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Governança das Águas e Gestão dos Recursos Hídricos na Região Metropolitana do Recife – RMR/PERNAMBUCO
ResumoO presente artigo tem por objetivo discutir preliminarmente a questão da Governança das
Águas e a Gestão dos Recursos Hídricos no âmbito dos espaços urbanos, particularmente
no âmbito da Região Metropolitana do Recife – RMR – Pernambuco. A RMR é uma das
mesorregiões do Estado de Pernambuco sendo formada por quinze municípios e com uma
população próxima dos quatro milhões de habitantes. A Governança das Águas e a Gestão
dos Recursos Hídricos no espaço metropolitano é dotada de complexidade dado o processo
histórico de ocupação e também, as especificidades dos recursos hídricos, cuja demanda
por abastecimento de água doméstico, industrial e para outros fins e o processo de
degradação das áreas de proteção dos recursos hídricos, bem como, a questão da
qualidade da água põem em xeque estes processos. Assim, surge a necessidade de se
discutir e implantar espaços que sejam realmente participativos, conscientes e eficientes.
Palavras-chave: Governança das Águas; Espaço Metropolitano; Recursos Hídricos.
AbstractThe purpose of this article of discussing the issue of Water Governance and Water Resources Management in urban areas, particularly in the Metropolitan Region of Recife – RMR – Pernambuco. The RMR is one of the mesoregions of the State of Pernambuco being formed by fifteen municipalities and with a population close to four million inhabitants. Water Governance and Water Resources Management in the metropolitan area is endowed with complexity given the historical occupation process and also the specificities of water resources whose demand for domestic, industrial and other water supply and the degradation process of the water resources protection areas, as well as the question of water quality, put these processes at risk. Thus, the need arises to discuss and to implant spaces that are truly participative, conscious and efficient.
Key-words: Water Governance; Space Metropolitan; Water Resources.
1 – IntroduçãoA questão da água e dos recursos hídricos assume nos espaços urbanos
metropolitanos uma maior complexidade. Embora saibamos que é o setor agropecuário que
demanda a maior quantidade de água para consumo, pelo fato da maior parte da população
mundial e brasileira habitar as zonas urbanas e nestas áreas também se localizarem os
maiores aglomerados de indústrias e serviços, é nestes espaços que a garantia da
quantidade e da qualidade no abastecimento e a poluição hídrica tornam-se um desafio a
ser superado demandando uma agenda constante de discussão de ações e projetos que
vão desde a ampliação da oferta, bem como, melhorias na infraestrutura de saneamento
básico, participação em processos decisórios, distribuição e acesso a água.
Ao passo em que o símbolo da modernidade é ser urbano, ou seja, morar na cidade,
adota-se com isso, um conjunto de costumes onde o desperdício de água é regra e,
paradigmaticamente, no caso da RMR, desperdício e racionamento são duas realidades que
presentes no cotidiano.
Nota-se que o fato de ser a Bacia Hidrográfica a unidade territorial adotada pela
legislação internacional e também no Brasil (Lei Federal 9.433/1997) para a implantação da
Política Nacional de Recursos Hídricos - PNRH, tendo leis estaduais que reforçam este
recorte, dada a intensa ocupação existente nas áreas de bacias hidrográficas nos espaços
urbanos metropolitanos, a percepção e gestão deste recorte territorial fica prejudicada em
detrimento de políticas adotadas pelos municípios partícipes que, em geral, priorizam o
recorte territorial que define seus limites e, portanto, ignoram a bacia hidrográfica.
De acordo com Jouravlev (2003) a adoção da bacia hidrográfica para implementação
da política de recursos hídricos se dá por quatro razões principais:
1. Porque é a principal forma terrestre dentro do ciclo hidrológico responsável pela captação
e que concentra as águas oriundas das precipitações;
2. As características físicas da água geram um nível alto de interrelações e
interdependência entre usos e usuários;
3. Nível de interdependência que interatuam num processo permanente e dinâmico entre os
sistemas físico e biótico;
4. Interrelações e interdependência entre os sistemas físicos, bióticos e socioeconômicos
em nível de território da bacia hidrográfica.
