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FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE
e melodia de msicas populares paraguaias
- UNIVERSIDADE DE SO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS CLSSICAS E VERNCULAS
DAMI GLADES MAIDANA BAZ
As relaes entre entoao frasal
melodia de msicas populares paraguaias
VERSO CORRIGIDA
SO PAULO
2011
i
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS
LETRAS CLSSICAS E VERNCULAS
melodia de msicas populares paraguaias
ii
Dami Glades Maidana Baz
As relaes entre entoao frasal
e melodia de msicas populares paraguaias
Tese apresentada ao Departamento de Letras Clssicas e Vernculas da Faculdade de Filosofia Letras e cincias Humanas da Universidade de So Paulo como requisito para obteno do ttulo de Doutora em Filologia e Lngua Portuguesa. rea de concentrao: Filologia e Lngua Portuguesa.
VERSO CORRIGIDA
De acordo:____________________________
Orientador: Prof. Dr. Waldemar Ferreira Netto
SO PAULO
2011
iii
FICHA CATALOGRFICA Autorizo a reproduo e divulgao total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrnico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
Catalogao da Publicao Servio da Biblioteca e Documentao
Faculdade de Filosofia Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo
Baz, Dami Glades Maidana. As relaes entre entoao frasal e melodia de msicas populares paraguaias / Dami Glades Maidana Baz; Orientador Waldemar Ferreira Netto. -So Paulo, 2011. 160f. :Il.
Tese (Doutorado) - Faculdade de Filosofia Letras e cincias Humanas da Universidade de So Paulo. Departamento de Letras Clssicas e Vernculas. rea de concentrao: Filologia e Lngua Portuguesa.
1. Entoao. 2. Prosdia. Guarani jopar. 4. Msica Paraguaia.5. Lnguas em Contato I. Ttulo. II. Netto,Waldemar Ferreira. CDD
iv
FOLHA DE APROVAO
Dami Glades Maidana Baz As relaes entre entoao frasal e melodia de msicas populares paraguaias
Tese apresentada Faculdade de Filosofia Letras e cincias Humanas da Universidade de So Paulo para obteno do ttulo de Doutor em Letras.
Aprovado em:
Banca Examinadora Prof. Dr. :______________________________________________________________
Instituio:_____________________________________________________________
Assinatura: ____________________________________________________________
Prof. Dr. :______________________________________________________________
Instituio:_____________________________________________________________
Assinatura: ____________________________________________________________
Prof. Dr. :______________________________________________________________
Instituio:_____________________________________________________________
Assinatura: ____________________________________________________________
Prof. Dr. :______________________________________________________________
Instituio:_____________________________________________________________
Assinatura: ____________________________________________________________
Prof. Dr. :______________________________________________________________
Instituio:_____________________________________________________________
Assinatura: ____________________________________________________________
v
Agradeo a Deus.
minha me, Fidelina Baz, por cruzar a fronteira seca e rida do Paraguai-Brasil,
oportunizando o meu caminhar.
Ao meu orientador, pessoa de raro valor, pelo seu comprometimento e seriedade em orientar.
Aos falantes e cantores paraguaios e indgenas que participaram das entrevistas em So Paulo,
SP, de Dourados, MS, e de Pedro Juan Caballero, Paraguai.
Rdio Mburukuy, de Pedro Juan Caballero, Paraguai.
Aos mediadores de minha pesquisa de campo: Professora Marina Wenceslau, Sr. Florentin,
Sr. Luiz, professora Cludia da escola indgena de Dourados, MS e meu padrinho Lucdio
Cardoso.
Aos familiares do Brasil, irmos Jos Antnio e Beatriz, cunhada ngela e sobrinhos:
Danielle, Renan, Lucas, Yasmin e Maria Clara.
Aos familiares do Paraguai, tio Silvio Vaez e famlia, tio Jos Vaez e famlia, tia Reina e
famlia, primo Elgio e famlia.
Aos amigos do Paraguai: Sr. Lcio e famlia.
Aos meus professores de Teoria musical Evandro Higa e Nvea Abujamra Nasser.
Aos amigos que me auxiliaram nesta trajetria: Isabel de Andrade Moliterno, Saulo Alves
(cuchi morot), Elisabeth, Joana, Suely, Suzana, Rodrigo, J, Eduardo Cornachione, Silvanira,
Paulo Nunes, Jlio Couto, Jlio Galharte, Elanir Frana, Paulo Leme, Ben, Suelen,
Wanderlei, Grazielle Arantes Ribeiro e Bruno Ribeiro, Marlene Arantes, Ana Anglica, Maria
Elisa, Dona Dia, minha madrinha Naurelina Cardoso, Dona Esther, Rosemary Ortega,
Andreza e Rodrigo, Nazar.
Aos amigos msicos: Alberto Batata, Vitor de So Jos, Pedro Ribeiro, Adriano Franco de
Oliveira (Magoo) e Fernando Bola.
Capes.
vi
Dedico esta tese minha av,
Francisca Vaez,
minha inspirao.
vii
RESUMO
Esta tese busca averiguar as relaes entre entoao frasal no guarani e melodia de msicas populares paraguaias. Foram analisados falas e cantos de sujeitos do gnero masculino e feminino. Segue-se por base o modelo de anlise proposto por Ferreira Netto (2006), que analisou a prosdia da lngua portuguesa observando a frequncia fundamental como uma srie temporal. Os dados, colhidos por meio de pesquisa de campo, foram analisados com o uso do aplicativo ExProsodia. A anlise centrou-se nas finalizaes de canto e de fala guarani do Paraguai da sociedade paraguaia popular. Os resultados obtidos apontaram para finalizaes predominantemente plagais tanto na fala quanto no canto.
Palavras-chave: Prosdia, Entoao, Lnguas em Contato; Guarani jopar, Msica paraguaia.
viii
ABSTRACT
This research aims at describing the relationship between the sentence intonation of the Paraguayan Guarani and the melody of Paraguayan popular songs. Ferreira Netto (2006) model of analysis was used. He analyzed the Portuguese prosody considering the fundamental Frequency as a temporal series. The data were collected through field research. Analysis and tabulation of data were conducted using the software ExProsodia. The analysis focused specifically the end of sentences of spoken Guarani and the melody of songs. The results pointed out that the end of the spoken sentences as well as songs were similar and mainly plagal.
Key-words: Prosody, Intonation, Contact Language; Guarani jopar, Paraguayan songs.
ix
ndice de Frases Falante 1 52
Frase 001: Despacito y con buena letra jaha hese 52
Frase 002 Aha araha uno quanto universitrio 53
Frase 003 Nhande Brasilero kure pi 54
Frase 004 Nde la mejor hina 55
Frase 005 Ahama Argentina, ahama Uruguaipe, ahama en todo Brasil pero na cambiai Paraguai mbaetev
56
Falante 2 57
Frase 006 cualquer cosa ro hecha ro japo hagu 57
Frase 007 Ikatu jav no vamo tambin 58
Frase 008 Ape ibarato ve amoi 59
Frase 009 Ndai kuaai te hina 60
Frase 010 Ha igusto la partido 61
Falante 3 62
Frase 011 Paraguay, Brasil onhorir hagu
62
Frase 012 Opyta solamente kunhakarai ha anciano mimi ha mit 63
Frase 013 Onhemongueta ha oreuni quatro mil mita mimi 64
Frase 014 Ha peango oparire la guerra praticamente el Paraguay opyta totalmente destruido oyta la Paraguay
65
Frase 015 Ha omonde chupe kuera como si fuera um persona adulto 66
Falante 4 67
Frase 016 Ore mitame 67
Frase 017 Ore tio oro mombeu la historia la ocorreha ojecha pa lo mita omunha (lobison)
68
Frase 018 che abuelo omanoma ojapoma casi die anho 69
Frase 019 Ha osapukai pui 70
Frase 020 Opa la kuarusse upei rire 71
Falante 5 72
Frase 021 Anhemondui ha upea rupinte adipar 72
Frase 022 E que neste momento heta vece aimea guar quarter pe la anhemmodyi akue
73
Frase 023 Ajegusta petei kunhare 74
x
Frase 024 ahendu pe ruguasu ray ha mbaeicha ohande sei milha puerto pe este pe guardian oime jav
75
Frase 025 Nda hechai mbaeve la upepe Che anhemondui kuri 76
Falante 6 76
Frase 026 Iporante Dom Floriano ha Karai Jose 77
Frase 027 Hiante ande neira ro josaludai ko nuevo ao 78
Frase 028 Hae ou ar ciudad Conceicion pe 79
Frase 029 Igualmente pe eme guar 80
Frase 030 Ha upei ha ningo mbaevete gueterei no japoi 81
Falante 7 82
Frase 031 ni nha atentai atentai la che causori 82
Frase 032 Ha entonce upei hi ora ta mante la cuatro 83
Frase 033 Ha upei ou sei ndo ou sei 84
Frase 034 Amombeuta petei kariay ovisitaro guare pe ichica 85
Frase 035 Ha upei ohaaro petei cruzamiento 86
Falante 8 87
Frase 036 La principal cosa la nhande me la nhande membype hae la estudio
87
Frase 037 Ombaapo okapi calle pe 88
Frase 038 Arovia nhandejara ha entero santo pe 89
Frase 039 Ha entonce ojeroky pa rire 90
Frase 040 Ha upepe isy ja onhenhotyma 91
Falante 9 92
Frase 041 Ahendu ne ko hina la pe kunhakarai anguete ojapoa hina la
sidra
92
Frase 042 nda haei la upea 93
Frase 043 Che areko 57 areko petei 17 94
Frase 044 Aiko pe tape quince pe 95
Frase 045 Porque igusto la iprograma 96
Falante 10 97
Frase 046 Ha ndaipori voingo la sabio no ijequivocaia 97
Frase 047 ha che ko nda haei voi sbio 98
xi
Frase 048 Pero nhande piko ja jesegui ar moda re modernore 99
Frase 049 Pe modernizacion que nhande raha va pava 100
Frase 050 Upea ko ja nhande raha tape vare 101
Canto 1 102
Frase 051 Mokoi guyrai oikova onheeva che roga cherere cada pytymby 102
Frase 052 Kuatia mimi ijuru pe kuera upepe oity ha oveve jey 103
Frase 053 Upeicha oiko heta aretema ha upei te veoi oikema che koty pe
te
104
Frase 054 Guyrai mi mi inheekua ha ni mboraihu imboe py re 105
Frase 055 Koro nda rairo ta ko ambuero ahama jaju japyt hagu 106
Canto 2 107
Frase 056 Petei pyharevpe re sengue okaaguy vi 108
Frase 057 Che resa renonde te gui re se a kue re vev 109
Frase 058 Nde rera ko che anhoe ko che aga roga ite gui 110
Frase 059 Nde nhanh ahaesegui purahei pe amonhe 111
