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ISSN: 2362-3365
II SEMINARIO INTERNACIONAL DE LOS ESPACIOS DE FRONTERA (II GEOFRONTERA): DIFERENCIAS E INTERCONEXIONES1
6 – Fronteras, Territorios y Culturas / Fronteiras, Territórios e Culturas
UM ESPAÇO INCOERENTE: OS CULTOS DA FRENTE PARLAMENTAR EVANGÉLICA NA CÂMARA DOS DEPUTADOS.
Esion Fernando de Freitas
UNIOESTE
R e s u m o: A interpelação religiosa evangélica na política brasileira tem se pautado na defesa
de valores considerados cristão e morais, nesse sentido este artigo busca examinar sua
atuação política através das atividades da Frente Parlamentar Evangélica (FPE)
centrando sua atenção no culto realizado por esta frente na Câmara Federal. Tomando
este como um espaço sagrado incoerente a partir da perspectiva de laicidade
adotada pelos movimentos sociais laicos presentes na sociedade e na política brasileira.
Tem por objetivo central evidenciar a presença do espaço sagrado na interpelação
política pentecostal no Brasil atual e seu papel no deslocamento de fronteiras sociais.
INTRODUÇÃO
No Brasil vivemos dias onde as relações entre religião e política tem ganhado as
paginas dos jornais, a atenção acadêmica e os debates do dia a dia. Questionando assim
alguns preceitos que ate recentemente vinham referenciando a ciência no que tange a
sua interpretação da religião e seu lugar na sociedade. Modernamente, desde fins do
século XIX até idos de 1950, a religião que havia sid o inicialmente tomada como fruto de
ilusões, ópios sociais, bem como um universo nebuloso contrário a razão e condenada a
1 Editor: Facultad De Humanidades y Ciencias Sociales (FHyCS) Universidad Nacional de Misiones (UNaM). Direccion: Oficina de Relaciones Internacionales – 1er piso Biblioteca, Calle Tucuman 1946, Posadas, Misiones, CPA: N3300BSP, Correo electrónico: [email protected]
1
extinção. Acreditava-se no progresso e na razão. Pós 1950 começa-se a falar em
secularização da sociedade, esta entendida como o progressivo arrefecimento da religião
como capaz de oferecer explicação para a sociedade. Fala-se em perca de sua
plausibilidade (BERGER. 1985). Contudo, com a queda do socialismo real e o surgimento
de novos movimentos religiosos no mundo, como os fundamentalismos, esoterismos,
New Age e etc. volta-se a mencionar a religião como elemento integrante do social.
Segundo Geertz (2006) “(...)a religião nunca desapareceu, foi a atenção das ciências
sociais que se desviou para outros campos (...)”
No Brasil, no entanto, os ditames da secularização nunca se processaram nos
moldes europeus; vivemos um processo diferenciado, onde historicamente a religião
nunca desapareceu de cena política por completo, estando sempre a permear
debates e projeto políticos com variável intensidade de participação. É neste contexto
histórico especifico que um dos motivos que vem evidenciando a presença da religião
no Brasil atual é a recente inserção dos evangélicos na política institucional brasileira e
sua atuação destes através da já decenária Frente Parlamentar Evangélica (FPE). Esta
inserção tornou-se visível publicamente após o surgimento de uma “Bancada Evangélica”
na Assembléia Nacional Constituinte de 1986-88, e a partir de então a atuação política
da mesma ganhou atenção crescente da sociedade, que não raro tem visto a mobilização
de seus setores em prol da agenda política e dos interesses desta.
Nesse contexto, uma das questões que ganhou publicidade nos dias atuais é a
realização por parte da FPE, de um culto semanal nas dependências da Câmara dos
Deputados. E isso nos chama atenção, pois em princípio trata-se de um ato contrário aos
preceitos de um Estado republicano, assim, partimos da premissa de que este fato
merece a atenção geográfica, pois para os interlocutores da atuação política evangélica
no Congresso Nacional, que tem em apreço o principio da laicidade estatal tratar-se de
uma incoerência espacial.
A INSERÇÃO DOS EVANGÉLICOS NA POLÍTICA: BREVE HISTÓRICO
Primeiramente, convém ressalvarmos que sob o titulo de evangélicos reside uma
ampla gama de diferentes grupos religiosos, não raro teologicamente divergentes e
institucionalmente concorrentes entre si. Neste sentido, cabe aqui uma breve diferenciação
histórica que diante da pluralidade do setor não visa enquadrar a todos os envolvidos, mas
oferecer ao leitor, em perspectiva panorâmica, algumas das diferenças encontradas no
interior desse grande grupo religioso.
