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EXCELENTÍSSIMO (A) SENHOR (A) DOUTOR (A) JUIZ (ÍZA) DE DIREITO DA _____
VARA DE FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE SÃO PAULO - SP
URGENTE – POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA E DEMAIS POPULAÇÕES VULNERÁVEIS – NEGATIVA DE ACESSO À DOCUMENTAÇÃO PARA OBTENÇÃO DO AUXÍLIO EMERGENCIAL – NECESSIDADADE DE FUNCIONAMENTO DO POUPATEMPO E DO IIRGD PARA ATENDER PESSOAS SEM DOCUMENTOS
A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO,
instituição essencial à função jurisdicional do Estado, por meio de seus Núcleos
Especializados de Cidadania e Direitos Humanos Humanos (NCDH) e de Defesa da
Diversidade e da Igualdade Racial (NUDDIR), com fundamento no art. 5º, inciso VI,
alíneas “b” e “f”, XII e do art. 53, inciso II, da Lei Complementar nº 988/2006, assim como
no art. 4º, incisos I e II, bem como no art. 128, inciso X, da Lei Complementar nº
80/1994, por seus órgãos de execução que esta subscreve, vem, à presença de Vossa
Excelência, com fundamento nos artigos 1º, 3º, 5º, inciso LXXIV e 134 da Constituição da
República; artigo 103, da Constituição do Estado de São Paulo; artigo 4°, da LC n° 90/94;
artigo 185, do Código de Processo Civil; artigo 5º, inciso II, da Lei nº 7.347/85 e artigo
5°, inciso VI, alínea g, da LC Estadual n° 988/06 propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA
em face do ESTADO DE SÃO PAULO pessoa jurídica de direito público interno, com sede
na capital do Estado, a ser intimado, nos termos do art. 75, inciso II do Código de
Rua Boa Vista, 150, mezanino, São Paulo (SP), Cep: 01014-000 - e-mail: [email protected] – Telefone Funcional: +55 11 94220-8732
Rua Teixeira da Silva, 217 – 4º andar - São Paulo/SP – CEP: 04002-905 – Tel: (11) 94221-0426 [email protected]
Processo Civil, na pessoa do Procurador Geral do Estado, cuja sede em São Paulo/SP
está localizada na Rua Pamplona, 227, 7º andar, pelos motivos de fato e de direito a
seguir expostos consoantes motivos de fato e de direito a seguir expostos.
DA LEGITIMIDADE ATIVA E PASSIVA
A Defensoria Pública foi eleita pelo Constituinte como responsável
pela assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados (art. 134, CF). Por esse
motivo e para instrumentalizar a defesa desses necessitados, foi inserida no
microssistema processual coletivo.
Consoante os termos do art. 4º, inciso VII, da Lei Complementar nº
80/94, e do art. 5º, inciso VI, alínea 'g', da Lei Complementar Estadual nº 988/06,
constitui atribuição institucional da Defensoria Pública do Estado de São Paulo a
promoção de ação civil pública para a tutela de interesses difusos, coletivos ou
individuais homogêneos - por fim, reitera a Lei Complementar Estadual n.º 988/06 que é
atribuição da Defensoria Pública paulista a promoção de ação civil pública de interesse
difuso, coletivo e individual (art. 5.º, VI, ‘g’, corroborado pelo art. 50 da mesma
legislação). No mesmo sentido, o artigo 185, do Código de Processo Civil.
Ainda, o E. STF já consolidou entendimento, em ação movida pela
Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP), no sentido de que a
propositura de ações coletivas não é uma atribuição exclusiva do Ministério Público.
Destacou a relatora Carmen Lúcia em seu voto: “Deve-se retirar obstáculos para que os
pobres tenham acesso à Justiça como forma de diminuir desigualdades e reforçar a
cidadania”1.1 ADI 3943, j. 07/05/2015, Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEGITIMIDADE ATIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA AJUIZAR AÇÃO CIVIL PÚBLICA (ART. 5º, INC. II, DA LEI N. 7.347/1985, ALTERADO PELO ART. 2º DA LEI N. 11.448/2007). TUTELA DE INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS (COLETIVOS STRITO SENSU E DIFUSOS) E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. DEFENSORIA PÚBLICA: INSTITUIÇÃO ESSENCIAL À FUNÇÃO JURISDICIONAL. ACESSO À JUSTIÇA. NECESSITADO: DEFINIÇÃO SEGUNDO PRINCÍPIOS HERMENÊUTICOS Rua Boa Vista, 150, mezanino, São Paulo (SP), Cep: 01014-000 - e-mail: [email protected] –
Telefone Funcional: +55 11 94220-8732
Rua Teixeira da Silva, 217 – 4º andar - São Paulo/SP – CEP: 04002-905 – Tel: (11) 94221-0426 [email protected]
Posto isso, indiscutível a pertinência temática do objeto desta ação
com a missão constitucional da Defensoria Pública, voltada à proteção da população
necessitada (CF, art. 134).
Quanto à legitimidade passiva, segundo o inciso III do artigo 3º da
Constituição Federal, constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil:
“erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.
Além disso, também consta no texto constitucional, como Direito
Fundamental: “ “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a
moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
(art. 6º, da CF) e “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos
e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação.( art. 196, da CF).
Por sua vez, a Lei 7116/83 assegura a validade nacional as
Carteiras de Identidade que devem ser emitidas pelos Estados nos termos do Art 1º que
assim dispõe A Carteira de Identidade emitida por órgãos de Identificação dos
Estados, do Distrito Federal e dos Territórios tem fé pública e validade em todo o
território nacional.
