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FILOSOFIA 6° ANO

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FILOSOFIA

6° ANO

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1. AS ORIGENS DA FILOSOFIA

1.1. Homem: um ser racional e social

Do ponto de vista exclusivamente biológico, o ser humano é um animal, do gênero Homo, espécie sapiens, variedade sapiens. Assim, o Homo sapiens var. sapiens. É apenas mais um animal, tanto quanto o cão, o gato, as tartarugas e as aves.

Entretanto, há uma diferença fundamental entre o homem e todas as demais espécies de seres vivos existentes na Terra: pelo menos até onde a ciência pode provar, o ser humano é o único ser vivo racional, isto é, dotado de um intelecto capaz de pensar, imaginar e, acima de tudo, refletir sobre si mesmo e a própria condição. Vejamos o que o filósofo Karl Marx (1818-1883) disse sobre a condição racional humana:

Uma aranha executa operações que se assemelham às manipulações do tecelão,e a construção das colméias pelas abelhas poderia envergonhar, por sua perfeição, mais de um mestre-de-obras. Mas há algo em que o pior mestre-de-obras é superior à melhor abelha, e é o fato de que, antes de executar a construção, ele a projeta em seu cérebro.

Comparando a atividade humana à atividade animal, muitas vezes, somos tentados a imaginar que certas espécies são dotadas de um intelecto semelhante, ou mesmo superior ao nosso. Como Marx disse, o trabalho executado pelas aranhas, pelas abelhas, pelos castores construtores de represas, pelo joão-de-barro, e por tantos outros animais, muitas vezes é melhor, mais bem elaborado que o de muitos “profissionais” humanos. Contudo, se compararmos as colméias de milhares de anos atrás, já fossilizadas, com as colméias construídas hoje, veremos que são muito semelhantes, sendo as diferenças entre elas quase insignificantes. Contudo, ao compararmos as casas da Idade Média com as atuais, veremos que elas evoluíram de acordo com as necessidades e o avanço tecnológico da humanidade. Houve, portanto, uma contínua transformação na capacidade humana de produzir. Isso ocorreu – e ocorre – graças à racionalidade humana, à condição do homem que o torna capaz de pensar sobre as próprias ideias e transformá-las de acordo com a sua realidade e as necessidades de seu tempo. Enfim , é a razão que nos torna humanos, que nos permite transformar a natureza através do trabalho e, com esse mesmo trabalho, produzir riqueza, tecnologia, conforto, mas também guerras, desigualdade social e exploração do homem pelo próprio homem.

O homem é também um ser gregário, ou seja, vive em grupos. Isso o torna semelhante a muitas outras espécies de animais, como as já mencionadas abelhas. Porém, justamente pela sua capacidade intelectual, tão diferente dos outros seres, o homem cria uma rede de relacionamentos muito mais complexa. Nessa “teia” chamada sociedade, desenvolvem-se conflitos (afinal, felizmente, somos diferentes uns dos

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outros!), sentimentos, valores, enfim, aquilo que estudaremos a seguir e que recebe o nome genérico de CULTURA.

2. A FORMAÇÃO DO HOMEM

2.1. O trabalho

Seria Pouco dizer que o homem é um ser que pensa e produz. Muitos animais são dotados de certos tipos de inteligência. Isso torna possível adestrar um cão, o mesmo compreender e utilizar o comportamento dos golfinhos para a pesca. Contudo, o trabalho humano não é apenas um momento de produção, mas também de autoprodução. Mas como assim?

Veja: se o homem é um ser dotado de razão (o único que se conhece), isso significa que ele pode e deve utilizar essa razão para executar suas tarefas. Conforme vimos, o homem, à medida que produz através do seu trabalho, pensa sobre aquilo que faz. Assim, utiliza seu conhecimento e suas experiências para desenvolver ainda mais suas capacidades. Em outras palavras, o trabalho, quando permite o uso livre da criatividade, funciona como uma espécie de exercício para a razão, que se aprimora cada vez mais. É por isso que muitos filósofos afirmam que, com o trabalho, o homem se autoproduz.

2.2. A cultura

O resultado desse trabalho racional é a cultura. Por cultura, nesse caso, podemos entender o resultado do trabalho humano, seu esforço para construir a própria existência. O homem, através dos tempos, foi responsável pela criação de ideias, valores, instituições (como a escola, a Igreja, o Estado), leis, enfim, tudo aquilo que é necessário para sua sobrevivência e de seu grupo (sim, o homem é um ser gregário, incapaz de viver isolado dos outros!). A tudo isso chamamos de cultura humana. Esta, enquanto resultado do trabalho humano, é um produto histórico, ou seja, está em constante transformação, sempre acompanhado as mudanças provocadas e sofridas pela humanidade.

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2.3. A linguagem

Porém, não podemos nos esquecer que nada disso seria possível se não fosse a existência de um elemento mediador, ou seja, algo que tornasse possível a transmissão do conhecimento produzido. Imagine se o inventor da roda não pudesse ensinar seus amigos a fabricar e utilizar novas rodas! Provavelmente ainda estaríamos na Idade de Pedra!

Aqui podemos entender melhor as diferenças entre o ser humano e os outros animais. É sabido que as abelhas voam em determinadas direções, como se estivessem bailando no ar, e que essa “dança” é compreendida pelas outras abelhas como um sinal de que foi encontrado pólen ou néctar. Quem nunca “sofreu” com os latidos dos cães de toda a vizinhança, como se estes passassem toda a noite a conversar?

De fato, os animais chamados de irracionais dispõem de diferentes formas de comunicação, e muitos deles são capazes de se acostumar às ordens dadas pelos humanos. Porém, devido à sua incapacidade de refletir racionalmente sobre estes sinais comunicativos, não conseguem utilizá-los de outras maneiras e em outras situações diferentes. Por exemplo: um cão devidamente adestrado responde muito bem à ordem “Pega!”. Porém, se dissermos ao mesmo cão “Agarre!”, mesmo essa palavra tendo um significado muito parecido e, nesse caso, idêntico, é bem provável que o animal ficará olhando para nós sem entender absolutamente nada. Por isso é correto afirmar que os mecanismo de linguagem dos animais irracionais, mesmo dos mais evoluídos, são muito limitados, especialmente se comparados à linguagem humana.

Esta, por estar sujeita ao juízo humano, é racional, flexível, sujeita a transformações e adaptações periódicas. Acima de tudo, foi e ainda é a grande responsável pela evolução da humanidade, em todos os aspectos. Como disse o filósofo austro-inglês Ludwig Wittgenstein, “OS LIMITES DA MINHA LINGUAGEM SÃO OS LIMITES DO MEU MUNDO”.

3. AS SOCIEDADES ANTIGAS

3.1. A mitologia

A curiosidade é uma característica fundamental do homem. Somos curiosos por natureza. Desde questões mais simples, como, por exemplo, “Como nascem os bebês?”, até mais complexas, como “Deus existe?” ou “O que vem após a morte?” fazem parte de nossas vidas desde a infância. Quando nos tornamos adultos, essas dúvidas

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aprofundam-se à medida que temos contato com um número maior de informações e recursos técnicos e tecnológicos.

Muitas questões levantadas pela curiosidade humana atualmente foram resolvidas pelas ciências modernas. Hoje podemos facilmente compreender os mecanismos do clima, as causas das doenças e as origens dos fenômenos físico-químicos. Outras, pela sua complexidade ou por fugirem do campo de interesse das ciências, ainda não foram respondidas. Sabemos como se forma um tornado, mas ainda não comprovamos cientificamente se há vida após a morte. Estas questões mais difíceis de resolver fazem parte de um campo da filosofia conhecida como metafísica.

Devemos às ciências modernas muitas das respostas para as dúvidas e problemas enfrentados pela humanidade. Entretanto, tais descobertas são extremamente recentes, se comparadas ao tempo histórico da própria humanidade. Nossa espécie surgiu há cerca de 200 mil anos. As primeiras sociedades organizadas datam de cerca de 15 mil anos atrás. Entretanto a descoberta dos micróbios causadores de muitas doenças ocorreu há menos de 150 anos! O primeiro antibiótico, a penicilina, que tornou possível salvar milhões de vidas em todo o mundo, só foi descoberto em 1928, passando a ser vendido em farmácias em 1941, portanto a pouco mais de 70 anos! Isso sem contar nas descobertas climáticas, geológicas, aeroespaciais, entre outras. Muitas delas ocorreram há menos de 50 anos.

