Verkruyse J. - Teologia e Ecumenismo

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    TEOLOGIA E ECUMENISMO

    O restabelecimento da comunhão é o objetivo primário e a razão de ser do movimento ecumênico. Contudo, quem temfamiliaridade com o diálogo interconfessional sabe que ele é como a caixa de Pandora, cheio de surpresas. Nãoraramente reaparecem problemas, há muito considerados resolvidos. Não é possível apresentar aqui um inventáriocompleto do contencioso teológico interconfessional. Neste capítulo gostaríamos, todavia, de identificar alguns temas

    que nos parecem estar em primeiro plano na atual ordem do dia ecumênica.As diferenças se manifestam em vários níveis. Há, em primeiro lugar, as diferenças claras, como a oposição entre asIgrejas que praticam o batismo das crianças e as que o rejeitam e batizam somente adultos crentes, ou seja, entre asIgrejas com organização episcopal e as Igrejas presbiterianas. Essas diferenças, todavia, podem estar fundamentadas emdivergências teológicas mais profundas a respeito da sacramentalidade, da fé, da Igreja etc., às vezes condicionadas, porseu turno, por diferenças nos pressupostos teológicos e antropológicos relativos à compreensão do agir de Deus e dohomem. Mas onde parar a pesquisa, para não cair no absurdo de um avanço indefinido? Essas diferenças, por outrolado, se espelham às vezes em temas não diretamente tocados pelo diálogo teológico, fazendo parte da legítimadiversidade da tradição cristã. Lembremo-nos de que toda grande tradição cristã constitui, de fato, um conjuntoteológico, ideológico e cultural, em que os diversos componentes estão intimamente entrelaçados. Ao lado dasdivergências de caráter nitidamente teológico, há também uma série de problemas de aspectos teológicos e teóricos quedizem respeito, em primeiro lugar, à prática e à pastoral num estado de divisão, como, por exemplo, a admissão àeucaristia e os problemas relativos aos matrimônios mistos. Muitas dessas divergências consolidaram-se ulteriormente por causa da polêmica e da controvérsia, que às vezes as transformaram em sinais distintivos da própria identidadeconfessional. O diagnóstico não pode deixar de considerar essa situação. Todavia, a divergência não deve sernecessariamente exclusiva. Pode também servir de advertência e chamar a atenção para a unilateralidade e limitação detodo discurso teológico sobre Aquele que é inefável e se revela em Jesus Cristo na limitação do humano. Fé ecomunhão se fundamentam ultimamente nAquele que está para além e acima de nossos esforços: “altitude inacessível, profundidade imensa, latitude incompreensível, longitude sempiterna, silêncio de escuridão, solidão vastíssima...” 1.Embora o movimento ecumênico seja essencialmente o movimento de reconciliação do que estáseparado , ele tambémtem a ver com a diversidade e o pluralismo cultural no mundo cristão.Essa diversidade é o resultado de processos bastante complexos devidos a evoluções culturais e históricas, a rupturas eexcomunhões, mas também à formação da identidade confessional e de estilos de vida, com uma intrincada estrutura deidiossincrasias psicossociais, de preconceitos e de lembranças que pesam sobre as relações mútuas. Muitos fatores não-teológicos se fazem sentir na discussão de problemas puramente teológicos na aparência. É preciso ter consciência

    deles, quando se exprimem convicções que são consideradas intimamenteligadas à própria fé. Uma “hermenêutica decomunhão” torna -se desse modo um exercício para compreender a lógica interna da convicção do outro e pararelacionar as próprias convicções com a fé dos outros cristãos, crendo que o Espírito Santo fala de muitos modos, atéimprevistos. É realmente verdade que — como se afirma no documento Batismo , Eucaristia e Ministério — “a aberturade uns em relação aos outros traz a possibilidade de que o Espírito fale a uma Igreja por meio dos conhecimentos deoutra” 2. Num relatório doGrupo de Estudo de Fé e Constituição do Conselho Nacional das Igrejas nos Estados Unidoslemos a esse respeito:

    A aceitação da diversidade requer uma acolhida ativa, uma abertura para abraçar a diversidade de graças nasoutras Igrejas como dons genuínos a serem recebidos no conjunto da comunidade cristã, para a edificação daIgreja e de sua missão no mundo. Na busca da unidade, os cristãos não devem apenas perguntar quais dons a própria confissão pode oferecer, mas também quais carismas devem receber 3.