O conceito de Governança tem origem nas políticas propostas a partir do final da
década de 1980, por órgãos e agências internacionais para os países periféricos como
forma dos mesmos alcançarem patamares de adequação e eficiência nas políticas de
orientação neoliberal. Gradativamente, com o avanço das políticas ambientais, a
Governança passa a ter também outro significado indicando a vontade e disposição política
dos governos na resolução de problemas e o empoderamento dos espaços de participação.
Nesse sentido, emerge a necessidade do diálogo entre as instituições e governos. Nosso
entendimento é que a Governança das Águas e a Gestão dos Recursos Hídricos aponta
para além da materialidade do recurso natural demandando uma articulação de diversas
políticas, órgãos e atores sobretudo quando a Água se torna um elemento tão fundamental
para o desenvolvimento em regiões como o Nordeste brasileiro. Sobre a Gestão dos
Recursos Hídricos, para Villar (2012) ela é o conjunto de ações que disciplinam as relações
de uso da água diante de um contexto (social, ambiental, cultural, econômico). Ainda
segundo Villar (2015) é a Governança que determina a Gestão e não o contrário.
A partir dessa ideia entende-se que quando há uma Gestão sem Governança, tem-se a
compartimentação exagerada das políticas e ações, gerando descontinuidades e
isolamentos. E no caso da existência da Governança sem Gestão, teríamos então, o
discurso demagógico e autoritário. Assim, nas palavras de Figueiredo (2016, p. 4) a
Governança remete a “eficiência do Estado na execução da política pública” e para a qual
exige-se a participação da sociedade civil.
1.1 Governança das Águas e Gestão dos Recursos Hídricos no Brasil: breve contexto e desafios
A atual política de recursos hídricos adotada no Brasil tem por inspiração o modelo
francês que prioriza a descentralização da gestão e define a água como um bem público,
limitado e dotado de valor econômico. Em caso de escassez define-se ainda o uso prioritário
da água para o abastecimento humano.
Verifica-se ao longo da história brasileira iniciativas pontuais que indicavam certa
preocupação com as abundantes águas existentes no território (Figura 1). Destaca-se que
esta abundância de águas fora um dos aspectos citados por Pero Vaz de Caminha em sua
carta endereçada à coroa portuguesa.
Figura 1 – Evolução da Legislação sobre águas no Brasil
Fonte: ANA (2017)
Mas, foi apenas com a edição da lei conhecida como Código das Águas em 1934
(Decreto 24.643) que se tem notícia de uma legislação específica, muito embora a
prioridade fosse voltada para o uso das águas na produção de energia elétrica que daria
suporte ao desenvolvimento da industrialização que tomava fôlego a partir daquele
momento.
Outro marco refere-se a Constituição Federal de 1988 que previu a criação do Sistema
Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e por fim, a Lei 9433/1997 que criou a
Política Nacional de Recurso Hídricos (VEIGA, 2007).
Podemos ainda citar a criação da Política Nacional de Meio Ambiente - PNMA em 1981
(lei 6.938) que embora não seja específica sobre recursos hídricos, contribuiu neste
processo. Dessa forma, o Brasil construiu até o momento atual um arcabouço jurídico
importante sobre suas águas em consonância com vários acordos internacionais. Todavia,
enfrenta ainda muitos desafios na implementação. Além da legislação, o país dispõe de
organismos específicos, a exemplo da Agência Nacional de Águas - ANA e em
Pernambuco a Agência Estadual de Águas e Climas – APAC. Assim, nota-se que o Brasil e
o Estado de Pernambuco vem evoluindo no que tange a estruturação das respectivas
Políticas de Recursos Hídricos. No entanto, conforme Gouveia (2017):
A problemática em torno dos recursos hídricos torna-se ainda mais relevante e complexa quando acrescentamos à análise o fenômeno do Crescimento (urbano, industrial, demográfico). Em um país que busca alcançar seu “lugar ao sol” no rol de países considerados desenvolvidos, a adoção de políticas que buscam impulsionar a economia, não raramente destoa dos preceitos de preservação, conservação dos recursos naturais e culturais. Apesar de se propagandear o pretenso Desenvolvimento Sustentável – DS (local, integrado etc), o que tem prevalecido é o enfoque econômico como critério de adoção e avaliação da efetividade de tais políticas.