Assim, sendo o ser humano naturalmente curioso, mas carente de recursos técnicos e tecnológicos ao longo da maior parte de sua trajetória na Terra, como fez para explicar – ou tentar explicar – os eventos que o intrigavam? Em outras palavras, como os homens primitivos compreendiam a natureza e justificavam seus fenômenos?

Assim como a curiosidade, a religiosidade sempre esteve muito presente ao longo da história da humanidade. Sabe-se que mesmo aqueles que não possuem uma religião definida, ou mesmo aqueles que não acreditam em um Deus, sempre procuraram apoio em uma força ou ideia superior. A fé em algo acima da existência humana (metafísico) foi a primeira forma que os homens encontraram de explicar o universo. Através dos mitos, as pessoas procuravam responsabilizar os deuses (as primeiras religiões foram politeístas, ou seja, cultuavam várias divindades) pelos fenômenos da natureza, a morte, o nascimento e pela origem do universo. Isso ocorria por duas razões já mencionadas: a falta de recursos e conhecimento científico e a tendência humana à religiosidade. Veja abaixo o mito de Osíris, do Antigo Egito, e sua interpretação, dada em seguida:

Foi uma das principais crenças religiosas egípcias e fazia parte dos ritos funerários egípcios. Nenhuma cópia completa do mito egípcio de Ísis e Osíris existe, mas a melhor versão antiga vem de Plutarco, um sacerdote grego de Delfos, que escreveu “De Iside Et Osiride” a mais ou menos 100 d.C. Os dois principais deuses, Ísis e Osíris, foram irmãos e marido e mulher. Osíris trouxe a civilização para o Egito através da introdução da agricultura e da criação de gado para os primeiros habitantes do Nilo. Ísis ensinou o povo a arte da tecelagem. Osíris queria também levar a agricultura e a pecuária para povos vizinhos e encarregou Ísis de vigiar o povo do Egito.

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Quando Osíris retornou ao Egito depois de levar a agricultura a outros povos, Seth o recebe muito bem, já pensando em deixar de ser a sombra de seu irmão Osíris. Enquanto conversa com seu irmão, Seth vai tirando as medidas de Osíris que vão servir para a armadilha que ele pretende fazer. Com as medidas em mãos, Seth então manda construir uma caixa bonita de madeira com as mesmas medidas de Osíris. Logo em seguida, Osíris é convidado para um banquete organizado por Seth como parte de seu plano em assassinar o deus. Chegado a hora, Seth pedi que lhe traguem a caixa feita especialmente para Osíris e anuncia que a pessoa que conseguir ficar dentro da caixa receberá ela como presente. Os capangas de Seth entram um a um na caixa a fim de enganar Osíris, até que chega a vez do próprio de experimentar a caixa. Osíris então deita-se nela e nesse instante os cúmplices de Seth, pulam sobre a tampa e trancam Osíris. A caixa é então jogada no rio Nilo.

Seth conseguiu o almejado e assumiu o trono que era de Osíris, não satisfeito ele ainda sai em perseguição aos amigos de Osíris. Para escapar de Seth; Thoth, Anúbis e os outros deuses transformam-se em animais. Ísis não consegue parar de chorar com o destino de Osíris, mas como os outros ela também precisava achar um local seguro para se proteger. Ísis carregava consigo o filho de Osíris; Hórus. Depois de fugir de Seth e de enfrentar todo os tipos de mal que ele mandou para capturá-la, Ísis continua sua caminhada para encontrar um lugar em que possa dar a luz ao seu filho Hórus. Depois de encontrado o lugar, Ísis vai atrás do corpo de Osíris, mas antes confia a guarda de Hórus para a deusa-cobra Wadjet. A tarefa de Ísis não parece ser nada fácil, já que ela não tinha pistas sobre o paradeiro do corpo de Osíris.

Ondas fortes jogaram a caixa com o corpo de Osíris às margens de Biblos na Fenícia (atual Líbano) e ela ficou encostada numa árvore que com o passar do tempo cobriu toda a caixa com galhos e folhas. O rei de Biblos chamado Malacander precisava de algumas árvores grandes para a construção de seu palácio e acabou cortando a árvore que estava a caixa com o corpo de Osíris para tal função. Enquanto procurava Osíris, Ísis teve uma visão que lhe mostrou onde estava a caixa com o corpo de seu marido. Ao saber que o corpo de Osíris estava em um pilar no palácio, Ísis trata rapidamente de fazer amizade com as servas da rainha. A rainha tinha tido um filho recém nascido e Ísis pediu para vê-lo e se tornou babá da criança. Em um dia quando Ísis realizava alguns rituais para transformar o pequeno em um ser imortal, a rainha vai até o quarto e vê a cena horrorizada, gritando alto, que faz o encanto de Ísis se quebrar.

  O rei e a rainha ficaram espantados com a situação, mas puderam perceber que a pessoa que eles abrigaram em seu palácio era uma deusa. Com o intuito de agradar Ísis, o rei concedeu a ela um pedido. Ísis sem pensar duas vezes pediu ao rei que lhe desse o tronco de árvore esculpido agora em formato de um grande pilar. Com o pilar em mãos, Ísis volta ao Egito para realizar um funeral digno a Osíris e esconde a caixa com o corpo em meio a vegetação do Nilo. Mas antes passa no local em que tinha deixado Hórus para revê-lo. Ao voltar para as margens do Nilo, Ísis recebe a notícia de que os ajudantes de Seth teriam localizado a caixa com o corpo de Osíris e levado até Seth, que enfurecido cortou-o em quatorze pedaços e espalhou em diversos pontos do Delta.

Ísis não se conforma e chora muito por Osíris, entretanto ela não desiste e sai em busca dos pedaços do deus e encontra todos exceto um que foi devorado por peixes no Nilo. Com os pedaços reunidos, Ísis é ajudada por Néftis que começam a fazer vários rituais e pedidos para que Osíris volte a vida. Anúbis aparece para ajudar. Ele tem o poder de não deixar o corpo apodrecer e após juntar os pedaços de Osíris, ele o embalsama. Ísis e Néftis se transformam em uma grande ave e começam a bater suas asas em cima da múmia de Osíris e finalmente ele abre o olho. Osíris volta a vida e se torna o senhor do submundo (reino dos mortos).

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Desse mito, podemos concluir de onde vem os sarcófagos que os egípcios usavam para seus enterros e principalmente a importância que davam para o corpo estar em perfeitas condições, já que o morto usaria o mesmo corpo para a vida pós morte. Por isso o processo de mumificação era considerado um ritual sagrado e que assegurava junto com outras etapas a certeza de uma outra vida.

Fonte: http://antigoegito.org/mito-de-osiris-e-isis/

Os antigos egípcios não sabiam explicar os fenômenos da natureza como fazemos hoje, de maneira científica. O mito de Osíris, descrito acima, serviu para justificar os fenômenos da alternância do dia e da noite e das cheias anuais do rio Nilo.

Para compreendermos esse mito, temos que entender como era o Egito do tempo dos faraós. Um país localizado em pleno deserto do Saara, o maior e um dos mais secos do mundo. A sobrevivência da população, bem como a prosperidade do país, era garantida pelas colheitas de trigo, centeio e cevada, realizadas nas margens do rio Nilo. Este rio, anualmente, transbordava inundando cerca de vinte quilômetros de cada lado de suas margens. Após as enchentes, o rio baixava, deixando sobre as areias do deserto uma expressa camada de lama, rica em matéria orgânica e mineral, que os egípcios chamavam de Kemet, que fertilizava o solo sobre o qual estava depositado. Era sobre esse Kemet que os antigos egípcios plantavam sua lavoura e, utilizando a água do próprio Nilo, irrigavam as plantações. Assim, boa parte do desenvolvimento do Egito Antigo deveu-se à existência do rio Nilo, suas cheias e à capacidade dos egípcios de aproveitar estes importantes recursos naturais. Vamos então à explicação do mito:

Osíris, o deus da vida, é representado pelo Sol e pelas terras férteis do Egito. Seth, o deus da morte, é representado pela noite e pelo deserto que cerca o Egito. Ísis é a deusa da fertilidade, que garante as colheitas às margens do Nilo.

