Vontade e Liderança (Livro)

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JOO MANOEL SIMCH BROCHADO Cel Ref (Infantaria e Estado Maior)

O ESPRITO COMBATENTE Livro 1 (o mtodo)

EIA, AVANTE!a energia dos agrupamento humanosEnsaio sobre o carter, o moral, a vontade das pessoas e a importncia de seus lderes.

76.680 palavras 435.282 caracteres (s/espaos) 511.878 caracteres (c/espaos) 1.175 pargrafos 7.413 linhas 17 ilustraes 6 quadros (tamanho do texto: 3,52 MB: principal fonte: Arial/12 )

@ EDIO ELETRNICA/2007 @

Texto paradidtico orientador do exame e da discusso de matrias relacionadas com o interesse dos comandantes de organizaes de combate na fora terrestre

TTULO: Eia, avante! SUBTTULO: a energia dos agrupamentos humanos ASSUNTO: Ensaio sobre o carter, o moral, a vontade das pessoas e a importncia de seus lderes

EIA, AVANTE! a energia dos agrupamentos humanos (o mtodo)

Eia, avante!A ENERGIA DOS AGRUPAMENTOS HUMANOSTexto paradidtico orientador do exame e da discusso de matrias relacionadas com o interesse dos comandantes de organizaes de combate na fora terrestre

Trago memria dos camaradas do Exrcito Brasileiro, como minha sentida homenagem, dois grandes amigos de juventude, de profisso, de arma, de turma, de ideais e de toda a vida,

Gilberto Bezerra Cavalcanti Soares e Rubem Carlos Ludwig.Outros companheiros da Turma Gen Cyro do Esprito Santo Cardoso (1948) da Escola Militar de Resende, tambm no puderam continuar conosco nessa longa caminhada de meio sculo.

Joo Manoel Simch Brochado fevereiro de 2007

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Texto paradidtico orientador do exame e da discusso de matrias relacionadas com o interesse dos comandantes de organizaes de combate na fora terrestre

SUMRIO de Eia, avante!Homenagem a dois grandes amigos..........................................................................................002 SUMRIO.......................................................................................................................................003 Uma boa discusso.....................................................................................................................005 Epgrafe da obra...........................................................................................................................006 Notas para a orientao da leitura..............................................................................................007

INTRODUO Aladin e sua lmpada mgica.....................008O LDER E AS INSDIAS DO VIGOR COLETIVO............................009(Responsabilidade de liderana. A energia anmica que se instala, se esvaece ou irrompe nos agrupamentos humanos. O enfoque deste pequeno ensaio)

Devoo transformadora................................................................................................................009 A energia anmica que se esvaece e se recupera: o comandante ferido.......................................010 A energia anmica que irrompe: o perigo nas multides................................................................013 Para onde estar dirigida nossa ateno?.....................................................................................015

PRIMEIRA PARTE O gnio da lmpada e suas serventias.......019CAPTULO 1 - A ENERGIA RADIANTE DO CARTER..............020(Carter individual e carter coletivo. Os fatores e os protagonistas de uma nacionalidade. Carter nacional. A mutabilidade dos traos psicolgicos de um povo. Exemplos)

O carter das pessoas e dos agrupamentos humanos..................................................................020 A relevncia do carter coletivo.....................................................................................................026 Estados nacionais soberanos.........................................................................................................032 Influncia de fatores e circunstncias histricas especiais............................................................035 O ideal de liberdade na consolidao do moderno Estado nacional soberano..............................040 Carter nacional: perfil psicolgico de um povo.............................................................................043 A mutabilidade do carter nacional................................................................................................046 Nuanas regionais do carter nacional..........................................................................................053 Um complexo processo interativo de traos psicolgicos..............................................................057 Carter nacional brasileiro: uma virtude, dois defeitos e uma tendncia perigosa.......................059

CAPTULO 2 - A ENERGIA POTENCIAL DO MORAL......................069(O estado de esprito das pessoas e dos agrupamentos humanos: disposio para o trabalho e para a vida. Moral nacional. Exemplos.)

Disposio para a vida...................................................................................................................069 Moral coletivo: o papel do lder para obt-lo e mant-lo................................................................075 Moral nacional: ingleses em 1940/41 e brasileiros no fim do sculo XX........................................079

CAPTULO 3 - A ENERGIA CINTICA DA VONTADE.....................086(A fora e a debilidade da vontade coletiva. Vontade nacional. Exemplos.)

Vontade implacvel........................................................................................................................086 Opinio e vontade..........................................................................................................................087 O ciclo histrico da vontade dos povos..........................................................................................089 Razes e motivaes: o lder e a mdia.........................................................................................091 Conflitos blicos e vontade nacional..............................................................................................093 A vontade nacional brasileira na Segunda Guerra Mundial...........................................................095

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SEGUNDA PARTE - O guapo Aladin... .............................107CAPTULO 4 - A ATUAO DOS LDERES..............................108(A formao do carter coletivo, a criao e a manuteno do moral coletivo, a orientao e consolidao da vontade coletiva em agrupamentos espontneos e institudos. Percepo do processo.)

A atuao do lder: o carter, o moral e a vontade de seu agrupamento......................................108 Ao e omisso: alguns bons e maus lderes contemporneos....................................................113 Processo de instalao da energia anmica nos agrupamentos humanos: seguimento natural ....................................................................117

CAPTULO 5 - AGRUPAMENTOS INSTITUCIONAIS HIERARQUIZADOS E NO HIERARQUIZADOS.........................121(Desenvolvimento e manuteno da energia anmica nos agrupamentos institucionais: esprito coletivo. Exemplos.)

Lderes interferentes e lderes solidrios um sistema.................................................................121 Agrupamentos institucionais militares Exame de um caso.........................................................124 Esprito coletivo e universalizao dos conceitos e procedimentos...............................................140 Agrupamentos institucionais no hierarquizados Exame de uma crise......................................144 As qualificaes fsicas e habilidades tcnicas e psicomotoras dos Soldados..............................149

Eia, avante! - O digno meneio da lmpada......................151CAPTULO 6 - SEIS DESTAQUES PARA A MEDITAO DO JOVEM COMANDANTE-LDER...................................152(Enfoque do problema de liderana. Esprito combatente. Interesses essenciais comuns e valores sobrelevantes. Confiana no lder. Assistncia ao processo. Zelo pelo esprito nacional. )

O enfoque.......................................................................................................................................152 O esprito combatente....................................................................................................................152 Os valores emblemticos...............................................................................................................153 A confiabilidade do lder.................................................................................................................154 A devoo.......................................................................................................................................155 A perenidade da ptria e o esprito nacional..................................................................................156 ndice de figuras e quadros.......................................................157

DOIS ANEXOS.............................................................158 Glossrio de apoio (Anexo 1)........................................................................................................159 Sugestes para pesquisa na rea militar (Anexo 2)......................................................................168

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Uma boa discussoPlanejei e desenvolvi este ensaio pensando em ajudar, orientar e espertar para o assunto os cadetes, aspirantes, tenentes e capites brasileiros das Armas e dos Servios, todos Soldados profissionais jovens, destinados s lides do comando e da liderana dentro do Exrcito. A matria que aborda, a meu ver, no pode continuar com um tratamento simplesmente emprico e referncias tradicionais vagas sua existncia como realidade psicossocial dentro dos agrupamentos humanos (*). preciso traz-la mais prximo de uma sistematizao cientfica para que, efetivamente, fundamente o processo, as tcnicas e os procedimentos de liderana. Nesse sentido que pretendo estar contribuindo modestamente, ao oferecer o texto para um importante grupo de interessados e observadores cujo dever de ofcio obriga ao permanente envolvimento com os fenmenos anmicos coletivos. Trata-se, em princpio, de uma proposta de discusso. Os jovens leitores militares iro perceber que no me moveu a presuno de dar a lume escrito cientfico. Com certeza, entretanto, corresponde a um prembulo para que doravante esse seja o enfoque conveniente. A matria que abordo, as teses que defendo e as idias que este texto apresenta, em princpio, introduzem os textos subseqentes que formam a trilogia O esprito combatente (leia as informaes na pgina seguinte) 1 . Oxal meu esforo tenha a sorte de acicatar a juventude militar estudiosa para o exame mais acurado desses assuntos essenciais no exerccio da profisso das Armas. A nica pretenso que me atribuo a de compartir com as novas geraes, de alguma forma, como um velho instrutor, uma j longa experincia de vida. Minha Turma de Aspirantes completou meio sculo de diplomao no dia dezessete de dezembro de 1998. Para marcar sua presena - ainda viva e atuante -, nas comemoraes daquela data ofereci meu trabalho - editado no ano seguinte pela BIBLIEX - aos cadetes da Academia Militar das Agulhas Negras, como preito de saudade e respeito velha e majestosa Escola Militar de Resende que ajudamos a criar e a implantar. Almejo, hoje ainda, ao rever o texto desta obra para uma edio eletrnica, que a AMAN, essa grande organizao de ensino militar, se envolva com a discusso que sugiro, promovendo-a dentro de seus limites fsicos e, muito alm, no vasto campo de sua venervel influncia doutrinria.Braslia, fevereiro de 2007

Joo Manoel Simch BrochadoCoronel Reformado (Infantaria e Estado Maior)

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Uma abordagem, como instigao, deixarei sem aprofundamento apenas sugerida - porque pretendo esgaravat-la em outro texto: o significado, a dinmica e a estruturao de um conveniente e eficaz sistema de liderana militar para uma fora terrestre (Lderes interferentes e lderes solidrios um sistema, pgina 121).

