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 ANÁLISE DE OBRAS LITERÁRIAS VIAGENS NA MINHA TERRA ALMEIDA GARRET Rua General Celso de Mello Rezende, 301 – Tel.: (16) 3238·6300 CEP 14095-270 – Lagoinha – Ribeirão Preto-SP www.sistemacoc.com.br

Viagens Na Minha Terra

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Muito bom, Resumo Da Obra Literária Viagens na Minha Terra

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  • ANLISE DE OBRAS LITERRIASVIAGENS NA MINHA TERRA

    ALMEIDA GARRET

    Rua General Celso de Mello Rezende, 301 Tel.: (16) 32386300CEP 14095-270 Lagoinha Ribeiro Preto-SP

    www.sistemacoc.com.br

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    SUMRIO

    1. CONTEXTO SOCIAL E HISTRICO .............................................................7

    2. ESTILO LITERRIO DA POCA ......................................................................9

    3. O AUTOR ..........................................................................................................................11

    4. A OBRA .......................................................................................................................................20

    5. EXERCCIOS ....................................................................................................................30

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    1. CONTEXTO SOCIAL E HISTRICO

    O sculo XIX, em Portugal, teve um incio conturbado.

    Em 1807, os exrcitos napolenicos invadiram Portugal, que se negara a participar do Bloqueio Continental, e assim o imperador da Frana tentava estrangular a economia da Inglaterra, sua rival. A Corte portuguesa abandonou apressadamente Lisboa, vindo a instalar-se no Rio de Janeiro, onde, em 1816, D. Joo VI proclamou-se rei do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.

    Em 1821, depois da derrota de Napoleo em Waterloo (1815) e atendendo a reclamos do povo portugus, a Corte portuguesa voltou a suas origens, fican-do D. Pedro I do Brasil, mais tarde IV de Portugal, como imperador do recm- -fundado imprio.

    A ausncia prolongada do governo havia gerado vcuos de poder e in-satisfaes populares, principalmente na cidade do Porto, onde vicejava uma burguesia mercantil prspera e socialmente importante. Essa burguesia entrou em decadncia com a independncia econmica do Brasil a partir da chegada de D. Joo e grande parte de sua Corte ao Rio de Janeiro.

    A maioria da populao portuguesa, nessa poca, era formada por cam-poneses de muito baixo poder de compra. Havia camadas populares, como a pequena burguesia e os artesos, que praticamente tambm estavam fora do mercado por causa de seu baixo poder aquisitivo. O estado de revolta era generalizado. A alta burguesia opunha-se ao absolutismo instaurado por D. Miguel e as camadas pobres, descontentes, no tinham orientao poltica definida.

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    Nesse nterim, as reformas pombalinas, com seu Iluminismo tardio, haviam introduzido um pensamento mais voltado para as cincias e as artes. Alm da alfabetizao em massa, salas de leitura tinham sido inauguradas, jornais circu-lavam com mais frequncia; os ventos do liberalismo, que sopravam por toda a Europa, chegavam a Portugal.

    A Revoluo Francesa, de inclinao burguesa, conquistava jovens em todo o Velho Continente. Em 1810, publicaram-se as cartas de Mme. De Stal, sob o titulo de De lAllemagne, que incendiaram a Frana do novo esprito es-ttico. O terreno estava sendo preparado para receber o Romantismo. Mais ou menos concomitante foi a entrada dessas ideias na Inglaterra. Almeida Garrett e Alexandre Herculano, dois jovens combatentes ao lado das foras liberais, que tiveram de temporariamente homiziar-se nesses dois pases, de l trouxeram, na volta ptria, as novidades que tinham visto e aprendido.

    Com a morte de D. Joo VI, pedristas e miguelistas se engalfinharam em disputas polticas, na maioria dos casos com frequentes lutas sangrentas. D. Miguel, irmo de D. Pedro e prncipe regente em Lisboa, convocou as Cortes e anulou a Constituio outorgada por D. Pedro, restabelecendo leis da tradio que lhe davam direito Coroa. Proclamou-se rei e restabeleceu o absolutismo, regime poltico em que o rei exerce todos os poderes.

    Apoiado pela burguesia liberal da cidade do Porto, D. Pedro IV (I do Brasil), em 1832, partiu para a Europa a fim de organizar a resistncia contra seu irmo, acusado de usurpar o trono, que seria por direito de D. Maria II, sua filha. As lutas duraram cerca de dois anos, quando ocorreu a Batalha de Lisboa, com a derrota dos miguelistas infligida pelos liberais. O Romantismo completava quatro anos de existncia em Portugal.

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    2. ESTILO LITERRIO DA POCA

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    Pode-se dizer que o Romantismo o resultado do gosto de uma nova categoria de leitores, os burgueses e pequeno-burgueses, que, no familiari-zados com a cultura clssica (tradio greco-romana revisitada pelos rcades: mitologia, recursos de retrica, rigor formal, internacionalismo, conteno dos impulsos) inclinam-se por uma arte de extrao mais popular, em que as paixes so hiperblicas, a linguagem fica mais prxima da lngua falada, o mundo de seu entorno encontrado, dando-se mais valor s cores locais (nacionalismo) e arte popular, como o folclore. Mas no se pode reduzir o Romantismo a apenas uma de suas facetas. O gosto aristocrtico afetado, mas procura desvios para lugares onde possa sobreviver, como o medievalismo.

    Poetas e filsofos alemes de fins do sculo XVIII, como Gethe, Schiller, Schlegel e Schelling, entre tantos outros, proclamam, com base nos estudos estticos de Kant, por exemplo, uma arte que aspire ao infinito, ao sublime, tendendo para o absoluto, que nada mais poderia ser do que Deus. Da a forte presena da religiosidade em toda a arte romntica. A convico de que no eu/sujeito que est toda a realidade leva o Romantismo a desenvolver um forte esprito individualista. O gnio individual, eis o artista, aquele que recebe do alto as mensagens que conduziro os seres humanos.

    Sturm und Drang, na Alemanha, o movimento ideolgico do qual nascer o esprito romntico. A idealizao de sentimentos, como o amor, de conceitos, como a me-ptria, a nao, a ideia de natureza ora como me ora como madrasta grassa por todo o Romantismo. Agora, preferem-se os ambientes tenebrosos, em lugar do locus amoenus, do Arcadismo. Como uma esttica surgida principalmente do embate entre duas camadas sociais (burguesia em ascenso e aristocracia em descenso), o Romantismo debate-se entre o otimismo entusiasmado com as cores locais e a atrao muito grande pela morte.

    Na Inglaterra, SIR Walter Scott desenvolveu uma linha romanesca que per-correu a Idade Mdia em busca de sua matria. Tal corrente busca uma justificativa para a aristocracia como liderana social, destacando o papel desempenhado pelos heris da Idade Mdia como os pais da nacionalidade.

    Considera-se o ano de 1825 como o ano que marca o incio do Romantis-mo em Portugal, pois foi quando, em Paris, onde viveu alguns anos, Almeida Garret publicou o poema pico Cames, que destaca o esprito aventureiro, indomvel e revolucionrio do bardo portugus. A busca do passado, seu sentido histrico, a idealizao do poeta, seu patriotismo, seu drama de re-patriado que sofre todas as ingratides dos contemporneos so alguns dos ingredientes que contribuem para a classificao da obra como fundadora do Romantismo portugus. Deve-se observar, entretanto, que, do ponto de vista da forma, tido ainda como um poema pico, o que vale dizer, formalmente clssico. Alis, diferentemente de Alexandre Herculano, que em vrios ensaios teorizou a respeito da nova esttica, Almeida Garret jamais se classificou como romntico. Por ser um precursor, que s aos poucos assimilava o modo novo de fazer literatura, boa parte da obra de Almeida Garret apresenta traos do neoclassicismo.