2
Evangélico, crente, não-católico, protestante são termos que aludem aos grupos
religiosos que são direta ou indiretamente filhos da Reforma Protestante do século
XVI (MAFRA, 2001; MENDONÇA, 2002). Assim, na historia da inserção protestante no
Brasil, temos os Protestantes de Imigração, que em geral começaram a chegar já no
início do século XIX. Desta forma são “(...) resultantes do transplante, para o Brasil,
de grupos de imigrantes que mantiveram sua identidade religiosa, certa homogeneidade
étnica e a estabilidade de suas referencias teológicas.” (RABAT, 2010. p.7) Tem-se como
exemplo deles, os grupos luteranos.
Outra vertente de implantação dos evangélicos é chamada de Protestantismo
Missionário ou de Missão, e são aqueles que começaram a chegar em geral após 1850,
enviados por igrejas dos Estados Unidos e imbuídos de uma visão expansionista
missionária, e que vieram com o objetivo claro de realizar proselitismo (MENDONÇA,
2002). Entre seus exemplos citam-se as Igrejas Congregacionais, Batistas, Metodistas e
Presbiterianas.
Por fim, como mais recente representante do protestantismo no Brasil
temos o Pentecostalismo, que também chegou ao Brasil vindo dos Estados Unidos,
precisamente em 1910 com instalação da Congregação Cristã no Brasil(CCB) em São
Paulo e da Assembléia de Deus(AD) em 1911 em Belém no Pará. Suas características são
basicamente: crer na atualidade dos Dons Espirituais, no Batismo com o Espírito Santo, na
Glossolalia e no retorno Pré-milenial de Cristo e forte oposição ao catolicismo.
Sua historia no seio da sociedade brasileira é classifica, apesar do não consenso
entre os pesquisadores, em três “ondas” (MARIANO apud SOUZA e MAGALHÃES,
2002. p. 88-89): Primeira onda ou Pentecostalismo Clássico, refere-se as igrejas
instaladas no pais no início dos século XX, são elas CCB e a AD.
Já a Segunda onda ou Pentecostalismo Neoclássico, inicia-se por volta de
1950 e caracterizou-se por valer-se das mídias como o rádio e a TV, para sua pregação,
bem como centrar-se no dom de Cura Divina ao invés do Falar em línguas. Marcou
também esta onda o surgimento de várias igrejas nacionais como o Brasil Para Cristo
(1955), Casa da Benção(1964), Deus é Amor(1962) entre outras. E também a chagada,
como Cruzada Nacional de Evangelização (1951), daquela que viria ser a Igreja do
Evangelho Quadrangular.
Por fim a Terceira onda ou Neopentecostal, tem como marco a década de 1970,
pois trata-se do período no qual surgiram a hoje bastante conhecida Igreja Universal do
Reino de Deus(1977), além de outras como a Igreja Internacional da Graça de Deus(1980).
Entre as características mais marcantes desta fase, esta a atenção dada por estas igrejas
a Teologia da Prosperidade, a Teologia da Batalha Espiritual e a forte atuação midiática.
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Assim sendo, apesar de suas origens norte americanas, o pentecostalismo é
hoje o seguimento que junto com os evangélicos em geral mais cresce no Brasil, pois
segundo o censo de 2010, representa um universo de 13,3% da população brasileira, ou
seja, algo entorno de 25 milhões de pessoas e mais de 50% do total evangélicos do
país (22,2%). Portanto é “(...) a face do protestantismo que mais profundamente se
adaptou ao país.[...] [e] de certa forma, é no pentecostalismo que se expressa a
dinâmica própria da comunidade evangélica brasileira no momento atual.”(RABAT, 2010.
p.8)
Assim, diante do acima exposto, podemos notar a variabilidade de grupos que se
englobam hoje no Brasil sob o termo evangélico, e esta variabilidade está presente na
recente inserção deste seguimento religioso na política, inserção que é marcada por forte
participação pentecostal.
