100

Click here to load reader

Vida no espaço

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Pesquisa FAPESP - Ed. 176

Citation preview

Page 1: Vida no espaço
Page 2: Vida no espaço

Mais saúde, mais qualidade de vida, mais alegria. É, realmente merece um prêmio.

,'f f)- ~ ~ ~~< ~ ~. vv •'f ,, PRÊMIO PEMBERTON ,_

por uma vida mais saudável

A Coca-Cola Brasil lança a 2° edição do Prêmio Pemberton, que busca estimular pesquisas

brasileiras na área de saúde. Se você trabalha com Medicina, Ciências Biomédicas,

Nutrição ou Educação Física, faça com que a sua pesquisa seja transformada em hábitos

saudáveis na vida de milhares de pessoas. Você ainda pode ser premiado por isso.

Para informações, regulamento e premiações, acesse:

www.premiopemberton.com.br

VIVA e POSITIVAMENTE

Page 3: Vida no espaço

Beleza (quase) invisível As imagens acima concorrem em The Nikon lnternational Small World Competition 2010, um concurso de fotomicrografias da Nikon, tradicional empresa de equipamentos ópticos e de precisão. A competição ocorre há 36 anos para mostrar as curiosas formas de seres e materiais microscópicos. Alvaro Migotto e Bruno Vellutini, pesquisadores do Centro de Biologia Marinha da Universidade de São Paulo, estão entre os finalistas, que serão anunciados no dia 13 deste mês. No ano passado, Vellutini foi o quinto colocado. As suas fotos deste ano, no alto, são de um embrião e de um indivíduo jovem de bolacha-do-mar, e a de Migotto é de um embrião de estrela-do-mar. Todas as imagens podem ser vistas em www.nikonsmallworld.com.

PESQUISA FAPESP 176 • OUTUBRO DE 2010 • 3

Page 4: Vida no espaço

l7 6 I OUTUBRO 2010

SEÇÕES

3 IMAGEM DO MÊS

6 CARTAS

9 CARTA DA EDITORA

10 MEMÓRIA

24 ESTRATÉGIAS

40 LABORATÓRIO

64 SCIELO NOTÍCIAS

66 LINHA DE PRODUÇÃO

94 RESENHA

95 LIVROS

96 FICÇÃO

98 CLASSIFICADOS

WWW.REVISTAPESOUISA.FAPESP.BR

CAPA 18 Bactérias

super-resistentes poderiam viver fora da Terra

ENTREVISTA 12 Médico, pesquisador

e inventor Domingo Braile conta como construiu uma empresa de dispositivos cardíacos no interior de São Paulo

CAPA LAURA DAVINA FOTOS NASA VISTA DO ESPAÇO NA NEBULOSA CARl NA (FUNDO) E DUNA NA CRATERA PROCTER, EM MARTE

POLÍTJCA ClENIÍFICA E JLCNOLÓGICA

30 INTERNACIONALIZAÇÃO Laboratório quer atrair estrangeiros para pesquisa com luz síncrotron

34 Novos cursos de curta duração buscam mostrar a pesquisadores estrangeiros as oportunidades de atuar em São Paulo

36 Simpósio reúne brasileiros, britânicos e chilenos para discutir tópicos emergentes da ciência

38 INDICADORES Relatório de atividades 2009 destaca aumento dos recursos para bolsas e auxílios da FAPESP

44 GEOLOGIA Massas viscosas de rochas se misturam e podem sair como lava em erupções vulcânicas

48 PALEONTOLOGIA Livro conta a história de 21 espécies de dinossauros encontradas no território nacional

50 FÍSICA Equipe da Unicamp usa neutrinos para testar teoria de Galileu

Page 5: Vida no espaço

52 AMBIENTE Censo internacional amplia conhecimento sobre a biodiversidade

54 BIOQUÍMICA Molécula direciona proteínas defeituosas para destruição

56 ANATOMIA Macacos das Américas usam vocalização para

se comunicar

58 FISIOLOGIA Descobridor da neurogênese em adultos, Fred Gage investiga função dos novos neurônios

TECNQLDGilL

70 NOVOS MATERIAIS Nanotecnologia é utilizada para produzir

filmes comestíveis e fertilizantes

74 QUÍMICA Novos produtos podem remover petróleo derramado no mar

78 ENGENHARIA AMBIENTAL Projeto prevê o reaproveitamento de co2 para cultivo de microalgas e cianobactérias

tiUMANIDADES

80 HISTÓRIA Luxo místico e riqueza marcam a estética do cangaço

86 ECOLOGIA Dilema entre preservação e desenvolvimento é constante na história brasileira

90 LITERATURA Livro reúne 1.178 verbetes que ajudam a percorrer o caminho dos Sermões do padre português

Page 6: Vida no espaço

FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CELSO LAFER PRESIDENTE

CONSELHO SUPERIOR

CELSO LAFER, EDUARDO MOACYR KRIEGER, HORÁCIO LAFER PI V A, HERMAN JACOBUS COR NELIS VOORWALD, MARIA JOSÉ SOARES MENDES GIANNINI, JOSÉ OE SOUZA MARTINS, JOSÉ TADEU JORGE, LUIZ GONZAGA BELLUZZO, SEDI HIRANO, SUELY VILELA SAMPAIO, VAHAN AGOPYA N, YOSHIAKI NAKANO

CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO

RICARDO RENZO BRENTANJ DIRETOR PRESIDENTE

CARLOS HENRIQUE OE BRITO CRUZ DIRETOR CIENTiFICO

J OAQUI M J. DE CAMARGO ENGLER DIRETOR ADMINISTRATIVO

CONSELHO EDITORIAL LUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS (COORDENADOR CIENT{rtCO), CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ, CYLO N GONÇALVES DA SILVA, FRA NCISCO ANTÓNIO BEZERRA COUTINHO, JOAQUIM J. OE C AMARGO ENGLER, JOÃO FURTADO, JOSÉ ROBERTO PARRA, LUfS AUGUSTO BARBOSA CORTEZ, LUfS FERNANDES LOPEZ. MARIE·ANN E VA N SLUYS, MÁRIO JOSÉ ABDALLA SAAD, PAULA MONTERO, RICARDO RE NZO BRE NTA NI, SÉRGIO QUEIROZ, WAGNER DO AMARA L WA LTER COLU

DIRETORA DE REDAÇÃO MARILUCE MOURA

EDITOR CHEFE NELDSON MARCOLI N

EDITORES EXECUTIVOS CARLOS HAAG (HUMANIDADES), FABRfCIO MARQUES (POLITICA), MARCOS OE OLIVEIRA (TECNOLOGIA ), RICARDO ZORZETTO (CI(NCIA)

EDITORES ESPECIAIS CARLOS fiORAVANTI, MARCOS PIVETTA (EDIÇÃO ON·L/N[)

EDITORAS ASSISTENTES OI NORAH ERENO. MARI A GUI MARÃ ES

REVISÃO MÁRCIO GUIMARÃES OE ARAÚJO, MARGO NEGRO

EDITORA DE ARTE LAURA DAVINA E MAYUMI OKUYAMA (COORDENAÇÃO)

ARTE MARIA CECILIA FELLI E JÚLIA CHE REM RODRIGUES

FOTÓGRAFO EDUARDO C ESA R

WEBMASTER SOLON MACEDONIA SOARES

SECRETARIA DA REDAÇÃO ANDRESSA MATIAS

COLABORADORES ANA LIMA, ANDRÉ SERRADAS (BANCO DE DADOS), CATARINA BESSELL. DANIELLE MACIEL. EVANILDO DA SILVEIRA, FLÁVIO ULHOA COELHO, JOSELIA AGUIAR. LAURABEATRIZ, LEO RAMOS, MARIA CAROLINA SAMPAIO, MARLON FIGUEIREDO, SALVADOR NOGUEIRA E YURI VASCONCELOS

OS ARTIGOS ASSINADOS NÃO REF'LETEM NECESSARIAMENTE A OPINIÃO DA FAPESP

É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DE TEXTOS E FOTOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO

PARA FALAR COM A REDAÇÃO (11) 3087·4210 cartasi31fapesp.br

PARA ANUNCIAR (11) 3087·4212 mpiliadis~Jlfapesp.br

PARA ASSINAR (11) 3038·1434 fapesp<Jlacsolucoes.com.br

TIRAGEM: 37.400 EXEMPLARES

DISTRIBUIÇÃO DINAP

GESTÃO ADMINISTRATIVA INSTITUTO UNIEMP

PESQUISA FAPESP RUA JOAQUIM ANTUNES, N° 727 - 10° ANDAR, CEP 05415·012 PINHEIROS - SÃO PAULO - SP

FAPESP RUA PIO XI, No 1.500, CEP 05468-901 ALTO DA LAPA - SÃO PAULO - SP

SECRETARIA DO ENSINO SUPERIOR

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

Fontes Mistas Grupo de produto proveniente defloreuasbemmanejadaJ eoutrasfontu(ontroladas www.fsc.org Cen no. IMO·COC-42nS2 O 1996 fores! Stewardship Coundl

Este produto é impresso na PLURAL com papel certificado FSC - garantia de manejo florestal responsável, e com tinta ecológica Agriweb - elaborada com matérias-primas bioderivadas e renováveis.

INSTITUTO VERIFICADOR DE CIRCUlAÇÃO

6 • OUTU BRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 176

EMPRESA QUE APOIA A CIÊNCIA BRASILEIRA

BiOLAB FARMACÊUTICA

CARTAS [email protected]

Equador

Na página 26 de Pesquisa FAPESP, edição 175, fala-se que o governo do Equador celebrou um acordo com a ONU para não explorar as reservas petrolíferas no país (nota "Petróleo intocado") . Devemos, no entanto, reportar que essa situação não foice­lebrada sem antes de muita luta. Há anos os povos indígenas do Equador vêm sofrendo com doenças (além de problemas sociais e culturais) por cau­sa da falta de cuidados ambientais das empresas petrolíferas que se instala­ram na região. Como consequência, milhares de povos indígenas entraram com uma ação em Nova York, com vis­tas à reparação do dano ambiental por eles sofridos. Depois de muitos anos, a corte entendeu não ser competente e hoje o processo corre no Equador. Estudo justiça ambiental, direito am­biental e exploração de petróleo em meu mestrado em direito (sou bolsista da FAPESP). Agora, um pedido: gos­taria que a revista abrisse mais espaço aos colegas juristas que fazem pesqui­sa. Não é tão comum como nas outras áreas, mas vem crescendo e será inte­ressante ver a comunicação do direito com outras áreas.

CAROL MANZOLI PALMA

Rio Claro, SP

Pichação

Entendi a pesquisa de que trata a nota "Pichadores de São Paulo", da seção SciELO Notícias (edição 175), em parte, como justificativa e incentivo à ação contraventora e depredatória da cidade, por elementos delinquentes e semimarginalizados da sociedade. Não vejo absolutamente nada de estético, positivo ou qualquer outra justificati­va, mesmo que devidamente explica­das pela antropologia ou sociologia. Vejo em tais ações o triste cenário da completa desintegração familiar e falência de instituições, dentre elas a escola, polícia e jurídicas, que levam esta grande parcela da população à inversão de valores sobre certo e er­rado no contexto de regras e leis que norteiam a vida em sociedade. É um triste indicador da cultura e educação deploráveis do povo. Acho que esses jovens precisam é de educação, disci­plina e sobretudo de leis rigorosas.

PEDRO VIDAL

São Paulo, SP

Revista

Quero agradecer o maravilhoso pre­sente que todos os meses me é envia­do. É um privilégio receber a melhor

Page 7: Vida no espaço
Page 8: Vida no espaço

CARTAS [email protected]

revista publicada no Brasil. Leio Pes­quisa FAPESP de "cabo a rabo", a co­meçar pela Carta da Editora. É difícil dizer qual o melhor artigo, pois a cada novo número a revista se supera. A minha esposa é professora do ensino médio e por minha indicação ela co­meçou a usar muitos artigos. Segundo ela, os alunos estão gostando muito. Na edição 175, a nota "Transição lusi­tana" conta que os 45% da eletricidade produzida em Portugal já provêm de fontes renováveis. Estive lá em julho e tive a oportunidade de ver pessoal­mente, nos pontos mais altos das ser­ras lusitanas, o "bailado" dos moinhos de vento produzindo energia eólica. É um exemplo que deve ser seguido. Outra coisa que me encantou foi ver que Portugal, em 50 anos, duplicou as suas florestas. Foi o primeiro país da Europa a conseguir esse feito.

ANTONIO AMARO

São Paulo, SP

Com especial satisfação, recebemos as edições 173 e 174 de Pesquisa FA­PESP. Ambas abrigam material de grande valia, direcionando atenção excepcional aos livros, ciência, am­biente, tecnologia e oferecendo muito na área de cultura. O atual e abran­gente si te conduz à área dedicada aos vídeos de divulgação científica, trans­formando-se em permanente convite para nossa atualização e aquisição de novos conhecimentos.

EDUARDO BITTENCOU RT CARVALHO

Conselheiro do Tribunal de Contas do

Estado de São Paulo São Paulo, SP

Esta é, realmente, uma mensagem de agradecimento. É fantástico poder contar com uma revista dessa quali­dade, com acesso irrestrito a todo o conteúdo. Eu, meus alunos e toda a ciência brasileira agradecemos.

R EG INALDO DE ABREU

Professor do ensino médio e pré-vestibular

São José do Rio Preto, SP

8 • OUTUBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 176

Mais conhecimento

A notícia "À margem das pesquisas" veiculada pela Agência FAPESP sobre a falta de estatísticas acerca da educação informal ou fora das escolas tradicio­nais, bem como a queda na taxa de au­mento das teses de doutorado nos últi­mos anos, conforme citado nos últimos números da revista Pesquisa FAPESP, mostra-nos claramente a mudança que está ocorrendo na forma de se adquirir conhecimento. Com exceção do meio acadêmico, em que é fundamental o mestrado e doutorado, hoje normal­mente adquire-se um conhecimento técnico especializado por meio da in­ternet e de cursos específicos de curta duração, obtendo-se com isso excelentes resultados a custos menores e com gran­de economia de tempo. Numa época em que se fala muito em incentivar investi­mentos em tecnologia por parte de nos­sas empresas, sendo a FAPESP pioneira nisso com o programa Pipe, seria muito importante que ela aprofundasse mais essa questão, que dificulta ainda mais o intercâmbio entre empresa e academia e consequentemente limita a criação de teses de doutorado com reais possibilÍ­dades de aproveitamento comercial. A própria universidade deveria também levar isso em conta, oferecendo cursos de curta duração nas áreas técnicas e valorizando o trabalho acadêmico reali­zado para a indústria como consulto ria e projetos, já que hoje nela só são leva­dos em conta os papers publicados em revistas especializadas, muitas vezes rea­lizados sem terem um objetivo prático em termos de aplicação. A médio prazo, essas mudanças afetarão diretamente a própria universidade, já que só serão necessárias aulas presenciais quando houver experimentos de laboratório ou acesso a equipamentos especiais.

Júuo AuGUSTO LEITÃO MACHADO

São José dos Campos, SP

Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail [email protected] ou para a rua Joaquim Antunes, 727 · 100 andar- CEP 05415-012 - Pinheiros -São Paulo, SP. As ca rtas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.

As reportagens de Pesquisa FAPESP mostram a construção do conhecimento essencial ao desenvolvimento do país. Acompanhe essa evolução.

OPINIÕES OU SUGESTÕES

Envie cartas para a redação de Pesquisa FAPESP, rua Joaquim Antunes, 727 -10° andar, São Paulo, SP 05415-012, pelo fax (11) 3087·4214 ou pelo e·mail: [email protected]

SITE DA REVISTA

No endereço eletrônico www.revistapesquisa.fapesp.br você encontra todos os textos de Pesquisa FAPESP na íntegra e um arquivo com todas as edições da revista, incluindo os suplementos especiais. No site também estão disponíveis as reportagens em inglês e espanhol.

PARA ANUNCIAR Ligue para: (11) 3087·4212

ASSINATURAS, RENOVAÇÃO E MUDANÇA DE ENDEREÇO

Envie um e-mail: [email protected] ou ligue: (11) 3038·1434

ASSINATURAS DE PESQUISADORES E BOLSISTAS

Envie e-mail para [email protected] ou ligue (11) 3087·4213

EDIÇÕES ANTERIORES

Preço atual de capa da revista acrescido do valor de postagem. Envie e-mail para [email protected] ou ligue (11) 3087·4213

Page 9: Vida no espaço

No espaço sem frontei ras

A os meus ouvidos sempre soou espantosa a na­turalidade com que um astrofísico consegue se referir a um corpo celeste qualquer a 20 ou 30

anos-luz de distância da Terra. Imagine-se então a sensação de ouvir, no curso de uma palestra sobre a busca de planetas habitáveis, uma astrônoma esco­cesa dizer tranquilamente que identificou "um alvo promissor" a 59 anos-luz de nosso castigado planeta, embora acredite haver outro nas imediações dos 33 anos-luz. Registre-se que eu ainda não sabia que em 29 de setembro astrônomos norte-americanos anunciariam mais um candidato a 20 anos-luz. En­quanto ela fala, vou lembrando de recente entrevista de Stephen Hawking ao site Big Think em que o cientista dizia que a única chance de sobrevivência a longo prazo da espécie humana seria ela deixar a Terra e habitar novos planetas, tarefa na qual, aliás - argumentava -, deveríamos concentrar esforços nos próximos dois séculos. Achara o comentário um tanto inusitado e tinha duvidado de sua seriedade para não correr o risco de suspeitar da sanidade do genial físico inglês. Mas nem bem saíra dessa digres­são e ouço outro palestrante mostrando à plateia inimagináveis condições ambientais extremas- de frio, calor, acidez, radiações, deficiência de oxigênio etc. etc. - em que, contra qualquer senso comum, a vida se manifestara. E a provocadora pergunta "o que é a vida?" lançada pelo jovem palestrante brasileiro pairava no ar com sutis sugestões de que parece no mínimo improvável nossa velha Terra ser o único lugar a propiciar a existência da vida, de qualquer forma de vida, entre os zilhões de astros dos bilhões de galáxias do Universo. Ou, ligando isso a Hawking e à cientista escocesa, ser o único reduto a viabilizar a sobrevivência da espécie humana.

Esse debate nos limites mais avançados do co­nhecimento em astrobiologia- área que investiga as condições essenciais para o surgimento da vida, procura indícios de vida fora da Terra e pesquisa ou­tros mundos habitáveis - ocorria no final de agosto em Itatiba, São Paulo, dentro do excelente simpó­sio Frontiers of Science, patrocinado pela FAPESP e Royal Society. Embora tentada, não vou me deter em detalhar o evento, nem o enorme poder ali en-

MARILUCE MouRA - DrRETORA DE REDAÇÃO

trevisto da imaginação na criação de conhecimento, apenas remeter o leitor interessado ao texto de nosso editor de política científica e tecnológica, Fabrício Marques, que o explica bem na página 36. Fico ainda na astrobiologia porque, ouvindo o jovem Douglas Galante expor as evidências de sobrevivência de mi­crorganismos em ambientes terrivelmente adversos em nosso planeta, explicar a possibilidade de bac­térias super-resistentes viajarem vivas pelo espaço agarradas a minúsculos fragmentos de poeira e, por fim, falar do primeiro laboratório nacional dedicado à astrobiologia que a USP está implantando em Va­linhos, pensei que ali tínhamos material fascinante para uma reportagem. E, de fato, bem trabalhada por Maria Guimarães, nossa editora assistente de ciência, que tratou de ouvir muita gente que lida com o tema, a reportagem que começa na página 18 foi alçada a objeto da capa da revista.

Observo que o simpósio Frontiers of Science, espécie de vertiginosa viagem, constituiu uma ação integrada a um esforço que vem sendo feito em São Paulo, sob a liderança da FAPESP, para dar dimensão internacional à produção científica no estado. Nesse sentido, chamo a atenção para a série de reportagens elaboradas por Fabrício Marques sobre diferentes experiências de internacionalização levadas a cabo por grupos de pesquisadores paulistas que a revista começou a publicar na edição passada. Desta vez o foco está na equipe coordenada pelo físico Yves Pe­troff, diretor científico do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), a partir da página 30.

Em termos breves, pelo imperativo do espaço exí­guo e não por merecimento, destaco nesta edição a reportagem da editora assistente de tecnologia, Dino­rah Ereno, que descortina as largas possibilidades do universo da nanotecnologia aplicada à alimentação e à agricultura, a partir da página 70; a reportagem do editor de humanidades, Carlos Haag, sobre as cores e a estética estratégica dos cangaceiros, a partir da página 80; e, para fechar, algo mais sobre o que fisicamente nos vincula a mundos e conhecimen­tos, nosso cérebro, falado dessa vez por Fred Gage, via entrevista realizada por nosso editor de ciência, Ricardo Zorzetto (página 58).

PESQUISA FAPESP 176 • OUTUBRO DE 2010 • 9

Page 10: Vida no espaço

Respostas ao tempo

Há 130 anos era criado o Lazareto dos Variolosos, atuallnstituto de lnfectologia Emílio Ribas

NELDSON MARCOLIN

10 • OUTUBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 176

m lugar ermo, em um dos pontos mais altos da capital paulista, foi escolhido pela Câmara Municipal para isolar os pacientes com varíola na segunda metade do século XIX. O local só tinha vantagens, segundo a visão da época: era próximo do cemitério e distante do centro, havia poucas residências nas imediações e

os ventos não sopravam com frequência em direção à cidade, na época com pouco mais de 40 mil habitantes. Em 1880 foi inaugurado o Lazareto dos Variolosos ao lado da estrada dos Pinheiros (atual avenida Rebouças), que se transformou em Hospital de Isolamento oito anos depois, Hospital Emílio Ribas em 1932 e Instituto de Infectologia Emílio Ribas em 1991. "É uma das instituições precursoras de São Paulo como metrópole moderna, um dos pilares de uma cidade em formação", diz a pesquisadora Monica Musatti Crytrynowicz. Ela é coautora com Roney Crytrynowicz e Ananda Stücker do recém-lançado Do Lazareto dos Variolosos

R d 1~

d (,

q c

Page 11: Vida no espaço

Ribas, o Hospital de Isolamento, em 1902, e o Pavilhão de Observação (à direita), em 1894, que fazia a triagem dos doentes

ao Instituto de Infectologia Emílio Ribas - 130 anos de história da saúde pública no Brasil (editora Narrativa Um I Governo do Estado de São Paulo, 192 páginas).

Embora o terreno fosse da Câmara, a construção acabou bancada pela população paulistana por meio de donativos. O prédio do hospital foi construído em um único pavimento de acordo com as teorias da época sobre transmissão de doenças. Havia uma grande preocupação com a circulação do ar. O piso do lazareto era elevado em relação ao solo, com aberturas para ventilação. O pé-direito era alto e as janelas grandes. No telhado, um ventilador renovava o ar. Esses cuidados derivavam da crença na contaminação por miasmas, emanações que propagariam as doenças. As descobertas que resultaram na microbiologia, de Louis Pasteur, Robert Koch e Joseph Lister, ainda

estavam acontecendo na Europa e pouco se sabia delas por aqui.

Com a Constituição republicana de 1891, os estados passaram a administrar a saúde pública. Os novos poderes permitiram ao governo paulista criar já no ano seguinte o Serviço Sanitário e novos órgãos, como os laboratórios de Análises Químicas, o Bacteriológico, o Farmacêutico e o Instituto Vacinogênico. Em 1898, Emílio Ribas foi nomeado diretor do Serviço Sanitário, ao qual cabia a responsabilidade sobre o Hospital de Isolamento, novo nome do lazareto. Médico bem informado, leitor atento das novidades científicas, Ribas fez uma experiência marcante nas dependências do hospital onde confirmou, ao lado de Adolfo Lutz e outros voluntários, a transmissão da febre amarela por mosquitos (ver Pesquisa FAPESP n° 157).

No século XX o corpo clínico cresceu para atender à maior demanda. "O hospital sempre esteve na linha de frente do combate às epidemias", diz Arary da Cruz Tiriba, médico e professor de medicina que começou a trabalhar no Emílio Ribas no começo dos anos 1950. Aos 85 anos, ele lembra que a pesquisa realizada ali sempre foi de campo, quando se investigavam surtos de doenças em todo o estado, e de enfermaria.

Poucas instituições do século XIX atravessaram o século XX para se tornar modelo e referência no século XXI

"Alguns de nós, porém, faziam questão de publicar suas descobertas e conclusões, como José Toledo Piza, que fez a primeira descrição da febre maculosa brasileira em 1932."

Nos últimos 40 anos o hospital se consolidou como referência na formação de condutas, geração de conhecimento e treinamento de especialistas em infectologia. Entre 1971 e 1975 teve papel central no enfrentamento da meningite meningocócica -em 1974 o hospital chegou a internar 1.200 pacientes. No início dos anos 1980 a chegada da Aids mudou o hospital e a própria especialidade de doenças infecciosas, de acordo com David Uip, atual diretor do instituto. "Saímos de uma especialidade de endemias, de trabalho de campo, para uma especialidade de ponta em atendimento hospitalar", disse ele em depoimento para o livro comemorativo.

PESQUISA FAPESP 176 • OUTUBRO DE 2010 • 11

Page 12: Vida no espaço

DominQo Braile

Inovações cirúrgicas Médico, pesquisador e inventor conta como construiu uma empresa de dispositivos cardíacos no interior de São Paulo

NELDSON MARCOLIN

cirurgião Domingo Braile poderia ser conheci­do hoje como engenheiro, empresário, piloto de avião ou, ainda, como um bom mecânico. Sua opção pela medicina, porém, não o impediu de exercer todas essas atividades. Se, ao contrário, tivesse escolhido qualquer outra profissão, pro­vavelmente ele não conseguiria ter sido cirur­

gião. Foi graças à influência do pai e a visitas constantes a oficinas de carros em São José do Rio Preto que o médico conseguiu conciliar suas habilidades. Hoje tem no currículo 25 mil operações cardiovasculares, a criação de uma empresa que faz pesquisa e desenvolvimento de equipamentos cirúrgicos, a implantação de 21 serviços médicos em hospitais de São Paulo e de cidades do in­terior e uma intensa vida acadêmica, com 260 artigos publicados em periódicos científicos.

Domingo Braile foi discípulo de Euryclides Zerbini, o primeiro cirurgião a fazer transplante de coração na América Latina. Na Faculdade de Medicina da Univer­sidade de São Paulo (FMUSP) foi aluno e colega de uma geração que criou e desenvolveu a cardiologia brasileira, cujo centro era São Paulo. Mesmo assim, manteve o plano original de voltar à cidade onde cresceu, São José do Rio Preto, para fazer lá o que só era feito na capital: cirurgias cardíacas a céu aberto, como é chamado o procedimen­to em que se abre o peito do paciente para reparar o coração por dentro. Para tanto, era preciso o apoio de uma bomba coração-pulmão artificial- ou máquina de circulação extracorpórea- para fazê-lo parar sem matar o paciente. Braile já havia feito junto com Adib Jatene duas dessas bombas na oficina do Hospital das Clínicas da FMUSP. Fez o mesmo em Rio Preto e come-

12 • OUTUBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 176

çou a operar. O domínio no campo médico, mecânico e eletrônico o levou a criar a empresa bem-sucedida de hoje, a Braile Biomédica.

Na área acadêmica, ele percorreu outras universida­des, além da USP, como a Federal de São Paulo (Unifesp) e Estadual de Campinas (Unicamp) e foi cofundador da Faculdade de Medicina de Rio Preto, a Famerp. Como editor da Revista Brasileira de Cirurgia Cardiovascular a transformou nó único periódico da especialidade do hemisfério Sul, mais América Latina e Caribe, que está no ISI-Thomson, desde o ano passado, além do PubMed/ Medline e da SciELO. Braile aprendeu a pilotar avião aos 17 anos, o que terminou sendo útil anos depois para se deslocar rapidamente entre cidades distantes- Rio Preto fica a 450 quilômetros (km) da capital e a 300 km de Campinas. Aos 72 anos, autor de dois livros (Millenium, 2000, e Crônicas de um médico do sertão, 2008), é pai de duas filhas . A advogada Patrícia o substituiu na presidên­cia da empresa e a cardiologista Valéria chefia o Instituto Domingo Braile, a clínica da família. Abaixo, os principais trechos da entrevista realizada em Rio Preto.

• Quando o senhor se formou em 1962, tinha na FMUSP professores como Zerbini e fatene e conhecia Hugo Felipozzi, que fez a primeira máquina de circulação extracorpórea no Brasil, em 1955. Foi com eles que o senhor aprendeu a trabalhar tanto na sala de cirurgia quanto na oficina? -A escola era muito boa, considerada de nível A inter­nacionalmente. Podíamos até trabalhar nos Estados Uni­dos, sem problemas. Os alunos também eram de primei­ra linha. Ricardo Brentani e Walter Colli, por exemplo, foram meus colegas de classe. Alguns dos médicos que

Page 13: Vida no espaço
Page 14: Vida no espaço

I

estavam desenvolvendo a cirurgia car­díaca nos anos 1950 e 1960 eram nossos professores e eles precisavam construir seus próprios aparelhos se quisessem avançar. Havia certa hegemonia para quem sabia fazer mais coisas.

• Zerbini incentivava essa prática? -Ele foi fundamental, sempre apoia­do pelo professor Alípio Correia Neto, uma figura importante para a Faculda­de de Medicina. Eles tinham um sentido de brasilidade muito forte. Quando via uma bomba de cirurgia extracorpórea importada, Zerbini ia direto ao ponto, sem muitas divagações: "Desmonta es­sa máquina e veja o que tem lá dentro. Deve ter meia dúzia de peças simples e vendem para a gente por um preço absurdo". Naquela época, no final dos anos 1950, só tínhamos duas bombas no HC, importadas. Ele dizia que se não aprendêssemos a fazer máquinas como aquela jamais progrediríamos. E olha que ele não sabia nada de eletricida­de nem de mecânica. Começamos em uma oficina que funcionava no porão do H C. Era uma salinha que tinha três funcionários e eu.

• De qualquer forma, o senhor foi mexer com isso porque gostava, e não apenas por necessidade. -Eu gostava, sim. Meu pai era da Ca­lábria, na Itália, formado na Faculda­de de Medicina de Nápoles, em 1923. Lutou na Primeira Guerra Mundial e chegou a ser secretário comunal, um cargo importante que tem poder sobre determinada região. Mas percebeu que as coisas não iam bem, se desentendeu com o partido que estava em ascensão na Itália e veio para o Brasil apenas com a mala, em 1929. Ele tinha um tio em São Carlos e ficou trabalhando pelo interior de São Paulo enquanto se preparava para fazer a revalidação do diploma. Era preciso escrever cinco monografias e, claro, saber português. E fez isso na cidade onde nasci, em Nova Aliança, perto de São José do Rio Preto. Meu pai tinha uma noção muito clara do que seria o século XX. Quando eu tinha lO anos, me mandou para uma oficina mecânica de automóveis.

Quando o senhor ainda estava no grupo escolar? - Exato. Nessa oficina tinha um me-

14 • OUTUBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 176

Em 1973 fiz minha primeira válvula de pericárdio de boi. Em 1977 ela estava no mercado. Agora chegamos a 70 mil fabricadas

cânico muito bom e foi lá que aprendi a mexer com motor. Naquela altura já tínhamos mudado para Rio Preto. Du­rante o período em que fiz o científico [um dos dois cursos do atual ensino médio] também frequentei oficinas mecânicas.

• E por que não se tornou engenheiro em vez de médico? -A influência de meu pai era mui­to forte. Ele foi o médico que eu nãp fui, um médico de família. Tinha uma memória fantástica e sabia o nome do cliente, do pai, da mãe, dos filhos, tudo. O consultório era na parte da frente da casa onde morávamos. Ele tinha uma visão muito interessante do futuro. Lembro que nos dizia que teríamos uma televisão como se fosse um qua­dro que penduramos na parede. E mais: não precisaríamos comprar as pinturas que vemos nos museus porque bastaria colocar na TV e ela ficaria trocando os quadros sozinha. Ele já pensava des­sa forma nos anos 1940. Também era hábil para consertar tudo o que apare­cesse na frente.

• Então quando o senhor foi fazer medi­cina já levou as duas referências decisivas para sua carreira, a influência do pai e a habilidade com máquinas. - As duas coisas mais o incentivo dado pelo professor Zerbini. Em 1960, estava entrando no elevador da Faculdade de

Medicina quando apareceu um sujei­to grande, que eu não conhecia pes­soalmente. Ele me apontou o dedo e perguntou se eu era o Braile. Assenti. Ele disse que era o Adib Jatene- que já tinha nome na faculdade - e me per­guntou se era eu que estava fazendo uma bomba extracorpórea. Respondi que sim. Ele pediu, "Podemos trabalhar junto?': Fiquei surpreso e disse que eu é que iria trabalhar com ele, e não o con­trário. O Adib é muito bom mecânico e um torneira extraordinário, embora não saiba muito de eletrônica. Certa vez veio a São Paulo um professor muito importante do Canadá, junto com a mulher. O Adib estava almoçando com os dois quando ela começou a falar sobre as mãos dos cirurgiões, de como eram preciosas, delicadas, que curam etc. O Adib olhou para as próprias mãos, que tinham dedo sem metade da unha, par­te de outra unha ainda com graxa que ele não havia conseguido tirar e estava toda preta ... Ele foi escorregando as mãos devagar para debaixo da mesa.

• fatene também parece ter sido uma grande influência para o senhor. -Éramos muito ligados. Depois o Adib foi para o Instituto Dante Pazza­nese e até hoje tem a Fundação Adib Jatene que fabrica máquinas para hos­pital. Ele trabalha com coração artifi­cial há muito tempo, com engenheiros excelentes.

Ele colaborava com empresas que fa­bricam dispositivos médicos? -Colaborou muito com a Macchi, predecessora de uma multinacional que hoje está instalada em Sorocaba, a Nipro. A Macchi foi fundada pelo ci­rurgião cardíaco Hélio P. Magalhães. O Adib nunca foi dono, mas desenvolvia os produtos no Instituto Dante Pazza­nese e repassava para a empresa. Obteve grandes progressos nesse processo. A Macchi fez oxigenadores, bombas ex­tracorpóreas e muitos equipamentos médicos. O Adib sempre foi muito liga­do à terra. Continua andando a cavalo ainda hoje, aos 81 anos. É uma pessoa indescritível. Tem uma enorme capaci­dade inventiva na cirurgia e no desen­volvimento de equipamentos. Mas ele sempre me disse que ao fazer indústria eu só enfrentaria durezas. Aliás, ele fala isso até hoje e tem razão.

• Qu -Q 1962 lhos engr: eue1 cirú1 mur

. c estu

< -,

ano bor épc c ir pe vi1 vã m in 1' p e 6 t

1

Page 15: Vida no espaço

• Quando voltou para Rio Preto? - Quando acabei a faculdade, em 1962, já sabia bastante sobre apare­lhos médicos e cirurgia cardíaca. Era engraçado porque ainda na graduação eu era monitor e dava aula de técnicas cirúrgicas para residentes. Eles ficavam muito bravos com isso.

• O senhor já operava quando era estudante? - Só cachorro, a partir do terceiro ano. Depois tive um treinamento muito bom com o Zerbini e o Adib. Naquela época, poucos se atreviam a mexer com cirurgia cardíaca. Quando andávamos pelo corredor da faculdade, sempre vinha algum comentário do tipo, "Lá vão os assassinos. Quantos vocês vão matar hoje?". Isso ocorria porque no início muitos morriam. Entre julho de 1958 e abril de 1963 um grupo de mil pacientes foi submetido à cirurgia com emprego de circulação extracorpórea; 680 no HC da FMUSP e 320 no Insti­tuto de Cardiologia do Estado de São Paulo. Nos primeiros 100 casos, amor­talidade foi de 25%; nos últimos 100, caiu para 7%. Esses números iniciais assustavam as pessoas. Sempre digo que, por onde quer que se olhe, a saga da cirurgia cardíaca é muito bonita, não só no exterior, mas aqui também. O HC foi o foco disso quando nem existia o InCor [Instituto do Coração da FMUSP]. Zerbini operava pulmão e coração sem circulação extracorpórea no Hospital Beneficência Portuguesa e no Instituto de Cardiologia, onde tra­balhava o Dante Pazzanese [que hoje dá nome ao instituto]. Formou-se um grupo fantástico que tinha Zerbini, Ar­ruda, Bittencourt e Dante.

• Por qual razão o senhor deixou um cen­tro tão importante, onde as coisas estavam acontecendo, para voltar a Rio Preto? -Sempre achei que aqui era o meu lu­gar e que deveria implantar um serviço de cardiologia no interior, incentivado pelo Gilberto Lopes da Silva Júnior, um médico importante para a cidade. Mas mantive bastante tempo uma grande ligação com São Paulo- às vezes, ficava meses lá. Na época, começo dos anos 1960, Rio Preto tinha 80 mil habitantes e 80 médicos. O exame mais importan­te que se fazia era o hemograma. Não havia nem dosagem de gases. Quando

casei, alguns tios da minha mulher nos deram dinheiro de presente. Usei pa­ra ir comprando alguns equipamentos e material já pensando em construir uma bomba. Fui a uma serralheria que fazia ferradura de cavalo e gra­des para jardins e vitrôs. E lá fiz uma máquina para que eu pudesse operar. Não teria dinheiro para comprar uma importada, que é muito cara. Como já construía as bombas do HC, fiz uma aqui também.

• Foi a partir daí que o senhor começou a montar sua empresa? -Não, demorou. Só em 1968 é que consegui reunir todos os cardiologis­tas de Rio Preto, trouxe um colega de São Paulo e montamos o Instituto de Moléstias Cardiovasculares (IMC), que existe até hoje. Foi nesse instituto que instalei uma oficina pequena em uma sala. Consegui bons mecânicos para trabalhar e começamos a fazer outros aparelhos. Antes disso, entre 1960 e 1961, começaram a aparecer as primei­ras válvulas cardíacas. Quando se ope­rava o doente, ou se conseguia reparar a válvula do coração ou ele morria. Não havia o que fazer. O Adib Jatene conse­guiu fazer a primeira válvula mecânica de Starr-Edwards, que é a que usa uma bolinha. Foi muito interessante porque a bolinha original era de silicone e não sabíamos como fazer. Acabamos indo a um borracheira e improvisando. Re­sultado: todas as válvulas originais dos norte-americanos acabaram se estra­gando. A do Adib nunca estragou.

• Quando surgiram as válvulas biológicas? -Só alguns anos depois, mas nin­guém sabia fazer direito. Os profes­sores Ênio Buffolo e Hugo Felipozzi, os dois da Escola Paulista de Medicina [Unifesp), tentaram fazer algumas. O Ênio tem a primeira tese sobre válvula homóloga, que era tirada de cadáver, esterilizada e montada sobre um su­porte. Eu já havia trabalhado com isso, com enxerto de aorta conservado em álcool. Também trabalhei com enxerto de traqueia- aliás, foi o primeiro tra­balho que publiquei, em 1960, ainda estudante. Pegávamos a traqueia con­servada em álcool e colocávamos na traqueia de cachorro. Não deu muito certo, mas foi um dos primeiros tra­balhos de enxerto de traqueia feitos

Braile (ao fundo) na oficina no porão do HC

em 1960, ainda com roupa do centro cirúrgico

no mundo. Aqui em Rio Preto, de­pois de fazer a bomba extracorpórea, operávamos os pacientes de graça em um hospital privado, o Santa Helena, do Gilberto Lopes da Silva Júnior. O problema é que não tínhamos válvulas biológicas. No HC de São Paulo come­çou-se a fazer válvula de dura-máter [a meninge mais superficial]. Tirava­se a dura-máter da cabeça do cadáver e fazia-se a válvula. No início, foi um sucesso internacional, mas depois se mostrou inviável. A válvula com pe­ricárdio de boi começou com Marion Ionescu, em Leeds, na Inglaterra. A válvula chamava Ionescu-Shiley. No caso, o primeiro nome é do médico e o segundo do engenheiro. Esses nomes duplos são muito comuns quando se trata de aparelhos, dispositivos e téc­nicas desenvolvidos conjuntamente por médicos e engenheiros. Fui para Leeds, conversei com o Ionescu, mas ele não me contou nada. Depois fui para a Argentina, onde tinha um grupo que mexia com válvula, e eles sabiam menos do que eu. Por fim falei com o Ênio Buffolo, que sabia um pouco. O fato é que ninguém tinha muito claro como fazer. Então me dediquei a isso e em 1973 fiz a minha válvula de peri­cárdio de boi com sucesso. Em 1977 ela estava no mercado. Hoje completamos cerca de 70 mil válvulas fabricadas.