Assim, o assassinato de Osíris por Seth simboliza o pôr-do-sol e o início da noite. Por outro lado, a ressurreição de Osíris é o amanhecer. As lágrimas de Ísis, procurando pelo esposo, são as responsáveis pelas cheias do Nilo, que fertilizam suas margens e garantem a prática da agricultura (e a vida!) em pleno deserto.

Podemos observar que, a partir dos conhecimentos de que dispomos hoje, esse mito não faz o menor sentido. Porém, para os egípcios, era uma explicação bastante plausível.

Isso acontece porque, nos dias de hoje, nosso conhecimento é racional, ou seja, é criado a partir do uso da razão (do intelecto), associada a experiências que comprovam as ideias propostas. Já os egípcios (assim como os gregos antigos, os persas, os hebreus, os romanos e a maioria dos povos da Antiguidade) elaboravam seu conhecimento a partir de suas crenças religiosas. Por isso seu conhecimento é chamado de mitológico.

Conforme veremos adiante, em um determinado momento, os mitos tornaram-se insuficientes para explicar o universo e o próprio homem. Uma série de transformações colocou diante da humanidade novas questões, novas dúvidas que não podiam mais ser

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explicadas simplesmente pela religião. A partir daí, a razão e a filosofia tornaram-se o caminho para se conhecer o mundo e seus fenômenos.

4. O PENSAMENTO RACIONAL

4.1. Introdução

Vimos nos capítulos anteriores que o homem diferencia-se dos demais animais pela capacidade de pensar racionalmente. Isso faz dele um “curioso por natureza”. Graças a isso, como também foi mencionado, foi possível ao homem transformar o espaço em que vive segundo suas necessidades e desejos.

Por outro lado, sabemos que o ser humano não foi sempre plenamente consciente do mundo que o cercava. Todas as sociedades antigas – e algumas até os dias de hoje –, pelos menos inicialmente, recorriam aos mitos e à religião para justificar aquilo que seu escasso conhecimento não podia compreender.

Diante dessas constatações, algumas questões podem surgir para nós. Em primeiro lugar, quem, quando, como, e por que alguns povos abandonaram as explicações mitológicas e as substituíram por outras? Em segundo lugar, qual tipo de conhecimento substituiu o mito, até então vigente? Em terceiro lugar, como o pensamento racional contribuiu para essa transformação? E, finalmente, o que é pensar racionalmente?

Nesta pequena introdução da segunda parte da matéria, procuraremos responder às questões apresentadas no parágrafo acima, não necessariamente na ordem em que aparecem.

4.2. O que é a razão?

Conforme já foi dito, a razão é a capacidade de pensar, mas não apenas isso.

Quando pensamos (sobre qualquer coisa!), fazemo-lo de maneira consciente. Isso significa que sabemos que estamos pensando, sabemos no que estamos pensando e sabemos por que estamos pensando. Em outras palavras somos capazes de refletir sobre nosso pensamento. A palavra refletir vem do latim reflectere. Sobre esse conceito, leia a os dois textos a seguir:

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Reflectere

Fazer retroceder, voltar atrás. Refletir é, então, retomar o próprio pensamento, pensar o já pensado, voltar para si mesmo e colocar em questão o que já se conhece. [VER: Reflexão). (ARANHA, Maria Lúcia Arruda de. Filosofia da Educação. São Paulo: Moderna, 1996. p. 106).

http://verbofilosofico.blogspot.com.br/2012/02/reflectere.html

O que é Reflexão Crítica:

Reflexão crítica é uma tomada de consciência; examinar ou analisar fundamentos e razões de alguma coisa. Refletir criticamente é a atitude de investigar e para isso é necessário conhecer aquilo que é investigado, sem nenhum tipo de preconceitos e pré-conceitos

Refletir criticamente também é posicionar-se a partir de um conjunto de informações conquistados com a pesquisa. Alguns termos usados quando se fala em reflexão crítica é não julgar o livro pela capa; não julgar o fato ou objeto sem antes conhecer criteriosamente suas intenções, origem, autores, etc.

Reflexão crítica é uma reflexão abrangente, questionadora e autônoma, é fazer com que um indivíduo vá além do que ele lê ou ouve, buscando diferentes perspectivas para analisar um mesmo fato.É o fato de não aceitar como óbvias e evidentes as coisas, as idéias, os fatos, as situações, os valores, os comportamentos de nossa existência cotidiana; jamais aceitá-los sem antes havê-los investigado e compreendido como um todo.

Reflexão crítica é muito usada também na filosofia. Apropria filosofia é uma reflexão sistemática e crítica que objetiva captar a "coisa em si", a estrutura oculta, o modo de ser existente, para que a reflexão seja filosófica, é preciso que haja criticidade.

http://www.significados.com.br/reflexao-critica/

4.3. Conceitos de filosofia e filósofo

A palavra FILOSOFIA (Φιλοσοφία) vem do grego (como veremos, muito da Filosofia, ela própria, inclusive, vem dos gregos). É resultado da junção de duas palavras:

Φιλο (Filo): Amor ou Amizade

Σοφία (Sofia): Sabedoria

Assim, podemos definir filosofia como o amor pela sabedoria, no sentido de busca pelo conhecimento através da razão.

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A Filosofia, como a conhecemos, surgiu na Grécia antiga, como um caminho diferente dos mitos para se explicar o universo. Esse caminho pode ser entendido como o uso da razão e da reflexão (cujos significados vimos há pouco) como TENTATIVA de solucionar as dúvidas que sempre caracterizaram o ser humano. Em um dado momento, algumas pessoas pensaram que as respostas dadas pelos mitos não eram suficientes e não faziam sentido. Surgiu então a figura do FILÓSOFO, um indivíduo preocupado em encontrar caminhos e respostas para os problemas que lhe eram apresentados, mas sempre, como já foi dito, caminhos e respostas baseados na razão.

Podemos entender o filósofo como um curioso-questionador. Alguém que busca o tempo todo pelo conhecimento e não se contenta com aquilo que parece verdadeiro para a maioria. O filósofo nunca vai aceitar facilmente as “respostas prontas” oferecidas pela sociedade, pelos mitos, pelas ciências, etc. Muitas vezes ele até acaba por concordar com elas (o que é muito raro!), mas somente depois de analisá-las e verificar cada falha que elas possam apresentar.

4.4. A atitude filosófica

Assim, podemos concluir que ser racional é não aceitar “respostas prontas”, sempre usando de nossa curiosidade, de nossa capacidade de duvidar, com o objetivo de construir um pensamento verdadeiro. A pessoa que quer ser verdadeiramente racional pensa por si mesma, não permite que outros “pensem por ela”, nem se convence de uma verdade antes de pensar sobre ela e questioná-la.

Uma coisa importante sobre o questionamento é que ele não se confunde com indisciplina. O indivíduo questionador reflete sobre as “verdades” de uma sociedade com o objetivo de trazer o verdadeiro conhecimento e o bem comum. O indivíduo indisciplinado quebra as regras simplesmente pelo prazer de “dar o contra”, e quase sempre prejudica a si mesmo e ao próximo. Como vimos anteriormente, o homem é um ser social, ou seja, vive sempre e apenas em comunidade. As regras existem para garantir o bom convívio no grupo. Questioná-las, no sentido de refletir sobre elas, e até mesmo mudá-las pelo bem da maioria, é necessário e saudável. Quebrá-las só traz danos para quem o faz e para o grupo como um todo. Por isso é necessário que as pessoas vivam com bom senso, ou seja, livres para criticar e apresentar propostas, mas respeitando os direitos e as diferenças do outro. Lembre-se: direitos não se separam de deveres. Para que possamos usufruir dos primeiros, temos que cumprir com os segundos. Aliás, a questão dos direitos e deveres dos homens sempre foi uma das principais preocupações dos filósofos. É, inclusive, um ramo da Filosofia, que recebe o nome de Ética.

