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ANTIOXIDANTES teste saúde 108 abril/maio 2014 15 Todos os dias, as células do corpo humano produzem energia para realizar as suas funções através de reações de oxidação. Por vezes, durante o processo, alguns ele- trões “escapam” , dando origem aos chamados radicais livres. Além da atividade celular, também a alimentação e a exposição nor- mal ao ar e ao sol, por exemplo, podem dar origem a estes elemen- tos ou compostos. Uma vez forma- dos, reagem rapidamente com os principais constituintes celulares, como os lípidos, oxidando-os. Tal abre caminho a processos que, a longo prazo, podem levar a pro- blemas degenerativos, como do- enças cardiovasculares e vários tipos de cancro. Verdade oxidada Alguns produtores aproveitam a boa fama dos antioxidantes para fazer alegações proibidas nos rótulos. Regra geral, basta uma alimentação correta para garantir todos os elementos necessários ao organismo Para combater os possíveis efeitos negativos causados pelos radicais livres, o organismo usa as defesas antioxidantes, recorrendo a diver- sas substâncias: umas são sinteti- zadas pelo próprio corpo - caso de algumas enzimas -, outras são de origem externa, como as vita- minas C ou E, fornecidas pela ali- mentação. Em circunstâncias normais, o corpo humano não necessita de suplementos para obter os antio- xidantes de que necessita. Uma alimentação equilibrada é mais do que suficiente. Entre a verdade e o mito ■ O culto da juventude e saúde que emerge nas sociedades atuais aju- dou a que se explorassem as ale- gadas propriedades antioxidan- tes de determinadas substâncias, aproveitadas por alguns produto- res como forma de marketing aos seus alimentos. ■ Mas a verdade é que a Autorida- de Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) considerou não existir uma relação de causa-efeito entre a ingestão de grande parte dos compostos considerados an- tioxidantes e uma maior proteção ao stresse oxidativo. Este ocorre quando os mecanismos que com- batem os radicais livres são insu- ficientes para contrariar os seus efeitos negativos. Com base nisto, a Comissão Europeia excluiu dos rótulos dos produtos alimentares Nem todos os rótulos alimentares seguem as normas europeias. Ainda há quem use a expressão “anti- oxidante” para promover os seus produtos > Percorremos algumas lojas à procura de alegações relativas a antioxidantes. Dos produtos na foto, só dois cumprem a lei: as Barras de Sésamo e Mel, da Ignoramus, e os suplementos Selenium ACE + D, da Wassen

Verdade oxidada

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Todos os dias, as células do corpo humano produzem energia para realizar as suas funções através de reações de oxidação. Por vezes, durante o processo, alguns ele-trões “escapam”, dando origem aos chamados radicais livres. Além da atividade celular, também a alimentação e a exposição nor-mal ao ar e ao sol, por exemplo, podem dar origem a estes elemen-tos ou compostos. Uma vez forma-dos, reagem rapidamente com os principais constituintes celulares, como os lípidos, oxidando-os. Tal abre caminho a processos que, a longo prazo, podem levar a pro-blemas degenerativos, como do-enças cardiovasculares e vários tipos de cancro.

Verdade oxidadaAlguns produtores aproveitam a boa fama dos antioxidantes para fazer alegações proibidas nos rótulos. Regra geral, basta uma alimentação correta para garantir todos os elementos necessários ao organismo

Para combater os possíveis efeitos negativos causados pelos radicais livres, o organismo usa as defesas antioxidantes, recorrendo a diver-sas substâncias: umas são sinteti-zadas pelo próprio corpo - caso de algumas enzimas -, outras são de origem externa, como as vita-minas C ou E, fornecidas pela ali-mentação. Em circunstâncias normais, o corpo humano não necessita de suplementos para obter os antio-xidantes de que necessita. Uma alimentação equilibrada é mais do que suficiente.

Entre a verdade e o mito■ O culto da juventude e saúde que emerge nas sociedades atuais aju-

dou a que se explorassem as ale-gadas propriedades antioxidan-tes de determinadas substâncias, aproveitadas por alguns produto-res como forma de marketing aos seus alimentos. ■ Mas a verdade é que a Autorida-de Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) considerou não existir uma relação de causa-efeito entre a ingestão de grande parte dos compostos considerados an-tioxidantes e uma maior proteção ao stresse oxidativo. Este ocorre quando os mecanismos que com-batem os radicais livres são insu-ficientes para contrariar os seus efeitos negativos. Com base nisto, a Comissão Europeia excluiu dos rótulos dos produtos alimentares

Nem todos os rótulos alimentares seguem as normas europeias. Ainda há quem use a expressão “anti-oxidante” para promover os seus produtos

>

Percorremos algumas lojas à procura de alegações relativas a antioxidantes.

Dos produtos na foto, só dois cumprem a lei: as Barras de Sésamo e Mel, da Ignoramus, e os

suplementos Selenium ACE + D, da Wassen

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Uma dieta equilibrada fornece tudo o que nosso organismo necessita. Em alguns casos, o consumo de suplementos pode mesmo ser prejudicial. Nuno Lima Dias, técnico alimentar, explica porquê

Na nossa vida diária, necessitamos de suplementos com antioxidantes?Não. Um regime alimentar adequado e variado, em circunstâncias normais, fornece todos os constituintes neces-sários ao bom desenvolvimento e à manutenção de um organismo saudá-vel. Não é ingerindo suplementos que equilibramos a nossa alimentação. Para diminuir carências, seria mais útil promover mais campanhas de infor-mação para ensinar a escolher alimen-tos que podem satisfazer as nossas ne-cessidades.

