessoal tem limites. Isso significaque o comprometimento das Instituições parceiras com seusrepresentantes e profissionais, inclusive com garantia do tempo dededicação ao programa, é um dos fatores importantes para o sucesso doprograma. Outra lição é à que sem o envolvimento da comunidade oprograma não consegue avançar. Assim, se por um lado a comunidadeobstaculiza algumas ações – questionando-as e, às vezes, desvalorizandoalgumas por ter demandas mais urgentes em relação às outras - por outrolado essa mesma comunidade impulsiona outras ações. Devido ao fatodo CSEC estar realizando ações de atenção à saúde na comunidade há30 anos, com ações mais intensas há 10 anos, a implantação dos projetosfoi normalmente facilitada e aceita pela comunidade, com poucasresistências. Alguns desafios diários têm emergido: encontrar os parceiroscertos, pois a colaboração é um trabalho árduo, difícil; aprender agerenciar a manutenção do PBS, devido mudanças frequentes,desistências, não comprometimento e às inúmeras linhas de pesquisa,ensino extensão; manter energia necessária no dia a dia, pois os resultadosesperados levam mais tempo do que o planejado; pensar fora dos padrõese com criatividade, o que tem sido um desafio diário; desafiar as normase, ao mesmo tempo buscar prudência nas propostas. Um desafio fica àespreita ao implantar um Programa com a dimensão de objetivar oenvolvimento da comunidade, mantendo a condição de tê-la como sujeitode seus direitos. Este desafio diz respeito ao não entendimento, muitasvezes, dos setores políticos partidários que demarcam o território numadimensão diametralmente oposta à pretendida pelo PBS, o que já gerou- e tem gerado - conflitos na relação ética-técnica-política, com todosos constrangimentos e, muitas vezes, efeitos não esperados, decorrentesda mesma. Ou seja, os conflitos decorrentes das lógicas de racionalidadesdiferentes entre o campo técnico e o político são desafios que precisamser enfrentados pelas instituições correspondentes para o êxito de umprojeto da dimensão do Programa Bairro Saudável. É uma questão queultrapassa a dimensão de análise deste artigo e diz respeito à culturapolítica do país.

Devido ao fato do PBS incorporar ações de intervenção sobreos diversos aspectos da saúde e projetos de ensino – pesquisa- extensão,outras questões devem ser consideradas.

Uma primeira diz respeito à tríade ensino/pesquisa/extensão.Esforços deverão ser feitos para que os projetos a se incorporem cadavez em seu conjunto, pois muitos dos projetos que foram elaboradospara o PBS são, na maioria das vezes, dedicados a um só elemento datríade. A meta a ser alcançada, visando o êxito do PBS, é à de que ao serrealizada uma pesquisa, que esta seja fruto de uma extensão e que seusresultados possam realimentar o ensino para que este não se petrifique;da mesma forma, ao ser realizada uma extensão, que esta possa gerarpesquisa que retroalimente o ensino; por outro lado, o ensino deverá tersempre uma dimensão de extensão além dos muros da faculdade e, aomesmo tempo, ser articulado às pesquisas como momentos de reflexão

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crítica e de produção de novos saberes.Outra questão a ser considerada, diz respeito à vigilância

constante quando se desenvolve projetos que, como o ProjetoFamília Saudável (PFS), tem ações de intervenção sobre os sujeitos.A vigilância constante, além das questões éticas, parte doreconhecimento de que nas ações de intervenção estão, também,ações de controle social sobre uma comunidade, sobre os sujeitos,submetendo-os numa relação de poder, como analisado por MichelFoucault (1987). Reconhecer o controle social possível e implicadonas ações de intervenção já é o primeiro passo, mas não é o suficiente.Razão pela qual, recorremos a Campos (2010), quando este apontaa possibilidade do desenvolvimento de produção de valores úteisnas ações de intervenção, ao lado da produção do controle social.Para este autor, a prática clínica e de saúde coletiva produz, alémde controle social, algum tipo de valor de uso. Como valor de uso,a prática clínica e a de saúde coletiva tenderiam a atender a algumtipo de necessidade social das pessoas. Cabe considerar que ainterdisciplinaridade – um dos conceitos norteadores do ProgramaBairro Saudável - tem sido um marcador importante e necessáriopara a manutenção da vigilância em questão. Em nossoentendimento, a interdisciplinaridade, principalmente em relaçãoao núcleo das ciências biológicas com o das ciências humanas, éuma possibilidade de proporcionar a abertura dos diversosprofissionais para os universos existenciais, sociais, culturais esimbólicos dos usuários, permitindo o enriquecimento mútuo nasações interprofissionais. Além do mais, acreditamos, também, quea interdisciplinaridade possa proporcionar reflexões e, portanto,limites ao processo de medicalização social que as ações deintervenção realizadas numa atenção básica possam engendrar.Nesse sentido, a nova proximidade e interação peloacompanhamento longitudinal (ao longo do tempo), permitida peloProjeto Família Saudável junto às famílias assistidas no territórioadscrito, comporta duas dimensões que devem ser consideradas:pode ser uma possibilidade para a reorientação da medicalização ea reconstrução da autonomia dos sujeitos a serem atendidos noprojeto, mas, também, e facilmente, pode constituir-se em uma novaforça medicalizadora poderosa, com todos os efeitos perversos.Entendemos medicalização como ‘um processo de expansãoprogressiva do campo de intervenção da biomedicina através daredefinição de experiências e comportamentos humanos como sefossem problemas médicos’ (Tesser, 2010). Nesta perspectiva, oProjeto Família Saudável pode se constituir em um local privilegiadode vivência dos próprios profissionais, onde eles podem reforçarsua formação prévia com tendência a medicalização excessiva ouaprender a se questionar e construir um profissionalismo menosmedicalizado no cotidiano do seu trabalho. A construção de umaprática em saúde norteada pela dimensão menos medicalizante nodia a dia dos serviços é um desafio a ser considerado, necessitando,portanto, de uma vigilância constante, como nas palavras de Campos:“Um paradoxo, todo conhecimento e toda prática social sempremisturará a produção de valores úteis com controle social. O desafioestaria em reconhecer essa dualidade e lidar com ela no cotidiano,

mediante diferentes formas e maneiras para combinar as polaridadesdesse paradoxo” (Campos, 2010: 116).

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1 Assistente social, Professora Associada do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional – Universidade Federal Fluminense, Doutora em Ciências pelaEscola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca e Coordenadora do Grupo Interdisciplinar de Estudo e Pesquisa em Cotidiano e Saúde – GRIPES/UFF.2 Bodstein R & Zancan L 2002. Avaliação das ações de promoção da saúde em contextos de pobreza e vulnerabilidade social, pp. 39-59. In L Zancan, R Bodstein & WBMarcondes (orgs.). Promoção da Saúde como caminho para o Desenvolvimento Local. Abrasco, Rio de Janeiro.3 Becker D 2003. Organizações da sociedade civil e políticas públicas em saúde, pp.117-134. In J Garcia, L Landim & H Dahmer. Sociedade e políticas – novos debates entreONGs e universidades. Editora Revan, Rio de Janeiro.4 Buss PM & Ferreira JR 1998. Promoção da Saúde e Saúde Pública. Contribuição para o debate entre as Escolas de Saúde Pública da América Latina. ENSP, Rio de Janeiro.Disponível em <www.ensp.fiocruz.br>5 Tsouros AD 1995. The WHO Healthy Cities Project: State of the art and future plans. Health Promotion International 10:133–141.6 Ouellet F, Durand D & Forget G 1994. Preliminary results of an evaluation of three healthy cities initiatives in the Montreal area. Health Promotion International 9:153-159.7 Westphal MF 2000. O movimento Cidades / Comunidades Saudáveis: um compromisso com a qualidade de vida. Ciência e Saúde Coletiva 5(1):39-51.8 O Programa Bairro Saudável é coordenado pela Faculdade de Medicina de Campos. Seu objetivo é promover melhorias no bairro de Custodópolis, através de açõesinterdisciplinares e interinstitucionais, tendo como ponto de referência o CSEC – Centro de Saúde Escola de Custodópolis. Tal proposta inclui a configuração desta unidadecomo um importante cenário de ensino-aprendizagem para as diferentes áreas de formação no campo da saúde, tanto no âmbito da graduação, quanto da pós-graduação. Sãoparceiras as seguintes instituições: FMC - Faculdade de Medicina de Campos, UFF - Universidade Federal Fluminense, UENF - Universidade Estadual do Norte-Fluminense,FAFIC - Faculdade de Filosofia de Campos, UNESA - Universidade Estácio de Sá, IFF - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense, UCAM –Universidade Cândido Mendes, UNIVERSO – Universidade Salgado de Oliveira.9 Esta expressão foi utilizada, originalmente, pelos autores em relação ao adoecer humano.

Do diagnóstico preliminar ao inquérito populacional:movimentos de investigação-ação em um território vulnerável

Denise Chrysóstomo de Moura Juncá1

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1. COMO TUDO COMEÇOU...

Programas de Promoção da Saúdecom base na intervenção territorial,também denominados deProgramas de DesenvolvimentoLocal Integrado Sustentável ePromoção da Saúde (Bodstein &Zancan, 2002)2 ou ComunidadesSaudáveis, representam a respostado campo da Saúde Pública a umatendência universal de buscar aintegração dos diversos setores doconhecimento e da intervençãosocial, e aplicá-los a territóriosespecíficos, no nível local, onde sedá o potencial máximo de interaçãoentre governo, cidadãos esociedade civil (Becker, 2003)3 .Exemplos característicos sãoprogramas como a Agenda 21 e oHabitat (Buss & Ferreira, 1998)4 ,e o movimento internacionalCidades Saudáveis (Tsouros,19955 ; Ouellet et al.,19946 ;Westphal, 20007 ).(BECKER et.al., 2004, p. 656)

Integrado a tal tendência o PROGRAMA BAIRROSAUDÁVEL: TECENDO REDES, CONSTRUINDOCIDADANIA8 elegeu a localidade de Custodópolis/Campos dosGoytacazes/RJ como cenário de sua intervenção,desencadeando, a part i r de dezembro de 2007, sob acoordenação da Faculdade de Medicina de Campos - FMC, umprocesso de discussão sobre a possível dinâmica a serimplementada.

Logo algumas propostas foram iniciadas pelosrepresentantes das instituições que o compunham, verificando-se,ao mesmo tempo, um consenso sobre a necessidade de se construiruma maior aproximação com a vida da comunidade, seus problemas,necessidades e expectativas. Considerava-se, neste momento, aimportância da realização de um diagnóstico, visando conhecer oterritório escolhido em maior profundidade, problematizando asprincipais dimensões de sua realidade social. (BECKER et.al., 2004).

Coube, então, ao Departamento de Serviço Social deCampos/Universidade Federal Fluminense, através do GRIPES– Grupo Interdisciplinar de Estudo e Pesquisa em Cotidiano eSaúde – a coordenação de tal etapa, a partir de março de 2008,ocasião em que se passou a debater e definir a estruturação dospassos a serem dados para a construção de um diagnósticosocioambiental de Custodópolis.

De início, já sabíamos que estávamos diante de umgrande desafio. Afinal, uma comunidade configura-se como um“objeto de estudo indisciplinado”9 (SEVALHO; CASTIEL,1998, p.48), uma vez que:

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Mesmo sobre um substrato feito demoradias, ruazinhas, valas, esgotos,lixões, escolas municipais, postos desaúde, templos de culto religioso,bandidos e policiais, médicos eprofessores de escola, grupos demúsica afro ou funk, a comunidadediferencia-se do seu substrato, porqueé feita nas relações sociais, nasrelações de interdependência que vãose estabelecendo e modificando entretodas suas dimensões. Umacomunidade emerge da dinâmicacultural. Não é sempre que ela ‘estáai’. (WONG UM, 2002, p. 91)

Entendíamos que “comunidade, assim como cultura, amor,nação, sujeito, espírito e outras palavras de forte presença nocotidiano e no imaginário das pessoas, possuem múltiplossignificados.” (WONG UM, 2002, p.41) e que “a vida no lugar nãose desenrola segundo encontros formalmente agendados” (WHITE,2005, p. 295).

Era preciso ultrapassar a compreensão idealizada decomum-unidade, ao mesmo tempo, em que cabia não apenasconstruir um conhecimento “sobre”, mas sim um conhecimento“com”, investindo na integração entre os diferentes atoresenvolvidos no processo.

Considerávamos, portanto, que não seria suficientedelimitarmos uma área geográfica, a partir de referências formaispré-estabelecidas, e aplicarmos alguns instrumentos de coleta dedados, para elaborarmos um diagnóstico. Precisávamos fazerescolhas criteriosas que nos possibilitassem construir um retratovivo daquela comunidade, resgatando sua história em movimento,através de um olhar atento e uma escuta apurada que nos introduzisseem seu cotidiano, circulando no universo do dito e do não dito,entendendo que a lógica de re-conhecer Custodópolis exigia aadoção da postura de “ver a sociedade como objeto e experimentá-la como sujeito” (GEERTZ, 2001, p. 45).

Para tanto, a alternativa escolhida envolveu, a princípio, oentrosamento com o Centro de Saúde Escola de Custodópolis - CSEC– instituição gerenciada pela FMC e referência de atendimento à saúdena comunidade. Paralelamente, ocorreram visitas semanais ao bairro,com realização de entrevistas livres e observação participante. Foiuma fase exploratória inicial, que nos forneceu os primeiros elementospara começarmos a desenhar nosso projeto de investigação. Nossaintenção, neste momento, era sistematizar alguns passos, preservando,contudo, sua flexibilidade, admitindo que poderíamos introduziralterações em nosso planejamento, de acordo com as necessidadesidentificadas no decorrer do processo.

Nascia, assim, o projeto CIDADE DE PALHA (antiga

denominação do bairro de Custodópolis) direcionando-se para arealização de uma investigação-ação, objetivando traçar um diagnósticosócio-ambiental da comunidade, levando em conta o lugar e sua história,as características sócio-econômicas e culturais do “território usado”(SANTOS apud SEABRA; CARVALHO; LEITE, 2000); amovimentação de seus atores, os vínculos existentes e potenciais; alémdas condições para desencadear e fortalecer uma dinâmica deempoderamento (WALLERSTEIN, 1992).

Sua importância encontrava-se na construção do alicerce deinformações em torno do qual se fundamentaria o Programa Bairro Saudávele sua relevância estava relacionada à perspectiva de valorizar a versão dossujeitos sobre seu contexto de vida, ultrapassando percepções que tratamde modo homogêneo as comunidades conhecidas como periféricas e pobrese, consequentemente, trabalham com propostas padronizadas.

Vale esclarecer que o termo “diagnóstico” foi adotado visandofacilitar a comunicação entre as diferentes áreas profissionais envolvidasno Programa Bairro Saudável. Seu entendimento, contudo, ultrapassavaqualquer visão fechada que poderia isolar ou paralisar uma dadarealidade no tempo e espaço. Ao contrário, o que se pretendia era exploraros movimentos e contradições de um cenário, procurando problematizá-los e relacioná-los à realidade mais ampla onde se inseriam.

O desenvolvimento de tal proposta se apoiava, sobretudo, nametodologia da pesquisa-ação, reconhecendo que o eixo pesquisar-educar caracterizava um exercício dinâmico e contínuo para todos osque nele se encontravam envolvidos. Delineava-se uma possibilidadede o olhar teórico dialogar com a prática, exercitando a indissociabilidadeentre ideia e experiência, palavra e vivência (FREIRE, 1996), permitindotambém o aprofundamento da consciência crítica.

Vale ainda destacar que, assumindo a perspectiva quanti-qualitativa, suas estratégias recorreram às recomendações da técnica daTriangulação de Métodos, reforçando a importância de se produzir “aunidade sintética do múltiplo e do uno” (MINAYO, 2007, p. 365),lembrando, ainda, que intencionávamos que o produto a ser alcançadonão se limitasse a um somatório de resultados disciplinares. Comodestaca Minayo (Id. p. 372): “nesta proposta, independentemente daárea específica de cada um, todos recebem o influxo da interfertilizaçãode saberes que, em certa medida, durante o processo de produção doconhecimento, rompem barreiras epistemológicas, teóricas e práticas”.Desta forma, à pesquisa-ação, escolhida como metodologia fundamentalque desencaderia o conhecimento e estratégias pretendidos, associamos,também, outros importantes passos, articulando observação participante,pesquisa documental e entrevistas abertas, valorizando a história oral esalientando o papel desta última de “[...] conectar a vida aos tempos[...]” (PORTELLI, 2001, p.15). Nesse sentido seria possívelproblematizar o lugar do sujeito na construção da história individual ecoletiva, consagrada na experiência social, a partir de seu modo de vida.

Com base em tais escolhas, no CSEC a equipe10 entrevistoualguns profissionais, conheceu as instalações e levantou informaçõessobre a rotina de atendimento e o sistema de documentação utilizado. A

10 Nesta fase, a equipe era composta, apenas, por membros do GRIPES/UFF: 4 docentes, 8 assistentes sociais, 1 enfermeira, 1 bacharel em comunicação social e 4 acadêmicosde serviço social, além de 1 assistente social e uma acadêmica de enfermagem, moradoras do bairro. Para o desenvolvimento do projeto houve o treinamento da equipe, aomesmo tempo em que se realizaram grupos de estudos temáticos para fundamentar as discussões e ações em andamento.

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proposta era resgatar sua história, alcançando a dinâmica atual daassistência prestada.

Já em relação à comunidade, foram realizados os seguintesmovimentos:

§ Reconhecimento da área geográfica, percorrendo-se as ruasdo bairro e registrando-se através de fotos e abordagens,algumas características deste cenário;

§ Consultas a documentos e profissionais do InstitutoBrasileiro de Geografia e Estatística - IBGE e a membrosda Federação das Associações de Moradores e Amigos deCampos - FAMAC, à procura de informações quepropiciassem uma delimitação e dados mais precisos sobrea área em estudo;

§ Levantamento de documentos diversos sobre a história dacomunidade, identificando-se a existência de atas dereuniões, discursos, fotografias, panfletos, textosmimeografados, relatórios, reportagens publicadas nosmeios de comunicação da região, além de inúmerosTrabalhos de Conclusão de Curso de Serviço Social,apresentados à UFF, no período compreendido entre 1966e 1979.

§ Visitas técnicas priorizando locais como: escolas, creches,estabelecimentos comerciais, igrejas, associação demoradores, Grêmio Esportivo, Grupo Recreativo Escolade Samba União da Esperança, além das áreas ocupadaspor alguns programas sociais como: Saúde da Família,Espaço do Trabalho, Meninos do Amanhã e Centro deReferência de Assistência Social – CRAS;

§ Entrevistas livres com lideranças, moradores mais antigose técnicos e/ou representantes das instituições e programasvisitados;

§ Entrevistas semi-estruturadas com os responsáveis poralguns estabelecimentos comerciais.

Nesta fase preliminar do Projeto Cidade de Palha,levantamos informações sobre o bairro e, acima de tudo, procuramosandar por suas ruas, para nos familiarizarmos com o desenho daquelecenário, identificar pontos mais relevantes a serem investigados, aomesmo tempo em que, conversávamos com alguns moradores, nosapresentando e respondendo às dúvidas que nossa presençasuscitava, além de distribuirmos um folder sobre a proposta queestávamos construindo, convidando-os a participarem da mesma.Considerávamos que era importante “passar algum tempo decontaminação” com o local (BRANDÃO, 2007, p.13), construindouma entrada gradual no campo, fugindo das características de

um trabalho invasor em que as pessoasse sentem de repente visitadas por umsujeito que mal chegou ao lugar, saltoudo carro e começou a aplicar umquestionário [...] Isso é muito ruim.

Toca-se apenas o verniz e toca-se numverniz em que as pessoas se defendem atéquando podem da invasão de que se sentemvítimas (id. p.14).

Esclarecendo que não éramos “o pessoal do combate à dengue”e que não estávamos distribuindo “santinhos” de algum político, comoalguns pensavam ao nos ver andando pelas ruas, logo, fomosapresentados à praça que tanto valorizavam e agora constituía um lugarindefinido em função de uma reforma que nunca acabava. Identificamosa presença de várias igrejas, o que nos remetia, provavelmente, aoconvívio de diferentes crenças religiosas. Pudemos ver a “água suja”,objeto de tantas reclamações, que formava um extenso corredor e,livremente, corria pelas ruas, fruto da inexistência de um sistema desaneamento ambiental adequado. Estivemos atentos nos momentos detravessia pelas vias públicas, face ao intenso tráfego de veículos ebarulhentas motocicletas.

Vimos crianças e adolescentes voltando das escolas, soltandopipa ou jogando bola em terrenos baldios. Conhecemos o campo defutebol e a sede da União da Esperança, escola de samba nascida hámais de 50 anos na comunidade. Conhecemos, também, vários dosantigos moradores, bem como ouvimos referências aos já falecidos,sendo possível identificar que alguns de seus filhos ainda residiam emCustodópolis e eram comerciantes “de tradição”.

Ingressamos, assim, em um circuito onde uns nos levavam àoutras tantas pessoas e lugares, investindo na construção de um processode interação com a comunidade, processo este que, sem dúvida, exigiaum tempo de maturação, e que nos levava a adotar a lógica ensinada porWHITE (2005, p. 303): “Vá devagar, Bill, com essa coisa de ‘quem’, ‘oquê’, ‘por quê’, ‘quando’, ‘onde’. Você pergunta essas coisas e as pessoasse fecharão em copas. Se te aceitam, basta que você fique por perto, esaberá as respostas a longo prazo, sem nem mesmo ter que fazer asperguntas.”

Muitos foram os dados coletados nesta fase e entre os maissignificativos estavam os que nos remeteram à história do bairro e osque nos permitiram entender o desenho de Custodópolis.

Vale lembrar que, para o IBGE (Censo Demográfico, 2000) obairro pertence à área denominada como Zona Norte e só é visto emconjunto com outros vizinhos, ou seja: Parque Novo Mundo (setores34, 35, 36, 37, 38 e 39), Parque Bandeirantes (setores 69, 70, 71 e 72)e Parque São Domingos (setores 73, 74 e 75).

Tal classificação se fundamenta na Lei 6.305, de 27 dedezembro de 1996, que institui a divisão geográfica da cidade de Camposdos Goytacazes, delimitando e denominando os bairros, de acordo coma Lei Orgânica Municipal. Entretanto, consultando alguns mapas dosbairros do município foi possível verificar que, o material produzidoneste início de século (Almanaque de Campos, 2007 e 2008 e Perfil,2005) já passou a incluir o Parque Custodópolis.

Outras fontes de informação consultadas foram o Código deEndereçamento Postal – CEP - e a Federação das Associações deMoradores de Campos - FAMAC. De acordo com o primeiro,Custodópolis é formado por 20 ruas, a saber:

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1. Avenida Santa Rosa2. Estrada Nogueira3. Praça José Dias Nogueira4. Rua Romualdo Peixoto5. Rua Poeta Marinho6. Rua Pedro Cardoso7. Rua Patrício Menezes8. Rua Mário Bárbara Sobrinho9. Rua Júlio Armond10. Rua Hipólito Sardinha11. Rua Alcides Vieira Maciel12. Rua Altino Campos13. Rua Ary Ribeiro Vaz14. Rua Carlos Bruno15. Rua Doutor Custódio Siqueira16. Rua Godofredo de Carvalho17. Rua Adolfo Porto18. Travessa Projetada A19. Travessa Projetada B20. Travessa Projetada C

Já a FAMAC dispõe de um registro que identifica as ruasque compõem um bairro, em função da organização das associaçõesde moradores existentes no município. Para ela, Custodópolis éconstituído pelas seguintes ruas:

1. Avenida Santa Rosa2. Praça José Dias Nogueira (ou Praça 8 de dezembro)3. Rua Romualdo Peixoto4. Rua Poeta Marinho5. Rua Pedro Cardoso6. Rua Patrício Menezes7. Rua Júlio Armond8. Rua Hipólito Sardinha9. Rua Carlos Bruno10. Rua Adolfo Porto11. Rua Jácio de Alvarenga12. Rua Irmã Djanira de Moraes (Rua do Beco ou Proletário)13. Rua Operário Valdir Manhães (Travessa N. S. da Conceição)14. Rua Alfredo Rodrigues15. Rua Valdarino (continuação da Travessa N.S. da Conceição)

Com tais referências verificamos que várias eram aspossibilidades de identificação do bairro. Entretanto, parecia haverum consenso entre os moradores mais antigos, expresso, tantoatravés de seus depoimentos, quanto do mapa elaborado, poriniciativa de um deles.

Só tem 3 ruas aqui: Júlio Armond, PoetaMarinho e Patrício Menezes. A CarlosBruno já é (Parque) Novo Mundo.Custodópolis é esse pedaço aqui. É só

Mapa 1: Mapa do bairro desenhado por um moradorFonte: Arquivo GRIPES

Diante de tantas possibilidades para se entender o espaçoocupado por Custodópolis, a equipe do projeto Cidade de Palha optoupor considerar a classificação do IBGE e do Almanaque 2008, paraacesso a indicadores estatísticos oficiais que pudessem auxiliar aconfiguração de um retrato, mais geral, do cenário onde Custodópolisestava inserido. Entretanto, para a realização da pesquisa de campo,com a seleção das famílias a serem investigadas, foi priorizada a versãodos moradores, por considerarmos que, o que importava não era o“território em si mesmo”, mas o “território usado”, aquele que era “ochão mais a identidade”, como destaca Milton Santos (2007). Ementrevista à Seabra, Carvalho e Leite (2000, p.22) o autor, ainda, destaca:“O território em si, para mim, não é um conceito. Ele só se torna umconceito utilizável para a análise social quando o consideramos a partirde seu uso, a partir do momento em que o pensamos juntamente comaqueles atores que dele se utilizam”.

Chegamos, assim, à configuração de Custodópolis através detrês ruas paralelas: Júlio Armond (e seu prolongamento na Av. SantaRosa), Patrício Menezes e Poeta Marinho, todas compreendidas nostrechos situados entre as Ruas Hipólito Sardinha e Romualdo Peixoto.Tais ruas englobam ainda, as seguintes transversais: Adolfo Porto, JoséDias Nogueira, Travessa N.S. da Conceição (e sua continuação

esse miolo (ruas Júlia Armond, PatrícioMenezes, Hipólito Sardinha e CarlosBruno). Pra lá é Santa Rosa, Morro deFátima...Custodópolis é pequeno mesmo. Vai até alia baixada.

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Valdarino), Pedro Cardoso e Rua C.Reconhecendo o território a ser investigado, identificando

e travando os primeiros contatos com nossos possíveisinterlocutores, desenhamos o fio condutor da pesquisa e sua matrizde análise, recorrendo, sobretudo, aos eixos gerais definidos peloPrograma Bairro Saudável11 . Simultaneamente, planejamos ospassos seguintes do Projeto Cidade de Palha, selecionando asestratégias consideradas como mais adequadas para a construçãodo diagnóstico socioambiental pretendido.

2. AVANÇANDO UM POUCO MAIS: NOVASENTREVISTAS E OBSERVAÇÕES, O MAPA FALANTE E OINQUÉRITO POPULACIONAL

Os movimentos, até então, empreendidos no território deCustodópolis nos permitiram avançar na sistematização dodiagnóstico sócio-ambiental iniciado, considerando 2 fases. Aprimeira, denominada por nós de Fase operacional 1 e realizada noperíodo de agosto a dezembro de 2008, implicava a elaboração deum Diagnóstico Rápido Participativo, com levantamento de dados,através de um envolvimento da comunidade. Com tal fasepoderíamos dispor de uma leitura preliminar da realidade, quesinalizaria algumas ações prioritárias a serem desenvolvidas pelosdemais parceiros do Programa Bairro Saudável.

Já a segunda, Fase operacional 2, prevista e executada noano de 2009, abrangia a construção de um perfil sócio-econômico-cultural das famílias moradoras no território de Custodópolis,recorrendo-se à realização de um inquérito populacional. Seria omomento de se investir em dados mais quantitativos, articulando,possivelmente, indicadores de interesse de outras áreas profissionaisatuantes no programa.

A fase operacional 1 comportou os seguintes passos:

a. Realização de entrevistas com moradores mais antigos e lideranças;b. Construção de um mapeamento do território, identificando tanto a ocupação domiciliar, quanto a existência de iniciativas, ações e equipamentos sociais;c. Realização da observação participante de acordo com o mapeamento elaborado;d. Realização de encontros para detalhamento da operacionalização do projeto, envolvendo representantes da comunidade;e. Realização de Oficinas Comunitárias, recorrendo a técnicas como o Mapa Falante (identificação e discussão de necessidades, expectativas, representações prévias e possíveis enfrentamentos);f. Formulação de uma agenda com as demandas identificadas e prioridades pactuadas;g. Produção de relatórios parciais.

Neste momento foi fundamental a participação de umaassistente social e uma acadêmica de enfermagem, moradoras do bairro.Entrosando-se à equipe do GRIPES, elas circulavam conosco nacomunidade, nos indicavam informantes chaves relacionados à históriade Custodópolis, mantinham contatos preliminares como os mesmos eagendavam entrevistas, que nos possibilitaram colher depoimentos como:

Até onde eu conheci era tudo palha. Ascasas tinha o teto de palha e as parece deentulho, botava o bambu e jogava barro.Era perigoso pra pegar fogo. A água era decacimba, puxava com corda. Ainda tem casacom poço. Era tudo mato, só tinha unstrilhos (caminhos) onde a gente passava.

Tinha 7 anos quando vim pra Custodópolis.Era mais ou menos 1950 e estavamloteando. Aqui era canavial mesmo, comcarro de boi passando, com boiadapassando. Minha avó já morava aqui antese não tinha rua, tinha que romper oscaminhos, corta aqui, corta ali, no meio docanavial. Era assim: um caminho, umacasa...

Começamos a estreitar os laços com a comunidade, passandoa conhecer, mais profundamente, seu cotidiano. Movimentos do onteme do hoje se misturavam, identificando diferentes cenários e situações,não só através de suas falas, mas também, de fotos, objetos e documentosque guardavam como lembranças ou coletavam junto a vizinhos eamigos. Eram verdadeiras relíquias, exibidas com orgulho para nós. Foiassim com um quadro antigo que retratava a ocasião em que um morador(agora com mais de 80 anos), era jovem e até “recebeu convite até prafazer um filme. Mas depois não deu em nada”, ou mesmo, com muitasfotos da União da Esperança, ilustrando os desfiles carnavalescos dosquais vinha participando, há mais de 50 anos, bem como alguns prêmiosrecebidos.

Tomamos conhecimento, também, de momentos em que umaenchente alagou todo o campo de futebol, além de registros demobilizações da comunidade, realizando doações, face às necessidadesdaqueles considerados como mais carentes. Não menos importante foia construção da igreja católica, documentada através de fotos das diversasfases de sua obra, expressando uma grande conquista dos moradores.

Nesta etapa, chamou nossa atenção a estrutura e o movimentodo comércio do bairro, motivando a circulação de moradores de áreasvizinhas e identificamos, ainda, um importante canal de comunicaçãoexistente: o serviço de alto-falante que funcionava em um açougue. Juntoaos avisos de nascimentos, mortes e eventos locais de destaque, talserviço, também, passou a divulgar quem éramos e o que pretendíamoscom o projeto Cidade de Palha, além de convidar os demais moradoresque se interessassem em participar.

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11 Referimo-nos aos conceitos de educação permanente, saúde, promoção da saúde, cidade saudável e empoderamento, já trabalhados no artigo anterior.

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Cada fala e cada canto da comunidade nos revelava avitalidade daquele cenário, o amor pelo bairro, o apego a umahistória... Mas, também, havia sérios problemas a serem enfrentados.Estávamos diante de uma paisagem caracterizada, sobretudo, porsituações de desemprego e/ou ocupações informais; baixo nível deescolaridade; precárias condições de saneamento ambiental; faltade segurança pública; ausência de oportunidades de lazer; limitaçõesna saúde, identificando-se queixas referentes a problemas cardíacos,dermatológicos, verminose, escabiose, hipertensão, diabetes,depressão e crianças com baixo peso; vulnerabilidades familiaresassociadas a fatores como gravidez na adolescência, dependênciaquímica, violência e abuso sexual; interferências político partidáriasno cotidiano da população, com prática de ações de cunhoassistencialista, promovendo atendimentos em âmbito pessoal econtribuindo para o enfraquecimento de mobilização de interessescoletivos. A exploração preliminar realizada indicava, portanto, quecom um olhar voltado para o passado e com um presente permeadopor contradições, a comunidade de Custodópolis, vivenciava umconfronto entre o cenário real e o desejado.

Para sistematizar os dados obtidos até então, a equipe doGRIPES elaborou um documento denominado Cidade de Palha:Diagnóstico Preliminar e um material audio-visual, em julho de2008, considerando os seguintes aspectos:

Foto 1: O bairro que temosFonte: Arquivo GRIPES

12 Estas reuniões deram origem ao processo de organização de um Conselho Local de Saúde, em andamento na comunidade.

Foto 2: O bairro que queremosFonte: Arquivo GRIPES

a. Localização: um bairro e muitas classificaçõesb. Explorando o território: o lugar e suas tramasc. População, ocupação e rendad. Educação, cultura e religiãoe. Esporte, lazer e segurançaf. Saúde e saneamento ambientalg. Programas sociais e organização comunitária

Tanto o documento escrito, quanto o material audio-visualforam disponibilizados e debatidos junto aos parceiros do ProgramaBairro Saudável e junto à comunidade, envolvendo, sobretudo, ogrupo de idosos vinculado ao CSEC e uma escola local. Taismomentos propiciaram o aprofundamento das discussões sobre ocotidiano da comunidade em reuniões e oficinas que passaram aacontecer com a participação de alguns moradores.

Articulando conhecimento e ação, estes encontros logo sedesdobraram na construção de um mapa falante contrapondo “obairro que temos” (composto por fotos da localidade) ao “bairroque queremos” (ilustrado com imagens retiradas de revistas),gerando, também, a elaboração de um abaixo assinado, dirigido aopoder público municipal, com as principais reivindicações dacomunidade.12

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Dando continuidade ao aprofundamento do diagnósticosocioambiental a equipe do GRIPES, paralelamente, começou aorganizar a fase seguinte de sua proposta inicial, ou seja, a realizaçãode um inquérito populacional. Neste momento (final de 2008 e iníciode 2009), considerando outras iniciativas que já vinham ocorrendoatravés das instituições parceiras, em Custodópolis, e a possibilidadede construirmos, em conjunto, um único instrumento para coletade dados quantitativos complementares ao diagnóstico, foi discutidaa possibilidade de organizarmos uma equipe ampliada, com aparticipação sistemática de outras áreas profissionais.