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5. O NASCIMENTO DA FILOSOFIA NA GRÉCIA ANTIGA

5.1. Introdução

A Grécia Antiga sempre foi um referencial histórico muito importante para nós. Isso porque a civilização ocidental, da qual fazemos parte, herdou dos gregos muito de sua cultura. O chamado legado grego, conjunto de elementos culturais que herdamos desse povo é imenso, passando pela língua, pelo alfabeto, pelos padrões estéticos, a arte, a política e, não menos importante, a própria filosofia.

Entretanto, a história grega não é um todo homogêneo. A antiga civilização helênica, como também é chamada, começou a dar seus primeiros passos por volta de 2000 a.C. O chamado Período Clássico, o qual mais nos influenciou, teve início no século V a.C. e se estendeu até meados do século IV a.C. Foi, portanto, bastante curto. Apesar disso, foi nessa fase que se consolidou a maioria dos elementos culturais que os gregos nos deixaram.

Grosso modo, a história grega divide-se nos seguintes períodos:

- Período Pré-Homérico ou Creto-Micênico (Séculos XX a XII a.C.);

- Período Homérico (Séculos XII a VIII a.C.);

- Período Arcaico (Séculos VIII a V a.C.);

- Período Clássico (Séculos V e IV a.C.);

- Período Helenístico, Macedônico ou Alexandrino (Séculos IV a II a.C.)

O Período Homérico teve início com a invasão dórica na Grécia. Os dórios, conhecidos pela grande violência, destruíram e civilização Micênica e “empurraram” a população para os campos, onde os gregos, assustados, buscavam esconderijo e proteção. Por esta razão, o Período Homérico caracterizou-se pela ruralização, com desaparecimento quase total da vida urbana, da escrita, do comércio e do contato entre o povo grego e os demais povos da bacia do Mar Mediterrâneo.

No final desta fase e início do Período Arcaico, a Grécia viveu uma espécie de “renascimento”, com surgimento de grandes e poderosas cidades-Estado, conhecidas como Pólis (plural: Pôlei). As duas principais cidades-Estado surgidas nesse período foram Atenas e Esparta. Mas houve outras também, como Tebas, Corinto, Megara, Delfos, Éfeso, Mileto, Samos, Halicarnasso, Rhodes, entre outras. Nesse período,

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muitas pessoas deixaram a “Grécia geográfica” e colonizaram áreas em toda a bacia do Mediterrâneo, dando origem ao “Mundo Grego”, conforme podemos ver no mapa abaixo:

Nesse momento também ocorreu o que alguns historiadores da filosofia chamam de “Milagre Grego”. Ao mesmo tempo em que cidades surgiam e ressurgiam e a cultura grega se espalhava pelo sul da Europa, norte da África e oeste da Ásia, alguns sábios dessas novas cidades começaram a rejeitar as explicações baseadas nos mitos e passaram a buscar na razão a explicação para o universo. Era o nascimento da Filosofia!

Aqui, veremos que essa transformação no pensamento, tão importante para toda a humanidade, não teve nada de “milagrosa”, mas foi resultado de um lento processo histórico que, como sabemos, é uma “criação” humana.

5.2. Antecedentes históricos

A seguir, alguns fatores que, acredita-se, contribuíram para o desenvolvimento do conhecimento filosófico na Grécia Antiga:

A) A escrita: Na maioria dos povos antigos conhecidos, os mitos são transmitidos por tradição oral. O próprio termo mythos significa “o que se diz”, enquanto lenda significa “o que é contado”. É verdade que entre os egípcios haviam os

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hieróglifos, ou “escrita sagrada”. Mas esta era reservada aos sacerdotes e utilizada, geralmente, em ofícios religiosos. Na Grécia a escrita surge desvinculada da religião. Seu uso corrente e cotidiano, longe de promover a democratização da escrita (a maioria dos gregos ainda era analfabeta), provocou a sua dessacralização, a sua separação da religião. Em outras palavras, a escrita, como forma de registrar o conhecimento em geral, tornou-se comum. Com isso, as novas ideias sobre o mundo puderam ser registradas, transmitidas e debatidas com maior facilidade.

B) O comércio: Muitas cidades gregas, especialmente Atenas e aquelas localizadas na Ásia Menor (como Mileto) desenvolveram uma economia baseada no comércio marítimo. As viagens pelas bacias do Mediterrâneo e do Mar Negro tornaram-se comuns, quase diárias. Com isso, diferentes povos e culturas foram conhecidas pelos gregos, abrindo-lhes as mentes para novas ideias. Imagine um comerciante grego, educado segundo as tradições mitológicas da Grécia, que de repente se vê diante de mitos completamente diferentes dos seus! Com isso, os próprios mitos gregos passaram a ser questionados.

C) A religião: Os gregos eram politeístas. Isso significa que adoravam mais de um deus. Na verdade, os gregos, como a maioria dos povos daquele tempo (os judeus são a única exceção) cultuavam uma infinidade de deuses. Porém, a religião grega diferenciava-e de todas as outras (inclusive do judaísmo) em um aspecto fundamental: os deuses gregos eram ANTROPOMÓRFICOS. Isso significa que tinham forma humana. Talvez você pense: “mas muitos deuses do Antigo Egito também eram representados com corpo humano!”. Realmente. Porém, os deuses egípcios, fenícios, sumérios, assírios, O DEUS dos hebreus, entre tantos outros, viviam no céu! Eram entidades superiores, intocáveis, que jamais se misturavam aos humanos. Já os deuses gregos, além da forma humana, compartilhavam sentimentos humanos: sentiam raiva, fome, desejo, inveja, amor, medo...além do mais, viviam “logo ali”, no Monte Olimpo. Os gregos acreditavam realmente que seus deuses estavam próximos. São famosos os mitos envolvendo os casos amorosos de Zeus com humanas, para desespero de sua esposa, a deusa Hera. Dos humanos, diferenciavam-se “apenas” pelos poderes sobrenaturais e pela imortalidade.Segundo uma parcela considerável de pesquisadores, a religião “humanizada” dos gregos foi muito importante para o surgimento da Filosofia. Isso acontece porque, segundo estes estudiosos, os gregos, ao procurarem entender a própria religião, dedicaram-se a compreender o comportamento humano, seus valores e sentimentos que o impulsionam. Com o tempo, o lado humano dessa tentativa de compreensão tornou-se mais forte que o religioso.

D) A lei escrita: Tomemos o exemplo de Atenas. Até o governo de Drácon, no século VII a.C., as leis atenienses eram orais. Muitas vezes sua elaboração era

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atribuída aos próprios deuses. Os mais velhos eram respeitados pelo enorme conhecimento que tinham dessas leis e da tradição como um todo. Drácon ordenou que todas as leis de Atenas fossem escritas, registradas de forma a que todos pudessem consultá-las. Assim, as leis perderam seu caráter “divino”, tornando-se “humanas”. Passaram a ser discutidas e modificadas. Tudo isso permitiu o debate de novas ideias e o questionamento de tudo aquilo que era tido como verdadeiro simplesmente por que pertencia à tradição (lembra-se da importância do questionamento para a Filosofia?).

E) A política: Aqui devemos considerar DOIS elementos políticos importantes para entender a questão.Em primeiro lugar não podemos nos esquecer que a Grécia Antiga nunca existiu como um país unificado. Cada cidade-Estado (Pólis) grega possuía a sua autonomia política, econômica e legal. Evidentemente, em alguns momentos, certas cidades exerceram sua hegemonia sobre outras, mas isso nunca tirou do mundo grego a sua principal característica: a independência e a liberdade política de cada Pólis. O sentimento de autonomia em relação às demais cidades, de certa forma, inspirou o debate de ideias entre os gregos. Uma vez que não havia, fora da própria cidade, um poder superior ao qual obedecer, os cidadãos sentiam-se livres para pensar e debater as divergências entre si.Em segundo lugar havia a democracia (aqui tomaremos novamente o exemplo de Atenas). Nesse regime político, os cidadãos (aqueles que tinham direito de participar das decisões políticas) eram incentivados a participar e debater as ideias apresentadas. O cidadão ateniense via a participação no debate político como uma obrigação moral. Aquele que se recusasse a participar das discussões de ideias era visto como um “idiota” e isolado pela sociedade.