Tal situação exposta pelo autor tende a se agravar pois o modo de vida almejado pela
maioria das pessoas, é o modo de vida urbano/metropolitano. As grandes cidades são o
destino preferido sobretudo para os mais jovens, mesmo que nestes espaços os problemas
de ordem socioambientais sejam potencializados.
Na estrutura da Política Nacional e também Estadual de Recursos Hídricos, destacam-
se a caracterização dos entes diretamente interessados: Poder Público, Usuários e
Sociedade Civil. Estes segmentos possuem sua representação no âmbito dos Comitês de
Bacias Hidrográficas - CBHs que são os órgãos responsáveis por decidir, analisar as
políticas e ações no âmbito das respectivas bacias hidrográficas.
A atuação destes CBHs no território da bacia e especificamente na área urbana é
imprescindível uma vez que a dinâmica de crescimento metropolitano não tem respeitado as
áreas de proteção de mananciais, entre outras agressões, e algumas políticas adotadas não
tem respeitado a legislação nem os organismos responsáveis pela gestão territorial,
ambiental e hídrica.
A ANA (2017) estimou que no ano de 2016 existiam cerca de 223 CBHs no Brasil entre
estaduais e interestaduais. O acompanhamento desses CBHs tem demonstrado que boa
parte deles tem dificuldades no funcionamento e/ou são “controlados” pelo segmento Poder
Público. Além disso, em algumas regiões, como no caso do semiárido pernambucano
(Agreste e Sertão), dada as condições naturais e sociais que condicionam os recursos
hídricos, os CBHs dão lugar aos CONSU – Conselho Gestores que contribuem para a
gestão dos reservatórios e microbacias locais.
2 – Especificidade e problemática das águas na RMR
A Região Metropolitana do Recife – RMR compreende uma área de cerca de 2700
km2 totalizando quinze municípios e uma população de aproximadamente quatro milhões de
habitantes (Figura 2). A RMR situa-se na faixa litorânea na interface (ao sul, ao norte e ao
oeste) com a Região Zona da Mata. Há anos, sobretudo a capital Recife, enfrenta
problemas com o abastecimento público e com a qualidade das suas águas. Quando
consideramos apenas a metrópole do Recife, vemos que a cidade tem uma relação histórica
e conflituosa com os corpos hídricos, dada a ocupação urbana que, dentre outras
alterações, aterrou e canalizou seus rios. São frequentes os bairros e comunidades com
nomes alusivos aos recursos hídricos, a exemplo dos vários córregos (do Genipapo, da
Guabiraba, do Maracanã etc) e de bairros como Afogados, Água Fria e Várzea, entre outros,
além do próprio nome da cidade que remete aos beachrocks (recifes ou arrecifes de corais
ou de arenito) situados paralelamente à costa litorânea.
Figura 2 - RMR em 2018 já constando o município de Goiana
Adaptado: fnembrasil.org/regiao-metropolitana-de-recife-pe/
É importante lembrar que a RMR e particularmente a cidade do Recife cresceu e
ainda cresce suprimindo via aterros os manguezais e, retificando pequenos trechos de
riachos e córregos alterando o padrão de drenagem da cidade. Em função disso, os
alagamentos são constantes se agravando nas regiões mais impermeabilizadas pela
urbanização.
Sobre a relação da cidade com suas águas, Carvalho (2011) escreve:
Na cidade, nos rios da cidade, natureza e sociedade são inseparáveis. Na cidade, nos rios da cidade, aspectos fisiográficos, ocupação do solo e qualidade das intervenções são inseparáveis para o entendimento da qualidade do sistema de drenagem urbana (...) na cidade, nos rios da cidade, o ser e suas representações também são inseparáveis e mutuamente integrados... (CARVALHO, 2011, p. 47)
O significado da água ou dos recursos hídricos para as pessoas, transcende a
materialidade e, portanto, deveria haver uma maior preocupação por parte dos governos e
também da sociedade pois, a degradação deste recurso tem repercussão na qualidade de
vida dos seres humanos.