    Método da teologia ecumênicaAs várias tradições cristãs sempre “falaram” umas com as outras. Até o silêncio e o distanciamento são modosextremamente eloqüentes de conversar. Com ascontrovérsias e a disputa, cada uma quis defender as próprias posições,contrapondo-as de maneira apologética e polêmica às da outra Igreja ou comunidade. Esse modo de discutir levou cadaIgreja a exaltar as próprias concepções, transformando as outras em inimigas, desprezando e condenando os pontos devista divergentes como heréticos, para não dizer diabólicos. Essas disputas encheram impressionantes bibliotecas econstruíram um volume imenso de preconceitos. As “controvérsias”, as polêmicas e as guerras deixaram então todo umrasto de alienação, de frustração e de amargura.Com o nascimento do movimento ecumênico, procuraram-se métodos mais aptos a melhorar a compreensão recíproca.Um dos primeiros foi ométodo comparativo , “um neutro e simples método de auto -explicação e de comparação semlevantar o problema de quem tem razão e de quem está errado” 4. Uma vez que o confronto continua sendo inevitável, a

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    Johannes Ruusbroec, Die Geestelike Brulocht [de Ornatu Spiritualium Nuptiarum] ,Lannoo, Turnhout, Tielt/Brepols, 1988, p. 406, b953-b954. 2 Enchiridion Oecumenicum I, n. 3.178.3 “Ecumenical Findings: Finding 8”, in Ecumenical Review 41 (1989), 127.4 K. Pathil, Models in Ecumenical Dialogue, Bangalore, Dharmaram, 1981, p. 39

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    experiência ecumênica levou à acentuação da necessidade de umahermenêutica de comunhão e de uma visão para alémdas divergências, para reconhecer a unidade fundamental em Cristo, por meio da procura das origens comuns naEscritura e na comum tradição de ensinamento, de culto e de oração. Várias vezes esteve-se diante de uma grandediversidade e pluralidade de tradições e de teologias ligadas a contextos existenciais, históricos, socio-culturais, políticos e psicológicos peculiares. Essa diversidade de contextos é levada em conta nométodo contextual , que procuraconsiderar os diversos aspectos no esforço de exprimir dessa maneira a unidade na diversidade5.

    Diálogo se tornou, porém, a palavra-chave para indicar o colóquio entre pessoas. Caracteriza, além disso, o modo novo

    de se comportar não somente entre as pessoas e suas comunidades, mas também entre as religiões e particularmenteentre as Igrejas e as comunidades cristãs.É certamente o instrumento por excelência do movimento ecumênico, e já mostramos que ele se institucionalizou emvárias estruturas. Segundo o decreto sobre o Ecumenismo, os encontros e os diálogos “nos quais cada um trata de igual

    para igual” ajudam mai s que qualquer outra coisa à discussão de questões teológicas6. Num documento de trabalho doSecretariado para a União dos Cristãos , com reflexões e sugestões a respeito do diálogo ecumênico (1970), afirma-se:

    Considerado em sua generalidade, o diálogo existe, entre pessoas ou entre grupos, quando cada participanteescuta e responde ao mesmo tempo, procura compreender e fazer-se compreender, interroga e se deixainterrogar, quando se põe à disposição e aceita os outros, a propósito de uma situação, de uma pesquisa, deuma ação, com o objetivo de avançar juntos para uma maior comunhão de vida, de pontos de vista, derealizações7.

    Um documento doConselho Ecumênico das Igrejas sobre o diálogo hebraico-cristão descreve-o apropriadamente como

    um testemunho recíproco, mas somente se houver a intenção de escutar os outros com a finalidade decompreender melhor sua fé, suas esperanças, suas perspectivas e seus problemas, e para apresentar, o melhorque puder, a própria compreensão da própria fé. Invoca-se o espírito do diálogo para estar plenamente presentena plena e recíproca abertura, bem como na fragilidade humana8.

    Pode-se encontrar na eclesiologia de comunhão o fundamento teológico do diálogo, mas as raízes se encontramantropologicamente na dignidade e na natureza social da pessoa humana, e, eclesiologicamente, no fato de que oEspírito Santo opera além dos limites de cada comunidade em toda a humanidade:

    Os cristãos são capazes de comunicar uns aos outros as riquezas que o Espírito Santo desenvolve neles. Essacomunhão de bens espirituais é a base primeira sobre a qual seapóiao diálogo ecumênico9.

    A comunicação das próprias convicções de fé e a atenta e paciente escuta das convicções dos outros serão para sempreum difícil requisito para viver juntos enquanto Igreja, antes e depois da recomposição da plena comunhão. O diálogonão é apenas um instrumento para chegar à meta da “comunhão perfeita”. Será igualmente a condição necessária para

    conservá-la , pois toca, de fato, a essência de toda forma de convivência humana. Não existe comunhão sem permanentedisponibilidade para escutar, compreender e se deixar transformar no processo. Mais, onde há diálogo existe já umacomunhão real — sem jamais poder chegar a um ponto definitivo de interrupção. Esta significaria na realidade que osinterlocutores não têm mais nada para comunicar e, conseqüentemente, a própria comunidade se dissolveria. É verdade,todavia, que a preferência pela dimensão dialógica foi posta, às vezes injustamente, em contraste com o devermissionário da Igreja. Na realidade, porém, a evangelização e a missão só podem se desenvolver no rigoroso respeito ao processo dialogai, sem as pressões indébitas de hegemonias e de proselitismos.