Como consequência de tal discussão houve o entrosamentode representantes dos cursos de serviço social (UFF), medicina(FMC), enfermagem (UNIVERSO) e arquitetura e urbanismo (IFF),que iniciaram o planejamento do inquérito populacional, analisandosua possível dinâmica e os instrumentos de coleta de dados a seremutilizados.

Reconhecíamos como Viacava, Dachs e Travassos (2006),a importância de recorrermos à realização de um inquéritopopulacional, tendo em vista o conjunto de informações que poderiapropiciar, notadamente, por estarmos inseridos no campo da saúde,campo este, entendido em seu sentido ampliado. Ao se constituircomo fonte primária de dados que não podem ser obtidos de outrasmaneiras, tal inquérito, provavelmente, fomentaria a construção deindicadores capazes de instrumentalizarem estudosepidemiológicos, sinalizando parâmetros para o planejamento deações em saúde13 .

Uma pergunta passou a guiar nossa investigação: Comose desenhavam as vulnerabilidades socioeconômicas, ambientais ecivis existentes no território de Custodópolis e que influências elasexerciam no sentido de impedir e/ou dificultar sua constituição comoum bairro saudável?

O que estava, portanto, em análise era o eixovulnerabilidade-bairro saudável, apontando para as seguinteshipóteses:

1- O território de Custodópolis era marcado por diferentesexpressões de vulnerabilidade, que extrapolavam o âmbitoindividual e alcançavam o espaço coletivo, comportandovariáveis sociais, econômicas, ambientais e civis.

2- Como consequência do processo de vulnerabilidade emcurso, instalava-se um contexto que bloqueava o exercícioda cidadania deliberativa (TENÓRIO, 2006) ecomprometia o investimento na qualidade de vida dapopulação.

Desta forma, aos eixos analíticos adotados no ProgramaBairro Saudável, associávamos os conceitos de vulnerabilidade eterritório. Recorrendo à Milton Santos, (2007, p. 12) entendíamoso território não apenas como:

o conjunto de sistemas de coisas

superpostas: o território tem que serentendido como o território usado, não oterritório em si. O território usado é o chãomais a identidade. A identidade é osentimento de pertencer àquilo que nospertence. O território é o fundamento dotrabalho; o lugar da residência, das trocasmateriais e espirituais e do exercício davida.

Tratava-se, sobretudo, de destacar que:

O território é o lugar em que desembocamtodas as ações, todas as paixões, todos ospoderes, todas as forças, todas as fraquezas,isto é, onde a história do homemplenamente se realiza a partir dasmanifestações da sua existência (p.14)

Aproximando tais referências à realidade de Custodópolisinteressava-nos problematizar as contradições que transitavam nestecenário, retomando sua história, modo de vida e os possíveis processosde vulnerabilidade em curso, além da postura dos sujeitos face aos mesmos.

Se era correto dizer que estávamos diante de um territóriomarcado por vulnerabilidades, como estas se expressavam? Era possívelafirmar que elas estavam associadas, sobretudo, ao cotidiano de pobrezados indivíduos, ao contexto de precariedades decorrentes da baixaescolaridade e da falta de trabalho e renda das famílias? Ou precisávamosampliar nossa análise alcançando o espaço coletivo, abarcandodimensões socioeconômicas, ambientais e civis?

Quando falávamos em vulnerabilidade estávamos nos referindoao “processo de descidadanização” abordado por (KOVARIK, 2003) e asituações e contextos onde 3 elementos se combinavam: a existência deriscos, a incapacidade de reação, além de dificuldades de adaptação faceà materialidade do risco (MOSER, 1998). A questão não se limitava arendas monetárias ou linhas de pobreza, admitindo, também, uma visãomais ampla sobre condições de vida, onde dialogavam elementos de ordemsocial, econômica, cultural, ambiental, civil, dentre outros, considerandorecursos e estratégias das famílias e comunidades. Isto significava dizerque iríamos observar as indicações de Busso (2002, p.12), ao focalizar as5 dimensões da vulnerabilidade tidas como mais relevantes:

a) de habitat: condições habitacionais e ambientais, tipode moradia, saneamento, infraestrutura urbana,equipamentos, riscos de origem ambiental;

b) de capital humano: anos de escolaridade,alfabetização, assistência escolar, saúde, desnutrição,ausência de capacidade, experiência de trabalho;

c) econômica: inserção de trabalho e renda;d) de proteção social: cotização a sistema de

aposentadoria, cobertura de seguros sociais e outros;

13 Sobre o significado e a importância da realização de inquéritos domiciliares consultar Viacava (2002), Barros (2008), Viacava; Travasso; Dachs (2006), Carvalho (2006).

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14 Nesta fase a equipe era composta por 6 coordenadores gerais, representando as instituições envolvidas; 4 coordenadores de campo, divididos por 2 setores na comunidade;2 equipes de apoio operacional como 9 componentes; e 2 técnicos colaboradores, além de 43 acadêmicos pesquisadores de campo: 13 de serviço social (UFF), 13 de medicina(FMC), 13 de enfermagem (UNIVERSO) e 4 de arquitetura e urbanismo (IFF).

Foto 3: Parte do treinamento da equipeFonte: Arquivo GRIPES

Foto 4: Parte do treinamento da equipeFonte: Arquivo GRIPES

O formulário elaborado era composto por 87 questões,distribuídas em 6 sessões, ou seja: identificação do entrevistado (9questões); habitat: moradia e entorno (33 questões); capital humano(24 questões); perfil econômico (8 questões); proteção social (7questões) e capital social (6 questões). Embora longo, era de fácil erápida aplicação, uma vez que envolvia, sobretudo, questõesobjetivas. Observações complementares, quando necessárias, eramregistradas no diário de campo, instrumento que se revelou umimportante aliado dos pesquisadores, permitindo preservar falas quetraduziam opiniões, valores, sentimentos e experiências de vida dosmoradores de Custodópolis.

Uniformizada e devidamente identificada, através do usode crachás, durante os meses de agosto a dezembro de 2009, a equipepercorreu o território definido como Custodópolis, atuando em duplascompostas por acadêmicos das diferentes áreas participantes doprojeto. A expectativa era abordar em torno de 500 famílias, o quese estimava corresponder à totalidade do grupo residente na área.Tal número, contudo, foi ampliado para 658, uma vez que seidentificou, durante as visitas às moradias que algumas delas nãofaziam face às ruas e, por isso, ficavam encobertas, não sendo, atéentão, percebidas. Posteriormente, em abril de 2010, retornamos aocampo, na tentativa de complementar as entrevistas, face àdificuldade de acesso anterior a algumas famílias.

Foto 5: Alguns membros da equipeFonte: Arquivo GRIPES

e) de capital social: participação política,associativismo, inserção em redes de apoio.

No âmbito da discussão da vulnerabilidade cabia, assim,considerar o investimento na superação dos fatores limitantes queimpediam a construção de melhores condições de vida, ou seja, eraimportante lembrar do “manejo social do risco” (SOJO, 2001), tendoem vista suas implicações para a política social.

Estas foram as principais referências analíticasconsideradas pela equipe, para o aprofundamento do diagnóstico,compondo momentos de estudo e debate que envolveram alunos,docentes e técnicos atuantes no projeto, durante todo o tempo deexecução do mesmo.

Além disso, com uma equipe, agora ampliada14 e, face àscaracterísticas específicas desta fase, era preciso investir em novostreinamentos, para se garantir a qualidade do trabalho a serdesenvolvido. Desta forma, cada participante recebeu um manualcom orientações referentes ao trabalho de campo e forampromovidos alguns encontros para se discutir o próprio projeto,suas concepções e objetivos; a postura no campo de pesquisa, alémdas indicações a serem consideradas, com base no pré-teste realizadosobre o instrumento de coleta de dados; a dinâmica de pesquisa aser adotada, com duplas de acadêmicos de áreas diferentes; ocuidado com o preenchimento dos formulários, a importância doregistro de observações no diário de campo...

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Foto 6: Acadêmicos de arquitetura e serviço social na pesquisa de campoFonte: Arquivo GRIPES

Com a intenção de atingirmos a um maior número possívelde famílias, alternamos a realização do trabalho de campo nos turnosda manhã e tarde, bem como nos dias úteis e finais de semana. Alémdisso, adotamos o critério de realizar duas visitas a cada casa, alémde recorrermos ao uso de um folder, deixado nos locais, informandoque tínhamos estado naquela residência e que o formulário poderiaser respondido no próprio CSEC, em alguns plantões, previamente,agendados, caso fosse de interesse do morador.

Com isso, a equipe conseguiu atingir 333 moradias, o quecorrespondeu a 50,6% do total identificado. O grupo não pesquisadoenglobou 9,1% que se recusaram a participar do inquérito, e 40,3%referentes à outras situações como: casas, aparentemente,abandonadas e aquelas onde não encontramos moradores, apesardas duas tentativas realizadas.

Ao longo deste processo, a equipe investiu, também, naprodução científica, construindo textos e participando de eventos,como por exemplo:

1. Palestra proferida por docentes da UFF, em Campos, sobreo tema Interinstitucionalidade e Interdisciplinaridade:desafios à sua operacionalização, em maio de 2009.

2. Minicurso, ministrado por docente da UFF, em junho de2009, no ESR/UFF, enfocando o tema Pesquisainterdisciplinar: a experiência de Custodópolis, dentro daprogramação do Congresso Fluminense de IniciaçãoCientífica e Tecnológica.

3. Palestras proferidas por docentes da UFF, na UENF, emjulho de 2009, enfocando o tema Pesquisa interdisciplinar:a experiência de Custodópolis, dentro da programação doCurso Conhecer para prevenir: atualização em saúde 2009.

4. Palestra proferida por docentes da UFF, em agosto de 2009,no município de Pádua, abordando o tema Cidade de Palha:

projeto de pesquisa e extensão, dentro da programação: IISeminário Norte-Noroeste de Extensão. 

5. Palestra “Cidade de Palha: re-conhecendo o território deCustodópolis”, realizada por docente da UFF, em debatepromovido em setembro de 2009, nos seminários do Programade Pós-graduação em Políticas Sociais do Centro de Ciênciasdo Homem, da UENF.

6. Palestra proferida por docente da UFF, no Museu Olavo Cardoso(Programação Direitos Humanos na Primavera dos Museus), emsetembro de 2009, sobre o tema: Vulnerabilidade e cidadaniaem bairros periféricos, apresentando a experiência do projeto.

7. Participação da bolsista Paula Emely Cabral Torres (serviçosocial – UFF) e dos alunos Aline da Silva Viana Jorge (serviçosocial – UFF), Juliana Gomes Barreto (enfermagem -UNIVERSO), Lucas Rangel de Souza (medicina – FMC) eJuliana Peixoto Rufino Gazem de Carvalho (arquitetura eurbanismo – IFF), na XIV Semana de Extensão da UFF (Niterói),em outubro de 2009, apresentando o trabalho “Cidade de Palha:trajetórias de um saber fazer no território de Custodópolis”.

8. Participação da bolsista Paula Emely Cabral Torres (serviçosocial – UFF) e dos alunos Aline da Silva Viana Jorge (serviçosocial – UFF), Juliana Gomes Barreto (enfermagem -UNIVERSO), Lucas Rangel de Souza (medicina – FMC) eJuliana Peixoto Rufino Gazem de Carvalho (arquitetura eurbanismo – IFF), na I Mostra de Extensão IFF – UENF - UFF,em outubro de 2009, apresentando o trabalho “Cidade de Palha:trajetórias de um saber fazer no território de Custodópolis”. Otrabalho apresentado foi premiado como melhor poster da UFFno evento.

9. Participação da bolsista (PIBIC) Gerlaine Jesus de Souza, noXIX Seminário de Iniciação Científica e Prêmio UFFVasconcellos Torres de Ciência e Tecnologia, da UFF, emoutubro de 2009, apresentando o trabalho “Cidade de Palha:inquérito populacional em bairro vulnerável”.

10. Apresentação do trabalho (categoria banner) “Cidade de Palha:vulnerabilidade e saúde no território de Custodópolis/Camposdos Goytacazes”, por docente da UFF, no IX CongressoBrasileiro de Saúde Coletiva, em novembro de 2009, Olinda/Pernambuco.

11. Realização do I FISC - I Fórum Interdisciplinar em SaúdeColetiva, em novembro de 2009, em parceria com a Faculdadede Medicina de Campos e apoio das demais instituições queparticipam do Programa Bairro Saudável: tecendo redes,construindo cidadania.

12. Participação dos alunos Márcio Pereira, Thiago Rebel, LauraLamônica, Lorena Guimarães e Keila Pessanha (enfermagem– UNIVERSO); Silvânia Silva, Ivone Magaldi e Joelma Bastos(serviço social - UFF); Adilea Silveira e Rafael de Oliveira(medicina – FMC): Rafael Mesquita e Júlia Lima (arquiteturae urbanismo – IFF), no I FISC – I Fórum Interdisciplinar emSaúde Coletiva, em novembro de 2009, apresentando o trabalho“Cidade de Palha: inquérito populacional em bairrovulnerável”.

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13. Elaboração do Trabalho Final de Curso – TFC – “Poronde ando... aonde vou: um estudo sobre itineráriosterapêuticos”, de autoria de Aline da Silva Viana Jorge,apresentado ao Departamento de Serviço Social deCampos/UFF, em 2010.

14. Participação dos alunos Adiléa Lopes da Silveira(FMC), Júlia Lima de Araújo (IFF), Késia Silva Tosta(UFF) e Paula Emely Cabral Torres (UFF), na II Mostrade Extensão IFF – UENF - UFF, em outubro de 2010,apresentando o trabalho “Cidade de Palha: trajetóriasde um saber fazer no território de Custodópolis”. Otrabalho foi premiado como melhor poster da UFF noevento.

15. Elaboração do Trabalho Final de Curso – TFC – Entreo ontem e o hoje: uma análise da urbanização natrajetória da Cidade de Palha a Custodópolis, de autoriade Paula Emely Cabral Torres , apresentado aoDepartamento de Serviço Social de Campos/UFF, emjulho de 2011.

16. Participação da bolsista de extensão Késia Silva Tostana XV Semana de Extensão da UFF, em outubro de2011, apresentando o trabalho “Inquérito populacionalem território vulnerável”, sob forma de comunicaçãooral, em Niterói, em novembro de 2010. Foram autoresdo trabalho: Adiléa Lopes da Silveira (FMC), Júlia Limade Araújo (IFF), Késia Silva Tosta (UFF), Paula EmelyCabral Torres (UFF), Denise Chrysóstomo de MouraJuncá (UFF), Verônica Gonçalves Azeredo (UFF),Carlos Antonio de Souza Moraes (UFF), Katarine deSá Santos (UFF) e Aline da Silva Viana Jorge (UFF).

17. Participação da bolsista de iniciação científica PaulaEmely Cabral Torres no XX Seminário de IniciaçãoCient íf ica, apresentando o t rabalho “Inquéri topopulacional em território vulnerável”, sob forma decomunicação oral, em Niterói, em novembro de 2010.

18. Participação da bolsista de extensão Késia Silva Tosta(UFF), da bolsista de iniciação científica Paula EmelyCabral Torres (UFF) e da docente Katarine de Sá Santos(UFF) na V Semana Acadêmica do Curso de ServiçoSocial, apresentando o projeto “Cidade de Palha: re-conhecendo o território de Custodópolis”, em Camposdos Goytacazes, em novembro de 2010.

19. Participação de docentes e bolsistas da UFF no 4ºSeminário de Pesquisa do ESR/UFF, apresentando otrabalho Da Cidade de Palha à Custodópolis: trajetóriasde vulnerabilidade e cidadania, em março de 2011.

20. Elaboração do Trabalho Final de Curso – TFC – “Entreo ontem e o hoje: uma análise da urbanização na trajetóriada ‘Cidade de Palha’ a Custodópolis”, da autoria de PaulaEmely Cabral Torres, apresentado ao Departamento deServiço Social de Campos, em julho de 2011.

21. Qualificação do projeto “Famílias nas Terras de Custódio:itinerários de proteção social“, da autoria de VerônicaGonçalves Azeredo para o Doutorado em Política Socialna UFF a partir da linha de pesquisa: sujeitos sociais eproteção social, em agosto de 2011.

22. Participação de docente da UFF no Seminário do LEUS –Laboratório de Estudos Urbanos e Socioambientais –vinculado à PUC/RJ, proferindo conferência sobre Cidadede Palha: movimentos de investigação-ação em territóriovulnerável, em agosto de 2011.

23. Participação da bolsista Késia Silva Tosta (UFF) na IIIMostra de Extensão IFF – UENF – UFF, apresentando otrabalho Cidade de Palha: estudo socioambiental noterritório de Custodópolis, em outubro de 2011. O projetofoi premiado como melhor apresentação de banner da UFF.

Tais momentos propiciaram a realização de avaliações esistematizações parciais do projeto, além de reforçarem a dinâmicaadotada, valorizando o entrosamento ensino-pesquisa-extensão, queestávamos conseguindo exercitar.

Entretanto, foi, somente, após a tabulação final e análisedos dados coletados 15 , associando as questões do formulárioaplicado, aos registros processados no diário de campo, que sepassou a dispor de um amplo conjunto de informações a seremdiscutidos em maior profundidade, tanto com as instituiçõesparceiras do Programa Bairro Saudável, quanto com a própriacomunidade.

3. Os Desafios de uma experiência interinstitucional einterdisciplinar

“Interdisciplinaridade não se ensina nem se aprende, apenasvive-se e exerce-se.” (VILELA; MENDES, 2003, p. 527) – esta foia lógica que orientou a experiência que vivenciamos, configurandoum desafio de ultrapassar o discurso e alcançar a prática,considerando uma dupla perspectiva: a institucional e a disciplinar.

Incorporando os eixos norteadores do Programa BairroSaudável, de um lado, queríamos exercitar a interdisciplinaridadena produção do conhecimento, considerando que a mesma “funda-se no caráter dialético da realidade social que é, ao mesmo tempo,una e diversa” (FRIGOTTO, 1995, p.27), além de reconhecermosa natureza intersubjetiva de sua apreensão. De outro, entendíamosque, com tal perspectiva, o conhecimento produzido poderia gerarações mais sintonizadas com o perfil do território estudado,preservando-se, simultaneamente, as especificidades de cada campodo saber e a abertura na direção de um fazer coletivo (GOMES;DESLANDES, 1994, p. 111).

Estávamos, portanto, diante da possibilidade de uma práticaexigente, que impunha sensibilidade, determinação, abertura aonovo e flexibilidade. Serviço social, medicina, enfermagem,arquitetura e urbanismo buscavam dialogar, construindo uma

15 Tal análise encontra-se registrada nos demais artigos desta publicação.

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de campo, em conjunto, além das atividades de acompanhamentosistemático e avaliação do desenvolvimento deste último. A pouca ounenhuma experiência anterior, de alguns, com projetos desta naturezaacentuava, ainda mais, tal problema exigindo uma atenção permanenteda coordenação geral, tanto no que se refere à rotina adotada na pesquisa,quanto aos primeiros resultados que começaram a ser produzidos.

Além disso, havia o fato de que, embora a maioria dos discentesdemonstrasse identificação com a proposta e interesse em participar,ativamente, da mesma, o que de fato ocorreu, alguns sinalizavam estarcumprindo uma exigência acadêmica, mantendo-se no campo duranteum período mínimo e de forma não contínua, o que exigia suasubstituição e novos treinamentos.

No âmbito da coordenação geral, as limitações tambémaconteceram, fragilizando, em alguns momentos, a execução do processode acompanhamento e avaliação previstos. Na verdade, vivenciávamosdificuldades que podem ser comuns na operacionalização de qualquerpesquisa, mas que pareciam mais acentuadas, talvez, em decorrência dese tratar de uma proposta interdisciplinar e interinstitucional. Cada passoprecisou, assim, ser acompanhado de forma atenta e cuidadosa, pelacoordenação geral e pelos assistentes sociais coordenadores de campo,considerando, sobretudo, os critérios para definição das duplas de alunospara a realização da pesquisa; as orientações contínuas sobre a coletados dados quantitativos, processando-se as devidas revisões nosformulários, quando necessário; e a análise preliminar dos registrosqualitativos no diário de campo, sinalizando-se as principais categoriasde interesse do projeto.

Não há como negar as inúmeras dificuldades vividas pelaequipe, quer no âmbito de sua organização e dinâmica interna, quer nopróprio campo, enfrentando-se problemas operacionais de diversasordens. Foram barreiras nem sempre fáceis de romper e outras que,ainda, precisarão ser superadas, na continuidade do projeto.

Os primeiros resultados de nossa experiência nos deixam,porém, uma certeza: uma proposta de trabalho interdisciplinar einterinstitucional tem incontestável valor. Entretanto, é preciso assumi-la como uma prática dinâmica e processual, algo a ser exercitadocotidianamente, analisando-se suas complexidades e possibilidades,ultrapassando-se limites institucionais e pessoais, com persistência,responsabilidade e compromisso efetivo de todos, não se perdendo devista que seu foco central encontra-se no território pesquisado, nacomunidade composta por sujeitos que lhe dão vida.

Destacamos como Saupe et, al. (2005, p.532 ) que “nãoexistem fundamentos prescritivos para a prática interdisciplinar; é navivência, nos acertos e erros e na identificação das dificuldades quese constrói um cotidiano de equipe.” Para os autores, “a condiçãoprimeira da prática interdisciplinar se encontra nas atitudes dosmembros da equipe”, uma vez que ela “encerra a competência-mãe,nutridora, que oferece as condições dos desdobramentos dashabilidades e conhecimentos.” (Id.) Eles ainda esclarecem que o blocode categorias relacionadas com atitudes incluem: “respeito à disciplinado outro, respeito ao outro, tolerância, aceitação de sugestões, respeitoàs limitações, respeito às competências, comprometimento com osistema, ouvir, reflexão, humildade, mudança, respeito às diferenças,ética, autoridade, empatia.” (Id.)

relação marcada pela necessidade de t ranscender oconhecimento e a prática fragmentada, postulando uma novasíntese do saber-fazer.

Nossa preocupação era fugir do discurso que acaba porbanalizar a interdisciplinaridade, reconhecendo, ainda, que maisimportante que defini-la era

refletir sobre as atitudes que seconstituem como interdisciplinares:atitude de humildade diante dos limitesdo saber próprio e do próprio saber [...];a atitude de espera diante do jáestabelecido para que a dúvida apareçae o novo germine; a atitude dedeslumbramento ante a possibilidadede superar outros desafios; a atitude derespeito ao olhar o velho como novo,ao olhar o outro e reconhecê-lo,reconhecendo-se; a atitude decooperação que conduz às parcerias, àstrocas, aos encontros, mais das pessoasque das disciplinas, que propiciam astransformações, razão de ser dainterdisciplinaridade.” (TRINDADE,2008, p.73)

Tratava-se, de uma tarefa que ficava ainda mais complexapor associar instituições de ensino superior com trajetórias, projetosacadêmicos e rotinas técnico-administrativas diferenciadas. Taisdiferenças, contudo, não impediram que as mesmas aderissem a umprograma, inédito na região, que intencionava investir, tanto naqualidade do espaço de formação profissional, quanto noempreendimento de estudos e ações capazes de desencadearem umprocesso de transformação no território de Custodópolis: de bairrovulnerável, para bairro saudável.

Na fase inicial do detalhamento do inquérito já foi possívelexperimentar a importância de associar distintas formas de olhar epensar uma realidade, uma vez que cada movimento foi construído,em conjunto, pelo grupo de coordenadores composto por umrepresentante de cada instituição parceira. Várias discussõesocorreram, levando-nos a reconhecer a importância do carátercomplementar de cada fala, contribuindo para o aperfeiçoamentoda proposta, a elaboração dos instrumentos para coleta de dados, omapeamento de sua operacionalização...

O treinamento dos acadêmicos que iriam atuar comopesquisadores de campo, também, foi bastante produtivo. Suadinâmica envolveu dramatizações, leituras orientadas e debates,procurando propiciar um entrosamento do grupo e o necessárionivelamento para a garantia da qualidade de um trabalho deste porte.Entretanto, já nesta fase, foram sinalizadas as primeiras dificuldadesenglobando questões de diferentes naturezas, como por exemplo, anecessidade, tanto do grupo de docentes coordenadores, quanto dosalunos, em conciliar horários para as reuniões de estudo e trabalho

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Concordando com tais indicações defendemos, assim, quenão basta nos identificarmos com os princípios de uma práticainterdisciplinar ou, apenas, defendermos sua lógica, seus objetivose vantagens. É preciso vivê-la a cada dia, como algo em construção,com avanços e recuos. Neste sentido, temos a certeza, que oexercício pretendido, através de nosso projeto, apenas começou.

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Território de Custodópolis: mapeando memórias e lugares

Verônica Gonçalves Azeredo1

1 Doutoranda em Política Social/UFF, Mestre em Serviço Social/UFRJ, Assistente Social/UFF, Prof. Adjunta do Curso de Serviço Social- ESR/UFF e pesquisadora doGRIPES.2 Todas as observações e depoimentos de moradores que constam no corpo deste artigo, são produtos do trabalho da equipe de pesquisadores do GRIPES.3 Parte deste artigo, referente a história do lugar, foi publicada originalmente na Revista CAMINHOS DE GEOGRAFIA, v.12,n.37, março de 2011.

1- O Lugar da Memória

“Todo lugar tem sua historicidade, seu significado e suamemória”.

(DE PAULA; MARANDOLA JR, 2009,p.5)

O lugar como espaço da memória não se restringe a umlocal. Seu significado é apreendido pelas experiências dos que ohabitam material e simbolicamente. Através destas experiênciassão construídas as formas de sociabilidade, mediadas porconflitos de valores em disputa. Portanto, a memória e ahistoricidade são categorias chaves para identificar os itineráriosde sociabilidade e apreender os padrões de comportamento dossujeitos sociais, que se conhecem e mantêm relações de troca.

Do contato com o bairro e com as narrativas de seusmoradores (através da observação participante e de entrevistacom antigos moradores)2 , foi possível traçar o percurso queconfigurou o lugar. Trata-se de deslocamentos que deu origem àCidade de Palha e que posteriormente, sob as terras loteadas deCustódio, ao bairro-Custodópolis, situado no município deCampos dos Goytacazes/ RJ.Supostamente entre as décadas de 20 a 30 do século passado, oespaço foi pouco a pouco sendo apropriado3 . Um lugar,inicialmente identificado como ponto de encontro de cortadoresde cana, que se reuniam à espera de caminhões que os levassempara as lavouras das usinas canavieiras da região de campos dosGoytacazes. Logo seu Policarpo e seu José trataram de montaruma vendinha para atender aquela demanda. Mais tarde seu Zezécolocou um açougue.

E assim, alguns trabalhadores, que moravam em áreasafastadas ou aqueles, que não tendo onde morar, acomodaram-se no entorno daquele lugar. “Pegavam um pedacinho e ficavam”e construíram suas casas em meio ao improviso. Utilizavam barro,bambu, folhas de palmeira ou sapé. “As casa tinham palha nolugar de telha”. Vista do alto parecia uma “Cidade de Palha”.

“Puxando pela memória” foram desenhando o lugar queexistia “naqueles tempos”: “Cheguei a ver muito brejo, lagoa efoi acabando com o canavial. O resto era tudo mato. Lá nabaixada era tudo água. Na Cidade de Palha era mais alto”.

Na narrativa de uma moradora de 83 anos, lembranças ehistórias: “Minha mãe me teve num barraco ali perto de onde hoje éa delegacia. Tinha as casinhas de palha e uma vendinha”.

Sendo a memória parte do lugar e responsável peloarmazenamento coletivo de determinados saberes, é ela que forneceidentidade ao local. (PAULA; MARANDOLA,2009,p.6). Nessesentido, as narrativas recuperam o tempo em que a Cidade de Palhaera “cercada por canaviais onde boa parte os moradores tiravam seusustento” (G.R.E.S. União da Esperança,2008).

Ao resgatarem a memória coletiva do lugar, os mais velhosse deixaram levar por percursos individuais, familiares ecomunitários. Através de seus “mapas mentais afetivos”(ECKERT,2002,p.8) destacaram os circuitos de pertencimento e asmudanças na territorialidade do lugar:

“Quando vim era tudo mato. Essenegócio de calçamento das ruas é coisanova, num tinha nem luz. Depois veio aluz, a primeira casa que teve rádio foi ade meu pai. Os vizinhos vinham todospara ouvir as novelas, que naqueletempo era pelo rádio”.“As cercas (das casas) eram degaiolinhas (tipo de planta) [...] Nãoexistia móveis, as camas eram de pau”.“Para ir à cidade, ia de pé, não tinhaônibus. De noite só via grilo e a luz erade lamparina”.“[...] A maioria era fogão à lenha e agente tinha um à querosene. A gente eramuito conhecido, porque meu pai eraseu Vadinho do querosene –ele vendiaquerosene. A luz só veio lá para 1960.”

Pessoa de referência do lugar, Custódio Siqueira, era ummédico de posses e prestígio. “Era dono de tudo”, proprietário deterras na comunidade que resolveu transformá-las em lotes vendidos“baratinho”, “com pagamento facilitado”.

“Era um homem muito bom. Ele andava

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sempre com Seu Alcebíades que erapessoa de sua confiança. Ele era quemmedia os terrenos e vendia. Dava assim5 mil reis, 10 mil réis de entrada e ficavapagando. Dr. Custódio era uma pessoamuito simples. Ia na casa das pessoas,tomava cafezinho. Se alguém falava praele: esse mês não tive dinheiro pra darao senhor, ele falava assim: fica quieto,depois você me dá”. (GRIPES, 2008,p.10)

Logo, as áreas loteadas ficaram conhecidas como “Terrasde Custódio”. Ligado à política, Dr. Custódio morreu na Praça deSão Salvador em cima de um coreto, discursando para ser prefeito.”No seu enterro tinha muito pretinho, eram todos afilhados dele”(GRIPES,208,p.10).4

Pouco a pouco a comunidade foi se alargando e as terrasque eram de Custódio, passaram a ser também de Hipólito Sardinha,José Dias Nogueira, Sr. Nicodemos, Vicente, Zé Laurindo e tantosoutros, que ao se apropriarem do lugar, construíram um estilo devida que se tornou motivo de orgulho para antigos moradores.

Hipólito Sardinha era dono de uma padaria e do Cine TeatroPrimor, o primeiro de Guarus

5. Na lembrança dos mais velhos, “ele

queria alegrar o povo [...],trazia artistas,show de música e colaboravacom o teatro amador”. Já, José Dias Nogueira, conhecido como ZezéSimão, foi homenageado tornando-se nome de rua. Lembrado porsuas características públicas e espírito de liderança, foi responsávelpor “plantar as primeiras árvores da praça, organizar a comunidadena luta pela água encanada, mobilizou ajuda às famílias atingidaspela enchente de 1966”. E, 1962 foi candidato a vereador, mas nãoconseguiu se eleger. E houve quem questionasse: “Afinal, como podeum homem de tamanco ser eleito?”.

Dinâmico por natureza, foi também o fundador e técnicodo primeiro time de futebol local, batizado como Esporte Club ComeGato, cuja origem do nome se justifica pelas comemorações, aofinal das partidas, onde bebiam e comiam “churrasco de gato” porele oferecido.

Tinha também o Senhor Nicodemos, graças a ele a alegriada criançada estava garantida nos domingos, pois “muitos sedesdobravam pra ganhar umas moedinhas pra alugar suas bicicletas”.

Quando o assunto é diversão, logo veio à lembrança a figurade Vicente, responsável pela Quadrilha Caipira e Zé Laurindo, pelaFolia de Reis. Não faltava também fado, jongo e capoeira. Tinhacirco, tourada e gente de longe para assistir. “nas touradas as pessoascolocavam cadeiras em volta, às vezes o touro escapulia e era aquelaconfusão”. As pessoas procuravam sempre um jeito de se divertir,seja “nos bailes nas casas, nos matinês da pracinha e do cinema ouno concurso de rainha do Grêmio”. Além é claro, da festa dapadroeira Nossa Senhora da Conceição. Festa mais esperada do ano,

4 Sobre a morte de Custódio Siqueira ver referência contida no livro Campos depois do Centenário, de autoria de Waldir P. de Carvalho .5 GUARUS é o 1 distrito da Cidade de Campos dos Goytacazes/RJ e anteriormente era conhecido como Guarulhos (origem indígena).

cujos festejos anunciados com fogos, duravam uma semana. Umaprogramação que incluía jongo, corrida rústica, cavalhada e muitasbarraquinhas.

A rua da raia, atualmente batizada como Poeta Marinho, era ocenário das famosas corridas de cavalo. Entretenimento era o que nãofaltava, tudo se transformava em motivo para diversão, era comum avizinhança se reunir nas noites de lua e as crianças brincarem na rua.“Não tinha luz e nem medo, porque não tinha perigo”. “Cada um puxavasua luz da pracinha (...) depois vieram os postes de madeira”.

Na memória dos antigos moradores, a pobreza não impedia defazer desse local, um lugar alegre e movimentado.

Da Cidade de Palha, as Terras de Custódio deram origem aobairro mais antigo de Guarus: Custodópolis. O nome não poderia seroutro, uma homenagem ao Dr. Custódio Siqueira, dono das terrasloteadas.

A Praça José Dias é referencia local. No seu entorno, numamistura de comércios e serviços, Custodópolis se desenha. Com um“comércio forte”, os moradores garantem que “a pessoa sai a qualquerhora e encontra o que quiser”. Tem “supermercado, farmácias, açougues,bares, sorveterias, Lan Hause, hortifruti, depósito de bebidas, lojas defotos, roupas, brinquedos, artigos para o lar, material elétrico e ferragens,locadora de DVDs, posto de combustível, consultório odontológico,brechó de roupas usadas, sapateiro...” (GRIPES,2008,p.37)

No entanto, o cartão postal da praça é a igreja de Nossa Senhorada Conceição, que juntamente com a Igreja Batista, localizada em ruaparalela, são as referências religiosas mais antigas. Mas a vida religiosado bairro é intensa, há também o Grupo Espírita, a Igreja da Renovação,a Comunidade do Amor de Deus, Assembléia de Deus. Destas expressõesreligiosas, a Igreja Batista se destaca por sua “prática de distribuição dealimentos, remédios, passagens e pequenas reformas nas casas dos maiscarentes” (ibidem,2008,p.44).