Na macrodivisão hidrográfica do Brasil, a RMR situa-se na Província Hidrográfica do
Atlântico Nordeste Oriental, onde parte dos seus rios tem nascentes no interior do Estado
onde há a predominância do clima semiárido e do domínio geológico do cristalino que
condiciona a fraca disponibilidade de água subterrânea. Assim, embora os rios tenham um
volume maior quando adentram a Zona da Mata e a RMR, a realidade dos recursos hídricos
guarda uma preocupação direta com o interior do Estado, sobretudo quando observarmos o
quadro ambiental e urbano de alguns municípios importantes e populosos, mas que não
fazem parte da RMR, como no caso de Caruaru situado no Agreste.
Com relação ao abastecimento público, a Geografia da RMR, principalmente as
áreas de morros, associada a idade da infraestrutura de distribuição de água e a própria
disponibilidade natural deste recurso e a demanda elevada, faz com que haja um grande
número de pessoas sem acesso a água ou que se encontram no sistema de rodízio de
abastecimento doméstico. Como alternativa a este quadro, a população tem recorrido as
perfurações de poços tubulares que em sua maioria não tem autorização, provocando uma
sobrecarga na exploração dos aquíferos e contribuindo para a contaminação destes. Outra
consequência disto, é que a população precisa comprar água e assim, proliferam-se nos
bairros os comércios de distribuição de água mineral.
Já a qualidade das águas sofre com a ausência de saneamento básico, com
lançamentos de efluentes doméstico e industrial, aterramento total ou parcial de rios, riachos
e córregos em função da expansão urbana e da especulação imobiliária que tem cada vez
mais avançado sobre áreas de proteção de mananciais.
Dados do Observatório das Metrópoles com base nos Censos de 2000 e 2010
apontam que a RMR possui uma taxa de urbanização de 97,3%. Sendo que os municípios
de Recife, Camaragibe e Paulista possuem 100% de sua população na zona urbana.
Apenas os municípios de Ipojuca, Itapissuma e Itamaracá possuíam taxas menores que
80% de população urbana. O avanço da urbanização provoca ainda o aumento da demanda
por água conforme a Figura 03, dado o incremento populacional e das atividades
econômicas desenvolvidas.
Figura 03 – Demanda hídrica x urbanização na RMR1
RecifeJaboatão
OlindaCabo
IpojucaPaulista
Abreu e LimaMoreno
S. LourençoCamaragibe
ItamaracáItapissuma
IgarassuAraçoiaba
Goiana
5998
2621
1376
635
173
1094
274
146
267
552
51
59
284
48
100
97.8
98
90.7
74.1
100
91.7
88.5
94.1
100
77.7
77.1
92.1
84.1
76.71
Tx. De Urbanizaçãolitros por segundo
Fonte: Anuário Estatístico de Pernambuco (2015); Observatório das Metrópoles (2010); CONDEPE
Há uma tendência a se pensar na água apenas quando a mesma não chega nas
torneiras das casas. Poucas pessoas conseguem entender o significado do que seja uma
Bacia Hidrográfica e isto contribui para que não se tenha uma participação e engajamento
efetivo e sistemático nos espaços de Gestão e Governança.
Assim, a realidade apresentada na RMR demanda um processo de articulação e
intervenção institucional, política e jurídica para a solução destes problemas. A esse
processo denominamos Governança das Águas. A Governança das Águas pode ser
definida como o conjunto de “sistemas políticos, sociais, econômicos e administrativos
disponíveis para aproveitar e gerenciar os recursos hídricos, e distribuir os serviços hídricos
nos distintos níveis da sociedade” (GWP, 2002, p. 02)
Acrescentamos ainda que, 1 Os dados de demanda hídrica do município de Goiana, recém incorporado a RMR não estão disponíveis.
A Governança das Águas supera a Gestão dos Recursos Hídricos, no sentido de que, enquanto a Gestão se encontra delimitada no ambiente da Bacia Hidrográfica, a Governança das Águas amplia a abordagem considerando aspectos que estão além da própria Bacia Hidrográfica. (GOUVEIA, 2017, p. 191)
A existência de legislação e órgãos que lidam diretamente com a questão das águas
e dos recursos hídricos tem sido insuficiente para tornar a Gestão e a Governança efetivas.