GARANTIDORES DA FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO E DA MÁXIMA EFETIVIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS: ART. 5º, INCS. XXXV, LXXIV, LXXVIII, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. INEXISTÊNCIA DE NORMA DE EXCLUSIVIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA AJUIZAMENTO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO PELO RECONHECIMENTO DA LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.Rua Boa Vista, 150, mezanino, São Paulo (SP), Cep: 01014-000 - e-mail: [email protected] –
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Diante das normas acima referidas, resta evidente que a demanda
de regularização de emissão de documento de identificação civil deve ser processada em
face do Estado.
DOS FATOS
A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou no dia
30/1/2020 que a COVID-19, doença causada pelo vírus SARS-CoV-2 (“novo
coronavírus”), constitui Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional. Na
mesma linha, o Ministério da Saúde do Brasil declarou Emergência em Saúde Pública de
importância Nacional (ESPIN) em decorrência da Infecção Humana pelo novo
coronavírus, no dia 3/2/2020, por meio da Portaria n° 188, do Ministério da Saúde. No
último dia 11/3/2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) classificou a
disseminação da COVID-19 no mundo como pandemia.
No Brasil, o primeiro caso da doença foi confirmado em
26/2/2020, tendo o Ministério da Saúde reconhecido a transmissão comunitária, ou
seja, quando não é mais possível rastrear a origem da contaminação, em 13/3/2020
para as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, e em 20/3/2020 para todo o país.
Os prognósticos são terríveis em relação aos efeitos da epidemia
no Brasil, considerando a vulnerabilidade de grande parte da população. Para ilustrar,
estudo assinado por cinquenta pesquisadores da Imperial College, de Londres, estima
que, caso não haja nenhuma intervenção, o número de mortos no Brasil provavelmente
será em torno de 1,15 milhão; no outro extremo, com o cenário mais otimista possível,
caso se consiga o isolamento de 75% da população, o número de mortes provavelmente
será em torno de 44,2 mil2:
2https://www.imperial.ac.uk/media/imperial-college/medicine/sph/ide/gida-fellowships/Imperial-College-COVID19-Global-Impact-26-03-2020.pdfRua Boa Vista, 150, mezanino, São Paulo (SP), Cep: 01014-000 - e-mail: [email protected] –
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O número de 1,15 milhão de mortos no Brasil é em um cenário em
que nenhuma dessas medidas preventivas seja adotada para conter
o avanço da doença no país. A quantidade de pessoas infectadas
seria de 187,7 milhões de pessoas, entre as quais 6,2 milhões seriam
hospitalizadas e 1,5 milhão seriam casos graves. O cenário mais
otimista, com todas as precauções tomadas e isolamento de 75% da
população, empresas e governo, o número de mortes por
complicações da doença seria de 44,2 mil.
Com isolamento apenas de idosos, o estudo estima que o Brasil teria
120 milhões de pessoas infectadas, entre as quais 3,2 milhões
seriam hospitalizadas, 702 mil teriam quadros clínicos graves e 529
mil morreriam por complicações da covid-19.
Considerando um isolamento parcial, que evita tanto eventos
quanto aglomerações, o número de pessoas infectadas é de 122
milhões, com 627 mil mortes. (Revista Exame, consultada em
28/3/2020 em https://exame.abril.com.br/ciencia/prevencao-
contra-coronavirus-pode-salvar-1-milhao-de-vidas-no-brasil/ )
As experiências internacionais demonstram o tamanho da
gravidade da situação epidêmica. O número de pessoas com quadro grave de infecção
por coronavírus (COVID-19) que necessitam de leito em Unidade de Terapia Intensiva
(UTI) superou em muito o número de leitos e aparelhos respiradores disponíveis em
diversos países, sendo necessárias duras escolhas relacionadas ao acesso a leitos de UTI.
São muitas as notícias que tais escolhas difíceis podem vir a ser necessárias no Brasil, a
depender das proporções que a crise epidêmica tome no País3, tendo sido publicado 3 V., e.g.: https://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2020-04-01/estudo-feito-em-harvard-mostra-falta-de-utis-no-brasil-em-abril.html; https://www.hojeemdia.com.br/horizontes/falta-de-leitos-preocupa-pesquisa-encomendada-pela-uni%C3%A3o-alerta-para-essa-possibilidade-1.781204; https://oglobo.globo.com/sociedade/estudo-aponta-falta-de-utis-no-brasil-em-abril-sugere-que-governo-assuma-controle-de-hospitais-privados-24344570; https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/04/01/estudo-preve-falta-de-leitos-no-brasil-em-abril-e-Rua Boa Vista, 150, mezanino, São Paulo (SP), Cep: 01014-000 - e-mail: [email protected] –
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estudo da Universidade de Harvard que afirma que a falta de vagas em UTIs e de
respiradores é um risco no Brasil4.
Por ora, o Estado de São Paulo é o epicentro da difusão SARS-CoV-
2 no Brasil5. Logo após o reconhecimento da circulação do vírus de forma comunitária
em todo o Estado, foram implantadas novas medidas para além das recomendações
básicas de higiene descritas em protocolo do Ministério da Saúde6 – lavagem correta das
mãos, limpeza e utilização de álcool em gel – considerando a alta potencialidade de
alastramento rápido do vírus SARS-COV-2, na esteira do quanto observado na China,
Itália e Espanha.