PESQUISA FAPESP 176 • OUTUBRO DE 2010 • 15

Page 16: Vida no espaço

• Foi sua criação mais importante? - Foi. E feita aqui no Brasil. Ela está muito bem estudada. Temos um banco de análise de pericárdio que ninguém tem no mundo. Foram 200 mil pericár­dios testados para tração, encolhimen­to, elasticidade ... Fazemos com muito rigor e criamos os parâmetros do que é bom e do que não convém. Também meu doutorado foi sobre o pericárdio. Agora existe uma pressão para apresen­tarmos trabalhos novos sobre a válvula. Digo que agora não dá. Trabalhos ori­ginais sobre ela só virão em 15 anos. Temos vários tipos de válvulas novas, mas é preciso muito cuidado antes de afirmar que todas são seguras. Há as descelularizadas, por exemplo, e outras que passam por tratamentos especiais, todas feitas aqui na Braile. Quando fiz a primeira com pericárdio de boi, queria que ela durasse três anos pelo menos. Depois a expectativa aumentou para 5 anos, 10 anos e 15 anos. Agora deseja­mos que dure 20 anos- ou para sempre. Mas é muito difícil. As que são naturais do organismo não duram, imagine as artificiais. E a válvula mecânica tem problemas, é sujeita a trombose e a anticoagulação é difícil de controlar. A empresa Macchi se interessou em co­mercializar as válvulas de pericárdio quando eu ainda estava no IMC, em que éramos 13 sócios. Concluímos que essa era uma área interessante e monta­mos laboratório e oficina em uma casa à parte. Começamos a fazer bombas, oxigenadores e produtos para hospitais. Mas depois de alguns anos fui excluído da sociedade. Achava que deveríamos progredir em várias direções e os outros sócios não concordaram.

Stent fabricado pela Braile

16 • OUTUBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 176

• Por quê? - Eu queria fazer um hospital. Tinha tudo pronto, planta, terreno comprado, planos. Os sócios achavam aquilo um absurdo, criou-se um ambiente muito difícil e foi mais fácil me mandar em­bora, em 1991. Na divisão, fiquei com a parte biomédica, que na época devia uns US$ 3 milhões. Ou seja, ganhei um prédio meio vazio e dívidas. Foi aí que nasceu a Braile Biomédica, que, até a ruptura, era um braço da IMC. Com a exceção de um, todos os outros ci­rurgiões saíram comigo. Foi uma fase muito difícil. Fui posto para fora de uma instituição que eu havia fundado e onde fiquei 25 anos. E sem dinheiro, sem saber se conseguiria comer o resto do mês. Mas conseguimos ir em frente e firmamos a Braile, hoje com 50% do mercado brasileiro.

• Tudo o que se constrói na Braile é com material brasileiro? - Não. Mas isso não é tão importante. Sempre repito uma frase de Winston Churchill, "O imperador do futuro será um imperador de ideias". O conheci­mento está difundido no mundo intei­ro. Pode-se ter acesso praticamente a qualquer revista e livros pela internet. Hoje você tem a ideia e vai buscar os insumos onde eles estão para concre­tizá-la. Apesar de comprarmos muitos insumos no exterior, todo o resto é feito aqui: a concepção dos projetas, design e os moldes para injeção. Um molde para oxigenador custa US$ 100 mil. Se tivermos de comprar um molde esta­mos mortos, porque fazemos 2 mil ou 3 mil oxigenadores por mês. Por ano chegamos a 30 mil. Um molde para bo-

necas ou canos faz milhões de cópias. Nós fazemos poucos milhares. Temos também uma serralheria para fazer as caixas de aço inox. É tudo caro porque é manual, mas não tem outro jeito porque a produção é pequena. Outro exemplo: o mercado internacional para as bom­bas de cirurgia extracorpóreas é quase zero. Temos 500 bombas nossas usadas pelo Brasil, a maior parte delas em co­modato. Ou seja, cedemos ao hospital para eles usarem o material descartável. E fazer a bomba custa caro.

• Mas tudo isso já era conhecido. Por que, ainda assim, o senhor persistiu com a empresa? -Temos de lidar com os entraves que existem no Brasil, sem desistir facilmen­te. Por isso é tão necessária a ajuda à indústria nacional, para não ficarmos eternamente dependentes da tecnologia do exterior. E olha que não tenho ne­nhum problema em copiar. É bobagem ficar querendo inventar sempre a roda. Ao copiar, sempre se modifica alguma coisa e é possível patentear o processo de fabricação. Não dá para patentear a roda, mas dá para fazer isso com um processo de fabricação de roda mais eficiente. Te­mos alguns marcadores de viabilidade no Brasil- a Embraer, a Embrapa e a Petrobras são bons exemplos. E, claro, não podemos esquecer que a cardiologia brasileira compete em pé de igualda­de com qualquer país do mundo e em todos os sentidos. Quando falamos de preço, então, ganhamos fácil. Isso ocor­re porque houve uma indústria desse setor que se desenvolveu. A Macchi, a Braile, a DMG, que é uma empresa do Rio, foram fundamentais para isso. Com elas passamos a ter equipamentos para cardiologia feitos aqui, com qualidade. É comum recebermos médicos criativos na empresa, que nos trazem propostas de novas máquinas e dispositivos, mas não temos como atender a todos. Não tenho nem engenheiros suficientes para isso aqui. Agora mesmo estou procuran­do um engenheiro ou físico médico para ajudar a desenvolver a área de endopró­teses e não acho.

• Quantas patentes o senhor tem? -Como inventor, entre patentes e modelos de utilidade, tenho 19 [patente é uma ideia totalmente nova e modelo de utilidade é um melhoramento de al-

Page 17: Vida no espaço

gum projeto que o transforma em algo novo]. Hoje temos 15 doutores e 500 funcionários na empresa. A média de escolaridade dentro da fábrica é de 14 anos. É maior que a média das empre­sas nos Estados Unidos, de 12 anos.

• A Braile conseguiu financiamento re­cente da Finep? -Finalmente conseguimos R$ 5 mi­lhões para quatro projetas, com contra­partida também de R$ 5 milhões. Esse ainda é um problema para as empresas que estão precisando de dinheiro para desenvolver projetas e, geralmente, não têm. Temos de tentar desenvolver a in­dústria nacional de qualquer jeito ou passaremos a comprar tudo da China. Até junho deste ano o déficit brasileiro de produtos manufaturados era deUS$ 60 bilhões. Nossa situação só não é pior porque exportamos muita soja e miné­rio de ferro. É isso o que faz a balança ficar um pouco positiva, de cerca de US$ 1 bilhão. É muito pouco.

• Vamos voltar a falar de medicina. O senhor foi pioneiro da cirurgia cardíaca em vários hospitais de São Paulo e em cidades do interior. Foi por gosto ou necessidade? - Mais por gosto. Apesar do lado empresarial, sempre fui mais ligado à academia. Em 1968 ajudei a fundar a Famerp como uma fundação privada sem fins lucrativos. Estamos estaduali­zados desde 1994. Na Famerp chefiei o Serviço de Cirurgia Cardíaca até minha aposentadoria, mas desde 1994 lide­ro, como pró-reitor, a pós-graduação, com nota 5 da Capes, e agora interi­namente a pesquisa. São 300 alunos na pós-graduação, que chamamos de guarda-chuva. Admitimos médicos, fisioterapeutas, enfermeiros, engenhei­ros, todos relacionados à medicina. Re­centemente orientei até um advogado, ex-promotor, que fez uma tese muito bacana sobre ética médica.

• O senhor se formou em 1962 e se dou­torou em 1990, 21 anos depois. Por quê? -Cheguei a me inscrever para douto­rado na USP em 1965, mas anularam a inscrição à minha revelia, sem razão aparente. Como já trabalhava muito, operava muitos doentes, desisti. Até que um dia, nos anos 1980, fui convidado para compor uma banca de doutorado da FMUSP. Embora não fosse doutor,

Temos de tentar desenvolver

a indústria nacional de qualquer jeito ou passaremos a comprar tudo da China

fui convidado por notório saber. En­contrei lá o Costabile Gallucci - que também foi uma figura importante na história da cirurgia cardíaca brasileira -, professor titular da Unifesp. Ele se virou para mim e perguntou por que eu não tinha feito doutorado. Contei a his­tória e o Gallucci me disse, "Então você vai para a Escola Paulista de Medicina comigo para entrar no doutorado hoje': Me deixei convencer e fiz uma tese, com o Ênio Buffolo como orientador.

• Quais são os principais desafios da medicina hoje? -Apesar de já termos mapeado o DNA humano ainda não sabemos a cura de alguns dos principais grupos de doenças que nos afetam. As doenças mentais -como a esquizofrenia- são um exem­plo. Outro é a moléstia cardiovascular. Cinquenta por cento das pessoas que têm infarto ou acidente encefálico não têm nenhum fator de risco conhecido. Às vezes, o infarto é o primeiro sintoma e o paciente morre. O inverso não é ver­dade - ou seja, quem tem algum fator de risco certamente vai ter problema em algum momento da vida. Questões co­mo essas mostram que ainda há muito para ser descoberto, apesar dos enormes avanços. As outras duas são: artrite, uma doença autoimune, e o câncer.

• O senhor venceu um câncer. Como foi? -Há seis anos descobri um tumor

grande na garganta, de três por qua­tro centímetros, embora nunca tenha fumado ou bebido. Fiquei rouco, mas achei que era porque estava dando mui­ta aula. Minha família me pressionou e fui a um otorrino, que fez o diagnóstico. Aí comecei um périplo pela Unicamp e pelo Hospital do Câncer A.C. Camargo para saber se deveria operar ou não. Se operasse, talvez tivesse de tirar toda a laringe. Um amigo, o Antonio Carlos Martins, professor de cabeça e pescoço da Faculdade de Medicina da Unicamp, me aconselhou a ir para os Estados Uni­dos para ter outra opinião. Fui e fiquei seis meses no Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, em Nova York.

• Foi operado? -Não. Quando cheguei, o médico concluiu que eu deveria fazer quimio­terapia e radioterapia em altíssimas doses e uma gastrostomia [alimenta­ção di reta no estômago, via sonda]. Eu disse que não queria. Ele retrucou no melhor estilo americano, "Então volta para o Brasil': Acabei topando. Para se ter ideia do que foi o tratamento, fiquei um ano sem comer, apenas com uma sonda direto no estômago e me con­venci de algo interessante: doente de câncer, às vezes, morre de fome.

• Porquê? -Eu usava um nutriente com 5 mil calorias por dia e ainda assim emagre­cia três a quatro quilos por mês. Inven­tei, então, de acrescentar coalhada e foi um sucesso. Os americanos não acre­ditaram e vieram me perguntar como eu havia descoberto que coalhada era tão bom. Ora, ela é altamente calórica e ajuda o intestino também. Deu certo.

• O senhor realmente fez 25 mil cirur­gias cardiovasculares? -Operei de 1962 a 2005, por 43 anos. Parei quando fiquei doente. Era comum operar pelo menos quatro pacientes por dia. Nessa conta entra tudo porque as cirurgias são feitas em equipe. Às vezes, eu não era o cirurgião principal, mas auxiliava de todas as formas; outras ve­zes tocava apenas a parte principal. Em algumas situações havia duas cirurgias em salas diferentes e sempre médicos abrindo e fechando pacientes. Então saía de uma e entrava em outra ... No total, tive participação em 25 mil delas. •

PESQUISA FAPESP 176 • OUTUBRO DE 2010 • 17

Page 18: Vida no espaço

Bactérias super-resistentes poderiam viver fora da Terra

MARIA GUIMARÃES

Page 19: Vida no espaço

~ < z

Solo marciano (esquerda) e vulcões terrestres na Rússia

a história de ficção científica Pictures don't lie, de 1951, de Katherine MacLean, uma na­ve alienígena entra em contato com a Terra e pede permissão para pousar. Mas quando os visitantes aterrissam, ninguém os vê, nem eles avistam o comitê de recepção. Na ver­dade, tanto terráqueos como extraterrestres

estavam buscando na escala errada: os visitantes eram microscópicos. Um grupo de pesquisadores brasileiros está descobrindo que essa ideia está mais próxima da realidade do que parece. Eles mostraram que bactérias super-resistentes sobreviveriam a viagens pelo espaço, agarradas a minúsculos fragmentos de poeira.

A conclusão é pioneira na astrobiologia, a área da ciência que nas últimas décadas procura indícios de vida fora da Terra, outros mundos habitáveis e enten­der as condições essenciais para o surgimento da vida. Um dos projetos mais conhecidos de astrobiologia, o Seti, sigla em inglês para Busca por Inteligência Extraterrestre, comemora este ano o cinquentenário. A diferença é que novas tecnologias agora permitem estender as fronteiras do conhecimento. No Brasil os estudos nessa área devem ganhar fôlego nos próximos meses, com o início da atividade do primeiro labo­ratório nacional dedicado à astrobiologia. Em fase de instalação em Valinhos, no interior de São Paulo, o novo centro será coordenado por Eduardo Janot­Pacheco e ligado ao Instituto Astronômico e Geofísico da Universidade de São Paulo (IAG-USP).

O astrônomo Douglas Galante, pesquisador do IAG à frente da instalação do laboratório, vem mos­trando como a vida pode resistir até mesmo aos fenômenos cósmicos mais extremos, como explo­sões de supernovas e de raios gama. Seu trabalho, ao lado dos experimentos do biólogo Ivan Paulino Lima durante o doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), contribui para a ideia de que seres vivos podem viajar pelo espaço. Ambos estudaram a bactéria Deinococcus radiodurans, que se destaca por resistir a doses altíssimas de radiação. A espécie foi descoberta nos anos 1950, no contex­to da indústria norte-americana de carne enlatada.

Page 20: Vida no espaço

Os alimentos eram tratados com ra­diação para eliminar contaminação por bactérias, mas parecia impossível acabar com elas: a Deinococcus radiodu­rans resistia à esterilização. "Se formos expostos a raios gama com uma intensi­dade de quatro Grays, estaremos mortos em um mês", avalia a biofísica Claudia Lage, da UFRJ, orientadora de Paulino Lima no doutorado, "mas a Deinococcus radiodurans continua se multiplicando mesmo depois de bombardeada com 15.000 Grays". Na verdade, o material genético da bactéria é pulverizado, mas bastam três horas sem excesso de ra­diação para que o DNA se recomponha perfeitamente e volte à ativa. Como a fênix da lenda, que renasce das cinzas.

resistência a altos níveis de radia­ção, e também ao vácuo, à des­secação e à temperatura, é o que

torna essa bactéria ideal para testar a possibilidade de seres vivos fazerem viagens interplanetárias sem a pro­teção de uma espaçonave. Até agora, estudos internacionais - feitos in­clusive pela agência espacial norte­-americana (Nasa) -vêm testando a possibilidade de vida no espaço com bactérias que se protegem formando uma carapaça, como se fossem múmias (cistos). A diferença é que a Deinococcus entra em dormência, mas não forma esses cistos, e nos últimos anos Paulino Lima vem submetendo essa bactéria a feixes de luz que simulam a radiação que existe em raios solares no espaço, sem a proteção de uma atmosfera.

Boa parte do trabalho está sendo feita no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) em Campinas, no interior de São Paulo. A pesquisa mos­trou, segundo resultados publicados em agosto na Planetary and Space Science, que basta a proteção de um grão de poeira para que a bactéria sobreviva nas condições do espaço.

A poeira é mais importante do que parece. Ela passa incólume por barrei­ras físicas sérias para corpos maiores. Quando um meteorito grande penetra a atmosfera, por exemplo, o atrito é tão intenso que aquece a rocha a tempera­turas que muitas vezes a pulverizam e são letais para qualquer bactéria. Esse problema não existe com a poeira, cujo tamanho microscópico lhe permite en­trar na atmosfera quase sem atrito. E

20 • OUTUBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 176

ela é abundante, em parte devido aos cometas que cruzam o espaço com sua cabeleira luminosa. A cauda de um co­meta surge quando ele se aproxima do Sol, na verdade é sua superfície asso­prada pelos ventos solares. Quando vai embora para os confins do Universo, o cometa deixa para trás essa poeira e fica ligeiramente menor por perder a camada externa. Uma camada valiosa para a vida: os cometas são repletos de aminoácidos, as moléculas orgânicas que compõem as proteínas.

Teoria na prática - "Por volta de 1 O mil toneladas de grãos de cometas caem na Terra todos os anos", afirma Claudia. E os grãos que chegam não são, para ela, os únicos indícios de que a Terra está longe de ser um ambiente fechado sobre si mesmo, aonde nada chega e de onde nada sai. Ventos e tufões suspen­dem partículas do solo até o alto da atmosfera, periodicamente varrida por ventos solares que carregam essa poeira para outras zonas do espaço. "Estamos contaminando o Universo", comenta.

Num período de pesquisa no síncro­tron Diamond, na Inglaterra, Paulino

Lima mostrou também que suas bacté­rias favoritas resistem a uma explosão simulada de supernova, um fenômeno estelar que libera altas quantidades de raios X. O estudo ganhou ainda mais força com o encontro pouco comum entre astrobiologia experimental e teó­rica. Na mesma época, Douglas Galante estava mergulhado em cálculos e simu­lações teóricas para descobrir como a vida reage às doses extremas de raios cósmicos presentes no espaço e em pla­netas jovens- para com isso entender a origem da vida e a evolução da biodiver­sidade. Independente do grupo carioca, ele tinha justamente escolhido usar em suas simulações um organismo difícil de matar: a Deinococcus radiodurans. No Diamond, os dois jovens pesquisadores trabalharam juntos e mostraram que os dados teóricos e experimentais se encai­xavam com perfeição.

"Descobri que não é possível matar toda a vida de um planeta", conta Ga­lante, que, além das supernovas, fez si­mulações teóricas de explosões de raios gama, os eventos de mais alta energia desde o Big Bang. "A energia liberada nesses eventos é imensa, como se toda a

De. rac em de no

m;

gl< gu és ex eq láJ -h da Sll

te

aJ ]c tr ai tr p le

o t< c té c e e I;

s

Page 21: Vida no espaço

Deinococcus radiodurans em meio de cultura, no laboratório

massa do Sol fosse convertida em ener­gia no intervalo de 10 segundos." Se­gundo ele, uma explosão de raios gama é suficiente para esterilizar todo o lado exposto de planetas até uma distância equivalente ao diâmetro da nossa ga­láxia: 30 mil parsecs ou 99 mil anos­-luz. Mas sempre restará vida protegi­da dentro da água, debaixo do solo ou simplesmente na face dos corpos celes­tes não atingida pelos raios gama.

M esmo assim, esses eventos espa­ciais têm efeitos duradouros. Em artigos recentes na Astrophysics

and Space Science e no International ]ournal of Astrobiology, Galante mos­trou que as explosões de raios gam a alteram a química da atmosfera e des­troem a camada de ozônio, tornando o planeta mais exposto a raios ultravio­leta por vários anos, o que causa danos aos seres vivos. As simulações mostram o que aconteceria ao se eliminar quase toda a vida na Terra, sobrando só cer­ca de 1 o/o dos organismos, e por isso têm importância para outras áreas da ciência. "Os eventos de extinção são essenciais para o surgimento de novas espécies", lembra o astrônomo, especu­lando que talvez esses acontecimentos sejam necessários para gerar diversida-

BaSTa um GRaO

08 P081Ra

PaRa PROT8G8R I

a BaCT8Ria DOS

RaiOS SOlaReS

de. "A astrobiologia estuda a origem, a evolução e o destino da vida."

Em parceria com a dupla da UFRJ, ele pretende continuar bombardean­do com radiação bactérias afeitas a condições extremas, em experimentos que replicam situações espaciais. Uma dessas bactérias foi descoberta este ano pelo grupo da microbióloga argentina Maria Eugenia Farias num lago na cra­tera de um vulcão andino e será testada em colaboração com a equipe brasilei-

ra. São bactérias que sobrevivem em condições extremas diversas, inclusive em uma salinidade altíssima. Pode ser importante para simular a possibili­dade de vida em Marte, um ambiente extremamente salino.

Boa parte do trabalho deve ser fei­ta no laboratório de Valinhos, onde já existe um observatório didático do IAG. Em cerca de seis meses, segun­do Galante, deverá estar em ação uma câmara de simulação mais sofisticada do que a do LNLS, capaz de submeter as bactérias a um conjunto completo de parâmetros controlados, como tem­peratura, radiação e pressão, além de simular uma atmosfera protetora.

Alienígenas bacterianos -Para Clau­dia e Paulino Lima, os resultados dão apoio à ideia da panspermia, uma hipó­tese que considera que a vida pode estar disseminada Universo afora. Quando a Terra surgiu, 4,5 bilhões de anos atrás, o Universo já tinha 10 bilhões de anos. Quando este planeta ainda era muito jovem na escala de tempo geológica, há 3,8 bilhões de anos, já havia vida microscópica por aqui, provavelmente capaz de usar a luz solar por meio da clorofila e produzir oxigênio. É o que revela a composição de rochas encon­tradas na Groenlândia por pesquisado­res da Inglaterra, dos Estados Unidos e da Austrália. Claudia vê esses indícios como sinais de que a vida pode ter vin­do de outro lugar. Mas essa visão está longe de consensual. Galante é caute­loso. "Há microrganismos que seriam capazes de suportar as condições de uma viagem espacial, mas não se sabe se isso realmente acontece."

Bastante mais consensual é a visão de que, mesmo que a vida em si não tenha vindo do espaço, moléculas pré-bió­ticas - os tijolinhos mais elementares para a construção de material genético -já estavam por aqui logo depois que a Terra se formou e podem ter vindo do espaço. Muitos especialistas acredi­tam que as condições terrestres naquela época eram ideais para permitir reações químicas e o surgimento da vida, talvez a partir de moléculas pré-bióticas que vieram de carona numa cauda de come­ta. O físico nuclear Enio da Silveira, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), tenta entender a formação dessas substâncias químicas.

PESQUISA FAPESP 176 • OUTUBRO DE 2010 • 21

Page 22: Vida no espaço

"Estudamos moléculas inorgânicas que estão em cometas, em todo lugar, e já estavam no sistema solar há 4 bilhões de anos", conta. São moléculas como a da água, do metano, do monóxido de carbono, do dióxido de carbono e da amônia, em estado sólido, que seu grupo irradia com íons emitidos por uma fonte radiativa, o califórnio, que simulam um raio cósmico sem a pro­teção de uma atmosfera.

Esse tipo de radiação é suficiente para produzir uma grande variedade de moléculas, que Silveira identifica e quantifica com a ajuda de técnicas es­pecializadas como espectrometria de massa e de infravermelho, capazes de medir a vibração característica das mo­léculas. Quanto mais tempo ele mantém o bombardeio, mais moléculas vê surgir. Os elementos mais importantes são o carbono, o nitrogênio, o oxigênio e o hidrogênio, que juntos respondem por cerca de 90% da composição das molé­culas orgânicas. Ao analisar como esses elementos respondem à radiação, ele vem construindo um banco de dados que deve servir como referência para os astrônomos para avaliar a idade de um sistema, como um planeta ou um asteroide, por exemplo, segundo artigos recentes nas revistas Surface Science e Astronomy and Astrophysics.

22 • OUTUBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 176

O aTRITO DO I

R8C8PTaCUlO

08 COl8Ta 08

uma nave em

VOO CaRBOniZaRia

as amosTRas

O pesquisador da PUC percebeu que o monóxido de carbono é impor­tante para a formação de moléculas or­gânicas. "É uma fonte mais generosa de átomos de carbono, que consegue cons­truir os esqueletos de grandes molécu­las orgânicas." Como os cometas têm abundância de monóxido de carbono e de água- da qual dependem todas as reações bioquímicas-, os resultados in­dicam que é provável o surgimento de vida elementar em condições diferentes das que caracterizam o único planeta onde já se encontrou vida.

O que acontece quando essas mo­léculas pré-bióticas caem ou são pro­duzidas na Terra? Com essa pergunta em mente, o químico Dimas Zaia, da Universidade Estadual de Londrina, no Paraná, mistura moléculas que podem ter existido em seguida à formação des­te planeta, como o aminoácido cisteína, com argila. Ele revelou, neste ano na re­vista Amino Acids, que a argila é um veí­culo de formação de moléculas bioló­gicas. "A cisteína reage com compostos de ferro e por isso tem uma afinidade muito forte pela argila", conta. Tanto em ambiente ácido, com pH 3, como alcali­no, com pH 8, característicos de vulcões submarinos, ele mostrou, com a ajuda de análises como espectrometria de in­fravermelho, Mõssbauer, EPR e raios X, que as moléculas de cisteína reagem com o substrato e dão origem a cistina, uma molécula mais complexa.

Lares extraterrestres - Encontrar organismos vivos no espaço é uma tarefa árdua, e não só por serem mi­croscópicos. Uma nave espacial em pleno voo está em velocidade tão alta que um receptáculo de coleta causaria um atrito forte a ponto de carbonizar a amostra, matando e pulverizando qual­quer bactéria interplanetária. A Nasa tem mandado sondas robotizadas para investigar, por exemplo, a superfície de Marte, mas ainda não encontrou vida. Para tornar a busca possível, os estudos terráqueos informam os pesquisadores sobre os indícios de vida esperados fora da Terra, as chamadas bioassinaturas, além de apontar onde procurá-los.

O planeta anunciado no final de se­tembro por astrônomos norte-ameri­canos é um candidato. "É a primeira vez que se encontra um planeta rochoso, como a Terra, no meio da zona habi-

tável Mas< água nãot escUJ lante para

l zon< voF do c sist(

33' quE vá a CC

rad vet int1 me bit pl~

c o: pe ag O '

us

j ~ n }

t

Page 23: Vida no espaço

cons­écu­têm

'0llO

s as sin­

de tes e ta

o­o­ta

lia o

a,

tável de sua estrela", comenta Galante. Mas ainda não se sabe se tem atmosfera, água e estabilidade para gerar vida. E não tem dia e noite- um lado é sempre escuro e outro sempre claro. Para Ga­lante, pode ser um problema, sobretudo para o surgimento de vida complexa.

Um dos exploradores em busca de zonas habitáveis é o astrônomo Gusta­vo Porto de Mello, da UFRJ. Analisan­do dados da zona mais conhecida do sistema solar, até lO parsecs do Sol, ou 33 anos-luz, ele encontrou 13 estrelas que podem abrigar planetas habitá­veis, a partir de critérios que incluem a composição, a idade e o tamanho e a radiação que recebem, segundo descre­veu em 2006 na Astrobiology. Estudos internacionais recentes usaram técnicas menos precisas para procurar zonas ha­bitáveis e indicam uma área mais am­pla. Os resultados, porém, coincidem com a proposta do brasileiro com res­peito às estrelas mais promissoras. Até agora não se detectaram planetas, mas o pesquisador defende que é preciso usá-las como alvo principal.

busca por planetas habitáveis, que tenham sofrido impactos de cometas suficientes para fornecer água, mas

já estáveis, também ocupa a astrôno­ma Jane Greaves, da Universidade de St. Andrews, na Escócia, que veio ao Brasil para o simpósio Frontiers of Science, realizado no interior de São Paulo com apoio da FAPESP (ver reportagem na página 36). "A dificuldade para encon­trar planetas em zonas habitáveis é ter

I

na o seR a

SURPR8S3

enconTRaR I

miCROBIOS I

aueniGenas

certeza do que é um biossinal", explica. "Metano pode sair de vulcões; oxigênio e ozônio podem vir de moléculas de água evaporando de oceanos e quebradas por radiação. É preciso muito trabalho teó­rico e experimental, mas as perspecti­vas para as próximas duas décadas são muito empolgantes." Jane identificou um alvo promissor a 59 anos-luz, mas acredita que deve haver outro por volta de 33 anos-luz, conforme artigo deste ano na Monthly Notices of the Royal As­tronomical Society.

É um horizonte distante. Paravas­culhar essas zonas da galáxia, será pre­ciso usar telescópios de interferometria, ainda em projeto e que devefll estar disponíveis em cerca de lO anos. No espaço, esses instrumentos serão capa-

zes de cancelar a luminosidade emitida pelas estrelas e detectar os planetas. Em seguida, análises com infravermelho permitiriam, a distância, medir os com­primentos de onda emitidos por esses planetas em busca de sinais de água líquida e outros indícios de vida.

A presença de água líquida na su­perfície é o paradigma principal na busca da vida - além de possibilitar a formação de moléculas com carbono, pode ser detectada de longe -, mas há outras possibilidades. Marte, por exem­plo, não tem água líquida aparente, mas talvez tenha debaixo da superfície. A Nasa pretende mandar, em 2015, um robô capaz de perfurar alguns metros e chegar ao subsolo marciano. Outra possibilidade é Europa, uma lua de Jú­piter. Ela está fora da zona considerada habitável, mas parece ter água debaixo de uma camada de gelo. "É preciso vol­tar a Marte e ir a Europa", afirma Porto de Mello, lembrando que a Nasa apro­vou uma missão robotizada a Europa.

O astrônomo da UFRJ está otimista e não ficará surpreso caso se encontre vida em Europa ou Marte. "Será vida microbiana. Muita coisa teria que acon­tecer para que surgisse vida complexa", relativiza. Quem espera por homenzi­nhos verdes ou feras gosmentas cheias de dentes e tentáculos, ou ainda por uma inteligência superior como a do ET de Steven Spielberg, talvez se frus­tre. Alienígenas invisíveis a olho nu, como imaginado por Katherine Mac­Lean há 60 anos, já bastarão para uma grande festa entre especialistas. •

ArtiÇJos científicos

1. MARTIN, O. et ai. Effects of gamma ray bursts in Earth's biosphere. Astrophysics and Space Science. v. 326, p. 61-7. 2010. 2. PAULINO-LIMA, I. G. et ai. Laboratory simulation of interplanetary ultraviolet radiation (broad spectrum) and its effects on Deirwcoccus radiodurans. Planetary and Space Science. v. 58, p. 1.180-87.2010. 3. PILLING, S. et ai. Radiolysis of ammonia-containing ices by energetic, heavy, and highly charged ions inside dense astrophysical environments. Astronomy and Astrophysics. v. 509. 2010. 4. PORTO DE MELLO, G. et ai. Astrobiologically interesting stars within 10 parsecs of the Sun. Astrobiology. v. 6, n. 2, p. 308-31. 2006.

PESQUISA FAPESP 176 • OUTUBRO DE 2010 • 23

Page 24: Vida no espaço

ESTRATÉGIAS MUNDO

I PARA REINVENTAR O HAITI

Um workshop realizado em San Juan, Porto Rico, reuniu especialistas haitianos, porto-riquenhos e norte-americanos para discutir como a ciência pode aj udar o Haiti a recuperar sua economia após o terremoto que matou mais de 100 mil pessoas em janeiro. Houve consenso sobre a necessidade de aumentar o número de pesquisadores e de professores treinados em ciências. "O sistema educacional precisa ser reinventado, pois o número de estudantes é baixo e a maioria das escolas é privada, num país em que muitas pessoas não podem pagar por educação", disse Paul Latortue, diretor da Escola de Administração e Negócios da Universidade de Porto Rico, Rio Piedras.

Segundo ele, a formação deficiente dos professores é um obstáculo dramático. "Venho trazendo professores do Haiti para serem treinados em Porto Rico nos últimos 20 anos e

OS MAIS FRACOS PERECEM

O governo da China anunciou que milhares de revis­tas científicas de baixa qualidade do país deverão desaparecer. Segundo Li Dongdong, vice-ministra e diretora da agência que controla as publicações do país, um processo de avaliação irá classificar os atuais 5 mil títulos de acordo com a originalidade e o impacto internacional de seus artigos. Os bem avaliados vão receber incentivos fiscais. Já os de baixa reputação serão forçados a fechar as portas, embora, em alguns casos, exista a opção de serem relançados com um novo conselho editorial e com um título diferente. A meta é reduzir o número de revistas e concentrar as remanescentes em poucos grupos editoriais capazes de competir entre si. "A

China quer ser uma potência em publicações cien­tíficas, não um país com uma quantidade enorme de revistas sem reconhecimento", afirmou Li, segundo a revista Nature.

Estima-se que uma em cada três revistas exista apenas para ajudar estudantes e professores a acumular o número de ar­tigos exigido para avançar na carreira. A originalidade é outro problema. Um estudo mostrou que 31% dos artigos submetidos ao Journal of Zhejiang University-Science continham material

muitos deles não entendem plagiado. A preocupação com o impacto não é nova. Já há 200 conceitos básicos", afirmou revistas sediadas na China que são publicadas em inglês, numa à agência SciDev. As áreas estratégia para aumentar a repercussão de seus artigos. de pesquisa mais carentes de investimento, segundo os participantes, são saúde, recursos hídricos, produção e conservação de comida, prevenção de desastres, agricultura e recuperação de terras degradadas. "Este é um momento de urgência, mas também de oportunidade", disse Jorge Colón, presidente da divisão caribenha da Associação Americana para o Progresso da Ciência (AAAS, em inglês). "A educação científica deve ser reforçada se quisermos atingir as m etas de desenvolvimento de longo prazo no Haiti." ....

24 • OUTUBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 176

\EM TEI

Ogo anur deU (o e(

de p

cria' tecn fina Em doi (2, aq de qu o at d( p' p o

p

Page 25: Vida no espaço

I EMPRES;:.s DE BASE TECNOLOGICA

O governo da Argentina anunciou investimentos de US$ 17,5 milhões (o equivalente a 70 milhões de pesos argentinos) na criação de empresas de base tecnológica. A linha de financiamento, denominada Empre-Tecno, concederá dotações de até US$ 640 mil (2,5 milhões de pesos argentinos) para desenvolver projetos de quatro anos de duração. Cada subsídio irá financiar atividades como testes de potencial tecnológico, planos de negócios, participação em feiras, consultaria e despesas para proteger a propriedade intelectual de produtos. ''A condição é que a futura empresa de base tecnológica consiga também investimentos privados que permitam dar conta da produção e comercialização", disse à agência SciDev.Net Isabel Mac Donald, diretora do Fundo Argentino Setorial (Fonarsec), vinculado

à Agência Nacional de Promoção Científica e Tecnológica. "O objetivo do governo ao incentivar o surgimento dessas empresas é gerar empregos de qualidade, substituir importações e melhorar a competitividade de setores produtivos", afirmou Isabel. As áreas temáticas preferenciais são vacinas, softwares para o agronegócio, tecnologia de alimentos e engenharia de solos.

I CREDIBILIDADE EM ALTA

Uma sondagem feita pela internet com mais de 21 mil leitores de 18 países das revistas Nature e Scientific American indica que a credibilidade da ciência e dos cientistas é elevada. Numa escala de confiança de zero a cinco, os cientistas receberam a nota média de 3,98. Em segundo lugar, empatados com a nota 3,09, vieram os grupos de amigos/ familiares e as entidades

PARCERIA ESPACIAL

Por meio de uma parceria com

a China, a Namíbia, país de

2 milhões de habitantes da

África austral, quer ganhar

competência em áreas como

sensoriamente remoto e co­

municações. No mês passado,

uma delegação de astronau­

tas chineses inaugurou em

Swakopmund, na Namíbia, um

centro que vai monitorar as

comunicações com missões

espaciais da China. A estação

é controlada por técnicos chi­

neses, mas a partir de 2015 o

encargo será repassado à Na­

míbia. Para dar conta dessa tarefa, desde 2008, 11 namibianos

foram à China para receber formação especializada. É o caso

de Ebenhezer Kauhonina, pesquisador de redes de satélite.

"Meus estudos começaram na China e agora continuam em

Swakopmund", disse à agência SciDev.Net. A Namíbia também

abriga o Sistema Estereoscópico de Alta Energia (Hess, na sigla

em inglês), do Instituto Max Planck, da Alemanha. Alfred van

Kent, diretor de pesquisa, ciência e tecnologia do Ministério da

Educação da Namíbia, afirma que os centros devem gerar no

país alguma expertise em supercomputadores, desenvolvimento

de sensores, sistemas avançados de comunicação e robótica.

não governamentais. A seguir vieram os grupos de defesa dos cidadãos (2,69), os jornalistas (2,57), as empresas (1,78), os políticos eleitos (1,76) e as autoridades religiosas (1,55). Os autores ressaltam que a sondagem não seguiu uma metodologia científica, como acontece com as enquetes da internet. "Muitos dos resultados batem com a opinião de um grupo de pessoas bem informadas sobre ciência", escreveu a Nature. Afinal, 19o/o das pessoas que participaram da enquete disseram ter o título de doutor. As amostras de cada

país tiveram tamanhos bem diferentes. Do Brasil, por exemplo, participaram 422 pessoas, 10o/o do número de norte-americanos. Ainda assim, algumas diferenças regionais apareceram. Os europeus são os que mais temem os riscos associados ao uso da energia nuclear e possíveis problemas causados pelo cultivo de transgênicos. Já os norte-americanos são os que menos se inquietam com essas questões. Os chineses são os que mais defendem a ideia de que os cientistas não devem se meter em política, seguidos pelos brasileiros.

PESQUISA FAPESP 176 • OUTUBRO DE 2010 • 25

Page 26: Vida no espaço

MUITO DINHEIRO, POUCA AMBIÇÃO

Embora a Suécia seja o país europeu

que mais investiu em ciência e tecno­

logia em 2009, o equivalente a 3,6%

do PIB, sua produção científica teve

menos citações em revistas interna­

cionais do que nações como Suíça,

Holanda e Dinamarca, mostra um re­

latório do Conselho de Pesquisa sue­

co. O documento ressalta que a Suécia

tem uma ciência bem-sucedida e que a

série histórica dos índices de citação

coloca o país em sexto lugar no mundo.

Como dinheiro não é problema, o diag­

nóstico é que falta ambição. Mathias

Uhlen, do Instituto Real de Tecnologia

em Estocolmo, aposta que é preciso apoiar grandes programas

de pesquisa. "Optou-se, no passado, por pulverizar os recursos

para a ciência básica. Isto não promove a pesquisa que tem

mais impacto", afirmou à revista Nature. Karl Tryggvason,

do Instituto Karolinska, diz que as universidades não estão

preparadas para enfrentar a competição internacional. "O ne­

potismo e as disputas políticas são um problema", analisa.