Nesse aspecto, o marco histórico, mas não inaugural, da inserção evangélica na
política brasileira, vai dar-se durante a Assembléia Nacional Constituinte de 1986-88,
quando “(...)os pentecostais entraram na política insuflados pelo temor de que a Igreja
Católica buscasse ampliar seus privilégios junto ao Estado brasileiro[...]” (VITAL e LOPES,
2013. p. 41) Além dos pentecostais, os Batistas também despontaram no cenário
argumentando a necessidade de defesa da separação entre Estado e Igreja e os direitos
humanos.
Alem desses argumentos da defesa dos valores institucionais, os pentecostais
visavam também: “(...) os valores morais, que primariam pela família. Sendo assim “[...]
eles precisariam se organizar para atuar contra ativistas homossexuais e feministas, bem
como contra os defensores da Umbanda e do Candomblé.” (VITAL e LOPES, 2013. p. 41)
Desse momento histórico em diante, os evangélicos não mais deixaram de se fazer
notar na política brasileira, e aliado ao seu constante crescimento numérico isto vem
conferindo ao seguimento uma considerável representatividade. Sendo este crescimento
também um dos motivos que explicam seu envolvimento na política nacional (RABAT,
2010).
A FRENTE PARLAMENTAR EVANGÉLICA (FPE) E O ESTADO: LAICIDADE E ESPAÇO SAGRADO
Surgida publicamente na Assembléia Nacional Constituinte de 1986-88 com o
titulo de “Bancada Evangélica”, este agrupamento político-religioso tem oscilado na
quantia de integrantes. Contudo Duarte (2010) nos adverte que o termo pelo qual deve ser
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chamado é de Frente Parlamentar, pois bancada “(...) abarca um agrupamento partidário e
a ‘Frente Parlamentar’ compreende a reunião de um grupo de parlamentares de diversos
partidos que lutam por uma causa comum.” (p.58)
Assim, em 2003, surge no congresso nacional a FPE, que nasce marcada por um
simbolismo religioso, a começar pela data da instauração oficial, que segundo a autora
supracitada deu-se “(...) no dia 18 de setembro de 2003 em uma Sessão Solene em
homenagem ao Dia Nacional de Missões.” (DUARTE, 2010. p.56) Esta sessão tinha por
objetivo homenagear as missões religiosas transculturais, mas que após as homenagens
veria a instauração da FPE, realizada pelo então deputado Pr. Pedro Ribeiro (PR/CE).
Após esse momento de homenagens, o mesmo parlamentar realizou a instalação da
mesma “pela misericórdia de Deus e em nome de Jesus.” Ou seja, surge sob claro
significado religioso. Atualmente (54ª legislatura), a FPE esta composta por 70 deputados
federais e 3 senadores, sendo que a maior parte dela é de deputados ligados a igrejas
pentecostais e neopentecostais. Só no caso das Assembléias de Deus(AD) são 22
deputados.
Segundo Maia (2012) entre os objetivos da Frente estão
(...) uma atuação voltada para questões sociais mais amplas – como a recuperação de dependentes químicos e as questões da saúde e da segurança pública – além de uma atuação voltada para a defesa de valores religiosos evangélicos mais específicos – a proibição da união civil entre pessoas do mesmo sexo e a proibição do aborto, por exemplo - sendo que, [...] ainda há uma atuação clara no sentido de defender interesses específicos das igrejas. (p.100)
Assim, ao mesclar em sua atuação assuntos de natureza secular e interesses
religiosos, a presença evangélica na política vem direcionando a esta para uma crescente
confessionalização. Criando “(...) além de uma apresentação do político definida por sua
inscrição religiosa, partidos como o próprio Partido Republicano Brasileiro (PRN), em 2005,
ligado à Igreja Universal do Reino de Deus, e o Partido Ecológico Nacional (PEN), em 2012,
ligado a Assembléia de Deus (...) ”(VITAL e LOPES, 2013. p.47) Algo não raro tido
como incoerente com o princípio da neutralidade do estado republicano.