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    3. O AUTOR

    Findava o sculo XVIII quando, em 1799, nasceu Joo Baptista da Silva Leito de Almeida, na cidade do Porto. Mais tarde, adotaria como nome lite-rrio a alcunha Garrett, tomada de sua av paterna, de origem irlandesa, por inculcar um estrangeirismo aristocrtico. Passou ento para a histria como Almeida Garrett.

    Filho de Antnio Bernardo da Silva, aoriano de largas posses, que cedo se transferiu para o Porto, Almeida Garret, desde a infncia, pde dedicar-se aos estudos e a leituras em geral.

    Em 1808, com a ameaa de ocupao do Porto pelos franceses, a famlia mudou-se para Lisboa e pouco depois para os Aores. Na ilha, conviveu por al-gum tempo com as criadas Brgida e Rosa de Lima, que despertaram no garoto o gosto pelo folclore (contos populares, modinhas) bem como o interesse pelo esprito popular, mais tarde determinantes em sua obra.

    A partir de 1811, sua educao ficou a cargo de D. Frei Alexandre, seu tio, que lhe deu tima formao verncula e encaminhou-o para a vida eclesistica, para a qual o sobrinho no demonstrava a menor vocao. Nes-sa poca, Garrett j produzia odes anacrenticas e, sob a influncia do tio, escreveu um sermo, muito elogiado pelos adultos, mas que no revelava a vocao do menino.

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    Portugal libertou-se da ocupao francesa, mas com o vcuo deixado pela fuga da famlia real para o Brasil, o pas tornou-se uma espcie de possesso inglesa. A situao poltica era catica, a economia encontrava-se decadente, assim o descontentamento generalizava-se.

    Foi nesse clima de caos poltico, dominao estrangeira e estagnao econmica que, aos dezessete anos, Garrett, de Lisboa, onde ento residia, partiu para Coimbra, onde iria cursar Direito. No ambiente universitrio, deixou-se empolgar pelas ideias liberais que jamais iria abandonar e que definiriam sua atividade poltica.

    O jovem estudante, ento, publicava poemas e peas teatrais sem descanso. Por ocasio da morte de Filinto Elsio, smbolo do Classicismo portugus, Gar-rett fez-lhe o elogio pstumo. O teatro e a poesia continuavam a dominar seus objetivos literrios, mas ainda sob a influncia do Classicismo.

    Com a Revoluo de Cdiz, em 1820, o jovem estudante, cursando o quinto ano de Direito, encheu-se de esperana no renascimento da ptria, no s na poltica, mas tambm e principalmente no campo da cultura. A revoluo de 1820, que institura o direito ao voto dos estudantes, passou a contar com a defesa fervorosa de Garrett. Ele abraou definitivamente a causa liberal e lutou em defesa do corpo discente contra as perseguies de professores absolutistas e pelas eleies democrticas recentemente institudas.

    Neste mesmo ano publicou o poema Retrato de Vnus, que, por ter sido considerado licencioso em demasia, levou o poeta ao tribunal, onde ele se de-fendeu brilhantemente. Em 1821, encenou em Lisboa sua tragdia Cato, cheia de aluses ao momento revolucionrio portugus.

    Um ano depois de casado com Lusa Midosi, sobreveio a reao absolutista chefiada por D. Miguel. Perseguidos os liberais, Garrett fugiu para a Inglaterra. L acontecem seus primeiros contatos com o Romantismo. Segundo ele mesmo, compreendeu Shakespeare finalmente, apaixonou-se por Byron e Walter Scott, descobriu as velhas baladas e encantou-se pela paisagem com seus castelos em runas. Partiu ento para a Frana, onde foi ser correspondente duma filial da Casa Laffitte. Durante sua estada na Frana publicou o poema pico Cames, que viria a ser considerado o marco inicial do Romantismo em sua ptria e, no ano seguinte, Dona Branca, seguindo a mesma linha.

    Restaurado o poder liberal, em 1826, Garrett retornou a Portugal, dedican-do-se inicialmente ao jornalismo poltico, mas dois anos mais tarde D. Miguel reassumiu o poder, e Garrett viu-se forado a novo exlio na Inglaterra.

    Em 1832, sob o comando de D. Pedro IV (I do Brasil), organizou-se a expe-dio militar integrada por Garrett e Alexandre Herculano, desde ento grandes amigos, que depois de muitas peripcias desembarcou na praia de Midelo, perto do Porto. Nesse perodo, o autor fez parte da comisso que elaboraria importantes diplomas legais, como os cdigos comercial e criminal, e realizou vrias misses na Inglaterra e na Frana.

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    Em 1833, travaram-se as ltimas lutas entre absolutistas e liberais com a vitria destes ltimos e a tomada definitiva de Lisboa. Garrett retornou mais uma vez ptria, porm estava pobre e desempregado. No ms seguinte, contudo, foi nomeado integrante de uma comisso encarregada da reforma do ensino em Portugal.

    Depois de ter produzido uma vasta obra, Garrett foi guindado a cargos pblicos da maior relevncia, como ministro dos Negcios Estrangeiros, e recebeu o ttulo de Visconde e Par do Reino. Fez-se eleger deputado, por Braga, s Cortes Gerais extraordinrias e constituintes. Exerceu grande atividade parlamentar em defesa do esprito da Revoluo Liberal. A revitalizao do teatro portugus deve a ele as principais realizaes (casas de espetculo, organizao de repertrio, contratao de professores, produo de suas prprias peas).

    Desde sua passagem pela Blgica, Garrett viveu como solteiro, uma vez que l se separara de Lusa Midosi. Foram vrios os amores que, ento, o nutri-ram sendo o principal o da Viscondessa da Luz, inspiradora dos poemas lrico- -amorosos de Folhas cadas.

    Nunca abandonou as diversas funes pblicas, ministrios, parlamento, que desenvolvia sem prejuzo de sua intensa produo literria. Foi um dos maiores nomes da literatura portuguesa, abrindo caminhos, sugerindo rumos, criando e animando o ambiente cultural de sua terra.

    Aos 55 anos de idade, em 1854, Almeida Garrett deixou uma cadeira vazia no cenrio das letras portuguesas, a qual, por muito tempo, continuaria ocupada pela sombra de um dos primeiros nomes da vida poltica e cultural do pas.

    OBRAS

    Poesia1815 Afonseida ou Fundao do Imprio Lusitano1822 O retrato de Vnus1825 Cames1825 Dona Branca1826 Volume I de Parnaso lusitano1827 4 volumes restantes de Parnaso lusitano1829 Lrica de Joo Mnimo1843 Tomo I de Romanceiro1845 Flores sem fruto1851 Tomos II e III de Romanceiro1853 Folhas cadas

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    Teatro1818 Xerxes1818 Lucrcia1820 Mrope1821 Cato1838 Um Auto de Gil Vicente1840 Filipa de Vilhena1841 Alfageme de Santarm1843 Frei Lus de Sousa1847 A sobrinha do marqus

    JornalismoObs.: tendo sido um militante permanente do jornalismo e fundador de

    vrios peridicos, sua produo jornalstica muito extensa. Alguns ttulos, porm, pela importncia que tiveram, merecem destaque.