    RecepçãoO diálogo ecumênico já produziu fruto. Há, como vimos,documentos de acordo e de convergência . Contudo, não podemos limitar seus frutos ao papel impresso dos documentos a serem lidos, compreendidos e aceitos na vidacotidiana da Igreja, em seu ensinamento e em sua práxis. Há uma recepção mais ampla, ou seja, a das novas relações

    mútuas e da mudança de clima, que leva a Igreja a estar disponível a acolher os sinais de reconciliação e deentendimento dados de vários modos, não só nos textos dos acordos, mas também nos encontros, nas celebraçõescomuns e em tantos gestos de fraternidade amplamente divulgados pelos meios de comunicação. De fato, o acolhimentofaz parte da vida e da troca recíproca em todas as sociedades e, portanto, também na Igreja. Segue-se daí que, no campoecumênico, o novo clima, os sinais de reconhecimento, os gestos de reconciliação, a nova convivência, bem como acoerência e o bom senso intrínseco dos textos doutrinais levam a novas convicções e atitudes. O termo “recepção” tem,além disso, um sentido especificamente eclesiológico, canônico e jurídico. Trata-se, então, da aceitação jurídico-formaldas decisões hierárquicas, sinodais ou conciliares, ou seja, em sentido mais amplo, dos resultados do processo deesclarecimento ecumênico por parte das outras Igrejas locais ou do povo. A importância formal da recepção édiferentemente avaliada pelas diversas eclesiologias. Naeclesiologia ortodoxa contemporânea, a recepção pela Igrejauniversal é condição necessária para o reconhecimento da ecumenicidade de um concílio e de suas decisões. Na

    5 Id., ibid., p. 346. 6 Unitatis redintegratio § 9.7 “Riflessioni e suggerimenti circa il dialogo ecumênico” (1971), in Enchiridion Vaticanum 3 (1968-1970), n. 2.701.8 “Considerazioni ecumeniche sul dialogo ebraico-cristiano”, inStudi Ecumenici 2 (1984), 243. 9 Enchiridion Vaticanum 3 (1968-1970), n. 2.708.

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    eclesiologia católica , ao contrário, o concílio e o magistério têm autoridade jurídica por si mesmos, independentementeda recepção ulterior. Essa regra canônica, porém, não nos pode deixar cegos diante do fato histórico de que nem todasas decisões magisteriais se concretizaram na vida eclesial e de que a verdade deve sempre, cada vez, ser recebida denovo na fé confessada, interpretada e pregada em novas circunstâncias de tempo e de espaço. Cabem aqui interpretaçõese desafios ecumênicos com possibilidades de tensão e de equívoco, mas também de aprofundamento e deenriquecimento.

    Consenso ecumênico e diferença fundamentalJá observamos que as divergências interconfessionais situam-se em vários níveis. Pergunta-se, então, se não devem serreduzidas a umadiferença fundamental . A pergunta é séria. A aceitação dessa diferença transtornaria radicalmente arelação dos resultados dos diálogos. Diante de uma diferença fundamental, os acordos pormenorizados sobre temasespecíficos e, afinal de contas, acidentais perderiam toda relevância. Seria igualmente um descrédito para a convicçãode que, apesar das diferenças, sempre fica umconsenso fundamental e de que as Igrejas continuam a entrar em acordosobre elementos essenciais da fé cristã. Por ocasião da celebração do 450a aniversário daConfessio Augustana , JoãoPaulo II podia, de fato, declarar que o diálogo tornara possível “descobrir como tinham permanecido grandes e sólidosos fundamentos comuns de nossa fé cristã” 10.O que dizer, então, de tal diferença fundamental? O problema nasceu no contexto do diálogo entre católicos e protestantes, mas seria possível estabelecer questões análogas no diálogo entre as Igrejas do Ocidente e do Oriente. NoOcidente, a questão surgiu nos primeiros anos do século XIX, na controvérsia teológica, ao se procurar identificar o que

    constituía a essência do catolicismo ou do protestantismo. O diálogo ecumênico, todavia, fez disso um problema grave. Não há dúvida de que muitas diferenças superficiais revelam na realidade diferenças mais profundas e até mais radicais.Julgamos que estas devem ser procuradas numa compreensão diferente da natureza da “mediação sacramental”, ou seja,do chamado “sinergismo” entre Deus e os homens na ordem da salvação. Elas manifestam diferenças na descrição darelação entre Deus e o homem. A tensão produzida pela diferença essencial e absoluta entre Deus e a pessoa humana,entre criador e criatura, entre Deus, a sua Palavra e a Igreja recebeu acentos diferentes na tradição católica e na tradição protestante. Daí nascem implicações importantes para a antropologia e a eclesiologia. Por isso, não é nenhuma surpresase os diálogos recentes querem examinar especificamente os problemas mais fundamentais, como a justificação e anatureza da Igreja. Mas essas diferenças devem ser exclusivas? Não poderiam ser complementares e até chamar aatenção para verdades esquecidas? Não demonstram de maneira salutar os limites de nossos esforços para exprimir deforma sistemática e humana os mistérios insondáveis do modo de agir de Deus com a humanidade?11

    Hierarquia das verdadesA referência à hierarquia das verdades naUnitatis redintegratio é importante para o diálogo ecumênico. O decretoespecifica, de fato:

    Ao compararem as doutrinas, recordem que existe uma ordem ou “hierarquia” nas ver dades da doutrinacatólica, sendo diferente a relação delas com o fundamento da fé cristã12.