Esta forte atuação religiosa no cenário político brasileiro, e no caso do
pentecostalismo sua crescente interpelação política e social (ORO, 2011) tem levado
alguns estudiosos a refletirem sobre a laicidade do Estado, bem como a relação
publico/privado no Brasil (MARIANO, 2011; BURITY, 2001; SOUZA e MAGALHÃES,
2002), na tentativa de tornar compreensíveis as atuais inter-relações entre Religião e
Política no Brasil
De acordo com Mariano (2011) existe no Brasil aquilo que ele chama de “Laicidade à
5
Brasileira”, onde a separação Estado/Igreja ocorrida com a proclamação do estado
republicano “(...) jamais resultou na privatização do religioso no Brasil, nem muito menos
na exclusão mútua entre religião e política.” (p.254)
Esta situação histórica de relativa separação fez com que a laicidade não
viesse a se constituir como “(...) um valor ou principio nuclear da República brasileira, que
devesse ser defendido e preservado a todo custo (...)” (p.254) Por esse motivo o autor
reconhece que a mesma no país
(...) não dispõe de força normativa e ascendência cultural para promover a secularização da sociedade e para assegurar sua própria reprodução, como tem sido acuada pelo avanço de grupos católicos e evangélicos politicamente organizados e mobilizados para intervir na esfera pública. (p.254. grifos do autor)
Já para Burity (2001), esta havendo no Brasil um deslocamento da
Fronteira Publico/Privado, causado pela “(...) crescente atividade reguladora do estado
[que] passou a envolver áreas antes consideradas privadas, ou mesmo íntimas(...)(p.32)
Outrossim, pelo crescimento da oferta religiosa que levou a competição e “(...) gerou
uma busca por assegurar espaços de representação política por parte dos grupos
religiosas emergentes(...)”(p.32) E por fim, devido aos movimentos sociais e culturais de
1968 que colocaram novos temas à agenda política, onde “(...) questões como gênero,
raça, meio ambiente, cultura e subjetividade assumiram então, um caráter de problema
político e mobilizaram forças de ação política em defesa de reconhecimento, justiça e
participação” (p.32).
Nesse sentido, a fronteira público/privado no Brasil segue existindo, mas segundo
o autor citado, “(...) deixa à iniciativa política de atores mobilizados (...) o traçado da linha
divisória.” (p.32) E portanto pode-se falar da “(...)obsolescência do modelo europeu –
liberal, secular e neutro”(p.31) na compreensão dos fenômenos recentes no Brasil.
O ESPAÇO SAGRADO NA CÂMARA FEDERAL
Diante disso, entre estas iniciativas políticas que contribuem para o deslocamento
da fronteira publico/privado e evidencia a pouca não centralidade da laicidade como
valor central na política brasileira esta a cessão por parte da Mesa Diretora da Câmara dos
Deputados de um espaço da Câmara para a FPE realizar seus cultos. Esta cessão vem
trazer a realidade um dos desejos da FPE. Pois Duarte (2010) nos afirma que a frente foi
criada também com a meta de “(...) congregar por meio de um culto semanal os político
6
evangélicos.”( p.58. grifo nosso). Este culto é realizado todas as quartas-feiras, entre as
08:00 e 10:00 horas no Plenário 2 da Câmara do Deputados, um espaço público,
legalmente laico, cedido2 à manifestação religiosa. Na qual, segundo o ex-presidente da
FPE, ex-deputado Adelor Vieira: “(...) A gente se reúne para um m o m e n t o de l ou v or, de
adora ç ão , isso é muito bom” (MAIA, 2012. p.101. grifo nosso)
Realizados desde 2003, estas celebrações religiosas são segundo Duarte (2010.
p. 55) “(...) um espaço de invocação do religioso e de sacralização das atividades da
política.” Isto porque durante os cultos são realizados cânticos religiosos, orações,
preleções e também que envolvem assuntos em pauta na política nacional, com os
quais a FPE esta relacionada. Como também ocorre a “(...) promoção da
evangelização e conversão evangélicas no espaço do legislativo.” (p.58)
Neste sentido, vale lembrarmos que “(...) o termo ‘culto, do latim cultus
(veneração) pode significar a mais elevada homenagem que se presta a uma
divindade.”(PEREIRA e GIL FILHO,2012. p.9) Logo, realizar um culto dentro do espaço
legislativo, é criar um “(...)lugar têmporo-espacial onde ocorrem e se materializam os
procedimentos/práticas e as ideologias religiosas.”(p.9) Em um dos cultos observados por
Duarte(2010) o deputado João Campos(PSDB/GO) “(...) lembra aos irmãos [...] que aquele
espaço é de adoração ao senhor e o seu tempo não é o da política, mas sim o da
igreja.”(p.75)
Assim sendo, para o entendimento do processo de sacralização do espaço efetuado