    1826 Europa e Amrica1830 Portugal na balana da Europa

    Romance1828 Adozinda1828 Bernal francs1845 O Arco de SantAna1846 Viagens na minha terra (Por ser texto de mltipla classificao, pre-

    ferimos cit-lo entre os romances)1854 Helena (inacabado)Fragmentos do livro comearam a ser publicados em 1843 em revista.

    Educao1829 Da Educao

    Epistolar1838 Cartas apologticas1838 Cartas histricas

    CARACTERSTICAS DO ESTILO GARRETTIANO

    Foi Almeida Garrett, sem dvida, o introdutor do esprito romntico, em seu sentido literrio e artstico, em Portugal. A publicao, em 1825, do poema pico Cames, j traz em suas pginas o amor pela ptria, o gosto do passado, a

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    exaltao da personagem heroica, geralmente idealizada, os ambientes fnebres, a inadaptao social, o subjetivismo, o culto da saudade, o sabor agridoce do exlio, a melancolia, a solido, mas mantm alguns aspectos de sua for-mao clssica, como os decasslabos brancos, o vocabulrio, as figuras de sabor antigo.

    No prefcio de seu poema inaugural, consciente de seu fazer potico, as-sim se expressa Garrett: A ndole deste poema absolutamente nova: e assim no tive exemplar a que me arrimasse, nem norte que seguisse por mares nunca dantes navegados.

    INFLUNCIAS

    Nas inmeras viagens que empreendeu, quase sempre involuntariamente, Garrett, um esprito aberto ao novo e atento s transformaes sociopolticas e culturais, bebeu na fonte autores como Lord Byron, Sir Walter Scott, familia-rizou-se com Shakespeare, que, mesmo sendo a rigor um barroco, influenciou o Romantismo de todas as naes, graas sua ndole libertria, avessa obedincia a regras.

    Alm desses contatos diretos com autores de textos literrios, Garrett embrenhou-se na leitura de poetas e filsofos alemes, como Gethe, Schiller, Schelling e Frederico Schlegel, que participaram do movimento conhecido como Sturm und Drang (tempestade e violncia), cujo pensamento pesou fortemente em sua formao romntica.

    Por outro lado, j trazia da infncia, gravados no fundo da memria, con-tos populares e modinhas do folclore portugus que lhe foram transmitidos por duas criadas do tempo em que viveu nos Aores.

    Exemplo dessa influncia evidente no poema Barca bela:

    Barca bela

    Pescador da barca bela,Onde vais pescar com ela,Que to bela, pescador?

    No vs que a ltima estrelaNo cu nublado se vela?Colhe a vela, pescador!

    Deita o lano com cautela,Que a sereia canta bela...Mas cautela, pescador!

    Pescador da barca bela,Inda tempo, foge dela,Foge dela, pescador.

    No s no plano do contedo, com personagem do povo e aproveitamento de lendas populares, mas tambm no plano da expresso, versos redondilhos maiores e esquema de rimas AAB, percebe-se nitidamente a influncia do con-vvio com as criadas.

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    POESIA ENGAJADAEntre uma dimenso puramente esttica e o amor pela ptria, Garret sempre

    oscilou. Sua matria tomada invariavelmente do ambiente portugus (Cames, Viagens na minha terra, Frei Lus de Sousa), que como ningum ele amou e venerou, mas seu estro e sua pena estiveram sempre ao lado das causas liberais, em defesa da democracia e do progresso de Portugal.

    conhecido o fato de que detestava a poesia lrico-amorosa de Bocage, morto em 1805 e um dos precursores do Romantismo em sua fase final. O lirismo de Bocage, para Garrett, no mantinha compromisso com a nao e era alienado de qualquer pensamento poltico.

    SENTIMENTALISMOEm que pese sua tendncia ao engajamento nas questes polticas e patri-

    ticas, o autor desenvolveu, sobretudo a partir de 1845 (publicao de Flores sem fruto) at seus ltimos dias, uma linha sentimental de poesia, em que o lirismo amoroso o eixo principal, como se pode observar no poema.

    Este inferno de amar

    Este inferno de amar como eu amo!Quem mo ps aqui nalma... quem foi?Esta chama que alenta e consome,Que a vida e que a vida destri Como que se veio a atear,Quando ai quando se h de ela apagar?

    Eu no sei, no me lembra: o passado,A outra vida que dantes viviEra um sonho talvez... foi um sonho Em que paz to serena a dormi!Oh! Que doce era aquele sonhar...Quem me veio, ai de mim! despertar?

    S me lembra que um dia formosoEu passei... dava o Sol tanta luz!E os meus olhos, que vagos giravam,Em seus olhos ardentes os pus.Que fez ela? Eu que fiz? No no sei;Mas nessa hora a viver comecei.

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    O amor, como em quase todo o Romantismo, uma fora capaz de sub-jugar o amante, podendo salv-lo ou dizim-lo, mas, de qualquer forma, um sentimento inelutvel. A presena das inmeras antteses (inferno x amar, chama que alenta x consome, vida x morte, atear x apagar, sonho x despertar) refora esta ideia da dualidade do amor. O amor pode ser sofrimento, mas nem assim o ser humano deixa de busc-lo incessantemente.

    Por fim e apenas para usar um exemplo de prosa, com sentimentalismo que o narrador conta a histria da Joaninha dos Rouxinis, que se pode encontrar em Viagens na minha terra.

    DIGRESSES

    Um autor como Garrett, com vida poltica e social extremamente ativa, a par do exerccio intelectual de liderana, dificilmente deixaria de opinar, em muitas digresses, geralmente com sentido crtico, sobre a vida em Portugal.

    Eis um exemplo:

    E falam no Evangelho! Deve ser por escrnio. Se o leem, ho de ver l que nem a esquerda deve saber o que faz a direita...

    Vamos descrio da estalagem; e acabemos com tanta digresso.

    HUMOR

    Homem do grande mundo, habituado aos sales, onde a principal vir-tude o esprito, o autor, alm de sua presena poltica influente, podendo-se dizer mesmo dominante, desenvolveu uma maneira de ser cativante, tanto pelos pensamentos agudos e penetrantes como por sua elegncia e seu comportamento refinado. Por tudo isso, caracterizado como um homem sedutor no trato com as mulheres e delicado de sentimentos no trato de todas as pessoas.

    Seria, para um homem assim, quase impossvel no eivar sua obra de tiradas de fino humor, principalmente em sua obra prosaica. o que se pode exemplificar com o primeiro pargrafo de Viagens na minha terra:

    Que viaje roda do seu quarto quem est beira dos Alpes, de inverno, em Turim, que quase to frio como S. Petersburgo entende-se. Mas com este clima, com este ar que Deus nos deu, onde a laranjeira cresce na horta, e o mato de murta, o prprio Xavier de Maistre, que aqui escrevesse, ao menos ia at o quintal.

    O autor faz aluso ao opsculo de Xavier de Maistre, Voyage autour de ma chambre (Viagem ao redor do meu quarto), com indiscutvel propsito de fazer humor.

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    IRONIA

    Como humor e ironia andam quase sempre de braos dados, muitas vezes, para no dizer quase sempre, a ironia tem tambm uma finalidade humorstica. Difcil a pgina deste homem culto, inteligente e elegante em que no comparea essa figura, que expressa um modo mais leve de encarar as realidades do Velho Mundo.