Nesse sentido, em âmbito Estadual, o Decreto nº 64.879, de 20 de
março de 2020, reconheceu o estado de calamidade pública no Estado de São Paulo e foi
seguido pelo Decreto nº 64.881, de 22/3/2020, que instituiu quarentena em todo
território paulista, restringindo atividades de maneira a refrear o alastramento do vírus
(art. 1º), mas resguardando a efetivação de atividades essenciais. O Decreto nº 64.920,
de 6 de abril de 2020, estendeu a quarentena até 22/4/2020.
No Município de São Paulo, o Decreto nº. 59.283, de 16 de março
de 2020, “declara situação de emergência no Município de São Paulo e define outras
medidas para o enfrentamento da pandemia decorrente do coronavírus”.
sugere-que-governo-pode-precisar-controlar-hospitais-privados.ghtml. Acesso em: 04.Abr.2020. 4 Disponível em: https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.03.30.20047662v1. Acesso em: 04.Abr.2020.5 https://covid.saude.gov.br/ 6 De acordo com Protocolo de Tratamento da COVID-19 elaborado pelo Ministério da Saúde antes mesmo da confirmação do primeiro caso no Brasil, disponível em https://portal.fiocruz.br/noticia/ministerio-da-saude-lanca-protocolo-de-tratamento-do-covid-19 , a prevenção, diante da inexistência de vacina depende de medidas básicas de higienização :Implementação de Precauções Padrão• Higiene frequente das mãos com água e sabão ou preparação alcoólica.• Evitar tocar olhos, nariz e boca sem higienização adequada das mãos.• Evitar contato próximo com pessoas doentes.• Cobrir boca e nariz ao tossir ou espirrar, com cotovelo flexionado ou utilizando-se de um lenço descartável.• Ficar em casa e evitar contato com pessoas quando estiver doente.• Limpar e desinfetar objetos e superfícies tocados com frequência.Rua Boa Vista, 150, mezanino, São Paulo (SP), Cep: 01014-000 - e-mail: [email protected] –
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É fato notório, portanto, que a situação é grave e, como tal, exige
medidas de saúde e assistência social que partam dessa premissa. Por outro lado, a
gravidade do problema exige que o Poder Público não tome, neste momento, medidas
que possam aprofundar problemas, conflitos e feridas sociais já existentes - os esforços
devem ser de apaziguamento social e acolhimento, em especial das populações mais
vulneráveis, não havendo sentido em medidas como a que se combate na presente ação.
Ocorre que, conforme divulgado pelo próprio Poupatempo,
suas unidade estão fechadas desde o início da Quarentena até 10/05/2020 (Doc. 1
- https://www.poupatempo.sp.gov.br/).
Não houve previsão de atendimento emergencial para
pessoas sem documentos.
No sítio eletrônico do Poupatempo, consta a seguinte
mensagem: “Enquanto isso, caso necessite, orientamos que você utilize outro
documento de identificação válido como a CNH, carteiras de ordem de classe
(OAB, CRM, CREA etc.), passaporte ou carteira de trabalho”.
No entanto, a população mais vulnerável muitas vezes não
dispõe de “CNH, carteiras de ordem de classe (OAB, CRM, CREA etc.), passaporte
ou carteira de trabalho”. Quanto à população de rua, é comum que não tenham
documento algum, muitas vezes perdendo tais documentos até mesmo em ações
de limpeza pública.
Esta Defensoria buscou solucionar a questão pela via
extrajudicial.
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Neste sentido, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo,
por meio de seu Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos, expediu a
recomendação em anexo (Doc. 3), recomendando que: a) as agências do
Poupatempo, atualmente fechadas em razão do quadro de pandemia causado pelo
COVID-19 e da determinação de isolamento social, funcionem em horários e dias
específicos para que a população em situação de rua possa obter a regularização
de seus documentos de identidade e CPF; e b) se necessário para o funcionamento
do Poupatempo em momento de isolamento social, seja possível o agendamento
do atendimento para regularização dos documentos supracitados nos serviços de
assistência social que atendem à população em situação de rua e demais
populações vulneráveis, tais como CREAS e CRAS (Ofício NCDH no 82/2020 –
Anexo).
Por sua vez, o Núcleo de Defesa da Diversidade e da
Igualdade Racial (NUDDIR) expediu ofício nº 125/2020 reiterando que é
competência estadual a emissão de documento de identidade, desta forma
solicitou informações sobre a possiblidade de reabertura de agências do
Poupatempo, atualmente fechadas em razão do quadro de pandemia causado pelo
COVID-19 e da determinação de isolamento social, para funcionamento em
horários e dias específicos, ainda que em horários reduzidos e com observância
dos protocolos do Ministério da Saúde no que tange à disponibilização de insumos
de higiene, restrição de aglomerações de pessoas e uso de equipamentos de
proteção individual, para que a população em situação de rua possa obter a
segunda via dos documentos de identidade (RG) e assim acessar o auxílio
emergencial instituído pelo governo federal. Além de informações sobre a
perspectiva de funcionamento do serviço de emissão de documento de identidade,
em caráter excepcional, em espaços alternativos, com apoio da Secretaria de
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Segurança Pública e dos serviços de assistência social que atendem à população
em situação de rua e demais populações vulneráveis, tais como CREAS e CRAS?
Até o presente momento, porém, não houve resposta do
IIRGD, não obstante diversas tentativas de contato para se solucionar a questão.
Ora, a falta de um documento de identificação válido é óbice para
acesso a serviços públicos, como saúde e assistência social.
Como se pode ver no sítio eletrônico do Ministério da Saúde,
o Cartão SUS, necessário para acesso a serviços médicos da rede pública, deve ser
usado mediante apresentação do documento de identidade, já que aquele cartão
não possui fotografia (Doc. 5).