pela FPE no interior da Câmara Federal, precisamos assumir a religião como uma forma
pela qual o homem atribui significados ao mundo. Nesse sentido, o Espaço Sagrado
“Seria mais propriamente uma conjunção de espacialidades da experiência religiosa do
que uma base material. Pois o que esta em jogo não são os fatos em si (a
materialidade), mas sim seus sentidos e significados (idealida de).” (PEREIRA e GIL
FILHO, 2012. p. 43)
Ou seja, “A atividade simbólica modela o mundo em dimensões de experiências
que realiza o ser. Sendo construtora de cosmovisões, a religião, estrutura mundos de
significados e organiza o devir.” (GIL FILHO apud PEREIRA e GIL FILHO, 2012.p. 43)
Considerando isso, o espaço sagrado não residirá nos elementos presentes no
espaço, e sim na capacidade do homem religioso de significar suas experiências e o
espaço. Em outras palavras, ao torná-las dizíveis, em discurso religioso, o homem pode
significar seu espaço. “A comunicação da fé é realizada por meio da linguagem, e como
2 Dizemos cedido por que de acordo com a nota publicada pela Ouvidoria da Câmara, trata-se de uma cessão após agendamento prévio. Nota disponível em: h tt p : / / ww w 2 . c a m ara . l e g . b r / a - c a m ara / o u v i d o r i a / do c u m e n t o s / a t r i bu i c o e s . h t m l A cesso em: 07/06/2013
7
fruto desse processo temos a experiência do homem religioso, que é expressa através
de distinções sociais e espaciais, resultando em uma nova ordem em sua vida (...)”
(FERNANDES e GIL FILHO, 2011. p. 224)
Assim sendo, o espaço sagrado pode surgir através das espacialidades
concretas das expressõpes religiosas ou seja como “(...) palco privilegiado das práticas
religiosas.”(GIL FILHO, 2008.p. 72) Aqui, o sagrado espacializa através dos rituais
religiosos, em nosso caso, nas orações e cânticos realizados pelos deputados e outros
participantes do Culto da FPE.
Outra forma de espacialização do sagrado na Câmara do Deputados é por das
representações simbólicas acionadas, nesta perspectiva o discurso religioso assume papel
conformador da realidade, ressignificando o espaço por meio da linguagem. Assim, para a
percepção dos religiosos ali presentes o espaço assume uma nova realidade. Ou seja,
“Seria uma dimensão representada tanto pelo discurso como pelos símbolos religiosos.”
(FERNANDES e GIL FILHO, 2011. P. 226) Ou seja, “(...) a mesa central ocupada nas
sessões ordinárias pelo presidente e pelo secretário geral da comissão naquela
cerimônia torna-se púlpito no qual se postavam o dirigente, o orador do dia e o mestre de
louvor e seu aparato instrumental. ”(DUARTE, 2010. P. 73)
Não sendo apenas uma mera disposição, mas o fato de assumir aquele espaço
(laico) como espaço de culto ao sagrado. Logo, o discurso religioso que faz o fiel colocar
numa nova perspectiva o espaço no qual esta presente. Neste sentido, contribui para a
sacralização do espaço, o fato de que os deputados e senadores evangélicos se verem
como “missionários” “enviados de Deus” (DUARTE,2010). Ao ser verem desta
forma, tais deputados tornam-se agentes religiosos, ou melhor, exemplos do homem
religioso, porta-vozes do transcendente.
Ademais, devido os deputados da FPE em seus cultos se utilizarem de textos
sagrados, como citações e leituras da bíblia, e com isso contextualizarem seus atos,
inclusive o culto como elemento sagrado, proporcionam a espacialização do mesmo por
meio da significação que o texto bíblico é capaz de atribuir ao espaço. “Desta forma, o
espaço sagrado é estrutural, pois o homem religioso classifica de forma qualitativa o seu
interior” (GIL FILHO apud GIL FILHO, 2012. P. 45, grifos do autor)
Portanto, ao utilizarem-se do sagrado através do discurso e das práticas rituais, os
deputados aparecem no espaço do culto como fieis, onde realizam a sacralização dos
seus atos políticos, bem como, tornam um espaço publico, laico em espaço sagrado.
Para Duarte (2010) “(...) a invocação do religioso no espaço do fazer política dissolve as
fronteiras entre templo e sociedade, publico e privado, Igreja e Estado, religião e política.”
(p.58)
8
DA INCOERÊNCIA ESPACIAL
Nas citações de Mariano (2011) feitas acima, percebemos que Laicidade estatal no
Brasil é constui-se em artigo diverso ou mesmos inexistente, daqueles que preconizam os
princípios do estado republicano do qual nos fala Burity (2001). Tal situação histórica é
que nos permite compreender porque Mariano (2011) nos fala de uma “Laicidade à
Brasileira”, uma laicidade não possui força normativa dentro da sociedade brasileira.