    Eis um exemplo tirado ainda de Viagens na minha terra:

    Numa regata de vapores o nosso barco no ganhava decerto o prmio. (...)O senso comum vir para o milnio: reinado dos filhos de Deus! Est prometido

    nas divinas promessas... como El-rei de Prssia prometeu uma constituio; e no faltou ainda, porque, porque o contrato no tem dia; prometeu, mas no disse quando.

    METALINGUAGEM

    Define-se a metalinguagem como a linguagem que fala dela mesma ou de alguma outra linguagem, ou seja, linguagem que tem como objeto uma lin-guagem. No caso de Garrett, pode-se encontrar com frequncia trechos em que ele comenta seu livro Viagens na minha terra, de onde se tirou o exemplo abaixo:

    Primeiro que tudo, a minha obra um smbolo... um mito, palavra grega, e de moda germnica, que se mete hoje em tudo e com que se explica tudo. Quanto se no sabe explicar.

    (...)Santo Deus! Que bruxa que est porta! Que antro l dentro!... Cai-me a pena

    da mo.

    INTERLOCUO

    O narrador se dirige diretamente ao leitor, com quem quer estabelecer uma espcie de cumplicidade, recurso estilstico, na poca, ainda muito pouco usado. Da mesma obra, leia-se o exemplo a seguir:

    Estas minhas interessantes viagens ho de ser uma obra-prima, erudita, brilhante, de pensamentos novos, uma coisa digna do sculo. (metalinguagem) Preciso de dizer ao leitor, para que ele esteja prevenido; no cuide que so quaisquer dessas rabiscaduras da moda que, com o ttulo de Impresses de viagem, ou outro que tal, fatigam as imprensas de Europa sem nenhum proveito da cincia e do adiantamento da espcie.

    (...)Vou desapontar decerto o leitor benvolo: vou perder, pela minha fatal sinceridade,

    quanto em seu conceito tinha adquirido nos dois primeiros captulos desta interessante viagem.

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    FLUNCIA

    Garrett abandona, em sua obra em prosa, o tom grandloquo, as construes de gosto passadista e introduz o novo modo de escrever, elaborado em estilo de conversa, isto , uma aproximao ao tom coloquial. At nisso o autor desenvol-veu seu carter sedutor. Sua frase gil, sem tropeos, tornando-se agradvel a leitura de seu texto. Acrescenta-se ainda o fato de empregar com muita frequncia o perodo tenso, que segura o interesse do leitor at o fim.

    Observem-se alguns exemplos:

    Era uma ideia vaga; mais desejo que teno, que tu tinhas h muito de ir conhecer as ricas vrzeas desse Ribatejo...

    (...) Em vez do calo amarelo e da jaqueta de ramagem que caracterizam o homem do

    forcado, estes vestiam o amplo saiote grego dos varinos, e o tabardo arrequifado siciliano de pano de varas.

    (...)Ora nesta minha viagem Tejo arriba est simbolizada a marcha do nosso progresso social.

    Eis a o autor com suas caractersticas. Conhecer sua obra um prazer refinado, assim como ele foi em tudo que escreveu e viveu.

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    4. A OBRA

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    Viagens na minha terra considerada a obra de Almeida Garrett em que o autor torna a linguagem literria mais doce e malevel, aproximando-se do discurso informal e domstico, explorando a oralidade, o estilo de conversa, mas no a ponto de prejudicar seu teor de literariedade.

    As caractersticas que melhor se podem observar nessa obra, tanto no plano do contedo quanto no plano da expresso, esto relatadas a seguir:

    CLASSIFICAO QUANTO AO GNERO

    Grande parte do livro expressa no gnero crnica. Em uma viagem que comea de vapor em Lisboa, sobe pelo Tejo para chegar at Vila Nova da Rai-nha, onde desembarca, seguindo em lombo de mula at a Azambuja, Cartaxo para finalmente chegar a Santarm, o narrador faz incurses pelas paisagens, barafusta-se por fatos e personalidades da histria portuguesa, tece reflexes sobre poltica, costumes e sobre a prpria literatura.

    Bela e vasta plancie! Desafogada dos raios do sol, como ela se desenha a no hori-zonte to suavemente! Que delicioso aroma selvagem que exalam estas plantas, acres e tenazes de vida, que a cobrem, e que resistem verdes e viosas a um sol portugus de julho!

    A doura que mete na alma a vista refrigerante de uma jovem seara do Ribatejo nos primeiros dias de abril, ondulando lascivamente com a brisa temperada da primavera, a amenidade buclica de um campo minhoto, hora da rega, por meados de agosto, a ver-se-lhe pular os caules com a gua que lhe anda pelo p, e roda as carvalheiras clas-sicamente desposadas com a vide coberta de racimos pretos so ambos esses quadros de uma poesia to graciosa e cheia de mimo, que nunca a dei por bem traduzida nos melhores versos de Tecrito ou de Virglio, nas melhores prosas de Gessner ou de Rodrigues Lobo.

    Observe-se, no trecho anterior, que a paisagem corresponde ao estado de nimo do peregrino que sai em viagem de passeio, com a romntica predisposi-o de se deparar com um cenrio natural que seja harmonioso com seu esprito potico.

    Outra caracterstica a ser notada, e isso no decorrer de toda a obra, so as diversas citaes, aluses, nominaes de figuras do passado, que demonstram o alto grau de erudio do autor.

    A viagem chega ao Vale de Santarm, onde se inicia o romance de Joana dos olhos verdes, ou Joaninha dos Rouxinis. Durante alguns captulos, apesar das muitas digresses, o eixo da narrativa vai ficar por conta dos amores de Carlos, um jovem constitucionalista, sua prima Joaninha e Georgina.

    ESTILO

    A viagem quase toda ela vazada em estilo de crnica, produzida em primeira pessoa, como deve ser, e opinativa, em que narrador e autor se confundem.

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    Eu darei sempre o primeiro lugar modstia entre todas as belas qualidades. Ainda sobre a inocncia? Ainda, sim. A inocncia basta uma falta para a perder; da modstia s culpas graves, s crimes verdadeiros podem privar. Um acidente, um acaso podem destruir aquela, a esta s uma ao prpria, determinada e voluntria.

    de se notar que o foco narrativo em primeira pessoa, opinando (neste caso) sobre uma questo de valor, isto , o tom de uma crnica reflexiva. Alm disso, no deve passar despercebida a linguagem empregada, com o narrador perguntando a si mesmo e ele mesmo respondendo, como em uma conversao.

    INTERLOCUO

    A todo momento, o narrador interage com o leitor, recurso em que se busca a cumplicidade deste ltimo.

    Por certo, leitor amigo, no franciscano velho que vai de noite roubar os ossos do santo ao seu tmulo, e os vem esconder na clausura das freiras, por certo, digo, reconheceu j a tua natural perspiccia ao nosso Frei Dinis, o frade por excelncia frade por teima e acinte.

    Tanto neste como no prximo item, percebe-se a influncia de Sterne, fonte em que tambm Machado de Assis foi matar a sede, passando, bem verdade, muitas vezes diretamente por Garrett. Observe-se, no comentrio seguinte, a confisso da influncia.

    Onde a crnica se cala e a tradio no fala, antes quero uma pgina inteira de pontinhos, ou toda branca, ou toda preta, como na venervel histria do nosso particular e respeitvel amigo Tristram Shandy, do que uma s linha da inveno do croniqueiro.

    *Tristram Shandy a mais conhecida obra de Laurence Sterne (1713-1768).