Isto fica ainda mais evidente quando se analisa a dinâmica dos CBH – Comitês de Bacia
Hidrográfica que são elementos fundamentais neste processo.
De acordo com a Plano Estadual de Recursos Hídricos, a RMR é banhada total ou
parcialmente por 8 bacias ou grupo de bacias hidrográficas que são as seguintes: Goiana
(Unidade de Planejamento Hídrico - UP1), Capibaribe (UP2), Pequenos Rios Litorâneos GL1
(UP14), Pequenos Rios Litorâneos GL 2 (UP15), Pequenos Rios Litorâneos GL 3 (UP16),
Pequenos Rios Litorâneos – GL 6 (UP 19), Ipojuca (UP3), Sirinhaém (UP4). Atualmente
existem 5 CBHs constituídos e atuando na região. Estas UPs compreendem assim, quase a
totalidade dos cursos hídricos da RMR e sendo assim, são o palco dos maiores problemas
hídricos urbanos.
As UPs 15 e 2 formam os principais mananciais (Quadro 1) utilizados para
abastecimento e suprimento hídrico da RMR, ao mesmo tempo que apresentam as maiores
taxas de urbanização e um quadro ambiental preocupante. A UP 3 (barragem do Engenho
Maranhão) já consta como principal manancial para ampliação do abastecimento no futuro,
suas obras sofrem com a intermitência.
Vale destacar que segundo a Secretaria Estadual de Recursos Hídricos – SRH
(2008) e Agência Nacional de Águas - ANA (2010) o Estado de Pernambuco possui 80%
dos volumes aproveitáveis para abastecimento localizados nas bacias do litoral e Zona da
Mata. Já o Agreste e Sertão o volume aproveitável chega a 20% apenas.
Quadro 1 – Barragens na RMR por Manancial (UP)
UP Açudes Capacidade (milhões/ m3)15 Bita, Utinga, Gurjaú, Duas Unas, Sicupema, Pirapapma 42.548,002 Goitá, Matriz da Luz, Tapacurá e Várzea do Uma 159.018,01
2.1 A Política Estadual de Recursos Hídricos de PernambucoO Estado de Pernambuco estabeleceu sua Política e Sistema Estadual de Recursos
Hídricos em 1997 pela Lei 11426 que foi aprimorada posteriormente pela Lei 12984 de
2005. Ela tem por objetivos:
assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade dos recursos
hídricos;
assegurar que a água seja protegida, utilizada e conservada em padrões de
quantidade e qualidade, por seus usuários atuais e futuros, em todo território do
Estado de Pernambuco, garantindo as condições para o desenvolvimento econômico
e social, como melhoria da qualidade de vida e equilíbrio com o meio ambiente.
Em 1998 o governo do Estado lançou o Plano Estadual de Recursos Hídricos –
PERH que se configurou como um estudo detalhado da realidade hídrica do Estado e
importante instrumento de apoio e tomada de decisões. O PERH dividiu o Estado em 29
UPs – Unidades de Planejamento Hídrico englobando suas respectivas bacias hidrográficas.
Figura 04 – Bacias Hidrográficas de Pernambuco
Fonte: O Autor, 2018
O principal órgão de apoio a gestão dos recursos hídricos no Estado é a APAC –
Agência Estadual de Recursos hídricos, ligada a Secretaria de Desenvolvimento Econômico.
Muito embora o discurso oficial seja de que a gestão é integrada entre as diversas
secretarias do governo, os órgãos e entidades que lidam diretamente com a água, como a
APAC e a COMPESA – Companhia Pernambucana de Saneamento, a CPRH – Agência
Estadual de Meio Ambiente e a SEMAS – Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade,
encontram-se dispersas entre as várias secretarias do Estado.
2.2 Governança das Águas e Comitês de Bacia Hidrográfica na RMRA Governança remete a “eficiência do Estado na execução da política pública”
(FIGUEIREDO, 2016, p. 4), mas esta eficiência pressupõe a participação da sociedade na
discussão, definição das políticas e na fiscalização das ações do governo. No caso da
Governança das Águas o processo de participação tem como protagonista principal os
CBHs que são um instrumento da Gestão dos Recursos Hídricos.