SENSAÇÃO DE IMPOTÊNCIA

A comunidade científica espanhola está alarmada com os rumores de que o orçamento para pesquisa do país sofrerá um corte de 10%, além dos 15%

suprimidos no ano passado. A guerra de nervos levou a ministra da Ciência, Cristina Garmendia, a negar que esteja demissionária e a garantir que não haverá novo corte, ao contrário do que ocorrerá com outras pastas. Mas o assunto

26 • OUTUBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 176

vem sendo discutido no governo e há até uma movimentação para incorporar a pasta da Ciência à de Educação, caso Cristina saia. "Uma mudança desse tipo depende da decisão do presidente do governo", disse Felipe Pétriz Calvo, secretário de Estado para pesquisa. "Uma sensação de impotência se espalha entre os cientistas", disse à revista Nature o biólogo molecular Jesús Avila, um dos 51 cientistas que assinaram uma carta aberta ao governo depois do corte do ano passado.

I EXPERIMENTOS SOB CONTROLE

O Parlamento Europeu aprovou um conjunto de regras que restringem o uso de animais em experiências de laboratório. Segundo a agência BBC, ficam proibidos os testes com grandes primatas, como chimpanzés, gorilas e orangotangos, embora se possa recorrer a outras espécies dessa ordem de

mamíferos. Utilizar mais de uma vez um animal só será permitido se o experimento impuser dor moderada. A ideia inicial era permitir a reutilização apenas em testes classificados como de dor leve, mas parlamentares concluíram que a reutilização reduz o total de animais envolvidos em experimentos e se mostraram preocupados com o risco de o continente perder competitividade na pesquisa de doenças crônicas. Estima-se que 12 milhões de animais sejam utilizados anualmente em laboratórios da Europa. O controle também vai aumentar. As novas normas, que substituem uma legislação de 1986, obrigam os laboratórios a obter autorização oficial antes de usar animais em testes e, numa vitória dos grupos de defesa dos animais, determinam o uso de alternativas não animais sempre que isso for possível. Os governos deverão fiscalizar regularmente os laboratórios, incluindo-se visitas sem aviso prévio.

PRÊt'v

Pesquisa

lugares n a Biodiv

assinadc

assisten

geria Jo

reportac

em julhc

mostra ' O segur

naturez

mostra

pacto d

"Foi gr.

tambér

que tra

abraço

da revi

catego

Rede~

res, da

pela A

FAPES

I MU Alt

AUn São P o pro doM que s C ida• ao L< sobn daF;

Letn (FFI duas audi exp< mul labo eco COll'

Page 27: Vida no espaço

PRÊMIO EM DOSE DUPLA

Pesquisa FAPESP conquistou o primeiro e o segundo lugares na 10a edição do Prêmio de Reportagem sobre

a Biodiversidade da Mata Atlântica. Dois trabalhos

assinados pela jornalista Maria Guimarães, editora assistente de ciência da revista, venceram na cate­

goria Jornalismo Impresso, que era disputada por 62

reportagens. A matéria "Jardineiras fiéis", publicada

em julho de 2009, que obteve a primeira colocação,

mostra como as formigas ajudam a semear florestas.

O segundo lugar foi para a reportagem "O futuro da

natureza e da agricultura", de outubro de 2009, que

mostra como os modelos matemáticos estimam o im­

pacto das mudanças climáticas em plantas e animais.

"Foi gratificante não só pelo reconhecimento, mas

também por aumentar a visibilidade dos assuntos de

que tratei nas reportagens", diz Maria, bióloga que

abraçou o jornalismo há quatro anos. Di mas Marques,

da revista Horizonte Geográfico, foi o terceiro colocado. Na

categoria televisão, os vencedores foram Aline Carvalho, da

Rede Minas TV, Beatriz Castro, da Rede Globo, e Claudia Tava­

res, da TV Cultura. Nos 10 anos do concurso, que é promovido

pela Aliança para a Conservação da Mata Atlântica, Pesquisa

FAPESP ganhou oito prêmios e cinco menções honrosas.

I MUSEU CONTRA A INTOLERÂNCIA

A Universidade de São Paulo (USP) apresentou o projeto arquitetônico do Museu da Tolerância, que será construído na Cidade Universitária. Ligado ao Laboratório de Estudos sobre a Intolerância (LEI) da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), o museu terá duas bibliotecas, cinemateca, auditório, galerias para exposições, salas de multimídia, salas de aula, laboratórios de restauração e conservação, espaços de convivência, além de uma <11111

área que abrigará o LEI. Como a missão do museu é combater intolerâncias políticas, religiosas, culturais e sociais, haverá seções temáticas sobre índios, afr icanos e judeus, vítimas

ESTRATÉGIAS BRASIL

tradicionais de preconceito. A presidente do museu, Anita Novinsky, diz que ele seguirá um conceito peculiar. "Será uma escola voltada para a educação, com o sentido de transmitir conhecimentos sobre o valor da diversidade humana e das diferentes cúlturas e de demonstrar as consequências do fanatismo e da intolerância", diz ela, que é professora da USP. O projeto é assinado pelo escritório Frentes, de São Paulo.

I BRASILEIRO NO CORPO EDITORIAL

Edgar Dutra Zanotto, professor do Departamento de Engenharia de Materiais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), assume neste mês o corpo editorial do ]ournal ofNon-Crystalline Solids (JNCS), principal publicação na área de estudos em materiais vítreos e amorfos. Zanotto atuará no comando da revista, ao lado de B. G. Potter, da Universidade do Arizona, e J. W. Zwanziger, da Dalhousie University. É a primeira vez que um brasileiro assume a função. Segundo Zanotto, a indicação reflete a reputação do Laboratório de Materiais Vítreos da UFSCar, que "está em pé de igualdade com os mais conhecidos laboratórios internacionais especializados nesse campo".

PESQUISA FAPESP 176 • OUTUBRO DE 2010 • 27

Page 28: Vida no espaço

ARTICULAÇÃO NACIONAL

Uma rede nacional de pesquisa

voltada a ampliar o conheci­

mento sobre a biodiversidade

brasileira acaba de ser lança­

da, com investimento inicial

de R$ 51,7 milhões para pro­

jetas de pesquisa. O Sistema

Nacional de Pesquisa em Bio­

diversidade (Sisbiota-Brasil)

é uma iniciativa de vários

ministérios e órgãos federais

com 18 fundações estaduais

de amparo à pesquisa, entre as

quais a FAPESP. "Ter um sis­

tema nacional era um anseio

da comunidade científica que

atua nessa grande área", disse

à Agência FAPESP Carlos Joly,

coordenador do Programa Biota-FAPESP. A experiência do

programa paulista auxiliou na elaboração do Sisbiota-Brasil e dois membros da coordenação do Biota-FAPESP participarão

da gestão do sistema nacional: Joly e Roberto Berlinck, do

Instituto de Química da Universidade de São Paulo, em São

Carlos. Joly espera que o Sisbiota reproduza nacionalmente

o impacto que o Biota-FAPESP teve em São Paulo. "Isso só

ocorrerá se houver garantias de que o financiamento será

mantido em médio e longo prazos", disse.

I LIDERANÇA EM AEROSSÓIS

Paulo Artaxo, professor titular e chefe do Departamento de Física Aplicada do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP), e Meinrat Andreae, diretor do Departamento de Biogeoquímica do Instituto Max Planck de Química, na Alemanha, foram contemplados com o Fissan-Pui-TSI Award 2010 pelas pesquisas que desenvolvem em conjunto na área de aerossóis. O prêmio é concedido pela International Aerosol Research Assembly, entidade que reúne

11 instituições internacionais de pesquisa em aerossóis. A cerimônia de premiação foi realizada no início de setembro durante a Conferência Internacional de Aerossóis, em Helsinki, na Finlândia. O Fissan-Pui-TSI Award homenageia, a cada quatro anos, líderes na pesquisa sobre aerossóis atmosféricos. "Esta premiação enfatiza o fato de que em algumas áreas de pesquisa é necessário um trabalho internacional de longo prazo para que bons resultados sejam obtidos", disse Artaxo à Agência FAPESP. O cientista, que integra o Programa FAPESP

28 • OUTUBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 176

de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais, ressalta que a cooperação internacional em estudos climáticos é fundamental, uma vez que problemas similares costumam ocorrer em pontos diferentes do planeta. Artaxo ,e Andreae desenvolvem, desde 1980, trabalhos conjuntos na região amazônica, entre os quais três projetos temáticos apoiados pela FAPESP.

I JACOB PALIS RECEBE PRÊMIO

O matemático Jacob Palis, professor titular do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa), no Rio de Janeiro, foi um dos vencedores do Prêmio Balzan 2010. Indicado pela Sociedade Brasileira de Matemática (SBM), ele dividirá o prêmio com o biólogo japonês Shinya Yamanaka, da Universidade de Kyoto, o historiador italiano Carla Ginzburg,

da Escola Normal Superior de Pisa, e o alemão Manfred Bauneck, da Universidade de Hamburgo. Presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e da Academia de Ciências do Mundo em Desenvolvimento (TWAS), Palis foi escolhido pelos seus estudos no campo dos sistemas dinâmicos, que servem para modelar fenômenos que evoluem no tempo, como o clima e os sistemas planetários (ver Pesquisa FAPESP no 161) . É a primeira vez

que um brasileiro recebe o prêmio, cujo valor é de 750 mil francos suíços (cerca de R$ 1,2 milhão) para cada ganhador. "O prêmio tem a ver com a repercussão de minha pesquisa", disse Palis ao Pesquisa Brasil, programa de rádio de Pesquisa FAPESP. "Tem m uita gente trabalhando nela em vários países. Orientei mais de 40 teses e muitos de meus alunos são figuras reconhecidas." A Fundação Balzan, com sede em Milão e Zurique, busca todos os anos destacar áreas emergentes de pesquisa.

\SAA CEN

A mult anunc1 umce1 desenv indepf resulta de self os nm da Fm que di da Frz Unidc decidi m ont prova São P outro

SA NO

ACo

Esta

um c José

no p

cent

em r bier

com

gica

me r pro1

pré

da '

e b

apc

res

e a de

R$

qui

da

de•

ne

te I

sa

e l

Page 29: Vida no espaço

o r

go.

),

IS

I SAAB ANUNCIA interessantes", afirmou à CENTRO NO BRASIL Agência Brasil o diretor da

Saab no Brasil, Bengt Janér, A multinacional sueca Saab que acompanhou no mês anunciou que irá instalar passado o presidente um centro de pesquisa e da empresa, Hakan Buskhe, desenvolvimento no Brasil, numa audiência com o independentemente do ministro da Defesa, Nelson resultado do processo Jobim. Segundo Janér, de seleção para fornecer o centro será o primeiro da os novos aviões de combate companhia na América da Força Aérea Brasileira, do Sul e deverá desenvolver, que disputa com empresas entre outros, projetas de da França e dos Estados radares e sensores, além de Unidos. "Ainda não produtos para a segurança decidimos onde será civil utilizáveis na proteção montado, mas muito de usinas hidrelétricas, provavelmente será em estádios e grandes eventos, São Paulo por lá haver como as Olimpíadas e outros centros de pesquisa a Copa do Mundo. "Temos

muitas tecnologias, como fusão de dados e integração de sistemas, que poderão transbordar da área militar para a aviação civil e para a iniciativa privada", disse Janér. "Além da Suécia, também mantemos centros de excelência desse nível na África do Sul, Austrália, países nórdicos e Inglaterra", afirmou o presidente da empresa Hakan Buskhe, ao jornal Valor Econômico. A Saab investe 20% do seu faturamento em pesquisa e desenvolvimento. De seus 13 mil funcionários no mundo, 7 mil são engenheiros.

I MULHERES NA CIÊNCIA

Sete pesquisadoras com idades entre 30 e 36 anos receberam no dia 23 de setembro, no Hotel Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, o prêmio L'Oréal!Unesco para Mulheres na Ciência, concedido em parceria pela Academia Brasileira de Ciências (ABC), a L'Oréal Brasil e a Comissão Nacional da Unesco. Na área de ciências matemáticas, foi agraciada Audrey Helen Cysneiros, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

--------------------------------~------------------------------------- ~

Na área de química, a vencedora foi Kathia Maria Honorio, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo, a USP Leste. Em física, a escolhida foi Lucimara Pires Martins, pesquisadora

SANEAMENTO NO PARQUE

A Companhia de Saneamento Básico do

Estado de São Paulo (Sabesp) assinou

um convênio com a Prefeitura de São

José dos Campos para a implantação

no parque tecnológico da cidade de um

centro de pesquisa e desenvolvimento

em recursos hídricos e saneamento am­

biental. O centro, criado em parceria

com o Instituto de Pesquisas Tecnoló­

gicas (I PT), vai investir em temas como

membranas filtrantes, automação de

processos, modelos de gestão, medição

pré-paga de consumo, poluição no eixo

da via Out ra, aquíferos subterrâneos

e balanço ambiental. A FAPESP tem

apoiado projetos de pesquisa de inte­

resse da Sabesp. Em 2008, a Fundação

e a companhia celebraram um acordo

de cooperação para o investimento de

R$ 50 milhões em cinco anos em pes­

quisas aplicadas. Segundo o presidente

da Sabesp, Gesner Oliveira, o centro

deverá impulsionar o esforço para universalizar os serviços de sa­

neamento. "Isso exige investimento e inteligência. Com o parque

tecnológico e o centro de desenvolvimento reúnem-se as empre­

sas e a academia. A transformação dessa parceria em produtos

e serviços é essencial para o avanço do setor'', afirmou.

Pesquisa em recursos hídricos une IPT e Sabesp

"' < ~

do Núcleo de Astrofísica Teórica da Universidade Cruzeiro do Sul (Unicsul). Em ciências biomédicas, biológicas e da saúde houve quatro vencedoras: Bruna Romana de Souza, do Departamento de Biologia Animal da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ); Cristiane Matté, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Patrícia Schuck, da Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc); e Simone Appenzeller, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Cada uma delas recebeu uma bolsa-auxílio no valor deUS$ 20 mil. O programa foi criado em 2006 com o objetivo de estimular a participação das mulheres no cenário científico do Brasil.

PESQUISA FAPESP 176 • OUTUBRO DE 2010 • 29

Page 30: Vida no espaço
Page 31: Vida no espaço

[ INTERNACIONALIZAÇÃO ]

A preparação do salto

israelense Ada Yonath e o fran­cês Albert Fert, vencedores, respectivamente, do Nobel de Química de 2009 e o de Física de 2007, estarão em Campinas no início de 2011 participan­do com 18 palestrantes de seis

países de um curso destinado a difun­dir novas aplicações da radiação síncro­tron e atrair pós-doutores brasileiros e estrangeiros para atuar nessa área em universidades e empresas do Brasil. O evento será uma das escolas São Paulo de Ciência Avançada, modalidade de apoio da FAPESP que busca, por meio de cursos de curta duração, aumentar a exposição internacional de áreas de pesquisa de São Paulo que já são com­petitivas mundialmente (leia mais na página 34). O curso, intitulado Novos Desenvolvimentos no Campo da Radia­ção Síncrotron, terá 40 alunos, sendo a metade recrutada em países como Esta­dos Unidos, Japão e Argentina. "O alvo principal são pesquisadores que estejam perto de concluir o doutorado, pois já têm um bom background e estão próxi­mos de procurar um lugar para fazer o pós-doe", diz o organizador da escola, o físico francês Yves Petroff, diretor cien­tífico do Laboratório Nacional de Luz

Laboratório quer atrair estrangeiros para pesquisa com luz síncrotron

FABRÍCIO MARQUES

Síncrotron (LNLS), que sediará o evento entre os dias 17 e 25 de janeiro.

Petroff, que foi diretor-geral do Eu­ropean Synchrotron Radiation Facility (ESRF), em Grenoble, na França, de 1993 a 2001 , e trabalhou em laborató­rios semelhantes nos Estados Unidos, acredita que o Brasil dispõe de boas con­dições para atrair estudantes de fora. "São Paulo, por exemplo, oferece bolsas de pós-doutorado muito competitivas por meio da FAPESP. Se você comparar com os Estados Unidos e a Europa, aqui a situação é muito favorável, porque o valor da bolsa é substancial e isento de imposto", diz Petroff, referindo-se aos R$ 5.028,90 mensais da bolsa de pós­-doutoramento da Fundação. Foi isso, aliás, que o estimulou a fazer a proposta da escola avançada, aprovada no primei­ro edital do programa. Na sua avaliação, tais condições ainda são pouco difun­didas fora do Brasil. A programação da escola incluirá visitas à USP, à Unicamp e a São Carlos, para que os pesquisa­dores convidados conheçam melhor o ambiente de pesquisa do Brasil. "Ciência é competição. Todo pesquisador quer trabalhar num bofu laboratório, mas ainda são poucos os estrangeiros que conhecem o Brasil."

Esta é a segunda reportagem de uma sér ie sobre a internacionalização da pesquisa científica em São Paulo

Page 32: Vida no espaço

Petroff tem experiência para com­parar ambientes de pesquisa de vários países. Ele destaca, no Brasil, a disponi­bilidade de jovens comprometidos com pesquisa. "Eu havia vindo ao Brasil al­gumas vezes em seminários e sempre me chamou a atenção a idade média dos pesquisadores, que é baixa. Esse é um ponto muito forte. Nos Estados Unidos e na Europa não acontece assim. Os jo­vens não vão trabalhar com pesquisa. Vão para bancos ou outras atividades", afirma. Ele também elogia a capacidade dos pesquisadores que construíram a fonte de luz síncrotron nos anos 1990 por um valor muito baixo: US$ 36 mi­lhões. "Isso é algo sem precedentes no mundo. Há gente muito talentosa fa­zendo pesquisa no Brasil", afirma, ainda que não se conforme com os entraves burocráticos para a importação de equi­pamentos e insumos para pesquisa.

Deflexão - O objetivo central da es­cola é preparar a ciência brasileira para dar um salto na utilização da luz síncrotron. Essa radiação é gerada por elétrons produzidos num acelerador, que ficam circulando num grande anel quase na velocidade da luz e, quando passam por ímãs, sofrem uma defle­xão provocada pelo campo magnético. Fótons são emitidos, resultando na luz síncrotron. As ondas eletromagnéticas são aproveitadas pelos pesquisadores no LNLS em 14 estações de trabalho ou linhas de luz espalhadas em pontos do anel, em estudos sobre a estrutura atômica de materiais como polímeros, rochas, metais, além de proteínas, molé­culas para medicamentos e cosméticos, ou mesmo imagens tridimensionais de

Um em cada

cinco usuários

do laboratório

vem do exterior.

Depois do

Brasil, a

Arqentina

é o país que

mais usa a

fonte de luz

fósseis ou até de células. O LNLS abriga a única fonte de luz síncrotron da Amé­rica Latina e, em 2015, deverá ganhar uma versão maior e mais potente, de terceira geração -a atual é de segunda geração-, o que permitirá obter ima­gens da estrutura de alvos cada vez menores e com resolução bem maior (ver Pesquisa FAPESP no 172) . Com a nova fonte, batizada de Sirius, o país vai manter-se competitivo com países como Espanha, Coreia do Sul e Taiwan, que também estão construindo fontes

---

de terceira geração. ''As novas fronteiras da ciência exigem equipamentos mais sofisticados", diz o físico Antônio José Roque da Silva, diretor do LNLS e pro­fessor do Instituto de Física da Univer­sidade de São Paulo (USP).

Pluridisciplinar- De acordo com Yves Petroff, que foi contratado em novem­bro de 2009 com a incumbência de tra­çar os objetivos científicos do projeto da fonte Sirius, multiplicar a comunidade de pesquisadores e profissionais aptos a trabalhar com as novas aplicações da radiação síncrotron é essencial para que o país fique competitivo nesse campo do conhecimento. "A ciência é cada vez mais pluridisciplinar. Por isso, os alunos da escola avançada vão assistir a sessões sobre várias possibilidades a fim de conhecerem todas as técnicas existentes", afirma o físico francês. Os temas das sessões incluem as aplica­ções em biologia estrutural, imagem em três dimensões obtida por raios X, catálise, magnetismo, nanociên­cia e meio ambiente. "O número de usuários de fontes de luz síncrotron nos Estados Unidos cresceu 40%, de 6 mil para 8.400, entre 2000 e 2008, enquanto na França o aumento foi de 36% entre 2003 e 2009", diz. Segundo ele, entre 30% e 40% das fontes de luz disponíveis são utilizadas no campo da biologia estrutural. "A razão é fá­cil de entender. O uso da radiação é fundamental em estudos de estruturas biológicas ou para desvendar a função de proteínas. Todas as companhias farmacêuticas utilizam as linhas de luz para esse fim . No Brasil, as indústrias de medicamentos ainda fazem pouca pesquisa, mas há espaço para avançar", afirma. Da mesma forma, observa Pe­troff, montadoras de automóveis usam a luz síncrotron em pesquisas sobre motores e catálise, paleontólogos vêm conseguindo desvendar a estrutura de fósseis por meio da radiação, enquan­to a indústria de cosméticos recorre à luz para garantir que a estrutura das nanopartículas usadas em seus produ­tos não faça mal à saúde. "Trabalha-se

com est1 xas", afir

ou pios usu de2mil instituiç cerca de aproxm cados e das. De• são estr mente c Brasil, < utiliza a realizad geiros E

Em seg norte-a. colomb norueg1 e indiar çãooU estrang' três são ainda e iranian LNLSt< Oriente constru Jordâni profícu; particii de luz. conced deUS$ LNLS.' tos, a F1 a pesqu tosem de proj> rio': diz diretor

COI intençi colabo1 LNLSi há um< nalizaç vência cria urr A cont passo n julho a

-

Page 33: Vida no espaço

:fronteiras :ntos mais tônio José -JLSe pro­la Univer-

com Yves nnovem­cia de tra­projeto da nunidade 1ais aptos cações da I para que re campo a é cada r isso, os o assistir idades a técnicas

~ncês. Os aplica­

Imagem

ror r~}os tnoC!en­mero de

frotron 0%, de e 2008,

~o foi de regundo es de luz 1 campo rão é fá­lliação é truturas I função panhias ~s de luz ~ústrias r pouca rançar", [rva Pe-

IIS usam s sobre ros vêm tura de

com estruturas cada vez mais comple­xas", afirma Petroff.

O LNLS é uma instalação de múlti­plos usuários. A cada ano, um exército de 2 mil pesquisadores de centenas de instituições utiliza as fontes de luz em cerca de 400 estudos que resultam em aproximadamente 250 artigos publi­cados em revistas científicas indexa­das. Dezenove por cento dos usuários são estrangeiros, oriundos principal­mente da América Latina. Depois do Brasil, a Argentina é o país que mais utiliza as linhas de luz. Dos 87 estudos realizados por pesquisadores estran­geiros em 2009, 64 eram argentinos. Em seguida vêm os cubanos (6), os norte-americanos (4), os alemães (3), colombianos, chilenos, mexicanos e noruegueses (2 cada um), portugueses e indianos (1). Desde a sua inaugura­ção o LNLS contratou 11 pesquisadores estrangeiros e dos 19 bolsistas de 2010 três são estrangeiros. Apenas um deles ainda está no laboratório, o pós-doe iraniano Fariman Fathi Hafhejani - o LNLS tem um convênio com países do Oriente Médio, vinculado ao projeto de construção de uma fonte síncrotron na Jordânia. Também há uma colaboração profícua com o Canadá, em que o LNLS participa da construção de uma linha de luz. Entre 1995 e 2009, a FAPESP concedeu auxílios e bolsas no valor deUS$ 60 milhões a pesquisadores do LNLS. "Devido à qualidade dos proje­tas, a FAPESP tem apoiado fortemente a pesquisa no LNLS e ficamos satisfei­tos em ver os bons resultados e o grau de projeção internacional do laborató­rio': diz Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP.

Com o advento da nova fonte, a intenção é estimular ainda mais as colaborações internacionais. "Como o LNLS é referência para muitos países, há uma situação propícia à internacio­nalização", diz José Roque. "A convi­vência entre usuários de vários lugares cria um ambiente de pesquisa maduro." A contratação de Yves Petroff foi um passo nessa direção. O LNLS sediou em julho a primeira edição fora da Europa

Yves Petroff: objet ivos

científicos da font e Sirius

do Hercules (Higher European Rese­arch Course for Users of Large Expe­rimental Systems), curso de formação para doutores e pós-doutores na área de radiação síncrotron. Dos 63 participan­tes, 23 eram latino-americanos.

De volta - A repatriação de bons pes­quisadores brasileiros também está em curso. O físico Fabiano Yokaichiya, 36 anos, acaba de ser admitido no labo­ratório, depois de seis anos longe do Brasil, durante os quais fez pós-dou­toramentos em três países. Na França, esteve no Laboratório Louis Néel, do Centro Nacional de Pesquisa Cientí­fica (CNRS, na sigla em francês). Nos Estados Unidos, passou pelo Labora­tório Nacional Brookhaven. Nos úti­mos três anos, trabalhou em Berlim, na Alemanha, no Centro Helmholtz de Materiais e Energia. "Quando deixei o Brasil, meu objetivo era fazer carreira fora, mas a pesquisa no país está num

momento favorável e achei a oportu­nidade boa", afirma. O físico Narcizo Marques de Souza Neto, de 32 anos, é outro exemplo. Ele foi contratado pelo LNLS em julho, depois de passar três anos no Argonne National Labo­ratory, nos Estados Unidos, fazendo pós-doutorado em magnetismo sob altas pressões. "Haviam me oferecido uma posição permanente lá, mas optei por voltar quando recebi a proposta do LNLS", diz Narcizo. "A infraestrutura nos Estados Unidos era muito boa e daria para prever exatamente como se­ria minha carreira, mas no LNLS, com a construção da nova fonte, o desafio é mais motivador", diz Narcizo, que agora utiliza sua rede de conta tos nos Estados Unidos para estabelecer colaborações. Com o objetivo de desenvolver pes­quisas em materiais sob altas pressões, Narcizo motivou um estudante de dou­torado norte-americano a vir fazer o pós-doutorado no LNLS. •

PESQUISA FAPESP 176 • OUTUBRO DE 2010 • 33

Page 34: Vida no espaço

Excelência na vitrine

inco propostas foram selecionadas na segunda chamada da Escola São Paulo de Ciência Avançada (ESPCA), modalidade de apoio da FAPESP que busca aumentar a exposição interna­cional de áreas de pesquisa de São Paulo já competitivas mundialmen­

te. O objetivo do programa, lançado em 2009, é criar oportunidades para que pesquisadores de São Paulo organizem cursos de curta duração capazes de trazer ao estado jovens estudantes ou pós-doutores de outros países e regiões, possibilitando a interação com pesquisadores locais e debatendo temas avançados da ciência. Os temas dos cursos selecionados são variados: vão da modelagem das mudanças climáticas à genética, passando pela física quântica, eco­logia e supercondutividade.

Em abril de 2011, pouco antes da Páscoa, acontece em São Carlos a Escola Avançada Desafios Modernos com Matéria Quântica: Átomos e Moléculas Frias. A agenda ainda não está completa, mas pelo menos dois ven­cedores do Nobel deverão vir. "Trata-se de um tema da física atômica e molecular que está rendendo artigos nas melhores revistas mun­diais, como Physical Review Letters, Science e Nature, e propondo desafios fantásticos dentro da física", explica Vanderlei Salvador Bagnato, professor do Instituto de Física de São Carlos (USP) e coordenador da iniciativa. Além de discutir um tema emergente, o que se busca, segundo o professor, é atrair bons alunos do exterior e de outros estados para atuar em São Paulo. Como acontece em todas as propostas aprovadas, a metade dos alunos convidados virá de outros países e a ambição do programa é que parte deles se candidate a bolsas de pós­-doutoramento no Brasil. No rol de atividades, os participantes conhecerão laboratórios de universidades paulistas, como a USP e a Uni­camp. "Queremos tornar nossos laboratórios mais internacionais, tanto trazendo alunos do exterior como mandando os nossos para fora. Isso nos força a estar na vanguarda e a ter mais inserção", afirma.

34 • OUTUBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 176

Modelos cl imáticos - A proposta da Escola São Paulo em Modelagem das Mudanças Cli­máticas, programada para acontecer em setem­bro de 2011, é reunir um conjunto de jovens pesquisadores e estudantes de pós-graduação da América Latina, da Índia e da África do Sul em torno de tópicos de pesquisa inovadores, a serem incluídos no primeiro modelo climáti­co concebido por pesquisadores do hemisfério Sul. "O objetivo é promover uma colaboração Sul-Sul para fomentar o crescimento da comu­nidade de pesquisadores no campo de mode­lagem do sistema climático no Brasil, com a participação de países vizinhos, África e Índia", diz Paulo Nobre, pesquisador do Instituto Na­cional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e um dos coordenadores da escola. ''A atividade terá duas semanas, tendo como meta que os pesquisado­res continuem trabalhando remotamente nos temas de pesquisa elencados durante a escola e apresentando os resultados em futuras edições do evento", afirma. A necessidade de desenvol­ver uma nova geração de competência nesse campo se explica: hoje, para projetar os efeitos das mudanças climáticas no Brasil, utilizam-se ferramentas inespecíficas que são recortes da previsão para o mundo inteiro. Coordenada pelo climatologista Carlos Nobre, do Inpe, a escola em 2011 terá como foco as interações entre continente e oceano. A cada dia, os 40

Novos estran1

~·~ ...... ~ • .-i

alunos s ten1a e, apresen para urr. tre os p como C Shukla, e Guy E Center

Os condut Avança Supero a conte' em ag< me mo supere do gn: Morei partan da Esc USP,c ção d( renon vidad no B1 que t1 vidad tem< ao co

Page 35: Vida no espaço

Novos cursos de curta duração buscam mostrar a pesquisadores estrangeiros as oportunidades de atuar em São Paulo

alunos serão apresentados a um novo tema e, em subgrupos, desafiados a apresentar uma proposta de pesquisa para uma questão relacionada a ele. En­tre os palestrantes, destacam-se nomes como Carlos Nobre, do Inpe, Jagadish Shukla, da Universidade George Mason, e Guy Brasseur, ex-diretor do National Center for Atmospheric Research.

Os avanços no campo da super­condutividade serão o mote da Escola Avançada sobre Materiais Condutores e Supercondutores Anisotrópicos, que vai acontecer em Lorena, interior paulista, em agosto de 2011, ano em que seco­memora o centenário da descoberta da supercondutividade. A proposta partiu do grupo liderado por Carlos Alberto Moreira dos Santos, professor do De­partamento de Engenharia de Materiais da Escola de Engenharia de Lorena, da USP, que há tempos desejava a realiza­ção de um evento com pesquisadores renomados na área de superconduti­vidade e materiais supercondutores no Brasil. "A comunidade brasileira que trabalha na área de superconduti­vidade, principalmente experimental, tem diminuído nos últimos tempos, ao contrário do que acontece no exte-

(( • • • • •JJ •

·~. ··----------------~/ . . . /""""- .

• rior", diz Carlos dos Santos. "E a gente se ressente do fato de não conseguir trazer pessoas do exterior para traba­lhar aqui. Tenho certeza de que a escola vai, inclusive, ampliar a visibilidade dos grupos de pesquisa na área de super­condutividade do estado de São Paulo no exterior", afirma o professor. Entre os especialistas do exterior que confir­maram presença, figuram, por exemplo, os norte-americanos Zachary Fisk, da Universidade da Califórnia - Irvine, e John J. Neumeier, da Universidade do Estado de Montana.

Trabalho de campo - Uma peculia­ridade da Escola Avançada Redes em Ecologia: Teoria, Métodos e Aplicações, que acontecerá em setembro de 2011, é que ela será ministrada dentro de uma estação ecológica. O local ainda está sendo definido. Durante nove dias, os participantes formularão hipóteses e sairão a campo para testá-las. A inicia­tiva vai abordar conceitos e aplicações de teoria de redes em ecologia, espe­cialmente sobre interações ecológicas, redes espaciais e conservação. Será mi­nistrada por pesquisadores de vários países, entre eles Jordi Bascompte, da

Estación Biológica de Dofiana, Sevilha, Marie-Josée Fortin, da Universidade de Toronto, e Timothy Keitt, da Universi­<.bde do Texas. Segundo o coordenador da esc::>la, Thomas Lewinson, professor do In:;tituto de Biologia da Unicamp, o objetivo é estimular a pesquisa em ecologia baseada na análise e na for­mulação de dados. "A pesquisa em ecologia cresceu muito nos últimos 20 anos, mas isso se deu principalmente arrebanhando dados. Isso é essencial, mas não suficiente", diz. "Sem formular hipóteses e testá-las, é o equivalente a ser um fornecedor de commodities."

A Escola São Paulo de Ciência Avan­çada- Tópicos Avançados em Genéti­ca Molecular Humana será realizada na Unicamp de 28 de fevereiro a 4 de março de 2011. Do exterior virão pales­trantes como Charles Lee, da Harvard Medical School, e Christian Kubisch, da Universidade de Ulm, Alemanha. Se­gundo o reitor da Unicamp, Fernando Ferreira Costa, que coordena a escola, a meta é discutir os dados mais recen­tes no campo da genética em relação a moléstias como câncer e doenças gené­ticas das hemoglobinas e neurológicas. "A intenção é discutir os métodos mais modernos e as consequências que te­rão no diagnóstico e no tratamento de doenças, além de estreitar a relação dos pesquisadores brasileiros dos grandes centros do exterior", diz Costa.

Outras duas propostas foram pré-selecionadas, mas dependem de complementação de documentos ou informações para finalização da análise. Uma delas, no campo da genética bovi­na, é coordenada por Luciana Regitano, da Embrapa Pecuária Sudeste. A outra, apresentada por Ohara Augusto, do Ins­tituto de Química da USP, relaciona-se a processos de oxidação que envolvem a formação de radicais livres. •

PESQUISA FAPESP 176 • OUTUBRO DE 2010 • 35

Page 36: Vida no espaço

lnteração nas fronteiras Simpósio reúne brasileiros, britânicos e chilenos para discutir tópicos emergentes da ciência

Brasil sediou um dos principais eventos da comemoração dos 350 anos da Royal Society, a consagrada instituição de pro­moção da ciência do Reino Unido. O simpósio UK-Brazil Frontiers of Science reuniu em Itatiba, no interior paulista, um grupo de 76 pesquisadores do Brasil,

do Reino Unido e do Chile para debater grandes questões do conhecimento sob uma ótica multi­disciplinar. "O balanço foi bastante positivo", diz o físico Marcelo Knobel, pró-reitor de Graduação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ), que coordenou a organização do evento ao lado de Richard Kirby, da Escola de Ciência e Engenharia Marinha da Universidade de Plymouth, no Reino Unido. Embora os resultados concretos só devam aparecer em longo prazo, na forma de colaborações internacionais, Knobel ouviu avaliações elogio­sas dos participantes. "Um dos pesquisadores me disse que havia lembrado por que resolvera fazer ciência, que é pelo prazer do conhecimento", diz Knobel. Ele se referia ao formato do simpósio, que contemplou temas bastante variados e convidou os especialistas a interagir e debater. "Eles refrescaram a cabeça, pois puderam conhecer assuntos instigan­tes e distantes de suas especialidades. No caso dos palestrantes, foi a chance de expor suas pesquisas a uma plateia que, embora fosse praticamente leiga no assunto, era composta por jovens pesquisadores de alto nível", afirma.

Os participantes foram selecionados entre cien­tistas com menos de 20 anos de doutoramento, mas considerados líderes no meio acadêmico. O encon­tro, que ocorreu entre os dias 27 e 30 de agosto, foi organizado pela Royal Society e pela FAPESP, em parceria com o British Council, a Academia Brasi-

leira de Ciências, a Academia Chilena de Ciências e o projeto bilateral UK­Brazil Partnership in Science and Inno­vation. Lorna Casselton, vice-presiden­te da Royal Society, esteve presente no simpósio. Cada uma das nove sessões iniciou-se com três miniconferências de especialistas. No debate de abertura, Glaucia Mendes de Souza, do Institu­to de Química da Universidade de São Paulo (USP), uma das coordenadoras do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (Bioen), e Joaquim Seabra, do Labotatório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), ex­puseram a experiência brasileira de produção de etanol de cana-de-açúcar, enquanto Sofia Valenzuela, da Universi­dade de Concepción, do Chile, mostrou o esforço de seu país para extrair etanol de biomassa de eucalipto. Como seria de esperar, várias perguntas recaíram sobre a sustentabilidade dos biocom­bustíveis, uma conhecida preocupação dos britânicos, que apostam, por falta de terra disponível, em soluções como a energia solar e a eólica.

Os debates seguintes também abor­daram tópicos de pesquisa na fronteira do conhecimento, como plasticidade cerebral, emaranhamento quântico, modelagem matemática de populações e doenças, sistema profundo da Terra e mudança climática e desenvolvimento de plantas, entre outros. Numa sessão sobre regulação de metabolismo ener-

géticc camp quais pode nios< ohip Pesq1 rênc: Nadj do Ir a reg e de . de C no v: card Terr mar evol rên< Uni Ri c< alér pes1 mia da 1 pot rep

Ati tad tro est pe1 jor da ra·l

Page 37: Vida no espaço

gético, o brasileiro Lício Velloso, da Uni­camp, relatou seus estudos segundo os quais o consumo excessivo de gorduras pode gerar uma inflamação nos neurô­nios de uma região na base do cérebro, o hipotálamo, que controla a fome (ver Pesquisa FAPESP n° 156). Sua confe­rência foi precedida por palestras de Nadja Cristina Souza-Pinto, professora do Instituto de Química da USP, sobre a regulação do metabolismo energético, e de Andrew J. Murray, da Universidade de Cambridge, que abordou a busca de novas terapias contra a insuficiência cardíaca. A existência de vida fora da Terra e a busca por planetas habitáveis marcaram a sessão sobre formação e evolução do planeta, que teve confe­rências dos britânicos Jane Greaves, da Universidade de Saint Andrews, e Ken Rice, da Universidade de Edinburgo, além do brasileiro Douglas Galante, pesquisador do Instituto de Astrono­mia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP e especialista de uma área ainda pouco conhecida, a astrobiologia (ver reportagem na página 18).

Atitude positiva - O jornalismo vol­tado para a cobertura de ciência foi ou­tro tema debatido. Com base em seus estudos sobre jornalismo científico e a percepção pública da ciência, o físico e jornalista Yurij Castelfranchi, professor da Universidade Federal de Minas Ge­rais (UFMG), disse que o Brasil tem um

Os resultados

concretos do

evento devem

aparecer em

lonqo prazo,

na forma de

colaborações

internacionais

ambiente favorável para essa aproxima­ção entre ciência e sociedade. "Cerca de 80% das pessoas têm uma atitude positiva em relação à ciência. Isso não quer dizer que as pessoas compreen­dam a ciência. A questão que nos inte­ressa é como transformar essa 'confian­ça ignorante' em conhecimento real", disse. A jornalista Mariluce Moura, diretora da revista Pesquisa FAPESP, apresentou uma análise da evolução do jornalismo científico no Brasil nas últimas décadas. Segundo ela, o foco da mídia brasileira sobre o conhecimento científico tem se acentuado. ''A Pesquisa FAPESP se tornou muito próxima da comunidade científica paulista, esta­belecendo uma relação de confiança", disse. O britânico Tim Hirsch destacou as diferenças marcantes das experiên-

cias de divulgação da ciência no Brasil e no Reino Unido. Hirsch foi corres­pondente da área de meio ambiente da BBC News entre 1997 e 2006 e hoje a tua no Brasil como consultor e jorna­lista independente.