    Um documento de estudo publicado peloGrupo Misto de Trabalho entre a Igreja Católica e o Conselho Ecumênicodas Igrejas apresentou recentemente uma interpretação ecumênica do conceito, ilustrando suas implicações13. Aindaque todos os artigos de fé sejam igualmente verdadeiros e obrigatórios e o concílio não tenha adotado a distinção entreverdades “essenciais” e “não -essenciais”, cada uma das verdades de fé não poss ui, portanto, a mesma ligação com onúcleo e fundamento da fé, ou seja, o dogma trinitário e cristológico, quer dizer, “a revelação de Deus, como ela foirealizada, mediante Jesus Cristo no Espírito Santo para a salvação dos homens” 14. A fé é um conjunto estruturado noqual alguns artigos estão mais vinculados ao fundamento do que outros. Dar a devida importância a essa perspectiva pode auxiliar a hermenêutica teológica, a catequese missionária e o discernimento do que é necessário e do que ésecundário em vista da recomposição da comunhão.

    Escritura e TradiçãoA relação entre Sagrada Escritura e Tradição é um problema central, especialmente no diálogo com as Igrejas protestantes, desde o início. Não por acaso um dos primeiros decretos do Concílio de Trento se ocupou justamentedesse problema. Tornou-se assim um tema central, primeiro na controvérsia teológica pós-tridentina, depois no diálogoecumênico. O relatório sobre “Escritura, Tradição e tradições”, analisado na conferência mundial de Fé e Constituição

    10 SPCU Information Service (1980), n. 44, p. 91.11 O problema foi tratado em um documento da Comissão Mista Católico-Protestante na França:Consensus oecuménique et

    différence fondamentale , Paris, Le Centurion, 1987, também em Enchiridion Oecumenicum II, pp. 279-292. Cf. ainda, entre outros,H. Meyer,“Différence fondamentale, Consensus fondamental”, in Irenikon 58 (1985), 163-179.

    12 Unitatis redintegratio § 11. Para uma boa síntese da problemática, cf. W. HENN,‘The Hierarchy of Truths and Christian Unity”,in Ephemerides Theologicae Lovanienses 66 (1990), 111-142.

    13 “La nozione di“Gerarchia delle verità: un’interpretazione ecuménica”, in Il Regno (Documenti) 35 (1990), 573-576. 14 W. Beinert,“Gerarchia delle verità”, in W. Beinert (org.), Lessico di Teologia Sistemática, Brescia, Queriniana, 1990, p. 303.

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    A Igreja no mundoJá tratamos de vários aspectos de eclesiologia nesta introdução, e não poderia ser diferente numa matéria que éessencialmente eclesiológica. Parece-me necessário chamar a atenção agora para uma dimensão particular da discussãoa respeito da Igreja no contexto ecumênico, ou seja, a missão da Igreja no mundo.A Igreja não é em si mesma um objetivo último. Ela é um instrumento e um sinal de uma realidade que a transcende e aque ela deve servir por meio do testemunho e da diaconia. A Igreja anuncia a boa nova da misericórdia de Deus, ouseja, significa a presença incoativa do Reino de Deus na criação. Essa relação entre o Reino, o Evangelho, a Igreja e suamissão de testemunho e de serviço é um tema recorrente na reflexão ecumênica. Há, em primeiro lugar — recordemo-lo

    —, a ligação essencial entre a preocupação com a unidade e o compromisso missionário “para que o mundo creia...” (Jo17,21). A orientação missionária levou à reflexão sobre o absoluto da mensagem evangélica e da Igreja, sobre anatureza do “diálogo com as religiões e as ideologias de nosso tempo” e sobre a qualidade da doutrina cristã, contra atentação do sincretismo. Este último tema readquiriu e renovou sua pertinência na assembléia do CEI em Canberra.Outra dimensão percorre a história do movimento ecumênico, ou seja, a responsabilidade dos cristãos e de suas Igrejas pelos problemas dos homens e de sua convivência, pela paz, pela justiça, pela igualdade etc. A unidade da Igreja e aunidade da humanidade realmente se relacionam mutuamente. A desunião da Igreja emperra os esforços de pacificaçãono mundo. Muitas tensões que afligem a sociedade secular repercutem-se, além disso, na Igreja, transformando-se, porsua vez, em fonte de conflito e até de novas divisões. Os esforços de reconciliação na Igreja e entre as Igrejas são assim pertinentes para a renovação da comunidade humana. O chamadoProcesso conciliar sobre justiça , paz e salvaguardada criação com as grandes assembléias de Basiléia (maio de 1989) e de Seul (março de 1990) talvez ilustrem melhor aimportância dessa preocupação. Fazer referência a essa ordem do dia é indicar sua vastidão, mas também, em certosentido, sua mutabilidade, porque condicionada pela sensibilidade aos sinais dos tempos e pelas necessidades mutáveisda atualidade.