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EPGRAFE DA OBRA As pessoas so essenciais mas o desafio do lder compreender o agrupamento humano que lidera como uma entidade psicolgica plural, com esprito prprio, para trat-lo e conduzi-lo assim.Informao para esta edio eletrnica: Este texto corresponde ao Livro 1, o mtodo, o primeiro de uma trilogia que intitulei O esprito combatente. Os dois outros so: Livro 2, os valores - O carter dos Soldados uma saga de dez milnios e Livro 3, as vicissitudes - A imitao do combate busca obstinada da autonomia institucional. Sempre que julgar indicado, farei referncia s duas outras obras no curso do ensaio que estou reapresentando. Ambas esto disponveis neste site, em arquivo PDF. Braslia, fevereiro de 2007

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Notas para orientao da leitura1 - O texto deste ensaio contm, entre outros exemplos, o relato de trs singelos episdios em que estive envolvido como comandante ou autoridade; comento, tambm, um conflito poltico regional cujas circunstncias me enlearam. O fato de os ter vivido e a necessidade de referir fenmenos psicolgicos coletivos que efetivamente constatei, me induziram, pelo valor didtico de cada um, a inclu-los no estudo. 2 - Pretendo comprometer o leitor militar paulatinamente com as idias, conceitos, discusses e polmicas que este ensaio desenvolve ou sugere. O exame paralelo das notas de rodap, dos apontamentos e das sugestes de consulta, , a meu ver, parte importante desse comprometimento: apontamentos: determinado smbolo ( ) apontar matrias idias ou comentrios - que podero ser esclarecedoras leitura no ponto em que estiverem referidas com a indicao da pgina no texto, antes ou adiante desse ponto, sugerindo remisso para compulsao; sugestes de consulta: para facilitar o acompanhamento e o encadeamento das idias e argumentos apresentados nesta obra organizei, a partir da pgina 160, na ordem alfabtica, um glossrio de apoio (Anexo 1, pgina 165) que oferecer ao leitor o conceito conveniente - segundo o meu ponto de vista -, referente a cada expresso impressa em itlico ao longo do texto; essas expresses podero estar seguidas de um asterisco entre parntesis, sempre que julgar indicada a consulta. Exemplos: carter coletivo [significar que h conceito dessa expresso no glossrio de apoio]; lder interferente (*) [significar que h conceito dessa expresso no glossrio de apoio, mas interessante que o leitor, nesse ponto da leitura, o examine ou reexamine]. 3 - Empregarei trs expresses com conotaes especficas: Armas: quando impressa com maiscula e destacada em itlico, a referncia s Armas, neste texto, entend-las- como um sinnimo de foras armadas ou aludir profisso que essas foras representam. Comandante-lder: uma expresso empregada 60 vezes neste ensaio (15 vezes no plural) - da pgina 122 pgina 170 - no contexto em que estiver inserida, como uma espcie de reforo didtico para acentuar a imprescindibilidade dessa qualificao para o comandante militar de uma fora de combate condutor e consolidador do processo anmico coletivo no universo de seu comando. Estar impressa em itlico. Soldado: esta expresso, tambm impressa em itlico e maiscula (ou no plural) - como uma qualificao profissional distinta -, se referir genericamente ao integrante (ou integrantes) de organizao de combate, independente de posto ou graduao. O foco de minha ateno, porm, estar posto na fora terrestre por ser a sede de meu interesse e a matriz ancestral de todas as demais.

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INTRODUOAladin e sua lmpada mgica.

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O LDER E AS INSDIAS DO VIGOR COLETIVOResponsabilidade de liderana. A energia anmica que se instala, se esvaece ou irrompe nos agrupamentos humanos. O enfoque deste ensaio.

Devoo transformadoraNas foras armadas de todo o mundo, desde pocas imemoriais quando essas organizaes comearam a se esboar como instituio dentro de sociedades humanas incipientes, o exerccio do comando vem sendo, sempre, cultuado como uma espcie de culminncia profissional. Combatentes em situaes dramticas de risco, em princpio, seguiam um comandante por razes compulsrias de disciplina, de expectativa do butim ou de outras compensaes materiais dominantes, de forte conscincia da necessidade de defesa e conquista ou do sentimento de dever; o que criava uma prudente confiana no sucesso. Um lder militar, entretanto, atravs dos tempos nem todos o foram -, pde contar com a fora arrebatadora provinda da disposio e da vontade de seus liderados. O que mudava radicalmente a perspectiva de bom xito no empreendimento em que estavam envolvidos, pois que esses combatentes, cheios de determinao, jamais se habituavam derrota ou submisso como vencidos. Alm de transformar to extraordinariamente o desempenho de um comandante, o lder pode alterar as virtudes e a eficcia de qualquer autoridade quando estiver engastado no gerente, no diretor, no chefe, no administrador, no prefeito, no governador, no Chefe de Estado, como um precioso componente de suas habilitaes profissionais. A responsabilidade de liderana assumida nos diversos nveis de autoridade, quando tudo estiver perturbado pela angstia e pela incerteza das crises, criar e manter a energia positiva capaz de dar fora e dignidade ao agrupamento humano (*) considerado (figura 1, pgina 16), de assegurar a permanncia das grandes instituies e de promover o enobrecimento das pessoas. Algo somente possvel para seres privilegiados e predestinados? No. O bom lder pode prescindir de talento inato emergindo, sem esforos ingentes, de uma simples atitude de devoo e, como decorrncia prtica, de algumas preocupaes correlatas. Seu grande desafio, como veremos, sempre ser o de compreender e tratar seu grupo como uma entidade plural com esprito peculiar. Nos processos naturais de liderana, quando o lder surge da escolha ou emerge do consentimento coletivo, mesmo ao se definir uma autoridade, essa aptido ou talento inatos, em princpio e de alguma forma, estaro identificados e reconhecidos. A essncia da liderana (*) deve ser percebida dentro dessa viso de qualificao funcional inarredvel, sem consentir ao titulado civil ou militar o argumento da inaptido natural e, por conta dessa concesso, a desculpa para a omisso ou falta de zelo. As autoridades s ficam ungidas quando se deixam imbu-

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ir pela devoo da liderana 2 . Precisam ser bons lderes, portanto, com empenho muito alm da simples dedicao a seus deveres formais. No h outra alternativa.

A energia anmica que se esvaece e se recupera: o comandante feridoO relato que se segue - um episdio quase sem importncia da rotina castrense ocorrido h cinqenta e dois anos - servir de base para o desenvolvimento do captulo 5, Segunda Parte, deste ensaio. A distncia no tempo pode torn-lo apenas romntico analise de jovens militares brasileiros, por perceb-lo, j um pouco encoberto pela ptina dos anos, trazido de uma realidade ultrapassada. A tese que ilustra, todavia, eterna e universal como procurarei evidenciar ao longo deste ensaio. Novembro de 1955. O exerccio de ataque a uma posio sumariamente organizada vinha sendo preparado com esmero e preocupao para aproximlo, ao mximo, da realidade de um combate. Mesmo com as severas restries de uma unidade sem os equipamentos e armamentos que a poca exigia. Os alunos do Curso de Candidatos a Cabo, todos conscritos, ocupariam as funes dessa graduao e algumas de sargento dentro dos quatro pelotes da companhia de fuzileiros cujo comando eu exercia havia algum tempo. A companhia seria transformada, naquele exerccio, em subunidade-escola. Um bom teste de fim de curso, portanto, para observar o comportamento 3 daqueles moos - conhecimentos prticos, iniciativa e capacidade de liderana em campanha. Todos desejavam as divisas que materializariam, para a maioria, a primeira conquista da juventude. Os cabos efetivos da companhia, assim, mais os sargentos e oficiais subalternos de seus quadros permanentes seriam substitudos pelos alunos do curso e seus monitores; no ficariam de fora, entretanto, pois figurariam o inimigo, construindo e ocupando um ncleo de defesa ou integrando a arbitragem. Esse plastron 4 teve uma longa preparao material e psicolgica por ser a chave do realismo desejado no teste. A camuflagem da posio inimiga foi primorosamente executada e suas armas automticas na poca as metralhadoras Madsen de 7 mm posicionadas em espaldes para obter, no cruzamento de seus fogos sobre os atacantes quando abordassem a posio, o mximo de rasncia e flanqueamento como convinha lgica de seu emprego e obedincia da doutrina; a munio de festim, para garantir o automatismo do mecanismo apresentao do cartucho e foraH uma frase atribuda ao clebre prefeito de Nova York por trs perodos administrativos (19331945), Fiorello Harry La Guardia, que ilustra essa devoo: Se morre um pardal no Central Park, eu me sinto responsvel! (voltarei a citar La Guardia no Livro 3 dessa trilogia: A imitao do combate). 3 Valores (*), atitudes (*), sentimentos (*), comportamentos (*) e reaes (*) so expresses importantes quando relacionadas aos agrupamentos humanos (*) e que, neste ensaio, tm significados especiais - pretendo esclarec-los ao longo das anotaes. Sempre estaro destacadas em itlico (procura-as no Glossrio de apoio, pgina 159). 4 Uma antiga expresso do jargo militar francs, ainda remanescente na poca entre os oficiais mais antigos, que significava figurao inimiga.2

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propulsora dos gases -, vinha preparada em seus carregadores metlicos com um balim de madeira feio de projetil. Os metralhadores sabiam que deveriam suspender o fogo quando os primeiros atacantes estivessem a cerca de trinta metros da linha de defesa; essa era a distncia de segurana para prevenir a ao dos fragmentos de madeira lanados pelo tiro. Em funo dessa precauo, a rea de perigo estava demarcada e reconhecida pelos defensores. Um sistema de exploses planejadas e armadas com cuidado, seria controlado pela arbitragem para representar a preparao de artilharia e das armas de apoio do regimento. O armamento individual do inimigo, fuzis Mauser de 7mm, empregaria a munio de festim tradicional - plvora pressionada no estojo por uma pequena bucha de papelo que provocava um fraco estampido, quase um estalo, prximo de uma caricatura do tiro real, mas seguramente no ofensivo a partir de um metro de distncia da boca da arma. Os soldados no gostavam daquele barulhinho falso. Assim ficara preparado o que seria o objetivo de ataque da companhia de fuzileiros. A operao militar, sem equipamentos de comunicaes adequados, foi iniciada numa fria madrugada de primavera no Rio Grande do Sul. Um alto-astral dominava tudo e sentia-se uma saudvel expectativa entre os participantes: minha Companhia tinha forte orgulho de si mesma e suas fraes se emulavam por destaque no empenho coletivo e na eficcia de suas atividades profissionais. O inimigo estava atento e disposto e havia tenso natural entre os atacantes, perceptvel alm da pintura de seus rostos, com as primeiras claridades do amanhecer. Os incidentes criados pela arbitragem e as dificuldades naturais do terreno durante a progresso do ataque permitiram que o assalto ao objetivo s pudesse ser organizado e iniciado por volta das doze horas, j sob um sol escaldante e calor intenso. Esse momento de confronto fsico sempre era crtico nos exerccios simulados no terreno mas, na minha avaliao, as recomendaes e providncias preventivas tinham sido suficientes. J chegvamos nas treze horas quando recebi, de um aturdido estafeta, a comunicao de que havia algum ferido na rea do objetivo, cerca de seiscentos metros do ponto onde me encontrava. Venci a distncia, rpido, no sem esforo pelas dificuldades de vegetao e aclive, apesar de meus vinte e oito anos. Ao atingir o local encontrei um grupo institucional - o melhor peloto da subunidade em completo colapso. O 3 sargento que o comandava, monitor do curso, ardoroso no seu mpeto de assalto e estimulando seus comandados-alunos quele esforo de conquista, defrontou-se com um defensor no menos disposto e renitente para cumprir a orientao de retraimento. O inimigo apontou-lhe o fuzil e disparou a queima-roupa. Numa iniciativa de desastrada negociao com um metralhador havia substitudo seus cartuchos de festim por cartuchos da metralhadora Madsen. Pretendia dar mais realismo defesa com um estampido convincente... Atingiu o ombro esquerdo do sargento. O tiro ofendeu bastante o msculo deltide e, com farpas de