A criação e atuação dos CBHs está prevista pela Lei Federal 9433/1997, conhecida
como Lei das Águas. Eles se constituem no espaço mais adequado para resolução de
possíveis conflitos pelo uso da água, bem como, para estabelecer estratégias de melhor
gerir este recurso. Os CBHs em geral são compostos de três de segmentos (Usuários,
Poder Público e Sociedade Civil) que precisam estabelecer um pacto frente aos desafios
dos recursos hídricos, bem como, estar ciente das políticas que estejam sendo adotadas e
que podem, direta ou indiretamente, interferir nos recursos hídricos da bacia e do seu
entorno. Daí a necessidade de se ter um diálogo permanente entre estes espaços e as
entidades que planejam e executam as políticas no âmbito metropolitano. Assim, no
processo de Governança Metropolitana das Águas faz-se necessário respeitar algumas
especificidades dado que, no meio urbano encontramos a otimização dos impactos e
problemas relacionados aos recursos hídricos como a poluição, falta de saneamento e
deficiências no abastecimento.
Para a ANA (2013, p. 234) os CBHs são o parlamento das águas e por isso:
têm como objetivo a gestão participativa e descentralizada dos recursos hídricos, por meio da implementação dos instrumentos técnicos de gestão, da negociação de conflitos e da promoção dos usos múltiplos da água na bacia hidrográfica. Os comitês devem integrar as ações de todos os governos, seja no âmbito dos municípios, dos estados ou da União, promover a conservação e a recuperação dos corpos d'água e garantir a utilização racional e sustentável dos recursos hídricos.
O Estado de Pernambuco dispõe atualmente de sete CBHs constituídos dos quais
cinco tem “jurisprudência” na RMR: Metropolitano Norte – GL 1, Metropolitano Sul - GL 2,
Capibaribe, Ipojuca e Goiana. Para coordenar o trabalho dos comitês, a APAC possui uma
gerência de apoio aos organismos de bacia que tem contribuído tanto para a formação
quanto para a continuidade dos CBHs, oferecendo estrutura para as suas reuniões e demais
ações.
Gouveia (2017) procurou acompanhar os CBHs do Ipojuca e Metropolitano Sul - GL
2 durante 4 anos (2013-2016) anos analisando o funcionamento e a visão que cada
segmento (Usuários, Poder Público e Sociedade Civil) tinha sobre os próprios comitês,
sobre as questões dos recursos hídricos, das relações institucionais entre outras.
Foram levantados alguns problemas no funcionamento interno dos CBHs mas
também, na relação com os órgãos específicos de recursos hídricos do Estado, bem como,
com os órgãos ambientais. Os problemas levantados são da ordem: A) Participativa
(principalmente dos representantes dos municípios da Bacia e da Sociedade Civil), B)
Financeira (ausência de autonomia e/ou de um fundo específico para apoiá-los), C)
Estrutural e principalmente, de D) Reconhecimento por parte dos governos que, na
avaliação de alguns membros, não tem dado tanta importância para estes espaços.
Os problemas de ordem participativa tem enorme repercussão negativa na
Governança das Águas e na Gestão dos Recursos Hídricos. Como já tínhamos falado antes,
no caso dos municípios, há certa ausência bem como, intermitência na representação. No
caso da bacia do Ipojuca que abrange 25 municípios, sendo apenas 1 situado na RMR (no
caso, o município de Ipojuca) num percurso de mais de 300 km, as reuniões tendem a se
concentrar mais nos municípios do interior (zona da mata e agreste) e boa parte dos
municípios que são banhados não tem representantes no CBHs ou ainda, quando indicam
o/a representante, estes não conseguem manter uma regularidade na frequência ou ainda,
são alterados em virtude dos ajustes governamentais dos municípios, sobretudo em período
eleitoral. Já a bacia GL 2 abrange 9 municípios sendo 6 na RMR (Recife, Cabo de Santo
Agostinho, Moreno, São Lourenço da Mata, Jaboatão, Ipojuca) e observou-se a completa
ausência de alguns municípios metropolitanos. Embora para composição dos CBHs haja um
processo eletivo, a participação nas reuniões é livre. Assim, não se justifica a ausência de
representantes dos segmentos pelo fato de não comporem oficialmente o CBH. Vale
destacar que o CBH Metropolitano Sul – GL 2 surgiu a partir da fusão (até hoje sem
justificativa pública) do CBH Pirapama (primeiro comitê de bacia a ser instalado em
Pernambuco no início dos anos 2000) e do CBH Jaboatão.