Na memória dos católicos, a nostalgia dos festejos de São Jorgee da padroeira Nossa Senhora da Conceição. Uma festa que durava umasemana e movimentava a comunidade com “muitas barraquinhas, jongo,corridas rústicas, cavalhada, parque”. Havia uma combinação entreentretenimento e celebração com as novenas e procissão. “Hoje só temprocissão. Passa pelas ruas aquela filhinha curta, fraca”, porque o padrediz que “não pode fazer festa profana”. Valores e tradição se defrontamcom um tempo em que festa na rua deve ser evitada por causa daviolência. “É muita bebedeira e muita droga”. (ibidem,2008,p.5)

A saudade de antigos moradores identificados como “pessoasboas que traziam alegria para o povo daquele lugar”, alimenta oimaginário e se expressa na narrativa dos que contam sobre um tempoque se tornou enredo: “Os amigos ilustres da verde e rosa e a Cidade dePalha no Jubileu de Ouro”, no carnaval de 2008 do G.R.E.S. União daEsperança (fundada em 1958). Através da “escola de samba”, uma dasprincipais referências do bairro, Custodópolis é contada e cantada:

“Com o progresso, os canaviais foram dandolugar ao bairro e com ele a Cidade de Palha

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passou a se chamar Custodópolis. Terrado futebol, carnaval, Cine Teatro Primor,o primeiro cinema de Guarus [...] Aquadrilha caipira do Vicente, a folia dereis do Zé Laurindo, o time Come Gatoque tinha como líder e técnico José DiasNogueira. O fado, o jongo, a capoeira”.

Sempre fazendo referência ao jongo, os antigos moradores,não destacaram a figura da mais famosa jongueira: Maria Anita, cujoterreiro se localizava em Custodópolis. “Primeira mulher, carroceira,a andar com roupas masculinas em seu trabalho de frete. Marcouenquanto viveu, em caráter festivo, a tradição trazida pelos escravosde Angola e Moçambique. Nos anos 70 do século passado, foi campeãno festival de folclore promovido pelo SESC/Campos, tornando-senotícia nos meios de comunicação local como preciosa referência àsmanifestações da cultura de raiz (SOARES, 2004,p.101).

“O jongo verdadeiro, baseia-se notambor de Maria Anita até altasmadrugadas. Era todo recheado dedesafios e revanches [...]. As cantigassão melodias simples, despojadas,curtas e repetidas, passadas portradição oral, contendo versoscaracterísticos de antigas estórias”.(FOLHA DA MANHÃ apud Soares,2004,p.100/101)

Citada por Osório Peixoto Silva em seu artigo “Terreiroque Canta galo não pode cantar galinha”, no jornal A Notícia, de 27de junho de 1976 -Tia Maria Anita como assim era chamada, era,“uma mulata pesadona, cheia de simpatia e jongueira desde obatismo”. Em seu texto, descreve a fala dessa mulher ”batedora dejongo”, numa referencia ao seu terreiro:

“Todos que vadiam aqui sãotrabalhadores. Não temos nenhumencostado e malandro. É tudocortador de cana, homens emulheres. O jongo é nossa únicavadiação. Quando chega sábado, lápra `as 10 horas da noite, a gentebate os tambores, chamando a turma.Eles chegam de mansinho, e empouco a brincadeira está formada.Dentro do maior respeito[...] Meusbrancos que quiserem brincar podemchegar. È só respei tar nossabrincadeira, não tocar nas nossasfilhas e não puxar briga. O resto éjongo puro. E duvido que alguém

fique por mais de meia hora sem cair nabrincadeira, porque jongo é pegador”.

Com seu falecimento, “sua filha Maria Creuza, apelidadaMariinha, cortadora de cana e mãe de 12 filhos sustentou por algumtempo a tradição da mãe”. Ao falecer, os registros históricos, recortesde jornais, fotografias, troféus e instrumentos tiveram destino ignorado.Somente os que viveram e ouviram as estórias podem contar o tempoem que se valorizava a raça e a intenção de preservar a memória dosantepassados, naquilo que o jongo evocava. (SOARES, 2004, p.102)

O bairro tem sua trajetória marcada por uma vitalidade culturalque vem do terreiro de jongo, das procissões e quadrilhas, dos shows ecomícios e de estórias como a do “homem de capa preta”, figura estranhaque era vista circulando no local.

Entre os mitos que alimentavam o imaginário local, a “mula semcabeça” foi lembrada: “Era uma espécie de mula que no lugar da cabeçatinha uma labareda, gerando medo entre os moradores e impedindo quesaíssem de suas casas depois das 18 horas. Ela aparecia nas noites de luacheia e um sino anunciava a sua chegada” (GRIPES, 2008, p.14).

Curiosa foi a lembrança de um morador sobre o “ônibus de luzvermelha”. Ele garantiu que um parente próximo tinha sido uma de suasvítimas. “O ônibus vinha do bairro de Santa Rosa e o motorista erafalecido, por isso, todos os passageiros que conduzia eram levados parao cemitério” (ibidem,p,14).

Entre mito e realidade, o cotidiano de Custodópolis foidesenhado a trajetória de um bairro conhecido e reconhecido como “umlugar de tradição”. Suas histórias sempre foram matéria-prima para osenredos do G.R.E.S.. União da Esperança que há 52 anos é presença nacomunidade. Muito freqüentado por antigos moradores, seus ensaiosanimavam os meses que antecediam o carnaval.

Um dos motivos de orgulho do bairro, também cantado pelaUnião da Esperança, é o futebol. De time Come Gato, tornou-se Grêmioem 1974. Legalizado, participa da liga Campista de Desportos e desdeentão, promove regularmente jogos e tem uma escolinha de futebol queatende a crianças do local.

No campo da atuação comunitária, a Associação de moradores,tem registro garantido na memória do bairro. As décadas de 1960 e1970 foi um período fértil de envolvimento comunitário, em busca demelhorias para o local.

O bairro era atingido, periodicamente, por enchentes. Issoagravava a situação sanitária, dada a proximidade entre as fossasrudimentares e os poços de onde retiravam a água para o consumo.(Carneiro et.al.1968, p.8). Essa realidade associada à ausência deabastecimento de água levou lideranças do bairro a se articularem arepresentantes de entidades assistenciais, algumas faculdades da cidadee políticos do município.

Alguns moradores de Custodópolis tinham acesso aos dirigentesde entidades assistenciais e políticos da região. Dentre os moradores,havia os que se ocupavam da condição de “cabos eleitorais”. Ligadospor interesses diversos, mas voltados para a melhoria da comunidade,os moradores passaram a se reunir em encontros semanais, no Cine TeatroPrimor. Em uma dessas reuniões regadas a palestras, abaixo-assinado e

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lanche, sempre oferecido pelo Sr. Hipólito Sardinha que cedia a locale era dono de padaria, foi travada a luta por uma caixa d’ água.Conseguiram inicialmente a construção de alguns poços artesianos,mas “logo depois, chegou a CEDAE”. (GRIPES, 2008, p.15)

Reconhecidamente carente e com demandas variadas, acomunidade em 1965 passa a contar com o apoio da AssociaçãoMonsenhor Severino, que por sua vez convida Nilza Simão(responsável pela Escola de Serviço Social) para coordenar o trabalhona comunidade. Dessa parceria, formou-se um “núcleo básico”(estratégia de fortalecimento de organização comunitária), quecontou com o engajamento de acadêmicos de Serviço Social. Dentreas ações, em 1966 iniciou-se a construção de uma sede para o CentroSocial, nesse período, novas parcerias foram formadas com a adesãoda Faculdade de Medicina de Campos, Faculdade de Odontologia ede Direito (Peçanha,1976)

A pobreza, em suas múltiplas faces, desenhava um quadrode problemas e necessidades que tinha urgência para ser enfrentado.Mas, para eleger as ações prioritárias, identificou-se a importânciade realização de um Estudo Sócio-Econômico da Comunidade6 quepermitisse uma maior aproximação com a realidade local. Realizadopor acadêmicos de serviço social e com a colaboração de liderançasdo bairro, o estudo apontou para a existência de uma populaçãoestimada em torno de 4.000 pessoas, sendo a maioria da raçanegra7 (Carneiro et. al,1968).

Os homens, em sua maioria eram cortadores de cana outrabalhadores nas lavouras das usinas da região. Mas havia tambémos que se ocupavam das funções de pedreiro, carroceiro, padeiros,barbeiros, sapateiros, pintores, eletricistas, pescadores e mecânicos.Atuando como empregadas domésticas, cozinheiras e lavadeiras nasresidências da cidade, as mulheres dividiam seu tempo entre oscuidados de sua família e de sua casa. Numa época em que secomeçava a trabalhar desde a infância, as crianças praticavam ocomércio ambulante (GRIPES, 2008, p.18).

A realidade do desemprego, a ausência de qualificaçãoprofissional, rendimentos instáveis relacionados a trabalhostemporários, compunham o perfil sócio-econômico da comunidade.A falta de escolas era uma queixa e uma ameaça ao futuro das criançasque ali viviam.

As condições de saúde refletiam a precariedade dascondições de vida, tendo destaque os problemas de verminosee desnutrição.

As moradias eram o retrato da precariedade do modo devida e trabalho de seus moradores, sendo comum o aluguel de quartosem casas que eram divididas em cômodos. O Diagnóstico apontouque 40% das habitações eram de “tipo barracões”, 52% de adobe outaipa e 97% não possuíam instalações sanitárias (Carneiro et.al.1968,p.8).

O entorno residencial era composto por um cenárioinsalubre de esgoto a céu aberto agravado pela constância das

6 A organização desse estudo contou com a participação de lideranças comunitárias e seu conteúdo foi abordado em vários Trabalhos de Conclusão de Curso da época. Ver,por exemplo Barros(1996), Carneiro, Peixoto, Reis e Cordeiro (1968), Cordeiro (1969), Santos (1971) e Viana (1976).7 Sobre esse assunto, Soares refere-se a “Custodópolis com o lugar de maior concentração de negros do município de Campos dos Goytacazes”. (Soares,2004,p.100)8 MUDES- Movimento Universitário de Desenvolvimento Econômico e Social.

enchentes, lixos nas ruas e pela falta de cuidados de higiene.Os recursos que Custodópolis já dispunha neste período, eram:

padaria, armazém de secos e molhados, barbearia, farmácia, açougue,fábrica de goiabada e sandália (id.). A praça ganhou calçamento e umabrigo para passageiros. E os serviços de um Posto Telefônico e daAgência de Correios e Telégrafos, eram as mais recentes aquisições(Barros,1966,p.31).

Uma das preocupações dos moradores e motivo de queixas eraa falta de policiamento. (Carneiro op.cit.p.24)

Com base nos dados desse Diagnóstico e das demandasapresentadas nas reuniões comunitárias, foram estruturadas algumasfrentes de trabalho nas áreas da saúde, educação, orientação jurídica,trabalho e renda. Cada profissional responsável por uma dessas áreasera acompanhado por um “morador líder”, que realizava um trabalhovoluntário.

Do contato com a comunidade foi possível identificar umnúmero significativo de costureiras no bairro. Isso motivou a implantaçãode um grupo de corte costura e gerou cursos de bordado, tapeçaria,tricô, crochê e pintura. O artesanato se desenvolveu expandindo-se paraatividades em cerâmica, confecção de flores, tapetes, colchas, almofadas.Em 1965, o grupo organizou um bazar, cuja renda foi investida naaquisição de novos materiais. Essa iniciativa também deu origem aoClub de Mães, que se reunia em torno de comemorações de datas festivase de temas como: “vida familiar, hábitos de higiene, verminose, abortoapresentados em forma de palestras” (GRIPES, 2008,p.18).

Outras iniciativas, como alfabetização de adultos e orientaçãojurídica, sobretudo quanto a encaminhamentos de documentos pessoais,somavam-se ao atendimento ambulatorial. Este se defrontava com aimpossibilidade das famílias de adquirir a medicação, devido à baixaou inexistência de rendimento mensal. Essa situação levou a comunidadea organizar “shows às segundas-feiras no Cine Teatro Primor, cuja rendaera revertida no aviamento de receitas médicas” (Carneiro, óp.cit.p.24)

No início da década de 1970 o Centro Comunitário setransformou em Centro Social Universitário –CSU,passando a contarcom assessoria da Fundação MUDES8 e de instituições como a LBA eFundação Leão XIII.

O trabalho de organização comunitária em Custodópolis tevedois momentos: antes e depois do MUDES. Essa foi à opinião de umaAssistente Social que participou do trabalho desde o início: “Tudo passoua ser remunerado [...]. Foi a desgraça do trabalho. Entrou dinheiro, acomunidade se afastou” (GRIPES,2008,p.21).

O trabalho voluntário cede lugar ao remunerado e oatendimento, antes gratuito passou a custar (dois cruzeiros). Este era ovalor fixado da mensalidade para terem acesso aos serviços prestados.A partir de então o envolvimento da população com o CSU limitava-seao atendimento do problema apresentado.

Essa trajetória, expressa no depoimento de alguns entrevistados,apontou para o fato de que aos poucos as parcerias que mantinham ofuncionamento do CSU foram rompidas, ficando limitado a ações no

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campo da saúde. Não foi possível precisar por quanto tempo o CSUcontou com a assessoria da Fundação MUDES.

Em 1999 o CSU é reestruturado e batizado como CSEC-Centro de Saúde Escola de Custodópolis, funcionando como umaUnidade de Atenção Básica de Saúde, uma parceria entre a Faculdadede Medicina de Campos e o Poder Público Municipal.

Atualmente, construiu novas parcerias com instituições deEnsino Superior na Região tornando-se um ambiente privilegiadopara o processo de ensino-aprendizagem de diferentes profissionaisde saúde.

O CSEC funciona de segunda a sexta feira, das 7 às 18horas e seu atendimento abrange outros bairros de Guarus. Asconsultas são agendadas para evitar filas e as especialidades maisprocuradas são: Clínica médica, pediatria, cardiologia e ginecologia.Dos atendimentos prestados destacam-se os casos de escabiose,hipertensão, diabetes, vacina em atraso, crianças de baixo peso,gravidez na adolescência, curativos (por motivos de acidente de moto,brigas, facadas), dependência química, ansiedade e abuso sexual(gerando quadros que são assistidos no grupo de saúde mental).(GRIPES, 2008,p.27)

Em funcionamento, o Grupo de Idosos, é o projeto commais participantes, podendo ser considerado um dos núcleos de maiorsociabilidade na comunidade, além dos grupos religiosos.

Entre elogios e queixas, o CSEC é uma referência para acomunidade, Mas há quem diga que não vai a médico e “só tomaremédio de mato” (ibidem,p.55). Contudo, essa não é a opinião damaioria, que assim como nos tempos do antigo Centro Comunitárioe do CSU, continuam tendo como principal dificuldade a aquisiçãodos medicamentos, dada a precariedade da situação sócio-econômicae da falta de compromisso da Secretaria de Saúde do município norepasse da medicação.

Como todo bairro, Custodópolis não é apenas um espaçogeográfico. Para os antigos moradores, herdeiros das lembranças e/ou nostálgicos das vivências do passado, é um lugar rico em históriase significados, habitado também pela memória.

Crenças e valores moldaram um estilo de vida dos que láchegaram e viveram. Enraizados sentiam-se motivados a participaremda vida do lugar, confiantes de que as lideranças locais eram “pessoasboas” que buscavam melhorias para a comunidade. Mas aos poucosisso foi se perdendo, porque “os troncos foram morrendo. Não temninguém para continuar” (ibidem,p.14).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROS, Maria Tereza Aguiar Ribeiro. A comunidade deCustodópolis se organiza através do Serviço Social. Camposdos Goytacazes, 1966. Trabalho de Finalização de Curso(Graduação em Serviço Social)- Escola de Serviço Social,Universidade Federal Fluminense, 1966.

CARNEIRO, Hilaine Gonçalves; CORDEIRO,ReginaSobrosa;PEIXOTO, Irene; REIS, Celma Pessanha dos.“Custodópolis e a implantação dos processos”. Campos dosGoytacazes, 1968. Trabalho de Finalização de Curso (Graduação emServiço Social)- Escola de Serviço Social, Universidade FederalFluminense, 1968.CARVALHO, W. P. Campos depois do centenário. Campos:Damadá Artes Gráficas e Editora,1991.DE PAULA, Luiz Tiago; MARANDOLA JR, Eduardo. Memória eExperiência no Estudo da Vulnerabilidade do Lugar. Em HTTP://egal2009.easyplanners.info- ENCUENTRO DE...2009. Acesso em21/07/2010.ECKERT, Cornélia. A Cultura do Medo e as Tensões do Viver aCidade: Narrativa e Trajetória de Velhos Moradores de PortoAlegre. Revista ILUMINURAS- Publicação do Banco de Imagens eEfeitos Visuais. NUPECS/PPGAS/IFCH e ILEA/UFRGS,v.3,n.6,2002.GRIPES. CIDADE DE PALHA. Diagnóstico Preliminar. Camposdos Goytacazes, julho de 2008, mimeo, 68 páginas.PEÇANHA, Márcia Elizabeth Oliveira. O Serviço Social como fatorde desenvolvimento. Campos dos Goytacazes, 1976. Trabalho finalde Curso (Graduação em Serviço Social)- Departamento de ServiçoSocial de Campos, Universidade Federal Fluminense, 1976.SILVA, Osório Peixoto. “Terreiro que canta galo, não pode cantargalinha”. A NOTÍCIA. Campos dos Goytacazes, 27 de junho, 1976.

SOARES, Orávio de Campo. Muata Calombo: Consciênciae destruição- O olhar da imprensa sobre a cultura popular da regiãoaçucareira de Campos dos Goytacazes.Campos dos Goytacazes,RJ:Editora Fafic,2004.

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8 O Lugar: entre lembranças do passado e vivências do presente1 .

Verônica Gonçalves Azeredo2

1 Parte deste artigo foi publicado originalmente na Revista CAMINHOS DE GEOGRAFIA, v.12, n. 37, março de 20112 Doutoranda em Política Social/UFF, Mestre em Serviço Social/UFRJ, Assistente Social/UFF, Prof.Adjunta do Curso de Serviço Social-ESR/UFF e pesquisadora doGRIPES.3 Sobre esse assunto consultar: HOLZER, Werther. Uma discussão fenomenológica sobre os conceitos de paisagem e lugar, território e meio ambiente. Território, Rio deJaneiro, ano II, n.3, jul./dez.1997.

“O homem, mesmoentrincheirado em seus lugares, se dá a conhecer”.

(Hannah Arendt,1987,p.212)

Custodópolis fincou raízes sob territorialidade rural e neste“lugar” construiu estilos de vida sob os quais produziu valores ecrenças que desenharam os traços originários de sua identidade.Para resgatar o “fio da meada” da identidade, a memória éfundamental, enquanto elemento constituinte do sentimento,individual e/ou coletivo, na medida em que a identidade se constróiem referência aos “outros”.

Assim, a memória implica experiências geográficas doespaço mais imediato. Nesse sentido, o lugar é “carregado designificados, incorpora diferentes escalas espaciais e relações sociais:diz respeito à casa, à rua, ao bairro, à cidade, à família e às relaçõesde amizade” (DE PAULA; MARANDOLA JR, 2009, p.4)

Como espaço da memória, o lugar, não se restringe a umlocal. Seu significado é apreendido pelas experiências dos que ohabitam, material e simbolicamente. Através dessas experiênciassão construídas as formas de sociabilidade, mediadas por conflitosde valores em disputa. É no terreno dessa discussão, que MichaelPollak afirma ser a identidade “referenciada por critérios deaceitabilidade, de admissibilidade, de credibilidade, e que se produzpor meio da negociação direta com os outros” (POLLAK,1992,p.5).

Nessa relação intersubjetiva, os indivíduos vãoconstruindo sua familiaridade e seus estranhamentos com o lugar,criando ritmos próprios a partir de um dado território. No campoda geografia, o aporte fenomenológico, vem permitindo avançosno resgate da categoria “lugar”, oferecendo subsídios parra acompreensão da interseção entre indivíduo-território-lugar(HOLZER, 1997)3

Tão caro a Geografia, o conceito de território vem sendore-significado. A velha questão entre a relação do espaço (geografia)e das pessoas (demografia) vem sendo equacionada partindo dopressuposto de que se trata de uma via de mão dupla: assim comoos “lugares mudam as pessoas, as pessoas mudam os lugares”(MARANDOLA JR,2006). Na visão de Rogério Haesbaert, a

utilização da categoria território permite “priorizar a dimensãosimbólica e mais subjetiva, em que o território é visto, sobretudo,como produto da apropriação e valorização simbólica de um grupoem relação ao seu espaço vivido” (HAESBAERT,2006,p.40)

Sob o enfoque da dimensão vivida, a Geografia temdedicado ao território, reflexões, como a de Claude Raffestin, umdos primeiros a abordar a diferenciação entre as categorias Espaço eTerritório, ao afirmar que o espaço é um substrato preexistente aoterritório. Essa noção permite ampliar a compreensão das formas depoder e, portanto, das formas de territorialização (RAFFESSTINapud SAQUET,2007,p.2). Na visão de Robert Sack “o espaço e oterritório não estão separados, um está no outro. O espaço éindispensável para a apropriação e produção do território”. Tambémcontribui ao considerar que territorializar é controlar e/ou restringiracessos e ações (SACK apud SAQUET, 2007,83).

Para Bonnnemaison (2002, p.126), “enquanto o espaçotende a homogeneidade, o território indica as idéias deheterogeneidade, de etnia e de identidade cultural”. Essas concepçõesse assentam nos estudos voltados à Geografia Humanista e Cultural,cujas matrizes permitem a compreensão de dinâmicas que humanizamo espaço (CLAVAL,1999;MACHADO,1997).

Diferentes são as leituras acerca da categoria território. Noentanto, o que está na base teórico-metodológica destes estudos e,sugerido em suas diversas denominações, é a vivência dos indivíduos,as noções de apropriação simbólica, representação social,subjetividade e vínculo.

O que funda estes territórios é a interaçãodiária entre as pessoas e das relaçõesdestas com o espaço; e deste ponto derivaa relevância da subjetividade, daintersubjetividade, do conhecimentoexperimental e intuitivo dos indivíduosque passam a ser meios de compreensãodestes territórios. Cabe denominar essefenômeno como território vivido, pois éa vivência que matricía estes territórios(PAULA, 2009,p12).

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Sob essa perspectiva, ao reconstruir os fatos do passadode Custodópolis, o que se pretende é “entender como as experiênciasespaciais se revelam a partir da memória, dos vestígios, em quepalpita o mundo vivido” (HOLZER,2005,p.25). Portanto, a memóriae historicidade são categorias chaves para identificar os itineráriosde sociabilidade e apreender os padrões de comportamento dossujeitos sociais, que se conhecem e mantém relações de troca. Taisrelações não são necessariamente lineares, estabelecida entre“iguais” e compartilhadas sobre os mesmos códigos, como namemória dos antigos moradores, herdeiros das lembranças e/ounostálgicos das vivências da Cidade de Palha e das Terras deCustódio.

Ao resgatarem a memória coletiva de Custodópolis, osantigos moradores referem-se ao presente com um sentimento deesvaziamento dos sentidos coletivos e ao buscarem um lugar aoqual pertencer, encontram dificuldades de orientarem-se, nos diasde hoje, por estarem presos às ações e às emoções enraizadas emexperiências passadas. Na atualidade, o que vivenciam são os efeitos“da personalidade individualista que desintegra as relações,fragmenta os sentidos, impondo aos sujeitos uma ideologia daintimidade” (SENNET,1988,p.22).

Custodópolis reflete a degradação de valores (ritualizadosem códigos de conduta) e a decadência das experiências públicas.De um lugar de “tradição”, representado por sua singularidade,tornou-se, com o movimento de acomodação da cidade, mais umaperiferia e apesar da distinção com relação a outros lugares,incorpora as características definidoras da construção social dessesespaços.

Do passado, reminiscências remetem a um conjunto desituações sócio-espaciais de convivência, onde foi possívelexperimentar sentimentos de segurança, confiança, gratidão,partilhar valores, entretenimentos e contentamentos. Um sentimentode ser cuidado, porque “havia muitas pessoas boas que traziamalegria para o povo”, numa referência ao espírito de liderança deantigos moradores que se preocupavam com o lugar.

O fato é que, em toda forma de convívio, há partilha edisputa, essa é a base da convivência social e das relações de poder.Para Arendt, “o poder passa a existir entre os homens quando agemjuntos, e desaparece no instante em que eles se dispersam”(1987,p.212).

Nesse sentido, a referida autora, aponta para o modo comoé aflorada a condição humana da pluralidade, moldada sob a lógicado poder. Essa é a base da tensão que alimenta a vida e as relaçõescomunitárias.

Em os estabelecidos e os Outsiders, Elias e Scotson (2000)mostram uma comunidade dividida. De um lado antigos moradorese do outro, os que chegaram depois, considerados estrangeiros eque não partilhavam os valores e os modos de vida vigentes.Segregados, os estrangeiros experimentaram uma rejeição queatravessou gerações, preservada e alimentada por “fofocas”. Paraos estabelecidos (que se julgavam responsáveis pela socializaçãodas regras de normalidade) essa foi a estratégia adotada.

Apesar das diferenças, com relação às formas de

socialização em Custodópolis, esta elucidação aponta para o fato deque padrões de conduta são construções sociais, podendo produzircomportamentos normalizantes os desviantes. Para Becker (2008) aspráticas desviantes também têm suas próprias regras e seus conceitosde normalidade. O comportamento desviante faz parte de um sistemade relações e interações constitutivo da dinâmica social de determinadolugar.

No caso de Custodópolis, essa é uma evidência que se expressa,por exemplo, na possibilidade ou não de frequentar os ensaios da Escolade Samba União da Esperança, que na ocasião do Inquérito, era dirigidapor uma mulher, que afirmava ser “difícil estar à frente de uma escolade samba, pois existe preconceito dos homens e inveja das mulheres”.Na memória dos antigos moradores, a saudade de um tempo de interaçõesem que os ensaios eram programa de família. “Antes era só família, adiretoria saía pra pegar as moças em casa e depois ia levar”. A que tipode família se refere? Quem frequenta a quadra hoje em dia? Para alémdas mudanças na constituição familiar, o que se coloca frente àdiversidade dos estilos de vida, é o processo de segregação e auto-segregação, motivado por valores disputados.

Simmel ao referir-se a noção de sociação, revela que são os“interesses e necessidades específicas que fazem com que os homens seunam em associações econômicas, em irmandade de sangue, emsociedades religiosas, em quadrilhas de bandidos (...). Os sociadossentem que a formação de uma sociedade como tal é um valor, sãoimpelidos para essa forma de existência (...). É através da forma queconstituem uma unidade. (Simmel,1983,p.168/169)

Em seus processos de interações sociais, os moradores sereferem a um local condutor de atos de sociação – a praça. Lembramque era um lugar “ajeitadinho, com banco de alvenaria e ponto de ônibuscom tapagem de telha colonial e uma caixa d´água” (GRIPES,2008,p49).A praça sempre foi palco de reivindicações. No passado com a luta pelaágua e recentemente com a manifestação em favor do término de umareforma que tinha como prazo 120 dias para sua conclusão e que acabouse estendendo em torno de aproximadamente dois anos.

Com isso, a praça tornou-se assunto em jornal da cidade emmarço de 2008. No novo desenho da praça, os quiosques ganhamdestaque, tornando-se motivo de insatisfação de muitos moradores, queacreditam que o local deveria ser um espaço “com brinquedos para ascrianças e não, de bares”. Há relatos de que alguns moradores lutarampara não ter quiosques, mas não foram atendidos.

Não mais representado como lócus de fortalecimento dasrelações de vizinhança, como no passado – um lugar para “tomar frescae jogar conversa fora”. Hoje, sobretudo à noite, a praça é apontada comolugar de drogadição, intensificando estranhamentos e distanciamentosentre aqueles que não partilham deste modo de viver e conviver. Essaspessoas evitam circular no local em determinados horários, “ameaçadaspelo medo e pelo perigo. No entanto, a realidade tem mostrado queapesar das evidências materiais e simbólicas, o medo nem sempre sealimenta de fatos concretos.

O sentimento do perigo constante, da violência praticada, dorisco que podem ser vítimas, são fatos difíceis de mensurar. A construçãosocial do medo e a “estética do medo” (ECKERT, 2002), tão bemrepresentada por cercas de todas as ordens, confirmam o sentimento de

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insegurança. A fronteira entre legalidade e ilegalidade existe e estábem demarcada, e os moradores aprendem a lidar com ambos oslados. Para Telles e Hirata (2007, p.25), é uma questão de “sobreviverna adversidade, (...) saber transitar entre fronteiras diversas, se deterquando é preciso, avançar quando é possível, fazer bom uso dapalavra certa no momento certo, se calar quando é o caso”.

Mito ou realidade, o fato é que o medo alimenta-se dedeterminadas condições, como no episódio da morte em frente àdelegacia do bairro, demonstrando a impotência dos policiais,conforme relato de um morador. Além da violência escancarada, talcircunstância aponta para a falta de qualidade dos serviços prestados.A delegacia se ocupa de registrar e investigar alguma ocorrência,mas não atende a nenhum chamado ou denúncia:

“Tem uma delegacia logo ali, mas sóatende quem chega”.“Eles só chegam na gente quando vocêdiz que vai matar”.

Os comerciantes do local também manifestaram seudescrédito com relação à polícia. Os assaltos que sofrem não sãomais registrados, sob a justificativa de “que não resolve”. Lembramdo tempo em que foi mantido um policiamento regular na praça eisso impunha respeito.

Frente à realidade da violência e o descaso com suaspráticas, os moradores acabam adotando uma atitude blasé4 , namedida em que a insegurança e incerteza, “dilapida os laços delealdade, confiança, comprometimento, integridade e ajuda mútua,em outras palavras “corrói o caráter’” (FRIDMAN, 2007, p.22).

O lugar onde se vive, facilita ou não o acesso a serviçoscomo segurança, saúde, educação, entre outros, que se, de baixaqualidade ou inexistente, produz uma dinâmica que condicionasituações de vulnerabilidade e segregação. Ligados, esses conceitospermitem analisar o efeito do lugar sobre o comportamento daspessoas ou vice-versa.

O estudo de Galster e Killen (1995) contribui nesse sentidoao apontar para a existência da “geografia de oportunidades”, cujoenfoque é a distribuição de serviços num dado espaço e a qualidadedos mesmos, o que acaba por incidir em comportamentos variadosque ampliam ou reduzem as condições vulneráveis das pessoas e dolugar.

Nesse sentido, os jovens tem sido motivo de preocupação,conforme depoimento em entrevista: “o bairro não oferece nada paraos jovens. Ou ele se converte na igreja e participa de suas atividadesou não tem nada para fazer”. (GRIPES, 2008, p.49)

Esperam a chegada do sábado, para transformarem aavenida principal do bairro numa pista com “pegas” de motos efreqüentarem “um tal de baile funk que está acabando com ajuventude”, promovido pelo “Club di Roma”. Moradores registraramque nestas ocasiões sempre ocorrem brincas e já teve até mortes.

4 Atitude Blasé: é uma atitude de reserva e distanciamento frente aos acontecimentos quotidianos. Uma espécie de anestesia e que para SIMMEL, trata-se da “incapacidade dereação a novos estímulos com energias adequadas (...) A essência da atitude blasé encontra-se na indiferença perante as distinções entre as coisas (...) não são percepcionadascomo significantes”. (VELHO apud SIMMEL, 1987,35)

Por essa razão, há períodos em que os bailes deixam de acontecer. Masna opinião dos entrevistados, não são os moradores de Custodópolisque promovem essa desordem (chegando a praticarem assaltos nosestabelecimentos comerciais), “são pessoas de outros bairros e do Riode Janeiro”. Demonstram que não gostam de abordar esse assunto. Deum lado, por medo e do outro, pela necessidade de preservar a imagemdo bairro.

Entretanto, há aqueles que identificam as fronteiras entre alegalidade e ilegalidade no cotidiano da comunidade.

“Aqui a baixada é de X e o Beco é de Y e jáouvi dizer, que aqui tem a boca com omelhor pó de Campos. Dia e noite tem gentechegando pra comprar droga. Onde nemimagina, tem ponto de droga”“Os problemas acontecem quando as duasfacções estão em briga. Eles dividem osespaços de cada um. Você pode ver osmuros que são pichados, dizendo de quemé aquele pedaço. Tem até as áreas onde elespodem circular. Um não pode entrar na áreaque o outro comanda. E isso não é só aquidentro do bairro. Por exemplo, se o ParquePrazeres for de um lado, o outro não podeentrar. Agora está calmo porque os gruposse aliaram”.

Mapeado por zonas de tensão, o cotidiano da comunidade seexpressa em relatos (GRIPES, 2008, p.50):

“Época boa era quando eu era jovem. Hojenão tem tranquilidade”

“Aqui era tranquilo. Agora sai, é assalto,ouve tiros”

“Tenho vontade de sair do bairro porcausa da violência”.

“A gente fica ali na igreja correndo o risco[...] Domingo até mataram um no bar dooutro lado”.

“Aqui estão assaltando até de dia”

A maior preocupação é com os filhos e netos.

“Tem criança de 10 anos vendendo droga,com arma na cintura”. “Hoje morre umacriança e amanhã já tem outro no lugar”.

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“Quando o meu filho erapequeno as crianças dos vizinhosbrincavam com ele lá em casa. Hojeele está com 16 anos e não tem quaseninguém vivo daquela época”. Paraos mais antigos, a violência instaladatornou-se uma realidade difícil deconviver: “Há 60 anos tinha umcrime, chocava. Hoje estão matandocomo matam mosquito. È muitocrime e 90% é droga. Na minha ruatem um ponto. O pessoal desce tudopara comprar”. (GRIPES, 2008,p. 51)

Inseguro e desprotegido é o cotidiano desses moradores.São homens que enfrentam a realidade do desemprego, do trabalhodesprotegido e de pouca remuneração, de expedientes desobrevivência e práticas ilícitas. É por essa via transversal que otráfico de drogas aparece como alternativa para alguns. Para Tellese Hirata (2007, p.5), é no agenciamento prático da vida cotidianaque os trabalhadores transitam entre o legal, o informal e o ilícito,“sem que por isso cheguem a se engajar em ‘carreirasdelinqüentes’”.