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madeira, abriu uma enorme ferida que poderia alojar uma mo fechada. O acidente ocorrera havia cerca de quinze minutos e o ferido vinha sangrando continuamente com o ferimento aberto, j com as bordas escuras. As moscas, atradas pelo cheiro de sangue, venciam o esforo de um soldado atarantado para afast-las. Com a forte hemorragia o sargento foi enfraquecendo e havia perigo de que entrasse em choque. Jos Sardo, o auxiliar do peloto, um soldado-aluno, ao ver seu comandante ferido, deixou-se envolver pela confuso e, com isso, aprofundou-a, esquecendo que era o substituto do ferido. Encontreio sentado no cho, com os cotovelos sobre os joelhos e as mos amparando o rosto, ablico. Os soldados integrantes do peloto, acostumados com seus comandantes efetivos, perderam o sentido de unidade e agiam desordenadamente e sem objetividade. O suor e a pintura j bastante desfigurada de seus rostos tornavam grotesca aquela situao. As tcnicas de primeiros socorros que todos dominavam no haviam sido empregadas e, com o estupor geral, o prprio exerccio, de muita importncia para os candidatos a cabo, fora inteiramente desprezado. A realidade do faz-de-conta estava esmagada pela realidade traumtica daquele acidente. Aguardavam socorro, assustados e inertes. Por que aqueles moos, alguns quase cabos, treinados e com conhecimentos suficientes esqueceram, de sbito, seus valores (*) e suas responsabilidades? Seria possvel reverter rapidamente aquela perda? Por que meus soldados, com forte orgulho profissional se deixaram engolfar pela confuso e perderam o reflexo de ao objetiva? Seriam praticveis providncias imediatas para recuperar a fora desses suportes? A queda drstica no alto-astral do grupo, perceptvel no incio da operao, seria definitiva? Como seria possvel reabilitar aquela disposio positiva anterior? Por que houve um colapso da vontade entre aqueles homens? Caberia alguma medida para regener-la e concluir o exerccio? Por que, num exerccio de imitao do combate, um simples ferimento provocou o colapso do valor operacional de um agrupamento destinado a perseverar no cumprimento da misso sob condies reais de fogo? - Quem o auxiliar do peloto? Sardo? assuma o comando!; - Estanquem a hemorragia!; - Protejam o ferimento do sargento!; - Previnam o choque no ferido!; - Preparem uma maca com dois fuzis!; - Providenciem a evacuao do sargento at a rodovia!; - Soldado Sardo, reorganize o peloto e prossiga com as providncias para consolidar a conquista do objetivo. Previna-se para um contra-ataque!; - Sargento, estamos com voc! Fique tranqilo que o socorro est sendo providenciado! Tudo acabar bem e voc ter uma bela cicatriz no ombro e uma histria para contar...!

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Foram duas ordens diretas ao soldado-aluno Jos Sardo, novo comandante do peloto, cinco ordens orientadoras para o imediato socorro ao ferido e uma mensagem otimista; isso foi suficiente para restabelecer, num instante, a lgica e a espontaneidade das providncias em campanha, recuperar a conscincia coletiva dos valores em jogo, reanimar todo o grupo, ressuscitar o vigor de suas vontades e restaurar a hierarquia funcional dentro do peloto. O sentimento de desnimo foi revertido e o acidente magicamente transformado num desafio que, logo, todos aceitaram, incorporando-o como um fato importante dentro e no fora - do exerccio que estavam concluindo. Estancar a hemorragia, mesmo com a dificuldade de um ferimento alto, prximo da articulao do brao, proteger aquele ferimento aberto, prevenir o choque e preparar uma boa maca com meios de fortuna eram prticas corriqueiras e consideradas bsicas, do conhecimento geral. A execuo foi perfeita e o sargento ferido pode suportar uma evacuao atravs do campo, por mais trs quartos de hora 5 o torniquete aplicado o reanimara quase instantaneamente. O exerccio teve uma concluso de sucesso, particularmente pelos bons ensinamentos do acidente que puderam ser recolhidos para os futuros cabos, para a conquista das divisas da graduao que ambicionavam mas, certamente, tambm, para suas vidas; um bom alerta para os jovens lderes sobre as insdias que o vigor, como energia positiva instalada 6 nos agrupamentos humanos, aparentemente inabalvel, pode criar.

A energia anmica que irrompe: o perigo nas multides.Poucos brasileiros, pelo menos entre brasileiros do sexo masculino, deixaram de participar e sentir a formidvel energia que emana de uma multido dentro de um estdio de futebol lotado em dia de deciso. Essa fora espantosa congloba valores desportivos locais, regionais ou nacionais, atitudes positivas em relao a seu time, sentimentos de orgulho e paixo desportiva, comportamentos hostis para com o adversrio e reaes intensas aos lances do jogo, tudo podendo ser confundido em determinadas disputas, numa exacerbao muito comum, com pundonor patritico ou bairrista. Entre tantos esportes coletivos que apaixonam, entusiasmam e movimentam multides, o futebol (association football), pela parcimnia de pontos em cada jogo e pela tenso e expectativa de v-los, senti-los e festej-los, gera tenso incomum. Esse fato, sem dvida, satura de mais energia os aficionados presentes aos enfrentamentos (uma deciso que se conclua com um empate de zero a zero desgasta e leva a emoo aos seus limites perigosos; uma goleada, em contrapartiVinte anos depois desse fato encontrei-o como um dedicado subtenente, com fortes e bem humoradas lembranas, ostentando, com um certo orgulho profissional, uma grande cicatriz no ombro esquerdo. 6 Empregaremos, a partir daqui, o verbo instalar para definir a energia anmica consolidada e atuante dentro de um agrupamento humano (relacionada ao carter coletivo, ao moral coletivo e vontade coletiva, principal objeto deste ensaio).5

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da, descarrega essa energia e, ao contrrio do que pareceria, no se transformar em problemas de ordem pblica). A percepo intuitiva e instantnea dessa identificao psicolgica entre torcedores de um mesmo time determina uma crtica relao de causalidade: cada pessoa transfere sua disposio para a multido (que contribui para disposio do time em campo), recebendo o efeito disso como vigoroso consenso coletivo que eclipsa sua individualidade e resulta em fenmeno avassalador. O perigo e a dificuldade de controle dessa energia instalada dentro de um estdio esportivo tem determinado, no mundo inteiro, a medida preventiva de separao fsica das torcidas. Evita-se com isso, verdade, o confronto direto durante o jogo. Estimula-se, entretanto, a intensidade energtica da multido. Alegria, frustrao, revolta, humilhao podem ser efeitos na multido reunida em torno do evento esportivo a partir dos fatos que se desenrolarem em campo. As torcidas organizadas sem orientao legal, sujeitas simplesmente aos azares dessa expectativa energtica da multido, so extremamente perigosas porque potencializam esse fenmeno. Os lderes j esto definidos. H o exemplo do soccer hooliganism com a tragdia do Heysel Stadium de Bruxelas em 1985 (trinta e nove espectadores morreram, na maioria italianos, e quatrocentos ficaram feridos durante a partida final da Copa Europia dos Campees entre o Liverpool e o Juventus de Turin). Mais recentemente, no Brasil, os gavies da fiel do Corintians (SP) nas manifestaes de crescente violncia que culminaram com seu impedimento legal de existncia e na Argentina, as agresses da torcida do Lans sobre os jogadores e dirigentes do Atltico Mineiro dentro de um pequeno estdio de futebol em Buenos Ayres. No dia 24 de agosto de 1954, como capito da arma de infantaria, eu servia em uma unidade do Exrcito em Pelotas (RS). Tomei conhecimento da morte do Presidente Getlio Vargas pelo rdio, no informativo do meio dia e passei, com muita dificuldade de recepo pela deficincia de antena e esttica quela hora, a ouvir os noticiosos contnuos das rdios Jornal do Brasil e Nacional. O detalhamento de uma notcia com tal carga emocional, h cinqenta e trs anos, dentro de uma mdia nacional que engatinhava lutando contra suas limitaes tcnicas, aps a surpresa do suicdio, ao calar a oposio que acossava o Presidente envolvendo-o com escndalos de seus assessores ntimos, fez surgir entre o povo mais simples um sentimento de estupefao e de dor que logo identificou o suicida como uma vtima. Justamente o que o Presidente pretendia com seu gesto poltico extremo. A energia daquele consenso transfigurou-se em vontade destruidora: houve manifestaes no Rio, palco dos acontecimentos e nas grandes cidades onde esses sentimentos podiam ser mais fortes por receberem mais diretamente as informaes provocando reflexos imediatos sobre populaes urbanas mais densas. Referindose s reaes da tragdia poltica no Rio, Cludio Bojunga escreveu 7 :A bala que matou Getlio atingiu tambm seus adversrios. (...) A multido enfurecida queimou os caminhes de jornais da oposio, enfrentou a polcia, apedrejou a embaixada americana. O homem das ruas amava Vargas e para ele a Carta-testamento no deixava dvidas. (...).