Assim, se a laicidade estatal não goza do status de valor central na sociedade e a
história brasileira é marcada por insistentes relações entre o Estado e a(s) Igreja(s),
podemos perguntar como é o espaço sagrado na Câmara um espaço incoerente?
Incoerente em relação ao que?
Compreendemos o espaço sagrado na Câmara Federal como uma incoerência
espacial tomando como ponto central o entendimento de Laicidade expresso pelos
movimentos sociais laicos que possuem pautas contrárias aquelas defendidas pelos
religiosos, especialmente a FPE, no Congresso Nacional. Fazemos esta opção, como
forma de tentar tornar mais claras as relações entre estas diferentes concepções
políticas e socais e seu entendimento em relação ao fenômeno aqui estudado.
Segundo Mariano (2011) o entendimento sobre laicidade concebido e acionado
por estes movimentos “(...) zela pelo caráter laico do ensino público, pela rigorosa
separação entre Estado e igrejas e pela restrição à participação e à influencia de
autoridades e grupos religiosos na esfera política.”(p. 253) Logo, esse entendimento é
claramente contrário a atuação evangélica na política. Ao passo que estes possuem uma
compreensão “(...) de modo lato, visando legitimar a ocupação religiosa do espaço público e
da esfera pública (...)” (p. 253. grifos do autor) Portanto, segundo o mesmo autor, o que
fundamentalmente se discute é a legitimidade da atuação religiosa na política e no Estado,
bem como o papel e as funções do Estado. (MARIANO, 2011.p. 252)
Assim, segundo o citado autor, os movimentos lançam mão de diferentes
concepções de laicidade visando desautorizar politicamente a atuação do movimento
contrário, como é o caso dos movimentos laicos em relação aos religiosos, e estes por
sua vez buscam através de sua concepção legitimar sua presença na esfera pública.
Como também, ambos buscam fazer prevalecer sua “(...)Interpretação do principio da
laicidade e seus respectivos valores e interesses na esfera pública (...)” (p.253)
Diante disso, pela perspectiva militante laica, num espaço historicamente afeito a
“(...) neutralidade do confessional das instituições políticas e estatais (...)” (MARIANO,
2011. P. 244) a manifestação do espaço sagrado pode ser entendida como uma
9
incoerência espacial, isto por que tendo ante a sacralidade do espaço o princípio
republicano da laicidade pode ser entendido, como a não aceitação, a rejeição, ou o não
reconhecimento oficial de espaços qualitativamente diferenciados religiosamente. Pois,
neutralidade admite a “(...) emancipação do Estado [...] de toda referencia e legitimação
religiosa (...)” (MARIANO, 2011. p. 244)
Portanto, a incoerência ocorre em relação à concepção de laicidade esboçada
pelos movimentos laicos que buscam desautorizar a presença do religioso na esfera
pública que assim vão na contramão das características históricas da sociedade brasileira,
onde “(...) os políticos religiosos – sejam evangélicos, sejam católicos – ressoam valores
presentes nesta cultura [predominantemente católica] e podem acionar
medos(relacionados aos pânicos morais) porque articulam um discurso que vai ao encontro
da cosmologia dominante.”(VITAL e LOPES, 2013. p. 176)
Ou seja, os agentes políticos religiosos possuem considerável capacidade de se valerem de
compreensões de mundo que já estão presentes na sociedade brasileira, o que lhes
confere grande capacidade de convencimento junto à mesma.
Logo, a recusa quanto a coerência3 histórica da presença do espaço sagrado na
política advém do fato que as “As concepções iluministas, humanistas e político-
filosóficas tendem a desconsiderar os religiosos como legítimos e também
fundamentais para o dialogo político (...)” (VITAL e LOPES, 2013. p. 177)
Dadas estas características, os autores citados anteriormente recomendam aos
movimentos pelos direitos das mulheres e LBGT que:
As ações [...] devem considerar, sempre que possível, os componentes destas cosmologias que formam nossa cultura, investindo em campanhas de conscientização que dialoguem com estas cosmologias, e não que as desconsiderem como sendo reminiscências de um atraso ou de um pensamento obscuro com o qual não se deva ter contato.(VITAL e LOPES, 2013.p. 177)
Por estas recomendações, podemos perceber que a cessão do espaço do plenário
2 à sacralização na Câmara Federal, constitui-se num ato contrário a neutralidade estatal,
e o culto numa manifestação não afeita as funções formais do local, logo incoerente
funcional e ideologicamente.