As mulheres, em sua maioria, se dedicam a atividadesdomésticas, seja em suas casas ou nas casas dos “outros”. O fatoé que a pobreza sempre existiu, tanto no passado como no presentee, é possível identificá-la, nas habitações precárias, na falta desaneamento básico, na alimentação insuficiente, no baixo nívelde escolaridade, nos comprometimentos de saúde, sobretudo como “índice elevado de gravidez na adolescência, dependênciaquímica e violência (inclusive sob a forma de abuso sexual).(GRIPES, 2008, p.27)

Herdeiros da pobreza tornam-se alvo dos poucosprogramas sociais existentes no bairro. Contam com o Espaço deTrabalho II e o CRAS que funcionam numa mesma sede e oferecemcursos de geração de renda, manicure, cabeleireiro, culinária eartesanato.

A relação entre o interesse e necessidade dos cursos nãoé necessariamente convergente, depende do perfil dos profissionaiscontratados e disponibilizados pela prefeitura local. Esses cursosdestinam-se prioritariamente aos integrantes do Programa deRenda Mínima. O CRAS5 , além de cursos, realizaencaminhamentos para a rede municipal e desenvolve o ProjetoSer Mulher, voltado para temáticas como casamento, saúde,direitos da mulher, família e maternidade.

No passado, a falta de escolas era uma das maiorespreocupações. Hoje o bairro conta com creches e escolas da redemunicipal, estadual e particular. Contudo, a realidade ainda apontapara a existência de analfabetismo e ausência de cursos noturnose supletivos.

Apesar da existência da Associação de Moradores, aocontrário do passado, hoje, lideranças não são identificadas. O

5 CRAS- Centro de Referência de Assistência Social encontra-se em funcionamento em Custodópolis.

espírito público cedeu de vez, lugar às relações político-partidárias eeleitoreiras.

Mas em tempos de aparente indiferença, o espírito comunitáriose manifesta, certamente incorporado pela memória de um antigomorador (nome de praça), pai do dono do açougue, que instalou umserviço de alto-falante em seu estabelecimento e ali anuncia seusprodutos, dá avisos de “nascimentos, mortes, missas, comunica perdasde documentos. “Para o povo é tudo de graça, mas para os políticos,tem preço” (GRIPES, 2008, p.46)

O que não parece ter preço é o futebol, de time Come Gato - oGrêmio promove jogos regularmente, tem uma escolinha de futebol queatende as crianças do local e funciona como uma espécie de entidadefilantrópica, “por prestar ajuda material e ceder seu espaço para festas,reuniões, velórios, campanha de vacinação”.

Ao percorrer as ruas do bairro, os moradores seguem seusdesenhos irregulares, convivem com um tráfico intenso de veículos,precária pavimentação e calçadas ocupadas, negando a prioridade aospedestres. Driblam a água que “desce de uma rua e volta por outra”, aretratar a falta de saneamento, sentem o mau cheiro do lixo acumulado,encontram animais que transitam livremente, arriscam-se com a falta deiluminação de algumas áreas.

Para Da Matta a “rua é antes de tudo uma categoria sociológicaque designa mais que simplesmente um espaço geográfico. È umaentidade moral, esfera de ação social, domínio cultural capaz de despertaremoções, reações, onde predominam a desconfiança e a insegurança.Essa percepção do espaço é o reflexo do isolamento e daindividualização. (1997).

O cenário desenhado é para os moradores mais preocupados,“uma vergonha” e se por um lado culpam o descaso do poder público,por outro, sabem que os próprios moradores também contribuem para oagravamento de tais condições.

Sob essas perspectivas, Custodópolis apresenta visíveisconsequências de um lugar periférico, que como tantos outros, limitamseus moradores ao acesso de oportunidades de infra-estrutura, trabalhoe políticas públicas. Convive com a memória de um bairro tradicional,do ponto de vista cultural e, a atual degradação material e simbólica,manifesta na representação preconceituosa em torno dos habitantes desseespaço.

É comum ao conjunto da sociedade, o recurso a uma visãoesteriotipada de determinados grupos a quem desejam mapeardiferenças. É nesse sentido que Júnior ressalta que “o esteriótipopretende dizer a verdade do outro em poucas linhas e desenharseu perfil em poucos traços, retirando dele qualquer contradição.(...) Constitui e institui uma forma de ver e dizer o outro, tornando-o realidade, à medida que é subjetivado” (JÚNIOR, 2007, p.13).

Desse modo, é no cotidiano, enquanto elemento intrínsecoque se constrói e re-constrói a noção de terr i tório. Essaindissociabilidade entre o território e o os sujeitos que dele seapropriam é o caracteriza a noção de “espaço de vida e espaçovivido” (GUY Di Méo apud KOGA, 2003, p.36), cuja concepçãose fundamenta no lugar onde os homens desenvolvem as práticascotidianas e o modo como esse lugar é reconstruído mentalmente

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pelos sujeitos ou representado pelo seu imaginário. (Ibidem,2003, p.36)

Inspirado na geografia social francesa e nostrabalhos de Di Méo, Milton Santos (2000, p.22), afirmaque a categoria território permite uma visão do cotidianovivido pelos moradores de um lugar.

“O território em si, para mim não éum conceito. Ele só se torna umconceito utilizável para análise socialquando o considerarmos a partir doseu uso, a partir do momento em queo pensamos juntamente com aquelesatores que dele se utilizam”.

No intuito de aproximar ainda mais do território de vidae do território vivido de Custódopolis, a realização do InquéritoPopulacional se colocou como alternativa. Através dele, foipossível identificar e mapear elementos que compõem amaterialidade da vida e que por sua vez, envolve dimensões emanifestações de aprendizagens sócio-espaciais, expressas nasexperiências de vida dos sujeitos que moram nesse lugar.

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9Moradia: lugar de apropriações e práticas

Isadora Marques de Souza Oliveira 1

Julia Lima Araújo 1

Juliana Peixoto Rufino Gazem de Carvalho 1

Raphael Mesquita de Aguiar 1

Regina Coeli Martins Paes de Aquino 2

Verônica Gonçalves Azeredo 3

1 Estudantes do 7º período do Curso de Arquitetura e Urbanismo do IFF e pesquisadores do Inquérito de Base Populacional em Custodópolis.2 Doutora e Mestre em Engenharia e Ciência dos Pateriais/UENF, Arquiteta/UFRJ, Profª. Titular e Coordenadora do Curso de Arquitetura e Urbanismo do InstitutoFederal de Educação- campus: Campos e líder do Núcleo de Pesquisas Aplicadas a Arquitetura e Construção Civil do IFF.3 Doutoranda em Política Social/UFF, Mestre em Serviço Social pela UFRJ, Assistente Social pela UFF, Profª. Adjunta do Curso de Serviço Social do ESR/UFF epesquisadora do Grupo Interdisciplinar de Estudo e Pesquisa em Cotidiano e Saúde- GRIPES/UFF.4 Reboco – Revestimento feito com argamassa fina, podendo receber pintura diretamente ou ser recoberto com massa corrida.

Nesse território privado (...) cadaum sabe que o mínimo apartamentoou moradia revela a personalidade deseu ocupante. (CERTEAU, 1998,p.203)

A moradia não se reduz à dimensão residencial. Seu cenáriointerior é palco de interações domésticas entre o espaço e indivíduosque dele se apropriam. Portanto, pensada sob a concepção deterritório, é definida como “unidade totalizante de regras sociais, defunções utilitárias, lugar de apropriações e práticas, onde se podeminscrever dinâmicas de confluência entre pessoas, lugares e processospsicológicos” (SALVADO, 2004, p.12).

Portanto, enquanto “espaço vivido”, a moradia é objetosinalizador e mediador de relações culturais, sociais e econômicas.

Sendo Custodópolis um bairro localizado na periferiada cidade, as condições ali materializadas, apontam para afragilidade econômica e social de seus moradores associada àinconstância de seus rendimentos. Isso é visivelmente percebidonas condições de moradia do local. Trata-se de “habitaçõesprecárias”, que segundo Sampaio (2003), é a situação de tododomicílio “sem condições de segurança, com risco dedesmoronamento, de inundação, de incêndio devido às ligaçõeselétricas precárias, além do perigo de contrair moléstiasinfecciosas decorrentes do acúmulo de lixo e de condiçõesinsatisfatórias de higiene”. (SAMPAIO,2003,p.1)

Esses argumentos indicam que a estrutura física damoradia implica em processos socioculturais que dão origem àsua construção. É desse modo, que Higuchi (2003) destaca aimpossibilidade de separar os aspectos materiais dos não

materiais, “pois um está contido no outro” (HIGUCHI,2003,p.52)Para melhor conhecer o lugar, a aproximação com as formas

de apropriação dos moradores com suas moradias é essencial. Poressa razão, a realização do Inquérito de Base Populacional,possibilitou identificar que a maioria dos moradores do bairro moraem casas (95,5%), alguns habitam em cômodos (3,6%) e há os queresidem em apartamentos (0,9%).

O uso predominante do solo urbano éo “residencial”. A tipologiahabitacional mais comum é a casatérrea, geminada (sem recuos laterais)e sem recuos frontais, com taxa deocupação do “lote” em torno de 80%.A ocorrência dos demais usos, comocomercial e serviços, é poucoexpressiva, sendo encontrados comfreqüência em conjunto com o usoresidencial, caracterizando o uso mistodas edificações. (Cordeiro, Szücs,p.64, 2003)

Na construção das paredes o material predominante éalvenaria com reboco4 (81,4%), seguido de alvenaria sem reboco(17,4%). Alguns (0,6%) utilizam reboco ou alvenaria com reboconas paredes e os outros (0.6%) não responderam. E ao contrário dopassado, a palha não é mais utilizada. Embora, em sua origem, obairro já tenha sido conhecido como “Cidade de Palha”, numareferência a esse tipo de material, predominante nas construções daépoca.

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Os telhados são em sua maioria (52%) de telhas deamianto (popularmente conhecida pelos entrevistados comoEternit), seguido de laje de concreto, representando 33% domaterial utilizado na cobertura. A telha de barro, no modelocolonial, indica o percentual de 12,9% dos casos. Outra opçãoreferente ao material utilizado (2,1%) é “telha francesa” (de barro)e a mistura entre amianto/Eternit e laje.

O material mais utilizado no piso é a cerâmica/piso frio(65,8%), depois o cimento (30,0%), seguido de madeira (2,1%).Há casas sem piso (1,2%) e outras (0,9%) cujos pisos são devermelhão e cimento, retalho de piso, taco ou granito.

As casas que possuem mais de cinco cômodosrepresentam um percentual de 39.4%, sendo 23,1% referente acinco, (21,6%) a quatro, (10,5%) a três, (3,3%) é o percentualequivalente a dois cômodos e (1,5%) a apenas um. Já (0,6%)indica os que não responderam a essa questão.

A maioria das casas possui banheiro entre os cômodos(93,1%), há moradias onde o banheiro se localiza na parte externa,no quintal (3,6%), mas tem casas sem banheiro (2,4%) e aquelas(0,6%) que não os tem, porém os moradores utilizam o banheiroda casa da frente ou o banheiro na casa da filha. E (0,3%) equivaleao percentual dos que não responderam.

Quanto à situação da moradia, a maioria (55,6%)respondeu que a casa é própria e já paga ou própria de algummembro da família (24,6%), há aquelas que embora na condiçãode “própria” ainda está sendo paga (1,5%). Os casos de aluguelrepresentam (8,1%) e na situação de casa “cedida”, o percentualé de 5,1%. Além dessas condições, (4,5%) apontam para moradiasherdadas e em inventário e há casos como a de uma moradoraque comprou a casa de “meia” com sua cunhada. O percentual de(0,6%) representa os que não responderam.

O desejo de realizar mudança na casa foi expresso em(76,9%) das entrevistas e 23,1% indica o percentual de moradoresque não possui tal interesse. Dentre os que gostariam de fazermudança, a reforma geral (48,8%) é a mais cobiçada, algunsprojetam uma pequena reforma (28,1%) e outros desejamaumentar o número de cômodos (13,3%), seguido de 9,8% cujaexpectativa é variada e vai desde terminar a construção, dividir acasa com o filho, construir um terraço, mudar a telha, colocarlaje, trocar o piso, reformar o banheiro, construir cômodos noalto (por causa da enchente), fazer a fachada, aumentar o quintale até construir uma nova casa.

Foi possível mapear no interior das casas, os bensexistentes: telefone fixo (42,3%), telefone celular (82,5%), geladeira(95,2%), fogão à gás(97,6%) freezer (14,4%) microondas (17,1%),filtro de água(55,8%), rádio (76,8%), aparelho de som (54,9%),DVD( 70,8%), TV (97,6%) rádio(76,9%), computador (22,2%),computador com internet(17,4%), máquina de lavar (61,5% ), TV(97,6%), antena parabólica(16,8%).Além de outros bens querepresentam o percentual de 11,4% e indicam a aquisição de bensvariados tais como: tanquinho, TV por assinatura, máquina decostura, ventilador, cafeteira, ferro elétrico, liquidificador, arcondicionado, espremedor de frutas e batedeira.

Na ocasião das entrevistas, os pesquisadores se auto-disciplinaram a observar e anotar em seus Diários de Campo, fatos quemereceram destaque do ponto de vista material e/ ou simbólico. Aoobservarem as condições de habitação, destacaram o desejo de uma dasmoradoras em “trocar o piso e pintar a casa. Observando-se que nasparedes não há reboco e o chão é de cimento”.

Há notas sobre uma “casa bastante prejudicada estruturalmente,com rachaduras profundas, goteira no teto, falta de iluminação e calorexcessivo em decorrência da falta de ventilação e da telha de amianto”.

Numa das moradias visitadas, havia uma mulher grávida de 8meses morando em precárias condições: “infiltração nas paredes,goteiras, fiação aparente, obra inacabada no terreno e entulho, causandoem decorrência das chuvas, acúmulo de água nos buracos existentes naobra e o aparecimento e proliferação de ratos.”

A evidência da precariedade, além de visivelmente observável,mereceu registro nos diários dos pesquisadores:

“contato com uma moradora que reside nobairro desde quando era conhecido comoCidade de Palha. Sua casa possui doiscômodos e não tem banheiro. Utiliza obanheiro da filha (no mesmo quintal) paraalgumas necessidades e balde para outras.Sua casa foi interditada pela defesa civil eaguarda providências”.

“Precária é esta residência. São apenas doiscômodos num terreno onde vivem seisfamílias. Quando chove tem goteira e alagatudo, deixando um lameiro no quintal.Relata o desconforto com as brigas dospróprios moradores no quintal, além doterreno servir de passagem/ fuga detraficantes em período de brigas defacções”.

“Apesar de ter juntado dinheiro paracolocar laje, no quarto da frente, a moradorarevela que teve que aplicar o recurso notratamento de saúde do marido que temproblema de coluna”.

“O quintal tem muito lixo, cachorro,galinha. A entrevistada apresenta manchasna pele e diz beber água de torneira”.“A casa não tem reboco, o sistema elétricoexposto, umidade aparente, banheiro noquintal, condições precárias de saneamentoe a falta de higiene é evidente”.

“Os terrenos das casas são muito pequenose não sobra espaço para fazer fossasdecentes. Eu fico prejudicada porque

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trabalho com bolos e doces (...). Essalama aí tem vinte e tantos anos, eumesma já fiz denúncias, mas ospolíticos não ligam para osaneamento da rua. Eu e minhavizinha gastamos muitas vassouras,limpando as calçadas e a rua.”

“Mesmo morando em condiçõesprecárias e sendo vítima constantedas enchentes, a moradora disse quenão quer sair do bairro. Na últimaenchente eu perdi muitos móveis,agora que estou conseguindo compraralguma coisa para dentro de casa”.

“Mora num terreno com mais quatrocasas de familiares. Sua casa épequena e o excesso de móveis adeixa ainda mais apertada”.

Considerando que o conceito de Habitação Saudável5 ,diz respeito à ”noção de pertencimento ao território e da inclusãodentro de um amplo contexto urbano, dando visibilidade ao plenoexercício de fruir, usufruir e construir um espaço com qualidadesaudável/habitável” (COHEN, 2007, p.194), pode-se afirmar queas habitações em Custodópolis não conjugam qualidade em termosde construção e entorno, condições adequadas de habitabilidadeurbana e da unidade habitacional, ambiência, semiologia do espaçoconstruído e a construtibilidade”(Ibidem, 2007, p.196).

No bairro há o predomínio de autoconstruções6, cuja

racionalidade dos espaços é determinada por imperativoseconômicos que resultam na redução excessiva das dimensõesdos cômodos ou a ausência deles, assim como na falta derevestimentos necessários. Tal evidência manifesta-se comoprejuízo para saúde e/ou segurança dos moradores.

Refletir sobre tais condições de moradia supõe considerarque

Diversos fatores de ordem histórica,social, demográfica, psicológica,política, econômica, ética e estéticase inter-relacionam na ação de morar.Portanto, é, ao longo da ocupação dasunidades, que percebemos se osespaços das habitações têm sidocapazes de atender minimamente às

necessidades dos moradores. (PENZIM,2001, p. 33).

Com o objetivo de assessorar as famílias, através de orientaçãotécnica, a efetuar reparos de baixo custo em suas residências,pesquisadores/estudantes de Arquitetura e Urbanismo do IFF, foram nascasas que tiveram sua visita autorizada7 . Do contato com os moradorese as moradias foi possível constatar múltiplas carências e dentre elas, ade informação quanto às condições de habitabilidade e ambiência.

Apoiados em conceitos humanizadores (KOLWALTOWSKI;PINA,2001), (PINA;PRADO,2004) e (BARROS,2008) que consideramas necessidades psicossociais e ambientais dos moradores, duascategorias mereceram destaque por parte dos pesquisadores: senso deurbanidade e senso de habitabilidade.

Raquel Barros chama a atenção para que num projeto dehabitação, o senso de urbanidade vise proporcionar:

vivacidade urbana, combate à segregaçãosocial e à dificuldade de locomoção;percepção do sentido de lugar em sintoniacom o entorno a partir da conformação eda articulação dos espaços externos;funções psicológicas de orientação eidentificação (BARROS,2008,p.85).

Nesse sentido, o senso de urbanidade supõe inclusão territoriale pertencimento a um espaço saudável. Desse modo, Bonduki afirmaque o conceito de habitabilidade urbana.

Parte de pressuposto de que a habitação seriaentendida em seu sentido macro,conjugando-se ao direito à cidade, ou seja,de estar inserida na malha urbana, baseadaem sua relação com a rede de infra-estruturae a possibilidade de acesso aos equipamentospúblicos. Esse conceito diz respeito àquestão do pertencimento ao território e dainclusão dentro de um amplo contextourbano. Por meio do desenvolvimento desteconceito, também poderia se dar visibilidadeao pleno exercício de fruir, usufruir econstruir um espaço com qualidade desaudável/ habitável (BONDUKI, 2002 apudCOHEN, 2004, p.27-28)

Em sua tese sobre Habitação Coletiva, Raquel Barros (2008,p.90) refere-se ao senso de habitabilidade, como sinônimo de

5 Habitação Saudável: conceito relacionado “ao território geográfico e social onde a habitação assenta os materiais usados para sua construção, a segurança e a qualidadedos materiais combinados, o processo construtivo, a composição espacial, a qualidade de acabamentos, o contexto global do entorno (comunicações, energia, vizinhança)e a educação em saúde ambiental de seus moradores sobre estilos e condições de vida saudável”. (COHEN;PERUCCI,2003).6 Autoconstruções – Método de produção de moradias para a população de baixa renda utilizando a mão-de-obra da própria população local7 Na ocasião do Inquérito de Base Populacional, perguntava-se aos entrevistados se desejavam receber à visita de estudantes de arquitetura para prestar aconselhamentos esugerir pequenas reformas, visando melhores condições de habitabilidade.

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“atendimento as necessidades básicas de conforto ambiental quepreencha as necessidades de refúgio, isolamento, convivência,ordem e variedade.”

Portanto, qualidade de vida é a palavra-chave definidorado conceito de Habitabilidade da Unidade Habitacional, que dizrespeito:

Ao conjunto de aspectos queinterfeririam na qualidade de vida nacomunidade de moradores, bemcomo na satisfação de suasnecessida-des físicas, psicológicas esocioculturais. Por meio desseconceito poder-se-ia visualizar asquestões como a de confortosambientais: luminoso, térmico,acústico e táctil: segurança dousuário e salubridade domiciliar edo seu entorno, que seriam asmesmas questões envolvidas nafruição, usufruição e construção doespaço arquitetural. (BONDUKI,2002 p.194)

Para a realização do Estudo de Caso, realizado pelosestudantes/pesquisadores de arquitetura, foi eleita, uma residênciade Custodópolis como objeto de intervenção, cuja visita técnicapossibilitou a elaboração de uma proposta que, ao apontar paraprecariedade das condições habitacionais, desenhou possíveismelhorias, realizáveis com baixo custo, cujo resultado possaatender as necessidades de uso, convívio e proteção.

O Caso:

Localizada na Rua Júlio Armond, a casa de dois quartos,sala, cozinha e banheiro, entre os cômodos, encontra-se situadajunto à de outros membros da família, em um único logradouro,impondo aos seus moradores uma convivência estreita. Moradoraentrevistada e proprietária, P.N.P possui 39 anos, tem comocondição civil o estado de solteira, convive com os filhos, possuiensino fundamental incompleto, profissão do lar, renda de menosde um salário mínimo e recebe benefícios (Cheque-cidadão eBolsa família), compondo uma renda familiar em torno de R$300,00.

Essa habitação foi escolhida para estudo, devido ao fatode abrigar em um único e reduzido espaço mais de cinco pessoas,entre elas crianças na faixa etária de 0 a 15 anos. A residênciapossui uma aparência já bastante deteriorada, pelo pouco tempode construção. Apresenta também graves problemas de higiene(entulho que abriga insetos e roedores; mofo; poeira; entreoutros). É importante ressaltar que esta é uma realidade comum

nas habitações em Custodópolis, porém especificamente esta residência,reúne um conjunto de características negativas que foram objeto desteestudo.

Foto 1: Área interna de uma residência em CustodópolisFonte: Raphael Mesquita de Aguiar, 2010

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Foto 2: Área interna de uma residência em CustodópolisFonte: Raphael Mesquita de Aguiar, 2010

Cobertura degradada

Falta de iluminação e ventilação natural

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As construções não possuem afastamentos apropriados,dificultando abertura de vãos, incidência da radiação solar e acirculação do ar, ocasionando doenças respiratórias entre outrosproblemas.

Ao adentrar no terreno, percebe-se que o poder aquisitivo dosmoradores diminui, refletindo em suas habitações. Esta casaespecificamente, não possui reboco em sua fachada, o que gera adeterioração dos materiais ali empregados.

Fotos 3 e 3.2: Área interna de uma residência em CustodópolisFonte: Raphael Mesquita de Aguiar, 2010

Foto 4: Área interna de uma residência em CustodópolisFonte: Raphael Mesquita de Aguiar, 2010

Foto 5: Área externa de uma residência emCustodópolisFonte: Raphael Mesquita de Aguiar, 2010

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Beiral Insuficiente

Falta de Revestimento impermeabilizante

Cortina de material permeável Fiação aparente dificultando a circulação

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Segundo o conceito de habitaçãosaudável, a habitação é consideradacomo um agente da saúde de seusmoradores e relaciona-se com oterritório geográfico e social ondese assenta os materiais usados parasua construção, a segurança equalidade dos elementoscombinados, o processoconstrutivo, a composição espacial,a qualidade dos acabamentos, ocontexto global do entorno(comunicações, energia,vizinhança) e a educação em saúdee ambiente de seus moradores sobreestilo e condições de vida saudável.Do ponto de vista do ambiente,como determinante da saúde, ahabitação se constitui em umespaço de construção edesenvolvimento da saúde dafamília. (AZEREDO, COTTA,SCHOTT, MAIA, MARQUES.2007 p. 744)

Com isso, uma das principais recomendações para se termínima salubridade8 é a incidência de luz solar e ventilaçãonatural, porém esses foram os primeiros problemas detectadosdevido à quantidade de construções num mesmo terreno. Outraproblemática foi a falta de revestimentos impermeáveis nas áreasfrias, como banheiro e cozinha, gerando problemas de infiltração,mofo, rachaduras, machas escuras nas paredes, além do aumentoda concentração de umidade no local.

Além do aspecto estético que osfungos apresentam, deve-seconsiderar o aparecimento deproblemas respiratórios nas pessoasque residem em locais com apresença dos mesmos. Os bolorescausados por fungos filamentosossão classificados como fungosalergênicos, que contribuem paraaparição de doenças como asma erinite em pessoas que têm atendência a este tipo de disfunçãorespiratória. (Shirakawa et al. 1995p. 408).

8 Salubridade – É o conceito relacionado a uma situação ou condição que não afeta, ao menos de forma potencial, a saúde das pessoas ali presentes.9 Abertura Zenital – É uma abertura localizada na cobertura de uma edificação.10 Fibrocimento – Material que resulta da união do cimento comum com fibras de qualquer natureza.

A partir dessa reflexão, é possível constatar que grandeparte das doenças apresentadas pelos moradores dessa comunidadedecorre do estado de má conservação das residências e de outrosproblemas constatados pelos pesquisadores como: possuir únicoacesso e este ser pela cozinha, janela do banheiro com aberturaacima do fogão, ausência de piso cerâmico, telhas quebradasocasionando vazamentos e deixando os moradores expostos aintempéries, fiação elétrica aparente obstruindo a passagem epondo em risco a segurança, falta de iluminação e ventilaçãosuficiente, principalmente nos quartos, má distribuição do layout,se tornando desconfortável do ponto de vista ergonômico.

Para Carmo e Prado (1999), a ventilação pode serentendida pelas pessoas como uma movimentação do arinternamente na edificação ou pela entrada do ar do ambienteexterno para o ambiente interno. Desse modo, a ventilação éinterpretada como uma combinação de processos que não sãoapenas consequências da entrada do ar externo, mas sim não saídado ar contaminado da região interna da edificação, processos essesque podem envolver a introdução do ar externo, mistura econdicionamento do ar interno em todas as regiões da edificaçãoe a retirada de uma parte desse ar interno. Pode ser deteriorada aqualidade do ar interno, quando uma ou mais partes desse processoforem inadequadas.

PROPOSTA DE INTERVENÇÃO

P.N.P relatou no inquérito populacional morar em uma casaprópria com paredes de alvenaria sem reboco, com telha de amianto(Eternit) predominante na cobertura, piso de cimento (ausência derevestimento). Quando interrogada se gostaria de fazer algumareforma em sua moradia, respondeu que gostaria de uma reformageral, apesar de não ter condições financeiras para tal.

Tendo em vista as observações supracitadas, foi elaboradauma proposta de projeto arquitetônico tentando amenizar osproblemas relatados com a util ização de poucos recursosfinanceiros.

As principais soluções encontradas seriam: revestir e pintaras paredes externas e internas, aumento dos vãos de ventilação,inversão do local da cozinha com a sala, proporcionando melhoracesso, conforto e circulação. Verificou-se a necessidade de criaçãode um prisma para ventilação que poderia ser usado como área deserviço e receberia a janela do banheiro, revestimento cerâmico nopiso da casa, abertura zenital9 no quarto e uso de telha de vidroproporcionando melhor iluminação e ventilação, troca das telhasde amianto pelas telhas de Fibrocimento10 , isolamento da fiaçãoelétrica, alteração do layout melhorando a ergonomia. Todas essaspropostas estão indicadas nas plantas a seguir.

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Planta 1: Planta baixa da residência antes daproposta de intervenção, 2010.Fonte: Equipe do Projeto: Isadora Marquesde Souza Oliveira, Julia Lima Araújo,Juliana Peixoto Rufino Gazem de Carvalho,Raphael Mesquita Aguiar e Regina CoeliMartins Paes de Aquino, 2010.

ANTES

11 PROPOSTA DA PLANTA

11 Prisma de ventilação e iluminação – Vão livre ao longo de toda a altura de um prédio ou casa, destinado a prover de ventilação e iluminação as unidades habitacionais ouos cômodos que se comunicam com ele.

Planta 2: Proposta de intervenção da planta baixada residência, 2010.Fonte: Equipe do Projeto: Isadora Marques deSouza Oliveira, Julia Lima Araújo, JulianaPeixoto Rufino Gazem de Carvalho, RaphaelMesquita Aguiar e Regina Coeli Martins Paes deAquino, 2010.

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PROPOSTA DA FAXADA

Planta 3: Proposta de intervenção da faxada da residência, 2010.Fonte: Fonte: Equipe do Projeto: Isadora Marques de Souza Oliveira, Julia Lima Araújo, Juliana Peixoto Rufino Gazemde Carvalho, Raphael Mesquita Aguiar e Regina Coeli Martins Paes de Aquino, 2010.

12 Argamassa – Mistura de materiais inertes (areia) com materiais aglomerantes (cimento e/ou cal) e água, usada para unir ou revestir pedras, tijolos ou blocos que formasconjuntos de alvenaria.

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Além das plantas acima e do layout, a equipe o IFFelaborou o quadro abaixo , u t i l izando o “Manual de

Conservação Preventiva da Edificação” (KLUPPEL, SANTANA,2005,p.104).

Quadro 1: Identificação dosproblemas encontrados e assoluções propostas para aresidência em estudo, 2010.Fonte: Fonte: Equipe doProjeto: Isadora Marques deSouza Oliveira, Julia LimaAraújo, Juliana PeixotoRufino Gazem de Carvalho,Raphael Mesquita Aguiar eRegina Coeli Martins Paes deAquino, 2010.

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Os pesquisadores do IFF, em visita as moradias deCustodópolis, identificaram um elevado nível de vulnerabilidadessócio-ambientais. De modo que a estrutura física das casas, aliadaa precariedade do entorno, não cumprem as condições básicas dehabitabilidade e ambiência. Isso porque entendem que:

Morar é uma condição indispensável àsobrevivência do homem. Antes detudo, a principal função da habitação éabrigar o homem das manifestaçõesclimáticas (sol, chuva, ventos, nevascasetc.), e dar-lhe condições de renovar suaforça de trabalho pelo repouso físico emental diário. A casa também reflete astradições culturais, hábitos e práticas deseus usuários, traduzidos pelo cotidianodoméstico vivenciado em seu interior.(...) Porém, a realidade da habitaçãopopular brasileira não atendesatisfatoriamente a essas funções.(CORDEIRO; SZÜCS, 2003, p.66)

Conforme Certeau (1998, p.204), refletindo o dia a dia, “onível de renda e as ambições sociais de seus ocupantes”, as moradiastem vida, e “só se tornam casas, pelo fato de se estar vivendo nela”(HIGUCHI, 2003, p53). O que a torna singular, são as histórias devida de seus moradores, conformadas em seus usos e práticas.

Singular enquanto lócus de vivências e refletindo amultifacetada arquitetura popular brasileira, a casa de alvenaria, ésonho de todos, e sua construção é a representação material esimbólica do “progresso”, comparada a construções de madeira,palha, materiais aproveitados, dentre outras possibilidades.

Sua construção demanda um conjunto de variáveis.Inicialmente o acesso ao terreno: comprado, ocupado ou cedido,dependendo da condição do sujeito que o ocupa. Sobre ele, ergue-se a morada. Em Custodópolis, pôde-se observar que é comum ummesmo logradouro ser dividido por várias famílias, possuindo ounão, mais de uma edificação e, apesar da maioria residir em casa demais de cinco cômodos, isso não é sinônimo de conforto, seja peloelevado número de habitantes ou pelas precárias condições dehabitabilidade.

Tais condições foram identificadas na ausência de rebocoque causa umidade e gera infiltrações, produzindo problemas naestrutura da obra e nas condições de saúde.

Nos telhados, há predominância do amianto (materialcancerígeno)13 , que apresenta alto índice de absorção do calor e suafabricação e comercialização tem uso proibido ou restrito em 52países14 . No entanto, apesar dessas considerações negativas, trata-

se de um recurso bastante utilizado nas construções populares, devidoao baixo custo, acessibilidade e fácil construtibilidade.

Outro material bastante utilizado nas unidades habitacionaisem Custodópolis é a “laje de concreto”, que por não receber aimpermeabilização necessária, não é apropriada e também causainfiltrações.

Pode-se concluir que o material mais indicado é telha de barro,que conforme dados apresentados, variou entre o modelo colonial efrancês. No entanto, o custo elevado, restringiu sua utilização.

Observou-se que o piso cerâmico é predominante e mesmoquem não o possui, demonstrou nas entrevistas, a consciência de queesta é uma etapa importante no processo de construção.

A precariedade das condições sanitárias, expressa na falta debanheiro no interior das residências é motivo de incômodo por partedos moradores, que por sua vez, não ignoram o fato de ser umaprioridade, ainda não operacionalizada, por falta de recursos financeirospara a aquisição de materiais e execução da obra.

Entretanto, os pesquisadores observaram que em geral, osmoradores tendem a privilegiar os bens existentes no domicílio, do quea reforma ou construção das casas, mesmo que estas estejam emcondições de risco ambiental e social.

Apesar disso, a maioria dos moradores entrevistados,demonstrou o desejo de realizar mudanças na casa, sendo a reformageral a voz predominante. Contudo, o percentual de 23,1%, ilustrarama condição dos que não tem interesse em reformas. Nesse caso, pode-se observar que em geral, esta é a situação dos que vivem em casasalugadas ou cedidas. Portanto, não ter posse legal, limita as açõessobre o espaço, não apenas em atos materiais, mas também cognitivos.Disso resulta, a falta de investimento, porque agir e sentir não estãoem sintonia (MOURÃO; CAVALCANTI, 2006, p145). É pelaapropriação que o morador sente que de alguma forma está ligado àmoradia.

É nessa relação de pertencimento e apropriação que aidentidade do morador e da moradia vai sendo construída. Trata-sede um processo quase sempre lento, visto que, conforme já citado, acasa de alvenaria em geral autoconstruída, é normalmente feita emestágios. O desenho são obras realizadas devagar e projetosinacabados, a depender da disponibilidade de materiais e da vontadedos moradores. A influência do aspecto psicológico do morador ganharelevância naquilo que a arquitetura classifica como “patologias daconstrução”15 .

Desse modo, a construção ou continuidade da casa de alvenariapode ser adiada por vários anos, por motivos diversos: problemas desaúde, família numerosa, desemprego, baixo rendimento, situação deposse indefinida, dentre outras razões.

Os dados revelaram que, dado o perfil dos moradores, numcurto espaço de tempo, não se consegue construir, reformar ou concluira obra por completo. Por isso, a aparência do bairro é de um lugar sempre

13 Cf: Cientistas descobrem como amianto causa câncer, esse é o titulo da notícia do Diário de Saúde de 02/07/2010. O perigo é com a degradação do amianto, que aosoltar fragmentos microscópicos no ar, há risco de inalação. (WWW.diariodesaúde.com.br -acesso em 13/09/2010)14 No Brasil a Lei Federal 9.055 de 1 de junho de 1995, autoriza o uso controlado do amianto branco, da variedade crisolita, do grupo dos minerais das serpentinas. Essetema tem gerado desde então disputas jurídicas entre empresas e o Ministério Público.(WWW.diariodesaúde.com.br – acesso em 13/09/2010)15 Patologias da construção – Sintomas ou defeitos que ocorrem nas edificações.