Dois mil quilmetros ao sul, em Porto Alegre, grupos manifestaram revolta e ocorreram quebra-quebras e choques com a polcia. Mais trezentos quilmetros ao sul, em Pelotas, apenas a estupefao inicial, a compuno e a expectativa.7

Claudio Bojunga Citado em Nosso Sculo - Editora Abril

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A morte trgica do piloto de Frmula 1 Arton Senna no circuito de mola, Itlia, em 1 de maio de 1994 prostrou a Nao e manteve os brasileiros em estado de sofrimento pungente e dor coletiva intensa e legtima durante alguns dias. Embora o acidente fatal estivesse dentro dos riscos da atividade que exercia, o forte carisma do campeo que empunhava a Bandeira no festejo de suas vitrias, sua compleio um tanto frgil e uns modos tmidos meio de menino carente, induziram entre seus compatriotas, de todas as idades e nveis sociais, o sentimento de desvelo protetor. Cada um de ns, dependendo da idade, acompanhava sua brilhante carreira de sucessos internacionais como se fosse a do neto, do filho ou do irmo. Os milhes de cidados presentes no doloroso cortejo e nos servios fnebres, as dezenas de milhes de outros cidados que se mantiveram fixados em seus televisores e, mesmo, aqueles que por algum dever profissional no puderam acompanhar esses eventos, estiveram magicamente envolvidos e identificados na mesma atitude, nos mesmos sentimentos, com comportamentos semelhantes e reaes idnticas. Todos os brasileiros testemunharam e se sentiram, de alguma forma, presentes e participantes dos eventos fnebres, acompanhando pelo rdio ou pela televiso, esse extenso e enternecedor consenso. claro que a mdia consolidou o dolo, mitificou-o e exacerbou o sofrimento de sua perda. O fato perturbador, no entanto, que uma gigantesca e populosa nao, inteira, acima de suas profundas diferenas sociais, esteve em harmonia na dor, como sentimento unnime, pelo desaparecimento de seu heri juvenil. A energia que aquela tragdia criou entre ns, transformando cento e cinqenta milhes de brasileiros em cogitabunda multido, embora surgida da tristeza e do sofrimento, merece ateno dos psiclogos sociais e dos governantes lderes nas sociedades municipais, regionais e nacionais. As multides apresentam entre seus integrantes a unanimidade de reao e de comportamento porque so reunies espontneas de seres humanos em torno de um fato, um acontecimento, ou motivadas por alguma intensa emoo comum prxima ou aproximada pela eficincia tcnica da mdia (no futebol, tambm, a audincia televisiva compele as pessoas ao encontro fsico e capaz de criar multides apaixonadas). Quando o resultado de tudo a frustrao, a humilhao, a depresso e a revolta, ficam perigosamente energizadas e precisam de cuidados especiais para no se transformarem em incontrolveis vetores da desordem pblica (voltarei ao assunto na Primeira Parte deste ensaio, prximo captulo, pgina 19).

Para onde estar dirigida a nossa ateno?A est, justamente, o enfoque deste ensaio: a identificao da energia anmica disponvel nos agrupamentos humanos, que pode ser estimulada, dirigida, controlada. mantida, recuperada, acompanhada, protegida ou, simplesmente, perdida. Um fenmeno que condiz com os objetos da psicologia social e, de forma determinante, deve orientar o comportamento dos lderes. Para efeito do que examinaremos, os agrupamentos humanos ou agrupamentos sociais (a partir daqui empregaremos a primeira expresso) sero considerados espontneos ou institudos (figura 1, adiante). O surgimento (ou a instituio) de interesses essenciais comuns entre seus integrantes cria uma compulso convivncia e unio e inicia, para isso, um processo psicolgico interativo entre eles. Seus lderes tendem a emergir desse processo por destaque natural ou

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imposio 8 ; no caso dos agrupamentos institudos, so outorgados por decises externas. Fortes motivaes comuns so capazes de criar com rapidez um agrupamento humano (uma multido, p. ex.), mas a efemeridade de seus efeitos prejudicar a definio de uma liderana, embora a tendncia natural seja, sempre, de definila e consolid-la. Examinarei esses fenmenos e orientarei meu ensaio para a anlise mais atenta do problema institucional, conservando uma preocupao com as naes, esses agrupamentos espontneos e permanentes que de forma to marcante envolvem os seres humanos.PERM ANENTE o a g ru p a m e n to h u m a n o e s p o n t n e o q u e t m e x is t n c ia c o n tn u a e n o p e rm ite q u e s e v is lu m b re s u a e x tin o n o p ro c e s s o s o c ia l e m q u e e s t e n v o lv id o (u m a fa m lia , u m a n a o )

ESPO NTNEO o a g ru p a m e n to h u m a n o fo rm a d o p e la c o n g re g a o n a tu ra l d e s e re s h u m a n o s e s tim u la d o s p e lo in s tin to g re g rio e p o r o u tro s fa to re s e c irc u n s t n c ia s q u e , d e a lg u m a fo rm a , re v e la m a fin id a d e s , a tiv id a d e s o u in te re s s e s c o m u n s (u m a fa m lia , u m a n a o , to rc e d o re s d e u m c lu b e d e fu te b l re u n id o s n o lo c a l d o jo g o ).

EFM ERO o a g ru p a m e n to h u m a n o e s p o n t n e o q u e te m e x is t n c ia p re v is iv e lm e n te lim ita d a d e n tro d o p ro c e s s o s o c ia l e m q u e s u rg iu (u m a m u ltid o re u n id a p o r m o tiv a e s p o ltic a s , u m a a s s o c ia o e m fa v o r d e a lg u m p ro p s ito d e fin id o e a lc a n v e l e m d e te rm in a d o p ra z o )

AGRUPAM ENTO HUM ANO (a g r u p a m e n to s o c ia l) u m a c o n ju g a o d e s e re s h u m a n o s , n a tu ra l o u d e te rm in a d a p o r d e c is o a d m in is tra tiv a , e s tim u la d a o u d e s p e rta d a p e lo in s tin to g re g rio d o s h o m e n s o u p o r fa to re s e c irc u n s t n c ia s q u e g e ra m in te re s s e s c o m u n s e p ro m o v e m u m p ro c e s s o d e in te ra o p s ic o l g ic a e n tre s e u s in te g ra n te s , d a n d o -lh e s c o n s is t n c ia s o c ia l.

IN S T IT U C IO N A L IN S T IT U D O o a g ru p a m e n to h u m a n o q u e s u rg e c o m o d e c o rr n c ia d e e s tru tu ra s a d m in is tra tiv a s o u d e a tiv id a d e s p ro fis s io n a is e s p e c ia liz a d a s e te m s u a e x is t n c ia d e fin id a e re g u la d a p o r re s p o n s a b ilid a d e s e ta re fa s to rn a d a s c o m u n s (u m a u n id a d e p o lic ia l, d e te rm in a d o d e p a rta m e n to d e u m a e m p re s a , u m a d ire to ria n o s e rv i o p b lic o , a trip u la o e a g u a rn i o d e u m n a v io ) o a g ru p a m e n to h u m a n o in s titu d o d e n tro d a s e s tru tu ra s a d m in is tra tiv a s d o s e rv i o p b lic o (u m a u n id a d e o p e ra c io n a l d o E x rc ito , u m a s e o d o D e p a rta m e n to d e C o rre io s )

P R IV A D O o a g ru p a m e n to h u m a n o in s titu d o e m e s tru tu ra s a d m in is tra tiv a s fo ra d o s e rv i o p b lic o (u m s e to r d e v e n d a s d e u m a lo ja d e d e p a rta m e n to s , u m c lu b e s o c ia l)

Figura 1 As definies e as caractersticas dos agrupamentos humanos, dentro das convenincias deste ensaio, assinalam, como elemento congregante de seus integrantes e que determina um processo psicolgico interativo entre eles, a existncia de interesses essenciais comuns, surgidos naturalmente (agrupamento espontneo) ou despertados por comandos externos (agrupamento institudo); podem ser melhor examinadas no Anexo 1, Glossrio de apoio (pgina 159).

A energia anmica gerada por um agrupamento humano potencialmente natural, surgindo do que se assemelha a uma de reao qumica. Basta que exista um grupo de seres humanos com interesses essenciais comuns (*) estes seriam os reagentes - e o vigor que a define l estar, instalado, slido, denso e dominante ou latente, insipiente, frgil e voltil. Um processo social que provoque a aproximao de pessoas lentamente, formando um agrupamento humano atravs das dcadas ou dos sculos criar vigor mais definido e mais permanente que aquele inicialmente existente em um grupo institudo por alguma motivao recente ou deciso administrativa. Justamente a incitao e o estmulo congregao que provocam esse estado psicolgico coletivo. Em ambos, entretanto, estaConsulte o Anexo 1 Glossrio de apoio (pgina 164): lder, lder integrado, lder outorgado, lder natural e lder imposto, lder interferente e lder solidrio (procure, tambm, a figura 9, pgina 108).8

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ro embutidas as armadilhas que podem alterar a intensidade ou, mesmo, anular a situao existente. Esse fenmeno, a meu ver, deve ser compreendido antes de serem estabelecidas regras, conselhos ou mementos para a orientao de lderes. Compreendendo-o, o lder se transformar, com mais naturalidade, no Aladim das Mil e uma noites capaz de dominar os segredos para liberar o gnio da lmpada mgica e orient-lo em favor do fortalecimento dos objetivos de existncia e de sobrevivncia do agrupamento humano que lidera...