Assim, os cultos da FPE na Câmara dos deputados demonstram que o espaço
sagrado é elemento fundamental para o deslocamento das fronteiras (BURITY, 2001),
3 Por coerência histórica entendemos aqui as características históricas da sociedade brasileira concernente as relações entre religião e política, que nos permitem compreender a pertinência social do surgimento de um espaço sagrado num espaço legalmente laico.
10
entre o público e o privado, entre Religião e a Política, “(...) pois aciona crenças
religiosas que constituem a visão de mundo evangélica em contraposição a
valores preconizados pela sociedade contemporânea.”(DUARTE, 2010. p. 87) E não
podemos deixar de perceber que ao aliar elementos religiosos a disputas políticas, o
espaço do plenário 2, alem de ser sacralizado, assume também contornos territoriais.
Esta dimensão territorial do espaço sagrado é outro fator que vem a reforçar os
incômodos causados pelo mesmo nas divergências políticas entre laicos e religiosos, pois
ao ser sacralizado por evangélicos, assume um papel na correlação de forças políticas,
sendo assim um espaço de poder na trama do poder institucional. Porta assim,
características duplas: religiosas, como espaço sagrado e, políticas, enquanto espaço de
poder de um dado segmento religioso da sociedade na Câmara.
Muito embora percebamos a este momento, que em termos práticos a concepção de
laicidade defendida pelos movimentos laicos pareça então destoar das características
históricas pela qual a mesma tem sido construída no Brasil, ainda assim serve como um
dos referencias sob o qual podem ser entendidos os discursos e práticas de grupos
políticos no Brasil atual e suas disputas, além é claro, de ser um dos “lados” desta refrega
política nacional contemporânea e disputar consciências e projetos políticos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do acima exposto, podemos concluir que vivemos dias marcados por forte
imbricação entre elementos políticos e religiosos. Que embora não sejam inaugurais na
historia brasileira, evidenciam o poder de atuação de um novo ator social, o
pentecostalismo. Tais dias questionam os recentes postulados científicos sobre a religião
e seu lugar social.
Outrossim, revelam que o espaço sagrado, muito além de ser apenas uma
manifestação religiosa é plenamente capaz de se acionado nos diferentes contextos
sociopolíticos, tensionando as fronteiras sociais. As invocações do religioso no espaço
da Câmara Federal (DUARTE, 2010) se traduzem em fortes influências nas formas como
a sociedade encara o fato religioso no espaço público. As manifestações cúlticas da FPE
no Congresso Nacional causaram forte questionamento social, levando a Ouvidoria da
Câmara a publicar um esclarecimento4, dizendo não ferir com isso a isonomia do Estado.
Tal reação social torna-se compreensível a luz do chamado segredo publico, ou seja, as
4 Esclarecimento publicado na referencia citada na nota 1
11
relações (des)conhecidas entre o Estado brasileiro e a Religião. Tais relações são
conhecidas, mas não reconhecidas publicamente e, alem disso são a base das relações
sociais historicamente construídas nesse aspecto organizacional da sociedade.(TAUSSIG
apud VITAL e LOPES, 2013.p. 10)
E assim, o espaço sagrado, já com contornos territoriais, transforma-se em
estratégia de forte interpelação (ORO, 2011) política e religiosa na atuação parlamentar
evangélica, onde vê-se a capacidade de deslocamento de fronteiras que a religião é
capaz de fazer em nosso tempo, bem como de espacializar-se.
Assim, entendemos que apesar de historicamente coerente, este espaço
sagrado é interpretado como elemento de exceção na esfera publica institucional por
parte de alguns agentes sociais. E nisso pensamos ter lançado alguma luz sob uma das
perspectivas pelo qual o mesmo pode ser tomado, e que por ser uma forma de
entender, embasa as lutas e os atores da cena política contemporânea.
BIBLIOGRAFIA
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BURITY. J. Religião e política na fronteira: desinstitucionalização e deslocamento numa
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27-45 Disponivel em: <ww w . pu c sp . b r / r e v e r / r v 4_2001 / p_bu r i t y . p d f > Acesso em: 15-02-2013
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