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em construção independente do tempo de moradia de seushabitantes.

Essa realidade reflete as condições das moradiaspopulares, objeto de ausência e/ou ineficácia das políticashabitacionais e do planejamento urbano no Brasil.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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10A questão habitacional e seu entorno em Custodópolis

Katarine de Sá Santos1

Késia Silva Tosta2

Paula Emely Torres3

1 Assistente social, Professora do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional – Universidade Federal Fluminense, Mestre em Planejamento Regional eGestão de Cidades – UCAM/Campos, membro do Grupo Interdisciplinar de Estudo e Pesquisa em Cotidiano e Saúde – GRIPES/UFF.2 Acadêmica de Serviço Social/UFF-Campos – Bolsista de extensão à época da pesquisa.3 Acadêmica de Serviço Social/UFF-Campos – Bolsista do PIBIC à época da pesquisa.4 Devemos realizar um destaque sobre sociedade civil, pois este conceito torna-se importante para a discussão que travamos, tendo em vista, que será neste espaço queestarão os tensionamentos e disputas políticas contraditórias. Sobre esta questão ver Coutinho (1999).5 Esta questão foi tratada no artigo Território de Custodópolis: mapeando memórias e lugares, desta revista.

Introdução

O estudo realizado no bairro de Custodópolis – que deuorigem ao Inquérito Populacional, objeto das análises em tela –entre as várias questões investigadas e analisadas, apresenta nesteartigo, por intermédio do mapeamento do território, o tempo demoradia e o entorno.

Desta forma, a discussão a ser realizada aqui, fala de umlugar específico sendo esse o “lugar” em que se vive e que traduzuma realidade que envolve o território, visto como espaço físico-geográfico, político, cultural e, sobretudo, de construção de relaçõessociais que se constituem no movimento da vida cotidiana dascomunidades.

Segundo Cazollato (2005, p. 79), o que reflete os resultadosdas ações humanas é o produto das relações sociais concretas quese dão no espaço-tempo de determinado território. Neste sentido, oprocesso de ocupação de dado espaço social envolve diferentesfatores, e o mais importante a demanda por um teto, que possibiliteaos sujeitos sociais criar raízes e produzir história.

No momento que faz referência ao conceito de território,Milton Santos (2002, p.84) considera que este não é “apenas umconjunto de formas naturais, mas sim um conjunto de sistemasnaturais e artificiais”. Isto significa que o espaço territorialcompreende além do chão onde serão construídos os prédios dasmoradias, uma arquitetura que congrega aspectos culturaissimbólicos, herança histórica e realidades jurídicas, sociais,econômicas, políticas, representativas daquela determinadacomunidade.

Esse ponto de análise, demonstra que se deve problematizaras organizações e reorganizações que se dão no respectivo território,bem como a correlação de forças políticas e as relações de poderpresente na sociedade civil4 , pois cada realidade possuirácaracterísticas específicas e, muitas vezes, diferenciadas. Por essarazão não se pode deixar de lado o reconhecimento de que aurbanização brasileira ocorreu de forma fragmentada e desigual, eesta compreensão permite o delineamento de um caminho para oentendimento dos bairros periféricos, que em sua maioria são

fundados a partir de uma realidade excludente, que empurrou aspopulações destes espaços “economicamente carentes”, para as áreasmais afastadas da parte central das cidades.

Sobre esta questão Villaça (1998) aponta para o fato de quea segregação é produzida pelas classes dominantes, e reflete de formaacentuada as diferenças de classe, na medida em que a localizaçãoda moradia ganha uma dimensão social, passando a simbolizar ostatus econômico dos moradores de determinado lugar.

Ainda com referência a segregação espacial, Corrêa (2002,p. 73) comenta que a periferia da cidade, vista como o local dapopulação de baixo status social, ratifica em um momento posterior,este papel, ou seja, “o de ‘locus’ de corrente migratórias da zonarural ou de pequenas cidades, ou mesmo de grupos provenientes deantigos núcleos periféricos”.

Percebe-se, que no caso dos moradores de Custodópolis, aconcentração naquela área do Parque Guarús, envolveu o fato de tersido o bairro, anteriormente, um canavial onde muitos dos futurosmoradores trabalharam no corte da cana. Com a decadência da culturado açúcar na região, essas famílias tiveram que procurar um lugarpara erguer suas moradias, o que fez surgir a “Cidade de Palha”,nome original do bairro de Custodópolis5 . A situação dos moradorese da ocupação do território, já revela que se concentrou no espaçode loteamento da terra do Dr. Custódio Siqueira, antigo dono dosterrenos que deram origem ao bairro, trabalhadores de baixa renda,remanescentes em sua maioria, da lavoura da cana-de-açúcar e quepor ali fizeram suas casas de palha, se instalando em estado devulnerabilidade.

A questão da vulnerabilidade social, diz respeito aos riscosque envolvem as famílias, que de acordo com a CEPAL (2002, p.1)“está diretamente ligada a incapacidade de resposta frete àcontingência (...) e a uma inabilidade de adaptar-se ao novo cenáriopela materialização do risco”, como vem revelar os dados da presentepesquisa.

Uma comunidade que emerge a partir da contradição postapelo capitalismo, historicamente condicionou aos trabalhadoresmanuais o status de “inferiores” na escala das funções exercidas nacomplexa divisão do trabalho do modo de produção capitalista,

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portanto, conseqüentemente se torna um espaço onde imperam asformas de exclusão comuns ao sistema econômico vigente.

Nesse contexto, no qual o bairro foi erguido, o espaçoocupado é efetivamente o lugar sob o qual será erguida a moradia,com todo aparato sócio-econômico-político que envolve a culturade determinado território. Sobre isto, Santos (2005, p. 32) comenta:

A redistribuição dos papéis realizadosa cada novo momento do modo deprodução e da formação social,depende da distribuição quantitativa equalitativa das infra-estruturas e deoutros atributos do espaço. O espaçoconstruído e a distribuição dapopulação, por exemplo, não tem umpapel neutro na vida e na evolução dasformas econômicas e sociais. O espaçoreproduz a totalidade social na medidaem que essas transformações sãodeterminadas por necessidades sociais,econômicas e políticas.

Com base na questão apresentada acima, compreende-se oterritório como o lugar da dinâmica social, incluindo nestes termos,não apenas as moradias e as pessoas que ali moram, mas o conjuntodas formas preexistentes e existentes, que na dialética concreta docotidiano vão movimentando as histórias de vida dos moradores dobairro de Custodópolis. Isto quer dizer, que a partir deste movimento,se constrói uma dinâmica social atravessada por estasparticularidades e singularismos locais.

As análises referentes ao território levam conceito de“urbanismo”, que segundo Harvey (1980, p. 192) é decorrente dotrabalho excedente, na medida em que o modelo de urbanismoacrítico, que é organizador da cidade capitalista “muito mais que semanifestar enquanto causa criadora desse produto social excedente,aparece como um artifício facilitador e justificador de suaprodução”.

Logo, não é fora da lógica capitalista, que o bairro deCustodópolis é entendido neste estudo, visto que seus moradores seconcentram naquelas terras do Parque Guarús, pelo processo queresulta da exploração do trabalho6 , produzindo uma população“excluída” e subalternizada, que não consegue encontrar nesta lógica,condições para sua reprodução a partir de padrões consideradosadequados, incluindo aí a questão da moradia. Temos aí, portanto anecessidade de pensar a realidade a partir de sua objetividadeconcreta, pois será apenas a partir deste movimento teórico-prático,é que conseguiremos compreender as múltiplas determinaçõesexistentes nesta realidade, e enfrentá-las politicamente.

As relações que ocorrem no cotidiano dos centros urbanos,refletem em seu interior, as relações existentes entre o modo de

produção capitalista e a cidade, mediadas pelo mercado de troca, comosinaliza Harvey (1980, p. 44) “este processo produtivo marcado porcontradições, envolve a circulação de riquezas, bem como osinstrumentos que direcionam sua distribuição e os sujeitos, que comoatores que circulam neste cenário, se movimentam, desde a etapa inicialdo processo de produção”.

Refletir sobre este tema, a partir de uma análise crítica sobre acidade e suas contradições que se apresentam cotidianamente em seuentorno, significa constatar que o mercado de troca e seus valoresprovocam exclusão, não-inclusão, determinando formas diferenciadasde acesso das populações dentro do mesmo espaço social. Percebe-seque neste jogo interno de trocas, o mercado, ao utilizar sua racionalidade,gera relações que são excludentes e, que ao negarem condições materiaisde vida ideais, a determinados segmentos sociais acabam por reproduziras desigualdades que estão em sua base produtiva.

Este processo, por si só desigual e intencional, faz com que umnúmero significativo de pessoas vivencie, de forma distinta, o acessoaos produtos que preenchem as necessidades humanas essenciais. Esteprocesso estimula a produção da escassez na medida em que justifica asausências criadas pelo mercado de troca, banalizando as privações.

Por outro aspecto, se observada a partir da lógica do indivíduo,que em decorrência da situação material de vida, se vê privado do mínimonecessário a uma existência digna, a produção e reprodução de bens eserviços, deixa de ser algo abstrato, para concretizar-se na fome, nafalta de habitação, nas condições de precariedade na vida e no trabalhoe, sobretudo, na ausência de perspectivas. O movimento dinâmico decontinuidade e descontinuidade da produção focada numa economia detrocas, aponta para as realidades que atravessam o momentocontemporâneo das famílias que vivem no entorno das cidades, de grandee médio porte.

A questão habitacional em Custodópolis

A partir das questões mais gerais apresentadas, doravanteproblematizaremos a realidade da questão da moradia e entorno emCustodópolis, tendo como referência o instrumento utilizado para arealização da pesquisa que foram entrevistados moradores desteterritório. As questões tratadas neste item, referem-se a problemáticasque se encontram no campo da infra-estrutura do entorno, como questõesrelacionadas a enchente e alguns serviços prestados, como a coleta delixo e o transporte coletivo.

Os dados apresentados a seguir, possibilitarão a visualizaçãode alguns resultados do processo de urbanização do bairro, contemplandodados sobre a infra-estrutura urbana, transportes, rede de saneamento,serviços públicos e riscos urbanos apresentados em Custodópolis.

A dinâmica social de Custodópolis, pensada como movimento,possível pelo processo de divisão do trabalho, é estabelecida a partir daorganização espacial, que pode ser visualizada no fato de que 45% dosentrevistados sempre moraram em Custodópolis e 55% migraram parao bairro. No entanto, 45,4% moram no local há mais de 20 anos, 11,5%

6 Sobre esta questão ver o Capital . Marx (2001).

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no período entre 16 a 20 anos, 12,6% entre 11 a 15 anos, 10,9%de 6 a 10 anos e os novos moradores, que habitam esse espaço noperíodo de 1 a 5 anos representando 14,7% e aqueles que chegarama menos de um ano, com 3,8%, seja pela criação de novas formaspara atender novas funções, seja pela alteração funcional dasformas já existentes.

Antes de morarem em Custodópolis alguns dosentrevistados residiram em outros estados, como: Espírito Santo eBrasília-DF. No Rio há os que já moraram em Angra dos Reis, noMéier, em Niterói, Cabo Frio, São Francisco do Itabapoana e SãoJoão da Barra. Também vieram de alguns distritos de Campos dosGoytacazes: Dores de Macabu, Travessão, Morro do Coco, Sapucaia,em localidades da baixada campista (Tócos, Saturnino Braga, BaixaGrande) e de Guarus (Parque Guarus, Jardim Carioca, Santa Helena).

Migraram desses lugares para Custodópolis por motivosdiversos, sendo que 23,5% em razão de casamento, 6% paraescapar do valor do aluguel onde moravam, 4,4% para morar comparentes em razão do desemprego, 2,7% por conta da proximidadecom o trabalho, 3,8% por possibilidade de trabalho, 30,6% pormotivo de questões familiares diversas, 11,5% por possibilidadede acesso à casa própria e 15,8% por motivos não declarados.Neste sentido, Milton Santos afirma que a cada momento dadivisão do trabalho, os indivíduos redistribuem-se, através de suasfunções novas e renovadas, no conjunto de formas preexistentesou novas; a esse processo pode chamar-se de geografização dasociedade (SANTOS, 2005).

Vindo para Custodópolis, os entrevistados avaliaram asmudanças nas condições de sua moradia. Para 25,1% não houvemudança, 20,8% revelaram que antes moravam melhor e 53,0%afirmam que a moradia em Custodópolis é melhor. Dessa forma,a dinâmica dos sujeitos sociais apresenta uma função, segundoHarvey, no desenvolvimento do modo de integração do mercadode troca. Ela funciona como um lugar de disposição de produtoexcedente (HARVEY, 1980, p. 195), por isso, pode serinterpretada parcialmente, como um campo destinado a produzirdemanda efetiva, sendo um palco onde os atores têm sempre novasnecessidades.

Ao serem perguntados se gostariam de morar em outrobairro, 64,6% responderam que não, e 35,1% que sim. Dos queresponderam sim, justificaram seus motivos: 6,2% por problemasde transporte, 16,6% por falta de oportunidade de emprego, 21,2%pela violência, 4,6% devido a falta de escolas, 14,1% peloalagamento das ruas no período das chuvas, 12% refere-se adificuldade de assistência a saúde, e 25,3% por outros motivosque no geral se resumem a questões relacionadas a família equestões gerais do bairro, o que nos leva a compreender acontradição inerente ao próprio sistema de produção, onde não épossível concentrar a riqueza sem produzir a sua própria negação.

A maioria dos entrevistados (76,9%) gostaria de realizaralgum tipo de mudança na casa onde mora, mas 23,1%demonstraram estar satisfeitos com a mesma. Entre os que desejama mudança, 48,8% planejam uma reforma geral, 28,1%intencionam realizar pequenas reformas, 13,3% desejam aumentar

o número de cômodos e 9,8% aspiram outros tipos de mudança na casa.Quando se aborda a questão da organização da sociedade de

classes, a lógica da modernidade aponta para a manutenção dos espaçosmarginais. Isso porque estes espaços, não recebem a devida importânciado Estado por se localizarem nos limites ou nas margens do tecidourbano, ou porque são espaços residuais ou reduzidos, mas independentedo seu tamanho e localização, são espaços do ponto de vista urbano esocial, não-regulares, nos quais as condições “naturais” de vida são“infranaturais”, ou estão aquém do que uma sociedade concreta podeconsiderar “normal” (ROBIRA, 2005). A consequência desteafastamento do Estado na organização de serviços públicos, será umaprecarização das condições de vida dos morados deste território, quealém de habitarem moradias muitas vezes precárias, não poderão contarcom serviços públicos essenciais e de qualidade.

Os espaços marginais conforme a mesma autora, constituemos territórios-reserva onde se produz a acumulação da escassez, “sociale economicamente, os espaços marginais também estão fora do sistemaregular de produção, consumo e formação. Seus habitantes constituema reserva de mão-de-obra metropolitana, portanto o subemprego e odesemprego são situações dominantes” (ROBIRA, 2005, p.17).

Esses espaços marginais, ao perpetuarem as carências sociaise culturais, assim como as de emprego, garantem o processo deacumulação do capital. Este é responsável por manter exclusões ereinventar não-inclusões, por sustentar-se numa prática quecontinuamente nega a vida.

Sem pertença, política e social, não háhumanidade. A exclusão resulta antes detudo numa expulsão da própria condiçãohumana. Fora da pertença nada de humanoexiste. Não há humanidade semcomunidade. A experiência da exclusão nãoé transitória, nem resulta de uma suspensãomomentânea ou sobressalto acidental. Aexclusão é condição definitiva de um seratirado pra um lugar exterior à vida comum.Porque o eu se define na relação com osoutros num espaço comum, a exclusão tornaalguém estrangeiro de si mesmo. Oshomens lixo são também o produto daarquitetura da exclusão. Onde não seentende o urbanismo como desenho doespaço público, mas como sistema policialde controle, vigilância, repressão emarginalização (MOURA, 1996, p.16)

Os espaços que foram colocados à margem da dinâmica deplanejamento, representa o outro lado da lógica da produção eacumulação de riqueza. Eles atuam como elemento integrante do modode produção, alimentando sua própria dinâmica de produção ereprodução, pois são “obrigados”, pela divisão social do trabalho, apermanecerem na precariedade. A escassez que representam, garante osprocessos de acumulação desigual.

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Aprofundando a discussão acerca do modelo deurbanização ocorrido no Brasil, verifica-se que este resultou emcidades marcadas pela fragmentação do espaço e pela exclusão sociale territorial. A partir desta perspectiva, quando se fala em urbanizarnão se pode esquecer da realidade local, de modo que tal processoproporcione: uma cidade com equilíbrio nas relações sociais; comum desenvolvimento econômico que respeite o meio ambiente; euma boa qualidade de vida para a população.

Conforme Canuto (2008), a concepção de urbanizar não sesepara, e nem pode, do que é cidadania. Uma população tem suacidadania esvaziada de sua dimensão política, quando se encontraem condições praticamente desumanas, vivendo em subempregos,nas ruas, em submoradias.

Do latim civitate, cidadania provém decidade e indica ligação com o Estado.Significa a condição da pessoa que seencontra no gozo de direitos que lhepermitem participar da vida política,podendo votar e ser votado. (...)Cidadania é participação na vida doEstado e pressupõe cidadãos, cujosdireitos civis e políticos são protegidose defendidos pelo Estado, encarregado,também, da implementação dos direitoseconômicos, sociais e culturais. Ocidadão pleno titulariza direitos civis,políticos e sociais; os civis são osfundamentais à vida, à liberdade, àpropriedade e à igualdade; políticossignificam a participação do cidadão nogoverno, podendo votar e ser votado, esociais são o direito à educação, saúde,trabalho, moradia, lazer, segurança,previdência social, proteção àmaternidade e à infância, assistência aosdesamparados, como prevê o artigo 6ºda CF de 1988. (CANUTO, 2008: 220)

Ao relacionar-se cidadania com território verifica-se que:

O território também representa o chãodo exercício da cidadania, poiscidadania significa vida ativa noterritório, onde se concretizam asrelações de vizinhança e solidariedade,as relações de poder. É no território queas desigualdades sociais tornam-seevidentes entre os cidadãos, ascondições de vida entre moradores de

7 Segundo as informações coletadas, em Custodópolis, os moradores construíram um sistema clandestino de esgoto, com manilhas que passam no subsolo do bairro e levamos dejetos de algumas casas para um “valão” existente no bairro vizinho.

Fonte: Inquérito Populacional 2009/2010

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Gráfico 1: Existência de Calçamento na Rua

uma mesma cidade mostram-sediferenciadas, a presença/ausência dosserviços públicos se faz sentir e a qualidadedestes mesmos serviços apresentam-sedesiguais. Desta forma, o direito a ter direitoé expresso ou negado, abnegado oureivindicado a partir de lugares concretos:o morar, o estudar, o trabalhar, o divertir-se, o viver saudavelmente, o transitar, oopinar, o participar. (KOGA, 2003, p. 33).

Se a cidade, o território deve ser o lugar do exercício dacidadania, o processo de urbanização não pode admitir que umaglomerado de pessoas que não tem uma vida digna seja enquadrado nosignificado de urbanizado. Canuto (2008) também explicita que umavida digna, sugere o acesso a tudo o que uma cidade pode proporcionar.Dessa forma, quando a urbanização resulta em favelas, cortiços,submoradias, ou até mesmo em falta de moradias, não realiza o seusignificado pleno, pois não dá ao ser humano as condições de exercer acompleta cidadania e viver dignamente.

No âmbito das condições de moradia, um aspecto importante aser considerado em Custodópolis é a questão do lixo e do saneamentoambiental. Neste sentido, dentre os entrevistados, 98,2% informaramque o lixo é coletado diretamente na rua, enquanto 1,8% apontaram talprocesso através de caçambas.

Quando questionados sobre o sistema de esgoto verificamos que56,5% utiliza fossa séptica, 24,3% recorrem a fossa rudimentar, 14,4%dos entrevistados utilizam rede pública, 2,4% escoam o esgoto diretopara o rio/lagoa/valão, 1,2% vala a céu aberto e 0,9% usam de outrosmeios. Cabe destacar que não existe rede pública de esgoto no bairro, esim uma ligação irregular que leva o esgoto de algumas casas para umavala. Desse modo, 14,4% dos moradores pesquisados que responderamrede pública, desconhecem o que é este sistema, confundindo-o comligação irregular7 .

Em relação ao calçamento das ruas o gráfico a seguir permiteobservar este dado:

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Ao serem indagados a respeito da rede pública deabastecimento de água, 89,8% dos moradores informaram que autilizam, sendo que 8,7% usam poço, 0,3% nascente e 1,2% serve-se de outros meios.

O gráfico a seguir permite a visualização de tais dados.

Fonte: Inquérito Populacional 2009/2010

Com relação a água, verificou-se que 49,6% bebem águamineral, 25,2% recorrem a filtros antes da ingestão, 19,5% nãorealizam nenhum tipo de tratamento, 2,7% fervem a mesma, e osdemais (3,0%) usam outras alternativas como a cloração.

No que se refere o transporte coletivo foi informado por100% dos entrevistados que este existe. Desses 81,7% disseramque o tal serviço atende totalmente as necessidades da sua família,enquanto 18,3% afirmaram que não. Ressalta-se também que destes18,3%, 68,8% informam que essa insatisfação decorre dainsuficiência de horários, 6,6% por causa da distância da sua casaem relação ao ponto de ônibus, 6,6% falam da necessidade derecorrer a mais de um ônibus para chegar a escola/trabalho, 14,7%por outros motivos e 3,3% não responderam.

Dentre os transportes o mais usado pelas famílias, o quese destaca é o ônibus, informado como o principal meio delocomoção por 56,8% dos entrevistados, seguido pelas vans/lotações (20,7%), o carro (14,1%), moto (3,6%), bicicleta (3,6%)e outros meios (1,2%).

Um aspecto também lembrado em relação às condiçõesde vida no bairro, foram os momentos das fortes chuvas. Embora34,5% não identifiquem tal fato como problema, 46,0% areconheceram, atingindo tanto o bairro, quanto sua rua, enquanto15,9% afirmaram ter este problema no bairro, mas não na sua rua,e 3,6% identificaram outros itens, como infiltrações em casa. Caberessalvar que dos 65,5% que responderam haver algum tipo deproblema no bairro, e/ou na rua, os aspectos destacados foram: osalagamentos nas ruas (31,4%); o transbordo das fossas (20,1%); asgoteiras e/ou infiltração nas casas (14,5%); o lixo e sujeiras nasruas (14,3%); a dificuldade de entrar e sair de casa (14,2%); eenfatizaram outros problemas (5,5%).

No que se refere aos riscos no local onde moram, 47,1%dos entrevistados disseram que os mesmos não existem, 52,6%

afirmam que há e 0,3% não responderam. Destes 52,6% que afirmaramhaver riscos, 28,8% destacam as drogas, 28% a violência, 13,2%enchente, 12% doenças por falta de saneamento, 9,9% acidentes detrânsito e 8,1% citaram outros riscos relacionados a assistência a saúdee problemas estruturais da casa onde moram.

Diante de todos estes aspectos, os entrevistados foramquestionados em relação a satisfação com o local em que vivem. Suasrespostas evidenciaram que 21,6% dizem não estar satisfeitos,contrapondo-se a 78,1% que se manifestaram de modo favorável,cabendo ressaltar que 0,3% não responderam.

Verifica-se que as conseqüências geradas pelo crescimentoterritorial, sem planejamento no bairro, causaram sérios problemas,principalmente no que se refere a estrutura urbana. Esta população sofrepor não ser servida adequadamente no que tange ao saneamento básico,uma vez que, conforme o Artigo 60 da lei nº. 7.972 de 10/12/07 – PlanoDiretor de Campos dos Goytacazes –, considera-se saneamento básicoo conjunto de serviços, infra-estruturas e instalações operacionais de:

I – Abastecimento de água potável:constituído pelas atividades, infra-estruturas e instalações necessárias aoabastecimento público de água potável,desde a captação até as ligações predicaise respectivos instrumentos de medicação.II – Esgotamento Sanitário: constituídopelas atividades, infra-estruturas einstalações operacionais de coleta,transporte, tratamento e disposição finaladequados dos esgotos sanitários, desdeas ligações predicais até o seu lançamentofinal;III – Limpeza urbana e manejo deresíduos sólidos: conjunto de atividades,infra-estruturas e instalações operacionaisde coleta, transporte, transbordo,tratamento e destino final do lixodoméstico, hospitalar e industrial além dolixo originário da vacinação e limpeza delogradores e vias públicas.IV – Drenagem e manejo das águaspluviais urbanas: conjunto de atividades,infra-estruturas e, instalaçõesoperacionais de drenagem urbana deáguas pluviais, de transporte, detenção ouretenção para o amortecimento de vazõesde cheias, tratamento e disposição finaldas águas pluviais drenadas nas áreasurbanas.

Correlacionando as concepções destes conjuntos de serviços,com os dados obtidos no inquérito, apresentados anteriormente,verificou-se diversas questões que merecem uma análise mais detalhada.

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Foto 1: Esgoto no território de CustodópolisFonte: Arquivo GRIPES

Os desafios da moradia e o seu entorno em Custodópolis

No âmbito da “Limpeza urbana e manejo de resíduossólidos” verificou-se que há uma coleta de lixo efetiva no bairro,porém estes resíduos não possuem local adequado de armazenamentoanterior a realização de sua coleta, pois 98,2% dos entrevistadosinformaram que estes ficam acumulados diretamente na rua. Essedado vem a se confirmar na visualização obtida no percorrer pelobairro, na medida em que se observa uma grande variedade deresíduos acumulado nas ruas e em alguns terrenos, além do elevadoíndice de esgoto a céu aberto, o que pode ocasionar doenças a estapopulação.

A ausência de um “Esgotamento sanitário” é algo destacadopelos entrevistados, pois não há uma rede pública de esgoto no bairro,que pode ser verificado nas seguintes falas:

“As fossas transbordam quando chovee alaga todo o quintal.”

“Um mês atrás duas fossastransbordaram, fiquei ilhada, fora ocheiro horrível, já teve caso aqui demorrer três crianças da mesma famíliapor falta de saneamento básico, pareceque foi doença de rato.”

“Alaga a rua e mesmo com o sistema demanilha, alaga tudo. Vem toda a águada pracinha.”

“A falta de esgoto é a pior coisa dobairro. Tive que fazer uma fossa paraescoar o esgoto. Se deus não ajudar aágua invade a casa.”

Os problemas resultantes da falta de uma rede de esgoto nobairro também produzem diversos problemas decorrentes das chuvas,essa realidade é verificada à medida que 65,5% dos entrevistadosinformaram haver problemas no bairro, e/ou rua, decorrentes destefator.

Destes problemas, destacaram-se o alagamento das ruas(31,4%) e o transbordo das fossas (20,1%), ou seja, questões que seapresentam não pela chuva em si, mais pela ausência de umescoamento das águas destas chuvas, ou melhor, da ausência dedrenagem urbana, conforme nos mostra Morais (2009). Este mesmoautor, recorrendo a Tucci, afirmar que “inundações são conseqüênciasdo aumento das áreas impermeáveis e da canalização dos rios”, sendoa resolução destes problemas algo possível a partir de medidas jáapontadas pelo Ministério das Cidades brasileiro, que são a

adoção de políticas públicas queintegrem as quatro pontas das ações dosaneamento ambiental (abastecimento

de água, esgoto sanitário, drenagem urbanae gestão de resíduos sólidos/lixo); a maiorparticipação dos responsáveis pelosimpactos no pagamento dos custos dassoluções; controle social da gestão dadrenagem urbana; e, a adoção de inovaçõesambientais na definição das soluções.”(MORAIS, 2009, p. 41)

Pode-se visualizar os problemas decorrentes da falta de umesgotamento sanitário no território de Custodópolis, a partir das seguintesfotos:

Foto 2: Lixo/entulho no território de CustodópolisFonte: Arquivo GRIPES

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Verifica-se que esta realidade “além do efeito visualnegativo, torna-se propício à disseminação de doenças,multiplicação dos animais nocivos como rato, animais peçonhentose outros aspectos degradantes, do ponto de vista da saúde públicae do meio ambiente.” (ALVES, 2004, p. 759).

Já com relação ao “Abastecimento de água potável”,observa-se que este ocorre de modo considerável na medida emque 89,8% dos entrevistados afirmam possuir abastecimento de águaatravés da rede pública, porém não podemos deixar de destacar,que 10,2% dos moradores do bairro não possuem este tipo deabastecimento e não tem como verificar se a água consumida nestescasos, está em conformidade com os padrões de potabilidade paraágua para consumo humano.

Embora 80,5% dos entrevistados consumam água quepassaram por algum tipo de tratamento, verifica-se um alto índicede pessoas que consomem água direto da torneira, dessa forma,estes indivíduos e suas famílias estão expostos a uma possívelcontaminação, pois não se sabe se a água consumida está dentrodos padrões de potabilidade estabelecidos pelo Ministério da Saúde,conforme nos apresenta Domingos (2008).

Em relação aos meios de transporte, os coletivos são osmais utilizados pelos entrevistados (56,8% Ônibus e 20,7% vans/lotação) sendo este resultado algo já apontado por Vasconcellos(2000) quando ele afirma que

Apesar da relevância aparentementecrescente do automóvel, os países emdesenvolvimento podem seraparentemente classificados em umprimeiro momento ou como países nãomotorizados (especialmente a África)ou como países que dependembasicamente de meios motorizados,principalmente o transporte público.Quanto ao transporte coletivomotorizado, o meio mais utilizado éindiscutivelmente o ônibus (e suasvariações), independentemente daregião. (VASCONCELLOS, 2000,p.20-21)

Ainda com relação ao transporte, foi verificado que 18,3%não estão satisfeitos com o atendimento, tendo como principalmotivo a insuficiência de horários, apontado por 68,8% destes.Verifica-se a partir de Leal (2002), que as empresas determinam aorganização do horário e a quantidade de ônibus disponível e que“os ônibus atuam com um grau de autonomia que parece indicarque a regulação existe apenas para a preservação dos mercados”(LEAL 2002, p.33), dessa forma, o transporte “público” acaba poratuar em favor dos lucros dos empresários, obedecendo a lei domercado, ficando aquém do atendimento de qualidade as

necessidades da população que o utiliza.Campos dos Goytacazes foi a primeira cidade da América

Latina a receber o serviço público municipal de iluminação elétrica em1863, inaugurado por D. Pedro II8 , que era realizada por uma termelétricaa vapor. Em consonância com este marco histórico, constatou-se que98,8% dos entrevistados possuem iluminação elétrica em casa e 97,3%afirmam que existe iluminação pública na sua rua.

Entende-se por Iluminação Pública “o serviço que tem porobjetivo prover de luz, no período noturno ou nos escurecimentosdiurnos ocasionais, os logradouros públicos, inclusive aqueles quenecessitem de iluminação permanente no período diurno (Resoluçãoda Agência Nacional de Energia Elétrica - Aneel n.º 456/2000)”. (SILVA,2006, p.1).

O mesmo autor aponta “dentro de um mesmo municípiopodem ser verificadas localidades urbanas onde ainda não existeiluminação pública, o que pode inclusive sinalizar a falta de outrospontos na infra-estrutura básica de água, saneamento, pavimentaçãoetc.” (SILVA, 2006 p. 3), apesar dessa afirmação o que vemos emCustodópolis é uma situação diferente na proporção que não há umarede de saneamento no bairro, porém há iluminação pública, umconsiderável serviço de abastecimento de água e pavimentação. Comrelação ao último, foi apontado, por 97,3% dos entrevistados, quehá calçamento em sua rua.

Por último, analisam-se os riscos urbanos informados emque 52,6% dos entrevistados, entende o risco enquanto “uma criaçãosocial, mediada pela capacidade de apreensão que cada grupohumano desenvolve sobre ele.” (Zanirato et al, 2007 apud Ribeiro,2010, p. 3), cabe ressaltar que por risco urbano compreende-seaqueles decorrentes dos uso e da ocupação do solo urbano (CORTEZ,2003).

Dos riscos apresentados pelos entrevistados destacam-se,respectivamente, as drogas (28,8%), a violência (28%). Pode-se verificarque os dois primeiros riscos apontados estão correlacionados e tem comoplano de fundo determinante, o sistema capitalista, algo já apontadopor Costa (1999) quando ela afirma que

a violência presente na realidadebrasileira articula-se com os efeitosperversos do processo de mercantilizaçãocapitalista levado ao extremo, que destróiqualquer valor ou norma social nãorelacionando com a ideologia do lucrofácil e da busca da satisfação imediata dodesejo de consumir. Os jovens integrantesdas gangues matam e roubam, conformetestemunhas de seus crimes, para ostentarcarros, motos e roupas. (COSTA, 1999,p. 5)

As falas (depoimentos de entrevistados) a seguir, vêm areafirmar essa realidade de violência e drogas.

8 Informações obtidas em http://www.mundi.com.br/wiki-campos-dos-goytacazes-2709477.html em 19/11/2010.

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“Hoje não existe mais festa por causada violência”.O único perigo do bairro é “levar balaperdida”“O risco que tem aqui é quando abandidagem começa a dar tiro por ai.”“Com relação as drogas... “é melhorfingir que não vê”.

Não se pode deixar de destacar o elevado percentual deentrevistados que afirma não vê risco no bairro (47,1%), dessa formaconcorda-se com Ribeiro, quando ao parafrasear Beck, afirma que

a sociedade contemporânea cria riscose parece acostumar-se a eles. Anaturalização dos riscos deve sercombatida. Do mesmo modo que atransformação do risco em umamercadoria, como o fazem ascompanhias de seguro. Assumir essasvisões representa, ao mesmo tempo,adotar o risco como algo inevitável enatural, quando na verdade os riscossão criados socialmente nas áreasurbanas e, principalmente, que agarantia de estar “livre” deles ocorrena esfera privada e apenas a quem podepagar pela “proteção”. Essa visãomercantil dos riscos tem que seralterada. (RIBEIRO, 2010, p. 2)

Pode-se inferir ainda, mediante os dados apresentados, queCustodópolis é uma “cidade informal”, uma vez que este territóriose apresenta esquecido, segregado e marcado por desigualdades epobreza, quando entendemos como Sirkis (2003, p. 19) que talexpressão significa “a cidade das favelas, loteamentos clandestinose similares”.