A ausência do documento de identificação, no mínimo, gerará
embaraços para os usuários dos serviços do Sistema Único de Saúde.
Por outro lado, uma das medidas adotadas pelo Poder Público
para mitigar os efeitos nefastos do quadro de pandemia/isolamento social causado pelo
COVID-19 foi a implementação do auxílio emergencial, instituído pela Lei n.
13.982/2020 e regulamentado pelo Decreto n. 10.316/2020, visando a assegurar uma
renda mínima à população vulnerável durante esse período, sobretudo, os trabalhadores
informais e cidadãos que sofreram um decréscimo em seus rendimentos por conta da
paralisação/diminuição das atividades econômicas.
Assim, o auxilio emergencial surge como uma alternativa do Poder
Público para combater situações de decréscimos de renda e de miserabilidade na qual a
pessoas pobres estarão inegavelmente submetidas.
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De acordo com a Lei n. 13.982/2020, art. 2º, o pagamento do
auxílio emergencial será feito pelo período de três meses, a contar de sua publicação, no
valor de R$600,00 mensais ao trabalhador que cumpra cumulativamente os seguintes
requisitos:
for maior de 18 (dezoito) anos de idade;
não tiver emprego formal ativo;
não for titular de benefício previdenciário ou assistencial
ou beneficiário do seguro-desemprego ou de programa de
transferência de renda federal, ressalvado, nos termos de
seus §§ 1º e 2º, o Bolsa Família;
tiver renda familiar mensal per capita de até 1/2 (meio)
salário-mínimo ou a renda familiar mensal total de até 3
(três) salários mínimos;
que, no ano de 2018, não tiver recebido rendimentos
tributáveis acima de R$ 28.559,70 (vinte e oito mil,
quinhentos e cinquenta e nove reais e setenta centavos);
que exerça atividade na condição de: 1)
microempreendedor individual (MEI); 2) contribuinte
individual do Regime Geral de Previdência Social que
contribua na forma do caput ou do inciso I do § 2º do artigo
21 da Lei nº 8.212/1991; ou 3) for trabalhador informal,
seja empregado, autônomo ou desempregado, de qualquer
natureza, inclusive o intermitente inativo, inscrito no
Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal
(CadÚnico) até 20 de março de 2020, ou que, nos termos
de autodeclaração, cumpra o requisito da renda familiar
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per capita de até 1/2 salário mínimo ou renda familiar total
de até três salárimos mínimos.
Conforme definido pela Lei n. 13.982/2020, art. 2º, § 4º, “As
condições de renda familiar mensal per capita e total de que trata o caput serão
verificadas por meio do CadÚnico, para os trabalhadores inscritos, e por meio de
autodeclaração, para os não inscritos, por meio de plataforma digital.”
Com isso, para ter acesso ao auxílio emergencial, o requerente
deverá (a) estar inscrito no Cadastro Único até 20 de março de 2020 ou (b) preencher o
formulário disponibilizado na plataforma digital, com autodeclaração que contenha as
informações necessárias (Decreto nº 10.316/2020, artigo 5º).
Dito isso, são documentos necessários para o preenchimento do
formulário de inscrição a indicação dos seguintes dados: nome completo, número do
CPF, data de nascimento e nome da mãe, número do telefone celular para receber um
SMS com a informação acerca da concessão ou não do benefício, declaração de renda
individual e ramo de atividade, cidade e estado onde reside e número de conta corrente,
se existente;
O artigo 2º, § 9º da Lei n. 13.982/2020 prevê que O auxílio
emergencial será operacionalizado e pago, em 3 (três) prestações mensais, por
instituições financeiras públicas federais, que ficam autorizadas a realizar o seu
pagamento por meio de conta do tipo poupança social digital, de abertura
automática em nome dos beneficiários.
Entretanto, os brasileiros que não têm conta corrente em banco
precisarão criar a conta poupança social digital, medida que depende da indicação do
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Número do Documento de identidade (RG), conforme se depreende do print da imagem
do sistema da caixa econômica federal:
Acontece que 1/3(um terço) da população brasileira 7 ,
incluída a população em situação de rua, não tem conta bancária e precisará criar
a conta poupança social digital para ser beneficiária do auxílio emergencial.
Aliado a isso, a maioria da população em situação de rua não tem acesso a
documentação pessoal, inclusive desconhece o número do próprio documento de
identificação civil (RG).
Assim, inegavelmente boa parte da população necessita da
emissão um novo RG ou da segunda via para acessar o benefício assistencial.
7 https://exame.abril.com.br/seu-dinheiro/um-em-cada-tres-brasileiros-nao-tem-conta-
bancaria-diz-pesquisa/Rua Boa Vista, 150, mezanino, São Paulo (SP), Cep: 01014-000 - e-mail: [email protected] –
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Nesse contexto, a Defensoria Pública de São Paulo tem sido
procurada por pessoas e também por funcionários dos próprios equipamentos
públicos da rede assistencial do Estado, noticiando que diversas pessoas, incluídas
as em situação de rua, estão enfrentando dificuldades para criação da conta
poupança social digital, em razão de não possuírem o número do RG
(exemplificativamente, Doc. 6).
Inquestionavelmente, a população em situação de rua é
gravemente afetada pelo quadro de pandemia. A esse propósito, destaque-se que
recente pesquisa divulgada pela Prefeitura de São Paulo informa que, em 2019, havia um
total de 24.344 pessoas em situação de rua na cidade de São Paulo, sendo 11.693
acolhidas e 12.651 vivendo em logradouros públicos ou na rua, sendo composta,
majoritariamente, por homens (85% do total) e negros (70%)8.