Frase 060 Hae ta ndeve ipah, adio,adio Panambi 112
Canto 3 113
Frase 061 Amanota de quebranto yvyra mi jaula pe guaicha 113
Frase 062 Porque nda rekoi consuelo mi linda paloma blanca 114
Frase 063 Ayumiro ndo ro topai 115
Frase 064 Aperdetema la esperana 116
Frase 065 Ambuassy voi ro raihu rague ingrata paloma blanca 117
Canto 4 118
Frase 066 Che triguenha mi reke pukavy yvoty (...) ne anho petei 118
Frase 067 Nderaihu porava oguahe nde roqueme mbarak pu pe nde
mombau se mi
119
Frase 068 Erovasse ha Che yei ka sy nde pochyva chendive 120
Frase 069 Nda sufri moai la nde porei ni la nde japo vai kue cherehe 121
Frase 070 Che mbaeve (ou) paite pe ro salud 122
Canto 5 122
Frase 071 Heta avya rire 122
xii
Frase 072 Guyra mi kaaru py 123
Frase 073 Ou jey chendive 124
Frase 074 Petei che poryme 125
Frase 075 Koaga peina asype roime yey onhendive 126
Canto 6 127
Frase 076 Rohechagau che sy mi por/ pya tarova to nhandu che sy 127
Frase 077Reikua angau pya tarova na Che monguevei ymaiteguiv 128
Frase 078 Hia pa che pepo avave ha nde upepe aguah ronhandu che sy 129
Frase 079Arekova inhongatugape amo nde anga ruguape Che sy nde mboraihumi
130
Frase 080 Ha upei kuarahy hataicha ohesapeva ha omimbi 131
Canto 7 132
Frase 081 Um tierno canto quiero brindarte 132
Frase 082 Al recordarte mi santani 133
Frase 083Donde he vivido siempre feliz 134
Frase 084 Oime upepe kunha horyva ndai katuveima Che resarai 135
Frase 085 Hei asyva pe ipurahei 136
Canto 8 137
Frase 086 Mombyguy che reta" 137
Frase 087 Naiomoai ro haihuv 138
Frase 088 Upe hante aikove nde renda peve vokoi ro rech 139
Frase 089 ha Che reta Paraguai 140
Frase 090 Che arovia nderehe 141
Canto 9 142
Frase 091 Ndai katuveima Aiko 142
Frase 092 e nel oscuro silencio 143
Frase 093 O pe che sentimiento 144
Frase 094 Che jopyta Che kamba 145
Frase 095 Marapiko e neste mundo ereko aicossev 146
Canto 10 147
xiii
Frase 096 Mombyrygui niko ay 147
Frase 097 Ahendu gallo sapukai 148
Frase 098 Ajaheota mante querida/ Che corazon ko no aguantai 149
Frase 099 Adis lucerito Alba, adis lucero por 150
Frase 100 Por que nde niko re pytama otro ite rembi gosar 151
xiv
SUMRIO
INTRODUO 16
1. BASES TERICAS 20
1.1 Alguns aspectos da entoao 20
1.2 Msica e linguagem 21
1.3 Msica ocidental x outras 23
1.4 Melodia 23
1.5 Harmonia 25
1.6 Os intervalos de consoantes e dissonantes e a srie harmnica 25
1.7 Tonalidade 27
1.8 Modos autntico e plagal 27
1.9. Cadncia 29
1.10 Centro tonal 30
2 A ORIGEM DO PARAGUAI
32
2.1 As influncias jesuticas 32
2.2 A Formao do guarani do Paraguai 34
2.3 O fortalecimento da lngua e da msica guarani paraguaia durante as
guerras
35
2.4 Guarani jopar: uma lngua marginal 36
2.5 A msica paraguaia 38
2.6 As maneiras de cantar 41
3 A PESQUISA DE CAMPO 44
3.1 A pesquisa de campo em So Paulo SP 45
3.2 A pesquisa de campo em Dourados MS 46
3.3 A pesquisa de campo em Pedro Juan Caballero Paraguai 47
3.4 A coleta de dados da fala e do canto femininos 47
35.1 Descrio dos sujeitos 48
3.5.1.1 Falantes do gnero masculino 48
xv
3.5.1.2 Falantes do gnero feminino 48
3.5.1.3 Canto do gnero masculino e feminino 49
3.5.1.4 A metodologia 49
4 AS ANLISES DAS FRASES 51
Falante 1 52
Falante 2 57
Falante 3 62
Falante 4 67
Falante 5 72
Falante 6 77
Falante 7 82
Falante 8 87
Falante 9 92
Falante 10 97
Canto 1 102
Canto 2 107
Canto 3 112
Canto 4 117
Canto 5 122
Canto 6 127
Canto 7 132
Canto 8 137
Canto 9 142
Canto 10 147
5 CONSIDERAES FINAIS 155
6 REFERNCIA BIBLIOGRFICA 156
ANEXOS 160
16
INTRODUO
Esta tese tem por finalidade averiguar as relaes entre a entoao na fala guarani e a
melodia de msicas populares paraguaias cantadas em guarani, na sociedade popular. Este
trabalho encaixa-se no projeto temtico ExProsodia, desenvolvido junto Universidade de
So Paulo, tendo como objetivo usar um aplicativo homnimo que analisa automaticamente a
entoao da fala (FERREIRA NETTO, 2008)1.
Segue-se por base o modelo de anlise proposto por Ferreira Netto (2006), que analisa
a prosdia da lngua portuguesa observando que a frequncia fundamental tida como uma
srie temporal. A frequncia fundamental (F0), alm de ser uma sequncia de variaes
temporais, subdivide-se em componentes. Um determinado ponto escolhido na srie temporal
a soma dessas componentes que juntas contriburam para sua formao.
Tendo em vista que a proposta desse grupo visa ao aprimoramento do aplicativo de
anlise automtica da entoao, sob um vis interlingustico e intercultural, tem-se o interesse
de desenvolver a investigao em torno da lngua guarani jopar nos mesmos moldes
propostos2.
Dessa maneira, o intuito geral desta pesquisa observar se as entoaes frasais dos
falantes paraguaios podem ser caracterizadas e descritas com aspectos semelhantes anlise
musical. E, mais precisamente, verificar se as finalizaes das entoaes na fala e na msica
populares paraguaias em guarani so semelhantes entre si. No h pretenso de universalizar
os dados, mas oferecer subsdios para a anlise lingustica, sob a perspectiva da sua prosdia,
e para a anlise musical.
A rotina ExProsodia um instrumento de anlise automtica da entoao e pauta-se na
hiptese de que a entoao do portugus brasileiro (PB) pode ser decomposta em 5 tons. A
rotina principia suas operaes estabelecendo a mdia geral das frequncias para os valores
vlidos para os candidatos a pico silbico. Valores vlidos so definidos aprioristicamente,
como:
1 O aplicativo ExProsodia est registrado no INPI,pela Universidade de So Paulo,sob nmero 08992-2,conforme publicao no RPI 1974,em 04/11/2008. ExProsodia-Anlise automtica da entoao na Lngua Portuguesa (FERREIRA NETTO,2008,p.2 de 13). 2 Um dos motivos do interesse por este tipo de pesquisa est relacionado s origens da autora desta tese, que nasceu no Paraguai, em Pedro Juan Caballero, cidade que faz divisa com Ponta-Por, MS, e mudou-se aos quatro anos para a cidade de Dourados. Esta pesquisadora teve uma experincia profissional com a msica regional paraguaia, em guarani, o que ampliou sua sensibilidade com relao s nuances culturais ligadas ao Paraguai.
17
Limiar inferior de frequncia: 50 Hz. Opo do usurio.
Limiar superior de frequncia: 350 Hz. Opo do usurio.
Limiar inferior de durao: 4 frames ou 20 ms (1 frame = 5 ms). Opo do usurio
Limiar superior de durao: 60 frames ou 300 ms (1 frame = 5 ms). Opo do usurio.
Limiar de intensidade: 2000 RMS. Opo do usurio.
Partindo do pressuposto de que a anlise da fala envolve muitos fundamentos
musicais, ser necessrio utilizar a teoria que enfoque estes dois aspectos: a fala e a msica. O
tipo de anlise proposto em Ferreira Netto (2006) ser seguido nesta pesquisa porque um
modo alternativo de anlise, em que se prescinde de constituio hierrquica em prol de uma
constituio de unidades prosdicas como elementos componentes de uma srie temporal.
Em geral, as unidades prosdicas preconizadas tomam as variaes de frequncia
como componentes, entendidas como ritmo tonal, direo tonal e acento de insistncia. O
autor enuncia que, dentre as mais variadas possibilidades que se desenvolveram, o uso da
linguagem parece ter priorizado a produo e a manipulao das ondas mecnicas. Assim,
elementos como frequncia, amplitude, durao, repetio, superposio e outros acabam
manipulados pelo homem com o intuito especial de chamar a ateno para fenmenos
subjetivos.
Segundo Ferreira Netto (2006), a prosdia emocional de frases caracteriza-se pela
variao de tons abaixo de 1khz em pontos da frase, estabelecendo uma curva meldica bem
definida que os ouvintes associam a diferentes estados emocionais. Do mesmo modo,
fenmenos prosdicos menores, como durao voclica, intensidade e pausas, atuam como
marcadores prosdicos capazes de expressar emoes. Trata-se, pois, de um fenmeno
complexo que necessita ser avaliado como um grupo de manifestaes lingusticas cuja
finalidade expressar algum estado emocional.
A possibilidade de definio de uma coleo de tons cuja harmonia se estabelece a
partir de um tom fundamental uma das caractersticas prprias da interpretao musical
(SCHOENBERG, 2001). A sequncia meldica apresenta diferentes trajetrias, envolvendo
afastamentos do tom fundamental e aproximaes. Assim, cria sempre a expectativa de que o
ponto final de tal trajetria seja esse mesmo tom fundamental. Entretanto, a coleo de sons
harmnicos estabelecidos a partir do fundamental no linear, isto , no se estabelece pela
proximidade de frequncias. A exemplo disso, na fala, as variaes ultrapassam os limites
18
daquela variao aceita para a melodia; tais variaes no soam to afinadas, como na msica.
Como se trata de um padro muito diverso daquele das interpretaes meldicas, na fala
pode-se perceber variao mnima de at 0,1% do som que se produz (ROEDERER, 2002). A
sensao auditiva, portanto, no ser agradvel, j que as frequncias estaro muito prximas.
Essa proximidade harmnica ocorre pela adaptao mtua dos movimentos moleculares ao
formarem as ondas sonoras (FERREIRA NETTO, 2006).
Uma maneira de contornar o problema sobre as variaes na fala seria estabelecer uma
escala em que as unidades sonoras se formem com bandas de 3 st (semitons) com uma
tendncia central previamente definida. Esse limite de 3 st de variao tonal da fala foi
proposto por T' Hart (1981) e adaptado por Ferreira Netto (2008) que apresenta, em seu
trabalho, para ilustrar essas variaes, o grfico:
Como se pode observar, o vrtice do tringulo assinala para um ponto mdio, no-
marcado, que se estabelece na sequncia grave>agudo das frequncias da onda sonora. A
componente F o tom-alvo da declinao pontual, que constituda por um intervalo ideal
decrescente de 7 st do tom mdio (TM) alcanado at o momento Zt (FERREIRA NETTO;
ROSA; CONSONI, 2008).