    Sacramento“Antes de mais nada, nego que sejam sete os sacramentos. Tratarei por ora de apenas três: o batismo, a penitência e aeucaristia, os quais foram alterados e explorados de modo indigno pela cúria romana, enquanto toda a Igreja foi privadade sua liberdade...” 22 Essa provocação lançada por Lutero noPrelúdio da maldade babilônica da Igreja foi como umtrovão que ainda continua a ecoar no céu ecumênico, marcando as relações entre católicos e protestantes. Mas não setrata apenas do número dos sacramentos. Trata-se mais da própria compreensão do que é o sacramento e de como sedeve conceber a relação entre Deus e o homem, mais especialmente o papel do homem nessa relação. Como se deveentender a colaboração da pessoa humana no ato sacramental? Opõe-se facilmente a “Igreja da Palavra”, protestante, à“Igreja dos sacramentos”, católica. De outra parte, não é mais possível ver hoje nos decretos tridentinos sobre o ssacramentos a última palavra sobre a matéria. Os sacramentos, de fato, como já vimos, estiveram no centro de muitosdiálogos bilaterais e multilaterais e levaram a resultados surpreendentes, que não podem ser ignorados na sacramentariacatólica. O processo teológico que levou ao documento sobre Batismo , Eucaristia e Ministério não pode ser ignorado,mas deve até contribuir para retirar de circulação mais de uma idéia aceita, embora muito simples e, às vezes, quemsabe, francamente errônea. A discussão ecumênica sobre os sacramentos concentrou-se particularmente no batismo, naeucaristia, no ministério e no matrimônio.

    BatismoDeveria ser ponto pacífico do movimento ecumênico que o batismo é o fundamento mesmo da comunhão — emboranão plena ainda — entre cristãos: “O batismo, pois, constitui o vínculo sacramental da unidade que existe entre todosaqueles que por meio dele foram regenerados” 23. O documento Batismo , Eucaristia e Ministério pode oferecer amplas e

    sólidas bases para uma compreensão comum do sacramento. Essa comunhão pode ser reconhecida e legitimada por umadeclaração intereclesial dereconhecimento do batismo , que é “um sinal e um meio importante para exprimir a un idade batismal dada em Cristo” 24.O problema persistente é, todavia, a diferença fundamental entre aqueles que praticam o batismo dos crentes, ou seja, pessoas capazes de pronunciar elas mesmas a confissão de fé, e aqueles que batizam pessoas de qualquer idade,inclusive crianças25. A divergência entre as duas tradições tem suas raízes numa diferente compreensão da necessidadeda profissão de fé pessoal no batismo. No documento Batismo , Eucaristia e Ministério , tenta-se aproximar as posições,ressaltando as relações entre os diversos componentes do batismo, ou seja, o sinal da fidelidade de Deus, a necessidadedo ato de fé como parte integrante da celebração ou da aceitação da fé mais adiante no decurso da vida, o contextoeclesial como comunidade de fé, a necessidade da educação e do crescimento contínuo da resposta pessoal na fé26.

    22 WA 6, 469, 1-4. Tradução italiana: Martinho Lutero,Scritti politici, org. por L. Firpo (Classici della politica), 2a ed., Turim,UTET, 1959, p. 234.

    23 Unitatis redintegatio § 21.24 “Battesimo, Eucaristia, Ministero, Battesimo”, in Enchiridion Oecumenicum I, n. 3.060, § 15.25 E. Paschetto, “II battesimo dei Credenti e il battesimo dei bambini”, in Studi Ecumenici 3 (1985), 363-382.26 “Battesimo, Eucaristia e Ministero, Battesimo”, in Enchiridion Oecumenicum I, n. 3.052-3.054, §§ 11, 12 e comentário.

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    A divergência entre as Igrejas sobre a relação entre o batismo e a crisma/confirmação apresenta-se de modo totalmentediverso em relação às Igrejas orientais, que administram os sacramentos da iniciação numúnico rito que compreende o batismo, a crisma e a eucaristia, e em relação às Igrejas protestantes, que não conhecem um sacramento de confirmação,mas chamam de “confirmação” a profissão pública de fé pessoal dos jovens, a qual os torna membros capazes de viver aconfissão e a comunhão na congregação.

    EucaristiaA eucaristia, o “sacramento da unidade”, é, sem dúvida, o centro nevrálgico da controvérsia confessional. “O batismo”

    — diz a Unitatis redintegratio —, “por si, é apenas o início e o exórdio, pois tende inteiramente à aquisição da plenitude da vida em Cristo.” 27 Está ordenado à plena inserção na comunhão eucarística, que significa a comunhão emCristo com Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, e com os irmãos e as irmãs na comunidade dos crentes. O plenorestabelecimento dessa comunhão eucarística é o objetivo declarado do movimento ecumênico, e é um dos méritos domovimento ecumênico ter descoberto e desenvolvido essa perspectiva eucarística. É uma pena que não se tenha aindachegado nem a um acordo plenamente satisfatório a respeito da doutrina eucarística nem a uma admissão plena erecíproca à ceia eucarística.Esse padecimento fez com que a eucaristia tivesse uma posição privilegiada nos diálogos. As declarações deconvergência e de consenso devem conquistar um lugar na memória ecumênica. Entre os textos mais importantesmencionemos o documento da comissão mista para o diálogo teológico entre a Igreja católica e a Igreja ortodoxa,Omistério da Igreja e da eucaristia à luz do mistério da santa Trindade (1982); o relatório de Windsor a respeito da