Já Grostein (2001) refere-se ao mesmo espaço, a partir daexpressão “cidade clandestina ou cidade irregular”, entendidacomo aquela em que ocorre, de forma abusiva, o crescimento urbanosem controle, próprio da cidade industrial metropolitana,compreendendo os bairros relegados pela cidade dos pobres e dosexcluídos, a cidade sem infra-estrutura e serviços suficientes, acidade ilegal, ainda que legítima.

Estas cidades informais são unidades dentro das cidades,nas quais raramente chegam investimentos públicos, obrigando seusmoradores a conviverem com a falta de saneamento básico, coleta delixo e, em muitos casos, com os riscos de desabamento ou inundação.É importante destacar que o fenômeno da expansão urbana ilegal aoda exclusão social pode ser encontrado “em todas as cidadesbrasileiras, em maior ou menor escala” (SIRKIS, 2003, p. 220).

A reflexão realizada até aqui, permite-nos compreender

que Custodópolis articula-se com uma dinâmica societária de exclusão,em que os indivíduos que habitam este território, não têm a sua disposiçãoserviços públicos de qualidade, o que transforma este territórioatravessado por vulnerabilidades que fragilizam a sua existência edificulta a emancipação e o exercício de sua dignidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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11 Na saúde e na doença: um retrato do cotidiano das famílias em Custodópolis

Adilea Lopes da Silveria1

Christovam Luiz Machado Cardoso2

Denise Chrysóstomo de Moura Juncá3

Ivone dos Santos Magaldi4

Késia da Silva Tosta5

1 Acadêmica de Medicina da FMC (à época da realização da pesquisa)2 Enfermeiro CCIH – HGG; Professor FAETEC - Campos dos Goytacazes. Gestor e professor de Graduação em Enfermagem - UNIVERSO - Campos dos Goytacazes. Mestreem Comunicação Social pela UFRJ.3 Assistente social, Professora Associada do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional – Universidade Federal Fluminense, Doutora em Ciências pelaEscola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca e Coordenadora do Grupo Interdisciplinar de Estudo e Pesquisa em Cotidiano e Saúde – GRIPES/UFF.4 Acadêmica de Serviço Social/UFF-Campos (à época da realização da pesquisa)5 Acadêmica de Serviço Social/UFF-Campos – Bolsista de extensão (à época da realização da pesquisa)6 Disponível em http://www.transparencia.campos.rj.gov.br/orcamento.php.Acesso em 11 de outubro de 2011.7 Disponível em: http://www.cidac.campos.rj.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=129&Itemid=73. Acesso em 11 de outubro de 2011.8 Ver artigo: O território de Custodópolis: mapeando memórias e lugares, publicado neste livro.

1. Laços e nós: composição e algumas características dasfamílias pesquisadas

População residente, núcleo de pessoas que moram emum mesmo domicílio, com ou sem laços de parentesco,sobrevivendo com a renda de um ou mais de seus membros ecompartilhando normas de convivência comuns - esta foi aconcepção de família adotada no Inquérito Populacional realizadono bairro de Custodópolis/Campos dos Goytacazes/RJ,observando as referências citadas nos censos realizados peloIBGE.

Pai, mãe, filhos e enteados, pais e sogros, netos,sobrinhos, agregados; jovens e idosos, estudantes e trabalhadores- quantas pessoas compunham as famílias residentes no territóriode Custodópolis? Que características apresentavam? Quesituações de vulnerabilidade estavam presentes em seu cotidiano?Que capacidade de respostas revelavam frente à tais situações?

Estas eram algumas de nossas indagações e o retratoque nos interessava construir não podia ignorar o perfil do própriomunicípio onde o bairro de Custodópolis estava inserido. Comuma população que já ultrapassa os 440.000 habitantes (Censo,2010) e uma receita orçamentária que gira em torno deR$2.000.000.000,0066 , Campos ainda apresenta IDH-M (0,752)abaixo da média, tanto do Estado (0,807), quanto do país (0,766),comportando 19,7% dos moradores entre a linha da indigência eda pobreza e 10,7% abaixo da linha da indigência7 . São moradoresque se espalham, indistintamente, pelo município, pois comosalientam destacam Najar, Baptista e Andrade (2008, p. 135)

A pobreza urbana não se distribui deforma homogênea e uniforme no

espaço intra-urbano, da mesma formaque também não se concentra em algumaárea contígua definida, ou seja, asegregação social no espaço não é“perfeita”. Nem todos os assentamentosidentificados como de baixa renda sãoocupados apenas por pobres e nem todosos pobres ocupam áreas tidas comocarentes. Essa constatação imediata paraqualquer observador da metrópolereflete, ao mesmo tempo, algumas dasdificuldades clássicas para se definir,caracterizar e localizar a pobreza urbanae questões não triviais no nível daformulação de políticas públicascompensatórias.

Em Custodópolis, histórias contadas e vividas expressavammarcas variadas de uma vulnerabilidade que atravessava os tempos8

e chegava aos dias atuais, atingindo o cotidiano de quase todas asfamílias.

Nestas histórias foi possível identificar (CARNEIRO et.al.1968, p. 8), por exemplo, que na década de 1960 era comum o aluguelde quartos em casas que eram divididas em cômodos, configurandoum cenário onde 40% das habitações eram de “tipo barracões”, 52%de adobe ou taipa e 97% não dispunham de instalações sanitárias.

Nos dias atuais, 95,5% residiam em casas, em espaçoscompostos, em sua maioria por 4 a 5 ou até mesmo mais de 5 cômodos(gráfico 1), onde distribuíam-se, sobretudo, de 3 a 4 pessoas (gráfico2), observando um perfil que vigora na região norte fluminense, ondea média é de 3,69 habitante/domicílio (Perfil 2005).

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Já em relação à condição de ocupação destes domicíliosverificou-se que, enquanto a média das casas próprias em Camposera de 79,4% (Perfil 2005), em Custodópolis, tal percentual atingia57,1%. Construídas com alvenaria e com o devido reboco(81,4%), cobertas com telhas de Eternit (52%) ou laje de concreto(33%) e pisos de cerâmica (65,8%), tais moradias, supostamente,apresentariam condições favoráveis de habitabilidade. Entretanto,não foi possível deixar de considerar a qualidade do materialusado, as construções e/ou reformas inacabadas, as infiltrações,a umidade, a ventilação nem sempre adequada, os ratos, galinhas,cães e porcos que circulavam, livremente, no meio de entulhosexistentes em seus quintais e outros tantos fatores, já abordados9

e ilustrados pelas fotos que se seguem, apontando para gravesproblemas e identificando que, sem dúvida, a habitação era umcampo vulnerável em seu cotidiano.

9 Ver os artigos A questão habitacional e seu entorno em Custodópolis e Moradia: lugar de apropriações e práticas

Foto 1: Moradia em Custodópolis

Fonte: Acervo do GRIPES

Foto 2: Moradia em Custodópolis

Fonte: Acervo do GRIPES

Ao serem solicitados a identificarem a pessoa responsável portais casas 50,8% indicaram serem os próprios entrevistados, o queremetia a uma provável predominância da chefia feminina das famílias,tendo em vista o sexo da maioria dos pesquisados. Esta situaçãoapresentava sintonia com a encontrada no país e, mesmo, em nossomunicípio, embora se observando percentuais mais elevados emCustodópolis. De acordo com o documento Perfil 2005 (2006), em 1991,22,1% das famílias de Campos tinham mulheres em sua chefia,crescendo este percentual para 27,2% em 2000. A explicação para talcrescimento encontrava-se associada à fatores socioeconômicos edemográficos, levando-se em conta elementos como: o aumento da

Gráfico 2: Número de pessoas por domicílio

Fonte : Inquérito Populacional - 2009/2010

Gráfico 1: Número de cômodos nos domicílios

Fonte : Inquérito Populacional - 2009/2010

Fonte : Inquérito Populacional - 2009/2010

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participação feminina no mercado de trabalho e o envelhecimentoda população fluminense que “acaba tendo mais mulheres quehomens e mais mulheres viúvas.” (Id., p. 59).

Em Custodópolis, verificava-se, porém, um númeroexpressivo de entrevistados que se diziam “do lar” (tabela 1),quanto o tema era profissão, informando, ainda, umaescolaridade que em 55,6% dos casos abrangia o ensinofundamental incompleto, ou seja , não revelavam,aparentemente, alguma qualificação mais específica para acessoao mercado de trabalho. Além disso, 39,9% se encontravamdesempregados. Cabia, assim, questionar se, neste território,seria possível estabelecer uma relação direta entre chefiafeminina das famílias e participação da mulher no mercado detrabalho. Outros fatores, certamente, determinariam tal quadro,mas não foram objeto deste estudo.

Outros responsáveis pelas famílias também foramidentificados salientando, sobretudo, companheiros ou esposos,embora, também aparecessem respostas que destacavam a mãe, opai, um avô/avó, ou até mesmo, um ex-marido, namorado, irmão,filho... A profissão destes responsáveis nos remeteu aos dadosapresentados na tabela 2, com grandes diferenças em relação à tabela1 em que se evidenciava um número maior de mulheres.

10 Empregada mensalista, diarista, lavadeira, faxineira, cozinheira...11 Auxiliar administrativo, auxiliar de serviços gerais ou escolares, auxiliar de enfermagem, auxiliar de creche.escolares.12 Vendedores, balconistas, caixa, revendedores de produtos diversos.13 Mecânico, marmorista, técnico de enfermagem, contador, eletricista, telecomunicações, farmácia, analista de alimentos, destilador, laboratorista, digitador,soldador.14 Pedreiro, pintor, calceteiro15 Funcionário público e cozinheiro, decoradora e artesã, motorista e pintor de automóveis, aposentado e merendeira, do lar e manicure, artesã e auxiliar de

consultório odontológico, costureira e cabeleireira, costureira e salgadeira, garçon e cozinheiro.16 Cabeleireiro, barbeiro, manicure17 Acompanhantes de idosos, jogador de futebol, gari, jornaleiro,motorista, garçon, taxista,merendeira, agente comunitário, camareira, estudantes,lavradores, engenheiro civil, pedadogo, enfermeiro...

Na década de 1960, os homens t rabalhavam,predominantemente, no corte da cana ou na limpeza das lavouraspertencentes às usinas da região. Entretanto, registrava-se, também,a presença de alguns pedreiros, carroceiros, padeiros, barbeiros,sapateiros, pintores, eletricistas, pescadores e mecânicos. Já asmulheres dedicavam-se ao trabalho doméstico, atuando comocozinheiras e lavadeiras nas residências da cidade. As crianças,por sua vez, eram vendedoras ambulantes e, assim, supostamente,davam sua contribuição ao orçamento familiar (CARNEIRO, et.al, 1968).

No cenário atual, a área da construção civil se destacava,comportando, sobretudo, pedreiros. No comércio encontravam-sebalconistas e vendedores diversos, enquanto que, entre os técnicosse registrou áreas como enfermagem, odontologia, química,petróleo, laboratório. Motoristas também foram citados, seguidosde ocupações relacionadas aos serviços domésticos, comofaxineiros, empregados diaristas e mensalistas. Com percentuaismenores apareceram o campo de segurança e vigilância, os queexerciam duas profissões s imultaneamente, os que nãoespecificaram sua ocupação, indicando, apenas, que já seencontravam aposentados. Várias outras ocupações foram, ainda,referidas, como por exemplo: porteiros, costureiros, trocadores deônibus, agricultores, carroceiros, cabeleireiros, inspetores dealunos, garçons, varredores de rua...

Quando a questão era sua atual situação no mercado detrabalho, foi possível identificar diferenças entre os entrevistados

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ESPECIFICAÇÃO Nº %

Atividades relacionadas à construção civilAtividades relacionadas ao comércioAtividades técnicas diversasServiços relacionados à mecânica de veículosMotoristasServiços domésticosSegurança e vigilânciaDuas profissões simultâneasAposentadosOutrosTOTAL

Tabela 2: Profissão dos responsáveis excluindo-se os entrevistados.

Fonte: Inquérito Populacional - 2009/2010

49,510,4

9,88,58,56,74,33,62,4

20,1100

42171614141107060433

164

Tabela 1: Profissão dos entrevistados.

Fonte: Inquérito Populacional - 2009/2010

ESPECIFICAÇÃO Nº %

Do larServiços domésticos10

Atividades auxiliares diversas11

Atividades relacionadas ao comércio12

Atividades técnicas diversas13

CostureirasAposentadosProfessores/orientadoresSem profissãoAtividades relacionadas à construção civil14

Duas profissões simultâneas15

Segurança e vigilânciaCuidados pessoais e estética16

Outros17

Total

29,215,3

8,47,84,53,93,63,63,33,02,72,42,49,9

100

9751282615131212111009080833

333

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Gráfico 4: Situação dos demais chefes de no mercado de trabalho família nomercado de trabalho

Gráfico 3: Situação do entrevistado

Fonte:Inquérito Populacional - 2009/2010

Entre os primeiros o desemprego era acentuado, indicandoa ausência de renda individual e a relação com o mundo dos biscates.Já no que se refere aos demais responsáveis identificou-se umpercentual considerável de assalariados com vínculo à PrevidênciaSocial (37,8%), embora fosse, também, expressivo o índice dedesempregados (17%) e o grupo composto por aqueles que eramautônomos sem Previdência (10,4%) ou autônomos com

Previdência Social (6,1%). Os demais sedistribuíam entre os que não tinham ocupaçãofora de casa, os assalariados sem PrevidênciaSocial e alguns empregadores, cabendo lembrar,ainda, que 54,7% das famílias tinham, entre seusmembros, algum adulto sem ocupaçãoremunerada.

Além disso, a própria casa era usadacomo local de obtenção de alguma renda por 21%dos entrevistados referindo-se a oficinasmecânicas, serralherias, fliperama, aluguel deartigos para festas, lavagem de roupas, aulasparticulares para crianças, atividades comocabeleireiros ou manicures... A grande maioria(53,5%), contudo, envolvia a confecção e/ouvenda de roupas, artesanatos, doces e salgados,sorvetes, quentinhas, produtos de beleza...

É válido registrar, de acordo com Barros(1966) que já na década de 1960 identificamosreferências à existência de grupos de corte ecostura, aproveitando a identificação de umnúmero significativo de costureiras no bairro,além dos cursos de bordado, tapeçaria, tricô,crochê e pintura. Em 1965, alguns destes grupos,organizaram um bazar, tendo por objetivo aampliação das possibilidades de realização dostrabalhos artesanais, investindo-se as rendasobtidas na aquisição do material necessário.Trabalhos artesanais e comércio pareciam, assim,se destacar em sua história, sendo que nesta épocaCustodópolis já dispunha de padaria, açougue,armazém de secos e molhados, barbearia,farmácia e fábricas de goiabada e sandálias.Comemorava o calçamento recente da praça e aconstrução de um abrigo para passageiros.Contava com um Posto Telefônico e uma Agênciade Correios e Telégrafos que, entretanto,apresentavam “possibilidades mínimas defuncionamento” (Id., p.31).

Hoje os moradores reconheciam que ostempos eram outros. O bairro tinha crescido,especialmente, no âmbito do comércio, consideradocomo “uma referência em Guarus”. Suas falasidentificavam que “a pessoa sai a qualquer hora eencontra o que quiser.” Isto era motivo de orgulhopara eles, apesar de verbalizarem que tal fatotambém acarretava críticas.

Se na Cidade de Palha os moradorestinham origens e costumes que os aproximavame estreitavam os vínculos entre as pessoas e oslugares, Custodópolis abrigava não só gente “detradição” e “pessoas boas que queriam ajudar”.

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Fonte:Inquérito Populacional - 2009/2010

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Havia, também, “estranhos”, gente que vivia ali há pouco tempoou, ainda, aqueles que “tiram a oportunidade de trabalho” dosfilhos das antigas famílias. Eles “chegam ficam o dia todo dentrode suas lojas e só saem para ir embora.”

Face a um mercado de trabalho nem sempre favorável, osrendimentos mensais das famílias distribuíam-se em diversas faixascomo demonstra o gráfico 5, embora os valores entre 1 e 2 saláriosmínimos tenham se destacado.

Tais dados remetiam, contudo, a uma realidade melhor doque a encontrada na década de 1960, quando o rendimento mensaldas famílias era mais baixo e instável, comprometendo suascondições de vida e gerando algumas iniciativas na localidade:“vários shows foram realizados no Cine Primor, às segundas-feiras,cuja renda era revertida no aviamento de receitas médicas.”(CARNEIRO, op. cit. p. 24)

Atualmente, mesmo com limitações, a forma de utilizaçãode tais rendimentos remetia, sobretudo, à alimentação, uma vez,que para 63,4% das famílias, os maiores gastos encontravam-senesta área, especificando que sua base era o arroz e feijão, produtoscitados como os mais consumidos, embora havendo lugar, também,para café, açúcar, macarrão, leite, além de alguns legumes e emmenor escala as frutas. Esta é uma tendência nacional, uma vezque, com recursos limitados, a alimentação é a prioridade nocontexto da pobreza no país. Segundo estimativas do IBGE18 , entreas famílias brasileiras que recebem até dois salários mínimos, osgastos nesta área chegam a atingir 27,8% de suas despesas totais.Também em relação ao tipo de alimentos identificou-sesemelhanças, uma vez que a Pesquisa de Orçamentos Familiares2008-200919 registrou, como alimentos mais consumidos, o arroz(84,0%), feijão (72,8%) e café (79,0%).

Em Custodópolis foram, ainda, citados, gastos com água/luz/gás (18,6%), medicamentos (11,1%), e outros (3,9%)

Gráfico 5 : Rendimento mensal das famílias

Fonte:Inquérito Populacional - 2009/2010

18 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Pesquisa de orçamentos familiares:2002-2003: Primeiros resultados: Brasil e grandes regiões. Riode Janeiro: IBGE, 2004. 276 p.19 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Pesquisa de orçamentos familiares:2008-2009: análise do consumo alimentar pessoal no Brasil. Riode Janeiro: IBGE, 2011. 150 p.

abrangendo aluguéis, roupas, planos de saúde, pensão de filhos, colégiosparticulares, cursos profissionalizantes, despesas escolares, prestaçõesreferentes a produtos adquiridos e construção da casa própria. Algumas outras características, também foram identificadas entreas famílias pesquisadas, como indica a tabela 3.

Verificava-se, assim, uma presença significativa de crianças eadolescentes, bem como de idosos e pessoas com alguma deficiência,Neste último caso o destaque encontrava-se em problemas físicos/motores tanto congênitos, quanto decorrentes de acidentes e seqüelasde AVE (Acidente Vascular Encefálico). Com índices menores, houvetambém registro de deficiências mentais, visuais e auditivas.Em relação às crianças e adolescentes havia uma preocupação: comoocupá-los, face à extinção de alguns programas sociais que antes,exerciam esta função e trabalhavam, principalmente, com esportes? Aociosidade aparecia como um convite para seu ingresso no cenário dasdrogas, pois como uma mãe ressaltou: “Quando meu filho era pequenoas crianças dos vizinhos brincavam com ele lá em casa. Hoje ele tácom 16 anos e não tem mais quase ninguém vivo daquela época.”

Entre os idosos a depressão, antes tão presente, vinha sendoenfrentada através das atividades que desenvolviam nos grupos deterceira idade. Já em relação à questão da deficiência, havia sobretudo,o problema de transporte para locomovê-los, para acesso à assistênciade que necessitavam.

O motivo do índice de analfabetos (“analfabetos de pai e mãe”,como um afirmou) não foi especificado, mas podia estar relacionado avários fatores, dentre os quais, o que se destaca no seguinte depoimento:“num sei ler. Minha mãe nem pôde me botar na escola. Era longe etinha perigo soltar uma criança de 6, 7 anos pra andar tudo isso”.

Atualmente, porém, era pequeno o número de crianças foradas escolas e/ou das creches, bem como já apareciam moradoresinseridos no ensino superior, apesar de registrarmos depoimentos como:“a gente não tem oportunidade para isso.” Suas falas, também, nãodeixavam de registrar algumas críticas, considerando, principalmente,que tais escolas “não estão dando conta” das necessidades do bairro,

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ESPECIFICAÇÃO %

Membros de 0 a 15 anos --------------------------------- 49,5Idosos ------------------------------------------------------- 33,3Pessoas com deficiência --------------------------------- 15,6Membros analfabetos ----------------------------------- 16,2Adultos cursando Ensino Superior ------------------- 13,8Crianças fora de creches ------------------------------- 14,1Crianças/adolescentes fora da escola ----------------- 5,4Gestantes com menos de 18 anos ---------------------- 3,0

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estendendo suas queixas à falta de cursos noturnos e supletivos.Além disso, embora estas escolas tivessem alunos residentes nobairro pesquisado, nem todas se localizavam no espaço consideradocomo Custodópolis. Por este motivo, ouvimos vários relatos sobreas dificuldades que vivenciavam para que seus filhos e/ou netospudessem freqüentá-las, citando as distâncias e gastos comtransportes, bem como:

O ensino aqui é muito ruim,principalmente nas matérias básicas(depoimento de morador, registradoem diário de campo).

Os professores faltam muito e no fimdo ano dão um trabalho para osalunos. Esse aluno nunca vaiconseguir passar bem em umconcurso público (depoimento demorador, registrado em diário decamp).

Em relação ao lazer, seu passado era repleto de histórias:

Tinha um cinema de nome CinePrimor [...] Tinha uma tela grande epassava lá. Os dizeres eu não seicontar. Era de seu Hipólito que eratambém o dono da padaria. Tinha unsfilmes antigo. Ele queria alegrar opovo [...] Trazia artistas, show demúsica (depoimento de morador,registrado em diário de campo).

A Rua Poeta Marinho era chamadade Rua da Raia porque tinha corridade cavalo (depoimento de morador,registrado em diário de campo).

Dia de domingo era dia de alugarbicicleta [...] A gente se desdobravadurante a semana pra ganhar umasmoedinhas pra alugar as bicicletas(depoimento de morador, registradoem diário de campo).

O circo era sempre. O lugar ficavamovimentado. Era a atração(depoimento de morador, registradoem diário de campo).

Grande destaque mereciam as festas religiosas: “Festanossa era a procissão de Nossa Senhora da Conceição, a festa de

São Jorge, a quadrilha [...] Num faltava alegria [...] A festa duravauma semana. Tinha praça, botava barraquinha, vinha parque.”.

Chegando aos dias atuais, porém, poucas opções foram listadas,predominando as atividades relacionadas à religião (38,2%), embora comrestrições: “hoje só tem procissão. Passa pelas ruas aquela filinha curta,fraca.” Alguns atribuíam tais mudanças ao padre que disse que “nãopode fazer festa profana.” Outros, contudo, retomavam, mais uma vez,um problema que aparecia com freqüência nos relatos colhidos: “hojenão existe mais festa de rua por causa da violência. É muita bebedeira emuita droga. Onde você não imagina tem um pontinho de droga.”

As comemorações em casas de familiares ou amigos foram,também, lembradas (20,7%), enquanto as demais respostas, relativasao lazer, se apresentaram de forma diversificada, incluindo passeiosdiversos (cinema, praias, shopping, pequenas viagens, ida apizzarias), esportes, bailes, dentre outros. Houve ainda os quedisseram que apenas viam televisão em casa ou que não participavamde nenhuma atividade. As festas na quadra da Escola de Samba, tãovalorizadas em sua história, foram pouco citadas (1,5%), além deserem objeto de algumas críticas, em relação aos dias atuais. Váriosrelatos apontaram para o fato de que “todo domingo temprogramação na quadra. Tem pagode.” Moradores de bairrosvizinhos, também, compareciam. Entretanto, para alguns, “asfamílias não participam muito. Na fundação era família. A diretoriasaía pra pegar as moças em casa e depois ia levar.” Hoje, porém,este já não era um lugar frequentado “pelas famílias”,

A Praça José Dias Nogueira, antes um local de convivência,ainda estava em obras, no período de realização da pesquisa e tornou-se um lugar onde “fica muita molecada.” Mesmo sonhando com otérmino da reforma, não deixavam de afirmar que, por enquanto,“aquela praça ali é um escândalo. Aquilo não existe, não é praça!”

Instalada em um local que foi doado por uma antigamoradora, a praça foi lembrada com um lugar que era “ajeitadinho”,com banco de alvenaria, ponto de ônibus com “tapagem de telhacolonial” e uma antiga caixa d´água. Sua desejada reforma só trouxequeixas dos mais variados tipos. Segundo uma moradora, houvealteração do espaço e a rua que separa sua residência da praça foidiminuída. Com isso, os quiosques em construção, “estão quasedentro da minha casa.”

As mudanças em andamento não eram as desejadas pelosmoradores. Eles gostariam, por exemplo, de brinquedos para ascrianças e não de quiosques que supõem que serão ocupados porbares, gerando ainda mais problemas para o bairro. Algunsinformaram que a população lutou por isso, mas “o grupo de S.(vereador local) venceu.”

Uma grande placa anunciava a obra e seu custo, bem comoo prazo para sua conclusão. Na prática, contudo, não sabiam precisarhá quanto tempo já conviviam com tal situação, embora se referissema um período entre um e dois anos. Na análise de uma moradora de83 anos, a situação era a seguinte:

A praça tá tudo cavacado. Eles começarama cavacar e nada. Eles derrubaram,

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rebentaram tudo e tá tudo no chão. Ospolíticos não querem nada. Só roubama nação. Eu num gosto de novela, masas notícias eu gosto de ouvir. É issoque tá aí e se vem alguém querendomelhorar eles mata. Num viu aqueleCelso, mataram ele. Na época de Zezénão era assim. Agora só vê corrupção.A praça tá abandonada, a cidade deCampos também. O lugar é lugar degente humilde. Aparece gente praperguntar o que precisa só na época depolítica. Eu penso assim: se dentro dacidade eles tão cavando e deixa tudodaquele jeito que está, que me diz aqui,então, que só tem pobre?”

Um entrevistado declarou que o bairro “não oferecenada para os jovens. Ou ele se converte na Igreja e participadas atividades dela, ou não tem nada pra fazer.” Face a talquadro, o que se via, atualmente, eram pessoas envolvidasem “pegas” com suas motos, aos sábados, na avenidaprincipal do bairro, e “um tal de baile funk, que tá acabandocom a juventude”, promovido pelo “Clube di Roma.” Nestasocasiões sempre ocorriam brigas e até mortes. Houve períodosem que esses bailes deixaram de acontecer, mas quandoretornaram, verificou-se um aumento da violência, além deassaltos nos estabelecimentos comerciais (sic).

A conclusão a que alguns chegaram é que: “hoje nãopode ter festa.” E o problema encontrava-se “nos bandidos.”Mas eles não eram moradores de Custodópolis: “são pessoasde outros bairros e do Rio de Janeiro.”

Muitos problemas enfrentados pelo bairro retomavamà questão da violência. Para alguns, isso não chegava a seconstituir como problema, já que “tem drogas, mas não atacaa gente não”, ou como registrou um pesquisador: “os rapazesque estão envolvidos com drogas respeitavam sua família eele tem certeza que ‘nunca mexerão’ com eles, já que elessão pessoas tranqüilas”.

Houve que dissesse: “em boca fechada não entramosca”, ou “quem evita riscos é a boa convivência”.Entretanto, para a maioria, assaltos, assassinatos, tráfico dedrogas e “o risco de levar uma bala perdida” passaram acompor o cotidiano de Custodópolis, impedindo a existênciade aulas noturnas , l imi tando as a t iv idades de lazer,provocando problemas de saúde, gerando estigmas que seespalhavam, indistintamente, entre todos os que residiam nalocalidade...

Varios foram os relatos que abordaram tal situação:

Época boa era quando eu era jovem.Hoje não tem tranquilidade

(depoimento de morador, registrado emdiário de campo).

No primeiro dia que vim pra Custodópolis,roubaram as coisas que ainda estavam navaranda (depoimento de morador,registrado em diário de campo).

Tem criança de 10 anos vendendo droga,com arma na cintura (depoimento demorador, registrado em diário decampo).

Hoje morre um (referindo-se a algumacriança) e amanhã já tem outro no lugar(depoimento de morador, registrado emdiário de campo).

A gente fica ali na igreja correndo risco[...] Domingo até mataram um no bar dooutro lado (depoimento de morador,registrado em diário de campo).

Aqui era tranqüilo. Agora sai, é assaltado,ouve tiros (depoimento de morador,registrado em diário de campo).

Às vezes não pode nem ficar na frente dacasa (depoimento de morador, registradoem diário de campo).

Há 60 anos quando tinha um crime,chocava. Hoje ta matando como matamosquito. É muito crime. 90% é droga. Naminha rua tem um ponto. O pessoal descetudo pra comprar e bandido mata bandido(depoimento de morador, registrado emdiário de campo).

Estão matando gente em frente dadelegacia (depoimento de morador,registrado em diário de campo).

Uma fala comum indicava que várias mortes aconteciam “porengano.” Pessoas que teriam sido “confundidas” e mortas, no lugar deoutras: “tem muito jovem morrendo por causa das drogas e tem unsmorrendo por engano.”

Alguns moradores pareciam não gostar de abordar este assunto.De um lado podia estar o medo, de outro, a necessidade de preservar aimagem do bairro, negando que o problema fosse de sua comunidade:“Vem gente de fora, né?”. Entretanto, encontramos, também, os quedeixaram claro o que vinha acontecendo:

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Os problemas acontecem quando as 2facções estão em briga. Eles dividemos espaços de cada um. Você pode veros muros que são pichados, dizendode quem, é aquele pedaço. Tem até asáreas onde eles podem circular. Umnão pode entrar na área que o outrocomanda. E isso não é só aqui dentrodo bairro. Por exemplo, se o ParqueP. for de um lado, o outro não podeentrar. Agora está calmo porque osgrupos se aliaram (depoimento demorador, registrado em diário decampo).

A ação da polícia foi alvo de muitas críticas. Os moradoresreclamavam da falta de policiamento nas ruas, acreditando que sóassim recuperariam a tranquilidade do bairro. Para justificar suaopinião se referiram a um policiamento ostensivo que ocorreu, porinterferência de um político, em frente da casa de uma moradora,na época em que ela teve uma filha assassinada. Neste período, nãoaconteceu nenhum problema na área. O mesmo se aplica à épocaem que era mantido um policiamento regular na praça, havendo“mais respeito.”

O bairro conta com uma delegacia da polícia civil. Mas,segundo alguns moradores, ela apenas registrava alguma ocorrência,mas não atendia a nenhum chamado ou denúncia:

Tem uma delegacia logo ali, mas sóatende quem chega (depoimento demorador, registrado em diário decampo).

Eles só chegam na gente quando vocêdiz que vai matar (depoimento demorador, registrado em diário decampo).

O descrédito dos moradores em relação à atuação da políciase estendia, também, aos comerciantes. Eles não registravam osassaltos que sofriam, porque afirmavam que “não resolve”. Aalternativa que encontraram foi recorrer à vigilância particular, masisso só era possível para alguns, em função dos custos.

Apegados ao modo de vida da sua origem, e repetindo, atodo momento, que este “é um bairro de tradição”, os moradoressinalizaram os valores que norteavam seu cotidiano: o trabalho(ou pelo menos, a procura dele); a necessidade de ter umaocupação e não ficar “à toa nas ruas”; a vida em família; a escola;a convivência sem brigas; o reconhecimento e a gratidão emrelação aos que os ajudaram...

Em suas análises, o progresso não trouxe só coisas boas.

Antigamente, Custodópolis vivia as limitações por ser identificada comoárea rural, mas tinha um cotidiano que expressava uma grande vitalidadesócio-cultural. Hoje, esta mesma área era chamada de periferia, bairrocarente, e pior, carregava o estigma de localidade perigosa, afetandosua auto-estima. Ao longo dos anos, sua identidade original foi seperdendo, deixando em seu lugar algo que não aprovavam e os igualavama tantas outras localidades.

O passado ainda tão presente, era um fato inquestionável e, umcerto conservadorismo, de alguma forma, era preservado, também sobinfluências de suas crenças religiosas. Entretanto, os dias atuais abriamum espaço para a presença de estranhos e a inexistência e/ou fragilidadede vínculos que valorizavam e já experimentaram: “quando era garotoconhecia todo mundo. Hoje já não conheço mais. É muita gente defora e aglomera tudo na pracinha.”

Dos tempos de ontem, preservaram um meio de comunicação:o serviço de alto-falante, que funciona em um ponto comercial depropriedade de um dos filhos de um antigo morador, que também dánome à Praça. Tratava-se de um “serviço de utilidade pública”, como odenominava seu proprietário. Ali ele fazia propaganda do açougue,anunciava nascimentos, mortes e missas, comunicava perdas dedocumentos e divulgava notícias que julgava de interesse da comunidade.Fazia, porém, questão e dizer que “num cobro nada”, só de políticos.

Diante de tal quadro, ao retomarmos as indagações iniciais sobreas características das famílias de Custodópolis, era possível afirmar queo que a pesquisa realizada sinalizava era um quadro de vulnerabilidadesque acompanhava a história do bairro e outras tantas que foram surgindoao longo dos anos. Vulnerabilidades do lugar e das pessoas seentrelaçavam, não havendo como negar “a existência de riscos, aincapacidade de reação, e as dificuldades de adaptação frente àmaterialidade do risco” (BUSSO, 2002). Rendas monetárias estavamem jogo, mas também, dimensões sociais, culturais, ambientais, civis...Estávamos, assim, diante de uma vulnerabilidade multidimensional,talvez agravada pela fragilidade das ações das políticas públicas noterritório de Custodópolis, bem como do esmorecimento dos recursos eestratégias das próprias famílias para enfrentarem tal realidade20 , frutodo que experienciavam em sua história recente. No campo da saúde, avulnerabilidade também estava presente, expressando-se através de umacombinação de algumas variáveis.

2. Saúde e itinerários terapêuticos: velhos problemas, novassaídas?

Ao se percorrer o bairro de Custodópolis, vários aspectos logochamavam a atenção: o tráfego intenso de veículos, o barulho dasmotocicletas, o desenho irregular das ruas, a precária pavimentação, olixo que se acumulava em alguns terrenos, as áreas mais vulneráveis aalagamento. O problema maior, contudo, era a ausência de um sistemade esgotamento sanitário e, como consequência, era vísivel a “águasuja que corre na rua”, ficando ainda pior nos períodos de chuva.