19
No que diz respeito entoao da fala, Ferreira Netto & Baz (2009), ao analisarem a
entoao da fala espontnea guarani indgena com a entoao da leitura na lngua portuguesa,
verificaram que as finalizaes ocorreram de forma semelhante.
Neste trabalho, formula-se como hiptese central que a produo da msica e a da
prosdia sujeitam-se a aspectos semelhantes entre si. Essa hiptese ser testada na anlise das
finalizaes na entoao frasal tanto da fala quanto do canto.
Esta Tese constitui-se de quatro partes essenciais.
Na primeira seo, pretende-se estabelecer uma relao geral entre msica e
linguagem; sero enfocados alguns aspectos da entoao da fala, bem como conceitos
relevantes sobre a msica ocidental em contraste com outras.
A segunda parte faz referncia formao histrica, lingustica e musical do Paraguai.
A terceira seo descrever a maneira como se deu a pesquisa de campo, a coleta de
dados, o estabelecimento do corpus para anlise, a descrio dos sujeitos e a metodologia
usada para sua interpretao.
A quarta parte envolve a aplicao prtica do modelo de anlise proposto por Ferreira
Netto (2006). Sero apresentadas as anlises das frases cantadas e faladas e os resultados
dessas anlises.
20
1. Bases Tericas
1.1 Alguns aspectos da entoao
O termo prosdia possui um grande nmero de conceitos e de unidades. No caso da
lngua portuguesa, entende-se que ritmo, entoao e nfase sejam hipnimas de prosdia.
Desse modo, devem ser compreendidos como fenmenos prosdicos distintos um do outro,
necessrio considerar essa diferena para a compreenso da linguagem. A prosdia, por sua
vez, interpretada como srie temporal, produto da coordenao de quatro componentes:
declinao frasal, ritmo tonal, entoao e acento lexical (FERREIRA NETTO, 2006).
Consoni (2010), em sua pesquisa, chama a ateno para o uso do termo prosdia, que
muitas vezes utilizado indistintamente do termo entoao. A possvel confuso entre os
termos parece estar relacionada dificuldade de definir o que seria a entoao, sendo que
diversas definies do termo so encontradas. Assim, tal termo pode estar relacionado
exclusivamente a variaes de frequncia fundamental, como pode tambm incluir variaes
de outros parmetros prosdicos a exemplo da durao e da intensidade. Nesse ltimo caso, a
definio est muito prxima da definio de prosdia.
Troubetzkoy (1969) considerou a entoao como uma variao de tom ao longo da
sentena. Para o autor, as lnguas europias no utilizam essa variao para diferenciar
palavras; desse modo, a entoao teria um valor fonolgico diferenciador de sentenas. Esse
valor seria descrito como variaes ascendentes e descendentes de tons. As variaes tonais
significariam as funes conclusivas, de continuidade e enumerativa. As funes conclusivas
e de continuidade estariam relacionadas s variaes tonais descendentes e ascendentes. A
descrio da funo enumerativa no foi privilegiada pelo autor. Troubetzkoy (1969) props a
existncia de um acento frasal, o qual seria usado para enfatizar uma palavra da sentena,
completando-a com algum significado especfico.
J, segundo Pike (1945), na entoao, todo som recebe uma variao de pitch, at um
som isolado seria produzido por freqncias que constituiriam seu pitch. Para este lingusta,
cada lngua apresentaria padres de variao de pitch de acordo com suas necessidades
funcionais, no havendo, desse modo, uma lngua no mundo que fosse monotnica. As
variaes nos padres de pitch estariam relacionadas com as mudanas na relao entre o
falante e sua sentena, ou entre a sentena e seu contexto de produo. A proposta de Pike
21
(1945) sobre a entoao do ingls de que essa poderia ser dividida em 4 nveis de contraste:
E (extra high), H (high), M (mid) e L (low).
In English, four relative but significant levels (pitch phonemes) can be found which serve as the basic building blocks for intonation contours. These four levels may, for convenience, be labeled extra-high, high, mid, and low, and may be numbered from one to four beginning with the one which is extra-high; a fall from high to low would be a change from pitch level two to pitch level for. (PIKE, 1945, p. 25-26)
Bolinger (1964), ao pesquisar a lngua inglesa e a espanhola, demonstrou a diferena
da variao tonal entre elas, observando que o ingls possui trs tons: dois tons altos e um tom
baixo, e no espanhol h a presena de dois tons: um tom alto (H) e um tom baixo (L).
Entretanto, o autor chamou a ateno para fatos de entoao que, apesar de idnticos, no tm
o mesmo sentido quando ocorrem em lnguas diferentes.
Ferreira Netto (2008) sugeriu que a entoao fosse uma sequncia de tons produzidos
pela voz, podendo ser decomposta em componentes estruturadores e semntico-funcionais. As
componentes estruturadoras relacionam-se com o esforo que o falante realiza com o objetivo
de sustentar a voz e, dessa forma, manter uma frequncia relativamente estvel. O autor
define a repetio da frequncia relativamente estvel, nos momentos mensurados de f0,
como o tom mdio ideal da fala (TM).
1.2. Msica e linguagem
A relao entre msica e fala j foi objeto de pesquisa de diversos autores e a
discusso se a msica fora anterior ou posterior fala parece ter sido ponto central dos
trabalhos.
Levman (1992) aponta a similaridade dessas reas quanto sua natureza e funo.
Ambas foram desenvolvidas juntamente com o processo evolutivo do ser humano, sendo que
as vocalizaes produzidas tornavam-se indispensveis, uma vez que eram necessrias a
sobrevivncia. O autor assevera que a primeira lngua ocorreu com a forma de msica e de
fala.
Segundo Levman (1992), a lngua estava mais prxima da msica e mais distante dos
conceitos que abarcavam a fala. Posteriormente, com a descoberta da dupla articulao, a
lingustica concebeu que as duas reas eram distintas, evoluindo, dessa maneira,
22
separadamente. Tais similaridades evidenciam-se nas diferentes disciplinas que dialogam com
elas.
Para Wallaschek (1891, p. 149, apud LEVMAN, 1992), a msica posterior
lingustica, no sentido de que a motivao seria primeiramente rtmica e posteriormente viria
a voz. A msica teve sua primeira manifestao atravs da dana e desenvolveu-se pelas
sequncias formuladas dos sons. Isto geraria, posteriormente, a existncia das melodias.
Os autores Aniruddh e Joseph (2003) observaram que a relao entre o sistema de
percepo e o padro rtmico da linguagem j vm de uma longa data. Segundo eles, os
compositores, como outros membros de suas culturas, interiorizam o padro rtmico da
linguagem como parte da aprendizagem da fala de sua lngua materna.
A explicao de Aniruddh e Joseph (2003) sugere que, quando os compositores
escrevem msicas, os ritmos lingusticos esto em seus ouvidos, e eles podem,
conscientemente ou inconscientemente, desenhar esses padres e fabricar a msica em ondas.
Essa msica, por sua vez, recebe tambm influncia do repertrio musical que esses
compositores ouviam em sua infncia. importante perceber na explicao a existncia de
uma conexo obrigatria entre lingustica e ritmo musical. Eles compararam o ritmo das
msicas instrumentais inglesas e francesas com os padres rtmicos lingusticos da fala desses
mesmos grupos de falantes. Excluram, entretanto, as msicas cantadas porque entenderam
que elas refletiriam, obviamente, o ritmo da fala.
Antes de Aniruddh e Daniele (2003), o lingusta Hall j estudara a relao entre a
msica Helgar e a entoao da fala britnica (HALL,1953). Para o autor, j no era surpresa a
msica vocal influenciar a prosdia da fala. Essas msicas adaptam-se s propriedades dos
padres rtmicos e meldicos do texto. Os padres da fala podem ser considerados como uma
msica instrumental. Entretanto, essa comparao j fora controversa at ser sistematicamente
testada. Isso se deve ausncia de mtodos para quantificar a prosdia e, desse modo, realizar
a comparao entre a msica e a fala. Aniruddh e Joseph (2003) contribuem de forma
significativa ao utilizar um padro de medida temporal na fala, o nPVI, que mede o nvel da
diferena duracional entre os elementos sucessivos em uma sequncia. Foi desenvolvido para
explorar as diferenas rtmicas entre as lnguas stress-timed, compactas, e syllable-timed. No
caso da ltima, suas slabas so pronunciadas com certa clareza (ANIRUDDH e JOSEPH,
2003).
23
Esta tese considera que a msica e a fala influenciam-se mutuamente. Entretanto, a
discusso sobre a msica ser anterior ou posterior fala no ponto central deste trabalho,
uma vez que a relevncia est na relao entre os campos musical e lingustico.
3 Msica ocidental x outras
No perodo clssico, em meados do sculo XVIII, a msica ocidental buscou, com mais
intensidade, a unidade tonal, que passou a dominar todos os seus elementos (COMPTE,
1977, p.242). Tais elementos sero apresentados a seguir, levando-se em considerao no s
o vis ocidental, mas tambm o no ocidental.
1.4 Melodia
As nuances e as particularidades acerca da msica de diferentes sociedades j foram
objeto de estudo de diversos autores, como E. M. Hornbostel (apud THOMSON, 1958, p. 41),
que observa a incapacidade da sociedade ocidental de entender o funcionamento da msica
no ocidental. possvel compreender que o autor esteja referindo-se msica de uma
sociedade de tradio oral, pois o seu objeto de estudo compreendia a msica negra africana
(African negro music).
Segundo Hornbostel, os musiclogos da poca desaprovavam o conhecimento
apreendido da msica desses povos a partir de estudos realizados com os prprios cantores
nativos. O autor, de forma cuidadosa, mas no menos crtica, considerava que a relao entre
melodia e harmonia dessas sociedades no corresponderia maneira ocidental. Portanto,
analis-las sob esse vis traria arbitrariedades, impossibilitando uma compreenso mais
apropriada. A melodia dessas sociedades seria concebida diferentemente, isto , sem
considerar a harmonia tradicional.
Com o suporte da etnomusicologia, a autora Mary Key (1963, p. 17), ao pesquisar os
indgenas Siriono da Bolvia, observou a ausncia de instrumentos na msica desses povos. A
melodia, segundo a sua anlise, no possua definio. A preciso no aspecto rtmico,
entretanto, era muito presente.
O conceito de melodia no mbito musical ocidental bastante amplo. Pode-se iniciar
essa discusso pela etimologia. Bruno Kiefer afirma que a palavra mel-odia originada do
24
grego, que, por sua vez, derivada de melos e od. O significado de melos relativo
sucesso meldica de sons e od significa canto (KIEFER, 1987, p. 49).
