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VOLUME 02 - 13

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educação, tratamento e custódia. Assim os filhos, tutelados, curatelados, alunos, custódia, devem portar-se de modo a respeitar a integridade física e moral de seus Podem cometê-lo os pais, tutores, curadores, diretores, funcionários, educadores e daquele que estiver sob a autoridade, guarda ou vigilância, para fins de educação, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, internados, presos, empregados. protegidos.

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MAUS-TRATOS

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13.1 CONCEITO, OBJETIVIDADE JURÍDICA E SUJEITOS DO

CRIME

No art. 136 encontra-se a definição do crime: “expor a perigo a vida ou a saúde de

pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino,

tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis,

quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de

correção ou disciplina”. A pena é detenção, de dois meses a um ano, ou multa.

O bem jurídico protegido é, outra vez, a vida e a saúde, a incolumidade pessoal

daquele que estiver sob a autoridade, guarda ou vigilância, para fins de educação,

tratamento ou custódia, de outra pessoa. Busca coibir o abuso no uso dos meios

correcionais e disciplinares.

Aqueles que têm autoridade sobre outros, para os fins de educação, tratamento ou

custódia, devem portar-se de modo a respeitar a integridade física e moral de seus

protegidos.

Sujeito ativo é a pessoa que exerce o poder de autoridade, guarda ou vigilância de

outra pessoa, para fins educacionais, de tratamento ou de custódia. É crime próprio.

Podem cometê-lo os pais, tutores, curadores, diretores, funcionários, educadores e

instrutores de estabelecimentos de ensino, penitenciários e correcionais, inclusive os

carcereiros e agentes penitenciários.

Sujeito passivo é a pessoa colocada sob o poder do sujeito ativo para os fins de

educação, tratamento e custódia. Assim os filhos, tutelados, curatelados, alunos,

internados, presos, empregados.

As relações de dependência da vítima para com o agente, nelas incluídas as de

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parentesco, de ascendência e descendência, impedem a incidência da agravante do art. 61,

II, e, do Código Penal, quando o crime tiver sido praticado pelo pai contra o filho ou pelo

filho contra o pai inválido que esteja sob os seus cuidados.

Nessas hipóteses, o parentesco é circunstância elementar do tipo e, por isso, não

pode ensejar a agravação da pena.

13.2 TIPICIDADE

O caput contém as formas típicas fundamentais. Os §§ 1º e 2º, as formas

qualificadas pelo resultado. O § 3º traz causa especial de aumento de pena.

O art. 99 da Lei nº 10.741/2003 define o crime de maus-tratos contra o idoso.

13.2.1 Formas típicas simples

No caput do art. 136, estão descritas as seguintes figuras típicas. Expor a perigo a

vida ou a saúde da pessoa privando-a de alimentos. Outra forma é a exposição a perigo

deixando de proporcionar-lhe os cuidados indispensáveis. A terceira forma se realiza com a

submissão da vítima a trabalho excessivo ou inadequado. Por último, quando o agente

abusa dos meios corretivos ou disciplinares.

13.2.1.1 Conduta

Consiste em colocar a vítima em situação de perigo. Pode ser realizada por

comissão ou por omissão.

A privação de alimentos e de cuidados indispensáveis é conduta omissiva. Já a

submissão a trabalho excessivo ou inadequado é, normalmente, cometida por ação em

sentido estrito. Também na modalidade de abusar dos meios corretivos e disciplinares.

Essas condutas são chamadas, genericamente, maus-tratos, daí que devem

importar numa aflição para a vítima.

13.2.1.2 Elementos objetivos

Dá-se a privação de alimentos indispensáveis quando o agente deixa de oferecer à

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vítima aquele mínimo necessário para a manutenção adequada do funcionamento de seu

organismo. Mormente em relação a crianças ou pessoas com saúde débil, seu protetor deve

procurar atender às necessidades básicas alimentares.

Não quer a norma que o agente tenha o dever de proporcionar alimentação fartíssima

ou sofisticada, apenas que, podendo oferecê-la em sua simplicidade, deixa de o fazer por

qualquer motivo. Não se justifica a privação de alimentos, ainda que uma só refeição, com o

fim de impor uma reprimenda à pessoa sob seus cuidados.

Cuidados indispensáveis são aqueles mínimos relativos ao vestuário, acomodação,

higiene, assistência médica e odontológica. Não se trata de obrigar o agente a fazer aquilo

que fugir de suas possibilidades, mas, dentro dessas, não privar a vítima sem qualquer

razão justificada.

Submeter a vítima a trabalho excessivo é obrigá-la a trabalhar além de suas forças, da

sua capacidade física ou mental. O trabalho inadequado é aquele incompatível com as

condições pessoais da vítima.

A última modalidade típica alcança o abuso dos meios corretivos e disciplinares. A

educação, o ensino, a correção e a custódia implicam o poder de um sobre o outro, mas que

deve ser exercido dentro dos limites da adequação social. A utilização de métodos

violentos, aflitivos, para se alcançar a educação e a correção não se harmoniza com os

princípios humanitários, além de não ter qualquer eficiência real. Longe de educar ou

corrigir, a violência pode causar enormes danos psíquicos. Mormente quando atinge a

integridade física e mental, o meio disciplinar e corretivo constitui uma agressão

absolutamente inaceitável. O mal não pode servir ao bem. Castigos físicos, muito comuns

até hoje em algumas regiões do país, constituem, em verdade, pena corporal inadmissível.

13.2.1.3 Elementos subjetivos

Crime doloso. O agente, consciente da relação de dependência da vítima e da situação

de perigo que sua conduta poderá causar, coloca-a na situação de perigo, com o fim de que

este ocorra.