    METALINGUAGEM

    A linguagem que se refere a alguma outra linguagem ou a ela mesma denomina-se metalinguagem, recurso bastante empregado por autores influen-ciados por Sterne, como Machado e Garrett.

    Estas minhas interessantes viagens ho de ser uma obra-prima, erudita, brilhante, de pensamentos novos, uma coisa digna do sculo. Preciso de o dizer ao leitor, para que ele esteja prevenido; no cuide que so quaisquer dessas rabiscaduras da moda que, com o ttulo de Impresses de viagem, ou outro que tal, fatigam as imprensas da Europa sem nenhum proveito da cincia e do adiantamento da espcie.

    IRONIA

    quase impossvel uma pgina de Garret em que se no encontre alguma ironia. Tomada ao acaso, observe-se a passagem:

    J se v que em nada disto h a mnima aluso ao feliz sistema que nos rege: estou falando de modstia, e ns vivemos em Portugal.

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    HUMOR

    Ironia e humor so companheiros quase inseparveis, na maioria das vezes. Existem a ironia mal-humorada e o humor que no irnico.

    Ao cho estive eu para me atirar, como criana amuada, quando vi voltar para a Azambuja o nosso cmodo veculo, e diante de mim a enfezada mulinha asneira que ai triste! tinha de ser o meu transporte dali at Santarm.

    PENSAMENTO POLTICO

    Como j se observou na pequena biografia nas pginas anteriores, Almeida Garrett era liberal, constitucionalista e participou do desembarque na praia do Mindelo, seguindo-se o cerco cidade do Porto. Ele lutou contra o absolutismo de D. Miguel, ao lado de D. Pedro IV. Essa sua caracterstica perpassa toda a sua obra. Leiam-se os trechos a seguir, que se encontram no captulo III:

    Andai, ganha-pes, andai; reduzi tudo a cifras, todas as consideraes deste mundo a equaes de interesse corporal, comprai, vendei, agiotai. Que h mais umas poucas de dzias de homens ricos. E eu pergunto aos economistas polticos, aos moralistas, se j calcularam o nmero de indivduos que foroso condenar misria, ao trabalho despro-porcionado, desmoralizao, infmia, ignorncia crapulosa, desgraa invencvel, penria absoluta, para produzir um rico? (...) ... cada homem rico, abastado, custa centos de infelizes, de miserveis.

    Logo a nao mais feliz no a mais rica. Logo o princpio utilitrio a mamona da injustia e da reprovao. Logo...

    IDEALIZAO ROMNTICA

    bastante evidente, principalmente em suas descries, a exaltao sem medida das virtudes e da beleza. Em vrias reflexes, encontram-se tambm seus traos romnticos.

    H trs espcies de mulheres neste mundo: a mulher que se admira, a mulher que se deseja, e a mulher que se ama.

    A beleza, o esprito, a graa, os dotes da alma e do corpo geram admirao.Certas formas, certo ar voluptuoso criam o desejo.O que produz o amor no se sabe; tudo isto s vezes, mais do que isto, no

    nada disto.

    Ou neste outro trecho:

    Laura no era alta nem baixa, era forte sem ser gorda, e delicada sem magreza. Os olhos de uma cor de avel difanos, puros, aveludados, grandes, vivos, cheios de tal majestade quando se iravam, de tal doura quando se abrandavam, que difcil dizer

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    quando eram mais belos. O cabelo quase da mesma cor tinha, demais, um reflexo dou-rado, vacilante, que ao sol resplandecia, ou antes, relampejava, mas a espaos, no era sempre, nem em todas as posies da cabea: cabea pequena, modelada no mais clssico da estaturia antiga, poisada sobre um colo de imensa nobreza, que harmonizava com a perfeio das linhas dos ombros.

    ELEMENTOS DA NARRATIVA

    NarradorExpe-se o ponto de vista de um viajante, que o prprio narrador em

    primeira pessoa. Em alguns dos ltimos captulos, quando adotado o gnero epistolar, Carlos assume a funo de narrar.

    a ti que escrevo, Joana, minha irm, minha prima, a ti s.Com nenhum outro dos meus no posso nem ouso falar.(...)Quero contar-te a minha histria; vers nela o que vale um homem.

    EspaoAo embarcar num vapor em Lisboa, o destino dos viajantes Santarm. Os

    demais lugares por onde passam, como Vila Nova da Rainha, Azambuja e Carta-xo, so apenas pontos de passagem para que se chegue a Santarm, em razo da importncia histrica do local. O tmulo de Pedro lvares Cabral, o Pao del-rei D. Afonso Henriques e muitos outros monumentos histricos esto em Santarm.

    uma das cidades mais antigas de Portugal. O narrador volta indignado com o estado de abandono a que est entregue a cidade.

    O palcio de Afonso Henriques est como a sua capela: nem o mais leve, nem o mais apagado vestgio da antiga origem. Sabe-se que ali pela bem confrontada e inquestionvel topografia dos lugares, por mais nada...

    Ressalte-se que Afonso Henriques, filho de D. Henrique de Borgonha, foi o primeiro rei de Portugal, aclamado em 1139.

    Santarm uma cidade rica em fatos histricos.

    Ao almoo a conversao veio naturalmente a cair no seu objeto mais bvio, San-tarm. D. Afonso Henriques e os seus bravos, S. Frei Gil e o Santo Milagre, o Alfageme e o Condestvel, El-rei D. Fernando e a Rainha D. Leonor, Cames desterrado aqui, Frei Lus de Sousa aqui nascido, Pedro lvares Cabral, os Docems, quase todas as grandes figuras da nossa histria passaram em revista. Por fim veio Santa Iria tambm, a madrinha e padroeira desta terra, cujo nome aqui fez esquecer o de romanos e celtas.

    Ainda relevante o Vale de Santarm, que deixa impresso indelvel no narrador.

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    O Vale de Santarm um destes lugares privilegiados pela natureza, stios amenos e deleitosos em que as plantas, o ar, a situao, tudo est numa harmonia suavssima e perfeita: no h ali nada grandioso nem sublime, mas h uma como simetria de cores, de tons, de disposio em tudo quanto se v e se sente, que no parece seno que a paz, a sade, o sossego do esprito e o repouso do corao devem viver ali, reinar ali um rei-nado de amor e benevolncia. As paixes ms, os pensamentos mesquinhos, os pesares e as vilezas da vida no podem seno fugir para longe. Imagina-se por aqui o den que o primeiro homem habitou com a sua inocncia e com a virgindade do seu corao.

    TempoO tempo histrico, a poca da viagem, um pouco posterior a 1834, ano

    em que os constitucionalistas assumiram definitivamente o poder em Lisboa. O narrador chega a visitar a casa do Vale de Santarm, onde comea a histria de Joaninha dos Rouxinis. Os fatos narrados so um pouco anteriores.

    Era no ano de 1832, uma tarde de vero como hoje calmosa, seca, mas o cu puro e desabafado. porta dessa casa entre o arvoredo, estava sentada uma velhinha bem passante dos setenta, mas que o no mostrava.

    Uma das personagens centrais da narrativa participa dos acontecimentos histricos de Portugal, como a luta entre D. Miguel (absolutista) e D. Pedro IV (liberal). Lembre-se de que, em 1808, com a invaso napolenica, D. Joo VI transferiu sua Corte para o Brasil. Com a derrota de Napoleo na Batalha de Waterloo, o povo portugus exigiu a expulso dos ingleses de seu territrio, at que eclodiu a Revoluo de Cdiz. nesse ambiente de revolta que D. Miguel usurpou o trono, obrigando D. Pedro a organizar nos Aores seu exrcito para combater o irmo (1832-1834).