Durante cerca de quarenta e seis anos, a maioria dos quais como Oficial do Exrcito Brasileiro e doze em atividades civis, estive envolvido diretamente nesse esforo de Aladim com a frico de sua lmpada para obter as serventias do gnio e solucionar preocupaes e problemas na liderana de grupos institucionais. Enfrentei crises e fui compelido, para debel-las ou conduzi-las a bom termo, a considerar a energia positiva dentro de agrupamentos humanos. Fui exigido e desafiado permanentemente a manter minha autoridade e, sobretudo, a despeito de reaes e dificuldades, a sustentar a disposio dos grupos institucionais sob o meu comando ou sob a minha direo e chefia, conservando-os, sempre, como fora favorvel aos esforos que se exigia ou orientao que se imprimia. Aproveitando a curiosidade que pode ter sido despertada no leitor militar, examinarei os fenmenos psicolgicos do carter, do moral e da vontade na Primeira Parte (captulos 1, 2 e 3, pginas 20, 69 e 86 respectivamente); deixarei a distncia, todavia, preocupaes exageradas com a discusso cientfica dessa fenomenologia nos agrupamentos humanos 9 . As teses se enquadram, como j disse, nas inquietaes, pesquisas, teorias e polmicas da psicologia social no seu ramo especfico da dinmica de grupo. Procurarei analis-las de um ponto de vista conveniente para o lder, propiciando um novo reconhecimento de seu problema de liderana, em qualquer nvel que possa estar. Inclu no texto exemplos pertinentes, com citaes originais simples e desenvolvi ou procurei faz-lo condies para examinar, na Segunda Parte, um caso concreto com algum cuidado didtico, que recapitulasse, afinal, as anotaes descritivas, motivadoras ou tericas deste ensaio, com consideraes de ordem prtica. No h diferenas de essncia nos fenmenos coletivos de carter, moral e vontade identificados no pequeno grupo esportivo (agrupamento institudo) que se estrutura, treina e se volta para a conquista de vitrias e medalhas durante o curto perodo de um campeonato, na unidade das Foras Armadas destacada para o cumprimento de misso da ONU em alguma parte do mundo (agrupamento institudo, institucional), na multido reunida em praa pblica por forte motivao poltica e disposta ao violenta (agrupamento espontneo, efmero) ou no povo nacional que se aglutinou ou longo dos sculos (agrupamento espontneo, permanente), luta constantemente pela sua continuidade como Estado soberano e ambiciona um futuro de modernidade e tranqilidade social. So, em princpio, a mesma projeo do carter,Sero feitas referncias aos fenmenos do carter (*), do moral (*) e da vontade (*), entretanto, com o emprego dessas expresses sempre registradas em itlico desde o incio e ao longo do texto para que se possa absorver a relao permanente que mantm entre si at compreend-los dentro das teses deste ensaio.9

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do moral e da vontade de cada integrante do agrupamento humano para uma dimenso coletiva por um curso contnuo de interao psicolgica; esse processo interativo que, por certo, se apresentar com variao no grau de complexidade e de espontaneidade, criando, como iremos ver, uma energia nova. As pessoas so, apesar de tudo, os elementos essenciais a serem considerados nessa interao mental coletiva. Tive a inteno de abordar genericamente a dinmica dessas grandes e insidiosas foras anmicas responsveis pelo vigor dos agrupamentos humanos. O processo que as desenvolve, as mantm ou as recupera deve ser o fundamento da liderana e sua mais importante razo. Os lderes devem conhec-lo e, tanto quanto possvel, senti-lo para dirigi-lo. No pretendi descrever novas tcnicas. Apenas sugeri-las dentro de uma interpretao do fenmeno inteiro para apont-lo como um novo enfoque diretivo capaz de proporcionar a reformulao do conceito e dos procedimentos de liderana 10 . O processo de globalizao desde o fim do sculo XX est produzindo efeitos sobre o desempenho tradicional dos Estados nacionais soberanos. Ainda no h, todavia, elementos claros e precisos para uma estimativa das acomodaes que ocorrero no futuro em mdio e longo prazos nessa nova e instigante era. J se percebe, no entanto, uma espcie de cerco restritivo da autoridade e da autonomia das naes. A soberania dessas grandes instituies permanecer tal como a vimos e sentimos durante o sculo que findou? Resistiro s presses globalizantes que esto aparecendo sub-repticiamente das transformaes de grandes empresas que se fundem e se reorganizam adquirindo poderes crescentes em setores importantes das economias nacionais? Como reagiro autoridade poltica, financeira e, mesmo, militar, das megaorganizaes supranacionais que esto surgindo ou se transformando com rapidez? Qual ser, afinal, o papel dos blocos econmicos dentro desse processo? Haver controle possvel para a implacvel economia especulativa que anula em escala internacional o sentido social da riqueza? As naes ricas, industrializadas e poderosas dominaro esse processo? Qual ser o futuro das naes pobres ou em curso de desenvolvimento? 11 Essa a razo do destaque, ao longo da Primeira Parte deste ensaio, para o carter, o moral e a vontade das naes. Julgo que nesse quadro de perplexidades, s o vigor anmico dos povos nacionais ser capaz de preserv-los para o futuro.

Na verdade fao o registro neste ensaio de um mtodo que apliquei e desenvolvi, com bons resultados, durante toda a minha vida profissional. Meus liderados foram e so minhas testemunhas. 11 J no incio do sculo XXI essas mesmas indagaes permanecem sem respostas definitivas (recorra Introduo do Livro 3 integrante da trilogia O esprito combatente A imitao do combate).

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PRIMEIRA PARTE O gnio da lmpada e suas serventias...

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Captulo 1: A ENERGIA RADIANTE

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DO CARTER

Carter individual e carter coletivo. Os fatores e os protagonistas de uma nacionalidade. Carter nacional. A mutabilidade dos traos psicolgicos de um povo. Exemplos.

O carter das pessoas e dos agrupamentos humanosO que um mau-carter na linguagem usual? Imaginemos algum, no muito difcil de identificar neste princpio de sculo entre ns, com alguma das seguintes qualificaes incomodativas: ardiloso e velhaco para assegurar ganhos e vantagens pessoais, mentiroso deslavado e contumaz, descumpridor, incapaz de manter a palavra empenhada, falso, dissimulado, sempre apto e disposto a assediar a mulher do amigo ou prejudicar um colega de trabalho para ficar bem com o chefe, ambicioso sem medida que atropela e prejudica quem estiver no caminho para atingir seus intentos de melhoria de posio financeira ou social; solteiro, procura conquistar mulheres ricas ou de famlias com prestgio ou poder poltico; casado, infiel sem arrependimentos. Em resumo, no pauta sua vida na guarda dos valores aceitos e professados pela maioria das pessoas que vivem, como ele, nesse inter-relacionamento e interdependncia de trabalho e de sociedade, deixando que prevaleam, dissimuladamente, como deformidade de interao psicolgica, impulsos existenciais supervalorizados e mal-interpretados. No assume, porm, essas iniqidades e escamoteia seu desprezo por esses valores comuns; finge profess-los e, com esse procedimento, torna-se um ser imprevisvel pelas surpresas desagradveis de suas atitudes, comportamentos e reaes. Um tremendo mau-carter...! seria, na sugestiva expresso coloquial brasileira, a indicao precisa e sucinta de sua qualificao, alertando os ingnuos para, cautela, manterem um precautrio distanciamento... Essa compreenso popular do mau-carter, voltada para a conduta das pessoas e nacircunstncia de que, em todos os tempos e lugares e em todas as culturas, sempre existiu o par conceitual bem-mal, indicativo da f que a humanidade sempre mostrou na existncia de uma lei universal dos valores 13

- no necessria e exclusivamente voltada para valores morais -, est muito prxima, no seu inverso, do conceito de carter que adotaremos no estudo que estamos iniciando. O carter - carter individual (*) -, no entendimento deste ensaio, se configura como um conjunto de valores aceitos e professados por uma pessoa, que serve de base para o desenvolvimento de atitudes, sentimentos, comportamentos e reaes, com todas as decorrncias sobre sua conduta,Tomo emprestado da fsica essa qualificao metafrica para a energia anmica do carter pela sua capacidade de influenciar permanentemente todo o processo psicolgico interativo no mbito dos agrupamentos humanos. 13 A psicologia do carter Rudolph Allers AGIR. interessante que se transcreva sua conceituao de carter individual: Aquela lei de preferncia dos valores, apoiado no qual um indivduo humano orienta sua conduta, no outra coisa seno o que chamamos carter. O carter de um homem portanto uma forma de legalidade de sua conduta, qualquer coisa como uma regra, ou uma norma.12

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geradas pela interiorizao desses atributos 14 . Esse processo mental confere a cada ser humano um perfil psicolgico prprio, por mais fracos que tenham sido, sobre ele, os efeitos dos grupos de influio a famlia inexistente ou desestruturada, moral religiosa inconsistente, a escola deficiente ou interrompida, a sociedade degradada, o Estado omisso ou desorganizado, etc. Dentre os grupos de influio, a famlia desempenha papel preponderante pois capaz de desenvolver o carter familiar ao qual faremos referncia mais adiante. O carter, portanto, quanto mais fortes ou ntidos forem seus traos, pode tornar previsvel um cidado porque o far de conduta coerente ao reagir, se comportar e manifestar sentimentos, comportamentos e reaes conseqentes em relao aos valores que professa e s atitudes que incorporou. Essa previsibilidade o aponta como um ente social confivel, importante e til. Um fraco ou frgil carter criar, ao contrrio, a imprevisibilidade do indivduo no confivel e socialmente perigoso, caractersticas do mau-carter do exemplo inicial e dos marginais. A confiabilidade de um lder junto a seus liderados, por essa lgica razo, depender grandemente da solidez de seu carter ( preciso, entretanto que, alm disso, seja reconhecidamente competente); quando o lder outorgado, como nos agrupamentos institudos, a fragilidade de seu carter o invalidar. De nada adiantar, nesse caso, sua competncia tcnico-profissional. Existem desvirtuamentos caricatos dessa conceituao. Os espies e agentes secretos da realidade, mitificados na fico com os rgos que os dirigem, precisam ser imprevisveis em relao escala universal do bem-mal. So profissionais do mau-carter, portanto, pois a previsibilidade os impediria de cumprir suas tarefas. Porque no professaram valores como os demais mortais, quando aposentados, velhos ou inoperantes recolhem-se solido e ao anonimato. Sero sempre os antiheris dos Estados que os criam e empregam. Alguns polticos brasileiros tm transformado a atividade poltica, pela crena da sobrevivncia a qualquer custo, na prtica do mau-caratismo. A poltica como a viso das nuvens no cu, muda constantemente: uma interpretao deformada e desbriada dessa assertiva tem justificado amide, para polticos, o atropelamento de valores morais e ticos. As questes que se pem so bem simples: em um plano mais elevado, a sobrevivncia da nao, do Estado ou de um governo justifica o sacrifcio de valores no plano profissional? podemos ser indignos em nome da dignidade da ptria? nobilssimos fins justificariam os meios? Julgar que essas questes sejam romnticas ou alienadas da realidade seria negar, na verdade, um distrbio moral e tico embutido nas especulaes para respond-las que nos aflige, abala e confunde. A CIA (Central Intelligence Agency), desde sua formal criao em setembro de 1947 e a julgar, apenas, pelo conhecimento pblico de seus escndalos e estripulias, vem sendo um veemente exemplo dessa distoro na ptria das liberdades democrticas. Os valores so o substrato que fundamenta as filosofias relacionadas com a vida e com a existncia do ser humano na permanente relao do eu e do noeu de Allers 15 , preocupado em compreender sua realidade fsica e metafsica e14

O mesmo Allers (obra citada) acredita que o carter tem justamente por base uma reao objetiva entre o eu e o no-eu e determinado pelas condies da pessoa. Entenda-se pelo no-eu de Allers, alm do mundo exterior fsico, o mundo das idias, verdades e valores no interiorizados pela pessoa em questo. 15 Op. cit..