Esses dois fatores, conjuntamente, colaboraram para a troca de ideias, o “contato com o diferente”, enriquecendo o debate filosófico do período. Sobre isso:

A Pólis se faz pela autonomia da palavra, não mais a palavra mágica dos mitos, palavra dada pelos deuses e, portanto, comum a todos, mas a palavra humana do conflito, da discussão, da argumentação. O saber deixa de sagrado e passa a ser objeto de discussão.

A expressão da individualidade por meio do debate faz nascer a política, libertando o homem dos exclusivos desígnios divinos, e permitindo a ele tecer seu destino na praça pública. A instauração da ordem humana dá origem ao cidadão da polis, figura inexistente do mundo coletivista da comunidade tribal.

(Filosofando: Introdução à Filosofia. P. 65)

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6. O INÍCIO

6.1. Pré-socráticos: os primeiros filósofos

A Filosofia não surgiu de repente. Não “caiu na cabeça” dos gregos, fazendo-os romper definitivamente com o pensamento mitológico. Foi, como vimos, resultado de um lento processo histórico. Havia, nos mitos, elementos que já indicavam uma preocupação maior com o homem e seus atos; estudamos isso no tópico que fala da religião grega, no capítulo anterior. Por outro lado, mesmo os primeiros filósofos, conhecidos como pré-socráticos (depois veremos o porquê) ainda guardavam muito do caráter imaginário da Mitologia.

Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos? Estas três perguntas resumem, de maneira bastante simplificada, aquilo que chamamos de “angústia humana”, a eterna necessidade que o homem tem de entender as origens e causas de tudo.

Basicamente, a primeira preocupação da Filosofia foi encontrar uma explicação racional para as origens do universo. Como você já deve saber, os gregos acreditavam na Cosmogonia, de Hesíodo, como solução para o problema. Bastava crer que tudo o que existe foi produto da vontade e dos conflitos dos deuses e fim de papo. Porém, como você também sabe, as muitas e profundas transformações pelas quais o mundo grego passou tornaram as justificativas mitológicas insuficientes e até mesmo “bobas”. Era necessário entender o universo de forma racional e coerente, através de uma explicação que se justificasse em argumentos sólidos e inteligentes.

Muito pouco restou do pensamento dos Pré-Socráticos. O tempo, as guerras, a História, enfim, fez desaparecerem seus textos originais. Tudo o que sabemos sobre eles vem de outros filósofos, mais recentes, que de alguma forma conheceram essa “primeira Filosofia” e, felizmente, deixaram o que sabiam por escrito. Todas as informações apresentadas aqui sobre os Pré-Socráticos vem desses filósofos e historiadores que escreveram sobre esses “pais” da Filosofia.

Como já disse, a preocupação desses pensadores era explicar, de maneira racional, a origem do Universo e de tudo o que existe nele. Por esta razão seu pensamento é chamado de COSMOLOGIA ou Filosofia Cosmológica.

De um modo geral, todos os Pré-Socráticos acreditavam que o Universo teve uma origem, que eles chamavam de ARCHÉ (lê-se arqué). Junto com essa Arché, haveria também uma substância inicial, responsável por toda a matéria existente. Os gregos chamavam essa substância de PHYSIS (lê-se físis). Pois bem, para esses filósofos, era fundamental identificar a Physis para, então, compreender a Arché e, dessa forma, conhecer a verdadeira origem do Universo.

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Evidentemente, numa sociedade como o mundo grego do século VII a.C., havia diferentes teorias, que eram debatidas e, muitas vezes, conflituosas. Algumas eram semelhantes, especialmente aquelas elaboradas por filósofos que viviam na mesma região ou em regiões próximas umas das outras. Cada filósofo defendia a “sua” própria Physis e, conseqüentemente, a “sua” própria Arché. A proximidade geográfica e as eventuais semelhanças nas explicações para o universo deram origem às chamadas Escolas Filosóficas Pré-Socráticas, ou simplesmente Escolas Pré-Socráticas. Aqui não devemos entender “Escola” no sentido literal da palavra. Escolas como as conhecemos não existiam. Havia professores particulares, que às vezes reuniam grupos maiores de alunos para incentivar o debate. Com efeito, devemos entender “Escola”, aqui, como “grupo de filósofos que pensam de maneira parecida e/ou vivem próximos um dos outros. A seguir, as principais Escolas Pré-Socráticas e seus representantes mais conhecidos:

Escola jônica:

• Tales de Mileto (624-545 a.C.) : Água

• Anaximandro (610-547 a.C.): “Apeiron”, substância indeterminada.

• Anaximenes (585-524 a.C): Ar

• Herácllito (Séculos VI a V a.C.): Fogo – identidade dos contrários

• Empédocles (492-432 a.C.): Esfera perfeita composta de amor, que, quebrada pelo ódio, liberou os quatro elementos

• Anaxágoras (500-428 a.C.): Mistura de tudo em todos e todos em tudo

Escola itálica:

Pitágoras (571-496 a.C.): Número

Escola eleática:

• Xenófanes (580-490 a.C.): Deus, composto de uma “espacialidade pensante”, uma inteligência suprema, mas sem forma perceptível

• Parmênides (Séc. V a.C.): Ser real, perceptível. Não pode haver identidade entre os opostos (Crítica à Heráclito)

• Zenão (490-430 a.C.): A realidade é imóvel. O movimento do mundo seria formado pela sequência de realidades diferentes, como uma película de filme.

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Escola atomística

• Leucipo de Mileto e Demócrito de Abdera: A realidade é formada por átomos, partículas indivisíveis, que caem no espaço, se juntando para formar as coisas

Observe o mapa abaixo: ele dá a localização geográfica de cada uma das Escolas no contexto do mundo grego. Observe que a Filosofia surgiu “fora” da Grécia, uma vez que Tales, considerado o “primeiro filósofo” nasceu e viveu boa parte de sua vida em Mileto, na Jônia (atual Turquia), na época um importante centro do mundo grego.

7. UMA MUDANÇA DE RUMO

7.1. Os sofistas

A palavra “sofista” vem de sophos, que como vimos significa sabedoria, em grego. Os sofistas eram professores do saber.

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A evolução política de Atenas resultou no fortalecimento da democracia como regime de governo. A sua principal característica era a participação dos cidadãos1 na tomada de decisões. A democracia ateniense também possuía outra característica importante: era direta, ou seja, cada cidadão tomava parte, diretamente, nos debates públicos, diferentemente das democracias representativas, onde os cidadãos escolhem um número pequeno de representantes que irão defender seus direitos. Uma das justificativas apontadas para forma direta da democracia em Atenas é o pequeno número de cidadãos efetivos da cidade (ver nota de rodapé, abaixo).

Por tratar-se de um governo gerido, de certa forma, pela própria população, o interesse pelas questões humanas, como aquelas relacionadas ao convívio, ao bem comum e às noções de justiça ganharam um espaço significativo entre os sábios gregos.

Por outro lado, uma vez que a cada cidadão era dado o direito de opinar na tribuna pública sobre o governo da cidade, era muito importante que os debates e discursos fossem realizados com eficiência, demonstrando de maneira lógica a viabilidade das ideias defendidas. Em outras palavras, era necessário que um cidadão, ao defender publicamente suas ideias para o bem da cidade, fosse “bom de papo”, tivesse “lábia”, enfim, soubesse argumentar racionalmente, para convencer o restante do grupo.

Nesse cenário, surgiram os filósofos sofistas. A escola sofista, como é conhecida, corresponde a um grupo de filósofos, vindos de diferentes regiões, que passaram a ensinar a Filosofia para esses cidadãos, com o objetivo de desenvolver neles a capacidade de raciocinar e defender com argumentos lógicos as suas ideias. A principal “matéria” ensinada pelos sofistas era a retórica, que nada mais era do que a arte de falar bem em público, com bons argumentos e da maneira mais clara possível.