Além da ausência de moradia, a vulnerabilidade dessa população é
agravada pelo uso abusivo de álcool e outras drogas, além de algumas condições
bastante comuns dentre a população em situação de rua, como a idade acima de 60 anos
e a alta prevalência de comorbidades cardiovasculares, respiratórias e imunológicas
como diabetes, hipertensão, insuficiência renal crônica, HIV, doença respiratória crônica,
todos fatores complicadores para pessoas infectadas pelo vírus SARS-COV-2, podendo
levar a longos períodos de hospitalização e a óbito. Anote-se, ainda, a fome (ou a má
alimentação), a desidratação e falta de local para banho e higienização das mãos e dos
alimentos nesse contexto, já tão preocupante.
Sem moradia, sem renda, e normalmente com saúde debilitada,
sem poder recorrer a centros de acolhida, que já estão cheios, as pessoas em situação de
8 Fonte: http://www.capital.sp.gov.br/noticia/prefeitura-de-sao-paulo-divulga-censo-da-populacao-em-situacao-de-rua-2019. Rua Boa Vista, 150, mezanino, São Paulo (SP), Cep: 01014-000 - e-mail: [email protected] –
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rua não têm a menor chance de sobrevivência se não forem tomadas adequadas medidas
de saúde e assistência social, as quais devem ser garantidas pelo poder público.
Agreguem-se a este cenário da nova epidemia em âmbito estadual os problemas que
normalmente já ocorrem nas estações de outono e inverno para a população de rua, com
o decréscimo das temperaturas e o aumento da incidência de complicações respiratórias
nessa população.
Não há dúvidas de que as pessoas em situação de rua são
potenciais beneficiárias do auxílio emergencial instituído pela Lei nº
13.982/2020, mas poderão ter dificuldades em acessá-lo, tendo em vista a
vulnerabilidade que lhes inerente, mostrando-se necessária, em alguns casos, a
regularização de determinados documentos, sendo nítido, ainda, o impedimento de
acessar a plataforma digital para solicitar o auxílio emergencial instituído pela Lei nº
13.982/2020.
Acrescente-se, ainda, a importância do recebimento do auxílio
emergencial pela população em situação de rua nesse momento de isolamento
social. Nesse contexto, é preciso não se olvidar que a “sobrevivência” desse grupo é
oriunda, em períodos de normalidade, da venda de materiais recicláveis, de pequenos
trabalhos de carregamento e descarregamento em depósitos, supermercados e comércio
em geral, ou até mesmo da contribuição voluntária de transeuntes. Todavia, com as ruas
vazias devido ao fechamento do comércio e das atividades não essenciais e à
recomendação de isolamento social para as pessoas que podem ser recolher ao seu
domicílio, obter a renda necessária para o custeio de refeições oferecidas pelo Programa
Bom Prato, por mais pequena que pareça o valor (R$1,00, para o almoço e jantar e
R$0,50, para o café da manhã), passou a constituir uma tarefa hercúlea.
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A prova de que muitos indivíduos não conseguem pagar esses
módicos valores é evidenciada nas inúmeras ações de doação de comida que diminuíram
no contexto da pandemia. Registre-se, a título exemplificativo, que o Serviço Franciscano
de Solidariedade (SEFRAS) aumentou suas ações em meio à pandemia, oferecendo 5 mil
refeições diárias. Com efeito, conforme nota divulgada pela SEFRAS, “A Tenda
Franciscana tem recebido cada vez mais pessoas em busca de alimento. O que antes era
um serviço voltado à população de rua, para 700 pessoas, hoje atende pessoas
desempregadas do Centro e de outras regiões de São Paulo, que se deslocam para o Largo
São Francisco, o que torna as parcerias, o voluntariado e as doações imprescindíveis .”9 As
enormes filas em busca de um prato de comida têm chamado tanta atenção que já foram
objeto de reportagens .10
Esse fato evidencia, assim, a importância de se garantir à
população em situação de rua, nesse momento, o acesso ao auxílio emergencial
instituído pela Lei n. 13.982/2020.
Para tanto, é necessário que consigam efetuar o cadastro por
meio da plataforma digital instituída pelo Governo Federal e, ainda, para
efetivamente receber o benefício, que tenham em mãos os documentos
necessários para isso . Em muitos casos, no entanto, é necessária a regularização
de sua documentação. Todavia, conforme já consignado e noticiado no site do
Poupatempo, “As unidades do Poupatempo estão fechadas até 10/5/2020,” não havendo
qualquer alternativa para a expedição de documentos pela Secretaria de Segurança
Pública do Estado.
9 http://www.sefras.org.br/novo/nota-de-esclarecimento-2/.10 Fonte: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/04/14/convento-no-centro-de-sp-tem-8-freis-infectados-pelo-coronavirus.ghtml. Rua Boa Vista, 150, mezanino, São Paulo (SP), Cep: 01014-000 - e-mail: [email protected] –
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Não por outros motivos, já foram noticiadas pela imprensa casos
de pessoas em situação de rua que não conseguem requerer o auxílio emergencial, seja
porque não possuem a documentação necessária em mãos, seja porque não possuem
acesso à plataforma digital instituído pelo governo para requerê-lo.11
Diante deste quadro e especialmente diante do malogro da busca
por soluções extrajudiciais, não restou alternativa a esta Defensoria senão a propositura
da presente ação civil pública
DO DIREITO
A proteção à vida é a base para organização da vida em
comunidade e, portanto, fundamento para o ordenamento jurídico nacional e
internacional.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e
proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, pela Resolução 217 A III, em 10
de dezembro de 1948, após o mundo ter assistido a duas Guerras Mundiais
devastadoras, prevê que todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer
distinção, a igual proteção da lei (art. 7.º); que todo ser humano tem direito a um padrão
de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar (art. 25, g.n.).