Com o apoio da Fsica e da Psicofsica, Juan Roederer (2002) faz um estudo sobre a
msica e define uma melodia como uma mensagem musical, uma sequncia ou superposio
de notas individuais. A mensagem musical pode ser denominada como gestalt tonal caso seja
significativa no sentido em que a ela sejam atribudos valores. Esses valores resultam de uma
srie de operaes cerebrais de anlise, que so comparaes com mensagens previamente
armazenadas, bem como associaes na memria.
Segundo Roederer, alguns atributos da melodia so considerados elementos-chave na
msica ocidental. A tonalidade, por exemplo, que o predomnio de uma certa nota na
sequncia, responsvel pela sensao de retorno tnica, modulao e ritmo
(ROEDERER, 2002, p. 23).
Para Waldemar Ferreira Netto, a melodia seria um conjunto de tons utilizados em
sequncia para a formao de uma unidade perceptualmente considerada como gestalt. Na
msica ocidental, caracteriza-se pelo estabelecimento de limites finais bem marcados
(FERREIRA NETTO, 2009).
1.5 Harmonia
A harmonia da msica ocidental est amparada na cincia dos acordes cujos sons
combinam entre si, simultaneamente. Portanto, a melodia amparar-se- na harmonia dos
acordes musicais. H os acordes consonantes, cujos intervalos entre as notas so agradveis
ao ouvido, e os acordes dissonantes, em que o resultado soa desagradvel ao ouvido
(COMPTE, 1977).
Sob o vis da msica no ocidental, Kilza Setti mostra que, na msica indgena
guarani Mby, por exemplo, a fora polarizadora dos ncleos tonais obedece a outras
determinantes, pois as melodias e harmonias monocrdias caracterizam um ncleo tonal que
descartam hierarquias de tom (SETTI, 1994/95).
Roederer (2002, p. 22) afirma que, ao ouvir duas ou mais notas concomitantes, o
crebro capaz de separ-las individualmente, dentro de certas limitaes. Desse modo, as
sensaes novas, ainda que no to bem definidas, porm musicalmente importantes, so
25
originadas da conexo entre duas ou mais notas superpostas, o que leva coletivamente ao
conceito de harmonia.
Paula da Cunha Corra afirma que o termo harmonia, desde Homero a Aristxeno e os
tericos alexandrinos da Grcia antiga, foi utilizado nas esferas de atividades da maonaria e
da carpintaria. H pelo menos quatro sculos teve o sentido de "presilhas ou encaixes
(CORRA, 2008, p.7). A autora aponta que pode existir uma aproximao de sentidos do
termo harmonia com arma, uma palavra dlfica cujo significado unio, amor
(CORRA, 2008, p. 23).
Na esfera musical, atribuam-se s antigas escalas musicais o significado de harmonia,
cuja denominao posterior veio a ser o sistema de escalas musicais. No incio as harmoniai
musicais denominavam o conjunto de notas que se ouvia em uma determinada melodia, e
mais tarde, as possibilidades tericas (CORRA, 2008, p.8).
1.6 Os intervalos de consoantes e dissonantes e a srie harmnica
O estudioso da teoria musical, Hugo Riemann (1943), ao tratar dos intervalos de
consoantes, observa que esses intervalos consoantes soam para os nossos ouvidos como um
unssono, uma oitava dobrada e uma quinta. O autor j relacionava o soar dos intervalos
consoantes com a srie harmnica, uma vez que considerou a progresso de frequncias como
originrias de um som fundamental.
Riemann, ao tratar dos intervalos de consoantes e dissonantes, nota que a distino
entre eles anterior poca da fixao dos fundamentos da teoria dos acordes, ou seja, j se
distinguiam os intervalos de consoantes e dissonantes, antes de estabelecerem o conceito de
harmonia. A palavra latina consonans significa junto, que soam juntos, e dissonans, que
soam separadamente. As consoantes constituem-se de intervalos que se completam entre si
at a oitava (RIEMANN, 1943, p.26)
Entre os acordes, h os que podem ser denominados como dominante ou sensvel, pois
se encontram exatamente sobre tais notas da escala. Tais acordes estabelecem pontos atrativos
ou de tenso que devem ser resolvidos na tnica. A escala
uma srie de sons ascendentes ou descendentes que procedem por graus, conjuntos, numa ordem determinada. H duas espcies de escalas: a diatnica e a cromtica. A escala diatnica procede por tons e semitons diatnicos. Isto , por
notas de nome diferente. Compreende de uma srdescendentes (COMPTE
Schoenberg (2001) afirma que as consoantes so originadas dos primeiros harmnicos
do som fundamental, ou seja, a proximidade entre eles que determinar o soar mais perfeito.
Dessa maneira, os primeiros harmnicos so mais perceptveis do que outros, sen
familiares ao ouvido e contribuindo
so mais fracas e, portanto, menos perceptveis, dificilmente audveis. Dessa forma, soam aos
ouvidos de maneira estranha, inusitada. O caso que o
de serem analisados pelo ouvido, que desiste das tentativas de anlise precisa
impresso sensorial como um todo captada.
Para Schoenberg (2001), a energia do som
pelos ouvintes. o universo sensorial que uma vez relacionado com o complexo total do som
se relaciona igualmente com os harmnicos mais distantes.
a nota d o ponto de partida, e, por
alturas que ressoam como resultado das
respectivos harmnicos.
Exemplo da srie harmnica
Segundo Roederer (2002, p.23), so as sensaes estticas de consonncia e
dissonncia que descrevem o car
notas. Desse modo, h uma necessidade de resoluo de acordes ou intervalos dissonantes.
notas de nome diferente. Compreende de uma srie de 8 sons ascendentes ou COMPTE, 1977,p. 67).
Schoenberg (2001) afirma que as consoantes so originadas dos primeiros harmnicos
do som fundamental, ou seja, a proximidade entre eles que determinar o soar mais perfeito.
Dessa maneira, os primeiros harmnicos so mais perceptveis do que outros, sen
contribuindo ao fenmeno total do som. Ele observa que as dissonantes
so mais fracas e, portanto, menos perceptveis, dificilmente audveis. Dessa forma, soam aos
ouvidos de maneira estranha, inusitada. O caso que os sons mais distantes no so pa
de serem analisados pelo ouvido, que desiste das tentativas de anlise precisa
impresso sensorial como um todo captada.
ara Schoenberg (2001), a energia do som, embora no esteja presente, percebida
uvintes. o universo sensorial que uma vez relacionado com o complexo total do som
relaciona igualmente com os harmnicos mais distantes. Observa-se, no quadro abaixo, que
a nota d o ponto de partida, e, por isso, denominada como som fundamental. A
alturas que ressoam como resultado das frequncias da escala harmnica sero os seus
Exemplo da srie harmnica
Segundo Roederer (2002, p.23), so as sensaes estticas de consonncia e
dissonncia que descrevem o carter agradvel ou irritante de certas superposies de
notas. Desse modo, h uma necessidade de resoluo de acordes ou intervalos dissonantes.
26
ie de 8 sons ascendentes ou
Schoenberg (2001) afirma que as consoantes so originadas dos primeiros harmnicos
do som fundamental, ou seja, a proximidade entre eles que determinar o soar mais perfeito.
Dessa maneira, os primeiros harmnicos so mais perceptveis do que outros, sendo mais
observa que as dissonantes
so mais fracas e, portanto, menos perceptveis, dificilmente audveis. Dessa forma, soam aos
mais distantes no so passveis
de serem analisados pelo ouvido, que desiste das tentativas de anlise precisa; porm, a
embora no esteja presente, percebida
uvintes. o universo sensorial que uma vez relacionado com o complexo total do som
se, no quadro abaixo, que
nominada como som fundamental. Assim, as
uncias da escala harmnica sero os seus
Exemplo da srie harmnica
Segundo Roederer (2002, p.23), so as sensaes estticas de consonncia e
ter agradvel ou irritante de certas superposies de
notas. Desse modo, h uma necessidade de resoluo de acordes ou intervalos dissonantes.
27
1.7 Tonalidade
A tonalidade (ou tom) um conjunto dos sons constitutivos duma escala diatnica,
ou seja, escala de sete notas, podendo ser maior ou menor (COMPTE, 1977, p.71).
Segundo Schoenberg uma tonalidade expressa pela utilizao de todas as suas
notas. Uma escala ou parte dela e certa disposio de acordes iro afirm-la com maior
clareza. Tanto na msica clssica, quanto na popular, a mera alternncia entre I e V ser
suficiente para que tal clareza ocorra (SCHOENBERG, 2004, p.29).
Essa alternncia o passeio entre a tnica, primeira nota, e a nota dominante, quinta
nota da escala. A esta alternncia atribui-se a sensao de o ouvido desejar que a melodia
retorne tnica.
1.8 Modos autntico e plagal
Segundo observaes de Ferreira Netto (2010), na noo de modo autntico, a tnica
estar nos extremos da escala. O conceito de modo plagal, que j fora debatido entre os
gregos, foi retomado pelo terico renascentista italiano Gioseffo Zarlino. Uma das
caractersticas do modo plagal que possui a tnica fora dos extremos da escala. Desse modo,
a tnica encontrada no centro ou prximo dele. Uma msica em modo plagal caracteriza-se
por ser uma variao em torno de um tom central. Ferreira Netto (2010) exemplifica,
analisando duas msicas: um fandango paulista, retirado do livro de Rossini Tavares de Lima,
Folclore de So Paulo, de 1954, e uma msica Kaiow, retirada do livro de Helza Camu,
Introduo ao estudo da msica indgena brasileira, de 1977.
As linhas dos grficos em vermelho indicam o tom mdio, (tom central) e as linhas
azuis o desenho meldico (grficos citados de Ferreira Netto, 2010).
28
Fandango Paulista
Msica guarani kaiow
Note-se que a melodia do fandango se desenvolve praticamente toda acima do tom
mdio e do centro tonal. O centro tonal, bem definido, um tom grave, no extremo baixo da
escala, o que uma caracterstica da msica tonal e do modo autntico.
A msica guarani no diferencia com clareza o tom mdio de um centro tonal
qualquer. A melodia se desenvolve em torno desse tom mdio, e, por isso, est no modo
plagal.
29
1.9 Cadncia
Sob o vis da msica ocidental, o conceito da cadncia a concluso de uma frase
harmnica, isto , de uma srie de acordes logicamente encadeados. H quatro espcies de
cadncias: a cadncia completa, a cadncia imperfeita ou interrompida, a cadncia plagal e a
perfeita (COMPTE, 1977).
Quanto msica no ocidental, entretanto, os etnomusiclogos Longacre e Chenoweth
(1986), ao observarem a presena da cadncia formal na Europa e em outras sociedades
letradas, afirmam que, nas sociedades de tradio oral, as cadncias no so to claramente
definidas. Dessa maneira, exemplificam o caso dos Marimberos da Guatemala, cujas
finalizaes de seus cantos rituais ocorrem de forma divergente expectativa de um ouvinte
desconhecedor do universo musical dessas sociedades. Percebe-se que espera de uma
finalizao preparada, ou seja, da cadncia perfeita que resolve do V para o I, esse ouvinte
frustra-se e pergunta-se quando e como a cano termina.