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sua insero no universo o presente e o destino de sua espcie. Surgiram, surgem e sempre surgiro desse processo intelectivo e evolutivo ininterrupto que baliza a saga dos homens no planeta, determinando vises renovadas da significao de sua existncia pessoal, do sentido de sua vida de relao na famlia, na profisso e nos agrupamentos humanos em que esto integrados. Criam, com isso, o assentimento das pessoas a preocupaes existenciais, a qualidades morais, ticas, espirituais e profissionais e, dentro de uma dinmica interativa que examinaremos ao longo deste captulo, projetam-no para a coletividade. Os valores orientam a conduta das pessoas, precedendo e, por isso, respaldando a formao de atitudes como seu componente cognitivo-afetivo (na relacionamento entre naes, entretanto, existem srios problemas e os abordaremos nos dois outros Livros desta trilogia: O carter dos Soldados e A imitao do combate).

Aceitamos, por exemplo, a verdade como um valor essencial decorrente de experincias pessoais e da tradio histrica e cultural que recebemos e absorvemos. O conhecimento dos efeitos malficos no descuramento de sua prtica nas sociedades nacionais, desenvolve em cada cidado, na medida daquela aceitao, uma atitude hostil falsidade e mentira; ou, na contrapartida, uma atitude positiva, aprobativa, para tudo o que se referir prtica da verdade e de suas boas conseqncias na vida das pessoas e de seus agrupamentos humanos. , assim, sobresselente o papel dos valores no processo mental de formao do carter individual. So fundamentais (figura 2, abaixo). Face sua importncia no carter individual e buscando um respaldo mais consistente e claro para este estudo, tentarei conceituar convenientemente os valores e formular uma proposta para classific-los. Os valores devem ser entendidos, genericamente, como o assentimento incorporado ao carter das pessoas pela definio de qualidades morais, ticas, espirituais, profissionais e preocupaes existenciais a serem professadas, refletindo a importncia COMPORTAMENTOS atribuda a fundamentos filosficos relacionados com determinada SENTIMENTOS compreenso da realidade. So, assim, as variveis REAES intervenientes iniciais para a definio do carter. Procuremos compreender esse mecanismo psicolgico com um pequeno exemplo: o patriotismo exacerbado pode ser um intenso sentimento com origem em um Figura 2 - Os valores tm importncia conjugado de valores e atitudes sob um fundamental para o carter individual pois quadro hipottico de tenso blica: geram e orientam a formao das atitudes e estas determinaro os sentimentos, os Circunstncia ameaa concreta comportamentos e as reaes das pessoas. sobrevivncia nacional; Valores em questo liberdade, independncia, identidade nacional, inviolabilidade territorial, etc.; Atitudes que lhes decorrem defensiva, xenfoba, agressiva, etc.; Sentimento gerado patriotismo exacerbado;

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Comportamentos gerados voluntariado militar, etc.; Reaes produzidas manifestaes violentas contra o inimigo potencial, etc.. Os valores s podem ser inferidos de traos psicolgicos observveis e constatveis. Como decurso dos valores liberdade, independncia, identidade nacional, inviolabilidade do territrio, as atitudes, apesar de serem seus reflexos imediatos e mais diretos, tambm so difceis de serem constatadas objetivamente a no ser por suas derivaes nos sentimentos, nos comportamentos e nas reaes das pessoas. A atitude de defesa observvel se vemos homens e mulheres, voluntrios e determinados, na preparao militar, em comportamentos do governo e nos sentimentos de cada cidado; a atitude de xenofobia, da mesma forma, pode ser percebida nas reaes a determinados estmulos relacionados com a presena estrangeira ou sua ameaa e em comportamentos ou sentimentos claramente expressos das pessoas; a atitude de agressividade, tambm distinguvel nos comportamentos, surge da circunstncia especial iminncia de guerra que avivou, no exemplo, a funo dos valores em pauta. A verdade, para retomar outra referncia anterior, um valor que gera uma atitude e, essa sim, ainda subjetiva, So valores que se relacionam com o assentimento incorporado ao carter individual ou coletivo, no sentido absoluto, na orientar, VALORES importncia e na necessidade do ser humano preservar sua VALORES MORAIS objetivamente, comdignidade e a dignidade de seus semelhantes. EXISTENCIAIS (As variaes culturais e a evoluo do conceito de dignidade humana tm portamentos, sido capazes, ao longo da histria, de definir valores morais diferenados) So valores que sentimentos e reaes. se relacionam com So valores que se relacionam com o assentimento incorporado o assentimento As atitudes so preao carter individual ou coletivo, na importncia do incorporado ao aprimoramento da vida de relao e que, para isso, os seres carter individual cedidas e estimuladas VALORES TICOS humanos devem ter sua conduta social qualificada segundo ou coletivo, provindo determinados juzos de apreciao,como adequada pelo assentimento a de instintos que ou inadequada. dominam a algum valor. Valorconscincia profunda dos seres atitude , desse humanos em relao So valores que se relacionam com o assentimento incorporado preservao da modo, uma expresso ao carter individual ou coletivo, em orientaes e poderes prpria vida, da VALORES ESPIRITUAIS subjetivos, intemporais e sobrenaturais sob os quais os busca permanente que reflete com seres humanos devem pautar suas vidas. de menor sacrifcio propriedade o papel para viv-la e da permanncia de desse conjugado sua espcie. So valores que se relacionam com o assentimento, incorporado psicolgico na ao carter individual ou coletivo, nas qualidades objetivas e subjetivas que sustentam as profisses de uma sociedade VALORES formao do carter humana e as atividades de seus respectivos profissionais. PROFISSIONAIS (Nas profisses, alm desses valores especficos, devem ser considerados individual e, como os valores ticos para o relacionamento institucional ou para o relacionamento de seus profissionais com os objetos de suas atividades) veremos mais adiante, dos agrupamentos humaFigura 3 - Classificao dos valores e uma tentativa para nos. conceitu-los, facilitando, assim, a identificao de seus refleO acompanhamento xos sobre a conduta das pessoas (atitudes, sentimentos, come o interesse pela portamentos e reaes) e, como veremos adiante, dos agruformao e pamentos humanos. Examine os conceitos dessa figura no consolidao do Anexo 1, Glossrio de Apoio, pgina 159. carter dos cidados, dentro de um esforo essencialmente educativo, deve voltar-se, de incio, para a identificao desses substratos deflagradores do processo mental que caracteriza aquele fenmeno psicolgico. No seio de uma famlia organizada, muitos valores podem ser professados pela tradio cultural, espontnea ou intuitivamente. No e-

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xerccio de uma profisso, entretanto, os valores ticos precisaro de maior ateno pois podem no ser espontneos nem intuitivos. Nos exemplos examinados os valores aos quais se fez referncia se enquadram como morais, por estarem ligados dignidade dos seres humanos (a verdade, a independncia, a identidade nacional, a liberdade); a lealdade, a gratido, a urbanidade, etc. e todos aqueles que regulam o relacionamento das profisses com os objetos de suas atividades, so valores ticos por se referirem ao certo e errado da vida de relao; deus, alma imortal, salvao eterna, etc. so valores espirituais; a pontualidade, muitas vezes apenas uma boa regra tica de conduta para a convivncia das pessoas, pode transmudar-se na medida de sua importncia no exerccio profissional. Entre militares modernos, por exemplo, instados a realizarem convergentes atividades de risco, coordenando o emprego de instrumentos e tcnicas letais com a necessidade da preciso de minuto e de segundo, praticada como um forte valor por ser uma das qualidades objetivas que sustentam a profisso das Armas. Os valores existenciais so dominantes mas amide podem ser sacrificados pela sublimao de outros dentro de um complexo processo psicolgico que promove a interao do carter individual (deixa-se de comer para protestar, morre-se pela ptria ou na defesa da famlia, enfrenta-se grandes sacrifcios para ajudar, para salvar, para ser julgado e aprovado pelos seus semelhantes ou face aos apelos e presses do carter coletivo como veremos adiante); podem, tambm, ao serem exacerbados, provocar deformaes no referido processo (apontamento na pgina 113, sobre o triste episdio do colapso francs na Segunda Guerra Mundial).

A transposio do conceito de carter individual como o perfil psicolgico que distingue as pessoas entre si, para a multiplicidade de um agrupamento humano (qualquer um dos indicados na figura 1, pgina 16) razovel porque, da mesma forma, possvel que se considere a unidade que existe em cada grupo de pessoas reunidas por dominantes interesses comuns. O carter coletivo (*), dessa forma, dentro de um enfoque abrangente, deve ser definido pelo conjunto de valores aceitos e professados pela maioria dos integrantes de um agrupamento humano e pelas atitudes, comportamentos, sentimentos e reaes, com os procedimentos semelhantes que lhes decorrem, capazes de conferir a esse agrupamento como um todo, um peculiar perfil psicolgico que provocar uma conduta coletiva caracterstica. Se por hiptese tomarmos a referncia de determinado valor aceito e professado por muitas pessoas dentro de um agrupamento humano, a identificao de sua incorporao ao carter coletivo no se reduzir simples constatao de um nmero que o represente como maioria. H um intenso e contnuo processo de interao psicolgica em cuja dinmica grupal se identificar uma nova e extraordinria energia. Criarei uma fantasia para ilustrar o surgimento desse fenmeno. Imaginemos a existncia, h algum tempo, de uma pequena e isolada colnia de pescadores na beira de uma praia onde o mar formava verdes e fantsticas ondas. Nesse lugar ensolarado e paradisaco os homens, chefes de famlia, noivos e namorados, por fora da atividade na procura de cardumes distantes da costa, se afastavam regularmente durante semanas. Confiavam, com uma certa in-