O Brasil também é signatário do Pacto Internacional de Direitos
Civis e Políticos (PIDCP), adotado pela XXI da Assembleia-Geral das Nações Unidas, em
16 de dezembro de 1966, e incorporado à ordem jurídica brasileira por força do Decreto
n.º 592, de 06 de julho de 1.992, o qual prevê que todas as pessoas são iguais perante a
lei e têm direito, sem discriminação alguma, a igual proteção da lei e, a este respeito, a lei
11 Fonte: https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2020/04/padre-julio-formulario-auxilio-emergencial/. Rua Boa Vista, 150, mezanino, São Paulo (SP), Cep: 01014-000 - e-mail: [email protected] –
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deverá proibir qualquer forma de discriminação e garantir a todas as pessoas proteção
igual e eficaz contra qualquer discriminação por motivo de raça, cor, sexo, língua,
religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação
econômica ou qualquer outra situação (art. 26, g.n.).
No sistema interamericano, a Convenção Americana sobre
Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), adotada no âmbito da Organização
dos Estados Americanos, em 22 de novembro de 1969, e incorporada à ordem jurídica
brasileira por força do Decreto n.º 678, de 6 de novembro de 1969, além de prever o
direito à vida (art. 4.º), dispõe que todas as pessoas são iguais perante a lei e, por
conseguinte, têm direito, sem discriminação, a igual proteção da lei (art. 24).
Por isso é que o Estado assume a obrigação de promover a
dignidade humana dos cidadãos e, para tanto, não basta que respeite a vida desses,
devendo ir além, ou seja, deve assegurar-lhes uma vida digna. Essa conclusão foi
alcançada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, no Caso Villagrán
Moralles y otros vs. Guatemala (Caso Niños de la Calle), sendo oportuno destacar o
seguinte trecho da sentença:
“O direito à vida é um direito humano fundamental, cujo gozo é um pré-requisito para o desfruto de todos os demais direitos humanos. Ao ser desrespeitado, todos os direitos carecem de sentido. Em razão do caráter fundamental do direito à vida, não são admissíveis enfoques restritivos do mesmo. Em essência, o direito fundamental a vida compreende não só o direito de todo ser humano de não ser privado da vida arbitrariamente, mas também o direito a que não se impeça o acesso às condições que garantam uma existência digna. Os Estados têm a obrigação de garantir a criação de condições que sejam requeridas para que não se produção violações a esse direito básico e, em particular o dever de impedir que seus agentes atentem contra ele” (Corte Interamericana de Direitos Humanos, Sentença de 19/11/1999, p. 40).
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No âmbito interno, a Constituição da República prevê que a
República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito (art. 1.º,
caput, g.n.) e tem como fundamento a dignidade da pessoa humana (art. 1.º, inc. III, g.n.),
regendo-se, nas suas relações internacionais, pelo princípio da prevalência dos direitos
humanos (art. 4.º, I, g.n.).
São objetivos fundamentais da República: construir uma
sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (artigo 3º,
g.n.).
Nesse contexto, a assistência social, direito social, “[...] será
prestada a quem dela necessitar [...]”, tendo como um de seus objetivos “a garantia de
um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que
comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família, conforme dispuser a lei” (Constituição Federal, arts. 6º e 203, caput e inciso
V), sendo certo, ainda, que “A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é
Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada
através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para
garantir o atendimento às necessidades básicas” (Lei nº 8.742/1993, artigo 1º).
Dentro dessa lógica, foi editada a Lei Estadual nº 16.554/2017,
que instituiu a Política Estadual de Atenção Específica para a População em Situação de
Rua no Estado de São Paulo, tendo como diretrizes, entre outras, a “promoção dos
direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais”, a “articulação das
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políticas públicas federais, estaduais e municipais”, a “democratização do acesso e
fruição dos espaços e serviços públicos” e a “integração e articulação permanentes entre
serviços, programas, projetos e ações relacionadas à população em situação de rua”,
competindo “[...] ao poder público realizar a formação e capacitação dos trabalhadores,
gestores e demais atores envolvidos na oferta de serviços, projetos, programas e
benefícios visando à qualificação da oferta pública e ao respeito no atendimento à
população em situação de rua” (art. 4, I, II, X, XI e parágrafo único). Ainda segundo a Lei
nº 16.554/2017, são objetivos da Política Estadual de Atenção Específica para a
População em Situação de Rua, entre outros, “assegurar à população em situação de rua
o acesso amplo, simplificado e seguro aos serviços e programas que integram as
políticas públicas de saúde, educação, assistência social, habitação, segurança, cultura,
esporte, lazer, trabalho e renda, previdência e direitos humanos”, “garantir a formação e
capacitação de profissionais para atendimento à população em situação de rua”,
“orientar a população em situação de rua sobre o acesso a direitos sociais”,
“proporcionar o acesso da população em situação de rua às políticas públicas de
assistência social, saúde, educação, habitação, segurança pública, cultura, esporte, lazer,
trabalho e renda e previdência” (art. 5º, I, II, X e XI).
Observe-se, ainda, que o acesso à documentação é aspecto do
direito à personalidade civil, resguardada pelo próprio Código Miguel Reale: Pode-se
exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e
danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei (artigo 12).