    O texto produz duas histrias: a viagem do narrador at Santarm e a histria que lhe relatam sobre a Joaninha dos Rouxinis e seu primo Carlos. A primeira tem durao presumvel de um ms; a segunda abarca cerca de trs anos.

    PersonagensNarrador Homem de vasta erudio que, a convite de um amigo, empreendeu uma

    viagem de Lisboa a Santarm, da qual faz um relato repleto de ironias e humor, mas tambm de indignao pelo abandono em que se encontram os smbolos da ptria.

    Eu muitas vezes, nestas sufocadas noites de estio, viajo at minha janela para ver uma nesguita de Tejo que est no fim da rua, e me enganar com uns verdes de rvores que ali vegetam sua laboriosa infncia nos entulhos do Cais do Sodr. E nunca escrevi estas minhas viagens nem as suas impresses: pois tinham muito que ver! Foi sempre ambiciosa a minha pena: pobre e soberba, quer assunto mais largo. Pois hei de dar-lho. Vou nada menos que a Santarm: e protesto que de quanto vir e ouvir, de quanto eu pensar e sentir se h de fazer crnica.

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    JoaninhaUma das personagens centrais do romance que se conta na segunda me-

    tade do livro, rf de pai e me e foi criada pela av Francisca. chamada de Joaninha dos Rouxinis ou Joaninha dos olhos verdes. Tem cerca de dezesseis anos, doce, meiga, pura e vive para a av.

    Joaninha no era bela, talvez nem galante sequer no sentido popular e expressivo que a palavra tem em portugus, mas era o tipo da gentileza, o ideal da espiritualidade. Naquele rosto, naquele corpo de dezesseis anos, havia por dom natural e por uma admi-rvel simetria de propores toda a elegncia nobre, todo o desembarao modesto, toda a flexibilidade graciosa que a arte, o uso e a conservao da corte e da mais escolhida companhia vm a dar algumas raras e privilegiadas criaturas no mundo.

    Carlos primo de Joaninha, cerca de quinze anos mais velho do que ela. Por

    defender ideias liberais, asila-se na Inglaterra, onde convive com as trs filhas de uma famlia. Apaixona-se pela do meio, mais tarde pela caula. Desembarca na ilha Terceira para fazer parte das tropas que invadiro Portugal e tomaro a cidade do Porto. Em campanha, chega at o Vale de Santarm e encontra sua prima Joaninha, por quem se apaixona. Em carta prima, reconhece ter um corao volvel e no merecer o amor de nenhuma mulher.

    Eu sim, tinha nascido para gozar as douras da paz e da felicidade domstica; fui criado, estou certo, para a glria tranquila, para as delcias modestas de um bom pai de famlia.

    Mas no o quis a minha estrela. Embriagou-se de poesia a minha imaginao e perdeu-se: no me recobro mais. A mulher que me amar h de ser infeliz por fora; a que me entregar o seu destino, h de v-lo perdido.

    No quero, no posso, no devo amar a ningum mais.

    Irm FranciscaAv de Joaninha e Carlos, era viva e bem cedo perdeu o filho e o genro,

    com suas respectivas esposas, assumindo a criao dos dois netos. Era portado-ra de segredos familiares terrveis que a fizeram chorar lgrimas de sangue at ficar cega. Passava os dias na dobadeira (mquina de fiar l e dela fazer rolos).

    A velha no tinha mais famlia que um neto e uma neta.A neta era Joaninha, filha nica de seu nico filho varo, e j rf de pai e de me.O neto, rfo tambm, nascera pstumo, e custara a vida a sua me, filha querida

    e predileta da velha.

    Ao final da histria, alm de cega estava surda e um tanto demente. Seu nico arrimo era Frei Dinis.

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    Frei DinisO guardio de So Francisco (mosteiro santarenho) tornou-se amante

    da filha querida e predileta da velha. Doou suas posses Irm Francisca e tornou-se frade.

    ... Frei Dinis da Cruz, o frade mais austero e o pregador mais eloquente daquele tempo. Raro pregava, e s de doutrina; mas era uma torrente de veemncia, uma uno, uma fora...

    Sua severidade ia ao ponto de ver pecado em todos os atos humanos. Considerava os liberais os maiores pecadores, no tementes a Deus, por isso defendia D. Miguel e seu absolutismo. Amava Carlos com venerao, apesar de sua posio poltica, que abominava. O jovem, entretanto, odiava-o, pois sabia obscuramente a histria da famlia e considerava-o o assassino de seu pai.

    No final, descobriu-se que o verdadeiro pai de Carlos era Frei Dinis, a derradeira companhia da irm Francisca.

    Dito isto, o frade benzeu-se, pegou no seu brevirio e ps-se a rezar. A velha dobava sempre, sempre. Eu levantei-me, contemplei-os ambos alguns segundos. Nenhum me deu mais ateno nem pareceu cnscio da minha estada ali.

    Sentia-me como na presena da morte e aterrei-me.

    JliaAo fugir para a Inglaterra, Carlos convive com as trs filhas de uma famlia

    amiga.

    Havia trs meninas naquela famlia. Dizer que eram as trs graas uma vulgari-dade cansada, e to banal que no d ideia de cousa alguma. Trs anjos seriam; trs anjos posso dizer com mais propriedade.

    Das trs, era Jlia a mais velha, amiga e protetora de Carlos em seus mo-mentos mais difceis.

    LauraEra a irm do meio, por quem Carlos se apaixonou.

    Tenho visto muita mulher mais bela, algumas mais adorveis, nenhuma to fas-cinante.

    Fascinante a palavra para ela.

    Mas havia um impedimento. Apesar de Laura tambm am-lo, ela estava prometida a outro e deveria casar-se logo. Entre o amor e o dever, venceu este ltimo para que se salvasse a honra, a ponto de, em Os sofrimentos do jovem Wer-ther, de Gethe, o mesmo tema levar ao suicdio do jovem.

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    GeorginaNo meio de seus sofrimentos, Carlos descobriu a caula das trs irms,

    ao mesmo tempo em que percebeu que ela sim desvendara-lhe o verdadeiro amor.

    Georgina quem viajou da Inglaterra, enfrentou as linhas inimigas em combate e acabou encontrando Carlos prisioneiro e ferido num hospital. Nesse tempo descobriu a paixo de Carlos por Joaninha e abdicou de seu amor (o sa-crifcio amoroso tema recorrente no Romantismo).

    Depois de exigir de Joaninha a promessa de que jamais deixaria Carlos, ela voltou para a Inglaterra e tornou-se abadessa em um convento.

    Num dilogo entre o narrador e Frei Dinis, aquele ficou informado dos acontecimentos.

    ... E Joaninha? E Georgina? Joaninha enlouqueceu e morreu. Georgina abadessa de um convento em In-

    glaterra.

    EnredoH, na verdade, duas histrias que correm quase paralelamente. Uma,

    a que transcorre no presente, a histria de uma viagem, expressa no gnero crnica, com reflexes a respeito da guerra, da poltica, da histria, da moral e de outros assuntos da mesma estirpe incluindo a ida de Lisboa a Santarm, a permanncia do personagem nesta localidade por alguns dias e a viagem de retorno.