O descontentamento dos moradores era claro, bem como aspreocupações com o que tal situação podia acarretar para sua saúde:

20 Ver o artigo Caminhos do empoderamento: redefinindo sons, coros e instrumentos do (com) viver em comunidade, publicado neste livro.

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A água escorre direto na rua. É águade fossa misturada com a água que vemdo shopping e do açougue. Eles lavamlá e fica escorrendo direto (depoimentode morador, registrado em diário decampo).

O descuido do poder público é total. Obairro não tem limpeza na rua, num temesgoto. É tudo fossa (depoimento demorador, registrado em diário decampo).

A gente passa e vê as larvas. É muitoperigoso para as crianças (depoimentode morador, registrado em diário decampo).

Quando chove muito, tem que vercomo fica a rua. Fica como se fosserio. Entra pra fossa, entra pra casa. Osvizinhos reclamam do mau cheiro. Nóstemos de botar talba na rua pra passar(depoimento de morador, registrado emdiário de campo).

Um mês atrás duas fossastransbordaram, fiquei ilhada, fora ocheiro horrível. Já teve caso aqui demorrer 3 crianças da mesma família,por falta de saneamento básico, pareceque foi doença de rato (depoimento demorador, registrado em diário decampo).

A frente da casa (o muro) é feito de restode entulho e há muito lixo no terrenoonde as crianças ficam brincandodescalças, no meio do barro e do lixojuntamente com os cachorros (registrode um pesquisador no diário decampo).

Vários destes problemas acompanhavam o bairro desde oinício de sua formação e com o passar dos anos só tinham piorado,principalmente, considerando algumas particularidades do espaçogeográfico atual. Era o caso, por exemplo, de algumas áreas maisinclinadas, de outras mais baixas, dos trechos sem saída, ou ainda,das ruas que “foram interrompidas”. Ruas que receberam a construçãode algumas casas, ao longo de seu trajeto, e depois prosseguiram.Além disso, havia os quintais que eram ocupados por oficinasmecânicas e/ou “ferros-velhos”, invadindo as calçadas e ruas e

impedindo o escoamento das águas.Apesar de reconhecerem que a situação enfrentada “é uma

vergonha”, ouvimos relatos que apontaram que, eram os próprios moradoresque contribuíam para seu agravamento: “eles reclamam, mas tambémaproveitam e jogam a água deles [...] alaga tudo na rua.”

Na verdade, estávamos diante de um ambiente, visivelmente,não saudável, trazendo implicações na constituição do perfil de saúdedos moradores (gráfico 6). Neste perfil o que se verificou foi que apenas13,8% dos entrevistados consideravam sua saúde como ótima. Aclassificação boa foi atribuída por 34,5% deles, enquanto 40%registraram a opção regular e 11,7 % a ruim. Quando o tema se estendeuàs famílias (gráfico 7) os percentuais se assemelharam: 11,7%informaram que a mesma era ótima, 44,5% boa, 32,1% regular e 6%ruim e 5,7% não responderam.

Gráfico 6: Saúde do entrevistado

Fonte: Inquérito populacional, 2009/2010

Gráfico 7: Saúde da família

Fonte: Inquérito populacional, 2009/2010

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Esta classificação provavelmente estava relacionada aalgumas situações relatadas, onde se identificou, por exemplo, casosde internação hospitalar nos últimos 6 meses em 18,6% das famíliase o registro de óbitos em 6,6% delas, em relação ao último ano.Tais óbitos abrangeram principalmente casos de enfarte (22,7%),neoplasias (18,2%) e derrames (13,6%), além de homicídios (4,6%)e diversas outras causas como: anemias, “problemas nos rins”,“problemas no fígado”, e outros não identificados. É válidoregistrar, ainda, que 63,6% destes óbitos se referiram à indivíduosna faixa de 18 à 60 anos, 22,7% à idosos com mais de 60 anos e13,6% à jovens menores de 18 anos.

Além disso, 28,5% das famílias identificaram a ocorrênciade alguma doença em pelo menos um de seus membros no momentode realização da pesquisa. Houve quem fizesse referência apenas aalguns sintomas, sem saber precisar bem o diagnóstico, enquantooutros nomearam as doenças e suas implicações:

Parece que o coração vai sair(depoimento de morador, registradoem diário de campo).

A entrevistada relatou que seu tio temcrise de epilepsia [...] ‘quando issoacontece afeta os nervos dele e ele ficaagressivo, já esfaqueou minha avó echuta minha mãe’ (registro depesquisador em diário de campo).

Logo no começo de nossa abordagem,ele (o morador) brincou ao conceituarsua casa como “unidade de terapiaintensiva” [...] logo ele explicoudizendo que na residência havia umcadeirante portador de doençamental, uma idosa de 93 anos comsuspeita de neoplasia, crianças comproblemas respiratórios (bronquite),dentre outros problemas de saúde(registro de pesquisador em diário decampo).

A partir de seus relatos, os principais grupos de doençasidentificados foram (gráfico 8):

a. Cardiovasculares, com predominância dehipertensão com 48 casos em 58 entrevistados,além de referências à arritmia cardíaca, enfarte,sopro no coração, cardiopatia, cirurgia vascular,aneurisma abdominal, trombose;

b. Endocrinológicas, com a totalidade dos registrosse referindo a diabetes;

c. Osteoarticulares, identificando-se “problemas de

coluna” não especificados, além de artroses,osteoporoses, quebradura do fêmur, hérnia de disco,ostiomelite, artrite, gota, reumatismo;

d. Mentais, com destaque para a depressão, seguida de“problemas de nervos” e esquizofrenia;

e. Neurológicas, com predominância de AVC, além de“tumor na cabeça”, “problema neurológico” nãoespecificado, cefaléia, Parkinson, eplepsia;

f. Respiratórias/pulmonares, havendo referência àbronquite, gripe e tuberculose;

g. Renais, com relatos de cálculo renal e “problemasrenais”;

h. Outras, onde foram enfatizados o alcoolismo ecolesterol alto, além de diverticulite, labirintite, doresabdominais, pancreatite, glaucoma, problema deaudição, anemia, erisipela, rinites, alergias, neoplasiase desnutrição...

Gráfico 8: Doenças atuais identificadas na família

Fonte: Inquérito populacional, 2009/2010

É importante registrar que vários relatos apontaram para apresença de mais de uma doença em uma mesma ou várias pessoas deuma família, em uma combinação, por exemplo, de

Diabetes, hipertensão e problemas decoração (depoimento de morador,registrado em diário de campo).

Eu sei conviver com minha doença, soudiabética e hipertensa (depoimento demorador, registrado em diário de campo).

Um filho meu de 41 anos teve AVC, temoutras duas com diabetes e o caçula quasemorreu uma vez porque bebe, eu que corri

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Gráfico 9: Medidas adotadas para prevenir doenças

atrás de remédios para ele. Não agüentoandar muito porque meu coração égrande, eu fumava, já parei de fumar.Tem uns três meses que a minha filhafoi fazer operação a laser de rim, nãoadiantou nada. Meus filhos todo temproblemas de rim, eu já urinei sangue,tive infecção, porque fazia os pasteiscom a barriga quente e vivia lavandoroupa. Um filho meu novinho teveproblema de pulmão que pegou de umcunhado meu que morava na época aquitambém, aí os dois estavam commanchas no pulmão (depoimento demorador, registrado em diário decampo).

A preocupação com a saúde, foi uma fala em destaque,associada à recusa ao tabagismo (66,4%), além da adoção de algumasmedidas para evitar doenças, como ilustra o gráfico 9.

Fonte: Inquérito populacional, 2009/2010

Entretanto, a prática de tais medidas nos pareceu bastantequestionável, considerando as vulnerabilidades presentes em seucotidiano, inclusive as condições de acesso à assistência à saúde queocorria, na maioria dos casos (62,8%), pela via dos serviços deemergência ou a busca de uma consulta médica em serviçosambulatoriais (21,9%), esta última, nem sempre conseguida em curtoespaço de tempo. Além disso, 8,4% se auto-medicavam observandoa seguinte lógica: nos primeiros sintomas procuravam resolver asituação com algum remédio que tinham em casa. Caso considerassemque tais sintomas estavam se agravando procuravam, então, umhospital. Os demais recorriam a alternativas que iam desde o “nãofazer nada, porque o problema some com o tempo”, até procurar

uma rezadeira, orar e usar ervas e remédios caseiros.A falta de ambulância para atendimento, em casos de

emergência, foi bastante lembrada, bem como a dificuldade de acesso aalguns tratamentos médicos (consultas especializadas e exames), estaúltima reconhecida por 50,2% dos entrevistados:

Sempre tem dificuldade, mas a genteconsegue (depoimento de morador,registrado em diário de campo).

Marcar médico é fácil, mas quando somosencaminhados para um especialista, temosmuita dificuldade (depoimento de morador,registrado em diário de campo).

Vários foram os relatos que indicaram a insatisfação dosmoradores de Custodópolis em relação à interrupção do Programa deSaúde da Família - PSF – amplamente, valorizado no período quefuncionava, em decorrência dos serviços que prestavam à comunidadee da qualidade atribuída à atuação da equipe existente.

O Hospital Geral de Guarus – HGG – foi o local mais citado(55%), quando se tratava de buscar assistência à saúde, no momento derealização da pesquisa, além do PU de Guarus, reforçando a questão deque a porta de entrada para tal assistência ainda não se encontrava nosserviços que compõem a chamada atenção básica. Serviços de prontosocorro e emergências hospitalares se constituíam como locais depreferência para um primeiro atendimento, sob a justificativa da garantiade conseguirem a consulta, além de evitarem um tempo maior de espera,que certamente, ocorreria nas unidades básicas de saúde.

Esta foi uma questão também abordada por Jorge (2010), aorealizar uma pesquisa sobre itinerários terapêuticos no território deCustodópolis. Seu estudo analisou 3 moradores, através de entrevistasem profundidade, alcançando resultados semelhantes ao diagnosticadono inquérito realizado (id. p. 66, passim):

Quando descobri a doença, vivia jogadano chão, era uma dor de cabeça que nãome largava, minha pressão semprevariando, um dia alta, outro dia baixa [...]ai um dia minha pressão subiu muito, elame tombou dentro de casa [...] meuesposo me socorreu e me levaram para oHGG (Hospital Geral de Guarus).Cheguei lá o médico fez o exame e disseque o meu problema era neurológico(entrevistada DRS).

Ao acordar sem falar e sem mover, melevaram para o HGG, aí no começoacharam que era sistema nervoso, aípassaram para o cardiologista e fiz todosos exames, depois me passaram para o

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neurologista, aí foi que fiz umatomografia que deu AVC(entrevistada NCA)

Tudo que eu fiz e faço é particular,só o HGG que não foi. Acho que porisso não tive dificuldade, até porcausa da urgência [...] talvez se nãofosse pelo particular e esperasse peloSUS (Sistema único de Saúde) atéhoje talvez eu nem teria feito osexames ainda (entrevistada NCA)

Nunca mais voltei ao médico e estoutomando o primeiro remédio que mereceitou quando fiquei no HGG háum ano (entrevistada NCA)

Descobriram que eu estava comhérnia de disco e um desvio que tenhona coluna de nascença... e o problemada trombose é que abriu duas úlcerasna minha perna devido a queimadurae descobriram a trombose.. . adepressão também descobriram poreu ter cometido o auto-extermínio(entrevistada TM)

Eu agora no momento estouprecisando muito ir ao médico, mastenho que levantar muito cedo paramarcar médico. Esse negócio defalar na televisão vai ao postinhomais próximo é maior dificuldade...muitas vezes eu peguei dinheiro comagiota para pagar a consulta social.Então é muito dif íci l ! . . . vocêimagina uma pessoa com crise dehérnia de disco ter que esperar a boavontade dos médicos para atender...aí fica como coisa que a gente estámendigando, aí fica como se agentet ivesse pedindo esmola nessespostos (entrevistada TM)

Face aos dados coletados, de acordo com a análise de Jorge(id, p. 79)

[...] em um mesmo território e em meioaos problemas de saúde, cada moradorescolhe por percorrer um caminho na

tentativa de solução de seus problemas desaúde. Uns atribuem facilidades aos seusitinerários, outros não. Alguns recorreramà emergência como “porta de entrada”,outros ao sistema particular, e tem os queoptaram pela marcação de consulta eencaminhamento para outros médicos, entreoutros fatores [...] Os caminhos percorridosdependem da gravidade e urgência dadoença, das condições econômicas dasfamílias, do bom atendimento e diagnósticomédico, entre outros fatores.

A autora ainda acrescenta (id., p. 81):

Essas reflexões nos levam a entender que énecessário romper com os modelostradicionais de muitas instituições deatendimento à saúde, formulando políticasestratégicas que tenham como objetivoprincipal a legitimação dos direitos dosusuários que recorrem ao sistema de saúde,onde estão vivenciando a precariedade noatendimento, a demora no diagnóstico, asidas e vindas sem soluções, e utilizando aemergência como “porta de entrada”, vistoque só por este caminho que conseguem umatendimento mais rápido. Oliveira eScochi21 (2002) ponderam que, estaprocura nos atendimentos de urgência acabagerando uma superlotação, e que, aalternativa para a diminuição da sobrecarganestes pronto-socorros seria o atendimentoeficiente nas unidades básicas de saúde. Évisto que há muito que se avançar para estesusuários sejam percebidos como cidadãosde direito [...].

Neste contexto é importante lembrar que não estamos nosreferindo à saúde como apenas ausência de doenças, mas sim com umestado e um processo, associado à qualidade de vida e, portanto,envolvendo dimensões sociais, culturais, econômicas, ambientais epolíticas dos indivíduos, em sua relação com o território onde semovimentam. Destaca-se aqui, a necessidade de fortalecimento dacomunidade, como ponto capaz de desencadear as almejadas melhoriasna direção da constituição de um bairro saudável.

3. Algumas respostas e novas perguntasQuem são as famílias residentes em Custodópolis? Que perfil

apresentam? Que vulnerabilidades se desenham em seu cotidiano? Querespostas vinham formulando frente a tais vulnerabilidades? Estas foram

2 1 OLIVEIRA, M.L.F.: SCOCHI, M.J. Determinantes da utilização dos serviços de urgência/emergência em Maringá (PR). Revista Ciência, Cuidado e Saúde,

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22 Ver o artigo Caminhos do empoderamento: redefinindo sons, coros e instrumentos do (com) viver em comunidade, publicado neste livro.23 BRAGA, r.; MELLO, C.C.D de. Vulnerabilidade social e localização de equipamentos comunitários urbanos: uma avaliiação da distribuição dos equipamentos de saúde nacidade de Rio Claro/SP/Brasil. Disponível em: <http://egal2009.easyplanners.info/area05/5100_Canuto_Dias_de_Mello_Camila.pdf>Maringá, v.1, n. 1, p. 123-128, 1. set.2002.

nossas indagações iniciais de nossa pesquisa, remetendo-nos a umquadro onde, ficou evidente que as famílias pesquisadas enfrentamvulnerabilidades acentuadas, face à combinação de variáveis comorenda insuficiente, ocupações instáveis, escolaridade limitada,condições desfavoráveis de habitação e infraestrutura ambiental, alémde limitações no âmbito da saúde e acesso à assistência à mesma,dentre outras. Sujeitos e território apresentam fragilidades históricase com múltiplas dimensões, remetendo a uma cidadania cujo exercíciotem sido bloqueado.

Entretanto, em meio a tal quadro identificou-se, também,que algumas mudanças favoráveis já vinham ocorrendo no territóriode Custodópolis, uma vez que nele têm circulado indivíduos e gruposque já tentaram e conseguiram mobilizar a comunidade na direçãode sua organização22 , buscando a superação a realidade quevivenciam. Foram tentativas que renderam frutos e deixando marcasde uma vida ativa. Entretanto, outros problemas surgiram e taisiniciativas se diluíram com o tempo, precisando ser retomadas pois,como afirmam Braga e Mello23 , (2009, p.3),

no âmbito da distribuição dosinvestimentos em infra-estrutura, atendência é uma configuração deacordo com a relação entre os váriosagentes produtores e consumidores dacidade [...] Dessa forma a localizaçãodos grupos sociais nas cidades, seupoder político de pressão, seu podereconômico, o contexto político e asrelações do mercado imobiliárioapresentam-se como alguns dos fatoresque influenciam a distribuição dosequipamentos comunitários.

De acordo com o estudo realizado por Torres (2011), ofortalecimento da comunidade é o meio mais eficaz para aconstituição de Custodópolis como um bairro saudável. Sua análiselembra que seu poder econômico é baixo e que, uma alternativapode ser pela via do poder político, como forma de enfrentamentodas vulnerabilidades encontradas. A questão é fortalecer e avançarna compreensão crítica sobre a realidade, desenvolver aautoconfiança nos indivíduos e empreender estratégias políticasconscientes e contínuas, acionando o poder público.

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Caminhos do Empoderamento: redefinindo sons, coros einstrumentos do (com) viver em Comunidade

12Carlos Antonio de Souza Moraes1

1 Doutorando em Serviço Social – PUC/SP; Mestre em Políticas Sociais – UENF; Bacharel em Serviço Social – UFF; Professor assistente do Departamento de Serviço Socialde Campos/Universidade Federal Fluminense; Membro pesquisador do Grupo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisa em Cotidiano e Saúde – GRIPES. E-mail/contato:[email protected]

I- INTRODUÇÃOA partir das discussões desenvolvidas nos artigos

anteriores, as considerações ora apresentadas, pretendem sobuma perspectiva analítica, trabalhar as seguintes questões: Comopodemos pensar a questão do empoderamento? Qual é sua relaçãocom o desenvolvimento alternativo? Qual o sentido e conteúdodesta categoria conceitual? As sociedades locais podem/conseguem gerar suas próprias iniciativas? Que implicações estadiscussão produz para a comunidade de Custodópolis?

O objetivo é discutir estas indagações com a intençãode tecer reflexões acerca de um território específico(Custodópolis). No entanto, é necessário ressaltar que por maisque estas análises sejam desenvolvidas a partir de uma dadacomunidade, elas se fundamentam em uma perspectiva nãolocalista que tem por base a necessária interação entre o local eo global.

Desta forma, a partir de revisão de literatura e pesquisade campo, registra-se a relevância de problematizar o conceitode empoderamento, analisando e redefinindo suas possibilidadesem um dado território. Por outro lado, vale ressaltar que esteengenhoso conceito não é um fim em si mesmo, porém, enquantoinstrumento base para o desenvolvimento local, deve serassumido na perspectiva de construir a unidade na diferença.

Diante deste desafio, a proposta se vincula aproblematizar com o leitor um conjunto de sons, coros einstrumentos do processo de empoderamento em comunidade.

II- DO “PODER” AO EMPODERAR: ESTRATÉGIASTEÓRICAS

O momento atual é composto por um cenário de novostemas, problemas e conceitos ou até mesmo de ressignificaçãodos mesmos, frutos de um processo de globalização que veminstituindo novas relações internacionais nos planos econômico,político, social, cultural e tecnológico (FIORI, 1998; SCHERER,1997 apud GONDIM, 2002, p. 02).

Todas as transformações atuais produzem impactos àssociedades, capazes de demarcarem a reinvenção de seusterritórios. Nesta lógica, pensar o desenvolvimento local écompreender que ele se apresenta enquanto uma das alternativasnecessárias na contemporaneidade.

Para refletir acerca de tal desenvolvimento, um dos aspectosque necessitamos compreender é o empoderamento. Neste caso,recorremos inicialmente à análise gramatical. De acordo com agramática da língua portuguesa, empoderamento é uma palavraformada por derivação parassintética. Isso quer dizer que tem comobase/radical a palavra “poder” e que tem como afixo “em”, prefixo“e” e sufixo “mento”. Além disso, são sinalizadas várias acepçõescabíveis à palavra empoderamento, como: ter a faculdade oupossibilidade de; ser capaz de, estar em condições de, ter domínioou controle sobre, dentre outros (HOUSAISS, 2001).

Independente das acepções adotadas, o “poder” deve seranalisado não apenas em seu valor gramatical, mas também comoum conceito repleto de significados e interpretações e que se torna“(...) a questão essencial da noção e da abordagem deempoderamento” (ROMANO, 2002, p. 11), cabendo compreendersuas principais definições e componentes.

Desta forma, Foucault (1978) ressalta que o poder érelacional e sua existência depende de seu uso, sendo constituídopor uma rede de relações sociais entre pessoas que possuem certaliberdade. As relações não existiriam sem poder, neste caso, a própriaresistência é uma forma de poder.

As interpretações de Gallichio (2002) acerca da obra deFoucault o levam a afirmar que o poder se constrói e funciona apartir de outros poderes. Existe uma conexão direta entre as relaçõesde poder e as familiares, sexuais, produtivas, que se entrelaçamtornando-se condicionantes e condicionados no processo deempoderamento.

Por outro lado, o relatório do Banco Mundial (2002) ressaltamudanças nas relações de poder e sua diluição nos seguinteselementos: “acesso à informação, inclusão e participação, prestaçãode contas e capacidade organizacional local”. Essa diluição tambémse refere/define as áreas em que podem ser aplicados os princípiosdo empoderamento: “acesso a serviços básicos, promoção dagovernança local, promoção da governança nacional,desenvolvimento de mercados em favor dos pobres, acesso à justiçae ajuda legal” (Grifos nossos).

No entanto, a bibliografia consultada ainda sinaliza que opoder (suas relações, situações de dominação) deve ser o foco notrabalho de empoderamento. Esta afirmação nos indica queindependente do nível, do território, da dimensão e dos objetivos,

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compreender a dinâmica do poder se torna fundamental desde aconstrução do diagnóstico inicial, na construção conjunta daestratégia de ação, no planejamento das ações, nos trabalhos derevisões e na avaliação final (ROMANO, 2002).

Analisar as relações de poder e situações de dominaçãoimplica tecer uma série de discussões com base em reflexões, queconsiderem os seguintes aspectos (ROMANO, 2002):

* O espaço social em que se manifestam as relações de poder;* Os tipos de exercício de poder e das relações estabelecidas;* Forma de poder predominante nestas relações;* Recursos existentes;* Campo em que estas relações se delimitam;* Atores envolvidos;* Dominantes, aliados e dominados nas relações de dominação;* Atores e sua compreensão da situação analisada;* Formas de dominação e reprodução;* Formas de resistência;* Possibilidades de mudanças;* Possibilidades de monitoramento e avaliação acerca depermanências e mudanças.

Percebemos, assim, que nas estratégias deempoderamento a compreensão acerca do poder é essencial, vistoque exerce papel dominante na determinação de mudançasnecessárias à vida dos sujeitos. A esse respeito, Oakley e Clayton(2003) ressaltam que o poder é base da riqueza, enquanto odesempoderamento é a base da pobreza.

O reconhecimento do poder como peça chave na buscada efetiva mudança social, tem sido avivado no processo deempoderamento como esforço em afrontar grandes desequilíbriosde poder e promover apoio aos que não o possuem para se tornaremempoderados.

Desta forma, as estratégias teóricas adotadas na construçãodo poder dentro do processo de empoderamento envolvemdimensões operacionais circunscritas a capacidade pessoal deconduzir possibilidades de ação; aumento de relações efetivas comoutras organizações; ampliação do acesso aos recursos.

Pensar o poder neste contexto é acreditar na construçãodo conhecimento, aumento da conscientização e capacidade críticaentre oprimidos e vulneráveis. Poder envolve “fazer”, “ser capazde”, sentir-se com mais capacidade e no controle ativo de suasações. Isto é, compreender e operacionalizar a noção de poder é,ao mesmo tempo, processar possibilidades de empoderamento.Mas, o que vem a ser empoderamento?

II.I- EMPODERAMENTO: PROBLEMATIZAÇÕESTEÓRICO-PRÁTICAS

A abordagem de empoderamento nãopode ser neutra nem ter aversão aosconflitos e a seus desdobramentos. Odesdobramento dos conflitos

significa que o processo de mudança, umavez deslanchado permeia e se infiltra emoutras dimensões vividas pelas pessoas egrupos sociais (ROMANO, 2002, p.11).

A referência anterior é de fundamental relevância no debate atualacerca do empoderamento, visto que ao se generalizar o uso de talabordagem (sobretudo através de governos e agências multilaterais) tem-se objetivado despolitizar seu processo de mudança, tecnizar os conflitos,tentando domesticá-los. “Com essa pasteurização do empoderamento, tem-se procurado eliminar seu caráter de fermento social” (Idem, 2002, p.11).

Quando falamos em empoderamento chamamos a atenção paraos termos contágio, troca, participação, reivindicação, lutas, inovaçãocriativa. Acreditar nesta perspectiva é compreender que nos constituímos,enquanto sujeitos, sobretudo, a partir das relações que estabelecemos(familiares, grupais, comunitárias), da forma que processamos,construímos, sentimos e pensamos estas relações. Ou seja, a forma quenos movemos, atuamos e andamos nossa vida e nosso trabalho é o quesobremaneira constitui o nosso ser (de modo histórico, objetivo esubjetivo).

Desta maneira, a partir do momento que passamos acompreender o processo no qual estamos inseridos, somos críticos aeles, questionamos regras e nos colocamos aptos a enfrentar asadversidades, buscando eliminar relações de dominação que sustentama pobreza, privativa de liberdades, estamos desenvolvendo processosde empoderamento, isto é, empoderamento envolve o combate a ordemnaturalizada ou institucionalizada da dominação para construir relaçõesmais justas e equitativas.

Ao compreender estas dimensões, devemos considerar queagentes de mudanças externos são necessários como catalizadoresiniciais, porém, para que se desenvolva tal processo é preciso que aspessoas e suas organizações mudem-se a si mesmas. Políticas, ações,agentes externos podem impulsionar, criar ambientes favoráveis àsmudanças (ou não), mas a mudança deve ser interna, em cada sujeito,em cada grupo, a fim de ser projetada, discutida e impulsionada atravésde leituras, análises e reivindicações coletivas em busca da superaçãode suas fragilidades.

Neste caso, deve-se considerar que, ao longo deste livro, foramanalisadas as manifestações das vulnerabilidades construídas no territóriode Custodópolis (objeto de análise deste documento). Sejam aquelasvinculadas à moradia, saneamento básico, saúde, educação, dentre outras.Sabemos que o conhecimento destas questões é de extrema relevânciapara o processamento do poder daqueles que não o detêm e,consequentemente, da busca do empoderar-se. No entanto, nossasanálises teóricas e empíricas nos projetam às seguintes indagações: Comocontribuir para construção da chamada mudança interna em cada sujeitoe/ou grupo? Quais os mecanismos de mobilização da população?

Refletir acerca destas questões em um dado território envolvenão apenas pensar nos limites e possibilidades do empoderamento hoje,mas em sua própria construção histórica, já que nosso entendimento éde que através da reconstrução do passado se projeta o conhecimento ea possibilidade de novas abordagens no momento atual.

Neste sentido, identificamos que o termo empoderamento

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passou por mudanças substantivas de significados nas últimastrês décadas do século XX no contexto do desenvolvimento, nãosendo trabalhado com muito cuidado. Para Corwall (2000, p. 74),os discursos do desenvolvimento alternativo dos anos 1970consideravam o empoderamento como o processo em que aspessoas se envolviam na luta para aumento de controle sobrerecursos e instituições.

Costa (2000) também faz referência ao surgimento doconceito. Ressalta que iniciou-se com os movimentos civis nosEstados Unidos na década de 1970, através da bandeira do podernegro, objetivando valorização da raça e conquista plena dacidadania. Conceito que também começou a ser trabalhado pelasfeministas neste período, buscando reduzir a posição desubordinação da mulher.

Atualmente, as definições acerca de empoderamento sãodiversas. Para Romano (2002, p.17) o termo se circunscreve aabordagem e processo. Abordagem “que coloca as pessoas e opoder no centro dos processos de desenvolvimento”. Processoem que “as pessoas, as organizações, as comunidades assumemo controle de seus próprios assuntos, de suas próprias vidas etomam consciência da sua habilidade e competência para produzir,criar e gerir”.

O autor ainda acrescenta que, através deste processo, aspessoas podem tentar superar suas misérias, construindo eescolhendo novas opções e possivelmente se beneficiando delas.Neste caso, defendemos que estas novas opções estão longe dedesresponsabilizar o serviço público, a gestão municipal, estadualou federal. Ao contrário, envolve reivindicar por necessidadesque são vivenciadas no cotidiano dos atores sociais e que, porvezes, estes não se manifestam por falta de orientação,naturalização ou por estarem desacreditados de possíveismudanças às suas realidades.

Pensar estas mudanças, segundo Romano (2002),desencadeia um processo relacional e conflituoso. Relacional porenvolver vínculos com outros atores. E conflituoso na medidaem que é a busca de mudanças nas relações existentes (tanto daposição individual quanto grupal de poder) que acabam gerandoconflitos.

Villacorta e Rodrigues (2002) ressaltam queempoderamento é um processo que procura colocar no centro, aspessoas excluídas dos processos de desenvolvimento e poder.Situar estas pessoas no centro dos processos é, para os autores,colocar as instituições econômicas (Mercados) e políticas (Estado)a serviço destes grupos.

Conforme demarcado anteriormente, neste processo, osujeito vulnerabilizado deve ser o protagonista de sua própriahistória. No entanto, o que se observa é que o seu envolvimentocom demandas coletivas tem se reduzido com o passar dos tempos.Nossa hipótese é de que o próprio sistema dissemina valores(individualistas) que alteram a relação entre os cidadãos,tornando-os mais introspectivos e submetidos à construção quaseque exclusivamente do “eu”.

Entretanto, se compreende que esse “eu” não se constrói

isoladamente, é na relação, troca, reciprocidade que se processam novaspossibilidades. Sendo assim, o processo de empoderamento sedesenvolve ao construir a participação coletiva na busca pelo poder e,para tanto, deve romper valores egoístas que vem se construindo entreos homens.

Em Custodópolis, o rompimento deve ser pensado a partir deestratégias que considerem o cenário desenhado em seu território, sejarelacionado às mazelas existentes na Comunidade; a necessidade de otrabalho ativo da associação de moradores; as influências políticaspropagadas no bairro; os serviços públicos existentes; a relação daComunidade com o Município, do Município com o Estado e com oPaís. Neste caso, deve haver um envolvimento dos moradores do bairrocom objetivo de resgatar os aspectos históricos e atuais de Custodópolis,a fim de mobilizá-los para construção de um mapa que busque odesenvolvimento e a qualidade de vida destes atores, considerando aindacomo fundamental a responsabilização do setor público e da própriapopulação.

Ao se referirem ao desenvolvimento Villacorta e Rodrigues(2002) partem da perspectiva de que a situação de pobreza e dominaçãoenfrentada por milhares de pessoas no Brasil e no mundo se tornaimpedimento ao mesmo. Desta maneira, colocam a necessidade deredistribuição do poder, e mesmo que isso seja conflitivo, gera lucrospara sociedade.

Além disso, este processo, que pode ser facilitado através deações estimulantes e acesso, envolve controle sobre si mesmo e sobreos meios necessários para sua existência. Sendo assim, é um processointerno (relacionado à auto-estima, autopercepção) e externo (controlee influência sobre o seu entorno).

Desta maneira, cabe aos moradores do bairro de Custodópolisdesenvolverem um olhar apurado acerca de seu contexto, realizandoum “estranhamento” de questões que, ao longo dos tempos, vem sendonaturalizadas e não tratadas com sua devida importância. A identificaçãoe reflexão acerca das mesmas é o primeiro passo, ou seja, não bastaidentificar as fragilidades da Comunidade, mas estarem coletivamentemotivados à inovação criativa. Isto significa que sua avaliação e areivindicação de alternativas capazes de solucionar tais questões são“ingredientes” necessários no processo de empoderamento.

Neste sentido, pensar em empoderamento envolve, pelas viasdemocráticas, construir e ampliar as capacidades destacadas porVillacorta e Rodrigues (2002, p.47) de:

* Assumir o controle de seus próprios assuntos;* Produzir, criar, gerar novas alternativas;* Mobilizar suas energias para o respeito a seus direitos;* Mudar as relações de poder;* Obter controle sobre os recursos (físicos, humanos e financeiros) etambém sobre a ideologia (crenças, valores e atitudes);* Poder discernir como escolher;* Levar a cabo suas próprias opções.

A abordagem de Marta Antunes (2002, p.97) se relaciona àanterior ao considerar o empoderamento “como estímulo e motor doprocesso de desenvolvimento e superação das pobrezas”. No entanto,

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deve-se compreender que para isso, as pessoas, organizações ecomunidades devem ter controle de seus próprios assuntos (nosentido de dominá-los), de suas vidas e destino com o objetivo deproduzir, criar e gerir. Ou seja, pensar em empoderamento incluiconsiderar componentes cognitivos, psicológicos, sociais, políticose econômicos (COSTA, 2000).

Já para Gita Sen (1997) empoderamento é o processo deganhar poder tanto para controlar recursos externos como para oaumento da auto-estima e da capacidade interna. Ainda acrescentaque a mudança deve ocorrer tanto em relação aos recursos externose a percepção das pessoas acerca destes ambientes, quanto naconsciência das pessoas, que precisam controlar suas vidas e estaremmotivadas e atentas na busca pelo poder, já que são elas queempoderam a si mesmas.

A discussão acerca desta categoria evidencia que é umconceito, que direta ou indiretamente, está inserido no debateideológico do desenvolvimento. Villacorta e Rodriguez (2002) em“Metodologias e ferramentas para implementar estratégias deempoderamento” o vinculam ao estímulo ao desenvolvimentosustentável, entendendo este último como busca, não apenas degerar riqueza, mas bem-estar, não sendo reduzido ao econômico,pois além deste inclui diversas dimensões ou esferas da vidahumana, como política, social, econômica, cultural, ambiental,dentre outros, se tornando um fenômeno multidimensional.

Enrique Gallichio (2002) faz uma análise da discussão doempoderamento na América Latina. Conclui que um objetivo defundo é a geração de políticas nacionais de desenvolvimento local,que só é possível se o nível central for consciente da importânciadas diferenças, diversidades e singularidades nos processos dedesenvolvimento, gerando reformas descentralizadoras epropiciando, através de marcos legais, o desenvolvimento dasdiferenças. No entanto, estes processos geram incertezas na medidaem que passam a expressar uma cultura local, quando antes eraglobal, propiciando um ceticismo em relação às capacidades dedesenvolvimento das sociedades locais.