Neste sentido, a lei 5.553/1968, art. 1º, dispõe que “A nenhuma
pessoa física, bem como a nenhuma pessoa jurídica, de direito público ou de direito
privado, é lícito reter qualquer documento de identificação pessoal, ainda que
apresentado por fotocópia autenticada ou pública-forma, inclusive comprovante de
quitação com o serviço militar, título de eleitor, carteira profissional, certidão de registro
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de nascimento, certidão de casamento, comprovante de naturalização e carteira de
identidade de estrangeiro.”
Tal dispositivo deve ser interpretado também no sentido da
impossibilidade de o órgão público reter o documento de identificação da pessoa
quando já tenha sido expedido.
Obviamente, a situação de pandemia exige que especiais
cuidados sejam tomados e que o atendimento seja restringido, mais isto não pode
implicar no fechamento completo do serviço público, devendo haver previsão de
atendimento de casos urgentes.
Mesmo porque se trata de serviço público essencial, uma vez
que a identificação pessoal é necessária para o exercício de diversos direitos da
cidadania.
A emissão do documento de identificação é um serviço público
vinculado à Secretaria de Segurança Pública do Estado que concentra no IIRGD-Instituto
de Identificação "Ricardo Gumbleton Daunt"- a coordenação dos trabalhos no Estado de
São Paulo, sendo que o serviço é operacionalizado na maior parte das vezes nos postos
do Poupatempo.
Os serviços públicos são atividades estatais destinadas a satisfazer
determinados objetivos de interesse público. Há, pois, nos serviços públicos duas
características fundamentais: a titularidade pública, já que o serviço pertence ao Estado
e o interesse público, pois o exercício dessa atividade está condicionado à necessidade
da coletividade.
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Conforme ensinamento de Celso Antônio Bandeira de Mello:
Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou
comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível
singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus
deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça às vezes, sob um regime de
Direito Público. (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo.
21a ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 642.)
Dito isso, sabe-se que a emissão de RG é um serviço público
vinculado a atividade de segurança pública porque há interesse estatal em concentrar as
informações sobre identificação civil dos brasileiros, inclusive como medida preventiva
de controle estatal.
Sobre o tema já houve responsabilidade civil do Estado pela
demora excessiva na expedição do RG com reconhecimento de que sendo um documento
essencial para o exercício da cidadania deve ser prestado pelo estado de forma eficiente.
Vejamos o precedente:
ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE
CIVIL DO ESTADO. DEMORA DO DETRAN EM EMITIR CARTEIRA
DE IDENTIDADE. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA EFICIÊNCIA.
DANO MORAL CONFIGURADO. ACERTO DO JULGADO. Regra geral,
a marca distintiva da responsabilidade administrativa é a
desnecessidade de o lesado pela conduta do Poder Público provar
a existência da culpa do agente ou do serviço, bastando a
identificação do fato administrativo, dano e nexo causal (art. 37, §
6º, da Constituição da República). Restou incontroverso nos autos
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que houve atraso de 14 meses no processamento administrativo
de emissão da carteira de identidade do autor. A necessidade de
cautela no processamento administrativo da emissão da carteira
de identidade do autor não justifica uma demora excessiva na
confecção do documento. Diante de uma evolução tecnológica que
vivemos nos dias atuais, onde a transferência de dados e
informações pode ser realizada de forma imediata através de
sistemas de comunicação, não é concebível que o Estado fique
alheio a esta tendência e demore mais de um ano para
confeccionar o documento de identificação dos cidadãos. Neste
contexto, deve o poder público observar o princípio constitucional
da eficiência para desenvolvimento de seus serviços,
notadamente, aqueles considerados essenciais para população.
Não pode ser o dano moral arbitrado em valor ínfimo, de forma
que não sinta o agente impacto em seu patrimônio, nem
exagerado, para que não configure enriquecimento ilícito, o que
seria ilícito, desvirtuando o objetivo de tal verba. Recurso não
provido (TJRJ, APL 0006371-68.2011.8.19.0008 RIO DE JANEIRO
BELFORD ROXO 3 VARA CIVEL Órgão Julgador DÉCIMA SEXTA
CÂMARA CÍVEL Partes APELANTE: DEPARTAMENTO DE
TRANSITO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO DETRAN RJ,
APELADO: JULIO RODRIGUES DE SOUZA Publicação 01/11/2013
Julgamento 08/10/2013).
Aliás, o RG ou Registro Geral é o documento-mãe essencial de todo
cidadão brasileiro, essencial para a emissão de outros documentos. Também conhecido
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como “carteira de identidade”, é considerado o registro mais importante de todos, pois
reúne os dados básicos de cada pessoa nascida no Brasil.
No RG constam as seguintes informações:
Foto atual;
Impressão digital;
Nome completo;
Nome dos pais;
Número do documento;
Data de nascimento;
Assinatura;
CPF;
Nacionalidade/região de nascimento;
Órgão emissor.
Essas informações fornecidas no momento da emissão do
documento, ficam armazenadas no banco de dados dos órgãos públicos para que eles
saibam quem as pessoas são.
Portanto, latente que a emissão do RG é um serviço público
essencial, sendo imperioso que haja uma prestação positiva contínua em face do
Estado como expressão da realização de outros direitos sociais, que no presente
caso é o acesso a renda que possibilitará a vivencia com dignidade mínima no
período da pandemia da COVID-19.
Nesse contexto, é fundamental que o Estado monte um posto
para emissão de carteira de identidade na hora para possibilitar que cidadãos que
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possuam demandas urgentes como necessidade para compra de medicamentos,
consultas e agendamentos no SUS, transações bancárias que dependem do RG
como saque de FGTS e recebimento de benefícios emergenciais durante a
pandemia.