As observaes de Andrade (1996) sobre os cantos indgenas dos Mby demonstram
que as finalizaes e passagens dos cantos dessa sociedade podem soar bruscas e inesperadas,
causando surpresa. Os cantos indgenas dos Mby, nas finalizaes, possuem uma
descendncia meldica com caracterstica de dois em dois semitons. Tal ocorrncia, segundo
ele, seria para produzir os glissandos, isto , a passagem de uma nota a outra.
As finalizaes de msicas no ocidentais, em especial as da msica guarani indgena,
parecem no buscar o retorno tnica. Desse modo, a cadncia plagal definida como
finalizadora de frases extensas que possui menor clareza e menos poder de confirmao do
que a cadncia autntica (SCHOENBERG, 2001, p. 428) parece ser a responsvel pelas
finalizaes dos cantos dessas sociedades.
A antroploga Deise Montardo (2002), ao pesquisar os indgenas guarani Kaiow e
Nhandeva de MS, sugere que haja um sistema musical maior no sentido em que a msica se
relaciona com espacialidade e cosmologia. Nos rituais sagrados, por intermdio da msica
que eles percorrem o caminho que os leva s aldeias divinas. O mais interessante que a
exegese que a autora obteve dos Kaiows e Nhandevas aponta para um movimento de subida
nos caminhos os cantos e alguns discursos finalizam com a expresso: haaa.
30
1.10 Centro tonal
Como observou Ferreira Netto, Gioseffo Zarlino, no sculo XVI, desenvolveu uma
noo decisiva para a msica ocidental, o semitom. Por consequncia dele, ocorreu a insero
da nota sensvel, o SI, na escala e, portanto, tambm na harmonia musical (FERREIRA
NETTO, 2010). Zarlino mostrava a importncia desse semitom, a nota Si, na escala diatnica.
O trtono um intervalo de trs tons, a exemplo dos intervalos das notas f/si. A nota si, que
um semitom inserido na escala diatnica, forma o princpio harmnico da modulao. Desse
modo, criou-se o trtono, para dentro de si mesmo. Zarlino procurou, de fato, estabelecer a
escala a partir do intervalo de teras e no de quintas. A partir de Do (do, mi, sol), Sol (sol, si,
r) e F (f, l, do) possvel montar toda a escala: do, re, mi, fa, sol, la, si e do, em que
aparece o Si e, consequentemente, o trtono f-si que joga o tom de volta para si mesmo. Nos
modelos anteriores, o que se encontrava era um trtono: o mi-si que levava o tom para a
quinta, ou seja, o f.
Segundo observaes de Ferreira Netto (2010), apesar de Zarlino (1571) no ter
deixado evidente que a definio de uma sequncia de acordes D7>T, (G7>C, na figura)
gerou a noo de centro tonal, todavia, essa criao acabou se tornando um divisor de guas
da msica chamada ocidental em relao a todas as outras.
WISNIK (2005) afirma que a nota sensvel gera uma harmonia/melodia recorrente,
isto , circular. Dessa maneira, pode existir uma preparao acentuada para a modalizao,
retornando ao prprio tom do preparo.
J no universo indgena, conforme Kilza Setti, uma das nuances musicais do povo
guarani o fato de a voz estar condicionada afinao nica da guitarra. O violo rasqueado
num nico acorde bordo tenderia a limitar o mbito de sua linha meldica. A funo do
violo (mbarak guass) atua como determinante e cerceador da voz, porm, desempenhando
um outro papel fundamentalmente rtmico. Simultaneamente, o clima tonal mantido,
tornando-se um instrumento com funo ambgua (SETTI, 1995, p. 93-94). Nesse caso,
estaramos pensando em um modo plagal, em que o centro tonal se encontra no centro da
escala e nas extremidades.
31
O centro tonal da teoria musical ocidental possui sons aparentados cuja relao
muito estreita, proporcionando uma dependncia entre eles. Por exemplo, na relao das notas
sol, d, f, Schoenberg observa que a nota sol depende de d na mesma direo em que d
sofre a influncia de f (SCHOENBERG, 2001, p. 62).
Para Schoenberg (2001), so esses parentes mais prximos que oferecem estabilidade
ao som fundamental, criando a nfase na expectativa de retorno ao tom gerador de uma
escala, fato marcante do final de uma melodia.
O prximo captulo far referncia formao histrica, lingustica e musical do
Paraguai.
32
2.0 A ORIGEM DO PARAGUAI
2.1 As influncias jesuticas
O Paraguai um pas cuja histria se relaciona s redues jesuticas e lgica de
catequizao das populaes da regio platina (BAZ, 2006; HIGA, 2010). Os agrupamentos
coordenados pela Companhia de Jesus foram chamados de redues. O intuito dos jesutas era
reunir um grande nmero de ndios, vindos de diferentes grupos tnicos. Estes conviveram em
um aldeamento nico como se fosse uma mesma etnia (BAZ, 2006). A lngua guarani era
predominante no local e a comunicao dos ndios desaldeados ocorria em guarani. Isso
acarretou uma espcie de processo de guaranizao3.
O projeto colonial de reduo pretendia integrar os ndios a um novo sistema, um te
pyahu, que seria tambm uma nova lngua (MELI, 1995, p.18). Desse modo, a grande
maioria da populao paraguaia descendente desses povos cuja procedncia, portanto, vem
dos aldeamentos indgenas, das redues jesuticas:
Castellanizada de palabra, esta gente seguia tan guarani como antes en la palabra. Ahora traian un nombre espaol, haban dejado de ser ndios,pero hablaban en guarani. De esto modo un grupo considerable de indgenas, hablantes en guarani, se incorporaba a la masa de los paraguayos,con lo que cerraba un proceso que ya se haba iniciado con fuerza cuando muchos guaranes de las Misiones jesuticas, salido de sus pueblos, haban pasado a las ciudades de espaoles o se haban conchabado como peones en las estncias, como note en su lugar (MELI, 1992, p.166/168).
As redues jesuticas, assim, tm fundamental importncia no processo de formao
e aculturao musical e lingustica do Paraguai. A origem do estado jesutico do Paraguai,
tambm conhecido como reino Teocrtico Jesutico-indgena junto ao Paran e ao Uruguai
ocorreu em 1609 e obedeceu determinao de Felipe II para que os ndios fossem
reduzidos pelos jesutas (CAMPESTRINI; GUIMARES, 1991, p.14).
Entretanto, a converso dos indgenas ao cristianismo j ocorrera anteriormente como
empreitada das ordens religiosas franciscanas, dominicanas e agostinhas. Elas
desempenharam atividades missionrias antes que os jesutas viessem fundar as clebres
3 Guaranizao denota aqui, de forma restrita, uma predominncia lingustica. Nas redues jesuticas, o guarani era falado por um maior nmero de ndios, sobrepondo-se ento s outras lnguas.
33
misses do Paraguai nos sculos XVII e XVIII (CHAUNU, 1979, p.36). As redues
franciscanas, estabelecidas a partir de 1580, foram pioneiras no uso da lngua guarani como
fenmeno relevante para a evangelizao dos ndios. A msica, a dana e o artesanato
desses povos entre jesutas eram estimulados e, desse modo, a sua manuteno garantida
(SZARAN, 1997, p.409).
Posteriormente s ordens religiosas franciscanas, dominicanas e agostinhas, no
transcorrer dos sculos XVII e XVIII, os jesutas desenvolveram um trabalho lingustico e
etnolgico bastante aprofundado.
Embora protegessem os indgenas, exerciam concomitantemente uma tirania. As
peculiaridades musicais autctones eram colocadas em segundo plano e a msica da Igreja,
soberana, exercia o papel de ser a ferramenta de controle cultural (HIGA, 2010, p.50).
Portanto, com a vinda dos jesutas, no sculo XVII, as expresses culturais desses povos
foram visivelmente ameaadas por rgidas normas de educao e prticas baseadas nos
conceitos europeus vigentes (GUTIERREZ, 1987, p.39)
Os jesutas submeteram os ndios ao conhecimento da msica ocidental, europeia no
intuito de arrebanh-los e amans-los no grmio da Santa Madre Igreja. Introduziram, desse
modo, o costume de cantar o louvor divino ou de tocar qualquer msica durante as missas
(HIGA, 2010, p. 57). Nesse contexto, entre indgenas submetidos nova cultura jesutica,
surgem msicos e fabricantes de instrumentos copiados do mundo ocidental:
Em Japey: hoje, dia 25, veio ao nosso encontro, rio abaixo, o Padre Jos Seravia, da reduo Santa Cruz. Trouxe consigo vinte msicos, que tocavam msica sobre diversos tipos de instrumentos.(...) vive aqui em So Miguel um bugre de nome Incio Paica. msico distinto, sabe fabricar cornetas e toc-las, sabe fazer clarins ou trombetas de guerra; (...) aprendeu e exerce com louvor muitos outros ofcios (SEPP, 1972, p. 62).
A msica ganhou importncia capital no processo evangelizador, alcanando nveis
surpreendentes tanto na execuo do repertrio como na construo de instrumentos,
chegando mesmo a produzir compositores ndios no sculo XVIII (HIGA, 2010, p.53).
Os reverendos Padres e os senhores irmos Paulo e Gabriel Sepp perguntaro: se a nas redues cantas tantas missas solenes, ladainhas. Vsperas e missas, quem te compes os salmos, as ladainhas, os hinos,os ofertrios, quem as missas e os muitos motetes? E quem foi que ensinou a esses ndios a cantar, a tocar o rgo, a
34
tocar trompas, charamelase fagotes? (...) Foram os primeiros Padres Missionrios, nossos santos predecessores. (SEPP, 1972, p.73)
2.2 A Formao do guarani do Paraguai
A formao da lngua guarani do Paraguai resulta do contato entre lnguas muito
diferentes: o espanhol e o guarani indgena. Este processo lingustico que ocorre entre lnguas
em contato j fora observado por vrios lingustas, entre os quais se destaca Edward Sapir
(1980, p.122), que considerava natural que lnguas faladas em uma vasta rea fossem
multiplicadas dialetalmente resultando em mudanas inevitveis. Estas passam a se
influenciar mutuamente.
A lngua guarani do Paraguai proveniente do contato entre os jesutas e os indgenas
guarani. Os jesutas, para garantir o xito da catequizao, comunicavam-se em guarani.