    Doutrina sobre a eucaristia do ARCIC I (1971); a declaração da Comissão internacional católico-luterana, A eucaristia( Das Herrenmahl , 1978); os documentos do Grupo de Dombes, Para uma mesma fé eucarística’? (1971) e Osignificado da eucaristia (1972); e, evidentemente, de novo Batismo , Eucaristia e Ministério , da Comissão de Fé eConstituição. Apesar das diferenças e das questões que persistem até hoje, o que impressiona mais é a comunhão e asconvergências na compreensão da fé eucarística em pontos tão delicados como o caráter sacrificai da eucaristia e a presença real.É exatamente essa convergência doutrinal que torna mais incômoda a impossibilidade da hospitalidade eucarística, ouseja, a impossibilidade de participar da comunhão na eucaristia numa Igreja não-católica. A atitude das diversastradições diante do problema da intercomunhão é motivada por pressupostos teológicos diferentes. As Igrejas protestantes têm como regra aceitar todos os cristãos que são admitidos à comunhão nas próprias igrejas: julgam, defato, que o Senhor é o hospedeiro que convida o crente à Sua ceia e que a Igreja não deve limitar a misericórdia dEle.As Igrejas ortodoxas, ao contrário, afirmam a íntima equivalência e identidade entre ser membro da Igreja, ou seja, daIgreja ortodoxa, e a participação das coisas santas da Igreja. Admitir alguém à comunhão e a ser membro da Igreja são amesma coisa. Por isso, o conceito mesmo de “hospitalidade eucarística”, ou seja, de “intercomunhão” é desprovido dequalquer sentido teológico para os ortodoxos28. Para a Igreja católica, a disciplina está regulada por dois princípiosfundamentais, que estão, de fato, ligados entre si, mas que deixam, de outra parte, certa margem para um acentodiferente. Há, primeiro, um vínculo indissolúvel entre o mistério da Igreja e o mistério da eucaristia: a celebração daeucaristia significa a plenitude da profissão de fé e da comunhão eclesial. É por isso que os não-católicos não sãoadmitidos, via de regra, à comunhão na Igreja católica. Mas, de outra parte, a eucaristia é um alimento espiritual paraaprofundar a participação em Cristo e, por isso, é possível haver exceções em casos particulares aceitos pela autoridadeepiscopal, quando o cristão manifesta uma fé de acordo com a da Igreja católica a respeito do sacramento da eucaristia.A reciprocidade é admitida somente no contexto das Igrejas que conservaram a substância plena da eucaristia, osacramento da Ordem e a sucessão apostólica. Isso explica por que a regra é aplicada mais amplamente em relação àsIgrejas ortodoxas, em que se admite uma comunhão aberta e recíproca quando há uma razão suficiente e as autoridadesortodoxas a aprovam29.Todavia, a experiência ensina que a dinâmica ecumênica submete às vezes à prova as regras eclesiásticas e que, pormeio da eucaristia, cristãos de várias confissões já celebram juntos seu caminho para uma comunhão mais plena. Atensão entre a regra e a vida não poderá ser de todo evitada nesse campo, amplamente inexplorado, do reencontroecumênico.

    A sacramentalidade do mistérioO diálogo sobre a eucaristia conduzia com uma lógica interna a uma pesquisa sobre a natureza do sacramento da ordem,do sacerdócio e da estrutura ministerial na Igreja. A ausência do sacramento da ordem nas Igrejas protestantes constitui,de fato, o obstáculo maior para a participação na Ceia do Senhor. O Concílio Vaticano II não estudou propriamente a

    27 Unitatis redintegratio § 22.28 R. G. Stephanopoulos, “Implications for the Ecumenical Movement”, in Ecumenical Review 44 (1992), 18-28, citação p. 19. 29 Cf. “Direttorio ecuménico” §§ 25 -63; mais especialmente “Dichiarazione sull’eucaristia comune tra i Cristianiseparati” (7 -1-

    1971), in C. Boyer-S. Virgulin (orgs.),Unità Cristiana e movimento ecuménico, II, pp. 362-367; “Istruzione sui casi di ammissionedi altri Cristianialla comunione eucarística nella Chiesa cattolica” (1 -6-1972), ibid., 489-497; “Dichiarazione sull’ammissione deinon cattolici alla comunione eucarística” (17 -10-1973), ibid., 543-546.