Com relação aos problemas de ordem financeira, eles estão também relacionados
com os problemas de ordem estrutural. Os CBHs são extremamente dependentes dos
recursos da APAC para realizarem suas atividades. Os recursos destinados ao apoio a tais
organismos são gerenciados pela própria APAC. Assim, os CBHs ficam inteiramente
dependente destes recursos, além de não dispor de estrutura de secretaria própria,
dependem ainda de transporte e alimentação (para reuniões ou ações que durem o dia
inteiro) oferecidos pelo Poder Público. Voluntária ou involuntariamente, tem-se certo controle
do governo sobre os CBHs tendo em vista a ausência de dotação orçamentária e estrutura
física destes.
Já no que tange ao reconhecimento, verificou-se uma opinião generalizada sobre a
pouca importância que os gestores municipais e a própria sociedade tem com relação aos
CBHs. Isto vai desde o desconhecimento da existência dos mesmos e consequentemente,
de sua finalidade, ao fato de se elaborar políticas, direta ou indiretamente relacionadas aos
recursos hídricos, sem ao menos consultar ou informar o CBH. Geralmente, as decisões
quando chegam às plenárias dos CBHs já estão devidamente discutidas e em fase de
implantação. Isto se reflete não apenas com relação aos governos municipais, mas, entre os
órgãos do governo estadual também.
O Estado de Pernambuco possui um Conselho Estadual de Recursos Hídricos –
CERH onde a participação também é tripartite. Outro organismo de destaque, é o Conselho
de Desenvolvimento Metropolitano denominado CONDERM, atuante na RMR. Este
conselho foi criado em 1994 e deveria facilitar o processo de articulação intrametropolitano
mas, segundo Diniz & Rocha (2015) não tem um funcionamento regular e tão pouco possui
espaço efetivamente participativo que incorpore o máximo possível dos desafios
metropolitanos, incluindo a Governança das Águas. Afora isto, o CONDERM é um
organismo onde a representação é apenas por parte dos poderes executivo e legislativo
(estadual e municipal).
A esse respeito, Souza & Bitoun (2015, p. 36) criticam a participação dos municípios
na gestão estadual e/ou metropolitana pois esta limita-se aos processos legitimatórios “ao
invés de consolidar um exercício de cidadania e participação política, tem corroborado para
que os municípios continuem administrando preocupados apenas com suas rivalidades e
interesses isolados.”
Para Galindo, focando na análise da participação dos municípios, os CBHs também
chamados de COBHs enfrenta dificuldades:
Esta interface na prática enfrenta sérias dificuldades tanto para as prefeituras quanto para os COBHs devido a vários fatores: domínio legal da água ser de competência estadual ou federal; incipiente atuação dos órgãos gestores estaduais; dificuldade em operacionalizar ações articuladas envolvendo diferentes níveis de poder; os conflitos político-institucionais entre os municípios integrantes da Bacia Hidrográfica; inexistência de um órgão articulador que congregue os diversos interesses político-econômicos e sócio-culturais. Isto é ainda mais evidente nas bacias urbanas. (...) Um dos principais impasses reside na divisão de competências, que pode gerar dificuldades e conflitos para a gestão integrada, uma vez que a Constituição Federal estabelece a água como um bem público de domínio da União ou dos estados, dependendo da localização do manancial; enquanto a política de desenvolvimento urbano deve ser estabelecida e executada pelo poder público municipal. (GALINDO, 2009, pp 59-60)
Já antecipamos que tanto a Governança das Águas como a Gestão dos Recursos
Hídricos para serem legítimas, pressupõem, além da vontade de política, a participação de
um leque de representações que por sua vez, deve expressar a pluralidade da sociedade e
dos temas relacionados. Assim, os CBHs, os Conselhos de Meio Ambiente, de
Desenvolvimento entre outros, são peças fundamentais para evitar a compartimentação
excessiva e as descontinuidades políticas. Mas, como vimos, estes processos na RMR
estão prejudicados, sendo a participação um dos gargalos. Sobre isto, Figueiredo (2016)
destaca o fato de que esta participação via representação é feita por indicação de uma
entidade, que possua estatuto etc, o que limita a participação de grupos que politicamente
são menos articulados. A autora complementa que: “a participação esperada hoje é aquela
que descarta a legitimidade dos dissensos e dos conflitos de classe e que afirma através da
resolução negociada nas arenas de decisão.” (FIGUEIREDO, 2016, p. 10).