O simpósio de Itatiba fez parte do programa Frontiers ofScience, quedes­de 2004 promove grandes encontros internacionais com pesquisadores e é patrocinado por organizações científi­cas dos Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, China e Japão. Para Marcelo Knobel, os bons resultados do simpó­sio mostram que o formato funciona. "Mesmo fora do guarda-chuva da Royal Society, a ideia de reunir jovens cientis­tas para debater temas de fronteira me­rece ser repetida", diz. O evento foi útil para mostrar aos britânicos a realidade de pesquisa no Brasil, o que poderá ren­der parcerias futuras. "Muitos ficaram surpresos e entusiasmados com a quali­dade da pesquisa brasileira", diz Knobel. Jonathan Dawes, do Departamento de Ciências Matemáticas da Universidade de Bath, disse que a experiência foi pro­veitosa. "Foi uma oportunidade de ga­nhar uma visão sobre os desafios atuais de outras disciplinas. E também de ter uma ideia do alcance das pesquisas realizadas no Brasil e de como o Rei­no Unido pode se envolver com elas", afirmou. Além do simpósio em Itatiba, Dawes deu seminários no Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa) no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro.

A estrutura de financiamento da FAPESP foi destacada por alguns par­ticipantes, ao responderem, anonima­mente, a um questionário de avaliação do evento. "O sistema de financiamento do estado de São Paulo é fantástico. Ah, se tivéssemos algo parecido aqui, par­ticularmente em relação ao teto para gastos administrativos ... ", escreveu um deles. Outro destacou a força da pes­quisa brasileira em áreas como doenças tropicais, a pesquisa do HIV, a bioquí­mica de plantas. "Fiquei extremamente impressionado com os pesquisadores brasileiros que conheci, principalmente por aqueles que encontrei em visitas que se seguiram a laboratórios. O in­vestimento em ciência é formidável, especialmente no estado de São Paulo, e o entusiasmo dos estudantes de pós­-graduação é contagiante", afirmou. •

PESQUISA FA PES P 176 • OUTUBRO DE 2010 • 37

Page 38: Vida no espaço

[ INDICADORES ]

Investimento em ascensao

FAPESP desembolsou, no ano passado, R$ 679,52 milhões em recursos para pesquisa, 6,5% a mais do que em 2008, mantendo uma curva ascendente de investimentos desde 2003. O crescimento se deu a despeito de a receita total da Fundação ter caído 4,5% em 2009, resultado da redução de recursos federais vinculados a convênios. Esse é um dos dados prin­

cipais do Relatório de atividades da FAPESP em 2009, lan­çado neste mês e ilustrado com obras de Candido Portinari ( 1903-1962) que integram uma exposição, cuja abertura, com a presença do filho do pintor, João Candido, está programada para o dia 20, às 16 horas, na sede da Fundação.

Outro destaque foi a elevação, respectivamente, em 8,32% e 14,57% dos recursos destinados às bolsas regulares e aos auxílios regulares à pesquisa. No caso das bolsas, foram des­tinados R$ 98,57 milhões para a modalidade doutorado e R$ 79,65 milhões para a de pós-doutorado, além de R$ 44,79 milhões para a categoria mestrado e R$ 16,79 milhões para as bolsas de iniciação científica. Entre os auxílios regulares, um número eloquente foi o crescimento da quantidade de proje­tos temáticos contratados. Foram 109, quase 60% mais do que em 2008. O desembolso com os projetos temáticos chegou a R$ 80,32 milhões, 28,32% a mais do que no ano anterior. Do total de novos projetos, 42 foram temáticos vinculados a INCTs (Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia), em parceria com o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) . Os recursos destinados a eles foram de R$ 17,3 7 milhões.

"Toda a atividade da FAPESP é fortemente imbuída de sentido finalístico", diz o presidente da Fundação, Celso La­fer. "Tem-se a consciência do papel cada vez mais relevante que a ciência e a tecnologia possuem em relação ao desen­volvimento sustentável e à garantia da qualidade de vida da população. Para cumprir estas finalidades é essencial o apoio intenso da FAPESP à formação de recursos humanos para pesquisa, o apoio à pesquisa acadêmica e o apoio à pesquisa orientada a aplicações", afirma. Lafer lembra que

38 • OUTUBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 176

Relatório de atividades 2009 destaca aumento dos recursos para bolsas e auxílios da FAPESP

o estado de São Paulo investe em pesquisa e de­senvolvimento 1,52% do PIB estadual, situando­-se à frente de países como Portugal, Espanha, Itá­lia, Chile, Argentina e México. "Da fração pública desses investimentos, o governo do estado de São Paulo foi responsável por 24%, o que significa quase o dobro da participação federal. Disso resul­ta a participação destacada da comunidade cientí­fica paulista em termos de trabalhos indexados de padrão interpacional, que correspondem a pouco mais da metade da produção nacional, bem como a formação, em São Paulo, de 45% dos doutores do país. A FAPESP, ao longo de sua história, e não foi diferente em 2009, contribuiu fortemente para esse fenômeno", disse Celso Lafer.

A área da saúde, que concentra um grande nú­mero de pesquisadores e grupos de pesquisa no estado de São Paulo, foi contemplada com 28% dos recursos desembolsados pela Fundação. Em seguida aparecem as áreas de biologia (16%), en­genharia (14%), ciências humanas e sociais (9%) e agronomia e veterinária (9% ), entre outras. A concentração de grupos de pesquisa também ex­plica o repasse de recursos a pesquisadores da Uni­versidade de São Paulo (USP), que receberam, em 2009, 46% do total de recursos desembolsados pela Fundação. A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) recebeu 14% e a Universidade Estadual Paulista (Unesp) ficou com 13%. As instituições fe­derais localizadas em São Paulo obtiveram 12%.

Demanda espontânea - Trinta e seis por cento dos recursos, ou R$ 242,6 milhões, destinaram­-se à formação de recursos humanos para a pes­quisa, na forma de bolsas regulares. Um montante de R$ 284,31 milhões, ou 42% do total, foi desti-

nado< projet pesqu ticos. dos p< estrat milhõ progn tecnol potent tecnol formt ram c

A quisa de m< pesqu gram; pesqt milhê do ed

Ma i

Evoh

Bolsa!

Auxílil

Progn

Progrê para ir

Total

E v oh

Bolsa•

Auxíli

Progr

Progn para ir

Total

Aux em

quis

Prog FAPB çad~ Micr<

Page 39: Vida no espaço

nado aos auxílios regulares à pesquisa, projetos de demanda espontânea dos pesquisadores, incluindo-se os temá­ticos. Já os programas especiais, cria­dos para induzir a pesquisa em áreas estratégicas, ficaram com R$ 75,89 milhões, ou 11 o/o do total. Por fim, os programas de pesquisa para a inovação tecnológica, que apoiam pesquisas com potencial de desenvolvimento de novas tecnologias ou que contribuem para a form ulação de políticas públicas, fica­ram com 11 o/o, ou R$ 76,7 milhões.

A preocupação com o apoio à pes­quisa acadêmica envolveu um esforço de modernização da infraestrutura de pesquisa das instituições. Para os pro­gramas de apoio à infraestrutura de pesquisa foram destinados R$ 38,68 milhões. No ano houve o lançamento do edital para o FAP-Livros, progra-

ma voltado para a compra de livros e e-books para atualização do acervo de bi­bliotecas de universidades e instituições de pesquisa no estado de São Paulo.

A FAPESP avançou em sua polí­tica de internacionalização do inves­timento em pesquisa. Foram estabe­lecidos novos acordos de cooperação com instituições do exterior, caso dos Conselhos de Pesquisa do Reino Unido (RCUK), King's College London e com o International Science and Technolo­gy Partnerships Canada Inc. (ISTP Ca­nada). Também foram lançadas novas chamadas de propostas no âmbito de acordos de cooperação já existentes, como o Deutsche Forschungsgemeins­chaft (DFG), da Alemanha, e o Centre National de La Recherche Scientifique (CNRS), da França, e lançado o Pro­grama de Bolsa Dra. Ruth Cardoso em

Mais recursos para pesquisa

Evolução do desembolso da FAPESP por linha de fomento - Em R$ do ano

2002 2003 2004 2005 2006

Bolsas regulares 153.155.936 135.876.020 136.885.029 128.761 .923 150.007.697

Auxílios regulares 197.648.045 146.033.605 167.801.061 197.966.891 223.817.344

Programas especiais 45.230.273 29.488.759 35.408.188 79.509.055 75.676.162

Programas de pesquisa 59.438.645 43.403.063 53.806.158 75.480.707 72.338.734 para inovação tecnológica

Total 455.472.900 354.801.449 393.900.438 481.718.578. 521.839.938

Antropologia e Sociologia, apoiado pe­la FAPESP, Fundação Fulbright, Capes e Universidade Columbia.

Em nível nacional, a FAPESP assinou acordo de cooperação com as fundações de Amparo à Pesquisa do Maranhão (Fapema) e de Pernambuco (Facepe) para pesquisas conjuntas sobre mudan­ças climáticas globais. No caso da Face­pe, foi lançada uma chamada de pro­postas que poderão se articular com as de cientistas da França, submetidas ao edital da Agence Nationale de La Recher­che. A Fundação promoveu seminários internacionais no âmbito de grandes programas como o Biota-FAPESP, o de Pesquisa em Bioenergia (Bioen) e o de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais. No total, a FAPESP organizou e participou de 46 eventos, que atraíram cerca de 10 mil pessoas. •

2007 2008 2009

178.049.374 223.966.926 242.609.067

212.012.903 248.169.041 284.315.018

85.686.338 91 .097.830 75.899.265

73.822.746 74.623.001 76.702.464

549.571.361 637.856.798 679.525.814

Evolução do número de projetos contratados pela FAPESP por linha de fomento

Bolsas regulares 4.108 3.838 4.132 4.002 5.072 5.746 5.898 5.995

Auxílios regulares 3.141 2.944 3.110 2.999 3.813 3.949 4.389 3.953

Programas especiais 520 508 807 905 878 522 842 1.299

Programas de pesquisa 243 177 236 256 294 370 207 223 para inovação tecnológica

Total 8.012 7.467 8.285 8.162 10.057 10.587 11.336 11.470

Auxílios regulares: Auxílio à Pesquisa Regular, Projetas Temáticos, Pesquisador Visitante, Escola São Paulo de Ciência Avançada, Participação em Reunião Científica ou Tecnológica, Publicações Científicas, Reparo a Equipamentos.

Programas Especiais: Apoio a Jovens Pesquisadores, Cooperação lnterinstitucional de Apoio a Pesquisas sobre o Cérebro (CinAPCe), Ensino Público, Capacitação de Recursos Humanos para a Pesquisa, Jornalismo Científico (MidiaCiência), Programa de Apoio à Infraestrutura de Pes· quisa, Convên ios FAPESP-MCT/CNPq.

Programas de Pesquisa para Inovação Tecnológica: Programa Biota-FAPESP, Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (Bioen), Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG), Programa Tecnologia da Informação no Desenvolvimento da Internet Avan­çada (Tidia), Programa Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid), Programas de Pesquisa em Polít icas Públicas, Pesquisa lnovativa em Micro e Pequenas Empresas, Pesquisa em Pa rceria para Inovação Tecnológica, Apoio à Propriedade Intelectua l.

PESQUISA FAPESP 176 • OUTUBRO DE 2010 • 39

Page 40: Vida no espaço

I l

LABORATÓRIO MUNDO

GREGO? NÃO, ÁRABE

Se você já tentou alguma vez decifrar textos em árabe

e não obteve progresso mesmo após ter estudado a

língua por algum tempo, esta é uma notícia consola­

dora: aprender a ler nesse idioma é realmente mais difícil e demorado. Uma série de estudos feitos na Uni­

versidade de Haifa, Israel, indica que a complexidade

visual da ortografia árabe faz com que o hemisfério

direito cerebral não esteja envolvido nas primeiras etapas do processo de domínio da língua escrita. Os

pesquisadores argumentam que o árabe usa muitos

símbolos gráficos similares para representar letras

e sons distintos. Às vezes, a diferença entre duas

letras se resume a um detalhe quase imperceptível,

como o número de pontos ou linhas inseridos em sua representação. Visto que o hemisfério direito usa a

informação global, e não as minúcias gráficas, para

identificar os símbolos, esse lado do cérebro não é acionado

no processo de aprendizagem do árabe. Já em idiomas como

o inglês e o hebraico, os dois hemisférios participam da tarefa,

segundo os cientistas, que publicaram os trabalhos em várias

edições da revista Neuropsychology.

I MONTANHAS, ALÉM DO TURISMO

As montanhas da Europa estão ganhando mais atenção - e não só como tradicional cenário para

férias ou cartões-postais. Em um documento de 252 páginas distribuído em setembro, a Agência Ambiental Europeia sugeriu mais proteção às regiões montanhosas, que cobrem

40 • OUTUBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 176

Alfabeto arábico: símbolos similares para sons distintos

36% do continente e abrigam 118 milhões de pessoas ( 17% da população da Europa). Coordenado por Martin Price, do Perth College, Reino Unido, o documento apresenta as montanhas co.mo um ecossistema multifuncional -capaz de prover água, bens e serviços de valor econômico- bastante ameaçado. A temperatura da água nos lagos e nos rios montanhosos aumentou nas últimas décadas, favorecendo inundações e deslizamentos nas cidades próximas. Outra provável consequência é a escassez de água para consumo humano. Segundo os autores do trabalho, as mudanças ambientais em curso nas montanhas exigem intervenção mais efetiva do poder público. As inundações, que em geral começam em regiões altas, tornaram-se o acidente

~ mais comum na Europa.

1 o Noyo VALOR DO NUMERO PI

Tsz-Wo Sze, um cientista da computação da Yahoo nos Estados Unidos, criou um programa de computador, instalou-o em mil máquinas da empresa e depois de 23 dias obteve o dobro de dígitos que se conhecia até agora para o número pi. Definido como o resultado da divisão do comprimento de uma circunferência por seu diâmetro, pi é um número irracional que começa com 3,14 e segue por infinitos dígitos. O pesquisador chegou a uma notação binária, com dois quatrilhões de dígitos ou bits, o dobro do recorde anterior. Em notação decimal (3,14 ... ), o valor anterior tinha 2,7 trilhões de dígitos. Documentos antigos indicam que a busca por aumentar a precisão do valor do pi começou 1700 anos antes de Cristo.

HISTI A CID

Os limit história lunares pouco r artigos setemb pesquis Unidos mapa t, obtido LRO (I Orbite os pro' que de a supe: por cr; taman regiõe mais c mais t muita expre! ondas bomb satélit Essa c entre osm< que d bilhõ maio recer análi

Page 41: Vida no espaço

HISTÓRIA ACIDENTADA

Os limites e as possíveis histórias das crateras lunares estão agora um pouco mais claros. Em três artigos publicados em 17 de setembro na revista Science, pesquisadores dos Estados Unidos apresentam um mapa topográfico da Lua, obtido por meio da sonda LRO (Lunar Reconnaissance Orbiter), e descrevem os processos geológicos que devem ter moldado

A Lua e suas crateras, vistas .,

~

I LATINOS ANTIGOS

Os restos de esqueletos humanos encontrados em 2009 em Laguna de las Pampas, na província de Buenos Aires, Argentina, devem ter 10.045 anos. Essa idade, defin ida por uma equipe da Universidade do Arizona, Estados Unidos, põe esses restos mortais entre os mais antigos do continente americano. Em setembro, na American ]ournal of Physical Anthropology, Héctor Pucciarelli, da Universidade Nacional de La Plata, Ivan Perez, do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Tecnológicas,

a superfície lunar, marcada por crateras de diferentes tamanhos e origens. As regiões mais altas possuem mais crateras maiores que as mais baixas, ocupadas por muitas crateras menores, expressando diferenças nas ondas de meteoritos que bombardearam o único satélite natural da Terra. Essa diferença de dimensões entre as crateras sugere que os meteoritos mais antigos, que devem ter caído até 3,8 bilhões de anos atrás, eram maiores que os mais recentes, de acordo com as análises de James Head e

<IIII da Apollo 11 ~----------------------------~ ~

e Gustavo Politis, da Universidade Nacional

Escherichia coli: comum

sua equipe da Universidade Brown, Estados Unidos. As equipes de Benjamin Greenhagen, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, e Timothy Glotch, da Universidade Stony Brook, também dos Estados Unidos, identificaram

nos intestinos ---------------------------'

minerais com silicatos, como quartzo e feldspato, ricos em potássio e em sódio, que resultam do resfriamento do oceano de magma que formou a crosta lunar primitiva. A história da Lua é muito mais rica do que se imaginava.

do Centro da Província de Buenos Aires, detalham o achado e concluem: os esqueletos (de quatro adultos e duas crianças) têm morfologia semelhante à dos encontrados no Brasil, na Colômbia, no Peru e no México, ajudando a elucidar a expansão da espécie humana no continente.

O IMPACTO DOS ANTIBIÓTICOS

Antibióticos podem causar mudanças duradouras nas populações

de bactérias que vivem no intestino humano, aumentando o risco

de doenças crônicas. Les Dethlefsen e David Relman, da Univer­sidade Stanford, na Califórnia, coletaram mais de 50 amostras

de fezes de três pessoas em um período de 10 meses que incluía dois tratamentos com o antibiótico ciprofloxacina. Eles identi ­

ficaram os microrganismos de cada amostra e concluíram que

cada pessoa tinha uma flora intestinal única, cujo equilíbrio era

desfeito pelos antibióticos. Na maioria das vezes, a composição

da flora microbiana voltou rapidamente ao estado anterior, mas

às vezes as espécies de bactérias eram substituídas por outras.

Publicado na PNAS, o estudo reforça o alerta: antibióticos deve­

riam ser usados apenas quando realmente necessários.

PESQUISA FAPESP 176 • OUTUBRO DE 2010 • 41

Page 42: Vida no espaço

LABORATÓRIO BRASIL

I ESCONDERIJO DE ARANHA

Onde é mais provável achar uma aranha-marrom: nas dobras da cortina, atrás da porta ou no fundo do armário? As fêmeas de Loxosceles gaucho, cujas picadas causam lesões graves na pele, preferem cantos com ângulos agudos, que protegem melhor a prole contra predadores (Medical and Veterinary Entomology). O biólogo André Augusto Stropa chegou a essa conclusão depois de construir 60 refúgios artificiais com cavidades em forma de triângulo, quadrado, pentágono e cilindro, e espalhá-los pela mata na Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Botucatu. Por um ano, ele documentou as cavidades escolhidas. O que mais chamou a atenção foi que

sete de cada 1 O fêmeas dessa espécie e metade das fêmeas com prole usavam refúgios de cavidade triangular. A preferência ajuda a explicar por que esse gênero de aranhas se adaptou ao ambiente humano e se tornou um problema de saúde pública em cidades do Brasil, Chile e Estados Unidos. "As cidades podem estar oferecendo muitos refúgios com ângulos agudos", diz ele.

42 • OUTUBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 176

SOBRE FLORES E FRUTOS

Cobertas de flores brancas de perfume adocicado,

as pitangueiras atraem enxames de abelhas. No

caso das mirtáceas, a família que inclui as árvores

que dão pitangas, guabirobas e goiabas, a ecolo­

gia parece contar mais do que a genealogia para

determinar a época de floração e frutificação. A

conclusão é do estudo de Vanessa Staggemeier

e Patrícia Morellato, da Universidade Estadual

Paulista (Unesp) de Rio Claro, que examinou 34

espécies ao longo de 30 meses numa floresta de

restinga na ilha do Cardoso, sul do estado de São

Paulo (Journal of Eco/ogy). As mirtáceas dessa

área florescem em conjunto quando os dias são

mais longos- entre dezembro e janeiro-, o que in­

crementa a atração de polinizadores. A produção

de frutos, porém, é contínua, representada a cada

mês por pelo menos três espécies, uma boa forma

de manter sempre por perto os animais frugívoros, cruciais

para a dispersão das sementes. Os autores destacam a impor­

tância, no estudo da ecologia, de se entender a contribuição

relativa do ambiente e do parentesco entre as espécies.

I ORIGENS MISTERIOSAS

Continentes são mosaicos de rochas dos mais diversos tipos, idades e origens. Descrevê-los é um eterno enigma para os geólogos,

como os do grupo liderado por Carlos de Araújo, do Serviço Geológico do Brasil em Fortaleza, que investiga como se formou a região da Província Borborema com rochas do grupo Novo Oriente, no oeste do Ceará ( Gondwana Research). Análises geoquímicas e geocronológicas, além de observações de campo, mostraram que o grupo Novo Oriente tem detritos de interior de cráton, nome dado às porções antigas da crosta do planeta. A bacia pode ter surgido há cerca de 1,3 bilhão de anos ou, especula Araújo, da fragmentação do supercontinente Rodínia, há menos de 1 bilhão de anos.

I I

I ME NC

NoÍI nada do ri entu disp1 desa: O riSI

sofá! de a1

pelo Nuc: Unh (Cer com inte1 umz met1 saúc cob; e eh pre~

da 1: que cole dife mo: crít dos estã do na1

Page 43: Vida no espaço

ai

4

i o ;a

ío

ío

la la is

r· o

I METAIS ~ESADOS NO TIETE

No início do século XX, nadar nas águas cristalinas do rio Tietê atraía muitos entusiastas. Hoje, quem se dispusesse a encarar tal desafio não correria apenas o risco de trombar com os sofás, garrafas pet e pneus de automóveis. Pesquisa feita pelo Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo (Cena/USP) indica que, com graus diferentes de intensidade e toxicidade, uma grande quantidade de metais pesados nocivos à saúde humana- como cobre, cobalto, cromo, zinco, níquel e chumbo -também está presente em diversos pontos da bacia do Tietê. O estudo, que avaliou sedimentos coletados em 12 pontos diferentes, da nascente à foz, mostra que os pontos críticos, onde a concentração dos metais é mais evidente, estão nas proximidades do reservatório de Pirapora, na região de Anhembi e

no reservatório de Nova Avanhandava. "A principal causa da contaminação é o esgoto doméstico; em seguida aparecem resíduos agrícolas e dejetos industriais", avalia Jefferson Mortatti, que coordenou

o levantamento. Segundo ele, toda a cadeia alimentar é afetada. Em seres humanos, esses metais podem provocar dermatites, alterações no sistema nervoso e nos pulmões e redução de fertilidade.

RELAÇÕES PERIGOSAS ·

Em cupinzeiros, além dos cupins, podem viver outros in­

setos ou larvas, que se nutrem de fungos e excrementos

e às vezes dos próprios cupins ou de outros insetos inqui­

linos. Na Psyche de julho, Cleide Costa e Sergio Vanin, da

Universidade de São Paulo (USP), anali-

sam essas relações de vida e morte, que

ganham refinamentos nos cupinzeiros

bioluminescentes do Cerrado. As larvas

dos besouros Odontocheila auripennis

vivem em galerias escavadas na super­

fície dos ninhos do cupim Cornitermes

cumu/ans próximas de outras galerias

com larvas do besouro luminescente

Pyrearinus termitil/uminans. Segundo

Cleide, a associação dessas duas espé­

cies de besouros é vantajosa principal­

mente para a O. auripennis, que se apro­

veita das presas atraídas pelas larvas

bioluminescentes da outra espécie.

MÁQUINA DO TEMPO

A bacia amazônica funciona como uma janela para o passado, no que diz respeito a processos atmosféricos. Como quase não sofre influência da ação humana, preserva aspectos pré-industriais da emissão de aerossóis, as partículas suspensas na atmosfera. Um estudo com participação do físico Paulo Artaxo, da Universidade de São Paulo, encontrou concentrações baixíssimas de partículas acima da floresta virgem (Science). Os resultados mostram que a Amazônia é como um reator biogeoquímico que produz partículas de aerossol a partir de emissões de plantas e de micróbios, junto com vapor de água, luz solar e foto-oxidação. Faz diferença, por exemplo, para a produção de chuvas: em ambientes poluídos, o número de gotículas nas nuvens depende da velocidade da corrente de ar ascendente; já acima da floresta virgem, o número de gotas é diretamente proporcional ao de partículas de aerossol. Entender as nuvens é, sem dúvida, essencial nos estudos do clima.

PESQUISA FAPESP 176 • OUTUBRO DE 2010 • 43

Page 44: Vida no espaço
Page 45: Vida no espaço

.. ~ . .J#

~ •\ ~ ... . ,

' • '. .. , .

... r· '

Page 46: Vida no espaço

Câmaras vivas - Vistas como gigan­tescas panelas de pressão cozinhando magma, as câmaras de vulcões como o Yellowstone, nos Estados Unidos, ganharam mais atenção e se tornaram alvo de vigilância constante: quanto maior a movimentação no interior das câmaras, maior o risco de uma catastró­fica erupção de lava. Cercado por um parque nacional, o Yellowstone é o que os geólogos chamam de supervulcão. Sua erupção poderia trazer impactos negativos sobre todo o planeta.

No Brasil, não há mais o que Val­decir chama de câmaras vivas, em que magmas quentes e menos quentes se misturam. Temos apenas vulcões ex­tintos que ainda liberam um calor que esquenta a água de termas como as de Poços de Caldas, em Minas Gerais. As câmaras vivas mais próximas estão sob a cordilheira dos Andes, a cerca de 20 quilômetros de profundidade. "Algu­mas estão em atividade há 10 milhões de anos, indicando que o tempo de vida de uma câmara magmática pode ser muito longo", diz ele.

O tempo de fechamento de uma câ­mara - com a cristalização do magma formando rochas- depende da profun­didade: quanto mais rasa, menos quen­te é o ambiente e, portanto, o magma resfriará em menos tempo que nas mais profundas. Pode não ser assim, porém, quando esses espaços, ainda que mais ra­sos, recebem magma novo e mais quen­te, como aconteceu na Islândia em abril deste ano. Um dos cerca de 30 vulcões

46 • OUTUBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 176

Rocha do manto (peridot ito) em microscopia óptica e em tamanho natural (abaixo) . Acima, cristais de ortopiroxênio (Opx), clinopiroxênio (Cpx) e olivina (01) que a compõem

dessa ilha do Atlântico Norte, o Eyja­fjallajokull ou E+ 15, como geólogos dos Estados Unidos o apelidaram, ganhou fama mundial repentina ao cobrir o nor­te da Europa com uma espessa nuvem de cinza vulcânica. Valdecir conta que esse foi o resultado da chegada de magma basáltico com temperatura próxima a 1.200° Celsius, por meio de fraturas entre rochas mais antigas, que encontrou um magma diferente, granítico, resfriando a 700 ou 800° Celsius na câmara. O nov9 magma resfriou e o antigo esquentou. Depois de se misturarem, começou uma erupção explosiva, reforçada pela inte­ração com o gelo que cobria o vulcão. Ganharam os céus densas nuvens de fu­maça carregada de partículas de rocha vulcânica que pode prejudicar o funcio­namento das turbinas dos aviões.

O PRO-JETO

Contribuicões do manto e diferentes reservatórios crustais no magmatismo granítico neoproterozoico no Sudeste brasileiro - n° 2007/00635-5

MODALIDADE

Linha Regular de Auxílio a Projeto de Pesqu isa

COORDENADOR

Valdecir de Assis Janasi - IG/USP

INVESTIMENTO

R$ 161.773,20

Enquanto saía mais fumaça preta do vulcão da Islândia, geólogos do mundo inteiro debatiam em blogscomo um vul­cão visto como frio e inerte tornou-se tão intempestivo. A hipótese que ganhou força é que pequenos tremores de ter­ra podem ter facilitado a circulação de magma novo e a mistura com o magma residente. Correram debates também sobre onde as câmaras do vulcão deve­riam estar e o quanto poderiam abrigar de magma que chegava do interior da Terra. As câmaras, estimaram, deveriam estar entre dois e cinco quilômetros de profundidade e possivelmente conecta­das com as de outros vulcões da ilha.

No Brasil apenas os resultados da mistura de magmas é que são visíveis, por exemplo, nos pisos de granito cin­za das estações de metrô mais antigas de São Paulo. Valdecir e Adriana Alves, pesquisadora de seu grupo recentemente contratada como professora do Instituto de Geociências da USP, estavam intriga­dos com o que eram- e como teriam se formado- as rochas que apareciam co­mo esferas dentro do granito, extraído de pedreiras em Mauá, na Grande São Pau­lo. Como as manchas eram mais escuras que o granito, eles pensaram que poderia ser outro tipo de rocha, um basalto. Não era. Era granito mesmo, de composição parecida, porém mais escuro. "O magma novo que invadiu o magma residente es­tava mais quente e congelou se desfazen­do em esferas grandes que se romperam e formaram esferas menores chamadas enclaves': diz Valdecir.

Rarida• milhan mas. S< abrigar dos tip• ra as ro de aCOI

há mai: crescer decam lista de pelam maras1 como ~

Em a estuc graníti metros sa da e à flor c indicai de anc palco c magm resulta na Islâ uma o a câm; mais c de ter profm há mil

H< ospn SãoP< prma Ubatt

Page 47: Vida no espaço

Raridades do manto - No Brasil há milhares de antigos depósitos de mag­mas. Só o estado de São Paulo deve abrigar pelo menos 220 de apenas um dos tipos, o magma granítico, que ge­ra as rochas conhecidas como granito, de acordo com levantamentos feitos há mais de 10 anos. Esse número pode crescer à medida que os levantamentos de campo avancem. No município pau­lista de I tu, a equipe da USP encontrou pelo menos quatro grandes antigas câ­maras magmáticas- e não apenas uma, como se imaginava inicialmente.

Em 2007, a equipe da USP se pôs a estudar essa massa de antigo magma granítico que se cristalizou a três quilô­metros de profundidade e hoje, por cau­sa da erosão, encontra-se parcialmente à flor da terra. As análises preliminares indicaram que há cerca de 600 milhões de anos cada uma dessas câmaras foi palco de vários episódios de mistura de magmas, alguns do mesmo tipo e outros resultantes de injeções de basalto, como na Islândia. A suspeita é de que exista ali uma conexão com o vulcanismo, já que a câmara era bastante rasa. Em termos mais concretos, a atual cidade de I tu po­de ter sido uma das saídas de lava das profundezas da Terra para a superfície, há milhões de anos.

Houve achados inesperados, como os primeiros fragmentos de manto em São Paulo. Em 2006, Valdecir estava na praia Vermelha, ao lado da cidade de Ubatuba, examinando afloramentos

O GRANITO

DE ESTAÇÕES DO

METRÔ PAULISTA

CONTÉM

MANCHAS

QUE RESULTAM

DA MISTURA DE

MAGMAS

rochosos com um grupo de 40 estu­dantes de graduação quando um deles lhe trouxe um bloco de rocha verde­-claro. "Não lembro quem foi", conta o professor. "Eu disse que eram olivinas, um tipo de mineral, mas era meio es­tranho. Os estudantes não se satisfazem com qualquer coisa. Vimos pela lupa e identificamos que eram fragmentos de uma rocha formada pela combinação de dois minerais, olivina e piroxênio. Tivemos acesso pela primeira vez ao manto de São Paulo. O mais curioso é que já tínhamos passado por ali e não tínhamos visto nada antes. Quer ver? Aqui está", diz ele, pegando uma rocha

esverdeada, pouco menor que uma ma­çã, do canto de uma mesa coberta de papéis, mapas e rochas.

Vidyã Vieira de Almeira, atualmente no Serviço Geológico do Brasil, confir­mou em seu mestrado que os 10 frag­mentos trazidos da praia de Ubatuba eram amostras do manto superior, a camada situada logo abaixo da crosta, a mais externa. Essas rochas devem ter se formado a uma profundidade de 60 quilômetros e só puderam chegar à su­perfície sem derreter porque vieram de carona em um magma basáltico rico em fluidos que subiu rapidamente. "Esses magmas subiram por fraturas que se abriram há cerca de 80 milhões de anos, depois que o oceano Atlântico começou a se formar. De modo geral, não há co­mo pôr a mão nas rochas do manto se o magma não as trouxer", diz Valdecir. "E ter acesso a esse material é crítico, porque é no manto que ocorre, ou pelo menos que se inicia, a maior parte dos processos de formação de magmas."

"Ninguém vê as câmaras magmá­ticas em atividade, mas apenas o re­sultado, que são as rochas expostas", diz Valdecir. O Havaí oferece algumas exceções. Em 1959, o magma que saiu do vulcão Kilauea ocupou uma depressão e formou um lago de lava com 640 metros de diâmetro e 135 de profundidade. Os geólogos esperaram a superfície da lava esfriar, andaram sobre o lago e acompanharam o res­friamento do magma durante anos, por meio de sucessivas perfurações, entendendo melhor o que se passava nas câmaras magmáticas.

Em 2008, como resultado ines­perado de uma perfuração em uma região próxima ao Kilauea, o magma incandescente, que repousava a 2,5 quilômetros da profundidade, subiu à superfície. Um dos pesquisadores disse que encontrar o magma daque­la forma era "tão emocionante quanto encontrar um dinossauro vivo brin­cando em uma ilha distante". •

Artigo científi co

ALVES, A. et ai. Microgranitic enclaves as products of self-m ixing events: a study of open-system processes in the Mauá granite, São Paulo, Brazil, based on in situ isotopic and trace elements in plagioclase. Journal of Petrology. v. 50, p. 2.221 -47,2009.

PESQUISA FAPESP 176 • OUTUBRO DE 2010 • 47

Page 48: Vida no espaço

48 • OUTUBRO DE 2010 • PESQUISA F'APESP 176

[ PALEONTOLOGIA ]

Os dinos do Brasil

Livro conta a história de 21 espécies encontradas no território nacional

MARCOS PIVETTA

ecém-lançado, o livro O guia completo dos dinossauros do Brasil (Editora Peiró­polis, 222 páginas, R$ 62,00) apresenta ao leitor, de forma didática e por meio de fartas e belas ilustrações, 21 espé­cies de dinossauros cujos restos foram locali~ados em território nacional. A

obra foi escrita pelo paleontólogo Luiz Eduardo Anelli, professor do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (IGc-USP). As pro­váveis formas dos dinossauros brasileiros foram reconstituídas a partir da análise de seus registras fósseis, num trabalho unindo ciência e arte feito por Felipe Alves Elias, também paleontólogo.

A ideia de escrever o guia surgiu depois de Anelli ter sido curador da mostra Dinos na Oca, que atraiu um público de 550 mil pessoas ao Parque do Ibirapuera, na cidade de São Paulo, entre dezembro de 2005 e fevereiro de 2006. ''As pessoas me fizeram muitas perguntas sobre os dinossauros do Brasil", diz o paleontólogo. Co­mo cientista, Anelli estuda moluscos e conchas das eras Paleozoica e Cenozoica do Brasil e da Antártica, que já estavam na Terra muito antes de aparecerem os primeiros dinossauros. Como divulgador da ciência, é um especialista nesses míticos répteis que surgiram aproximadamente 230 milhões de anos atrás e desapareceram mis­teriosamente há 65 milhões de anos.

v; <{

~ o o ~

:i ~ ~ c ~

g

~ " 8 <{

s "' o o "'

Algu de dinos~

Brasil, CO!

veloz bíp metros dt tupiniqUl de tamar e pequei há aprm anos, no tígios fo gaúcho • havia an do titan liensis, u atingia< e viveu r Rio Pre1 atrás. E: admirar passado mas po existên< essa lac textos t em que Brasil', < tólogo 1

vida na desapm tor ain1 por qu dentes

C o tologi• mais d são tal Segun motiv1 rência nais e estud< 80 an< Brasil que f< espéci dois I

> mais :;

~ deve! <{

a condi ~

~ na na <{

Q_ prese ê o gran< ~

ª cond

~ que1

Page 49: Vida no espaço

Alguns dos mais antigos fósseis de dinossauros foram encontrados no Brasil, como o Staurikosausus pricei, um veloz bípede carnívoro que atingia dois metros de comprimento, ou o Saturnalia tupiniquim, um quadrúpede pescoçudo de tamanho similar que comia plantas e pequenos animais. Ambos viveram há aproximadamente 225 milhões de anos, no período Triássico, e seus ves­tígios foram resgatados no município gaúcho de Santa Maria. Aqui também havia animais enormes. Esse era o caso do titanossauro Antarctosaurus brasi­liensis, um quadrúpede herbívoro que atingia até 40 metros de comprimento e viveu na região paulista de São José do Rio Preto cerca de 80 milhões de anos atrás. Estudiosos de todas as latitudes admiram os resquícios desses bichos do passado descobertos em terras tropicais, mas poucos brasileiros conhecem sua existência. O livro pretende preencher essa lacuna. "Tento dar sempre os con­textos temporal, geológico e biológico em que cada espécie foi encontrada no Brasil', afirma Anelli. Na obra, o paleon­tólogo dá pinceladas sobre a origem da vida na Terra e a gênese, a evolução e o desaparecimento dos dinossauros. O au­tor ainda ajuda o leitor a compreender por que as aves são os únicos descen­dentes dos dinossauros.

Comparações com a forte paleon­tologia argentina, que já descobriu mais de 110 espécies de dinossauros, são também uma constante no guia. Segundo Anelli, estes são alguns dos motivos que explicam a menor ocor­rência de dinossauros em terras nacio­nais em relação ao vizinho do sul: o estudo desses bichos começou quase 80 anos antes na Argentina do que no Brasil; durante o período Cretáceo, em que foi encontrada a maior parte das espécies de dinossauros conhecidos dos dois países, o clima na Argentina era mais úmido e propício à diversidade de vegetação e de animais e, por fim, as condições climáticas e geólogicas atuais na nação platina são melhores para a preservação de fósseis nas rochas. "A grande diferença se deveu mesmo às condições naturais do nosso Cretáceo, que tinha um clima semiárido com

Espécie sem nome • de maniraptor (acima) e Antarctosaurus brasi/iensis: dois dinossauros do período Cretáceo

pouca diversidade de animais terrestres se comparada à existente na Argentina no mesmo período", diz Anelli.

O livro terá de ser atualizado perio­dicamente, pois a paleontologia nacional não para de produzir novos achados. No mês passado, uma equipe do Museu de Zoologia da USP apresentou uma nova espécie de titanossauro, um herbívoro de 13 metros de comprimento que viveu há cerca de 120 milhões de anos em Minas Gerais. Por ora, seu apelido é Tapuias­sauro, um nome brasileiríssimo. •

PESQUISA FAPESP 176 • OUTUBRO DE 2010 • 49

Page 50: Vida no espaço

[ FÍSICA ]

Ao sabor dos neutrinos

m dos experimentos mais famosos atribuídos a Galileu Galilei - mas possivelmente apócrifo- foi realizado no alto da torre de Pisa. Duas balas de canhão de pesos diferentes foram soltas ao mesmo tempo, para que se pudesse verificar se havia diferença entre a ace­

leração de uma e de outra conforme avançavam na direção do chão. A história em si pode não passar de lenda, mas é fato que o cientista italiano foi o primeiro a definir que todos os objetos, não importando sua massa, eram afetados da mesma maneira pela gravidade. Fim da história?

De jeito nenhum. Quatro séculos depois, pes­quisadores brasileiros decidiram usar o que há de mais moderno na física quântica- o estudo de fugidias partículas chamadas neutrinos- para testar esse mesmo fenômeno. E ainda não che­garam a um veredicto.

Antes de mais nada, o que significa, em termos da física de hoje, essa antiga constatação galilea­na? Resumida no que se convencionou chamar de princípio da equivalência, ela implica que a massa inerciai (a resistência de um objeto a mudar seu estado de movimento, repouso ou velocidade constante) e a massa gravitacional (índice usado para medir a intensidade da força da gravidade sobre um corpo) são exatamente iguais. Parece óbvio. Mas não para os cientistas que se debruçam sobre a questão. "Na verdade isso não precisava ser assim", diz Marcelo Guzzo, pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ). "É uma surpresa que seja desse jeito."

Para explicar o quanto isso parece mera coin­cidência, o cientista apresenta o funcionamento da força eletromagnética. Sob um campo magnético,

50 • OUTUBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 176

Equipe da Unicamp usa partícula fugidia para testar ideia de Galileu

SALVADOR NoGUEIRA

Page 51: Vida no espaço

uma partícula com carga elétrica pode ser induzida a se mover. Se ela é trocada por outra com a mesma carga, mas mas­sa inerciai maior, a aceleração imposta pelo campo magnético diminui.