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genuidade machista, no comportamento fiel de suas bonitas e jovens mulheres, noivas e namoradas criemo-las assim , desamparadas e aparentemente tristonhas nas madrugadas em que os barcos se encafuavam mar adentro, deixando para traz a certeza de um longo afastamento. Quando retornavam, todavia, envolviam-se em farras e bebedeiras e no davam muita assistncia s suas sonhadoras mulheres. Fantasiemos mais: durante esses perodos de ausncia, a aldeia ficava tomada por atlticos, charmosos e endinheirados surfistas que promoviam, com esses convincentes recursos, sistematicamente, a presso sedutora sobre aquele saudvel grupo de mulheres solitrias e mal-amadas. Algumas sucumbncias tiveram conseqncias traumticas para a comunidade. O registro desses fatos, entretanto, comprovando a potencial vulnerabilidade feminina, de alguma forma, estimulava a presena dos aventureiros em busca daquelas conquistas em terra firme. No era muito raro o sucesso de um surfista sobre a resistncia de uma bela praiana cor de jambo. A presso dessas circunstncias porm, aos poucos, foi mudando as coisas. As juras de amor eterno entre namorados, noivos e cnjuges, muito romnticas, revelaram-se incuas; a procura de resultados prticos as foram transmudando, com perda de romantismo, para um cada vez mais feroz pacto de fidelidade absoluta que teve uma tragdia como primeira conseqncia. Isso precipitou a incorporao da fidelidade como um valor de sobrevivncia importante entre algumas famlias mais assustadas. Com o passar do tempo esse valor foi absorvido, com um sentido mais prtico, pelos membros da pequena cooperativa da aldeia que mantinham razovel poder de persuaso sobre os cooperativados: a inquietao e a desconfiana durante a atividade pesqueira prejudicavam, cada vez mais, o rendimento do trabalho. A infelicidade se instalou na aldeia. Face ao envolvimento com os fatos, queixas e angstias, a velha e respeitada professora da escola passou a conversar com os pais de seus alunos sobre a importncia da fidelidade como um valor moral, acrescentando a ele uma incmoda mo dupla e estimulando uma discusso comunitria mais ampla com base no toma-l-d-c que a princpio preocupou os homens... A verdade que o valor em questo, j sem o enfoque machista, deixando de ser professado por poucos, adquiriu uma dimenso grupal e, com isso, fora nova, uma espcie de conscincia coletiva ativa (*), vigilante, permanente e contnua, sobre recalcitrantes nas escapadelas ou desleixo amoroso. A infidelidade foi erradicada da aldeia e a restaurao da confiana mtua fez retornar a alegria naquelas areias. Os atlticos surfistas desencaminhadores foram procurar outras ondas... Essa conscincia coletiva ativa, justamente, identifica a energia anmica radiante do carter coletivo. Trata-se de um fenmeno peculiar, que surge e se

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acrescenta dinmica interativa para a incorporao de valores dentro de um agrupamento humano; voltaremos a consider-lo ao analisar o carter nacional, mais adiante. Podemos defini-la, portanto, como a percepo dos valores que conformam o carter coletivo de um agrupamento humano, instalada no mbito desse agrupamento como uma faculdade grupal e que, por estmulo de liderana, passa a exercer superviso constrangedora - pela vigilncia, pela permanncia e pela continuidade -, sobre eventuais desvios desses valores em atitudes incorretas, comportamentos inadequados, sentimentos imprprios ou reaes indesejveis por parte de cada um de seus integrantes.

A relevncia do carter coletivo- O carter familiar. Em seus termos mais despojados, a famlia formada por um homem e uma mulher que coabitam para a procriao. A instituio do casamento, dessa forma, basicamente protetora da famlia, no seria capaz de cri-la se no houver a inteno da prole. Essa ser sempre a essncia inabalvel da famlia, a despeito de todas as transformaes em sua estrutura, particularmente a partir da revoluo industrial do sculo dezoito, em face das transformaes polticas, econmicas e tecnolgicas da sociedade humana. A expectativa de filhos ou, efetivamente, a presena deles, consangneos ou adotados, que cria uma famlia com o seu sentido sociolgico de grupo de influio matriz, capaz de induzir os primeiros valores no ser humano em desenvolvimento, dando consistncia a um carter familiar - carter coletivo desenvolvido no mbito de uma famlia, em princpio, na interao com os grupos de influio que a envolvem diretamente e com os caracteres regional e nacional. Duas pessoas que se juntam e estabelecem uma vida em comum sem a inteno de procriar, dividindo despesas ou um a expensas do outro, mesmo com intenso e sincero envolvimento afetivo, no caracterizaria uma famlia 16 . Os valores incorporados ao carter familiar, dentro da classificao que adotamos para melhor conduzir nosso estudo, so sedimentados no convvio de progenitores e irmos dentro do processo interativo no mbito da sociedade, da regio e da nao. A fora transcendental desse processo familiar, pela dependncia inicial compulsiva da prole, entretanto, nos permite imaginar uma famlia isolada de qualquer convvio com semelhantes e, assim mesmo, desenvolvendo os valores necessrios sua sobrevivncia fsica e como instituio natural 17 . No sentido mais amplo de cl, como uma congregao consangnea que preserve a autoridade de um patriarca, uma matriarca ou a memria de ancestrais comuns, a consolidao do carter familiar deixa de ser, simplesmente, um processo de induo dos valores necessrios sobrevivncia e desenvolvimento de filhos e, ultrapassando esse limite, estende-seA est embutida a polmica atual da unio entre pessoas do mesmo sexo. Sem confundi-la com a instituio do casamento, pode caracterizar, entretanto, um contrato civil reconhecido pela lei para preservar direitos e respeitar vontades livres de dois seres humanos. 17 H algumas dcadas (1967, em viagem Amaznia como instrutor da Escola de Comando e Estado Maior do Exrcito) soube da existncia de famlias completamente isoladas nas margens de subafluentes do rio Amazonas, estruturadas e com valores familiares professados, onde o pai-chefe, com o envelhecimento da genitora da prole, passava a procriar com uma das filhas. Essa anomalia comportamental, entretanto, no desmente a tese.16

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para descendentes, sobrinhos, primos, netos, sobrinhos-netos, criando cdigos morais, ticos, espirituais e, mesmo, profissionais, prprios. A desfigurao desse esprito, por inmeros fatores, pode dar origem, entre os familiares, a uma prevalncia peculiar da moralidade e da tica no carter familiar sobre a legalidade de um Estado omisso ou, mesmo, interpretaes prprias do bem e do mal relacionadas aos valores espirituais incorporados na famlia. O crime organizado com o fundamento em famlias e no seu esprito, mostra, em muitos pases do mundo, esse tipo de desencaminhamento pela omisso, tolerncia ou fraqueza do Estado. Outra deformao grave do carter coletivo est sendo estendido e aprofundado pela economia clandestina do narcotrfico, com cdigos de valores invertidos em relao ao par conceitual bem-mal da economia oficial e do carter das naes onde atuam; a agravante e, ao mesmo tempo, a vantagem que a faz prspera neste princpio de sculo, que no tem fronteiras e se expande sem dificuldades intransponveis, aproveitando todo o tipo de obstculos para a articulao internacional e efetivao da ao e da reao de defesa e represso policial. A histria recente da Itlia, desde sua unificao em 1861, aps a implantao da repblica em 1946 e at, pelo menos, 1951 quando o pas era, ainda, predominantemente agrcola, tem sido tumultuada e confusa com governos ineptos, desacreditados e corruptos. Hoje, a despeito desse processo histrico, a Itlia um exuberante e rico estado industrial e, com certeza,em qualquer outro lugar este ambiente de caos institucional e corrupo levaria um pas no s beira do desastre, mas ao prprio desastre uma nao mergulhada na runa e na misria. No entanto, os italianos no s sobrevivem, como fazem progressos. Os que estudam a Itlia se defrontam com duas perguntas bsicas. A primeira bvia: como que eles fazem para se sair to bem? A segunda feita quando se descobre que os italianos no so loucos, despreocupados e romnticos, como diz a lenda, mas fortes, espertos e obstinados. E a vem a questo: por que ento eles suportam uma situao dessas? As duas perguntas conduzem mesma resposta, centrada na nica instituio em que os italianos acreditam de verdade. uma instituio que no tem sede nem depende de uma burocracia para existir. Protege os italianos do desgoverno embora garanta que o desgoverno inevitvel. Essa instituio a famlia. Seus membros se ajudam uns aos outros no apenas com vinho caseiro ou grappa, mas com aes concretas que visam a proteger os interesses de todos. A importante posio da famlia na vida italiana em grande parte resultado da turbulenta histria da nao. 18

Sem sombra de dvida, tem sido a sua salvao. A famlia um agrupamento humano espontneo, permanente, que surge de fortes compulses naturais de sexo, proteo e guarda da prole. Pde se ampliar, como veremos adiante ao examinar a formao de uma nacionalidade, pelo esprito gregrio e pela consanginidade ou, por extenso, pelos laos de conhecimento. A fora dessa essncia original mesmo dentro do seu grupo mnimo de um pai, uma me e um filho, lhe assegura grande importncia sociolgica. A experincia do Estado substituto da famlia, desde a Prsia do sculo IV a. C. e Grcia clssica, at o que restou da prevalncia imposta pelo comunismo cubano, tm fracassado como um procedimento permanente pela fora transcendental dessa compulso18

Naes do Mundo Itlia. A fora da famlia Editora Cidade Cultural.

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gregria da prole em torno de seus genitores. Este foi um recado importante do Papa Joo Paulo II a Fidel Castro, em sua visita a Cuba em janeiro de 1998. O carter familiar, como um carter coletivo nuclear, deve ser o incio de todo o processo interativo que desenvolver o carter nacional. Por essas razes a existncia da famlia na sociedade precisa de proteo do Estado preposto dela, para que mantenha a sua funo social sem distores ou perdas a conscincia coletiva ativa dentro do grupo familial. Sem esse amparo capaz de consolid-la, mesmo absorvendo suas mutaes, ser difcil conceber ou acreditar em uma sociedade e no seu futuro (casamento, conbio real, unio estvel, etc.). - O carter profissional. O processo de formao e consolidao do carter coletivo em agrupamentos humanos institudos, institucionais, embora se refira fundamentalmente ao mesmo fenmeno identificado em outros agrupamentos (figura 1, pgina 16), pouco espontneo e, dessa forma, precisa ser mais dirigido. O agrupamento considerado ter de incorporar uma conduta profissional adequada, com valores-atitudes, sentimentos, comportamentos e reaes convenientes sua prpria existncia e ao ofcio que a justifica. Exemplos: um plantel de atletas para a prtica de um esporte coletivo; todo o grupo de atletas selecionados para a participao em diversas modalidades desportivas de uma competio nacional ou internacional; uma unidade militar 19 ; os operrios de uma fbrica ou de um determinado setor de atividade dentro dessa fbrica; o departamento de trnsito de uma unidade federada; os funcionrios de uma empresa; os religiosos profissionais de uma seita; uma unidade policial; os servidores pblicos de um setor que mantenha contato direto com a populao; os fiscais da receita federal; todos os servidores pblicos federais; os membros dirigentes de um partido poltico; etc. O carter profissional consolidado, dar a um grupo de pessoas envolvidas com atividades comuns a base segura para o exerccio da profisso sem desvios morais e ticos ou perdas de proficincia pela influncia de fatores adversos sempre existentes, sempre perigosos e nem sempre perceptveis vista desarmada. Relembro outro episdio castrense para tornar evidente o efeito prtico da energia radiante do carter coletivo entre profissionais. Os soldados da 4a. Companhia de Fuzileiros se autodenominavam os calungas. Eu havia inventado esse apelido a partir de um desenho que os representava como combatentes e estimulava sua consolidao. A expresso criava um sentimento de orgulho que os destacava em relao ao Regimento e facilitava para mim - um jovem capito comandante -, o desenvolvimento de valores-atitudes, sentimentos, comportamentos e reaes que conformariam o carter coletivo daquele grupo de cento e cinqenta conscritos. Estava presente e conversava com eles em todas as oportunidades de reunio coletiva, no quartel e nos exerccios de campo. Era a mim que viam e ouviam no alojamento logo aps o toque de alvorada; ouviam-me, ainda, diariamente no fim de cada dia de trabalho, na revista do recolher, que era a ltima reunio importante dos calungas.