    A segunda histria, a que se conta dentro da primeira, assim introduzida pelo narrador:

    Ainda assim, belas e amveis leitoras, entendamo-nos: o que eu vou contar no um romance, no tem aventuras enredadas, peripcias, situaes e incidentes raros; uma histria simples e singela, sinceramente contada e sem pretenso.

    Av e dois netos habitavam uma casa isolada no Vale de Santarm. Todas as sextas-feiras recebiam a visita de Frei Dinis, homem seco, meio luntico, ex-cessivamente severo, a quem o jovem Carlos, o neto, odiava.

    Com o incio das lutas entre liberais e absolutistas, o jovem precisou fugir para a Inglaterra por causa de suas convices liberais.

    Na Inglaterra, conviveu intimamente com trs irms, sendo protegido por Jlia, a mais velha; apaixonou-se por Laura, a irm do meio, mas ficou frustrado em seu amor, pois a moa era noiva e devia casar-se em breve, indo morar na ndia. Desesperado, chegou a pensar em pr termo vida, mas, um dia, voltando casa dos pais de Jlia, encontrou Georgina, a irm mais nova, e descobriu que ela era seu verdadeiro amor.

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    Partiu para a ilha Terceira (Aores), onde D. Pedro IV (I do Brasil) organi-zou seu exrcito a fim de combater seu irmo Miguel, usurpador do trono, que restabeleceu o absolutismo em Portugal. De l, seguiram para o continente e cercaram a cidade do Porto. Em campanha, chegaram ao Vale de Santarm, nas proximidades da casa dos rouxinis.

    Sobre uma espcie de banco rstico de verdura, tapeado de gramas e de macela brava, Joaninha, meio recostada, meio deitada, dormia profundamente.

    (...)Tal era, e tal estava diante de Joaninha adormecida, o que no direi mancebo por-

    que o no parecia o homem singular a quem o nome, a histria e as circunstncias da donzela pareciam ter feito tamanha impresso.

    Joaninha! murmurou ele apenas a viu luz ainda bastante do crepsculo. Joaninha! disse outra vez, contendo a violncia da exclamao: ela sem dvida. Mas que diferente!... Quem tal diria! Que graa! Que gentileza! Ser possvel que a criana que h dois anos?...

    Agora o corao de Carlos estava partido. Atrs ficara Georgina, a quem se prometera, e a quem pretendia manter-se fiel. Mas surgia a prima Joaninha dos olhos verdes, por quem se apaixonou imediatamente. Vivia o tormento de no saber por quem se decidir, preso entre as garras do dever e os elos do amor.

    Ferido em batalha, Carlos foi levado prisioneiro para um hospital. Com tal notcia, Georgina partiu para Portugal, enfrentou tremendas dificuldades, mas encontrou o jovem oficial ferido e dele tomou conta. A famlia de Carlos (av e prima) e Frei Dinis tambm apareceram no quarto de Carlos. Desenvolveu-se terrvel discusso, em que o frei pediu para ser perdoado porque queria morrer com a alma em sossego.

    Revelou-se, ento, a histria do frei, que fora amante da me de Carlos e era seu verdadeiro pai: numa noite escura, tocaiado por dois homens que tentavam mat-lo, o padre reagiu e matou os dois, porm, s na hora de jog-los no rio, descobriu que se tratava do marido de sua amante e de seu cunhado.

    Desvendado o mistrio, Carlos perdoou ao pai, mas, assim que se sentiu fortalecido, partiu para vora. Georgina levou em sua carruagem os trs habitan-tes do vale, seguindo depois para a Inglaterra, onde se tornou abadessa de um convento por ela mesma fundado. Joaninha enlouqueceu e morreu pouco tempo depois. Sua av, surda e cega, um tanto demente, tinha como nica companhia Frei Dinis, velho e cansado. Ambos s esperavam a morte.

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    5. EXERCCIOSFAAP modificado

    Texto para as questes de 01 a 05.

    esquerda do vale, e abrigado do norte pela montanha que ali se corta quase a pique, est um macio de verdura do mais belo vio e variedade. A faia, o freixo, o lamo, entrelaam os ramos amigos; a madressilva, a musqueta penduram de um a outro suas grinaldas e festes; a congossa, os fetos, a malva-rosa do valado vestem e alcatifam o cho.

    Para mais realar a beleza do quadro, v-se por entre um claro das rvores a janela meio aberta de uma habitao antiga mas no dilapidada com certo ar de conforto grosseiro, e carregada na cor pelo tempo e pelos vendavais do sul a que est exposta. A janela larga e baixa; parece mais ornada e tambm mais antiga que o resto do edifcio que todavia mal se v...

    Interessou-me aquela janela. Quem ter o bom gosto e a fortuna de morar ali? Parei e pus-me a namorar a janela. Encantava-me, tinha-me ali como num feitio. Pareceu-me entrever uma cortina branca... e um vulto por detrs. Imaginao

    decerto! Se o vulto fosse feminino!... era completo o romance.(...)Se haver ali quem a aproveite, a deliciosa janela? ... quem aprecie e saiba gozar todo o

    prazer tranquilo, todos os santos gozos de alma que parece que lhe andam esvoaando em torno? Se for homem poeta; se mulher est namorada. So os dois entes mais parecidos da natureza, o poeta e a mulher namorada; veem,

    sentem, pensam, falam como a outra gente no v, no sente, no pensa nem fala. Na maior paixo, no mais acrisolado afeto do homem que no poeta, entre sempre o seu

    tanto de vil prosa humana: liga sem que se no lavra o mais fino do seu oiro. A mulher no; a mulher apaixonada deveras sublima-se, idealiza-se logo, toda ela poesia, e no h dor fsica, interesse material, nem deleites sensuais que a faam descer ao positivo da existncia prosaica.

    Estava eu nestas meditaes, comeou um rouxinol a mais linda e desgarrada cantiga que h muito tempo me lembra de ouvir.

    Era ao p da dita janela!E respondeu-lhe logo outro do lado oposto; e travou-se entre ambos um desafio to

    regular em estrofes alternadas to bem medidas, to acentuadas e perfeitas, que eu fiquei todo dentro do meu romance, esqueci-me de tudo o mais.

    Lembrou-me o rouxinol de Bernardim Ribeiro, o que se deixou cair na gua de cansado. O arvoredo, a janela, os rouxinis... quela hora, o fim da tarde... que faltava para

    completar o romance?Almeida Garrett. Viagens na minha terra. Cap. X.

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    Nas questes de 01 a 03, aponte a alternativa em que figuram as afirmaes corretas.

    a) I e II, apenas.b) II e III, apenas.

    c) I e III, apenasd) todas.

    01.

    I) Os dois primeiros pargrafos do texto localizam uma habitao antiga no meio de um macio de verdura, esquerda do vale, com especial relevo para uma janela.

    II) Depois desta primeira parte descritiva, impe-se-nos um longo registro das meditaes do sujeito (monlogo interior), em estilo oralizante, com predomnio da frase curta e o uso expressivo da pontuao, especialmente a interrogao, a exclamao e as reticncias.

    III) A partir de Estava eu nestas meditaes a narrao torna-se o modo de representao predominante, na medida em que o sujeito se apercebe do que acontece sua volta (o cantar dos rouxinis).

    02.

    I) Na primeira e na ltima parte, no to grande o peso da subjetividade, dado que estamos perante a representao de realidades exteriores ao sujeito: a casa e a sua janela, na primeira parte, e o canto dos rouxinis, na parte final.