Com quase todas as forças da natu­reza é assim: a massa inerciai não faz variar a intensidade da força. A única exceção é a gravidade. O experimento de Galileu demonstra isso de maneira rústica. Mas um teste mais rigoroso e preciso preservaria essa conclusão?

Guzzo e seus colaboradores decidi­ram usar os resultados de experimen­tos com neutrinos- uma das partículas mais difíceis de detectar, produzidas no interior do Sol, de astros mais distantes e de reatares nucleares- para testar o princípio da equivalência. Com uma massa diminuta, os neutrinos não pos­suem carga elétrica e só interagem com o resto do Universo por meio da força nuclear fraca e da gravidade, as mais fracas das quatro forças da natureza. Dada a pequena energia que possuem, é uma interação muito sutil.

Para observá-los, os cientistas cons­troem imensos detectores em minas profundas e os preenchem com água puríssima e outros materiais, na espe­rança de que algum neutrino trombe com alguma partícula dentro deles e produza uma reação que possa ser detectada. Em 2009 o experimento ja­ponês Kamland fez uma constatação importante: confirmou de modo in­contestável a transformação de um tipo de neutrino em outro, fenômenó que os físicos chamam de oscilação de sabor.

Essa oscilação está ligada a uma propriedade maluca da mecânica quân­tica, segundo a qual uma partícula não define um estado específico até que seja medida por algum processo de intera­ção. Na prática, o neutrino pode ter três sabores ( eletrônico, muônico e tauôni­co) e ele oscila o tempo todo entre eles até que seja detectado. Os resultados do Kamland demonstraram que, depen­dendo da distância entre o detector e a fonte emissora de neutrinos, a propor­ção dos três sabores pode variar.

Guzzo e seus colegas confrontaram as medições do experimento japonês­e outros ao redor do mundo- com as previsões teóricas, para analisar o efei­to da gravidade sobre a oscilação dos neutrinos. Eles descobriram que pode haver de fato violação do princípio de

equivalência. Mas a probabilidade é ridiculamente pequena. ''Algo inferior a 1 a cada 10 15 partes, um número que aparece depois da décima quinta casa decimal", afirma Guzzo.

Os resultados, submetidos à Physi­cal Review D, sugerem que até o limite de precisão observado a equivalência entre massa inerciai e massa gravitacio­nal se sustenta. E que Galileu continua tão certo quanto estava no século XVII. Mas não dá para dizer que essa cor­respondência se manterá até o limite teórico do que pode ser medido.

Miniburacos negros - O grupo da Unicamp também usou a oscilação dos neutrinos para testar outros elementos que estão nos alicerces da física. Um dos trabalhos envolve a chamada deco­erência quântica, mecanismo que faz uma partícula perder a característica de ter todos os estados possíveis ao mesmo tempo e acabar se definindo por um deles. Analisando esse pro­cesso à luz da oscilação de neutrinos, é possível identificar se algo novo ou diferente influencia o comportamento dessas partículas.

A hipótese mais interessante é que a interação com miniburacos negros no espaço provocasse essa decoerência. Um miniburaco negro é uma versão em escala quântica dos objetos grandes. Enquanto os últimos são criados pelo colapso de estrelas, os primeiros se­riam gerados numa região do tamanho de uma partícula e durariam frações de segundo antes de desaparecer.

A ideia de que essas estranhas criaturas cósmicas possam existir é levada a sério pelos cientistas, embo­ra ainda não haja evidência concreta de que eles estejam mesmo por lá. Ao analisar a decoerência, Guzzo e seus colegas chegaram à conclusão de que, sim, esses miniburacos negros podem existir e influenciar o comportamen­to dos neutrinos. Mas, caso isso esteja de fato acontecendo, "eles não podem ser muito abundantes", diz o físico da Unicamp. Além disso, a probabilidade de que existam não elimina a de que a causa da decoerência dos neutrinos possa ser outra, segundo o trabalho, publicado online em setembro no Eu­ropean Physical ]ournal C. "Pode ser um miniburaco negro", diz, "mas também outro fenômeno desconhecido". •

PESQUISA FAPESP 176 • OUTUBRO DE 2010 • 51

Page 52: Vida no espaço
Page 53: Vida no espaço
Page 54: Vida no espaço

BIOQUÍMICA ]

MensaÇJeira da morte Molécula direciona proteínas defeituosas para destruição

~ ~

I I

I I

I I

I I I I I I I I I I I

' I I I I I I

I

Representação da ubiquitina: etiqueta química da destruição

~r

ma dupla de jovens pesquisadores brasilei­ros radicados nos Estados Unidos desco­briu que, sem uma determinada proteína, os seres eucariotas, como os fungos, as plantas e os animais (homem inclusive), não conseguem desempenhar uma função vital para sua sobrevivência: destruir pro­

teínas que foram erroneamente produzidas por suas próprias células. Organismos desprovidos da pro­teína listerina perdem a capacidade de identificar al­guns tipos de proteínas aberrantes recém-fabricadas e de eliminá-las por meio do sistema de controle de qualidade das células. A conclusão faz parte de um estudo publicado no dia 23 de setembro na revista científica Nature por Claudio Joazeiro, bioquímico de 42 anos que chefia um laboratório no Scripps Research Institute, de La Jolla (Califórnia), e Mario Bengtson, de 35 anos, que ali faz pós-doutorado. A ausência da listerina leva ao acúmulo de proteínas tóxicas nas células, cujo excesso pode estar implicado no aparecimento de doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer e o Parkinson.

"Descobrimos quase por acaso o papel da liste­rina nesse processo", diz Joazeiro, estudioso dos me­canismos envolvidos na regulação celular. Há alguns anos o brasileiro e o biólogo molecular Steve Kay, hoje na Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD), haviam mostrado que camundongos com uma mytação no gene LISTER, responsável pela pro­dução da proteína listerina, desenvolviam problemas nos neurónios motores da medula espinhal. Como esse tipo de desordem neurodegenerativa parece ser desencadeado pela ocorrência exagerada de pro­teínas defeituosas, Joazeiro e Bengtson resolveram averiguar se o gene, que é preservado em pratica­mente todos os organismos eucariotas, da levedura ao homem, não poderia ser importante para o bom funcionamento do processo de faxina celular. A hi­pótese estava correta. Conforme relatam no artigo da Nature, eles desligaram na levedura Saccharomyces cerevisiae um gene chamado LTNl (equivalente ao LISTER) e viram que suas células eram incapazes de reconhecer e destruir algumas formas de proteínas aberrantes e acabavam morrendo. Sem a listerina, o controle de qualidade celular falhava. "Trabalhar com leveduras é barato e tem a vantagem de fornecer resultados com rapidez", comenta Bengtson.

Os brasileiros descobriram não só o que faz a lis­terina, mas também como a proteína exerce seu papel de sentinela das células, de delatora da presença de proteínas defeituosas. Ela se liga aos ribossomos- a estrutura das células responsável pela síntese das pro­teínas a partir da informação genética fornecida pelo RNA mensageiro- e marca as proteínas defeituosas

recém-f< etiqueta de ubiqu fundam lação cel esse non rem pre as célul Proteín rias) qu da dest1 o pro te< de deg1 químic

A li~ cola as forma ( tes: aqt sage1ro docód conhe' entend to. As 1 cadeia a adiç2 fornec três ba mensa para c teína, "Ele~

sintet zeiro. to, o r amm1 çar o e se g não I deco exerc sinali ra de RNA códo SOS r acún e pai O SIS

ação teín;

de' con dot;

Page 55: Vida no espaço

ilei-

m ta c o ps ·i o A as o s,

n

recém-fabricadas com uma espécie de etiqueta química da morte: moléculas de ubiquitina, uma família de proteínas fundamentais para o processo de regu­lação celular. As ubiquitinas receberam esse nome por serem ubíquas, por esta­rem presentes em praticamente todas as células de organismos eucariotas. Proteínas aberrantes (ou desnecessá­rias) que carregam esse selo químico da destruição são encaminhadas para o proteassoma, estruturas encarregadas de degradá-las e reduzi-las a cadeias químicas de uns poucos aminoácidos.

A listerina presente nos ribossomos cola as moléculas de ubiquitina numa forma específica de proteínas aberran­tes: aquelas codificadas por RNA men­sageiros que não apresentam o chama­do códon de terminação. Um pouco de conhecimento de bioquímica ajuda a entender como ocorre esse tipo de defei­to. As proteínas são formadas por uma cadeia de aminoácidos. A receita para a adição de cada aminoácido à cadeia é fornecida pelo códon, uma sequência de três bases nitrogenadas contida no RNA mensageiro. O último códon, necessário para completar a síntese de uma pro­teína, é chamado códon de terminação. "Ele diz ao ribossomo que a proteína sintetizada chegou ao fim", explica Joa­zeiro. Na ausência desse códon, portan­to, o ribossomo continua adicionando aminoácidos indevidamente até alcan­çar o final da fita do RNA mensageiro e se gera uma proteína aberrante que não pode ser corrigida pelos sistemas de controle de qualidade. Outra função exercida pelo códon de terminação é sinalizar ao ribossomo que está na ho­ra de liberar a proteína e se separar do RNA mensageiro. "Quando não há esse códon, o RNA e a proteína ficam pre­sos no ribossomo." Para que não haja acúmulo de material tóxico nas células e para liberar ribossomos "empacados", o sistema listerina-ubiquitina entra em ação e cola a etiqueta da morte na pro­teína defeituosa.

Há pelo menos 15 anos cientistas de vários laboratórios tentavam en­contrar em seres eucariotas, aqueles dotados de células com um núcleo ro-

. .. .. .. .. .. Listerina em células de

levedura: papel na detecção de

proteínas aberrantes

deado por uma membrana e com várias organelas, o mecanismo envolvido na identificação e eliminação de proteí­nas aberrantes desprovidas do códon de terminação. As buscas não davam em nada porque os pesquisadores es­tavam seguindo uma pista que parecia lógica e correta, mas era enganosa. Nas bactérias, organismos mais simples, procariotas (sem núcleo celular), já se sabia que uma molécula denominada tmRNA se ligava a ribossomos "entala­dos" com proteínas aberrantes e atuava como marcador da destruição dessas proteínas defeituosas. Durante um bom tempo, os bioquímicos procuraram nos seres eucariotas uma molécula e qui­valente ao tmRNA, que, imaginavam, também poderia ser a responsável por desempenhar essa mesma função:Mas a estratégia não deu certo. O sucesso só foi alcançado quando Joazeiro e Bengt­son raciocinaram de outra forma e re­solveram estudar a proteína listerina.

ELA ou Alzheimer - Além de ser um avanço no conhecimento básico sobre um importante mecanismo envolvido no controle de qualidade das proteínas, a descoberta dos brasileiros pode ter implicações na área da pesquisa trans­lacional, aquela que faz a ponte entre os achados da academia e o desenvol­vimento de novos tratamentos e remé­dios. Em camundongos, a desativação do gene LISTER leva a distúrbio que causa sabidamente problemas neurode­generativos. "Nossa ideia agora é tentar estabelecer a relação entre o problema verificado no camundongo e alguma doença neurodegenerativa do homem",

\ \

' I I I

diz Bengtson. Ainda é cedo para tirar alguma conclusão, mas é possível espe­cular. "Os sintomas motores e a perda de neurônios na coluna espinhal dos ca­mundongos remeteriam à esclerose late­ral amiotrófica (ELA) ou a doencas simi­lares, enquanto o acúmulo da proteína Tau no cérebro dos animais poderia in­dicar Alzheimer", opina Joazeiro.

A pesquisa translacional é um ter­reno conhecido dos brasileiros, espe­cialmente de Joazeiro. Depois de ter se formado na graduação e ter feito mestrado no Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP), esse baiano de nascimento fez douto­rado na Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD) no início dos anos 1990. Desde então estabeleceu­-se na cidade californiana, um polo de biotecnologia. Trabalhou primeiro no Instituto Salk, depois na Novartis Rese­arch Foundation (GNF) e agora está no Scripps, três centros que aliam pesquisa básica e aplicada. Bengtson faz parte de sua equipe há quatro anos. "Os dois são excelentes pesquisadores", diz Mari Sogayar, professora titular do IQ-USP que orientou o mestrado de Joazeiro e o doutorado de Bengtson. "O Claudio sempre me deixou estupefata. Fez o mestrado em apenas um ano." •

MARCOS PIVETTA

Artigo científi co

BENGTSON, M.H. et al. Role of a ribosome-associated E3 ubiquitin ligase in protein quality contrai. Nature. v. 467, p. 470-73. 23 set. 2010.

PESQUISA FAPESP 176 • OUTUBRO DE 2010 • 55

Page 56: Vida no espaço

Saguis: gritos e sibilos ativam áreas do cérebro ligadas à linguagem

56 • OUTUBRO DE 2010 • PESQUISA F"APESP 176

[ ANATOMIA ]

Pequenos notáveis

Macacos das Américas usam vocalização para se comunicar

s macacos nativos das Américas costumam ser menores e mais frá­geis do que as espécies aparentadas que vivem do outro lado do ocea­no. Com cérebros anatomicamen­te mais simples, são muitas vezes considerados menos inteligentes e

menos capazes de realizar tarefas cognitivas complexas, como se comunicar voluntaria­mente com outros membros do bando. Sur­gem agora, porém, novos argumentos em favor de uma revisão desse raciocínio.

Pesquisadores brasileiros conseguiram as primeiras evidências empíricas consis­tentes de que os macacos do chamado Novo Mundo apresentam comportamentos tão ou mais complexos que os dos primos do Velho Mundo, ditos mais evoluídos. Experimentos que envolveram a participação de grupos do Rio Grande do Norte, de São Paulo e de Brasília mostraram que uma espécie de sagui originária da Mata Atlântica e da Caa­tinga emite silvos e gritos com o objetivo de comunicar informações elaboradas, e não apenas emoções primordiais mais rudimen­tares como dor, medo ou excitação.

Nos laboratórios do Instituto Interna­cional de Neurociência de Natal Edmond e Lily Safra(IINN-ELS) saguis da espécie Callithrix jacchus passaram por uma bate­ria de testes relativamente simples. Cristia­no Simões e seus colaboradores colocaram seis saguis para ouvir por 45 minutos vo­calizações gravadas de outros animais da mesma espécie. Eles separaram os macacos

em dois aos char espanta! ciou-e se passa

Usar mulam pesquis< vocaliza do córt' mais su matas a comple e consc transfo: mais 0 1

explica tis ta da dos au1

"M que os emitiss COmO I

vida de primit ro,coc na Pro

Área a aten pré-fr ximo em 18 Broca à corr trole área E

falar • Euge1 de Sã

"]

muit

Page 57: Vida no espaço

A part ir da esquerda:

Callithrix jacchus, C. argentata e

C. penicillata

em dois grupos - um que respondeu aos chamados emitindo gritos e silvos espontaneamente e outro que se silen­ciou- e depois analisaram o que havia se passado com seus cérebros.

Usando uma proteína que se acu­mula nas células cerebrais ativadas, os pesquisadores constataram que o ato de vocalizar aciona três regiões importantes do córtex cerebral, a camada de células mais superficial do cérebro -nos pri­matas associada à realização de tarefas complexas como atenção, linguagem e consciência. "Essas áreas passam por transformação contínua quando os ani­mais ouvem ou emitem vocalizações", explica Koichi Sameshima, neurocien­tista da Universidade de São Paulo e um dos autores do estudo.

"Muitos pesquisadores acreditavam que os macacos do Novo Mundo só emitissem sons quando tinham emoções como medo ou dor, que envolvem a ati­vidade de áreas subcorticais, regiões mais primitivas do cérebro", diz Sidarta Ribei­ro, coordenador da pesquisa, publicada na Frontiers in Integra tive Neuroscience.

Área de Broca - O que mais chamou a atenção foi o acionamento do córtex pré-frontal ventrolateral. Situada pró­ximo à têmpora, essa região descrita em 1861 pelo anatomista francês Pierre Broca está associada nos seres humanos à compreensão da linguagem e ao con­trole da fala. "Pessoas com lesão nessa área emitem sons, mas não conseguem falar de modo articulado", explica Luiz Eugenio Mello, da Universidade Federal de São Paulo, coautor do trabalho.

"Mesmo tendo uma área cortical muito menor que a dos seres huma-

nos e dos macacos do Velho Mundo, com quem partilharam um ancestral há cerca de 40 milhões de anos, os sa­guis já apresentam um circuito corti­cal relacionado às vocalizações", afirma Ribeiro, pesquisador do IINN-ELS e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

A suspeita de que o córtex cereb'ral estivesse envolvido na vocalização de macacos do Novo Mundo não é nova. Em 1967, o pesquisador Uwe Jürgens, do Centro Alemão de Primatologia, observou que havia atividade no córtex de micos-de-cheiro ( Saimiri sciureus). Mas restavam dúvidas. Nos testes que fez, Jürgens aplicava estímulos elétricos próximo às áreas do córtex ligadas à vocalização e não se sabia se os ani­mais emitiam os sons por causa do es­tímulo elétrico ou espontaneamente. Ao colocar os saguis para ouvir a voz dos companheiros, o grupo brasileiro eliminou essa dúvida. "Nosso trabalho deixa claro que o sistema de controle vocal voluntário já existe nos macacos do Novo Mundo", diz Ribeiro.

Ainda é cedo para saber se os saguis e micos têm a intenção de se expressar - e, por exemplo, avisar que estão per-

didos, em perigo ou que encontraram alimento- quando emitem seus sons característicos. "Ainda precisamos ve­rificar, mas talvez a vocalização desses macacos tenha natureza intencional", comenta Mello. Se for comprovada, es­sa intencionalidade não surpreenderá muitos pesquisadores. "A comunicação vocal permite superar barreiras visuais e é uma necessidade fundamental do ser humano", explica Mello. "Ela prova­velmente não surgiu de uma hora para outra em nossa espécie, mas deve ter se desenvolvido em outros macacos e evo­luído ao longo de milhões de anos."

Atualmente o grupo de Ribeiro in­vestiga se os saguis são capazes de apren­der e usar símbolos. "Se demonstrarmos isso", diz Ribeiro, "em seguida tentare­mos ver qual o processo neurofisiológi­co por trás desse fenômeno". •

RICARDO ZORZETTO

Artigo científico

SIMOES, C. S. et ai. Activation of frontal neocortical areas by vocal production in marmosets. Frontiers in Integrative Neuroscience. v. 4, p. 1-12. set. 2010.

PESQUISA FAPESP 176 • OUTUBRO DE 2010 • 57

Page 58: Vida no espaço

[ FISIOLOGIA ]

A reinterpretação do cérebro

Descobridor da neurogênese em adultos, Fred Gage investiga função dos novos neurônios

RICARDO ZoRZETTO

mundo parou para repensar o que se sabia sobre a estrutura e o funcionamento do cé­rebro quando o neurocientista norte-ameri­cano Fred Gage publicou em 1998 na Nature Medicine as primeiras evidências sólidas de que o sistema nervoso central humano con­tinua a gerar novas células depois de adulto.

Resultado de anos de trabalho das equipes de Gage e de outros pesquisadores, a constatação marcou uma fase de descobertas que abalaria o conceito de estru­tura e evolução do cérebro proposto quase um século antes por Santiago de Ramón y Cajal.

Médico e histologista espanhol, Ramón y Cajal identificou a arquitetura microscópica do sistema nervoso central e afirmou que, uma vez encerrada a fase de desenvolvimento, o cérebro se tornaria fixo e imutável, já que a "fonte de crescimento e regene­ração" das células cerebrais secaria definitivamente. Doze anos atrás Gage conquistou seu lugar na história da ciência ocidental ao mostrar que essa ideia não era mais válida - ao menos não para todo o cérebro.

Desde que confirmou a proliferação de células no cérebro adulto, fenômeno conhecido como neurogê­nese e descrito em cooperação com o sueco Peter Eri­ksson, Gage não parou de criar novos experimentos para identificar a função desses neurônios jovens.

Considerado um dos mais influentes neurocientis­tas da atualidade, Gage coordena um laboratório com cerca de 40 pessoas no Instituto Salk, na Califórnia, de onde já saíram pouco mais de 600 artigos científicos, citados por 57 mil outros trabalhos.

58 • OUTUBRO DE 2010 • PESQU ISA FAPESP 176

Page 59: Vida no espaço

Antes de eu me envolver nesse assunto, já havia evidências de que deveriam existir células se dividindo no cérebro depois da fase de desenvolvimento, mas muita Qente não acreditava

Em visita à cidade mineira de Ca­xambu, onde participou em setembro do XXXIV Congresso da Sociedade Brasileira de Neurociências e Compor­tamento, Gage contou como confirmou a neurogênese em adultos e falou dos projetos em andamento.

• Seu interesse pela capacidade do cére­bro adulto de gerar novas células surgiu ainda durante a graduação? - Foi um pouco mais tarde. Quando eu era estudante de graduação, estava interessado em descobrir como o cére­bro adulto reage a lesões. É a chama­da neuroplasticidade em adulto, que comecei a investigar nos anos 1970, quando ainda se acreditava que o cé­rebro fosse praticamente imutável após o desenvolvimento. Nessa época experi­mentos começaram a mostrar que o cé­rebro talvez tivesse alguma capacidade de recuperação após sofrer danos.

• fá naquele tempo? -Sim, já naquela época. Não era ainda a capacidade de produzir novos neurônios. Mas, se um neurônio fosse cortado, parecia ser capaz de crescer novamente, de brotar. Como era um crescimento muito limitado, pensa-

mos: "Se eles podem crescer um pou­co, talvez seja possível fazê-los crescer mais". Assim que se passou a estudar isso melhor, percebemos que a plasti­cidade era maior ainda. Eu tinha 18 ou 19 anos quando fui trabalhar em um laboratório e começou a ficar claro que o cérebro tinha muito mais capacidade de se recuperar do que imaginávamos. A descoberta de que novos neurônios poderiam surgir ocorreu bem depois.

• O senhor chegou lá a partir desses trabalhos dos anos 1970? - Não foi tão linear assim. Eu estava ocupado tentando compreender qual a capacidade de regeneração de diferentes áreas cerebrais. Antes de eu me envolver nesse assunto, já existiam evidências ou, ao menos, artigos publicados dizendo que deveria haver células se dividindo no cérebro adulto. Mas muita gente não acreditava. O pesquisador que desco­briu esse fenômeno, Joe Altman, ainda está vivo, mas abandonou a área cedo porque ninguém acreditava nele.

• Ele também tinha a ideia de que a proliferação de células ocorria no hipo­campo, região cerebral associada à for­mação de memórias de longa duração e à capacidade de localização espacial? - De certo modo, sim. E também no cerebelo. Mas ele usava uma técnica di­ferente, que não permitia quantificar e não era suficientemente consistente. Agora, quando analisamos o que ele havia feito, vemos de outra forma. Era realmente notável. Depois, no início dos anos 1980, um pesquisador [Fer­nando Nottebohm] demonstrou que havia divisão celular no cérebro de pássaros adultos.

• No aprendizado de novos cantos? -Foi o que ele disse. Os neurônios morriam em uma temporada e novos neurônios surgiam quando os pássa­ros aprendiam um novo canto. Mas foi muito controverso. Esse pesquisador usou os mesmos métodos que o outro havia utilizado e isso gerou uma batalha porque o método não era convincen­te. Outros grupos, usando as mesmas técnicas, não conseguiam reproduzir os resultados. Mas lembro de prestar aten­ção ao que ele havia dito e era mesmo impressionante. Ainda havia pessoas tentando repetir os experimentos e eu

PESQUISA FAPESP 176 • OUTUBRO DE 2010 • 59

Page 60: Vida no espaço

entrei nessa história de modo diferen­te. Eu trabalhava com uma proteína, o fator de crescimento de fibroblastos [FGF] . Eu havia estado na Suécia e fui para a Califórnia em meados dos anos 1980, levando o que havia aprendido de biologia molecular e de virologia.

• Foi o começo de tudo. -Eu sabia que esse era o caminho que a neurociência deveria seguir. Então pe­gamos o gene que codifica esse fator de crescimento e o inserimos em células. A ideia era implantar essas células no cé­rebro e ver o que o fato r de crescimento faria . A clonagem de genes e a terapia gênica estavam no início. O gene ha­via sido recém-descoberto no Salk por Roger Guillemin [que recebeu o Nobel de Medicina em 1977 por seus estudos com neuropeptídeos ]. Conseguimos o clone do gene, o inserimos em fibro­blastos e deixamos células cerebrais em cultura com os fibroblastos para ver se havia crescimento. De um momento para outro, os neurônios jovens come­çaram a proliferar loucamente. A pla­ca ficou tomada por células. Aí pensei: "Meu deus, devemos ter descoberto algo novo!" No início pensamos que algo nos fibroblastos poderia ter causa­do alguma reação e passado a secretar um fator de crescimento desconhecido. Fomos fazer química de proteínas para descobrir o que tinha ocorrido. O veto r que usamos produziu muita proteína e jamais se havia observado o efeito de al­tas concentrações de FGF em neurônios jovens. Baixas concentrações fazem os neurônios crescerem e concentrações elevadas fazem eles se dividirem. Gerd Kempermann e Malcolm Schinstine estavam em meu laboratório, e disse­mos: "Olha, tem essa história maluca de neurônios se dividindo no cérebro. Se for verdade, talvez possamos inserir fibroblastos no cérebro e produzir no-

" o )) vos neuromos .

• E o que aconteceu? - Bem, então lemos o que havia sido publicado sobre o assunto e tentamos repetir o experimento, mas não conse­guimos replicar os dados. Percebi que o problema era a marcação das células. A forma como se identificava se uma célula estava se dividindo era marcar essa célula com um elemento radioativo e contar os pontos que ficavam regis-

60 • OUTUBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 176

ConseQuimos o clone do fator de crescimento de fibroblastos,

. . o msenmos nessas células e as deixamos em cultura com células cerebrais. Os neurônios proliferavam loucamente

trados em uma emulsão fotográfica. Era completamente manual. Mais tarde foi desenvolvido um análogo químico com alta afinidade por anticorpos. Quando se administra esse análogo às células, ele se integra ao DNA. Anticorpos ~ão então capazes de aderir àquelas célu­las e localizar o núcleo com precisão. Usamos esse composto, chamado BrdU [bromo-deoxiuridina], para identificar neurogênese em adultos. Na época co­meçamos a usar a microscopia confo­cal. A Olympus nos deu uma máquina e conseguimos ver o BrdU marcando os anticorpos. Também descobrimos que alguém havia usado um anticorpo para marcar núcleos de neurônios ma­duros. Então fui a Michigan, consegui o anticorpo contra o marcador neuronal conhecido como NeuN e marcamos du­plamente as células, com BrdU e NeuN. Com o microscópio confocal pudemos dissecar cada neurônio, reconstruí-lo de forma tridimensional e comprovar que aquelas células estavam se dividindo.

• Como vocês conseguiram ver se isso estava acontecendo in vivo? -Tivemos de injetar BrdU em ani­mais. Quatro ou cinco técnicas estavam

em desenvolvimento e começamos a usá-las o mais rápido que pudemos.

• O senhor já estava procurando neuro­gênese no hipocampo naquela época? - Não. Fui treinado para trabalhar com o hipocampo. Mas não estava procuran­do neurogênese. Ninguém dava atenção a isso. Eu pesquisava as conexões entre o septo e o hipocampo, tentando recons­truir essa via. Fizemos os experimentos, nos convencemos daquilo e publicamos vários artigos científicos. O mais impor­tante que fizemos foi mostrar que a neu­rogênese ocorre e que a experiência em certos ambientes pode alterar o número de células. Em geral, camundongos de laboratório dividem uma pequena gaio­la com outros animais. Esse ambiente é restrito no sentido de não permitir que os camundongos explorem algo além daquilo. Um dos experimentos que fizemos foi o de mover os animais que viviam em pequenas gaiolas para ambientes maiores, ricos em brinque­dos e outros objetos que estimulassem a curiosidade e a capacidade exploratória. Nesses animais observamos um aumen­to no número de células no hipocampo. Mas ainda havia dúvidas em relação à quantificação do fenômeno. Então foi desenvolvida uma nova técnica, a este­reologia, que permite contar o número exato de células. Essa técnica, aliada à microscopia confocal e à marcação du­pla, permitiu mostrar não apenas que há mais células se dividindo no hipocampo de um animal adulto, mas também que o número de células aumenta até 15% apenas com alterações no ambiente. Em geral o giro dentado do hipocampo de um camundongo tem 300 mil células. Depois de um mês os animais do grupo de controle continuam a apresentar 300 mil células nessa região, enquanto os animais que passaram esse período em um ambiente com mais objetos têm 350 mil células. Assim conseguimos conven­cer todos de que não era a marcação das células com BrdU que gerava esse resultado, mas que realmente havia mais neurônios. A questão seguinte foi ver se isso também ocorria nos seres hu­manos. Na época percebemos que algu­mas pessoas tinham sido tratadas com BrdU, que marca as células que estão se dividindo, para avaliar a progressão do câncer. Quando essas pessoas mor­riam, o cérebro delas ia para a patolo-

gia. Tele em labo se eles t BrdU e alguma~

em pan no hipo publica era sufi zer a dt samos: trabalh haviarr para a tentar< lizavan tinharr estavar rávam ras,ao traísse para o e víarr come• borat• envol' aquilc artigc te crít não a ter UJ

emq

A volve a ref -S venc No a técn las c Scie go,J époi esp< mOI

ma1 de2 téCJ gué

occ de1 r ar gaJ Qt

Page 61: Vida no espaço

mos a nos.

gaio­lente mitir algo ~ntos

mais para que­·ema ória. en­

mpo.

~~o~ este-r,ero rda à ldu­~ehá mpo que

15% .Em o de ulas. ·upo •300 o os

r:~ ven-lção esse

a1s ver hu-

~gu-.om ptão ~são ~or­lo-

gia. Telefonei para colegas patologistas em laboratórios de câncer e perguntei se eles tinham pacientes tratados com BrdU e o cérebro deles. Conseguimos algumas amostras, mas estavam fixadas em parafina. Ainda assim vimos BrdU no hipocampo deles, três anos antes de publicar o artigo de 1998. Mas isso não era suficiente porque não podíamos fa­zer a dupla marcação das células e pen­samos: "Ninguém acreditará em nosso trabalho". Dois dos meus pós-does que haviam retornado para seus países, um para a Finlândia e outro para a Suécia, tentaram entrar para equipes que rea­lizavam testes clínicos com pessoas que tinham câncer em um órgão periférico e estavam sendo tratadas com BrdU. Espe­rávamos até que morressem e enfermei­ras, acompanhadas desses pós-does, ex­traíssem o cérebro fresco e o enviassem para o Salk. Olhávamos ao microscópio e víamos as células se dividindo. Então comecei a chamar pessoas do meu la­boratório e de outros que não estavam envolvidas nessa pesquisa para olharem aquilo. Theo Palmer, que não é autor do artigo, era um colega na época realmen­te crítico. Ele apontava: "Acredito nesta, não acredito naquela". Trabalhamos até ter um número suficiente de amostras em que confiávamos.

• A maior parte do trabalho foi desen­volver ferramentas que permitissem ver a reprodução de células no cérebro. -Sabíamos que tínhamos de con­vencer pessoas extremamente céticas. No artigo apresentamos três ou quatro técnicas distintas de marcação de célu­las que usamos no trabalho. Nature e Science não aceitariam revisar o arti­go, mas o editor da Nature Medicine na época arriscou e disse: "Isso é realmente espantoso!" E enviou o artigo para um monte de gente avaliar, inclusive nosso maior rival. Ainda hoje a possibilidade de alguém dizer que foi um artefato da técnica usada nos preocupa. Mas nin­guém fez isso até o momento.

• A neurogênese ocorre em apenas duas regiões do cérebro? -Bem, há duas regiões em que ela ocorre com regularidade e é facilmente detectável. Algumas pessoas já relata­ram que também ocorre em outros lu­gares. Mas os dados não são confiáveis. Quando se analisa a medula espinhal,

vê-se que há células-tronco em todos os lugares, mas elas não produzem novos neurônios. Elas estão em um estado de dormência. Minha impressão é de que essas células se encontram nesse estado porque o ambiente não é adequado pa­ra que se transformem em neurônios. Parte do desafio é descobrir o que fazer para as células-tronco neurais gerarem novos neurônios.

• A neuro gênese ocorre com regularida­de no hipocampo e no bulbo olfatório? - Sim. Há ainda outra região no inte­rior do cérebro chamada zona subven­tricular. É aí que as células estão se di­vidindo. Depois elas migram por uma grande distância até o bulbo olfatório. É uma trajetória interessante, o caminho percorrido é longo. Já o hipocampo está duas ou três camadas de células abaixo e a migração ocorre muito rapidamen­te. E é mais fácil estudar.

• O que dispara a migração? - Levou muito tempo para convencer as pessoas de que ocorria. O passo se-

guinte foi assegurar que esses neurônios amadureciam, faziam conexões, torna­vam-se ativos. Agora estamos tentando descobrir por que isso acontece.

• fá se sabe qual a função desses neu­rônios novos? -Uma ideia que reemergiu é que essa região do hipocampo está en­volvida na discriminação de objetos distintos, em determinar o que os diferencia. Um dos testes para iden­tificar isso é feito mostrando-se dois objetos semelhantes em sequência. Primeiro mostra-se um isoladamen­te e, em seguida, os dois ao mesmo tempo. Essas situações ativam uma região do hipocampo chamada giro dentado. Busca-se a imagem do ob­jeto apresentado anteriormente, que é comparada com a imagem atual de ambos. É preciso ter alguma memória do primeiro objeto para se avaliar a si­milaridade deles. São as células jovens que são ativadas novamente quando se observa o padrão novo [dois ob­jetos mostrados juntos]. As células antigas estão ocupadas procurando diferenças entre o padrão anterior e o novo, porque havia só um objeto no início e agora há dois. Essa é uma diferença, mas o que se está tentando é identificar o que há de distinto entre os dois objetos. Estamos trabalhan­do em parceria com neuropsicólogos para criar testes que tentem demons­trar isso empiricamente. Primeiro mostramos para voluntários uma imagem com desenhos complexos, depois duas imagens semelhantes e em seguida perguntamos qual delas é igual à primeira. No primeiro nível é fácil porque a diferença é grande. Mas mostramos cerca de 50 pares de imagens com padrões que vão se tor­nando cada vez mais parecidos entre si. Estamos tentando ver até que ponto as pessoas conseguem distingui-las.

• Como esse conhecimento poderia ser usado para compreender doenças que afetam a memória, como o Alzheimer? -Precisamos criar testes para seres hu­manos porque em todas essas doenças há um decréscimo na taxa de neurogê­nese. E há apenas testes clínicos muito genéricos. A verdade é que não é pre­ciso ter hipocampo para discriminar duas coisas bastante distintas entre si.

PESQUISA FAPESP 176 • OUTUBRO DE 2010 • 61

Page 62: Vida no espaço

Pode-se usar só o córtex visual para isso. Quando conversamos, analisamos um monte de informações. Tentamos entender o que é dito, traduzir de vol­ta para a língua materna e analisar os gestos para, com base nas referências pessoais, tentar dar sentido ao que está sendo dito. As células que surgem na neurogênese parecem particularmente importantes para fazer essas associa­ções. Há três partes nessa questão. A primeira é essa separação de padrões. A segunda é que, quando são jovens, es­sas células ajudam a formar memórias. Por último, depois que amadurecem, contribuem para fazer a distinção en­tre imagens com padrões semelhantes. É o que o nosso modelo matemático nos indica e os nossos experimentos estão mostrando. A outra parte é que testamos se o que as células aprendem quando jovens fica armazenado nelas. Mais tarde, quando o mesmo evento é apresentado àquela célula, ela se lem­bra disso. Isso é muito empolgante e nos levou a fazer experimentos com animais geneticamente alterados para que os neurônios que se recordam das experiências iniciais fiquem marcados com uma cor diferente daqueles que se lembram das experiências tardias, que acontecem depois de certo tempo. Pre­tendemos mapear o padrão de expres­são gênica das células que se lembram do evento e das que não se lembram.

• Há evidências para diferença de ex­pressão genética nessas células? - Estamos tentando ver isso. Há dife­renças entre neurônios vizinhos. O ma­terial genético é diferente e também a expressão gênica. Além disso, alterações ambientais inserem informações no DNA. Talvez seja um fenômeno epige­nético, que altera o funcionamento dos genes. Esse efeito vem sendo estudado por um ex-pós-doe meu [o brasileiro Alysson Muotri, professor da Universi­dade da Califórnia em San Diego]. Essa é a fronteira do conhecimento.

• Seria possível usar o conhecimento sobre neurogênese para ajudar na di­ferenciação de células-tronco, corrigir lesões ou tratar doenças? -Na depressão o hipocampo encolhe. A conexão com esses dados é sutil. Não são dados meus, estão aí. Por alguma razão, o cérebro de quem é tratado

62 • OUTUBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 176

Aparentemente os neurônios que nascem no cérebro adulto ajudam a formar novas memórias e a distinQuir 1maQens com padrões muito semelhantes

com antidepressivos da classe do Pro­zac [inibidor seletivo de recaptação de serotonina] encolhe menos.

• Mas é questionável? -Não. Dados são dados. Mas não di­zem muito. Experimentos que fizemos mostraram que o Prozac induz a divisão celular. Mas dividir não é suficiente. As novas células têm de se tornar neurôni'o. Isso leva de quatro a seis semanas. Os psiquiatras viram isso e enlouqueceram. Disseram: "É por isso que leva tanto tempo para os medicamentos funcio­narem". Esses medicamentos aumen­tam a disponibilidade de serotonina e células-tronco colocadas em uma pla­ca de vidro com serotonina se dividem alucinadamente. É assim que funciona, por meio dos receptores SHTlA, que induzem a proliferação. Há agora en­saios clínicos com drogas que atuam sobre a neurogênese e não interagem com o SHTlA. Mas é tudo incipiente. Em quase todas as doenças neurode­generativas, Alzheimer, Parkinson, há redução na neurogênese.

• Além da morte celular, há redução na neurogênese. -A dúvida é se é a doença que está causando diretamente a redução da neurogênese ou, como acreditamos, a

doença deixa o animal letárgico e isso leva à redução na neurogênese. Quando se restringem os movimentos do ani­mal, ele fica estressado e a neurogênese diminui. É possível que a queda no rit­mo de neurogênese seja consequência da mudança comportamental causada pela doença. Mas isso está sendo tes­tado. Sabemos que um dos problemas que os pacientes têm no Parkinson e no Alzheimer é a dificuldade de saber onde estão. Eles se perdem o tempo todo. Tal­vez não se consiga frear a doença, mas tratar alguns componentes e permitir que as pessoas lidem melhor com ela. Essa é minha meta otimista.

• Qual a taxa de neurogênese? - Depende da espécie e da idade. É muito mais alta quando se é jovem. E depois cai. Nos idosos é muito baixa.

• Ela nunca cessa completamente? - A neurogênese é afetada pelo grau de atividade. Um camundongo idoso, de 18 meses, praticamente não apre­senta neurogênese. Se ele tiver acesso por um mês a uma gaiola com uma roda [em que possa se exercitar volun­tariamente], ou a um ambiente mais rico, apresentará o mesmo número de neurônios se dividindo que um animal jovem que não faz exercício. Poucos dos animais idosos desenvol­vem novos neurônios funcionais, mas vários conseguem. E as células que se transformam em neurônios passam a apresentar todas as ramificações.