Os sofistas tiveram um papel muito importante no desenvolvimento da Filosofia grega. Estão entre os primeiros filósofos a se preocupar com o homem e sua vida em sociedade; por esta razão, ao contrário dos pré-socráticos já estudados, sua filosofia é chamada de antropológica. Por outro lado, ao tornarem-se “professores”, contribuíram para o fortalecimento da democracia, especialmente em Atenas. Entretanto, seu trabalho foi muito criticado por colegas de seu tempo, e ainda hoje é pouco estudado e reconhecido.

Sócrates, considerado o maior filósofo grego, quase um “pai” da filosofia, fez pesadas críticas contra os sofistas. Para ele, estes sábios preocupavam-se tanto com o discurso e a formalidade dos argumentos, que se esqueciam de buscar a verdade. Por isso sua Filosofia seria falsa. Vem daí o preconceito contra os sofistas, e o uso da palavra “sofisma” para indicar uma afirmação rebuscada e sem fundamento (como os

1 Por cidadão entendemos aqueles que têm o direito de participar das decisões políticas votando, sendo votados e opinando de forma livre consciente. Daí surgiu o conceito de cidadania, que é o exercício dos direitos de cidadão. Em Atenas, uma minoria possuía tais direitos. Eram considerados cidadãos todos os homens livres, maiores de idade, nascidos em Atenas, filhos de pais atenienses. Isto significa que estavam excluídas as mulheres, os estrangeiros, os escravos, crianças e jovens.

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discursos de alguns políticos atuais...). Sócrates também criticava os sofistas por cobrarem pelas aulas dadas. Para ele o conhecimento devia ser buscado e oferecido por todos, e seria uma vergonha vendê-los. A questão é que muitos sofistas vinham de classes médias e baixas, e o salário pelas aulas era sua única fonte de sustento.

Infelizmente, poucos escritos dos sofistas chegaram até nós. Quase tudo o que sabemos deles vem do que foi dito por outros filósofos, muitos deles seus inimigos, como Sócrates e Platão. Isso contribuiu para que, por muitos séculos, seu trabalho fosse visto com muito preconceito. Felizmente, nos últimos duzentos anos, o papel dos sofistas vem sendo reavaliado, e sua enorme contribuição, finalmente reconhecida. Sobre o maior de todos os sofistas, as filósofas brasileiras Maria Lúcia Arruda e Maria Helena Martins disseram:

Quando Protágoras, um dos mais importantes sofistas, diz que “o homem é a medida de todas as coisas”, esse fragmento deve ser entendido não como expressão do relativismo do conhecimento, mas enquanto exaltação da capacidade de construir a verdade: o logos não é mais divino, mas decorre do exercício técnico da razão humana.

Filosofando: página 94

7.2. “Só sei que nada sei”

Sócrates viveu em Atenas, provavelmente entre os anos de 470 a 399 a.C. presenciou o apogeu e a decadência da democracia. Filho de um escultor e de uma parteira, parece que chegou a aprender a profissão do pai, mas preferiu dedicar-se ao saber. Desde muito cedo teve contato com o pensamento dos principais filósofos gregos, tanto os mais antigos quanto o de seu tempo.

Travou intenso contanto com os sofistas que, como vimos, haviam iniciado uma importante corrente filosófica, cujas principais características eram a preocupação com o desenvolvimento do raciocínio e da argumentação e a compreensão do homem como o centro do Universo (antropocentrismo). Inicialmente, segundo alguns historiadores, Sócrates manteve um diálogo com os sofistas para, depois, tornar-se seu maior crítico. As razões para tais críticas já foram mencionadas do tópico anterior.

Para Sócrates, a Filosofia era a busca da verdade essencial. A razão de ser de todas as coisas. Segundo ele, o verdadeiro filósofo deveria preocupar-se com a reflexão e o questionamento sobre os conceitos fundamentais da vida humana, como a verdade, o bem, a coragem e a justiça. Para ele, o trabalho feito pelos sofistas ela uma “perda de tempo”, além de desonesto, por era pago.

A grande preocupação deste pensador ateniense era identificar o melhor caminho para alcançar o verdadeiro conhecimento. Segundo Sócrates, as pessoas tendiam a acreditar naquilo que lhes era afirmado sem refletir sobre tais “verdades”.

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Isso, segundo ele, gerava o senso comum, que ele chamou de doxa (opinião, em grego). A doxa seria um falso conhecimento, tido como verdadeiro apenas por que era repetido pela maioria das pessoas. Em seus debates com seus discípulos, Sócrates afirmava que as pessoas deveriam abandonar a doxa e buscar a episteme, o conhecimento verdadeiro, fruto de uma reflexão critica sobre a verdade.

Sócrates não deixou nada escrito. Tudo o que sabemos sobre ele foi relatado por seus discípulos, entre os principais estão Platão e Xenofonte. Seu “método de trabalho” consistia em perambular pelas ruas de Atenas, debatendo ideias com todas as pessoas que encontrava. Fazia perguntas para todo o tipo de pessoa, desde políticos poderosos e ricos comerciantes até servos, escravos e mendigos. Tinha uma preferência por aquelas pessoas que se diziam sábias, “especialistas” sobre um determinado assunto. Isso se deve à maneira com Sócrates conduzia seus diálogos, chamado de elenkhós (refutação).

Os diálogos de Sócrates com seus interlocutores dividiam-se em duas etapas: A primeira delas era a ironia (do grego eironeia, “perguntar fingindo não saber”) e a maiêutica (do grego maieutiké, “arte do parto”). Basicamente, Sócrates fazia perguntas a alguém, levando esse alguém a discorrer longamente sobre um determinado assunto. Fazendo diferentes perguntas sobre um mesmo tema, muitas vezes contraditórias, Sócrates fazia aparecerem os erros do interlocutor, provando que o aparente “sábio” era, na verdade, um ignorante. Em seguida, o filósofo iniciava um debate com este mesmo interlocutor, a partir dos erros demonstrados. Ao longo do debate, ideias novas iam aparecendo. Assim, Sócrates ajudava seu colega de diálogo a chegar à verdade, literalmente “dando à luz” o conhecimento. Note que a principal preocupação de Sócrates não foi determinar o que seria a verdade, mas como se chegar a ela.

Ao aprimorar a Filosofia Antropológica, demonstrar as deficiências da Sofística e apontar os caminhos para o que considerava a “verdadeira Filosofia”, Sócrates provocou uma profunda revolução no saber grego. Graças a ele, o homem substituiu a natureza como centro das preocupações filosóficas. Tanto, que ele se tornou uma espécie de “divisor de águas” na história da Filosofia. A partir de então, todos os filósofos dedicados à interpretação exclusiva da natureza e suas origens (muitos dos quais contemporâneos de Sócrates) passaram a ser chamados de pré-socráticos, numa referência à nova tradição filosófica desenvolvida pelo pensador de Atenas.

Apesar de sua enorme contribuição, Sócrates fez muitos inimigos, especialmente entre aqueles cuja falsa sabedoria foi desmascarada pelo seu elenkhós. Assim, Sócrates foi levado a julgamento, acusado de corromper a juventude e ofender os deuses. Apesar de ter demonstrado a falsidade das acusações, o grande filósofo foi condenado à morte e obrigado a tomar uma dose de cicuta. Morreu tranquilamente, cercado de seus discípulos, discutindo Filosofia enquanto esperava o poderoso veneno fazer efeito. Abaixo, segue o relato da defesa que Sócrates fez de si mesmo, durante seu julgamento, transmitido por seu discípulo e amigo Platão, cuja obra também estudaremos no próximo tópico.