Por todo o exposto, a partir dos diplomas normativos retrocitados,
é possível concluir que o direito à documentação pessoal é uma dimensão do direito à
personalidade e atinge frontalmente outros direitos como o direito à alimentação,
devendo ser resguardado à população em situação de rua, especialmente no período de
pandemia e isolamento social que estamos vivenciando.
DA NECESSIDADE DA TUTELA ANTECIPADA
A Constituição Federal de 1988 é terreno fértil à tutela de
urgência, na medida em que garante o acesso à justiça, a tutela jurisdicional adequada
(art. 5º, XXXV), bem como a duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII); tudo a
possibilitar a plena eficácia do direito no plano processual, o que também está
positivado no artigo 12, da Lei 7.347/85.
De acordo com o art. 300 do Código de Processo Civil, “A tutela de
urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do
direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.” Portanto, a
concessão da tutela de urgência exige (a) a demonstração da probabilidade do direito e
(b) a evidenciação de que a demora da prestação jurisdicional poderá resultar em dano
ou risco ao resultado útil do processo.
Nesse contexto, os requisitos para o deferimento do pedido de
tutela de urgência sem oitiva da parte contrária são insofismáveis no presente caso.
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A probabilidade do direito é manifesta, haja vista que, conforme
explanado acima, são diversas as normas constitucionais e infraconstitucionais que
impõem ao réu o dever de assegurar o direito à identificação pessoal da população em
situação de rua.
Por sua vez, o perigo de dano ao resultado útil do processo deriva
do fato que a progressão da disseminação da doença da COVID-19 é geométrica e tem
resultado em diversas mortes pelo mundo. A população em situação de rua, devido ao
seu quadro de vulnerabilidade, está gravemente sujeita à contaminação pelo COVID-19.
Dessa forma, não assegurar à população em situação de rua formas de obtenção do
auxílio emergencial instituído pela Lei n. 13.982/2020, sobretudo por meio da
regularização dos documentos necessários para o seu requerimento, é medida que
obsta o seu pleno acesso à assistência social.
Assim, aguardar decisão judicial final deste feito, pouca ou
nenhuma utilidade trará a estas pessoas.
DO PEDIDO
Isto posto, requer-se de V. Exa.:
a) A concessão de gratuidade de justiça à Defensoria Pública;
b) Que determine a citação do Estado de São Paulo para que, querendo, responda
à presente ação, sob pena de revelia;
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c) A intimação do I. Representante do Ministério Público, nos termos do art. 82,
inc. III do CPC, por meio de sua Promotoria de Justiça de Direitos Humanos -
Inclusão Social, localizada na Rua Riachuelo, nº 115, 1º andar, São Paulo –SP,
pelos endereços de e-mail [email protected];
d) A concessão de tutela antecipada para que se determine ao Estado, sem a oitiva
da parte contrária, sob pena de multa diária de R$10.000,00 (dez mil reais),:
(i) a obrigação de fazer consistente na elaboração de um plano
específico para atendimento durante a epidemia de COVID-19,
de modo a garantir o acesso da população do Estado ao
Poupatempo e ao IIRGD para que possam ser emitidos e
regularizados os documentos de identidade, plano este que
deve ser apresentado em 5 dias;
(ii) a obrigação de fazer consistente na reabertura imediata de
agências do Poupatempo e postos do IIRGD para atendimento a
casos urgentes de pessoas que não possuam documentação;
(iii) a obrigação de fazer consistente no estudo e execução de
regularização emergencial de documentos para as populações
vulneráveis nos serviços de assistência social, tais como CREAS
e CRAS;
(iv) a obrigação de fazer consistente na ampla divulgação e
distribuição de materiais informativos voltados à população em
situação de rua e demais populações vulneráveis, em linguagem
clara, objetiva e acessível, de maneira a comunicar efetivamente
o modo de funcionamento do Poupatempo e IIRGD durante o
período de isolamento social causado pelo COVID-19.
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e) Julgar procedente o pedido, para tornar definitivos os pedidos elencados no
item anterior, enquanto durar a situação de emergência em razão da epidemia de
coronavírus (COVID-19).
Com fundamento no art. 128, I da LC nº 80/94, e art. 186 do
Código de Processo Civil, requer seja a DEFENSORIA PÚBLICA INTIMADA
PESSOALMENTE de todos os atos e decisões praticados no feito, junto ao Núcleo
Especializado de Cidadania e Direitos Humanos, sito à Rua Boa vista nº 150, mezanino,
Centro, São Paulo – SP, CEP 01014-001, pelo e-mail: [email protected].
Provará a Autora o alegado por todos os meios de prova em
direito admitidos.
Por fim, requer-se a condenação da Requerida em verbas
sucumbenciais e honorários, a serem destinados ao Fundo da Escola da Defensoria
Pública do Estado de São Paulo.
Atribui-se à causa o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), para
fins fiscais.
Termos em que pede deferimento.
São Paulo, 29 de abril de 2020.
Rafael Lessa Vieira de Sá MenezesDefensor Público do Estado de São Paulo
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Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos
Davi Quintanilha Failde de Azevedo
Defensor Público do Estado de São PauloNúcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos
Daniela Batalha Trettel
Defensora Pública do Estado de São PauloNúcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos
Rafael Alvarez MorenoDefensor Público do Estado de São Paulo
Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos
Isadora Brandão Araujo da Silva Defensora Pública do Estado de São Paulo
Núcleo Especializado de Defesa da Diversidade e da Igualdade Racial
Vinicius Conceição Silva SilvaDefensor Público do Estado de São Paulo
Núcleo Especializado de Defesa da Diversidade e da Igualdade Racial
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