Nota-se, portanto, a utilizao frequente de termos hispnicos nos escritos religiosos em
guarani, datados do sculo XVIII, como nestes exemplos:
Neipe cumpli que los mandamientos de la Ley de Dios,porque pecumpli ramo, pee condename a los infiernos. [Cumpram os mandamentos de Deus porque seno o cumpris os condenareis ao inferno] (Cardell 1758/1900, Declaracin de la verdad, Buenos Aires, em: B. Meli 1992:59 )
Pai Nosso
Tounde Reino y ore moaruki ume jep tentao pupe (Anchieta) Tour nd Reino y ore moar carum yepe tentao pup (Catecismo de
Arajo) Tou ndereco marngatu orebe y eypotareme angaipa pipe ore
(Bolaos) Do Sculo XVIII a traduo ao Guarani de La conquista Espiritual de A. Ruiz de Montoya apud Harald Thun percebe-se a palavra ano em espanhol:
Aba reta y caray e haccue tup upe ynemboaguivje uca hague Pay de la comp. A de IHS poromboeramo ara cae P. Antnio Ruiz Icaray e ba mongetaipi hare oiquatia caray ne rupi ao 1733 pipe. Idibid.
35
O guarani do Paraguai pode ser denominado guarani jopar e suas caractersticas so
hbridas, j que resulta de um processo de crioulizao4, como mostra este verso de uma
msica tradicional do Paraguai, citada por Baz (2006, p.18):
Amanota de quebranto yvyrami jaula pe guaicha.
1p/ morrer/ vou de preocupao passarinho jaula como.
Vou morrer de preocupao como passarinho enjaulado.
Porque nda rekoi consuelo ingrata paloma blanca.
Porque no tenho consolo ingrata pomba branca.
(verso de msica tradicional do Paraguai; letra de Neneco Norton)
O autor Meli (1992) considera que a lngua guarani se apresenta como til, adequada
e necessria por caracterizar-se como uma lngua do cotidiano e realizada em ambientes
domsticos. So caractersticas do guarani paraguaio os hispanismos presentes em seu lxico.
Segundo Meli (1992), a variante jopar manifesta-se na fala concreta e d-se em um
continuum de formas variantes e heterogneas, sendo caracterizada pela sua indefinio. O
jopar uma variante que possui vitalidade e adaptao para ocupar o seu lugar no mundo
moderno, pois transforma-se, perde certos recursos e apropria-se de outros. Entretanto, na
conscincia social dos falantes, o jopar objeto de condenao e desvalorizao. Tal
evidncia pode ser observada nas afirmaes de que eles no falam um guarani bem falado,
atribuindo tal ineficincia aos emprstimos do espanhol.
2.3 O fortalecimento da lngua e da msica guarani paraguaia durante as guerras
Os dois conflitos internacionais A Guerra do Paraguai (1864 -1870) e a Guerra do
Chaco (dcada de 1930) foram fundamentais para o reforo do nacionalismo (MELI 1992,
p.172). Nessa poca, o guarani foi motivo de uma grande lealdade lingustica. O nacionalismo
era comparado ao corao da nao, o smbolo do verdadeiro esprito do povo, a figura
singular da nao (MELI 1992, p.176). O povo necessitava sentir-se unido contra os seus
4 Crioulizao: processo de contato lingustico entre duas lnguas, resultando em uma outra lngua.
36
inimigos. Dessa maneira, a populao e o exrcito paraguaio comunicavam-se na lngua
guarani.
La guerra de 1864 a 1870 se nutri con la sonora armonia del idioma autoctono. [...] El drama hondo y terrible, la tragedia singular de aquella poca los sufri, as, el pueblo paraguayo,en guarani. Era la lengua en que lloraban las mujeres de la residenta y en la que odiaban y peleaban los varones de nuestra tierra (CENTURIN, 1947, p. 75).
Pelo exrcito paraguaio a lngua guarani foi utilizada como uma arma fundamental a
favor do pas. Os exrcitos inimigos, desconhecedores totalmente da lngua nativa, no
compreendiam as informaes que eram veiculadas de forma estratgica entre os
combatentes. Desse modo, aumentavam as chances de organizao militar e da prpria
populao (BAZ, 2006, p.16).
A msica igualmente cumpriu um papel crucial durante as guerras. A ela atribua-se a
responsabilidade de manter os nimos das tropas. Desse modo, no perodo da guerra da
trplice aliana (1865-1870), Francisco Solano Lpez mandava organizar bailes semanais em
pleno campo de batalha (VERSEN, 1976, p.134).
2.4 Guarani jopar: uma lngua marginal
O interesse dos estrangeiros em implantar o uso do espanhol sempre esteve presente e
as tentativas fracassadas no decorrer do tempo justificavam-se por no haver uma necessidade
para a aquisio de uma segunda lngua. Entretanto, o contato sociocultural entre as diferentes
culturas alteraram o quadro lingustico de monolinguismo guarani.
Desse modo, o contato entre as sociedades envolvidas no ocorreu de forma pacfica.
A poltica contra a lngua guarani ocorreu de forma intensa na poca do ps-guerra, guerra do
Paraguai, (1864 -1870). As concepes ideolgicas da Argentina foram implantadas e o
espanhol era um sinnimo de civilizao e de cultura enquanto a lngua guarani era o grande
vilo responsvel pelo atraso do pas. Desse modo, as famlias passaram a rejeitar o guarani e
o seu uso restringiu-se ao trato com os criados, sendo proibido nas escolas (MORNIGO,
1990, p.180).
Os estrangeiros preferiram atacar a lngua guarani, cujo lxico e a sintaxe divergiam
do espanhol e das lnguas indo-europias. Um dos argumentos destes era que a lngua nativa
37
do Paraguai entorpecia a intelectualidade do povo. Assim, aos olhos europeus, matar o
guarani seria a soluo. Eles, portanto, atacaram a fala, denegrindo-a, para impor o ensino da
gramtica europia ao povo, para europeiz-los (BARRET, 1978).
A lngua guarani sofria discriminao tambm por ser uma lngua indgena. Os
professores do Paraguai, cujos estudos foram realizados na Argentina, possuam um profundo
desprezo s lnguas indgenas. Tais idias se firmaram no Paraguai em 1887 com a vinda do
poltico e educador Domingos Faustino Sarmiento. Posteriormente, em 1894, o ministro da
educao Manuel Dominguez fortalece o rechao lngua guarani considerando-a inimiga do
progresso cultural do Paraguai (MELI, 1992, p.170). Dessa maneira, naquele momento, a
educao foi intensamente marcada pela presena do espanhol nas escolas.
Se prohiba hablar em Ella, en horas de clase, el guarani, y a fin de hacer efectiva dicha prohibicin, se haban distribudo a los cuidadores o fiscales unos cuantos anillos de bronce que entregaban al primer que pillaban conversando em guarani. ste los traspasaba a outro que hubiera incurrido en la misma falta y as sucesivamente, durante toda la semana hasta el sbado en que se pedia la presentacin de dichos anillos, y cada uno de sus poseedores como incurso em el delito, llevaba el castigo de cuatro o cinco azotes (CENTURIN, 1894, in RUBIN 1974, p. 24).
Outro motivo de vergonha relaciona-se histria lingustica do guarani paraguaio,
cuja formao deriva da populao rural, os campesinados. no ambiente rural que esta
evolui e revela-se de forma mais autntica, pois na oralidade do povo que esta se realiza
(MELI,1992,p.181).
Los habitantes de esta campaas hablan solamente el guarani [...] todos los paraguayos, varones y mujeres, hablan guaran y la maioria de las clases bajas no hablan outro idioma; sin embargo, el idioma oficial es el espanol y la gente de sociedad afecta despreciar el guarani (MELI, 1992,p.162).
O guarani mantinha-se presente no cotidiano dos camponeses e manifestava-se
livremente na poesia. A relao entre lngua e msica bem patente uma vez que as poesias
originadas do guarani falado no meio rural tornar-se-iam as letras para msicas paraguaias
(MELI, 1992, p.172).
Sabe-se que o guarani jopar resulta do contato entre duas lnguas diversas. No
entanto, o bilinguismo no deve ser confundido com a formao do guarani paraguaio: o uso
38
de duas lnguas no Paraguai uma caracterstica desse pas5. Desde 1992, a Constituio do
Paraguai declara, no artigo 144, que so idiomas oficiais do Paraguai o espanhol e o guarani
(MELI, 1995). O bilinguismo resulta da relao estreita entre uma lngua e a outra,
buscando um dilogo entre os dois sistemas lingusticos. Uma sociedade pode considerar-se
bilngue apesar da populao no ser completamente bilngue (MELI, 1995, p.124).
Os resultados dos censos de 1950, 1962 e 1982 do Paraguai demonstraram que no
campo, a porcentagem de monolngue guarani era de 60,25% havendo 31,21% paraguaios
bilngues. Na zona urbana, entretanto, os monolngues guarani era de 14,50% e os bilngues
70,82% (MELI, 1992, p.191).
2.5 A msica paraguaia
A pesquisa de HIGA (2010) sobre a msica paraguaia de grande relevncia, dada a
inexistncia de estudos similares sobre os gneros musicais no Brasil, bem como a escassa
bibliografia estrangeira. O pesquisador investigou as msicas de maior representatividade
cultural no Mato Grosso do Sul. Nesse estado, a presena do povo paraguaio expressiva, por
isso a cultura paraguaia faz parte do cenrio cultural. A polca-paraguaia, a guarnia e o
chamam foram os gneros privilegiados na pesquisa de Higa.
Segundo o musiclogo, a historiografia da msica paraguaia aponta que a polca-
paraguaia surgiu no final do sculo XIX, com manifestao no ambiente rural, foi resultado
da influncia da msica tradicional espanhola com as danas de salo de origem europia. A
polka um dos gneros mais populares de dana de salo da Bohmia no sculo XIX. uma
dana rpida cujo compasso 2/4 e construda em forma ternria (Dictionnaire
encyclopdique de la musique,1988, p.502-II).
A msica tradicional da Espanha emprestou, no aspecto rtmico, os compassos 3/4 e
6/8 usados alternadamente e tambm a tcnica de rasgueo, que consiste numa tcnica de
execuo do violo (e de vrios instrumentos de cordas dedilhadas), na qual o instrumentista
desliza os dedos sobre as cordas rapidamente, como se fosse um leque se abrindo (HIGA,
2010, p.117).
5 Este trabalho, entretanto, no se atm a determinar os tipos e nveis de bilinguismo encontrados no Paraguai.
39
No Paraguai, a polka europia teve ampla aceitao nos sales burgueses do sculo
XIX. Posteriormente, o termo polka foi adotado pelo povo paraguaio para denominar a sua
prpria msica. Segundo Higa (2010, p.101), j em 1828, no Ensayo Histrico sobre la
Revolucin paraguaya, de Rengger y Longchamp, existia uma msica popular acompanhada
por guitarra6 mesclada s contradanas espanholas.
El canto se acompaa com guitarra,[...] el tema de las canciones es, generalmente, desafortunado, los lamentos de un celoso, etc. Hay pocos cantos nacionales. La danza es pesada sin gracia. Se baila contradanzas espaolas,cuyas figuras o evoluciones son a veces agradables. Los msicos son los mismos que tocan en las Iglesias porque afuera de estos casi nadies sabe tocar decentemente. (SZARAN,1997, p.22 ).