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Com efeito, senhores, temer a morte é o mesmo que supor-se sábio quem não o é, porque é supor que sabe o que não sabe. Ninguém sabe o que é a morte, nem se, porventura, será para o homem o maior dos bens; todos a temem, como se soubessem ser ela o maior dos males. A ignorância mais condenável não é essa de supor saber o que não sabe? É talvez nesse ponto, senhores, que difiro do comum dos homens; se n’alguma coisa me posso dizer mais sábio que alguém, é nisto de, não sabendo o bastante sobre o Hades, não pensar que o saiba. Sei, porém, que é mau e vergonhoso praticar o mal, desobedecer a um melhor do que eu, seja deus, seja homem; por isso, na alternativa com males que conheço como tais, jamais fugirei de medo do que não sei se será um bem. Portanto, mesmo que agora me dispensásseis, desatendendo ao parecer de Ânito, segundo o qual, antes do mais, ou eu não devia ter vindo aqui, ou, já que vim, é impossível deixar de condenar-me à morte, asseverando ele que, se eu lograr absolvição, logo todos os vossos filhos, pondo em prática os ensinamentos de Sócrates, estarão inteiramente corrompidos; mesmo que, apesar disso, me dissésseis: “Sócrates, por ora não atenderemos a Ânito e te deixaremos ir, mas com a condição de abandonares essa investigação e a filosofia; se fores apanhado de novo nessa prática, morrerás”; mesmo, repito, que me dispensásseis com essa condição, eu vos responderia: "Atenienses, eu vos sou reconhecido e vos quero bem, mas obedecerei antes ao deus que a vós; enquanto tiver alento e puder fazê-lo, jamais deixarei de filosofar, de vos dirigir exortações, de ministrar ensinamentos em toda ocasião aquele de vós que eu deparar, dizendo-lhe o que costumo: 'Meu caro, tu, um ateniense, da cidade mais importante e mais reputada por sua cultura e poderio, não te envergonhas de cuidares de adquirir o máximo de riquezas, fama e honrarias, e de não te importares nem cogitares da razão, da verdade e de melhorar quanto mais a tua alma?"' E se algum de vós redargüir que se importa, não me irei embora deixando-o, mas o hei de interrogar, examinar e confundir e, se me parecer que afirma ter adquirido a virtude e não a adquiriu, hei de repreendê-lo por estimar menos o que vale mais e mais o que vale menos. É o que hei de fazer a quem eu encontrar, moço ou velho, forasteiro ou cidadão, principalmente aos cidadãos, porque me estais mais próximos no sangue. Tais são as ordens que o deus me deu, ficai certos. E eu acredito que jamais aconteceu à cidade maior bem que minha obediência ao deus.

Outra coisa não faço senão andar por aí convencendo-vos, moços e velhos, a não cuidar tão aferradamente do corpo e das riquezas, como de melhorar o mais possível a alma, dizendo-vos que dos haveres não vem a virtude para os homens, mas da virtude vêm os haveres e todos os outros bens particulares e público. Se com esses discursos corrompo a mocidade, seriam nocivos esses preceitos; se alguém afirmar que digo outras coisas e não essas, mente. Por tudo isso, Atenienses, diria eu, quer atendais a Ânito, quer não, quer me dispenseis, quer não, não hei de fazer outra coisa, ainda que tenha de morrer muitas vezes.

Fonte: http://www.metodista.br/eduCommons/faculdade-de-humanidades-e-direito/modulo-02-logica-e-filosofia-antiga/aula-2-historia-da-filosofia-antiga-socrates-e-o-problema-socratico/a-defesa-de-socrates

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8. PLATÃO

Conforme já foi mencionado, Platão foi o mais famoso discípulo de Sócrates, e o principal responsável por preservar a obra de seu mestre. Só isso já bastaria para torná-lo fundamental para a história da Filosofia, mas Platão foi além! Seguindo os caminhos iniciados por Sócrates, desenvolveu uma Filosofia própria. Escrevendo na forma de diálogos, e colocando Sócrates como personagem na maioria deles, Platão debateu as mais diversas questões que inquietavam os gregos de seu tempo. Aqui discutiremos apenas duas: “Qual é a origem das ideias?” e “Qual é o melhor governo?”

8.1. A teoria do conhecimento

Platão dava uma importância muito grande à episteme, o conhecimento verdadeiro. Como bom seguidor de Sócrates, acreditava que o homem sábio era aquele capaz de romper com o falso conhecimento, representado pelo senso comum (doxa), e encontrar a verdade através da atividade intelectual, do questionamento.

Para ele, as ideias não eram uma criação humana, mas podiam ser encontradas e conhecidas pelos homens sábios. Acreditava que o universo estava dividido em dois mundos, o “mundo das ideias” e o “mundo sensível”.

Como o próprio nome já diz, o mundo das ideias era onde o conhecimento verdadeiro estava localizado. Lá viva um “deus ordenador”, que Platão chamava de demiurgo, responsável por organizar o conhecimento. No mundo das ideias, tudo era perfeito e completo. Todo o conhecimento já existia de maneira exata e estava organizado pelo demiurgo.

Já o mundo sensível é o nosso mundo, o mundo dos sentidos e das coisas materiais. Este nosso mundo, segundo Platão, é uma cópia do mundo das ideias e, como toda cópia, está cheio de falhas e imperfeições. Perfeito mesmo, só o mundo das ideias. Tudo o que existe aqui é uma cópia atrasada e mal feita de algo que existe perfeitamente no mundo das ideias.

Mas então, como o conhecimento, ainda que incompleto, poderia sair do mundo das ideias e vir parar aqui, no mundo sensível? Basicamente, de duas maneiras diferentes que, afinal, se complementam.

Segundo Platão, as almas são criadas no mundo das ideias, e “encarnam” no mundo sensível através do nascimento. Durante o período em que esteve no mundo das ideias, cada alma pode contemplar o conhecimento verdadeiro existente lá. Ao nascer, mesmo inconscientemente, a alma trouxe uma lembrança desse conhecimento, que

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Platão chama de reminiscência. Assim, segundo Platão, todo o conhecimento que nós temos é, de alguma forma, reminiscência, ou seja, uma lembrança.

Por outro lado, é necessário que a alma, encarnada e viva no mundo sensível, possa se “lembrar” com clareza do conhecimento. Para isso, é necessário que ela desenvolva seu intelecto, para que ele possa alcançar a verdade.

É importante saber: Platão desprezava o conhecimento obtido através das experiências e dos sentidos. Em primeiro lugar porque, segundo ele, os sentidos vêm do corpo, que é inferior a alma e pertencem à matéria. Por isso só são capazes de perceber o mundo material. Como o mundo material não contém o conhecimento verdadeiro (que está presente no mundo das ideias), os sentidos, afinal, nos enganam. Assim, só a atividade puramente intelectual – ligada à alma e ao mundo das ideias – poderia alcançar a verdade. Em segundo lugar, porque a Grécia, no tempo de Platão, era absolutamente escravocrata. Os escravos desempenhavam todas as funções. Assim, toda forma de trabalho manual passou a ser associada à própria condição de escravidão, sendo discriminada, enquanto as atividades mentais passaram a representar a vida ideal da elite dominante.

Platão ilustrou a busca pelo conhecimento na sua Alegoria da Caverna. A seguir, temos uma adaptação feita por Maurício de Sousa. Leia com atenção e ente responder às seguintes questões: O que significam o sol e as sombras, respectivamente? O que representa o ato de sair da caverna? A quem Platão se referia ao criar o personagem que sai da caverna e enxerga a verdade? Ainda hoje o conhecimento pode ser considerado uma forma de libertação? Por quê? Ainda somos enganados por “falsas verdades”? Cite exemplos.

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8.2. Pensamento político

Platão dedicou boa parte de sua obra à política. Muitos historiadores defendem que foi a partir de seu pensamento político que ele elaborou todo o restante de sua vasta Filosofia.

A grande questão que atormentava os pensadores de sua época – inclusive Platão – era a seguinte: qual é o melhor governo para a cidade e seus cidadãos?

Para responder esta pergunta, Platão usa novamente a sua teoria “mundo das ideias X mundo sensível”. Em sua obra A República, procurou posicionar a questão do “bom governo” de acordo com a sua ideia de conhecimento. Segundo ele, cada alma é criada com certa “vocação especial”. Basicamente, Platão agrupou as almas, segundo suas vocações, em três grupos:

As ALMAS DE OURO seriam aquelas dotadas de uma capacidade maior de alcançar o mundo das ideias, graças ao seu elevado intelecto. A sua maior qualidade é a sabedoria, e sua vocação é a Filosofia (busca do conhecimento verdadeiro).