• Então quem quer manter boa memória deve correr ou, ao menos, caminhar. -Não, mas acho que tem de se manter ativo física ou intelectualmente. Não está claro ainda qual a relação entre a corrida e a neurogênese. Em parte esse efeito é causado pela serotonina. Quando a gen­te se move, o núcleo da rafe ativa-se e secreta serotonina no hipocampo. Mas a atividade cardiovascular também au­menta quando se está em movimento e uma proteína chamada IGF1 [fator de crescimento da insulina 1] é liberada no sangue. No lugar onde ocorre neuro gêne­se há vasos sanguíneos que podem estar liberando IGFl. Outras pessoas mostra­ram que, quando se impede a atividade da IGFl, bloqueia-se a proliferação de neurônios. É um fenômeno multifatorial. Ainda não conhecemos bem. •

Page 63: Vida no espaço
Page 64: Vida no espaço

Sei

• Odontologia

o Biblioteca de Revistas Científicas disponível na internet www.scielo.org

Notícias

Cuidados com a quimioterapia

Em decorrência da quimioterapia, alterações na cavi­dade oral podem ser observadas e levar a complicações sistémicas importantes, podendo aumentar o tempo de internação hospitalar, os custos do tratamento e afetar diretamente a qualidade de vida dos pacientes. O trabalho "Manifestações bucais em pacientes submetidos à quimio­terapia" teve como objetivo realizar uma pesquisa em um hospital de oncologia na cidade de Juiz de Fora (MG), sendo realizado através de coleta de dados nos prontuários de pacientes que estiveram em tratamento oncológico, em que foram avaliadas as prevalências das manifestações orais em relação ao sexo, idade e tipo de tumor. Verificou-se que a mucosite foi a manifestação mais incidente em ambos os sexos em todas as faixas etárias ( 15,5%). A xerostomia e as demais lesões, como candidíase e lesões aftosas, também estiveram presentes. O estudo foi realizado por Fernando Luiz Hespanhol, da Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora, Eduardo Muniz Barretto Tinoco, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Henrique Guilherme de Castro Teixeira e Neuza Maria de Souza Picorelli Assis, da Universidade Federal de Juiz de Fora, e Márcio Eduardo Vieira Falabella, da Universidade do Grande Rio. Segundo eles, é possível melhorar a qualidade de vida antes, durante e após as terapias antineoplásicas através de um protocolo de atendimento odontológico que inclua medidas de condicionamento do meio bu­cal prévias à quimioterapia, como profilaxia, remoção de cáries, tratamento periodontal e de focos periapicais, orientação para higiene oral e dieta e ainda laserterapia. É importante a inserção do dentista na equipe oncológica para o diagnóstico precoce das manifestações bucais e acompanhamento no período de tratamento, afirmam os autores do estudo.

CIÊNCIA & SAÚDE COLETIVA- VOL. 15- SUPL. 1- RIO DE

JANEIRO- )UN. 2010

• Sociologia

O pensamento de Josué de Castro

O estudo "Ação política e pensamento social em Josué de Castro': de Maria Letícia Galluzzi Bizzo, analisa elementos centrais do pensamento social e da ação política do médico

64 • OUTUBRO DE 2010 • PESQU ISA FAPESP 176

Josué de Castro (1908-1973), entre os anos 1930 e 1950. E tem por objetivo problematizar, na construção de sua ideia de "fome", categorias cognitivo-sociais presentes, bem como convergências com outros ideários. Foram analisadas fontes primárias- quatro escritos de Castro- e fontes publicadas por autores contemporâneos, complementadas com levan-

tamento historiográfico e exame de aspectos-chave de sua atua­ção como deputado e fundador de entidades contra a fome. A trajetória científico-político­-intelectual de Castro centrou--se na concepção de "fome" co-mo fenômeno biológico-social identitário do brasileiro, origem dos males do país e entrave à nacionalidade, demandante de reformas económico-sociais modernizantes. Na sua obra há categorias também presentes no

conjunto do pensamento social brasileiro, como as de mo­nocultura latifundiária colonialista sem i feudal, de Estado irracional e de defesa do público sobre o privado. Entre ideias convergentes com as da nutrição internacional está a preocupação com a alimentação coletiva sob o aspecto biológico-social. A produção científico-intelectual de Castro tornou-se possível especialmente em razão do cenário de construção do Estado e é marcada por relações do cientista com instituições, poder público e organismos internacio­nais. Para a autora, seu engajamento político e social ma­nifestou-se por meio de suas convicções científicas, dando visibilidade à fome como objeto científico-político.

BoLETIM DO MusEu PARA NAENSE EMíLio GoELDJ. CiÊN­

CIAS HUMANAS- VOL. 4- N° 3- BELÉM- SET./DEZ. 2009

• Oncologia

Queda nas taxas de câncer

A mortalidade por câncer iniciou declínio nos países desenvolvidos nos anos 1990, mas seu comportamen­to nos países em desenvolvimento é menos conhecido. Estudo anterior abordando a mortalidade por câncer no Brasil mostrou queda na mortalidade pelo conjunto dos cânceres, mas a qualidade dos dados suscitou crí­ticas quanto à validade dos resultados. As informações de mortalidade das capitais dos estados do Brasil são

dt to N

rr d t< p a· n o 11

e c d c

Page 65: Vida no espaço

de melhor qualidade que aquelas para o país como um todo, possibilitando análise mais acurada das tendências. No artigo "Tendências da mortalidade por câncer nas capitais dos estados do Brasil, 1980-2004" os dados de mortalidade e população foram obtidos das bases de dados do Ministério da Saúde e do IBGE. Calcularam-se taxas ajustadas por idade e taxas específicas por idade, para ambos os sexos, e empregou-se regressão linear para avaliar a significância das mudanças de tendência. Os resultados indicaram que as taxas de mortalidade pelo conjunto dos cânceres declinaram ( -4,6% para os ho­mens e -10,5% para as mulheres). As taxas de câncer de estômago diminuíram para os dois sexos, assim como o câncer de pulmão entre os homens, enquanto as taxas do câncer de próstata aumentaram. No sexo feminino, o câncer de mama mostrou-se estável e o do colo do útero aumentou suas taxas ao final do período. Conforme já registrado em países desenvolvidos, a mortalidade pelo conjunto dos cânceres nas capitais de estados brasileiros mostrou tendência de queda entre 1980 e 2004, o que se deveu fundamentalmente ao declínio da mortalidade por câncer de estômago. O estudo foi fe ito por LuizAugusto Marcondes Fonseca e José Eluf-Neto, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), e Victor Wunsch Filho, da Faculdade de Saúde Pública da USP.

REviSTA DA AssociAÇÃO MÉDICA BRASILEIRA- voL. 56-N° 3- SÃo PAULO 2010

• Biologia

Peixes de Santos e Cubatão

Levantamentos ictiofaunísticos na Mata Atlântica têm sido publicados em relativamente poucos trabalhos, ape­sar da grande importância biológica deste bioma que, mais vasto no passado, vem rapidamente desaparecendo por causa do crescimento desordenado das populações humanas e superexploração dos recursos naturais. O estudo "lctiofauna do rio Jurubatuba, Santos, São Pau­lo: um refúgio de diversidade em terras impactadas", de George Mendes Taliaferro Mattox e José Manoel Pires Iglesias, da Universidade de São Paulo, objetivou a cessar a fauna de peixes de uma bacia relativamente bem con­servada entre as cidades de Santos e Cubatão, no litoral paulista, uma área muito alterada pela atividade huma­na e carente de levantamentos ictiofaunísticos recentes. Coletas foram realizadas durante três campanhas no rio Jurubatuba, um rio costeiro de médio porte, e no riacho Sabão, um de seus afluentes. Houve amostras de 2.773 indivíduos pertencentes a 25 espécies de 14 famílias. Seis espécies são primariamente marinhas e utilizam a porção mais alta do rio Jurubatuba. Doze das 19 espécies de água doce são endêmicas da Mata Atlântica e quatro estão relacionadas em listas regionais de espécies ameaçadas. Apenas cinco espécies ocorreram no rio Jurubatuba e no riacho Sabão concomitantemente. A família mais diversa foi Characidae, seguida de Poeciliidae, Rivuli­dae e Heptapteridae. Phalloceros caudimaculatus foi a espécie mais abundante, seguida de Poecilia vivípara e

Geophagus brasiliensis. A área de estudo é considerada bem preservada e, por causa de sua localização crítica, necessita de políticas conservacionistas para proteger sua diversidade de peixes.

BIOTA NEOTROPICA - VOL. 10 - N° 1 - CAMPINAS -

ABR. 2010

• História

Mulheres na ABL

A Academia Brasileira de Letras, entidade fundada em 1897, manteve-se incólume à presença feminina até 1976, ano em que o art. 17 do Regimento Interno, que até então restringia a eleição aos "brasileiros do sexo masculino", foi alterado, assegurando às mulheres a possibilidade de candidatura. Tendo isso em vista, o artigo "As mulheres e a Academia Brasileira de Letras", de Michele Asma r Fa­nini, da Universidade de São Paulo, pretende analisar os bastidores do ingresso de Rachel de Queiroz, primeira mulher a sagrar-se imortal, em 1977.

HISTÓRIA (SÃO PAULO)- VOL. 29- N° 1- FRANCA- 2010

• Artes cênicas

Dança e educação somática

No artigo "O encontro entre dança e educação somática co­mo uma interface de questiona­mento epistemológico sobre as teorias do corpo': a pesquisadora Eloisa Domenici, da Universida­de Federal da Bahia, destaca a si­nergia entre a educação somática (corporal) e a dança, como um subespaço de produção de co­nhecimento qualificado sobre o corpo. A autora considera que as práticas de educação somática possibilitaram novos caminhos de investigação e criação, alteran­

do profundamente os modos de fazer dança, para além da clássica epistemologia mecanicista em que se pauta o treinamento corporal tradicional. A hipótese da autora é de que essa zona híbrida entre arte e ciência vem deses­tabilizando concepções importantes, tais como memó­ria, cognição, movimento, hábito, natureza, cultura, entre outros, produzindo importantes subsídios na direção de novas epistemologias sobre o corpo.

PRO-PROSIÇÕES- VOL. 21- N° 2- CAMPINAS- MAIO/

AGO. 2010

> o link para a íntegra dos artigos citados nestas páginas estão dispo· níveis no site de Pesquisa FAPESP, www.revistapesquisa.fapesp.br

PESQUISA FAPESP 176 • OUTUBRO DE 2010 • 65

Page 66: Vida no espaço

LINHA DE PRODUÇÃO MUNDO

ANTENAS SOLARES

Grandes expoentes da nanotecnologia, os nanotubos

de carbono mostraram-se capazes de concentrar

100 vezes mais energia captada dos raios do Sol em

relação aos tradicionais painéis solares. Ao juntar

30 milhões desses tubos compostos por folhas de

átomos de carbono, pesquisadores do Instituto de

Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados

Unidos, formaram antenas que concentram a ener­

gia solar em pequenos espaços. A equipe, liderada

pelo professor Michael Strano, decreveu a novidade

na revista Nature Materiais (12 de setembro). Entre

os pesquisadores que assinam o texto está o brasi­

leiro Cristiano Leite Fantini, professor do Instituto

de Física da Universidade Federal de Mins Gerais

(UFMG). "Fiz meu pós-doutorado com o professor

Strano entre 2006 e 2007. Eu e o coreano Jae-Hee,

que também fazia pós-doe e assina o texto, começamos a tra­

balhar com a ideia de feixe de nanotubos. Depois escolhemos

um tipo de nanotubo semicondutor com a mesma simetria. Eles

são capazes de absorver luz e fazer a transição eletrônica para

a geração de eletricidade", diz Fantini. Ele explica que, ao juntar

os vários nanotubos formando uma antena de 10 micrômetros,

é possível ver o dispositivo num microscópio óptico, sistema

impensável para nanotubos isolados. Fantini diz que ainda está

longe a implementação comercial das antenas. Se tudo der

certo, os grande painéis solares instalados no telhado de casas

que possuem esse tipo de energia poderão ser trocados por

pequenos artefatos semelhantes a luminárias de jardim.

I MICROAGULHAS CONTRA INFECÇÃO

Um adesivo com centenas de microagulhas com propriedades antimicrobianas é a nova esperança para eliminar os casos de contaminação em campanhas de vacinação em massa destinadas a países subdesenvolvidos, quando pessoal sem a devida qualificação costuma ser chamado para trabalhar. As microagulhas, desenvolvidas

66 • OUTUBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 176

por pesquisadores da Universidade do Estado da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, liberam na pele agentes antimicrobianos juntamente com a vacina em si. O adesivo. é feito de polímeros biodegradáveis aprovados pela Food and Drug Administration (FDA) -órgão norte-americano responsável pela fiscalização de medicamentos­similares aos usados em suturas que se dissolvem na pele. Os pesquisadores afirmam que a aplicação das microagulhas antimicrobianas tornará dispensável o uso de antissépticos na pele antes da vacinação, procedimento que às vezes não é seguido em muitos países. Um porta-voz da ONG Médicos sem Fronteiras disse que a entidade aprovou a novidade, mas ressaltou que o sucesso dependerá do custo final e de uma grande capacidade de produção.

I MOSQUITEIRO NANOIMPREGNADO

Os mosquiteiros impregnados com o inseticida piretroide e drogas antimaláricas apresentaram bons resultados na Tailândia, país que sofre com surtos de malária. As drogas matam os mosquitos quando eles pousam sobre a rede, colocada em volta das camas. O problema é que, com as lavagens do mosquiteiro, o tempo de ação das drogas se limita a cerca de 12 meses. Para contornar essa barreira, pesquisadores do Centro Nacional de Nanotecnologia da Tailândia desenvolveram um processo nanotecnológico capaz de manter os inseticidas ativos por até cinco anos. Os mosquiteiros recebem os piretroides com partículas em escala nanométrica que são mais facilmente incorporadas e presas às fibras da rede (SciDev).

I TOQI PAR)

Pesquis< Univers emBed Unidos, consegu artificial robôs cc um toqt; suficient ovo ou l A pele é semicon. poderá t; de novos restabele do toque dotados' isso será mais pes< à integra< eletrônio nervoso 1 desenvoh pesquisac nano cabe uma liga c e depois c uma cam< formada I sensores,~

NA LI!

Mais silenc

os AutoTra

para rodar

dos ônibus

os trilhos (I

A diferençê

VLT e ágeis

precisarão

Movidos à e

de borracha

dotada de!

Uma novida

tituto Fraun

recarga de b

-o reabaste

O veículo te

Page 67: Vida no espaço

TOQUE SENSÍVEL PARA ROBÔS

Pesquisadores da Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados Unidos, anunciaram ter conseguido criar uma pele artificial que poderá equipar robôs conferindo a eles um toque sensível o suficiente para segurar um ovo ou uma taça de cristal. A pele é feita de materiais semicondutores flexíveis e poderá também, a depender de novos estudos, restabelecer a sensibilidade do toque em pacientes dotados de próteses. Para isso será preciso desenvolver mais pesquisas visando à integração de sensores eletrônicos com o sistema nervoso humano. Para desenvolver o material, os pesquisadores fabricaram nanocabos ultrafinos com uma liga de silício e germânio e depois os revestiram com uma camada de borracha, formada por pequenos sensores, sensível ao toque.

Materiais inorgânicos como o silício têm excelentes propriedades elétricas e são quimicamente estáveis. Testes revelaram que a pele artificial distingue várias escalas de força, desde a usada para digitar em um teclado de computador até a empregada para segurar um objeto. A tecnologia foi divulgada em artigo na revista Nature Materiais (12 de setembro).

NA LINHA DO AUTOTRAM

Mais silenciosos, econômicos e bonitos, assim deverão ser

os AutoTram, veículos de transporte de massa projetados

para rodar no futuro na Alemanha. Eles são uma mistura

dos ônibus atuais com os chamados veículos leves sobre

os trilhos (VLT), existentes em várias cidades do mundo.

A diferença é que os novos veículos, longos como os

VLT e ágeis como os ônibus, não soltarão fumaça nem

precisarão de trilhos ou cabos aéreos para circular.

Movidos à eletricidade, eles serão dotados de pneus

de borracha e se deslocarão sobre uma linha branca,

dotada de sensores de direção, pintada nas ruas.

Uma novidade do AutoTram, desenvolvido pelo Ins­

tituto Fraunhofer, é que ele contará com estações de

recarga de baterias nos pontos de parada de passageiros

-o reabastecimento deverá ser feito de 30 a 60 segundos.

O veículo terá capacidade para 102 passageiros.

I TOMATE~ BATATA TRANSGENICOS

Um tomate com altas concentrações de miraculina, uma substância que transform a alimentos am argos em doces, e uma batata com 60o/o a mais de proteínas são dois recentes alimentos transgênicos elaborados na Ásia. O primeiro, desenvolvido por pesquisadores japoneses, da

Universidade de Tsukuba e da empresa ln planta (Journal of Agricultura[ and Food Chemistry, 8 de setembro), produziu tom ates com grandes quantidades de miraculina, uma proteína da fruta milagrosa, uma baga vermelha de um arbusto da África, difícil de se adaptar em outros climas. O gene que codifica essa proteína foi inserido inicialmente na bactéria Escherichia coli e depois em tomates anões. Com maiores quantidades de miraculina será possível um amplo uso em alimentos e bebidas para amenizar o gosto amargo e com baixíssima caloria. A batata, desenvolvida na Índia pelo Instituto de Pesquisa da Batata, ganhou um gene do grão do amaranto, que estimula a produção de proteínas. Assim, a batata transgênica contém 60o/o a mais de proteínas. As plantas já passaram por testes de biossegurança na Índia (New Scientist, 23 de setembro).

PESQUISA FAPESP 176 • OUTUBRO DE 2010 • 67

Page 68: Vida no espaço

LINHA DE PRODUÇÃO BRASIL

RADIAÇÃO PESSOAL

Durante a recente epidemia de gripe H1N1

era comum ver, pela televisão ou internet,

imagens, principalmente em aeroportos

no exterior, com o espectro de radiação

eletromagnética, ou o nível do calor emi­

tido pelos passageiros, o que poderia in­

dicar a presença da doença. As imagens

são geradas por câmeras térmicas produ­

zidas por cerca de 25 empresas no mundo.

Agora esse tipo de equipamento passará a

ser produzido também no Brasil pela em­

presa Optovac, que desenvolveu e acaba

de lançar sua primeira unidade comercial. "A nossa câmera

capta nuances de temperatura em um amplo número de apli­

cações, como no monitoramento de grandes áreas, porque

pode ver mesmo na ausência de luz e a grandes distâncias,

na medicina, para detecção de gripes, e para uso militar", diz

o físico Henrique Nobre, sócio da Optovac, empresa sediada

em Osasco, na Região Metropolitana de São Paulo. Ele explica

que a empresa constrói toda a câmera, inclusive as lentes, e

importa o sensor de captação de imagem (ver Pesquisa FA­

PESP n° 157). O preço médio da câmera é de R$15 mil, valor

que varia segundo as configurações da máquina. O Exército

brasileiro foi o primeiro comprador.

RESIDÊNCIA SUSTENTÁVEL

Uma casa de 65 metros quadrados que funciona com energia solar e reaproveita a água da chuva está instalada em Taguatinga, no Distrito Federal. Chamada Centro de Demonstração de Energias Renováveis, a edificação foi planejada e construída pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e pelo Centro de Pesquisa de Energia Elétrica (Cepel), órgão do Ministério de Minas e Energia.

Revestida por 12 placas de células fotovoltaicas para captação dos raios solares, ela é capaz tanto de suprir o aquecimento de água como de vários aparelhos eletrônicos. No porão estão instaladas 16 baterias que acumulam a eletricidade da energia solar, no total de 3 mil volts, para uso em dias nublados, chuvosos e durante a noite. A casa de alvenaria possui um sistema de calhas para captação de água para o banheiro e o telhado tem um isolante térmico que evita o aquecimento interno.

68 • OUTUBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 176

COLETÂNEA SOBRE ETANOL

Uma coletânea de textos escritos a partir de workshops do projeto Diretrizes de Políticas Públicas para a Pesquisa Científica e Tecnológica em Bioenergia no Estado de São Paulo, apoiado pela FAPESP, serviu para compor o livro Bioetanol da cana-de-açúcar: P&D para produtividade e sustentabilidade. Organizado pelo professor Luís Augusto Barbosa Cortez, da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Universidade Estadual

Imagens da câmera da Optovac

de Campinas (Unicamp ), contou com 139 especialistas de várias instituições de pesquisa do estado de São Paulo. Com 992 páginas, a obra é dividida em cinco partes. Na primeira, "Estratégias para políticas públicas em etanol", são tratados temas relacionados aos desafios para a produção do etanol. Na parte 2, sob o título "Sustentabilidade da produção e do consumo", estão o impacto do uso do etanol, a influência do clima e da agricultura. A terceira, "Novo modelo agrícola para cana-de-açúcar", trata da genômica, etanol celulósico e cultivo. Na quarta parte, "Novo modelo industrial e usos finais do etanol", aborda vários temas da cadeia industrial da cana. Na última parte, "Roadmapping tecnológico para o etanol", indica o roteiro tecnológico e diretrizes para o futuro do etanol.

I CANA-DE SOB CON

Um equipam no Centro de Instituto Agr em Ribeirão permitirá rep paulistas o cl com ganhos canavieira. } foto período desenvolvid: do Program Pesquisa err (Bioen), pe1 as plantas e que não ult de 21 a 32 ~ condição ic indução de cana-de-aç das flores, • utilizado n

A QUÍ

A Quimlat

na catego

de Empre

categoria

Incubado

São José

químicos

industria

(ver Pes<

foi criad.

financia<

Pequena

organiza

Pro mote protec),

às Micrc

rios da C

lndústri

volvime

de Estu

da lndú

AHida

desenv

de pac

prêmio

Page 69: Vida no espaço

ta c

amp), >ecialistas !s de de São ~i nas, 1 cinco

~líticas

são ionados

1lo

r mo'; ISO do lo clima rceira, )/a

ano!

VO

IS OS

'da a

rpping

e iro !S

I CANA-DE-AÇÚCAR SOB CONTROLE

Um equipamento instalado no Centro de Cana do Instituto Agronômico (IAC) em Ribeirão Preto (SP) permitirá reproduzir em terras paulistas o clima baiano, com ganhos na produção canavieira. A câmara de fotoperíodo automatizada, desenvolvida como parte do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (Bioen), permite manter as plantas em temperaturas que não ultrapassam a faixa de 21 a 32 graus Celsius, condição ideal para a indução de floração da cana-de-açúcar. A partir das flores, extrai-se o pólen utilizado no cruzamento

de materiais destinados à obtenção de novas variedades mais produtivas. "Já existem equipamentos semelhantes na Austrália e na África do Sul", diz o pesquisador Maximiliano

A QUÍMICA GRADUADA

A Quimlab, de Jacareí, no interior paulista, foi a vencedora

na categoria Melhor Empresa Graduada do Prêmio Nacional

de Empreendedorismo Inovador. A empresa havia ganho na

categoria Incubada em 2003, quando estava instalada na

Incubadora Tecnológica da Universidade Vale do Paraíba, em

São José dos Campos. Ela é produtora de padrões

químicos para controle de qualidade em processos

industriais, além de desenvolver novos polímeros

(ver Pesquisa FAPESP n°s 156 e 95). A empresa

foi criada em 1997 com um projeto de pesquisa

financiado pelo Programa Pesquisa lnovativa em

Pequenas Empresas (Pipe) da FAPESP. O prêmio é

organizado pela Associação Nacional de Entidades

Promotoras de Empreendimentos Inovadores (An­

protec), com o apoio do Serviço Brasileiro de Apoio

às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), ministé­

rios da Ciência e Tecnologia e do Desenvolvimento,

Indústria e Comércio, Conselho Nacional de Desen­

volvimento Científico e Tecnológico, Financiadora

de Estudos e Projetes e Confederação Nacional

da Indústria. A empresa incubada deste ano é a

AHi da Incubadora Tecnológica de Curitiba (lntec),

desenvolvedora de sistemas para monitoramento

de pacientes em UTI. A lntec também ganhou o

prêmio de Melhor Incubadora Tecnológica.

Salles Scarpari, do Centro de Cana, que participou do desenvolvimento da câmara brasileira. "Aproveitamos a tecnologia brasileira em automação de usinas e adaptamos para a câmara de fotoperíodo, que poderá fazer cruzamentos de variedades que florescem em diferentes épocas do ano." Em setembro, o IAC lançou três novas variedades de cana mais produtivas e com maior teor de sacarose, após avaliação nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Paraná, Mato Grosso, Bahia, Maranhão e Tocantins.

I RESINA VERDE NO MERCADO

A Braskem inaugurou em 24 de setembro em Triunfo, no Rio Grande do Sul, a maior unidade de eteno derivado de etanol do mundo, que possibilitará a produção de 200 mil toneladas de polietileno verde por ano, dos quais dois terços serão destinados à exportação. Produtos de higiene pessoal, limpeza doméstica, embalagens de alimentos, brinquedos e utilidades domésticas estão entre as primeiras aplicações do plástico de origem renovável, que já tem encomendas de empresas brasileiras e multinacionais. A Braskem também está investindo em pesquisas para produzir o polipropileno verde, resina para revestimento de peças de veículos e eletrodomésticos, projeto de R$ 9 milhões que tem como parceiros a FAPESP e a Universidade Estadual de Campinas. A expectativa é que em cinco anos o processo, que conta com o auxílio da biotecnologia, esteja pronto para entrar em escala industrial.

PESQUISA FAPESP 176 • OUTUBRO DE 2010 • 69

u :5

Page 70: Vida no espaço

70 • OUTUBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 176

Page 71: Vida no espaço

Embalagem comestível de goiaba e quitosana

TECNOLOGIA

rutas, plantas e resíduos da agricultura, quando trabalhados em escala nanométrica, têm mostra­do grande potencial para serem usados em filmes comestíveis para proteção de vegetais, plásticos re­forçados e biodegradáveis, fertilizantes e até mesmo na degradação de pesticidas. O universo que sedes­cortina para a nanotecnologia aplicada à alimen­

tação e à agricultura é muito vasto. No Brasil, grupos de pesquisa têm conseguido resultados bastante promissores, alguns com aplicação imediata, como um biofilme com nano partículas de prata- estruturas com diâmetro na faixa de 10 a 40 nanômetros- sintetizadas a partir do extra to de uma planta regional indiana ( Ocimum sanctum) e nitrato de prata, desenvolvido no Instituto de Química da Uni­versidade Estadual de Campinas (Unicamp) em parceria com pesquisadores da Universidade Amravati, na Índia. A mistura do polímero obtido a partir de um vegetal e das nanopartículas de prata resulta em uma solução na qual são imersas as frutas que precisam ser protegidas para prolongar o tempo de prateleira.

Após a imersão no líquido, elas ficam recobertas por um filme fino, que funciona como uma barreira de proteção ao reduzir a quantidade de oxigênio que entra e a de gás carbô­nico que sai, o que evita a perda de água. Quando a fruta é lavada em água corrente, o biofilme é totalmente eliminado. "É uma plataforma excelente para proteção de frutas e vege­tais transportados por longos períodos em climas tropicais como a Índia e o·Brasil", diz o professor Nelson Durán, da Unicamp, coordenador da pesquisa, que no Brasil teve a colaboração do Centro de Ciências Naturais e Humanas da Universidade Federal do ABC, em Santo André.

O biofilme foi testado em algumas frutas, entre elas a goiaba. Entre os itens avaliados estavam perda de peso, de proteínas e infecção bacteriana. "A fruta protegida não per­deu quase nada de peso e de proteínas e não teve infecção durante os 15 dias de estudo", diz Durán. Ela amadureceu, mas não apodreceu. Conhecidas por suas propriedades bactericidas, as nanopartículas de prata utilizadas na com­posição do biofilme foram obtidas por síntese biológica, enquanto as comerciais são químicas ou obtidas por proces­sos físicos. "O biopolímero usado é comestível e não tóxico e foi aprovado pela Food and Drug Administration, órgão governamental norte-americano de regulação de alimentos e medicamentos, e pela Agência Nacional de Vigilância Sa­nitária (Anvisa)", diz Durán.

As nanopartículas de prata biogênicas foram testadas pelos pesquisadores tanto em relação à citotoxicidade in vitro e à toxicidade in vivo, em ensaios com animais, como em relação à penetrabilidade em tecidos humanos. "Nas con-

Page 72: Vida no espaço

centrações usadas elas não penetram na pele e não são tóxicas." A pesquisa em parceria com os pesquisadores in­dianos faz parte de uma colaboração binacional aprovada em 2008 e inicia­da em 2009, como parte de um projeto financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecno­lógico ( CNPq) envolvendo pesquisas com nanopartículas de prata geradas por fungos, bactérias e plantas.

P esquisadores da Empresa Brasi­leira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) também trabalham no

desenvolvimento de filmes para reves­timento baseados em frutas tropicais, resíduos do processamento do algodão e do coco, quitosana e outras matérias­-primas. Um dos filmes desenvolvidos pela pesquisadora Henriette Azeredo, da Embrapa Agroindústria Tropical, de Fortaleza, no Ceará, tem como base a polpa de manga com a adição de nano­fibras de celulose obtidas da fibra do al­godão. "O componente mais resistente da fibra vegetal e da própria madeira é a celulose", diz o pesquisador Luiz Hen­rique Mattoso, chefe-geral da Embrapa Instrumentação Agro pecuária, de São Carlos, no interior paulista. No estudo Henriette testou a adição de nanofibras de celulose em várias concentrações, com o máximo de 36%, para avaliar o comportamento dos filmes. "Com cer­ca de 10%, os resultados já foram mui-

72 • OUTUBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 176

Filmes de polpa

de manga

com nanofibras

de celulose são

mais resistentes

e estáveis

to bons", diz a pesquisadora, que fez a pesquisa durante seu pós-doutorado no Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, encerrado em 2008, como parte de um convênio com a Em­brapa. Os filmes de polpa de manga que receberam a adição de nanofibras apresentaram melhor resistência me­cânica, melhor barreira à umidade e melhor estabilidade térmica. "A tec­nologia ainda não pode ser aplicada porque não se conhecem os possíveis efeitos adversos que as nano fibras, ain­da que de celulose, possam ter sobre o organismo humano", diz. Por isso, um outro projeto, conduzido pela pesqui­sadora Morsyleide Rosa, também da Embrapa Agro indústria Tropical, tem

como objetivo fazer a análise toxico­lógica do novo material.

A regulamentação do uso da agro­nanotecnologia é uma discussão que vem sendo feita há alguns anos em vários países do mundo. Na Europa, por exemplo, já foram realizadas cinco conferências para tratar do assunto, a última delas em novembro de 2009. Durante a Conferência Internacional para Aplicação das Nanotecnologias na Alimentação e Agricultura, realizada em junho em São Pedro, no interior paulista, o pesquisador Steven Robert, do Instituto para a Política Agrícola e Comercial dos Estados Unidos, desta­cou três abordagens que devem ser con­sideradas na questão da regulação do uso da agronanotecnologia. A primeira depende da orientação voluntária do governo e da apresentação voluntária de dados de produtos da nanotecno­logia para regulamentação das agên­cias, a segunda refere-se à submissão obrigatória dos produtos desenvolvidos pela indústria aos órgãos reguladores e a terceira, mais radical, propõe a suspensão e aprovação de comercia­lização dos produtos até haver dados suficientemente revisados para realizar as avaliações de riscos necessárias a um marco regulatório apropriado.

M orsyleide trabalha ainda com resíduos de indústrias regionais -como do coco-verde e algodão

-para obtenção de nanofibras de celu-lose de várias fontes. "Outra matéria­-prima interessante para obtenção de nanocelulose é a torta que sobra da prensagem da palma para obtenção do biocombustível de dendê", diz. O pseudocaule da bananeira, com alto teor de celulose, também apresentou resultados bastante promissores para a produção de filmes nanocompósitos que podem ser usados em embalagens e em outras aplicações. Uma das linhas de pesquisa é coordenada pelo pes­quisador José Manoel Marconcini, da Embrapa Instrumentação Agropecuá­ria, que mistura plásticos com fibras vegetais ou com nanossílicas extraídas da casca do arroz, para aumentar a re­sistência mecânica dos plásticos tanto convencionais como reciclados. Resul­tados preliminares apontam que esses materiais nanoestruturados mudam as propriedades ópticas e melhoram as

propn "No c lina a1 elas ti c Kevlar dizM< omur nar." ( lho, a institt lança1 umaf lulose prodl

que p tes us filme~

mesrr COffi t

aplicc ump ção p desej. da de exem do nc fiosn biod' cado~

mo e de CC

é paD mm L

liber; nado

Jj

a Rec Agro de S2 çãod ções, pesq pass< cion; negá R$ 1 da F1 (Fin1 volv (CN sa en sens' rarp nan< ferti

Page 73: Vida no espaço

:o-

·o­ue :m Ja, c o ,, a )9. 1al na da o r rt, 1 e :a­n-

propriedades mecânicas dos materiais. "No caso da celulose, a região crista­lina apresenta resistência mecânica e elasticidade semelhantes às fibras de Kevlar, material mais forte que o aço", diz Marconcini. "É uma tecnologia que o mundo inteiro está tentando domi­nar." O Canadá saiu na frente. Em ju­lho, a empresa canadense Domtar e o instituto de pesquisas FPinnovations lançaram um projeto para construir uma fábrica só para produção de ce­lulose nanocristalina, com previsão de produção de uma tonelada por dia.

M arconcini também trabalha com plásticos biodegradáveis reforça­dos com fibras de nanocelulose

que podem ser empregados em tube­tes usados na produção de mudas, em filmes para proteção de plantações ou mesmo para repelir insetos da lavoura com o uso de feromônios. Para essa aplicação, basta amarrar uma fita de um plástico biodegradável na planta­ção para que ela libere as substâncias desejadas no ambiente. Na Universi­dade de Marburg, na Alemanha, por exemplo, os pesquisadores estão testan­do no campo um protótipo feito com fios nanométricos a partir de plásticos biodegradáveis. Esses fios foram fabri­cados por um processo conhecido co­mo eletrofiação, baseado na aplicação de corrente elétrica. O protótipo, que é parecido com uma teia de aranha em miniatura, ao ser colocado no solo vai liberando os princípios ativos selecio­nados e com o tempo se desmancha.

Desde 2006, a Embrapa coordena a Rede de Nano tecnologia Aplicada ao Agronegócio, que tem sede na unidade de São Carlos e conta com a participa­ção de 150 pesquisadores de 53 institui­ções, sendo 14 vinculados a centros de pesquisa e 39 a universidades. No ano passado, foi lançado o Laboratório Na­cional de Nanotecnologia para o Agro­negócio, um investimento de mais de R$ 10 milhões, mantido com recursos da Financiadora de Estudos e Projetas (Finep ), Conselho Nacional de Desen­volvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e FAPESP.As linhas de pesqui­sa englobam desde nanobiossensores e sensores eletroquímicos para monito­rar processos e produtos agropecuários, nanofilmes comestíveis, produção de fertilizantes, pesticidas e fármacos para

Formulação com suco de

goiaba e nanopartículas

animais. Pesquisadores da Embrapa Ga­do de Corte, de Campo Grande (MS), e da Instrumentação Agropecuária em colaboração com a Universidade de São Paulo em São Carlos estão trabalhando em nanobiossensores para detecção de patógenos em animais, como febre af­tosa e outros vírus, que causam grandes prejuízos aos produtores.

O utra nanotecnologia para apficação direta no campo é a de fertilizan­tes encapsulados em zeólitas, um

grupo de minerais que possui cavidades nanométricas em sua estrutura porosa. "Quando o fertilizante é colocado no solo, a liberação é feita gradualmente", diz Marconcini. O objetivo do projeto, coordenado pelo pesquisador Alberto Bernardi, da Embrapa Pecuária Sudeste, de São Carlos, é melhorar a dispersão e a absorção de nutrientes pelas plan­tas. Uma nova fronteira de pesquisa é o uso de nanocompósitos baseados nesses materiais para liberação controlada de fertilizantes, projeto coordenado pelo pesquisador Cauê Ribeiro, da Embrapa Instrumentação Agropecuária, em cola­boração com a Pecuária Sudeste. "Ainda não existe um produto no mercado para fertilização tanto do solo como das fo­lhas", diz Marconcini. Na área de adubos

foliares, a tendência aponta para as na­noemulsões. "Como o tamanho da gota é menor, utiliza-se menos quantidade de princípio ativo", relata Mattoso.

As mesmas nanoestruturas são utilizadas em pesticidas que já se en­contram no mercado. "Uma garrafinha de um litro substitui um tambor de 20 litros de veneno", compara Marconci­ni. A nano tecnologia também tem sido utilizada para degradação de pesticidas convencionais. Uma das tecnologias em estudo na Embrapa é o uso de catalisa­dores feitos à base de óxidos de titânio e estanho em tamanho nanométrico, em conjunto com a luz ultravioleta, para quebrar mais rapidamente as moléculas dos pesticidas presentes na água. •

Artigos científicos

1. DURÁN, N.; MARCATO, P.D. et ai. Potential use of silver nanoparticles on pathogenic bacteria, their toxicity and possible mechanisms of action. Journal of the Brazilian Chemical Society. V. 21, p. 949-59. 2010. 2. AZEREDO, H.M.C; MATTOSO, L.H.C. et ai. Nanocomposite edible films from mango puree reinforced with cellulose nanofibers. Journal of Food Science. v. 74, n.S, p. 31-35. 2009.

PESQUISA F'APESP 176 • OUTUBRO DE 2010 • 73

Page 74: Vida no espaço
Page 75: Vida no espaço

vazamento de petróleo no mar é um problema de países como o Brasil, que concentra grande par­te da exploração de óleo em ambiente marinho e com tráfego de navios petroleiros entre os locais de exploração e os terminais marítimos. Por isso, não foi preciso nem a eclosão do maior acidente do gênero no golfo do México, iniciado em abril deste

ano com a explosão e o afundamento de uma plataforma da British Petroleum (BP), que resultou no derramamento de mais de 4 milhões de barris de petróleo, contido com­pletamente apenas em setembro, para que pesquisadores brasileiros aprofundassem os estudos sobre soluções para esse tipo de desastre ambiental. Pelo menos três grupos apre­sentaram recentemente resultados de pesquisas que poderão se transformar em breve em produtos para descontaminar o oceano. Eles trazem duas vantagens, a de serem biorreme­diadores- porque são menos tóxicos ao ambiente- e mais baratos que os produtos químicos utilizados atualmente. A primeira tecnologia é de um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) composto pelos professores Rochel Lago, Flávia Mourá e Maria Helena Araújo. Eles desenvolveram um material capaz de absorver petróleo em acidentes na água ou em terra, denominado nanoesponja hidrofóbica, que repele a água e tem grande afinidade por compostos orgânicos, especialmente óleos.

O grupo foi sondado recentemente por uma empre­sa norte-americana interessada em utilizar o material no golfo do México. Mas ainda serão necessários alguns testes laboratoriais para que o produto possa ser testado no mar. A pesquisa iniciada em 2005 por Flávia e Lago levou ao desenvolvimento de um material macroscópico granular feito do mineral vermiculita com grânulos medindo entre três e cinco milímetros de diâmetro recobertos com uma camada nanoestruturada que confere ao material uma cor preta. Esse mineral já é utilizado há muitos anos, ofere­cido por várias empresas no mundo, inclusive no Brasil, para absorver óleo. O experimento do grupo da UFMG adiciona carbono e transforma esse mineral num mate­rial com melhor capacidade de absorção. "O carbono faz a vermiculita ter mais afinidade pelo óleo que pela água", diz Maria Helena. O mineral isoladamente, de cor clara, quando aquecido adquire o aspecto de uma estrutura sanfo-

Page 76: Vida no espaço

Costa da cidade de Dalian, na China, em julho deste ano: boias e barcos para conter o óleo

nada e leve, parecida com uma esponja que flutua na água. O problema é que sem as nanoestruturas de carbono ele absorve mais água do que óleo. O que pesquisadores fizeram foi inverter essa característica com nanotecnologia.