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    função do ministério não-católico. O decretoUnitatis redintegratio afirma apenas que “especialmente pela falta(defectus ) do Sacramento da Ordem, [as Comunidades eclesiais de nós separadas no Ocidente] não têm conservado agenuína e íntegra substância do Mistério eucarístico” 30. No diálogo ecumênico, a função do ministério e as possibilidades de um reconhecimento foram amplamente estudadas.Mencionemos entre as mais significativas as reflexões do diálogo católico-luterano nos Estados Unidos, Eucaristia eministério (1970); a declaração de Canterbury sobre Ministério e ordenação (1973); o documento sobre o Ministério

    pastoral na Igreja (1981) do diálogo internacional católico-romano/luterano, e dois textos do Grupo de Dombes,Por

    uma reconciliação dos ministérios (1972) e O ministério do Episkope . Uma síntese da convergência ecumênica arespeito do ministério pode ser encontrada no documento da Comissão de Fé e Constituição, Batismo , Eucaristia e Ministério .

    Esses textos chegam a conclusões surpreendentes. Em primeiro lugar, estabelecem uma relação recíproca entre osdiversos conceitos sobre o ministério e as diversas estruturas eclesiásticas, e convidam desse modo a considerar as posições confessionais e teológicas sobre o sujeito da apostolicidade da Igreja, a sacramentalidade do ministérioordenado, o caráter indelével, a sucessão episcopal e presbiteral. Demonstram a necessidade de aprofundar as normasdas origens e da tradição, a natureza do sacramento na Igreja e o sentido da estruturação hierárquica do ministério. Areconsideração positiva do valor teológico do ministério protestante tem sua importância para a avaliação do carátereclesial dessas Igrejas. Não obstante isso, o diálogo sobre o ministério continua difícil e consiste muitas vezes em pôr juntos de maneira

    abrangente, ainda que bastante superficial, os diversos aspectos do problema sem aprofundar suficientemente osfundamentos eclesiológicos. Outra dificuldade concreta provém do fato de um diálogo sobre o ministério não se limitara uma melhorcompreensão doutrinal, mas atingir necessariamente asestruturas concretas . Os acordos doutrinaisexigem a materialização em estruturas que podem ser até contrárias uma à outra: bispo ou não? sucessão histórica ounão? ordenação de um bispo ou não? ordenação da mulher ou não? A estrutura ministerial não é para a maior parte dasIgrejas um fato indiferente. Pelo contrário, é até uma questão essencial de fé, fundamentada na própria constituição daIgreja. Determina ela a identidade confessional até nas conseqüências sociológicas, históricas, jurídicas esociopsicológicas — visíveis em toda a aparência cotidiana de uma Igreja, seja episcopal, seja presbiteral. Não se podedesprezar esse elemento “não -teológico” da identidade confessional expressa na estrutura eclesiástica.

    O matrimônioO matrimônio é um problema delicado, sobretudo por causa dosmatrimônios mistos . É hoje, em primeiro lugar, um

    problema pastoral. Depois da revisão da disciplina eclesiástica à luz do clima ecumênico pós-conciliar e especificadanos cânones 1.124-1.129 doCódigo de Direito Canônico e nas diretrizes das diversas Igrejas locais, pode-se dizer que o problema se tornou menos espinhoso. A disciplina quer garantir a liberdade de consciência das duas partes e lembrar à parte católica a própria responsabilidade no âmbito do casal. Uma pastoral para os matrimônios interconfessionais, quedeve ser empreendida juntamente com representantes de todas as Igrejas interessadas, deve ter o objetivo de ajudar ocasal a crescer na fé na situação confessional particular em que o matrimônio os faz viver e de ajudá-los a vivê-lo de talmodo que seja um testemunho de comunhão ecumênica viva.O aspecto predominantemente pastoral e prático do problema dos matrimônios mistos não pode esconder o fato de quehá também uma divergência teológica na avaliação da natureza sacramental do matrimônio entre católicos e protestantes. Para a teologia católica, o matrimônio entre cristãos é essencialmente um evento da ordem daredenção . Ele é um fatosacramental e eclesial . O reconhecimento do consenso matrimonial por parte da Igreja é constitutivo domatrimônio. Para a tradição protestante, ao contrário, ele é fundamentalmente um fatosecular , ou seja, pertencente àordem dacriação e regido juridicamente por quem detém a autoridade na ordem política. “O matrimônio, como fatosocial, está sujeito às normas ditadas pela sociedade civil, que indica suas características jur ídicas”, diz o SínodoValdense31. A intervenção da Igreja não é constitutiva do matrimônio, mas é apenas uma intercessão para pedir a bênção do Senhor, a fim de que os cônjuges possam viver seu matrimônio no Espírito de Cristo. A partir desse enfoque,seguem-se avaliações diferentes não tanto a respeito da doutrina da indissolubilidade do matrimônio, quantoespecialmente sobre o modo de gerir a prática do divórcio e das segundas núpcias nos casos de fracasso do primeirocasamento32.

    30 Unitatis redintegratio § 22.31

    “Documento sul matrimonio” (1971), in Studi Ecumenici 7 (1989), 430, § 4, mas também § 18.

    32 Entre os diversos documentos ecumênicos, mencionamos como fruto de um diálogo sobre os matrimônios mistos:“La teologia delmatrimonio e la sua applicazione ai matrimoni misti” (anglicanos — católicos, 1975), in Enchiridion Oecumenicum I, pp. 110-155;“La teologia dei matrimonio e i problemi dei matrimoni interconfessionali” (católicos — luteranos — reformados, 1976), ibid.,857-899; Grupo misto SAE,“Matrimoni interconfessionali”, ibid., II, 857-860.