As ALMAS DE PRATA seriam aquelas destinadas a proteger a cidade e seus habitantes.a sua maior qualidade é a coragem, e sua vocação é o Exército.

As ALMAS DE BRONZE seriam aquelas criadas para os trabalhos manuais. Sua maior virtude é a temperança (paciência, moderação) e suas vocações seriam o comércio, o artesanato e a agropecuária.

Caberia ao governo educar as crianças e jovens e garantir que cada uma seguisse a vocação apropriada ao tipo de alma que possui. O próprio governo seria de responsabilidade dos filósofos.

De acordo com Platão, somente os filósofos teriam capacidade e preparo para “enxergar a verdade” do mundo das ideias. Por terem um conhecimento mais profundo, poderiam governar com sabedoria e justiça, garantindo a ordem e o bem-estar de todos. Por ser uma proposta de governo de sábios, o modelo político proposto por Platão é chamado de SOFOCRACIA.

Perceba que Platão, ao propor um governo de filósofos (que, pelo menos aparentemente são a minoria), faz uma crítica indireta à democracia ateniense, que se caracterizava por ser um governo de muitos. Na verdade, Platão, em várias ocasiões, criticou o que ele considerava o grande erro da democracia. Para este filósofo, nem toos estão aptos a participar dos assuntos públicos. Dar a alguém assim o direito de decidir sobre os problemas da cidade era, no mínimo, um grande perigo. Segundo ele, políticos “espertos” (ele usa a palavra “demagógicos”) poderiam se aproveitar da ingenuidade das pessoas, para tomarem o poder e governarem segundo seus próprios interesses.

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9. ARISTÓTELES

Aristóteles (384-322 a.C.) nasceu em Estagira, atual Macedônia, e foi o mais ilustre aluno de Platão. Seu pai, Nicômaco, foi médico do rei Filipe II da Macedônia que, por sua vez, era pai de Alexandre, o Grande (realizador de um dos maiores impérios da história da humanidade), de quem Aristóteles foi professor. Em 340 a.C., alguns ano após a morte de seu mestre, Aristóteles fundou em Atenas sua própria escola, chamada Liceu. Em 323 a.C., ano da morte de Alexandre, Aristóteles foi levado ao tribunal por motivos religiosos. Foi condenado, mas, ao contrário de Sócrates, aceitou o banimento e morreu no ano seguinte.

Esse pensador, que era extremamente sistemático e metódico, filosofou basicamente sobre todos os assuntos já pensados pelos seus antecessores (os pré-socráticos, Sócrates e Platão). Estudou sobre a natureza do homem, pesquisou sobre as formas de governo e as razões da política e penou até sobre a poesia, que, segundo ele, é o gênero literário mais próximo da filosofia, além de estabelecer as primeiras regras para o estudo da lógica.

9.1. Teoria do conhecimento

Apesar de reconhecer a importância de Platão, Aristóteles discordava de muitas das ideias de seu mestre. Como vimos, Platão estabeleceu uma diferença muito clara entre matéria e intelecto, e sempre afirmou a superioridade do mundo das ideias sobre o mundo sensível. Para ele, o verdadeiro conhecimento era obtido buscando-se a verdadeira realidade que, evidentemente, não estaria no mundo da matéria. Daí o desprezo de Platão pelos sentidos e pelas experiências.

Aristóteles, ao contrário, não tinha essa visão dualista do universo. Para ele, corpo e alma não eram elementos opostos, nem mesmo separados, mas complementares. Para o “Estagirita” como Aristóteles ficou conhecido, existe uma interação entre os sentidos e a razão. Em outras palavras, o conhecimento é elaborado pela razão a partir das informações coletadas pelos sentidos, não há senão um único mundo, que é este em que vivemos, o qual devemos compreender com a ajuda dos sentidos. Segundo Jostein Gaarder:

Aristóteles achava que Platão tinha virado tudo de cabeça para baixo. Ele concordava com seu mestre em que o exemplar isolado do cavalo “flui”, passa, e que nenhum cavalo vive para sempre. Ele também concordava que, em si, a forma do cavalo era eterna e imutável. Mas a “ideia” cavalo não passava para ele de um conceito criado pelos homens e para os homens, depois de eles terem visto um certo número de cavalos. A “ideia” ou a “forma” cavalo não existia, portanto, antes da experiência vivida. Para Aristóteles, a “forma” cavalo consiste nas características do cavalo, ou seja, naquilo que chamaríamos de espécie.

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(...)

(...) Para Platão, o grau máximo de realidade está em pensarmos com a razão. Para Aristóteles, ao contrário, era evidente que o grau máximo de realidade está em percebermos ou sentirmos com os sentidos. Platão considera tudo o que vemos ao nosso redor na natureza como meros reflexos de algo que existe no mundo das ideias e, por conseguinte, também na alma humana. Aristóteles achava exatamente o contrário: o que existe na alma humana nada mais é do que reflexos dos objetos da natureza. Para Aristóteles, Platão foi prisioneiro de uma visão mítica do mundo, que confundia as ideias dos homens com a realidade do mundo.

O Mundo de Sofia. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p. 122-123.

Talvez as origens de Aristóteles, que era filho de um médico, ajudem a explicar seu apreço pela natureza e seu interesse em entendê-la. Ao tentar identificar as leis que regem o Universo, Aristóteles sistematizou o conhecimento, sendo considerado o pai da ciência moderna. Se muito do que ele afirmou hoje é considerado absurdo (por exemplo, Aristóteles acreditava que a Terra estaria no centro do Universo), não podemos nos esquecer que no século IV antes de Cristo havia pouca ou nenhuma tecnologia que pudesse ser aproveitada pelo filósofo em suas pesquisas. Biólogo sem microscópio, astrônomo sem luneta, ainda assim, mesmo diante de uma absoluta pobreza de ferramentas de trabalho, Aristóteles demonstrou que toda ciência precisa de um método, uma sistema de trabalho rigoroso, se quiser obter resultados.

9.2. Pensamento político

A palavra ética vem do grego ethos, que significa costume. Em Filosofia, é o ramo do conhecimento que se preocupa com o bem viver.

Como agir? Quais atitudes são as melhores para mim e meus semelhantes? O que é permitido fazer? A ética preocupa-se em tentar responder perguntas como estas. Mas o que a ética tem a ver com a política em Aristóteles?

Em seu livro “Ética a Nicômaco”, o filósofo afirma que os homens buscam a felicidade, e esta, sendo o fim último da existência, só pode ser obtida através da vida moderada e das práticas mediadas pela razão. Enfim, somos seres à procura da realização pessoal, e esta só pode ser alcançada pelo equilibro entre os extremos.

Também no que concerne às virtudes, Aristóteles chama a atenção para um “meio-termo de ouro”. Não devemos ser nem covardes, nem, audaciosos, mas corajosos (coragem de menos significa covardia e coragem demais significa audácia). Também não devemos ser nem avarentos, nem extravagantes, mas generosos (generosidade de menos é avareza e generosidade demais é extravagância).

Jostein Gaarder, O Mundo de Sofia.

Page 32:  · Web viewEntretanto, há uma diferença fundamental entre o homem e todas as demais espécies de seres vivos existentes na Terra: pelo menos até onde a ciência pode provar, o

Mais adiante, na obra “Política”, o filósofo diz que toda comunidade é formada por um grupo de pessoas que buscam, individualmente, a felicidade. Na vida comunitária, porém, essa busca tende a tornar-se coletiva, ou seja, busca-se o bem de todos, e não o bem de cada um individualmente. O bem de todos é chamado de bem comum.

Se, para a ética, todo homem caminha para a realização da própria felicidade, na política toda comunidade deve caminhar para o bem comum. Assim, o papel do bom governo é trabalhar pela felicidade de todos, ou pelo menos da maioria.

Mais uma vez contrariando Platão, Aristóteles afirma que o maior número possível de pessoas deve participar da política, não apenas como governantes, mas principalmente como vigilantes, ou seja, “fiscais” dos governantes. Só assim o governo manterá seu propósito de trabalhar pelo bem de todos, não tornando-se tirânico ou corrupto.