Flávia explica que para produzir as nanoesponjas hidrofóbicas, a vermicu­lita, após ser esfoliada, é submetida a um processo de aquecimento controla­do em um forno, com a introdução de uma fonte de carbono como etanol, gás natural ou mesmo glicerina, hoje um subproduto da fabricação do biodiesel. "Essas fontes decompõem-se na super­fície da vermiculita, formando carbono de diferentes formas, como nanotubos, filamentos, grafite ou carbono amorfo", explica. O processo altera as caracterís­ticas da vermiculita. "Após a deposição do carbono, o mineral passa a absor­ver preferencialmente o óleo", explica o doutorando Aluir Purceno, integrante do grupo. "A sua capacidade de absor­ção de até seis gramas de óleo por gra­ma de material é superior à de outros produtos disponíveis no mercado."

O produto tem mais vantagens. "O Brasil é um dos maiores produtores de vermiculita do mundo e, quando comparado a outros materiais, ela tem um custo muito baixo", diz Purceno. O carbono usado para compor as na-

76 • OUTUBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 176

noesponjas hidrofóbicas pode ser ex­traído de fontes abundantes e baratas como a glicerina. "Além de ser usado para remediar os derramamentos de óleo, consome parte da produção de glicerina, que poderá se tornar um problema ambiental nos próximos anos", diz Miguel de Araújo Medeiros, professor da Universidade Federal do Tocantins (UFT) que fez seu doutora­mento no grupo.

As nanoesponjas de vermiculita fazem parte de uma plataforma tec­n ológica do grupo da UFMG que ganh ou em setembro deste ano o primeiro lugar na etapa da América Latina da competição internaciona) Idea to Product ("da ideia ao produ­to"), promovida pela Universidade do Texas, em Austin, nos Estados Unidos, e no Brasil organizada pelo Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo. Os ganhadores vão partici­par da etapa mun dial em novembro nos Estados Unidos. Eles tiveram co­mo parceira a empresa mineira Verti Ecotecnologias, que tem como sócio o professor Lago e fez o estudo da viabi­lidade técnica e econômica do projeto. "Apresentamos uma plataforma tec­nológica que, além da nanoesponja, é composta por um produto chamado nanoamphil contendo nanopartícu­las de vermiculita, núcleos de ferro e nanoestruturas de carbono. Ele atua como um desemulsificante, substân­cia que separa o petróleo da água do mar nas plataformas de exploração. As

nano partículas misturadas no petróleo aderem às gotas de água. Quando apro­ximamos um ímã as nanopartículas magnéticas do nanoamphil são atraí­das pelo campo do ímã provocando a união das gotas. Após poucos minutos ocorre a completa separação da água do petróleo", diz Purceno.

A terceira tecnologia que compõe a plataforma é um produto que retira o enxofre do petróleo nas refinarias. O trabalho rendeu quatro artigos cientí­ficos e duas patentes. Os pesquisadores foram financiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e Conselho Nacio­nal de Desenvolvimento Científico e Tecnológico ( CNPq). Por meio do Pro­grama de Apoio à Pesquisa em Empre­sas (Pappe) do Ministério da Ciência e Tecnologia, a empresa Vermiculita Isolantes Termoacústicos participou da elaboração das nanoesponjas de ver­miculita. A empresa é uma produtora dessa argila e se interessou na parceria fornecendo o mineral e participando do processo de escalonamento da tec­nologia, da passagem da produção em laboratório para a de maior escala.

Detergente de bactéria - No segundo grupo, em vez de esponjas, pesquisa­dores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em parceria com o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento ( Cenpes) da Petrobras, desenvolveram um detergente biodegradável produzido por uma bactéria para uso em derra­mamento de petróleo. Chamada de biossurfactante, essa substância reduz a tensão superficial da área fronteiriça entre água e óleo, facilitando a mistura desses líquidos e a posterior degradação do petróleo. O estudo começou em 1999, quando pesquisadores da empresa e da universidade isolaram uma cepa, a PAl, da bactéria Pseudomonas aeruginosa em águas residuárias da exploração petrolífera na Região Nordeste do país. Esse microrganismo já era conhecido por produzir biossurfactante do tipo ramnolipídeo, um detergente natural existente nos poços petrolíferos, e até testado em acidentes ambientais nos Estados Unidos. Em 1989, no derrama­mento de óleo do navio petroleiro Exxon Valdez, no mar do Alasca, foi usado um biossurfactante de P. aeruginosa com bons resultados, produto desenvolvido

pelo volv Abe1 em ] Illin com pore emt port tran carb alim dávf fazei o bi< Os E

das Inst1 Sant

I ges, mie e Pe UFF deF vida tem; bios sem oxig poli Até nio . o cr pro1

À e ~ ven nat1 corr

Page 77: Vida no espaço

pelo Centro de Engenharia e Desen­volvimento do Campo de Provas de Aberdeen do Exército norte-americano em parceria com a Universidade de Illinois. Mas o produto desenvolvido com outra cepa não se tornou comercial porque ninguém conseguiu produzir em escala, em biorreatores de grande porte. Essa espécie de pseudomonas transforma naturalmente fontes de carbono, como o petróleo, do qual se alimentam, num detergente biodegra­dável. O desafio dos pesquisadores era fazer esses microrganismos produzirem o biossurfactante em escala industrial. Os estudos começaram por iniciativa das pesquisadoras Denise Freire, do Instituto de Química da UFRJ, e Lídia Santa Anna, da Petrobras.

Denise e o professor Cristiano Bor­ges, do Programa de Engenharia Quí­mica, do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) da UFRJ, orientaram a tese de doutorado de Frederico Kronemberger, desenvol­vida entre 2002 e 2007, que teve como tema a viabilização da produção desses biossurfactantes em biorreatores. "De­senvolvemos um inovador sistema de oxigenação com o uso de membranas poliméricas", conta Kronemberger. Até então o fornecimento de oxigê­nio nesses biorreatores- essencial para o crescimento das bactérias e para a produção dos biossurfactantes - era

À esquerda, vermiculita natural. Ao lado, com carbono

A inovação foi

juntar a

quitosana e a

bactéria Bacillus

subtilis já

utilizada para a

produção de

biossurfactantes

realizado por injeção de ar, o que in­viabilizava a produção.

Apesar do avanço, a produção em biorreatores em escala de laboratório ainda não viabilizava a realização de testes de aplicação de biossurfactantes em campo. "Com a parceria e o financia­mento da Petrobras, iniciamos o projeto para o desenvolvimento de uma uni­dade em escala piloto para a produção de biossurfactantes, com um biorreator de 200 litros", diz Kronemberger. "Em julho de 2009, essa unidade foi inaugu­rada. Desde então são realizados testes de produção." Os pesquisadores estão acumulando o material para repassar ao Cenpes, que se encarregará de fazer os testes no mar. O trabalho resultou em três artigos científicos e uma patente.

Microesferas de quitosana - As bacté­rias também são as principais fornece­doras de biossurfactantes em um projeto do Parque de Desenvolvimento Tecnoló­gico (Padetec) da Universidade Federal do Ceará (UFC) . A pesquisa, que contou também com pesquisadores das universi­dades federais de Pernambuco e da Bahia, desenvolveu, sob a coordenação da pro­fessora Vânia Melo, da UFC, microesferas de quitosana com células da bactéria Ba­cillus subtilis capazes também de absorver e se alimentar de petróleo. A quitosana, um polímero natural, é extraída princi­palmente do exoesqueleto (casca) e da cabeça do camarão rejeitados pela indús­tria de criação desses crustáceos. É um material já utilizado para absorver óleo, inclusive nos Estados Unidos. A inovação do grupo foi juntar a quitosana e a bac­téria também usada para produzir bios­surfactantes. A novidade fez o grupo ser um dos ganhadores do Prêmio Inventor 2009 da Petrobras. "Agora estamos desen­volvendo um equipamento para produzir essas microesferas de três milímetros de diâmetro': diz o professor Afrânio Cra­veiro, diretor presidente do Padetec e um dos inventores das microesferas. O grupo quer agora gerar cerca de 300 quilos e, na forma de spray, realizar testes no mar e em lagoas. "Esse não é um produto para grandes áreas como o golfo do México, e sim para contaminações bem menores." A empresa candidata para fazer esse pro­duto é a Polymar, que foi incubada no Padetec e hoje fabrica quitosana para uso como suplemento alimentar. ''A Polymar tem prioridade, mas já existem outras empresas interessadas", diz Craveiro. •

~ Art igos científicos

1. MEDEIROS, M.A.; SANSIVIERO, M.T.C.; ARAÚJO, M.H.; LAGO, R.M. Modification of vermiculite by polymerization and carbo-nization of glycerol to produce highly effi­cient materiais for oil remova!. Applied Clay Science. v. 45, n. 4, p. 213-19. ago. 2009. 2. KRONEMBERGER, F.A; SANTA ANNA, L.M. et ai. Oxygen-controlled biosurfactant production in a bench scale bioreactor. Applied Biochemistry and Biotechnology. v. 147, p. 33-45. mar. 2008. 3. BARRETO, R.V.G.; HISSA, D.C.; PAES, F.A.; GRANGEIRO, T.B.; NASCIMENTO, R.F. ; REBELO, L.M.; CRAVEIRO, A.A.; MELO, V.M.M. New approach for petroleum hydro­carbon degradation using bacterial spores entrapped in chitosan beads. Bioresource Technology. v. 101, n. 7, p. 2.121-25. abr. 2009.

PESQUISA FAPESP 176 • OUTUBRO DE 2010 • 77

Page 78: Vida no espaço

[ OLJIMICA ]

- Gás valorizado

epois do aproveitamento da palha e doba­gaço da cana-de-açúcar - queimados em caldeiras para geração de energia elétrica­chegou a vez de o dióxido de carbono ( C02)

resultante do processo de fermentação alcoó­lica nas usinas sucroalcooleiras ser utilizado como um subproduto de alto valor agregado.

Pesquisa conduzida na Faculdade de Ciências Farma­cêuticas (FCF) da Universidade de São Paulo (USP) mostrou que esse gás pode ser reaproveitado para o cultivo de microrganismos fotossintetizantes, como microalgas e cianobactérias, com a possibilidade de serem empregados como matéria-prima em vários processos produtivos nas indústrias de alimentos, energia, medicamentos e cosméticos. Um exemplo é a Spirulina platensis, uma cianobactéria que pode ser utilizada como complemento alimentar porque é fonte de proteínas e vitaminas ou incorporada em alimentos e rações. Esses microrganismos também podem ser utilizados como pigmento, gerando co­rantes naturais, como clorofila e ficocianina.

Os microrganismos fotossintetizantes possuem ainda altos teores de ácidos graxos e poderiam cola­borar com a matriz energética nacional na produção de biodiesel- já existem pesquisas em vários países sobre a obtenção de biodiesel a partir de microalgas. Outras aplicações estão relacionadas à obtenção de moléculas para utilização nas indústrias farmacêuti­ca, cosmética e química. O trabalho, coordenado pelo farmacêutico João Carlos Monteiro de Carvalho, do Departamento de Tecnologia Bioquímico-Farma­cêutica, gerou um pedido de patente e foi realizado com a colaboração do professor Sunao Sato e de vá­rios alunos, além do pesquisador Attilio Converti, da Universidade de Gênova, na Itália.

"Nosso trabalho aborda o uso imediato do C02

no cultivo desses microrganismos, que utilizam a luz como fonte de energia, ou seu armazenamento para utilização futura", explica Carvalho. Em âmbito mundial, as empresas que atualmente produzem esses microrganismos utilizam co2 comprimido purifica­do em cilindros para viabilizar a produção. O estudo da USP mostrou que o gás produzido no reator de fermentação alcoólica das usinas pode ser injetado por meio de borbulhamento diretamente em outros reatares onde as microalgas e cianobactérias crescem.

78 • OUTUBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 176

--------------

Projeto prevê o reaproveitamento de C02 para cultivo de microalgas e cianobactérias

YURI VASCONCELOS

O PRO'-"ETO

Cultivo de Spirulina platensis (Arthrospira) em reatar tubular utilizando ureia como fonte de nitrogênio e C02 puro ou proveniente de fermentação alcoólica - n° 2006/56976-2

MODALIDADE

Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa

COORDENADOR

João Car los Monteiro de Carvalho - USP

INVESTIMENTO

R$ 70.656,98 e US$ 37.145,92 (FAPESP)

Reatores na USP produzem

Spir ulina com gás carbônico

de usinas de açúcar e etanol

oco carbo ganis1 e, ao 1 creso empn poder emot se fari lllCO <

ferm~

meio dio (s reagir carbo no cu ma, o come ra ser na en exem pro c< açúc< , nas,

Etan1 mJCn

o. dent1 "

3 tipof

~ da U ~ reato c

f? regist :;; z abert o :> ~

tipo< ~ ;_) mJCri o ... ~ uma

Page 79: Vida no espaço

na

O C02 tem dupla função. "Ele repõe o carbono consumido por esses micror­ganismos no processo de fotossíntese e, ao mesmo tempo, mantém o pH ao crescimento deles", explica. Esse seria o emprego direto do co2, que também poderia ser purificado e retido para uso em outro momento. O armazenamento se faria da seguinte forma: o gás carbô­nico capturado dos equipamentos de fermentação alcoólica passaria por um meio alcalino- como hidróxido de só­dio (soda cáustica), por exemplo- e ao reagir com ele formaria bicarbonato ou carbonato de sódio, substâncias usadas no cultivo das microalgas. "Dessa for­ma, o gás carbônico poderia ser retido como uma solução alcalina líquida pa­ra ser utilizado posteriormente, como na entressafra da cana-de-açúcar, por exemplo, quando não há cana para ser processada e não existe produção de açúcar e álcool, além de co2, nas usi­nas", explica Carvalho.

Etanol em gramas - O crescimento dos microrganismos fotossintetizantes se faz dentro de reatares, que podem ser do tipo fechado ou aberto. No laboratório da USP foram realizados testes com reatares fechados de 3,5 litros, mas há registras na literatura científica de reatares abertos de 5.000 metros quadrados. "O tipo de reato r em que a cianobactéria ou microalga cresce não afeta o processo, uma vez que, essencialmente, o princípio

de atuação do dióxido de carbono é o mesmo." O potencial de uso desse gás como matéria-prima para o cultivo desses microrganismos é imenso. Segundo o pesquisador, para cada molécula consu­mida de glicose na fermentação alcoólica do caldo da cana há a formação de duas moléculas de etanol e duas de C02• Isso significa que para cada quilograma de etanol produzido há a formação de aproximadamente 0,96 quilograma de gás carbônico. Considerando que a produção anual nacional de etanol na safra 2008/2009 foi de 27,5 bilhões de litros- o equivalente a 21,7 bilhões de quilos-, 20,8 milhões de toneladas ( t) de dióxido de carbono foram lançados na atmosfera (um litro de etanol equivale a 0,789 quilograma). Mesmo com quase a totalidade desse gás sendo consumida pela plantação de cana, inclusive aquele produzido pelos automóveis, no processo de fotossíntese é possível comparar esses números com a emissão de um ônibus a diesel circulando em uma grande cidade, que é de 100 t de co2 por ano. Na cidade de São Paulo, por exemplo, é gerado cerca de 1 milhão de t anuais de dióxido de carbono com os 10 mil ônibus urbanos.

Além do co2 gerado no processo de fermentação alcoólica, o projeto, que foi financiado pela FAPESP, também previu a reutilização do gás proveniente da queima de bagaço nas usinas. Nes­se processo, a geração de dióxido de

carbono é ainda maior, da ordem de 83 bilhões de quilos - isso se todo o bagaço fosse queimado para a produ­ção de energia. Mas o C02 nesse caso não é tão puro e teria que passar por um processo de limpeza e purificação para ser injetado nos reatores contendo microalgas e cianobactérias. O projeto, segundo Carvalho, levaria a uma redu­ção de emissão de co2 pelo país.

A ideia de aproveitar gases que con­têm dióxido de carbono para o cultivo de microrganismos já foi objeto de es­tudo, na década de 1980, pelo professor Eugênio Aquarone, da mesma FCF­USP, cujo grupo, em trabalho com a Universidade de Firenze, na Itália, ava­liou o efeito do co2 da fermentação alcoólica na produção da Spirulina ma­xima. "Na nossa solicitação de patente, entretanto, apresentamos métodos que contribuem para a viabilização do uso do gás carbônico da fermentação do caldo de cana ou da queima do bagaço no cultivo de microrganismos fotossin­tetizantes", diz Carvalho. •

Artigo científ ico

RODRIGUES, M.S.; FERREIRA, L.S .; CONVERTI, A.; SATO, S.; CARVALHO, ).C.M. Fed-batch cultivation of Arthrospira (Spirulina) platensis: Potassium nitrate and ammonium chloride as simultaneous nitrogen sources. Bioresource Technology. v. 101, p. 4.491-98. 2010.

PESQUISA FAPESP 176 • OUTUBRO DE 2010 • 79

Page 80: Vida no espaço

Cor um ca11 ma

Page 81: Vida no espaço

Corisco, um dos cangaceiros mais vaidosos

'

[ HISTÓRIA ]

Luxo místico e nqueza marcam a estética do cangaço

lê, mulher rendeira/ olê, mulher rendá/ tu me ensina a fazer renda/ que ell te ensino a namo­rar", diz a canção-símbolo do cangaço. Sobre moda, Lampião e seus homens tinham pouco a aprender e muito a ensinar. Vestiam-se de forma colorida, cobertos por adornos de ouro e, como bons sertanejos, sabiam confeccionar toda a sorte

de objetos e vestimentas sem que por isso se questionasse sua virilidade: o "rei do cangaço" costurava suas roupas e a de seus afilhados e bordava à máquina com perfeição, orgulhando-se da sua habilidade. "O bando de Lampião, sobretudo nos anos 1930, possuía preocupações estéticas mais frequentes e profundas que as do homem urbano moderno", afirma o historiador Frederico Pernambucano de Mello, pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco e autor do livro Estrela de couro: a estética do cangaço (Es­crituras, 258 páginas, R$ 150), com 300 fotos históricas e 160 reproduções de objetos de uso pessoal dos cangaceiros, muitos pertencentes ao próprio autor. Tamanho apuro visual, pleno de detalhes nas coisas mais cotidianas (cães com coleiras trabalhadas em prata!), servia como proteção ao mau-olhado, instrumento de hierarquia interna, tinha funcionalidade militar e era um poderoso instrumento de

Page 82: Vida no espaço

Jabiracas de tecido inglês, de Lampião

propaganda junto às populações pobres, que se admiravam diante de todo aquele luxo, cor e brilho. Era também uma for­ma de arte que o cangaceiro carregava no seu corpo.

"Havia orgulho em tudo aquilo, um esforço para que se pudesse chegar ao anseio de beleza de cada um dos ca­bras. Era notável ainda um desprezo sistemático pela ocultação da figura, atitude oposta à de quem se considera criminoso", explica. "Morando num meio cinzento e pobre, o cangaceiro vestiu-se de cor e riqueza, satisfazendo seu anseio de arte e conforto místico. Era como se os mais esquivos habitan­tes do cinzento se levantassem contra o despotismo da ausência de cor na caa­tinga e proclamassem a folia de tons e de contrastes." Em vez de procurar camuflagem, os cangaceiros desenvol­veram uma estética brilhante e osten­siva com roupas adornadas de espe­lhos, moedas, metais, botões e recortes multicores que, paradoxalmente, os tornavam alvo fácil até no escuro. "To­dos armados de mosquetões, usando trajes bizarramente adornados, entram cantando suas canções de guerra, como se estivessem em plena e diabólica folia carnavalesca", escreveu o Diário de No­tícias, de Salvador, em 1929. "Ainda que o fascínio pelo cangaço tenha existido sempre, fomentado pela literatura dé cordel, Lampião soube jogar com todos os registras do visual para 'magnificar' a sua vida e transmitir a imagem de um bandido rico e poderoso. Foi o primei­ro cangaceiro a cuidar de sua estética, usando modos de comunicação moder­nos que não faziam parte da sua cultura

Facão curto com cabo de gavião,

de Lampião

82 • OUTUBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 176

original, como a imprensa e a fotogra­fia", explica a historiadora francesa Élise Grunspan-Jasmin, autora de Lampião: senhor do sertão (Edusp ).

Após terem seu visual cantado pelo cordel, a fotografia, ao chegar ao sertão na primeira década do século passado, fez a delícia do cangaço. "Essa existên­cia criminal parece ter sido criada pa­ra caber numa fotografia, tamanho o cuidado do cangaceiro com o visual, com a imponência e a riqueza do traje guerreiro", avalia Pernambucano. "As vestimentas dos bandidos foram sendo incrementadas até se tornarem quase fantasias. Esse era um dos aspectos da extrema vaidade daqueles bandoleiros", observa o historiador Luiz Bernardo Pericás, autor de Os cangaceiros: ensaio de interpretação histórica (Boitempo, 320 páginas, R$ 54). O homem do can­gaço era um orgulhoso que se esmerava no traje, até o final, como se pode ver na célebre foto das cabeças de Lampião e seus homens ao lado de seus chapéus: "Dentre os treze, não há dois iguais, tão ricos em tema e valor material quanto o do chefe, prova da imponência da esté­tica, cuja afetação exagerada adjetivou o cangaço em sua etapa final, quando se chegou a incrustar alianças de ouro na boca das armas", nota Pernambucano. "Havia uma estética rica que conferia uma 'blindagem mística' ao cangacei­ro, satisfeito com a sua beleza e ainda seguro em meio a uma suposta invio­labilidade." A ponto de contaminar as roupas dos policiais, que copiaram suas vestimentas, e mudar o foco da guerra. "O contágio inelutável dá a força dessa estética e evidencia a existência de ou-

C ar dec ao I

bar

traI da n estél mili de s mar estn

Ban os te polí não fun< ofen res s dos lhes nos: aind pr01 rarq bro~ "Ob os s taçõ com no t

Page 83: Vida no espaço

Cantil decorado e, ao lado, bornal florido

tra luta, travada em paralelo, no plano da representação simbólica. A vingança estética do cangaço contra a eliminação militar se dá quando o ícone principal de sua simbologia se transforma na marca do Nordeste: a meia-lua com estrela do chapéu de Lampião."

Bandidos -Estimulando essa "gana de ostentação" estava a própria essência política do cangaço. "Os cangaceiros não admitiam ser comparados ou con­fundidos com bandidos comuns, uma ofensa imperdoável. Viam-se como ato­res sociais distintos, na mesma estatura dos 'coronéis"', explica Pericás. O que lhes permitia usar e abusar dos figuri­nos: orgulhosos de si mesmos, tinham ainda um gosto pelas patentes militares, promovendo "cabras" a postos de hie­rarquia militar e considerando mem­bros de seus efetivos como "soldados". "Observe que todo grupo militar preza os símbolos, as insígnias, as represen­tações de poder. Lembra-se do Brejnev com medalhas que não cabiam no peito no tempo da Rússia soviética? Sujeito

inteligentíssimo, Lampião fez da costu­ra e do bordado um critério a mais de promoção e status no seio do bando e ele mesmo costurava as vestimentas de seu bando. Saber prepará-los e conferi­los a seus homens era uma grande van­tagem", salienta Pernambucano. "Não se chama o boi batendo na perneira", dizia o "rei", consciente da necessidade de uma política de afagos interna para amenizar a disciplina de que não abria mão. "A estética era uma ferramenta para infundir o orgulho do irredentis­mo cangaceiro nos recrutas de modo quase instantâneo. Antes desse recurso estético, imagino que essa inoculação devesse ser lenta."

Patrões - "Os bandos de cangaceiros eram estruturas hierarquizadas com claras distinções entre as lideranças e a 'arraia-miúda', sem voz de comando em posição claramente subordinada aos chefes. Muitos consideravam os líderes do cangaço como 'patrões'. E esses co­mandantes se viam assim, quase como os coronéis, com os quais mantinham boas relações, colocando-se em posi­ção igualitária aos potentados rurais", afirma Pericás. Na contramão do senso comum, os comandantes cangaceiros eram de famílias tradicionais e rela­tivas posses. Lampião, por exemplo, pertencia à classe dos proprietários de terra e ele próprio foi um criador de gado. Por isso o cangaço não foi, diz o pesquisador, uma luta para reconstruir ou modificar a ordem social sertaneja tradicional, como preconizado por boa parte da literatura sobre o fenômeno. "Eles não lutavam para manter ou mudar nenhuma ordem política, mas para defender seus próprios interesses mediante o uso da violência, indistinta e indiscriminada. Os bandidos procu­ravam, sim, manter vínculos com os protetores poderosos, o que podia re­sultar, inclusive, em agressões contra o seu próprio povo", diz Pericás. Nesse sentido, a famosa justificativa da ade­são ao cangaço por motivos de disputas sociais ou vinganças familiares deve ser vista com desconfiança. "Os cangacei­ros diziam-se vítimas, obrigados a en­trar na luta por honra, mas isso era, na maior parte dos casos, um 'escudo ético', um argumento para convencer as po­pulações pobres de que eram movidos por questões elevadas, se diferenciando

' Eles não

lutavam para

manter ou

mudar nenhuma

ordem política,

mas para

defender

seus próprios

interesses",

diz Pericás

PESQUISA FAPESP 176 • OUTUBRO DE 2010 • 83

Page 84: Vida no espaço

dos bandidos comuns, o que não era real." Lampião nunca viu como priori­dade ajudar os necessitados. "Em geral, guardavam o dinheiro grande e davam alguns tostões aos pobres e às igrejas. E sempre faziam questão de que isso fosse divulgado para criar uma imagem positiva junto ao povo."

Na prática, o comportamento dos cangaceiros era parecido com o dos co­ronéis, que agiam de forma paternalis­ta com aqueles que eram considerados "seus" pobres. "Eles não eram bandidos sociais e se pode mesmo dizer que sua presença foi um obstáculo a um pro­testo social mais significativo. Apesar disso, como um executor independente da raiva silenciosa da pobreza rural, o cangaceiro tinha o apelo popular de um agente superior. A sua violência era um gesto admirado de afirmação psíquica na ausência de justiça e mudança positiva", acredita a historiadora Linda Lewin, da Universidade da Califórnia, autora de The oligarchicallimitations of social ban­ditry in Brazil. Câmara Cascudo já notara que "o sertanejo não admira o crimino­so, mas o homem valente". "O cangaço pode ser visto como uma continuidade do ambiente violento do sertão, onde era comum que paisanos carregassem e usassem armas no cotidiano, pautando sua vida em questões morais, de honra e prestígio", diz Pericás. Os cangaceiros construíram a imagem de indivíduos injustiçados que haviam ingressado na

84 • OUTUBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 176

Chapéu de couro do rei do cangaço

criminalidade por bons motivos. Mas, se eram violentos, o mesmo pode ser dito dos soldados que os perseguiam. "A po­pulação que sofria violências das volantes se voltava para os bandoleiros como uma resposta ou por vê-los em contraposição aos 'agentes da lei"', analisa Pericás.

"Com seus trajes inconfundíveis e nada tendentes à ocultação, se sen­tiam investidos de um mandato mais antigo, havido por mais legítimo que a própria lei, esta, a seus olhos, uma intrusão litorânea sobre os domínios rurais", completa Pernambucano. Os cangaceiros supriram a falta de poder institucionalizado no sertão. "Eles seriam os fiéis da balança em muitos casos, sendo um poder paralelo, mais fluido e inconsistente, mas que tinha apelo para as massas rurais", diz Peri­cás. Com o tempo, porém, o cangaço se revelou um negócio, o "Cangaço S/1\', como o descreve Pernambuca­no. "Era uma 'profissão', um 'meio de vida'. Os bandidos estavam equidis­tantes do 'povo' e dos mandões, ainda que com maior proximidade das elites rurais", concorda Pericás. Como eram "independentes", tinham sua imagem dissociada diretamente dos coronéis. "Não sendo empregados de ninguém, eram de certo modo autônomos, ti­rando das camadas mais ricas e dos governos o monopólio da violência. Mas é sempre bom lembrar que a maioria da população sertaneja, ape­sar da miséria, da exploração, da falta de emprego e das secas, não ingressou no cangaço." Segundo o pesquisador, um dos motivos para a longevidade da "boa" recordação dos cangaceiros seria sua contraposição à ordem instituída.

"Os policiais representavam o governo, mas usavam a farda para transgredir. Assim, parte dessa sociedade se voltou para os cangaceiros e viu neles o opos­to, ou seja, aqueles que lutavam contra a ordem." Suas atividades criminosas, então, eram justificadas no quadro maior da luta entre os dois "partidos": cangaço e polícia.

Politicamente "reabilitados" e bem vistos, permitiam-se o luxo da ostenta­ção, que se iniciava pelos chapéus, cujas abas levantadas podiam chegar aos 20 cm de raio anular, uma hipérbole em relação ao modelo original dos vaquei­ros, de abas viradas, mas curtas. "Expe­rimentei o chapéu de Lampião no Insti­tuto Histórico e Geográfico de Alagoas: o pescoço bambeou. Tanto peso orna­mental não teria nada a ver com fun­cionalidade militar, mas com valores bem mais sutis", conta Pernambucano. O objeto tem cerca de 70 peças de ouro, entre moedas, medalhas e outros adere­ços, o que levou um repórter da época a defini-lo como "verdadeira exposição numismática". O chapéu era o ponto de concentração dos adendos simbólicos que caracterizam o traje do cangaceiro.

Amuletos- Coisas comuns eram trans­formadas em amuletos que, além de reforçar a hierarquia, viravam símbolos de uma crença mística. "A blindagem mística se traduziu nos muitos signos (estrela de da vi, flor de !is, signo de salomão e outros) e na profusão do seu uso em todos os ângulos das vesti­mentas, o que dividia a atenção com o puro anseio estético, a se mesclar a este, conferindo utilitarismo à fusão, pela força de dar vida à crença tradicional numa suposta inviolabilidade em meio a riscos extremos." Mas não se iluda o espectador ao pensar que os bandos eram "escolas móveis de superstição': "O grosso da cabroeira, muito jovem, entre os 16 e os 23 anos, pautava-se pela lei da imitação, sem consciência daquilo de que se servia. O chefe usava? Basta." As mulheres seguiam as modas de perto, mas de forma distinta. "Com alguns traços de valquíria e quase ne­nhum da amazona, a matuta que se engajou no cangaço jamais adotou o chapéu de couro, coisa de homem. A elas ficou reservado uma cobertura de feltro, de aba média, e a colocação, so­bre a cabeça, de toalha ou lenço", conta

Pe1 os pa1 od de1 do~

dig Co. o a<

PUI gra de . sob da1 bo pm fia.' del con sím ra,c o mi um: um cho tes c v ola m1r

Page 85: Vida no espaço

o, r. u 5-

:a s, o )

r 1-

IS

o n l-,_

1-

o

·s b.

e

~.

' Não é exagero

dizer que ainda

está por surgir,

na pintura ou

no cinema, quem

consiga combinar

o ethos e o

ethnos dessas

comunidades

para retratá-las" r

diz Pernambucano

Pernambucano. O mesmo se dava com os punhais que podiam chegar a 80 cm para os homens (o tamanho limite era o do punhal de Lampião, que não po­deria ser superado), mas não passavam dos 37 cm no caso das mulheres.

As armas brancas, aliás, são para­digmas na vestimenta do cangaceiro. Com função militar quase morta após o advento da espingarda de repetição, os punhais serviam no ritual letal do san­gramento nordestino ou como símbolo de status. "Era usado orgulhosamente sobre o abdome, à vista de todos, aço da melhor qualidade europeia com ca­bo decorado de prata. Desfrutável ao primeiro olhar. Ou à primeira fotogra­fia." O punhal de Zé Baiano, presente de Lampião, foi avaliado em mais de 1 conto de réis, preço de uma casa. Outros símbolos de prestígio eram a bandolei­ra, correia para segurar a espingarda no ombro, e a cartucheira trespassada, essa uma necessidade nascida de se prover um adicional de munição: 150 cartu­chos de fuzil Mauser presos com enfei­tes de ouro. Era comum, porém, que as volantes, cientes do prestígio de seu uso, mirassem em quem portasse uma des-

sas. A seu lado, iam os cantis, decorados com esmero, um espaço surpreendente de arte de projeção. Como as luvas a que, nota Pernambucano, o cangacei­ro, no fausto dos anos 1930, juntou um bordado colorido. O lugar privilegia­do das cores, porém, eram os bornais, cuja policromia levou um jornalista a descrever os cangaceiros como "orna­mentados e ataviados de cores berrantes que mais pareciam fantasiados para um carnaval". Visíveis por todos os ângulos, os bornais eram responsáveis por mais de dois terços desse "porre de cores", o resto ficando por conta do lenço de pescoço, a jabiraca, com que também se coava o líquido extraído de plantas da caatinga. "Nela, nada de nós, mas pu­xadas as duas pontas para a frente, em paralelo, o cangaceiro ia colecionando alianças de ouro, tomando-se como ri­co quando formava o cartucho. Houve quem tivesse mais de 30 alianças no pescoço", conta. Viajando por Sergipe, em 1929, Lampião teve os "apetrechos" pesados numa balança de armazém: 29 quilos sem as armas. No total, o peso carregado no calor tórrido da caatinga podia chegar a quase 40 quilos.

Místico- Com menos aprumo, a vesti­menta contagiou os policiais. "A sedu­ção da indumentária dos cangaceiros arrebatava pelo funcional, pelo estético e pelo místico. A volante se mimetizou a tal ponto que dela não restou ima­gem própria", diz Pernambucano. Para desespero das autoridades, qu~ se sen­tiam derrotadas também no simbólico. "Cumpre que se adote a proibição de fardamentos exóticos, de berloques, estrelas, punhais alongados e outros exageros notoriamente conhecidos, porque a impressão se faz no cérebro

"Porre de cores":

conjunto de bornais

rude e, à primeira oportunidade, o chapéu de couro cobre a testa e o rifle pende a tiracolo", alertava um relatório oficial. Curiosamente, nota o pesquisa­dor, pintores como Portinari ou Vicente do Rego Monteiro não souberam cap­tar o luxo e o colorido dessa estética em suas reproduções do cangaço, op­tando, ideologicamente, por uma visão monocromática opaca, para ressaltar o aspecto social do fenômeno, à custa da fidelidade ao real. "Não é exagero dizer que ainda está por surgir, na pintura ou no cinema, quem consiga combinar o ethos e o ethnos dessas comunidades para retratá-las", avalia Pernambucano. "O cangaço foi o último movimento a viver 'sem lei nem rei' em nossos dias, após varar cinco séculos de história. E o último a fazê-lo com tanto orgulho, com tanta cor, com tanta festa e com uma herança visual tão significativa." Como, aliás, já diziam os versos de Mu­lher rendeira: "O fuzil de Lampião/ tem cinco laços de fita/ No lugar em que ele habita/ não falta moça bonita". •

PESQUISA FAPESP 176 • OUTUBRO DE 2010 • 85

Page 86: Vida no espaço

Dilema entre preservação e desenvolvimento é constante na história brasileira

Queimada: problemas desde a colônia

projeto do novo Código Florestal, aprovado em agosto pela comissão especial da Câmara dos De­putados, deverá ser votado no Congresso após as eleições, sob críticas de cientistas e ambientalistas, para os quais a sua homologação causará impac­tos graves na biodiversidade e nos serviços ecos­sistêmicos em razão das reduções significativas

nas áreas de preservação permanentes (APP) e da anistia a desmatamentos feitos até 2008. A polêmica ambiental mais recente tem raízes antigas: o dilema entre preservação da natureza e desenvolvimento econômico é tema de discussões no país desde os tempos da colônia. Um pouco posterior é a dificuldade de se fazer uma parceria entre Estado e so­ciedade para uma solução equilibrada. "No Brasil há um padrão histórico: as preocupações com o meio ambiente, em geral, resultaram da atuação de grupos de cientistas, intelectuais e funcionários públicos que, por meio de suas inserções no Executivo, procuraram influenciar as decisões dos governantes em favor da valorização da natureza", explica o historiador José Luiz de Andrade Franco, da Universidade de Brasília, autor de Proteção à natureza e identidade nacional no Brasil (Fiocruz). "Por isso, o andamento das políticas de proteção à natureza sempre dependeu mais de ligações com

o o ;::! ::J

" u

" '<J "" .3 ~ <(

"' "" ~ ~ u

!

gov eco as ( soe

gin; gas, dq Rio sua de6 fort equ nat1 ao< con foi : mili revi abe Col pas1 ano

Page 87: Vida no espaço

governos e apenas secundariamente do eco que as pessoas preocupadas com as questões ambientais alcançam na sociedade", avalia.

Foi assim com o Código Florestal ori­ginal, criado em 1934 por Getúlio Var­gas, fruto de articulações de um grupo de pesquisadores do Museu Nacional do Rio de Janeiro (MNRJ), que, usando a sua influência junto a círculos do poder, defendeu a intervenção de um Estado forte para garantir, por meio de leis, o equilíbrio entre progresso e patrimônio natural. A legislação, que colocava limites ao direito de propriedade em nome da conservação, protegendo áreas florestais, foi revista em 1965 durante a ditadura militar. Pela primeira vez o código será revisto em uma sociedade democrática e aberta ao debate com a opinião pública. Colheremos melhores frutos do que no passado? "Os protetores da natureza dos anos 1920-1940, que geraram a legisla-

'' AMBIENTALISTAS

DE HOJE EM DIA

TÊM UMA POSTURA

BASTANTE

ANTROPOCÊNTRICA",

AFIRMA LUIZ

AUGUSTO FRANCO

ção, eram a favor de um Estado forte, mas tinham propostas de transformação social e ambiental bastante renovadoras. Os conservacionistas dos anos 1960-1980 não estavam na vanguarda do questio­namento político do regime militar, mas tinham preocupações com a natureza ainda muito distantes do itinerário polí­tico das esquerdas", lembra Franco. "Hoje os ambientalistas mais preocupados com as questões sociais têm uma postura bas­tante antropocêntrica, deixando, muitas vezes, as questões urgentíssimas da bio­diversidade na sombra." Segundo o pes­quisador, sociedade e Estado, no Brasil, ainda são hegemonicamente desenvol­vimentistas. "O sucesso a médio e longo prazo do ambientalismo está na sua ca­pacidade de reverter essa disposição de promover o crescimento econômico a qualquer custo." Para o pesquisador, não é de estranhar que esses protetores da natureza do passado tenham sido quase

esquecidos na corrente forte do desen­volvimentismo que prevaleceu no país da década de 1940 em diante. "Surpreende, sim, que eles tenham sido esquecidos pe­los ambientalistas brasileiros, 'científicos' e 'sociais', que, a partir dos anos 1980, emergiram como atares relevantes na ciência, no ativismo, na mídia e nos mo­vimentos sociais."