Nesse relato, observa-se que a prtica musical era proveniente dos missionrios
jesutas e os msicos exerciam suas atividades tanto no ambiente profano como no religioso.
preciso ressaltar que a lngua guarani desempenhou funo importante, uma vez que
frequentemente foi utilizada na msica paraguaia. Os missionrios jesutas podem ser
considerados os responsveis por dar espao lngua guarani (HIGA, 2010, p.133)
Em contrapartida, a presena de instrumentos musicais europeus, bem como a
ausncia daqueles de origem indgena na msica paraguaia demonstra que a influncia
jesutica, de forma vigorosa, atuou no sentido de impor a cultura musical europia aos povos
nativos do Paraguai.
A origem do violo remete s guitarras mouriscas e s violas de arco medievais
(HIGA, 2010, p.133). A harpa diatnica bastante representativa na msica paraguaia e foi
introduzida pelos jesutas no perodo das Redues. Esta oriunda das antigas civilizaes
mesopotmicas. Aps vrias transformaes, constituiu-se, nos sculos XVI e XVII em um
instrumento diatnico com 7 a 24 cordas, sendo utilizada como acompanhamento do canto e,
durante o perodo barroco, como baixo contnuo (HIGA, 2010, p.133).
Outro instrumento trazido pelos imigrantes europeus o acordeon, instrumento
aerfono de fole, inventado no sculo XIX (MICHELS, 1997, p.45). O contra-baixo, utilizado
para a marcao rtmica de base ternria e reforo harmnico, integrou especialmente as
orquestras tpicas e conjuntos folclricos mais requintados da poca. Posteriormente, foi
substitudo pelo baixo eltrico (HIGA, 2010, p.138).
6 A palavra guitarra significa violo.
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No decorrer do tempo, as prticas musicais paraguaias se realizam atravs de bandas
de msica e conjuntos folclricos nos quais os instrumentos como harpa, guitarras e,
esporadicamente, violino e flauta transversa eram utilizados para compor o grupo. Nas
ltimas dcadas do sculo XIX, surgiram as orquestras cujo repertrio era constitudo por
valsas, polcas (provavelmente as europias), mazurkas e habaneras, schottish. Com a
atividade de animar bailes, incorporaram mais violinos, contra-baixos, acorden, piano,
bandonen, clarinetes, trompetes e at trombones (SZARAN,1997, p.349 )
O msico paraguaio popular, de forma geral, identificava o nome de polca como um
gnero europeu. Entretanto, ele considerava os tangos antigos, milongas e habaneras
igualmente como polcas (HIGA, 2010, p.318). Toda essa influncia, ao longo do tempo,
resultou na polca paraguaia.
Lo que si es indudable, es que la Polca paraguaya, de cuyos Orgenes reales no podemos hacer nada ms que supociones, ya que el nombre no da por si solo ninguna pista concreta irrebatible, ha adquirido caractersticas propias y personalidad definida (CERRUTI, 1964, p.7).
Amparado nos estudos de Tinhoro (1998), Higa (2010) analisa a introduo das
danas europias no contexto brasileiro no sculo XIX e o comportamento da elite brasileira.
As classes mdia e alta brasileira limitavam-se a consumir as modas importadas. Desse modo,
as danas deveriam ser executadas de acordo com o padro europeu. Entretanto, as classes
sociais mais baixas nacionalizaram esse conhecimento, no sentido de que as valsas e as
mazurkas adquiriam outras nuances, sendo acrescidas do ritmo da senzala. Para Higa (2010,
p.118), os msicos rurais do Paraguai vivenciaram semelhante processo e, dessa forma,
transformaram a msica executada nos sales da elite do Paraguai, substituindo a roupa de
festa pelo chapu de palha.
Vuelve a repetirse aqui el proceso de traslacin de las formas musicales y coreogrficas a los estratos populares y rurales, pero son tantos los factores que inciden en la recreacin que nos encontramos frente a espcies que cambian totalmente las formas y guardan solamente el nombre, como el caso de la polca rural, que se diferencia totalmente de la que tuvo apogeo en los centros urbanos. (CERRUTI,1964, p.6).
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No mbito da forma musical, a polca-paraguaia, a guarnia e o chamam possuem
caractersticas singulares. A guarnia e o chamam no aspecto rtmico baseiam-se na polca-
paraguaia (HIGA, 2010, p. 318).
Na primeira metade do sculo XX, surgem a guarnia e o chamam. So gneros
originados a partir das diferentes interpretaes que os msicos davam polca j formalmente
estabelecida na tradio musical (HIGA, 2010). O gnero guarnia foi criado na dcada de 20
pelo compositor Jos Asuncin Flores (1908-1972), segundo Ocampo (1980, p.29). O antigo
purajhi asy, traduzido por canto triste, possui um andamento lento e um carter
melanclico.
A paternidade do chamam ainda alvo de disputa entre a Argentina e o Paraguai; a
tnue fronteira cultural do Paraguai com o norte da Argentina provocou a substituio da
harpa paraguaia pelo acordeon, que, ao acordeonizar a polca paraguaia, provocou
mudanas meldicas e de andamento levando os argentinos a advogar a criao do gnero
polka Correntina. O chamam seria uma derivao dessa polca Correntina. (HIGA, 2010,
p.137).
2.6 As maneiras de cantar
O significado da palavra purahei cantar e se aplica s vrias formas de cantar do
povo paraguaio. Da as expresses purahei asy (canto triste), purahei yoyvy, que significa
canto em duplas, purahei kelee que seria o canto que exalta polticos e atos hericos
(SZARAN, 1997, p. 396). H muitas composies realizadas nas formas de purahi do
Paraguai.
O purahei asy canto cujos temas so a nostalgia da famlia e os desenganos
amorosos, retratando a realidade das pessoas humildes. Associa-se guarnia, criada por Jos
Asuncin Flores dcada de 20.
O purahei yoyvu um canto de origem rural cujas vozes dos cantores so empostadas
e com vibratos em abundncia, em duos. Na execuo da msica, eles permanecem muito
prximos, frente a frente um com o outro.
Los cantores ubican frente a frente y a veces es suficiente que uno de ellos sepa bien la letra de la cancin; el que secunda va mirando el movimiento de los lbios
42
del companero y toma, aunque sea la ultima slaba del verso (OCAMPO, 1980, p.332).
As vozes dos cantores so harmonizadas em quintas ou teras paralelas. Dessa
maneira, a melodia principal seria a voz mais grave a segunda voz; por sua vez, desenvolve
um registro agudo com voz de cabea ou falsete. Nos momentos de grande animao so
emitidos sonoros gritos, os sapuca, cuja demonstrao de euforia e satisfao (CERRUTI,
1964, p.139).
Interessante a observao de Dario Gmez Serrato (apud HIGA, 2010, p.139) que
atribui aos gritos vrios significados, sendo a forma da entoao o principal elemento para
entender o significado de cada grito ou os diferentes estados de nimo do paraguaio. Os
gritos, segundo Serrato, podem ser provocativos, invocativos, no sentido de chamar a si
mesmos ou pedindo a presena de espritos para amedrontar os colegas com assombraes.
Tambm podem ocorrer para demonstrar a satisfao em finalizar uma atividade.
Quanto ao tom provocativo do grito, o autor afirma que: ya es la rubrica del desafio
sin palabras ofensivas al rival, en el baile pueblerino entre ruedas de mujeres y entre zancadas
sigzagueantes y al trmino de las elecciones em las que gan el candidato de su predileccin
(SERRATO, s/d, apud HIGA, 2010, p. 139)
Segundo Serrato (s/d apud HIGA, 2010, p.139), o grito piiipu, tpico do ambiente
rural, reconhecido pelos camponeses por intermdio da inflexo da voz, da extenso, da
entoao. So tais caractersticas que definiro o estado de nimo do emissor.
O purahei kelee so canes antigas, cujos temas so patriticos e de exaltao de
feitos hericos. As composies de Carlos Miguel Jimnez e Toledo ez designado Bajo
el manto del ceibo um exemplo de purahei kelee. Esta cano foi dedicada ao Presidente
Federco Chvez. Entretanto, aps a queda de seu governo, as gravaes posteriores omitiram
as referncias ao homenageado. A cano Mariscal Estigarribia uma polca dedicada ao
marechal (OCAMPO, 1980, p. 38).
Sero destacadas a seguir as caractersticas relacionadas ao trs gneros estudados por
Higa:a guarnia, o chamam e a polca. A guarnia, quanto ao andamento, geralmente mais
lenta que a polca, e o chamam, por sua vez, tem o andamento mais moderado que a polca.
Gimenez (apud HIGA, 2010) afirma que a msica distribuda em duas partes, parte
A e parte B. Na parte A, possvel encontrar melodias construdas em modo menor e, na
segunda, a parte B, em modo maior. Segundo Higa (2010, p. 190), no total de 30 msicas por
43
ele analisadas foi encontrada uma porcentagem de 37% de guarnias, cuja melodia se
apresenta em modo menor na parte A e parte B no modo maior. A porcentagem de 12,5%
com a parte A em modo menor e incio da parte B com relativo menor. As melodias dos
chamams analisados apresentaram a construo meldica 50% no modo maior e 50% no
modo menor.
Quanto aos encadeamentos harmnicos, as polcas paraguaias utilizam as dominantes
secundrias; seria a dominante da dominante, ou seja, se a primeira nota for d, o seu quinto
grau ser sol e o quinto grau de sol ser r. Os chamams apresentam-se com a porcentagem
de 75% de dominantes secundrias. As guarnias apresentam encadeamentos harmnicos do
II grau menor, V e I e dominantes secundrias.
O prximo captulo descreve a maneira como se deu a pesquisa de campo, a coleta de
dados, o estabelecimento do corpus para anlise, a descrio dos sujeitos e a metodologia
usada para sua interpretao.
44
3.0 A PESQUISA DE CAMPO
As pesquisas de campo ocorreram nos meses de julho de 2008, de julho a dezembro de
2009 e setembro de 2010, nas cidades brasileiras de So Paulo, SP, e Dourados, MS, bem
como na cidade paraguaia de Pedro Juan Caballero. Vrias gravaes foram realizadas, tanto
de programas de rdio como de conversas espontneas, at que fosse selecionado e definido o
objeto de estudo.
A coleta de dados privilegiou produes de fala espontnea. Foram feitas gravaes de
falas espontneas de paraguaios, que moravam em Dourados, Mato Grosso do Sul. O objetivo
foi observar o alcance das caractersticas da entoao em relao ao canto e s variaes
lingusticas.
At que o corpus fosse definido, o projeto passou por vrios estgios: inicialmente, a
inteno era investigar a sociedade indgena guarani e os paraguaios. O tema da pesquisa
tratava das relaes entre entoao frasal e melodia do ponto de vista das tradies tnicas de
guaranis e de paraguaios. Nessa etapa, a tnica foi a coleta de dados de msica e de fala em
lngua guarani indgena e em lngua guarani paraguaia.