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O Livro 2 da trilogia O esprito combatente tratar especificamente do carter profissional militar (O carter dos Soldados uma saga de dez milnios).

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Em 1956, em Porto Alegre, grande parte dos convocados para o servio militar provinha das regies coloniais e, por esse motivo, um significativo grupo morava no quartel. Nos fins de semana e feriados submetiam-se s rotinas castrenses e horrios de rancho, curtindo saudades dos familiares e das namoradas. No os deixava nem nesses dias de folga, sem que me vissem preocupado e envolvido com eles, pronto para ajud-los em seus problemas mas sempre exigindo um comportamento reto e disciplinado. Buscava, apenas, lider-los e poder contar com a absoluta confiana de todos em caso de emergncia. Convalescamos das confuses polticas de 1954 e 1955. Em determinado fim de semana, excepcionalmente, por envolvimentos familiares deixei de comparecer ao quartel no sbado e no domingo. A segunda feira amanheceu com uma aflio. Uma greve de martimos exigiu que no sbado, cedo, toda a pressa, o oficial de dia ao regimento organizasse dez pelotes, um de cada companhia, com os laranjeiras 20 disponveis, para ocupao dos navios atracados no porto sob risco de invases e depredaes. A organizao de grupos no constitudos permanentemente, mesmo dentro de cada companhia, reunindo soldados e graduados sob o comando eventual de um terceiro sargento, todos fora do enquadramento (*) normal - mais ou menos desacostumados, portanto, da cerrada proximidade no trabalho - apresentava um risco inicial para o bom cumprimento da misso. Assim um pouco frouxos em seus liames psicolgicos de sustentao, foram dispersados em grandes navios, com acesso livre a cantinas, adegas, cabinas, instrumentos curiosos e objetos. Solitrios e retidos naquela permanncia no muito bem esclarecida, com frio, dobrando o servio, sem os lderes de suas fraes institucionais, entregaram-se a uma espcie singular de furto coletivo espontneo, no combinado, sem guias ou condutores - uma procura de lembranas. A denncia chegou ao regimento na segunda feira pela manh e, por determinao do comando, os capites comandantes das dez companhias envolvidas aguardaram a chegada daquele grupo que atingia o efetivo de mais ou menos trezentos homens. Foram sendo organizados em linha no campo de formaturas, por cada companhia que representavam, medida que desembarcavam das viaturas que os haviam transportado do cais do porto para o quartel. Perceberam rapidamente o que estava acontecendo e o motivo daquela recepo. Logo se transformaram em um pattico grupo de jovens cabisbaixos e vexados. Iam desemalando suas mantas e capotes e revelando o produto do furto: bebidas, objetos pessoais, pequenos instrumentos nuticos, cachimbos, cigarros, fumo, material de costura dos marinheiros... A cena prolongou-se penosamente. Havia uma exceo entretanto. Os calungas, que se encontravam no meio do dispositivo, estavam todos de cabea erguida e,20

Designao no jargo militar para aqueles que dormem e permanecem no quartel em dias de folga.

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senti, ansiosos pela revista. Tanto o sargento comandante como os graduados e soldados olhavam para seu comandante de subunidade e percebi, de longe, um brilho de orgulho em seus olhares. Suas mantas e capotes, a final, foram desdobrados. Fizeram isso com rapidez e desenvoltura. Nada, absolutamente nada haviam trazido como lembrana dos navios que ocuparam durante quarenta e oito horas. O esforo para consolidar o carter profissional entre os soldados da 4 Companhia de Fuzileiros estabelecendo um padro coletivo de conduta adequado a um soldado pela conscincia coletiva ativa dentro da subunidade, tivera um bom teste e surtira o efeito desejado. Isolado, fora da fiscalizao direta dos comandantes efetivos, cada calunga sentiu a influncia vigilante do grupo, representado pela maioria dos companheiros, presentes ou no, que criara a saudvel convico de consenso para coibir todo o tipo de desvio. Na consolidao do carter coletivo de um agrupamento institucional, a relao de compromisso mtuo que se estabelece entre liderados e lder sobre esse consenso de importncia definitiva. - A fora refreadora do carter coletivo. Vejamos um exemplo extremo. Uma multido deve ser considerada como um agrupamento humano espontneo, efmero e circunstancial que rene seres humanos dissmeis pela manifestao inicial da vontade impulsiva de cada um, gerando, com a reunio, vigorosa e instvel vontade coletiva 21 . Pelas prprias circunstncias da reunio esses seres reagiro de maneira semelhante e mais ou menos impulsiva quando submetidos aos mesmos estmulos. A multido , assim, um grupo humano que surge de circunstncias especficas fortemente motivadoras e mobilizadoras que lhe asseguram uma existncia limitada prevalncia dessa mobilizao. Para que sua dinmica se desenvolva dentro de uma expectativa de normalidade como fenmeno social preponderantemente urbano s haver uma multido enquanto a mobilizao tiver sucesso -, conveniente que o carter coletivo preexistente exera influncia entre seus integrantes. A intensidade e a impulsividade das manifestaes de uma multido podero ser coibidas por valores-atitudes, sentimentos, comportamentos e reaes do carter nacional ou regional 22 , quando preexistentes, dominantes e, assim, capazes de prevalecer, ou, ao contrrio, instigadas a prticas desabridas pela ausncia ou fragilidade desses traos psicolgicos coletivos. Uma sociedade impetuosa e indisciplinada, sem controles inibidores adequados, preventivos ou repressivos, ter manifestaes de agresso e destruio nos estdios de futebol, quando ocorrerem frustrao e revolta na multido. Uma sociedade pacata e respeitadora da lei e da ordem ver seus cidados frustrados ou revoltados manifestarem sua energia coletiva de uma forma mais civilizada, durante uma disputa esportiva. Como um fato social moderno produzido pela mdia, circunstncias capazes de reunir uma multido em determinado local, podero ser reproduzidas distncia para que uma reunio anloga ocorra em outro; a proximidade fsica ininterrompida, portanto, no essencial, desde que haja sensao de contigidade e identificao de motivaes. Sempre ser efmera, entretanto: a multido deve ficar caracterizada pela impossibilidade de permanncia e continuidade das circunstncias motivadoras e mobili21 22

Examinaremos o fenmeno da vontade coletiva no captulo 3 deste ensaio, pgina 86. O carter nacional e o carter regional sero analisados mais adiante.

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zadoras que a geraram no tempo e no espao. Justamente essa intuio de efemeridade, de inexistncia de compromisso social permanente, de ausncia de responsabilidades individuais e coletivas, embutida na vontade da reunio que produziu uma multido, que destaca a impulsividade nas manifestaes de seus membros. Andr Maurois em 1918 23 , aps ter desempenhado as funes de oficial de ligao junto s foras inglesas em operao na Europa continental no curso da Primeira Guerra Mundial, percebendo as diferenas de carter entre ingleses e franceses (carter nacional), afirmou, bem humorado, que a viso de uma disputa para uns e para outros era bastante diversa: os franceses encaravam uma luta de boxe como uma guerra; os ingleses eram capazes de considerar uma guerra como rounds de uma pugna entre pesos pesados... O carter coletivo assim, na verdade, tambm determinante para uma manifestao coletiva espontnea especificamente as reaes que o conformam. Os violentos hooligans ingleses do futebol de hoje, portanto, tm contestado ou evidenciado uma importante transformao no carter ingls revelado pela imagem do escritor francs, divulgada h oitenta anos... Alguns analistas do fenmeno, entretanto, apontam os hooligans como grupos alienados de jovens violentos, infensos aos valores do carter nacional ingls. muito provvel que circunstncias criadas no Brasil para reunir uma multido, reproduzidas de forma semelhante em outra nao, no obtenham o mesmo efeito motivador e mobilizador, ou, mesmo que o obtiverem, essa multido estrangeira certamente reagiria de forma distinta aos mesmos estmulos. Por que? o carter nacional, o carter coletivo de cada regio dentro de uma nao ou o carter coletivo de profissionais integrantes de uma multido, dependendo do grau de generalidade das motivaes mobilizadoras, faro a diferena. H, por exemplo, no bojo da violncia no futebol brasileiro, a crise de valores deste fim e princpio de sculos que afeta nossa juventude e enfraquece a energia positiva do carter nacional ou regional, liberando, sem peias psicolgicas coletivas - morais, ticas, espirituais ou profissionais -, as exploses emocionais de torcedores dentro ou fora dos estdios. A escola, em todos os seus nveis, com preocupaes de ensino meramente cognitivo e psicomotor, sem capacidade de envolvimento afetivo (motivaes e valores), uma das causas.Estar na escola, infelizmente, j no significa nada em termos de integrao social, de fortalecimento de auto-estima, de se estimular vocaes, de se aprofundarem valores e sentimentos ou de qualificaes para o mercados de trabalho. 24

Por essa razo, as multides so diferentes nos diversos ambientes sociais em que se formam. A fragilidade de alguns aspectos do carter coletivo de formao antecedente entre os integrantes de uma multido pode torn-la perigosa. A turba uma multido formada por um tipo de reao, altamente motivada que se torna incontrolvel por no ter valores-atitudes, sentimentos, comportamento