Identificamos, ao longo da literatura analisada, que oempoderamento é um conceito – chave na abordagem dodesenvolvimento alternativo. Segundo Friedman (1996) os autoresdo desenvolvimento alternativo defendem os direitos humanosuniversais e os direitos particulares dos cidadãos (sobretudo aspessoas sem voz e poder) em determinadas comunidades políticas.Este modelo envolve o processo de empoderamento, cujo objetivo,a longo prazo, é reequilibrar a estrutura de poder na sociedade, emque o Estado esteja mais sujeito a prestar contas, a sociedade civilgerir seus próprios assuntos e o mercado ser mais responsável.

O objetivo é, portanto, transformar a totalidade dasociedade através da ação política aos níveis nacional einternacional, havendo assim, um salto de qualidade do local parao global. Democracia participativa, igualdade de gêneros,crescimento econômico, são fundamentais para as mudanças nasestratégias nacionais propagadas pelo desenvolvimento alternativo.

A questão a ser debatida é que o Estado (forte e

democrático), neste processo, objetiva, sobretudo, a instauração depolíticas, encaminhando para as instâncias locais e para o povo a gestãode seus próprios problemas.

Atuar nesta perspectiva pode trazer implicações drásticas aocontexto local (e até mesmo nacional e global) e aos sujeitos envolvidos.Além da ação local se encontrar fortemente restrita a forças econômicase estruturas globais, o Estado pode relegar (como já vem acontecendo)à sociedade funções, atribuições e deveres que são seus, não garantindopolíticas universais, possibilitando serviços públicos de pouca qualidadee para poucos.

Diante disso, nossas análises partem para as seguintes reflexões:não seria o empoderamento um processo pelo qual os cidadãos deveriamse tornar conscientes e co-responsabilizados por suas realidades a pontode reivindicar de maneira crítica, junto ao poder público, aquilo que lheé de direito? Ao poder público não caberia responder tais reivindicaçõescom políticas públicas garantidoras de tais direitos?

As avaliações que desenvolvemos partem do pressuposto deque os atores do processo de empoderamento se tornam protagonistasquando compreendem suas histórias, identificam suas realidades eobjetivam, coletivamente, melhorias a ela. Para tanto, devem reavivar oinconformismo e a altivez; fortalecer a resistência e a participação social;estruturar a rebeldia em busca de reivindicações conscientes e dequalidade.

Assim, é necessário que se organizem, reivindiquem eapresentem ao poder público democrático, alternativas capazes decontribuírem para superação de suas vulnerabilidades, colaborando paraa construção de políticas públicas também democráticas. Neste caso,estas ações, dos atores e poder público, também contribuirão para odesenvolvimento local.

Diante do exposto, o que se verifica é que compreenderconceitualmente o empoderamento envolve articulações sistemáticascom dados/informações do real. Desta forma, viemos abordandoindiretamente eixos tais como: participação, informação e identidade,que são elementos relevantes na construção do processo deempoderamento e que, por isso, os analisaremos a seguir com base emdados pesquisados em Custodópolis redefinindo as possibilidades do(com) viver em comunidade.

III- ELEMENTOS CARACTERIZADORES DO PROCESSO DEEMPODERAMENTO: O CASO DE CUSTODÓPOLIS

Ao longo deste artigo viemos trabalhando com autoresque abordam di ferentes perspect ivas em re lação aoempoderamento. Identificamos e registramos a relevância dealguns de seus elementos, bem como, discutimos suas definiçõese relações com o desenvolvimento local. Concordando oudiscordando de abordagens que envolvem este conceito denso erepleto de significados, afirmamos, a partir da bibliografiaconsultada e das análises desenvolvidas, sua importância noprocesso de combate a pobreza.

Nestes casos, a pobreza é

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Um estado de desempoderamento ede privação que apresenta váriasdimensões e se manifesta de formadiferenciada de pessoa para pessoa,de família para família e decomunidade para comunidade; epara superar as pobrezas énecessário enfrentar suas váriasdimensões, percorrendo oscaminhos individuais e coletivos deempoderamento (ANTUNES, 2002,p.110).

Tal superação, além da transformação das relações depoder existentes, se torna meio e fim do empoderamento. “Meio”na construção de um futuro possível, palpável com apossibilidade de recuperar as esperanças da população emobilizá-la para luta por seus direitos. “Fim” já que o poderestá na essência da definição e superação da pobreza.

Um fator de grande relevância é o monitoramento dosprocessos de empoderamento, no sentido de garantir que nãose reproduza dominação que caracterize pobreza e/ou situaçõesde vulnerabilidade. Neste caso, este conceito é fundamental,visto que as estratégias de combate e superação da pobreza estãorelacionadas a um processo político, em que seus atores, a partirda articulação de temas comuns, sejam capazes de alterar ascorrelações de força em diferentes níveis (macro, micro, etc.).

Uma estratégia de combate a pobreza que privilegie oempoderamento deve ser capaz de enfrentar sua naturezamultidimensional, colocando ainda, as pessoas que vivem estarealidade no centro da questão. Isto significa queempoderamento das pessoas vivendo situações devulnerabilidade e/ou pobreza é um processo que se constrói nabusca de acesso e controle sobre si e sobre os meios necessáriosa sua existência (ANTUNES; ROMANO, 2002).

O que se verifica é que as visões, aspirações eprioridades das pessoas e grupos desempoderados estão nocentro dos processos de empoderamento. Compreende-se assimque a participação destes sujeitos se torna de extrema relevâncianum contexto de pobreza e busca de sua superação.

De acordo com Lorio (2002) a participação é umelemento constitutivo das estratégias de empoderamento.Experiências por todo mundo tem mostrado que processos departicipação possibilitam processos de empoderamento,fortalecendo práticas de desenvolvimento que contemplam aspessoas que vivem na pobreza.

Se empoderamento é considerado para alguns autorescomo um fim em si mesmo, participação é um meio para atingirfins, que pode ser ou não o empoderamento de pessoasexcluídas e vivendo da pobreza. No entanto, como jásinalizamos, por diversos fatores o ato de participar de causase interesses coletivos vem se tornando mais frágil a partir de

valores individualistas disseminados pela sociedade capitalista.Esse processo ampliado afeta sujeitos em distintos territórios.

Em Custodópolis isso não é muito diferente. Identificamosque 66,7% dos moradores da Comunidade não participam de nenhumgrupo social. Dos 33,3% que participam, suas atividades coletivasestão restritas a: 74,2% grupo religioso, 13,4% grupo da terceiraidade; 3,3% associação de moradores; 0,8% cooperativa; 0,8% escolade samba; 7,5% outros.

Esses dados permitem observar que o fator religioso é o quesobremaneira motiva os moradores a participarem de ações conjuntas.Neste ponto, vale ressaltar que inicialmente as diferentes igrejaspresentes no cenário de Custodópolis eram a Batista e a Católica.Entretanto, “Atualmente, existem várias outras expressões dareligiosidade local e na interpretação de uma moradora: ‘cada umtem um terreno e faz a sua igreja em torno dele mesmo’.”(DIAGNÓSTICO PRELIMINAR, 2008, p.44).

Independente da religião, de uma forma ou de outra seobserva a presença e a influência destas igrejas na Comunidadepesquisada. A Igreja Batista, por exemplo, realizava, no período detrabalho de campo, um trabalho social prestando auxíliosemergenciais (doação de alimentos, remédios, passagens e pequenasreformas em casa) à população considerada mais carente. A origemdas verbas, para tais auxílios, vinculava-se a moradores de outrosbairros, já que os de Custodópolis são considerados pobres.

As lembranças em torno da Igreja Católica relacionavam asfestividades, como a de Nossa Senhora da Conceição (padroeira dobairro). No entanto, as comemorações que, no passado, duravam umasemana e eram compostas por várias atividades, resumem-se naatualidade, a uma procissão.

Por outro lado, os 20% restantes compõem atividades quecaracterizam mais diretamente processos participativos que podemser mobilizadores ao desenvolvimento de estratégias deempoderamento. Há, assim, um número considerável de moradoresna Comunidade de Custodópolis que já desenvolvem ações coletivase que podem ser estimulados à participação de maneira crítica epropositiva.

Além disso, se participação é a busca da população por seusdireitos a partir de decisões que afetam sua vida cotidiana, promovendoespaço democrático para controle social, diagnosticamos apossibilidade concreta de seu processamento na medida em que 55,3%dos moradores do bairro expressaram que gostariam de participar dealgum grupo para buscar melhorias para o mesmo.

Essas informações corroboram para a possibilidade de secriar estratégias consubstanciadas pela literatura, que entendem o“empoderamento como participação”, já que esse vínculo é o queemerge de maneira mais forte a partir de algumas experiências nomundo.

Desta forma, a inferência desenvolvida é que no contextoora analisado, uma das primeiras possibilidades em relação aoprocesso de empoderamento pode estar relacionada à mobilizaçãodos atores que se demonstram pré-dispostos à participação emcausas coletivas. Um dado relevante e que contribui para tal

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inferência refere-se ao fato de que no dia 02 de novembro de2009 o jornal Folha da Manhã registrou que na noite anterioros moradores de Custodópolis fizeram uma manifestaçãofechando a rua Júlio Armond. Através de fogo, pedras e pneusprocuraram chamar a atenção para o problema dos veículosque circulam em alta velocidade, causando acidentes, comorelata a reportagem ao lado.

Compreendemos que todo este processo não é simples.Impedimentos e obstáculos são desenhados em cada ação, seja atravésde tal mobilização para participação, da discussão de estratégiascoletivas, da busca de objetivos comuns, da organização e sinfoniado próprio grupo, ao articular seus “sons, coros e instrumentos”necessários ao desenvolvimento local. No entanto, a literatura apontaque muitos destes obstáculos e impedimentos podem ser superadospelos participantes com a ajuda de “facilitador/as”.

Todos estes atores (facilitadores e participantes) devem estaratentos a multidimensionalidade que produz e reproduz a pobreza,não subestimando a complexidade das estruturas do poder local, quepodem ser ocultadas por discursos democráticos e participativos.Assim, os processos participativos não podem ser superficiais ereduzidos a meras consultas. É necessário discutir, opinar, controlar,ouvir, avaliar...

No entanto, isso não será possível se as pessoas não tiveremacesso à informação de qualidade, capaz de propiciar a identificaçãomais aprofundada de suas realidades e a análise de possíveis saídasperante suas vulnerabilidades, saídas da condição de “beneficiário”para ser um agente ativo do processo (LORIO, 2002).

Isto é, se 52,6% dos moradores de Custodópolis acreditamque cabe aos políticos prover melhorias para o bairro, eles tambémdevem compreender que essas mudanças não podem acontecer de“cima para baixo”, sem conhecimento, participação e reivindicaçãoda própria comunidade.

Por outro lado, 18,0% acreditam que tais mudanças devemser promovidas pelos próprios moradores; 15,3% pela associaçãode moradores e 14,1% por outros (Prefeitura e grupo de apoio àComunidade). O que se verifica a partir destes dados é a necessidadede relativizar, para tanto, a informação é indispensável.

Ao referirmos ao termo “relativizar” partimos dopressuposto de que o empoderamento envolve uma relação diretacom o indivíduo, que por sua vez deve ter “consciência crítica”(FREIRE, 1974) para que possa expandir seus horizontes e não seremconformados com sua própria sorte. É isso que os possibilitarão apotencialização de sua participação com vistas à garantia de seusdireitos e ampliação dos mesmos, via política pública.

Nesta lógica, é necessário pensar em estratégias deinformação é não restringi-las ao contexto local e sua dinâmica depobreza, mas também considerá-las em relação aos níveis regionaise globais, entendendo o conhecimento como elemento do contextosocial e ligado a diferentes posições de poder.

Esta informação/conhecimento possibilitarão, dentre outros,a construção e percepção acerca da identidade local, que paraGallichio (2002) é construída a partir das dimensões da história e doterritório. História enquanto memória viva, que se reconhece no

Figura 1: Manifestação na rua em Custodópolis.Fonte: Jornal Folha da Manhã, 02/11/2009.

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passado e representa continuidade e ruptura com o mesmo, o presentee o projeto. Território enquanto lugar habitado pelo grupo e queconstrói sua consciência.

De acordo com Gallicho (2002), a identidade é constituídanuma relação passado- presente- projeto, processo que se produzdentro de um sistema de relações, em que há idéia de unidade ediferença; existência de limites que permitem intercâmbios seletivoscom os outros, além de rememorar ao que viveu, adequando aosnovos contextos.

Desta forma, compreendemos a identidade em sujeitoscoletivos enquanto uma relação de continuidade e ruptura, através datroca dos que estão dentro e da diferenciação dos que estão de fora.Assim, a identidade também se apresenta enquanto elemento – chaveda condição de empoderamento, proporcionando o exercício dasliberdades individual e do grupo de maneira mais coesa, crítica epropositiva.

No entanto, esta “troca” e exercícios de liberdades em grupode maneira coesa devem ser construídos de forma mais aprofundadaem Custodópolis, visto que os próprios moradores sentemdificuldades em identificar (quando identificam) líderes em seubairro.

Destes atores, 69,1% acreditam não haver líder nacomunidade, enquanto 30,9% destacam, sobretudo, a presidente daassociação de moradores e alguns políticos que, de uma maneira oude outra, criaram vínculos com o bairro. Apesar de ainda ressaltaremque “a associação de moradores é responsável por buscar melhoriano bairro, mas não vê a associação do bairro funcionar” (informaçõesdo diário de campo).

Diante do exposto, avaliamos que o poder, a participação,a informação e a identidade se apresentam enquanto eixosfundamentais às análises e operacionalização de processos deempoderamento. Nossa abordagem particularizou determinadaComunidade, buscando compreender suas singularidades, a fim deanalisar possibilidades na construção de tal processo em longo prazo.No entanto, as inferências desenvolvidas colaboram para que sepossam re-pensar o “(com) viver em Comunidade”, além disso,defendemos sumariamente que as sociedades locais podem conseguirgerar suas próprias iniciativas, desde que estejam organizadas,articuladas a partir destes e de outros elementos (na busca de seusdireitos junto ao poder público) que também serão analisados aseguir.

IV- EMPODERAMENTO: ESTRATÉGIAS PRÁTICAS

A proposta de empoderamento pode ser desenvolvida apartir de cinco espaços sociais de ação, a saber: a família, acomunidade, o município ou a região, o País e o global. Com baseem Villacorta e Rodrigues (2002) vemos que:

* No contexto familiar as estratégias devem ser orientadas à equidadede gêneros, ao acesso a moradia, emprego, saneamento, água,educação, saúde, dentre outros;* Em nível local e regional, os grupos, em processo de

empoderamento, possuem grandes possibilidades de influenciar oestabelecimento de políticas públicas que considerem seus interesses,além de ser possível empreender iniciativas que propiciem os processosalmejados;* A implementação de estratégias em espaço nacional carece departicularidades locais. No entanto, a partir de setores populacionaisamplos (mulheres, infância e adolescência, etc.) se podem aprovarmarcos jurídicos que defendam seus direitos civis e a alocação derecursos que os privilegiem;* Uma proposta de empoderamento genuína deve possuir articulaçãoentre local-global, apesar de situarem em um destes espaços.

As tipificações desenhadas pelos autores anteriormente são deextrema relevância na medida em que muitos questionamentos sãoelaborados no que tange ao local como dimensão de análise. Isto porquesabemos que se por um lado, o contexto local é fortemente influenciadoe até avassalado pelas consequências da globalização, por outro, há sinaisde que ele pode se apresentar enquanto alternativa a estes males, setornando uma resposta, uma reação a este estado de coisas.

Na busca de construção do empoderamento, “O desafio passa,então, pela capacidade dos atores em utilizar os recursos que passam, eficam, em seu âmbito territorial, para melhorar as condições de vidados habitantes” (GALLICHIO, 2002, p. 78).

Neste caso, as estratégias desenvolvidas devem ser orientadas,segundo Villacorta e Rodrigues (2002, p. 54) em duas direções: “a. Oincremento das capacidades internas; b. A criação de condições a suavolta que favoreçam os processos de empoderamento”.

Acerca da primeira direção, os autores pontuam quatro eixosde ação para fortalecer os grupos sociais em desvantagem, são eles: 1-O fortalecimento de suas organizações; 2- A criação de novosconhecimentos e habilidades; 3- O fortalecimento de sua auto-estima evalores e; 4- A construção de vínculos e alianças com outros setores.

Considerar estas dimensões é compreender que, além de umadimensão pessoal, o empoderamento possui (para alguns autores)dimensão organizacional; que seu processo não pode passar por cimada criação de conhecimentos e habilidades; que a mudança na auto-estima dos participantes de projetos tem se tornado um importante efeitodesencadeador de outras transformações positivas nas relações familiarese comunitárias; Além do mais, as alianças são fundamentais nofortalecimento dos setores pobres, capazes de influir para que suaspropostas sejam levadas em conta.

V- CONSIDERAÇÕES FINAIS

As discussões, ora apresentadas, foram fruto de um trabalho depesquisa desenvolvido em uma Comunidade há mais de dois anos. Comovimos nos artigos iniciais deste livro, tal pesquisa está embasada em eixosteóricos capazes de problematizar e até, contribuir para construção depropostas a tal localidade, sem desconsiderar os outros contextos.

Empoderamento é um destes eixos. Entretanto, neste momento,vale ressaltar que, apesar da relevância da categoria e de suas discussões,o que procuramos fazer foram algumas aproximações da mesma, demaneira inicial, compreendendo, que tais análises podem seraprofundadas, revistas e discutidas a partir de novas aproximações da

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realidade e do próprio conceito.O desafio de discutir esta proposta se desenvolveu por

acreditarmos na necessidade de se refletir acerca da categoria(limites, possibilidades), através de aproximações iniciais, como objetivo de conhecer e identificar seus principais elementos,analisando-os a partir de dados concretos.

Diante disso, a abordagem desenvolvida neste artigo fezuma alusão ao empoderamento e seus possíveis caminhos. Issoquer dizer que todos os elementos do empoderamento trabalhadosdurante nossas análises podem ser neste momento, instrumentosfundamentais à construção destes sons e coros das comunidades,

proporcionando uma sinfonia entre a identificação daquilo que se vive,com o que se deseja construir para “superação” da pobreza (em suamultidimensionalidade). Ou seja, ao compreender e processar taiselementos se torna possível redefinir possibilidades do viver emcomunidade.

Obviamente, compreendemos o processo de empoderamentocomo algo dinâmico, bem como, a elaboração de um sistema demonitoramento adequado. No entanto, a partir de fundamentação teórica,viemos trabalhando com os seguintes elementos/dimensões:

Por outro lado, cabem alguns esclarecimentos finais. Nossaabordagem compreende os homens como sujeitos da história e que sua

Fluxograma 1: Dimensões do/para o empoderamento.Fonte: do autor, 2012.

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situação de pobreza e/ou vulnerabilidade é fruto de um sistemadesigual em sua essência. Para tanto, identificamos inicialmenteo empoderamento como uma categoria capaz de contribuir nasuperação de tais desigualdades, enquanto instrumentomobilizador da participação, orientação e reivindicação dossujeitos por seus direitos.

Assim, entendemos que o empoderamento envolve ocombate a ordem naturalizada ou institucionalizada da dominaçãopara construir relações mais justas e equitativas e que isso só épossível, a partir do momento em que os sujeitos conhecem suarealidade, percebem a necessidade da mudança, se fortalecemcoletivamente e reivindicam junto ao poder público seus direitos.

No caso do serviço social (profissão de formação doautor do capítulo), não colocamos em pauta qual seu objeto deintervenção, como Machado (2008) o faz, visto que aindacompreendemos as expressões da questão social como objeto doserviço social. No entanto, o empoderamento pode se apresentarenquanto estratégia de trabalho a tais manifestações, no sentidode fortalecimento dos sujeitos na busca pela garantia de seusdireitos sociais. Obviamente, não desconsideramos asparticularidades de cada situação, nem mesmo entendemos queo empoderamento seja a solução a todas as demandasapresentadas, pelo contrário, estamos registrando a necessidadede estudar esta categoria e se apropriar daquilo que pode sertrabalhado pelo serviço social em consonância com seu projetoprofissional.

Ou seja, este momento particular de estudo e análises seapresenta como um convite ao debate, na necessidade de não“fechar os olhos” a novas possibilidades, em que nossa defesa setorna exclusivamente no sentido de aprofundamento teórico e deposicionamentos que venham somar a esta aproximação inicialacerca de tal categoria, que no contexto em questão, demonstragrande relevância.

Relevância por contribuir para as abordagens acerca dedesenvolvimento (dos sujeitos e das comunidades), participaçãosocial, organização e reivindicação coletiva, identidade de classe,trabalho em comunidade, ou seja, possibilidades de iniciativascríticas destes sujeitos junto ao poder público. Isto é, estamosfalando em um processo, a longo prazo, que pode contribuir paraque sujeitos não sejam só pessoas, mas sobretudo, cidadãos e,por isso, não sentimos um tom utilitário e/ou conservador ao setrabalhar e operacionalizar estas concepções compreendendo aí,a necessidade de se pensar o serviço social.

Neste caso, a contribuição que este capítulo apresentaestá em compreender, a partir dos dados pesquisados, que muitosdestes “sons, coros e instrumentos” que se referem aos caminhosdo empoderamento, podem redefinir o (com) viver emCustodópolis e que, para tanto, o primeiro passo está namobilização da comunidade, através de facilitador (es), para queesta reivindique e lute por seus objetivos junto ao poder público.

Mais do que respostas, estas considerações finais trazempropostas, que podem ou não contribuir para mudanças efetivasem nossa forma de pensar, ver, e agir perante determinadas

realidades, refletindo para além de “fórmulas” ditas “certas” mas que,na prática, podem ainda trazer muitas incertezas...

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Uma Cidadania Esperada: e agora, o que fazer?

Christovam Cardoso1

Denise Chrysóstomo de Moura Juncá2

Vera Lucia Marques da Silva3

Verônica Gonçalves Azeredo4

1 Enfermeiro CCIH – HGG; Professor FAETEC - Campos dos Goytacazes. Gestor e professor de Graduação em Enfermagem - UNIVERSO - Campos dos Goytacazes.Mestre em Comunicação Social pela UFRJ.2 Assistente social, Professora Associada do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional – Universidade Federal Fluminense, Doutora em Ciências pelaEscola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca e Coordenadora do Grupo Interdisciplinar de Estudo e Pesquisa em Cotidiano e Saúde – GRIPES/UFF.3 Médica, Professora da Faculdade de Medicina de Campos, Pós Doutora em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiroe Coordenadora do Programa Bairro Saudável: tecendo redes, construindo cidadania (gestão 2009-2013).4 Doutoranda em Política Social/UFF, Mestre em Serviço Social pela UFRJ, Assistente Social pela UFF, Profª. Adjunta do Curso de Serviço Social do ESR/UFF epesquisadora do Grupo Interdisciplinar de Estudo e Pesquisa em Cotidiano e Saúde- GRIPES/UFF.5 WISNER, B.; BLAIKIE, P.M.; CANNON, T.; DAVIS, I. At risk: natural hazards, people’s vulnerability, and disasters. 2. ed. London: Routledge, 2004. 471p.

Vulnerabilidade repentina ou inesperada? Vulnerabilidadede pessoas ou de grupos? Vulnerabilidade de lugares?Vulnerabilização da cidadania? Que desenho a pesquisa construiuem torno do território de Custodópolis? Que “capacidade deresposta” (MARANDOLA JR; HOGAN, 2006) foi possívelidentificar na comunidade?

O tema é amplo e ainda precisa ser muito explorado.Entretanto, os dados levantados indicam que há uma gravevulnerabilidade em curso na comunidade estudada. Vulnerabilidadeque tem história, que apresenta várias faces e dinâmicas, que atingepessoas, grupos e o próprio lugar, articulando particularidadesregionais a questões que se estendem ao cenário nacional,evidenciando que são complexos os entraves a serem vencidos.

Citando Wisner5 , Marandola Jr. e Hogan (id.) consideramque muitos dos elementos que compõem a vulnerabilidade não estãodissociados da “vida normal”, do cotidiano das pessoas. Para osautores,

estilos de vida, atitudes, condutas evalores que podem fazer parte de umafamília, cultura, região ou outras esferascoletivas nas quais a pessoa está inserida,ligam-se a perspectivas pessoais,percepções e à própria experiência noaumento da segurança, tanto no campoexistencial como na dimensão objetivada vulnerabilidade. (id.p.35)

Desta forma, é importante romper com concepções querestringem o conceito de vulnerabilidade a campos específicos,entendendo-o em uma perspectiva interdisciplinar. Esta foi a óticaadotada na pesquisa realizada, sendo possível constatar quedimensões sociais, econômicas, ambientais, civis se combinam nacomposição do quadro encontrado.

É certo que alguns avanços foram observados, notadamente,em termos de escolaridade, ocupação e rendimentos. Verificou-semaior valorização e condições de acesso ao ensino formal, inclusivesendo identificados estudantes universitários. O trabalho, emboraainda incluindo biscates ou ocupações que exigiam baixaqualificação, diversificava-se, não se restringindo à lavoura de antes.Em relação ao acesso a bens de consumo foi identificada a presençade uma grande variedade de produtos. Com tal perfil, Custodópolisapresentava características que vinham sendo identificadas atravésdas PNADs (IBGE), no restante da população brasileira,principalmente na última década, no que se refere a mudanças nopadrão de consumo, registrando-se, sobretudo, maior acesso àtelefonia, à informática e a outros bens domésticos. Esta era umaquestão, também, focalizada por pesquisadores do CEBRAP, Torres,Bichir e Carpim (2006), que referiam-se à complexidade dos padrõesrecentes da pobreza urbana e questionavam se o país não estariadiante de uma pobreza diferente, listando fatores como: astransformações estruturais que vem ocorrendo, o papel das políticassociais, a mudança no tamanho das famílias, a transformação dopapel da mulher e a maior oferta de crédito.

Retratando uma tendência nacional (IBGE), também emCustodópolis, identificou-se o crescimento da chefia feminina dasfamílias e uma grande preocupação destas mães era inserir seus filhosnas escolas e programas sociais, retirando-os das ruas, que tantosriscos representava.

As casinhas de palha deram lugar a moradias de alvenaria.Suas condições, contudo, nem sempre eram as melhores, o mesmoacontecendo com a infraestrutura ambiental. Neste ponto, a ausênciade uma rede de esgoto configurou-se como o maior problema. Aoseu lado estava a questão da falta de segurança. A violência, associadaao tráfico de drogas assustava uma parcela expressiva da população,levando-a a pensar em se mudar do bairro. A maioria, contudo,revelava um grande vínculo ao território onde nascera e continuavaa viver, acabando por relativizar tais riscos.

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Fragilidades apareciam também na saúde, com altos índices,sobretudo de doenças como diabetes e hipertensão. A maioralternativa de assistência encontrava-se em serviços de pronto socorroque, a exemplo do que também acontecia no resto do país, funcionavacomo porta de entrada ao atendimento médico, já que as condiçõesde acesso aos serviços ambulatoriais não correspondiam à demandaexistente.

A proteção social ainda atingia um número limitado defamílias, sendo a rede de parentesco seu principal suporte. Seu poderde reação e articulação, tão expressivos no passado, se diluíram notempo, uma vez que, de um lado, a comunidade acolhia muitos“estranhos”, e não apenas aquelas “pessoas de bem que queriamajudar”; de outro, os laços que, tradicionalmente, mantinham compolíticos ou entidades assistenciais foram rompidos ou enfraquecidos,dando lugar ao descrédito, ao desânimo, à dificuldade de reaçãoface às vulnerabilidades que vinham se acentuando. Um outro fatoragravante podia ser citado: o orgulho de morar em Custodópolis eracomprometido por um grande constrangimento que alguns sentiam,pois carregavam o estigma de serem identificados como moradoresde uma área de risco.

O desenho traçado remetia à consideração de que:

A capacidade de responder ao perigodependerá da quantidade e qualidade derecursos (ou ativos) sociais, ambientais,culturais e econômicos que cada lugarpossui. A memória, a história e asexperiências são instânciasfundamentais para coesão social dogrupo, e seu fortalecimento diante doperigo.

Diante de tal quadro, uma possível saída poderia ocorrer,através da revitalização dos sujeitos, do resgate da auto-estima, paraque se tornassem capazes de construir respostas às vulnerabilidadesque compunham seu território. Considera-se, assim, como Manzini-Covre (2003, p. 10) que há necessidade de “preparo”, de produçãode subjetividade promissora, e os direitos e deveres, ou seja, oconteúdo do exercício da cidadania depende de enfrentamentopolítico contínuo: “só existe cidadania se houver a prática dareivindicação”.

Trata-se, assim, do que enfatizavam Marandola Jr e Hogan(op.cit, p.40):

A capacidade e habilidade de converteroportunidades em ativos passam peloempowerment e pelos entitlements, quepodem ocorrer por meio de processosverticais (de cima para baixo) ouhorizontais (redes sociais, participação,laços comunitários solidários,inventividade pessoal). Os entitlementspodem ser tanto objeto de políticas

públicas quanto uma forma que a própriapopulação encontra para lidar com seuspróprios riscos, diminuindo suavulnerabilidade.

Neste ponto, cabe lembrar a dialética possível implicada noconceito de vulnerabilidade, como abordam Vignoli, Filgueira eArriagada, citados por Castro e Abramovay (2004, p. 3), “referindo-setanto ao negativo, ou seja, a obstáculos para as comunidades, famílias eindivíduos — riscos —, quanto ao positivo, considerando possibilidades,ou a importância de se identificar ‘recursos mobilizáveis nas estratégiasdas comunidades, famílias e Indivíduos’ (Vignoli 2001: 58)”. Com isso,se a pesquisa realizada permitiu a obtenção de respostas às perguntastraçadas, não há como negar que outras tantas indagações surgiram,associadas, sobretudo, à implementação de ações, de acordo com aproposta do Programa Bairro Saudável. Que caminhos seguir? Quesujeitos mobilizar? As igrejas, os grupos da terceira idade e a associaçãode moradores seriam alternativas viáveis? Que limites e possibilidadestransitavam no cotidiano de uma experiência interdisciplinar? O trabalhosó começou e muito há ainda para se discutir e avançar.

Algumas indicações, contudo, já podem ser esboçadas nas áreas:a) Sócio-ambientalb) Sócio-Educativac) Culturald) Econômica

a) Área Sócio-Ambiental: ações voltadas para o enfrentamentodos riscos à saúde e ambiental, causados pelo esgoto a céu-abertoe lixos em terrenos baldios.

SUGESTÕES:- Capacitação de educadores, monitores e alunos em educação ambientalnas escolas do bairro;- Implementação de oficinas de práticas ambientais: plantio de mudasem terrenos baldios (áreas degradadas);- Realização de cursos de jardinagem: atuação residencial, predial e emáreas públicas;- Produção de mini-documentário com participação dos moradores, sobreas condições ambientais (ênfase em saneamento), juntamente com abaixoassinado da comunidade para ser entregue à PMCG, como demanda dobairro e busca de enfrentamento das condições sanitárias.

b) Área Sócio-Educativa: ações voltadas para práticas educativase de qualificação profissional.

SUGESTÕES:- Realização de Curso para educação de adultos;- Implementação de atividades extra-curriculares no contra-turno formal(reforço, melhoria e aproveitamento escolar). Além dos conteúdosformais curriculares, as ações devem ser dirigidas, através de jogos dematemática, pesquisa em internet, orientação para pesquisas escolaresroda de leituras.

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- Organização de uma Biblioteca: Espaço destinado a empréstimode livros, oficinas de redação, leitura, contação de histórias, sarausde poesias, etc.- Implantação de um projeto que poderia ser denominado “Mala deleitura”, envolvendo: leitura itinerante em espaços abertos dacomunidade, como por exemplo, a praças;- Parceria com o Campo de futebol, para realização de atividadesesportivas e recreativas.

c) Área Cultural: práticas que resgatem a riqueza de bensimateriais da localidade, por meio da tradição oral e deencontros intergeracionais que possibilitem o diálogo entresaberes e fazeres do ontem e do hoje.

SUGESTÕES:- Oficina de Memória: Resgate através de mestres da tradição oralde antigas práticas comunitárias: jongo, corridas rústicas, bailes nascasas, quadrilha/dança jardineira. Memória das histórias e casoslocais, cantigas de roda, receitas tradicionais, história dos espaços epersonagens do bairro, articulando essas antigas práticas ao contextoatual. As ações poderiam ser reeditadas, homenageando antigosespaços e personagens. - Cine Teatro Primor: sala com equipamento audiovisual e projeçãodigital. Exibição de sessões gratuitas (filmes alternativos,documentários). Sala de teatro: curso de teatro. Matinê na pracinha.- Jongo da Tia Maria Anita: regate da tradição do jongo.Apresentações culturais.- Quadrilha Caipira do Vicente: apresentações- Folia de Reis do Zé Laurindo: apresentações- Circuito ciclístico Nicodemos- Memória Esportiva: “Come-Gato”: exposições...- Roda e Cantigas na Praça- Exposição de fotos antigas da comunidade (personagens).- Produção de mini-documentário com antigos moradores,transmissores da tradição oral comunitária. Objetivo: reconstruçãocontínua da identidade local.- Contação de histórias: “Mula sem cabeça”, “ônibus da luzvermelha”, “Negrinho levado” e outras histórias da memória dobairro e do folclore campista.- Produção de um livro com essas histórias e com a memória dacomunidade.

d) Área Econômica: Capacitação de artesãos localidentificados com confecção de produtos em tecido deidentidade folclórica. Tecidos em chita, juta e variaçõesrústicas, que expressem a tradição carnavalesca do bairro e aidentidade rural de campos nas expressões da mana chica.

SUGESTÕES:- Capacitação dos artesãos: Oficina de Reciclagem de Tecido(bordados, apliques, patchwork, customização. Produtos:

acessórios (pulseiras, colares, fivelas, etc); Objetos de decoração(almofadas, toalhas, cortinas, etc ) e utilitários (porta-trecos,aventais,etc)- Oficina de trabalho colaborativo, gestão de negócios, tendênciasde mercado e design.- Produção: local União da Esperança- Comercialização: loja local, loja virtual.- Curso de jardinagem- Curso de serviços na área da construção- parceria com empresasdo ramo da construção. (engenharia).

Estas, dentre outras ações só serão possíveis se a propostainterinstitucional e interdisciplinar do Programa “Bairro Saudável:tecendo Redes e Construindo Cidadania”, for reafirmada em seucompromisso entre instituições e atores envolvidos.

O Diagnóstico sócio-ambiental, realizado através do InquéritoPopulacional, é produto desse esforço coletivo de aproximação com obairro. Mapeadas suas condições, o perfil desenhado apontou para umquadro de vulnerabilidades, que por sua vez, demandam esforços emdiferentes campos de ação.

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