Os materiais de msica indgena foram cedidos pela etnomusicloga Kilza Setti. As
msicas foram coletadas por ela na ocasio em que realizou pesquisa de campo com o grupo
guarani Mby. Aps a seleo de 20 melodias do acervo de Kilza Setti, constatou-se que no
seria possvel isolar o som dos instrumentos e da voz uma vez que a frequncia de
instrumentos, a exemplo do violo e da rav possuem a mesma faixa de frequncia da voz. A
interferncia desses instrumentos prejudicou os resultados das anlises. Dessa maneira, o
material foi descartado, sendo necessrio buscar outras possibilidades para adquirir os dados
de fala e da msica do guarani indgena.
A pesquisadora deslocou-se ento para Dourados, MS, a fim de investigar o guarani
indgena Kaiow. Entretanto, as dificuldades inerentes a um trabalho de campo pareciam
intransponveis, provocando atrasos na realizao da coleta de dados. Por motivos variados, a
realizao das gravaes no ms de junho no foi possvel. As chuvas contnuas no ms de
julho e agosto de 2009 impossibilitaram a entrada de veculos na aldeia Bororo, a situao
delicada do problema de demarcao de terras indgenas no estado (MS), a burocracia e a
45
morosidade para se obter uma autorizao da FUNAI para adentrar na rea seriam, pois, as
dificuldades enfrentadas no transcurso do trabalho de campo.
Posteriormente, aps um ms de espera, foi possvel realizar as gravaes com os
indgenas Kaiow de Dourados, MS. A conversa estabelecida com eles fluiu de uma forma
muito natural, embora fossem seguidas as orientaes do professor Doutor Waldemar Ferreira
Netto no que concerne ao formato do discurso deles, que diferente do dilogo de brasileiros
e paraguaios. Os indgenas no tm hbito de assaltar turnos7, evitando os imperativos e a
abordagem direta. Em especial, notou-se como diferente construir um dilogo com um
indgena guarani.
Foi evitado o Mbaeichapa pa nde rera? (Qual o seu nome?), frase bastante comum
para desenvolver uma conversa entre paraguaios. Nesse contato, foram percebidas as
diferenas sutis entre o guarani paraguaio e o guarani indgena. Houve dilogos com
indgenas cuja sociedade de tradio oral. Entretanto, os dados coletados desses povos
foram insuficientes e, desse modo, descartaram-se as anlises da fala e da msica guarani
indgena, havendo um recorte do corpus, que se concentrou nas relaes entre entoao na
fala da lngua guarani e a melodia de msicas populares paraguaias cantadas em guarani. Essa
experincia demonstrou que o universo indgena tem o seu prprio tempo, outro passo, alheio
aos cronogramas, aos planejamentos institudos pelas sociedades no indgenas.
3.1 A pesquisa de campo em So Paulo - SP
Nessa segunda etapa, a cidade de So Paulo no seria contemplada conforme o
cronograma constante do projeto; a mesma acabou por ser includa, pois a pesquisadora
estava incumbida de encontrar paraguaios falantes do guarani para uma pesquisa do
departamento de Lingustica da USP, com a finalidade de realizar gravaes com esses
mesmos falantes. Encontr-los foi uma tarefa um tanto rdua, uma vez que desconhecia o
local em que fixavam residncia. Aps vrias pesquisas e tentativas de realizar gravaes,
dois paraguaios que trabalhavam no Consulado Paraguaio em SP dispuseram-se a realizar as
gravaes. Entretanto, a indisponibilidade de horrio dos falantes impediu que a pesquisa
fosse realizada.
7 O tema da dissertao de Baz (2006) Anlise de marcadores conversacionais em guarani jopar poder contribuir para o conhecimento de aspectos do discurso em guarani do Paraguai.
46
A insistncia em encontrar falantes paraguaios em SP levou a pesquisadora ao
encontro com um falante paraguaio radicado em So Paulo, h mais de vinte anos, empresrio
de cantores paraguaios. Esse encontro foi de fundamental importncia para a pesquisa, pois
ele foi responsvel pela indicao dos demais informantes nessa cidade.
Uma das facilidades em conseguir as narrativas pessoais de fala guarani paraguaia
deve-se ao fato de a pesquisadora iniciar a conversa em sua lngua materna, o guarani
paraguaio. Isto possibilitou que a conversa flusse de forma espontnea. Foram realizadas trs
gravaes de fala espontnea com trs participantes masculinos. A realizao das gravaes
no foi fcil, pois, no local8 em que ocorreram se realizava um evento com muito barulho.
As gravaes do canto tambm foram realizadas pelos mesmos falantes. Nesse
quesito, entretanto, foi percebido como seria difcil registr-los, pois as desculpas para no
cantar eram muitas, dentre elas: a de no ser cantor, no se lembrar de letras de msica e
mesmo a de no gostar de cantar. O rudo sonoro tambm foi um das dificuldades em realizar
uma gravao de qualidade para a pesquisa. Mais tentativas de encontros ocorreram com
esses falantes; entretanto, os horrios de trabalho desse grupo praticamente inviabilizavam a
possibilidade de gravar a sua fala e a msica paraguaia. Foram aproveitadas as gravaes de
canto e de fala de um entrevistado.
3.2 A pesquisa de campo em Dourados - MS
A proximidade com os familiares de Dourados, MS, permitiu pesquisadora uma
aproximao mais intensa com os moradores dessa cidade. Nessa etapa da pesquisa,
privilegiou-se a coleta de dados de msica, especialmente o canto masculino. Foram gravados
os cantos de profissionais e amadores da cidade de Dourados, MS, no ms de julho de 2008.
Essas gravaes ocorreram em duas reunies realizadas em casas de paraguaios e de
familiares moradores do local.
Os cantores sabiam previamente que se tratava de uma pesquisa para coletar msicas
paraguaias. Num ambiente descontrado, as msicas eram cantadas por todos os participantes.
Os instrumentos paraguaios como harpa paraguaia e violo eram executados alegremente
pelos msicos. Entretanto, a dificuldade enfrentada pela pesquisadora foi realizar as gravaes
de canto capela, ou seja, sem acompanhamento de nenhum instrumento, condio
8 Clube Anhanguera situado no bairro do Bom Retiro,So Paulo, SP.
47
imprescindvel para a pesquisa. Desse modo, a gravao de canto sem a interferncia dos
instrumentos no ocorreu nesse momento. Por outro lado, o contato foi importante para
viabilizar outros encontros.
Em um segundo encontro no ms de junho de 2009, foi possvel realizar as gravaes
seguindo as necessidades desta pesquisa, e foram gravados oito cantores que cantaram trs
msicas cada um, totalizando 24 cantos masculinos. Trs falas espontneas tambm foram
gravadas.
3.3 A pesquisa de campo em Pedro Juan Caballero - Paraguai
Em meados de Agosto de 2009, a pesquisadora fixou residncia em Pedro Juan
Caballero e finalizou a coleta de dados de fala.
Mais uma vez a proximidade com seus familiares, desta vez os familiares do Paraguai,
permitiu pesquisadora uma aproximao mais intensa com os moradores da cidade, alm de
possibilitar o contato e a investigao com os parentes dos falantes entrevistados oriundos de
outras cidades desse pas. Assim, foi possvel gravar as falas de informantes de cidades
variadas do Paraguai, possibilitando uma coleta de dados interessante de fala masculina. No
total foram registradas dezoito falas masculinas do guarani paraguaio, com duraes em torno
de trinta minutos para cada.
3.4 A coleta de dados da fala e do canto femininos
Posteriormente, houve o acrscimo de cantos e fala femininos. O objetivo foi de
observar o alcance das caractersticas da entoao em relao ao canto e s variaes
lingusticas de cada categoria: masculino e feminino. Considerou-se que os resultados das
anlises seriam mais eficazes e seguros se analisassem os dois gneros.
As falas foram extradas de programas produzidos pela Rdio Mburucuy, localizada
na cidade de Pedro Juan Caballero, Paraguai. A programao da rdio voltada para a
populao da zona rural e de pequenos centros urbanos cujos habitantes so, na sua grande
maioria, monolngues no guarani paraguaio. Foram coletadas, por ocasio da pesquisa de
campo de dissertao de mestrado da pesquisadora, em 2006, aproximadamente dez horas de
gravao desses programas.
48
Quanto ao canto, foram registrados pela pesquisadora quinze cantos de msica
guarani. As msicas foram selecionadas segundo o repertrio musical da falante.
3.5 Descrio dos sujeitos:
3.5.1 Falantes do gnero masculino
Falante 1- morador de Pedro Juan Caballero, Paraguai, com 30 anos, motorista, falante de
guarani jopar (ou paraguaio).
Falante 2 - morador da cidade de Dourados, MS, Brasil, com 25 anos, pedreiro, falante de
guarani jopar (ou paraguaio).
Falante 3 - morador da cidade de Pedro Juan Caballero, Paraguai, com 40 anos,
recepcionista, falante de guarani jopar (ou paraguaio).
Falante 4 - morador de So Paulo, com aproximadamente de 30 anos, costureiro, falante de
guarani jopar (ou paraguaio).
Falante5 - morador da cidade de Pirabebuy, Paraguai, com aproximadamente de 30 anos,
cantor e costureiro, falante de guarani jopar.
3.5.1.1 Falantes do gnero feminino
Falante 6 - moradora da cidade de Pedro Juan Caballero, Paraguai, com 50 anos, dona de
casa, falante de guarani jopar.
Falante 7 - moradora da cidade moradora da cidade de Dourados, MS, 78 anos, dona de casa,
falante de guarani jopar (ou paraguaio)
Falante 8 - moradora da cidade de Pedro Juan Caballero, Paraguai, com 58 anos, dona de
casa, falante de guarani jopar.
Falante 9 - moradora da cidade de Pedro Juan Caballero, Paraguai, com 54 anos, dona de
casa, falante de guarani jopar.
Falante 10 - moradora da cidade de Pedro Juan Caballero, Paraguai, com idade de 60 anos,
dona de casa, falante de guarani jopar.
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3.5.1.2 Canto do gnero masculino e feminino
Cantor 1 Morador de So Paulo, com 30 anos, costureiro e cantor. o mesmo sujeito da
fala 5.
Cantor 2 Morador de Dourados, MS, com 60 anos, mestre de obras.
Cantor 3- Morador de Dourados, MS, com 37 anos, mestre de obras.
Cantor 4 - Morador de Dourados, MS, com 25 anos, pedreiro. o mesmo sujeito da fala 2.
Cantor 5 - Morador de Dourados, MS, com 30 anos, vendedor de sopa paraguaia e chipa.
Todos os cantos femininos foram cantados pela pesquisadora: cantos de 6 a 10.
3.5.1.3 Metodologia
As primeiras gravaes de fala e canto masculinos realizaram-se com um computador,
laptop e microfone unidirecional. No segundo momento, as polcas9 foram registradas com
gravador digital, cujos microfones so headset unidirecionais, com pelo menos dois canais.
Foi utilizada memria flash e, posteriormente, as msicas foram transferidas para o
computador.
Quanto s particularidades de como se efetuaram as gravaes, alguns comentrios
sero importantes para co