    II) J no monlogo, a parte mais extensa do texto, predomina nitidamente a subjetividade, com a expresso de tudo aquilo que o sujeito sente e imagina (a cortina branca, o vulto feminino por detrs, o cantar dos rouxinis) em frente daquela janela.

    III) Este texto , portanto, um bom exemplo da sensibilidade romntica, na me-dida em que o mundo objetivo se nos apresenta retocado pelos sentimentos e pela imaginao, isto , pela subjetividade do narrador.

    03.

    I) A mais forte manifestao de subjetivismo romntico, neste texto, , com toda a certeza, a viso da mulher. O narrador, enfeitiado pela janela da casa do Vale, entrev um vulto por detrs de uma cortina branca (smbolo de pureza), naquele recanto paradisaco, ao fim da tarde, no meio dum arvoredo onde h rouxinis que cantam ao desafio.

    II) Este conjunto no pode deixar de nos remeter para o ideal romntico da mu-lher angelical, cuja beleza e pureza tero de ser sobrevalorizadas e inseridas num quadro natural adequado.

  • Almeida Garret

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    III) Esta figura feminina, simplesmente esboada, alis, as referncias mulher namorada e ao romance, o arvoredo, a janela, os rouxinis... quela hora, o fim da tarde (a personagem, o espao e o tempo) so elementos indicadores da novela sentimental. O prprio narrador o afirma na interrogao retrica final ... que faltava para completar o romance?

    04.Nas passagens Macio de verdura do mais belo vio e variedade; grinaldas e festes; carregada na cor pelo tempo; uma cortina branca... e um vulto por detrs; E ver raiar uma alvorada de maio; o arvoredo, a janela, os rouxinis... quela hora, o fim da tarde, predominam as imagens:a) visuais.b) auditivas.c) gustativas.

    d) olfativas.e) tteis.

    05.Observe as passagens seguintes.E ouvir cantar os rouxinis; comeou um rouxinol a mais linda e desgarrada cantiga que h muito tempo me lembra de ouvir; e travou-se entre ambos um desafio to regular, em estrofes alternadas to bem medidas, to acentuadas e perfeitas.Predominam nessas passagens as imagens:

    a) visuais.b) auditivas.c) gustativas.

    d) olfativas.e) tteis.

    Unesp modificadoAlmeida Garrett (1799-1854), que pertenceu primeira fase do Romantismo

    portugus, poeta, prosador e dramaturgo dos mais importantes da literatura portuguesa. Em Viagens na minha terra (1846), o autor mistura, em prosa rica, variada e espirituosa, o relato jornalstico, a literatura de viagens, as divagaes sobre os temas da poca e os comentrios crticos, muitas vezes mordazes, sobre a literatura em voga no perodo. Leia o texto que lhe apresentamos e, a seguir, responda s questes 06 e 07.

    E que lhe pareceu? Bem escrito e com verdade. Tivemos culpa ns, certo; mas os liberais no ti-

    veram menos. Erramos ambos. Erramos e sem remdio. A sociedade j no o que foi, no pode tornar a ser o que

    era: mas muito menos ainda pode ser o que . O que h de ser, no sei. Deus prover.

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    Dito isto, o frade benzeu-se, pegou no seu brevirio e ps-se a rezar. A velha do-bava sempre, sempre. Eu levantei-me, contemplei-os ambos alguns segundos. Nenhum me deu mais ateno nem pareceu cnscio da minha estada ali.

    Sentia-me como na presena da morte e aterrei-me.Fiz um esforo sobre mim, fui deliberadamente ao meu cavalo, montei, piquei de-

    sesperado de esporas, e no parei seno no Cartaxo.Encontrei ali os meus companheiros; era tarde, fomos ficar fora da vila hospe-

    deira casa do Sr. L. S.Rimos e folgamos at alta noite: o resto dormimos a sono solto.Mas eu sonhei com o frade, com a velha e com uma enorme constelao de ba-

    res que luziam num cu de papel, donde choviam, como farrapos de neve, numa noite polar, notas azuis, verdes, brancas, amarelas, de todas as cores e matizes possveis. Eram milhes e milhes de milhes...

    Nunca vi tanto milho, nem ouvi falar de tanta riqueza seno nas Mil e uma noites.Acordei no outro dia e no vi nada... s uns pobres que pediam esmola porta.Meti a mo na algibeira, e no achei seno notas... papis!Parti para Lisboa cheio de agoiros, de enguios e de tristes pressentimentos. O vapor vinha quase vazio, mas nem por isso andou mais depressa. Eram boas cinco horas da tarde quando desembarcamos no Terreiro do Pao.Assim terminou a nossa viagem a Santarm; e assim termina este livro.Tenho visto alguma coisa do mundo, e apontado alguma coisa do que vi. De todas quan-

    tas viagens porm fiz, as que mais me interessaram sempre foram as viagens na minha terra.Se assim o pensares, leitor benvolo, quem sabe? Pode ser que eu tome outra vez o bordo

    de romeiro, e v peregrinando por esse Portugal fora, em busca de histrias para te contar.Nos caminhos de ferro dos bares que eu juro no andar. Escusada a jura porm. Se as estradas fossem de papel, f-las-iam, no digo que no. Mas de metal!Que tenha o governo juzo, que as faa de pedra, que pode, e viajaremos com muito

    prazer e com muita utilidade e proveito na nossa boa terra.Almeida Garrett. Viagens na minha terra.

    06.O dilogo com que se inicia o trecho acima se d entre o narrador e Frei Dinis. A segunda fala pertence a este ltimo porque:a) o frei em tudo via pecado.b) o narrador leu a carta com dificuldade.c) o frade era absolutista e refere-se aos liberais como o lado oposto.d) o narrador estava aterrado com a cena que presenciava.e) Frei Dinis era liberal e confessa os erros de seus correligionrios.

  • Almeida Garret

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    07.A velha referida no 5 pargrafo do excerto j se encontrava:a) cega e surda.b) apenas cega.c) apenas surda.

    d) surda e muda.e) muda e cega.

    08.Leia o fragmento abaixo e a seguir responda questo.

    Mas eu sonhei com o frade, com a velha e com uma enorme constelao de ba-res que luziam num cu de papel, donde choviam, como farrapos de neve, numa noite polar, notas azuis, verdes, brancas, amarelas, de todas as cores e matizes possveis. Eram milhes e milhes de milhes...Das personagens que aparecem em Viagens na minha terra, uma acaba baro. Essa personagem :a) o narrador.b) Carlos.

    c) Joaninha.d) Georgina.

    e) Frei Dinis.

    09.Assinale a alternativa em que ocorre metalinguagem.a) O baro pois usurariamente revolucionrio e revolucionariamente usurrio.b) Este captulo deve ser considerado como introduo ao captulo seguinte...c) Que palavra poderosa retine nos plpitos?d) To misterioso o corao do homem!e) Infeliz do que chegou a esse estado!

    10.Leia o excerto seguinte.

    a ti que escrevo, Joana, minha irm, minha prima, a ti s.Com nenhum outro dos meus no posso nem ouso falar. Nem eu j sei quem so

    os meus: confunde-se, perde-se-me esta cabea nos desvarios do corao. Errei com ele, perdeu-me ele... Oh! Bem sei que estou perdido.

    A partir deste momento e por alguns captulos pode-se dizer que o gnero as-sumido na narrativa pode ser classificado como:a) jornalstico.b) crnica.

    c) coloquial.d) pico.

    e) epistolar.

    GABARITO1. D 2. B 3. D 4. A 5. B 6. C 7. A 8. B

    9. B 10. E