Ainda sobre isto, vale destacar Santos; Medeiros (2009) quando afirmam que:
Não existe um modelo único de boa ou efetiva governança. De fato para ser efetivo o sistema de governança deve ser adequado as particularidades sociais, econômicas e culturais de cada país. Entretanto, equidade social e sustentabilidade estão entre os essenciais recomendados pelo GWP (2003) para uma boa governança e, coerentemente, para a eficiência da gestão integrada dos recursos hídricos.
A participação da sociedade civil organizada, por exemplo, cresceu a partir daquilo
que Oliveira (2003) chama de “terceira onda de democratização” ocorrida na América Latina.
Para Liszt Vieira (2001) no caso das ONGs a participação dentro da Organização das
Nações Unidas – ONU cresceu a partir de 1972. Esta participação assume importância
crescente ao ponto de contribuírem para a elaboração do PNUMA – Programa das Nações
Unidas sobre Meio Ambiente, além de significativa participação durante a Conferência RIO-
92.
3. Considerações Finais No meio urbano e, sobretudo no meio metropolitano, a complexidade envolvendo os
recursos hídricos ultrapassa os debates centrados apenas na quantidade e qualidade das
águas e adentra o campo da Governança das Águas e da Gestão dos Recursos Hídricos
incorporando neste processo, questões que vão além dos próprios recursos hídricos e da
Gestão destes. Para este processo mobilizam-se aspectos políticos, administrativos,
jurídicos, ambientais e de participação social.
Na RMR encontramos a confluência de diversos aspectos que dificultam a
Governança das Águas e a Gestão dos Recursos Hídricos. Tal realidade pode ser estendida
a todo o Estado de Pernambuco, pois os CBHs e CONSUs, embora tenham atuação
territorial diversas, dependem do funcionamento e da vontade política dos governos para
cumprirem o papel para o qual foram pensados e criados.
Estes aspectos vão desde a pouca importância dada aos espaços participativos e ao
próprio desconhecimento de parte significativa da população sobre a realidade dos recursos
hídricos e dos espaços de participação e de Governança das Águas.
Tendo em vista a realidade hídrica do Estado de Pernambuco, sobretudo os
condicionantes geológicos, climatológicos e humanos, faz com que haja duas realidades
distintas: o Sertão e o Agreste se articulam muito mais em função da escassez natural, dada
a fraca disponibilidade que já mencionamos enquanto a Zona da Mata e especialmente a
RMR, onde a disponibilidade é maior, se articulam em função do acesso, da qualidade
(poluição). Em ambos cenários, a compreensão da delimitação territorial da Bacia
Hidrográficas e toda sua complexidade fica prejudicada.
A questão da Governança das Águas e a Gestão dos Recursos Hídricos não pode
ficar centrada apenas na questão da oferta x demanda, procurando sempre ampliar o
volume captado e os mananciais a serem explorados. Tal visão é por demais simplificada e
não contribui para desenvolver uma visão ampliada da realidade. Para que isto ocorra, o
fortalecimento dos espaços de participação precisa ocorrer independente das intermitências
políticas, sendo que no caso da RMR, destacamos a necessidade da integração das
políticas adotadas nos municípios e que estes, passem a valorizar mais os espaços de
participação e decisão conjunta, começando por ter uma frequência assídua e proativa
nestes espaços.
Referências
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