F ranco chama esses protetores de "a segunda geração de conservacio­nistas" brasileiros, intelectuais que,

entre os anos 1920 e 1940, cobraram do Executivo a manutenção de um vínculo orgânico entre natureza e sociedade, porque, afirmavam, defender a nature­za era uma forma de construir a nossa nacionalidade. Eram, na sua maioria, cientistas do MNRJ: Alberto José Sam­paio (1881-1946),Armando Magalhães Correa (1889-1944), Cândido de Mello Leitão (1886-1948) e Carlos Frederico Hoehne (1882-1959). A tendência des­ses círculos intelectuais, como caracte­rístico na história ambiental nacional, foi integrar-se ao Estado para reclamar das autoridades um comportamento mais racional dos agentes econômicos privados. "Havia entre eles a convicção de sua responsabilidade na construção da identidade nacional e na organiza­ção das instituições do Estado", observa Franco. A série de códigos ambientais decretados pelo governo Vargas, so­mada à criação dos primeiros parques nacionais, indica o relativo sucesso alcançado por eles. "Eles acreditavam que a intervenção autoritária de Vargas iria resolver os conflitos e a competição injusta. A partir disso, pensavam, um novo homem se ligaria à natureza e aos outros homens", analisa a historiadora Regina Horta Duarte, da Universida­de Federal de Minas Gerais, autora do artigo "Pássaros e cientistas no Brasil". Para colocar em prática suas teorias eles criaram sociedades públicas para prote­ção da natureza: Sociedade dos Amigos das Árvores, Sociedade dos Amigos do Museu Nacional, Sociedade dos Amigos da Flora Brasílica, entre outras.

A iniciativa mais ambiciosa dessas organizações foi a Primeira Conferên­cia Brasileira de Proteção à Natureza, realizada em 1934, com o apoio do re­gime varguista, que acabara de criar o Código Florestal, o Código de Caça e Pesca e a Lei sobre Expedições Cientí-

PESQUISA FAPESP 176 • OUTUBRO DE 2010 • 87

Page 88: Vida no espaço

Devastação: preço do atraso, e não do progresso

ficas. A Constituição de 1934 também incluía um artigo sobre o papel dos governos federal e estaduais na prote­ção das "belezas naturais". O ciclo de palestras foi aberto com a leitura de "Natureza", do poeta alemão Goethe. "Uma evidência da importância dada pelos participantes à percepção estética do mundo natural. Por essa visão, a na­tureza deveria ser admirada, cuidada e transformada num jardim", conta Fran­co. "Essa influência romântica, porém, nunca descartou a possibilidade do uso econômico da natureza e a necessida­de de renovar fontes esgotadas sempre era lembrada. Além de ser um 'jardim', o mundo natural era percebido como indústria. Daí as várias propostas da criação de 'berçários de árvores', que eram, ao mesmo tempo, jardins e áreas de produção de madeira em larga es­cala." Os organizadores da conferência estavam atualizados sobre a ação dos protetores da natureza de outros países. Conheciam a fundo a experiência ame­ricana e o debate entre os preservacio-

88 • OUTUBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 176

nistas de John Muir, que defendiam a contemplação estética da natureza, e os conservacionistas liderados por Guif­ford Pinchot, que acreditavam na e~­ploração racional de recursos naturais. As duas correntes ganharam seu espaço na Presidência de Theodore Roosevelt (1901-1909), o que resultou no cresci­mento do Parque Yosemite e na criação de várias reservas e mais cinco novos parques nacwna1s.

M as o que dividia os americanos era consenso no Brasil e não havia ingenuidade no grupo,

apesar da combinação que faziam de romantismo, ciência e nacionalismo. "Naquele momento, os conceitos de proteção, conservação e preservação eram intercambiáveis. Para os cientis­tas, a natureza deveria ser protegida, tanto como conjunto de recursos pro­dutivos a ser explorado racionalmente pelas gerações futuras, quanto como diversidade biológica, objeto de ciência e contemplação estética." Argumentos

utilitários coexistiam em harmonia com estéticos, e tudo era parte de um projeto maior da união entre natu­reza e nacionalidade. "As metáforas que eles usaram para representar aso­ciedade brasileira convergiam com as imagens do ideário político varguista", nota Franco. "Essa forma de proteger a natureza estava em sintonia com o projeto de Estado corporativista de Vargas e essa convergência ajudou a elevar o status institucional adquirido por um número de propostas relacio­nadas à proteção ambiental e ao con­trole público e privado dos recursos naturais", analisa o pesquisador. "Antes da revolução de 1930, a descentraliza­ção política fortaleceu o controle das elites regionais, incentivando a explo­ração extrema de recursos naturais. A destruição das florestas era agravada pelas ferrovias que, na definição de Euclides da Cunha, eram 'fazedoras de desertos"', observa o historiador José Augusto Pádua, da Universidade Federal do Rio de Janeiro e autor de Um sopro de destruição: pensamento político e crítica ambiental no Brasil escravista ( Zahar).

Em 1915, o jurista e filósofo Alber­to Torres ( 1865-1917) alertou para a situação: "Os brasileiros são, todos, estrangeiros em sua terra, a qual não aprendem a explorar sem destruir". "Ele foi o primeiro brasileiro a usar o termo conservação como se emprega­va nos EUA, incluindo-o na sua pro­posta de uma nova Constituição. Suas ideias iram influenciar os cientistas do MNRJ", observa Franco. Apesar do prestígio de intelectuais como Torres, as ações políticas concretas foram nu­las. "Mesmo com o apoio do presidente Epitácio Pessoa, que confessava o seu incômodo pelo fato de o Brasil ser o único país de grandes florestas sem um Código Florestal, a legislação conti­nuou omissa", lembra Pádua. É possí­vel, então, imaginar o impacto da ação dos protetores da natureza quando, poucos anos depois do código e pou­cos meses antes da nova Constituição de 1937, que elevou os bens naturais à categoria de patrimônio público, foi decretada a criação do Parque Nacional de ltatiaia. A ditadura estado-novista iria criar, até 1939, mais outros dois parques: o da Serra dos Órgãos, no Rio, e o do Iguaçu, no Paraná.

o Q

;o ~ !! u

" ~ "" ~ o ê

v e tr; to c a ur C!1

nã bil ceJ do çu pa no alé tio en de v o] me me

'A je t ll01

poc nâr tica not há am' ma. dos tem que lern líde ped poi. mel doe e de do I de se hipc li c i c era da r rarn tre c A e<

trab aber ter i<: de se dan tern

Page 89: Vida no espaço

"Mas nos anos seguintes a ação go­vernamental para a preservação mos­traria seus limites claros, com orçamen­tos ínfimos para órgãos florestais, pre­cariedade da fiscalização e ausência de uma participação efetiva da sociedade civil. A fundação de parques nacionais não privilegiou ecossistemas de grande biodiversidade, mas áreas próximas a centros urbanos, como Itatiaia ou serra dos Órgãos, ou estratégicas, como Igua­çu", nota Regina Horta. "A preservação patrimonial era realmente importante nos projetos do governo Vargas. Mas, além de seu simbolismo cultural e polí­tico, a natureza, para além dos parques, era principalmente vista como fonte de riquezas exploráveis para o desen­volvimento econômico, e os projetos industrializantes ganharam o compro­metimento do Estado Novo." 'A ideologia do crescin:ento ~qual­

quer custo sempre retirou a impor­tância dos temas ambientais. Só ho­

je temos uma situação potencialmente nova, em que a união entre um Estado poderoso e uma esfera pública mais di­nâmica pode criar uma verdadeira polí­tica de gestão sustentável da natureza", nota Pádua. Segundo o pesquisador, há uma continuidade dos problemas ambientais desde a colônia, como quei­madas, desflorestamento e degradação dos solos e das águas, mas, ao mesmo tempo, houve muita reflexão sobre essas questões, desde o século XVIII. Basta lembrar que em 1876 o engenheiro e líder abolicionista André Rebouças já pedia a criação de parques nacionais, pois "a geração atual não pode fazer melhor doação às gerações vindouras do que reservar intactas, livres do ferro e do fogo, as belas ilhas do Araguaia e do Paraná". Para Rebouças, a razão do descaso com a natureza era a escravidão, hipótese também defendida pelo abo­licionista Joaquim Nabuco, para quem era preciso o uso econômico racional da natureza brasileira. "Eles procura­ram estabelecer uma relação causal en­tre escravismo e práticas predatórias. A combinação entre a abundância de trabalho cativo, barato, e uma fronteira aberta para a ocupação de novas terras teria estimulado uma ação extensiva e descuidada na produção rural, basea­da no avanço das queimadas, deixando terras degradadas e abandonadas", ex-

'' DEBATE SOBRE

TEMAS ECOLÓGICOS

FOI INTENSO

NO BRASIL DO

SÉCULO XIX",

DIZ PÁDUA

plica Pádua. Para esses intelectuais, a devastação ambiental não era o "preço do progresso", mas o "preço do atraso", resultado da permanência de práticas rudimentares de exploração da terra.

Nisso ambos eram herdeiros da preocupação ambiental iluminista de José Bonifácio, um fisiocrata egresso da Universidade de Coimbra, a primeira instituição, já no século XVIII, a formar intelectuais que refutavam a explora­ção descuidada dos recursos naturais da colônia. "Destruir matos virgens, nos quais a natureza ofertou com mão pródiga as mais preciosas madeiras do mundo, e sem causa, como se tem pra-

Natureza em perigo:

práticas rud imentares

ticado no Brasil, é extravagância inso­frível, crime horrendo e grande insulto. Que defesa produziremos no tribunal da Razão quando os nossos netos nos acusarem de fatos tão culposos?", escre­veu o futuro Patriarca da Independência em 1819. "É preciso lembrar a riqueza do debate intelectual sobre temas eco­lógicos no país; e em alguns momentos, como no século XIX, ele foi um dos mais intensos do mundo, apesar da po­breza dos resultados. O que 'relativiza' o papel dos EUA e da Europa na gênese da preocupação ambiental moderna", explica Pádua. A análise da história am­biental transforma a contribuição dos intelectuais dos séculos XIX e meados do XX em algo surpreendentemente atual. "Eles não eram ambientalistas no sentido moderno, mas incluíam os temas da destruição do mundo natu­ral no debate sobre o futuro do país como um todo, relacionando-os com traços estruturais da sociedade, como, por exemplo, o escravismo. Guardadas as diferenças de contexto, é disso que precisamos hoje: incluir a dimensão ambiental no centro do debate sobre o futuro do Brasil e da humanidade." O Código Florestal do século XXI agra­dece as lições do passado. •

CARLOS HAAG

PESQUISA FAPESP 176 • OUTUBRO DE 2010 • 89

Page 90: Vida no espaço

[ LITERATURA ]

Page 91: Vida no espaço

UM GUIA PARA LER ANTONIO VIEIRA Livro reúne 1.178 verbetes que ajudam a percorrer o caminho dos Sermões do padre português

os leitores de hoje, um Índice das coisas mais no­táveis parecerá inusitado, mas era comum em edições de luxo na época em que Antonio Vieira (1608-1697) viveu e publicou os Sermões, obra­-prima da língua portuguesa. Em cada um dos seus 15 volumes havia um glossário como esse, incluído como apêndice, que listava as frases mais

relevantes, segundo a escolha do próprio pregador. Esqueci­dos havia tempo, os índices saem agora pela editora paulista Hedra em nova edição que os reúne num só volume.

A tarefa de descobrir seus nexos e organizá-los em verbetes coube a Alcir Pécora, um dos maiores espe­cialistas no padre português. As 1.178 entradas levam a 8.364 abonações, ou seja, às frases que servem de exemplo, seguidas da indicação dos sermões onde são encontradas e dos outros termos a que estão associadas. Crítico literário, professor de literatura na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) desde 1977, Pécora organizou diversas obras de Vieira, como os próprios Sermões, em dois volumes, que reúnem uma seleção de 50, lançados pela Hedra na última década. É autor também de estudos sobre o pregador, como Teatro do

sacramento: a unidade teológico-retórico-política nos "Sermões" de Vieira (Edusp/Editora da Unicamp).

O livro serve, portanto, como grande mapa dos Sermões e também se sustenta como obra independente, pois gran­de parte das frases do Índice das coisas mais notáveis vale como aforismos. Ou seja, podem ser lidas sozinhas, "como formas breves, lapidares e fulminantes, que contêm em si um dito engenhoso, de alcance filosófico, prático e moral", como as descreve Pécora. Os termos contêm, em geral, diversas ocorrências -"Deus", "Cristo" e "Maria", como se pode esperar, são os que possuem mais abonações.

A beleza das frases logo se revela: "Deus deu vida a Adão com um sopro, porque a vida do homem é vento" (verbete "Adão"); "Para as perdas que têm remédio, se fez a diligência: para as que não têm remédio, se fez a dor" (verbete "Diligência"); "Ninguém é nem pode ser feliz com a alma noutra parte (verbete "Felicidade"). Sua beleza, porém, não compete com a de um sermão quan­do se lê inteiro, ressalta o especialista. Se, por um lado, como diz Pécora, os Índices são o livro de máximas que o padre não se deu ao trabalho de escrever, "os verbetes são como andaimes, sistema de sinalizações, advertências

PESQUISA FAPESP 176 • OUTUBRO DE 2010 • 91

Page 92: Vida no espaço

e avisos de trânsito. Os sermões são o conjunto dos edifícios". E o objetivo de Vieira "não é apenas produzir maravi­lha, mas fazer a maravilha trabalhar em favor de seu propósito, que era sempre edificante, em seu projeto de conversão universal", diz. Não é muito fácil co­meçar a usar o Índice, mas depois que se começa a ter familiaridade é "uma porta estupenda para a compreensão dos sermões", acrescenta.

No tempo de Antonio Vieira, seu uso era frequente, explica Pécora. Para os seus colegas de ofício, aquelas páginas serviam como escola de pregar. Encon­travam os principais temas e argumen­tos, as referências bíblicas e frases de impacto para ilustrá-los. Para os fiéis, a obra era importante por apresentar os temas fundamentais do aprendizado e da prática religiosa. Para o letrado, há o prazer imenso de ler frases definitivas sobre os grandes temas do período.

Roubo - A organização da obra con­sumiu 13 anos, e não é sem alívio que Alcir Pécora a conclui. Conta que, além de contingências como o roubo de dois notebooks, onde fizera a descrição de vários índices europeus, especialmente italianos do mesmo período, a maior dificuldade era lidar com a quantidade de dados envolvidos. O sistema de re­ferências desses índices, com três edito­res diferentes dos Sermões, era diverso a cada volume. "Normalizar tudo isso, de maneira inteligível, foi uma saga, e eu jamais a cumpriria sozinho", explica.

92 • OUTUBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 176

.. @ _ ' Índice dos Sermões

, e uma porta

fantástica para

entender obra

máxima do Padre

Vieira'~ diz Pécora

O desfecho da empreitada dependeu das ideias que teve Jorge Sallum, editor da Hedra, para resolver os problemas de remissão de maneira econômica e com­preensível. Sallum diz que a solução foi organizar os índices como um banco de dados. "É algo que parece muito distan­te dos Sermões, mas que guarda seme­lhanças com a estrutura do texto, uma vez que o computador apenas organiza uma massa de informações, cuja ordem já está totalmente prevista pelo jesuíta", afirma. Quando começou a operaçfio, descobriu que várias das frases eram praticamente idênticas e que muitas se repetiam. Notou, assim, que havia uma ligação natural entre os verbetes, mais relacionada a sua redação do que ao emprego que os primeiros editores queriam que o texto tivesse. "Isso, mais a totalização de verbetes, foi uma desco­berta paraAlcir Pécora, que começou a trabalhar imediatamente nas suas hipó­teses de leitura", relembra Sallum.

----------======-=-=· - - -==------------------

O esquecimento dos índices por ge­rações de editores e de especialistas, que não se preocuparam em estudá-los, não deixa de ser surpreendente. Da parte de editores e leitores, Pécora especula que os índices deixam de interessar quando esse tipo de procedimento retórico, que tem por base a imitação, a emulação e particularmente o ensino regrado da pregação, entra em decadência ante a nova perspectiva romântico-burguesa, no século XVIII, que valoriza a expres­são pessoal di reta. Da parte dos pesqui­sadores, Pécora crê que o desinteresse se dá porque, de início, não está muito claro o sistema predominante de abona­ção utilizado. "São abonações de ordem diferente, algumas chatas de olhar, já que são apenas remissões de trechos a outros trechos, como num sistema de cotejos. Além disso, diante da exuberância do raciocínio dos Sermões, as abonações parecem apenas recortes nem sempre especialmente ilustrativos", explica.

À primeira, parece existir lacunas en­tre os verbetes. Como exemplo, Pécora diz que não há uma entrada como "índio': Após várias leituras e análises, o especia­lista conta que percebeu que as lacunas eram tão significativas quanto as presen­ças, pois revelavam o sistema complexo de composição de conceitos que não corresponde ao que temos hoje. De volta ao exemplo da palavra "índio": é preciso passar por "gentio': "Sto. Agostinho", "re­médios" etc. "Mas a vibração do Índice começa a bater mesmo quando se perce­be que ele permite conhecer as relações

Page 93: Vida no espaço

necessárias, surpreendentes para o leitor contemporâneo, entre os conceitos que Vieira emprega:' A obra permite, assim, uma visão sintética, articulada e complexa não só do léxico de Vieira, como do léxico intelectual do século XVII português.

Antonio Vieira nasceu em Lisboa, mas sua família se mudou para a Bahia quando ainda era criança. Es­tudou no Colégio dos Jesuítas e, an­tes de retornar a Portugal, já havia tomado ordens. Quando, mais tarde, volta ao Brasil, é como superior das missões jesuíticas do Maranhão e Grã­-Pará. Foi apóstolo dos índios, pregador de fama, embaixador e político ardiloso, simpático aos cristãos-novos, como o descreve João Lucio de Azevedo (1855-1933), um dos seus principais bió­grafos, em História de Antonio Vieira, publicado em dois volumes pela editora Alameda em 2008. Por suas posições polêmicas, é investigado pela Inqui­sição e condenado após um processo que dura anos. Entre outras penas, é preso e proibido de pregar. Perdoado e liberto mais tarde, se torna um dos pregadores mais influentes em outras partes da Europa, além de Portugal. É nos seus últimos anos de vida, na Bahia, que passa a limpo seus sermões.

Oratória - No século XVII, o gênero mais importante letrado, como explica Pécora, é possivelmente a oratória sa­cra, no qual deixaram obra significativa alguns dos maiores intelectuais do tem­po. Apenas o inglês John Donne (1572-1631) estava à altura de Vieira, afirmava o crítico literário Otto Maria Carpeaux (1900-1978). Em termos de oratória sacra, Pécora acredita que o português é ainda maior. Existem, porém, outros grandes sermonistas na época, além de Donne e Vieira, segundo ele: na Espanha, Frei Hortêncio Paravicino; em Portugal, Frei Antônio das Chagas ou Manuel Ber-

nardes; na Itália, Roberto Bellarmino, Paolo Segneri ou Alberto Panigarola; na França, Bossuet ou Bourdaloue. "Se acho que Vieira lhes é superior? Sim:'

Quanto ao estilo, o orador português compartilha os mesmos pressupostos da oratória sacra de todos os seus compa­nheiros de religião. Nos seus sermões, explica Pécora, observa-se que tem o do­mínio dos procedimentos tradicionais estudados pela retórica greco-latina, em particular, aristotélico-ciceroniana, e dos processos de moralização e alegorização católica dos lugares argumentativos an­tigos, segundo os comentários dos pa­dres da Igreja, da Escolástica tomista e dos modelos então recentes da discretio humanista, revistos pela neoescolástica dos séculos XVI e XVII. "Desse ponto de vista, o pregador português não se distingue dos principais oradores do seu tempo e, ao contrário do que tan­to se diz, não antecipa nenhuma razão ilustrada ou democrática. O que ele tem diferente dos demais é o talento para submeter à língua portuguesa seus mais diversos argumentos, projetas, afetos e caprichos; a aptidão bem treinada de inventá-la em dobras que não parece­ria, antes dele, ser capaz de sustentar, e que, depois dele, parece ser a sua posição mais própria e mais acomodada", afirma o professor da Unicamp.

Ao concluir a organização do Índi­ce das coisas mais notáveis, Alcir Pécora conta que, longe de esgotar o assunto, a sensação é a de frescor. "É como se Vieira se desdobrasse em outros. Foi um ver­dadeiro presente após todos esses anos: a percepção de que ele ainda poderia ser relido em direções renovadas e sur­preendentes. Cada entrada me levava a abonações insuspeitas, bem como a um conjunto de associações que não pode-

riam ser imaginadas antes, de maneira global, como é possível fazer agora."

Concluída a montagem dos índices, diz que pretende ler algumas entradas particulares, escolher alguns conceitos fundamentais para descrever os seus sistemas de bases. Aos jovens pesqui­sadores, sugere que se ocupem disso: reconstruir os sistemas de significação implicados nas entradas e abonações dos índices. "Cada entrada permite ponderações. Algumas delas são mais misteriosas que outras, é verdade, mas são sempre ponderações interessantes. Cada uma das 1.178 entradas não re­petidas dos índices traz combinatórias, cujo exame pode levar a hipóteses não óbvias sobre os sermões. É só abrir o livro ao léu, apontar o dedo e ver o verbete assinalado para se seguirem correspondências complexas entre termos dos sermões."

Pécora descobriu Antonio Vieira no final dos anos 1970, quando estu­dava retórica com Haquira Osakabe, seu orientador de mestrado, um dos fundadores do IEL- Instituto de Estu­dos da Linguagem da Unicamp. A certa altura, eles consideraram que valia a pena sedimentar os estudos teóricos de retórica em análises de autores particu­lares. "Como queríamos alguém em li­teratura de língua portuguesa, para que a nossa análise, como falantes de língua portuguesa, pudesse ser capaz de dis­tinguir os aspectos mais sutis das pro­vas, então Vieira simplesmente estava lá", conta. "Diria que fomos obrigados a encará-lo, mais do que o escolhemos, pois em matéria de oratória de língua portuguesa não há, nem houve, talvez não haverá jamais, autor como Vieira." Pécora diz que está sempre rondando a obra do padre português. "Se fico al­gum tempo sem lê-lo, me sinto afastado de mim, com algum déficit operacional generalizado de inteligência." •

PESQUI SA FAPESP 176 • OUTUBRO DE 2010 • 93

Page 94: Vida no espaço

RESENHA

Do clima e das doenças do Brasil ou estatística médica deste império

Joseph François Xavier Sigaud [1a edição francesa. 1844]

Tradução de Renato Aguiar

Editora Fiocruz

424 páginas, R$ 70,00

Império tropical na visão de um médico Editado pela primeira vez clássico de natura lista francês

ANA MARIA GALDTNT RAIMUNDO ÜDA

'c ada latitude tem sua marca, cada clima tem sua cor": a epígrafe, to-mada de Cabanis, indica o princí­

pio orientador do tratado editado em Paris, em 1844. Du climat et des ma/a­dies du Brésil ou statistique médicale de cet em pire teve uma única edição fran­cesa e jamais se editara em português, até 2009, quando surgiu na coleção História e Saúde, da Editora Fiocruz.

Este alentado tratado é de autoria de Joseph François Xavier Sigaud (Mar­selha, 1796- Rio de Janeiro, 1856), mé­dico instalado no Brasil em 1825 e aqui ligado a variadas atividades científicas e culturais. A obra resultou da compi­lação de documentos históricos, geo­gráficos e médicos; suas fontes foram obtidas no Brasil e na França e entre os que lhe forneceram bibliografia so­bre o país estavam José Bonifácio de Andrada, o cônego Januário da Cunha Barbosa e Ferdinand Denis. Quanto aos textos de medicina, foram usados trabalhos europeus e americanos, além de contribuições vindas da experiência clínica do próprio autor.

A partir da perspectiva do chama­do neo-hipocratismo, Sigaud discute com detalhes a relação entre climas, ambientes (ares, águas e lugares) e patologias, trata de peculiaridades da terra, das características e dos hábitos da população do Brasil, de forma com­parativa à Europa, à África, às Antilhas e às Américas. De maneira geral, para ele, as manifestações das doenças não diferem substancialmente entre indi­víduos das raças branca, negra ou in­dígena, ou entre africanos e europeus, importando mais fatores climáticos, ambientais e condições de vida de cada grupo, tais como: qualidade da alimen­tação, exposição ao frio, à umidade e ao calor, excesso de trabalho, abuso de álcool, doenças debilitantes etc.

Sempre relacionando patologia, ambiente natural e modus vivendi, o tratado está dividido em quatro grandes seções: Climatologia (variações térmicas e barométricas, umidade e chuvas, ventos etc.); Geografia Médica (alimen­tação e aclimatação, doenças dos índios, dos negros e dos trabalhadores das minas, curandeiros, doenças endêmicas e epidêmicas); Patologia Intertropical (febres intermiten­tes, tísica pulmonar, doenças nervosas, doenças de pele, mordidas de cobras etc.); Estatística Médica (composição racial da população, mortalidade, legislação sanitária, esta­belecimentos científicos, hospitais, cemitérios etc.). A seção final conta ainda com biografias de médicos e naturalistas do país e com uma lista de obras de medicina e de história natural publicadas no Brasil de 1810 a 1843.

A edição a tua! é enriquecida pelo prefácio de Annick Opine!, do Centro de Pesquisas Históricas do Instituto Pasteur francês, e pela introdução de Luiz Otávio Ferreira, da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz, Rio de Janei­ro). O primeiro destaca as contribuições do trabalho de Sigaud à história da medicina e a segunda enfatiza sua participaçãq na institucionalização da medicina brasi­leira e na criação da imprensa nacional. Sergio Goes de Paula (Fiocruz) assina a orelha do livro, onde aponta a "curiosidade humboldtiana" do médico francês. A edição conta com notas de revisão e reconstituição da biblio­grafia citada, além de lista das publicações de Sigaud. As tarefas de organização do volume e a revisão técnica da tradução ficaram a meu cargo e de Ângela Pôrto (COC/ Fiocruz). Sigaud pretendia reeditar o livro, mas faleceu antes de terminar a revisão para a segunda edição; en­tretanto deixou notas manuscritas, em exemplar que se encontra na Academia Nacional de Medicina - estas foram recuperadas e traduzidas por Ângela Pôrto e integram a presente edição brasileira.

Assinalando desejar que seu trabalho fosse apenas um marco inicial para futuros estudiosos do Brasil, Sigaud diz em carta a Pedro II, a quem dedica sua obra: "Aquele que começou um livro ( ... ) é somente aluno daquele que o conclui". Excesso de modéstia de um grande mestre, que o leitor poderá constatar tendo em mãos o precioso Do clima e das doenças do Brasil.

ANA MARIA GALDINI RAIMUNDO 0DA é pesquisadora do Departamento de Medicina, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

94 • OUTUBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 176

I I

Page 95: Vida no espaço

A cinemateca brasileira - Das luzes aos anos de chumbo Fausto Douglas Correa Jr. Editora Unesp 294 páginas, R$ 46,00

O livro aborda o conceito de cinemateca desde o surgimento das primeiras cole­ções de filmes até os dias atuais. O autor procura compreender as especificidades da experiência brasileira no panorama político e cultural do país, analisando o projeto político-pedagógico da insti­tuição para o campo da educação e de políticas culturais entre 1952 e 1973.

Editora Unesp (11) 3107-2623 www.editoraunesp.com.br

Em torno de Joaquim Nabuco Gilberto Freyre A Girafa 336 páginas, R$ 21,00

Em torno de Joaquim Nabuco é uma coletânea de diversos artigos escritos por Gilberto Freyre (1900-1987), um dos autores que mais escreveram sobre o abolicionista Joaquim Nabuco. Estu­dioso da sociedade patriarcal, Freyre se dispõe a entender o drama pessoal de Nabuco, figura de transição entre a Monarquia e a República.

A Girafa (11) 5085-8080 www.artepaubrasil.com.br

Vacina antivariólica -Ciência. técnica e o poder dos homens. 1808-1920

Tania Maria Fernandes Editora Fiocruz 144 páginas, R$ 20,00

O livro trata das ações de combate à va­ríola durante o século XIX e início do XX, com ênfase no processo de criação e atuação do Instituto Vacínico Municipal (IVM) do Rio de Janeiro, responsável por implantar no país a vacina anti­variólica animal. A autora mostra os conflitos com a geração de higienistas liderados por Oswaldo Cruz.

Editora Fiocruz (21) 3882-9007 www.fiocruz.br/editora

LIVROS

Machado e Rosa - Leituras críticas

Marli Fantini (org.) Ateliê Editorial 510 páginas, R$ 64,00

A coletânea reúne estudos críticos pro­duzidos por diversos autores especialis­tas na literatura de Machado de Assis e Guimarães Rosa. O livro alia o contexto de produção com a recepção das obras desses dois clássicos brasileiros trazendo artigos que acenam para novos enqua­dramentos e perspectivas de leitura.

Ateliê Editorial (11) 4612-9666 www.atelie.com.br

A ÇJeografia do voto nas eleições presidenciais do Brasil: 1989-2006

Cesar Jacob, Dora Hees, Philippe Waniez e Violette Brustlein Editora Vozes I Editora PUC-RJ 168 páginas, R$ 45,00

Este livro é resultado do trabalho dos mais de 10 anos do grupo de pesquisadores franco-brasileiros que se dedicou a re­colher, investigar e analisar os padrões de comportamento eleitoral, através do ma­peamento dos resultados das cinco últi­mas eleições presidenciais, levando-se em consideração o país em seu conjunto.

Editora Vozes (24) 2233-9000 www.vozes.com.br

Dicionário brasileiro de epônimos em medicina

Osiris Costeira Editora Unifesp 560 páginas, R$ 100,00

Este dicionário oferece ao leitor quase 6 mil verbetes, trazendo, de cada médico ou cientista que emprestou seu nome a uma descoberta, os dados biográficos, a região de origem e o ano de nascimento e de morte. Além disso, traz ainda refe­rências bibliográficas a cada verbete. Um livro de referência obrigatória.

Editora Unifesp (11) 2368-4022 www.fapunifesp.edu.br/editora

PESQUISA FAPESP 176 • OUTUBRO DE 2010 • 95

Page 96: Vida no espaço

FICÇÃO

O entusiasta do sistema decimal

A primeira vez que alguém se lembra de tê-lo ouvido con­tar essa história em público foi no dia de sua aposenta­doria e ele tinha então os seus 67 anos de idade. Depois

da merecida festa que os seus colegas fizeram, ele chamou a atenção de todos e, emocionado que estava, agradeceu a homenagem e ao final contou a história que iria determinar o seu cotidiano a partir de então.

"Bom, vocês sabem que a mãe do Jorge Luis Borges mor­reu bem velhinha ... "

"A mãe do Borges? Morreu? O Borges da ... da ... contabi­lidade? E ninguém me diz nada?", o Ernesto o interrompeu inconsolável, além de totalmente bêbado, e pôs-se a chorar convulsivamente.

Diante do silêncio estupefato de todos os presentes, al­guém cochichou algo no ouvido do Ernesto, que só então sossegou. Restabelecida a ordem, e quebrando o constran­gimento criado, o homenageado continuou.

" ... pois bem, ela tinha 99 anos quando morreu. Em seu enterro, uma velha amiga do Borges chega-se a ele e diz que era uma pena que ela tivesse morrido com aquela idade, mais um ano e teria 100! Sabe o que o Borges respondeu?"

Não, ninguém sabia. O silêncio imperava. "Vejo que a senhora é uma entusiasta do sistema de­

cimal... foi a resposta do Borges" e, sem esperar reação al­guma da audiência que ainda tentava assimilar a história, ele completou: "Eu também sou um entusiasta do sistema decimal. Nada me entusiasma mais hoje do que o sistema decimal! Vou homenageá-lo da forma que a mãe do Borges não conseguiu. Vou chegar aos 100 anos!"

Um aplauso unânime se juntou aos gritos de hurra! Mas a verdade é que, pelo estado em que ele chegou ao

96 • OUTUBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 176

FLÁVIO ULHOA CoELHo

final da festa, vomitando e cambaleante, não havia quem apostasse um níquel sequer que ele conseguiria cumprir a sua promessa.

Mas o tempo passou e ele parecia cada vez mais jovem, cada vez com Ínais vitalidade. Fosse porque deixou de ir trabalhar naquele escritório insalubre por mais de dez horas diárias, todo o santo dia, fosse porque só então ele pôde se dedicar mais assiduamente às coisas que tanto gostava de fazer, o ponto é que ele foi ficando cada vez mais jovem. Muitos de seus amigos ficaram pelo caminho, um a um deixando de ouvir novamente esta história, a história que ele tanto gostava de repetir a cada aniversário seu. A mesma história, o mesmo entusiasmo.

Com o passar do tempo, os amigos foram se acostuman­do com ela, já fazia parte da festa de seu aniversário, assim como o Parabéns a você ou o bolo de chocolate com cereja. Na festa de aniversário de seus 78 ou 79 anos, um de seus netos resolveu puxar um pique-pique:

"E para o sistema decimal, nada?" "Tudo!!!" "E como é que é?" E o pique, a partir de então, foi também incorporado às

celebrações de seus aniversários. Aos noventa, ele estava de namorada nova, já tinha en­

terrado suas duas ex-esposas, "as primeiras duas ... ", ele dizia maliciosamente nas noites de pôquer, para deleite de seus amigos, sempre renovados na roda e cada vez mais jovens em comparação a ele. E saiu para viajar com ela por longos dois meses. Foi por esta época que todos os que o conheciam sabiam que ele iria sim conseguir cumprir o prometido em sua homenagem.

Page 97: Vida no espaço

I f .

E, de fato, cumpriu. No dia em que completou 100 anos de idade, ele reuniu todos os seus amigos, os parentes, e até os só conhecidos. Como sua história já era parte do folclore da pequena cidade em que morava, apareceram muitas pessoas que ele sequer conhecia, foram só para poder cumprimentá-lo, participar daquela homenagem histórica ao sistema decimal. O jornal da cidade publicou uma ma­téria toda especial, fazendo um paralelo entre a vida dele e o desenvolvimento do sistema decimal, entrevistaram até um matemático famoso da USP. E, em um canto, um grupo de conhecidos acertava as contas de uma antiga aposta que fizeram sobre se ele chegaria ou não àquela data.

Quando o bolo especialmente confeccionado para a oca­sião entrou na sala, um coral de crianças cantou, de surpresa e em primeira mão, o Hino do sistema decimal composto especialmente para a festa. O prefeito, que não pôde com­parecer pessoalmente, mandou o seu melhor representante e a festa só ficou completa quando ele contou, mais uma vez, a história da mãe do Borges. Contou, desta vez, de forma tão emocionada que o próprio Borges, o da contabilidade, chorou de saudades de sua progenitora.

Mas só ele sabia do esforço que foi chegar a esse dia. Se ele parecia cada vez mais jovem e entusiasta com o passar do tempo, a verdade é que, nos últimos dois ou três anos, uma dúvida o atormentava diariamente. Toda manhã, ele se olhava no espelho e se perguntava por que é que se impunha esta meta, afinal, e se seria capaz de cumpri-la. Só ele sabia que o ânimo que demonstrava ao conversar sobre isso com as pessoas era apenas de fachada, cada vez mais falso, inseguro que estava. Só o espelho sabia o peso que o sistema decimal passara a ser para ele. Já estava cansado, sentia-se cansado

1.

e velho e ainda faltavam esses três, esses dois ou esse um ano, esses tantos meses, essas tantas semanas. Um dia, ele desabafou com uma amiga que, vez ou outra, trazia o seu almoço de domingo, mas ela não entendia o que o exaspe­rava então. E o que o exasperava era a obrigação que ele se impôs tanto tempo atrás. Nestas horas, sentia medo de não poder cumpri-la, de morrer como um derrotado no final das contas, virar a eterna chacota dos sobreviventes, piada familiar nos almQços dominicais. Pequenas gripes, ele que nunca tivera nenhuma doença mais grave, traziam consigo sempre grandes preocupações, e a cada espirro, um sinal vermelho se acendia em sua mente. Sentia que não podia mais andar sozinho pelas ruas sem ser observado, percebia as pessoas falando dele a distância, se parasse de andar, por tolo motivo que fosse, parecia que todo o mundo também parava e segurava a respiração até ele se mover de novo.

Aquilo estava pesando e pesando cada vez mais. Depois que o bolo foi cortado e ele recebeu os cum­

primentos protocolares de todos, e depois de uns tantos discursos que teve que ouvir, ele olhou ao redor e, repentina­mente, se sentiu aliviado. Com o peso de seus três dígitos nas costas, caminhou até o quarto que ele usava como escritório, sentou-se em sua poltrona de leitura e, na penumbra, sorriu o sorriso dos aliviados. E dormiu, e como dormiu, o sono dos justos, o sono dos centenários ...

FLÁ vro ULHOA CoELHO é diretor do IME- USP e escritor. Publi­cou os livros de contos: Contos que conto (1991), Ledos enga­nos, meras referências (1996) e Gambiarra e outros paliativos emocionais (2007).

PESQUISA FAPESP 176 • OUTUBRO DE 2010 • 97

Page 98: Vida no espaço

CLASSIFICADOS

Consultaria de Comunica ção Para Start Ups, Empresas, Projetas

Temos interesse em conhecer e participar de novos projetas, empresas e pesquisas em desenvolvimento.

Oswaldo Pepe (011) 3060.8785, [email protected] Ricardo Braga (011) 3064.6390, [email protected]

www.artpresse.com.br, 30 anos

Art Presse Comunicação Empresarial

Assessoria de Imprensa, Relações Públicas, Redes Sociais

A mais avançada linha de produtos pare sua pesquisa:

J>-Pel"kln

Genese Sistema Milliplex para a realização de múltiplos analitos em um mesmo ensaio.

Toda a linha de produtos radioativos .

• IA•'ifi'U/'/J( .. ~.r""•...;11~ ~f,~'l'",;:'"'"l':.;:'').~~

Cantatas: 11 334'1-6987,." '""· · '··< >:'·'· ~· · genese@g~_:.c_~.! !:Jr,5,,. •· : . ·. •;o· ~ www.gendiag.com.br · · ; ~·~-~·-· - · ~· ~ . ~~

@l . .JOTOP

Liobras lnd. Com. e Serv. de Liofilizadores Lida.

Rua José Saia, n' 260- V. Alpes São Cartos/SP

Liofilizadores laboratoriai e piloto para solventes aquosos e orgânicos.

Fone: (16) 3372-4000 www.liobras.com.br

lndustna Bras tletra

98 • OUTUBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 176

Page 99: Vida no espaço

» Anuncie você também: te l. (11) 3087·4212 I www.revistapesquisa.fapesp.br • Pesqu1sa

- - ------ -- ---------------------------~

Pari of Thermo F1 sher Sc1enllflc S C I E N T I F I C

Leitor de microplacas e cu beta

UNISCIENCE (11) 3622-2320

Multiskan GO

---

Flexibilidade e controle = desempenho perfeito

Espectrofotômetro moderno, capaz de ler placas de 96 ou 384 poços e cubetas. É possível selecionar qualquer comprimento de onda que esteja na faixa de 200 a 1 OOOnm. Possui display

colorido, fácil de usar e com linguagem em português, software para controle externo do equipamento e análise dos resultados, saída USB para exportar dados em pen-drives e conexão USB

para impressora e computador.

Características:

• Faixa de comprimento de onda: 200 · 1000nm (UV-Vis) • Incrementos: 1 nm • Cubeta: padrão, micro e ultra-micro • Agitador linear • Incubação: temperatura ambiente até 45•c (placa e cubeta)

• Velocidade de leitura: 6 sG~gundos (placa de 96) ou 1 O segundos (placa de 384)

www.uniSCience.com

Page 100: Vida no espaço

Você criou, pesquisou e desenvolveu.

I\ \\"''/;

Juntos, podemos transformar suas idéias em inovacões.

}

A Biolab atua em parceria com pesquisadores, instit uições de pesquisa e universidades para contribuir com o avanço da medicina e oferecer

medicamentos inovadores.

ORGULHO DE

SER BRASILEIRO Visite www.biolabfarma.com.br e cadastre seus projetas.

BiOLAB I lVAÇA()AO BiOLAB FARMACEUT/CA