  • 8/16/2019 Verkruyse J. - Teologia e Ecumenismo

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    Ecumenismo e moralA sensibilidade aos grandes problemas mundiais e suas implicações éticas esteve presente no movimento ecumênicodesde os primeiros dias do Movimento pelo Cristianismo Prático ( Life and Work ).33 As questões éticas pessoais esociais adquiriram hoje prioridade entre os temas a serem tratados. Dizia o arcebispo anglicano de Canterbury, RobertRuncie: “Afirmo que algumas das interrogações mais difíceis, mas também mais criativas e urgentes, surgirão no reinoda teologia moral. (...) A diferença de ênfase em tratar esses problemas poderia ser uma ameaça de aprofundamento denossas divisões” 34. Relacionando as atividades doGrupo Misto de Trabalho Católicos-CEI , o sexto relatório diz:“Durante esse mesmo período, surgiram questões éticas pessoais e sociais, que suscitaram disputas e ameaçam até criarnovas divisões dentro das Igrejas ou entre elas” 35. O comitê de avaliação do relatório especifica alguns problemas, ouseja, o armamento e a dissuasão atômica, o aborto e a eutanásia, a procriação, a engenharia genética e a inseminaçãoartificial. Não existe entre as Igrejas desentendimento sobre a urgência dos desafios apresentados nem sobre a responsabilidadeda Igreja diante deles. Grandes assembléias, como as de Basiléia e de Seul no quadro doProcesso conciliar sobre

    justiça , paz e salvaguarda da criação , provam-no suficientemente. Com o tema da assembléia de Vancouver, “JesusCristo — a Vida do Mundo”, o CEI queria expressar à luz do Evangelho sua preocupação pela vida comprometida demuitos modos. A discussão sobre temas morais se apresenta, igualmente, como um campo minado. Algumasadvertências preliminares me parecem, pois, oportunas. Não convém fabricar artificialmente novas causas de divisão oucriar novas linhas de separação, que poderiam talvez servir oportunamente como meios de adiamento para retardardecisões devidas. Num mundo em constante evolução, as questões éticas, aliás, permanecerão como assunto dediscussão dentro de cada Igreja, criando tensões e divergências. Devem-se introduzir, pois, na discussão ecumênica problemas que não encontraram uma solução satisfatória dentro das próprias Igrejas? Algumas pesquisas sociológicas,além disso, demonstraram que as diferenças nas orientações morais dos católicos e dos protestantes existem sim, massão, afinal de contas, bastante marginais. As diferenças diante dos valores morais parecem ter mais a ver com a culturanacional que com a confessional36.Para além dos posicionamentos diante de questões morais específicas, será necessário compreender os princípios e avisão que as inspiram. Estão, na realidade, vinculados a coisas que se encontram já na ordem do dia ecumênica. Asdecisões morais não são apenas condicionadas pela doutrina, mas também por aquele complexo conjunto que seexprime na identidade confessional com suas idiossincrasias coletivas e prática eclesial. OGrupo de Dombes chama aatenção para esse aspecto no documentoPela conversão das Igrejas:

    Enfim, e o problema é atual, o desenvolvimento das ciências e das técnicas põe novas questões éticas aocristianismo. A Igreja católica responde, reportando-se à doutrina da criação e com a voz do magistério, e correo risco de sacralizar uma concepção da lei natural e de não respeitar a escolha final das consciências. Os

    protestantes apelam essencialmente para a diversidade do testemunho da Escritura e para a responsabilidade pessoal, com o risco de esvaziar os textos de todo seu valor normativo e de deixar as consciências em suasolidão37.

    O diálogo ecumênico sobre questões morais pessoais e sociais está, pois, intimamente ligado à compreensão do papel daautoridade magisterial na Igreja, à visão da responsabilidade da pessoa humana, de suas possibilidades perante a lei, do peso da pecaminosidade na vida do homem e também da justificação gratuita do pecador.De início, o diálogo sobre questões éticas no âmbito ecumênico exige, em primeiro lugar, uma reflexão atenta sobre o ponto de partida e sobre a orientação. Deverá ela, de qualquer modo, começar a ser apoiada pela confissão humilde dos pecados, que já inclui a confissão da própria divisão, bem como da impotência de repará-los de modo convincente.

    33 L. Sartori,“La temática ética nel cammino ecuménico”, in Questione ética e impegno ecumenico delle Chiese , Bolonha, EDB,1986, pp. 82-93.

    34 R. Runcie, “Anglican -Roman Catholic Relations Today”, in The Month, NS 23 (1990), 10.35 Sexto Relatório, in Il Regno (Documenti), 35 (1990), 557.36 Resenha e bibliografia em L. C. J. M. Halman, “Katholick en protestants West -Europa: een realistische distinctie?”, in Sociale

    aspecten van modernisering, Tilburg, University Press, pp. 209-231. 37 Per la conversione delle chiese § 200, Bolonha, EDB, 1991, p. 101