Além do dolo, o agente deve atuar com o fim de corrigir a vítima, ou impor-lhe uma

regra disciplinar.

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13.2.1.4 Consumação e tentativa

Ocorre a consumação com a instalação da situação de perigo. Na privação de

alimentos e de cuidados indispensáveis, exige-se a habitualidade, para que se configure o

perigo e, portanto, a tipicidade do fato. Em outras palavras, a vítima deve, por algum

tempo razoável, sofrer a privação para que o perigo se instale, consumando-se o crime, o

que não ocorre se a privação é esporádica ou eventual. Um único dia de trabalho excessivo

ou inadequado, porém, já pode constituir a situação de perigo. As demais formas típicas

consumam-se com a primeira ação ou omissão, porque, nelas, o perigo é imediato.

Possível a tentativa, mas não nas formas em que se exige a habitualidade, por absoluta

impossibilidade de se determinar com precisão o momento em que se inicia a execução e o

de sua interrupção. Nas formas omissivas, igualmente, será muito difícil falar-se em

tentativa, porque, já no exato momento em que o agente deixar de realizar a conduta, o

crime já terá se consumado.

Quando o crime é cometido por ação, stricto sensu, todavia, haverá tentativa quando

o agente, dando início à execução de um castigo corporal que deseja infligir ao filho, é

impedido por um terceiro.

13.2.2 Formas qualificadas pelo resultado

Nos §§ 1º e 2º do art. 136 estão previstos os crimes preterdolosos, qualificados pelo

resultado lesão corporal grave e morte, respectivamente.

A conduta é dolosa, de perigo, mas o resultado vai além, por negligência do agente. Se

resultar lesão corporal grave, a pena é reclusão de um a quatro anos; se morte, reclusão de

quatro a doze anos.

É preciso culpa do agente na produção do resultado, que deve ter sido,

necessariamente, causado pela situação de perigo causada dolosamente. Indispensável,

portanto, o nexo causal.

13.2.3 Aumento de pena

O § 3º manda que a pena seja aumentada de um terço quando a vítima for menor de

quatorze anos. Esse dispositivo foi introduzido no Código Penal pela Lei nº 8.069/90, o

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Estatuto da Criança e do Adolescente, que também introduziu idêntica causa de aumento

para o homicídio doloso (art. 121, § 4º).

Essa causa de aumento de pena impede, por força do princípio do ne bis in idem, a

aplicação simultânea da circunstância agravante do art. 61, II, h, do Código Penal – crime

cometido contra criança.

13.2.4 Maus-tratos e crime de tortura

A Lei nº 9.455, de 7 de abril de 1997, definiu os crimes de tortura e, dentre eles, a

seguinte figura típica: “submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com

emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como

forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo” (art. 1º, II). A

descrição típica parece sugerir conflito aparente de normas com a figura típica do crime de

maus-tratos, na forma de abuso “de meios de correção ou disciplina”.

Nos dois tipos há elementos comuns. A relação de dependência entre agente e vítima

pode ser a mesma, nos dois crimes, sendo certo que, também nos dois, a conduta é a

imposição de um sofrimento físico ou mental.

No crime de tortura, o resultado deve ser um intenso sofrimento físico ou mental, ao

passo que no crime de maus-tratos o resultado é tão-somente a situação de perigo

decorrente do abuso dos meios corretivos ou disciplinares.

A diferença, porém, não se encontra apenas no resultado, que na tortura deve ser

mais grave, mais intenso, até porque a tortura é um crime de dano, enquanto o crime de

maus-tratos é crime de perigo. O que distingue um crime do outro é o elemento volitivo. É

a vontade do agente.

Na tortura, sua finalidade é castigar por castigar ou para prevenir, enquanto o agente

do crime de maus-tratos, embora abusando dos meios que tem a seu dispor, age com a

intenção de corrigir ou disciplinar, para os fins de educação, tratamento, ensino ou

custódia. Naquela, o dolo é de dano, aqui é de perigo.

13.2.5 Maus-tratos contra o idoso

O art. 99 da Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, contém a seguinte norma

incriminadora; “Expor a perigo a integridade e a saúde, física ou psíquica, do idoso,

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submetendo-o a condições desumanas ou degradantes ou privando-o de alimentos e

cuidados indispensáveis, quando obrigado a fazê-lo, ou sujeitando-o a trabalho excessivo ou

inadequado: Pena – detenção de 2 (dois) meses a 1 (um) ano e multa.”

Nos §§ 1º e 2º estão descritas as formas qualificadas pelo resultado, com penas

idênticas às do Código Penal.

Idoso é quem tem idade igual ou superior a 60 anos.

A Lei nº 10.741 entra em vigor 90 dias após a publicação, ocorrida em 3-10-2003.

13.3 ILICITUDE E CULPABILIDADE

A ilicitude da conduta pode ser excluída quando o agente atua em estado de

necessidade. Ainda quando consciente do perigo para a vida de seu protegido, que sofrerá

com a privação dos cuidados indispensáveis ou alimentação, o agente pode fazê-lo, em

determinadas circunstâncias, para salvar outro bem, de importância equivalente, se não

houver outro meio.

Pode o agente errar sobre os limites no uso dos meios corretivos e disciplinares e, por

isso, ter sua culpabilidade excluída ou diminuída, por erro de proibição, conforme seja ele

inevitável ou evitável.

13.4 AÇÃO PENAL

A ação penal é pública incondicionada. A competência para julgar os crimes definidos

no caput do art. 136 é do Juizado Especial Criminal, uma vez que a pena máxima cominada

não é superior a um ano.

Possível também é a suspensão condicional do processo penal, nos termos do art. 89

da Lei nº 9.099/95, com exceção do crime de maus-tratos seguidos de morte.