Em que situações é legítimo recorrer aos alimentos fortificados?Os alimentos fortificados deveriam ser-vir para compensar carências da popu-lação e não ser um argumento de ven-da. O enriquecimento deveria competir às autoridades nacionais, pois o tipo e a quantidade de elementos nutritivos a adicionar devem estar relacionados com os problemas a resolver, carac-terísticas das populações e hábitos alimentares das regiões. Por exemplo, pode fazer sentido iodar o sal quando existem carências em iodo.O alimento escolhido como vetor deve-ria ter um perfil adequado e ser consu-mido pela população exposta à carên-cia, ser compatível com os elementos nutritivos a adicionar que, por sua vez, também deveriam de ser compatíveis

entre si. A quantidade adicionada de-veria ser suficiente para prevenir a carência ou remediá-la sem que fosse excessiva para a população em geral.

Em casos específicos, os suplemen-tos com antioxidantes são úteis?Não. Encontramos antioxidantes nas frutas ou nos legumes, nos frutos secos ou sementes, na carne ou no peixe.O efeito protetor dos antioxidantes tem sido objeto de vários estudos, mas os resultados estão longe de serem definitivos e convincentes. Na reali-dade, as doenças degenerativas es-tão associadas a várias causas, sendo difícil determinar a verdadeira ação e, consequentemente, a importância dos antioxidantes na sua prevenção. Não é por isso de estranhar que dife-rentes estudos tenham chegado a con-clusões opostas. Em janeiro, a Science Translational Medicine divulgou uma investigação que incrimina os suple-mentos de acelerar a progressão do cancro do pulmão e não trazer benefí-cios seguros para as pessoas sãs.

Um alimento mantém as suas pro-priedades antioxidantes indepen-dentemente da sua forma de produ-ção, armazenamento, transporte e modo como é cozinhado?Não. Por exemplo, a concentração de polifenóis é maior nos vinhos tintos

do que nos brancos, pelo facto de os primeiros fermentarem em contacto com as películas das uvas, onde se en-contra a maior parte destes compostos. As perdas de vitamina C são maiores ao cozinhar vegetais em água do que noutras formas de confeção. Parte dos minerais, como o selénio ou o zinco, pode dissolver-se na água ou na gordu-ra onde os alimentos são preparados.

Pode haver um consumo excessivo de substâncias antioxidantes? Sim. Isso é mais provável quando se ingere alimentos fortificados ou suple-mentos alimentares que as contenham. Alguns compostos não têm risco de acumulação no organismo porque são facilmente eliminados através da urina (caso da vitamina B2 ou C). O mesmo não acontece com outros, como a vita-mina E, cujo consumo excessivo pode estar associado a problemas digestivos. Alguns estudos sugerem que o consu-mo exagerado de antioxidantes pode favorexer a oxidação. A melhor forma de se precaver contra algumas doenças é ter uma alimentação equlibrada.

Não necessitamos de suplementos com antioxidantes

Entrevista

Nuno Lima Dias técnico alimentar da DECO PROTESTE

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TESTE SAÚDE ACONSELHA

Pela sua saúde, siga uma alimentação saudável

´ As investigações acerca dos eventuais bene-fícios dos antioxidantes no combate ao envelhe-cimento, às doenças cardiovasculares e alguns tipos de cancro devem continuar, de modo a ob-ter dados cada vez mais precisos. Mas também é necessário determinar a partir de que quanti-dade estas substâncias se tornam prejudiciais.

´ Os suplementos não fazem milagres. A me-lhor forma de garantir o bom funcionamento do organismo é ter uma alimentação equilibrada e hábitos de vida saudáveis.

´ Privilegie, entre outros, os antioxidantes contidos nos alimentos. Coma peixe e carne, le-gumes, fruta, cereais e derivados, como o pão. Não fume e faça exercício regularmente.

a referência a uma série de alega-ções, incluindo a expressão “an-tioxidante”. Esta, ou outro termo com o mesmo significado, quando associada a um alimento, sugere que este tem características rela-cionadas com a ação antioxidan-te. É considerada uma alegação de saúde, já que o efeito antioxidan-te está associado a um benefício para o organismo. O licopeno, o betacaroteno ou a coenzima Q10 estão entre as substâncias cujas alegações foram banidas.

Rótulos não respeitam a lei■ Apesar de a expressão “antioxi-dante” não ser autorizada, vários produtores usam-na. Percorremos as prateleiras de algumas lojas e detetámos vários maus exemplos, como pode ver na foto de abertura. ■ Por lei, só as vitaminas B2, C e E, ou minerais - como cobre,

manganês, selénio e zinco -, po-dem ser usados nas alegações. Mas, para isso, é necessário que os alimentos contenham, pelo menos, 15% da dose diária reco-mendada dessas substâncias e a alegação seja escrita tal como aparece na legenda no topo da página. A frase “os polifenóis do azeite contribuem para a prote-ção dos lípidos do sangue contra oxidações indesejáveis” também é permitida, mas, uma vez mais, em circunstâncias restritas: o produto em causa deve conter uma quan-tidade mínima de hidroxitirosol, presente na azeitona.■ Ou seja, não basta que um pro-duto contenha substâncias com alegações autorizadas, para que estas possam ser feitas ou sejam verdadeiras. Como tal, não se dei-xe levar pela publicidade e procu-re ter uma alimentação equilibra-da e variada.

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BOM EXEMPLO

MAU EXEMPLO

As alegações autorizadas para vitaminas e minerais só podem ser: “(nome da substância) contribui para a proteção das células contra as oxidações indesejáveis”

A expressão “antioxidante”

foi proibida pela Comissão

Europeia nos rótulos de produtos

alimentares